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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE TRADUÇÃO THAÍS FLEURY AVELAR A QUESTÃO DA PADRONIZAÇÃO LINGUÍSTICA DE SINAIS NOS ATORES-TRADUTORES SURDOS DO CURSO DE LETRAS – LIBRAS DA UFSC: estudo descritivo e lexicográfico do sinal “cultura” FLORIANÓPOLIS 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE TRADUÇÃO

THAÍS FLEURY AVELAR

A QUESTÃO DA PADRONIZAÇÃO LINGUÍSTICA DE SINAIS NOS ATORES-TRADUTORES SURDOS DO

CURSO DE LETRAS – LIBRAS DA UFSC: estudo descritivo e lexicográfico do sinal “cultura”

FLORIANÓPOLIS

2010

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THAÍS FLEURY AVELAR

A QUESTÃO DA PADRONIZAÇÃO LINGUÍSTICA DE

SINAIS NOS ATORES-TRADUTORES SURDOS DO CURSO DE LETRAS – LIBRAS DA UFSC: estudo

descritivo e lexicográfico do sinal “cultura”

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Tradução, da Universidade Federal de Santa Catarina, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Tradução. Orientador: Prof. Dr. Werner Heidermann

FLORIANÓPOLIS

2010

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THAÍS FLEURY AVELAR

A QUESTÃO DA PADRONIZAÇÃO LINGUÍSTICA DE SINAIS NOS ATORES-TRADUTORES SURDOS DO CURSO DE

LETRAS – LIBRAS DA UFSC: estudo descritivo e lexicográfico do sinal “cultura”

Esta dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de “mestre”, e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos de Tradução, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianópolis, 26 de março de 2010.

Banca Examinadora:

________________________ Prof. Dr.Werner Heidermann

orientador e presidente

________________________ Profª Dra. Mara Lúcia Masutti (IFSC)

________________________

Profª. Dra.. Marianne Rossi Stumpf (UFSC) _________________________ Profª Dra. Mirian (Universidade de Viena)

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Dedico esta dissertação em especial aos alunos do curso de graduação de Letras – LIBRAS, aos atores-tradutores surdos e a todos os surdos, pelas tantas contribuições para a Educação dos Surdos do Brasil.

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AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, acima de tudo, gostaria de agradecer a Deus pelo esforço, pela luta e ânimo, concedidos para a realização desta dissertação. Ao professor Werner, pela orientação valiosa, compreensão, paciência e pela elaboração da pesquisa. Sua presença está, obviamente, manifesta em cada linha deste trabalho. À Profª. Drª. Ronice Quadros e às professoras Ana Regina, Karin Strobel, Shirley Vilhalva, Rose Bernieri e Emiliana Rosa, pela orientação deste trabalho e também pelo carinho e companhia durante a ausência de minha família. E também pelo exemplo de vida em relação a minha luta pela comunidade surda e construção da identidade surda. À minha família, especialmente meus pais e irmãos, pelo apoio, amor, compreensão e respeito que sempre demonstraram, apesar da distância. Aos colegas do pólo UFSC e também do pólo IFG, pela troca de discussões teóricas, experiências acadêmicas e profissionais. Às coordenadoras do curso de Letras – LIBRAS, Ronice Quadros e Marianne Stumpf, por me aceitarem na área de tradução do AVEA, o que contribuiu para a realização da pesquisa de mestrado. Às intérpretes de Língua de Sinais na Universidade Federal de Santa Catarina, pela interpretação e mediação entre os professores e colegas. Aos atores-tradutores surdos pela compreensão, paciência e aceitação da minha presença junto à equipe de tradução.

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RESUMO

Neste trabalho, discutimos os meios para a padronização linguística no Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (AVEA) do curso Letras – LIBRAS, que apresenta variação linguística tal no uso dos sinais dos atores-tradutores surdos que, por vezes, os discentes do curso se sentiam confusos. Para realizar a presente investigação, partimos da problemática da variação na prática de tradução, identificando as dificuldades e, ciente delas, indicando caminhos alternativos. Como metodologia de trabalho, os atores-tradutores foram entrevistados sobre as dúvidas, sugestões e dificuldades em lidar com as variações na tradução de sinais para um curso virtual e, posteriormente, houve conversas informais com alunos do curso sobre o resultado das alterações propostas para o processo de tradução e padronização Linguística. Como resultado prático das discussões propostas neste trabalho, chegamos à elaboração de um glossário técnico que viabiliza o projeto de padronização linguística nas traduções realizadas no curso. A pesquisa proporcionou, ainda, a reflexão sobre o papel que atores-tradutores surdos e ouvintes vêm desempenhando no desenvolvimento da LIBRAS, ao ampliarem seu vocabulário com novos sinais e também por abrirem caminho para o surgimento de um dialeto culto/padrão da LIBRAS.

Palavras-chave: Padronização linguística. Língua de sinais. Cultura surda. Estudos de tradução.

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ABSTRACT In this research, we discuss means to standardize language signs in the Virtual Teaching and Learning Program (AVEA) in the Letras course with major in Brazilian Sign Language. In this Program, signs used in the course were performed in videos by deaf translators with such variation that pupils felt confused. To accomplish this present investigation, we take the issue of variation in the practice of translation, identifying the problems and, as soon as we were aware of them, we suggested alternative means. As part of the methodology, the deaf actors-translators were interviewed about their doubts, suggestions, and difficulties in dealing with variations in sign translation for a virtual course. Besides this, there were informal conversations with pupils about the final version of the proposed changes in the process of translation and linguistic standardization. As a practical result of the discussions proposed in this research, we have made up a technical glossary that enables the design of standardized language in the translations performed in the course. The research provided also a reflection on the role that both deaf and non-deaf translators have been played in the development of Brazilian Sign Language, by broadening their vocabulary with new signs and also for opening the door for a standard dialect/ variation of it. Key words: Language standards. Sign language. Deaf métiers. Translation studies.

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SUMÁRIO

RESUMO.................................................................................................6 ABSTRAT...............................................................................................7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES................................................................10 INTRODUÇÃO....................................................................................11 Trajetória pessoal e profissional.........................................................................11 Visão Geral da Pesquisa.....................................................................................15 Delimitando o tema e os objetivos.....................................................................15 Perguntas da pesquisa.........................................................................................16 Metodologia........................................................................................................17 CAPÍTULO I – CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA............................................................................................18 1. O contexto da pesquisa...................................................................................18 1.1 O curso de Letras – LIBRAS e suas ferramentas de ensino-aprendizagem......................................................................................................19 1.2 Os passos da pesquisa...................................................................................22 CAPÍTULO II – A REALIDADE DA LIBRAS: DIVERSIDADE DIALETAL EM CONSEQUENCIA DA FALTA DE PADRONIZAÇÃO...............................................................................26 2 A ferramenta de ensino-aprendizagem do ambiente virtual: o AVEA.................................................................................................................26 2.1 O papel dos ambientes de Comunicação Mediada por Computador (CMC) na interação entre surdos de diferentes regiões do Brasil...................................29 2.2 Problematizando a variação dialetal e a necessidade de padronização Linguística no AVEA do curso de Letras – LIBRAS da UFSC.........................33 CAPITULO III – A FORMAÇÃO DE IDENTIDADES CULTURAIS.........................................................................................40 3.1 O conceito de identidade, tradução e formação de identidades....................41 3.2 Formação de identidade cultural da comunidade surda e tradução cultural da LIBRAS ou LS...................................................................................................44 CAPÍTULO IV – O PAPEL DA TRADUÇÃO NO DESENVOLVIMENTO DA LIBRAS: UM BREVE HISTÓRICO.........................................................................................48 4.1 Os tradutores e o desenvolvimento das línguas nacionais, o exemplo de Inglaterra.............................................................................................................49 4.2 O problema teórico da tradução da literatura nacional: “emergência”......................................................................................................51 4.3 O papel do tradutor surdo e do tradutor ouvinte no desenvolvimento da LIBRAS..............................................................................................................52

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CAPÍTULO V – A RELAÇÃO ENTRE SINAL E CONCEITO/SIGNIFICADO NA LIBRAS.......................................56 5.1 O uso polissêmico de “cultura” e o papel dos corpora para sua tradução..56 5.2 Delineamentos: o corpus, a tradução e a polissemia...................................57 CAPÍTULO VI – ENTREVISTAS, DISCUSSÃO E RESULTADOS.....................................................................................64 6.1 Primeira análise: o olhar dos atores-tradutores surdos sobre a padronização linguística no curso de Letras – LIBRAS...........................................................64 6.2 Discussão......................................................................................................73 6.3 Resultados.....................................................................................................75 6.4 Elaboração de novo glossário no AVEA......................................................86 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................89 REFERÊNCIAS...................................................................................92 REFERÊNCIAS DOS SITES..............................................................96 ANEXOS...............................................................................................97

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - AVEA no curso de Letras - LIBRAS exibindo uma das telas de hipertexto da disciplina de Aquisição da Linguagem........................27 Figura 2 - Hipermídia de um dos tópicos da disciplina com texto em Português seguido de sua tradução em Língua de Sinais.......................27 Figura 3 - Sinal “cultura” em que se encosta uma das mãos em “C” no braço oposto e movimenta-se de cima para baixo..................................34 Figura 4 - Sinal “cultura” em que se encosta uma das mãos em “5” na testa.........................................................................................................34 Figura 5 - Atriz-tradutora gaúcha (no começo do curso).......................75 Figura 6 - Texto que a atriz-tradutora gaúcha estava traduzindo no vídeo.......................................................................................................76 Figura 7 - Atriz-tradutora carioca traduzindo as atividades da mesma disciplina.................................................................................................77 Figura 8 – Atriz-tradutora gaúcha empregando sinal “cultura”.............78 Figura 9 – Atriz-tradutora carioca empregando sinal “cultura” de forma padronizada, ao optar em seguir o sinal já utilizado pela atriz-tradutora gaúcha.....................................................................................................78 Figura 10 - Atriz-tradutora carioca.........................................................79 Figura 11 - Ator-tradutor paulista...........................................................80 Figura 12 - Atriz-tradutora carioca realizando o sinal “inferência” com as duas mãos em configurações iguais, semelhante ao sinal “união”..81 Figura 13 - Ator-tradutor paulista fez o mesmo sinal da atriz-tradutora carioca.....................................................................................................81 Figura 14 - Hipermídia da disciplina, Unidade 1...................................83 Figura 15 - Link “dizem as autoras” da mesma hipermídia da figura anterior....................................................................................................83 Figura 16 - Atividades na hipermídia.....................................................84 Figura 17 - Hipermídia da disciplina, Unidade 2...................................85 Figura 18 - Link “eventualidades” da mesma hipermídia da figura anterior....................................................................................................85 Figura 19 - Atividades na hipermídia.....................................................86 Figura 20 - Página principal no AVEA, veja a tabela azul “Glossário”.87 Figura 21 - Quando procurar a palavra “coesão” no glossário, clique e aparece uma janela do vídeo acima mostrando um sinal e um desenho de escrita de sinais Sign Writing ao lado.....................................................87 Tabela 1 – Visão geral do Curso de Letras – LIBRAS..........................20 Tabela 2 - Usos polissêmicos do sinal "cultura"....................................62

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INTRODUÇÃO

Este trabalho está dividido em oito partes: a Introdução, o

Capítulo I que versa sobre a metodologia da pesquisa; os Capítulos II, III e IV que expõem a fundamentação teórica; os Capítulos V e VI que analisam os dados coletados e apresentam as considerações sobre a pesquisa e, por fim, as referências.

Apresento aqui uma Introdução, iniciando pela trajetória pessoal e profissional que motivaram a pesquisa. Em seguida, apresento uma visão geral da pesquisa, com o tema, os objetivos, as perguntas de pesquisa, a metodologia.

Trajetória pessoal e profissional Sou surda, goiana e filha de pais ouvintes. Quando pequena,

estudava em uma escola pública especial chamada Centro Educacional de Audição e Linguagem Ludovico Paroni (CEAL), em Brasília; considerada uma escola de surdos na filosofia da Educação Especial1. Sou uma pessoa bilíngue, pois uso a língua portuguesa escrita e uma Língua de Sinais (doravante LS). Conforme QUADROS (2004, p. 08), as línguas de sinais apresentam as propriedades específicas das línguas naturais, sendo, portanto, reconhecidas como línguas pela Linguística. As línguas de sinais são utilizadas pelas comunidades surdas, captando as experiências visuais das pessoas surdas, já que essas línguas são visual-espaciais. Na educação infantil, mudei para uma escola particular (de ouvintes) na cidade de Goiânia e, a partir desse momento, não tive mais contato com surdos até a idade de 18 anos. Sou oralizada, como resultado de atendimento fonoaudiólogo. Aos 18 anos de idade, através de um colega surdo que estudava na CEAL, conheci a Associação dos Surdos de Goiânia (que é uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos,

1 De acordo com a Política Nacional de Educação Especial MEC/SEESP (1994, p. 17),

“Educação Especial é um processo que visa promover o desenvolvimento das potencialidades de pessoas portadoras de deficiências, condutas típicas ou de altas habilidades, e que abrange diferentes níveis e graus do sistema de ensino”.

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com a finalidade de prestar assistência à comunidade surda2 de Goiânia e de municípios vizinhos), local de encontro com surdos onde é possível participar da comunidade surda.

Nesta época, estudava no curso de graduação de Turismo na Faculdade Cambury, até que me formei na metade do ano 2003. Trabalhava como assistente administrativo numa empresa elétrica – CELG (Companhia Energética de Goiás, a empresa de distribuição de energia elétrica do governo do Estado de Goiás). Na época da escola particular, nunca tive um intérprete de LS (intérpretes são os profissionais que lidam com a interpretação da língua oral para a LS, ou da LS para a língua oral), pois não tinha o conhecimento da atuação desse profissional e do meu direito a ele. Só descobri mais tarde, através de amigos surdos que estudavam no curso de graduação de pedagogia da faculdade, que solicitavam seus intérpretes profissionais. Esse tipo de interpretação tem sido amplamente divulgado porque tanto surdos como ouvintes necessitam da mediação do chamado “intérprete para os surdos”, em várias situações de comunicação. Ao frequentar a Associação, aprendi a Língua de Sinais Brasileira – LIBRAS – sigla esta que identifica o nome oficial da língua de sinais utilizada pelas comunidades surdas brasileiras, conforme estabelecido na Lei nº 10.436/20023.

Em outubro de 2006, surgiu o novo curso de Letras - LIBRAS4 no pólo IFG (Instituto Federal Goiano, antigo CEFET/ IFT) da cidade de Goiânia, curso de graduação oferecido na modalidade de Ensino à Distância na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). No item sobre o contexto da pesquisa, explicarei com detalhes o objetivo desse curso no Capítulo I. Passei no vestibular para fazer esse curso junto com amigos surdos à busca de profissionalização e tornar-me uma professora de LIBRAS, obtendo assim, mais conhecimento geral sobre LIBRAS, sua teoria e prática. Durante o curso, há atores-tradutores surdos, com formação em artes cênicas, auxiliando os alunos surdos no que for necessário. Um ator ou uma atriz é a pessoa que cria, interpreta e

2 “Comunidade surda: conjunto de sujeitos surdos que não habitam o mesmo local, mas que

estão ligados por uma origem, tais como a cultura surda, usa a língua de sinais, têm costumes e interesses semelhantes, histórias e tradições comuns e qualquer outro laço compartilhado”. (STROBEL, 2006, p. 6)

3 <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm>

4 Disponível em:< http://www.libras.ufsc.br/>

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representa uma ação dramática, que pode ser gravada em vídeos; o tradutor é a pessoa que desenvolve a atividade de tradução, que abrange a interpretação do significado de um texto de uma língua para outra língua, caso seja, da língua portuguesa para LIBRAS ou vice-versa. Dessa forma, os atores-tradutores surdos trabalham traduzindo o texto para LIBRAS e, ao mesmo tempo, gravando em vídeo a tradução realizada. Ao traduzir os textos para LIBRAS, destaca-se um tipo de tradução interlingual e também intersemiótica, segundo a proposta de Roman Jakobson (1975), no AVEA5 (Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem), traduzindo os textos apresentados na hipermídia (este termo será explicado no Capítulo I). Esses tradutores são conhecidos no curso como atores, pois segundo Jakobson (1975, p. 64-65):

[a] tradução interlingual, ou tradução propriamente dita, consiste na interpretação dos signos verbais por meio de outra língua. Já a tradução intersemiótica, ou transmutação, consiste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não-verbais. Por exemplo, vídeos, animações, filmes e simulações.

O AVEA é uma ferramenta que faz parte do curso de graduação

de Letras –LIBRAS, centrado na modalidade de Ensino à Distância no qual estão inseridos todos os conteúdos das disciplinas, hipertextos (criam vínculos com hipermídias, que contêm textos e gráficos vinculados, com animações, filmes e simulações) e outras ferramentas didático-pedagógicas. No curso através do AVEA, eu e outros alunos aprendemos muitos sinais novos (técnicos), utilizados por atores-tradutores surdos nas disciplinas estudadas, devido a suas variações dialetais pelas regiões do Brasil. Até que descobri uma professora surda carioca, também atriz-tradutora do DVD, que sinalizava um pouco diferente de outra pessoa, a atriz-tradutora surda gaúcha. Por isso, escolhi especificamente o sinal “cultura”, pelo fato de não seguir um padrão de ocorrência, devido aos sinais de variações dialetais. Os atores-

5 AVEA - é um ambiente organizado com diversas ferramentas de comunicação digital, que possibilita interações síncronas e assíncronas, com o propósito de desenvolver um programa ou curso formalmente instituído e sustentado em determinada proposta pedagógica. No curso de Letras-Libras, o AVEA disponibiliza correio eletrônico (e-mail), bate-papo (chat), murais de recado, fórum de discussão, leituras hipertextuais e biblioteca virtual. (Fonte: Projeto Pedagógico do curso de graduação de Licenciatura em Letras – Libras)

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tradutores surdos vêm de regiões brasileiras diferentes: de Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo; apresentando, portanto, diferenças linguísticas e culturais, fato esse que pode influenciar na maneira como veem a relação entre a variação linguística dos sinais, a padronização e a questão das identidades surdas e da cultura surda em contato. Como por exemplo, em português, a diferença dialetal identifica na Região Centro-Oeste o uso do pronome “você”, e na Região Sul o pronome “tu”.

Diante dessas primeiras avaliações ou observações, pretendia investigar essa questão-pesquisa e, durante dezembro de 2007, fiz a seleção por meio de provas para o mestrado do Interprogramas nos Estudos Surdos, no Projeto Interprogramas Estudos Surdos, Expansão de Formação e Pesquisa nos níveis de mestrado e doutorado, na UFSC. De acordo com a definição de Skliar (1998, p. 5) entende-se que:

[o]s Estudos Surdos se constituem enquanto um programa de pesquisa em educação, onde as identidades, as línguas, os projetos educacionais, a história, a arte, as comunidades e as culturas surdas, são focalizados e entendidos a partir da diferença, a partir do seu reconhecimento político.

Continuando minha trajetória, optei em cursar o curso em

Florianópolis, conseguindo a transferência do curso de graduação de Letras – LIBRAS para o pólo UFSC. Em 2007, trabalhei no projeto da professora Dra. Ronice Muller de Quadros, o ELAN (sistema Eudico Linguistic Annotator6, um sistema de transcrição, ou seja, o processo de transcrição que está passando a ser utilizado para contemplar a especificidade da LS), transcrição de LIBRAS nos vídeos. Trabalhei também como bolsista, de junho de 2008 até agosto de 2009, contratada pela coordenação geral do curso de graduação de Letras – LIBRAS da UFSC, para prestar serviços na sala de Hiperlab (design gráfico, no qual trabalho conferindo material das disciplinas no AVEA, o que me permitia ir conferindo também a tradução dos atores-tradutores surdos nos vídeos em relação aos textos fontes).

Em janeiro de 2010, passei no concurso público para o cargo de Professor Assistente da carreira do Magistério Superior, na

6 Disponível em: http://annotation.exmaralda.org/index.php/ELAN (Acesso em: 14 de abril de 2009).

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Universidade Federal de Goiás, na área de LIBRAS e Linguística. Antes, porém, pedi transferência do pólo UFSC para o pólo IFG, voltando a minha terra natal.

Diante do exposto aqui anteriormente, este trabalho justifica-se pela minha própria trajetória pessoal e profissional. Esta pesquisa contribui para fortalecer a ideia de que o surdo é plenamente capaz de assumir os mesmos papeis que os ouvintes desempenham. Além disso, discutir a padronização linguística de sinais é um grande avanço no meio acadêmico, pois é uma questão que emerge da inclusão do surdo na sociedade. No senso 2000, segundo o IBGE, são 24,5 milhões de brasileiros que apresentam algum tipo de deficiência, sendo 14,5% da população total. Dentre eles, 4,6 milhões possuem deficiência auditiva e 1,1 milhões são surdos, totalizando aproximadamente 5,7 milhões de pessoas. Existem muitos surdos instrutores no Brasil dando aulas de LIBRAS para pessoas surdas e ouvintes, mas não possuem formação acadêmica para isso. Por isso, estão buscando qualificação no ensino superior, por meio dos cursos de graduação de Letras – LIBRAS, para se formarem professores, adquirindo mais conhecimentos sobre o ensino de LS, tal como novas propostas de metodologia, e informações práticas e teóricas sobre a LIBRAS. Com isso, há uma nova realidade sendo formada na Educação dos Surdos no Brasil, uma vez que o curso de Letras – LIBRAS está se desenvolvendo na perspectiva de criar uma metodologia para a formação de professores surdos na sua primeira língua, a LIBRAS.

Diante dessa importância descrita acima, empreendi a pesquisa que dá origem a esta dissertação, na qual, a partir de entrevistas com questionários, abordo os atores-tradutores surdos da equipe de produção de materiais didático-pedagógicos do curso de Letras – LIBRAS da UFSC, a fim de analisar como eles veem a padronização linguística, buscando ressaltar reflexões sobre a necessidade da mesma, sobre os procedimentos pelas quais ela pode ser alcançada pelos discentes do curso e, claro, contribuir para a área de Estudos Surdos.

Visão geral da pesquisa

Delimitando o tema e os objetivos Esta pesquisa visa discutir as questões sobre variação de sinais

(LS) e padronização Linguística de sinais, concretamente o sinal

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“cultura”. Este sinal foi escolhido pelo fato de não seguir um padrão de ocorrência, devido a variações dialetais pelas regiões do Brasil, ao ser utilizado por professores e atores-tradutores surdos no Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem – AVEA. Com isso, pretendo investigar as questões-pesquisa deste projeto, buscando divulgar o AVEA para alunos que não o procuram apenas para estudar, mas também, para melhorar a qualidade de ensino de estudos desses alunos.

Meu objetivo geral é avaliar a ocorrência de sinais novos que exprimem conceitos idênticos, padronizados ou escolhidos dentro do consenso de usuários, que são específicos das disciplinas do curso de Letras – LIBRAS, mediante um estudo descritivo da tradução de um desses casos – o sinal “cultura” – considerando dois léxicos de Língua Brasileira de Sinais.

Os objetivos específicos são: 1 – investigar que problemas os alunos enfrentam diante da

utilização de diferentes sinais contidos nos materiais de ensino elaborados pela equipe de atores-tradutores surdos, bem como, pelos professores surdos;

2 – propiciar uma interface de estudo dentro de estrutura gramatical da LIBRAS e também em dicionários, levantando a problemática acerca da padronização linguística sobre a tradução do sinal “cultura”;

3 – facilitar a compreensão sobre as línguas comparadas (Português e LIBRAS), cujas particularidades podem passar despercebidas caso sejam estudadas individualmente;

4 – destacar as diferenças entre textos originais e suas traduções trabalhados por atores-tradutores surdos das disciplinas do curso.

Perguntas de pesquisa Por conseguinte, as perguntas de pesquisa são: 1 – Quais problemas os alunos enfrentam diante da utilização de

diferentes sinais contidos nos materiais de ensino elaborados pela equipe de atores-tradutores surdos, bem como, pelos professores surdos?

2 – Qual seria uma possível interface de estudo dentro de estrutura gramatical da LIBRAS e também em dicionários, da tradução do sinal “cultura”, levando em consideração a problemática acerca da padronização linguística?

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3 – Quais aspectos podem ser facilitadores para a compreensão sobre as duas línguas (Português e LIBRAS), cujas particularidades podem passar despercebidas caso sejam estudadas individualmente?

4 – Quais as possíveis diferenças entre textos originais e suas traduções trabalhados por atores-tradutores surdos das disciplinas do curso?

Metodologia Para responder a essas perguntas, parto da problemática da

variação na prática de tradução dentro do curso Letras – LIBRAS, em especial no ambiente virtual que é a principal ferramenta de aprendizagem de alunos surdos. Com esta finalidade, entrevistei os atores-tradutores surdos sobre a metodologia que utilizam no curso para validar meus questionamentos.

Além disso, será feito um estudo descritivo da tradução do sinal “cultura” – considerando duas ocorrências lexicais da Língua Brasileira de Sinais. Serão apresentados os fundamentos teóricos das investigações em torno dos Estudos de Tradução, seguindo uma metodologia própria de extração de dados de um corpus linguístico (que é um conjunto de textos escritos ou falados numa língua, disponível para análise) que poderá alcançar o produto final em forma de um glossário; produto desta pesquisa, que tem o intuito de fornecer suporte à tradução especializada, ao ensino de línguas, ao ensino de disciplinas técnicas e cursos.

Dando prosseguimento à discussão, o próximo capítulo apresenta os caminhos metodológicos escolhidos para a realização da pesquisa.

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CAPÍTULO I

CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Atualmente, os recursos tecnológicos vêm mudando a perspectiva a respeito dos estudos da linguagem em geral e da Tradução. A quantidade de informações que pode ser processada e analisada e a rapidez com que isso pode ser feito possibilitam observações e estudos que seriam impossíveis manualmente, além de conferirem um caráter de imparcialidade e representatividade à pesquisa.

Para que isso aconteça de forma adequada, no entanto, é imprescindível que a coleta e a criação do corpus sejam feitas segundo critérios rigorosos que, não sendo respeitados, podem comprometer a pesquisa como um todo, induzindo resultados parciais ou equivocados.

Neste capítulo, apresentaremos o contexto investigado no Ambiente Virtual de Aprendizagem do Curso Letras – LIBRAS da Universidade Federal de Santa Catarina e os passos da pesquisa.

1 O contexto da pesquisa A título de compreender a relevância do ambiente virtual para

esta pesquisa, faz-se necessário esclarecer mais sobre o curso de graduação a partir do qual se pretende investigar as questões deste estudo, ou seja, especificar a respeito do curso de Letras – LIBRAS da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. O Decreto-Lei nº 5.626, aprovado em 22 de dezembro de 2005, estabelece, entre outras coisas, que a disciplina de LIBRAS, em todas as universidades públicas e privadas, só pode ser ministrada nas por professores fluentes em LIBRAS, formados no curso de graduação de Letras –LIBRAS, surgidos em 2006 para atender à demanda que se instaurava a partir do decreto. Sendo assim, este curso foi criado para assegurar a formação deste profissional tão importante no contexto da Educação de Surdos.

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1.1 O curso de Letras – LIBRAS e suas ferramentas de ensino-aprendizagem

Período Disciplina CH 1º Introdução a Educação a

Distância 60h

Estudos Linguísticos 60h Introdução aos Estudos de

Literatura 60h

Introdução aos Estudos de Tradução

60h

Fundamentos da Educação de Surdos

60h

2º Língua Brasileira de Sinais 60h Fonética e Fonologia 60h Morfologia 60h Escrita de Sinais I 60h Linguística Aplicada ao Ensino

de Línguas 60h

3º Língua Brasileira de Sinais II 60h Sintaxe 60h Escrita de Sinais II 60h Aquisição da Linguagem 60h Sociolinguística 60h 4º Língua Brasileira de Sinais III 60h História de Educação de Surdos 60h Escrita de Sinais III 60h Teorias de Educação e Estudos

Surdos 60h

Ensino de Língua Materna 60h 5º Língua Brasileira de Sinais IV 60h Semântica e Pragmática 60h Educação de Surdos e Novas

Tecnologias 60h

Literatura Visual 60h Leitura e Produção de Textos 60h 6º Língua Brasileira de Sinais V 60h Análise de Discurso 60h Psicologia da Educação de 60h

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Tabela 1 – Visão geral das disciplinas do Curso de Letras – LIBRAS

O curso está organizado em 08 períodos, perfazendo um total de

3.000 horas, cumpridas da seguinte forma: 600 horas como conhecimentos básicos da área; 1020 horas como conhecimentos específicos da área; 750 como conhecimentos pedagógicos. Destacam-se às 420 horas de prática como componente curricular, e às 420 horas de estágio supervisionado, assim como 210 horas como atividades acadêmico-cienfífico-culturais, expressando os aspectos mais flexíveis e transversais do currículo.

As aulas presenciais de nove pólos localizados na, Universidade Federal do Amazonas, Universidade Federal do Ceará, Universidade Federal da Bahia, Universidade de Brasília, Centro Federal de Educação Tecnológica do Estado de Goiás, Universidade de São Paulo, Instituto Nacional de Educação de Surdos no Rio de Janeiro, Universidade Federal de Santa Maria e Universidade Federal de Santa Catarina, correspondem a 30% do curso e são realizadas a cada 15 dias. São 500 alunos matriculados no Brasil (cada instituição tem 55 alunos regularmente matriculados, com exceção do pólo UFSC, que tem 60 alunos), mas 450 novas vagas serão abertas com o início do bacharelado e mais 450 para licenciatura, totalizando 1.400 vagas para todo o país. Esta formação é financiada pelo Ministério da Educação, por meio da

Surdos Didática e Educação de Surdos 60h Tradução e Interpretação da LS 60h 7º Língua Brasileira de Sinais VI 60h Metodologia de Ensino de

Literatura Visual 60h

Metodologia de Ensino em Língua de Sinais Brasileira como L1

60h

Metodologia de Ensino em Línguas de Sinais Brasileira como L2

60h

8º Estágio em Literatura Visual 60h Estágio em Língua de Sinais

Brasileira como L1 60h

Estágio em Língua de Sinais Brasileira como L2

60h

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Secretaria de Educação à Distância e da Secretaria de Educação Especial.

As ementas de cada disciplina estão no Anexo 1, no fim deste trabalho. No quadro seguinte, temos uma visão geral das disciplinas, da carga horária e da distribuição dos períodos no curso.

De acordo com o site <http://www.culturasorda.eu/resources/Brasil_Proyecto _Lic_Letras_LIBRAS_2006.pdf>, a organização curricular do curso compreende os seguintes eixos: Conhecimentos básicos da área: articulam os conhecimentos fundamentais para os estudos linguísticos, bem como os de natureza específica da visão histórica e humanística da organização escolar; Conhecimentos específicos: envolvem conhecimentos de LIBRAS. Compreendem o conjunto de disciplinas que possibilitam a construção do perfil do profissional da área de letras – LIBRAS. Constituem o núcleo responsável pelo desenvolvimento de competências e habilidades próprias do professor de primeira e de segunda língua. Exploração de tecnologias de comunicação. Conhecimentos pedagógicos: constituem o núcleo de disciplinas responsáveis pela construção do perfil para a docência e que possibilitam o desenvolvimento de competências e habilidades que garantam o desempenho profissional em sala de aula e no ambiente escolar. Neste núcleo, promove-se a discussão de políticas de ensino, estratégias de planejamento do ensino e da avaliação, a organização dos sistemas de ensino e a preparação para inserção do acadêmico no contexto escolar, preparando-o para o manejo das questões pedagógicas, bem como para as relações interpessoais.

Atividades acadêmico-científico-culturais: compreendem atividades acadêmicas de livre escolha do aluno que têm como objetivo desenvolver posturas de cooperação, comunicação, liderança e aprofundamentos, visando garantir o desenvolvimento de competências que transversalizam a organização curricular. Essas atividades configu-ram-se em torno de disciplinas optativas, de participação em seminários, de palestras, de atividades de iniciação científica, de projetos multidisciplinares, de monitorias, de publicações de trabalhos de

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natureza científica na área de formação, de participação em eventos de natureza acadêmica e de atividades de extensão. 1.2 Os passos da pesquisa

A metodologia pauta-se na abordagem qualitativa de pesquisa

(Ludke & André, 1986) e ocorreu no ambiente virtual AVEA, já explicitado anteriormente.

Utilizei o corpus paralelo disponível no AVEA para buscar responder aos questionamentos propostos nesse trabalho. Esse contato com ferramentas de corpus e pesquisas criteriosas pode promover uma mudança de comportamento, de modo que atores-tradutores surdos e clientes tenham mais consciência de que é preciso fazer uma pesquisa terminológica mais detalhada, criteriosa e contextualizada em vez de, por restrições de tempo, satisfazerem-se com “soluções de emergência” encontradas em glossários e listas de termos cuja qualidade e confiabilidade podem ser questionáveis.

Nesse sentido, percebe-se que o desenvolvimento do trabalho desta pesquisa abrangeu as seguintes etapas:

1 – Levantamento bibliográfico inicial relativo a obras traduzidas para o Português, já que a preocupação inicial é com o impacto das teorias no Brasil;

2 – Observação direta das filmagens (DVD e AVEA), analisando a interação dos alunos e professores no momento da aula e de suas produções sinalizadas, anotando em caderno de campo para a elaboração de relatório semestral do curso de Letras – LIBRAS.

3 – Análise e estudos dos sinais contidos nos materiais didáticos, conteúdos e disciplinas inseridas no AVEA, assim como as videoconferências e DVDs produzidos por atores-tradutores surdos e professores surdos existentes no pólo UFSC;

4 – Organização de reuniões entre os alunos, tutores, professores e os coordenadores das equipes de trabalho, para a elaboração de síntese provisória, para síntese final;

5 – Plenária para discussão e aprovação da síntese final. Acreditamos que, ao término dessas etapas iniciais de

contextualização da pesquisa e as interfaces teóricas dos elementos do corpus, possamos chegar a diferentes tendências de proposta de ensino e

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mediação ou interação no processo de aprendizagem no curso de Letras – LIBRAS, diminuindo as dificuldades dos alunos.

Essa pesquisa se vale dos métodos conectados à Linguística de corpus, pois, desde a década de 60 do século XX, os recursos tecnológicos vêm sendo empregados na pesquisa linguística e têm influenciado as investigações em torno dos Estudos de Tradução. Essa área se beneficiou amplamente do uso da tecnologia e vem se desenvolvendo e sendo aplicada em diferentes tópicos relacionados à linguagem, utilizando análises lexicais, sintáticas e discursivas para pesquisa, como também, para o ensino de línguas estrangeiras, tradução, estudos culturais, descrição linguística, entre outras práticas, em uma determinada língua ou comparativamente.

De acordo com a definição de Tagnin7 (2004, p. 162), um corpus é:

Uma coletânea de textos em formato eletrônico, compilada segundo critérios específicos, considerada representativa de uma língua (ou da parte que se pretende estudar), destinada à pesquisa. Podemos nos basear nos dados e não somente em nossas intuições, isso demonstra que uma busca de corpus produzirá colocações que estão em uso, ou seja, um corpus não fornecerá apenas a forma correta, mas principalmente a forma mais usual na língua sob investigação.

Salientando a necessidade de se adotar uma boa escolha lexical,

no momento da tradução, entra em cena a questão da fluência. Logo, a partir de Tagnin (2002, p. 193), ressalta-se a relevância do uso:

(...) por estranho que pareça, mesmo como falante nativo da língua alvo, o tradutor pode ter problemas no nível da produção para conseguir soluções naturais, caso se atenha tanto ao texto de partida o ponto de não perceber que, entre formas igualmente gramaticais, uma delas é de uso mais corrente. Em outras palavras, não pode se dar conta de que, dentro de uma gama de formas gramaticalmente possíveis, há certas

7 TAGNIN, Stella. Corpora: o que são e para quê servem. In: Cadernos de Tradução IX.

Florianópolis: UFSC, 2004. On line: http://www.fflch.usp.br/dlm/comet/.

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formas que têm uma probabilidade maior de ocorrerem. (...)

Segundo o termo léxico, pode-se entender uma língua de três

maneiras: um conjunto dos morfemas (a Linguística contemporânea [...] favorece essa definição); um conjunto das palavras (mas, que pode levar ao problema da dificuldade de definir palavra); e um conjunto indeterminado, mas finito de elementos, de unidades ou de ‘entradas’ em oposição aos elementos que realizam diretamente funções gramaticais, como os determinativos, os auxiliares etc. Nesse caso, diferencia-se, portanto, entre morfemas lexicais e gramaticais, sendo que, esses últimos, devem constar nas gramáticas. (cf. WELKER, 2004, p. 15-16).

Isso leva os atores-tradutores surdos a enfrentarem uma espécie de “sofrimento” quando traduzem os textos linguísticos, porque alguns conseguem traduzir, enquanto que, outros, apresentam dificuldades por conta da falta de mais conhecimento linguístico, mas buscam as respostas para suas dúvidas com os tradutores-intérpretes da equipe de tradução (ouvintes usuários da LIBRAS) ou procuram os significados a serem esclarecidos em dicionários específicos, de modo que possam traduzir os conteúdos para a LIBRAS. Também há dificuldades oriundas dos próprios textos produzidos pelos professores das disciplinas, que apresentam muitas palavras para dar conta dos conceitos desconhecidos da teoria linguística ou novas palavras para aqueles que as terão que traduzir ou interpretar. Contudo, com o tempo, o processo de tradução tem sido melhorado de forma que a equipe tem demonstrado estar aprendendo cada vez mais por meio de novos métodos estabelecidos. Outra tarefa importante do tradutor diz respeito, justamente, à adequação ao proceder segundo uma abordagem teórica de tradução. Um dos primeiros escritores a desenvolver uma teoria de tradução foi o francês Etienne Dolet (2006, p. 199), segundo ele, para realizar uma boa tradução, o tradutor deve seguir cinco princípios: 1) Entender perfeitamente o sentido e a matéria do autor a ser traduzido; 2) Conhecer perfeitamente a língua do autor que ele traduz e que ele seja igualmente excelente na língua na qual se propõe traduzir; 3) Não traduzir palavra por palavra; 4) Usar palavras de uso corrente;

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5) Observar a harmonia do discurso. Os atores-tradutores surdos quando estão trabalhando nos vídeos, traduzindo os textos para LIBRAS, sempre se reúnem com a equipe da coordenação da tradução; sendo que eu, como autora, participo somente das reuniões. Discutimos como são as regras para traduzir melhor os textos, para não criar mais desentendimento e confusão para alunos do curso. Procuramos, para tanto, pôr em prática os princípios de Dolet (2006), o que nos auxiliou a aperfeiçoar a tradução. Mas, mesmo assim, cada ator-tradutor apresenta um pouco de dificuldade de traduzir, porque se expressam de maneira diferente um do outro, devido a sua individualidade regional. No capítulo II, a seguir, trataremos da realidade da LIBRAS e sua diversidade dialetal em consequência da falta de padronização; discussão necessária para fundamentar esta pesquisa.

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CAPÍTULO II

A REALIDADE DA LIBRAS: DIVERSIDADE DIALETAL EM CONSEQUENCIA DA FALTA DE PADRONIZAÇÃO

Neste espaço discutiremos a realidade da LIBRAS no que

concerne à variedade linguística pelo fato de os atores-tradutores surdos e professores fluentes em LS serem provenientes de diversos estados brasileiros. Diante desse fato, a atividade de tradução desenvolvida no AVEA está sujeita a problemas de variação dialetal entre atores-tradutores surdos, havendo a necessidade de uma padronização linguística de sinais.

2 A ferramenta de ensino-aprendizagem do ambiente virtual:

o AVEA No projeto pedagógico do curso de graduação de Licenciatura em

Letras – LIBRAS8, consta que ele é um curso de licenciatura ofertado na modalidade de Ensino à Distância que oportuniza o desenvolvimento dos estudos com base no processo de ensino-aprendizagem centrado no hipertexto, acompanhado de outras ferramentas didático-pedagógicas, tais como, o Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem – AVEA (vide figura 1), as hipermídias, que as traduções em LS dos conteúdos desses mesmos textos, links, animações e DVD’s de apoio (vide figura 2).

8<http://www.cultura-sorda.eu/resources/Brasil_Proyecto_Lic_Letras_LIBRAS_2006.pdf>

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Figura 1 - AVEA no curso de Letras–LIBRAS exibindo uma das telas de hipertexto da disciplina de Aquisição da Linguagem.

Figura 2 – Hipermídia de um dos tópicos da disciplina com texto em Português, seguido de sua tradução em LS.

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LIBRAS exibindo uma das telas de

icos da disciplina com texto em

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Para que serve a hipermídia? Qual é a importância desse recurso

para os alunos? E o que ela tem a ver com o presente estudo? A hipermídia é um sistema que permite criar e manter conjuntos

de textos interligados de forma não-sequencial na Internet. Na Figura 2, vemos o design do hipermídia do Letras – LIBRAS.

Do lado direito, a atriz-tradutora surda apresenta todo o conteúdo da disciplina em LIBRAS e, do lado esquerdo da tela, estão dispostos os textos escritos em língua portuguesa. Esse trabalho é um trabalho de tradução, diferente da função de intérprete de LS para língua oral e vice-versa, pois a profissional traduz o texto do português para LS.

Então, a hipermídia é um recurso que permite aos surdos usuários da LIBRAS, o estudo dos textos, não só pela língua portuguesa escrita (enquanto L2), mas também, o por meio da LIBRAS (enquanto L1). Em relação ao processo de tradução, os atores-tradutores surdos trabalham os textos das disciplinas para LS com métodos e procedimentos específicos, sendo que, as propostas metodológicas são desenvolvidas pela equipe de tradução e pela coordenadoria pedagógica, no laboratório de pesquisas em Ambientes Hipermídia de Aprendizagem. O perfil dos atores-tradutores surdos envolve a formação superior em áreas diferentes, com maior prática na LS, sendo que um deles ainda é estudante e outra já concluiu seu curso de doutorado na área de Educação.

Estes materiais são elaborados pela equipe de professores e desenvolvidos por uma equipe multiprofissional, comprometida com o propósito desse curso que é a formação de professores com capacidade de ensinar a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, tanto como primeira (L1) quanto como segunda língua (L2). O curso de Letras – LIBRAS constitui uma considerável ação da política de inclusão social da UFSC, que tem trabalhado com processos de ensino direcionado para a realidade discente de surdos usuários da LIBRAS, uma vez que lança mão de métodos de ensino que priorizam a percepção visual e atende às necessidades brasileiras, bem como oferece a possibilidade de formar professores surdos no Brasil, permitindo a inserção das pessoas surdas nos diferentes níveis educacionais.

Segundo a professora-tutora surda Shirley Vilhalva9:

9 Shirley Vilhalva, professora surda, coordenadora de tutores de pólos na UFSC, mestra em Linguística. Diretora de Escola Estadual de Surdos – CEADA, Diretora de Administração da FENEIS e Conselheira do CONADE.

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Esse curso é de extrema importância, pois nunca os surdos tiveram a oportunidade de estar em uma universidade federal em grande número. Indo além, o resultado deste curso será o aumento de professores surdos habilitados no ensino de língua de sinais para surdos e ouvintes.

Isso vem ao encontro do desejo da comunidade surda, pois assim,

os surdos podem transitar no seu universo cultural, assumindo sua própria identidade surda e conquistando mais espaços onde possam trabalhar. Nesse sentido, o curso de Letras – LIBRAS abre oportunidades para pessoas fluentes em LS, principalmente os surdos. Além disso, a proposta do curso permite que se exija mais respeito e menos preconceito frente à sociedade, de maneira que a comunidade ouvinte, que não possui formação acadêmica para o ensino de LS, não ocupe tais funções. Isso se justifica também com explica a professora surda Karin Strobel10:

O fato de que o surdo é um sujeito que produz cultura baseada na experiência visual, requerendo uma educação fundamentada nesta sua diferença cultural. Com isto, a Constituição que assegura o direito a diferentes expressões culturais, no povo brasileiro, faz antever a necessidade de serem respeitados os direitos culturais dos surdos

2.1 O papel dos ambientes de Comunicação Mediada por

Computador (CMC) na interação entre surdos de diferentes regiões do Brasil

A título de comparar as ferramentas de aprendizagem

desenvolvidas e aplicadas no curso de Letras–LIBRAS da UFSC, é interessante pontuar aqui a proposta trazida por MERTZANI (2008, p. 356-369)11 que está apresentada no seu artigo “Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de Comunicação Mediada por Computador (CMC), explorações e considerações iniciais” . Segundo

10 Karin Strobel, professora surda da UFSC, doutorada em Educação. Presidente da FENEIS. 11 Mertzani, Maria. Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de comunicação mediada por computador (CMC): explorações e considerações iniciais. In: Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais. QUADROS, R. M. Q. e VASCONCELLOS, M. B. (org.). Petrópolis-RJ: Editora Arara Azul, pg: 356-369.

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essa autora, os CMC têm exercido considerável influência sobre a prática de ensino e a aprendizagem no âmbito da LS, processo esse, que também sido notado no curso de Letras – LIBRAS, possibilitando maior acesso à Internet e uma maior disponibilidade de ferramentas síncronas e assíncronas (por exemplo, e-mails, chats, fórum de discussões, mensagens, etc).

Nesse sentido, as práticas pedagógicas tradicionais têm sido afetadas, ocasionando a introdução de novos paradigmas, que agora enfatizam metodologias de ensino centradas nos alunos e são baseadas em princípios construtivistas. A proposta de ensino de LS para alunos ouvintes e surdos a partir dos ambientes de CMC, principalmente como a modalidade de Educação à Distância (EaD), é importante e benéfica por uma única razão: a LS é uma língua visual e os alunos, a fim de aprendê-la, precisam visualizar seu movimento e suas características não-manuais (expressões faciais e corporais).

Da teoria social da visualidade (MIRZOEFF, 1999) apresentada por Mertzani (2008, p. 358), para o curso de Letras – LIBRAS, pode-se destacar os seguintes aspectos:

● VISUAL – citando Mirzoeff (1999, p. 6), Mertzani afirma que

a CMC baseada em vídeo é o local da interação, o local onde ‘os significados são criados e contestados’(Mirzoeff, 1999, p. 6). No caso do Letras – LIBRAS, é interessante notar que, no AVEA, são produzidos significados, mas o debate sobre o que é produzido ocorre de modo assíncrono.

● CONSTRUÇÃO CULTURAL – segundo as contribuições de

LAWLEY (1994), Mertzani (2008a, p. 358), comenta que o espaço criado pela CMC é “um espaço culturalmente construído que reúne indivíduos fisicamente distantes para interações interculturais on-line”.

● APRENDIZAGEM INDIVIDUAL E SOCIAL – Mertzani

(2008a) ainda ressalta que, dentro de ambientes em que há CMC, a aprendizagem compreende dois tipos de interação: a individual e a social. Segundo a autora (2008b, p. 358), que comenta essa afirmação a partir das ideias trazidas por RYAN et al (2000, p. 100) “o primeiro tipo é uma atividade individual entre @ usuári@ (por exemplo, alun@, professor@) e o material visual; o segundo é uma atividade social que envolve a interação humana mediada por computadores e que faz referência a materiais visuais” (Ryan et al. 2000, p. 100).

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Nesses termos, os espaços disponibilizados pelos ambientes de

CMC estão em contato, fomentando trocas sociais e culturais entre os surdos participantes do Letras – LIBRAS, que se encontram distantes uns dos outros, situando-se nos pólos, do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro, da Universidade de Brasília (UNB), no Distrito Federal, da Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em Manaus, da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, do Instituto Federal Goiano (IFG), em Goiânia, e da própria UFSC, em Florianópolis. Dessa forma, vê-se que é possível a troca entre diferentes culturas surdas de diferentes estados brasileiros.

É certo que a interação social dos alunos revela muitos dialetos regionais, fazendo com que haja um ambiente rico linguisticamente, durante o processo de ensino-aprendizagem mediado pelo AVEA e fazendo também com que os participantes (alunos e professores) desenvolvam habilidades e conhecimento, superando suas limitações e dificuldades coletivamente, sendo que, para isso, os estudantes precisam ser atuantes, criativos e participativos.

Então, diante dessa realidade ampla, dinâmica e distribuída entre vários locais do país, dentro do curso, há uma grande variação dialetal, que pode ser observada, principalmente, no nível lexical. Nesse contexto, Karnopp12 (2004, p. 262) esclarece que,

[q]uando a língua de sinais usada por surdos de regiões geográficas ou grupos sociais diferentes apresenta diferenças sistemáticas, diz-se que esses grupos usam dialetos da mesma língua. Os dialetos nas línguas de sinais podem ser definidos como formas mutuamente compreensíveis dessa língua e com diferenças sistemáticas.

No entanto, quando as diferenças são numerosas e sistemáticas

entende-se que podem ocorrer problemas de compreensão da mensagem que se está tentando comunicar, ainda mais quando apenas a interação

12Disponível em:

<http://www.editoradaulbra.com.br/catalogo/periodicos/pdf/periodico21_1_1.pdf> p. 262 (Acesso em: 23 de julho de 2008).

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individual é possível nos espaços em que há CMC. Por exemplo, as diferenças entre a LS visual-espacial e a língua portuguesa oral-auditiva: a LS é baseada nas experiências visuais das comunidades surdas mediante as interações culturais surdas, enquanto a língua portuguesa constitui-se baseada nos sons, por isso existem idioletos que são variações de dialeto de uma língua única a um indivíduo, que surdos podem escolher por padrões de escolha de palavras e gramática, ou palavras, frases ou metáforas, ocorrendo pertencente ou relativo a um sistema. Ao se observar as diferenças sistemáticas entre si, estas diferenças atingem não só o léxico, mas também, a gramática. Isso pode ocorrer, por exemplo, nos pólos dos diferentes estados do curso EaD de Letras – LIBRAS, em que os alunos surdos recorrem aos dicionários Cappovilla e do INES para, em certas situações, poderem entender o que seus colegas de outros pólos estão dizendo ou para compreender o conteúdo gravado no AVEA.

Em contextos informais e do dia-a-dia, os atores-tradutores surdos podem usar livremente os dialetos de cada região. No entanto, segundo Karnopp (2004), os atores-tradutores surdos, bem como os alunos dos pólos, devem proporcionar o que é aceito, assimilando e ensinando o padrão da linguagem regulamentada e proposta pela UFSC através do curso de Letras – LIBRAS para que haja uma padronização de LS no Brasil. De acordo com Karnopp (2004, p. 263),

Em primeiro lugar, é preciso estabelecer um princípio linguístico, todos os dialetos são iguais. Não existe um dialeto melhor do que o outro, mais correto ou certo. Os gramáticos normativos consideram geralmente que as formas corretas da língua são os dialetos usados na literatura, em documentos impressos, dialetos ensinados nas escolas e difundidos pelos órgãos de comunicação social e/ou os dialetos usados pelos dirigentes políticos, pelos empresários... Um dialeto padrão não é nem mais expressivo, nem mais lógico, nem mais complexo, nem mais regular do que qualquer outro dialeto. Assim, todo e qualquer juízo sobre a superioridade ou inferioridade de certo dialeto será um juízo de ordem social desprovido de caráter linguístico ou científico. O que queremos dizer quando afirmamos que alguém usa a forma padrão é que o dialeto que essa pessoa usa em situações formais é mais ou

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menos idêntico, em gramática e vocabulário, ao padrão utilizado por líderes surdos na comunidade de surdos, geralmente aqueles mais escolarizados, ou pelos instrutores de LIBRAS.

Posto isso, pode-se comentar que, na interação social

síncrona e assíncrona (ou seja, via chats, vídeo conferências etc), há sempre a possibilidade de negociar o sentido dos sinais com o interlocutor. Já no caso da interação individual, onde se encaixa a ferramenta de hipermídia do AVEA do Letras – LIBRAS da UFSC, não há como negociar tais sentidos, nem como pedir explicações acerca dos sinais dialetais, uma vez que os materiais são assíncronos e não oferecem espaços para ocorrerem negociações.

É nesse contexto que se pretendo discutir a importância da padronização linguística e como os atores-tradutores surdos que trabalham no AVEA vêem a questão da variação dialetal e da necessidade ou não de padronização.

2.2 Problematizando a variação dialetal e a necessidade de padronização Linguística no AVEA do curso de Letras – LIBRAS da UFSC

Tendo em vista tudo o que foi dito anteriormente, questiona-se,

qual a importância da padronização Linguística de sinais dentro do curso de Letras - LIBRAS da UFSC? Para responder a esta pergunta é preciso considerar os fatores linguísticos e a influência no processo de ensino-aprendizagem das disciplinas.

Dentre os aspectos linguísticos, percebe-se que a LS é uma das experiências visuais mais ligadas à identificação dos grupos de sujeitos surdos. Como diz Skliar (1998, p. 56), “ser surdo é pertencer a um mundo de experiência visual e não auditiva”. A LS sempre foi e ainda é alvo de manifestação de tensão entre os grupos envolvidos nos pólos na UFSC. Por tensão linguística, tem-se que é o movimento que preside a organização do sistema da língua e que corresponde a uma divisão da linguagem em dois planos, o mais “precoce”, que é o da “potência” ou “língua”, e o mais “tardio”, que é o do “efeito”, ou “discurso” (DUBOIS, 2006, p. 583).

O curso de Letras – LIBRAS não apresenta uma padronização linguística da LS nos conteúdos do AVEA nem no DVD. Atores-tradutores e professores surdos, bem como intérpretes de LS, utilizam

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sinais dialetais próprios, sendo que a padronização é mais facilmente percebida só com o uso de sinais mais direcionados especificamente a uma determinada área de conhecimento (por exemplo, morfologia, fonologia, sintaxe etc), por causa dos conteúdos eminentemente linguísticos dos textos-base. Por isso, escolhemos o sinal “cultura”, que não é padrão de ocorrência nesses conteúdos, para representar uma das diversas variações encontradas no corpus de análise dessa pesquisa, ou seja, as hipermídias e os conteúdos gravados nos DVDs do curso.

Por exemplo, uma professora surda, ao apresentar o DVD ou vídeo-conferência, sinalizou “cultura” com a mão direita em configuração de “C” (conforme a letra do alfabeto manual da LIBRAS) encostando-a no braço esquerdo e fazendo um movimento de cima para baixo (vide figura 3). Já uma atriz-tradutora surda do AVEA, sinalizou de outra forma o mesmo sinal “cultura”, apresentando a mão direita na configuração de “5” (conforme o número do alfabeto manual da LIBRAS) encostada à testa (vide figura 4). Tais diferenças acontecem por conta dos dialetos regionais desses profissionais.

Figura 3 - Sinal “cultura” em que se encosta uma das mãos em “C” no

braço oposto e movimenta-se de cima para baixo.

Figura 4 - Sinal “cultura” em que se encosta uma das mãos em “5” na testa.

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Embora a variação dialetal dos professores e atores-tradutores

surdos esteja conectada também a uma questão de identidade, nota-se que a variação, por vezes, confunde os alunos dos pólos, principalmente, no que diz respeito à aplicação das provas a partir dos DVDs em sala da aula. Durante o tempo de estudo, os alunos estão aprendendo as palavras em português por meio de novos sinais. Teoricamente, essas palavras deveriam corresponder a um padrão e estar inseridas em um novo dicionário. Os alunos estudam o dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue (escrito em composto de três línguas) da LIBRAS, da autoria de Fernando César Capovilla (2001, p. 32, vol. I), o qual, por sua vez, defende que,

[a] classificação gramatical ajuda o Surdo a aprender a gramática do Português e a entender o uso das palavras. A definição lexical permite ao Surdo aumentar o seu vocabulário em Português e o seu conhecimento do mundo. Os exemplos de uso linguístico de palavras e sinais aperfeiçoam habilidades de gramática e semântica, desenvolvendo o uso adequado das palavras pelo Surdo e dos sinais pelo ouvinte. A descrição da forma ou composição quirêmica do sinal permite ao neófito13 articular precisamente o sinal.

No entanto, percebi que alguns alunos surdos preferem usar o dicionário do Instituto Nacional de Educação dos Surdos – INES, do Rio de Janeiro14, que está disponível na Internet e é oficialmente reconhecido pela comunidade surda. Entretanto, este dicionário não corresponde às necessidades específicas do curso de Letras – LIBRAS, o qual, constantemente, tem carecido de novos sinais para abranger os conceitos que são apresentados aos alunos.

Diante disso, salientamos que, diferentemente do que se entende por norma culta do português brasileiro, a proposta aqui visa considerar a realidade dos alunos, os quais têm solicitado uma padronização a fim de facilitar a compreensão dos conteúdos que lhes são ministrados. Não

13

Neófito é aquele que é principiante, novato.

14 Dicionário de Libras do INES. Disponível em: http://www.ines.gov.br/libras/index.htm ou http://www.acessobrasil.org.br/libras/. (Acesso em: 08 de agosto de 2008).

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está em questão e nem é o objetivo deste trabalho impor ou ditar o que é linguisticamente certo ou errado, conforme advertem Mussalim e Bentes (2006, p. 40, vol. I) com referência ao português brasileiro:

A variedade padrão de uma comunidade – também chamada norma culta, ou língua culta – não é, como o senso comum faz crer, a língua por excelência, a língua original, posta em circulação, da qual os falantes se apropriam como podem ou são capazes. O que chamamos de variedade padrão é o resultado de uma atitude social ante a língua, que se traduz, de um lado, pela seleção de um dos modos de falar entre os vários existentes na comunidade e, de outro, pelo estabelecimento de um conjunto de normas que definem o modo “correto” de falar. FISHMAN (1970) define a padronização, isto é, o estabelecimento da variedade padrão, como um tratamento social característico da língua, que se verifica quando há diversidade social suficiente e necessidade de elaboração simbólica. Em outras palavras, a definição de uma variedade padrão representa o ideal da homogeneidade em meio à realidade concreta da variação linguística – algo que, por estar acima do corpo social, representa o conjunto de suas diversidades e contradições.

Assim, no Brasil, há um dialeto padrão da língua portuguesa, que

se mostra como um falar de prestígio na mídia, o qual pode ser identificado principalmente no Jornal Nacional da TV Globo, uma vez que as pessoas estabelecem relação entre o falar de prestígio – dialeto padrão – com o falar da mídia, mais especificamente com o do Jornal Nacional. Dentro deste nível existe o que é chamado de pronúncia padrão e tal pronúncia é escolhida não por fatores linguísticos, mas ideológicos. Ao se reproduzir um falar de prestígio, converge-se para um projeto de nação, que impede o desenvolvimento das diferenças e sugere uma identidade em parte irrealizável. Uma língua padrão possui pelo menos três níveis de organização, uma sintaxe, uma gramática e um vocabulário. Sob essa perspectiva, o Jornal Nacional utiliza seu dicionário da língua portuguesa que nos fornece a aprendizagem de conhecimento das palavras com seus significados. Baseia-se no argumento usado pela fonoaudióloga Glória

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Beuttenmuller15, que fez um trabalho de uniformização da fala dos jornalistas que trabalham no Jornal Nacional, quer dizer, o argumento da compreensibilidade, “pois assim, o Brasil todo pode compreender”, por falar um sotaque bem brasileiro, sem marcas regionais. Dentre as variedades de um idioma, aquela com maior prestígio acaba se tornando a língua padrão de uma comunidade, pois o prestígio, enquanto determinante social, transforma um dado dialeto no modelo linguístico a ser seguido, conforme apontam Cunha e Cintra (1985, p. 3):

A língua padrão, por exemplo, embora seja uma entre as muitas variedades de um idioma, é sempre a mais prestigiosa, porque atua como modelo, como norma, como ideal linguístico de uma comunidade. Do valor normativo decorre a sua função coercitiva sobre outras variedades, com o que se torna uma ponderável força contrária à variação.

Todavia, os estudos do português falado e da dialetologia no

Brasil são exemplos de que novas práticas e crenças linguísticas têm sido desenvolvidas, contribuindo para o ensino de línguas em nosso país. Assim, para Bagno (2002, p. 32), a escola torna-se um ambiente de inclusão e democracia:

Me parece muito mais interessante (por ser mais democrático) estimular, nas aulas de língua, um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as variedades sociolinguísticas, para que o espaço da sala de aula deixe de ser o local para o espaço exclusivo das variedades de maior prestígio social e se transforme num laboratório vivo de pesquisa do idioma em sua multiplicidade de formas e usos.

Isso é importante, já que a escola deve criar condições para que os alunos possam desenvolver habilidades para ler, escrever, expressar-se com práticas voltadas para a realidade social. Nesse sentido, o

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Do artigo do autor Conrado Moreira Mendes: “A decodificação da expressão e do conteúdo da fala do Jornal Nacional: uma aborgadem pelas teorias de L. Hjelmslev e S. Hall”

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estudante exposto constantemente a diversas atividades de leitura e escrita, pode estar produzindo seu próprio conhecimento. Para Neves16, pode se comprovar que:

Qualquer instância de comunicação Linguística evidencia a natureza das entidades e dos processos gramaticais de uma língua, mas, pela própria direção que dou ao estudo, aponto a existência de dois campos discursivos que particularmente se prestam à análise, cada um deles, por sua vez, acompanhado de seu metadiscurso, (i) a criação literária e o discurso sobre ela, (ii) a produção de estudos (meta)lingUísticos (gramáticas, dicionários, ensaios, tratados) bem como sua análise e crítica. Por aí se chega à ação escolar com a linguagem, naturalmente determinada por essa configuração (meta)discursiva.

Tudo isso pode ser comparado ao projeto pedagógico e às

vivências do curso EaD de Letras – LIBRAS, pois nesse curso, com nove pólos situados em estados diferentes, os alunos estão se apropriando dos conteúdos curriculares por meio de sinais novos padronizados, utilizados pelos atores-tradutores surdos de regiões diferentes. Desse modo, por exemplo, uma atriz-tradutora carioca pode produzir um sinal técnico enquanto outro ator-tradutor gaúcho pode apresentar o mesmo sinal dela (com a mesma configuração de mão, mesmo movimento e local) ao trabalharem juntos na mesma disciplina no AVEA, sendo que isso pode ser considerado uma representação da padronização linguística.

Dentro de cada pólo, há o respeito à variação linguística da região, já que se procura focar o uso de sinais padronizados durante as aulas gravadas em DVD e no AVEA. Por isso, é importante os atores-tradutores surdos trabalharem levando em conta a padronização entre os sinais técnicos. Tal padronização pode ser alcançada ao se buscar uma forma de “norma culta” através dos dicionários de LS, também acompanhando com estudos de outros dicionários de Linguística e de Linguagem, a fim de esclarecer os significados dos termos científicos empregados nos textos-base das disciplinas. Embora esses dicionários

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Autora Maria Helena de Moura Neves com seu artigo “A língua portuguesa em questão: uso, padrão e identidade linguística”.

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de Linguística não possuam elementos visuais de LS, seu uso serve de apoio para os atores-tradutores surdos produzirem LS novos. Sob tal perspectiva, o dicionário de Linguística também é usado pelo motivo de que ele deve poder responder às dúvidas dos atores-tradutores surdos que, nos textos linguísticos empregados pelos professores, encontram termos tomados numa acepção particular ou que não pertencem ao léxico da língua comum.

A seguir, trataremos da formação de identidades culturais, dando prosseguimento à fundamentação teórica desta pesquisa.

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CAPÍTULO III

A FORMAÇÃO DE IDENTIDADES CULTURAIS

Neste capítulo procura-se entender, segundo a proposta aqui colocada, o surdo como um estrangeiro. Embora ele ocupe o mesmo espaço geográfico e, às vezes, os mesmos ambientes sociais que qualquer outra pessoa, o surdo possui uma visão sobre o mundo completamente diferente da visão do ouvinte. O surdo se apropria do mundo à sua volta por meio de sua expressão espaço-visual, recebendo informação pelos olhos e as produzindo pelas mãos, por meio da língua de sinais, uma língua visual, com suas peculiaridades culturais e linguísticas. Assim, tanto a cultura surda quanto a cultura ouvinte possuem seus artefatos culturais, que se comportam diferente um dos outros. Para demonstrar que os artefatos culturais dos surdos, advindos de sua experiência visual, levam à cultura surda, vou indicar alguns exemplos (STROBEL, 2008): (1) a língua de sinais, pelo modo diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes, no conhecimento científico e acadêmico; (2) vida social e esportiva, tais como casamentos entre surdos, festas, lazeres e atividades nas associações de surdos, eventos esportivos; (3) outro artefato cultural são as artes visuais, por meio delas os surdos fazem muitas criações artísticas que sintetizam suas emoções, histórias, cultura, piadas; (4) outro artefato cultural é a atuação política em diversos movimentos e lutas que o povo surdo realiza pelos seus direitos; (5) e por fim, outro artefato cultural são os materiais que auxiliam na acessibilidade, na vida cotidiana dos surdos, como o TDD.

É nesse sentido que se fala de uma “cultura surda”. Sendo assim, tem-se que “a tradução exerce um poder enorme na construção de representações de culturas estrangeiras” (VENUTI, 2002, p. 130), o problema que se coloca é como a tradução de textos do português para a LS contribui para que os surdos construam suas representações culturais dos ouvintes.

O objetivo deste tópico é estabelecer uma comparação entre os textos “A formação de identidades culturais” e “A tradução etnocêntrica e tradução hipertextual” em relação à atividade de tradução no curso de Letras – LIBRAS. A partir disso, poder dizer em que medida as

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afirmações e conceitos estabelecidos nesses textos se aplicam à prática de tradução no curso de graduação de Letras – LIBRAS.

3.1 O conceito de identidade, tradução e formação de identidades

Nos últimos tempos, o conceito de tradução e formação de identidades culturais tem se desenvolvido devido aos esforços de pesquisadores em tradução. Esses estudos destacam a importância do papel da tradução e do tradutor ao longo da história, bem como os efeitos de suas escolhas na formação de identidades culturais.

O tradutor, ao comunicar um texto estrangeiro, interpreta fatores domésticos, utilizando a tradução como colaborador à formação de atitudes domésticas em relação a países estrangeiros (Venuti, 2002). Valorizam-se, assim, etnias, raças e nacionalidades específicas, atitudes capazes de favorecer tanto o respeito pela diferença cultural, quanto o ódio baseado no etnocentrismo, no racismo ou no patriotismo.

Como é a tradução etnocêntrica? Segundo Berman (2007, p. 28), essa tradução expõe que o “ etnocêntrico traz tudo à sua própria cultura, às suas normas e valores, e considera o que se encontra fora dela – o Estrangeiro – como negativo ou, no máximo, bom para ser anexado, adaptado, para aumentar a riqueza desta cultura”.

Tem-se, por conseguinte, o termo identidade. A identidade cultural17 é a sensação de identificação de um grupo, cultura ou indivíduo, na medida em que ele é influenciado pela sua permanência a um grupo cultural. Como exemplo, é possível falar-se de uma identidade cultural do “brasileiro”, dos traços culturais particulares que os distinguem dos literários estrangeiros. Isso pode demonstrar o papel de um tradutor, o qual é inseparável do processo de formação de identidades culturais, através da qualidade na construção de representações domésticas.

Uma nova visão de tradução, além da tradicional, é observada pela necessidade de se entender as fronteiras, as qualidades e as diferenças existentes entre as línguas e seus povos. Essa visão acontecerá através da mediação do processo cultural, passando a um conjunto de caracteres compreendidos na significação de um dado

17

Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Identidade_cultural (Acesso em: dia 16 de dezembro de 2008).

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conceito à tradução, pois cresce a interpretação de que o trabalho de tradutores inclui produzir as transformações e manipulações inevitáveis. Visto que ao entrarem em contato com os valores culturais de diferentes sociedades, distantes no tempo ou no espaço, os tradutores não exploram apenas um território desconhecido, mas uma cultura e suas manifestações (Venuti, 2002).

Por isso, os tradutores só podem traduzir os textos de literários estrangeiros para textos domésticos, usando para isso a língua portuguesa como a língua oficial do Brasil, favorecendo uma compreensão melhor ao usar sua língua. Mello (1999) ajudou a desenvolver esse pensamento ao falar da importância do input no processo de aquisição de uma língua.

Na medida em que o tradutor está associado ao contexto sociolinguístico e às interações com o outro, domina diversas línguas estabelecendo uma situação de bilinguismo em um ambiente. Ele saberá usar a língua de acordo com seus interlocutores, de modo que possa ocorrer uma interação entre pessoas de uma mesma família, entre professores e alunos pertencentes ao domínio escolar e assim por diante. Assim, por exemplo, os livros de literatura sempre têm textos franceses ou europeus traduzidos para o português, visando uma melhor adaptação e representação das identidades culturais dos estudantes.

Conforme Venuti (1998, p. 175):

O que aqui se estabelece por uma representação doméstica é a re-escritura de um texto estrangeiro de modo compreensível e familiar na cultura receptora. Essa concepção é extensamente detalhada por Venuti (1998) e será resumidamente exposta neste tópico, a fim de fundamentar o que se está pretendendo defender este artigo. Em linhas gerais, o autor coloca que um dos principais objetivos do tradutor é do comunicar um texto estrangeiro de modo a torná-lo compreensível de uma forma caracteristicamente doméstica. Esse processo se realiza na adoção de uma estratégia de tradução que reescreve o texto estrangeiro em dialetos e discursos domésticos, o que é sempre uma escolha de certos valores domésticos em detrimento de outros. O autor segue argumentando que a tradução pode criar, para os países estrangeiros, estereótipos que refletem os valores políticos e

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culturais domésticos, colaborando para a formação de atitudes domésticas em relação a países estrangeiros. Nessa medida, a tradução constrói também um próprio sujeito doméstico, ‘uma posição de inteligibilidade que também é uma posição ideológica, delineada pelos códigos e cânones, interesses e pautas de certos grupos sociais domésticos’.

Venuti (1998) afirma que o tradutor tem como objetivo traduzir textos estrangeiros para textos domésticos colaborando com a formação de atitudes domésticas em relação a países estrangeiros. Utilizando-se uma forma de traduzir a obra estrangeira de maneira que não se “sinta” a tradução, ou seja, deve ser traduzida de forma a dar impressão de que é isso que o autor teria escrito se ele estivesse escrito na língua para a qual se traduz.

As traduções constituem um dos elementos essenciais ao processo de formação de uma nova identidade, como já se argumentou acima, e como se observa em Venuti (1998, p. 176), “A tradução forma identidades culturais particulares e as mantém com um grau relativo de coerência e homogeneidade, mas também cria possibilidades de mudança, inovação e resistência cultural em qualquer momento histórico.” Venuti (2002, p. 131) assinala que:

Uma tradução, ao circular na igreja, no estado e na escola, pode ter poder de manter ou revisar a hierarquia de valores na língua-alvo. A escolha calculada de um texto estrangeiro e da estratégia tradutória pode mudar ou consolidar cânones literários, paradigmas conceituais, metodologias de pesquisa, técnicas clínicas, e práticas comerciais na cultura doméstica.

Com isso, deseja-se uma nova proposta em comparação segundo

a necessidade de se entender um surdo como estrangeiro e sua formação cultural, por meio de atividade na prática de tradução no curso de graduação de Letras – LIBRAS.

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3.2 Formação da identidade cultural da comunidade surda e tradução cultural da LIBRAS ou LS

Para comparar ao texto acima sobre a formação de identidades culturais é preciso entender como o surdo se insere e se vê na cultura que produz e/ou que o circunda. Como dito anteriormente, a visão do surdo inclui sua cultura e a sua comunidade surda como parte do processo de desenvolvimento da LIBRAS. Esta enquanto uma LS reconhecida por língua natural dos surdos. O uso da LS é característica identitária fundamental; afinal, os surdos consideram que a evidência de se pertencer à comunidade surda é o uso de LS. Alguns autores (Venuti, 1998; 2002; Berman, 2007; Mello, 1999), são citados nesta pesquisa, mas para entendermos sobre a LS e sua importância para a comunidade surda, destacamos Sá (2002, p. 105) quando diz que:

Atribui-se importância ao uso da língua de sinais na construção da(s) identidade(s) do surdo, pelo valor que a língua tem como instrumento de comunicação, de troca, de reflexão, de crítica, de posicionamento, pois, como se poderia imaginar uma significativa e natural interação entre surdos que utilizassem uma língua oral ou uma língua oral sinalizada? O instrumento natural e habitual para sua interação não pode ser outro senão a língua de sinais da comunidade surda local. Não há como negar que o uso de língua de sinais é um dos principais elementos aglutinantes das comunidades surdas, sendo, assim um dos elementos importantíssimos nos processos de desenvolvimento da identidade surda/ de surdo e nos de identificação dos surdos entre si.

O entendimento da questão das identidades surdas está

diretamente relacionado com a noção de língua porque a constituição em relação ao sujeito dá-se pelo exercício do poder da linguagem que se estabelece com a comunicação entre surdos. Ao enfocar a questão da identidade, chega-se à questão da diferença, visto que a identidade cultural só pode ser compreendida em sua conexão com a produção da diferença, que não é outra coisa senão um processo social discursivo.

O que sustentará um novo olhar sobre as diferenças são as novas formas de representar e de ressignificar a diferença. O que são as

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diferenças? São diferenças linguísticas – ouvintes que possuem a língua portuguesa enquanto os surdos com LS – onde se tem uma língua oficial e outra língua estrangeira. Se fora da LS, o surdo é o estrangeiro, dentro dela, o ouvinte é quem não fala, não produz discurso e, portanto, não participa da cadeia de significantes que movimenta os sentidos, que fazem parte da vida dos surdos. A inversão dicotômica (divisão em dois ou oposição entre duas coisas) revela, entretanto, o que foi recalcado. Ou seja, a troca de papéis, ser estrangeiro, ser o “outro” na relação linguística produz efeitos de subjetividade.

Então, surge à tradução etnocêntrica da cultura surda com sua LS e, principalmente, a questão de tradução de textos literários para a LIBRAS que pode ajudar a satisfazer a necessidade de sua própria compreensão enquanto sujeito bicultural. Por serem minoria linguística e bicultural, os surdos trazem em sua constituição como seres humanos a possibilidade da compreensão de dois mundos diversos. Conforme Sá (2002, p. 106):

Alguns se referem aos surdos como uma minoria Linguística, baseando-se no fato de que a língua é utilizada por grupo restrito de usuários, assim, priorizando a questão quantitativa. Outros entendem que o uso de língua de sinais é um fator de exclusão da sociedade majoritária, pois os surdos vivem na situação de desvantagem social e participam limitadamente da sociedade justamente por não conseguirem utilizar a língua da comunidade majoritária tal como os ouvintes, assim, priorizam a questão qualitativa. Destaco que, ao concordar com a ideia de que os surdos são uma minoria Linguística (e para alguns, até étnica), e não quero cair na armadilha de usar esta categoria para ‘excluir’ ou ‘incluir’.

O surdo enquanto não puder se apropriar adequadamente de uma

cultura, pode não exercer plenamente seus direitos de cidadão, como circular livremente por todas as instâncias sociais – o que inclui necessariamente a língua escrita e a tradição literária; por isso ele continuará a ser tutelado por alguém ou por alguma instituição. Por exemplo, a maioria dos ouvintes são professores de LIBRAS tomando lugar dos professores surdos por faltar a estes determinar sua capacidade e lutar pelo direito de ter prioridade de trabalhar.

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Em relação à LS como língua-alvo de uma tradução, uma das questões de trabalho foi demonstrar a possibilidade de se efetivar um trabalho de tradução textual de uma obra literária, não apenas um recontar de história, mas uma criação autêntica de tradução.

Um trabalho denominado Literatura em LSB (Língua de Sinais Brasileira), poesia, fábula, histórias infantis em vídeo existe no Rio de Janeiro. Um dos responsáveis pelo projeto, Nelson Pimenta, que lançou em 1999, com produção e direção de profissionais americanos (o vídeo foi realizado nos Estados Unidos, onde este ator/criador surdo participou de cursos de teatro e outros em várias ocasiões).

Há outro projeto organizado pela Editora Arara Azul, fundada em janeiro de 2001, na cidade de Petrópolis/RJ. Uma das funções é a implantação do PROJETO LIBRAS, cuja primeira ação é a publicação da Coleção Clássicos da Literatura em CD–ROM em LIBRAS/Português. Nesse projeto, clássicos da literatura brasileira e universal têm sido traduzidos de sua língua original para a LIBRAS por tradutores surdos, com o apoio de tradutores ouvintes18.

Como se abordou, mas retomando a questão do choque cultural, a tradução não é apenas entre línguas, mas entre culturas e também se destaca a questão da singularidade das traduções literárias. Como exemplo, no clássico infantil “Alice no país das maravilhas”, a equipe de tradução se deparou com o desafio de como traduzir a passagem na qual Alice, dentro do túnel, ouve os passos apressados (pisadinhas) do Coelho se aproximando. A sugestão da tradutora surda, acatada pela equipe, foi a visualização da sombra das orelhas do Coelho Branco, tremendo de nervoso. A opção da tradutora foi “ensurdecer” (tornar surdo) Alice e seus companheiros em todo texto.

Esse recurso de “ensurdecer” os personagens e o enredo dos clássicos infantis durante as traduções para LIBRAS tem sido constante, pelo que comprovam títulos como “Cinderela surda”, “Rapunzel surda”, “Patinho surdo”. Esses trabalhos apresentam contextos que correspondem à prática de tradução livre e porque atendem, em certa medida, à necessidade de o surdo afirmar sua identidade. Além disso, as atividades da Editora Arara Azul, com a publicação de suas traduções em CD–ROM contribui para o inicio da padronização da

18 O tradutor surdo é proficiente em língua portuguesa escrita e o ouvinte tem o português como língua materna, sendo usuário/proficiente em língua de sinais. O surdo atua na tradução de textos escritos, e o ouvinte atua como apoio na tradução de textos escritos e como intérprete da língua portuguesa oral.

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LIBRAS, que, como toda língua natural, apresenta variedades oriundas das diferentes regiões do Brasil. Isso representa um texto doméstico da própria identidade da comunidade surda, com sua LS.19 Atualmente, o Curso superior de Letras – LIBRAS constitui uma considerável ação da política de inclusão social da Universidade Federal de Santa Catarina, que tem trabalhado com processos de ensino focado na realidade discente de surdos usuários da LIBRAS, uma vez que lança mão de métodos de ensino que priorizam a percepção visual. Também, atende às sugestões apresentadas e às necessidades dos estudantes surdos brasileiros, ou seja, dos alunos dos pólos regionais, bem como oferece a possibilidade de formar professores surdos.

Nisso se analisa a história da tradução revelando um novo projeto que se destinava precisamente a formar identidades culturais domésticas (LS) através da apropriação de textos estrangeiros (língua portuguesa), que é considerada de segunda língua ou língua estrangeira para surdos.

Os atores-tradutores surdos que trabalham no AVEA, são usuários da LS, sempre apresentando os textos para alunos, sejam estes surdos ou ouvintes, mas fluentes em LS. Pois a maioria dos surdos prefere ver os vídeos a ler o texto em português, uma vez que assim compreendem melhor e contextualizam o entendimento com texto. Enfim, esse papel do tradutor vem enriquecendo a tradução para a LS com novos vocábulos e às vezes, novas estruturas, bem como levar a um processo de instauração, divulgando o que poderíamos chamar de uma “norma culta” da língua de sinais brasileira.

Os atores-tradutores surdos podem sofrer um pouco quando traduzem os textos, já que uns traduzem com facilidade enquanto outros não, talvez por falta de conhecimento linguístico, mas buscam respostas para suas dúvidas com os intérpretes (ouvintes usuários de LS) dentro da equipe de tradução e também mantém contato com professores das disciplinas, de que modo a esclarecer e trabalhar para uma melhoria na tradução de LIBRAS.

Com efeito, nosso próximo capítulo trata justamente do papel da Tradução no desenvolvimento da LIBRAS.

19 Parte do que foi colocado aqui é referente ao outro artigo que fiz para a disciplina de História da Tradução. O texto usado tem por título “O papel da tradução no desenvolvimento da língua de sinais brasileira: um breve histórico”.

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CAPÍTULO IV

O PAPEL DA TRADUÇÃO NO DESENVOLVIMENTO DA LIBRAS: UM BREVE HISTÓRICO

Neste capítulo procuramos demonstrar, ainda que inicialmente, como a tradução vem contribuindo para o desenvolvimento e consolidação da língua brasileira de sinais (LIBRAS) enquanto manifestação linguístico-cultural do povo surdo. Para tanto, tomamos como ponto de partida o texto “Os tradutores e o desenvolvimento das línguas nacionais” (Delisle e Woodsworth, 1995), o qual, resguardadas as devidas diferenças, comparamos com a história dos tradutores de LIBRAS. Assim, pretendemos apresentar aqui que da mesma forma como os tradutores do inglês, francês, alemão, etc, influíram na evolução da linguagem de seu país, também os tradutores de LIBRAS vêm influindo na evolução da língua do surdo brasileiro. Convém destacar que a língua de sinais brasileira (LIBRAS) foi aceita legalmente ainda há pouquíssimo tempo, e que muitos foram os percalços pelos quais os surdos passaram para poderem atingir tal reconhecimento enquanto uma comunidade com cultura e língua própria. É certo que no Brasil a LS é usada para comunicação entre surdos há muito tempo, no entanto os registros desse uso e sobre o papel do tradutor e da tradução são muito esparsos, existe, portanto, na história da LIBRAS e consequente dos tradutores dessa língua, uma verdadeira lacuna, em parte causada pela própria modalidade comunicativa dessa língua, a visual. Por isso, nossas discussões neste trabalho se restringem ao período compreendido entre 1987 e a data atual. Como data de início, temos a fundação da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS)20, marco histórico a partir

20 “FENEIS (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos) é uma entidade filantrópica, sem fins lucrativos com finalidade sócio-cultural, assistencial e educacional que tem por objetivo a defesa e a luta dos direitos da Comunidade Surda Brasileira. É filiada a Federação Mundial dos Surdos e suas atividades foram reconhecidas como de Utilidade Pública Federal, Estadual e Municipal.” (Fonte: REVISTA DA FENEIS. Números 1 ao 7. Rio de Janeiro).

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do qual é possível resgatar com maior segurança a atuação e o papel do tradutor de LIBRAS nas comunidades surdas. No tópico a seguir, tomamos o exemplo da Inglaterra onde os tradutores têm contribuído para o desenvolvimento, o enriquecimento e o ato de promover uma língua nacional oficial – o inglês – nesse país. Por isso, pretendendo examinar as várias contribuições ali identificadas e compará-las com o desenvolvimento da LIBRAS e sua promoção enquanto a língua nacional da comunidade surda através da tradução.

4.1 Os tradutores e o desenvolvimento das línguas nacionais, o exemplo da Inglaterra

Nos últimos trinta anos, graças a um esforço conjunto de teóricos, pesquisadores e tradutores, os estudos da tradução conseguiram firmar-se como uma nova e importante área de conhecimento, capaz de desenvolver suas próprias teorias, metodologias e instrumentos de pesquisa.

Com isso, pôde-se demonstrar o papel central dos tradutores no desenvolvimento das civilizações, sempre contribuindo para a emergência, o enriquecimento e a promoção das línguas e literaturas nacionais, despertando uma consciência coletiva de grupos étnicos e linguísticos, para importar novas ideias e valores, além de colaborar para a preservação do patrimônio cultural da humanidade (Delisle e Woodsworth, 1995).

Segundo Bassnett (2003, p. 37):

A tradução não aparece como um fenômeno isolado, mas associada a certos projetos mais importantes, de natureza nacionalista, ideológica e religiosa, que tinham, muitas vezes, o apoio de monarcas, aristocratas e instituições. O poder desses patrocinadores, ou o contexto crítico em que as traduções foram realizadas, ajudou a dar impulso e, em alguns casos, munição aos tradutores, legitimando o seu trabalho. O que, por sua vez, lhes possibilitou influenciar sua língua e cultura.

Nisto, ajudou a desenvolver sistemas de escrita, uma vez que

defendiam a tradução como instrumento de fortalecimento e emancipação da língua nacional. Na Inglaterra, por exemplo, as

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primeiras traduções para a língua inglesa resultaram da cristianização e eram principalmente religiosas. Ainda no século XV, Geoffrey Chaucer, poeta inglês, torna-se o “europeizador” da Inglaterra com suas ‘traduções’ que viriam a fundir o estilo germânico ao italiano, comum na literatura inglesa, amalgamando modos estrangeiros e modos ingleses (Carpeaux e Wyler, 1999). A Inglaterra vivia na época de Chaucer sob a influência Linguística latina e francesa e, quando Chaucer decide escrever em inglês, tal fato simboliza o restabelecimento do inglês como língua nacional (Delisle e Woodsworth, 1995). No entanto, Chaucer não influenciou de modo determinante a forma padrão que o inglês assumiria mais tarde, isso porque sua linguagem refletia a fala nobre dos reis e a tradição literária francesa.

Havia durante a época de Chaucer e mesmo depois, uma grande variedade dialetal na Inglaterra, então para o desenvolvimento pleno de uma língua nacional (padrão) neste país, era preciso que uma destas variedades ganhasse realce e se difundisse, de modo a ganhar aceitação na escrita. Isso se deu com a intervenção de Caxton, tradutor e impressor que começou a atuar por volta de 1469. Nesse momento, a possibilidade de imprimir as traduções – artifício do qual Caxton se valeu, utilizando o padrão londrino – fez com que as obras impressas por ele e por seus sucessores promovessem a difusão do inglês londrino, garantido sua rápida adoção país a fora.

Outro fator muito importante no desenvolvimento do vernáculo da Inglaterra e de outros países europeus, foi o papel exercido pelos tradutores da Bíblia, que com seu trabalho introduziram novas palavras nas línguas vernáculas. No caso do inglês, um papel decisivo foi exercido por William Tyndale21 que “acreditava que tanto o grego como o hebraico podiam ser traduzidos para o inglês mais facilmente do que para o latim, e que o inglês refletia a ampla variedade de estilos de Antigo Testamento ‘mil vezes’ mais efetivamente do que o latim” (Deslile,1995, p. 45). Ao traduzir a Bíblia, usou a linguagem do povo, com vocabulário simples e criou novos vocábulos que se incorporaram ao idioma. Todavia, ele foi além, influenciou as estruturas, o ritmo e a cadência da língua. Enfim, deu forma ao que seria finalmente o padrão da língua nacional inglesa.

21

William Tyndale (nascido provavelmente a 1484 - falecido a 6 de Outubro de 1536) foi um pastor protestante e um acadêmico inglês que traduziu a Bíblia para uma versão inicial do moderno inglês. Apesar de numerosas traduções para inglês, parciais ou completas, terem sido feitas a partir do século VII, a Bíblia de Tyndale foi a primeira a se beneficiar da imprensa, o que permitiu uma ampla distribuição.

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4.2 O problema teórico da tradução da literatura nacional: “emergência”

A palavra “emergência” vai demonstrar o modo como os

tradutores têm contribuído para a sua própria literatura em várias fases de desenvolvimento, seja ao forjar uma literatura nascente, seja redirecionando-a em um momento histórico crucial, porque na verdade, os conceitos de nação e nacionalismo têm acontecido há pouco, até hoje, embora as nações com fronteiras definidas precisamente sejam consideradas manifestações de uma “forma universal de organização social e política” (Deslile, 1995, p. 81). Durante muitos anos, quando foram anunciadas as novas identidades nacionais em reação à hegemonia francesa, depois de sujeição de boa parte da Europa a Napoleão, surgiram as comunidades culturais procuradas por meios de afirmar sua própria identidade – especialmente por meio da literatura.

O linguista francês, Georges Mounin (1965), privilegia, em seu estudo, o aspecto cultural, ou os obstáculos culturais, à tradução. A tradução literária é basicamente uma operação que se dá entre duas culturas. A operação tradutória se faz no choque, ou na oposição, entre duas (ou mais) culturas. Não bastassem as diferenças puramente linguísticas (estruturais, por exemplo) entre duas línguas, as divergências culturais aprofundam a dificuldade da tradução literária. O grande problema da tradução da literatura é que, enquanto a linguagem busca a convergência, trabalhando no sentido da redução das diferenças, a fim de facilitar a comunicação, a literatura busca a divergência — sendo o campo por excelência das individualidades, da busca do singular e do inaudito. A tradução, como diria Mounin (1965), não exigiria mais que a semelhança. Mas a literatura busca a singularidade, e a tradução da literatura não pode desconsiderar nesse aspecto.

A diferença entre língua e cultura de uma sociedade também sofreu uma mudança importante devido à convergência de eventos políticos e literários, conforme Hall (2004, p. 7):

...as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada ‘crise de identidade’ é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades

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modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.

Além disso a tradução é necessária, basicamente, porque os seres humanos falam diferentes línguas e está presente em diferentes situações; e pode variar, por exemplo, entre homem e mulher, criança e adulto e também entre classes sociais diferentes.

4.3 O papel do tradutor surdo e do tradutor ouvinte no desenvolvimento da LIBRAS

Aqui, tentamos tratar das correspondências e similaridades entre

o processo de desenvolvimento da LIBRAS enquanto língua “nacional/oficial” do povo surdo e o estabelecimento do inglês como língua nacional pela influência dos tradutores ao longo da história.

Antes de tudo, é necessário observar que nas culturas surdas espalhadas pelo mundo as línguas de sinais podem ser classificadas como manifestação oral de uma língua, sendo que as comunidades surdas se utilizam da língua escrita do país no qual estão inseridas. Mas, dentro da cultura surda, a única língua reconhecida como própria é – no sentido de ser aceita como representação legítima da identidade surda – a LS22. Dessa forma, nossas considerações estarão relacionadas à tradução do português oral e escrito para a LIBRAS. Dessa forma, nossas considerações estarão relacionadas à tradução do português oral e escrito para a LIBRAS.

Por uma questão de falta de registros precisos e alcançáveis, começamos nosso “histórico” do papel dos tradutores no desenvolvimento da LIBRAS a partir da fundação da FENEIS. No Brasil, a FENEIS é o primeiro órgão nacional fundado pelos próprios surdos e tradutores com o fim de lutar pelos direitos linguísticos, culturais e sociais do surdo. É inegável o crescimento da aceitação do sujeito surdo pela sociedade, desde a criação da FENEIS em 1987. Isso porque a instituição vem atuando como uma disseminadora da língua e

22

Importante observar que a lei da LIBRAS dispõe que a língua de sinais não substitui o português, sendo, portanto, do interesse dos surdos aprender o português escrito pela inserção que possibilita à língua majoritária e oficial do seu país. Também defendemos que o surdo pode ser multicultural e multilíngue, com suas escolhas individuais e pertencentes às múltiplas identidades possíveis.

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cultura surda, esclarecendo a individualidade linguística e cultural do sujeito surdo como no exemplo abaixo:

A LIBRAS, como toda Língua de Sinais, é uma língua de modalidade gestual-visual porque utiliza, como canal ou meio de comunicação, movimentos gestuais e expressões faciais que são percebidos pela visão; portanto, diferencia-se da Língua Portuguesa, que é uma língua de modalidade oral-auditiva por utilizar, como canal ou meio de comunicação, sons articulados que são percebidos pelos ouvidos. Mas, as diferenças não estão somente na utilização de canais diferentes, estão também nas estruturas gramaticais de cada língua. (Revista da FENEIS, número 2, p. 16)

O movimento surgido em 1987 no Brasil tem relação com os

estudos do linguista William Stokoe23, nos EUA, que em 1960 publica seu trabalho provando serem as línguas de sinais línguas naturais com todas suas propriedades, inicia-se um repensar sobre a questão da surdez, que dará origem à filosofia da Comunicação Total e posteriormente ao Bilinguismo, essa última entendendo a questão surda como linguístico/cultural.

Então, com base em estudos internacionais e posteriormente nacionais, surdos e tradutores começam por intermédio da FENEIS a lutar pelo reconhecimento da LIBRAS como a língua de comunicação dos surdos e pela atuação de tradutores e intérpretes como um meio de garantir o acesso aos bens culturais e sociais produzidos pelos ouvintes. Nesse sentido, vale para a tradução em LIBRAS o que Bassnett (2003, p. 37) destacou de forma geral: “a tradução não aparece como um fenômeno isolado, mas associada a certos projetos mais importantes, de natureza nacionalista, ideológica e religiosa, que tinham, muitas vezes, o apoio de monarcas, aristocratas e instituições”. É por meio da FENEIS que se começa a luta pelo reconhecimento do trabalho do tradutor ouvinte e surdo de LIBRAS. A partir daí se intensifica o papel da tradução e do tradutor como figuras responsáveis, ao menos em parte, pelo acesso ao mundo ouvinte e pela possibilidade de discussão com esse mundo. É certo que antes do reconhecimento legal da LIBRAS

23 Dr. William C. Stokoe, Jr. (1919–2000) foi um pesquisador extensivamente Língua Gestual Americana enquanto trabalhava na Universidade Gallaudet.

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como língua, o papel do tradutor/intérprete se restringia mais às esferas cotidianas, com destaque para as escolas de alunos surdos, onde a língua usada era a LIBRAS, mas os materiais de ensino (livro de história, geografia, ciências, matemática etc) eram em português e para a igreja, onde segundo o relato de Silva (2006) germinaram muitos tradutores e intérpretes de LIBRAS. Percebe-se que também na LS, os movimentos religiosos possibilitaram a tradução da Bíblia em português para a LIBRAS. O resultado de tal movimento, foi de um lado a constituição de tradutores na prática (a teoria viria depois) e o incremento da LS pelo acréscimo de novos sinais relacionados ao âmbito eclesiástico, tal como aconteceu com o inglês.

A luta por uma LS reconhecida legalmente alcançou seu objetivo em 2002. Contudo, a lei garante apenas o uso dessa língua para a comunicação de surdos, regulamentando políticas públicas de acessibilidade (a inserção de tradutores em escolas, universidades e outras instituições públicas). É preciso ainda que na prática ela se estenda as esferas do cotidiano, da ciência, da filosofia, das artes e literatura. Isso vem acontecendo de forma mais organizada e central pela atuação da empresa Editora Arara Azul. Pelo relato de Ramos24, nessas atividades o tradutor surdo tem exercido a possibilidade de incrementar sua língua e cultura, ao enfrentar o desafio de uma tradução linguística e cultural, que tem como finalidade não apenas dar a conhecer, mas também ser um objeto de fruição estética, que procura, mesmo enquanto tradução, sua singularidade tal como afirma Mounin (1965) sobre a tradução literária. Também a tradução da literatura para a LIBRAS se dá por meio de embates e choques culturais como prevê Mounin entre a tradução de línguas orais. Sobre tal choque cultural, Ramos observa que quando se fala em tradução de uma língua escrita, em sua modalidade literária, para a LIBRAS (que é manifestação de uma língua oral, como dito anteriormente), há que se pensar sob outros critérios que não aqueles que a bibliografia sobre tradução disponível, que privilegia a tradução escrita/escrita ou oral/oral.

Além disso, as atividades da Editora Arara Azul, com a publicação de suas traduções em CD–ROM espalhadas pelo Brasil afora, contribui, a nosso ver, para o início da padronização da LIBRAS, que, como toda língua natural, apresenta diversas variedades oriundas das diferentes regiões do Brasil.

24

Ramos, Clélia Regina. Tradução cultural: um trabalho para surdos e ouvintes. Disponível em: < [email protected] >.

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Esse processo natural de padronização da LIBRAS, balizado por um lado pelas atividades tradutórias da literatura clássica, teve o apoio da publicação, também em 2001, do Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngue da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) que contém os sinais que correspondem a 9.500 verbetes em Inglês e Português. Atualmente, esse dicionário é fonte obrigatória de consulta para tradutores em todo o país. Mais recentemente, o papel do tradutor e das traduções têm sido decisivo na instauração e implementação, primeiramente na UFSC e depois Brasil afora, dos cursos de Letras – LIBRAS/ licenciatura (iniciado em 2006) e Letras – LIBRAS/ bacharelado (iniciado em 2008). Isso ocorre, pois os cursos objetivam a formação de profissionais surdos – em sua maioria – na área da linguagem e tradução. Como os acadêmicos destes cursos são todos usuários da LIBRAS, há uma forte atividade de tradução dos textos usados nas aulas. Uma vez que os temas abordados são os mais variados (Linguística, semântica, sintaxe, semiótica, fonologia etc.) cada área específica tem exigido dos atores-tradutores surdos o desafio de criar novos sinais para os novos conceitos científicos inseridos na comunidade surda. Além disso, verifica-se outro processo de padronização da LIBRAS, posto que a UFSC é o pólo central de onde saem as traduções em vídeo para todos os outros pólos do curso de Letras – LIBRAS (modalidade à distância) espalhados pelo Brasil. Inclusive, nas videoconferências realizadas entre os pólos e no AVEA, os próprios alunos têm registrado o desejo de que a LIBRAS utilizada no curso seja mais padronizada, principalmente os sinais técnicos (científicos) dos atores-tradutores surdos e professores nas disciplinas devido a apresentar tantas diferenças dialetais. Enfim, o papel do tradutor e da tradução na LS vem sendo o de enriquecer a língua com novos vocábulos e às vezes novas estruturas, bem como o de levar a um processo de instauração e disseminação do que poderíamos chamar de uma “norma culta” da língua de sinais brasileira.

No capítulo seguinte, analisaremos a relação entre sinal e conceito/significado na LIBRAS, iniciando a análise dos dados coletados no AVEA.

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CAPÍTULO V

A RELAÇÃO ENTRE SINAL E CONCEITO/SIGNIFICADO NA LIBRAS

Aqui, apresentamos dois aspectos: primeiramente, a relação entre

sinal “cultura” com seu conceito e significado, pois a palavra “cultura”, por se tratar de uma palavra polissêmica, tem vários significados que podemos encontrar no dicionário. Destacaremos alguns exemplos através dos significados, especificando também exemplos retirados do conteúdo de uma disciplina do AVEA. Em segundo lugar, vem a polissemia e o papel dos corpora para a tradução para esclarecer aos atores-tradutores surdos.

5.1 O uso polissêmico de “cultura” e o papel dos corpora para sua tradução

Destaca-se aqui a necessidade de abordar o uso polissêmico da

palavra/sinal “cultura” no texto da disciplina Fundamentos da Educação de Surdos (1º período) no AVEA – Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem. Esta é uma ferramenta que faz parte do curso de graduação de Letras – LIBRAS, centrado na modalidade de Ensino à Distância, na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Como o termo “cultura” tem sido usado com diferentes significados nos textos da disciplina Fundamentos da Educação de Surdos (vide ementa da disciplina no Anexo 1), acreditamos na importância de uma pesquisa com base em corpus sobre esse tema, para que possamos posteriormente dar início à elaboração de um novo vocabulário técnico ou até mesmo de um glossário. A produção deste tipo de material terá como finalidade auxiliar os atores-tradutores surdos que trabalham no AVEA, traduzindo o texto de português para a LIBRAS.

Então, esta proposta nasce da preocupação com a qualidade da tradução, ou seja, em que medida a tradução do termo “cultura” em LS “corresponde” ao significado desejado em língua portuguesa.

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5.2 Delineamentos: o corpus, a tradução e a polissemia

Como a ferramenta AVEA, a respeito da disciplina Fundamentos da Educação dos Surdos, é a base para a constituição do corpus a ser analisado, faz-se necessário esclarecer o papel dessa ferramenta no curso e expor de que natureza são os textos a partir dos quais a palavra/sinal “cultura” será analisada. Para o desenvolvimento da disciplina, o conteúdo é disponibilizado no ambiente virtual (AVEA), que apresenta os textos-base e os “hipertextos” contendo as traduções em LS dos textos originalmente escritos em português. Atualmente, é realizado um processo de tradução para português por meio de dicionário bilíngue, mas o processo ainda é muito incipiente tendo em vista que são poucos os dicionários bilíngues de qualidade e que dão atenção a termos mais técnicos. Contudo, a tradução dos textos utilizados no curso possibilita a construção de corpora bilíngues comparáveis, isto é, corpora em duas línguas diferentes – português e LIBRAS, nesse caso.

Uma vez que o tema da disciplina é a educação de surdos, os textos abordam questões relacionadas à identidade e à cultura surda, à forma como o surdo percebe o mundo, o que fundamenta as reflexões sobre o processo de ensino-aprendizagem do surdo. Dessa forma, observa-se um uso frequente da palavra/sinal “cultura”, em diferentes contextos e com significados diversos. A tradução, por sua vez, é entendida aqui como uma atividade que abrange a interpretação do significado de um texto em uma língua — o texto fonte — e a produção de um novo texto em outra língua, mas que exprima o texto original da forma mais exata possível na língua destino. Nesse âmbito é que surgem as dificuldades da tradução, já que a polissemia do termo em português impõe ao tradutor surdo o desafio de conhecer esses diferentes significados em LS. Acreditamos que tal desafio pode ser enfrentado com o recurso dos corpora eletrônicos.

Tagnin (1996) analisa um princípio dos corpora eletrônicos a partir da década de 1960, abrindo novos caminhos para a pesquisa linguística, que foram ampliados para a tradução, tanto no âmbito teórico, quanto prático. Segundo Sardinha (2002, p. 15):

Há uma unanimidade entre os pesquisadores da tradução e os linguistas de corpus em torno da questão da utilização de corpora eletrônicos na tradução, o posicionamento corrente é o de que tanto os estudos tradutológicos como área acadêmica de pesquisa, quanto a prática

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tradutória, têm muito a ganhar com um contato maior com a Linguística de Corpus.

Dentre os aspectos linguísticos, Sardinha (2004, p. 3) destaca que:

Linguística de Corpus ocupa-se da coleta e da exploração de corpora, ou conjuntos de dados linguísticos textuais coletados criteriosamente, com o propósito de servirem para a pesquisa de uma língua ou variedade linguística.

Como tal, dedica-se à exploração da linguagem por meio de

evidências empíricas, extraídas por computador. De tal forma, podemos assumir que o AVEA do curso e da

disciplina em questão constitui um corpus na medida em que possibilita a existência de uma coletânea de dados linguísticos naturais e de porções de linguagem legíveis por computador. Desse modo, a Linguística de corpus pode nos ajudar a estudar, por exemplo, o fenômeno da polissemia, uma vez que por disponibilizar a utilização de dados reais da língua nos permite prever em que contextos ocorrem certas polissemias e a sistematizar as polissemias que a língua apresenta. Nesse sentido, a Linguística de corpus é o que nos dá o embasamento teórico-metodológico para analisar a polissemia da palavra “cultura”. Mas antes da análise, é necessário discutir o termo “polissemia”.

Conforme Ullman (1964, p. 331), “a polissemia é um traço fundamental da fala humana, que pode surgir de maneiras múltiplas”. O mesmo autor cita cinco procedências que poderiam explicitar o fenômeno da polissemia em uma língua, são elas:

1) Mudanças de aplicação, ou seja, um dado item lexical adquire um maior número de sentidos graças ao deslocamento de emprego que ele abarca num determinado período de uso. 2) Especialização num meio social, ou seja, as palavras adquirem significados diversos e específicos dependendo do seu campo de ação e atuação. 3) Linguagem figurada, isto é, quando uma palavra pode adquirir um ou mais sentidos figurados sem que haja a perda do seu significado original; os significados convivem lado a lado e não se confundem.

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4) Homônimos reinterpretados, ou seja, “quando duas palavras têm som idêntico e a diferença de significado não é muito grande, temos uma certa tendência a considerá-las como uma única palavra com dois sentidos” (Ullmann, 1964, p. 340). 5) Influência estrangeira, em que há a mudança de sentido de uma palavra já existente num sistema linguístico por “importação de significado” de uma palavra estrangeira. Tende-se à coexistência dos dois significados, o novo e o antigo, dando origem à polissemia.

O gramático Rocha Lima25 (2005, p. 485-487) aborda a polissemia no âmbito da denotação. Assim, a polissemia é apresentada como a “multiplicidade de sentidos imanente em toda palavra” que possui estrita dependência do contexto e que tem como resultado a sinonímia. Os exemplos propostos envolvem os sentidos do verbo romper em:

Rompeu a roupa no arame farpado. (rasgou)

Romper um segredo. (revelar)

Romperam as músicas! (principiaram)

O senador rompeu com o governo. (brigou com, desligou-se de)

Ou os do adjetivo grave, em:

Doença grave. (séria, capaz de ocasionar a morte)

Voz grave. (baixa)

Vocábulo grave. (paroxítono)

Homem de aspecto grave. (circunspecto, sisudo)

O autor sugere dois procedimentos para a averiguação da conotação ou denotação entre uma ou mais palavras,

– a substituição de uma palavra por outra ou outras em um dado contexto e

– a determinação do antônimo comum ou distinto de cada uma dessas palavras.

25

Funções da linguagem: Gramática e estilística. In: Carlos Henrique Rocha Lima. 44ª Ed. Rio de Janeiro: Oympio, 2005.

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As questões enfatizadas são as relações conotação/denotação e sinonímia/antonímia. Não é trabalhada a noção ou o conceito de polissemia propriamente dito, mas mesmo assim essa abordagem do Rocha Lima (2005) nos ajuda a especificar melhor em que sentido falamos de uma palavra com mais de um significado a depender do contexto.

Através da análise dos dados, encontramos um total de aproximadamente 204 ocorrências do conceito da palavra “cultura” nos textos em português26. Estes textos também estão traduzidos virtualmente nas hipermídias – os atores-tradutores surdos apresentam o texto em LIBRAS. Daqui em diante, trabalho com 20 palavras para exemplificar os conceitos ou significados diferentes de acordo com a metodologia para análise de corpora na área da tradução

Abaixo são apresentados os 20 exemplos considerados na análise: 1)... Nem as aberturas buscadas pelas atuais posições culturais

dos surdos. 2) De nosso ponto de vista os fundamentos da educação passam

a ser teorizados a partir dos espaços da cultura surda. 3)...e outros jeitos de ver o mundo ou seja dos espaços de Estudos

Culturais. 4) Ter uma visão da LS cujos fundamentos se perdem na cultura,

na identidade, na memória de um povo. 5) Fomentar a análise crítica do papel da Educação de Surdos

diante da realidade sociocultural brasileira. 6) A historia cultural de surdos quase nunca lhes é contada, visto

que tal fato seria um passo importante... 7) ...um passo importante para a legitimação do modelo cultural

do ‘Ser Surdo’. 8) ... essa data ainda é lembrada como a mais sinistra de sua

história, como se fosse mesmo o ‘11 de setembro’ deles quando desabaram as torres gêmeas da cultura e...

9) ... os sujeitos surdos ficaram subjugados às práticas ouvintistas, tendo que abandonar sua cultura, a identidade surda e se submeteram a uma ‘etnocêntrica ouvintista’, tendo de imitá-los.

10) ... ‘etnocêntrica ouvintista’ é a ideia dos sujeitos ouvintes que não aceitam os sujeitos surdos como diferença cultural, e sim, que estes

26

Textos usados na disciplina Fundamentos da Educação dos Surdos. In: http://www.libras.ufsc.br/hiperlab/avalibras/moodle/course/view.php?id=92

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têm de se adequar ao modelo ouvinte, isto é, têm de imitar os ouvintes falando e ouvindo.

11) ... Mas os códigos não chegaram a ser eliminados, mas simplesmente conduzidos ao mundo marginal, onde sobreviveram graças às contraculturas estabelecidas pelas crianças nas escolas, clandestinas, rebeldes e cruéis.

12) Após o congresso, as maiorias dos países adotaram rapidamente o método oral nas escolas para surdos proibindo oficialmente a LS e ali começou uma longa e sofrida batalha do povo surdo para defender o direito linguístico cultural.

13) ... pelo contrário, a criança e o adulto surdos eram descritos em termos culturais, qual escola frequentaram, quem eram os seus parentes e amigos surdos (caso os houvesse), quem era a sua esposa surda...

14) Houve a crise séria entre a cultura surda e a educação, pois ao percorrer a trajetória histórica do povo surdo e suas diferenças representações sociais...

15) Entretanto, isto não significou a banimento dos métodos oralistas, que continuaram a ser utilizados até hoje, mas a LS, cultura e identidade surda ganharam mais potência e sendo mais valorizada.

16) ... entanto, agora o desafio para o povo surdo é construir uma nova história cultural, com o reconhecimento e o respeito das diferenças, valorização de sua língua...

17) ... a emancipação dos sujeitos surdos de todas as formas de opressão ouvintistas e seu livre desenvolvimento espontâneo de identidade cultural!

18) ... presentes em maior ou menor intensidades nas escolas para surdos, que são o Oralismo, a Comunicação Total, o Bilinguismo, a Pedagogia do Surdo e Processo Intercultural.

19) ... Os professores continuam com sua formação nos modelos da educação com ideias clínicas. Esse tipo de bilinguismo tende à globalização da cultura.

20) Na realidade, esta modalidade tem seus pontos positivos e negativos, há escolas que usam LS como mediação com o oral e não como a produção cultural linguística; treinam o oralismo como sendo a primeira língua...

Para uma visualização geral dos excertos acima, produzimos uma tabela com a classificação do termo em número de ocorrências, uso total em cada significado, a localização no exemplo e a classe gramatical a que pertence naquele contexto analisado. Por meio da tabela a seguir,

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apresentamos quais as diferenças de significados (conjunto de saberes x identidade) advindos dos variados contextos em que o termo “cultura” ocorre. Do número total de ocorrências (20 ocorrências), observamos que o significado de “conjunto de saberes” (13 usos) é mais frequente do que o de identidade, por isso está registrado 20/13, que quer dizer 13 usos do significado “conjunto de saberes” entre 20 ocorrências nos exemplos coletados. Percebemos também que o termo foi utilizado como “identidades” em 7 usos dentre as 20 ocorrências (20/07), como mostra nossa tabela:

Tabela 2 - Usos polissêmicos do sinal "cultura".

Polissemia de “Cultura” Significado

“conjunto de saberes” (conjunto dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e de outros valores morais e materiais, característicos de uma sociedade)

Total/ uso: 20/13

Exemplos: Classes: Item 1, posições culturais Adjetivo

Item 3, estudos culturais Adjetivo

Item 6, história cultural Adjetivo Item 8, cultura Substantivo Item 9, sua cultura Substantivo Item 11, contracultura Substantivo Item 13, termos culturais Adjetivo Item 14, cultura surda Substantivo Item 15, cultura Substantivo Item 16, história cultural Adjetivo Item 18, processo intercultural

Adjetivo

Item 19, cultura Substantivo Item 20, produção cultural Adjetivo

“identidade” (Qualidade daquilo que é idêntico. Paridade absoluta. Espécie de equação ou de igualdade cujos membros são identicamente os mesmos, ou igualdade que se verifica para todos os valores da incógnita.)

20/07

Item 2, cultura surda Adjetivo Item 4, cultura Substantivo Item 5, sociocultural Adjetivo Item 7, modelo cultural Adjetivo Item 10, diferença cultural Adjetivo Item 12, linguístico cultural

Adjetivo

Item 17, identidade cultural

Adjetivo

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Como visto, também foram analisadas as possíveis diferenças de distribuição entre adjetivo e substantivo (classe gramatical), sendo que as ocorrências de adjetivo foram maioria. Além disso, nossa análise demonstra que a polissemia de “cultura” está, em nosso corpus, relacionada a mudanças de aplicação ou especialização num meio social, nesse caso “cultura” é usado para referir-se à identidade individual dos sujeitos inseridos na cultura (conjunto de saberes) surda. A mudança de aplicação, deve-se, certamente, ao fato de que são contextos temáticos próximos e, afinal, a identidade de alguém é definida, de certa forma, pela cultura (conjunto de saberes) de onde esse alguém vem.

Esta análise aqui apresentada corrobora para nossa discussão geral do trabalho e será retomada ao respondermos às perguntas de pesquisa no próximo capítulo.

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CAPÍTULO VI

ENTREVISTAS, DISCUSSÃO E RESULTADOS

Tendo em vista a variação evidenciada e discutida no capítulo anterior, apresentamos aqui o ponto de vista dos atores-tradutores surdos sobre a variação e a possibilidade de padronização linguística no AVEA do curso de Letras – LIBRAS. Por meio das entrevistas realizadas, arrolamos pontos problemáticos e também as possíveis soluções apontadas pelos próprios atores-tradutores surdos. Com base nisso, realiza-se uma discussão sobre a importância da padronização linguística e as contribuições que um glossário pode dar nesse sentido.

6.1 Primeira análise: o olhar dos atores-tradutores surdos sobre a padronização linguística no curso de Letras – LIBRAS A seguir, apresento as respostas dos atores-tradutores surdos participantes (assim, tradutora 1, tradutora 2, tradutor 3 e tradutor 4) desta pesquisa, os quais, trabalham na equipe de tradução e produção de materiais didático-pedagógicos do AVEA do curso de Letras – LIBRAS da UFSC:

• Tradutora 1: surda-muda27, natural de São Luis (Maranhão), carioca, morava no Rio de Janeiro quando mudou para Florianópolis, onde vive atualmente. Fluente em LIBRAS e Português, tem a LIBRAS como L1; é graduada em Biblioteconomia e Pedagogia. Mestranda em Linguística e Doutora em Educação pela UFSC. Dispõe de ampla experiência na área de tradução-encenação (Quadros e Souza, 2008) em LIBRAS, somando 15 anos de trabalho na área. Profissional com mais experiência da equipe do Letras – LIBRAS, atuando na equipe desde 2006. • Tradutora 2: surda, natural do Rio de Janeiro, graduada em pedagogia. Mestranda em Linguística pela UFSC. Experiência de 9 anos como atriz-tradutora no Rio de Janeiro. Começou a atuar no Letras – LIBRAS no início do ano 2008.

27 Ao responder a entrevista, a tradutora 1 optou por se denominar “surda-muda”.

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• Tradutor 3 28, surdo, natural de São Paulo. Graduado em matemática pela UNIFAI. Mestrando em Tradução pela UFSC. Experiência anterior de 15 anos como ator. Começou a atuar como ator-tradutor no Letras – LIBRAS desde maio de 2008. ● Tradutor 4 , surdo, natural de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, mas vive atualmente em Florianópolis, de Santa Catarina. Graduando em Letras – LIBRAS pela UFSC desde 2006. Começou a atuar no Letras – LIBRAS como ator-tradutor desde começo de 2008 até final do ano. É o tradutor mais jovem, dispondo de apenas um ano de experiência na área.

1) Existe a padronização linguística de sinais dentro do curso de Letras – LIBRAS da UFSC ou no AVEA? É possível ou não ter a padronização entre você e outr@s tradutr@s? Tradutora 1: “A padronização da Letras LIBRAS e do AVEA é seguida pelos sinais de padrão do dicionário do INES, conforme determinação da Coordenação de Letras LIBRAS” . Tradutora 2: “Digo que não totalmente. Depende do uso de alguns sinais mais frequentes, pois a padronização linguística ocorre a prazo longo, de acordo com estudos sociolingüísticos, em respeito à variação e à mudança linguística” . Tradutor 3 : “No momento, a padronização linguística de sinais no AVEA no curso de Letras– LIBRAS da UFSC ainda não tem o padrão definido por causa dos tradutores e suas diferenças. Eles vieram de locais e culturas diferentes e, por isso, têm dificuldades de padronizar. Então, a questão da ‘padronização’ é um desafio no Letras – LIBRAS. Nós, tradutores, tentamos chegar a um padrão bem definido”. Tradutor 4: “Bem, realmente, acredito que existe sim, pois na minha visão, existem os tradutores que trocam as idéias com os sinais, por isso, como somos de outras cidades, sempre combinamos alguns sinais para que sejam padrão; no sentido de que os alunos da Letras – LIBRAS possam entender com clareza os atores/tradutores. Isso é importante”.

28 Foi entrevistado por meio de gravação, dando sua opinião em LIBRAS. Os excertos utilizados no artigo foram traduzidos por mim, com supervisão do entrevistado. Os demais entrevistados contribuíram diretamente em português, na modalidade escrita.

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2) Que importância você vê na padronização linguística de sinais? Se não considerar a padronização importante, destaque qual a importância da tradução de sinais no AVEA. Tradutora 1: “Acho importante ter a padronização, já que a difusão de língua de sinais ajudará a desenvolver mais sinais neológicos e polissêmicos. E esta padronização poupará o trabalho dos intérpretes de língua de sinais e de professores bilíngues”. Tradutora 2: “Depende... Se for na área acadêmica ou mídia, seria necessário a existência da padronização de língua de sinais no todo Brasil, assim como a língua portuguesa utilizada pelos discursos do Governo Federal, por exemplo, daí a presença de uma janela para a mídia com o intérprete de LIBRAS”. Tradutor 3 : “É importante por um lado, mas por outro, não; porque o importante é que o Brasil tenha uma língua própria dos surdos brasileiros. Com sua própria padronização dos sinais. Porém, se padronizar, ou seja, igualar os sinais em todo o Brasil, como se houvesse uma única língua? É impossível! Por causa de suas diferenças culturas, sociais e outros; por uma questão de respeito, é muito bom que haja diferenças. É importante padronizar os sinais, especialmente nas áreas acadêmicas.” Tradutor 4 : “É importante concordarmos de usar um sinal como padrão... senão, poderia ficar meio complicado para os alunos de outras cidades entenderem. O problema é que não existe dicionário com os sinais completos, sabe?... Só existem alguns sinais prontos e alguns não. Porque, como na língua portuguesa, LIBRAS já está pronta. Mas, somos tradutores, lemos nos roteiros de língua portuguesa, por isso, temos que tentar sinalizar bem melhor na nossa primeira língua.” 3) A padronização linguística pode ser entendida com o uso de sinais mais específicos, tais como os sinais de morfologia, fonologia etc? Se possível, justifique sua resposta. Tradutora 1: “Sim. Cada sinal tem a sua diacronia e sincronia. Cada sinal muda com o tempo e também dos locais onde os status sociais se diversificaram, de acordo com o ambiente linguístico. Quando houver os sinais específicos de uma determinada cidade, pode se aproveitar para difundir e expandir mais sinais variantes dentro do sinalário”.

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Tradutora 2: “Digo que nesta padronização pode ocorrer principalmente na abordagem variacionista, ou então no uso de sinais sob variação fonológica”. Tradutor 3 : “Sim, é possível padronizar os sinais próprios, mais específicos dos termos, como por exemplo:, fonologia, morfologia e outros, porque eram novos e já foram combinados pela equipe de tradução, criando novos sinais. E não precisamos criar de novo outros sinais, quando já temos.” Tradutor 4 : “Toda língua já tem morfologia e fonologia... Enfim, a língua LIBRAS também tem”. 4) Havia variação linguística entre sinais apresentados por tradutor@s no AVEA devido a dialetos regionais? Você se lembra de alguns exemplos para citar? Tradutora 1: “São vários. Os exemplos mais citados são teorias, fundamentos, nós, que, quem, matemática, história etc”. Tradutora 2: “Sim. Exemplos: responsabilidade, cultura, branca”. Tradutor 3 : “Não identifico “dialeto”, e sim, identifico a variação linguística que pode ser as diferenças, local, idade, etnia, sexo, religião, social, cultura e outros, por isso apresentam sinais variantes, por exemplo, um sinal teoria (T), utilizado por tradutores com configuração de mãos e seus movimentos diferentes por causa disso. ” Tradutor 4 : “Na verdade, somos tradutores, mas sinalizamos um pouco diferente, porque como eu sinalizado do jeito catarinense, os outros são cariocas, paulistas etc... Não temos culpa pela variação linguística”. 5) Para trabalhar no AVEA, você sinalizaria com sua língua dialetal ou outra variedade de língua específica ao texto linguístico a ser sinalizado, ou ambos? E, ao sinalizar, você se preocupa em empregar uma variedade de língua mais padronizada? Tradutora 1: “Como sou usuária de língua de sinais do INES, ficou mais fácil trabalhar com estes sinais, já que os sinais do INES são oficialmente reconhecidos pela comunidade surda-muda. Tem alguns sinais específicos por causa da disciplina e também dos usos gerais; eu uso estes sinais para determinados casos. De resto, eu uso os sinais padronizados de acordo com os sinais do INES”.

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Tradutora 2: “Eu sinalizaria o tipo da língua de sinais mais generalizada, por exemplo o uso de classificadores, verbos manuais para que todos os usuários do AVEA tenham a compreensão, mesmo estando na variação regional. Mesmo tendo alguns sinais lexicais sob variação regional, deve haver um contexto linguístico nas estruturas sintáticas”. Tradutor 3 : “Depende. Tomo a decisão para escolher os sinais para sinalizar. Só me preocupo com os sinais variantes, me preocupo com os sinais mais usados e mais conhecidos dos alunos de cada pólo.” Tradutor 4 : “Pra mim, eu sinalizado com o meu jeito naturalmente, porque meus sinais são daqui, onde muita gente sinaliza... Por exemplo, o meu sinal de Linguística é bem claro, se houver alguma dificuldade, tem que me avisar, pois daí eu resolvo ou verei com o responsável da tradução para melhorar a qualidade na equipe”. 6) Que sugestões você daria para outr@ tradutor@ que sinaliza numa variedade diferente? Tem que respeitar os dialetos de cada tradutor? Ou respeitar as regras estabelecidas pela equipe de tradução em que se trabalha? Pode escrever, fazendo comentários, se quiser, sobre você e sobre outros. Tradutora 1: “Só aviso que tem regras para usar os sinais do INES, conforme as determinações da Coordenação. Mas se alguns não usam porque, no fundo, têm ‘intolerância linguística’ para com os sinais do INES. Só faço esperar que os alunos reajam e façam comentários para com os tradutores”. Tradutora 2: “Que haja respeito no tipo de tradução e interpretação feita pelo tradutor, desde que haja significados dos sinais nas estruturas sintáticas em LIBRAS. É fundamental que tenha respeito ao uso de sinais regionais, utilizados pelo tradutor e sua língua de sinais da cidade. Quanto aos novos Sinai, de acordo com o conhecimento acadêmico, é necessário que sejam padronizados e combinados entre os tradutores numa equipe”. Tradutor 3 : “Se vejo um tradutor sinalizando vários sinais variantes, na verdade, ele precisa ser respeitado, sentido bem o que está fazendo, não pode ser julgado com preconceitos linguísticos dos demais. Então, trabalhando em uma equipe de tradução, precisamos combinar como trabalhar com regras, relacionar bem, o que podemos mudar para padronizar os sinais para todos os alunos entenderem melhor, mais claro.”

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Tradutor 4 : “Realmente, fiquei bem chocado quando outros tradutores sinalizaram mais com alfabeto, com letras, por exemplo, ‘Unidade, táxi’... Já tem sinais próprios na Linguística, mas os tradutores preferiam sinalizar com as letras. Sobre isso, já tentei conversar com eles para evitar porque já existem os sinais por aí. Mas, percebi que não precisavam da minha ajuda. Eu sou um homem que compreende bem, de qualquer maneira”. 7) Você acha que vai surgir uma nova padronização linguística de sinais ou não? Por exemplo, quando alguém (quer seja professor ou tradutor) voltar para sua origem, trabalhar com outro novo curso de Letras - LIBRAS, vai sinalizar com sua própria língua de sinais ou outra forma diferente, que aprendeu com a equipe de tradução, utilizando sinais específicos? Tradutora 1: “Com a difusão do Curso de Letras–LIBRAS, os sinais pipocaram para várias cidades e muitos têm usado os sinais padronizados para usar em qualquer lugar, como nas escolas, trabalho como professor bilíngue e de língua de sinais. Eu, particularmente, como professora de língua de sinais, uso os sinais padrão do Letras–LIBRAS para usar no curso de língua de sinais. Isso tem sido muito positivo, porque o neologismo de sinais tem ajudado bastante na difusão e enriquecimento de vários sinalários”. Tradutora 2: “Esta pergunta não é fácil responder. A padronização linguística sempre esteve presente na comunicação entre as pessoas e seus grupos sociais, desde que tenha respeito linguístico sob o aspecto sociolinguístico. Esse tradutor terá o seu conhecimento mais amplo no seu léxico, ou seja, o dicionário mental, e se sente mais valorizado por ter conhecimento da língua de sinais em relação à variação regional”. Tradutor 3 : “Penso que pode haver dois posicionamentos: sim e não; depende do fenômeno linguístico, social, da cultura e outros.” Tradutor 4 : “É uma boa pergunta. O que eu prefiro é quando o tradutor ou professor novo tem que respeitar e buscar conhecimentos da comunicação na UFSC. Para evitar criar grandes problemas depois. Isso é o meu único conselho. Sempre que há uma pessoa nova, ela tem a oportunidade de aprender com quem já trabalha na UFSC para entender a nossa regra, nosso jeito de comunicação e nossa Linguística. Não precisa ser como imitação da gente. Mas, é bom aprender e conhecer como é ser tradutor com Linguística na UFSC desde o começo”.

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Como se pode perceber nos excertos das entrevistas com os atores-tradutores surdos, oriundos de regiões diferentes, inicialmente eles ficaram em dúvida sobre a questão de padronização linguística de sinais estudados no AVEA, relatando que seria impossível padronizar sinais por causa de variação linguística deles. Contudo, com a formação de uma equipe de atores-tradutores surdos junto com a coordenação de tradução do AVEA, os atores-tradutores surdos conseguiram padronizar sinais novos que não possuíam antes, e com isso passaram a entender a necessidade de padronização e sua importância para que os alunos compreendam o conteúdo e que a língua de sinais evolua na ampliação de seu vocabulário, como destacou a tradutora 1 “já que a difusão de LS ajudará desenvolver mais sinais neológicos e polissêmicos; poupará o trabalho dos intérpretes de LS e professores bilíngues”. Tal experiência também indicou que os dicionários de Capovilla e do INES não têm todos os sinais necessários ao desenvolvimento dos conteúdos trabalhados no curso, daí a demanda pela criação de sinais novos como os de morfologia, sintaxe, que vem sendo atendida pela própria equipe de tradução, à medida que eles produzem sinais novos, registrando-os em glossário disponibilizado no AVEA. Percebemos que a decisão de adotar o padrão INES (Instituto Nacional de Escola de Surdos) no ambiente virtual foi por causa da primeira resposta da entrevista para atriz-tradutora 1, carioca: “A padronização da Letras-Libras e do AVEA é seguida pelos sinais de padrão do dicionário do INES, conforme determinação da Coordenadoria de Letras LIBRAS”. Ela, quando morava no Rio de Janeiro, trabalhava como atriz-tradutora criando sinais para sites do dicionário Vocabulário de LIBRAS ou dicionário INES, mas são sinais próprios do Rio de Janeiro. Como usuária de língua de sinais do INES, esta atriz-tradutora defendia a ideia de que era o melhor dicionário do Brasil, mais conhecido da comunidade surda; no entanto, com o passar do tempo, alguns Estados têm elaborado seus dicionários regionais, por não seguirem o padrão do dicionário INES, porque INES se considera o nome da escola dos surdos local do Rio de Janeiro. Eu, pesquisadora, participava na reunião de atores-tradutores surdos com a coordenação geral de AVEA na UFSC e acompanhei o trabalho de todos os atores-tradutores surdos gravando textos científicos para as disciplinas no AVEA. Esta atriz-tradutora 1 propôs para todos novos atores-tradutores surdos a trabalharem seguindo sinais de padrão do dicionário do INES, pois ela era a mais experiente, mas os outros não

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concordaram, pois possuíam variações de línguas diferentes, como de São Paulo e Santa Catarina. Havia também um ator-tradutor paulista que defendia o dicionário paulista Capovilla como o “melhor”. Entendemos que a atriz-tradutora 1 queria muito que todos seguissem o padrão do dicionário do INES por preferência pessoal, mas em respeito aos demais colegas, isto não aconteceu. Então, depois de haver muita discussão junto à coordenadora geral de revisão de tradução de textos para AVEA, foi acordado com todos os atores-tradutores surdos que, quando trabalharem criando sinais novos específicos, que estejam juntos, se concordando ou não com outros, ignorando o padrão de dicionário INES, optando pelo consenso para trabalhar na gravação dos vídeos. Outra resposta da atriz-tradutora 1, carioca, expressava que “só faço avisar que tem regras para usar os sinais do INES conforme as determinações da Coordenadoria, mas alguns não usam porque, no fundo, têm ‘intolerância linguística’, para com os sinais do INES, só faço esperar que os alunos reajam e façam comentários para com os tradutores”. No nosso entendimento, não havia intolerância linguística em relação ao INES, mas sim, o desejo de cada ator-tradutor surdo em expressar-se com sinais familiares. Todavia, com o passar do tempo e a oportunidade de participar de várias reuniões durante a gravação de textos para vídeos, os atores-tradutores surdos tornaram-se mais flexíveis e mais receptivos em relação às peculiaridades de cada região. Exemplificando, um ator-tradutor paulista criou um sinal novo como “cultura” no texto de uma disciplina e outro ator-tradutor catarinense, quando foi trabalhar através da mesma disciplina, usou o mesmo sinal de “cultura” do ator-tradutor paulista. Pode-se considerar que houve uma forma de padrão para evitar problemas, conforme outra atriz-tradutora 2 disse: “que haja respeito no tipo de tradução e interpretação feita pelo tradutor, desde que haja significados dos sinais nas estruturas sintáticas em Libras. É fundamental que tenha respeito ao uso de sinais regionais utilizados pelo tradutor e sua língua de sinais da cidade. Quanto aos novos sinais de acordo com conhecimento acadêmico, é necessário que sejam padronizados e combinados entre os tradutores numa equipe”.

Acredito que deve haver respeito à variação linguística de cada ator-tradutor surdo, nas situações cotidianas de interação e também quando traduz livros especificamente para a região de onde é. Mas no caso do AVEA é preciso levar em consideração que os atores-tradutores surdos são contratados para atenderem a um público bastante

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diversificado e têm aí a oportunidade de introduzir sinais novos na língua para todos os alunos do Brasil. Por essa razão, os sinais devem estar padronizados, tal como os próprios atores-tradutores surdos responderam em algumas questões da entrevista acima. Sob essa perspectiva, o tradutor 3 declarou: “se vejo um tradutor sinalizando vários sinais variantes, na verdade, ele precisa de ser respeitado,se sentindo bem no que está fazendo; não pode ser julgado pela forma de preconceitos linguísticos. Então, como equipe de tradução, precisamos combinar como trabalhar com regras, relacionar-se bem e pensarmos o que podemos mudar para padronizar os sinais para que todos os alunos entendam melhor e mais claramente.” Isso representa um novo processo de aprendizagem e de ensino de sinais não só para os acadêmicos do curso, mas também para a comunidade surda. Para evitar desentendimentos na comunicação entre alunos de pólos diferentes, os alunos já utilizam, ao discutirem sobre os textos ou trocarem informações e experiências de vida, os novos sinais aprendidos com os atores-tradutores surdos no AVEA, mostrando-se muito satisfeitos com isso. Uma prova disso é a elaboração do novo glossário que, além de ser muito bem recebido pelos alunos, teve a contribuição deles em seu processo de formação.

No começo, quando os atores-tradutores surdos se reuniram para discutir sobre a padronização, sofreram um pouco pelo impacto de existir a variação linguística entre eles, mas eles não a respeitaram, uma vez que cada qual queria adotar como padrão os sinais do dicionário de sua região. Todavia, ao notarem que os sinais científicos, específicos da área da Linguística e da Tradução, não existiam em nenhum dicionário, resolveram padronizar estes sinais sendo que, nas gravações, os atores-tradutores surdos deveriam sinalizá-los da mesma forma. Depois, com o tempo, devido à busca de resultados melhores e adotando as sugestões dos alguns alunos, modificaram-se as regras sobre quantos atores-tradutores surdos atuariam na tradução de uma mesma disciplina, ficando decidido que cada ator-tradutor ficaria responsável de traduzir apenas uma disciplina até o fim, o que facilitou também na questão de padronização dos sinais. Mais à frente, apresentamos e discutimos outros resultados.

A participação dos entrevistados foi muito importante e interessante para mim, pois despertou minha atenção para outras questões a serem trabalhadas para melhorar a qualidade da tradução no AVEA e também demonstrou que é essencial ter a padronização linguística no curso de graduação de Letras – LIBRAS.

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6.2 Discussão

Apresento neste tópico minhas reflexões na forma de um texto contínuo para melhor unidade de sentido, já que os resultados analisados estão inevitavelmente atrelados um ao outro. As entrevistas me permitiram refletir mais sobre a padronização, ponderando com mais profundidade quanto à sua necessidade, à possibilidade de gerar uma espécie de coerção ou desconforto para os atores-tradutores surdos e ainda me possibilitaram analisar a criação de enciclopédias próprias para sanar problemas como esses, bem como, auxiliar na tarefa dos atores-tradutores surdos de forma que eles não venham a se sentir desconfortáveis se tiverem de praticar a padronização linguística de sinais da LIBRAS. Como autora desse estudo e também discente do curso de Letras – LIBRAS, tenho percebido que, não apenas eu, mas também outros estudantes, temos aprendido sobre a escrita de sinais nas aulas da professora Marianne Stumpf. Essa escrita é visual e direta do sinal e é chamada de Sign Writing (ou seja, um sistema de escrita para escrever línguas de sinais). Trata-se de um sistema internacional de escrita visual direta de sinais que permite registrar a forma do sinal de um ponto de vista expressivo, isto é, do ponto de vista do sinalizador. Assim, a escrita de sinais transcreve os quiremas que compõem a sinalização. Por isso, acredito ser válida para o curso de Letras – LIBRAS o fomento à convenção do uso mais padronizado da parte dos professores e atores-tradutores surdos (Quadros e Souza, 2008) e intérpretes, bem como, o de acrescentar, num glossário, a escrita própria de cada sinal, além da entrada em português, o que, para o surdo brasileiro, é a segunda língua (L2).

Para não complicar o entendimento do aluno, é necessária a existência de uma uniformidade no uso dos três parâmetros fundamentais que correspondem aos sinais articulatórios das mãos, as configurações de mão, os movimentos e as locações; ou o mesmo sinalário que é o conjunto de expressões que compõem o léxico de uma determinada LS, podem ser alternativas viáveis para a investigação aqui apresentada.

Nesse sentido, é possível questionar, até que ponto, para os próximos cursos de Letras – LIBRAS, a criação de um léxico padronizado em LS facilitaria a compreensão dos conteúdos e beneficiaria o processo de aprendizagem? Além disso, sendo que a língua permite o desenvolvimento das diversas linguagens, de que

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maneira os surdos teriam a oportunidade de desenvolver melhor suas capacidades reflexivas e cognitivas no caso da existência de uma padronização linguística? Ainda é necessário investigar mais sobre quais eventuais problemas os estudantes do curso de Letras – LIBRAS enfrentam diante da utilização de diferentes sinais por parte da equipe de atores-tradutores surdos nos materiais de ensino, bem como, dos professores surdos, além dos tradutores e intérpretes de LS. Além disso, seria muito benéfico à padronização linguística, a existência de uma interface de estudo dentro da estrutura gramatical da LIBRAS, levantando problemáticas sobre quais sinais são mais utilizados em determinados contextos e estruturas sintáticas, e assim, montar um dicionário (glossário) baseado em um corpus espaço-visual, em que os atores-tradutores surdos sabem que vão encontrar os sinais mais disseminados e empregados em consenso pelas diferentes regiões do Brasil. Em relação ao objetivo dessa análise do português, considera-se que o resultado foi atingido, uma vez que foi possível iniciar a criação de um banco de termos técnicos bilíngue, com suas respectivas correspondências nos dois significados do termo “cultura”. Este é o primeiro passo para a criação de um glossário bilíngue de termos técnicos, seja da área de graduação ou de qualquer outra área de especialidade. Isso é importante, pois assim os atores-tradutores surdos podem estudar e se concentrar em um determinado campo de saber antes de traduzir o texto da disciplina. Desse modo eles podem trabalhar melhor com a LS, utilizando o sinal adequado que corresponda aos significados pretendidos em cada contexto, tal como os representados em nossa análise do termo “cultura” no item 5.2, sobre a polissemia na língua portuguesa. Neste caso, “cultura” há que ser registrada com diferentes sinais; um, específico para designar “conjunto de saberes” e outro para designar “identidades”.

Através dessa análise foi possível demonstrar que um ator-tradutor surdo ou um pesquisador pode elaborar o seu próprio glossário de termos técnicos e também explicar o que significa através de contextos, mostrando que podem existir vários significados para uma palavra só. Para isso, basta que se reúna o corpus de um determinado campo do saber, permitindo qualquer pesquisador ou ator-tradutor surdo possa criar o seu glossário de termos técnicos através da utilização dos recursos disponibilizados pela área que trata do uso de corpora

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computadorizados – coletâneas de textos escritos ou de transcrições de fala, mantidas em arquivo de computador (Sardinha, 2004).

6.3 Resultados

Pretende-se aqui mostrar os resultados referentes às mudanças realizadas no processo de tradução de LS, em que, após reuniões entre equipe de tradução e coordenação, se conseguiu implantar a padronização linguística no que diz respeito aos sinais técnicos e novos sinais empregados nas disciplinas do curso. Escolhi uma disciplina Ensino da Língua Materna, do quarto período no curso de Letras – LIBRAS, que evidencia as duas atrizes-tradutoras surdas diferentes trabalhando a mesma disciplina, e alcançando a padronização no uso dos sinais técnicos:

Figura 5 - Atriz-tradutora gaúcha (no começo do curso).

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Veja a figura acima, ao clicar no ícone “leia o texto”, aparece outra hipermídia, conforme apresentado na figura abaixo, em que há apenas o texto para os alunos que quiserem ler também, pois alguns alunos preferem ter o conteúdo apenas em LS no vídeo e os textos escondidos.

Figura 6 - Texto que a atriz-tradutora gaúcha estava traduzindo no vídeo. Veja outra figura a seguir:

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Figura 7 - Atriz-tradutora carioca traduzindo as atividades da mesma disciplina.

Veja também as outras figuras 8 e 9: essa sequência de figuras procura demonstrar que com o passar do tempo, a tradução da atriz-tradutora carioca nova melhorou por assistir ao vídeo da atriz-tradutora gaúcha, de modo a sinalizar de maneira parecida com a atriz-tradutora gaúcha. Elas fizeram o mesmo sinal “cultura” com a configuração do número 5 na testa, um dos exemplos de linguagem padronizada.

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Figura 8 – Atriz-tradutora gaúcha empregando sinal “cultura”.

Figura 9 – Atriz-tradutora carioca empregando sinal “cultura” de forma

padronizada, ao optar em seguir o sinal já utilizado pela atriz-tradutora gaúcha.

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No mesmo quarto período, em outra disciplina, História da Educação dos Surdos, havia dois atores-tradutores surdos diferentes (figura 10 e 11) trabalhando. Das traduções dessa disciplina, eu optei por observar o uso de uma palavra padronizada, o sinal “investigação” – realizado com o dedo indicador da mão direita orientado para o chão, que encosta a mão aberta esquerda, sendo que a mão direita movimenta-se para frente e para trás. A realização do sinal pela atriz-tradutora carioca, nas atividades da mesma disciplina, pode ser vista na figura abaixo:

Figura 10 - Atriz-tradutora carioca

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Figura 11 - Ator-tradutor paulista

Observando a figura 11, é possível ver que o ator-tradutor paulista estava traduzindo através de um link da palavra sublinhada “investigação”, numa hipermídia diferente da que a atriz-tradutora carioca estava trabalhando. O ator-tradutor paulista estava explicando mais sobre a teoria da “investigação”, além do texto apresentado pela atriz-tradutora carioca. Em outra disciplina mais complexa, Leitura e Produção de Textos, do quinto período, os mesmos atores-tradutores surdos trabalharam, sendo que dessa vez ative-me à ocorrência do sinal padronizado “inferência”, apresentado a seguir:

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Figura 12 - Atriz-tradutora carioca realizando o sinal “inferência” com as duas mãos em configurações iguais, semelhante ao sinal “união”.

Figura 13 - Ator-tradutor paulista fez o mesmo sinal da atriz-tradutora carioca.

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A atriz-tradutora carioca traduzia para vídeos as atividades da mesma disciplina Leitura e Produção de Textos, porque ela preferia ser a mesma a trabalhar nas atividades, já que havia produzido antes os sinais novos no texto-base, podendo assim, continuar na gravação das atividades com a mesma apresentação visual-corporal de movimentos em LS, o que também é uma forma de padronização dessa língua nos materiais do curso. O ator-tradutor paulista traduzia somente os links dos textos na hipermídia, procurando assemelhar sua sinalização, empregando sinais padronizados, à sinalização da atriz-tradutora carioca.

Conforme o tempo ia passando, muitas reuniões de atores-tradutores surdos eram feitas com a equipe de coordenação de tradução. Por meio dessas reuniões, houve o estímulo à conversa sobre dúvidas (em relação à formação dos novos sinais e como formatar a apresentação visual das disciplinas – com um ou dois atores-tradutores surdos por disciplina – entre outras) com alunos de alguns pólos, o que nos levou a modificar o processo de tradução, de forma que cada disciplina, a partir do quinto período do curso deve ser gravada por apenas um ator-tradutor surdo, traduzindo, assim, os textos-base, links e atividades. Então, antes, eram dois atores-tradutores surdos trabalhados por uma disciplina e agora não mais, pois se decidiu que, com apenas um ator-tradutor surdo, a compreensão da LS nos diferentes pólos seria melhor. A seguir, mostramos os melhores resultados obtidos com essa prática:

1) Disciplina do quinto período: Literatura Surda, outra atriz-tradutora carioca traduz para vídeos os textos-base, links e atividades (só que, em cada etapa, apresenta a cor diferente da blusa para saber a diferença):

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Figura 14 - Hipermídia da disciplina, unidade 1.

Figura 15 - Link “dizem as autoras” da mesma hipermídia da figura anterior.

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Figura 16 - Atividades na hipermídia.

2) Disciplina do quinto período: Semântica e Pragmática, o ator-tradutor paulista traduz para vídeos os textos-base, links e atividades (só que, em cada etapa, apresenta a cor diferente da camisa para saber a diferença):

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Figura 17 - Hipermídia da disciplina, Unidade 2.

Figura 18 - Link “eventualidades” da mesma hipermídia da figura anterior.

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Figura 19 - Atividades na hipermídia.

Com essas modificações, todos os alunos ficaram mais satisfeitos, de modo que os atores-tradutores surdos continuarão a trabalhar dessa maneira até finalizarem as gravações de todas as disciplinas do curso.

6.4 Elaboração de novo glossário no AVEA

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Figura 20 - Página principal no AVEA, veja a tabela azul “Glossário”

Figura 21 - quando procurar a palavra “coesão” no glossário, clique e

aparece uma janela do vídeo acima mostrando um sinal e um desenho de escrita de sinais Sign Writing ao lado.

No AVEA do curso de Letras – LIBRAS um novo glossário foi criado com o intuito de apresentar os vídeos ao lado de novos vocábulos junto com desenhos de escrita de sinais (Sign Writing) para tirar as

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dúvidas dos alunos. Assim, a cada vídeo (em ordem alfabética) corresponde um novo vocábulo com sinais diferentes de dialetos regionais. Como por exemplo, a palavra “cultura”, tem mais três sinais diferentes do São Paulo, Fortaleza, e outros. Mas na disciplina do AVEA, apresenta-se apenas um sinal padrão “cultura” e no glossário há as variações desse sinal, respeitando o uso de outros pólos diferentes. Por meio dessa prática, possibilitou que um tradutor ou um pesquisador pode elaborar o seu próprio glossário de termos técnicos, mostrando que podem existir vários significados para uma palavra só ou vários sinais para uma mesma palavra. Eu, autora, já havia feito questionamentos para alguns alunos dos pólos diferentes, como de São Paulo, Goiânia, Santa Maria e Fortaleza, verificando se eles preferem que alguns sinais técnicos sejam padronizados entre os atores-tradutores surdos e professores na mesma disciplina para evitar a confusão ou mau entendimento, principalmente para a prova. E também estão utilizando os mesmos sinais que aprenderam através nas hipermídias. Mas alguns alunos do pólo Fortaleza criam seus próprios sinais entre si, gravam tudo num DVD e depois mandam para equipe de tradução na UFSC, mantendo o contato com a coordenação. Por fim, este estudo contribui para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem dos alunos do curso de Letras – LIBRAS, posto que ajuda a desfazer uma das dificuldades dos estudantes para a aprendizagem dos conteúdos envolvendo a palavra “cultura”: seu caráter polissêmico. Afinal, a mudança de contextos e consequente variação de significados incidem sobre a compreensão dos conceitos apresentados no texto da disciplina.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste estudo, foi possível demonstrar que uma pesquisadora ou estudante, junto com equipe de coordenação de tradução pode elaborar o seu próprio glossário de termos técnicos. Foi um grande desafio realizar essa pesquisa, demonstrando que pode haver a padronização linguística no que concerne aos sinais técnicos. Em relação a isso, o que se propõe é que haja uma perspectiva da seleção e organização de informações que leve em conta a construção de sinais técnicos, procurando uma homogeneização linguística que pode trazer inúmeros benefícios para a produção de uma linguagem padronizada, a qual os alunos ou surdos de todas as regiões do país poderiam compreender melhor e inclusive adotar como dialeto padrão. Ainda é muito precoce tentar afirmar que há um dialeto padrão/culto da língua de sinais brasileira mas, como vimos ao longo desta dissertação, a atuação do curso de Letras – LIBRAS em todo o Brasil, com suas traduções, abre o caminho para que venha à tona o que pode ser tomado em alguns anos como o dialeto de prestígio a ser seguido e, portanto, o dialeto culto/padrão da LS. Observe-se que com isso não estamos incitando à anulação das variações linguísticas na LIBRAS, mas apenas apontando que, como na história do desenvolvimento de outras línguas, a atividade de tradução e dispersão dessas traduções vai influenciar na fixação de um dialeto como padrão. A pesquisa evidenciou ser possível alcançar a padronização linguística no que concerne aos novos sinais técnicos, criados para suprir as necessidades comunicativas instauradas nas disciplinas do curso de Letras – LIBRAS. Para tanto, o glossário se mostrou muito útil, ao correlacionar o sinal padronizado adotado pelos atores-tradutores surdos ao sinal empregado em cada região. Por meio das entrevistas, foi possível perceber que a padronização é um objetivo a ser perseguido, embora nem sempre seja facilmente alcançado, já que alguns atores-tradutores surdos têm predileção pelo uso do dicionário do INES e outros pelo dicionário Capovilla. Assim, muitas questões sobre a criação de novos sinais e a padronização de sinais técnicos foram resolvidas através de estudos e reuniões entre a equipe de tradução, com o retorno e apoio dos alunos dos pólos.

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Além de termos alcançado os objetivos traçados para esta pesquisa, esperamos alcançar uma maior divulgação dos estudos sobre a cultura surda, a importância da tradução de LIBRAS para a comunidade surda, para a educação dos surdos, tal como nos cursos novos de Letras – LIBRAS que estão surgindo, levando a uma maior compreensão dos princípios de tradução da língua portuguesa para LIBRAS. Considerando que existem outros grupos minoritários, homogeneizar a diferença é tratar de legitimá-la, de dar-lhe lugar, de permiti-la. Então, isso se torna muito importante para entender a comparação sobre a formação de identidades culturais entre dois textos apresentados e o papel da tradução no processo de ensino-aprendizagem que apresenta constante preocupação e desafio. Infelizmente, há poucos registros sobre o assunto desta dissertação, ou seja, a tradução cultural surda dispõe de poucos estudos linguísticos e tradutórios. Observa-se a necessidade de um maior interesse das equipes de tradução para a LS, e de reter as perdas constantes diante da falta de recursos para registrar as traduções realizadas para LIBRAS.

O papel de tradutores no desenvolvimento e reconhecimento da LS é imprescindível, já que esta língua não é de todo conhecida. Espera-se, em vista disso, a difusão e esclarecer a possibilidade de melhorar os estudos e pesquisas sobre este tema, acreditando-se e baseando-se na existência da diversidade linguística, cultural e identitária que se relaciona, conhecidamente, com a tradução.

O papel da padronização linguística da tradução em LS no processo de ensino-aprendizagem dentro do contexto do AVEA do Letras – LIBRAS da UFSC é de suma importância, não só para atores-tradutores surdos, mas também, para todos nós que fazemos parte da equipe de trabalho da área de tradução, para as outras equipes de trabalho, e até mesmo para a coordenação geral do curso de Letras – LIBRAS, que abriga uma multiplicidade enorme de diferentes questões a serem estudadas e tratadas.

Além desse aspecto, o contato com as ferramentas de corpus e com pesquisas criteriosas sobre padronização linguística e tradução pode promover uma mudança de comportamento, de uma forma tal que tanto atores-tradutores surdos quanto alunos terão mais consciência de que é necessário fazer uma pesquisa terminológica mais detalhada, criteriosa, contextualizada e conectada com realidades vivenciadas no curso. Isso porque, por restrições de tempo, geralmente, tem havido um contentamento com “soluções de emergência” – encontradas em

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glossários e listas de termos cuja qualidade e confiabilidade são questionáveis.

Apesar da multiplicidade de questões a serem estudadas sobre o curso em questão, acredito que o mesmo representa uma grande melhoria, como também, uma mudança considerável na Educação de Surdos no Brasil, ao possibilitar de maneira científica e reconhecida nacional e internacionalmente benefícios nunca antes vistos, tais como, o desenvolvimento histórico, linguístico e cultural da comunidade surda brasileira e da educação de surdos no nosso país; a análise de aspectos linguísticos relacionados à LIBRAS; o desenvolvimento de propostas metodológicas para o ensino da LIBRAS como primeira e segunda língua, explorando as atuais tecnologias de comunicação e educação em interfaces virtuais e presenciais de ensino e aprendizagem.

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REFERÊNCIAS

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REFERÊNCIAS DOS SITES • http://www.cultura-sorda.eu/resources/Brasil_Proyecto_Lic_Letras_LIBRAS_2006.pdf (Acesso em, 21 de julho de 2008). • http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/2002/L10436.htm (Acesso em, 21 de julho de 2008). • Curso de Letras - LIBRAS http://www.LIBRAS.ufsc.br/hiperlab/avaLIBRAS/moodle/prelogin/index.htm

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ANEXOS

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ANEXO 1

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Ementas das disciplinas do Curso de Letras – LIBRAS:

Estudos Linguísticos - 60 horas/aula Iniciação aos conceitos e métodos da descrição gramatical segundo as abordagens da Linguística Moderna. Introdução aos Estudos de Literatura – 60 horas/aula Introdução aos conceitos básicos da teoria literária necessários a uma iniciação eficiente na leitura crítica de textos literários. Introdução aos Estudos da Tradução – 60 horas/aula Conceitos, tipologias e conscientização dos problemas teóricos e práticos da Tradução. Mapeamento dos Estudos da Tradução. Fundamentos da Educação de Surdos - 60 horas/aula História da educação de surdos. O impacto do Congresso de Milão (1880) na educação de surdos no Brasil. Legislação e surdez. As políticas de inclusão e exclusão sociais e educacionais. Modelos educacionais na educação de surdos: modelos clínicos, antropológicos, da diferença e mistos. Identidades surdas: identificações e locais das identidades (família, escola, associação, etc.). O encontro surdo-surdo na determinação das identidades surdas. As identidades surdas multifacetadas e multiculturais. Língua Brasileira de Sinais I – 60 horas/aula + 30 horas/aula de PCC O cérebro e a língua de sinais. Processos cognitivos e linguísticos. Tópicos de linguística aplicados à língua de sinais: fonologia e morfologia. Atividades de prática como componente curricular. Fonética e Fonologia - 60 horas/aula Introdução aos princípios gerais da Fonética Articulatória. Relação entre fonética e fonologia. Introdução às premissas da descrição e análise fonológica. Processos fonológicos básicos. Morfologia - 60 horas/aula As palavras e sua estrutura. Morfemas: conceito, tipologia e análise morfológica.

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Escrita de Sinais I – 60 horas/aula Aspectos históricos, culturais, linguísticos, educacionais e sociais de surdez. Vocabulário em língua de sinais brasileira. Tópicos sobre a escrita de sinais: aquisição do sistema de escrita de língua de sinais pela compreensão dos códigos próprios da escrita de sinais e trabalho prático com a mesma. Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas – 60 horas/aula + 30 horas/aula de PCC Estudo de princípios de Linguística Aplicada e sua relação com o ensino e aprendizagem de línguas. A pesquisa em LA em diferentes contextos. Posicionamento crítico e interativo quanto ao processo de ensino e aprendizagem, no que concerne os princípios fundamentais da LA. Atividades de prática como componente curricular. Língua Brasileira de Sinais II – 60 horas/aula + 30 horas/aula de PCC Uso de expressões faciais gramaticais e afetivas. A estrutura da frase na língua de sinais. Construções com aspecto, tópico, foco, negativas, interrogativas, afirmativas, com argumentos pronunciados e nulos. Atividades de prática como componente curricular. Sintaxe - 60 horas/aula Os constituintes. A relação núcleo, argumentos e adjuntos. A estrutura das sentenças. Escrita de Sinais II – 60 horas/aula O processo de aquisição da leitura e escrita da língua de sinais. O alfabetismo na escrita da língua de sinais. Produção de literatura na escrita da língua de sinais. Aquisição da Linguagem – 60 horas/aula Estágios de desenvolvimento linguístico na criança. Cognição e linguagem. Natureza do conhecimento linguístico na criança. Universalidade e uniformidade na aquisição da linguagem. O papel da experiência na aquisição. Sociolinguística – 60 horas/aula Língua e sociedade. Preconceito linguístico. Contato linguístico. Pidgins e creoulos.

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Língua Brasileira de Sinais III – 60 horas/aula + 30 horas/aula de PCC O uso do espaço. Classificadores: Tipos de classificadores e restrições que se aplicam ao uso dos mesmos. O papel dos classificadores na língua de sinais. Os verbos complexos classificadores. Atividades de prática como componente curricular. História da Educação de Surdos – 60 horas/aula História da surdez e dos surdos. Relações históricas entre a educação e a escolarização. A comunidade surda: organização política, linguística e social. Os movimentos surdos locais, nacionais e internacionais. Educação dos surdos e família: os pais ouvintes e os pais surdos. O diagnóstico da surdez. As relações estabelecidas entre a família e a criança surda. O impacto na família da experiência visual. A língua de sinais e a família com criança surda. A formação da identidade da criança surda filha de pais ouvintes. Atividades de prática como componente curricular. Escrita de Sinais III – 60 horas/aula2 Continuação do processo de aquisição da leitura e escrita de sinais. Construção de dicionário escrita de sinais e português. Alternativas didático-pedagógicas para o ensino da escrita de sinais conforme a faixa etária dos alunos: infantil, juvenil e adultos. Estudo de expressões literárias próprias da cultura surda. Teorias da Educação e Estudos Surdos – 60 horas/aula Abordagens tradicionais do currículo na escolarização dos surdos: práticas e discursos. Introdução à Teoria Crítica do currículo. Currículo e ideologia, linguagem, poder, cultura, política cultural. Estudos Surdos – Estudos Culturais, o currículo na educação de surdos. Ensino de Língua Materna – 60 horas/aula Ensino operacional e reflexivo da linguagem. Análise e produção de material didático. Língua Brasileira de Sinais IV – 60 horas/aula + 30 horas/aula de PCC

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Descrição visual (técnicas e habilidades). Explorando o espaço de sinalização do ponto de vista linguístico e topográfico. Atividades de prática como componente curricular. Semântica e Pragmática - 60 horas/aula Noções básicas: sentido e referência, acarretamento, anáfora, pressuposição, tempo, aspecto, modalidade, operadores, quantificadores. Máximas conversacionais. Implicaturas. Atos de fala. Dêixis. Educação de Surdos e Novas Tecnologias – 60 horas/aula A utilização do vídeo, da videoconferência, da Internet, das redes e multimídia na educação de surdos. Conhecer alguns softwares disponíveis específicos para surdos. Literatura Visual - 60 horas/aula Diferentes tipos de produção literária em sinais: estórias visualizadas, o conto, as piadas, as poesias. As diferentes etapas utilizadas pelo contador de estórias para crianças surdas. Exploração visual e espacial das diferentes narrativas. As narrativas surdas: redescoberta da criação literária surda. Leitura e Produção de Textos – 60 horas/aula Leitura: criação de vínculos leitor/texto, pela introdução do aluno na tradição do conhecimento veiculado pelo texto escrito. Interpretação: leitura nas entrelinhas. O diálogo oralidade/escrita. Da fala para a escrita - atividades de retextualização. Língua Brasileira de Sinais V – 60 horas/aula + 30 horas/aula de PCC Tópicos de linguística aplicados à língua de sinais: semântica e pragmática. Análise reflexiva dos aspectos semânticos e pragmáticos da língua de sinais brasileira. Atividades de prática como componente curricular. Análise do Discurso - 60 horas/aula Estudo e aplicação de abordagens teóricas e metodológicas relevantes à análise do discurso, privilegiando a análise de diferentes gêneros e registros em contextos sociais cotidianos e institucionais. Descrição e interpretação de características linguístico-funcionais, incluindo: tomada de turno, estruturas gramaticais e léxico, unidades e níveis de organização textual, coesão, coerência e intertextualidade e sua relação

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com diferentes contextos sócio-culturais. Atividades de prática como componente curricular. Psicologia da Educação de Surdos – 60 horas/aula Da gestação ao nascimento da criança surda. Do descobrimento da surdez pelos pais. O desenvolvimento da comunicação familiar. A descoberta, pelo surdo, da diferença. A fase escolar. A profissionalização. Representações da surdez e o seu impacto no desenvolvimento da criança surda. O desenvolvimento cognitivo da criança surda. Pensamento e linguagem na criança surda. Aparelho psíquico e alteridade. Língua materna (transmissão da falta) e língua de sinais (transmissão da cultura). Corpo natural e corpo simbólico. A descoberta do eu e do outro. A constituição da personalidade. Didática e Educação de Surdos – 60 horas/aula Por uma educação de surdos com base na experiência visual: educação infantil; ensino fundamental; ensino médio; ensino profissionalizante. O currículo na educação de surdos. Propostas de ensino para educação de surdos com enfoque nas experiências visuais. Didática e dinâmica na aula de/com surdos. Tradução e Interpretação da Língua de Sinais – 60 horas/aula A mediação do conhecimento através do intérprete de língua de sinais. O papel do intérprete de língua de sinais na sala de aula. A definição do que representa o “intérprete-pedagógico” na educação de surdos. Língua Brasileira de Sinais VI – 60 horas/aula + 30 horas/aula de PCC. Tópicos de linguística aplicados à língua de sinais: análise do discurso e sociolinguística. Análise reflexiva da estrutura do discurso em língua de sinais e da variação linguística. A questão do bilinguismo: português e língua de sinais. Atividades de prática como componente curricular. Metodologia de Ensino em Literatura Visual – 30 horas/aula + 30 horas/aula de PCC Metodologia do ensino da literatura visual. Organização de unidades pedagógicas de língua e literatura na língua de sinais brasileira. Atividades de prática como componente curricular.

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Metodologia de Ensino em Língua de Sinais Brasileira como L1 – 30 horas/aula + 90 horas/aula de PCC Aspectos metodológicos do ensino da língua de sinais, por meio do contexto e textualização em sinais articulada com o uso da língua e da prática da análise linguística. O ensino de língua de sinais a partir da diversidade textual sinalizada: análise dos aspectos temáticos, estruturais, linguísticos e a funcionalidade dos textos nos diferentes contextos sociais. Aspectos estruturais do conto e abordagem no ensino. Análise dos livros didáticos existentes no país. Análise de fitas de vídeo didáticas. Atividades metalinguísticas como instrumento de apoio para a discussão dos aspectos da língua. Uso de recursos expressivos da língua que convêm às condições de produção do discurso e às finalidades e objetivos do texto sinalizado. Produção de unidades pedagógicas para o ensino fundamental, tendo em vista a articulação dos componentes linguísticos: leitura de textos literários e não literários, produção textual e análise linguística. Noções de planejamento. Atividades de prática como componente curricular. Metodologia de Ensino em Língua de Sinais Brasileira como L2 – 30 horas/aula + 90 horas/aula de PCC Aspectos metodológicos do ensino da língua de sinais como segunda língua, por meio do contexto e textualização em sinais articulado com o uso da língua e da prática da análise linguística. Análise dos livros didáticos existentes no país. Atividades metalinguísticas como instrumento de apoio para a discussão dos aspectos da língua. Uso de recursos expressivos da língua que convêm às condições de produção do discurso e às finalidades e objetivos do texto: expressões não manuais. Noções de planejamento. Produção de unidades pedagógicas. Atividades de prática como componente curricular. Estágio em Literatura Visual – 60 horas/aula Metodologia do ensino da literatura visual a partir de diversos gêneros literários explorando diferentes elementos da língua de sinais (configurações de mão, movimentos, pontos de articulação). Organização de unidades pedagógicas de língua de sinais e literatura visual, enfocando a produção em vídeos. Estágio em Língua de Sinais Brasileira como L1 – 180 horas/aula Realização de sondagem/diagnóstico em aulas de língua de sinais e escrita da língua de sinais: conhecimento da realidade e análise do

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processo de articulação teoria/prática. Planejamento e programação de estágio língua de sinais e escrita da língua de sinais. Docência compartilhada com a escola campo de estágio nos níveis Fundamental ou Médio de ensino, pela Regência de Classe Regular ou sob forma de Projetos Especiais de ensino da língua de sinais e escrita de sinais. Estágio em Língua de Sinais Brasileira como L2 – 180 horas/aula Realização de sondagem/diagnóstico em aulas de língua de Sinais como segunda língua. Planejamento e programação de estágio da língua de sinais como segunda língua compartilhado com o campo de estágio. Docência compartilhada com o campo de estágio nos níveis Fundamental ou Médio de ensino, pela Regência de Classe Regular ou sob forma de Projetos Especiais de ensino de língua de sinais como segunda língua.

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ANEXO 2

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Respostas dos atores-tradutores surdos com as marcas de interferência de LIBRAS:

1. Existe a padronização linguística de sinais dentro do curso de Letras – LIBRAS da UFSC ou no AVEA? É possível ou não ter a padronização entre você e outr@s tradutr@s? Tradutora 1: “A padronização da Letras LIBRAS e do AVEA é seguida pelos sinais de padrão do dicionário do INES, conforme determinação da Coordenadoria de Letras LIBRAS” . Tradutora 2: “Digo que não totalmente. Depende do uso de alguns sinais mais frequentes, pois a padronização linguística ocorre no prazo longo, de acordo com estudos sociolingüísticos, em respeito da variação e mudança linguística” . Tradutor 3 : “No momento, a padronização linguística de sinais no AVEA no curso de Letras– LIBRAS da UFSC ainda não tem o padrão definido por causa de tradutores e suas diferenças. Eles vieram de locais e culturas diferentes e, por isso, têm dificuldades de padronizar. Então, a questão da ‘padronização’ é um desafio no Letras – LIBRAS. Nós, tradutores, tentamos chegar a conseguir o padrão bem definido”. Tradutor 4: “Bem, realmente, acredito que existe sim, pois como vejo nos meus olhos, existem os tradutores que trocam as ideias com os sinais, por isso, como somos de outras cidades, sempre combinamos alguns sinais para que sejam padrão; pra que os alunos da Letras – LIBRAS possam entender bem clareza os atores/tradutores. Isso é importante”. 2. Que importância você vê na padronização linguística de sinais? Se não considerar a padronização importante, destaque qual é a importância da tradução de sinais no AVEA? Tradutora 1: “Acho importante de ter a padronização já que a difusão de língua de sinais ajudará a desenvolver mais sinais neológicos e polissêmicos. E esta padronização poupará o trabalho dos intérpretes de língua de sinais e de professores bilíngues”. Tradutora 2: “Depende... Se for na área acadêmica ou mídia, seria necessário a existência da padronização de língua de sinais no todo

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Brasil, assim como a língua portuguesa utilizada pelos discursos do Governo Federal, por exemplo, daí a presença de janela de interprete de LIBRAS”. Tradutor 3 : “É importante e outro não, porque o importante é que Brasil tenha uma língua própria dos surdos brasileiros. Com sua padronização dos sinais? Porém, se padronizar, ou seja, igualar os sinais em todo o inteiro Brasil como se fosse único “dono” de uma única língua? É impossível! Por causa de suas diferenças culturas, sociais e outros; seu respeito, que é muito bom haja diferenças. É importante padronizar os sinais, é na área de acadêmicas.” Tradutor 4 : “Importante é apenas aceitamos de combinar um sinal como padrão... senão, poderia ficar meio complicado para os alunos de outras cidades entendem. O problema é que não existe dicionário com os sinais completos, sabe?... Só existem alguns sinais prontos e alguns não. Porque como na língua LIBRAS já ta pronta. Mas, somos tradutores, leiamos nos roteiros de língua portuguesa, por isso, temos que tentar e sinalizar bem melhor na nossa primeira língua.” 3. A padronização Linguística pode ser entendida como o uso de sinais mais específicos, tais como os sinais de morfologia, fonologia, etc? Se possível, justifique sua resposta. Tradutora 1: “Sim. Cada sinais têm a sua diacronia e sincronia. Cada sinais mudam com o tempo e também dos locais onde os status sociais se diversificam de acordo com o ambiente linguístico. Quando houver os sinais específicos de uma determinada cidade pode se aproveitar para difundir e expandir mais sinais variantes dentro do sinalário”. Tradutora 2: “Digo que nesta padronização pode ocorrer principalmente na abordagem variacionista, então no uso de sinais sob variação fonológica”. Tradutor 3 : “Sim, é possível, padronizar os sinais próprios mais específicos nos termos, como por exemplo, fonologia, morfologia e outros, porque eram novos e já foram combinados por equipe de tradução criando novos sinais, e não precisamos criar de novo outros sinais quando já temos.” Tradutor 4 : “Toda língua já tem morfologia e fonologia... Enfim língua LIBRAS também tem”.

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4. Havia variação Linguística entre sinais apresentados por tradutor@s no AVEA devido a dialetos regionais? Você se lembra de alguns exemplos para citar? Tradutora 1: “São vários. Os exemplos mais citados são, teorias, fundamentos, nós, que, quem, matemática, história, etc”. Tradutora 2: “Sim. Exemplos, responsabilidade, cultura, branca”. Tradutor 3 : “Não identifico “dialeto”, e sim identifico a variação linguística que pode ser as diferenças, local, idade, etnia, sexo, religião, social, cultura e outros, por isso apresentam sinais variantes, por exemplo, um sinal, teoria (T), utilizado por tradutores com configuração de mãos e seus movimentos diferentes por causa disso. ” Tradutor 4 : “Na verdade, somos tradutores, mas sinalizamos um pouco diferente, porque como eu sinalizado como jeito de catarinense, os outros como carioca, paulista e etc... Não temos culpa por variação linguística”. 5. Para trabalhar no AVEA, você sinalizaria com sua língua dialetal ou outra variedade de língua específica ao texto linguístico a ser sinalizado, ou ambos? E, ao sinalizar, você se preocupa em empregar uma variedade de língua mais padronizada? Tradutora 1: “Como sou usuária de língua de sinais do INES, ficou mais fácil trabalhar com estes sinais já que os sinais do INES é oficialmente reconhecidos pela comunidade surda-muda. Tem alguns sinais específicos por causa da disciplina e também dos usos gerais, eu uso estes sinais para determinados casos. Ao resto eu uso os sinais padronizados de acordo com os sinais do INES”. Tradutora 2: “Eu sinalizaria o tipo da língua de sinais mais generalizada, por exemplo o uso de classificadores, verbos manuais para que todos os usuários do AVEA tenham a compreensão, mesmo estando na variação regional. Mesmo tendo alguns sinais lexicais sob variação regional, desde que haja contexto linguístico nas estruturas sintáticas”. Tradutor 3 : “Depende. Tomo de decisão para escolher os sinais para sinalizar. Não é só me preocupo com os sinais variantes, sim me preocupo com os sinais mais usados e mais conhecidos dos alunos de cada pólo.” Tradutor 4 : “Pra mim, eu sinalizado como meu jeito naturalmente, porque meus sinais são daqui, onde muita gente sinaliza... Minha

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Linguística é bem clareza, se for alguma dificuldade, tem que me avise que eu resolvo ou verei com responsável da tradução pra melhorar qualidade na equipe”. 6. Que sugestões você daria para outr@ tradutor@ que sinaliza numa variedade diferente? Tem que respeitar os dialetos de cada tradutor? Ou respeitar as regras estabelecidas pela equipe de tradução em que se trabalha? Pode escrever, fazendo comentários, se quiser, sobre você e sobre outros. Tradutora 1: “Só faço avisar que tem regras para usar os sinais do INES conforme as determinações da Coordenadoria. Mas se alguns não usam porque, no fundo, têm ‘intolerância linguística’ para com os sinais do INES. Só faço esperar que os alunos reajam e façam comentários para com os tradutores”. Tradutora 2: “Que haja respeito no tipo de tradução e interpretação feita pelo tradutor, desde que haja significados dos sinais nas estruturas sintáticas em LIBRAS. É fundamental que tenha respeito do uso de sinais regionais, utilizados pelo tradutor e sua língua de sinais da cidade. Quanto aos novos sinais de acordo com conhecimento acadêmico, é necessário que sejam padronizados e combinados entre os tradutores numa equipe”. Tradutor 3 : “Se vejo um tradutor sinalizando vários sinais variantes, na verdade, ele precisa de ser respeitado, sentido bem o que está fazendo, não pode ser julgado pela forma de preconceitos linguísticos e outros. Então, com equipe de tradução, precisamos combinar como trabalhar com regras, relacionar bem, o que podemos mudar para padronizar os sinais para todos os alunos entender melhor mais claro.” Tradutor 4 : “Realmente, o que fiquei bem choque quando outros tradutores sinalizaram mais com analfabetos como letras, por exemplo, ‘Unidade, táxi’... Já tem sinais próprios na Linguística, mas os tradutores preferiam sinalizar com as letras. Disso, já tentei de conversar com eles pra evitar porque já existem os sinais por aí. Mas, percebi que não precisavam da minha ajuda. Eu sou um homem que compreende na boa qualquer maneira”. 7. Você acha que vai surgir uma nova padronização Linguística de sinais ou não? Por exemplo, quando alguém (quer seja professor ou tradutor) voltar para sua origem, trabalhar com outro novo curso de Letras - LIBRAS, vai sinalizar com sua própria língua de sinais

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ou outra forma diferente, que aprendeu com a equipe de tradução, utilizando sinais específicos? Tradutora 1: “Com a difusão do Curso de Letras–LIBRAS, os sinais pipocaram para várias cidades e muitos têm usado os sinais padronizados para usar em qualquer lugar, como nas escolas, trabalho como professor bilíngue e de língua de sinais. Eu, particularmente, como professora de língua de sinais, eu uso os sinais de padrão do Letras–LIBRAS para usar no curso de língua de sinais. Isso tem sido muito positivo, porque o neologismo de sinais tem ajudado bastante na difusão e enriquecimento de vários sinalários”. Tradutora 2: “Esta pergunta não é fácil para responder. A padronização linguística sempre esteve presente na comunicação entre as pessoas e seus grupos sociais, desde que tenha respeito linguístico sob o aspecto sociolinguístico. Esse tradutor terá o seu conhecimento mais amplo no seu léxico, ou seja, o dicionário mental, e se sente mais valorizado por ter conhecimento da língua de sinais em sentido da variação regional”. Tradutor 3 : “Penso que pode ser dois, sim e não, depende de fenômeno linguístico, social, da cultura e outros.” Tradutor 4 : “É uma pergunta boa. O que eu prefiro é quando tradutor ou professor novo tem que respeitar e buscam os conhecimentos da comunicação na UFSC. Pra evita criar grande o problema depois. Isso é o meu único conselho. Sempre pessoa nova, tem oportunidade de aprender com o quem trabalham já na UFSC pra entender da nossa regra, jeito de comunicação e nossa Linguística. Não precisa como imitação na gente. Mas, é bom aprender e conhecer como é ser tradutor com Linguística na UFSC desde começo”.