Representao de Temas Cientficos em Pintura do Sculo XVIIIQUMICA NOVA NA ESCOLA Vol. 31, N 3, AGOSTO 2009

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Histria da Qumica

Esta seo contempla a histria da Qumica como parte da histria da cincia, buscando ressaltar como o conhecimento cientfico construdo.

Recebido em 19/02/08, aceito em 08/04/09

Ana Paula Gorri e Ourides Santin Filho

Este artigo analisa o trabalho dos chamados qumicos pneumaticistas a partir da pintura Um experimento com um pssaro na bomba de ar, executada em 1768 por Joseph Wright of Derby. A obra mostra um grupo de pessoas assistindo a demonstraes com uma bomba de vcuo. Um pssaro est confinado num globo de vidro do qual o ar foi evacuado e parece estar resfolegando. Outros dispositivos experimentais so retratados no quadro. A partir da cena retratada, so discutidos aspectos histricos, filosficos e cientficos da poca, com nfase nos trabalhos de qumicos do sculo XVIII na busca e caracterizao de novos ares. Sugerimos que o texto seja utilizado como iniciador de um debate interdisciplinar envolvendo Qumica, Histria e Arte.

histria da qumica; pinturas; qumica pneumtica

Representao de Temas Cientficos em Pintura do Sculo XVIII: Um Estudo

Interdisciplinar entre Qumica, Histria e Arte

A adoo de propostas interdisciplinares no ensino tem sido um dos grandes

desafios enfrentados pelos educadores.

A adoo de propostas inter-disciplinares no ensino tem sido um dos grandes desafios enfrentados pelos educadores. Uma nova concepo de atividade escolar que aborde os saberes humanos integrados em forma de rede tem sido preconizada pelo MEC e pela CAPES em documentos recentes (Brasil, 2000).

A interdisciplinaridade surge en-to como atividade integradora dos conhecimentos e tambm pode servir como incentivadora no aprofunda-mento dos estudos, at pelo carter ldico que possa vir a apresentar, se for revestida de atividades que desloquem o aluno da prtica usual de estudo e o coloque diante de situaes ou de materiais didticos com os quais ele no est habituado a lidar.

Este trabalho examina um tema de interesse qumico a partir da pin-tura An experiment on a bird in the air pump, executado em 1768 pelo pintor romntico Joseph Wright of Derby. A obra avaliada em seu contedo

cientfico, escola artstica e momento filosfico de sua elaborao, colocan-do em comunicao disciplinas que so consideradas por estudantes e professores do Ensino Mdio com-pletamente desvinculadas em seus contedos, tais como Qumica, Arte e Histria.

O quadro retrata o ar como entidade mecnica e sua im-portncia na respi-rao e manuteno da vida. Focalizamos aqui, a partir da anli-se do quadro, os trabalhos dos qumi-cos pneumaticistas ingleses sobre os diferentes ares, como eram conhe-cidos os gases na poca, bem como os pressupostos que orientaram o trabalho desses pesquisadores.

O pintor Joseph Wright of DerbyJoseph Wright nasceu em 3 de

setembro de 1734 em Derby, Ingla-terra central. Desde cedo, descobriu seu talento e interesse na arte de desenhar retratos. Aos 31 anos, fez

sua primeira exposio na Sociedade dos Artistas de Londres, exibindo, dentre outros trabalhos, a obra Three persons viewing the gladiator by can-dlelight (Trs pessoas observando o gladiador sob luz de vela), de 1765. Essa foi sua primeira obra da srie

luz de velas pelo qual ficou reconhe-cido.

Den t ro desse tema, os dois prin-cipais trabalhos de Wright so A philoso-pher giving a lecture

on the orrery (Um filsofo dando uma aula no planetrio, 1766) e a obra An experiment on a bird in the air pump (Um experimento com um pssaro na bomba de ar, 1768). Esses dois quadros apresentam uma complexa e delicada combinao de Arte, Cincia e Filosofia e so testemunhos claros do refinamento alcanado por Derby em sua arte.

A proposta de representao de temas cientficos em suas obras de-correu da amizade de Wright of Derby com pesquisadores, muitos dos quais faziam parte do ento Crculo Lunar, entidade que agregava inte-

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lectuais da poca. Com sede em Bir-mingham, seus membros se reuniam nas segundas-feiras de lua cheia para discutir os recentes progressos da cincia e da tecnologia, alm de rea-lizar experimentos e demonstraes. A escolha das noites de lua cheia fa-cilitava a volta dos participantes para casa aps as atividades cientficas. O Circulo cresceu e adotou, em 1775, o nome de Sociedade Lunar, mais uma das muitas sociedades lunares que se popularizaram na poca. Den-tre os membros dessa sociedade, encontram-se James Watt, criador da mquina a vapor; o qumico Joseph Priestley, cujo trabalho ser debatido frente; e Erasmus Darwin, mdico de Joseph Wright e tema de um de seus quadros. Erasmus foi av de Charles Darwin, autor da obra A ori-gem das espcies (1859) e propositor da Teoria da Evoluo baseada no processo de seleo natural.

Anlise do quadro luz da cultura de sua poca

O quadro (Figura 1) mostra uma reunio cientfica noturna e tem como assunto principal a demonstrao das propriedades do ar. O centro do quadro contm um vaso e, detrs deste, provm toda a iluminao que domina a cena.

A obra retrata um estudioso da natureza, de nome James Ferguson, executando experimentos associados presso do ar. Normalmente os

demonstradores de experimentos eram viajantes que iam de cidade em cidade, mostrando seu tra-balho. Em especial, esse quadro foi pin-tado por Wright em uma das apresenta-es de Ferguson na cidade de Derby.

No centro da pin-tura, Ferguson manipula uma bomba de vcuo, constituda por uma estru-tura de madeira com duas colunas cercando dois pistes metlicos e um brao articulado. O brao se co-necta a uma alavanca com a qual se executa o bombeamento de ar pelos pistes. Ao lado dessa estrutura, h uma coluna de madeira que sustenta um enorme globo de vidro. possvel perceber a presena de um orifcio que conectado por uma mangueira com a bomba geradora do vcuo (Figura 2).

Dentro do globo de vidro, h um pssaro, extico para a regio, e iden-tificado como uma cacatua. O pssaro parece estar dando suas derradeiras resfolegadas. A distribuio dos ele-mentos de claro-escuro no quadro mostra que seu autor colocou a fonte de iluminao da cena bem no centro do quadro. Escondida atrs de um vaso contendo lquido, uma vela confe-re ar sinistro a toda cena. Derby tornou-se especialista nesse tipo de pintura

com baixa ilumina-o desenvolvendo enorme destreza em criar volumes usando a tcnica de claro-es-curo e utilizou-se da luz de uma vela para direcionar a ateno para pontos da cena (Figura 3, esquerda).

Sab idamente , Ferguson no usava

pssaros em suas demonstraes. Supe-se ento que o estranho ob-jeto que repousa na taa que contm lquido sejam os pulmes ou bexiga de algum animal, cuja expanso e contrao por efeito da presso do ar eram largamente estudadas, mantendo-os no interior de bales de vidro. Todo o aparato parece ter sido feito para demonstrar a presso dos gases em cmaras no interior de lquidos ou gases.

Sobre a mesa, pode-se ver uma pequena garrafa tambm contendo uma cnula e um lquido. Ao lado da pequena garrafa, h um par de hemisfrios de Magdeburgo (Figura 3, direita), usados para demonstrar as intensas foras necessrias para compensar os efeitos da presso atmosfrica sobre recipientes eva-cuados.

Do lado esquerdo, um adulto e uma criana encontram-se totalmente envolvidos pelo experimento. O adulto est sentado, tem em suas mos um relgio e parece verificar o tempo que o pssaro suporta sem ar. Essa repre-sentao carregada de significado. Nos quadros medievais, as referncias ao tempo (traduzidas principalmente pela presena de ampulhetas ou de crnios) eram feitas muitas vezes no sentido de lembrar ao homem a finitude da vida e a inevitabilidade da morte, sobre a qual no se tem domnio. O relgio exibe aqui, alm do significado acima, um status epis-temolgico diferente, em que o tempo aparece tambm como coordenada fsica a ser utilizada no experimento, algo que podia ser representado matematicamente e que j fazia parte da interpretao mecnica do mundo no sculo XVIII. A presena do adulto com o relgio se contrape ao homem

Figura 1: A obra An experiment on a bird in the air pump (Um experimento com um ps-saro na bomba de ar) elaborada por Joseph Wright of Derby em 1768.

A interdisciplinaridade surge como atividade

integradora dos conhecimentos e

tambm pode servir como incentivadora no aprofundamento dos

estudos, at pelo carter ldico que possa vir a

apresentar.

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sentado direita, que assume postu-ra introspectiva em aparente atitude de orao. Ao seu lado e vizinhas bomba de vcuo, duas meninas, con-soladas por um adulto, exibem terror e consternao diante da iminente morte do pssaro.

Apenas um casal de jovens, visi-velmente apaixonados, parece no se envolver com a cena, pois mantm os sentidos e o pensamento longe des-se momento de tenso. Trata-se de amigos de Wright of Derby, que logo viriam a se casar e que foram imor-talizados pelo pintor em seu quadro Mr. and Mrs. Thomas Coltman (O Sr. e a Sra. Thomas Coltman), elaborado entre 1770 e 1772.

Os diversos semblantes parecem reproduzir a multiplicidade de senti-mentos causados pelas conquistas

cientficas da poca: temor, indiferen-a, esperana, consternao e poder diante dos novos tempos.

Chama a ateno o fato de que, no modelo de Cincia que se esta-belece, o homem procura se colocar fora da natureza para observ-la. Essa parece ser a atitude do homem com o relgio que, ausente da gravi-dade da cena, assume uma postura de observador pretensamente neutro e isento com relao natureza e ao fato observado.

A obra de Wright dialoga intensa-m