universidade federal de pernambuco...ai – agravo de instrumento al – alagoas ap – amapá art....

247
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO GUSTAVO HENRIQUE TRAJANO DE AZEVEDO RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL: HIPÓTESES DE CABIMENTO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO DE 2015 Dissertação de Mestrado Recife 2016

Upload: others

Post on 21-Jul-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

GUSTAVO HENRIQUE TRAJANO DE AZEVEDO

RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL: HIPÓTESES DE CABIMENTO NO CÓDIGO

DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO DE 2015

Dissertação de Mestrado

Recife

2016

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

GUSTAVO HENRIQUE TRAJANO DE AZEVEDO

RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL: HIPÓTESES DE CABIMENTO NO CÓDIGO

DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO DE 2015

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Direito do Centro de Ciências

Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife da

Universidade Federal de Pernambuco como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de concentração: Jurisdição e processos

constitucionais

Linha de pesquisa: Estado, Constitucionalização e

Direitos Humanos

Orientador: Dr. Leonardo José Ribeiro Coutinho

Berardo Carneiro da Cunha

Recife

2016

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

Catalogação na fonte

Bibliotecária Maria José de Carvalho CRB/4-1462

A994r Azevedo, Gustavo Henrique Trajano de

A reclamação constitucional: hipóteses de cabimento no Código de Processo

Civil brasileiro de 2015. – Recife: O Autor, 2017.

242 f.

Orientador: Profº. Dr. Leonardo José Ribeiro Coutinho Berardo Carneiro da

Cunha.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ.

Programa de Pós-Graduação em Direito, Recife, 2017.

Inclui bibliografia.

1. Direito processual civil. 2. Código Processo Civil (2015). 3. Teoria geral do

processo. 4. Dogmática jurídica. 5. Reclamação constitucional. 6. Ação

constitucional - Competência - Jurisdição. 7. Precedentes judiciais - Autoridade de

decisões. I. Cunha, Leonardo José Ribeiro Coutinho Berardo Carneiro da

(Orientador). II. Título.

341.46 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2017-20)

Page 4: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

TERMO DE APROVAÇÃO

Gustavo Henrique Trajano de Azevedo

RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL: HIPÓTESES DE CABIMENTO NO CÓDIGO

DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO DE 2015

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade

Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção

do grau de Mestre.

Área de concentração: Jurisdição e processos constitucionais.

Orientador: Prof. Dr. Leonardo José Ribeiro Coutinho Berardo

Carneiro da Cunha.

A Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro,

submeteu o candidato à defesa em nível de Mestrado e a julgou nos seguintes termos:

Professor Adjunto Dr. Edilson Pereira Nobre Jr., Dr. UFPE

Julgamento: _________________________ Assinatura: _________________________

Professor Adjunto Dr. Francisco Antônio de Barros e Silva Neto, Dr. UFPE

Julgamento: _______________________ Assinatura:____________________________

Professor Adjunto Dr. Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, Dr. UFRN

Julgamento: __________________________ Assinatura: _________________________

Recife, 29 de agosto de 2016

MENÇÃO GERAL: APROVADO

Coordenadora do Curso: Prof. Dr.

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

Agradeço ao Professor Doutor Leonardo Carneiro da

Cunha, cujo esmero e dedicação em minha

orientação foram fundamentais para a presente

pesquisa.

Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

“E eis que se levantou um certo doutor da lei,

tentando-o, e dizendo: Mestre, que farei para herdar

a vida eterna?

E ele lhe disse: Que está escrito na lei? Como lês?”

Lucas, 10:25,26

Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

LISTA DE ABREVIATURAS

AC – Apelação Cível

ACO – Ação Civil Originária

ADC – Ação Direta de Constitucionalidade

ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

AgR – Agravo Regimental

AgRg – Agravo Regimental

AI – Agravo de Instrumento

AL – Alagoas

AP – Amapá

Art. – Artigo

BA – Bahia

CC – Conflito de Competência

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CE – Ceará

CECA – Comunidade Europeia do Carvão e do Aço

CF – Constituição Federal

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CNJ – Conselho Nacional de Justiça

Coord. – Coordenador

CPC – Código de Processo Civil

CPPM – Código de Processo Penal Militar

d.c. – depois de Cristo

DF – Distrito Federal

DJ – Diário de Justiça

DJe – Diário de Justiça Eletrônico

DJU – Diário de Justiça da União

DOE – Diário Oficial do Estado

EC – Emenda Constitucional

Ed. – Edição

Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

ES – Espírito Santo

EUA – Estados Unidos da América

FPPC – Fórum Permanentes de Processualistas Civis

FNPP – Fórum Nacional do Poder Público

GO – Goiás

HC – Habeas Corpus

INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

IRDR – Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva

ISS – Imposto sobre Serviços

MA – Maranhão

MC – Medida Cautelar.

MG – Minas Gerais

Min. – Ministro

MS – Mandado de Segurança

Nº - Número

Org – Organizador

P - Página

Par. – Parágrafo

PE – Pernambuco

PI – Piauí

QO – Questão de Ordem

Rcl – Reclamação Constitucional

RE – Recurso Extraordinário

Rel – Relator

Repr - Representação

REsp – Recurso Especial

RIL – Revista de Informação Legislativa

RITJAM – Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Amazonas

RISTF – Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal

RISTJ – Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça

RITRF5 – Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região

RITSE – Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral

RITST – Regimento Interno Tribunal Superior do Trabalho

Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

RS – Rio Grande do Sul

SP – São Paulo

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

STM – Superior Tribunal Militar

TFR – Tribunal Federal de Recursos.

TJAM – Tribunal de Justiça do Amazonas

TJCE – Tribunal de Justiça do Estado do Ceará

TJPE – Tribunal de Justiça de Pernambuco

Trad. – Traduzido por

TER – Tribunal Regional Eleitoral

TRF – Tribunal Regional Federal

TRT – Tribunal Regional do Trabalho

TSE – Tribunal Superior Eleitoral

TST – Tribunal Superior do Trabalho

Úni. – Único

UNB – Universidade Nacional de Brasília

UNICAP/PE – Universidade Católica de Pernambuco

Vol. – Volume

Page 10: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

RESUMO

AZEVEDO, Gustavo Henrique Trajano de. Reclamação Constitucional: hipóteses

de cabimento no Código de Processo Civil brasileiro de 2015. 2016. Dissertação

(Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências

Jurídicas / FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016.

A reclamação aparece no CPC/2015 como uma ação originária de qualquer tribunal

brasileiro, com a tríplice finalidade de preservação de competência, garantia de

autoridade de decisões e controle dos precedentes dos tribunais. A reclamação,

portanto, sofre uma reformulação por parte do Direito Positivo, mediante um novo

desenho de seu tratamento legal, sobretudo porque amplia o cabimento para qualquer

tribunal brasileiro e ganha a importante função de assegurar a correta aplicação dos

precedentes obrigatórios. Essa nova formulação dada à reclamação pelo Direito

Positivo demanda novas pesquisas dogmáticas sobre o instituto. É necessário estudar a

analisar a reclamação mediante o método dogmático, conceituando-a e localizando-a

dentro Direito Processual Civil e da Teoria Geral do Processo. A presente pesquisa

intenta realizar um estudo dogmático da reclamação constitucional, compreendendo o

seu desenvolvimento histórico, sua natureza jurídica e suas hipóteses de cabimento.

Busca-se demonstrar a natureza de remédio constitucional da reclamação. Destina-se a

assegurar a integridade do Poder Judiciário. A tríplice função da reclamação relaciona-

se coma higidez dos tribunais. A primeira função – preservação de competência –

protege o direito constitucional ao juiz natural. A segunda função, garantir a

autoridade de decisões, assegura a cogência e imperatividade do Poder Judiciário. A

última e moderna função, controlar a aplicação de precedentes, adensa a igualdade e

segurança jurídica das decisões do Poder Judiciário, pois contribuem para que casos

semelhantes sejam tratados de forma igual. Por fim, realiza-se análise da reclamação

como instrumento adequado para controlar a aplicação de precedentes obrigatórios.

Palavras-chave: Reclamação constitucional; Dogmática jurídica; Ação constitucional;

Competência; Jurisdição; Autoridade de decisões; Precedentes judiciais.

Page 11: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

ABSTRACT

AZEVEDO, Gustavo Henrique Trajano de. Reclamation Action: functions in the

2015 Brazilian Civil Procedure Code. 2016. Dissertação (Mestrado em Direito) –

Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas / FDR,

Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2016.

As now found in the newly enacted CPC/2015 (Brazilian Civil Procedure Code), the

reclamation action can be presented to any Brazilian court. It has three main functions:

the preservation of a court's jurisdiction, the guaranty of its authority and the control of

its judicial precedents. Therefore, this new legal treatment not only widens the

applicability of the reclamation action to include every court in the country but it also

assigns to the reclamation action the relevant function of assuring the application of

binding precedents. This innovation in Brazilian civil procedure code makes new legal

research on the institution of the reclamation action necessary, so it can be properly

defined and have its range and boundaries within the Civil Procedural Law and the

General Theory of Procedural Law determined. In this paper, we study the legal theory

that supports the reclamation action, its historical development, legal nature and the

cases in which it is applicable. We argue that the reclamation action is essentially a

constitutional writ aimed at guaranteeing the judiciary's integrity. The three functions

of the reclamation action are deeply related to the judiciary integrity. The first function

– preservation of a court's jurisdiction – protects the constitutional right to a judgment

by a court with jurisdiction under the law. The second function – to guarantee the

application of decisions – makes sure that the rulings by the judiciary are in fact being

followed. The third and more recent function – to control the correct application of

judicial precedents – contributes to greater legal certainty and equality before the law,

since it ensures that similar situations are treated in a similar fashion. Finally, we

analyze the reclamation action as a means to control the application of binding

precedents.

Keyword: Reclamation action; constitutional writ; Legal dogmatic; Court's

jurisdiction; Jurisdiction; Decisions Authority; Judicial precedents.

Page 12: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

1

SUMÁRIO

LISTA DE ABREVIATURAS ................................................................................................. 7

RESUMO ................................................................................................................................. 10

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6

a. Objetivos, delimitação temática e premissas .............................................................. 7

b. Estruturação ................................................................................................................ 9

1. A importância do método dogmático para compreensão da reclamação ......... 11

1.1. Acepções da locução dogmática jurídica.................................................................. 11

1.2. A dogmática jurídica moderna ................................................................................. 13

1.2.1. O método dogmático ................................................................................................ 13

1.2.2. A dogmática jurídica moderna: características ......................................................... 14

1.2.3. A função de controle da dogmática jurídica moderna .............................................. 17

1.2.3.1. A função de controle da dogmática e a segurança jurídica ...................................... 20

1.3. A dogmática jurídica processual civil ...................................................................... 23

1.4. O antigo problema de fontes da reclamação ............................................................. 26

1.4.1. A antiga falta de solidez dogmática da reclamação .................................................. 26

1.4.2. A superação do problema de fonte da reclamação constitucional ............................ 29

1.4.2.1. As fontes do Direito .................................................................................................. 30

1.4.2.2. As fontes da reclamação constitucional: desenvolvimento dos centros produtores de

normas e de enunciados dogmáticos ........................................................................................ 32

1.4.2.2.1. A alteração das fontes formais da reclamação constitucional .................................. 34

1.5. Razões para o estudo dogmático das hipóteses de cabimento reclamação

constitucional ............................................................................................................................ 36

1.5.1. A previsão da reclamação no CPC/2015: necessidade de redução das incertezas ... 37

1.5.1.1. Ambiguidade e vagueza das hipóteses de cabimento: conceitos jurídicos

indeterminados ......................................................................................................................... 38

Page 13: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

2

1.5.2. A função de controle da dogmática jurídica em relação à reclamação .................... 41

1.5.2.1. A necessidade de segurança jurídica em relação à reclamação: uma questão de

metassegurança jurídica ............................................................................................................ 42

2. Genética da reclamação constitucional ................................................................ 45

2.1. A classificação história tradicional ........................................................................... 45

2.2. Nova proposta de classificação histórica: evolução da reclamação constitucional .. 47

2.2.1. Fase pré-constitucional ............................................................................................. 47

2.2.1.1. Surgimento da Reclamação ...................................................................................... 48

2.2.1.2. Consolidação ............................................................................................................ 53

2.2.2. Fase constitucional ................................................................................................... 54

2.2.2.1. Emenda Constitucional 45/2004: a súmula vinculante............................................. 56

2.2.2.2. Reclamação contra decisões dos juizados especiais cíveis ...................................... 57

2.2.2.3. Cabimento da reclamação em outros tribunais, fora o STJ e o STF ........................ 60

2.2.2.4. Cabimento de reclamação por ofensa à ratio decidendi (motivos determinantes) de

decisão proferida em controle concentrado de constitucionalidade ......................................... 63

2.2.2.5. Cabimento de reclamação por ofensa à ratio decidendi (motivos determinantes) de

decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade. .................................................. 68

2.2.2.6. O não cabimento de reclamação contra decisão que aplica indevidamente ou deixa

de observar a tese firmada em recurso extraordinário com repercussão geral ......................... 73

2.2.2.7. Um apanhado final da fase constitucional ................................................................ 76

2.2.3. Fase codificada ......................................................................................................... 78

2.2.3.1. A revogação da Resolução nº 12/2009 do STJ ......................................................... 79

2.2.3.2. O fim do debate sobre a competência dos Tribunais para julgar reclamação .......... 79

2.2.3.3. Aumento de reclamações como consequência da ampliação das hipóteses de

cabimento: a reclamação num tripé de writs constitucionais junto ao habeas corpus e ao

mandado de segurança .............................................................................................................. 80

2.3. A gênese sob uma perspectiva sociológica............................................................... 84

Page 14: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

3

2.3.1. A gênese sob uma perspectiva sociológica: as razões sociais da eleição da

reclamação como meio de impor a observância dos precedentes ............................................ 90

2.4. A reclamação constitucional no direito comparado ................................................. 95

2.5. Natureza jurídica da reclamação constitucional ....................................................... 99

2.5.1. Reclamação constitucional como medida administrativa ....................................... 102

2.5.1.1. Reclamação não se confunde com a correição parcial ........................................... 103

2.5.2. Reclamação constitucional como recurso............................................................... 104

2.5.3. Reclamação constitucional como exercício do direito de petição .......................... 107

2.5.4. Reclamação constitucional como incidente ............................................................ 111

2.5.5. Reclamação constitucional como ação ................................................................... 112

2.5.5.1. Reclamação constitucional como remédio constitucional ...................................... 113

2.5.5.2. Reclamação constitucional não é jurisdição voluntária .......................................... 116

3. Hipóteses de cabimento ........................................................................................ 119

3.1. A alteração do CPC/2015 antes da vigência: A Lei nº 13.256, de 4 de fevereiro de

2016. A vontade do legislador? .............................................................................................. 121

3.2. Tríplice função da reclamação constitucional ........................................................ 125

3.3. Demanda típica e de fundamentação vinculada: a causa de pedir na reclamação

constitucional .......................................................................................................................... 126

3.3.1. A causa de pedir próxima e remota na reclamação ................................................ 128

3.3.2. A indicação da hipótese de cabimento ................................................................... 132

3.3.3. Cumulação de hipóteses de cabimento ................................................................... 134

3.4. O grau de vagueza e ambiguidade das hipóteses de cabimento ............................. 136

3.5. Preservar competência de tribunal (CPC/2015, art. 988, I) .................................... 137

3.5.1. A hipótese de reclamação do TJAM: o cabimento de reclamação contra ato de

desembargador ........................................................................................................................ 144

3.6. Garantir autoridade das decisões de tribunal (CPC/2015, art. 988, II) ................... 146

Page 15: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

4

3.6.1. Interpretação autêntica da sentença como consequência da reclamação para garantir

autoridade de decisão.............................................................................................................. 154

3.7. Garantir a observância de precedentes ................................................................... 156

3.7.1. O rol do art. 988 do CPC/2015 é exaustivo? .......................................................... 159

3.7.2. Garantir observância de súmulas vinculantes e decisões de controle concentrado de

constitucionalidade (CPC/2015, art. 988, III)......................................................................... 161

3.7.3. Garantir observância de teses firmadas em casos repetitivos e em incidente de

assunção de competência (CPC/2015, art. 988, IV) ............................................................... 165

3.7.3.1. Cabe reclamação por ofensa do STF a precedente do STJ, em matéria federal? ... 169

3.7.4. O significado de “garantir a observância” de precedente: a reclamação como meio

útil à realização de distinção e reinterpretação do precedente................................................ 171

3.8. O caso da Rcl 4374/PE: reclamação que realizou overruling e revogou de decisão

em controle concentrado de constitucionalidade .................................................................... 176

3.9. O caso da súmula vinculante 10 do STF ................................................................ 181

4. Reclamação e as demandas repetitivas ............................................................... 184

4.1. O fenômeno da litigiosidade em massa .................................................................. 185

4.1.1. Fundamentos para tutela adequada das demandas repetitivas: isonomia, segurança e

eficiência 188

4.2. Microssistema de gestão e julgamento de casos repetitivos ................................... 190

4.3. Questões repetitivas ................................................................................................ 193

4.4. Reclamação repetitiva: a aplicação do Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas 198

4.4.1. Questões repetitivas processuais próprias da reclamação ...................................... 199

4.4.2. Questões repetitivas, processuais ou materiais, próprias de qualquer processo ..... 200

4.4.3. Questões repetitivas surgidas na reclamação em virtude da inobservância ou erro na

aplicação de precedente .......................................................................................................... 201

4.5. A escolha da reclamação paradigma ...................................................................... 205

4.6. Suspensão das demais reclamações ........................................................................ 207

Page 16: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

5

4.7. Síntese do capítulo .................................................................................................. 208

CONCLUSÕES ..................................................................................................................... 209

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 213

Page 17: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

6

INTRODUÇÃO

A reclamação constitucional é fruto de construção jurisprudencial do STF, durante

a segunda metade do século XX. Cuida-se de uma ação constitucional que surgiu, com base

na teoria dos poderes implícitos, destinada inicialmente à preservação das competências e à

garantia da autoridade das decisões do STF. Com a Constituição Federal de 1988, a

reclamação ganha assento constitucional, mantendo sua dupla função, porém sendo cabível

perante o STJ, além do STF.

Durante esse período histórico inicial da reclamação, os estudos eram escassos e a

jurisprudência – principal responsável por sua entrada no ordenamento jurídico – era vacilante

e insegura, ou seja, não conseguia delimitar os seus contornos dogmáticos. Ademais, era

menor a quantidade de reclamações ajuizadas no STF e STJ. Assim, a reclamação não

encontrava nas fontes, formais e materiais, do direito substrato teórico suficiente para

delimitar seus contornos dogmáticos.

Porém, gradualmente, surgem novas fontes – formais e materiais – em relação à

reclamação constitucional. São inovações legislativas, constitucionais e infraconstitucionais,

novas pesquisas doutrinárias de destaque sobre o tema, e importantes debates travados no STF

sobre o instituto. Igualmente, aumenta-se significativamente o número de reclamações no STJ

e STF em relação a anos anteriores.

A nova ordem jurídica constitucional redesenhou as competências dos tribunais e

o próprio Poder Judiciário, além de criar o STJ como Guardião da Lei Federal. Houve uma

evolução no controle concentrado de constitucionalidade, despontando a reclamação como

ação destinada a garantir a autoridade dos dispositivos de decisões proferidas em ADIn, ADC

e ADPF. A reclamação, com a EC 45/2004, tornou-se um instrumento adequado para garantir

a observância de súmulas vinculantes. Por outro lado, passa a ser admissível contra decisões

de juizados especiais cíveis que afrontassem jurisprudência consolidada do STJ.

Outas discussões sobre o cabimento da reclamação são travadas no STF, a

exemplo: (a) por ofensa à ratio decidendi (motivos determinantes) de decisão proferida em

controle concentrado de constitucionalidade; (b) por ofensa à ratio decidendi (motivos

determinantes) de decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade; e, (c) o não

cabimento de reclamação contra decisão que aplica indevidamente ou deixa de observar a tese

firmada em recurso extraordinário com repercussão geral. Tais discussões giravam em torno

Page 18: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

7

da admissibilidade da reclamação para garantir a autoridade de precedentes do STF e, ao fim,

o STF compreendeu que não se prestava a esse fim.

Esses fatos – em conjunto – contribuíram para o amadurecimento dogmático da

reclamação, principalmente no que toca suas hipóteses de cabimento. A reclamação deixa de

ser uma ação pouco vista na prática e aumenta, vertiginosamente, sua quantidade perante o

STF e STJ. Adensam-se as fontes formais e materiais da reclamação, que contribuem para

compreensão de suas hipóteses de cabimento.

Atualmente, a reclamação é um dos pilares do sistema de precedentes obrigatórios

erigido pelo CPC/2015. É o meio adequado, em qualquer tribunal, para o controle da

aplicação de alguns dos precedentes obrigatórios. Além das antigas funções, a reclamação

destina-se a assegurar a observância de: ratio decidendi de decisão do STF em controle

concentrado de constitucionalidade; tese jurídica em acórdão proferido em julgamento de

incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) ou de incidente de assunção de

competência (IAC); e, tese jurídica de acórdão proferido em recursos especial e

extraordinário repetitivos, dês que esgotadas as instâncias ordinárias.

O CPC/2015 amplia as hipóteses de cabimento da reclamação constitucional. O

texto permite visualizar três funções bem definidas da reclamação: preservação de

competência, garantia da autoridade de jugados e asseguração da observância de precedentes

obrigatórios.

Por outro lado, a reclamação – com o CPC/2015 – passa ter intima relação com o

julgamento de casos repetitivos. É que o IRDR e os recursos excepcionais repetitivos

destinam-se à gestão de casos repetitivos e à formação de precedentes obrigatórios, ao passo

que a reclamação serve ao controle da aplicação desses precedentes obrigatórios. Num

contexto de litigiosidade em massa, a reclamação é um elemento lateral do sistema de gestão

e julgamento de casos repetitivos, uma vez que serve para garantir o controle dos precedentes

formados lá formados, concedendo racionalidade à prestação jurisdicional.

a. Objetivos, delimitação temática e premissas

O objetivo do presente trabalho é compreender – partindo da tríplice função da

reclamação constitucional – o significado presente das hipóteses de cabimento. A pesquisa

busca responder o que significa, atualmente, diante da modelagem processual do CPC/2015,

preservar competência, garantir a autoridade de jugados e assegurar a observância de

Page 19: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

8

precedentes obrigatórios. Busca-se compreender, dogmaticamente, o conteúdo das hipóteses

de cabimento da reclamação.

O instituto não mais se restringe apenas às hipóteses de cabimento contidas na

Constituição Federal (CF/1988, art. 102, I, l, art. 103-A, §3º, e 105, I, f ). O rol do art. 988 do

CPC/2015 as amplia consideravelmente, além de fixar competência para qualquer tribunal

brasileiro apreciá-la. Passa a ser ação de competência originária de todos os tribunais.

Importante e relevante, pois, pesquisar as hipóteses de cabimento da reclamação.

Isso fica mais claro quando se percebe que o CPC/2015 sepultou algumas

discussões sobre o cabimento da reclamação. Mais precisamente, o CPC/2015 é explícito que

a reclamação serve para garantir observância de precedentes, o que fora anteriormente

rechaçado pelo STF. Não mais se discute se a reclamação serve ou não para garantir a

observância de precedentes. O que o presente trabalho pretende delimitar é o que significa

“garantir a observância” de precedentes; qual o alcance dessa locução para fins de propositura

de reclamação.

Igualmente, busca-se delimitar o significado de “preservação de competência” e

“garantir autoridade de decisões”. Com o CPC/2015, há alteração do significado dessas

locuções? “Preservar a competência” do STJ ou do STF possui o mesmo significado de

“preservar a competência” de outro tribunal? “Garantir a autoridade” do STJ ou do STF

possui o mesmo significado de “garantir a autoridade da competência” de outro tribunal?

Quais casos há usurpação de competência e afronta à autoridade dos julgados, de modo a

permitir o ajuizamento da reclamação.

Após explicar o significado das hipóteses de cabimento da reclamação, também

será feita uma explanação da relação entre o julgamento de casos repetitivos, a formação de

precedentes obrigatórios em IRDR e em recursos excepcionais repetitivos e a reclamação

constitucional. É que a hipótese de cabimento para assegurar a observância de acórdão

proferido em IRDR e recursos excepcionais repetitivos pode fazer proliferar a quantidade de

reclamações com pretensões semelhantes. São reclamação que impugnam o erro ou

inobservância desses precedentes. É o que se denomina de reclamação repetitiva.

Toda essa análise será feita, partindo do método dogmático de pesquisa, sobre três

premissas básicas. A primeira delas é que os textos normativos são vagos e ambíguos,

permitindo inúmeras interpretações, o que implica certo grau de insegurança jurídica. A

segunda é que a dogmática jurídica, mediante sua função de controle, é capaz de aumentar a

Page 20: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

9

segurança jurídica, reduzindo as incertezas em relação às intepretações. A terceira é que as

hipóteses de cabimento da reclamação, exatamente por serem textos normativos, possuem

certo grau de vagueza e ambiguidade, viabilizando várias intepretações de seus significados.

Assim, ao tentar compreender o significado das hipóteses de cabimento da

reclamação importa, na verdade, em reduzir as interpretações possíveis do texto normativo, o

que – ao cabo – contribui para adensar o grau de segurança jurídica da própria reclamação.

b. Estruturação

O presente trabalho é dividido em quatro capítulos.

O primeiro deles busca demonstrar a importância da dogmática jurídica no estudo

da reclamação. Mais precisamente, é feita uma exposição da relevância da dogmática jurídica

no estudo do Direito Processual Civil, principalmente como sua função de controle de

consistência de interpretações contribui para aumentar a segurança jurídica. Ainda se

demonstra a importância de um estudo dogmático da reclamação, de modo a reduzir as

incertezas em seu entorno.

No segundo capítulo expõe-se a genética da reclamação. De início, faz-se uma

exposição histórica do instituto. A reclamação é fruto de construção jurisprudencial. Nasceu

no seio do próprio STF. A sua compreensão como um todo pressupõe que se conheçam o

modo e as razões de seu surgimento. Para entender a reclamação e tratar com coerência suas

hipóteses de cabimento, é preciso conhecer como e porque surgiu dentro do STF, incluindo o

seu desenvolvimento histórico inicial.

Ainda é importante a exposição histórica para saber como foi o desenvolvimento

do instituto. De uma ação que antes era pouco utilizada a uma ação ajuizada em grande

quantidade no STF e STJ. Entender antigos debates sobre a reclamação, perante o STF, que

contribuem para compreende as atuais hipóteses de cabimento.

Ainda no segundo capítulo é realizada a exposição da natureza jurídica da

reclamação. É que se cuida de um tema que não foi pacificado na jurisprudência, tampouco é

possível afirmar que o CPC/2015 sepulte tal discussão. É relevante saber a natureza jurídica

de um instituto, pois implica identificar o regime jurídico aplicável. Defende-se que a

reclamação é uma ação constitucional.

Page 21: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

10

No terceiro capítulo, é realizada uma leitura das hipóteses de cabimento da

reclamação constitucional. Coloca-se a reclamação como uma demanda típica e de

fundamentação vinculada. Aponta-se qual é causa de pedir numa demanda reclamatória e a

possibilidade de cumulação de hipóteses de cabimento. Após, é feita uma análise de cada

umas delas, buscando delimitar o seu significado e limites. A pergunta que será respondida no

terceiro capítulo é: Qual o significado e alcance de “preservar competência”, “garantir

autoridade” de decisões e “garantir observância” de precedentes? Quando ocorre casa uma

dessas hipóteses?

No quarto e último capítulo, é feita uma breve análise do contexto de litigiosidade

de massa para, depois, explicar a íntima relação entre o julgamento de casos repetitivos e a

reclamação constitucional. Explica-se como a hipótese de cabimento da reclamação para

assegurar a aplicação dos precedentes, formados em casos repetitivos, pode tornar a

reclamação também repetitiva.

Page 22: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

11

1. A importância do método dogmático para compreensão da reclamação

1.1. Acepções da locução dogmática jurídica

Na linguagem comum dos juristas, a locução dogmática jurídica é utilizada com

acepções inconstantes e equívocas1. Existem variadas publicações que falam de dogmática

jurídica, porém não existe univocidade quanto ao significado do termo, o que dificulta o

entendimento do papel da dogmática jurídica e o seu respectivo discurso argumentativo2. Tal

problema semântico, inclusive, reflete na dogmática processual civil.

Riccardo Guastini afirma que a locução dogmática jurídica é usada pelo menos

em três acepções: (i) o primeiro sentido, amplamente genérico, refere-se à ciência jurídica, no

caso, denota o estudo doutrinário do Direito; (ii) o segundo sentido, menos genérico, cuida

não da doutrina jurídica em si, mas de um estilo doutrinário específico, ou particular; e, (iii) o

terceiro sentido denota um subsetor da doutrina, não a doutrina jurídica em si ou um estilo

doutrinário específico, mas uma parte da doutrina que se dedica ao estudo e à elaboração de

dogmas jurídicos3-4.

As três acepções, embora distintas, estão ligadas por uma origem comum.

Descarta-se, para a presente pesquisa, a última acepção, já que denota um subsetor de doutrina

que se dedica à elaboração de dogmas jurídicos em sentido estrito, sendo atualmente pouco

relevante e mais raro, remontando inclusive ao pensamento jurídico do Direito Medieval, de

influência helênica (Aristóteles e Platão) e cristã (Tomás de Aquino) 5-6. Os dogmas da Idade

1 Segundo Miguel Reale: “É deveras sintomático que o conceito de Dogmática Jurídica tenha se convertido num

dos mais problemáticos e polêmicos da Epistemologia Jurídica contemporânea” (Em: REALE, Miguel. O

Direito como experiência. Introdução à epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 123). 2 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 163.

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação

jurídica. 2ª ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 244. 3 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 164-165. 4 Há autores que fazem a distinção entre alta dogmática e baixa dogmática. A alta dogmática seria a parte da

descrição do direito que elabora conceitos jurídicos mais sofisticados, complexos e de maior alcance. Já a baixa

dogmática limita-se a interpretar as normas a um menor nível de abstração. A alta dogmática é exercida pelos

acadêmicos, já a baixa pelos juízes e demais juristas nas atividades de aplicação do direito (GUASTINI,

Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 165; JORI, Mario; PINTORE, Anna. Manuale di teoria generale del

diritto. Torino: Giappichelli, 1988. p. 113). 5 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 34. 6 Cumpre registrar que o termo “medieval” não foi usado de forma pejorativa. É apenas uma referência temporal,

pois é à Idade Média que o pensamento dogmático remonta, longinquamente, sendo marcantes os estudos em

Bolonha, durante o século XI, influenciados pelo pensamento aristotélico, platônico e escolástico (WIEACKER,

Franz. História do Direito Privado Moderno. 4ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2010, p. 38-52).

Page 23: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

12

Média eram misto de poder e autoridade – seculares e teológicos7 – baseados principalmente

no Corpus Juris Civilis de Justiniano.

Já as duas primeiras acepções – dogmática como doutrina e como estilo

doutrinário específico – são mais significativas e acabam por se confundir.

A dogmática como doutrina denota a ciência jurídica por excelência8. Cuida-se

do estudo doutrinário do Direito. É nesta acepção que, atualmente, a locução dogmática

jurídica é mais utilizada9. Deve-se entender por dogmática jurídica, portanto, a ciência do

Direito em sentido mais estrito e próprio. Como explica Robert Alexy, a dogmática como

ciência é, em síntese, uma mescla de, não menos, que três atividades: (i) a descrição do direito

vigente; (ii) sua análise sistemática e conceitual; e, (iii) formulação de propostas para a

solução de casos jurídicos problemáticos10.

Na última acepção, a dogmática jurídica significa um estilo ou método doutrinário

próprio e peculiar. Contudo, essa forma de uso da expressão está caindo em desuso (com

exceção das pesquisas históricas), exatamente porque o método dogmático está tão enraizado

na cultura jurídica dos países de civil law que se generalizou como a própria doutrina. Não é

mais percebido como um estilo doutrinário particular, mas sim com a própria doutrina dita

dogmática11. Entende-se por dogmática jurídica “a atitude predominante na chamada

“ciência do direito” tal como se mostra em nossa época”12.

7 Nelson Saldanha afirma que a secularização (racionalização ou laicização) do pensamento jurídico não excluiu

o componente teológico, que ainda é encontrado na ciência jurídica contemporânea, ou seja, a dogmática jurídica

atual ainda é dominada, parcialmente, pelo teológico. Tal fato é observável no formalismo do direito, quase que

litúrgico, passado da Igreja para as Universidades e para a Burocracia (SALDANHA, Nelson. Da Teologia à

Metodologia: secularização e crise do pensamento jurídico. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 31-38). 8 No presente trabalho, não se adentra o debate se o estudo do Direito cuida-se de ciência. Entendendo ser

possível o estudo científico do Direito: VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do Direito

positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 127-133; KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad.

João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 79; RADBRUCH, Gustav. Filosofia do

Direito. Trad. Marlene Holzhausen. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 161-162; FERRAZ JUNIOR, Tercio

Sampaio. A ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1977. Lourival Vilanova afirma que a Ciência do Direito (ou

dogmática do direito positivo) delimita seu campo de conhecimento, possui unidade metodológica, teoriza sua

finalidade e articula proposições sistemáticas sobre o seu campo de conhecimento, portanto seria um estudo

científico. Negando a cientificidade da dogmática jurídica: WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao Direito:

a epistemologia jurídica da modernidade. Trad. José Luiz Bolzan. Porto Alegre: SAFE, 1995, v. 2, p. 383-389.

Warat nega a cientificidade da dogmática jurídica porque não é sistemático o suficiente, não é capaz de delimitar

seu próprio objeto e as decisões se justificam arbitrariamente, independente de consistência, arbitrariedade e

racionalidade. 9 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 163. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica,

cit., p. 244. 10 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 245. 11 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 169. 12 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São Paulo: Saraiva,

2002. p. 30.

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

13

Então, a dogmática jurídica como ciência jurídica e como estilo doutrinário

específico se confundem, porque o método dogmático se estendeu profusamente e se tornou o

método de pesquisar o direito por excelência. Quando se fala, portanto, em dogmática

jurídica, a referência que se faz é à ciência jurídica enquanto doutrina, que utiliza um método

específico de estudo do Direito, no caso, o método dogmático.

1.2. A dogmática jurídica moderna

1.2.1. O método dogmático

Em breves linhas, é preciso introduzir o método dogmático para, mais a frente,

explicar a sua importância para a reclamação constitucional.

Tem-se por dogmática jurídica moderna13 a ciência do direito que se propõe a

analisar, conceituar e sistematizar, mediante método específico, o Direito vigente14. E a

dogmática não busca conferir uma ordenação qualquer ao Direito vigente ou à disciplina

legislativa, que já possui uma ordenação própria, principalmente os diplomas codificados.

Busca uma ordenação que se sobreponha a do legislador15. Uma sistemática diferente

elaborada pelo intérprete, sob método próprio com pretensões científico-racionais: uma

ordenação específica da dogmática jurídica.

Partindo da análise das normas jurídicas (que são o seu objeto), a dogmática

jurídica procura uma ordenação dos fenômenos jurídicos encontrados em conceitos gerais. A

dogmática exige um trabalho de lógica e técnica jurídica, por meio do qual se realizam

operações de análise e síntese, de dedução e indução, sobre o direito vigente (ou seja, sobre as

normas jurídicas), cujo resultado é uma série de conceitos sistematizados e servíveis para

ordenar e orientar o ensino das disciplinas e a atividade do jurista, em busca de soluções de

13 O termo “modernidade” refere-se à dogmática jurídica dos séculos XX e XXI. É adjetivo de dimensão

temporal para contemplar a dogmática atual em contraponto à das Idades Antiga, Média e século XIX

(LUHMANN, Niklas. Observaciones de la modernidad: racionalidad y contingencia en la sociedad moderna.

Barcelona: Paidós, 1997. p. 16-17). Miguel Reale trata do direito moderno em três fases. A primeira vai da

Revolução Francesa até o fim do século XIX. A segunda e a terceira pertencem ao século XX (REALE, Miguel.

Nova fase do Direito moderno. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p.95-129). A “modernidade” que o trabalho

refere-se corresponde a segunda e terceira fases descritas por Miguel Reale. 14 Tercio Sampaio Ferraz Jr. afirma que o Direito positivo não é objeto único da dogmática. A positivação é o

problema central da dogmática jurídica. Em torno do Direito positivo que gravita a dogmática, porém se debruça

também sobre outros objetos, a exemplo da questão da decidibilidade de todos os casos concretos surgidos

(FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 81-82). 15 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 170.

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

14

casos jurídicos16. A partir desses conceitos abstratos, reunidos em torno de institutos17, são

desenvolvidos novos conceitos, também de forma sistematizada, com o intuito de adequação e

suficiência totalizante para resolução de casos jurídicos. Conceitos são provenientes de

conceitos prévios e assim por diante.

Robert Alexy, ao tratar da argumentação jurídica dogmática, afirma que o jurista

dogmático exerce, ao menos, três atividades. A descrição do direito vigente, a sua análise

sistemática e conceitual, e elaboração de propostas para solução de casos jurídicos

problemáticos. “A dogmática tem então três tarefas: (1) a análise lógica dos conceitos

jurídicos, (2) a recondução desta análise a um sistema, e (3) a aplicação dos resultados desta

análise na fundamentação das decisões jurídicas”18.

Daí se percebe que a dogmática sabe bem de onde parte e aonde deseja chegar.

Ela parte da análise dos conceitos abstratos encontrados nas normas jurídicas do direito

vigente para, ao cabo, fundamentar decisões jurídicas, sejam de casos judiciais ou

extrajudiciais19. Entre a análise inicial dos conceitos abstratos e a tomada final de decisões, o

método atravessa um momento, quiçá o mais complexo da dogmática, consistente na

sistematização dos conceitos de forma orgânica.

Porém, a principal importância do método dogmático é sua orientação para

resolver os casos jurídicos concretos. É aonde deseja chegar. Todo o método dogmático é

conduzido para solucionar litígios. Há a vedação ao non liquet e, igualmente, um caminho

orientado para decidir conflitos. Por mais difícil que seja o problema posto, a dogmática

jurídica irá solucioná-lo. Cuida-se da última etapa da atividade dogmática: a aplicação dos

conceitos jurídicos aos casos concretos como forma de solucioná-lo.

1.2.2. A dogmática jurídica moderna: características

16 STRENGER, Irineu. Da dogmática jurídica: contribuição do Conselheiro Ribas à dogmática do Direito Civil

brasileiro. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 63. 17 Para o termo “instituto jurídico”, é importante a lição: “O Direito é concebido como um fenômeno que aponta

para certas estruturas, as quais revelam uma certa articulação natural, uma certa normatividade própria.

Costuma-se empregar a respeito delas – e lembramos Savigny – o termo instituto jurídico, não com o

significado por aquele autor, mas com o significado positivista de complexo de normas” (FERRAZ JR., Tercio

Sampaio. Função social da dogmática jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 77). 18 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 247. 19 “Extrajudicial” porque o Direito não é privilégio do Poder Judiciário. Um delegado, um julgador

administrativo, um fiscal da Receita Federal do Brasil, um membro do Ministério Público, todos eles tomam

decisões jurídicas extrajudiciais.

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

15

A dogmática, partindo do Direito vigente, elabora conceitos para solucionar casos

jurídicos. Das atividades da dogmática extraem-se suas duas principais características: a

inegabilidade dos pontos de partida (de onde parte) e a obrigatoriedade de decidir ou

vedação ao non liquet (aonde chega)20.

A inegabilidade dos pontos de partida (de onde parte) significa que um

argumento é juridicamente aceitável ao passo que se embasa em norma jurídica do sistema, já

que a norma é o dogma prefixado do sistema jurídico. O intérprete – dogmático – parte das

normas do sistema, sem as negar, para encontrar os conceitos jurídicos e resolver o respectivo

caso. As fontes das normas e as próprias normas são dogmas prefixados; são os pontos de

partida inegáveis da dogmática jurídica.

A ciência do Direito não pode negar as bases sobre quais se assenta, sob pena de

negar a si própria. As normas não podem ser negadas. São os dogmas da ciência jurídica. Isso

não implica que é vedado recusar uma ou outra norma, mas sim que uma norma jurídica

apenas pode ser rejeitada em virtude de outra norma também jurídica21-22. Mais precisamente,

a dogmática jurídica parte das normas, mas não se limita a copiá-las; depende de que estejam

postas para tomar sua própria interpretação.

“A inquestionabilidade dos pontos de partida, contudo, não significa que os

dogmas jurídicos sejam interpretações estáticas de conduta social, uma vez que eles precisam

ser constantemente revistos a fim de acompanhar a mutabilidade inerente àquela conduta.”23

Em síntese, a dogmática jurídica não significa pura estática do Direito. Ao contrário, a

sistematização é fruto de interpretação dinâmica das normas jurídicas. A sistematização dos

conceitos e argumentos garante o processo de revisão e atualização, dês que dentro dos limites

fixados pelas próprias normas jurídicas.24

20 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica, cit., p. 215-218. 21 “A dogmática jurídica tem como dogma prefixado a norma jurídica. Tal dogma constitui-se de determinadas

interpretações da realidade que não devem ser questionadas e, caso o sejam, devem ater-se aos parâmetros

fixados pelas próprias normas jurídicas” (ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica, cit., p. 31). 22 Daí os três critérios – hierárquico, temporal e especialista – para solução de antinomias dentro do ordenamento

(BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. 6ª ed.

Brasília: UNB, 1995. p. 91-97). 23 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica, cit., p. 31. 24 “Isto significa que a dogmática se garante contra a mutabilidade das relações de fato através de seu próprio

distanciamento deste suposto fático, o que lhe fornece um novo campo de ação, por assim dizer,

autodeterminável. Em lugar de funcionar como uma prisão, o dogma jurídico e seus processos integradores

específicos formam a ponte para uma nova realidade, ou seja, a dogmática jurídica não se limita a copiar a

norma que lhe é imposta, apenas depende da existência prévia desta norma para interpretar sua própria

vinculação” (ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica, cit., p. 32).

Page 27: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

16

A segunda característica da dogmática é a obrigatoriedade de decidir ou vedação

ao non liquet (aonde chega). É a questão da decidibilidade.

Com o advento da modernidade, o Estado passa a monopolizar o poder, entendido

como força. Detentor de toda a soberania, o Estado é o depositário da coação legítima.25 O

Direito se torna válido para todos. Não é mero desejo do indivíduo, mas uma possibilidade

amparada por um poder criado em benefício de todos, o Poder Judiciário26.

Sendo o Poder Judiciário preordenado para prestar a tutela jurisdicional, como

dever jurídico do Estado27, deve decidir todos os casos jurídicos. O mais difícil dos casos

jurídicos deverá ser guarnecido pelo Direito28. Não é possível deixar sem solução um caso

jurídico. O Estado detém o monopólio da justiça e possui como dever atender a todos. Logo,

todo conflito colocado perante o juiz deverá ser resolvido. A dogmática jurídica, portanto,

possui como característica a obrigatoriedade de decidir, ou vedação ao non liquet, já que o

Estado é responsável por tentar manter a pacificação social e detentor do Direito válido e

legítimo.

É até curioso observar que a vedação ao non liquet, além de ser uma característica

da dogmática jurídica, também é um dogma. É um ponto de partida inquestionável. Quando

se interpreta as normas jurídicas, parte-se do dogma de que será obrigatório decidir. Assim, a

vedação ao non liquet faz parte do início e do fim da atividade dogmática. Faz parte do início

(de onde parte), pois é dogma; é ponto de partida inquestionável que será obrigatório decidir.

Faz também parte do fim (aonde chega), já que encerra a atividade dogmática, quando o caso

jurídico é finalmente solucionado. É possível enxergar, portanto, uma relação de circularidade

na atividade dogmática.

25 BONAVIDES, Paulo. Do estado social ao estado liberal. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 41. 26 “O direito aparece, então, como princípio racional, genérico, válido para todos, desde o momento em que

deixa de ser mera pretensão, nas relações entre indivíduos, como acontece no status naturalis, para se converter

em possibilidade, como ocorre no status civilis, amparado já por um poder externo, inviolável, tutelar, criado

em benefício de todos, a saber, o Estado-instituição.” (BONAVIDES, Paulo. Do estado social ao estado liberal,

cit., p. 112) 27 “Entenda-se por função estatal a expressão do poder estatal, enquanto preordenado às finalidades de

interesse coletivo e objeto de um dever jurídico (...) (i) função normativa – de produção de normas jurídicas

(=textos normativos); (ii) função administrativa – de execução das normas jurídicas; (iii) função jurisdicional –

de aplicação das normas jurídicas” (GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o Direito pressuposto. 8ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2011. p. 233-234). 28 Até os casos mais difíceis (“hard cases”) devem ser solucionados: “mesmo quando nenhuma regra regula o

caso, uma das partes pode, ainda assim, ter o direito de ganhar a causa. O juiz continua tendo o dever, mesmo

nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das partes” (DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a

sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 127).

Page 28: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

17

1.2.3. A função de controle da dogmática jurídica moderna 29

A função de controle exercida pela dogmática jurídica é uma das mais relevantes.

É que o controle do Direito é necessário para manutenção da ordem jurídica. O Direito

demanda segurança jurídica30. O Direito, exatamente por ser linguagem, é incerto. A

dogmática jurídica, portanto, torna controláveis as incertezas do Direito. O método

dogmático é capaz de adensar a segurança jurídica, pois contribui para tornar o Direito

cognoscível e calculável.

A função de controle é tão relevante que Tercio Sampaio Ferraz Jr. afirmou que a

função social da dogmática jurídica é, exatamente, o controle da contingência da aplicação

das normas jurídicas31.

A função de controle significa que a dogmática jurídica é capaz de controlar a

consistência das decisões32. Afirmar que a dogmática possui a função de controle implica

dizer que é capaz de reduzir as incertezas da linguagem jurídica. Reduz as incertezas da

aplicação do direito. Permite diminuir a contingência das decisões jurídicas. Controla a

consistência das decisões33.

Explica-se. A linguagem jurídica é expressa por símbolos. Mais precisamente, a

norma é expressa por símbolos, como explica Adeodato34. Exprimem-se as normas jurídicas

mediante símbolos, em ampla acepção, que podem ser gestos, palavras, texto, mímica, sinais

ou dados linguísticos de uma forma geral. Os dados linguísticos (significantes) servem para

transmitir informações35 (significado). Contudo, entre o significante e o significado existe um

29 De acordo com Robert Alexy, das duas principais características da dogmática jurídica, podemos identificar

seis funções: (a) estabilização; (b) progresso; (c) descarga; (d) técnica; (e) heurística; e, (f) controle. (ALEXY,

Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 258). Tercio Sampaio Ferraz Jr. aponta apenas 4 (quatro)

funções da dogmática jurídica: previsão, heurística, organizatória e avaliativa. (FERRAZ JR., Tercio Sampaio.

Função social da dogmática jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 119). Muito embora não indique controle

como função da dogmática, em sua tradicional obra “Função social da dogmática jurídica”, discorre

proveitosamente sobre o controle realizado pela dogmática (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da

dogmática jurídica., cit., p. 92-97). 30 Segurança jurídica possui variadas acepções e perspectivas em relação ao Direito, exatamente porque o ideal

de segurança jurídica permeia o Direito em sua completude. É tal qual o lubrificante para que o motor funcione

adequadamente.. 31 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica, cit., p. 97. 32 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica, cit. p. 97. 33 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 261. 34 ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. 2ª ed. São Paulo:

Noeses, 2014. p. 202. 35 “O termo |informação| possui dois sentidos fundamentais: (a) significa uma propriedade estatística da fonte,

ou seja, designa a quantidade de informação que pode ser transmitida; (b) significa uma quantidade precisa de

informação selecionada que foi de fato transmitida e recebida” (ECO, Umberto. Tratado geral da semiótica. 4ª

ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 33).

Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

18

abismo, uma incompatibilidade traduzida na vagueza e ambiguidade, cuja consequência é a

dificuldade de aplicação da norma jurídica ao caso concreto.

Elementar a explicação de Marcelo Neves:

A esse respeito, cabe considerar o problema da ambiguidade (na conotação) e vagueza (na

denotação) do texto normativo. A primeira significa que as disposições, em particular as

constitucionais, não são unívocas, ou seja, ao menos prima facie, podem ser-lhes atribuídos

mais de um significado. Isso significa a possibilidade de que mais de uma norma possa ser

“extraída” de uma mesma disposição normativa ou, mais precisamente, atribuída a esta. Por

sua vez, a vagueza refere-se à imprecisão em definir quais são os referentes da norma, ou

seja, a indeterminação dos limites do âmbito dos fatos jurídicos e respectivos efeitos

jurídicos que estão previstos na disposição normativa e, pois, na norma. Às vezes, superada

a ambiguidade (determinou-se o significado da disposição normativa e, portanto, já se

definiu a norma a aplicar), ainda assim surgem problemas de vagueza, tento em vista a

dificuldade de determinar quais os fatos que se enquadram na respectiva norma. Dessa

maneira, por exemplo, mesmo que seja delimitado claramente o sentido de “pluralismo

político” nos termos do art. 1.º, inciso V, da Constituição Federal, persistirá a dificuldade

em determinar quais as situações fáticas em que um partido extremista deve ser considerado

uma ameaça ou um perigo para o pluralismo jurídico. Precisa-se, portanto, de uma

“interpretação dos fatos” para que se supere a vagueza para o caso concreto e a norma

possa ser aplicada.

Para a superação da ambiguidade de disposições normativas, é fundamental a interpretação

do respectivo texto. Para a superação da vagueza e a aplicação normativa a um caso

concreto, vai-se além, desenvolvendo-se um amplo processo seletivo de concretização da

norma.36

A ambiguidade e vagueza da linguagem jurídica tornam o Direito incerto. A

priori, não se sabe exatamente qual o significado do texto normativo, pois é ambíguo.

Igualmente, não se sabe quais são os fatos atingidos pela referida norma jurídica, pois é vago.

A aplicação da norma jurídica se traduz em incerteza. Desde o significado do

texto normativo (ambiguidade) até a determinação dos fatos que devem ser solucionados pela

mesma norma extraída do texto (vagueza). Existem, portanto, diversas soluções, bem distintas

umas das outras, que podem ser dadas aos casos concretos, a depender da interpretação

adotada.

Dessa forma, é possível afirmar que a incerteza do Direito é fruto de uma dupla

contingência. Os dois polos da aplicação da norma jurídica adquirem caráter contingente: (i)

de um lado, não se sabe exatamente qual o sentido da norma jurídica, em virtude da

36 NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules. Princípio e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes,

2013. p. 6-7.

Page 30: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

19

ambiguidade do texto normativo; (ii), por outro lado, não se conhece quais fatos são

enquadrados na norma jurídica. Não se sabe quais os fatos juridicamente relevantes para fins

de aplicação da norma jurídica, por conta da vagueza do texto normativo.

Observamos, nesse sentido, que a Dogmática surge, na relação de aplicação, quando os seus

dois polos adquirem um caráter contingente. De um lado, em temos de tomada de decisão,

os casos podem ou não existir, podem ser interpretados de um modo ou de outro. E de

outro, com o fenômeno da positivação, as próprias normas podem postas desta ou daquela

maneira. Ora, quando ambos os polos da relação ficam contingentes, a própria relação de

aplicação se torna contingente, pois ficamos obrigados a reconhecer que não há só uma,

mas várias possibilidades de se aplicar o Direito. Surge daí a necessidade socialmente

fundada de um instrumento estabilizador dessa dupla contingência, na forma de critérios de

relacionamento da relação de aplicação. Esse instrumento é a dogmática jurídica.37

A dupla contingência, inevitavelmente, cria incertezas. E a dogmática jurídica

torna as incertezas controláveis.

É preciso superar a ambiguidade e vagueza do texto normativo mediante

interpretação, porém inúmeras interpretações podem ser elaboradas. Exatamente aí que

desponta o método dogmático como controlador das incertezas.

A dogmática jurídica contribui para superar a vagueza e a ambiguidade do texto

normativo de forma controlável, mediante seu método, que cria conceitos sistemáticos, por

meio de enunciados em torno de institutos. Uma dada interpretação de um texto normativo

será aceitável quando possível comprovar sua compatibilidade lógica com os enunciados

dogmáticos38. A interpretação é aceitável se estiver de acordo com os padrões dogmáticos.

Não é qualquer interpretação que será aceita, mas aquelas que possuam

compatibilidade lógico-sistêmica com os demais enunciados acerca do instituto interpretado.

Não se quer dizer que apenas uma única interpretação é válida. Várias interpretações são

válidas, dês que sejam todas comprováveis pelo método dogmático39. Portanto, a dogmática

jurídica não reduz a zero as incertezas (ou seja, transforma-as em certeza), mas apenas as

torna controláveis mediante aferição da consistência das decisões.

37 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica, cit., p. 96. 38 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 262. 39 Igualmente não se pode ter a ilusão do estudante de direito, que acredita ser possível criar sua própria

interpretação desprovida de método. Como explica Tercio Ferraz Sampaio Jr: “Não é por acaso que o estudante

de Direito, que principia sua formação se surpreende com o número de teorias que um texto legal pode sugerir

ao ser interpretado, o que lhe dá, quando ainda não domina as técnicas dogmáticas, a impressão de estar

tratando com meras opiniões, o que o anima a construir ingenuamente a sua própria interpretação. Na

realidade, a visão é falsa, como ele logo aprende, quando percebe que as incertezas estão referidas às

incertezas da interpretação, onde elas se tornam mais amplas, mas, ao mesmo tempo, controláveis. (FERRAZ

JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica, cit., p. 95).

Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

20

Em resumo: a aplicação do Direito é duplamente contingente. Não se sabe, a

priori, qual o significado de um texto normativo (primeira contingência fruto da

ambiguidade). Igualmente não se sabe quais os fatos juridicamente relevantes que se

enquadram na norma extraída do texto normativo (segunda contingência fruto da vagueza)40.

As soluções dos casos jurídicos se tornam incertas. Diversas interpretações podem ser dadas,

em virtude da ambiguidade e vagueza do texto normativo, daí por que se fala em incerteza do

Direito. Uma interpretação será considerada válida, caso se comprove a compatibilidade

lógica com os demais enunciados dogmáticos relacionados. A função de controle da

dogmática jurídica reside exatamente em tornar controlável as contingências e incertezas da

aplicação da norma jurídica. O método dogmático permite comprovar se a interpretação dada

ao texto normativo é compatível com os demais enunciados igualmente dogmáticos. Controlar

é, pois, aferir a consistência das decisões jurídicas.41

1.2.3.1. A função de controle da dogmática e a segurança jurídica

É possível realizar um paralelo entre a função de controle e segurança jurídica. A

função de controle da dogmática jurídica, por reduzir as incertezas, está intrinsecamente

40 Importante ressaltar que Marcelo Neves faz ressalvas ao entendimento de que a produção na norma apenas

ocorre no processo interpretativo. A norma é prévia ao processo interpretativo-concretizador, sob pena de cair

num realismo decisionista: “Se afirmarmos que a produção da norma só ocorre no processo concretizador,

persistirá a questão de se os juízes e órgãos competentes para a concretização normativa não estariam

subordinados a normas antes de casa solução de caso. Pode-se cair em um realismo decisionista, se esses

modelos não forem tratados com os devidos cuidado e, eu diria, com restrições.” (NEVES, Marcelo. Entre

Hidra e Hércules. Princípio e regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 8-9). É o que faz

Friedrich Müller, Partindo de um marco teórico totalmente distinto, também admite que inúmeras interpretações

do texto normativo são possíveis. Porém, de modo distinto do aqui defendido, bem como do defendido por

Marcelo Neves, não existiria norma jurídica prévia. A norma jurídica não está pronta. Apenas existe texto

normativo. A norma jurídica surge, apenas, quando do processo de concretização. Logo, no processo

interpretativo, diversos caminhos podem ser trilhados. É uma solução correlata de um marco teórico distinto:

“Âmbito normativo e programa normativo não são meios para encontrar, à maneira do direito natural,

verdadeiros enunciados ônticos de validade geral; tampouco ajudam a averiguar o verdadeiro sentido dos

textos normativos em termos do tipo definido e juridicamente correto do uso da língua no respectivo contexto

normativo” (MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do Direito. Trad. Peter Naumann. 2ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2009. p. 245). 41 É curioso observar que os polos de contingência do Direito se correlacionam com as duas principais

características da dogmática jurídica: a inegabilidade dos pontos de partida e a obrigatoriedade de decidir

(vedação ao non liquet). Há contingência na identificação da norma jurídica que se extrai do texto normativo,

por conta de sua ambiguidade, logo há contingência na identificação e interpretação dos dogmas, que são os

pontos de partida inquestionáveis da dogmática. Por outro lado, existe contingência na identificação dos fatos

atingidos pela norma jurídica, em decorrência da vagueza do texto normativo. Existe contingência no

reconhecimento dos fatos juridicamente relevantes que devem ser obrigatoriamente decididos. A vedação ao non

liquet correlaciona-se com a contingência, pois é preciso saber o que é juridicamente relevante que deverá ser

obrigatoriamente decidido. O que não for considerado relevante para o Direito, não incidirá a obrigação de

decidir. É fato, porém não jurídico.

Page 32: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

21

conectada à segurança jurídica42. A sociedade complexa atual necessita da dogmática, porque

precisa de sua função de controle para diminuir as contingências de suas expectativas

normativas43. Como explica Odete Medauar: “A sociedade necessita de uma dose de

estabilidade, decorrente, sobretudo, do sistema jurídico”44.

O Direito existe para proporcionar segurança à vida social. A segurança jurídica é

uma das razões básicas do Direito45. Segurança jurídica é associada à própria ideia de Direito.

“É uma noção inerente à própria ideia de Direito”46.

A dogmática jurídica, por meio de suas funções, principalmente a de controle,

contribui para adensar a segurança jurídica, porque torna o Direito, em maior grau,

cognoscível e calculável, almejando duas das finalidades da segurança jurídica47.

Partindo da teoria de Humberto Ávila, uma das finalidades da segurança jurídica é

a cognoscibilidade do Direito. O termo cognoscibilidade (ou compreensibilidadade) significa

a capacidade, formal ou material, de conhecer os conteúdos normativos possíveis de um texto

normativo ou de práticas argumentativas destinadas a reconstruí-los. Cognoscibilidade do

Direito consiste em alta capacidade de conhecer (compreender) os diversos sentidos aceitáveis

de um dado texto normativo (significante), partindo de núcleos de significação replicáveis por

processos argumentativos intersubjetivamente controláveis48.

Uma segunda finalidade da segurança jurídica é a calculabilidade, também

contemplada pela função de controle da dogmática jurídica. Calculabilidade concerne à maior

capacidade de prever as consequências jurídicas dos atos e dos fatos. Calculabilidade implica

saber, antecipadamente, quais os atos e fatos juridicamente relevantes para o Direito. Assim, a

segurança jurídica garante que se antecipem alternativas interpretativas e respectivos efeitos

das normas jurídicas49. Calculabilidade é uma previsão, uma projeção para o futuro,

antecipando quais as interpretações possíveis do texto normativo.

42 A segurança jurídica pode referir-se a um estado de fato (segurança como fato), pode denotar um juízo

axiológico (segurança como valor) e, ainda, pode consubstanciar uma norma jurídica (segurança como princípio)

(GOMETZ, Gianmarco. La certezza giuridica como prevedibilità. Torino: Giappichelli, 2005. p. 25-51). 43 Diante da complexidade da sociedade moderna e da contingência das expectativas normativas, é preciso que o

sistema jurídico seja confiável para que a expectativas normativas sejam reduzidas (LUHMANN, Niklas.

Confianza. Trad. Amada Flores. Barcelona: Anthropos, 1996. p. 39-52). 44 MEDAUAR, Odete. Segurança jurídica e confiança legítima. Fundamentos do Estado de Direito. Estudos em

homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. ÁVILA, Humberto. (org). São Paulo: Malheiros, 2005. p.

115. 45 MEDAUAR, Odete. Segurança jurídica e confiança legítima, cit., p. 115. 46 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 133. 47 Humberto Ávila indica três finalidades da segurança jurídica, embora apenas sejam tratadas de duas na

presente pesquisa: calculabilidade, cognoscibilidade e confiabilidade. 48 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 129. 49 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 131-132.

Page 33: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

22

A dogmática jurídica permite elevado grau de cognoscibilidade e calculabilidade.

Ora, a função de controle implica aferição da consistência das decisões jurídicas.

Permite aferir se há compatibilidade lógica entre a fundamentação da decisão do caso jurídico

e os enunciados dogmáticos. A partir do momento em que o método dogmático se instala,

com uma série de enunciados e conceitos sistematizados entre si, é mais fácil conhecer os

conteúdos normativos possíveis de um texto normativo ou de práticas argumentativas que o

reconstruam (cognoscibilidade), bem como antever quais atos e fatos poderão ser

considerados como juridicamente relevantes e seus respectivos consequências e efeitos

jurídicos (calculabilidade).

Além de contribuir para maior projeção de duas das finalidades da segurança

jurídica (cognoscibilidade e calculabilidade), a dogmática jurídica também eleva o grau

protetivo de dois objetos da segurança jurídica50, ainda seguindo a teoria de Humberto Ávila.

A segurança normativa (na perspectiva da aplicação da norma jurídica) e segurança

doutrinária (sob o aspecto da metalinguagem jurídica).

Um dos objetos da segurança jurídica, isto é, aquilo que se pretende tornar

cognoscível e calculável é a aplicação das normas jurídicas, a segurança normativa. Tal

segurança decorre da aferição dos elementos argumentativos da decisão do caso jurídico. Os

elementos argumentativos relacionam-se com o uso de estruturas claras e objetivas de

raciocínio. As premissas e as conclusões do raciocino jurídico devem estar baseadas no

ordenamento jurídico. Sua construção deve obedecer a critérios racionais de argumentação,

com consistência formal e material51.

A função de controle da dogmática, como visto, consiste exatamente em aferir a

consistência das decisões. É aferido se a tomada de decisões está compatível com os demais

enunciados dogmáticos. Sabe-se qual foi o raciocínio aplicado e se é aceitável

dogmaticamente. A aplicação da norma jurídica, que é duplamente contingente, se torna mais

segura e menos contingente, em virtude do método dogmático. Busca-se coibir aplicação

desuniforme e totalmente arbitrária, aumentando o grau de segurança jurídica na aplicação das

normas.

A função de controle da dogmática coincide, portanto, em parte, com um dos

objetos da segurança jurídica, no caso, a segurança da aplicação das normas jurídicas.

50 Humberto Ávila indica quatro objetos da segurança jurídica, embora apenas sejam tratados de dois na

presente pesquisa: segurança normativa, comportamental, fática e doutrinária. 51 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 148.

Page 34: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

23

Outro objeto da segurança jurídica é a segurança doutrinária. Nesse viés, não está

se tratando de segurança do Direito, mas sim de segurança do modo como o Direito é tratado

e estudado. Segurança da ciência do Direito. Nessa perspectiva, não se cuida da segurança da

norma jurídica ou de outras formas de manifestação do Direito (linguagem jurídica objeto),

mas sim da segurança dos enunciados doutrinários que ordenam o próprio Direito (ou a

metalinguagem jurídica descritivo-explicativa)52.

“Nessa interpretação, portanto, está-se fazendo referência à clareza, à

abrangência, à consistência (formal) e à coerência (material) não das normas (linguagem-

objeto), mas dos enunciados doutrinários que vertem sobre elas (metalinguagem).”53 A

segurança doutrinária consiste, pois, na segurança da ciência do Direito. E como a dogmática

jurídica é a ciência do Direito – por excelência – a função de controle da dogmática jurídica

em relação à segurança doutrinária exerce-se reflexivamente.

A função de controle da dogmática jurídica, ao contemplar a segurança da

doutrina, opera-se exercida sobre si própria, de maneira reflexiva, uma vez que a dogmática é

a própria doutrina por excelência54.

E a dogmática, como explicado no tópico anterior, possui como característica a

inquestionabilidade dos pontos de partida. Parte de dogmas prefixados e a eles se vincula para

elaborar seus enunciados conceituais de forma lógico-sistemática (metalinguagem jurídica). É

essa vinculação aos dogmas – inquestionabilidade dos pontos de partida – que garante

segurança à própria dogmática. Ao vincular-se a dogmas, de forma estável, permite formação

de enunciados comprováveis sistematicamente, ou seja, torna possível demonstrar se há

compatibilidade lógica com os demais enunciados já aceitos e integrados ao sistema de

maneira estável. Essa possibilidade de comprovação dos enunciados dogmáticos garante,

portanto, segurança dos enunciados doutrinários. A dogmática jurídica garante sua própria

segurança jurídica.

1.3. A dogmática jurídica processual civil

A dogmática processual civil é Ciência Processual Civil por excelência. É a

processualística. O estudo doutrinário do Direito Processual Civil. Cabe à dogmática jurídica

processual civil construir os enunciados doutrinários conceituais do Direito Processual Civil,

52 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 151. 53 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica., cit., p. 151. 54 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica, cit., p. 30.

Page 35: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

24

partindo, fundamentalmente, dos conceitos já elaborados pela dogmática jurídica da Teoria

Geral do Processo.55 A ciência jurídica do Direito Processual Civil deriva diretamente da

Teoria Geral do Processo e seus enunciados conceituais56-57.

A Teoria Geral do Processo é a primeira a fornecer o manancial teórico necessário

ao desenvolvimento da dogmática processual civil58-59. Entretanto, a Ciência Processual Civil

não vai derivar apenas dos conceitos próprios da Teoria Geral do Processo. Não são

suficientes. A dogmática processual civil irá elaborar seus conceitos partindo também de

55 DIDIER Jr., Fredie. Sobre a teoria geral do processo, essa desconhecida. 2ª ed. Salvados: Juspodivm, 2013. p.

110. 56 “A estrutura jurídica de um determinado Estado pode constituir o objeto de várias disciplinas jurídicas

particulares, tais como os Direitos Constitucional, Administrativo, Tributário, Civil, Comercial etc. Será, nesse

sentido, objeto do estudo e conhecimento por certas províncias individualizadas da ciência do Direito. Em tal

hipótese, a investigação científica converge para uma estrutura jurídica particular, e que é peculiar a um

determinado Estado: p. ex., Direito Penal brasileiro, Direito Administrativo alemão, Direito Constitucional

americano. (...) As ciências jurídicas particulares, correspondentes, na linguagem figurada e metafórica da

doutrina tradicional, aos ramos do Direito (Constitucional, Civil, Penal etc.), estudam e descrevem as variadas

hipóteses e consequências, tipificadas pelas normas respectivas. Para além desse campo restrito de

especialização, a Teoria Geral do Direito preocupa-se com a descrição da estrutura formal da experiência

jurídica” (BORGES, José Souto Maior. Obrigação tributária. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.

35). 57 Por exemplo, o conceito de exceção de pré-executividade (próprio do Direito Processual Civil) deriva do

conceito de defesa (pertinente à Teoria Geral do Processo). Da mesma forma, o conceito de conflito de

competência está intrinsecamente ligado ao conceito de jurisdição. 58 Fredie Didier Jr. afirma que a Teoria Geral do Processo é uma disciplina filosófica, o que, na visão desta

pesquisa, é um erro. A Filosofia do Direito distingue-se da Teoria Geral do Direito e das disciplinas dogmáticas

específicas. Colocar a Teoria Geral como um ramo da Filosofia do Direito é reduzir por demais o pensamento

filosófico. Afirma Didier Jr.: “A Teoria Geral do Processo é, em relação à Teoria Geral do Direito, uma teoria

parcial, pois se ocupa dos conceitos fundamentais relacionados ao processo, um dos fatos sociais regulados

pelo Direito. É uma disciplina filosófica, de viés epistemológico; nesse sentido, como excerto da Epistemologia

do Processo, é ramo da Filosofia do Processo” (DIDIER Jr., Fredie. Sobre a teoria geral do processo, cit., p.

60). Ora, Teoria Geral não é um ramo da Filosofia, como explicado por Nelson Saldanha: “Ela [a Teoria Geral

do Direito] se relaciona com a própria experiência real do Direito através de um momento hermenêutico, ou

mesmo de uma dimensão hermenêutica, integrando o fenômeno jurídico, vincula ao “Direito”, como realidade

dinâmica (não apenas como estrutura) as raízes da “teoria” que a ele se refere. Evidentemente tal teoria se

distingue da Filosofia do Direito, que tem mais amplas dobras e implica em indagações mais profundas; a

teoria pode inclusive entender-se como um passo entre a visão “dogmática” do Direito – vai o termo por falta

de outro melhor – e sua visão filosófica, cujos contornos epistemológicos nunca cessarão de ser discutidos (...)

O chamado rigor formal é admissível e até necessário no saber dito dogmático, isto é, no trato específico dos

diversos ramos do direito positivo. Não cabe trazê-lo, mais ainda sob toque cientificistas, para dentro da teoria

jurídica, onde o rigorismo e o cientificismo significam muitas vezes renúncia às reflexões mais representativas”

(SALDANHA, Nelson. Da teologia à metodologia: secularização e crise do pensamento jurídico. 2ª ed. Belo

Horizonte: Del Rey, 2005. p. 106, 110). 59 A Teoria Geral do Direito, que é tomada como um prolongamento das ciências jurídicas dogmáticas: o ponto

que liga os campos específicos de conhecimento jurídico é a parte geral de cada campo ou as denominadas

teorias gerais (teoria geral do direito civil, teoria geral do direito público-político, teoria geral do direito penal,

teoria geral do processo, teoria geral do direito tributário, teoria geral do direito administrativo). Muito da

chamada parte geral é uma zona de intersecção entre o (digamos) subcampo específico e a órbita da Teoria

Geral do Direito. Assim, evitamos o hiato entre as ciências jurídicas especializadas e a Teoria Geral do Direito.

O comum ponto de partida de todo conhecimento jurídico-dogmático é a experiência do ordenamento jurídico

positivo.” (VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no Direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000. p. 15-16).

Page 36: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

25

enunciados de outras áreas da Ciência Jurídica, a exemplo da Teoria Geral do Direito, do

Direito constitucional, do Direito Civil etc.60.

Ainda haverá conceitos da ciência do Direito Processual Civil originados

diretamente da interpretação das fontes formais do Direito. Conceitos puramente do Direito

Processual Civil. Enunciados dogmáticos próprios do Direito Processual Civil, frutos de

atividade sistemática exercida diretamente sobre os textos normativos e demais formas de

manifestação válidas do Direito. São enunciados que não derivam de outros enunciados

conceituais pertencentes a outras áreas da ciência jurídica, porém com esses compatíveis

lógica e sistematicamente. Não existe relação de derivação, porém de compatibilidade lógica.

É o caso, por exemplo, do conceito de ação rescisória, próprio da dogmática processual

civil61, porém compatível com os conceitos de ação e defesa (Teoria Geral do Processo) e

acesso à justiça (Direito Constitucional).

Enfim, a dogmática processual civil se propõe a elaborar os enunciados

conceituais – sistematicamente – partindo de enunciados prévios da Teoria Geral do Processo,

de outras áreas da Ciência Jurídica e das fontes da norma jurídica processual, buscando

soluções argumentativas consistentes para a solução de casos jurídicos relativos a questões

processuais. A dogmática processual civil é a metalinguagem, descritivo-explicativa, que

trabalha sobre a linguagem, prescritivo-normativa, consistente nas diversas formas de

manifestação do Direito Processual Civil.

A dogmática processual civil agrupa seus enunciados doutrinários, como é típico

do método dogmático, em torno de institutos. Procura condensar, sistematicamente, seus

enunciados em torno das normas que tenham uma unidade material de regulamentação

setorial, como, por exemplo, fontes normativas relativas a processo, procedimento, ação,

defesa, jurisdição, precedentes, recursos, competência etc.62

60 É exemplo o conceito de negócio jurídico processual que advém do conceito de negócio jurídico, pertencente

à teoria geral do Direito. “La nozione di negozio è, dunque, nozione di teoria generale del diritto, quale che sai

l’ordinamento in relazione al quale viene studiata, quale che sia materia alla quale viene aplicata”

(MIRABELLI, Giuseppe. Negozio giuridico. MORTATI, Costantino; SANTORO, Francesco (Org.).

Enciclopedia del Diritto. Milano: Giuffrè, 1978. v. XXVIII. p. 3). 61 Ao dizer que o conceito é próprio do Direito Processual Civil, não se está aduzindo sua exclusividade, mas sim

que foi elaborado primeiramente pela dogmática processual civil partindo das fontes das normas jurídicas

processuais. Daí podem ser eventualmente aproveitados por demais áreas do Direito. É o caso, por exemplo, do

conceito de ação rescisória, primeiramente elaborado pela dogmática processual civil, e posteriormente

aproveitado pelo Direito Processual do Trabalho. (Sobre a história da ação rescisória: PONTES DE MIRANDA,

Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5ª ed. Rio de Janeiro:

Forense, 1976. p. 89-118). 62 COSTA, Eduardo José da Fonseca. Uma arqueologia das ciências dogmáticas do processo. DIDIER JR.,

Fredie (org.). Reconstruindo a teoria geral do processo. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 52.

Page 37: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

26

A dogmática processual civil é o conjunto de enunciados doutrinário-conceituais,

sistemáticos, que busca compreender e ordenar as formas de manifestação do Direito

Processual Civil (as fontes do direito), em torno de institutos, orientando o aplicador do

Direito para decidir casos jurídicos que tratem de questões processuais.

1.4. O antigo problema de fontes da reclamação63

1.4.1. A antiga falta de solidez dogmática da reclamação

A reclamação é instituto que, nas primeiras décadas após o seu surgimento, até a

EC 45/2004 que previu seu cabimento para garantir observância de ´sumulas vinculantes,

careceu de amadurecimento dogmático que, ao final, decorria de um problema de fonte. As

suas bases dogmáticas eram rarefeitas.

Por amadurecimento entenda-se a falta de contornos dogmáticos. Ausência de

estudos teórico-dogmáticos sobre a reclamação constitucional. Não existiam enunciados

doutrinário-dogmáticos suficientes e desenvolvidos para reger o instituto. Faltava-lhe solidez a

suas bases dogmáticas, fruto de diversos motivos, daí por que se diz suas bases eram

rarefeitas.

Há um rastro que se segue para entender a antiga falta de desenvolvimento

dogmático da reclamação, cujo fim pode ser resumido como um problema de fonte. Sob a

perspectiva particular desta dissertação, são vários os motivos, todos entrelaçados, que

levavam ao raso substrato teórico da reclamação constitucional.

O primeiro fator era a escassa doutrina sobre o tema. A ausência de atividade

dogmática propriamente dita sobre o instituto, que implicava a insuficiência e

subdesenvolvimento dos enunciados dogmáticos. Eram poucas as pesquisas e os livros

publicados de relevância e profundidade. Além de duas dúzias de artigos que, até mesmo

pelas pretensões dos autores, não se propunham a analisar com mais minúcia ou responder às

indagações em aberto sobre o instituto.

A jurisprudência é a principal fonte da reclamação, contrariando a tradição

brasileira, cuja principal fonte, via de regra, é a lei.64 No Brasil, a lei é fonte primária,

63 O tópico se inspirou em artigo de Eduardo Costa, no qual se coloca a reclamação perante os tribunais estaduais

como um problema de fonte: COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação Constitucional Estadual como

um problema de fonte. Reclamação Constitucional. COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro

Henrique Pedrosa (orgs). Salvador: Juspodivm, 2013. p. 161-177. Na presente pesquisa, vai-se além. O instituto

da reclamação, como um todo, possui um problema de fonte.

Page 38: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

27

enquanto a jurisprudência é fonte secundária65. Porém, com a reclamação ocorreu diferente,

pois a sua fonte primária sempre foi a jurisprudência (ao menos até o advento do CPC/2015).

Contudo, a reclamação constitucional, em sua fase histórica inicial, contou com

poucos precedentes dos tribunais, já que utilizada em menor escala e cuida-se de instituto

relativamente recente no ordenamento jurídico brasileiro: as primeiras reclamações remontam

à década de 1940, como será visto adiante.

A atividade doutrinária, jurisprudencial e legislativa sobre a reclamação era,

portanto, pequena.

As decisões sobre reclamação eram, inicialmente, vacilantes e reticentes,

dificultando a formação de precedentes. A falta de adoção de uma teoria de precedentes

vinculantes, com respeito à segurança jurídica e à confiança legítima66, principalmente do

STF que não respeita os próprios precedentes, levou – inevitavelmente – à inconsistência

teórica do instituto. O STF proferiu, diversas vezes, julgamentos contraditórios, entre si, sobre

reclamação constitucional67.

Não se quer dizer que, uma vez exposto um entendimento pelo STF sobre

reclamação, deveria ser imutável. Também não se esquece de que, se foi fruto de construção

64 “A legislação, nos países de direito escrito e Constituição rígida, é a mais importante das fontes formais

estatais” (DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 15ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2010. p. 62). No Brasil, principalmente no Direito Privado, a legislação sempre foi a principal fonte

formal. Durante mais de três séculos vigoraram as Ordenações Filipinas, em seguida veio o Código Civil de

1916. Antes vigoraram as Ordenações Afonsinas e Manuelinas, bem como houve a publicação da Lei da Boa

Razão. Nesse sentido: GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro. São Paulo:

Martins Fontes, 2003. p. 2-13; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Fontes e evolução do Direito

Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1981. 65 Atualmente, é possível dizer que a jurisprudência se aproximou da lei, na condição de fonte formal primária

do Direito positivo brasileiro. O CPC/2015 instaura um sistema de precedentes obrigatórios que traz a

jurisprudência para o mesmo patamar de valor da lei, muito embora haja uma hiperprodução de leis, enquanto

são poucos os precedentes ditos vinculantes. Os precedentes – que devem ser seguidos obrigatoriamente pelos

órgãos julgadores – estão previstos no art. 927 do CPC/2015; por serem obrigatórios são denominados

precedentes formalmente vinculantes. Nesse sentido: ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes.

Salvador: Juspodivm, 2015. p. 344. 66 Sobre confiança legítima: PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador:

Juspodivm, 2015. p. 103-124; CALMES, Sylvia. Du principe de pretection de la confiance legitime em droits

allemand, cummunautaire er français. Paris: Dalloz, 2001; ARAÚJO, Valter Shuenquener de. O princípio da

proteção da confiança: uma nova forma de tutela do cidadão diante do estado. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. 67 Já disse o STF que se trata de recurso, ao julgar a Rcl 831-DF (Rcl 831-DF, Rel. Min. Amaral Santos,

Tribunal Pleno, j. 11/11/1970, DJ 19/2/1971). Por outro lado, o Ministro Orosimbo Nonato designou-a como

“remédio incomum”, o que é uma expressão vazia de significado, em nada contribuindo para identificar seu

regime jurídico (NONATO, Orosimbo; apud MELLO, Augusto Cordeiro de. O processo no Supremo Tribunal

Federal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. p. 280). Ministro Nelson Hungria afirmou que era uma simples

representação, sem qualquer natureza processual (HUNGRIA, Nelson; apud MORATO, Leonardo L.

Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.

83). O STF, no julgamento da ADIn 2.212-CE, adotou expressamente o entendimento de Ada Pellegrini

Grinover e considerou a reclamação como exercício do direito de petição (ADI 2212-CE, Rel. Min. Ellen

Gracie, Tribunal Pleno, j. 2/10/2003, DJ 14/11/2003).

Page 39: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

28

jurisprudencial, nada mais normal que as primeiras considerações sobre reclamação sejam

bem distintas das atuais e existam julgamentos em sentidos diversos; na verdade, seria até

sinal de amadurecimento do instituto, na medida em que se vai discutindo e concedendo-lhe

contornos mais definidos e rígidos ao decorrer dos anos.

Outrossim, não estamos a desconsiderar as lições de Marcelo Navarro Ribeiro

Dantas, que afirma ser necessário observar os pronunciamentos judiciais sem cometer

anacronismo epistemológico68. É compreensível que, à luz de momentos políticos, sociais e

de compreensão do Direito Processual Civil totalmente distintos, haja precedentes em

sentidos opostos e aparentemente incoerentes entre si

Até o advento do CPC/2015, a principal fonte da reclamação constitucional era

jurisprudencial. Os precedentes judiciais eram os principais pontos de partida do estudo

dogmático da reclamação constitucional, contudo não era uma fonte segura, ou seja, os

precedentes judiciais não eram consistentes, já que vacilantes, contraditórios entre si e, por

vezes, contrários ao texto normativo contido em lei69.

O pouco amadurecimento da reclamação também era resultado da ausência de

texto legal a regulando com minúcia, isto é, esclarecendo, ou tentando esclarecer, os pontos

divergentes e mais obscuros. Em sua fase histórica inicial, havia um mínimo de dispositivos

legais tratando do instituto. A lei era a fonte secundária do instituto.

É que o profissional do direito brasileiro (do foro e da academia) sofre com ecos

de um legalismo exegético exacerbado e possui dificuldades ao ter que tratar de matéria cuja

regulação mediante texto legal é mínima70. A reclamação constitucional é prevista na

68 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre: Sérgio

Antônio Fabris, 2000. p. 34-35. 69 Importante a lição de Manuel Atienza, tratando de coerência e consistência na obra de Neil MacCormick:

“Para uma decisão ter sentido com relação ao sistema ela precisa – como já indiquei – satisfazer aos requisitos

de consistência e de coerência. Uma decisão satisfaz ao requisito de consistência quando se baseia em

premissas normativas, que não entram em contradição com normas estabelecidas de modo válido. E essa

exigência – embora MacCormick não o faça – precisa ser estendida também à premissa fática; assim, quando

há um problema de prova, as proposições sobre o passado (o fato cuja existência se infere) não devem entrar

em contradição com as afirmações verdadeiras sobre o presente. Portanto, pode-se entender que o requisito de

consistência deriva, por um lado, da obrigação dos juízes de não infringir o Direito vigente e, por outro lado, da

obrigação de se ajustar à realidade em termos de prova” (ATIENZA, Manuel. As razões do Direito. Teorias da

argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino. 3ª ed. São Paulo: Landy, 2006. p. 128-129).

Na obra de Neil MacCormick (que na versão brasileira consistency foi traduzida como coesão):

MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins

Fontes, 2006. p. 255-297. 70 Insista-se: o profissional do Direito brasileiro sofre com o legalismo exegético. Confunde texto com norma;

mais precisamente identifica a lei com a norma, daí o motivo por ter dificuldade em lidar com a reclamação

constitucional, que possui pouco texto legal regulando-a. Ora, texto e norma não se confundem: o texto (seja

legal ou jurisprudencial) é o apenas o significante e a norma é o significado extraído do texto após a

Page 40: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

29

Constituição, artigos 102, I, l e 105, I, f, e em apenas cinco dispositivos da Lei nº 8.038/1990,

artigos 13 a 18. Não houve um trabalho do legislador com o intuito de normatizar, em texto

de lei, a reclamação, deixando tal ônus para a jurisprudência.

Para o profissional do direito brasileiro, é árdua a tarefa de lidar com instituto,

cuja regulação legal é mínima, isto é, trabalhar com normas sem texto de lei, o que, aliado ao

fato de termos precedentes reticentes e vacilantes e escassa doutrina, contribui globalmente

para a falta de amadurecimento da reclamação constitucional. O estudo dogmático no Brasil

ainda clama por texto legal como principal fonte para construir os enunciados dogmáticos,

fruto de ecos de uma persistente confusão entre texto legal e norma.

O último motivo encontrado para justificar as antigas bases teórico-dogmáticas

rarefeitas é ser a reclamação constitucional genuinamente brasileira, sem uma inspiração

específica no direito comparado. Como bem observado por Eros Roberto Grau e Paula

Forgioni, muito dos estudos brasileiros são transplantados do direito estrangeiro, sem

qualquer adequação à realidade social brasileira, acostumados a engolir, sem grau crítico

próprio, os estudos alienígenas71. No caso da reclamação constitucional, por ser brasileira

nata, não há pesquisas estrangeiras para serem transplantadas para o Brasil, ficando o

doutrinador brasileiro órfão72.

1.4.2. A superação do problema de fonte da reclamação constitucional

Todas as causas acima elencadas para explicar as antigas linhas dogmáticas tênues

da reclamação constitucional podem, em certo reducionismo, se resumir a um problema de

fonte, no sentido amplo do termo. Um problema de fontes, formais e materiais, da reclamação

constitucional. Não havia fontes formais (lei e jurisprudência), tampouco fontes materiais

(doutrina) suficientes para conceber as bases teórico-dogmáticas da Reclamação. No entanto,

esse cenário mudo. Gradualmente, surgem novos centros produtores de normas sobre

interpretação. A norma é resultado do processo interpretativo exercido pelo aplicador sobre a lei, o precedente, o

costume ou outra fonte formal do Direito. Não existe coincidência entre texto e norma (ADEODATO, João

Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. 2ª ed., cit., p. 271-299). 71 GRAU, Eros Roberto; FORGIONI, Paula. O estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros, 2005. p.

11-13. 72 Nesse sentido: DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p.

385. Leonardo Lins Morato chega a afirmar ser infrutífero perquirir institutos análogos no direito estrangeiro

(MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2007. p. 37).

Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

30

reclamação, bem como novas pesquisas doutrinárias, de modo a superar o problema de fonte

da reclamação, sendo

1.4.2.1. As fontes do Direito73

Fonte é termo ambíguo. Fonte é termo metafórico74. Refere-se à origem ou à

comunicação da norma. Respectivamente, refere-se a duas questões, “por um lado, de que

provém o direito, de onde ele nasce, como ele é gerado; de outro, como se revela o direito,

como se mostra ao ser humano, quais suas formas de manifestação”75. Nesse duplo sentido

do termo fontes, ambos são úteis para compreender o problema de fonte da reclamação. O

primeiro sentido refere-se aos centros produtores de normas jurídicas, ao modo de formação e

produção das normas jurídicas, à atividade nomogenética76. O segundo sentido relaciona-se ao

meio que se revela a norma jurídica, isto é, ao significante da norma jurídica; se a norma

jurídica revela-se mediante texto legal, precedentes, gestos, palavras faladas etc.

As fontes também se classificam em formais e materiais. Trata-se de classificação

útil para entender o problema de fontes da reclamação.

As formais são aquelas dotadas de cogência ou do poder de decidir e optar entre

as diversas vias normativas possíveis. São capazes de se impor e tornar-se direito positivado,

ou seja, entrar no ordenamento jurídico validamente e vincular sujeitos; são os pontos de

partida inquestionáveis da dogmática jurídica. Neste trabalho, consideram-se fontes formais a

lei, a jurisprudência, o costume e o negócio jurídico77. As fontes formais ligam-se à noção de

validade. A forma de produzir o significante normativo (o texto legal, o precedente judicial, o

costume e o negócio jurídico) garante legitimidade e impositividade pelo poder estatal, dentro

do ordenamento jurídico. A lei, o precedente e o negócio jurídico possuem um rito de

formação que legitimam sua validade. Já o costume, embora não seja dotado de solenidade, é

possível observar m processo de institucionalização que lhe concede legitimidade;78 no caso,

73 Na Itália, destaca-se: GUASTINI, Riccardo. La fonti del diritto e l’interpretazione. Milano: Giuffrè, 1993. 74 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5º ed. São

Paulo: Atlas, 2007. p. 225. 75 ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo, cit., p. 212. 76 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, cit., p. 227. 77 REALE, Miguel. Fontes e modelos de Direito: para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva,

1994. p. 12. 78 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito, cit., p. 243.

Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

31

sucessivas e constantes formas de comportamento reconhecidas pela expressão social como

impositivas.79

Já as materiais são os dados empíricos, ideológicos, científicos que são conteúdo

das fontes formais. São as “fontes das fontes” (fons-fontis). Embora não sejam prescrições, as

fontes materiais fornecem os elementos (biológicos, psicológicos, fisiológicos, científicos,

históricos etc.) para a formação das fontes formais. As materiais não possuem cogência,

tampouco se inserem per se no ordenamento jurídico.80

A doutrina, atualmente, é apenas fonte material. Não possui caráter obrigatório.

Apenas função persuasiva em relação aos profissionais do Direito. Já foi considerada fonte

formal porque um edito do imperador Teodósio II estabeleceu (426 d.c.) que, em casos

complexos, prevaleceria a opinião do “Tribunal dos Mortos” (Gaio, Papiniano, Modestino,

Paulo e Ulpiano)81. A doutrina dos jurisconsultos romanos fazia parte do Corpus Juris Civilis,

daí por que a doutrina era alçada à condição de fonte formal do Direito, contudo, com a

modernidade e a escola exegética, a doutrina perde o caráter cogente e passa a ser considerada

apenas fonte material.82

Ainda se deve observar que, dentre as fontes ditas formais, existe uma tendência à

hierarquização como forma de evitar antinomias entre as variadas fontes. É a classificação em

fontes primárias e secundárias. A própria nomenclatura já informa a priori, pois o que é

primário deve prevalecer sobre o que é secundário. A fonte primária retira de si própria a

força de cogência, em virtude de autoridade estatuída pelo ordenamento jurídico. A fonte

secundária retira de outra fonte formal, no caso, a primária, sua força coercitiva. Na Escola

Exegética, a fonte primária por excelência era a lei, daí por que a jurisprudência não poderia

contrariá-la. Já no direito inglês, a jurisprudência é a fonte primária e a lei, a fonte secundária,

79 REALE, Miguel. Fontes e modelos de Direito: para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva,

1994. p. 12. 80 A característica para diferenciar as fontes formais das materiais é, exatamente, o poder de impor uma estrutura

normativa (prescrição) inerente apenas à fonte formal, tanto que alguns autores não utilizam a classificação,

considerando apenas fonte do direito as fontes ditas formais, como é o caso de Miguel Reale Por ora, é

apropriada a distinção entre fontes formais e materiais, por duas razões simples. A primeira é ser a classificação

consagrada no estudo jurídico, dotada de cunho didático. A segunda é que uma fonte, a depender do

ordenamento jurídico, pode perder sua cogência inerente, logo deixa de ser fonte formal, restado apenas a

posição de fonte material. Foi o que ocorreu em relação à doutrina, já dotada de cogência em outros tempos, hoje

apenas possui força cultural (REALE, Miguel. Fontes e modelos de Direito, cit., p. 11-14). 81 LUMIA, Giuseppe. Elementos de teoria e ideologia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 74. 82 “Mesmo hoje não se nega que a doutrina seja uma fonte material do direito de grande importância. Pois se a

ideologia e as opiniões de qualquer grupo social são fontes materiais do direito, claro que também o serão as

ideologias e opiniões dos juristas. A doutrina interfere profundamente sobre juízes e legisladores, mas hoje não

se pode dizer que seja fonte formal.” (ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do

direito subjetivo, cit., p. 218).

Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

32

vindo por último o costume83. A hierarquia entre as fontes formais, na verdade, reflete a luta

política entre os três poderes e a busca da harmonia.

1.4.2.2. As fontes da reclamação constitucional: desenvolvimento dos centros

produtores de normas e de enunciados dogmáticos

Desta breve explanação sobre a teoria das fontes, confirma-se que os motivos

acima dados para a antiga falta de amadurecimento dogmático da reclamação era, na verdade,

um problema de fontes do direito. Um problema de fontes formal e material, mais

precisamente um problema com a doutrina, com a jurisprudência e com a lei.

A doutrina da reclamação, como dito, era escassa. É pouca a atividade dogmática

sobre o instituto. Eram poucas as pesquisas relevantes e de profundidade. A quantidade de

estudos teórico-dogmáticos sobre a reclamação constitucional é pequena. Eram poucos os

enunciados doutrinário-dogmáticos suficientes e desenvolvidos que regiam instituto.84

Gradualmente, surgem trabalhos doutrinários tratando da reclamação com mais

profundidade. No início da década de 2000 – após um longo período sem pesquisas de fôlego

sobre a reclamação constitucional – são publicados vários trabalhos que contribuíram,

visivelmente, para o amadurecimento dogmático da reclamação. Em ordem cronológica,

destacam-se três obras monográficas sobre o tema: “Reclamação constitucional no direito

brasileiro” de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas85; “Reclamação e sua aplicação para o respeito

da súmula vinculante” de Leonardo Lins Morato86 e “Reclamação Constitucional” de Ricardo

de Barros Leonel.87

Além desses três trabalhos monográficos específicos, de maior relevância, o

estudo da reclamação ganha espaço em artigos de periódicos especializados, em coletâneas e

83 “As fontes do direito britânico são, em ordem crescente de importância, o costume, a lei e os precedentes

judiciários” (LOSANO, Mario. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo: Martins

Fontes, 2007. p. 331). 84 A doutrina que tratava da reclamação, por vezes, é de retaguarda, e não de vanguarda: “Problema bem

específico enfrenta a doutrina jurídica (dogmática) no Brasil, na medida em que quase se reduz a relatos

descritivos e superficiais do direito positivo, exposições de textos legais e de decisões dos tribunais. Em um

sentido bem literal, ela forma a retaguarda do direito positivo, e não sua vanguarda. Não desempenha sua

função crítica como metodologia, de doutrina dogmática como estratégia de modificação da dogmática

material.” (ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo, cit., p.

219). 85 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre: Sérgio

Antônio Fabris, 2000. 86 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2007. 87 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

33

capítulos de manuais e livros mais gerais.88 Todas essas pesquisas contribuíram para adensar

as fontes materiais da reclamação, de modo a conceber seus contornos dogmáticos.

Além do desenvolvimento de doutrina quanto à reclamação, aos poucos ela se

torna instrumento relevante no STF e STJ, como será visto no item 2, ao fazer a exposição

histórica do instituto. O que importa pontuar, nessa etapa, é surgem precedentes sobre a

reclamação. Os julgados proferidos no STF e STJ vão também contornos dogmáticos à

reclamação. Quais seus limites, suas hipóteses de cabimento, competência etc. Os precedentes

se revelam como importantes fontes da reclamação. É da jurisprudência que não extraías

diversas normas jurídicas em relação à reclamação, principalmente hipóteses de cabimento.

Isso foi muito importante para a reclamação, pois, como será visto no item 2.2.1, a

reclamação é fruto de uma construção jurisprudencial. Surgiu sem previsão em texto legal,

logo seus limites dogmáticos demandaram atividade judicial para explicitar exatamente suas

88 Destacam-se, dentre outros, em ordem alfabética: ALVES, Renato de Oliveira. A reclamação constitucional

no STF. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 80, jul./set.

2012; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Reflexões que envolvem a nova hipótese de reclamação junto ao STF

advinda da EC nº 45. Repertório IOB de jurisprudência. São Paulo: IOB, nº 8, abr.-2005; CAMBI, Eduardo;

MINGATI, Vinícius Secafen. Nova hipótese de cabimento da Reclamação, protagonismo judiciário e segurança

jurídica. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 196, jun.-2011; CÔRTES, Osmar Mendes

Paixão. A reclamação no novo CPC - fim das limitações impostas pelos Tribunais Superiores ao cabimento?

Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 244, Jun- 2015; CÔRTES, Osmar Mendes Paixão.

Reclamação – A ampliação do cabimento no contexto da “objetivação” do processo nos tribunais superiores.

Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 197, jul.-2011; CORTEZ, Claudia Helena Poggio. O

cabimento de reclamação constitucional no âmbito dos juizados especiais estaduais. Revista de Processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, v. 188, out.-2010; COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro

Henrique Pedrosa (org.). Reclamação constitucional. Salvador: JusPodivm, 2013.; CUNHA, Leonardo Carneiro

da. Reclamação. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016; CUNHA, Leonardo

Carneiro da. Natureza jurídica da reclamação constitucional. Aspectos Polêmicos e Atuais dos recursos cíveis e

de outros meios de impugnação às decisões judiciais. NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Tereza Arruda

Alvim (coords). Vol. 8. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005; CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR.,

Fredie. Curso de direito processual civil. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3; DINAMARCO, Cândido

Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro. Nova era do processo civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros,

2013; GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da autoridade das decisões dos tribunais. O

processo: estudos & pareceres. São Paulo: DPJ, 2005; MENDES, Gilmar Ferreira. A reclamação constitucional

no Supremo Tribunal Federal. Revista Fórum Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, nº 100, jun.-2009;

NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça. COSTA, Eduardo José da Fonseca;

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013;

PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo com a nova Constituição. Revista dos

Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 646, ago.-1989; PACHÚ, Cláudia Oliveira. Da Reclamação

perante o Supremo Tribunal Federal. Revista de direito constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos

Tribunais, v. 55, abr./jun.-2006; PONTES MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de

Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, t. 5; ROSAS, Roberto. Direito Processual Constitucional:

princípios constitucionais do processo civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999; ROSSI, Júlio César.

Aspectos processuais da reclamação constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo:

Dialética, v. 19, out.-2004; SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos. Da reclamação. Revista dos Tribunais.

São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 808, fev.-2003; VEIGA, Daniel Brajal. O caráter pedagógico da reclamação

constitucional e a valorização do precedente. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 220,

jun.-2013; XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2016.

Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

34

hipóteses de cabimento, seu procedimento, seu regramento, tudo foi, ao menos inicialmente,

concebido pela jurisprudência, com poucos dispositivos de lei. Assim, também se

desenvolveu a reclamação mediante o adensamento da jurisprudência como sua fonte.

Existe uma relação de circularidade entre a doutrina, como fonte material, e a lei e

a jurisprudência, como fontes formais. A doutrina fornece o substrato teórico para o Poder

Legislativo e, principalmente, para os juízes no momento de decidir. Por outro lado, a

doutrina, para sistematizar e formular os enunciados dogmáticos da reclamação, parte da lei e

da jurisprudência. É um movimento circular. A fonte material alimenta a fonte formal, que, a

seu turno, é o ponto de partida da fonte material, retroalimentando-a. A doutrina parte das leis

e dos precedentes para formar enunciados servíveis às leis e aos precedentes89.

O que se conclui, portanto, é que a reclamação surge no sistema jurídico com

poucas fontes formais e materiais, principalmente doutrina e jurisprudência; porém,

gradativamente, vai ganhando espaço e robustez dogmática, mediante esforço conjunto da

doutrina e jurisprudência, superando – ao cabo – o problema de fonte. O CPC/2015, por sua

vez, traz um regramento mais detalhado da reclamação.

1.4.2.2.1. A alteração das fontes formais da reclamação constitucional

Como dito, a fonte formal primária da reclamação era a jurisprudência, em sentido

contrário da tradição brasileira, que teve a lei como fonte primária.90 Havia poucos

dispositivos legais tratando da reclamação, que dependia de precedentes jurisprudenciais,

municiados dos enunciados dogmáticos doutrinários construídos em torno do instituto.

No Brasil, a lei é fonte primária por excelência, já a jurisprudência era fonte

secundária. Porém, com a reclamação era diferente, pois a sua fonte primária era a

89 Essa relação circular foi influenciada pelo bartolismo: “O bartolismo, aplicação da doutrina que empresta o

nome de um importante glosador da época medieval, Bartolo de Saxoferrato, tão importante que vem

expressamente mencionado nas Ordenações, é um recurso ou instituto do direito comum (direito erudito, o

direito dos glosadores e pós-glosadores). Entendido como direito subsidiário ao direito escrito, mesmo que

eventualmente, em um ou outro momento, tenha assumido papel prevalente, teve inegável e profunda influência

na formação das nossas tradições jurídicas brasileiras. Determina a mentalidade do jurista não como técnico

do direito, destinado a aplica a lei de forma unívoca, mas como um “sabedor” do direito. Daí a vocação, no

direito brasileiro, para a criação (reconstrução) do direito pelo judiciário e para a busca da justiça no caso

concreto” (ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 96). 90 “Entre os povos cultos contemporâneos, a lei é a fonte principal do direito objetivo (ESPÍNOLA, Eduardo;

ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1943, v. 1. p. 16). No mesmo sentido: DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro

interpretada, cit., p. 62; GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro, cit., p. 2-

13; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Fontes e evolução do Direito Civil brasileiro, cit.;

MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 79-80.

Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

35

jurisprudência. Eram pouquíssimos os dispositivos legais sobre a reclamação, daí por que a lei

era sua fonte secundária. Contudo, o CPC/2015 altera o cenário das fontes formais da

reclamação, exatamente porque aumenta – significativamente – a quantidade de texto legal

tratando do instituto. Passam a ser 22 (vinte e duas) disposições, nos arts. 988 a art. 993, art.

937, VI, e art. 985, §1º. Revogam-se apenas 9 (nove) disposições que eram previstas na Lei nº

8.038/1990 (arts. 13 a 19). Os do Código de Processo Penal Militar (CPPM, art. 584 a 587)

são revogados implicitamente pelo CPC/2015.91 Ademais, são mantidos os artigos da Lei da

Súmula Vinculante (Lei nº 11.417/2006, arts. 7º a 9º).

Por outro lado, o CPC/2015 aproxima a jurisprudência da lei, na condição de

fonte formal primária do Direito brasileiro. O CPC/2015 instala um sistema de precedentes

obrigatórios, colocando a jurisprudência em nível de relevância aproximado ao da lei. Os

precedentes obrigatórios são arrolados no art. 927 do CPC/2015; e, já que são obrigatórios,

denominam-se precedentes formalmente vinculantes.92 A lei e os precedentes são ambos

formalmente vinculantes.

Assim, o CPC/2015 altera substancialmente a hierarquia das fontes formais. A lei

era a fonte formal primária, ao passo que as demais, aí incluída a jurisprudência, eram fontes

secundárias. O CPC/2015 intenta estruturar um sistema de precedentes formalmente

vinculantes. Torna-se maior a cogência da jurisprudência como fonte formal. Lei e

jurisprudência passam a ser fonte formal primária do direito brasileiro.

No que se refere à reclamação, a jurisprudência já era sua fonte formal primária e

mais importante. Porém, o CPC/2015 traz tantos e tão importantes dispositivos sobre

reclamação que, inevitavelmente, estabelece-se como fonte formal primária da reclamação, ao

lado da jurisprudência. O texto legal, no CPC/2015, torna-se fonte formal primária da

reclamação, tão importante quanto à jurisprudência. O CPC/2015 traz previsões sobre

procedimento, hipóteses de cabimento e inadmissão, partes, causa de pedir, legitimidades

ativa e passiva, intervenção do Ministério Público, prova, tutela provisória, conteúdo da

decisão etc.

O curioso é o movimento reverso da reclamação. Enquanto para os demais

institutos, a fonte primária era a lei e a jurisprudência era fonte secundária, o movimento foi

no sentido da jurisprudência também se tornar fonte primária, por conta do sistema de

91 Ressalvam-se os prazos previstos no CPPM, que são atinentes as peculiaridades do processo penal militar,

todos os demais dispositivos sobre reclamação foram revogados pelo CPC/2015, pois cuidam da mesma matéria. 92 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes, cit., p. 344.

Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

36

precedentes vinculantes do CPC/2015. Já em relação à reclamação, ocorreu o caminho

inverso. A fonte primária era a jurisprudência e, por sua vez, a lei que se elevou à fonte

primária.

O CPC/2015, portanto, é um marco da superação do problema de fonte da

reclamação. Do surgimento, sem previsão legal, escassa doutrina e poucos precedentes, até o

CPC/2015, que trata com mais detalhes a reclamação, acompanhada de desenvolvimento da

doutrina e da jurisprudência.

1.5. Razões para o estudo dogmático das hipóteses de cabimento reclamação constitucional

A dogmática jurídica contribui para adensar o conhecimento sobre o instituto

estudado. Situa a reclamação na Ciência Jurídica e dentro do Direito Processual Civil. A

reclamação submete-se às três tarefas do método dogmático. Partindo das fontes formais, são

analisados e elaborados os conceitos jurídicos do instituto. Tais enunciados conceituais são

reconduzidos para uma análise sistemática com o resto do ordenamento jurídico. Ao fim, os

conceitos elaborados são servíveis para fundamentar casos jurídicos.

Sob a perspectiva desta pesquisa, a grande importância da dogmática jurídica

consiste em dirigir-se, sempre, à resolução de casos jurídicos e permitir aferir a consistência

das decisões jurídicas, mediante a análise da fundamentação e sua compatibilidade com os

enunciados dogmáticos sistematizados. E, ao estudar dogmaticamente a reclamação,

permitem-se decisões a ela relativas mais consistentes, pois fundadas em enunciados

sistematizados pela dogmática.

Estudar dogmaticamente as hipóteses de cabimento reclamação significa,

portanto, tratá-las como institutos do Direito Processual Civil e elaborar os seus enunciados

dogmáticos e sua relação com os demais institutos. É explicar, a partir da ciência do Direito,

qual o seu conceito e sua relação do com os demais institutos. É analisar as fontes formais da

reclamação e elaborar os enunciados dogmáticos, ou seja, é conceber a doutrina e alargar a

fonte material da reclamação.

Enfim, estudar dogmaticamente as hipóteses de cabimento da reclamação

consiste, basicamente, em conceituá-la e descrevê-la, à luz do Direito Processual Civil. Tudo

sob o método próprio da dogmática, garantindo a possibilidade de aferir a consistência das

decisões que resolvam casos jurídicos às hipóteses de cabimento da reclamação relacionados,

aumentando a segurança jurídica do instituto.

Page 48: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

37

1.5.1. A previsão da reclamação no CPC/2015: necessidade de redução das incertezas

As fontes formais são os pontos de partida inegáveis da atividade dogmática. São

o objeto de estudo dogmático da doutrina. As fontes formais (linguagem prescritiva) são o

objeto da formação da dos enunciados dogmáticos (linguagem descritiva). A atividade

dogmática se inicia com o estudo das fontes formais, ou seja, são seus pontos de partida

inquestionáveis93.

Como dito, o CPC/2015 normatiza, amplamente, a reclamação Constitucional.

São mais de vinte e duas disposições, dentre artigos, parágrafos e incisos, que tratam da

reclamação no CPC/2015 (CPC/2015, arts. 988 a 993; art. 937, VI; art. 985, §1º). Traz, em

seu regramento, uma consolidação e novas hipóteses de cabimento da reclamação

constitucional.

O aumento da regulação, mediante texto de lei, pode trazer para os profissionais

do Direito a ilusão de que as incertezas sobre o instituto são diminuídas. Não é verdade.

Cuida-se de erro, fruto da confusão entre texto legal e norma. A maior quantidade de

dispositivos apenas aumenta as incertezas94. O alargamento das fontes formais amplia as

inúmeras possibilidades interpretativas possíveis. As incertezas são ainda maiores com mais

disposições legais tratando da reclamação.

Aqui reside outra razão para o estudo dogmático da reclamação. A maior

quantidade de disposições normativas demanda um estudo dogmático. A dogmática é capaz

de controlar as incertezas.95 Quanto maior a quantidade de dispositivos legais (ou seja, de

fontes formais ou de significantes normativos), maiores as incertezas, pois são ainda maiores

93 João Maurício Adeodato coloca a norma jurídica sob três perspectivas. Norma como ideia ou significado.

Norma como expressão jurídica dotada de validade ou significante. E norma jurídica como decisão dotada de

efetividade. No segundo sentido – norma jurídica como significante – a norma é expressa por símbolos, que são

palavras, gestos, mímicas, entonações, ações, objetos etc. Porém, a norma jurídica deve ser expressa por

símbolos (ou significantes) válidos, ou seja, os significantes que o ordenamento jurídico permita exprimir

normas jurídicas. Dessa forma, a norma jurídica como significante se confunde com as fontes formais. Os

símbolos ou significantes capazes de exprimir normas jurídicas válidas são as fontes formais. Em última análise,

as fontes formais (ou normas jurídicas como significantes) são os pontos de partidas inquestionáveis da

dogmática jurídica. (ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo,

cit., p. 201-233). 94 A linguagem é incerta. A incerteza do Direito é consequência de ser linguagem. Os símbolos da linguagem são

vagos e ambíguos. Quanto mais a quantidade de texto, mais incerteza surge, pois se tornam ainda maiores as

possibilidades de interpretação desses textos, que são símbolos ambíguos e vagos. Como explica Gadamer,

“todo texto escrito é por excelência objeto da hermenêutica” (GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método:

traço fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad. Flávio Paulo Meurer. 15ª ed. Petrópolis: Vozes, 2015,

v. 1., p. 510). 95 Sobre a função de controle da dogmática jurídica, vide item 1.2.3.1.

Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

38

as possibilidades interpretativas. A dogmática jurídica contribui exatamente com a sua função

de controle. É apta a tornar controláveis as incertezas. Não reduz a zero as incertezas – não

transforma em certeza – porém afere a consistência das decisões, já que controla o exercício

hermenêutico sobre as fontes formais regentes do instituto.

Os novos dispositivos sobre reclamação trazem incertezas jurídicas, o que não é

percebido prima facie pelo profissional do Direito. Cabe à dogmática processual civil

“mostrar que o problema envolve incertezas ainda maiores que rompem o sentido estreito do

dogma que deverá, então, prever o que não previu, dizer o que não disse, regular o que não

regulou”.96

As incertezas, fruto da reclamação, são profundas. Não apenas porque

aumentaram as regras regulando o instituto, mas também porque foram criadas novas

hipóteses de cabimento, sobre as quais pairam dúvidas. Ao ser publicada nova lei, não se

sabe, a princípio, quais são as melhores soluções para as incertezas argumentativas sobre as

novas hipóteses de cabimento. Sabe-se que são inúmeras as possibilidades de soluções, em

virtude das inúmeras possibilidades argumentativas. O papel da dogmática é controlar e

reduzir as possibilidades argumentativas sobre a reclamação constitucional.

1.5.1.1. Ambiguidade e vagueza das hipóteses de cabimento: conceitos jurídicos

indeterminados

As hipóteses de cabimento da reclamação constituem conceitos jurídicos

indeterminados. Possuem um certo grau de vagueza e ambiguidade, com abertura semântica,

cujo preenchimento demanda a divisão de trabalho entre Doutrina e Jurisprudência. Os

enunciados contidos nas hipóteses de cabimento do art. 988, do CPC/2015, são locuções

dotadas de grau de vagueza. São conceitos jurídicos indeterminados97, o que dificulta dizer –

a priori – todas as situações que ocorrerão in concretum.98

96 FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 95. 97 Por conceito indeterminado entendemos um conceito cujo conteúdo e extensão são em alguma medida

incertos. Os conceitos absolutamente determinados são muito raros no Direito. Em todo o caso devemos

considerar como tais os conceitos numéricos (especialmente em combinação com os conceitos de medida e os

valores monetários: 50 Km, prazo de 24 horas, 100 marcos). Os conceitos jurídicos são predominantemente

indeterminados, pelo menos em parte. É o que logo vale afirmar, por exemplo, a respeito daqueles conceitos

naturalísticos que são recebidos pelo Direito, como os de <<escuridão>>, <<paz nocturna>>, <<ruído>>,

<<perigo>>, <<coisa>>. E com mais razão se pode dizer o mesmo dos conceitos pròpriamente jurídicos, como

os de <<assassinato>> [<<homicídio qualificado>>], <<crime>>, <<acto administrativo>>, <<negócio

Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

39

Os conceitos jurídicos indeterminados são aqueles, contidos em disposições

normativas, que possuem grau de ambiguidade e vagueza, ou seja, de abertura semântica.99

Na verdade, conceitos absolutamente determinados são muito difíceis no Direito. Os

conceitos jurídicos são predominantemente indeterminados. Com efeito, a indeterminação é

medida em grau; um conceito é mais ou menos ambíguo e vago.100 É preciso, pois, preencher

seu significado, de modo a facilitar a antevisão de quais fatos são alcançados pelo conceito

jurídico. O objetivo da interpretação dogmática, no caso, é preencher o significado do

conceito,101 reduzindo sobremaneira a ambiguidade e a vagueza. Cuida-se de um exame

casuístico, que conta com o trabalho conjunto na Doutrina e da Jurisprudência, cujo intuito é

facilitar a identificação de quais fatos se subsomem aos conceitos jurídicos indeterminados.

No caso da reclamação, as locuções contidas nas hipóteses de cabimentos são

conceitos jurídicos indeterminados, com algum grau de vagueza e ambiguidade. Os

significados de “preservar competência”, “garantir autoridade de decisões” e “garantir

observância” de precedente possuem certa vagueza. Há, nessas locuções, certa medida de

fluidez semântica. Não é possível antever todas as situações concretas que nelas se

jurídico>> etc. (ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Baptista Machado. 5ª ed. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbekian, 1964. p. 173). 98 Conceito jurídico indeterminado não se confunde com cláusula geral. Ambos são partes de textos normativos,

com ampla abertura semântica, contudo a fluidez e indeterminação da cláusula geral é mais ampla: “Cláusula

geral é uma espécie de texto normativo, cujo antecedente (hipótese fática) é composto por termos vagos e o

conseqüente (efeito jurídico) é indeterminado. Há, portanto, uma indeterminação legislativa em ambos os

extremos da estrutura lógica normativa” (DIDIER Jr., Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista

Internacional de Estudios de Derecho Procesal y Arbitraje. Vol. 2, set.-2010). Ainda sobre cláusulas gerais:

MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um ‘sistema em construção’. As cláusulas gerais no projeto

do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado, vol. 139, jul./set.-1998. 99 Como amplamente exposto no item 1.2.3.1., a linguagem jurídica exatamente por se expressar mediante

símbolos não é unívoca. É, com efeito, ambígua e vaga. As fontes normativas, sejam o costume, as leis, os

precedentes são todas símbolos com plurivocidade de significados. As normas exprimem-se em dados

linguísticos plurívocos, ou seja, com a ambiguidade e vagueza. De cada fonte normativa é possível extrair mais

de uma norma e diversos fatos que lhe sujeitam. A ambiguidade relaciona-se à identificação da norma que se

extrai do texto normativo, ao passo que a vagueza consiste em identificar os fatos que devem ser solucionados

pela mesma norma extraída do texto; primeiro, identifica-se a norma, reduzindo a ambuiguidade e, depois,

identifica-se os fatos que se submetem à norma, reduzindo a vagueza. Ambas, de qualquer modo, referem-se ao

significado no enunciado normativo. (ADEODATO, João Maurício. Uma teoria retórica da norma jurídica e do

direito subjetivo. 2ª ed. São Paulo: Noeses, 2014. p. 202; NEVES, Marcelo. Entre Hidra e Hércules. Princípio e

regras constitucionais. São Paulo: Martins Fontes, 2013. p. 6/7). 100 “Em primeiro lugar, toda disposição é (mais ou menos) vaga e ambígua, de um tal modo que tolera diversas

e conflitantes atribuições de significado. Neste sentido, a uma única disposição – a cada disposição –

corresponde não apenas uma só norma, mas uma multiplicidade de normas dissociadas. Uma única disposição

exprime mais normas dissociadamente: uma ou outra norma, de acordo com as diversas interpretações

possíveis.” (GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.

34). 101 BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. Trad. Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes,

2007. p. 19-20.

Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

40

enquadram. Com efeito, saber se um fato concreto se caracteriza como alguma das hipóteses

de cabimento da reclamação é uma atividade casuística do intérprete.102

Claro que certas situações configuram, com mais facilidade, algumas das

hipóteses de cabimento. Outras, porém, estão numa zona mais cinzenta, restando difícil

afirmar a priori se caracterizam, ou não, alguma das hipóteses de cabimento.103 Inclusive,

diante da complexidade social, é impossível antever todas as situações relacionadas às

hipóteses de cabimento da reclamação. A cada dia pode surgir um fato, não antes imaginado,

que venha a se enquadrar em algum dos incisos do art. 988. Daí por que se afirma que as

hipóteses de cabimento da reclamação são conceitos jurídicos indeterminados, pois não se

consegue antever todos os fatos que por elas são alcançadas.

Em suma, afirmar que as hipóteses de cabimento da reclamação são conceitos

jurídicos indeterminados significa, ao cabo, dizer que não é possível antever todos os fatos

que nelas se enquadram. Quais são os atos que configuram usurpação de competência? E

afronta à autoridade de decisão? E inobservância de precedente? Não se sabe todos

aprioristicamente. A indeterminação – abertura semântica – reside exatamente em não antever

quais fatos estão compreendidos nas hipóteses de cabimento da reclamação. Alguns fatos são

previstos com facilidade, outros pairam dúvidas se caracterizam algum dos fundamentos da

reclamação, outros não são sequer imaginados até que aconteçam.104

A diminuição do grau de ambiguidade e vagueza pressupõe um estudo dogmático

das hipóteses de cabimento, buscando conceituá-las, sistematicamente, junto aos demais

institutos e enunciados normativos do Direito Processual Civil e outros ramos do Direito. É

possível, mediante o método dogmático, conferir significado às hipóteses de cabimento da

reclamação, preenchendo semanticamente as expressões “preservar competência”, “garantir

autoridade de decisões” e “garantir observância” de precedente.105

102 “A normatização da reclamação é muito econômica. A doutrina, escassa, como se sabe. Então, muito fica a

cargo da jurisprudência, ao sabor dos casos concretos – o que não deixa de ser bom para vivificação do

instituto.” (DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. cit., p. 484). 103 Podemos distinguir nos conceitos jurídicos indeterminados um núcleo conceitual e um halo conceitual.

Sempre que temos uma noção clara do conteúdo e da extensão dum conceito, estamos no domínio do núcleo

conceitual. Onde as dúvidas começam, começa o halo conceitual.” (ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento

jurídico. Trad. J. Baptista Machado. 5ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1964. p. 173). 104 “Ora, pode não parecer, mas não é tão simples dizer em que casos há, realmente, usurpação de competência

e/ou desacato a uma decisão ou súmula vinculante, a legitimar o cabimento da reclamatória. Muitas vezes não

se sabe, havendo mais de uma medida ou remédio existente, qual seria o meio adequado para o caso, se a

reclamatória ou se outra medida, para se atingir o fim pretendido. O cabimento da reclamatória, como adiante

se verá, encontra limites bastante tênues, porém restritos, sendo um trabalho bastante árduo para o julgador

defini-los.” (MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit.,

p. 176). 105 Um detalhe é capaz de demonstrar a importância do estudo dogmático e sua relação com a fluidez dos

conceitos contidos nas hipóteses de cabimento da reclamação. O termo “preservar competência” está atrelado

Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

41

Assim, o que se busca na presente pesquisa é realizar uma breve incursão

dogmática nas hipóteses de cabimento da reclamação, de modo a contribuir no preenchimento

do significado das locuções indeterminadas nelas contidas: “preservar competência”,

“garantir autoridade de decisões” e “garantir observância” de precedente.

1.5.2. A função de controle da dogmática jurídica em relação à reclamação

Os tribunais, ao tratarem das hipóteses de cabimento da reclamação, poderão, e

deverão, utilizar os enunciados conceituais elaborados pela dogmática. Claro que o papel dos

tribunais é criador. Não se trata de mera aplicação da lei. Os tribunais criam normas. Os

precedentes106 e as normas jurídicas individuais e concretas proferidas nas demandas judiciais

são novas normas. Porém, para chegar até elas, o tribunal deve partir de enunciados

conceituais dogmáticos, principalmente diante das novas situações que surgirão com as

previsões sobre reclamação contidas no CPC/2015.

A importância do estudo dogmático da reclamação, ao cabo, reside em aumentar a

segurança jurídica do instituto e diminuir as incertezas decorrentes do Direito e sua

linguagem. É a função de controle da dogmática107, cujo resultado é o aumento da densidade

da segurança jurídica. A função de controle torna as hipóteses de cabimento da reclamação,

em maior grau, cognoscíveis e calculáveis, ou seja, atende a duas das finalidades da segurança

jurídica. É preciso adensar a segurança jurídica da reclamação constitucional.

A função de controle resulta em aferir a consistência das decisões sobre

reclamação108. Permite controlar se há compatibilidade entre os motivos da decisão do caso e

os enunciados dogmáticos sobre reclamação. Com a adoção do método dogmático,

sistematizando os enunciados conceituais em torno das hipóteses de cabimento da

reclamação, conhecem-se mais facilmente os conteúdos normativos possíveis dos dispositivos

ao conceito dogmático de competência. Caso este seja alterado, modificar-se-á por consequência os casos em

que cabem reclamação por usurpação de competência. 106 O termo precedente aqui foi utilizado em metonímia. Precedente é o texto, a norma é a ratio decidendi dele

extraída. Pode também, aqui, ser visto como norma na acepção de significante, como explanado no item 1.2.3. 107 Sobre a função de controle da dogmática e sua correlação com a segurança jurídica, ver item 1.2.3.1. 108 A aplicação do Direito é duplamente contingente. Inicialmente, não se sabe o significado de um determinado

texto legal (contingência primária decorrente da ambiguidade). Também se desconhece que fatos juridicamente

relevantes se subsomem na norma extraída do texto legal (contingência secundária decorrente da vagueza). As

decisões dos casos jurídicos são incertas. Inúmeras interpretações são possíveis, diante da ambiguidade e

vagueza do texto legal, portanto se fala em incerteza do Direito. Dada interpretação será tida por válida, se

comprovar-se a compatibilidade lógica com os demais enunciados dogmáticos. A função de controle da

dogmática jurídica consiste em tornar controláveis as contingências e incertezas da aplicação da norma jurídica.

O método dogmático permite comprovar se a interpretação dada ao texto normativo é compatível com os demais

enunciados igualmente dogmáticos. Controlar é, pois, aferir a consistência das decisões jurídicas.

Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

42

do CPC/2015 que tratam da reclamação, ou de práticas argumentativas que os reconstruam

(cognoscibilidade). Igualmente, anteveem-se quais atos e fatos – relativos às hipóteses de

cabimento da reclamação – serão considerados como juridicamente relevantes e seus

respectivos efeitos jurídicos (calculabilidade)109.

1.5.2.1. A necessidade de segurança jurídica em relação à reclamação: uma

questão de metassegurança jurídica

A função de controle da dogmática jurídica também é importante para o estudo

das hipóteses de cabimento da reclamação, pois atende a dois objetos da segurança jurídica.

Mais precisamente, a função de controle da dogmática atende: (a) à segurança na aplicação

das normas jurídicas atinentes às hipóteses de cabimento da reclamação; e, (b) à segurança da

doutrina sobre as hipóteses de cabimento da reclamação.

Percebe-se, enfim, que as razões para o estudo dogmático sobre reclamação se

resumem a uma questão de segurança jurídica da própria reclamação, sob algumas

perspectivas. Segurança na aplicação das normas jurídicas atinentes à reclamação. Segurança

na interpretação das fontes formais da reclamação. Segurança nas decisões de casos jurídicos

relativos à reclamação. Segurança da doutrina sobre reclamação. Segurança jurídica da

reclamação.

A segurança jurídica da reclamação é, na verdade, questão de metassegurança

jurídica. Segurança jurídica de segundo nível. Segurança da segurança jurídica. É que a

reclamação é instrumento judicial adequado para manter a segurança jurídica do Direito, em

certas perspectivas que serão oportunamente abordadas. Logo, afirmar que é necessário

manter a segurança jurídica da reclamação constitucional implica falar de metassegurança

jurídica. Deve-se manter seguro o instrumento que garante a segurança jurídica.

109 A segurança jurídica está relacionada à possibilidade de controlar as decisões jurídicas, o que o método

dogmático permite, já que serve para aferir a consistência das decisões. “La presunta abnormità di questo

risultato è all’origine della proposta di considerare la prevedibilità non come sinonimo, ma come semplice

sintomo di certezza: la prevedibilità delle conseguenze giuridiche delle proprie azioni – si afferma – deve essere

considerata condizione forse necessaria, ma in ogni caso non sufficiente, di certezza: affinché possa

propriamente parlarsi di “certezza del diritto” è necessario affiancare alla prevedibilità delle conseguenze

giuridiche dell’azione l’ulteriore condizione della controllabilità delle decisioni giuridiche, definita come la

«possibilità di valutare preventivamente, o anche in un momento successivo, la conformità delle scelte

particolari ad un criterio generale precostituito». Gli autori che avallano questa scelta definitoria affermano

che «si ha tanta più certezza quanto più le vie della previsione tendono a coincidere con le vie della

giustificazione». Quando il diritto è molto certo, insomma, possiamo ottenere il quadro delle scelte degli organi

giuridici che, talvolta in alternativa tra loro, sono giustificabili in un momento dato” (GOMETZ, Gianmarco.

La certezza giuridica como prevedibilità. Torino: Giappichelli, 2005. p. 246-247).

Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

43

A reclamação constitucional como instrumento judicial para adensar a segurança

jurídica do Direito é segurança de primeiro nível. Buscar a segurança jurídica acerca da

reclamação constitucional é segurança de segundo nível.

Dos autores que dissertam sobre reclamação constitucional, diversos indicam que

se trata de um instrumento útil para manutenção da segurança jurídica. É que a reclamação é

atualmente cabível para (CPC/2015, art. 988): (i) preservar competência dos tribunais; (ii)

garantir a autoridade das decisões dos tribunais; (iii) garantir a observância de súmula

vinculante e decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade; e, (iv) garantir a

observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de

assunção de competência. Todas as hipóteses de cabimento, que serão dissecadas com mais

profundidade adiante, estão intrínseca e mediatamente ligadas à ideia de segurança jurídica,

principalmente as últimas duas.

A primeira relaciona-se com o princípio do juiz natural, cujo um dos fundamentos

é a segurança jurídica. A segunda trata da eficácia das decisões judiciais, com ênfase nas que

formaram coisa julgada material. As duas últimas são hipóteses de cabimento da reclamação

como meio de controle de aplicação ou não observância de precedentes judiciais ditos

obrigatórios, cujos fundamentos para a obrigatoriedade são a igualdade e a segurança jurídica.

Assim, a reclamação constitucional – em todas as hipóteses de cabimento – serve

mediatamente para adensar a segurança do Direito.

São vários os autores, em pesquisas específicas sobre o tema, que explicam a

relação entre a reclamação constitucional e a segurança jurídica110, principalmente na sua

função de controlar a aplicação ou não observância do precedente judicial.111

110 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 103-

104. MINGATI, Vinícius Secafen. Reclamação (neo)constitucional: precedentes, segurança jurídica e os

juizados especiais. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. p. 131. CAMBI, Eduardo; MINGATI, Vinícius Secafen.

Nova hipótese de cabimento da Reclamação, protagonismo judiciário e segurança jurídica. Revista de Processo.

São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 196, jun.-2011. TAKOI, Sérgio Massaru. Reclamação Constitucional. São

Paulo: Saraiva, 2013. p. 194. STRATZ, Murilo. Reclamação na jurisdição constitucional. Santa Cruz do Sul:

Essere nel mondo, 2015, p. 170. 111 “De modo que o cabimento da Reclamação, nessa perspectiva, passa a guardar relação com a autoridade

das decisões da Corte enquanto precedentes constitucionais, que não podem ser desrespeitados em qualquer

caso. Os precedentes definem o sentido do direito federal infraconstitucional, com como os precedentes

constitucionais são precedentes de uma Corte Suprema. São precedentes que desenham o direito que devem

orientar a sociedade e governar as decisões judiciais. Assim, a tutela da autoridade desses precedentes é

imprescindível para se garantir a coerência do direito, a igualdade e a segurança jurídica.” (MARINONI, Luiz

Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da corte suprema. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 242).

Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

44

As hipóteses de cabimento da reclamação são pontos que contribuem para

segurança do Direito em sua inteireza.

Saber, a priori, por qual tribunal será julgado, bem como conhecer que existe um

instrumento preservador da competência previamente fixada, adensa a segurança jurídica,

afastando o temor dum tribunal de exceção.

Saber que, após o julgamento, a decisão será eficaz e, caso desrespeitada, há um

instrumento para impô-la aos que lhe submetem, também aumenta a segurança jurídica.

Igualmente, saber que os tribunais o tratarão igual aos demais jurisdicionados e,

ainda, que há um instrumento para garantir o julgamento isonômico, também contribui para a

segurança jurídica.

Esse instrumento é a reclamação constitucional. Preserva a competência dos

tribunais, garante a autoridade das decisões, bem como a observância, ou não aplicação, dos

precedentes ditos obrigatórios.

A reclamação constitucional é, portanto, meio mediato útil para adensar a

segurança do Direito. Mediante suas hipóteses de caimento, protege o princípio do juiz natural

e as competências dos tribunais, garante a autoridade e eficácia das decisões dos tribunais e

controla a aplicação dos precedentes judiciais. Suas funções adensam remotamente a

segurança jurídica. Dessa forma, ao falar da necessidade de segurança jurídica da reclamação

constitucional implica uma questão de metassegurança jurídica, pois está tratando da

segurança acerca de instituto, cuja finalidade é a segurança do sistema como um todo.

Mantém-se seguro o instituto que traz segurança para o ordenamento.

Page 56: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

45

2. Genética da reclamação constitucional

2.1. A classificação histórica tradicional112

A reclamação constitucional é fruto de construção pretoriana. Surgiu no seio do

STF, sem previsão em texto legal. Sua gênese remonta a precedentes judiciais do STF,

baseado na teoria dos poderes implícitos (implied powers). Também é instituto jurídico

genuinamente brasileiro; não se conhecem institutos análogos no direito comparado113.

José da Silva Pacheco dividiu – para fins didáticos – o surgimento e a evolução da

reclamação em quatro fases. É uma classificação já tradicional, que embasou inclusive a

pesquisa histórica de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas. A primeira fase proposta por José da

Silva Pacheco vai desde a criação do instituto pelo STF até o ano de 1957. A segunda inicia-

se em 1957, com a inserção da medida no Regimento Interno do STF, até 1967. O marco

inicial da terceira fase é a CF/1967, cujo permissivo contido no art. 115, parágrafo único,

alínea “c”, autorizava o Regimento Interno do STF a estabelecer o processo e o julgamento

dos feitos de sua competência originária ou de recurso, terminando em 1988. A última fase

descrita começa com a CF/1988, cujos arts. 102, I, l, e 105, I, f, preveem expressamente a

reclamação no texto constitucional.114

Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, a seu turno, divide o surgimento da reclamação

em cinco fases115. Basicamente, a terceira fase da divisão proposta por José da Silva Pacheco

é subdividida em duas. A terceira fase, desta divisão, inicia em 1967, com o advento da

CF/1967 até 1977, quando começa a quarta fase, com o advento da Emenda Constitucional

7/1977. A quarta fase é marcada pela avocatória116, que poderia ter esvaziado a reclamação,

112 A reclamação é um instituto relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, porém é possível já

dividi-lo em fases, principalmente tendo em vista seu desenvolvimento recente. Como diz Edilson Pereira Nobre

Júnior: “Apesar de faltar à reclamação a nota de ancianidade, pois o seu surgimento nestas plagas recua ao

início da centúria pretérita, é possível descortinar-se algumas fases em seu desenvolvimento até os dias atuais

(NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça. COSTA, Eduardo José da Fonseca;

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 111). 113 Marcelo Ribeiro Navarro Dantas realizou ampla pesquisa nos ordenamentos jurídicos americano, alemão,

austríaco, espanhol, francês, italiano, português e comunitário europeu, e concluiu pela inexistência de instituto

símile à Reclamação Constitucional brasileira (DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação

Constitucional no direito comparado. COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa

(orgs). Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 335-369). 114 PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo com a nova Constituição. Revista dos

Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 646, ago.-1989. 115 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre: Sérgio

Antônio Fabris, 2000. p. 45-266. Registra-se aqui, a profundidade da pesquisa do autor. 116 A avocatória consistia na possibilidade do STF deferir pedido do Procurador-Geral da República para avocar

àquela Corte causas processadas perante quaisquer juízos ou tribunais, quando houvesse imediato perigo de

grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas, nos termos do art. 119, I, alínea “o” da

CF/1967.

Page 57: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

46

porém não o fez, ao reverso fortaleceu o instituto e o firmou no ordenamento jurídico, tanto

que foi – após o fim do regime militar – alçada a nível constitucional. Resumidamente, são

cinco as fases da divisão de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas: (a) fase de formulação; (b) fase

de discussão; (c) fase de consolidação; (d) fase definição; e, (e) fase de plenificação

constitucional.117

Já Leonardo Lins Morato adota a divisão proposta por Marcelo Navarro Ribeiro

Dantas, porém adiciona ainda mais uma fase, perfazendo o total de seis. A sexta fase histórica

descrita por Leonardo Lins Morato possui como marco inicial a promulgação da Emenda

Constitucional 45/2004, que coloca a reclamação como meio de controle da aplicação ou não

observância de súmula vinculante (CF/1988, art. 103-A, §3ª).118 A Emenda Constitucional

45/2004 foi um marco histórico importante, por potencializar o uso da reclamação a cada

edição de mais uma súmula vinculante.

Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, em tese destinada à obtenção de grau de Doutor,

realizou proveitosa pesquisa sobre a origem da reclamação constitucional. Contudo, o livro

“Reclamação Constitucional no Direito brasileiro” foi publicado no ano de 2000. De lá para

cá, as feições do instituto se alteraram bastante119. Primeiro, em virtude da Emenda

Constitucional 45/2004, que previu a hipótese de reclamação para controle de aplicação ou

não observância de súmula vinculante (CF/1988, art. 103-A, §3). Segundo, por conta do

cabimento para impugnar decisão de juizado especial cível que violar entendimento do STJ.

Terceiro, em razão do CPC/2015 (arts. 988 a 993). Duas alterações legislativas e

entendimento jurisprudencial que modificaram a reclamação e potencializaram a sua

propositura nos tribunais.

A exposição histórica sobre a reclamação ainda é importante exatamente para

compreender a sua atual função, e respectivas hipóteses de cabimento, no sistema jurídico

positivo brasileiro. Qualquer trabalho que discorra sobre reclamação constitucional, para fazê-

la clara, deve ter uma referência mínima ao surgimento do instituto, pois é sua origem

117 “Seriam, então, ao todo, cinco [fases], e não somente quatro, assim: a1) dos primórdios do STF até 1957,

quando foi introduzida a reclamação em seu regimento interno – que se chamará de fase formulação do

instituto; a2) a partir da incorporação da medida ao RISTF até a promulgação da CF/67 – que, na história da

medida, será tida como sua fase de discussão; a3) do advento da CF/67, passando pela EC 1/69, até a edição da

EC 7/77 – que se vai denominar fase de consolidação; a4) desde as modificações trazidas pela EC 7/77 ao final

do regime constitucional imediatamente pretérito – a fase de definição do instituto; a5) da CF 88 até o presente

– em que se tem a fase de plenificação constitucional da reclamação” (DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro.

Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 46-47). 118 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante, cit., p. 36. 119 O ano de elaboração deste texto é 2015.

Page 58: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

47

pretoriana sui generis, alicerçada em decisões do STF, que consegue justificar e explicar

diversas nuances dogmáticas, principalmente suas hipóteses de cabimento.

Compreender a reclamação pressupõe conhecer sua origem jurisprudencial.

Muito embora as três classificações acima sejam úteis para fins didáticos, propõe-

se uma nova classificação das fases históricas da reclamação. É que, com as hipóteses de

cabimento previstas em legislação infraconstitucional, sobretudo a ampliação da competência

para todos os tribunais brasileiros (CPC/2015, art. 988), a reclamação entra em uma nova

fase, talvez a mais importante do instituto. O CPC/2015 é um relevante marco histórico, que

inicia a fase codificada da reclamação.

É com o intuito meramente didático, que se propõe o rearranjo da divisão histórica

da reclamação constitucional em apenas três fases: (i) fase pré-constitucional; (ii) fase

constitucional; e, (iii) fase codificada. A primeira fase vai desde a apreciação pelo STF das

primeiras reclamações até a promulgação da CF/1988. A segunda fase possui como marco

inicial a alçada do instituto a nível constitucional (CF/1988, arts. 102, I, l, e 105, I, f), até

2016. A última fase começa com a vigência do CPC/2015, que regulamenta, no texto

codificado, o procedimento, hipóteses de cabimento e competência de todo tribunal para

apreciar reclamações.

Não se quer apagar os marcos históricos propostos por José da Silva Pacheco,

Marcelo Navarro Ribeiro Dantas e Leonardo Lins Morato. Apenas apresenta-se um rearranjo,

didaticamente distinto, na forma de expor a origem pretoriana da reclamação e suas

transformações ao longo dos anos. Para a exposição histórica, em virtude da qualidade e

verticalização, utiliza-se como marco teórico a pesquisa “Reclamação Constitucional no

Direito brasileiro”, de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas.

2.2. Nova proposta de classificação histórica: evolução da reclamação constitucional

2.2.1. Fase pré-constitucional120

A primeira fase da nova classificação proposta vai do surgimento da Reclamação

até sua previsão expressa no texto da CF/1988 (arts. 102, I, l, e 105, I, f). Cuida do lapso

temporal, em que a reclamação não possuía permissivo expresso no texto constitucional.

Trata-se do tempo quando ocorreu sua gênese propriamente dita. Ela surge, ganha contornos,

120 Esse momento histórico da reclamação é mui bem sintetizado por Lúcio Delfino: DELFINO, Lúcio. Aspectos

históricos da reclamação. COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs).

Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 295-303.

Page 59: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

48

define-se e se consolida. Destaca-se nesse período a formulação, no seio do STF, da

reclamação, ou seja, as primeiras reclamações que concederam as feições iniciais do instituto,

a despeito de previsão em texto legal. Igualmente, destaca-se o Regimento Interno do STF,

que previu expressamente a reclamação para preservar a autoridade das decisões do STF e

preservar sua competência. Também é dado relevante a CF/1967, cujo art. 115, parágrafo

único, alínea c, autorizava o Regimento Interno do STF a estabelecer o processo e o

julgamento dos processos de sua competência originária ou de recurso, o que lhe deu forte

respaldo e pôs fim a discussões sobre a necessidade de previsão legal para o seu cabimento.

2.2.1.1. Surgimento da Reclamação

A reclamação – como medida útil para preservar a competência de tribunal e

garantir autoridade de seus julgados – surge no seio do STF.

Em meados da década de 1940, o STF começa a apreciar reclamações. Não havia

texto legal ou constitucional prevendo as hipóteses de cabimento de reclamação perante o

STF. Foi construída jurisprudencialmente, com base na teoria dos poderes implícitos. Possuía

contornos teóricos bastante tênues. Pouco a pouco, a cada julgamento proferido pelo STF, a

reclamação constitucional vai ganhando contornos mais densos, mediante o papel dos

precedentes como fonte formal primária da reclamação.

Nas primeiras reclamações, existia uma clara confusão, realizada tanto pelas

partes quanto pelos ministros, com a reclamação correicional ou, simplesmente, a correição

parcial. Por vezes, a medida apresentava características da reclamação correicional (ou

correição parcial), outras vezes já se mostrava com feições da reclamação constitucional como

hoje se conhece, isto é, o instrumento adequado para preservar competência de tribunal e

garantir autoridade de seus julgados (CF/88, arts. 102, I, “l”, e 105, I, “f”).

A reclamação correicional, ou correição parcial, é medida de caráter

administrativo-disciplinar cabível quando o juiz praticar atos que importem na inversão

tumultuária dos atos processuais, em grave prejuízo para o processo121. Como será visto

oportunamente no item 2.5.1.1, a reclamação constitucional e a correição parcial não se

confundem. Porém, cabe afirmar que – na época em que surge a reclamação constitucional no

121 SANTOS, Aloysio. A correição parcial: Reclamação ou recurso acessório? 2ª ed. São Paulo: LTr, 2002. p.

41.

Page 60: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

49

STF – a correição parcial era bastante problemática, existia dúvida quanto à sua

constitucionalidade e à sua natureza jurídica, se era recurso ou medida disciplinar122.

A confusão entre a reclamação constitucional e a reclamação correicional não era

decorrência de ignorância das partes ou dos ministros. Na verdade, tal confusão dava-se

porque ambas eram ainda problemáticas e confusas na dogmática jurídica. Existia embaraço

entre as medidas. O fato é que a reclamação constitucional, gradualmente, mediante

construção jurisprudencial, desprendeu-se da reclamação correicional e tornou-se a medida

que hoje se conhece.

A gênese do instituto não foi instantânea, tampouco ocorreu sem divergências.

Ocorreu gradativamente. Cada reclamação julgada, bem como as discussões travadas entre os

ministros, contribuiu para construção da reclamação contemporânea123. Existiu resistência em

aceitar uma medida – sem fundamento em texto legal ou constitucional – para preservar

competência do tribunal e garantir a autoridade de seus julgados. O acertado fundamento

dogmático encontrado foi a “teoria dos poderes implícitos”, difundida pela Suprema Corte

norte-americana: de nada adiantaria conceder ao STF o poder para exercer suas competências

explícitas, se também não lhe fosse dado o poder de preservar as competências explícitas e

impor as suas decisões aos demais juízos e tribunais.

Conforme lição de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, a Reclamação nº 141-SP foi

o julgamento mais marcante para a gênese da reclamação constitucional, principalmente por

conta dos votos dos Ministros Rocha Lagoa e Orosimbo Nonato124. Na fundamentação é

possível extrair a ratio decidendi, como norma jurídica geral e abstrata, que prevê a

reclamação constitucional no ordenamento jurídico brasileiro. Nela restou consignado, de

maneira contundente, o fundamento da gênese da reclamação constitucional.

A competência não expressa dos tribunais federais pode ser ampliada por construção

constitucional. – Vão seria o poder outorgado ao Supremo Tribunal Federal de julgar em

recurso extraordinário as causas decididas por outros tribunais, se lhe não fora possível

122 Sobre a polêmica da Correição Parcial, vide: MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. A correição parcial. São

Paulo: Bushatsky, 1969. 123 É possível indicar as seguintes Reclamações que contribuíram, significativamente, para a gênese do instituto:

Rcl 84, DJ 23.7.46, p. 1.358; Rcl 90, DJ 19.4.48, p. 1.340; Rcl 127; Rcl. 141-SP; Rcl. 155; Rcl. 169, DJ 21.5.53;

Rcl. 174-DF; Rcl. 184; Rcl. 202. (As indicações foram retiradas de: DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro.

Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 45-264). 124 A Reclamação nº 141-SP foi conhecida por maioria. No julgamento, houve três votos contrários ao cabimento

da medida para preservar competência do STF e garantir autoridade dos julgados. Votos contrários são

excelentes para melhor construção do instituto. Além do caráter democrático, demonstra que houve entraves,

debates e amadurecimento das teses levantadas. As discussões dialéticas apenas enriquecem o julgamento.

Votaram contra os ministros Abner de Vasconcellos, Hahnemann Guimarães e Edgard Costa. Votaram pelo

conhecimento os ministros Rocha Lagoa, Nelson Hungria, Lafayette de Almeida, Orozimbo Nonato. Os

ministros Mário Guimarães e Luiz Gallotti eram impedidos.

Page 61: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

50

fazer prevalecer os seus próprios pronunciamentos, acaso desatendidos pelas justiças locais.

A criação dum remédio de direito para vindicar o cumprimento fiel de suas sentenças está

na vocação do Supremo Tribunal Federal e na amplitude constitucional e natural de seus

poderes. – Necessária e legítima é assim a admissão de Reclamação, como o Supremo tem

feito. – É de ser julgada procedente a Reclamação quando a justiça local deixa de atender à

decisão do Supremo Tribunal Federal125.

O Ministro Rocha Lagoa, em seu voto, foi incisivo ao afirmar que a competência

não precisa estar expressa no texto constitucional, podendo ser fruto de construção

jurisprudencial, principalmente para fazer impor a observância às competências explícitas.126

Outro valioso voto, cujos fundamentos compõem as razões de decidir do

precedente, foi o do Ministro Orozimbo Nonato:

Em outros tempos, procurei mostrar a legitimidade e a necessidade, em tais casos, de se

admitir a reclamação, como o Supremo Tribunal tem feito. É o que também se dá quando

são barrejadas as fronteiras de sua competência, através de invasão evidente. A criação de

um remédio de direito para vindicar o cumprimento fiel das suas sentenças está na vocação

do Supremo Tribunal Federal e na amplitude constitucional e natural de seus poderes.127

A Reclamação nº 141-SP é o precedente que marca o cabimento da reclamação. A

norma geral e abstrata que se extrai do precedente é o cabimento da reclamação para

preservação da competência do STF e garantia da autoridade de seus julgados, como afirma

Marcelo Navarro Ribeiro Dantas128. Observa-se, portanto, que a reclamação é fruto de pura

construção jurisprudencial, alicerçada sobre a “teoria dos poderes implícitos”.

Não foi apenas em relação à reclamação constitucional, que o STF aplicou a

“teoria dos poderes implícitos”. Já havia aplicado em outras vezes. Com base nos poderes

implícitos, o STF bem cedo reconheceu a competência implícita para os crimes de moeda

falsa, contrabando e peculatos para os funcionários federais e para conhecer a ação rescisória

contra seus julgados, muitos antes da criação desse instituto, com a CF/1934 (art. 76, “2”,

I)129.

Leonardo Carneiro da Cunha bem explica que há competências implícitas

decorrentes das competências explícitas dos órgãos jurisdicionais. Em matéria de

125 Ementa da Reclamação 141-SP, Rel. Min. Rocha Lagoa, de 25/01/1942. 126 “Ora, vão seria o poder, outorgado a este Supremo Tribunal, de julgar um recurso extraordinário as causas

decididas em única ou última instância por outros tribunais ou juízes se lhe não fora possível fazer prevalecer

seus próprios pronunciamentos, acaso desrespeitados pelas justiças locais. Para tanto ele tem admitido

ultimamente o uso do remédio heroico da Reclamação, logrando desse modo fazer cumprir suas próprias

decisões.” (Reclamação 141-SP, Rel. Min. Rocha Lagoa, de 25/1/1942). 127 Reclamação 141-SP, Rel. Min. Rocha Lagoa, de 25/01/1942. 128 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 182. 129 PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo com a nova Constituição. Revista dos

Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 646, ago.-1989. p. 20.

Page 62: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

51

competência, há a importante regra das tipicidades das competências. As competências são

típicas. A interpretação dada à fonte normativa que confere competência a algum órgão

jurisdicional deve ser restrita. Não se admite competência por analogia ou por interpretação

extensiva. Contudo, há situações em que a competência é implícita. Está encartada na fonte

normativa sistemática e implicitamente130. A competência não deixa de ser típica, porém

implícita. É exatamente o caso da reclamação constitucional. A competência para apreciá-la

era implícita, em decorrência das competências explícitas. Um órgão jurisdicional para

exercer suas competências explícitas precisa do poder – ainda que implícito – de preservar

suas competências e garantir autoridade de suas decisões. Canotilho explica as competências

constitucionais implícitas como aquelas “não individualizadas ou mencionadas no texto

constitucional, mas que se podem ainda considerar como implicitamente derivadas das

normas constitucionais escritas”131. Ainda em Portugal, Jorge Miranda é incisivo:

A competência vem da norma; não se presume. Contido, tanto pode ser explícita quanto

implícita. Quer dizer tanto pode assentar numa norma que, explicitamente, a declare como

assentar em norma cujo sentido somente seja descoberto através de técnicas interpretativas

e que surja como consequência de outra norma ou nela esteja contida. Não há diferença de

natureza entre poderes explícitos e implícitos; há somente diferença de graus de leitura.132

No caso do surgimento da reclamação constitucional perante o STF, reforça-se

por se tratar de competência constitucional. Como explica Hesse, as normas constitucionais

devem adquirir maior eficácia possível133, daí as competências explícitas constitucionais

precisam ser mais eficazes possíveis, surgindo, portanto, a competência implícita

constitucional para que o STF aprecie reclamações e reforce a força normativa da

Constituição.

Sob influência de Pontes de Miranda, Marcos Bernardes de Mello explica as

normas implícitas, sob a necessidade de “ter-se em vista que há mais normas vigentes numa

comunidade do que aquelas explícitas nos documentos legislativos que compõem o

ordenamento jurídico”134. Riccardo Guastini utiliza a expressão normas sem disposições;

sendo o termo disposição como sinônimo de texto legal.135

130 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição competência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.

47-49. 131 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 680. 132 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo V. p. 58. 133 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: SAFE, 1991. p. 27. 134 MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p.

25. 135 “Em sentido forte, uma norma é sem disposição quando se trata de uma norma implícita ou não expressa,

isto é, uma norma que não pode ser extraída mediante interpretação de alguma disposição específica ou

combinação de disposições que podem ser encontradas nas fontes. Uma norma não expressa habitualmente é

Page 63: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

52

Enfim, cada autor, sob marco teórico próprio, chega à mesma conclusão: existem

normas jurídicas implícitas (ou não expressas ou sem disposição) que são encontradas no

ordenamento jurídico partindo de interpretação das normas jurídicas explícitas (ou expressas

ou com disposição). No caso específico do surgimento da reclamação constitucional, cuida-se

de normas que conferem competência. A competência para conhecer a reclamação é uma

competência implícita (ou não expressa) decorrente das demais competências explícitas (ou

expressas) do STF. A influência específica sobre a reclamação constitucional – muito embora

tenha ficado claro que diversos autores discorrem sobre as normas implícitas – foi do direito

norte americano.

Nos EUA, difundiu-se a “teoria dos poderes implícitos” ou “implied power

theory”, em virtude principalmente de sua Constituição sintática não esmiuçar as

competências da Supreme Court, limitando-se à Seção 2 do artigo III. Conforme lição de

James Madison, famoso e influente comentarista da Constituição norte-americana, no livro “O

Federalista”: “Não ha principio mais universalmente recebido pelas leis e pela razão do que

este: Que quando o fim he necessário, os meios são permittidos: que todas as vezes que a lei

confere o poder geral de fazer huma cousa, todos os poderes particulares necessarios para

esse fim, se acham completamente comprehendidos nessa disposição.”136

Em 1819, a “teoria dos poderes implícitos” difundiu-se por diversos

ordenamentos jurídicos, inclusive o do Brasil, em virtude do julgamento do caso McCulloch

vs. Maryland perante a Suprema Corte dos EUA. Na época, a presidência era de John

Marshall, que, por 34 anos, dirigiu a corte, exercendo fundamental papel na formação do

Direito constitucional americano, além de propagar a “teoria dos poderes implícitos” nos

diversos precedentes de sua relatoria.

O julgamento do caso McCulloch vs. Maryland, em clara influência de James

Madison, pode ser assim sintetizado: “Se o fim é legítimo e está de acôrdo com os objetivos

da Constituição, todos os meios apropriados e plenamente adaptáveis a êle, não proibidos,

mas dentro da letra e do espírito da Constituição, são constitucionais.”137 Em outras

deduzida ou de outra norma expressa (por exemplo, mediante analogia), ou do ordenamento jurídico no seu

conjunto, ou de algum subconjunto de normas considerado unitariamente (o sistema do direito civil, o sistema

do direito administrativo).” (GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas, cit., p. 41). 136 HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const.

de J. Villeneuve e Comp, 1840. Tomo II. p. 162. 137 “Let the end be legitimate, let it be within the scope of the constitution, and all means which are not

prohibited, but consistent with the letter and spirit of the constitution, are constitutional” (RODRIGUES, Lêda

Boechat. A Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

1992. p. 43/44).

Page 64: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

53

palavras, dês que sejam lícitas, é permitido reconhecer competências implícitas para que o

órgão jurisdicional atinja a finalidade de cumprir e exercer suas competências explícitas.

De todas as razões dadas, insiste-se em salientar o ponto mais importante para

compreender a reclamação constitucional: seu surgimento prescindiu de texto legal, expresso,

explícito; cuidou-se de uma construção jurisprudencial, que encontrou a competência

implícita do STF em decorrência de suas competências explícitas. De nada adianta conceder a

uma corte uma série de competências – recursais e originárias – se não lhe é dada a

prerrogativa de preservar essas competências e garantir a autoridade de suas decisões. As

competências explícitas restariam esvaziadas.

A gênese reclamação é pretoriana. Porém, importante frisar que o STF não apenas

cria a reclamação no sentido de constituir. O STF não produz-esquematiza (“poiesis”) a

reclamação; ele também a descobre-revela (“aletheia”). A reclamação estava latente no

sistema jurídico, o STF apenas indicou sua existência. “Se não existia em ‘ato’ no plano

material dos textos escritos, sempre existiu em ‘potência” no plano lógico das normas”.138

2.2.1.2. Consolidação

Posteriormente, após sua construção jurisprudencial, superação da discussão

quanto ao seu cabimento e distanciamento da correição parcial, a reclamação constitucional

passou a contar com dispositivo normativo expresso no Regimento Interno do STF. Segundo

o artigo 97, II da CF/ 1946, era competência do próprio STF a elaboração de seu Regimento

Interno. Dessa forma, em 2 de outubro de 1957, foi aprovada pelos ministros emenda ao

RISTF para incluir no “Título II” o “Capítulo V-A”, nomeado “Da Reclamação”139.

Muito embora a justificativa para a emenda ao Regimento Interno do STF

sinalizasse por uma função eminentemente correicional da reclamação, na prática já estava

consolidada como típica atividade jurisdicional, como meio processual adequado para cassar e

combater decisões judiciais. A emenda ao regimento internou tratou, na verdade, de uma

138 COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação constitucional estadual como um problema de fonte.

COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (org.). Reclamação constitucional.

Salvador: JusPodivm, 2013. p. 170. 139 A emenda foi proposta pelo Ministro Ribeiro da Costa, aprovada na sessão do pleno de 2 de outubro de 1957.

A justificativa dada foi o uso contínuo da medida de função corregedora denominada reclamação. Sobre o

Regimento Interno do STF, em tempo próximo ao da inserção da medida, vide: MELLO, Augusto Cordeiro de.

O processo no Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. p. 278.

Page 65: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

54

maneira de colocar em disposição escrita a prática jurisprudencial do STF, no intuito de tentar

coibir alegações de inconstitucionalidade acerca do cabimento da reclamação140.

Porém, o arremate da positivação (aqui no sentido de entrada no sistema jurídico)

da reclamação, foi a previsão constitucional do art. 115, parágrafo único, c, da CF/1967, que

permitia ao STF instituir regras de processo e julgamento dos feitos de sua competência e dos

recursos. A competência constitucional dada ao STF de, mediante Regimento Interno,

estabelecer suas próprias regras de competências pôs cabo às discussões quanto à

constitucionalidade do instituto141. Prevaleceu o Regimento Interno do STF de 1980 (arts. 152

a 162)142.

A fase pré-constitucional da reclamação vai do seu surgimento até 1988, quando é

alçada a nível constitucional. É quando ocorre sua construção pretoriana. Sua gênese ocorre

no seio do STF, sendo principal precedente que firma o instituto a Rcl. 141-SP, cujas razões

de decidir deixam claro o cabimento da reclamação para preservação de competência e

garantia de autoridade de julgados. É, nesse período, que se desprende da correição parcial.

Perde características administrativas e correicionais. Consolida-se no ordenamento jurídico

(por meio de uma afirmação jurisprudencial)143, passa a fazer parte do RISTF e as discussões

quanto à sua constitucionalidade são minimizadas.

2.2.2. Fase constitucional

A segunda fase da nova classificação proposta para a reclamação começa com a

Constituição de 1988 e termina com a vigência do CPC/2015. É a fase constitucional. Cuida

do período em que a reclamação é alçada a nível constitucional (CF/88, arts. 102, I, l, e 105, I,

f). Alguns fatos se destacam no período constitucional. Primeiramente, o cabimento perante o

140 “Entretanto, apesar de ter constado na referida justificativa que a reclamação tinha função corregedora, o

que era dito com a finalidade de justificar a sua constitucionalidade em face da ausência de lei que a previsse, a

leitura dos acórdãos nos mostra que esse instituto era utilizado unicamente como meio processual de reformar e

cassar decisões judiciais” (SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos. Da reclamação. Revista dos Tribunais.

São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 808, fev.-2003. p. 125). 141 No julgamento da Rcl. 831-DF, em 11/11/1970, o Min. Amaral dos Santos asseverou: “Não é mais de

discutir-se sobre a constitucionalidade do instituto, matéria que serviu de campo para dissertações polêmicas,

de alto interesse doutrinário e prático. O texto do art. 115, parágrafo único, “c”, da CF de 1967, reproduzido

pelo art. 120, parágrafo único, “c”, da mesma Constituição, segundo a EC 1/69, na inteligência que lhe deu

este Tribunal, afasta de vez a questão. Com efeito, por norma Constitucional, o Regimento Interno estabelecerá

“o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou de recursos.”’ 142 No mesmo período, o STF julgou a Representação de Inconstitucionalidade nº 1.092-DF, na qual se discutia a

constitucionalidade do Regimento Interno do extinto Tribunal Federal de Recursos prever o cabimento de

Reclamação. Ao julgar a Repr. 1.092-DF, o STF declarou a inconstitucionalidade dos arts. 194-201 do TFR, pois

apenas o RISTF possuía autorização constitucional para prever regras de processo e recursos. 143 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 223.

Page 66: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

55

STJ144. A EC 45/2004 previu o cabimento de Reclamação para o STF por não observância ou

erro na aplicação de súmula vinculante (CF/1988, art. 103-A, §3º). Ainda é relevante o

julgamento do Recurso Especial nº 571.572-8/BA, cuja ratio decidendi previu o cabimento de

reclamação dirigida ao STJ, quando os órgãos dos juizados especiais estaduais afrontassem

jurisprudência uniformizada pelo STJ. Esse período também foi marcado por ampla discussão

da constitucionalidade de reclamação perante outros tribunais, que não o STF e o STJ.

Esses fatores, em conjunto, fizeram explodir a quantidade de reclamações

ajuizadas no STF e STJ, despertando a atenção dos profissionais de Direito para o instituto.

Inicialmente, reforça-se o cabimento perante o STJ. O regime constitucional de

1988 já evita discussões quanto ao cabimento, e obviamente quando à constitucionalidade, da

reclamação perante o STJ. Com efeito, o instituto é cabível junto ao STJ, tendo em vista o

valor das decisões da Corte e a relevância de suas competências. A função do STJ é de suma

importância para o sistema jurídico brasileiro. Caso se observe suas competências como um

feixe único, é possível afirmar que o STJ “tem a missão de definir o sentido da lei federal e

de garantir a sua uniformidade no território nacional”.145 As competências do STJ e,

consequentemente, as decisões advindas do exercício das competências são de valor relevante

para o sistema jurídico-constitucional como um todo, uma vez que uniformizam a

interpretação do direito infraconstitucional146. Daí, para resguardar – desde logo – as

competências e a autoridade das decisões do STJ, a CF/1988 previu o cabimento de

reclamação (art. 105, I, f).

O período constitucional da reclamação coincide com o surgimento do STJ (e

respectiva extinção do antigo Tribunal Federal de Recursos). Já se reconhece a importante

função do STJ, enquanto Corte Suprema, para o sistema jurídico na integralidade,

estabelecendo, constitucionalmente, o meio adequado para que o STJ garanta a autoridade de

suas decisões e preserve sua competência.

Também no período constitucional, para adequar o STF e o STJ ao novo regime

constitucional, é sancionada a Lei nº 8.038/1990, que trata dos recursos e processos de

competência originária nos âmbitos do STJ e STF. Os arts. 13 a 18 regularam sucintamente a

144 Cumpre registrar que a Reclamação não era cabível perante o extinto Tribunal Federal de Recursos. 145 MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

p. 119. 146 “As decisões do Superior Tribunal de Justiça configuram o referencial máximo em relação ao entendimento

havido como correto em relação ao direito federal infra constitucional. Tais decisões, em devendo ser

exemplares, hão, igualmente, de carregar consigo alto poder de convicção, justamente porque são, em escala

máxima, os precedentes a serem observados e considerados pelos demais Tribunais” (ALVIM, Eduardo Arruda.

A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do Recurso Especial e a relevância das

questões. STJ 10 anos: obra comemorativa. Brasília: STJ, 1999. p. 39).

Page 67: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

56

reclamação constitucional perante o STJ e STF, tratando de legitimidade, prova, tutela

antecipada, conteúdo da decisão e procedimento (atualmente os dispositivos encontram-se

revogados pelo 1.072, V, do CPC/2015).

Durante a fase constitucional, quatro discussões travadas no STF são marcantes

para a história do instituto.

A primeira diz respeito ao cabimento perante outros tribunais, afora o STJ e o

STF, principalmente nas cortes estaduais, o que passou pela análise da natureza jurídica da

reclamação.

A segunda consiste no cabimento de reclamação por violação de ratio decidendi,

com base na “transcendência dos motivos determinantes”, de decisão de controle

concentrado de constitucionalidade.

A terceira importante questão, na fase constitucional, foi o não cabimento de

reclamação contra decisão que aplica indevidamente a tese firmada em recurso extraordinário

com repercussão geral.

O quarto embate tratou do cabimento de reclamação, para garantir autoridade de

ratio decidendi de decisão do STF em controle difuso de constitucionalidade, o que se

relaciona com a dita objetivação do controle difuso. Também pode ser vista como a

“transcendência dos motivos determinantes” de decisão de controle difuso de

constitucionalidade.

2.2.2.1. Emenda Constitucional 45/2004: a súmula vinculante

Da Lei nº 8.038/1990 até 2004, não ocorreram questões tão relevantes em relação

à reclamação constitucional. Porém, a Emenda Constitucional 45/2004 é um dos fatos mais

importantes no histórico do instituto, principalmente porque, a partir dela, despertou-se maior

interesse dos profissionais do Direito para a reclamação constitucional147. A EC 45/2004, ao

dispor sobre a súmula vinculante, inseriu na Constituição Federal o art. 103-A, § 3.º, que

147 Importante a lição de Edilson Pereira Nobre Junior, destacando a importância do estudo da Reclamação após

a EC 45/2004: “Nestas plagas, tal fenômeno, timidamente, presente com a EC 03/93, instituidora da ação

declaratória de constitucionalidade, ganhou alento com a EC 45/2004, ao estender tal efeito às decisões

proferidas no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade e, simultaneamente, com a instituição da súmula

vinculante. As inovações do poder constituinte derivado despertou, com maior intensidade, o vetusto debate

sobre a necessidade de se assegurar a eficácia das deliberações proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Tudo isto com uma singularidade: o desafio de garantir a efetividade dos comandos constitucionais como

preceitos vinculativos dos poderes públicos e dos particulares. Desse modo, ganha importância o estudo da

reclamação, principalmente quando se observa que se cuida de instrumento de preservação da ordem

constitucional objetiva” (NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça, cit., p. 110).

Page 68: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

57

previu o cabimento de reclamação contra ato administrativo ou decisão judicial que

desrespeitasse enunciado de súmula vinculante, ampliando, assim, suas hipóteses de

cabimento perante o STF148.

Realmente, a súmula vinculante – que marca o sistema recursal brasileiro149 –

contribui significativamente para o desenvolvimento da reclamação constitucional: explode a

quantidade de reclamações ajuizadas perante o STF e desperta os profissionais do Direito para

a importância do instituto. No ano de 2004, quando não existia a súmula vinculante, foram

distribuídas no STF apenas 491 (quatrocentos e noventa e uma) reclamações. No ano de 2005,

após a EC 45/2004, já foram distribuídas 933 (novecentas e trinta e três) reclamações no STF.

Em 2014, foram distribuídas 2.353 (duas mil trezentos e cinquenta e três) reclamações no

STF150.

O indicador estatístico é claro. As reclamações se multiplicaram perante o STF

após a súmula vinculante. A partir daí, os profissionais do Direito, alguns antes sequer cientes

da existência da reclamação, acordam para sua importância no sistema jurídico. Observe-se

que a tendência é o aumento de reclamações a cada edição de nova súmula vinculante; ora, se

existem novos enunciados aptos a serem violados, maior será a quantidade de reclamações

para garantir o respeito aos enunciados vinculantes, principalmente num sistema jurídico no

qual não se enraizou o respeito aos precedentes vinculantes, tampouco a forma adequada de

aplicá-los.

2.2.2.2. Reclamação contra decisões dos juizados especiais cíveis

Outro fato, durante a fase constitucional do instituto, que aumentou

expressivamente a quantidade de reclamações propostas junto ao STJ, foi o cabimento contra

decisões de órgãos colegiados dos juizados especiais estaduais151.

148 Leonardo Carneiro da Cunha defende que o cabimento da Reclamação por afronta à súmula vinculante não é

nova hipótese autônoma de cabimento; enquadra-se na antiga hipótese de Reclamação para garantir autoridade

de tribunal (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Reclamação constitucional contra ato que desrespeita enunciado

de súmula vinculante. COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (org.).

Reclamação constitucional. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 289) 149 A súmula vinculante foi uma mudança implementada para evitar novas demandas judiciais no STF, em

decorrência de atos da administração contra jurisprudência consolidada do STJ, bem como novos recursos, em

virtude de afronta pelos demais órgãos jurisdicionais (SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à

súmula vinculante, cit., p. 270-273). 150 Dados disponíveis em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=estatistica&pagina=pesquisa

ClasseAnosAnteriores. Acesso em: 04 de setembro de 2015. 151 Sobre o tema: CORTEZ, Claudia Helena Poggio. O cabimento de reclamação constitucional no âmbito dos

juizados especiais estaduais. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 188, out.-2010, p. 253-

264.

Page 69: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

58

O STJ, como dito, exerce a função de interpretar a lei federal e conceder-lhe

uniformidade. O STJ confere unidade à interpretação dos órgãos jurisdicionais, almejando

segurança jurídica e tratamento igualitário dos jurisdicionados. Os órgãos pertencentes ao

microssistema dos juizados especiais (estaduais, federais e da fazenda pública152) devem, ao

aplicar a lei federal, seguir a interpretação adotada pelo STJ, sob pena de afrontar sua função

constitucional de intérprete da lei federal.

Entretanto, nos juizados especiais estaduais, não é cabível o recurso especial153 ou

outro meio de impugnação dirigido ao STJ, que garantam os juizados especiais cíveis seguir a

interpretação dada pelo STJ. É permitido o recurso extraordinário154, mas não o recurso

especial.

Trata-se de um problema específico dos juizados especiais estaduais. Nos

juizados especiais federais e da fazenda pública, existem mecanismos de submissão ao STJ,

quando os julgamentos divergem de súmula ou jurisprudência dominante. Não cabe recurso

especial, mas há as Turmas Nacionais de Uniformização, órgãos responsáveis pela unidade

interpretativa; o resultado do julgamento poderá ser submetido ao STJ, caso a parte entenda

que houve afronta à súmula ou jurisprudência dominante, nos termos das Leis nº 10.259/2001

e 12.153/2009.

A falta de meio apto a forçar que os órgãos dos juizados especiais estaduais

adotassem a posição interpretativa criava insegurança jurídica e tratamento desigual dos

jurisdicionados. Cada turma recursal era senhora de sua própria interpretação.155

152 Os juizados especiais estaduais, federais e da fazenda pública são regidos, respectivamente, pelas Leis nº

9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009. 153 Enunciado nº 203 da súmula do STJ: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de

segundo grau dos juizados especiais”. O enunciado é fruto de interpretação da CF/1988, art. 105, III. O texto

constitucional diz cabível Recurso Especial contra causas decididas por Tribunal Regional Federal ou pelos

Tribunais dos Estados, do Distrito Federal ou Territórios. Os juizados especiais são formados por juízes de

primeiro grau, até mesmo as turmas recursais são formadas por juízes. Logo, como a CF/1988 dispõe “Tribunal

Regional Federal ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal ou Territórios”, não cabe Recurso

Especial contra decisão de juizado especial cível. 154 Enunciado nº 640 da súmula do STF: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por Juiz de

primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”. A CF/1988, art.

102, III, dispõe que caberá recurso extraordinário contra causas decididas em única ou última instância. Não há

ressalva quanto ao órgão prolator. As turmas recursais dos juizados são órgãos de última instância, logo é cabível

o recurso extraordinário. 155 “Essa lacuna debilita de modo considerável o exercício integral, pelo STJ, de sua competência constitucional

de uniformizar a interpretação e aplicação da lei federal. Em outras palavras, ainda que o STJ pacifique seu

entendimento a respeito da legislação federal, seja por força do julgamento de recursos especiais repetitivos,

seja ainda por meio da edição de súmulas, nos Juizados Especiais da Lei 9.099, de 195, essas posições

consolidadas poderiam pura e simplesmente ser desconsideradas sem que houvesse qualquer mecanismo para

fins de reparo.” (LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011. p. 205”.

Page 70: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

59

Diante dos esdrúxulos e desiguais julgamentos nas turmas recursais dos juizados

especiais estaduais, os profissionais do Direito lançaram mão de recursos extraordinários, sob

alegação de que o desrespeito à interpretação consolidada do STJ afrontava, em última

análise, sua função constitucional de intérprete da lei federal. A estratégia foi fadada ao

insucesso, já que – conforme antiga posição defensiva do STF – não passa de mera ofensa

reflexa à Constituição156, incabível, portanto, o recurso extraordinário.

Após um bom tempo de vácuo jurídico, quando cada órgão de juizado era um

núcleo autônomo de interpretação da lei federal, após inúmeros recursos extraordinários

inadmitidos por ofensa reflexa, o STF julgou importante precedente, o recurso extraordinário

nº 571.572/BA (DJe nº 223, de 26/11/2009). Nas razões de decidir extraídas do voto da

Ministra Ellen Gracie, restou consignado que é cabível reclamação constitucional dirigida ao

STJ (CF/1988, art. 105, I, “f”), quando órgão de juizado especial estadual violar interpretação

de lei federal dada pelo STJ157.

Dessa forma, o Recurso Extraordinário nº 571.572/BA se tornou importante

precedente para reclamação, cuja ratio decidendi denota o seu cabimento perante o STJ contra

decisão de juizado especial estadual, quando ocorrer afronta a interpretação de lei dada pelo

próprio STJ.

Em sequência, ainda no ano de 2009, foi ajuizada no STJ a Reclamação nº

3.752/GO, cuja pretensão era o desfazimento de decisão de juizado especial de Goiás

contrária ao entendimento do STJ. Ao apreciá-la, a Ministra Nancy Andrighi submeteu a

questão à Corte Especial, que resolveu editar a Resolução nº 12, de 14 de dezembro de

2009158. O ato infralegal regulava a reclamação contra as decisões de juizado especial.159

156 MINGATI, Vinícius Secafen. Reclamação (neo)constitucional: precedentes, segurança jurídica e os juizados

especiais. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. p. 127. 157 Segue trecho do voto da Ministra Ellen Gracie: “Todavia, enquanto não for criada a turma de uniformização

para os juizados especiais estaduais, poderemos ter a manutenção de decisões divergentes a respeito da

interpretação da legislação infraconstitucional federal. Tal situação, além de provocar insegurança jurídica,

acaba provocando uma prestação jurisdicional incompleta, em decorrência da inexistência de outro meio eficaz

para resolvê-la. (...) Desse modo, até que seja criado o órgão que possa estender e fazer prevalecer a aplicação

da jurisprudência do STJ, em razão de sua função constitucional, da segurança jurídica e da devida prestação

jurisdicional, a lógica da organização do sistema judiciário nacional recomenda que se dê à reclamação

prevista no art. 105, I, f, da CF amplitude à solução do impasse” (DJe nº 223, de 26/11/2009). 158 A constitucionalidade da Resolução nº 12/2009 do STJ é duvidosa, frente à reserva de matéria processual à lei

federal (CF/1988, art. 22, I). Eduardo José da Fonseca Costa também põe em dúvida a constitucionalidade da

Resolução, pois “à míngua de lei, confere poderes arbitrários ao relator e uma feição coletivizante à

reclamação” (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord). São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 2205). 159 A Resolução 12, de 14 de dezembro de 2009, foi expressamente revogada pelo art. 4º da Emenda Regimental

nº 22, de 16 de março de 2016, do STJ.

Page 71: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

60

Decorrido algum tempo, o STJ restringiu o cabimento de reclamação contra

decisão de juizado especial cível. Apenas a admitia em caso de afronta à tese jurídica fixada

em julgamento recurso especial repetitivo, bem como a enunciado da súmula de sua

jurisprudência160. Ainda, a reclamação, nesses casos, apenas era cabível se a questão fosse de

natureza material, não se revelando cabível caso se tratasse de questão processual.161.

O Recurso Extraordinário nº 571.572/BA e a resolução nº 12/2009 do STJ

possuíram efeito semelhante ao da EC 45/2004: o aumento expressivo de reclamações no STJ

e o despertar do profissional do Direito para sua relevância no sistema jurídico. Em 2009,

quando ainda não vigorava a Resolução nº 12/2009, foram distribuídas 456 (quatrocentas e

cinquenta e seis) reclamações no STJ. Em 2010, após a vigência da Resolução 12/2009, foram

distribuídas 1.247 (mil duzentos e quarenta e sete) reclamações. Mais recentemente, no ano de

2014, foram distribuídas 6.947 (seis mil novecentos e quarenta e sete) reclamações e, por fim,

em 2015 foram 6.359.162

O aumento de propositura de reclamações é hiperbólico. Acordou-se, na fase

constitucional, para a importância do instituto dentro do sistema jurídico brasileiro. Marcelo

Navarro Ribeiro Dantas, em 2000, já havia chamado a Reclamação da “garantia das

garantias”163, porém, apenas após a EC 45/2004 e a Resolução 12/2009 do STJ, que surgiu

interesse pela reclamação, pois houve um expressivo aumento de seu ajuizamento perante o

STJ e STF.

2.2.2.3. Cabimento da reclamação em outros tribunais, fora o STJ e o STF

Parte da discussão a respeito do cabimento de reclamação nos tribunais estaduais

ocorreu no julgamento da ADIn 2.212-1/CE. A ação impugnou o art. 108, VII, da

Constituição do Ceará e o art. 21, VII, “j”, do Regimento Interno do TJCE, que previam o

cabimento de reclamação, dirigida ao TJCE, para preservação de sua competência e garantia

de autoridade de seus julgados. Alegou-se que: (i) a CF/1988 reservou a reclamação para o

STJ e o STF (arts. 102, I, “l”, e 105, I, “f”); (ii) o texto constitucional não previu o cabimento

de reclamação para outros tribunais, logo não se deveriam excetuar os tribunais estaduais; (iii)

160 Rcl 4.858/RS, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23/11/2011, DJe 30/11/2011, STJ, 2ª Seção. 161 AgRg na Rcl 4.682/AL, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, j. 25/5/2011, DJe 1º/6/2011; STJ, 2ª Seção. 162 Dados disponíveis em: http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Boletim/?vPortalAreaPai=183&vPortalArea=

584. Acesso em: 04 de setembro de 2015. 163 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 501.

Page 72: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

61

ofensa à reserva de matéria processual à lei federal (CF/1988, art. 22, I), já que a reclamação

possui natureza processual.164-165

O STF, ao julgar a ADIn 2.212-1/CE, declarou constitucional o cabimento de

reclamação perante Tribunais estaduais, porém por razões das quais aqui se discorda. É que o

STF, como meio argumentativo de escapar da reserva de matéria processual à lei federal,

afirmou que a reclamação não possui natureza processual, mas se trata do exercício de direito

de petição (CF/1988, art. 5º, XXXIV, a)166, além da adoção do instituto pelas cortes estaduais

estar em consonância com o princípio da simetria e da efetividade das decisões judiciais.

O STF adotou o posicionamento de Ada Pellegrini Grinover segundo o qual a

reclamação configura o exercício do direito constitucional de petição, não possuindo natureza

processual167. Tratou-se de meio argumentativo encontrado para justificar a reclamação

estadual, sem ofender o art. 22, I, da CF/1988. Com efeito, é possível dizer que a reclamação

nos tribunais estaduais é um problema de fonte168. Não precisava negar a natureza processual

da reclamação, pois sua gênese é capaz de comprovar que é decorrente de competências

implícitas, como explicado no item anterior, sendo desnecessário texto explícito prevendo o

cabimento da reclamação estadual. Não há ofensa ao art. 22, I, da CF/1988, uma vez que o

cabimento de reclamação prescinde de previsão legal expressa, é fruto da teoria dos poderes

implícitos. A fonte da reclamação é norma implícita no ordenamento. 169

164 Contra o cabimento de reclamação nos tribunais de justiça, antes do CPC/2015: DANTAS, Marcelo Navarro

Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 301-302; MORATO, Leonardo Lins.

Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante, cit., p. 65-71; ROSSI, Júlio César. Aspectos

processuais da reclamação constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, v. 19,

out.-2004, p. 50-51. 165 A favor do cabimento da reclamação nos tribunais de justiça, antes do CPC/2015: NOBRE JUNIOR, Edilson

Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça, cit., p. 109-129; COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação

constitucional estadual como um problema de fonte, cit., p. 175-177; SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos.

Da reclamação, cit., p. 129; CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 11ª ed. São Paulo:

Dialética, 2013. p. 668-673. 166 As discordâncias quanto à posição do STF na ADIn 2.212-1/CE serão esmiuçadas no item 2.5., ao se tratar da

qualificação jurídica da Reclamação. De logo, adianta-se que a Reclamação possui natureza de ação, e não de

exercício de direito de petição, o que é corroborado pelo CPC/2015. 167 GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da autoridade das decisões dos tribunais. O

processo: estudos & pareceres. São Paulo: DPJ, 2005. p. 74. 168 COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação constitucional estadual como um problema de fonte, cit., p.

175-177. 169 Edilson Pereira Nobre Junior defende ser cabível a Reclamação perante os Tribunais de Justiça, com base na

teoria dos poderes implícitos: “A lógica dos poderes implícitos se centra no fato de que, quando haja norma

jurídica estatuindo o alcançar duma determinada finalidade, há a possibilidade do Congresso legislar para

assegurar os meios para que tal realidade se torne possível. Transplantando-se ao Judiciário nacional esta

orientação, tem-se que, existindo competência conferida a determinado órgão para que, pela via jurisdicional,

seja atingido um determinado fim, é de se reconhecerem, tácitos, os meios para que tal se concretize. Isto se

trate ou não de atividade constitucionalmente deferida a um órgão de superposição. De maneira que um órgão

jurisdicional, independente da sua condição de organismo de superposição, deve contar com mecanismos

eficazes para fazer valer a autoridade de suas decisões. Se estes não existem, por ausência de disciplinamento

Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

62

O julgamento da ADIn 2.212-1/CE foi duplamente marcante. Por um lado

positivo, declarou a constitucionalidade das reclamações perante os tribunais estaduais170.

Pelo lado negativo, afirmou que a reclamação possui natureza de exercício do direito de

petição.

O que se percebe é a ADIn 2.212-1/CE não tratou apenas do cabimento da

reclamação no tribunal estadual. Cuidou também de sua natureza jurídica, contudo não

conseguiu pôr fim às discussões. Adotou o STF uma posição esdrúxula – na contramão do

restante da doutrina jurídica –, além de contraditória, pois em outros diversos julgados o

próprio STF tratou a reclamação como ação171. Assim, na fase constitucional da reclamação,

não houve pacificação quanto à sua natureza jurídica.

Durante a fase constitucional, foi aceita a reclamação perante os tribunais

estaduais, o STM e o TSE. Não foi aceita a reclamação nos TRFs e no TST172. A Reclamação

dirigida ao STM é prevista no Código de Processo Penal Militar (CPPM, art. 584 a 587), não

ocorrendo discussões quanto a sua constitucionalidade.

Quanto ao TSE, cumpre registrar o julgamento da reclamação nº 14.1450/MG (DJ

8/9/1994), no qual se discutiu amplamente o cabimento da medida perante o TSE, lembrando

que na época não havia previsão legal (Código Eleitoral), tampouco regimental (RITSE). A

Reclamação nº 14.1450/MG foi conhecida173, com base na “teoria dos poderes implícitos”,

decidindo pelo cabimento da medida perante o TSE. Logo em seguida, foi alterado o

legal, será possível, através do labor interpretativo, a formulação de meio eficaz, pena de gravoso

comprometimento da função jurisdicional. Assim a impõe a teoria dos poderes implícitos que, antes de

restringir à província de alguns órgãos do Estado, visa assegurar a regularidade e eficácia das funções

legislativa, administrativa e jurisdicional em sai inteireza. A corrente doutrinária que vislumbra a reclamação

imersa no direito constitucional de petição – a qual, mesmo minoritária, granjeou o plácito do Pretório Excelso,

- embora tenha relevância para o reconhecimento da competência legislativa das unidades federadas, não

resolve satisfatoriamente o problema. A razão: o direcionamento da questão não é de ser resolvido no

particular do critério da competência legislativa. Ao limitar o cabimento da reclamação ao Supremo Tribunal

Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, omitindo-se quanto aos tribunais intermediários (tribunais de justiça

e tribunais regionais federais), laborou a Constituição impulsionada por razões unicamente de ordem prática”

(NOBRE JUNIOR, Edilson Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça, cit., p. 124-125). 170 14 Estados possuem previsão constitucional do cabimento da Reclamação: Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará,

Goiás, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e

Tocantins. 171 Em algumas Reclamações, o STF exigiu o interesse de agir: Rcl. 6.449/RS; Rcl. nº 1.525/ES; Rcl. 1.267/ES.

Em outras, exigiu legitimidade: Rcl. 5.873/ES; Rcl. 6.482/SP; Rcl. 4.931/CE. Também há casos em que o STF

exige capacidade postulatória: Rcl. 9.654/SP; Rcl. 7.902/SP; Ainda há casos de extinção de Reclamação por

litispendência: Rcl. 9.814/PI; Rcl. 5.509/AP; Rcl. 8.054/MG. 172 Cumpre registrar que, durante a fase pré-constitucional, o STF declarou inconstitucional a Reclamação

perante o TFR, no julgamento da Repr. 1.092-DF. 173 O voto condutor da Rcl. 14.1450/MG foi proferido pelo Ministro Torquato Jardim, acompanhado pelos

Ministros Carlos Velloso, Flacquer Scartezzini, Pádua Ribeiro e Sepúlveda Pertence. Dissentiram os Ministros

Diniz de Andrada e Marco Aurélio.

Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

63

Regimento Interno do TSE para estabelecer a reclamação para preservar a competência do

Tribunal ou garantir a autoridade de suas decisões (RITSE, art. 15).

Sobre o cabimento da reclamação perante Tribunal Regional Federal, destaca-se o

julgamento da Reclamação nº 2003.01.00.009467-6/DF, pela Corte Especial do TRF da 1ª

Região. A reclamação não foi admitida, exatamente porque – no entendimento daquela corte

regional – não há previsão constitucional do seu cabimento perante Tribunal Regional

Federal. Nos regimentos internos das cinco cortes regionais, antes da vigência do CPC/2015,

não existia previsão do cabimento de reclamação174.

A reclamação no TST possui previsão regimental (RITST, DJU 9/5/2008, arts.

196 a 200; RITST, DJU 27/11/2002, arts. 190 a 193). Durante certo período foi considerada

constitucional pelo próprio TST, conforme registrado na Reclamação nº 105.097/2003-000-

00-00.1 (DJU 10/2/2006). Contudo, em 2008, o STF decretou a inconstitucionalidade da

previsão da medida perante o TST, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 405.031/AL (DJe

16/4/2009), sob argumento de que previsão regimental não poderia dispor sobre competência

do TST, sendo matéria reservada à lei. A partir de então, o TST – invariavelmente – passou a

não conhecer das reclamações (TST, Reclamação nº 187994/2007-000-00-00.5).

2.2.2.4. Cabimento de reclamação por ofensa à ratio decidendi (motivos

determinantes) de decisão proferida em controle concentrado de

constitucionalidade

O segundo importante debate travado, durante a fase constitucional, foi o

cabimento de reclamação por ofensa à ratio decidendi (motivos determinantes) de decisão

proferida em controle concentrado de constitucionalidade, sob o argumento de que o

desrespeito à ratio decidendi afrontaria a autoridade dos julgados do STF. Houve bastante

vacilo e inconsistência das decisões do STF, que – ao fim – terminou por rejeitar a tese do

cabimento da reclamação.

Para compreender o debate, são importantes algumas rápidas distinções

conceituais prévias. Uma decisão proferida em ação de fiscalização concentrada de

constitucionalidade (ADIn, ADPF e ADC) possui duas normas jurídicas: uma norma jurídica

174 O atual Regimento Interno do TRF da 5ª Região (DJe de 18/3/2016) prevê cabimento de Reclamação, em

virtude da competência explícita prevista no CPC/2015 (art. 988). O Regimento imediatamente anterior,

contudo, não previa o cabimento de Reclamação. Por outro lado, o antigo Regimento previa (RITRF5, DOE/PE

de 21/6/1989, art. 7º, IX). A presente pesquisa não encontrou nenhuma Reclamação durante a vigência do antigo

Regimento no TRF da 5ª Região.

Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

64

abstrata (e genérica) contida na fundamentação e, doutro lado, uma norma jurídica concreta (e

também genérica) encontrada no dispositivo. A norma jurídica abstrata (e genérica) é o

precedente judicial construído a partir da fundamentação de uma decisão judicial. Em

metonímia, é possível afirmar que o precedente judicial é a norma jurídica abstrata (e

genérica) fruto das razões de decidir (fundamentação) de um julgamento.

Já a outra norma, concreta (e também genérica) encontra-se no dispositivo que

julga a ação de controle concentrado; é a norma que soluciona o caso; sendo o caso a análise

da constitucionalidade do ato normativo impugnado. Mais precisamente, a norma jurídica

concreta é a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade contida no

dispositivo da decisão, sobre qual recairá a coisa julgada material.175

A “transcendência dos motivos determinantes” implica afirmar que os motivos

determinantes de uma decisão, isto é, sua fundamentação possui eficácia vinculante para os

demais órgãos jurisdicionais.176

O conceito de ratio decidendi177 (ou a norma jurídica abstrata e genérica)

praticamente coincide com os “motivos determinantes”. Na verdade, o conceito de ratio

decidendi é mais sofisticado e bem elaborado que o de “motivos determinantes de uma

175 Entende-se por generalidade a possibilidade de a norma alcançar uma quantidade de indivíduos ou classe de

indivíduos. Compreende-se por abstração a quantidade de fatos, ações e casos que são abrangidos pela norma; se

apenas um ou poucos casos, fatos ou ações é alcançado pela norma, diz-se que a norma é concreta. Assim, no

caso das decisões em controle concentrado de constitucionalidade, ambas são normas jurídica genéricas, pois se

referem à uma generalidade de indivíduos. Tanto a norma jurídica do precedente quanto a norma que julga o

caso alcançam uma série de indivíduos. Porém, a norma contida na fundamentação (do precedente) é abstrata,

pois serve a regular ações e comportamentos futuros dos destinatários, em abstrato. Doutro lado, a norma do

dispositivo, apesar de genérica, é concreta, já que trata de um objeto certo (um caso específico), que é a

constitucionalidade de uma lei; é uma norma que vincula uma classe de sujeitos (genérica), porém em relação a

um objeto específico, daí por que é uma norma concreta. “Segundo Bobbio, toda norma de comportamento (o

jurista reconhece também, ao lado destas, as normas de estrutura, de organização e de competência) é

composta, basicamente, de dois elementos: o sujeito-destinatário e a ação-objeto. O sujeito é o destinatário da

norma. A ação, que pode referir-se a uma obrigação, a uma permissão, a um poder ou a uma proibição, é o

objeto da norma. O sujeito e ação comportam desdobramentos. Pode uma ação referir-se à totalidade de uma

classe de indivíduos ou a um indivíduo, singularmente determinado. Temos, então, as normas genéricas no

primeiro caso e as individualizadas, no segundo. Quanto à ação de cada uma dessas normas, é possível que se

refira à totalidade do comportamento compreendido na descrição do tipo, ou a uma ação singular. Diz Bobbio

que as primeiras dão origem às normas abstratas; as segundas, às normas concretas (...) As normas que

compõem o ordenamento jurídico são, portanto, de suas espécies: genéricas e individualizadas. As genéricas

podem ser abstratas ou concretas. As individualizadas, que são as referentes aos negócios jurídicos, sentenças

judiciais e atos administrativos especiais, podem ser, também, abstratas ou concretas” (PEDROSO, Antonio

Carlos de Campos. Normas jurídicas individualizadas: Teoria e Aplicação. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 48-50). 176 “Segundo esse entendimento, a eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os

princípios dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da

Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros” (MENDES, Gilmar

Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 6ª ed. Edição

digital. São Paulo: Saraiva, 2014. Item 8.1). 177 “A ratio decidendi é, enfim, a essência da tese jurídica que serviu de fundamento para a solução do caso

concreto (rule of law)” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. O processo Civil no Estado Constitucional e os

fundamentos do projeto no novo Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: Revista

dos Tribunais, v. 209, 2012. p. 358).

Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

65

decisão”178-179. Existem peculiaridades que podem aproximá-los. O conceito de ratio

decidendi é próprio da doutrina do stare decisis do direito anglo-saxão180, ao passo que o de

“motivos determinantes” é fruto do direito romano-germânico181.

A expressão “motivos determinantes da decisão”, em princípio tomada como sinônima da

enunciada por “eficácia transcendente da motivação”, contém detalhe que permite a

aproximação do seu significado ao de ratio decidendi. Isso porque há, nesta expressão, uma

qualificação da motivação ou da fundamentação, a apontar para o aspecto que estabelece

claro link entre os motivos e a decisão. Os motivos têm de ser determinantes para a decisão.

Assim, não é todo e qualquer motivo que tem eficácia vinculantes ou transcendente –

apenas os motivos que são determinantes para a decisão adquirem esta eficácia. E os

178 E nem se diga que se cuida do mesmo conceito com nomes diferentes. Ora, o conteúdo do conceito carrega a

construção histórica do instituto. Se foram institutos construídos em ordenamentos e experiências jurídicas

distintas, seus conceitos também serão diferentes; podem até se aproximar, mas não serão idênticos. Cada

conceito carrega consigo parte de sua história. Eis a importante e elegante lição de Judith Martins-Costa: “É por

isso que, especialmente no Direito Privado, as palavras e expressões designativas dos seus principais institutos

podem ser metaforizadas pela concha do marisco abandonada: em uma concha jogada na areia da praia, o

primitivo habitante que lhe recheava o conteúdo de há muito pode ter desaparecido e gerações de outros

habitantes podem ali ter encontrado a sua morada. Traços do antigo morador, todavia, permanecem escondidos

em sua volutas, incrustados e disfarçados em sua madrepérola, pontuando sutilmente nossas representações.

Tal qual os habitantes da concha, os institutos jurídicos estão alojados em um universo de referências, algumas

palpáveis e evidentes, outras muito habilmente escondidas, mas nem por isso menos atuantes. Há, na verdade,

um duplo movimento que leva a questionar: o que muda, o que fica incrustado em suas volutas? Quais os

sentidos que, ao construir o presente, conferimos, nós, ao passado tal como Kafka deu, para Borges, o sentido

de seus antecessores?” [MARTINS-COSTA, Judith. A concha do marisco abandonada e o nomos (ou os nexos

entre narrar e normatizar). Revista do Instituto do Direito Brasileiro, v. 5, 2013. p. 4136-4137]. 179 Aqui cabe a lição de Clóvis V. do Couto e Silva: “A história dos conceitos é um setor do direito nem sempre

suficientemente estudado, talvez em razão do condenável e excessivo conceitualismo vigorante em boa parte do

século passado. Assim, não há – ou parece não haver – uma comparação entre mais de um setor do direito em

busca de um certo paralelismo de formação conceitual, como resposta a indagações semelhantes em mais de um

campo do direito. Seria relevante examinar, especialmente na dogmática do século XIX e no início do século

XX, o desenvolvimento simultâneo de certos conceitos do direito material e do direito processual. E também

observar como se refletiu na ciência do direito a mudança progressiva do meio econômico e social, e a

tendência para abranger dentro de ceftos conceitos tradicionais – como o de negócio jurídico – essas várias

situações. Boa parte do raciocínio aplicável à formação de conceitos e da terminologia jurídica pode ser vista

através desse modelo fundamental de dogmática jurídica, não sendo difícil perceber nele uma progressiva

abstração com a perda de seus conteúdos específicos e característicos, de sua vinculação empírica,

predominando, então, os aspectos formais, como aliás, tem sucedido na filosofia.” (SILVA, Clóvis V. do Couto

e Silva. Para uma história dos conceitos no direito civil e no direito processual civil (a atualidade do pensamento

de Otto Karlowa e de Oskar Bülow). Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 37, jan./mar.-

1985.) 180 “Apesar de na Inglaterra e nos Estados unidos existirem problemas para a identificação da ratio decidendi,

que não encontram correspondentes no Brasil, em virtude da cultura secular do instituto nesses sistemas, faz-se

necessário iniciar seu estudo pela análise das principais correntes doutrinárias dos ingleses e norte-americanos

acerca dos métodos utilizados para a determinação da ratio decidendi de um caso” (ATAÍDE JR., Jaldemiro

Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro. Curitiba:

Juruá, 2012. p. 72). 181 “A concepção de efeito vinculante consagrada pela EC n. 3/93 está estritamente vinculada ao modelo

germânico disciplinado no § 31-2 da Lei Orgânica da Corte Constitucional. A própria justificativa da proposta

apresentada pelo Deputado Roberto Campos não deixa dúvidas de que pretendia outorgar não eficácia erga

omnes, mas também efeito vinculante à decisão, deixando claro que estes não estariam limitados apenas à parte

dispositiva” (MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e

na Alemanha. 6ª ed. Edição digital. São Paulo: Saraiva, 2014. Item 8.1.).

Page 77: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

66

motivos que determinam a decisão nada mais são do que as razões de decidir, isto é, a ratio

decidendi.182

De qualquer sorte, exatamente porque o STF não realiza a distinção entre

“motivos determinantes” e ratio decidendi, bem como haver semelhanças entre os conceitos,

serão aqui tratados como um só conceito183.

O cerne da segunda discussão residiu, na verdade, no cabimento de reclamação

por afronta aos “motivos determinantes” de decisão proferida em controle concentrado de

constitucionalidade, como situação enquadrada na hipótese de reclamação para garantir

autoridade de julgado do STF. A questão foi saber se os motivos determinantes possuem

autoridade sobre as demais cortes; se são transcendentes. Se a ratio decidendi – norma

jurídica abstrata e genérica – de uma decisão em controle concentrado vincula os demais

órgãos judiciais.

Travou a discussão para investigar se a ratio decidendi vincula e um órgão

jurisdicional a descumpre, é cabível a reclamação por ofensa à autoridade das decisões do

STF; por outro lado, caso se considere que não existe vinculação, não será cabível a

reclamação. Esse era o cerne do debate.

O STF adotou, inicialmente, a tese do cabimento de reclamação contra decisão

que viola os motivos determinantes de decisão prolatada em controle concentrado de

constitucionalidade, porém – após certo tempo – passou a rejeitar a tese184.

O julgamento da Rcl 1.987/DF185, relatada pelo Ministro Maurício Corrêa em

outubro de 2003, é emblemático. No acórdão, o STF aplicou a tese da “transcendência dos

182 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.

273. 183 Cumpre registrar que o STF não faz a distinção, porque no Brasil há um “paradoxo metodológico”, pois o

processo constitucional é de matiz do common law, ao passo que o processo infraconstitucional foi herdado do

civil law. Recepcionaram-se duas tradições opostas. Duas formas de pensar distintas, daí por que o STF possui

dificuldade em diferenciar e escolher entre os conceitos de motivos determinantes e de ratio decidendi (ZANETI

Jr., Hermes. Processo constitucional. O modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro,

Lumen Juris, 2007. p. 15/18). 184 “Em sucessivas decisões, o Supremo Tribunal Federal estendeu os limites objetivos e subjetivos das decisões

proferidas em sede de controle abstrato de constitucionalidade, com base em uma construção que vem

denominando transcendência dos motivos determinantes. Por essa linha de entendimento, é reconhecida

eficácia vinculante não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que

embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não apenas à conclusão do

acórdão, mas igualmente às razões de decidir. Como consequência, seria admissível reclamação contra

qualquer ato, administrativo ou judicial, que contrarie a interpretação constitucional consagrada pelo Supremo

Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ainda que a ofensa se dê de forma

oblíqua. (...) Essa linha jurisprudencial parece afinada com o propósito de racionalização da jurisdição

constitucional e da carga de trabalho do STF, privilegiando as teses constitucionais que hajam sido firmadas

em controle abstrato. Nada obstante, o próprio tribunal tem ensaiado uma possível mudança de jurisprudência

na matéria, questionando a possibilidade de se conferir eficácia vinculante também às suas razões de decidir”

(BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 6ª ed. Edição digital. São

Paulo: Saraiva, 2012. Item 5.4).

Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

67

motivos determinantes”. Argumentou que a ratio decidendi de uma decisão em controle

concentrado de constitucionalidade vincula as demais cortes, e sua desobediência desafia o

cabimento de reclamação, para garantir a autoridade dos julgados do STF. Se a

fundamentação vincula erga omnes, possui autoridade; e se possui autoridade, cabe

reclamação. A decisão reclamada não afrontou o dispositivo da ADI 1.662/SP, na verdade

violou os motivos determinantes da ADIN 1.662/SP, daí se adotou a tese da “transcendência

dos motivos determinantes” e aceitou o cabimento da reclamação186.

O STF, em alguns julgados, aceitou a reclamação contra decisões que violavam os

motivos determinantes (ou a ratio decidendi) de decisão em controle concentrado de

constitucionalidade, exatamente porque considerou que os motivos determinantes vinculavam

as demais cortes. Havendo vinculação, existe autoridade dos motivos determinantes; havendo

autoridade, o seu descumprimento leva ao cabimento da reclamação.

Contudo, o entendimento no STF não perdurou. Logo foi superado. Após um

ensaio inicial que seria aceita a teoria dos motivos determinantes, o STF passou a recusá-la e,

por consequência, a inadmitir reclamações contra decisões que contrariavam os motivos

determinantes de decisão em controle concentrado de constitucionalidade.

Nesse sentido, na Rcl 3.014 houve longo debate sobre a transcendência dos

motivos determinantes, bem como sobre o cabimento de reclamação187. A tese foi rejeitada

por maioria188 e, desde então, se consolidou o entendimento de não ser cabível a reclamação

185 “Admissibilidade da reclamação contra qualquer ato, administrativo ou judicial, que desafie a exegese

constitucional consagrada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de

constitucionalidade, ainda que a ofensa se dê de forma oblíqua. (...) Ausente a existência de preterição, que

autorize o seqüestro, revela-se evidente a violação ao conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada

ação direta, que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. A decisão do Tribunal, em substância, teve sua

autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação. Hipótese a justificar a

transcendência sobre a parte dispositiva dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela

consagrados, uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados

por todos os tribunais e autoridades, contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem

constitucional.” (Rcl. 1.987/DF, Rel. Ministro Maurício Corrêa, j. 1/10/2003, DJ 21/5/2004). 186 No mesmo sentido a Rcl. 2.363, Rel. Ministro Gilmar Mendes, j. 23/10/2003, DJ 1/4/2005: “Alcance do

efeito vinculante que não se limita à parte dispositiva da decisão. Aplicação das razões determinantes da

decisão proferida na ADI 1.662. Reclamação que se julga procedente”. 187 Carlos Eduardo Rangel Xavier explica detalhadamente o julgamento da Rcl 3.014 e a conclusão a que chegou

o STF, XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais, cit., p. 54-60. 188 Rcl. 3.014, Rel. Ministro Ayres Brito, j. 10/3/2010, DJe 21/5/2010: “O Supremo Tribunal Federal, ao julgar

a ADI 2.868, examinou a validade constitucional da Lei piauiense 5.250/02. Diploma legislativo que fixa, no

âmbito da Fazenda estadual, o quantum da obrigação de pequeno valor. Por se tratar, no caso, de lei do

Município de Indaiatuba/SP, o acolhimento do pedido da reclamação demandaria a atribuição de efeitos

irradiantes aos motivos determinantes da decisão tomada no controle abstrato de normas. Tese rejeitada pela

maioria do Tribunal.”

Page 79: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

68

por violação aos motivos determinantes de decisão de controle concentrado de

constitucionalidade189.

Aqui se registra a crítica de Carlos Eduardo Rangel Xavier, para quem a opção de

repelir o cabimento de reclamação por violação aos motivos determinantes de decisão em

controle concentrado de constitucionalidade foi uma opção de política judiciária. Houve

receio do aumento vertiginoso de reclamações e a consequente engessamento do STF.190

Esse é um debate no STF que foi sepultado pelo CPC/2015, ao erigir um sistema

de precedente formalmente vinculantes, elegendo a reclamação como meio adequado para

impor o respeito à ratio decidendi das decisões de controle concentrado de

constitucionalidade (CPC/2015, art. 988, III, §4º).

2.2.2.5. Cabimento de reclamação por ofensa à ratio decidendi (motivos

determinantes) de decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade.

Um dos grandes entusiastas, no STF, da transcendência dos motivos

determinantes, é o Ministro Gilmar Mendes, tanto na condição de professor, como na de

Ministro. Como professor, escreveu, em conjunto com Ives Gandra da Silva Martins: 191 “A

eficácia da decisão do Tribunal transcende o caso singular, de modo que os princípios

dimanados da parte dispositiva e dos fundamentos determinantes sobre a interpretação da

Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros.”

E Gilmar Mendes buscou encampar o entendimento doutrinário nos julgamentos

do STF. Mais precisamente, a posição no sentido de que a ratio decidendi das decisões

proferidas em controle difuso de constitucionalidade vincula as demais cortes. Os

fundamentos de decisão em controle difuso seriam obrigatórios para os demais órgãos

jurisdicionais.

189 São inúmeros os precedentes inadmitindo a Reclamação nesses casos: Rcl. 2.475-AgR, Rel. Ministro Carlos

Velloso, j. 2/8/2007, DJ 14/9/2007; Rcl. 2.990-AgR, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, j. 16/8/2007, DJ

14/9/2007; Rcl. 6.204-AgR, Rel. Ministro Eros Grau, j. 6/5/2010, DJ 27/5/2010; Rcl. 4.448-AgR, Rel. Ministro

Ricardo Lewandowski, j. 25/6/2008, DJ 7/8/2008; Rcl. 9.778-AgR, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, DJ

10/11/2011. 190 “A motivação subjacente, não é demais reforçar, foi estancar um possível aumento vertiginoso de

reclamações perante o Tribunal. Em suma, agregar-se “efeito vinculante” aos fundamentos, e não somente à

parte dispositiva da decisão em controle principal, permitiria o ajuizamento de reclamação a propósito de

aplicação de qualquer lei similar à objeto de declaração, no contexto de uma Federação com 27 Estados e mais

de 5.500 Municípios – de fato, na segunda metade do século XXI, o Supremo experimentou um grande aumento

desse tipo de ação (a reclamação constitucional). A anunciada rejeição à “tese da transcendência dos motivos

determinantes” no controle abstrato, assim, foi claramente uma decisão de política judiciária” (XAVIER,

Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais, cit., p. 60). 191 MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Controle concentrado de constitucionalidade:

comentários à Lei 9.868, de 11.11.1999. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 544.

Page 80: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

69

Daí surgiu o terceiro debate sobre a reclamação, em sua fase histórica

constitucional. O cabimento, ou não, da reclamação para garantir autoridade de ratio

decidendi de decisão do STF em controle difuso de constitucionalidade, o que se relaciona

com a dita “transcendência dos motivos determinantes.” 192

No controle difuso, não se julga constitucional ou inconstitucional a lei; o órgão

judicial reconhece-a constitucional ou inconstitucional para, em segundo momento, julgar

outros pedidos. O reconhecimento da inconstitucionalidade, no controle difuso, fica

exclusivamente na motivação e serve de fundamento para julgar o pedido principal.193

O debate – que ocorreu no julgamento da Rcl 4.335 – consistiu exatamente em

saber se os fundamentos de decisão vinculavam, ou seja, se a reconhecimento de

inconstitucionalidade, em sede de controle difuso, a ratio decidendi obriga as demais

cortes194. Havendo vinculação, seria cabível reclamação para garantir os motivos

determinantes de decisão em controle difuso de constitucionalidade.195-196

192 Sobre o tema sucintamente, vide: CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. Reclamação – A ampliação do cabimento

no contexto da “objetivação” do processo nos tribunais superiores. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, v. 197, jul.-2011. p. 13-25. 193 MACÊDO, Lucas Buril de. Duas notas sobre o art. 52, X, da Constituição Federal e a sua pretensa mutação

constitucional. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 215, jan.-2013. p. 437-461. 194 A natureza idêntica do controle de constitucionalidade, quanto às suas finalidades e aos procedimentos

comuns dominantes para os modelos difuso e concentrado, não mais parece legitimar a distinção quanto aos

efeitos das decisões proferidas no controle direto e no controle incidental” (MENDES, Gilmar Ferreira. O papel

do Senado Federal no controle federal de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional.

Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 179, jul/set.-2008. p. 274). 195 Para alguns, o efeito vinculante seria consequência da “objetivação” do controle difuso. Em tese de livre-

docência, Eduardo Talamini afirma serem fenômenos distintos: “Identifica-se a tendência de objetivação do

recurso extraordinário, a partir do conjunto de aspectos até aqui destacados: pressuposto da repercussão geral,

atenuação de exigência meramente formais; redimensionamento da exigência de prequestionamento; técnica de

julgamento por amostragem, apta a produzir uma decisão-quadro aplicável à generalidade de recursos que

versem sobre questão idêntica; admissão de amicus curiae dada a relevância do julgamento de outros processos

... (...) A rigor, como antes indicado, o recurso extraordinário sempre teve uma caráter precipuamente objetivo,

tendo em vista sua função de assegurar o cumprimento e harmonizar as interpretações das normas

constitucionais. O que ora se nota é uma intensificação dessa característica. (...) Tendo em vista tanto a

tendência de objetivação do recurso extraordinário, quanto o progressivo fortalecimento do controle direto de

constitucionalidade (que independe de qualquer outro órgão para produzir decisões gerais e vinculantes),

autorizada doutrina tem defendido que as decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas em controle

incidental de constitucionalidade também já teriam, em si mesmas, força vinculante e eficácia erga omnes. Teria

havido um processo informal de mudança da Constituição, pelo qual o art. 52, X, teria sofrido uma alteração de

seu significado: a intervenção do Senado não se destinaria mais a retirar (“suspender”) a norma do

ordenamento, mas apenas a tornar pública a decisão do STF tomada no controle incidental – essa por si só já

apta a ter eficácia erga omnes e força vinculante. (...) Não há identidade entre os fenômenos da objetivação do

recurso extraordinário e da (pretensa) força vinculante e eficácia erga omnes das decisões sobre ele tomadas. A

objetivação funda-se em outras razões e é apta a conduzir a outros resultados, que não necessariamente esse da

vinculação forte. Há um salto lógico entre a constatação da objetivação do recurso extraordinário e a

afirmação de que as decisões do STF em controle incidental têm força vinculante em sentido estrito. Uma coisa

não implica necessariamente a outra” (TALAMINI, Eduardo. Novos aspectos da jurisdição constitucional

brasileira: repercussão geral, força vinculante, modulação dos efeitos do controle de constitucionalidade e

alargamento do objeto do controle direito. Tese de livre-docência. São Paulo: USP, 2008. p. 237-238).

Page 81: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

70

No julgamento da Rcl 4.335, iniciado em 1º/2/2007 e findado em 20/3/2014197,

discutiu-se se os fundamentos do HC 82.959198, que decretou – em sede difusa – a

inconstitucionalidade do art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, seriam vinculantes, ou não.

Igualmente, se seria cabível a reclamação por ofensa aos motivos determinantes do HC

82.959.

O Ministro Gilmar Mendes, acompanhado pelo Ministro Eros Grau, sustentou que

os motivos determinantes da decisão em controle difuso vinculam as demais cortes. Afirmou,

ainda, que ocorreu mutação constitucional do art. 52, X, da CF199, não sendo mais necessário

que o Senado Federal suspenda a execução da lei decretada inconstitucional, para haver

vinculação erga omnes.200 O reconhecimento de inconstitucionalidade de lei, em sede difusa,

vincularia, independente da suspensão da lei por parte do Senado Federal201-202.

196 “O fato de o juiz ordinário ter o poder-dever de controlar a constitucionalidade obviamente não significa

que ele não deve respeito às decisões do Supremo Tribunal Federal. Este respeito decorre logicamente da

adoção do sistema de controle difuso e da atribuição do Supremo do dever de dar a última e definitiva palavra

acerca da constitucionalidade da lei federal. Quando se tem claro que a decisão é um mero produto do sistema

judicial, torna-se pouco mais que absurdo admitir a possibilidade do juiz ordinário contrariar as decisões do

Supremo Tribunal Federal.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2ª ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011. p. 84). 197 Rcl 4.335, Rel. Ministro Gilmar Ferreira Mendes, j. 20/3/2014, DJe 22/10/2014: “Reclamação. 2. Progressão

de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão reclamada aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado

inconstitucional pelo Plenário do STF no HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1º/9/2006. 4.

Superveniência da Súmula Vinculante nº 26. 5. Efeito ultra partes da declaração de inconstitucionalidade em

controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6. Reclamação julgada procedente.” 198 HC 82.959/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio, j. 23/2/2006, DJ 1º/9/2006. 199 “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: (...)X - suspender a execução, no todo ou em parte, de

lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. 200 Para melhor compreensão da posição de Gilmar Mendes, vide: MENDES, Gilmar Ferreira. O papel do

Senado Federal no controle federal de constitucionalidade: um caso clássico de mutação constitucional. Revista

de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 179, jul./set.-2008. p. 257-276. 201 Lucas Buril de Macêdo rechaça a tese da mutação constitucional do art. 52, X, da CF. O autor distingue entre

a eficácia vinculante de um precedente do STF e desnecessidade do Senado Federal suspender a lei decretada

inconstitucional: “O que aconteceu foi a transformação do precedente do STF, que de meramente persuasivo

passou a ser obrigatório. Isto significa que há um dever jurídico dos demais órgãos judiciais conformarem suas

decisões aos precedentes do Supremo, muito embora esta vinculação, o papel do Senado É importante perceber

que a norma reconhecida como inconstitucional, em controle difuso, mantém-se no ordenamento, incidindo e

ensejando fatos jurídicos. Acontece, entretanto, que as situações pautadas nela, caso exista o precedente

obrigatório do Supremo nesse sentido, deverão ser desfeitas, com base em sua inconstitucionalidade, pelo

Judiciário. A instituição do stare decisis no Brasil não leva, com todo respeito à posição dos Ministros, à

mutação da competência exclusiva do Senado Federal posta no art. 52, X, da CF/1988 (LGL\1988\3). A

obrigatoriedade de seguir os precedentes é dos juízes e tribunais e não do Legislativo, como se reconhece,

limita-se a enunciar que “sob a doutrina anglo-americana do stare decisis, uma decisão pela mais alta corte de

qualquer jurisdição é vinculante para todas as cortes inferiores nesta mesma jurisdição, e então, tão breve

quanto a corte tenha declarado uma lei inconstitucional, nenhuma outra corte poderá aplica-la”. Criar um

precedente obrigatório da maneira que se pretende não é só agressivo à separação de poderes, mas à própria

doutrina do stare decisis, que perquire a segurança jurídica, isonomia e a economia, tudo isso ligado à

jurisdição, não dizendo respeito à função legiferante” (Em: MACÊDO, Lucas Buril de. Duas notas sobre o art.

52, X, da Constituição Federal e a sua pretensa mutação constitucional. Revista de Processo. São Paulo: Revista

dos Tribunais, v. 215, jan.-2013. p. 437-461). Igualmente, afastando a mutação constitucional do art. 52, X, da

CF: TALAMINI, Eduardo. Novos aspectos da jurisdição constitucional brasileira: repercussão geral, força

Page 82: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

71

Daí, havendo transcendência dos motivos determinantes e desnecessidade do

Senado suspender a lei decretada inconstitucional, seria cabível a reclamação – diretamente ao

STF – para garantir a autoridade da decisão em controle difuso203.

Houve subsequentes pedidos de vista, pelos Ministros Joaquim Barbosa e Ricardo

Lewandowski, o que prolongou o julgamento. Nesse meio tempo, foi editada a súmula

vinculante nº 26204, que tratava da mesma matéria dos autos. A discussão restou, portanto,

prejudicada, pois a Rcl 4335 foi decidida com base na súmula vinculante, escapando o debate

se era cabível reclamação por afronta aos motivos determinantes de decisão proferida em

controle difuso de constitucionalidade.

Ainda assim, o Ministro Teori Zavascki registrou que, em seu entendimento, não

é cabível a reclamação:

vinculante, modulação dos efeitos do controle de constitucionalidade e alargamento do objeto do controle

direto, cit., p. 244-245. 202 “Registre-se que a eficácia vinculante, derivada das decisões em controle difuso, funda-se unicamente na

força peculiar dessas decisões, oriunda do local privilegiado em que o Supremo está localizado no sistema

brasileiro de distribuição de justiça. Assim, a eficácia vinculante das decisões do Supremo nada tem a ver com

comunicação ao Senado, certamente ilógica e desnecessária para tal fim. Ora, no controle difuso, a lei

declarada inconstitucional continua a existir, ainda que em estado latente. A comunicação é feita apenas para

permitir ao Senado, em concordando com o Supremo Tribunal, suspender a execução do ato normativo. A não

concordância daquele em nada interfere sobre a eficácia vinculante da decisão deste. Trata-se de planos

distintos. Lembre-se que, nos Estados Unidos, existem casos – certamente excepcionais – em que a Suprema

Corte “ressuscita” a lei que estava apenas on the books, ou que, mais precisamente, era vista como dead law,

exatamente por já ter sido declarada inconstitucional” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes

obrigatórios. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 84). 203 “Para fundamentar essa posição, doutrinariamente já defendia há anos, o Ministro lembrou de uma série de

fatos e eventos que justificariam a sua tese de mutação constitucional, consistentes, principalmente: a) na

orientação jurisprudencial do STF (de 1977), que firmou posição quanto à “dispensabilidade de intervenção do

Senado Federal nos casos de declaração de inconstitucionalidade de lei proferida na representação de

inconstitucionalidade (controle abstrato)”; b) na possibilidade de que se suspenda, liminarmente, a eficácia de

leis ou atos normativos, com eficácia geral, no controle abstrato; c) na inadequação do instituto para “asse-

gurar eficácia geral ou efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal que não declaram a

inconstitucionalidade de uma lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta”;

d) na adoção pelo STF de uma interpretação conforme a Constituição, “restringindo o significado de uma dada

expressão literal ou colmatando uma lacuna contida no regramento ordinário”; e) nos casos de declaração de

inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, “nos quais se explicita que um significado normativo é

inconstitucional sem que a expressão literal sofra qualquer alteração”; f) nas situações em que o STF limita-se

a rejeitar a arguição de inconstitucionalidade; g) na inaplicação do instituto de suspensão da execução da lei

inconstitucional à declaração de não recepção da lei pré-constitucional levada a efeito pelo STF; h) na

limitação temporal dos efeitos da decisão com a declaração de inconstitucionalidade; e i) no entendimento

adotado quando do julgamento do RE 191.898, pelo qual “houve por bem o Tribunal ressaltar, uma vez mais,

que a reserva de plenário da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo funda-se na presunção

de constitucionalidade que os protege, somada a razões de segurança jurídica”, razão pela qual os órgãos

parciais dos outros tribunais podem acolher a decisão tomada pelo Pleno, prescindindo de submeter a questão

ao seu próprio Pleno ou órgão especial.” [ANDRADE, Fábio Martins de. O papel do Senado Federal no

controle difuso pela ótica do STF (Rcl. 4.335). Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v.

207, jul./set.-2015, p. 107-108]. 204 Súmula vinculante nº 26, STF, DJe 23/12/2009: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de

pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da

Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos

objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de

exame criminológico.”

Page 83: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

72

Realmente, ainda que se reconheça que a resolução do Senado permanece tendo, como teve

desde a sua origem, a aptidão para conferir eficácia erga omnes às decisões do STF que, em

controle difuso, declaram a inconstitucionalidade de preceitos normativos – tese adotada,

com razão, pelos votos divergentes –, isso não significa que tal aptidão expansiva das

decisões só ocorra quando e se houver a intervenção do Senado – e, nesse aspecto, têm

razão o voto do relator. Por outro lado, ainda que outras decisões do Supremo, além das

indicadas no art. 52, X, da Carta Constitucional, tenham força expansiva, isso não significa,

por si só, que seu cumprimento possa ser exigido diretamente do Tribunal, por via de

reclamação.

Ao cabo, da análise de todos os votos, apesar da superveniência da súmula

vinculante nº 26, percebe-se que a maioria dos ministros rejeitou a tese sustentada pelos

Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau.205 Para os ministros do STF não seria cabível manejar

diretamente a reclamação ao STF, uma vez que existe via recursal própria, sendo inclusive

suscitado o argumento consequencialista-pragmático de que o STF, com apenas 11 (onze)

ministros, não possui aparelhamento para receber e julgar milhares de Reclamações advindas

de todos os órgãos jurisdicionais; foi muito forte o argumento de política judiciária.

Esse é mais um entendimento do STF que deve ser superado, parcialmente, pelo

CPC/2015. A previsão textual é expressa quanto ao cabimento de reclamação por ofensa à

ratio decidendi de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de

acórdão proferido em julgamento de recurso extraordinário repetitivos, dês que esgotadas as

instâncias ordinárias (CPC/2015, art. 988, IV, §5º, II).

205 “Como resultado, o Tribunal, por maioria, decidiu conhecer e julgar procedente a reclamação, nos termos

do voto do Relator. Foram vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski

e Marco Aurélio, que não conheceram da reclamação, mas concederiam habeas corpus de ofício. Em realidade,

considerando os votos prolatados de modo individual, o resultado alcançado foi o seguinte: os Ministros Gilmar

Mendes e Eros Grau votaram pela procedência, sob o fundamento da mutação constitucional (que será adiante

explicada); o Ministro Sepúlveda Pertence prolatou voto pela improcedência da Reclamação, mas concedeu

habeas corpus de ofício; os Ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio não conheciam

da Reclamação, mas todos concederam habeas corpus de ofício (os quatro últimos não admitiram a tese da

mutação constitucional); os Ministros Teori Zavascki, Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello julgaram

procedente a Reclamação à luz da superveniência da edição da Súmula Vinculante no 26; e, por fim, estava

ausente justificadamente a Ministra Cármen Lúcia, que não prolatou voto no caso. Desse modo, de um ponto de

vista prático, a decisão final cassou as decisões proferidas pelo Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da

Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, que negaram a possibilidade de progressão de regime

relativamente a cada um dos interessados em nome dos quais foi ajuizada a Reclamação. Além disso, caberia ao

Juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atenderiam ou não os

requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim e desde que de modo

fundamentado, a realização de exame criminológico. Os quatro Ministros vencidos decidiram pela concessão de

habeas corpus de ofício, por entenderem, sob diferentes fundamentos, que o instituto da Reclamação não

poderia ser manejado no caso” [ANDRADE, Fábio Martins de. O papel do Senado Federal no controle difuso

pela ótica do STF (Rcl. 4.335), cit., p. 106].

Page 84: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

73

2.2.2.6. O não cabimento de reclamação contra decisão que aplica

indevidamente ou deixa de observar a tese firmada em recurso extraordinário

com repercussão geral

O STF, ao julgar recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida, firma

tese jurídica que deve ser obrigatoriamente seguida por todos os demais órgãos

jurisdicionais206. A repercussão geral é um filtro, que permite o STF dirigir o foco de suas

atividades para resolver questões de maior relevância. Coloca-se um filtro para que o STF

decida melhor sobre questões mais relevantes.207 A repercussão geral é um requisito de

admissibilidade do recurso extraordinário, cuja apreciação é de exclusiva competência do

STF.208 No mesmo sentido da racionalização e eficiência, quando – na vigência do CPC/1973

– havia multiplicidade de recursos extraordinários de idêntica controvérsia, com repercussão

geral reconhecida, seu julgamento era realizado no regime repetitivo (CPC/1973, arts. 543-A

e 543-B).

Nessa sistemática, alguns recursos eram selecionados como representativos da

controvérsia para analisar a repercussão geral, enquanto todos os demais ficavam sobrestados.

Quando negada a existência pelo STF da repercussão geral, todos os demais recursos com a

mesma questão deveriam ser inadmitidos pela corte local. Por outro lado, reconhecida a

repercussão geral e julgado o mérito do recurso extraordinário, as cortes locais deveriam

seguir a tese firmada pelo STF para retratar-se, caso o acórdão recorrido estivesse em

desacordo com a sua orientação; ou declarar prejudicados os recursos até então sobrestados,

caso o acórdão estivesse consoante a sua orientação. Não havendo a retratação, o recurso

extraordinário deveria ser admitido, caso se preenchem os demais requisitos de

admissibilidade.

Entretanto, em relação a essa sistemática, surgiram duas questões que envolvem a

reclamação. Em caso de sobrestamento indevido de um recurso extraordinário, seria a

reclamação um meio impugnativo cabível? E, em caso de aplicação indevida pela corte de

origem da tese firmada no recurso extraordinário repetitivo, tanto na retratação como no

206 Sobre o tema: MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso

extraordinário. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Recurso

extraordinário e o requisito da repercussão geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013; PAULSEN, Leandro

(coord.). Repercussão geral no recurso extraordinário. Porto Alegre: Livraria do Advogado 2011; DANTAS,

Bruno. Repercussão geral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. 207 OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral, cit., p. 267-268. 208 CF, art. 102, §3º: No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões

constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso,

somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda

Constitucional nº 45, de 2004).

Page 85: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

74

julgamento pela prejudicialidade, caberia reclamação? O STF deu resposta negativa para

ambas as indagações. Não cabia a reclamação.

No caso de sobrestamento indevido de recurso extraordinário, porque a

controvérsia do recurso sobrestado não era a mesma da repercussão feral a ser julgada, alguns

autores apontaram o cabimento de agravo diretamente ao STF (CPC/1973, art. 544) ou a

reclamação por usurpação de competência.209 A tese é a de que, ao sobrestar erroneamente, o

tribunal local estaria obstando que o STF exercesse sua competência de julgar o recurso

extraordinário. Nessa análise, ao impedir a subida do recurso extraordinário ao STF,

sobrestando-o indevidamente, a corte local estaria usurpando a competência dele, daí por que

se defendia o cabimento da reclamação.

Entretanto, o STF rechaçou a tese do cabimento do agravo e da reclamação,

estabelecendo que caberia apenas o agravo interno para o pleno ou o órgão especial da corte

local. Caso houvesse o sobrestamento errôneo de recurso extraordinário, não cabia

reclamação, tampouco agravo direto ao STF; a impugnação seria agravo interno para órgão da

própria corte local.210 Não era dado o acesso ao STF. A via estava fechada, ainda que

mediante reclamação. Segundo o STF, sua jurisdição somente se iniciaria com a manutenção,

pelo tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da

repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do CPC/1973. Enquanto sobrestado o

209 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 3ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 71; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Recurso extraordinário e o requisito

da repercussão geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 366; CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER

JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador: Juspodivm, 2014, v. 3. p. 325. 210 “RECLAMAÇÃO. SUPOSTA APLICAÇÃO INDEVIDA PELA PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE

ORIGEM DO INSTITUTO DA REPERCUSSÃO GERAL. DECISÃO PROFERIDA PELO PLENÁRIO DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 576.336-

RG/RO. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DE

AFRONTA À SÚMULA STF 727. INOCORRÊNCIA. 1. Se não houve juízo de admissibilidade do recurso

extraordinário, não é cabível a interposição do agravo de instrumento previsto no art. 544 do Código de Processo

Civil, razão pela qual não há que falar em afronta à Súmula STF 727. 2. O Plenário desta Corte decidiu, no

julgamento da Ação Cautelar 2.177-MC-QO/PE, que a jurisdição do Supremo Tribunal Federal somente se inicia

com a manutenção, pelo Tribunal de origem, de decisão contrária ao entendimento firmado no julgamento da

repercussão geral, nos termos do § 4º do art. 543-B do Código de Processo Civil. 3. Fora dessa específica

hipótese não há previsão legal de cabimento de recurso ou de outro remédio processual para o Supremo Tribunal

Federal. 4. Inteligência dos arts. 543-B do Código de Processo Civil e 328-A do Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal. 5. Possibilidade de a parte que considerar equivocada a aplicação da repercussão geral interpor

agravo interno perante o Tribunal de origem. 6. Oportunidade de correção, no próprio âmbito do Tribunal de

origem, seja em juízo de retratação, seja por decisão colegiada, do eventual equívoco. 7. Não-conhecimento da

presente reclamação e cassação da liminar anteriormente deferida. 8. Determinação de envio dos autos ao

Tribunal de origem para seu processamento como agravo interno. 9. Autorização concedida à Secretaria desta

Suprema Corte para proceder à baixa imediata desta Reclamação.” (Rcl 7569, Rel. Min. Ellen Gracie, j.

19/11/2009, DJe 10/12/2009). No mesmo sentido: STF, AgRg na Rcl 9471, Rel. Min. Gilmar Mendes, j.

29/6/2010, DJe 13/8/2010; STF, AC 2177 MA-QO, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 12/11/2008, DJe 20/2/2009.

Page 86: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

75

recurso, ainda que indevidamente, na posição do STF, sua jurisdição não havia sido

inaugurada, daí por que não era cabível a reclamação constitucional.

Em suma, não era cabível a reclamação contra decisão de sobrestamento indevido

de recurso extraordinário, pois não havia sido realizado o juízo provisório de admissibilidade.

Da mesma forma, o STF compreendeu também incabível a reclamação contra a

decisão da corte local que aplicasse indevidamente a tese firmada no recurso extraordinário

repetitivo, com repercussão geral. Para o STF, ao aplicar o entendimento firmado –

retratando-se ou não – a corte local estaria exercendo competência própria, não se justificando

o manejo de reclamação. Apenas seria cabível a reclamação, se houvesse negativa expressa

em aplicar a tese do STF pelo tribunal de origem.211 No entendimento do STF, a reclamação

seria cabível, esgotando as instâncias ordinárias, de modo a evitar o acesso per saltum, após

negativa expressa de aplicação da tese firmada, ou seja, seria necessária a não observância

explícita pelo STF. O erro da aplicação da tese jurídica do STF, firmada em recurso

extraordinário repetitivo, não ensejava o cabimento da reclamação, apenas a negativa expressa

em não aplicar a tese do STF.212 Eis trecho da Rcl 10793, que elucida a posição do STF

quando ao não cabimento da reclamação:

3. O legislador não atribuiu ao Supremo Tribunal Federal o ônus de fazer aplicar

diretamente a cada caso concreto seu entendimento. 4. A Lei 11.418/2006 evita que o

Supremo Tribunal Federal seja sobrecarregado por recursos extraordinários fundados em

idêntica controvérsia, pois atribuiu aos demais Tribunais a obrigação de os sobrestarem e a

possibilidade de realizarem juízo de retratação para adequarem seus acórdãos à orientação

de mérito firmada por esta Corte. 5. Apenas na rara hipótese de que algum Tribunal

mantenha posição contrária à do Supremo Tribunal Federal, é que caberá a este se

pronunciar, em sede de recurso extraordinário, sobre o caso particular idêntico para a

cassação ou reforma do acórdão, nos termos do art. 543-B, § 4º, do Código de Processo

Civil. 6. A competência é dos Tribunais de origem para a solução dos casos concretos,

cabendo-lhes, no exercício deste mister, observar a orientação fixada em sede de

211 “Questão de Ordem. Repercussão Geral. Inadmissibilidade de agravo de instrumento ou reclamação da

decisão que aplica entendimento desta Corte aos processos múltiplos. Competência do Tribunal de origem.

Conversão do agravo de instrumento em agravo regimental. 1. Não é cabível agravo de instrumento da decisão

do tribunal de origem que, em cumprimento do disposto no § 3º do art. 543-B, do CPC, aplica decisão de mérito

do STF em questão de repercussão geral. 2. Ao decretar o prejuízo de recurso ou exercer o juízo de retratação no

processo em que interposto o recurso extraordinário, o tribunal de origem não está exercendo competência do

STF, mas atribuição própria, de forma que a remessa dos autos individualmente ao STF apenas se justificará, nos

termos da lei, na hipótese em que houver expressa negativa de retratação. 3. A maior ou menor aplicabilidade

aos processos múltiplos do quanto assentado pela Suprema Corte ao julgar o mérito das matérias com

repercussão geral dependerá da abrangência da questão constitucional decidida. 4. Agravo de instrumento que se

converte em agravo regimental, a ser decidido pelo tribunal de origem.” (AI 760358 QO, Rel. Min. Gilmar

Mendes, j. 19/11/2009, DJe 12/2/2010). 212 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2016. p. 76-79.

Page 87: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

76

repercussão geral. 7. A cassação ou revisão das decisões dos Juízes contrárias à orientação

firmada em sede de repercussão geral há de ser feita pelo Tribunal a que estiverem

vinculados, pela via recursal ordinária. 8. A atuação do Supremo Tribunal Federal, no

ponto, deve ser subsidiária, só se manifesta quando o Tribunal a quo negasse observância

ao leading case da repercussão geral, ensejando, então, a interposição e a subida de recurso

extraordinário para cassação ou revisão do acórdão, conforme previsão legal específica

constante do art. 543-B, § 4º, do Código de Processo Civil. 9. Nada autoriza ou aconselha

que se substituam as vias recursais ordinária e extraordinária pela reclamação.213

Contudo, esse entendimento foi rechaçado, em obter dictum, pelos Ministros

Ellen Gracie e Gilmar Mendes, no julgamento das Rcls 11408 AgRg e 11427 AgRg214, que

ainda estão pendentes de julgamento final, pois há pedido de vista215. De forma lateral, em

seus votos, ambos os ministros consignaram que a reclamação poderia ser admitida,

excepcionalmente, se o tribunal local classificasse erroneamente a repercussão geral e tal

equívoco não fosse corrigido pelos meios impugnativos ordinários.216

Esse obter dictum, visto como uma sinalização de possível mudança de

entendimento, resta afastado pela redação do CPC/2015, cuja previsão é expressa em caber a

reclamação após esgotadas as instâncias ordinária (CPC/2015, art. 988, IV, §5º).

2.2.2.7. Um apanhado final da fase constitucional

A fase histórica constitucional vai desde a promulgação da Constituição de 1988

até a vigência do CPC/2015. Podem ser resumidos os seguintes fatos escolhidos como

relevantes para a reclamação durante o período:

213 STF, Rcl 10793, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 13/4/2011, DJe 3/6/2011. No mesmo sentido: STF, Rcl 15378,

Rel. Min. Edson Fachim, j. 18/8/2015, DJe 10/9/2015; STF, Rcl 17914 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.

26/8/2014, DJe 3/9/2014; STF, Rcl 12692 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 27/2/2014, DJe 20/3/2014. 214 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais, cit., p. 81-82. 215 Até a data de término da presente dissertação. 216 Informativo 634, STF: “A Ministra reputou, ademais, que seria inviável o pronunciamento do STF em cada

caso e que não se poderia simplesmente substituir a via do recurso extraordinário pela da reclamação, novamente

sobrecarregando esta Corte. Entretanto, asseverou que a reclamação poderia, excepcionalmente, ser admitida

quando o tribunal de origem classificar erroneamente a repercussão geral, se esse equívoco não for corrigido

pelos mecanismos já assentados pela jurisprudência do Supremo. Destacou que, em se tratando de matéria

constitucional nova, poderia o STF – a critério do relator –, vislumbrando icto oculi a presença de transcendência

e relevância, transformar em recurso extraordinário a própria reclamação. Situação esta em que seria reconhecida

a repercussão geral e solucionada a questão de mérito. Tudo com efeitos vinculantes para os casos semelhantes

então em tramitação em qualquer instância. Porém, reconheceu que isso não ocorrera na Rcl 11427 AgR/MG,

em que a parte suscitara a inconstitucionalidade da resolução que impusera regra sobre admissibilidade de

recurso especial (pagamento de custas). Destacou que o próprio Supremo já teria dado resposta à essa matéria ao

estabelecer a inexistência de repercussão geral quando a alegação disser respeito a pressupostos de

admissibilidade do recurso especial ou recurso equivalente. Por fim, registrou que essa conclusão aplicar-se-ia

também à Rcl 11408 AgR/RS. Após, pediu vista o Min. Gilmar Mendes.”

Page 88: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

77

(a) o cabimento perante o STJ, com fundamento constitucional, (CF/1988, art.

105, I, f);

(b) a Emenda Constitucional 45/2004, que previu o cabimento de reclamação para

o STF por não observância ou erro na aplicação de súmula vinculante (CF/1988, art. 103-A,

§3º);

(c) o Recurso Especial nº 571.572-8/BA, cuja ratio decidendi previu o cabimento

de reclamação dirigida ao STJ, quando os órgãos dos juizados especiais estaduais afrontarem

jurisprudência uniformizada pelo próprio STJ; este, então, editou a Resolução nº 12/2009

(hoje revogada) para regular as reclamações nesses casos;

(d) o aumento expressivo das reclamações perante o STF e o STJ, após a EC

45/2004 e a Resolução STJ nº 12/2009, acompanhado do despertar do profissional do Direito

para a importância e o valor da reclamação;

(e) a discussão a respeito da constitucionalidade de reclamações perante outros

tribunais, fora STJ e STJ; sendo permitidas nos tribunais de justiça, Tribunal Superior

Eleitoral e Superior Tribunal Militar;

(f) a discussão sobre o cabimento de reclamação por violação de ratio decidendi,

com base na “transcendência dos motivos determinantes”, de decisão de controle

concentrado de constitucionalidade;

(g) o debate sobre o cabimento de reclamação para garantir autoridade de ratio

decidendi de decisão do STF em controle difuso de constitucionalidade;

(h) o descabimento de reclamação contra sobrestamento indevido de recurso

extraordinário e contra decisão que erra ao aplicar a tese firmada pelo STF em recurso

extraordinário reconhecido com repercussão geral;

Percebe-se que, na fase constititucional, a reclamação desenvolve-se

dogmaticamente, embora não se estabilize. Houve muita discussão sobre seus contornos

teóricos. Debateu-se a extensão de suas hipótese de cabimento, a competência para julgá-las,

a sua importância para garantir a autoridade dos julgados. Foi na fase constitucional que suas

fontes amadurecem delimitando seus limites dogmáticos. Enfim, em poucas palavras, é

possível dizer que o extrato da fase constitucional é o valor que o profissional do Direito

Page 89: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

78

passa a dar à reclamação constitucional, o despertar de um interesse como um importante

instrumento para o sistema jurídico brasileiro.217

2.2.3. Fase codificada

A última, e atual, fase histórica da reclamação é a codificada. Recém-iniciada com

a vigência do CPC/2015. As mudanças trazidas pela legislação codificada são tão

significativas que se justifica tê-la como marco teórico de uma nova fase da reclamação. O

CPC/2015 regulamenta seu procedimento, hipóteses de cabimento, casos de inadmissão,

legitimidade ativa e passiva, participação do Ministério Público, prova, tutela provisória,

conteúdo da decisão etc.

De todas as mudanças, as mais expressivas são as resultantes da ampliação da

competência e das hipóteses de cabimento. O CPC/2015 permite a reclamação em qualquer

tribunal brasileiro (art. 988, §1º). Toda e qualquer corte passa a ter competência para julgar

reclamações. Além do STJ e STJ, cuja competência para julgar reclamações está prevista na

Constituição (CF, art. 102, I, l, e art. 105, I, f), todos passam a ser competentes.

As hipóteses de cabimento também são ampliadas. O CPC/2015 repete as três

hipóteses de cabimento que já eram previstas na Constituição e adiciona mais duas,

respectivamente: (i) preservar competência dos tribunais; (ii) garantir a autoridade das

decisões dos tribunais; (iii) garantir a observância de súmula vinculante e de decisão do STF

em controle concentrado de constitucionalidade; e, (iv) garantir a observância de precedente

proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.

Antes, as reclamações se restringiam ao STJ, STF, STM e TRE e a alguns

Tribunais Estaduais218, porém apenas para preservação de competência e garantia de

autoridade dos julgados e, especificamente para o STF, garantir observância de súmula

vinculante. Com a entrada em vigor do CPC/2015, todas as cortes se tornam competentes para

julgar reclamações.

217 Convém, em nota de rodapé, fazer menção a um precedente, da fase constitucional, que permitiu a

reclamação contra ato administrativo, por afronta à autoridade de seu julgado muito antes da criação da súmula

vinculante. O cabimento da reclamação não foi alvo de debate: “ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL, QUE, EM MANDADO DE SEGURANÇA, ANULOU O ATO DEMISSÓRIO DE SERVIDOR E,

SEM PREJUIZO DA INSTAURAÇÃO DE NOVO PROCESSO DISCIPLINAR, DETERMINOU A

REINTEGRAÇÃO DESTE. PROCESSO INSTAURADO SEM O RETORNO DO SERVIDOR AO SEU

CARGO. Caso configurador de desacato à decisão do STF, em sua parte final. Reclamação parcialmente

deferida.” (Rcl 501, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 20/9/1995, DJ 20/10/1995)

218 14 Estados possuem previsão constitucional do cabimento da Reclamação: Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará,

Goiás, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e

Tocantins.

Page 90: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

79

2.2.3.1. A revogação da Resolução nº 12/2009 do STJ

Como explicado no item 2.2.2.2., em virtude do não cabimento de recurso

especial contra decisão proferida em juizados especiais, nos quais cada órgão era um núcleo

autônomo de interpretação da lei federal, com ofensa reiterada à jurisprudência do STJ, o STF

julgou o Recurso Extraordinário nº 571.572/BA e nele consignou o cabimento de Reclamação

Constitucional dirigida ao STJ (CF/1988, art. 105, I, “f”), quando órgão de juizado especial

cível violar interpretação de lei federal dada pelo STJ219. Editou-se a Resolução nº 12, de 14

de dezembro de 2009220. O ato infralegal regula a reclamação contra as decisões de juizado

especial e dita o seu procedimento. Foi o meio que o STJ encontrou de regular o instituto, nos

casos de impugnação de decisões de juizado especial cível.

Com a publicação do CPC/2015, a Resolução nº 12/2009, do STJ, é revogada

implicitamente, por incompatibilidade. O CPC/2015 passa a regular exatamente o que a

Resolução vem regulando. Logo, por ser o CPC/2015 posterior e diploma normativo

hierarquicamente superior, a Resolução é implicitamente revogada.221

Com o CPC/2015, não há mais vácuo jurídico. Contra decisões de juizados

especiais cíveis, que afrontarem precedentes firmados em casos repetitivos do STJ, será

cabível Reclamação, após esgotadas as vias ordinárias. Igualmente, o CPC/2015 estatui o

procedimento da Reclamação. Portanto, o CPC/2015 revoga a Resolução nº 12/2009, do STJ.

De qualquer sorte, o STJ certeiramente, de modo a não remanescer dúvidas,

revogou expressamente a Resolução nº 12/2009, mediante o art. 4º da Emenda Regimental nº

22, de 16 de março de 2016, do STJ.

2.2.3.2. O fim do debate sobre a competência dos Tribunais para julgar

reclamação222

219 O STJ, com o tempo, restringiu o cabimento de Reclamação contra decisão de juizado especial cível. Apenas

as admite em caso de afronta à tese jurídica fixada em julgamento recurso especial repetitivo, bem como a

enunciado da súmula de sua jurisprudência. Ainda, a Reclamação, nesses casos, apenas é cabível se a questão for

de natureza material, não se revelando cabível caso se trate de questão processual. 220 A constitucionalidade da Resolução nº 12/2009 do STJ é duvidosa, frente à reserva de matéria processual à lei

federal (CF/1988, art. 22, I). Eduardo José da Fonseca Costa crítica a Resolução, pois confere feição

coletivizante à reclamação (COSTA, Eduardo José da Fonseca. Da reclamação. Breves comentários ao novo

Código de Processo Civil, cit., p. 2204). 221 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico, cit., p. 91-97. 222 Além do STJ e STF, era cabível, na fase constitucional, Reclamação perante o TSE, STM e Tribunais

estaduais. Não foi aceita a Reclamação nos TRFs e no TST. A Reclamação dirigida ao STM é prevista no

Page 91: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

80

Durante a fase constitucional do instituto, houve longo debate – principalmente

perante o STF – sobre a competência de outros tribunais para julgar a reclamação. Com o

advento do CPC/2015, essa discussão finda. Não há mais razões para continuar a discutir o

cabimento perante outros tribunais. A disposição é expressa. A reclamação pode ser proposta

perante qualquer tribunal, cuja autoridade pretenda se garantir ou competência preservar

(CPC/2015, art. 988, §1º).

Como exposto mais detalhadamente no item 2.2.2.3., os argumentos contra o

cabimento da reclamação em outros tribunais podem ser assim resumidos: (i) a Constituição

reservou a reclamação para o STJ e o STF (CF/1988, arts. 102, I, “l”, e 105, I, “f”); (ii) ofensa

à reserva de matéria processual à lei federal (CF/1988, art. 22, I), já que a reclamação possui

natureza processual.

O segundo argumento cai por terra. A reclamação passa a ser prevista no

CPC/2015, não havendo ofensa ao art. 22, I, da CF/1988, que reserva à lei federal dispor

sobre direito processual. Com exceção do STJ, do STF e do STM, a reclamação era prevista

nas Constituições Estaduais e nos Regimento Internos dos Tribunais; porém, passa a ser

regulada em lei federal, o CPC/2015, superando a alegação de ofensa ao art. 22, I, da

CF/1988.

Assim, todo e qualquer tribunal sempre pode, seguindo à risca a teoria dos

poderes implícitos, conhecer e julgar reclamações. Não é cabível apenas no STF e no STJ,

mas perante todo tribunal. Ressalta-se que as competências originárias (e explícitas) dos

tribunais brasileiros estão contidas na Constituição. São competências importantes, tanto que

alçadas ao texto constitucional. Todas elas possuem alto valor no sistema jurídico brasileiro.

Assim, o CPC/2015 apenas veio a sedimentar o que a teoria dos poderes implícitos já

embasava: todo e qualquer tribunal brasileiro é competente para apreciar reclamações, como

forma de garantir a autoridade dos seus julgados e preservar suas competências explícitas.

2.2.3.3. Aumento de reclamações como consequência da ampliação das

hipóteses de cabimento: a reclamação num tripé de writs constitucionais junto ao

habeas corpus e ao mandado de segurança

O aumento de reclamações se baseia nas duas principais mudanças trazidas pelo

CPC/2015. A competência de todo o tribunal brasileiro e o alargamento das hipóteses de

Código de Processo Penal Militar (CPPM, art. 584 a 587), não ocorrendo discussões quanto a sua

constitucionalidade.

Page 92: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

81

cabimento, em conjunto com um sistema de precedentes vinculantes (CPC/2015, art. 927),

acredita-se que provocarão consideráveis repercussões na reclamação.

A primeira delas é a vertiginosa multiplicação de Reclamações ajuizadas, tal qual

ocorreu após a EC 45/2004 (que previu a reclamação para garantir observância de súmula

vinculante) e a Resolução nº 12/2009, do STJ, que regulava a reclamação contra decisão de

juizado especial cível. O aumento de reclamações é inevitável. Cabe em todos os noventa e

um tribunais brasileiros, em diversas e novas hipóteses de cabimento. É uma combinação que

implica maior quantidade de reclamações.

Além disso, a reclamação foi eleita como um dos meios de controle da aplicação

dos precedentes obrigatórios. É um dos instrumentos que compõem o sistema de precedentes

obrigatórios, com a importante função de garantir sua observância. No CPC/2015, a

reclamação faz parte da estrutura do sistema de precedentes obrigatórios, que, por sua vez, é

voltado à segurança jurídica da prestação jurisdicional.

Em outras palavras, a reclamação é um importante instrumento para bom

funcionamento do Poder Judiciário. Sua função de garantir a observância de precedentes

obrigatórios, especificamente, garante um tratamento igualitário dos jurisdicionados e encorpa

a segurança jurídica.

Esses fatores, somados, colocam a reclamação constitucional como um importante

writ constitucional, ao lado do habeas corpus e do mandado de segurança223. Torna-se tão

relevante quanto ambos. O habeas corpus, como remédio para defesa liberdade; o mandado

de segurança, como proteção do sujeito de direito perante a Administração Pública ou o

particular que exerça atividade pública; a reclamação, como garantia do jurisdicionado de

tratamento igualitário, de decisões eficazes dos tribunais, cujas competências são

respeitadas.224

A reclamação equipara-se – em valor e relevância – no sistema jurídico, como

remédio constitucional, ao habeas corpus e ao mandado de segurança. Cada um com sua

223 “Contém a reclamação todos os requisitos dos chamados writs constitucionais, ou instrumentos

constitucionais especiais. Aliás, não são infrequentes, como se verificou na jurisprudência, a transformação de

mandados de segurança e habeas corpus em reclamações” (DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação

constitucional no direito brasileiro, cit., p. 465). 224 A reclamação coloca-se ao lado do habeas corpus e do mandado de segurança como um tripé de remédios

constitucionais. Não colocam o mandado de injunção e o habeas data, embora sejam também remédios

constitucionais, por dois motivos. Primeiramente que os três primeiros são cabíveis perante qualquer tribunal, ao

passo que o habeas data e o mandado de injunção são originários apenas do STF. Por outro lado, a quantidade de

mandados de injunção e de habeas data é bem menor, no STF, quando comparadas aos outros três. Em 2016, até

8 de agosto, foram distribuídos 1 habeas data, 50 mandados de injunção, 275 mandados de segurança, 2038

reclamações e 2788 habeas corpus (Dados disponíveis em:

C:\Users\gusta\AppData\Local\Temp\pesquisaclasse.mhtml. Acesso em: 09 de agosto de 2016).

Page 93: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

82

finalidade. A reclamação contribui para o bom funcionamento do Poder Judiciário. É útil para

que os juízes tratem isonomicamente os jurisdicionados, ao forçá-los a observarem os

precedentes obrigatórios. É uma ação constitucional voltada à proteção das competências dos

tribunais e garantia da autoridade dos seus julgados.

E a cada novo precedente obrigatório, descerra-se o caminho para novas

reclamações. É um efeito multiplicador. Mais precedentes obrigatórios, mais reclamações

para garantir sua observância. Um precedente obrigatório dá azo a reclamações. Primeiro,

porque poderá haver resistência em seguir os precedentes obrigatórios. Segundo porque, ainda

que haja disposição para observar os precedentes, é plausível ocorrer discordância

interpretativa quanto ao conteúdo do precedente, ou seja, os juízes sigam os precedentes, mas

ao os aplicar os jurisdicionados discordem da interpretação dada, dando ensejo a novas

reclamações.

Assim, quanto mais precedentes obrigatórios um tribunal firmar, maior será a

quantidade de reclamações, que pode ser fruto da renitência dos juízes, ou por erro na

aplicação ou, até mesmo, por discordância interpretativa. A reclamação, nesse último caso,

funciona como ambiente adequado para exercício do distinguishing e reinterpretação do

próprio precedente, conforme será visto adiante.

Insista-se num ponto. Não haverá reclamações tão-somente se houver resistência

em observar o precedente obrigatório. Ainda que os precedentes obrigatórios sejam

observados, é admissível a reclamação por erro na aplicação. Se houve, ou não, erro na

aplicação é uma questão de mérito que levará a improcedência ou procedência, conforme o

caso.

Não se pode ter medo que a resistência aos precedentes gere muitas reclamações.

É exatamente a sua função. Na verdade, deve-se congratular que haja a reclamação, diante do

temor de resistência aos precedentes, pois há um meio adequado de quebrar essa resistência,

que – por vezes – as vias recursais não são suficientes.

É um argumento imprudente (e simplista) o volume de reclamações nos tribunais,

no objetivo de tolher as hipóteses de cabimento e diminuí-las. A reclamação serve exatamente

para impor a observância dos precedentes, ou seja, garantir tratamento isonômico e segurança

jurídica aos jurisdicionados. É um remédio que permite aos jurisdicionados pleitear um

julgamento igualitário pelo Poder Judiciário. Caso haja alguma resistência aos precedentes

obrigatórios, é essencial a reclamação, e não importa que essa resistência perdure

Page 94: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

83

indefinidamente; pois, o que realmente convém é haver um instrumento para ultrapassar a

resistência e impor a observância acertada do precedente, garantindo, ao fim, segurança

jurídica e isonomia na entrega da tutela jurisdicional.

Com efeito, o medo do excesso de reclamações é, até certo ponto, paradoxal. Foi

elaborado um sistema de precedentes formalmente vinculantes, já que os juízes não seguem

os precedentes dos tribunais aos quais estão vinculados. Como parte desse sistema, foi eleita a

reclamação para impor a obediência a alguns dos precedentes. Procurar estreitar as hipóteses

de cabimento, para diminuir seu volume nos tribunais, significa, portanto, esvaziar o sistema

de precedentes. É um raciocínio paradoxal: desejam-se precedentes obrigatórios para vincular

formalmente os juízes, porém não se quer um instrumento para impô-los, com receio que se

inundem os tribunais; com esse argumento, volta-se à estaca zero.

Convém registrar o caráter pedagógico da reclamação.225 O julgamento da

reclamação não opera o efeito substitutivo. A reclamação cassa a decisão para que o órgão

reclamado profira nova decisão, dessa vez respeitando o precedente tido por violado. Aí

reside o caráter pedagógico da reclamação. O órgão reclamado é forçado a obedecer – ele

próprio – a autoridade do precedente. Não recebe simplesmente uma decisão substituindo a

sua; o órgão reclamado tem sua decisão cassada, sendo obrigado a proferir outra decisão, em

respeito ao precedente. Essa obrigação de proferir nova decisão caracteriza o caráter

pedagógico da reclamação226. Ao cabo, esse caráter pedagógico contribui para criar a cultura

de respeito aos precedentes.

Coloca-se aqui a reclamação formando um tripé, em conjunto com o habeas

corpus e o mandado se segurança. No sistema jurídico nacional, o habeas corpus garante o

direito fundamental à liberdade; o mandado de segurança protege o sujeito de direito perante a

Administração Pública; e, a reclamação torna-se o remédio para adensar o princípio da

igualdade e o da segurança jurídica junto ao Poder Judiciário227. Num Estado Democrático de

Direito, é essencial um Poder Judiciário seguro e que conceda tutela isonômica a todos

jurisdicionados. A reclamação contribui para tanto.

225 VEIGA, Daniel Brajal. O caráter pedagógico da reclamação constitucional e a valorização do precedente.

Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 220, jun.-2013, p. 59-60. 226 VEIGA, Daniel Brajal. O caráter pedagógico da reclamação constitucional e a valorização do precedente, cit.,

p. 60. 227 Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, em 2000, já havia chamado a Reclamação da “garantia das garantias”

(DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 501).

Page 95: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

84

2.3. A gênese sob uma perspectiva sociológica

As pesquisas sobre a gênese da reclamação mostram, na maior parte, como

ocorreu seu surgimento. Elas explicam a forma de sua aparição, a maneira como se originou a

reclamação. Contudo, não abrangem as razões que levaram ao seu surgimento. Demonstram o

modo de origem e os fundamentos dogmáticos, porém não explicam o porquê do surgimento.

Quais foram as razões sociais, históricas e políticas do surgimento da reclamação? É essa

questão que será respondida, sob uma simples perspectiva histórica, nos limites desta

pesquisa.

Aqui, inicialmente, cabe lembrar a crítica antiga de Miranda Rosa:

É curioso, assim, constatar a extrema escassez de estudos jurídicos e sociológicos a respeito

da influência de valores culturais ou sócio-culturais, em relação aos diversos ramos do

Direito e, particularmente, do Direito Processual. (...) O exame do Direito Processual em

relação às suas motivações nos valores sócio-culturais é virtualmente inexistente.228

Com a reclamação não é diferente. Há escassez de estudos sociológicos, como

ocorre com o restante do Direito Processual Civil. No presente item, não se faz uma ampla

pesquisa sociológica, mas apenas se traz simples ideias que possam explicar o motivo do

surgimento da reclamação. E a ideia trazida é que a resistência – reiterada – dos juízes locais

ao cumprimento das decisões do STF, bem como a afronta à sua competência levaram ao

surgimento da reclamação, à míngua da existência de um instrumento adequado para

preservar a competência e garantir o respeito às decisões do STF.

É importante a lição de Sérvulo Correia, ao tratar do surgimento do mandado de

segurança, porém servível à reclamação constitucional:

Lê-se com frequência a afirmação de que o mandado de segurança foi essencialmente uma

criação brasileira. Cremos que assim é, uma vez que o instituto processual foi nascendo na

psique nacional por força da evolução do próprio ordenamento jurídico e do modo como,

em face das circunstâncias políticas e sociais específicas, se foram desenhando as

necessidades de tutela jurisdicional administrativa.229

O mandado de segurança aparece, no ordenamento brasileiro – Lei nº 191/1936 –

para suprir um vácuo processual consistente, em resumo, na ausência de “um instrumento

mais eficiente e expedito para coibir ou prevenir a ocorrência dos abusos praticados pelos

228 MIRANDA ROSA, Felippe Augusto. Sociologia do Direito. O fenômeno jurídico como fato social. 9ª ed. Rio

de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 154. 229 CORREIA, Sérvulo. Direito do contencioso administrativo. Lisboa: Lex, 2005. p. 211.

Page 96: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

85

agentes do Estado.”230-231 Na Primeira República, o Poder Judiciário era bastante fragilizado,

por razões políticas e jurídicas (ingerência política, falta de autonomia financeira, ausência de

garantias para a magistratura, forte poder político dos chefes locais e estaduais etc.); daí se

encontravam dificuldades em controlar os atos administrativos, restando sem proteção os

sujeitos de direito frente ao Poder Público.232 Assim, “adensou-se no Brasil, ao longo da

segunda década do século XX, a consciência necessária de um novo meio processual

específico, capaz de reintegrar como celeridade e imediatividade os direitos dos particulares

violados pela Administração.”233

Em resumo, o mandado de segurança surge porque não havia meio adequado,

célere e eficaz para proteger o cidadão dos reiterados atos abusivos do Poder Público. Cuidou-

se de uma necessidade social, política e do próprio sistema jurídico. Origina-se por haver um

vazio jurídico-social.234

Os motivos do surgimento da reclamação são análogos aos do mandado de

segurança. A reclamação se origina, em virtude de circunstâncias sociais, políticas e jurídicas

que propulsionaram o ordenamento jurídico a buscar um instrumento adequado e eficaz para

preservar a competência do STF e garantir a autoridade de seus julgados. Nasce na psique dos

envolvidos na tutela jurisdicional, principalmente na das partes, dos juízes e dos advogados, a

necessidade de um novo instituto. Havia um vácuo jurídico no ordenamento, igual ao caso da

origem do mandado de segurança; a diferença que a lacuna jurídica da reclamação foi suprida

pelo Poder Judiciário, ao passo que a do mandado de segurança foi por atividade legislativa.

Em outras palavras, as reiteradas ofensas, pelas justiças locais, à competência e às

decisões do STF, desenharam a necessidade de um instrumento eficaz para combater essas

ofensas, exatamente porque não existia nenhum instrumento útil para tanto. O STF, então,

230 CAVALCANTI, Francisco. O novo regime jurídico do mandado de segurança. São Paulo: MP, 2009. p. 22. 231 O vácuo jurídico consistente na ausência de meio para, eficazmente, combater a abusividade dos atos do

Poder Público se deu, principalmente, porque não vingou a teoria brasileira do cabimento de habeas corpus para

controlar atos administrativos. Essa tese, amparada em parte da doutrina, durou até 1926 e, a partir daí, surge um

vazio que cria a necessidade sócio-jurídica do mandado de segurança: “A defesa da teoria brasileira do habeas

corpus persistiria até a reforma constitucional de 1926, que alterou vários dispositivos constitucionais, dentre

eles, o art. 72, § 22, da Constituição de 1891, restringindo ou explicitando que o bem jurídico tutelável pelo

habeas corpus seria, como sempre foi, a liberdade, o direito de locomoção. Tal vazio deixado por essa restrição

é que provocaria o surgimento da figura do mandado de segurança” (CAVALCANTI, Francisco. O novo

regime jurídico do mandado de segurança, cit., p. 20). 232 CAVALCANTI, Francisco. O novo regime jurídico do mandado de segurança, cit., p. 21. 233 CORREIA, Sérvulo. Direito do contencioso administrativo, cit., p. 208. 234 Em Congresso Jurídico de 1922, o Juiz do STF, Muniz Barreto, sublinhou, na apresentação de sua tese, que a

Justiça deveria estar aparelhada para restaurar, pelos meios jurídicos adequados e dotados de prontidão, as

situações de lesão de Direito pela Administração. (CAVALCANTE, Themístocles Brandão. Do mandado de

segurança. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1967. p. 32-35).

Page 97: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

86

construiu a reclamação constitucional, gradualmente, preenchendo o vácuo no ordenamento

jurídico.235 Tratou-se de criação jurisprudencial para atender a uma necessidade sócio-jurídica

do sistema. Social, porque havia persistentes ofensas à competência e às decisões do STF, que

levavam à sensação de insegurança. Jurídica, porque, para o ordenamento, não é saudável o

órgão de cúpula do Poder Judiciário – dotado de alto grau de cogência – ser repetidamente

afrontado.

Já se viu no item 2.2.1., que o STF começa a apreciar reclamações por volta da

década de 1940 e, aos poucos, a delineou como atualmente é conhecida. E um dos fatores que

levou, na década de 1940, a ocorrer reiteradas ofensas à competência e à autoridade das

decisões do STF foi, na ideia desta pesquisa, um problema que já existia desde a Primeira

República: poderes, local e estadual, fortes que não se viam obrigados diante do Poder

Federal.236

Por outro lado, com a promulgação da Constituição de 1934, inaugurou-se um

propósito constitucional unificador dos Estados brasileiros, que atuou sobre diversas

manifestações da vida brasileira.237 No setor jurídico, a influência unificadora foi intensa no

Direito Processual. Antes de 1934, cada Estado era competente para legislar sobre Direito

Processual, entretanto a nova carta constitucional concedeu competência apenas à União. Em

1939, foi publicado o Decreto-lei nº 1.608, um Código de Processo Civil válido para todo

território nacional, servindo ao propósito unificador do Poder Central Federal.238

Somava-se, ainda, a larga competência do STF, que, na época, julgava, em grau

recursal, recursos extraordinários por ofensa à lei federal e à Constituição. O STF era

guardião da lei federal e, igualmente, da Constituição.

Os fortes poderes locais, diante do propósito unificador e centralizador da União,

não se intimidaram facilmente frente à pretensão centralizadora da União e a ingerência daí

advinda. Houve resistência que foi demonstrada, inclusive, no Poder Judiciário local –

controlado pelos coronéis e chefes municipais – resistindo ao cumprimento de decisões do

STF. Explica-se.

235 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 172-182. 236 KOERNER, Andrei. O Poder Judiciário no sistema político da Primeira República. Revista da USP. São

Paulo, v. 21, mar./mai-1994, p. 59-69. 237 MIRANDA ROSA, Felippe Augusto. Sociologia do Direito, cit., p. 164. 238 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:

Forense, 1947, t.1, p. 64-65.

Page 98: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

87

Na República, os governos estaduais eram eleitos diretamente, daí as oligarquias

estaduais estabeleceram alianças com os coronéis – uma expressão do poder local – que lhes

davam apoio eleitoral em troca do controle dos municípios.239 Havia um sistema de

reciprocidade entre o poder local, nas figuras do coronel e do chefe municipal, e o poder

estadual. O coronel, elemento desse sistema, era tão fortalecido localmente, que conseguia

subjugar juízes e promotores, até porque não havia a prerrogativa da inamovibilidade e suas

nomeações ficavam a cargo do poder estadual, cuja relação com os chefes locais era de

favores recíprocos. Os juízes eram do coronel, lhe pertenciam.

Raymundo Faoro bem explica:

O coronel municipal, delegado do governo estadual – delegado sem vínculo hierárquico,

insista-se, e no exercício das funções com patrimônio próprio – subordina a si diversos

subcoronéis, aos quais comanda e dos quais é dependente. O coronel tem capangas,

elementos sem vontade própria, como os têm os subcoronéis. Entre os coronéis e os

subcoronéis, bem como entre os dois e os não dependentes imediatos (empregados,

devedores, moradores em sãs terras) há um laço de amizade, que atenua a ameniza a

subordinação. Em regra o compadrio une os aderentes ao chefe, chefe enquanto goza de

confiança do grupo dirigente estadual e enquanto presta favores, com o domínio do

mecanismo policial, muitas vezes do promotor público, não raro expresso na boa vontade

do juiz de direito. As autoridades estaduais – inclusive o promotor público e o juiz de

direito – são removidas, se em conflito com o coronel. Até a supressão da comarca, seu

desmembramento, elevação de entrância são expedientes hábeis para arredar a autoridade

incômoda.240

Os chefes municipais e o coronel, portanto, controlavam o Poder Judiciário local.

Possuíam inserção e ingerência sobre os juízes de direito, quando não muitas vezes eram seus

parentes ou tinham relação de compadrio, lealdade e veneração241-242. Nos níveis de Poder

Público local, por vezes, havia uma extensão do núcleo familiar. As funções públicas eram

239 Nesse sentido: FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 16ª ed. São Paulo: Globo, 2004, v. 2, p. 631-632;

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 45-52;

KOERNER, Andrei. O Poder Judiciário no sistema político da Primeira República, cit., p. 61. 240 FAORO, Raymundo. Os donos do poder., cit., v. 2, p. 632. 241 FAORO, Raymundo. Os donos do poder, cit., v. 2, p. 633. 242 “A ascensão política dos bacharéis dentro das famílias, não foi só de genros: foi principalmente de filhos,

como indicamos em capítulo anterior. Se destacamos aqui a ascensão dos genros é que nela se acentuou com

maior nitidez o fenômeno da transferência de poder, ou de parte considerável do poder, da nobreza rural para a

aristocracia ou a burguesia intelectual.” (FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado

e desenvolvimento do urbano. 16ª ed. São Paulo: Global, 2016. p. 724).

Page 99: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

88

guiadas pelos laços de sangue e de coração, raramente se norteavam pelo interesse público-

objetivo.243

Em suma, o Poder Judiciário local – os juízes de direito – era subjugado aos

chefes municipais e ao coronel, sendo também submisso ao chefe estadual244, tanto por razões

de política-força quanto por razões de política-compadrio.245

Por outro lado, as cartas constitucionais, de 1934 e 1937, aumentaram os poderes

da União. Houve um propósito unificador dos Estados, que acarretava na robustez da União,

em detrimentos dos poderes dos Estados.246 Estabeleceu-se um federalismo, no qual a União

saiu muito fortalecida247, tanto que “intervinha ostensiva ou maliciosamente nos estados de

243 “No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de

funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível

acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu

ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal. Dentre esses círculos,

foi sem dúvida o da família aquele que se exprimiu com mais força e desenvoltura em nossa sociedade. Em um

dos efeitos decisivos da supremacia incontestável, absorvente, do núcleo familiar – a esfera, por excelência dos

chamados “contatos primários”, dos laços de sangue e de coração – está em que as relações que se criam na

vida doméstica sempre forneceram o modelo obrigatório de qualquer composição social entre nós. Isso ocorre

mesmo onde as instituições democráticas, fundadas em princípios neutros e abstratos, pretendem assentar a

sociedade em normas antiparticularistas” (HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo:

Companhia da Letras, 2011. p. 146). 244 Eis a lição de Victor Nunes Leal: “O bem e o mal, que os chefes locais estão em condição de fazer aos seus

jurisdicionados, não poderiam assumir as proporções habituais sem o apoio da situação política estadual para

uma e outra coisa. Em primeiro lugar, grande cópia de favores pessoais depende fundamentalmente, quando

não exclusivamente, das autoridades estaduais. Com o chefe local – quando amigo – é que se entende o governo

do Estado em tudo quanto respeite aos interesses do município. Os próprios funcionários estaduais, que servem

no lugar, são escolhidos por sua indicação. Professoras primárias, coletor, funcionários da coletoria,

serventuários da justiça, promotor público, inspetores do ensino primário, servidores da saúde pública etc.,

para tantos cargos a indicação ou aprovação do chefe local costuma ser de praxe. Mesmo quando o governo

estadual tem candidatos próprios, evita nomeá-los, desde que venha isso a representar quebra do prestígio do

chefe político do município. Se algum funcionário estadual entra em choque com este, a maneira mais

conveniente de solver o impasse é removê-lo, às vezes com melhoria de situação, se for necessário. A influência

do chefe local nas nomeações atinge os próprios cargos federais, como coletor, agente do correio, inspetor do

ensino secundário e comercial etc., e os cargos das autarquias (cujos quadros de pessoal têm sido muito

ampliados), porque também é praxe do governo da União, em sua política de compromisso com a situação

estadual, aceitar indicações e pedidos dos chefes políticos nos Estados.” (Em: LEAL, Victor Nunes.

Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 44). 245 “O aspecto que logo salta aos olhos é o da liderança, com a figura do “coronel” ocupando o lugar de maior

destaque. Os chefs políticos municipais nem sempre são autênticos “coronéis”. A maior difusão do ensino

superior no Brasil espalhou por toda a parte médicos e advogados, cuja ilustração relativa, se reunida a

qualidades de comando e dedicação, os habilita à chefia. Mas esses mesmos doutores, ou são parentes, ou afins,

ou aliados políticos dos coronéis” (Em: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed. Rio de

Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 22). 246 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 81-

84. Tratando apenas da Constituição de 1934: PINTO FERREIRA. A Constituição brasileira de 1934 e seus

reflexos na atualidade. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 93, jan./mar.-1987. p. 15-

30) 247 Esse fortalecimento do poder federal não foi mera opção política. Ela se explica também pelas novas

tecnologias de transporte e comunicação, que permitiram a União chegar em locais antes inacessíveis. O poder

era relegado ao coronel local, porque a União lá não conseguia chegar, mas com novos meios de transporte e

comunicação a União consegue chegar em novos locais, mitigando os poderes do coronel local (Em: LEAL,

Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 42).

Page 100: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

89

médio porte na Federação (Pernambuco, Ceará), mas respeitava as poderosas forças

públicas de São Paulo, Minas Gerais”.248 Daí, até mesmo as legislações processuais dos

Estados foram revogadas; foi estatuído um Código (Decreto-lei nº 1.608/1939) para reger

todo o Processo Civil brasileiro, cuja competência para interpretar, em última análise, era do

STF.

Esse cenário implicou o aumento de decisões de juízes locais usurpando a

competência do STF, bem como afrontando a autoridade de suas decisões, o que, como já

dito, criou a necessidade de um instrumento para preservação de competência e garantia da

autoridade dos julgados do STF.

Os coronéis e chefes locais resistiram às ingerências da Poder Federal. Eram ilhas

de poder fortes e, em certa medida autônomas, com aptidão de contrastar a União. Essa

resistência refletiu no Poder Judiciário, subjugado e submisso aos poderes locais e estaduais.

O Poder Judiciário local contrapõe-se à autoridade do STF, pois prefere atender aos interesses

daqueles que detêm o poder local e, inclusive, o poder sobre os cargos de juízes, a obedecer às

decisões do STF.

O fortalecimento da União quebra a harmoniosa relação entre os poderes local,

estadual e federal. A relação, antes harmoniosa e mutuamente recíproca, passa a pender para o

lado da União, em detrimento do chefe local249, cuja “mentalidade estreita, confinada ao

município, onde interesses de sua facção se sobrepõem aos da pátria”,250 leva-o a resistir à

ingerência da União, de todas as formas, inclusive às decisões judiciais. O chefe local

consegue subjugar o Poder Judiciário local, a ponto de conseguir que os juízes locais resistam

às decisões do STF contrárias aos seus interesses.

Esses fatores, históricos, políticos e sociais, levaram às afrontas reiteradas à

competência e às decisões do STF, que, por sua vez, ocasionaram a necessidade de um

instrumento para combater essas afrontas. Não podia o STF, órgão de cúpula do Poder

Judiciário, ser ofendido repetidamente. Era necessário buscar um instituto que pudesse coibir

a usurpação de competência do STF e garantir suas decisões.

248 PINTO FERREIRA. A Constituição brasileira de 1934 e seus reflexos na atualidade. Revista de Informação

Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 93, jan./mar.-1987. p. 20. 249 “É claro, portanto, que os dois aspectos – o prestígio próprio dos “coronéis” e o prestígio de empréstimo

que o poder público lhes outorga – são mutuamente dependentes e funcionam ao mesmo tempo como

determinantes e determinados. Sem a liderança do “coronel” – firmada na estrutura agrária do país –, o

governo não se sentiria obrigado a um tratamento de reciprocidade, e sem essa reciprocidade a liderança do

“coronel” ficaria sensivelmente diminuída”. (Em: LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed.

Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 43). 250 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1978. p. 37.

Page 101: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

90

À míngua de um meio eficaz e adequado, o sistema jurídico, por meio da

jurisprudência, criou, então, a reclamação para suprir esse vácuo jurídico. Surge a reclamação,

durante a década de 1940, para preencher um vazio no sistema: inexistência de instrumento

para – eficazmente – preservar a competência do STF e garantir a autoridade dos seus

julgados.

Tal qual ocorreu com o mandado de segurança, a reclamação constitucional surgiu

diante de um vácuo jurídico ou uma “lacuna jurídica ameaçadora”251. Faltava no sistema um

instrumento jurídico adequado para tutelar as afrontas praticadas pelo Poder Público aos

direitos dos cidadãos, no caso do mandado de segurança, daí por que o Poder Legislativo

criou o mandado de segurança; por outro lado, também faltava no sistema um meio adequado

e eficiente para combater as reiteradas afrontas à autoridade e à competência do STF, o que

permitiu ao STF (cúpula do Poder Judiciário) criar um instituto – reclamação constitucional –

apto a preservar sua competência e a autoridade de seus julgados. A diferença principal entre

o surgimento dessas ações processuais é a origem. No caso do mandado de segurança, a

lacuna foi suprida por atividade legislativa, ao passo que no da reclamação constitucional, a

origem é no seio do Poder Judiciário.252

A criação da reclamação constitucional é um típico caso em que os tribunais, no

caso do STF, se mostram sensíveis “paralelamente à mudança social subjacente à ordem

jurídica”.253 As decisões do STF se amoldaram à necessidade sócio-jurídica de um

instrumento processual para preservar a sua competência e a autoridade de seus julgados.

2.3.1. A gênese sob uma perspectiva sociológica: as razões sociais da eleição da

reclamação como meio de impor a observância dos precedentes

Decorridas algumas décadas do surgimento da reclamação, outro vácuo jurídico se

torna latente. Surge outra “lacuna jurídica ameaçadora”254 ou, ao menos, a sensação dela.

251 A expressão é utilizada por Eduardo José da Fonseca Costa, para exprimir que a ausência de um instituto no

sistema jurídico deixa situações importante sem solução adequada (Em: COSTA, Eduardo José da Fonseca. Da

reclamação. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, cit., p. 2201). 252 Convém registrar o aspecto de comunidade de trabalho entre Jurisprudência, Doutrina e Legislação na

formação da ordem jurídica vigente. Sobre o aspecto histórico dessa comunidade de trabalho, consultar:

CAENEGEM, R. C. van. Juízes, legisladores e professores. Trad. Luiz Carlos Borges. Rio de Janeiro: Elsevier,

2010. p. 47-78. 253 MIRANDA ROSA, Felippe Augusto; CANDIDO, Odilá Dinorá de Alagão. Jurisprudência e mudança social.

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. p. 164. 254 COSTA, Eduardo José da Fonseca. Da reclamação. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil,

cit., p. 2201

Page 102: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

91

Mais precisamente, a ausência de meio adequado para controlar a aplicação e observância dos

precedentes dos tribunais. Com o persistente desrespeito aos precedentes dos tribunais,

desenha-se a necessidade de um meio, rápido e eficaz, de impor a observância dos

precedentes aos órgãos jurisdicionais inferiores.

No Brasil, há valores culturais, patrimonialistas e personalistas, que implicam um

sistema judicial incoerente, irracional e sujeito a mudanças repentinas. Não há respeito aos

precedentes judiciais. Os juízes não absorvem com frequência as orientações jurisprudenciais.

Ao contrário, os juízes consagram, nas decisões, seus valores e desejos pessoais, sem qualquer

compromisso com os precedentes.255

A formação cultural brasileira explica o desrespeito aos precedentes e a

necessidade, social e jurídica, de um meio adequado para o controle de sua aplicação ou de

sua inobservância. Ou seja, explica-se a eleição da reclamação como instrumento para impor

respeito aos precedentes.256

A formação cultural brasileira é tipicamente patrimonialista e personalista257. O

patrimonialismo significa a obediência baseada na autoridade patriarcal, quase que

sacralizada. Um poder atávico, pessoal e arbitrário do patriarca. Esse caráter patrimonialista é

reproduzido no Poder Público e na administração da justiça; o cargo público e o seu ocupante

estão a serviço da autoridade que sobre eles detém poder. Assim, as decisões, num Poder

255 “No Brasil, muitos juízes ainda imaginam que podem atribuir significado aos textos que consagram direitos

fundamentais a seu bel-prazer – como se a Constituição fosse uma válvula de escape para a liberação dos seus

valores e desejos pessoais – e, assim, decidir sem qualquer compromisso com os precedentes constitucionais,

numa demonstração clara de ausência de compreensão institucional. Estão por detrás da falta de respeito aos

precedentes argumentos retóricos e natureza jurídica, valores culturais e, inclusive, um nítido interesse num

sistema judicial incoerente e aberto a mudanças repentinas. É importante perceber que a falta de autoridade

das decisões das Cortes Supremas não deriva apenas da rejeição teórica à ideia de que as suas decisões devem

definir o sentido do direito e, portanto, orientar os demais tribunais, mas também do desinteresse de posições

sociais significativas na racionalização da distribuição do direito no país.” (MARINONI, Luiz Guilherme. A

ética dos precedentes: justificativa do novo CPC. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 73-74). 256 Há mais de vinte anos, Miranda Rosa já alertava a importância da Sociologia Jurídica investigar a influência

dos precedentes judiciais na realidade jurídica brasileira: “Sem a mesma importância que, na Inglaterra e nos

Estados Unidos da América do Norte, principalmente, e nas outras organizações estatais que adotam o mesmo

sistema de common law, possuem os precedentes judiciais, estes exercem, entretanto, no Brasil e no resto dos

países da civilização ocidental, ou que ela influenciou, uma força condicionante que impressiona pela sua

regularidade. Como opera, na realidade, essa influência, em que grau ela efetivamente se exerce, se é alterada,

ou não, pelas outras modificações sociais subjacentes à realidade jurídica, que motivos fazem que os

magistrados, muitas vezes, se submetem a orientações jurisprudenciais diferentes daquelas que entenderiam as

melhores, constituem assuntos a serem investigados no interesse da administração da justiça. A Sociologia do

Direito deve-se ocupar disso.” (MIRANDA ROSA, Felippe Augusto. Sociologia do Direito. O fenômeno

jurídico como fato social. 9ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 185). 257 Para entender a formação do patriarcado brasileiro, consultar: FREYRE, Gilberto. Casa-grande e Senzala:

formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 52ª ed. São Paulo: Global, 2013.

Page 103: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

92

Judiciário patrimonialista, estão a serviço dos critérios pessoais de certas autoridades, num

jogo de interesses alheio à impessoalidade, não havendo, portanto, respeito aos precedentes.258

O caráter patrimonialista agrega-se ao personalismo. Uma forte dosagem de

preocupação individual e falta de comprometimento com interesses objetivos. Há

compromisso apenas com interesses estritamente pessoais. Esses traços culturais

patrimonialistas e personalistas fazem com que o brasileiro não compreenda bem os domínios

do privado e do público. Ele não sabe a diferença entre o “jardim” e a “praça”.259 O brasileiro

possui dificuldade em enxergar a coisa pública, a trata como se fosse sua. O funcionalismo

público é reprodução da vida doméstica. Os ocupantes dos cargos públicos são escolhidos por

uma relação de confiança pessoal, independentemente de suas aptidões técnicas. O brasileiro

é o homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda. O homem que não se dedica a suas

funções impessoal e objetivamente. Mas sim o homem que atende aos interesses pessoais,

guiados por laços de sangue, coração, amizade, além da obediência à autoridade. O homem do

jeitinho, que prefere atender pelo nome de batismo, ao invés de seu sobrenome. O brasileiro

atua na vida pública como se na privada estivesse, com pouca noção da coisa pública e

interesses impessoais e objetivos.260

O homem cordial também esteve presente na administração da justiça.261 A

cultura brasileira patrimonialista e personalista contaminou o Poder Judiciário e os sujeitos

nele envolvidos. As decisões judiciais, portanto, foram afetadas pelos interesses pessoais

daqueles ligados à administração da justiça. As decisões são manipuladas em favor daqueles

que merecem estima, confiança e simpatia.262 O homem cordial – advogado, juiz, promotor,

258 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes, cit., p. 82. 259 Sobre a experiência brasileira em relação aos domínios público e privado, é proveitoso consultar:

SALDANHA, Nelson. O jardim e a praça. São Paulo: Edusp, 1993. p. 103-108. Eis um trecho importante: “De

certa forma o problema do privatismo brasileiro, que se prende ao “personalismo” ainda hoje perceptível,

deverá ser entendido em conexão com fenômenos idênticos, correntes em toda a América Latina: latifúndios,

famílias dinásticas, caudilhismo político, partidos formados por coalisões pessoais, escassa e descontínua do

povo e do sentido de coisa pública como tal.” 260 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia da Letras, 2011. p. 145-148. 261 Aqui cumpre registrar a lição de Francisco de Barros e Silva Neto: “A Administração Judiciária não é seara

alheia ao Direito Processual, como também não o é a Sociologia do Processo. Apenas se pode compreender

adequadamente o fenômeno processual por uma mirada que contemple todas essas perspectivas, pois, como

visto, soluções de direito processual surgem de “problemas administrativos” e vice-versa.” (SILVA NETO,

Francisco de Barros e. Paradoxos do recurso extraordinário como ferramenta do direito processual

constitucional. Questões atuais sobre os meios de impugnação contra decisões judiciais. CUNHA, Leonardo

Carneiro da (coord.). Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 53). 262 “Também aí teve e ainda tem lugar o “homem cordial”, o juiz e o promotor que atuam com base nos velhos

motivos que presidiam a família patriarcal, quando tudo girava em torno da pessoalidade. O advogado

igualmente é investido dessa figura, tornando-se o “bajulador” que deixa de ser defensor dos direitos para se

tornar lobista de interesses privados, para o que são mais efetivas as relações peculiares ao chamado

Page 104: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

93

servidor etc. – inviabilizou a aplicação igualitária da lei. A interpretação das fontes do direito

era norteada para beneficiar e agradar aqueles envolvidos na administração da justiça,

independente do próprio senso de justiça. O conteúdo decisório era, e ainda é, direcionado aos

amigos ou àqueles detentores de poder e possibilidade de troca de favores institucionais.

Esses traços culturais brasileiros, presentes na administração da justiça,

acarretaram um sistema irracional, cuja distribuição da justiça não é igualitária. Os casos são

tratados de forma particularizada, sem respeito à igualdade, tampouco à segurança jurídica.

As fontes são interpretadas de acordo com os critérios pessoais, em detrimento da

intepretação conferida pelos tribunais, principalmente os superiores, sob o falseado e

ultrapassado argumento de que o juiz apenas se submete à lei. Não se respeita a interpretação

dos tribunais. Cada juiz é senhor de sua própria interpretação equacionada com seus

interesses.

Precisamente, o homem cordial é a antítese da ideia de que a lei é igual para todos e, por

mera consequência, o patrimonialismo que se incorporou à cultura brasileira é

completamente avesso a uma ordem jurídica coerente e a um sistema racional de

distribuição de justiça. Os governos autoritários, as posições sociais que sempre foram

privilegiadas, os ambientes deformados da magistratura e da advocacia, não só necessitam

de previsibilidade, mas não querem igualdade nem muito menos coerência e racionalidade.

Por isso fingem não ver a imprescindibilidade de uma teoria que privilegie a autoridade da

função desempenhada pelas Cortes Supremas.263

E esse sistema de prestação jurisdicional, irracional, desigual, imprevisível e

inseguro, agrada a muitos. Agrada a algumas partes, que preferem acreditar nas relações de

estima, simpatia e prestígio para obter decisões favoráveis. É interessante para alguns

advogados, cujo espaço de trabalho depende da imprevisibilidade das decisões judiciais e de

troca de favores. Traz conforto para servidores, com uma falsa sensação de aumento de

espectro de poder.

Por outro lado – apesar dos interessados no sistema irracional, que despreza a

força dos precedentes – surgiu um anseio social por segurança jurídica e igualdade na

distribuição de justiça. Apareceu uma necessidade de decisões impessoais e objetivas, que

deixassem de lado os interesses pessoais e particularistas. Surge a necessidade de um sistema

que imponha força vinculantes às decisões dos tribunais, no qual os casos idênticos sejam

“jeitinho” ou “jeito” do que conhecimento técnico-jurídico ou capacidade de convencimento do juiz.”

(MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes, cit., p. 87). 263 MARINONI, Luiz Guilherme. A ética dos precedentes, cit., p. 97.

Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

94

solucionados de forma idêntica.264 Há um anseio social por segurança e igualdade jurídica na

prestação jurisdicional que, ao cabo, significa anseio por respeito aos precedentes dos

tribunais. A sociedade demanda do Poder Judiciário sobretudo tratamento igualitário.

Passa-se a ter medo dos juízes e do conteúdo incalculável e imprevisível de suas

decisões265, na famosa lição de Eros Roberto Grau:

Isso tudo talvez acabe quando começar a comprometer a fluência da circulação mercantil, a

calculabilidade e a previsibilidade indispensáveis ao funcionamento do mercado (talvez

então os juízes voltem a ser a boca que pronuncia, sem imprensa, sem televisão...). Ou será

a desordem, até que novos rumos nos acudam...

Até então terei medo dos juízes (acaso continuarei a nutri-lo, esse medo, ainda após

então?), tenho medo do direito alternativo, medo do direito achado na rua, do direito achado

na imprensa...266

Esse medo dos juízes, levantado por Eros Roberto Grau, nada mais é que a

demanda social por uma distribuição de justiça segura e igualitária. Angustia-se por decisões

judiciais que respeitem e apliquem devidamente os precedentes emanados dos tribunais, de

forma impessoal e objetiva, sem tratamento desigual dos jurisdicionados, conferindo um

mínimo de segurança jurídica. Repudia-se o lobby, a troca de favores, as decisões

particularistas que agradam pessoas estimadas.

Há, portanto, um vácuo jurídico consistente na ausência de um instrumento capaz

de forçar a observância dos precedentes. O meio eleito pelo CPC/2015 foi a reclamação

constitucional, que passa a ser a ação adequada para impor respeito a alguns dos precedentes

vinculantes, mais precisamente aos enunciados de súmula vinculantes, decisões do STF em

controle concentrado de constitucionalidade, recursos repetitivos e incidente de assunção de

competência.

A reclamação foi trazida pelo CPC/2015 para garantir a observância dalguns dos

precedentes dos tribunais. É uma forma de buscar que os precedentes sejam realmente

seguidos pelos juízes, garantindo decisões igualitárias, calculáveis e previsíveis. A reclamação

264 “Um sistema que confere autoridade às decisões judiciais das Cortes Supremas, vendo-as como precedentes

dotados de força obrigatória ou vinculante, garante a imparcialidade da prestação jurisdicional em todos os

níveis da estrutura do Poder Judiciário e, por consequência, dificulta o “jeito” e o lobby, peculiares às relações

dotadas de pessoalidade e características à formação cultural brasileira.” (MARINONI, Luiz Guilherme. A

ética dos precedentes, cit., p. 94). 265 São utilizados termos tais quais “jurisprudência lotérica” e “jurisprudência banana boat” para indicar a

ausência de confiança legítima nas decisões judiciais (CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos

Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 786, abr-2001; SILVA, Ticiano Alves e. Jurisprudência banana

boat. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 209, jul-2012). 266 GRAU, Eros Roberto. Por que eu tenho medo dos juízes. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 139.

Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

95

contribui para adensar a segurança jurídica na prestação jurisdicional, garantindo maior

respeito aos precedentes; e, como dito, observar os precedentes diminui as chances de

decisões particularistas, comprometidas apenas com interesses pessoais. O respeito aos

precedentes confere maior respaldo institucional ao Poder Judiciário, como um todo, e atende

à exigência social de uma administração da justiça imparcial e impessoal.

Como explicado no item 2.3., o STF criou a reclamação, nas hipóteses específicas

de garantia de eficácia de seus julgados e preservação de sua competência, em virtude de uma

conjuntura social que levou a tanto; da mesma forma, o CPC/2015 criou novas hipóteses de

cabimento de reclamação, tornando-a um dos meios adequados para controlar a aplicação de

precedentes, diante do anseio social por decisões equânimes e seguras.267

Tome-se aqui a lição de Miranda Rosa, para quem o processo judicial é o meio

adequado para concretização dos princípios da igualdade e da segurança jurídica. “O processo

judicial tem como elemento indispensável das suas motivações e das suas razões de ser

assegurar a igualdade das partes em face dos órgãos jurisdicionais do Estado.”268 A

legislação processual, embora não de forma absoluta, encarta os valores culturais da

sociedade. Assim, os valores segurança e igualdade, almejados pela sociedade, contaminam o

sistema processual.269 Essa necessidade social de respeito aos precedentes, pelas razões

acima, levou o CPC/2015 a eleger a reclamação constitucional como meio adequado para

controlar a aplicação dos precedentes; o sistema processual reorganiza-se e acomoda-se para

adensar os valores igualdade e segurança.

2.4. A reclamação constitucional no direito comparado

Neste item, aproveita-se a rica pesquisa de Direito Comparado já realizada por

Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, no principal trabalho até hoje empreendido sobre

267 Como exposto nos itens 2.2.2.4. e 2.2.2.5., durante a fase constitucional da reclamação, o STF ensaiou, em

algumas decisões, utilizar a reclamação como forma de controlar a aplicação de seus precedentes, no caso, de

impor respeito às rationes decidendi de acórdãos de controle concentrado e difuso de constitucionalidade, o que,

contudo, não vingou, apesar dos debates capitaneados principalmente por Gilmar Ferreira Mendes. Era, naquela

fase constitucional, latente o vácuo jurídico consistente na ausência de um meio adequado para impor a

interpretação dos tribunais aos demais juízes, para adensar a segurança jurídica e a igualdade da prestação

jurisdicional, o que veio a ser suprido na fase codificada, pelo 268 MIRANDA ROSA, Felippe Augusto. Sociologia do Direito, cit., p. 158. 269 “A segurança social, ou seja, a segurança da sociedade como um todo, também está presente nas normas

processuais (...) Os valores éticos que informa a vida social encontram-se presentes em todo o sistema de

normas processuais (...) Prevalecendo esses valores éticos, é acentuada a realização dos demais valores básicos

que o complexo sócio-cultural procura assegurar do Direito Processual” (MIRANDA ROSA, Felippe Augusto.

Sociologia do Direito, cit., p. 160-161).

Page 107: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

96

reclamação constitucional.270 O autor elegeu – partindo de métodos de pesquisa do Direito

Comparado, previamente expostos – sete países e o ordenamento comunitário europeu para

comparar com o ordenamento jurídico brasileiro, no intuito de identificar algum instituto

similar à reclamação constitucional.

Por ser um instituto genuinamente brasileiro, não buscou uma medida exatamente

idêntica à reclamação. Buscou-se, nos sistemas estrangeiros eleitos, analisar como funcionam

e operam os meios jurídicos existentes, para identificar instrumentos que desempenhem as

finalidades exercidas pela reclamação no Brasil. Assim, em sua pesquisa, não utilizou o

nomen iuris como parâmetro de pesquisa, mas sim as características, funções e finalidades dos

institutos comparados.271

Convém registrar que, no momento da pesquisa realizada por Marcelo Navarro

Ribeiro Dantas, as funções da reclamação eram a de preservar a competência e a de garantir a

autoridade das decisões dos tribunais. Não havia, ainda, a previsão textual das hipóteses de

cabimento para controlar e impor a observância de precedentes. Então, os parâmetros de

pesquisa, para fins de Direito Comparado, no rastro de um instituto homólogo, limitaram-se a

preservação de competência e garantia de autoridade dos julgados. Não foram buscados

institutos com as características da reclamação, cujo objetivo também fosse controlar

aplicação de precedentes.

O autor elegeu sete países e o sistema jurídico da comunidade europeia. O Estados

Unidos, pois é país do judicial review e a origem da teoria dos poderes implícitos (implied

powers theory), tão importante para a gênese da reclamação, como explicado no item 2.2.1.1.

A Alemanha e a Itália, em virtude da influência doutrinária na formação e desenvolvimento

da doutrina processual no Brasil. A França, pelo peso exercido nos países de civil law. A

Áustria, já que foi o berço do controle concentrado de constitucionalidade. Portugal e

Espanha, já que o sistema jurídico brasileiro remonta às instituições ibéricas. Por fim, foi

eleito o ordenamento comunitário europeu, pois é um modelo no qual o Mercosul pode vir a

se espelhar.272

270 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 385-429;

DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado. COSTA, Eduardo

José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador:

Juspodivm, 2013. p. 335-369. 271 DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado, cit., p. 335-336. 272 DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado, cit., p. 336.

Page 108: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

97

No curso de sua investigação, comparando os instrumentos dos ordenamentos

apontados, não se divisou um instituto realmente assemelhado à reclamação, com

características e funções claramente análogas.273 Porém, no Direito Comunitário Europeu, se

encontrou algo que um pouco se aproxima da reclamação constitucional; apenas em relação à

específica hipótese de cabimento de garantir autoridade das decisões, no caso, as proferidas

pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, atualmente o Tribunal da União

Europeia.274 Cuida-se da ação de incumprimento, prevista nos arts. 258º a 260º do Tratado de

Lisboa275, antigamente prevista nos arts. 169 a 171 do Tratado de Roma, que instituiu a

Comunidade Europeia276

O Tribunal de Justiça da União Europeia surgiu em 1952277, denominado de

Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias; apenas em 2007, com o Tratado de Lisboa,

passou a ser chamado de Tribunal de Justiça da União Europeia, alargando suas competências

e estrutura.278 É um tribunal supranacional, com múltiplas funções. Exerce jurisdição

administrativa, fiscal, comercial, social e consultiva. Seu principal objetivo é garantir que a

legislação da União Europeia seja aplicada e interpretada igualmente por todos os países

membros.

A ação de incumprimento é cabível quando um país membro não cumpre a

legislação europeia, cuja legitimidade para propositura é de qualquer outro país membro e da

Comissão Europeia. A ação de incumprimento poderá ser proposta se um país da União

Europeia não cumpre a legislação europeia, de forma comissiva ou omissiva. No acórdão,

sendo declarado o descumprimento, o país é condenado a pôr-lhe fim, adotando as medidas

adequadas e necessárias.279

Se o primeiro acórdão não é cumprido pelo país membro condenado, ou seja, não

são tomadas as medidas adequadas para pôr termo ao descumprimento da legislação europeia,

273 DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado, cit., p. 36. 274 DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado, cit., p. 364-369. 275 Versão consolidada de 2008, disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-

content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:C:2008:115:FULL&from=PT. Acesso em: 18 de julho de 2016. 276 Disponível em http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:11957E/TXT. Acesso em: 18 de

julho de 2016. 277 Entrou em funcionamento em 1952, porém foi instituído pelo Tratado de Paris, de 1951, que formou a

Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). Disponível em:

http://curia.europa.eu/jcms/jcms/T5_5119/pt/. Acesso em: 18 de julho de 2016. 278 Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=OJ:C:2007:306:FULL&from=PT.

Acesso em: 18 de julho de 2016. 279 MESQUITA, Maria José Rangel de. Efeitos dos acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades

Europeias proferidos no âmbito de uma acção de incumprimento. Coimbra: Almedina, 1997. p. 28-30.

Page 109: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

98

poderá ser ajuizada uma segunda ação de incumprimento. Dessa vez, a ação é ajuizada para

forçar o cumprimento daquilo que foi decido na primeira ação de incumprimento.

Na segunda ação de incumprimento, sendo constatado o não cumprimento do

acórdão da ação anterior, é prolatado um segundo acórdão, com imposição de multa

pecuniária, de modo a submeter o país membro ao julgado anterior;280 é nessa perspectiva que

a ação de incumprimento assemelha-se à reclamação constitucional.281 É uma ação cujo

objetivo também é garantir a autoridade de uma decisão anterior, tal qual a reclamação

constitucional. Inclusive, admite-se decisões provisórias para obstar, de imediato, o

descumprimento alegado, com base em fumus boni iuris.282

A segunda ação de incumprimento desempenha a função de garantir o estrito

cumprimento do acórdão prolatado em uma primeira ação de incumprimento, mediante

aplicação de multa. Aproxima-se nesse ponto, portanto, da reclamação constitucional.

Contudo, cada um dos institutos guarda características próprias que não os torna idênticos,

mas apenas assemelhados quanto ao objetivo de garantir o cumprimento de uma decisão

anterior.

Assim, na pesquisa de Direito Comparado empreendida por Marcelo Navarro

Ribeiro Dantas, fora do ordenamento comunitário europeu, em que há a ação de

incumprimento, não foi identificado, nos sete países pesquisados (Estados Unidos, Alemanha,

Itália, Áustria, França, Portugal e Espanha), outro instrumento próximo da reclamação

constitucional.

Outra pesquisa que encontrou instituto com característica assemelhada à da

reclamação, foi a realizada por Edilson Pereira Nobre Jr. sobre medidas cautelares em sede de

fiscalização abstrata de constitucionalidade. Identificou o autor medida análoga na Bélgica.283

280 Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=uriserv%3Al14550. Acesso em> 18 de

julho de 2016. 281 DANTAS, Marcelo Ribeiro Navarro. A Reclamação Constitucional no direito comparado, cit., p. 366. 282 MESQUITA, Maria José Rangel de. Efeitos dos acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades

Europeias proferidos no âmbito de uma acção de incumprimento, cit., p. 57, 96-96. 283 “Ainda no âmbito dos tribunais constitucionais europeus, desperta atenção o exemplo da Corte de

Arbitragem belga. A Lei Especial de 06 de janeiro de 1989, ao disciplinar, com detalhamentos, o recurso de

anulação de lei, decreto, ou norma elaborada nos termos do art. 134 da Constituição (leis regionais), aborda,

no seu Título I, Capítulo I, Seção III, o instituto da suspensão do ato inquinado de violar a Lei Maior, sendo de

destacar que o seu art. 19 permite que a Corte profira decisão motivada, a instância do requerente. Limitando a

competência da Corte, a fim de evitar o desprestígio da função legislativa, o art. 20 prescreve que a suspensão

somente poderá ser deliberada em duas situações. A primeira delas corporifica os pressupostos do poder geral

de cautela, estando representadas pela seriedade das razões invocadas e pelo fundado receio de que a execução

da lei ou ato normativo provoque o risco de causar prejuízo grave e de difícil reparação. A outra hipótese

sucede quando o recurso de anulação é manifestado contra uma norma idêntica ou semelhante a que restou

Page 110: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

99

É que no Tribunal Constitucional belga é permitido suspender, cautelarmente, os efeitos da lei

impugnada, caso se cuida lei de idêntico ou semelhante teor a outra que já fora julgada

inconstitucional pelo tribunal, advinda da mesma casa legislativa. No caso, a medida

identifica na Bélgica aproxima-se da reclamação brasileira, pois destina-se a garantir a força

vinculante de uma decisão em controle concentrado de constitucionalidade, que – na Bélgica

– vai além, pois obriga até mesmo o Poder Legislativo, de modo a impedi-lo que delibere

outra lei idêntica.

2.5. Natureza jurídica da reclamação constitucional

A natureza jurídica da reclamação é controvertida. Muito embora a grande

maioria dos autores identifique-a como ação,284 ainda pendem divergências que justificam

explicar qual exatamente é sua natureza jurídica.

invalidada por decisão anterior da Corte de Arbitragem e, mesmo assim, foi adotada pelo mesmo órgão

legislativo. Assemelha-se, numa correlação com o sistema jurídico pátrio, a uma reclamação para fins de

preservação da decisão vinculativa da Corte, à qual é aparelhada com a antecipação dos seus efeitos. O

dispositivo é hábil para demonstrar que a deliberação vincula também o legislador, ao contrário do que aqui se

tem entendido. O pedido de suspensão, o qual poderá ser deduzido juntamente com o recurso de anulação, ou

por petição distinta, deve conter os fatos que tornem plausível que a aplicação imediata da norma atacada

possa causar um prejuízo dificilmente reparável. Promovida mediante pleito distinto, a petição deverá indicar a

norma objeto do recurso de anulação.” (NOBRE Jr., Edilson Pereira. Fiscalização abstrata de

constitucionalidade e medida cautelar. Revista de Direito Administrativo e constitucional. Curitiba: Juruá, v. 10,

n. 41, jul./set.-2010, p. 9-10) 284 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed., cit., p. 671; CUNHA, Leonardo

Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 3, p.

533; PACHÚ, Cláudia Oliveira. Da Reclamação perante o Supremo Tribunal Federal. Revista de direito

constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 55, abr./jun.-2006. p. 233; MAGALHÃES,

Breno Baía. Considerações acerca da natureza jurídica da reclamação constitucional. Revista de Processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, v. 210, ago.-2012. p. 414-415; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação

constitucional no direito brasileiro, cit., p. 459-461; MENDES, Gilmar Ferreira. A reclamação constitucional no

Supremo Tribunal Federal. Revista Fórum Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, nº 100, jun.-2009, p. 96;

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1997, t. 5, p. 287; GÓES, Gisele Santos Fernandes. Reclamação constitucional. DIDIER JR.,

Fredie (org.). Ações Constitucionais. 6ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 508; MORATO, Leonardo L.

Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante, cit., p. 109; SANTOS, Alexandre Moreira

Tavares dos. Da reclamação, cit., p. 151; PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo

com a nova Constituição. Revista dos Tribunais, cit., p. 30; TALAMINI, Eduardo. Novos aspectos da jurisdição

constitucional brasileira: repercussão geral, força vinculante, modulação dos efeitos do controle de

constitucionalidade e alargamento do objeto do controle direto, cit., p. 173; LEONEL, Ricardo de Barros.

Reclamação Constitucional, cit., p. 171; MINGATI, Vinícius Secafen. Reclamação (neo)constitucional:

precedentes, segurança jurídica e os juizados especiais. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. p. 79; TAKOI, Sérgio

Massaru. Reclamação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 44; STRATZ, Murilo. Reclamação na

jurisdição constitucional. Santa Cruz do Sul: Essere nel mondo, 2015. p. 16; OLIVEIRA, Pedro Miranda. Da

reclamação. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Antonio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer

(coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2015, n. 1 ao art. 988, p. 1455; COSTA, Eduardo José da Fonseca. Da

reclamação. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, cit., p. 2203.

Page 111: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

100

Para bem compreender as hipóteses de cabimento reclamação, numa análise

dogmática analítica, é preciso identificar sua natureza jurídica. É que o regime jurídico

aplicável a um instituto depende de sua natureza jurídica. É conhecendo sua natureza jurídica,

que se identificam suas características, efeitos, limites de abrangência, regras e princípios

aplicáveis e, no caso da presente pesquisa, as hipóteses de cabimento.

Em sentido oposto, foi o STF, no voto do Ministro Celso de Mello, quando

relatou a Rcl 336-DF. Em seu voto, preferiu não tratar da natureza jurídica da reclamação,

pois, segundo o ministro, qualquer qualificação que fosse dada, não alteraria sua finalidade.

Apontou variadas qualificações jurídicas possíveis de atribuir à reclamação, sustentando não

importar eleger uma delas para adequada solução do caso; foram listadas: ação, recurso,

sucedâneo recursal, remédio incomum, incidente processual e medida processual de caráter

excepcional, porém não enquadrou a reclamação em nenhuma delas.285

Esse precedente apenas demonstra a incerteza que ainda paira no STF a respeito

da natureza jurídica da reclamação. Não aponta a natureza jurídica da reclamação e, o que é

ainda mais grave, afirma ser irrelevante a necessidade de identificar sua natureza jurídica. O

STF, ao julgar de tal forma, não percebeu que o regime jurídico do instituto e todas as

consequências daí advindas dependem de identificar sua natureza jurídica.

Essa confusão é antiga. Já disse o STF que se trata de recurso, ao julgar a Rcl 831-

DF286. Por outro lado, o Ministro Orosimbo Nonato designou-a como “remédio incomum”, o

que é uma expressão vazia de significado, em nada contribuindo para identificar seu regime

jurídico.287 Ministro Nelson Hungria afirmou que era uma simples representação, sem

285 RECLAMAÇÃO - NATUREZA JURÍDICA - ALEGADO DESRESPEITO A AUTORIDADE DE

DECISÃO EMANADA DO STF - INOCORRENCIA - IMPROCEDENCIA. - A reclamação, qualquer que

SEJA a qualificação que se lhe de - Ação (Pontes de Miranda, "Comentários ao Código de Processo Civil", tomo

V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548; Alcides de Mendonca

Lima, "O Poder Judiciário e a Nova Constituição", p. 80, 1989, Aide), remédio incomum (Orosimbo Nonato,

"apud" Cordeiro de Mello, "O processo no Supremo Tribunal Federal", vol. 1/280), incidente processual (Moniz

de Aragão, "A Correição Parcial", p. 110, 1969), medida de Direito Processual Constitucional (Jose Frederico

Marques, " Manual de Direito Processual Civil", vol 3., 2. parte, p. 199, item n. 653, 9. ed., 1987, Saraiva) ou

medida processual de caráter excepcional (Min. Djaci Falcao, RTJ 112/518-522) - configura, modernamente,

instrumento de extração constitucional, inobstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504), destinado a

viabilizar, na concretização de sua dupla função de ordem político-jurídica, a preservação da competência e a

garantia da autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, "l") e do Superior Tribunal de

Justiça (CF, art. 105, I, "f"). - Não constitui ato ofensivo a autoridade de decisão emanada do Supremo Tribunal

Federal o procedimento de magistrado inferior que, motivado pela existência de várias execuções penais ainda

em curso, referentes a outras condenações não desconstituídas pelo "writ", deixa de ordenar a soltura imediata de

paciente beneficiado por "habeas corpus" concedido, em caso diverso e especifico, por esta Corte. (Rcl 336-DF,

Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 19/12/1990, DJ 15/3/1991). 286 Rcl 831-DF, Rel. Min. Amaral Santos, Tribunal Pleno, j. 11/11/1970, DJ 19/2/1971. 287 NONATO, Orosimbo; apud MELLO, Augusto Cordeiro de. O processo no Supremo Tribunal Federal. Rio

de Janeiro: Freitas Bastos, 1964. p. 280.

Page 112: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

101

qualquer natureza processual.288 Mais recentemente, o STF, no julgamento da ADIn 2.212-

CE, adotou expressamente o entendimento de Ada Pellegrini Grinover e considerou a

reclamação como exercício do direito de petição.289 Doutro lado, o STF já afirmou que a

decisão em reclamação produz coisa julgada material, o que é incompatível com o mero

exercício de direito de petição.290 O STJ, a seu turno, já afirmou que a reclamação era mero

incidente processual, logo não justificaria a condenação em honorários sucumbenciais.291

O que se entrevê é que a maior parte da doutrina aponta a reclamação como ação,

principalmente a mais recente, ao passo que o STF – durante toda as fases pré-constitucional e

constitucional, exposta nos itens 2.2.1. e 2.2.2. – não consolidou a opinião da maior parte da

doutrina, enquanto ainda restou variante, em cada julgado escolhendo uma natureza jurídica

diferente ou, quando não indicava expressamente a natureza jurídica, decidia por

consequências jurídicas próprias de alguma natureza.

Nessa atual fase codificada, o CPC/2015, com a redação dada, não espanca as

dúvidas sobre a natureza jurídica da reclamação. A topografia do instituto, que está no setor

de processos originários dos tribunais, ao lado da ação rescisória, é um indicativo de ser uma

ação, porém não é suficiente. A análise deve ser melhor aprofundada.

A reclamação constitucional é ação originária dos tribunais. É uma ação

constitucional especial.292 Tal qual o mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data,

o mandado de injunção, integra a jurisdição constitucional. Sua função sistemática tríplice é

proteger a competência, a autoridade e os precedentes dos tribunais, ao fim concretizando os

princípios constitucionais da segurança jurídica e igualdade. Integra as normas de processo

288 HUNGRIA, Nelson; apud MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula

vinculante, cit., p. 83. 289 ADI 2212-CE, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 2/10/2003, DJ 14/11/2003. 290 Ementa: Direito Constitucional e Processual Civil. Reclamação: Garantia à Autoridade de Decisão do S.T.F.

(art. 102, I, ‘l’, da Constituição Federal, e art. 156 do R.I.S.T.F.). Coisa Julgada. 1. Havendo sido julgada

improcedente a Reclamação anterior, sem que os Reclamantes, no prazo legal, propusessem a Ação Rescisória,

em tese cabível (art. 485, incisos VI e IX, do Código de Processo Civil) e na qual, ademais, nem se prescindiria

de produção das provas neles exigidas e aqui não apresentadas, não podem pretender, com alegações dessa

ordem, pleitear novo julgamento da mesma Reclamação, em face do obstáculo da coisa julgada. 2. Agravo

Regimental improvido pelo Plenário do S.T.F. Decisão unânime. (STF, Rcl 532 AgR/RJ, rel. Min. Sydney

Sanches, Tribunal Pleno, j. 1º/8/1996, DJ 20/9/1996) 291 “É vedada a condenação em verba de patrocínio na reclamação. A reclamação é apenas um incidente

processual. Não dá ensejo à formação de uma nova relação jurídica-processual, tendo em vista a inexistência de

citação do reclamado para se defender. Trata-se de mero incidente, através do qual se busca preservar a

autoridade da decisão proferida no processo, bem como a competência da corte superior a quem cabe julgar

determinado recurso interposto no processo.” (Rcl 502/GO, Rel. Min. Adhemar Maciel, Primeira Seção, j.

14/10/1998, DJ 22/3/1999) 292 MENDES, Gilmar Ferreira. A reclamação constitucional no Supremo Tribunal Federal. Revista Fórum

Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, nº 100, jun.-2009, p. 96; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro.

Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 470.

Page 113: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

102

com assento constitucional.293 É uma ação autônoma de impugnação de ato judicial ou

administrativo. Assim, o seu regime jurídico é próprio de uma ação constitucional, como o

mandado de segurança.

2.5.1. Reclamação constitucional como medida administrativa

Inicialmente, é preciso destacar a natureza jurisdicional da reclamação. A

reclamação não é medida administrativa. Ao julgar uma reclamação, o tribunal exerce a sua

típica função jurisdicional. Os contornos da reclamação esclarecem que não é medida

administrativa. Primeiramente, porque a reclamação pode impugnar uma medida

administrativa, como nos casos de desrespeito à súmula vinculante ou inquéritos

investigativos contra autoridades com prerrogativa de foro.294

Se pode veicular impugnação a decisão a decisão administrativa, não tem a reclamação, ela

mesma, caráter de medida administrativa. É pouco mais do que evidente que um órgão do

Judiciário (ainda que o STF) não tem poder para anular, administrativamente, ato de outro

poder. A anulação, pelo Judiciário, de atos administrativos editados por outro Poder apenas

se pode dar na via judicial.295

Por outro lado, um dos efeitos da decisão da reclamação é cassar o ato reclamado.

Se o ato for decisão judicial, a reclamação provocará a cassação da decisão, com avocação

dos autos, a depender de sua hipótese de cabimento. Não se trata de atividade administrativa.

Ora, “cassar uma decisão é típica atividade jurisdicional, sendo absurdo pensar em medidas

puramente administrativas capazes de banir a eficácia de atos de exercício da jurisdição”.296

Ademais, outra série de características comprovam sua natureza jurisdicional.

Exige-se capacidade postulatória, provocação das partes ou do Ministério Público, a decisão

final produz coisa julgada material e formal, são cabíveis as medidas provisórias, são

293 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, cit., p. 26-27. 294 É exemplo a investigação contra deputado federal, cuja competência é do STF. Caso esteja tramitando perante

autoridade policial, poderá ser ajuizada reclamação diretamente ao STF, para preservar sua competência. Nesse

sentido a Rcl 4830: “Compete ao Supremo Tribunal Federal supervisionar inquérito policial em que deputado

federal é suspeito da prática de crime eleitoral” (Rcl 4830, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 17/5/2007,

DJe 15/6/2007). 295 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2016. p. 90. 296 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro. Nova era do processo civil. 4ª

ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 208.

Page 114: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

103

previstos recursos.297 E, ainda, a sua disposição no CPC/2015 também aponta sua natureza

jurisdicional.

2.5.1.1. Reclamação não se confunde com a correição parcial

A discussão acerca da natureza jurídica da reclamação, na verdade é antiga e

encontra-se, em certa medida, ligada à própria forma de sua origem, a partir de uma criação

jurisprudencial que, inicialmente, não deu uma morfologia rigorosa à reclamação298. Num

primeiro momento, em sua fase pré-constitucional, quando dos primeiros julgamentos do

STF, a reclamação possuía feições administrativas, que foram aos poucos superadas, sendo

hoje tipicamente jurisdicional. Inicialmente, a reclamação se confundiu com a reclamação

correicional, porém, pouco a pouco, se distanciaram, tornando-se institutos distintos.

Cumpre distinguir a reclamação constitucional da correição parcial (ou

reclamação correicional)299-300.

A correição parcial é medida administrativa com o intuito de verificar atividade

tumultuária do juiz, não sujeita a recurso próprio. Objetiva apurar a regularidade da atuação

do juiz na condução do processo, aí incluídos, verbi gratia, o abuso de poder e as dilações

injustificadas, tudo com o caráter disciplinar301. Não é servível a correição parcial para atacar

error in iudicando ou error in procedendo, mas apenas para disciplinar administrativamente

os rumos do processo302.

A correição parcial relaciona-se com a atividade administrativa do magistrado, e

não com a sua atividade jurisdicional propriamente dita. Não interfere no mérito das decisões

297 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 438-439. 298 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional, cit., p. 130. 299 Como a reclamação correicional, correição parcial ou simplesmente reclamação é medida administrativa

prevista nos regimentos internos dos tribunais, sua nomenclatura pode variar de tribunal para tribunal. 300 Sobre a correição parcial, consultar: SANTOS, Aloysio. A correição parcial: Reclamação ou recurso

acessório? 2ª ed. São Paulo: LTr, 2002. 301 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Correição parcial não é recurso (portanto, não deve ser usada como tal).

Aspectos Polêmicos e Atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. NERY

JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coords). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v. 4. p.

836. No mesmo sentido: MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. A correição parcial. Curitiba: Bushatsky, 1969.

p. 108. 302 A correição era medida muito mais utilizada na vigência do CPC de 1939, em razão da irrecorribilidade de

várias espécies de decisões interlocutórias, contudo restou esvaziada com a previsão, no CPC de 1973, da ampla

recorribilidade das interlocutórias através do recurso de agravo. O mandado de segurança contra ato judicial

também supre a irrecorribilidade de alguma decisão. (NERY JR. Nelson. Teoria geral dos recursos. 7ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 99-100).

Page 115: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

104

de forma direta.303 Apura-se eventual abuso ou tumulto de um juiz, para que seja sancionado e

o processo retome seu curso regular, sob um viés estritamente disciplinar.

A reclamação constitucional não possui natureza administrativa, tampouco a

função de disciplinar juízes. Como explicado no item anterior, é medida eminentemente

jurisdicional, que busca a cassação de uma decisão judicial. A reclamação constitucional

possui mérito próprio, que não é disciplinar o juiz. Não há na reclamação constatação de

atividade tumultuária do juiz, nem o objetivo de sancioná-lo pessoalmente.

Logo, a reclamação constitucional possui feição jurisdicional, diferindo da

correição parcial (ou da reclamação correicional). Sabendo que não é medida administrativa,

falta analisar os institutos jurisdicionais pertinentes, um a um, para enquadrar a reclamação

num deles.

2.5.2. Reclamação constitucional como recurso

Ultrapassada a questão do caráter jurisdicional da reclamação constitucional,

rechaça-se o posicionamento adotado por José Frederico Marques304-305 e pelo STF no

julgamento da Rcl 831-DF306 de relatoria do Ministro Amaral Santos, que a consideraram um

recurso.

A reclamação, como dito no decorrer deste capítulo, pode impugnar atos

administrativos. E, portanto, não pode ser considerada um recurso. A interposição de um

recurso não inaugura uma relação jurídica processual nova, mas apenas uma nova fase da

mesma relação jurídica, com o intuito de reformar, invalidar, esclarecer ou integrar a decisão

impugnada. A reclamação, ao impugnar um ato administrativo, inaugura uma relação jurídica

processual e, por consequência, não pode ser considerada um recurso contra ato

303 HOMMERDING, Adalberto Narciso. Reclamação e correição parcial: critérios para distinção. COSTA,

Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador:

Juspodivm, 2013. p. 57. 304 José Frederico Marques classifica a Reclamação como recurso regimental, junto aos embargos infringentes,

aos embargos de declaração e aos agravos regimentais. (MARQUES, José Frederico. Manual de direito

processual civil. Campinas: Bookseller, 1997, v. 3, p. 230). No mesmo sentido: SIQUEIRA, Vicente Paula de.

Da reclamação. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1958. p. 91. 305 Defendendo ser a reclamação um recurso: LIMA, Alcides de Mendonça. O poder judiciário e nova

Constituição. Rio de Janeiro: AIDE, 1989. p. 80; LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no

novo CPC. São Paulo: Lexia, 2015. p. 495. 306 Rcl 831-DF, Rel. Min. Amaral Santos, Tribunal Pleno, j. 11/11/1970, DJ 19/2/1971.

Page 116: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

105

administrativo.307 Recursos contra atos administrativos são dirigidos a tribunais

administrativos, e não a um tribunal do Poder Judiciário, como é o caso da reclamação

constitucional.

Por outro lado, no direito processual civil, vigora a norma da taxatividade dos

recursos. Somente são considerados recursos aqueles institutos previstos especificamente

como tais; comportam uma interpretação restritiva e estão em rol numerus clausus308. A

reclamação não consta de lei especificamente como recurso. Na Constituição e no CPC2015

está prevista como de competência originária dos tribunais e, portanto, no momento de sua

instauração, dá origem a novo processo diferente daquele em que foi proferida a decisão

reclamada. Ora, o que é originário de tribunal, não pode ser uma continuidade de um

processo anterior. Se é originário, ainda não havia relação prévia. Assim, por respeito à norma

da taxatividade e sabendo que instaura um novo processo originário de tribunal,309 afasta-se a

natureza recursal da reclamação.

Ademais, um dos principais efeitos dos recursos é o substitutivo (CPC/2015, art.

1.008). A decisão proferida no recurso conhecido substitui a que fora atacada; ainda que o

recurso seja desprovido, opera-se o efeito substitutivo.310 A reclamação não detém o efeito

substitutivo disposto no art. 1.008 do CPC/2015. Sua decisão não substitui a decisão

reclamada.311 A reclamação cassa a decisão reclamada, não se operando o efeito

substitutivo312, e, a depender do caso, resta um non liquet, que força a autoridade reclamada a

decidir novamente.

Igualmente, a interposição de um recurso pressupõe a existência de sucumbência,

gravame ou prejuízo imposto ao recorrente; ou, no caso de embargos de declaração, omissão,

contradição, obscuridade ou, ainda, erro material. Sucumbência significa não obter tudo

aquilo que poderia ser obtido mediante a decisão judicial. Para haver sucumbência e, portanto,

307 Barbosa Moreira explica que não será recurso qualquer instituto que produza a instauração de novo processo

distinto daquele no qual foi proferida a decisão impugnada (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários

ao Código de Processo Civil, cit., p. 232). 308 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.

248. 309 MORATO, Leonardo Lins. “A reclamação prevista na Constituição Federal”. Aspectos polêmicos e atuais

dos recursos. Eduardo Pellegrini de Arruda Alvim, Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier (coords.).

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 447. 310 “Ainda que a decisão recursal negue provimento ao recurso, ou, na linguagem inexata mas corrente,

“confirme” a decisão recorrida, existe o efeito substitutivo, de sorte que o que passa a valer e ter eficácia é a

decisão substitutiva e não a decisão ‘confirmada’”. (NERY JR. Nelson. Teoria geral dos recursos, cit., p. 466-

467). 311 DINAMARCO, Cândido Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro, cit., p. 206. 312 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed., cit., p. 672.

Page 117: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

106

ser cabível o recurso, deve haver a possibilidade de o recorrente conseguir decisão mais

favorável que a recorrida, sob pena de inadmissão por ausência de interesse de recorrer.313 Já

a reclamação não depende necessariamente de sucumbência, prejuízo ou gravame para o

reclamado, tampouco coincide com as hipóteses de cabimento da reclamação. O interesse

pode consistir em que a decisão – que lhe fora favorável – seja efetivamente cumprida ou, a

despeito de derrota ou vitória, seja preservada a competência do tribunal.314

Ademais, recursos pressupõem prazo. Todos os recursos possuem prazo para

interposição. A ausência de interposição do recurso, até o fim do prazo legal, implica a

preclusão e, se for o caso, a formação da coisa julgada. A tempestividade é requisito de

admissibilidade extrínseco dos recursos.315 Contudo, a reclamação não pressupõe prazo. Não

há prazo legal para propositura da reclamação.316 Ela pode ser aforada a qualquer momento,

havendo a alegação de usurpação de competência, afronta à autoridade do tribunal ou

desrespeito à precedente; se ocorrerem no curso de um processo judicial, a qualquer tempo

será cabível a reclamação, enquanto não formada a coisa julgada no processo reclamado.317

Após o trânsito em julgado, será cabível apenas ação rescisória, que não é substituída pela

reclamação constitucional (CPC/2015, art. 988, §5º, I; STF, súmula 734318).

Convém registrar que a reclamação possui uma qualidade dos recursos, o que não

faz dela um recurso. No caso, a reclamação detém o efeito obstativo (ou impeditivo do

trânsito em julgado), próprio dos recursos.319 Por opção do direito positivo (CPC/2015, art.

988, §6º), a propositura da reclamação adia a formação da coisa julgada no processo

reclamado, até que a reclamação seja julgada. O processo reclamado aguarda o julgamento da

reclamação. A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão

proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação; assim, a reclamação não pode ser

313 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis, cit., p. 135. 314 “Aliás, para haver usurpação de competência, não é sequer necessário que haja uma decisão, bastando que

algum órgão esteja atuando no lugar daquele que é o competente para tanto, o que pode ocorrer até mesmo por

parte de quem não uma autoridade judiciária.” (MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o

respeito da súmula vinculante, cit., p. 94). 315 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 201. 316 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed., cit., p. 710. 317 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional, cit., p. 153. 318 “Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado

decisão do Supremo Tribunal Federal.” 319 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 6ª ed., cit., p. 241.

Page 118: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

107

proposta após o trânsito em julgado, porém, sendo ajuizada antes, obsta a formação da coisa

julgada.320

Tudo isso faz ver que a reclamação não se enquadra no conceito positivo de

recurso. Suas características são diferentes, afastando a natureza jurídica de recurso.

2.5.3. Reclamação constitucional como exercício do direito de petição

Importante cotejar a reclamação com o direito de petição. É que o STF, no

julgamento da ADIn 2.212-CE, adotou expressamente o entendimento da Professora Ada

Pellegrini Grinover e considerou a reclamação constitucional como exercício do direito de

petição.321 Contudo, a reclamação não se confunde com o exercício do direito de petição.

A ADIn 2.212-1/CE impugnou o art. 108, VII, da Constituição do Ceará e o art.

21, VII, j, do Regimento Interno do TJCE, que previam o cabimento de reclamação, dirigida

ao TJCE, para preservação de competência e garantia de autoridade de seus julgados. Alegou-

se que: (i) a CF/1988 reservou a reclamação para o STJ e o STF (arts. 102, I, “l”, e 105, I,

“f”); (ii) o texto constitucional não previu o cabimento de reclamação para outros tribunais,

logo não deveria excetuar-se os tribunais estaduais; (iii) ofensa à reserva de matéria

processual à lei federal (CF/1988, art. 22, I), já que a reclamação possui natureza

processual.322-323-324

320 Cuidou-se de uma forma de acomodar quando o processo reclamado é processado e julgado mais rápido que a

reclamação, cujo julgamento é incompatível com as decisões do processo reclamado. Eis o antigo entendimento

do STF: “I. Reclamação: subsistência à coisa julgada formada na sua pendência. Ajuizada a reclamação antes do

trânsito em julgado da decisão reclamada, e não suspenso liminarmente o processo principal, a eficácia de tudo

quanto nele se decidir ulteriormente, incluído o eventual trânsito em julgado do provimento que se tacha de

contrário à autoridade de acórdão do STF, será desconstituído pela procedência da reclamação. II. Reclamação:

improcedência. Sentença de liquidação de decisão de Tribunal Superior não afronta a autoridade de acórdão do

Supremo Tribunal exarado no processo de execução que se limitou a afirmar compatibilidade entre o julgado no

processo de conhecimento e o do mesmo Tribunal Superior, que reputara ofensiva da coisa julgada, e

conseqüentemente nula, a primitiva declaração de improcedência da liquidação.”

(Rcl 509, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 17/12/1999, DJ 4/8/2000). 321 GRINOVER, Ada Pellegrini. Da reclamação. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista

dos Tribunais, v. 38, abr.-jun.2002, p. 75-83; GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da

autoridade das decisões dos tribunais. O processo: estudos & pareceres. São Paulo: DPJ, 2005. p. 74. 322 Contra o cabimento de reclamação nos tribunais de justiça, antes do CPC/2015: DANTAS, Marcelo Navarro

Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 301-302; MORATO, Leonardo Lins.

Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante, cit., p. 65-71; ROSSI, Júlio César. Aspectos

processuais da reclamação constitucional. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, v. 19,

out.-2004, p. 50-51. 323 A favor do cabimento da reclamação nos tribunais de justiça, antes do CPC/2015: NOBRE JUNIOR, Edilson

Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça, cit., p. 109-129; COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação

constitucional estadual como um problema de fonte, cit., p. 175-177; SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos.

Da reclamação, cit., p. 129; CUNHA, Leonardo Carneiro da. A fazenda pública em juízo. 11ª ed, cit., p. 668/673.

Page 119: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

108

É que na época, como explicado no item 2.2.2.3., não havia previsão em lei

federal de reclamação dirigida aos tribunais de justiça. Havia, portanto, um longo debate se

era constitucional, a previsão em Constituição Estadual, de reclamação dirigida aos tribunais

estaduais.

O STF, ao julgar a ADIn 2.212-1/CE, decretou constitucional o cabimento de

reclamação perante Tribunais estaduais.325 O STF, como meio argumentativo de escapar da

reserva de matéria processual à lei federal, afirmou que a reclamação não possui natureza

processual, mas se trata do exercício de direito de petição (CF/1988, art. 5º, XXXIV, “a”),

além da adoção do instituto pelas cortes estaduais estar em consonância com o princípio da

simetria e da efetividade das decisões judiciais.

O STF sustentou que a reclamação configura o exercício do direito constitucional

de petição, não possuindo natureza processual. Cuidou-se de meio argumentativo para

justificar a reclamação estadual, sem ofender o art. 22, I, da CF/1988. O STF não precisava

negar a natureza processual da reclamação, pois sua gênese – exposta no item 2.2.1. – é capaz

de comprovar que é decorrente de competências implícitas, sendo desnecessário texto

explícito prevendo o cabimento da reclamação estadual. Não era necessário argumentar que a

reclamação é exercício do direito constitucional de petição. Não há ofensa ao art. 22, I, da

CF/1988, uma vez que o cabimento de reclamação prescinde de previsão legal expressa, é

324 Vale ressaltar trecho do parecer do, à época, Advogado-Geral da União, atual Ministro Gilmar Ferreira

Mendes, opinando pela constitucionalidade: “[c]abe afastar a alegação de que o Constituinte estadual teria

invadido esfera de competência da União para legislar sobre direito processual. O instituto da reclamação

constitui inexorável decorrência da eficácia geral e do efeito vinculante do contrato abstrato de normas deferido

pela Constituição Federal aos Tribunais de Justiça. Com efeito, a reclamação assegura a observância pelos

demais órgãos judiciários da vinculação universal são só ao dispositivo mas também aos fundamentos da

determinantes das decisões (inclusive em sede cautelar) proferidas no controle abstrato de normas.” (Parecer do

Advogado-Geral da União na ADIn 2.212-CE, p. 5) 325 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 108, INCISO VII, ALÍNEA I DA

CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ E ART. 21, INCISO VI, LETRA J DO REGIMENTO DO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. PREVISÃO, NO ÂMBITO ESTADUAL, DO INSTITUTO DA

RECLAMAÇÃO. INSTITUTO DE NATUREZA PROCESSUAL CONSTITUCIONAL, SITUADO NO

ÂMBITO DO DIREITO DE PETIÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 5º, INCISO XXXIV, ALÍNEA A DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 22, INCISO I DA CARTA. 1. A

natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se

ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, inciso XXXIV da Constituição Federal.

Em consequência, a sua adoção pelo Estado-membro, pela via legislativa local, não implica em invasão da

competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I da CF). 2. A reclamação constitui

instrumento que, aplicado no âmbito dos Estados-membros, tem como objetivo evitar, no caso de ofensa à

autoridade de um julgado, o caminho tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislação processual,

inegavelmente inconvenientes quando já tem a parte uma decisão definitiva. Visa, também, à preservação da

competência dos Tribunais de Justiça estaduais, diante de eventual usurpação por parte de Juízo ou outro

Tribunal local. 3. A adoção desse instrumento pelos Estados-membros, além de estar em sintonia com o

princípio da simetria, está em consonância com o princípio da efetividade das decisões judiciais. 4. Ação direta

de inconstitucionalidade improcedente.” (ADIn 2.212-CE, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 2/10/2003,

DJ 14/11/2003)

Page 120: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

109

fruto da teoria dos poderes implícitos.326 A fonte da reclamação é norma implícita no

ordenamento.327

A reclamação constitucional não possui a natureza de direito de petição.

Ada Pellegrini Grinover sustenta que a reclamação constitucional é uma garantia

especial inerente a cláusula constitucional do direito de petição aos poderes públicos, em

defesa de direito ou contra a ilegalidade ou abuso de poder, conforme previsão do art. 5º,

XXXIV, “a”, da Constituição. Configuraria exercício do direito de petição.328 A reclamação

seria veículo para exercício do direito de petição. A autora, além de negar o caráter

jurisdicional, diz que na reclamação não incide o devido processo legal, sendo desnecessário

o contraditório, o direito de sustentar as razões e de influenciar o convencimento judicial.329

Na lição do Professor Canotilho:

Entende-se por direito de petição a faculdade reconhecida a indivíduo ou grupo de

indivíduos de se dirigir a quaisquer autoridades públicas apresentando petições,

representações, reclamações ou queixas destinadas à defesa dos seus direitos, da

constituição, das leis ou do interesse geral.330

O direito de petição consiste em poder-se representar, observar e reclamar contra

autoridades, ou, ainda, denunciar o abuso delas, mediante petição, perante qualquer dos três

poderes.331 É o meio pelo qual o cidadão se dirige ao Poder Público, com vistas a obter a

defesa de direito ou objetivando combater ilegalidade ou abuso de poder. É um direito público

326 O STF considerou a reclamação exercício do direito de petição como forma de fundamentar a decisão de

constitucionalidade da previsão de Constituição Estadual prever o cabimento de Reclamação para preservação da

competência e garantia da autoridade dos julgados do respectivo Tribunal de Justiça. Eduardo José da Fonseca

Costa explica que a problemática da reclamação constitucional estadual revela-se como uma questão de fonte.

Ele, para justificar a constitucionalidade das Reclamações Estaduais, se baseia na teoria dos poderes implícitos,

tal qual fez o próprio STF ao criar/descobrir a reclamação constitucional. Eduardo Costa diz que a fonte

normativa basilar das reclamações constitucionais estaduais nunca será um preceito explícito extraído da

legislação infraconstitucional federal, mas sempre um preceito (implícito ou explícito) de direito processual

constitucional retirado nas normas de competência gerais das Constituições Estaduais. Se ao Tribunal Estadual

são dadas competências gerais, para elas serem eficazes, deverá ser dada a competência de preservar suas

competências e garantir a força de seus julgados. (COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação

Constitucional Estadual como um problema de fonte, cit., p. 161-177). 327 Aqui, remete-se o leitor ao item 2.2.1., no qual se tratou com mais minúcia do surgimento da reclamação

constitucional, bem como a constitucionalidade das reclamações constitucionais estaduais. 328 GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da autoridade das decisões dos tribunais, cit., p 74. 329 GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da autoridade das decisões dos tribunais, cit., p 75. 330 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 7. ed. Coimbra : Almedina, 2004. p. 512-513. 331 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro:

Henrique Cahen, 1947, v. 3, p. 376.

Page 121: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

110

subjetivo de índole democrática, para que qualquer interessado, ainda que desprovido de

personalidade jurídica, peça proteção administrativa contra abuso de poder.332

A reclamação constitucional não se destina a combater abuso de poder. Os

objetivos da reclamação são preservar competência, garantir a autoridade de julgado e impor

o respeito a precedente, que não consistem em abuso de poder. São fundamentos distintos.

Duras críticas foram tecidas por Leonardo Carneiro da Cunha à compreensão da

reclamação como exercício do direito de petição.333 Para o professor, o direito e petição pode

ser exercido tanto no âmbito administrativo quanto no judicial. A reclamação, contudo,

constitui medida estritamente jurisdicional, sem feição administrativa.

Entender a reclamação como direito de petição implica as seguintes

consequências: a) poderia ser intentada perante qualquer autoridade pública, já que ostentaria

natureza administrativa; b) não seria exigível pagamento de custas; c) não haveria

formalidade procedimental; d) a decisão dada não formaria a coisa julgada material; e) não

precisaria de capacidade postulatória para ajuizá-la.

Ora, a reclamação é cabível perante tribunais do Poder Judiciário, ostentando

feição jurisdicional. É lícito que sejam cobradas custas para seu ajuizamento. Há, na

reclamação, procedimento pré-definido, incidindo o devido processo legal, o contraditório e a

ampla defesa; inclusive há previsão legal de concessão de tutela provisória (CPC/2015, art.

989, II), sendo cabível recurso contra a decisão que a defere ou indefere. A decisão final que

julga a reclamação forma coisa julgada, material e formal. A reclamação apenas pode ser

aforada por advogado constituído pela parte, ou pelo Ministério Público que também detém

capacidade postulatória.334

Com base nessas considerações, não se enquadra a reclamação no conceito de

direito de petição, guardando características diversas.

332 “O direito de petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como importante

prerrogativa de caráter democrático. Trata-se de instrumento jurídico-constitucional posto à disposição de

qualquer interessado - mesmo daqueles destituídos de personalidade jurídica -, com a explicita finalidade de

viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos tanto de natureza pessoal

quanto de significação coletiva.” (ADIn 1.247-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 17/8/1995, DJ

8/91995). Nesse sentido, consultar: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2007. P. 442-444. 333 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Natureza jurídica da reclamação constitucional. Aspectos Polêmicos e Atuais

dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. NERY JUNIOR, Nelson;

WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coords). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, v. 8, p. 337-338; CUNHA.

Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed, cit., p. 675. 334 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed., cit., p. 675.

Page 122: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

111

2.5.4. Reclamação constitucional como incidente

A Reclamação Constitucional também não se categoriza como incidente

processual, tal qual defendem Nelson Nery Junior335 e Moniz de Aragão336.

O incidente processual caracteriza-se quando há uma controvérsia acerca de uma

determinada questão (de fato ou de direito, material ou processual), que exige solução para

que o processo retome seu curso regular, mas sem instalar uma nova relação jurídica

processual. Cuida-se de questão acessória ao processo, que dilata seu curso e, algumas vezes,

dá azo para que se formem autos suplementares, evitando a conturbação física dos autos do

processo.

O incidente tem por objeto preparar o julgamento do mérito, ou complementá-lo.

O incidente processual não é sinônimo de processo incidental. No processo incidental, existe

novo objeto litigioso e nova relação jurídica processual, uma nova ação processual ligada à

ação processual principal; ao passo que, no incidente processual, apesar de poder haver

formação de autos suplementares, a relação jurídica ainda é a mesma do processo principal.337

Um incidente processual pressupõe: a) uma situação nova ou um fenômeno novo

que ocorra exigindo solução, b) que recaia sobre algo que pré-existe.338 Doutro lado, um

incidente possui como características: i) acessoriedade e incidentalidade; e ii) procedimento

específico para resolvê-lo.339

O incidente apenas existirá caso esteja em curso um processo judicial prévio.

Deve surgir um fato ou questão nova, cuja solução exigida será resolvida no incidente,

recaindo sobre o processo judicial prévio. Não surge uma nova relação jurídica. O incidente

processual altera o curso do procedimento, sendo possível encerrar-se prematuramente, com a

extinção do processo, ou um retardamento, modificando a rota normal: o procedimento é

suspenso ou alterado por conta do incidente.

Um incidente é sempre acessório e com um procedimento específico para

solucioná-lo. Não significa que necessariamente haverá autos apartados. O procedimento

pode se dar dentro dos mesmos autos. É preciso apenas que haja um rito específico para que o

335 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 7ª ed., cit., p.117; 336 ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. A correição parcial, cit., p. 109-110. 337 FERNANDES, Antônio Scarance. Incidente Processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 93. 338 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia de decisão judicial proferida

contra o Poder Público. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 25. 339 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança, cit., p. 40.

Page 123: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

112

incidente chegue ao fim – seja nos mesmos autos, seja com a formação de autos

suplementares.340

Na reclamação constitucional, a pretensão deduzida em juízo instaura uma nova

relação jurídica processual e não necessariamente está atrelada a processo pré-existente.

Ricardo Barros Leonel aponta três razões para afastar a natureza jurídica de incidente

processual: a) a reclamação nem sempre advém de um processo judicial, podendo, por vezes,

estar associada a atos administrativos, como a reclamação contra usurpação da competência

do STF por autoridade administrativa; b) muitas vezes, a reclamação é proposta após o

encerramento do processo, no caso, para garantir a autoridade de decisão do STF já transitada

em julgado, daí não existir questão prévia ao encerramento de ação principal para ser decidida

incidentalmente; e, c) quando a reclamação está atrelada a outro processo, cuida de nova ação,

autônoma, com a instauração de uma nova relação jurídica processual, tais quais os embargos

de terceiro ou embargos à execução341.

À vista dos argumentos expostos, não se trata a reclamação de um incidente

processual, sobretudo porque instaura uma nova relação jurídica processual, e não depende da

existência de processo judicial prévio.

2.5.5. Reclamação constitucional como ação342

A reclamação é ação – constitucional especial – originária dos tribunais.

Na reclamação, há o exercício de pretensão a tutela jurídica estatal, que se faz

mediante o remédio denominado ação; preenchidos os pressupostos e requisitos de

admissibilidade, surge o direito das partes a uma decisão de mérito sobre o seu objeto

340 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança, cit., p. 43-44. 341 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional, cit., p. 159. 342 Convém registrar que, em virtude do objetivo desta pesquisa, não se irá discorrer sobre as diversas teorias da

ação (civilistas, concretistas, abstratas, ecléticas etc.). Porém, por qualquer delas que for eleita, a conclusão

permanece inalterada: a reclamação é ação. Para um panorama sobre as teorias da ação: LOPES, João Batista.

Ação declaratória. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 33-45; ASSIS, Araken de. Cumulação de

ações. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 24-69; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo;

GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 24ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2008. p. 267-282. SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo

civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 90-130. Sobre uma perspectiva pontesiana: SILVA, Ovídio

Baptista da. Ação de imissão de posse. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 35-45; PONTES DE

MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações. Campinas: Bookseller, t. 1, 1999. Consultar ainda:

CALMON DE PASSOS, José Joaquim. A ação no direito processual civil brasileiro. Salvador: Juspodivm,

2014.

Page 124: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

113

litigioso, que pode versar sobre usurpação de competência, afronta à autoridade de julgado ou

desrespeito a precedente de tribunal.343

A reclamação possui os elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir). É

uma ação, ajuizada originariamente em tribunal, com o intuito de alcançar a preservação de

sua competência, garantir a autoridade de seus julgados ou, ainda, de seus precedentes

obrigatórios.344

O instituto está sujeito a procedimento em contraditório, enseja formação de coisa

julgada material e formal, exige a presença de capacidade postulatória, necessita do

pagamento de custas, depende de iniciativa de provocação das partes ou do Ministério

Público, instaura nova relação jurídica processual autônoma, comporta tutela provisória e suas

decisões são desafiadas por recurso. A reclamação também deve preencher todos os requisitos

processuais, a exemplo da capacidade de ser parte, interesse de agir e legitimidade para

agir.345

2.5.5.1. Reclamação constitucional como remédio constitucional

Não é a reclamação uma simples ação. É uma ação constitucional especial.346

Possui assento constitucional, ao lado de outros remédios, como o mandado de segurança, o

habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção. A reclamação possui todos os

requisitos dos denominados writs constitucionais. É uma ação que se compõe a jurisdição

constitucional das liberdades; é um remédio jurídico que busca proteger e dar efetividade a

direito e garantias fundamentais.347

A visão analítica das relações entre processo e Constituição revela ao estudioso dois

sentidos vetoriais em que elas se desenvolvem, a saber: a) no sentido Constituição-

processo, tem-se tutela constitucional deste e dos princípios que devem regê-lo, alçados no

plano constitucional; b) no sentido processo-Constituição, a chamada jurisdição

343 “É ‘ação’ [= ação em sentido processual] em que podem ser realizadas diferentes ações [= ação em sentido

material]. Essa variabilidade conteudística decorre da variabilidade de seus fundamentos.” (COSTA, Eduardo

José da Fonseca. Da reclamação. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil, cit., p. 2203). 344 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 459-461;

LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional, cit., p. 171-179. 345 O STF exige o interesse de agir: Rcl 6.449/RS; Rcl nº 1.525/ES; Rcl 1.267/ES. E, de igual modo, exige

legitimidade: Rcl 5.873/ES; Rcl. 6.482/SP; Rcl. 4931/CE. Também o STF exige capacidade postulatória: Rcl

9.654/SP; Rcl 7.902/SP; extinguindo reclamação por litispendência: Rcl 9.814/PI; Rcl 5.509/AP; Rcl 8.054/MG. 346 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro, cit., p. 470. 347 Sobre direitos e garantias fundamentais, consultar: SARLET, Wolfgang Ingo. A eficácia dos direitos

fundamentais. 11ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012; SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos

fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2014; DIMOULIS, Dimitri;

MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 4ª. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

Page 125: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

114

constitucional, voltada ao controle da constitucionalidade das leis e atos administrativos e à

preservação de garantias oferecidas pela Constituição (jurisdição constitucional das

liberdades).348

Num sentido, a relação entre Constituição e processo – reforçada pelo

Neoconstitucionalismo – forma o Direito Constitucional Processual.349 Cuida-se da tutela

constitucional do processo. Os institutos de Direito Processual são encartados na

Constituição, tornam-se garantias fundamentais. Institutos tipicamente processuais são

alçados a nível constitucional, de modo a conceder-lhes maior proteção e efetividade.350

Em sentido diverso, da relação entre Constituição e processo surge o Direito

Processual Constitucional, formado pelos mecanismos e instrumentos processuais, cujo

objetivo é proteger os preceitos constitucionais, bem como garantir-lhes maior eficácia e

efetividade. É a jurisdição constitucional que busca manter íntegros os valores constitucionais.

A jurisdição constitucional, portanto, é formada pelas ações que se destinam a proteger a

Constituição e os direitos e garantias fundamentais.

No primeiro bloco da jurisdição constitucional, estão as ações de controle de

constitucionalidade das leis. São a ação direta de controle de constitucionalidade, a arguição

de descumprimento de preceito fundamental e a ação declaratória de constitucionalidade. São

ações que servem à fiscalização, em abstrato, dos atos normativos, garantindo que não firam o

conteúdo constitucional.351

No segundo bloco da jurisdição constitucional, estão os remédios constitucionais.

É um arsenal de ações especiais (= procedimentos especiais) destinadas a assegurar certos

direitos e garantias fundamentais, mediante uma tutela jurisdicional particularmente forte e

diferenciada.352 São as ações que protegem as liberdades públicas, os direitos e as garantias

348 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, cit., p. 26-27. 349 Sobre a relação entre Constituição e processo, consultar: TROCKER, Nicolò. Processo civile e constituzione.

Milano: Giuffrè, 1974; CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. 2ª ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011; ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 3ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2009. 350 É o caso da proibição da prova ilícita, do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, da

inafastabilidade da jurisdição, da cláusula do juiz natural etc. 351 “Por processo constitucional vai entender-se nas considerações subsequentes o conjunto de regras e actos

constitutivos de um procedimento juridicamente ordenado através do qual se fiscaliza jurisdicionalmente a

conformidade constitucional dos actos normativos. Tal como o processo jurisdicional em geral, também o

direito processual constitucional serve para garantir a observância e realização de um direito substantivo — o

direito constitucional — através da definição de regras constitutivas de um iter procedimental adequado ao

controlo e exame de questões jurídico-constitucionais.” (CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito

Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 1029). 352 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, cit., p. 30.

Page 126: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

115

fundamentais. É o conjunto de remédios que a Constituição concede para prevalência dos

direitos que ela própria alberga.

Na jurisdição constitucional, encontram-se os seguintes remédios processuais:

mandado de segurança, para proteção do sujeito de direito contra abusos do Poder Público; o

mandado de injunção, suprindo lacunas legislativas que impeça o pleno gozo dos direitos e

garantias fundamentais; o habeas corpus, que protege a liberdade e o direito de locomoção; o

habeas data, que garante o direito à informação pública e verídica.353

Na jurisdição constitucional, também se encontra a reclamação constitucional,

cujo objetivo remoto é garantir a segurança jurídica e a igualdade na prestação jurisdicional.

A reclamação é um remédio disposto na Constituição que serve para proteger direitos e

garantias fundamentais, daí sua importância no sistema jurídico. A reclamação serve para

adensar a segurança e a igualdade do jurisdicionado frente ao Poder Judiciário

É que a reclamação é atualmente cabível para (CPC/2015, art. 988): (i) preservar

competência dos tribunais; (ii) garantir a autoridade das decisões dos tribunais; (iii) garantir a

observância de alguns precedentes obrigatórios. Todas essas hipóteses de cabimento estão

intrínseca e mediatamente ligadas à ideia de segurança354 e de igualdade.

O respeito à competência dos tribunais, na verdade, consiste em observar o juiz

natural. É garantir que o julgamento seja realizado pelo órgão previamente determinado, bem

como evitar modificação posterior do órgão jurisdicional.355 Garantir a competência e o juiz

natural previamente, em favor de todos, é, em última análise, garantir segurança e igualdade.

Garantir a autoridade das decisões judiciais é uma condição para que o Estado

exerça adequadamente a função jurisdicional, cuja principal característica é a cogência. Saber

353 “Consagração de ações tipicamente constitucionais e que dizem respeito à Jurisdição constitucional das

liberdades – denominadas de Ações ou Remédios Constitucionais – exatamente, aqueles que visam tornar

efetivos os Direitos individuais e Coletivos, constitucionalmente assegurados. Aqui, encontramos, como

exemplos históricos, o Habeas Corpus e o Mandado de Segurança, ao lado dos quais, e especialmente no caso

brasileiro, acrescentem-se os institutos do Habeas Data, Mandado de Injunção, Ação Civil Pública os quais

devem levar em consideração as diferentes denominações consagradas em variados sistemas jurídicos para

ações com os mesmo objetivos.” (DANTAS, Ivo. Novo processo constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá, 2010.

p. 99-100). 354 Como dito no item 1.5, são vários os autores, em pesquisas específicas sobre o tema, que explicam a relação

entre a reclamação constitucional e a segurança jurídica: LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação

Constitucional, cit., p. 103-104. MINGATI, Vinícius Secafen. Reclamação (neo)constitucional: precedentes,

segurança jurídica e os juizados especiais. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012. p. 131. CAMBI, Eduardo; MINGATI,

Vinícius Secafen. Nova hipótese de cabimento da Reclamação, protagonismo judiciário e segurança jurídica.

Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 196, jun.-2011. TAKOI, Sérgio Massaru. Reclamação

Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 194. STRATZ, Murilo. Reclamação na jurisdição constitucional.

Santa Cruz do Sul: Essere nel mondo, 2015, p. 170. 355 Mais detalhadamente: CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. 2ª ed, cit.

Page 127: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

116

que, após o julgamento, a decisão será eficaz e, caso desrespeitada, há um instrumento para

impô-la aos que lhe sujeitem, também aumenta a segurança jurídica.

Doutro lado, saber que os tribunais tratarão igualmente os jurisdicionados e,

ainda, que há um instrumento para garantir o julgamento isonômico, também contribui para a

segurança e igualdade jurídicas. A reclamação – como instrumento para impor a observância

de precedentes – garante maior calculabilidade e previsibilidade das decisões judiciais, bem

como distribuição igualitária da justiça. Faz com que casos semelhantes sejam resolvidos de

forma semelhante.

Dessa forma, se a reclamação, de cunho constitucional, garante e protege direitos

e garantias fundamentais, no caso, a segurança jurídica e a igualdade perante o Poder

Judiciário. Não há dúvida de que é um remédio constitucional que integra a jurisdição

constitucional. É uma ação constitucional especial.

Claro que a reclamação não surgiu, desde logo, como componente da jurisdição

constitucional. Até mesmo porque na época de sua gênese, que remonta à década de 1940, a

jurisdição constitucional não possuía tanto relevo como nos dias atuais. Gradualmente, a

reclamação foi ganhando importância no sistema jurídico e, com seu ápice, foi conduzida ao

CPC/2015, revelando-se como eficaz meio de adensar direitos fundamentais.

2.5.5.2. Reclamação constitucional não é jurisdição voluntária

A reclamação constitucional possui caráter contencioso. Não provoca jurisdição

voluntária.

Existem várias opiniões doutrinárias sobre a conceituação e características da

jurisdição voluntária. Destaca-se a opinião tradicional de José Frederico Marques, para quem

a jurisdição voluntária constitui função estatal de administrar direito subjetivos de ordem

privada, exercida pelo Poder Judiciário, com o objetivo de constituir, modificar ou extinguir

negócios e relações jurídicas entre os particulares. Seria a administração pública de interesses

privados. Uma atividade materialmente administrativa, embora subjetivamente seja atividade

judiciária, pois exercida por órgão do Poder Judiciário.356-357

356 O autor chega a dizer, portanto, que a jurisdição voluntária não é sequer jurisdição. (MARQUES, José

Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 2000, v. 1 p. 35-36.) 357 Pontes de Miranda afirma que a jurisdição voluntária não possui o caráter administrativo, mas sim

propriamente judicial: “Há funções administrativa do Poder Judiciário, como as há do Poder Legislativo, e não

Page 128: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

117

Em perspectiva mais moderna, dispõe Leonardo Greco:

A jurisdição voluntária é uma modalidade de atividade estatal ou judicial em que o órgão

que a exerce tutela assistencialmente interesses particulares, concorrendo com o seu

conhecimento ou com a sua vontade para o nascimento, a validade ou a eficácia de um ato

da vida privada, para a formação, o desenvolvimento, a documentação ou a extinção de

uma relação jurídica ou a para a eficácia de uma situação fática ou jurídica.358

Ainda, numa visão carneluttiana, para configurar jurisdição voluntária, ainda, não

pode haver lide359. Não pode haver conflito de interesses, pretensão e resistência. Presente a

lide, há jurisdição contenciosa.360 Costuma-se dizer que, na jurisdição voluntária, não há

partes; há interessados. Na jurisdição voluntária, os interessados exercem seus interesses em

juízo, sem que haja litígio.361

Sobre essas considerações gerais, deixando de lado as discrepâncias doutrinárias

sobre o conceito de jurisdição voluntária, não há como afirmar que a reclamação provoca

jurisdição voluntária. O ajuizamento da reclamação demanda tutela judicial tipicamente

contenciosa. Há instauração de uma ação litigiosa para resolver um conflito. Existe conflito de

interesses, pretensão e resistência na reclamação; presente a lide, há jurisdição contenciosa. A

reclamação não serve à “administração de interesses particulares”, também não é meio

necessário para a realização de atos jurídicos, tampouco se destina para sua autorização,

homologação ou constituição. A reclamação acarreta a formação de um processo de jurisdição

contenciosa, não pertencendo à esfera da jurisdição voluntária.

só do Poder Executivo; mas seria absurdo incluir-se nas funções administrativas do Poder Judiciário a

chamada jurisdição voluntária, porque, nela, as funções são puramente judiciárias (...) A função estatal é

exercida pelo Poder Judiciário, sem administratividade. A tutela jurídica, que se prometeu, é puramente

judicial, posto que, às mais das vezes, o juiz apenas homologue. (...) Na jurisdição voluntária há jurisdição: o

juiz aplica a regra jurídica, como juiz, que é, e não de ser.” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.

Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997, t. 16, p. 4-5). 358 GRECO, Leonardo. Jurisdição voluntária moderna. São Paulo: Dialética, 2003, p. 11. 359 Carnelluti entende lide como o conflito de interesses resistidos. Para o professor italiano, na jurisdição

voluntária não haveria presença de lide (CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. São Paulo:

Classic Book, 2000, v. 1. p. 95). 360 GRECO, Leonardo. Jurisdição voluntária moderna, cit., p. 26. 361 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. cit., t. 16, p. 3.

Page 129: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

118

Page 130: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

119

3. Hipóteses de cabimento

As atuais hipóteses de cabimento da reclamação constitucional – perante qualquer

tribunal – estão consolidadas no art. 988, do CPC/2015: preservar a competência do tribunal;

garantir a autoridade das decisões do tribunal; garantir a observância de enunciado de

súmula vinculante e de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade;

garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de

demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; e, garantir a observância

de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, dês que esgotadas as

instâncias ordinárias.

Esse conjunto de hipóteses de cabimento é fruto do desenvolvimento e da

modificação do instituto, ao longo dos últimos 15 anos. A presente pesquisa, no item 2.2.,

propõe uma nova divisão histórica das fases da reclamação constitucional, principalmente

para fins didáticos, que contribuem para melhor compreensão de suas transformações e seu

desenvolvimento, até o advento do CPC/2015, que consolidou as atuais hipóteses de

cabimento.

São três fases históricas: (i) a fase pré-constitucional, que vai desse o surgimento

da reclamação até sua previsão expressa no texto constitucional; (ii) a fase constitucional, que

vai da vigência da Constituição Federal até a previsão do instituto no texto codificado; e, (iii)

a recente fase codificada, que vai da vigência do CPC/2015, até os dias atuais.

Foi durante a fase constitucional que a reclamação amadureceu e se revelou à

comunidade jurídica como um importante meio de impugnação às decisões judiciais. Durante

essa fase, amadurecem seus contornos dogmáticos e surgem diversas fontes formais e

materiais em relação ao instituto. O CPC/2015 inaugura a fase codificada da reclamação

consolidando amplas hipóteses de cabimento, assentando sua importância como ação

autônoma de impugnação às decisões judiciais, sobretudo de controlar a aplicação de

precedentes obrigatórios.

O instituto, desde sua fase pré-constitucional,362 surgiu com duas hipóteses

básicas de cabimento: preservar competência e garantir autoridade das decisões do STF.

362 Sobre o surgimento da reclamação constitucional, consultar item 2.2.1. A reclamação constitucional teve sua

gênese em uma gradativa construção jurisprudencial do STF, alicerçada sobre a “teoria dos poderes implícitos”.

O marco histórico que garantiu o cabimento da Reclamação (nos moldes mais próximos dos que atualmente a

conhecemos), com base nos implied powers e sem dispositivo legal a prevendo, foi o julgamento da Reclamação

nº 141-SP. Nela restou consignado que nada adiantaria conferir ao STF funções especiais e distintas das demais

cortes, se não fosse possível, à Corte Suprema, impor os seus julgados e a sua competência. Sobre o surgimento

Page 131: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

120

Com sua previsão expressa no texto constitucional, passou a ser admissível também perante o

STJ, mantendo as mesmas hipóteses de cabimento anteriores (CF/1988, arts. 102, I, l e 105, I,

f,).

Durante a fase constitucional, houve alguns julgamentos do STF, que foram

essenciais para fertilizar o debate sobre o cabimento da reclamação para assegurar a eficácia

vinculante da ratio decidendi de diversos tipos de decisão, ou seja, essas discussões já

giravam em torno da possibilidade de utilizar a reclamação como forma de controlar a

aplicação de precedentes. Contudo, apesar da inclinação de alguns ministros, esse

entendimento, na época ampliativo das hipóteses de cabimento da reclamação, não vingou. 363

De qualquer sorte, essas mudanças e discussões jurídicas e, ainda, a expressiva

quantidade de reclamações ajuizadas, colocaram-na em posição de destaque no sistema

jurídico; e, por tais motivos, o CPC/2015 – por opção – a elegeu como meio de controlar a

observância e o erro na aplicação de certos precedentes ditos obrigatórios (CPC/2015, art.

927). A reclamação, em voga e evidência para a comunidade jurídica, principalmente durante

a sua fase constitucional, foi escolhida como um dos instrumentos para controlar

determinados precedentes.

Assim, a discussão acerca do cabimento de reclamação para assegurar a

observância de precedentes é superada. O CPC/2015 sepulta essa questão e já delimita quais

hipóteses é admissível. O que resta identificar são os limites e alcances dessas hipóteses.

O CPC/2015 alargou e consolidou as hipóteses de cabimento da reclamação.

Manteve as hipóteses de preservar e garantir a autoridade dos julgados dos tribunais

(CPC/2015, art. 988, I e II). Também manteve o cabimento para garantir a observância e

devida aplicação de súmula vinculante (CPC/2015, art. 988, III; Lei nº 11.417/2006, art. 7º;

CF/1988, art. 103-A, §3º). Porém, a reclamação passa a ser cabível para garantir a

observância das decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade, e dos

precedentes proferidos em casos repetitivos e incidente de assunção de competência

(CPC/2015, art. 988, III e IV). E, ainda, para garantir a observância de acórdão de recurso

da Reclamação: DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto

Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000. p. 45-266. 363 Esses debates estão mais esmiuçados no item 2.2.2.: (a) o não cabimento de reclamação por violação à ratio

decidendi, com base na “transcendência dos motivos determinantes”, de decisão de controle concentrado de

constitucionalidade; (b) o não cabimento de reclamação contra decisão de tribunal local que aplica

indevidamente a tese firmada em recurso extraordinário com repercussão geral; (c) o não cabimento de

reclamação, para garantir autoridade de ratio decidendi de decisão do STF em controle difuso de

constitucionalidade, o que se relaciona com a dita objetivação do controle difuso. Também pode ser vista como a

“transcendência dos motivos determinantes” de decisão de controle difuso de constitucionalidade.

Page 132: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

121

extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento

de recursos extraordinário ou especial repetitivos, desde que esgotadas as instâncias

ordinárias (CPC/2015, art. 988, §5º, II).

Essas últimas hipóteses de cabimento, inclusa a de garantir a observância e correta

aplicação de súmula vinculante, compreendem, na verdade, a função controle de aplicação de

precedentes atribuída expressamente à reclamação constitucional, na atual fase codificada.

3.1. A alteração do CPC/2015 antes da vigência: A Lei nº 13.256, de 4 de fevereiro de

2016. A vontade do legislador?

Ao afirmar que a reclamação foi alçada a instrumento para controle da aplicação

dos precedentes, em virtude da importância que a comunidade jurídica concedeu-lhe nos

recentes anos, isso não significa que é fruto da vontade do legislador ou de um grupo de

juristas que participaram da elaboração do CPC/2015. Rechaça-se, nesta pesquisa, a vontade

do legislador e a interpretação intencionalista364-365.

A autoridade e a intenção do Legislativo não se sobrepõem às do Judiciário. A

interpretação não pode ser fundada na autoridade dos legisladores ou de um grupo de pessoas

que tenham elaborado a lei. Primeiro, porque, seguindo esse raciocínio, a autoridade que

elaborou a lei – seja o jurista ou o legislador – não precisaria segui-la, já que nele residiria a

autoridade interpretativa. Segundo, porque não existe uma hierarquia entre o Legislativo e o

Judiciário. Os legisladores não estão acima dos juízes, por serem eleitos democraticamente.

Terceiro, porque as leis modernas de Estados democráticos não são obras de juristas ou

364 Nesse sentido, HURD, Heidi M. Interpretando as autoridades. Direito e interpretação. Andrei Marmor

(coord.). São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 607: “Apesar da tentativa de exorcismo, a interpretação jurídica é

assombrada pelo intencionalismo. Isso desconcertou aqueles que julgavam ter conseguido demonstrar a

indefensibilidade conceitual e normativa da interpretação intencionalista (...) enquanto se conferir ao Direito o

tipo de autoridade que ele historicamente reivindicou, ao intencionalismo será necessariamente conferido o tipo

de respeito que ele não merece”. Igualmente, DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz

Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 377-424. 365 Adotando a interpretação intencionalista: “In this chapter I want to support a certain conception of legal

authority. The question is this: Is it possible to attribute legal authority to a giver norm if its authority does not

derive from the authority of someone who has issued that norm? Basically, I will try to defend here a negative

answer to this question, espousing a personal conception of authority.” Tradução livre: “Nesse capítulo eu

quero sustentar um determinado conceito de autoridade legal. A questão que eu quero falar é essa: É possível

atribuir autoridade legal para certa norma se sua autoridade não deriva da autoridade de alguém que editou a

norma? Basicamente, eu tentarei defender aqui uma resposta negativa para essa questão, defendendo uma

concepção pessoal de autoridade” (MARMOR, Andrei. Positive law and objective values. Oxford: Clarendon

Press, 2001. p. 89).

Page 133: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

122

legisladores isolados; na verdade, são produzidas com a influência de vários grupos, dentro do

jogo político366.

O CPC/2015 é uma lei elaborada em ambiente democrático. Não foi produto de

um grupo de juristas ou do conjunto da vontade dos deputados e senadores. Foi o resultado de

deliberações, por alguns anos, nas casas legislativas, com emendas de variados congressistas.

Durante a tramitação, também houve audiências públicas; pressões e reivindicações, em

sentidos e direções opostas, dos mais diversos setores sociais, políticos e da comunidade

jurídica367. A qualidade democrática do CPC/2015 é conseguir integrar essa diversidade de

propósitos e reivindicações coesamente; é combinar vontades e interesses para regular o

Direito Processual Civil brasileiro. Nesse quadro, não é prudente conferir ao legislador (essa

figura amorfa e inânime) ou a um determinado grupo de juristas à autoridade de interpretar o

CPC/2015 ou, no momento da interpretação, recorrer à vontade do legislador. A interpretação

é realizada pelo aplicador partindo do próprio texto legal. Não se parte da vontade do

legislador, uma vez que não houve apenas legislador; há, na verdade, um produto concebido

por um conjunto de fatores políticos, jurídicos e sociais. É sobre esse produto que se realiza a

interpretação.368

Dessa forma, ao dizer que a comunidade jurídica despertou o interesse pela

reclamação e a alçou a meio de controle de aplicação dos precedentes, é porque se acredita

que foi um dos fatores no trâmite do CPC/2015 que influenciaram; mas tal ponto não é

fundamental para interpretar a reclamação dogmaticamente, pois se parte do texto legal, sem

se socorrer à vontade do legislador, que – como dito – é amorfo e inânime.369

366 WALDRON, Jeremy. As intenções dos legisladores e a legislação não-intencional. Direito e interpretação.

Andrei Marmor (coord.). São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 498. 367 “Sendo o povo fonte de poder (e isto se dizia desde pelo menos a Idade Média), o poder do povo não pode,

no plano institucional, expressar-se senão através de órgãos deliberativos organizados para representar as

diversas correntes de opinião pública e da vontade popular” (SALDANHA, Nelson. O que é Poder

Legislativo? 2ª ed. Brasília: Brasiliense, 1983. p. 21). 368 A atividade de deliberação, durante o trâmite legislativo, de um Código, em ambiente democrático, é tal qual

costurar uma colcha de retalhos, com poucos panos, porém de variadas cores. A colcha é sempre curta para

cobrir a todos; alguns não gostam das cores, outros querem furá-la, um grupo prefere que seja costurada uma

nova colcha, outro quer apenas um novo recorte, uns não conseguem ser cobertos... enfim, é uma atividade que

dificilmente agradará a todos, porém é certo que a colcha tem valor em si, independente daquele que costurou ou

de quem contribuiu com os retalhos, tesoura, agulha e linha. 369 Importante a lição de Gustavo Just: “As críticas usuais da voluntas legislatoris como critério objetivo de

identificação do sentido dos textos legislativos argumentam normalmente que as condições de produção do

direito nas sociedades contemporâneas são incompatíveis com os pressupostos implicados por essa noção, em

especial a existência de um estado mental que fosse ao mesmo tempo unívoco, imputável a um autor e acessível

ao intérprete. O que Troper explora é antes a impossibilidade conceitual ou lógica da redução do significado de

um texto legislativo à intenção do seu autor; em outras palavras, ele demonstra que a assimilação do sentido à

intenção é impossível mesmo que se admita, por hipótese, a presença otimizada das condições que ela supõe”

(JUST, Gustavo. Interpretando as teorias da interpretação. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 163).

Page 134: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

123

O jogo político, entretanto, não para ao ser publicada a lei. As casas legislativas

continuam sempre sujeitas à influência dos fatores de poder. Assim ocorreu com o CPC/2015.

Antes mesmo de vigorar, foi alterado pela Lei nº 13.256, de 2016, com algumas mudanças em

relação às hipóteses de cabimento da reclamação. Mais precisamente, foram duas alterações,

uma singela e outra expressiva.370

A primeira, e mais irrelevante mudança, apenas deslocou a hipótese de cabimento

da reclamação por inobservância de súmula vinculante do inciso IV para o inciso III, do art.

988. Cuidou-se, apenas, de dispor melhor as hipóteses de cabimento, pois o inciso III também

trata da garantia das decisões em controle concentrado de constitucionalidade, cujas

reclamações serão destinadas ao STF.

A segunda mudança é mais significativa. É uma causa de inadmissibilidade da

reclamação perante o STJ e o STF. É inadmissível a reclamação – antes de esgotar as vias

ordinárias – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com

repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos

extraordinário ou especial repetitivos.

Antes da alteração do Lei nº 13.256, de 2016, a reclamação para garantir

observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, bem

como de precedente de recursos extraordinário ou especial repetitivos, seria cabível antes

mesmo de esgotar as vias ordinárias. Contudo, após a modificação, apenas é admissível caso

esgotadas as instâncias ordinárias. Não é cabível a reclamação diretamente; apenas após

esgotadas as vias ordinárias. É um requisito de admissibilidade: o esgotamento das vias

ordinárias; se cumprido, será cabível a reclamação.

370 Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I - preservar a competência

do tribunal; II - garantir a autoridade das decisões do tribunal; III - garantir a observância de decisão do Supremo

Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; III – garantir a observância de enunciado de

súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de

constitucionalidade; (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) IV - garantir a observância de enunciado de

súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de

competência. IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de

demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) §

1o A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional

cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir. § 2o A reclamação deverá ser

instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal. § 3o Assim que recebida, a reclamação será

autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre que possível. § 4o As hipóteses dos incisos III e IV

compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam. § 5o É

inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão. § 5º É inadmissível a

reclamação: (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) I – proposta após o trânsito em julgado da decisão

reclamada; (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016) II – proposta para garantir a observância de acórdão de

recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos

extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. (Incluído pela Lei nº

13.256, de 2016).

Page 135: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

124

O CPC/2015, antes mesmo de vigorar, foi recortado. Em relação à reclamação, as

mudanças foram consequências de pressão do STJ e STF. Um receio institucional de o

aparelhamento do STJ e o STF não ser capaz de gerir excessiva quantidade de reclamações.

No despertar da comunidade jurídica pela reclamação, incluiu-se, junto ao entusiasmo de

alguns, o temor do STJ e STF em lidar com uma enxurrada delas.371

A pressão do STJ e STJ para mudar o CPC/2015 e incluir um requisito de

admissibilidade é, em certa medida, paradoxal. Ambos os Tribunais, por um lado,

incentivaram um sistema de procedentes obrigatórios e uma cultura de segui-los. Porém, por

outro lado, temeram que fosse mantido o desrespeito aos precedentes obrigatórios, cedendo

espaço para sobejo número de reclamações372. Nessa encruzilhada, ao CPC/2015 restou o

meio dos caminhos: se esgotadas as vias ordinárias e mantida a inobservância do precedente,

será cabível a reclamação para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário

com repercussão geral reconhecida ou, ainda, de acórdão proferido em recursos extraordinário

ou especial repetitivos. Será cabível, desde que esgotadas as vias ordinárias.

Cumpre registrar, por fim, que a alteração legislativa ter sido fruto de pressão

institucional do STF e STJ não é razão, suficiente nem útil, para utilizá-la como fundamento

de interpretação restritiva, ou defensiva, da reclamação. A interpretação do instituto é

realizada sobre o texto normativo. Não se deve recorrer à vontade do legislador ou ao setor

social que reivindicou a mudança. Não há autoridade na vontade do legislador. Tais dados que

levaram à mudança no CPC/2015 são prévios e perdem seu valor após o fim do trâmite

legislativo. Após a sanção da lei, o texto legal é o objeto da interpretação.

Tal argumento é salientado, com o receio de que seja erigida jurisprudência

defensiva das Cortes Superiores, sob o fundamento de não poderem gerir vertiginoso número

de reclamações e, dessa forma, acabem por tolher as hipóteses de cabimento e o acesso à

371 “Trata-se do temor de que o incremento na utilização da reclamação constitucional gere uma distorção junto

ao STF e ao STJ. Essa deturpação residiria no aumento vertiginoso do número de reclamações ajuizadas,

rendendo ensejo a uma massa de feitos que as Cortes de Superposição não teriam condições de gerir

adequadamente. Além disso, pareceria, em certa perspectiva, que a própria existência desse instituto seria

reveladora de uma “fraqueza” institucional do Poder Judiciário, ou mesmo uma ausência de credibilidade, que

se faria presente no frequente descumprimento das decisões judiciais. Ademais, haveria o risco do

descumprimento da própria decisão proferida na reclamação, o que provocaria a “desmoralização”, por

exemplo, do STF.” (LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional, cit., p. 282). 372 Traga-se a observação de Ricardo de Barros Leonel: “Nesse quadro, é viável acreditar que o uso da

reclamação constitucional, mesmo com a importância que ela recebeu nos últimos anos, não chegará a criar o

risco de inviabilização do funcionamento do STF e do STJ. A tendência, acreditamos, é a adesão da comunidade

jurídica aos precedentes consolidados, que refletem precisamente o entendimento dos guardiães da Constituição

e das Leis Federais, função reservada às duas Cortes Superiores. Esse será o resultado da evolução da cultura

jurídica e social, pela nossa sociedade vem passando” (LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação

Constitucional, cit., p. 287).

Page 136: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

125

justiça. Não importa se esse foi um dado que levou à mudança legislativa ou se essa foi a

vontade do legislador; o que é relevante é a interpretação que se extrai dogmaticamente do

texto normativo, tal qual publicado.

3.2. Tríplice função da reclamação constitucional

Das hipóteses de cabimento, conclui-se que a reclamação possui uma tríplice

função no sistema processual: (i) preservar a competência dos tribunais (CPC/2015, art. 988,

I; CF/1988, arts. 102, I, l e 105, I, f,); (ii) garantir a autoridade de suas decisões (CPC/2015,

art. 988, II; CF/1988, arts. 102, I, l e 105, I, f,); (iii) garantir a observância e correta aplicação

dos precedentes obrigatórios (CPC/2015, art. 988, III e IV, §5º, II; Lei nº 11.417/2006, art. 7º;

CF/1998, art. 103-A, §3º).

As duas primeiras funções da reclamação se identificam, com facilidade, com as

duas respectivas hipóteses tradicionais de cabimento: preservar a competência e garantir a

autoridade das decisões dos tribunais.

A terceira função da reclamação – controlar a aplicação de precedentes – abrange

as hipóteses de cabimento restantes. São as que cuidam da correta observância das teses

jurídicas373 dalguns dos precedentes obrigatórios. No caso, os enunciados de súmulas

vinculantes, as decisões em controle concentrado de constitucionalidade, e o julgamento do

incidente de assunção de competência e dos casos repetitivos, inclusos os recursos

excepcionais repetitivos.

Essas são as três funções da reclamação constitucional. E, para fins dogmáticos, é

essencial compreender as suas três funções, até mesmo para melhor entender as hipóteses de

cabimento. É que, a depender da função que a reclamação desempenhar no caso, suas

características e efeitos podem variar. Por exemplo, usualmente, a decisão de uma reclamação

para fins de preservar competência é mandamental, com avocação dos autos do processo para

o órgão cuja competência fora usurpada; já a decisão que garante a autoridade do julgado

possui eficácia constitutiva negativa, uma vez que cassa a decisão violadora da autoridade do

julgado.374

373 Expressão legal contida no CPC/2015, art. 988, III e IV, §4º. 374 NOGUEIRA, Pedro Henrique. A eficácia da reclamação constitucional. COSTA, Eduardo José da Fonseca;

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 388-

295; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo V. Rio

de Janeiro: Forense, 1974. p. 384.

Page 137: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

126

Igualmente, a competência interna para julgar reclamação fundada em

preservação de competência ou proteção à autoridade de julgado compete, usualmente, ao

órgão do tribunal cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir

(CPC/2015, art. 988, §1º). Por outro lado, a competência interna de reclamação destinada a

controle de precedentes não se atrela ao órgão que formou o precedente, ou seja, o órgão

prolator da decisão paradigma, devendo seguir os critérios do regimento interno.

Em suma, para um ideal estudo dogmático, é importante ter em vista a tríplice

função da reclamação constitucional, pois as suas características e efeitos se alteram de

acordo com a função exercida no caso. Assim, um dos critérios para identificar, em cada

situação, as qualidades e nuances de uma reclamação é exatamente a função que

desempenhar; daí por que se optou, na presente pesquisa, em dividir cada hipótese de

cabimento de acordo com a função em que se enquadra, para fins didático-dogmáticos.

Cabe aqui pontuar uma diferença. A segunda e terceira função advêm de um

mesmo fundamento, isto é, protegem o mesmo valor constitucional. Ambas se apoiam na

autoridade dos tribunais, contudo sobre perspectivas distintas.

A função de garantir autoridade das decisões dos tribunais destina-se a assegurar o

cumprimento daquilo que foi decidido nos dispositivos dos julgados; é, portanto, a autoridade

da norma concreta da decisão. Já a função de garantir a observância dos precedentes busca

proteger a autoridade da ratio decidendi de decisões do tribunal; com efeito destina a proteger

a autoridade dos precedentes dos tribunais, ou seja, a eficácia vinculante da norma geral e

abstrata dos precedentes. Muito embora se apoiem no mesmo fundamento de autoridade dos

tribunais, possuem funções distintas. Dessa forma, quando se fala em garantir autoridade dos

tribunais, que é a dicção legal, compreenda-se a autoridade do dispositivo de algum julgado

do tribunal.

Assim, deve-se separar: a hipótese de cabimento, que se trata da causa de pedir da

reclamação; o fundamento, que é o valor constitucional protegido; e, a finalidade, que é sua

destinação imediata no sistema processual.

3.3. Demanda típica e de fundamentação vinculada: a causa de pedir na reclamação

constitucional

Page 138: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

127

A reclamação é uma ação típica de fundamentação vinculada; significa dizer seu

cabimento é restrito às hipóteses específicas previstas na legislação e na Constituição.375 As

hipóteses de cabimento da reclamação são típicas e estão consolidadas no art. 988 do

CPC/2015. Não cabe reclamação por hipótese distinta das previstas no art. 988.

Cada uma das hipóteses de cabimento configura uma causa de pedir da

reclamação. Cada fundamento típico equivale a uma causa de pedir da reclamação. Porém,

cada causa de pedir não corresponde um dos incisos do art. 988.376 Por exemplo, o inciso IV

prescreve o cabimento de reclamação por dois fundamentos: i) não observância de acórdão

proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas; e ii) não

observância de incidente de assunção de competência. Cada fundamento desse corresponde à

uma causa de pedir, embora constantes do mesmo inciso do art. 988.

Seguindo as lições de José Carlos Barbosa Moreira em relação à ação rescisória

(outra ação típica do direito brasileiro), mas servíveis perfeitamente à reclamação

constitucional, cuida-se de uma relação taxativa que exaure as hipóteses de reclamação, “não

é possível cogitar-se de outras quaisquer, nem mediante recurso à analogia”377. Então, cada

uma das hipóteses de cabimento é suficiente de per si.378

Portanto, a causa de pedir da reclamação são os fundamentos (hipóteses)

exaustivos previstos no ordenamento jurídico e consolidados no art. 988 do CPC/2015. Caso

o autor ajuíze Reclamação com base em dois ou mais fundamentos, haverá cumulação de

demandas, com conexão em virtude das partes e do pedido.

A causa de pedir, na condição de elemento da demanda, é o mais problemático e o

mais relevante dos três (partes, pedido e causa de pedir), por conta de sua complexidade e

controvérsia doutrinária.379 Dentre diversas teorias, aparenta haver univocidade na doutrina380,

375 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 249;

CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 679. 376 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 679. 377 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. Rio de Janeiro:

Forense, 2010. p. 155. 378 “Não é necessário conjugá-los entre si, nem conjugar qualquer deles com alguma outra circunstância. Aos

vários fundamentos possíveis correspondem outras tantas causae petendi, diversas e autônomas; a invocação de

uma não exclui a de qualquer das restantes.” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de

Processo Civil. Vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 154). 379 “Dentre os elementos individualizadores da ação material, a causa de pedir constitui o mais delicado e

problemático.” (ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 132). 380 “Reina total harmonia na doutrina brasileira, no reconhecimento da adesão ao Cód. de Proc. Civil à teoria

da substancialização” (ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

p. 132). No mesmo sentido: TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2001. p. 144; CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade dos Fatos Supervenientes no

Page 139: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

128

que o CPC/1973 adotara a teoria da substanciação da causa petendi, uma vez que seu art.

282, III, exigia do autor a exposição, na petição inicial, dos fatos e os fundamentos jurídicos

do pedido.

No CPC/2015, a exigência de expor os fatos e fundamentos jurídicos do pedido na

petição inicial é mantida (CPC/2015, art. 319, III), daí por que também foi mantida a teoria

da substanciação381 da causa de pedir consistente naquela que “encara a causa de pedir como

o acervo dos fatos constitutivos do direito ou dos elementos das várias previsões

normativas”382. Em outras palavras, cabe ao autor narrar os fatos e os fundamentos jurídicos

de seu pedido, de forma clara, concisa e exaustiva383 e, partindo dessa narrativa, formular os

seus pedidos de forma lógica.

3.3.1. A causa de pedir próxima e remota na reclamação

Sucintamente, a causa de pedir, no direito brasileiro, são os fatos constitutivos do

direito e os fundamentos jurídicos que justificam os pedidos, tudo narrado pelo autor na

petição inicial. Daí se afirmar que a causa petendi se desdobra em duas, a causa de pedir

Processo Civil: uma análise comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012. p.

43. 381 Dentre as várias teorias, destacam-se a teoria da substanciação e a teoria da individuação. Eis a sucinta lição

de Calmon de Passos sobre a diferença entre as teorias: “Para os adeptos da substanciação, a causa de pedir é

representada pelo fato ou complexo de fatos aptos a suportar a pretensão do autor, pois são eles que constituem

o elemento de onde deflui a conclusão. Já para os adeptos da teoria da individuação, a causa de pedir é a

relação ou estado jurídico afirmado pelo autor em apoio à sua pretensão, posto o fato em plano secundário e

não relevante, salvo quando indispensável à individuação da relação jurídica.” (CALMON DE PASSOS, José

Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. III. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 192).

Ainda que, como dito, haja harmonia da doutrina quanto à adoção da teoria da substanciação, Leonardo Carneiro

da Cunha e José Rogério Cruz e Tucci defendem que o CPC/1973 adotara uma posição intermediária; os motivos

da conclusão são aplicáveis ao regime do CPC/2015 (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade dos

Fatos Supervenientes no Processo Civil: uma análise comparativa entre o sistema português e o brasileiro.

Coimbra: Almedina, 2012. p. 45-47; TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 2ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2001. p. 146-148). Apoiam-se esses autores na premissa básica que nem todos os fatos

são relevantes ou essenciais para caracterização da causa de pedir, como explica Ovídio Baptista:

“Verdadeiramente, podemos dizer apenas isto: nem todos os fatos serão decisivos para a caracterização da

causa petendi.” (SILVA, Ovídio Baptista. Limites objetivos da coisa julgada no atual Direito Brasileiro.

Sentença e coisa julgada. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 131). Para Joel Dias Figueira Jr. a teoria da

individuação melhor atenderia os anseios do processo civil contemporâneo (FIGUEIRA Jr., Joel Dias.

Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 4. Tomo II. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 51-

53). 382 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade dos Fatos Supervenientes no Processo Civil: uma análise

comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012. p. 37. 383 “A narração há de ser clara e precisa; convém, outrossim, que seja exaustiva, mas concisa; e subentende-se

que há de conter a verdade dos fatos, expostos com probidade e encadeamento, tal como se passaram”

(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV. 2ª ed.

Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 17-18).

Page 140: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

129

remota, que são os fatos constitutivos do direito, e a causa de pedir próxima, consistentes nos

fundamentos jurídicos do pedido autoral.

A causa de pedir remota na reclamação são os fatos constitutivos alegados pelo

autor que configurem uma situação material, in concretum, de usurpação de competência, ou

de desrespeito à autoridade de decisão ou, ainda, de inobservância de súmula vinculante, de

decisão em controle concentrado de constitucionalidade, de acórdão de julgamento de casos

repetitivos e de incidente de assunção de competência.

Em outras palavras, a causa de pedir remota se traduz em uma situação concreta –

ao menos em narrativa realizada pelo autor – que pretenda caracterizar alguma das hipóteses

de cabimento previstas no art. 988 do CPC/2015. São os fatos afirmados na petição inicial,

que o autor entenda enquadrarem-se em uma das hipóteses de cabimento da reclamação

constitucional. Tais hipóteses constituem um rol exaustivo, que sequer por analogia podem

ser aumentadas. Se o autor descreve duas ou mais situações concretas suficientes para

caracterizar uma, ou mais, das hipóteses de cabimento, haverá cumulação objetiva de

demandas reclamatórias, já que presente mais de uma causa de pedir remota.

Doutra banda, a causa de pedir próxima cuida do “fundamento jurídico pelo qual

se move a demanda, ou seja, o enquadramento daquela situação substancial em um dos

permissivos estabelecidos no ordenamento”384.

A causa de pedir próxima são os fundamentos jurídicos do pedido. Primeiramente,

o autor deve indicar em qual hipótese de cabimento da reclamação os fatos narrados se

subsomem; num segundo momento, deve indicar as normas que incidem sobre os fatos, de

modo que implique a hipótese de cabimento indicada.

Devem ser indicadas as normas que dão juridicidade aos fatos narrados pelo autor,

ou seja, são exatamente as normas que incidem sobre a situação concreta cuja consequência é

a usurpação de competência, o desrespeito à autoridade de decisão ou a inobservância de

precedente, e justificar o cabimento da reclamação. Em suma, os fundamentos jurídicos do

pedido são as normas indicadas pelo autor para enquadrar os fatos narrados em uma das

hipóteses de cabimento da reclamação contidas no art. 988 do CPC/2015.

Traz-se um exemplo para melhor ilustrar a exposição. Imagine-se uma reclamação

dirigida ao STJ por usurpação de sua competência, pois o TJPE processou mandado de

segurança impetrado contra o Ministro da Fazenda. Na petição inicial, o autor deve narrar os

384 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 247.

Page 141: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

130

fatos que demonstram a usurpação de competência, no caso, a impetração de mandado de

segurança contra Ministro de Estado em Tribunal Estadual. Essa narrativa dos fatos cuida-se

da causa de pedir remota, ou seja, uma situação material, in concretum, que se pretende

caracterizar como usurpação de competência do STJ. Após a narrativa dos fatos, o autor deve

expor os fundamentos jurídicos dos pedidos que consistem na causa de pedir próxima. O

autor elege a hipótese de cabimento da reclamação, no exemplo, a usurpação de competência

(CPC/2015, art. 988, I); e, depois, indica qual a norma que caracteriza a usurpação de

competência. Nesse exemplo, seria o art. 105, I, b, da CF/1988 que prevê a competência do

STJ para julgar e processar mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado.

Nesse exemplo dado, a norma de competência de extraiu de um dispositivo

constitucional, porém as normas indicadas podem ser extraídas de qualquer fonte formal do

Direito. Pode se indicar um costume jurídico, legislação lato sensu etc. O importante é indicar

uma norma, seja princípio ou regra, seja geral ou abstrata, seja individual ou concreta,

originária de lei ou de precedente.

No caso de reclamação por inobservância de precedente (CPC/2015, art. 988, III e

IV), a norma apontada na causa de pedir próxima é a ratio decidendi do próprio precedente,

daí por que na reclamação por erro ou inaplicação de precedente sempre se indica a decisão

paradigma ou a súmula violada.

Retorne-se a um exemplo para esclarecer o ponto: o TJPE profere acórdão em

IRDR, declarando lícita a cobrança de ISS sobre a atividade de guia turístico. Uma

reclamação é ajuizada, por inobservância do acórdão nesse IRDR, pois o juiz da vara da

fazenda de Olinda/PE afastou a incidência sobre todos os guias turísticos de Olinda/PE, em

sede de liminar, em mandado de segurança coletivo da associação de guias turísticos. Na

petição inicial da reclamação devem ser narrados os fatos que demonstrem a inobservância do

precedente. No exemplo consiste na decisão do juiz de Olinda/PE que afastou a aplicação da

tese fixada no respectivo IRDR; essa seria a causa de pedir remota. Depois, o autor da

reclamação deve expor a causa de pedir próxima, isto é, os fundamentos jurídicos dos

pedidos; assim, elege-se a hipótese de cabimento da reclamação, no caso, inobservância de

acórdão em IRDR (CPC/2015, art. 988, IV) e, depois, invoca-se a norma que incidindo sobre

os fatos demonstram a inobservância do precedente, bem como a norma que confere

autoridade ao precedente (CPC/2015, art. 927). Nesse caso, a norma invocada é a ratio

decidendi contida no acórdão do IRDR que declarou lícita a cobrança de ISS sobre o serviço

Page 142: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

131

de guia turístico e a norma contida no art. 927 do CPC/2015 que confere força vinculante ao

precedente.

Assim, em reclamações por inobservância ou erro na aplicação de precedentes, a

norma invocada é sempre a do precedente em que se funda a reclamação. É a ratio decidendi

– norma geral e abstrata – extraída do precedente. A causa de pedir próxima de uma

reclamação por afronta à precedente pressupõe-se sempre a indicação do próprio precedente,

com sua respectiva decisão paradigma.

Já a causa de pedir próxima de uma reclamação por afronta à autoridade de

julgado constitui uma norma jurídica concreta contida no dispositivo de alguma decisão

judicial. A norma que caracteriza a situação de afronta à decisão provém do dispositivo da

própria decisão violada, seja ela liminar ou definitiva.

Por exemplo, o juiz da vara cível de Recife, ao iniciar a execução de acórdão

definitivo proferido pelo TJPE, resolve aplicar índice de correção monetária diferente do

estipulado no dispositivo do acórdão. Na petição inicial da reclamação, deve ser exposto o

fato que se pretende caracterizar como violador da autoridade da decisão, ou seja, a aplicação

de índice de correção distinto do determinando no acórdão, consistindo essa narrativa na

causa de pedir remota. Após, devem ser expostos os fundamentos jurídicos do pedido, ou

seja, a causa de pedir próxima. Indica-se, portanto, a hipótese de cabimento da reclamação,

que será por afronta à autoridade de julgado (CPC/2015, art. 988, II) e duas normas jurídicas:

a) a norma jurídica concreta, cuja autoridade está sendo violada, no caso, contida no

dispositivo do acórdão do TJPE; e, b) a norma jurídica abstrata que concede eficácia plena à

norma jurídica concreta, nesse caso são os arts. 502 e 503 do CPC/2015 que tratam da

autoridade da coisa julgada.

Caso o exemplo se tratasse de violação à autoridade de decisão liminar do TJPE, a

causa de pedir próxima também seria a hipótese de cabimento da reclamação, que cuida da

afronta à autoridade de julgado (CPC/2015, art. 988, II) e outras duas normas jurídicas: a) a

norma jurídica concreta, contida no dispositivo da decisão liminar do TJPE; e, b) a norma

jurídica abstrata que concede eficácia plena à decisão liminar do TJPE, nesse caso são os arts.

295 a 297 do CPC/2015 que concedem eficácia imediata às tutelas provisórias.

Em suma, a causa de pedir próxima de: a) reclamação por usurpação de

competência é norma jurídica geral e abstrata que disponha sobre competência do tribunal, via

de regra prevista na CF/1988 e nas Constituições Estaduais; b) a reclamação por afronta à

Page 143: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

132

autoridade de julgada é a norma jurídica concreta, cuja autoridade se supõe violada, e a norma

jurídica geral e abstrata que concede eficácia plena à norma jurídica concreta; c) a reclamação

por inobservância de precedente é a ratio decidendi do precedente e a norma que confere

eficácia vinculante ao precedente, especificamente contida no art. 927 do CPC/2015.

3.3.2. A indicação da hipótese de cabimento

A indicação da hipótese de cabimento em que se calça a reclamação deve ser

analisada junto com os pedidos formulados, de modo a verificar o interesse de agir do

reclamante. Se o autor fundamenta seu pedido em alguma hipótese de cabimento que não se

aplica à reclamação ou formula pedido impertinente com a reclamação, houve inadequação da

via eleita e, por consequência, carece de interesse de agir. O autor precisa afirmar que ocorreu

uma das hipóteses do art. 988. Basta afirmar, que haverá interesse de agir; o que não pode é

afirmar que houve outras hipóteses fora daquelas previstas no art. 988, sob pena de falecer de

interesse processual.385 Por exemplo, se o autor fundamenta a reclamação em prevaricação do

juiz e pede a rescisão da decisão reclamada, há inadequação da via eleita e falta de interesse

de agir, pois invocou-se fundamento e formularam-se pedidos impertinentes à reclamação. Os

fatos foram narrados sem a pretensão de enquadrá-los em nenhuma das hipóteses do art. 988.

A via adequada seria uma ação rescisória (CPC/2015, art. 966, I), e não a reclamação. A

expressão “’[n]ão cabimento’, nesse caso, é sinônimo de verdadeira falta de interesse de

agir”386.

Por outro lado, se a hipótese de cabimento invocada e os pedidos forem próprios

de uma ação de reclamação, haverá interesse de agir. Basta, como dito, que o autor afirme ter

ocorrido uma das hipóteses de reclamação. Verificar se os fatos narrados realmente

caracterizam uma das hipóteses de cabimento da reclamação é questão de mérito. É o que se

denomina teoria da asserção.387 O que importa, para haver interesse processual, é a afirmação

do autor; a correspondência entre a afirmação e a realidade já é um problema de mérito.

Afirmando fato que se subsuma à hipótese de incidência há interesse de agir; por outro lado,

se de fato ocorreu a hipótese em concreto, é uma questão de mérito, de procedência ou

385 “A interesse de agir pode ressaltar da simples narração dos fatos. Não é preciso que explicitamente se refira,

nem que se prove. Se o demandado nega que existe, a todo tempo pode ser apontado e o juiz, examinando os

fatos da causa e seus fundamentos, pode afirmar-lhe a existência. (PONTES DE MIRANDA, Francisco

Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 17-19). 386 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 251. 387 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Malheiros,

2001. p. 314.

Page 144: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

133

improcedência da reclamação. Por exemplo, uma reclamação na qual se alegue inobservância

de acórdão proferido em IRDR, há interesse de agir, porém verificar se de fato houve, ou não,

a inobservância é questão de mérito. A reclamação deve ser julgada com mérito, pela

procedência ou improcedência (CPC/2015, art. 487, I), caso se declare, ou não, a

inobservância do precedente. Por vezes, nessas situações, utiliza-se – indevidamente – o

termo “não cabimento”, que pode levar a crer que não houve resolução de mérito, daí por que

melhor utilizar a expressão “improcedência” ou “inacolhimento”.

Convém registrar que a necessidade de indicar os fundamentos jurídicos do

pedido também contribui para o efetivo contraditório substancial. É que o contraditório não se

relaciona apenas com os fatos expostos pelo autor. O réu deve saber quais os fundamentos

invocados para se pronunciar sobre eles, de modo a atender ao contraditório.

Cabe registar que cada hipótese de cabimento corresponde, como dito, a uma

causa de pedir; e, por sua vez, cada causa de pedir relaciona-se com questões de fato narradas

na petição inicial. “Sendo assim, o tribunal não pode cassar a decisão reclamada ou avocar

os autos por fundamento não invocado, em razão da regra da congruência (arts. 141 e 492,

CPC)”388.

Contudo, o equívoco na indicação de algum por outro dos incisos do art. 988 do

CPC/2015 (assim como o erro na referência à norma jurídica sobre competência ou no

precedente indicado como violado), todavia, não vincula o órgão julgador, que pode examinar

o pedido e, se for o caso, acolhê-lo, à luz do dispositivo adequado, desde que a disposição do

fato conste da inicial (iura novit curia);389 entretanto, nessa situação, o órgão julgador sujeita-

se ao dever de consulta (CPC/2015, art. 10), impondo submeter às partes o fundamento que

entender aplicável, de modo a concretizar o contraditório substancial.390

Por fim, a causa superveniens deve ser considerada no julgamento da reclamação,

dês que submetida ao contraditório, ainda que suscitada de ofício pelo órgão julgador

(CPC/2015, arts. 10 e 493, par. úni.). O fato novo, surgido após a propositura da reclamação,

388 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 680.

Tratando da ação rescisória, porém em lição aplicável à reclamação: “Fundamento não invocado em caso algum

autoriza a rescisão, pois convencido que fique o órgão julgador da ocorrência do fato.” (BARBOSA

MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p.

154). 389 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 5. Rio de Janeiro:

Forense, 2010. p. 154-155. “Em compensação, o silêncio ou o erro quanto ao número do dispositivo não

prejudica a postulação, desde que se consiga identificar com segurança a norma.” (TUCCI, José Rogério. A

causa petendi no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 249). 390 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade dos Fatos Supervenientes no Processo Civil: uma análise

comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012. p. 44.

Page 145: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

134

constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, deverá ser tomado em consideração, de

ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão,391 sendo antes ouvidas

as partes (CPC/2015, art. 493, par. úni.).

É o caso, por exemplo, de uma reclamação por não observância de precedente

que, durante o curso da demanda reclamatória, veio a ser revogado pelo tribunal, em virtude

de superação. Ou, ainda, de reclamação por afronta à autoridade de decisão que, antes do

julgamento, vem a ser rescindida mediante ação rescisória. Nesses casos, o fato superveniente

é levado em consideração, sem afronta à regra da congruência.

3.3.3. Cumulação de hipóteses de cabimento

Uma reclamação apenas pode se fundar em várias hipóteses de cabimento. Vários

incisos do art. 988 podem ser invocados para calçar apenas uma reclamação. Nesse caso,

haverá o cúmulo de causas de pedir. São várias ações materiais reclamatórias (ou demandas

reclamatórias) em apenas uma ação processual de reclamação.392

Dito de outra forma, cada hipótese de cabimento da reclamação corresponde a

uma causa de pedir. Invocando-se mais de uma hipótese de cabimento, haverá cumulação de

causas de pedir em apenas uma ação de reclamação. Serão tantas causas de pedir, quanto

forem as hipóteses de cabimento invocadas, tudo em apenas uma ação de reclamação.

Assim, é possível que uma reclamação se fundamente, por exemplo, em

usurpação de competência e inobservância de precedente obrigatório. Imagine-se que o TJPE

tenha decidido, em IRDR, sobre sua competência originária para julgar mandado de

segurança contra o Prefeito do Recife; contudo, o juiz da vara da fazenda do Recife aceita o

391 Durante o curso da lide, nem se muda o pedido, nem a causa de pedir. Isso não obsta a que se inclua,

explícita ou implicitamente, a causa superveniens. O princípio e que o pedido é imutável, e imutável é a causa

de pedir, só se refere a quem pede, quanto a aumentar ou trocar o pedido, ou varia de causa de pedir. Se o

direito se extingue durante a lide, o réu é absolvido. Se se afirmou terem sido tantos danos e no momento da

propositura da ação nem todos se haviam consumado e depois se consumaram, o ius superveniens é de

proteger-se, salvo se caracterizada demanda nova. A afirmação do fato, como presente, vale para o fato em

curso, ou para o fato continuativo, ou para as reiterações do mesmo fato.” (PONTES DE MIRANDA,

Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo IV. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

p. 21). Sobre o tema, amplamente: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Atendibilidade dos Fatos Supervenientes

no Processo Civil: uma análise comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012;

LEONEL, Ricardo de Barros. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006. 392 “Os fundamentos jurídicos (causa petendi próxima), que ligam os fatos jurídicos e o pedido, ou seja, retirada

dos fatos, da qual decorre o petitum, multiplicam a causa de pedir, e, portanto, a indicação de dois fundamentos

jurídicos, mesmo a partir de um único complexo de fato – tendo-se em conta, sempre, que a existência de mais

de um conjunto de fatos, mesmo com idêntico efeito jurídico, importa cumulação – determina cúmulo de ações

materiais” (ASSIS, Araken de. Cumulação de ações. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 150”.

Page 146: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

135

processamento de mandado de segurança impetrado exatamente contra o Prefeito do Recife.

Nessa situação, será cabível reclamação com cúmulo de causas de pedir: a) por usurpação de

competência originária do TJPE; e, b) por inobservância de acórdão proferido em IRDR; tudo

em uma só ação de reclamação, fundando-se no mesmo complexo de fatos, no caso, a

impetração de mandado de segurança contra o Prefeito do Recife perante juiz de primeiro

grau.

Contudo, há regras que regulam a cumulação de causas de pedir, dentre elas a

competência do órgão julgador para conhecer da matéria invocada nas causas de pedir

cumuladas (CPC/2015, art. 327, §1º, II). Volte-se ao exemplo acima, porém não sendo mais o

precedente violado IRDR proferido pelo TJPE, mas sim acórdão de recurso especial repetitivo

julgado no STJ. No caso, não seria possível cumular as causas de pedir, pois a competência

para conhecer de cada uma delas seria distinta. A competência para conhecer da alegação de

usurpação de competência seria do TJPE; ao passo que a competência para conhecer a

alegação de inobservância de precedente seria do STJ, cujo precedente foi inobservado.

Portanto, a cumulação de causa de pedir pressupõe a competência do mesmo

tribunal para conhecer de cada causa de pedir cumulada em apenas uma reclamação.

É importante observar que, ao cumularem-se as causas de pedir, é possível cindir

cada uma delas em uma reclamação apartada. A cumulação das causas de pedir é uma opção

do autor que, de modo inverso, pode facultar por ajuizar uma reclamação para cada hipótese

de cabimento que entender ter ocorrido. De qualquer sorte, em caso de cisão, serão ações

conexas, já que remontam à mesma relação jurídica (CPC/2015, art. 55), devendo ser julgadas

conjuntamente.

Compreender a possibilidade de cisão da reclamação por cada causa de pedir é

importante até mesmo para compreender a exceção de coisa julgada, de modo a impedir que

se julgue novamente pedidos que já foram acobertados pela coisa julgada material. Mais

precisamente, é entender a incidência do efeito negativo da coisa julgada, que veda o órgão

julgador apreciar novamente pedidos já decididos e atingidos pela coisa julgada (CPC/2015,

art. 505).

Para fins de exceção de coisa julgada, compara-se dois processos para saber se

são idênticos, o que se faz sob o prisma da tríplice identidade.393 Examina-se se o processo,

393 “Mas como se identifica se estamos diante de ações idênticas? A fórmula clássica, adotada desde o direito

romano, é a aplicação do exame de tríplice identidade (tria eadem), isto é, a correspondência entre os

Page 147: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

136

sob julgamento, buscando identificar se há identidade de partes, pedido e causa de pedir

(elementos da demanda) em relação ao processo no qual se formou a coisa julgada material

(CPC/2015, art. 337, §§ 2º e 4º). Caso haja a tríplice identidade, o órgão julgador não pode

julgar novamente, em virtude do efeito negativo da coisa julgada; a contrario sensu,

inexistindo a coisa julgada ou outro impeditivo de apreciação meritório, o órgão julgador é

obrigado a julgar o pedido reclamatório, em virtude da vedação ao non liquet.

Desse modo, uma reclamação pode ser ajuizada contra determinando ato, judicial

ou administrativo, com base em uma hipótese de cabimento e, caso vier a ser julgada

improcedente, ainda assim poderá ser intentada uma nova reclamação, caso o fundamento seja

outra hipótese de cabimento. É que nesses casos a mudança de hipótese de cabimento

importa, na verdade, em mudança de causa de pedir; e, alterando-se a causa de pedir, inexiste

a tríplice identidade, logo não há exceção de coisa julgada. Cuida-se de uma nova ação, com

causa de pedir diferentes, inexistindo o óbice da coisa julgada.

Mantendo-se no exemplo acima ilustrado, é possível que o autor resolva não

cumular as hipóteses de cabimento. Primeiramente, ajuíza uma reclamação porque houve

usurpação de competência do TJPE, que vem a ser julgada improcedente; num segundo

momento, após o trânsito em julgado da primeira reclamação, intenta uma segunda

reclamação, dessa vez porque a mesma decisão afrontou tese jurídica fixada em IRDR. Nesse

exemplo, a segunda reclamação não esbarra no efeito negativo da coisa julgada, já que houve

alteração de causa de pedir, logo não há a tríplice identidade no exame comparativo entre as

duas reclamações.

3.4. O grau de vagueza e ambiguidade das hipóteses de cabimento

As hipóteses de cabimento da reclamação afiguram-se como conceitos jurídicos

indeterminados, como explicado no item 1.5.1.1. As locuções dispostas nas hipóteses de

cabimento do art. 988, do CPC/2015, são dotadas de grau de vagueza. É preciso, então,

preencher o seu significado, mediante atividade interpretativa casuística, que reduza vagueza

e ambiguidade.

elementos da demanda do processo sub examinen e os elementos da demanda do processo já transitado em

julgado. Omo a demanda é composta de três elementos (partes, causa de pedir e pedido), o método resume-se a

procurar identidade de res, causa petendi e petitum.” (CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões

dinâmicas. Salvador: Juspodivm, 2013. p. 104-105).

Page 148: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

137

Há certas situações que se afiguram mais facilmente como algumas das hipóteses

de cabimento, outras nem tanto.

Por exemplo, o processamento de um ADIn contra lei federal perante Tribunal de

Justiça – com certeza – configura usurpação de competência do STF, caracterizando a

hipótese do art. 988, I, do CPC/2015. Por outro lado, a demora exagerada e injustificada do

juiz de primeiro grau em remeter apelação ao tribunal pode consistir numa usurpação oblíqua

de competência. O juiz impede indiretamente, ao não remeter os autos ao segundo grau, que o

tribunal exerça sua competência de julgar a apelação. Essa última situação é um pouco mais

cinzenta. É mais difícil dizer se configura uma usurpação de competência a render uma

reclamação com fundamento no art. 988, I, do CPC/2015.394 Inúmeras outras situações podem

surgir, sem que se saiba, desde logo, se implicam usurpação de competência de tribunal.395

Quando um juiz se recusa, expressamente, a aplicar a tese de um IRDR, não há

dúvida que o precedente fora inobservado, cabendo a reclamação com base no art. 988, IV, do

CPC/2015. Por outro lado, ao aplicar indevidamente, não há dúvida que o precedente foi

“observado” – na dicção legal –, porém “observado” erroneamente. Aplicou-se a caso que não

deveria ter incidido o precedente. Essa situação permite a propositura de reclamação com

fundamento no art. 988, IV, do CPC/2015: “garantir a observância de acórdão proferido em

julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de

competência”?396 O que significa exatamente “garantir observância” de precedente? Quais

situações implicam “inobservar” o precedente? Não é possível dizer todas antecipadamente,

sendo necessário analisá-las caso a caso.

3.5. Preservar competência de tribunal (CPC/2015, art. 988, I)

394 A presente pesquisa defende que, no exemplo dado, há usurpação de competência apta a ensejar a reclamação

com base no art. 988, I, do CPC/2015. 395 “Feitas essas breves considerações, há de se indagar: o que vem a ser usurpação de competência? É a

necessária a existência de algum ato usurpador, ou a mera relação processual em curso já é motivo para se

impetrar a reclamação? Pode haver invasão de competência, a ensejar reclamação, por ato de autoridade

administrativa? É possível que um órgão competente para apreciar uma dada causa pratique invasão de

competência em relação a ato privativo das Cortes Superiores? (...) Nem sempre é fácil dizer quando ocorre

usurpação de competência das Cortes Superiores, haja vista que, em muitas situações, é difícil distinguir se a

competência é mesmo exclusiva de uma ou de outra corte.” (MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua

aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 175-176). 396 Nesse exemplo, a presente pesquisa compreende que é cabível a reclamação com fundamento no art. 988, IV,

do CPC.

Page 149: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

138

É cabível reclamação para preservar a competência de qualquer tribunal. É

possível aviar a reclamação quando a competência de tribunal é usurpada.397 Mais

precisamente, a usurpação de competência se dá quando algum outro órgão, administrativo ou

judicial, invade a esfera de competência do tribunal. Pode ocorrer quando se pratica apenas

algum ato específico e pontual de competência do tribunal. Igualmente, pode ser usurpada a

competência para processar um procedimento em sua inteireza. Ainda é possível usurpar a

competência, obliquamente, mediante omissão que impeça o tribunal de exercer sua

competência.

Compreender o significado de usurpação de competência, como é óbvio,

pressupõe o conceito de competência.398 Cuida-se a competência dos limites – temporais,

objetivos e subjetivos – impostos a um órgão judicial para o exercício de sua jurisdição. Todo

órgão judicial é investido de jurisdição, ou seja, possui capacidade e poder, conferidos por

norma jurídica, para praticar atos judiciais. A competência consiste nos limites impostos ao

órgão para exercer a jurisdição; trata-se do limite para o exercício válido e regular do poder

jurisdicional, legitimando-o.399 Um órgão não pode praticar qualquer ato, mas apenas aqueles

dentro dos limites de suas competências. Em suma, a competência dispõe o quê, quem, onde e

quando pode um órgão praticar atos legítimos, no exercício da jurisdição.400

As fontes das normas sobre competências são as Constituições Federal e Estadual

e a legislação infraconstitucional.401 As competências dos órgãos constitucionais são típicas e

indisponíveis; são típicas porque são apenas as expressamente previstas na Constituição

397 “Usurpar competência significa agir como se estivesse autorizado a exercer a jurisdição para processar ou

decidir determinada causa, atuar no lugar da autoridade competente, invadindo a esfera de atuação pertencente

a esta, infringir as normas de competência. No caso de uma autoridade, judicial ou não, ao atuar ela de

qualquer modo que interfira na competência do STF e/ou do STJ, abrem-se as portas para a impetração da via

reclamatória, a fim de impedir essa conduta, repará-la, avocar a causa indevidamente apreciada pela

autoridade competente etc., qualquer providência que se faça necessária para a preservação de competência da

Corte.” (MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p.

176). 398 O conceito de competência é lógico-jurídico. Não depende do direito positivo de algum ordenamento jurídico

específico. É um conceito constante e permanente, sem vinculações com as variações do direito positivo, tanto

que os problemas de competência se reproduzem em diversos ramos do Direito, não sendo específico do Direito

Processual Civil. (CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2013. p. 38). 399 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. cit., p. 94. 400 Existe uma concepção tradicional de que a competência consiste na fração ou medida da jurisdição. “Todos

os juízes exercem jurisdição, mas a exercem numa certa medida, obedientes a limites preestabelecidos. São,

pois, ‘competentes’ somente para processar e julgar determinadas causas. A ‘competência’, assim, ‘é a medida

da jurisdição’, ou, ainda, é a jurisdição na medida em que pode e deve ser exercida pelo juiz.” (CARNEIRO,

Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 73). MARQUES, José Frederico.

Instituições de direito processual civil. Vol. I. Campinas: Millennium, 2000. p. 310-311. 401 CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. cit., p. 75-76; CUNHA, Leonardo Carneiro da.

Jurisdição e competência. cit., p. 106-107;

Page 150: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

139

Federal, são indisponíveis pois não podem ser transferidas para outro órgão distinto daquele a

quem a Constituição atribuiu a competência.402

As competências originárias dos tribunais brasileiros são previstas nas

Constituições Federal e Estaduais. São competências típicas e indisponíveis. Não podem ser

alargadas pela legislação infraconstitucional, tampouco podem ser delegadas a outros órgãos.

Já a competências derivadas podem ser previstas na legislação infraconstitucional, desde que

não afronte nenhuma outra norma de competência de nível constitucional. Ambas são

competências absolutas, já que não se prorrogam tampouco se modificam.

Por outro lado, a competência atrela-se à garantia constitucional do juiz natural

(CF/1988, art. 5º, XXXVII e LIII). “A garantia do juiz natural, em seu aspecto positivo,

significa que toda pessoa tem direito de ser julgada pelo órgão jurisdicional competente”.403

Há, pois, direito ao juiz previamente disposto como competente, conforme as normas

constitucionais e infraconstitucionais de competência.

Disso tudo, resulta que os tribunais possuem suas competências previstas na

legislação constitucional e infraconstitucional. A delimitação dos poderes dos tribunais são as

normas de competência. As competências originárias dos tribunais, por serem de cunho

constitucional, são típicas e indisponíveis, não podendo ser delegadas a qualquer outro órgão.

As competências dos tribunais, originárias e derivadas, são absolutas, logo não se prorrogam

nem se modificam por vontade das partes. O vício de incompetência absoluta, inclusive,

permite a rescisão de decisão transitada em julgado (CPC/2015, art. 966, II). Por fim, o

jurisdicionado tem o direito constitucional ao juiz natural, que lhe garante que as

competências pré-fixadas dos tribunais deverão ser respeitadas.

Quando um órgão pratica um ato de competência de tribunal, viola a garantia

constitucional do juiz natural (CF/1988, art. 5º, XXXVII e LIII). Por outro lado, afronta

norma de competência absoluta. Viola, por vezes, normas constitucionais, que tratam das

competências dos tribunais. Ao cabo, usurpar a competência de um tribunal significa retirar-

lhe parcela de seu poder e legitimidade de praticar atos, daí por que cabível a reclamação para

preservação da competência.

Toda vez que um órgão – administrativo ou judicial – praticar ato cuja

competência seja de tribunal ou impedir que este exerça sua competência, haverá inegável

usurpação de competência. Se alguma norma de competência do tribunal for violada por

402 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. cit., p. 48. 403 BADARÓ, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p.

147; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. cit., p. 53-56.

Page 151: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

140

órgão, de forma comissiva ou omissiva, há usurpação de competência; há invasão da esfera do

legítimo exercício jurisdicional do tribunal.

Contudo, não é toda usurpação de competência que rende ensejo à reclamação

constitucional.

A usurpação de competência de tribunal que permite o ajuizamento da reclamação

constitucional é aquela praticada por órgão, administrativo ou judicial, hierarquicamente

inferior ou submetido ao controle do respectivo tribunal.

Primeiramente, deve-se esclarecer que a usurpação de competência não se limita a

atos praticados por órgão judiciais. É possível que um órgão administrativo usurpe a

competência de tribunal, sendo cabível a reclamação constitucional. A reclamação não

pressupõe a existência de um processo judicial prévio, podendo ser apresentada contra ato de

autoridade administrativa.404 Imagine-se, por exemplo, que a Polícia Federal iniciou inquérito

investigativo contra autoridade com prerrogativa de foro, a exemplo de Ministro de Estado;

nesse caso é admissível reclamação dirigida ao STJ, para preservar sua competência de

investigar Ministro de Estado, avocando os autos do inquérito.

São diversos dos precedentes do STJ e STF sobre o cabimento de reclamação, por

usurpação de competência, quando autoridade administrativa investiga autoridade com

prerrogativa de foro, a exemplo de Ministros de Estados, Chefe de Executivo Estadual,

Desembargador de Tribunal Estadual, Membros do Congresso etc.405-406

Em segundo lugar, o ato reclamado – invasivo da competência – deve ser

proferido por órgão hierarquicamente inferior ou sujeito ao controle do tribunal, cuja

competência é usurpada. Não cabe a reclamação se o ato for praticado por órgão que não se

submete ao controle do tribunal. A reclamação apenas é cabível se a autoridade reclamada é

sujeita ao controle do tribunal, cuja competência é usurpada.

404 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 185;

LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p; 185-190; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro.

Reclamação constitucional no direito brasileiro. cit., p. 483. 405 STJ, Rcl 1.127/MA, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Corte Especial, j. 1/4/2002, DJ 9/9/2002; STJ, Rcl

1.286/RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Corte Especial, j. 1/10/2003, DJ 20/10/2003; STF, Rcl 10908,

Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 1/9/2011, DJe 21/9/2011; STF, Rcl 4830, Rel. Min. Cezar Peluso,

Tribunal Pleno, j. 17/5/2007, DJe 15/6/2007.

406 Interessante é a discussão sobre o cabimento de reclamação dirigida ao STF contra ato praticado pelo CNMP

ou pelo CNJ, conforme exposto por Ricardo de Barros Leonel. As funções desses órgãos de controle externo do

Poder Judiciário e do Ministério Público (CF/1988, arts. 103-B e 130-A) não permitem que exerçam, ainda que

de forma velada, o controle de constitucionalidade de leis. Não podem determinar que órgãos do Ministério

Público ou do Judiciário deixem de aplicar atos normativos, pois isso, na verdade, pressupõe a declaração de

inconstitucionalidade do respectivo ato. Haveria, nesse caso, usurpação de competência do STF. (LEONEL,

Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p; 188-190).

Page 152: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

141

Se o ato reclamado for judicial, deve haver hierarquia entre o órgão reclamado e o

tribunal, para ser cabível a reclamação. É que a reclamação não faz as vezes de um conflito de

competência.407 Se um órgão de outro tribunal usurpa a competência, não cabe a reclamação

por ausência de ascendência hierárquica do tribunal cuja competência foi usurpada. Nesses

casos, pode surgir um conflito de competência positivo, apto a solucionar a questão, porém

não cabe a reclamação.

Por exemplo, se o TST usurpa competência do STJ, não cabe reclamação dirigida

ao STJ, pois o TST não se submete a controle do STJ; falta-lhe, nessa situação, ascendência

hierárquica sobre o TST, o que torna incabível a reclamação. Também não caberá reclamação

ao STF, pois a reclamação é dirigida apenas ao tribunal cuja competência é usurpada. Não é

servível para proteger a competência de outro tribunal. Nesse caso específico, pode vir a

surgir um conflito de competência, que será dirigido ao STF (CF/1988, art. 102, I, o).

Outro exemplo é quando um juiz federal processa mandado de segurança

impetrado contra autoridade estadual, no exercício de suas funções estaduais, com

prerrogativa de ser julgado em Tribunal Estadual. A competência é da Corte Estadual, que,

porém, é usurpada pelo juiz federal. Não caberá a reclamação dirigida ao Tribunal de Justiça,

pois juiz federal não se sujeita ao seu controle. Pode, nesse caso, despontar um conflito de

competência que será processado e julgado perante o STJ (CF/1988, art. 105, I, d).

Até mesmo no caso de uma autoridade administrativa federal vir a usurpar a

competência de Tribunal Estadual, não caberá a reclamação. É que os atos de uma autoridade

administrativa federal não podem ser revistos ou controlados por Tribunal Estadual. Não há

ascendência hierárquica, em virtude do pacto federativo, logo é inviável a reclamação. Essa

situação pode, eventualmente, desencadear um conflito de atribuições entre a autoridade

judiciária e a autoridade administrativa, que será julgado pelo STJ. (CPC/2015, art. 959;

CF/1088, art. 105, I, g), porém não viabiliza a reclamação constitucional.

Um exemplo ajuda a ilustrar. A Constituição do Estado de São Paulo confere

competência ao Tribunal de Justiça para controlar os atos dos serviços notariais e de registro

(art. 77). Suponha-se que alguma autoridade federal inicie fiscalização dos atos de algum

serviço notarial instalado no Estado de São Paulo. Na hipótese, há uma nítida usurpação de

competência do Tribunal de Justiça, a quem compete controlar os atos dos notários estaduais,

407 “Nesse caso, não serve a reclamação como meio de eliminar conflito de competência de juízos inferiores,

nem de resguardar a competência de um juízo de primeira instância, estabelecida pela prevenção, ou burlada

por indevida distribuição por dependência. A reclamação cabe, não custa insistir, para preservar a competência

do tribunal, e não de um órgão que lhe seja hierarquicamente inferior” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A

Fazenda Pública em juízo. cit., p. 680).

Page 153: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

142

no entanto a reclamação é incabível, em virtude de ascendência hierárquica sobre a autoridade

federal. Nesse caso, há um conflito de atribuições, cujo conhecimento é reservado ao STJ

(CF/1088, art. 105, I, g)

Convém registrar que a usurpação de competência não pressupõe necessariamente

uma conduta comissiva. Geralmente se exige um ato positivo, porém uma omissão também é

capaz de configurar uma usurpação de competência, permitindo a reclamação.408 A demora,

excessiva ou injustificada, em remeter os autos de um recurso para o tribunal que deverá

julgá-lo caracteriza usurpação de competência. O não fazer – omissão em remeter os autos –

impede, obliquamente, que o tribunal exerça sua competência de julgar o recurso.

Alguns exemplos esclarecem a ideia. No caso da apelação, que não possui mais o

juízo desdobrado de admissibilidade, o juízo de primeiro grau deve colher as contrarrazões e

remeter os autos à segunda instância (CPC/2015, art. 1.010, §3º). O retardo excessivo na

remessa dos autos obsta que o tribunal julgue a apelação, configurando usurpação de

competência a ensejar reclamação para avocação dos autos. Igualmente, se dá com o recurso

ordinário constitucional, caso o tribunal de segunda instância demore em remetê-lo ao STJ ou

STF. A mesma situação pode ocorrer com o agravo interposto contra decisão de tribunal local

que inadmitiu recurso especial ou recurso extraordinário; cabe ao tribunal local apenas

remeter os autos ao STJ ou STF (CPC/2015, art. 1.042, §4º). Havendo delonga na remessa do

agravo, é cabível a reclamação para avocar os autos, como já decidiram o STF e o STJ.409

A usurpação de competência pode se dar pontualmente, na prática de apenas um

ato, ou, por outro lado, pode ser usurpada a competência de conhecer um procedimento ou

processo como um todo. Ao processar um mandado de segurança contra a autoridade com

prerrogativa de foro, a usurpação se dá em relação ao mandado de segurança na sua inteireza.

Basta o mero processamento que já se configura a usurpação de competência. Outras vezes, a

afronta à competência se caracteriza pontualmente, mediante um ato ou decisão judicial

específico.

São inúmeros exemplos de usurpação de competência. Como dito, o novo regime

da apelação dispensa o juízo desdobrado de admissibilidade. O juiz de primeiro grau colhe as

408 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 183;

LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p; 183; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro.

Reclamação constitucional no direito brasileiro. cit., p. 482; CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda

Pública em juízo. cit., p. 681. 409 STF, Rcl 645, Rel. Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, j. 25/9/1997, DJ 7/11/1997; STJ, Rcl 2.506/RN,

Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, j. 12/12/2007, DJ 1/2/2008. Isso é confirmado pela súmula 727

do STF: “Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o agravo de instrumento

interposto da decisão que não admite recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito

dos juizados especiais.”

Page 154: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

143

contrarrazões e remete os autos para a instância ordinária (CPC/2015, art. 1.010, §3º). O juiz

de primeiro grau não mais possui competência para exercer juízo de admissibilidade

provisório da apelação. É competência apenas do tribunal. Caso o juiz inadmita a apelação,

caberá reclamação por usurpação de competência. Registra-se que não caberá sequer agravo

de instrumento, pois se cuida de decisão fora da lista de decisões agraváveis (CPC, art.

1.015).410

O juiz de primeiro grau também não possui competência para se pronunciar sobre

o efeito suspensivo do recurso de apelação. Esse decorre de disposição legal (efeito

suspensivo ope legis; CPC/2015, art. 1.012, §1º), porém o relator poderá concedê-lo ou

afastá-lo, caso preenchidos os pressupostos legais (efeito suspensivo ope iudices; CPC/2015,

art. 1.012, §4º). Em suma, conceder ou afastar efeito suspensivo à apelação é competência

apenas do tribunal. Se o juiz de primeira instância decidir sobre eventual efeito suspensivo da

apelação, há a afronta à competência do tribunal, ensejando o aviamento de reclamação para

cassar a decisão.

Igualmente ocorre quando a corte local aprecia a preliminar de repercussão geral.

Verificar a existência, ou não, de repercussão geral é competência unicamente do STF. Não

pode o tribunal de origem apreciar a preliminar de repercussão geral411; pode apenas sobrestar

os recursos, enquanto aguarda o STF se pronunciar sobre a repercussão geral. São casos

distintos. Assim, caso a corte local inadmita um recurso extraordinário – por ausência de

repercussão geral – antes que o STF julgue algum caso de controvérsia idêntica, haverá

usurpação de competência, sendo cabível a reclamação.412

Por fim, oportuno registrar que não cabe reclamação contra ato do próprio

tribunal, em virtude de afronta à competência funcional interna do tribunal. Não cabe

reclamação para o tribunal contra ato de órgão do próprio tribunal. Não é compreensível que a

competência do tribunal seja usurpada por um órgão interno. Não há hierarquia entre

410 OLIVEIRA, Pedro Miranda. Da reclamação. Comentários ao novo Código de Processo Civil. cit., p. 1477-

1478. No mesmo sentido, o Enunciado 207 do FPPC: “Cabe reclamação, por usurpação da competência do

tribunal de justiça ou tribunal regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso de

apelação.” Essa situação é a mesma de quanto o presidente ou vice-presidente de tribunal local inadmite recurso

ordinário dirigido ao STF ou STJ, pois o recurso ordinário constitucional segue o mesmo regime da apelação,

logo não se submete ao juízo provisório de admissibilidade. A admissão pertence exclusivamente às instâncias

superiores, sendo cabível portanto a reclamação. Nesse sentido os enunciados 208, 209 e 210 do FPPC. 411 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, cit., p. 51. 412 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário, cit., p.

52-54.

Page 155: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

144

membros e órgão do tribunal e, inexistindo hierarquia, não cabe a reclamação.413 As

competências são dadas ao tribunal como um todo, é o que se preserva mediante reclamação.

A divisão de competência interna no tribunal é questão de organização judiciária (CF/1988,

art. 96, I, a).

3.5.1. A hipótese de reclamação do TJAM: o cabimento de reclamação contra ato de

desembargador

Dito que não sabe reclamação contra ato do próprio tribunal, cumpre analisar a

curiosa previsão do Tribunal de Justiça do Amazonas de reclamação contra ato pertinentes à

execução de seus julgados. Trata-se de uma reclamação – interna – contra ato de

desembargador do próprio tribunal, relacionado à execução dos acórdãos das causas

originárias do TJAM.

Na realidade, o Regimento Interno do TJAM prevê dois tipos de reclamação: (a)

uma contra atos pertinentes à execução de julgado; (b) outra que se destina à garantia de sua

competência e à preservação de suas decisões, objetos previstos na Constituição Federal e, por

simetria, na Constituição Estadual, e também, atualmente, no CPC/2015.

Essa segunda reclamação é que a se destina as tradicionais hipóteses de cabimento

e sobre a qual essa pesquisa se debruçou. Está prevista na Constituição do Estado do

Amazonas, em seu art. 72, I, j, prevê que “Compete, ainda, ao Tribunal de Justiça: I –

processar e julgar, originariamente: (...); j) as reclamações para preservação de sua

competência e garantia da autoridade de suas decisões”. Por sua vez, o art. 30, II, l, do

Código de Organização Judiciária do Estado do Amazonas (Lei Complementar Estadual nº

17, de 1997) dispõe que “Ao Tribunal Pleno compete: (...) II – processar e julgar,

originalmente: (...) l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da

autoridade de suas decisões;”.

Tem-se, portanto, a reclamação tradicional para preservação da competência e

garantia da autoridade dos julgados do TJAM, que atacam atos ou decisões de órgão

hierarquicamente inferiores ou sujeito ao controle do TJAM.

Contudo, além dessa reclamação, o Regimento Interno do TJAM (RITJAM, art.

155) prevê uma outra “contra atos pertinentes à execução de julgado”:

413 “Não cabe reclamação contra atos decisórios dos ministros ou das Turmas que integram esta Corte

Suprema, dado que tais decisões são juridicamente imputados à autoria do próprio Tribunal em sua inteireza.

Agravo desprovido.” (STF, Rcl 3916, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, j. 12/6/2006, DJ 25/8/2006).

Page 156: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

145

Art. 155 - A reclamação contra atos pertinentes à execução de julgado será oposta dentro de

cinco (5) dias da publicação da intimação do ato reclamado e dirigida ao Presidente do

Tribunal ou das Câmaras Reunidas.

§1º - Despachada a petição no prazo de quarenta e oito (48) horas, será solicitado

informação do Desembargador, que a prestará no prazo de cinco (5) dias.

§2º - Conclusos os autos ao Presidente, este, fazendo relatório escrito apresentá-los-á em

mesa para julgamento na primeira sessão que se seguir.

Tal reclamação também é prevista no Código de Organização Judiciária do Estado

do Amazonas (Lei Complementar Estadual nº 17, de 1997):

Art. 52. Compete às Câmaras, em geral:

I – processar e julgar:

c) as reclamações contra atos pertinentes à execução de seus julgados;

Essa reclamação, prevista no referido art. 155 do RITJAM, tem objeto específico:

destina-se a tratar de atos referentes ao cumprimento de sentença de julgado. Quando a causa

tiver sido julgada originariamente por tribunal, cabe ao próprio tribunal processar a execução

(CPC-1973, art. 475-P, I; CPC-2015, art. 516, I). Se o relator promover atos pertinentes à

execução de julgado, será, nos termos do art. 155 do RITJAM, cabível reclamação dentro de

cinco dias da publicação da intimação do ato reclamado e dirigida ao presidente do órgão

julgador.414

Cuida-se, portanto, de uma reclamação contra ato de próprio desembargador de

tribunal, relacionado à execução dos julgados de causas originárias do tribunal. Tal

reclamação deve ser apresentada no prazo de cinco dias ao presidente do órgão fracionário,

que, após elaboração de relatório, deve apresentá-la em mesa na primeira sessão de

julgamento, para que o colegiado delibere sobre o ato reclamado.

Na verdade, essa reclamação encontrada especificamente no TJAM é instrumento

diverso da reclamação tradicional, objeto da presente pesquisa. Apesar da coincidência de

nomen iuris, são medida distintas.

Essa reclamação específica do TJAM é um recurso interno previsto no Regimento

Interno e no Código de Organização Judiciária. Faz as vezes de um agravo regimental que

414 “Nota-se ainda que, a despeito da discussão acerca do cabimento daquela primeira Reclamação, considero

que houve transgressão à regra de competência, na medida em que a Reclamação contra atos pertinentes à

execução do julgado deve ser dirigida ao Presidente da Câmara, conforme se extrai da interpretação do art. 52,

I, da Lei Complementar nº 17/97 conjugado com o art. 155 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do

Estado do Amazonas.” (TJAM, Rcl 4000872-71.2014.8.04.0000, 2ª câmara cível. Rel. Des. Wellington José de

Araújo, j. 3/8/2015)

Page 157: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

146

combate atos do cumprimento de sentença de causas originárias julgadas no TJAM,

devolvendo a matéria ao órgão colegiado.

Três características indicam tratar-se de um recurso regimental: (i) possui prazo

preclusivo de cinco dias. As reclamações tradicionais não se sujeitam a prazo, já s recursos

sim; (ii) não criam nova relação jurídica; (ii) transferem o conhecimento da matéria

impugnada do relator para o órgão colegiado, atendendo ao princípio da colegialidade dos

tribunais.

Por fim, como dito no item anterior, a reclamação – objeto desta pesquisa – não se

presta a combater atos dos desembargadores do próprio tribunal. Pressupõe-se que não pode

um membro do tribunal usurpar a própria competência. A distribuição de competência pelos

membros e órgãos do tribunal é questão de organização interna. A reclamação específica do

TJAM não se presta a preservar competência, mas apenas – fazendo as vezes de um recurso

regimental – devolver o conhecimento da matéria ao órgão colegiado.

Assim, é possível afirmar que a reclamação prevista no art. 155, do RITJAM, e no

art. 52, I, c, do Código de Organização Judiciária do Estado do Amazona possui natureza de

recurso de agravo regimental.

3.6. Garantir autoridade das decisões de tribunal (CPC/2015, art. 988, II)

O conceito de autoridade está intimamente vinculado ao de jurisdição. É que a

jurisdição é uma das formas de manifestação do poder estatal; e, por ser poder, é dotada de

cogência e imperatividade415. Assim, uma das principais características da jurisdição é sua

capacidade de se impor, ou seja, o seu poder que inflige os indivíduos.416

Compreende-se, portanto, a locução “garantir autoridade” como assegurar que o

poder advindo da atividade jurisdicional seja obedecido. A reclamação, para garantir

autoridade de decisão (CPC/2015, art. 988, II), prestasse a preservar a cogência e

imperatividade da jurisdição dos tribunais.

Então, ao garantir a autoridade dos julgados dos tribunais, a reclamação –

mediatamente – protege e assegura a própria autoridade do poder estatal, no caso, a

autoridade do Poder Judiciário. Ora, se não existe meio adequado para impor aquilo que foi

decidido pelo tribunal competente, não haveria integridade do Poder Judiciário. Em última

415 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. cit., p. 112-113. 416 Sobre o conceito de poder, consultar: CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. cit., p. 39-

43.

Page 158: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

147

análise, é possível afirmar que a reclamação é remédio constitucional que protege a ordem

jurídica, pois assegura a autoridade do poder estatal.

A afronta à autoridade caracteriza-se pela desobediência ou desacato ao julgado.

Contudo, a desobediência pressupõe que a decisão seja eficaz e vincule as partes e os demais

sujeitos processuais. Não há como desobedecer a uma decisão que seja ineficaz, isto é, que

ainda não produza efeitos. Apenas se desobedece a decisão que tenha efeitos e vincule. O

desacato ou a desobediência traduz-se em negar os efeitos que a decisão deveria produzir.

Consiste, basicamente, numa neutralização indevida do conteúdo de decisão judicial já eficaz.

A decisão para ser violada não precisa estar acobertada pela coisa julgada

material. Basta que produza efeitos. Decisões concessivas de tutela provisória ou decisões

combatidas por recurso sem efeito suspensivo, portanto, podem ser desobedecidas, já que

produzem efeito de imediato, independente de trânsito julgado ou preclusão. As decisões

imunizadas pela coisa julgada produzem efeitos, inclusive têm força de lei entre as partes e

vincula os juízes (CPC/2015, arts. 503 e 505), logo – via de regra – podem ser desobedecidas,

viabilizando a propositura de reclamação. Contudo, uma decisão de mérito, transitada em

julgado, pode ser objeto de ação rescisória, em que foi proferida tutela provisória para

suspender os seus efeitos; assim, embora esteja acobertada pela coisa julgada material, não

produzirá efeitos, o que impede sua desobediência e, por consequência, também torna inviável

o ajuizamento de reclamação constitucional.

Em suma, a desobediência a uma decisão, de modo a permitir o ajuizamento de

reclamação por violação à autoridade, pressupõe vinculação e produção de efeitos. Podem ser

decisões transitadas em julgado, com coisa julgada material, decisões que tenham concedido

tutela provisória, decisões de tutela estabilizada e, ainda, decisões que tenham sido atacadas

por recurso sem efeito suspensivo.417

Cumpre registrar que a parte da decisão desobedecida é o dispositivo.418 É a parte

da decisão que vincula os sujeitos processuais. Sem vinculação, não há desobediência e, por

outro lado, a porção que vincula é o decisum. Não se desobedece aos fundamentos ou o

relatório. Logo, para saber se há desobediência, é essencial identificar o conteúdo dos

capítulos do dispositivo, pois são eles que vinculam. Isso não quer dizer que os fundamentos e

417 Até mesmo uma decisão que não tenha transitado em julgado, que não tenha concedido tutela provisória e

cujo recurso que a atacou seja dotado de efeito suspensivo, pode vir a produzir algum efeito mínimo. Havendo

esse efeito mínimo, é possível que seja desobedecido. A hipoteca judiciária, por exemplo, cuida-se de um efeito

da sentença condenatória, ainda que impugnada por recurso com efeito suspensivo (CPC/2015, art. 495, §1º, III);

assim, se um juiz nega o efeito mínimo de hipoteca judiciária de uma decisão, haverá desobediência ou desacato. 418 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p. 190; MORATO, Leonardo Lins.

Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 152.

Page 159: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

148

o relatório da sentença são desprezíveis, até porque a interpretação da sentença é realizada

como um todo. Para saber o conteúdo do dispositivo, é preciso interpretá-lo em conjunto com

o relatório e a fundamentação da decisão.419

A parte da decisão que é desobedecida é o dispositivo, pois é nele que está a

norma jurídica concreta do julgado. A afronta à cogência e à imperatividade dessa norma

concreta que configura a desobediência. Em suma, o desacato é sempre concreto, violando ou

neutralizando os efeitos da norma jurídica concreta contida no dispositivo da decisão.420

Há o entendimento do STJ e do STF no sentido de que a reclamação apenas pode

ser proposta contra decisão proferida nos autos do mesmo processo, em que tenha sido

proferida a decisão afrontada.421 Segundo esse posicionamento, a decisão produz efeitos inter

partes, logo sua desobediência restringe-se ao âmbito da mesma relação processual na qual se

prolatou o julgado vulnerado. Não haveria desobediência apta a ensejar a reclamação quando

se violar uma decisão emanada de outro processo judicial. Em exemplo: houve uma decisão

D1 no processo judicial P1, em seguida foi dada a decisão D2 no processo P2, que desobedeceu

à decisão anterior D1; segundo o entendimento indicado, a reclamação não seria cabível, pois

a decisão desobedecida (D1) não foi proferida no mesmo processo da decisão desobediente

(D2).

Esse raciocínio nem sempre está correto. Na verdade, seu acerto depende de

identificar se a decisão violada é capaz de produzir efeito em outra relação processual. Se sim,

será cabível a reclamação, caso contrário, não o será. Um dos critérios para essa identificação

é o alcance inter partes dos efeitos da decisão, pois – como dito – apenas há desobediência se

houver efeitos que vinculem as partes, e, usualmente, a vinculação é inter partes.

A coisa julgada material impede que o juiz julgue diferente daquilo que foi

decidido, com o respectivo transito em julgado. Cuida-se do efeito positivo da coisa julgada.

O juiz é obrigado a seguir, num processo com as mesmas partes, aquilo que foi decidido

noutro processo, já transitado em julgado. O exemplo tradicional: uma ação de investigação

de paternidade é julgada procedente, formando a coisa julgada material sobre o

419 BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. cit., p. 322. “Em liquidações de sentença cujo

comando não se revela infenso a duplo sentido ou ambiguidade, deve o magistrado adotar como interpretação,

entre as possíveis, a que melhor se harmoniza com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual, seja no

substancial. Portanto, no caso não se há falar em ofensa à coisa julgada, uma vez que a mera interpretação do

título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado.” (REsp 1267621/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta

Turma, j. 11/12/2012, DJe 15/3/2013). 420 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 156 e

168. 421 STF, AgRg na Rcl 6.078/SC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 30/4/2010; STJ, AgRg na Rcl 2.942/SP,

Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, j. 22/10/2008, DJe 3/11/2008; STJ, EDcl nos EDcl na Rcl 19.603/BA,

Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, j. 22/10/2014, DJe 6/11/2014.

Page 160: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

149

reconhecimento da paternidade; numa eventual ação de alimentos, não pode o juiz negar a

paternidade, em virtude do efeito positivo da coisa julgada. A ação de alimentos pode até ser

julgada improcedente por outros motivos, contudo não pela ausência de paternidade.

Assim, a coisa julgada faz com que os efeitos de uma decisão transcendam o

processo e venham a atingir outra relação processual, de modo a abrir caminho para o

desacato e, portanto, para uma reclamação. Mantendo-se no mesmo exemplo dado, imagine-

se que o juiz, da ação de alimentos, resolva negar a existência da paternidade em sua

fundamentação. Nesse caso, há desobediência a uma decisão proferida em outro processo –

ação de investigação de paternidade – que, porém, produz efeitos na ação de alimentos, daí

por que é cabível a reclamação. Na verdade, o que se mostra como relevante, para o

cabimento da reclamação, é a produção de efeitos e vinculação da decisão violada, seja no

mesmo processo, seja em processo diferente. Havendo os efeitos e a vinculação das partes,

são possíveis o desacato e a reclamação.

Outro exemplo ajuda a esclarecer a ideia. É concedida uma tutela provisória, pelo

STJ, em ação rescisória, concedendo o efeito suspensivo e determinando a paralisação do

cumprimento de sentença. O juiz de primeiro grau, por sua vez, ignora a decisão do STJ e

prossegue com a execução. Observe-se que são duas relações processuais distintas: a ação

rescisória e o cumprimento de sentença. Nessa hipótese, é cabível a reclamação, pois a

decisão que concedeu a liminar, embora tenha sido prolatada em outra relação processual,

produziu efeitos e vinculou os sujeitos no cumprimento de sentença, existindo, portanto, o

desacato.

A reclamação por afronta à julgado não é sucedâneo de cumprimento de sentença.

Ela não serve para executar a decisão. A reclamação serve para garantir que o órgão judicial,

competente para a execução do julgado, cumpra corretamente a decisão do tribunal. O

cumprimento de sentença deverá ser processado perante o juízo competente; caso ele se

recuse a obedecer a decisão, será cabível a reclamação. Se a parte, contra quem é direcionada

a execução, negar-se a cumpri-la, não cabe a reclamação. Devem ser tomados os atos

executórios pelo juiz da primeira instância, de modo a coarctar a parte a cumprir a decisão do

tribunal. Contudo, se a negativa de cumprimento for do juiz, aí sim será cabível a reclamação

para forçá-lo a obedecê-la.422

Nessa altura, é importante frisar que, via de regra, a reclamação para garantir

autoridade de julgado apenas é admissível contra autoridade judiciária. Normalmente, não é

422 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. cit., p. 684-685.

Page 161: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

150

cabível contra autoridade administrativa.423 É que contra a autoridade administrativa, em caso

de desobediência, basta trilhar o caminho executório habitual. Não há interesse de agir na

reclamação, já que é possível obter a coarctação da autoridade administrativa, sujeita à

decisão do tribunal, mediante as vias executórias comuns. A reclamação para garantia de

autoridade é veiculada contra órgãos judiciais que desacatem decisões do tribunal. Caso

contrário, a reclamação estaria fazendo as vezes de um cumprimento de sentença, o que não é

sua função, como dito no parágrafo anterior. Essa posição já foi adotada pelo STJ424

É possível, contudo, o ajuizamento de reclamação contra autoridade

administrativa que violar decisão em controle concentrado de constitucionalidade, tanto a

decisão definitiva como a liminar. Foi visto item 2.2.2.4., que a admissibilidade de

reclamação por violação ao acórdão (norma jurídica concreta) de ação de controle

concentrado de constitucionalidade foi aceita, sem maiores dúvidas, inclusive em relação às

decisões cautelares, cujo dispositivo também é vinculante. Nas ações de controle concentrado

de constitucionalidade, a coisa julgada é erga omnes, já que atinge todos os sujeitos de direito.

O acórdão, em sede de controle concentrado, possui vinculação erga omnes, atingindo as

autoridades administrativas. Portanto, é cabível reclamação contra autoridade administrativa,

quando se desobedece a acórdão – definitivo ou em cautelar – de ação de controle

concentrado de constitucionalidade.

Na verdade, o cabimento de reclamação por desrespeito a dispositivo (norma

jurídica concreta) de ação de controle concentrado de constitucionalidade foi aceito, com

poucas dúvidas, até mesmo em relação às decisões cautelares, cujo dispositivo também é

vinculante425. Inclusive, aceitar a reclamação, nesses casos, deu-lhe importância, “afinal,

abriu-se naturalmente o espaço para que ela pudesse ser utilizada como um mecanismo de

423 Em sentido contrário: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. cit., p. 684-685;

DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. cit., p. 483; SANTOS,

Alexandre Moreira Tavares dos. Da reclamação. Revista dos Tribunais. cit., p. 133. 424 “Descabe reclamação perante o STJ para garantir o cumprimento pela administração de decisum exarado

em sede de ação declaratória. Inadequação da via eleita. O sistema processual pátrio prevê a utilização pela

parte interessada do processo de execução para a efetivação do direito que lhe foi reconhecido no processo de

conhecimento.” (Rcl 2.207/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Rel. p/ Acórdão Ministro João Otávio de

Noronha, Primeira Seção, j. 24/10/2007, DJ 7/2/2008) 425 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na

Alemanha. 6ª ed. Edição digital. São Paulo: Saraiva, 2014. Item 9.2. Excelente exposição sobre o cabimento de

reclamação por afronta a dispositivo de ação de controle concentrado de constitucionalidade em: XAVIER,

Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2016. p. 46-54.

Page 162: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

151

fiscalização quanto ao cumprimento das decisões proferidas em sede de processo objetivo.”

426

Tome-se como exemplo o julgamento da ADC nº 4, que proclamou a

constitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494/1997427. Desde a concessão da medida cautelar

na ADC nº 4 pelo STF, em sessão do dia 11/2/1998428, para suspender a concessão de tutela

antecipada contra a Fazenda Pública, já se aceitava o cabimento de reclamação por

desrespeito à autoridade da decisão do STF, no caso, reclamação por ofensa à norma jurídica

concreta vinculante, contida no dispositivo da decisão cautelar da ADC nº 4.429 Assim, se um

órgão julgador concedia tutela antecipada contra a Fazenda Pública, nos casos proibidos pela

Lei nº 9.494/1997, era cabível reclamação diretamente ao STF, por ofensa à norma jurídica

concreta contida no acórdão que julgou a ADC nº 4, já que se enquadra na hipótese de

garantia da autoridade dos julgados do STF. Na verdade, já durante o julgamento da medida

cautelar da ADC nº 4, os ministros do STF discutiram, proveitosamente, sobre o cabimento da

reclamação; tratou-se de obter dictum que veio a se tornar ratio decidendi de futuras

reclamação por afronta a ADC nº 4, delimitando o seu cabimento430.

Mais precisamente, o cabimento da reclamação por ofensa ao dispositivo das

ações de controle concentrado de constitucionalidade (ADIn, ADPF e ADC) foi aceito pelo

STF ao passo que a legislação, constitucional e infraconstitucional, foi impondo o efeito

vinculante da coisa julgada erga omnes.431 Especificamente no caso da ADIn, a reclamação

foi aceita mais pacificamente quando da Lei nº 9.898/1999, no art. 28, impôs expressamente a

426 “Todavia, com a ampliação da legitimação para as ações de controle concentrado, com a explicitação do

caráter erga omnes das respectivas decisões, bem como com seu efeito vinculante positivado no texto

constitucional, o STF passou a se deparar com a necessidade de tornar-se um guardião mais efetivo da

Constituição. Foi nesse contexto que a reclamação constitucional ganhou importância. Afinal, abriu-se

naturalmente o espaço para que ela pudesse ser utilizada como um mecanismo de fiscalização quanto ao

cumprimento das decisões proferidas em sede de processo objetivo. Assim, o STF passou a reconhecer a

existência de interesse legítimo para que qualquer destinatário da decisão proferida em sede de ação direta,

ação declaratória de constitucionalidade, ou mesmo arguição de descumprimento de preceito fundamental,

ajuizasse a reclamação contra atos do poder público, a fim de fazer valer, efetivamente, decisões proferidas no

processo objetivo” (LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011. p. 196). 427 ADC 4/DF, Rel. Ministro Celso de Mello, julgado em 1/10/2008, DJe 15/10/2008. 428 “Medida cautelar deferida, em parte, por maioria de votos, para se suspender, "ex nunc", e com efeito

vinculante, até o julgamento final da ação, a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que

tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.494 , de 10.09.97,

sustando-se, igualmente "ex nunc", os efeitos futuros das decisões já proferidas, nesse sentido” (ADCMC 4/DF,

Rel. Ministro Sydney Sanches, julgado em 11/2/1998, DJ 21/5/1999). 429 “Ementa: Reclamação. Tutela antecipada. Decisão que implique pagamento de vantagens pecuniárias nos

termos da Lei 9.494/97 desrespeita a decisão do Plenário na ADC nº 4. Precedentes. Reclamação julgada

procedente” (Rcl. 2087/PE, Rel. Ministra Ellen Gracie, j. 28/4/2003, DJ 13/6/2003). 430 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2016. p. 50-51. 431 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais, cit., p. 52-53.

Page 163: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

152

eficácia vinculante da decisão; em seguida, o STF entendeu cabível a reclamação por ofensa a

dispositivo de ADIn, no caso, cuidou-se do julgamento da Rcl 1.880 AgR432. Já no caso da

ADPF, a Lei nº 9.882/1999 trouxe previsão expressa do cabimento de reclamação, no art. 13:

“[c]aberá reclamação contra o descumprimento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal

Federal, na forma do seu Regimento Interno.”

A lição do tópico anterior, que não cabe reclamação contra ato do próprio tribunal,

aqui se aplica. Da mesma forma que o tribunal não pode usurpar a competência dele mesmo,

também não pode afrontar a sua própria autoridade.433 Não existe hierarquia entre os

membros dos tribunais. A distribuição de competência entre órgãos internos não implica

hierarquia entre seus membros e suas decisões, daí por que não é cabível a reclamação

internamente.

Uma obviedade que convém ser assinalada é, exatamente, a impossibilidade de

haver desacato de decisão futura. Apenas se caracteriza se a decisão violadora for prolatada

após à decisão violada. Se foi emitida posteriormente, não há desobediência.434

Feitas todas essas considerações, cabe ponderar: qual o exato conteúdo da

desobediência? Quando uma decisão é afrontada, de modo a permitir a reclamação? Como se

manifesta a desobediência? São três as formas pelas quais a desobediência se revela,

pragmaticamente: (i) demora, excessiva e injustificada, no cumprimento da decisão; (ii)

recusa expressa em atender a decisão; e, (iii) cumpri-la colidindo frontalmente com o

conteúdo do dispositivo.435

Na primeira forma, cuida-se, basicamente, de uma omissão. Um não agir que

implica descumprimento da decisão. É um não fazer consistente em deixar de cumprir a

decisão. Se há um retardo, descomedido, no cumprimento da decisão, haverá desobediência

oblíqua, o que permite o ajuizamento da reclamação para que o tribunal garanta a sua

autoridade.436 Esse é, inclusive, o entendimento do STJ.437 Contudo a demora no

432 Rcl 1880 AgR, Tribunal Pleno, rel. Min. Maurício Correa, j. 7/11/2002, DJ 19/3/2004. 433 PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo com a nova Constituição, cit., p. 24;

CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. cit., p. 683; MORATO, Leonardo Lins.

Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 173. No mesmo sentido: STJ, Rcl

509/SP, Rel. Min. Fontes de Alencar, Corte Especial, j. 3/6/1998, DJ 29/6/1998; STF, Rcl 3939, Rel. Min.

Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 14/4/2008, DJe 23/5/2008; STF, Rcl 647, Rel. Min. Néri da Silveira, Tribunal

Pleno, j. 19/06/1997, DJ 10/8/2001. 434 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p; 190. No mesmo sentido: “Sendo a decisão

atacada mediante a reclamação anterior a pronunciamento do Supremo, descabe cogitar de desrespeito a este

último.” (STF, Rcl 4131, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, j. 14/4/2008, DJe 6/6/2008). 435 LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. cit., p; 190. 436 MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 167.

Page 164: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

153

cumprimento deve ser excessiva e injustificável. A demora moderada, de acordo com a média

regular dos andamentos processuais no local, não enseja a reclamação; a morosidade habitual

do Poder Judiciário não abre espaço para reclamação, mas apenas o retardo extraordinário.438

A segunda forma que se revela o descumprimento é a recusa expressa em não

cumprir a decisão do tribunal. O órgão judicial nega-se a atender o comando judicial de

maneira explícita, seja qual for o motivo. Nessa situação não há o cumprimento equivocado;

há uma recusa categórica em obedecer ao dispositivo do tribunal. É negar – sem dubiedade –

a autoridade do tribunal, refutando o cumprimento da decisão. Nesse caso, é plenamente

admissível a reclamação constitucional.

A terceira hipótese de manifestação de afronta à autoridade consiste no

cumprimento patentemente equivocado. É um cumprimento colidente, de maneira frontal,

com o conteúdo decisório. A decisão é cumprida, porém de forma claramente indevida, o que

configura o desacato. Essa forma de descumprimento termina por deturpar ou modificar

substancialmente aquilo que foi julgado pelo tribunal.439

Nesses casos, o desacato é resultado do erro judicial ao cumprir a decisão,

devendo ser aferido objetivamente: identifica-se o conteúdo da decisão vulnerada e, em ato

contínuo, compara-se com o conteúdo da decisão de cumprimento; nesse juízo de cotejo é que

se verifica o desacato à autoridade da decisão.

Em outras palavras, primeiramente deve-se encontrar o exato comando da

primeira decisão, indicada como vulnerada, para depois confrontá-lo com a decisão que

procede com o cumprimento. Nesse exercício comparativo – objetivo – é que se identifica o

desacato. Para apontar se houve desobediência, é imprescindível saber qual foi a

determinação judicial e se a decisão executória lhe atendeu nos seus exatos termos ou, em

sentido contrário, deturpou seu conteúdo. Enfim, verificar o desacato pressupõe cotejar as

decisões violada e reclamada.

Nessa linha, apenas pode haver afronta à questão decidida. É que se a questão não

foi decidida no julgado, não há como haver vulneração. Apenas se desacata aquilo que está no

dispositivo, ou seja, que foi expressamente resolvido por algum capítulo decisório. Não

437 STJ, Rcl 1.723/Pb, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, j. 11/6/2008, DJe 5/8/2008; STJ, Rcl

546/Rs, Rel. Min. Helio Mosimann, Primeira Seção, j. 23/9/1998, DJ 19/10/1998; STJ, Rcl 526/Df, Rel. Min.

Hélio Mosimann, Primeira Seção, j. 9/9/1998, DJ 09/11/1998. 438 Rcl 851/SE, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Terceira Seção, j. 13/12/2000, DJ 5/3/2001. 439 “Não evidenciada hipótese de descumprimento de comando expresso em decisum do STJ, indefere-se, de

plano, a medida correcional por ser descabida.” (STJ, AgRg na Rcl 13.223/RS, Rel. Min. João Otávio de

Noronha, Segunda Seção, j. 26/8/2015, DJe 1/9/2015). No mesmo sentido: STJ, AgRg no AgRg na Rcl

22.895/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, j. 26/8/2015, DJe 9/9/2015.

Page 165: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

154

havendo decisão sobre a questão, torna-se impossível o desacato e, por consequência, o

cabimento da reclamação.440

Imagine-se, por exemplo, uma fase de liquidação, cuja cognição impede rediscutir

ou modificar o julgado liquidando (CPC/2015, art. 509, §4º), para apurar lucros cessantes

fixados em acórdão. Não foi decidido o prazo de apuração dos lucros cessantes. Ao proceder

com a liquidação, o juiz fixa o prazo dos lucros cessantes em 30 anos. Não caberá a

reclamação, pois o prazo dos lucros cessantes não foi julgado no acórdão, restou em aberto.

Há, nesse ponto, um non liquet. Cabe ao juiz interpretar o acórdão para melhor apurar o prazo

dos lucros cessantes,441 contudo não cabe a reclamação, já que é questão estranha ao acórdão;

no acórdão não decidido o prazo de apuração. Doutro lado, se o juiz se recusar a apurar o

valor dos lucros cessantes – questão decidida no acórdão – haverá sim desacato, cabendo a

reclamação. Imagine, ainda, que o acórdão tenha fixados juros de mora de 1% a.m., porém –

por erro – o juiz determina o cálculo na razão de 0,5% a.m., configurando também o desacato,

sendo caso de reclamação ao tribunal prolator do acórdão.

Com efeito, a diferença entre recusar o cumprimento e cumprir equivocadamente

é semântico-sintático, pois, pragmaticamente, quase não se vislumbra distinção. Em ambos os

casos o que foi decidido pelo STJ não está sendo é atendido. Cumprir de forma errada e não

cumprir se equivalem para fins de cabimento da reclamação, pois, em ambas situações, há

uma neutralização do comando judicial, restando violada a autoridade do tribunal.

3.6.1. Interpretação autêntica da sentença como consequência da reclamação para

garantir autoridade de decisão

Como foi dito no item anterior, identificar violação a uma decisão pressupõe o

exercício de um juízo comparativo entre a decisão violada e a decisão reclamada. Primeiro se

delimita o conteúdo da decisão violada para, depois, comparar com a decisão reclamada, de

modo a saber se houve ou não o desacato. Apontar o desacato impõe, inevitavelmente,

conhecer o conteúdo do julgado afrontado. Apenas se consegue identificar a desobediência,

caso se saiba qual é a ordem.

A consequência dessa constatação é uma: o tribunal, ao julgar a reclamação para

garantir autoridade de decisão, termina por interpretar autenticamente sua própria decisão.

440 “Se o tema contra o qual se insurge não foi, porém, objeto do acórdão proferido no STJ, à reclamação falta

cabimento.” (STJ, Rcl 458/RS, Rel. Min. Nilson Naves, Segunda Seção, j. 14/10/1998, DJ 3/5/1999 441 STJ, REsp 1512227/SE, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 16/6/2015, DJe 25/6/2015.

Page 166: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

155

A reclamação é proposta sob o argumento de que a decisão do tribunal fora

violada. O tribunal, ao julgar a reclamação, terá que – antes de tudo – delimitar qual o

conteúdo de sua decisão anterior, para saber se houve, ou não, a violação. Sem essa

delimitação, não há como julgar corretamente a reclamação. Nesse momento, ao delimitar o

conteúdo de sua própria decisão, o tribunal está interpretando autenticamente sua decisão.

Cuida-se de interpretação porque está esclarecendo qual o significado da decisão.

Está concedendo sentido ao dispositivo do julgado.442 É autêntica porque é realizada pelo

mesmo tribunal que prolatou a decisão.443 E, vale ressaltar, o caráter da autenticidade é

conferido ao tribunal como um todo, não precisa ser pelos mesmos desembargadores,

ministros ou órgão.

Não quer dizer que o objetivo da reclamação é obter a interpretação da decisão.

Trata-se de uma consequência lógica da reclamação. Quando alegada violação ao julgado,

mediante reclamação, o tribunal será forçado a realizar a interpretação da própria decisão.

Claro que um julgado pode ser mais ou menos obscuro. Em certos casos, o dispositivo é mais

claro, o que pode levar a crer que não houve intepretação, sob fundamento do brocardo “in

claris non fit interpretatio” ou “interpretatio cessat in claris”. Isso não procede. Qualquer

pronunciamento em torno do significado de uma decisão, ainda que de modo discreto ou

implícito, não importa se claro ou obscuro, constitui interpretação.444

Não custa repetir que o intuito da reclamação não é obter interpretação de decisão,

mas sim uma mera consequência. O único remédio no Direito Processual Civil cujo

fundamento próprio é interpretar uma decisão é o recurso de embargos de declaração. No

direito brasileiro não há outra medida servível expressamente para alcançar a interpretação de

uma decisão.445 Não há, no Direito Processual civil, um remédio que se destine a consulta do

conteúdo de uma decisão, após sua preclusão.

442 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. cit., p. 129-133. 443 “[N]ão apenas o legislador pode ser chamado a interpretar autenticamente o próprio preceito: outros

órgãos ou sujeitos que tenham colocado em prática preceitos jurídicos também podem ser chamados a

esclarecer o significado desses preceitos, contanto que se verifique a condição essencial da interpretação

autêntica, ou seja, que o autor do preceito interpretativo seja o mesmo do preceito interpretado. Assim, também

podem ser sujeitos de interpretação autêntica os órgãos jurisdicionais, os órgãos administrativos, os

particulares em sua defesa de autonomia.” (BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. cit., p.

335-336). 444 GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. cit., p. 133. 445 “A situação de interpretação, quando referida à sentença judicial transitada em julgado, constitui desafio às

partes às quais a sentença é endereçada e ao juiz encarregado de fazer com que a sentença seja corretamente

cumprida. Poderiam as partes, encontrando-se em dúvida sobre a forma correta de cumprir o julgado, recorrer

ao órgão judicial prolator do capítulo obscuro, para que esclarecesse o seu significado? Digamos que o ponto

obscuro esteja em um acórdão do STJ. Poderiam as partes, após o trânsito em julgado, solicitar ao STJ que

esclarecesse o exato alcance da decisão? A resposta para essas questões, quando referente a uma decisão na

Page 167: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

156

Na verdade, quando uma decisão é prolatada, seu texto legal não mais é alterado,

porém o sentido que se confere a esse texto é dado por aquele que aplica a decisão. Dessa

forma, todos aqueles submetidos à decisão são seus legítimos intérpretes. Juízes, partes e

demais sujeitos processuais, sempre que atendam a uma decisão, por mais clara que possa

parecer, estão interpretando-a446. E é exatamente por tal motivo que pode vir a caber a

reclamação por afronta à autoridade de julgado.

Um juiz pode interpretar a sentença de modo distinto da parte. Aos olhos da parte,

portanto, o juiz está violando a decisão. É uma questão objetiva. O juiz compreende o

decisum num sentido chegando a uma conclusão em seu dispositivo; enquanto a parte entende

noutro sentido, acreditando que a conclusão do dispositivo deveria ser outra. Para a parte, o

juiz está deturpando o conteúdo decisório, ou seja, está desacatando-o, abrindo espaço para a

reclamação.447 Nessa hipótese, a reclamação é aviada por afronta à autoridade do julgado.

Não terá o intuito de obter uma interpretação. O fundamento da reclamação é a violação do

julgado e não o erro interpretativo do juiz, até porque o juiz possui legitimidade para

interpretar a decisão. Com efeito, a interpretação é consequência do julgamento da

reclamação e não o seu fundamento ou objetivo.448 Saber, enfim, se houve o desacato ou não

passa a ser uma questão meritória da reclamação; se sim, será acolhida, caso não, será

improcedente.

3.7. Garantir a observância de precedentes

No Brasil, país de tradição de civil law, aos precedentes judiciais, emanados dos

tribunais, usualmente se conferia força meramente persuasiva. A desobediência a um

situação de interpretação, é negativa.” (KEMMERICH, Clóvis Juarez. Sentença obscura e trânsito em julgado.

Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 65-66). 446 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. cit., p. 700. 447 “Se o juiz, na execução, apenas interpreta o acórdão, não há qualquer atentado à decisão, apenas se houve

deturpação. É claro, tal interpretação sempre integra o raciocínio, que irá à conclusão (execução), mas tem um

prius que é a própria interpretação, que não servirá de escudo à reclamação, porque o pretexto de

interpretação pode levar à irregular execução do julgado.” (ROSAS, Roberto. Direito Processual

Constitucional: princípios constitucionais do processo civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.

137). “Pode ocorrer que a interpretação de um julgado, em sua execução, gere infringência à decisão da Corte

Superior e, por consequência, o desacato, a viabilizar o emprego da reclamação.” (MORATO, Leonardo Lins.

Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. cit., p. 160). 448 “A reclamação para garantia da autoridade das decisões do STF e STJ (CRFB/1988, arts. 102, I, l e 105, I,

f) constitui uma exceção à exclusividade da competência da fase de cumprimento para interpretar uma decisão

transitada em julgado. Ela tem lugar justamente quando o juiz da fase de cumprimento não observa a decisão

superior. Cabe, então, ao próprio tribunal que proferiu a decisão final fazer com que o juiz da fase de

cumprimento a observe. Nesse procedimento, pode ser necessário que o tribunal superior interprete sua decisão

anterior.” (KEMMERICH, Clóvis Juarez. Sentença obscura e trânsito em julgado. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2013. p. 66).

Page 168: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

157

precedente não era vista como algo grave. Os precedentes eram utilizados como argumentos

de reforço no convencimento do magistrado, não havendo vinculação. Deixar de seguir um

precedente era aceitável,449 inexistindo uma cultura de respeito aos precedentes.

Isso tudo contribui para a irracionalidade na prestação da tutela jurisdicional; na

verdade o próprio Direito – como conjunto de normas de um ordenamento – se torna

irracional. É que o sentido do Direito é fruto da conjunção de trabalho dos poderes estatais

junto com a comunidade jurídica, com mais ênfase ao Poder Judiciário que confere sentido

aos textos normativos. Para existir racionalidade, bem como igualdade e segurança jurídica,

deve haver unidade, coerência, estabilidade e integridade no conteúdo das decisões judicias

que conferem sentido aos textos normativos, isto é, ao Direito como conjunto de normas. Essa

unidade deve emanar dos precedentes judiciais proferidos pelos tribunais.

Se os precedentes são meramente persuasivos, a unidade do sentido do direito não

é alcançada. Cada órgão judicial se torna ilha isolada, senhor de sua própria interpretação dos

textos normativos. Há células interpretativas do direito, com menor grau de controle sobre o

acerto e ou desacerto das interpretações conferidas, tudo sob o antigo cânone de clareza da lei

e da independência do julgador, que não estaria adstrito ao entendimento dos tribunais. 450

No Brasil houve uma gradual mudança de paradigma, ao compreender a

necessidade de conceder força vinculante aos precedentes dos tribunais, de modo a tornar o

Direito mais racional. Surge o intuito de alcançar maior unidade na prestação jurisdicional, de

modo a densificar a igualdade e a segurança jurídica.451 Desponta-se a busca por uma cultura

de respeito aos precedentes.452

O CPC/2015 propõe-se a erigir um sistema de precedente vinculantes. O pilar

desse sistema é o art. 927, que traz um rol de decisões, cujas razões de decidir vinculam os

449 Vide a antiga súmula 400 do STF: “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a

melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da C.F.”

450 Não há dúvida que a coerência da ordem jurídica ou a unidade na expressão das decisões é imprescindível

ao Estado de Direito. De modo que a pretensão de dar ao juiz o poder de julgar o caso com bem entender, não

obstante já ter o tribunal superior conferido os seus contornos, constitui uma pretensão que, além de

logicamente destituída de fundamento, é anárquica, na medida em que alheia ao Estado de Direito.”

(MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. cit., p. 207). 451 No item 2.3., explica-se brevemente as razões sociológicas para no Brasil não haver uma cultura de respeito

aos precedentes dos tribunais, bem como o surgimento da reclamação como meio para controlar a aplicação de

precedentes. 452 Duas questões manifestam-se nessa mudança paradigmática: (a) a vinculação aos precedentes não

descaracteriza a independência dos juízes, que continuam livres para interpretar as provas, os fatos, aplicar o

direito ao caso concreto, inclusive interpretando o próprio precedente. Contudo, não podem conferir sentido ao

texto normativo diferente do que foi dado pelo tribunal, sob pena de tornar a prestação jurisdicional insegura,

irracional e desigual; (b) a superação de que o juiz é a boca da lei, fruto da distinção entre texto e norma. O texto

são os símbolos (significante) que veiculam a norma (significado). A norma, portanto, é fruto da atividade

interpretativa exercida sobre o texto. A norma é o resultado da interpretação do significante.

Page 169: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

158

órgãos judiciais: “I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de

constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente

de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de

recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo

Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria

infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem

vinculados”.

O art. 926 reforça esse sistema, ao dispor que os tribunais devem uniformizar sua

jurisprudência, mantendo-a íntegra, estável e coerente. Outros dispositivos, ao longo do

código, também compõem esse sistema de precedentes vinculantes, a exemplo do poder dado

ao relator de decidir recurso monocraticamente, seja para provê-lo ou desprovê-lo, com

fundamento em precedente (CPC/2015, art. 932, IV, “b” e “c”, V, “b” e “c”; art. 955, par.

úni., II), ou da permissão para a improcedência liminar do pedido (CPC/2015, art. 332, II e

III).

No entanto, de nada adianta formatar um sistema de precedentes com pretensão de

serem obrigatórios, sem haver meios adequados para impor-lhes aos órgãos judiciais. A

vinculação efetiva demanda meios para garantir a observância dos precedentes.453 Os meios

comuns são os recursos, que podem veicular erro na aplicação e inobservância dos

precedentes obrigatórios. São os recursos os mecanismos habituais de controle dos

precedentes, assegurando-lhes vinculação.

No entanto, o CPC/2015 – por opção – também elegeu a reclamação como

remédio hábil a controlar a observância e o erro na aplicação de certos precedentes ditos

obrigatórios.454 Além dos recursos, a reclamação destina-se a garantir a observância dos

precedentes. A reclamação consiste, portanto, num dos elementos do sistema de precedentes

obrigatórios. A reclamação, na atual fase codificada, garante a observância de: súmula

vinculante; decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade; acórdãos

proferidos em casos repetitivos e incidente de assunção de competência; e, acórdão de

recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em

453 “Existindo um Poder Judiciário, devem haver meios de controle sobre a racionalidade de suas decisões de

forma a garantir a uniformidade e a continuidade do direito para todos os casos análogos futuros” (ZANETI

JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 312). 454 O CPC/2015 repensou a reclamação, absorvendo toda sua evolução, reelaborando-a dogmaticamente. “A

reclamação, portanto, deve ser repensada, ou melhor, dogmaticamente elaborada à luz da função que o STJ tem

a incumbência de desenvolver no Estado contemporâneo. Atualmente, não é possível que a reclamação tenha

apenas o intuito de proteger as partes do processo em que a decisão foi ou há de ser prolatada. Afinal, o STJ

não é mais uma mera corte de correção voltada à tutela da lei.” (MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto

corte de precedentes. cit., p 240).

Page 170: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

159

julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, desde que esgotadas as

instâncias ordinárias.

Lucas Buril de Macêdo crítica a opção do CPC/2015 de eleger a reclamação como

instrumento para controlar a aplicação de precedentes. Afirma o autor que é uma medida

autoritária, além de diminuir o debate e a argumentação em torno da formação dos

precedentes. Para o autor, o diálogo próprio do sistema recursal, que passa por várias

instâncias julgadoras, é primordial para o bom funcionamento do stare decisis.455

O autor, porém, não percebe alguns pontos. O cabimento de reclamação não afasta

os recursos. Podem ser medidas concomitantes, o recurso e a reclamação. Logo, o debate e

argumentação em torno dos precedentes serão realizados nos recursos e nas reclamações. Na

verdade, há mais ambiente para o debate. Há mais que apenas recursos.

O segundo é que a reclamação não se destina a preservar qualquer precedente.

Não serve para os precedentes persuasivos, apenas para os formalmente vinculantes; e, dentre

os vinculantes, apenas a observância de parte deles é assegurada mediante reclamação. Assim,

quanto aos precedentes persuasivos e alguns dos precedentes vinculantes, continuam sendo os

recursos os remédios cabíveis.

Por fim, é importante observar que alguns dos precedentes obrigatórios, após a

sua formação, produzem barreiras muito fortes para acessar o tribunal através de recursos.

Igualmente, sua superação também é mais difícil. A reclamação desponta exatamente como o

meio adequado para levar a discussão jurídico em torno da aplicação dos precedentes aos

tribunais, com amplo debate e argumentação.

3.7.1. O rol do art. 988 do CPC/2015 é exaustivo?

Dentre os ditos precedentes vinculantes (art. 927, CPC) – que obrigam os demais

órgãos julgadores – apenas a aplicação dalguns deles é controlada mediante reclamação,

conforme rol do art. 988. Não é previsto, no texto legal, o cabimento de reclamação para

controlar a inobservância ou erro na aplicação dos “enunciados das súmulas do Supremo

Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria

infraconstitucional” (art. 927, IV, CPC).

455 MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. cit., p. 488-493).

Page 171: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

160

Surge, então, a controvérsia objeto deste item: o rol do art. 988 é exaustivo ou

cuida-se de lista meramente exemplificativa?

O rol é exaustivo. O caminho mais curto para a conclusão é a interpretação

exegética do art. 988 do CPC/2015. A lista trazida pelo art. 988 é exauriente, e não meros

exemplos do cabimento da reclamação constitucional. Como dito no item 3.2., as hipóteses de

reclamação são típicas, exaurindo-se nas hipóteses legais, não é possível cogitar-se de outras,

sequer mediante recurso à analogia.456

E nem se diga que essa interpretação enfraquece o sistema de precedentes

obrigatórios que o CPC/2015 pretende impor com o art. 927. É que a vinculação formal dos

precedentes não se confunde com o cabimento da reclamação para controlar sua aplicação ou

não observância.

É equivocado embaralhar a vinculação do precedente, com a forma e de controle

e, até mesmo, com a sanção aplicada pelo erro na aplicação do precedente. A vinculação do

precedente pressupõe uma forma de controle, mas com ela não se confunde. Também como

não se confunde com a sanção pela inobservância do precedente.

Para controlar a aplicação e não observância dos ditos precedentes vinculantes,

existem vários instrumentos, colocados à disposição pelo ordenamento. Como dito,

usualmente são cabíveis os recursos, que, como nos países de common law, onde as técnicas

de aplicação de superação de precedentes são utilizadas mais sofisticadamente, é o meio mais

adequado para amadurecer, qualificar e formar o precedente. No Brasil, também é cabível

ação rescisória (art. 966, V) e a reclamação (art. 988, III e IV, CPC).

É uma opção eleger a reclamação como meio de controle da aplicação dos

precedentes. Não é o cabimento da reclamação que fará de um precedente vinculante, ou não.

Como explica Hermes Zaneti Jr., para um precedente ser considerado formalmente vinculante,

deve haver algum instrumento técnico de controle457, que não precisa ser necessariamente a

reclamação, pois há, via de regra, o caminho recursal comum.

456 Em sentido contrário: “Assim posta a questão, pode-se entender que a disciplina encontrada no novo Código

às hipóteses de cabimento da reclamação é meramente enunciativa, não constituindo, o art. 988, caput, e § 5.º,

II, um rol taxativo. A jurisprudência deve ficar aberta à possibilidade de delimitação dos contornos dos

precedentes cuja autoridade pode ser afirmada por meio de reclamação, uma vez que o novo Código enuncia a

decisão – política, ou, mais precisamente, de política judiciária 0 que suplanta o entendimento que o STF

historicamente construiu em torno da reclamação.” (XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação

constitucional e precedentes judiciais. cit., p. 157). 457 ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes. cit., p. 337.

Page 172: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

161

A imposição de um sistema vinculante de precedentes (arts. 926 e 927,

CPC/2015) foi uma opção, cujo objetivo é trazer maior segurança jurídica (calculabilidade e

confiabilidade) e racionalidade para a prestação da tutela jurisdicional458. Não se confunde o

cabimento da reclamação com a questão do art. 927 ser exaustivo ou exemplificativo.459 A

exaustão do art. 927, ou seja, se os precedentes obrigatórios são apenas os constantes desse

dispositivo é um outro debate. Não se relaciona esse debate com o rol exauriente do art. 988.

Se os precedentes vinculantes são mais do que o rol do art. 927, em nada altera-se as hipóteses

de cabimento da reclamação.

Ainda não se deve confundir o instrumento de controle dos precedentes

vinculantes com a sanção cabível. Um ponto é haver meio de controle, outro é a sanção

cabível. No caso, quando há erro na aplicação ou não observância do precedente vinculante

existe ilícito, daí a decisão atacada é passível de reforma ou anulação (=invalidação). O meio

que será utilizado é uma questão prévia e diferente da sanção, que será a reforma ou a

anulação.

Em suma, a lista constante do art. 988 é exaustiva. Não cabe reclamação para

controle de outros precedentes que não os expressamente previstos no art. 988. Os demais

precedentes possuem outros mecanismos de garantia de observância que, usualmente, são os

recursos.

3.7.2. Garantir observância de súmulas vinculantes e decisões de controle

concentrado de constitucionalidade (CPC/2015, art. 988, III)

A reclamação destina-se a garantir observância de súmulas vinculantes e de

decisões de controle concentrado de constitucionalidade do STF. É uma hipótese de

cabimento dirigida especialmente ao STF e aos tribunais de justiça, quando exercem suas

funções de Guardião da Constituição Estadual.

458 Sobre o art. 927, precedentes e segurança jurídica: PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança

jurídica. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 167. 459 Vários autores afirmam que o rol do art. 927 é exemplificativo: MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento

nas cortes supremas: precedente e decisão do recurso diante do novo CPC. cit., p. 24; MITIDIERO, Daniel.

Precedentes: da persuasão à vinculação. cit., p. 94-96; PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança

jurídica. cit., p-167; MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil. cit., p. 436-

438.

Page 173: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

162

O cabimento para controlar a aplicação de súmula vinculante460-461 reproduz a

previsão constitucional (CF/1988, art. 103-A, §3º, incluído pela EC 45/2005), que também é

tratada pelo Lei nº 11.417/2006. Assim, a reclamação para assegurar a força de súmulas

vinculantes é regulada pelo CPC/2015 e pela Lei nº 11.417/2006, conjuntamente.

A súmula é o enunciado jurídico, escrito e resumido, de um tribunal acerca de

suas decisões. Trata-se de uma linguagem pretoriana que descreve o entendimento do tribunal

sobre uma questão jurídica específica. A súmula é uma metalinguagem jurídica.462 Tais

enunciados jurisprudenciais – súmulas – possuem, usualmente, conteúdo mais específico em

relação à norma jurídica que interpretam, porém também se estruturam como regras jurídicas,

ou seja, com caráter geral e normativo.463 As súmulas têm caráter geral e abstrato, porém são

de estrutura sintética, ao se distanciar dos fatos dos casos concretos a que se referem. É

apenas o texto conciso indicador do entendimento do tribunal sobre suas próprias decisões,

sem, contudo, fazer referência aos fatos materiais que induziram ao entendimento em si.

Daí a crítica de Luiz Guilherme Marinoni, com a qual se concorda, em relação à

previsão das súmulas no art. 927 do CPC/2015. O autor põe como lamentável a tentativa de

colocar súmulas como precedentes, já que a súmula não possui condições de expressar com

precisão as circunstâncias fáticas dos casos a que faz referência. As súmulas são enunciados e,

por desprenderem-se da fundamentação, diminuem sua função de orientar os juízes em casos

futuros.464

A Lei nº 11.417/2006 (Lei da súmula vinculante) tratou da reclamação no art. 7º,

§§1º e 2º. A lei é clara ao afirmar o cabimento da reclamação, quando não observada súmula

460 Sobre súmula vinculante, vide: SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante.

Curitiba: Juruá, 2013. STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto: o precedente judicial e as

súmulas vinculantes? 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. LAMY, Eduardo de Avelar. Súmula

vinculante: um desafio. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 120, fev.-2005. Antes mesmo

da EC 45/2004, já falando sobre a súmula vinculante: CUNHA, Sérgio Sérvulo. O efeito vinculante e os poderes

do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Súmula vinculante: desastre ou solução?

Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 98, abr-jun.-2000. SÁ, Djanira Maria Radamés de.

Súmula vinculante: análise de sua adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. 461 Sobre o surgimento da hipótese de cabimento para controlar a aplicação de súmulas vinculantes, remete-se o

leitor ao item 2.2.2.1. Sobre o tema, destaca-se: MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o

respeito da súmula vinculante. cit. 462 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. cit., p. 217 463 TARUFFO, Michele. Precedente e Jurisprudência. Revista de Processo. cit., p. 141 464 “As súmulas foram concebidas como enunciados abstratos voltados a facilitar o trabalho de correção das

decisões dos tribunais. É ilógico tentar dar-lhes a função de precedentes, na medida em que só a decisão do

caso concreto é capaz de espelhar em toda sua plenitude o contexto fático em que a ratio decidendi se insere.

(...) A súmula não se preocupa com fundamentos, mas apenas em expressar um enunciado, que é um simples

resultado interpretativo. Um mero enunciado ou resultado interpretativo jamais será capaz de fornecer aos

juízes dos casos futuros as razões da decisão” (MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas cortes

superiores: precedente e decisão do recurso diante do novo CPC. São Paulo: RT, 2015. p. 26)

Page 174: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

163

vinculante ou aplicada indevidamente, tanto por ato da Administração Pública, como por ato

judicial. Entretanto, para o cabimento contra ato administrativo, deverão ser esgotadas as vias

administrativas; tratou-se de um filtro, com o objetivo de diminuir as reclamações dirigidas ao

STF.

A reclamação, em 2004, foi eleita como meio de controle da aplicação ou negativa

de vigência de súmula vinculante465. Foi uma opção encontrada de impor, com celeridade, a

eficácia da súmula vinculante. A reclamação foi o meio escolhido para garantir, com rapidez,

a vinculação da súmula vinculante466. Foi tão importante para o desenvolvimento da

reclamação, que Leonardo Morato afirmou que a súmula vinculante revolucionou e ajudou a

definir os contornos do instituto467. Já Marcelo Alves Dias de Souza concluiu que a

reclamação é o efeito prático mais palpável da súmula vinculante468.

Admite-se, portanto, reclamação contra ato administrativo ou decisão judicial que

contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar. Em caso de procedência, anula-

se o ato administrativo ou cassa-se a decisão judicial reclamada, dando o mandamento de

proferir outra, com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Qualquer ato judicial que afrontar súmula vinculante poderá ser combatido por

reclamação, diretamente no STF, independente do cabimento de recurso. Os atos

administrativos também podem ser controlados mediante reclamação, caso inobservem

enunciado de súmula vinculante.469 As demais hipóteses de cabimento de reclamação para

assegurar aplicação de precedente não são cabíveis contra ato administrativo, à exceção de

súmula vinculante, que possui regulamentação pela Lei nº 11.417/2006.

Entretanto, antes de impugnar o ato administrativo mediante reclamação, é preciso

esgotar as vias administrativas. Dito de outra forma, a reclamação contra ato administrativo,

por afronta à súmula vinculante, apenas é admissível após exaurir as vias administrativas.

Havendo previsão de recurso administrativo contra o ato, não é cabível a reclamação. Cuida-

465 MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante, cit., p. 224. 466 Cabe, aqui, lembrar a crítica de Marinoni em relação às súmulas como precedentes obrigatórios:

(MARINONI, Luiz Guilherme. Julgamento nas cortes supremas: precedente e decisão do recurso diante do novo

CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 23). 467 MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2004. p. 36. 468 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante, cit., p. 275. 469 As súmulas vinculantes não obrigam o Poder Legislativo, que permanece livre para editar atos normativos

com conteúdo contrário a enunciado de súmula (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo.

cit., p. 686; SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2013.

p. 273; STF, Rcl 2617 AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 23/2/2005, DJ 20/5/2005).

Page 175: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

164

se de uma norma de barreira de acesso direto ao STF; mais precisamente uma opção de

política judiciária para evitar enxurrada de reclamações.470

A reclamação também é admissível para assegurar a aplicação de decisões

proferidas em controle concentrado de constitucionalidade. Se a decisão for do STF, a ele será

dirigida a reclamação; se a decisão for de tribunal de justiça estadual, a competência é do

tribunal que proferiu o acórdão. Nessa hipótese específica, restringe-se apenas contra atos

judiciais, não sendo admissível contra atos administrativos, que deverão ser controlados pelas

vias judiciais comuns.

Convém, aqui, registrar que, nessa hipótese específica, a reclamação

compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela

correspondam (CPC/2015, art. 988. §4º). A reclamação destina-se a garantir a observância da

ratio decidendi – tese jurídica – da decisão de controle de constitucionalidade. Não serve para

garantir respeito ao dispositivo, mas sim à ratio decidendi extraível do acórdão.

Foi visto no item 2.2.2.4. que, durante a fase constitucional da reclamação, o STF

afastou o seu cabimento por ofensa à ratio decidendi (ou motivos determinantes) de acórdão

proferido em controle concentrado de constitucionalidade. Contudo, o CPC/2015 é expresso

ao prever o cabimento (art. 988, III, §4º).

O que precisa ficar claro é a reclamação destina-se a garantir a tese jurídica, isto é,

a ratio decidendi – norma jurídica genérica e abstrata – contida no acórdão. Não é o

dispositivo que se busca assegurar; nessa hipótese, a reclamação seria cabível com base no

inciso II, do art. 988, por afronta à autoridade de julgado.

Num acórdão prolatado em controle concentrado de constitucionalidade, há duas

normas jurídicas. Uma norma jurídica concreta, contida no dispositivo, que julga a

constitucionalidade do ato normativo objeto da ação, acobertada pela coisa julgada erga

omnes. Outra norma jurídica abstrata e genérica, extraída da fundamentação da decisão,

consistente na ratio decidendi do acórdão. Em caso de inobservância da primeira norma,

concreta, cabe reclamação por afronta à autoridade de julgado (art. 988, II); em caso de

inobservância da segunda norma, abstrata e genérica, cabe reclamação por violação de

precedente (art. 988, II, §4º).

470 “Ademais, a limitação do uso da reclamação contra ato administrativo somente após o esgotamento prévio

das próprias vias administrativas, embora razoável em tese – e, portanto, constitucional – pode, em concreto,

mostrar-se exagerada, quando, então, poderá ser afastada, em controle difuso de constitucionalidade, após a

aplicação do princípio da proporcionalidade.” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo.

cit., p. 687).

Page 176: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

165

Eis exemplo ilustrativo. O STF julgou, em sede de ADIN, inconstitucional lei do

Estado do Ceará que instituiu ICMS sobre comercialização de cordel, por entender haver

isenção constitucional (CF/1988, art. 150, VI, d). Caso o Estado do Ceará continuasse

aplicando a norma julgada inconstitucional, haveria ofensa ao dispositivo do acórdão,

cabendo reclamação por ofensa à autoridade do julgado (CPC/2015, art. 988, II). Por outro

lado, se o Estado de Pernambuco editasse lei idêntica à do Estado do Ceará e, ocasionalmente,

qualquer órgão judicial declarasse essa lei constitucional, caberia reclamação diretamente ao

STF, em virtude à ofensa à ratio decidendi do acórdão da ADIN (CPC/2015, art. 988, III,

§4º). Nesse caso, o órgão judicial é obrigado a seguir o entendimento do STF, no caso, que

sobre comercialização de cordel não incide ICMS, em virtude de isenção constitucional.

O objetivo final, na verdade, é garantir a vinculação de todos os órgãos

jurisdicionais ao entendimento do STF acerca da constitucionalidade das normas. As razões

de decidir de um julgado do STF, ao apreciar a constitucionalidade de uma norma, devem ser

seguidas pelos juízes, ao apreciar a constitucionalidade de outras normas semelhantes.

3.7.3. Garantir observância de teses firmadas em casos repetitivos e em incidente de

assunção de competência (CPC/2015, art. 988, IV)

A reclamação é admissível para assegurar a observância e correta aplicação das

teses jurídicas fixadas em acórdãos proferidos em julgamentos de casos repetitivos e no

incidente de assunção de competência (IAC). Considera-se julgamento de casos repetitivos a

decisão proferida em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), bem como em

recursos especial e extraordinário repetitivos (CPC/2015, art. 928).

As decisões proferidas nesses incidentes e recursos destinam-se a formar

precedentes obrigatórios (CPC/2015, art. 927, III). O objetivo é que o tribunal fixe tese

jurídica a ser reproduzida em todos os casos análogos, vinculando o próprio tribunal e os

demais órgão hierarquicamente inferiores, sob os fundamentos da igualdade e da segurança

jurídica.

O art. 928 do CPC/2015 dispõe que se considera julgamento de casos repetitivos a

decisão proferida em IRDR e recursos excepcionais repetitivos. Essas espécies possuem

exatamente os mesmos objetivos. São procedimentos propostos a gerir casos repetitivos.

Apesar de cada um deles possuir regramento específico, a lógica e as técnicas são

Page 177: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

166

semelhantes, de modo que – por analogia – as regras de um se aplicam aos outros, e vice-

versa. Juntos formam um microssistema de gestão e julgamento de casos repetitivos.471-472

Em linhas gerais, o IRDR é um incidente, instaurado num processo de

competência originária, em remessa necessária ou em recurso, cujo procedimento transfere a

competência para outro órgão interno do mesmo tribunal, com o objetivo de formar

entendimento sobre uma questão jurídica que se repete em vários processos. A tese fixada é

vinculante para os órgãos submetidos ao tribunal prolator da decisão. Está previsto nos art.

976 a 987 do CPC/2015.

Com lógica e técnicas bastante semelhantes, os recursos especial e extraordinário

repetitivos (que não provocam um incidente), são previstos nos arts. 1.036 a 1.040 do

CPC/2015. Trata-se de um procedimento específico para que o STJ e o STF lidem com

multiplicados recursos, especiais e extraordinários, sobre a mesma matéria.

O IAC não se encontra no microssistema de julgamento de casos repetitivos, pois

não pressupõe repetição de questões controversas, isso, porém, em nada afeta a força

vinculante de suas decisões, que também servem para formar precedentes, obrigando os

órgãos jurisdicionais.

Cumpre registrar que o IAC e o IRDR podem ser instaurados em qualquer

tribunal. Não há limitação de competência. Todo e qualquer tribunal podem suscitar o IRDR e

o IAC, de modo a produzir precedentes obrigatórios. Até mesmo no STF e STJ são permitidos

o IRDR e o IAC. O fato de haver regramento específico para os recursos especial e

extraordinário repetitivos não impede o IRDR e o IAC perante o STF e STJ. É que o IAC e o

IRDR podem ser instaurados em qualquer recurso, remessa necessária ou processo de

competência originária de tribunal; assim, um IRDR ou IAC podem ser suscitados nos

processos de competência originária do STJ e STF ou em outas espécies recursais, a exemplo

da própria reclamação, do conflito de competência, ação rescisória, recuso ordinário

constitucional, mandado de segurança, habeas corpus etc.

471 CABRAL, Antonio do Passo. Comentários ao art. 976. Comentários ao novo código de processo civil.

CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (coords.). 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1434-

1435; CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 13ª ed., cit.;

Enunciado 345 do FPPC: “O incidente de resolução de demandas repetitivas e o julgamento dos recursos

extraordinários e especiais repetitivos formam um microssistema de solução de casos repetitivos, cujas normas

de regência se complementam reciprocamente e devem ser interpretadas conjuntamente.” 472 Agregam-se ao microssistema as regras sobre os recursos de revista repetitivos dispostas nos arts. 896-B e

896-C da Consolidação das Leis do Trabalho.

Page 178: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

167

Dito isso, repise-se: é cabível reclamação para assegurar a observância de tese

jurídica contida em acórdão proferidos em IAC, IRDR e recursos extraordinário e especial

repetitivos. Todos esses acórdãos dispõem-se a formar precedentes obrigatórios, cuja

aplicação é controlável mediante reclamação constitucional.

Contudo, a reclamação proposta para garantir a observância de acórdão de recurso

extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de

recursos extraordinário ou especial repetitivos, apenas é admissível após esgotar as instâncias

ordinárias. Mais precisamente, a reclamação destinada ao STF e STJ, com fundamento no

inciso IV, do art. 988, seja para assegurar acórdão de caso repetitivo ou de IAC, somente é

cabível após o exaurimento de vias ordinárias. É um requisito de admissibilidade.

Cuidou-se de uma opção de política judiciária473 com vistas a evitar o afogamento

das Cortes Superioras em reclamações constitucionais per saltum, isto é, contra decisões

proferidas em primeira instância ou, ainda que em segunda instância, sem terem sido

combatidas pelas vias comuns. Assim, o acesso ao STF e STJ, com fundamento no inciso IV,

do art. 988, exige prévio esgotamento das instâncias ordinárias, mediante os recursos

cabíveis.

Essa necessidade de esgotamento das instâncias ordinárias remete ao art. 1.030 do

CPC/2015474, que concebe o regime de admissibilidade prévio dos recursos especial e

repetitivo, na presidência ou vice-presidência do tribunal local. É nesse regramento que,

usualmente, se exaurem as vias ordinárias. Na verdade, o art. 1.030 vai além do simples juízo

de admissibilidade e concede competência ao tribunal local de julgar o mérito dos recursos

excepcionais, cuja questão recorrida tenha sido objeto de julgamento de caso repetitivo no

STJ ou STF.475

Se o acórdão recorrido estiver em conformidade com o entendimento firmado pela

Corte Superior no julgamento do caso repetitivo, o presidente ou vice-presidente deverá negar

seguimento ao recurso excepcional (CPC/2015, art., 1.030, I, a e b); contra essa decisão que

nega seguimento (ou seja, realiza verdadeiro juízo meritório) cabe agravo interno destinado a

órgão do próprio tribunal (CPC/2015, arts. 1.030, §2º, 1.021).

473 O CPC/2015, ao ser sancionando, não continha essa limitação de admissibilidade. Ainda durante o período de

vacância, foi editada a Lei nº 13.256/2016, que criou tal restrição. 474 O art. 1.030 é outro dispositivo do CPC/2015 que foi modificado pela Lei nº 13.256/2006, ainda durante o

período de vacância. 475 MACÊDO, Lucas Buril de. A Análise dos Recursos Excepcionais pelos Tribunais Intermediários: O

pernicioso art. 1.030 do Código de Processo Civil e sua inadequação técnica como fruto de uma compreensão

equivocada do sistema de precedentes vinculantes. Texto inédito, gentilmente cedido pelo autor, no prelo.

Page 179: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

168

O julgamento desse agravo interno esgota as vias comuns. Não há nenhum outro

recurso ordinário cabível. As instâncias ordinárias estão exauridas, daí passa a ser admissível

a reclamação, com fundamento no art. 988, IV, do CPC/2015. Se, no julgamento desse agravo

interno, manter-se violação à tese de acórdão proferido em demanda repetitiva, é cabível a

reclamação dirigida ao STJ ou STF, conforme o caso.476

É importante ficar claro que a presidência ou vice-presidência do tribunal local, ao

apreciar um recurso excepcional, cuja questão já tenha sido decidida em recurso especial ou

extraordinário repetitivo, vai muito além do simples juízo de admissibilidade provisório. Faz

um verdadeiro juízo de mérito, o que impede a subida do recurso para apreciação no STF ou

STJ. O presidente ou vice-presidente, nesses casos, não se restringe a analisar os requisitos

recursais intrínsecos (legitimidade e interesse recursais e inexistência de fato extintivo ou

impeditivo do direito recorrer) e extrínsecos (cabimento, regularidade formal, tempestividade

e preparo). O que o presidente ou vice-presidente faz, na verdade, é um juízo de mérito, pois

analisa se o pedido de anulação ou reforma formulado no recurso procede, ou não, à luz da

tese jurídica firmada no acórdão do caso repetitivo; em caso de negativa de seguimento (ou

seja, de improcedência do recurso), caberá agravo para órgão do próprio tribunal, que

apreciará o acerto da decisão do presidente ou vice-presidente.

Esse julgamento de mérito dos recursos excepcionais perante as próprias cortes

locais, nos termos do art. 1.030, impede o acesso as cortes superiores, esgotando as vias

ordinárias. O acesso é permitido, no entanto, mediante reclamação constitucional, caso haja

inobservância ou erro na aplicação dos precedentes formados nos acórdãos de casos

repetitivos do STJ e STJ.

Contra o acórdão proferido em reclamação, são cabíveis os recursos especial e

extraordinário, a depender do fundamento. Por outro lado, a competência para julgar a

reclamação é do tribunal que proferiu o acórdão no julgamento do caso repetitivo ou IAC; o

tribunal é quem detém competência para preservar seu próprio precedente. Um tribunal não

tem legitimidade – e, portanto, competência – para proteger o precedente de outro tribunal.

Daí, surge a pergunta: se um tribunal profere um acórdão em IRDR e,

posteriormente, esse mesmo tribunal viola o precedente, ao julgar uma reclamação, qual o

remédio cabível? Recurso especial. Contra o acórdão caberá recurso especial, por violação

aos arts. 926 e 927 do CPC/2015. O tribunal deixou de cumprir seu dever de autorreferência,

476 MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. cit., p. 114.

Page 180: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

169

ou seja, de dialogar e respeitar os próprios precedentes. Igualmente, feriu seu dever de manter

sua jurisprudência íntegra e coerente,477 inobservando um precedente obrigatório. O STJ não

detém competência para preservar a tese jurídica de um precedente de outro tribunal, mas

como guardião da lei federal o STJ pode impor o respeito ao arts. 926 e 927 que, juntos,

prescrevem o dever dos tribunais de seguir os próprios precedentes.

3.7.3.1. Cabe reclamação por ofensa do STF a precedente do STJ, em matéria

federal?

O STF é órgão responsável a dar a última palavra sobre a interpretação do texto

constitucional. Doutra banda, pertine ao STJ conferir o significado final à legislação

infraconstitucional. Daí por que se fala que o STF é o Guardião da Constituição e o STJ o

Guardião da Lei Federal.

Exsurge um questionamento: é admissível reclamação por ofensa do STF a

precedente do STJ, em matéria federal, já que este é o Guardião da Lei Federal e seu último

intérprete? A resposta é negativa.

Não cabe reclamação dirigida ao STJ por suposta violação praticada pelo STF

contra precedente do STJ, ainda que em matéria infraconstitucional. É que o STF se sobrepõe

ao STJ. Cuidar-se-ia de contrassenso permitir a reclamação perante o STJ para atacar

julgamento do STF. E esta não é uma resposta meramente intuitiva.

O STF possui ascendência hierárquica sobre o STJ. A interpretação dada pelo

STF à legislação infraconstitucional se sobrepõe a do STJ, tanto que é cabível recurso

ordinário das causas originárias decididas pelo STJ. Por outro lado, não cabe recurso

ordinário ou, até mesmo, recurso especial contra as decisões do STF, por violação à

legislação infraconstitucional. Até mesmo a competência do STJ é submetida à interpretação

do STF, uma vez que disposta no texto constitucional (art. 105, CF), ou seja, o STF quem

delimita e interpreta a competência do STJ.

477 Os conceitos de integridade e coerência são confusos. Não há consenso na doutrina quanto a seu conteúdo. Os

termos, por vezes, são invertidos ou utilizados como sinônimos e, ainda, existem traduções de importantes

referências doutrinárias que não coincidem com o termo original dos autores. Na presente pesquisa, entende-se

por coerência da jurisprudência quando seus numerosos precedentes façam sentido quando considerados

conjuntamente, havendo uma compatibilidade lógica recíproca e reflexiva (MACCORMICK, Neil.

Argumentação jurídica e teoria do direito. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 193). Já

por integridade da jurisprudência compreende-se como a sua unidade e tratamento igualitário dos jurisdicionados

que estejam em mesma situação (treating like cases alike), norteando-se por um ideal de justiça e equidade

(DWORKIN, Ronald. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.

202).

Page 181: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

170

A hierarquia entre o STF e o STJ, mais precisamente, é decorrência da hierarquia

entre a própria Constituição e as demais fontes normativas do ordenamento jurídico. As

normas constitucionais são o fundamento dos diversos ramos do direito infraconstitucional478.

A interpretação da legislação ordinária deve ser feita à luz da Constituição e o STF é o último

intérprete da Constituição, a conclusão que se chega é que a interpretação da legislação

infraconstitucional dada pelo STF se sobrepõe a do STJ, exatamente porque foi realizada pelo

órgão de cúpula que interpreta o texto constitucional479. O STJ interpreta a legislação

infraconstitucional; porém, quando o STF também o faz, está procedendo à luz da

Constituição e, na condição de guardião da Constituição, deve prevalecer a interpretação que

concebe aos enunciados normativos infraconstitucionais.

Tanto que, como dito, é o STF quem interpreta e delimita a competência do STJ,

de caráter constitucional480. Também não cabe recurso especial, ou outro qualquer, dirigido ao

STJ contra decisão prolatada pelo STF. Dessa forma, não cabe reclamação – em nenhuma

hipótese – para o STJ atacando decisão do STF, ainda que se trate de não observância ou

aplicação diferente de enunciado de súmula, matéria infraconstitucional.

Aqui, retorna-se à ideia de Hermes Zaneti Jr., exposta no item 3.6.1., para quem o

precedente seja formalmente vinculante deve haver um instrumento de controle dirigido ao

órgão prolator da decisão. Não há, portanto, vinculação formal do STF aos precedentes

estabelecidos pelo STJ.

Não se quer afirmar que o STF pode simplesmente desconsiderar a interpretação

dada pelo STJ à legislação infraconstitucional.481 O STF, para afastar a interpretação

apresentada pelo STJ, deve fundamentar adequadamente (art. 93, IX, CF; art. 489, § 1º, CPC),

bem como cumprir o dever de integridade da ordem jurídica e coerência substancial de seus

478 SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito. Os direitos fundamentais nas relações entre

particulares. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 49. 479 “Tudo deve ser feito para que não haja conflito, em concreto, entre as duas altas Cortes de Justiça, evitando-

se que uma decisão do Supremo Tribunal Federal equivalha a um julgamento de quarta instância. Explica-se

até certo ponto a possibilidade de um desentendimento entre as duas Altas Cortes, dado o fato inconteste de que

não há questão jurídica que, em última análise, não envolva algum pressuposto de ordem constitucional. Assim

sendo, se analisarmos as questões com rigor formal, tudo acabará se elevando ao texto constitucional, que é a

fonte suprema de juridicidade” (REALE, Miguel. O modelo jurisdicional e o STJ. STJ 10 anos: obra

comemorativa. Brasília: STJ, 1999. p. 142). 480 Em uma última análise, será o STF quem dirá se o STJ pode julgar reclamação contra decisão do próprio

STF. 481 Cumpre, aqui, registar que o STF, no julgamento da ADPF 388/DF, mediante o voto do Ministro Celso de

Mello, fez menção expressa ao entendimento do STJ sobre o art. 4º, §1º, da Lei nº 9.882/1999, de modo a manter

a coerência entre o entendimento das Altas Cortes. Houve um mínimo diálogo entre os precedentes das Cortes.

(STF, ADPF 388/DF, Informativo de Jurisprudência 82)

Page 182: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

171

julgados, conforme exige o art. 926 do CPC482. O STF deve justificar, à luz da Constituição,

porque não observa ou aplica, de forma distinta, entendimento do STJ sobre a legislação

infraconstitucional483.

Assim, conclui-se que não é cabível reclamação dirigida ao STJ, atacando decisão

do STF, tendo por causa petendi a inobservância de precedente do STJ, em matéria

infraconstitucional.

3.7.4. O significado de “garantir a observância” de precedente: a reclamação como

meio útil à realização de distinção e reinterpretação do precedente

O art. 988 dispõe que caberá reclamação para “garantir a observância” de

precedente perante qualquer tribunal, cuja vinculação pretende-se assegurar. Importante, pois,

delimitar o significado de “garantir a observância” de precedente exatamente para saber

quando a reclamação será admissível.

E o significado dessa locução parte de uma premissa básica, reiterada durante toda

esta pesquisa, que o precedente judicial é texto normativo, cuja significado pressupõe sua

interpretação. O precedente pode trazer uma norma jurídica genérica e abstrata (ratio

decidendi, tese jurídica, motivos determinantes...), que é identificada mediante interpretação

do texto da decisão, mediante o método hermenêutico mais adequado, seja o dedutivo,

indutivo ou abdutivo.

Na lição de Thomas da Rosa Bustamante:

Precedentes judiciais são, como enunciados legislativos, textos dotados de autoridade que

carecem de interpretação. É trabalho do aplicador do Direito extrair a ratio decidendi – o

elemento vinculante – do caso a ser utilizado como paradigma.484

Encontrar a ratio decidendi do precedente pressupõe sua interpretação, assim

como se interpreta a lei. O sistema de precedentes vinculantes do CPC/2015 foi fruto de uma

superação de paradigma: a lei não contempla apenas uma interpretação correta, logo o juiz

não é a boca da lei. Esse mesmo erro não pode se repetir em relação aos precedentes, que

482 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. cit., p. 151. 483 “O Supremo Tribunal Federal deve acatar a interpretação dada à legislação infraconstitucional federal pelo

Superior Tribunal de Justiça, ressalvadas as hipóteses em que a legislação infraconstitucional federal se

encontre sob controle de constitucionalidade” (MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. Do

controle à interpretação, da jurisprudência ao precedente. cit., p. 92). 484 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial. A justificação e aplicação de regras

jurisprudenciais. cit., p. 259.

Page 183: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

172

também aceitam mais de uma interpretação, logo não se deve buscar um juiz boca dos

precedentes.485 Um juiz não deve ser mero reprodutor de ementas dos julgados. Deve, ao

aplicar o precedente, interpretá-lo utilizando as técnicas adequadas, cujos dois conceitos

básicos, dentre outros, são a distinção e a superação (distinguishing e overruling).

Isso tudo para dizer que, ao aplicar um precedente, o juiz pode cometer

equívocos interpretativos, de modo a afrontá-lo. O equívoco também pode ser fruto da

ausência de esforço interpretativo ou de inércia argumentativa.486 E, quando realizados esses

erros, restando na violação do precedente, será cabível reclamação para “garantir sua

observância”.

Portanto, “garantir observância” significa assegurar que a ratio decidendi dum

precedente será aplicada nos casos análogos e afastadas nos casos distintos, mediante correta

intepretação do seu acórdão ou enunciado, no caso das súmulas. É que prescreve o §4º, do art.

988: “As hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e

sua não aplicação aos casos que a ela correspondam.”

Num esquema pragmático, três são as situações básicas de inobservância dum

precedente obrigatório, que descerram o caminho para a propositura de reclamação

(i) reclamações por pura negativa de aplicação do precedente, sem alegação de

qualquer distinção no caso concreto. O órgão julgador tão-somente se nega a aplicar o

precedente, sem qualquer justificativa. Não há um motivo para não aplicar o precedente,

como uma distinção no caso concreto. É uma negativa pura e simples, pois não reconhece a

autoridade do precedente. É uma recusa na aplicação do precedente;

(ii) reclamações por puro erro na aplicação do precedente, decorrente de equívoco

interpretativo ou má compreensão da tese jurídica. O julgador observa o precedente, mas ao

aplicá-lo comete um equívoco. Não interpreta corretamente qual a tese jurídica que foi fixada

na decisão paradigma. Há dúvida de qual o conteúdo da ratio decidendi do precedente; e,

(iii) reclamação por realizar, ou deixar de realizar, o distinguishing

equivocadamente. O julgador erra ao proceder a distinção ou deixa de realizá-la. Cuida-se de

um caso concreto que por alguma peculiaridade não se sujeitaria ao precedente, porém ainda

485 A expressão é de Lenio Luiz Streck, que utiliza “juiz boca dos provimentos vinculantes” (STRECK, Lenio

Luiz. Comentários ao art. 988. Comentários ao Código de Processo Civil. Lenio Luiz Streck; Dierle Nunes;

Leonardo Carneiro da Cunha (coord.). Alexandre Freire (org.). São Paulo: Saraiva, 2016. p. 1300). 486 ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues. O princípio da inércia argumentativa diante de um sistema de precedentes

em formação no direito brasileiro. Revista de Processo. Revista dos Tribunais: São Paulo, vol. 229, mar.-2014.

Page 184: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

173

assim o julgador o aplica, sem realizar a distinção. Ou, por outro lado, o julgador afasta o

precedente, por identificar alguma distinção, de forma equivocada. Em suma, é realizar, ou

deixar de realizar, o distinguishing indevidamente.487

Cumpre registrar que omissão não permite o ajuizamento de reclamação. Se o

julgador apenas de omite, é caso de embargos de declaração. Deixar de analisar a incidência

um precedente invocado consiste numa presunção legal de omissão, cabendo os embargos de

declaração para sanar a omissão.488 Se tal omissão é configurada em acórdão de tribunal,

caberá o recurso especial por afronta aos arts. 1.012, par. úni., I, 489, §1, VI, 927, do

CPC/2015, que preceituam a omissão do juiz, ao deixar de analisar um precedente

obrigatório, e impõem-lhe o descer de proceder com a análise.

O precedente obrigatório, portanto, contribui para eliminar dúvidas pretéritas;

contudo, cria dúvidas futuras em relação à sua própria aplicação. A reclamação destina-se a

garantir a observância do precedente, mas acaba indo além, pois também concorre para

reconstruir a ratio decidendi do precedente.

Na reclamação, veiculam-se os erros na interpretação e aplicação do precedente.

Ao apreciar tais reclamações, o tribunal irá dirimir se a interpretação dada ao precedente está

correta, bem como se o distinguishing realizado foi acertado. O tribunal vai delimitando e

podando o próprio precedente. Vai alargando ou encurtando seu significado, dando maior ou

menor alcance, certificando quais fatos e situações estão, ou não, sujeitos ao seu alcance.

Verificar se houve inobservância do precedente implica, necessariamente, identificar qual a

ratio decidendi e quais fatos ela alcança. Tudo isso porque o precedente não contém um

significado unívoco, que pode ser interpretado de forma variada.

487 Essas duas últimas hipóteses por vezes se confundem. Um erro interpretativo da tese jurídica pode implicar

um distinguishing equivocado. O julgador, ao compreender mal a ratio decidendi, pode acabar excluindo um

caso concreto da incidência do precedente, que lhe deveria sujeitar-se; ou, doutra banda, aplicando-o a casos

concretos, que não deveriam a eles sujeitar-se. Com efeito, todo precedente é um dado textual normativo. E todo

dado textual é ambíguo e vago, pressupondo interpretação para extrair o seu significado. Ao interpretar o texto

normativo, há duas etapas para superar a ambiguidade e a vagueza. É um ato intelectivo complexo. Primeiro,

para superar a ambiguidade, interpreta-se o texto para compreender qual a norma que dispõe; nessa etapa, extrai-

se a ratio decidendi do precedente, já se sabe qual sua norma. Na segunda etapa, para superar a vagueza textual,

descobrem-se quais os fatos são atingidos pela norma extraída. Apontam-se quais são os fatos relevantes que se

deverão submeter à norma, isto é, quais são os casos concretos sujeito à incidência normativa do precedente. É

nessa segunda etapa que ocorre o distinguishing. Havendo equívoco na primeira etapa, contamina-se a segunda.

Em suma, interpretar um precedente significa descobrir qual sua norma (ratio decidendi) e quais os casos

concretos em que essa norma incide. 488 CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. cit., p. 694.

Page 185: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

174

Na reclamação, portanto, é possível a realização de distinguishing489 e

reinterpretação do precedente – claro que com atenção à confiança legítima – inclusive

servindo para deixar seu significado mais atual, atendendo as mutações sociais, políticas e

econômicas do entorno.490

Pode, ainda, ser procedido com o overruling na reclamação. É que a diferença

entre o overruling e o distinguishing é apenas de grau. Se, durante o julgamento da

reclamação, forem constatadas razões – históricas, políticas, sociais, jurídicas ou legislativas –

suficiente para quebrar a continuidade do precedente, deve ser realizada a sua superação.

Contudo, a superação – ou revogação do precedente – deve obedecer aos critérios

legais de cada um deles. Caso se cuide de uma súmula vinculantes, deve atender ao disposto

na Lei nº 11.417/2006. Já no caso de IRDR e recursos excepcionais repetitivos, deve atender

ao art. 986 do CPC/2015. Em todos os casos, deve ser atendido o contraditório dando às

partes a oportunidade de manifestaram-se sobre os argumentos em torno de uma superação.

Em suma, o tribunal, de ofício, ao julgar a reclamação pode proceder com a

revisão ou superação do precedente. (CPC/2016, art. 986; Lei nº 11.417/2006, art. 3º), sob

variados argumentos, inclusive a alteração do contexto fático, no qual o precedente foi

formado, a exemplo de modificações econômicas, políticas, sociais, que tornem o precedente,

total ou parcialmente, obsoleto ou ultrapassado para reger os novos fatos e situações jurídicas.

Por fim, ressalva-se uma curiosa questão, suscitada por Carlos Eduardo Rangel

Xavier, acerca da possibilidade de, num julgamento de reclamação para assegurar aplicação

489 “Caso o contexto fático do caso sob julgamento abra oportunidade para outra solução ou interpretação, em

vista das suas peculiaridades, não haverá violação da autoridade da decisão da Suprema Corte. Porém, o

simples distinguishing não é suficiente para afastar o cabimento da reclamação. A adequação do distinguishing

inviabiliza a procedência da reclamação, mas a sua realização – exatamente por poder ser inadequada – não

inibe a sua propositura. Se o tribunal inferior distinguir o caso sob julgamento e, por conta disso, não aplicar o

precedente, a reclamação deverá trazer a argumentação de que a distinção realizada é improcedente.”

(MARINONI, Luiz Guilherme. O STJ enquanto corte de precedentes. cit., p 243). 490 Pode vir a ocorrer um overriding, que é a revogação parcial do precedente. A corte restringe o âmbito de

aplicação do precedente, em virtude de uma nova norma jurídica surgida após a instalação do precedente

paradigma. O overriding é superação parcial do precedente. “O overriding se baseia na necessidade de

compatibilização do precedente com um entendimento posteriormente firmado. A distinção que se faz, para se

deixar de aplicar o precedente em virtude do novo entendimento, é consistente com as razões que estiveram à

base da decisão que deu origem ao precedente.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. cit.,

p. 348) A corte, ao realizar o overriding, lida com determinada situação que não estava envolvida no precedente

que originou a ratio decidendi e toma por conclusão que, dados os fatos e circunstâncias sociais que levaram ao

entendimento anterior, a nova situação, sob julgamento, deve ser desvinculada da ratio anterior e ser decidida

com base em entendimento ou regra jurídica mais recente.

Page 186: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

175

de precedente, restar apurado que o precedente invocado não contém ratio decidendi

delimitada e definida.491

É que um acórdão pode não conter razões suficientes e necessárias, em sua

fundamentação, que bem expliquem a solução dada à questão posta à julgamento. O acórdão

tem um dispositivo claro, mas a motivação dos votos do órgão colegiado não demonstra

argumentos suficientes e necessários para solucionar a questão. Não se consegue identificar

uma norma geral e abstrata para orientar os juízes em casos futuros. Cuida-se de um acórdão

sem ratio decidendi.492 Isso é mais difícil de acontecer no julgamento de casos repetitivos,

pois – ao final – o tribunal deve fixar a tese jurídica, ou seja, expõe especificamente o

fundamento da decisão (CPC/2015, arts. 978, par. úni., 984, §2º, 986).

Isso pode ocorrer com mais facilidade no caso das súmulas vinculantes e dos

acórdãos em controle concentrado de constitucionalidade. É que as súmulas são meros

enunciados, que trazem o extrato de entendimento reiterado do tribunal, porém dissociados

dos fatos materiais que levaram a tal entendimento. Doutro lado, os acórdãos em controle

concentrado de constitucionalidade têm o dispositivo claro e conclusivo, porém não tem

obrigação de fixar tese jurídica; por vezes os variados argumentos, em sentidos opostos,

contidos nos votos, ou até mesmo a falta de fundamentação dos votos, impede que se encontre

uma ratio decidendi. Trata-se de um acórdão com dispositivo, norma jurídica concreta; porém

sem norma geral e abstrata apta a regular casos futuros, isto é, sem ratio decidendi.

O que pode ocorrer é que a ausência de ratio decidendi apenas é identificada no

julgamento da reclamação. E precedente sem ratio decidendi não é precedente por definição,

sendo apenas decisão judicial com norma concreta. Não possui força vinculante, porque essa

emana da ratio decidendi. A reclamação, nesses casos, terá o seguinte resultado: (i) a

improcedência, caso a reclamação tenha sido ajuizada por erro na aplicação do precedente, já

que inexistente qualquer ratio decidendi que vincule o julgador; (ii) a procedência, caso

proposta por inaplicação do precedente ao caso concreto, pois se não há ratio decidendi não

havia nada a ser aplicado ao caso concreto.

491 XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2016. p. 154. 492 MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. cit., p. 104-109; MARINONI, Luiz Guilherme.

Julgamento nas cortes supremas: precedente e decisão do recurso diante do novo CPC. cit., p. 59-60.

Page 187: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

176

3.8. O caso da Rcl 4374/PE: reclamação que realizou overruling e revogou de decisão em

controle concentrado de constitucionalidade

Um julgamento marcante, durante a fase histórica constitucional da reclamação

constitucional, foi o da Rcl 4374/PE, no STF493. Do acórdão é possível extrair duas rationes

decidendi. A primeira que na reclamação pode ocorrer a reinterpretação, distinguishing e

overruling da ratio decidendi de decisão proferida em controle concentrado de

constitucionalidade; a segunda que a reclamação pode implicar revogação de decisão em

controle concentrado de constitucionalidade.

Para entender o julgamento da Rcl 4374/PE, é preciso compreender rapidamente,

os fundamentos do acórdão. A ementa é sucinta e bastante esclarecedora494:

3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de

constitucionalidade abstrato.

Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos

recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da

reclamação.

O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material

de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade,

incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado

na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o

denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos.

A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de

normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das

reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação – no “balançar de olhos” entre

objeto e parâmetro da reclamação – que surgirá com maior nitidez a oportunidade para

evolução interpretativa no controle de constitucionalidade.

Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá

reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir

além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que,

em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação

atual da Constituição.

No caso concreto, a reclamação foi ajuizada sob alegação de desrespeito ao

acórdão da ADI 1.232, que julgou constitucional o artigo 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993 (Lei

de Organização da Assistência Social). O juízo reclamado, no processo principal, deixou de

493 Rcl 4374/PE, Rel. Ministro Gilmar Mendes, j. 18/4/2013, DJe 4/9/2013. 494 Sobre o tema: DIDIER JR., Fredie; MACÊDO, Lucas Buril de. Controle concentrado de constitucionalidade e

revisão de coisa julgada: análise da reclamação nº 4.374/PE. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 16, n.

110, out. 2014/jan. 2015, p. 567-590.

Page 188: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

177

aplicar o dispositivo já declarado constitucional pelo STF em sede de controle concreto de

constitucionalidade.

O voto condutor proferido pelo Ministro Gilmar Mendes fundamentou que, apesar

da declaração de constitucionalidade do dispositivo, os juízes deixavam de aplicar o conteúdo

do artigo, ou realmente por tê-lo como inconstitucional (violando frontalmente a ADI 1.232)

ou encontrando uma forma transversa de não aplicar (afrontando obliquamente a ADI 1.232).

Em certo momento, até mesmo os membros do STF, ao apreciar reclamações por afronta à

ADI 1.232, encontravam um argumento para manter a decisão reclamada. As centenas de

reclamações ajuizadas não foram suficientes para coibir as decisões das instâncias inferiores,

na solução dos cacos concretos, violadoras do acórdão da ADI 1.232.

Para o Ministro Gilmar Mendes, o caso era típico de mutação constitucional e, por

consequência, inconstitucionalização de norma. Determinado texto legal que fora declarado

constitucional em controle concentrado – artigo 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993 – passou a ser

inconstitucional, em virtude de mudanças no ambiente social, político e ideológico.

O fundamento importante foi ser possível, em sede de reclamação, revisar

entendimento anterior do STF e até mesmo revogar decisão proferida em controle

concentrado de constitucionalidade. Nas palavras do relator: “A primeira questão a ser

enfrentada diz respeito à possibilidade de se revisar, no julgamento da reclamação, a decisão

que figura como parâmetro da própria reclamação”. E o parâmetro da Rcl 4374/PE foi o

acórdão da ADI 1.232, que julgou constitucional o art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993. Assim,

a Rcl. 4374/PE revogou expressamente o acórdão da ADI 1.232 para decretar inconstitucional

o art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993 e julgou improcedente a demanda reclamatória.

De acordo com a ratio decidendi da Rcl 4374/PE, na reclamação é possível o STF

delimitar o alcance e o conteúdo da decisão parâmetro, ou seja, de reinterpretar a norma

constitucional já interpretada pelo próprio STF. Com efeito, na reclamação o STF pode

reinterpretar e realizar superação e distinções dos próprios precedentes firmados em controle

concentrado de constitucionalidade.

É natural que o Tribunal, ao realizar o exercício – típico do julgamento de qualquer

reclamação – de confronto e comparação entre o ato impugnado (o objeto da reclamação) e

a decisão ou súmula tida por violada (o parâmetro da reclamação), sinta a necessidade de

reavaliar o próprio parâmetro e redefinir seus contornos fundamentais.

Page 189: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

178

Continua o voto condutor para afirmar que a oportunidade de reapreciar as

decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais

naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no momento de

confronto entre o objeto da reclamação (ato impugnado) e a decisão violada (parâmetro da

reclamação) que aparece a oportunidade de evolução interpretativa no controle abstrato de

constitucionalidade. Daí, para justificar a possibilidade de revogar um acórdão de ADI,

fundamenta que “parece óbvio que a diferença entre a redefinição do conteúdo e a completa

superação de uma decisão resume-se a uma simples questão de grau”.

A possibilidade de reinterpretar ou revogar um entendimento anterior na

reclamação seria decorrência da própria estruturação da demanda, cujo juízo hermenêutico se

funda na comparação entre uma decisão anterior (parâmetro da reclamação) e um ato

impugnado (objeto da reclamação).

Num primeiro momento, o STF realizou um overruling. O STF, especificamente,

superou a ratio decidendi da ADI 1.232. Os motivos determinantes da ADI 1.232 foram

superados. A norma jurídica – geral e abstrata – foi suplantada. Os fundamentos adotados na

ADI 1.232, que levavam à constitucionalidade do art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993, foram

sobrepujados por outros fundamentos. Houve, portanto, um overruling, inicialmente. A ratio

decidendi foi superada.

Ao comparar a demanda reclamatória (Rcl 4374/PE) com o acórdão paradigma

(ADI 1.232), o STF percebeu que a ratio decidendi do acórdão paradigma estava

ultrapassada. O que antes era constitucional, atualmente já não era. Ocorreu uma mutação

constitucional. Os motivos que implicavam a constitucionalidade não mais existiam; os

fundamentos do acórdão paradigma não mais se sustentavam, merecendo a superação. Então,

num primeiro momento, o STF superou a ratio decidendi, norma jurídica geral e abstrata da

ADI 1.232, e realizou um overruling, fruto do “balançar de olhos” entre a demanda

reclamatória e o acórdão paradigma.

Já num segundo momento, o STF realizou a revogação da ADI 1.232. O STF –

após superar a ratio decidendi – percebeu que deveria declarar inconstitucional o texto legal,

que antes era integralmente constitucional. O acórdão da ADI 1.232 deveria ser desfeito.

Nesse momento, o STF, ao decidir pela revogação da ADI 1.232, não tratou de

técnica de aplicação ou superação de um precedente, própria de uma teoria dos precedentes.

Não foi distinguishing ou overruling, exatamente porque já não era mais exercício cognitivo-

hermenêutico sobre a ratio decidendi da ADI 1232. Nessa segunda etapa da Rcl 4374/PE,

Page 190: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

179

utilizou-se como parâmetro a parte dispositiva do acórdão da ADI 1232, no caso, apenas a

declaração da constitucionalidade do art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993, que se trata de norma

jurídica concreta de decisão do caso.

Após realizar o overruling e fundamentar a mutação constitucional, percebeu-se a

inconstitucionalidade superveniente do art. 20, § 3º da Lei nº 8.742/1993. Assim, na segunda

etapa, o STF revogou a ADI 1.232; retirou do ordenamento a norma jurídica concreta contida

no dispositivo (a declaração da constitucionalidade do art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993) e a

substitui por outra norma jurídica também concreta (a decretação de inconstitucionalidade

parcial, sem pronúncia de nulidade do art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993).

Nessa segunda etapa do julgamento, não houve retirada do ordenamento de ratio

decidendi, norma jurídica genérica e abstrata extraída da fundamentação de um precedente,

mas sim da norma in concretum do dispositivo de uma decisão, cujo efeito é vinculante.

A Rcl 4374/PE possuía como causa de pedir a afronta a uma decisão em controle

concentrado de constitucionalidade do STF, a ADI 1.232, cujo efeito vinculante é erga omnes,

atingindo todos os jurisdicionados e órgãos julgadores. O processo reclamado deixou de

aplicar o art. 20, § 3.º da Lei nº 8.742/1993, daí a parte prejudicada ajuizou a Rcl 4374/PE por

ofensa ao dispositivo da ADI 1232, de efeito vinculante, e expondo o seu direito de ser

cassada a decisão atacada.

Após inicialmente realizar um overruling, a reclamação, ao cabo, rescindiu um

acórdão anterior. Em clara eficácia constitutiva negativa, retirou do mundo jurídico a decisão

proferida na ADI 1.232. O acórdão de ação direta de inconstitucionalidade foi desfeito

(desconstituído) pela reclamação constitucional.495

O STF entender ter ocorrido mutação constitucional no ambiente externo ou

inconstitucionalidade superveniente. Dito de outra forma, a reclamação possui o condão de

desconstituir acórdão da ação de controle concentrado, retirando-o do ordenamento jurídico, e

substituindo-o por outra decisão.

Uma norma ordinária pode nascer válida e eficaz, conforme os valores da

Constituição, entretanto a mesma norma, em virtude de modificações supervenientes do

entorno fático, pode se tornar incompatível com o texto constitucional. Implica afirmar que a

relação harmoniosa entre normas ordinárias e normas constitucionais pode ser quebrada em

495 “A reclamação é, realmente, meio adequado para elucidar uma modificação constitucional relevante mas,

pelas características do nosso sistema de controle concentrado, essa modificação só pode ser reconhecida no

sentido da constitucionalidade para a inconstitucionalidade e nunca em reverso” (DIDIER JR., Fredie;

MACÊDO, Lucas Buril de. Controle concentrado de constitucionalidade e revisão de coisa julgada: análise da

reclamação nº 4.374/PE, cit., p. 584).

Page 191: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

180

virtude de fato sobrevindos alteradores do contexto social. A norma, antes válida e

constitucional, passa por um processo de inconstitucionalização por fatos supervenientes.496

Nesse sentido, a sentença que reconhece a constitucionalidade de uma norma à luz

de determinado contexto histórico-social perderá a eficácia vinculante, caso sobrevenha fato

superveniente alterador do ambiente externo, que torne a norma incompatível com a

Constituição. Cuida de inconstitucionalidade superveniente por mudança do estado de fato.

Nas lições doutrinárias do Ministro Teori Zavascki, as sentenças proferidas no âmbito do

controle concentrado de constitucionalidade estão condicionadas à cláusula rebus sic

stantibus, “pode-se afirmar que a sua força vinculativa (“força de lei”) deixará de existir a

partir do momento em que, por mudança do estado de direito ou de fato, a norma declarada

compatível com a Constituição passa a ser com ela incompatível”497.

Assim, o que significam as razões de decidir contidas no acórdão da Rcl 4374/PE?

Com efeito, pode haver, sistemicamente, o desdobramento em duas razões de decidir: 1) é

possível na reclamação, na condição de ação protetiva da ordem constitucional, a

reinterpretação, distinção e superação de razões de decidir de acórdão proferido em ação de

controle concentrado de constitucionalidade; e, 2) a reclamação pode implicar revogação do

acórdão de ação de controle concentrado de constitucionalidade, nos casos de mutação

constitucional e processo de inconstitucionalização de norma, nesse caso, a reclamação possui

eficácia constitutiva negativa, pois elimina do mundo jurídico (desfaz, desconstitui, quebra)

norma jurídica concreta contida no acórdão parâmetro da demanda reclamatória.

A crítica que se formula ao julgamento do STF relaciona-se ao modo que se

processualizou o overruling e a revogação da decisão; concorda-se com a possibilidade de

fazê-los, contudo se discorda do modo que foram realizados.498

Primeiramente, não houve respeito ao contraditório substancial. Foram

reconhecidas questões desfavoráveis ao auto, sem ao menos conceder-lhe a oportunidade de

496 Isso pode ocorrer até mesmo porque a intepretação dada ao texto constitucional alterou-se com o tempo,

como bem observa Marcelo Neves: “No caso da inconstitucionalidade das leis, o significado contextual desem-

penha um papel importantíssimo, tendo em vista a vagueza, a ambiguidade e o caráter fortemente ideológico

dos termos constitucionais. Num determinado espaço-tempo social, os elementos contextuais podem conduzir a

interpretações no sentido da inconstitucionalidade de uma lei, enquanto em outro espaço-tempo social, eles

podem implicar-lhe a constitucionalidade. (NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São

Paulo: Saraiva, 1988. p. 139) 497 ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 3ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2014. p. 137. 498 No mesmo sentido: DIDIER JR., Fredie; MACÊDO, Lucas Buril de. Controle concentrado de

constitucionalidade e revisão de coisa julgada, cit., p. 584-585.

Page 192: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

181

manifestar-se sobre elas. Houve uma decisão-surpresa, que é vedada em virtude do princípio

do contraditórios.

Igualmente, foi exercido overruling sem cogitar-se ou discutir a necessidade de

modulação de efeitos. Não foi sequer debatido, no julgamento, o impacto da mudança de

entendimento do STF nos casos concretos. É que a modulação de efeitos – como

consequência da segurança jurídica e confiança legítima – é um dever inerente à atividade

jurisdicional, que deve ser exercido no momento do julgamento.499

Por fim, também se critica a revogação da coisa julgada erga omnes em processo

sem as prerrogativas de ADIn ou ADC. Não houve participação do Advogado-Geral da União

tampouco do Procurador-Geral da República, não se abriu espaço para intervenção de amicus

curiae ou realização de audiências púbicas. Enfim, não se respeitaram as prerrogativas de um

processo cujo objetivo é apreciar a constitucionalidade de uma norma, em concentrado.

3.9. O caso da súmula vinculante 10 do STF

Como dito no item 3.7.2., as súmulas constituem enunciados sintéticos, em

estrutura de regra, que resumem o entendimento do tribunal e orientam os juízes. Contudo,

seu afastamento dos fatos materiais que levaram ao entendimento do tribunal cria entraves a

sua eficácia vinculante. Na verdade, dificulta a aplicação, é difícil identificar a ratio decidendi

de uma súmula. Seu conteúdo e seu alcance são mais difíceis de conceber. Assim, a

reclamação contribui bastante para delimitar o significado da súmula, mediante distinções no

caso concreto.

Um bom exemplo é a súmula vinculante 10 do STF:

Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de

tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato

normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

A súmula foi editada, em virtude de reiterados recursos extraordinários alegando

afronta ao art. 97 da CF/1988, que institui a cláusula de reserva de plenário. Apenas um órgão

especial de tribunal pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma, por maioria absoluta

de seus membros; contudo, o que acontecia, na prática, eram os órgãos ordinários dos

tribunais afastarem a incidência da norma, sem declarar expressamente sua

inconstitucionalidade, burlando, portanto, a cláusula de reserva de plenário.

499 PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica, cit., p. 329-330.

Page 193: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

182

Daí, foi editada a súmula vinculante 10, com o intuito de coibir essa situação.

Contudo, o enunciado da súmula não é suficiente para esclarecer todos os fatos que alcança,

ou não. As reclamações serviram para delimitar o significado da súmula.

Na Rcl 15786, o STF decidiu que não se aplica a súmula vinculante 10, caso a

norma afastada pelo órgão fracionário seja anterior à Constituição Federal de 1988. Assim,

uma norma prévia à Constituição pode ser declarada inconstitucional, independente da

cláusula de reserva de plenário, sendo inaplicável a súmula 10.500

Por outro lado, na Rcl 15287, o STF afirmou que a súmula vinculante 10 não se

aplica em julgamentos administrativos de Tribunais. Na verdade, a cláusula de reserva de

plenário pressupõe atividade jurisdicional, logo, se o Conselho da Magistratura de corte local

afasta a aplicação de uma norma, não há ofensa à sumula vinculante 10.501

Igualmente, o STF – na Rcl 14889 – afirmou que não se aplica a súmula

vinculante 10 aos julgamentos proferidos na primeira instância. Cuida-se de uma

inaplicabilidade lógica, pois há primeira instância é tendente a decidir singularmente,

impossível aplicar a cláusula de reserva de plenário.502

Também não incide a súmula vinculante 10, caso a decisão que afastar a norma

seja monocrática em sede de tutela provisória. É que, nesses casos, o desembargador atua com

500 “Agravo Regimental. Reclamação. Alegado desrespeito à cláusula de reserva de plenário. Violação

da Súmula Vinculante 10. Não ocorrência. Norma pré-constitucional. Agravo regimental a que se nega

provimento. I - A norma cuja incidência teria sido afastada possui natureza préconstitucional, a exigir, como se

sabe, um eventual juízo negativo de recepção (por incompatibilidade com as normas constitucionais

supervenientes), e não um juízo declaratório de inconstitucionalidade, para o qual se imporia, certamente, a

observância da cláusula de reserva de plenário.” (Rcl 15786 Agr, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal

Pleno, j. 18/12/2013, DJe 19/2/2014). 501 “Sendo esse o contexto, passo a analisar a pretensão deduzida nesta sede reclamatória. E, ao fazê-lo, assinalo

que o exame do contexto delineado nos presentes autos leva-me a reconhecer a inexistência, na espécie, de

situação caracterizadora de transgressão ao enunciado constante da Súmula Vinculante nº 10/STF. É que a

alegação de desrespeito à exigência constitucional da reserva de plenário (CF, art. 97) supõe, para restar

configurada, a existência de decisão emanada de autoridades ou órgãos judiciários proferida em sede

jurisdicional. Assinalo, no entanto, que o Conselho da Magistratura do E. Tribunal de Justiça do Estado do

Paraná, no âmbito de suas atribuições, exerce atividade de caráter eminentemente administrativo, circunstância

essa que descaracteriza, por completo, a alegação de desrespeito ao enunciado constante da Súmula Vinculante

nº 10/STF.” (Rcl 15287 MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, j. 30/9/2013, DJe 3/10/2013) No

mesmo sentido: Rcl 9360, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. 30/9/2014, DJe 14/11/2014. 502 “O art. 97 da Constituição e a SV 10 são aplicáveis ao controle de constitucionalidade difuso realizado por

órgãos colegiados. Por óbvio, o requisito é inaplicável aos juízos singulares, que não dispõem de 'órgãos

especiais'. Ademais, o controle de constitucionalidade incidental, realizado pelos juízes singulares, independe de

prévia declaração de inconstitucionalidade por tribunal. A tese exposta na inicial equivaleria à extinção do

controle de constitucionalidade difuso e incidental, pois caberia aos juízes singulares tão somente aplicar

decisões previamente tomadas por tribunais no controle concentrado e abstrato de constitucionalidade.” (Rcl

14889 MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, decisão monocrática, j. 13/11/2012, DJe 19/11/2012)

Page 194: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

183

base no poder geral de cautela, para tutelar situações de urgência, não sendo justificável

submeter ao plenário, em virtude do tempo. É o que foi decidido na Rcl 17288.503

A simples ausência de uma dada norma jurídica ao caso sob exame não

caracteriza, apenas por isso, violação da orientação contida na sumula vinculante 10. É

necessário que a decisão fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal tomada

como base dos argumentos expostos na ação e a Constituição. A inaplicabilidade porque os

fatos do caso não atraem a incidência da norma, não implica afronta à súmula vinculante 10,

conforme decidido na Rcl 12122.504

Também não há afronta à súmula vinculante 10, se o órgão fracionário do tribunal

local, ao afastar a norma por inconstitucionalidade, seguiu algum precedente do STF sobre a

matéria, conforme decidido na Rcl 11055.505

Em suma, o que se quer demonstrar é que a reclamação, ao cabo, serviu para

redefinir e reinterpretar o conteúdo da súmula vinculante 10. A medidas que as reclamações

foram julgadas, realizaram-se as devidas distinções, clareando o significado do enunciado

sumular. Isso demonstra que a reclamação proporciona um ambiente útil ao debate e

argumentação em torno da formação e amadurecimento de precedentes obrigatórios, como

vem sendo afirmado na presente pesquisa.

503 “Ementa: Agravo regimental em reclamação. Súmula vinculante nº 10. Decisão liminar monocrática. Não

configurada violação da cláusula de reserva de plenário. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1.

Decisão proferida em sede de liminar prescinde da aplicação da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da

CF/88) e, portanto, não viola a Súmula Vinculante nº 10. Precedentes. 2. A atuação monocrática do magistrado,

em sede cautelar, é medida que se justifica pelo caráter de urgência da medida, havendo meios processuais para

submeter a decisão liminar ao crivo do órgão colegiado em que se insere a atuação do relator original do

processo. 3. Agravo regimental não provido.” (Rcl 17288 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j.

25/6/2014, DJe 26/8/2014) 504 “Registro, ainda, que é permitido aos magistrados, no exercício de atividade hermenêutica, revelar o sentido

das normas legais, limitando a sua aplicação a determinadas hipóteses, sem que estejam declarando a sua

inconstitucionalidade. Se o Juízo reclamado não declarou a inconstitucionalidade de norma nem afastou sua

aplicabilidade com apoio em fundamentos extraídos da Constituição, não é pertinente a alegação de violação à

Súmula Vinculante 10 e ao art. 97 da Constituição.” (Rcl 12122 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno,

julgamento em 19/6/2013, DJe de 24/10/2013). 505 “A jurisprudência desta Corte admite exceção à cláusula de reserva de plenário, quando o órgão fracionário

declara a inconstitucionalidade de uma norma, com base na própria jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal.” (Rcl 11055 ED, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 4/11/2014, DJe de 19/11/2014)

Page 195: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

184

4. Reclamação e as demandas repetitivas

O CPC/2015 aprimora e alarga os mecanismos processuais de gestão e julgamento

de casos repetitivos. Forma-se um microssistema de julgamento de casos repetitivos, com a

dupla função de (i) geri-los e decidi-los e (ii) formar precedentes obrigatórios sobre as

questões decididas, vinculando o próprio tribunal e os demais órgãos hierarquicamente

inferiores. Basicamente, esse microssistema consiste no conjunto das normas que regulam o

incidente de resolução de demandas repetitivas (CPC/2015, art. 976 a 987) e os recursos

especial e extraordinário repetitivos (CPC/2015, arts. 1.036 a 1.041).

Os mecanismos de solução de casos repetitivos não são nenhuma novidade do

CPC/2015. Houve, com efeito, uma significativa ampliação e aprimoramento. No CPC/1973,

já havia previsão e regulação dos recursos especiais extraordinário repetitivos (CPC/1973,

arts. 543-B a 543-C), de forma mais simples e restrita. O CPC/2015 ampliou. Trouxe

regramento mais especifico, permitindo a aplicação do regime de julgamento das causas

repetitivas a qualquer processo originário de tribunal, recurso e remessa necessária. Cuida-se

do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas – IRDR. Preenchidos os requisitos

legais, qualquer tribunal, portanto, pode instaurar IRDR para gerir os casos repetitivos e

formar precedentes obrigatórios.

Até mesmo no STJ e STF pode ser instaurado o IRDR.506 Não sendo recurso

especial ou extraordinário, cujo julgamento no mecanismo repetitivo possui regime próprio

(CPC/2015, arts. 1.036 a 1.041), qualquer outro processo de competência originária ou outra

espécie de recurso poderá ensejar a instauração do IRDR (CPC/2015, art. 978, par. úni.).

Muito embora a previsão do CPC/1973, menos sofisticada, se limitasse a recursos

excepcionais com questões repetitivas, o STJ aplicou o regime processual do recurso especial

repetitivo – por analogia – a uma ação de reclamação constitucional. Tratou-se do julgamento

da Rcl 12.062/GO.507 Ainda na vigência do CPC/1973, o STJ entendeu que o regime

506 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed., cit., p. 257-258; CUNHA, Leonardo

Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. cit. p. 630-631. 507 RECLAMAÇÃO. ACÓRDÃO PROFERIDO POR TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS.

RESOLUÇÃO STJ N. 12/2009. QUALIDADE DE REPRESENTATIVA DE CONTROVÉRSIA, POR

ANALOGIA. RITO DO ART. 543-C DO CPC. AÇÃO INDIVIDUAL DE INDENIZAÇÃO. DANOS

SOCIAIS. AUSÊNCIA DE PEDIDO. CONDENAÇÃO EX OFFICIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA.

CONDENAÇÃO EM FAVOR DE TERCEIRO ALHEIO À LIDE. LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA

DEMANDA (CPC ARTS. 128 E 460). PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. NULIDADE. PROCEDÊNCIA DA

RECLAMAÇÃO. 1. Na presente reclamação a decisão impugnada condena, de ofício, em ação individual, a

parte reclamante ao pagamento de danos sociais em favor de terceiro estranho à lide e, nesse aspecto, extrapola

os limites objetivos e subjetivos da demanda, na medida em que confere provimento jurisdicional diverso

daqueles delineados pela autora da ação na exordial, bem como atinge e beneficia terceiro alheio à relação

Page 196: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

185

processual do recurso especial repetitivo poderia ser aplicado, por analogia, à reclamação. O

principal motivo, levantado pelo Ministro Sidnei Beneti, era que se tratava de uma reclamação

ajuizada contra decisão de juizado especial cível, cuja questão controvertida se proliferava em

vários outros processos de juizados. Igualmente, sustentou o caráter uniformizador de

jurisprudência das reclamações propostas nos termos da antiga Resolução nº 12/2009, do STJ.

Contudo, na atual vigência do CPC/2015, o IRDR pode gerir o julgamento de

causas repetitivas em qualquer recurso, remessa necessária e processo de competência

originária de tribunal, dentre eles a reclamação. É possível instaurar o IRDR na reclamação

constitucional, o que ora se denomina – em metonímia – de reclamação repetitiva.508 Não se

trata mais de uma aplicação analógica, como fez o STJ, mas sim da incidência de regras

diretas que já regulam a hipótese de uma reclamação versar sobre questões repetitivas.509

O objetivo do presente capítulo é investigar a possibilidade e os aspectos

processuais da reclamação repetitiva.

4.1. O fenômeno da litigiosidade em massa

A sociedade moderna é hipercomplexa.510 Significa dizer que a sociedade

apresenta ao homem uma multiplicidade de possíveis experiências, ações e informações; mais

inclusive do que o homem pode realizar e assimilar. Porém, a sociedade moderna também é

contingente, isto é, as experiências, ações e informações à disposição do homem podem não

corresponder às expectativas, porque são enganosas, inexistentes ou intangíveis.511 Essa

complexidade tende a reiterar-se, em idênticas experiências e eventos que se repetem todos os

jurídica processual levada a juízo, configurando hipótese de julgamento extra petita, com violação aos arts. 128 e

460 do CPC. 2. A eg. Segunda Seção, em questão de ordem, deliberou por atribuir à presente reclamação a

qualidade de representativa de controvérsia, nos termos do art. 543-C do CPC, por analogia. 3. Para fins de

aplicação do art. 543-C do CPC, adota-se a seguinte tese: "É nula, por configurar julgamento extra petita, a

decisão que condena a parte ré, de ofício, em ação individual, ao pagamento de indenização a título de danos

sociais em favor de terceiro estranho à lide". 4. No caso concreto, reclamação julgada procedente. (Rcl

12.062/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 20/11/2014). 508 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed, cit., p. 710. 509 Discorda-se, portanto do enunciado 363 do FPPC. A reclamação repetitiva segue o rito do IRDR, e não dos

recursos excepcionais repetitivos. Não é necessário recorrer à analogia. Existem regras que incidem diretamente,

independentemente de hermenêutica integrativa, no caso, as regras do IRDR. Enunciado 363 do FPPC: “O

procedimento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos aplica-se por analogia às causas repetitivas

de competência originária dos tribunais superiores, como a reclamação e o conflito de competência.” 510 Sobre a sociedade moderna e seu caráter complexo, consultar: NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma

relação difícil. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 1-58; BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida.

Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001; LUHMANN, Niklas. Observaciones de la modernidad:

racionalidad y contingencia en la sociedad moderna. Barcelona: Paidós, 1997. 511 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. p.

45-46.

Page 197: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

186

dias para diversas pessoas. É uma massificação das experiências e eventos, de forma reiterada

e idêntica. Há, também, na sociedade moderna, a massificação do consumo, fruto do modo de

produção capitalista e da atividade econômica contemporânea.512 A revolução industrial

desenvolveu a tendência de padronizar bens, serviços e tecnologias, produzidos e oferecidos

em larga escala, de forma idêntica e repetida, ou seja, massificada.

Tais fatores, em conjunto, levam à reiteração de eventos, experiências e ações na

vida dos homens. São as mais variadas delas que se repetem todos os dias. Diariamente, são

adquiridos produtos e serviços, em larga escala. Há padronização das relações jurídicas frutos

dessas experiências. Até mesmo as relações jurídicas junto ao Poder Público são semelhantes,

principalmente as tributárias e previdenciárias. As pessoas titularizam exatamente os mesmos

direitos. Há uma proliferação de situações jurídicas idênticas.

Dessas experiências sociais massificadas, tendem a surgir litígios também

massificados. É uma padronização dos conflitos na sociedade moderna. Os litígios são

semelhantes e tendem a se repetir. As ações, propostas no Poder Judiciário, possuem pedidos

e causa de pedir assemelhadas. Os juízes são levados a decidir a mesma questão em

incontáveis ações. São questões factuais e jurídicas idênticas, que precisam ser resolvidas,

alterando apenas os sujeitos envolvidos. É o fenômeno da litigiosidade judicial massificada

crescente a cada dia.513- 514

O Direito Processual Civil brasileiro tradicional, sob o paradigma liberal,

desenvolveu-se para solucionar adequadamente os litígios individuais. As normas processuais

foram estruturadas de modo a considerar única cada ação, em que litigam duas pessoas. O

512 Sobre o consumismo na modernidade: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida, cit., p. 10-116; WEBER,

Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 15ª ed. São Paulo: Pioneira, 2000. p. 130-131. 513 A litigiosidade repetitiva é a massificação das ações do “homem médio”. É a representação da rebelião das

massas de Ortega y Gasset perante o Poder Judiciário. Vive-se sob o “brutal império das massas” no Poder

Judiciário, cujas ações enchem as prateleiras e, mais recentemente, os arquivos magnéticos. (ORTEGA Y

GASSET, José. A rebelião das massas. Lisboa: Relógio D´Água, 1998). 514 Na sociedade moderna, identificam-se três grandes grupos de litígio: a) litigiosidade individual ou “de

varejo”, envolvendo questões estritamente particularizadas e isoladas, que não tendem a se repetir; b)

litigiosidade coletiva, que versa sobre direitos difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos,

submetidos ao Judiciário por meio de ações propostas pelos legitimados coletivos; e, c) litigiosidade em massa

ou repetitiva, envolvendo os direitos individuais homogêneos, que chegam ao Poder Judiciário mediante

reiteradas demandas individuais, tratando das mesmas questões de direito ou factuais. (NUNES, Dierle. Novo

enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação procedimental a partir da diversidade de

litigiosidade. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 184, jun.-2010, p. 118). Antonio Adonias

Bastos ainda explica que se enquadra nas demandas de massa, os conflitos heterogêneos, individuas e coletivos,

que – embora tenham pedidos e causa de pedir bem diferentes, possuem questões comuns a serem resolvidas.

(BASTOS, Antonio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o

processamento das demandas de massa. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 168, ago.-

2010)

Page 198: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

187

processo civil se norteou na resolução de os litígios particularizados.515 A estruturação do

sistema processual como um todo não se pautou na eficiência – adequada e necessária – para

a solução de demandas em massa.

O processo civil clamou por uma postura de mudança, em virtude da litigiosidade

de massa, buscando novo paradigma e estruturação.516 No Brasil, durante a segunda metade

do século XX, cultivava-se o ambiente adequado para sistematização da tutela jurisdicional

coletiva, num período de redemocratização e valorização da atividade do Ministério

Público.517 Gradualmente, desenvolveram-se as fontes do Direito Processual Coletivo, de

modo a tutelar os direitos coletivos stricto sensu, os difusos e os individuais homogêneos.

Igualmente, aumentou-se a produção acadêmica sobre o tema e os precedentes dos

Tribunais.518

Contudo, o Direito Processual Civil Coletivo não se revelou eficiente o necessário

para resolver todas as demandas massificadas.519 Não foi capaz de conter o ajuizamento

proliferado de ações repetitivas, por uma série de motivos.520 Surgem, portanto, a busca de

técnicas processuais de julgamento dos casos repetitivos, de modo a conferir racionalidade,

eficiência, igualdade e segurança ao sistema jurisdicional.

515 CUNHA, Leonardo Carneiro da. O regime processual das causas repetitivas. Revista de Processo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, v. 179, jan.-2010. 516 BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. A insurreição da aldeia global contra o processo civil

clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. Ação Civil

Pública (Lei 7.347/85 – Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação. MILARÉ, Édis (coord.) São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 73. 517 CAVALCANTI, Marcos. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas. Salvador:

Juspodivm, 2015. p. 113; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e

nacional. 2ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 295-296. 518 Em 1985, foi promulgada a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985); a Constituição Federal prevê o

mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX); a Constituição também reforça a ação civil pública, que já era

prevista desde as Ordenações Filipinas (art. 5º LXXIII); a Constituição alarga e reforça a ação civil pública (art.

129, III); o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) forma um microssistema processual coletivo,

pela interação com as demais fontes do Direito Processual Civil Coletivo; e, mais recentemente, a Lei nº

12.016/2009 regula o mandado de segurança coletivo. Todas essas inovações normativas foram acompanhadas

de desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema. 519 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional, cit., p. 302. 520 “Com efeito, a doutrina aponta a existência de deficiências no sistema processual coletivo de defesa de

direitos individuais homogêneos, como a restrição em relação a algumas matérias que poderiam ser objeto de

tais ações, como as de natureza tributária; a restrição da legitimação ativa da pessoa natural; a falta de

critérios para aferir e controlar concretamente a adequação da representatividade; a inadequada restrição de

atuação de associações; o ineficiente sistema de comunicação da propositura da ação coletiva aos interessados;

a condenação genérica e necessidade de execução individual; o sistema de extensão dos efeitos da coisa

julgada; a falta de uma cultura de associatividade e a tendência à propositura de demandas individuais; a

ausência de formas adequadas para flexibilização do procedimento e adequação ao conflito” (TEMER, Sofia.

Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 35-36). No mesmo sentido:

SICA, Heitor. Congestionamento viário e congestionamento judiciário. Revista de Processo. São Paulo: Revista

dos Tribunais, v. 236, out.-2014.

Page 199: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

188

Diante dessa necessidade, o CPC/2015 – como dito – aprimorando e alargando os

mecanismos dos recursos excepcionais repetitivos do diploma anterior (CPC/1973, arts. 543-

B e 543-C) estabelece que se considera julgamento de casos repetitivos as decisões proferidas

em incidente de resolução de demandas repetitivas, apelidado de IRDR, e em recurso especial

e extraordinário repetitivos (CPC/2015, art. 928). São os principais mecanismos para gerir as

demandas repetitivas do CPC/2015.521

4.1.1. Fundamentos para tutela adequada das demandas repetitivas: isonomia,

segurança e eficiência

Os mecanismos de julgamento de casos repetitivos buscam fixar teses jurídicas

sobre questões repetitivas, de modo que os jurisdicionados, em litígios idênticos, recebam o

mesmo tratamento. A tese jurídica a ser firmada, cujo efeito é vinculante, deverá ser adotada

pelos demais órgão julgadores. A legislação traz regras que facilitam e aceleram a aplicação

das teses jurídicas fixadas, tornando mais eficiente a tutela jurisdicional; por exemplo, a

improcedência liminar do pedido (CPC/2015, art. 332, II e III), a dispensa de remessa

necessária (CPC/2015, art. 496, §º, II e III), a autorização para tutela provisória de evidência

(CPC/2015, art. 311, II).

Tendo em vista essas características, é possível dizer que os fundamentos remotos

dos mecanismos de tutela de casos repetitivos são a isonomia, a segurança e a eficiência.522

Valores constitucionais que são concretizados pelas normas pertinentes ao julgamento de

casos repetitivos. O processamento e o julgamento das demandas repetitivas possuem

dogmática própria. Regem-se por um regime específico, de modo que a tese fixada, no

julgamento por amostragem, seja adotada em todos os demais processos em que a mesma

questão seja decidida. Assim, adensam-se os princípios da isonomia, da segurança e da

eficiência na prestação da tutela jurisdicional.523

Isonomia porque às questões idênticas serão dadas as mesmas soluções. Casos

semelhantes serão resolvidos de forma semelhante. A distribuição da justiça deve ser

521 São também mecanismos de gestão e julgamento dos casos repetitivos: (a) súmula vinculante, (b) suspensão

de segurança para várias liminares em casos repetitivos; (c) pedido de uniformização da interpretação da lei

federal no âmbito dos Juizados Especiais Federais e da Fazenda Pública. 522 Sofia Temer fala em isonomia, segurança e celeridade. (TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas

repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 39-41) 523 Nesse sentido: ZANFERDINE, Flávia; GOMES, Alexandre. Tratamento coletivo adequado das demandas

individuais repetitivas pelo juízo de primeiro grau. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.

234, ago.-2014, p. 191.

Page 200: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

189

igualitária para os jurisdicionados. O julgamento de casos repetitivos evita que haja soluções

distintas para os casos isomórficos.

Por outro lado, saber que o Poder Judiciário adota determinando entendimento

adensa a segurança jurídica. O jurisdicionado passa a antever quais serão as consequências

normativas de uma determinada conduta.524 Diminui-se a contingência das decisões judiciais,

que passam a seguir os precedentes vinculantes formados no julgamento das causas

repetitivas. A aplicação das normas pelos Poder Judiciário passa a ser mais previsível e

calculável, diminuído decisões com conteúdos contraditórios.525

Os mecanismos de julgamento das causas repetitivas ainda tornam a prestação

jurisdicional mais eficiente. Não se trata apenas de celeridade, mas de eficiência.526 Balizadas

pelo princípio da eficiência, foram postas as regras de gestão e julgamento dos casos

repetitivos. O objetivo é gerir os casos repetitivos, de modo a obter decisões melhores em

menor lapso temporal, com menos dispêndio de energia do Poder Judiciário.

A eficiência se traduz em conseguir melhores resultados, com menor dispêndio de

energia. São empregados meios ótimos, para alcançar melhores resultados. A eficiência está

intimamente ligada à gestão processual. É uma eficiência qualitativa, e não quantitativa. A

eficiência quantitativa se confunde apenas com a economia processual; no entanto, não basta

economia, devendo haver qualidade nas decisões prolatadas. Enfim, regras processuais

eficientes são as “adequadas à solução do caso com efetividade, duração razoável,

garantindo-se a isonomia, a segurança, com contraditório e ampla defesa.”

Os mecanismos de gestão e julgamento dos casos repetitivos não se norteiam

apenas na economia processual, nem na duração razoável do processo. Na verdade, são

balizados pela eficiência. Há regras que postergam um pouco mais a decisão final, porém

concretizam o contraditório efetivo, a exemplo da realização de audiências públicas e

intervenção recursal dos amici curiae (CPC/2015, arts. 983, §1º, 130, §3º). Por outro lado, há

regras que diminuem o custo processual, verbi gratia: o julgamento por amostragem e em

524 Diante da complexidade da sociedade moderna e da contingência das expectativas normativas, é preciso que o

sistema jurídico seja confiável para que a expectativas normativas sejam reduzidas (LUHMANN, Niklas.

Confianza. Trad. Amada Flores. Barcelona: Anthropos, 1996. p. 39-52). 525 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica, cit., p. 148. 526 “Por sua vez, a eficiência, como já registrado, mede a relação entre os meios empregados e os resultados

alcançados526. Quanto maior o rendimento de produção mais eficiente será a atividade desenvolvida. A

eficiência relaciona-se com o alcance de finalidades pré-estabelecidas, dizendo respeito aos meios empregados

para tanto. Haverá eficiência se os meios adotados forem ótimos, gerando pouco esforço ou dispêndio, com o

melhor resultado possível.” (CUNHA, Leonardo Carneiro da. A previsão do princípio da eficiência no Projeto

do Novo Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 233,

jul.-2014, p. 67).

Page 201: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

190

bloco de apenas poucos processos; a desistência não impede a apreciação do mérito; e, se já

houve afetação da mesma questão em tribunal superior, o IRDR é inadmissível (CPC/2015,

art. 976, §§ 1º e 4º).

Enfim, os mecanismos de gestão e julgamento dos casos repetitivos são balizados

pela eficiência processual. Não se trata apenas de economia processual, mas de eficiência

qualitativa.

4.2. Microssistema de gestão e julgamento de casos repetitivos

O CPC/2015 preceitua que são julgamentos de casos repetitivos as decisões

proferidas em IRDR e recursos excepcionais repetitivos (art. 928). Foi visto no item 3.7.3.

que, há também a formação de um microssistema de julgamento de casos repetitivos, cuja

função bifronte é (i) geri-los e decidi-los e, como dito, (ii) formar precedentes obrigatórios

sobre as questões decididas. Esse microssistema é o conjunto das normas que tratam do IRDR

(CPC/2015, art. 976 a 987) e os recursos especial e extraordinário repetitivos (CPC/2015,

arts. 1.036 a 1.041).

Convém registrar que o fato de existir procedimento específico para os recursos

especial e extraordinário repetitivos não impede, de modo algum, que se instaure o IRDR

perante o STF ou STJ. A questão repetitiva pode ser própria de algum processo originário

(reclamação, ação rescisória, conflito de competência, mandado de segurança etc.), não

sendo veiculada nos recursos excepcionais, daí ser cabível o IRDR. Compreender

diversamente, significa que questões repetitivas contidas em processos originários do STF e

STJ não poderão se submeter ao mecanismo de tutela de casos repetitivos, o que afronta o

princípio da eficiência.

Em ambos, no IRDR e nos recursos excepcionais repetitivos, são escolhidos

alguns poucos casos representativos da controvérsia para serem julgados, afetados ao

procedimento específico, cujo julgamento formará o precedente. Chama-se também de

decisão paradigma, pois é dela que se extrai a tese jurídica (a ratio decidendi, os motivos

determinantes...). Enquanto se julgam os casos paradigmas, os demais processos de idêntica

controvérsia devem ser sobrestados, aguardando a fixação da tese jurídica. Quando for fixada

a tese jurídica, deverá ser aplicada aos casos sobrestados e futuros de mesma controvérsia.

Page 202: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

191

Esses instrumentos, em conjunto, possuem dupla função: servem para gerir e

julgar os casos repetitivos e, igualmente, para formar precedentes obrigatórios sobre as

questões decididas.

A tese jurídica fixada no julgamento será aplicada, dentro da jurisdição do órgão,

a todos os processos, individuais e coletivos, que versem sobre idêntica questão de direito,

bem como aos processos futuros que vierem a seu ajuizados com a mesma controvérsia.

Formado o precedente, no julgamento de casos repetitivos, a aplicação de sua

ratio decidendi é imposta em várias regras esparsas pelo Código. Em caso de erro na

aplicação ou sua inobservância, caberá reclamação constitucional dirigida ao tribunal que

formou o precedente (CPC/2015, art. 988, IV, §§ 4º e 5º, II); há omissão presumida na

decisão judicial que deixa de se pronunciar sobre o precedente invocado (CPC/2015, art.

1.022, par. úni., I); o relator passa a deter o poder de decidir o recurso monocraticamente, seja

para provê-lo, seja para desprovê-lo (CPC/2015, art. 932, IV, “b” e “c”, V, “b” e “c”; art.

955, par. úni., II); autoriza-se a tutela provisória de evidência (CPC/2015, art. 311, II);

dispensa-se a remessa necessária (CPC/2015, art. 496, §4º, II e III); permite-se a

improcedência liminar do pedido (CPC/2015, art. 332, II e III).

Para exercer sua dupla função, há dois núcleos de regras aplicáveis ao julgamento

de casos repetitivos, resultado da junção das regras desses instrumentos. Um dos núcleos

refere-se à gestão dos casos repetitivos, o outro à formação e vinculação dos precedentes

obrigatórios.

No primeiro núcleo, encontra-se uma das regras mais importantes: o

sobrestamento de todos os processos de idêntica controvérsia de direito. Admitido o IRDR,

são suspensos todos os processos, coletivos ou individuais, tramitando na jurisdição do

respectivo tribunal, que versem sobre a mesma questão (CPC/2015, art. 982 I); da mesma

forma, selecionados e afetados os recursos excepcionais representativos da controvérsia, deve

ser determinado o sobrestamento dos processos com mesma questão, em todo território

nacional (CPC/2015, art. 1.037, II). A suspensão dos processos evita que sejam proferidas

decisões contraditórias e reduz os custos do Poder Judiciário. Não será desperdiçada atividade

jurisdicional em milhares de processos, mas apenas em alguns deles de forma concentrada no

tribunal.

Pode ocorrer, no entanto, que algum processo seja sobrestado indevidamente. Um

processo, cuja controvérsia seja distinta do caso repetitivo, pode ser suspenso, o que é muito

Page 203: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

192

comum na prática. Trata-se de uma suspensão inútil, pois o julgamento do caso repetitivo em

nada afetará o processo suspenso, já que suas questões são diferentes. Nesse caso, pode a

parte prejudicada, sem incidência de prazo preclusivo, requerer o retorno ao curso processual

ordinário. A qualquer momento, mediante pedido fundamentado, no qual esclareça a

distinção, fática ou jurídica, entre o seu caso e o repetitivo a ser julgado pelo tribunal, pode

requerer o prosseguimento do processo (CPC/2015, art. 1.037, §§ 8º a 13).

Durante a suspensão processual, não é vedada a concessão de tutela provisória de

urgência. Os demais atos, via de regra, restam vedados, salvo a concessão de tutela de

urgência. Se o processo está pendente na primeira instância, o pedido de tutela de urgência

será dirigido ao juiz da causa (CPC/2015, art. 982, §2º); se está pendente de julgamento no

tribunal, o requerimento de tutela de urgência será perante o relator do processo; e, se já

interposto recurso especial ou extraordinário, ainda não admitido, será requerido ao presidente

ou vice-presidente do tribunal (CPC/2015, art. 1.029, §5º, III).

Para a exercer a função de formação de precedentes obrigatórios, aplica-se outro

núcleo de regras, das quais se destacam (i) a ampla divulgação e publicidade, (ii) o debate

participativo ampliado e (iii) o dever de fundamentação qualificada. Essas regras fundam-se

em dois motivos. Primeiro, é o efeito multiplicador da decisão, que afetará milhares de

pessoas, que não são parte. Daí surge o segundo motivo, a necessidade de formar um

precedente mais qualificado, contemplando todos os argumentos até então levantados das

partes, mediante contraditório substancial.

O CNJ deve manter um cadastro nacional dos casos repetitivos, de modo que

qualquer interessado possa ter acesso aos casos repetitivos que serão julgados nos tribunais.

Igualmente, cada tribunal manterá banco de dados próprios, com informações específicas

sobre questões de direito submetidas ao julgamento repetitivo (CPC/2015, art. 979).

Essa ampla publicidade, além de viabilizar que os órgãos judiciais se cientifiquem

dos casos repetitivos, permite que terceiros e eventuais amici curiae intervenham para

contribuir com o debate e com a formação do melhor precedente possível. É a participação

ampliada, concretizando o contraditório efetivo e substancial. Os interessados, institucional ou

juridicamente, podem intervir no julgamento dos casos repetitivos, para influenciar no debate,

fornecendo argumentos e dados ao tribunal. Também o Ministério Público, como fiscal da

ordem jurídica, deverá ser intimado, nos casos em que não for parte (CPC/2015, arts. 976,

§2º, 1.038, III).

Page 204: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

193

A fundamentação da decisão que julga o caso repetitivo deve ser reforçada e

qualificada. O debate ampliado e substancial é procedido exatamente com o intuito de

fornecer, ao tribunal, um manancial de dados e informações – técnicos e jurídicos – que

embasarão a decisão. Quanto mais informações, dados e argumentos, melhor será a decisão

que, obrigatoriamente, deverá enfrentar todos os argumentos contrários e favoráveis

(CPC/2015, arts. 984, §2º, 1.038, §3º). A ideia é que os argumentos vencidos fiquem claros,

dando maior legitimidade a decisão, além de facilitar a necessidade, ou não, de revisão do

precedente.

Formado o precedente, sua ratio decidendi vincula os processos de mesma

controvérsia, futuros ou presentes. Contudo, é permitida a revogação ou revisão da tese. O

tribunal, de ofício, ou os legitimados para suscitar o IRDR poderão requerer a revisão ou

superação do precedente. (CPC/2016, art. 986), sob variados argumentos, inclusive a

alteração do contexto fático, no qual o precedente foi formado, a exemplo de modificações

econômicas, políticas, sociais, que tornem o precedente, total ou parcialmente, obsoleto ou

ultrapassado para reger os novos fatos e situações jurídicas.

4.3. Questões repetitivas

Para melhor compreender, analiticamente, os mecanismos de julgamento dos

casos repetitivos, é preciso discorrer sobre a noção de questão repetitiva. Tal noção servirá

igualmente para entender os aspectos e a viabilidade das reclamações repetitivas.

O CPC/2015 utiliza as expressões “demandas repetitivas”, “casos repetitivos” e

“recursos repetitivos”, ao tratar dos mecanismos de gestão e julgamentos dos repetitivos.

Também são usadas na doutrina as expressões “causas repetitivas”, “processos repetitivos”,

“ações repetitivas”, “litígios repetitivos”, dentre outras. Contudo, a terminologia mais

adequada é “questões repetitivas”. O CPC/2015 foi infeliz, ao eleger as outras expressões. O

que se repetem são as questões. Não se repetem as demandas, recursos, ações, causas,

processos, casos, litígios etc.; o que se repetem são as questões.527/

527 De qualquer sorte, a terminologia legal não macula os institutos, tampouco artigos e trabalhos acadêmicos que

utilizem os termos legais ou outros pretensamente sinônimos. Inclusive, em liturgia penitencial, no presente

trabalho, ao deparar-se com qualquer das expressões acima, saiba-se que são utilizadas como sinônimos de

questões repetitivas. Na verdade, a terminologia legal traduz-se em uma metonímia, uma figura de linguagem

usualmente utilizada na Ciência Processual Civil, o que não diminui o seu rigorismo técnico. Quando se utiliza

reclamação repetitiva, recorre-se a metonímia para expressar questão repetitiva constante de reclamação

escolhida como caso paradigma.

Page 205: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

194

A atração da incidência dos mecanismos de gestão dos repetitivos depende da

existência de questões repetitivas controversas proliferadas em ações, recursos, incidentes,

sucedâneos recursais etc.528 É, a princípio, irrelevante de quais instrumentos constem as

questões repetitivas. O objeto do IRDR e dos recursos excepcionais repetitivos são as

questões comuns aos processos.

Por questão compreende-se qualquer ponto, duvidoso e controverso, de fato ou de

direito, material ou processual, que surja no decorrer de ação.529 Questões são os pontos

controvertidos – endoprocessuais – de fato ou de direito, materiais ou processuais.530

Não é, contudo, qualquer espécie de questão que atrai o IRDR e os recursos

excepcionais repetitivos. O CPC/2015 limitou seu objeto às questões de direito, excluindo as

questões de fato (CPC/2015, art. 976, I, 1.036). As questões devem ser unicamente de direito.

As questões de fato não podem ser objeto do IRDR e dos recursos excepcionais repetitivos.

Cuidou-se de opção infeliz, por dois motivos: a) não há uma linha limítrofe clara entre

questões de fato e de direito, muitas vezes se confundindo; 531-532 e, b) há questões fáticas

repetitivas que merecem ser solucionadas em julgamento em bloco; imagine-se, por exemplo,

na seara do Direito do Consumidor, a necessidade de fixar se um determinado produto é

defeituoso, ou se a negativa na prestação de algum serviço médico configura dano moral.533

Por outro lado, o CPC/2015 não limitou às questões materiais ou processuais.

Podem ser objeto dos mecanismos de gestão e julgamento dos casos repetitivos igualmente

questões materiais e questões processuais. Essa extensão é muito relevante, uma vez que as

528 Nesse sentido: TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas, cit., p. 48-63;

CAVALCANTI, Marcos. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas., cit., p. 527. 529 SILVA, Ovídio Baptista. Limites objetivos da coisa julgada no atual Direito Brasileiro. Sentença e coisa

julgada. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 112; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Questões

prejudiciais e questões preliminares. Direito Processual Civil: ensaios e pareceres. Borsoi: Rio de Janeiro, 1971.

p. 74-75; DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 20. 530 No Direito Processual Civil o termo “questões” é frequentemente encontrado: questões de mérito, materiais,

preliminares, prejudiciais, decididas, de ordem púbica, de fato, de direito etc. 531 Explicando a dificuldade em distinguir as questões de fato e de direito: “Assim, se o fenômeno jurídico

envolve necessariamente fato/direito, a nosso ver, pode-se falar em questões que sejam predominantemente de

fato e predominantemente de direito, quando, neste movimento pendular a atenção do juiz (do intérprete) se fixa

mais demoradamente do “lado” em que estão as normas. O fenômeno jurídico é simultaneamente de fato e é de

direito, mas o aspecto problemático deste fenômeno pode estar girando em torno dos fatos ou em torno do

direito.” (Em: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Questão de fato e questão de direito. Processo Civil em

Movimento: diretrizes para o novo CPC. LAMY, Eduardo; ABREU, Pedro Manoel. OLIVEIRA, Pedro Miranda

de (coords.). Florianópolis: Conceito, 2013. p. 170). “A linha de demarcação entre questões de direito e

questões de fato, contudo é flutuante.” (GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São

Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 164-165). 532 Sobre a dificuldade na distinção: NEVES, Antonio Castanheira. Questão-de-facto, questão-de-direito, ou, o

problema metodológico da juridicidade. Coimbra: Almedina, 1967. 533 CABRAL, Antonio do Passo. Comentários ao art. 976, cit., p. 1439-1440; CUNHA. Leonardo Carneiro da. A

Fazenda Pública em juízo. 13ª ed, cit., p. 253.

Page 206: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

195

questões processuais, controversas e duvidosas, tendem a se repetir tanto quanto as questões

materiais.534

Deve existir divergência na solução dessas questões controvertidas. Não se admite

o IRDR se as questões controvertidas são decididas de maneira idêntica pelos juízes. Seria um

incidente inútil, instaurado para pacificar o que já está pacificado. Também seria um

procedimento preventivo, com o intuito de evitar futuras divergências jurisprudenciais. É

necessário que as soluções dadas estejam variando a ponto de ameaçar a segurança jurídica e

a igualdade jurisdicional. Ainda deve haver uma multiplicidade de processos com a questão

controversa em comum; alguns poucos não são suficientes. A repetição da questão comum

deve ser efetiva (CPC/2015, arts. 976 e 1.036).535-536

Enfim, o elemento necessário para instaurar os mecanismos de julgamento

repetitivos é questão de direito controversa, material ou processual, comum a múltiplos

processos, havendo divergência quanto à solução que lhe é dada.

Feitas essas considerações, três pontos devem ser bem esclarecidos.

Primeiramente, a questão controversa pode ser comum a vários tipos de remédios

processuais. A questão pode ser comum, a um só tempo, a recursos de apelação, de agravo de

instrumento, de mandado de segurança, agravos internos, reclamações, ações rescisórias,

procedimentos especiais, procedimento comuns, execuções, embargos à execução, conflitos

de competência etc. Não existe limitação aos tipos de ação, incidentes, recurso e remédios em

que despontem as questões comuns.

534 O CPC/2015 não optou por realizar a limitação do Incidente de Uniformização de Interpretação da lei federal,

dirigido à Turma Nacional de Uniformização, no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Nele a controvérsia

restringe-se a questões de direito material. Eis o art. 14 da Lei nº 10.259/2001: “Art. 14. Caberá pedido de

uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito

material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.” 535 “É preciso, como visto, que haja efetiva repetição de processos. Não cabe IRDR preventivo. Mas se exige que

haja risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Esse requisito reforça a vocação do IRDR para a

formação de precedentes, aliando-se ao disposto no art. 926 do CPC. Exatamente por isso, somente cabe o

incidente quando já houver algumas sentenças antagônicas a respeito do assunto. Vale dizer que, para caber o

incidente, deve haver, de um lado, sentenças admitindo determinada solução, e, por outro lado, rejeitando a

mesma solução. É preciso, enfim, existir uma controvérsia já disseminada para que, então, seja cabível o IRDR.

Exige-se, em outras palavras, como requisito para a instauração de tal incidente, a existência prévia de

controvérsia sobre o assunto.” (CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo, cit., p. 253). 536 Em sentido contrário, tomando por desnecessária a existência de decisões conflitantes, Marcos Cavalcanti

afirma que basta o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (CAVALCANTI, Marcos. Incidente de

resolução de demandas repetitivas e ações coletivas, cit., p. 421). O argumento do autor aparenta contraditório.

Não se vislumbra como pode haver risco à isonomia e a segurança jurídica se as decisões estão uniformes. A

exigência de decisões conflitantes é, na verdade, um critério objetivo que demonstra o risco de ofensa à isonomia

e à segurança jurídica.

Page 207: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

196

Por exemplo, é possível que surja questão controvertida sobre a licitude e

constitucionalidade de um determinado tributo estadual. A questão pode chegar ao Tribunal

de Justiça mediante vários remédios: mandado de segurança originário para combater a

autuação fiscal, recurso de apelação em procedimento comum, agravo de instrumento contra

inacolhimento de exceção de pré-executividade apresentada na execução fiscal que cobra o

tributo etc. Não existe uma repetição na espécie de ação ou recurso, o que se repete é a

questão controvertida comum a todos eles, permitindo-se, assim, a instauração do IRDR.

Como é óbvio, porém, algumas questões, principalmente as processuais, são

próprias de algum remédio e nele revelam-se com mais frequência. Pense-se, por exemplo, no

cabimento de mandado de segurança contra decisão interlocutória irrecorrível por agravo.

Essa discussão, via de regra, se mostrará aos tribunais nos próprios mandados de segurança e

nos recursos em mandado de segurança, pois a questão controvertida relaciona-se ao tipo de

remédio.

A segunda questão que deve ser esclarecida é que as questões comuns

controvertidas não se limitam a direitos individuais homogêneos.537 Na verdade, os direitos

individuais homogêneos fracionados em ações individuais é apenas uma das situações que

permite a instauração do IRDR e dos recursos excepcionais repetitivos, pois nela haverá

questão material ou processual comum a todas as ações. Serão ações com aproximação de

pedidos e causa de pedir.

Porém, os casos repetitivos não se limitam a questões substanciais comuns. Não

se restringem à repetição da pretensão material decorrentes de direitos individuais

homogêneos. As questões comuns não são sinônimo de direitos individuais homogêneos.538

As questões comuns repetitivas podem ser encontradas em causas totalmente heterogêneas,

inclusive sem origem comum. As questões processuais repetitivas encontram-se em causas

que não guardam qualquer similitude, sendo totalmente heterogêneas, como é o caso de

discussão sobre algum requisito de admissibilidade da apelação, que se reitere em múltiplas

apelações; não há, nesse exemplo, qualquer direito homogêneo substancial de origem comum.

537 O conceito de direitos individuais homogêneos extrai-se do lacônico art. 81, par. úni., III, do CDC:

“interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.” Partindo do

texto legal, entende-se por direitos individuais homogêneos aqueles cujo titulares podem ser individualizados,

mas o direito possui uma origem comum, ou seja, decorrem dos mesmos fatos, ou condutas, ou questões de fato

ou de direito. Apesar dos titulares serem fracionáveis individualmente, sua criação destinou-se a permitir o seu

tratamento coletivo (molecular). (MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado

e nacional, cit., p. 225). 538 TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas, cit., p. 59.

Page 208: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

197

As questões comuns podem ser encontradas em causa heterogêneas, totalmente

particularizadas. Não precisam ter origem comum.539 São demandas, as mais variadas

possíveis, nas quais desponte uma controvérsia idêntica, ainda que de natureza material.

Imagine-se, por exemplo, a discussão sobre a licitude na aplicação de um determinando índice

de correção monetária. Esse debate pode surgir em causas bem heterogêneas, sem qualquer

origem comum: (i) uma ação de consignação em pagamento que pleiteie a nulidade da

cláusula de correção num contrato de compra e venda de imóvel entre médicos; (ii) nos

embargos ajuizados em execução proposta por banco para cobrar dívida de contrato de cheque

especial; (iii) na impugnação ao cumprimento de sentença que condenou o INSS a pagar

verbas previdenciárias inadimplidas; (iv) mandado de segurança contra atuação fiscal que

aplicou o índice; (v) ação de cobrança de alugueis atrasados etc. No exemplo, a questão

comum é a mesma – licitude do índice de correção monetária –, porém as causas são as mais

variadas possíveis, com origens distintas. Nalgumas delas, a aparição da controvérsia é

concomitante ao ajuizamento da ação, noutras surge no decorrer dela e, por vezes, até depois

da sentença, no momento de cumpri-la.

Crê-se, com efeito, que a classificação em direitos individuais homogêneos,

direitos heterogêneos, direitos coletivos homogêneos é inservível no campo dos casos

repetitivos. Classificações podem ser úteis ou inúteis. E essa classificação é útil no campo do

Direito Processual Civil Coletivo;540 contudo, no campo dos casos repetitivos, não se presta a

nenhuma utilidade. O que é relevante é serem questões jurídicas repetitivas, independente de

os direitos deduzidos serem individuais homogêneos ou heterogêneos. Essa classificação em

nada influência o desencadeamento e trâmite de um mecanismo de julgamento dos repetitivos.

O foco reside nas questões, tanto que o art. 1.037, I, do CPC/2015, dispõe que,

após escolhidos os casos paradigmas, as questões devem ser identificadas com precisão.541 É a

questão o objeto do incidente. É sobre ele que serão realizados os debates e exercida a

cognição. Ao definir rigorosamente qual a questão a ser julgada, define-se o objeto meritório

539 Marcos Cavalcanti afirma que, muito embora as questões objeto do IRDR não coincidam com os direitos

individuais homogêneos, é preciso haver homogeneidade nas questões repetitivas e que tenham origem comum:

“Em resumo, as questões de direito que podem ser objetos do IRDR são exatamente aquelas que decorrem de

origem comum e cujos aspectos comuns prevalecem sobre os individuais, recomendado o tratamento coletivo”

(CAVALCANTI, Marcos. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas, cit., p. 529). O

argumento não procede. A questões comuns repetitivas podem ser encontradas em causas heterogêneas,

ajuizadas em tempos diversos, sem qualquer origem comum. Basta que se repita a questão controversa. 540 Recentemente, Edilson Vitorelli questionou a utilidade e a eficiência dessa classificação para o próprio

Direito Processual Coletivo: VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2016. p. 35-112. 541 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed, cit., p. 241-242.

Page 209: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

198

do incidente e o órgão julgados a ela vincula-se. Não poderá decidir além ou aquém da

questão, incidindo a regra da congruência ou correlação.542

4.4. Reclamação repetitiva: a aplicação do Incidente de Resolução de Demandas

Repetitivas

O STJ já aceitou, ainda durante a vigência do CPC/1973, a reclamação repetitiva.

Ao julgar a Rcl 12.062/GO, aplicou-se por analogia a antiga sistemática do recurso especial

repetitivo (CPC/1973, art. 543-C).543 Nela havia questão de direito que se repetia em diversos

processos de Juizado Especial Cível, cuja forma de chegar ao STJ era mediante reclamação

constitucional, nos termos da extinta Resolução nº 12/2009, do STJ, o que justificou a

aplicação analógica, de modo a fixar uma tese sobre a questão debatida.544

Atualmente, não é mais necessário recorrer à analogia. O IRDR é suscitável em

processos originários, em recursos e em remessa necessária (CPC/2015, art. 978, par. úni.).

Na reclamação, como ação de competência originária, pode ser instaurado o IRDR, formando

o que ora se denomina de reclamação repetitiva. Até mesmo no STJ e STF, que podem julgar

os recursos excepcionais repetitivos, o IRDR será aplicado à reclamação. Caso haja alguma

regra dos recursos excepcionais repetitivos cuja aplicação se imponha, não há nenhum

problema, pois tais mecanismos formam um microssistema de gestão e julgamento de casos

repetitivos, cujas regras aplicam-se reciprocamente.

Cumpre destacar que qualquer das hipóteses de cabimento da reclamação permite

a admissão do IRDR. O importante – como explicado anteriormente – é que na reclamação

desponte alguma questão controvertida comum a diversos outros processos, sejam

reclamações ou não. Igualmente, a reclamação repetitiva poderá ser instaurada em todos os

tribunais, já que a reclamação pode ser proposta em qualquer tribunal (CPC/2015, art. 988,

§1º).

As hipóteses de cabimento da reclamação são: (i) preservar competência dos

tribunais (CPC/2015, art. 988, I); (ii) garantir a autoridade das decisões dos tribunais

(CPC/2015, art. 988, II); (iii) garantir a observância de súmula vinculante e de decisão do STF

542 Sobre a correlação no processo civil, consultar: MACHADO, Marcelo Pacheco. A correlação no processo

civil. Salvador: Juspodivm, 2015. 543 Rcl 12.062/GO, Rel. Min. Raul Araújo, Segunda Seção, j. 12/11/2014, DJe 20/11/2014. 544 Remete-se o leitor para o item 2.2.2.2, no qual se discorre sobre reclamação contra decisões de Juizados

Especiais Cíveis.

Page 210: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

199

em controle concentrado de constitucionalidade (CPC/2015, art. 988, III); e, (iv) garantir a

observância de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de

assunção de competência (CPC/2015, art. 988, IV).

Nas duas últimas hipóteses, a finalidade da reclamação é garantir a observância e

correta aplicação das teses jurídicas dalguns precedentes obrigatórios, mais especificamente,

das rationes decidendi de súmulas vinculantes, de decisões em sede de controle concentrado

de constitucionalidade, de decisões em incidente de assunção de competência e em casos

repetitivos.

Em qualquer reclamação, fundamentada nas distintas hipóteses de cabimento da

reclamação, é possível suscitar um IRDR. Na verdade, quando se refere à reclamação

repetitiva, significa dizer que é uma reclamação da qual conste uma questão jurídica

controvertida comum a diversos outros processos, sejam reclamações ou não.

O objeto do IRDR é a questão jurídica que será decidida, daí sua importância. Ela

quem delimita o conteúdo da tese a ser fixada. Daí a importância de entender quais os tipos de

questão que podem aparecer numa reclamação repetitiva. São basicamente três: (i) questões

repetitivas processuais próprias da reclamação; (ii) questões repetitivas, processuais ou

materiais, próprias de qualquer processo; e, (iii) questões repetitivas surgidas na reclamação

em virtude da inobservância ou erro na aplicação de precedente.

4.4.1. Questões repetitivas processuais próprias da reclamação

A reclamação é uma ação constitucional de competência originária dos tribunais.

Seu rito básico é previsto no CPC/2015, arts. 988 a 993. Cuida-se de uma ação de rito célere e

expedito, baseado em prova documental pré-constituída, bem similar ao rito do mandado de

segurança. Antes do CPC/2015, que inaugurou a fase codificada,545 as reclamações eram, em

sua maior parte, concentradas no STJ e STF. Atualmente, podem de propostas em qualquer

tribunal.

Em virtude do novo regramento legal concebido pelo CPC/2015, é mais que

normal despontarem diversas questões processuais controversas pertinentes à ação de

reclamação constitucional reiteradamente. E, caso recebam tratamento conflituosos pelos

juízes, é aconselhável que se instaure o IRDR – a reclamação repetitiva – para pacificar tais

questões.

545 Sobre as fases da reclamação remete-se o leitor para o item 2.2.

Page 211: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

200

São questões processuais comuns às ações de reclamação. São questões

processuais controversas pertinentes ao rito da reclamação. São inúmeros os exemplos. Pode

ser a discussão do cabimento de honorários sucumbenciais na reclamação, se existe

litispendência entre reclamação e recurso, se o rol do art. 988 é exemplificativo ou se é

cabível reclamação para controlar a aplicação de qualquer precedente obrigatório do art. 927.

São todos exemplos de questões processuais pertinentes à reclamação, logo é nas reclamações

e nos recursos em reclamação que essas questões comuns tendem a se revelar.

Excepcionalmente, surgirão questões processuais sobre reclamação em outros tipos de

remédios; por exemplo, ação rescisória contra acórdão de reclamação ou mandado de

segurança contra decisão em reclamação. Porém, via de regra, tendem a mostrar-se nas

reclamações e recursos em reclamações.

4.4.2. Questões repetitivas, processuais ou materiais, próprias de qualquer processo

O segundo tipo que questões repetitivas que surgem na reclamação são próprias

de qualquer processo, de natureza material ou processual. É a perspectiva mais ampla de

questões comuns aptas a ensejar o IRDR. Em sede de reclamação podem manifestar-se

questões que não se referem propriamente à ação de reclamação. São questões jurídicas de

qualquer tipo aptas a surgirem em variados tipos de processo, recursos etc.

Essas questões, materiais ou processuais, podem guardar ou não relação com as

hipóteses de cabimento da reclamação.

Uma questão controvertida sobre competência pode reproduzir-se em reclamação

e processos de outra espécie. Imagine-se o seguinte exemplo: o STF possui entendimento de

que a sua competência originária para julgar conflitos entre a União e Estados da Federação546

apenas se instala se houver ameaça ao pacto federativo (CF/88, art. 102, I, “f”). Não havendo

abalo ao pacto federativo, a competência é da Justiça Federal de primeira instância. Na

prática, há casos concretos em que a existência ou não de ameaça ao pacto federativo é uma

zona cinzenta, surgindo dúvidas quanto à competência, se do STF ou Justiça Federal. Daí

poderão ser ajuizadas ações diretamente no STF ou na Justiça Federal de primeira instância.

Processadas as ações de primeira instância, poderão ser ajuizadas reclamações perante o STF,

caso a parte entenda que existe usurpação de competência do STF. Na prática, em todas essas

ações haverá uma questão repetitiva comum, a controvérsia quanto à competência para julgar

546 ACO 1364 AgR, Rel. Min. Celso De Mello, Tribunal Pleno, j. 16/9/2009, DJe 5/8/2010.

Page 212: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

201

o caso, se do STF ou da Justiça Federal de primeira instância. É uma questão de competência

que guarda relação com uma das hipóteses de cabimento da reclamação.547

Outros exemplos são de mais fácil compreensão. A legitimidade do Ministério

Público para ser parte em alguma demanda, pode aparecer nos mais variados tipos de

remédios e ações, inclusive na reclamação. A forma de contagem de prazo processuais. A

discussão sobre a licitude de um índice de correção monetária. São todas questões jurídicas,

materiais e processuais, que podem aparecer em qualquer tipo de demanda.

4.4.3. Questões repetitivas surgidas na reclamação em virtude da inobservância ou

erro na aplicação de precedente

Na sistemática do CPC/2015, a reclamação é um meio adequado para controlar os

precedentes obrigatórios. Daí se encontra intimamente ligada aos mecanismos de julgamento

dos casos repetitivos. O IRDR e os recursos excepcionais repetitivos servem para gerir e

julgar os casos repetitivos, de modo que a decisão proferida forma um precedente obrigatório

(CPC/2015, art. 927, III); e a reclamação foi eleita como instrumento adequado para impor a

observância e a correta aplicação desses precedentes (CPC/2015, art. 988, IV).

A reclamação é um elemento complementar do microssistema de gestão e

julgamento dos casos repetitivos. Por opção de direito positivo, sua função no sistema é

garantir eficácia e efetividade aos acórdãos proferidos no julgamento de casos repetitivos.548

O sistema criou mecanismos para lidar com as questões repetitivas e formar uma tese jurídica

que deverá ser observada pelos demais órgãos jurisdicionais. A reclamação é um instituto que

combate a irresignação dos juízes em relação ao precedente e o erro em sua aplicação. A

547 Outro exemplo: os policiais civis do Estado de Pernambuco entram em greve e o Secretário de Defesa Social

determina o corte do ponto. O sindicato ajuíza um mandado de segurança no TRT alegando abusividade do corte

do ponto, lá surgindo a controvérsia se a competência é da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum, pois se

trata de greve dos servidores públicos estaduais. Ao mesmo tempo, a associação de policiais civis ajuíza um

mandado de segurança na primeira instância da Justiça Estadual em que também surge a mesma controvérsia da

competência. Contra esse último mandado de segurança, a Procuradoria do Estado ajuíza reclamação, pois o

mandado de segurança contra ato de secretário de Estado seria de competência originaria do Tribunal. Nessa

reclamação, uma das questões prévias é saber se a matéria de fundo é da Justiça Estadual ou do Trabalho. No

caso, também se formou um conflito de competência que deverá ser julgado no STJ, no qual a controvérsia é a

mesma: a competência. Ainda é possível imaginar que a controvérsia chegue no TST mediante recurso ordinário

constitucional, no caso de denegação de ordem do mandado de segurança impetrado diretamente no TRT. Em

todos os casos, manifesta-se a mesma questão: a competência para conhecer de ações relativas à greve de

servidor público estadual. 548 Há dúvida se a reclamação é um meio de controle de precedentes eficiente, sob a perspectiva da

administração da justiça. É possível a proliferação de reclamações contestando a aplicação dos precedentes,

abarrotando os tribunais. Essa questão é mais grave nos tribunais superiores, pois a reclamação não tem os

mesmos filtros dos recursos excepcionais, cujos requisitos de admissibilidade são mais complexos.

Page 213: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

202

reclamação complementa a racionalidade, a segurança e a igualdade dos julgamentos dos

repetitivos, garantindo a correta aplicação e o cumprimento da tese jurídica fixada.

Contudo, nessas hipóteses, exatamente por se relacionar aos casos repetitivos, a

reclamação pode tornar-se também repetitiva. Com efeito, há uma tendência de multiplicação

de reclamações propostas para controlar a aplicação de precedente, de súmulas vinculantes, de

decisões de controle concentrado de constitucionalidade e de acórdãos em julgamento de

repetitivos (CPC/2015, art. 988, III e IV).

Mais precisamente, podem surgir múltiplas reclamações com questão jurídica

comum relativa à aplicação ou não observância do precedente formado em julgamento de

casos repetitivos. A aplicação dos precedentes pressupõe sua interpretação e, durante a

atividade hermenêutica, podem surgir dúvidas ou interpretações divergentes, implicando o

ajuizamento de inúmeras reclamações, fundamentadas no art. 988, IV.

Explicando melhor, podem surgir três hipóteses de questões jurídicas nas

reclamações por afronta a precedente, conforme exposto no item 3.7.4.:

(i) o afastamento, expresso do precedente, sem qualquer justificativa.

Explicitamente, sem apresentar distinção no caso concreto ou outro motivo, o órgão judicial

recusa-se a aplicar o precedente;

(ii) erro interpretativo na extração da ratio decidendi do precedente. O órgão

judicial, ao aplicar o precedente, má compreende sua tese jurídica. Cuida-se de um equívoco

na interpretação do acórdão do precedente, que implica extrair uma tese jurídica errada. E,

extraindo a tese jurídica erra, acaba-se por aplicar a casos em que não se deveria;

(iii) o julgador erra por realizar, ou deixar de realizar, o distinguishing. Trata-se de

um caso concreto que por diferença factual não se submeteria ao precedente, contudo ainda

assim o órgão judicial o aplica, sem realizar a distinção. Ou, doutra banda, o julgador afasta o

precedente, por identificar alguma distinção, de forma equivocada. Em suma é realizar, ou

deixar de realizar, o distinguishing indevidamente.

É possível que se repitam na reclamação essas três espécies de questões comuns,

com base no art. 988, II e IV, do CPC/2015.

Na primeira hipótese, não será viável instaurar o IRDR. Existe uma recusa

injustificada na aplicação do precedente. O que resta é forçar sua aplicação. Ainda que se

multipliquem reclamações com essa mesma questão, não é viável a reclamação repetitiva. É

Page 214: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

203

que a controvérsia nela contida já foi resolvida. A tese jurídica já foi fixada no julgamento do

caso repetitivo que embasa a própria reclamação. Seu ajuizamento se fundamenta na negativa,

pura e simples, de aplicação desse precedente. O IRDR não teria utilidade, pois serviria para

solucionar uma questão que já fora decidida com a respectiva fixação da tese. Essas

reclamações devem ser julgadas individualmente, de modo a cassar a decisão que deixou de

observar o precedente.

A única exceção que se consegue visualizar é instaurar a reclamação repetitiva

para revogar a tese anterior. A utilidade da reclamação seria para exercer o overruling, como

permitido pelo art. 986, do CPC/2015. É possível que a negativa pura e simples, reiterada do

precedente, demonstre a necessidade de superá-lo. É possível, porém, que tenha ocorrido

mudanças políticas, econômica ou sociais que impliquem a obsolescência do precedente e,

por consequência, a necessidade de sua superação. Nesse caso, justifica-se a instauração da

reclamação repetitiva para revogar o precedente. A reclamação mostra-se como um meio

adequado de superação do precedente; é um dos instrumentos úteis para o exercício de

overruling, principalmente quando, nas reclamações, se repetem controvérsias acerca da pura

inobservância do precedente.

As duas outras espécies de questões (erro na interpretação do precedente ou na

realização do distinguishing) também podem se reproduzir nas reclamações para controle de

precedentes obrigatórios. Havendo repetição de reclamações com tais questões em comum, é

cabível a instauração do IRDR, isto é, a reclamação repetitiva.

Por vezes, o texto de um precedente não é claro o suficiente, gerando dúvidas

quanto à sua tese jurídica fixada. Sua ratio decidendi pode não transparecer facilmente do

texto. Claro que uma decisão com qualificada fundamentação diminui dificuldades

interpretativas acerca da norma que se extrai do precedente e o CPC/2015 traz regras nesse

sentido, porém nem sempre são tão eficazes (CPC/2015, arts. 489, §1º, 984, §2º). De qualquer

modo, havendo dúvida interpretativa do precedente, poderão surgir multiplicadas

reclamações, cujas questões controvertidas comuns sejam exatamente a alegação de erro

interpretativo do precedente, que permitirão instaurar a reclamação repetitiva para

reinterpretar autenticamente o precedente.

É possível, igualmente, que um precedente, ao ser firmado, não consiga alcançar

todos casos concretos relacionados e juridicamente relevantes, havendo divergência quanto ao

alcance do precedente. Ou, ainda, que, no decorrer da vida social complexa, surjam, após a

Page 215: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

204

fixação do precedente, novos fatos, também juridicamente relevantes, que gerem dúvidas se

submetem ou não à norma do precedente. Em resumo, são dúvidas acerca do distinguishing

no julgamento do caso concreto, se suas particularidades são capazes de atrair ou afastar a

incidência do precedente. Nesses casos, sendo múltiplas as reclamações, é totalmente

concebível o IRDR.

Essas reclamações, com idênticas questões, podem se multiplicar perante o STJ

ou STF, sendo caso de submetê-las ao procedimento do IRDR, de forma a racionalizar a

prestação jurisdicional.

Coloque-se em exemplo tudo o que foi exposto no presente item para melhor

compreensão. Volte-se ao exemplo dado da dúvida sobre a licitude de um determinado índice

de correção monetária que se torne uma questão repetitiva nos mais variados processos. O

STJ aplica o regime dos recursos repetitivos e fixa a tese que o índice é lícito, salvo para

negócios relativos à construção civil. Continuamente, podem ocorrer as seguintes situações:

(a) os juízes negam reiteradamente aplicação ao precedente, sem alegação de

distinção no caso concreto. Tão-somente afastam o precedente, e declaram ilícito o índice, ao

apreciarem o caso concreto. Esgotadas as vias ordinárias, caberá reclamação ao STJ para

impor observância ao precedente, isto é, para que no caso concreto o índice seja declarado

lícito. Nessas hipóteses, ainda que se proliferem reclamações idênticas, de nada adianta

instaurar um IRDR, pois a tese já está fixada – licitude do índice –, resta apenas impor sua

aplicação. Apenas é recomendável o IRDR, se o STJ observar que a razão da inaplicação do

precedente seja uma possível obsolescência. As mudanças sociais, políticas, jurídicas e

econômicas implicaram a ilicitude do índice. Nesse caso, concebe-se a reclamação repetitiva

para, se for o caso, exercer o overruling;

(b) os juízes possuem dúvida quanto ao conteúdo do precedente. Ao aplicar o

precedente ao caso concreto, não se sabe o significado da expressão “negócios relativos à

construção civil”; se são apenas negócios que tratem de execução de obra, como é o caso do

contrato de empreitada, ou também negócios que tratem de compra e venda de insumos

destinados à execução de obra ou, ainda, negócios bancários que financiem a construção da

obra. Essas dúvidas interpretativas podem implicar a má aplicação do precedente, aplicando-o

ou afastando-o indevidamente. Esgotadas as instâncias ordinárias, caberá reclamação ao STJ.

Havendo múltiplas reclamações com essas controvérsias, devem ser submetidas ao regime

Page 216: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

205

IRDR, de modo que o STJ, em interpretação autêntica, esclareça o conteúdo do precedente

anterior, explicando o que seriam “negócios relativos à construção civil”;

(c) pode haver dúvidas quando a uma distinção em caso concreto. No caso, a

Fazenda Pública alega que o índice também não é lícito na correção de precatórios judiciais.

Em virtude do regime próprio de pagamento das dívidas pública, a Fazenda Pública passa a

invocar a inaplicabilidade do precedente em caso de precatórios judiciais. Contudo, o STJ não

fez tal distinção. Na verdade, não foi sequer aventada a hipótese de aplicar o índice à correção

dos precatórios judiciais, quando da fixação da tese. Os juízes passam a divergir, alguns

aplicam outros afastam o precedente, reconhecendo a distinção. Esgotadas as instâncias

ordinárias, é cabível reclamação dirigida ao STJ, nas quais, com base na afronta à tese jurídica

do precedente, será pleiteada a distinção no caso concreto. Havendo múltiplas reclamações

com essas controvérsias, é pertinente que se desencadeie a reclamação repetitiva, de modo

que o STJ fixe se a o índice também se aplica à correção de precatórios judiciais, exercendo,

se for o caso, o distinguishing.

4.5. A escolha da reclamação paradigma

Com base nas considerações expostas, observa-se que é plenamente viável a

reclamação repetitiva, na sistemática do CPC/2015. Significa, com efeito, a instauração de

um IRDR em uma reclamação constitucional, na qual se discuta uma questão jurídica comum

a diversos processos.

Mas, já que se trata de uma questão comum a diversos outros processos, o que

justifica escolher a reclamação como caso paradigma para submeter-se ao IRDR, e não algum

dos outros tipos processo, recursos ou remédios em que também se veiculem as mesmas

questões? A resposta encontra-se nos parâmetros quantitativos e qualitativos balizadores da

escolha do caso representativo.549

A escolha dos casos representativos é essencial para a produção de um precedente

mais qualificado. Há, portanto, alguns critérios que norteiam a escolha dos casos

representativos, encontrados nas regras dos recursos excepcionais repetitivos (CPC/2015, art.

1.037, §§ 1º a 5º). São critérios qualitativos e quantitativos que permitam demonstrar a

549 Sobre o tema, consultar: CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução

de processos repetitivos. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 231, mai.-2014.

Page 217: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

206

controvérsia da questão a ser decidida de forma mais abrangente e profunda e, por

consequência, melhoram o contraditório substancial e qualificam a decisão final.550

Primeiramente, no critério quantitativo, devem ser escolhidos dois ou mais casos,

que em conjunto demonstrem bem a controvérsia. Esses casos, agora no critério qualitativo,

devem trazer a maior quantidade de argumentos – em todos os sentidos –, com maior

profundidade, acerca da controvérsia. Devem ser escolhidos alguns casos que bem

representem os argumentos dos interessados na questão a ser decidida. Os casos paradigmas,

portanto, devem possuir representatividade adequada e argumentativa551, consistente, em

linhas gerais, na demonstração da controvérsia com maior amplitude e abrangência.

A questão objeto do julgamento repetitivo pode se reproduzir nos mais variados

processos e recursos, contudo, na maioria das vezes, é comum que tenda a se repetir em um

determinado tipo de processo ou recurso. Uma questão processual sobre mandado de

segurança, despontará mais em mandados de segurança e recursos neles interpostos. Uma

questão material acerca de locação, surgirá com mais frequência nas ações da Lei do

Inquilinato. Muito embora possa surgir em várias espécies processuais, uma questão assim

tende a manifestar-se com mais frequência numa delas. Logo, um modo de reforçar o grau de

representatividade do caso paradigma, é escolher a espécie processual em que mais apareça a

questão a ser resolvida.

Daí a resposta para a questão acima posta. A reclamação deverá ser eleita como

caso representativo da controvérsia – a dita reclamação repetitiva – se for nela que, com

maior frequência, surgir a questão jurídica objeto do IRDR, de modo a adensar o grau de

representatividade do caso paradigma.

Isso acontecerá com mais frequência quando a questão repetitiva for (i) pertinente

ao procedimento da reclamação constitucional ou (ii) referente à aplicação ou não observância

de precedente (CPC/2015, art. 988, III e IV). Nas reclamações, manifestar-se-ão, com mais

habitualidade, questões processuais próprias da reclamação; e, ainda, aquelas relativas a

controle de precedente. Como dito anteriormente, no sistema erigido pelo CPC/2015, a

reclamação tem por função controlar os precedentes, sendo ambiente adequado para exercício

550 CUNHA. Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed, cit., p. 23-240. 551 TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas, cit., p. 163; MARINONI, Luiz Guilherme.

Comentários ao art. 928. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda

Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coord.). São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2015. p. 2082.

Page 218: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

207

de distinguishing e de overruling, surgindo muitas reclamações com esse fundamento. São

essas reclamações que devem ser escolhidas como casos representativos da controvérsia.

Essa lógica se aplica às outras espécies processuais, como o conflito de

competência e a ação rescisória. Por exemplo, a discussão acerca da competência, se da

justiça do trabalho ou da justiça comum, para executar créditos trabalhistas inclusos em

recuperação judicial – normalmente – chega ao STJ mediante conflito de competência.552 São

inúmeros os conflitos de competência com essa questão no STJ, o que justificaria instaurar

um IRDR em sede de conflito de competência para fixar tese sobre a questão. Configuraria,

em metonímia, um conflito de competência repetitivo.

4.6. Suspensão das demais reclamações

A instauração de um IRDR ou de um recurso excepcional repetitivo implica a

suspensão de todos os processos de idêntica controvérsia, no território sob jurisdição do

tribunal que admitiu o procedimento repetitivo (CPC/2015, arts. 982, art. 1.037, II). Se em

uma reclamação discute-se a mesma controvérsia, deverá ser sobrestada para aguardar o

julgado do caso repetitivo. Basta que a questão controvertida seja a mesma.

Um detalhe, contanto, precisa ser esclarecido. A reclamação constitucional é uma

ação autônoma, que possui relação jurídica processual distinta da do processo reclamado. São

relações processuais e ações independentes e autônomas. Via de regra, possuem causa de

pedir e pedidos distintos, pois se fossem os mesmos poderia caracterizar litispendência.

Nesse caso, já que se trata de relações jurídicas processuais diferentes, com

objetos também diferentes, a suspensão da reclamação em virtude do processamento de caso

repetitivo, não afeta o processo reclamado, que deverá manter seu prosseguimento

normalmente.

Na reclamação, é permitido ao relator deferir tutela provisória para suspender o

processo ou o ato reclamado (CPC/2015, art. 989, II). Nessa hipótese, a suspensão da

reclamação por conta da admissão do caso repetitivo não importará revogação ou ineficácia

da tutela provisória concedida pelo relator na reclamação. O processo ou o ato reclamado

continuará suspenso, em virtude da concessão da tutela provisória. É que o processamento de

caso repetitivo não impede que o relator ou juiz dos casos sobrestados conceda tutela

552 CC 135.703/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, j. 27/5/2015, DJe 16/6/2015.

Page 219: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

208

provisória (CPC/2015, arts. 982, §2º, 1.029, §5º, III). Uma tutela provisória concedida no

processo suspenso mantém sua eficácia.

Em suma, a reclamação está suspensa em virtude da admissão do caso repetitivo

e, doutro lado, o processo ou ato reclamado está suspenso por conta da tutela provisória

concedida pelo relator da reclamação.

4.7. Síntese do capítulo

O CPC/2015 ampliou e aprimorou os mecanismos de solução de casos repetitivos.

Dispôs uma sistemática mais especifica, que permite a aplicação do regime de julgamento das

causas repetitivas a qualquer processo originário de tribunal, recurso ou reexame necessário,

mediante o IRDR que, em conjunto, com os recursos especial e extraordinários repetitivos

formam o microssistema de gestão e julgamento de casos repetitivos. Possui dupla função de

gerir e julgar os casos repetitivos e formar precedentes obrigatórios.

Na reclamação, como ação de competência originária, pode ser suscitado o IRDR,

o que ora se denomina de reclamação repetitiva. Inclusive perante o STJ e STF, que tem a

prerrogativa de julgar os recursos excepcionais repetitivos, o IRDR será aplicado à

reclamação. Na verdade, a expressão reclamação repetitiva é usada em metonímia, pois o que

se repetem são as questões jurídicas, materiais ou processuais, controvertidas.

Basicamente, são três os tipos de questões repetitivas que usualmente despontam

numa reclamação repetitiva: (i) questões repetitivas processuais próprias da reclamação; (ii)

questões repetitivas, processuais ou materiais, próprias de qualquer processo; e, (iii) questões

repetitivas surgidas na reclamação em virtude da inobservância ou erro na aplicação de

precedente.

Contudo, na reclamação aparecerão, com mais frequência, questões processuais

próprias da reclamação; e, por outro lado, referentes à aplicação de precedente. É que,

atualmente, a reclamação tem por função controlar os precedentes, sendo um veículo em pode

ser realizado distinguishing e overruling, tendendo a surgir muitas reclamações com essa

possibilidade. São nessas duas hipóteses que a reclamação deverá ser eleita como caso

representativo da controvérsia – a dita reclamação repetitiva –, mais precisamente, se for nela

que, com maior habitualidade, surgir a questão jurídica objeto do IRDR, de modo a aumentar

o grau de representatividade do caso paradigma

Page 220: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

209

CONCLUSÕES

A reclamação é prevista no CPC/2015 como um processo originário de qualquer

tribunal brasileiro (CPC/2015, arts. 988 a 993), com a tríplice finalidade de preservação de

competência, garantia de autoridade de decisões e controle dos precedentes dos tribunais. A

reclamação, portanto, sofre uma reformulação por parte do Direito Positivo, mediante um

novo desenho de seu tratamento legal, sobretudo porque consolida e amplia as hipóteses de

cabimento – perante qualquer tribunal brasileiro – com a importante função de assegurar a

correta aplicação dos precedentes ditos obrigatórios.

Essa nova formulação dada à reclamação pelo Direito Positivo demanda novas

pesquisas dogmáticas sobre suas hipóteses de cabimento. O estudo dogmático da reclamação

decorre, dentre uma série de motivos, da importância do método dogmático para a

compreensão do fenômeno jurídico e a aplicação do Direito Positivo em casos concretos, de

modo a solucioná-los adequadamente. Além disso a dogmática, possui algumas funções que

adensam o grau de segurança jurídica. Destaca-se a função de controle da dogmática jurídica,

cujo objetivo é controlar a consistência das decisões. Os textos normativos permitem

inúmeras interpretações, contudo a função de controle da dogmática reduz as interpretações

possíveis, o que diminui às incertezas e, por consequência, aumenta a segurança jurídica.

As hipóteses de cabimento da reclamação são conceitos jurídicos indeterminados,

isto é, possuem grau de vagueza e ambiguidade. É preciso, pois, em atividade conjunta da

doutrina e jurisprudência – como principais fontes formais da reclamação – preencher o

significado das locuções “preservar competência”, “garantir autoridade” de decisão e

“garantir observância” de precedente obrigatório. A pesquisa, portanto, buscou contribuir para

delimitar o significado das hipóteses de cabimento da reclamação, de modo a facilitar a

identificação de quais fatos são por ela alcançados.

Contudo, antes de proceder com essa análise, foi proposta uma nova classificação

histórica, diferente das até então apresentadas por outros autores. É que a reclamação

amadurecer e se desenvolveu significativamente, sobretudo nos últimos quinze anos,

principalmente após a EC 45/2004; foram vários e importantes fatos, culminado com sua

previsão no CPC/2015. Daí por que foi apresentada uma nova classificação histórica, com

outros marcos divisores, para tornar o estudo mais didático.

São três as fases históricas da reclamação: (i) fase pré-constitucional; (ii) fase

constitucional; e, (iii) fase codificada. A primeira fase vai desde a apreciação pelo STF das

Page 221: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

210

primeiras reclamações até a promulgação da CF/1988. A segunda fase possui como marco

inicial a alçada do instituto a nível constitucional (CF/1988, arts. 102, I, l, e 105, I, f), até

2015. A última fase começa com a vigência do CPC/2015, que regulamenta, no texto

codificado, o procedimento, hipóteses de cabimento e competência de todo tribunal para

apreciar reclamações.

Para a compreensão dogmática das hipóteses de cabimento da reclamação, é

primordial identificar sua natureza jurídica. Há várias posições doutrinárias – e

jurisprudenciais – divergentes. Contudo, as pesquisas mais recentes apontam a reclamação

como ação. Há, na reclamação, o exercício de pretensão a tutela jurídica estatal; preenchidos

os pressupostos e requisitos de admissibilidade, surge o direito das partes a uma decisão de

mérito sobre o seu objeto litigioso. A reclamação possui os elementos da ação (partes, pedido

e causar de pedir). É uma ação, ajuizada originariamente em tribunal, sujeita a procedimento

em contraditório, enseja formação de coisa julgada material e formal.

Não é a reclamação uma simples ação. É uma ação constitucional especial. Possui

assento constitucional, ao lado de outros remédios, como o mandado de segurança e o habeas

corpus. A reclamação possui todos os requisitos dos denominados writs constitucionais. É

uma ação que se compõe a jurisdição constitucional das liberdades; é um remédio jurídico

que busca proteger e dar efetividade a direito e garantias fundamentais.

A reclamação, portanto, possui assento constitucional e exerce papel importante

na entrega da tutela jurisdicional. Ela destina-se a assegurar a integridade do próprio Poder

Judiciário. A tríplice função da reclamação relaciona-se com a higidez dos tribunais. A

primeira função da reclamação – preservação de competência dos tribunais – protege o direito

constitucional ao juiz natural. A segunda função, garantir a autoridade de decisões, assegura a

cogência e imperatividade do Poder Judiciário. A última e moderna função, controlar a

aplicação de precedentes, adensa a igualdade e segurança jurídica das decisões do Poder

Judiciário, pois contribuem para que casos semelhantes sejam tratados de forma igual.

As atuais hipóteses de cabimento da reclamação constitucional – perante qualquer

tribunal – estão consolidadas no art. 988, do CPC/2015: preservar a competência do tribunal;

garantir a autoridade das decisões do tribunal; garantir a observância de enunciado de

súmula vinculante e de decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade;

garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de

demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; e, garantir a observância

Page 222: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

211

de acórdão proferido em recursos especial e extraordinário repetitivos, dês que esgotadas as

instâncias ordinárias.

O CPC/2015, por opção, elege a reclamação para garantir a observância de alguns

dos precedentes obrigatórios (CPC/2015, art. 927), no caso, as súmulas vinculantes, as

decisões em controle concentrado de constitucionalidade e os acórdãos em julgamento de

casos repetitivos e incidente de assunção de competência. A reclamação, portanto, é um

elemento estrutural do sistema de precedentes obrigatórios erigido pelo CPC/2015. De nada

adiantaria conceber precedentes formalmente vinculantes, sem criar mecanismos de controle

em sua aplicação. Usualmente, esse mecanismo é o recurso comum, contudo a reclamação

complementa esse sistema contribuindo na garantia de observância de precedentes.

No capítulo terceiro da presente pesquisa foram dissecadas as hipóteses de

cabimento, com o intuito de delimitar o significado de uma delas. Foi visto que as hipóteses

de cabimento são taxativas, não comportando sequer interpretação analógica para ampliar o

rol do art. 988 do CPC/2015.

A reclamação, fundada em usurpação de competência, é cabível contra órgão,

administrativo ou judicial, – hierarquicamente inferior ou submetido ao controle do

respectivo tribunal – que praticar ato ou proferir decisão cuja competência seja do tribunal ou,

ainda, que impedir, de forma comissiva ou omissiva, que o tribunal exerça suas competências.

Se alguma norma de competência do tribunal for violada por órgão, de forma comissiva ou

omissiva, há usurpação de competência; há invasão da esfera do legítimo exercício

jurisdicional do tribunal.

A reclamação para garantir a autoridade de decisão é cabível quando órgão

jurisdicional, vinculado ao tribunal, desobedecer a norma do dispositivo de uma decisão que

seja plenamente eficaz, vinculando juízos e partes, independente do trânsito em julgado. Na

pragmática, são três maneiras em que se manifesta a desobediência: (i) demora, excessiva e

injustificada, no cumprimento da decisão, ou seja, uma omissão; (ii) recusa expressa em

atender a decisão; e, (iii) cumpri-la colidindo frontalmente com o conteúdo do dispositivo.

Num esquema pragmático, três são as situações básicas de inobservância dum precedente

obrigatório, que descerram o caminho para a propositura de reclamação.

Por fim, por “garantir observância” de precedente obrigatório, compreende-se três

situações em que admite-se a reclamação: (i) pura negativa de aplicação do precedente, sem

alegação de qualquer distinção no caso concreto, ou seja, uma pura negativa injustificada em

Page 223: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

212

aplicar o precedentes; (ii) reclamações por puro erro na aplicação do precedente, decorrente

de equívoco interpretativo ou má compreensão da tese jurídica; e, (iii) reclamação por

realizar, ou deixar de realizar, o distinguishing equivocadamente. Essas são as três situações

que viabilizam o cabimento da reclamação por afronta à precedente obrigatório.

Vislumbrou-se que, em sede de reclamação, é possível ocorrer a reinterpretação

do precedente, o distinguishing e, até mesmo, o overruling, como consequência da

estruturação e da causa de pedir da reclamação fundada em inobservância de precedente

obrigatório. É que se há alegação de afronta ou inobservância de precedente, antes de julgar o

mérito da reclamação, o juiz deve identificar a ratio decidendi do precedente. Ao fazer isso,

está reinterpretando – autenticamente – o próprio precedente. Após identificar a ratio

decidendi do precedente, o juiz deve identificar se o caso concreto a ela submete-se,

obrigando-o a perquirir se há algum distinguishing há ser feito que afaste o precedente. Por

fim, é possível que, em virtude de mudanças sociais, históricas, políticas, econômicas e, até

mesmo, legislativas, se identifique a necessidade de superação do precedente, sendo, portanto,

possível o overruling em sede de reclamação.

A reclamação, ainda, pode servir para suscitar um incidente de resolução de

demandas repetitivas – IRDR. Numa reclamação pode despontar questão jurídica – material e

processual – que se repita em múltiplos litígios. É a repetição de questões controversas

relativas à moderna litigiosidade em massa. E, a reclamação, no sistema do CPC/2015, está

intimamente relacionada ao IRDR, já que se destina a garantir a aplicação dos precedentes

nele formados. Assim, é comum que na reclamação surjam questões repetitivas relacionadas à

aplicação do precedente contido em acórdão de IRDR. Quando isso acontecer, uma

reclamação poderá ser eleita para instalar o IRDR e solucionar a questão, fixando a tese

jurídica vinculante dos demais órgãos judiciais. É que se denominou de reclamação

repetitiva.

Page 224: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

213

REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011.

ABDO, Helena Najjar. O abuso do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. São

Paulo: Saraiva, 2002.

__________. Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. 2ª ed. São Paulo:

Noeses, 2011.

AFTALIÓN, Enrique R.; OLANO, Fernando García; VILANOVA, José. Introducción al

derecho. Tomo I. Buenos Aires: El Ateneo, 1956.

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria

da fundamentação jurídica. Trad. Cláudia Toledo. 2ª ed. São Paulo: Landy, 2005.

ALMEIDA, João Batista de. Aspectos controvertidos da ação civil pública. 3ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011.

ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 3ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2009

ALVES, Renato de Oliveira. A reclamação constitucional no STF. Revista de Direito

Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 80, jul./set. 2012.

ALVIM, Eduardo Arruda. A alta função jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça no

âmbito do Recurso Especial e a relevância das questões. STJ 10 anos: obra comemorativa.

Brasília: STJ, 1999.

ANDRADE, Fábio Martins de. O papel do Senado Federal no controle difuso pela ótica do

STF (Rcl. 4.335). Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 207,

jul./set.-2015.

ARAÚJO, José Henrique Mouta. Reflexões que envolvem a nova hipótese de reclamação

junto ao STF advinda da EC nº 45. Repertório IOB de jurisprudência. São Paulo: IOB, nº 8,

abr.-2005.

ARAÚJO, VALTER Shuenquener de. O princípio da proteção da confiança: uma nova

forma de tutela do cidadão diante do estado. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

ASSIS, Araken de. Cumprimento de sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

__________. Cumulação de ações. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

__________. Manual dos recursos. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito

no sistema processual brasileiro. Curitiba: Juruá, 2012.

Page 225: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

214

__________. O princípio da inércia argumentativa diante de um sistema de precedentes em

formação no direito brasileiro. Revista de Processo. Revista dos Tribunais: São Paulo, vol.

229, mar.-2014.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

ATIENZA, Miguel. As razões do Direito. Teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria

Cristina Guimarães Cupertino. 3ª ed. São Paulo: Landy, 2006.

ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito

Tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

__________. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13ª ed.

São Paulo: Malheiros, 2012.

BADARÓ, Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2014.

BARBI, Celso Agrícola. O recurso ordinário em mandado de segurança no Superior Tribunal

de Justiça. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 59, jul.-set./1990.

BARIONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. Vol. 23. 2ª. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

BARRETO, Tobias. Introdução ao estudo do direito. Landy: São Paulo, 2001.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 3ª. ed. São Paulo:

Saraiva, 1999.

__________. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 6ª ed. Edição digital.

São Paulo: Saraiva, 2012.

__________. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 4ª ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2000.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar,

2001.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 6ª ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011.

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. A insurreição da aldeia global contra o

processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio

ambiente e do consumidor. Ação Civil Pública (Lei 7.347/85 – Reminiscências e Reflexões

após dez anos de aplicação. MILARÉ, Édis (coord.) São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. Trad. Karina Jannini. São Paulo:

Martins Fontes, 2007.

Page 226: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

215

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos

Santos. 6ª ed. Brasília: UNB, 1995.

__________. O positivismo jurídico. Lições de Filosofia do Direito. Trad. Márcio Pugliese.

São Paulo: Ícone, 2006.

BONAVIDES, Paulo. Do estado social ao estado liberal. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

__________. O contraditório no processo judicial: uma visão dialética. São Paulo: Malheiros,

1996.

__________. Obrigação tributária. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

BRAGA, Paula Sarno. Aplicação do devido processo legal nas relações privadas. Salvador:

Juspodivm, 2008.

__________. Competência adequada. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais,

v. 219, jul-2013.

__________. Norma de processo e norma de procedimento. Salvador: Juspodivm, 2015.

BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do precedente judicial. A justificação e

aplicação de regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012.

CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas. Salvador: Juspodivm,

2013.

__________. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e validade

prima facie dos atos processuais. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

__________; CRAMER, Ronaldo (coords.). Comentários ao novo código de processo civil.

2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

__________. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos.

Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 231, mai.-2014.

CAENEGEM, R. C. van. Juízes, legisladores e professores. Trad. Luiz Carlos Borges. Rio de

Janeiro: Elsevier, 2010.

CALMES, Sylvia. Du principe de pretection de la confiance legitime em droits allemand,

cummunautaire er français. Paris: Dalloz, 2001.

CALMON DE PASSOS, José Joaquim. A ação no direito processual civil brasileiro.

Salvador: Juspodivm, 2014.

__________. Comentários ao Código de Processo Civil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005,

v. 3.

__________. Ensaios e artigos. Salvador: Juspodivm, 2014, v. 1.

Page 227: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

216

__________. Ensaios e artigos. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 2.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo código de processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas,

2015.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. 2ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011.

__________. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais,

v. 786, abr-2001.

CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, v. 786, abr.-2001.

__________; MINGATI, Vinícius Secafen. Nova hipótese de cabimento da Reclamação,

protagonismo judiciário e segurança jurídica. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, v. 196, jun.-2011.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina,

1993.

__________. Direito constitucional. 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2004. p. 512-513.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto

Alegre: Safe, 1993.

__________; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:

Safe, 1988

CAPELO, Maria José. A sentença entre a autoridade e a prova. Coimbra: Almedina, 2015.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. Vol. 1. São Paulo: Classic Book,

2000.

CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 2ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1981.

CASTRO JR., Torquato. A pragmática das nulidades e a teoria do ato jurídico inexistente.

São Paulo: Noeses, 2009.

CAVALCANTE, Themístocles Brandão. Do mandado de segurança. Rio de Janeiro: Freitas

Bastos, 1967.

CAVALCANTI, Francisco. O novo regime jurídico do mandado de segurança. São Paulo:

MP, 2009.

CAVALCANTI, Marcos. Incidente de resolução de demandas repetitivas e ações coletivas.

Salvador: Juspodivm, 2015.

Page 228: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

217

CAVALCANTI FILHO, Theophilo. O problema da segurança no Direito. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1964.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido

Rangel. Teoria geral do processo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

CORREIA, Sérvulo. Direito do contencioso administrativo. Lisboa: Lex, 2005.

CÔRTES, Osmar Mendes Paixão. A reclamação no novo CPC - fim das limitações impostas

pelos Tribunais Superiores ao cabimento? Revista de Processo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, v. 244, Jun- 2015.

__________. Reclamação – A ampliação do cabimento no contexto da “objetivação” do

processo nos tribunais superiores. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.

197, jul.-2011.

CORTEZ, Claudia Helena Poggio. O cabimento de reclamação constitucional no âmbito dos

juizados especiais estaduais. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 188,

out.-2010.

COSTA, Adriano Soares da. Teoria da norma jurídica: crítica ao realismo-linguístico de

Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

COSTA, Eduardo José da Fonseca. A Reclamação Constitucional Estadual como um

problema de fonte. Reclamação Constitucional. COSTA, Eduardo José da Fonseca;

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Salvador: Juspodivm, 2013.

__________. Da reclamação. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS,

Bruno (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

__________. O direito vivo das liminares. São Paulo: Saraiva, 2011.

__________. Uma arqueologia das ciências dogmáticas do processo. DIDIER JR., Fredie

(org.). Reconstruindo a teoria geral do processo. Salvador: JusPodivm, 2012.

__________; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (org.). Reclamação constitucional.

Salvador: JusPodivm, 2013.

CUNHA, Leonardo Carneiro da. Jurisdição e competência. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2008.

__________. Jurisdição e competência. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

__________. A atendibilidade dos fatos supervenientes no processo civil: uma análise

comparativa entre o sistema português e o brasileiro. Coimbra: Almedina, 2012.

__________. A Fazenda Pública em juízo. 11ª ed. São Paulo: Dialética, 2013.

Page 229: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

218

__________. A Fazenda Pública em juízo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

__________. O processo civil no Estado Constitucional e os fundamentos do projeto no novo

Código de Processo Civil brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais,

v. 209, jul.-2012.

__________. A previsão do princípio da eficiência no Projeto do Novo Código de Processo

Civil brasileiro. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 233, jul.-2014.

__________. O regime processual das causas repetitivas. Revista de Processo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, v. 179, jan.-2010.

__________. Natureza jurídica da reclamação constitucional. Aspectos Polêmicos e Atuais

dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. NERY JUNIOR,

Nelson; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coords). Vol. 8. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2005.

__________. Interesse de agir na ação declaratória. Curitiba: Juruá, 2009.

__________; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 12ª ed. Salvador:

Juspodivm, 2014, v. 3.

__________; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 13ª ed. Salvador:

Juspodivm, 2016, v. 3.

CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Princípios constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2006.

__________. O efeito vinculante e os poderes do juiz. São Paulo: Saraiva, 1999.

DANTAS, Ivo. Novo processo constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá, 2010.

__________. O valor da constituição. 3ª ed. Curitiba: Juruá, 2010.

DANTAS, Bruno. Repercussão geral. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto

Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2000.

__________. A Reclamação Constitucional no direito comparado. COSTA, Eduardo José da

Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional.

Salvador: Juspodivm, 2013.

__________. Correição parcial não é recurso (portanto, não deve ser usada como tal).

Aspectos Polêmicos e Atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões

judiciais. NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim (coords). Vol. 4. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

DIDIER JR., Fredie (coord.). Leituras complementares de processo civil. 9ª ed. Salvador:

Juspodivm, 2011.

Page 230: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

219

__________. Será o fim da categoria “condição da ação”? Um elogio ao projeto do novo

CPC. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 197, jul.-2011.

__________ (org.). Ações constitucionais. 6ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

__________. Curso de direito processual civil. 17ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 1.

__________. Curso de direito processual civil. 10ª ed. Salvador: Juspodivm, 2015, v. 2.

__________; COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa; GOUVEIA

FILHO, Roberto P. Campos (coords). Tutela Provisória. Salvador: Juspodivm, 2016.

__________; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR, Jaldemiro Rodrigues;

MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015.

__________; MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.).

Procedimentos especiais, tutela provisória e direito transitório. Salvador: Juspodivm, 2015.

__________; MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.).

Execução. Salvador: Juspodivm, 2015.

__________; MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.).

Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. Salvador: Juspodivm,

2015.

__________; MACÊDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). Parte

Geral. Salvador: Juspodivm, 2015.

__________; MOUTA, José Henrique (coords.). Tutela jurisdicional coletiva. Salvador:

Juspodivm, 2009.

__________; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa; GOUVEIA FILHO, Roberto Campos.

Pontes de Miranda e o direito processual. Salvador: Juspodivm, 2013.

__________; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Vol. 4. 7ª ed. Salvador:

Juspodivm, 2012.

__________ Sobre a Teoria Geral do Processo, essa desconhecida. 2ª ed. Salvador:

Juspodivm, 2013.

__________; MACÊDO, Lucas Buril de. Controle concentrado de constitucionalidade e

revisão de coisa julgada: análise da reclamação nº 4.374/PE. Revista Jurídica da Presidência.

Brasília, v. 16, n. 110, out. 2014/jan. 2015.

__________. Recurso de Terceiro: juízo de admissibilidade. 2ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2005.

__________. Cláusulas gerais processuais. Revista Internacional de Estudios de Derecho

Procesal y Arbitraje. Vol. 2, set.-2010.

Page 231: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

220

__________. Regras processuais no Novo Código Civil: aspectos da influência do Código

Civil de 2002 na legislação processual. São Paulo: Saraiva, 2004.

__________; CABRAL Antonio do Passo; NOGUEIRA; Pedro Henrique (coords). Negócios

Processuais. Salvador: Juspodivm, 2015.

__________; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais.

Salvador: Juspodivm, 2011.

DIREITO, Carlos Alberto Menezes. O federalismo. Revista de Informação Legislativa.

Brasília: Senado Federal, v. 16, out./dez.-1979.

DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. 4ª. ed.

São Paulo: Atlas, 2012.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 15ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2013.

__________. Capítulos de sentença. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

__________. Intervenção de terceiros. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

__________. Litisconsórcio. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

__________. Nova era do processo civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

__________. Superior Tribunal de Justiça e acesso à ordem jurídica justa. Revista de

Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 59, jul./set.-1990.

__________. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. São Paulo: Malheiros, 2001.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. 15ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2010.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins

Fontes, 2002.

__________. O Império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins

Fontes, 1999.

ECO, Umberto. Tratado geral da semiótica. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2009.

ENGISCH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Trad. J. Baptista Machado. 5ª ed.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1964.

ESPÍNOLA, Eduardo; ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. A Lei de Introdução ao Código Civil

Brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1943, v. 1.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 10ª ed. São Paulo: Globo, 2000, v. 1.

__________. Os donos do poder. 16ª ed. São Paulo: Globo, 2004, v. 2.

Page 232: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

221

FARIA, José Eduardo. Eficácia jurídica e violência simbólica: o Direito como instrumento de

transformação social. São Paulo: EDUSP, 1988.

FAZZALARI, Elio. Istituzioni di Diritto Processuale. 8ª ed. Padova: CEDAM, 1996.

FELLET André; NOVELINO, Marcelo (orgs.). Constitucionalismo e democracia. Salvador:

Juspodivm, 2013.

FERNANDES, Antônio Scarance. Incidente Processual. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1991.

FERRARESI, Eurico. Ação popular, ação civil pública e mandado de segurança coletivo.

Rio de Janeiro: Forense, 2009.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. 2ª ed. São Paulo: Atlas,

2015.

__________. A ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1977.

__________. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5º ed. São Paulo:

Atlas, 2007

FIGUEIRA Jr., Joel Dias. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo II. 2ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 4.

FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado e desenvolvimento do

urbano. 16ª ed. São Paulo: Global, 2016.

__________. Casa-grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da

economia patriarcal. 52ª ed. São Paulo: Global, 2013.

FUX, Luiz. O novo processo de execução: cumprimento da sentença e a execução

extrajudicial. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traço fundamentais de uma hermenêutica

filosófica. Vol. I. Trad. Flávio Paulo Meurer. 15ª ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

GÓES, Gisele Santos Fernandes. Reclamação constitucional. DIDIER JR., Fredie (org.).

Ações Constitucionais. 6ª ed. Salvador: Juspodivm, 2013.

GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro. São Paulo:

Martins Fontes, 2003.

GOMETZ, Gianmarco. La certezza giuridica como prevedibilità. Torino: Giappichelli, 2005.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 15ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2012.

__________. O Direito posto e o Direito pressuposto. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

__________. Por que eu tenho medo dos juízes. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

Page 233: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

222

__________; FORGIONI, Paula. O estado, a empresa e o contrato. São Paulo: Malheiros,

2005.

GRECO, Leonardo. Jurisdição voluntária moderna. São Paulo: Dialética, 2003.

GRINOVER, Ada Pellegrini. A reclamação para garantia da autoridade das decisões dos

tribunais. O processo: estudos & pareceres. São Paulo: DPJ, 2005.

__________. Da reclamação. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista

dos Tribunais, v. 38, abr.-jun.2002, p. 75-83.

__________; Aluisio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (coords.). Direito

processual coletivo e o anteprojeto de código brasileiro de processos coletivos. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2007.

GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Trad. Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin,

2005.

__________. La fonti del diritto e l’interpretazione. Milano: Giuffrè, 1993.

__________. Estudios de teoría constitucional. Trad. Miguel Carbonell. Cidade do México:

Fontanamara, 2001.

HÄBERLE, Peter. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a

interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Hermenêutica constitucional. Trad.

Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.

HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, John. O Federalista. Rio de Janeiro: Typ.

Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp, 1840. Tomo II.

HEGEL. Princípios da filosofia do direito. Trad. Orlando Vitorino. 4ª ed. Lisboa: Guimarães,

1990.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: SAFE, 1991.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia da Letras,

2011.

HOMMERDING, Adalberto Narciso. Reclamação e correição parcial: critérios para distinção.

COSTA, Eduardo José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs).

Reclamação Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013.

HURD, Heidi M. Interpretando as autoridades. Direito e interpretação. Andrei Marmor

(coord.). São Paulo: Martins Fontes, 2004.

JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 6ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2013.

Page 234: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

223

JORI, Mario; PINTORE, Anna. Manuale di teoria generale del diritto. Torino: Giappichelli,

1988.

JUST, Gustavo. Interpretando as teorias da interpretação. São Paulo: Saraiva, 2014.

KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris, 1986.

__________. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins

Fontes, 1998.

__________. Jurisdição Constitucional. Trad. Alexandre Krug. São Paulo: Martins Fontes,

2003.

KEMMERICH, Clóvis Juarez. Sentença obscura e trânsito em julgado. Porto Alegre: Livraria

do Advogado, 2013.

KOEHLER, Frederico Augusto Leopoldino. A razoável duração do processo. 2ª ed. Salvador:

Juspodivm, 2013.

KOERNER, Andrei. O Poder Judiciário no sistema político da Primeira República. Revista da

USP. São Paulo, v. 21, mar./mai-1994.

LAMY, Eduardo de Avelar. Súmula vinculante: um desafio. Revista de Processo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, v. 120, fev.-2005.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto. 2ª ed. Rio de Janeiro: Alfa Omega, 1975.

LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no novo CPC. São Paulo: Lexia,

2015.

LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2011.

__________. Causa de pedir e pedido: o direito superveniente. São Paulo: Método, 2006.

__________. Tutela jurisprudencial diferenciada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

LIMA, Alcides de Mendonça. O poder judiciário e a nova constituição. Aide: Rio de Janeiro,

1989.

LIMA, Augusto César Moreira. Precedentes no direito. São Paulo: LTr, 2001.

LOPES, João Batista. Ação declaratória. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

LOPES, Miguel Maria de Serpa. O silêncio como manifestação da vontade. 3ª ed. Rio de

Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1961.

LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da decisão judicial: fundamentos de direito. Trad.

Bruno Miragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

Page 235: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

224

LOSANO, Mario. Os grandes sistemas jurídicos. Trad. Marcela Varejão. São Paulo: Martins

Fontes, 2007.

LUHMANN, Niklas. Confianza. Trad. Amada Flores. Barcelona: Anthropos, 1996.

__________. Observaciones de la modernidad: racionalidad y contingencia en la sociedad

moderna. Barcelona: Paidós, 1997.

__________. Sociologia do Direito. Trad. Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

1983.

LUMIA, Giuseppe. Elementos de teoria e ideologia do Direito. São Paulo: Martins Fontes,

2003.

LYRA FILHO, Roberto. Para um Direito sem dogmas. Porto Alegre: SAFE, 1980.

MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Trad. Waldéa Barcellos.

São Paulo: Martins Fontes, 2006.

MACÊDO, Lucas Buril de. Duas notas sobre o art. 52, X, da Constituição Federal e a sua

pretensa mutação constitucional. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.

215, jan.-2013.

__________. Reclamação constitucional e precedentes obrigatórios. Revista de Processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, v. 238, dez.-2014.

__________. Precedentes judiciais e o direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2015.

__________; PEIXOTO, Ravi Medeiros. Ônus da prova e sua dinamização. Salvador:

Juspodivm, 2014.

__________. A Análise dos Recursos Excepcionais pelos Tribunais Intermediários: O

pernicioso art. 1.030 do Código de Processo Civil e sua inadequação técnica como fruto de

uma compreensão equivocada do sistema de precedentes vinculantes. Texto inédito,

gentilmente cedido pelo autor, no prelo.

MACHADO, Antônio Claudio da Costa. Jurisdição voluntária, jurisdição e lide. Revista de

Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 37, jan./mar.-1985.

MACHADO, Marcelo Pacheco. A correlação no processo civil. Salvador: Juspodivm, 2015.

MAGALHÃES, Breno Baía. Considerações acerca da natureza jurídica da reclamação

constitucional. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 210, ago.-2012.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 12ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2011.

__________. Ação Popular. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

__________. Interesses difusos. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

Page 236: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

225

__________. Jurisdição coletiva e coisa julgada. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2012.

MARANHÃO, Juliano. Positivismo jurídico lógico-inclusivo. São Paulo: Marcial Pons, 2012.

MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MARTINS-COSTA, Judith. A concha do marisco abandonada e o nomos (ou os nexos entre

narrar e normatizar). Revista do Instituto do Direito Brasileiro, v. 5, 2013. p. 4136-4137.

__________. O Direito Privado como um ‘sistema em construção’. As cláusulas gerais no

projeto do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado, vol.

139, jul./set.-1998.

MARINONI, Luiz Guilherme (coord.). A força dos precedentes: estudos dos cursos de

mestrado e doutorado em direito processual civil da UFPR. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012.

__________. Abuso de defesa e parte incontroversa da demanda. 2ª. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011.

__________. Julgamento nas cortes supremas: precedente e decisão do recurso diante do

novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

__________. O STJ enquanto corte de precedentes: recompreensão do sistema processual da

corte suprema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

__________. A ética dos precedentes: justificativa do novo CPC. 2ª ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2016.

__________. Precedentes obrigatórios. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

__________. Técnica processual e tutela dos direitos. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010.

__________. Teoria geral do processo. 6ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

__________. Tutela inibitória. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

__________; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: procedimentos especiais.

São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 5, 2009.

__________; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento.

7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 2, 2008.

__________; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. 3ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

MARMOR, Andrei. Direito e interpretação. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins

Fontes, 2004.

__________. Positive law and objective values. Oxford: Clarendon Press, 2001.

Page 237: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

226

__________. Law in the age of pluralism. Oxford: Clarendon Press, 2007.

MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium,

2000, v. 1.

__________. Instituições de direito processual civil. Campinas: Millennium, 1999, v. 2.

__________. Manual de direito processual civil. Campinas: Bookseller, 1997, v. 3.

MARTINS-COSTA, Judith. O Direito privado como um sistema em construção. As cláusulas

gerais no projeto do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília:

Senado Federal, v. 139, jul./set.-1998.

__________; FRADERA, Véra Jacob de. Estudos de direito privado e processual civil. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

MEDAUAR, Odete. Segurança jurídica e confiança legítima. Fundamentos do Estado de

Direito. Estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. ÁVILA, Humberto.

(org). São Paulo: Malheiros, 2005.

MELLO, Augusto Cordeiro de. O processo no Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro:

Freitas Bastos, 1964, v. 1.

__________. O processo no Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1964,

v. 2.

MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do fato jurídico. Plano da existência. 12ª ed. São Paulo:

Saraiva, 2003.

__________. Teoria do fato jurídico: Plano da Eficácia. 1ª Parte. 7ª ed. São Paulo: Saraiva,

2011.

__________. Teoria do fato jurídico: Plano de Validade. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MELLO, Patrícia Perrone Campos. Precedentes. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

MELO FILHO, José Celso de. Notas sobre o Supremo Tribunal: Império e República. 4ª ed.

Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2014.

MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e nacional. 2ª.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no

Brasil e na Alemanha. 6ª ed. Edição digital. São Paulo: Saraiva, 2014.

__________. O papel do Senado Federal no controle federal de constitucionalidade: um caso

clássico de mutação constitucional. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado

Federal, v. 179, jul./set.-2008.

Page 238: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

227

__________. A reclamação constitucional no Supremo Tribunal Federal. Revista Fórum

Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, nº 100, jun.-2009.

__________; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Controle concentrado de

constitucionalidade: comentários à Lei 9.868, de 11.11.1999. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

MESQUITA, Maria José Rangel de. Efeitos dos acórdãos do Tribunal de Justiça das

Comunidades Europeias proferidos no âmbito de uma acção de incumprimento. Coimbra:

Almedina, 1997.

MINGATI, Vinícius Secafen. Reclamação (neo)constitucional: precedentes, segurança

jurídica e os juizados especiais. Brasília: Gazeta Jurídica, 2012.

MIRABELLI, Giuseppe. Negozio giuridico. MORTATI, Costantino; SANTORO, Francesco

(Org.). Enciclopedia del Diritto. Milano: Giuffrè, 1978. v. XXVIII.

MIRANDA ROSA, Felippe Augusto de. Sociologia do direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 1992.

__________. Poder, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

__________; CANDIDO, Odilá Dinorá de Alagão. Jurisprudência e mudança social. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo

V.

MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013.

__________. Precedentes: da persuasão à vinculação. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2016.

MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. A correição parcial. São Paulo: Bushatsky, 1969.

MORATO, Leonardo Lins. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula

vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. A função social do processo civil moderno e o papel do juiz

e das partes na direção e na instrução do processo. Revista de Processo. São Paulo: Revista

dos Tribunais, v. 37, jan./mar.-1985.

__________. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010, v. 5.

__________. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Revista de Processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, v.34, abr./jun.-1984.

__________. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 28ª

ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

Page 239: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

228

__________. Questões prejudiciais e questões preliminares. Direito Processual Civil: ensaios

e pareceres. Borsoi: Rio de Janeiro, 1971.

MORRIS, Charles. Fundamentos da teoria dos signos. Trad. Paulo Alcoforado. São Paulo:

EDUSP, 1976.

MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do Direito. Trad. Peter Naumann. 2ª ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2009.

NERY JR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coords.). Aspectos polêmicos e

autuais dos recursos civis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2003, v. 7.

__________. Teoria geral dos recursos. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

NEVES, Antonio Castanheira. Questão-de-facto, questão-de-direito, ou, o problema

metodológico da juridicidade. Coimbra: Almedina, 1967.

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

__________. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes,

2012.

__________. Do pluralismo jurídico a miscelânea social. Revista do Instituto dos Advogados

de Pernambuco. Recife: IAP, v. 1, jan.-1995.

__________. Entre Hidra e Hércules. Princípio e regras constitucionais. São Paulo: Martins

Fontes, 2013.

__________. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988.

__________. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes: 2013.

NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Reclamação e Tribunais de Justiça. COSTA, Eduardo

José da Fonseca; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional.

Salvador: Juspodivm, 2013.

__________. Direito Administrativo Contemporâneo: temas fundamentais. Salvador:

Juspodivm, 2016.

__________. Fiscalização abstrata de constitucionalidade e medida cautelar. Revista de

Direito Administrativo e constitucional. Curitiba: Juruá, v. 10, n. 41, jul./set.-2010.

NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2016.

__________. A eficácia da reclamação constitucional. COSTA, Eduardo José da Fonseca;

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (orgs). Reclamação Constitucional. Salvador:

Juspodivm, 2013.

Page 240: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

229

NUNES, Castro. Do mandado de segurança e de outros meios de defesa contra atos do poder

g. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1951.

NUNES, Dierle. Novo enfoque para as tutelas diferenciadas no Brasil? Diferenciação

procedimental a partir da diversidade de litigiosidade. Revista de Processo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, v. 184, jun.-2010.

OLIVEIRA, Bruno Silveira de. Conexidade e efetividade processual. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2007.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos

fundamentais. Leituras complementares de processo civil. DIDIER JR., Fredie (org.). 9ª ed.

Salvador: Juspodivm, 2011.

__________. Do formalismo no processo civil. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

OLIVEIRA, Paulo Mendes de. Coisa julgada e precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2015.

OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral.

Vol. 24. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

OLIVEIRA, Pedro Miranda. Da reclamação. Comentários ao novo Código de Processo Civil.

Antonio do Passo Cabral; Ronaldo Cramer (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2015.

OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Aspectos processuais da exceção de contrato não

cumprido. Salvador: Juspodivm, 2012.

ORTEGA Y GASSET, José. A rebelião das massas. Lisboa: Relógio D´Água, 1998.

PACHECO, José da Silva. A “Reclamação” no STF e no STJ de acordo com a nova

Constituição. Revista dos Tribunais. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 646, ago.-1989.

PACHÚ, Cláudia Oliveira. Da Reclamação perante o Supremo Tribunal Federal. Revista de

direito constitucional e internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 55, abr./jun.-2006.

PAULSEN, Leandro (coord.). Repercussão geral no recurso extraordinário. Porto Alegre:

Livraria do Advogado 2011.

PEDROSO, Antonio Carlos de Campos. Normas jurídicas individualizadas: Teoria e

Aplicação. São Paulo: Saraiva, 1993.

PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. Salvador: Juspodivm, 2015.

__________. Rumo à construção de um processo cooperativo. Revista de Processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, v. 219, mai.-2013.

Page 241: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

230

PEREIRA, Flávio Henrique Unes. Configurada a hipótese de Reclamação, estaria

inviabilização, necessariamente, o manejo do mandado de segurança? Interesse Público. Porto

Alegre: Notadez, v. 38, jul./ago.-2006.

PEREIRA, Ruitemberg Nunes. O princípio do devido processo legal substantivo. Rio de

Janeiro: Renovar, 2005.

PINHEIRO, Wesson Alves. Reclamação ou correição parcial. Revista de Processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, v. 6, jan./mar.-1981.

PINTO FERREIRA. A Constituição brasileira de 1934 e seus reflexos na atualidade. Revista

de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 93, jan./mar.-1987.

PINTO, Teresa Celina de Arruda Alvim. Medida cautelar, mandado de segurança e ato

judicial. São Paulo: Malheiros, 1992.

PONTES MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Garra, Mão e Dedo. 2ª ed. Campinas:

Bookseller, 2005.

__________. Tratado das ações. Tomo I. Campinas: Bookseller, 1999, t. 1.

__________. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 1999, v. 1.

__________. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000, v. 2.

__________. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000, v. 4.

__________. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1947, t. 1.

__________. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979,

t. 2.

__________. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, t. 5.

__________. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977, t. 16.

__________. Comentários à Constituição de 1946. Rio de Janeiro: Henrique Cahen, 1947, v.

3.

__________. Fontes e evolução do Direito Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1981.

__________. Introdução à sociologia geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.

__________. O problema fundamental do conhecimento. 2ª ed. Campinas: Bookseller, 2005.

__________. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5ª ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1976.

POSNER, Richard. Para além do direito. Trad. Evandro Silva. São Paulo: Martins Fontes,

2009.

RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Trad. Marlene Holzhausen. São Paulo: Martins

Fontes, 2004. p. 161-162.

Page 242: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

231

RAMOS, Glauco Gumerato. Reclamação no Superior Tribunal de Justiça. Revista de

Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 192, fev.-2011.

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1996.

__________. Fontes e modelos de Direito: para um novo paradigma hermenêutico. São

Paulo: Saraiva, 1994.

__________. Nova fase do Direito moderno. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

__________. O Direito como experiência. Introdução à epistemologia jurídica. São Paulo:

Saraiva, 1968.

ROCHA, José de Moura. Mandado de segurança: a defesa dos direitos individuais. Rio de

Janeiro: Aide, 1982.

__________. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1974, v. 9.

ROCHA, Márcio Oliveira. Ativismo judicial e direito à saúde. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2013.

RODRIGUES, Lêda Boechat. A Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano. 2ª ed.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010.

RODRIGUES, Ruy Zoch. Ações repetitivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

RODRÍGUEZ, Víctor Gabriel. Argumentação jurídica: técnicas de persuasão lógica

informal. 2ª ed. Campinas: LZN, 2003.

ROLIM, Luiz Antonio. Instituições de direito romano. 4ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010.

ROQUE, André Vasconcelos. Class actions. Salvador: Juspodivm, 2013.

ROSAS, Roberto. Direito Processual Constitucional: princípios constitucionais do processo

civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

ROSSI, Júlio César. Aspectos processuais da reclamação constitucional. Revista Dialética de

Direito Processual. São Paulo: Dialética, v. 19, out.-2004.

SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais gerais e directiva sobre cláusulas abusivas. Coimbra:

Almedina, 2005.

SÁ, Djanira Maria Radamés de. Súmula vinculante: análise de sua adoção. Belo Horizonte:

Del Rey, 1996.

Page 243: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

232

SALDANHA, Nelson. Da teologia à metodologia: secularização e crise do pensamento

jurídico. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

__________. Jurisdição e competência: nota sobre o sentido histórico-político da distinção.

Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal, v. 107, jul./set.-1990.

__________. Kant e o critiscimo no bicentenário da crítica da razão pura. Recife:

Massangana, 1982

__________. O jardim e a praça. São Paulo: Edusp, 1993.

__________. O problema da história na ciência jurídica contemporânea. 2ª. ed. Porto

Alegre: Escola Osvaldo Vergara, 1978.

__________. O que é poder legislativo. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.

__________. Ordem e hermenêutica. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

__________. Teológico, metafísico e positivo. Filosofia e epistemologia no ocidente

moderno. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2010.

SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos. Da reclamação. Revista dos Tribunais. São Paulo:

Revista dos Tribunais, v. 808, fev.-2003.

SANTOS, Aloysio. A correição parcial: Reclamação ou recurso acessório? 2ª ed. São Paulo:

LTr, 2002.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. Revista

de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 37, jan./mar.-1985.

__________. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003.

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 14ª ed. São Paulo: Saraiva,

2011, v. 1.

SARLET, Wolfgang Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 11ª ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2012.

SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro: um estudo

sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011.

__________. Congestionamento viário e congestionamento judiciário. Revista de Processo.

São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 236, out.-2014.

SILVA, Clóvis V. do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV,

2006.

__________. Para uma história dos conceitos no direito civil e no direito processual civil (a

atualidade do pensamento de Otto Karlowa e de Oskar Bülow). Revista de Processo. São

Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 37, jan./mar.-1985.

Page 244: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

233

SILVA, Edward Carlyle. Conexão de causas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28ª ed. São Paulo:

Malheiros, 2007.

SILVA NETO, Francisco Antônio de Barros e. A antecipação da tutela nos processos

declaratórios. Porto Alegre: Safe, 2005.

__________. Paradoxos do recurso extraordinário como ferramenta do direito processual

constitucional. Questões atuais sobre os meios de impugnação contra decisões judiciais.

CUNHA, Leonardo Carneiro da (coord.). Belo Horizonte: Fórum, 2012.

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

__________. Ação de imissão de posse. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

__________. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,

2006.

__________. Sentença e coisa julgada. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

SILVA, Virgílio Afonso da. A constitucionalização do direito: os direitos fundamentais nas

relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005.

__________. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo:

Malheiros, 2014.

SILVA, Ticiano Alves e. Jurisprudência banana boat. Revista de Processo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, v. 209, jul-2012.

SIQUEIRA, Vicente Paula de. Da reclamação. Ceará: Imprensa Universitária do Ceará, 1958.

SOUTO, Claudio; SOUTO, Solange. Sociologia do Direito. São Paulo: LTC/EDUSP, 1981.

SOUZA, Artur César de. Contraditório e revelia: perspectiva crítica dos efeitos da revelia em

face da natureza dialética do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá,

2013.

STRATZ, Murilo. Reclamação na jurisdição constitucional. Santa Cruz do Sul: Essere nel

mondo, 2015.

STRECK, Lenio Luiz. O que é isto: decido conforme minha consciência? 3ª ed. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2012.

__________; ABBOUD, Georges. O que é isto: o precedente judicial e as súmulas

vinculantes? 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.

Page 245: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

234

__________. Comentários ao art. 988. Comentários ao Código de Processo Civil. Lenio Luiz

Streck; Dierle Nunes; Leonardo Carneiro da Cunha (coord.). Alexandre Freire (org.). São

Paulo: Saraiva, 2016.

STRENGER, Irineu. Da dogmática jurídica: contribuição do Conselheiro Ribas à dogmática

do Direito Civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2000.

TAKOI, Sérgio Massaru. Reclamação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2013.

TALAMINI, Eduardo. Novos aspectos da jurisdição constitucional brasileira: repercussão

geral, força vinculante, modulação dos efeitos do controle de constitucionalidade e

alargamento do objeto do controle direito. Tese de livre-docência. São Paulo: USP, 2008.

TARUFFO, Michele. Precedente e Jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2011, vol. 199.

__________. Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Trad. Vitor de Paula

Ramos. São Paulo: Marcial Pons, 2012.

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Mandados de segurança e de injunção. São Paulo:

Saraiva, 1990.

TELES, Ney Moura. Admissibilidade da reclamação para garantir a autoridade de decisão de

Tribunal Regional Federal. Revista Jurídica Consulex. Brasília: Consulex, nº 204, jul.-2005.

TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: Juspodivm, 2016.

TERÁN, Juan Manuel. Filosofía del derecho. 3ª ed. Cidade do México: Porrúa, 1967.

THEODOR JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON,

Flávio Quinaud. Novo CPC. Fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015.

TROCKER, Nicolò. Processo civile e constituzione. Milano: Giuffrè, 1974. TUCCI, José Rogério Cruz e. A causa petendi no processo civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2001.

__________; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Lições de história do processo civil lusitano. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

__________. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2004.

VEIGA, Daniel Brajal. O caráter pedagógico da reclamação constitucional e a valorização do

precedente. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 220, jun.-2013.

VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao poder público. 2ª. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

VILA NOVA, Sebastião. Introdução à sociologia. São Paulo: Atlas, 1981.

Page 246: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

235

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do Direito positivo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1977.

__________. Causalidade e relação no Direito. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito do Direito. Escritos Jurídicos e Filosóficos.

Brasília: Axis Mvndi, 2003.

VITORELLI, Edilson. O devido processo legal coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2016.

WALDRON, Jeremy. As intenções dos legisladores e a legislação não-intencional. Direito e

interpretação. Andrei Marmor (coord.). São Paulo: Martins Fontes, 2004.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2012

__________. Nulidades do processo e da sentença. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2007.

__________. Súmula vinculante: desastre ou solução? Revista de Processo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, v. 98, abr./jun.-2000.

__________. Questão de fato e questão de direito. Processo Civil em Movimento: diretrizes

para o novo CPC. LAMY, Eduardo; ABREU, Pedro Manoel. OLIVEIRA, Pedro Miranda de

(coords.). Florianópolis: Conceito, 2013.

__________; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coord). Breves

Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao Direito: a epistemologia jurídica da

modernidade. Trad. José Luiz Bolzan. Porto Alegre: SAFE, 1995, v. 2.

__________. Introdução geral ao Direito: o Direito não estudado pela teoria jurídica moderna.

Porto Alegre: SAFE, 1997, v. 3.

WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 15ª ed. São Paulo: Pioneira,

2000.

WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 4ª ed. Lisboa: Calouste

Gulbenkian, 2010.

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no

Direito. 3ª ed. São Paulo: Alfa Omega, 2001.

ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia. Trad. Marina Gascón.

Madrid: Editorial Trotta, 1995.

__________. La giustizia costituzionale. Bologna: Il Mulino,1977.

Page 247: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO...AI – Agravo de Instrumento AL – Alagoas AP – Amapá Art. – Artigo BA – Bahia CC – Conflito de Competência CDC – Código de Defesa

236

XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

ZANETI JR., Hermes. O “novo” mandado de segurança coletivo. Salvador: Juspodivm,

2013.

ZANFERDINE, Flávia; GOMES, Alexandre. Tratamento coletivo adequado das demandas

individuais repetitivas pelo juízo de primeiro grau. Revista de Processo. São Paulo: Revista

dos Tribunais, v. 234, ago.-2014.

__________. O valor vinculante dos precedentes. Salvador: Juspodivm, 2015.

___________. Processo constitucional. O modelo constitucional do processo civil brasileiro.

Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007.

ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. 3ª ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

__________. Processo coletivo. 6ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.