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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARA FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL MONALISA SALES DA SILVA MULHER CHEFE DE FAMÍLIA MONOPARENTAL – IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS FAMÍLIAS INTEGRANTES DO PROJETO UNIÃO NO BAIRRO JARDIM IRACEMA EM FORTALEZA. FORTALEZA 2014

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARAFACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

MONALISA SALES DA SILVA

MULHER CHEFE DE FAMÍLIA MONOPARENTAL – IMPLICAÇÕES NOPROCESSO DE FORMAÇÃO DAS FAMÍLIAS INTEGRANTES DO PROJETO

UNIÃO NO BAIRRO JARDIM IRACEMA EM FORTALEZA.

FORTALEZA2014

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MONALISA SALES DA SILVA

MULHER CHEFE DE FAMÍLIA MONOPARENTAL – IMPLICAÇÕES NOPROCESSO DE FORMAÇÃO DAS FAMÍLIAS INTEGRANTES DO PROJETO

UNIÃO NO BAIRRO JARDIM IRACEMA EM FORTALEZA.

Monografia apresentada ao Curso de Serviço Socialdo Centro de Ensino Superior do Ceará FaculdadeCearense (FAC), como requisito parcial paraobtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.Orientadora: Prof.ª Ms.Ivna de Oliveira Nunes

FORTALEZA2014

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Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274

S586m Silva, Monalisa Sales da

Mulher chefe de família monoparental – Implicações no

processo de formação das famílias integrantes do projeto união

no bairro Jardim Iracema em Fortaleza / Monalisa Sales da Silva.

– Fortaleza; 2014.

81f. Orientador: Profª. Ms. Ivna de Oliveira Nunes.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Faculdade

Cearense, Curso de Serviço Social, 2014.

1. Trabalho - Gênero. 2. Famílias monoparentais. 3. Chefia

feminina. I. Nunes, Ivna de Oliveira. II. Título

CDU 364

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MONALISA SALES DA SILVA

MULHER CHEFE DE FAMÍLIA MONOPARENTAL – IMPLICAÇÕES NOPROCESSO DE FORMAÇÃO DAS FAMÍLIAS INTEGRANTES DO PROJETO

UNIÃO NO BAIRRO JARDIM IRACEMA EM FORTALEZA.

Monografia apresentada como requisito parcial paraobtenção do grau de Bacharel em Serviço Social,outorgado pela Faculdade Cearense – FAC tendosido aprovada pela banca examinadora, compostapelos professores.Data de Aprovação: ___/___/___.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________Prof.ª Ms. Ivna de Oliveira Nunes

(orientadora)

______________________________________________Prof.ª Ms. Silvana Maria Pereira Cavalcante

(1ª examinadora)

_____________________________________________Prof.ª Ms. Rúbia Cristina Martins Gonçalves

(2ª examinadora)

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Dedico este trabalho a minha mãe, sem você não teria

chegado até aqui. À minha família, que nas lutas da vida é

meu pilar, nas derrotas meus ombros consoladores e nas

conquistas meus fervorosos torcedores.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente não posso me abster de agradecer à Deus, por sentir sua presença

constante em minha vida, principalmente nos momentos mais difíceis ele sempre

indicou o caminho certo, fortaleceu minhas raízes para que fossem sempre firmes

perante as peripécias da vida.

À minha mãe, Ana Maria, minha razão de viver, meu exemplo de mulher corajosa e

guerreira, com quem aprendi a ser forte e lutar sempre pelos meus ideais. Melhor

mãe do mundo, amor que não se explica apenas se sente!

À minha família, que não citarei todos os nomes por ser muito grande, mas saibam

que cada um de vocês é parte significativa nessa conquista, em especial á minha

avó Isolda, minha inspiração diária, aprendo muito com você e agradeço todas as

orações minha vozinha linda a quem eu amo imensamente. Agradeço também ao

meu avô Sales e meu tio Henrique, por terem também contribuído com meu

processo de formação.

Um carinho especial também a minha tia/madrinha que sempre foi como uma

segunda mãe para mim, sempre presente em minha vida, à você minha imensa

gratidão. A minha prima Bárbara que me ajudou quando precisei, e a todos os meus

familiares, sem exceção.

Ao meu namorado, Israel Braga pelo incentivo e paciência, pelas palavras de ânimo

que foram dedicadas a mim, sempre que precisei você também é parte importante

nessa conquista.

As minhas amigas: Priscila Kelly, Carla Lorena, Carla Lúcia, Maria Mayara, Lilian

Rodrigues, Lorena Maria, Liliane Cândido e Danielly Bezerra que direta ou

indiretamente contribuíram para a realização dessa pesquisa.

Um agradecimento especial para minha esplêndida orientadora Ivna Nunes, pela

paciência e pelas palavras de otimismo que não me deixavam desanimar, as quais

dizia sempre: vai dar certo!

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Às mulheres entrevistadas neste trabalho, por terem disponibilizado um pouco do

seu tempo tão precioso para colaborar com esse estudo, deixando para depois seus

afazeres para tornar concreta esta pesquisa. A vocês minha gratidão por terem

contribuído com tanta dedicação para este estudo.

À minha grande amiga Renara Weyla, que mesmo estando distante, sempre me

ajudou muito, me incentivando a continuar sempre, e servindo de exemplo com sua

força e determinação para vencer na vida.

Agradeço também, aos meus professores, por todo conhecimento compartilhado no

decorrer da minha formação, vou guardar cada um de vocês em um lugarzinho

especial no meu coração.

Agradeço imensamente a todas as pessoas que mesmo rapidamente passaram na

minha vida durante todos esses quatro anos de muita dedicação e esforço, e que

deixaram suas marcas no meu coração mesmo que não estejam mais presentes no

meu cotidiano, mas acompanharam e torceram sempre pela minha vitória.

Enfim, agradeço também as pessoas que aqui não foram citadas, seja por

esquecimento ou falta de tempo, saibam que também sou grata a vocês.

Muito Obrigada!

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“Que os vossos esforços desafiem as impossibilidades,

lembrai-vos de que as grandes coisas do homem foram

conquistadas do que parecia impossível”.

(Charles Chaplin)

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RESUMO

Considerando a dinâmica dos arranjos familiares na contemporaneidade e acrescente participação da mulher no mercado de trabalho e no âmbito domésticocomo chefe de família, trazemos como pergunta de partida para nosso estudoidentificar quais as implicações inseridas no processo de formação das famíliaschefiadas por mulheres. Esta pesquisa teve como objetivo analisar os desafioscotidianos inseridos no processo de formação das famílias monoparentais chefiadaspor mulheres integrantes do Projeto União localizado no bairro Jardim Iracema emFortaleza. O estudo foi desenvolvido através da pesquisa qualitativa e tambémquantitativa obtendo informações que permitiram ampliar a compreensão dopesquisador sobre o objeto investigado. Utilizamos como instrumentos de análise aentrevista semiestruturada, com perguntas abertas que foram aplicadas as cincomulheres chefes de família, além da aplicação de um questionário prático e objetivo.Os resultados obtidos revelaram que o perfil dessas mulheres são bem similares,apresentando idade acima de 30 anos, solteiras e com filhos. O cotidiano dessasmulheres é bastante desafiador, sem o auxilio de um parceiro fica mais difícil ocuidado com o lar e os filhos. A dupla jornada de trabalho entre a vida doméstica e otrabalho remunerado fora de casa, apresenta grandes impasses para essasmulheres sozinhas que são responsáveis pelo sustento de seus filhos e amanutenção do lar. As precárias condições de trabalho e a desvalorização salarialdas mulheres também é algo evidente nesse processo de formação das famíliasmonoparentais chefiadas por mulheres explicitando a subalternidade do gênerosobre o sistema capitalista vigente. Contudo, frente a tantos obstáculos, as mulheresentrevistadas superam essas dificuldades e se mostram orgulhosas de suasconquistas e superações, satisfação essa, que mascara as característicasengendradas nessa realidade através da precarização e exploração do trabalhofeminino, a discriminação de gênero, a subalternidade e a submissão vivenciadaspelas mulheres ao longo da construção histórica, fazendo ressaltar a opressão quepermeia a realidade feminina em nossa sociedade.

Palavras-chave: Trabalho. Gênero. Famílias monoparentais . Chefia feminina.

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ABSTRACT

Considering the dynamics of family arrangements in contemporary and theincreasing participation of women in the labor market and in the domestic sphere ashead of household, we bring as a starting question for our study identify theimplications presented in the process of formation of families headed by women.Research is aimed to analyze the daily challenges inserted in the formation of single-parent families headed by women members of the Union Project located in theGarden neighborhood Iracema in Fortaleza. The study was conducted throughqualitative research and quantitative also getting information to advance theunderstanding of the researcher on the study object. Used as semi-structuredinterview analysis instruments, with open questions that the five women heads ofhouseholds were applied, besides the application of a practical questionnaire andobjective. The results revealed that the profile of these women are very similar, withages above 30 years, unmarried with children. The daily life of these women is quitechallenging without the help of a partner is more difficult to care for the home with thechildren. The two work shifts between domestic life and paid work outside the homehas major drawbacks in these single women who are responsible for sustaining theirchildren and household maintenance. The precarious working conditions and wagedevaluation of women is something evident in the process of formation of single-parent families headed by women explicit subordination of gender on the existingcapitalist system. However, faced with so many obstacles, the women interviewedovercome these difficulties and to show proud of their achievements and overruns,this satisfaction, which masks the engineered features that reality throughcasualization and exploitation of female labor, gender discrimination, subordinationand experienced submission by women along the historic building and highlightingthe oppression that permeates the female reality in our society.

Keywords: Work. Genre. Single parents. Leading female.

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO1 - Nível de escolaridade.........................................................................63

GRÁFICO2 - Faixa de Idade....................................................................................64

GRÁFICO3 - Número de filhos.................................................................................66

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Média de horas semanais gastas em afazeres domésticos, total e

pessoas ocupadas, segundo o sexo – Brasil 2009.................................................51

TABELA 2 - Proporção de domicílios particulares permanentes chefiados por

mulheres, segundo localização - Brasil e Grandes regiões 2009...........................52

TABELA 3 - Distribuição percentual dos arranjos de casa com filhos e de pessoas

de referência sem cônjuge com filhos, por idade dos filhos – Brasil

2009........................................................................................................................55

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CF - Constituição Federal

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos

GOLD- Grupo de Oportunidade Local e Desenvolvimento

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

PNAD - Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios

PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego

RMF – Região Metropolitana de Fortaleza

PROUNI – Projeto União

TCC – Trabalho de Conclusão de Curso

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................12

2 A DISCUSSÃO DE GÊNERO E SUA REPERCUSSÃO NO MUNDO DOTRABALHO................................................................................................................22

2.1. Transformações no mundo do trabalho..........................................................22

2.2. Mutação do trabalho no cenário brasileiro....................................................29

2.3. Divisão sexual do trabalho e a luta pela igualdade de gênero.....................32

3 A FAMÍLIA MONOPARENTAL, CHEFIA FEMININA E SEUS REBATIMENTOSNO PROJETO UNIÃO................................................................................................45

3.1. Transformações no contexto familiar..............................................................45

3.2. Famílias monoparentais e a chefia feminina..................................................48

3.3. Projeto União e percalço da pesquisa............................................................56

3.3.1Perfil das mulheres chefes de família monoparental entrevistadas...................61

3.3.2 Ponderações da realidade das famílias monoparentais chefiadas por mulheresintegrantes do Projeto União.......................................................................................64

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................73

REFERÊNCIAS...........................................................................................................76

APÊNDICES................................................................................................................79

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1 INTRODUÇÃO1

No presente estudo temos como objetivo geral analisar os desafios

cotidianos inseridos no processo de formação das famílias monoparentais chefiadas

por mulheres integrantes do Projeto União2 situado na Rua Eretides de Alencar nº

302, bairro Jardim Iracema em Fortaleza.

Partindo deste objetivo, desdobram-se os demais objetivos específicos

almejados em nossa pesquisa: identificar os desafios e perspectivas presentes no

cotidiano das famílias chefiadas por mulheres; caracterizar o perfil das chefes de

família e compreender como se estabelecem as relações sociais no contexto da

família monoparental feminina.

O interesse por discussões que envolvem o gênero feminino sempre foi

algo evidente no meu cotidiano, até mesmo antes de ingressar no curso de Serviço

Social da Faculdade Cearense minha realidade sempre foi cercada de feminilidade,

considerando o fato de existirem muitas mulheres entre os membros de minha

família, a maioria mães solteiras e chefes de seus lares.

Dessa forma, os elementos mencionados anteriormente foram para mim

motivo de curiosidade e questionamentos, aguçando meu interesse em

compreender esse moderno tipo de arranjo familiar que é tão comum na sociedade

contemporânea, pois é trivial conhecermos ou termos ouvido falar de alguma família

constituída nessa estrutura.

Conhecer como se estabelecem as relações em torno do sexo feminino

foi algo que estimulou minha curiosidade, alimentando uma vontade de estudar

sobre esse contexto, buscando argumentos palpáveis com relação ao gênero,

considerando que, a priori, a minha concepção sobre a mulher estava basicamente

limitada a minha formação familiar que é constituída em sua maioria pelo gênero

feminino.

Posteriormente, já como aluna do curso de Serviço Social da Faculdade

Cearense, foi possível me aproximar dessa temática, passei a conhecer quais os

1Utilizaremos nesta sessão em alguns momentos a primeira pessoa do singular no desenvolvimento

do texto, tendo em vista que se trata da trajetória de aproximação vivenciada pela pesquisadora para a delimitação do seu objeto de estudo.

2 Projeto União: Organização não-governamental localizada no bairro Jardim União em Fortaleza.

Instituição utilizada como campo de pesquisa para a realização deste estudo.2

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teóricos que fazem uma discussão sobre gênero, em especial abordando a mulher

como foco para o diálogo.

A partir de então, comecei a adquirir uma visão mais crítica e construtiva

sobre as questões que envolvem o gênero feminino, buscando um olhar mais

aprofundado sobre o tema. Assim, busquei uma abordagem que considerasse o

percurso histórico que envolvia sua representação social dentro de conjunturas

econômicas, sociais, morais, políticas e étnicas construídas ao longo da história da

humanidade.

Dessa forma, foi no âmbito familiar e doméstico que encontrei minhas

indagações sobre a realidade feminina em sociedade o que provocou minha

curiosidade em busca de respostas para essa questão tão complexa e pouco

discutida atualmente que é a chefia feminina em famílias monoparentais3.

Outro fator relevante para a escolha do objeto da referida pesquisa foram

as situações vivenciadas em meu campo de estágio supervisionado I, II, e III, no

Hospital Luiz de França (Sociedade de Assistência e Proteção a Infância de

Fortaleza – SOPAI), mais conhecido como Hospital Infantil de Fortaleza, atendendo

estritamente o público infantil. A experiência de estágio além de rica para minha área

profissional foi também, um campo de reflexão crítica a fim de conhecer outras

realidades fora do meu ambiente familiar.

O Hospital está localizado no bairro Carlito Pamplona, tendo como maior

demanda de usuários o público que reside nos bairros circunvizinhos, como a Barra

do Ceará, Pirambu e outros. Um fator comum entre esses bairros são as diversas

manifestações da questão social4, pois a maior parte dessa população se encontra

em situação de risco social e/ou média e alta condição de vulnerabilidade social5,

apresentando altos índices de violência, precário acesso à educação e a moradia.

3Família Monoparental, é conhecida constitucionalmente como entidade familiar formada por somente

um dos pais – mãe ou pai – e seus descendentes. (REVISTA JURÍDICA, 2009).

4Questão social é o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da

classe operária impôs no curso da constituição da sociedade capitalista. Assim, a „questão social‟ está fundamentalmente vinculada ao conflito entre o capital e o trabalho. (Cerqueira Filho, 1982:21)

5Vulnerabilidade social é um conceito originado na área dos Direitos Humanos. Refere-se a grupos ou

indivíduos fragilizados, jurídica ou politicamente, na promoção, proteção ou garantia de seu direito à cidadania. Apesar de ser um conceito formulado recentemente, existe um consenso entre autores que estudam essa temática, de que a vulnerabilidade social apresenta um caráter multifacetado, abarcando inúmeras dimensões, a partir das quais se podem identificar situações de vulnerabilidade dos indivíduos, famílias ou comunidades que se encontram destituídos de capacidade para ter acesso aos equipamentos e oportunidades sociais, econômicas e culturais oferecidos pelo Estado,

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No hospital, pude estar próxima às mães chefes de família monoparental,

e foi nesse contato que busquei conhecer a realidade socioeconômica dessas

famílias. Diante disso, lembrei-me de uma organização não governamental chamada

de Projeto União, ao qual fiz parte junto com minha mãe na infância. A instituição

serviu como Campo para pesquisa conforme discorreremos no decorrer deste

estudo.

A instituição família vem sendo atingida pelas transformações do mundo,

e seus arranjos estão cada vez mais variados, existem diversas formações em

nossa sociedade como podemos observar nos ambientes familiares.

Citando alguns arranjos, temos a família aristocrata, ou patriarcal, que

segundo Poster (1979), apud Rodrigues e Abeche (2010), reverencia o pai como

autoridade maior sobre os demais membros da família. Outro modelo ressaltado

pelo autor é a família burguesa ou nuclear, que foi constituída na Idade Moderna,

composta pelo pai, mãe e filhos.

Destacamos também a família tentacular constituída na

contemporaneidade, que segundo Kehl (2003) é uma desconstrução do modelo de

família nuclear, tendo entre seus membros, frutos de novos casamentos, a presença

de padrasto ou madrasta, a diminuição da autoridade paterna e a escassa presença

da mulher dentro de casa em decorrência de sua inserção no mercado de trabalho.

Como podemos ver a família vem se diversificando em nossa sociedade,

embora o modelo nuclear ainda predomine diversos arranjos estão sendo

constituídos em consequência das transformações sociais. A família monoparental é

também exemplo dessas modificações, nessa estrutura existe apenas um chefe de

família e seus filhos, podendo ser de ambos os sexos.

Neste estudo nos detivemos a família monoparental feminina,

ressaltamos que nesta estrutura familiar, a mulher é quem chefia seu lar, arcando

com as responsabilidades domésticas e financeiras para a manutenção da família.

Soares (2002) retrata que:

Pode-se observar que a monoparentalidade masculina é significativamente menor que a feminina. Desta forma, tem tido pouca visibilidade, pois sabemos pouco sobre estas famílias, e, não estudando sobre elas temos

mercado e sociedade. (A vulnerabilidade social como uma dificuldade a participação política, PADOIN. UNICRUZ).

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nosso senso crítico e senso comum, podendo vir a reforçar a ideia de que os homens não são capazes de cuidar de uma família. (Oliveira, 2009, p.75; apud Soares, 2002).

Com relação à delimitação do objeto de pesquisa, (SANTOS, 2008, p.3 -

4; apud Carvalho, 1998) nos expõe que a chefia familiar tem suas origens nas leis

que regiam as famílias em sociedades antigas. Esse termo era usado para designar

um único membro, geralmente o homem mais velho, que detinha o poder sobre os

demais membros da família.

Para a autora supracitada, o conceito de chefia familiar é contraditório,

pois tem como princípio de formação a negação de um padrão de dominação, no

caso, a chefia masculina, sendo a denominação chefia familiar feminina “empregada

quando o homem adulto não está presente, como se a família chefiada por mulheres

fosse uma anomalia” o que não acontece quando o homem está presente.

Como podemos observar nas colocações da autora, existe um tabu sobre

a figura feminina como chefe do lar, relembrando os padrões da masculinidade,

conhecer a mulher como chefe de família quando existe a presença do homem

dentro de casa é algum incomum, ou diferente de tudo que já estamos acostumados

em nossa sociedade.

Para considerar o percurso metodológico adotado em nossa pesquisa,

devemos compreender qual o seu sentido. A metodologia é considerada uma das

maneiras de fazer ciência, tendo como principal objetivo tratar a realidade teórica e

prática. No entanto, até encontrar, ou melhor, até que seja possível chegar nessa

realidade, é preciso percorrer vários caminhos, até que finalmente se chegue ao fim,

tendo como interesse fundamental a pesquisa.

Assim, podemos compreender que a metodologia científica nos permite

uma reflexão sobre a realidade, propiciando um novo olhar sobre o mundo,

buscando uma reflexão crítica que aguce nossa curiosidade e criatividade. Sobre

esses apontamentos, Demo nos revela seu posicionamento:

Trataremos aqui de Metodologia, que significa, na origem do termo, estudo dos caminhos, dos instrumentos usados para se fazer ciência. É uma disciplina instrumental a serviço da pesquisa. Ao mesmo tempo em que visa conhecer caminhos do processo científico, também problematiza criticamente, no sentido de indagar os limites da ciência, seja com referência à capacidade de conhecer, seja com referência à capacidade de intervir na realidade. (DEMO, 1995, p. 11).

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Já na visão de Minayo (1993), a metodologia faz referência ao

pensamento e a constatação da realidade “metodologia é o caminho do pensamento

e a prática exercida na abordagem da realidade. Nesse sentido, a metodologia

ocupa um lugar central no interior das teorias e está sempre referida a elas”.

(MINAYO, 1993, p.16).

Portanto, percebemos que a pesquisa se refere ao percurso que os

pesquisadores utilizam para chegar até o objeto de uma investigação, ou seja, um

conjunto sistemático que envolve várias etapas a serem seguidas na busca pela

concretização do objetivo final, a efetivação da pesquisa.

Sendo assim, podemos afirmar metodologicamente que a pesquisa a ser

realizada poderá obter o resultado almejado por meio de um estudo de natureza

qualitativa, considerando que esse modelo de pesquisa permite o acesso a diversos

elementos que facilitam a compreensão da realidade em estudo, considerando suas

particularidades e singularidades.

Segundo Minayo (1993), a pesquisa qualitativa tem como objetivo buscar

respostas particulares sobre uma dada realidade, estando diretamente ligada ao

universo dos sujeitos pesquisados em sua particularidade, sendo considerado um

modelo de pesquisa preciso, pois oferece elementos para a compreensão subjetiva

e mais profunda dos fenômenos sociais, assim como poderemos observar em suas

afirmações:

A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser qualificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1993, pp. 21-22).

Para a autora supracitada, a pesquisa qualitativa está diretamente ligada

as relações humanas, ao elemento que não pode ser quantificado, “a abordagem

qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas,

um lado não perceptível e não captável em equações, médias e estatísticas.”

(MINAYO, 1993, p. 22).

Na visão de Martinelli (1999), a pesquisa qualitativa está intrínseca as

ciências naturais baseadas em observações cotidianas de uma determinada

realidade a ser investigada.

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Conforme, nos expõe a autora em questão:

O uso exclusivo de técnicas qualitativas de pesquisa se caracteriza pela

adoção de uma estratégia de pesquisa modelada nas ciências naturais e

baseada em observações empíricas para explicitar fatos e fazer previsões.

Está relacionado aos postulados teóricos de matriz positivista, cujo

paradigma analisa a realidade e o processo de conhecimento com o uso de

técnicas que buscam a objetividade através de uma lógica formal com

neutralidade no processo de investigação; a realidade é exterior ao

indivíduo e a apreensão dos fenômenos é feita de forma fragmentada.

(MARTINELLI, 1999, p. 32).

Visto isso, para garantir o desenvolvimento e precisão da investigação da

referida pesquisa, optamos por realizar uma pesquisa bibliográfica, documental e de

campo, sabendo que a primeira é indispensável para iniciar qualquer investigação,

sendo então extremamente necessária para o incremento desse trabalho.

A busca pela bibliografia certa foi trabalhosa, apesar de existirem muitos

livros e artigos sobre o assunto, quando nos restringimos a localidade, ou seja, a

cidade de Fortaleza, os estudos em relação ao tema da chefia feminina em famílias

monoparentais são reduzidos.

Na busca por trabalhos relativos ao tema, nos deparamo-nos com

diversos artigos e dissertações referentes ao assunto em periódicos como scieloe

bibliotecas virtuais de Universidades Federais e Estaduais.

Todos esses veículos de informação foram de suma importância para a

compreensão das categorias de análises que foram propostas na presente pesquisa,

que são elas: Gênero, Trabalho e Famílias monoparentais chefiadas por mulheres.

Esses materiais informativos ajudaram a formular uma compreensão melhor sobre o

objeto em estudo, a chefia feminina.

Já a pesquisa documental, de acordo com Gil (2002, P. 62-3), esse tipo

de pesquisa apresenta vantagens por se tratar de uma fonte rica e estável de dados,

não implicando a elevados custos e não exigindo contato com o sujeito da pesquisa.

Com relação à pesquisa de campo, tivemos um pouco de dificuldade,

primeiramente, com relação a insegurança das mulheres, que mesmo com todo o

esclarecimento sobre o sigilo de suas identidades, ainda ficavam apreensivas, pois

segundo elas, seria uma experiência nova e gerava ansiedade.

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Outras dificuldades foram em relação à assiduidade das mulheres na

reunião, apesar de se comprometerem com a pesquisa, poucas mulheres

convidadas realmente compareceram ao local combinado para realizar o estudo.

A proposta inicial foi entrevistar pelo menos 8 (oito) mulheres que

estavam presentes no dia da reunião no Projeto União a fim de apresentar o objetivo

da pesquisa, porém apenas 7 (sete) aceitaram colaborar com o estudo, ficando

então firmado entre esse número de mulheres, mas para nossa surpresa chegado o

dia marcado para realizar realmente a pesquisa, apenas 5 (cinco), mulheres

estiveram presentes para colaborar com a pesquisa, ao tentar entrar em contato

com as desistentes elas não quiseram dar maiores explicações, deixando

transparecer apenas a insegurança por expor sua trajetória de vida.

Mesmo diante de todas essas dificuldades, conseguimos firmar com cinco

mulheres que participaram da entrevista, valendo ressaltar, que estavam bem

orgulhosas em expor seus desafios cotidianos como chefes de famílias

monoparentais sendo bastante colaborativas com o desenvolvimento do estudo.

Utilizaremos como técnica de investigação a observação simples e entrevistas para

melhor desenvolver nossa pesquisa. Vejamos o que nos expõe Gil sobre essa

técnica:

Por observação simples entende-se aquela em que o pesquisador, permanecendo alheio à comunidade, grupo ou situação que pretende estudar, observa de maneira espontânea os fatos que aí ocorrem. Neste procedimento, o pesquisador é muito mais um espectador que um ator. Daí por que pode ser chamado de observação-reportagem, já que apresenta certa similaridade com as técnicas empregadas pelos jornalistas. (GIL, 2008, p. 101).

A ideia foi observar como se desenvolvem os trabalhos desse grupo de

mulheres que são beneficiadas com as iniciativas do projeto e buscar compreender

até que ponto essas ações contribuem positivamente para a realidade das mulheres

chefes de família monoparental.

“Embora a observação simples possa ser caracterizada como espontânea, informal, não planificada, coloca-se num plano científico, pois vai além da simples constatação dos fatos. Em qualquer circunstância, exige um mínimo

de controle na obtenção dos dados.” (GIL, 2008, p. 101)

Para a realização das entrevistas utilizamos um roteiro com perguntas

semiestruturadas (Apêndice B). De acordo com May (2004), a entrevista

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semiestruturada possui uma diferença central, que é seu caráter aberto, assim, o

entrevistado responde as perguntas dentro de sua concepção, mas, não se trata de

deixá-lo falar livremente, a fim de não perder o foco. Sobre a técnica de entrevista, é

importante expor as colocações de Gil:

Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se

apresenta frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de

obtenção dos dados que interessam à investigação. A entrevista é, portanto,

uma forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de

diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra

se apresenta como fonte de informação. (GIL, 2008, p. 109).

Para adquirir maior qualidade nos resultados da nossa pesquisa,

utilizamos também a aplicação de questionários (Apêndice A), com perguntas

pontuais e objetivas, onde o entrevistado deve ser direto em seus posicionamentos

utilizando apenas a marcação das alternativas para suas respostas. Sobre

questionário, afirma Gil:

Pode-se definir questionário como a técnica de investigação composta por

um conjunto de questões que são submetidas a pessoas com o propósito

de obter informações sobre conhecimentos, crenças, sentimentos, valores,

interesses, expectativas, aspirações, temores, comportamento presente ou

passado etc. (GIL, 2008, p. 121).

As entrevistas foram realizadas no Projeto União, local onde as mulheres

chefes de família, participam de várias atividades empreendedoras que estimulam

sua autoestima e possibilitam a obtenção de um auxílio financeiro através da venda

dos produtos confeccionados que poderá ajudar na complementação da renda

familiar.

No decorrer das entrevistas, levamos em consideração a baixa

escolaridade de algumas mulheres chefes de famílias, assim, buscamos utilizar uma

linguagem mais acessível, com o intuito de proporcionar maior compreensão por

parte delas em relação às perguntas direcionadas as mesmas.

É importante ressaltar que buscando primar pelos princípios éticos para

nortear a pesquisa, solicitamos as referidas mulheres envolvidas no estudo, que

assinassem o termo de consentimento e ciência sobre a veracidade das informações

prestadas para o desenvolvimento da pesquisa (Apêndice C). No presente

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documento, foram esclarecidos os objetivos da pesquisa, além da preservação do

anonimato e da autorização para utilização dessas informações na pesquisa.

Como já foi dito anteriormente, os nomes das mulheres chefes de famílias

monoparentais entrevistadas serão substituídos por nomes de flores representando

a delicadeza e ao mesmo tempo a resistência dessas guerreiras, condição essa,

solicitada pelas próprias entrevistadas, substituindo assim seus nomes originais sem

revelar suas verdadeiras identidades.

Diante disso, iniciamos a pesquisa solicitando às mulheres que

preenchessem o questionário de perguntas, como dissemos anteriormente, objetivas

e de fácil compreensão, terminada essa etapa, utilizamos um gravador de voz para

iniciar de fato, a entrevista com a preocupação de não deixar escapar nenhum

detalhe, captando partes importantes que não poderiam passar despercebidas, mais

também foi utilizado um bloco de anotações, que por ventura poderia ser útil para

anotar algumas informações que não foram captadas pelo gravador de voz.

Todas as entrevistas somaram 90 minutos de gravação, as quais foram

transcritas detalhadamente, com o cuidado de não perdermos nenhum trecho,

formando exatamente 08(oito) laudas, ao concluir a transcrição das falas.

O percurso metodológico utilizado em nossa pesquisa, considerando a

pesquisa bibliográfica, bem como o estudo de campo, além das técnicas e

procedimentos empregados nesse processo, contribuiu significativamente para a

obtenção dos resultados e respostas pertinentes ao objeto em estudo: Chefia

feminina: Desafios cotidianos no processo de formação das famílias monoparentais

chefiadas por mulheres integrantes do Projeto União no Jardim Iracema.

Assim, nossa pesquisa foi distribuída em três capítulos, o primeiro deles

sendo a introdução, os demais foram organizados da seguinte forma: No segundo

capítulo, nos detemos às abordagens teóricas sobre as categorias: gênero e

trabalho tentando expressar as colocações dos autores de maneira que promovesse

uma reflexão mais conclusiva sobre a condição da mulher em sociedade. Refletimos

sobre gênero, a diferenciação entre os sexos e a divisão sexual do trabalho.

Apresentamos no segundo capítulo também, uma discussão sobre a

relevância da mulher no mercado de trabalho, as condições adversas e as

transformações ocorridas no decorrer dos anos. Expressamos aqui, a desigualdade

econômica vivenciada entre os gêneros, o processo de reestruturação produtiva que

fragilizou a situação trabalhista, em especial o trabalho feminino submetido a

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condições mais precarizadas, bem como a exploração da mulher sobre a dupla

jornada de trabalho.

No último capítulo, discorreremos sobre o processo de formação da

categoria família, suas transformações ao longo da história, a concepção de família

monoparental e a chefia feminina, apresentação e percalço do campo de pesquisa

chamado Projeto União, o perfil das mulheres entrevistadas e as ponderações

encontradas no andamento da pesquisa.

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2 A DISCUSSÃO DE GÊNERO E SUA REPERCUSSÃO NO MUNDO DO TRABALHO

Neste capítulo, trataremos sobre as transformações da categoria trabalho

adquiridas ao longo da construção histórica. Discorreremos também, sobre as

questões de gênero e a condição da mulher em sociedade. Neste primeiro tópico,

iremos nos remeter as transformações no mundo do trabalho.

2.1. Transformações no mundo do trabalho

Antes de ser estabelecida a definição moderna de trabalho,

anteriormente, o trabalho era visto como algo que trazia sofrimento e/ou imobilização

forçada. Porém, não demorou muito para que esse trabalho retomasse ao sentido

inicial de sacrifício, e isso se deu em decorrência do domínio do assalariamento que

trouxe como consequência o retrocesso da definição de trabalho, assim como era

em seus primórdios, sinônimo de sofrimento para quem o exercia.

Vejamos o que nos relatam Hirata e Zarifan (2003. p. 66), sobre esses

apontamentos:

O trabalho assalariado no sentido moderno, tal como emerge no capitalismo nascente, não tinha de fato nenhuma origem. O uso dessa noção emerge sob uma forma inédita: a de uma atividade social que podemos objetivar, isto é, descrever, analisar, racionalizar, prescrever em termos precisos: uma sequência de operações, consideradas em uma abstração generalizante, e o tempo mensurável necessário para realizá-las. Esse trabalho moderno, disfarçado sob a expressão “atividade que pode ser objetificada”, é considerado desde então na relação salarial nascente, porque ele se desenrola em torno da questão doravante central, que é a apropriação do

tempo do assalariado pelo capitalista.

Sobre a óptica de Antunes (2011), no capitalismo contemporâneo é

possível observar que existe uma processualidade contraditória: de um lado a

desproletarização do trabalho industrial, nos países de capitalismo avançado que foi

diminuindo a classe operária industrial, de outro lado, o trabalho assalariado6, que se

6Trabalho assalariado consiste na relação de trabalho através da troca da força de trabalho por

salário.

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expandiu rapidamente no setor de serviços. Sobre essas afirmações, vejamos o que

nos expõe o autor citado:

[...] verificou-se uma significativa heterogeineização do trabalho, expressa

também através da crescente incorporação do contingente feminino no

mundo operário; vivencia-se também uma subproletarização intensificada,

presente na expansão do trabalho parcial, temporário, precário,

subcontratado, „terceirizado‟, que marca a sociedade atual no capitalismo

avançado, da qual os gastarbeiters na Alemanha e o lavoro Nero na Itália

são exemplos do enorme contingente de trabalho imigrante que se dirige

para o chamado Primeiro Mundo, em busca do que ainda permanece do

WelfareState7, invertendo o fluxo migratório de décadas anteriores, que era

do centro para a periferia. (ANTUNES, 2011, p. 47).

Dessa forma, podemos observar que a concepção de trabalho moderno

se revelou sobre o impacto da força política e social, ficando entre uma sequencia

de operações que podem ser objetificadas e a capacidade humana de realizá-las.

Observamos que existe um paralelo, entre o trabalho e a força de trabalho, e entre

ambos, o tempo central de avaliação da produtividade entre o trabalho e o

trabalhador.

Sobre essa assertiva, vejamos:

O nascimento da noção de trabalho assalariado é a história dessa

separação, que opõe uma forma objetificada a uma potência subjetiva. O

trabalhador, ser de subjetivação, torna-se prisioneiro daquilo a que ele deve

se reportar: as operações objetificadas. (HIRATA; ZARIFIAN, 2003. p.66).

De acordo com Hirata e Zarifan (2003), a noção de trabalho doméstico é

bem diferente do trabalho assalariado, pois ela é antípoda da objetivação. Essa

concepção está intimamente associada às relações afetivas no seio familiar como

forma de expressão do amor na esfera privada.

As atitudes cotidianas e os hábitos diários de manutenção da casa e a

preocupação das mães com as obrigações escolares dos filhos estão normalmente

ligadas aos deveres femininos, visto isso, os homens podem tranquilamente escapar

dessas obrigações ditas como femininas.

Assim, refletindo sobre as afirmações dos autores, podemos concluir que

o tempo do assalariamento se mostra condicionado pelo tempo de trabalho

7WelfareState é o Estado de bem-estar social, organização política e econômica que coloca o Estado

como agente de proteção e defensor social e organizador da economia.

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doméstico, de maneira que a mulher em condição assalariada enfrenta um duplo

desafio entre o exercício da atividade remunerada e o trabalho doméstico, sendo

esse, atemporal as condições do assalariamento. E isso revela claramente a

situação histórica de opressão e exploração que vivem as mulheres até a atual

conjuntura social.

Na perspectiva de Antunes (2008) atualmente, a classe que vive do

trabalho, ou classe trabalhadora, são todos aqueles indivíduos em sua coletividade

que vendem a força de trabalho, de maneira que a centralidade está situada nos

trabalhadores produtivos, ou seja, que geram mais valia beneficiando diretamente o

sistema capitalista, tendo como referência o trabalho como valor de troca.

Ela não se restringe, portanto, ao trabalho manual direto, mais incorpora a totalidade do trabalho social, a totalidade do trabalho coletivo assalariado. Sendo o trabalhador produtivo aquele que produz diretamente mais-valia e participa diretamente do processo de valorização do capital. (ANTUNES, 2008, p. 102).

Ainda considerando as colocações de Antunes (2008), existem também

os trabalhadores improdutivos que igualmente aos trabalhadores produtivos também

fazem parte da classe trabalhadora.

Mas a classe que vive do trabalho engloba também os trabalhadores

improdutivos, aqueles cujas formas de trabalho são utilizadas como serviço,

seja para uso público ou para o capitalista, e que não se constituem como

elemento diretamente produtivo, como elemento vivo do processo de

valorização do capital e de criação de mais-valia. (ANTUNES, 2008, p. 102).

Assim podemos perceber, que entre os dois modelos de grupos coletivos

que formam a classe trabalhadora, um produz o valor de troca, que beneficia

diretamente o sistema capitalista gerando a mais valia, já o outro produz o valor de

uso que não gera diretamente lucro, ou mais valia.

Para Antunes (2011), a presença feminina no mundo do trabalho, permite

a reflexão sobre a consciência de classe que se apresenta articulada e complexa,

composta de identidades e heterogeneidades, entre singularidade que vive uma

situação particular no processo produtivo e na vida social, quando nos remetemos a

esfera da materialidade e da subjetividade, tanto a contradição entre o indivíduo e

sua classe, quanto a relação entre classe e gênero são ainda mais evidentes na

contemporaneidade.

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A classe-que-vive-do-trabalho é tanto masculina quanto feminina. É,

portanto, também por isso, mais diversa, heterogênea e complexificada.

Desse, modo, uma crítica do capital, enquanto relação social, deve

necessariamente apreender a dimensão de exploração presente na relação

homem/mulher, de modo que a luta pela constituição do gênero-para-si-

mesmo possibilite também a emancipação do gênero mulher. (ANTUNES,

2011, p. 51).

Para Antunes (1997), falar sobre o fim do trabalho8, do valor de troca e da

centralidade do trabalho, mesmo no sistema produtor de mercadorias, que faz com

que o trabalho concreto9 seja minimizado, mesmo assim, ele não perde seu sentido

ontológico e a função essencial como criação de valores de uso.

Dessa forma, mesmo que se intelectualize o trabalho fabril, se aprimore o

trabalho qualificado e se desqualifique e subproletarize os trabalhadores, o

fenômeno do trabalho não perderá sua centralidade considerando a realidade de

uma sociedade produtora de mercadorias que geram lucro para o sistema

capitalista.

Diante disso, a terceirização, o trabalho domiciliar, emprego temporário,

trabalho informal e as demais formas precarizadas do exercício trabalhista, são

mudanças que ocorridas no processo de produção e gestão do trabalho, ao qual

nomeamos como processo de reestruturação produtiva como modelo de

acumulação do capital que discutiremos a seguir.

Foi a partir da década de 1970, que se intensifica um processo de

mudanças nas relações sociais que constituem o capital. Destacam-se as

alterações, e até mesmo,aquilo como a substituição do padrão produtivo vigente, o

taylorismo/fordismo10,outros mecanismos de produção, construindo um novo

conceito chamado toyotismo, ou acumulação flexível11.(NOGUEIRA, 2004, p. 32).

8Fim do trabalho:Titulo do livro de Ricardo Antunes, que questiona o significado do Trabalho,

problematizar, polemizar e mesmo contestar as teses que defendiam o fim da centralidade do trabalho no mundo capitalista contemporâneo. Em meio a esses questionamentos um prolongamento analítico e político se desdobrava: a classe trabalhadora já não se mostraria mais potencialidade contestadora, rebelde, capaz de transformar a ordem capitalista.

9 Para Max, o trabalho concreto se manifesta no valor de uso das mercadorias gerada pelo trabalho,

formando a unidade entre valor de uso (trabalho concreto) e valor de troca (trabalho abstrato). 10

Taylorismo/Fordismo: Sistema produtivo que vigorou na grande indústria automobilística, ao longo

do século XX que baseava-se na produção em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada. (ANTUNES, 2008, p. 36).

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Assim, podemos concluir que a reestruturação produtiva se desenvolveu

em decorrência da crise do modelo fordista12 de produção que enfraquecia seu

padrão produtivo, dando origem a uma nova expressão do processo de

racionalização do trabalho, o toyotismo.

A crise do fordismo pode ser considerada em seu sentido mais profundo

como uma crise estrutural do capital, de maneira que a taxa decrescente de lucro

estava em evidência. Sobre essa assertiva, vejamos:

Além do esgotamento econômico do ciclo de acumulação (manifestação

contingente da crise estrutural do capital), as lutas de classe ocorridas no

final dos anos 60 e início dos anos 70 solapavam pela base o domínio do

capital e afloravam as possibilidades de uma hegemonia (ou uma contra-

hegemonia) oriunda do mundo do trabalho. A confluência e as múltiplas

determinações de reciprocidades entre esses dois elementos centrais (o

estancamento econômico e a intensificação das lutas de classe) tiveram,

portanto, papel central na crise dos fins dos anos 60 e início dos anos 70

[...]. (NOGUEIRA, 2004 apud ANTUNES, 1999, p. 33).

Ainda sobre a percepção de Antunes (1999), a resposta que o capital dá a

sua própria crise, se refere à criação de um novo modelo de reorganização do

capital, e de seu sistema ideológico e político com o propósito de desenvolver um

sistema que responda a crise estrutural que estava se alastrando no mundo.

Para melhor esclarecer essa afirmação, tiramos como exemplo, o advento

do neoliberalismo, que traz consigo algumas características de fragilização do

mercado de trabalho e da própria sociedade, como as privatizações do Estado, a

desregulamentação dos direitos trabalhistas e a desmontagem do setor produtivo

estatal.

De acordo com Nogueira (2004) foi diante dessas transformações que ao

longo dos anos 1980 e 1990, aconteceu a expansão da hegemonia econômica,

política e ideológica do neoliberalismo. Primeiramente, na Inglaterra, Estados unidos

e Alemanha, logo após, sendo disseminado entre diversos países em continentes

11

Acumulação flexível ou Toytismo é um modo de produção que sucedeu o Fordismo a partir da

década de 1970. Ao invés de centrar-se na produção em massa, característica do fordismo, o modelo pós-fordista fundamenta-se na idéia de flexibilidade. 12

Modelo fordista consiste em um modelo de produção em massa com objetivo de desenvolver o

aumento da produção e assistir a um elevado número de consumidores. (NOGUEIRA, 2004, p. 28).

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diferentes, passando a ser intensificada a crítica ao bem-estar social e/ou

“welfarestate”, abrindo uma reflexão sobre a questão dos direitos sociais.

Nesse mesmo período, se desenvolveu um significativo processo de

desmonte dos direitos trabalhistas, que até então estava sofrendo uma progressiva

flexibilização do trabalho, um índice crescente de informatização das ocupações

trabalhistas sem registros em carteira apresentando uma perda de conquistas dos

trabalhadores.

Diante do exposto, podemos observar que o advento do neoliberalismo

como e suas formas usadas para combater a crise estrutural, provocaram profundas

transformações no mundo do trabalho atingindo bruscamente a condição do

trabalhador assalariado, bem como as diversas formas de ocupação.

Todas essas transformações apontadas por Nogueira (2004)

anteriormente, nos fazem perceber que acabaram fragilizando as conquistas já, até

então adquiridas pela classe trabalhadora, no entanto, as manifestações neoliberais

e suas formas de regulamentação fragmentaram e até mesmo desestruturam as

características dos direitos reconhecidos e conquistados pelos trabalhadores ao

longo da construção histórica.

Portanto, podemos compreender que é a partir da conjuntura neoliberal

que começam a surgir um novo regime de produção capitalista utilizando-se do

poder da acumulação flexível.

Sobre essa assertiva, observamos o que expõe Nogueira:

O desenvolvimento de um mercado de trabalho flexível, a grande

estagnação do trabalho estável e o crescimento dos trabalhadores

desempregados, ao que podemos ainda adicionar as diversas formas de

subemprego e de trabalho informal, parecem constituir-se na realidade

predominante da maioria dos países. Essa realidade também está

relacionada como vimos, com as políticas neoliberais, com o quadro

recessivo e com a reestruturação produtiva. (NOGUEIRA, 2010, p. 40).

Podemos perceber que o processo de reestruturação produtiva efetivou

uma nova organização nos processos de produção capitalista que se refletiram nas

relações de trabalho e na subjetividade dos trabalhadores.

Para Antunes (1999), essas transformações ocorridas na sociedade se

deram em decorrência do avanço tecnológico, na constituição das formas de

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acumulação flexível, conforme mencionados anteriormente, além dos modelos de

produção posteriores ao taylorismo/fordismo, no caso o toyotismo.

Sobre todas essas transformações, quando nos referimos ao público

feminino podemos considerar as colocações de Antunes (2004) e Alves (2004),

quando nos diz que no mundo do trabalho contemporâneo houve um aumento

bastante significado do trabalho feminino, e que tem sido absorvido pelo capital

através do trabalho em tempo parcial, da precarização das condições do trabalho e

desregulamentação da condição do trabalho das mulheres. Assim como podemos

observar nas colocações dos autores:

Esta expansão do trabalho feminino tem, entretanto, um movimento inverso

quando se trata da temática salarial, na qual os níveis de remuneração das

mulheres são em média inferiores àqueles recebidos pelos trabalhadores, o

mesmo ocorrendo com relação aos direitos sociais do trabalho, que são

desiguais. (ANTUNES; ALVES, 2004, p. 338).

Na óptica de Nogueira (2010), as modificações no mundo do trabalho

permitem uma análise sobre a condição da mulher no mercado de trabalho. Sobre

isso, vejamos o que nos apresenta a autora supracitada:

O quadro apresentado possibilita uma reflexão sobre o papel feminino no

mundo do trabalho, marcado por uma flexibilização mais acentuada, como,

por exemplo, o trabalho em tempo parcial realizado majoritariamente por

mulheres. A intensificação da precarização do trabalho é também uma

dimensão relevante, visto que as trabalhadoras são menos protegidas tanto

pela legislação do trabalho quanto pelas organizações sindicais.

(NOGUEIRA, 2010, p. 40).

Diante dos posicionamentos dos autores anteriormente mencionados,

podemos observar que a condição da mulher no mercado de trabalho em relação ao

homem é bem mais precarizada, não só pela própria condição historicamente

construída sobre o gênero feminino, mais também pelas próprias estratégias do

sistema capitalista em desvalorizar a força de trabalho feminina.

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2.2. Mutação do trabalho no cenário brasileiro

Vejamos agora, algumas representações sobre a condição de trabalho no

Brasil. Foi a partir da década de 1980, que a questão do trabalho no país foi se

modificando, surgindo assim, o aumento das ocupações sem formalização, a

redução dos níveis de salário e a o baixo poder de compra ocasionado pela inflação.

Vale ressaltar que mesmo com a estagnação econômica as condições

precarizadas do trabalho permaneceram. Conforme nos apresenta Baltar:

O emprego assalariado pode ser classificado sob dois critérios alternativos: segundo o tipo de empregador e o grau de formalização do contrato de trabalho. Os resultados da aplicação dos dois critérios envolvem uma grande interseção, pois os empregadores com um mínimo de estruturação organizacional costumam formalizar o contrato de trabalho e a maioria dos empregadores sem um mínimo de organização não formaliza o contrato de trabalho. (BALTAR, 1996, p.76).

Os fenômenos que envolvem a condição do trabalho, não podem ser

analisados sem nos remetermos as evidências históricas de formação do mercado

de trabalho no Brasil e as recentes formas de organização da produção, da estrutura

produtiva e das relações de trabalho.

Sobre essas afirmativas, vejamos:

O processo de industrialização, em meio ao qual se constituiu o mercado de

trabalho brasileiro, caracterizou-se pelo desenvolvimento de uma estrutura

produtiva composta de setores que apresentam grandes diferenciais de

rendimento, produtividade e acesso as novas tecnologias, por um lado, e a

ampla oferta de mão de obra, por um lado, o que resultou em múltiplas

formas de ocupação, com diferentes níveis de qualificação, remuneração e

acesso à proteção social. (DIEESE, 2012. P. 165).

De acordo com a Pesquisa e Emprego e Desemprego PED13/DIEESE, no

Brasil existe um grande número de trabalhadores regidos por relações salariais, que

13

A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) é um levantamento domiciliar contínuo, realizado

mensalmente, desde 1984, na Região Metropolitana de São Paulo, em convênio entre o DIEESE e a Fundação Seade. O reconhecimento da importância da PED como instrumento de análise da realidade socioeconômica concretizou-se com solicitações da implantação da Pesquisa em outras regiões do país, a partir de 1987.

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atingem 71,5% das ocupações. Já o emprego protegido14corresponde a 51,8% do

total.

Convive com o emprego ilegal15 11,44% e o emprego subcontratado16

8,3%, ambos desprovidos total ou parcialmente de proteção social da legislação

trabalhista e previdenciária.

Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PENAD,

realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE, revela que as

mulheres representavam 51,1% da população no ano de 1999 e 51,3% em 2009

apresentando aproximadamente uma população feminina estimada em 84 milhões

de mulheres no mesmo ano. Desse número, 52,7% estavam no mercado de trabalho

em condição de ocupada ou não, já os homens 72,3% de participação. (DIEESE,

2000, p. 2015).

Diante dos dados mencionados acima, podemos observar que mesmo

sendo grande o número de mulheres concorrendo a uma vaga de trabalho, os

indicadores ainda são muito inferiores em relação ao homem, demonstrando a

dificuldade das mulheres em conquistar seu espaço no mercado de trabalho.

No entanto entre o período de 1999 e 2009 houve um breve recuo da

participação masculina no mercado de trabalho, e isso foi encarado como algo

positivo para as mulheres, já que em contramão, a presença da força de trabalho

feminina aumentou no mercado de trabalho.

O aumento da participação feminina no mercado de trabalho resultou em

diversos fatores com a emancipação econômica da mulher, a redução da taxa de

fecundidade, a incessante busca pela conquista da realização profissional e o

aumento no nível de escolaridade. Além disso, contribuiu positivamente para o

capital já que a força de trabalho feminina é mais barata e não é valorizada como

deveria. Sobre essas afirmações, vejamos:

A necessidade de contribuir para o sustento da família também foi um fator

determinante, principalmente em casos de desemprego ou mesmo de

ausência do conjugue. Em 2009, no Brasil, cerca de 22 milhões de famílias

14

Emprego protegido: emprego sobre condições legais de proteção social. (DIEESE, 200).

15

Emprego ilegal: subcategoria do emprego informal, regido sobre ausência de mecanismos legais de

proteção social. (DIEESE, 200).

16

Emprego subcontratado: subcategoria do emprego informal, serviços terceirizados. Estratégias das

empresas para reduzir suas obrigações legais. (DIEESE, 200).

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31

eram chefiadas por mulheres (35,2% do total de famílias no país). Entre as

famílias sem cônjugue 49,0% do tipo mãe com filhos, das quais 27,6%

eram compostas por mães com todos os filhos de 14 anos ou mais e 15,6%

por mães com todos os filhos menores de 14 anos. (DIEESE, 200, p. 216).

Diante disso, podemos perceber que a participação feminina no mercado

de trabalho está cada vez mais evidente em decorrência de diversos fatores como

mencionados anteriormente.

Para compreender melhor essa evolução da participação feminina no

mercado de trabalho e as responsabilidades atribuídas às mulheres dentro do

domicílio, traremos informações mais precisas por meio de pesquisas. Vejamos

alguns dados apresentados pelo Censo Demográfico17 do IBGE para o ano de 2010

sobre a condição feminina no mercado de trabalho.

O Instituto de pesquisa nos revela que as mulheres contribuem 40,9%

com renda família total. Já nas áreas rurais esse número é um pouco mais

expressivo 42,4% do rendimento da família é obtido pelas mulheres.

Nas regiões rurais do nordeste a contribuição da mulher é ainda mais

relevante, pois 51% delas colaboram em demasia com a renda familiar. O estudo

nos mostra também, a região nordeste do Brasil apresenta um índice de contribuição

feminina no rendimento familiar bem maior que a dos homens.

No entanto, mesmo com a crescente participação feminina no mercado de

trabalho e o aumento do nível de escolaridade, a condição salarial da mulher ainda é

bem inferior a dos homens. Entre os anos de 2000 e 2010, o rendimento médio do

salário dos homens variou em 7,8%, passando de R$ 1.471 para R$ 1.587,

enquanto que o rendimento da mulher cresceu em 12% no mesmo período,

equivalendo a R$ 959 para R$ 1.074. (IBEGE 2010).

De acordo com a mesma fonte de pesquisa mencionada anteriormente, a

renda pode ser definida pelo sexo, cor e localidade. Com relação ao nordeste, as

mulheres que são negras ou pardas, 50,8% têm rendimentos de até um salário

mínimo, e da mesma forma, as mulheres que residem nas áreas rurais do nordeste,

que representam 59,3%, também recebem os menos valores.

17

O Censo demográfico de 2010 foi a 12ª. operação censitária no Brasil realizado pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O objetivo era retratar a população brasileira, suas características socioeconômicas e ao mesmo tempo, a base para todo o planejamento público e privado da década 2010/2020.

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32

Podemos salientar que a condição da mulher no mercado de trabalho se

revela mais precária até mesmo porque a maioria ocupa postos de trabalho pouco

formalizados ou de baixa qualificação. Diante disso, segundo IBGE (2010), esses

fatores colaboram para a grande diferenciação de renda entre homens e mulheres.

Conforme todas essas expressões do mundo do trabalho apresentadas,

nos fazem refletir sobre a desigualdade no mercado de trabalho enquanto ao sexo,

pois, percebemos que existe uma grande necessidade de discutir a questão de

gênero principalmente na atual conjuntura social, trazendo para o centro das

discussões a questão da divisão sexual do trabalho, como meio de expressar a

condição da mulher em sociedade. Dessa forma, é sobre isso que discutiremos

adiante.

2.3. Divisão sexual do trabalho e a luta pela igualdade de gênero

Discussões sobre as questões de gênero sempre foi algo presente no

mundo. No entanto, sobre as transformações sociais ocorridas na década de 1960

sobre as lutas libertárias as indagações sobre a categoria gênero tomam uma

dimensão maior, ficando mais efervescente a partir desse período.

Nesse período já se discutia sobre as diferenciações de gênero, e se

refletiam sobre a condição da mulher em sociedade, além disso, diversos tabus

começam a ser questionados e a mulher vai adquirindo gradativamente seu espaço

com a liberdade para se expressar, assim como podemos observar nos

apontamentos de Grossi:

[...] os anos 60 constituem um período de grande questionamento da sexualidade; a pílula anticoncepcional passa a ser comercializada, a virgindade enquanto valor essencial das mulheres para o casamento começa a ser amplamente questionada, e se começa a pensar mais coletivamente, no Ocidente, que o sexo poderia ser fonte de prazer e não apenas destinado à reprodução da espécie humana. (GROSSI, s/a, p. 2).

Segundo a autora supracitada, o campo de estudos que discute a

condição da mulher e do homem em sociedade, atualmente é chamado no Brasil de

gênero ou relações de gênero, termo que surge entre as décadas de 1980 e 1990

em torno da problemática da condição feminina, no auge dos movimentos feministas

e na luta pela igualdade de gênero que estava em plena efervescência nessa época.

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33

Datam deste período inúmeros estudos preocupados com as mulheres em situação de dupla opressão: de classe e de sexo. Nesta época, foi feita uma série de estudos sobre operárias, camponesas, empregadas domésticas, etc., os quais tinham um duplo objetivo: por um lado, mostrar que as mulheres das classes trabalhadoras eram mais oprimidas que as outras; por outro, eles também compartilhavam da visão de que havia uma mesma opressão de todas as mulheres, independentemente do lugar que elas ocupavam na produção, pois todas eram oprimidas pela ideologia patriarcal. (GROSSI, s/a, p. 3).

Diante de diversas formas de discriminação e opressão sofridas pelas

mulheres naquela época, feministas resolveram utilizar o termo como uma categoria

de análise mais aprofundada sobre as relações estabelecidas entre homens e

mulheres. Assim, como nos relata Cisne:

Os estudos de gênero surgem no movimento feminista, principalmente sob a influência de feministas acadêmicas, no final do século 20, entre as décadas de 1970 e 1980. Seu objetivo advém da necessidade de desnaturalizar e historicizar as desigualdades entre homens e mulheres, analisadas, pois, como construções sociais, determinadas pelas e nas relações sociais. (CISNE, 2012, p. 77).

Os estudos sobre a mulher, não devem ser limitados simplesmente ao

sexo, mas sim, serem questionados diante da relação que existe entre homem e

mulher, enfatizando e evidenciando a subordinação existente do gênero feminino

sobre o masculino, bem como do feminino sobre o mesmo, que não pode deixar de

ser investigado em nossa sociedade.·.

Diante do exposto acima, podemos nos remeter a ideia do patriarcado18

que referencia o homem como dotado de autoridade soberana sobre a mulher e a

família. Outro fator também relevante se trata da subordinação da mulher sobre o

próprio gênero em detrimento das diferenciações de classe social, pois a mulher que

possuía maior poder aquisitivo explora a mulher mais pobre através dos trabalhos

domésticos e maternais.

Sobre os apontamentos mencionados acima, nos ressalta Cisne:

O conceito gênero veio também no sentido de analisar de maneira

relacional a subordinação da mulher ao homem, ou seja, os estudos sobre

as mulheres não deveriam apenas limitar-se à categoria mulher, mais esta

18

Patriarcado se trata de uma ideologia que coloca o homem como autoridade suprema dentro da

família, devendo as pessoas que não são identificadas assim, (que não sejam também adultos do sexo masculino) serem subordinadas, prestando-lhe obediência.

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deve sempre ser analisada de forma relacional ao homem. (CISNE, 2012, p.

78).

As novas abordagens sobre a discussão de gênero acabam distanciando

a teoria da luta das mulheres, assim, é perceptível como as fundamentações

teóricas19 a respeito da questão são vazias de sentido e realidade, considerando que

a teoria deve estar sempre vinculada a prática, tornando concreta e plausível as

respostas as demandas apresentadas.

Diante disso, os estudos da Pós-modernidade em relação ao gênero

acabaram por imputar uma dicotomia. Sobre a assertiva acima vejamos o que

demonstra Moraes:

[...] a área temática que hoje chamamos de „estudos de gênero‟ foi

antecedida historicamente pelos „estudos sobre a mulher‟ comprovando a

passagem gradativa do movimento social para a esfera acadêmica. Os

„estudos sobre a mulher‟ dominaram nos anos em que a militância feminista

estava nas ruas, ao passo que os „estudos de gênero‟ denotam a entrada

acadêmica de uma certa perspectiva de análise. Não se trata mais de

denunciar a opressão da mulher, mais de entender, teoricamente, a

dimensão „ sexista‟ do nosso conhecimento e os ricos das gerações

(MORAES, 2000, pp. 95-96).

Outro fator relevante são as contradições existentes entre as relações de

gênero são bem expressivas, quando nos remetemos ao gênero feminino existem

diferenças significativas entre a mulher pobre e a mulher burguesa, tanto no seio

familiar com nas atividades domésticas, bem como no universo do trabalho que gera

mais valia.

Sobre esses apontamentos vejamos o que diz Toledo:

O gênero é tudo aquilo que une as mulheres, tudo o que lhes é comum e

próprio do gênero feminino. Mas, infelizmente (...) a verdade é que as

mulheres estão irremediavelmente divididas dentro do sistema capitalista.

Não porque queríamos, mais porque vivemos vidas diferentes. A mulher

burguesa não tem nada a ver com a mulher operária e trabalhadora, com a

mulher pobre das periferias das grandes cidades, das favelas e do campo.

A cada dia se aprofunda o abismo entre elas, e isso porque suas condições

materiais de vida ficam cada vez mais diferenciadas. O que as leva a

vivenciar o que é próprio do gênero feminino (aquilo que as une) de maneira

diferente. Ser mulher pra umas é bem mais diferente de ser mulher pra

outras. A mulher burguesa por mais oprimida que seja como mulher, não

19

Fundamentações teóricas são os principais conceitos teóricos necessários ao desenvolvimento de

um trabalho, é o suporte teórico para os estudos, análise e reflexões, sobre os dados e/ou informações coletadas.

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tem dupla jornada de trabalho, não passa o dia trabalhando, não tem de

lutar por sua sobrevivência. Ela não é explorada. Pelo contrário. Explora

outras mulheres e homens. Nunca ouvimos falar de uma mulher burguesa

passar por uma revista íntima na porta de uma fábrica. Nunca vimos uma

madame gritando na porta de uma escola para conseguir para vaga para o

filho. Nunca soubemos de uma socialite que deixasse seu filho pequeno

com a vizinha por falta de creche no local de trabalho, e nem tampouco que

precisasse de auxilio – maternidade.(TOLEDO apud CISNE, 2012, p. 104).

Assim, podemos perceber que existe uma expressiva diferenciação nas

relações de gênero e de classe, considerando as afirmações mencionadas pelo

autor anteriormente, observamos que o próprio gênero feminino é dividido, ou

diferenciado em decorrência das circunstâncias impostas socialmente pelo sistema

capitalista de maneira que as mulheres tenham aspectos iguais, mais ao mesmo

tempo, sejam tão diferentes de acordo com sua classe social.

Segundo Cisne (2012), o cerne da luta contra opressão e a reivindicação

de igualdade de gênero deve ter como eixo central a luta de classes, base para a

reflexão do movimento feminista em âmbito político e social. “O que se defende não

é a neutralização ou anulação das diferenças, mais a percepção de que o

movimento feminista deve convergir para os aspectos político e social. Do contrário

só se fragmentam e pulverizam as mulheres.” (CISNE, 2012, p. 88).

Ainda sobre a autora supracitada, em sua percepção, a análise da relação

de gênero deve ser baseada no contexto das contradições que existem na relação

entre capital e trabalho, considerando as diversas estratégias de alienação

submetidas pelo sistema capitalista. ”Em outras palavras, é necessário analisar

gênero no bojo da contradição entre capital e trabalho das forças sociais conflitantes

das classes fundamentais que determinam essa contradição. Sendo a contradição o

foco das desigualdades sociais, [...].” (CISNE, 2012, p. 89).

Para discutirmos a divisão sexual do trabalho é preciso nos remeter as

relações de gênero, do domínio e exploração dos homens sobre as mulheres. É

necessária uma reflexão sobre a situação do trabalho feminino em detrimento a

exploração do sistema capitalista, que cautelosamente tenta naturalizar a condição

subalterna e fragilizada das mulheres em sociedade, buscando assim, saciar

unicamente seus interesses de exploração sobre o gênero. Conforme expõe Cisne:

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A divisão sexual do trabalho é uma das formas centrais para a exploração

do capital sobre o trabalho. Essa divisão segmenta os trabalhos de homens

e mulheres de forma a subalternizar os considerados naturalmente

femininos em relação aos considerados naturalmente masculinos. (CISNE,

2012, p.109).

No entanto, para Nogueira (2010), a divisão sexual do trabalho se revela

indiscutivelmente ao longo do processo histórico, das mudanças advindas das

transformações que ocorrem com o decorrer do tempo em uma dada sociedade,

considerando a realidade em sua dinamicidade.

A divisão sexual do trabalho é, portanto, um fenômeno histórico, pois se metamorfoseia de acordo com a sociedade da qual faz parte. Mas, na sociedade capitalista, ainda nos dias de hoje, o trabalho doméstico permanece predominantemente sob a responsabilidade das mulheres, estejam elas inseridas no espaço produtivo ou não. (NOGUEIRA, 2010, p.

59).

Segundo Kergoat e Hirata (2007), a divisão sexual do trabalho foi objeto

de estudo em vários países, “foi na França, no início dos anos 1970, sob o impulso

do movimento feminista, que surgiu uma onda de trabalhos que rapidamente

assentariam as bases teóricas desse conceito”. Na França o termo divisão sexual do

trabalho vem sendo aplicado em duas acepções de conteúdos distintos. Sobre essa

concepção, vejamos o que nos aponta as autoras supracitadas:

Trata-se, de um lado, de uma acepção sociográfica: estuda-se a distribuição diferencial de homens e mulheres no mercado de trabalho, nos ofícios e nas profissões, e as variações no tempo e no espaço dessa distribuição; e se analisa como ela se associa à divisão desigual do trabalho doméstico entre os sexos. Esse tipo de análise foi e continua sendo indispensável: por exemplo, a construção de indicadores confiáveis para medir a igualdade profissional homens/ mulheres é um verdadeiro desafio político na França. Mas, a nosso ver, falar em termos de divisão sexual do trabalho deveria permitir ir bem além da simples constatação de desigualdades. E aqui se chega à segunda acepção, segundo a qual falar em termos de divisão sexual do trabalho é: 1. mostrar que essas desigualdades são sistemáticas e 2. Articular essa descrição do real como uma reflexão sobre os processos mediante os quais a sociedade utiliza essa diferenciação para hierarquizar as atividades, e, portanto, os sexos, em suma, para criar um sistema de gênero. (KERGOAT; HIRATA, 2007, p. 596).

O trabalho doméstico realizado pelas mulheres era visto, e ainda hoje se

mantém idealizado pelo gênero feminino como algo natural, intrínseco ao sexo

feminino em uma sociedade patriarcal, onde as mulheres desenvolviam suas tarefas

em nome do amor e do dever materno em benefício família. “A divisão sexual do

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trabalho resulta de um sistema patriarcal capitalista que por meio da divisão sexual

do trabalho confere as mulheres um baixo prestígio social e as submete aos

trabalhos mais precarizados e desvalorizados.” (CISNE, 2012, p. 109).

Naturalizar o trabalho realizado pelo sexo feminino como algo

característico a mulher, desvaloriza seu papel social e ressalta a exploração

capitalista que circunda o universo do trabalho feminino, já que a configuração

assumida pelo capitalismo contemporâneo intensifica a fragilização do trabalho

feminina em sociedade. “A análise da divisão sexual do trabalho permite perceber

nuanças da exploração capitalista muitas vezes despercebida devido à naturalização

da subalternidade das mulheres nesta sociedade, assim como de papéis por elas

desempenhados.” (CISNE, 2012, p. 113).

De acordo com Cisne (2012), naturalizar as tarefas femininas como algo

ligado a própria gênese, contribui para exploração da força de trabalho, ao tempo

em que suas atividades são consideradas inatas a mulher como uma reprodução

estrutural e estabelecida culturalmente como a essência da própria gênese.

Conforme nos apresenta as colocações de Cisne:

A subordinação da mulher e dos dons ou habilidades ditas feministas são

apropriadas pelo capital para a exploração da força de trabalho, pois, as

atividades e trabalhos desenvolvidos por mulheres ao serem vistos como

atributos naturais, extensões de habilidades próprias do gênero feminino

são consideradas dons e não trabalho. (CISNE, 2012, p. 114).

De acordo com as colocações de KERGOAT (2003) foi então a partir da

conscientização do ciclo de opressão ao qual estavam inseridas as mulheres que se

teve início o movimento das mulheres, considerando o trabalho feminino como algo

realizado não para as mesmas, mas sim em benefício de outros, usando como

justificativa as características naturalizadas ao longo da história da sociedade ao

sexo feminino.

Foi então que a priori surgiram as primeiras análises sobre essa forma de

trabalho nas Ciências Sociais, de maneira que as abordagens passaram a valorizar

o trabalho doméstico tanto quanto o trabalho profissional, permitindo considerar

simultaneamente a atividade realizada nas esferas doméstica e profissional, abrindo

caminhos para se pensar em termos de divisão sexual do trabalho.

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Segundo KERGOAT (2003), essas transformações e a nova maneira de

pensar o trabalho trouxeram grandes impactos, pois com o fim da família em sua

forma de entidade natural, biológica, fazendo ressurgir como lugar de exercício de

um trabalho, foi o momento de discutir a esfera do trabalho assalariado, que até

então só era pensado em torno do trabalho produtivo e da figura do trabalhador

masculino, qualificado, branco.

Após esse movimento, a abordagem da divisão sexual do trabalho foi

utilizada para repensar o trabalho e suas categorias, suas formas históricas e

geográficas, a inter-relação de múltiplas divisões do trabalho socialmente produzido,

assim, o termo foi usado como objeto de estudo não só na França, mais em diversos

países pelo mundo.

No entanto, apesar de tudo isso, não devemos confundir com um grito de

vitória, considerando que a força subversiva do conceito divisão sexual do trabalho

entrou em declínio, conforme expõe KERGOAT e HIRATA:

Agora o termo é usual no discurso acadêmico das ciências humanas e,

particularmente, na Sociologia. De maneira geral, é desprovido de qualquer

conotação conceitual, e remete apenas a uma abordagem que descreve os

fatos, constata as desigualdades, mas não organiza esses dados de forma

coerente. O trabalho doméstico, que já foi objeto de numerosos trabalhos,

quase não é mais estudado; mais precisamente, ao invés de se utilizar esse

conceito para questionar a sociedade salarial (Fougeyrollas-Schwebel,

1998),fala-se em termos como “dupla jornada”, “acúmulo” ou “conciliação de

tarefas”,como se fosse apenas um apêndice do trabalho assalariado.

(KERGOAT; HIRATA, 2007).

Conforme as perspectivas das autoras supracitadas com relação a divisão

sexual do trabalho, nos remete a ideia de uma relação mútua entre o trabalho social

e as relações de gênero. Sobre essa assertiva expõe a seguinte afirmativa:

A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social

decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator

prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Tem como

características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das

mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos

homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos,

militares, e etc.). (KERGOAT; HIRATA, 2007, p. 599).

A inserção da mulher no mercado de trabalho não diminuiu sua

responsabilidade domestica, pelo contrário, aumentou ainda mais a carga de

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atividades direcionadas ao sexo feminino, assim como afirma Antunes (2008, p.

108), “A mulher trabalhadora, em geral, realiza sua atividade de trabalho,

duplamente, dentro e fora de casa, ou, se quisermos, dentro e fora da fábrica”.

Essa realidade aumentou também as formas de exploração do capital

sobre as mulheres, que se utiliza de estratégias alienantes para fragilizar a condição

feminina no mercado de trabalho, a exemplo disso, podemos observar a grande

difusão das jornadas de trabalhos parciais e as expressivas diferenciações de

salários entre homens e mulheres decorrentes das políticas neoliberais que

acarretam profundas consequências na divisão sexual do trabalho tanto no espaço

produtivo como também no espaço reprodutivo.

Vejamos o que nos revela Cisne:

Ressalta-se assim, que a inserção da mulher no mercado de trabalho não

significou, em tese, uma ruptura com sua responsabilização com as

atividades domésticas e com a reprodução social, ou seja, o Estado

permanece desresponsabilizado, ou sem impor esse ônus ao capital.

(CISNE, 2012, p. 121).

A permanente atribuição do trabalho doméstico direcionado as mulheres

se apresenta como um fator predominante que constitui a problemática da analise

das relações sociais e de gênero, assim, podemos concluir que é preciso uma

reflexão mais aprofundada sobre a consolidação dessa prática histórica e cultural.

Sobre assertiva acima exprime KERGOAT e HIRATA:

As razões dessa permanência da atribuição do trabalho doméstico às

mulheres, mesmo no contexto da reconfiguração das relações sociais de

sexo a que se assiste hoje, continuam sendo um dos problemas mais

importantes na análise das relações sociais de sexo/ gênero. E o que é

mais espantoso é a maneira como as mulheres, mesmo plenamente

conscientes da opressão, da desigualdade da divisão do trabalho

doméstico, continuam a se incumbir do essencial desse trabalho doméstico,

inclusive entre as militantes feministas, sindicalistas, políticas, plenamente

conscientes dessa desigualdade. Mesmo que exista delegação, um de seus

limites está na própria estrutura do trabalho doméstico e familiar: a gestão

do conjunto do trabalho delegado é sempre da competência daquelas que

delegam. (KERGOAT; HIRATA, 2007, p. 607).

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Foi a partir da década de 1970, paralelamente ao processo de

reestruturação produtiva que a mulher trabalhadora tornou mais evidente sua

participação diante das lutas de classe, assim como também na política.

A mulher se rebelou contra o discurso conservador que naturalizava as

atividades vistas como femininas e, portanto, inata à própria gênese, colocando

assim, como algo imutável e indiscutível o fato de ser mãe e esposa para manter o

conceito universal de família. Sobre a assertiva acima, expõe Nogueira:

É nessa década que o combate à opressão contra a mulher se torna mais

acentuado, onde era preciso mais do que nunca lutar pela sua emancipação

econômica e social, pelo seu direito ao trabalho, com todas as

especificidades que isso implica, como por exemplo, salários iguais para

trabalhos iguais, além da reivindicação de uma divisão mais justa no

trabalho doméstico, na esfera reprodutiva, libertando, ao menos

parcialmente, a mulher da dupla jornada. (NOGUEIRA, 2010, p. 59).

Assim, podemos constar que nesse período prevalecia o discurso

conservador, que naturalizava o destino das mulheres no ciclo de reprodução da

vida, de maneira que as mesmas deveriam ser basicamente mães e esposas

mantendo o conceito de família universal nos moldes da estrutura patriarcalista.

Portanto, isso tornava ainda mais necessária a participação da mulher trabalhadora

nas lutas de classe e nas reivindicações de participação política.

Os anos de 1970 foram marcados por reivindicações e lutas da classe

trabalhadora feminina, buscando mais valorização e reconhecimento como gênero

injustamente explorado pelo sistema opressor capitalista.

Sobre as citações acima, Nogueira nos mostra seus apontamentos:

É nessa década que o combate á opressão contra mulher torna-se mais

acentuado: era preciso, mais do que nunca, lutar pela sua emancipação

econômica e social, pelo seu direito ao trabalho com todas as

especificidades que isso implica, como, por exemplo, salários iguais para

trabalhos iguais, além da reivindicação de uma divisão mais justa no

trabalho doméstico, na esfera reprodutiva, libertando, ao menos

parcialmente, a mulher da dupla jornada. (NOGUEIRA, 2010, p. 37).

Nesse mesmo período, no Brasil, a mulher ficou mais independente em

suas escolhas com o uso da pílula anticoncepcional, que proporcionava as mesmas,

a condição de controlar seu limite de reprodução. Como podemos ver nos

apontamento de Diniz:

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A popularidade dos anticoncepcionais, conhecidos simplesmente como

„pílula‟, é um dos grandes responsáveis pela queda da natalidade no país.

De um padrão familiar de, em média, cinco filhos nos anos 1970, as

mulheres brasileiras passaram a ter menos que dois filhos nos anos 2010.

(DINIZ, 2013, p. 317).

Assim, entendemos que o uso da pílula anticoncepcional foi primordial

para o controle da taxa de natalidade brasileira, dando as mulheres oportunidade de

planejar quantos filhos pretendia ter, além de fortalecer a condição independe da

mulher como reprodutora.

A existência da pílula anticoncepcional no Brasil é conhecida desde o

inicio dos anos 1960, sobre várias imposições da medicina e da religião, assim como

apresenta Diniz (2013) “No entanto, a entrada da pílula no Brasil no início dos anos

1960 não se deu sem controvérsias médicas e religiosas.” A medicina ressaltava os

riscos sobre o uso da medicação para a saúde, já a religião tinha como condição

inata e dada por Deus a mulher, o dever se reproduzir sobre circunstâncias naturais.

No entanto, foi apenas em 1970 que o uso do medicamento foi mais

expressivo, porém apenas como método de controle a natalidade. Já em 1990, que

o uso da pílula começa a ser refletido sobre o viés de direitos reprodutivos como

condição feminina de conhecimento e propriedade do próprio corpo.

Segundo a autora supracitada, essas ideais só fizeram parte do cenário

político internacional a partir dos anos 1990, em decorrência de debates e

movimentos feministas que defendiam ideias emancipatórias, de igualdade entre os

sexos, liberdade sexual e melhores condições de salário para as mulheres.

Para considerarmos a emancipação verdadeira e plena, é necessário que

não esteja restrita ao gênero, mais sim, refletida em uma dimensão de totalidade,

considerando as condições econômicas e sociais relativas ao sistema capitalista, e a

verdadeira mudança de igualdade de gênero. Conforme as afirmativas de Mészáros:

Assim, dadas às condições estabelecidas de hierarquia e dominação, a causa histórica da emancipação das mulheres não pode ser atingida sem se afirmar a demanda pela igualdade verdadeira que desafia diretamente a autoridade do capital, prevalecente no “macrocosmo” abrangente da sociedade e igualmente no “microcosmo” da família nuclear. (MÉSZÀROS, 2002, p. 271).

Não é possível ocorrer emancipação de homens, bem como de mulheres

sem que exista a independência do trabalho assalariado, em meio a dominação e

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exploração e o estranhamento, que torna o indivíduo alienado sobre o próprio

trabalho concreto.

Sobre o que citamos acima, expõe Mészáros:

Em outras palavras, é preciso enfrentar a questão do tipo de igualdade viável para os indivíduos em geral, e para as mulheres em particular, na base material de uma ordem de reprodução sociometabólica controlada pelo capital, [...]. (MÉSZÀROS, 2002, p. 273).

As atividades domésticas realizadas pelas mulheres são de grande

importância na redução dos custos da reprodução da força de trabalho, não sendo

valorizadas nem reconhecidas como deveriam. Sobre a assertiva acima discorre

Nogueira:

Assim, a responsabilidade da realização das tarefas domésticas pelas mulheres que desempenham um trabalho assalariado no mundo da produção caracteriza a dupla (e às vezes tripla) jornada de trabalho com todas as implicações decorrentes dela, entre as quais destacamos a presença de uma forte opressão de gênero e também de exploração do capital. (NOGUEIRA, 2010, p.60).

A verdadeira emancipação feminina não será conquistada diante da mera

igualdade de gênero, pelo contrário, é necessário lutar pela abolição do trabalho

assalariado, da propriedade provada e o capital. A instituição familiar precisa romper

com as estruturas impostas pelo capital, buscando de fato a verdadeira igualdade

entre os sexos. Sobre isso discorre Mészáros:

Implorar a um sistema de reprodução sociometabólica profundamente perverso – baseado na perniciosa divisão hierárquica do trabalho – a concessão de „oportunidades iguais‟ para as mulheres (ou para o trabalhador), quando ele é estruturalmente incapaz de fazer isso, é transformar em zombaria a própria ideia da emancipação. A condição prévia essencial da verdadeira igualdade é enfrentar com uma crítica radical a questão do modo inevitável de funcionamento do sistema estabelecido e sua correspondente estrutura de comando, que a priori exclui quaisquer

expectativas de uma verdadeira igualdade. (MÉSZÀROS, 2002, p. 289).

Na concepção de Cisne (2012), para alcançar a verdadeira emancipação,

é necessário lutar contra ruptura com o modo de reprodução capitalista, que explora

as mulheres e esconde a verdadeira lógica das desigualdades nas relações de

gênero entre homens e mulheres.

Nesse sentido, o ponto a unir as mulheres deve ser a identidade de classe,

uma vez que é da contradição de classe que emerge as desigualdades,

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opressões e explorações que marcam a vida das mulheres trabalhadoras.

Além disso, a verdadeira emancipação das mulheres só pode ser alcançada

com a ruptura com o modo de reprodução capitalista [...].(CISNE, 2012, pp.

87-88).

Como já havíamos dito anteriormente com as palavras de Cisne (2012), o

sistema patriarcal capitalista é fundamental na manutenção das desigualdades

presentes na divisão sexual do trabalho, colocando a mulher sempre como

responsável pela harmonia familiar, bem como, pelas atividades domésticas a elas

direcionadas como consequência natural da própria gênese feminina. Sobre as

influencias do patriarcalismo, também expõe Nogueira:

Portanto, a família patriarcal, para a sociedade capitalista, é um importante

aliado para a sua dinâmica. Os afazeres domésticos, ou seja, o „cuidar‟ da

família é uma atividade reprodutiva fundamental. Nos termos de Marx, o

trabalho doméstico não objetiva a criação de mercadorias, mas a criação

de bens úteis indispensáveis para a sobrevivência da família. E essa é

uma das diferenças essenciais entre o trabalho assalariado e trabalho

doméstico, pois enquanto um está vinculado ao espaço produtivo, ou

seja, criando mercadorias e consequentemente gerando valores de troca,

o outro está relacionado à produção de bens úteis necessários para a

reprodução dos próprios componentes da família, permitindo, em grande

medida, que o capital também se aproprie, mesmo que indiretamente,

da esfera da reprodução. (NOGUEIRA, 2010, p.61).

A luta em busca de uma divisão sexual do trabalho mais justa e igualitária

é uma batalha contra o próprio capitalismo, onde a verdadeira emancipação da

mulher é uma esperança constante, e o anseio pela sua concretização é um dilema

de muitas mulheres em nossa sociedade. Sobre as colocações acima, expõe

Mészáros:

Como o modo de funcionamento do capital em todos os terrenos e todos os

níveis do intercâmbio societário é absolutamente incompatível com a

necessária afirmação prática da igualdade substantiva, a causa da

emancipação das mulheres tende a permanecer não integrável e no fundo

irresistível, não importa quantas derrotas temporárias ainda tenha de sofrer

quem luta por ela. (MÉSZÀROS, 2002, p. 272).

A carga de responsabilidade sobre as mulheres está cada vez mais

intensa, as atividades dirigidas a elas estão cada vez mais complexas, tanto no

espaço produtivo, como também, no espaço reprodutivo. Assim como nos relata

Nogueira:

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Portanto, quanto mais profundas forem essas „disfunções sociais‟, maior

será o peso e as exigências impostas às mulheres como eixo dessa família;

quanto mais acentuada for essa carga, além da sua exploração do trabalho

no espaço produtivo, mais intensa fica a condição de opressão feminina no

espaço reprodutivo patriarcal. (NOGUEIRA, 2010, p.62).

Dessa forma, considerando a opinião da autora supracitada, percebemos

que a vida paralela a qual é submetida às mulheres sobre a dupla jornada de

trabalho ainda é algo a ser combatido, deslanchado e discutido.

As disfunções sociais existentes sobre o gênero feminino ainda são muito

evidentes, sendo necessário um esforço maior para combater essas desigualdades

entre homens e mulheres, desconstruindo a visão conservadora engendrada nas

sociedades, e principalmente, destruir as redes de apreensão e opressão que o

sistema capitalista utiliza para manter a mulher em condições inferiores.

Apesar de todos os avanços e conquistas positivas que adquiriram as

mulheres com os movimentos feministas em busca por emancipação, podemos

observar diante do exposto que a base material do patriarcado não foi plenamente

desconstituída, sendo ainda muito presente em nossa sociedade que mesmo com a

desconstrução do modelo de família conservadora ainda predomina o poder

masculino culturalmente construído.

Para compreender melhor o sentido de família e o poder do patriarcado,

vamos adiante explanar sobre algumas das diversas construções familiares

existentes na contemporaneidade, em especial a família monoparental feminina.

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3 A FAMÍLIA MONOPARENTAL, CHEFIA FEMININA E SEUS REBATIMENTOS NO PROJETO UNIÃO

3.1. Transformações no contexto familiar

Para nos remeter ao tema família, precisamos considerar sua essência

social como categoria que está em constante processo de transformação e

adaptação em decorrência dos diversos períodos históricos.

Segundo Engels (1985) em seu livro: A origem da família, da propriedade

privada e do Estado, a família está em perfeita comunhão com a sociedade, ou seja,

na medida em que progride a família, progride também a sociedade e se modifica na

mesma dimensão que a sociedade se modifica.

Dessa forma, podemos perceber que a família faz parte de um processo

de construção história, e na medida em que a sociedade se transforma a estrutura

familiar também se modifica. “A família, como o mundo social, não é uma soma de

indivíduos, mas sim um universo de relações.” (SARTI, 2004, p. 18).

Para Sarti (2004), a condição em que a família está emerge sobre um

jogo que existe entre o mundo exterior e o mundo subjetivo, de maneira que as

construções simbólicas existentes no contexto familiar são efetivas em uma relação

especular:

O discurso social sobre família se reflete nas diferentes famílias, como um espelho. Em cada caso, entretanto, há uma tradução desse discurso, que por sua vez. Devolverá ao mundo social sua imagem, filtrada pela singularidade das experiências vividas. Assim, cada família constrói seus mitos a partir do que houve sobre si, do discurso externo internalizado, mais devolve um discurso sobre si que contém também sua própria elaboração, objetivando sua experiência subjetiva. (SARTI, 2004, pp.14; 15).

Ao considerar que a sociedade é dinâmica e está em constante

transformação, podemos concluir que a construção do ambiente familiar também

será alterada impulsionando uma diversidade de hábitos e costumes dentro da

instituição família. “Sabemos que não há realidade humana exterior à cultura, uma

vez que os seres humanos se constituem em cultura, portanto, simbolicamente”.

(SARTI, 2004, p. 14).

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Considerando a dinâmica social, podemos perceber que as famílias estão

inseridas nesse processo de transformação, dessa forma, refletimos sobre o

surgimento dos diversos arranjos familiares existentes na sociedade

contemporânea.

Para melhor compreender as diversidades dos arranjos familiares, iremos

discorrer sobre algumas composições da categoria família. Partiremos do modelo

patriarcal que está centralizado na figura masculina como referência para o conjunto

dos membros que residem na casa.

Segundo Poster (1979), apud Rodrigues e Abeche (2010), a família

aristocrata, ou patriarcal reverencia o pai como autoridade maior sobre os demais

membros da família, sendo ele o único que detém o poder sobre a família.

Destacamos também a família burguesa ou nuclear, que ainda sobre a

ótica do autor mencionado anteriormente, foi constituída na Idade Moderna,

composta pelo pai, mãe e filhos. Essa formação é vista até então como o modelo

padrão e natural perante a sociedade. Conforme podemos observar:

Esta estrutura familiar é definida como uma unidade conjugal limitada a poucos filhos, não se pautando na manutenção das tradições e na continuação da linhagem, mas sim, na acumulação de capital e no valor da escolha individual, no amor romântico. A partir do Estado liberal, a autoridade passa a ser exclusivamente limitada aos pais. (POSTER, 1979 apud RODRIGUES; ABECHE, 2010, p. 05).

Outro modelo que devemos destacar é a família tentacular constituída na

contemporaneidade, que segundo Kehl (2003) se trata do inverso a formação de

família nuclear. Neste modelo, os locais, ou posições de cada membro dentro da

família não estão perfeitamente definidos como no caso da família nuclear.

Vejamos o que expõe a autora:

As separações e as novas uniões efetuadas ao longo da vida dos adultos

foram formando, aos poucos, um novo tipo de família que vou chamar de

família tentacular, diferente da família extensa pré-moderna e da família

nuclear que aos poucos vai perdendo a hegemonia. (KEHL, 2003, p. 03).

Para a autora, os tentáculos apresentados nesse modelo abraçam

diversos membros existentes na família, como os frutos de novos casamentos, os

filhos de novos pais, os filhos de adolescentes que geram uma gravidez, o poder do

pai diminui no seio familiar e a presença da mãe dentro de casa também é menor já

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que as mulheres de hoje, trabalham fora de casa fazendo referência as

configurações irregulares e improvisadas ao modelo de família tentacular. Assim

como podemos ver nas palavras da autora:

Na confusa árvore genealógica da família tentacular, irmãos não consanguíneos convivem com “padrastos” ou “madrastas” (na falta de termos melhores), às vezes já de uma segunda ou terceira união de um de seus pais, acumulando vínculos profundos com pessoas que não fazem parte do núcleo original de suas vidas.

Dessa forma, podemos analisar que essa estrutura é o inverso do modelo

nuclear, composto por pai, mãe e filho sendo o oposto ao que representa a família

burguesa. Nessa formação, verificamos a desconstrução desse padrão estabelecido

em sociedade, considerando que a família tentacular é composta por diversos

membros.

Com relação ao Brasil, a formação da família nuclear burguesa ainda é

muito comum, no entanto, o panorama do contexto de família no país vem se

diversificando bastante, e a condição da mulher no âmbito doméstico também,

conforme podemos observar expresso na Cartilha de Direitos Humanos:

[...] antigamente no Brasil, a mulher era completamente subserviente ao marido, e isso era reconhecido legalmente - o Código Civil de 1916, por exemplo, dizia que a esposa era relativamente capaz (não podia exercer algumas ações sem o consentimento de um responsável), e tinha como curador seu marido ou seu pai. Em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada, ela passou a ser reconhecida como “colaboradora” na família. Apenas em 1988, com a Constituição Federal, a mulher passou a ter as mesmas funções do marido na manutenção da família, o que foi reafirmado no Código Civil de 2002, que entrou em vigor em janeiro de 2003. (CARTILHA SOBRE DIREITOS HUMANOS, 2005, p.09).

Além desses arranjos que discorremos anteriormente, queremos nos

aprofundar em outro modelo familiar ainda não apresentado, a família monoparental,

que é composta apenas pelo pai e a prole, ou pela mãe e seus filhos, nessa

estrutura o chefe da família independente do sexo é o único provedor do lar. Visto

isso, é sobre essa família monoparental chefiada por mulheres que iremos discorrer

no tópico seguinte.

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3.2. Famílias monoparentais e a chefia feminina

Segundo Vitale (2002), citado por Brito (2009), a expressão “famílias

monoparentais” começou a ser utilizada na França conforme afirmação de Nadine

Lafaucher20 na década de 1980, fazendo referência às unidades domésticas em que

as pessoas viviam sem cônjugue com um ou mais filhos com menos de 25 anos que

estão solteiros perante a sociedade civil.

Segundo Scott (1990) foi na década de 1950, que estudos faziam

referência entre nuclearidade de família e modernidade. A figura paterna era vista

como o único provedor e responsável financeiro dentro de casa. Já a figura materna

era responsável exclusivamente pelo lar, mantendo os cuidados com a casa e com

os filhos.

A família tinha como figura de autoridade maior o pai, estando todos os

outros membros subordinados as ordens do patriarca da família. “No contexto que

antecede a modernidade, encontra-se a família tradicional, que é hierárquica e

patriarcal, caracterizando-se pela subordinação ao homem.” (CERVENY, 2007, p.

26).

Considerando ainda a definição do núcleo familiar, na ótica de Pereira

(2009), a família constituída pela estrutura nuclear está em extinção, abrindo espaço

para novas composições de arranjos familiares.

[...] a tradicional família nuclear – composta de um casal legalmente unido, com dois ou três filhos, na qual o homem assumia os encargos de provisão e a mulher, as tarefas do lar --, que ainda hoje serve de referência para os formuladores de política social, está em extinção. E um importante fator responsável pelo seu esgotamento foi a ampla participação da mulher no mercado de trabalho e na chefia da casa. Atualmente muitos domicílios não constam sequer com a presença do homem como fonte de sustento ou de apoio moral. (PEREIRA, 2009, p. 38).

Depois de alguns anos, com a inserção da mulher no mercado de

trabalho, os homens deixam de ser os únicos provedores do lar, dividindo essa

responsabilidade com as mulheres, e assim, a instituição familiar é atingida por

mudanças significativas em suas estruturas. No entanto, paralelo a isso, os homens

20

Nadine Lafaucher é uma socióloga francesa que desenvolveu um estudo sobre as famílias

monoparentais na década de 1980.

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não assumiram as responsabilidades domésticas impostas historicamente para as

mulheres.

Na sociedade contemporânea, o contexto familiar está cada vez mais

diversificado, a mulher está adquirindo cada vez mais espaço no mercado de

trabalho e maior liberdade de expressão. “As famílias, a partir dos anos 1990,

tornaram-se mais efêmeras e heterogêneas. Assumiram a variedade de formas e

arranjos, e exigiram revolucionárias mudanças conceituais e jurídicas”. (PEREIRA,

2009, p. 39).

Assim, podemos absorver das palavras da autora, que a instituição

familiar se torna cada vez mais diferente, pois cada uma possui sua dinâmica

particular de sobrevivência. As transformações sociais ocorridas ao longo do tempo

acarretam fortes impactos dentro do ambiente familiar, como podemos observar nas

colocações da autora supracitada:

Veja-se, no Brasil, a mudança do conceito de família na Constituição

Federal de 1988 e as alterações legais contidas no novo Código Civil,

aprovado em agosto de 2001 para entrar em vigor em janeiro de 2002, com

vista a: acompanhar a revolução nos costumes; padronizar leis recentes

como a do divórcio, e dispositivos constitucionais referentes à família; e

regulamentar jurisprudências que, nos tempos atuais, não mais poderiam

pautar-se pelo Código Civil vigente,, escrito em 1916. Assim, tanto na

Constituição quanto no novo Código Civil, a família não é mais aquela que,

com a qualificação “legítima”, era formada pelo casamento e constituía o

eixo central do direito da família. Agora o conceito família abrange diversos

arranjos: a união formada por casamento; a união estável entre homem e

mulher e a comunidade de qualquer dos genitores (inclusive da mãe

solteira) com seus dependentes (chamada família monoparental).

(CARTILHA DE GÊNERO).

Dessa forma, conseguimos compreender que a figura feminina dentro do

seio familiar em decorrência de diversos fatores que acarretam mudanças sociais,

tornou-se cada vez mais importante e indispensável, pois a mulher na sociedade

contemporânea se revela cada vez mais ativa no mercado de trabalho, no entanto,

quase sempre paralelamente a sua vida doméstica como dona de casa e

responsável pela manutenção do lar.

Assim, percebemos que a mulher está cada vez mais presente no

mercado de trabalho, adquirindo maior autonomia sobre sua vida, mas seus deveres

culturalmente engendrados na sociedade como a responsabilidade de ser “dona de

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casa” e “trabalhadora do lar”, não foram desconstituídas da realidade do gênero

feminino, sendo ainda fortemente praticada no cotidiano da mulher contemporânea.

As modernas composições familiares, em especial a família chefiada por

mulheres, tem exigido muito do sexo feminino, pois sobre elas reside o dever de

cuidar dos filhos e da casa, mas também precisam trabalhar fora para garantir os

meios básicos de sobrevivência para sua prole.

Sobre isso, ressalta Bruschini:

Como podemos observar a desigualdade de gênero e a subalternidade da mulher em sociedade sempre foram evidentes na construção da historia da humanidade. Com relação ao mercado de trabalho não é diferente, a mulher chefe de família hoje tem grandes desafios a serem superados, e sua condição no mercado de trabalho é um deles. “Qualquer que seja a resposta, o trabalho feminino não deixa de ser caracterizado como mais precário em relação ao masculino”. Ao contrário, há várias evidências de que a desigualdade de gênero continua a demarcar o mercado de trabalho brasileiro. (BRUSCHINI, 1995, p. 31).

Além de suprir com a função de mantedora financeira do lar, a mulher na

atualidade ainda se mantém fortemente, como a única responsável pela harmonia

familiar e pelos cuidados com os filhos e a casa.

Sobre essa concepção, vejamos o que nos diz Pereira:

Considerando que a família não é um bloco monolítico, e que, devido a sua reestruturação, ela passou a ser preponderantemente gerida e sustentada pelas mulheres, pergunta-se (fazendo coro com amplas vozes feministas): quem, na família contemporânea, arcará com o encargo de cuidar cotidianamente de crianças, enfermos, idosos debilitados, além de assumir as responsabilidades de provisão e gestão do lar? Tudo leva a crer que se está pensando na mulher, quando se requisita a participação da família no esquema misto de bem-estar, pois era ela quem tradicionalmente arcava com esse ônus. Ora, como a visão tradicional continua em pauta, é das mulheres que se espera a renúncia das conquistas no campo do trabalho e da cidadania social, pois se presume que o foco central de suas preocupações continua sendo a casa, enquanto o do homem ainda é o local de trabalho. (PEREIRA, 2009, pp. 38;39).

Conforme Barroso e Bruschini (1981), citado por Brito, somente a partir de

1970, que as famílias chefiadas por mulheres no Brasil adquiriram maior visibilidade

nos estudos sociológicos.

A condição da mulher em sociedade ainda é muito subalternizada,

existindo muitos aspectos a serem estudados em nossa história, como por exemplo,

a dupla jornada que enfrentam principalmente as mulheres em condições mais

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vulneráveis, geralmente nas famílias monoparentais femininas. Sobre essa

afirmação, vejamos o que nos apresentam os autores:

É preciso não esquecer que as mulheres chefes de família monoparental costumam ser também „mães de família‟: acumulam uma dupla responsabilidade, ao assumir o cuidado da casa e das crianças juntamente com o sustento material de seus dependentes. Essa dupla jornada de trabalho geralmente vem acompanhada de uma dupla culpa por suas insuficiências tanto no cuidado das crianças quanto na sua manutenção econômica. É verdade que essas insuficiências existem também em outras famílias, e igualmente é verdade que ambas têm suas raízes nas condições geradas pela sociedade. Porém, esses fatores sociais são ocultados pela ideologia que coloca a culpa na vítima, e o problema se torna mais agudo, quando as duas vítimas são encarnadas por uma só pessoa.

Segundo dados da PNAD (2010), no Brasil as horas que as mulheres

gastam com os afazeres domésticos se mostra mais do que o dobro de horas

despendidas pelo homem. Podemos observar que no ano de 2009 as mulheres

ocupadas gastaram em média 22,00 horas com afazeres domésticos semanalmente,

já os homens obtiveram uma média 9,5 horas de ocupação. Podemos ver mais

claramente no gráfico abaixo:

Tabela: 01

Fonte: PNAD/IBGE/2009

Ao analisar a tabela, percebemos que a mulher é submetida a condições

sócias desleais em comparação aos homens, conforme já vimos a responsabilidade

doméstica é dada as mulheres por fatores culturalmente engendrados na história da

humanidade.

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Relembrando o que nos revelou Cisne (2012), os papéis ditos como

femininos e naturalizados em nossa sociedade, favorecem diretamente aos

interesses capitalistas, através da ampliação do lucro gerado pelo esforço feminino,

já que os custos de reprodução da força de trabalho são menores, desqualificando o

trabalho realizado pela mulher.

Sobre a ótica de Bruschini (1995), a responsabilidade feminina sobre os

cuidados com os filhos delimita a participação feminina no mercado de trabalho. “A

responsabilidade da guarda, cuidado e educação dos filhos limita a saída da mulher

para o trabalho remunerado, sobretudo se os rendimentos obtidos forem

insuficientes para cobrir custos com formas remuneradas de cuidado infantil.”

Diante disso, esses aspectos conservadores de predominância feminina

sobre os cuidados domésticos submetem as mulheres a uma condição mais

precarizada de trabalho, pois o paralelo entre a vida doméstica e o mercado de

trabalho acarreta uma carga bem maior sobre a mulher expondo claramente a

exploração vinculada ao gênero feminino.

Todas essas evidências mencionadas acima são mais profundas na

composição da família monoparental feminina. Na região nordeste esse tipo de

arranjo família é bastante expressivo. Conforme dados obtidos através da PNAD

(2009), podemos verificar o índice da chefia feminina no período citado.

Remetendo-nos a região nordeste, podemos observar que a maior

concentração de mulheres chefes de família se encontra nas áreas metropolitanas

dos estados com um percentual de 42, 7%, logo após, as áreas urbanas com 37,5%,

e posteriormente as áreas não metropolitanas e rurais, assim como podemos ver na

tabela abaixo:

Tabela: 02

Fonte: PNAD/IBGE/2009

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Diante dessas transformações sociais no ambiente familiar, podemos

perceber que a mulher está cada vez mais independente do homem principalmente,

financeiramente com sua assídua participação no mercado de trabalho. Assim, as

composições familiares estão se diversificando cada vez mais, formando sua própria

conjuntura.

Sobre a assertiva, vejamos o que nos expõe Scott:

E se os modelos familiares são hoje mais diversificados, em termos de formas e composições que na primeira metade do século XX, as mulheres na família têm também reconhecidamente maior poder de decisão. Elas têm de fato muito mais voz ativa, tanto na família em que nascem e crescem quanto na sociedade conjugal que estabelecem na vida adulta. Também têm a seu alcance maiores possibilidades de fazer escolhas que envolvem filhos. (SCOTT, 2013, p. 38).

Ainda sobre a visão da autora mencionada anteriormente, a família, assim

como a sociedade está em constante processo de transformação expressando suas

diversas configurações.

Conforme nos acrescenta a autora citada anteriormente:

A família mudou e continua mudando. Como instituição histórica ela se reinventa, embora permaneça como referencia afetiva e de socialização. Hoje, uniões e vínculos familiares levam em consideração, sobretudo, as relações afetivas. Ainda há mulheres, muitas mulheres, que se sentem obrigadas a permanecer em uma relação matrimonial por conta de dependência econômica, ou por pressão familiar, mais a sociedade contemporânea lhes dá cada vez mais escolhas. (SCOTT, 2013, p. 39).

Como podemos perceber, a formação do grupo familiar é complexa e

dinâmica, estando constantemente sujeita a modificações como percebemos pelas

colocações dos autores sobre o tema. Dentro dessa atual conjuntura, temos a

família monoparental chefiada por mulheres, colocando a mesma como o centro da

instituição familiar.

A família monoparental chefiada por mulheres apresentam maiores

dificuldades de manutenção do que as famílias nucleares, considerando que não

existe a contribuição masculina no sustento dos filhos e na manutenção do lar.

Conforme Carvalho (1998, p. 85) existem quatro fatores que parecem

contribuir para o agravamento da condição de vulnerabilidade das famílias

monoparentais femininas:

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Primeiramente, a situação evidente e generalizada da segregação da

mulher aos piores postos de trabalho, à pior remuneração e à ausência de

mobilidade social nas atividades ditas femininas. A maioria das mulheres

está vinculada as atividades informais e, portanto, de modo geral, mais

sujeita às flutuações de demanda e crescimento da concorrência por parte

de outros trabalhadores transferidos do setor formal para informal da

economia que se dá na época atual.

Em segundo lugar, a composição do domicilio parece ser um fator

preponderante. A chefia feminina parece estar grandemente associada a

domicílios menores, mas fundamentalmente composto por população

infantil. A mulher é, na maioria das vezes, o único membro adulto do

domicílio, o que diminuí as chances de outros rendimentos reforçarem o

orçamento doméstico.

Em terceiro lugar, a vulnerabilidade de tais domicílios também decorre de

fato de que em sociedades como a brasileira apenas a mulher assume as

funções domésticas de um grupo familiar. Isso dificulta a conjugação entre

trabalho remunerado, cuidado com os filhos e atividades domésticas.

Devido a essas dificuldades, a mulher provedora às vezes não tem outra

escolha a não ser vincular-se a trabalhos mais mal remunerados, seja em

sua própria casa ou nas redondezas, trabalhos de tempo parcial ou

intermitentes. Consequentemente a chefe de família em períodos de grande

demanda doméstica tende a investir menos em sua atividade como

trabalhadora. Além disso, a mulher provedora concorre em um mercado de

trabalho que opera e recruta tendo a mulher sob a ótica de trabalhadora

secundária e de rendimentos complementares em um domicilio.

Em quarto lugar, famílias chefiadas por mulheres, em grande parte, são

decorrentes de gravidezes precoces e instabilidade familiar, o que tende a

contribuir para a reprodução da pobreza de geração a geração.

Apesar da crescente participação da mulher no mercado de trabalho, a

fragilização da condição feminina em sociedade não está banida, o paralelo entre o

trabalho e a vida doméstica tem sobrecarregado o gênero.

Scott (2013) retrata que:

É verdade que nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI as mulheres granjearam importantes parcelas no mercado de trabalho, alcançaram uma maior escolarização, conseguiram ampliar o controle sobre sua sexualidade e fecundidade, mais também aumentaram e muito sua jornada de trabalho. (SCOTT, 2013, p. 38).

A desigualdade de salários entre os sexos demarca ainda mais a

opressão sobre a mulher, estando ela, sujeita as injustiças e explorações do sistema

capitalista. “apesar dos ganhos obtidos pelas trabalhadoras no tange aos espaços

ocupacionais no mercado de trabalho, os baixos rendimentos obtidos por elas, e a

desigualdade salarial entre os sexos refletem a permanência da discriminação

sexual.” (BRUSCHINI, 1995, p. 42).

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Dessa forma, concluímos que as famílias chefiadas têm maiores

dificuldades para se manter em sociedade em decorrência de vários fatores como

elucida a autora mencionada acima.

Algo que gostaríamos de destacar é a condição divergente de idades

entre as famílias formadas por casais com filhos e as famílias monoparentais, tendo

apenas uma pessoa de referência no ambiente família. Podemos observar mais

claramente na tabela abaixo:

Tabela: 03

Fonte: PNAD/IBGE/2009.

Assim, como podemos observar, que nos arranjos de família formados por

casais com filhos, 54,7%, geralmente as crianças ainda se encontram na fase da

infância, sendo menores de 16 anos, enquanto nas famílias que possuem apenas

uma pessoa de referência como chefe do lar, 51,4% já se encontra na fase adulta.

Portanto, ao analisar a tabela, percebemos que em domicílios com

apenas uma pessoa de referência e sem cônjugue, os filhos já estão com mais de

16 anos conforme os dados apresentados com base em 2009, estando assim, em

condições de exercer um trabalho remunerado no mercado de trabalho.

Com relação ao Estado do Ceará, as mulheres estão adquirindo maior

espaço no mercado de trabalho, bem como no lar, como chefes de família. Podemos

entender melhor a partir das análises apresentadas pelas estatísticas de gênero no

Estado.

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Conforme análise dos resultados sobre as estatísticas de Gênero

observadas no Censo Demográfico 2010, e realizado pelo Instituto Brasileiro de

Geografia Estatística – IBGE em parceria com a Secretaria de Políticas para as

Mulheres– SPM e a Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas do

Ministério do Desenvolvimento Agrário - DPMRQ/MDA revelaram que as mulheres

cearenses estão estudando mais, porém, possuem formação em áreas que auferem

menores rendimentos.

Elas estão cada vez mais inseridas no mercado de trabalho, mas

continuam recebendo os menores salários em relação aos homens

independentemente de exercer a mesma função, além de terem ganhado mais

espaço como chefes de família no ambiente familiar.

Dessa forma, é perceptível o aumento da presença feminina tanto no

mercado de trabalho como também nos lares ocupando o cargo de chefe de família,

ou pessoa de referência da casa em todo o Brasil, os indicadores se mostram

elevados perante a participação feminina nos dois patamares discutidos.

No próximo tópico, iremos discorrer sobre o Projeto União como nosso

campo de pesquisa, analisando a percepção das mulheres chefes de família

monoparental feminina sobre a instituição. Apresentaremos também as dificuldades

no processo de desenvolvimento da pesquisa.

Buscaremos compreender como se procede a realidade da chefia

feminina dentro do grupo de mulheres entrevistadas, com o intuito de compreender

quais os desafios encontrados ao longo desse processo.

Pretendemos traçar um perfil dessas mulheres para compreender as

implicações dentro dessa realidade, refletindo sobre a condição da divisão sexual do

trabalho e a representação de gênero. Além disso, discorreremos sobre a situação

da mulher chefe de família na contemporaneidade, suas limitações no mercado de

trabalho e suas dificuldades enquanto mães e provedoras do lar.

3.3. Projeto União e percalço da pesquisa

O campo de pesquisa, conforme mencionado na introdução foi a Intuição

Projeto união, ou PROUNI, fundado em 08 de agosto de 1986, e está localizado na

Rua Eretides de Alencar, nº 302, bairro Jardim Iracema, Fortaleza/CE.

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A instituição se mantém através dos recursos do Fundo Cristão, doações

e parcerias, inicialmente, seguia o regime assistencialista com objetivo de atender a

demanda apresentada no bairro com ações no âmbito da saúde e educação

buscando beneficiar as famílias em situação de vulnerabilidade social.

As atividades funcionam através de iniciativas como apadrinhamento de

crianças filhos (as) carentes, os padrinhos, ou melhor, os colaboradores do projeto

são estrangeiros de diferentes países que sensibilizados com as condições de vida

dessas famílias se dispõe a colaborar com o projeto doando um valor em dinheiro

periodicamente para manter suas atividades de amparo as famílias carentes no

âmbito da educação e profissionalização. Esse valor é dividido entre a família e a

instituição para a manutenção de suas atividades.

As ações desenvolvidas pela unidade favorecem principalmente, as

mulheres chefes de família, muitas em situação de monoparidade, como foi o caso

de minha mãe que fez parte do projeto quando eu ainda era uma criança. Ela

recebeu ajuda para arcar com sua responsabilidade materna e financeira

necessárias para manutenção do lar.

Percebemos então, que esses elementos presentes na instituição tinham

características importantes para esta pesquisa, obtendo um perfil necessário de

mulheres para o presente estudo. Buscou-se orientação sobre a viabilidade de

realizar a pesquisa nesse local, aliando elementos da vida prática que possam

embasar a presente pesquisa com elementos teóricos e práticos para a

fundamentação dessa realidade, conforme nos aponta Minayo:

Entendemos por pesquisa a atividade básica da Ciência na sua indagação e construção da realidade. É a pesquisa que alimenta a atividade de ensino e atualiza frente à realidade do mundo. Portanto, embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática. (MINAYO, 1993, p. 17).

O Projeto União, ou PROUNI, foi fundado em 08 de agosto de 1986, no

bairro Jardim Iracema, Fortaleza/CE. Ele se manteve através dos recursos do Fundo

Cristão, doações e parcerias diversas. Inicialmente, seguia o regime assistencialista

com objetivo de atender a demanda do bairro com ações em saúde através da

educação e informação.

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O perfil das famílias assistidas são aquelas em situação de

vulnerabilidade social, apresentando condições precárias de sobrevivência e

manutenção de sua família, muitas são mulheres que vivem sozinhas com seus

filhos e chefes de seus lares.

Inicialmente, conversando com a pedagoga que está em contato assíduo

com essas mulheres, ela disse que seria muito promissora essa pesquisa dentro da

instituição e aceitou o nosso estudo no Projeto União.

A instituição, busca por meio de atividades produtivas, ajudar

financeiramente mulheres no sustento de suas famílias, a exemplo disso, a

pedagoga disse que estava recentemente sendo implantado nas atividades do

projeto um grupo de iniciativas produtivas para mulheres chefes de família. (Guia

institucional).

O grupo se chama GOLD - Grupo de Oportunidade Local e

Desenvolvimento, direcionado exclusivamente para mulheres chefes de domicílio

que estão inseridas no projeto, atendendo aproximadamente no mínimo 10 (dez), e

no máximo 20 (vinte) delas. (Guia institucional)

O propósito do grupo é capacitar mulheres com cursos

profissionalizantes, através da educação financeira, onde elas têm oportunidade de

gerar renda para suas famílias, as atividades funcionam de forma cooperativa com

um grupo de 10 mulheres (estando abertas a novas inscrições), que juntas

aprendem a realizar algum oficio, como criar bonecas de pano, fazer várias coisas

com garrafa pet, biscuit, entre outros materiais que podem ser utilizados para

produzir peças.

Tudo que é confeccionado pelo grupo pertence a todos, e é de

responsabilidade coletiva. São realizadas feiras e tudo é vendido, quando uma

integrante precisa de dinheiro, ela pode pedir um empréstimo ao grupo, e terá um

prazo para repor o dinheiro no caixa que pertence a todo o grupo. Considerando a

existência do grupo, seu propósito e o perfil das mulheres que participam, foi dele

então que buscamos tirar amostras para a pesquisa.

No sentido de viabilizar a presente pesquisa solicitamos a coordenadora

pedagógica que permitisse a realização de uma reunião convidando o grupo de 10

(dez) mulheres para apresentar a proposta de pesquisa e sondar quem aceitaria

participar.

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Chegado o mês marcado para a apresentação da pesquisa às mulheres

no projeto UNIÃO, compareceram apenas oito do grupo formado por dez mulheres,

no entanto, mantivemos o foco e apresentamos as presentes. Ao final da conversa,

questionamos quais delas aceitariam participar do estudo utilizando alguns métodos

de investigação como perguntas e aplicação de questionários que serviriam para

embasar o trabalho de conclusão do curso de graduação em serviço social na

Faculdade Cearense.

Apesar de todas as explicações informando que se tratava apenas de

uma pesquisa acadêmica, apenas 07 (sete) mulheres aceitaram fazer parte da

pesquisa contanto que suas identidades fossem preservadas, direito esse que deve

ser respeitado pela pesquisadora, pois elas falaram que não iriam se sentir à

vontade para expor sua vida e suas dificuldades para que qualquer pessoa pudesse

identificá-las, e assim foi feito.

Logo após, foi marcada uma nova reunião com as mulheres que

receberam um comunicado do projeto falando sobre a iniciação prática da pesquisa

de campo, portanto, foi solicitada a presença delas que compareceram e

contribuíram trazendo fundamentações significativas para a referida pesquisa.

A instituição é bastante significativa na vida dessas mulheres conforme

podemos observar no decorrer da pesquisa realizada em campo. Sobre essa

relação, discorreremos conforme as colocações das entrevistas.

O Projeto União fez parte da vida de Camélia muito cedo, ainda menina já

estava inserida na instituição através de sua mãe. Quando sua filha nasceu ela se

inscreveu na instituição como mãe solteira, e assim foi sendo escrita a história do

projeto na vida da sua família, passando de geração em geração.

Ela diz que um dos primeiros benefícios que recebeu da associação foi à

oportunidade de participar do curso de bordado, pois com ele, pode criar peças

bordadas e vender servindo como um ofício para gerar renda e ajudar a sustentar

sua filha.

Participei do curso de bordado, ai aprende e fiz muitas peças pra vender, sustentei minha filha na alimentação, no que vestir e tudo mais, porque a minha renda era dos bordados que eu vendia e que graças a Deus aprendi no projeto. (Camélia, 2014).

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O projeto para Hortência foi de grande valia, pois contribuiu com seu

crescimento educacional através da oferta de cursos que trouxeram bastante

conhecimento para ela, além dos benefícios para sua filha.

Eu aprendi muito com os cursos do projeto e também ajudou muito minha

filha nas coisas dela. (Hortência, 2014).

Para Violeta, o projeto foi indicado por uma amiga. Para ela o projeto foi a

melhor coisa que aconteceu na vida dela, tanto em benéfico próprio, como também

para seus filhos que podiam ter acesso a tratamento dentário sem custo nenhum,

além de outros benefícios. Ela diz que a oportunidade de aprender vários cursos

gratuitamente foi importante para valorizar sua autoestima.

Foram vários benefícios, apadrinhamento dos meus filhos, as atividades

que tiram as crianças da rua, os cursos, tratamento dentário, e muito outros.

O projeto foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida. (Violeta, 2014).

Muito orgulhosa Bromélia disse que conheceu o projeto através de uma

amiga que falou sobre a instituição, e então ela resolveu inscrever os filhos que

receberam muitos benefícios como material escolar, atendimento odontológico, entre

outros. Diante disso, Bromélia resolveu ser voluntariamente do projeto auxiliando

nas atividades diárias da instituição.

Meus filhos tiveram uma assistência ótima, com dentista, material escolar e

outros benefícios, eu como mãe percebi um desenvolvimento excelente dos

meus filhos, e hoje eu sou uma representante voluntária aqui na rua.

(Bromélia, 2014).

Azaléia conheceu o projeto através de sua mãe, sendo passado de

geração em geração. Ela diz que o projeto realiza é de grande feito para as famílias

da comunidade, atendendo as crianças e também as mães. Ela adora fazer os

cursos porque diz que aprende muita coisa e pode vender a fim de gerar renda em

casa.

O projeto faz grandes coisas para as famílias, a minha vida mudou muito

porque eu fiz curso e meus filhos aprenderam muito no projeto com curso e

reforço. Hoje eu sei fazer muita coisa e vendo pra ganhar dinheiro. (Azaléia,

2014).

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Diante disso, percebemos que o Projeto União é muito importante na vida

de todas as entrevistadas. No tópico a seguir, apresentaremos o perfil de cada uma

das mulheres envolvidas na pesquisa.

3.3.1Perfil das mulheres chefes de família monoparental entrevistadas

De acordo com o que mencionamos anteriormente, a pesquisa foi

finalizada com cinco mulheres que estavam dentro do perfil da linha de pesquisa.

Apresentar o perfil de cada uma das mulheres que entrevistadas é importante para

alcançar os objetivos almejados nessa pesquisa, buscando identificar características

pessoais e familiares que colaboram para a inserção dessas mulheres nesse estudo,

suas particularidades e similaridades com o objeto investigado.

Camélia tem 44 anos e sempre morou no bairro Jardim Iracema, é

solteira, tem apenas uma filha que atualmente está com 25 anos. Com relação ao

nível de escolaridade, cursou o até o ensino médio, mas não concluiu totalmente,

pois não teve muito interesse já que trabalhar, segundo ela, é mais importante.

Ela sempre ajudou a mãe que foi costureira, “virando noites e noites” na

costura para colocar comida na mesa, ainda menina sempre que podia auxiliava a

mãe com os trabalhos que eram realizados em casa.

Com 18 anos Camélia ficou grávida e deixou definitivamente a escola

para trabalhar fora e conseguir manter sua filha, pois não recebeu a ajuda que

merecia. Seu primeiro emprego foi como copeira em um hospital próximo de casa,

profissão essa, que ela exerce até hoje, e diz que não tem interesse mais em

estudar nem mudar de profissão, pois apesar de sacrificante gosta muito do que faz.

Sua atividade de trabalho é regular, possui carteira assinada recebendo um salário

mínimo por mês.

Atualmente, Camélia não recebe nenhum benefício social, mas diz que já

recebeu quando a filha era criança, na época o benefício que ela recebia se

chamava bolsa escola que era concedido as famílias de baixa renda até o filho

completar 17 anos.

Hortência tem 35 anos, e também sempre foi residente do bairro Jardim

Iracema desde criança, é mãe de uma menina de oito anos de idade que não tem

contato com o pai. Segundo Hortência, o pai de sua filha nunca foi presente na vida

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das duas nem nunca procurou para oferecer nenhum tipo de ajuda que pudesse

contribuir para educação e subsistência de sua filha.

Ela possui o ensino médio incompleto, divide os custos da casa com sua

irmã que mora com ela. Atualmente, Hortência trabalha como autônoma vendendo

variedades no comércio de Fortaleza, ela nos relatou que não é fácil, e com pouco

estudo tudo na vida se torna mais difícil, pois segundo ela, não é beneficiada com

programas sociais ficando ainda mais difícil conseguir oferecer a sua filha tudo que

ela precisa.

Bromélia tem 65 anos, é solteira e mãe de 03 filhos que hoje já estão

adultos e ajudam bastante na manutenção financeira da casa, mas ressalta que não

foi fácil criar seus filhos, o pai nunca registrou as crianças. Ela mora no bairro Jardim

Iracema há 32 anos, e possui o ensino médio completo. Atualmente, é pensionista,

não exerce nenhuma atividade remunerada.

Violeta tem 75 anos, reside no bairro Jardim Iracema há cinquenta e sete

anos, possui o ensino médio completo, foi mãe de 12 filhos, hoje tem apenas 10

filhos porque 02 faleceram, e como ela diz, foi muito sacrificante criar todos sozinha,

porque mesmo possuindo em seu estado civil a situação de casada, ela diz que

criou os filhos sem ninguém porque o pai sumiu no mundo e nunca procurou ajudar

os filhos.

Hoje, está aposentada, mas já teve muitas atividades de trabalho

diferentes quando ainda tinha uma vida ativa no mercado de trabalho. Violeta não

teve o amparo e o companheirismo do genitor das crianças, que não ofereceu o

apoio que ela esperava. Foi mãe solteira e batalhou muito para pôr na mesa o que

comer para seus filhos, como diz ela não foi fácil, mas venceu. Atualmente, mora

com 10 pessoas, entre filhos, netos, noras e genros.

Azaléia tem 44 anos, é mãe de 03 filhos e atualmente está casada.

Conseguiu estudar apenas até o ensino fundamental não concluído. Mora no bairro

Jardim Iracema desde seu nascimento, seus pais sempre foram moradores do

bairro. Ela diz que não foi fácil criar os filhos sozinha, tinha que ter muita coragem e

força porque naquele tempo, ainda era mais complicado, mulher sem marido tinha

mais dificuldade, hoje é mais tranquilo, porque os avôs ajudam os tios também, para

Azaléia ser mãe solteira hoje é mais fácil.

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Para sustentar a família, Azaléia possui um pequeno ponto de lanche que

diz ter conquistado com muito esforço junto com o atual marido. Ela disse que nunca

recebeu nenhum auxílio de programas sociais para garantir o sustento dos filhos, foi

tudo com muito trabalho e vontade de vencer.

Referindo-nos ao nível de escolaridade que possui o grupo de cinco

mulheres envolvidas na pesquisa, o percentual de mulheres que conseguiram

concluir o ensino médio foi superior aos demais, 60% que corresponde a três

mulheres, já em segundo lugar temos as mulheres que não conseguiram concluir o

nível médio 20% correspondendo a um número delas, já em terceiro e último lugar

temos as mulheres que não chegaram a terminar o ensino fundamental equivale a

20% se referindo a uma só mulher dentre o grupo das envolvidas no estudo.

Percebemos que a maior parte terminou o nível médio, porém nenhuma

continuou a estudar buscando ingressar em uma universidade, algumas me

disseram que concluindo o nível médio já seria o suficiente para ingressar no

mercado de trabalho ocupando um cargo satisfatório, já outras, que não

conseguiram concluir o nível médio porque ficaram grávidas e tiveram que trabalhar,

e era difícil continuar os estudos trabalhando e cuidando dos filhos.

A única mulher que alegou não ter concluído o ensino fundamental, disse

que vem de origem muito pobre, tinha que ajudar a mãe nos afazeres da casa e não

tinha muito tempo para escola, além disso, ela diz que na época o incentivo ao

estudo não era muito comum na família, pois seus pais valorizam mais o trabalho

doméstico que os estudos. A mesma disse que também tinha como obstáculo a

gravidez precoce, que a afastou ainda mais dos estudos. No gráfico abaixo podemos

observar de maneira sintética as informações levantadas no estudo em termos de

nível de escolaridade.

Gráfico 01

Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2014.

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Observando o gráfico acima, percebemos que estão em maior número as

mulheres que concluíram o nível médio, sendo três das envolvidas na pesquisa.

Entre as demais mulheres, uma não concluiu o nível médio e outra não concluiu o

ensino fundamental.

Com relação a idade dessas mulheres, observamos uma equivalência

entre elas, conforme podemos perceber no gráfico abaixo:

Gráfico 02

Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2014.

Percebemos que a maioria das mulheres chefes de família possui uma

idade mais avançada, entre os 41 e 60 anos, o equivalente a 60% do número total

das que estão envolvidas na pesquisa, ficando então o percentual de 40% para as

mulheres com faixa de idade entre os 20 e 40 anos.

Assim, verificamos que o fenômeno da chefia feminina dentro das famílias

monoparentais é algo presente em muitas gerações, já que temos entrevistadas que

se encontram na terceira idade. Portanto, percebemos que esse fenômeno já

existente vem se perpetuando mais intensamente na sociedade contemporânea.

3.3.2 Ponderações da realidade das famílias monoparentais chefiadas por mulheres integrantes do Projeto União

Traremos agora, sobre a análise dos dados da pesquisa que foram

coletados em campo através de entrevistas com roteiros orientados por perguntas

semiestruturadas, bem como, estatísticas colhidas por meio do questionário aplicado

as entrevistadas, de acordo com o que foi mencionado anteriormente no primeiro

capítulo desse estudo.

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O modelo de entrevista citado acima tem como primordial a necessidade

de realizar perguntas básicas e objetivas para atingir a finalidade desejada na

pesquisa, além de considerar perguntas previamente permitindo também, outros

questionamentos no decorrer da referida pesquisa.

Como já havíamos ressaltado também no primeiro capítulo, as entrevistas

foram realizadas no Projeto União, instituição em que as mulheres chefes de

famílias participam de projetos que fortalecem sua autonomia.

A pesquisa de campo ocorreu entre os meses de setembro e outubro de

2014, contando com a colaboração de cinco mulheres que não tiveram seus

verdadeiros nomes identificados, pois a pedidos das mesmas, foi mantido o sigilo de

suas identidades sendo então substituídos por nomes de flores, os quais

representam a feminilidade e a resistência dessas mulheres.

Com relação ao perfil das mulheres chefes de famílias envolvidas neste

estudo, percebemos que foi de extrema importância para identificar as

características pessoais e familiares que predominam em cada caso, o que de certa

forma, as distinguem de outras mulheres em condições adversas no contexto

familiar. Dessa forma, foi preciso fazer uma análise das características que existem

dentro desse perfil de mulheres.

Referindo-nos a quantidade de filhos, 02 (duas) das cinco mulheres tem

apenas um filho, correspondendo a 40%, sendo a mesma proporção que as

mulheres com três filhos, também 40%, enquanto uma só mulher possui mais de três

filhos, mais precisamente 12 (doze), atingindo um percentual de 20% entre o grupo.

Diante das evidências mencionadas acima, observamos que o menor

percentual foi estimado entre as mulheres que possui mais de três filhos, podendo

ser justificada pela queda da taxa de natalidade com o uso frequente de

contraceptivos e demais métodos preventivos conforme já vimos no capítulo dois,

com maior efervescência na última década.

Outro fator que explica esse número é a maior participação das mulheres

no mercado de trabalho, o que atinge diretamente a função reprodutiva do gênero,

conforme já vimos mais detalhadamente no capítulo anterior. Vejamos mais

precisamente na tabela abaixo:

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Gráfico 03

Fonte: Elaborado pela pesquisadora, 2014.

Para melhor captar as características existentes na formação das famílias

chefiadas por mulheres envolvidas na pesquisa, coletamos informações sobre o

valor do rendimento familiar mensal, para identificar como se estabelecem as

finanças para melhor entender qual o cenário econômico inserido na realidade

dessas famílias.

Dessa forma, verificamos entre as entrevistadas que a maioria delas

podem contar com a colaboração dos filhos já que estão adultos e trabalhando,

nessa condição estão três mulheres que enquadradas no grupo das mais velhas

totalizando um rendimento mensal de R$: 700,00 à 1.000, enquanto a única mulher

que ainda tem uma filha na fase da infância, possui o menor rendimento familiar,

mais precisamente entre R$: 500,00 à 600,00 por mês para suprir as necessidades

mais básicas dentro de casa.

Considerando ainda a entrevistada com menor rendimento por mês,

ressaltamos que ela expôs sua dificuldade em equilibrar a vida doméstica e suas

atividades trabalhistas, já que ela tem apenas uma irmã para lhe ajudar e nem

sempre ela pode ficar com a filha para que ela possa trabalhar fora de casa.

Vejamos a fala da entrevistada:

Eu trabalho no comércio, mas é difícil sabe graças a Deus eu tenho minha irmã que fica com minha filha quando ela pode pra mim poder ganhar um dinheiro, porque eu sou autônoma, vendo de tudo. Minha irmã até me ajuda com as coisinhas da minha filha, porque se não fosse ela era mais difícil, porque a gente sempre tem que ter uma ajuda, nem precisa ser do pai da criança, mais tem que ter. (Hortência, 2014).

Nesse mesmo sentido, observamos que apensar de a maioria dessas

mulheres estarem hoje, em condições econômicas menos precárias por conta da

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ajuda recebida pelos filhos, a dificuldade hoje encontrada pela entrevistada

Hortência foi citada por todas, sendo comum na realidade delas. Para fortalecer a

assertiva acima, vejamos a fala de mais uma entrevistada:

Todos os desafios do mundo a gente enfrenta né, quando a gente vai morar em uma casa estranha só com os filhos, não tem ajuda, é criticada, julgada sabe, ai tem que trabalha e não tem com quem deixa os filhos, é muito duro viu, ninguém quer lhe ajudar, nem ficar com seus filhos pra você poder ir trabalhar, é muita humilhação, só querem fica com seus filhos se você der dinheiro e ainda nem cuida bem direitinho. (Azaléia, 2014).

Sobre essas evidências encontradas na pesquisa em campo, bem como

sobre a fala da entrevistada mencionada anteriormente, vamos refletir sobre o que

nos diz Bruschini (1995) sobre a dualidade da mulher entre a maternidade e o

mercado de trabalho.

Contudo, quando a necessidade econômica é tão permanente que inviabiliza o exercício da maternidade em tempo integral, como nas famílias muito pobres ou nas chefiadas por mulheres, outros arranjos, como a rede de parentesco – inclusive os filhos maiores --, ou de vizinhança, poderão ser acionados para olhar as crianças enquanto a mãe vai trabalhar. (BRUSCHINI, 1995, p.19).

Assim, refletindo sobre a fala da entrevistada dita anteriormente e as

colocações da autora mencionada acima, chegamos a conclusão que a mulher

chefe de família monoparental possui maiores dificuldades para conciliar a vida

doméstica e o trabalho, frequentemente necessitando de alguém para lhe ajudar

voluntariamente ou mesmo pagando algum dinheiro ou agrado.

Sobre essas assertivas, consideramos o que expõe Bruschini:

Se a persistência da responsabilidade das mulheres pelos cuidados com a

casa e a família é um dos fatores determinantes da posição secundária

ocupada por elas no mercado de trabalho, a maternidade é, sem dúvida, o

que mais interfere no trabalho feminino quando os filhos são pequenos.

(BRUSCHINI, 1995, p.19).

Portanto, percebemos que a maternidade é um dos grandes fatores que

dificultam a inserção da mulher no mercado de trabalho, limitando suas

possibilidades e fragilizando sua atuação como trabalhadora fora de casa.

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Para aprofundar nossa reflexão, foi perguntado as mulheres qual a

opinião delas sobre a dupla jornada de trabalho, entre a vida doméstica e o trabalho

fora de casa. As respostas são bem semelhantes, vejamos algumas:

Eu acho que a dupla jornada é muito difícil, cuida da casa, dos filhos, mais

ainda prefiro assim! (Hortência, 2014).

É um pouco difícil né, mais da minha parte eu consegui criar meus filhos

sozinha, nunca foram meninos de rua, sempre em casa...eu sempre disse:

vocês tão vendo né, eu sou o pai e a mãe de vocês, não foi fácil mais

consegue fazer minha obrigações de casa e trabalhar fora. (Bromélia,

2014).

É muito difícil, mais eu acho que são batalhadoras, mulheres guerreiras,

que tem sangue no olho e muita coragem de enfrentar desafios, porque

falando a verdade são muitos viu, muito difícil viver cuidando da casa e do

filho e tendo que trabalha fora, mais no meu caso ainda bem que pude

contar um pouco com minha mãe que ficou muitas vezes com minha filha

enquanto eu tinha que trabalhar, infelizmente não pude ver todos os

momentos do crescimento da minha filha, mais era preciso né, e também a

mulher precisando trabalhar fora ela tem que saber que sempre vai ter seus

afazeres em casa porque já é da vida da mulher mesmo. (Camélia, 2014).

Com relação às falas acima, o que mais nos chamou atenção foi a

afirmação das dificuldades que são bem parecidas entre as mulheres, mas o que

consideramos mais intrigante, é a conformação delas com a dupla jornada de

trabalho, pois observando a fala das mesmas, percebemos que elas encaram a vida

doméstica como algo natural da essência feminina, e que portanto, é necessário

conciliar o trabalho a suas obrigações como mulher dentro de casa, e isso fica

evidente na frase Camélia quando ela diz: já é da vida da mulher.

Dessa forma, refletimos sobre a capacidade alienante que existe nas

obrigações reprodutivas e domésticas inseridas da realidade feminina através da

construção histórica da humanidade. Esse domínio sobre o ser social, ou melhor,

sobre a mulher, tem a capacidade de fazer com que ela compreenda a exploração

da força de trabalho como algo natural a própria gênese, da essência feminina.

Percebemos assim, que a responsabilidade materna engendrada em

nossa conjuntura social, é fervorosamente alienante perante as mulheres

contemporâneas, de maneira que as mesmas, não se identificam como vítimas de

um sistema explorador e acumulador de mais-valia relativo ao trabalho humano.

Verificando todas essas evidências, resgataremos o que já foi

mencionado por Cisne (2012), no capítulo dois do presente trabalho. Conforme as

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palavras da autora, as habilidades femininas são apropriadas pelo capital para

garantir a exploração da força de trabalho feminina, e para isso, existe um processo

de naturalização desse processo, colocando as atividades domésticas como

atributos naturais do próprio gênero.

Na ótica de Saffioti (2011), a maternidade se apresenta como um

impedimento para o trabalho feminino, conforme vimos nas falas das entrevistadas

que enfatizam as dificuldades para suprir as necessidades entre a vida doméstica e

o mercado de trabalho. Sobre essa assertiva, vejamos o que nos apresenta a

autora:

A maternidade, além de elevar o acaso à posição de elemento parcialmente determinante da vida feminina, representa, nas sociedades capitalistas, tanto uma fato realmente impeditivo do trabalho da mulher, quanto uma justificativa para o alijamento do elemento feminino das estruturas de classes. Deste ângulo, não seria a incompatibilidade entre a estrutura da família e do trabalho da mulher fora do lar uma necessidades do próprio sistema capitalista de produção? Nesse sentido, o planejamento familiar não tornaria as duas estruturas referidas ainda mais incompatíveis? [...]. (Saffioti, 2011, p. 91).

Refletindo sobre as indagações da autora acima, percebemos que é

preciso uma reflexão mais profunda sobre as investidas alienantes do sistema

capitalista sobre o trabalho feminino, ao qual podemos observar na fala das

entrevistadas que não reconhecem as atividades domésticas como um trabalho

explorado pelo sistema. Dessa forma, a mulher não reconhece seus serviços do lar

como categoria de trabalho, mas sim como algo intrínseco ao gênero feminino que

deverá ser cultivado por gerações.

Quando foi questionado as mulheres envolvidas na pesquisa se elas se

consideravam chefes de família, ocorre um consenso entre todas, pois é intrigante

ressaltar que a resposta é comum perante todas as que foram entrevistadas. Em

suma, todas as mulheres afirmam de maneira categórica, que sim, elas se

reconhecem como chefes de família. Vejamos algumas falas:

Eu me considero sim uma mulher chefe de família, porque quem criou meus filhos sozinha fui eu, o pai deles nunca deu assistência aos meus filhos, nunca registrou nenhum como filho, nenhum dos três, dava pensão porque foi obrigado, mais nunca quis saber de nenhum deles, nunca foi pai de verdade pra nenhum. (Bromélia, 2014).

Sou sim chefe de família, e até mais que isso, eu sou é uma heroína porque eu consegui criar doze filhos sozinha viu, mais hoje eu só tenho dez filhos

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porque faleceram dois por complicações de saúde quando ainda eram bebezinhos. (Violeta, 2014).

Eu sou sim uma chefe de família, porque na época que eu tive meus filhos o pai deles bebia muito, passei muito sufoco porque ele não queria me ajudar, mais graças a Deus eu consegui vencer todas as dificuldades sozinha, foi muito difícil no começo mais eu consegui. (Azaléia, 2014).

Sim, eu me vejo como chefe de família, pois sou mãe solteira sempre criei com muito esforço minha filha, não pude contar com o pai dela que sempre foi distante, aparecia uma vez ou outras, mais ajudar que é bom nada, nunca deu um centavo furado pra ela. Hoje minha filha está crescida e é muito grata por tudo que fiz por ela, algumas vezes reclamou da falta do pai, mais sempre foi muito madura e me ajudou bastante, sempre fomos companheiras uma dá outra, e também ela entendeu minhas dificuldades, porque eu não podia dar tudo que ela queria né, ela sofria um pouco, mais hoje ela é uma grande mulher, e sabe o valor do suor de casa dia trabalhado da gente. (Camélia, 2014).

Observamos então, que entre esses exemplos, todas as mulheres têm a

mesma concepção sobre a chefia feminina, que é a mulher que cuida dos filhos, do

lar e tem que trabalhar fora para garantir o sustento da prole e a manutenção da

casa. É importante apontar que na fala das mesmas, elas evidenciam geralmente a

ausência paterna para justificar a chefia da família.

Considerando os fatores mencionados acima, percebemos que existe um

resgate cultural da consciência formulada através da família nuclear, tendo o pai

como o chefe e autoridade maior sobre os descendentes. Visto isso, observamos

que a ausência paterna dentro do lar faz com que a mulher se reconheça como

única e exclusiva chefe dentro de casa, trazendo para si além da responsabilidade

materna, também aquela como provedora financeira dentro do seio familiar.

Sobre a presença paterna dentro da família, indagamos as mulheres se

elas consideravam a presença do pai no ambiente familiar algo importante, e mais

uma vez as respostas são extremamente semelhantes, todas falaram que é

importante sim, conforme podemos ver abaixo alguns exemplos:

A presença do pai é importante demais, eu ouvi muito do meu filho mais velho, porque tudo era comigo né, festa da escola eu que ia, tudo, tudo era comigo, o pai não acompanhava pra nada, eu sou pai e mãe pra eles, mais sempre incentivei meus filhos a estudar. (Bromélia, 2014).

Era muito importante, e é muito importante a presença dos pais com os filhos, porque o pai tem mais pulso ne, tem muitas coisas que não aconteceriam com os filhos se os pais estivessem presentes, porque eu criei meus filhos sozinha ne, sem ajuda do pai e eu tive que trabalhar muito pra criar eles sozinha então eu senti muita falta do pai dos meus filhos tanto financeiramente pra criar minhas crianças como na educação deles também. (Violeta, 2014).

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Eu acho muito importante a presença do pai, nem todos os momentos, mais alguns sim, ele precisa ser mais presente da vida afetiva, no contato com os filhos porque eles sentem falta do pai, nem precisa tanto ajudar financeiramente, nem com a educação dos filhos porque mulher, mulher mesmo ela garante isso para os filhos, mais o contato afetivos dos filhos com o pai ela não tem como resolver, e eles sofrem sabe. (Azaléia, 2014).

Sim, pois o pai estando perto pode ajudar na educação do filho, e nas horas mais difíceis na criação deles, sem contar que os filhos sempre cobram que o pai esteja presente. (Camélia, 2014).

Analisando as falas das entrevistadas é possível perceber as respostas

são bem semelhantes, todas consideram importante a presença do pai no ambiente

familiar.

Observamos que as entrevistadas mencionam a importância do pai

apenas para os filhos, com o intuito de suprir a ausência paterna no espaço

educacional e afetivo, e não financeiramente e emocionalmente para elas. “Seria

ilusório, entretanto, imaginar que a mera emancipação econômica da mulher fosse

suficiente para libertá-la de todos os preconceitos que a discriminam socialmente.”

(Saffioti, 2011, p. 91). Sobre isso vejamos o que diz a entrevistada:

É uma responsabilidade única e enorme, é saber que você vai ser mãe pai ao mesmo tempo, e isso no começo dá uma insegurança sabe, a gente fica pensando se vai conseguir dar conta, imaginando todas as responsabilidades que virão, pensando como seu filho pode reagir, bate muito aquela coisa de pensar: será que estou sendo suficiente? a gente tem medo de errar! Vixe! é muita coisa envolvida, mais mulher é guerreira sempre acha que não vai conseguir mais sempre consegue porque ela é forte na queda e não se entrega sempre consegue dar a volta por cima e sempre da conta do recado.(Camélia, 2014).

Perguntadas sobre o que pensam do casamento, nenhuma delas

demonstrou considerar necessário, conforme podemos ver abaixo:

Casamento é a união de duas pessoas, e isso pra mim não é mais importante, já foi! (Hortência, 2014).

Eu acho que nos dias de hoje o casamento é uma tristeza, há quem ache uma coisa boa, mais eu mesmo não casaria. (Bromélia, 2014)

Casamento pra mim é a união, respeito que um tem pelo outro, é a fidelidade do homem, e é também um beneficio né, porque se o homem for embora ele deixa alguma coisa pra mulher, porque não dá quando ele deixa só os filhos, assim não dá! (Violeta, 2014).

Mulher tem casamento que é bom mais tem casamento que é ruim, se você se mete a casa tem que respeitar, todo casal briga, mais se casou você tem que agüenta até onde não der mais, de não der ai você diz, acabou, porque esse negócio de vai e volta não dá certo, melhor só do que mais acompanhada. (Azaléia, 2014)

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Casamento pra mim significa um laço de união entre um casal para formar uma família, muito importante e bonito sabe, mais sei não...acho que pra mim hoje isso não é tão importante, hoje estou mais madura e acho que homem dá muito trabalho, as vezes eu penso e não tenho coragem de colocar um homem em minha casa, sei lá é complicado. (Camélia, 2014).

Para Cerveny (2007) a sociedade contemporânea está propensa e

convicta da possível dissolução da vida conjugal, conforme podemos verificar:

A conjugalidade contemporânea, embora forneça um suporte para a construção da identidade de cada parceiro, torna-se cada vez mais fluida perdendo a característica de indissolubilidade. Desde que se instala o laço conjugal os sujeitos consideram possível ou provável a sua dissolução, ainda que o sentimento amoroso com suas exigências e promessas de eternidade seja o cerne da união. A mudança pessoal e relacional passa a ser uma certeza para os que se aventuram em um projeto conjugal. (CERVENY, 2007, p. 32).

Remetendo-nos as condições econômicas das famílias chefiadas por

mulheres, perguntamos se elas se consideram pobres, e as respostas mais uma vez

são similares. Ressaltamos duas falas que nos chamaram a atenção:

Sim, porque eu não terminei os estudos, ai pra mim encontrar trabalho é difícil. (Hortência, 2014). Sim, eu trabalho, consigo manter minha família, mais eu me considero pobre sim, porque não sou rica, tenho meu sustento de cada dia com muito sacrifício mais não tenho muitas coisas, a mulher quando cria os filhos só tudo é mais difícil sem contar que agente recebe pouco né, vivo só com o que Deus me deu mesmo. (Camélia, 2014).

Para Carvalho, família com chefia feminina sofre maiores dificuldades

financeiras, assim como podemos perceber nas colocações da autora sobre o

cenário brasileiro:

No caso brasileiro, não há como negar as evidências empíricas comprovando que as famílias chefiadas por mulheres predominam entre as famílias mais pobres. Esse predomínio é maior quanto mais se move de áreas rurais para áreas urbanas, e destas para áreas metropolitanas. (CARVALHO, 1998, p. 86).

Dessa forma, percebemos que as famílias em situação de monoparidade,

principalmente, as que são chefiadas por mulheres estão mais propensas as

vulnerabilidades sociais, já que o gênero feminino é mais afetado perante as

transformações do mundo do trabalho, bem como, as construções histórico/culturais

desenvolvidas em nossa sociedade.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa pesquisa possibilitou mostrar que as famílias monoparentais

chefiadas por mulheres estão crescendo significativamente em nossa sociedade em

decorrência de diversos fatores, como a gravidez precoce, a rejeição do genitor

masculino sobre os filhos e o convívio doméstico, além da opção da própria mulher

em administrar sua família sozinha.

O estudo teórico sobre a condição da mulher em nossa sociedade, e a

realidade da família monoparental relacionados em nossa pesquisa, nos trouxe um

conhecimento mais sólido e crítica do cenário feminina em nossa atual conjuntura

social.

Identificamos que a mulher apesar dos avanços conquistados em busca

de garantir seus direitos de igualdade, ainda sofre grandes impactos em relação a

discriminações de gênero que podem ser evidenciados por fatores diversos, como

por exemplo, nas condições precárias de trabalho e a partir da diferença de salários

entre os homens.

Constatamos que a realidade das famílias monoparentais femininas

apresentam maiores desafios que os outros arranjos familiares, considerando que

estão mais propensas as condições subalternizadas através da exploração existente

sobre a dupla jornada de trabalho, que nessa configuração familiar é mais

agravante, já que as mulheres são as únicas responsáveis pelos filhos e pela

manutenção econômica do lar.

A maioria das mulheres entrevistadas relatou que os pais de seus filhos

não ajudam financeiramente nem afetivamente com a criação dos filhos, e isso

mostra que a ausência paterna é um fator relevante nesse contexto familiar.

Identificamos que as mulheres sentem a necessidade da proximidade do pai com os

filhos, pois observamos que existe um receio em não ser suficiente para eles,

demonstrando insegurança sobre a responsabilidade de exercer seu papel afetivo

como mãe e pai dentro de casa.

Mas, o que mais nos chamou atenção, é que a insegurança feminina diz

respeito exclusivamente aos filhos, para a mulher é necessário o apoio moral e

afetivo que os pais podem oferecer a eles, mas no fator econômico, apesar de

expressas às dificuldades em manter a família sozinha, todas disseram que não é

necessária a colaboração financeira do genitor.

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Sobre o casamento, é interessante relatar que para quase todas as

entrevistadas não se trata de algo importante, pelo contrário, demonstram que o

casamento é complicado e demanda muito de ambos os parceiros. Afirmam estar

felizes sozinhas e não pretendem casar.

A participação feminina no mercado de trabalho ficou evidente em nosso

estudo, demonstrando que a concepção feminina está mudando, hoje a mulher não

abre mão de sua autonomia como trabalhadora, deslanchando os homens com seus

conhecimentos e habilidades.

No entanto, paralelo a essa crescente inserção, a mulher sofre com a

desvalorização de seu trabalho por meio de baixos salários e a precarização das

condições ofertadas para seu exercício. Conforme foi exposto em nosso estudo a

problemática da divisão sexual do trabalho e suas manifestações em nossa

sociedade ainda são bastante evidentes.

Outra relevância dessa desigualdade entre os sexos é a naturalização do

trabalho doméstico que é visto como função essencial a gênese feminina, valendo

uma reflexão sobre as investidas de alienação capitalista sobre esse tipo de

ocupação que não é remunerada e nem reconhecida.

O que consideramos mais intrigante, é que as mulheres não se

reconhecem enquanto vítimas de um sistema manipulador, para elas as atividades

domésticas ditas como natural a própria gênese, não é visto como algo

culturalmente histórico, mas sim, um dever da própria mulher, portanto, para

trabalhar fora de casa é preciso conviver de forma saudável com seus deveres do lar

e da maternidade.

Algumas características das mulheres chefes de família envolvidas na

pesquisa são bem similares, possuem faixa etária acima de 30 anos de idade, duas

concluíram o ensino médio, uma não concluiu, e outra nem se quer conseguiu

concluir o ensino fundamental. Percebemos que nenhuma delas possui nível

superior de ensino, e o rendimento familiar em sua maioria estão entre um e dois

salários mínimos nas famílias em que os filhos já colaboram em casa.

Identificamos nas falas das entrevistadas que a apesar das dificuldades

inseridas na realidade das famílias monoparentais chefiadas por mulheres serem

mais agressivas, elas conseguem contornar a situação e sustentar seus filhos com

muito esforço, garantindo acesso aos estudos mesmo que básicos, almejando um

futuro promissor para eles.

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Essas mulheres falam com orgulho da sua trajetória e de seus desafios

para suprir as necessidades no âmbito familiar, demonstrando satisfação e

autoconfiança como mulheres batalhadoras que buscam superação em todas as

áreas da vida.

Portanto, é necessário ressaltar que nesse estudo não buscamos

soluções para as dificuldades enfrentadas na estrutura da família monoparental

chefiadas por mulheres identificadas em nossa pesquisa. No entanto, esperamos

mostrar através desta pesquisa a realidade cotidiana dessa moderna composição de

família, para que possamos colaborar estimulando uma reflexão sobre os aspectos

inseridos nessa realidade a fim de que seja vista com mais atenção pela sociedade

e pelos governantes.

Por fim, o objetivo é que a pesquisa obtenha um alcance social e que

possa contribuir a outros que busquem também desvelar essa realidade, quanto

para quebrar as hierarquias de classe, de gênero e de cor, que estimulam a

subalternidade feminina historicamente reforçada em nossa sociedade.

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APÊNDICES

A- Instrumental de Identificação da Entrevistada

1.Nome: ____________________________________Idade: ________________________

2. Contato:___________________________________________

3. Quantos filhos você tem? ___________________________

4.Cor/raça (auto-declaração):

( ) Branca ( ) Parda ( ) Negra ( ) Amarela ( ) Indígena ( ) Outra

5. Estado Civil: ( ) Solteira ( ) Casada ( ) União Estável ( ) Separada ( ) Viúva

6. Escolaridade:

( ) Analfabeta ( )Ensino Fundamental Incompleto ( )Ensino Fundamental Completo

( ) Ensino Médio Incompleto ( )Ensino Médio Completo ( )Ensino Superior Incompleto

( ) Ensino Superior Completo

07.Há quanto tempo (anos) reside no bairro Jardim Iracema? __________

08.Condição de ocupação do domicílio:

( ) Própria ( ) Alugada ( ) Cedida( ) Outra condição:______________________

09. Quantas pessoas moram em sua casa? ( )

10. Trabalha fora?( ) Sim ( )Não. Se sim, com que idade começou a trabalhar? ______

11. Posição na ocupação:

( ) Ocupação com carteira assinada( ) Ocupação sem carteira assinada

() Trabalhadora por conta própria() Não remunerada

12. A família recebe algum benefício social?

Sim ( ) Não ( ) Se sim, qual?______________________

13. Qual o valor da sua renda familiar:

De R$: 500 á 700 ( ) De R$: 700 á 1.000 ( ) Outra:_______________

14. Como conheceu o Projeto

União?_____________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

15. Quais os benefícios que o grupo GOLD traz para você e sua família? ____________________________________________________________________________

____________________________________________________________________________

B – Roteiro de perguntas direcionado as entrevistadas

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1. O que significa família para você?

2. Você se considera chefe de família?

3. Você acha importante a presença do pai dentro de casa?

4. Qual sua opinião sobre mulheres que vivem a dupla jornada de trabalho, entre

trabalho e vida doméstica?

5. Você acha que há atividades mais apropriadas para homens e outras mais

apropriadas para as mulheres?

6. Como você usa seu tempo? O que você geralmente faz durante o dia?

7. O que você acha do casamento?

8. Qual o maior desafio de manter sua família praticamente sozinha?

9. Você se considera uma pessoa pobre? Por quê?

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C – Termo de Permissão

TERMO DE PERMISSÃO DA RESPONDENTE

Cara Senhora,

Solicito a sua participação na pesquisa de campo da Monografia: Mulher chefe de

família monoparental – Implicações no processo de formação das famílias

integrantes do Projeto União no bairro Jardim Iracema em Fortaleza da

graduanda Monalisa Sales da Silva, do Curso de Graduação em Serviço Social da

Faculdade Cearense.

O objetivo principal dessa pesquisa é investigar quais os desafios que uma mulher

chefe de família monoparental enfrenta no bairro Jardim Iracema.

Todas as informações prestadas serão utilizadas com o intuito de possibilitar a

realização da pesquisa. Ressalto que os dados de identificação da respondente

serão preservados, assim como, serão utilizados codinomes na identificação das

mesmas.

Peço que assine está comunicação confirmando sua participação na pesquisa

fornecendo informações para sistematização desse estudo.

Fortaleza, ____ de ________________ de 2014.

_____________________________________ Assinatura da Pesquisadora ____________________________________ Assinatura da Respondente