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UNIVERSIDADE FFDERAL DO CEARA
FACULDADE DH DIREIT0
CooRDENACAo DE ATlvlDADEs coMPLHMnNTARES
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EUTANASIA E SUA APLICACAO NO DIREITO BRASILEIRO`. •:,- /
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FORTALEZA
2007
THEMIS PINHEIRO FHIJAO
EUTANASIA E SUA APLICACAO N0 DIREITO BRASILEIRO
Monografia apresentada aoC urso de Dire ito daUniversidade Federal do Ceara,como requisito parcial aobtengao do titulo de Bacharelem Direito.
ORIENTADORA : Pro fa.Femanda Claudia Aratijo daSilva.
FORTALEZA
2007
THEMIS PINHEIRO FEIJAO
EUTANASIA E SUA APLICACAO NO DIREITO BRASILEIRO
Monografia apresentada aoCurso de Direito daUniversidade Federal do Ceara,como requisito parcial aobtengao do titulo de Bacharelem Direito.
Aprovada em 43 I o6 /c2icori
BANCA EXAnAINADORA
Pro fa. FERNANDA CLAUDIA ARAUJO DA SILVA (Orientadora)
Universidade Federal do Ceara - UFC
LELVlLhaAvifeuEifeEap.Universidade Federal do Ceara - UFC
Tribunal de Justiea do Estado do Ceara - TJ-CE
A Deus
Aos meus amados pals
AGRADECIMENTOS
Agradego a meus pais, Luciano e Lucitania, por serem meu exemplo de vida; semprepresentes em todos os momentos, sao eles os responsaveis por tomarem possivel osonho de ser bacharelanda em Direito.
A Roberto, meu etemo amor, pelo companheirismo, apoio incondicional e presencaindispensavel em minha vida.
Ao meu irmao, Luciano Filho, por simplesmente existir.
Aos meus anigos, por me mostrarem o verdadeiro prazer em viver.
A minha amiga Mariana Barboza, que sempre se mostrou uma verdadeira amiga emuito colaborou para o desenvolvimento deste trabalho.
Ao Professor Willian Marques, pela contribuigao como seus ensinamentos que muitoengrandeceraln meus conhecimentos j un'dicos.
A Professora Femanda Claudia Aratjo da Silva, pela presteza e colaborapao, sem asquais este trabalho nao teria sido produzido.
Uma coisa essencia[ a justica
que se deve aos outros 6 faz6-
Ia. prontamente e sem
adiamentos; demora-]a 6
injustica.
Jean de La Bruyere
RESUMO
0 presente trabalho procura estabelecer urn estudo sobre a eutanasia, analisando asvariantes na aplicagao do instituto no cotidiano. Nesse enfoque, a monografia colocaaspectos hist6ricos do instituto, estabelece as especies de eutanasia. Alem disso,procura-se mostrar a existencia do assunto perante as diversas religi6es e aaplicacao enquanto instituto do direito mos paises alienigenas e no Brasil. Tambemse procurou mostrar o relato de varios casos de eutanasia, inclusive trazendoexemplos de lugares onde ela ja 6 uma realidade recorrente, e em outros que,embora seja expressamente proibida, o que ha, na pratica, 6 a sua utilizagaocorriqueira, mostrando a experiencia que 6 melhor existir uma regulamentagao legalcombinada a uma conscientizacao da sociedade, de forma a efetivar o princfpio dadignidade da pessoa humana na figura do enfermo incuravel. Atrav5s de vastapesquisa bibliografica, o presente estudo visa meditar sobre o polemico tema daeutanasia, que sempre despertou acalorada discussao atraves dos tempos, assimcomo o aborto e a pena de morte, tematicas que nunca deixam de ser atuais.
Palavras-Chave: Eutanasia. Direito a vida. Pena de morte.
ABSTRACT
The present work search to establish a study on the euthanasia, analyzing the variants inthe application of the institute in the daily. In that focus, the monograph puts historicalaspects of the institute, it establishes the euthanasia species. Besides, it tries to show theexistence of the subject before the several religions and the application while instituteof the right in the alien countries and in Brazil. Also she tried to show the report ofseveral cases of euthanasia, besides bringing examples of places where she is alreadyan appealing reality, and in others that, although it is prohibited expressly, what thereis, in practice, it is his current use, showing the experience that is better a combinedlegal regulation to exist the an understanding of the society, in way to execute thebeginning of the human person's dignity in the incurable patient's illustration. Throughvast bibliographical research, the present study seeks to meditate on the controversialtheme of the euthanasia, that always woke up heated discussion through the times, aswell as the abortion and the death penalty, themes that never stop being current.
Keywords: Euthanasia. Right to the life. Death penalty.
SUMARIO
INTRODUCAO.............................................................................................................12
I ASPECTOS HISTORICOS ........................................................................................... 14
1. I A Biblia
I.2 A visao dos fil6sofos
I.3 Prussia
1.4 A visao no seculo XX
1.5. A eutanasia e a medicina
1.5.1 Etica m6dica e eutandsia
1.6. A eutanasia no Brasil .
1.7. Estados Unidos da America
1.8. Holanda
2 CONCEITO E ESPECIES DE EUTANASIA ............................................................ 22
2.1 Tipos de eutanasia
3 A EUTANASIA E 0 DIREITO
4 A EUTANASIA NO BRASIL: PERSPECTIVAS ...................................................... 32
4.1 Projeto de lei
4.2 Anteprojeto do C6digo Penal
4.3 Argumentos pros e contras e a eutandsia
4.3.1 Argumentos Contrdrios
4.3.2 Argumentos Favordveis
5 A EUTANASIA E AS RELIGIOES ............................................................................. 39
5.1 Religiao Cafolica
5.2 Religiao Judaica .................
5.3 Religiao Islinica
5.4 Religiao Hindu
5.5 Religiao Budista
5.6 Divergencias Doutrinalas
6 PREVISAO JURISPRUDENCIAL QUANTO A EUTANASIA ............................... 46
7 BIOETICA E A EUTANASIA ...................................................................................... 50
8 RELATOS DE CASOS DE EUTANASIA ................................................................... 53
8.I Primeiro relato -1959
8.2 Segundo relato -1964
8.3 Terceiro relato - sem data especificada
8.4 Quarto relato -sem data especificada
8.5 Dilema a respeito da eutandsia
8.6 Cuidados paliativos a serem adotados face a eutanasia
CONCLUSAO
REFERENCIAS
INTRODUCAO
Atrav6s de vasta pesquisa bibliografica, o presente estudo visa meditar sobre o
polemico tema da eutanasia, que sempre despertou acalorada discussao atrav6s dos
tempos. assim como o aborto e a pena de morte. tematicas que nunca deixam de ser
atuais.
Sao tratados os seus mais diversos aspectos, percorrendo o hist6rico, em busca de
sua origem e regulamentacao. passando pelo conceito e sua caracterizacao,
diferenciando-a de outros fen6menos, como a ortotanasia, muitas vezes com ela
confundida, analisando diversas opini6es em divergentes sentidos d6 Variados ramos da
ciencia, como a religiao, os doutrinadores, medicos, de forma a enriquecer o estudo com
a exposicao de id6ias distintas sobre o assunto.
Busca-se verificar a variantes na aplicacao da eutanasia no cotidiano, trazendo
exemplos de lugares onde ela ja 6 uma realidade recorrente, e outros que, embora seja
expressamente proibida, o que ha, na pratica, e a sua utilizacao corriqueira, mostrando a
experiencia que e melhor existir uma regulamentacao legal combinada a uma
conscientizacao da sociedade, de forma a efetivar o principio da dignidade da pessoa
humana na figura do enfermo incuravel.
As hip6teses do trabalho monogfafico serao investigadas atraves de pesquisa do tipo
bibliogrifica, procurando explicar o problema atrav6s da analise da literatura ja publicada em
forma de livros, revistas, publicap5es avulsas e imprensa escrita, que envolva o tema em
analise; documental, atrav6s de projetos, leis, normas, resolue6es, pesquisas on-line, dentre
outros que tratam sobre o tema, sempre procurando fazer uso de material que ainda nao sofreu
tratamento analitico.
A tipologia da pesquisa segundo a utilizapao dos resultados sera pura - tendo por
finalidade aumentar o conhecimento do pesquisador para uma nova tomada de posicao;
segundo a abordagem e qualitativa -usada em populagao pequena. 0 crit6rio nao 6 numerico.
13
Ha uma preocupapao em aprofundar e abranger as ap6es e relap6es humanas. Observando os
fen6menos sociais de maneira intensiva.
Quanto aos objetivos, a pesquisa sera descritiva, buscando descrever fen6menos,
descobrir a freqtiencia com que urn fato acontece, sua natureza e suas caracteristicas.
Classifica, explica e interpreta os fatos, e explorat6ria, procurando aprimorar ideias. Ajudando
na formulapao de hip6teses para pesquisas posteriores, alem de buscar maiores informac6es
sobre o tema.
14
1 ASPECTOS HISTORICOS
Diversos povos, como os celtas, por exemplo, tinham por habito que os filhos
matassem os seus pais quando estes estivessem velhos e doentes. Na india, os doentes
incuraveis Cram levados ate a beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e a boca
obstruidas com o barro, chamado de lama sagrada, e. uma vez feito isto, eram atirados
ao rio para morrerem. Os espartanos, conta Plutarco] em Vidas Paralelas, do alto do
monte Taijeto,1an¢avam os recem-nascidos deformados e ate anciaos, pois "s6 viam em
seus filhos futuros guerreiros que, para cumprirem tais condic6es deveriam apresentar as
maximas condic6es de robustez e forca". Os Bramanes eliminavam os velhos enfermos e
os recem-nascidos defeituosos por considera-los imprestaveis aos interesses do grupo.
Em Atenas, o Senado tinha o poder absoluto de decidir sobre a eliminaeao dos
velhos e incuraveis, dando-lhes o co#i.win mczc"/c}/a/rm - bebida venenosa, em cerim6nias
especiais. Na Idade Media, oferecia-se aos guerreiros feridos urn punhal aflado,
conhecido por miseric6rdia, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra.
Del Vecchio2 diz que equivalia a pratica da eutanasia o polegar para baixo dos
c6sares nos circos romanos, sendo uma indulgente autorizacao a morte, permitindo aos
gladiadores mortalmente feridos evitarem a agonia e o ultraje.
1.I A Bib]ia
Na pr6pria Biblia3 ha uma situacao que evoca a eutanasia, no segundo livro de
Samuel, no caso de urn sobrevivente das batalhas entre filisteus e israelitas conta a Davi:
I PLUTARCO, y;.dcrs porcr/e/¢s /-y, trad. do grego por Gilson Cesar Cardoso, Sao Paulo, Ed. PAUMAPE,1991 -
I 992. [s.p]2 DEL VECCHIO. Giuseppe. Wor/e Be#€'¢c¢. Turin. Bocca,1926. [s.p]
3 BiBLIA SAGRADA. Sao Paulo, Ed. Paulus. 4 ed.1995. p. 335
15
Eu estava casualmente no monte Gebo6 e vi Saul apoiado em sua pr6prialanca, enquanto os carros e cavaleiros se aproximavam. Saul virou-se, me viue me chamou. Eu disse: `Estou aqui'. Saul me perguntou: `Quem 6 voce?' Eurespondi: `Sou urn amalecita'. Entao Saul me disse: .Aproxime-se e mate-me,
pois estou agonizando e nao acabo de morrer'. Entao eu me aproximei dele ematei, porque eu sabia que ele nao iria mesmo sobreviver depois de caido"Sin I, 6-10). Depois, Davi manda matar o amalecita. pot ter se atrevidomatar o ungido de Jave. (2 Sin I,14).
Para alguns, quando os guardas judeus deram a Jesus uma esponja com vinagre,
esse ato, antes de ser uma ofensa, era uma forma piedosa de abrandar o sofrimento, pois
consistia no vinho da morte, mostrando compaixao. porque produria urn sono profundo
e prolongado, em que o crucificado nao sentia mais os castigos.
I.2 A visao dos fii6sofos
A discussao acerca dos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos na questao
da eutanasia vein desde a Grecia antiga. Por exemplo, Platao, socrates e Epicuro
defendiam a id6ia de que o sofrimento resultante de uma doenca dolorosa justificava o
suicidio, em que Platao defendeu tamb6m o homicidio dos anciaos, dos d6beis e dos
enfermos. Em Marselha, neste periodo, havia urn dep6sito ptiblico de cicuta a disposicao
de todos.
Arist6teles, Pitagoras e Hip6crates, ao contrario, condenavam o suicidio. No
juramento de Hip6crates4 consta: "eu nao darei qualquer droga fatal a uma pessoa. se me
for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo". Desta forma a escola
hipocratica se ja se posicionava contra o que hoje tern a denominacao de eutanasia e de
suicidio assistido.
A discussao sobre o tema prosseguiu o longo da hist6ria da humanidade, com a
participacao de Lutero, Thomas Morus (Utopia), David Hume (On suicide), Karl Marx
(Medical Euthanasia) e Schopenhauer.
I.3 Prtissia
No s6culo XIV, o seu apogeu foi em 1895, na entao Prdssia, quando, durante a
discussao do seu plano nacional de sadde, foi proposto que o Estado deveria prover os
4 Disponivel em: http://www.esquilamedica.hpg.ig.com.br/Juramento.htm (acesso em 10/05/2007 as 20:30)
16
meios para a realizaeao de eutanasia em pessoas que se tomaram incompetentes para
solicita-la.
I.4 A visao no s6cu]o XX
No seculo XX, esta discussao teve urn de seus momentos mais acalorados entre as
decadas de 20 e 40. Foi enorme o ntimero de exemplos de relatos de situac6es que foram
caracterizadas como eutanasia, pela imprensa leiga, neste periodo. Jimenez de Asda5
catalogou mais de 34 casos.
No Brasil, na Faculdade de Medicina da Bahia. mas tambem no Rio de Janeiro e
em Sao Paulo, indmeras teses foram desenvolvidas neste assunto entre 1914 e 1935.
Na Europa, especialmente, muito se falou de eutanasia associando-a com eugenia.
Esta proposta buscava justificar a eliminacao de deficientes, pacientes terminais e
portadores de doencas consideradas indesejaveis. Nestes casos, a eutanasia era, na
realidade, urn instr.umento de "higienizacao social", com a finalidade de buscar a
perfeicao ou o aprimoramento de uma "raca", nada tendo a ver com compaixao, piedade
ou direito para terminar com a pr6pria vida.
Em 1931, na lnglaterra, o Dr. Millard, prop6s uma Lei para Legalizacao da
Eutanasia Voluntaria, que foi discutida ate 1936, quando a Camara dos Lordes a
rejeitou. Esta sua proposta serviu, posteriormente, de base para o modelo holandes.
Durante os debates, em 1936, o medico real, Lord Dawson, revelou que tinha"facilitado" a morte do Rei George V, utilizando morfina e cocaina.
0 Uruguai, em 1934, incluiu a possibilidade da eutanasia no seu C6digo Penal, Lei
9.414, de 29 de junho de 1934, o § 37: "(Do homicidio piedoso) Os juizes tern a
faculdade de exonerar de castigo o sujeito de antecedentes honraveis, autor de urn
homicidio, efetuado por motivos de piedade, mediante sdplicas reiteradas da vitima".
Esta legislagao uruguaia possivelmente e a primeira regulamentagao nacional sobre o
tema. Vale salientar que esta legislagao continua em vigor ate o presente.
5 JIMENEZ DE Asl)A, Luis. i/.bar/c7d de crmar); dcrecho cz nor;.r. 7. ed. Buenos Aires: Depalma, 1992. [s.p].
17
A doutrina do Jimen6z de Astia6, penalista espanhol, em sua obra "Liberdade de
Amar e Direito de Morrer", define a eutanasia como a morte que alguem proporciona a
uma pessoa que padece de uma enfermidade incuravel ou muito penosa, e a que tende a
extinguir a agonia demasiado cruel ou prolongada. 0 doutrinador espanhol acentua que
esse e o sentido verdadeiro da eutanasia, compativel com o m6vel e a finalidade
altruistica da mesma, proposta em 1925, servindo de base para a legislaeao uruguaia.
Em outubro de 1939 foi iniciado o programa nazista de eutanasia, sob o c6digo"Aktion T 4". 0 objetivo inicial era eliminar as pessoas que tinham uma "vida que nao
merecia ser vivida". Este programa materializou a proposta te6rica da "higienizacao
social".
Em 1954, o te6logo episcopal Joseph Fletcher, publicou urn livro denominado"Morals and Medicine", onde havia urn capitulo com titulo "Euthanasia: our rigth to
die".
I.5 A eutanasia e a medicina
Em 1968, a Associagao Mundial de Medicina adotou uma resolucao contraria a
eutanasia.
Em 1973, na Holanda, uma medica geral, Dra. Geertruida Postma, foi julgada por
eutanasia, praticada em sua mae. com uma dose letal de morfina. A mae havia feito
reiterados pedidos para morrer. Foi processada e condenada por homicidio, com uma
pena de prisao de uma semana (suspensa), e liberdade condicional por urn ano. Neste
julgamento foram estabelecidos os criterios para acao do medico.
Em 1990, a Real Sociedade Medica dos Paises Baixos e o Ministerio da Justiga
estabeleceram uma rotina de notificaeao para os casos de eutanasia, sem torna-la legal,
apenas isentando o profissional de procedimentos criminais.
Em 1991, houve uma tentativa frustrada de introduzir a eutanasia no C6digo Civil
da California/EEUU. Neste mesmo ano a Igreja Cat6lica. atrav€s de uma Carta do Papa
Joao Paulo 11 aos bispos, reiterou a sua posicao contraria ao aborto e a eutanasia,
6 Idem
i`rp\,
18
destacando a vigilancia que as escolas e hospitais cat6licos deveriam exercer na
discussao destes temas.
1.5.1 Etica m6dica e eutandsia
0 primeiro agrupamento de principios da etica medica relativa a eutanasia pode ser
encontrado no famoso juramento de Hip6crates de C6s: "A ninguem darei, para ajudar,
rem6dio mortal, nem conselho que o induza a perdicao".
Com o fito de uniformizar o entendimento mundial dos medicos acerca da etica
aplicada a eutanasia, ortotanasia e distanasia, varias declarag6es surgiram no decorrer
deste seculo, como se verifica a seguir:
DECLARACAO DE GENEBRA (Adotada pela Assembleia Geral daAssociacao M6dica Mundial. Genebra -Suiea, Setembro de 1948):"Na hora de ser admitido como iim membro na profissao medica:
Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a servieo da Humanidade.Darei, como reconhecimento a meus mestres, meu respejto e minha gratidao.Praticarei a minha profissao com consciencia e dignidade.A sadde dos meus pacientes sera a minha primeira preocupacao.Respeitarei os segredos a mim confiados.Manterei, a todo o custo, no maximo possivel, a honra e a tradicao daprofissao medica.Meus colegas serao meus irmaos.Nao permitirei que concepe5es religiosas, nacionais, raciais, partidarias ousociais intervenham em meu clever e meus pacientes.Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepgao. Mesmosob ameaea, nao usarei meu conhecimento medico em principios contrarios asleis da natureza.Faeo estas promessas, solene e livremente, pela minha pr6pria honra".
0 C6digo Internacional de Etica Medica, adotado pela 3a Assembl6ia Geral da
Associagao M6dica Mundial. Londres -Inglaterra. Outubro de 1949, estabelece que:
DEVERES DO MEDICO PARA COM 0 DOENTE
0 medico deve ter sempre presente o cuidado de preservar a vida humana.0 medico deve a seu paciente completa lealdade e empregar em seu favortodos os recursos da ciencia.
Quando urn exame ou tratamento estiver al6m de sua capacidade, devera eleconvidar outro medico que tenha a necessaria habilidade para realiza-lo.0 medico devera manter segredo absoluto sobre tudo o que sabe de urnpaciente, dada a confianca que nele depositou.0 medico deve pi.estar cuidados de emergencia como urn clever humanjtario, amemos que esteja certo de que haja outras pessoas a prestar tais cuidados.
19
A Declaracao de Veneza, adotada pela Associacao Medica Mundial em 1983
prop6e que 6:
I-0 clever do medico e curar, quando for possivel, aliviar o sofrimento eatuar para proteger os interesses do seu paciente.2- Nao fara exceeao alguma a este principio ainda que seja caso de doenteincuravel ou malformaeao.3-Este principio nao excluj a aplicacao das regras seguintes:3.I-0 medico pode aliviar o sofrimento de urn paciente com enfermidadeterminal interrompendo o tratamento curativo com o consentimento dopaciente ou de sua familia imediata em caso de nao poder expressar suapr6pria vontade.A interrupeao do tratamento nao desobriga o medico de sua funcao de assistiro moribundo e dar-lhe os medicamentos necessarios para mitigar a fase finalde sua doen9a.3.2-0 medico deve evitar empregar qualquer meio extraordinario que naotraga beneficios para o paciente.3.3-0 medico pode, quando nao se possa reverter no paciente o processofinal de cessacao das fune6es vitais, aplicar tratamentos artificiais que
permitam manter ativos os 6rgaos para transplantes, desde que proceda comas leis do pai's, ou em virtude do consentimento formal outorgado pela pessoaresponsavel e sob a condieao de que a verificagao do 6bito ou dairreversibilidade da atividade vital tenha sido feita por medicos estranhos aotransplante e ao tratamento do receptor.
Estes meios artificiais nao serao pagos pelo doador ou sua familia. Os medicos do
doador devem ser totalmente independentes dos medicos que tratam do receptor e do
receptor propriamente.
No Brasil, al6m das responsabilidades civil e penal que podem decorrer da
realizagao da eutanasia pelo medico, tamb6m sangao de natureza administrativa exsurge
de tal ato, a ser imposta pelo Conselho de Etica Medica do respectivo CRM, pela
infragao disciplinar insculpida nas seguintes normas:
0 C6digo Brasileiro de Etica Medica, Aprovado pela Resolu¢ao CFM n°.
I .246/88 e divulgado pelo Diario Oficial da Uniao de 26 de janeiro de 1988, p.
1574 -Seeao I:
Art. 6°. -0 medico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuandosempre em beneficio do paciente. Jamais utilizara seus conhecimentos para
gerar sofrimento fisico ou moral, para o exterminio do ser humano ou parapermitir e acobertar tentativa contra a dignidade e integridade.[...]
i vedado ao medico:Art. 66- Utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida dopaciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsave] legal.
Infere-se, assim, que a eutanasia ativa, al6m de configurar ilicito penal, 6 uma
violagao aos principios 6ticos medicos. Essa pratica, qualquer que seja seu sentido e
seus argumentos, nao passa de uma subversao a toda a doutrina hipocratica, pois
20
distorce e avilta o exercicio da medicina, cujo compromisso e voltar-se sempre para o
bern do homem e da humanidade, prevenindo doencas, tratando dos enfermos e
minorando o sofrimento, sem discriminacao ou preconceito de qualquer natureza.
Quanto a suspensao dos meios artificiais de manutengao da vida, estando o
individuo na situagao comprovada pelo exame clinico e pelos meios complementares
especificos e id6neos, com parada total e irreversivel das fune6es encefalicas, sendo o
paciente maior de dois anos, n5o ha que se falar em eutanasia, pois a morte, nessas
condic5es, ja ocorreu. Resta apenas repassar esse conceito a sociedade e exigir que os
criterios utilizados nesse tipo de diagn6stico sejam id6neos e incapazes de qualquer
outro interesse. Isso e muito importante, nao s6 por razao de seguranca juridica, mas
como forma de disciplinar a inclinagao pessoal, resguardar o interesse ptiblico e manter
a ordem social.
1.6. A eutanasia no Brasil
Em 1996, foi proposto urn projeto de lei no Senado Federal (Projeto de Lei n°
125/96), instituindo a possibilidade de realizacao de procedimentos de eutanasia no
Brasil. A sua avaliacao nas comiss6es especializadas nao prosperou, continuando o
projeto paralisado.
1.7 Estados Unidos da America
Em outubro de 1997 o estado do Oregon, mos Estados Unidos, legalizou o suicidio
assistido, que foi interpretado erroneamente, por muitas pessoas e meios de
comunicagao, como tendo sido autorizada a pratica da eutanasia.
Em 2005, nos Estados Unidos, os tribunais concederam ao marido de Terri
Schiavo, mulher que contava 41 anos de idade e ha quinze estava em estado chamado de
vegetativo permanente, o direito de retirar a sonda que a alimentava.
1.8 Holanda
Em abril de 2002, a Holanda tornou-se o primeiro pals a autorizar oficialmente a
pratica da eutanasia. A nova legislagao permite aos medicos recorrerem a eutanasia em
21
condig6es muito restritas, considerando cinco criterios: decisao voluntaria, de paciente
informado; solicitaeao de pessoa capaz de ponderar outras possibilidades; desejo de
morrer que tenha alguma duragao; sofrimento fisico ou mental inaceitavel ou
insuportavel; consulta a urn outro medico. 0 paciente deve ter doenca incuravel, com
dores insuportaveis, estar sem qualquer esperanga de sobrevivencia e desejar p6r fim a
sua vida.
Assim, admitida na antiguidade, a eutanasia s6 foi condenada a partir do judaismo
e do cristianismo, em cujos princi'pios a vida tinha o carater sagrado. No entanto, foi a
partir do sentimento que cerca o direito moderno que a eutanasia tomou caraler
criminoso, como protecao irrecusavel do mais valioso dos bens: a vida. Ate mesmo mos
instantes mais densos, como nos conflitos internacionais, quando tudo parece perdido,
face as condic6es mais precarias e excepcionais, ainda assim o bern da vida e de tal
magnitude que a consciencia humana procura protege-la contra a insania, criando regras
para impedir a pratica de crueldades irreparaveis. Outras vezes, a ciencia, de forma
desesperada, intima os cientistas do mundo inteiro a se debru?ar sobre as mesas de seus
laborat6rios, na procura dos meios salvadores da vida.
22
2 CONCEITO E ESPECIES DE EUTANASIA
A palavra eutanasia tern sido utilizada de maneira confusa e ambigua. pois tern
assumido diferentes significados conforme o tempo e o autor que a utiliza. Varias novas
palavras, como distanasia, ortotanasia, mistanasia, tern sido criadas para evitar esta
situacao. Contudo, esta prolifera¢ao vocabular, ao inves de auxiliar, tern gerado alguns
problemas conceituais. Cabe fazer a distincao entre os termos supracitados:
Distanasia significa uma morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento. Alguns
autores assumem a distanasia como sendo o ant6nimo de eutanasia. Novamente surge a
possibilidade de confusao e ambiguidade. A qual eutanasia estao se referindo? Se for
tomado apenas o significado literal das palavras quanto a sua origem grega, certamente
sao ant6nimos. Se o significado de distanasia for entendido como prolongar o
sofrimento ele se op6e ao de eutanasia que e utilizado para abreviar esta situacao.
Porem, se for assumido o seu contetido moral, ambas convergem. Tanto a eutanasia
quanto a distanasia sao tidas como sendo eticamente inadequadas.
Enquanto a Ortotanasia e a atuagao correta frente a morte, e a abordagem adequada
diante de urn paciente que esta morrendo, podendo, desta forma, ser confundida com o
significado inicialmente atribuido a palavra eutanasia. E o impedimento da prolongagao
de uma vida artificial, quando ja existe o diagn6stico da morte encefalica ou uma vida
vegetativa.
Mistanasia, tambem chamada de eutanasia social, foi sugerida por Leonard Martin7
para denominar a morte miseravel, fora e antes da hora. Segundo este autor,
[...] dentro da grande categoria de mistanasia quero focalizar tres situac6es:primeiro, a grande massa de doentes e deficientes que, por motivos politicos,sociais e econ6micos, nao chegam a ser pacientes, pois nao conseguemingressar efetivamente no sistema de atendimento medico; segundo, os
7 MARTIN, Leonard M. Eutanasia e distanasia. In: COSTA, Sergio lbiapina Ferreira; OSELKA, Gabriel;
GARRAFA, Volnei. (Orgs.). /#;.c/.crcGo a B;.oe'/j.co. Brasilia: Conselho Federal de Medicina,1998. p.171 -192
23
doentes que conseguem ser pacientes para, em seguida, se tornar vitimas deerTo medico e, terceiro, os pacientes que acabam sendo vitimas de rna-praticapor motivos econ6micos, cientificos ou sociopoliticos. A mistanasia e umacategoria que nos permite levar a serio o fen6meno da maldade humana.
0 termo Eutanasia vein do grego (eu=boa; - tanatos = morte), podendo ser
traduzido como "boa morte" ou "morte apropriada", e a morte suave. doce, facil, sem
sofrimento, sem dor. 0 termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623. em sua obra"Historia vitae et mortis", como sendo o "tratamento adequado as doeneas incuraveis",
Bacon defendia a pratica da eutanasia pelos medicos, quando estes nao mais
dispusessem de meios para levar a cura urn enfermo atormentado. Argumentava Bacon:"a meu ver eles (medicos) deveriam possuir a habilidade necessaria a dulcificar com
suas maos os sofrimentos e a agonia da morte" 8.
De maneira geral, entende-se por eutanasia quando uma pessoa causa
deliberadamente a morte de outra que esta mais fraca, debilitada ou em sofrimento.
Neste dltimo caso, a eutanasia seria justificada como uma forma de evitar urn sofrimento
acarretado por urn longo periodo de doenca. Tern sido utilizado, de forma equivocada, o
termo Ortotanasia para indicar este tipo de eutanasia. Esta palavra deve ser utilizada no
seu real sentido de utilizar os meios adequados para tratar uma pessoa que esta
morrendo.
0 termo eutanasia 6 muito amplo e pode ter diferentes interpretae6es. Urn exemplo
de utilizagao diferente da que hoje e utilizada foi a proposta no seculo XIX, os te61ogos
Larrag e Claret, em seu livro "Prontuarios de Teologia Moral", publicado em 1866. Eles
utilizavam eutanasia para caracterizar a "morte em estado de graga".
Segundo urn conceito generalizado, o homicidio eutanasico deve ser entendido
como aquele que e praticado para abreviar piedosamente o irremediavel sofrimento da
vitima, e a pedido ou com o assentimento desta9.
H6lio Gomes.'° nos traz conceitos de varios autores, senao vejamos alguns desses
conceitos:
8 Ap#dJIMENEZ DE ASUA, Luis. £iber/OCJ de crmcrr)/ derecAo c7 mo//.r. 7. ed. Buenos Aires: Depalma,1992.
9 HUNGRIA, Nelson Come#/dr/.os c}o Cod/.go Pe#q/, 3. ed., Forense,1955, v. V, p.125.'° COMES, Hello. Wec/;.cj.#¢ £egar/. 19. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos.1978.
24
Para Morselli. ap#d Helio Gomes``: "E aquela morte que algue-in da a outrem que
sofre de uma enfermidade incuravel, a seu pr6prio requerimento, para abreviar agonia
muito grande e dolorosa".
Pinam, ap#d Helio Gomes" define-a como,
[...] o ato pelo qual uma pessoa poe termo a vida da outTa. que sofre deenfermidade incuravel ou entao a aleijados padecendo dores crueis. atendendoas suas solicitag6es reiteradas, levadas puramente pelo espirito de piedade ehumanidade".O autor citado nao traz propriamente uma definicao destapratica, apenas diz ser "o direito que se pretende conferir a uma junta medicade dar a morte suave aos doentes que sofram dores insuportaveis. estejamatacados de doenca incuravel e o desejem ou solicitem.
Ricardo Royo-Vilanova y Morales, citado por Flaminio Favero'3, assim define a
eutanasia:
i a morte doce e tranqtiila, sem dores fisicas nem torturas morals, que podesobrevir de urn modo natural nas idades mais avaneadas da vida, surgir demodo sobrenatural como graca divina. ser sugerida por uma exaltacao dasvirtudes estdicas, ou ser provocada artificialmente, ja por motivos eugenicos,ou com fins terapeuticos, para suprimir ou abreviar uma inevitavel, larga edolorosa agonia, mas sempre com previo consentimento do paciente ou previaregulamenta9ao legal.
Existem dois elementos basicos na caracterizacao da eutanasia: a intengao e o
efeito da agao. A intencao de realizar a eutanasia pode gerar uma apao (eutanasia ativa)
ou uma omissao, isto e, a nao realizagao de uma agao que teria indicaeao terapeutica
naquela circunstancia (eutanasia passiva). Desde o ponto de vista da etica, ou seja, da
justificativa da aeao, nao ha diferen¢a entre ambas.
Da mesma forma, a eutanasia, assim como o suicidio assistido, sao claramente
diferentes das decis6es de retirar ou de nao implantar urn tratamento, que nao tenha
eficacia ou que gere serios desconfortos, unicamente para prolongar a vida de urn
paciente.
Ao contrario da eutanasia e do suicidio assistido, esta retirada ou nao implantagao
de medidas consideradas futeis nao agrega outra causa que possa conduzir a morte do
paciente. Esta, porem, nao foi a interpretagao da Suprema Corte de Nova Torque,
julgando o caso Quill, em 08 de janeiro de 1997, quando afirmou nao haver diferengas
I I COMES, Hello. A4ed;.c/.#¢ 4egcr/. 19. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,1978.12 Idem." FAVERO, Flaminio. Wedf.cf.#c7 £egr/. I 1° ed. Ed. Itatiaia. Sao Paulo.1980.
-1-,i
25
legais e morais entre nao implantar ou retirar uma medida extraordinaria e o suicidio
assistido. Em junho de 1997 a Suprema Corte Norte Americana, se pronunciou
contrariamente a esta posigao, afirmando que existem diferengas entre estas decis6es,
quer do ponto de vista medico quanto legal.
2.1 Tipos de eutanasia
Atualmente, a eutanasia pode ser classificada de varias formas, de acordo com o
crit6rio considerado.
Quanto ao tipo de acao:
a) Eutanasia ativa: o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do
paciente, por fins misericordiosos.
b) Eutanasia passiva ou indireta: a morte do paciente ocorre, dentro de uma
situacao de terminalidade, ou porque nao se inicia uma acao m6dica ou pela interrupcao
de uma medida extraordinaria, com o objetivo de minorar o sofrimento.
c) Eutanasia de duplo efeito: quando a morte e acelerada como uma consequencia
indireta das ac6es medicas que sao executadas visando o alivio do sofrimento de urn
paciente terminal.
Quanto ao consentimento do paciente:
a) Eutanasia voluntaria: quando a morte 6 provocada atendendo a uma vontade do
paciente.
b) Eutanasia involuntaria: quando a morte e provocada contra a vontade do
paciente.
c) Eutanasia nao voluntaria: quando a morte 6 provocada sem que o paciente
tivesse manifestado sua posicao em relacao a ela.
Vale lembrar que indmeros autores utilizam de forma indevida o termo voluntaria
e involuntaria no sentido do agente, isto 6. do profissional que executa uma acao em
uma eutanasia ativa. Voluntaria como sendo intencional e involuntaria como a de duplo-
efeito. Estas definie6es sao inadequadas, pois a voluntariedade neste tipo de
26
procedimento refere-se sempre ao paciente e nunca ao profissional, este deve ser
caracterizado pelo tipo de aeao que desempenha (ativa, passiva ou de duplo-efeito).
Esta classificacao, quanto ao consentimento, visa estabelecer, em tiltima analise, a
responsabilidade do agente, no caso o medico. Esta discussao foi proposta por Neukamp,
em 1937.
Historicamente, a palavra eutanasia admitiu varios significados. Destacamos, a
titulo de curiosidade, a classificacao proposta na Espanha, por Ricardo Royo-
Villanova'4, em 1928:
Eutanasia sdbita: morte repentina;
Eutanasia natural: morte natural ou senil, resultante do processo natural e
progressivo do envelhecimento;
Eutanasia teol6gica: morte em estado de graga;
Eutanasia est6ica: morte obtida com a exaltacao das virtudes do estoicismo;
Eutanasia terapeutica: faculdade dada aos medicos para propiciar urn morte suave
aos enfermos incuraveis e com dor;
Eutanasia eugenica e econ6mica: supressao de todos os seres degenerados ou
intiteis (sic);
Eutanasia legal: aqueles procedimentos regulamentados ou consentidos pela lei.
No Brasil, tambem em 1928, o Prof. Ruy Santos, na Bahia prop6s que a eutanasia
fosse classificada em dois tipos, de acordo com quem executa a agao:
Eutanasia-homicidio: quando alguem realiza urn procedimento para terminar com a
vida de urn paciente.
Eutanasia-homicidio realizada por medico;
Eutanasia-homicidio realizada por familiar;
" Apud JIMENEZ DE AstJA. i/.ben/¢d c/e afflar); c/erecho cz mar/.r, op. cit., p. 340.
27
Eutanasia-suicidio: quando o pr6prio paciente e o executante. Esta talvez seja a
id6ia precursora do Suicidio Assistido.
Finalmente, Jim6nez de Astia'5, em 1942, prop6s que existem, a rigor, apenas tres
tipos:
Eutanasia libertadora, que e aquela realizada por solicitagao de urn paciente
portador de doenga incuravel, submetido a urn grande sofrimento;
Eutanasia eliminadora, quando realizada em pessoas, que mesmo nao estando em
condig6es pr6ximas da morte, sao portadoras de distdrbios mentais. Justifica pela "carga
pesada que sao para suas familias e para a sociedade";
Eutanasia econ6mica seria a realizada em pessoas que, por motivos de doenga,
ficam inconscientes e que poderiam, ao recobrar os sentidos sofrerem em fungao da sua
doenga.
Estas id6ias bern demonstram a interligacao que havia nesta epoca entre a
eutanasia e a eugenia, isto 6, na utilizagao daquele procedimento para a selecao de
individuos ainda aptos ou capazes e na eliminaeao dos deficientes e portadores de
doencas incuraveis.
'5 JIMENEZ DE ASUA, Luis.£7.ber/crd c7e c7wc7ry c/erecho a wor/.r, op. cit., p. 339-341
28
3 A EUTANASIA E 0 DIREITO
Algumas leis penais contemplaram com a impunidade a pratica da eutanasia. Sao
exemplos:
a) o C6digo Penal Sovietico (1922), que isenta de pena o homicidio cometido por
compaixao, a pedido de quem e morto.
b) o C6digo Penal Peruano (1942) estabelece que, sendo o homicidio guiado por
m6vel altruista e de compaixao, a penalidade nao recai sobre o autor.
Em geral, as leis penais tern-se ocupado da questao, quer estabelecendo a
impunidade do autor do fato, quer atenuando-lhe a pena, quer fixando o perdao judicial.
No Brasil, seguindo a linha do C6digo Criminal do Imp6rio (1830), o C6digo Penal
republicano, mandado executar pelo Decreto n° 847, de 11-10-18909 nao contemplou
qualquer disposicao relacionada ao homicidio caritativo, e destacou em seu Art. 26, c:"Nao dirimem nem excluem a intengao criminosa, o consentimento do ofendido, memos
mos casos em que a lei s6 a ele permite a aeao criminal".
Por sua vez, a Consolidacao das Leis Penais, C6digo Penal brasileiro completado
com as leis modificadoras entao em vigor, obra de Vicente Piragibe (Rio de Janeiro:
Saraiva & Cia. Editores,1933), aprovada e adaptada pelo Decreto n° 22.213, de 14-12-
1932, em nada modificou o tratamento legal anteriormente dispensado ao tema,
conforme seu Titulo X, que tratou "Dos crimes contra a seguranca da pessoa e vida"
(Arts. 294/314). Tamb6m nao estabeleceu atenuante generica relacionada ao assunto,
conforme se infere da leitura de seu Art. 42, ou outro beneficio qualquer.
29
Como escreveu Hungria`6, o Projeto Sa Pereira, no Art.130, n. IV, incluia entre as
atenuantes gen6ricas a circunstancia de haver o delinqtiente cedido "a piedade,
provocada por situaeao irremediavel de sofrimento em que estivesse a vitima, e as
sdplicas", e, no Art. 189, dispunha que "aquele que matou algu6m nas condig6es
precisas do Art.130, n. IV, descontar-se-a por metade a pena de prisao em que incorrer,
podendo o Juiz converts-la em detengao". No Projeto da Subcomissao Legislativa (Sa
Pereira, Evaristo de Morais, Bulh6es Pedreira), ja nao se contemplava expressamente o
homicidio compassivo como c7e/z.c/"in excap/"w, mantendo-se, entretanto, a atenuante
generica que figurava no inc. IV do Art.130 do Projeto anterior.
Tambem o atual C6digo (Dec.-Lei n° 2.848/40) nao cuida explicitamente do crime
por piedade, porem o §1° do art. 121, atribui ao juiz a faculdade de diante do caso
concreto atenuar a pena se o crime for cometido por motivo de relevante valor moral
(homicldio privilegiado). Figura ainda no rol das circunstancias que atenuam a pena (art.
65, inciso Ill, alinea "a").
Os Territ6rios do Norte da Australia adotaram por curto per{odo a possibilidade de
pratica da eutanasia, colocando, no entanto, varios crit6rios a serem obedecidos.
Sao os seguintes os criterios utilizados:
1) Paciente faz a solicitagao a urn medico.
2) O medico aceitaser seu assistente.
3) O paciente deveter 18 anos, no minimo.
4) 0 paciente deve ter uma doenga que no seu curso normal ou sem utilizagao
de medidas extraordinarias acarretara a sua morte.
5) Nao deve haver qualquer medida que possibilite a cura do paciente.
6) Nao devem existir tratamentos disponiveis para reduzir a dor, sofrimento ou
desconforto.
'6 HUNGRIA, Nelson e FRAGOSO, Heleno. C'orme#/dr!.as cro C6c7;.go Pc#cz/. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense,
1981. v. 5. p.125
30
7) Deve haver a confirmagao do diagn6stico e do progn6stico por urn medico
especialista.
8) Urn psiquiatra qualificado deve atestar que o paciente nao sofre de uma
depressao clinica tratavel.
9) A doenga deve causar dor ou sofrimento.
10) 0 medico deve informar ao paciente todos os tratamentos disponiveis,
inclusive tratamentos paliativos.
11) As informae5es sobre os cuidados paliativos devem ser prestadas por urn
medico qualificado nesta area.
12) 0 paciente deve expressar formalmente seu desejo de terminar com a vida.
13) 0 paciente deve levar em consideracao as implicac6es sobre a sua familia.
14) 0 paciente deve estar mentalmente competente e ser capaz de tomar decis6es
livre e voluntariamente.
15) Deve decorrer urn prazo minimo de sete dias ap6s a formalizagao do desejo de
morrer.
16) 0 paciente deve preencher o certificado de solicitacao.
17) 0 medico assistente deve testemunhar o preenchimento e a assinatura do
Certificado de Solicitacao.
18) Urn outro medico deve assinar o certificado atestando que o paciente estava
mentalmente competente para livremente tomar a decisao.
19) Urn int6rprete deve assinar o certificado, no caso em que o paciente nao tenha
o mesmo idioma de origem dos medicos.
20) Os medicos envolvidos nao devem ter qualquer ganho financeiro, al6m dos
honorarios medicos habituais, com a morte do paciente.
21) Deve ter decorrido urn periodo de 48 horas ap6s a assinatura do certificado.
31
22) 0 paciente nao deve ter dado qualquer indicaeao de que nao deseja mais
morrer.
23) A assistencia ao termino voluntario da vida pode ser dada.
32
4 A EUTANASIA NO BRASIL: PERSPECTIVAS
Ao analisarmos a eutanasia a luz do direito a vida ou da morte, esbarramos tambem
nas nossas leis, sao elas que garantem a nossa integridade, o direito a vida. Na nossa
Constituicao Federal'7 promulgada em 1988, no Capitulo I, Dos Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos. Como podemos, o Art. 5° consagra o direito a vida esta
consagrado em nossa Constituicao, este inviolavel.
Tamb6m encontramos em nosso C6digo Penal, Capitulo I Dos Crimes Contra A
Vida, Art.122, que e crime com pena de reclusao, induzir ou instigar alguem se suicidar
ou prestar-lhe auxilio para que o faga.
Percebemos que, em nossa legislacao, a eutanasia nao e permitida, sendo punida
como o crime de homicidio. Apesar de nao ser apresentar legal em nosso pals, a Holanda
foi o primeiro pals a autorizar oficialmente a pratica da eutanasia. Segundo a nova
legislacao holandesa 6 permitido aos medicos recorrem a eutanasia em condic6es muito
restritas, o enfermo deve estar sem qualquer esperan¢a de sobrevivencia e desejar p6r
fim a sua vida. Em nosso pals mesmo sabendo que a pratica da eutanasia nao permitida
legalmente, ela acontece, porem nao e divulgada. Desta forma muitas pessoas
proporcionam a "boa morte" a seus amigos e familiares, sem que o fato seja divulgado.
4.I Projeto de lei
Esta tramitando no Senado Federal, urn Projeto de Lei n° 125/96, elaborado desde
1995 de autoria do Senador Gilvam Borges (PMDB / AP), estabelecendo criterios para a
" "Art 5°- Todos sao iguais perante a lei, sem distincao de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pals a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, aigualdade, a seguranea e a propriedade".
33
legalizagao da "morte sem dor", que foi o tinico sobre o assunto da legaliza9ao da
eutanasia no Brasil, porem nunca foi colocado em votagao.
0 projeto preve a possibilidade de que pessoas com sofrimento fisico ou psiquico
possam solicitar que sejam realizados procedimentos que visem a sua pr6pria morte. A
autorizagao para estes procedimentos sera dada por uma junta m6dica, composta por
cinco membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante, atestando a
inutilidade do sofrimento fisico ou psiquico do doente. 0 pr6prio paciente teria que
requisitar a eutanasia, mas caso esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, urn
familiar ou amigo podera solicitar a Justiga tal autorizagao.
0 projeto de lei 6 bastante falho na abordagem de algumas quest5es fundamentais,
tais como o estabelecimento de prazos para que o paciente reflita sobre sua decisao,
sobre quem sera o medico responsavel pela realizaeao do procedimento que ira causar a
morte do paciente, entre outros items.
0 pr6prio Gilvam argumentou que "essa lei nao tern nenhuma chance de ser
aprovada". Segundo o deputado federal Marcos Rolim, presidente da Comissao de
Direitos Humanos da Camara, "ningu6m quer discutir a eutanasia porque isso traz
prejufzos eleitorais". Rolim, que e do PT gadcho, diz que, mos dois anos em que presidiu
a comissao, jamais viu o assunto ser abordado.
4.2 Anteprojeto do C6digo Penal
Esta tramitando o Anteprojeto de Lei que altera os dispositivos da Parte Especial
do C6digo Penal, tamb6m comina ao homicidio a pena de reclusao de 6 a 20 anos,
laborado pela Comissao de "Alto Nivel" nomeada pelo Ministro iris Rezende e da outras
providencias. 0 ilustre Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro assinala que o Anteprojeto
distingue dois tipos de eutanasia -a ativa e a passiva em dois itens do Art.121.
Homicl'dioArt.121. Matar alguem:Pena -Reclusao, de seis a vinte anos.Eutanasia§ 3°. Se o autor do crime agiu por compaixao, a pedido da vitima, imputavel emajor, para abreviar-lhe o sofrimento fisico insuportavel, em razao de doencagrave:Pena - Reclusao, de tres a seis anos.Exclusao de ]Iicitude
34
§ 4°. N5o constitui crime deixar de manter a vida de alguem por meioartificial, se previamente atestada por dois medicos, a morte como iminente einevitavel, e desde que haja consentimento do paciente, ou na suaimpossibilidade, de ascendente, descendente, c6njuge, companheiro ou irmao.
A proposta nao isenta a eutanasia de pena, como fizeram no passado os C6digos da
Rdssia, Noruega e Peru, entre outros. Em consideragao ao motivo, entretanto, ela sera
atenuada. Por6m, esta alteragao poderia levar em conta alguns itens das legislag6es
vigentes no Uruguai e na Holanda.
Nestas duas leis ocorre a exoneraeao de castigo, sem deixar de caracterizar o ato
como o de matar alguem. Estas propostas tern como base as propostas de Jimenes de
Asua, feitas na decada de 1920. A legislagao da Australia, que nao esta mais vigendo,
tamb6m poderia orientar, principalmente no que se refere aos condicionantes do
processo.
Conforme o anteprojeto, a eutanasia sera crime comissivo por omissao (crime de
resultado que s6 pode ser praticado por certas pessoas, chamadas garantes, que por lei
tern o clever de impedir o resultado e a obrigagao de protegao e vigilancia em relacao a
algu6m), sendo punido de maneira mais branda se comparado as outras modalidades
ilicitas precedentes na ordem de disposigao do artigo e ate mesmo em relagao ao crime
de lesao corporal seguida de morte (Art. 128, § 4°), em que os medicos, pelo
comportamento anterior (receber o paciente para tratamento), teriam assumido a
responsabilidade de impedir o resultado extremo, dentro dos limites da ciencia moderna
e acabaram por tomar caminho diverso.
i de se observar que a proposta nao cuida da conduta pr6pria, nao exige que a
eutanasia seja praticada por dois medicos, exige apenas que eles atestem previamente em
conjunto ou separado, a morte como iminente e inevitavel. Deixar de manter a vida de
alguem por meio artificial nao sera comportamento exclusivo dos medicos atestadores
da situagao extrema, podendo qualquer pessoa o fazer, tratando-se de urn homicidio por
compaixao, praticado por c6njuge, companheiro, ascendente, descendente, irmao ou
pessoa ligada por estreitos lagos de afeicao a vitima, a pedido desta, desde que
imputavel e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe sofrimento fisico insuportavel, em
razao de doenca grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados.
35
Alias, 6 evidente que se a ortotanasia for praticada por urn medico, nao podera ser
ele urn dos subscritores do atestado, que 6 o documento autorizador. Tamb6m 6 6bvio
que a iminencia e inevitabilidade da morte s6 podem ser atestadas previamente.
Ausente uma dessas circunstancias, em vez de eutanasia cuidar-se-a de homicidio,
simples, qualificado ou privilegiado, dependendo da particular situacao, decorrendo dai
varias implicac5es, notadamente no campo da dosimetria da pena e no regime de seu
cumprimento.
Pois, diante de urn caso concreto, como a violencia a pessoa 6 implicita na
execugao do ilicito, nao sera possivel a substituieao da pena aplicada por restritivas de
direitos (Art. 44, I, do CP, com a redacao da Lei n° 9.714/98). ainda que fixada no
minimo abstratamente previsto. Entretanto, se primario e de bons antecedentes, de regra
o condenado iniciara o cumprimento no regime aberto, podendo beneficiar-se com o
sursis. Se estabelecida a reprimenda em quantidade superior a dois e nao superior a
quatro anos, sendo maior de setenta anos de idade, ou se raz6es de satide justificarem,
podera beneficiar-se com a suspensao da pena, mos termos do § 2° do Art. 77, do CP. E,
como crime doloso contra a vida, sera julgado pelo Tribunal do Jtiri, conforme
interpretagao extensiva que se clara ao Art. 74, § 1°, do CPP, que nao faz referencia ao §
3° do Art.121, inexistente na legislacao ainda em vigor.
Ocorrendo tentativa de eutanasia, sera possivel, desde que presentes os requisitos
de ordem subjetiva, a suspensao condicional do processo regulada pelo Art. 89 da Lei n°
9.099/95, com todas as vantagens inerentes.
Alguns autores estao denominando, equivocadamente, a situacao prevista no § 4°
de Ortotanasia e nao atinge a questao principal que 6 a de estabelecer criterios uniformes
de morte toracica ou encefalica para todas as situag5es, e nao apenas para a doagao de
6rgaos, neste dltimo caso.
Se aprovada, a previsao violara, para alguns, regras morais, religiosas e legais,
descritas no Art. 5° da Constituieao Federal que disp6e que todos sao iguais perante a
Lei, sem distincao de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no Pals a inviolabilidade do direito a vida. Por6m, para outros, estara
efetivado outro principio, o da dignidade da pessoa humana, pois o enfermo tern o
direito de nao querer continuar com urn simulacro de vida.
36
4.3 Argumentos pr6s e contras e a eutanf sia
Existem basicamente. tres tipos de objegao a eutanasia que merecem ser
mencionados.
4.3.1 Argumentos contrdrios
Diz-se que a eutanasia enfraqueceria a pesquisa medica e que amorteceria o
incentivo para encontrar a cura para as doeneas causadoras de dor. Isso e urn contra-
senso absurdo, porque, ao mesmo tempo em que "praticam" a eutanasia, a luta dos
medicos contra doencas fatais e dolorosas, em vez de diminuir, aumenta
fantasticamente. A razao por tras da ciencia m6dica e a eliminacao ou o controle das
doencas e nao meramente a supressao do sofrimento, embora tamb6m seja isso.
Objeta-se que herdeiros e inimigos do doente grave poderiam usar a eutanasia para
apressar sua morte. A isso se contrap6e o fato de que os requisitos legais de uma
solicitacao por escrito do paciente e a exaustiva investigacao previa, tanto m6dica como
juridica, seriam uma salvaguarda suficiente. 0 paciente, na realidade, teria muito mais
protegao do que aquela que lhe 6 oferecida ate agora sob o atual sistema, em que
eutanasia clandestina continua ser largamente praticada.
E proclamado que, uma vez autorizada a adogao da morte piedosa, a aplicagao do
seu principio tenderia a se ampliar desastrosamente para incluir ate enfermidades nao
fatais. Por que sera entao, para usar uma analogia correlata, que a pena de morte, ha
longo tempo em voga, tern sido sua aplicagao progressivamente restrita e nao
aumentada? De fato, por todas as evidencias estatisticas disponiveis, a pena capital tern
sido cada vez menos utilizada desde os tempos em que as pessoas eram enforcadas por
terem meramente roubado comida.
4.3.2 Argumentos favordveis
Como tamb6m os argumentos usados para justificar a eutanasia sao fortes e
socialmente identificaveis:
I,L`r `
37
Dores e sofrimentos insuportaveis: 6 sabido que nem todos os medicamentos
utilizados podem retirar por completo a dor ou sofrimento de urn paciente. Ao contrario
do que dizem os que condenam a eutanasia, a medicina nem sempre contem remedios
eficazes capazes de retirar a dor e o sofrimento.
Doengas incuraveis: esse argumento parece ser bastante forte, ja que muitas
pessoas portadoras de doeneas, quando do estagio terminal, nao existe possibilidade de
sua cura apesar da noticia de urn novo rem6dio, pois a venda comercial destes,
geralmente, ocorre sempre depois de ano ou dois da divulgacao. Os argumentos
contrarios sao justamente a possibilidade de cura e o erro de diagn6stico.
Vontade do paciente, solicito da morte: nao se pode desconsiderar a vontade do
enfermo, desde que consciente e real. 0 desejo transit6rio, ao contrario, deve ser
compreendido como o nao suportamento das dores por aquele periodo.
Onus econ6micos decorrentes das doengas sem possibilidade de reversao: com
certeza este argumento 6 fragil do ponto de vista te6rico, mas forte do ponto de vista da
real apresentagao no sistema de satide no Brasil. Colocarfamos, aqui, apenas uma
questao: ao inv6s de perdermos tempo utilizando aparelhos em doentes tecnicamente
incuraveis, porque nao utiliza-los em doentes com possibilidade de cura? Leo Pessini[8
exp5e, com propriedade, que "Os parcos recursos disponiveis poderiam muito bern ser
utilizados em contextos de salvar vidas que tern chances de recuperagao".
Certamente, este tiltimo ponto analisado teria grande discussao social, pois nao
cabe ao medico - ou qualquer outro - decidir sozinho sobre qual o paciente/doente 6
mais importante que o outro, ou qual a vida que deve ser prolongada. Alem disso, a
pratica constitui homicidio.
Os argumentos a "favor" da eutanasia sao raciocinios que participam na defesa da
autonomia absoluta de cada ser individual, na alegacao do direito a autodeterminacao,
direito a escolha pela sua vida e pelo momento da morte, como tambem atenderia aos
'8 PESSINI, Leo; BARCHIFONTAINE, Christian de Paul. Bioetica: do Principialismo a busca de uma
perspectiva latino-americana. In: COSTA, Sergio Ibiapina Ferreira; OSELKA, Gabriel; GARRAFA, Volnei.(Orgs.). /#;.cJ.c7fGo a BJ.oe'/J.ca. Brasilia: Conselho Federal de Medicina, 1998. p 91 -98.
1.,€
38
interesses do paciente de morrer com dignidade, como lembra Dworkin]9. Uma defesa
que assume o interesse individual acima do da sociedade que, nas suas leis e c6digos,
visa proteger a vida. Eutanasia nao defende a morte, mas a escolha pela mesma por parte
de quem a concebe como melhor opgao ou a tinica.
Por6m, a escolha pela morte nao podera ser irrefletida. As componentes biol6gicas,
sociais, culturais, econ6micas e psiquicas tern que ser avaliadas, contextualizadas e
pensadas, de forma a assegurar a verdadeira autonomia do individuo que, alheio de
influencias exteriores a sua vontade, certifique a impossibilidade de arrependimento.
Enquanto os argumentos "contra" a Eutanasia, desde os religiosos, eticos ate os
politicos e sociais. Do ponto de vista religioso a Eutanasia e tida como uma usurpagao
do direito a vida humana, devendo ser urn exclusivo reservado ao "Criador", ou seja, s6
Ele pode tirar a vida de alguem. "A Igreja, apesar de estar consciente dos motivos que
levam a urn doente a pedir para morrer, defende acima de tudo o carater sagrado da
vida,[...]" (Pinto, Susana; Silva, Florido, 2004, p.37).
No aspecto politico e social, os que se op5em a pratica da eutanasia sustentam que
e clever do Estado preservar a todo custo a vida humana, que e o bern juridico supremo.
0 poder ptlblico esta obrigado a fomentar o bern-estar dos cidadaos e a evitar que sejam
mortos ou colocados em situagao de risco. Eventuais direitos do paciente estao muitas
vezes subordinados aos interesses do Estado, que obriga a adocao de todas as medidas
visando o prolongamento da vida do doente, ate mesmo contra a sua vontade.
0 medico, a seu turno, por quest6es eticas, deve, cumprindo o juramento
hipocratico, assistir o paciente, fornecendo-lhe todo e qualquer meio necessario a sua
subsistencia. . Pois, se a eutanasia for aceita como urn ato medico, os medicos e outros
profissionais terao tambem a tare fa de causar a morte. A participacao na eutanasia nao
somente alterara o objetivo da atencao a sadde, como podera influenciar, negativamente,
a confianca para com o profissional, por parte dos pacientes. A Associagao Mundial de
Medicina, desde 1987, na Declaragao de Madrid, considera a eutanasia como sendo urn
procedimento eticamente inadequado.
'9 DWORKIN. Ronald. E/ c/o"!'#j.o c7e /a v;.c7cr: una discusi6n acerca del aborto, la eutanasia y la libertad
individual. Barcelona: Editorial Ariel,1994. p. 248-252.
39
5 A EUTANASIA E AS RELIG16ES
A eutanasia e valorada de diferentes formas, nas mais diversas religi6es, como se
podera concluir a seguir.
5.I Re]igiao Cat6]ica
A Igreja Cat6lica, em 1956, posicionou-se de forma contraria a eutanasia por ser
contra a "lei de Deus". 0 Papa Pio XII, numa alocugao a medicos, em 1957, aceitou,
contudo, a possibilidade de que a vida possa ser encurtada como efeito secundario a
utilizagao de drogas para diminuir o sofrimento de pacientes com dores insuportaveis,
por exemplo. Desta forma, utilizando o principio do duplo efeito, a intengao 6 diminuir a
dor, porem o efeito, sem vinculo causal, pode ser a morte do paciente.
A posigao da Igreja Cat6lica em relag5o a eutanasia tern sido expressa nas
declarac6es papais e outros documentos, partindo-se da prescri¢ao normativa fnsita nos
dez mandamentos "nao mataras", como se observa adiante:
Toda forma de eutanasia direta, isto e, a subministragao de narc6ticos paraprovocarem ou causarem a morte, 6 ili'cita porque se pretende dispordiretamente da vida. Urn dos princfpios fundamentais da moral natural e cristae que o homem n5o e senhor e proprietario, mas apenas usufrutuario dedisposieao direta que visa a abreviaeao da vida como fim e como meio. Naship6teses que vou considerar, trata-se unicamente de evitar ao paciente doresinsuportaveis, por exemplo, no caso de cancer inoperavel ou doengassemelhantes. Se entre o narc6tico e a abreviacao da vida nao existe nenhumnexo causal direto, e se ao contrario a administraeao de narc6ticos ocasionadois efeitos distintos: de urn lado aliviando as dores e de outro abreviando avida, serao licitos. Precisamos, por5m, verificar se entre os dois efeitos hauma propor¢ao razoavel, e se as vantagens de urn compensam as desvantagensdo outro. Precisamos, tambem, primeiramente verificar se o estado atual daciencia nao permite obter o mesmo resultado com o uso de outros meios, nao
40
podendo ultrapassar, no uso dos narc6ticos, os limites do que for estritamentenecessario. (Papa Pio X112°, em ]956).
A Constituicao Pastoral Gcrc4c7z.#m e/ Spes (n. 27) preceitua: "Tudo o que 6 contra
a vida, como o homicidio, o genocidio, o aborto, a eutanasia e o suicfdio voluntario
[...] sao coisas verdadeiramente vergonhosas [...]". (grifo nosso)
Para o Papa Paulo VI: "A vida humana deve ser absolutamente respeitada:
como no aborto, eutanasia e homicfdio". (grifo nosso)
Declaracdo sobre a eutandsia da sagrada congregacdo para a doutrina da fe,cm 05 de mai.a de /980.. "N5o se pode impor a ninguem a obrigagao derecorrer a Llma tecnica que, embora ja em uso, ainda nao esta isenta de perigosou e demasiadamente onerosa. Na iminencia de uma morte inevitavel, apesardos meios usados, e licito de forma consciente tomar a decisao de renunciar aotratamento que daria somente urn prolongamento precario e penoso a vida,sem contudo interromper os cuidados normais devidos ao doente em casossemelhantes".
Sobre a legalizacao da eutanasia na Holanda, o Vaticano se pronunciou:
"A aprovacao de uma lei que viola a dignidade da pessoa humana e que
coloca os legisladores contra a opiniao ptiblica e urn triste recorde paraHolanda... essa lei contradiz a declara9ao de Genebra de 1948 da associacaomundial de medicos, assim como os principios eticos medicos aprovados por12 pal'ses da Comunidade Europeia em I 987... o primeiro problema que gera alegaliza¢ao da eutanasia tern a vcr com a consciencia dos medicos. De novomos encontramos frente a uma lei do Estado contraria as leis da consciencia decada urn".
Pode-se observar, assim, que a posicao da lgreja Cat6lica e no sentido de que a
obrigagao do medico e tratar do paciente, aliviando a dor e o sofrimento e respeitando
sua dignidade como pessoa humana. Isso implica os procedimentos chamados
ordinarios, como a analgesia, a hidratacao, e a nutricao artificial. 0 mesmo nao se diga
com os "cuidados medicos extraordinarios", de altissimo custo e procedimentos penosos,
como a ventilagao mecanica, a radioterapia e a dialise renal, denominadas "futilidade
medica", pois nao ofereceriam nenhum beneficio ao paciente, constituindo-se no que
passou a chamar recentemente de distanasia, ou simplesmente encarni¢amento
terapeutico, ante a manutencao obstinada e precaria de uma vida sem remissao e
redengao.
20 Cf. HORTA, Malcio Palls. Eutanasia: Problemas eticos da morte e do morrer. Bf.oe'/;.ccr, Brasilia, v. I , n. I , p.
27-34,1999.
41
5.2 Religiao Judaica
Para o judaismo, o homem nao tern disponibilidade da vida e do pr6prio corpo,
pertencentes a Deus, que 6 o arbitro. A vida e considerada urn dom de valor infinito e
indivisivel, inexistindo diferenca moral entre a abreviatura desta em longos anos ou
poucos minutos. 0 direito de morrer nao e reconhecido, mas se e sensivel ao sofrimento.
A Halakah, ou seja, a tradigao legal hebraica, 6 contraria a eutanasia. 0 medico 6
visto como urn instrumento de Deus para preservar a vida humana, sendo-lhe defeso
usurpar o direito divino de escolha entre a vida ou morte de seus pacientes. Para
Halakah, a definicao de morte nao deriva exclusivamente dos fatos medicos e
cientificos, que apenas descrevem o aspecto fisiol6gico que observam, mas 6 uma
questao etica e legal, da mesma forma que a fixa¢ao do tempo do 6bito e questao moral
e teol6gica.
Halakah faz, contudo, uma distincao entre o prolongamento da vida do paciente,
que 6 obrigat6rio, e o prolongamento da agonia, que nao o 6. Assim, se o medico esta
convencido que seu paciente podera falecer em tres dias, fica autorizado a suspender as
manobras reanimat6rias e o tratamento nao analgesico.
5.3 Religiao Is]amica
Para a unanimidade das quatro grandes escolas islamicas e ilicita a eutanasia.
A posicao da Escola de Handibal, em relagao a pena a ser aplicada ao infrator, 6 a
de que o consentimento da vitima equivale a rendncia de reclamar a imposicao da pena,
devendo, contudo, responder o algoz, por seus atos perante Deus.
5.4 Religiao Hindu
Embora a Escritura Hindu nao faea referencia expressa a eutanasia, extrai-se de
seu texto a proibi9ao de sua realizaeao, pois que a alma deve sustentar todos os prazeres
e dores do corpo em que reside, embora na india Antiga terem sido prescritas medidas
particulares para por termo a vida de pessoas afetadas por mol6stias incuraveis.
42
5.5 Re]igiao Budista
Para o budismo, nossa personalidade deriva da interagao de cinco atividades: a
atividade corporal, as sensag6es, as percepg6es, a vontade e a consciencia. De todas, a
vontade 6 a mais importante, porquanto repfesenta a capacidade de escolha, de orientar a
consciencia: a morte de algu6m, assim, ocorre quando algu6m nao mais possa exercer
uma vontade consciente, quando seu encefalo perdeu definitivamente a capacidade de
viver, quando o tiltimo traco de atividade eletrica o abandonou.
0 sofrimento tern grande importancia no pensamento de Buda: as Quatro Verdades
Nobres para obter a Iluminaeao sao sua verdadeira causa.
Destarte, a eutanasia ativa e a passiva podem ser aplicadas em numerosos casos,
admitindo o budismo que a vida vegetativa seja abreviada ou facilitada.
5.6 Diverg6ncias doutrinf rias
Na doutrina ha urn intenso debate acerca da eutanasia, dentre os quais pode-se citar
o pensamento dos seguintes autores:
Enrico Morselli2' publicou em 1923 urn livro intitulado "A Morte Piedosa". Nele,
Morselli acha duvidoso e inseguro o conceito de incurabilidade, considerando de pouco
valor psicol6gico e juridico o consentimento e a piedade. Repudia a eutanasia, dizendo:"uma humanidade verdadeiramente superior pensaraem prevenir o delito e a
enfermidade, nao em reprimi-lo com sangue, nem em curar a dor com a morte". Em sua
definigao a eutanasia "6 aquela morte que algu6m da a uma pessoa que sofre de uma
enfermidade incuravel, a seu pr6prio requerimento, para abreviar a agonia demasiado
longa ou dolorosa".
Jimenez de Asda, numa das mais importantes analises sobre o assunto, em sua obra"Libertad de Amar Y Derecho a Morir", refuta a impunidade da eutanasia, concordando,
entretanto, com o perdao judicial.
2` MOB;SELL1. Emieo. L'uccisione pietosa (l'eutandsia) in raporlo alla medicina, alla morale ed all'eugenica,
Turim: Bocca,1923. p. 358 -370
43
Anibal Bruno22, tecendo considerag6es acerca do consentimento do ofendido,
afirma: "realmente se a lei incrimina o auxilio ao suicidio, com melhor razao punira o
matador, mesmo quando atua com o consentimento da v{tima".
Magalhaes Noronha23, outro penalista brasileiro, tamb6m se manifesta contrario a
eutanasia, aduzindo que nao existe direito de matar, nem o de morrer, pois a vida tern
funcao social. A missao da ciencia, segundo o douto penalista, nao 6 exterminar, mas
lutar contra o exterminio.
Roberto Lyra24, mos "Comentarios ao C6digo Penal", mostra-se adversario da
eutanasia, e argumenta ironicamente: "amanha, ao lado do homicidio piedoso, viriam o
contrabando piedoso, o rapto piedoso, o furto piedoso. Nao dizem ja os ladr6es que
aliviam suas vitimas?".
Nelson Hungria, talvez o mais fervoroso dentre os adversarios da eutanasia no
Brasil, prefaciando o livro "Direito de Matar" de Evandro Correa de Menezes25,
manifesta-se, de maneira brilhante, radicalmente contra a pratica eutanasica. Afirma ele
que o problema nao suscita discuss6es juridicas, devendo ser tratado, exclusivamente,
como tema pr6prio dos estudos relativos a morbidez ou inferiorizagao do psiquismo, ou
seja, na 6rbita da psicologia anormal. Refere-se a monografia "EI Respecto A La Vida",
publicada por Garcia Pintos, no qual repudiava a permissao da eutanasia, consagrada no
C6digo Penal Uruguaio. Segundo Garcia Pintos, cuja opiniao e ratificada por Nelson
Hungria, o homicida eutanasico nao tern por m6vel, conforme se proclama, a piedade ou
compaixao, mas o prop6sito, m6rbida ou anormalmente egoistico, de poupar-se ao
pungente drama da dor alheia. Afirma Hungria: "a verdadeira, autentica piedade,
sentimento de equilibrado altruismo, nao mata jamais. 0 que arma o brago do executor
da morte boa e o seu psiquismo an6malo". Seria o que Hungria chama de angdstia
paroxistica, segundo o qual somente as pessoas sujeitas a estados superagudos de
angtistia sao capazes do gesto eutanasico, que os alivia do pr6prio sofrimento diante do
sofrimento de outrem. Hungria diz ainda que, analisado este aspecto, torna-se clara a
falsidade da eutanasia "que, de elegante questao juridica, reduz-se a urn assunto de
psiquiatras".
22 BRUNO, Anfbal. D;.re/./a Pe#¢/. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,1967. p.101-104.23 NORONHA, E. Magalhaes. Df.re;./o Pe#cr/. 21. ed. Sao Paulo: Saraiva, 1986. v. 2. p. 51.24 LYRA, Roberto. Comentarios ao C6digo Penal. Vol.11, Rio de Janeiro: Forense,1958.25 MENEZES, Evandro Correa de. Direito de Matar. Rio de Janeiro: Biblioteca Juri'dica Freitas Bastos, 1977.
44
Afranio Peixoto, citado por Ribeiro Pontes (C6digo Penal brasileiro, 2. ed., Guaira,
1° v., p. 203), referiu-se a eutanasia com estas palavras: "A etica medica se recusa por
tradieao de seu sacerd6cio, #o# #ocere, e pela confianca no progresso cientifico, a
admiti-la, pois doencas incuraveis e mortais, ainda ontem, sao hoje vitoriosamente
combatidas".
Binding e Hoche escreveram que deveria ser oficialmente reconhecido o direito de
matar os individuos desprovidos de valor vital ou mental. Justificavam a eliminagao em
nome da sociedade, conforme se verifica na obra intitulada A autorizaeao para
exterminal zLs vidas sem va,lot vital (Die Freigabe der Vernichtung lebensunwerten
fcbe#s, Leipzig, Felix Meiner,1920).
Giuseppe Del Vecchio26 escreveu urn artigo, em 1926, sustentando o
consentimento para justificar o homicidio piedoso e, em 1928, publicou o livro "Morte
Benefica" (sob os aspectos 6ticos, religiosos, sociais e juridicos), circunscrevendo os
limites da eutanasia como "faculdade" do "agente eutanalista", diante dos casos sem cura
e mediante "reiterado e indubitavel pedido do agonizante" concluindo: "que aquele que,
sob o pedido do moribundo, abrevia a este os sofrimentos de uma agonia fisica e
psiquica atroz, executa uma agao que nao constitui crime".
Ariosto Licurzi27 defendeu calorosamente a eutanasia com argumentos 16gicos, em
seu livro "0 Direito de Matar (Da Eutanasia a Pena de Morte)". Demonstra claramente
seu ponto de vista nestas palavras:
[...I a dltima vit6ria da Medicina - frente a sua impotencia cientifica -quandoe impossivel triunfar sobre o mal incuravel, sera adormecer o agonizante natranquila sonolencia medicamentosa que leva ao letargo e a morte total,suavemente. Sera uma bern triste vit6ria, em verdade, porem, por seuconteddo de altruismo, sua profunda generosidade humana, chega a adquirir ovalor das vit6rias espirituais de uma religiao.
Ja Evandro Correa de Menezes em seu livro "Direito de Matar" coloca-se em
posicao favoravel a eutanasia, ele defende a isencao de pena daquele que mata sob
auspicios da piedade ou consentimento, tambem afirma, discordando de Asda, que nao
basta o perdao judicial, seu desejo e de que a lei declare expressamente a admissao da
eutanasia, que nao seria urn crime, mas, pelo contrario, urn clever da humanidade.
26 DEL VECCHIO, Giuseppe. Mor/e Be#e//.ccr. Turin, Bocca, I 926. p 27-3427 LICURZI, Ariosto. Derecfoo cJe rna/¢r. Buenos Aires : Ateneo, 1934. p. 254 -262.
45
Para encerrar de vez o assunto, fica absolutamente claro que, antes de discutir o
tema em termos racionais, 6 indispensavel firmar dois pontos: qual o significado que se
esta adotando para o termo eutanasia naquela discussao em particular? E qual o conceito
de morte que se esta firmando nessa discussao?
Por outro lado, vale esclarecer que a 6tica m6dica e circunstancial, casufstica e
exige, com freqtiencia, uma decisao especifica para aquele momento, ou seja, cada caso
6 urn caso, com sua particularidades e peculiaridades, nao obstante a necessidade de
regras gerais de conduta, como elementos de orientaeao.
A prop6sito do assunto, Jean Crosnier, do Hospital Necker de Paris, em debate ha
18 anos sobre o assunto em Gen6ve dizia: "ate onde os medicos podem (devem) chegar?
Onde esta o limite em que 5 suspensa a terapia razoavel e comeea a obstinacao irracional
(aquilo que n6s chamamos de "furor terapeuticus")? i impossfvel formular normas.
Cada medico deve resolver o problema de acordo com sua escolha (embora balizado
pelas regras do conhecimento). Como se sabe nao existem modelos, mas casos e doentes
e cada urn deles 6 urn problema em particular. Com esse doente decide-se continuar a
luta porque ha uma possibilidade de veneer, com aquele outro, pelo contrario, o
coeficiente de possibilidade pode parecer demasiado tenue ou nulo, para autorizar a
infligir-lhe indiscriminadamente maiores sofrimentos.
46
6 PREVISAO JURISPRUDENCIAL QUANTO A EUTANASIA
Na jurisprudencia, citam-se, apenas, alguns ac6rdaos do Tribunal de Justica de Sao
Paulo, reconhecendo a nao-existencia de crime quando a vitima nao morre ou tenta se
matar, sendo, portanto, inadmissivel a tentativa de participacao em suicidio no caso do
artigo 122 do CP (TJSP, RT 531/326). Tambem, o carater comissivo do tipo 6
ressaltado, excluindo-se portanto o crime omissivo (TJSP, RT 491/285).
A doutrina reconhece o chamado "dolo especffico", seja direto ou eventual, e
estabelece que s6 resulta crime quando ocorre o resultado final morte ou lesao corporal
grave. Para a classificagao do crime, exige o exame de corpo de delito previsto no artigo
158 do CPP. E `relevante observar que o paragrafo tinico (inciso 11) do Art.122 do CP
dobra a pena cominada no "caput" do mesmo artigo, quando a vitima tern a resistencia
diminufda por qualquer causa, como 6 usual no caso de pacientes terminais ou idosos.
Disto resulta que a maior parte dos casos nao tern sido levada a julgamento,
certamente por conveniencia dos familiares e por consenso da pr6pria corporagao
m6dica que prefere acobertar os casos havidos freqtientemente no meio hospitalar. Uma
prova disso sao as cada vez mais freqtientes ordens medicas DNR28, utilizando-se a
terminologia anglo-sax6nica para pacientes fora de possibilidades terapeuticas (FPT), na
nossa pr6pria terminologia. Nestes casos, nao se aplicam mais as manobras her6icas de
ressuscitarao cardiopulmonar (RCP), tais como massagem cardiaca externa, intubagao,
uso de drogas cardioativas, etc., por estar desaconselhada a pr6pria manutengao da vida,
configurando assim a eutanasia passiva.
Nunca houve nas maiores instancias da Justiga brasileira urn caso de eutanasia.
Levantamento na jurisprud6ncia do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior
Tribunal de Justica (STJ) constatou que jamais essas duas cortes se debruearam sobre o
ZS do not ressucitate -ndo hd possibilidade de ressucitaqdo.
47
tema. 0 Conselho Federal de Medicina (CFM) tamb6m informou nao ter noticias sobre
ag5esjudiciais.
Segundo o CFM, ocorreu apenas o julgamento de urn medico de Santa Catarina
acusado de envolvimento com eutanasia. Sua identidade e mantida em sigilo. Em 2001,
o conselho catarinense puniu-o com censura pdblica em publicagao oficial, mas no ano
passado o CFM o absolveu.
Se dependesse do presidente do STF, Nelson Jobim, a pratica ja poderia estar
liberada. Em 1988, o entao deputado federal Jobim (PMDB-RS) se disse favoravel a
proposta. Hoje, nao da declarac6es, alegando que podera ter de julgar no futuro processo
sobre o tema. Mas afirmou que sua posieao e a mesma. Outros ministros do Supremo
tambem consideram que seria respeito aos direitos humanos permitir a eutanasia. Mas
observaram que isso s6 poderia ser feito mudando-se o C6digo Penal, que a considera
uma forma de homicidio. Para isso, o Congresso teria de aprovar uma excludente de
criminalidade no c6digo.
Todavia, nos tribunais estrangeiros, 6 abundante a jurisprudencia, principalmente nos
Estados Unidos, onde a prczrJ.s m6dica encontra-se sob severo questionamento da sociedade,
sendo estas quest6es levadas com grande freqtiencia a apreciagao das cortes. Deve-se
mencionar que o caso precursor da eutanasia, e talvez da consciencia da importancia da
bio6tica como urn todo, adveio de uma decisao judicial no caso Karen Quinlan, em 1976, no
qunl o desligamento da aparelhagem que mantinha artificialmente a vida vegetativa da
paciente em coma profundo e intemado em estabelecimento hospitalar, a pedido do pai e em
nitida discordancia com a equipe m6dica, ainda conservou a paciente viva por mais de dois
anos, mesmo sem a referida aparelhagem. A decisao da Corte baseou-se na analise conjunta
dos seguintes quesitos: Existe urn direito de interromper o tratamento medico?; Quais os
tipos de tratamentos que podem ser interrompidos? Em que tipo de pacientes eles podem
ser interrompidos? Quem 5 competente para tomar esta decisao? Quais sao os criterios
adequados para justificar a interrupgao do tratamento?
As conclus6es foram as seguintes:
a) A Corte de New Jersey reconheceu que o direito a privacidade incluia o direito
de recusar tratamento medico e reconheceu este direito para os pacientes incompetentes.
48
b) Foi tamb6m reconhecido que este direito se aplicava aos aparelhos de suporte
vital artificial.
c) A Corte deliberou que os pacientes mos quais nao fosse possivel jamais o retorno
a uma existencia cognitiva e sapiente, conforme a avalia¢ao da comissao de 6tica
hospitalar, poderiam ser candidatos a este procedimento
d) Foi ainda decretado que, preferivelmente, o parente mais proximo na funcao de
garantidor, no caso seu pai, era competente para tal decisao, nao dependendo de recurso
judicial posterior.
e) Finalmente, o Tribunal nao determinou qualquer criterio padrao para interrup¢ao
do tratamento, mas considerou que, no caso concreto, haviam sido utilizados recursos
medicos "extraordinarios".
Desde entao, multiplicam-se os casos na jurisprud6ncia americana baseada no
direito dos costumes, ora reconhecendo o direito de pacientes competentes de recusarem
tratamento medico (Lane x Candura, 1978; Satz x Perlmutter, 1980; Bartling x Corte
Suprema,1984; Tune x Hospital Walter Reed,1985; Bouvia x Corte Suprema,1986; In
re Farell, 1987), ora o direito de pacientes incompetentes que Cram previamente
competentes para recusarem tratamento medico (in re Eichner (Brother Fox), 1981;
Hospital Kennedy x Bludworth, 1984; Brophy x Hospital New England Sinai, 1986; in
re Peter, 1987), ora reconhecendo o direito de pacientes incompetentes que Cram
previamente competentes sem preferencias explicitas para recusarem tratamento medico
(in re Dinnerstein. 1978; in re Spring, 1979; Braber x Corte Suprema, 1983; in re
Conroy, 1985; Corbett x D'Alessandro, 1986; in re Jobes,1987), ora reconhecendo o
direito de pacientes incompetentes que nunca foram competentes de recusarem
tratamento medico (Superintendente de Belchertown x Saikewicz, 1977; in re Hamlin,
1984).
Todavia, diante das conflitantes legislac6es estaduais americanas, algumas
consentindo a pratica legal da eutanasia baseada mos direitos constitucionais assegurados
(Oregon e California), outras a proibindo formalmente, a Suprema Corte Americana
deliberou por unanimidade, no primeiro pronunciamento desta natureza, em sdmula de
26/6/97, que o suicidio assistido por medico nao 6 urn direito fundamental assegurado
49
pela Constituigao dos Estados Unidos, portanto proibindo aos Estados de legislarem
sobre o assunto em pauta.
-ird`,.
50
7 BIOETICA E A EUTANASIA
A Bioetica e entendida como: "o estudo sistematico da conduta humana na area das
ciencias da vida e dos cuidados da sadde, na medida em que esta conduta e examinada a
luz dos valores e principios morais"29.
As relae6es entre a Bioetica e o Direito sao dinamicas e interpenetradas, uma em
face do outro. Desta maneira, os valores fundamentais do Direito combinam-se com as
da Etica, num sentido amplo, estabelecendo limites e contene6es necessarias. Trata-se,
portanto, do Direito novo, do Direito do nosso tempo.
Cabe, portanto, ao Biodireito, baseado mos valores e principios aceitos pela
sociedade e na pr6pria consciencia etica da humanidade, buscar as soluc6es adequadas
para o avanco sempre constante da Biotecnologia.
Modernamente, o melhor entendimento tern se baseado no ponto-de-vista da
Bio6tica, basicamente em quatro pontos fundamentais, a saber:
Em primeiro lugar, no principio da autonomia ou livre arbitrio do ser humano
como justificativa da eutanasia; aqui se reconhece a inexistencia de uma vida satisfat6ria
para todos os individuos, coexistindo uma pluralidade de tipos de vida, dando origem a
diferentes criterios pessoais de uma vida boa e dtil. Da mesma maneira que se e
aut6nomo para escolher o tipo de educa€ao, de opeao sexual, formacao de urn ndcleo
familiar, carreira profissional, emprego e objetivos de vida em geral, estaria
compreendida aqui tambem a maneira de morrer de cada individuo, em particular.
Assim, a deliberacao de recusar tratamento medico quando este estiver em evidente
conflito com as perspectivas de uma vida boa e titil parecem justificadas sob esta 6tica.
29 LEPARGNEUR, Hubert -Fonga e Fraqueza dos Principios da Bioetica. Bioetica -v.4 n° 2 -Brasi'Iia, Conselho
Federal de Medicina,1996, p.16.
51
Este 6 o principio que rege predominantemente as relac6es medico-paciente nos paises
de cultura anglo-sax6nica, valorizando o consentimento esclarecido como pre-requisito
basico da autodeterminaeao e da autonomia individual de consentir ou nao na realizacao
do ato medico.
Em segundo lugar, o principio da beneficencia que interessa particularmente os
medicos, configura-se como uma permissao, e mais ainda, como urn ato de humanidade
e uma obrigacao moral de confortar e aliviar a dor daqueles pacientes terminais para os
quais nao resta mais nenhuma esperan¢a de vida; desde tempos imemoriais, este
procedimento estaria, portanto, previsto na prorj.I medica, apesar do juramento
hipocratico que impedia este ato medico bastante usual na contingencia das indmeras
enfermidades das quais a ciencia praticada na Gr6cia Antiga desconhecia os mecanismos
intrinsecos, bern como possiveis tratamentos ou curas eficazes. Tal principio se destaca
principalmente na cultura latina, valorizando o papel do medico de protegao e etica
cuidadora e paternalista, sempre voltada para o bern do paciente.
Em terceiro lugar, sob o aspecto 6tico e do principio da justica, nao haveria
absolutamente diferenca entre as duas formas principais de eutanasia, a ativa e a passiva,
isto e, desde que o fim a ser atingido fosse o mesmo, ou seja, a morte do paciente. Pouco
importaria se o medico interrompesse voluntaria e conscientemente os tratamentos em
curso capazes de manter artificialmente a vida, ou se de utilizasse determinadas drogas
que pudessem diretamente abrevia-la; moralmente, nao haveria diferenca significativa
entre as duas condutas que seriam igualmente aceitaveis e/ou desejaveis;
0 argumento final e de maior relevancia social esta relacionado a formulagao de
uma politica de satide ptiblica que contemple a legalizaeao desta pratica sob
determinadas circunstancias, embora restrita a condic6es especialissimas, conforme ja se
verifica hoje, oficiosamente, em numerosas instituig6es hospitalares, onde ordens
medicas do tipo DNR (c7o #o/ ress#cj./cz/e), ou seja, a nao aplicacao de manobras de
ressuscitarao cardiopulmonar mos casos de parada cardiaca para pacientes FPT (fora de
possibilidades terapeuticas) ja constituem urn lugar comum observado por toda a equipe
medica.
Paralelamente, se discutem numerosos pontos de debate conflitantes em relagao a
eutanasia. Fundamentalmente, sob a 6tica dos direitos humanos, contrap6e-se a
52
indisponibilidade geral da vida humana, tal como os nticleos da pr6pria liberdade
individual (aboligao do trabalho escravo) e da igualdade entre os homens, sem distingao
de cor, raga ou sexo, bern como os mesmos argumentos que conduziram a aboligao da
pena capital em quase todas as legislag6es das sociedades contemporaneas.
Haveria, ainda, uma modificacao do conceito basico global do papel representativo
do profissional medico como agente da cura, podendo tal pratica, quando generalizada,
interferir profundamente mos cuidados extremos dispensados ao paciente grave e/ou
terminal, e violentar a pr6pria essencia da medicina como ciencia destinada aliviar os
sofrimentos e tratar as doencas. Pode-se argumentar que este tipo de conduta quebraria a
confianga da relacao medico-paciente, cabendo a este colocar em dtivida as reais
intenc6es do seu suposto benfeitor.
Alem disso, ao contrario do suicidio que e juridicamente irrelevante e penalmente
aceito, a eutanasia requer a participagao assistida de outra pessoa, no caso o medico,
como co-autor de urn ato ilicito.
Como argumento final citado por parte da corporagao medica, ha que se ter em
conta a intromissao indevida de agentes policiais, al6m de advogados, promotores e
magistrados que, na intencao de promover e salvaguardar a vida e os direitos humanos,
poderiam vir a interferir na relacao medico-paciente, exercendo urn controle externo
inaceitavel do ato medico, e obstaculizando a correta pratica medica, desviando a boa e
consagrada prczxj.s m6dica dos seus rumos atrav6s da imposigao de limitac6es a pr6pria
evolucao do conhecimento cientifico.
53
8 RELATOS DE CASOS DE EUTANASIA
Na publicagao "Vidas em Revista", de 08 de mar¢o de 2004, foi publicada uma
reportagem onde urn cirurgiao, Carlos Alberto de Castro Cotti, de Sao Paulo, relatou ter
realizado varias eutanasias, inclusive involuntarias, em seus pacientes, desde 1959.
8.I Primeiro re]ato -1959
Urn paciente com ictericia, que nao conseguia se alimentar e recebia alimentagao"artificialmente". 0 paciente tinha dores e recebia morfina. "Era urn absurdo mante-lo
vivo naquelas condic6es", afirmou o cirurgiao.
8.2 Segundo relato -1964
Urn paciente com metastases cerebrais, pulmonares e intestinais generalizadas.
Quando as metastases 6sseas o atingiram a dor era "violenta".
8.3 Terceiro re]ato - sem data especificada
Urn paciente com carcinomatose, com bloqueio de rim. "Foi muito triste porque
era meu amigo, tinha 52 ou 54 anos".
8.4 Quarto relato - sem data especificada
Uma paciente com idade entre 65 e 68 anos foi operada quatro vezes em dois anos.
Na primeira vez foi feita uma jejunostomia. No inicio ela tinha 70 kg, ap6s a quarta
cirurgia, quando teve uma perfuracao intestinal devida a carcinoma, teve uma peritonite,
ja estava com apenas 25 kg. Nesta ocasiao o cirurgiao da paciente solicitou ao medico
que relatou o fato, que fizesse uma injecao de "Ml" (solu¢ao a base de fenergan,
morfina e outras substancias) na paciente. Isto foi feito na pr6pria residencia da
54
paciente, ap6s ter sido comunicado aos filhos. "Eu fui buscar a medicacao e n6s dois
colocamos no soro. Ficamos aguardando, conversando, por que n6s resolvemos que
deveriamos estender o mais que pudessemos o sono, porque a paciente estava muito
consciente. E foi feito". Uma das rep6rteres perguntou se a paciente sabia a havia
concordado com o procedimento. A resposta foi a seguinte: "Ela sabia que nao podia
mais ser operada, mas nao sabia que ia receber o"M1 ". Quem decidiu isso foi a familia."
Segundo relatos do Jomal Folha de Sao Paulo, de 20 de fevereiro de 2005, medicos
revelam que eutanasia e pratica habitual em UTls do pats, veja a reportagem na integra:
Apesar de ilegal, a eutanasia --apressar, sem dor ou sofrimento, a morte deurn doente incuravel-- e ato freqfiente e. muitas vezes, pouco discutido nasUTls de hospitals brasileiros. Dezesseis medicos ouvidos pela Folhaconfirmam que hoje o procedimento 6 comum e veem a eutanasia comoabrevia¢ao do sofrimento do doente e da sua familia.Entre eles, ha quem admita raz6es mais praticas, como a necessidade de vagana UTI para alguem com chances de sobrevivencia, ou a pressao. na medicinaprivada, para diminuir custos.Ha move ahos, quando a "boa morte" foi proposta por meio de projeto de leino Senado, houve debate, e medicos relataram com destaque o dia em quealiviaram o sofrimento de pacientes.A proposta caducou, mas ainda discute-se o assunto por meio do projeto dereforma de C6digo Penal, que se arrasta na Camara.Nos conselhos regionais de medjcina, a tendencia e de aceitacao da eutanasia,exceto em casos esparsos de desentendimentos entre familiares sobre a horade cessar os tratamentos."Vamos deixa-]o descansar". i assim que o medico avisa a familia e da in{cio
ao tim do sofrimento, diz o infectologista Caio Rosenthal, urn dos conhecidosdefensores da eutanasia quando nao ha mais recursos de tratamento.Medicos e especialistas em bio6tica defendem, na verdade, urn tipo especi'ficode eutanasia, a ortotanasia, que seria o ato de retirar equipamentos oumedicac6es que servem para prolongar a vida de urn doente terminal. Aoretirar esses suportes de vida, mantendo apenas a analgesia e tranqtiilizantes,espera-se que a natureza se encarregue da morte.Difere, portanto, da chamada eutanasia ativa, em que ha agao direcionadapara matar, como a administracao de urn veneno, como em "Mar Adentro", doespanhol Alejandro Amenabar, concorrente ao Oscar de filme estrangeiro eque estreou neste fim de semana em Sao Paulo.Para o patologista Marcos de Almeida, e hipocrisia negar que a eutanasia seja
praticada em UT]s brasileiras, onde e frequentemente uti]izado urn coquetelde sedativos batizado de Ml. "i feito de monte. 0 doente esta em faseterminal, nao se beneficia mais com a analgesia, o medico vai e aumenta adose de sedacao. Isso tern urn efeito t6xico e vai levar o paciente a morte."
Ainda segundo Almeida, professor de bioetica da Unifesp (Universidade Federal
de Sao Paulo), a palavra eutanasia ficou estigmatizada, e as pessoas tern medo de usa-la.
Ele acha necessario que uma legisla¢ao estabeleca criterios e condutas 6ticas para uma
morte sem sofrimento. "A morte e urn preco que merece ser pago para o alivio da dor.
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Urn medico intensivista de Sao Paulo que nao quis se identificar relata que teve de
tomar a decisao sobre a eutanasia durante urn plantao, sozinho: "Tinhamos urn jovem de
18 anos baleado que precisava de terapia intensiva. A UTI estava lotada e havia urn
doente terminal mantido vivo gracas a suporte tecnol6gico. Nao tive dbvida" Ele
diminuiu o nivel do aparelho que fazia o paciente respirar de forma artificial. A pessoa
morreu algumas horas depois.
0 medico intensivista Jos6 Maria Orlando, presidente da Associacao de Medicina
Intensiva Brasileira, porem. nega que a eutanasia seja freqfiente nas UTls.
De acordo com Orlando, hoje, com a tecnologia dos aparelhos de suporte de vida,
como o respirador artificial, fica praticamente indefinido o tempo pelo qual e possivel
manter tecnicamente vivo urn doente em estado terminal.
Em razao de a eutanasia ser considerada crime, ele diz que os medicos ficam
reticentes entre deixar que pacientes sobrevivam nessa condigao ou retira-los dela para
que morram brevemente. "0 medico se ve sob a espada da Justiga".
No Estado de Sao Paulo, uma lei sancionada pelo entao governador Mario Covas
estabelece o direito de urn doente terminal recusar o prolongamento de sua agonia e
optar pelo local da morte. Covas, que morreu com cancer na bexiga, beneficiou-se dessa
lei.
Segundo Marco Segre, professor de etica da Faculdade de Medicina da USP, a
tendencia 6 de aceitaeao da eutanasia em situap6es de doencas incuraveis. "A tendencia
e de nao manter a vida a todo custo. Mas nao podemos ir contra a lei", afirma Segre.
Na opiniao do padre Leo Pessini, especialista em bioetica, a tecnologia existente
nas UTls transforma os pacientes terminais em "cadaveres vivos". Pessini foi durante 12
anos capelao do HC de Sao Paulo. Atendeu a centenas de pacientes terminais que diziam
preferir uma morte digna. Prolongar artificialmente a vida tambem tern urn custo alto
para o sistema ptiblico, carente de vagas na UTI. Orlando diz que ha pelo memos urn
paciente terminal em cada uma das 1.440 UTls do pals.
Em relacao a etica m6dica, veja reportagem no Jornal Folha de Sao Paulo, de 04 de
julho de 2005, em que o CRM afirma que a eutanasia nao vai de encontro a ela:
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Uma nova resolucao do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estadode Sao Paulo) considera etico limitar ou suspender procedimentos que
prolonguem a vida do doente incuravel em fase terminal. Para advogadoscriminalistas, a medida nao tern forca de lei e nao isenta o medico de umaacao penal por eutanasia.
A norma do conselho, ainda nao publicada, foi colocada para consulta pdblica no
site do Cremesp. Para que possa vigorar, deve ser submetida a plenaria do 6rgao, que
sera realizada no inicio do proximo mss.
De acordo com a resoluc5o, a decisao medica de suspender os procedimentos que
mantem vivo o doente` como a respiracao artificial. devera respeitar a vontade do
paciente ou. na sua impossibilidade, a do seu representante legal.
A norma tamb5m preve que o doente ou sua familia seja informado sobre as
conseqtiencias da suspensao ou da continuidade dos procedimentos e tratamentos que
permitem o prolongamento da vida do paciente. A decisao deve ser registrada no
prontuario medico do doente.
A resolucao nao se refere a eutanasia ativa, que ocorre quando o medico provoca a
morte do paciente, pela administracao de medicacao, por exemplo.
Para o advogado criminalista Jos6 Luf s Oliveira Lima, a resolugao elaborada pelo
Cremesp fere a legislacao penal.
"Apesar de na pratica m6dica [a eutanasia] ja existir, essa resolucao nao isenta o
medico ou o familiar que autorizar a suspensao do tratamento de responder a uma agao
penal por eutanasia", defende Lima.
A avaliagao da advogada Marcia Regina Machado Melar6, vice-presidente da
OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em Sao Paulo), vai a mesma linha: "A
eutanasia nao e autorizada por lei. A resolucao nao tern respaldo legal", diz a advogada.
Porem, ela afirma que, pessoalmente, fica feliz com essa medida do Cremesp
porque compartilha a ideia de que a vida tern de ser digna ate o fim. "0 tratamento futil
6 indigno".
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8.5 Di]ema a respeito da eutanasia
Na avaliacao do medico Reinaldo Ayer de Oliveira, conselheiro responsavel pela
resolucao, a meta e enfrentar urn dos principais dilemas eticos vividos pelo medico:
como proceder diante de urn paciente terminal?
"Nao mos cabe mudar a lei. Mas podemos dizer ao medico que determinado
comportamento nao 6 considerado antietico", explica.
De acordo com Oliveira, a consulta pdblica - a primeira do genero ja feita pelo
Cremesp - sera o term6metro para saber o que a sociedade pensa a respeito dessa decisao
do conselho.
A polemica nao para por a£: a norma do Cremesp tambem considera etico que o
medico suspenda todos os procedimentos que mantenham o funcionamento de 6rgaos
vitais de urn doente com morte encefalica que nao seja doador de 6rgaos. Atualmente, a
legislaeao s6 permite essa atitude em casos de pacientes doadores de 6rgaos.
"Hoje, o medico tern medo de aceitar que ali existe uma pessoa morta. Isso leva
muitas pessoas a viverem em estado vegetativo".
8.6 Cuidados pa]iativos a serem adotados face a eutanf sia
0 Conselheiro do Cremesp diz que, qualquer que seja a decisao do paciente ou da
familia, o doente devera continuar recebendo todos os cuidados necessarios para aliviar
o seu sofrimento. "0 medico nao vai abandonar o paciente".
Tao logo a resolueao seja publicada, 6 objetivo do Cremesp lan€ar urn manual
sobre os cuidados paliativos e as normas que as clinicas que ja desenvolvem esse tipo de
trabalho devem seguir.
Para a medica Maria Goretti Maciel, presidente da Academia Nacional de
Cuidados Paliativos, a resolucao do Cremesp deveria conter mais detalhes como a
definicao do que 5 considerado urn estagio terminal e os m6todos de seda¢ao indicados
para os pacientes que estejam nessa situacao.
i`.
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Ela afirma que sao conhecidos na area medica os coqueteis de sedativos que
dopam o paciente. "0 M1, por exemplo, abrevia a vida do doente, tirando-lhe a
oportunidade de viver seus dltimos dias consciente, ao lado da familia".
Na dltima quinta-feira, foi realizada uma reuniao no Cremesp para discutir a
resolu¢ao.
Na opiniao da pesquisadora Maria Jdlia Kovacs, do Laborat6rio de Estudos sobre a
Morte, do lnstituto de Psicologia da USP (Universidade de Sao Paulo), a resolucao do
Cremesp 6 bern-vinda.
A medida, diz Kovacs, podera evitar que certos procedimentos adotados na UTI
continuem sendo "verdadeiras torturas" para o paciente terminal".
CONCLUSAO
Diante do exposto, sem pretens5o de me posicionar definitivamente sobre o instituto em
questao, deixo as argumentac6es acima expostas para uma analise com objetivo de urn possivel
posicionamento por parte de quem se interessar pelo assunto.
Polem, deve ser ressaltado que, no referente a ortotanasia, forma de suspensao dos meios
artificiais de manutencao da vida, a sua pratica nao pode ser considerada ili'cita, pois, messes
casos, ha crit6rios, que precisam ser difundidos para toda a sociedade, ja definidos pela literatura
medica para o diagn6stico da morte encefalica, entao o individuo ja estaria morto pe]o atual
conceito de 6bito.
Tais criterios para aferimento dos estagios de urn paciente terminal deveriam estar
discriminados na norma penal brasileira por quest6es de seguranga 6tico-legal, e para equilibrar a
inclinapao pessoal, o interesse pdblico e a ordem social.
Alem disso, a manutencao de uma vida apenas biol6gica, mantida artificialmente por
aparelhos, sem considerar o sofrimento do paciente e a inutilidade do tratamento, atenta contra o
princfpio da dignidade da pessoa humana, nao se podendo admitir o argumento da
indisponibilidade e santidade da vida.
Observa-se que toda e qualquer analise acerca de temas relacionados a Bioetica devera
contar com opini6es de profissionais de diversas areas do conhecimento humano, analisando toda
situaeao e orientados pelos principios ja consagrados pela disciplina.
i fato que essa discussao nao termina por aqui e, com muita satisfacao, espero ter
contribul'do para o engrandecimento do conhecimento acerca do tema.
REFERENCIAS
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