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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES CURSO DE LETRAS A DISTÂNCIA SANDRA MARIA DE FARIAS BEZERRA A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA RETRATADA NAS CANÇÕES DE LUIZ GONZAGA CAMPINA GRANDE - PB 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE LETRAS A DISTÂNCIA

SANDRA MARIA DE FARIAS BEZERRA

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA RETRATADA NAS

CANÇÕES DE LUIZ GONZAGA

CAMPINA GRANDE - PB

2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

CURSO DE LETRAS A DISTÂNCIA

SANDRA MARIA DE FARIAS BEZERRA

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA RETRATADA NAS

CANÇÕES DE LUIZ GONZAGA

Artigo apresentado ao Curso de Letras

a Distancia da Universidade Federal da

Paraíba, como requisito para a

obtenção do grau de Licenciado em

Letras.

Professoras: Maria Alice Serrano e Sônia Brandão

Orientadora: Iara Ferreira de Melo Martins

CAMPINA GRANDE- PB

2013

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SANDRA MARIA DE FARIAS BEZERRA

A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA RETRATADA NAS

CANÇÕES DE LUIZ GONZAGA

Artigo apresentado ao Curso de Letras a Distância da Universidade Federal da Paraíba,

como requisito para a obtenção do grau de Licenciado em Letras.

Data de aprovação: 29/11/2013

Banca examinadora

Iara Ferreira de Melo Martins

Orientadora

Angélica Torres Vilar de Farias

Examinadora

Carol Serrano Andrade Maia

Examinadora

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AGRADECIMENTOS:

Agradeço primeiramente a DEUS, o Senhor da minha vida, que conduz os meus passos

e ilumina meu caminho;

Aos meus pais Augusto e Luiza, pelo o exemplo de vida baseado em dignidade e

simplicidade, e pela experiência de sentir o amor mais puro e sincero que me transmite

vida e equilíbrio;

Aos meus irmãos: Aluízio, Sueli, Manoel, Socorro, Damião, Edivaldo e Ednaldo, meus

grandes amigos e companheiros de vida e de história;

A meu esposo e companheiro Jakson (Novinho), por juntos partilharmos dessa união de

vidas que tem repercutido em crescimento e amor;

Aos meus sobrinhos Emerson e Davi, crianças que nos encantam na sua inocência e nos

alegram por enxergamos nelas nossa continuação;

A uma amiga especial que não esta mais conosco fisicamente, mas sinto sua presença

em tudo o que faço, nas situações felizes e adversas da vida: Noêmia;

À minha Orientadora Iara Martins pelo incentivo e apoio no desenvolvimento deste

trabalho;

De uma forma geral agradeço a todos os amigos, em especial àqueles que me

incentivaram a retomar meus estudos e conquistar a realização desse sonho.

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Gostaria que lembrassem que sou filho de Januário e dona Santana.

Gostaria que lembrassem muito de mim; que esse sanfoneiro amou muito seu povo, o

Sertão. Decantou as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes.

Decantou os valentes, os covardes e também o amor.

Luiz Gonzaga

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RESUMO

A presente pesquisa se propõe em analisar algumas canções do artista nordestino Luiz

Gonzaga sob o prisma da representação da linguagem regional, objetivando apresentar a

variação linguística presentes nessas canções, assim como refletir sobre o preconceito

com as diversas manifestações de linguagem, especialmente relacionados às variantes

nordestinas. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica baseada na temática

variação linguística e usado como metodologia a análise de cinco canções desse artista

que apresentam elementos que auxiliam no conhecimento e valorização da cultura

linguística regional, demonstrando que a linguagem nordestina não deve ser

inferiorizada, mas, respeitada como uma manifestação cultural de um povo que vive de

forma intensa à sua cultura e que usa a linguagem de um jeito próprio, assim como

fazem às demais regiões. Para a fundamentação teórica será apresentada contribuições

de teóricos como Alkimim (2001), Bagno (1999), Bortoni-Ricardo (2004), Câmara

Júnior (2001), Freire (1996), Koch (1992) e Marcushi (2005) que reforçam a tese de que

a língua não é um elemento homogêneo, mas sim um produto social, resultante de

diversos fatores que formam uma sociedade, portanto, deve ser respeitada em todas as

suas manifestações.

PALAVRAS-CHAVE: variação linguística, Luiz Gonzaga, preconceito linguístico.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 3

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................................................... 4

1.1 Variação linguística..................................................................................................... 4

1.2 Conceito e origens ....................................................................................................... 6

1.3 Diferenças entre a linguagem oral e escrita ............................................................... 6

1.4 Tipos de variação linguística ...................................................................................... 8

2. METODOLOGIA .......................................................................................................... 9

2.1 Análise de dados ......................................................................................................... 9

2.2 Caracterização do corpus.......................................................................................... 10

2.3 Resultados .................................................................................................................. 11

CONCLUSÃO..................................................................................................................... 18

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 19

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INTRODUÇÃO

A variação linguística é um fato decorrente da língua e existe desde a sua

formação, porém, os estudos relacionados a este tema são de origem recente e têm

causado grande repercussão na forma de percepção da linguagem humana. Através

desses estudos foi observado que, embora exista uma linguagem denominada “padrão”

que rege o processo linguístico de um país, ocorre variações na maneira de falar,

percebidos nos dialetos, na pronúncia, gírias, enfim, nas diferentes abordagens

linguísticas provenientes de diversos fatores. As diversas manifestações da linguagem é

motivo de preconceito para àqueles que não compreendem o caráter heterogêneo da

língua, dentre estes está incluído o preconceito linguístico no âmbito regional.

De todas as regiões brasileiras a maior vítima de preconceito linguístico é a

região Nordeste. O dialeto nordestino, os sotaques, as gírias, a maneira livre de se

expressar é motivo de escárnio para outras regiões e para a mídia nacional.

Com a finalidade de falar sobre alguns aspectos da cultura linguística nordestina

foi elaborado este artigo científico intitulado A variação linguística retratada nas

canções de Luiz Gonzaga. Esse estudo é constituído de dois objetivos: apresentar a

variação linguística regional presente em um seleto repertório da obra musical desse

artista que é considerado um grande representante da cultura nordestina; refletir sobre o

assunto preconceito linguístico, principalmente relacionado às variantes nordestinas,

mostrando que essa discriminação demonstra a falta de conhecimento em relação ao

caráter da língua, que é um elemento social, dinâmico, por isso reflete a identidade de

cada povo.

Para alcançar os objetivos propostos, o trabalho será dividido em duas seções.

Na primeira, será apresentada uma revisão bibliográfica sobre a temática em questão,

tendo como fundamento teórico pesquisadores como Alkimim (2001), Bagno (1999;

2007), Bortoni-Ricardo (2004), Câmara Júnior (2001), Freire (1996) Koch (1992),

Marcushi (2005), bem como será utilizado os Parâmetros Curriculares Nacionais

(1997).

A segunda seção corresponde aos procedimentos metodológicos baseado na

análise linguística de algumas músicas selecionadas do rico acervo de Luiz Gonzaga,

como ABC do Sertão, Asa Branca, Vozes da Seca, Danado de Bom e Xote das

Meninas, compostas por ele em parceria com outros compositores. As músicas foram

escolhidas com a finalidade de destacar as características linguísticas e culturais

nordestinas, imbuídas de recortes da história de um povo marcado por fatores

climáticos, políticos e sociais, causados pela a escassez das chuvas, o descaso político, o

preconceito e a exploração em diversos aspectos, como também retratam a alegria de

uma cultura regional viva e alegre, baseada em ritmos, folclore e festas tradicionais.

Através dessa análise reflexiva objetiva-se mostrar que a diversidade no uso da língua

não deve ser interpretada como um prejuízo à gramática, ou um modo “errado” de falar,

mas como um componente da identidade cultural de cada povo, que deve ser respeitado

em todos os aspectos, inclusive em sua maneira de usar a linguagem.

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1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 Variação linguística

A variação linguística é uma realidade da linguagem humana e objeto de estudo

de muitos teóricos renomados que refletem sobre os aspectos da heterogeneidade da

língua. Esses estudos são de alta relevância, especialmente no Brasil, que apresenta uma

realidade sócio-cultural diversificada e uma gênese marcada por heranças linguísticas de

culturas diversas. A importância da discussão em torno deste tema se aplica também

para a reflexão de outro assunto bastante recorrente: o preconceito linguístico. Este tipo

de preconceito provém daqueles que tornam também a língua um objeto de exclusão

social e/ou querem impor um limite de linguagem, transformando-a em um elemento

rígido, inflexível, características que não combinam com sua essência, muito menos

com uma sociedade plural como a brasileira. Os Parâmetros Curriculares Nacionais

oficializaram a discussão sobre o preconceito linguístico direcionando a uma reflexão

fundada no respeito e valorização de todas as formas de falar, e posicionando-se contra

qualquer forma de discriminação por meio da linguagem, e por extensão de exclusão

social e cultural. De acordo com os PCNs:

A Língua Portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se

geográfica e socialmente as pessoas pela forma como falam. Mas há muitos

preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes

modos de falar: é muito comum considerar as variedades linguísticas de menor

prestígio como inferiores ou erradas. (1997.p.26).

Apesar dos avanços na área da linguística, o preconceito referente à linguagem

ainda está arraigado na sociedade, privilegiando um único modo de falar denominado

culto e inferiorizando outras manifestações da linguagem classificando-as como errada.

O grande pesquisador e linguista Marcos Bagno atenta para o fato de que um dos fortes

promotores da discriminação linguística é a imprensa brasileira, que se revela

desrespeitosa e ignorante neste campo, como observa-se nesta declaração:

É curioso como jornalistas e intelectuais em geral, quando abordam outros campos

de conhecimento – física, astronomia, biologia, medicina, engenharia, etc –, não se

atrevem a dar opiniões pessoais nem a contestar as declarações dos especialistas, por

reconhecerem ali áreas de saber complexas, que exigem longos estudos teóricos e

muita pesquisa científica de quem atua nelas. Mas quando o assunto é língua, basta

abrir qualquer gramática normativa e reproduzir os conceitos ultrapassados e

errôneos estampados ali como se fossem dogmas incontestáveis. (BAGNO, 2007,

p.21)

De todas as regiões brasileiras a maior vítima de preconceito linguístico é

certamente a região Nordeste. O falar nordestino é considerado chulo e errado, visto

como um falar inferior, um uso errado da Língua Portuguesa. O dialeto nordestino, o

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sotaque, as gírias, a maneira solta de se comunicar, sem preocupação em seguir regras

gramaticais é motivo de escárnio, principalmente para a região sudeste do país.

A história do Nordeste brasileiro, marcada por secas, analfabetismo,

explorações, êxodos, desemprego e outros tantos fatores, repercutiram em sua formação

cultural e linguística. No entanto, todos esses agravantes serviram de estímulo para a

formação de um povo forte, destemido e promotor de uma grande riqueza cultural,

transformando desse pedaço do território nacional um imenso celeiro da cultura regional

brasileira. Porém, essa riqueza cultural é transformada em miséria na ótica da mídia

nacional, em especial nos veículos de rádio e TV, que são influentes propagadores do

preconceito linguístico, apresentando sempre uma imagem diminutiva da cultura

nordestina e dos nordestinos em geral, como observa Bagno:

É um verdadeiro acinte aos direitos humanos, por exemplo, o modo como a fala

nordestina é retratada nas novelas de televisão. Todo personagem de origem

nordestina é sem exceção, um tipo grotesco, rústico, atrasado, criado para provocar

riso , o escárnio e o deboche dos demais personagens e do espectador. No plano

linguístico, atores não nordestinos expressam-se num arremedo de língua que não é

falada em lugar nenhum do Brasil, muito menos no Nordeste. Costumo dizer que

aquela deve ser a língua do Nordeste de Marte! Mas nós sabemos muito bem que

essa atitude representa uma forma de marginalização e exclusão. (BAGNO, 1999,

p.46)

Apesar disso, é importante observar que, se de um lado existe uma corrente na

sociedade que insiste em excluir, em querer formar uma hierarquia de linguagem, existe

uma linha de pensamento cada vez mais forte que busca uma conscientização de que a

língua, como um produto social e cultural, representa a identidade de cada povo, as

marcas de uma história, o jeito próprio de criar e viver. Para que todas as manifestações

da linguagem possam ser contempladas de forma natural, sem preconceito, é necessário

“derrubar” os muros da ignorância que formam mitos e desvalorizam os diversos

recortes que juntos formam a realidade multifacetada chamada Brasil. A situação da

diversidade da língua e da cultura brasileira é esclarecida por Bertoni-Ricardo da

seguinte forma:

Essas crenças sobre a superioridade de uma variedade ou falar sobre os demais é um

dos mitos que se arraigaram na sociedade brasileira. Toda variedade regional ou

falar é, antes de tudo, um instrumento identitário, isto é, um recurso que confere

identidade a um grupo social. Ser nordestino, ser mineiro, ser carioca etc. é um

motivo de orgulho para quem o é e a forma de alimentar esse orgulho é usar o

linguajar de sua região e praticar seus hábitos culturais. (Bortoni-Ricardo, 2004,

p.33)

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1.2 Conceito e origens

A variação linguística é um fenômeno estudado dentro de uma linha de

investigação da Linguística denominada Sociolinguística que se preocupa no estudo das

características e fatores de ordem social que determinam ou influenciam uma língua ou

as variedades apresentadas na mesma. Os termos “variação linguística” ou “diversidade

linguística” foram introduzidos na literatura linguística a partir da década de 60 do

século passado, através de uma série de investigações promovidas pelo americano

William Labov, apresentando uma ampliação da dimensão dos aspectos linguísticos,

através da perspectiva social, geográfica e histórica. Essa nova perspectiva da

linguagem contempla a língua como um fenômeno social, contrariando algumas teorias

que a concebe como um elemento estático e uniforme. O seu estudo focaliza a língua

em funcionamento e suas variações em uma comunidade de fala, observando os fatores

internos e externos que contribuem para a variação linguística.

A variação na linguagem esteve presente em todo o contexto de formação e

estruturação da Língua Portuguesa, que desde o início até a atualidade sofreu diversas

modificações. O fator principal para justificar essas transformações deve-se ao fato da

língua ser um elemento vivo, e como tal, é dinâmica e flexível, portando acompanha as

mudanças que ocorrem no mundo, na sociedade, com a formação de novos grupos

sociais, na implementação de novas tecnologias, etc. A variação linguística abrange

diversos aspectos, dentre eles, o aspecto social, histórico, geográfico, tornando a língua

um elemento heterogêneo, que se comporta de acordo com as diversas situações

comunicativas e o contexto onde os falantes estão inseridos.

Apesar dos avanços dessa área de investigação, a variação linguística ainda é

alvo de discriminação de alguns críticos que desejam limitar a língua a um único

caminho, ou seja, moldá-la dentro de um padrão invariável, estático, classificando como

“erro” a todas as demais manifestações de linguagem que escapam das normas pré-

estabelecidas. Porém, como um elemento livre e natural, a língua não segue apenas um

padrão, ela torna-se maior do que qualquer gramática, e tais variações decorrentes na

linguagem ocorrem em qualquer sociedade, não somente na realidade brasileira, como

observa Alkmim:

Qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe sempre variações. Pode-se

afirmar mesmo que nenhuma língua se apresenta como uma entidade homogênea.

Isso significa dizer que qualquer língua é representada por um conjunto de

variedades. Concretamente: o que chamamos de “língua portuguesa” engloba os

diferentes modos de falar utilizado pelo conjunto de seus falantes do Brasil [...]

(ALKMIM, 2001, p.33)

1.3 Diferenças entre a linguagem oral e escrita

A linguagem humana se estrutura em duas dimensões: oral e escrita. Essas duas

possibilidades de uso da língua concretizam a função da língua na transmissão de

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comunicação. Distintas entre si e ao mesmo tempo complementares, a linguagem oral é

compreendida como uma capacidade natural, inerente aos seres humanos, enquanto a

escrita é uma capacidade adquirida. Essas duas modalidades de uso da língua se

utilizam do mesmo sistema linguístico onde é permitido ao ser humano o poder de

exteriorizar seus pensamentos, sentimentos, enfim, o seu mundo interior. Apesar de

cada modalidade possuir características próprias, existem pontos de integração nos

quais ambas se encontram e/ou se complementam, por este motivo, essas duas

dimensões comunicativas não devem ser contempladas no plano das oposições e sim no

plano da continuidade. Para Marcushi, o conceito de que a escrita é apenas uma

derivação dependente da língua falada é equivocado, ele acredita que:

A escrita não é uma simples representação da fala e sim uma representação

complementar com relativa autonomia semiológica (o que não sugere autonomia

cognitiva). A fala e a escrita são formas complementares de representação da língua

e não derivadas uma da outra. (MARCUSHI, 2005, p.52)

Da mesma forma como a escrita não pode ser definida como uma representação

da fala por não possuir suas características peculiares como a capacidade de reprodução

de sons, movimentos no corpo que também é uma forma de expressão, a fala também

não pode ser considerada uma representação da escrita por não possuir os elementos

gráficos representados nesta modalidade, como: tamanho e forma de letras, cores, etc,

ou seja, são dimensões com características próprias, mas que estão em relação contínua

no processo de interação verbal.

Na história da linguagem, a modalidade escrita foi adquirindo através dos

tempos uma condição de prestígio na sociedade por tornar-se alvo de grande número de

estudos formulados pelas ciências de linguagem, a filosofia, a gramática, como também

por representar um sinônimo de poder, status social, erudição e intelectualidade.

A seguir é apresentado um quadro que sintetiza a posição de alguns teóricos a

respeito das diferenças entre fala e escrita, formulado pela linguista brasileira Ingedore

Koch (1992) apresentando as divisões dessas duas categorias de linguagem, vejamos:

FALA ESCRITA

CONTEXTUALIZADA DESCONTEXTUALIZADA

IMPLÍCITA EXPLÍCITA

REDUNDANTE CONDENSADA

NÃO-PLANEJADA PLANEJADA

PREDOMINÂNCIA DO “MODUS

PRAGMÁTICO” PREDOMINÂNCIA DO “MODUS SINTÁTICO”

FRAGMENTADA NÃO-FRAGMENTADA

INCOMPLETA COMPLETA

POUCO ELABORADA ELABORADA

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FALA ESCRITA

POUCA DENSIDADE INFORMACIONAL DENSIDADE INFORMACIONAL

PREDOMINÂNCIA DE FRASES CURTAS,

SIMPLES OU COORDENADAS

PREDOMINÂNCIA DE FRASES COMPLEXAS

COM SUBORDINAÇÃO ABUNDANTE

PEQUENA FREQUÊNCIA DE PASSIVAS EMPREGO FREQUENTE DE PASSIVAS

POUCAS NOMINALIZAÇÕES ABUNDÂNCIA DE NOMINALIZAÇÕES

MENOR DENSIDADE LEXICAL MAIOR DENSIDADE LEXICAL

A formação dessas dicotomias é considerada muito rigorosa e restritiva por

muitos críticos pelo o fato da generalização dos resultados, ou seja, são analisadas

diferentes modalidades da língua aplicando basicamente os mesmos critérios, sem levar

em consideração as características de textos produzidos.

Para Koch, o quadro acima apresentado nem sempre estabelece as distinções de

ambas as modalidades de forma realista, pois de acordo com a linguista, uma

modalidade pode se aproximar da outra em situações variadas de comunicação, ou seja,

a fala formal aproxima-se da escrita, enquanto que, a escrita informal aproxima-se da

fala.

A variação linguística é um fator que se faz presente em maior abrangência na

língua falada, isto ocorre divido à rigidez no cumprimento das normas gramaticais

escritas, que no geral, na linguagem oral é mais flexível. Apesar dos diversos “falares”

da cultura brasileira, a escrita de todos é direcionada por uma única gramática,

obedecendo as mesmas normas padronizadas da língua.

1.4 Tipos de variação linguística

A língua varia de diferentes formas e por diversos fatores, de ordem interna e

também social. Câmara Junior explica sobre alguns condicionadores das variações:

Ela (a língua) varia no espaço, criando no seu território o conceito dos dialetos

regionais. Também varia na hierarquia social, estabelecendo o que hoje se chama

dialetos sociais [...]. Varia ainda, para um mesmo indivíduo, conforme a situação em

que se acha [...] estabelecendo o que um grupo moderno de linguistas ingleses

denomina os registros. (2001, p.17)

As variações linguísticas podem ser classificadas da seguinte forma:

Variações situacionais ou diafásicas: são as variações manifestadas de acordo com a

situação comunicativa, ou seja, um mesmo indivíduo muda a forma de falar de acordo

com o contexto situacional. Existem situações convenientes a um discurso mais formal,

como em uma solenidade de formatura, por exemplo. Já em situações informais é

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comum ser usada também uma linguagem coloquial, sem preocupação com normas

padronizadas da língua, como por exemplo, em uma conversa descontraída com amigos.

Variações geográficas ou diatópicas: são as diferenças percebidas na linguagem dos

habitantes das diversas regiões do Brasil. Essas diferenças são percebidas na pronúncia

(o chiado do carioca, o “r” expressivo do paulista), na semântica: abóbora e jerimum,

macaxeira e mandioca, menino e guri, etc, e em vários outros aspectos. Isso se deve, em

grande parte, a grande expansão territorial brasileira como também às diversas

influências dos colonizadores e outros povos que transmitiram a sua cultura no país,

contribuindo na formação de um Brasil culturalmente diversificado, inclusive em seu

aspecto linguístico. Essas variações também ocorrem dentro de uma mesma região,

como as variações na linguagem dos habitantes da zona rural para a zona urbana, da

capital para o interior, dentre outras.

Variações sociais ou diastráticas: são as variações na linguagem percebidas nas

camadas sociais de uma sociedade. Isso se manifesta nas categorias profissionais e

sociais, como a linguagem formal da classe política, médica; o uso de gírias dos

surfistas, músicos; a linguagem caipira dos sertanejos, agricultores; a diferença na

linguagem de um indivíduo escolarizado para àquele que não teve acesso à escola,

dentre outros.

Variações diacrônicas: são as variações decorrentes do tempo. No decorrer da história a

linguagem vai modificando, enquanto umas palavras entram em desuso, outras são

incluídas no léxico. Na língua portuguesa pode-se distinguir claramente o português

moderno do português denominado arcaico. Por exemplo, a palavra “você”, que antes

era “vosmecê” e hoje, no meio eletrônico é abreviado por “vc”; a palavra farmácia que

antes era escrito pharmácia, etc.

1. METODOLOGIA

2.1 Análise de dados

A proposta em analisar as canções de Luiz Gonzaga inserida no tema central da

pesquisa é motivada pela observação e admiração por uma obra musical que reflete de

maneira fiel a identidade, as carências, as crenças, a cultura do povo nordestino. Em

cada canção é representada um fragmento da história dessa parte territorial do Brasil,

impregnada com sua cultura, suas marcas, sua identidade.

A construção do léxico nas músicas de Luiz Gonzaga prioriza a oralidade, ou

seja, as palavras que comumente são encontradas nos diálogos do homem nordestino.

Sua linguagem construída na informalidade, visa à representação da realidade

nordestina, com a pretensão de mostrar o valor da língua materna do brasileiro,

constituída de regionalismos, falares distintos que não precisam servir de paradigma,

porém devem ser respeitados e valorizados pela essência que traduzem, e em razão de

manter viva a cultura existente em cada canto do país, combatendo, desta forma, o

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preconceito linguístico que existe de forma acentuada com o falar nordestino. De acordo

com Santos, Luiz Gonzaga, através de suas músicas, assumia de maneira intencional o

linguajar nordestino a fim de cultivar a valorização pela cultura regional em todos os

seus aspectos.

Sob essa ótica, o uso das variantes típicas dos falares nordestinos não é somente

consciente, mas intencional. Ao valorizar a linguagem nordestina, Luiz procura

valorizar o “ser nordestino” em sua totalidade. Isso porque, conforme diz-nos

Bakhtin, o signo linguístico, as palavras - e os seus significantes - possuem um valor

de relação social, uma vez que elas interagem com o contexto em que estão

inseridas, ou seja, há um entonação pragmática e ideológica no uso das palavras

(SANTOS, 2009).

Luiz Gonzaga, a partir de sua arte, tornou-se um grande representante da cultura

regional, um dos grandes responsáveis por apresentar o Nordeste ao restante do país,

mostrando através do conteúdo de suas canções, a grandeza e a beleza de uma terra

esquecida e vítima de preconceitos diversos, dentre eles, o preconceito linguístico.

Este trabalho, dentro dos seus objetivos e suas análises, focalizará de maneira

especial no âmbito linguístico, uma vez que o falar nordestino foi um dos destaques nas

canções de Luiz Gonzaga. Através delas, ele ressaltou o caráter oral e popular da

linguagem nordestina, valendo-se de alterações na pronúncia, no léxico e na

morfossintaxe, apresentando as variantes regionais e traduzindo de forma genuína e

autêntica, a maneira simples e despretensiosa do homem sertanejo se expressar e

interagir em um contexto comunicativo.

Como o universo gonzagueano abre muitas vertentes, este trabalho também terá

espaço para abordar e refletir sobre outros elementos presentes nas canções do artista

que fazem parte da história nordestina.

2.2 Caracterização do corpus

A análise consistirá em cinco canções do artista: ABC do Sertão, Asa Branca,

Vozes da Seca, Danado de Bom e Xote das Meninas. A seleção das músicas ocorreu de

maneira sistemática, no intuito de abordar nelas as características do falar nordestino,

como também por tratar de temas variados onde o olhar do artista consegue contemplar

um contexto nordestino marcado por aspectos como: seca, descaso político, êxodo,

cultura, festas tradicionais, etc.

A metodologia utilizada nesta pesquisa possui uma abordagem qualitativa, pois

pretende fazer uma exploração e reflexão sobre alguns dados da variação linguística

presentes nas músicas acima citadas.

As músicas serão analisadas no âmbito semântico e linguístico, apresentando

algumas particularidades na linguagem utilizada como variantes, regionalismos,

pronúncia, gírias, dentre outras.

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2.3 Resultados

As letras, o nome dos compositores, a gravadora e o ano da gravação foram

extraídos de sites especializados sobre o músico, como estes:

http://www.luizluagonzaga.com.br/ e http://culturagonzaga.blogspot.com.br/

A análise seguirá a seguinte ordem: letra da música e análise linguística.

Seguem as análises:

CANÇÃO 1:

ABC do sertão

Luiz Gonzaga -Zé Dantas (78 RPM V801193a - 1953)

Lá no meu sertão pros caboclo lê

Têm que aprender um outro ABC

O jota é ji, o éle é lê

O ésse é si, mas o érre

Tem nome de rê

Até o ypsilon lá é pissilone

O eme é mê, O ene é nê

O efe é fê, o gê chama-se guê

Na escola é engraçado ouvir-se tanto "ê"

A, bê, cê, dê,

Fê, guê, lê, mê,

Nê, pê, quê, rê,

Tê, vê e Zé

Luiz Gonzaga inicia falando sobre a dificuldade de adaptação do homem

sertanejo diante de um universo escolar ao se deparar com um novo vocabulário, um

outro ABC. Ele enfatiza que em sua terra as pessoas identificam as letras do alfabeto

pelos sons que lhes são correspondentes. Na frase inicial da canção Lá no meu sertão,

pros caboclo lê, é possível observar que existe variante tanto na concordância nominal

(pros caboclo) como na verbal (pros caboclo lê). O termo “caboclo” designa uma

generalização do homem sertanejo, fazendo menção à pele queimada do sol, em alguns

casos é usado também como gíria, que pode ser sinônimo de mano, para os cariocas,

cara, para os paulistas e assim por diante. Na sequência da música é feita a soletração

do alfabeto, registrando as particularidades e diferenças nas formas de uso do alfabeto

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que os habitantes de sua região estão adaptados, de maneira mais rústica, para outras

partes do país. É possível perceber que o artista, como um porta voz de seu povo, deseja

demonstrar para os habitantes de outros estados, especialmente os sulistas, que os seus

conterrâneos têm uma forma genuína e própria de falar, e que isso não significa que seja

errado, mas apenas possui diferenças pelas características regionais existentes.

CANÇÃO 2:

Asa Branca

Luiz Gonzaga - Humberto Teixeira (78 RPM V800510b 1947)

Quando “oiei” a terra ardendo

Qual fogueira de São João

Eu perguntei a Deus do céu, uai

Por que tamanha judiação (bis)

Que braseiro, que “fornaia”

Nem um pé de “prantação”

Por “farta” d'água perdi meu gado

Morreu de sede meu alazão (bis)

Até mesmo a asa branca

Bateu asas do sertão

Então eu disse adeus Rosinha

Guarda contigo meu coração (bis)

Hoje longe muitas léguas

Numa triste solidão

Espero a chuva cair de novo

Para eu voltar pro meu sertão (bis)

Quando o verde dos teus “óio”

Se espalhar na prantação

Eu te asseguro não chore não, viu

Que eu voltarei, viu, meu coração

Essa canção, considerada a obra mais famosa e consagrada do repertório de Luiz

Gonzaga, eleita pela Academia Brasileira de Letras, em 1997, como a segunda canção

mais marcante do século XX, apresenta o tema da seca nordestina e suas consequências

como: tristeza, miséria, êxodo, separação, morte. Nela é narrado o drama do homem

sertanejo que, diante de um cenário devastador, divaga sobre o prejuízo e a dor causada

por mais um ano de seca no sertão. Diante dessa situação, o sertanejo recorre a um ser

superior a quem ele credita as rédeas do destino, com esse questionamento: Eu

perguntei a Deus do céu, uai! Por que tamanha judiação.

A palavra judiação citada na música, proveniente do verbo judiar, é associada ao

povo judeu, devido aos sofrimentos narrados na Bíblia vividos por esse povo que, como

os nordestinos também viveram a experiência do êxodo. É um termo bastante usual na

cultura nordestina, principalmente pelos mais idosos, e significa maltratar, fazer sofrer.

A ave selvagem e migratória denominada Asa Branca, que intitula a canção, traz a

representação da migração daqueles que precisam dar adeus à sua terra e enfrentar

outras realidades em busca de sobrevivência. No final da canção é percebido que o

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indivíduo guarda um fio de esperança: o nordestino quer acreditar que a chuva vai cair e

que a vida voltará ser como antes: ele de volta à sua terra e para os braços da pessoa

amada que ficou à sua espera. Entre os recursos estilísticos na música é apresentada, nos

primeiros versos uma metáfora hiperbólica: a terra ardendo, seguida de uma

comparação irônica: a ardência da terra seca causada pelo o sol abrasador com o fogo da

fogueira de São João. Fogos que representam contrastes de simbologia: o primeiro

traduz a tristeza da seca, o segundo, a alegria de celebrar a cultura das festas juninas. Na

canção, a seca nordestina é retratada apenas na perspectiva climática e geográfica,

reproduzindo a mentalidade de conformismo do povo nordestino em relação a essa

problemática que também é de ordem política e social, como enfatiza Rebouças:

Luiz reproduz a mesma mentalidade ingênua de seu povo, visualizando a pobreza

nordestina como algo advindo das condições geográficas do lugar, quando na

verdade, uma distribuição responsável dos recursos hídricos do Nordeste seria

suficiente para garantir a todos condições básicas de subsistência e de

desenvolvimento, ou seja, o problema da seca, longe de ser uma questão de escassez,

é uma problema de gestão (REBOUÇAS, 1997).

No contesto linguístico são percebidos alguns aspectos da cultura regional:

A precedência da consoante r da vogal, como na palavra citada na música:

preguntei (perguntei, linha 3);

A transformação de consoante em vogal ou semivogal, um processo denominado

vocalização, presente na palavra fornaia (fornalha, linha 5); oio (olho, linha 17ª);

espaiar (espalhar, linha 18ª);

A substituição da letra l por r, um processo denominado rotacismo, presente na

palavra prantação (plantação, linha 6 e 18ª) e farta (falta, linha 7);

Variações da palavra então (intoce), até (inté). São variantes que comumente

ouvimos ser pronunciadas por pessoas de mais idade, em grande parte,

habitantes da zona rural, que não tiveram acesso à escola.

CANÇÃO 3:

Vozes da Seca

Luiz Gonzaga- Zé Dantas (78 RPM V801193b 1953)

Seu doutô os nordestino têm muita gratidão Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão Mas doutô uma esmola a um homem qui é são Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão

É por isso que pidimo proteção a vosmicê Home purnóisescuído para as rédias do pudê Pois doutô dos vinte estado temos oito sem chovê Veja bem, quase a metade do Brasil tá sem cumê Dê serviço a nosso povo, encha os rio de barrage Dê cumida a preço bom, não esqueça a açudage Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage

Lhe pagamointé os juru sem gastar nossa corage Se o doutô fizer assim salva o povo do sertão Quando um dia a chuva vim, que riqueza pra nação! Nunca mais nóis pensa em seca, vai dá tudo nesse chão Como vê nosso distino mercê tem nas vossa mãos

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A seca é um tema recorrente na obra de Luiz Gonzaga. Na música Vozes da Seca

o tema é abordado dentro do âmbito político e social e não apenas climático como em

outras canções. O artista é emissário de um recado às autoridades políticas,

apresentando de maneira suave, mas com tom crítico, um desabafo contra o descaso

político diante da problemática da seca nordestina, representando em forma de uma

reivindicação por programas e frentes de trabalho, ressaltando nas entrelinhas, que o

povo não precisa de esmola, e sim de dignidade para (sobre) viver.

No aspecto linguístico, a letra apresenta algumas particularidades do linguajar

nordestino:

O doutô citado na música não é alguém que possui curso de doutorado, mas é

aquele que na hierarquia social exerce um cargo importante. No caso da música

refere-se diretamente às autoridades políticas. Essa forma de tratamento é muito

comum na região especialmente relacionada à classe médica e política.

A substituição do r pelas vogais o e e com som fechado (doutô-doutor); (cumê-

comer); (pudê-poder); (chuvê-chover), mais um dos recursos estilísticos do

artista afim de aproximar sua música de seu público;

A eliminação das vogais postônicas, um processo denominado desnasalização,

presente nas palavras: home (homem); barrage (barragem); açudage (açudagem);

estiage (estiagem); corage (coragem);

Simplificação da concordância plural: os nordestino; dos sulista; dos vinte

estado; os juru

Ausência de concordância verbal: encha os rio de barrage; nunca mais nóis

pensa em seca;

São usadas algumas variações históricas na música, hoje em desuso: voismecê

(você); mercê, antigo tratamento de cerimônia (mais ou menos equivalente a

Vossa Senhoria).

CANÇÃO 4:

Danado de Bom

Luiz Gonzaga/João Silva ( LP - Danado de Bom - 1984)

Tá é danado de bom

Tá danado de bom meu compade Tá é danado de bom Forrozinho bonitinho, Gostosinho, safadinho, Danado de bom

Olha o natamira na zabumba

O zécupira no triângulo E mariano no gonguê Olha meu compadre na viola Meu sobrinho na manola E cipriano no melê Olha a meninada nas cuié Tá sobrando capilé

E já tem bêbo pra daná, Tem nego grudado que nem piolho Tem nega piscando o olho Me chamando pra dançar. Tem nego grudado que nem piolho

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Tem nega piscando o olho Me chamando pra dançar. E eu vô lá.

Tá é danado de bom

Tá danado de bom meu compade Tá é danado de bom Forrozinho bonitinho, Gostosinho, safadinho, Danado de bom

Tá, que forrozinho de primeira Já num cabe forrozeiro

E cada vez chegando mais Tá, da cozinha e do terreiro, Sanfoneiro, zabumbeiro Pra frente e pra trás Olha meu compadre damião Pode apagar o lampeão Que tá querendo clarear

Agüenta o fole meu compadre bororó Que esse é o tipo de forró Que não tem hora pra parar.

Tá é danado de bom Tá danado de bom meu compade Tá é danado de bom

Forrozinho bonitinho, Gostosinho, safadinho,

Ta danado de bom!

Essa música possui um contagiante apelo à festa promovida pelo ritmo do forró,

remetendo a um ambiente cheio de atrativos prazerosos, destacando a presença de

instrumentos musicais responsáveis por produzir o som contagiante da festa (sanfona,

zabumba, triângulo, gonguê, viola, manola, melê), como também de comidas e bebidas

típicas (capilé, cuié) e um clima efervescente da dança. Em algumas partes da música

esse clima caliente no ambiente é destacado com malícia: Forrozinho safadinho; Tem

nêga piscando o olho me chamando pra dançar. (piscar o olho era uma forma de flertar/

paquerar na época). O termo nêga é uma generalização da figura da mulher ou muié,

como é usado na música e comum na oralidade até os dias atuais.

A canção se inicia descrevendo de forma exclamativa a animação da festa: Tá é

danado de bom! Essa expressão é uma forma peculiar dos nordestinos descreverem algo

que lhes dá prazer, alegria. Essa construção, denominada hiperbólica, usada na

oralidade é comum ser ouvida até os dias de hoje. A palavra danado possui uma

ambiguidade: pode ser usada para expressar algo bom, como é o caso da música, como

também pode ser interpretado como sinônimo de malvado, atrevido, arruaceiro, esperto,

etc, como por exemplo, na frase: Aquele menino é muito danado, ô menino ruim!

Observando que em ambos os casos o termo denota a idéia de intensidade. Na linha 15 ª

essa palavra vem abreviada em daná.

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CANÇÃO 5:

Xote das Meninas

Luiz Gonzaga / Zé Dantas (78 REPM V801108a 1953)

Mandacaru, quando fulora na seca É o sinal que a chuva chega no sertão Toda menina quando enjoa da boneca

É sinal que o amor Já chegou no coração Meia comprida Não quer mais sapato baixo Vestido bem cintado Não quer mais vestir timão

Ela só quer, só pensa em namorar Ela só quer, só pensa em namorar De manhã cedo já está pintada Só vive suspirando Sonhando acordada O pai leva ao doutô A filha adoentada

Não come não estuda, Não dorme, nem quer nada Ela só quer, só pensa em namorar Ela só quer, só pensa em namorar Mas o doutô nem examina

Chamando o pai de lado Lhe diz logo na surdina O mal é da idade A doença da menina Não há um só remédio Em toda medicina

Ela só quer, só pensa em namorar Ela só quer, só pensa em namorar

Essa canção marcada pelo ritmo alegre do xote apresenta uma narração

interessante e divertida das transformações físicas e emocionais vividas na puberdade de

uma menina-moça. O autor inicia fazendo uma comparação entre os sinais do tempo

que indicam o inverno no sertão com os sinais apresentados na jovem que sinalizam o

iniciar dessa nova fase: mandacaru quando fulora na seca é o sinal que a chuva chega

no sertão, toda menina que enjoa da boneca é sinal que o amor já chegou no coração...

O desabrochar da flor do mandacaru simboliza o momento de transformação da

menina em mulher, quando ela sente novas aspirações em seu corpo, o convite ao amor

(só pensa em namorar) e o aflorar da sensualidade. A expectativa da chuva diante do

sinal da flor pode significar o prenúncio de sua primeira menstruação.

Os sintomas da mudança começam com a rejeição aos brinquedos, as

vestimentas infantis são substituídas por outras que destaquem seus novos atributos

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(vestido bem cintado), o salto alto simbolizando um novo caminhar e, principalmente a

mudança de comportamento (não come, não estuda, não dorme, não quer nada; só vive

suspirando, sonhando acordada). O autor faz uma sátira sobre a reação dos pais diante

das transformações da menina que, por falta de discernimento confundem os sintomas

da puberdade com uma enfermidade, propiciando um desfecho cômico: os pais

preocupados com a apatia da filha a levam ao médico que, por sua vez, de forma irônica

transmite o diagnóstico: o mal é da idade e pra tal menina não há um só remédio em

toda a medicina.

A música apresenta traços marcantes da cultura regional, como por exemplo as

conhecidas experiências dos mais velhos para interpretar os sinais da chegada do

inverno, representada nesses versos: mandacaru quando fulora na seca é o sinal que a

chuva chega no sertão. O poeta faz referência às crenças de seu povo que busca

interpretar os sinais do tempo, na expectativa da chegada do inverno, como observa

Albuquerque Jr:

Essas „experiências‟ representam muito mais que exercícios de possiveis previsões

de chuva. São, antes de tudo, um traço cultural do povo do nordeste que tem no bom

inverno a redenção de sua miséria com a fartura de sua lavoura.” (ALBUQUERQUE

JR., 2009)

No verso Não quer mais vestir timão, o autor cita uma vestimenta conhecida por

timão que era bastante usada em sua época. Tratava-se de uma peça de roupa,

geralmente fabricada pelos mais pobres com pano de saco de farinha, um vestido que

chegava até os joelhos, que as meninas costumavam usar até uns 10 anos de idade. Do

linguajar nordestino, o artista usa no primeiro verso a forma verbal fulora (flora,

floresce), em que o encontro consonantal foi desfeito pela apêntese (acréscimo) da

vogal u, fato muito comum na região Nordeste. (cf SILVA NETO, 1997).

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CONCLUSÃO

Os estudos sobre a variação linguística representam uma evolução e

democratização da Língua Portuguesa, pois favorecem a conscientização de que a

língua não é um elemento homogêneo, ao contrário é dinâmica, multifacetada e variável

em muitos aspectos, ampliando a percepção de que não há apenas a forma padrão de

linguagem, existe diversos falares, dependendo da região, e diversas formas de usar

linguagem. A diversidade linguística precisa ser respeitada, pois reflete a cultura, a

geografia, a condição sócio-histórica, econômica, enfim, a identidade de cada povo.

No tocante ao presente estudo, através da fundamentação teórica e a

metodologia utilizadas, foi apresentada uma pequena amostra da variante regional

nordestina, mostrando que o preconceito que existe em torno da mesma é fruto da

ignorância de uma sociedade com visão pequena e discriminatória. Foram observados,

através da análise das músicas de Luiz Gonzaga, fatores importantes da história

nordestina que também repercutiram em sua maneira de falar, como problemas

climáticos, políticos, sociais, pois a língua como um elemento social muda de acordo

com a sociedade e os seus desdobramentos.

O estudo foi concretizado de maneira satisfatória por entender que foram

alcançados os objetivos norteadores do projeto, o primeiro, representado na

apresentação da identidade cultural linguística nordestina retratada por um artista que

soube representar sua terra, cantando suas dores, suas alegrias, sua cultura, suas crenças

utilizando para isso a variedade regional nordestina; e por último, a discussão em torno

do tema preconceito linguístico que representa um fechamento da sociedade para as

diferentes formas de expressão, desvalorizando, desta forma, a reprodução da identidade

cultural de cada povo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Ed. Loyola, 1999.

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SANTOS, Sebastião L. dos. Variações linguísticas: O confronto das equivalências e choque

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Sites utilizados:

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