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LUCIANE ALBUQUERQUE SÁ DE SOUZA NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS: A ATIVIDADE E A SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS João Pessoa, 2007

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LUCIANE ALBUQUERQUE SÁ DE SOUZA

NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS:A ATIVIDADE E A SAÚDE DE

CAIXAS BANCÁRIOS

João Pessoa, 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL

NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS: A ATIVIDADE E A

SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS

Dissertação apresentada por Luciane

Albuquerque Sá de Souza ao Programa de

Pós-Graduação em Psicologia Social da

Universidade Federal da Paraíba, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre em Psicologia. Este estudo foi

orientado pela Profa. Dra. Mary Yale

Rodrigues Neves.

João Pessoa, março de 2007

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S729n Souza, Luciane Albuquerque Sá de.Na ponta da linha das agências:

a atividade e a saúde de caixas bancários / Luciane Albuquerque Sá de Souza. - João Pessoa, 2007.

148 p.Orientadora: Mary Yale Rodrigues Neves.Dissertação (mestrado – UFPB/CCHLA1. Trabalho 2. Saúde mental –

bancários.UFPB/BC CDU 331 (043)

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Trabalho inserido na linha de

pesquisa Trabalho e Subjetividade do

Programa de Pós-Graduação em

Psicologia Social do Centro de

Ciências Humanas Letras e Artes da

Universidade Federal da Paraíba.

Para o desenvolvimento das

atividades do Curso, a mestranda

contou com auxílio da Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior (CAPES), sob a forma

de bolsa de estudo.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL

A dissertação NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS: A ATIVIDADE E A

SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS, elaborada por Luciane Albuquerque Sá de Souza,

foi aprovada em:

João Pessoa, 09 de março de 2007.

Pelos membros da banca examinadora:

Profa. Dra. Mary Yale Rodrigues Neves

_____________________________________

Prof. Dr. Anísio José da Silva Araújo

_____________________________________

Profa. Dra. Maria Christine Werba Saldanha

_____________________________________

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Dedicatória

Essa dissertação é dedicada

especialmente à minha mãe,

Silvia Albuquerque de Sá, sem a

qual eu nada seria. Saudades

eternas!

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Agradecimentos

A Deus, por me permitir seguir firme e confiante, em busca desta realização pessoal e profissional.

Aos meus queridos pais, Abilio Sá e Silvia Sá (em memória), pelo amor, apoio, conselhos e cuidados; por sempre acreditarem e confiarem no meu potencial e, principalmente, por me fazerem ser o que hoje sou.

Ao meu verdadeiro amor, minha adorada filha, Stephanie, por sua paciência e tolerância e por todos os momentos que precisei abdicar da sua companhia para dar conta desses estudos.

Ao meu marido, Sergio, por todos os anos de nossa convivência, pela ajuda nos momentos que precisei me ausentar do lar para me dedicar aos estudos e ao trabalho e pela filha linda e maravilhosa que temos.

Ao meu irmão, Eduardo, pelo carinho e por todas as vezes que precisei de sua ajuda e apoio.

Aos meus tios, Marise e Walter, pelo carinho e presença nos momentos cruciais da minha vida.

Ao meu amigo, Marcio Alexandre, por sua amizade sempre constante (apesar da distância), pelo apoio, compreensão e carinho nas horas tristes e felizes.

À Profa. Dra. Mary Yale Neves, que foi mais do que uma orientadora, pois me acolheu como aprendiz, me instruiu com brilhantismo e me aceitou como amiga.

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Ao Prof. Dr. Anísio Araújo, por ser o leitor da dissertação e por todas as dicas e conselhos dados, objetivando a melhoria deste trabalho.

Às minhas queridas amigas, Ceres e Tânia, por estarem presentes na minha vida nos momentos em que eu mais precisei de conforto, carinho e amizade verdadeira.

Às minhas amigas Hilana e Liana, que sempre estiveram próximas e disponíveis para me ouvir.

A todos os caixas bancários que, gentilmente, colaboraram com esta investigação e aos gerentes gerais e de relacionamento da Caixa Econômica Federal que consentiram os nossos acessos às agências, promovendo o contato com os seus funcionários.

Ao Prof. Dr. Milton Marques, por sua amizade e dedicação em revisar cuidadosamente essa dissertação.

A todos os professores, funcionários e colegas de curso, que durante os últimos dois anos participaram direta ou indiretamente do meu processo de formação.

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Resumo

O trabalho bancário tem sofrido diversas mudanças devido às transformações sociais, econômicas, tecnológicas e de gestão que acometem o setor. Nessa perspectiva, a relação trabalho e saúde mental de caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal da cidade de João Pessoa, PB constitui-se em nosso objeto de investigação. No que concerne ao referencial teórico recorremos à Ergonomia da Atividade (Guérin et al., 2001) e à Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 2004) como as duas principais abordagens que nos subsidiaram no processo de apreensão da dinâmica da atividade dos caixas e suas regulações frente às variabilidades que se apresentam no referido contexto. Enquanto dispositivos metodológicos utilizados, merecem destaque, a observação da atividade e a entrevista semi-estruturada, objetivando dar conta da máxima descrição, compreensão e explicação do objeto de estudo. Visitamos as dez agências do município, e de um total de trinta e três caixas bancários, quatorze participaram voluntariamente, sendo, dez homens e quatro mulheres. A técnica de interpretação dos dados pautou-se na análise de conteúdo, mais especificamente na análise temática, com o objetivo de apreender sentidos pertinentes ao objeto (Minayo, 2004; Laville & Dionne, 1999). A partir dos materiais produzidos, identificamos que um dos principais motivos de inserção profissional da maioria dos caixas foi a busca por um emprego estável. A modalidade de formação profissional atual é a on-line, limitando-se à “falácia da simples prescrição de normas”. Apesar de considerarem as condições de trabalho atuais menos insatisfatórias que as de anos atrás, eles ainda se queixam de problemas relativos à estrutura física, mobiliário inadequado, temperaturas extremas (frio ou calor), além do tamanho das filas e do barulho provocado pelas pessoas no interior das agências. Em relação à atividade, a maioria confessa que “transgride” ou “burla” certas prescrições. Salientamos que, ao longo da jornada de trabalho, é o fechamento do caixa o fator que mais gera preocupações nestes trabalhadores. A ansiedade pela hora de “bater o caixa” provoca neles uma sensação de tristeza e medo. A nova medida organizacional implantada e que tem gerado tensões é a mudança do cargo de caixa executivo e flutuante para o de caixa PV (ponto de venda). Para os caixas, a pressão recente das gerências para que atinjam individualmente determinadas metas crescentes de vendas de produtos vem gerando incômodo. Termos como “frustração, tensão, depressão, raiva, estresse”, foram bastante citados, e a maioria acredita que muitas das suas enfermidades estão vinculadas à sua atividade laboral, a qual “suga” suas energias vitais, conduzindo-os a um processo de “enlouquecimento” devido ao excesso de carga de trabalho. O acúmulo de clientes nas filas exerce neles grande pressão, provocando um processo defensivo caracterizado pela aceleração do ritmo de trabalho. Quanto à dinâmica do reconhecimento, o julgamento mais importante para os caixas é o dos clientes, talvez devido à especificidade desse tipo de atividade, situada no setor de serviços. Se por um lado, o convívio com os clientes gera sofrimento diário para os caixas bancários, por outro, é exatamente o que é considerado como a principal fonte de prazer e que dá sentido ao trabalho realizado.

Palavras chaves: Trabalho, Saúde, Bancários.

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ABSTRACT

The banking work has undergone diverse changes due to social, economic, technological, and managent transformations which the sector is going through. With this perspective, work and mental heath relation of the bank cashiers at Caixa Economica Federal’s agencies in the city of João Pessoa, PB became our object of inquiry. As far as the theorical referencial is concerned, we applied the Ergomics of Activity (Guérin et at., 2001) and work Psychodynamic (Dejours, 2004) as the two main approaches which will help us in the process of understanding the dynamic involved in the bank cashiers and their regulations concerning the variabilities which appeared in the context. As to the methodological devices utilized, the observation of the activity and the semi-structuralized interview deserve being highlighted, in order to give the maximum account of description, understanding and explanation of the object study. We visited the ten agencies in the town and of the thirty-three bank cashiers, fourteen participated voluntarily, ten of them being men and four being women. The data interpretation technique was based on content analysis, specifically on thematic analysis with the objective of learning more about the aspects of the case study (Minayo, 2004; Laville & Dionne, 1999). From the materials produced, we observe that one of the principal motives of professional insertion of the majority of the bank cashiers was the search for a stable job. The modality of the current professional formation is that of on-line, thus being limited to “fallacy of simple instruction following”. Despite the fact that the present working conditions was considered less unsatisfactory than that of the past years, they still complain about problems related to physical structure, inadequate furniture, extreme temperatures (cold or heat), no talking the size of the queue and the noise node by the people inside the agency. In relation to the working activity itself, majority of cashiers confessed that they violate or break certain instructions. We should point out that all through the working hours; it is the “closing of the cash register” that generates greater concern in these workers. Anxiety for time “to close the cash register provokes in them a sensation of sadness and fear”. The newly implanted organizational measures which, has been generating tensions is the change from the, post of executive and floating cashier into PV cashier (Selling Point). To the cashiers, the recent pressures by the managers, for them, to reach individually, determined increasing product selling goals has been generating some inconveniences. Terms such as “frustration, tensions, depressions, anger, stress”, were mentioned lots of time, and the majority of the cashiers believe that many of their sickness are related to their laboral activity, which we can say “drain” their vital energy, leading them to the process “insanity” due to excessive work load. The accumulation of clients on the queues put a lot of pressure on them, provoking a defensive process characterized by the acceleration of the working rhythm. As for the effort acknowledgement, the most important judgment for the cashiers is that of the clients, maybe this is due to the specificity of this kind of activity, being situated in the service sector. If on one side, being with the clients is capable of generating daily suffering for this bank cashiers, it is this fact that is exactly what is being considered as their principal source of pleasure on the other hand; thereby giving this bank cashiers a sense of doing a work well done.

KEY WORDS: Work, Health, Bank cashiers.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13

CAPÍTULO I – OS APORTES TEÓRICOS ..................................................................................... 16

1. A CONCEPÇÃO DA SAÚDE ........................................................................................... 16

2. A ERGONOMIA DA ATIVIDADE ................................................................................. 22

2.1. TRABALHO PRESCRITO X TRABALHO REAL ................................................ 23

2.2. VARIABILIDADE E REGULAÇÕES .................................................................... 25

2.3. COLETIVOS DE TRABALHO ............................................................................... 26

2.4. CARGAS DE TRABALHO ..................................................................................... 30

3. A PSICODINÂMICA DO TRABALHO .......................................................................... 32

3.1. A NORMALIDADE E O SOFRIMENTO ............................................................... 35

3.2. AS ESTRATÉGIAS E OS COLETIVOS DE DEFESAS ........................................ 36

3.3. A INTELIGÊNCIA PRÁTICA ................................................................................ 40

3.4. A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO ............................................................. 42

3.5. O PRAZER NO TRABALHO .................................................................................. 44

CAPÍTULO II – A REESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO BANCÁRIO .................................. 47

1. A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ...................................................................... 47

1.1. DA DÉCADA DE 60 AO FINAL DA DÉCADA DE 80: O INÍCIO DAS

MUDANÇAS ........................................................................................................... 48

1.1.1. A INFORMATIZAÇÃO .................................................................................. 49

1.1.2. A MUDANÇA DE STATUS DA PROFISSÃO ............................................... 51

1.2. O INÍCIO DA DÉCADA DE 90: A INTENSIFICAÇÃO TECNOLÓGICA........... 52

1.3. O PLANO REAL (1994) .......................................................................................... 54

1.4. O NOVO MILÊNIO ................................................................................................. 56

2. AS MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO .................................................. 58

2.1. A “DESHIERARQUIZAÇÃO” ................................................................................ 58

2.2. A INSERÇÃO FEMININA NO SETOR BANCÁRIO ............................................ 59

3. O TRABALHO DO CAIXA BANCÁRIO ....................................................................... 59

4. O BANCO ESTATAL PESQUISADO ............................................................................. 64

4.1. AS AGÊNCIAS DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA .......................................... 66

CAPÍTULO III – A METODOLOGIA DA PESQUISA .................................................................. 67

1. A PESPECTIVA METODOLÓGICA ............................................................................. 67

2. OS PARTICIPANTES DA PESQUISA ........................................................................... 71

3. O TRABALHO DE CAMPO ............................................................................................ 73

3.1. A ENTREVISTA ...................................................................................................... 73

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3.2. A OBSERVAÇÃO DA ATIVIDADE....................................................................... 76

4. A ANÁLISE DE CONTEÚDO .......................................................................................... 78

4.1. A ANÁLISE TEMÁTICA ........................................................................................ 79

5. AS DIFICULDADES E AS CONQUISTAS .................................................................... 80

CAPÍTULO IV – A ATIVIDADE E A SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS ................................. 83

1. O CAIXA BANCÁRIO: INSERÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL ................... 83

1.1. OS MOTIVOS DA INSERÇÃO .............................................................................. 83

1.2. A FORMAÇÃO PROFISSIONAL ........................................................................... 89

2. A ATIVIDADE DOS CAIXAS BANCÁRIOS ................................................................. 95

2.1. AS CONDIÇÕES E O AMBIENTE DE TRABALHO ........................................... 96

2.2. AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E ORGANIZACIONAIS ............................ 99

2.3. A PRESCRIÇÃO E A REALIDADE DO TRABALHO ......................................... 103

2.3.1. O CAIXA BANCÁRIO NO CURSO DA AÇÃO .......................................... 106

2.3.2. A REGULAÇÃO DAS VARIABILIDADES E O USO DA

INTELIGÊNCIA PRÁTICA ........................................................................... 110

2.3.3. OS LAÇOS DE COOPERAÇÃO .................................................................... 112

3. A SAÚDE DOS CAIXAS BANCÁRIOS .......................................................................... 113

3.1. AS IMPLICAÇÕES NA SAÚDE ............................................................................. 115

3.2. O SOFRIMENTO PSÍQUICO .................................................................................. 121

3.3. AS DEFESAS ........................................................................................................... 129

3.4. O JULGAMENTO DO TRABALHO E

A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO ............................................................. 136

3.5. A PRODUÇÃO DO SENTIDO DO TRABALHO E

AS VIVÊNCIAS DE PRAZER ............................................................................... 138

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 142

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................... 146

ANEXOS

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INTRODUÇÃO

Atualmente os bancos fazem parte da vida cotidiana das pessoas,

independentemente de idade, classe social, etnia ou sexo, sendo possível se afirmar que

a maioria da população de um país tem uma conta bancária. Como dizem Zamberlan e

Salerno (1987), isso explica as intensas e maciças campanhas mercadológicas realizadas

pelo setor, visando o crescimento e a expansão da rede de agências.

Os autores supracitados relatam que, ao longo dos anos, o mercado financeiro

impôs aos bancos um desenvolvimento voltado essencialmente à padronização de

rotinas e procedimentos, fato que acarretou um processo de seqüenciação das tarefas e

gerou um rígido controle administrativo, principalmente sobre os caixas bancários.

A padronização das atividades trouxe ao setor bancário a possibilidade da

implantação de sistemas automatizados (Zamberlan & Salerno, 1987), o que provocou

uma desestabilização do emprego e uma desvalorização desse segmento profissional,

expressando uma condição moderna do sofrimento decorrente do processo de trabalho

(Merlo & Barbarini, 2002). Esta compreensão é corroborada por Malaguti (1996, p. 57)

ao sinalizar que o advento da tecnologia instaurada no setor bancário promoveu, “não

apenas um clima de insatisfação, mas também um clima de enorme tensão frente à

instabilidade do emprego”1.

Especificamente em nossa pesquisa, objetivamos analisar a relação trabalho e

saúde mental dos caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal na cidade

de João Pessoa, PB. Como objetivos específicos, buscamos identificar e apreender as

1 É importante frisar que, de acordo com SEGNINI (1998), o sistema financeiro brasileiro já foi considerado um dos mais informatizados do mundo e que, desde o início do processo de informatização procurou manter em seu quadro funcional trabalhadores com alto nível de escolaridade, principalmente se comparado aos trabalhadores industriais.

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estratégias de regulação da atividade de trabalho do caixa bancário, as vivências de

sofrimento psíquico/prazer relacionadas ao tipo de atividade executada e as estratégias

de defesa elaboradas por estes trabalhadores para enfrentar o sofrimento e/ou processos

de adoecimento.

Para a realização de tal estudo, recorremos inicialmente ao conceito de saúde

apresentado por Canguilhem (2001), cuja noção remete à capacidade que o indivíduo

tem de interagir com os eventos da vida e de enfrentar as infidelidades do meio, sendo-

lhe possível, ao cair doente, se restabelecer. Segundo Dejours (1992), a saúde das

pessoas está ligada a elas próprias, pois é algo que pode ser conquistada e da qual

dependem, ou seja, cada indivíduo deve ser capaz de sofrer e reconhecer suas

dificuldades a fim de enfrentar as demandas que o meio lhe solicita.

Em seguida, inspiramo-nos na abordagem da Ergonomia da Atividade (Cru,

1988; Daniellou et al., 1989; Wisner, 1994; Guérin et al., 2001), caracterizada por ser a

análise da atividade em situações reais de trabalho, visando um conhecimento detalhado

desta e de como os trabalhadores dão conta das suas regulações frente às variabilidades

do meio. A fim de apreendermos como isso acontece, voltamos o nosso estudo

primordialmente às diferenças existentes entre o trabalho prescrito e o real, à noção de

coletivos de trabalho e ainda à conceituação de cargas de trabalho.

Por fim, procuramos identificar/apreender como os processos intersubjetivos

estão se desenvolvendo nos ambientes laborais e, para tal, recorremos às contribuições

da Psicodinâmica do Trabalho (Dejours, 2004), nos apropriando especificamente de

assuntos relativos ao sofrimento e às defesas, aos coletivos de trabalho, às noções de

inteligência prática e de dinâmica do reconhecimento, além da relação do sentido e do

prazer no trabalho com a atividade.

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Do ponto de vista formal, este trabalho está dividido em quatro capítulos, sendo

o Capítulo I referente aos aportes teóricos que nortearam o nosso estudo: a Concepção

da Saúde, a Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do Trabalho. O Capítulo II

contextualiza as transformações que vêm ocorrendo no trabalho bancário (desde o início

dos anos 60 até os dias atuais), em que verificamos a implicação da implementação e

desenvolvimento da informática e das mudanças organizacionais na subjetividade e na

saúde dos bancários. No Capítulo III, destacamos a metodologia da pesquisa,

recorrendo aos dispositivos utilizados, a observação sistemática da atividade (inspirada

na Análise Ergonômica do Trabalho) e as entrevistas semi-estruturadas. E, no Capítulo

IV, apresentamos os achados desta investigação, onde estão presentes: (a) uma análise

sobre a inserção e formação profissional dos participantes; (b) a relação deles com a

atividade no banco; e, por fim, a saúde dos caixas bancários das agências da Caixa

Econômica Federal do município de João Pessoa, PB.

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CAPÍTULO I

OS APORTES TEÓRICOS

O objetivo deste capítulo é apresentar uma histórica busca teórica, no campo das

investigações sociais, especificamente em relação à análise do trabalho e suas

implicações na saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. Para tanto, nos reportamos à

Ergonomia da Atividade e à Psicodinâmica do Trabalho.

1. A CONCEPÇÃO DE SAÚDE

Canguilhem inicia a construção de sua própria argumentação a respeito da

saúde, referindo-se a esta como sendo um fenômeno e uma questão filosófica (Caponi,

1997). Seus estudos preliminares sobre o normal e o patológico serviram de base para a

sua tese de doutorado, cujo maior argumento está na diferença qualitativa entre estes

dois fenômenos opostos, levando-o a concluir que nem toda doença implica numa

variação quantitativa da normalidade (Coelho & Almeida Filho, 1999). A partir de

então, Canguilhem passa a contrariar o pensamento dominante da época, o qual

afirmava que os fenômenos patológicos eram variações quantitativas de fenômenos

normais.

O que ele busca explicar é que o anormal não está constituído pela ausência de

normalidade, ou seja, que o patológico também pode ser considerado normal, já que a

experiência do ser vivo inclui a doença. Sendo assim, o patológico passa a ser

considerado como uma determinada forma de viver.

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Apesar do mérito que o conceito de saúde elucidado pela OMS (Organização

Mundial de Saúde) tem – “a saúde é um completo estado de bem-estar físico, mental e

social e não uma mera ausência de doença ou enfermidade” –, ao retomá-lo,

Canguilhem critica-o e aponta um limite e uma superposição entre os conceitos de

saúde e normalidade (Caponi, 1997). A OMS, segundo a visão do autor, parece não

considerar que, o que se chama de bem-estar, está diretamente identificado com aquilo

que é valorizado e definido como sendo algo normal para uma determinada sociedade

em um certo momento histórico, passando a excluir todo o resto que é desvalorizado e

considerado como simples “anomalia” (id., ibid.).

No final dos anos 70, ao se basear na afirmativa de que todos são normais,

Canguilhem sugeriu uma proposição na qual todos são patológicos, introduzindo o

termo “normais patológicos”, através da constituição de uma concepção monista de

ausência de saúde. Sendo assim, o homem normal deve ser capaz de, ao adoecer, afastar

a doença. Em outras palavras, o autor apresenta a concepção de saúde como sendo

caracterizada pela capacidade dos humanos de tolerar as variações das normas.

Coelho e Almeida Filho (1999) retomam as idéias apresentadas por Canguilhem

na década de 90 acerca da saúde que, ao considerá-la a partir da perspectiva de que

existe uma relação entre o indivíduo e o meio, demarca uma oposição entre uma saúde

filosófica e uma saúde científica. Estes autores chamam a atenção para o fato de

Canguilhem procurar especificamente incorporar elementos da fisiologia do trabalho,

do ambiente do trabalho, das adaptações das máquinas ao homem e das relações

industriais para, a partir daí, fundamentar suas idéias a respeito das relações do homem

e do meio, assim como determinar o significado das normas humanas. Segundo

Canguilhem (2001), até então, ainda consideravam-se as idéias de Taylor, cujo

pensamento indicava que, em relação ao meio físico e também ao meio social, o

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operário deve reagir sem iniciativa pessoal aos diversos fatores a ele impostos, como

por exemplo, estimulações diárias, movimentos mecânicos, ordens sociais, etc,

independentemente da qualidade, intensidade ou freqüência destes fatores.

Como a saúde é considerada uma resposta ativa do organismo na busca por um

ajuste, a compreensão vigente da relação do homem com o meio torna-se um contra-

senso, tanto no aspecto psicológico quanto no aspecto biológico, pois ao sentir-se

ameaçado pelo meio, o homem tende a ter reações de defesa de ordem biológica e

social, podendo estas ser entendidas como reações de saúde.

Na visão de Canguilhem, a saúde implica tanto biologicamente quanto no

próprio modo de viver do ser humano, pois o seu caráter referencial age como uma

possibilidade de enfrentar situações novas, mantendo uma margem de tolerância de que

cada indivíduo possui para enfrentar as infidelidades do meio (Caponi, 1997). Para o

autor, o que o indivíduo mais teme ao cair enfermo é o fato de estar debilitado e exposto

às enfermidades futuras que podem diminuir a sua margem de segurança. Foi então que

a higiene passou a fazer parte do contexto da saúde, no formato de norma, a fim de

regularizar a vida das pessoas, já que a tradição higienista está centrada na determinação

social da enfermidade (id., ibid.). A saúde, então, torna-se um objeto de cálculo,

perdendo a sua dimensão de verdade particular e adquirindo uma nova significação,

desta vez empírica.

Coelho e Almeida Filho (1999) citam, porém, que, para Canguilhem, a saúde

filosófica, ou seja, a saúde de caráter individual, não pode ser medida através de

aparelhos, pois esta tem um estado livre e não pode ser contabilizável.

Os autores apresentam toda a preocupação que Canguilhem demonstra ao

estabelecer uma real distinção entre a normalidade e a saúde. Ao longo dos anos e

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durante seus estudos, este teórico expôs suas quatro proposições sobre a teoria geral da

saúde: a idéia de que a saúde é a capacidade normativa, a concepção da

normalidade como uma norma de vida, a consideração de que a normalidade é um

fenômeno relacional e a proposta de absorção da saúde filosófica pela ciência.

Para Canguilhem, tanto a saúde quanto a doença são formas normais, implicando

numa certa norma de vida, sendo a primeira considerada uma norma de vida superior e

a segunda uma norma de vida inferior (Coelho & Almeida Filho, 1999). Segundo o

teórico, a saúde implica numa desobediência, ou seja, na capacidade que o ser humano

tem de poder adoecer e sair do estado patológico.

Sendo assim, esse autor nos traz contribuições significativas a partir do

momento em que torna clara a existência não apenas de uma normalidade, mas sim de

distintas normalidades, demonstrando então uma pluralidade de valores que podem ser

julgados em toda organização econômica.

Canguilhem demonstra que a saúde passa a perder uma perspectiva de simples

adaptação e obediência, expressando diferentes padrões através de transformações e da

não-obediência, portanto, diz-se que a saúde do indivíduo está relacionada com a forma

com a qual este interage com os eventos da vida.

Nesta direção, corroboram Coelho e Almeida Filho (1999, p.30), ao afirmarem

que “a saúde enquanto perfeita ausência de doença situa-se no campo da patologia”,

indicando que a promoção de saúde não implica numa ordenação de séries de ações de

forma a gerarem um bem-estar comum ou evitar riscos, mas sim o poder de dar

condições de escolha e criação aos indivíduos. Para Caponi (1997), é possível se referir

à saúde quando tivermos os meios para enfrentar nossas próprias dificuldades e nossos

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compromissos, sendo a conquista e ampliação desses meios uma tarefa ao mesmo

tempo individual e coletiva.

A autora faz um paralelo entre Canguilhem e Dejours afirmando que ambos

parteam de uma mesma suposição a respeito da saúde quando afirmam que não é

possível substituir os atores da saúde por elementos exteriores. A saúde das pessoas é

um assunto ligado a elas próprias, visto que é algo que pode ser conquistado e do qual

dependem as pessoas (Dejours, 1992). Cada indivíduo é capaz de sofrer e reconhecer

suas dificuldades para enfrentar as demandas que o meio lhe solicita.

De acordo com Dejours (1986, p. 37), a saúde pode ser pensada como:

“a liberdade de dar ao corpo de comer quando tiver forme,

de fazê-lo dormir quando tiver sono, de dar-lhe açúcar

quando baixar a glicemia. Não é anormal estar cansado ou

com sono, não é anormal ter uma gripe... Pode ser normal

ter algumas enfermidades. O que não é normal é não poder

cuidar dessa enfermidade, não poder ir para a cama e

deixar-se levar pela enfermidade, não poder deixar que as

coisas sejam feitas por outros durante algum tempo, não

poder parar de trabalhar durante a gripe e depois poder

voltar”.

Ao pensar sobre a relação homem-tarefa, Dejours, Dessors e Desriaux (1993)

sinalizam para três aspectos relacionados ao trabalho:

• O organismo do homem não deve ser considerado como um motor banal,

submetido a um só tipo de excitação. Esse trabalhador deve saber

gerenciar, ao mesmo tempo, excitações exteriores e interiores;

• Ao chegar no ambiente de trabalho, o homem traz consigo uma história

pessoal, concretizada por suas aspirações, desejos, motivações e

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necessidades psicológicas, que conferem a este sujeito características

únicas e pessoais;

• Em função de sua história particular, o trabalhador dispõe de vias de

descargas preferenciais (distintas das de outro trabalhador), de modo a

participar na formação daquilo que se chama de estrutura da

personalidade.

Dejours (1992) ainda nos traz que o homem torna-se cada vez mais sensível às

cargas intelectuais e psicossensoriais do trabalho, que o fazem refletir e conduzem-no

ao início de um processo de preparação para futuras preocupações com a saúde mental.

Portanto, de acordo com Dejours e Abdoucheli (1990, p. 137), “o trabalho funciona

então como um mediador para a saúde”, favorecendo-a, quando esse for estruturador, ou

comprometendo-a, quando for patogênico.

A organização do trabalho, entendida por um lado como sendo a divisão das

tarefas e, por outro, como a divisão dos homens (isto é, os dispositivos de controle,

vigilância, hierarquia, comando, repartição das responsabilidades)2, é freqüentemente

interpretada como algo perigoso ao funcionamento psíquico. Porém, os estudos de

Dejours sobre a psicopatologia do trabalho apontam que, mesmo estando expostos a

perigos constantes, a grande maioria dos trabalhadores consegue evitar a loucura ou a

descompensação psiquiátrica, utilizando-se de artifícios de defesa contra a organização

do trabalho (Hirata, 1989).

Se, por um ponto de vista, a organização do trabalho pode favorecer algo

patogênico ao trabalhador, por outro ela deve servir como um estímulo para uma “fonte

de prazer e contribuir de maneira original para a luta pela conquista e pela defesa da

saúde”, mental ou corporal (Hirata, 1989, p.98).

2 Essa discussão será melhor apresentada no tópico acerca da Psicodinâmica do Trabalho.

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Para Dejours et al. (1993) é impossível falar de trabalho, sem levar em

consideração a situação do não-trabalho (ou desemprego). Este fato tende a desencadear

um processo de adoecimento, contradizendo a idéia utópica de que a felicidade vem a

partir do momento em que não se tem coisa alguma para se fazer. Segundo os autores,

se um sujeito for encontrado numa situação de quase inatividade, pode ser considerado,

do ponto de vista psiquiátrico, uma pessoa doente.

A fim de avançarmos teoricamente na discussão acerca das relações trabalho e

saúde, recorremos à Ergonomia da Atividade, caracterizada como sendo a análise da

atividade em situações reais de trabalho, visando um conhecimento detalhado da

atividade dos trabalhadores e suas regulações frente às variabilidades, e à Psicodinâmica

do Trabalho, definida como a análise dos processos intersubjetivos desenvolvidos nos

locais de trabalho.

2. A ERGONOMIA DA ATIVIDADE

A Ergonomia foi difundida formalmente no período pós Segunda Guerra

Mundial como uma disciplina científica com orientação prática, cujo objetivo era o

funcionamento do homem em situações reais de trabalho. A Ergonomia da Atividade de

origem francesa foi apresentada à comunidade científica através do lançamento do livro

de A. Ombredane e J. M. Faverge intitulado A Análise do Trabalho, publicado no ano

de 1955, rompendo assim com o experimentalismo da Ergonomia de origem anglo-

saxônica (Athayde, 1996).

Encontramos o interesse da Ergonomia voltado à transformação de situações de

trabalho, sendo esta disciplina orientada por critérios de produção (eficiência produtiva

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em quantidade e qualidade) e de melhoria das condições de trabalho, dedicando-se,

essencialmente, à busca pela adaptação deste às pessoas. No Brasil, o seu

desenvolvimento passou a tomar impulso a partir da década de 70 (Telles & Alvarez,

2004).

Segundo Daniellou (1986), a Ergonomia estuda a atividade de trabalho visando

contribuir para a concepção de meios de trabalho adaptados às características

fisiológicas e psicológicas do ser humano. Para Guérin, Laville, Daniellou, Duraffourg,

e Kerguelen (2001), o estudo ergonômico de uma situação de trabalho tem por

finalidade primeira a transformação do trabalho, buscando assim atender às demandas

de transformação positiva da realidade laboral (Vidal, 2002).

Esta vertente de disciplina que, desde a década de 60, tem como aportes teóricos

disciplinas cognitivas como a Psicologia e/ou a Antropologia, mesclando seus próprios

conceitos com os que são apresentados pela “representação mental”, “tratamento de

informações”, “tomada de decisões”, “controle e avaliação” e “processo de regulação”.

2.1. TRABALHO PRESCRITO X TRABALHO REAL

A Ergonomia, num determinado período da sua história, chama a atenção para

uma noção ainda mais ampla do trabalho, isto é, a idéia da distância (ou gap) encontrada

entre o trabalho prescrito e o trabalho real. No entanto, esta diferença é decorrente de

uma constante variabilidade, visto que a prescrição é sempre limitada e incompleta e

que o saber prático tem o objetivo de cobrir as lacunas do saber teórico, submetendo os

trabalhadores a passarem cotidianamente por um processo de reinvenção desses limites

(Guérin et al., 2001; Wisner, 1987; Daniellou, Laville, & Teiger, 1989).

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Portanto, o trabalho prescrito, também chamado de tarefa, é a definição daquilo

que deve ser feito segundo as especificações dadas (oralmente ou por escrito); o

resultado antecipado, fixado dentro de condições determinadas para a realização do

objetivo proposto pela instituição, nas quais, utilizando-se dos meios disponíveis neste

ambiente o homem desenvolve uma certa atividade (Guérin et al., 2001).

Daniellou, Laville e Teiger (1989) afirmam que o trabalho prescrito é a maneira

segundo a qual o trabalho deve ser executado, ou seja, o modo como o trabalhador deve

utilizar os instrumentos dispostos pela organização.

Por sua vez, o trabalho real, também conhecido por atividade, é o modo como o

homem, numa determinada situação de trabalho, se relaciona com os objetivos

propostos, a organização do trabalho e os meios fornecidos para a realização do

trabalho. Em outras palavras, é o modo pelo qual ele desenvolve e realiza a tarefa

(trabalho prescrito), resultando numa “obra pessoal”, singular, contribuindo para a

construção da sua identidade. A atividade, portanto, é uma estratégia de adaptação à

situação real de trabalho, objeto da prescrição, ou seja, o que realmente é feito (Guérin

et al., 2001).

Brito e Athayde (2003) trazem de seus estudos uma nova conotação a este

respeito, remetendo-nos aos postulados da escola russa da Psicologia fundada por

Vygotski, a qual admite o homem como um ser pleno de possibilidades não realizadas.

Em outras palavras, para os autores, o trabalho real ou atividade envolve também aquilo

que não se faz, o que se busca fazer sem conseguir, o que pode ter sido feito, o que há

para se refazer e até o que se faz sem querer, ou seja, “o que se faz para não fazer o que

se está por fazer, pois muitas vezes fazer é, por outro lado, refazer ou desfazer” (p.66).

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2.2. VARIABILIDADE E REGULAÇÕES

A Ergonomia constata que o trabalho humano, efetivamente realizado em

situações reais de trabalho, não corresponde jamais ao trabalho esperado, fixado por

determinações dadas pela organização do trabalho. Ao realizar um trabalho, a pessoa

está sujeita às variabilidades, quer sejam do sistema técnico e organizacional (panes,

disfuncionamentos, dificuldades de previsão), sua própria variabilidade e a dos outros

(fadiga, ritmicidade circadiana, efeitos da idade, experiência, gênero), e do(s)

coletivo(s) de trabalho pertinente(s) (Telles & Alvarez, 2004).

Entende-se que, tudo o que é constante é a permanente variabilidade, ou seja, as

condições de produção nunca são perfeitamente estáveis. É preciso conhecer as

variabilidades a fim de tentar prevê-las e considerar a possibilidade de que novas

venham a existir.

Nessa perspectiva, Guérin et al. (2001) apresentam a definição de atividade de

trabalho como sendo o elemento central, organizador e estruturante dos componentes de

uma dada situação de trabalho. Ela é uma resposta às exigências determinadas

externamente ao trabalhador e que simultaneamente está susceptível de transformar.

Sendo assim, a atividade de trabalho depende de dois tipos de condições: as externas

(tarefa: técnicas, organizacionais, etc.) e outras ligadas às características do grupo (e de

seus membros e das metas fixadas). No entanto, o que determina efetivamente a

atividade baseia-se nas relações que se estabelecem entre estes dois tipos de condições e

sua adequação.

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Brito e Athayde (2003) retomam o conceito de atividade de trabalho de

Canguilhem, o qual defende que, no contexto do trabalho, há um ser vivo que vive seu

meio em uma atividade de oposição à inércia e à indiferença, sendo este sujeito um ente

mais que normal, normativo, criativo e capaz de novas normas em seu meio

(Canguilhem, 2001). Logo, conforme os autores acima, o trabalho não pode ser

reduzido à prescrição, mas sim considerado um lugar permanente de micro-escolhas.

Torna-se clara a existência de uma instabilidade característica das situações de

vida e trabalho, visualizando o meio como infiel, conduzindo a saúde a ser um alvo fácil

para estas infidelidades. Verifica-se que o trabalhador está colocado diante de diversas

racionalidades e valores, devendo por sua vez ser capaz de prever e regular as

variabilidades em diferentes situações impostas pelo trabalho.

2.3. COLETIVOS DE TRABALHO

Para Cru (1986), o coletivo acontece a partir do momento em que vários

trabalhadores passam a concorrer a uma obra comum, respeitando regras pré-

estabelecidas pelo grupo. Para tanto é necessário que existam vários trabalhadores e que

estes estejam reunidos com o objetivo de executar uma obra comum num mesmo lugar.

Este trabalho deve ser regido por uma ou várias regras, respeitando-as cada qual

individualmente, após serem interiorizadas. Em certos casos, a interiorização das regras

não ocorre, porém são respeitadas pela imposição da submissão ao coletivo.

Estas regras estão caracterizadas por Dejours e Abdoucheli (1990) como sendo

sempre:

• uma regra técnica, mantendo as maneiras de fazer fixas;

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• uma regra social, cujas condutas de interações estão enquadradas;

• uma regra lingüística, sendo estas estabilizadas por práticas da linguagem, e

• uma regra ética, buscando-se a justiça e a eqüidade, a qual serve de referência às

arbitragens e aos julgamentos das relações ordinárias de trabalho.

Para os autores, estas regras têm um poder organizador sobre a coesão e a

construção do coletivo: coletivo de regra, este se apoiando no coletivo essencialmente

estruturado pelas estratégias defensivas: coletivo de defesa, o que apresentamos mais

adiante.

As regras de ofício, assim chamadas por Cru (1986), transcendem a esfera da

hierarquia e são “implícitas em seus fundamentos”, ou seja, elas simplesmente existem e

devem ser respeitadas, pois, caso contrário, surgem constrangimentos por parte daqueles

que, em relação ao ofício, se tornam marginais. Para o autor, o coletivo trabalha em prol

da defesa da capacidade de auto-regulação e da iniciativa individual ou coletiva.

O coletivo de trabalho tem uma maior eficácia quando as regras são conhecidas

e estão introjetadas por todos os seus membros (Figueiredo, 2001), já que uma de suas

vantagens é ser defendida pelo coletivo perante a iminência de ameaças exteriores,

surgindo assim uma procura para adaptá-las às inovações tecnológicas e organizacionais

em curso no trabalho. Assim, o coletivo cria um sistema de defesa contra as ameaças

internas, de modo a opor-se a que uma só pessoa ou mesmo um pequeno grupo inicie o

processo de imposição de sua própria lei.

Por estarem baseadas nas experiências dos próprios trabalhadores envolvidos no

coletivo, as regras utilizam a inteligência astuciosa (Dejours, 2004)3 dos mesmos de

forma a exercerem uma força de luta e defesa contra os riscos e contra o medo

3 Essa discussão será retomada no tópico sobre a Psicodinâmica do Trabalho.

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(Figueiredo, 2001). Desta forma, elas funcionam como uma ferramenta libertadora para

aqueles que as aceitam, livrando-os de qualquer tipo de inquietação e protegendo-os

contra a ingerência, contra o arbitrário. E ainda mais, por não imporem nenhum limite

intransponível, elas servem como balizadores da vida no trabalho, ajudando os

trabalhadores a se orientarem, sustentando a idéia do homem em movimento.

Muniz (2000) nos traz a definição enfocada por Leplat quanto à atividade

coletiva, sugerindo que esta é a realização efetiva de uma tarefa executada por um grupo

de trabalhadores de forma interdependente.

Todavia, salientamos que uma tarefa coletiva não corresponde obrigatoriamente

a uma atividade coletiva, ou seja, uma tarefa dita coletiva pela organização, pode ser

reestruturada de forma a ser executada individualmente; o mesmo ocorre inversamente,

isto é, uma atividade coletiva não corresponde necessariamente a uma tarefa coletiva.

Sendo assim, é possível que trabalhadores de diferentes setores resolvam se reunir para

lidar com uma tarefa, mesmo que esta atitude não tenha prescrição.

Muniz (2000) apresenta importantes contribuições de Leplat, referentes a este

tema, e que salientamos aqui: o grupo de trabalhadores envolvidos numa determinada

atividade coletiva não necessariamente faz parte do organograma da empresa e a

atividade coletiva existe apenas quando uma tarefa está sendo compartilhada por um

grupo.

Figueiredo (2001), ao citar Dejours, elucida que a cooperação serve de base

fundamental para a formação de um coletivo de trabalho, exercendo um papel

estratégico na minimização das “falhas humanas”. Isto se deve ao fato de os

trabalhadores conseguirem promover, através da cooperação e de um trabalho

compartilhado, uma estratégia própria, visando à minimização da complexidade das

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tarefas e à regulação das variabilidades (Silva, 2005). A cooperação é essencialmente

formada a partir de uma associação de laços comuns construídos pelos trabalhadores, de

forma voluntária, imbuídos em alcançar um objetivo comum, isto é, na realização de

uma obra comum (Athayde, 1996; Neves, 1999; Guérin et al., 2001; Figueiredo, 2001).

Assim sendo, utilizando-se da dimensão da cooperação, um coletivo ainda consegue, ao

seu modo particular, detectar, corrigir e prevenir determinadas conseqüências

provocadas por falhas resultantes de um processo produtivo.

Vemos, portanto que, a atividade coletiva é entendida como a execução de uma

tarefa ocasionada pela intervenção de vários operadores, já que “não é uma coleção de

atividades individuais sobre tarefas independentes, mas uma atividade em que os

operadores realizam conjuntamente a mesma tarefa, em um mesmo lugar, ou

eventualmente em locais diferentes” (Athayde, 1996, p.62), trabalhando em prol de uma

mesma meta e de um mesmo objetivo, coordenando sua atividade de forma cooperativa,

gerando assim uma “interdependência no trabalho”.

Salientamos a imprescindível existência de uma atividade coletiva, posto que a

mesma é de vital importância para que haja regulações e a possibilidade da auto-

regulação dos trabalhadores, dentro de uma gestão cotidiana (Athayde, 1996; Muniz,

2000; Figueiredo, 2001).

A dimensão do coletivo de trabalho não está apenas imbricada na cooperação. O

próprio grupo é capaz de assegurar a repartição das atividades, gerenciando uma

“atividade de coordenação”, que está articulada através de meios de comunicação. É

relevante destacar a importância da comunicação e da negociação dentro deste enfoque,

onde são encontrados os componentes subjetivos da confiabilidade, cujo papel

fundamental na luta contra o sofrimento está relacionado às questões envolvidas com o

sentido do trabalho (Figueiredo, 2001).

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Wisner (1994) ressalta que, desde o início, a Ergonomia enfatizava a

importância da comunicação, destacando-a como um dos meios mais eficazes de análise

e compreensão da atividade. Para Guérin et al. (2001), a comunicação é entendida como

uma transmissão de informação entre os operadores, podendo ser tanto verbal quanto

gestual, sustentando-se em códigos e signos elaborados previamente numa cultura

oriunda dos trabalhadores envolvidos.

2.4. CARGAS DE TRABALHO

Torna-se mister destacarmos que um estudo ergonômico visa atingir, pelo

menos, duas finalidades: “o melhoramento e a conservação da saúde dos trabalhadores,

e a concepção e o funcionamento satisfatórios do sistema técnico do ponto de vista da

produção e da segurança” (Wisner, 1994, p.77).

O autor nos remete aos primeiros estudos ergonômicos, realizados na década de

50, acerca da expressão fadiga, muitas vezes ainda utilizada pelos trabalhadores quando

procuram descrever os efeitos negativos que o trabalho traz para eles próprios e para os

seus colegas. No entanto, esta expressão foi substituída por carga de trabalho como

objeto de estudo.

Wisner (1994) retoma as pesquisas experimentais realizadas por Kalsbeek, cujos

resultados indicam que as atividades cognitivas geram uma sobrecarga cognitiva para

quem as executa. Evidenciou-se, então, que os saberes do trabalhador e uma experiência

anterior influem muito mais sobre a atividade cognitiva do que sobre uma atividade

física. Com isso, a noção de carga cognitiva permite mostrar que é inconcebível a

existência de uma atividade física sem uma atividade cognitiva, provando que muitas

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das dificuldades do trabalho físico, na realidade, são oriundas do desprezo dado às

dimensões cognitivas do trabalho.

Segundo os estudos de Dejours et al. (1993), a Ergonomia é entendida a partir de

dois aspectos da carga de trabalho: o seu componente físico (barulho, iluminação, calor,

desgaste energético, etc.) e o seu componente mental, referente à percepção e ao

tratamento da informação que é necessária à execução do trabalho em si. No entanto,

salientamos a importância de o trabalhador iniciar um processo de retenção de energia

ao estar submetido a estas diversas formas de excitações, originando as tensões

psíquicas comumente conhecidas por tensões nervosas.

A fim de livrar-se desta retenção de energia, o trabalhador dispõe de vias de

descarga, esquematicamente definidas como: via psíquica, via motórica e via visceral.

Enquanto que, pela via psíquica o sujeito tem a possibilidade de construir fantasias

mentais suficientes para descarregar a sua tensão, pela via motórica o sujeito utiliza-se

da sua própria musculatura a fim de livrar-se das tensões através de descargas

psicomotoras. Todavia, segundo os autores, a energia pulsional não é possível de ser

descarregada senão através da via do sistema nervoso autônomo e da desregulação das

funções somáticas, realizadas apenas pela via visceral.

Os autores apontam três fatores que se sobressaem do contexto do trabalho no

qual existe a relação homem-tarefa:

• o organismo do homem não está simplesmente submetido a um só tipo

de excitação, devendo o sujeito saber gerenciar, ao mesmo tempo,

excitações exteriores e interiores;

• o trabalhador não chegam ao trabalho como uma máquina nova, posto

que este traz consigo uma história pessoal, concretizada por suas

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aspirações, desejos, motivações e necessidades psicológicas, conferindo

a este sujeito características únicas e pessoais;

• em função de sua história particular, o trabalhador dispõe de vias de

descarga preferenciais (diferente daquelas que dispõe outro trabalhador),

de modo a participar na formação da chamada estrutura da personalidade.

No entanto, estas noções ainda apresentam certas discordâncias, principalmente

quanto ao sentimento de fadiga e as medidas de carga física e carga mental. Para

Dejours (1992), a noção de carga mental se confunde com a de carga cognitiva, e o

autor, então, define-a como “carga psíquica” e, posteriormente, “sofrimento”.

Para Wisner (1994), o sofrimento psíquico está ligado principalmente ao

psiquismo humano e, em especial à angústia dos trabalhadores. Esse sofrimento se

exprime por comportamentos, particularmente através da fala e das perturbações

neuroendocrinianas e imunológicas, provocando o aparecimento de diversas

enfermidades somáticas, também conhecidas por psicossomáticas.

3. A PSICODINÂMICA DO TRABALHO

A Psicopatologia do Trabalho começou a ser introduzida no cenário científico

francês, por volta das décadas de 50 e 60, buscando encontrar relações entre as afecções

mentais e o trabalho e, assim, sinalizar a existência de síndromes que afetavam a saúde

mental de algumas categorias profissionais. Alguns trabalhos de Le Guillant e Bégoin,

dentro desse período, são indicados por Dejours (1992) como representantes de uma

expressão de uma clínica marcada pela patologia social.

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Durante aproximadamente quinze anos, entretanto, verificou-se uma estagnação

produtiva sobre a Psicopatologia do Trabalho, proveniente, principalmente, de fatores

de ordem histórica e da contextualização sociopolítica da época, já que o assunto

referente à saúde mental ainda não havia surgido como uma bandeira nas lutas dos

trabalhadores por sua saúde. Foi, porém, no final da década de 70, que ocorreu uma

verdadeira virada na produção teórica deste campo, pois, até então, o corpo era visto

como alvo de impacto dos prejuízos do trabalho e foi considerado o principal foco das

preocupações dos sindicalistas e especialistas.

Dejours (1992) cita que, estudos desenvolvidos até essa época, representados

principalmente pelo clássico “A Neurose das Telefonistas” de Le Guillant e Bégoin,

tentavam esclarecer (em vão) o nexo causal entre o trabalho e as doenças mentais,

despertando, ainda mais, o interesse pelas conseqüências mentais no trabalho. Contudo,

em 1980, Dejours (considerado o maior expoente dessa corrente de pensamento),

publicou o ensaio “Travail: Usure Mentale”, numa tentativa de reconstruir a produção

científica no campo da Psicopatologia do Trabalho. O objetivo deste estudo era explicar

o campo não-comportamental, até o momento ocupado pelos atos impostos, isto é:

movimentos, gestos, ritmos, cadências e comportamentos produtivos (Dejours, 1992).

Ainda durante essa fase transitória, ocorreram algumas mudanças quanto ao

objeto de estudo, ou seja, houve uma verdadeira reviravolta epistemológica no campo

da Psicopatologia do Trabalho, desembocando no desenvolvimento de uma trajetória de

produção conceitual. Como exemplo desta mudança, relata-se o caso da análise das

relações psíquicas com o trabalho em termos de estresse, que foi recusada em função da

atual preocupação com a análise do sofrimento psíquico, com as defesas contra o

sofrimento e a doença resultantes da confrontação dos homens com a organização do

trabalho.

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Para um melhor entendimento sobre o assunto em questão, é importante

estabelecer uma diferenciação entre o que se entende por organização do trabalho e

condição de trabalho. De acordo com Dejours e Abdoucheli (1994), as condições de

trabalho têm por alvo principal o corpo, enquanto que a organização do trabalho atua

em nível do funcionamento psíquico. Quanto à organização do trabalho, classificam-na

em: divisão do trabalho (ou seja, o modo operatório prescrito: divisão de tarefas,

cadência) e a divisão de homens (isto é, responsabilidades, hierarquia, comando,

controle, etc.). No tocante à condição de trabalho, Dejours (1992) interpreta-a como

ambiente físico (temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc.),

químico (produtos manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras, fumaças, etc.),

biológico (vírus, bactérias, parasitas, fungos), condições de higiene, de segurança e

características antropométricas do posto de trabalho.

Neves, Seligman-Silva e Athayde (2004) suscitam que se inicia, assim, um

rompimento com uma visão causalística/impactológica que busca encontrar uma doença

mental caracterizada decorrente do trabalho, passando-se a adotar um modelo dinâmico

de análise. Os estudos passam a se voltar para o entendimento dos recursos utilizados

pelos trabalhadores para suportar as pressões psíquicas da organização do trabalho e não

adoecerem, buscando se manterem no campo da normalidade. No entanto, essa

normalidade, de fundo enigmático, não é interpretada como um equilíbrio psicológico,

sua idéia central está transpassada pelo sofrimento psíquico (Dejours, 1992).

O autor supracitado ainda ressalta que um dos principais elementos para o

estudo da Psicopatologia do Trabalho é a noção de variabilidade, ou seja, a noção de

que o predominante no funcionamento do homem é a mudança e não a estabilidade.

Para ele, esta variabilidade deve ser assumida e respeitada sempre que se deseje

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promover a saúde dos indivíduos, pois a saúde é, antes de qualquer outra coisa, um

objetivo fim, isto é, algo a ser atingido.

3.1. A NORMALIDADE E O SOFRIMENTO

Como vimos anteriormente, com a mudança epistemológica, o objeto de estudo

da Psicopatologia do Trabalho passa a ser o entendimento dos recursos usados pelos

trabalhadores para suportar e não adoecer devido às pressões psíquicas do trabalho. É

uma tentativa de se manterem no campo da normalidade, entendida como um enigma

que transpassa o sofrimento psíquico (Neves et al., 2004).

O conceito de sofrimento proposto por Dejours, surge como um delimitador do

campo de investigação. O foco de estudo deixou de ser o da doença mental, e passa a

conceber o sofrimento como sendo uma vivência subjetiva intermediária existente entre

a doença mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico (Dejours &

Abdoucheli, 1994), utilizando-se de materiais provenientes da Psicanálise, da

Psicossomática e da Ergonomia Situada da Atividade.

Devido à falta de evidências acerca das doenças mentais provocadas pelo

trabalho, Dejours (1992) sugere o termo Psicopatologia da Normalidade, atentando para

os comportamentos estranhos, insólitos ou paradoxais, na busca de identificar

características comuns numa situação de trabalho supostamente homogênea. Segundo o

autor, trata-se da elucidação do trajeto, ou seja, do percurso que segue do

comportamento livre ao comportamento estereotipado. Por comportamento livre,

entende-se ser uma tentativa de se transformar a realidade circundante de acordo com os

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desejos próprios do sujeito; este tipo de comportamento qualifica uma orientação na

direção do prazer.

Afirma-se que o sofrimento equivale a uma anulação dos “comportamentos

livres”, sendo esta muda e invisível (Dejours, 1992). O tipo de sofrimento estudado era

o patogênico, pois considerava a organização do trabalho como um bloco monolítico

(rígido), no qual imperava uma situação conflituosa entre o desejo do trabalhador face à

realidade do trabalho e a organização do trabalho que limitava a realização de um

projeto em detrimento de um modo operatório prescrito. Só lhe restava adaptar-se

àquela situação, gerando, desta forma, o sofrimento e a luta contra o sofrimento.

No entanto, a dinâmica do sofrimento, identificada como a luta dos

trabalhadores contra a organização do trabalho, que o empurra em direção à doença

mental, começa, paulatinamente, a sofrer alterações conceituais migrando do campo

patogênico ao, então denominado, sofrimento criativo. O favorecimento da

transformação do sofrimento em criatividade é uma contribuição que traz um benefício

à identidade. Desta forma, de acordo com Dejours e Abdoucheli (1994), o sofrimento

criativo atua de forma a aumentar a resistência do sujeito ao risco de desestabilização

psíquica e social.

3.2. AS ESTRATÉGIAS E OS COLETIVOS DE DEFESAS

Como sinaliza Dejours (1992), os trabalhadores lutam contra o sofrimento

elaborando defesas individuais e coletivas, e atuando de forma ativa em relação à

organização do trabalho, buscando assim algo que os proteja contra as diferentes formas

de sofrimento que os acometem. Uma importante descoberta empírica desenvolvida

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pela Psicopatologia do Trabalho é a existência da construção coletiva de sistemas

defensivos, específica de cada grupo social e relacionada, portanto, à natureza de cada

organização do trabalho, devendo estes sistemas manter uma certa coerência e

obrigatoriedade quanto à existência do coletivo de trabalhadores.

No entanto, a partir do momento que esses procedimentos defensivos servem de

base para a construção de um sistema de valores conseguindo transformar a defesa em

alvo, já não se trata apenas de uma defesa coletiva, mas de “ideologias defensivas de

profissão”, sendo este um conceito fundamental para Dejours, cujo impacto sobre as

relações sociais é altamente problematizado.

Em determinadas situações, portanto, o caráter complexo e problemático das

defesas desenvolvidas pelos trabalhadores contra o sofrimento, pode gerar uma

ideologia defensiva favorecendo ainda mais a adaptação do mesmo ao trabalho e, por

outro lado, esta adaptação pode ser utilizada pela organização do trabalho em proveito

da produtividade. Como exemplo, citamos o que comenta Dejours (2004) acerca de seus

estudos com operários da construção civil e de indústrias petrolíferas: a irritação sentida

pelos trabalhadores, advinda das atividades a que estavam submetidos a executar pela

hierarquia, gerava, em casos extremos, certos processos compulsivos de “auto-

aceleração”.

A ideologia defensiva é definida como um procedimento de defesa elaborado

por um grupo social particular, na busca de uma especificidade, geralmente relacionado

à natureza da organização do trabalho, e que conta com a participação de todos os

interessados, sendo coerente e tendo um caráter vital, fundamental, necessário (Dejours,

1992).

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Citamos, como exemplo, o caso dos trabalhadores da construção civil (Cru &

Dejours, 1987) que, para suportar o medo do ofício, elaboram coletivamente uma

“ideologia defensiva de profissão” procurando inverter a relação que existe entre eles e

as adversidades ou perigos reais do trabalho. Segundo os autores, os trabalhadores

optam por rejeitar as medidas preventivas oferecidas pela organização, preferindo

adotar medidas improvisadas e executar uma segurança feita “de qualquer jeito”,

evidenciando-se, então, uma resistência por parte dos mesmos com relação às medidas

de prevenção preconizadas pela organização de trabalho.

Estes comportamentos de rejeição, por parte da coletividade operária, às

medidas de segurança da organização, são interpretadas como desafios ao perigo, ou em

outras palavras, como uma negação ao perigo, visando afastar a vivência de uma

angústia incompatível com a realização e o prosseguimento de determinada tarefa.

Cru e Dejours (1987) observam a existência de certos elementos que ocorrem

em sistemas de auto-regulação dos coletivos de trabalho e de auto-regulação dos ritmos

e dos modos operatórios individuais. Atribuem, portanto, o nome de saberes de

prudência, pois se trata de um confronto entre uma organização espontânea do trabalho,

elaborada pelos trabalhadores, e uma organização imposta do exterior pela instituição.

Para Dejours (2004), as estratégias de defesa são coercitivas, devendo todos os

envolvidos participarem. Aquele que se recusa é ridicularizado pelos demais,

culminando numa repreensão seguida de marginalização e podendo, até mesmo, ser

excluído do convívio do grupo. Desta forma, “de vítimas potenciais passivamente

expostas ao risco, os operários tornam-se provocadores de um desafio proposital, ou

seja, são os desafiadores do próprio perigo” (p.182), recusando a realidade.

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Ressaltamos, também, o postulado de Dejours e Abdoucheli (1990) quanto ao

fato de que vários sujeitos experimentando individualmente um sofrimento único são

capazes de unirem-se a fim de construírem uma estratégia defensiva comum.

Para Dejours (2004), porém, isto só é possível uma vez que os sistemas coletivos

de defesa funcionem como regras, oriundas de um consenso ou acordo partilhado entre

os trabalhadores, diferenciando-se assim dos mecanismos individuais de defesa. Sendo

assim, os sistemas coletivos de defesa servem como regras ou acordos normativos

compartilhados, diferenciando-se dos mecanismos individuais de defesa, contribuindo,

deste modo, para a formação e estruturação dos coletivos de trabalho.

Cru (1986), em seu estudo sobre os trabalhadores da construção civil, identifica

a existência de quatro regras fundamentais que regem as relações, chamando-as de

regras de ofício. São elas: a regra de ouro (na qual cada um termina o trabalho que

começou), a regra da ferramenta (na qual cada um trabalha com suas próprias

ferramentas), a regra do tempo (nem se deve correr, nem dormir) e a regra da

passagem livre (na qual cada um pode circular em todo o canteiro de obras). Estas

regras são coerentes entre si e indissociáveis, já que a ameaça a apenas uma delas pode

comprometer todo o conjunto de ações. Elas não impõem limite intransponível contrário

ao regulamento, pois servem para ajudar e orientar o trabalho, sustentando a idéia do

homem em movimento.

O poder organizador das regras de ofício gera a formação do coletivo de regras

que, juntamente com a linguagem do trabalhador, servem como facilitadores no

processo da construção da identificação do trabalhador.

Os estudos sobre os coletivos de trabalho têm grande importância para favorecer

uma reviravolta epistemológica da Psicopatologia do Trabalho dando origem, assim, à

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Psicodinâmica do Trabalho. Esta é definida, a partir de então, como a “análise

psicodinâmica dos processos intersubjetivos mobilizados pelas situações de

trabalho” (Dejours, 1992).

Mesmo se aproximando do campo clínico da Psicologia, a Psicodinâmica do

Trabalho passa a relacionar-se com a linguagem, buscando uma relação específica com

ofício que permita o acesso direto à realidade do trabalho (Cru, 1988). Dejours (2004)

sugere então que o sentido coletivo é uma resultante da construção de uma linguagem

comum para prestar conta não da realidade do trabalho, mas da especificidade das

vivências do trabalho. Para ele, o que move toda essa dinâmica, é previamente, o

sofrimento, o qual os sujeitos buscam compreender, analisar, transformar, e não a

organização do trabalho.

3.3. A INTELIGÊNCIA PRÁTICA

Os processos psíquicos mobilizados nas transformações e ajustamentos criativos

são denominados de inteligência prática, um tipo de inteligência de caráter intuitivo ou

astucioso, cujo objetivo é tentar minimizar a distância existente entre a organização do

trabalho prescrito e a organização do trabalho real. Uma de suas principais

características é estar enraizada no corpo (Dejours, 1993), sendo necessária uma prévia

experiência vivenciada pelo corpo numa situação comum do trabalho, na qual, ao

primeiro sinal de quebra da rotina, o corpo é alertado e suscita a curiosidade. O

indivíduo é levado a esboçar rapidamente uma interpretação, um diagnóstico ou uma

medida corretiva, e só interroga-se se a decisão foi acertada (ou não) depois de executá-

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la, verificando assim a operacionalização da tentativa sugerida intuitivamente pelas suas

percepções.

Do ponto de vista ergonômico, porém sob a ótica de Dejours (2004), o trabalho é

uma atividade que exige completo funcionamento do corpo no exercício de uma

inteligência utilizada no enfrentamento daquilo que ainda não estava prescrito pela

organização do trabalho. Segundo a definição do autor, trabalho “é a atividade

coordenada de homens e mulheres para defrontar-se com o que não poderia ser

realizado pela simples execução prescrita de uma tarefa de caráter utilitário com as

recomendações estabelecidas pela organização do trabalho” (p.135).

Apesar de estar enraizada no corpo, isso não implica dizer que existe uma

ausência do pensamento, pois, mesmo escapando à consciência, se caracteriza por um

estilo de resolver os problemas com astúcia e esperteza, estando presente em qualquer

tipo de trabalho. Sua não utilização pode gerar fontes de sofrimento psíquico e até de

doença.

Sendo assim, a fim de enfrentar a realidade do trabalho, o trabalhador deve ser

capaz de mobilizar esta inteligência, convocando o corpo todo, e não apenas o

funcionamento cognitivo. O trabalho prescrito é então posto em confronto com o

trabalho real.

Dejours (2004) postula que a conquista da identidade individual dá base à

dinâmica da mobilização e que, portanto, o sujeito mobiliza sua inteligência e sua

personalidade em função de uma racionalidade subjetiva particular. Por sua vez, a

mobilização dinâmica está apoiada, essencialmente, na relação contribuição/retribuição

e a não observância desta implica em levar os sujeitos a sofrerem e a resistirem em seu

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sofrimento com estratégias de defesa, gerando conseqüências nefastas para a sua saúde

mental e somática.

A inteligência prática, entretanto, somente se torna possível a partir do momento

em que certas condições de mobilização são atendidas. Em primeiro lugar, é preciso

haver uma organização do trabalho prescrito, pois é necessário que haja regras para o

“jogo”, mesmo que estas sejam inadequadas e precisem ser desobedecidas,

transgredidas ou “trapaceadas”, dado que a organização prescrita do trabalho nunca é

considerada inútil para os trabalhadores (Dejours, 1993).

A segunda condição refere-se à transparência, pois em certas situações é preciso

“fraudar” o prescrito a fim de se executar uma determinada atividade, já que muitas

vezes os próprios regulamentos podem ser contraditórios e gerar “paralisia” no trabalho.

É preciso haver uma certa cumplicidade entre a equipe dos trabalhadores e seus

superiores diretos para que esta transparência possa ser respeitada. Hirata (1989),

salienta que os estudos psicopatológicos corroboram os estudos ergonômicos,

apontando para o fato de que a organização prescrita do trabalho nunca é respeitada,

resultando sempre num compromisso que surge de uma negociação entre coletivo de

chefia e coletivo de execução.

3.4. A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO

Ainda no tocante às condições de mobilização, uma terceira condição passa pelo

processo de reconhecimento, o qual é obtido através da relação contribuição –

retribuição, esta sendo de natureza fundamentalmente simbólica (Dejours, 2004). Para o

autor, esse reconhecimento pode ser explicado em duas dimensões:

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• no sentido de constatação, isto é, aquele que é representado pela

contribuição individual do trabalhador e que está ligada à organização do

trabalho. É preciso deixar claro que este tipo de reconhecimento faz com

que o trabalhador entre em confronto com as resistências hierárquicas,

reconhecendo por sua vez, certas imperfeições técnicas, tais como falhas

na organização do trabalho prescrito, acarretando, conseqüentemente,

receio por parte dos dirigentes e responsáveis.

• no sentido de gratidão pela contribuição oferecida pelos trabalhadores à

organização do trabalho. Apesar de ser considerada também uma

dimensão do reconhecimento, é um tipo pouco constatado e concedido

com muita parcimônia.

Ainda segundo o autor, o reconhecimento somente se dá a partir da reconstrução

rigorosa dos julgamentos, os quais dizem respeito ao trabalho realizado pelos atores

específicos engajados na gestão do coletivo da organização do trabalho.

Apontamos os diferentes tipos de julgamento:

• o julgamento de utilidade, proferido pela hierarquia superior ou pelos

subordinados (linha vertical), a respeito da conduta e eficácia do

trabalhador, podendo, eventualmente, também ser proveniente dos

clientes;

• o julgamento de estética (de beleza ou de originalidade), relativo ao

julgamento feito pelos próprios pares, colegas ou membros da equipe

(linha horizontal), quanto à qualidade do seu feito; este tipo de

julgamento é considerado por Dejours como sendo o mais importante,

devido ao fato de que os pares, por conhecerem mais em detalhes as

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condições e dificuldades do ofício, conseguem valorizar muito mais a

beleza de um trabalho bem realizado.

Apesar de distintos, na opinião do autor, estes tipos de julgamento convergem

para um ponto em comum: o trabalho realizado, ou seja, “sobre o fazer e não sobre a

pessoa” (Dejours, 2004, p.73). O julgamento realizado pelos pares desperta, também,

um sentimento de pertencer a um coletivo ou comunidade de trabalho, contribuindo

para a formação da identidade do trabalhador. Este ponto crucial é fundamental para o

aprofundamento dos estudos de Dejours a respeito da discussão sobre a saúde mental,

pois o reconhecimento possibilita a construção por parte dos sujeitos do sentido no

trabalho, devido ao seu caráter simbólico.

De acordo com Dejours (2004), o caráter simbólico do reconhecimento é

advindo da produção do sentido conferido à vivência no trabalho. Logo, “o sentido que

dá acesso ao reconhecimento é o do sofrimento no trabalho”, proveniente do “conjunto

de constrangimentos sistêmicos e técnicos” (p.74).

O autor ressalta que o trabalho desempenha um papel de fundamental

importância na construção da identidade do trabalhador, representando um alicerce para

a sua saúde mental e somática.

3.5. O PRAZER NO TRABALHO

Partindo-se do princípio de que o sujeito não vivencia no trabalho apenas dor e

sofrimento, mas também prazer, apesar de não estarem apresentados num continuum,

Dejours e Abdoucheli (1990) afirmam que o sofrimento pode ser tanto do tipo patógeno

quanto criativo, e decorrente de conquistas permanentes. No entanto, os autores ainda

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nos trazem que o sofrimento criativo não é sinônimo de prazer, pois isto somente é

possível através da transformação da capacidade de subverter o sofrimento em favor da

criatividade.

Faz-se mister esclarecer que, caso a organização do trabalho não venha a

possibilitar o uso dos recursos de mobilização da inteligência prática e a existência da

dinâmica do reconhecimento, a transformação do sofrimento em prazer não se realiza.

Segundo os autores, a luta contra o sofrimento está relacionada à questão do

sentido no trabalho, percorrendo um caminho que produz um benefício para a

identidade e para a saúde mental, já que o prazer e o sofrimento são considerados

vivências subjetivas, que implicam um ser de carne e um corpo onde ele se exprime e se

experimenta, assim como a angústia, o desejo, o amor, etc.

Segundo Dejours (1992), caso a relação do trabalhador com a organização do

trabalho seja considerada favorável, ao invés de conflituosa, é possível que isso seja

decorrente de uma das situações abaixo:

• o trabalhador considera que as exigências intelectuais, motoras ou

psicossensoriais da tarefa estão de acordo com as suas necessidades,

gerando nele um “prazer de funcionar”;

• o conteúdo do trabalho é proveniente de uma fonte de satisfação

sublimatória; situação rara se comparada à maioria das atividades, pois o

trabalhador tem o privilégio de conduzir o seu ritmo de trabalho e modo

operatório. Como exemplo, o autor cita os pesquisadores que, apesar de

sofrerem pelos sacrifícios materiais, encontram, no prazer pelo trabalho,

uma melhor defesa.

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Para Dejours (2004), a sublimação é um processo esplêndido, que ao ser

atingido, possibilita a transformação do sofrimento em prazer, reforçando a oposição do

sofrimento ao masoquismo. Segundo Vieira (2005), é possível dizer que o trabalhador

se experimenta e se transforma através de suas descobertas e de suas invenções.

O reconhecimento pode ser um aliado na construção do sentido do trabalho,

favorecendo e contribuindo para que o indivíduo atinja suas expectativas quanto à

realização pessoal, edificando sua identidade no campo social. Em conseqüência disso,

o reconhecimento ainda pode estimular a transformação do sofrimento em prazer

(Dejours, 2004).

No entanto, segundo o autor, se o reconhecimento for direcionado à pessoa do

trabalhador e não à sua obra, isto implica um desconhecimento acerca de seu

sofrimento, de seu mérito, colocando em risco toda a complexidade da relação

sofrimento-prazer.

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CAPÍTULO II

A REESTRUTURAÇÃO DO TRABALHO BANCÁRIO

1. A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Zamberlan e Salerno (1987, p.177) apresentam a “melhor” definição de bancos,

sob o ponto de vista empresarial: “são empresas que tomam recursos através de um

sistema de captação para proceder a uma posterior aplicação, estabelecendo para isto,

algumas normas de trabalho e utilizando-se de alguns instrumentos”. Nesse sentido, a

figura do cliente surge como uma peça fundamental para a concretização deste processo

(captação/aplicação), considerado como o começo e o fim da linha.

Ao longo dos anos, o processo de trabalho nos bancos vem sofrendo profundas e

rápidas modificações decorrentes das diversas mudanças tecnológicas e organizacionais

que ocorrem no seu dia-a-dia (Brandimiller, 1994). Para Merlo e Barbarini (2002), essa

progressiva modificação é verificada seja na infra-estrutura disponibilizada a clientes e

funcionários, em termos do funcionamento interno das agências, seja quanto à forma de

tratamento dado aos clientes e até mesmo quanto à natureza dos produtos ofertados,

conforme apresentamos a seguir.

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1.1. DA DÉCADA DE 60 AO FINAL DA DÉCADA DE 80: O INÍCIO DAS

MUDANÇAS

O início da década de 60 marcou uma época em que os bancos brasileiros

iniciavam uma trajetória de transformações constantes, visando à manutenção da

lucratividade em um mercado extremamente competitivo, fazendo com que a principal

estratégia fosse uma maciça captação de clientes, acarretando numa multiplicação do

número de agências bancárias (Campello & Silva Neto, 1996).

Após a reforma bancária de 1964, houve um acréscimo no volume de serviços

prestados pelos bancos devido ao crescimento econômico e à diversificação dos

serviços prestados, dentre os quais recebimento de tributos, contribuições da

previdência social, operações de cobrança, venda de seguros, administração de diversos

tipos de investimentos, além de oferecer linhas de crédito e outros serviços (Merlo &

Barbarini, 2002).

No final dos anos 60, como nos lembra Garcia (1999), a flexibilidade que existia

nos sistemas de relações de trabalho ressurgia como o meio mais eficaz para justificar o

aumento do grau de exploração da capacidade do trabalhador. Ocorreram pressões

políticas por parte das empresas quanto às novas formas de gestão e uso da mão-de-

obra, estruturas de remunerações e processos de admissão e dispensa, além de uma certa

agilização para que se acelerasse o processo de informatização. Caracterizava-se, assim,

o período de implantação de computadores de grande porte em centros de

processamento de dados ou CPD’s (Brandimiller, 1994).

Para Garcia (1999), a consolidação dessas novas formas de relações de trabalho

não se deu de forma pacífica e espontânea, ocorrendo uma resistência por parte dos

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trabalhadores e um crescimento do movimento sindical nas economias avançadas,

possibilitando o amadurecimento dos processos de barganha coletiva. Foi em meio a

esse contexto que surgiu o sindicalismo no setor bancário, passando a ser idealizado

como um instrumento dos trabalhadores na luta de classes e refletindo num conflito de

interesses entre os trabalhadores e os capitalistas.

Dentre as diversas mudanças nas relações de trabalho ocorridas naquela época, a

redução da jornada de trabalho sem perda salarial passou a ser avaliada e foi citada pela

autora como sendo a reivindicação mais antiga dos sindicatos. Esta bandeira sindical,

iniciada na Europa Ocidental como uma solução para o chamado desemprego

tecnológico proveniente da informatização, surgiu como uma tendência a se generalizar

por toda a classe trabalhadora. Após a conquista da redução da jornada de trabalho sem

perdas salariais, a luta da categoria sindical passou a girar em torno das

regulamentações do trabalho assalariado no país.

1.1.1 A INFORMATIZAÇÃO

O final da década de 70 foi marcado pelo advento da chegada dos equipamentos

informatizados conectados aos CPD’s às agências, iniciando o chamado sistema on-line

(Brandimiller, 1994) e a automatização de boa parte das operações bancárias realizadas

pela retaguarda (Silva, Fraga, & Silva Filho, 1995).

No entanto, com a implantação do Plano Cruzado em 1986 (cujo objetivo era a

estabilização da economia, a contenção da inflação e dos lucros financeiros), iniciou-se

uma intensa reestruturação operacional nos bancos (Merlo & Barbarini, 2002). O

processo de automação bancária foi caracterizado por uma universalização e agilização

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do sistema on-line, além da busca pela redução de custos operacionais e da

intensificação do uso do capital instalado (Brandimiller, 1994). Pereira e Crivellari

(1991, p. 108) apontam que este período foi caracterizado por uma “redução do

emprego em números absolutos, como conseqüência da automação bancária”, contra-

balanceada pela expansão do sistema financeiro.

Os equipamentos instalados, os chamados caixas automáticos, seriam capazes de

fornecer ao cliente desde o saldo em conta corrente até o valor atualizado dos

investimentos em fundos, poupança, etc. Além disso, já era possível efetuar saques,

receber talões de cheques ou realizar transações do tipo transferência de valores de uma

agência para qualquer outra no país (Malaguti, 1996).

Os bancos optaram por uma racionalização e otimização do uso da informática,

pelo fechamento de agências, pela exclusão de contas pequenas (consideradas não-

rentáveis) e demissões progressivas de funcionários (Merlo & Barbarini, 2002). Dessa

forma, essa etapa foi caracterizada pela intensa instalação de terminais de atendimento

para uso direto dos clientes, nas agências e fora das mesmas (Brandimiller, 1994). O

processamento mais rápido das informações, numa visão empresarial, era um atrativo

para os clientes, além de gerar uma imagem positiva para o banco, configurando-o

como sendo mais confiável, ágil e moderno (Campello & Silva Neto, 1996).

Segundo os autores acima, as alterações implementadas com a informatização

trouxeram uma série de vantagens para a empresa: redução do tempo necessário à

execução das operações, dispensa de mão-de-obra da retaguarda (serviços de

compensação) e redução de custos, entre outras. Com isso iniciou-se uma etapa de

maciça redução do número de empregados do setor bancário e o investimento feito em

automação passou a ser encarado como primordial ao bom desempenho do banco no

mercado.

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No entanto, os funcionários não viam a situação da mesma maneira que a

empresa. Os autores citam que, na opinião dos bancários, o processo de automação

estava transformando drasticamente o seu trabalho, acarretando num acréscimo do

volume de trabalho individual e da padronização das tarefas, além de aumentar o

controle sobre os tempos e qualidade dos serviços prestados.

1.1.2. A MUDANÇA DE STATUS DA PROFISSÃO

Várias modificações também ocorreram quanto ao status da profissão de

bancário. Lembramos, por exemplo que, nos anos 40 e 50, exigia-se que os

trabalhadores tivessem um diploma de contabilidade para poderem ingressar na carreira

de bancário (Zamberlan & Salerno, 1987) e até os anos 60, os mesmos dominavam um

conhecimento vasto sobre todo o trabalho desempenhado dentro do banco (Segnini,

1998). Merlo e Barbarini (2002) citam que, devido às mudanças que ocorreram no

âmbito do cenário econômico, entre os anos 70 e 80, os bancários passaram a ter seu

trabalho fragmentado e a atuar de forma rotineira, convivendo com uma alta taxa de

rotatividade.

Devido às inovações introduzidas pelo processo da automação, os bancários

viam sua profissão se desqualificando (Silva et al., 1995). O funcionário mais antigo,

antes detentor de saberes da contabilidade, começava a ser substituído por trabalhadores

novatos, cujo nível de conhecimento exigido era bem menor. E já no início da década de

90, o trabalho bancário passava a ser executado por jovens sem expectativas de

permanecer na atividade, contribuindo assim para uma degradação do status da

profissão (Merlo & Barbarini, 2002).

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1.2. O INÍCIO DA DÉCADA DE 90: A INTENSIFICAÇÃO TECNOLÓGICA

Garcia (1999, p.4) cita que “as pressões por uma maior flexibilização das

relações de trabalho se intensificaram na década de 1990, motivadas pelo processo de

abertura econômica, que impôs a necessidade de uma reestruturação em todos os setores

da economia brasileira”. No entanto, as relações de trabalho vigentes até então no país

não se mostravam tão rígidas, elas eram caracterizadas por um elevado turn-over (taxa

de rotatividade) da mão-de-obra, reduzido quadro de pessoal permanente e baixos níveis

salariais, ao mesmo tempo em que eram assegurados direitos legais que, inicialmente,

dizia-se servir como objeto compensador para os baixos níveis de remuneração.

Assim, segundo a autora, a década de 90 teve seu início marcado por evidentes

mudanças no mercado de trabalho, tanto no Brasil, quanto no exterior, com tendências

ao enxugamento do quadro de pessoal nas grandes empresas, tudo isso sob um regime

de trabalho marcado pela instabilidade no emprego e por baixos níveis salariais. Foi

nesse período que a disseminação dos processos de automação microeletrônica e de

terceirização aconteceu, contribuindo para o agravamento da redução do emprego no

setor bancário.

Através de um alto investimento realizado e de inovações nos processos técnicos

e organizacionais, privilegiando a aliança entre a redução de tempos improdutivos e a

ideologia da qualidade ou excelência empresarial (Pereira & Crivellari, 1991), a

automação possibilitou que muitas transações bancárias fossem realizadas fora do

ambiente interno dos bancos, permitindo, através da microinformática, que os clientes

fizessem operações através de conexões diretas com o banco (home-baking, office-

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baking, internet-baking) ou mesmo através de salas de auto-atendimento, localizadas

fora da agência (Merlo & Barbarini, 2002).

Os caixas automáticos foram instalados de forma rápida e crescente, e isso,

segundo os autores, acarretou modificações estruturais físicas às agências, diminuindo

seus tamanhos e transformando-as em pontos de negócios com atividades altamente

especializadas.

Durante esse período, Malaguti (1996) realizou uma pesquisa na cidade de

Campina Grande, PB, objetivando a apreensão dos aspectos norteadores da

reorganização do trabalho bancário. Conforme a apresentação de um dos seus relatos,

alguns gerentes de bancos acreditavam que as tecnologias microeletrônicas foram

introduzidas no cotidiano dos bancários a fim de criar uma dinâmica de racionalização,

ou seja, “elas vieram para facilitar a vida dos clientes, agilizar os serviços e liberar os

funcionários das atividades rotineiras” (p. 55), redirecionando seus esforços produtivos

para atividades mais criativas e que dependessem mais da iniciativa ou do contato

humano (como era o caso da venda de seguros).

No entanto, segundo o autor, a opinião dos caixas bancários divergiam

completamente da sua gerência, pois o que mais chamava a atenção dos mesmos era o

fato de os clientes encontrarem dificuldades no manuseio dos equipamentos eletrônicos,

principalmente aqueles mais humildes e sem muita ou nenhuma instrução (analfabetos),

além, é claro, dos idosos. Quanto ao redirecionamento dos esforços para atividades mais

criativas, na prática existia uma enorme distância entre o discurso e a realidade da

informatização, já que esta não se efetuava para permitir um trabalho mais criativo e

gratificante por parte dos funcionários, além de que, na visão dos caixas, também não se

pretendia que ela propiciasse a agilização dos serviços bancários em geral.

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Na compreensão de Malaguti, a modernização tecnológica dos bancos por ele

pesquisados promoveu não apenas um clima de insatisfação entre os bancários, como

também um clima de enorme tensão frente à instabilidade do emprego, já que, para eles,

a informatização identificava-se com trabalho mais intenso e rotinizado (banal, como

muitos classificam), além do acréscimo de horas extras trabalhadas e,

conseqüentemente, um atendimento menos personalizado e eficiente ao cliente.

Segundo o autor, referindo-se à fala de um gerente quanto à inovação tecnológica, “o

computador não desqualifica o bancário; ele simplesmente torna a qualificação

supérflua” (p.68).

1.3. O PLANO REAL (1994)

Um dos maiores propulsores para o início das mudanças qualitativas no setor

bancário, ocorreu após a implantação do Plano Real, em 1994, causando, inclusive,

transformações importantes na organização do trabalho, tais como dispensa de pessoal e

novas formas de gestão do trabalho, além das exigências sobre a qualificação e

comprometimento dos bancários (Merlo & Barbarini, 2002). Ou seja, aprofundou

internamente o processo de reestruturação inscrito anteriormente, com reflexos

diretamente no âmbito do trabalho, de mudanças nas suas relações e na forma de

desemprego (Garcia, 1999).

Milhões de trabalhadores, como bem situa Jinkings (2004), foram atingidos pela

reestruturação do mercado de capitais. No entanto, foi a categoria dos bancários que

vivenciou de modo singular essas transformações, já que está vinculada diretamente aos

movimentos que são comandados pelo capital financeiro.

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O processo de concentração bancária nesse período foi acelerado e motivado

pelo processo de privatização dos bancos estaduais e pela abertura ao capital externo

(Garcia, 1999). A autora cita que foi implantado, na prática, o novo ajuste estrutural

empreendido para o setor, o qual foi baseado em três frentes de ação: demissões em

massa, acompanhada do fechamento de agências; automação dos serviços de

atendimento ao público e aumento de contratação de mão-de-obra terceirizada. Dessa

forma, na opinião de banqueiros, o impulso das atividades de negócios passou a ser uma

condição prioritária para a sobrevivência dos bancos (Jinkings, 2004).

Além da modificação da estrutura física, a estrutura organizacional e a forma de

gestão das agências também passaram por algumas mudanças, principalmente no

tocante ao modo de trabalhar em equipe, dando maior poder decisório aos trabalhadores

e uma especial atenção à qualidade no atendimento ao cliente. A maior tendência, no

entanto, foi a diminuição dos níveis hierárquicos, passando a existir apenas os níveis de

gerente e atendente (Merlo & Barbarini, 2002).

Os autores relatam que as exigências anteriores sobre as quais o trabalho

prescrito do bancário deveria ser seguir fielmente o manual, já não eram mais

suficientes. Após a implantação do Plano Real, e diferentemente da desqualificação

brutal decorrente da informatização iniciada no final dos anos 70, o trabalhador

bancário foi levado a desenvolver novas competências requeridas pelas demandas

introduzidas a partir deste período, configurando-se num movimento cuja tendência

predominante apontava para um outro tipo de qualificação, a fim de poder cumprir com

suas novas funções. Com efeito, ele deveria ter amplo conhecimento do mercado

financeiro, dominar a tecnologia que possibilitava a simulação de operações financeiras,

ter habilidade de relacionamento com clientes e com a equipe de vendas, além de saber

lidar com as tarefas não prescritas.

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Segundo Jinkings (2004), a reorganização do sistema bancário brasileiro

implicou em profundas modificações nos ambientes laborais, acarretando numa

devastadora diminuição da população trabalhadora do setor. Em sua pesquisa, a autora

relata os dados fornecidos pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e

Estudos Sócio-Econômicos) de 2001, o qual registrou que “dos cerca de um milhão de

bancários regularmente contratados no setor, em meados da década de 1980, restavam

388 mil ao término do ano 2000”.

1.4. O NOVO MILÊNIO

O novo milênio foi marcado pela invasão do suporte teleinformático no sistema

bancário, fato que provocou um grande desligamento do pessoal envolvido com os

grandes centros de processamento de dados, de serviços e de compensação. Além disso,

a progressiva difusão do cartão magnético, em substituição ao papel-dinheiro,

transformou as agências bancárias em lojas informatizadas de produtos e serviços

financeiros (Jinkings, 2004).

Segundo a autora, uma nova fase se iniciava no sistema bancário caracterizada

como uma estratégia de diferenciação mercadológica que visava à venda de produtos e

serviços financeiros: a era da excelência do atendimento. Essa estratégia deveria ser

executada pelo bancário-vendedor, que já estaria capacitado a oferecer um atendimento

integral ao cliente e a negociar os produtos e serviços disponibilizados pelo banco,

objetivando atingir as metas impostas pela sua gerência. No entanto, esse fato gerou

uma verdadeira redefinição da identidade dessa categoria profissional.

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A pressão exercida por parte da supervisão burocrática para um aumento da

produtividade e da intensificação do trabalho, resultou num sistema de remuneração

variável, maximizando, por sua vez, a exploração do trabalho e conduzindo os

trabalhadores a manterem relações de convivência tensas nos ambientes laborais.

Especificamente, tratando-se dos caixas executivos (nomenclatura aplicada aos

caixas durante a primeira fase da informatização bancária), Jinkings (2004, p. 236) narra

que “a jornada diária segue marcada pela sobrecarga de trabalho e pela tensão

permanente expressa no medo de diferenças de caixa”. Esse ponto de vista, corroborado

por Brandimiller (1994), aponta para a evidência de ser requerido desses trabalhadores

um elevado grau de atenção, quaisquer que fossem as operações realizadas.

Esta atenção permanente e concentrada gerava infortúnios, como era o caso dos

erros e faltas no fechamento do caixa. Além do mais, como bem se refere Malaguti

(1996), devido ao fluxo intenso das filas, os caixas são (ou sentem-se) constrangidos em

atender um vasto número de clientes num curto intervalo de tempo, acelerando o ritmo

de trabalho (Campello & Silva Neto, 1996) e reduzindo, ou pior, não respeitando o seu

direito a efetuar intervalos (pausas) de 10 minutos a cada 50 minutos trabalhados

(Brandimiller, 1994). Portanto, destaca-se daí um dos fatores geradores da tensão,

acabando por contaminar o tempo livre de trabalho (Jinkings, 2004).

No entendimento de Campello e Silva (1996), portanto, a atividade laboral dos

caixas é normatizada, executada de forma repetitiva e com poucas alternativas para

modificações, não possibilitando, portanto, a expressão da criatividade. Ela exige dos

trabalhadores um grande esforço para a adaptação, transformando-se num dos fatores de

risco para o sofrimento mental e desgaste físico.

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2. AS MUDANÇAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

2.1. A “DESHIERARQUIZAÇÃO”4

As práticas de aumento da produtividade e da intensificação do trabalho,

pautadas numa tentativa de seguir os critérios patronais de competência, acarretam uma

série de agravos às condições de saúde dos bancários. Como exemplo, Jinkings (2004,

p. 221) cita o caso dos Programas de Desligamento Voluntário (PDV), que impulsiona

ainda mais a extinção de postos de trabalho e a redução do contingente físico,

implicando numa “disseminação do medo e da ansiedade nos locais de trabalho”.

Conforme sugere Malaguti (1996), a mobilidade funcional e espacial é resultante

de um processo que visa à diminuição de chefias (relativização das hierarquias),

objetivando uma forma de agilizar as tomadas de decisões. Os Cursos de

Aperfeiçoamento começaram a ser criados pelos bancos, a fim de darem suporte à

“deshierarquização” e aos novos processos de diversificação das atividades

desempenhadas pelos bancários. No entanto, para Merlo e Barbarini (2002), estes

cursos, apesar de promoverem um aumento da qualificação dos bancários, em

4 O termo “Deshierarquização” é utilizado por Malaguti (1996) e, por este motivo, repetimos a grafia apesar de não constar no dicionário.

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contrapartida aumentavam a carga de trabalho e pressões, pois os treinamentos eram

realizados (muitas vezes) fora do horário de trabalho e em finais de semana.

Além disso, grande parte das requalificações, que anteriormente eram

promovidas pela empresa, passou a ficar sob a responsabilidade do próprio bancário e

tornaram-se pré-requisitos para promoções, novas contratações e até para a sua

manutenção no emprego.

2.2. A INSERÇÃO FEMININA NO SETOR BANCÁRIO

Conforme Segnini (1998), a inserção da mulher no trabalho bancário se deu,

sobretudo, em tempo parcial e majoritariamente na função denominada escriturária.

Porém, desde o final da década de 60, os bancos estatais convencionaram-se a realizar o

seu processo de seleção de funcionários via concurso público, numa tentativa de se

impedir as práticas discriminatórias no trabalho, o que passou a ser uma determinação

legal.

A intensificação do trabalho feminino nos bancos se desenvolveu durante o

processo de transformações que o sistema bancário brasileiro experienciou, quando da

implementação da informatização. Porém, foi apenas no final dos anos 90 que o

crescimento da participação das mulheres tomou um impulso, fato provocado pelas

mudanças organizacionais que privilegiavam o atendimento aos clientes (Segnini, 1994;

2001).

Ao se referir apenas à categoria dos caixas bancários, Mouliin (1997) aponta em

sua pesquisa que, de acordo com dados do DIEESE/Sindicato dos Bancários de São

Paulo (1997), o percentual de mulheres bancárias, que em 1990 era de 42,66%, subiu

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para 46,37% em 1996, mesmo considerando-se um declínio na empregabilidade dos

bancários, equivalente a 25,78%, no mesmo período.

3. O TRABALHO DO CAIXA BANCÁRIO

Há alguns anos e ainda hoje em dia, percebemos que as atividades bancárias, e

ainda mais especificamente a atividade dos caixas bancários, são executadas de forma

rotineira, parcelada e repetitiva (Zamberlan & Salerno, 1987). Segundo os autores, os

documentos são manipulados via um fluxo pré-estabelecido, tornando-se cada vez mais

evidente o uso de processamentos eletrônicos como uma vantagem na execução de

determinados serviços.

Os caixas bancários, de acordo com as observações dos autores, geralmente

posicionados na chamada ponta da linha das agências, juntamente com a equipe da

retaguarda (suporte aos serviços desempenhados pelos caixas), prestam serviços de

atendimento diretamente ligados aos clientes, envolvendo valores, recebimentos e

pagamentos.

Silva et al. (1995) relatam que a implantação da informatização refletiu na

função do caixa bancário quanto à sua condição dentro da empresa, passando este a ser

executivo.

Antes da automatização dos sistemas de processamento de dados, a atividade

dos caixas bancários era norteada pelo tamanho da fila de clientes (alvo de pressão) e

sua produtividade era mensurada pela quantidade de autenticações efetuadas e

registradas numa fita do terminal do computador (Jinkings, 2004). De acordo com

Campello e Silva Neto (1996) a jornada de trabalho desse segmento de bancários é

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dividida em três momentos fundamentais: compensação, atendimento ao público e

fechamento do caixa. O crescimento no volume de trabalho na década de 90, não

provocou um incremento proporcional do número de empregos oferecidos no setor,

muito pelo contrário, pois na medida em que o trabalho tornava-se cada vez mais

desqualificado e desvalorizado, o índice de desemprego e depreciação do salário

também crescia.

Conforme os autores, com o passar do tempo, algumas das atividades dos caixas,

como fazer o trabalho de compensação, foram repassadas aos outros setores dentro da

agência, como a retaguarda, por exemplo. Como cita Malaguti (1996), os caixas

bancários já foram chamados de gerentes de clientes, em decorrência do processo de

relativização das hierarquias. Estes profissionais começaram a trabalhar com

computadores sofisticados e caracterizavam-se por uma aparência impecável, atuando,

muitas vezes, como vendedores de seguros e assessores para investimentos. Segundo

Jinkings (2004, p. 235-236), “um comportamento cortês e servil ao cliente era exigido

desse trabalhador, que, todavia, deveria seguir normas (muitas vezes extremamente

rígidas) relativas a tempo de atendimento e exigências de produtividade”.

A autora relata um estudo de Dressen e Roux-Rossi, cujas análises feitas em

bancos franceses apontam para um declínio da cultura administrativa, na qual o

trabalho dos bancários está vinculado a tarefas rotineiras e ao tratamento impessoal.

Vislumbra-se uma nova etapa da organização bancária, na qual se privilegia a cultura do

bancário em contato com o cliente. Surge assim o bancário-vendedor.

Hoje em dia, ainda em decorrência desta prática de mudanças organizacionais,

desde o dia 01 de Janeiro de 2006, a Caixa Econômica Federal assumiu o compromisso

de extinguir as funções de confiança de caixa flutuante e caixa executivo, criando um

cargo em comissão, cuja nova nomenclatura é a de “caixa de ponto de venda” (como

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são conhecidas administrativamente as agências bancárias), segundo informações

retiradas do site da Federação dos Bancários do Estado do Pará (2006).

De acordo com o site da Federação dos Bancários do Rio Grande do Sul (2006),

a criação do Caixa PV visa à redução de vagas previstas para Caixas bancários e

promove o corte no número atual desta função em várias unidades, algumas com

redução de até 50%.

Para os bancos, na opinião de Zamberlan e Salerno (1987), a maior fonte de

incerteza é o movimento dos clientes dentro da agência, fato que não pode ser

controlado diretamente pela administração bancária. Os autores comentam que, segundo

suas observações, os clientes são os responsáveis diretos pela dinâmica da agência, pois

sua chegada provoca alterações no ritmo de trabalho. Inicia-se, então, uma ação

intensificada quanto à função de atendimento, ou seja: atrair clientes e apresentar

menores filas nos guichês de caixas e balcões.

Segundo os autores, o movimento dos clientes e os tempos considerados

necessários para se desempenhar uma determinada função, passar a servir de dados

estatísticos para que os bancos definam um número ótimo de pessoas necessário em

cada agência. No entanto, este número ideal nem sempre é respeitado, muitas vezes

sendo precário e inadequado ao atendimento ao público.

É de fundamental importância ressaltar o que observam Zamberlan e Salerno

(1987) em suas pesquisas quanto à relação cliente/caixa/banco: a pressão que os clientes

exercem sobre os caixas ao requisitarem as suas demandas pessoais acarreta uma maior

velocidade com que estes executam suas atividades. No entanto, os autores indicam que

os estudos que tentam dimensionar o número ideal de funcionários por agência,

tomando por base o movimento dos clientes, obtêm como conseqüência a geração de

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um processo de pressão sobre os bancários, tornando o ritmo de trabalho mais

intensificado, tudo isso aliado a uma tentativa de não prejudicar o atendimento ao

público e nem denegrir a imagem do banco perante este.

Campello e Silva Neto (1996) lembram ainda que a função de caixa é

considerada uma função técnica com procedimentos normalizados e mesmo que o caixa

esteja subordinado a todas as chefias, ele tem o direito de negar-se a cumprir uma

determinada ordem que venha a desrespeitar as regras gerais da empresa, submetendo-

se a obedecê-la, caso a gerência se responsabilize pelas conseqüências.

Devido à forte pressão da administração superior quanto ao atingimento das

metas, à quantidade de autenticações e à venda de produtos, a jornada diária de trabalho

de um caixa executivo configura-se por uma sobrecarga e por uma tensão permanente

expressa pelo medo das diferenças de caixa (Jinkings, 2004). Para Xavier e Motta

(1995), os bancários são acometidos por um tipo particular de sofrimento mental,

provocado por fatores relacionados aos ambientes laborais e que os enquadra mais

especificamente nos distúrbios psicofisiológicos.

Campello e Silva Neto (1996, p. 124) resumem muito bem o que ocorre

administrativamente quando a jornada diária de trabalho do caixa executivo se encerra e

chega a hora de executar o fechamento do caixa:

“No fechamento do caixa, após o atendimento ao público,

o caixa deve proceder à conferência dos valores

registrados no terminal, juntando os documentos

comprobatórios das operações e a fita de autenticação. Se

houver diferença no caixa, para além do valor somado e

comprovado, deve esse valor ficar em poder do banco; se

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houver falta de dinheiro, o caixa deve restituir esse valor

ao banco, do próprio bolso.” (frisos nossos)

Houve tempo em que, segundo Zamberlan e Salerno (1987), o trabalho bancário

era tido como limpo, intelectual, ou seja, o trabalho bancário transmitia uma imagem de

que se realizava dentro de um “ambiente limpo, não insalubre ou perigoso” (Campello

& Silva Neto, 1996, p. 113), isto se comparado às condições às quais estavam expostos

os trabalhadores de atividade tais como a metalurgia ou a construção civil. Todavia, na

concepção destes autores, é cada vez mais crescente a quantidade de problemas de

saúde gerados pelo trabalho dentro de agências bancárias, principalmente após o

advento das novas tecnologias, como a informatização.

Em nosso estudo, priorizamos apreender a relação trabalho e saúde mental de

caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal, da cidade de João Pessoa –

PB, voltando nossa atenção, principalmente, para as vivências subjetivas de prazer e

sofrimento destes trabalhadores.

4. O BANCO ESTATAL PESQUISADO

De acordo com informações retiradas do site oficial da Caixa Econômica Federal

(2006), este órgão foi criado no ano de 1861, por decreto do Imperador Pedro II, e tinha

como finalidade conceder empréstimos e incentivar a poupança. Naquela época, o

objetivo principal era tornar a instituição um cofre seguro para as classes menos

favorecidas.

Após a Revolução de 30, o referido banco passou a operar com a carteira

hipotecária, que se destinava à aquisição de bem imóvel, além de operar com

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empréstimos em consignação. No entanto, em meados da década de 80 a instituição

começou a absorver entes públicos, como foi o caso do Banco Nacional de Habitação,

sendo considerado o maior agente nacional de financiamento da casa própria, além de

ser um financiador do desenvolvimento urbano, especialmente do saneamento básico.

Em pouco tempo começou a sedimentar estreitas relações com a população,

realizando atendimentos de necessidade imediatas, tais como: poupança, penhor, crédito

consignado, operação do FGTS, PIS, seguro-desemprego, crédito educativo, casa

própria, renda mínima, além de alimentar o sonho da riqueza, por meio das Loterias

Federais.

Nos últimos anos, por delegação do Governo Federal, começou a implementar

programas sociais de transferência de benefícios a parcelas pobres da sociedade, indo

aos lugares mais longínquos do Brasil e propiciando a inclusão bancária de milhões de

cidadãos. Segundo o discurso oficial, busca promover uma melhoria contínua na

qualidade de vida da sociedade, atuando, prioritariamente, no fomento ao

desenvolvimento urbano e nos segmentos de habitação, saneamento e infra-estrutura, e

na administração de fundos, programas e serviços de caráter social.

Além disso, a atuação da Caixa Econômica Federal também se estende aos

teatros, salas de aula e pistas de corrida, buscando sempre apoiar iniciativas artístico-

culturais, educacionais e desportivas.

É considerado o maior banco público da América Latina e, segundo seu site

oficial, sua base de clientes foi expandida em 42% entre os anos de 2003 e 2006,

passando de 23,1 milhões para 33,6 milhões de pessoas. Além disso, mais de 3 milhões

de pessoas passaram a fazer parte do sistema bancário brasileiro por meio do programa

de conta simplificada, sendo esta portanto, a maior inclusão bancária do país.

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A rede de atendimento deste banco é, atualmente, a maior do país, pois abrange

todos os 5.561 municípios brasileiros, chegando a ter mais de 17 mil pontos de

atendimento entre agências, lotéricas e correspondentes bancários.

De acordo com o site da Caixa, ela ainda oferece terminais eletrônicos, Banco

24h, Caixa Rápido, débito automático, atendimento telefônico e o Internet Banking

Caixa, além do Caixa Internacional criado exclusivamente para atender aos brasileiros

emigrados que desejem fazer suas remessas de recursos ao país.

4.1. AS AGÊNCIAS DO MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA

Localizadas nos mais diversos bairros da cidade de João Pessoa, PB, as oito5 (de

um total de dez) agências da Caixa Econômica Federal estão caracterizadas6 quanto:

• ao porte ou estrutura física: quatro de pequeno porte, três de médio porte

e as outras três de grande porte;

• à quantidade de guichês7: as agências de pequeno porte mantém até três,

as de médio porte de três a quarto e as de grande porte de cinco a oito

guichês.

Em relação ao aparato físico, de um total de quarenta e dois guichês,

constatamos a presença de apenas 33 caixas bancários efetivamente trabalhando e

desses, 14 participaram voluntariamente da nossa investigação.

5 Agências onde trabalham os voluntários da pesquisa.6 Ver anexo 3, Mapa de Caracterização das Agências.7 Locus de trabalho do caixa bancários e onde o público se comunica com o mesmo.

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CAPÍTULO III

A METODOLOGIA DA PESQUISA

1. A PERSPECTIVA METODOLÓGICA

No âmbito das organizações torna-se marcante a influência do trabalho sobre a

subjetividade de quem o executa com implicações na saúde dos trabalhadores (Dejours,

1992). Para Neves, Athayde e Muniz (2004), corroborando com Dejours, não é possível,

entretanto, conceber a idéia de que as condições de saúde para os trabalhadores estão

garantidas num local de trabalho ideal. Isso se justifica à medida que as situações se

modificam e que mudam também os desejos e perspectivas de conquistas por parte dos

sujeitos, demandando em condições de mobilização por novas melhorias.

Nosso interesse ao realizar esta pesquisa está em apreender a relação trabalho e

saúde mental de caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal, da cidade de

João Pessoa, PB, compreendendo em que medida o modo pelo qual os trabalhadores

vivenciam sua situação atual de trabalho pode ser um reflexo das mudanças

organizacionais e tecnológicas implantadas nos bancos.

Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) argumentam que as vivências subjetivas de

sofrimento e prazer no trabalho apresentam-se como objetos não quantificáveis e que a

sua avaliação deve passar por um processo de objetivação não-habitual.

Segundo Orofino e Zanello (apud González-Rey, 2002) a pesquisa deve ser feita

pela construção dinâmica, pelo intercâmbio interdisciplinar e pelo cotidiano das

vivências geradas pela relação pesquisador-pesquisado.

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Ao realizarmos o trabalho de campo, tivemos acesso ao permanente processo de

estabelecimento de relações entre os pesquisados e seu ambiente de trabalho, assim

como verificamos a construção de eixos relevantes de conhecimento (González-Rey,

2002) dentro do cenário no qual está imerso o problema pesquisado, o que nos conduziu

a uma produção permanente de idéias.

Em nosso estudo buscamos transpor os obstáculos mais corriqueiramente

encontrados pelos pesquisadores ao analisar os dados recolhidos no campo, ou seja:

• Minayo (2004) cita o que Bourdieu denomina de a ilusão da

transparência, ou seja, tentar eliminar o perigo da compreensão

espontânea, pois entende-se que o real nem sempre se mostra nitidamente

ao observador;

• não sucumbir à magia dos métodos e das técnicas, buscando sempre ser

fidedigno às significações encontradas no material e nas referidas

relações sociais dinâmicas;

• e, por último, ter um bom embasamento teórico a fim de evitar a

dificuldade de se articular teorias e conceitos abstratos com os dados

colhidos no campo.

Não nos propusemos a realizar um levantamento de dados onde somente iríamos

atribuir um significado ao acúmulo de informações produzidas na etapa de interpretação

de resultados, já que partimos do pressuposto de que, conforme apresentado por

González-Rey (2002, p. 97) “o curso da produção de informação é, simultaneamente,

um processo de produção de idéias em que toda nova informação adquire sentido para a

pesquisa”. Enquanto pesquisadoras, levamos em consideração o aspecto singular do

nosso próprio caminho interpretativo, pois este tipo de pesquisa nos diz que a

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interpretação é vista como a base da própria ação de pesquisa, estando presente em

todas as fases da mesma, isto é: na construção das questões norteadoras, na interação

pesquisador / pesquisado e na produção e interpretação dos achados da investigação. Ao

longo do trabalho de campo, na condição de pesquisadoras, encontramos novas e úteis

informações que deram um novo significado à pesquisa, e que não foram previstas

quando da definição do problema.

Optamos, portanto, pelo uso da abordagem da pesquisa qualitativa, com

realização de trabalho de campo, onde a nossa presença como pesquisadora foi uma

constante dentro da instituição bancária, entendida como um laboratório natural

(Keyser apud Athayde, 1996) para a investigação da atividade de trabalho e saúde dos

caixas bancários.

De acordo com Athayde (1996), a atividade de trabalho, vista como objeto de

pesquisa, possui certas características originais:

• é um objeto que não foi dado, mas constituído/reconstituído com os

sujeitos envolvidos no trabalho;

• não pode jamais ser apreendido diretamente, pois é através do diálogo e

da confrontação dos pontos de vista que a representação da atividade é

construída, assim como seus processos subjacentes e conseqüências

experimentadas pelos sujeitos sobre a sua saúde e sua vida fora do

trabalho;

• é um processo e não, como pensava-se, um objeto estabilizado, ao

contrário dos produtos desta atividade, como a performance (quantidade

e qualidade do trabalho).

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Ao apreender que os trabalhadores elaboram os seus próprios modos operatórios,

Guérin et al. (2001) evidenciam a importância dada à observação da atividade em uma

situação real de trabalho, visto que esta possibilita a realização de uma análise do

trabalho real num cenário marcado por variabilidades da produção e por

constrangimentos temporais impostos pelas condições de trabalho, conforme vimos no

capítulo I desta dissertação. Segundo os autores, ainda é possível verificar o esforço

feito pelos trabalhadores pela redução dessas variabilidades.

Salientamos que os trabalhadores não estão expostos apenas às variabilidades

industriais (provenientes da empresa). Segundo estes autores, o trabalhador médio não

existe, ou seja, como cada trabalhador tem a sua própria história, sua própria experiência

de vida, cada um experimenta um evento de forma diferente. A atividade recria saberes

e valores intrínsecos ao próprio trabalhador (Schwartz, 1999). Mesmo que dois

trabalhadores distintos apresentem resultados idênticos ao final de uma jornada de

trabalho, os esforços e raciocínios empregados e a fadiga resultante nunca são os

mesmos para ambos. A esses esforços ainda podem ser somadas as variações de estado

de cada um, que podem depender da carga de trabalho do dia anterior ou mesmo de

fatores biológicos, como por exemplo o envelhecimento.

Para Guérin et al. (2001), a linguagem dos trabalhadores não é óbvia. Suas falas

são atreladas ao contexto ao qual estão inseridas, ao momento em que são questionados

e ao desejo de responder satisfatoriamente ao que o pesquisador solicita. Esses fatores,

certamente, os conduzem a não serem capazes de se expressar facilmente através de

verbalizações.

De acordo Schwartz (1999), os saberes dos trabalhadores se distinguem

diferentemente, de maneira não linear, não disciplinar, ancorados em histórias e

situações concretas por eles vivenciadas. Se por um lado, existe uma enorme tendência

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a fabricar saberes que se tornam modelos alheios ao tempo, por outro há uma tendência

ligada ao retrabalho da experiência e à micro fabricação de histórias. Desta forma, o

autor aponta quão grande passa a ser a dificuldade desse encontro, ou seja, a dificuldade

que os trabalhadores têm de traduzir em palavras aquilo que para eles é experiência, o

que nos conduz a uma busca por ferramentas mais adequadas a esta compreensão.

Vasconcelos e Lacomblez (2004) nos remetem aos estudos realizados no final

dos anos 60 na indústria italiana por Ivar Oddone e seus investigadores. Eles

perceberam que havia algo que não estava funcionando no diálogo com os

trabalhadores, pois os mesmos eliminavam aquilo que pensavam ser óbvio para os

investigadores. Descobriu-se, então, que os trabalhadores não tinham condições de

transmitir a sua competência, já que se tratava de uma competência implícita, tácita e

que não era possível de se verbalizar.

Diante destas dificuldades e ao evidenciar a valorização da experiência pessoal

do trabalhador, privilegiando a expressão oral, a narração e a memória das atividades,

Ivar Oddone desenvolveu o método conhecido por Instrução ao sósia, o qual induz o

sujeito entrevistado a um processo de externalização, colocando-o numa posição de

fornecer comentários e narrações acerca da sua própria experiência de trabalho

(Vincenti, 1999).

2. OS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Participaram voluntariamente da pesquisa, quatorze caixas bancários efetivos de

ambos os sexos e de diferentes idades, nível de escolaridade e tempo de serviço

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bancário, sendo estes funcionários de oito (de um total de dez) agências da Caixa

Econômica Federal, localizadas na cidade de João Pessoa, PB.

Os quatorze participantes estão caracterizados de acordo com a sua identificação

pessoal e profissional8. Quanto à sua caracterização pessoal, registramos que são dez

homens e quatro mulheres; a faixa etária varia entre 37 e 49 anos; sete são casados, dois

solteiros e cinco divorciados; todos os casados ou separados têm filhos, sendo uma

média de dois por pessoa; onze dos participantes têm formação de nível superior (nas

mais diversas áreas: Contabilidade, Arquitetura, Administração, Engenharia Civil e

Direito) e os outros três têm nível superior incompleto; a renda pessoal dos participantes

está próxima dos R$ 2.500,00 (Dois Mil e Quinhentos Reais), sendo que sete deles

mantêm suas famílias com esta única renda; os dois solteiros mantêm-se também apenas

com essa renda e os outros cinco têm uma renda familiar (juntamente com os cônjuges)

que, atualmente, chega aos R$ 5.000,00 (Cinco Mil Reais).

Quanto à caracterização profissional, todos eles foram admitidos via concurso

público; o tempo de trabalho na empresa varia entre 16 e 27 anos e apenas na função de

caixa bancário entre 6 e 23 anos; dentre os participantes da pesquisa, quatro exercem

algum tipo de atividade laboral além da bancária, porém esporadicamente.

Ao final da apresentação dos participantes, sinalizamos algumas das dificuldades

e conquistas vivenciadas durante a trajetória do nosso trabalho de campo e comentamos

os procedimentos e instrumentos de produção e análise de dados da pesquisa.

8 A planilha Mapa de Caracterização dos Participantes (anexo 4) apresenta um resumo quanto à identificação pessoal e profissional dos participantes da pesquisa.

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3. O TRABALHO DE CAMPO

Realizamos um trabalho de campo9 dinâmico e permanente em todos os

momentos da pesquisa (González-Rey, 2002), seguindo um processo de construção e

interpretação da atividade dos caixas bancários da Caixa Econômica Federal. Optamos

pelo uso de instrumentos como entrevistas e observação da atividade numa busca pela

leitura da realidade social a qual nos propusemos estudar.

Assim, ao iniciarmos nossas visitas às agências da Caixa Econômica, localizadas

todas na cidade de João Pessoa, PB, fomos entregando pessoalmente aos Gerentes

Gerais ou Gerentes de Relacionamentos10 uma carta (anexo 1) da orientadora da

pesquisa, na qual estavam situados os nossos objetivos e nos apresentava como

pesquisadora. A aceitação por parte das gerências foi unânime.

Após a obtenção da autorização por parte dos responsáveis pelas unidades

bancárias, a etapa seguinte foi estabelecer um contato informal com os caixas de cada

agência visitada. Esta conversa serviu para colocá-los a par dos objetivos da

investigação e também foi uma oportunidade para indagá-los quanto à sua adesão ao

estudo, a qual deveria se dar voluntariamente, enfatizando que todos os participantes e

as agências nas quais estavam alocados seriam mantidos no anonimato.

3.1. A ENTREVISTA

Triviños (1987) relata que, numa pesquisa qualitativa, a entrevista é um dos

principais recursos de que dispõe um investigador. Isto se justifica, pois ao partirmos de

9 Ver anexo 8, certificação do parecer técnico aprovada pelo Comitê de Ética da UFPB.10 O contato com o Gerente Geral ou Gerente de Relacionamento dependia das normas internas de cada agência visitada.

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certos questionamentos básicos, apoiados em teorias, que interessam à pesquisa,

podemos gerar novos questionamentos, dependendo do que for dito através das

respostas dos sujeitos. Sendo assim, estes são percebidos como participantes ativos do

processo investigativo.

A pesquisa baseada na fala e nos significados do meio social atribuídos pelos

participantes, apoia-se na Etnografia que, conforme Triviños (1987), tem por objetivo o

estudo da cultura, descrevendo-a, a fim de apreender seus significados. É importante

esclarecer que não foram realizadas comparações entre os discursos das falas dos

entrevistados, pois buscamos apreender e explorar o universo de verbalização específica

(Thiollent, 1985) de cada um dos caixas bancários que participaram da pesquisa.

Ouvimos os depoimentos de cada trabalhador, atentos à descrição da realidade

da sua atividade e das condições de saúde, sem a preocupação de questioná-los acerca

de verdades ou significados que extrapolavam seus relatos. Faz-se mister esclarecer que

os trabalhadores participaram espontaneamente deste estudo, pois, Dejours (1992) nos

coloca a participação voluntária como condição indispensável ao processo investigativo

sobre a saúde mental no trabalho.

Segundo o autor, é essencial que o trabalhador esteja consciente da importância

da sua participação para o desenrolar de uma pesquisa sobre saúde mental no trabalho e

obtenção das metas que se pretende atingir, visto que isto facilita o processo e a

qualidade da entrevista, ao mesmo passo que corrobora a sensação de utilidade da

mesma.

Por outro lado, enquanto pesquisadoras, foi importante estarmos atentas aos

riscos aos quais estávamos sujeitas a enfrentar quando estivemos inseridas nos locais de

trabalho (Dejours, 1992). Para tanto, foi necessária a realização de uma escuta ousada

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da situação de trabalho tendo como objetivo uma melhor compreensão acerca dos

acontecimentos singulares nos quais nos colocamos dentro do contexto escolhido.

Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) propõem que o pesquisador deve manter

uma atitude de escuta em relação aos seus interlocutores, bem como uma atitude

exploratória em relação aos dados encontrados. Portanto, procuramos manter uma

postura de atenção na tentativa de evitar nos confrontarmos com o sofrimento dos

trabalhadores e, principalmente, com os nossos próprios, assim como procuramos não

testar por completo a teoria da Psicodinâmica do Trabalho, pois de acordo com os

autores, agindo assim, corremos o risco de colocar as vivências subjetivas que os

trabalhadores têm no seu ambiente de trabalho em segundo plano, perdendo desta

maneira o foco da pesquisa. Para os autores, o pesquisador deve ainda estar preparado

para uma possível eventualidade de não validar a objetivação da subjetividade dos

trabalhadores. Em resumo e conforme indica Dejours (1992): a escuta passa a ser um

processo caracteristicamente arriscado.

Especificamente quanto à nossa pesquisa, após termos feito uma revisão da

literatura pertinente ao estudo, partimos para o desenvolvimento do roteiro de

entrevistas (anexo 2), onde buscamos construir perguntas que permitissem uma maior

flexibilidade de respostas por parte dos entrevistados.

Todas as entrevistas foram agendadas previamente com os participantes, que

escolheram, dentro da sua conveniência, o melhor horário no seu dia de trabalho.

Após assegurar-lhes que os seus nomes seriam mantidos em sigilo, realizamos as

gravações das entrevistas em fita K7 e, num momento seguinte as transcrevemos na

íntegra, a fim de facilitar o processo de análise das mesmas. Elas tiveram, um tempo

médio de duração de quarenta minutos cada uma, e foram gravadas no próprio ambiente

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das agências (com exceção de uma). Duas foram realizadas durante o horário de almoço

dos caixas, duas no início do expediente bancário, três antes do horário de abertura do

caixa e as outras sete foram feitas após o fechamento do caixa (final da jornada).

As entrevistas que realizamos apresentam uma grande variedade de histórias e

vivências pessoais, sinalizando, assim como aponta Cardoso, Brandão, Silva, Gonçalves

e Silva Filho (1994) e Cardoso (1997), para as diversas maneiras que os trabalhadores

têm de lidar com uma situação de trabalho, sendo esta objetiva e coletivamente

partilhada.

3.2. A OBSERVAÇÃO DA ATIVIDADE

Inspiramos nossos estudos à luz da Análise Ergonômica da Atividade – AET –,

objetivando uma leitura detalhada da atividade de trabalho desempenhada pelos caixas

bancários (frente às variabilidades constantes em seu dia-a-dia).

Como sugere Guérin et al. (2001), a observação é um processo que permite ao

pesquisador apreender sobre os elementos de uma dada atividade de trabalho no curso

da ação, atividade esta que pode se manifestar através de comportamentos visíveis, tais

como: gestos, posturas, ações sobre o dispositivo de trabalho, verbalizações, etc. Os

autores ainda salientam que toda e qualquer descrição das ações e atividades

observadas, são necessariamente um trabalho de interpretação do

observador/pesquisador.

Para Guérin et al. (2001) o pesquisador deve manter uma atitude de escuta em

relação aos seus interlocutores durante as primeiras etapas da análise da situação de

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trabalho, assim como manter uma atitude exploratória em relação aos dados

encontrados.

Quando fizemos nossas primeiras visitas às agências bancárias, cujo objetivo era

a apresentação do projeto de pesquisa, realizamos algumas observações de forma aberta

(ou observações livres). Ao retornarmos às mesmas para fazer as entrevistas com os

caixas, tivemos ainda a oportunidade de conduzir algumas observações sistemáticas

focalizadas; para tanto, nos posicionamos próximas das cadeiras de espera que são

ocupadas pelos clientes, e dali verificamos como o caixa procede ao seu atendimento,

cliente a cliente.

Por se tratar de um setor que lida com a circulação diária de dinheiro e devido

aos critérios internos de segurança do banco, nosso maior impedimento foi não

obtermos autorização das gerências para nos posicionarmos na parte interna dos

guichês.

Contudo, tivemos a oportunidade de conseguir uma autorização por parte de um

dos gerentes de agência para acompanharmos um dia de trabalho de um dos caixas que

entrevistamos (e que se auto-indicou). Para tanto, nos colocamos em pé próximas ao

balcão de atendimento ao público, de onde observamos uma jornada inteira de trabalho,

visualizando (na medida do possível) os movimentos dos caixas e gravando com o uso

de um equipamento MP3, os seus diálogos com os clientes e com os demais colegas do

banco.

Iniciamos a observação às nove horas, quando o caixa chegou à agência e

encerramos às dezessete horas e cinqüenta e cinco minutos, quando ele deixou o guichê.

Este foi um dia atípico para o dia-a-dia cotidiano de caixa, porém convencional para a

data na qual foi realizada, posto que, além de ser dia de pagamento dos funcionários da

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UFPB, durante estes períodos do mês o banco mantém o hábito de abrir suas portas

mais cedo (por volta das oito horas) para dar prioridade de atendimento aos aposentados

e pensionistas.

Apesar de ter iniciado o seu expediente antes do horário costumeiro, o caixa

apresentava-se disposto e muito atencioso ao atender os clientes. O dia transcorreu sem

problemas que tivessem que envolver a hierarquia superior. Como era um dia de

movimento intenso de pessoas dentro da agência, ele não se ausentou do guichê para

realizar exercícios preventivos contra a LER e sua pausa para o almoço foi de apenas

trinta minutos. No final do expediente, quando foi realizar o processo de fechamento do

caixa, o nosso participante verificou uma falta de dinheiro, o que fez com que ele se

detivesse por mais alguns minutos na re-conferência dos documentos e em busca da

solução de um problema que, infelizmente, não teve solução.

Essas e outras anotações foram registradas num quadro de observações da

atividade (anexo 5) e nos proporcionaram uma maior familiarização com a situação de

trabalho que estávamos estudando, além de uma ligação intercomplementar com as

entrevistas que realizamos.

4. A ANÁLISE DE CONTEÚDO

Faz-se mister esclarecer que por detrás de um discurso se oculta um sentido, e

que devemos fazer um esforço (sempre inacabado) de desvendamento (Neves &

Seligmann-Silva, 2001). De acordo com Cardoso et al. (1994), à medida que o

pesquisador tem acesso às informações, inicia-se um processo de elaboração de sua

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percepção do fenômeno, deixando-o se guiar pelas especificidades do material

selecionado.

No nosso caso específico, a fase de análise e interpretação dos dados obtidos,

com a realização das observações da atividade e das entrevistas, é definida por

González-Rey (2002) como um processo dirigido pelos dados. Para o autor, os mesmos

são legitimados por sua capacidade de diálogo com o pesquisador; diálogo este

articulado ao longo da pesquisa e podendo adquirir múltiplas significações dependendo

das diferentes relações que ocorrem com os outros dados. O autor ainda sinaliza que a

pesquisa representa um processo de constante produção de pensamento.

Escolhemos a análise de conteúdo por ser um método de interpretação, cujo

conjunto de informações visa à formulação de inferências e interpretações através da

análise do uso da palavra sobre o objeto de estudo. Em outras palavras, conforme

Laville e Dionne (1999), seu princípio básico consiste em desmontar a estrutura e os

elementos do conteúdo que são pesquisados, visando esclarecer suas diferentes

características, extraindo daí sua significação, sem, contudo, ser um método rígido.

Com base nos conhecimentos teóricos que norteiam nossa investigação,

realizamos um recorte dos conteúdos retirados dos discursos em questão, a fim de

definir categorias sobre as quais organizamos os elementos, agrupando-os por

parentesco de sentido (id., ibid.). A classificação do material investigado torna-se uma

tarefa sem muita complexidade já que as unidades de análise são bem delimitadas,

tornando as categorias nitidamente diferenciáveis11.

4.1. A ANÁLISE TEMÁTICA

11 Ver anexos 6a e 6b – Mapa Temático.

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Dentre as técnicas de Análise de Conteúdo, optamos pela Análise Temática, com

o objetivo de descobrir os sentidos fundamentais que compõem uma comunicação

(Minayo, 2004), de forma a trazer algum significado consistente que pudesse ser

pertinente à nossa pesquisa.

Segundo a autora, a técnica se decompõe em três etapas: na Pré-Análise,

escolhem-se os documentos a ser analisados, resgatando-se as hipóteses e os objetivos

iniciais da pesquisa, e reformulando-se o trabalho, elaborando indicadores (formas de

caracterização) que auxiliem na interpretação final; na segunda etapa, a Exploração do

Material, codifica-se o material produzido (em forma de temas) e realiza-se a

classificação e agregação das categorias (teóricas ou empíricas) que norteiam a

pesquisa; na terceira etapa, o Tratamento dos Resultados Obtidos e Interpretação, o

analista propõe inferências e realiza interpretações previstas no seu quadro teórico ou

que surjam ao longo da análise.

A seguir destacamos algumas dificuldades e conquistas encontradas no decorrer

do nosso trabalho de campo.

5 – AS DIFICULDADES E AS CONQUISTAS

Como já fizemos menção, devido aos critérios internos de segurança do banco,

uma das nossas primeiras dificuldades foi não conseguirmos autorização para observar a

atividade dos caixas bancários por dentro dos guichês.

Numa determinada agência, constatamos que, enquanto apresentávamos os

objetivos da nossa pesquisa, era comum verificar um certo clima de desconfiança por

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parte dos caixas, principalmente nas mulheres, então começamos a nos questionar sobre

qual seria a razão destas pessoas se negarem a falar sobre a relação da saúde com o

trabalho.

Naquela mesma agência, acreditávamos que, por ser de grande porte, e manter

uma bateria de caixas com seis funcionários, conseguiríamos uma boa adesão à nossa

pesquisa. No entanto, não foi bem esse cenário com o qual nos deparamos. Em primeiro

lugar, a negociação com a gerência não transcorreu rapidamente, pois o gerente de

relacionamentos solicitou que conversássemos antes com a gerência geral, o que

demandou várias idas à agência.

Porém, após a aprovação da pesquisa, começamos a encontrar a nossa verdadeira

dificuldade nesta unidade. Depois de apresentarmos os objetivos do estudo aos caixas,

apenas uma funcionária aceitou participar da entrevista, os demais nos olhavam

desconfiados como se fôssemos espiãs a mando do banco. Infelizmente, essa única

pessoa desistiu de participar afirmando que não estava num dia bom para falar de si

mesma, já que não havia feito sua aula de hidroginástica pela manhã. Desculpou-se e,

imediatamente, enviou um outro colega que, aceitou ser entrevistado, mas que depois de

iniciarmos a entrevista, informou não ser mais caixa bancário há vários anos.

Infelizmente tivemos que cancelar a gravação.

Já em outras agências, a negociação transcorreu muito bem e a aceitação dos

caixas foi imediata, com alguns se apresentando bastante entusiasmados em poder

participar do estudo.

Outra dificuldade surgiu quando passamos a transcrever uma das entrevistas

realizadas: além de o som não estar totalmente audível, devido ao barulho do

condicionador de ar central da agência, o nosso entrevistado tinha problemas de dicção!

Certamente essa foi a entrevista mais difícil de ser transcrita.

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Em uma outra situação, ao informarmos a uma caixa (que acabara de aceitar ser

entrevistada) que a conversa seria gravada, observamos que a sua reação foi de espanto

e, imediatamente, a mesma se posicionou contra dizendo que não queria mais participar.

Foi inútil tentar convencê-la de que todas as entrevistas seriam mantidas no anonimato,

assim como a identificação das agências às quais os caixas pertenciam.

Vivemos também uma situação bem delicada, pois ao entrevistarmos uma

funcionária, por várias vezes ela se emocionava ao falar sobre a sua relação com o

trabalho, sempre fazendo referência à sua vida particular.

Apesar de todas as dificuldades que encontramos, observamos também o lado

positivo deste trabalho de campo, principalmente pela aprovação geral da realização do

estudo nas agências visitadas, onde constatamos o quanto os gerentes procuravam

facilitar o nosso contato com os caixas.

Com apenas uma exceção, todos os caixas que participaram da pesquisa se

mostraram bastante curiosos quanto aos assuntos abordados e se dedicaram ao máximo

nos seus relatos.

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CAPÍTULO IV

A ATIVIDADE E A SAÚDE DE CAIXAS BANCÁRIOS

Ao realizarmos esta pesquisa, estávamos interessadas em apreender como se dá

a relação entre o trabalho e a saúde mental dos caixas bancários de agências da Caixa

Econômica Federal, da cidade de João Pessoa, PB. Paulatinamente, fomos nos

envolvendo no processo de compreensão do fenômeno estudado, deixando-nos guiar

pelas especificidades dos materiais selecionados (Cardoso et al., 1994). Tal conduta nos

possibilitou um esclarecimento acerca do modo pelo qual os trabalhadores vivenciam

sua situação atual de trabalho e como isso pode estar afetando a sua saúde.

Neste capítulo abordaremos, de início, aspectos relacionados à inserção destes

profissionais no banco e como se deu o processo de formação para o preenchimento do

cargo de caixa bancário. Em seguida, situaremos como se desenvolve a atividade desta

categoria de trabalhadores, focando as relações entre o trabalho prescrito e o trabalho

real. Por fim, apresentamos as condições de saúde dos caixas bancários.

1. O CAIXA BANCÁRIO: INSERÇÃO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL

1.1 OS MOTIVOS DA INSERÇÃO

Tomando por base os depoimentos dos participantes e os seus diferentes

históricos pessoais e familiares, verificamos que os motivos que os levaram a optar pela

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profissão de bancário, e mais especificamente de caixa, foram bem diversos, conforme

veremos a seguir.

Todos os caixas que participaram da pesquisa foram contratados via concurso

público, pois como sinalizamos no Capítulo II, de acordo com Segnini (1998), desde o

final dos anos 60 os bancos estatais convencionaram-se a realizar assim o seu processo

de seleção de funcionários, numa tentativa de impedir as práticas discriminatórias no

trabalho, passando então a ser uma determinação legal. Para Jinkings (2004), esta

modalidade de contratação possibilitou uma condição (de certa forma implícita) de

estabilidade do emprego dentro das instituições estatais, dentre elas os bancos.

Com base nas informações dos participantes, até a data da realização da

pesquisa, os caixas tinham, em média, vinte anos de trabalho bancário, o que nos levou

a identificar que seu ingresso na instituição se deu no período próximo à década de 80.

A maioria deles afirmou ter sido impulsionada a ingressar na carreira de

bancário numa busca por um emprego estável e que possibilitava um salário

considerado razoável para a referência de mercado vigente à época.

“Ah! Era uma estabilidade. Isso há uns vinte anos atrás... o emprego era mais importante até do que muitos, né?, muitos cursos. Até porque você vinha de uma família que não era rica, de classe média baixa, aí você não podia deixar de trabalhar, né? Você entrar (sic) até por uma questão de necessidade, de sobrevivência... até com o objetivo também de ajudar até outras pessoas da família, os pais, então... Na época que eu entrei, a Caixa pagava muito bem, valia a pena”.

Se considerarmos que o contexto daquele momento histórico (década de 80)

sinalizava para a deflagração do processo de reestruturação produtiva e de uma

crescente crise de desemprego e desvalorização dos salários, o emprego público (no

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banco) ainda se apresentava como uma garantia segura, tornando-se o sonho de uma

parcela considerável de pessoas.

“Foi circunstancial mesmo, viu? (...) Antes eu dava aula, eu ensinava no Estado e, sabe como é, né? E eu almejava ganhar mais, né? Pra ter um, sei lá um...., assim é..., aquela história: projetos, casar, estabelecer, como é que se diz? Alguns alvos assim... atingir alguns objetivos, comprar uma casa e tal, né? A gente sempre pensa nisso. E pro estágio que eu tinha anteriormente, a época não dava pra se planejar, nesse sentido. Aí, eu fiz esse concurso”.

“A escolha pela profissão de bancária não tem nada a ver com vocação. Simplesmente foi uma fase da minha vida que existiu uma crise na família e eu fui obrigada a ter que pensar em algo pra me manter. (...) Aí eu comecei a estudar pra concurso e os que vinham aparecendo eu ia fazendo. (...) Não foi o primeiro [concurso público], porque eu já tinha passado em outros, mas não tinha sido chamada e a Caixa foi a primeira que me chamou e eu assumi”.

Como vemos, os depoimentos sinalizam para a preocupação de alguns caixas

(homens e mulheres) que vinham, principalmente, de famílias socialmente menos

privilegiadas, em contribuir com os gastos familiares. Conseguir um emprego que,

segundo eles, “pagava muito bem” e que “valia a pena” era uma garantia não apenas da

construção do “seu próprio futuro”, mas também da sobrevivência da família.

Além do salário, o emprego de caixa bancário incorpora alguns benefícios que

são também extensivos aos seus dependentes, tais como ticket alimentação, plano de

saúde e plano odontológico.

“Fica difícil você ir buscar lá fora o que você conseguiu aqui ao longo de quase vinte anos de trabalho... você buscar um salário, porque na realidade o salário não é só

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aquele líquido que você recebe no contra-cheque... tem todo um .... os acessórios dele, né(?), é... plano de saúde muito bom, é... plano odontológico. Um plano de saúde que vai de fonoaudiólogo à....., né(?) E.... tem a questão dos tíquetes alimentação que dá pra você fazer a feira”.

Embora a Psicodinâmica do Trabalho priorize os elementos da organização do

trabalho como fundamentais na análise das vivências subjetivas no exercício

profissional, e apesar de Dejours (2004) afirmar que a relação contribuição – retribuição

no trabalho é de natureza fundamentalmente simbólica, vemos que o salário aparece

como um dos elementos para que a dinâmica do reconhecimento dos caixas bancários se

efetive12.

“O que me motiva mais a trabalhar, é sobreviver, é... é ter condições de ter um salário, pra me manter, manter minha família, pagar minhas contas, entendeu? Isso eu acho que me motiva demais”.

Como é de conhecimento geral, o banco oferece e vende produtos que,

atualmente, também são negociados pelos caixas bancários. Estes, por sua vez, têm

cotas ou metas crescentes a serem atingidas e recebem uma comissão variável sobre as

vendas, o que favorece à uma dependência destas.

“Quando você começa a trabalhar [como caixa], seu salário melhora muito, quer dizer, aumenta a comissão e você fica dependendo daquilo ali. Foi o que aconteceu comigo, eu fiquei dependendo da função”.

Já outros caixas afirmaram que foram atraídos pelo status que a profissão de

bancário proporcionava, não apenas ao caixa, mas a todos os funcionários que

12 A discussão referente à dinâmica do reconhecimento será detalhada mais adiante.

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trabalhavam em agências bancárias. Historicamente, como vimos no Capítulo II, os

caixas bancários já foram chamados de gerentes de clientes, em decorrência do processo

de relativização das hierarquias (Malaguti, 1996). Devido ao fato de manterem uma

aparência impecável e ao uso constante de computadores sofisticados, eles eram

considerados, em algumas localidades (principalmente em cidades de pequeno porte),

como pessoas de grande importância, assim como eram o vigário (ou padre) e o médico.

“Na época que eu entrei, ser bancário gozava de uma prerrogativa que hoje em dia está muito defasada, principalmente em cidade pequena, era uma das pessoas mais importante e mais chiques da cidade. Tinha status”.

No entanto, apesar da valorização e do prestígio social, ao longo dos anos e das

várias mudanças tecnológicas e organizacionais que foram implementadas no banco,

principalmente na década de 90, a maioria dos caixas foi obrigada a conviver com a

diminuição do seu poder aquisitivo, bem como com as conseqüências advindas da

diminuição de pessoal no setor.

Um outro fator que veio à tona foi quanto à influência que alguns sofreram por

parte de parentes próximos (também bancários), visto que estes se apresentavam em

situação confortável (aos olhos dos participantes), pois além de terem conseguido uma

estabilidade no emprego, mantinham salários razoáveis e gozavam do status

proporcionado pela profissão, merecendo o respeito e admiração por parte da sociedade.

“Na época eu fazia o curso [graduação] ainda, aí eu fiz o concurso da Caixa e... como eu tenho família já engajada, no ramo, eu tenho um tio que trabalha no Banco do Brasil, trabalhava, e tenho um primo que trabalha na Caixa Econômica (...)”.

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“(...) Meu sogro era da Caixa e abriu concurso pra Caixa e pro Banco do Brasil.... Na época era muito bom, eu fiz concurso pros dois, passei nos dois e optei pela Caixa. Mas nunca tinha passado pela minha cabeça trabalhar nessa área, (...) nunca trancado num lugar como é hoje... foi acidente mesmo”.

Estes relatos apontam que, mesmo sem se sentirem atraídos pela profissão de

bancários, alguns caixas “optaram” pela carreira no banco influenciados por familiares

que já trabalhavam em instituições bancárias.

A partir do material levantado, também chamamos a atenção para a situação

específica de algumas caixas-mulheres que se afastaram temporariamente do mundo do

trabalho formal, para assumirem a responsabilidade dos cuidados com os filhos, tarefa

historicamente destinada às mulheres (Nogueira, 2004; Hakiki-Talahite, 1986)13.

“Eu casei muito cedo. Casei com dezessete anos. (...) Durante a faculdade eu tive dois filhos e (...) eu deixava eles na casa da minha mãe todos os dias. (...) Aí eu me formei e passei dois anos dentro de casa, cuidando dos filhos. Aí eles começaram a ir pra escolinha, aí pronto, aí foi quando eu despertei pra vida. Aí saturou, aí já tinha passado o tempo. É que a Arquitetura é uma profissão muito dinâmica, super dinâmica. Então não tinha mais como eu voltar. (...) Aí apareceu uns concursos, eu fui fazendo... eu acho que foi... eu fiz o do Banco do Brasil e não passei, quando eu fiz o da Caixa, passei, entrei... E aqui na Caixa com um ano e meio depois apareceu uma oportunidade pra um concurso interno, de caixa bancário, fiz, fico feliz, porque ali eu sou dona do meu nariz. E aí eu tô até hoje”.

Segundo este depoimento, o profissional que não estiver colocando em prática

suas habilidades e se reciclando periodicamente sofrerá uma defasagem em relação aos

13 Para aprofundamento do processo histórico de naturalização do trabalho doméstico como trabalho de mulher, consultar Kergoat (1996); Carvalho, (1998); Neves (1999) e Oliveira (2003).

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seus colegas de profissão. Neste sentido, podemos pensar que um emprego público e

com um salário razoável, além de ter uma carga horária (prevista) de seis horas, surge

como uma possibilidade para o ingresso (ou re-ingresso) de mulheres ao mercado de

trabalho.

O emprego no banco pode ser um meio encontrado pelas mulheres para

participarem da produção da renda familiar, principalmente para aquelas vindas de

classes sociais menos favorecidas. Retornar ao mundo formal do trabalho, por sua vez,

também possibilita visibilidade e reconhecimento a essas trabalhadoras, visto que o

trabalho doméstico não é socialmente valorizado.

Assim, o emprego no banco parece ter uma importância salutar para essas

bancárias, na medida em que proporciona a ampliação de suas relações sociais (Kergoat,

1996). Como sinaliza Brito (1999), se por um lado, o trabalho feminino assalariado se

apresenta como uma vivência formal da exploração, por outro, possibilita às mulheres a

saída do confinamento doméstico.

1.2. A FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Por motivos administrativos pertinentes ao banco, ao ingressarem através de

concurso público, nenhum dos participantes assume de imediato a função de caixa

bancário, precisando atuar antes em outros setores. É necessário que eles se inscrevam e

prestem um concurso interno para o cargo, cujos conhecimentos exigidos giram em

torno de noções de regulamento de abertura e fluxo de uma conta-corrente e de

poupança, além da própria rotina do setor.

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“Era feita uma prova, um concurso interno, dentro da agência. E a gente tinha que saber as matérias referentes a essa prova, né? Que seria, é.... o regulamento da abertura de uma conta-corrente, normalmente isso, é... o fluxo da conta-corrente, poupança, vários pontos que existem na Caixa”.

No caso dos caixas que participaram da investigação, após terem sido aprovados

no concurso interno, todos eles passaram por um período de treinamento, que

antigamente era dividido em duas etapas: a primeira teórica e técnica e a outra prática

(supervisionada).

A qualidade dos treinamentos recebidos foi percebida como bastante diversa.

Segundo depoimentos dos caixas mais antigos, na época do seu ingresso, os cursos

ministrados eram mais longos e intensos, chegando a durar de quinze a trinta dias, com

uma carga horária de oito horas diárias. As aulas eram presenciais e realizadas fora das

agências onde os funcionários estavam lotados, sendo conduzidas, algumas vezes, por

três ou quatro instrutores de regiões diferentes do país.

Ainda hoje, assim como era no passado, os candidatos ao cargo de caixa

aprendem datiloscopia (identificação de impressões digitais), grafoscopia (identificação

de assinaturas) e legislação. Esses conteúdos são considerados pelos participantes como

essenciais para a realização do seu trabalho.

“A gente ia pra sala de aula mesmo, aí tinha os módulos: o que é a Caixa Econômica, o que é ser caixa executivo, a postura, o que é que era pra fazer, as obrigações e durante o curso (...) era só pra reconhecer assinatura, aprender a reconhecer se é falsa, se não é, a impressão digital, todos os tipos de impressão digital que tem, essa parte de grafoscopia e datiloscopia”.

“Foi maravilhoso. Porque, assim, na minha época a gente ficava 15 dias, dentro da unidade, aí dão todo o conteúdo

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teórico e aí a gente via a parte, que é a parte que a gente aprende que é verificar a assinatura, né? E a parte da datiloscopia, que a gente ainda usa muito dentro da caixa. Porque a clientela da caixa ainda tem muito analfabeto. Mas foi maravilhoso”.

Mediante os seus relatos, pensamos que a modalidade de treinamento, que era

aplicada na primeira fase do curso, se enquadra no que Zarifian (1996) chama de

formação pautada no modelo escolar, cujo princípio baseia-se na transferência de

informações e de condutas a serem adotadas no cotidiano de trabalho, as quais devem

ser assimiladas pelos treinandos e, em seguida, reproduzidas e aplicadas na situação de

trabalho.

Naquela época, após o treinamento em sala de aula, os candidatos ao cargo de

caixa eram submetidos a uma prova escrita e outra oral, onde eram averiguados os seus

graus de aprendizagem. De acordo com as normas do banco, somente estariam aptos a

exercer o cargo aqueles que obtivessem uma nota mínima equivalente a oito.

“A gente fez curso de caixa, na época existia curso de caixa. Você tinha que fazer, durante algumas semanas de treinamento, de curso, e era até inclusive... eliminatório, né? Se você não passasse... Tinha colegas que faziam até mais de uma vez, não passavam, aí depois tinha que fazer de novo e era muito mais rigoroso, assim...”.

Esta exigência e o rigor imposto aos treinamentos (teóricos e práticos) limitavam

o acesso dos bancários ao cargo, pois se aprovavam apenas aqueles que, segundo o

banco, as preenchiam realmente as habilidades requeridas para tal cargo.

Após a convocação, os funcionários que passavam pelas duas etapas de

treinamento e eram aprovados nas provas, seguiam para os guichês (ou bateria de

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caixas), onde recebiam um treinamento prático durante um certo tempo (em alguns

casos, até trinta dias).

A incumbência do treinamento prático supervisionado era dada, geralmente, ao

caixa mais antigo e experiente da agência, cuja atribuição era a de prestar assistência

técnica ao iniciante. Este funcionário, ao acompanhar os novatos e apesar de não ser um

instrutor em tempo integral, recorria à sua experiência profissional e colaborava com o

programa de formação do banco.

Segundo Zarifian (1996, p.21), essa perspectiva, que também pode contar com

“a ajuda de transferências de experiência dos mais velhos para os mais jovens”,

simboliza o modelo de formação baseado na experiência, cuja base está no princípio da

aquisição do conhecimento à medida que o treinando exerce o seu próprio trabalho, em

seu ambiente habitual (on the job).

Para Vasconcelos e Lacomblez (2004, p. 167), o treinamento deve ser

fortemente contextualizado, tendo a própria situação de trabalho como “local

privilegiado para a produção de conhecimentos”, pois é através da experiência prática

que os saberes ganham sentido.

“(...) Nós também temos a orientação de um supervisor, quando nós vamos para o guichê, que é onde nós mais aprendemos sobre as normas, porque a situação muda de acordo com a pessoa. (...) No geral, nós aprendemos mais na prática”.

As orientações teóricas dão base à atividade, por isso são entendidas como de

fundamental importância durante a fase de treinamento. No entanto, como vimos no

Capítulo I, a prescrição é sempre limitada e incompleta (Guérin et al., 2001, Wisner

1987, Daniellou, Laville, & Teiger, 1989). Logo, sem a experimentação, sem “colocar a

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mão na massa”, não se pode conhecer a realidade, visto que esta muda de acordo com a

situação que está sendo vivenciada e por quem a está vivenciando14.

Após o período de treinamento supervisionado, o candidato tinha a possibilidade

de optar em renunciar ou não ao cargo de caixa bancário. Antigamente, mesmo tendo

sido aprovado, o caixa precisava inspirar a confiança dos demais membros da agência

para poder, de fato, assumir o cargo.

“Após isso [o curso], tem o estágio na agência (...) Mas mesmo assim, ninguém nunca é nomeado de cara, né? Muito difícil. Normalmente você substitui na ausência de outros caixas. Na verdade a gente precisa demonstrar confiança, de modo pra ser nomeado pra função”.

Hoje, como não existe mais a figura do caixa substituto ou flutuante, a partir do

momento que haja a necessidade, o potencial candidato ocupa a vaga que está sendo

disponibilizada pela agência.

Pelo que nos foi relatado, ao contrário do passado, atualmente os caixas recém-

ingressos recebem o treinamento à distância e em menor tempo (em média uma

semana). As provas também são feitas on-line e após a conclusão desta etapa, os caixas

aprovados são encaminhados diretamente para os guichês, sem nenhum

acompanhamento supervisionado.

“Inclusive antigamente era mais... intenso do que hoje [o treinamento]. Hoje é treinamento à distância, o tempo de curso é menor, na época era maior e muito mais horas em sala de aula”.

14 Esses aspectos serão mais explorados no item relativo à atividade do caixa bancário.

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Verificamos, pois, que os caixas, saudosamente, valorizam o treinamento que

era oferecido há cerca de vinte anos e, de certa forma, condenam a atual prática de

formação do banco. Além de o treinamento dado à distância ser realizado em tempo

bem inferior ao de antes, ele priva o novo candidato do contato (prático) com a

experiência de um funcionário mais antigo.

Para Vasconcelos e Lacomblez (2004, p. 167 e 168), a modalidade de

treinamento à distância é considerada como algo preocupante, visto que a formação on-

line pode limitar à “falácia da simples prescrição de normas”, traduzida por “saberes

supostamente transversais, gerais, teóricos, estáveis, estandardizados e tidos como

válidos para toda e qualquer situação”.

Muitos caixas se queixaram de que hoje em dia não há treinamento de

“reciclagem” e que as informações mais atualizadas relacionadas às mudanças

tecnológicas e organizacionais chegam para eles através da intranet. Isso os “obriga” a,

diariamente, lerem as suas caixas de mensagem para se manterem atualizados, o que

aumenta ainda mais a sua carga de trabalho, conforme veremos mais adiante.

“O que nós temos de reciclagem constante, é que nós temos uma caixa postal, como se fosse uma caixa de e-mail, e sempre que há um modus operandi diferente de fraude, nós recebemos nessa caixa e é partir dali que nós vamos ter uma vivência daquilo que nós temos na função. Então nós sabemos, quando pegamos um documento, sabemos se ele é falso ou não, um cheque e tal, mas mesmo assim, se for muito bem feita, nós podemos errar”.

“Infelizmente, a empresa não faz [reciclagem], digamos assim, ostensivamente,... não cobram isso do caixa,... tá disponível na informática. Então como a gente tem uma atividade que ocupa todo o tempo, né(?), eu não tô com um computador na minha frente pra ler, pra conversar, pra discutir um problema, eu tenho que tá lá [no guichê] o dia todo, como qualquer outro caixa, isso traz uma certa

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dificuldade e a empresa antes fazia encontro de caixa, reciclagem e, então não faz, há anos que não acontece isso”.

Além do evidente desconforto pela falta de treinamentos de reciclagem, os

caixas alegam, portanto, não encontrarem tempo para ler ou discutir com os colegas os

comunicados internos que chegam diariamente. Cada um vivencia os problemas

individualmente, e em caso de falha operacional, deve arcar com as conseqüências,

respondendo ao banco por seus atos.

Vemos pelos relatos que o banco se exime de toda e qualquer responsabilidade

pelos eventos que surgem. No entanto, de acordo com os caixas, isso poderia ser

minimizado caso houvesse a possibilidade da realização de novos treinamentos e da

implantação de programas sistemáticos de reciclagem para os funcionários.

2. A ATIVIDADE DOS CAIXAS BANCÁRIOS

“A atividade humana num processo de produção resulta de uma interação entre

fatores externos ao operador como, por exemplo, normas, meios de trabalho, mobiliário

e fatores internos ao operador como seu estado orgânico, sua competência, sua

personalidade” (Vidal, 2002, p. 146). A Ergonomia (baseada na Análise Ergonômica do

Trabalho – AET) entende, portanto, que a situação de trabalho é uma combinação

singular destes fatores num determinado contexto e que “a atividade acontece numa

situação a que se reporta e se referencia a todo instante” (id., ibid.).

De acordo com Zamberlan e Salerno (1987), os caixas bancários posicionam-se

na chamada ponta da linha das agências, prestando serviços diretamente ligados ao

público (clientes), tais como os atendimentos que envolvem numerários (recebimentos e

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Page 96: NA PONTA DA LINHA DAS AGÊNCIAS: A ATIVIDADE E A · PDF fileuniversidade federal da paraÍba centro de ciÊncias humanas, letras e artes programa de pÓs-graduaÇÃo em psicologia

pagamentos). Atualmente eles realizam ainda outras operações como a venda de

produtos do banco (apólices de seguridade de vida ou de automóveis), visando atingir

metas impostas pelo banco.

Neste tópico, apresentamos como a atividade bancária é realizada dentro das

agências, sob a ótica de quem a pratica: os caixas bancários.

2.1. AS CONDIÇÕES E O AMBIENTE DE TRABALHO

Segundo Guérin et al. (2001, p. 11), a Ergonomia tem por objeto de estudo a

análise e funcionamento do trabalho que, por sua vez, pode ser representado por três

realidades que não existem independentes umas das outras: as condições de trabalho, o

resultado do trabalho e a própria atividade de trabalho.

Dejours (1992) interpreta as condições de trabalho como: ambiente físico

(temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc.), químico (produtos

manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras, fumaças, etc.), biológico (vírus,

bactérias, parasitas, fungos), condições de higiene, de segurança e características

antropométricas do posto de trabalho.

Mesmo as agências da Caixa Econômica Federal tendo passado por diversas

alterações físicas, os caixas consideram que a antiga estrutura física das agências era

“muito precária” e que, no geral, as condições de trabalho nas quais eles estão expostos

hoje são menos insatisfatórias. Todavia, os bancários ainda se queixam com veemência

em relação ao espaço físico atual (“muito pequeno”), sinalizando para um desconforto

constante.

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“As condições de trabalho são precárias, a estrutura da agência é muito precária, a desorganização da agência é super precária, tá entendendo? Tudo inadequado, tudo imprensado... o espaço físico... Eu trabalho num guichê que fica de lado da tesouraria, o pessoal fica passando, batendo em mim. As gavetas têm um espaço bem pequenininho”.

Essa precariedade do ambiente (apertado e incômodo) favorece uma insatisfação

completa nos caixas que passam a maior parte do seu tempo no posto de trabalho, e que

não lhes proporciona boas condições para realizarem sua atividade sem serem

perturbados por tropeções e esbarrões dos seus próprios colegas de serviço.

Outra queixa dos caixas, também relacionada às condições de trabalho, diz

respeito ao condicionador de ar refrigerado (temperatura muito fria) existente em

algumas agências, visto como um elemento gerador de problemas respiratórios e gripes,

além deste ser identificado também como “estressante”, devido ao seu barulho.

“O local não é bom, ..., o pessoal aqui da Caixa vem medir e sai daqui horrorizado, quer dizer, é frio demais. Tem também o barulho do ar. Tem dia que me incomoda tanto... é porque a gente vai se acostumando, mas tem dia que me incomoda tanto, que eu sinto que dói no ouvido quando desliga”.

Já em outras agências o condicionador de ar não é adequado para o ambiente

devido à sua localização ou mesmo à sua insuficiente capacidade de refrigeração,

principalmente em certos períodos do mês, quando aumenta o número de clientes.

Observamos que em alguns guichês os caixas costumam colocar ventiladores de ar para

amenizar a alta temperatura.

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“Aqui tem quatro ar condicionados, né? A bateria de caixas fica bem no meio... de vez em quando a gente recebe um pouquinho de ar [risos], mas, normalmente, o pessoal desvia o ar pro setor deles e o ar faz um redemoinho e naquele núcleo a gente não recebe oxigenação.(...) Forma-se, assim, um paredão de gente, dependendo do dia, um ar, assim, fumegando, né? Que quando você tá cercado de gente, aí começa a faltar ar. O cliente, ele briga com você, ele fica meia hora ali, ele se estressa, ele bate, dá tapa no guichê (...)”.

Pelo depoimento acima citado, verificamos que não só os caixas bancários

sentem-se prejudicados pelo uso de equipamentos inadequados, mas também os clientes

que estão nas filas durante vários minutos, muitas vezes em pé. Isso certamente traz

transtornos e mal-estar para ambas as partes.

Ou seja, a falta de uma manutenção ou regulação adequadas dos equipamentos

de refrigeração das agências poderá ocasionar, além de excesso de calor, muito frio. Os

depoimentos deixam claro que mesmo a gerência estando ciente do problema, nenhuma

providência é tomada.

Observamos que o caixa bancário realiza fundamentalmente sua atividade

sentado numa cadeira dentro do guichê, já que poucas vezes precisa se levantar para

buscar algum documento ou dinheiro na tesouraria. Para tal, faz uso constante de dois

computadores.

“O lugar que a gente fica é bem pequeno, sabe? Principalmente porque a gente trabalha com dois computadores”.

Eles ainda comentam que o mobiliário utilizado “ainda não é totalmente

ergonômico” e seu uso constante, juntamente com os equipamentos eletrônicos, é

extremamente inadequado, ocasionando problemas de postura e dores pelo corpo.

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“(...) você tem que ter uma boa estrutura; tem que ter equipamento bom que a gente não tem aqui; a gente trabalha numa cadeira muito ruim”.

Diante dos problemas elencados, relembramos que, conforme preconizam os

estudos ergonômicos, para que se atinja a eficiência produtiva (quantidade e qualidade),

faz-se imprescindível o investimento na melhoria das condições de trabalho, visando o

conforto, a segurança e a saúde dos trabalhadores (Wisner, 1994).

2.2. AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E ORGANIZACIONAIS

As mudanças tecnológicas e organizacionais foram também identificadas pelos

caixas bancários como fatores que impactam diretamente a realização do seu trabalho

(Merlo & Barbarini, 2002).

Os estudos de Campello e Silva Neto (1996) afirmam que, segundo a visão

empresarial, o processamento mais ágil das informações, via o advento da

informatização15, é considerado como atrativo para os clientes por atribuir

características positivas como confiabilidade, agilidade e modernidade ao banco.

De acordo com os autores, se por um lado a informatização trouxe uma série de

vantagens econômicas para a empresa: redução do tempo necessário à execução das

operações, dispensa de mão-de-obra da retaguarda (serviços de compensação) e redução

de custos, entre outras; por outro, favoreceu o acúmulo de funções, sobrecarregando

ainda mais os caixas, conforme eles próprios afirmam:

15 Mais detalhes sobre a informatização no setor bancário, ver Capítulo II desta dissertação.

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“Realmente a tecnologia é um facilitador. Torna as coisas mais fáceis: a execução, a segurança,.... Agora, te falo assim, desde que eu comecei nessa atividade, a carga e responsabilidade, a preocupação... porque se trabalha com numerários, é muito grave. Então pra mim não muda muita coisa. E às vezes a tecnologia mesmo que, acelere em alguns aspectos ou, digamos assim, torne mais funcional a nossa atividade, é uma coisa a mais. É um terminal a mais pra você... são mais funções, são mais comandos que se tem que operar, às vezes tem um equipamento que é pra facilitar, mas aquilo que tu colocou não funciona bem, aí termina requerendo um esforço maior pra fazer”.

“Por incrível que pareça, o avanço tecnológico resultou em mais trabalho pra nós. Melhor para o cliente, que tem outros meios alternativos de resolver o que ele precisa no banco, mas pra nós não, aumentou.... É sobrecarga demais. Na realidade a empresa transferiu toda essa digitação pra ser feita pelo receptor do documento [o caixa]. Então isso nos prejudicou muito. Exige muito fisicamente da gente”.

Estes chamam atenção para o fato de que alguns dos conhecimentos que

atualmente devem possuir para lidar com equipamentos de computação, não eram

exigidos até o momento do seu ingresso no banco e também que constantemente

ocorrem falhas no sistema operacional ao qual os computadores do banco estão

interligados.

Além das mudanças tecnológicas, algumas modificações organizacionais

adotadas nos últimos anos provocaram inúmeras insatisfações aos caixas,

principalmente em decorrência da maciça redução de postos de trabalho no setor

bancário.

Conforme sinalizamos no Capítulo II, Jinkings (2004) recorre aos dados do

DIEESE de 2001 e indica que o processo de reorganização pelo qual passou o sistema

bancário brasileiro, acarretou uma intensa diminuição de trabalhadores deste setor.

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De acordo ainda com alguns depoimentos, os caixas estão expostos às

variabilidades do sistema organizacional (Telles & Alvarez, 2004), sejam eles

procedimentos internos ou de nível nacional, demandando da sua parte, capacidade de

flexibilização e adaptação.

“Há muitas mudanças nesse meio, sabe? Há muitas mudanças mesmo. (...) Quando há qualquer novidade, aí o gerente ou o gerente intermediário comunica, entendeu? ‘Leiam sua caixa postal porque tem determinadas mudanças’”.

O relato acima ilustra que, constantemente, são feitas modificações

organizacionais que devem ser do conhecimento de todos os funcionários. Estas

informações são distribuídas através de uma rede interna de comunicação do banco

(intranet).

É da incumbência do gerente de relacionamentos (seu superior hierárquico)

comunicá-los sobre a chegada dos novos documentos, porém cabe ao caixa lê-los,

apreendê-los e colocá-los em prática no prazo estabelecido pelo banco.

“Hoje ... tá sempre havendo mudança nova de sistema e você sempre tem que estar atento, porque ninguém chega aí pra dar um treinamento, entendeu?... Se vire... o programa já está no sistema, você tem que se orientar e estar cada vez mais informado. Então... essa parte aí é muito perigosa e se você cometer qualquer erro... Então você tem que estar mais ligado, tem que ser muito bom em informática, tem que estar atento, sempre acompanhando as mudanças. E eu acho isso muito perigoso, né? Se você errou, você termina sendo prejudicado, não é? Tem que arcar com as conseqüências ... você tem que aprender e se virar, porque não chega ninguém pra lhe ensinar não, praticamente você tem que aprender sozinho”.

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Fica claro pelos relatos dos caixas que o acesso e a devida e imediata apreensão

da informação é de sua total responsabilidade, já que não existem treinamentos

periódicos onde novos procedimentos sejam socializados.

Como diz Daniellou (apud Telles & Alvarez, 2004), as empresas solicitam dos

seus funcionários certas operações cognitivas a fim de que estes dêem conta do déficit

da prescrição do trabalho (o que freqüentemente ocorre nos banco).

Segundo o site da Federação dos Bancários do Estado do Pará (2006), desde

Janeiro de 2006, a Caixa Econômica Federal extinguiu os postos de trabalho dos caixas

executivos, criando um novo cargo de comissão, cuja nomenclatura é “caixa de ponto

de venda - caixa PV”. De acordo com o site da Federação dos Bancários do Rio Grande

do Sul (2006), a criação do Caixa PV reduz as vagas previstas para os caixas bancários

e promove o corte no número atual desta função em várias unidades, algumas com

redução de até 50%.

“A empresa hoje tem outra visão, você está virado pra frente, então você tem que conversar com o cliente, como se você fosse um vendedor ou um funcionário completo. O que menos importa é o número de autenticações. É mais venda, é mais atendimento, e tal. (...) As agências, internamente, se chamam ponto de venda e se você é um caixa daquela agência, você é um caixa de ponto de venda. Então você está ali pra vender, pra atender cliente e tal”.

Por este depoimento, verificamos que dentro de uma mesma função existem

diversos personagens, ou seja, ao mesmo tempo em que o caixa é a pessoa que atende

ao cliente e realiza as operações solicitadas por este, também precisa vender os produtos

do banco, de forma a atingirem, individualmente, as metas crescentes impostas pela

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empresa e assim, ao alcançá-las, receber a tão esperada e “compensadora” comissão

sobre as vendas.

Segundo a concepção de Jinkings (2004), esta atual ênfase dos bancos,

caracterizada pela busca constante de formas de diferenciação mercadológica e venda

de produtos que tragam rentabilidade à empresa, acaba por redefinir a identidade

profissional dos caixas, convertendo-os em bancários-vendedores que, por sua vez,

também devem estar capacitados a realizar um atendimento integral ao cliente.

Devido a esta recente mudança organizacional, o contingente de funcionários

trabalhando nos guichês diminuirá cada vez mais. Além da evidente preocupação com o

excesso de trabalho que os espera, os caixas salientam que o atendimento ao cliente

também ficará prejudicado, já que, com a redução do quadro funcional, o tempo que o

cliente levará nas filas será ainda maior.

2.3. A PRESCRIÇÃO E A REALIDADE DO TRABALHO

Conforme vimos no Capítulo I, a Ergonomia chama atenção para a diferença que

há entre o trabalho prescrito (maneira segundo a qual o trabalho deve ser executado) e o

trabalho real (aquilo que realmente foi feito) (Guérin et al., 2001). Essa diferença é

decorrente de uma constante variabilidade, visto que a prescrição é sempre limitada e

incompleta e que o saber prático tem o objetivo de cobrir as lacunas do saber teórico,

submetendo os trabalhadores a passarem cotidianamente por um processo de reinvenção

desses limites (Guérin et al., 2001; Wisner 1987; Daniellou, Laville, & Teiger, 1989).

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Segundo depoimentos dos próprios caixas, o normativo RH 060 da Caixa

Econômica Federal trata, entre outros assuntos, das atribuições gerais pertinentes ao

caixa bancário:

• tempo de permanência no trabalho de no máximo seis horas;

• atendimento a clientes nos guichês;

• autenticação de documentos;

• conferência de assinaturas ou impressões digitais em documentos.

Apesar do normativo prescrever o tempo de permanência no trabalho de no

máximo seis horas, a maioria dos caixas costuma chegar ao banco em torno de meia

hora ou uma hora antes do horário estipulado para o atendimento ao público, que em

dias normais de funcionamento, abre suas portas às dez horas da manhã. Além disso, o

trabalho somente pode ser efetivamente encerrado depois que o último cliente sai da

agência, conduzindo-os, muitas vezes, a extrapolarem o horário previsto.

Dejours e Abdoucheli (1990) salientam a importância que a tarefa tem para os

trabalhadores, indicando que a mesma deve ter um sentido de nortear as suas ações.

Nesse sentido, identificamos que para a maioria dos caixas algumas das rotinas diárias

previstas não diferem basicamente do que foi apreendido nos treinamentos.

“A parte prescrita, não. Eu acho que não, porque é bem real. Até hoje... já houve modificação, pra o tempo que eu fiz o curso já não é mais feito da mesma maneira, mas é bem parecido com a prática”.

“Se você for pegar realmente o que a gente tem aí, vai ficar difícil, né? Tem que conferir a assinatura dos cheques, data, né? E tudo. Tem que olhar tudo. Aí eu acho que não é muito diferente não”.

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Embora a organização prescrita do trabalho nunca seja considerada inútil para os

trabalhadores (Dejours, 1993), em certas situações onde haja transparência entre os

níveis hierárquicos pode acontecer a necessidade de se “fraudar” o prescrito a fim de se

executar uma determinada atividade, já que muitas vezes os próprios regulamentos

internos da empresa são contraditórios e podem gerar uma certa “paralisia” no trabalho.

Hirata (1989) aponta para o fato de que a organização prescrita do trabalho

nunca é respeitada, resultando sempre num compromisso que surge de uma negociação

entre coletivo de chefia e coletivo de execução. Conforme vimos:

“A partir de um determinado limite, o pagamento de cheque, qualquer que seja a movimentação financeira, um débito em conta, uma ordem de pagamento, qualquer que seja, tem que ter, tem que ter, é... a senha de gerência, que a gente chama aqui de NSU, entendeu? Então, normalmente quando o gerente está super atarefado, essa senha é disponibilizada para um colega, ..., ele assume essa responsabilidade, ... O normativo, muitas vezes, deve ser ... não é burlado, mas ... contornado, pra você poder ter uma atividade normal”.

Alguns dos participantes admitem que, comumente, em determinadas situações,

mesmo que contrariando as normas estabelecidas pelo banco, realizam procedimentos

que somente poderiam ser feitos pelo superior hierárquico. Eles “transgridem” ou

“burlam” certos normativos (prescrições) para que uma determinada atividade possa

fluir normalmente, sem impedimentos, nem “paralisia”.

Na realidade, o que os trabalhadores fazem é “adaptar” o normativo às

necessidades da realização da atividade, ou seja, eles fazem uma “re-interpretação do

normativo”, de forma a reconfigurar o meio de trabalho com o seu próprio meio

(Borges, 2006).

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Como já fizemos menção, os bancários freqüentemente recebem informações

(via correio eletrônico) acerca de mudanças organizacionais, que devem ser postas em

prática nos prazos estipulados. Mesmo assim, a Caixa Econômica ainda mantém nos

seus manuais alguns dos seus principais normativos, já que estes funcionam como

referência para delinear o lugar de cada cargo específico dentro do banco.

Veremos mais adiante que, ao considerarmos o ambiente de trabalho como

sendo um lugar permanente de micro-escolhas (Schwartz, 2000; Brito & Athayde,

2003), apreendemos como se dá a gestão da regulação cotidiana das variabilidades da

atividade dos caixas.

2.3.1. O CAIXA BANCÁRIO NO CURSO DA AÇÃO

Ainda no Capítulo I, vimos que o trabalho real, também conhecido por atividade,

é o modo como o homem se relaciona com os objetivos que foram propostos pela

organização do trabalho e os meios fornecidos para a realização do mesmo, numa

determinada situação (Guérin et al., 2001). No entanto, para Clot (apud Brito &

Athayde, 2003), o trabalho real ou atividade envolve também aquilo que não se faz, o

que se busca fazer sem conseguir, o que pode ser feito, o que há para se refazer e até o

que se faz sem querer.

Constatamos que a atividade dos caixas bancários tem início antes mesmo de

eles chegarem ao banco, pois durante o trajeto casa-agência, muitos fazem uma espécie

de antecipação do seu “expediente”, imaginando os procedimentos a serem realizados.

“Quando eu venho trabalhar de manhã cedo, eu já venho [pensando] ‘vou fazer isso, vou fazer aquilo’, então você

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já vai programando o seu dia, ‘falta fazer isso, tem a obrigação de fazer isso’”.

De acordo com Campello e Silva Neto (1996) a jornada de trabalho dos caixas

está dividida em três momentos fundamentais: o atendimento ao público, a

compensação e o fechamento do caixa.

Como dissemos anteriormente, a grande maioria dos caixas contactados costuma

chegar à agência sempre alguns minutos antes da abertura da mesma para os clientes,

alegando que esse tempo é necessário para iniciar mais tranqüilamente a sua rotina de

trabalho. Durante esse período, o procedimento é sempre o mesmo, ou seja, eles pegam

o dinheiro (ou numerário) na tesouraria e realizam a “abertura do caixa” (inicialização

do sistema do computador). Alguns ainda têm a oportunidade de, muitas vezes,

efetuarem os pagamentos de suas contas pessoais.

“Eu chego aqui de oito e meia16, porque eu não gosto de chegar em cima da hora, eu gosto de me sentar, de ler meus e-mails, tudinho, chego bem cedinho, abro os meus terminais, os dois, pego o meu dinheiro na tesouraria, abro os meus dois terminais... Pago as minhas contas, antes de tudo, é a primeira coisa que eu faço, é pagar as minhas contas e o resto dos meus parentes todos, porque quem resolve tudo sou eu (risos). Aí então, aí eu tô pronta pra começar o dia”.

A atividade dos caixas somente se tornou possível devido à presença constante

dos clientes nas agências. No entanto, as filas, entendidas como objetos cotidianos de

pressão (Jinkings, 2004), são alvos de queixas para muitos dos participantes da pesquisa

que comentam acerca do excesso de pessoas e do barulho feito por elas, principalmente

16 Essa entrevista foi feita durante o horário de verão, quando no Nordeste do país, os bancos costumam abrir suas portas às nove horas.

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nos dias de grande movimento17. A dinâmica da agência é conduzida diretamente pelos

clientes, pois sua presença provoca alterações significativas no ritmo de trabalho dos

funcionários (Zamberlan & Salerno, 1987).

Após a liberação da agência para a entrada das pessoas, a “rotina” (assim

chamada pelos caixas) se inicia, ou seja, é feita a recepção das pessoas e se realiza a

autenticação dos documentos recebidos. Os bancos disponibilizam um guichê de

atendimento exclusivo (para idosos, gestantes, lactantes e deficientes físicos), e outros

(em quantidade variável, de acordo com o tamanho da agência) para o público em geral.

A Caixa Econômica estipula que o caixa bancário tem direito a uma pausa de

uma hora para o almoço. Porém devido à vários fatores como: excesso de pessoas nas

filas em dias de muito movimento, poucos caixas nas agências, além das reclamações

ou solicitações feitas por parte tanto dos clientes quanto da própria gerência, muitas

vezes esse direito é substituído pela urgência de voltar ao guichê.

“É... na época de pagamento, por exemplo, eu só tiro dez minutos de almoço e volto de imediato. E num dia como hoje [com poucos clientes na agência], eu posso tirar trinta, trinta e cinco minutos pro almoço”.

Mesmo em dias de pouco movimento nas agências, a maioria dos caixas

costuma se ausentar dos guichês apenas por cerca de meia hora para fazer suas

refeições, voltando antecipadamente para o seu posto de trabalho, a fim de dividir com

seu colega o atendimento aos clientes. Em algumas situações, eles chegam a almoçar

em apenas 10 minutos, já que têm que retornar ao trabalho para não “atrapalhar” o bom

desempenho da agência.

17 As implicações das filas no sofrimento psíquico dos caixas serão discutidas mais adiante.

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“Quando eu tô na hora do almoço, muitas vezes eu sou requisitado pra vir atender um cliente que tá com pressa, um cliente de um porte melhor e tal, então tem que ser atendido no momento, então a gente, dentro desse horário [expediente bancário], tem que tá sempre disponível, sendo no horário do almoço ou não”.

Exemplos como o relatado acima, mostram que durante o intervalo para almoço,

as gerências das agências comumente requisitam que os caixas retornem aos guichês a

fim de realizar algum procedimento que compete apenas a um funcionário específico,

ou mesmo para atender a um cliente classificado pela agência como especial.

Após a saída do último cliente, a próxima etapa é o “fechamento do caixa”,

procedimento que consiste na conferência de todas as autenticações de documentos que

foram realizadas durante a jornada de trabalho. O valor final, que consta na fita da

impressora, deve conferir com a movimentação (entrada e saída) de dinheiro e, quando

isso acontece, os funcionários costumam utilizar a expressão “bateu o caixa”.

Infelizmente, devido ao intenso trabalho com numerários e às diversas

variabilidades existentes durante a jornada de trabalho diário, freqüentemente, ocorrem

sobras ou faltas de dinheiro no caixa. Se, porventura, o valor for a mais, este deve ser

encaminhado para o fundo de reserva da Caixa Econômica Federal, mas, se por outro

lado, houver falta de dinheiro, este é descontado do caixa responsável por aquele

guichê.

Pelo que nos foi dito, o bancário tem um prazo de até 48 horas para restituir ao

banco aquele valor que faltou no seu caixa. Em casos mais graves ou delicados, é

possível solicitar a abertura de um processo administrativo para comprovar que o

funcionário não agiu por dolo, ou seja, que a falha não foi intencional. Porém, na grande

maioria dos casos, isso não costuma acontecer. Os caixas têm que desembolsar desde

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pequenas quantias até grandes montas, precisando, algumas vezes, requisitar um

empréstimo pessoal para poder dar conta do prejuízo.

Após o fechamento de caixa, chega-se efetivamente ao encerramento da jornada

de trabalho do caixa bancário.

2.3.2. A REGULAÇÃO DAS VARIABILIDADES E O USO DA INTELIGÊNCIA

PRÁTICA

Como vimos, o trabalho humano realizado em situações reais de trabalho, não

corresponde jamais ao trabalho esperado e fixado pela organização do trabalho. Durante

a realização de uma atividade a pessoa está sujeita a variabilidades, quer sejam do

sistema técnico e organizacional, da sua própria variabilidade e a dos outros e do(s)

coletivo(s) de trabalho pertinente(s) (Telles & Alvarez, 2004)18.

Os trabalhadores costumam gerenciar as variabilidades do dia-a-dia utilizando

um conjunto de operações de previsão, antecipação e prevenção, efetuando uma

regulação permanente da produção da sua própria atividade (Athayde, 1996). Mas, para

tal, é preciso que eles tenham conhecimento sobre as variabilidades a fim de tentar

prevê-las e considerar a possibilidade de que novas venham a existir.

“A gente joga muito com jogo de cintura mesmo, sabe?... Mas tem dia quando o sistema cai, eu fico calma, aí aviso os clientes, ligo pra central se for o caso, se vai demorar, o que vai acontecer, se vai ser rápido, aí aviso os clientes”.

“A calculadora do nosso teclado é vinculada ao sistema, então tem hora que você tá assim, ó... [o caixa faz gestos

18 Para maiores detalhes, consultar o Capítulo I.

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lentos pra mostrar como digita]. Eu vi um caixa (...), há alguns anos atrás, que digitava com uma caneta, em vez de digitar com o sistema mecanográfico, que é o sistema de leitura dos números. (...) Eu não compreendia aquilo, agora eu compreendo, é a calculadora vinculada ao sistema. Quando o sistema tá lento, ela fica lenta, então você vai somar 2 mais 2 e ele demora até 10 segundos, 15 segundos, pra dar a resposta e você não pode digitar seqüencialmente 1,2,3, você tem que digitar 1....... 2...... 3. às vezes ela não digita o 3, aí quando você vai somar, aí você perde uma soma”.

“Eu procuro me concentrar num campo de sintonia onde eu consiga derrubar aquela fúria que ele [cliente] vem pra cima de mim. Porque ele, coitado, deve estar com algum problema externo. Então eu ofereço um cafezinho, uma água, um sorvete, bombom, chocolate e nessa bobagenzinha que se faz, quebra aquela fúria e termina se tornando amigo, amigo. Desmonta”.

A nosso ver, o caixa deste último depoimento desenvolveu uma estratégia de

enfrentamento muito interessante, pois ele tenta, através da cortesia em oferecer algo

agradável, minimizar a “fúria” do cliente. Segundo seu próprio relato, o tempo de

trabalho no banco o ensinou a lidar com certas situações adversas e a enfrentar os

problemas sempre da melhor maneira possível, mas em caso de não conseguir, ele faz

com que o cliente se dirija a outro setor do banco, como por exemplo a gerência.

Verificamos, pois, que os caixas colocam em prática uma certa astúcia e sua

experiência pessoal e profissional, como um modo de buscarem as resoluções para os

problemas diários (Dejours, 1993).

2.3.3. OS LAÇOS DE COOPERAÇÃO

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Como já fizemos referência, as diversas modificações que ocorreram ao longo

dos anos, principalmente devido ao processo de automação nos bancos, fizeram com

que a atividade dos bancários sofresse uma drástica transformação, acarretando, entre

outras coisas, um incremento do volume do trabalho individualizado (Campello & Silva

Neto, 1996).

O trabalho no guichê é considerado pela maioria dos caixas como algo

estritamente individual, já que cada um é capaz de atender às necessidades dos clientes

sem que haja a interferência de outras pessoas. Muitos vêem este ponto como positivo,

já que não dividem a responsabilidade com mais ninguém e entendem que ali, naquele

momento, eles são os gestores do seu próprio trabalho.

“A nossa atividade, por natureza, é individual. Um não precisa do outro pra fazer o serviço”.

Entretanto, vimos que, em situações que fogem ao seu domínio, os caixas

solicitam o auxílio de um colega do guichê ao lado ou, até mesmo, do gerente da

agência, mobilizando-se coletivamente para levar ao término sua atividade.

“É uma atividade individual, mas, digamos assim, mais de cooperação. É... um colega tá com uma dificuldade, por exemplo, numa determinada operação, autenticar um documento, convida o outro,... existe cooperação. De repente tem dúvida num autógrafo, chama o outro, pra ajudar, existe bastante cooperação”.

Dejours (2004) identifica a cooperação como sendo a base fundamental para a

formação do coletivo de trabalho, sendo aquela essencialmente formada a partir de uma

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associação de laços comuns construídos pelos trabalhadores, de forma voluntária,

imbuídos em alcançar um objetivo comum, isto é, a realização de uma obra comum

(Cru, 1986; Athayde, 1996; Guérin et al., 2001; Figueiredo, 2001).

Vemos que, de acordo com a situação em que se encontre um caixa, os outros

podem ser solicitados para auxiliá-lo a despachar um documento ou até mesmo a

reconhecer a assinatura de um cliente que não esteja tão legítima ou que esteja lhe

causando dúvidas, minimizando a complexidade das tarefas e concorrendo a regulação

das variabilidades (Silva, 2005).

3. A SAÚDE DOS CAIXAS BANCÁRIOS

Para Canguilhem (2001) a saúde remete à forma pela qual o indivíduo interage

com o meio e com os eventos da vida e à possibilidade deste poder cair doente e se

restabelecer. Reforçando esta idéia, Dejours (1992) afirma que a saúde das pessoas é um

assunto que está ligado a elas próprias, visto que é algo que pode ser conquistado e do

qual dependem. Portanto, cada indivíduo deve ser capaz de sofrer e reconhecer suas

dificuldades a fim de enfrentar as demandas que o meio lhe solicita.

De uma forma geral, procuramos apreender a relação saúde – trabalho de caixas

bancários através dos relatos das suas experiências durante as jornadas de trabalho e,

analisando os depoimentos dos participantes desta investigação, podemos encontrar

alguns elementos que também foram identificados por Seligman (1987) em seus estudos

com bancários e que são apontados por ela como fatores de risco para a saúde dos

trabalhadores: ritmos intensos; repetitividade; exigência de grande concentração mental;

as jornadas extensas, com horas extras; o isolamento dos trabalhadores durante a

jornada; formas de controle sobre os operários gerando medo, vergonha ou revolta;

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autoritarismo das chefias; grande responsabilidade na função e desvios e acúmulos de

funções.

Como dizem Brito, Neves e Athayde (2003, p. 33), mesmo quando os

trabalhadores estão “no estado de normalidade, as doenças podem surgir,

desestabilizando esse estado para, em seguida, ser novamente estabilizadas,

recuperando-se um novo estado de normalidade”. Em outras palavras, a normalidade

remete à vivência de um processo de sofrimento que tanto pode seguir o caminho da

doença, como pode ser encaminhado a gerar criatividade e prazer no trabalho.

Como veremos a seguir, em se tratando do caminho da doença, nós

identificamos nas queixas dos caixas bancários alguns dos principais sinais de

adoecimento e/ou sofrimento relativos às condições e à organização do trabalho. Porém,

também apresentamos como esses trabalhadores conseguem enfrentar esse sofrimento

por intermédio de seus sistemas defensivos no trabalho que, como dizem os autores

supracitados, apesar de não conduzi-los à saúde, podem preservar uma certa

normalidade.

Assim, vimos que, apesar de diariamente vivenciarem no ambiente de trabalho

situações extremamente deletérias, eles ainda conseguem fazer uso da sua inteligência

prática, mobilizada pela dinâmica do reconhecimento. Esta, por sua vez, reforça a

construção da identidade dos trabalhadores e favorece a saúde mental e somática,

contribuindo para o sentido no trabalho e para a transformação do sofrimento em prazer.

3.1. AS IMPLICAÇÕES NA SAÚDE

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Recordando o Capítulo I, vimos que Wisner (1994) elucida que o termo “cargas

de trabalho” originou-se da expressão fadiga, que ainda hoje é utilizada pelos

trabalhadores quando procuram descrever os efeitos negativos que o trabalho traz para

eles próprios e para os seus colegas. Esta noção nos remete a aspectos relacionados aos

campos físico, cognitivo e psíquico no trabalho (Dejours et al., 1993) e que, no caso dos

participantes do nosso estudo, são oriundos, principalmente, das várias mudanças

tecnológicas e organizacionais que acometeram o setor ao longo da sua vida laborativa.

De acordo com Campello e Silva Neto (1996, p. 119) “onde imperam as más

condições de trabalho, gera-se a degradação rápida do organismo”. Em se tratando do

espaço físico ocupado pelos caixas, já mencionamos que é extremamente pequeno e

que, portanto, está comprometendo o uso adequado dos movimentos dos caixas.

“O lugar que a gente fica é bem pequeno, sabe? Principalmente porque a gente trabalha com dois computadores”.

Também fizemos referência aos sistemas de refrigeração de ar que, por não

estarem perfeitamente regulados, mantém temperaturas extremas (como muito frio ou

excesso de calor), tornando o ambiente completamente desfavorável ao seu bem-estar

físico e mental.

“O pior de tudo é o ar condicionado, porque, como é central, às vezes tá muito frio, aí eu preciso pedir pra desligar um pouquinho, mas aí depois fica muito quente. Teve um dia que eu comecei a passar mal enquanto estava atendendo um cliente, tava tão quente que eu comecei a suar e isso me fez mal”.

Corroborando os autores citados anteriormente, que também realizaram estudos

com caixas bancários da Caixa Econômica, constatamos que os participantes da nossa

investigação igualmente exprimem sua inadequação às condições ambientais do

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trabalho através da fadiga, caracterizando “o resultado da repressão da atividade

espontânea de órgãos motores e sensoriais e de um esforço para tolerar uma situação

que não se consegue modificar” (idem, p. 199-120). Verificamos, pois, que eles estão

diante de situações tão deletérias que, possivelmente, favorecem o desenvolvimento de

um padrão determinado de desgaste e de morbidade (Laurell & Noriega, 1989).

Já vimos que, há alguns anos, quando se deu o processo de automação nos

bancos, ocorreu uma drástica transformação que acarretou uma padronização das tarefas

e um acréscimo do volume de trabalho individual, além de um aumento sobre o controle

de tempos e sobre a qualidade dos serviços prestados (Merlo & Barbarini, 2002).

Conforme a pesquisa realizada por Malaguti (1996), segundo a visão

empresarial, os equipamentos tecnológicos facilitam o trabalho dos caixas quanto às

autenticações dos documentos. No entanto, para os nossos participantes eles geram

alguns malefícios, tais como a sobrecarga de trabalho, favorecendo o mais freqüente dos

problemas de saúde em bancários, a LER/DORT (Lesão por Esforço Repetitivo /

Doenças Ortomusculares Relacionadas ao Trabalho). Por definição, esta é “uma

síndrome clínica caracterizada por dor crônica, acompanhada ou não por alterações

objetivas, e que se manifesta principalmente no pescoço, cintura escapular e/ou

membros superiores, decorrente do trabalho” (Costa, 2003, p. 25) .

“Por incrível que pareça, o avanço tecnológico resultou em mais trabalho pra nós. Inclusive o índice de doenças, né? Por esforço repetitivo, a LER, a Lesão por Esforço Repetitivo, aumentou bastante, a tendência é sempre aumentar. Eu já tive dois afastamentos por esforço repetitivo”.

No caso específico dos caixas envolvidos nesta investigação, a origem deste tipo

de comprometimento pode ser provocada pelo uso constante de dois equipamentos de

informática durante o expediente, pela repetição excessiva de movimentos durante a

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jornada e, principalmente, pelas pequenas ou inexistentes pausas para descanso, em

conseqüência do acúmulo de pessoas nas filas19.

“Eu acredito que todos os problemas de saúde que eu já tive foram por conta do trabalho (risos). Úlcera, estresse... já tá começando a aparecer herpes labial. Se eu tiver algum tipo de estresse grande ele estoura... eu tenho problema de DORT nas duas mãos, no ombro eu também tenho (risos)”.

Este caixa, especificamente, durante todo o tempo que falava sobre seus

problemas de saúde, sorria e fazia uma espécie de retrospectiva da sua vida desde o

momento que ingressou no banco, chegando à conclusão de que todos os males que o

acometeram ao longo dos anos relacionam-se à sua atividade laboral. Segundo ele, a

herpes labial aparece sempre que a sua carga de estresse está alta, provocando, até certo

ponto, um constrangimento em estar atendendo os clientes com os lábios feridos, já que

uma boa aparência pessoal também é importante na sua função. A LER/DORT, além de

dificultar o manuseio dos equipamentos, o impede de praticar alguns exercícios físicos,

além de causar desconforto também durante os períodos em que está em casa,

descansando.

Segundo relatos, existem funcionários que, por motivos de adoecimento

(principalmente relativos à LER/DORT), são deslocados de suas atividades nos guichês

para outro setor da agência. Nestes casos, a empresa utiliza-se de um recurso

administrativo conhecido por “readaptação profissional”.

Brito, Neves e Athayde (2003), ao realizarem um estudo investigativo com

merendeiras e serventes de escolas, verificaram que a “readaptação” é aplicada quando

19 Esses aspectos das condições de trabalho dos caixas bancários serão retomados ao longo deste item.

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se admite que o trabalhador não tem condições de continuar realizando as atividades

requeridas pela função, considerando-se o sofrimento e o adoecimento do mesmo.

Segundo os participantes da nossa pesquisa, existem alguns bancários que, em

condições de “readaptados”, não trabalham diretamente com autenticações de

documentos, mas continuam desempenhando uma função muito parecida com a de

caixa. Apesar da diminuição da carga de trabalho, eles ainda utilizam o computador e

realizam atividades que exigem movimentos constantes e intensos, podendo provocar

um agravamento de um quadro de enfermidade já existente.

“Já fiquei afastada durante três meses, por conta de LER. Mas aí eu não saí da Caixa, eu fiquei fora do caixa, do guichê. Eu fiquei trabalhando, na área interna da agência... mas eu voltei pro caixa porque... era digitar do mesmo jeito”.

O banco, ao utilizar o recurso da “readaptação”, além de colocar os funcionários

em situação de trabalho semelhante à anterior, priva-os de gozarem dos benefícios das

tão mencionadas comissões de vendas.

Assim, verificamos que alguns caixas, após serem afastados temporariamente

dos seus postos originais e de experimentarem o processo de “readaptação” em outro

setor do banco, solicitam à gerência o seu retorno ao guichê, voltando a realizar as

mesmas atividades exigidas pelo cargo.

De acordo com o site da CLT Dinâmica (2007), a NR-1720 (117.035-0 / 13)

prevê que “nas atividades de entrada de dados deve haver, no mínimo, uma pausa de 10

(dez) minutos para cada 50 (cinqüenta) minutos trabalhados, não deduzidos da jornada

20 Norma Regulamentadora no 17 (ver anexos 7 (a-d)).

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normal de trabalho”. No entanto, vemos que nem sempre essa norma é respeitada pelos

caixas bancários, mesmo que, quando desobedecida, possa causar-lhes danos físicos.

Em nossas observações, constatamos que o dia-a-dia de um caixa de banco é

realizado em um ritmo bastante frenético. Ao questionarmos sobre o dia mais cansativo

da semana, foi unânime o comentário de que, devido aos pagamentos do funcionalismo

público e previdência e das próprias contas pessoais dos clientes, a carga de trabalho

mais intensa ocorre nos primeiros 15 dias do mês, provocando neles um cansaço ainda

maior.

[o dia mais cansativo] “... é do dia 3 até o dia 15. Porque com o mesmo efetivo de funcionários você tem que dar conta de três vezes o movimento normal”.

Assim, em dias de muito movimento, devido ao rígido controle de tempo e ao

aumento da produtividade, acarretando uma excessiva carga de trabalho durante a

jornada, torna-se praticamente impossível para os caixas se ausentarem dos seus guichês

durante o momento do atendimento, inclusive sentindo-se impedidos de saírem para

atender às suas necessidades fisiológicas básicas.

“Você trabalha constantemente, sem pausa... sem pausa nenhuma... pra você ir no banheiro... é sufoco... às vezes eu olho assim, quando eu olho que o cliente olha pro céu, eu dou uma escapulida, porque é difícil. Às vezes eu fico louca pra fazer xixi... Sabe? Vai dando aquela coisa e você não pode sair, porque às vezes tá no meio de um depósito, de um negócio, e quanto mais eu faço, mais o cliente traz coisa pra eu fazer, o mesmo cliente. Quer dizer, é sufoco. É muito cansada, a carga horária, a carga de trabalho de um caixa executivo é muito pesada. Você não tem folga...não tem folga, é um cliente atrás do outro, é um cliente atrás do outro, não tem tempo nem pra respirar”.

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Constatamos que, de acordo com a quantidade de pessoas que os caixas

atendem, a idéia que eles transmitem é de que a sua atividade torna-se praticamente uma

“bola de neve” que se desenvolve de forma crescente, até o ponto de “engolir” o

funcionário, ou como foi ilustrado pelo próprio caixa do depoimento anterior: “sem

tempo até mesmo para respirar”.

Essa metáfora parece explicar o porquê de alguns caixas se sentirem

extremamente cansados quando os seus colegas de guichês tiram férias. Vejamos:

“Aqui, se faltar um, é mais sufoco pra quem fica. Se um colega tira férias, você deveria ficar feliz, satisfeito porque o colega vai tirar férias, mas você já fica preocupado com como é que você vai trabalhar mais, é mais trabalho pra você que não vem ninguém de fora, não tem outro pra botar no lugar, infelizmente é a realidade. É ruim trabalhar assim”.

Observamos, assim, que além do desgaste físico, as falas dos trabalhadores

também exprimem algumas das suas perturbações imunológicas, possibilitando a

promoção do sofrimento psíquico e do aparecimento de enfermidades somáticas ou

psicossomáticas (Dejours, 1992; Wisner, 1994).

3.2. O SOFRIMENTO PSÍQUICO

Ao longo deste estudo, enumeramos vários aspectos vinculados à atividade dos

caixas bancários que podem promover a vivência de um sofrimento psíquico, já que

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esses trabalhadores estão diariamente submetidos a diversas situações de trabalho que

implicam num processo de retenção de energia (Dejours, 1993).

Em se tratando da relação homem-atividade, salientamos que os trabalhadores

trazem consigo suas histórias pessoais, sedimentadas por aspirações, desejos,

motivações e necessidades psicológicas, que conferem aos sujeitos características únicas

e pessoais (Dejours, Dessors & Desriaux, 1993). Esses elementos de sedimentação

somente serão satisfatoriamente alcançados no ambiente laboral a partir do momento

em que a organização do trabalho oferecer condições para a sua construção.

Recorrendo aos depoimentos produzidos durante a nossa investigação,

identificamos que palavras como “frustração, tensão, depressão, raiva, estresse” foram

repetidamente citadas, pois para a maioria dos caixas, muitos dos seus problemas de

saúde podem estar vinculados à sua atividade laboral.

“Eu tenho uns piques de tensão. Normalmente no meio do expediente eu tenho uns piques de tensão muito grande”.

“Mesmo que eu tenha uma carga maior de trabalho, num determinado dia, por exemplo, num final de mês, num dia que se recebam muitas contas ou tenha muito pagamento, isso aí pra mim é o normal. Mesmo que se trabalhe mais. Agora lógico, vem um sentimento de estresse, de uma certa frustração no final do dia, por tá trabalhando o dia todo, entende? A gente sai mais tarde daqui, né?... Vamos dizer assim, abate mais, certo? Deprime mais”.

Uma das maiores fontes de sofrimento para os caixas, é a pressão das filas dos

clientes, tanto pela grande quantidade de pessoas quanto pelo barulho excessivo que

elas fazem ao reclamarem, provocarem e, até mesmo, ofenderem os funcionários com

comentários maldosos.

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“O barulho das pessoas reclamando na fila é algo que irrita muito também”. “Tem dias que tem aquelas pessoas que ficam xingando o tempo todo na fila, que vai dando uma irritação...Um dia desses um cliente ficou reclamando o tempo todo na minha frente e eu não sabia mais o que fizesse, porque ele tinha que esperar a vez dele”.

Muitas vezes esses trabalhadores não têm como reagir às provocações. Eles se

sentem com as mãos atadas, já que devem atender a fila por ordem de chegada e não de

acordo com a disponibilidade ou urgência que o cliente diz ter.

“É a pressão maior do mundo, todo mundo gritando, sempre aquela pressão, tudo isso, imagina a vida todinha só sofrendo pressão. Você tem a sensação de que vai ficar sozinho e os ‘cabras’ vão começar a ‘chiar’, a reclamar e gritar e ‘cadê os caixas?’ (...) isso é muito, muito ruim, entendeu?”

De acordo com as informações dos participantes, em dias de pagamento do

funcionalismo público, o número de pessoas que freqüentam os bancos chega até

mesmo a triplicar, principalmente no horário de almoço, já considerado o período de

maior movimento dentro das agências. Esse fato obriga os caixas a atenderem,

individualmente, uma quantidade de clientes maior do que a habitual, até que um outro

colega retorne ao guichê.

“(...) Agora quando chega dia de pagamento, dia de movimento grande, você vê uma fila do tamanho do mundo e você vê dois caixas ali, aí na hora do almoço sai um e fica só um atendendo as duas filas, puxando um dos idosos e um da outra fila”.

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Durante o tempo em que ficam sós, aguardando o colega retornar da pausa para

o almoço, os caixas verificam que há uma insuficiência de tempo capaz de suprir a

demanda do grande número de atendimentos. Eles então se vêem frente-a-frente com

pessoas que, por não entenderem o porquê da ausência de outro caixa, reclamam e

chegam a causar tumulto e muito barulho, ocasionando um enorme transtorno, difícil de

ser controlado.

Nesses dias de maior movimento dentro das agências, os caixas afirmam que se

sentem “sufocados” com a pressão exercida pelo público, gerando uma sensação de

estar em plena “guerra contra os clientes”, mesmo reconhecendo que é do público que

depende o seu emprego. Vejamos:

“(...) O caixa é como se fosse a frente de batalha, né? Se tivesse no exército, eu acho que o caixa seria a infantaria, né? [risos] Estaria na frente, vendo o olho do inimigo. Eu não vou tratar o cliente de inimigo, mas ele é um adversário que vai tentar te explorar e você vai tentar explorar ele”.

Os participantes da investigação apresentam um desconforto evidente ao

refletirem acerca da sua submissão aos clientes do banco e também o quão vulneráveis

estão à apreciação destas pessoas, pois como os clientes não conhecem os reais motivos

que levam um funcionário a se sentir mal, é comum que façam pré-julgamentos em

determinadas situações, chegando, em casos muito extremos, a se “aproveitarem” de um

momento de fragilidade do bancário para realizar algum ato ilícito (como receber

dinheiro duas vezes).

“Se você der uma demonstração de fraqueza, se o cliente percebe, ele pode se utilizar disso pra te prejudicar. Às

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vezes, não é nem pra ti, mas é pra dar um golpe no banco mesmo”.

Observamos pessoalmente o quanto os clientes pressionam verbalmente os

caixas, anulando assim as possibilidades de pausas durante a jornada que, como já

dissemos, devem ser de 10 minutos, a cada 50 minutos trabalhados. Além disso, alguns

caixas alegam que têm seus direitos às pausas cerceados, não só devido ao elevado

número de clientes na agência, mas também porque sofrem pressão por parte dos

próprios gerentes para permanecerem no posto de trabalho.

“Existe uma lei do Ministério do Trabalho pra gente fazer essas pausas da LER, mas só que por outro lado, não tem estrutura... O pessoal reclama. Se você sai pra tomar um cafezinho, tomar uma água, já tão atrás de você reclamando: “cadê o caixa?”, tá entendendo? (...) Aí quando eu saio, daqui a pouco vem a gerente de atendimento: “meu filho, venha pro caixa”.

Conforme já sinalizamos anteriormente, no tocante às mudanças

organizacionais, ao longo da nossa pesquisa, acompanhamos a implantação de uma

medida que substitui o cargo em comissão dos caixas executivos para caixa PV (ponto

de venda).

“(...) Inicialmente, nós éramos onze caixas, hoje somos três com a probabilidade de ser dois só... Isso nos preocupa pelo atendimento ao cliente”.

Além de uma nova redução do número de bancários nas agências, esse ato

administrativo trouxe preocupação relativa à qualidade do atendimento dos clientes,

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tensões e está gerando fortes pressões para os caixas, sendo a maior delas relativa ao

cumprimento das metas estabelecidas pelo banco.

“De vez em quando tem colega aí que pega licença porque a carga de estresse tá muito alta, fica meio doido, pirado. Muita gente endoidando. Alguns mais duros na queda, feito eu que já tô chegando perto, mas tem muita gente aí que no meio do caminho fica meio derrubado, meio estressado, principalmente pela questão de que nos últimos anos ficou muito forte a questão do cumprimento de metas, né? Uma das coisa mais importantes que houve em alteração para o bancário foi a questão da informatização e outra coisa que eu acho que ficou assim muito forte foi a questão do cumprimento de meta, entendeu? Aquela coisa de superação a cada dia que passa, maior, maior, maior, maior, infindávelmente maior, entendeu? Eu acho que isso é... ficou pesando muito na carga de estresse do bancário, sabe? Eu acho que tem pesado muito”.

Os caixas vêem a sua profissão como algo que “suga” suas energias vitais,

tornando-os estressados e conduzindo-os a um processo de “enlouquecimento” devido

ao excesso de carga de trabalho.

O jargão “superação”, citado no depoimento acima, corrobora com o que é dito

por Jinkings (2004) a respeito da sua pesquisa com funcionários de banco: “nos

ambientes bancários, em face das atuais estratégias de dominação e disciplina do

trabalho, tolhidos pelo medo do desemprego, muitos trabalhadores intensificam seu

trabalho e tentam seguir os critérios patronais de competência e as exigências de

produtividade, com sérios agravos às suas condições de saúde. Especialmente nas

agências bancárias e centrais de atendimento, a determinação de metas nas vendas de

produtos e serviços centraliza e tenciona as relações de trabalho”.

Para os participantes da investigação, a rotina de atendimento dos clientes e

autenticação de documentos é quebrada a partir do momento que eles precisam atingir

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metas de vendas de produtos que foram estipulados pela gerência. Isso os incomoda,

pois, pelo que nos foi informado, os índices são crescentes e precisam ser atingidos

individualmente a fim de se conseguir um valor geral relativo à agência.

“O banco quer que você explore o máximo do potencial do cliente e o cliente quer explorar o máximo do potencial do banco. É uma troca e a gente [caixa] está bem no eixo de atrito entre as duas partes”.

Por conta do contato rápido com o público, os participantes acreditam que as

metas são difíceis de serem conseguidas, mas, mesmo assim eles não deixam de

sofrerem diariamente pressão por parte dos seus superiores hierárquicos.

Segundo Jinkings (2004), o tipo de sistema de remuneração individual variável,

na qual está incorporada a promoção de diferenças salariais em função do cumprimento

de metas por trabalhador, além de incrementar a exploração do trabalho, promove

atitudes pouco solidárias nos ambientes laborais.

O momento do fechamento do caixa realizado no final da jornada de trabalho é

aquele que mais provoca uma sensação angustiante em tal função, mesmo diante de

tantas tensões e sofrimentos vivenciados ao longo do dia. O depoimento abaixo ilustra

bem o exposto:

“Uma coisa ruim é chegar no final do dia e dar diferença... o caixa faltar. As mãos gelam, aí é triste, aí vamos procurar a diferença... isso aí, é a pior coisa da função, o triste é isso. Mas o resto dá pra gente escapar (risos), o resto é beleza”.

A preocupação e ansiedade pela chegada da hora de “bater o caixa”, provoca

neles uma sensação de tristeza e medo, já que, devido às freqüentes variabilidades

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diárias, acontecem sobras ou faltas de dinheiro durante a conferência dos documentos

no final do expediente. Ocorrendo a primeira hipótese, a quantia é enviada para o fundo

de reserva do banco e, no segundo caso, o valor é descontado do funcionário

responsável pelo guichê, num prazo de 48 horas.

“Cada fechamento de caixa é um dia a menos na vida da gente!(risos) Porque ninguém faz fechamento de caixa tranqüilo. A tensão do fechamento de caixa, ela existe independente do movimento do dia. Você já começa o dia a pensar na hora do fechamento do caixa. Se vai dar certo se não vai”.

Verificamos, portanto, que durante todo o dia, os caixas costumam executar a

sua atividade com o pensamento voltado para o momento do fechamento de caixa, já

que, se na hora da conferência não acontecer de eles “baterem o caixa”, eles terão que

repor o dinheiro ao banco, muitas vezes precisando recorrer à venda de seus próprios

bens pessoais ou, até mesmo, efetuando empréstimos que serão pagos em várias

parcelas como forma de minimizar o peso mensalmente.

“Quando eu vou fechar o caixa, o meu coração dispara, eu ando com medo, quando tem uma diferença muito grande eu fico logo nervosa, tremendo... só pode, né? Quando a diferença é de 10 mil reais, eu fico logo tremendo.... E as possibilidades vão se acabando, não tem mais pra onde olhar... Eu quando chego nessa altura, eu não choro não, mas eu já começo a ficar pensando no que é que eu vou vender, pra pagar (risos). Esse é o meu temperamento. Eu sofro, porque eu sou como perua”.

Antes mesmo de ser consumado e mesmo que não venha a acontecer, esse é um

momento que gera muita tensão aos caixas, e que ainda se prolonga durante algum

tempo, caso ocorra. Como o depoimento acima sinaliza, “morrer como perua” significa

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dizer que ela sofre por antecipação, pois, como diz o ditado: “quem morre de véspera, é

peru”.

Diante dessas situações de trabalho desgastantes entendemos que os caixas

remanescentes podem ser vistos como verdadeiros “sobreviventes”, pois ainda

permanecem trabalhando na mesma empresa em meio a condições potencialmente

nocivas.

“Quando a gente entrou na empresa, era outra empresa: era mãe, era não sei o quê, aquela coisa: “a Caixa é uma família”. Uma colega gostava de dizer que quando entrou era assim, depois começou a ver que era cheio de padrasto”.

O sonho de pertencer a uma empresa que integra funcionários e os acolhe tal

qual uma “família”, parece ter chegado ao fim depois de tantas desilusões. A realidade

inspirada na perfeição do “amor de mãe” sai de cena e dá espaço a um “padrasto” (no

pior sentido) que impõe o medo, ao invés de respeito.

Ao serem questionados sobre como se sentem no final da jornada de trabalho,

alguns caixas relatam o seguinte:

“Dependendo do movimento daquele dia, se foi pesado e tal, eu me estresso muito, isso aí eu sou assumido, eu fico totalmente estressado. Termina o dia tenso, às vezes nervoso, mas assim, aquela tensão tem que ter um limite”.

“Cansado. Tanto mentalmente, como fisicamente, mas ao sair da agência, já me recomponho pelas energias positivas que eu recebo lá fora, aqui morreu. Hoje, esse dia aqui acabou, vamos ver amanhã”.

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Para alguns dos participantes, o melhor momento do dia é o de retornar para suas

casas, relaxar e esquecer a jornada de trabalho. Vemos, portanto, que o dia de trabalho

dita as “regras” de como há de ser o comportamento dos caixas após o término do

expediente bancário, e independentemente de saírem cansados ou não, eles procuram

dar um limite a esta sensação, buscando alternativas para o seu bem-estar.

Os estudos de Brito, Neves e Athayde (2003) apontam que, como o sofrimento

faz parte do campo da normalidade, é importante que ele não tome o rumo do

patológico. Em nossa investigação, conseguimos apreender como os caixas bancários

conciliam o que lhes acontece de bom e de ruim no ambiente de trabalho, ao

analisarmos as formas de enfrentamento e os sistemas defensivos utilizados por eles.

3.3. AS DEFESAS

Os estudos de Dejours (1992) apontam que a grande maioria dos trabalhadores,

mesmo quando exposta a perigos constantes decorrentes da organização do trabalho,

consegue livrar-se da descompensação psíquica, utilizando-se de artifícios de defesa, ou

seja, buscando algo que a proteja contra as diferentes formas de sofrimento e,

sobretudo, contra o medo que resulta do trabalho.

Para Dejours e Abdoucheli (1990, p.128), as “defesas levam à modificação,

transformação e, em geral, à eufemização da percepção que os trabalhadores têm da

realidade que os faz sofrer. (...) Vencer a rigidez de certas pressões organizacionais

irredutíveis, os trabalhadores conseguem, graças a suas defesas, minimizar a percepção

que têm dessas pressões, fontes de sofrimento. (...) Os trabalhadores colocam-se na

posição de agentes ativos de um desafio, de uma atitude provocadora ou de uma

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minimização diante da dita pressão patogênica. A operação é estritamente mental, já que

ela geralmente não modifica a realidade da pressão patogênica”.

Assim, conforme sinalizam Brito, Neves e Athayde (2003, p. 35), “o excesso de

reações de defesa de um organismo pode funcionar, paradoxalmente, como um aliado

do fato agressor. E quando muito, as defesas podem dar conta de preservar uma certa

normalidade, e não conduzir à saúde”.

Passamos neste momento a relatar algumas defesas elaboradas pelos caixas

bancários participantes de nossa investigação:

Como vimos, o meio é identificado como infiel e o trabalhador deve ser capaz de

prever e regular variabilidades em diferentes condições impostas pelo trabalho, que,

muitas vezes, acaba por levá-lo a um processo de adaptação (Brito & Athayde, 2003).

“Meus problemas maiores de saúde são por conta do trabalho. Está diretamente ligado ao trabalho. Então não é uma relação muito agradável, harmoniosa, nem prazerosa, por conta disso (...). Mas... ossos do ofício... o caixa sempre teve desses trabalhos, o caixa nunca vai ter um mudança significativa quanto a isso”.

Por não terem expectativas de melhoria e nem conseguirem visualizar mudanças

significativas no seu modo de trabalhar, muitas vezes os caixas utilizam a expressão

“ossos do ofício”, admitindo isso como algo normal e acreditando que a única saída é

adaptar-se à situação de sofrimento imposta pelo trabalho, embora reconheçam que

sofrem e adoecem por conta da sua atividade no banco.

Assim, o depoimento evidencia um tipo de defesa, cuja modalidade favorece

uma adaptação às pressões da organização do trabalho que, por sua vez, ferem homens e

mulheres que trabalham (Dejours, Abdoucheli & Jayet, 1994).

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Ainda de acordo com o entendimento de Dejours (1992), o trabalho pode ser o

palco de uma luta travada entre o trabalhador e o funcionamento psíquico, exigindo o

uso de um recurso conhecido na psicopatologia pelo nome de repressão. O trabalhador

vivencia uma individualização máxima do sofrimento ao enfrentá-lo em silêncio e ao

reprimir os seus sentimentos, sinalizando assim que as defesas coletivas não estão sendo

eficazes (Dejours, Abdoucheli & Jayet, 1994).

Vejamos o depoimento abaixo:

“Teve um dia aí que eu tive uma indigestão... que tamanha a provocação [do cliente] e... aí eu tive que parar, o colega continuou trabalhando (...) e outro colega me levou lá fora pra arejar um pouquinho, porque começou a me dar uma dor no peito, dor nas costas e me entrevou na hora... da raiva. A raiva é.... o problema da gente é que você não pode ter raiva no caixa, você tem que estar se controlando. E esse fluxo de controlar a raiva provoca um treco dentro de você”.

Identificamos, portanto, um exemplo no qual a defesa do organismo leva o caixa

a silenciar e reprimir a raiva que sentiu diante da provocação de um cliente. Isso o

conduziu a um processo de sofrimento que está “arruinando” com a sua saúde, mas por

outro lado o mantém afastado do ambiente nocivo do trabalho.

“A gente vive estressado, muito estressado, principalmente os caixas. Não tem gente pra substituir, você não pode nem adoecer porque não tem ninguém pra lhe substituir”.

Alguns depoimentos nos fazem acreditar que os caixas também sentem-se

reprimidos diante da organização do trabalho e passam a introjetar que não podem

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adoecer (o que gera um custo para sua saúde), pois se isso acontecer, não haverá

disponibilidade de substituição de pessoal devido ao número reduzido de funcionários.

Verificamos que, como a falta de um funcionário acarreta uma sobrecarga de

acúmulo de trabalho para os demais colegas nos guichês, além de prejudicar o

atendimento ao público em geral, os participantes alegam que procuram uma forma de

manterem-se saudáveis a todo custo.

“Às vezes a gente quer faltar, vem trabalhar até doente e não pode faltar, porque não tem ninguém pra lhe substituir. Então eu acho isso muito ruim. Fica aquela sensação de você saber que você nem pode adoecer mais, porque não tem ninguém mais pra colocar”.

Ao questionarmos os caixas se já haviam se afastado do trabalho por conta de

algum problema de saúde, ouvimos um comentário surpreendente e que nos chamou a

atenção:

“Eu nunca me afastei daqui. Por problemas de saúde, relacionados ao trabalho, não. Eu sempre achei o seguinte, que a melhor terapia pra você poder combater isso, é trabalhando, porque você esquece da doença. Eu vi caso de colega que se afastou e piorou. Começou a pensar só na doença e terminou piorando e hoje tá afastado, brigando na justiça pra se aposentar e eu acho muito pior. Eu convivo com a LER já há13 anos. E nunca faltei nenhum dia por causa disso. Eu sempre tive cuidado. Eu chegava em casa, dava massagem com antiinflamatório, fazia compressa, mas nunca me afastei nenhum dia por causa disso”.

De acordo com Brito, Neves e Athayde (2003), os trabalhadores ao banalizarem

os seus próprios problemas de saúde e chegando até mesmo a negarem o que lhes

acometem, procuram esconder de si mesmos o seu próprio sofrimento.

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“Às vezes, as pessoas trazem os problemas de dentro de casa pra dentro do banco. Já a gente [caixa] não pode fazer isso, mas deixa transparecer, é lógico... Na minha profissão a saúde é o primeiro pilar... porque você não pode transparecer fraco. Você tem que estar sempre aparentando ter boa saúde, você tem que estar com bastante disposição, com bastante energia”.

Os depoimentos, portanto, corroboram o que Canguilhem (2001) postula, ou

seja, aquilo que o indivíduo mais teme ao cair enfermo é o fato de estar debilitado e

exposto a enfermidades futuras que possam diminuir a sua margem de segurança.

Malaguti (1996) e Zamberlan e Salerno (1987) ao observarem a relação

cliente/caixa/banco, constatam que o fluxo intenso de pessoas nas filas e a grande

pressão exercida por elas ao apresentarem suas demandas pessoais aos caixas, provocam

nestes um processo de aceleração do seu ritmo de trabalho (Campello & Silva Neto,

1996).

“Sei lá, eu acho que é meu ritmo mesmo de trabalho. Eu sou “lambretinha”, sabe?, é direto, ta, ta, ta, ta, ta, ta, ... e eu não sinto muito efeito não... o meu ritmo de trabalho é assim, eu não consigo parar. Eu acho que o meu senso de responsabilidade interno em atender ao cliente é maior ... É como se eu tivesse um compromisso que eu tenho que estar vendo a coisa fluir legal, tá entendendo? Então, eu, tudo o que eu posso, eu faço pra evitar que a coisa estagne, que ande mais adequada, é coisa minha mesmo”.

Para Dejours (2004) a “auto-aceleração” compulsiva pode decorrer da pressão

sentida pelos trabalhadores, advinda das atividades às quais eles estão submetidos a

executar. O depoimento a seguir é um exemplo disso:

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“Aquele cliente chato, aquele tumulto na fila, vai dando um nervoso (risos). Eu começo a acelerar, aí quanto mais tumulto, mais eu vejo que trabalho eu tenho, aí eu vejo que não tô dando conta de tudo”.

Assim, conforme Dejours e Abdoucheli (1990, p. 132), “as estratégias contra o

sofrimento ligado ao aborrecimento no trabalho conduzem às acelerações frenéticas das

cadências de trabalho”.

Entretanto, em determinadas situações, vê-se que algumas dessas defesas

desenvolvidas pelos trabalhadores contra o sofrimento podem gerar uma ideologia

defensiva favorecendo ainda mais a adaptação do mesmo ao trabalho, sendo utilizada

pela organização do trabalho em proveito da produtividade (Dejours, 2004).

“Eu tive que aprender a me cuidar, né? Assim, quando eu trabalho muito eu vou pro gelo, toda noite eu vou pro gelo, assim, pelo menos uma semana por mês, você chega lá em casa, eu tô no gelo, aqui [tocando no braço] e no cotovelo. Eu tenho que ir pro gelo, com certeza e se eu não for, eu não consigo dormir, que lateja, sabe? Fica doendo até aqui [tocando no ombro]”.

No depoimento anterior, a expressão utilizada “eu tive que aprender a me

cuidar” ilustra uma situação que é muito comum a esses trabalhadores, pois eles

acreditam que se não buscarem a sua própria melhoria, tratando da sua saúde e se

cuidando ao seu modo, certamente perderão o seu posto.

Constatamos que muitos caixas vivenciam uma sensação de alívio ao se

afastarem da agência ao final da jornada, e isso nos leva a crer que eles podem estar

sinalizando para o quanto o ambiente de trabalho está sendo prejudicial à saúde deles.

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[Fim do expediente] “Alívio. Graças a Deus terminou mais um dia (risos). Foi mais um dia de trabalho. Agora eu vou pra casa, vou dar uma caminhadinha na praia, vou relaxar. Infelizmente a realidade é essa”.

Como formas alternativas de relaxamento, alguns deles procuram ficar longe dos

colegas de trabalho, numa tentativa de evitar comentários sobre a sua principal fonte de

desgaste e sofrimento: a agência bancária. No entanto, verificamos que aqueles que

ainda mantêm contato com certos colegas bancários, fazem “tratos” ou “acordos” para

não tocarem em assuntos de trabalho.

“Eu tenho um colega que é da Caixa também, só que é de outra agência. A gente se encontra muito fora, mas a gente já tem um trato: não fala na Caixa”.

Esse costume se prolonga também durante o descanso semanal e as férias anuais,

desenvolvendo nos caixas um sentimento tão forte de aversão que alguns sequer passam

na frente da agência.

“Quando eu tiro férias, eu não passo nem na frente dessa agência. Eu não passo nem por perto, eu quero é distância, eu nem me lembro da agência”.

Conforme diz Jinkings (2004) os bancários parecem sinalizar para uma

tendência ao afastamento da participação na vida social (relacionada ao banco), que, a

nosso ver, é gerada por um sofrimento que também pode ser reforçado pela

possibilidade do não reconhecimento do seu trabalho.

3.4. O JULGAMENTO DO TRABALHO E A DINÂMICA DO RECONHECIMENTO

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Uma das condições de mobilização que favorecem o uso da inteligência prática

dos trabalhadores passa pela dinâmica de reconhecimento, a qual pode ser obtida

através da relação contribuição – retribuição, sendo esta de natureza fundamentalmente

simbólica (Dejours, 2004).

Segundo afirma o autor, o reconhecimento somente se dá a partir da

reconstrução rigorosa dos julgamentos do trabalho realizado, que podem ser de dois

tipos: de utilidade, oriundo da hierarquia superior ou dos subordinados (linha vertical) e

que faz menção à conduta e eficácia do trabalhador, podendo, eventualmente, ser

proferida pelos clientes; e de estética (de beleza ou de originalidade), relativo ao

julgamento feito pelos pares, considerado por Dejours como sendo o mais importante, já

que, por serem conhecedores do ofício, estes conseguem valorizar muito mais a beleza

de um trabalho bem realizado.

Apesar de alguns caixas relatarem a existência de um certo reconhecimento do

seu trabalho por parte da hierarquia superior e também dos seus pares (com menor

incidência, neste caso específico), em nossa investigação observamos que, ao questioná-

los acerca do julgamento mais importante, eles afirmaram ser o dos clientes.

“Os caixas não reconhecem. Não é hábito do caixa reconhecer o trabalho do outro. Não é de ficar fazendo elogio ao trabalho do outro. Porque cada um tá no seu caixa”. “Dos clientes. É mais compensador. Porque é uma pessoa que tem pouca convivência e quando você demonstra que, pelo menos, assimilou uma educação doméstica e procura transmiti-la no seu dia-a-dia, a clientela lhe tece um pequeno, um singelo elogio e aquilo lhe reconforta. É um bálsamo”.

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Eles afirmam que, em geral, preocupam-se em atender os clientes da melhor

maneira possível, sentindo-se recompensados ao ouvirem elogios. Este é um momento

que lhes “reconforta” e é considerado um “bálsamo”, ou seja, algo que lhes transmite

consolo e alivia a carga tão pesada de trabalho.

Embora a perspectiva dejouriana considere que o reconhecimento por parte dos

pares é o mais relevante para os trabalhadores, em nossa pesquisa encontramos

resultados divergentes desses, porém semelhantes aos achados por Neves (1999) em sua

investigação com professoras primárias da rede pública municipal de João Pessoa. A

autora problematiza a proposição de Dejours (2004) sinalizando que, em determinadas

situações de trabalho, em que ocorrem prestações de serviço, o julgamento mais

importante para os trabalhadores pode vir da parte do cliente, já que provavelmente essa

situação favorece uma inter-relação mais próxima entre os clientes e o prestadores de

serviço. E é o que, certamente, acontece entre os caixas bancários e os freqüentadores

das agências.

Entretanto, apesar do exposto, em certas ocasiões, os caixas bancários não se

sentem reconhecidos também pelos clientes, pois alguns confundem a atividade deles

com aquela desempenhada pelos operadores de caixa de supermercados, provocando

uma sensação de que suas potencialidades estão sendo subestimadas.

“Eles [os clientes] nos comparam, assim, muito com caixas de supermercado, com caixas de comércio, assim, e tal. Porque, assim, eles pensam que é uma atividade igual, e não é, é uma atividade diferenciada. Não estou desmerecendo o colega caixa de lá, mas há. Primeiro pelo grau de instrução que você exige. Tanto é que todos os nossos colegas aqui, são todos de nível superior”.

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Dejours (2004) salienta que a luta contra o sofrimento representa um alicerce

para a sua saúde mental e somática, percorrendo um caminho que produz um benefício

para a identidade dos trabalhadores. Para que essa luta aconteça é preciso que a

organização do trabalho possibilite a existência da dinâmica do reconhecimento que, ao

estar relacionada à questão do sentido no trabalho, favorece a transformação do

sofrimento em prazer.

3.5. A PRODUÇÃO DO SENTIDO DO TRABALHO E AS VIVÊNCIAS DE

PRAZER

A Psicodinâmica do Trabalho aponta para a necessidade de ir além da descrição

da atividade efetiva, com o objetivo de viabilizar a apreensão do sentido e dos afetos

mobilizados pelo trabalho, no caso em questão, das vivências de sofrimento psíquico e

de prazer (Dejours, 1994).

Conforme o autor (p. 77), “o sentido afetivo de uma tarefa, o sentido subjetivo

de uma situação de trabalho não estão contidos a priori na tarefa ou na situação. (...)

Mais do que identificar as invariantes do sentido de uma situação de trabalho ou de uma

tarefa, interessa-nos a dinâmica de construção de sentido da situação ou da tarefa. Essa

dinâmica pode sempre ser reportada às relações entre três pólos: o sujeito, o real e o

outro, como sugere Sigaut (1991). Apoiamo-nos nessa contribuição da antropologia do

trabalho para recentemente propor uma análise psicodinâmica da construção do sentido,

visando a uma problematização mais satisfatória: aquela do reconhecimento pelo outro

da contribuição do sujeito à organização do trabalho”.

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Assim, mesmo diante de algumas situações nocivas à saúde, vimos que a

atividade dos caixas bancários favorece também a produção de sentido no trabalho,

fazendo com que esses trabalhadores ainda permaneçam trabalhando.

“Eu acho que se o público tá satisfeito comigo, com o meu atendimento... Minha preocupação é essa: dar um bom atendimento, atender bem as pessoas, e eu estando tranqüilo, eu fico me sentindo bem... com o dever cumprido, com a missão cumprida, tô feliz em atender bem o público. Então eu acho que minha satisfação maior é essa, é o público, as pessoas que eu atendo”.

No entendimento de Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), o sujeito não vivencia

apenas dor e sofrimento no trabalho, mas também pode vivenciar prazer. Logo, na

opinião dos caixas, se paradoxalmente o convívio com os clientes gera neles um tipo de

fonte de sofrimento diário, é esse mesmo contato com o público que lhes confere prazer.

“O que dá mais prazer é, o que realmente vicia no caixa, é você ter muito contato com o público. O público é um problema, mas ao mesmo tempo é a solução pra o caixa, o caixa vicia em ter esse contato com o público”.

“O contato com o público. É poder ajudar. Mesmo com todo aquele estresse das reclamações que eles fazem quando estão esperando, mas é isso, eu gosto muito do que eu faço”.

Em muitos depoimentos, identificamos elementos de vivências de prazer quando

os caixas relatam a sensação que têm ao ajudar pessoas a resolverem seus problemas

pessoais, como por exemplo aquelas com pouco grau de instrução ou idosos.

“Durante o dia eu me sinto como se eu estivesse resolvendo os problemas das pessoas. Aí, cada pessoa que

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chega é um problema que eu resolvo. E gosto muito disso. Eu oriento, gosto de orientar demais, porque tem gente, coitado, que não sabe nem...”.

Nos momentos em que se sentem sensibilizados, os caixas afirmam que

procuram ajudar, dentro do possível, chegando, às vezes, até mesmo a contrariar certas

normas de segurança impostas pelo banco. No entanto, como já fizemos referência

anteriormente, entendemos que a forma que eles encontraram para ajudar esse tipo de

clientela foi a da “re-interpretação” dos normativos.

“É contribuir, é de certa forma atender bem, tem muita gente que não é esclarecida e você procura ajudar, entendeu? Eu uso muito o bom senso, eu uso muito o lado humano e isso dá prazer. Assim, os velhinhos vêm com dificuldade até de se locomover, eu atendo muito idoso e, na medida que eu ajudo alguém, eu procuro facilitar as coisas, tá melhorando, tá dando um melhor atendimento, melhorar a qualidade de vida, orientar... tem muitas pessoas que não sabem de nada, vêm pra aí totalmente desinformadas, você dá uma orientação boa a ela, uma explicação que ela não sabia, ela fica satisfeita, entendeu? ... Assim, não sendo muito normativo, usando do bom senso, aí isso dá prazer. Atender bem e saber que o cliente ficou bem satisfeito, é isso aí que dá prazer”.

“Você tem suas exceções... se, por exemplo, se é... uma pessoa, se você chegar aqui com um cartão, de seu pai pra sacar dois mil reais, se eu não lhe conheço, se eu nunca lhe vi antes, eu não vou deixar você sacar, né? Tem a lei, né? Mas, aí se você mora em cima de casa, eu conheço seu pai, vejo que não tem problema nenhum, que por acaso seu pai não pode vir e você veio no lugar dele, eu, claro que eu abro uma exceção. Tranqüilo. Agora é minha responsabilidade. O problema é que se acontecer... quem vai arcar sou eu, entendeu? Ninguém mais”.

Alguns caixas confessam que realizam a ação solicitada pelos clientes como uma

forma de facilitar suas vidas e de cativá-los. Segundo os participantes, se a prestação de

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um serviço for para alguém que freqüenta o banco há algum tempo, os caixas valem-se

da “confiança” mútua entre as partes.

“Eu gosto muito do meu público, sabe? Então eu acho que, apesar de ter desenvolvido assim um certo ritmo pra lidar com pessoas idosas, às vezes eu me pego assim... porque pessoas idosas adoecem e morrem, não é? E aqui e acolá às vezes a gente é obrigado a lidar com essa realidade, não é? Aí fica meio triste e tal, é aquela coisa, né? Mas... é assim. A gente fica preocupado, né?, tem velhinhos que não conseguem mais andar, às vezes ficam acamados, tá entendendo? E, de repente...”.

Vimos também que, além do respeito mútuo, há um certo tipo de apego pessoal

entre eles. Em alguns casos, isso pode conduzir o funcionário a se envolver

emocionalmente com a história de vida do seu cliente, chegando até mesmo a se

sensibilizar em caso de morte deste ou de algum membro de sua família.

Pelos depoimentos dos participantes, verificamos que, na medida do possível e

do permitido pelo banco, os caixas bancários estão conseguindo vivenciar a dinâmica do

reconhecimento e encontrando sentido para o seu trabalho. Diante disto, podemos

afirmar que identificamos um progresso em busca da construção da identidade destes

trabalhadores, sendo possível constatarmos a transformação do sofrimento em prazer

através, principalmente, da relação dos caixas com os seus clientes.

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Considerações Finais

Nossa pesquisa teve como objetivo principal analisar a relação trabalho e saúde

mental de caixas bancários de agências da Caixa Econômica Federal, da cidade de João

Pessoa, PB. A partir do material produzido e analisado, concluímos a apresentação deste

estudo esclarecendo que não buscamos discutir todas as idéias ou lacunas que

emergiram ao longo do processo investigativo, porém priorizamos alguns aspectos que

sobressaíram dos relatos dos caixas, interpretando-os e apreendendo em que medida

estes têm vivenciado suas experiências laborais imersos em condições e organizações

do trabalho tão deletérias e, mesmo assim, conseguem transformar o sofrimento em

prazer.

Identificamos que um dos principais motivos de inserção profissional no setor

bancário para a maioria dos caixas foi a busca por um emprego estável, além de esse

oferecer um salário considerado razoável para a referência de mercado vigente à época,

principalmente para aqueles que vinham de famílias socialmente menos privilegiadas e

que tinham a preocupação em contribuir com os gastos familiares.

Verificamos que, antes de ocupar o cargo de caixa, esses bancários prestaram

um concurso interno no banco e são avaliados com base em certos conhecimentos, tais

como noções de regulamento de abertura e fluxo de uma conta-corrente e de poupança.

Após a aprovação, os caixas que contactamos passaram por um intenso período de

treinamento, o qual foi saudosamente valorizado por eles, já que, de certa forma,

condenam a atual prática de formação do banco, cuja modalidade é pautada no ensino à

distância (via intranet), além da ausência de programas de reciclagem para que os novos

conhecimentos sejam incorporados pelos bancários.

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No sentido de apreendermos a relação dos caixas com suas realidades de

trabalho, ressaltamos alguns dos aspectos centrais das atuais condições do trabalho que

são viabilizadas pela Caixa Econômica Federal. Constatamos que os participantes as

consideram menos insatisfatórias que as de anos atrás, porém eles ainda se queixam de

problemas relativos à: (a) precariedade da estrutura física do ambiente (apertado e

incômodo); (b) mobiliário ergonomicamente inadequado; (c) temperatura extremas (frio

ou calor), devido à falta de manutenção adequada dos sistemas de refrigeração; e

principalmente, (d) tamanho das filas e barulho provocado pelas pessoas no interior das

agências.

No que se refere especificamente à atividade dos caixas bancários, constatamos

que a maioria confessa que “transgride” ou “burla” certas prescrições do banco. Porém,

nós acreditamos que, na verdade, o que eles procuram fazer é uma “re-interpretação” do

normativo de forma que uma determinada atividade possa fluir sem impedimentos,

garantindo a satisfação dos seus clientes.

Como observamos, muitos dos caixas têm o hábito de fazer uma “antecipação”

da sua jornada de trabalho, imaginando o que os espera no ambiente de trabalho. Desde

antes de chegar à agência e durante toda a jornada, a principal preocupação que

acompanha todos os caixas são a expectativa e a ansiedade pela hora de “bater o caixa”.

Esse é, sem dúvida, o momento que mais gera tensões aos caixas bancários, além de

provocar neles uma sensação de tristeza e medo, pois caso o movimento financeiro do

dia não confira com o registro de autenticações, os caixas se responsabilizam por pagar

a diferença do dinheiro.

Ao longo do processo investigativo, acompanhamos a implantação de uma nova

medida organizacional: a substituição do cargo em comissão dos caixas executivos para

caixa PV (ponto de venda). Selecionamos nos relatos dos participantes alguns

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elementos que se agregaram a este ato administrativo: (a) redução do número de

bancários nas agências; (b) preocupação relativa à qualidade do atendimento dos

clientes; (c) tensões e pressões para os caixas, sendo a maior delas quanto à questão do

cumprimento das metas crescente de vendas de produtos estabelecidas pelo banco.

A excessiva carga de trabalho às quais estão diariamente submetidos os caixas

bancários é caracterizada por termos como “frustração, tensão, depressão, raiva,

estresse”, implicando num processo de retenção de energia e conduzindo a maioria

deles a crer que muitas das suas enfermidades estão vinculadas à sua atividade laboral.

Identificamos como um dos principais fatores responsáveis pela sobrecarga

laboral dos caixas, a grande pressão exercida pelo acúmulo de clientes nas filas,

provocando nestes trabalhadores um processo defensivo caracterizado pela aceleração

do seu ritmo de trabalho. Se, por um lado, isto é prejudicial à saúde dos caixas

bancários, por outro lado, verifica-se um beneficio por parte do banco e dos clientes que

freqüentam as agências.

Vimos que, na opinião da maioria dos caixas bancários, o julgamento mais

importante feito sobre o seu trabalho é aquele que vem dos clientes. Confirmamos,

portanto, a importância que tem o papel da dinâmica do reconhecimento para a saúde

mental destes bancários, pois é a partir do julgamento feito ao trabalho que se possibilita

a construção de uma identidade gratificante.

Apreendemos ainda que, apesar de os caixas bancários vivenciarem uma relação

nem sempre salutar com os seus clientes, é exatamente esse convívio diário que é

considerado como principal fonte de prazer e que dá sentido ao trabalho realizado.

Por fim, não nos propomos a uma conclusão; esperamos, sim, que este trabalho

contribua em termos de produção de conhecimento e, acima de tudo, em práticas

transformadoras que viabilizem melhores condições de prevenção e promoção de saúde

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para os caixas. Almejamos que este estudo tenha suas lacunas preenchidas e

complementadas por vários outros trabalhos que, certamente, serão realizados no

sentido de investigar a situação de trabalho e saúde dos caixas bancários.

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Profissional, Trabalho e Competências. Rio de Janeiro – RJ: Centro Internacional para a Educação, Trabalho e Tranferência de Tecnologias.

ANEXOS

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBACENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA SOCIAL

João Pessoa, ____ de ______________ de _______.

À Caixa Econômica Federal

Agência _________________

Att.: Gerência

Caro(a) Senhor(a),

Apresento-lhe a Sra. Luciane Albuquerque Sá de Souza, aluna do curso de

Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFPB.

Gostaria de solicitar uma autorização para que a mesma possa realizar, nesta

agência, um trabalho investigativo que dará suporte à sua pesquisa de Mestrado.

O campo temático escolhido para a pesquisa é: A Relação Trabalho-Saúde

Mental no Segmento dos Caixas Executivos em um Banco da Rede Pública na Cidade

de João Pessoa – PB.

A aluna deverá realizar observações sistemáticas durante o horário de expediente

bancário e também algumas entrevistas individuais, de caráter semi-estruturado, com

aqueles caixas que estiverem dispostos a participar da pesquisa (adesão voluntária) e se

comprometera em apresentar os resultados da pesquisa ao final da mesma.

Contando com sua atenção e colaboração, agradeço antecipadamente,

Profa. Dra. Mary Yale Neves Depto. Psicologia - UFPB

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Anexo 1

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ROTEIRO DE ENTREVISTASPARA CAIXAS EXECUTIVOS

I. Dados de Identificação1. sexo2. idade3. estado civil4. número de filhos5. grau de escolaridade6. renda (pessoal / familiar)7. moradia (bairro)

II. Dados Profissionais1. como se deu a escolha pela profissão de bancário?2. inserção profissional: concurso público ou não? 3. tempo de empresa4. tempo na função de caixa5. filiação sindical6. trabalha apenas no banco ou exerce outra atividade?

III. Questões norteadoras:1. Existe algum programa de formação ou treinamento para a função antes e/ou depois de entrar

para a empresa?2. Existe algum tipo de manual (escritos) ou recomendações (orais) que prescreve as atribuições

do caixa?3. O trabalho que você realiza difere do que está no manual ou das recomendações? Comente.4. Na sua opinião, como era trabalhar como bancário antes e como é hoje?5. Quais as mudanças (organizacionais e tecnológicas) mais significativas que vêm ocorrendo no

banco que afetam direta e indiretamente o seu trabalho?6. Você, por ser HOMEM / MULHER, se sente mais cobrado? Você acredita que existe alguma

diferença entre o trabalho do caixa homem e da caixa mulher?7. Como você se sente ao chegar no seu ambiente de trabalho? 8. Como você se sente ao deixar o seu ambiente de trabalho no final do dia e voltar para casa?9. Quando você chega em casa realiza algum tipo de trabalho doméstico? E no final de semana?10. Como você definiria as condições de trabalho às quais vocês estão expostos?11. Descreva, em detalhes, a sua atividade de trabalho.12. Como funciona o agendamento dos clientes para o seu atendimento?13. Há permissão por parte da empresa para fazer pausas durante a jornada de trabalho? E você

costuma fazer essas pausas?14. O que você pensa a respeito da relação de trabalho e amizade que existe entre vocês caixas?

Em que medida vocês contribuem entre si visando viabilizar o trabalho? Existe cooperação entre vocês?15. Como você definiria o grau de confiança que existe entre você e seus colegas caixas?

Existem regras próprias entre vocês?16. O que você costuma fazer para lidar com os imprevistos que surgem no dia-a-dia dentro do

seu expediente de trabalho?17. Você teve algum tipo de problema de saúde nos últimos tempos? Quais? Há quanto tempo?

Você já se afastou por motivo de doença? Qual foi? Quando foi? Quanto tempo ficou afastado?18. O que você pensa sobre a relação trabalho saúde?19. Na sua opinião, qual o dia da semana mais cansativo? Qual o dia do mês mais cansativo? E

qual o dia do ano mais cansativo?20. Você se sente reconhecido? O que você julga ser mais importante: o reconhecimento dos

seus pares, dos seus superiores, dos outros funcionários ou dos clientes?21. O que mais lhe dá prazer no seu trabalho?22. O que você costuma fazer no seu tempo livre?23. Quanto tempo, geralmente, você tira de férias?

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Anexo 2

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MAPA DE CARACTERIZAÇÃO DAS AGÊNCIAS

AGÊNCIA LOCALIZAÇÃOESTRUTURA

FÍSICA

QTD DE TERMINAIS

AUTOMÁTICOS

QTD DE GUICHÊS

QTD DE CAIXAS EXECUTIVOS

EFETIVOS

AG1 Tambaú médio porte 18 4 4

AG2 Cidade Universitária médio porte 13 3 2

AG3 Jaguaribe pequeno porte 11 3 3

AG4 Cruz das Armas médio porte 12 4 2

AG5 Centro grande porte 22 6 4

AG6 Torre pequeno porte 12 3 3

AG7 Pedro Gondim pequeno porte 2 3 3

AG8 Bairros dos Estados grande porte 14 5 3

AG9 Centro (Lagoa) grande porte 34 8 6

AG10 Manaíra pequeno porte 7 3 3 Anexo 3

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MAPA DE CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES

CAIXA BANCÁRI

OSEX

O IDADE ESTADO CIVIL

N. DE FILHO

S

GRAU DE ESCOLARIDA

DE

RENDA PESSOAL

(R$)

RENDA FAMILIAR (R$)

BAIRRO ONDE MORA

ESCOLHA DA

PROFISSÃO

INSERÇÃO PROFISSION

ALTEMPO DE EMPRESA

TEMPO NA

FUNÇÃO

FILIAÇÃO

SINDICAL

TEM OUTRA ATIVIDADE

C1 M 43 casado 1Superior completo

(Contabilidade)1.700,00 3.000,00 Manaíra

busca por uma

estabilidade financeira

concurso público 16 13 sim não

C2 F 48 casada 2Superior completo

(Arquitetura)2.000,00 8.000,00 Tambaú

oportunidade de voltar para o mercado de

trabalho

concurso público 16 13 sim

sim (apenas no sábado pela

manhã)

C3 M 39 solteiro 0Superior completo

(Adminitração)2.800,00 2.800,00 Tambaú

sonhava em ser caixa executivo

concurso público 16 13 não não

C4 M 45 casado 2

Superior completo

(Engenharia Civil)

2.500,00 5.000,00 Manaíra

busca por uma

estabilidade financeira

concurso público 16 14

está voltando a ser

sim

C5 M 46 separado 2Superior completo (Direito)

3.500,00 3.500,00 Cristo

busca por uma

estabilidade financeira

concurso público 21 18 sim não

C6 M 44 casado 3

Superior incompleto

(Engenharia Mecânica)

2.000,00 2.000,00 Ipês influência de familiares

concurso público 17 12 sim não

C7 M 41 casado 4

Superior incompleto (Academia

Militar)

3.000,00 3.000,00 Água Fria

busca por uma

estabilidade financeira

concurso público 16 10 sim sim

C8 M 46 solteiro 0Superior completo

(Contabilidade)2.500,00 2.500,00 Ipês

busca por uma

estabilidade financeira

concurso público 24 18 sim não

C9 M 46 separado 4Superior completo (Direito)

2.000,00 2.000,00 Manaíra

busca por uma

estabilidade financeira

concurso público 27 23 sim não

C10 F 43 casada 3Superior completo

(Contabilidade)2.200,00 5.000,00 Tambauz

inho

status da profissão, alto

salário

concurso público 24 6 sim não

C11 F 37 separada 1Superior completo

(Contabilidade)2.000,00 2.000,00 Jaguarib

e

necessidade de trabalhar para ajudar a

família

concurso público 16 9 sim não

Anexo 4

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TABELA DE OBSERVAÇÃO SISTEMÁTICA DA ATIVIDADE

HORA LOCAL AÇÕES COMENTÁRIOS OBSERVAÇÕES

Fonte: Adaptado de Guérin et al. (2001) e Muniz (2000).

Anexo 5

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MAPA TEMÁTICO

ATIVIDADE

Tempo de duração da entrevista

Caracterização: pessoal e profissonal

Descrição da atividade

Organização e condições de

trabalho / mudanças / jornada / pausas / férias / descanso

Trabalho coletivo: cooperação / comunicação coordenação

Regras de trabalho

Trabalho prescrito X trabalho real / autonomia / variabilidade

Cargas de trabalho / mobilização

cognitivaInteligência prática

C1

C2 C3 C4 C5 C6 C7 C8 C9 C10 C11 C12 C13 C14

categorias

caixas

Anexo 6a156

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MAPA TEMÁTICO (continuação)SAÚDE MENTAL

Sofrimento / Processos de adoecimento Sentido / valores Dinâmica do

reconhecimento Defesas Prazer

Anexo 6b

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NR 17 - Ergonomia (117.000-7) 17.1. Esta Norma Regulamentadora visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. 17.1.1. As condições de trabalho incluem aspectos relacionados ao levantamento, transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às condições ambientais do posto de trabalho, e à própria organização do trabalho. 17.1.2. Para avaliar a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, cabe ao empregador realizar a análise ergonômica do trabalho, devendo a mesma abordar, no mínimo, as condições de trabalho, conforme estabelecido nesta Norma Regulamentadora. 17.2. Levantamento, transporte e descarga individual de materiais. 17.2.1. Para efeito desta Norma Regulamentadora: 17.2.1.1. Transporte manual de cargas designa todo transporte no qual o peso da carga é suportado inteiramente por um só trabalhador, compreendendo o levantamento e a deposição da carga. 17.2.1.2. Transporte manual regular de cargas designa toda atividade realizada de maneira contínua ou que inclua, mesmo de forma descontínua, o transporte manual de cargas. 17.2.1.3. Trabalhador jovem designa todo trabalhador com idade inferior a 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze) anos. 17.2.2. Não deverá ser exigido nem admitido o transporte manual de cargas, por um trabalhador cujo peso seja suscetível de comprometer sua saúde ou sua segurança. (117.001-5 / I1) 17.2.3. Todo trabalhador designado para o transporte manual regular de cargas, que não as leves, deve receber treinamento ou instruções satisfatórias quanto aos métodos de trabalho que deverá utilizar, com vistas a salvaguardar sua saúde e prevenir acidentes. (117.002-3 / I2) 17.2.4. Com vistas a limitar ou facilitar o transporte manual de cargas, deverão ser usados meios técnicos apropriados. 17.2.5. Quando mulheres e trabalhadores jovens forem designados para o transporte manual de cargas, o peso máximo destas cargas deverá ser nitidamente inferior àquele admitido para os homens, para não comprometer a sua saúde ou a sua segurança. (117.003-1 / I1) 17.2.6. O transporte e a descarga de materiais feitos por impulsâo ou tração de vagonetes sobre trilhos, carros de mão ou qualquer outro aparelho mecânico deverão ser executados de forma que o esforço físico realizado pelo trabalhador seja compatível com sua capacidade de força e não comprometa a sua saúde ou a sua segurança. (117.004-0 / 11) 17.2.7. O trabalho de levantamento de material feito com equipamento mecânico de ação manual deverá ser executado de forma que o esforço físico realizado pelo trabalhador seja compatível com sua capacidade de força e não comprometa a sua saúde ou a sua segurança. (117.005-8 / 11) 17.3. Mobiliário dos postos de trabalho. 17.3.1. Sempre que o trabalho puder ser executado na posição sentada, o posto de trabalho deve ser planejado ou adaptado para esta posição. (117.006-6 / I1) 17.3.2. Para trabalho manual sentado ou que tenha de ser feito em pé, as bancadas, mesas,

Anexo 7-a

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escrivaninhas e os painéis devem proporcionar ao trabalhador condições de boa postura, visualização e operação e devem atender aos seguintes requisitos mínimos: a) ter altura e características da superfície de trabalho compatíveis com o tipo de atividade, com a distância requerida dos olhos ao campo de trabalho e com a altura do assento; (117.007-4 / I2) b) ter área de trabalho de fácil alcance e visualização pelo trabalhador; (117.008-2 / I2)c) ter características dimensionais que possibilitem posicionamento e movimentação adequados dos segmentos corporais. (117.009-0 / I2) 17.3.2.1. Para trabalho que necessite também da utilização dos pés, além dos requisitos estabelecidos no subitem 17.3.2, os pedais e demais comandos para acionamento pelos pés devem ter posicionamento e dimensões que possibilitem fácil alcance, bem como ângulos adequados entre as diversas partes do corpo do trabalhador, em função das características e peculiaridades do trabalho a ser executado. (117.010-4 / I2) 17.3.3. Os assentos utilizados nos postos de trabalho devem atender aos seguintes requisitos mínimos de conforto: a) altura ajustável à estatura do trabalhador e à natureza da função exercida; (117.011-2 / I1) b) características de pouca ou nenhuma conformação na base do assento; (117.012-0 / I1) c) borda frontal arredondada; (117.013-9 / I1) d) encosto com forma levemente adaptada ao corpo para proteção da região lombar. (117.014-7 / Il) 17.3.4. Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados sentados, a partir da análise ergonômica do trabalho, poderá ser exigido suporte para os pés, que se adapte ao comprimento da perna do trabalhador. (117.015-5 / I1) 17.3.5. Para as atividades em que os trabalhos devam ser realizados de pé, devem ser colocados assentos para descanso em locais em que possam ser utilizados por todos os trabalhadores durante as pausas. (117.016-3 / I2) 17.4. Equipamentos dos postos de trabalho. 17.4.1. Todos os equipamentos que compõem um posto de trabalho devem estar adequados às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. 17.4.2. Nas atividades que envolvam leitura de documentos para digitação, datilografia ou mecanografia deve: a) ser fornecido suporte adequado para documentos que possa ser ajustado proporcionando boa postura, visualização e operação, evitando movimentação freqüente do pescoço e fadiga visual; (117.017-1 / I1) b) ser utilizado documento de fácil legibilidade sempre que possível, sendo vedada a utilização do papel brilhante, ou de qualquer outro tipo que provoque ofuscamento. (117.018-0 / I1) 17.4.3. Os equipamentos utilizados no processamento eletrônico de dados com terminais de vídeo devem observar o seguinte: a) condições de mobilidade suficientes para permitir o ajuste da tela do equipamento à iluminação do ambiente, protegendo-a contra reflexos, e proporcionar corretos ângulos de visibilidade ao trabalhador; (117.019-8 / I2) b) o teclado deve ser independente e ter mobilidade, permitindo ao trabalhador ajustá-lo de

Anexo 7-b159

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acordo com as tarefas a serem executadas; (117.020-1 / I2) c) a tela, o teclado e o suporte para documentos devem ser colocados de maneira que as distâncias olho-tela, olhoteclado e olho-documento sejam aproximadamente iguais; (117.021-0 / I2) d) serem posicionados em superfícies de trabalho com altura ajustável. (117.022-8 / I2) 17.4.3.1. Quando os equipamentos de processamento eletrônico de dados com terminais de vídeo forem utilizados eventualmente poderão ser dispensadas as exigências previstas no subitem 17.4.3, observada a natureza das tarefas executadas e levando-se em conta a análise ergonômica do trabalho. 17.5. Condições ambientais de trabalho. 17.5.1. As condições ambientais de trabalho devem estar adequadas às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. 17.5.2. Nos locais de trabalho onde são executadas atividades que exijam solicitação intelectual e atenção constantes, tais como: salas de controle, laboratórios, escritórios, salas de desenvolvimento ou análise de projetos, dentre outros, são recomendadas as seguintes condiçôes de conforto: a) níveis de ruído de acordo com o estabelecido na NBR 10152, norma brasileira registrada no INMETRO; (117.023-6 / I2) b) índice de temperatura efetiva entre 20oC (vinte) e 23oC (vinte e três graus centígrados); (117.024-4 / I2) c) velocidade do ar não superior a 0,75m/s; (117.025-2 / I2) d) umidade relativa do ar não inferior a 40 (quarenta) por cento. (117.026-0 / I2) 17.5.2.1. Para as atividades que possuam as características definidas no subitem 17.5.2, mas não apresentam equivalência ou correlação com aquelas relacionadas na NBR 10152, o nível de ruído aceitável para efeito de conforto será de até 65 dB (A) e a curva de avaliação de ruído (NC) de valor não superior a 60 dB. 17.5.2.2. Os parâmetros previstos no subitem 17.5.2 devem ser medidos nos postos de trabalho, sendo os níveis de ruído determinados próximos à zona auditiva e as demais variáveis na altura do tórax do trabalhador. 17.5.3. Em todos os locais de trabalho deve haver iluminação adequada, natural ou artificial, geral ou suplementar, apropriada à natureza da atividade. 17.5.3.1. A iluminaçâo geral deve ser uniformemente distribuída e difusa. 17.5.3.2. A iluminação geral ou suplementar deve ser projetada e instalada de forma a evitar ofuscamento, reflexos incômodos, sombras e contrastes excessivos. 17.5.3.3. Os níveis mínimos de iluminamento a serem observados nos locais de trabalho são os valores de iluminâncias estabelecidos na NBR 5413, norma brasileira registrada no INMETRO. (117.027-9 / I2) 17.5.3.4. A medição dos níveis de iluminamento previstos no subitem 17.5.3.3 deve ser feita no campo de trabalho onde se realiza a tarefa visual, utilizando-se de luxímetro com fotocélula corrigida para a sensibilidade do olho humano e em função do ângulo de incidência. (117.028-7 / I2)

Anexo 7-c160

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17.5.3.5. Quando não puder ser definido o campo de trabalho previsto no subitem 17.5.3.4, este será um plano horizontal a 0,75m (setenta e cinco centímetros) do piso. 17.6. Organização do trabalho. 17.6.1. A organização do trabalho deve ser adequada às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. 17.6.2. A organização do trabalho, para efeito desta NR, deve levar em consideração, no mínimo: a) as normas de produção; b) o modo operatório; c) a exigência de tempo; d) a determinação do conteúdo de tempo; e) o ritmo de trabalho; f) o conteúdo das tarefas. 17.6.3. Nas atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores, e a partir da análise ergonômica do trabalho, deve ser observado o seguinte: para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie deve levar em consideração as repercussões sobre a saúde dos trabalhadores; (117.029-5 / I3) b) devem ser incluídas pausas para descanso; (117.030-9 / I3) c) quando do retorno do trabalho, após qualquer tipo de afastamento igual ou superior a 15 (quinze) dias, a exigência de produção deverá permitir um retorno gradativo aos níveis de produção vigentes na época anterior ao afastamento. (117.031-7 / I3) 17.6.4. Nas atividades de processamento eletrônico de dados, deve-se, salvo o disposto em convenções e acordos coletivos de trabalho, observar o seguinte: a) o empregador não deve promover qualquer sistema de avaliação dos trabalhadores envolvidos nas atividades de digitação, baseado no número individual de toques sobre o teclado, inclusive o automatizado, para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie; (117.032-5 ) b) o número máximo de toques reais exigidos pelo empregador não deve ser superior a 8 (oito) mil por hora trabalhada, sendo considerado toque real, para efeito desta NR, cada movimento de pressão sobre o teclado; (117.033-3 / I3) c) o tempo efetivo de trabalho de entrada de dados não deve exceder o limite máximo de 5 (cinco) horas, sendo que, no período de tempo restante da jornada, o trabalhador poderá exercer outras atividades, observado o disposto no art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho, desde que não exijam movimentos repetitivos, nem esforço visual; (117.034-1 / I3) d) nas atividades de entrada de dados deve haver, no mínimo, uma pausa de 10 (dez) minutos para cada 50 (cinqüenta) minutos trabalhados, não deduzidos da jornada normal de trabalho; (117.035-0 / I3) e) quando do retorno ao trabalho, após qualquer tipo de afastamento igual ou superior a 15 (quinze) dias, a exigência de produção em relação ao número de tóques deverá ser iniciado em níveis inferiores do máximo estabelecido na alínea "b" e ser ampliada progressivamente. (117.036-8 / I3)

Anexo 7-c

Anexo 7-d161