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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Educação Maria Elisa de Araújo Grossi A literatura infantil pelo olhar da criança Belo Horizonte 2018

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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Educação

Maria Elisa de Araújo Grossi

A literatura infantil pelo olhar da criança

Belo Horizonte 2018

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Maria Elisa de Araújo Grossi

A literatura infantil pelo olhar da criança Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Orientadora: Maria Zélia Versiani Machado Linha de Pesquisa: Educação e Linguagem

Belo Horizonte 2018

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G878l T

Grossi, Maria Elisa de Araújo, 1968-

A literatura infantil pelo olhar da criança [manuscrito] / Maria Elisa de Araújo Grossi. - Belo Horizonte, 2018. 251 f., enc, il. Tese - (Doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais,

Faculdade de Educação. Orientadora: Maria Zélia Versiani Machado. Bibliografia: f. 220-231. Apêndices: f. 232-251. 1. Educação -- Teses. 2. Literatura -- Estudo e ensino (Ensino

fundamental) -- Teses. 3. Crianças -- Interesses na leitura -- Teses. 4. Literatura infanto-juvenil -- Teses.

I. Título. II. Machado, Maria Zélia Versiani, 1958-. III. Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de

Educação.

CDD- 372.64 Catalogação da Fonte : Biblioteca da FaE/UFMG

Bibliotecário: Ivanir Fernandes Leandro CRB: MG-002576/O

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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Educação

Tese intitulada A literatura infantil pelo olhar da criança, de autoria da doutoranda Maria Elisa de Araújo Grossi, a ser aprovada pela banca constituída pelos seguintes professores:

_______________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Zélia Versiani Machado

(Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais) Orientadora

_______________________________________________________________________

Professora Doutora Renata Junqueira de Souza (Faculdade de Ciências e Tecnologia /UNESP)

_______________________________________________________________________ Professor Doutor Hércules Tolêdo Corrêa

(Universidade Federal de Ouro Preto)

_______________________________________________________________________ Professora Doutora Aracy Alves Martins

(Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais)

_______________________________________________________________________ Professora Doutora Sara Mourão Monteiro

(Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais)

_______________________________________________________________________ Professora Doutora Marta Passos Pinheiro (Suplente)

(Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais)

_______________________________________________________________________ Professora Doutora Francisca Izabel Pereira Maciel (Suplente)

(Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais)

Belo Horizonte, 20 de dezembro de 2018.

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Para a mamãe, exemplo de fé sempre presente.

Para o meu pai, exemplo de luta pela vida. Para João Vítor e Carol, razões de todo o esforço.

Para Rômulo, companheiro de caminhada.

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AGRADECIMENTOS Deus, presença viva em cada um. Zélia, orientação serena, perspicaz, reflexiva e encorajadora. Renata, leitura atenta e incentivadora. Aracy, leitura consistente e solidária. Hércules, possibilidade de partilha de saberes. Sara Mourão, possibilidade de diálogo e reflexões. Marta Passos e Francisca, abertura à discussão. Crianças da pesquisa, leitoras protagonistas. Famílias das crianças, confiança na investigação. Kely Cristina, Flávia Helena e Maria Carolina, abertura, parceria e disponibilidade. Centro Pedagógico, possibilidade de pesquisa. Colegas do Básico, apoio e amizade. Colegas do Centro Pedagógico, apoio profissional. Kely, palavras encorajadoras nos momentos difíceis. Ruana e Flávia, apoio no momento certo. Delaine Cafiero, leitura solidária. Vanessa Neves, aprofundamento e ampliação teórico-metodológica. Leila Barros, solidariedade. Cleudene, alegria e lucidez. Julianna, apoio total com dados da biblioteca. Alessandra, acolhida na biblioteca e registros fotográficos. John, apoio técnico. Professores do Doutorado, incentivo à reflexão. Colegas do GPELL, força e companheirismo no sufoco. Célia Abicalil, estímulo na caminhada. Socorro Nunes, incentivadora primeira. Rômulo, apoio e editoração final do texto. Beth, revisões do texto e apoio incondicional. Laura, afilhada carinhosa e sempre presente. Paulo, Cida, Dê, apoio fraternal e torcida amorosa. Sobrinhos e cunhados, incentivo e alegria. Papai, acompanhamento de vida. Eliana, Ana Paula, Raquel, Ivan, Lívia e Juçara, parceiros de caminhos. Patrícia Barros, solidariedade contínua. Equipe de funcionários da Pós, assistência institucional. João Vítor, incentivo, leituras esporádicas e tradução do resumo. Carol, leitura objetiva. Gerusa, aulas de Inglês.

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Direitos do pequeno leitor “Todo pequeno leitor tem o direito de ser o herói, escolher o personagem principal e decidir quando e como quer ler. Todo pequeno leitor tem o direito de brincar com as palavras, fazer amigos incríveis e levar a turma toda para passear. Todo pequeno leitor tem o direito de fazer de conta, ajudar nas compras e saborear tudo que aprender. Todo pequeno leitor tem o direito de contar histórias, ouvir histórias e inventar tudo outra vez. Todo pequeno leitor tem o direito de sonhar sempre... com um final FELIZ.”

Patrícia Auerbach e Odilon Moraes

“A leitura sempre está no nosso coração” Luffy, 20/06/2017

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RESUMO Esta pesquisa tem como foco analisar a recepção por crianças de livros literários produzidos no ano de 2015, considerados Altamente Recomendáveis para crianças pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). As crianças que participaram da pesquisa encontram-se no 1º Ciclo de Formação Humana de uma escola pública, ciclo responsável pela sistematização da alfabetização. A investigação foi realizada no Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), escola pública de Ensino Fundamental, de setembro de 2016 a junho de 2017, ou seja, durante nove meses. Algumas questões se apresentam como fundamentais na investigação: que critérios são utilizados pelas crianças no momento em que escolhem um livro para ler? Que elementos dos livros, considerados Altamente Recomendáveis pelos adultos, atraem a atenção das crianças? No processo de leitura compartilhada dos livros, escolhidos pelas crianças, quais seriam as questões levantadas por elas em relação ao texto verbal e visual? Para o processo de coleta de dados, desenvolvemos com 25 crianças, divididas em seis grupos, cada grupo composto por 4/5 crianças, uma conversação literária, a partir de pressupostos de dinâmicas conhecidas como Círculo de Leitura. “Um círculo de leitura é essencialmente o compartilhamento organizado de uma obra dentro de uma comunidade de leitores que se constitui para tal fim” (COSSON, 2014, p. 158). Como metodologia de pesquisa, abraçamos o enfoque “Dime (Diga-me)” (CHAMBERS, 2007), que estimula o diálogo das crianças com os livros e incentiva a troca de ideias e de impressões sobre o texto lido conjuntamente. Além dos momentos de leitura compartilhada com os seis grupos, realizamos também entrevistas individuais com as crianças, visando conhecer suas experiências sociais com a leitura. Para uma melhor compreensão da complexidade da leitura literária na infância, a pesquisa contou com diferentes interlocutores. Estreita-se, assim, um diálogo com vários autores entre os quais aqueles que discutem a literatura infantil do ponto de vista crítico, conceitual e histórico (MEIRELES, 1979; CUNHA, 1986; PERROTTI, 1984, 1986; COELHO, 2000; ZILBERMAN, 2003; CADEMARTORI, 2009, 2010; LAJOLO & ZILBERMAN, 2007; HUNT, 2010; ARROYO, 2011; BAJOUR, 2012, COLOMER, 2003, 2017), com teóricos da Sociologia da Infância (QVORTRUP, 1993; SARMENTO, 2005; KRAMER, 2011; CORSARO, 2011) e com autores que discutem singularidades do pensamento da criança e outros conceitos como os de imaginação e mediação (HELD, 1980; VIGOTSKI, 2007, 2008, 2009). Na interface desses diferentes estudos, buscamos uma maior aproximação desse complexo objeto. Palavras-chave: Literatura infantil. Recepção literária. Livro infantil.

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ABSTRACT

The focus of this research is to analyze children’s reception of literary books categorized as Highly Recommended for Children according to a Brazilian entity whose role is to analyze and select books for children and adolescents, the Children’s and Juvenile Book National Foundation – Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil - in 2015. The research involved children belonging to the 1st Cycle of Human Formation at a public elementary school, which is responsible for the systematization of literacy. The investigation was conducted at a school named Centro Pedagógico da UFMG from September 2016 to June 2017 - lasting for 9 months. Some issues are fundamental to the investigation: which criteria children use to choose a book to read? Which book elements attract children’s attention? During the reading process of the books chosen by the children in groups, which issues would they raise concerning the visual and verbal aspects of the text? To collect the data, we divided 25 children in 6 groups composed of four or five children each. We developed literary conversations based on the assumptions of academically recognized dynamics, such as the Reading Circle. “A reading circle is essentially the organized sharing of a book content inside a reading community constituted for that purpose” (COSSON, 2014, p. 158). We embraced the “Dime (Tell me)” (CHAMBERS, 2007) focus for the research methodology, stimulating children to dialogue with the books and incentivizing ideas exchange and the sharing of impressions about the text read in groups. In addition to the moments of shared reading in the six groups, we also conducted individual interviews with the children aiming at knowing their social experiences with reading. The research involved several interlocutors to better comprehend the complexity of literary reading in infancy. Therefore, we developed a dialogue with several actors that discuss children’s literature with a critical, conceptual and historical perspective (MEIRELES, 1979; CUNHA, 1986; PERROTTI, 1984, 1986; COELHO, 2000; ZILBERMAN, 2003; CADEMARTORI, 2009, 2010; LAJOLO & ZILBERMAN, 2007; HUNT, 2010; ARROYO, 2011; BAJOUR, 2012, COLOMER, 2003, 2017), with theorists of Children’s Sociology(QVORTRUP, 1993; SARMENTO, 2005; KRAMER, 2011; CORSARO, 2011), and with authors that discuss the singularities of children’s thoughts and other concepts, such as imagination and mediation (HELD, 1980; VIGOTSKI, 2007, 2008, 2009). Through the interconnections between those different studies, we intended to develop more proximity to this complex object. Key Words: Children’s literature. Literary reception. Children’s book.

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RÉSUMÉ

Cette recherche a comme cible l’analyse de la réception des enfants des livres littéraires publiés dans l’année 2015 et considérés fortement recommandés aux enfants par une branche brésilienne de l’entité Boardon Books for Young People (IBBY), la Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Les enfants qui ont participé de la recherche se trouvent dans le 1er cycle de Formation Humaine d’une école publique, celui-là responsable de la systématisation de l’alphabétisation. L’enquête a été menée au Centro Pedagógico del’UFMG, une école publique de l’Enseignement Primaire, entre septembre 2016 et juin 2017, au total de neuf mois. Les questions les plus fondamentales à l’enquête sont: Quels sont les critères utilisés par les enfants au moment de choisir un livre pour lire? Quels éléments des livres,considérés comme fortement recommandés par les adultes, attirent l’attention des enfants? Au cours de la lecture partagée des livres, quels sont leurs questions par rapport le texte verbal et visuel ? Pour trier les données, on a établi auprès de 25 enfants, divisés en six groupes de quatre ou cinq personnes, une discussion littéraire, à partir des présupposés de dynamiques appelés Cercle de lecture. «Un cercle de lecture est essentiellement le partage organisé d’une œuvre dans une communauté de lecteurs qui s’est constituée pour cette fin» (COSSON, 2014, p. 158). La méthodologie adoptée pour la recherche a été “Dime (Dites-moi)” (CHAMBERS, 2007), qui encourage le dialogue des enfants avec les livres et stimule l’échange d’idées et d’avis sur le texte lu en groupe. En outreles moments de lectures partagées avec les six groupes, on a également réalisé des entretiens individuels avec les enfants, visant connaître leurs expériences sociales avec la lecture. Pour une meilleure compréhension de la complexité de la lecture littéraire chez l’enfance, la recherche a compté sur plusieurs interlocuteurs. On s’estrapproché, ainsi, d’un dialogue avec plusieurs auteurs, spécialement avec ceux qui raisonnent sur la littérature pour enfants du point de vue critique, conceptuel et historique (MEIRELES, 1979; CUNHA, 1986; PERROTTI, 1984, 1986; COELHO, 2000; ZILBERMAN, 2003; CADEMARTORI, 2009, 2010; LAJOLO & ZILBERMAN, 2007; HUNT, 2010; ARROYO, 2011; BAJOUR, 2012, COLOMER, 2003, 2017), ceux de la théorie de la Sociologie de l’enfance (QVORTRUP, 1993; SARMENTO, 2005; KRAMER, 2011; CORSARO, 2011) et avec les auteurs qui dialoguent sur la singularité de la pensée de l’enfant et d’autres concepts tels l’imagination et la médiation (HELD, 1980; VIGOTSKI, 2007, 2008, 2009). Dans l’interface de ces différentes études, on a cherché la plus grande approximation de cet objet si complexe. Mots-clés : Littérature pour enfants. Réception littéraire. Livre pour enfant.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Livros Altamente Recomendáveis – Produção 2015 ............................................... 33

Figura 2 – O guardião da bola ................................................................................................. 68

Figura 3 – Nino, o menino de Saturno ...................................................................................... 69

Figura 4 – Contos Ortográficos ................................................................................................ 74

Figura 5 – O trompetista na tempestade ................................................................................... 77

Figura 6 – Nino e Menino Maluquinho .................................................................................... 80

Figura 7 – Quarta capa.............................................................................................................. 81

Figura 8 – Livro informativo .................................................................................................... 82

Figura 9 – Chuva de Manga e Escola de chuva ....................................................................... 83

Figura 10 – Cartas a povos distantes ....................................................................................... 87

Figura 11 – Carta com letra cursiva.......................................................................................... 90

Figura 12 - Inês ......................................................................................................................... 92

Figura 13 – Capa da obra .......................................................................................................... 94

Figura 14 – Imagem em preto e branco .................................................................................... 96

Figura 15 – Livro Inês – princesa ............................................................................................. 97

Figura 16 – O Sonho de Borum ................................................................................................ 98

Figura 17 – Página da obra ....................................................................................................... 99

Figura 18 – Capa da obra ........................................................................................................ 100

Figura 19 – Intertexto com Branca de Neve ........................................................................... 105

Figura 20 – Capa da obra De noite no bosque ........................................................................ 109

Figura 21 – Capa da obra ........................................................................................................ 111

Figura 22 – E as cores de Saturno?......................................................................................... 112

Figura 23 – Que bicho tem esse pé? ....................................................................................... 113

Figura 24 – O pé é do pavão ................................................................................................... 113

Figura 25 – Pintores da obra Nino, o menino de Saturno ....................................................... 115

Figura 26 – Capa da obra ........................................................................................................ 116

Figura 27 – Cenas iniciais da obra Lá e Aqui ......................................................................... 117

Figura 28 – Imagens da obra O trompetista na tempestade ................................................... 119

Figura 29 – Einstein ................................................................................................................ 122

Figura 30 – A mulher e o gato ................................................................................................ 123

Figura 31 – Capa da obra ........................................................................................................ 127

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Figura 32 – Pintor Pollock ...................................................................................................... 131

Figura 33 – Jogo Minecraft .................................................................................................... 133

Figura 34 – Texto, p. 19 ......................................................................................................... 134

Figura 35 – Gato no tapete ..................................................................................................... 135

Figura 36 – Detetives do Prédio Azul .................................................................................... 136

Figura 37 – Pássaros, p. 18-19 ................................................................................................ 136

Figura 38 – Nino, o menino de Saturno .................................................................................. 138

Figura 39 – Flash .................................................................................................................... 139

Figura 40 – Gustav Klimt e Gargamel.................................................................................... 140

Figura 41 - Miraculous ........................................................................................................... 141

Figura 42 – Cachinhos Dourados ........................................................................................... 142

Figura 43 – Coisa de gente grande, Canções ......................................................................... 146

Figura 44 – Coisa de gente grande, Planos ............................................................................ 148

Figura 45 – As cores dos pássaros, p. 12-13 .......................................................................... 149

Figura 46 – As cores dos pássaros, p. 28-29 .......................................................................... 151

Figura 47 – Lá e Aqui – Os olhos da mãe ............................................................................... 154

Figura 48 – Lá e Aqui ............................................................................................................. 155

Figura 49 – O guardião da bola, p. 31 ................................................................................... 162

Figura 50 – Capa da obra ........................................................................................................ 163

Figura 51 – Os sentidos da capa ............................................................................................. 164

Figura 52 – Receita para fazer dragão, p. 36 ......................................................................... 170

Figura 53 – Sopa de prego ...................................................................................................... 174

Figura 54 – Viagens da Carolina ........................................................................................... 176

Figura 55 – O capetinha do espaço ........................................................................................ 178

Figura 56 – Quem tem medo? ................................................................................................ 179

Figura 57 – Lá e Aqui ............................................................................................................. 204

Figura 58 – Círculos de Leitura .............................................................................................. 206

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LISTA DE GRÁFICO E QUADROS

Gráfico 1 – Público Alvo – 2010/2011 ..................................................................................... 50

Quadro 1 – Algumas pesquisas afins ........................................................................................ 26

Quadro 2 – Encontros realizados .............................................................................................. 34

Quadro 3 – Entrevistas individuais ........................................................................................... 37

Quadro 4 – Dados das crianças participantes ........................................................................... 42

Quadro 5 – Nomes escolhidos pelos alunos participantes da pesquisa .................................... 45

Quadro 6 – Livros Altamente Recomendáveis – 2015 .............................................................. 63

Quadro 7 – Lista dos livros escolhidos pelas crianças ............................................................. 65

Quadro 8 – As escolhas das crianças nos grupos ..................................................................... 67

Quadro 9 – Livros não escolhidos ............................................................................................ 85

Quadro 10 – As escolhas das crianças .................................................................................... 101

Quadro 11 – Obras indicadas pelas crianças leitoras ............................................................. 187

Quadro 12 – Lista dos livros mais procurados por crianças do 1º ano ................................... 190

Quadro 13 – Lista dos livros mais procurados por crianças do 2º ano ................................... 191

Quadro 14 – Lista dos livros mais procurados por crianças do 3º ano ................................... 191

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS BDTD Biblioteca Digital de Teses e Dissertações

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CD Compact Disc

Ceale Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita

CELLIJ Centro de Estudos em Leitura e Literatura Infantil e Juvenil “Maria Betty Coelho

Silva”

COEP Comitê de Ética em Pesquisa

COLTEC Colégio Técnico

CP Centro Pedagógico

DVD Digital Versatile Disc

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FaE Faculdade de Educação

FNLIJ Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

GPELL Grupo de Pesquisa do Letramento Literário

GTA Grand Theft Auto

GTD Grupo de Trabalho Diferenciado

IBBY International Board on Books for Young People

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

NAIP Núcleo de Atendimento e Integração Pedagógica

NAPq Núcleo de Assessoramento à Pesquisa

PNBE Programa Nacional Biblioteca da Escola

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

PNLL Plano Nacional do Livro e Leitura

PROALE Programa de Alfabetização e Leitura

TALE Termo de Assentimento Livre e Esclarecido

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

TU Teatro Universitário

UFF Universidade Federal Fluminense

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

Unesp Universidade Estadual Paulista

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 17

CAPÍTULO 1 – PERCURSOS DA PESQUISADORA E DA PESQUISA ....................... 19

1.1 Um pouco da minha história e da história da literatura em mim ........................................ 19

1.2 A contextualização da pesquisa .......................................................................................... 23

1.3 Caminhos metodológicos ................................................................................................... 29

1.4 A escola pesquisada ............................................................................................................ 40

1.5 As crianças participantes .................................................................................................... 42

CAPÍTULO 2 – PROCESSOS DE SELEÇÃO E AVALIAÇÃO DE LIVROS ............... 47

2.1 A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil .............................................................. 47

2.2 O Grupo de Pesquisa do Letramento Literário ................................................................... 49

2.3 Uma questão delicada: a qualidade estética dos livros literários infantis........................... 51

2.4 Categoria CRIANÇA: os desafios e a fluidez de uma definição ........................................ 58

2.5 Os livros Altamente Recomendáveis da pesquisa ............................................................... 62

CAPÍTULO 3 – COM A PALAVRA AS CRIANÇAS LEITORAS: AS ESCOLHAS EM

JOGO ....................................................................................................................................... 64

3.1 O processo de escolha dos livros ........................................................................................ 64

3.1.1 “Eu escolho muito pela capa” .......................................................................................... 68

3.1.2 “Eu olho as imagens” ...................................................................................................... 75

3.2 Os repertórios de leituras .................................................................................................... 79

3.3 Os livros não escolhidos ..................................................................................................... 84

3.4 “Eu gostei porque ele tem mais histórias diferentes” ....................................................... 101

CAPÍTULO 4 – DIÁLOGOS DA CRIANÇA COM OS TEXTOS LITERÁRIOS ....... 108

4.1 No jogo de adivinhações de possíveis sentidos dos textos ............................................... 108

4.2 Tecendo conexões e associações ...................................................................................... 114

4.3 O conhecimento de mundo dos leitores ............................................................................ 120

4.4 Os passeios inferenciais ................................................................................................... 125

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4.5 Histórias que se cruzam .................................................................................................... 128

4.6 Intertextualidades.............................................................................................................. 132

CAPÍTULO 5 – EXPERIÊNCIAS SENSÍVEIS DA CRIANÇA COM O TEXTO

LITERÁRIO ......................................................................................................................... 145

5.1 Quando ler é recriar .......................................................................................................... 145

5.2 Quando ler é compartilhar sentidos .................................................................................. 154

5.3 Quando ler é imaginar ...................................................................................................... 161

5.4 Quando ler é uma experiência corporal ............................................................................ 166

CAPÍTULO 6 – SE EU PUDESSE... .................................................................................. 173

6.1 Se eu pudesse falar de livros e de minhas leituras... ........................................................ 173

6.2 Se eu pudesse conversar com um autor... ........................................................................ 192

6.3 Se eu pudesse ler com o outro... ...................................................................................... 206

ENTROU POR UMA PORTA, SAIU POR OUTRA E QUEM QUISER QUE CONTE

OUTRA... ............................................................................................................................... 215

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 220

REFERÊNCIAS DAS OBRAS LITERÁRIAS DA PESQUISA ...................................... 230

Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Responsáveis.................. 232

Apêndice B – Roteiro para a dinâmica do Círculo de Leitura ............................................... 234

Apêndice C – Roteiro para a entrevista individual ................................................................. 235

Apêndice D - Termo de Assentimento Livre e Esclarecido ................................................... 236

Apêndice E – Caracterização resumida das obras Altamente Recomendáveis ....................... 238

1 Nino, o menino de Saturno .................................................................................................. 238

2 De noite no bosque .............................................................................................................. 238

3 O livro das casas .................................................................................................................. 239

4 Lá e Aqui ............................................................................................................................. 240

5 As cores dos pássaros .......................................................................................................... 241

6 Receita para fazer dragão .................................................................................................... 241

7 O caixão rastejante e outras assombrações de família ......................................................... 242

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8 O guardião da bola ............................................................................................................... 243

9 Contos Ortográficos ............................................................................................................. 243

10 Coisa de gente grande ........................................................................................................ 244

11 O trompetista na tempestade ............................................................................................. 244

12 Hortência das Tranças ....................................................................................................... 245

13 Inês .................................................................................................................................... 245

14 O Sonho de Borum ............................................................................................................ 246

15 Tenório, um artista iniciante .............................................................................................. 247

16 Tabuleiro da Baiana ........................................................................................................... 247

17 Os nada-a-ver ..................................................................................................................... 248

18 O que é a liberdade? .......................................................................................................... 249

19 Cartas a povos distantes ..................................................................................................... 249

Apêndice F – Autorização de uso de imagem ........................................................................ 251

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APRESENTAÇÃO

O presente texto é resultado da pesquisa de doutorado que se intitula A literatura

infantil pelo olhar da criança. A investigação teve como objeto analisar a recepção literária

por crianças de seis e sete anos do 1º Ciclo de Formação Humana, de uma escola pública

federal, dos livros publicados no ano de 2015 e considerados Altamente Recomendáveis pela

Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).

O primeiro capítulo apresenta os percursos da pesquisadora e da pesquisa.

Inicialmente, reconstituímos fragmentos da nossa história pessoal e profissional e

apresentamos suas interfaces com a literatura. A seguir, contextualizamos a pertinência deste

estudo no cenário da produção acadêmica sobre literatura infantil. A terceira seção aborda os

caminhos teórico-metodológicos percorridos no processo investigativo, marcado por um

longo período de inserção no campo. A quarta seção caracteriza a escola em que a pesquisa

foi realizada e a quinta e última seção do primeiro capítulo traça um perfil das crianças,

participantes ativas em todo o processo de investigação. No contexto da pesquisa, estudos da

Sociologia da Infância também dão aporte às decisões teórico-metodológicas.

No segundo capítulo, procuramos, inicialmente, caracterizar a Fundação Nacional

do Livro Infantil (FNLIJ) e refletir sobre o papel da instituição no processo nacional de

avaliação e seleção de obras de literatura. Em seguida, apresentamos o Grupo de Pesquisa do

Letramento Literário (GPELL), da Faculdade de Educação (FaE), da Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG), grupo do qual participamos e que colabora de forma institucional

junto ao processo de avaliação e seleção de obras da FNLIJ. Nesse capítulo, abordamos dois

temas complexos: a qualidade estética dos livros literários e a Categoria “Criança” da FNLIJ.

Refletimos, assim, sobre os desafios que se apresentam em torno desses temas. Encerrando o

capítulo, apresentamos as obras Altamente Recomendáveis publicadas em 2015 que foram

lidas e discutidas com as crianças na investigação.

No terceiro capítulo, apresentamos o processo de escolha dos livros pelas crianças

e os critérios que elas adotaram ao selecionarem as obras que gostariam que fossem lidas de

forma compartilhada. Assim, episódios oriundos dos Círculos de Leitura bem como das

entrevistas individuais, dinâmicas utilizadas na coleta de dados, dão voz às crianças que

revelam a sua forma singular de escolher livros. Refletimos sobre o significado que os

pequenos leitores atribuem às capas e às imagens das obras, “portas” de entrada da criança na

proposta ficcional do texto. Em seguida, analisamos os repertórios de leitura dos leitores e

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suas possíveis influências em suas escolhas. Apresentamos também os livros Altamente

Recomendáveis não escolhidos pelos leitores e as justificativas apresentadas por eles para a

“não escolha.” Encerrando o capítulo, analisamos interações que aconteceram após a leitura

das obras.

O quarto capítulo traz uma reflexão sobre os diálogos que a criança estabelece

com o texto literário em busca de atribuição de sentidos ao que lê. Refletimos sobre a forma

ativa com a qual o pequeno leitor levanta hipóteses, utiliza conhecimentos prévios no

processo de conversação, realiza inferências e relaciona acontecimentos do texto com sua

própria experiência de vida. Encerrando o capítulo, analisamos as relações intertextuais

realizadas pelas crianças entre os livros lidos e os filmes, séries, desenhos e jogos de

computador que fazem parte de seus repertórios culturais.

O quinto capítulo revela interações singulares vivenciadas com os pequenos

leitores, que nos permitem pensar nas potencialidades da leitura literária como aquela que

propicia a criação, a descoberta de sentidos do texto e o desenvolvimento do imaginário.

Analisamos ainda interações em que as crianças demonstram que seu modo de ler realiza-se

de forma intensa, com a mobilização de conhecimentos de diferentes naturezas, que envolvem

até mesmo o seu corpo na produção de sentidos.

O sexto e último capítulo propõe um título que brinca com o universo infantil: “Se

eu pudesse...”. Nele, as crianças falam de suas leituras, dos livros que gostam de ler e que

buscam por meio da indicação de outro leitor ou por incentivo de projetos desenvolvidos na

instituição pesquisada. Apresentamos ainda um levantamento dos livros procurados pelos

leitores do 1º Ciclo na biblioteca da escola pesquisada com a finalidade de articular essas

outras leituras com o universo de livros da pesquisa. Nesse capítulo, as crianças leitoras nos

contam o que diriam aos autores de livros infantis se tivessem essa oportunidade e também

avaliam a experiência de leitura compartilhada de uma obra literária que vivenciaram nos

Círculos de Leitura.

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CAPÍTULO 1 – PERCURSOS DA PESQUISADORA E DA PESQUISA

“Ninguém sabe que as estrelas são caminhos...” Mari, 07/02/2017

Neste capítulo, organizado em cinco seções, serão apresentados os caminhos

percorridos por mim e pela pesquisa. A princípio, trazemos fragmentos da nossa história e de

como a literatura se entrelaça nessa trajetória. A segunda seção contextualiza a pertinência

deste estudo no universo de produções acadêmicas sobre literatura infantil. A terceira seção

discorre sobre as perspectivas teórico-metodológicas que sustentaram todo o processo

investigativo. A quarta seção apresenta a escola em que a pesquisa foi realizada e a quinta

caracteriza as crianças participantes.

1.1 Um pouco da minha história e da história da literatura em mim

Refletir sobre literatura fez-me retornar à infância. A primeira figura que surge na

lembrança é a minha mãe, uma mulher especial, risonha e forte, que criou cinco filhos com

muita dificuldade e nos dizia frequentemente: “estudem, leiam, porque isso ninguém tira de

vocês”. Incentivada por sua voz doce e firme, enveredava-me pela leitura e ficava horas no

quarto, viajando imaginariamente por outros mundos – já que nossa situação financeira não

nos permitia viajar presencialmente –, ao ponto de meu pai brincar continuamente comigo.

Ele suprimia os erres das palavras para criar o trocadilho que repetia para mim com muita

frequência: “Laga o livo, Oliva”,1 trocadilho esse que minha irmã caçula, atualmente, ainda

repete, resgatando nossas memórias familiares. “Cada livro era um mundo em si mesmo e

nele eu me refugiava” (MANGUEL, 1997, p. 24).

Outra imagem que me vem à mente, quando penso em minha história literária, é a

da escola na qual cursei o primário. Trata-se de uma escola pública municipal,2 famosa no

bairro por sua qualidade de ensino, que desenvolvia com os alunos propostas interessantes de

incentivo à leitura literária que me marcaram profundamente. Lembro-me de algumas como

“Clube de Leitura”, “Jornal Falado”, “Recita poemas”, “Reescrita de histórias”. Nos clubes de

leitura, explicávamos as razões da escolha de determinado livro e trocávamos nossas

1 “Oliva” era meu apelido, uma referência à personagem Olívia Palito, do desenho Popeye, em virtude de minha magreza à época. 2 Atuei nessa escola, posteriormente, como professora, vice-diretora e diretora.

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impressões sobre os livros lidos. Havia também as aulas de biblioteca, que faziam parte do

currículo e eram ministradas, semanalmente, por uma professora específica. Esta, em suas

aulas, lia e indicava livros de literatura para os alunos. Um livro que jamais esqueci foi “As

mais belas histórias”, de Lúcia Casasanta, obra que seduzia os leitores pela capa. Nesta, havia

a imagem de uma bruxa, uma torre na qual Rapunzel jogava as longas tranças para um

príncipe que estava embaixo, ansioso pela possibilidade de subir; ainda na capa, lembro-me

das imagens de um espantalho e de um porco, este vestido elegantemente e carregando um

violino nas mãos. Consideramos que esse papel da escola foi marcante em minha trajetória de

vida, principalmente os momentos de conversa sobre os livros lidos, experiência que converge

com a percepção de Coelho (2000, p. 16, grifo do autor):

[...] a escola é, hoje, o espaço privilegiado, em que deverão ser lançadas as bases para a formação do indivíduo. E, nesse espaço, privilegiamos os estudos literários, pois, de maneira mais abrangente do que quaisquer outros, eles estimulam o exercício da mente; a percepção do real em suas múltiplas significações; a consciência do eu em relação ao outro; a leitura do mundo em seus vários níveis e, principalmente, dinamizam o estudo e conhecimento da língua, da expressão verbal significativa e consciente – condição sine qua non para a plena realidade do ser.

Mais tarde, no período de quinta à oitava série, vivenciado de 1979 a 1982, muitos

livros foram indicados por um professor de Língua Portuguesa, do Colégio Municipal de Belo

Horizonte, que acompanhou a turma nesse período do ensino. Ele exigia a leitura de obras

canônicas consideradas indispensáveis à trajetória de um leitor à época: Cinco minutos, O

Guarani, A Viuvinha, Lucíola, Iracema, A pata da gazela, Luzia Homem, O Quinze, Vidas

Secas, Menino de Engenho, O Cortiço, Memórias de um sargento de milícias, Capitães da

areia, O castelo do homem sem alma, dentre outros. Um personagem marcante foi o

Professor, do livro Capitães da areia, que passava as noites lendo sob a luz de velas. Muitas

vezes ele lia para os outros meninos do grupo e também criava algumas histórias. A literatura

foi, assim, fazendo parte de minha história.

Quando me formei no Magistério, em 1985, e iniciei a carreira como professora,

em 1986, o interesse pela literatura infantil continuou permeando minha trajetória

profissional. Atuando como alfabetizadora, a relação afetiva e de proximidade com as

crianças permitia-me observar como elas ficavam absortas quando tinham acesso a

determinados livros de literatura. Seus olhares se perdiam em algumas cenas e imagens e eu

ficava curiosa para saber o que elas pensavam nesses momentos, estabelecendo um paralelo

com o menino descrito por Manguel (1997, p. 17): “Numa floresta de manchas de cor,

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sentado sobre um tronco coberto de musgo, um menino segura com ambas as mãos um

pequeno livro que lê em doce quietude, senhor do tempo e do espaço.”

Como professora, procurava garantir espaços na sala de aula para leitura e

discussão de livros e textos literários, pois, mesmo sem estudar profundamente o tema,

observava a singularidade das interações que esse tipo de texto instaurava em sala de aula:

abertura das crianças ao diálogo, relato de suas experiências pessoais e troca de ideias sobre

os temas discutidos nos livros. Nesses momentos, percebia como é intensa a relação da

criança com os livros de literatura. A urgência da prática nem sempre, contudo, me permitiu

refletir, de forma sistemática e organizada sobre essa relação, e o Doutorado abriu-se como

essa oportunidade. Nos caminhos do curso, foi possível aprofundar com maior intensidade os

estudos sobre literatura infantil, reconhecendo os desafios inerentes à tarefa:

Estudar a literatura produzida para as crianças e jovens não é tarefa fácil; atividade menos fácil ainda é trabalhar diretamente com as próprias crianças, estar atento ao seu gosto, saber ouvir suas opiniões sobre este ou aquele livro (GREGORIN FILHO, 2009, p. 11).

Nesse breve percurso, uma experiência que consideramos como fundamental e

que marcou minha trajetória profissional, no que se refere ao interesse pela literatura, foi

participar de ações de formação do Projeto Mala de Leitura da Universidade Federal de Minas

Gerais (UFMG),3 no período de 1997 a 2000, na escola municipal em que eu atuava, à época,

na vice-direção. Trazendo uma mala decorada, repleta de livros de literatura, as professoras,

fundadoras do Projeto, liam e contavam histórias para as crianças de algumas turmas e

também realizavam encontros de formação com os docentes da instituição sobre a

especificidade da leitura literária. Essas ações me instigaram a ler e buscar, progressivamente,

mais conhecimentos sobre a literatura. Após o meu ingresso no Centro Pedagógico, a partir de

2010, tive a oportunidade de assumir a coordenação desse Projeto.

A busca por um aprofundamento teórico sobre o tema “Literatura infantil” revelou

a dificuldade de conceituação e a necessidade da manutenção de uma atitude investigativa no

exercício das práticas de leitura literária na escola. Segundo Coelho (2000, p. 28), fenômeno

visceralmente humano, a criação literária será sempre tão complexa, fascinante, misteriosa e

essencial quanto a própria condição humana:

3 Projeto de Ensino e Extensão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), criado pelas professoras Mirian Chaves, Narriman Conde e Mônica Dayrell, em 1997, com o objetivo de formar leitores literários e mediadores de leitura.

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A literatura infantil é, antes de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra. [...] Literatura é uma linguagem específica que, como toda linguagem, expressa uma determinada experiência humana, e, dificilmente, poderá ser definida com exatidão. (COELHO, 2000, p. 27).

O fato de ser membro do Grupo de Pesquisa do Letramento Literário (GPELL)

desde 2006, e, portanto, votante no processo de premiação da Fundação Nacional de

Literatura Infantil e Juvenil (FNLIJ), uma vez que o GPELL participa do Prêmio FNLIJ como

votante institucional, permite o acesso a um volume significativo da produção literária para

criança publicada a cada ano no Brasil. Esse trabalho de análise de obras possibilita o

estabelecimento de uma série de reflexões em relação a critérios utilizados para a

classificação das obras na categoria Criança.4 Uma delas e que nos mobilizou foi a de como

seria a recepção das crianças dessas obras a elas endereçadas, contudo avaliadas e

selecionadas pelos adultos. O acesso aos livros a serem selecionados para a atribuição do selo

Altamente Recomendável permite, também, a identificação de uma diversidade de propostas

de literatura para a criança e esse aspecto suscitou o desejo de uma investigação mais

qualitativa em relação ao olhar da criança sobre os livros a elas endereçados.

O interesse pelo tema “literatura infantil” relaciona-se também à pesquisa

desenvolvida durante o Mestrado (GROSSI, 2008). Na investigação, foram analisados todos

os gêneros textuais trabalhados em uma turma do primeiro ano do Ensino Fundamental de

uma escola municipal de Belo Horizonte. O estudo possibilitou a reflexão acerca do conceito

de gênero textual e da diversidade de gêneros que circulam numa sala de aula. Os dados

levantados evidenciaram a utilização de muitos textos do domínio literário pela professora,

que era contadora de histórias, fato que nos levou a incluir, na dissertação, um capítulo sobre

letramento literário (PAULINO, 1999). Durante a pesquisa, foi possível observar várias

interações dos alunos na biblioteca a partir de livros literários, mas como o estudo tinha outro

foco, esses dados não foram aprofundados. A riqueza de alguns diálogos das crianças, a partir

das obras que liam, aguçou a nossa vontade de realizar uma pesquisa futura sobre os critérios

que elas utilizam para escolher um livro de literatura e o que elas pensam e comentam entre si

e sobre os livros que leem.

O ingresso como professora do 1º Ciclo de Formação Humana no Centro

Pedagógico da UFMG, em 2010, levou-me a desenvolver, junto com a equipe de trabalho do 4 A FNLIJ encaminha para o GPELL uma lista das obras a serem avaliadas. Essa lista vem dividida em 18 categorias: Criança, Imagem, Informativo, Jovem, Literatura em Língua Portuguesa, Livro Brinquedo, Melhor Ilustração, Poesia, Projeto Editorial, Reconto, Teatro, Teórico, Tradução/adaptação (criança/jovem/informativo/reconto), Escritor Revelação e Ilustrador Revelação.

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1º Ciclo (professores e monitores), vários projetos de incentivo à leitura literária: Sacola de

Leitura, Sacola de CD, Literatura em Família, Mala de Leitura, Revista Literária, O

maravilhoso mundo das fábulas, Viajando com Lobato, A maior flor do mundo, dentre outros.

O desenvolvimento desses projetos suscitou nos professores participantes um desejo contínuo

de aprofundar os estudos sobre o texto literário e as implicações de sua abordagem no ensino.

A possibilidade de coordenar o Projeto de Ensino e Extensão Mala de Leitura da

UFMG, desde 2011, também me desafiou a refletir, continuamente, sobre a questão da

literatura, particularmente sobre a literatura infantil, visto que, por meio do Projeto,

realizamos muitas ações de incentivo à leitura literária em escolas públicas e em outras

instituições. O Projeto Mala de Leitura possui também uma parceria com a Rádio UFMG

Educativa, por meio da qual atuamos no Programa Universo Literário, realizando leituras

literárias que vão ao ar diariamente. Acredito que a proximidade com os leitores tem sido

decisiva em minha trajetória de vida e interesse de estudo.

1.2 A contextualização da pesquisa

A história da literatura infantil revela que os primeiros livros para crianças foram

produzidos ao final do século XVII e durante o século XVIII (ZILBERMAN, 2003, p. 15). A

autora esclarece que, antes desse período, não se escrevia para elas porque não existia a

“infância” como representação social.5 Essa concepção de uma faixa etária diferenciada, com

interesses próprios, só apareceria na Idade Moderna. “A representação da infância, enquanto

referida a um sujeito com estatuto próprio, ocupando, portanto, um lugar social específico, é

uma construção delineada pela modernidade” (FRANCISCHINI; CAMPOS, 2008, p. 103).

A história da literatura infantil revela que ela tem sua origem muito relacionada à

escola e a seu caráter educativo, como salienta a pesquisadora:

Nesse contexto, aparece a literatura infantil; seu nascimento, porém, tem características próprias, pois decorre da ascensão da família burguesa, do novo status concedido à infância na sociedade e da reorganização da escola [...] o aparecimento e a expansão da literatura infantil deveram-se antes de tudo à sua associação com a pedagogia, já que aquela foi acionada para converter-se em instrumento desta (ZILBERMAN, 2003, p. 33-34).

5 Destacamos o pioneirismo de Ariès (1981) entre os teóricos da História da Infância. O autor incentivou um caminho de pesquisas históricas sobre esse tema.

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Segundo Zilberman (2003, p. 44), o que chamamos de literatura infantil

“específica”, isto é, os textos escritos exclusivamente para crianças, têm sua origem em

motivos pedagógicos e não literários. Assim, “utilizava-se” a literatura para ensinar valores

difundidos à época, como obediência, patriotismo, respeito, dentre outros. Apesar disso,

Zilberman (2003, p. 47) ressalta que a literatura infantil “tem o que oferecer à criança, desde

que examinada em relação à sua construção literária.” Observa-se, na análise da pesquisadora,

a importância da literatura infantil como arte, por isso, fundamental à criança. Em

consonância com a autora, Cademartori (2010, p. 8) destaca que a natureza literária já coloca

o vínculo entre literatura infantil e educação “além dos objetivos pedagógicos”. Isso nos faz

pensar na literatura infantil como espaço para a ficção, “passagem para um mundo encantado,

território do maravilhoso, em que as leis ordinárias do mundo real entram em suspensão.”

(CADEMARTORI, 2009, p. 35).

Atualmente, observa-se um crescimento de obras endereçadas às crianças. Esse

aumento da quantidade de livros de literatura infantil,6 entretanto, não vem sendo

acompanhado por um crescimento de pesquisas que analisam criticamente a produção

endereçada às crianças. Esse panorama revela como é necessária uma investigação que tente

compreender melhor essa produção, que é diferente de outra literatura (HUNT, 2010, p. 269).

Segundo Belmiro (2012, p. 2), é preciso aprofundar ainda mais as pesquisas sobre as relações

entre as crianças e o livro de literatura.

Ciente desse panorama, esta pesquisa tem como propósito analisar os elementos

destacados por crianças de seis e sete anos do 1º Ciclo de Formação Humana, de uma escola

pública, nos livros produzidos no ano de 2015 e considerados Altamente Recomendáveis para

crianças pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Investigamos o que

pensam as crianças do 1º Ciclo de uma escola pública federal sobre essas obras, produção que

carrega no próprio nome o seu endereçamento. A partir da escuta das crianças, buscamos

compreender o que elas dizem sobre os livros e o que apontam como elementos de destaque

no momento em que escolhem e leem uma obra literária. O desejo de ouvir as crianças refere-

se a uma possibilidade que a investigação proporciona de aproximação do leitor real, em

carne e osso, afinal:

6 Mais de 600 títulos novos invadem o mercado a cada ano (SILVA, 2008, p. 11). Percebe-se também o aumento crescente de concursos, feiras de livros, premiações, catálogos, políticas de incentivo à leitura (Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), dentre outros).

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Os livros são escritos, comprados e avaliados por adultos. Os “críticos” da literatura infantil são, na prática, uma multidão: a de todos aqueles que exercem um papel de poder decisivo sobre o acesso das crianças à leitura, tanto se são estudiosos, animadores culturais ou, simplesmente pais e mães (COLOMER, 2003, p. 46, grifo do autor).

Algumas questões se apresentam como fundamentais na investigação: que

critérios são utilizados pelas crianças no momento em que escolhem um livro para ler? Que

elementos dos livros, considerados Altamente Recomendáveis pelos adultos, atraem a atenção

das crianças? No processo de leitura conjunta dos livros, escolhidos pelas próprias crianças

dentre os Altamente Recomendáveis, quais seriam as questões levantadas por elas em relação

ao texto verbal e visual? Essas questões traduzem parte da complexidade que significa refletir

sobre o conceito de literatura infantil, campo de pesquisa ainda pouco explorado,

particularmente no que se refere à recepção pelas crianças dos livros escolhidos pelos adultos,

e que possibilita um trabalho intenso de investigação.

A complexidade da discussão no Brasil sobre o que é literatura infantil tem

mobilizado autores há algum tempo. Já em 1951, Cecília Meireles apresentava questões sobre

o tema na obra Problemas da Literatura Infantil, livro considerado pioneiro e cujo título

sugere o cuidado necessário ao se abordar o assunto. Para a autora, “mais do que uma

“literatura infantil” existem “livros para crianças” (MEIRELES, 1979, p. 20). Nesta obra, a

escritora destaca que, em lugar de se classificar e julgar o livro infantil como habitualmente se

faz, pelo critério comum da opinião dos adultos, mais acertado parece submetê-lo ao uso da

criança, que sendo a pessoa diretamente interessada por essa leitura, manifestará pela sua

preferência, se ela a satisfaz ou não. Complementando o seu pensamento, a autora destaca:

Só nesses termos interessa falar de Literatura Infantil. O que a constitui é o acervo de livros que, de século em século e de terra em terra, as crianças têm descoberto, têm preferido, têm incorporado ao seu mundo, familiarizadas com seus heróis, suas aventuras, até seus hábitos e sua linguagem, sua maneira de sonhar e suas glórias e derrotas (MEIRELES, 1979, p. 28).

A produção literária para crianças no Brasil, apesar de ultrapassar a voltada para

leitores jovens e adultos,7 ainda apresenta um campo de trabalho extenso e desconhecido

(ZILBERMAN, 2003, p. 11). O predomínio da produção de obras para crianças não tem sido

7 Nos anos de 2010 e 2011, as obras analisadas por membros do GPELL para a FNLIJ revelaram o perfil discriminado a seguir: em 2010, 52% dos livros recebidos eram considerados para crianças e 22%, para o público jovem. Em 2011, os números foram os seguintes: 57% de obras endereçadas às crianças e 16% aos jovens. Esses dados foram levantados por um grupo de pesquisadores do GPELL que estuda os gêneros literários e serão explicitados posteriormente.

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objeto de pesquisas qualitativas, que tentam caracterizar as especificidades de tal produção,

particularmente no que se refere à recepção dos livros.

Durante a investigação, fizemos uma minuciosa busca no Banco de Teses e

Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e

na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) em torno de estudos que dialogassem

com questões próximas às levantadas por nossa pesquisa. Em razão da busca, realizamos a

leitura de vários resumos e de alguns trabalhos completos. Destacamos que não conseguimos

encontrar nenhum estudo que analisasse a recepção das crianças de obras consideradas

Altamente Recomendáveis pela FNLIJ como o que realizamos. A seguir, traçamos um breve

panorama dos trabalhos encontrados com temas próximos ao nosso:

Quadro 1 – Algumas pesquisas afins

Autor Título Breve Resumo Local da Informação

GALVÃO, Bruna Leite, 2017, UFMG.

Pela estrada afora eu não vou bem sozinha: a experiência de mediação de leitura literária e a classificação dos livros de literatura infantil por faixa etária

A dissertação tem como objetivo discutir a arbitrariedade dos critérios de faixa etária vinculados a um conceito de criança e infância que muitas vezes não corresponde à diversidade dos alunos da Educação Infantil.

CAPES

VALADÃO, Poliane Vieira Nogueira, 2017, UFGO.

Do autor ao leitor: os processos que marcam o encontro das crianças e jovens com o livro

A tese tem como objetivo pensar os processos de mediação entre o texto e o leitor, considerando os mediadores da obra literária, sua função social e suas dificuldades desde a escrita até a chegada nas mãos dos leitores.

CAPES

GENEROSO, Ariana da Silva Fagundes, 2014, PUC-RS.

O texto literário infantil em contextos de alfabetização: um olhar para as práticas de formação inicial do leitor

Trata-se de um estudo de caso que tem como questão principal: como o trabalho com a Literatura Infantil é desenvolvido durante o período destinado formalmente à alfabetização? Foram observadas práticas de leitura de Literatura Infantil oportunizadas aos alunos pelo professor alfabetizador.

BDTD

SAMORI, Débora Perillo, 2011, USP.

Infância e literatura infantil: o que pensam, dizem e fazem as crianças a partir da leitura de histórias? A produção de culturas infantis no 1º ano do Ensino Fundamental

A dissertação discute a produção de culturas infantis a partir do contato das crianças do 1º ano do Ensino Fundamental com a literatura infantil e com os livros, como objetos culturais, no contexto escolar.

CAPES, BDTD

(Continua)

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(Conclusão)

Autor Título Breve Resumo Local da Informação

VASQUES, Cristina Maria, 2011, UNESP.

Fazendo arte na literatura: um panorama lúdico e estético da literatura infantil e juvenil brasileira

A tese tem por objetivo apontar aspectos que favorecem a análise literária de narrativas infantis e juvenis brasileiras de modo que possam servir de orientação (a professores e pais, principalmente) na escolha de obras literárias.

CAPES, BDTD

POGLIA, Cláudia Maria, 2010, UNISUL.

Leitura compartilhada promovendo o encontro de leitores com a literatura

A dissertação aborda a importância da leitura compartilhada, sobretudo nos anos iniciais a partir da leitura oral de textos literários, como sendo uma prática essencial para a formação do leitor.

BDTD

COSTA, Cristiane Dias Martins, 2009, UFMG.

Literatura premiada entra na escola? A presença dos livros premiados pela FNLIJ, na categoria Criança, em bibliotecas escolares da Rede Municipal de Belo Horizonte

A pesquisa consiste no mapeamento da presença dos livros premiados para a criança nas bibliotecas escolares da Rede Municipal de Belo Horizonte, através da aplicação de um formulário nos profissionais responsáveis.

CAPES, BDTD

PLATZER, Maria Betanea. 2009, UNICAMP.

Crianças leitoras entre práticas de leitura

O trabalho visa a investigar o envolvimento das crianças com a leitura em seu cotidiano. Perguntas centrais: de que forma ocorre o encontro entre objetos de leituras e seus leitores? Movidos por quais expectativas, interesses e necessidades dos leitores? Os dados foram coletados por meio de questionários distribuídos entre sessenta crianças de dez e onze anos. Posteriormente dez crianças foram entrevistadas.

BDTD

OLIVEIRA, Maria Alexandre, 2007, USP.

A literatura para crianças e jovens no Brasil de ontem e de hoje: caminhos de ensino

A tese visa a contribuir com o ensino da Literatura Infantil em sala de aula no Ensino Fundamental. O estudo destaca alguns possíveis critérios para escolha de obras infantis a serem trabalhadas em sala de aula.

BDTD

DEBUS, Eliane Santana Dias, 1996, UFSC.

Entre vozes e leituras: a recepção da literatura infantil e juvenil

A dissertação estuda a literatura infantil e juvenil produzida em Santa Catarina, com base nas obras de Maria de Lourdes Krieger e em cartas emitidas por leitores.

CAPES, BDTD

PERES, Ana Maria Clark, 1995, UFMG.

O infantil na literatura: uma questão de estilo

A tese busca explicitar uma nova relação literatura/criança sob a ótica da psicanálise (Freud e Lacan). A via dessa articulação foi o estudo do fantasma na escrita de Bartolomeu Campos de Queirós.

CAPES, BDTD

Fonte: Registro da pesquisadora.

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Um estudo pioneiro encontrado (ainda datilografado), que buscou analisar a

opinião das crianças sobre os livros produzidos para elas, foi a dissertação de Cunha (1986),

intitulada Literatura Infantil: a procura do leitor. Nela, a pesquisadora estuda o concurso

João-de-Barro, instituído pelo Decreto nº 2613, de 19 de setembro de 1974. Realizado

anualmente no âmbito nacional e patrocinado pela Prefeitura de Belo Horizonte, o concurso

premia textos inéditos de literatura infantil, através de dois júris: um constituído de adultos e

outro, de crianças. À época do estudo de Cunha (1986), o júri adulto era composto por três

especialistas em literatura infantil ou escritores, um de Minas Gerais e dois de outros estados.

O júri infantil era composto por onze (ou nove) crianças de Belo Horizonte, “selecionadas por

aptidões e noções de literatura infantil”, entre alunos da terceira e quarta séries das escolas da

Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte,8 como consta no Decreto que instituiu o

concurso. De acordo com Cunha (1986, p. 4), o júri adulto selecionava quinze originais, entre

os quais escolhia o melhor como ganhador do prêmio do “júri adulto”. O júri de crianças,

após a leitura dos quinze originais selecionados, atribuía a cada um uma nota entre 0 e 10. O

texto com a maior pontuação recebia o prêmio do “júri infantil”. Atualmente, esse concurso

ainda se realiza, porém com configurações diferentes.

O estudo pioneiro chegou a algumas conclusões interessantes, dentre as quais

destacamos duas: “Nunca, de 1974 a 1985, os dois júris coincidiram na escolha”; “A nível de

recepção, torna-se arriscado definir como deve ser a obra de literatura infantil” (CUNHA,

1986, p. 2). As conclusões da pesquisadora nos mobilizaram e nos instigaram a elaborar

outras questões relacionadas aos processos de recepção dos livros pela criança leitora.

Já na década de 90, Perrotti (1986, p. 20) alertava para o fato de não termos um

referencial teórico que considerasse a especificidade da produção cultural para crianças. O

autor afirmava que a literatura infantil vive do empréstimo de noções provindas da Teoria da

Literatura, que leva em conta uma produção feita por adultos para adultos. Por isso, ele

duvidava da adequação de categorias emprestadas para o estudo da produção cultural para

crianças.

Consideramos que a produção teórica sobre literatura infantil tem avançado e, por

isso, não podemos deixar de ressaltar estudos de Coelho (2000); Zilberman (1989, 2003);

Evangelista, Brandão, Machado (2003); Paiva, Martins, Paulino, Versiani (2003); Paulino,

Cosson (2004); Aguiar (2006); Lajolo & Zilberman (2007, 2017); Paiva, Martins, Versiani et 8 Ao analisar, na dissertação de Cunha (1986), a relação das escolas cujas crianças compuseram o júri infantil, observei que, para minha surpresa, a instituição na qual cursei o ensino primário, Escola Municipal Nossa Senhora do Amparo, participou do concurso João-de-Barro, no ano de 1976. À época eu cursava a 2ª série do Ensino Fundamental.

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al. (2007); Cademartori (2009; 2010); Paiva, Martins, Paulino, Versiani (2005); Souza

(2004); Souza et al. (2010); Feba & Souza (2017); Girotto & Souza (2016), que apresentam

uma produção acadêmica que contribui com importantes reflexões no campo da literatura, de

uma maneira geral, e da literatura infantil, em particular. São pesquisadores engajados há anos

na discussão do tema e que pertencem a grupos de pesquisa que se debruçam sobre a questão

da literatura e seus desdobramentos, grupos como o GPELL e o Centro de Estudos em Leitura

e Literatura Infantil e Juvenil “Maria Betty Coelho Silva” (CELLIJ), da Universidade

Estadual Paulista (Unesp), no município de Presidente Prudente. Certamente existem no

Brasil outros grupos de pesquisa com produções no campo da literatura e da literatura infantil.

Coelho (2000, p. 3), logo na apresentação de sua obra Literatura Infantil: teoria,

análise, didática, cita os livros infantis como aqueles destinados a pré-leitores, leitores

iniciantes e leitores em processo. Para ela, todos os que lidam com essa literatura não-adulta

conhecem a dificuldade de se encontrar um termo abrangente que não falseie a matéria por ele

nomeada. Ciente dessa dificuldade, a autora opta pela utilização do termo criança para

indicar, na generalidade, o pequeno leitor para quem tal literatura é criada ou produzida. Hunt

(2010, p. 135) afirma que “As crianças são leitores em desenvolvimento; sua abordagem da

vida e do texto brota de um conjunto de padrões culturais diferentes dos padrões dos leitores

adultos [...]”. O próprio conceito universal “Criança” é muito questionado atualmente.

Segundo Javeau (2005, p. 382), o conceito abstrato “criança” é de ordem psicológica e prevê

a passagem por níveis diversos e sucessivos na aquisição de competências. Para o

pesquisador, é legítimo nas ciências sociais duvidar das definições prévias. “Ao falar sobre

livros para criança, algumas generalizações devem ser feitas, ou a linguagem se torna

incontrolável, porém não se pode esquecer o fato de que o conceito de criança é um problema

sempre presente para a crítica da literatura infantil” (HUNT, 2010, p. 291). Ora, se o próprio

conceito “criança” é complexo, a produção literária destinada a esse público também é

marcada pela complexidade, aspecto que nos motivou ainda mais a realizar esta pesquisa.

1.3 Caminhos metodológicos

A pesquisa que desenvolvemos é qualitativa e, para fazer valer essa designação,

destinamos um tempo relativamente extenso em campo: de setembro de 2016 a junho de

2017. Essa imersão por um período extenso é uma característica essencial nesse tipo de

investigação. Nosso objetivo era ouvir o que as crianças diziam sobre os livros considerados

Altamente Recomendáveis para elas, e criar um clima de confiança assumiu um caráter

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importante no estudo, por isso optamos por permanecer um tempo significativo em campo.

Vivenciamos com as crianças, como já dito, nove meses de muito diálogo e uma rica

experiência de compartilhamento de leituras. Aos poucos, os encontros foram incorporados à

rotina dos pequenos leitores e eles chegavam a pedir por eles. Esse cuidado com a rotina é

ressaltado por teóricos da Sociologia da Infância:

O caráter habitual, considerado como óbvio e comum, das rotinas fornece às crianças e a todos os atores sociais a segurança a compreensão de pertencerem a um grupo social. Por outro lado, essa previsibilidade muito fortalece as rotinas, fornecendo um quadro no qual uma ampla variedade de conhecimentos socioculturais pode ser produzida, exibida e interpretada (CORSARO, 2011, p. 32).

Durante esse tempo de imersão no campo, consideramos que o vivido entre a

pesquisadora e as crianças representa muito mais do que apenas um trabalho de coleta de

dados para uma pesquisa de doutorado. Ao revisitar os dados e registros para escrever este

texto, algumas palavras foram saltando aos nossos olhos e inundando nossos pensamentos.

Nós, que pesquisamos literatura, sabemos que as palavras têm força e poder como salienta

Larrosa (2002):

Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e também que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “raciocinar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que nos acontece (LARROSA, 2002, p. 21).

De certa maneira, podemos afirmar que essa experiência de pesquisa foi, aos

poucos, tornando-se muito intensa e desafiadora. As palavras das crianças nos mobilizavam

profundamente. Segundo Larrosa (2002, p. 21), a experiência é o que nos passa, o que nos

acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece ou o que toca. A

profundidade dessas palavras revela o que sentimos ao realizarmos esta pesquisa. Todas as

informações coletadas apresentaram-se como potenciais e se constituíram como fundamentais

para se estabelecer uma compreensão do objeto de estudo. Foi necessário um cuidado especial

com a organização dos dados, particularmente com o registro de todas as experiências. Ao

longo da pesquisa, a revisão e a análise das notas de campo fizeram parte de todo o processo.

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A respeito do cuidado que se deve ter com as notas, Vianna (2003, p. 30-31, grifo do autor)

ressalta: As notas de campo devem relatar o máximo de observações possíveis no dia-a-dia, ou seja, aquilo que ocorreu, quando ocorreu, em relação a que ou a quem está ocorrendo, quem disse, o que foi dito e que mudanças ocorreram no contexto [...].

Desenvolver pesquisa com crianças envolve conhecimento das suas características

e consideramos que a experiência profissional como professora do 1º Ciclo, há mais de 30

anos, facilitou o diálogo que estabeleci com elas, visto que eu estava, de certa forma,

familiarizada com suas características, brincadeiras e preocupações. Merece ressaltar o fato de

que as crianças e suas famílias já me conheciam, visto que eu era professora da outra turma da

mesma idade delas e, na escola, em 2016, promovíamos atividades integrando as duas turmas.

Assim, eu não era uma estranha para aquele grupo.

Como Corsaro e outros sociólogos da infância, acreditamos que “[...] as crianças

são agentes sociais, ativos e criativos, que produzem suas próprias e exclusivas culturas

infantis [...]” (CORSARO, 2011, p. 15). Para aprofundar esse conhecimento e compreender

melhor as características de pesquisas com crianças, cursei, em 2015, como optativa, a

disciplina Metodologia de Pesquisa com Crianças,9 no Curso de Pós-Graduação da Faculdade

de Educação da UFMG. Assim, buscamos o suporte teórico da Sociologia da Infância

(QVORTRUP, 1993; MOURITSEN, 1998; SARMENTO, 2005; KRAMER, 2006;

CORSARO, 2011), que ressaltam o papel ativo delas na produção de culturas.

As crianças apreendem criativamente informações do mundo adulto para produzir suas culturas próprias e singulares. Defino cultura de pares como um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na interação com seus pares (MÜLLER; CARVALHO, 2009, p. 31).

Tendo como referência esse conceito de cultura de pares e discussões da

Sociologia da Infância, permanecemos por um longo tempo em campo, e os encontros

tornaram-se parte da rotina das crianças. Era comum elas perguntarem por eles, demonstrando

gostar de estar junto com os colegas e pesquisadora, pensando e conversando sobre os livros.

Para o processo de coleta de dados, desenvolvemos com as crianças uma dinâmica

próxima aos Círculos de Leitura (COSSON, 2014). “Um círculo de leitura é basicamente um

grupo de pessoas que se reúnem em uma série de encontros para discutir a leitura de uma

9 Essa disciplina foi ministrada pelas professoras Vanessa Ferraz Almeida Neves e Maria Inês Mafra Goulart.

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obra” (COSSON, 2014, p. 157). Trata-se de um encontro entre pessoas e textos. A opção por

utilizar os Círculos de Leitura como metodologia de pesquisa é porque essa estratégia permite

um diálogo sobre as obras, bem como possibilita que os participantes expressem suas

impressões e leituras. Particularmente no que se refere às crianças, tendo como referência

alguns estudos da Sociologia da Infância e nossa prática cotidiana, destacamos:

as crianças devem ser consideradas uma população ou um conjunto de populações com pleno direito (científico), com seus traços culturais, seus ritos, suas linguagens, suas “imagens-ações” ou, menos preciso no tempo e no espaço, com suas estruturas e seus “modelos de ações”, etc. [...] As crianças não devem desde então ser vistas como um universo prefigurando o dos adultos, e ainda menos uma cópia imperfeita do mundo adulto (JAVEAU, 2005, p. 385).

Como professora, tenho observado que as crianças vivem a literatura de uma

forma compartilhada, confirmando o que apontam estudos da Sociologia da Infância. Ao

lerem uma obra, solicitam a presença de um colega para discussão de aspectos encontrados no

objeto livro ou no texto. Essa situação foi observada no Mestrado e acontece com frequência

nas turmas em que trabalho, tanto nos momentos de leitura em sala de aula quanto na

biblioteca. No exercício diário da docência, porém, não é possível registrar tudo o que as

crianças comentam entre si sobre os livros, por isso a opção por trabalhar na pesquisa com

grupos pequenos de crianças e com pressupostos dos Círculos de Leitura, que estimulam o

diálogo sobre as obras lidas. Essa metodologia possibilitou o registro minucioso das falas e

das considerações das crianças participantes em áudio e vídeo.

O processo de coleta de dados teve início no final do mês de setembro de 2016 e

consistiu, como mencionado, em dois momentos principais: a realização dos Círculos de

Leitura com as obras Altamente Recomendáveis, privilegiando-se, dentre elas, os livros

escolhidos pelas próprias crianças para leitura em voz alta no grupo e o desenvolvimento de

entrevistas individuais. Incentivamos as crianças a falar dos livros, tendo como referência,

como já dito, o enfoque Dime:

O enfoque de “Dime” (Diga-me) parte de um modo conversacional básico, aumentando o número de participantes de uma criança e um adulto, para um adulto facilitador junto a uma comunidade de crianças leitoras cujo interesse mútuo se concentra em um texto compartilhado10 (CHAMBERS, 2007, p. 29, tradução nossa).

10 El enfoque de “Dime” parte de este modo conversacional básico, extendiendo el número de participantes del uno a uno, niño y adulto, a un adulto facilitador con una comunidad de lectores cuyo mutuo interesse está concentrado en un texto compartido (CHAMBERS, 2007, p. 29).

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No enfoque Dime, a conversa é cooperativa, pois cada participante precisa escutar

o que os outros têm a dizer sobre o livro cuja leitura é compartilhada. Depois de observar com

atenção as escolhas e conversar sobre as razões delas, nosso objetivo era também promover a

interação das crianças com os livros e observar o que elas destacavam e diziam sobre eles. A

concepção de interação que guia a pesquisa é aquela que a toma como um processo de

construção de sentidos, pautado pelo diálogo (BAKHTIN, 2003), como ressalta o autor:

Os limites de cada enunciado concreto como unidade da comunicação discursiva são definidos pela alternância dos sujeitos do discurso, ou seja, pela alternância dos falantes. [...] O falante termina o seu enunciado para passar a palavra ao outro ou dar lugar à sua compreensão ativamente responsiva (BAKHTIN, 2003, p. 275, grifo do autor).

Considerando o exposto pelo autor, ao reunirmos cinco grupos formados por

quatro crianças e um grupo formado por cinco crianças, visamos à organização de uma

quantidade de crianças que garantisse um profícuo diálogo a partir da leitura. Esse número

menor de crianças por grupo possibilitou também a gravação do que cada uma delas dizia

sobre os livros. Esses, em todos os encontros realizados, ficavam dispostos numa mesa, com

as capas viradas para cima, de forma que a criança pudesse manusear e escolher aquele que

gostaria que fosse lido pela pesquisadora durante a interação da pesquisa.

Figura 1 – Livros Altamente Recomendáveis – Produção 2015

Fonte: Registro da pesquisadora.

O primeiro encontro de cada grupo acontecia da seguinte forma: as crianças

chegavam, sentávamos em círculo, conversávamos novamente sobre a pesquisa e os seus

objetivos. Após essa preparação inicial, as crianças escolhiam, dentre os livros expostos na

mesa, os livros que gostariam que fossem lidos em voz alta pelo grupo. Em seguida,

sentávamos para ler e conversar sobre os livros escolhidos, fazendo valer aquilo que afirma

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Cosson em seu livro sobre Círculos de Leitura: “Ler é produzir sentidos por meio de um

diálogo, uma conversa” (COSSON, 2014, p. 35). A seguir temos o Quadro 2 com as datas e

duração dos encontros.

Quadro 2 – Encontros realizados

Crianças Data Duração do Encontro Crianças Data Duração do

Encontro Grupo 1

Kakashi Naruto Luna

Moranguinho

10 encontros

26/09/2016 03/10/2016 24/10/2016 31/10/2016 07/11/2016 15/05/2017 16/05/2017 29/05/2017 12/06/2017 13/06/2017

42’46 23’53 29’48 12’27 46’31 29’27 22’12 26’06 25’17 24’53

Grupo 2

Dedé Mari

Pedroca Bruxa Onilda

12 encontros

07/02/2017 08/02/2017 09/02/2017 10/02/2017 14/02/2017 08/05/2017 09/05/2017 11/05/2017 29/05/2017 08/06/2017 12/06/2017 27/06/2017

32’47 42’08 11’41 41’25 46’31 30’54 28’43 29’12 27’38 30’44 25’54 26’36

Grupo 3

Apple Mayara Mundo

Quadrado X-Tudo

11 encontros

20/02/2017 21/02/2017 02/03/2017 06/03/2017 07/03/2017 10/03/2017 16/05/2017 22/05/2017 05/06/2017

21’47 / 38’48 21’40 30’43 28’06 / 22’12 42’55 07’05 33’16 25’02 27’23

Grupo 4

Greninja Princesa Jujuba

Princesinha Sofia Sawk

11 encontros

21/02/2017 23/02/2017 13/03/2017 14/03/2017 16/03/2017 20/03/2017 22/03/2017 18/04/2017 19/04/2017 24/04/2017

15’06 33’56 33’52 22’55 / 18’58 35’42 41’08 42’16 39’26 23’09 27’38

Grupo 5

Arlequina Moana Coringa

Mc Kekel

14 encontros

22/03/2017 23/03/2017 27/03/2017 28/03/2017 30/03/2017 03/04/2017 04/04/2017 06/04/2017 10/04/2017 11/04/2017 12/04/2017 19/04/2017 23/05/2017 26/06/2017

24’59 29’30 28’58 30’45 31’59 34’14 25’54 29’25 26’47 41’46 31’28 30’46 30’45 28’39

Grupo 6

Carlos Churros

Lola Luffy Pipoca

25 encontros

27/03/2017 28/03/2017 30/03/2017 03/04/2017 04/04/2017 06/04/2017 10/04/2017 11/04/2017 12/04/2017 17/04/2017 18/04/2017 19/04/2017 24/04/2017 25/04/2017 27/04/2017 02/05/2017 04/05/2017 08/05/2017 09/05/2017 11/05/2017 15/05/2017 30/05/2017 12/06/2017 13/06/2017 20/06/2017

33’19 40’46 39’33 40’09 12’36 33’22 31’33 27’50 24’22 26’54 24’52 28’34 29’07 28’46 25’18 28’31 26’41 24’04 22’39 20’56 28’37 29’12 24’56 30’23 29’31

Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.

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Realizamos, no total, 83 encontros com os grupos. O número de encontros por

grupo variou de acordo com os livros escolhidos pelas crianças, ou seja, livros com o maior

número de páginas demandou um tempo maior de leitura e discussão, como foi o caso do

grupo 6. Cada encontro teve a duração média de 30 minutos. Ao longo do estudo, percebemos

que 30 minutos era um tempo “ideal” para que as crianças participassem ativamente das

discussões sem demonstrarem certo cansaço, embora, em alguns encontros, o próprio

processo de conversação demandou um tempo maior de diálogo. Importa destacar que o

quadro apresenta os nomes escolhidos pelas crianças e analisaremos esse ponto

posteriormente.

Em 2016, os encontros aconteceram no último módulo de segunda-feira, horário

em que a professora da turma, semanalmente, realizava atividades com as crianças na

biblioteca e, por isso, disponibilizou esse tempo para que se desenvolvesse a pesquisa. Em

2017, os encontros foram realizados com maior frequência, durante algumas aulas de Língua

Portuguesa, Matemática ou Grupo de Trabalho Diferenciado (GTD), aulas cedidas pelas

professoras,11 e foi possível realizar encontros com maior frequência com as crianças. Cada

grupo era chamado separadamente para que pudéssemos gravar em áudio e vídeo todas as

interações desenvolvidas a partir dos livros escolhidos.

Consideramos que a quantidade de encontros facilitou a percepção de recorrências

nas falas das crianças em relação aos livros Altamente Recomendáveis, recorrências essas que

nos ajudaram a nomear algumas categorias para reflexão e análise.

Além dos momentos que chamamos Círculos de Leitura, realizamos entrevistas

semiestruturadas individuais, com o objetivo de conhecer, em maior profundidade, as

características e experiências de algumas crianças participantes, leitores que apresentaram

determinadas falas durante os encontros coletivos e sinalizaram singularidades em relação à

sua história como leitor,12 singularidades essas que precisavam ser conhecidas.

A entrevista com crianças é uma técnica ainda relativamente pouco explorada na literatura, inclusive porque, usualmente, pensa-se a criança como incapaz de falar sobre suas próprias preferências, concepções ou avaliações. Com um conhecimento sobre a criança cada vez mais acurado, essa suposição tem sido questionada e tem sido explorado, crescentemente, o uso de entrevista com crianças (CARVALHO et al. , 2004, p. 291-292).

11 Agradecimento especial às docentes: Flávia Helena Pontes Carneiro, Kely Cristina Nogueira Souto e Maria Carolina Silva pela colaboração. 12 A intenção inicial era fazer entrevista com mais da metade da turma, porém muitas crianças solicitaram à pesquisadora que se fizesse a entrevista com elas, por isso 21 crianças foram entrevistadas.

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Ao realizarmos os Círculos de Leitura, as crianças tornaram-se próximas à

pesquisadora e, com o tempo, a confiança foi se ampliando. Essa situação criou um clima

propício à realização de entrevistas semiestruturadas. Ao revisitarmos os registros das

entrevistas, consideramos que a experiência foi bem sucedida e a decisão acertada. As

crianças sentiram-se motivadas e responderam com segurança não só as perguntas do roteiro

básico como extrapolaram as nossas expectativas, contribuindo com informações variadas

sobre práticas de leitura vivenciadas, que ampliaram as possibilidades do estudo. Essa dupla

fonte de dados (dos Círculos de Leitura e entrevistas), acrescida de dados observacionais

contínuos, permitiu à pesquisadora conhecer melhor as crianças e suas impressões e

percepções sobre os livros infantis, enriquecendo as análises.

Para realizar as entrevistas, buscamos suporte teórico que nos ajudasse a

compreender melhor o significado de se desenvolver essa metodologia com crianças de seis e

sete anos. Destacamos, novamente, a importância da disciplina Metodologia de Pesquisa com

crianças cursada em 2015,13 que contribuiu com interlocutores para esta investigação.

Aprendemos que esse tipo de pesquisa exige do adulto pesquisador um permanente processo

de reflexão e um posicionamento ético cauteloso. Fizemos questão, portanto, de conversar

com as famílias das crianças14 para explicar os objetivos e a metodologia da pesquisa, além de

cuidarmos com zelo dos dados a serem divulgados.

Com as entrevistas, as crianças sentiram-se valorizadas e compreenderam que, de

fato, a pesquisadora queria ouvi-las e, assim, tentar compreender as suas perspectivas. A

análise qualitativa das transcrições das entrevistas indicou que as crianças são capazes de

verbalizar as suas ideias e concepções a respeito das questões apresentadas na investigação.

Fernandes e Tomás (2011, p. 3) defendem que é “inquestionável que as crianças, sendo

experts dos seus mundos sociais e culturais, têm mais possibilidade de ajudar os adultos a

compreenderem os significados que atribuem às suas acções, relações, sentimentos, etc.”.

Como podemos observar, a perspectiva da própria criança vem assumindo um papel

importante na produção teórica sobre a infância nas últimas décadas e nossa pesquisa dialoga

com essa produção contemporânea.

O Quadro 3 descreve as datas das entrevistas realizadas durante o estudo.

13 Agradecimento especial à professora Vanessa Ferraz Almeida Neves, que ministrou a disciplina e nos indicou referências específicas sobre entrevistas com crianças (ESTEVES, 2014; CARVALHO et. al, 2004; FOLQUE, 2010, dentre outros). 14 A conversa com as famílias foi realizada no dia 17 de setembro de 2016. Nesse dia, foi entregue o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) – (APÊNDICE A, p. 232).

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Quadro 3 – Entrevistas individuais

DATA CRIANÇA

ENTREVISTADA DURAÇÃO DA ENTREVISTA

26/11/2016 – 08/02/2017 Luna 14’25 – 17’51

26/11/2016 – 08/02/2017 17/02/2017

Kakashi 05’54 – 10’59 – 06’31

06/12/2016 – 08/02/2017 02/03/2017

Moranguinho 23’12 – 05’40 – 15’73

07/02/2017 – 23/03/2017 Naruto 18’10 – 24’33

16/02/2017 Bruxa Onilda 25’27

16/02/2017 Dedé 23’12

16/02/2017 Mari 14’33

17/02/2017 Pedroca 22’36

10/03/2017 Mayara 21’15

10/03/2017 X-Tudo 18’37

20/03/2017 Apple 26’46

18/04/2017 Mundo Quadrado 31’08

25/04/2017 Arlequina 28’40

27/04/2017 Moana 22’28

22/05/2017 Sawk 19’36

23/05/2017 Princesa Jujuba 32’34

24/05/2017 Coringa 22’57

24/05/2017 Luffy 21’61

24/05/2017 Pipoca 31’26

30/05/2017 Carlos 17’03

20/06/2017 Lola 25’45

Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.

As entrevistas individuais foram gravadas apenas em áudio, para que as crianças

não se sentissem inibidas frente à filmadora, mas foi possível perceber que, como os

momentos com os grupos antecederam às entrevistas, elas mostraram-se bem confortáveis,

familiarizadas com a pesquisadora e com as obras, que sempre estiveram presentes nas

interações.

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A princípio, a transcrição do material gravado foi realizada manualmente15 e só

depois digitada. Registramos tudo o que foi dito pelas crianças em nossos cadernos de campo.

Ao ouvir e registrar o que elas diziam sobre os livros, por várias vezes, ao lermos nossos

registros, foi necessário parar e levantar a cabeça, buscando escutar e compreender o que as

crianças diziam. Esse ato de “levantar a cabeça” estimulava inúmeras reflexões e, nos

próprios cadernos de campo, anotávamos de vermelho alguns apontamentos para pensar

durante o estudo. Vivenciamos o que Barthes (2004, p. 26) aponta em seu texto “Escrever a

leitura”:

Nunca lhe aconteceu, ao ler um livro, interromper com freqüência a leitura, não por desinteresse, mas, ao contrário, por afluxo de idéias, excitações, associações? Numa palavra, nunca lhe aconteceu ler levantando a cabeça? (BARTHES, 2004, p. 26, grifo do autor).

Por diversas vezes, ao ler as interações registradas, levantamos a cabeça para

buscar por recorrências, por categorias que os dados indicavam, por dúvidas e questões que as

falas das crianças suscitavam em nosso pensamento. Quando escutamos a maneira singular com a qual as crianças nomeiam o mundo, colocamos em saudável tensão nossas fibras interpretativas – atitude que pode ser interessante e produtiva se a considerarmos a partir da capacidade e da convicção, e não do déficit ou da carência (BAJOUR, 2012, p. 19).

Acreditamos que a criança, quando estimulada, pode produzir discursos sobre si

mesma, sobre o outro e sobre os eventos, de forma que possa existir, a partir de seu próprio

discurso, de sua maneira própria de ver e de pensar (FRANCISCHINI; CAMPOS, 2008, p.

108). Queríamos conhecer essa sua maneira particular de pensar sobre os livros.

Para motivar o diálogo nos Círculos de Leitura, escrevemos um roteiro básico de

perguntas, Apêndice B (p. 234), mas o essencial era fazer com que as crianças se

expressassem sobre o livro lido. Para as entrevistas individuais também preparamos um

roteiro, Apêndice C (p. 235), e elas foram mediadas pelos livros Altamente Recomendáveis

que ficavam à disposição das crianças. A busca por várias fontes de informação visou detectar

padrões de respostas, tendo-se, assim, evidências mais fortes que aquelas oriundas de apenas

uma fonte de informação. Assim, as notas de campo foram comparadas com os dados das

filmagens e gravações, bem como com as informações das entrevistas. A utilização de vários

15 Registramos manualmente todas as interações de setembro de 2016 a abril de 2017.

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instrumentos durante a pesquisa permite a triangulação dos dados, possibilitando a checagem

das informações obtidas e a consistência em relação aos elementos coletados (VIANNA,

2003, p. 69).

A investigação teve um caráter eminentemente analítico. Para realização das

análises, utilizamos a Análise de Conteúdo, tal como é caracterizada por Lawrence Bardin.

Por Análise de Conteúdo entende-se um conjunto de técnicas de análise das comunicações

(BARDIN, 1977, p. 31). Trata-se de formas de análise do conteúdo por meio da busca dos

significados das mensagens (às vezes implícitas) em discursos orais e escritos.

Particularmente a esta pesquisa, interessa analisar o conteúdo das interações e entrevistas.

Buscamos perceber relações significativas e recorrências nas falas das crianças que nos

possibilitassem criar algumas categorias de análise de acordo com indícios dos dados

coletados.

O método de Análise de Conteúdo é muito utilizado em estudos de teor

qualitativo, e, no caso desta investigação, ele nos auxiliou no processo de análise do conteúdo

das vozes das diferentes crianças participantes da pesquisa.

A Análise de Conteúdo prioriza uma leitura atenta dos dados, buscando aumentar

a pertinência da pesquisa (BARDIN, 1977, p. 22). Essa perspectiva metodológica alinhou-se

aos objetivos do estudo, pois nos interessava a premissa de que os dados pudessem falar

(BARDIN, 1977, p. 30). Como a busca e o registro apropriado dos dados era fundamental à

pesquisa, foi preciso, o tempo todo, adequar os processos de investigação às características

das crianças e do contexto pesquisado. Alguns procedimentos foram necessários para a

realização da pesquisa: busca por salas disponíveis e adequadas; registro da pesquisa no setor

responsável da escola, o Núcleo de Assessoramento à Pesquisa (NAPq); diálogo com as

professoras da turma sobre a disponibilidade de horários para a retirada das crianças da sala;

respeito aos horários de lanche, almoço e fruta das crianças; organização cotidiana e prévia do

espaço em relação à disposição das cadeiras, da mesa com os livros Altamente Recomendáveis

e localização da filmadora e do gravador. Em se tratando de pesquisa com crianças, essas

providências tornam-se ainda mais importantes.

Para dar suporte à análise, buscamos um embasamento conceitual de

pesquisadores que têm se interessado pela literatura infantil, tais como: Meireles (1979),

Zilberman & Magalhães (1982), Cunha (1986), Perrotti (1984; 1986; 1990), Coelho (2000),

Zilberman (2003), Cademartori (2009), Lajolo & Zilberman (2007, 2017), Hunt (2010),

Arroyo (2011) e que contribuíram com importantes reflexões sobre a literatura infantil e sua

singularidade.

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Para uma maior compreensão do significado e implicações de pesquisas com

crianças, nossa investigação estabelece interlocução com autores da Sociologia da Infância

como Kramer (2006, 2011), Sarmento (2005), Müller & Carvalho (2009), Corsaro (2011) e

pesquisadores que discutem questões mais específicas, relacionadas a entrevistas com

crianças (CARVALHO et al., 2004; FOLQUE, 2010; ESTEVES, 2014). Todo o referencial

utilizado concebe a criança na sua condição social de ser histórico, político e cultural

(KRAMER, 2011, p. 13) e que tem muito a nos dizer sobre os assuntos a ela relacionados.

Esta pesquisa dialoga ainda com estudos da Estética da Recepção (JAUSS, 1979;

ZILBERMAN, 1989; ISER, 1996), com teorias que consideram o leitor um sujeito ativo no

processo de leitura (KLEIMAN, 2002; ECO, 2004), com pesquisas e estudos sobre literatura,

leitura literária e os processos de formação do leitor (COLOMER, 2003, 2017; SOUZA,

2004), que não separam a literatura das condições sociais em que é produzida e dos seus

circuitos de circulação.

Os dados coletados nas interações levaram-nos também a reler os estudos de

Vigotski (2007, 2008, 2009), relacionados ao desenvolvimento da percepção e da atenção na

criança, às relações entre pensamento e palavra e estudos do autor a respeito das atividades de

criação e imaginação na criança.

1.4 A escola pesquisada

A investigação foi realizada no Centro Pedagógico da Escola de Educação Básica

e Profissional da UFMG. Trata-se de uma escola de Ensino Fundamental, que tem sua origem

no antigo Ginásio de Aplicação da UFMG, fundado em 21 de abril de 1954, em cumprimento

aos dispositivos legais instituídos pelo Decreto-lei nº 9053 em 1946. Esse Decreto-lei obrigou

as faculdades de Filosofia federais a manterem uma escola destinada à prática docente dos

alunos matriculados em seus cursos de Didática.

Em 1958, o Ginásio de Aplicação transformou-se em Colégio de Aplicação,

atendendo à crescente política de valorização da Educação. Na ocasião, passou a oferecer os

seguintes cursos: Ginasial, Científico, Clássico e Normal. A partir de 1968, a UFMG passou

por uma reestruturação que afetou também o Colégio de Aplicação. De acordo com os novos

planos resultantes dessa política de reestruturação, o Colégio de Aplicação da Faculdade de

Filosofia tornou-se um Centro Pedagógico, integrado à Faculdade de Educação da UFMG,

com a função básica de ofertar cursos relativos ao ensino de 1º e 2º graus.

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Em 1972, o Centro Pedagógico foi transferido para o campus da Pampulha e

passou a ter uma escola de 1º Grau, funcionando em prédio próprio, e, paralelamente, um

Colégio Técnico, oferecendo cursos de aperfeiçoamento profissional de nível médio. Em

1997, baseado em orientações da nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9394/96, a Escola

de 1º grau recebeu uma nova denominação: “Escola Fundamental do Centro Pedagógico da

UFMG”. Em 2007, o Centro Pedagógico (CP) passou a integrar, juntamente com o Colégio

Técnico (COLTEC) e o Teatro Universitário (TU), a Escola de Educação Básica e

Profissional da UFMG, unidade especial cujo regimento foi aprovado pelo Conselho

Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais pela Resolução nº 05/2007, de 3 de

maio de 2007.

Por ser uma escola pública responsável pelo Ensino Fundamental de nove anos

(desde 2006), organizado em Ciclos de Formação Humana (desde 1995), o Centro

Pedagógico adota o sorteio para ingresso dos alunos, por considerá-lo como forma mais

democrática, evitando mecanismos de seletividade que favoreçam quaisquer grupos sociais.

Assim, atualmente, o Centro Pedagógico é uma escola pública federal de tempo integral, que

oferece o Ensino Fundamental do 1º ao 9º ano, organizado em três Ciclos de Formação

Humana: 1º ciclo (1º, 2º e 3º anos), 2º ciclo (4º, 5º e 6º anos) e 3º ciclo (7º, 8º e 9º anos). O

ensino seria a base investigativa para a produção de conhecimento em ensino, pesquisa e

extensão. É possível afirmar que o objetivo maior da escola é constituir-se como campo de

experimentação e de pesquisa na Educação Básica e na formação de professores e de outros

profissionais que têm o ambiente escolar como campo de atuação. Em razão dessa função de

formação, a instituição é procurada por um grande número de monitores de diversos cursos de

graduação.

O critério de ingresso para estudantes na escola, ou seja, o sorteio público, nos fez

optar por realizar a investigação nessa instituição. Em virtude do sorteio público, encontramos

uma diversidade de perfil sociocultural dos leitores, uma vez que os alunos provêm de uma

multiplicidade de bairros de Belo Horizonte ou mesmo de municípios vizinhos, o que torna a

nossa pesquisa mais interessante do que se optássemos por uma escola pública, situada em

determinado bairro, que, possivelmente, teria a maioria dos alunos com um perfil

relativamente parecido. Essa diversidade no perfil dos estudantes revela uma diversidade de

experiências sociais, culturais, simbólicas, que indiciam conhecimentos prévios e repertórios

múltiplos que enriquecem as conversações literárias pretendidas por esta investigação.

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1.5 As crianças participantes

Da pesquisa participaram 25 crianças de seis e sete anos, divididas em seis

grupos: cinco grupos compostos por 4 crianças e 1 grupo constituído por 516. A opção por um

número menor de crianças nos grupos visou à participação ativa delas e à possibilidade de

registrar todas as falas, fundamentais na investigação. Os grupos foram formados pelas

professoras da turma em 2016, docentes que conheciam melhor as crianças no início do

estudo. No processo de formação dos grupos para os Círculos de Leitura, buscou-se um

equilíbrio entre o número de meninas e de meninos e também um equilíbrio entre crianças

consideradas mais extrovertidas e crianças mais tímidas.

O estudo teve início em setembro de 2016, quando as crianças estavam cursando o

primeiro ano do Ensino Fundamental e teve continuidade em 2017, ou seja, quando as

crianças cursavam o segundo ano. No Centro Pedagógico, as crianças permanecem na mesma

turma durante os 3 anos do 1º Ciclo, o que contribuiu para a continuidade do estudo com o

mesmo grupo. Como atuava como alfabetizadora na escola pesquisada, decidimos fazer o

estudo com outra turma, para garantir certo distanciamento necessário à pesquisa, uma vez

que a relação entre professor e aluno nos anos iniciais é muito próxima.

A seguir temos o Quadro 4, que reúne algumas informações importantes sobre as

crianças participantes. O registro das profissões dos pais listadas seguiu o preenchimento

realizado pela família na ficha da criança:

Quadro 4 – Dados das crianças participantes

Nº Nome Data de nascimento Bairro

Perfil racial (Auto-declarado)

pela família

Profissão dos Pais

1 Churros 03/06/2009 Justinópolis – Ribeirão das

Neves Branca Gráfico /

Publicitária

2 Mayara 20/12/2009 Industrial – Santa Luzia Preta

Operador de Pessoa /

Empregada Doméstica

3 Dedé 13/07/2009 Pe. Eustáquio – BH Pardo

Funcionário Público /

Enfermeira

4 Kakashi 15/07/2009 Céu Azul – BH Pardo Agente

Penitenciário / Cabelereira

(Continua)

16 Todas as crianças assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE), Apêndice D (p. 236), após explicações sobre o estudo, de acordo com exigências do Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da UFMG.

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(Conclusão)

Nº Nome Data de nascimento Bairro

Perfil racial (Auto-declarado)

pela família

Profissão dos pais

5 Coringa 31/07/2009 Etelvina Carneiro – BH Pardo

Taxista / Controlador de

Piso

6 Naruto 30/08/2009 Londrina – Santa Luzia Amarela

Não declarou / Auxiliar

Acadêmico

7 Pipoca 23/02/2010 Barreiro – BH Parda Assistente Técnico /

Desempregada

8 Greninja 13/01/2010 Dona Clara – BH Não deseja declarar

Comerciante/ Comerciante

9 Luffy 20/05/2009 Guarani – BH Parda Farmacista / Pensionista

10 Moana 04/11/2009 São Salvador – BH Branca Team Leader / Do

lar

11 Mundo Quadrado 25/11/2009 Palmeiras Não deseja

declarar

Técnico em Eletrônica/

Servidora Pública

12 Princesinha Sofia 21/03/2010 Etelvina Carneiro

– BH Branca Autônomo / Do lar

13 X-Tudo 19/09/2009 Jardim Leblon – BH

Não deseja declarar

Comerciante / Relações Públicas

14 Sawk 14/07/2009 Santa Cruz – BH Branca Motorista / Artesã

15 Lola 26/10/2009 Santa Branca – BH Branca (Albina)

Funcionário Público /

Enfermeira

16 Luna 27/08/2009 Manacás – BH Amarela Gerente de

Vendas / Não Declarou

17 Arlequina 02/09/2009 Santa Cruz – BH Branca Administrador /

Assistente Administrativo

18 Mari 05/12/2009 Buritis – BH Branca Biólogo / Administradora

19 Carlos 21/03/2010 Prado – BH Parda Engenheiro

Metalúrgico / Dentista

20 Mc Kekel 11/10/2009 Pedra Branca – BH Preta Não Declarou /

Professora

21 Princesa Jujuba 26/11/2009 Bairro das Indústrias Parda

Autônomo / Auxiliar

Administrativa

22 Apple 08/12/2009 Conjunto Cristina – Santa Luzia Amarela (Negra) Não declarou /

Frente de Caixa

23 Pedroca 14/12/2009 Parque São Pedro – BH Parda Eletricista /

Professora

24 Bruxa Onilda 28/01/2010 Sagrada Família – BH Branca

Analista de Sistemas / Vendedora

25 Moranguinho 05/12/2009 Petrolândia – Betim

Não deseja declarar Motorista / Do lar

Fonte: Ficha da criança – Arquivo do Centro Pedagógico da UFMG.

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Após o sorteio e ingresso no Centro Pedagógico, as famílias das crianças

matriculadas recebem uma ficha para preencherem.17 A ficha possui vários itens com dados

pessoais. Tivemos o acesso a essas fichas, mas não nos foi permitido xerocá-las, por isso a

consulta foi realizada na escola. No entanto, foi possível fazer alguns levantamentos que nos

permitiram organizar o Quadro 4.

Os dados coletados revelam que as crianças da turma pesquisada residem em

bairros diferentes de Belo Horizonte ou em municípios próximos (Ribeirão das Neves, Santa

Luzia, Betim, dentre outros), traço característico dos estudantes da escola. Se observarmos o

Quadro 4, veremos que os pais possuem profissões diferentes e variadas, situação que

enriquece as experiências culturais dos participantes da investigação. Essa diversidade foi

extremamente positiva para este estudo. Havia crianças que relataram, nas entrevistas, possuir

em casa uma biblioteca cheia de livros e outras que relataram possuir apenas dois livros.

Os dados do Quadro 4 revelam também que há um equilíbrio na turma entre o

número de meninos e de meninas: 13 e 12, respectivamente. Os nomes que aparecem no

Quadro 4 são fictícios e foram sugeridos pelas crianças. A leitura do estudo de Esteves

(2014), no qual a autora relata que foi pedido à criança ou ao adolescente participante de sua

pesquisa, que criasse um código de identificação pessoal, inspirou-nos a proceder de forma

semelhante, uma vez que a experiência, segundo relato da autora no artigo, mostrou que “com

crianças mais novas, esta fase era de particular diversão, uma vez que procuravam, com

cuidado, qual a designação que queriam ter” (ESTEVES, 2014, p. 100). Interessante observar

que no estudo citado, assim como aconteceu em parte no nosso, além da alegria de poder

sugerir uma denominação, geralmente as crianças escolheram “um nome de um herói (real ou

ficcional), de um animal de estimação ou, finalmente, a sua própria alcunha” (ESTEVES,

2014, p. 100).

No caso da pesquisa que desenvolvemos, a maioria dos nomes escolhidos pelas

crianças revela algumas vivências culturais como assistir a desenhos, séries e filmes e práticas

de uso de computador e de outras tecnologias (celular), principalmente para acessar jogos. É

possível perceber que há uma identificação delas com protagonistas ou antagonistas, bem

como com pessoas do seu convívio. Apesar dessa tendência de identificação com personagens

ou pessoas, os critérios de escolha foram muito variados. Houve casos de crianças que

escolheram determinado nome porque, por exemplo, ele representa a comida de que elas

17 A ficha foi elaborada por um setor da escola nomeado Núcleo de Atendimento e Integração Pedagógica (NAIP) e precisa de atualização. No setor trabalham uma assistente social, duas psicólogas, uma monitora e uma especialista em educação.

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gostam muito. Notou-se, portanto, uma liberdade nesse processo de “criação de um código de

identificação pessoal” que se mostrou potencialmente relevante para o conjunto de dados que

definiriam, mais tarde, com maior grau de acuidade, o universo de referências desses leitores.

O Quadro 5 apresenta os nomes escolhidos e a razão da escolha explicada por

cada criança.

Quadro 5 – Nomes escolhidos pelos alunos participantes da pesquisa

Nº Nome escolhido pela criança Razão da escolha

01 Churros Comida de que gosta muito 02 Mayara Nome de uma monitora da turma que gostou muito 03 Dedé Apelido que poderia ter 04 Kakashi Personagem da série Mangá e Anime Naruto 05 Coringa Vilão do filme Batman 06 Naruto Jovem ninja da série Mangá e Anime Naruto 07 Pipoca Comida que gosta muito 08 Greninja Personagem Pokémon 09 Luffy Protagonista do Anime e Mangá – One Pierce 10 Moana Personagem de um filme da Disney 11 Mundo Quadrado Jogo do Minecraft (peças quadradas) 12 Princesinha Sofia Personagem da série de desenho que tem o mesmo nome 13 X-Tudo Comida de que gosta muito 14 Sawk Personagem Pokémon 15 Lola Personagem da série britânica de TV Charlie e Lola 16 Luna Personagem da série Sou Luna da Netflix 17 Arlequina Personagem do Filme Batman – Vilã 18 Mari Apelido que poderia ter 19 Carlos Nome que gostaria de ter na pesquisa 20 Mc Kekel Cantor de funk paulista 21 Princesa Jujuba Personagem de desenho animado Hora de Aventura

22 Apple Personagem do desenho animado Everafter high – Filha da Branca de Neve e do Príncipe Encantado

23 Pedroca Apelido que poderia ter 24 Bruxa Onilda Personagem de livro 25 Moranguinho Personagem de desenho animado

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Uma leitura atenta do Quadro 5 revela como a mídia e as tecnologias digitais

exercem uma presença significativa na vida dessas crianças. Elas estão imersas em um

contexto midiático, acessam as tecnologias com destreza e esse aspecto interfere nas

experiências que cada um desses leitores traz consigo para os momentos de leitura de um

texto literário. Esse ponto é importante para compreendermos quem é esta criança

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contemporânea com quem compartilhamos um texto literário e ele será analisado

posteriormente.

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CAPÍTULO 2 – PROCESSOS DE SELEÇÃO E AVALIAÇÃO DE LIVROS

O primeiro capítulo apresentou as trajetórias da pesquisadora e da pesquisa. Neste

segundo capítulo, inicialmente, caracterizamos a Fundação Nacional do Livro Infantil e

Juvenil, refletindo sobre o papel dessa instituição no universo de avaliação e seleção de livros.

Em seguida, apresentamos o Grupo de Pesquisa do Letramento Literário e parte de sua

atuação no campo da pesquisa em literatura. Nas próximas seções, analisamos os desafios que

se apresentam em torno da definição do que é qualidade em literatura infantil e refletimos

sobre a categoria “Criança”, à qual as obras Altamente Recomendáveis da pesquisa se

relacionam. Encerrando o capítulo, trazemos alguns dados em relação às obras que foram

compartilhadas com as crianças.

2.1 A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) foi criada em 23 de

maio de 1968 e, como consta em seu site, constitui-se como uma instituição de direito

privado, de utilidade pública federal e estadual, de caráter técnico-educacional e cultural, sem

fins lucrativos. A sede da FNLIJ estabeleceu-se na cidade do Rio de Janeiro. A FNLIJ é a

seção brasileira do International Board on Books for Young People (IBBY), fundado em 1953,

com sede em Zurique, Suíça. A respeito desse órgão, Colomer (2003) nos traz informações

importantes:

Em 1957, o IBBY adquiriu dimensão internacional ao associar-se à UNESCO e, mais tarde, também à UNICEF. O crescimento do IBBY, com presença em mais de sessenta países (Crampton, 1991), assim como a fundação e o desenvolvimento de outras instituições com as quais mantém importantes vínculos de colaboração (IRA, IFLA e, obviamente, a Biblioteca Internacional da Juventude, de Munique), constituem uma sólida rede internacional de promoção e estudo do livro infantil na atualidade (COLOMER, 2003, p. 27).

Como seção brasileira do IBBY, segundo o site da FNLIJ, esta tem a missão de

“promover a leitura e divulgar o livro de qualidade para crianças e jovens, defendendo o

direito dessa leitura para todos, por meio de bibliotecas escolares, públicas e comunitárias”.

Sobre os objetivos da instituição, Perrotti (1990, p. 25) destaca:

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Criada em 1968, a FNLIJ não só procurou canalizar, desde então, diferentes esforços nacionais na área, tornando-se um centro aglutinador e diretor de iniciativas, como transformou-se ela própria em alimentadora de inúmeros trabalhos, visando a seu objetivo inicial: promover o livro, a leitura e a literatura infanto-juvenis.

Segundo Perrotti (1990, p. 25), talvez não seja exagero afirmar que boa parte da

história da literatura infantil e juvenil e de sua promoção confunde-se com a história da

FNLIJ, tamanho o grau de envolvimento dessa instituição em acontecimentos relacionados a

esse campo, no Brasil. O autor ressalta que a trajetória da FNLIJ está registrada ao longo dos

Boletins Informativos (BI) que a entidade publica e estes revelam a concepção de livro, de

leitura e de leitor da entidade ao longo de sua existência.

De acordo com os registros históricos, disponibilizados no site da organização, a

FNLIJ foi instituída pelas entidades: Associação Brasileira do Livro, Sindicato Nacional dos

Editores de Livros, Associação Brasileira de Educação, Câmara Brasileira do Livro, Sindicato

das Indústrias Gráficas do Estado do Rio de Janeiro, União Brasileira de Escritores e Centro

de Bibliotecnia.

A FNLIJ se mantém com recursos oriundos de contribuições mensais de seus

mantenedores – empresas ou pessoas físicas – em sua imensa maioria, editores do setor de

livros infantis e juvenis. A entidade desenvolve vários projetos em parceria com instituições

privadas e públicas, dentre os quais destacamos: Salão FNLIJ do Livro para Crianças e

Jovens, Seminário FNLIJ de Literatura Infantil e Juvenil, Natal com Leituras na Biblioteca

Nacional, Caravana da Leitura Monteiro Lobato, Literatura para Crianças e Jovens no Brasil,

Concursos FNLIJ e Prêmio FNLIJ.

Em 1974, como consta no histórico encontrado no site da entidade, a FNLIJ

iniciou a sua premiação anual com o “Prêmio FNLIJ – O Melhor para Criança” –, distinção

máxima concedida aos livros infantis que se destacam no conjunto de obras avaliadas.

Atualmente, a premiação abrange dezoito categorias: Criança, Imagem, Informativo, Jovem,

Literatura em Língua Portuguesa, Livro Brinquedo, Melhor Ilustração, Poesia, Projeto

Editorial, Reconto, Teatro, Teórico, Tradução Adaptação Criança, Tradução Adaptação

Jovem, Tradução Adaptação Informativo, Tradução Adaptação Reconto, Escritor Revelação e

Ilustrador Revelação. A avaliação de livros para o Prêmio FNLIJ resulta na seleção de obras

que poderão utilizar o selo Altamente Recomendável.

As editoras enviam, anualmente, as primeiras edições dos livros publicados para

análise e seleção dos votantes vinculados à Fundação. Após a leitura das obras, os livros

considerados de melhor qualidade são selecionados para comporem o Acervo Básico, que foi

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criado em 1996. A seleção dos Altamente Recomendáveis surge desse acervo. Segundo o site

da FNLIJ, a lista é constituída dos dez melhores livros nas categorias: Criança, Imagem,

Jovem, Poesia, Informativo, Tradução Criança, Tradução Jovem e Tradução Informativo.

Os leitores-votantes que avaliam as obras enviadas pelas editoras residem em

vários estados brasileiros, de diferentes regiões. Eles não são remunerados por esse trabalho e

atuam como colaboradores da FNLIJ. Segundo Abreu (2015, p. 11), são 25 votantes no Brasil

– 23 pesquisadores individuais e dois grupos de pesquisa vinculados a universidades.18 Esses

votantes, após avaliarem a qualidade das obras, enviam as listas dos livros selecionados para a

FNLIJ. A entidade realiza reuniões mensais para definição daqueles que receberão o selo de

Altamente Recomendável e também para escolha dos premiados.

2.2 O Grupo de Pesquisa do Letramento Literário

O Grupo de Pesquisa do Letramento Literário (GPELL)19, grupo vinculado ao

Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (Ceale), da Faculdade de Educação da UFMG, e do

qual participamos desde 2006, em razão do ingresso no Mestrado, é um dos votantes nesse

processo nacional de avaliação de obras, instituído pela FNLIJ. O grupo é formado por

pesquisadores de literatura de diferentes instituições e possui um voto institucional, situação

que nos obriga a refletir, permanentemente, sobre a configuração estética das obras enviadas

pelas editoras para avaliação.

Os momentos de análise e indicação dos livros no grupo suscitam várias

discussões internas a respeito da qualidade textual, da qualidade do projeto gráfico das obras e

questões relacionadas ao diálogo entre texto verbal e texto visual. A diversidade e adequação

dos temas também são avaliadas. Nesse processo de análise, uma questão que sempre nos

preocupou é a de como seria a recepção das crianças desses livros selecionados pelos adultos.

Que critérios elas utilizariam em suas escolhas? O que elas diriam sobre esses livros? Esta

pesquisa foi nascendo também nesse contexto de dúvidas e questões a respeito do livro

infantil.

Além de avaliar os livros para a FNLIJ, o GPELL realiza, desde 2005, uma

pesquisa, coordenada pela professora Graça Paulino, intitulada: “A produção literária para 18 Grupo de Pesquisa do Letramento Literário (GPELL/Ceale/UFMG) e Programa de Alfabetização e Leitura (PROALE/UFF). 19 O grupo iniciou sua atuação em meados de 1994 e chamava-se Grupo de Pesquisa de Literatura Infantil. Em 1997, passa a se chamar Grupo de Pesquisa de Literatura Infantil e Juvenil. Em 2000, o grupo atualiza novamente seu nome para Grupo de Pesquisa do Letramento Literário. As reelaborações nos nomes refletem a incorporação de estudos e pesquisas no campo da literatura.

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crianças e jovens no Brasil: perfil e desdobramentos textuais e paratextuais”. Nas reuniões do

grupo, muitas discussões sobre as obras literárias são desenvolvidas e é possível perceber a

necessidade de um debate permanente em torno do assunto, pois os livros suscitam análises

diversas sobre a sua configuração. Nessa pesquisa do GPELL, os membros preenchem uma

ficha com dados de cada obra analisada. Assim, a autoria, o ano de publicação, o tema, o

público-alvo, o gênero literário, dentre outros aspectos, são registrados na ficha. Criada em

2006 pelo grupo, a ficha era preenchida manualmente pelos integrantes. Em 2008, foi criado

um banco de dados no Google Docs que passou a substituir a ficha impressa. A partir de

2009, os pesquisadores integrantes do GPELL passaram a preencher os dados dos livros lidos

diretamente nesse sistema, “facilitando a organização, visualização, levantamento dos dados e

a produção de gráficos e tabelas” (ABREU, 2015, p. 11). Ressalta-se, que no ano de 2018,

essa ficha foi revista e reformulada pelo GPELL, após um longo processo de discussão.

Uma análise dessas fichas preenchidas pelos avaliadores, nos anos de 2010 e

2011, revela o predomínio de obras endereçadas às crianças.

Gráfico 1 – Público Alvo – 2010/2011

Fonte: Pesquisadores do GPELL.

Esses dados quantitativos instigaram-nos a buscar uma análise mais qualitativa

das obras, uma vez que não existe uma pesquisa no grupo que sistematize e reflita sobre a

recepção de obras Altamente Recomendáveis da FNLIJ por crianças.

Como revela a história da literatura infantil, os livros para criança sempre tiveram

influência no sistema social e educacional. Eles “são importantes tanto em termos políticos

como comerciais” (HUNT, 2010, p. 43), por isso a necessidade de pesquisas que procurem

compreender essa produção. “Do ponto de vista histórico, os livros para criança são uma

contribuição valiosa à história social, literária e bibliográfica [...]” (HUNT, 2010, p. 43).

Conhecer as características desses livros, pesquisar detalhadamente a sua história, investigar o

processo de recepção de algumas obras e levantar questões sobre esse tema contribuiria para

manter o assunto na pauta de discussões das recentes investigações sobre literatura.

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Hunt (2010, p. 49) aponta que a literatura infantil é heterogênea e marcada pela

diversidade e vitalidade. Acreditamos que estudos como o que realizamos podem contribuir

para dar maior visibilidade às características de parte dessa vasta e diversa produção para

crianças. Hunt (2010, p. 50) destaca também que a literatura infantil é vista como um campo

novo e promissor para estudos literários, um novo veio a ser garimpado. Esta investigação

pretendeu garimpar dados que nos levassem a compreender melhor a singularidade da

produção literária endereçada às crianças.

A questão da adequabilidade dos livros para determinada faixa etária é

controversa. Valendo-se do contraponto entre literatura infantil e não-infantil, Lajolo e

Zilberman (2007, p. 10) apontam que a hipótese é que, no diálogo que se estabelece entre

essas duas literaturas, a especificidade de cada uma pode ajudar a destacar o que a tradição

crítica, teórica e histórica não tem levado em consideração em relação à outra. As autoras

destacam também que os estudos nacionais sobre literatura infantil são bastante recentes e que

se observa uma falta de tradição de pesquisa no assunto (LAJOLO & ZILBERMAN , 2007, p.

8).

Esta pesquisa visa à compreensão da especificidade da literatura infantil, tendo

como referência o que dizem as próprias crianças sobre essa produção a elas endereçada e

considerada Altamente Recomendável pelos adultos. Esperamos que os resultados encontrados

possam contribuir com os estudos contemporâneos sobre o tema, trazendo aos pesquisadores,

professores e demais interessados novos elementos sobre as propriedades dessa produção

literária à luz da fala das crianças. A pesquisa pretende contribuir também para a manutenção

de um proveitoso debate no campo da literatura infantil e da formação de leitores.

2.3 Uma questão delicada: a qualidade estética dos livros literários infantis

A qualidade estética do livro de literatura infantil é um tema delicado e passível

de abordagem por diferentes perspectivas. Na discussão, podemos considerar a perspectiva de

diferentes setores e sujeitos implicados no circuito de produção, distribuição e recepção do

livro, como o escritor, o ilustrador, o crítico literário, o professor, o pesquisador, a criança

leitora em processo de alfabetização, o leitor jovem, dentre outros. Nessa discussão, importa

considerar que o livro é uma produção histórica, por isso incorpora tendências e valores

culturais de sua época de publicação e, por isso, critérios de qualidade estética podem se

modificar com o tempo. De acordo com Coelho (2000, p. 25), “cada época compreendeu e

produziu literatura a seu modo.”

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Há anos, o tema “qualidade estética do livro infantil” desperta a atenção de todos

aqueles que se interessam pelo fenômeno literatura infantil e daqueles que, de alguma forma,

se envolvem com o processo de avaliação das obras. Segundo Maciel (2008, p. 9), “as

relações entre avaliação e livros de literatura destinados ao espaço escolar possuem uma longa

história.” A pesquisadora salienta que mesmo antes da criação dos grupos escolares, no

Brasil, por volta do final do século XIX, o Conselho de Instrução Pública já avaliava os livros

literários para serem lidos pelos alunos das escolas públicas brasileiras. Com o aumento do

número de escolas primárias, observou-se uma expansão editorial em torno dos livros de

destinação escolar. Segundo Maciel (2008, p. 9), os critérios de avaliação dos membros do

Conselho se pautavam basicamente no uso do vocabulário adequado, na análise das

ilustrações e qualidade do papel.

Ao refletir sobre a natureza e o objetivo da literatura infantil, Coelho (2000, p. 28)

ressalta que muitas das questões levantadas pelos estudiosos incidem sobre a própria

concepção de literatura. Essa, muitas vezes, pode ser reavaliada de época em época. A

concepção do que se entende por literatura influencia a definição de critérios de qualidade

adotados ao longo dos tempos. Estudos a respeito da história da literatura infantil revelam

que, em sua origem, os textos literários possuíam caráter moralizante com forte preocupação

pedagógica (ZILBERMAN, 2003, p. 207), como apontado neste texto. Esse tom moralizante,

que ainda persiste até hoje em muitos livros, aos poucos, passa a ser questionado, chegando a

ser definido como “característica da má literatura infantil” (ARROYO, 2011, p. 13). Essa

história revela que o texto literário vai se afastando da pedagogia para ser literatura

(ZILBERMAN, 2003, p. 57) e esse afastamento apresenta reflexos na avaliação da qualidade

estética.

Muitas dúvidas surgem no momento da seleção de livros de literatura infantil e

sabemos que a oferta do mercado editorial contemporâneo é expressiva. Hunt (2010, p. 23)

ressalta que houve, nos últimos vinte anos, “uma explosão de textos.” Lajolo & Zilberman

(2017, p. 60), ao analisarem dados constantes de relatórios intitulados “O comportamento do

setor editorial brasileiro”, indicam que, só em 2015, foram editados 6.783 livros infantis.

Essas autoras destacam que a produção de literatura infantil e juvenil quase sempre supera a

da literatura destinada ao público adulto, confirmando o que vimos na pesquisa do GPELL.

Tais dados mostram que o processo de encorpamento da literatura infantil e juvenil, iniciado a partir dos anos de 1970, foi levado adiante e fortalecido, fazendo com que livros para crianças e jovens passassem a representar fatia cada vez maior do mercado (LAJOLO & ZILBERMAN, 2017, p. 61).

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Quando nos debruçamos sobre esses dados, surgem algumas questões: Será que

todos os livros publicados anualmente possuem qualidade literária? Que parâmetros utilizar

para avaliar a qualidade de uma obra de literatura infantil? Acreditamos que há uma tensão

constante em torno desse tema e ela é apontada por muitos pesquisadores. Para Colomer

(2003, p. 23), os livros infantis e juvenis são objeto de polêmica e atenção desde seu

nascimento como fenômeno cultural, no século XVIII.

Ao nos debruçarmos sobre a questão da qualidade estética dos livros literários,

percebemos que os escritores apresentam os seus critérios (OLIVEIRA, 2005) e julgamos ser

fundamental “ouvir a voz de quem produz” (OLIVEIRA, 2005, p. 5). Os autores do texto

verbal nos convidam a avaliar, dentre outras coisas, a forma como é construído o discurso

ficcional (BERNARDO, 2005, p. 15) e poético.

Ao refletir e explicitar o seu próprio processo de escrita, Bartolomeu Campos de

Queirós (2005, p. 174) produz um artigo e, nele, salienta elementos essenciais de uma obra

literária “que procura ser também possível aos mais jovens”. Em sua análise, o autor destaca

os seguintes elementos: adequação da linguagem sem empobrecer o texto, ritmo e sonoridade,

busca do inusitado, capacidade de sedução. Após listar esses elementos, o escritor realça que

“tudo se concretiza pelo uso da palavra”.

Além dos escritores, os ilustradores também esboçam seus critérios, assim como

os designers (OLIVEIRA, 2008; HENDEL, 2003; FARBIARZ et al., 2008) artistas que, a

cada dia, têm reafirmado a importância do texto visual e do projeto gráfico no conjunto da

obra. Para Alarcão (2008, p. 62), “o abraço dialético entre palavras e imagens” fica cada dia

mais caloroso nas obras literárias. Os ilustradores e designers, ao abordarem a questão da

qualidade estética dos livros infantis, realçam a importância desse relacionamento que

acontece entre a imagem, o texto e o projeto gráfico com vistas à “potencialidade expressiva

da obra” (FITTIPALDI, 2008, p. 105).

Além das considerações dos escritores, ilustradores e designers, os educadores

também revelam seus critérios de qualidade como verificamos no livro O que é qualidade da

literatura infantil e juvenil: com a palavra o educador (OLIVEIRA, 2011). Destaca-se que a

palavra “educador”, nessa obra, é abrangente e compreende depoimentos de professores,

pesquisadores e mediadores de leitura. Assim, esses diferentes atores sociais analisam a

questão da qualidade, ampliando a nossa reflexão sobre o tema. Dentre as várias análises

presentes na obra, trazemos a de Martha (2011) que, de certa forma, congrega as demais:

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Como educadores, ao pensarmos sobre o que pode cumprir essa função de modo sensível, entendemos que o primeiro requisito da produção literária para crianças e jovens é que seja arte, literatura em sentido lato, cujo compromisso primeiro se manifeste com a iniciação da criança na experimentação do prazer estético (MARTHA, 2011, p. 49).

Assim, os educadores, ao abordarem o tema da qualidade do livro infantil e

juvenil, destacam a necessidade de se considerar a construção artística da obra, tanto em

relação ao projeto gráfico-editorial quanto no que tange à qualidade inerente ao texto verbal.

A questão da qualidade dos livros literários é, pois, abordada por distintos setores

interessados no tema e cada um deles aponta elementos a serem considerados na avaliação.

Buscando mostrar a complexidade dessa questão, Cunha (2005) problematiza:

[...] Em segundo lugar, desconfio que seria impossível afirmar categoricamente o que é a qualidade neste campo, pois existem várias formas de fazer avaliação: devemos concordar com que os críticos defendem? Ou confiar no que as premiações apontam? Ou seguir o que os professores argumentam? Ou, ainda, apostar no que as crianças dizem? Um pouco de cada, tudo ao mesmo tempo agora? (CUNHA, 2005, p. 77).

A problematização realizada pelo autor nos convida a pensar como a questão da

qualidade estética é atravessada por múltiplos fatores, o que confirma a complexidade do

tema, porém parece haver um consenso em torno da importância da avaliação do livro

infantil, ainda que não seja uma tarefa fácil.

Nos processos de seleção e avaliação de livros para crianças, a necessidade de se

definir critérios de qualidade incentivou a realização de pesquisas. Dentre elas, destacamos a

tese de Abreu (2015), que analisou A Voz da FNLIJ nas Premiações de 2012 e 2013, tema

que dialoga com nosso estudo. A pesquisadora buscou “explicitar o que é qualidade em

literatura infantil, segundo a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil” (ABREU, 2015,

p. 6). Para isso, analisou as justificativas elaboradas pelos votantes que participam do

processo de premiação da instituição. Assim, a investigadora ressalta: Como percebemos de maneira mais ampla nas esferas social e cultural, grupos intelectuais de prestígio apresentam modelos intelectuais e de comportamento que podem definir convenções e regras que funcionam como modelos adotados por uma classe ou determinado campo de trocas simbólicas (ABREU, 2015, p. 25).

Tendo Bourdieu (2007) como um dos suportes teóricos de seu estudo, a

pesquisadora realça que interessa à sua investigação o poder representado pela FNLIJ “como

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instituição que é e o conhecimento que nela ou por ela é produzido e legitimado” (ABREU,

2015, p. 26), no que se refere à qualidade das obras literárias.

Uma análise do regulamento do Prêmio FNLIJ revela que os critérios de

qualidade considerados pela Fundação para a premiação são: “a originalidade do texto, a

originalidade da ilustração, o uso artístico e competente da língua e do traço, a qualidade das

traduções, considerando o conceito de objeto-livro, que inclui o projeto editorial e gráfico”

(PRÊMIO FNLIJ 2019, Art. 8º). Observa-se que o regulamento contempla critérios mais

gerais que, possivelmente, precisarão ser detalhados por aqueles que participam do processo

de avaliação.

Não há como negar que a lista dos premiados que a FNLIJ disponibiliza, a cada

ano, em seu site, exerce influências nas escolhas de instituições como escolas, bibliotecas,

instâncias de mediação de leitura e nas escolhas dos próprios mediadores, visto que a entidade

é referência brasileira no campo da avaliação e seleção de livros de literatura infantil e

juvenil. Contribuindo nessa discussão, Lajolo & Zilberman (2017, p. 27) destacam que “a

natureza literária de certos textos é postulada, reconhecida e avaliada por um grupo específico

– críticos e acadêmicos – a quem se evocou a missão de estabelecer, alterar e legislar a

respeito da identidade e do valor dos escritos que almeja(va)m o status de arte.”. Em geral, a

avaliação desse grupo específico, citado pelas autoras, é reconhecida socialmente e influencia

muitos processos de seleção de diferentes instituições.

A respeito de listas com indicações de livros considerados de qualidade,

publicadas por diferentes entidades, em diferentes países, Hunt (2010, p. 29, grifo do autor)

destaca que “todas essas listas, sejam de intenções comerciais ou altruístas, certamente

poupam tempo e possibilitam que bibliotecários sob pressão, professores e outros ‘usuários’

façam suas escolhas ‘informados’”. Entretanto, o pesquisador argumenta que essas listas

também restringem as opções. A organização e a divulgação dessas listas, muitas vezes,

podem impedir que os interessados analisem outras obras de qualidade, que, por razões

adversas, acabaram não compondo o rol apresentado. Mesmo argumentando dessa forma, o

autor se posiciona a favor da utilização de critérios básicos. Segundo ele, “para que a ficção e

a poesia façam parte do sistema educacional, elas precisam ser de algum modo avaliadas”

(HUNT, 2010, p. 20). O autor salienta, dessa forma, a necessidade de avaliação das obras a

serem trabalhadas com os estudantes.

Muitas políticas públicas de distribuição de livros com vistas à formação do leitor

requerem um minucioso trabalho de avaliação e seleção de livros. Observa-se a necessidade

de definição de critérios que subsidiem as análises. A esse respeito, Maciel (2008) aponta:

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Para que a formação do pequeno leitor seja a mais democrática possível, as instituições devem contar com uma confiável estratégia de avaliação, compra e distribuição dos livros. A legitimidade dos critérios de escolha propicia uma forma mais segura da socialização e produção do conhecimento (MACIEL, 2008, p. 8).

A pesquisadora ressalta a legitimidade de processos de seleção que têm por base

critérios de escolha visando à formação do leitor. Mas sempre há dúvidas em relação aos

critérios. Trazendo contribuições ao debate, e analisando características mais específicas da

obra, Colomer (2017, p. 254-255) pontua que a qualidade de um livro se baseia na

comparação e na apreciação de seus distintos elementos. Dentre eles, a pesquisadora destaca:

a análise da narrativa literária, a análise da ilustração, a análise dos elementos materiais do

livro e a análise da relação entre o texto e a imagem. Considerar esses diferentes aspectos

permite uma avaliação mais detalhada da qualidade da obra.

Andruetto (2012, p. 60-61), ampliando esse debate, adverte que, em meio à

contínua renovação de livros de literatura infantil pelo mercado, faz-se urgente pensar numa

literatura sem adjetivos, que se pauta, sobretudo, em torno da qualidade do texto.

O que pode haver de “para crianças” ou “para jovens” numa obra deve ser secundário e vir como acréscimo, porque a dificuldade de um texto capaz de agradar a leitores crianças ou jovens não provém tanto de sua adaptabilidade a um destinatário, mas, sobretudo, de sua qualidade, e porque quando falamos de escrita de qualquer tema ou gênero o substantivo é sempre mais importante que o adjetivo (ANDRUETTO, 2012, p. 61).

A autora reforça que um livro de qualidade literária pode garantir sua circulação

por um longo período e que literatura não pode ser confundida com cifras de venda, visto que

é “uma das expressões mais importantes da cultura” (ANDRUETTO, 2012, p. 62).

Consideramos que toda essa produção teórica contribui com a discussão contemporânea sobre

a qualidade dos livros, sintetizando elementos que colaboram com a análise, particularmente

em relação aos livros com textos do tipo narrativo, mas não podemos nos esquecer que o tema

pode ser abordado sob várias facetas. Em nossa opinião, observar os elementos que escritores,

ilustradores, designers, pesquisadores e educadores apontam significa reconhecer o direito das

crianças a terem acesso a uma literatura de qualidade. A quantidade de obras, catálogos de

editoras, divulgadores de livros, que circulam pelas escolas, atualmente, nos obriga a refletir

sobre os critérios que julgamos importante avaliar num livro infantil.

No caso dos livros para crianças, sabemos que os critérios de qualidade são

determinados pelos adultos e nem sempre há consenso entre eles. Por diversas vezes

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participamos, no Grupo de Pesquisa do Letramento Literário (GPELL), de profundas

discussões sobre que obra indicar como grupo para ser premiada pela FNLIJ, e a definição

dos títulos gera momentos de intenso e proveitoso debate, em razão da seriedade e

complexidade do tema. Nessas discussões, temos observado que as trajetórias de formação e

de pesquisa de cada leitor votante influenciam os elementos que ele aponta ao grupo para

análise dos livros. A participação nesse processo, há anos, revela como a questão da qualidade

do livro infantil é delicada, porque esse objeto, “livro infantil”, apresenta uma configuração

que vem se tornando cada vez mais heterogênea. Corrêa (2008) nos auxilia nessa análise ao

apontar:

Pode-se afirmar, então, que o livro infantil constitui um conjunto de sistemas semióticos, porque, além do verbal e da ilustração – que pode se subdividir em outras tantas linguagens, conforme a(s) técnica(s) utilizada(s) – existe ainda um projeto gráfico a se considerar, com a variação de tamanhos e formatos, a profusão de cores, etc. (CORRÊA, 2008, p. 92).

Pensar nessa configuração múltipla do livro infantil revela que critérios são

realmente importantes, pois nos ajudam a “discernir o que está acontecendo nos textos ou com

os textos” (HUNT, 2010, p. 28) e de que forma. Como a oferta editorial contemporânea é

expressiva, considerar critérios básicos nos auxilia a selecionar, com maior segurança, a

literatura de qualidade, mas não podemos nos esquecer de que “tratar de qualidade estética de

obras literárias requer, sempre, um juízo de valor” (CORRÊA, 2008, p. 95). Corroborando

com o pesquisador, o escritor Bartolomeu Campos de Queirós, ao discutir a questão da

qualidade que procura imprimir aos seus próprios textos literários, realça: “Considero ainda

que os valores manifestados só são ‘valores’ por não serem definitivos, mas em constantes

transformações. Nossa verdade inquestionável é a dúvida” (QUEIRÓS, 2005, p. 167, grifo do

autor). Estamos falando então de um tema delicado, permeado mais de dúvidas que de

certezas absolutas. Acreditamos que escolher com base em critérios mostra-se como uma ação

mais adequada do que escolher sem critério algum, principalmente pelo respeito à criança

leitora.

Ao participarmos de alguns processos de discussão, análise e seleção de livros

para crianças, uma pergunta sempre nos incomodava: como seria a escolha das crianças?

Daquele rol de livros listados como obras de qualidade, quais elas escolheriam para sua

leitura? Que aspectos elas levariam em consideração em suas escolhas?

Nessa discussão sobre a qualidade estética dos livros, e a investigação contribuiu

para realizarmos tal reflexão, acreditamos que conhecer as particularidades do leitor e da

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própria experiência de leitura a ser realizada é um aspecto a ser considerado; afinal, estudos

apontam que “a seleção dos livros é uma peça fundamental para sustentar o desejo de ler”

(COLOMER, 2017, p. 96). Esse aspecto do desejo, ressaltado pela pesquisadora, nos parece

extremamente interessante a ser considerado por aqueles que trabalham com crianças nos

anos iniciais do Ensino Fundamental e que se preocupam com o processo de formação de

leitores.

É interessante observar que, ao final de sua tese, Abreu (2015) aponta a

importância de futuras pesquisas que investiguem a recepção dos livros premiados. Dentre as

perguntas indicadas na sua tese, como necessárias a investigações futuras, destacamos

algumas que dialogam com nossa pesquisa: como as crianças observam as obras literárias?

Que aspectos destacam nelas e como percebem a sua materialidade? A leitura da tese de

Abreu (2015) reafirmou a pertinência da nossa investigação.

Os dados de nosso estudo apontam que as crianças leitoras, ao escolherem um

livro que desejam ler, também se deixam guiar por critérios que, para elas, são fundamentais,

como veremos posteriormente neste texto. Conhecer os critérios dos leitores poderia

contribuir nessa discussão da qualidade estética do livro infantil? Afinal, como provoca

Queirós (2005, p. 174), não seria também “tarefa do leitor identificar ou não a qualidade?”

2.4 Categoria CRIANÇA: os desafios e a fluidez de uma definição

Para chegar à lista dos Altamente Recomendáveis, os livros enviados pelas

editoras aos votantes passam por um gradativo processo de análise que possui várias etapas.

Sabe-se que cada livro é avaliado de acordo com uma categoria. Atualmente, há dezoito

categorias, como dito neste texto, dentre elas a categoria “Criança”, que interessa a este

estudo. Segundo Zilberman (1984, p. 7), “na compreensão do que seja uma criança se

concentram concepções diversificadas que reproduzem as contradições da sociedade

contemporânea.” A autora sinaliza os desafios enfrentados por aqueles que se aventuram pela

busca de uma definição.

Nas reuniões do GPELL, nos momentos de análise e discussão das obras para o

Prêmio FNLIJ, um ponto que sempre estimulou um profícuo debate no grupo referia-se ao

significado de cada categoria contemplada na premiação, dentre elas destacamos a categoria

“Criança”, que interessa a este estudo. Notamos como o termo é genérico e, por isso, aberto a

várias interpretações o que, de certa forma, possibilita o debate.

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No Art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), publicado em 1990,

encontramos o seguinte texto: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até

doze anos de idade.” É possível perceber a amplitude da faixa etária à qual a Lei se refere. Se

considerarmos a delimitação do Estatuto e a questão da destinação das obras de literatura

infantil da categoria, estamos falando de livros destinados a um público de 0 a 12 anos. As

crianças dessa ampla faixa apresentam características e interesses diferentes, o que, por si só

revela como a categoria abrange um público extenso e extremamente diverso: dos bebês

(GALVÃO, 2016) às crianças que leem com autonomia.

O desejo de conhecer a visão da FNLIJ, em relação à categoria “Criança”, levou-

nos a enviar um e-mail para a entidade, indagando sobre essa concepção. Elizabeth Serra20,

em sua resposta, escreveu algumas considerações que traremos agora à reflexão. Inicialmente,

a secretária apontou que “esse conceito é aberto e não se usa o critério de idade.” A resposta

indica que não há, por parte da Fundação, um conceito delimitado e fechado em relação à

categoria e nem definições relacionadas à faixa etária.

Ciente da dificuldade de se explicitar de maneira objetiva a categoria “Criança”, a

secretária da FNLIJ realça em seu texto do e-mail: “a história do prêmio e a observação dos

seus 43 anos de premiação podem se transformar em uma interessante tese, na tentativa de

buscar, se é possível, uma definição ou se a categoria ‘Criança’ apresenta características

comuns, mas que talvez não sejam suficientes para uma definição.” É possível perceber o

reconhecimento da complexidade do tema, mesmo para aqueles que lidam no campo da

literatura e com processos de avaliação e seleção de livros, há anos.

Ao analisar o campo da literatura infantil, Hunt (2010, p. 27) ressalta que esta se

define exclusivamente em termos de um “público que não pode ser definido com precisão.”

Complementando o que é postulado por esse autor, Perrotti (1984, p. 14) nos convida a pensar

também que a criança está imersa na história. Essa historicidade do conceito está intimamente

ligada à forma como a sociedade se configura e percebe a criança. Os estudos da Sociologia

da Infância contribuem com essa discussão, ao postularem que a sociedade e a cultura

exercem influência na concepção de criança e de infância que é construída ao longo da

história (CORSARO, 2011). Nessa perspectiva, é possível observar que as concepções de

criança e de infância se modificam com o tempo. Além disso, dentro da própria sociedade, de

acordo com os espaços em que nascem e vivem as crianças, as configurações da infância se

modificam, por isso, de acordo com pesquisas nacionais, seria mais adequado falar em

20 Agradecimento especial à secretária geral da FNLIJ pela colaboração neste estudo.

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“infâncias brasileiras” (SCHREINER et al., 2009). Corroborando com essa análise, Kramer

(2011) destaca:

A mudança da concepção de infância foi compreendida como eco da própria mudança nas formas de organização da sociedade, das relações de trabalho, das atividades realizadas e dos tipos de inserção que nessa sociedade têm as crianças. Assim entendida a questão, não se trata de estudar a criança como um problema em si, mas de compreendê-la sob uma perspectiva histórica (KRAMER, 2011, p. 19).

Quando pensamos na categoria “Criança”, essas questões levantadas pelos autores

citados permeiam a reflexão a ser feita, mostrando fatores que se entrelaçam na constituição

da “condição histórica e cultural das crianças” (KRAMER, 2011, p. 18). Isso mostra como a

definição da categoria é de fato complexa, pois pensar a concepção de criança implica refletir

sobre uma série de aspectos sociais, históricos, culturais, econômicos e políticos.

Em sua resposta ao nosso e-mail, a secretária da FNLIJ ainda esclarece: “o que

nos orienta na escolha de cada categoria, incluindo a categoria ‘Criança’, é o aspecto do livro

como expressão de arte que, por si só, nos coloca frente ao impasse do que é arte, um conceito

sempre inacabado, subjetivo, polêmico e que expressa também a bagagem cultural das

pessoas.” Para ela, é bom que seja assim, visto que a dúvida incentiva a reflexão. Percebemos

que a questão da qualidade da obra como “expressão de arte” perpassa a reflexão sobre essa

categoria. Outro aspecto importante destacado por Elizabeth Serra refere-se à questão da

bagagem cultural dos leitores. Segundo Zilberman (1984, p. 7), “no bojo da definição de

criança, percebem-se, entrecruzando-se, fatores basilares da ideologia circundante, produto

esta de uma civilização avançada tecnologicamente e que depende deste progresso contínuo

para assegurar a sua permanência.” Essa visão revela como a definição de criança exige dos

pesquisadores uma reflexão crítica. E a autora completa:

É nesta medida que pensar a criança, vale dizer, a maneira como o meio a concebe e cristaliza seu modo de ser, reforçando-o através de distintos procedimentos, é pensar-se a sociedade globalmente. Todavia a forma como se dá este relacionamento nem sempre é imediato ou contíguo; mesmo no interior dos lares e das salas de aula, ele é mediado pela cultura (ZILBERMAN, 1984, p. 7).

A investigação trouxe muitos indícios de como a cultura, que se materializa por

meio da televisão, redes sociais, redes de amigos, família, escola, livros (literários ou não),

exerce influência na constituição do “ser criança” nesta sociedade contemporânea. As

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crianças em processo de alfabetização estão construindo seus repertórios de leituras, e há uma

rede de fatores que se entrelaçam nesse percurso, uma vez que, como realça Perrotti (1984, p.

12), “a criança é enraizada em um tempo e um espaço”.

Outro aspecto destacado por Elizabeth Serra é que um livro da categoria

“Criança”, que receba o reconhecimento da FNLIJ, é, e deve ser apreciado por qualquer

idade. A esse respeito, Ramos (2005) destaca:

Creio que a LIJ tem apenas uma especificidade, que é o seu leitor: a criança ou o jovem. Mas como é literatura, dentro de todos os parâmetros da literatura, pode ser lida por qualquer idade. A diferença é que ela pode começar a ser lida na infância, Quando a LIJ tem qualidade estética, qualquer pessoa pode ler e se encantar (RAMOS, 2005, p. 148).

Como a autora, vários outros estudiosos enfatizam que o livro de literatura infantil

com qualidade estética pode ser apreciado por leitores de várias idades. Aliás, Queirós (2005,

p. 170) ressalta que, ao escrever, busca por um texto “que tanto permita a entrada da criança

como também acorde a infância que mora em todo adulto.” O ilustrador Meunier (2011, p. 50.

In: LINDEN, 2011), num depoimento sobre a especificidade do livro ilustrado, destaca pontos

fundamentais a respeito do diálogo entre texto verbal e imagem. Em sua exposição, ele

afirma: “um livro ilustrado precisa cativar, emocionar, surpreender leitores de idades bem

diferentes. Um livro ilustrado é lido tanto pelas crianças como pelos adultos.”

A secretária da FNLIJ, ainda refletindo sobre a categoria “Criança”, ressalta que a

complexidade do texto precisa ser observada, de maneira que ele seja acessível à

compreensão da criança o que, segundo ela, de forma alguma significa reduzir a linguagem a

textos sem originalidade ou em linguagem empobrecida para facilitar a leitura. Há uma

preocupação com a compreensão da criança, mas a linguagem utilizada não pode ser

empobrecida, e a complexidade do texto é analisada. Esses parecem ser alguns dos princípios

que orientam a escolha da obra a ser premiada na categoria.

Quando pensamos numa categoria nomeada “Criança”, rapidamente nos

reportamos aos sujeitos leitores. Mas que público seria esse? “De qual leitor estaríamos

falando?” (BELMIRO, 2012, p. 2). É possível generalizar esse conceito “criança”? Tendo

como referência a pesquisa realizada, nossa tendência é refletir sobre essas questões à luz do

depoimento de Queirós (2005):

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Aprendi, no meu convívio diário com a infância, que não existe um conceito de criança. Cada criança merece um conceito distinto. Não somos diferentes apenas externamente, na cor da pele, na expressão do olhar, no tom da voz, na intensidade dos gestos, na forma do nariz ou na origem do nascimento. A diferença existe, sobretudo, internamente. Somos movidos por complexos e pessoais mistérios (QUEIRÓS, 2005, p. 172).

Aqueles que lidam diretamente com a recepção das obras percebem, no dia a dia,

o que o escritor ressalta em sua análise, pois a criança leitora existe concreta e empiricamente.

Com esta pesquisa, buscamos conhecer de perto quais seriam as percepções, as escolhas e os

critérios dessa criança leitora.

2.5 Os livros Altamente Recomendáveis da pesquisa

Anualmente, como dito, a FNLIJ elabora uma lista de livros considerados

Altamente Recomendáveis nas categorias explicitadas no presente texto. Altamente

Recomendáveis são os livros selecionados dentre os demais como passíveis de receber

prêmios, portanto, podem ser considerados como os finalistas de cada categoria. Interessava-

nos colocar à disposição dos participantes da pesquisa os livros da categoria “Criança”. Dessa

forma, inicialmente, tivemos que pesquisar que livros compunham essa lista. Durante o

processo de avaliação da FNLIJ, essa lista final é enviada pelo correio aos avaliadores, para se

resguardar certo sigilo ao processo, por isso a buscamos nos arquivos do GPELL. A seguir,

foi necessário descobrir a localização e separar os 19 livros que compunham a lista, visto que

eles eram fundamentais para a investigação. Ao conferir os títulos, percebemos que alguns

livros não foram entregues ao GPELL, portanto esses livros foram comprados pela

pesquisadora para o estudo.

Como ingressamos no Doutorado no ano de 2015, optamos por trabalhar com os

livros avaliados nesse ano pela FNLIJ, para que o estudo pudesse abranger uma produção

recente. A seguir, no Quadro 6, listamos os livros que integram a lista dos Altamente

Recomendáveis para crianças, produção de 2015, livros esses que fizeram parte da

investigação.

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Quadro 6 – Livros Altamente Recomendáveis – 2015 42ª SELEÇÃO ANUAL DO PRÊMIO FNLIJ 2016

PRODUÇÃO 2015 / LISTA DOS SELECIONADOS ALTAMENTE RECOMENDÁVEIS PARA ESCOLHA DOS PREMIADOS FNLIJ

CRIANÇA

Título Escritor(a) / Ilustrador(a) Editora

As cores dos pássaros Lúcia Hiratsuka Rovelle

Cartas a povos distantes Fábio Monteiro / André Neves Paulinas

Coisa de gente grande Patricia Auerbach Cosac Naify Contos ortográficos Marilda Castanha Abacatte

De noite no bosque Ana Maria Machado / Bruno Nunes Ática

Hortência das tranças Lelis Abacatte

Inês Roger Mello / Mariana Massarani

Companhia das Letrinhas

Lá e Aqui Carolina Moreyra / Odilon Moraes Pequena Zahar

Nino, o menino de Saturno Ziraldo Melhoramentos O caixão rastejante e outras assombrações de família Angela Lago Companhia das

Letrinhas O guardião da bola Lúcia Hiratsuka Moderna O livro das casas Ricardo Azevedo Moderna

O que é a liberdade? Renata Bueno Companhia das Letrinhas

O sonho de Borum Edson Krenak / Mauricio Negro Autêntica

O trompetista na tempestade Alexandre Azevedo / Lelis Abacatte

Os nada-a-ver Jean-Claude R. Alphen / Juliana Bollini

Companhia das Letrinhas

Receita para fazer dragão Simone Saueressig / Janaina Tokitaka Cortez Editora

Tabuleiro da baiana Elma Paulinas

Tenório, um artista iniciante Cárcamo Berlendis & Vertecchia

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Consideramos que tanto o escritor do texto verbal quanto o ilustrador são autores

da obra, por isso optamos por utilizar os dois termos no Quadro 6, para marcar o

reconhecimento dessa dupla autoria nos livros literários. Ao final da tese, Apêndice E (p.

238), fizemos uma caracterização resumida de todas as obras Altamente Recomendáveis

analisadas pelas crianças na pesquisa, bem como apresentamos uma breve biografia dos

autores.

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CAPÍTULO 3 – COM A PALAVRA AS CRIANÇAS LEITORAS: AS ESCOLHAS EM

JOGO

No primeiro capítulo, traçamos os percursos da pesquisadora e da pesquisa,

contextualizando parte do que somos e de como organizamos a investigação. No capítulo

seguinte, apresentamos reflexões sobre os processos de avaliação e seleção de obras literárias

e analisamos a complexidade do que é qualidade em literatura infantil. Em seguida,

convidamos o leitor a pensar sobre a Categoria “Criança” da FNLIJ e os desafios que se

apresentam nesta definição. Neste terceiro capítulo, as crianças assumem a palavra e nos

falam de suas escolhas. Os pequenos leitores revelam o significado que atribuem à capa de

um livro infantil bem como às imagens quando escolhem o que desejam ler. Na voz das

crianças, identificamos indícios de seus repertórios de leitura e buscamos compreender as

justificativas para a “não escolha” de determinadas obras Altamente Recomendáveis.

Encerrando, as crianças nos falam dos livros após o ato de leitura.

3.1 O processo de escolha dos livros

Chambers (2007, p. 39), em sua obra Dime, produz um capítulo provocador que

tem como título “Son críticos los niños? A respeito dessa pergunta, o autor argumenta:21

Formulamos a pergunta, em primeiro lugar, porque nosso trabalho nos havia convencido de que as crianças possuem uma habilidade crítica inata. Instintivamente questionam, informam, comparam e julgam. Se alguém os deixa sozinhos, formulam claramente suas opiniões e sentimentos e se interessam pelos sentimentos de seus amigos [...] (CHAMBERS, 2007, p. 39, tradução nossa).

Queríamos captar na pesquisa essa voz das crianças, porque acreditamos que elas

tinham muito a dizer sobre os livros de literatura. Queríamos conhecer como essa habilidade

crítica, destacada por Chambers (2007), se manifesta quando interagem com as obras a elas

recomendadas. A investigação mostrou que os pequenos leitores perguntam, relatam suas

21 Formulamos la pergunta, en primer lugar, porque nuestro trabajo nos había persuadido de que los niños poseen uma facultad crítica innata. Instintivamente cuestionam, reportan, comparan y juzgan. Si uno los deja solos, formulan sus opiniones y sentimientos llanamente y se interesan por los sentimientos de sus amigos [...]. (CHAMBERS, 2007, p. 39).

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experiências, mostram-se interessados pelos textos e, principalmente, apreciam dialogar com

seus pares.

Trazemos, a seguir, o Quadro 7, com o registro das escolhas realizadas por cada

criança participante, identificando a primeira e a segunda escolha de cada uma, em caso de

mais de uma criança ter escolhido o mesmo livro. A ordem das crianças no quadro refere-se

aos grupos organizados para os Círculos de Leitura, os quais serão explicitados

posteriormente.

Quadro 7 – Lista dos livros escolhidos pelas crianças

Nº Nome da Criança Primeira Escolha Segunda Opção

1 Luna Nino, o menino de Saturno De noite no bosque 2 Kakashi Contos Ortográficos 3 Naruto Nino, o menino de Saturno O guardião da bola 4 Moranguinho Nino, o menino de Saturno

5 Bruxa Onilda Receita para fazer dragão

(Desistiu da leitura, dizendo que o livro era muito grande)

As cores dos pássaros

6 Dedé De noite no bosque 7 Mari Nino, o menino de Saturno Lá e Aqui 8 Pedroca Nino, o menino de Saturno 9 Mundo Quadrado De noite no bosque

10 Mayara O livro das casas 11 Apple Nino, o menino de Saturno 12 X-Tudo Nino, o menino de Saturno Lá e Aqui 13 Greninja Nino, o menino de Saturno 14 Princesa Jujuba De noite no bosque 15 Sawk O trompetista na tempestade 16 Princesinha Sofia Nino, o menino de Saturno O livro das casas 17 Arlequina O livro das casas Lá e Aqui 18 Moana As cores dos pássaros

19 Mc Kekel Coisa de gente grande O caixão rastejante e outras assombrações de família

20 Coringa Nino, o menino de Saturno 21 Carlos Coisa de gente grande 22 Pipoca Lá e Aqui 23 Luffy Receita para fazer dragão 24 Churros As cores dos pássaros 25 Lola O livro das casas

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

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A sistematização das escolhas das crianças no Quadro 7 revela que o livro Nino, o

menino de Saturno foi o mais escolhido por elas para ser lido em cada grupo. Em outra parte

do texto, abordaremos as razões das escolhas à luz da explicação das próprias crianças. Não

podemos deixar de registrar, contudo, que percebemos certa atração natural dos pequenos

leitores por capas coloridas e por temas relacionados a planetas e mistérios do universo. A

própria imagem do arco-íris que aparece na capa do livro despertou a atenção de muitos

leitores que se sentiram atraídos e expressaram frequentemente essa atração: “a capa é muito

bonita” (Luna, 26/11/2016); “escolhi porque adoro arco-íris” (Greninja, 21/02/2017). Sobre

esse interesse por temas relacionados ao universo, Held (1980) realça:

Sem falar da atração dos adolescentes pela ficção científica, todos podemos constatar, desde alguns anos, mesmo nas crianças menores, curiosidade apaixonada pelo espaço, sua exploração pelos planetas. Interesse normal e são, que não pode ficar sem incidência no campo da história fantástica [...] (HELD, 1980, p. 84, grifo nosso).

O segundo livro mais escolhido nos diferentes grupos, De noite no bosque,

também atraiu a atenção das crianças pela capa, como elas afirmaram nas interações. Nesse

livro, a presença do lobo e os olhos brilhantes, olhos que “brilham no escuro”, como disseram

os pequenos leitores, despertaram o interesse pela obra.

O Quadro 8 sistematiza as obras escolhidas pelas crianças tendo como referência

os seis grupos formados para a pesquisa. Os livros literários foram listados à frente do nome

de cada criança que o escolheu e na ordem de leitura combinada com os leitores em cada

grupo. Algumas crianças escolheram determinado livro, mas depois solicitaram a troca por

outro, por isso aparecem os dois títulos no quadro. Lembramos ainda que, como mais de uma

criança escolheu o mesmo livro, explicitamos no quadro a sua primeira escolha e a posterior.

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Quadro 8 – As escolhas das crianças nos grupos

Nº Crianças Livros escolhidos G

rupo

1 1 Moranguinho Nino, o menino de Saturno

2 Kakashi Contos ortográficos 3 Luna Nino, o menino de Saturno / De noite no bosque 4 Naruto Nino, o menino de Saturno / O guardião da bola

Gru

po 2

5 Mari Nino, o menino de Saturno / Lá e Aqui 6 Pedroca Nino, o menino de Saturno 7 Dedé De noite no bosque 8 Bruxa Onilda Receita para fazer dragão / As cores dos pássaros

Gru

po 3

9 Mundo Quadrado De noite no bosque

10 Mayara O livro das casas 11 Apple Nino, o menino de Saturno 12 X-Tudo Nino, o menino de Saturno / Lá e Aqui

Gru

po 4

13 Sawk O trompetista na tempestade 14 Greninja Nino, o menino de Saturno 15 Princesa Jujuba De noite no bosque

16 Princesinha Sofia Nino, o menino de Saturno / O livro das casas

Gru

po 5

17 Arlequina O livro das casas / Lá e Aqui

18 Mc Kekel Coisa de gente grande / O caixão rastejante e outras assombrações de família

19 Moana As cores dos pássaros 20 Coringa Nino, o menino de Saturno

Gru

po 6

21 Carlos Coisa de gente grande 22 Lola O livro das casas 23 Pipoca Lá e Aqui 24 Luffy Receita para fazer dragão 25 Churros As cores dos pássaros

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

O Quadro 8 nos permite observar a recorrência nas escolhas das crianças,

lembrando que os grupos foram chamados separadamente para que se pudesse registrar em

áudio e vídeo as falas de todos os participantes. Como podemos perceber no quadro,

basicamente os mesmos livros foram lidos nos grupos, em virtude da escolha dos leitores, que

revelaram, de modo geral, possuir critérios comuns no momento em que escolhem os livros

que desejam ler. Esses critérios foram explicitados pelos pequenos leitores, nos momentos de

conversação e serão analisados posteriormente.

A seguir, apresentaremos episódios dos Círculos de Leitura e das entrevistas

individuais realizadas com as crianças, durante a investigação. A transcrição de todas as

interações foi realizada buscando fidelidade à fala de cada leitor, adequando apenas algumas

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concordâncias para facilitar a leitura. O padrão ortográfico foi escolhido e conservaram-se

traços da oralidade próprios desse tipo de discurso. Outra opção foi pelo emprego da

pontuação buscando representar a entonação do participante da interação. Utilizamos o

negrito para destacar falas que despertaram as análises. Considerou-se importante fazer uma

“transcrição limpa e legível, sem sobrecarga de símbolos complicados” (MARCUSCHI,

1991, p. 9).

3.1.1 “Eu escolho muito pela capa”

“Eu vejo assim... eu vejo muito pela capa.”

Luna, 26/11/2016

A pesquisa mostrou como a capa dos livros exerce expressiva influência nas

escolhas das crianças. Quando folheavam os livros que estavam em cima das mesas e

analisavam qual obra escolheriam para ler, elas observavam com atenção esse paratexto e

identificavam nele elementos que justificariam a sua escolha. Foram muitos os episódios que

revelaram a atração das crianças pelas capas dos livros. Vejamos alguns:

Figura 2 – O guardião da bola

Fonte: Capa digitalizada pela pesquisadora.

Data: 26/09/2016 [...] Pesquisadora: Isso! E você, Naruto, qual é o seu livro? Naruto: O guardião da bola. Pesquisadora: Ah!! Por que você escolheu esse livro, Naruto? Naruto: Porque eu achei legal a capa. Pesquisadora: Ah! Você achou a capa legal? O que você gostou na capa? Naruto: Desse menino andando de bicicleta e o cachorro atrás. [...]

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Figura 3 – Nino, o menino de Saturno

Fonte: Capa digitalizada pela pesquisadora.

Data: 26/09/2016 [...] Pesquisadora: E a Moranguinho? Que livro você escolheu, Moranguinho? Moranguinho: (Fala baixo tentando ler). Ni/no,... o me/nino de Saturno. Pesquisadora: Nino, o menino de Saturno. Por que você quis esse? Desse tanto de livro aqui (Mostra os outros livros na mesa), por que você quis logo esse? Moranguinho: Porque ele é legal. Pesquisadora: O que você achou legal para você escolher ele? O que chamou a sua atenção? Moranguinho: A capa. [...]

Os episódios recortados acima mostram como as capas dos livros têm uma

importância decisiva na escolha das crianças. Quando a criança identifica alguma imagem que

atrai a sua atenção (cachorro, criança andando de bicicleta, entre outros elementos), ela

escolhe o livro para ler e sabe explicar o porquê da escolha, ou seja, a criança não escolhe

aleatoriamente. Ela possui critérios que analisa no momento da escolha. Observamos, durante

a pesquisa, que a utilização de cores variadas nesse paratexto e a presença de imagens

próximas ao universo infantil despertavam na criança o desejo de ler a obra. A capa causava

“um impacto visual imediato no que diz respeito à cor e ao projeto” (POWERS, 2008, p. 7)

nas crianças. Exercia uma espécie de sedução para a leitura (ou não) do livro. Chega a ser

espantosa a recorrência de falas das crianças em relação à escolha de uma obra pela capa. Para

Powers (2008, p. 6), “as crianças não fazem uma separação tão automática entre forma e

conteúdo e podem estabelecer um vínculo emocional com um livro do mesmo modo como

fariam com um brinquedo.” Ao analisarem as obras, antes de definirem as suas escolhas,

percebemos que as crianças observavam a estética da capa como se o conteúdo interno do

livro dependesse dessa forma de apresentação inicial do texto. Interessante foi descobrir, em

nossos estudos teóricos, que “a capa do livro ilustrado surgiu associada a crianças”

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(POWERS, 2008, p. 10), o que reafirma a proximidade afetiva entre esse paratexto e o leitor

infantil.

Além dos diálogos nos Círculos de Leitura, nas entrevistas individuais, as

crianças leitoras também destacaram a capa como elemento essencial para a escolha de um

livro, o que nos permitiu confirmar dados. A seguir, trechos de duas entrevistas, realizadas

nos dias 26/11/2016 e 08/02/2017, respectivamente:

Data: 26/11/2016 [...] Pesquisadora: Agora, me conta uma coisa. Se você, por exemplo, chegou à biblioteca. A gente tá na biblioteca... se você for ali na estante, procurar um livro... pra você levar... como você escolhe esse livro? Luna: Ahah!... Pesquisadora: Me dá um exemplo assim. O que você olha, na hora que você vai escolher... Luna: É... eu vou assim... eu vou assim... (e foi andando para o lado das estantes querendo mostrar como faz) aí eu vejo a capa, leio o título... Pesquisadora: Ahah!...Você vê a capa... o título... (é interrompida pela criança que continua) Luna: Eu vejo assim... eu vejo muito pela capa. Pesquisadora: Você escolhe muito pela capa? Luna: É. (Sorrindo). Pesquisadora: Ah!... Por quê? O que a capa tem que te atrai tanto assim? O que você acha? Luna: É porque... assim... às vezes, pela capa, eu acho que fica legal, às vezes. Aí, às vezes, eu vou lá e imagino. Aí eu vejo as imagens. [...] Data: 08/02/2017 [...] Pesquisadora: Então... Quando você vai escolher um livro, o que você olha num livro? A primeira coisa que você olha, quando você vai escolher... Kakashi: A capa. Pesquisadora: A capa? Você acha ela importante? Kakashi: Muito. Pesquisadora: É? Kakashi: Se não tivesse uma capa, os livros... é... eles não teriam... como saber um pouco. Pesquisadora: Ah! Você acha que a capa ajuda a saber um pouco do livro? Por quê? O que a capa ajuda? Kakashi: Ela ajuda a proteger o livro, a falar o nome do livro... Pesquisadora: Hum... Isso tudo é na capa, né? Kakashi: Hum... hum... (Concordando) [...] Kakashi: Hum... hum... Eu também vou olhando a capa pra ver qual é o nome da história... se é legal... [...]

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A fala dessas crianças expressa a posição da grande maioria participante da

pesquisa, conforme mostram os registros em áudio e vídeo. Elas analisam a capa dos livros e

reconhecem a sua importância no conjunto da obra “Ela ajuda a proteger o livro, a falar o

nome do livro...”. Outro ponto apontado pelas próprias crianças, e que os episódios acima nos

levam a pensar a respeito das capas, refere-se à importância delas no processo de mobilização

de hipóteses do que pode ser encontrado no livro. Assim, as crianças dizem: “Aí, às vezes, eu

vou lá e imagino”; “Se não tivesse uma capa, os livros... é... eles não teriam... como saber um

pouco”. Luna afirma que as imagens da capa a ajudam a imaginar a história. Kakashi sinaliza

que, além de proteger o livro, a capa desperta a atenção das crianças e gera expectativas a

respeito do tema a ser tratado na obra. O que percebemos é que, pela capa, elas imaginavam o

que poderia acontecer no livro, por isso esse paratexto possuía tanta importância nas suas

escolhas. “Uma das atividades do leitor, fortemente determinada pelos seus objetivos e suas

expectativas, é a formulação de hipóteses de leitura.” (KLEIMAN, 2002, p. 36, grifo do

autor). Pela capa, as crianças imaginavam o provável enredo da obra.

Segundo Paixão (2008, In: POWERS, 2008), a capa representa o “rosto” de um

livro. O autor prossegue a sua análise levantando uma questão para o leitor: “Quantas vezes

não abrimos uma obra justamente porque a capa nos seduz e nos convida para além dela”?

Essa máxima se torna ainda mais verdadeira quando se trata de alcançar a atenção e (a amizade) das crianças. Se para os adultos o apelo comunicativo costuma ser desencadeado a partir de elementos ou códigos já conhecidos, no caso da imaginação infantil isso foge completamente à regra e ganha contornos de magia. Os olhos das crianças mantêm canal direto com o coração, não nos esqueçamos (PAIXÃO, 2008. In: POWERS, 2008, orelha da obra).

Ao revisitar e analisar as falas das crianças participantes da pesquisa, tanto nas

interações quanto nas entrevistas, observa-se uma recorrência nas respostas que sinalizam

uma estética que é apreciada pela maioria das crianças e que elas indicaram à pesquisadora

durante os momentos de interação. Um elemento que a criança avalia é a presença de muitas

cores na capa. Outro elemento que ela observa são as imagens. Em geral, elas apreciam

imagens bem definidas, coloridas e que despertam a sua curiosidade natural. Vejamos outro

episódio que ilustra o que queremos mostrar:

Data: 21/02/2017 [...] Pesquisadora: Ô Greninja, então qual livro você pegou? Greninja: (Lendo o título) Nino, o menino de Saturno.

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Pesquisadora: Ô, Greninja, por que você escolheu logo esse livro... daquele tanto lá... por que você escolheu esse? Greninja: Porque eu adoro arco-íris. E tem um que o anel de Saturno é um arco-íris. Pesquisadora: Ah... Você adora arco-íris e esse aí tem? Greninja: Tem. Pesquisadora: Então o que você olhou pra escolher este livro? Logo que você chegou... Greninja: Esse arco-íris aqui. [...]

As crianças da pesquisa, em geral, destacavam elementos presentes na capa que

despertaram a sua vontade de conhecer melhor a obra. No caso, o destaque dessa criança é

para o arco-íris, elemento atrativo, citado também por outros leitores, no processo de

conversação. O livro mencionado na interação acima foi escolhido por 10 das 25 crianças

participantes e todas justificaram a escolha pela beleza da capa.

No trecho de uma entrevista, que trazemos recortado abaixo, uma criança explicita

claramente uma característica que os outros leitores participantes também destacaram como

fundamental numa capa de livro para crianças:

Data: 08/02/2017 [...] Pesquisadora: Então, se você fosse falar para um escritor, o que não pode faltar num livro para criança, o que você falaria? Kakashi: Ah... Escritos... A capa também. Mesmo o livro sendo preto e branco, a capa tem que ser colorida. Pesquisadora: Ah é? Kakashi: Hum-hum (Concordando) Pesquisadora: Hum... (Silêncio) E tem outra coisa? Por exemplo, quando você abre o livro, o que você acha importante assim... [...]

A criança revela que “mesmo o livro sendo preto e branco, a capa tem que ser

colorida”. A utilização da expressão “tem que ser” nos mostra como a presença de cores na

capa assume grande importância no processo de avaliação de um livro por esses leitores.

Assim, além da presença de imagens que elas apreciam e que apontaram à pesquisadora nos

episódios anteriores (menino andando de bicicleta, cachorro, arco-íris), imagens essas que

contribuem no processo de levantamento de hipóteses sobre a história, a presença de cores

variadas na capa foi outro elemento destacado por elas nas interações.

A seguir, transcrevemos outro episódio que também representa o que disseram as

crianças sobre a influência da capa em suas escolhas:

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Data: 20/02/2017 [...] Pesquisadora: Quando vocês escolhem um livro, que vocês vão pegar um livro, o que vocês olham? X-Tudo: Eu olho a capa. Mayara: A capa. Pesquisadora: O X-Tudo falou que olha o quê? (Sem ter entendido da primeira vez) X-Tudo: A capa... E depois eu vou ler. Pesquisadora: Você lê o quê? X-Tudo: O que tem escrito na capa. Pesquisadora: E o que, geralmente, está escrito na capa? Você sabe? X-Tudo: O nome do autor. Apple: (Fala junto com X- Tudo) Aqui está escrito... é... (Lê devagar) Ni-no, o me-ni-no de (Silabando) Sa-tur-no. Pesquisadora: Oh, já está lendo bonito, hein? E você, Mayara? Quando você vai escolher, o que você olha? Mayara: Eu olho primeiro a capa. Pesquisadora: Você olha primeiro a capa? E aí, o que você observa na capa? Mayara: Primeiro o autor. Pesquisadora: O autor... Que mais? Mayara: E depois... eu vejo a imagem que o autor feeez (ênfase)... aí me chama muito a atenção. [...]

No episódio acima, outras crianças relatam que olham a capa no momento da

escolha e a analisam para escolher um livro. Elas destacam acima que observam o nome do

autor, demonstrando que conhecem os elementos que compõem a capa de um livro. Mayara

ainda ressalta que as imagens da capa chamam muito a sua atenção, como disseram várias

outras crianças.

Segundo Powers (2008, p. 6), “a capa é parte integrante da história de qualquer

livro”, por isso sua importância cultural é estudada por alguns teóricos. O autor destaca que,

no caso de um livro ilustrado, a capa pode servir de “amostra das delícias que virão”

(POWERS, 2008, p. 6). Conforme observamos na pesquisa, a capa cumpre um papel essencial

na relação da criança com o livro, “no processo de envolvimento físico com o livro, pois,

embora não se possa olhá-la enquanto se lê, ela o define como objeto a ser apanhado, deixado

de lado e talvez conservado ao longo do tempo” (POWERS, 2008, p. 7). Essa relação da

criança com a capa de um livro mostrou-se forte e significativa.

Ao longo da pesquisa, foram inúmeras as interações em que as crianças

conversaram sobre as capas, apontando elementos que chamavam a sua atenção. A seguir,

outro episódio da pesquisa que ilustra como as imagens da capa chamavam a atenção dos

pequenos leitores:

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Figura 4 – Contos Ortográficos

Fonte: Capa digitalizada pela pesquisadora.

Data: 26/09/2016 [...] Pesquisadora: Kakashi, por que você quis, com este tanto de livro que estava na mesa, por que você pegou este? Kakashi: Porque eu vi aqui, aí eu achei legal... Eu também achei esta imagem legal. Pesquisadora: Qual imagem você está vendo? Kakashi: É esta. Pesquisadora: Mas o que você está vendo aí? Kakashi: É um tanto de... é... acho que cone. Tem um cara empilhando acho que gelo, com guarda-chuva é... é uma... uma... acho que uma coisa mágica. Isso aqui é o quê? (Ele pergunta e mostra o livro). Pesquisadora: O que você acha que é? O que você está percebendo? Kakashi: Um pássaro. Pesquisadora: Um pássaro... Você está achando que é um pássaro? Kakashi: É... Eu tô achando que tem uma casa lá em cimão... É... um pássaro rei. Luna: Rei? (Estranha a fala do colega) Kakashi: E eu não sei... (Olha a imagem e parece pensar na pergunta da colega). Pesquisadora: Então você escolheu este livro por quê? Kakashi: Por causa da imagem. [...]

A criança destaca as imagens da capa que chamaram a sua atenção e a fizeram

escolher o livro: um pássaro, uma coisa mágica, um pássaro rei... É possível afirmar que as

imagens seduzem (ou não) as crianças para a leitura. Elas mobilizam a atenção dos pequenos

leitores e estimulam o processo de levantamento de hipóteses do que pode ser encontrado no

texto. Na capa do livro em questão, há um alto grau de abertura interpretativa – uma

atmosfera “mágica” sem correspondências diretas com o mundo real – que leva a criança a

uma participação mais produtiva quanto aos sentidos possíveis que as imagens suscitam. Para

Ramos G. (2013, p. 26), “o fundamental é que a ilustração cause deslocamento, provoque no

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leitor emoção e o faça imaginar e refletir a partir do que está narrado pelo ilustrador.” A

criança dá corpo a essas ações destacadas pela autora no momento da leitura de uma obra.

3.1.2 “Eu olho as imagens”

Durante a pesquisa, para realizar as suas escolhas, as crianças, além de

observarem a capa, folheavam o livro e analisavam as imagens do miolo da obra. É possível

afirmar que elas faziam a leitura das imagens para decidirem se escolheriam ou não

determinado livro: folheavam, analisavam, observavam tanto as imagens da capa quanto as do

interior da obra. Segundo Berger (1972, p. 11), “A vista chega antes das palavras. A criança

olha e vê antes de falar”. A prática de leitura de imagens faz parte da rotina dos pequenos

leitores desde o momento em que nascem. Sobre a imagem, Coelho (2000, p. 197-198, grifo

do autor) realça:

Pela força com que toca a sensibilidade da criança, permite que se fixem, de maneira significativa e durável, as sensações ou impressões que a leitura deve transmitir. Se elaborada com arte ou inteligência, a imagem aprofunda o poder mágico da palavra literária e facilita à criança o convívio familiar com os universos que os livros lhe desvendam.

No momento da escolha das obras, o poder encantador da imagem captava a

atenção das crianças que a ficavam observando atentamente antes de escolher. Ao

acompanhar esse movimento dos leitores, passando as páginas, uma pergunta sempre nos

inquietava: O que será que elas estão pensando? Vejamos o que Naruto nos diz em sua

entrevista:

Data: 07/02/2017 [...] Pesquisadora: Quando você vem para a biblioteca, você vai pegar um livro... aí... Como você escolhe? O que te chama a atenção num livro? Naruto: Isso me chama muito a atenção (Mostra uma página do livro). Pesquisadora: Isso o quê? Naruto: As imagens me chamam muito a atenção. Pesquisadora: As imagens do livro? Naruto: Sim. Pesquisadora: Elas sempre te chamam a atenção? Naruto: Sim. Pesquisadora: Aí você vai olhando... Naruto: Aí eu fico lendo as imagens. Pesquisadora: Ahah!! Você fica lendo as imagens. Entendi. [...]

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A criança revela que as imagens de uma obra chamam muito a sua atenção.

Depois completa a sua fala, dizendo que vai “lendo as imagens.”. Essa leitura das imagens

acontecia sempre que analisavam as obras. Como os leitores estavam em processo de

alfabetização, era a leitura do texto visual que motivava as suas escolhas. Apesar de as

imagens assumirem um papel fundamental para a criança em seu processo de leitura,

pesquisadores apontam que “o texto visual ainda não tem merecido lugar entre as leituras

apresentadas na escola” (OLIVEIRA, 2009, p. 169). Segundo a autora, a escola volta o seu

olhar somente para a alfabetização relacionada à aquisição do código escrito, em detrimento

de uma alfabetização estética, que promoveria também uma análise do texto visual. A respeito

desse tema, Oliveira (2009, p. 169-170) complementa:

Nesse sentido, a alfabetização e o letramento abarcam, não somente a linguagem escrita, mas as demais linguagens. Ler textos visuais é um âmbito privilegiado para a ampliação do conceito de alfabetização e, consequentemente, do nível de letramento.

Valorizar a leitura do texto visual no processo de alfabetização significa valorizar

a própria criança e os seus modos de ler. Ao analisar um livro, o olhar da criança volta-se para

as imagens e acreditamos que o nosso olhar docente precisaria se ampliar para explorar, junto

com o leitor, todo o potencial estético de uma obra. A seguir, transcrevemos outro episódio

em que a criança nos explica o seu modo de escolher:

Data: 16/02/2017 [...] Pesquisadora: Quando você vai pegar um livro para ler, como você escolhe? Bruxa Onilda: Eu vou olhando pela cor e aí eu escolho. Pesquisadora: Pela cor? Você abre o livro ou você nem abre o livro? Bruxa Onilda: Eu abro o livro, eu procuro... Pesquisadora: Você abre o livro para escolher? O que você olha dentro do livro? Bruxa Onilda: Imagens. Pesquisadora: Ah! As imagens... Bruxa Onilda: Aí ajuda muito pra gente. Igual a Mari falou. Que algumas vezes a autora não diz e aí a imagem que mostra... tudo o que ela quer dizer com esse livro. Pesquisadora: Entendi. [...]

A criança conta à pesquisadora como escolhe um livro para ler. Ela indica que a

cor é importante. Depois revela que abre o livro e olha as imagens que a ajudam muito.

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Possivelmente ela se referia à possibilidade que as imagens abrem de construção dos sentidos.

A leitura do texto, para a criança, começa com a leitura da imagem, que “mostra” o que

acontece. Essa visão da imagem como aquela “que mostra” apareceu muito nos diálogos.

Durante a leitura dos livros, as crianças comentavam as imagens continuamente. Ao virar das

páginas do livro lido, era pelas imagens que elas procuravam. Interessante observar que a

pequena leitora cita uma fala de uma colega do seu grupo ao dizer: “Igual a Mari falou. Que

algumas vezes a autora não diz e aí a imagem mostra... tudo o que ela quer dizer com esse

livro.”. Observa-se, implícita em sua declaração, a percepção das relações entre texto verbal e

visual. Ao analisar essas relações num livro ilustrado, Linden (2011, p. 48) destaca o aporte

da imagem no que diz respeito ao sentido. Para a autora, as descrições de personagens e

lugares são em geral inexistentes em textos que contam com a colaboração da imagem. A

afirmação da autora corrobora com o que nos disse a criança no episódio. Isso nos faz pensar

nas possibilidades de leitura que se abrem quando há imagens nos livros para as crianças.

Além disso, nos permite refletir também em como conhecer a obra com antecedência

possibilitaria, ao mediador, analisar a sua proposta estética, particularmente o diálogo que se

estabelece entre texto verbal e visual, sem esquecer, contudo, “que texto e imagem não podem

ser vistos independentemente de sua inserção num dado suporte” (LINDEN, 2011, p. 86).

A seguir, trazemos um episódio peculiar que nos conduziu à reflexão em relação a

algumas diferenças que pode haver entre os leitores quando analisam e escolhem uma obra

para ler. Nele, uma criança revela que escolheu o livro exatamente por ele ter “um tanto de

imagem diferente”.

Figura 5 – O trompetista na tempestade

Fonte: Capa digitalizada pela pesquisadora.

Data: 21/02/2017 [...] Pesquisadora: Que legal hein, Greninja! Então: Greninja escolheu Nino, o menino de Saturno; Princesa Jujuba escolheu De noite no bosque e você, Sawk? Qual você escolheu?

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Sawk: (Lê com segurança) O trompetista na tempestade. Pesquisadora: Sawk, daquele tanto de livro lá, por que você escolheu logo esse? Sawk: Porque eu achei ele legal. Pesquisadora: O que você achou legal? Sawk: A capa e as imagens. Pesquisadora: Aah... Você chegou a abrir ele e olhar? Sawk: Hum-hum (Concordando). Pesquisadora: E aí você abriu e viu o que tem dentro dele? Sawk: Um tanto de imagem diferente. [...]

Mais uma vez a criança indica como a capa e as imagens do livro foram

importantes em sua escolha. Na história da literatura infantil, teóricos apontam como a

imagem, aos poucos, foi conquistando o seu espaço e assumiu um papel de destaque na

maioria das publicações dirigidas ao público infantil, passando a exigir mais atenção dos

leitores (RAMOS G., 2013, p. 30). Isso implica que os mediadores que trabalham com

crianças também voltem o seu olhar para as imagens e suas potencialidades estéticas.

Essa fala de Sawk levou-nos a refletir ainda sobre as singularidades dos leitores.

O livro O trompetista na tempestade foi escolhido apenas por ele. Enquanto as outras crianças

relataram à pesquisadora que não escolheram esse livro porque as suas imagens “eram sem

cor”, “tristes”, Sawk o escolhe justamente porque achou as imagens dessa obra diferentes.

Essa postura da criança nos leva a refletir sobre os interesses diversificados dos

leitores. Para Aguiar (2009, p. 104), fatores como as condições ambientais, os apelos de

outros objetos culturais, o acesso a uma diversidade de materiais de leitura, os modelos de

leitor/ não leitor com que cada um convive poderiam interferir nas preferências literárias. Na

entrevista individual, realizada no dia 22/05/2017, Sawk revelou que sua mãe comprava

muitos livros para ele, que via sua avó ler a Bíblia com frequência e que havia gostado da

capa do livro O trompetista na tempestade, porque ela era “um pouco assustadora” e ele

gostava dessa característica nos livros. Essas informações, quando cruzadas, vão compondo o

perfil desse leitor específico.

Ler e conversar com as crianças sobre os livros nos permitiu conhecer um pouco

mais sobre cada uma delas. Quando abríamos um livro para ler, os pequenos leitores também

se abriam e revelavam seus gostos e preferências; suas impressões sobre as personagens e

suas ações; contavam o de que gostaram e o de que não gostaram em cada obra. A cada

página lida nos grupos, conhecíamos um pouco mais da singularidade de cada leitor. Como

afirma Rosenblatt (2002, p. 51, tradução nossa), “Não existe tal coisa como um leitor genérico

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ou uma obra literária genérica; somente existem milhões de leitores individuais potenciais de

milhões de obras literárias individuais potenciais.22

3.2 Os repertórios de leituras

As falas das crianças revelaram que as suas escolhas, muitas vezes, refletiam a

opção por livros que traziam personagens que lembravam outros que elas já conheciam, que

faziam parte de seus repertórios de leituras, ou seja, personagens com os quais estavam

familiarizadas. Ao falarem sobre o protagonista do livro Nino, o menino de Saturno, o mais

escolhido dentre os demais da pesquisa, elas diziam da semelhança do personagem “Nino”

com o Menino Maluquinho, personagem (e livro) muito conhecido e apreciado por elas.

Algumas crianças chegaram a confundir o protagonista “Nino” chamando-o de “Menino

Maluquinho”, durante a leitura, em razão da semelhança da imagem deles. Algumas crianças

disseram “É só colocar uma panela na cabeça do Nino que ele fica igual ao Maluquinho”.

Vejamos algumas interações que revelam dados importantes:

Data: 07/02/2017 [...] Pesquisadora: Então vou começar deste daqui (E mostra o livro Nino, o menino de Saturno). Por que escolheram este livro, gente? Mari: É porque eu gosto muito, muito do Menino Maluquinho. Pesquisadora: Ah! Mari escolheu porque gosta do Menino Maluquinho. Mari: Eu tenho muitos livros do Menino Maluquinho na minha casa que o meu pai e a minha mãe comprou. Pesquisadora: Você tem muitos livros na sua casa? Dedé: E eu... Eu tenho a coleção inteira (ênfase na letra “e”) do bebê... do bebê... Maluquinho. A coleção inteira. [...] Mari: Todo dia no Gloob eu... assisto o Menino Maluquinho. Pesquisadora: Passa na televisão? Mari: Hum-hum (Concordando). [...]

22 No hay tal cosa como um lector genérico o uma obra literária genérica; solo hay millones de lectores individuales potenciales de millones de obras literárias individuales potenciales (Rosenblatt, 2002, p. 51).

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Figura 6 – Nino e Menino Maluquinho

Fonte: Capas digitalizadas pela pesquisadora.

Data: 20/02/2017 [...] Pesquisadora: E você? Por que você também foi naquele? (referindo-se ao livro Nino, o menino de Saturno). X-Tudo: Porqueeê... Porque eu vi uma revistinha e parece o Menino Maluquinho na capinha. Pesquisadora: Ah... Parece o Menino Maluquinho. E você gosta do Menino Maluquinho? X-Tudo: Aham... Porque o livro dele... é tipo uma revistinha. Pesquisadora: E você gosta de revistinha? X-Tudo: Aham... [...]

Mari justifica a escolha do livro Nino, o menino de Saturno porque gosta “muito,

muito do Menino Maluquinho”. E ela completa a sua justificativa dizendo que possui muitos

livros dele em casa, comprados pelos pais. Dedé explica que tem “a coleção inteira do bebê

Maluquinho” em sua casa. E ele faz questão de repetir “A coleção inteira”. Mari ressalta

também que assiste ao Menino Maluquinho, todos os dias, na televisão. X-Tudo destaca que

escolheu o livro Nino, o menino de Saturno, porque ele “parece o Menino Maluquinho”. Nos

três depoimentos apresentados, podemos perceber como a familiaridade das crianças com

determinado personagem conhecido e divulgado também nas mídias parece influenciar as

suas escolhas. Como realça o autor, “O que somos e aquilo em que nos tornaremos foi

antecipadamente modelado por poderosos textos culturais” (SCHOLES, 1989, p. 43). Held

(1980, p. 34) já nos alertava para o cuidado que se deve ter com o condicionamento da criança

por certo tipo de sociedade e pelos produtos de grande consumo. As afirmações desses autores

nos convidam a pensar sobre os fatores que podem interferir nos processos de escolha da

criança, que, pelo que observamos, prefere escolher livros com personagens que ela já

conhece ou com que está familiarizada.

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Outro momento em que foi possível perceber que algumas obras atraem a atenção

das crianças, em razão de seus repertórios anteriores de leituras, foi o que relataremos a

seguir:

Data: 04/04/2017 [...] Pesquisadora: Então vamos ver, hein... (E continua a ler o livro O caixão rastejante e outras assombrações de família) “Das Dores tinha emagrecido. Menos rua, menos sorvete, [...]” – p. 64). (Enquanto a pesquisadora lê, Coringa está olhando as capas dos livros que aparecem na quarta capa da obra Nino, o menino de Saturno). Pesquisadora: O que você está olhando aí? (Percebendo que as crianças conversavam sobre as capas dos outros livros da Coleção Os Meninos dos planetas, que se encontravam na quarta capa). Coringa: É O Capetinha do Espaço (Mostra a capa da obra). Moana: Eu tenho esse livro. Pesquisadora: Você já leu esse livro? Moana: Aham. Eu tenho ele na minha casa. Pesquisadora: Você tem ele na sua casa? Ahah! [...]

Figura 7 – Quarta capa

Fonte: Material digitalizado pela pesquisadora.

Durante a leitura do livro O caixão rastejante e outras assombrações de família,

as crianças, interessadas, conversavam sobre as capas dos livros que estavam estampadas na

quarta capa da obra Nino, o menino de Saturno. A pesquisadora percebe o diálogo paralelo e

observa a interação. O assunto principal era a capa do livro O Capetinha do Espaço ou O

Menino de Mercúrio. No diálogo, Moana relata aos colegas que conhece esse livro, pois o tem

em sua casa. Ela é mais uma criança que se mostra familiarizada com as obras da coleção

“dos meninos que habitam os planetas do Sistema Solar”23 (ZIRALDO, 2015, quarta capa).

23 Títulos da coleção: O Menino da Lua; O Capetinha do Espaço ou O Menino de Mercúrio; O Menino que veio de Vênus; O Menino da Terra; Os Meninos de Marte; Nino, o menino de Saturno; O Namorado da Fada ou O Menino de Urano.

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Outro aspecto dessa interação que merece ser ressaltado é o fato de, nessa idade,

as crianças demonstrarem interesse por temas “proibidos” ou desaprovados pelos adultos. Em

todos os grupos, a figura do “capetinha do espaço” chamava muito a atenção dos pequenos

leitores. Talvez a atração seja pela possibilidade de o personagem ser aquele que se “desvia”

da norma, afinal ele é o “capetinha”.

Era comum, ao chegarmos à biblioteca para iniciarmos o Círculo de Leitura, as

crianças procurarem pelo livro “Míni Larousse do corpo humano”, livro de teor informativo,

que apresenta a imagem de um menino e de uma menina nus na capa. As crianças ficavam ao

redor do livro, sorrindo e comentando algumas imagens. Ficávamos observando o movimento

desses leitores em torno dessa obra específica. Isso acontecia também com crianças de outras

turmas que iam à biblioteca. Como estávamos sempre naquele espaço, organizando os

instrumentos e materiais da pesquisa, presenciamos outros leitores do 1º ciclo conversando

entre eles sobre essa obra. A curiosidade e o interesse das crianças por esses temas

“proibidos” pelos adultos eram facilmente perceptíveis. Como nos lembram Lajolo &

Zilberman (1996, p. 230), “a clandestinidade é a condição de a leitura poder se realizar a

contento, sem a interferência dos adultos.”

Figura 8 – Livro informativo

Fonte: Capa digitalizada pela pesquisadora.

Além dos livros do Ziraldo, que sempre eram comentados pelas crianças, outra

leitura presente no repertório dos pequenos leitores era das revistinhas em quadrinhos da

Turma da Mônica. É importante observar que a escola ampliava o repertório literário ao

propiciar a leitura de outras obras, como veremos no episódio a seguir:

Data: 26/11/2016 [...] Pesquisadora: Ah! Você gosta do Ziraldo? Luna: Gosto.

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Pesquisadora: Então esse autor você já viu que você gosta... Luna: É... Eu também gosto do Maurício de Sousa, que é o... que fez a Turma da Mônica. Pesquisadora: Ah... Então você já conhece esses dois autores. Tem outro que você conhece... que o livro é de determinado autor... Você lembra algum? Além do Ziraldo e do Maurício de Sousa... Luna: (Calada). Pesquisadora: Não? E sua professora? Lá na sala... Luna: Qual delas? Pesquisadora: A Carol ou a Flávia... Elas já contaram... leram livros pra vocês este ano? Luna: Já. A Flávia já contou muito. Pesquisadora: É? Você lembra alguns? Assim? Luna: É. Eu lembro que a Carol contou Chuva de manga, Escola de chuva, por causa do trabalho da consciência negra, né? Pesquisadora: Ah... Luna: Também... Ela contou do Modi... mais ou menos que eu não me lembro o nome... foi do “Rolihlala” que a gente viu também... Pesquisadora: Do Madiba? Luna: É. Madiba eu acho. Não me lembro... Pesquisadora: Isso mesmo. É o nome do Nelson Mandela. É isso? Luna: É. É esse! A Flávia também contou uma das histórias de bolso lá dela, que eu não me lembro o nome como é que é... [...]

Figura 9 – Chuva de Manga e Escola de chuva

Fonte: Capas digitalizadas pela pesquisadora.

No episódio, a pequena leitora cita os autores que conhece e, de acordo com os

dados, os livros do autor Ziraldo e as revistinhas em quadrinhos da Turma da Mônica também

faziam parte dos repertórios das outras crianças da turma. Um dado importante a ser

ressaltado no episódio é a referência da leitora a livros lidos na escola em virtude do “trabalho

da consciência negra” como ela relata. A leitora consegue nomear as obras Chuva de manga e

Escola de chuva, lidas pela professora em sala de aula. Luna lembra também ter lido um livro

do “Rolihlala”, que é o primeiro nome de Mandela. A obra citada pela criança se chama

Madiba e conta a história do líder sul-africano. Há também, no episódio, a referência a uma

história da coleção de livros de bolso de uma das professoras da turma. Pelo relato da criança,

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é possível perceber que a escola tem um papel importante no processo de ampliação dos

repertórios das crianças, ao trazer para a sala de aula obras e autores que, muitas vezes, ficam

fora do circuito midiático. Conforme ressaltam Machado & Martins (2009, p. 8):

O papel da escola enquanto instituição legitimadora de bens literários ganha destaque nesse complexo quadro, pois as práticas de leitura escolares têm um papel importante na formação do conjunto de disposições responsáveis pela apreciação dos livros que circulam socialmente.

Esses dados a respeito dos repertórios das crianças nos convidam a refletir que a

escola tem potencial para possibilitar o surgimento e a renovação de disposições de alunos,

professores e bibliotecários nesse complexo jogo de valores e regras que permeiam o campo

da literatura (MACHADO & MARTINS, 2009, p. 9), afinal, de uma forma ou de outra, todos

esses atores que atuam no espaço escolar são, de certa forma, “escolhedores” de literatura.

As experiências relatadas nesta seção revelaram como a criança vai construindo a

sua história de leitor e compondo os seus repertórios de leituras. Essa composição está

condicionada a muitos fatores que influenciam as suas escolhas literárias, como vimos nos

relatos. Tendo como referência essa dinâmica, acreditamos que é possível oferecer à criança

um leque variado de livros de qualidade estética, para que ela possa ir ampliando, cada vez

mais, os seus repertórios.

3.3 Os livros não escolhidos

Um momento que consideramos relevante na pesquisa, e que contribui com

elementos que nos ajudam a conhecer um pouco mais os critérios utilizados pelas crianças

para escolher os livros que desejam ler, refere-se às conversas realizadas nos Círculos de

Leitura sobre os livros que elas não escolheram, ou seja, os diálogos a respeito das obras que

elas não desejaram que fossem lidas pela pesquisadora nos encontros de cada grupo. Ao

analisarmos as razões apontadas pelas crianças, podemos perceber que as justificativas

sinalizam os critérios utilizados por elas, quando escolhem livros para ler.

Surpreendentemente, os mesmos livros não foram escolhidos pelas 25 crianças participantes,

e houve também uma recorrência nas justificativas apresentadas por elas que nos chamaram a

atenção. No Quadro 9, listamos esses livros:

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Quadro 9 – Livros não escolhidos

Título e Autores Capa

Cartas a povos distantes Escritor: Fábio Monteiro Ilustrador: André Neves

Hortência das tranças Escritor e ilustrador: Lelis

Inês Escritor: Roger Mello Ilustradora: Mariana Massarani

O que é a liberdade? Escritora e ilustradora: Renata Bueno

O sonho de Borum Escritor: Edson Krenak Ilustrador: Maurício Negro

Os nada-a-ver Escritor: Jean-Claude R. Alphen Ilustrador: Juliana Bollini

(Continua)

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(Conclusão)

Título e Autores Capa

Tabuleiro da baiana Escritora e ilustradora: Elma

Tenório, um artista iniciante Escritor e ilustrador: Cárcamo

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Selecionamos, para análise, as justificativas apresentadas pelos leitores para a

“não escolha” de três livros do Quadro 9: Cartas a povos distantes, Inês e O sonho de Borum.

Consideramos que as falas das crianças sobre esses livros são representativas do que elas

disseram sobre os demais. Destaca-se que dois dos livros que analisaremos foram premiados

(Cartas a povos distantes e Inês), como veremos a seguir:

Data: 18/04/2017 [...] Pesquisadora: E este aqui, gente? (Entrega às crianças o livro Cartas a povos distantes). Por que ninguém escolheu? Sawk: Eu não escolhi porque esse menino é muuuito estranho. Greninja: E feio. Sawk: Eu não gostei porque eu achei este homem muito feio. Pesquisadora: É? O que é estranho? Sawk: Essa parte aqui, oh... Essa coisa aqui que ele é pintado de vermelho, é muito estranho. Tipo a gente. A gente... a gente não tem essa parte e ele, ele tem. Aí ele fica feio. Pesquisadora: É? [...] Pesquisadora: Esse aqui, Princesinha Sofia, por que não? (A criança pega o livro Cartas a povos distantes. Abre e folheia). Princesinha Sofia: Porque ele tem muita escrita, aí eu não gosto. Pesquisadora: O livro Cartas a povos distantes tem muita escrita? [...]

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Figura 10 – Cartas a povos distantes

Fonte: Capa digitalizada pela pesquisadora.

É possível perceber que as crianças justificam com espontaneidade a razão de não

terem escolhido o livro. Dentre as justificativas, temos, inicialmente, o estranhamento da

personagem da capa, em razão da pintura que ela apresenta no rosto. Nas palavras da própria

criança “essa coisa aqui que ele é pintado de vermelho, é muito estranho”. E ela completa

“Tipo a gente. A gente... a gente não tem essa parte e ele, ele tem.” A presença, na capa, da

imagem considerada “estranha” pelas crianças foi um fator que contribuiu para que elas não

escolhessem o livro. Há um estranhamento dos traços utilizados para a composição do rosto

do jovem da capa. Para a criança, a pintura vermelha empregada na composição do nariz fez

com que a imagem ficasse diferente “da gente”. Esse aspecto foi destacado com

estranhamento pela maioria das crianças participantes.

No dia 12 de abril de 2017, quando dialogávamos com outro grupo sobre as

razões de não terem escolhido a obra Cartas a povos distantes, para leitura oral no grupo, as

crianças apontaram:

Data: 12/04/2017 [...] Pesquisadora: Pessoal, e esse daqui? (Mostra o livro Cartas a povos distantes). Moana: Ele é muito feio. Mc Kekel: Esse cara tá de batom. Pesquisadora: Hein, por que esse não? Moana: Por que ele é feio... Pesquisadora: Mas por que ele é feio? Moana: Porque ele tem esse negócio... (Mostra a pintura vermelha no rosto do jovem, ao redor do nariz) Pesquisadora: Isso aqui? Essa pintura, assim? Moana: Hum hum (Concordando). Parece coisa que está manchada. [...]

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Nesse outro episódio, ao conversarem sobre as razões de não terem escolhido o

livro, as crianças tecem considerações que nos convidam a pensar sobre os critérios desses

leitores em suas escolhas. Percebe-se, novamente, um estranhamento do tratamento estético

dado à personagem da capa, expresso pelas frases: “ele tem esse negócio” e “esse cara tá de

batom”. Essas observações sobre a pintura no rosto do jovem, que aparece na capa, foram

muito apontadas por outras crianças durante a pesquisa, recorrência que nos incentivou a tecer

reflexões. A primeira refere-se ao reconhecimento de que as crianças participantes, em geral,

pelo que percebemos ao longo do estudo, apreciam, ao analisarem os livros, imagens

próximas às que conhecem, pois “operam por semelhanças, correspondências entre formas,

descobrindo vínculos de similitude entre elementos [...]” (PALO & OLIVEIRA, 1998, p. 7).

De acordo com o que observamos na pesquisa, quando encontra nos livros, particularmente na

capa, imagens com as quais não está familiarizada, a tendência da criança, em geral, é não

escolher esse livro para leitura. Como vimos, o detalhe vermelho no rosto do jovem causou

certo estranhamento aos leitores participantes.

A segunda reflexão, relacionada à primeira, leva-nos a pensar na literatura como

possibilidade de se ampliar as referências estéticas e o repertório das crianças, proporcionando

o diálogo desses leitores com livros que trazem uma diversidade de configurações estéticas,

inclusive em relação à constituição de personagens. Ao discorrer sobre o processo de seleção

de textos literários para o trabalho com o letramento literário na escola, Cosson (2006, p. 35)

alerta: “[...] a diversidade é fundamental quando se compreende que o leitor não nasce feito

ou que o simples fato de saber ler não transforma o indivíduo em leitor maduro”.

Acreditamos, assim como o autor citado, que dar acesso a uma diversidade de obras é

importante no processo de formação de leitores, mas isso não basta. Compreendemos que uma

adequada mediação literária promoveria desafios que incentivariam o leitor a se apropriar da

proposta estética das obras. Discorrendo sobre o trabalho com literatura que é realizado na

escola, Magda Soares afirma que “é preciso escolarizar adequadamente a literatura”

(SOARES, 2003, p. 25):

Distinguimos entre uma escolarização adequada e uma escolarização inadequada da literatura: adequada seria aquela escolarização que conduzisse eficazmente às práticas de leitura literária que ocorrem no contexto social e às atitudes e valores próprios do ideal de leitor que se quer formar; inadequada é aquela escolarização que deturpa, falsifica, distorce a literatura, afastando, e não aproximando, o aluno das práticas de leitura literária, desenvolvendo nele resistência ou aversão ao livro e ao ler.

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Com base nos dados, julgamos ser fundamental ouvir as impressões das crianças

sobre as obras lidas, visando à compreensão dos critérios de análise utilizados por esses

leitores que, em geral, são diferentes dos adultos, principalmente dos críticos literários. O

olhar da criança sobre os livros é diferente do olhar do adulto. Como alertam Palo & Oliveira

(1998, p. 7), se falta à criança a completa capacidade abstrativa, sobra-lhe espaço para a vasta

mente instintiva e instantânea, talvez, por isso, suas análises sejam desprovidas de censura e

elas tendem a dizer exatamente o que pensam.

Além do estranhamento do tratamento estético dado ao personagem que aparece

na capa, outra criança aponta no episódio que o livro Cartas a povos distantes “tem muita

escrita”, observação realizada por vários outros leitores participantes. Como as crianças

estavam em processo de alfabetização, a extensão do texto verbal das obras era também um

fator que as mobilizava, ou não, para a leitura do livro. O episódio que transcrevemos a seguir

corrobora com essas análises:

Data: 18/04/2017 [...] Pesquisadora: Pessoal... Este aqui Cartas a povos distantes (E mostra o livro para as crianças) Princesinha Sofia: (Olha e fala) Não. Não gostei. Princesa Jujuba: Não. Sawk: Eu já disse que eu não gostei por causa desse nariz. Pesquisadora: O que tem nesse nariz? Sawk: É diferente. O nariz dele parece que é maior assim... (E vai pegando no seu próprio nariz para mostrar o que fala) Princesinha Sofia: Tem muita coisa escrita! Princesa Jujuba: E é de letra cursiva! Pesquisadora: Letra cursiva? (A criança mostra no livro; p. 17) Sawk: Isso é só uma carta. É uma carta do autor. Princesa Jujuba: Ah tá. Mas é de letra cursiva. Sawk: É que os alunos são mais… são mais acostumados com a outra letra. (Princesa Jujuba continua analisando o livro Cartas a povos distantes. Passa as páginas observando) Pesquisadora: O que você está achando dele? Princesa Jujuba: Chato. Pesquisadora: Mas o que você não gostou? Princesa Jujuba: (Vai analisando o livro) Eu não gostei por causa desse nariz, porque tem poucos desenhos também. [...]

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Figura 11 – Carta com letra cursiva

Fonte: Livro Cartas a povos distantes.

No episódio transcrito, reaparece o estranhamento do tratamento estético dado ao

personagem da capa, expresso na frase: “Eu já disse que eu não gostei por causa desse nariz.”.

Uma criança aponta novamente que a obra “tem muita escrita”, característica bastante

destacada pelos leitores participantes. Outra criança, completando a frase da colega, afirma:

“E é de letra cursiva!”. As justificativas revelam traços da especificidade do leitor em

processo de alfabetização, tanto em relação à quantidade de texto verbal quanto em relação ao

tipo de letra que é utilizada no projeto gráfico. As crianças consideram a letra cursiva “mais

difícil” de ser lida, se comparada à letra de imprensa maiúscula, por isso a observação da

pequena leitora. Muitas vezes esses elementos apontados pelas crianças passam despercebidos

ao olhar do adulto, leitor que supostamente já trilhou um caminho mais extenso no universo

da leitura.

Ao final do episódio, Princesa Jujuba ressalta ainda que o livro Cartas a povos

distantes “tem poucos desenhos também”, destacando, assim, outro critério fundamental

apontado pelas crianças participantes da investigação para que escolham um livro: a presença

e a quantidade de imagens. Como os dados da investigação mostraram, as imagens exercem

grande poder de sedução junto a esses leitores em processo de alfabetização.

Se observarmos com atenção as justificativas das crianças, perceberemos que os

elementos que elas destacam estão intimamente relacionados ao projeto gráfico do livro:

configuração das imagens na capa, número de páginas, extensão do texto verbal, tipo e

tamanho das letras e diagramação (distribuição do texto e ilustrações). Os dados trazem

indícios de que, para os leitores em processo de alfabetização, esses elementos se constituem

como critérios importantes para se escolher, ou não, um livro. O premiado escritor e ilustrador

Odilon Moraes (2008) define de forma interessante o que seria o projeto gráfico de um livro:

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Por projeto gráfico de um livro entende-se uma série de escolhas e partidos que definirão um corpo (matéria) e uma alma (jeito de ser) para esse objeto. O que isso quer dizer? Quer dizer que o objeto chamado livro tem um corpo, isto é, forma, tamanho, cor, tato, cheiro (por que não?) etc., que é como ele se apresenta para nós, aos nossos sentidos. Mas ele também vai ser lido. Seu conteúdo, o qual chamei de alma, vai ser revelado à medida que percorremos seu texto, vemos suas imagens, passamos por suas páginas, adentramos seu interior, sua atmosfera, os caminhos que ele nos propõe imaginar (MORAES, 2008, p. 49).

Essa definição do artista nos ajuda a compreender a profundidade do conceito de

projeto gráfico, segundo ele, composto de corpo e alma. Considerando as palavras do autor e

refletindo sobre as falas das crianças a respeito dos livros que não escolheram, percebemos

como o “corpo” do livro é importante no processo de escolha da criança. As cores, o tamanho,

a forma, a dimensão da letra, a quantidade de texto verbal e visual em cada página não fogem

à percepção dos pequenos leitores. Além de não fugirem à percepção deles, esses elementos

interferem no modo como a criança avalia o conteúdo do livro, ou, nas palavras do artista, a

sua alma.

Ressaltamos que o livro Cartas a povos distantes classificou-se em segundo lugar

no 58º Prêmio Jabuti, em 2016, na Categoria Jovem. Esse prêmio é organizado pela Câmara

Brasileira do Livro e representa o mais tradicional e consagrado prêmio do livro no Brasil. O

destaque da obra nessa categoria sinaliza que há uma percepção da crítica literária adulta de

que a obra destina-se, primordialmente, ao público jovem.

Outro livro que as crianças não escolheram para ser lido nos diferentes grupos

formados foi Inês. A seguir, temos transcrições do que elas disseram sobre essa obra:

Data: 12/04/2017 [...] Pesquisadora: (Pega o livro Inês e mostra para as crianças) E esse daqui, oh... Por que ninguém escolheu? Moana: Porque ele é muito vermelho. Pesquisadora: Você achou ele muito vermelho? Arlequina: É porque ele tem muitas páginas. Moana: Também porque ele não é muito colorido. Pesquisadora: Você abriu ele? Coringa: Ela abriu. Arlequina: É. Aqui nem é todo colorido (A criança mostra umas páginas da obra com imagens em preto e branco). [...]

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Figura 12 - Inês

Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora.

Data: 08/05/2017 Livro Inês [...] Pesquisadora: E você, Pedroca, escolheria este livro? Pedroca: Não, não. Pesquisadora: Mas por quê? Pedroca: Ele tem muita fala. Pesquisadora: Você achou que é muita fala? Mari: Poxa é fala demais. Pesquisadora: E a capa? Você achou legal? Pedroca: Não. Pesquisadora: Por que não? Dedé: Tudo vermelho. Pesquisadora: Você não gostou não, Dedé? Pedroca: Não tem cor. Dedé: Tem cor, mas é pouca cor. Tudo vermelho ou preto. Aí parece que por dentro o livro vai ser muito chato. Pesquisadora: Mari, e você? O que achou dessa capa? Mari: Eu não gostei porque ela é muito vermelha e muito preta… [...]

Nos dois episódios, as crianças justificam que não escolheram o livro Inês porque

“ele é muito vermelho” e também “porque ele não é muito colorido”. A presença de duas

cores na capa parece não seduzir as crianças à leitura. Justificativas como as dessas crianças

foram recorrentes nos seis grupos participantes. Pedroca afirma que não gostou da capa e seu

colega, Dedé, completa a sua fala explicando o porquê: “Tudo vermelho.”. O predomínio da

cor vermelha na capa foi um elemento insistentemente apontado pelos leitores como

justificativa para que a obra não fosse escolhida por eles para a leitura compartilhada. Ao

analisar as partes fundamentais da estrutura de uma imagem, Biazetto (2008, p. 77) destaca

que “a cor é o elemento visual com o maior grau de sensualidade e emoção do processo

visual. Nenhum outro atrai com tanta intensidade quanto a cor.” Como o texto visual é

fundamental na análise de um livro pela criança em processo de alfabetização, a cor possui

um significado altamente expressivo em sua análise.

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Se retornarmos ao último episódio transcrito, podemos perceber que uma criança

chega a dizer que o livro Inês “Não tem cor”, mas seu colega completa a sua fala

imediatamente, explicando: “Tem cor, mas é pouca cor. Tudo vermelho ou preto.”.

Interessante observarmos que Dedé ainda destaca que a pouca variedade de cores na capa da

obra leva-o a pensar que o texto não será agradável. Assim, ele afirma: “Aí parece que por

dentro o livro vai ser muito chato.”. Essa fala da criança nos instigou a pensar nas seguintes

questões: A pouca variedade de cores da capa levaria a criança a pensar numa história

monótona? Seria essa a razão pela qual elas apreciam tanto as capas coloridas?

As justificativas das crianças demonstram como a leitura que elas fazem da capa,

particularmente em relação às cores utilizadas e ao tratamento estético dado às imagens,

influencia a disposição interna delas para proceder à leitura do texto verbal.

Além de apontarem que a capa da obra é “muito vermelha”, há um estranhamento

da quantidade de pessoas que compõe esse paratexto, bem como dos figurinos que elas

utilizam. O episódio a seguir corrobora com isso que percebemos no estudo.

Data: 18/04/2017 [...] Pesquisadora: Agora, pessoal... Olha bem. Esse livro aqui, oh (Mostra o livro Inês), também estava na mesa e ninguém escolheu. Por que vocês não o escolheram? Sawk: Eu não escolhi porque achei o desenho dele meio estranho. Pesquisadora: Achou o desenho meio estranho? Como é esse estranho? Explica um pouco… Sawk: Tipo… é… (Fica calado, pensando) Pesquisadora: O que está estranho aí nesse desenho... O que você está achando? (Barulho de sinal) Sawk: Eu não gostei dessas patas, eu não gostei desse cabelo… (Vai mostrando algumas imagens dentro do livro) [...] Princesinha Sofia: Ah, eu não gosto dessas coisas. São muitas pessoas (Fala da capa). Pesquisadora: Muitas pessoas? Você olhou dentro? Por que ele não te chamou a atenção? Sawk: A capa também é meio estranha (Insiste na palavra “estranha”). Pesquisadora: A capa? O que é estranho nessa capa? Hein, Sawk?... Explica pra nós. Sawk: É estranho porque tem muitas pessoas e... também nem todas estão no mesmo lugar... e esse homem aqui é estranho, esse é estranho… (Vai mostrando as pessoas da capa) E esse com esse chapéu aqui na cabeça. [...]

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Figura 13 – Capa da obra

Fonte: Material digitalizado pela pesquisadora.

Nesse último episódio, as crianças destacam que há “muitas pessoas” na capa do

livro Inês e demonstram não apreciar essa característica. Além de dizer que “tem muitas

pessoas”, Sawk estranha a disposição delas e a forma como as pessoas foram representadas:

“tem muitas pessoas e... também nem todas estão no mesmo lugar... [...]”.

No diálogo sobre o livro Inês, percebe-se que há um estranhamento das imagens

pelas crianças e Sawk expressa isso claramente: “Eu não escolhi porque achei o desenho dele

meio estranho.”. Esse estranhamento do texto visual, que traz imagens de personagens com

roupas diferentes das que as crianças estão acostumadas, aponta, de certo modo, uma nova

justificativa para o fato de não terem escolhido o livro. O aparecimento, mais uma vez, do

vocábulo “estranho”, na explicação da criança, desperta nossa reflexão sobre as referências

utilizadas por elas em suas análises. Ao buscarmos conhecer a etimologia do vocábulo

“estranho”, encontramos que ela se origina do latim e significa “de outra terra, desconhecido,

fora do comum” (BUENO, 1974, p. 1277).

Em diálogo realizado no dia 09/05/2017, Dedé chamava a atenção de seus colegas

que avaliavam as imagens das obras como “esquisitas” dizendo, com frequência aos seus

interlocutores, que “esquisito é aquilo que não estamos acostumados a ver”. Ao buscarmos

conhecer a etimologia da palavra “esquisito”, utilizada pela criança, em sua pertinente

definição, nos surpreendemos com o significado encontrado. Derivada do latim, “exquisitus”,

o vocábulo significa “rebuscado, raro, incomum” (BUENO, 1974, p. 1249). Segundo consta

no dicionário consultado, as palavras “estranho” e “esquisito” apresentam significados

próximos, no que tange a algo incomum. Interessante observar que as crianças utilizaram os

dois vocábulos para se referirem às imagens que eram diferentes das que estavam

acostumadas.

Ao nos debruçarmos sobre os episódios transcritos, algumas questões nos

instigam à reflexão: Como levar as crianças em processo de alfabetização a ultrapassarem a

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barreira de uma estética familiar e se abrirem a outros padrões estéticos? A mediação literária

conseguiria cumprir esse papel?

Ressaltamos que a obra Inês aborda uma história de amor proibido entre Inês de

Castro e o príncipe de Portugal. O texto visual revela as personagens com as roupas utilizadas

à época. Essa insistência da criança pela palavra “estranho/a” estimulou-nos a pensar sobre o

significado da repetição dessa palavra por aquele leitor, que conseguiu expressar com palavras

o estranhamento das outras crianças. Retornando à gravação algumas vezes, percebemos

como, no caso de se realizar um trabalho de educação literária com essa obra, a mediação

contribuiria significativamente, explorando as suas potencialidades.

O estranhamento das personagens da capa pelas crianças mostrou que uma obra

como Inês requer mediação, particularmente no que se refere à contextualização da história,

que se passa em outro momento histórico. Segundo Cosson (2014, p. 164), algumas obras

exigem que o leitor tenha “uma porta de entrada” para o texto. A necessidade de

contextualização dessa obra ficou latente na fala das crianças. O pesquisador ainda ressalta:

[...] a contextualização histórica abre a obra para a época que ela encena ou o período de sua publicação. Aqui é pertinente que se evite uma visão estreita da história como mera sucessão de eventos. Essa contextualização visa relacionar o texto com a sociedade que o gerou ou com a qual ele se propõe a abordar internamente (COSSON, 2006, p. 86-87).

No caso do livro Inês, a contextualização visa relacionar o texto com a sociedade

com a qual ele aborda internamente, uma sociedade diferente da nossa, que viveu em outro

período histórico, tempo em que as pessoas se vestiam de forma distinta da atual.

Acreditamos que as crianças são leitoras observadoras e sensíveis, por isso têm direito a um

cuidadoso trabalho de mediação. Destacamos novamente que o propósito de nossa

investigação foi justamente apresentar os livros Altamente Recomendáveis para ouvir o que as

crianças teriam a dizer sobre eles. Conforme percebemos, elas indicam naturalmente, àqueles

que querem ouvir as suas impressões, os elementos que avaliam nos livros literários. Esses

apontamentos nos ajudam a conhecer os critérios que esses leitores utilizam para analisarem

os livros.

Além do estranhamento da capa, ao abrirem o livro, as crianças continuam as suas

análises. Arlequina, no episódio do dia 12 de abril, destaca “Aqui nem tudo é colorido.”. Ao

dizer isso, ela mostra à pesquisadora imagens da obra que estão em preto e branco. Várias

crianças de outros grupos fizeram considerações semelhantes. Vejamos a observação

realizada por Carlos:

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Data: 15/05/2017 [...] Pesquisadora: O que você está achando? (A criança analisa o livro Inês) Carlos: Muito em branco. Pesquisadora: O quê? Carlos: Muito em branco. Não gostei. Pesquisadora: O que é muito em branco? Carlos: As pessoas não têm cor. Olha (Mostra as páginas para a pesquisadora em que os personagens são em preto e branco) Branco… Aqui tem mais branco… As pessoas são brancas. (Vai passando as páginas e mostrando) Pesquisadora: E você gosta como? Carlos: Colorido. [...]

Figura 14 – Imagem em preto e branco

Fonte: Livro Inês, digitalizado pela pesquisadora.

A presença de imagens nos tons preto e branco, no interior da obra, produziu

resistências em relação ao engajamento na leitura. Vejamos o que disseram outros leitores a

esse respeito:

Data: 16/05/2017 [...] Luna: É verdade. Podia ter mais cores. É só preto, branco, preto, branco… (Mostra as imagens do livro) Naruto: Eu entendi o que ela está falando. Oh… Porque o personagem devia ter mais cores. Aqui ele está todo branco. Não coloriram ele. (Mostra no livro as imagens em preto e branco) Kakashi: Aqui também… olha… Ela podia ter um toque diferente. Tá tudo vermelho e com listras de outra cor. Aqui está só com um toque preto. O vestido dela, o cabelo, podia ser de outra cor (Mostra a imagem do livro que tem a princesa, p. 32, numeração nossa) Luna: É verdade. É porque esse livro não tem muitas cores. É mais preto e branco e preto com branco é cinza, e aí é chato. Kakashi: E olha… Ele é para colorir? Esse livro parece para colorir. A textura dele… Pesquisadora: Você está achando que fica parecendo para colorir? Luna: É verdade. Para colorir, porque os personagens não têm cor. Geralmente é… quando tem cor é muito legal. Se for de aventura, só pelas

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cores dá para saber… que... às vezes... tipo… tem uma mancha assim aí pode ser que está morrendo… [...]

Figura 15 – Livro Inês – princesa

Fonte: Imagem digitalizada da obra.

Ao dialogarem sobre a obra Inês, as crianças vão analisando o livro, fazendo

observações de modo que um leitor complementa a fala do outro. Isso revelou certa sintonia

nas justificativas. Nas análises, as crianças nos mostram como ter muitas cores é importante

na avaliação que fazem dos livros: “Podia ter mais cores”, “O personagem devia ter mais

cores”, “Não coloriram ele”. Uma criança chega a perguntar “Ele é para colorir? Esse livro

parece para colorir”, ao perceber várias páginas com personagens em preto e branco. A colega

concorda que o livro “parece para colorir” e afirma: “É verdade. Para colorir, porque os

personagens não têm cor.”. As crianças leitoras ficaram incomodadas com a presença de

imagens em preto e branco ao longo das páginas do livro. Esse aspecto, além dos outros

apontados, contribuiu para que não escolhessem, como vimos no episódio, também a obra

Inês. A impressão que tivemos, com base nos dados, é que, para as crianças, a falta de cor dos

personagens implicaria numa história monótona e sem graça. A última consideração de Luna

transcrita reforça o que queremos dizer: “Geralmente é... quando tem cor é muito legal. Se for

de aventura, só pelas cores dá para saber [...]”. As cores parecem mobilizar o pequeno leitor a

realizar possíveis interpretações em relação ao texto escrito. Biazetto (2008), em artigo que

discute as cores na ilustração do livro infantil e juvenil, ressalta que:

Entre a ilustração e o olhar existe um caminho de mão dupla. Temos, de um lado, o modo como o leitor percebe a ilustração e, de outro, como a ilustração vê o mundo. A ilustração não referencia somente os espaços do texto: ela reflete todo um universo e um modo de ver particular do ilustrador, que imprime em seu trabalho o seu conhecimento e sua experiência (BIAZETTO, 2008, p. 75, grifo nosso).

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Como compreender o modo como a criança leitora percebe a ilustração se não

ouvirmos o que ela tem a nos dizer? A conversação literária permite que o leitor se manifeste

e dialogue com outros leitores. Hunt (2010, p. 22) nos lembra que a relação da criança com o

livro pode ser diferente da do adulto, por isso reafirmamos a importância da escuta dessa voz,

explicitando as impressões e sentimentos sobre o livro. Para Ceccantini (2012, p. 10), a escuta

exerce papel fulcral nas atividades de mediação de leitura literária em contexto escolar.

Ressalta-se que o livro Inês recebeu os seguintes prêmios: “Melhor livro infantil

do ano” pela Academia Brasileira de Letras; primeiro colocado no Prêmio Jabuti 2016,

categoria infantil; Criança Hors-Concours, Prêmio FNLIJ 2016. Isso nos mostra que, muitas

vezes, a avaliação realizada pelo adulto, particularmente o crítico literário, segue critérios

diferentes da realizada pelas crianças.

Além do critério de “ter uma capa colorida”, as crianças observam também

aspectos relacionados à nitidez das imagens. No caso da análise do livro O sonho de Borum,

essa característica foi destacada por várias crianças participantes.

Data: 12/04/2017 [...] Pesquisadora: Esse aqui… Por que não escolheram? (Mostra o livro O sonho de Borum) Moana: Eu não peguei um dedinho nele. Pesquisadora: Não, mas por que não? Moana: Eu já vi e eu não gostei. Pesquisadora: Mas o que você não gostou? Charlote: Da capa … Pesquisadora: Da capa também não? O que tem nessa capa que você não gostou? Moana: Que as letras são muito grandes, outras pequenas … o título… Pesquisadora: O título, você não gostou?... Moana: Tá meio embaçado. [...]

Figura 16 – O Sonho de Borum

Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora.

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[...] Pesquisadora: Você achou meio embaçado? Arlequina, e este aqui? Por que você não escolheu? (Mostra o livro O Sonho de Borum) Arlequina: É feeio! Eu ia falar tudo que a Moana falou agora. Pesquisadora: Então fala o que você achou. Arlequina: É rabiscado... Pesquisadora: O que é rabiscado aqui? Arlequina: Horrível! Tudo! Coringa: Isso aqui é um céu e um peixe nadando no céu. Pesquisadora: E por dentro... olha. Mc Kekel: Nussa! Olha o tamanho da letra!… Pesquisadora: Essa letra? Vocês gostaram? Moana: Muito miudinha. [...]

Figura 17 – Página da obra

Fonte: Livro O sonho de Borum, digitalizado pela pesquisadora.

Moana destaca que não gostou da capa do livro, por isso afirma: “Eu não peguei

um dedinho nele.”. Segundo ela, o título está “meio embaçado”. Arlequina ressalta que ia

falar o que a colega falou e completa: “É rabiscado.”. A impressão do título, tendo uma

imagem ao fundo, parece ter prejudicado a leitura das crianças em processo de alfabetização.

Em relação à clareza da imagem, Biazetto (2008, p. 86), ilustradora e estudiosa do tema,

destaca:

Nos casos em que o texto é inserido dentro da ilustração, é muito importante que o fundo que receberá o texto seja uma área mais neutra e mais plana, sem muita textura ou cores que dificultam a leitura. Também é importante a escolha da cor das letras, para que não haja conflito com o fundo.

Se observarmos a capa do livro com atenção, veremos que ela apresenta a imagem

de um rosto, ao fundo, e, em primeiro plano, o título. Podemos visualizar marcas, traços,

imagens de peixes, construídas em tons variados, com destaque para a cor laranja. As

considerações das crianças revelam que as escolhas de edição, em relação ao projeto gráfico

da capa, podem ter prejudicado a clareza da imagem e a leitura.

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No episódio, após tecerem suas impressões sobre a capa, as crianças abrem o livro

e procuram imagens e outros aspectos do projeto gráfico que poderiam justificar a escolha da

obra. No caso do livro O sonho de Borum, logo que o abrem, os leitores destacam a

insatisfação com o tamanho da letra. Assim, uma criança diz: “Nussa! Olha o tamanho da

letra!...”. Moana completa: “Muito miudinha.”.

No dia 24 de abril de 2017, conversamos com outro grupo sobre o livro O Sonho

de Borum e as considerações das crianças assemelham-se às transcritas anteriormente:

[...] Pesquisadora: E esse aqui, pessoal? O sonho de Borum? Sawk: Eu não gostei. Greninja: Nem eu. Princesinha Sofia: Eu não gostei. Pesquisadora: Não? Nem da capa? Princesa Jujuba: Só da capa eu já não gostei, porque olha… um monte de bagunça… (E mostra a capa com a mão) Pesquisadora: Você achou bagunçado? (Princesinha Sofia pega o livro O sonho de Borum para olhar. Kaíque e Greninja vão até a filmadora para olharem os colegas. A filmadora balança). Pesquisadora: Princesinha Sofia, e você? Gostou desse? Princesinha Sofia: Não. Pesquisadora: Princesinha Sofia, por que não? Explica por que não. Princesinha Sofia: A capa tem muita coisa repetida. Pesquisadora: Tem muita coisa repetida? [...]

Figura 18 – Capa da obra

Fonte: Material digitalizado pela pesquisadora.

Pelo conjunto de comentários das crianças, registrados nas transcrições,

observamos que o tratamento estético dado à capa da obra O sonho de Borum realmente não

agradou às crianças. Para uma das participantes desse outro grupo, a capa desse livro era “um

monte de bagunça”. Outra destacou que a capa “tem muita coisa repetida”. Talvez a

quantidade de detalhes da capa tenha prejudicado a clareza do texto para as crianças.

Ao buscarmos autores que nos ajudassem a compreender as reações das crianças

diante de algumas imagens, encontramos textos de ilustradores com análises significativas

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sobre as relações que se estabelecem entre o leitor e a ilustração. Conforme destaca Biazetto

(2008, p. 76), “a percepção de uma imagem envolve a relação do leitor com ela, como ele a

vê, pois o olhar compreende as experiências vividas por aquele que olha.”. Essa consideração

nos convida a refletir sobre a complexidade e dinamicidade do processo de percepção:

É complexo o ato de perceber uma imagem, pois o processo depende tanto de atributos intrínsecos a ela (intensidade, tamanho, contraste, novidade, repetição e movimento) quanto de fatores extrínsecos a ela e pertinentes ao leitor (atenção, expectativa, experiência e memória). [...] O olhar é, portanto, um ato de escolha (BIAZETTO, 2008, p. 76-77).

Se o olhar é um ato de escolha, como afirma a pesquisadora, como compreender

como a escolha é realizada se não ouvirmos o leitor? Como saber o que atrai o seu olhar? E o

que o afasta? Essas perguntas sustentaram nosso estudo e nos acompanharam continuamente

pelos caminhos da pesquisa.

3.4 “Eu gostei porque ele tem mais histórias diferentes”

Nos Círculos de Leitura, realizamos a experiência da leitura compartilhada e do

diálogo sobre as obras escolhidas pelas crianças leitoras dentre as dezenove Altamente

Recomendáveis da pesquisa. Após a leitura de todos os livros, em cada grupo, conversamos

com os leitores sobre as obras lidas e eles falaram de suas impressões. O quadro a seguir

sintetiza as escolhas das crianças antes e após a leitura dos livros:

Quadro 10 – As escolhas das crianças

Nº Criança Livro escolhido para leitura Justificativa Livro escolhido

após a leitura Justificativa

1 Luna Nino, o menino de Saturno/ De noite no bosque

Capa bonita O guardião da bola

Achou bem legal a história de um guardião da bola.

2 Kakashi Contos ortográficos

Capa e suas imagens

De noite no bosque

Gostou porque era uma história que conta histórias dentro dela.

3 Naruto Nino, o menino de Saturno/ O guardião da bola

O personagem parece o Menino Maluquinho / Capa legal: menino com a bicicleta e o cachorro atrás

De noite no bosque

Gostou porque ele tem mais histórias diferentes.

(Continua)

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Nº Criança Livro escolhido para leitura Justificativa Livro escolhido

após a leitura Justificativa

4 Moranguinho Nino, o menino de Saturno

Desenhos da capa e da quarta capa (traz as capas dos outros livros da coleção)

De noite no bosque

Gostou porque ele fala das histórias dos filmes que já viu.

5 Dedé De noite no bosque

Capa: o lobo; gosta de coisas de terror

De noite no bosque

Gostou porque ele mistura várias histórias.

6 Pedroca Nino, o menino de Saturno

Capa: as cores do chapéu do Nino

De noite no bosque

Porque ele tem falas do menino e da menina.

7 Mari Nino, o menino de Saturno / Lá e Aqui

Gosta de ler os livros do Menino Maluquinho e o menino da capa parece com ele / Gostou das imagens

As cores dos pássaros

Gostou das cores, dos pássaros, da coruja, dos bichos voadores.

8 Bruxa Onilda Receita para fazer dragão/ As cores dos pássaros

Capa: formas geométricas / Texto com “pouca escrita” e muita cor

As cores dos pássaros

Gostou das florestas e dos pássaros voando.

9 Mayara O livro das casas As imagens das casas

De noite no bosque

O livro é legal porque ele misturou histórias.

10 Apple Nino, o menino de Saturno

Gosta de ver a lua da janela, as estrelas e gosta de arco-íris

De noite no bosque

A capa brilha no escuro e os meninos liam histórias com o pai e a mãe.

11 Mundo Quadrado

De noite no bosque

Capa: olhos do lobo e a lua ao fundo

De noite no bosque e Nino, o menino de Saturno

As capas chamaram a sua atenção.

12 X-Tudo Nino, o menino de Saturno/ Lá e Aqui

Personagem da capa lembrou o Menino Maluquinho / Capa: gostou da pintura, pois gosta de arte

De noite no bosque

Gostou dos meninos da capa. Achou-a “imaginária”.

13 Greninja Nino, o menino de Saturno Arco-íris da capa

Nino, o menino de Saturno / O trompetista na tempestade

Gostou das histórias.

14 Sawk O trompetista na tempestade

Imagens diferentes na capa e no miolo

O livro das casas

Gostou das rimas e dos desenhos.

(Continua)

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Nº Criança Livro escolhido para leitura Justificativa Livro escolhido

após a leitura Justificativa

15 Princesa Jujuba

De noite no bosque

Capa: o lobo e os olhos assustadores

O livro das casas

Gostou das casas: a casa da pulga é o cachorro, a casa da memória é na cabeça... (Fala das casas da obra para explicar).

16 Princesinha Sofia

Nino, o menino de Saturno/ O livro das casas

Capa e imagens Lá e Aqui / Coisa de gente grande

Textos de “pouca escrita” e imagens bonitas.

17 Coringa Nino, o menino de Saturno

Capa colorida. Tem DVD do Menino Maluquinho

O caixão rastejante e outras assombrações de família

Gosta de terror.

18 Moana As cores dos pássaros

O livro e o título são bonitos Lá e Aqui

Ele tem poucas páginas e gostou muito das cores e da imagem dos cachorrinhos fugindo de barco.

19 Arlequina O livro das casas/ Lá e Aqui

Imagens “iradas”/ Imagens do livro: árvore, casa, patinho

Nino, o menino de Saturno

Gostou da figura do Einstein e do Nino, um “garoto legal e aventureiro”.

20 Mc Kekel

Coisa de gente grande/ O caixão rastejante e outras assombrações de família

O livro tem “pouca letra”. É fácil de ler / Tem fantasma

O caixão rastejante e outras assombrações de família

Gosta de fantasma e de terror. Gostou mais do conto “Quer ir?”.

21 Churros As cores dos pássaros

Por causa dos pássaros Lá e Aqui Gostou do livro

da colega Pipoca.

22 Lola O livro das casas Gostou das imagens dele Gostou de todos

As imagens são legais e tem partes engraçadas.

23 Pipoca Lá e Aqui Cada hora aparece uma coisa linda no livro (imagens)

Receita para fazer dragão

A história é muito interessante. Tem a Tina, o dragão... (A criança conta a história para explicar).

(Continua)

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(Conclusão)

Nº Criança Livro escolhido para leitura Justificativa Livro escolhido

após a leitura Justificativa

24 Luffy Receita para fazer dragão

Gostou por que nunca leu livro com capítulo

Receita para fazer dragão/ As cores dos pássaros

Livro com capítulos/ Gostou da coruja pintando os pássaros.

25 Carlos Coisa de gente grande

Escolheu pelo título. Achou que ia falar o que ele ia fazer quando fosse grande

O livro das casas

Parece um livro de poemas; as palavras têm rimas.

Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.

As informações do quadro nos convidam a algumas reflexões. Um primeiro dado

interessante é que, após a leitura e o diálogo das obras escolhidas em cada grupo, a maioria

das crianças escolheu outro livro como “o preferido”, considerando, segundo as justificativas

apresentadas, aspectos relacionados às histórias lidas. As falas das crianças revelaram critérios

diferentes para a escolha realizada antes e após a leitura. As características da capa e as

imagens da obra influenciaram a escolha inicial, como analisamos anteriormente, porém, após

a leitura, suas justificativas já incluem aspectos do texto lido, demonstrando certo grau de

análise das histórias.

Como vimos, Nino, o menino de Saturno foi o livro mais escolhido pelos leitores

para leitura nos diferentes grupos, porém, concluída a leitura, De noite no bosque foi o

preferido da maioria. Como justificativa, as crianças apontaram que a obra “mistura várias

histórias” e essa característica foi destacada por muitos leitores, como vimos no Quadro 10. A

proposta de diálogo intertextual que a obra tece com contos clássicos como Cachinhos

Dourados, Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve e os sete anões, João e Maria, O

Pequeno Polegar, Bambi, Mogli, A Bela Adormecida, dentre outros, parece ter agradado às

crianças. Durante a leitura da obra De noite no bosque, elas indicavam os títulos dos contos

clássicos que eram representados apenas por imagens, e muitas recontavam partes das

narrativas, destacando alguns personagens, como veremos a seguir:

Data: 16/03/2017 [...] Pesquisadora: (Passa as páginas e mostra as próximas imagens) Sawk: Ah! Essa daí é... Princesa Jujuba: da Branca de Neve (Completa a fala do colega). Sawk: E os sete anões. Princesinha Sofia: Dengoso, Atchim... (Lê os nomes que aparecem nas camas representadas nas páginas 18 e 19)

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Princesa Jujuba: Atchim... (Repete). Crianças: Feliz, Mestre, Soneca (Leem juntas). Princesa Jujuba: Ô, gente. Eu amo o Atchim. Ele é muito fofinho! Sawk: Eu amo é o Zangado (Fala imitando uma voz zangada). Greninja: Eu gosto do Mestre, porque é ele que manda! Pesquisadora: E você, Princesinha Sofia? Princesinha Sofia: Eu gosto do Soneca (Fala sorrindo). Princesa Jujuba: Eu gosto do Atchim e do Soneca. Princesinha Sofia: Eu também. Eu gosto do Soneca e do Atchim. [...]

Figura 19 – Intertexto com Branca de Neve

Fonte: Livro De noite no bosque, digitalizado pela pesquisadora.

No episódio, assim que a pesquisadora vira as páginas do livro, as crianças logo

identificam, pela imagem, o conto Branca de Neve e os sete anões. Elas nomeiam a história e

começam a falar com entusiasmo de seus personagens, uma completando a fala da outra.

Cada criança indica o anão de que “mais gosta” e uma delas justifica a sua escolha: “Eu gosto

do Mestre, porque é ele que manda!”. Apoiando-nos em dados coletados, e em Bettelheim

(2017), foi possível perceber como os contos clássicos, com seus acontecimentos fantásticos,

ainda despertam a atenção dos pequenos leitores, e muitas crianças se identificam com

personagens. De acordo com o autor, aproximadamente aos cinco anos, os contos de fada se

tornam verdadeiramente significativos para a criança. Segundo ele:

A menina pequena deseja imaginar que é uma princesa vivendo num castelo e tece fantasias elaboradas a esse respeito, mas quando a mãe a chama para jantar, ela sabe que não é. Ao mesmo tempo que um bosque num parque pode ser às vezes vivenciado como uma profunda e escura floresta cheia de segredos ocultos, a criança sabe o que ele realmente é, assim como uma menina pequena sabe que sua boneca não é realmente o seu bebê, por mais que a chame assim e a trate como tal (BETTELHEIM, 2017, p. 93).

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Merece ressaltar que as crianças leitoras citavam trechos dos contos presentes nas

versões produzidas pelos estúdios Disney. Percebemos que essas produções fazem parte de

seus repertórios culturais. Se retornarmos ao Quadro 10, é possível observar que

Moranguinho justifica ter gostado do livro De noite no bosque justamente porque “ele fala das

histórias dos filmes” que viu. Na conversação sobre esse livro, as crianças citaram filmes

produzidos a partir dos contos que apareciam na obra lida, como acontece a seguir:

Data: 20/02/2017 [...] Pesquisadora: (Lendo o texto) “[...] Os seus preferidos eram os lobos que viviam em uma floresta imensa, com tigres, ursos, panteras, mas que eram protetores de Mogli, o menino que eles criaram.” (p. 25) Apple: Mogli, o menino lobo! (Fala ao ouvir a narrativa). Pesquisadora: Vocês conhecem essa história? Apple: Eu já vi o filme. Mayara: Eu já vi o filme. Pesquisadora: Já viram o filme? X-Tudo: Ele gostava de um urso e também tinha um macaco e uma pantera. [...]

Ao ouvirem na narrativa a referência a Mogli, personagem de uma história

clássica da obra O livro da Selva, Apple cita o filme dizendo “Mogli, o menino lobo!”. As

outras crianças do grupo também manifestam conhecer a produção cinematográfica, que

estreou em 2016. Essa referência a filmes aconteceu por diversas vezes, durante a leitura do

livro De noite no bosque, em razão do aparecimento, nessa obra, de personagens de contos

clássicos que inspiraram a produção de vários filmes da Disney. Segundo Cosson (2014, p.

16), o filme é outro avatar da literatura, uma criação coletiva que envolve fotografia,

montagem, figurino, música, entre tantos elementos. Pelos depoimentos das crianças, é

possível afirmar que elas apreciam os filmes que trazem histórias com “sons e figuras em

movimento” (LAJOLO & ZILBERMAN, 2017, p. 18).

Outro dado que nos chama a atenção, ao conversarmos sobre as obras após a

leitura, é o fato de as crianças, ao falarem do livro de que mais gostaram, contarem à

pesquisadora partes da história, apresentando detalhes da narrativa; outras ressaltaram

personagens e suas ações ou apontaram traços da construção do texto, como a presença de

rimas, o que revela que, de certa forma, fizeram uma apreciação dos livros, comparando

elementos que se mostraram como importantes em sua leitura. Segundo Paulino (2010, p.

128):

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a experiência artística não é só a do autor no momento em que escreve, mas também a do leitor. Para alguém definir assim a relação de um pequeno ser humano com um livro, quando este é uma obra de arte é necessário pensar que isso – a apreciação artística – não é perda de tempo em nossa sociedade de hoje, em que a vida se faz de enigmas e de rápidas transformações.

Na pesquisa, vivenciamos essa experiência artística destacada pela pesquisadora, e

os leitores em processo de alfabetização fizeram uma apreciação dos livros de acordo com os

seus critérios de criança e repertórios.

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CAPÍTULO 4 – DIÁLOGOS DA CRIANÇA COM OS TEXTOS LITERÁRIOS

Durante a investigação, as crianças participaram ativamente das discussões sobre

os livros literários e, no processo de conversação, mobilizaram várias estratégias antes,

durante e após a leitura dos livros escolhidos, sempre buscando atribuir sentidos para as obras

que liam. Solé (1998, p. 18) nos advertia que “o leitor é um sujeito ativo que processa o texto

e lhe proporciona seus conhecimentos, experiências e esquemas prévios.”. Benjamin (2009, p.

54), ao falar do livro infantil, ressaltava a participação do leitor na beleza descortinada da

obra. Durante a pesquisa, as crianças leitoras fizeram previsões, conexões e inferências,

compartilharam seus conhecimentos prévios e suas experiências de vida. Reuniram os textos

das obras com os textos de filmes, séries, desenhos e outras produções culturais. Neste

capítulo, vamos conhecer como as crianças da pesquisa, aos poucos, foram descortinando

cada obra por meio do diálogo.

4.1 No jogo de adivinhações de possíveis sentidos dos textos

Durante os Círculos de Leitura, as crianças faziam previsões tentando adivinhar o

que aconteceria nos livros. Aliás, como percebemos ao longo deste texto, as próprias escolhas

dos livros para leitura compartilhada se sustentaram nessas predições (Kleiman, 2002). As

informações da capa como o título e a imagem incentivavam o processo de levantamento de

hipóteses. No dia 26 de setembro de 2016, data do encontro com o primeiro grupo, Luna nos

mostra como mobiliza as pistas disponíveis na capa do livro para construir hipóteses a

respeito do texto:

Data: 26/09/2016 [...] Pesquisadora: Ô, Luna. E você? Pegou qual livro? Qual você escolheu? Luna: De noite no bosque (Lê o título do livro que escolheu na mesa). Pesquisadora: Ah... De noite no bosque. Você já tinha visto esse livro em algum lugar antes ou não? Luna: Nããoo. Pesquisadora: Primeira vez? Luna: É. Pesquisadora: É?... E você está com vontade de conhecer a história dele? Luna: Sim. Pesquisadora: Sim? Você já ouviu falar da Ana Maria Machado? Luna: Não. Eu acho que não.

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Kakashi: Elisa... É... Eu tenho certeza que de todos esses livros aqui... um só livro é de um autor que a gente conhece. Pesquisadora: Ah é? Qual é o autor? Kakashi: Hum... É o autor do Menino Maluquinho [...] Pesquisadora: Ô, Luna, o que você acha que vai falar aí nesse livro que se chama De noite no bosque? Luna: Ah!... Deve ser... Essa menina aí e esse menino que foram... sei lá... foram ao bosque e foram passar a noite... e aí vai acontecer muitas coisas... Pesquisadora: Nossa! Nós vamos ver o que vai acontecer, hein? [...]

Figura 20 – Capa da obra De noite no bosque

Fonte: Digitalizado pela pesquisadora.

Tendo como referência o título e a imagem da capa, Luna faz uma previsão do

provável enredo a ser tratado no livro. Logo associa as imagens de duas crianças que

aparecem aos possíveis personagens do conto que, segundo ela, com o desenrolar da história,

“[...] foram ao bosque e foram passar a noite... [...]”. Luna, ao entrar em contato com o livro,

inicia o processo de levantamento de hipóteses que a levará a prosseguir na leitura, porque a

coloca como participante ativa desse processo, pois lhe interessa muito saber, mais adiante, se

suas hipóteses estavam certas. Essa estratégia da pequena leitora revela-se como fundamental

no processo de construção de sentidos. Após a leitura de todo o texto, Luna teve a

oportunidade de descobrir se as suas predições puderam ser confirmadas ou não. Essa postura

ativa das crianças na leitura é ressaltada por Eco (2004, p. 180) quando discorre sobre a ação

do leitor: “para formular as suas previsões, o leitor realiza os seus passeios inferenciais [...] e

depois espera que o estado sucessivo da fábula aprove ou contradiga as suas previsões.”. O

autor considera fábula neste contexto como “o esquema fundamental da narração, a lógica das

ações e a sintaxe das personagens, o curso de eventos ordenado temporalmente” (ECO, 2004,

p. 85).

Durante a leitura dos livros escolhidos, as crianças faziam predições e levantavam

hipóteses continuamente. Partindo das pistas dos textos verbal e visual, procuravam explicar o

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que era narrado. A respeito dessa ação ativa do leitor na relação com a literatura, Aguiar

(2003, p. 241-242) ressalta:

O ato de ler, nessa medida, ocorre como movimento ativo do leitor sobre o texto, que se apresenta como estrutura esquemática, com indicações, pontos de indeterminação e vazios a serem preenchidos. De posse das pistas fornecidas pela obra e apoiado em sua experiência, o sujeito arranja os dados, completa espaços em branco e constrói totalidades de sentido. Não há, portanto, literatura sem leitor e o texto nunca é o mesmo, porque provoca de modo diferente cada leitor.

As considerações da autora são pertinentes e observamos, na pesquisa, que o texto

realmente provoca de modo diferente cada leitor. Em virtude da escolha das crianças,

conversamos sobre a mesma obra em vários grupos e as interações observadas nunca foram as

mesmas, porque os leitores não eram os mesmos. A participação dos pequenos leitores

imprimia aos diálogos, em cada grupo, configurações singulares.

Transcrevemos, a seguir, outro episódio de discussão do livro De noite no bosque,

porém vivenciado por outro grupo de crianças:

Data: 20/02/2017 [...] Pesquisadora: Então a gente vai começar com De noite no bosque que vocês votaram. Crianças: Êh, êh, êh... (Vibram) Mayara: Pode apagar a luz? (Para criar o clima adequado ao título De noite no bosque). Pesquisadora: Então vamos dar uma olhada nessa capa. O que será que vai falar neste livro que se chama De noite no bosque? Apple: Tem um lobo (Mostra o canto superior direito da capa), dois olhos e tem mais três lobos (Mostra os olhos que aparecem). Pesquisadora: Três? Onde você está vendo? Crianças: Um, dois, três... (Contam os olhos representados na capa). Apple: Tem duas menininhas e está de noite... X-Tudo: É... É um menino (Aponta o personagem). Apple: E chama... Mayara: E chama... imaginação! Apple: Um menino e uma menina estão lendo um livro. Mayara: Imagina, Elisa... Pesquisadora: Hã ... Mayara: Duas... Um menino e uma menina... Apple: Com três lobos. Mayara: Numa floresta... Mayara e Apple: E três lobos... (Falam quase juntas) Mayara: E lembra história de terror! [...]

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Figura 21 – Capa da obra

Fonte: Digitalizado pela pesquisadora.

A mesma capa despertou nas crianças desse outro grupo observações diferentes.

Neste último episódio, os olhos representados com um brilho diferente e a presença do lobo

foram os elementos que mais captaram a atenção das crianças. Uma criança, tendo como

referência esses elementos “mais sombrios” da capa, pergunta à pesquisadora se pode apagar

a luz durante a leitura. O pedido da criança revela que, pela capa, ela inicia o processo de

leitura e realiza uma previsão do que pode ser abordado no interior da obra. No diálogo,

percebemos que um leitor completa a ideia do outro. Ao final, Mayara, a mesma criança que

pede para apagar a luz, no início da interação, observa que a capa lembrou também “história

de terror”, por isso ela havia se preocupado em criar “um clima” para a leitura daquele livro.

Assim, a capa de uma mesma obra permitiu que as crianças leitoras fizessem diferentes

observações e levantassem hipóteses diversas, fazendo com que a interlocução seja, de fato,

um momento único.

Durante o primeiro dia da pesquisa, ao lermos a obra Nino, o menino de Saturno,

escolhida pela maioria das crianças, elas tentaram adivinhar o que havia acontecido com

Saturno. Segundo o texto, “o planeta amanheceu sem as cores de seus anéis” (ZIRALDO,

2015, p. 6). Esse acontecimento mobilizou o levantamento de hipóteses:

Data: 26/09/2016 [...] Pesquisadora: (Lê o texto da obra) “Todo o povo / de Saturno / não conseguia entender / o que havia acontecido. Quem poderia saber? / Quem é que pode explicar / os mistérios do universo?” O que será que aconteceu, gente? O que vocês acham? Luna: Será que foi algum vilão? Pesquisadora: Você acha que é algum vilão? (Olhando para a criança) Luna: Deve ser. Pesquisadora: O que você acha, Kakashi?

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Kakashi: Eu acho que... é... as... as coisas que faziam o anel de Saturno ficar... é... colorido podem ter saído... ou eles estavam girando e saíram do lugar... os negócios que fizeram o anel de Saturno... é... ficar colorido. Pesquisadora: O que você acha, Naruto? Naruto: Eu acho que choveu e saíram as cores do planeta. Pesquisadora: Ah!...Você acha que choveu e aí a cor do arco-íris saiu toda? [...]

Figura 22 – E as cores de Saturno?

Fonte: Nino, o menino de Saturno, digitalizado pela pesquisadora.

No episódio, podemos perceber que as crianças procuram explicações para o

sumiço das cores dos anéis de Saturno, conflito principal da obra discutida. Luna apresenta a

possibilidade de algum vilão ter agido, Kakashi procura uma explicação mais científica para o

fato e Naruto é mais pragmático ao dizer que a chuva pode ter levado as cores dos planetas.

Essas crianças leitoras, detentoras de experiências e conhecimentos de mundo distintos,

levantam hipóteses para explicar o que poderia ter acontecido ao planeta e, com essa ação,

revelam como a participação dos leitores enriquece as possibilidades do texto literário.

O texto visual também incentivava o levantamento de hipóteses e uma imagem,

em particular, produziu uma interlocução interessante entre as crianças. Na leitura da obra As

cores dos pássaros, ao se depararem com uma imagem sem o texto verbal, as crianças

começaram a tentar adivinhar que ave poderia ter os pés que apareciam na página sem a

cabeça:

Data: 06/04/2017 [...] Mc Kekel: Esse aqui é águia (Mostra o pé que aparece sem a cabeça do animal).

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Figura 23 – Que bicho tem esse pé?

Fonte: Livro As cores dos pássaros, digitalizado pela

pesquisadora. Arlequina: (Vê a imagem dos pés da ave e fala) Não coube ela aqui, porque ela é muito maior. Coringa: Não é um gavião? É gavião, porque gavião tem o pé bem maior do que esse, maior do que águia. Pesquisadora: É? Será de gavião? (E continua a leitura) “Outras aves também se aproximavam… (p. 26-27). Coringa: Esse gavião podia até ficar aqui. (Querendo mostrar que cabia o gavião imaginado inteiro na página). Mc Kekel: E podia ter escrito aqui (Mostrando que havia espaço na página). Pesquisadora: Por que será que o ilustrador quis fazer assim? Arlequina: Não, eu acho que é porque... quando ela fez esse livro, né, aí… aí...ele...ela pediu para fazer um gavião maior, mas não coube, então teve que fazer só a metade da perna. Moana: Ela também queria cor? (Retomando o conflito da obra. Perguntando se aquela ave também queria cor como os outros pássaros do texto). Pesquisadora: Ela estava o quê? (Retomando o texto verbal) Estava se aproximando… Será uma águia ou gavião? (E então passa para as páginas 28-29. Assim que veem a imagem da ave, as crianças falam animadas). Mc Kekel: O pavão! Arlequina: O pavão! Que lindo! Ah!... Então isso era o pavão! (A pesquisadora volta às páginas anteriores e mostra às crianças a semelhança dos pés da ave que apareceram pela metade, anteriormente).

Figura 24 – O pé é do pavão

Fonte: Livro As cores dos pássaros, digitalizado pela pesquisadora.

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Como percebemos, a imagem dos pés da ave proporcionou uma série de

discussões entre as crianças. Todas ficaram curiosas para saber de que ave seriam aqueles pés.

Algumas acharam que se tratava de um gavião e outras, de uma águia. Como podemos

observar, as hipóteses das crianças leitoras nesse episódio consideraram as pistas do texto

visual: o tipo de pé representado, a sua forma e as cores empregadas. O diálogo transcrito

revela que os leitores refletiam também sobre as possíveis razões de a autora não reproduzir a

imagem da ave completa, por isso Arlequina diz: “Não coube ela aqui, porque ela é muito

maior.” Essa fala revela como a criança, em processo de alfabetização, ainda apresenta um

pensamento concreto e por meio dele procura explicações para as coisas, no caso, para a

imagem apresentada pela metade. Ao buscar interpretar o texto visual, a criança usa sua

criatividade, como nos lembra Benjamin (2009, p. 66): “a criança penetra nessas imagens com

palavras criativas.” Durante a pesquisa, percebemos como as imagens despertavam a voz

criativa da criança, criando espaços para o imaginário (RAMOS, 2013, p. 55).

O episódio nos mostra que as ilustrações no livro infantil “não são meramente

decorativas” (NIKOLAJEVA & SCOTT, 2011, p. 14). Elas integram-se ao texto verbal e

também estimulam os leitores a produzirem sentidos. Ao analisarem as relações entre palavras

e imagens numa obra, as autoras apontam:

O leitor se volta do verbal para o visual e vice-versa, em uma concatenação sempre expansiva do entendimento. Cada nova releitura, tanto de palavras como de imagens, cria pré-requisitos melhores para uma interpretação adequada do todo. (NIKOLAJEVA & SCOTT, 2011, p. 14).

Foi possível perceber como as crianças observam detalhes nas imagens visando ao

entendimento do que elas representavam naquele contexto da história narrada também pelo

texto verbal. As imagens sempre geravam muitas expectativas naqueles pequenos leitores que

demonstravam interesse por desvendar seus possíveis sentidos.

4.2 Tecendo conexões e associações

Durante o processo de conversação, foi possível perceber como as crianças,

durante a leitura, observavam também a forma de organização do texto. Ao transcrevermos as

interações, notamos a incidência de algumas conexões relevantes que os leitores participantes

fizeram, observando elementos da narrativa como personagens, imagens que iam aparecendo

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no livro e acrescentavam sentidos ao texto ou expressões do texto verbal que se repetiam na

obra para marcar uma construção estética particular. Vejamos o que disseram as crianças:

Figura 25 – Pintores da obra Nino, o menino de Saturno

(a)

(b)

(c)

Legenda: (a) - Van Gogh (b) - Matisse (c) - Miró Fonte: Imagens digitalizadas pela pesquisadora.

Data: 03/10/2016 [...] Pesquisadora: Ah, entendi. Então vamos ver, hein? O que vocês estão observando? O que aparece nessa história toda hora? Luna: Aparece um pintor... Naruto: E cores... Pesquisadora: Ah! Isso! Vocês estão bem atentos. Luna: Cada hora aparece um pintor. Quando um vai embora ou mostra o seu anel de Saturno, como ia ficar, de repente aparece outro pintor. Naruto: Tipo mágica. Luna: É. Pesquisadora: Tipo mágica... Isso mesmo... Luna: Tipo... assim... um... aí sai e entra o outro. De repente. Tipo chuva de pintor. Cada hora cai um pintor. [...]

Na interação, de uma maneira simples, Luna revela a forma básica de organização

de todo o livro Nino, o menino de Saturno. De fato, na obra, aparecem vários pintores

diferentes (Picasso, Van Gogh, Kandinsky, Gustav Klimt, Pollock, Matisse e Miró) e cada um

deles pinta os anéis de Saturno ao seu estilo. Com simplicidade e sensibilidade, Luna sintetiza

como essa obra se organiza “Cada hora aparece um pintor. Quando um vai embora ou mostra

o seu anel de Saturno, como ia ficar, de repente aparece outro pintor”. A criança percebeu

uma lógica na narrativa, uma relação significativa entre elementos que a auxiliaram a

construir a coerência global do texto e compartilha o que observou com os colegas. Chambers

(2007, p. 24, tradução nossa) destaca que “constantemente buscamos associações, padrões de

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relação entre uma coisa e outra que produzam um sentido que possamos compreender.” 24 No

caso, Luna percebe que é possível estabelecer uma relação entre os personagens que aparecem

na obra: todos são pintores. Observa-se a espontaneidade da criança ao falar sobre o que

percebeu: “Tipo chuva de pintor. Cada hora cai um pintor”. Ao longo da investigação, as

crianças, ao lerem de forma compartilhada, conversavam sobre a obra e expunham as suas

percepções sobre o texto, visando ao estabelecimento de relações e conexões entre as suas

partes, observando os personagens e as suas ações, procurando, assim, construir sentidos para

o que lê. Contribuindo com nossa análise, o autor, a seguir, destaca:

O leitor efetivamente faz o texto revelar sua multiplicidade potencial de associações. Tais associações são produto do trabalho da mente do leitor sobre o material bruto do texto, embora não sejam o texto em si – pois este consiste justamente em frases, afirmações, informação, etc [...] Essa interação obviamente não ocorre no texto em si, mas só pode existir através do processo de leitura. [...] Esse processo formula algo que não está formulado no texto e, contudo, representa sua “intenção” (ISER, 1978, citado por ECO, 1994, p. 22, grifo do autor).

Essas associações das crianças leitoras instigaram-nos a pensar o processo de

leitura como o momento crucial em que o texto é significado por aqueles que o leem. Como

afirma Iser (1996, p. 35): “o sentido não é mais algo a ser explicado, mas sim um efeito a ser

experimentado.”. E, ao experimentar o texto com as crianças leitoras, elas buscaram por

conexões e fizeram associações entre os elementos que o constituem.

No diálogo realizado a partir do livro Lá e Aqui, as crianças observavam as

imagens com atenção e buscavam interpretá-las e estabelecer relações entre elas:

Figura 26 – Capa da obra

Fonte: Livro Lá e Aqui, digitalizado pela pesquisadora.

24 Constantemente buscamos asociaciones, patrones de relación entre una cosa y otra que produzcan un sentido que podamos compreender (CHAMBERS, 2007, p. 24).

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Data: 07/03/2017 [...] Pesquisadora: Olha! (E passa as páginas) Olha pra cá! (Crianças gostam da imagem e falam juntas). Mayara e Apple: Casa, peixes... muitas flores coloridas. Apple: Mas agora, tem tipo assim, olha. Um, dois, três, quatro, cinco, passarinhos mais um, dois; dois cachorros, mais dois... é tipo assim a continha dois passarinhos... mais dois... mais... Mayara: Dá quatro. Pesquisadora: O que aconteceu de diferente aqui nessa ilustração? Mayara e Apple: É porque aqui não tinha flores nem lago. (Mostram as imagens no livro. Estão em pé, próximas ao livro). Mundo Quadrado: E peixes. Pesquisadora: Olha aqui. (E lê) “Um lago cheio de peixes e muitas flores coloridas.” (Crianças leem juntas. A pesquisadora passa as páginas). Oh! Agora... Mayara: O meu pai e minha mãe. Pesquisadora: Ahah... Olha quem apareceu agora... Mayara e Apple: “Um pai e uma mãe”. (Leem junto com a pesquisadora). Mayara: Agora. Tipo isso. Um, dois, (contando) juntando quatro. (Conta as personagens que aparecem nas cenas: a mãe, o filho, o pai e o cachorro). Apple: É tipo assim: um, dois, três, quatro, cinco. (Contando as personagens e os cachorros que aparecem na imagem). Pesquisadora: O que vocês estão observando neste livro? Vocês já observaram alguma coisa? Fiquem atentos, hein? (Crianças falam juntas). Mundo Quadrado: Tá mudando a imagem. Pesquisadora: O que está acontecendo com a imagem? Apple: É que... uma hora... uma hora aparece uma árvore. No começo era com uma árvore. Aí depois apareceu um menino, um cachorro e passa o outro. Aí passou e vai continuando. Aí quando aparece esse lago cheio de peixes, o lago cheio de peixes aparece. Pesquisadora: Entendi. [...]

Figura 27 – Cenas iniciais da obra Lá e Aqui

Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora.

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Na interação, as falas das crianças revelam que elas são leitoras ativas, que

observam como se constrói a narrativa, principalmente a imagética. A obra Lá e Aqui, em

discussão, combina harmoniosamente os dois níveis de comunicação presentes num livro

ilustrado: o visual e o verbal. Aos poucos, os pequenos leitores vão descrevendo tudo o que

aparece nas imagens, mostrando como estas vão se modificando e novos elementos vão sendo

acrescentados ao texto. Assim, a primeira imagem da obra traz a representação de uma casa e,

ao lado, o texto “Era uma vez uma casa.”. A seguir, na outra página, ao lado da casa, aparece

a imagem de um menino e o texto “A minha casa.”. Na página seguinte, podemos ver uma

árvore e o texto: “Ela tinha sapos no jardim e uma árvore com passarinhos.”. Na página ao

lado, temos a imagem da casa, com o menino e sapos à frente. Atentas às imagens e

percebendo que elas se compõem de elementos fixos (a casa) e elementos dinâmicos (a

criança, bichos), as crianças começam então a contar os personagens que vão aparecendo.

Assim, Mayara diz: “Agora. Tipo isso. Um, dois, juntando quatro”, percebendo que acontece

uma adição de elementos. Passos (2017, p. 715, grifo nosso), ao analisar a obra Lá e Aqui,

afirma que “a ilustração apresenta poucos elementos, que vão sendo construídos,

acrescentados à narrativa”. Como podemos observar, a análise da pesquisadora está em

consonância com a das crianças.

Ainda durante a conversação, uma criança volta às imagens iniciais do livro e diz:

“É porque aqui não tinha flores nem lago”, e outro leitor completa, sintetizando o que

observou ao longo da narrativa: “Tá mudando a imagem.” Apple, ao final do episódio

transcrito, resume com propriedade como a obra vai se organizando e acrescentando

elementos às cenas: “É que... uma hora... uma hora aparece uma árvore. No começo era com

uma árvore. Aí depois apareceu um menino, um cachorro e passa o outro. Aí passou e vai

continuando.” A expressão “e vai continuando” expressa a ideia da adição de elementos à

cena inicial (que traz apenas uma casa) que acontece na obra. As crianças conseguiram, assim,

estabelecer conexões e perceber relações significativas no livro lido. Muitas vezes, os adultos

podem despertar a atenção dos pequenos leitores formulando questões que os estimulem a

observar como o texto é construído. No estudo realizado, notamos que algumas perguntas

ajudaram as crianças a focalizar a atenção nesse aspecto. Assim, quando perguntamos “O que

aconteceu de diferente aqui nessa ilustração?” e “O que está acontecendo com a imagem?”,

incentivamos os pequenos leitores a voltarem a sua atenção para aspectos e detalhes

importantes no conjunto do texto literário discutido.

O enfoque “Diga-me”, utilizado na pesquisa, permitia que as crianças

expressassem o que percebiam no texto e compartilhassem com os outros leitores as suas

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impressões e perspectivas. Dialogando com esse enfoque, o pesquisador realça: “ler consiste

em produzir sentidos por meio de um diálogo” (COSSON, 2014, p. 36). Nesse processo de

produção de sentidos, as crianças, leitoras ativas, conversavam sobre o texto e teciam relações

significativas entre elementos da narrativa.

Na leitura e conversação do livro O trompetista na tempestade, as crianças

também perceberam que o texto repetia, frequentemente, a referência ao personagem que

intitula o livro, repetição essa que imprimia, ao texto, um ritmo esteticamente construído.

Figura 28 – Imagens da obra O trompetista na tempestade

(a)

(b)

Legenda: a) - Página 10 b) - Página 13 Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora.

Data: 23/02/2017 [...] Sawk: (Já começa a ler) “O vento / deixa de lado sua timidez / para assobiar / com vontade / querendo acompanhar, / só por uma vez, / o trompetista na tempestade...” Oh! De novo o nome dele (Ao perceber que se repete o nome da obra – O trompetista na tempestade). Pesquisadora: Vocês estão observando o quê? Greninja: Olha aqui... Umas roupas voando. Umas roupas de notas... musicais (Percebendo o movimento nas imagens das roupas e notas). Pesquisadora: Olha o que o Greninja observou. Princesa Jujuba: Também já vi. Sawk: Em todas as folhas tá parecendo o nome O trompetista na tempestade (E mostra essas palavras impressas no livro, observando a regularidade do texto). Pesquisadora: Olha, ele observou que sempre termina, olha (E lê as páginas. Sawk lê junto) Ah... Então vamos ver (Passa as páginas 12-13) Ich! Olha, gente! Sawk: (Lê o texto) “A cidade / se ilumina / como um palco / de verdade... / Toda ela / enfeitada / para receber /o trompetista na tempestade...” (A criança reforça o tom da voz na última linha, identificando a repetição que observou). Pesquisadora: De novo! O que está acontecendo aqui, gente?... (Mostra as p. 12-13).

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Sawk: (Lê) “A cidade / se ilumina / como um palco / de verdade... / Toda ela / enfeitada / para receber / o trompetista na tempestade.” (Fala enfaticamente). De novo. (Observando a regularidade). [...]

A criança, durante a leitura, percebe que o texto do livro é construído repetindo-se

as palavras O trompetista na tempestade. Ela observa que há um padrão na organização do

texto e compartilha o que descobriu com o seu grupo. Durante a leitura, sempre que esse

trecho se repetia, Sawk dizia “de novo” e as outras crianças repetiam a expressão junto com a

pesquisadora, enquanto ela lia, demonstrando perceberem que, ao final dos versos, a

expressão “O trompetista na tempestade” sempre compunha o texto.

É possível observar que as crianças conseguem estabelecer relações significativas

entre os elementos de um texto. Elas tecem “rede de conexões entre os fatos, entre as pessoas,

entre as coisas do mundo” (CALVINO, 1990, p. 121). Quando é dada a elas a oportunidade

de falar sobre os livros que leem, de comentar o que observam na forma de composição dos

textos, elas, possivelmente, irão aperfeiçoando e ampliando essa capacidade de percepção das

particularidades do texto literário. Afinal, como ressaltava Vigotski (2007, p. 23), “linguagem

e percepção estão ligadas.”

Durante a pesquisa, percebemos que a fala da criança parecia organizar o seu

pensamento. A sensação que tivemos era de que, enquanto falava sobre os textos, ela

demonstrava pensar sobre o que dizia, organizando as ideias. As outras crianças que

participavam da interação, ao ouvirem o leitor que tinha o turno de fala, também refletiam

sobre o que ouviam e contribuíam com suas próprias ideias, num movimento contínuo de

alternância de falas e produção de sentidos, pois como aponta o pesquisador “a criança que

fala tem a capacidade de dirigir sua atenção de uma maneira dinâmica” (VIGOTSKI, 2007, p.

28). Essa possibilidade de expressão, instaurada nos Círculos de Leitura, mostrou-se como

um aspecto que as crianças leitoras avaliaram positivamente, como veremos no último

capítulo.

4.3 O conhecimento de mundo dos leitores

Na conversação literária, foi possível perceber como as crianças utilizavam seus

conhecimentos prévios no processo interpretativo dos livros. Além das previsões e

levantamento de hipóteses, outro aspecto fundamental despertado no processo de atribuição

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de sentidos pelas crianças era o conhecimento de mundo (KLEIMAN, 2002) que esses

leitores traziam à tona, sempre motivados pelo livro lido.

No processo de diálogo, as crianças ativavam o conhecimento de mundo que

possuíam e compartilhavam com os colegas, enriquecendo a obra e o próprio processo de

interlocução vivenciado. A seguir, transcrevemos um episódio que revela o que trazemos à

reflexão:

Data: 26/09/2016 [...] Pesquisadora: Este livro se chama Nino, o menino... de Saturno. Quem sabe me falar o que é Saturno? Crianças: Um planeta! Pesquisadora: Vocês já ouviram falar dele? Kakashi: Eu sei. Naruto: Eu não. Kakashi: É... Eles não são... é... não são como a gente... é... no filme... sabe o que dá pra ver de verdade? Sabe como é que eles são? (Falando dos anéis de Saturno) Eles são meteoros que ficam girando em volta. Pesquisadora: Ah... É isso então? Kakashi: É verdade! (Luna levanta a mão querendo falar) Pesquisadora: Você sabia disso, Luna? Luna: É que... eu já vi... é... num programa de TV. Pesquisadora: Você viu? O que você viu? Luna: É... que... esse planeta tinha um montão de pedacinhos de meteoros. Aí ficavam girando em volta. Pesquisadora: Ah! Que legal! Luna: Parecia um anel. [...]

Na leitura da obra Nino, o menino de Saturno, em razão do tema abordado, as

crianças traziam à discussão muitos conhecimentos prévios sobre os planetas e o sistema

solar, demonstrando interesse e curiosidade pelo assunto. No episódio transcrito, observamos

que os leitores sabiam detalhes a respeito dos anéis de Saturno. Essas informações, arquivadas

em sua memória, eram ativadas durante a leitura e compartilhadas na conversação.

Corroborando com nossa análise, Walty (2003, p. 52) destaca que o leitor, “instigado pelo

texto, produz sentidos, dialoga com o texto que lê, ativando sua biblioteca interna, jamais em

repouso.”

O conhecimento de mundo das crianças vinha à tona também a partir da leitura de

alguma imagem, como observaremos no episódio a seguir:

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Data: 03/10/2016 [...] Pesquisadora: Então, pessoal. Vamos lá! (Retoma a leitura - p. 40-41) “Logo depois / dessa lição de cores, / o companheiro de Nino completou sua resposta... / [...] conheci um homem lindo, / com seus enormes bigodes / e sua sabedoria, [...] / “A imaginação, / meu jovem, / é mais importante / do que o conhecimento.” Luna: Ele parece um dos cientistas que eu acho que eu já ouvi falar em filme que chama Einstein. Pesquisadora: É?... Luna: Parece, porque ele tem um cabelo meio assim e um bigode assim. Pesquisadora: Quem já ouviu falar do Einstein, que ela está falando? Outras crianças: Eu não. Luna: Ele parece o cientista que eu já ouvi falar nos filmes. Pesquisadora: Ah... Então ele parece. Luna: É... Um cientista... muuuito famoso, eu acho. [...]

Figura 29 – Einstein

Fonte: Imagem digitalizada pela pesquisadora.

Luna, assim que percebe a imagem do cientista representado na página,

compartilha com os colegas o que sabe sobre ele: o nome, algumas características físicas

confirmadas pela imagem e o fato de ele ser “um cientista muuuito famoso”, como ela afirma

enfaticamente. Durante a entrevista individual realizada com a criança, foi possível perceber

que ela era uma leitora assídua na biblioteca e que participava de práticas de leitura com a

família. Luna assistia também a muitas séries no computador, vídeos no YouTube e programas

de TV, como relatou na entrevista individual, o que contribuía, de certa forma, para a

ampliação de seus conhecimentos. Nos Círculos de Leitura, Luna, bem como as outras

crianças participantes, ampliava e enriquecia a discussão com seu conhecimento de mundo.

No próximo episódio, durante a conversação da obra O caixão rastejante e outras

assombrações de família, as crianças dialogaram entusiasmadas sobre o texto e as imagens

criadas por Angela-Lago, que despertaram um profundo interesse dos leitores. Nessa obra, a

autora, de forma inovadora, usa seu próprio rosto para representar os personagens dos contos.

Vejamos um trecho de uma interação:

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Data: 04/04/2017 [...] Arlequina: Parece que a mulher virou um gato (Ao observar a imagem da página 65). Pesquisadora: Será que a mulher virou um gato? Coringa: Tá parecendo a mulher gato que a orelha dela é igual a do gato. Pesquisadora: Oh, é mesmo!... Olha, gente! Eu não tinha observado isso... Arlequina: Parece que tem uma poção que jogou nela assim, aí o olho do gato foi pra ela. Pesquisadora: Será que é isso que vai falar aqui nesta parte do texto? Coringa: Ela é gato já, minha filha, por isso que ela tá com esse olho... Moana: Gato pode ver no escuro. Pesquisadora: Oi? Gato enxerga no escuro? Você já leu sobre isso? Moana: Já. Arlequina: Mas faltou o rabo nela. Coringa: Essa aqui deve ser uma humana... é... Essa aqui deve ser uma humana misturada com gato. É isso. [...]

Figura 30 – A mulher e o gato

Fonte: Livro O caixão rastejante e outras assombrações de

família, digitalizado pela pesquisadora.

É possível observar a riqueza desse pequeno trecho transcrito. A imagem de uma

mulher com sua gata ao colo, na qual se observa que traços do felino se incorporam à figura

humana, provocou nas crianças leitoras uma animada conversação sobre o que poderia ter

acontecido à personagem para ela apresentar tal aparência. Nos encontros, muitas vezes, as

crianças observavam alguns detalhes das imagens que nos passavam despercebidos. A

princípio, não percebemos a orelha de gato da personagem representada. Nikolajeva & Scott

(2011, p. 39) destacam em sua obra o olhar perspicaz da criança. Para as autoras, esse olhar

atento das crianças capta, muitas vezes, nas ilustrações, o que um adulto, muito centrado no

texto verbal, não consegue captar de imediato. A esse respeito, elas realçam: “Os adultos

estão completamente embebidos nas convenções do livro e são experientes em decodificar

texto de forma tradicional, seguindo o esperado desenrolar temporal de acontecimentos e

leitura da esquerda para a direita” (NIKOLAJEVA & SCOTT, 2011, p. 39). Como as crianças

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em processo de alfabetização ainda apresentam certa dificuldade na leitura do texto verbal,

seu olhar, mais livre de convenções, focaliza-se nas imagens da obra.

Além da capacidade criativa das crianças, ao tentarem explicar o fenômeno

representado pela imagem, na qual traços da gata e da mulher se misturavam, observamos que

uma delas, no momento do diálogo, contribui com aquela pequena comunidade de leitores, ao

trazer uma informação sobre os gatos que faz parte de seu conhecimento de mundo e que ela

sente vontade de compartilhar, instigada pelo texto. Assim, ela diz “Gato pode ver no escuro”.

Esses saberes dos pequenos leitores enriqueciam a leitura realizada por aquele grupo e

podemos afirmar que, de certa forma, a leitura literária proporcionava o aprendizado de outros

saberes em razão da participação ativa dos leitores.

Em momentos da conversação, era o desconhecimento do significado de algumas

palavras presentes no texto que possibilitava aos leitores partilharem os seus conhecimentos

prévios. No processo de interlocução, as crianças não permitiam que a leitura prosseguisse se

estivessem com dúvidas em relação ao vocabulário empregado. Assim, elas elaboravam

perguntas no exato momento da leitura visando atribuir sentido ao que ouviam. Segundo

Chiapinni (1988, p. 40), “assumir a condição de leitor – ativa por excelência – é, portanto,

liberar em nós mesmos a capacidade de atribuir sentido aos textos, como aos gestos e à vida.”.

As crianças eram leitoras ativas e assumiam essa condição nos encontros.

Quando uma criança perguntava sobre o significado de alguma palavra, a

pesquisadora procurava incentivar as próprias crianças a responderem às perguntas de seus

colegas, tendo como referência o contexto, as pistas do texto e os seus conhecimentos prévios.

Destaca-se que essa possibilidade de poder perguntar foi ressaltada pelas crianças como um

ponto positivo dos Círculos de Leitura, como veremos no último capítulo.

A seguir, analisaremos um episódio em que dúvidas no campo semântico

surgiram e as crianças compartilharam o que sabiam sobre as palavras que compunham o

texto.

Data: 09/02/2017 [...] Pesquisadora: (Lê o texto) “Apressada, e muito chateada [...] sua mão tremeu sobre a maçaneta, pensando que também podia estar trancada.” (Receita para fazer um dragão, p. 17). Mari: O que é maçaneta? Pesquisadora: Maçaneta, vocês sabem o que é? Bruxa Onilda: É aquela coisa da porta que vira (Aponta para a porta). Mari: Aqui, oh. (Entende, levanta e mostra na porta da biblioteca). Pesquisadora: Isso. Dedé: Do outro lado tem outra... é... a outra parte dessa.

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Durante a leitura da obra Receita para fazer dragão, ao ouvir a palavra

“maçaneta”, Mari logo pergunta o significado. A pesquisadora devolve a pergunta ao grupo

que esclarece rapidamente a dúvida da leitora. O que percebemos é que a criança tem uma

maneira particular de explicar as coisas. É comum não fazer rodeios e ater-se ao que foi

perguntado. Percebemos também que esses pequenos leitores, quando possível, recorrem a

objetos concretos para facilitar a compreensão do outro. Assim, no episódio, Mari sente

necessidade de levantar e de pegar no objeto que ainda não conhecia o nome. A vivacidade da

criança estava presente em todos os Círculos de Leitura. Observamos que ela tem um jeito

especial de ler que acreditamos fazer parte do que os sociólogos da infância nomeiam como

cultura infantil. A criança lê com todo o corpo. Ao falarmos da vivacidade da criança,

lembramo-nos de Calvino (1990, p. 19) que, em suas Seis propostas para o próximo milênio,

ao analisar o romance A insustentável leveza do ser destaca: “talvez a vivacidade e a

mobilidade da inteligência escapam à condenação”. Em nossa opinião, as crianças apresentam

essas duas características ressaltadas pelo autor e, quando lemos literatura e dialogamos com

elas sobre os livros, possibilitamos o despertar delas. A diversidade de situações vivenciadas,

durante a conversação sobre as obras, mostra que as crianças leitoras estabeleciam entre elas o

que Eco (2004) nomeou como cooperação interpretativa. Ao buscarem atribuir sentidos aos

textos, elas compartilhavam os seus conhecimentos de mundo e, assim, os processos de

significação eram construídos coletivamente, com a colaboração de todos os leitores.

4.4 Os passeios inferenciais

Em muitos momentos do diálogo, as crianças leitoras inferiam os possíveis

sentidos com base em seus conhecimentos prévios e tendo como referência as pistas

apresentadas pelo próprio texto, demonstrando habilidade para fazerem conexões entre seus

elementos e consequentes deduções. Com essa postura ativa durante a leitura, as crianças

revelam que um texto não só requer a cooperação do leitor como quer também que esse leitor

tente uma série de opções interpretativas (ECO, 2004, p. XI).

Na sequência, traremos alguns episódios que apresentam as crianças realizando

inferências no processo de interlocução com as obras e com os outros leitores:

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Data: 10/02/2017 [...] Pesquisadora: (Lê o texto) “Enquanto subiam os degraus até a varanda, a menina lembrou-se das aulas de balé, de andar com seus amigos, de estudar na casa de Lúcia, [...] e de tudo mais que perderia enquanto durasse o castigo.” Qual era o castigo mesmo? Bruxa Onilda: O castigo era de ajudar a... Joana. Mari: A Tina ia lá fazer tudo... até tomar banho. Bruxa Onilda: É (Sorri). Mas a gente ainda não sabe por que o livro chama Receita para fazer dragão. Pesquisadora: Ainda não falou, né? Vocês estão curiosos para saber?... Por que o livro chama Receita para fazer dragão? Dedé: Eu acho... que é porque... a Joana...deve pegar o livro de receitas e... fazer um dragão de papel (Ênfase na letra “e”). [...]

No episódio, Dedé faz uma inferência importante em relação à feitura do dragão

de papel. Para chegar a essa conclusão, ele possivelmente levou em consideração tudo o que

havia sido narrado anteriormente. Dentre as pistas que poderiam ter ajudado a criança a

chegar à conclusão transcrita, destacamos: o título da obra, o fato de a personagem Joana

sempre recolher papéis na rua; a referência, na obra, das produções artísticas da casa, que

eram feitas de papel e que foram descobertas por Tina, outra personagem fundamental na

trama do texto. Entretanto, a inferência da criança está parcialmente correta, uma vez que não

é Joana a personagem que irá confeccionar o dragão de papel na história, mas a própria Tina,

criança que, na obra, aprende com Joana a arte da dobradura assim que começa a frequentar a

sua casa. Esse episódio é representativo, pois mostra que nem todas as inferências do leitor

serão confirmadas pelo texto, mas, considerando as informações disponíveis até aquele

momento, Dedé realiza uma inferência perfeitamente possível. Ao discorrerem sobre a

estratégia de inferência no processamento interpretativo do texto literário, as autoras citadas, a

seguir, ressaltam:

Leitores inferem quando utilizam o que já sabem, seus conhecimentos prévios e estabelecem relações com as dicas do texto para chegar a uma conclusão, tentar adivinhar um tema, deduzir um resultado, chegar a uma grande ideia etc. Se os leitores não inferem, então, não entendem a essência do texto que leem (GIROTTO & SOUZA, 2010, p. 76).

Percebemos que ler um texto literário com crianças em processo de alfabetização

é uma atividade complexa que não se resume à decodificação, apesar de as crianças possuírem

o direito de aprender o código escrito e as habilidades de leitura (SOARES, 2003) com

qualidade. Esse papel ativo do leitor no diálogo com o texto revela que ler envolve a

mobilização de outras estratégias e não apenas as relacionadas à decodificação do texto

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escrito. As crianças em processo de alfabetização, quando instigadas, são capazes de

mobilizar essas estratégias.

Abaixo temos outro episódio no qual as crianças inferem conclusões a partir do

encadeamento da narrativa na obra Receita para fazer dragão. Elas mostram assim que ler é

interagir com o texto, é prever o que pode acontecer, é antecipar fatos e ações de personagens:

Data: 06/04/2017 [...] Pesquisadora: (Retoma a leitura da página 12) “Certa manhã de sábado iluminada pelo sol aguado de começo de inverno, Joana saiu de casa e esqueceu uma das janelas do porão aberta.” O que será que vai acontecer? Pipoca: Os meninos vão perceber (Fala animada). Pesquisadora: Oi?... Eu acho que você está adivinhando essa história… Vamos ver, hein? Luffy: Eu acho que vai ter um dragão. Pipoca: Elisa, eu acho que vai fazer um dragão mesmo porque olha aqui oh (Mostra a imagem da capa) Ele é feito de papel... Pesquisadora: Olha só o que a Pipoca está pensando... [...]

Figura 31 – Capa da obra

Fonte: Livro Receita para fazer dragão, digitalizado pela

pesquisadora.

No processo de interlocução, a partir da narração de que a personagem havia

esquecido uma das janelas do porão de sua casa aberta, a criança rapidamente faz uma

dedução, antecipando o que seria anunciado nos parágrafos seguintes do texto: as

crianças/personagens descobririam a janela aberta e uma delas entraria na casa. No episódio, a

pesquisadora destaca: “eu acho que você está adivinhando essa história”, ressaltando o papel

ativo daquela criança leitora que, atenta aos acontecimentos narrados até o momento, infere

um desdobramento possível para a distração de uma das personagens principais do conto. Em

relação ao papel do leitor no processo de significação de uma obra, Eco (2005, p. 43) afirma:

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O leitor do texto sabe que cada frase, cada figura se abre para uma multiformidade de significados que ele deverá descobrir; inclusive, conforme seu estado de ânimo, ele escolherá a chave de leitura que julgar exemplar e usará a obra na significação desejada.

O autor destaca que o leitor escolhe a “chave de leitura” adequada para proceder à

significação desejada. Como vivenciamos, para “escolher” essa chave, a criança associa

informações, levanta hipóteses e faz conexões possíveis. Se voltarmos ao episódio, podemos

perceber que Luffy formula também uma hipótese plausível ao dizer “eu acho que vai ter um

dragão”. Durante a leitura e o diálogo dessa obra, as crianças mostraram-se extremamente

ansiosas no que tange ao aparecimento do mágico animal, mobilizadas principalmente pelo

título Receita para fazer dragão. A obra apresenta um mistério em torno desse aparecimento,

despertando e mantendo, assim, o interesse das crianças pela narrativa, que, nesse caso, não é

curta como em geral elas disseram preferir. “As obras levam o leitor a pensar, enquanto as

leem, ou provocam nele o encantamento próprio às experiências com a arte – que é chamada

fruição estética” (CORRÊA, 2008, p. 93). Essa obra mobilizou as crianças a realizarem

passeios inferenciais (ECO, 2004, p. 180) e provocou no grupo esse encantamento destacado

pelo pesquisador.

Ainda no episódio transcrito, Pipoca completa a fala de seu colega dizendo que

concordava com ele em relação à presença do dragão, e, para confirmar suas suspeitas, mostra

à pesquisadora a imagem da capa, que traz um dragão construído com retalhos de papel. É

interessante observar como as crianças, muitas vezes, para realizar inferências, integravam o

texto verbal e o visual, nesse intenso processo de atribuição de sentidos ao texto. Isso

confirma como a imagem é importante para esses leitores em processo de alfabetização.

Esses episódios transcritos e muitos outros vivenciados na experiência de

investigação revelam os passeios inferenciais das crianças no momento da leitura das obras.

Como nos lembra Paulino (2003, p. 74), os livros literários constituem universos textuais

complexos, exigindo muitas habilidades de inferenciação e de interpretação de seus leitores.

4.5 Histórias que se cruzam

Nos Círculos de Leitura, as crianças relacionavam muitas situações do texto lido

com sua própria vida. Regularmente, os leitores narravam algo que havia acontecido com eles

e que o texto os fez recordar. Isso acontecia nos encontros com bastante recorrência. Um fato,

uma palavra do texto, uma imagem, um personagem mobilizava os leitores a narrarem

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experiências de sua vida. Na transcrição abaixo, a palavra “susto”, empregada no texto,

sensibiliza os leitores a compartilharem experiências:

Data: 06/04/2017 [...] Pesquisadora: (Continua a ler – página 12) “Pepepino acompanhou-os – a contragosto [...] Só de pensar, seus corações saltavam de susto.” Pipoca: Eu já fiquei assustada pra caramba, porque a minha prima... ela pegou uma aranha assim de mentirinha e colocou… e eu estava dormindo, né? E eu estava com um bom sonho que eu estava cavalgando no unicórnio... Ela foi lá e colocou a aranha em cima de mim. Quando eu acordei, eu levei o maior susto. Quase que o meu coração saiu pela boca!! Pesquisadora: Então. Eles ficaram assim: muito assustados!... Carlos: Eu ganhei um susto do meu primo. O meu primo... eu ia abrir a porta, quando eu estava chegando daqui da escola. Aí... aí... ele abriu a porta… Eu entrei e ele ficou atrás da porta. Eu fechei, ele estava com a máscara do Hulk. Aí depois ele me deu, depois ele me deu... É... uma espada de brinquedo. Aí depois ele quase furou a minha barriga. Ele só pegou a espada e pá! [...]

As crianças, ao ouvirem que as personagens estavam assustadas, com os corações

saltando de susto, começaram a contar situações em que também vivenciaram algum tipo de

susto como os personagens da obra. Foram muitos os relatos e selecionamos alguns para

reflexão. Percebemos que o texto literário produz efeitos no leitor. Conforme destaca Iser

(1996, p. 15), “o texto é um potencial de efeitos que se atualiza no processo de leitura.” Nesse

processo de atualização do texto, as crianças, instigadas por ele, rememoravam histórias

particulares e ampliavam as potencialidades da leitura literária. E retornavam à história

imprimindo nela as suas narrativas de vida compartilhada.

No próximo episódio, a referência do texto a um cachorro incentiva as crianças a

relatarem diversas vivências recordadas pela leitura coletiva da obra:

Data: 12/04/2017 [...] Pesquisadora: (Continua a ler – p. 29) “Colou a orelha na porta pequena e ouviu, bem ouvido, o cachorro farejando do outro lado.” Lola: A minha cachorra fica. (Crianças imitam o cachorro latindo) Carlos: A minha cachorra fica farejando. Ela fica procurando comida... aí... em vez dela ir para o quarto dela comer, ela fica procurando comida fora da casinha dela (Fala animado). Lola: Um dia, a minha cachorra... duas vezes... ela roubou a minha comida. Pesquisadora: (Sorri) No prato? Lola: Não, eu estava lá comendo, aí ela foi e pegou na minha mão. Pesquisadora: Eita!

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Luffy: O meu cachorro... ele fica cheirando a traseira dos outros. Carlos: A minha cachorra... ela... ela fareja tudo... aí ela come coisa que ela não pode comer e eu tenho que abrir a boca dela e tirar. Pesquisadora: E ela não te morde não? Carlos: Não. [...]

As crianças mostraram-se muito animadas ao ouvirem as ações do cachorro da

história. Iniciaram então o relato de diversas vivências com esse animal citado no texto. Todas

queriam contar as particularidades do seu bicho de estimação e o diálogo realizado foi

intenso, cheio de sensibilidade e de emoção, talvez pelo visível interesse dos leitores pelo

tema. Cosson (2014, p. 35) nos lembra que ler é uma conversa que se faz também com a

experiência do outro. A possibilidade de ler literatura de forma compartilhada permitia essa

conversa.

Vivenciar essa experiência de leitura literária com as crianças nos fez recordar dos

escritos de Rosenblatt (1938)25 La Literatura como exploración. Trata-se de um texto, em

nossa opinião, primoroso no campo da literatura pela riqueza de reflexões que desencadeia,

especialmente no que se refere à experiência intensa – sensorial, intelectual e emocional

(ROSENBLATT, 2002, p. 58) – que a leitura de um texto literário proporciona. Para a autora,

“o leitor, fazendo uso de sua experiência com a vida e com a linguagem, vincula os signos da

página com certas palavras, certos conceitos, pessoas, ações, cenas.” (ROSENBLATT, 2002,

p. 56). Nessa perspectiva, e considerando os dados da pesquisa, acreditamos que é possível

afirmar que a obra literária instiga significados especiais em cada leitor, à medida que

possibilita que ele faça conexões com acontecimentos de sua própria vida.

As crianças realizavam, frequentemente, essa associação da narrativa com

acontecimentos de seu cotidiano, como a que aconteceu no dia 6 de março de 2017, durante a

leitura da obra Nino, o menino de Saturno:

25 Primeira edição em Inglês. A edição em Espanhol foi publicada em 2002. Obra selecionada para o Museu da Educação dos Estados Unidos, no ano de 2000, como “Livros do Século”.

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Figura 32 – Pintor Pollock

Fonte: Livro Nino, o menino de Saturno, digitalizado pela

pesquisadora. Data: 06/03/2017 [...] Pesquisadora: Então atenção, pessoal. “Eis que Nino, de repente, / vê cair sobre o planeta / como uma sinfonia / que não precisa de sons / uma chuva poderosa / feita de pingos de cor [...]” (p. 32). Mayara: Parece uma bagunça de tinta. X-Tudo: É arte bagunçada. Arte bagunçada. Pesquisadora: (Sorri) Então vamos lá! (Continua a leitura). “[...] que tresvolteiam no Espaço / como se fossem / estrelas cadentes perdidas, / sem rumo e sem destino.” (p. 32). Você falou que isso aqui está lembrando o quê? X-Tudo: Arte bagunçada (sorri). É tipo a minha irmã. Ela vê tinta e caderno. E fica fazendo isso aí. Fica passando tinta... Aí depois, ela vai lá... e... e põe as bonecas dela e fala para a minha mãe embrulhar... aí quando tira o papel está tudo pintado. Aí ela fala assim. “Desculpa, não fui eu.” Pesquisadora: É mesmo? [...]

Na interação, percebemos como as crianças leitoras sentem necessidade de

comentar o que leem, particularmente as imagens. As observações delas surgiam naturalmente

durante a leitura, e, dentre elas, o relato de várias situações vivenciadas no dia a dia. O texto

visual suscitou na criança o desejo de compartilhar uma experiência, um acontecimento de

sua casa, e era possível perceber uma aproximação das narrativas: a do texto e a da própria

vida, uma completando o sentido da outra. Para Girotto & Souza (2010, p. 67), “fazer

conexões com as experiências pessoais facilita o entendimento. As vivências e conhecimentos

prévios dos leitores abastecem as conexões que fazem.”

Na pesquisa, presenciamos momentos significativos de troca de experiências entre

as crianças leitoras e poderíamos transcrever inúmeros deles neste texto, tamanha a

recorrência dos episódios, o que revela que esses leitores, naturalmente, relacionam o texto à

sua própria vida e, ao fazerem isso, recriam a obra com sua experiência no momento de

diálogo do texto. Conforme destaca Zilberman (1988, p. 19), a estrutura da obra literária,

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“marcada pelos vazios e pelo inacabamento”, reclama a intervenção de um leitor que, além do

deciframento, assume também a tarefa de preenchimento dos vazios com suas vivências e

imaginação. As crianças leitoras, visivelmente ativas durante a leitura, enriqueciam a obra

com a sua vida e com a troca de experiências.

Não poderíamos deixar de citar, nesta análise, Freire (2006, p. 11) e sua afirmação

de que “A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não

possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem

dinamicamente.”. Apesar da frequência com que parte dessa proposição aparece em textos,

consideramos que seu profundo significado merece ser rememorado para que jamais nos

esqueçamos do postulado pelo educador, particularmente nós que trabalhamos com crianças

em processo de alfabetização. O ato de leitura se faz por crianças concretas, de determinadas

idades, inseridas historicamente numa sociedade e cultura, que vivem as mais diversas

experiências que vêm à tona quando nos propomos a ler literatura com elas.

4.6 Intertextualidades

Durante os momentos de discussão dos livros, as crianças estabeleciam relações

de intertextualidade entre personagens e/ou expressões do livro lido com algum desenho,

filme, série, jogo de computador ou de videogame. Nas interações, citaram também jogos que

podiam acessar do próprio celular. Esse processo aconteceu durante os encontros com todos

os grupos. Foi possível perceber que há uma similaridade nos desenhos, séries e jogos citados,

ou seja, as crianças assistiam basicamente os mesmos desenhos e se divertiam, possivelmente,

com jogos similares no computador ou celular. Elas conversavam sobre isso com frequência,

demonstrando compartilharem esse conhecimento. A respeito da proximidade da criança com

as tecnologias, Gregorin Filho (2009, p. 12) ressalta:

Se o mundo mudou, se hoje convivemos com novas tecnologias e um sem-fim de imagens que dialogam conosco na vida diária, seja em grandes painéis luminosos pelas avenidas, seja nos hipertextos da internet, é bastante natural que a postura das crianças perante o mundo que as rodeia seja também outra. Não podemos esperar leitores como aqueles do início do século XX, devemos mudar a maneira de ver as necessidades dessa criança leitora de mundo, leitora de múltiplos códigos e até mais competente com essas novas tecnologias do que nós mesmos.

As crianças dialogavam, regularmente, sobre jogos de computador, séries, filmes

e desenhos, demonstrando familiaridade com as tecnologias digitais, com os signos

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contemporâneos. Segundo Cunha (2009, p. 85), “O mundo no qual estamos é uma realidade

tecida de uma intrincada rede de signos [...]”, e as crianças estão imersas nesse mundo digital.

A seguir, dois episódios que revelam como as crianças, leitoras de múltiplos

códigos e signos, estão inseridas nesse universo tecnológico e midiático:

Data: 20/02/2017 [...] Apple: E ele também gosta de Minecraft. Eu também jogooo!... (Fala cantando) Pesquisadora: Vocês todos jogam? (Confere com as crianças). Apple: Só que eu não gosto muito, porque tem hora que eu saio, a casinha que eu faço cai. Pesquisadora: Ahah... Mayara: E também tem o “Creeper” que estoura a casa todinha. Quando a gente vai montar, se a gente sair e sobreviver, aí chega o “Creeper” e estoura a nossa casa toda! Pesquisadora: Todo mundo aqui joga Minecraft? Joga? Joga? Joga? (Pergunta cada criança) Todo mundo joga? X- Tudo: Hum-hum. Eu já joguei uma parte do GTA...26 [...]

Figura 33 – Jogo Minecraft

Fonte: Pesquisa no site da Google/imagens.

Data: 20/02/2017 [...] Pesquisadora: Olha: “Na casa do malfeitor / Do bandido e do malvado. / Quem olha pela janela / Vê o sol nascer quadrado.” (p. 18-19). Crianças: Hã?... (Sem compreenderem a expressão “ver o sol nascer quadrado”, da obra O livro das casas. Sem mediação não conseguem entender a expressão). Apple: Eu nunca vi o sol nascer quadrado. Pesquisadora: Vocês já ouviram falar essa expressão? X-Tudo: Mas ele é quadrado. Eu queria que ele fosse. Mundo Quadrado: Eu já aprendi uma coisa. O jogo do Minecraft tem... um soool (ênfase) quadrado! Pesquisadora: O Minecraft tem sol quadrado? Mundo Quadrado: Tem. Ele é todo quadradinho.

26 Grand Theft Auto (GTA) é uma série de jogos de computador e videogames. Esse nome é um termo policial utilizado nos Estados Unidos para identificar roubo de automóveis.

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Apple: E dá pra ver ele caindo... e tem... e tem... jeito de ver a lua chegando. X-Tudo: E dá pra voar. Pesquisadora: É? Apple: É. [...]

Figura 34 – Texto, p. 19

Fonte: O livro O livro das casas, digitalizado pela

pesquisadora.

Os episódios apresentaram interações em que as crianças falavam sobre um jogo

de computador que foi bastante citado por elas nos encontros: o Minecraft.27 Um aluno, em

particular, comentava regularmente sobre jogos na internet e é curioso observar que o nome

que ele sugeriu para si na pesquisa foi “Mundo Quadrado”, nome que expressa

particularidades relacionadas a esse jogo específico, formado essencialmente por blocos

quadrados e que essa criança jogava com frequência.

A leitura da expressão “ver o sol nascer quadrado”, presente na obra O livro das

casas, de Ricardo Azevedo, contribuiu para que uma criança estabelecesse uma relação

intertextual entre uma expressão do livro e o jogo Minecraft. Sobre essa relação, Lajolo &

Zilberman (2017, p. 32) realçam:

Intertexto, noção presente nos estudos literários a partir de 1966, quando Julia Kristeva difundiu a expressão intertextualidade, é a possibilidade de as manifestações da escrita se apropriarem de textos anteriores, em processo permanente de citação e reelaboração. Bastante presente no mundo da literatura impressa, o intertexto, para fazer sentido, supõe a memória, por parte dos leitores, da matéria verbal que cita [...].

Para Scholes (1989, p. 26), ler consiste em reunir textos, consiste em uma

atividade construtiva. As crianças, quando ouvidas, revelam que também realizam essa

27 Minecraft é um jogo eletrônico tipo sandbox e independente de mundo aberto que permite a construção usando blocos dos quais o mundo é feito. Foi criado por Markus “Notch” Persson.

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atividade de reunião de textos. Vejamos outros episódios nos quais elas falam de suas

experiências de leitura relacionadas ao uso de tecnologias:

Data: 04/04/2017 (Diálogo sobre a obra O caixão rastejante e outras assombrações de família) [...] Pesquisadora: Vamos ver onde que nós estávamos? Coringa, abre para mim, por favor? (Crianças passam as páginas do livro procurando onde o grupo havia parado). Chama “A casca” (Refere-se ao título do conto). O que vocês tão vendo aqui então? Arlequina: Um gato no tapete (p. 61).

Figura 35 – Gato no tapete

Fonte: O caixão rastejante e outras assombrações de família,

digitalizado pela pesquisadora. Mc Kekel: Igual o que eu te mostrei. Igual eu te mostrei ontem no celular da minha avó. Pesquisadora Oi? Ah é. Você tava falando sobre isso. Você viu no celular? O que vocês gostam de ver no celular, pessoal? Arlequina: Eu gosto de ver desenho e ouvir música. Pesquisadora: Tem desenho no celular, tem? Moana: Tem. Pesquisadora: Você também vê, Moana? Qual desenho você vê no celular? Arlequina: Masha e o urso. Pesquisadora: Hã? Arlequina: Não é marcha de carro. Moana: É bem melhor. Coringa: O que eu gosto é de DPA. Arlequina: DPA é Detetives do Prédio Azul. (Já explica à pesquisadora) Pesquisadora: Ah, você já falou nisso aqui. No celular dá para ver? Arlequina: Dá pra jogar ele, tem um caderninho. Mc Kekel: No YouTube... [...]

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Figura 36 – Detetives do Prédio Azul

Fonte: Pesquisa no site da Google/imagens.

Nesse episódio acima, as crianças citam desenhos, séries e filmes,28 disseminados

na mídia, além de nomearem sites da internet que acessam com facilidade, como o YouTube.

Esses textos e suportes faziam parte do universo de leituras das crianças. Para Rösing (2009,

p. 130), “a concentração de suas energias se revela na interação com os multimeios em toda a

sua variedade e complexidade.” Durante a interação, as crianças revelaram familiaridade com

esses multimeios.

Vejamos outros episódios que nos ajudam a perceber as relações de

intertextualidade que as crianças faziam entre o livro lido e personagens de filmes, desenhos

ou séries:

Figura 37 – Pássaros, p. 18-19

Fonte: As cores dos pássaros, digitalizado pela pesquisadora.

Data: 06/04/2017 [...] Arlequina: Tá me lembrando todos os pássaros brancos querendo pintar. Acharam muito lindo o canarinho. Pesquisadora: (Passa as páginas para 18 e 19 e diz) Oh!!...

28 Detetives do Prédio Azul é uma série de TV brasileira exibida pelo canal de televisão Gloob. Em 20 de julho de 2017 foi lançado o filme e as crianças comentavam sobre isso.

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Coringa: Agora... agora... pera aí. Isso aqui tá parecendo o Blu. (Ao ver as imagens das aves nas páginas 18 e 19. O Blu é um personagem do filme Rio). 29 Moana: É. Pesquisadora: Qual é o nome do filme que tem o Blu? Coringa: Rio. Arlequina: Rio 2 e Rio 1. Mc Kekel: Rio 2 é o que eles têm filho. Coringa: No 1 mostra eles casando. Pesquisadora: É? Coringa: Eu já vi o 1. Mostra eles casando. É engraçado demais. [...]

Esse filme citado acima suscitou um diálogo interessante entre as crianças, que

demonstraram apreciar o enredo, qualificando-o como “engraçado”. A qualidade de “ser

engraçado” foi destacada por outras crianças em outros momentos, tanto nos Círculos de

Leitura quanto nas entrevistas individuais, quando se referiam às características que apreciam

num livro. Ao ver as imagens das araras no livro As cores dos pássaros, uma criança diz que

elas se parecem com Blu, personagem do filme Rio. As outras crianças concordaram e

continuaram a dialogar sobre o filme, narrando alguns episódios e ações de personagens.

Esse visível interesse das crianças pelas mídias nos instigou a buscar por estudos

atuais sobre o conceito de intermidialidade (RAJEWSKY, 2012), que apresenta várias

concepções. O termo surge nos anos 1990, na Alemanha, país que possui maior acúmulo no

assunto. Buscando esclarecer um pouco mais o conceito, a autora ressalta: Nesse sentido a intermidialidade pode servir antes de tudo como um termo genérico para todos aqueles fenômenos que (como indica o prefixo inter) de alguma maneira acontecem entre as mídias. “Intermidiático”, portanto, designa aquelas configurações que têm a ver com um cruzamento de fronteiras entre as mídias [...] (RAJEWSKY, 2012, p. 4, grifo do autor).

Ao que nos parece, o conceito de intermidialidade é um refinamento do conceito

de intertextualidade, porém para se referir ao diálogo entre textos das mídias. Trata-se de um

conceito amplo, relativamente novo no Brasil, que cobre uma variada extensão de temas a

serem aprofundados nesses tempos de expansão da comunicação digital.

A seguir, outros episódios que revelam as relações de intertextualidade com

personagens, desenhos e séries desenvolvidas pelas crianças:

29 O filme Rio foi lançado em 8 de abril de 2011. Rio 2 foi lançado em 27 de março de 2014.

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Data: 10/04/2017 Conversa sobre o livro Nino, o menino de Saturno [...] Coringa: Ah! Agora eu sei porque essa prancha é boa! Porque ela tem o motor aqui e o motor fica saindo aqui… Que ele deve ter montado alguma coisa. Arlequina: Ô Coringa, ninguém viu esse cara, mas ninguém sabe como... ou deve ser como o pintor pintou deve ser que ele não pôs motor. Parece que ele voa com pozinho mágico. Pesquisadora: Será que é pó mágico? Coringa: Mas pozinho mágico ia aparecer um tanto de bolinha assim oh… onde que ele estava (Faz o gesto com a mão). Arlequina: Não...

Figura 38 – Nino, o menino de Saturno

Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora.

Coringa: (Interrompe o colega com sua fala). Ia sim. Tipo o Peter Pan. Quando ele voa, as bolinhas ficam… Arlequina: Aqui devia tá saindo um fogo aqui, porque quando vai rápido, sai fogo. Mc Kekel: Igual o Flash . O Flash não é fogo. É só um negócio assim. Pesquisadora: Quem? Coringa: O Flash. Pesquisadora: Quem é Flash? Arlequina: Flash é um cara… Moana: Flash é um cara... Coringa: Se o Flash tiver aqui, num minuto não vai dar nem pra contar que ele já tá lá. Pesquisadora: Quem é Flash? Arlequina: Flash é um homem... Moana: E ele é muuito rápido. Arlequina: É que parece um raio. É só a gente... se a gente tá lá distraído, e a gente vê a cabeça e fala assim “Flash”, aí ele tá lá longe. Pesquisadora: Nu! Num minuto ele vai? Onde vocês assistem isso? Mc Kekel: Ano passado passava na Globo antes. Pesquisadora: É? Mc Kekel: Ontem eu fui na casa da minha tia e da minha avó e eu vi uma corrida do Flash e do Flash Reverso (Conta sobre o episódio de Flash) Arlequina: Mas o Flash do bem, ele é vermelho com amarelo… Coringa: Não é não. O do mal, o do mal que é vermelho. O Flash do bem, ele é todo azul com branco.

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Figura 39 – Flash

Fonte: Pesquisa no site da Google/imagens.

Durante a conversação e leitura do livro Nino, o menino de Saturno, numa cena

em que aparece o personagem principal surfando pelo espaço numa prancha de surf, as

crianças se lembram de Peter Pan, que “voa com pozinho mágico” e conversam também

sobre um personagem que se chama Flash, “que parece um raio”, protagonista de uma série

americana, que se destaca pela habilidade de locomoção. Observa-se que o aspecto

maravilhoso presente nos livros, nos filmes, desenhos e nas séries atrai a atenção da criança: o

personagem que surfa no espaço, o menino que voa e vive na Terra do Nunca, o herói que é

rápido como um “flash”. A criança reúne esses textos mágicos do livro, das séries e filmes e

dialoga com eles. Esse aspecto fantástico dos textos ainda fascina e desperta o interesse das

crianças. Sobre a literatura fantástica, Coelho (2000, p. 52) ressalta:

Em seus primórdios, a literatura foi essencialmente fantástica: na infância da humanidade, quando os fenômenos da vida natural e as causas e os princípios das coisas eram inexplicáveis pela lógica, o pensamento mágico ou mítico dominava. Ele está presente na imaginação que criou a primeira literatura: o dos mitos, lendas, sagas, cantos, rituais, contos maravilhosos, etc.

Como observado em muitas interações, as crianças referiam-se frequentemente a

personagens, heróis e vilões de filmes, de desenhos e também de jogos de computador. Essa

natureza fantástica, característica da literatura infantil, também é utilizada nos roteiros de

filmes, séries, desenhos e jogos, por isso seduz as crianças que, segundo dados da pesquisa, se

identificam continuamente com alguns personagens. Segundo Coelho (2000, p. 20, grifo da

autora), “os grandes heróis aventureiros, os tipos corajosos, invencíveis, verdadeiros super-

homens da literatura infantil hoje se transformaram nos supermen que invadiram as histórias

em quadrinhos e os filmes da TV.” Essa narrativa do herói ainda é muito utilizada pela mídia

e agrada as crianças.

No próximo episódio, uma criança lembra-se de “Gargamel”, um dos vilões do

filme Os Smurfs:

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Figura 40 – Gustav Klimt e Gargamel

Fonte: Nino, o menino de Saturno, digitalizado pela pesquisadora.

Data: 11/04/2017 [...] Pesquisadora: (Lê o texto) “E, antes que / um Nino feliz / [...] para você colorir os anéis de seu planeta”. (p. 26 e 27). Vamos ver, hein? (Passa as páginas) Tchan, tchan, tchan, tchan!... Arlequina: Parece um vestido (Observa a roupa do personagem, p.28 e 29). Mc Kekel: Tá parecendo o Gargamel, com isso aqui, isso aqui, isso aqui… (Mostra a roupa e detalhes da cabeça) Pesquisadora: Quem é Gargamel? Arlequina: Dos Smurfs. Coringa: Não, tá parecendo o pai do Gargamel (Sorri). [...]

Durante a leitura do livro Nino, o menino de Saturno, ao ver um personagem com

um camisolão, que representava o pintor Gustav Klimt, uma criança lembra-se de Gargamel,

vilão do filme Os Smurfs. É interessante observar que Gargamel, segundo disseram as

crianças, assim como o pintor que aparece no livro, também possui um gato, o Cruel. Os

pequenos leitores realizavam relações de intertextualidade com os textos que fazem parte de

seus repertórios culturais, identificando, inclusive, semelhanças físicas entre personagens. A

esse respeito, Eco (2005, p. 142) destaca: “Cada ser humano vive dentro de um certo modelo

cultural e interpreta a experiência com base no mundo de formas assuntivas que adquiriu

[...]”.

Outra série muito citada nos diálogos das crianças, mesmo nos momentos em que

nos deslocávamos para a biblioteca, e que fazia parte do repertório cultural dos leitores

participantes foi “Miraculous: As Aventuras de Ladybug.”30 Vejamos a interação a seguir:

30 “Miraculous: As Aventuras de Ladybug é uma série de animação nipo-franco-coreana, que estreou, no Brasil, em 7 de março de 2016.

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Data: 11/04/2017 [...] Coringa: Olha! Tem uma tartaruga aqui (Ao observar a imagem do livro Nino, o menino de Saturno, p. 36) Pesquisadora: Tartaruga? (E confere a imagem). Arlequina: A tartaruga da Ladybug. Pesquisadora: De quê? Arlequina: A tartaruga da Ladybug. (Repete) Pesquisadora: O que é isso? Coringa: Tá parecendo a tartaruga do Andybug que é do mal. Sabe a tartaruga preta? É essa. Pesquisadora: Eu estou precisando assistir desenho hein, gente? Eu tô por fora... Moana: (Sorri). Pesquisadora: Esse da tartaruga chama como? Arlequina: Ladybug. Pesquisadora: Como que escreve? Arlequina: Eu não sei Pesquisadora: Vocês sabem? Coringa: Eu só sei que aparece o Cat Noir e a... Moana: Tem o “Potcat”. Pesquisadora: É um gato? Crianças: É. Pesquisadora: É que “cat” em inglês é gato. Pessoal… (E retoma a leitura) “Eu, o que lhe ofereço, meu menino [...] (Barulho de sinal) pra colorir seus anéis”. (Crianças conversam sobre o desenho do Cat Noir. Arlequina imita sua voz, conta alguns episódios de que gostou... fala da parte que o personagem beijou na boca da Ladybug… Todas as crianças participam do diálogo, animadas, demonstrando que também assistem à série).

Figura 41 – Miraculous

Fonte: Pesquisa no site da Google/imagens.

As crianças contavam episódios da série e as peripécias dos heróis como Ladybug

e Cat Noir com bastante alegria. Foi possível perceber novamente que, assim como acontece a

identificação por personagens dos livros infantis, essa identificação acontecia também com os

protagonistas dos desenhos, séries e filmes citados nas interações. Como já destacava Held

(1980, p. 85), “projetar-se no herói, partilhar de suas angústias e de seus perigos...

permanecendo, no entanto, você mesmo”. (HELD, 1980, p. 85). Era com entusiasmo e

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emoção que as crianças dialogavam frequentemente sobre esses mundos ficcionais midiáticos.

Segundo Colomer (2017, p. 11), “a ficção narrativa ocorre também através dos meios orais e

audiovisuais; as funções de entretenimento e participação criativa estão encontrando uma

nova via de desenvolvimento na multimídia e nos jogos de mesa.” A pesquisa nos mostrou

que esse é um fenômeno profundamente significativo para as atuais gerações e merece,

certamente, ser alvo de futuras investigações.

No dia 16 de março de 2017, durante a conversa sobre a obra De noite no bosque,

que realiza um jogo intertextual com muitos contos clássicos como Cachinhos Dourados,

Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve e os sete anões, João e Maria, o Pequeno Polegar,

dentre outros, as crianças dialogaram sobre uma imagem que aparece na narrativa. Na

interlocução, citam um desenho que também realiza diálogos com os contos de fada. Vejamos

a interação:

Data: 16/03/2017 [...] Pesquisadora: Tchan, tchan, tchan, tchan! (Passa as páginas) Princesinha Sofia: Hummm! (Ao ver a cena com pratos, p. 14 e 15) Eu quero comer! Pesquisadora: E agora, hein? Que história é essa? Greninja: Ah! Essa aqui é a tigela do bebê urso, essa é a da mãe urso e essa aqui é do Greninja e Princesinha Sofia: Papai urso (Falam juntos). Pesquisadora: Ah! O Greninja lembrou!... Greninja: É a dos três ursos. Princesinha Sofia: Eu vi... Eu vi... É... no Gloob... um que chamava Detetive Sandra. Pesquisadora: É o quê? Um desenho? Princesinha Sofia: É. Aí aparece essa menina com esses pratos. Pesquisadora: Aparece? Princesinha Sofia: É verdade. Greninja: Eu já vi. [...]

Figura 42 – Cachinhos Dourados

Fonte: De noite no bosque, digitalizado pela pesquisadora.

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No diálogo, Princesinha Sofia revela que já havia visto aquela personagem num

desenho que passa no canal Gloob. Na imagem do livro, aparece uma cena da história

“Cachinhos Dourados”, conto que faz parte do folclore europeu, escrito pelo poeta inglês,

Robert Southey. Ao pesquisarmos sobre o desenho citado pela criança, descobrimos que se

trata de uma série de animação inglesa, intitulada “Sandra, a detetive encantada”. Sandra, a

protagonista, tem 10 anos e, com a ajuda de seu amigo Fo, um elfo, viaja para o mundo dos

contos de fada e resolve vários de seus mistérios.

A série citada no episódio dialoga com a literatura, combinando várias linguagens

como a imagem, o som, a voz, os efeitos especiais, dentre outras tecnologias para atrair a

atenção do público infantil. Como destacam Lajolo & Zilberman (2017, p. 122), observa-se

uma “apropriação do universo do conto de fadas por meio da retomada de passagens e eventos

característicos dessas histórias tradicionais”, com a introdução de novos elementos e

personagens que transitam nos contos clássicos e atualizam, de certa forma, os seus enredos.

Percebendo a frequência com que as crianças falavam, durante a conversação,

sobre os desenhos, as séries e os filmes a que assistiam, dialogamos com elas sobre a relação

entre desenhos e livros, para tentar compreender o que elas pensavam sobre essas diferentes

linguagens. Vejamos o que os leitores nos dizem:

Data: 11/04/2017 [...] Pesquisadora: Pessoal, vocês estão falando de desenho. Aí eu pensei uma coisa. Vocês gostam muito de ver desenho... De que vocês gostam mais: ver desenho ou ler um livro? Moana: Ver desenho. Coringa: Ver desenho. Mc Kekel: Ver desenho. Pesquisadora: Por que você gosta mais de ver desenho? Coringa: Ah... porque o desenho é... Arlequina: (Completa rapidamente a fala do colega) É mais colorido, é mais mexido. Coringa: É muito legal. Moana: É porque o desenho mexe. Pesquisadora: Desenho mexe? Moana: Hum... hum… Arlequina: E o livro não. No livro fica tudo parado. Moana: É. Pesquisadora: Mas e aqui na cabeça da gente? Arlequina: Na cabeça da gente tem bem mais emoção, que o livro é uma TV. Coringa: É mesmo! O livro é uma TV. Pesquisadora: Então, olha bem. Quer dizer que o desenho é mais… Como você falou? Mexido?... Arlequina: É.

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Mc Kekel: Desenho é mais divertido porque pode passar a voz aí. Pesquisadora: Pode o quê? Coringa: Passar a voz. Arlequina: A gente pode imaginar que somos uma TV e ficar com a voz assim: “eu sou um menino”, sei lá o que o nome… (Referindo-se ao que pode ser feito durante a leitura) Pesquisadora: É... vocês podem imaginar... fazer tipo um desenho, né? Boa ideia, Arlequina! Então olha só. Faz de conta que eu liguei a TV… (Crianças sorriem. A pesquisadora retoma a leitura do livro). Olha bem então. Esse pintor... vocês estão vendo? Chegou um novo pintor, vocês tão vendo? Onde que ele tá com o menino, olha… [...]

As crianças destacam as diferenças que, para elas, existem entre um livro e o

desenho animado. Segundo relatam na interação, o desenho “é mais colorido, é mais mexido”

que o livro. “Desenho é mais divertido porque pode passar a voz”. Como podemos perceber,

as declarações das crianças revelam traços da cultura infantil contemporânea, cercada de

produtos culturais marcados pelo movimento e dinamicidade. Sobre as novas configurações

das narrativas, Cosson (2014, p. 18) realça:

Para além da literatura eletrônica, das histórias em quadrinhos e dos filmes, há outras narrativas que, combinando imagens, sons e palavras (escrita e falada), também participam em diferentes graus e maneiras da literatura. É o caso das séries televisivas, dos jogos eletrônicos, das propagandas, das vidas celebrizadas nos jornais e revistas populares. Obras coletivas sobre vários aspectos – e, por isso mesmo, mais complexas e difíceis de serem abordadas –, elas são exemplos claros de como a literatura se espraiou pela cultura, acompanhando a miríade de formas da comunicação e manifestações culturais contemporâneas.

A criança corre, pula, grita, dança, canta e seu corpo é pura expressão. Talvez por

isso ela aprecie tanto os desenhos, filmes, séries e jogos, entretanto, a pesquisa mostrou que o

pequeno leitor também se interessa pelos livros, particularmente se tiverem a oportunidade,

em alguns momentos, de escolher e de falar sobre eles, de expor as suas hipóteses e ideias

suscitadas pela leitura dos textos literários; se puder compartilhar com o outro as suas

singulares experiências e relacionar os textos com os filmes, séries, jogos eletrônicos, dentre

outros produtos culturais a que tem acesso. Lajolo & Zilberman (2017, p. 52) acreditam que

as novas ferramentas e linguagens da cultura digital abrem perspectivas inusitadas para o

mundo do livro e da leitura. Que perspectivas seriam essas? Estamos preparados para dialogar

com as crianças leitoras da era digital? Que produtos culturais fazem parte de seus repertórios

e como isso influencia as novas formas de ler?

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CAPÍTULO 5 – EXPERIÊNCIAS SENSÍVEIS DA CRIANÇA COM O TEXTO

LITERÁRIO

O presente capítulo apresenta uma discussão sobre a leitura literária como uma

experiência sensível. A singularidade das interações vivenciadas com as crianças, na pesquisa,

nos permitiu organizar as seções com base nos modos especiais de elas lerem literatura. Na

primeira seção, analisamos a experiência literária como possibilidade de recriação da obra

pelo leitor. Na segunda, um livro desafiador nos convida a perceber o processo de produção

de sentidos pelas crianças. Na terceira seção, analisamos o ato de ler literatura como forma de

estimular o imaginário e as relações que se estabelecem entre ficção e realidade. Na quarta e

última seção, trazemos interações que nos permitem analisar a maneira intensa e peculiar com

a qual a criança lê.

5.1 Quando ler é recriar

“A gente pode inventar junto.”

Dedé, 14/02/2017

Durante os momentos de leitura compartilhada dos textos literários, acontecia

algo singular que merece ser destacado neste estudo e que, talvez, represente a essência do

texto literário: a possibilidade de co-criação ou recriação da obra no momento da leitura e

conversação com as crianças.

[...] A criação poderosa e profunda em muitos aspectos é inconsciente e polissêmica. Na compreensão, ela é completada pela consciência e descobre-se a diversidade de seus sentidos. Assim, a compreensão completa o texto: ela é ativa e criadora. A compreensão criadora continua a criação, multiplica a riqueza artística da humanidade. A co-criação dos sujeitos da compreensão (BAKHTIN, 2003, p. 377-378, grifo nosso).

Os Círculos de Leitura permitiam que esse processo de co-criação acontecesse

permanentemente. Quando líamos um livro, as crianças buscavam produzir sentidos. Nessa

busca por construção de sentidos, cada leitor se posicionava, manifestava o que havia

compreendido, discordava do colega, relatava as experiências que o texto lido o fez recordar

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e, assim, acontecia o processo de co-criação ou de recriação do texto do autor com a

participação de todos os leitores.

Foi possível perceber que alguns livros incentivaram, em maior profundidade, a

criação das crianças. Isso aconteceu na leitura da obra Coisa de gente grande, escolhida por

duas crianças da turma. A forma de organização do livro, composto por imagens em página

dupla e apenas uma palavra que a ela se referia, facilitava a expressão das crianças. A seguir,

temos alguns episódios do livro que demonstram como a criança realiza esse processo de

recriação do texto no momento da leitura compartilhada.

Figura 43 – Coisa de gente grande, Canções

Fonte: Material digitalizado pela pesquisadora.

Data: 27/03/2017 [...] Pesquisadora: Agora vocês vão olhar só pro do Carlos. Agora nós vamos pensar sobre o livro dele. Pipoca: A gente pode ler com você? Pesquisadora: Pode. O livro do Carlos se chama... Carlos: Coisa de gente grande (lê o título do livro). Pesquisadora: (Passa a página) E agora, olha... Crianças: (Leem) “Canções”. (E começam a cantar: “Parabéns pra você...”; cantam juntas). Lola: Com quem será? Com quem será? Oh... Pesquisadora: Aqui tá escrito “CANÇÕES”, mas por que vocês começaram a cantar “parabéns”? Pipoca: Porque tem uma festa muito boa. Lola: Aqui tem uma, duas, três, quatro, cinco, seis (conta as velas do bolo e os outros ajudam) Pipoca: É um menino que fez seis anos. Lola: Eu vou soprar a vela (Fuuuuu). Pesquisadora: Vai, Lola!! Carlos: A gente tá falando de aniversário. Esse sábado eu fui numa festa. Pesquisadora: É? De quem? Carlos: Do meu primo. Churros: Me dá um presente? Pesquisadora: Toma (Faz um gesto como alguém que entrega algo “imaginário” para a criança).

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Churros: Eu vou abrir um laço. (Simula alguém que desfaz o laço do presente) Carlos: Ele fez cinco. (Falando ainda do seu primo) Pesquisadora: O que tem aí? Churros: Tem... um brinquedinho. Pesquisadora: Toma um presente, Luffy (Entrega algo “imaginário” para a criança. Todos entram no jogo que a leitura proporcionou). Luffy: Obrigado. Pesquisadora: O que tem aí? Abre... Luffy: Ah! Legal! Meu videogame. (Carlos sorri, demonstrando gostar da interação). Pesquisadora: Toma, Pipoca... Um presente. O que tem aí? Pipoca: Tem um... patinete. Pesquisadora: (Dá para o Carlos) O que tem aí, Carlos? Carlos: Nada, Só um ovo. Pesquisadora: Um ovo? Ovo de Páscoa ou ovo de galinha? (Estava perto da Páscoa e as crianças falavam sobre esse tema com a pesquisadora. Crianças sorriem muito. Clima gostoso.) Carlos: Ovo de Páscoa. Pesquisadora: Toma, Lola. Um presente. Abre... (E faz o gesto com a mão, entregando o presente para a criança). Lola: Uma bicicleta! Pesquisadora: Uhuuu!!! (Com alegria) Churros: Você vai andar de bicicleta? Você vai andar? Até no Mineirão, Praça da Liberdade, Praça do Papa e Igrejinha da Pampulha (Cita pontos turísticos de Belo Horizonte. Crianças falam ao mesmo tempo, eufóricas) [...]

A leitura desse episódio nos permite perceber a riqueza da experiência que é a

leitura compartilhada com crianças. Elas conversavam sobre o livro, incentivadas pelo texto

verbal, pelo texto visual e também por perguntas da pesquisadora. Nesse diálogo, elas

criavam, imaginavam, completavam as ideias umas das outras.

Logo no início da interação, as crianças pedem para ler junto com a pesquisadora,

pois percebem que o texto verbal era composto de apenas uma palavra, o que facilitava a

leitura em conjunto. Assim que veem a imagem do bolo, iniciam o canto “Parabéns pra você”.

As crianças vivenciam a leitura de uma forma muito intensa, se a elas é dada essa

oportunidade. Carlos compartilha conosco a sua experiência de ter participado do aniversário

do seu primo. Pipoca conta as velas do bolo e ressalta: “É um menino que fez seis anos.”.

Lola assume o pacto ficcional vivenciado e diz: “Eu vou soprar a vela.”; não apenas diz, mas

realiza o gesto de soprar. As falas das crianças vão se completando, enriquecendo o texto e o

processo de atribuição de sentidos torna-se um momento único. Como afirma Bakhtin (2003,

p. 377-378), a compreensão é polissêmica, é profunda, é ativa e criadora. Nesse processo de

recriação da obra que vivenciamos, os pequenos leitores podiam se expressar, cantar,

imaginar, se encantar com o texto e se encantar com o outro e com as suas palavras.

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[...] o que caracteriza o texto dado como literário é justamente sua polissemia, suas lacunas a serem preenchidas pelo leitor, mesmo quando se tenta guiar esse leitor em seu ato de leitura, sentidos se formam que escapam ao controle do mediador de leitura. [...]. Nesse sentido, a literatura mantém o estatuto da oralidade, quando preserva a possibilidade de interação, de dinamicidade (WALTY, 2003, p. 52-53).

No processo de conversação do livro Coisa de gente grande, as crianças, ao

produzirem os sentidos do texto, recriavam-no de forma dinâmica, entrando no jogo que essa

obra permite ao leitor.

Figura 44 – Coisa de gente grande, Planos

Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora.

Data: 27/03/2017 [...] Pesquisadora: Atenção... O que será? Tchan, tchan, tchan, tchan... Pipoca: (Lê) “Planos” (E completa) de vingança. Pesquisadora: Será que é de vingança? Lola: Ah, já sei! É pra pegar uma coisa, porque eu tô vendo uma perna aqui. Pipoca: Tem uma mesa... Pesquisadora: Será que é plano pra fazer o quê? Lola: Tem uma criança aqui subindo pra pegar alguma coisa. Pesquisadora: Será o que que ela quer pegar? Pipoca: Eu acho que ela quer pegar uma bicicleta que tá em cima do armário. Pesquisadora: Será que a bicicleta fica guardada em cima do armário? Churros, olha bem, o plano... Olha o que ela fez? Luffy: Empilhou. Pipoca: Empilhou as coisas. Churros: Ele está pegando um brinquedinho. Pesquisadora: Um brinquedo? É? Pipoca: Eu acho que eu sei. Eu acho que ela vai pegar... eu acho que ela quer pegar... eu acho que... eu acho que era época de Natal nesse dia e eu acho que tem alguma, algum presente pra ela em cima do armário. Pesquisadora: Ah! Você acha que ela achou o presente de Natal? Luffy: Eu acho... eu acho que ela é uma criança e quer pegar farinha de trigo pra fazer um bolo. [...].

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A experiência literária de leitura compartilhada do livro Coisa de gente grande

mostrou-nos a beleza da arte da palavra; vivenciamos na interação a recriação dos textos

verbal e visual por meio do diálogo. Cada criança imaginou o que a personagem queria pegar

em cima do armário: uma bicicleta, um brinquedinho, farinha de trigo para fazer bolo.

Implícita nas respostas de cada uma estava a emoção, peculiar à criança. Possivelmente

desejos e/ou experiências compunham as hipóteses levantadas. Ao imaginar e recriar o texto

pela leitura, cada leitor ali presente utilizou elementos do mundo real para compor a sua ideia.

[...] Diante de nós, há uma situação criada pela criança. Todos os elementos dessa situação, é claro, são conhecidos por ela de sua experiência anterior, pois, do contrário, ela nem poderia criá-la. No entanto, a combinação desses elementos já representa algo novo, criado, próprio daquela criança, e não simplesmente alguma coisa que reproduz o que ela teve oportunidade de observar ou ver. É essa capacidade de fazer uma construção de elementos, de combinar o velho de novas maneiras, que constitui a base da criação (VIGOTSKI, 2009, p. 17).

Ao reler as interações vivenciadas com as crianças, pensamos na profundidade e

significado da literatura como experiência (ROSENBLATT, 2002). Segundo essa autora, a

obra literária existe em um circuito vivo que se estabelece entre o leitor e o texto. A

investigação mostrou que, quando há mais de um leitor, essa experiência torna-se ainda mais

rica. O processo de construção de sentidos é marcado pelo diálogo e compartilhamento de

ideias. É como se a leitura compartilhada estabelecesse uma conexão significativa entre os

leitores.

No episódio a seguir, as crianças criam sentidos para a imagem do livro As cores

dos pássaros. É interessante observar como elas expressam as suas impressões com

naturalidade, assim que cada página é virada e dialogam umas com as outras, ouvindo e

observando os detalhes que compõem a imagem, recriando a obra na experiência da leitura.

Figura 45 – As cores dos pássaros, p. 12-13

Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora.

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Data: 14/02/2017 [...] Pesquisadora: Ahah... Olha aqui, pessoal. O que vocês estão vendo aqui? Mari: Um sol e o passarinho. Bruxa Onilda: E isso daqui. (Mostra a imagem da p. 12) O que é isso daqui? Pesquisadora: O que será? Pedroca: Um ovo, um ovo. Bruxa Onilda: É um ovo! Mari: Tá lembrando uma... uma... nuvem que reflete a imagem. Eu percebi. Pesquisadora: A imagem no livro ajuda a entender o livro? Bruxa Onilda: Sim. Pesquisadora: Ela é importante num livro? Mari: Eu tenho uma ideia. Esse aqui é o Sol e uma nuvem tava passando e caiu um pouco do Sol no passarinho. Pesquisadora: Por que você acha que a imagem é importante? Por quê, Dedé? Dedé: Porque tem umas coisas que... que... não fala no escrito mas as imagens ajudam a perceber. Tipo a cor dos pássaros... não fala. Pesquisadora: Oh... Você falou uma coisa bem legal. Pedroca, por que você acha que a imagem é importante? Pedroca: Porque ela tem cores. Pesquisadora: A imagem tem cores? E você gosta? E se a imagem for preta e branca? É importante? Aí ela não tem cores, mas é importante? Pedroca: Sim. Pesquisadora: Por quê? Pedroca: Porque é coisa antiga. Pesquisadora: Ahah... Quando é preto e branco significa que é coisa antiga? Bruxa Onilda: É. Pesquisadora: Por que a imagem é importante pra você, Bruxa Onilda? Bruxa Onilda: Porque eu gosto muito de colorir. [...]

Na interação transcrita, as crianças discutem o que a imagem poderia significar.

Assim, elas dizem: “um ovo” ou “uma nuvem que reflete a imagem”. Elas criam

possibilidades para o que veem antes de conhecerem o texto escrito. Dedé, ao dizer que a

imagem é importante num livro, “Porque tem umas coisas que... que... não fala no escrito,

mas as imagens ajudam a perceber”, chama a nossa atenção para a crucial relação entre

palavra e imagem num livro infantil. Para ele, a imagem ajuda o leitor a tecer os sentidos do

texto, pois ela pode dizer o que o escrito não diz. No caso, a imagem em questão representava

um pote de tinta.

As imagens incentivavam o processo de levantamento de hipóteses, de criação de

sentidos, de predições, que seriam confirmadas, ou não, durante a leitura do texto escrito. A

afirmação de Dedé: “Porque tem umas coisas que não fala no escrito, mas as imagens nos

ajudam a perceber”, ressalta, de certo modo, que a imagem também é um texto e, no caso das

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crianças em processo de alfabetização, um texto essencial para o processo de construção de

sentidos e de criação do leitor. Ao ler um livro, a criança procura pelo texto visual e inicia a

sua interpretação por ele. Segundo Nikolajeva & Scott (2011, p. 15):

Tanto as palavras como as imagens deixam espaço para os leitores/espectadores preencherem com seu conhecimento, experiência e expectativa anteriores, e assim podemos descobrir infinitas possibilidades de interação palavra-imagem. O texto verbal tem suas lacunas e o mesmo acontece com o visual. Palavras e imagens podem preencher as lacunas umas das outras, total ou parcialmente. Mas podem também deixá-las para o leitor/espectador completar: tanto palavras como imagens podem ser evocativas a seu modo e independentes entre si.

Uma última consideração, a respeito do episódio acima, que gostaríamos de

destacar refere-se à afirmação da criança de que a imagem é importante porque ela gosta de

colorir. Nessa idade, percebemos que as crianças ainda apreciam as ações de desenhar e

colorir. Essas atividades de criação fazem parte da cultura infantil. “[...] basta um pequeno

estímulo para que comecem a desenhar” (VIGOTSKI, 2009, p. 61). Ao final da pesquisa, em

razão do pedido de muitas crianças, solicitamos que elas desenhassem a experiência de leitura

que tivemos e a expressividade de suas produções mostrou-se altamente significativa.

“Possivelmente, as forças criativas da criança não se concentram por acaso no desenho, mas

porque é o desenhar que, nessa idade, oferece-lhe a possibilidade de expressar com mais

facilidade aquilo que a domina” (VIGOTSKI, 2009, p. 62).

No próximo episódio, os pequenos leitores revelam a sua capacidade criativa, ao

se depararem com uma imagem do livro em que não há o texto escrito:

Figura 46 – As cores dos pássaros, p. 28-29

Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora.

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Data: 14/02/2017 [...] Pesquisadora: E agora ele chegou. Oh! O que vocês estão vendo aqui? Dedé: São páginas que... que não têm escrita. Pesquisadora: Olha... não tem escrita. Dedé: A gente pode inventar junto. Pesquisadora: O que você inventa pra aqui? O que podia estar escrito aqui? Dedé: O pavão de penas coloridas aparece perto dos pássaros. Pesquisadora: Boa... Qual texto você podia inventar? (Dirigindo-se à Bruxa Onilda) Bruxa Onilda: O pavão... com penas... azuis, vermelhas, amarelas... e azuis clarinhas. Dedé: Azul-céu. Bruxa Onilda: E os filhotes vendo a cor vieram... andar atrás dele. Mari: Eu tenho um texto (Interrompendo o final da fala de Bruxa Onilda). Pesquisadora: Fala seu texto, Mari. Mari: O meu texto é assim: Um pavão de penas coloridas... apareceu... para... ver os passarinhos comendo para dar comida. (Ao ver a imagem p. 28-29). Bruxa Onilda: Não. Aí vai ser a mãe deles. Pesquisadora: E você, Pedroca? Pedroca: O pavão... Pesquisadora: Isso! Pedroca: O pavão chegou... (A pesquisadora vai dizendo “Isso!” para incentivar a criança a falar, pois ela é muito tímida.) e os passarinhos voaram porque ficaram com medo. Pesquisadora: E ficou com medo do pavão? Mari: Eu tenho outro texto. Eu tenho outro texto. Pesquisadora: Qual que é o outro, Mari? Mari: (Cantando) O pavão se levantou e já chegou (Estalando os dedos pra marcar o ritmo). Ele olhou, o pássaro voou... (Cria um texto rimado) Pesquisadora: E agora, Dedé? Dedé: Quando o pavão chegou... o pássaro se assustou. Pesquisadora: Ah... Até rima... Mari: O meu também rimou. (Repete seu texto rimado falando com ritmo). [...]

No episódio, as crianças criam um texto para as “páginas que... que não têm

escrita”, como afirma Dedé. Foi muito interessante essa interação, pois as crianças quiseram

criar o seu próprio texto, incentivadas pelo colega: “a gente pode inventar junto”. E elas

diziam “eu tenho um texto”, reconhecendo que a autoria era possível naquele momento de

compartilhamento de leituras. As crianças começaram, então, a produzir narrativas verbais

para a imagem. Benjamin (2009, p. 65) ressaltava que a criança habita nas imagens. Para o

autor, as imagens despertam a palavra na criança e isso acontecia continuamente na pesquisa.

Ramos (2013, p. 33) destaca que as imagens podem provocar nas crianças uma necessidade

maior de interpretação. Como não havia naquelas páginas da obra o texto verbal, a imagem

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abriu aos leitores possibilidades de criação do seu próprio texto e foi o que eles imediatamente

fizeram.

Outro ponto a ser ressaltado refere-se à preocupação das crianças com a

construção de um texto rimado, ou seja, com a criação de um texto que apresentasse

características próprias de um texto literário. Ler literatura com crianças é permitir a criação, a

expressão do conhecimento prévio; é possibilitar o diálogo e a troca de ideias. É nutrir-se das

palavras do outro. “A Literatura não é, como tantos supõem, um passatempo. É uma

nutrição”. (MEIRELES, 1979, p. 28, grifo do autor). Crianças e pesquisadora, no momento da

leitura e interação, nutriam-se das palavras do outro.

É interessante observar também como as crianças apreciam os jogos de linguagem

com os quais elas podem brincar com as palavras. Como não havia o texto escrito, elas

começaram a criar, a experimentar uma brincadeira rimada, e Mari une as palavras a um

ritmo, a um som, criando, no momento da interação, um texto ritmado que lembrou um “rap”.

Segundo Held, os textos infantis revelam “o interesse espontâneo da criança pela linguagem e

por todas as possibilidades de jogos de linguagem” (HELD, 1980, p. 112). Sobre essa relação

natural entre a criança e a linguagem, Colomer (2017, p. 26) afirma:

As crianças crescem com o jogo e a linguagem. Por meio de ambos se situam em um espaço intermediário entre sua individualidade e o mundo, criando um efeito de distância que lhes permite pensar sobre a realidade e assimilá-la. Jogo e linguagem, jogo e literatura, estão sempre intimamente unidos.

Foi possível perceber como o texto literário permite que as crianças se apropriem

das regras e convenções da linguagem e passem também a utilizá-las. Mari e Dedé já sabiam

o que era uma rima e criaram, no momento da interação, um texto rimado para a imagem do

pavão. Em geral, as rimas agradam aos pequenos leitores que passam, aos poucos, a empregar

também rimas nos textos que produzem. Segundo Versiani (2007, p. 51), “o processo criativo

e dinâmico que caracteriza o desenvolvimento da linguagem verbal pelas crianças acontece

em situações discursivas provocadoras”. Acreditamos que a leitura e a conversação literária se

configuraram como momentos propulsores à criação, em razão da liberdade de expressão que

as crianças possuíam nos Círculos de Leitura.

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5.2 Quando ler é compartilhar sentidos

A pesquisa demonstrou, em alguns momentos, como é importante a mediação da

leitura para que as potencialidades de textos literários possam ser experimentadas em

profundidade pelos leitores. Duas crianças escolheram a obra Lá e Aqui para ser lida de forma

compartilhada. Essa obra tematiza a questão da separação dos pais de uma família, de forma

leve, utilizando-se, para isso, de várias metáforas. No processo de conversação, foi possível

perceber que as crianças ficaram presas, principalmente, às imagens do livro. A mediação

aconteceu por meio de perguntas, como revela o episódio a seguir:

Figura 47 – Lá e Aqui – Os olhos da mãe

Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora. Data: 07/03/2017 [...] Mayara: “Os peixinhos...” (Começa a ler o texto). X-Tudo: Eu quero um pra mim (Fala enquanto as outras crianças leem). Pesquisadora e Mayara: “[...] foram morar nos olhos úmidos de minha mãe.” (Leem juntas). Pesquisadora: Agora nós vamos ter que pensar junto. X-Tudo: Como um peixe pode morar no olho?... (Interrogando o texto...) Pesquisadora: Olha bem o que está falando “Os peixinhos foram morar nos olhos úmidos (Ênfase) de minha mãe”. O que será isso? Mayara: O que é a palavra “úmidos”? Pesquisadora: Úmido é a mesma coisa que molhado. Apple: É. Porque eu acho que ela está olhando pro mar e aí está vendo os peixinhos. Ela está vendo a água... que aí ela está vendo a água... é o que parece... Pesquisadora: Será que os olhos da mãe estão molhados porque ela está olhando pro mar? Mayara: Ou ela pode estar afundando. Pesquisadora: Será que ela está afundando no mar? Mundo Quadrado: É. Pode ser isso mesmo. Pesquisadora: Será? Vamos ver (E passa as páginas) “Os sapos levaram os ensopados pés de papai para longe”. (Crianças leem juntas) Olha bem. Primeiro falou que a mãe estava com os olhos... Crianças: Úmidos (Falam devagar. Não é uma palavra usual para elas).

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Pesquisadora: E aí? [...]

Ao tentar atribuir sentidos à obra, percebemos que as crianças utilizavam,

predominantemente, as imagens no processo interpretativo, muito mais do que o texto escrito.

No processo de conversação da obra Lá e Aqui, as imagens assumiram um papel fundamental

no processo de leitura. A metáfora da água que “afogou a casa”31 e encheu os olhos da mãe,

simbolizando a tristeza da separação, elas interpretaram literalmente: “Porque eu acho que ela

está olhando pro mar e aí está vendo os peixinhos”; “Ou ela pode estar afundando”. Mas, aos

poucos, com a progressão da leitura do texto, os leitores começam a “entrar” na proposta do

texto, sem deixar, contudo, de se basearem nas imagens da obra. Vejamos outras partes da

narrativa e a interação dos leitores:

Figura 48 – Lá e Aqui

(a)

(b)

(c)

31 É interessante observar que o texto diz “A casa se afogou”. Ora, quem se “afoga” são pessoas, por isso a riqueza do texto que personaliza essa casa, símbolo da família que passava pela experiência da separação dos pais. Essa ideia foi confirmada pelo autor das imagens, Odilon Moraes, em um diálogo que tivemos sobre a obra e esta pesquisa durante o XII Jogo do Livro, oportunidade ímpar.

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Legenda: (a) - Nossa casa virou duas: (b) - uma da mamãe, (c) - uma do papai. Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora. Data: 07/03/2017 [...] Mayara: (Começa a ler) “Nossa casa virou duas:” (A pesquisadora acompanha a criança na leitura). Pesquisadora: O que vocês viram nessa parte aqui? X-Tudo: Eu vi uma casa... bem aqui... Apple: (Fala junto e não deixa o colega terminar) É tipo assim. Tem duas casas. Aí essa... essa casa virou... (Mostra no livro e para enquanto fala) Pesquisadora: E qual é o título desse livro? Crianças: Lá e Aqui (Falam devagar). X-Tudo: Eu tô vendo essa casa... Aqui essa casa. Pesquisadora: Olha, passou de novo. Mayara: (Começa a ler o texto) “Uma de (Lê devagar). Pesquisadora: (Ajuda a criança na leitura) “uma da ma-mãe” (Crianças falam a última sílaba), “uma do papai” (Leem juntas). X-Tudo: (Inventa um texto) Uma do sapo (Sorri). Apple: É porque... é tipo assim. Igual eu falei. Uma casa inundou. Pesquisadora: “Era uma casa da... Apple: Família... Crianças: Pai... mãe. Apple: Tipo assim... que eles mudaram de casa que a outra casa inundou. Pesquisadora: Quem mudou de casa? Apple: O pai, o fi... (Mayara começa a falar junto e a criança para de falar “filho”, pensando) Mayara: Os três. Apple: É. Os três. Pesquisadora: Aqui falou que foram os três? (E aponta para o livro) Apple: Não. Mayara: Não. É porque um foi morar numa casa e o outro foi morar em outra. (Apple fala o final junto com sua colega). Apple: Aí a gente não sabe se o filho ficou com o pai ou com a mãe. Pesquisadora: O que aconteceu?... (Mayara não deixa a pesquisadora terminar a pergunta) Mayara: Eu acho que ficou com o pai. [...]

No episódio, a pesquisadora apresenta algumas questões para ajudar as crianças

no processo de construção de sentidos: “O que vocês viram nessa parte aqui?”; “E qual é o

título desse livro?”. O texto vai se ampliando para mostrar a separação, mas em momento

algum da obra essa palavra é utilizada. A obra traz imagens com água e frases curtas como

“Nossa casa virou duas”. Apple, após as perguntas da pesquisadora, diz: “É porque... é tipo

assim. Igual eu falei. Uma casa inundou.”. A imagem da casa imersa na água era uma

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referência marcante para as crianças leitoras; tão marcante que Apple diz: “Tipo assim... que

eles mudaram de casa que a outra casa inundou.”. Diante dessa fala, a pesquisadora,

provocando a reflexão, lança outra pergunta: “Quem mudou de casa?”. Apple responde: “O

pai, o fi...”. Mayara diz: “Os três”. E Apple concorda com ela: “É. Os três”. Mas a

pesquisadora continua a instigar o pensamento das crianças: “Quem mudou foram os três?”.

Nesta última pergunta, elas respondem “Não”, considerando o que haviam lido,

anteriormente, no texto: “Os sapos levaram os ensopados pés do papai para longe”. Só então

Mayara completa “É porque um foi morar numa casa e o outro foi morar em outra”,

começando a se aproximar dos sentidos daquele texto.

O episódio nos mostra que, paulatinamente, as crianças, por meio do diálogo e da

mediação sustentada por perguntas, começaram a refletir sobre o que havia acontecido com a

família da narrativa, mas foi necessário retomar o texto escrito para dar aporte às

interpretações, uma vez que os leitores se prenderam ao texto visual e, em razão disso,

apresentaram interpretações literais. A inundação causada pela tristeza foi interpretada como

uma inundação real. As perguntas do leitor mais experiente (ou das próprias crianças),

buscando estabelecer os nexos da narrativa, auxiliam os leitores em processo de alfabetização.

É como se elas funcionassem como andaimes (BRUNER, 1983)32 para que os leitores

construam os sentidos do texto durante a interação.

Percebe-se que o livro Lá e Aqui possui um texto desafiador, entremeado pelo

não-dito, para o qual a atividade de mediação tornou-se essencial.

“Não-dito” significa não manifestado em superfície, a nível de expressão: mas é justamente este não-dito que tem de ser atualizado a nível de atualização de conteúdo. E para este propósito um texto, de uma forma mais decisiva do que qualquer outra mensagem, requer movimentos cooperativos, conscientes e ativos da parte do leitor (ECO, 2004, p. 36, grifo do autor).

No caso da criança, considerada por muitos pesquisadores como um leitor em

desenvolvimento (HUNT, 2010, p. 135), esse movimento cooperativo, consciente e ativo pode

ser realizado por meio da mediação de um adulto, leitor mais experiente, que auxilia as

crianças a descobrirem as potencialidades do texto literário como os recursos da linguagem e

do texto visual. Ao falarmos de mediação, reportamo-nos ao conceito de Zona de

Desenvolvimento Proximal (ZDP), de Vigotski (2008), que consiste no espaço entre o que a 32 Andaime: termo metafórico que se refere à ajuda que um membro mais experiente de uma cultura presta a um aprendiz. Na investigação, percebemos que algumas crianças também auxiliam seus colegas no processo de compreensão. Está subjacente à noção de andaime o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), de Vigotski (2008), que abordaremos a seguir.

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criança pode realizar sem nenhum auxílio e o que realiza com a ajuda de uma pessoa mais

experiente.

O desenvolvimento da pesquisa levou-nos a verificar, apesar de não ser o nosso

foco, como é importante a mediação de uma pessoa mais experiente no processo de leitura

literária de alguns textos que chamamos aqui de “desafiadores”, como é o caso da obra Lá e

Aqui. Na dinâmica da conversação literária é que a mediação acontece. No processo de

discussão de um texto literário, o diálogo sobre a obra permite que as dúvidas das crianças

apareçam, e a mediação estimula o debate e a reflexão. Caso o grupo seja constituído de um

leitor mais experiente, este pode contribuir para que o texto seja discutido coletivamente,

fazendo perguntas para ouvir o que pensa o leitor.

Temos, a seguir, mais um trecho da interação realizada no dia 7 de março de

2017, a partir da leitura do livro Lá e Aqui.

Data: 07/03/2017 [...] Apple: Aí a gente não sabe se o filho ficou com o pai ou com a mãe. Pesquisadora: O que aconteceu?... (Apple não a deixa terminar a pergunta e fala|) Apple: Eu acho que ficou com o pai. Pesquisadora: (Passa as páginas e lê) “Na casa da mamãe tem cosquinha e televisão”. (Apple e Mayara vão lendo junto com a pesquisadora, que, ao ler, faz cosquinha nas crianças). Crianças: (Sorriem e demonstram gostar da cosquinha). Mayara: Só que aqui tem televisão e lá... lá na casa da mamãe tem câmera da escola... Pesquisadora: (Lê) “Na casa do papai tem história e violão” (Apple e Ana leem junto com a pesquisadora. Esta faz o gesto de um violão tocando e as crianças também). Crianças: (Sorriem). Pesquisadora: O que aconteceu com essa família, gente? Vocês já perceberam? Apple: Eu sim. Porque uma casa tem uma coisa e na outra tem outra. X-Tudo: Já (Responde a pergunta da pesquisadora enquanto Apple fala). Pesquisadora: Então, o que aconteceu? Mayara: Xip! Separou (Faz o gesto das mãos se separando). Pesquisadora: Quem separou? Apple e Mayara: A mãe, o pai... (falam alternadas) A mãe e o pai. (Falam juntas como um coral) Pesquisadora: Então vamos seguindo. (Lê o texto) “Os olhos de mamãe secaram, e os peixinhos foram morar no aquário”. (Apple e Mayara leem junto novamente) Uai, gente, lá estava falando que os olhos estavam bem molhados. Será por quê? Mayara: Porque eles acharam que os olhos da mamãe era o aquário. Aí... Não. Pera aí (Demonstra pensar no que falava e fica em dúvida). Pesquisadora: Será que é isso? Apple: É porque... é porque eu acho que ela estava choraaando.

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Pesquisadora: Olha o que a Apple falou. Por que você acha que ela estava chorando? Apple: Porque ela separou. Pesquisadora: Ah!! Pessoal, vocês entenderam isso que a Apple falou? Mayara: Eu tô achando que ela... Hum!... (Parece perceber alguma coisa na imagem) Ela tá chorando mesmo! É por isso que os peixinhos foram morar no olho dela. Aí, quando ela parou de chorar, ela deve ter voltado os peixinhos pro aquário. Pesquisadora: “Os pés do papai acharam seu caminho e os sapos voltaram pro jardim”. (Leem junto) [...] Pesquisadora: Ah! Entendi. Então olha o que está escrito aqui agora. Olha, gente... “Um dia estou lá”. (Crianças leem junto) Apple: Tá acabando (Ao verificar que faltam pouquíssimas páginas). Pesquisadora: Outro dia, aqui (Leem junto). [...] Mayara: Hum!... É por isso que chama Lá e Aqui, porque eu estou na casa da minha mãe, às vezes eu estou na casa do meu pai porque meu pai mora lá nos Estados Unidos. Aí eu vou com a minha mãe lá pra minha casa. Pesquisadora: Você também é assim? Um dia você tá com sua mãe... Mayara: É porque eu gosto mais do Brasil. Pesquisadora: Você gosta mais do Brasil? Seu pai mora nos Estados Unidos? X-Tudo: Eu queria ir lá. Mayara: É porque eles... (Para de falar e faz o gesto das mãos se separando). Pesquisadora: Separou... Mayara: Hum-hum (Concordando). É porque minha avó faleceu e aí ele foi morar lá nos Estados Unidos. Pesquisadora: (Passa as páginas – Lê) “Mas estou sempre em casa” (Leem junto). Olha. Olha bem essa ilustração... Aqui é o quê? (E mostra o livro). Mayara e Apple: É... A casa da mamãããe e aqui é a casa do paaai. (Falam como num coral. Apple sorri, achando graça da forma que falaram). Mayara: Ah! Fimmm... Pesquisadora: É... terminou. Entrou por uma porta e saiu por outra. Quem quiser que conte outra. Mayara: Eu quero que conta outra. [...]

No processo de produção de sentidos, a pesquisadora lança, em momentos

diferentes do diálogo, algumas perguntas para mobilizar o pensamento das crianças: “O que

aconteceu?”; “O que aconteceu com essa família, gente?”; “Então o que aconteceu?”. As

crianças, muito focalizadas nas imagens da obra, atitude natural nessa faixa etária, verbalizam

as suas interpretações. A pesquisadora pergunta então sobre os olhos da mãe: “Uai, gente, lá

estava falando que os olhos estavam bem molhados. Será por quê?”. Mayara responde:

“Porque eles acharam que os olhos da mãe eram o aquário.” Ao falar isso, Mayara demonstra

pensar no que havia dito e completa: “Aí... Não. Pera aí...”. Foi bem interessante perceber

como a criança fica em dúvida com a sua afirmação. Ela estava pensando sobre o texto no

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momento em que falava. E a pesquisadora pergunta novamente: “Será que é isso?”. Durante a

conversação, percebemos que as perguntas incentivavam a reflexão daqueles leitores. As

questões apresentadas mobilizavam as crianças a recuperarem pistas do texto. Apple então

declara: “É porque... é porque eu acho que ela estava choraaando.”. E a pesquisadora continua

a lançar questões, visando ao conhecimento da perspectiva de interpretação da criança: “Por

que você acha que ela estava chorando, Apple?”. E a criança responde: “Porque ela separou.”.

Logo a seguir, Mayara, ao falar a frase “Eu tô achando que ela...”, expressa uma interjeição

“Hum!...”, que, naquele contexto, simbolizava que ela acabava de estabelecer relações a

respeito do que acontecia na narrativa. E depois Mayara ainda completa: “Ela tá chorando

mesmo!”. Como se pode observar, as crianças assumiam, nos Círculos de Leitura, uma

postura ativa, de busca pela construção de significados para o texto. Elas dialogavam,

interagiam e complementavam ideias umas das outras. O livro Lá e Aqui estimulou um longo

debate nos grupos em que foi escolhido. O processo de leitura compartilhada vivenciado pelo

grupo foi positivo e estimulante.

A interação acima nos faz pensar na intensa atividade do leitor durante a leitura de

um livro. Alguns textos requerem a realização de inferências para serem interpretados. As

crianças, leitoras curiosas e espertas, conseguiram atribuir sentidos ao que aconteceu com a

família da obra, mas foi necessário um amplo processo de conversação.

No episódio transcrito, percebemos ainda como Mayara enriquece o texto

ficcional com sua própria experiência ao dizer: “É por isso que chama Lá e Aqui, porque eu

estou na casa da minha mãe, às vezes eu estou na casa do meu pai, porque meu pai mora lá

nos Estados Unidos. Aí eu vou com a minha mãe lá pra minha casa.”. Na narrativa da criança,

trechos da obra de ficção que líamos em conjunto se misturam com episódios de sua vida real.

Esse momento foi bem interessante e nos mobiliza a pensar sobre as possibilidades que o

texto literário nos abre de refletir sobre a nossa própria vida. “Qualquer que seja a sua forma –

poema, romance, drama, biografia, ensaio -, a literatura torna compreensíveis as inúmeras

formas nas quais os seres humanos fazem frente às infinitas possibilidades que oferece a

vida”.33 (ROSENBLATT, 2002, p. 32, tradução nossa). A fala de Mayara nos mobilizou a

pensar sobre as relações entre leitura literária e as experiências do leitor. Assim, sentimos a

necessidade de retomar a leitura do livro Obra aberta (ECO, 2005), particularmente um

trecho em que o autor, dialogando com Dewey (1951, p. 118), afirma:

33 “Cualquiera que sea su forma – poema, novela, drama, biografía, ensayo – la literatura vuelve comprensibles las miríadas de formas em lãs cuales los seres humanos hacen frente a las infinitas posibilidades que ofrece la vida.”

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Ora, a condição para que uma obra possa resultar expressiva a quem a percebe é dada “pela existência de significados e valores extraídos de precedentes experiências e enraizados de tal modo que se fundem com as qualidades apresentadas diretamente na obra de arte” (ECO, 2005, p. 71, grifo do autor).

5.3 Quando ler é imaginar

Imaginar “é sonhar dentro da cabeça e aparecer pelo olho.”

Dedé, 08/02/2017

O desenvolvimento da pesquisa levou-nos à reflexão a respeito dos conceitos de

real e imaginário e da relação entre eles. Nos momentos de conversação, as crianças usavam a

imaginação, motivadas pelo texto lido e/ou pelo diálogo que acontecia. É comum pensarmos

que há uma grande distância entre essas duas atividades, porém, ao aprofundarmos nos

estudos de Vigotski (2009, p. 7) sobre o tema, percebemos a necessidade de repensar esses

conceitos, intimamente relacionados.

No cotidiano, designa-se como imaginação ou fantasia tudo o que não é real, que não corresponde à realidade e, portanto, não pode ter nenhum significado prático sério. Na verdade, a imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se, sem dúvida, em todos os campos da vida cultural, tornando também possível a criação artística, a científica e a técnica. Nesse sentido, necessariamente, tudo o que nos cerca e foi feito pelas mãos do homem, todo o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, tudo isso é produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia (VIGOTSKI, 2009, p. 14).

O autor analisa a imaginação como uma forma especificamente humana,

relacionada à atividade criadora do homem. Os dados que traremos a seguir nos convidam a

pensar um pouco mais sobre esses conceitos e de como o texto literário possibilita a

ampliação das experiências, a criação e a expressão das crianças.

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Figura 49 – O guardião da bola, p. 31

Fonte: Imagem digitalizada pela pesquisadora.

Data: 07/11/2016 Discussão do livro O guardião da bola [...] Pesquisadora: Ah!... Então vamos ver, pessoal. “E a bola continuou debaixo da cama [...] A bola começou a murchar, murchar...” (p. 28-30). Luna: Ai, meu Deus (Fala com voz de sofrimento). Pesquisadora: “Ai, ai, ai... Meus amigos me matam [...]”. (p. 30). Olha a carinha dele, gente (Mostra a ilustração da página 31). Luna: Coitado dele! Ele tá triste. Então agora deve ser porque ele tava antes, aí ele ficou triste. Pesquisadora: Olha, Moranguinho. Olha a carinha dele. O que você acha? Moranguinho: Ah, coitado... E se ele pegar uma bombinha e enfiasse... (Luna e Moranguinho falam juntas para resolver o problema da bola). Luna: Mas, e se ele colocasse no furo... Naruto: Gente, eu quero falar uma coisa. Não fica preocupado, porque ele vai vender todos os brinquedos dele pro moço e o moço vai dar dinheiro e ele vai comprar uma outra bola. Luna: Pode ser, mas... (Demonstrando estar bem preocupada com a situação vivenciada pelo personagem).

As crianças vão imaginando situações para resolver o problema de Zinho,

personagem do livro que, infelizmente, percebe que a bola, que ele guardava, em sua casa,

para o seu time de futebol, estava murchando. Observa-se que os pequenos leitores “entram”

de corpo e alma na história e sentem-se compromissados a resolverem o problema da criança

do conto. O diálogo revela que as crianças, no momento da leitura, sentem a história como se

ela estivesse acontecendo de fato. Elas dão sentido e sabor ao texto e o enriquecem com suas

observações. A declaração de Naruto revela-se extremamente significativa nessa análise da

linha tênue que existe entre o real e o imaginário. Como nos lembra Held (1980, p. 13): “[...]

daí a necessidade de reconhecer que o imaginário é o motor do real [...].” Para tranquilizar

Luna e Moranguinho, o colega afirma: “[...] Não fica preocupado, porque ele vai vender todos

os brinquedos dele pro moço e o moço vai dar dinheiro e ele vai comprar uma outra bola.” É

interessante observar como Naruto encontra a solução para o problema do personagem e,

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assim, tenta tranquilizar o seu grupo de leitura. Percebemos como a criança “entra no bosque

da ficção” (ECO, 1994) proposto pelo texto literário e ainda o enriquece e complementa.

Por enquanto, só quero dizer que qualquer narrativa de ficção é necessária e fatalmente rápida porque, ao construir um mundo que inclui uma multiplicidade de acontecimentos e de personagens, não pode dizer tudo sobre esse mundo. Alude a ele e pede ao leitor que preencha toda uma série de lacunas (ECO, 1994, p. 9).

Nos momentos em que apresentavam suas hipóteses ou explicações para o que

acontecia nos livros, as crianças “imaginavam” o que poderia acontecer, a partir de elementos

de sua vida real. Vejamos outra interação que demonstra isso:

Data: 20/02/2017 [...] Pesquisadora: Tem lobo no seu livro? Então, pessoal. Vamos saber por que esse livro... Quem sabe... Por que vocês acham que ele se chama De noite no bosque? Apple: Por que tá de noite! Mayara: É porque tá de noite e eles devem estar lendo história de terror. Apple: Porque tá muito de noite e o pai deles devem estar dormindo e eles saíram escondidinho pra ir lá na floresta... e eu acho que eles acharam que não tem nenhum perigo pra ter lá... por isso que... eu acho que os pais deles não deixam eles... é é é... não deixam eles saiiir (ênfase) pra brincar com os amigos. Pesquisadora: Você acha que eles saíram escondidos? Apple: É. [...]

Figura 50 – Capa da obra

Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora.

Instigadas pela pergunta da pesquisadora a respeito das razões do título dado ao

livro, Mayara e Apple imaginam e apresentam ações possíveis de serem realizadas pelas

personagens que aparecem na capa: ler história de terror, sair escondido de casa ou não poder

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brincar com os amigos, porque os pais não deixam. O que as crianças imaginam estaria, de

certa forma, relacionado às suas experiências. Para Vigotski (2009, p. 17), é essa capacidade

de fazer uma construção de elementos, de combinar o velho de novas maneiras, que constitui

a base da criação. Segundo o autor, é incorreta a visão comum que separa fantasia e realidade

com uma linha intransponível. “A imaginação não é um divertimento ocioso da mente, uma

atividade suspensa no ar, mas uma função vital necessária” (VIGOTSKI, 2009, p. 20). Ao

vivenciarmos a experiência da pesquisa, verificamos como a leitura literária possibilita o

exercício contínuo dessa função vital.

Vejamos outro episódio no qual as crianças ativam a sua imaginação:

Figura 51 – Os sentidos da capa

Fonte: Livro digitalizado pela pesquisadora.

Data: 21/02/2017 [...] Pesquisadora: Ah... caiu no do Sawk (Fizeram a brincadeira “uni-duni-tê...para saber qual livro ler primeiro). Me empresta, Sawk. O Sawk escolheu o livro que se chama O trompetista na tempestade. Greninja: (Sorri ao ouvir o nome do livro). Pesquisadora: O que é isso? Trompetista? Greninja: É um cara que toca trompete. Pesquisadora: Boa, Greninja, toca aqui (E fazem o gesto de tocarem as mãos). Sawk: Mas como é que ele vai parar lá? (Observando a capa, que apresenta um trompetista no céu). Pesquisadora: Como será? Greninja: Eu acho que ele morreu tocando trompete e aí foi pro céu. [...] Pesquisadora: Greninja, você acha que ele morreu... Greninja: Tocando p... Eu acho que ele morreu tocando trompete. (Sorri) Aí Deus criou ele assim... Sawk: Mas aí ele não seria tão gigante, né? Greninja: Mas Deus é gigante e ele mora lá no céu... Princesa Jujuba: Ou então esse aí é São Pedro, que morreu e desceu, pegou o trompete, pra dar pra ele pra ele... tocar.

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Sawk: Ou ele pode ter pegado um paraquedas e ter ido lá, de avião ou sei lá o que, e aí Deus deu uma pastilha pra ele, ele virou um gigante e tocou trompete. Greninja: Eu acho que foi o autor que quis fazer a capa assim. [...]

No processo de atribuição de sentidos ao texto, as crianças procuram explicar

como o trompetista foi parar lá no céu. Para isso, elas pensam em algumas hipóteses e, por

meio do diálogo, criam explicações interessantes, exercendo a atividade criadora que o texto

ficcional permite. Observa-se que, em suas hipóteses, há elementos tomados da realidade

(paraquedas, avião, pastilha, dentre outros), que revelam a relação entre imaginação e

realidade. “Quanto mais rica a experiência da pessoa, mais material está disponível para a

imaginação dela” (VIGOTSKI, 2009, p. 22). Essa afirmação do autor nos faz pensar na

relevância de se ampliar, cada vez mais, a experiência da criança. A leitura literária não seria

uma forma de se ampliar as experiências do leitor? Sobre isso, o autor ainda destaca:

Quanto mais a criança viu, ouviu e vivenciou, mais ela sabe e assimilou; quanto maior a quantidade de elementos da realidade de que ela dispõe em sua experiência – sendo as demais circunstâncias as mesmas – , mais significativa e produtiva será a atividade de sua imaginação (VIGOTSKI, 2009, p. 23).

Tendo como referência os dados da pesquisa, é possível afirmar que a leitura

literária, realizada de forma compartilhada, proporciona uma ampliação das experiências das

crianças. Se a experiência é propulsora da criação e da imaginação, acreditamos que a

experiência de ler literatura com as crianças, de forma dialogada, é essencial para que elas

possam criar e imaginar cada vez mais. “Ao longo do processo de desenvolvimento da

criança, desenvolve-se também a sua imaginação, [...]” (VIGOTSKI, 2009, p. 45).

A leitura compartilhada permite que as crianças leiam e discutam o texto literário,

enriquecendo-o com seus conhecimentos e experiências. Assim, elas expressam o que pensam

e o que sabem sobre o tema discutido. Cada pequeno leitor tem a oportunidade de conhecer o

outro de uma forma mais autêntica e solidária, pois, juntos, dialogam e constroem os sentidos

para o texto; juntos, criam e imaginam possíveis soluções para o enredo, reinventam ações

para os personagens, questionam e problematizam suas posturas, num movimento contínuo de

recriação da obra.

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Produto da imaginação criadora do homem, o fenômeno literário se caracteriza por uma duplicidade intrínseca: é simultaneamente abstrato e concreto. Abstrato, porque é gerado por ideias, sentimentos, emoções, experiências de várias naturezas... Concreto, porque tais experiências só têm realidade efetiva quando nomeadas, isto é, transformadas em linguagem ou em palavras (COELHO, 2000, p. 64, grifo do autor).

Outro ponto que gostaríamos de destacar na interação refere-se ao papel do adulto

que, naquele momento, dialoga com as crianças. Durante o desenvolvimento da pesquisa e a

leitura atenta dos dados, percebemos a importância de se lançar perguntas durante o diálogo

para que as crianças possam se expressar. Quando Sawk pergunta sobre a imagem do

trompetista no céu “Mas como é que ele foi parar lá?”, e a pesquisadora responde com outra

pergunta “Como será?”, ela abre o canal de diálogo e, com a pergunta, manifesta o desejo de

ouvir os leitores e suas interpretações.

5.4 Quando ler é uma experiência corporal

“Meu olho inchou de tão lindo!”

Arlequina, 19/04/2017

Um aspecto importantíssimo que acontecia nos Círculos de Leitura, e que não

poderíamos deixar de analisar, refere-se à maneira singular com a qual as crianças agiam

durante a leitura compartilhada dos livros. Elas liam com os olhos, mas também com

expressões faciais; liam fazendo gestos, mobilizando assim os diferentes sentidos, recriando o

texto com a sua maneira especial de ler.

Separamos alguns episódios que podem nos ajudar a compreender o significado

da experiência de ler literatura com crianças. Foi possível perceber que elas vivem o texto de

uma forma intensa, vibrando com alguns trechos das obras, se espantando com outros,

imitando e recriando ações de personagens com seus gestos. Talvez possamos afirmar, com

base nos dados da investigação, que ler literatura com as crianças é também uma experiência

corporal. Vejamos a reação de uma criança no episódio abaixo:

Data: 26/09/2016 Leitura do livro Nino, o menino de Saturno [...] Pesquisadora: Qual que era a pista de surf dele? Kakashi: Uma prancha de surf. Pesquisadora: Não, a pista... Kakashi: Os anéis de Saturno. Pesquisadora: Isso. Olha aqui oh (Mostra as imagens das páginas 4 e 5).

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Luna: Parecem com as cores do arco-íris (Observando as cores dos anéis de Saturno). Pesquisadora: Está parecendo, não é, Luna? Então vamos ver o que vai acontecer, hein? (Retoma a leitura) “Houve um momento / no Tempo / – no Tempo e no Espaço – / em que, sem nenhuma explicação, / uma coisa muito estranha / aconteceu a Saturno: / o planeta amanheceu / sem as cores de seus anéis, / [...].” Naruto: Nossa! (Rosto espantado com a imagem dos anéis sem as cores. Coloca também a mão na boca para expressar a sua admiração). [...]

Ao ouvir o texto e ver a imagem de Saturno sem as cores dos anéis, como narrado

nos textos verbais e visuais, as crianças mostram-se espantadas e uma delas, em particular, diz

espontaneamente “Nossa!”. Para expressar o seu espanto com o que acontece na narrativa, ela

coloca a mão na boca, expressão singular que fica registrada na filmagem e que também foi

realizada por crianças, de outros grupos, durante a leitura desse mesmo trecho do livro Nino, o

menino de Saturno. Percebe-se que a fala e o gesto das crianças revelam o quanto elas vivem

os textos literários intensamente “como expressão criativa do ser, onde o sujeito não se anula

nem se desfaz” (JOBIM & SOUZA, 2011, p. 54), mas, pelo contrário, expressa com emoção

o que sente no momento da leitura.

Vejamos outro episódio vivenciado na pesquisa e que mostra como a criança torna

o texto literário vivo com seu processo criativo de leitura:

Data: 10/04/2017 Leitura da obra Receita para fazer dragão [...] Pesquisadora: Isso mesmo. Ela estava doida para saber. Então olha bem. (E inicia a leitura do dia, p. 17) “E, de repente, ali estava! Um ruído inconfundível de marés, bosques, chuva e o piado assombrado de uma gaivota!” (As crianças começam a grasnar, imitando o som da gaivota. Elas também balançam os braços, imitando a ave voando). Pesquisadora: (Continua a leitura) “Tina engoliu em seco e pousou a mão sobre o trinco frio. De novo soou o grito da gaivota e o rugido do mar.” (As crianças imitam o barulho do mar e, com as mãos, reproduzem o movimento das ondas e o seu barulho). Crianças: Ch... ch...ch... [...]

Ao ouvirem as palavras “gaivota” e “rugido do mar”, as crianças criam

movimentos e onomatopeias adequados a cada um. Além de imitarem a gaivota e criarem

sons para os grasnados da ave e para o barulho das ondas do mar, na sequência da leitura do

trecho transcrito, as crianças imitam ainda o som e o movimento de um relógio que é citado

na narrativa. Imitam também o latido de um cachorro “alegre e saltitante”, que aparece na

história, imprimindo vida e emoção ao texto da obra com suas expressões faciais, gestos,

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movimentos e palavras. Eco (2004) destacava a riqueza desse momento de interação em torno

de um texto, onde sistemas de signos se completam reciprocamente: “Na comunicação face a

face intervêm infinitas formas de reforço extralingüístico (gestual, ostensivo e assim por

diante) e infinitos procedimentos de redundância e feedback, um em apoio do outro.” (ECO,

2004, p. 39). Nos Círculos de Leitura, as crianças, com muita frequência, utilizavam, com

naturalidade, esse reforço extralinguístico destacado pelo autor, enriquecendo o texto lido

com sua expressão corporal e criatividade.

As brincadeiras também sempre estiveram presentes, seja no momento da escolha

de qual livro deveríamos ler primeiro, seja em alguns trechos lidos e que abriam espaço para

que elas acontecessem. Para escolherem qual seria o primeiro livro a ser lido pela

pesquisadora no grupo, elas sugeriam que se fizesse algumas brincadeiras como adedanha,

unidunitê, par ou ímpar, dentre outras. “Quando a criança lida com a linguagem de forma

lúdica, ela rompe com as formas fossilizadas e cristalizadas de seu uso cotidiano” (JOBIM &

SOUZA, 2011, p. 48). Essas brincadeiras com palavras e gestos eram frequentes durante a

leitura. Muitas vezes, uma palavra do texto incentivava a produção de rimas como mostra o

episódio a seguir:

Data: 07/02/2017 Leitura compartilhada da obra Nino, o menino de Saturno [...] Pesquisadora: “[...] São os garimpeiros do Sol, / que, no fundo dessa luz, / [...]” (p. 11). Dedé: O que é garimpeiro? Pesquisadora: Quem sabe o que é garimpeiro? É uma boa pergunta. Mari: É um galinheiro. Pesquisadora: Galinheiro é outra coisa. Galinheiro é onde fica... Bruxa Onilda: Galinhas. Mari: Mas quando fala rima. Pesquisadora: Ah, certo. Galinheiro rima com garimpeiro. [...]

Mari demonstra não conhecer ainda o significado de “garimpeiro”, mas indica

uma palavra que rima com o vocábulo do texto. Essa mesma criança, durante a conversação

sobre uma imagem da obra As cores dos pássaros, episódio transcrito nesta tese, cria um texto

rimado, cantando, brincando e se divertindo com as palavras. Esse jogo com as palavras que a

literatura possibilita dialoga com essa característica da criança de apreciar e criar essas

brincadeiras com palavras, em especial brincadeiras de rimar. Sobre essa relação da literatura

com a palavra, Rösing (2009, p. 132-133) destaca:

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A sensibilização para a leitura começa no envolvimento com a palavra. Mexer com palavras, brincar com palavras, jogar com palavras, captar sua sonoridade, seu ritmo, sua forma, os múltiplos significados que passa a assumir em diferentes contextos significadas pelo leitor, é oportunidade ímpar de sensibilização que pode ser garantida ao ser humano.

A seguir, transcrevemos outro episódio no qual uma criança brinca com a palavra

que escuta durante a leitura:

Data: 04/05/2017 Leitura da obra Receita para fazer dragão [...] Pesquisadora: Isso mesmo. “Se alguém devia contar o segredo das dobraduras, esse alguém” Pipoca: Era a Joana (Completando a frase do texto). Pesquisadora: Isso mesmo! (E prossegue a leitura do texto) “Tanto mistério, tanto segredo, [...] Descobriu que lhe importavam os amigos de verdade, como Joca.” Lola: Joca, cara de minhoca! [...]

Como o brincar é essencial para uma criança, observamos que, durante a leitura de

um texto literário, se ela sente que há abertura para a sua voz e criação, ela experimenta várias

brincadeiras com as palavras que vão surgindo. Tudo isso de forma espontânea e natural. Ao

ouvir o nome “Joca”, Lola completa com “cara de minhoca”, criando uma rima e, dessa

forma, enriquecendo a palavra do autor com a sua própria palavra. A leitura literária permite

essa participação do leitor, que se vê “enredado por cenas, episódios, usos poéticos de

palavras cotidianas” (MARTINS &VERSIANI, 2005, p. 7).

A análise dos vídeos gravados nos fez pensar na importância de se conhecer, cada

vez mais, essa atividade especial que é ler literatura com crianças. Durante os momentos de

interação, era comum elas dançarem diante das câmeras, mostrarem algum livro, realizarem

algum gesto com as mãos ou com o corpo, ou seja, elas estavam sempre em movimento.

Enquanto subíamos para a biblioteca, local de realização da maioria dos encontros

da pesquisa, as crianças participantes já iam brincando, cantando, dançando, correndo,

comentando com a pesquisadora acontecimentos de sua vida pessoal. Muitas delas corriam e

chegavam à biblioteca antes da pesquisadora, se escondiam atrás das estantes para “assustar”

quem chegasse depois. Nesses momentos, lembrávamos dos escritos de Benjamin que

mostram, com propriedade, a necessidade que a criança tem de brincar e de se colocar em

outros mundos: “A criança que está atrás da cortina torna-se ela mesma algo ondulante e

branco, um fantasma” (BENJAMIN, 2012, p. 39).

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Nessa perspectiva, podemos afirmar que a brincadeira sempre esteve presente nos

encontros: desde a subida à chegada à biblioteca, no momento de sentar nas cadeiras dispostas

em círculo, durante a leitura compartilhada, nos momentos de pequenas pausas, no retorno à

sala. O próprio ato de ligar e desligar o gravador e a filmadora utilizados na pesquisa era

motivo de brincadeira e os pequenos leitores disputavam essas ações. Os Círculos de Leitura

sempre foram encontros intensos e cobertos de movimento e emoção. A análise detalhada das

filmagens revela como as crianças incorporam a leitura do texto ao seu modo de agir e de ser

no mundo, “sendo ao mesmo tempo ativa e criativa nesse processo” (KRAMER, 2011, p. 23).

A seguir, transcrevemos outro episódio recortado da experiência de leitura

compartilhada da obra Receita para fazer dragão. Nele, podemos perceber a maneira ativa e

criativa com que a criança interage com um texto que possibilita essa ação:

Data: 12/04/2017 – Leitura da obra Receita para fazer dragão [...] Pesquisadora: (Passa as páginas para iniciar a leitura do próximo capítulo, p. 36. As crianças, ao verem a imagem de abertura, que traz dobraduras de um gato e de um cachorro, ficam alvoroçadas). Lola: Ai, meu Deus! Que gracinha! (Chega bem perto da imagem e faz cafuné nas dobraduras como se os animais estivessem vivos). Pipoca: Que fofinho, o cachorrinho! Pesquisadora: Olha! Ele é feito de quê, gente? Carlos: Tinta. Luffy: Papel. Pesquisadora: Ah… Churros: Toma um osso. (Coloca um osso imaginário na boca da imagem do cachorro e imita o som do animal comendo). Mnham, mham, mham... Pesquisadora: Tá dando um osso a ele? Lola: Eu vou dar é peixe. (Faz de conta que tem um peixe no bolso da calça de escola, tira e oferece à imagem do gato).

Figura 52 – Receita para fazer dragão, p. 36

Fonte: Imagem digitalizada pela pesquisadora.

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No episódio, as imagens de um cachorro e de um gato, que abrem o capítulo VI,

levam as crianças ao alvoroço. Os animais impressos recebem cafuné, palavras carinhosas e

são até alimentados: ao cachorro é oferecido um pedaço de osso e, ao gato, peixe. A imitação

do som do cachorro comendo também é realizada por uma das crianças e assim o texto

literário, que, a princípio, sem a atividade do leitor, é um amontoado de letras, torna-se

surpreendentemente vivo e convida à dramatização. Esses dados nos levam a pensar na

importância de práticas escolares de dramatização de textos, em razão da afinidade dessas

práticas com o gosto espontâneo das crianças de fazer viver personagens em atos, gestos,

expressões verbais e gestuais. Em muitos momentos da pesquisa, elas se colocaram no lugar

dos personagens e representaram a história que líamos em conjunto. As transcrições revelam

como as crianças são leitoras sensíveis, ativas e criativas. Elas recriam o texto com a sua

maneira ímpar de ler.

Nos momentos de conversação literária, muitas ações aconteciam ao mesmo

tempo. Ao rever e transcrever os vídeos gravados durante a pesquisa, lembramo-nos da obra

Quando eu voltar a ser criança (KORCZAK, 1981) e sentimos necessidade de relê-la.

Considerada uma “ficção psicológica” (BELINK, In: KORCZAK, 1981, p. 10), a obra é um

relato de um professor que, magicamente, volta a ser criança, mas sem perder a memória de

adulto. No livro, o autor destaca que “as crianças gostam de correr, pular, chutar, gritar, fazer

alvoroço” (KORCZAK, 1981, p. 18). Na pesquisa, além de fazer tudo isso, elas também se

concentravam, a seu modo, para ler, comentar e ouvir o que os colegas diziam dos livros.

O episódio a seguir revela a singularidade da experiência da criança com a leitura

literária. Ele aconteceu no dia 2 de maio de 2017, durante a leitura da obra Receita para fazer

dragão:

Data: 02/05/2017 [...] Pesquisadora: (Retoma a leitura) “Escondida atrás das flores e armada com a fina haste de aço, começou a saltitar diante da criatura atraindo-a para longe dos livros. O dragão aceitou o desafio e entre eles se iniciou um estranho e tenebroso bailado.” (Nesse momento, Pipoca levanta da cadeira e começa a bailar, imitando as personagens. As outras crianças levantam também) Lola: Oh, eu sou a Joana. Quem vai ser o dragão? Pipoca, Luffy e Carlos: Eu!Eu! (Levantando a mão) (Lola e Carlos imitam o movimento da personagem Joana e do dragão, um olhando para o outro como num confronto. Pipoca e Luffy também fazem o mesmo, bailando e olhando um para o outro. As crianças fazem gestos com os braços e as pernas. Luffy posiciona sua mão para frente, imitando a forma de um dragão. As expressões faciais das crianças acompanham os seus movimentos).

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Pesquisadora: (Prossegue a leitura) “Alfredo apressou-se em ajudar Tina a descer da árvore. Os dois abraçaram-se tremendo sobre a chuvarada, observando a luta entre a velhota e o monstro.” (Luffy abraça Pipoca. Carlos, Lola e Churros imitam uma pessoa tremendo). [...]

É possível perceber como as crianças leem um texto literário com todo o seu

corpo, fazendo da leitura uma experiência corporal. Um texto com ação e “aventura”, como

elas disseram nas entrevistas, estimula a participação dos leitores na história. Alguns textos,

mais do que outros, parecem convidá-las a voar para o espaço da narrativa e a adentrar nele.

Calvino (1990, p. 19) destaca essa especificidade da literatura da seguinte forma: “Cada vez

que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo para mim mesmo que à maneira

de Perseu34 eu devia voar para outro espaço.” Durante a pesquisa, as crianças atenderam a

esse convite da leitura literária de forma leve e espontânea. Assim, elas voavam para os

espaços das narrativas e faziam gestos, gritavam, imitavam personagens, dançavam, se

irritavam com alguns trechos, questionavam e aplaudiam outros. Era comum modificarem a

expressão facial de acordo com o que era lido pela pesquisadora. Manguel (1997) relata, com

propriedade, esse mistério que acontece durante a leitura:

Foi como adquirir um sentido inteiramente novo, de tal forma que as coisas não consistiam mais apenas no que os meus olhos podiam ver, meus ouvidos podiam ouvir, minha língua podia saborear, meu nariz podia cheirar e meus dedos podiam sentir, mas no que o meu corpo todo podia decifrar, traduzir, dar voz a, ler (MANGUEL, 1997, p. 19).

Ler literatura com aquelas crianças nos fez pensar na especificidade desse tipo de

leitura e na singularidade desses pequenos leitores, que leem com todos os seus sentidos, com

todo o seu corpo, fazendo da leitura literária uma experiência corporal.

34 Heroi da mitologia grega, famoso por ter decapitado a Medusa.

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CAPÍTULO 6 – SE EU PUDESSE...

Neste capítulo, o último da tese, as crianças falam de suas leituras e dos livros que

gostam de ler. Traça-se também um panorama dos livros que elas buscam na biblioteca,

informação que nos permite conhecer as leituras que elas procuram para ler em casa. Na

segunda seção, em uma hipotética conversa com autores, os leitores participantes da

investigação revelam o que, em sua visão, não pode faltar num livro para criança. Concluindo

o capítulo, as crianças avaliam as experiências vivenciadas nos Círculos de Leitura e apontam

o significado dessa dinâmica.

6.1 Se eu pudesse falar de livros e de minhas leituras...

“E no final, ela deixava a gente escolher o livro e ver os livros da Mala de Leitura.”

Naruto, 07/02/2017

Nesta seção, analisaremos trechos dos Círculos de Leitura e das entrevistas

individuais nos quais as crianças falaram à pesquisadora sobre os livros que buscam na

biblioteca, sobre obras lidas a partir de algum tipo de indicação ou que elas mesmas indicaram

aos colegas. Ao falar de livros e leituras, as crianças contam também sobre projetos que

vivenciam na escola e que, de alguma forma, ampliaram suas experiências literárias.

Uma observação importante a ser feita é que a turma das crianças participantes da

pesquisa ia semanalmente à biblioteca. Nesse espaço, os leitores podiam escolher os livros

que desejassem ler e que gostariam de levar para casa. Importa destacar que as crianças do

Centro Pedagógico são leitoras cadastradas no Sistema de Bibliotecas da Universidade

Federal de Minas Gerais como qualquer outro estudante da universidade.

No dia 26 de novembro de 2016, durante a entrevista individual realizada com

Luna, ela teceu considerações que nos fazem pensar sobre o fenômeno literatura infantil e o

processo de formação de leitores:

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Figura 53 – Sopa de prego

Fonte: Capa digitalizada pela pesquisadora.

Data: 26/11/2016 [...] Pesquisadora: Ah... Entendi. E qual livro... Você lembra o nome do último livro que você pegou na biblioteca? Luna: Sopa de prego. Pesquisadora: Sopa de prego? É? Olha... Você está gostando do livro? Luna: Eu ainda não sei muito do livro não, mas está legal sim. Pesquisadora: É? Ele é grande ou pequeno? Luna: Grande. Pesquisadora: Tem muita história? Luna: Tem. Pesquisadora: Hã... Sopa de prego... Será que essa sopa é boa? Luna: É. É porque... Eu peguei, porque parecia que eu vi no Castelo Rá-Ti-Bum... é... tinha uma... aquelas histórias... aí tinha uma... de duas pessoas... que... eles só ficaram lá para comer e dormir, né? Porque eles fingiam que era uma sopa de pedra. Foi muito legal. Aí eu pensei que tipo... fosse... tipo uma outra versão. [...]

A criança, durante a interação, indica uma obra que solicitou empréstimo na

biblioteca, para ler em casa com sua família, conforme relatou na continuidade da entrevista:

“Eu e minha mãe, a gente faz um negócio tipo assim: é... eu leio duas páginas do livro e

depois minha mãe conta mais duas páginas.” Na entrevista, Luna cita um programa de

televisão infantil35, a que assiste com frequência. Segundo ela, ele foi o responsável por sua

procura pelo livro Sopa de prego, na biblioteca. A partir de uma história contada no

programa, Luna se interessou em buscar uma versão diferente do conto que ouviu: “Aí eu

pensei que tipo... fosse... tipo uma outra versão.”

A fala dessa criança nos convida a refletir sobre o processo de formação de

leitores e os múltiplos fatores que interferem nesse processo. Esses leitores são formados em

diferentes espaços e recebem muitas influências. A possibilidade de escuta das crianças nos 35 Considerado um dos grandes sucessos da TV Cultura, o Castelo Rá - Ti- Bum ganhou o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1994. Com um total de 90 episódios, a série é considerada paradigma na programação infantil da televisão brasileira.

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permite conhecer as experiências singulares desses leitores. O depoimento de Luna revela que

o processo de formação do leitor não ocorre unicamente pela via da escola ou da família.

Outras instituições, espaços e produtos culturais estão envolvidos e podem influenciar essa

formação. No caso analisado, a criança indica um programa de televisão que conta histórias e

a incentivou a buscar por um livro – o que não é tão comum entre nós. A Sociologia da

Infância contribui com estudos para a compreensão desse aspecto ao destacar que “a criança e

sua infância são afetadas pelas sociedades e culturas que integram” (CORSARO, 2011, p. 32).

Essa afirmação do pesquisador revela como a questão da formação da criança leitora é

complexa e abrange circuitos que vão para além do espaço escolar.

Ao discorrer sobre as realidades que afetam, atualmente, a infância e sua relação

com a leitura, Perrotti (1990) corrobora com os estudos da Sociologia da Infância, ao advertir:

Nos novos tempos, estão em jogo não apenas questões de infra-estrutura que afetam a leitura. Está em jogo, sobretudo, o lugar reservado à infância na sociedade. É aqui que os problemas mais difíceis se colocam, já que dizem respeito ao estar-no-mundo de crianças e jovens de nossa época. E, como se sabe, nossas relações com os objetos culturais são construídas em consonância com esse modo de estar (PERROTTI, 1990, p. 17).

O autor destaca que a forma de estar no mundo das crianças relaciona-se aos

produtos culturais aos quais elas terão acesso. A relação da criança com os livros é afetada por

componentes socioculturais, e os dados da pesquisa nos permitiram compreender um pouco

mais esses aspectos. Tudo isso nos mobiliza a refletir sobre a importância de a escola

conhecer melhor esse leitor e sua forma de estar no mundo.

Ao falar dos livros da biblioteca que levou para casa e dos quais gostou muito,

Luna explica:

Data: 26/11/2016 [...] Pesquisadora: Dos livros que você já levou pra casa, de quais gostou mais? Se você fosse indicar pra algum colega seu, assim um livro que você gostou muito daqui da biblioteca... Luna: O que eu gostei muito é dos livros do Ziraldo, do Menino Maluquinho... Aqueles livros que parecem revistinhas, mas só que são livros... Pesquisadora: Aqui tem? Luna: Tem. Pesquisadora: Você sabe onde eles ficam na biblioteca? Luna: Aham (Confirmando).

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Pesquisadora: Onde que é? Pode ir lá. Você me mostra... (Luna vai à estante e acha um livro rapidamente). Você já sabe a estante direitinho? Pega um só pra você me mostrar. Ah! Traz aqui, por favor. Este você gosta? Luna: Aham. Eu também já levei. Pesquisadora: Você já levou esse? Luna: Aham Pesquisadora: Como ele chama? Luna: É... da... amiga do Menino Maluquinho, da Carolina. Viagens da Carolina (Lê o título). Eu gostei muito de ler esse aí. Pesquisadora: Ela é amiga do Maluquinho? Luna: Aham. É amiga da Juju. Pesquisadora: Você conhece a Turma do Maluquinho toda? Luna: Não. Eu só conheço o Menino Maluquinho. É... eu já vi, mas só não me lembro do nome de um de óculos, com cabelo, o Bocão... Pesquisadora: Um amigo dele? Luna: É. Um amigo dele... a Carolina, a Juju, é... a irmã do Bocão... Eu também já vi o Sugio, aquele japonês... Pesquisadora: Ah é?... [...]

Figura 54 – Viagens da Carolina

Fonte: Capa digitalizada pela pesquisadora.

Durante as entrevistas individuais, as crianças mostraram-se muito à vontade para

conversar com a pesquisadora. Consideramos que a decisão de iniciar as entrevistas

individuais após alguns encontros nos Círculos de Leitura foi acertada, porque as crianças,

acostumadas à dinâmica da pesquisa, inicialmente no seu grupo do Círculo de Leitura,

participaram das entrevistas com desenvoltura e segurança.

O trecho transcrito nos permite tecer algumas reflexões sobre particularidades

desses pequenos leitores. Luna revela que gosta muito dos livros do “Ziraldo”, nomeando

rapidamente esse autor, como outras crianças fizeram durante toda a investigação. Podemos

afirmar que se trata de um autor muito conhecido entre elas. Considerando a autoria dos 19

livros Altamente Recomendáveis da pesquisa, somente esse autor era conhecido pelas

crianças.

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A biblioteca do Centro Pedagógico possui 250 livros de Ziraldo. Há um espaço

reservado para que os livros em quadrinhos do escritor fiquem juntos, livros nomeados no

suporte como “Almanaque”, ou, como definiu espontaneamente Luna no episódio: “Aqueles

livros que parecem revistinhas, mas só que são livros.”. Alguns títulos possuem mais de um

exemplar, como observamos nas estantes, e a procura dos leitores do 1º Ciclo por esses livros

é expressiva, como mostram os dados de empréstimos da biblioteca que analisamos. Outra

informação que apareceu nos dados é que muitas crianças da turma possuíam livros desse

autor em casa, conforme relataram nas interações analisadas, livros esses comprados por suas

famílias. Consideramos que esses dados indicam o prestígio social do escritor junto a esses

leitores e às suas famílias.

Em relação ao prestígio social do autor Ziraldo junto às crianças, um trecho da

entrevista com Luna é extremamente significativo. Ao falar sobre a obra O Capetinha do

Espaço ou O Menino de Mercúrio, escrita por Ziraldo e também comentada pelas crianças

leitoras nos diferentes grupos, Luna faz uma consideração que nos chamou a atenção.

Vejamos:

Data: 26/11/2016 [...] Pesquisadora: O do Menino Maluquinho você já levou... Luna: É. Já levei. Pesquisadora: E aquele do Nino, a gente leu junto... Luna: Ah é! Eu levei... Eu lembrei! Eu peguei o do Capetinha do Espaço. Pesquisadora: Ah! Aqui tem? Na biblioteca? Luna: Tem. Pesquisadora: E você gostou do livro? Luna: Aham (Concordando). Pesquisadora: É engraçado ou não? (Luna tinha falado que gostava de livro engraçado, por isso a pergunta). Luna: Não. Pesquisadora: Ah, ele não é engraçado... Luna: É, mas eu gostei muuuito. E também é do Ziraldo, né? (Fala meio que sorrindo). [...]

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Figura 55 – O capetinha do espaço

Fonte: Capa digitalizada pela pesquisadora.

A expressão dessa criança, de apenas seis anos, “E também é do Ziraldo, né?”

revela a identificação da autoria por aquela pequena leitora. Possivelmente, a sua fala reflete

avaliações e posições de outros setores relacionados à produção editorial, incluindo aqui os

catálogos de editoras e a mídia. Durante a pesquisa, as crianças disseram que assistiam ao

desenho animado do Menino Maluquinho e muitas assistiram também ao filme. No que tange

à seleção de livros, o reconhecimento social do autor pode ser um fator que exerce influências

no processo de escolha da escola, da família e da própria criança. A esse respeito, Cosson

(2006, p. 31-32) afirma:

Isso para não se falar dos vários processos de seleção de ordem anterior à chegada dos livros nas livrarias, como o prestígio social dos escritores, que incentiva a escrita de textos semelhantes pelos mais novos, e os interesses econômicos e ideológicos das editoras, que as levam a publicar este ou aquele livro.

Como destaca o pesquisador, há muitos fatores que interferem no processo de

seleção de textos literários e precisamos ficar atentos a esses fatores, sem desconsiderar,

contudo, o que buscamos mostrar neste trabalho: o que pensam as crianças leitoras sobre os

livros literários.

Se voltarmos à entrevista, veremos que Luna, ao se referir aos amigos do Menino

Maluquinho que aparecem nos livros, revelou conhecer praticamente todos eles pelo nome,

além de confirmar que já havia levado para casa várias obras nas quais eles eram os

personagens. Observamos também a rapidez com a qual a criança foi à estante buscar o livro

Viagens da Carolina, que, segundo ela, havia lido e gostado muito. No diálogo, contou

detalhes da história com entusiasmo e segurança. Percebemos que Luna conhece o espaço da

biblioteca e as estantes dos seus livros “preferidos”. Durante a pesquisa, muitas crianças

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referiram-se aos mesmos livros e também se dirigiram às mesmas estantes, quando falavam

sobre as obras que gostam de ler, demonstrando suas preferências, além do conhecimento do

acervo disponível na biblioteca.

Em relação à obra Viagens da Carolina, citada pela leitora no trecho da entrevista,

observamos que se trata de uma história organizada em quadrinhos. Ela faz parte da coleção

Almanaque Maluquinho. Segundo Luna, “é um livro que parece revistinha”. Por possuir um

maior número de páginas, diferentemente das revistinhas em quadrinhos, a criança considera

que se trata de um livro, porém, segundo ela, são livros que parecem revistinhas. Talvez essa

observação seja pelo fato de a obra trazer as narrativas em quadrinhos, com a presença de

muitas imagens coloridas. Esse tipo de proposta parece agradar e atrair o leitor em processo

de alfabetização, pois conjuga o que, para eles, é fundamental num livro infantil “ser

engraçado, legal e com bastante figura”, como afirmou a própria Luna em outro momento da

pesquisa.

No dia 8 de fevereiro de 2017, fizemos uma entrevista com Kakashi e a interação

nos trouxe dados interessantes em relação às indicações de livros que as crianças fazem umas

às outras. Como as considerações dessa criança foram representativas em relação aos outros

leitores, selecionamos alguns trechos para analisarmos. Vejamos:

Figura 56 – Quem tem medo?

Fonte: Livros digitalizados pela pesquisadora.

Data: 08/02/2017 [...] Pesquisadora: Agora... Você já indicou algum livro... para um amigo seu... que você gosta muito... Você falou assim “leva este livro! Pega ele!” Você já indicou algum livro alguma vez? Kakashi: Já. Pesquisadora: Você lembra que livro que você indicou? Kakashi: Lembro. Foi... é... Quem tem medo de bruxa?... E também um monte de pessoas já me indicou. Pesquisadora: É? Qual que já te indicaram?

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Kakashi: É... O primeiro que eu fiquei sabendo foi Quem tem medo de... de... monstro (Fala com ênfase). Quem tem medo de monstro? (Fala o nome do livro completo com segurança) Pesquisadora: É? Já te indicaram esse livro?... E você leu? Kakashi: Li. Pesquisadora: E você realmente gostou ou não? Kakashi: Eu gostei (Ênfase na letra “i”) Pesquisadora: Você achou que foi uma boa indicação? Kakashi: Hum-hum (Concordando). [...]

A criança relata o nome de um livro que indicou para um amigo: Quem tem medo

de bruxa? Revela também o nome de um livro que “um monte de pessoas já me indicou para

ler”: Quem tem medo de monstro? Esses livros foram citados por outras crianças durante a

pesquisa e, ao longo de minha trajetória como professora, tenho observado que a Coleção

Quem tem medo?, a que pertencem as duas obras, realmente desperta o interesse das crianças

em processo de alfabetização. Elas demonstram apreciar os livros dessa coleção,36 tanto para

leitura na própria biblioteca quanto para leitura em casa. Esses livros também são escolhidos

pelas crianças no Projeto Mala de Leitura da UFMG, projeto desenvolvido em muitas escolas

públicas. Interessante observar que alguns livros dessa Coleção estão também na lista dos

mais procurados pelas crianças do 1º Ciclo na biblioteca do Centro Pedagógico, como

demonstra o levantamento que realizamos e que abordaremos posteriormente.

O que explicaria o interesse das crianças por esses livros? O tema “medo”,

desenvolvido pelas obras da Coleção, que daria corpo aos medos enfrentados pelas crianças

no dia a dia? Segundo Bettelheim (2017, p. 27), se uma criança se sente atraída por uma

história, isso significa que os motivos ou temas aí apresentados conseguiram despertar uma

resposta significativa nesse momento da sua vida. Seria essa a razão da procura das crianças

pelos livros dessa coleção?

No dia 22 de maio de 2017, durante a entrevista individual realizada com Sawk,

este também revela o título de uma obra indicada por um colega da turma e que ele gostou de

ler:

Data: 22/05/2017 [...] Pesquisadora: E algum colega seu, alguma vez, já te indicou algum livro? Ele falou: Ô, Sawk, eu li esse livro… Ele é legal! Sawk: Já.

36 Outros títulos da Coleção Quem tem medo?, organizada pela Editora Scipione: Quem tem medo de fantasma?, Quem tem medo de dragão?, Quem tem medo do escuro?, Quem tem medo de dentista?, Quem tem medo de extraterrestres?, Quem tem medo de mar?, Quem tem medo de lobo?, Quem tem medo de tempestade?

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Pesquisadora: Já? Sawk: Alguns… tipo… o Coringa. Ele já me falou do livro O Capetinha do Espaço, que está bem ali (Aponta para a estante da biblioteca) Pesquisadora: Cadê? Sawk: Ali embaixo. Na segunda estante. E também o Dedé, porque eu estou com um livro lá da Palavra Cantada. Pesquisadora: Ele que te indicou? Sawk: Aham. Eu achei e ele falou sobre o livro. Pesquisadora: Ah!... E você gostou? Sawk: Aham. [...]

Na entrevista, Sawk cita o nome de um livro indicado por um colega e que

algumas crianças também comentaram ao longo do estudo: O Capetinha do Espaço. O título

original do livro é complementado pela expressão “O Menino de Mercúrio”. A criança

entrevistada conta que seu colega recomendou a leitura dessa obra e, no momento da

entrevista, a criança complementa: “está bem ali”; “ali embaixo, na segunda estante”.

Percebemos, mais uma vez, que as crianças conheciam o espaço da biblioteca e sabiam

indicar onde estavam as obras que buscavam com maior frequência. Isso nos leva a deduzir

que eram leitoras com familiaridade no espaço da biblioteca. No diálogo, Sawk cita também

um livro do grupo “Palavra Cantada” que encontrou na estante e sobre o qual seu colega

conversou com ele. Na lista de empréstimos da criança, descobrimos que se trata do livro As

melhores brincadeiras musicais da Palavra Cantada. A obra traz jogos e brincadeiras criados

com base nas músicas do grupo. Um DVD acompanha o livro.

Tendo como referência as considerações das crianças nos diferentes momentos da

pesquisa, percebemos que o projeto gráfico da maioria dos livros indicados por elas poderia

ser um fator de atração: obras ilustradas, com imagens que ocupam uma parte expressiva do

conjunto e utilização de muitas cores.

Além de livros indicados por colegas ou que tiveram acesso por meio da mídia,

como relatou Luna, as crianças apontaram também experiências de leitura vivenciadas por

meio de projetos e/ou mediações realizadas pela escola. Vejamos o que nos disseram os

leitores:

Data: 24/10/2016 [...] Luna: É... Num dia... que... teve... Estava no meu dia da “Sacola de Leitura” aí eu peguei um livro do Ziraldo que se chama Menina Nina. Pesquisadora: Menina Nina? Luna: Aham! Pesquisadora: Ah! Muito bem. E você gostou?

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Luna: Gostei. Naruto: Igual o Nino! (Associa o nome do livro citado pela colega com o personagem da obra Nino, o menino de Saturno que líamos no grupo). Pesquisadora: E você me falou que pegou outro além da Menina Nina? Você pegou ele na sacola... e você pegou outro? Luna: Aham! Eu peguei outro do Ziraldo hoje na biblioteca. Pesquisadora: Qual que é? Luna: O chapéu do Brasil. Pesquisadora: Ahah... [...] Data: 07/02/2017 [...] Pesquisadora: Ah... Então uma vez você veio aqui para ler revista em quadrinhos? Mas você vem aqui na biblioteca com a sua professora? Naruto: Aham. Pesquisadora: Ah... Naruto: Pra ela contar história... ou ouvir a história de uma menina... que fica ali... esqueci o nome dela. Pesquisadora: Uma menina que ficava ali? Naruto: Aham. Com uma mala. Pesquisadora: Com uma mala? Naruto: Aham. Esqueci o nome. Pesquisadora: É do Projeto “Mala de Leitura”? Naruto: Aham. Pesquisadora: E você gostava das histórias do Projeto “Mala de Leitura”? Naruto: Sim... E no final ela deixava a gente escolher o livro e ver os livros da Mala de Leitura.

No primeiro episódio transcrito, a leitora cita o nome do livro Menina Nina que

leu em razão da existência de um projeto institucional de sensibilização literária, desenvolvido

no 1º Ciclo do Centro Pedagógico e nomeado “Projeto Sacola de Leitura”. Este possibilita à

criança escolher livros da biblioteca de classe da turma para serem lidos em casa e, assim,

compartilhar com sua família a experiência de ler literatura. Esses livros são levados numa

sacola, por isso o nome do Projeto.

No segundo episódio, outro projeto institucional é citado por Naruto. Trata-se do

Projeto de Ensino, Pesquisa e Extensão “Mala de Leitura da UFMG”, desenvolvido no Centro

Pedagógico com todas as turmas do 1º Ciclo e já explicado anteriormente. Importa destacar

que os dois projetos possibilitam o acesso a livros literários e permitem que a criança escolha

o livro que deseja ler, característica destacada pelo leitor em sua entrevista: “E no final ela

deixava a gente escolher o livro e ver os livros da Mala de Leitura.”. No caso do “Projeto

Sacola de Leitura”, a criança escolhe um livro para ler em casa; já no “Projeto Mala de

Leitura da UFMG”, o pequeno leitor realiza a leitura do livro escolhido na própria biblioteca,

local onde se desenvolve a ação de incentivo à leitura.

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A voz das crianças indica que as experiências vivenciadas na escola também

sensibilizam (ou não) o leitor para a leitura de literatura. A existência de projetos específicos

que estimulam a leitura literária assume importância ímpar na trajetória dessas crianças

leitoras, no projeto pedagógico da escola e também na atuação dos docentes. Além da

referência aos projetos “Sacola de Leitura” e “Mala de Leitura”, as crianças indicaram que a

professora da turma pesquisada ia semanalmente à biblioteca para contar ou ler histórias. Essa

prática revela uma atenção no trabalho com literatura, concretizada na definição de um espaço

no planejamento semanal para a leitura de livros literários na biblioteca. Sisto (2011, p. 309)

realça a sedução provocada por uma história bem contada, ao compartilhar o seu depoimento

pessoal a respeito do significado das histórias contadas por suas professoras da escola

primária:

Carrego-as comigo como se ainda tivesse aquela idade (elas me fazem voltar no tempo e ter o tamanho que eu quiser), carrego-as comigo para me banhar na fantasia que recarrega a minha relação com o mundo; carrego-as comigo para descobrir que tudo o que se sente com força impulsiona a nossa vida; carrego-as comigo para lembrar que só por tê-las ouvido valeu a pena ter ido à escola!

Possivelmente, todos nós temos lembranças de histórias ouvidas nos primeiros

anos do Ensino Fundamental. Segundo Ceccantini (2009, p. 213), a atividade conhecida como

a “hora do conto” se reveste de um poderoso valor simbólico, uma vez que:

remete ao gesto ancestral dos homens de outras épocas, que, sentados à beira de uma fogueira, compartilhavam experiências, histórias, sentidos, quando ainda não havia o livro e essa atividade era vital para a continuidade entre as gerações. Assim, quem sabe, é possível pensar “a hora do conto” como a atualização, para os pequenos leitores em formação, desse gesto fundamental de construção de sentidos, sem o qual não há educação de qualidade.

Resgatando as origens da contação de histórias, o autor destaca a importância de

espaços e tempos na escola para ações como a “hora do conto”. Analisando o processo de

formação de mediadores de leitura, Rösing (2009, p. 134) ressalta o papel do professor que,

no exercício da docência, desenvolve ele próprio o gosto pelo literário e pelo uso estético da

linguagem. Para a autora, “a mediação de leitura pressupõe a formação do mediador enquanto

leitor e leitor de textos literários.” (RÖSING, 2009, p. 137).

A presença docente no trabalho com a literatura foi ressaltada por outras crianças

que chegaram a nomear livros lidos pela professora como veremos no episódio a seguir. Nele,

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crianças e pesquisadora conversavam sobre a obra Altamente Recomendável De noite no

bosque:

Data: 20/02/2017 [...] Pesquisadora: Qual é esta história aqui, pessoal? Mayara e Apple: Do gigante (Observando a imagem do livro, p. 22-23). X-Tudo: Eu queria que fosse a história do gigante de aço. Pesquisadora: Esta é a do Pequeno Polegar (Diz ao esperar um tempo. A maioria das crianças demonstrou não conhecer a história do Pequeno Polegar). Vocês já ouviram falar nessa história? X-Tudo: Eu já. Porque a Flávia contou uma história, lembra? (Dirige-se aos colegas de grupo) Que tinha... que era... o Saci Pererê. Tinha um Saci Pererê aí ele era... Aí entrou numa casa e pegou biscoitos de chocolate dos velhinhos... Pesquisadora: (Sorri) Sapeca, né? X-Tudo: Aí... aí... Ele derramou um negócio lá que ficou líquido... Aí o velhinho saiu correndo atrás dele. Pesquisadora: Mas e o Pequeno Polegar? X-Tudo: Aí ele correu muito rápido. Ele... ele... queria um... um... é um bloco de açúcar. Aí o Pequeno Polegar falou assim: quem ganhar a corrida ganha o bloco de açúcar. Pesquisadora: Na história do Saci tem o Pequeno Polegar? X-Tudo: Aham... Aqui. Aí... aí... O saci enganou o Pequeno Polegar e ficou com o... (Fala muito entusiasmado) dobro de açúcar que ele ganhou. Quando ele chegou lá no rio e tinha a onça e a onça falou que ela não gosta de doce e a... e a onça ajudou ele a passar do rio, e quando ele chegou do outro lado do rio, tava um tantão de gente assim, aí... aí... o Saci Pererê foi pra dentro d’água. Pesquisadora: Que livro é este? X-Tudo: Vamos apostar corrida? Ele é legal. (Outras crianças também haviam falado dele com a pesquisadora).

Durante a conversa suscitada pela leitura do livro De noite no bosque, obra que

realiza relações intertextuais com vários contos clássicos, uma criança, ao ouvir o nome O

Pequeno Polegar, se recorda de um livro que a professora de sua turma havia lido para eles.

Com entusiasmo, o pequeno leitor narra alguns acontecimentos da história, demonstrando ter

apreciado a obra. O livro Vamos apostar corrida?, apontado pela criança no diálogo

transcrito, foi mencionado por outros leitores em outros momentos da pesquisa. Ao falarem

desse livro, as crianças citaram também um bate-papo com o autor dessa obra e de outras, que

aconteceu na escola.

As falas das crianças nos levam a refletir como a escola também se insere nesse

complexo contexto de construção de repertórios de leitura pelos pequenos leitores, por meio

de seus projetos e das ações específicas dos docentes no que tange à leitura e/ou contação de

histórias. A escola atua também por meio da organização de outras formas de divulgação e

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promoção do livro, como é o caso do bate-papo com autores, citado pelas crianças no estudo,

dentre outras iniciativas. A respeito da importante atuação da escola, principalmente na faixa

de escolarização que abrange a Educação Infantil até cerca do 5º ano do Ensino Fundamental,

Ceccantini (2009, p. 214) aponta:

Assim, desperta entusiasmo observar no ambiente escolar brasileiro, hoje, a crescente recorrência de crianças das séries iniciais que, sob a ação da animação de leitura, se demonstram estimuladas a ler, frequentam a biblioteca da escola (ou outras bibliotecas, motivadas por seus professores), retiram livros com regularidade, elegem obras e autores de sua preferência (bem como rejeitam tantos outros...), assumem posições firmes sobre as obras lidas, compartilham vivências de leitura com os colegas.

O pesquisador indica em sua reflexão muitas situações que tivemos a

oportunidade de observar e compartilhar com as crianças ao longo da investigação. Sua

análise reafirma o papel da escola e suas possibilidades de atuação junto ao leitor. Em sua

exposição sobre propostas de animação de leitura, Ceccantini (2009, p. 214), citando a revista

espanhola Cuadernos de Literatura Infantil y Juvenil (CLIJ), que traz o tema como matéria de

capa, indica algumas “regras da animação de leitura”, que se mostram significativas, dentre as

quais destacamos: ter desejo de animar a ler, despertar a vontade de ler, colocar livros à

disposição das crianças, tornar os livros acessíveis ao leitor, trabalhar em equipe e estabelecer

um plano de atuação. Acreditamos que essas são ações possíveis de serem realizadas e que

marcariam positivamente a história de leitura de cada criança.

Durante a experiência da pesquisa, observamos que as crianças, quando apreciam

um livro, contam com entusiasmo e segurança os acontecimentos da narrativa, como

aconteceu no Círculo de Leitura, por diversas vezes. Transcreveremos a seguir um desses

significativos momentos:

Data: 24/10/2016 [...] Pesquisadora: E você? Tem algum que você leu, Kakashi? Que você gostou demais? Que você gostaria que a gente lesse aqui no Círculo de Leitura? Kakashi: Sim. Tem um da biblioteca... Foi A bruxinha e o dragão... Pesquisadora: Esse chama assim A bruxinha e o dragão? Você achou legal? Kakashi: É... teve... Há muitos anos atrás, tinha um tanto de bruxinhas... que quando elas completavam 8 anos, elas ganhavam um dragão. Aí podia ser um voador, um bem grandão, um bem pequenininho, um... e um... soltador de fogo e um com um monte de... chifres... Mas teve uma bruxinha que ela não queria nenhum... Ela queria o maior de todos, o que tivesse mais chifres. Aí... o pai dela tentou toda a mágica do mundo... aí ele pensou... que ele não

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ia conseguir... aí ele foi e se transformou num dragão. Ele era... ele estava pequenininho... aí... ela gostou dele. Ele era bem colorido. Pesquisadora: Ah é? Kakashi: Aí ele foi crescendo, crescendo... Quando ele ficou no quarto dela, aí teve uma parte que a cauda dele, a cauda dele saiu. Pesquisadora: E chama A bruxinha e o dragão? Ah... Um dia você me mostra lá na biblioteca? Kakashi: Vou tentar achar... [...]

No episódio, a criança conta, espontaneamente, detalhes da história do livro que

havia levado para casa por meio de um empréstimo da biblioteca. Escolhemos essa interação

para transcrição, por ser representativa, no que tange ao entusiasmo com que as crianças

falavam dos livros que apreciaram ter lido. Ao final da narrativa do leitor, sentimos um desejo

de buscar e conhecer a obra, em razão da narrativa da criança. Kakashi, com a intensidade de

seu reconto, demonstrou que o livro A bruxinha e o dragão o havia tocado afetivamente.

Rosenblatt (2002, p. 101) destaca que os alunos respondem íntima e espontaneamente à

literatura, dependendo da relação que se estabelece na escola entre professores e alunos. A

autora reforça em seu texto a importância da “creación de um ambiente adecuado para la

respuesta personal” (ROSENBLATT, 2002, p. 103) dos estudantes, em razão da leitura de

textos literários. Concordando com a autora, e com base nos dados coletados, acreditamos que

os leitores querem falar dos textos lidos, querem trocar ideias sobre trechos e personagens da

narrativa, querem contar aos outros leitores o que têm lido e as leituras que apreciaram, mas é

necessário ouvi-los. Essa profunda experiência literária do leitor com o texto lido é ressaltada

pela autora da seguinte forma:

A leitura de uma obra particular, em um momento particular, por parte de um leitor particular, é um processo extremamente complexo. Os fatores pessoais afetam inevitavelmente a equação representada pelo livro mais o leitor (ROSENBLATT, 2002, p. 104, tradução nossa)37.

Ao se debruçar sobre uma obra, o leitor experimenta esse momento particular e

complexo destacado pela autora. De acordo com o que temos observado, a criança vivencia

essa relação livro e leitor de uma forma coletiva, pois, durante a leitura, gosta de compartilhar

com o outro as suas impressões. Quando está com um livro nas mãos, a criança tende a

mostrar ao colega alguma imagem, procura comentar sobre determinado personagem,

37 La lectura de una obra particular, en un momento particular, por parte de um lector particular, es um proceso en extremo complejo. Los factores personales afectan inevitablemente la ecuación representada por el libro más el lector.

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pergunta sobre algo que não entendeu, sorri de imagens e gosta quando seu colega sorri com

ela. Essa equação livro e criança leitora, ressaltada pela autora na citação, mostra-se como

uma relação ímpar e bem particular.

No contexto de toda essa discussão, inspirada nos episódios transcritos,

percebemos como há uma rede de fatores e condicionantes que influenciam e interferem na

história de leitura que cada leitor vai construindo ao longo de sua jornada no mundo. No caso

desta pesquisa, apareceram os programas infantis, as indicações de colegas, o contexto

familiar e de amigos, os projetos institucionais da escola de incentivo à leitura, a atuação

docente, o desenvolvimento de atividades como “hora do conto”, ações como bate-papo com

escritores, sem falar na descoberta do livro pela própria criança quando vai à biblioteca, como

ela mesmo nos narrou. Observa-se uma rede de fatores que influenciam a relação do pequeno

leitor com a literatura.

Como não é possível transcrever neste texto todas as interações nas quais as

crianças indicaram livros que apreciaram, organizamos o Quadro 11 com o objetivo de dar

visibilidade às obras indicadas por elas, nos Círculos de Leitura e nas entrevistas individuais:

Quadro 11 – Obras indicadas pelas crianças leitoras

Título Escritor(a) Ilustrador(a) Editora A bruxinha e o dragão Jean-Claude R Alphen Jean-Claude R Alphen Cia das Letrinhas A princesa que não queria aprender a ler Heloísa Prieto Janaína Tokitaka FTD

Almanaque Maluquinho Viagens da Carolina Ziraldo Ziraldo Globo livros

As cartas de Ronroroso: minha bruxa que não quer ser bruxa

Hiawyn Oram Sarah Warburton Salamandra

As melhores brincadeiras da Palavra Cantada

Paulo Tatit e Sandra Peres Tatiana Paiva Melhoramentos

Até as princesas soltam pum Ilan Brenman Ionit Zilberman Brinque Book

Carona na vassoura Julia Donaldson Axel Scheffler Brinque-Book

E a lua sumiu Milton Célio de Oliveira Filho Maté Brinque-Book

Maluquinho por futebol Ziraldo Ziraldo Globo

Menina Nina Ziraldo Ziraldo Melhoramentos O Capetinha do Espaço ou O Menino de Mercúrio (Coleção Os meninos dos planetas)

Ziraldo Ziraldo Melhoramentos

O caso das bananas Milton Célio de Oliveira Filho Mariana Massarani Brinque-Book

(Continua)

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(Conclusão)

Título Escritor(a) Ilustrador(a) Editora

O caso do pote quebrado Milton Célio de Oliveira Filho Mariana Massarani Brinque-Book

O Enigma da Lagoa Milton Célio de Oliveira Filho Maté Brinque-Book

O Menino da Lua (Coleção Os meninos dos planetas) Ziraldo Ziraldo Melhoramentos

O Menino da Terra (Coleção Os meninos dos planetas)

Ziraldo Ziraldo Melhoramentos

O Menino Maluquinho Ziraldo Ziraldo Melhoramentos O Namorado da Fada ou O Menino de Urano (Coleção Os meninos dos planetas)

Ziraldo Ziraldo Melhoramentos

Quem tem medo de bruxa? (Coleção Quem tem medo?)

Fanny Joly Jean-Noël Rochut Scipione

Quem tem medo de fantasma? (Coleção Quem tem medo?)

Fanny Joly Jean-Noël Rochut Scipione

Quem tem medo de monstro? (Coleção Quem tem medo?)

Fanny Joly Jean-Noël Rochut Scipione

Rupi, o menino das cavernas Timothy Bush Timothy Bush Brinque-Book

Sopa de prego Eric Maddern Paul Hess Biruta

Vamos apostar corrida? Henrique Vale Vanessa Prezoto Bambolê

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Além dos livros listados no Quadro 11, não podemos deixar de destacar as

revistinhas da Turma da Mônica, que também foram muito citadas pela maioria das crianças

como uma leitura agradável e divertida. Além de possuírem revistinhas em casa, alguns

leitores relataram que gostam de ir à biblioteca para lerem as revistinhas da gibiteca.

Confirmando a expansão dos quadrinhos no Brasil e a histórica relevância da imagem na

produção editorial, Lajolo & Zilberman (2017, p. 29) destacam:

Com a emergência e expansão das histórias em quadrinhos, ao final do século XIX, e, depois, com sua plena difusão no Brasil a partir da segunda metade do século XX, a imagem passou a ser tão ou mais relevante que o texto, impondo sua presença nos gêneros com os quais compartilhava o público. E como o maior número de seus consumidores situava-se na faixa etária definida como infantil e juvenil (e, mais contemporaneamente, jovens e adultos), a literatura dirigida a esse segmento de mercado incorporou a linguagem visual, cedendo espaço crescente à matéria figurativa.

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Uma análise dos livros listados no Quadro 11 revela e confirma como a

linguagem visual foi incorporada pela literatura. Algumas das características apreciadas pela

criança leitora e já apontadas neste texto podem ser observadas nas obras listadas: capa

colorida e atrativa, presença de muitas imagens, obras com temas que atraem o pequeno leitor

(planetas, animais, medos), enredo que apresenta crianças e/ou bichos como personagens.

Outro dado que aparece é a leitura de livros pertencentes a coleções. No quadro, podemos

identificar títulos pertencentes a três coleções diferentes: Coleção Os meninos dos planetas,

Coleção Quem tem medo? e Coleção Almanaque Maluquinho.

Essas indicações das crianças durante o estudo despertaram o nosso interesse por

conhecer os livros da biblioteca que os leitores do 1º Ciclo desejam levar para casa. Nosso

objetivo era analisar se os títulos indicados pelas crianças da turma na pesquisa apareceriam

nos relatórios de empréstimos e também conhecer as outras leituras que compõem o repertório

dos leitores. Atendendo à nossa solicitação, a bibliotecária realizou o levantamento que

solicitamos38 por meio do sistema de bibliotecas e disponibilizou os dados. Para isso, a

servidora gerou relatórios das leituras de cada criança do 1º Ciclo, no ano de 2017, ano de

coleta expressiva de nossos dados. Como há na escola 6 turmas de 1º Ciclo e cada turma é

constituída em torno de 25 alunos, foram gerados 127 relatórios39. Destaca-se que a biblioteca

do Centro Pedagógico possui um acervo de 24.000 livros.

Com esses relatórios em mãos, inicialmente, listamos todos os títulos que

apareceram na lista de empréstimos. Observa-se uma grande variedade de títulos escolhidos

pelas crianças, talvez pela quantidade de livros disponível no acervo da biblioteca. As

crianças do 1º ano escolheram, em 2017, 123 títulos diferentes para empréstimo; as do 2º ano,

322 e as do 3º, 181. É possível identificar um aumento significativo do volume de leitura de

cada criança do 1º para o 2º ano: a média de livros lidos pelos leitores do 1º ano é de 5 livros

por ano. No segundo ano, o número triplica e passa para 15 livros. No terceiro, a média de

leitura é de 9 livros por ano e esse número mostra que o crescimento observado no primeiro

para o segundo ano não se repete do segundo para o terceiro ano. Que fatores influenciariam

esses dados? Seria a regularidade com que as turmas vão à biblioteca? O trabalho de

mediação e de incentivo à leitura que é realizado pelos docentes e outros mediadores da

escola? Esses dados da biblioteca abrem novas oportunidades de pesquisa.

38 Agradecimento especial à Julianna dos Santos Rocha, bibliotecária do Centro Pedagógico, que realizou o levantamento dos livros solicitados pelas crianças do 1º Ciclo para empréstimo. 39 Leitores cadastrados no sistema: 1º ano, 40 crianças; 2º ano, 47 e 3º ano, 40 crianças.

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Dentre a diversidade de títulos que aparecem nos relatórios de empréstimo de

cada criança, alguns dados nos chamam a atenção: livros do autor Ziraldo (mais de 30 títulos

de diferentes coleções), livros da Coleção Quem tem medo?, livros de teor informativo

também pertencentes a coleções (Ex: Plantas: as descobertas começam com uma palavra;

Répteis: as descobertas começam com uma palavra, dentre outros) e livros relacionados a

jogos de computador como é o caso de Diário de um Zumbi do Minecraft: um desafio

assustador, demonstrando influências desses jogos na publicação editorial contemporânea.

Observamos, na lista elaborada, a procura por livros produzidos em séries. Hunt (2010, p.

275) cita uma sondagem importante realizada no Reino Unido, o Children’s Reading Choices

(Leituras escolhidas pelas crianças, 1999), que confirma a observação comum nas livrarias de

que os livros “em série” superam em valor todos os outros no contexto. Não seria importante

uma sondagem semelhante no Brasil? Essa nos permitiria pesquisar: que livros as crianças

têm procurado nas livrarias brasileiras? Que características possuem essas obras “em série”

que atraem o leitor? O que os leitores diriam sobre os livros numa conversação?

A partir da lista que elaboramos, com todos os títulos procurados pelas crianças

do 1º Ciclo, foi possível identificar também as obras mais desejadas, ou seja, aquelas que

apresentaram o maior número de empréstimos. Os quadros abaixo revelam os cinco títulos

mais procurados em cada ano do 1º Ciclo.

Quadro 12 – Lista dos livros mais procurados por crianças do 1º ano

Título Escritor(a) Ilustrador(a) Editora Tobias e o grande livro dos fantasmas Tom Percival Tom Percival Caramelo

O carteiro chegou Allan Ahlberg Janet Ahlberg Companhia das Letrinhas

Menina bonita do laço de fita Ana Maria Machado Claudius Ática

Diário de um Zumbi do Minecraft: um desafio assustador

Herobrine Books _ Sextante

Quem tem medo de fantasma? Fanny Joly Jean-Noël Rochut Scipione

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

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Quadro 13 – Lista dos livros mais procurados por crianças do 2º ano

Título Escritor(a) Ilustrador(a) Editora O mais assustador do folclore: monstros da mitologia brasileira

Luciana Garcia Roger Cruz e Bruna Brito Caramelo

O mais latino do folclore Luciana Garcia Fábrica de Quadrinhos Caramelo

O mais legal do folclore Luciana Garcia Roger Cruz e Bruna Brito Caramelo

O mais misterioso do folclore Luciana Garcia Roger Cruz e Bruna

Brito Caramelo

Tobias e o grande livro dos fantasmas Tom Percival Tom Percival Caramelo

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

Quadro 14 – Lista dos livros mais procurados por crianças do 3º ano

Título Escritor(a) Ilustrador(a) Editora As aventuras da professora maluquinha em quadrinhos

Ziraldo Ziraldo Globo

Diário da Julieta 2: as histórias mais secretas da Menina Maluquinha

Ziraldo Ziraldo Globo

Maluquinho de família Ziraldo Ziraldo Globinho

Maluquinho por esporte Ziraldo Ziraldo Globinho

Por que só as princesas se dão bem? Thalita Rebouças Fabiana Salomão Rocco

Proibido para maiores: as melhores piadas para crianças

Paulo Tadeu Paulo Tadeu Matrix

Rá ré ri ró ria!: novas piadas para crianças Paulo Tadeu Paulo Tadeu Matrix

Viagens muito maluquinhas Ziraldo Ziraldo Globinho

Fonte: Elaborado pela pesquisadora.

O levantamento realizado confirmou alguns dados da pesquisa no que se refere à

preferência das crianças por determinados livros e autores mencionados. Algumas perguntas

vão se delineando: Que características da obra Tobias e o grande livro dos fantasmas atraem o

interesse das crianças do 1º e 2º anos? Por que a Coleção “O mais legal do folclore”

(composta pelos livros O mais legal do folclore, O mais assustador do folclore, O mais latino

do folclore e O mais misterioso do folclore) é tão procurada pelas crianças do 2º ano? Que

contos aparecem nessa Coleção? O que diriam as crianças, num Círculo de Leitura, sobre

cada livro listado nos quadros? Que aspectos elas destacariam em cada um? Observa-se que

os dados de empréstimo da biblioteca apontam a possibilidade de desenvolvimento de outras

pesquisas.

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Toda a discussão apresentada nesta seção revela que os circuitos de leitura das

crianças são complexos e recebem influências variadas que vão constituindo o repertório de

textos de cada leitor.

6.2 Se eu pudesse conversar com um autor...

“Que seja legal, bastante engraçado e que tenha bastante figura”.

Luna, 26/11/2016

Durante a pesquisa, uma pergunta do roteiro inicial gerou respostas que

demonstram, de certa maneira, a estética apreciada pelos pequenos leitores participantes: “Se

você pudesse conversar com um escritor ou com uma escritora de livros para crianças, o que

você diria a ele/a que não pode faltar num livro? As respostas das crianças, marcadas por

recorrências, indicaram os elementos que elas apreciam no livro infantil e que nos convidam à

reflexão a respeito da recepção dos livros pelos leitores de carne e osso.

A seguir, temos um trecho de uma entrevista na qual Luna nos mostra o que

considera importante num livro para crianças. É interessante observar que a fala dessa criança

nos faz recordar da célebre declaração da personagem de um clássico da literatura mundial.

Data: 26/11/2016 [...] Pesquisadora: Se você fosse falar com um escritor ou escritora assim... Um autor que escreve pra criança... Luna: Hum... Hum... Pesquisadora: Se você fosse falar com ele, o que você falaria para ele que é importante num livro para criança? Luna: Que seja legal, bastante engraçado e que tenha bastante figura. Pesquisadora: Ah!... Tem que ser engraçado... Luna: Legal e com bastante figura (Completando a fala da pesquisadora). Pesquisadora: Ah, você acha que livro pra criança tem que ter bastante figura? Luna: É. Eu gosto bastante de figura. Porque às vezes... imagina... Um escritor faz um livro só de figuras. Aí eu acho que é melhor pra entender... é... quando assim... eu vejo... assim as imagens. Pesquisadora: Te ajuda? Luna: É. Às vezes, quando eu vou ver revistinhas, só pelas imagens eu já entendo a historinha. [...]

Foi possível perceber como a criança revela a consciência de que as imagens

contribuem para a construção de sentidos do texto e, segundo ela, podem até prescindir dele.

A partir das imagens, ela cria suas próprias histórias, imagina relações entre as personagens

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representadas na ilustração, busca construir sentidos para o que está representado. Luna

destaca as características que, para ela, são importantes num livro destinado ao público

infantil: “legal, engraçado e que tenha bastante figura”. Luna sintetizou o que outras crianças

disseram ao longo da pesquisa. No episódio, ela nos faz recordar de um trecho do clássico

Alice no país das maravilhas, no qual a protagonista questiona: “De que serve um livro sem

figuras nem diálogos?”.40 As crianças pequenas, quando leem, se apoiam, sobretudo, no texto

imagético. Esta é uma constatação que Luna reafirma no diálogo, em consonância com a

personagem Alice. Alguns livros mais que outros, em que as imagens tendem a repetir o texto

verbal, levam-nas a descobrirem que as imagens mantêm uma relação de complementaridade

com o texto verbal e não o substituem ou dizem por ele. Em obras contemporâneas, as

imagens chegam, inclusive, a dizer o oposto do que diz o texto verbal. Esta é uma descoberta

importante na formação do leitor. Discorrendo sobre as relações entre imagem e texto verbal,

Colomer (2017, p. 45, grifo do autor) ressalta:

A presença de imagens nos livros infantis permite deslocar para elas diferentes elementos narrativos que, desta forma, podem continuar presentes na narrativa sem sobrecarregar o texto. Tradicionalmente, a ilustração e o texto moviam-se em dois planos paralelos. Um contava a história e o outro a “ilustrava”. Mas uma parte dos livros atuais incorporou a imagem como um elemento construtor da história, de maneira que o texto e a ilustração complementem as informações.

Na avaliação das crianças, a imagem exerce um poder forte. Quando falam de

livros, elas logo se referem às imagens e a seus sentidos. Quando têm acesso a uma obra, são

as imagens que elas procuram, como nos diz Moranguinho:

Data: 06/12/2016 [...] Pesquisadora: Hum... Se você fosse conversar com um escritor ou escritora de livros, o que você falaria para eles que não pode faltar num livro para criança? Moranguinho: Ilustração dessas aqui, oh (Abre e mostra as imagens dos livros O caso do pote quebrado, O caso das bananas e E a lua sumiu, livros que a criança já havia dito que gosta de ler e procurado na biblioteca para “apresentar” à pesquisadora). Pesquisadora: Ilustração? Então você acha que... Moranguinho: (Interrompe a pesquisadora e fala) Bem grande aqui assim. Desse tamanho aqui (Mostra várias imagens dos livros citados acima).

40 CARROLL, Lewis. Alice no país das maravilhas. Trad. Nicolau Sevcenko. Ilustrações. Luiz Zerbini. São Paulo: Cosac Naify, 2009. Capítulo1. Descendo à toca do coelho (p. 11): “Alice estava começando a se aborrecer de ficar sentada ao lado da sua irmã num recosto do jardim, sem nada para fazer. Dava uma ou outra olhadela no livro que a irmã lia, mas implicava: - De que serve um livro sem figuras nem diálogos?”

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Pesquisadora: Você acha que ilustração tem que ser bem grande? Moranguinho: Tem... tem que ser bem grande. Pra criança que não enxerga tem que ser maior. Pesquisadora: É? [...]

Moranguinho não só destaca que o livro “precisa ter ilustração” como ressalta que

a imagem poderia ser “bem grande assim”. Os livros, apontados por ela na entrevista como

“preferidos”, apresentavam ilustrações em página dupla e bem coloridas. Segundo Linden

(2011, p. 8), “as imagens, cujo alcance é sem dúvida universal, não exigem menos do ato de

leitura.” Para a autora, existe um “mal-entendido crucial” que considera a imagem adequada

aos não alfabetizados, porém ela ressalta que “assim como o texto, a imagem requer atenção,

conhecimento de seus respectivos códigos e uma verdadeira interpretação.” Para as crianças

da pesquisa, as imagens de uma obra se mostraram como fundamentais. Elas eram

mobilizadoras do desejo de conhecer o texto verbal. O processo de sedução da criança para a

leitura passa pela análise que elas realizam da capa e das imagens.

Nossa experiência como docente nos permite observar que, em geral, a escola, no

trabalho com literatura, mantém o foco, predominantemente, na leitura e análise do texto

verbal, principalmente se as crianças estiverem em fase de apropriação da língua escrita,

desconsiderando as potencialidades do texto visual em alguns livros, particularmente nos

livros ilustrados, que evocam as duas linguagens. Esse foco no texto verbal também é

realizado pelas famílias que, inclusive, manifestam certa desaprovação quando as crianças

realizam empréstimo na escola de livros de imagem. Muitos pais, nas reuniões escolares,

reclamam que essas obras “não têm nada para ler”.

Ao analisar as características do livro ilustrado, alguns autores estimulam nossa

reflexão sobre o significado das imagens nas obras. Nessa perspectiva, Linden (2011, p. 8)

ressalta:

A imagem foi gradativamente conquistando um espaço determinante. Hoje, ela revela a sua exuberância pela multiplicação dos estilos e pela diversidade das técnicas realizadas. Os ilustradores exploram ao máximo as possibilidades de produzir sentido.

As considerações das crianças na pesquisa e as contribuições teóricas dos

diferentes autores citados nos levam a pensar como o trabalho com literatura exige dos

mediadores um cuidado especial também em relação ao texto visual, principalmente porque

ele apresenta potencialidades que contribuem no processo de atribuição de sentidos da obra.

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Como o texto visual é bastante apreciado pelas crianças leitoras, chegando a emocionar mais

que o texto verbal (RAMOS, 2013, p. 13), faz-se necessário preparar-se para a sua

abordagem, afinal “uma imagem pode receber várias interpretações” (RAMOS, 2013, p. 19).

Reafirmando a importância do texto visual no livro infantil, Fittipaldi (2008, p. 107) realça:

A imagem visual presente nos livros ilustrados não impede e nem restringe a fabricação das imagens mentais, não tolhe o imaginário do leitor, como muitos ainda hoje argumentam. Bem ao contrário, as imagens visuais detêm uma enorme capacidade de abrir espaços no imaginário, de criar experiências sensíveis, formais, afetivas e intelectuais que alimentam o imaginário.

Observamos que as crianças, ao lerem as imagens, criam narrativas e

experimentam formas sensíveis de diálogo e de aproximação com o livro, ampliando suas

experiências estéticas. Além de realçarem o significado da ilustração numa obra, vejamos o

que mais nos diz a criança sobre o livro infantil:

Data: 24/05/2017 [...] Pesquisadora: Se você pudesse conversar com um escritor ou uma escritora de livro para crianças, o que você diria para ele/a que não pode faltar num livro para criança? Pipoca: Eu diria assim (Fala apontando o dedo indicador como se o escritor/a estivesse presente) “Não deixa, no livro para criança, não deixa a parte branca… só deixa tudo colorido que aí fica muito melhor. Pesquisadora: Ah é? Tem algum outro conselho que você daria para ele? Pipoca: Num livro pra criança, eu acho que não deve ter muito escrito, senão ela vai cansar e não vai conseguir ler. Pesquisadora: Ah… Ela vai cansar? Pipoca: Isso. Tem que pôr menos escritos e colocar mais cor nos livros. Pesquisadora: Tem outra coisa que você gostaria de falar para ele? Pipoca: Não, acho que não. [...]

No episódio, a criança inicia a sua fala reafirmando o que já analisamos neste

texto: a importância da cor no livro infantil. As falas dos leitores, ao longo de toda a pesquisa,

demonstram que a cor parece significar para eles maior possibilidade de emoção no texto, por

isso o conselho de Pipoca: “[...] só deixa tudo colorido que aí fica muito melhor.”. Ela sugere

que o autor “não pode deixar parte branca”, referindo-se às extensões de espaços em branco

que aparecem nas páginas de muitos livros. Ao discorrer sobre o livro infantil e o mundo de

cores, Benjamin (2009, p. 62) afirma que as crianças aprendem no colorido. Observamos que

a cor estimula nas crianças uma avaliação mais positiva da obra. Assim, mais cor significaria

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mais aventuras, mais emoção, mais fantasia... Segundo Biazetto (2008, p. 79), a percepção da

cor envolve aspectos fisiológicos, psicológicos e culturais. De acordo com a ilustradora,

“estudos mostram que jovens percebem melhor as cores vibrantes e idosos, as cores mais

baixas.” Essas considerações da ilustradora nos estimularam a refletir sobre os aspectos que

influenciariam a percepção da cor pelas crianças. Com base nos dados e também em nossa

experiência, acreditamos que alguns aspectos culturais poderiam explicar o efeito causado

pela cor nesses pequenos leitores. De certa forma, há uma tradição muito forte em

representações que recorrem a uma profusão mais intensa de cores no universo infantil. Se

observarmos os brinquedos, os desenhos da TV, os materiais escolares, o próprio design das

lojas de brinquedos infantis, dentre outros produtos culturais para a criança, podemos notar

que eles abusam dos tons coloridos para atrair a atenção dos pequenos. Nessa perspectiva,

seria possível pensar na construção de uma identidade infantil considerando que a criança,

exposta desde muito cedo a essa preponderância de cores, se identificaria também por esse

colorido? Percebemos como uma pesquisa suscita o aparecimento de outras questões que nos

mobilizam a manter uma atitude sempre problematizadora diante do que se apresenta aos

nossos olhos.

No episódio, além de ressaltar que o escritor deveria deixar tudo colorido, a

pequena leitora também reforça que um livro para crianças “não deve ter muito escrito”. Essa

última fala apareceu recorrentemente nas transcrições. Como vimos na pesquisa, as crianças

participantes, em processo de alfabetização, ao analisarem uma obra que desejam ler,

observam atentamente o tamanho do texto verbal e do texto visual. Para elas, a quantidade de

texto verbal não pode ser expressivamente superior à quantidade de imagens, por isso Pipoca

afirma: “Num livro pra criança eu acho que não deve ter muito escrito, senão ela vai cansar e

não vai conseguir ler.”. Analisando o significado das imagens para a criança, Ramos (2013, p.

23) aponta: “Histórias narradas apenas com as palavras tendem a cansá-las, porque necessitam

fazer um esforço extra, que é o de tentar visualizar todas as situações” (RAMOS, 2013, p. 23).

A ilustradora e também pesquisadora indica a razão pela qual um texto verbal extenso pode

causar certa fadiga às crianças. Segundo ela, a criança tenta visualizar tudo o que é narrado e

essa ação a deixa fatigada, se a história for narrada apenas com palavras. Além do que é

apontado pela autora, a pesquisa nos trouxe indícios de que a criança que está se alfabetizando

tem consciência de que está “em processo” e, por isso, prefere escolher, nessa fase, livros com

textos verbais menos extensos, que possibilitariam a ela ler com maior segurança e agilidade.

Com base nos dados, observamos que a criança, ao ler, busca na obra os elementos que para

ela facilitariam o processo de atribuição de sentidos. A princípio, a leitura das imagens seria

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mais “fácil” que a leitura do texto verbal. O domínio do texto verbal pela criança, em razão do

aprendizado da leitura, acontece após ela ter percorrido um “longo” caminho de leitura de

imagens. Então há aí uma familiaridade com o texto visual que a deixa mais confortável no

momento da leitura de livros. Assim, ao abrir um livro, seu olhar dirige-se imediatamente para

as imagens. Mas, em sua trajetória de leitura, a criança vai percebendo que as imagens, muitas

vezes, não se limitam ao que o texto escrito diz. Elas podem dizer algo diferente do que está

expresso no texto verbal. Assim, os pequenos leitores dão saltos significativos em seu

processo de leitura e percebem como os sentidos de um texto literário passam pela leitura

dessas diferentes linguagens que constituem o livro infantil.

Os episódios revelam recorrências nas declarações das crianças, ao indicarem os

diferentes aspectos que gostariam de usufruir nos livros. Assim, destacaram o papel

fundamental da ilustração, reforçaram a importância da cor e advertiram em relação à

extensão do texto verbal. Na entrevista a seguir, Luffy pontua alguns desses elementos

analisados e ressalta outros, também destacados por muitas crianças e que vão,

gradativamente, compondo certa estética que, de alguma forma, também está associada às

suas possibilidades de leitura. Vejamos o que nos diz a criança:

Data: 24/05/2017 [...] Pesquisadora: Se você pudesse conversar com um escritor/a de livros para crianças, o que você falaria para ele/a que não pode faltar num livro para criança? Luffy: Não podem faltar os desenhos da capa. Pesquisadora: Toda capa você acha que tem que ter um desenho? Luffy: Sim. Pesquisadora: E por dentro do livro? O que você acha que deve ter para a criança gostar do livro? Luffy: Diversão, diversão. Pesquisadora: Livro para criança tem que ter diversão? Luffy: Tem. Pesquisadora: Como é um livro assim com diversão? Luffy: Com muitas crianças, brincadeiras… Pesquisadora: O que é um livro divertido? Luffy: Que tem muitas brincadeiras, que eles se divertem… Pesquisadora: Quem se diverte? Luffy: Os personagens. Tipo… Esse daqui oh. (Pega o livro Nino, o menino de Saturno e mostra os personagens) Pesquisadora: Então o que você diria a um escritor que não pode faltar num livro para criança? Luffy: A capa colorida ... e… as brincadeiras… às vezes fazer umas piadas no meio. [...]

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Luffy inicia a sua fala destacando a importância dos “desenhos da capa”. Essa

relevância da capa para a criança já foi abordada anteriormente, por isso analisaremos os

outros aspectos que esse leitor realça, mas importa lembrar que “as imagens se tornam de

fundamental importância para a adesão delas à história narrada.” (RAMOS, 2013, p. 23). A

investigação revelou a pertinência desse destaque da autora, particularmente a imagem que

aparece na capa.

A criança realça no episódio transcrito que um livro infantil deve ter “diversão”.

Ao dialogar com a pesquisadora sobre como seria um livro com diversão, ela aponta: com

muitas crianças e brincadeiras. Ora, se analisarmos os livros que os pequenos leitores

indicaram como “os desejados” veremos que a maioria deles apresenta crianças como

protagonistas e uma história considerada por elas como “engraçada e divertida”. Para os

pequenos leitores, a obra de Ziraldo, citada com frequência por eles ao longo da pesquisa,

apresenta essas características. De acordo com Feres (2011, p. 78), a obra de Ziraldo torna

possível a correlação entre o mundo simbólico e o mundo real por meio dos processos

analógicos, integrando nos livros palavra e imagem. Para a pesquisadora, sua obra mantém

uma centralidade na criança e nas sensações da infância: espontaneidade, simplicidade,

brincadeira, alegria de viver (FERES, 2011, p. 80). As falas das crianças sobre os livros do

Ziraldo reforçam os aspectos apontados pela pesquisadora. Destacamos à discussão, com base

em nossos dados, as especificidades do projeto gráfico-editorial dos livros do referido autor,

particularmente o trabalho estético com as cores e os fatores culturais apontados neste texto.

Se observarmos a última fala da criança, perceberemos como ela realiza uma

pequena síntese do que considera importante num livro infantil: capa colorida, brincadeiras e

umas piadas no meio. As observações do pequeno leitor se aproximam da análise de Linden

(2011, p. 7, grifo nosso) que realça: “pelas imagens notáveis, pelas narrativas cativantes, pela

originalidade de produção ou ainda pelo humor, o livro ilustrado infantojuvenil seduz de

imediato seus leitores”. Luffy e Linden destacam os aspectos de uma obra capazes de seduzir

o leitor. Gostaríamos de apontar que esse realce ao tom humorístico foi ressaltado por outras

crianças, como podemos observar na transcrição a seguir:

Data: 22/05/2017 [...] Pesquisadora: Se você pudesse conversar com um escritor ou uma escritora… Faz de conta que você vai se encontrar com um escritor de livros para crianças… O que você diria para ele que não pode faltar num livro para criança? Luna: Eu gosto de livro engraçado. Pesquisadora: É? Engraçado?

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Luna: É legal. Porque às vezes, tipo um desenho que vai lá e pum! (Sorri e imita alguém caindo) Aí às vezes alguém cai e tal... Eu gosto de coisas engraçadas. Pesquisadora: Você já falou também que o livro tem que ter figuras... Luna: Aham. É. Tipo imagens. E eu também gosto muito, muito, muito (Repete três vezes) é de uns que tenha piadas. Tipo... Um livro que é engraçado ou tipo assim... Eles podiam inventar um livro de piadas mais engraçadas (Sorri enquanto fala).

Luna também realça, durante a entrevista, que aprecia textos com “coisas

engraçadas”. A criança, para reforçar essa posição, repete a palavra “muito” três vezes. Ao

analisar a questão da qualidade estética nos poemas produzidos para crianças, Cunha (2005, p.

78) adverte que, “no mundo das artes, o humor sempre foi visto como um gênero menor,

menos importante que o drama, a tragédia.” A investigação, contudo, revelou que as crianças

se interessam e se divertem com os textos salpicados por humor, sejam eles poéticos ou não.

Para Cunha (2005, p. 81), o humor pode se manifestar de três formas: o humor no jogo de

palavras, o humor no jogo de ideias e o humor na reinvenção do cotidiano. Essa análise do

autor nos fez pensar como a linguagem da criança apresenta essas formas de humor. É muito

comum a criança brincar de fazer rimas, inventar palavras, brincar de inventar conceitos,

achar graça e fazer piadas com coisas simples do dia a dia, como escorregar e cair de

propósito, vestir uma blusa pelo avesso, imitar uma pessoa ou animal, fazer uma careta,

dentre outras manifestações próprias da cultura infantil. As falas das crianças, destacando que

apreciam o tom humorístico dos textos, reportaram-nos também a Benjamin (2009, p. 54) e à

sua produção teórica, particularmente quando o autor afirma que o livro infantil desperta a

alegria nas crianças. Em outro trecho de sua obra, o filósofo ressalta “Que os pequeninos riam

de tudo, até dos reversos da vida” (BENJAMIN, 2009, p. 87), ao destacar que não se pode

esconder nada que seja humano das crianças. Consideramos que a literatura promove o

contato desses leitores com diferentes temas que fazem parte da vida; alguns deles podem

fazê-los sorrir e outros, chorar. Afinal, como nos lembra Andruetto (2012, p. 54), “vamos à

ficção para tentar compreender, para conhecer algo mais acerca de nossas contradições,

nossas misérias e nossas grandezas, ou seja, acerca do mais profundamente humano.”

Vejamos outro episódio em que uma criança leitora destaca “a diversão” como

elemento que não pode faltar num livro infantil:

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Data: 25/04/2017 [...] Pesquisadora: Entendi. Se você pudesse conversar com um escritor/a de livro para criança, o que você diria para ele/a que não pode faltar num livro para crianças? Arlequina: Eu ia falar que o livro tem que ter mais diversão. É porque os livros infantis... as crianças… elas...observam, veem se é colorido, porque se não é colorido, elas deixam assim (Empurra um dos livros da pesquisa que está perto dela para o outro lado) Aí ela pega outro livro… e… lê lá… vê... se é muita letra, aí eu vou demorar (Fala e mostra como se estivesse escolhendo um livro naquela hora) O sentido das crianças é poucas letras e mais diversão. Pesquisadora: Ahah! Poucas letras e mais diversão? E essa diversão seria o que no livro? Arlequina: Os desenhos, as histórias. Pesquisadora: Ahah!... Desenho é diversão? Arlequina: Esse daqui (Pega um dos livros para mostrar e lê o título do livro) Coisa de gente grande Pesquisadora: Ah!... Você gostou dele? Arlequina: É... eu ia pegar. Pesquisadora: E o que ele tem que te interessou? Arlequina: Ele tem muitos desenhos assim (Mostra os desenhos no livro e começa a falar sobre as cores utilizadas, as imagens,...) [...]

Arlequina, no episódio, aponta vários elementos que não podem faltar em um

livro para crianças. Como podemos perceber, sua posição dialoga com a apresentada pela

maioria de seus colegas. Inicialmente, Arlequina destaca a importância da “diversão”. Ao

falar de diversão, logo ressalta a questão do colorido como se a cor representasse maior

possibilidade de um enredo divertido. Essa posição também foi apresentada por outras

crianças, como vimos anteriormente neste texto. Se retornarmos ao episódio, veremos que

Arlequina explica que a diversão se materializa nos desenhos e nas histórias. A fala dessa

criança demonstra que ela também já percebe como essas duas linguagens (texto visual e

texto verbal) são fundamentais no processo de atribuição de possíveis sentidos em um livro

ilustrado, ou, como nos lembram Nikolajeva & Scott (2011, p. 85), que a interação texto-

imagem cria múltiplas possibilidades de leitura. À medida que vão consolidando a

alfabetização, as crianças leitoras ampliam as possibilidades de interpretação do livro

ilustrado, entrando no jogo da literatura proposto pela obra, jogo esse que integra todas as

linguagens que compõem o livro. Se o pequeno leitor participar de propostas de mediação que

estimulem a percepção das possibilidades do texto literário, seu olhar, aos poucos, se tornará

cada vez mais perspicaz. Analisando o processo do leitor, no período de alfabetização, Aguiar

(2009) ressalta:

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A partir de então ele evolui da simples compreensão imediata à interpretação das ideias do texto, adquirindo fluência no ato de ler. A aquisição de conceitos de espaço, tempo e causa, bem como o desenvolvimento da capacidade de classificar, ordenar e enumerar dados permite que a criança se adentre mais nos textos e se volte para leituras mais exigentes (AGUIAR, 2009, p. 101).

Uma análise atenta da fala de Arlequina, no episódio, revela que ela ressalta

elementos que não podem faltar num livro infantil: “diversão, cor, desenhos, poucas letras”. É

possível perceber que o destaque dos pequenos leitores para esses elementos explicaria muitas

de suas escolhas. A criança vai construindo o seu repertório literário ao longo de sua história

como leitor, entendida esta como “um processo temporal que envolve escolhas de obras em

diferentes momentos e sob diferentes critérios” (COSSON, 2009, p. 44). Ressalta-se que esse

processo não é linear e o pesquisador completa:

Nossas escolhas de leitor, como as escolhas da vida, dizem respeito essencialmente ao que estamos vivendo no presente, mas também ao que pretendemos ler no futuro e à maneira como refazemos, a cada novo livro, as nossas leituras do passado (COSSON, 2009, p. 44).

Podemos perceber que percorremos um caminho em nosso processo de formação

como leitor e esse percurso não se faz de forma isolada. Ele depende de uma série de fatores

já expostos neste texto e, ao longo dessa trajetória, vamos conhecendo, incorporando e

excluindo textos. Como alerta Cosson (2009, p. 45), “as escolhas de um leitor no campo

literário estão relacionadas não apenas às forças do mercado e à legitimação do cânone, mas

também à sua história particular de leitura que o leva a compor um repertório e à comunidade

de leitores onde se insere.” A afirmação do pesquisador nos estimula a formular uma questão:

Como a escola pode participar dessa composição de repertórios pela criança?

Se retornarmos ao episódio, mais detidamente à fala da criança quanto à extensão

do texto verbal, veremos que Arlequina expressa sua posição com naturalidade: “Aí ela pega

outro livro… e… lê lá… vê... se é muita letra, aí eu vou demorar.”. Percebe-se novamente

uma lógica no pensamento de um leitor em processo de alfabetização. Como ainda está se

apropriando do sistema alfabético, ler um texto longo significa certa demora e pode demandar

maior esforço para terminar.

Uma experiência vivenciada na pesquisa nos permitiu refletir, de um modo mais

focalizado, sobre essa questão do significado da extensão do texto verbal para as crianças.

Durante os Círculos de Leitura, algumas vezes, as crianças solicitaram à pesquisadora que

permitisse que elas fizessem a leitura oral de alguns livros, de forma que cada uma pudesse ler

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uma parte do texto. Isso aconteceu em alguns encontros e foi possível perceber que, quando

alguma criança do grupo demorava um tempo maior para ler, outras, que apresentavam maior

fluência na leitura, mostravam-se um pouco impacientes. Vejamos a interação a seguir,

realizada a partir da leitura da obra As cores dos pássaros:

Data: 14/02/2017 [...] Pesquisadora: Agora é a Bruxa Onilda (Entrega o livro para a criança continuar como combinado no grupo). Bruxa Onilda:“Ao ca-ir da tar-de, che-ga-ram os melros / [...] en-fei-tan-do o en-tar-de-cer (lê devagar, silabando).” (p. 30). Mari: Que demora para ler! Bruxa Onilda: O que é que tem? A gente está treinando... Pesquisadora: Isso. Bruxa Onilda: A gente não é profissional não, igual... do... é... Dedé: Lá do... nono ano! Bruxa Onilda: Não. Lá do... da... faculdade. Na faculdade sabe ler mais que o nono ano. Pesquisadora: Isso. Então vai, Bruxa Onilda... [...]

A fala da criança revela a sua consciência em relação à alfabetização como um

processo pelo qual os leitores passam e se aperfeiçoam com o tempo. Assim, ela diz “a gente

não é profissional não” e “na faculdade sabe ler mais que o nono ano”. Elas têm plena

consciência do estágio em que se encontram e das suas condições para realizarem a leitura dos

textos, o que acaba por levá-las a preferir livros com uma extensão menor do texto verbal.

Uma observação importante é que Bruxa Onilda havia escolhido, inicialmente, o livro Receita

para fazer dragão, que apresenta um texto verbal mais extenso e uma quantidade reduzida de

imagens. Chegamos a iniciar a leitura, em voz alta, do primeiro livro escolhido por ela, mas a

criança, depois de alguns encontros, solicitou à pesquisadora a troca do livro por outro, em

razão da extensão do texto verbal. A segunda obra escolhida pela criança foi As cores dos

pássaros, que apresentava, segundo a leitora, “pouca escrita” e “muitas imagens”,

diferentemente do livro anterior. Observa-se que há uma especificidade em relação ao leitor

em processo de alfabetização que precisa ser considerada por aqueles que se propõem a ler

junto com ele. Se as crianças tendem a escolher livros com uma extensão menor do texto

verbal, os mediadores não poderiam trazer obras de qualidade, com textos de maior extensão,

para que eles mesmos pudessem ler em voz alta para elas? A leitura de uma obra em

capítulos, se realizada pelo mediador, não agradaria a esses pequenos leitores?

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Nas entrevistas, as crianças pontuaram muitos aspectos que apreciam nos livros

infantis. Na transcrição a seguir, uma delas apresenta considerações a respeito dos temas que

atraem a atenção dos pequenos leitores e a respeito dos personagens:

Data: 18/04/2017 [...] Pesquisadora: Entendi. E deixa eu te perguntar uma coisa. Se você pudesse é… conversar com um escritor/a de livros e ele/a... porque aqui… cada livro desses uma pessoa escreveu. Se você pudesse conversar com um escritor/a de livro para criança, o que você falaria para ele/a que é importante ter num livro para criança? O que não pode faltar... O que você acha importante num livro de criança… Mundo quadrado: Hummm... (Pensando) Que… tenha umas coisas bem... que chamam a atenção. Pesquisadora: Ah!... Algumas coisas que chamam a atenção. E o que chama a atenção de criança num livro? Mundo quadrado Hãmmm (Pensando) Planetas. Pesquisadora: Planeta chama a atenção? E que mais? Mundo quadrado: Hummm… E personagens. Pesquisadora: Personagens?... Ah!... Um livro tem que ter personagens? Mundo quadrado: É. Porque eles fazem as coisas. [...]

A criança, ao conversar sobre o que acha importante num livro para criança,

responde: “Que tenha umas coisas que chamam a atenção.” E, segundo ela, o tema “planetas”

chama a atenção assim como a presença de personagens “porque eles fazem as coisas.” Essa

resposta corrobora com o que observamos na pesquisa. Há temas que atraem a atenção das

crianças e, quando elas folheiam um livro para selecionar o que desejam ler, elas ficam

atentas às pistas dos textos visuais em relação ao tema abordado pelo livro. Zilberman (2011,

p. 385) pontua isso ao afirmar “é inegável que alguns temas encontram maior acolhida pela

criança e outros não”.

Outro tema que pareceu atrair o interesse das crianças foi “animais”. Durante a

leitura e diálogo das obras, elas ficavam entusiasmadas quando o texto visual apresentava

algum bicho: levantavam da cadeira, chegavam mais perto da obra, faziam comentários. Na

leitura da obra Lá e Aqui, uma cena em particular causou diversão e alvoroço durante a leitura

nos grupos. Nela, dois cachorrinhos fugiam de barco em razão do “afogamento” da casa.

Todas as crianças ressaltaram essa imagem na conversa sobre a obra e na entrevista. Se

observarmos os livros indicados por algumas delas, também veremos que muitos deles têm

animais como personagens.

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Figura 57 – Lá e Aqui

Fonte: Imagem digitalizada pela pesquisadora.

É possível perceber que as falas das crianças apresentam uma coerência em

relação às escolhas que realizaram na investigação e em relação aos livros que indicaram à

pesquisadora como aqueles que apreciaram ter lido. Ao analisar a questão da qualidade em

literatura infantil e juvenil, Martha (2011, p. 49, grifo do autor) contribui com a discussão em

torno das escolhas do leitor ao afirmar: “para os pequenos o ‘bom livro’ é tão somente aquele

que os agrada, que promove o jogo saudável entre a inserção no mundo real e no da

imaginação.” Ao analisar obras literárias, as crianças tendem a escolher livros sob a sua

perspectiva de leitor infantil, no caso do nosso estudo, sob a perspectiva de um leitor infantil

em processo de alfabetização. Ter consciência de quem é esse leitor nos possibilita aproximar

cada vez mais dele e de sua maneira de pensar. Benjamin (2012, p. 17) já nos lembrava que

“as crianças formam para si um mundo de coisas, um pequeno no grande, elas mesmas.” A

pesquisa nos permitiu conhecer um pouco desse misterioso “pequeno” em relação aos livros

infantis. Mas é preciso ressaltar que esse “pequeno” se relaciona com o “grande”, como nos

apontava o autor.

Outro aspecto destacado pela criança e que, segundo ela, chama a atenção de seus

pares num livro, refere-se à presença de personagens. Esse elemento da narrativa também

marcou as falas de outras crianças, como observamos em episódios transcritos anteriormente.

A seguir, veremos o que o pequeno leitor nos diz:

Data: 24/05/2017 [...] Pesquisadora: Entendi. Se você pudesse conversar com um escritor/a de livro para crianças, o que você diria a ele/a que não pode faltar num livro para crianças? Coringa: Que o livro tem que ter muitos personagens… Pesquisadora: Ah é? Coringa: É… E muitas cores. Pesquisadora: Humm…

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Coringa: E a capa bonita. Pesquisadora: Ah é? Você falaria para ele que a capa tem que ser bonita? Coringa: Falaria. Pesquisadora: Esse livro daqui Inês. Você acha a capa dele bonita? Coringa: Não, porque só tem duas cores. Pesquisadora: Aí não é bonito? Coringa: Não. Pesquisadora: Só com duas cores… Coringa: Eu não gosto. [...]

Coringa enfatiza que um livro para crianças “tem que ter muitos personagens.”

Em outros episódios já transcritos, Luffy destaca que os personagens se divertem numa obra;

Mundo Quadrado também realça que os personagens chamam a atenção num livro “porque

eles fazem as coisas”. Durante a leitura compartilhada, as crianças se identificaram com

alguns personagens e apreciaram os seus movimentos e ações na narrativa. É possível afirmar

que os pequenos leitores “entram” com maior facilidade no pacto ficcional proposto pelo

texto literário e sentem com intensidade o que acontece na narrativa. Ao discorrer sobre a

criança lendo, Benjamin (2012, p. 37) afirma que ela está misturada entre as personagens

muito mais de perto que o adulto. O autor complementa ainda que a criança “é indizivelmente

concernida pelo acontecer e pelas palavras trocadas” (BENJAMIN, 2012, p. 37). Nos

momentos de leitura, era comum elas se colocarem “no lugar” dos personagens dos livros

lidos. Para Held (1980, p. 43, grifo da autora), isso representa a “necessidade que a criança

tem, vez por outra, de escapar de si mesmo pela ficção, de se colocar ‘na pele’ de outra

pessoa, de um animal...”

Como observado, a pergunta “Se você pudesse conversar com um escritor (a) de

livro para crianças, o que diria a ele/a que não pode faltar no livro?” possibilitou que as

crianças verbalizassem os elementos que apreciam nos livros. As respostas dos pequenos

leitores dialogaram entre si e trouxeram indícios dos critérios utilizados por elas quando têm a

oportunidade de escolherem o que desejam ler. Assim, elas apontaram como elementos que

não podem faltar no livro infantil: ilustração, cores, diversão, desenhos na capa, personagens,

humor e tema interessante. A Sociologia da Infância adverte que raramente as crianças são

vistas de uma maneira que leva em consideração o que são, o que necessitam e desejam

(CORSARO, 2011). Com esta pesquisa, procuramos nos aproximar desse leitor, considerando

que ele tem muito a dizer a todos os que se interessam pela literatura infantil e o processo de

formação do leitor. Estamos preparados para ouvir?

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6.3 Se eu pudesse ler com o outro...

“A gente foi falando dos livros que a gente gostou, foi falando sobre os livros,

sobre as capas dos livros e descobrimos segredos dos livros também.” Kakashi, 13/06/2017

Figura 58 – Círculos de Leitura

Fonte: Material coletado em campo41.

Quando nos propusemos a desenvolver a pesquisa com as crianças, pensamos

numa metodologia que nos permitisse assegurar a sua voz ao longo de todo o processo da

investigação, do primeiro ao último dia. Era fundamental que a estratégia metodológica a ser

utilizada considerasse o papel ativo da criança, destacado pelos estudos sociológicos

contemporâneos, por isso abraçamos o enfoque “Dime (Diga-me)” (CHAMBERS, 2007), que

estimula o diálogo dos leitores com os livros e incentiva a troca de ideias e de impressões

sobre o texto lido de forma compartilhada.

Com o desenrolar dos estudos teóricos que deram suporte à investigação,

percebemos que os princípios do enfoque Dime estavam em sintonia com os pressupostos de

dinâmicas conhecidas como Círculos de Leitura, que também serviriam como referência para

os processos de diálogo em grupo desenvolvidos no estudo.

Na obra Mini-Lessons for literature circles, Daniels & Steineke (2004)

organizam, de forma didática, os princípios dos “Literature Circles” (Círculos de Literatura),

tendo como referência, como consta na introdução da obra, “sixty-two years of teaching

41 As famílias das crianças assinaram a “Autorização de Uso de Imagem” (APÊNDICE F, p. 251).

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experience” (sessenta e dois anos de experiência de ensino). A obra contribui com a

sistematização de estratégias metodológicas de abordagem do texto literário e traz muitas

contribuições aos pesquisadores e docentes interessados no campo do ensino de literatura e da

recepção literária. Dentre as contribuições da obra, destacamos alguns pontos que dialogam

com os procedimentos adotados nesta pesquisa: “estudantes podem escolher os seus materiais

de leitura, pequenos grupos são formados (três a seis estudantes) para os círculos de

literatura” (p. 3); a “troca de turnos de fala” dos participantes é fundamental nos debates,

assim como a postura de “ouvir ativamente” e “fazer contato visual” [...] (DANIELS &

STEINEKE, 2004, p. 8, tradução nossa)42.

Cosson (2014, p. 158-159) ressalta que, considerando o modo de funcionamento,

é possível distinguir três diferentes tipos de Círculos de Leitura: o estruturado, o

semiestruturado e o aberto. Segundo o autor, o círculo estruturado obedece a uma estrutura

previamente estabelecida, com papéis definidos para cada integrante e um roteiro para guiar

as discussões. O semiestruturado não possui um roteiro, mas sim orientações que têm o

objetivo de guiar as atividades dos leitores. Essas orientações cabem ao coordenador ou

condutor que dá início à discussão, controla os turnos de fala, esclarece dúvidas e anima o

debate, evitando que as contribuições se desviem da obra. O círculo aberto organiza-se de

modo próximo a um clube de leitura. A discussão se desenvolve como uma conversa entre

amigos ou familiares, com a diferença que tem como fonte a leitura da obra. Não há regras a

serem seguidas a não ser que o encontro seja para falar do texto lido. Cosson (2014, p. 159)

destaca que esses três tipos não são exclusivos, podendo ser combinados de diversas

maneiras.

Consideramos que a estratégia que utilizamos na pesquisa está próxima à

dinâmica do Círculo de Leitura semiestruturado, uma vez que tínhamos perguntas

orientadoras para guiar a conversa, mas dialoga também com o tipo aberto, visto que o ponto

crucial era garantir que as crianças tivessem o maior turno de fala e não a pesquisadora.

Caberia a essa, formular algumas perguntas apenas para iniciar o diálogo e motivar a fala dos

pequenos leitores. Havia a possibilidade de outras perguntas surgirem, a partir das

considerações dos pequenos leitores.

Ao final da investigação, solicitamos que as crianças avaliassem o significado dos

Círculos de Leitura e da experiência de leitura conjunta de uma mesma obra. As respostas dos

42 “students choose their own reading materials, small groups (three to six students) are formed (p. 3); take turns, listen actively and make eye contact [...] (DANIELS & STEINEKE, 2004, p. 8).

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pequenos leitores contribuem para compreendermos o significado que elas atribuíram à

metodologia vivenciada. Vejamos os depoimentos das crianças:

Data: 05/06/2017 [...] Pesquisadora: O que vocês acharam da experiência do Círculo de Leitura? Mayara: Legal, porque os livros são legais. X-Tudo: Foi legal, porque a gente leu em grupo. Pesquisadora: E qual a diferença entre ler em grupo e ler sozinho? X-Tudo: Fica mais legal em grupo, porque a gente tem mais ideias e dá para falar mais. [...]

No episódio, as crianças avaliam positivamente os Círculos de Leitura e os livros

lidos. Uma delas destaca que “foi legal porque a gente leu junto.”. Para essa criança, quando a

leitura é realizada em grupo “a gente tem mais ideias e dá para falar mais”. O que

percebemos, pelos depoimentos dos participantes, é que, no processo de leitura

compartilhada, os leitores constroem os sentidos do texto de uma forma solidária, um

contribuindo com o processo de interpretação do outro. Cada grupo de crianças representava

uma pequena comunidade de leitores (DIONÍSIO, 2000) que se reunia para ler e conversar

sobre determinados livros. Para Cosson (2014):

[...] uma comunidade de leitores é definida pelos leitores enquanto indivíduos que, reunidos em um conjunto, interagem entre si e se identificam em seus interesses e objetivos em torno da leitura, assim como por um repertório que permite a esses indivíduos compartilharem objetos, tradições culturais, regras e modos de ler (COSSON, 2014, p. 138-139).

Outro aspecto apontado pelas crianças leitoras no episódio foi a possibilidade que

o Círculo de Leitura abriu de garantir a fala dos participantes: “dá para falar mais”. Quando

lemos silenciosa e individualmente, não temos com quem discutir o texto, compartilhar nossas

ideias, dúvidas e impressões. Em contrapartida, quando um grupo de leitores se reúne para ler

junto, essa possibilidade de compartilhamento se abre e as ideias fluem, como aponta a

criança no episódio transcrito. Nos momentos de diálogo, a palavra do leitor motivava o

florescimento de novas ideias e possíveis interpretações. Considerando a importância desse

processo de interlocução, Kleiman (2002) afirma:

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Sabe-se, pelas pesquisas recentes, que é durante a interação que o leitor mais inexperiente compreende o texto: não é durante a leitura silenciosa, nem durante a leitura em voz alta, mas durante a conversa sobre os aspectos relevantes do texto (KLEIMAN, 2002, p. 24, grifo do autor).

A autora ressalta a relevância da conversa para os leitores menos experientes. No

diálogo é que as leituras das obras eram produzidas. Nos últimos encontros da pesquisa,

conversamos com os leitores sobre a experiência vivenciada nos Círculos de Leitura,

agradecemos a participação de cada criança e, nesse processo de diálogo, muitos depoimentos

a respeito do que vivenciamos foram surgindo:

Data: 13/06/2017 [...] Pesquisadora: Eu queria saber uma coisa. O que vocês acharam desses momentos em que a gente leu junto? Carlos: É porque quando a gente lê no Círculo de Leitura, todo mundo entende tudo o que a gente está lendo e o livro está mostrando. [...] Lola: Eu prefiro ficar junto lendo, porque ler sozinho é chato. A gente aprende mais coisas ao invés de ser só um aprendendo. E também a gente pode fazer amizade com outras crianças. Luffy: E também seis cabeças pensam melhor do que uma. [...]

Ao falar sobre a experiência dos Círculos de Leitura, Carlos destaca que “todo

mundo entende tudo o que a gente está lendo e o livro está mostrando.”. Essa consideração

nos fez pensar em duas questões. A primeira refere-se aos processos de interpretação dos

textos. Todo leitor busca construir sentidos para o que lê e a criança destaca que a leitura em

conjunto amplia as possibilidades dessa construção. As crianças em processo de alfabetização,

ao lerem silenciosamente os textos, podem apresentar certas dificuldades no processo de

construção de sentidos, decorrentes da própria habilidade de decodificação. Carlos ressalta

que a leitura realizada em voz alta, junto com os colegas, facilita o entendimento do texto:

“todo mundo entende tudo o que a gente está lendo”.

Outro detalhe que nos chamou a atenção na fala da criança foi o final de sua

consideração, momento em que ela destaca que todos entendem o que estão lendo “e o livro

está mostrando”. Por que será que a criança completa a sua afirmação “tudo o que está lendo”

com “e o livro está mostrando”? Estaria ela nos dizendo que percebe que uma obra compõe-se

de texto verbal e texto visual, ambos fundamentais no processo de construção de sentidos do

leitor? No livro para crianças, essas linguagens assumem importância vital, e a criança leitora

está atenta a isso. Para Linden (2011, p. 8), “quando as imagens propõem uma significação

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articulada com a do texto, ou seja, não são redundantes à narrativa, a leitura do livro ilustrado

solicita apreensão conjunta daquilo que está escrito e daquilo que é mostrado.”

No mesmo episódio, Lola destaca vários pontos positivos do ato de ler literatura

junto com o outro, e, dentre eles, um nos chamou a atenção: “a gente pode fazer amizade com

outras crianças”. Interessante essa fala, pois os leitores eram da mesma turma, porém, com o

grande número de encontros em cada grupo, eles foram se tornando muito próximos, visto

que compartilhavam não só as histórias dos livros como também as suas próprias histórias.

Era comum, no dia em que faltava alguma criança do grupo, os colegas reservarem o seu

lugar no círculo e demarcarem o espaço daquele leitor. Eles deixavam a cadeira vazia no

círculo para marcar o seu lugar no grupo. Isso nos faz pensar no Círculo de Leitura e na

experiência de ler literatura de forma compartilhada como possibilidade de descoberta do

outro e de aprofundamento das relações, tão caras à nossa própria condição humana. A

literatura nos tornaria mais humanos e sensíveis à existência do outro?

A declaração de Luffy, ao final do episódio, também merece nossa reflexão. Ao

dizer que “seis cabeças pensam melhor que uma”, ele ressalta a importância do outro em

nossos processos de busca pelos sentidos dos textos. Na conversação dos textos literários,

muitas ideias, conhecimentos prévios e experiências se concretizaram em torno da leitura. O

fato de a criança numerar “seis cabeças”, ou seja, incluir a pesquisadora como membro do

grupo foi um dado extremamente significativo, em razão da especificidade da investigação

com crianças. Essa fala revela que a pesquisadora não era considerada uma estranha no grupo,

mas fazia parte dele como leitora e interlocutora. A Sociologia da Infância destaca a

importância dessa aceitação do adulto pesquisador em estudos com crianças. “Conquistar a

aceitação nos mundos infantis é especialmente desafiador, dado que os adultos são

fisicamente maiores do que as crianças, mais poderosos e muitas vezes vistos como tendo

controle sobre o comportamento infantil. (CORSARO, 2011, p. 64). O longo tempo da

investigação contribuiu para essa aceitação, além do fato de que elas já estavam acostumadas

com a pesquisadora, em momentos da rotina escolar, como recreio, lanche e almoço, uma vez

que, no ano de 2016, participava junto com elas dessas interações, visto que era a professora

alfabetizadora da outra turma de primeiro ano.

Como a pesquisa foi realizada com seis grupos diferentes de crianças, todos eles

tiveram a oportunidade de avaliar os Círculos de Leitura e o que sentiram ao participar dessa

experiência. A seguir, as considerações de crianças de outro grupo:

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Data: 27/06/2017 [...] Pesquisadora: Quando vocês vão ler um livro, vocês preferem pegar um livro e ler sozinhos ou preferem ler juntos como fizemos? Bruxa Onilda: Eu prefiro ler junto. Pedroca: Eu também. Bruxa Onilda: Porque aí você conta para os colegas. Pedro: É. Pesquisadora: Conta o quê? Bruxa Onilda: Conta a história, conta as coisas… [...] Pesquisadora: Bruxa Onilda, você estava dizendo que gostou de ler junto porque… Bruxa Onilda: Porque a gente divide as coisas com os colegas. Dedé: Porque a gente compartilha as coisas com os colegas. Pesquisadora: O que a gente compartilhou no Círculo de Leitura? Bruxa Onilda e Pedroca: Os livros (Falam quase juntos). Dedé: O que a gente imaginava sobre os livros… Pesquisadora: Ah… Bruxa Onilda: A gente falou o que a gente sentia. Pesquisadora: Quando vocês leem um livro, vocês sentem as coisas? Bruxa Onilda: Eu quero chorar… É tipo uma novela. [...]

Quando lemos o episódio, percebemos que as crianças apontam várias

características que constituem os Círculos de Leitura. A preferência por ler junto com os

colegas, ao invés de ler sozinhos, foi um aspecto que os pequenos leitores fizeram questão de

destacar em todos os grupos. No diálogo transcrito, eles justificam que é bom ler junto,

porque “aí você conta para os colegas”. Durante a pesquisa, as crianças recontaram as

histórias lidas ou mesmo narraram as suas próprias histórias que a leitura literária trouxe à

lembrança. Segundo Gouvea (2007), autora de estudos sobre a cultura infantil, “construímos

nossa subjetividade por intermédio do ouvir e contar histórias, na ação narrativa” (GOUVEA,

2007, p. 118). Durante o estudo, ouvimos e narramos muitas histórias. Foi possível perceber

que havia um desejo espontâneo na criança de recontar o que havia lido conjuntamente, o que

imaginava e lembrava a partir das leituras. Havia um sabor particular nessas narrativas dos

leitores, talvez em virtude da possibilidade de partilha que os Círculos de Leitura

concretizam. Podemos afirmar que os leitores compartilhavam opiniões, impressões,

conhecimentos de mundo, conhecimentos sobre os próprios textos e suas estruturas. O

encontro com os outros leitores tornou possível essa experiência de interlocução.

Uma criança diz no episódio transcrito que ler junto é interessante “porque a gente

divide as coisas com os colegas”. Dedé completa a fala da colega e utiliza o verbo

compartilhar “a gente compartilha as coisas com os colegas”. Etimologicamente, a palavra

“compartilhar” significa “partilhar com”. As crianças destacam no episódio que partilharam

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com os colegas não só os livros, mas também o que imaginavam sobre eles. Aprendemos com

Vigotski (2009) que a imaginação é uma função vital necessária ao ser humano e que

ninguém imagina a partir do nada. As crianças imaginaram possíveis situações a partir das

palavras do texto literário e a partir das palavras dos outros leitores de seu grupo.

Outra consideração da criança sobre os Círculos de Leitura nos chama a atenção

no episódio transcrito: “A gente falou o que sentia.”. A leitura compartilhada do texto literário

proporciona esse tipo de sentimento nos leitores: poder falar o que sente. Nesse

compartilhamento, percebemos que elas colocavam na roda seus sentimentos e a sua maneira

ímpar de ver o mundo. Quantas vezes podemos falar ao outro o que sentimos a partir de uma

leitura? Há espaço nas práticas com os textos literários para esses relatos? No estudo,

percebemos que as crianças gostam de narrar o que sentem, querem contar o que a história as

fez lembrar, querem discordar de alguns trechos e concordar com outros. Ler uma obra

literária no Círculo de Leitura torna possível toda essa experiência. Colomer (2017, p. 86), ao

analisar a experiência de ler literatura com as crianças, destaca “A ficção oferece formas de

reconhecer as situações e sentimentos e de compartilhar esta experiência com os demais.”

Além da ideia de poder compartilhar com o colega as histórias e também o que

sentia a partir da leitura, uma criança apresenta um aspecto da leitura compartilhada que nos

faz pensar nas estratégias do leitor no processo de construção de sentidos do texto. Fiquemos

atentos ao diálogo a seguir:

Data: 08/05/2017 [...] Pesquisadora: Pedroca, você gostou de ler os livros junto com seus colegas? Pedroca: (Balança a cabeça afirmativamente) Pesquisadora: Você gosta mais de ler sozinho ou junto? Pedroca: Ler junto. Pesquisadora: É? Por que você gostou de ler junto? O que você achou legal? Pedroca: Porque a gente pode fazer perguntas. Pesquisadora: Ah! Fazer perguntas… Mari, você gostou de ler junto? Mari: Eu gostei. Sabe por quê? Pesquisadora: Hum… (Querendo ouvir) Mari: Eu gostei porque a gente fica lendo junto… e aí também… a gente… lê histórias… a gente conversava da história, da capa… [...]

No trecho transcrito, uma criança leitora revela que gosta de ler junto com os

colegas e que apreciou a possibilidade que a dinâmica desenvolvida instaurou de poder “fazer

perguntas”. É interessante observar que esse leitor, nos primeiros encontros, era

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extremamente tímido, quase não falava e, aos poucos, à medida que os círculos se

desenvolveram, ele mostrou-se mais confiante, abrindo-se progressivamente ao diálogo.

Talvez o fato de sentir-se à vontade para fazer perguntas, como afirma no episódio, tenha

contribuído para essa sua abertura. A esse respeito, Arena (2010) ressalta:

Dos pequenos leitores de literatura infantil, com os livros nas mãos, não podem estar distantes as atitudes de conectar contextos, elaborar perguntas, desenvolver conduta responsiva, obter respostas, atribuir sentido e manter vivas as relações entre perguntas e respostas (ARENA, 2010, p. 23).

Todo leitor, quando lê um texto, processa várias estratégias visando à construção

dos sentidos. Uma estratégia fundamental é fazer perguntas ao texto que é lido. Para as

crianças mais tímidas e inseguras, um ambiente propício às dúvidas permite que esses leitores

se expressem com maior facilidade; afinal “se a leitura é um diálogo, todo diálogo começa

essencialmente com uma pergunta, com uma questão, cuja resposta nos leva a outra pergunta

e a outra resposta e a outra pergunta...” (COSSON, 2014, p. 41).

Essa perspectiva da leitura literária, que permite ao leitor fazer indagações,

desperta a nossa atenção para o tratamento que, muitas vezes, damos à leitura na escola, em

que as perguntas são elaboradas apenas pelos professores e, em geral, cabe aos estudantes

apenas responder. Como as autoras destacam, a seguir, precisamos comemorar as perguntas

das crianças:

Questionar é a estratégia que lança os leitores adiante. Quando os leitores têm perguntas, são menos capazes de abandonar o texto. Leitores proficientes fazem perguntas antes, durante e depois de lerem. Eles perguntam sobre o conteúdo, o autor, as situações, os problemas e as ideias do texto. Nós precisamos comemorar as perguntas das crianças e ajudar a facilitar as suas respostas (HARVEY & GOUDVIS, 2008, p. 45 In: SOUZA et al., 2010, p. 56).

As autoras destacam na citação que perguntar lança os leitores à frente. Durante a

pesquisa, as crianças fizeram muitas perguntas sobre o texto lido. Elas queriam saber sobre os

personagens, o enredo, aprofundar detalhes dos acontecimentos e das imagens, dentre outras

questões que apresentaram nas interações. Girotto & Souza (2010, p. 47-48) ressaltam que, ao

se integrarem nos Círculos de Leitura, “as crianças conversam entre si, dialogam com o texto,

deixam pistas de seus pensamentos, questionando, fazendo conexões, inferindo, discutindo,

debatendo.” Como podemos perceber, são muitas as estratégias que os leitores têm a

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oportunidade de realizar quando estão em contato direto com os livros e com outros leitores

para a prática de leitura.

Com base na investigação, acreditamos que é possível afirmar que os Círculos de

Leitura são práticas que contribuem no processo de formação do leitor. No caso da pesquisa,

os dados mostraram que essas práticas proporcionam o encontro das crianças leitoras com o

texto literário e também com os outros leitores. Por meio dos Círculos de Leitura, muitas das

dificuldades em relação à construção de sentidos do texto literário, comuns para as crianças

em processo de alfabetização, em fase de apropriação da língua escrita, podem ser superadas

em virtude das características da própria dinâmica, que estimula o diálogo e a interação

contínua entre os participantes.

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ENTROU POR UMA PORTA, SAIU POR OUTRA E QUEM QUISER QUE CONTE

OUTRA...

Que critérios são utilizados pelas crianças no momento em que escolhem um livro

para ler? Que livros Altamente Recomendáveis e quais de seus elementos atraem a atenção das

crianças? No processo de leitura conjunta dos livros, escolhidos pelas crianças, quais seriam

as questões levantadas por elas em relação ao texto verbal e visual? Essas foram as perguntas

fundamentais que nortearam este estudo. Para isso, buscamos uma metodologia de pesquisa

que possibilitasse ouvir a voz daqueles a quem a literatura infantil é endereçada. Assim,

realizamos os Círculos de Leitura e entrevistas individuais com as crianças leitoras.

Consideramos que foram nove meses de intensas experiências literárias. É possível afirmar

que as categorias de análise não estavam pré-estabelecidas. Elas foram se configurando a

partir dos dados coletados. Foram os dizeres das crianças que nos conduziram à forma de

organização da tese.

No processo de coleta de dados, a partir das falas das crianças, outras questões

foram se configurando e nos mobilizando: Quem são essas crianças leitoras com quem

convivemos cotidianamente? Que repertórios de leituras elas possuem e que experiências

culturais vivenciam no dia a dia? Essas experiências influenciariam as suas escolhas?

Acreditamos que a pesquisa nos permitiu conhecer um pouco mais sobre esses aspectos.

De modo geral, na escola, a criança não tem a oportunidade de selecionar o que

deseja ler. Muitas vezes os mediadores escolhem por elas e essas escolhas apresentam

motivações pedagógicas que reduzem as possibilidades que o texto literário oferece. Essas

limitações costumam orientar a leitura para aspectos exclusivamente temáticos ou para ensino

da língua, a partir de elementos que dão oportunidade para exploração de conhecimentos

linguísticos próprios da fase de alfabetização. Como advertem Lajolo & Zilberman (2017, p.

67), “as instâncias que fazem a mediação com a obra não levam em conta a vontade do leitor,

embora costumem falar em nome dele.”

Quando falamos de livros para crianças, estamos falando de obras produzidas e

selecionadas por adultos. Em geral, a criança ainda é pensada como um ser dependente, sem

vontade própria, um “vir-a-ser” (PERROTTI, 1984, p. 12). Muitas vezes, os adultos esperam

que os livros sejam recebidos e avaliados pelas crianças da mesma forma que eles os avaliam.

Entretanto, os repertórios e histórias de leitura são diferentes entre adultos e crianças; são

diferentes, inclusive, entre as próprias crianças.

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A experiência de pesquisa revelou que as crianças têm o seu modo singular de ler,

de analisar uma obra, de discutir o texto. Mas também não podemos nos esquecer de que “as

crianças já são parte da sociedade desde seu nascimento” (CORSARO, 2011, p. 16) e, sendo

assim, os modos singulares de ler são frutos de vivências culturais diversas. Nas interações,

foi possível observar que elas possuem critérios de escolha qualitativamente diferentes dos

critérios dos adultos e a sua forma de selecionar livros expressa também certos traços

característicos da cultura infantil, como a espontaneidade, a propensão à identificação com as

personagens, a curiosidade, a imaginação livre, a abertura para o lúdico, entre outros.

Os dados coletados demonstram que as crianças são capazes de emitir opiniões

sobre os livros que leem e sabem apontar os critérios que utilizam para escolher o que

desejam ler: a presença de cores variadas, principalmente na capa; a existência ou não de

imagens na capa e no interior do livro; o tamanho e disposição das ilustrações nas páginas; a

extensão do texto verbal; o tamanho da letra; a identificação de personagens familiares e

temas de interesse infantil. Esses foram os elementos apontados pelas crianças, ao escolherem

os livros que gostariam que fossem lidos nos Círculos de Leitura. Após a leitura, seus

critérios se direcionaram para uma análise da história lida, apesar de ainda destacarem

propriedades da capa. Ressaltaram personagens e/ou imagens específicas do texto, indicaram

temas abordados e que apreciaram, destacaram ainda a importância do humor e de textos

divertidos.

As observações dos pequenos leitores durante a leitura e no decorrer do processo

de conversação relacionaram-se às suas experiências de vida, aos seus repertórios culturais e

ao conhecimento prévio que possuíam sobre o tema abordado pelos textos lidos. Isso porque a

investigação mostrou com clareza que não existe “a criança”, um ser teórico e abstrato, mas

existe a Luna, o Naruto, a Mayara, o Coringa, a Mari, o Luffy e tantas outras crianças leitoras,

sujeitos históricos e sociais, todas elas pertencentes a uma família e inseridas numa classe

social, e, como tal, consumidoras e também produtoras de cultura. São crianças imersas na

cultura digital e essa característica precisa ser considerada em contextos escolares e não

escolares de leitura. Parafraseando Benjamin (2009, p. 93), destacamos que, no campo da

literatura infantil, é preciso fazer valer o rosto da criança que lê, rosto que se lê como gosto a

ser considerado.

Nos Círculos de Leitura, a necessidade que a criança tem de narrar ficou visível:

narrar o que pensava sobre o livro, narrar o que o texto a fez lembrar, narrar o que acontecia

na imagem, narrar um episódio de um filme, série ou desenho que dialogava com o texto lido.

Acompanhar as suas narrativas de perto nos instiga a elaborar outra questão: como fazer uma

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pertinente mediação literária se não ouvimos o que as crianças leitoras dizem sobre os livros?

A investigação revelou que nossas referências e intenções de leitura diferem das experiências

dos pequenos leitores e, como a referência é central para a percepção (HUNT, 2010, p. 147),

faz-se fundamental dar a voz a esses leitores.

Nas interações, lemos e conversamos sobre muitas obras: as Altamente

Recomendáveis da pesquisa e as que foram indicadas pelas crianças. Juntas, as crianças

leitoras compartilharam ideias e impressões. As crianças sentiram-se encorajadas a fazer

observações e perguntas. Podíamos ver os olhos uns dos outros (KORCZACK, 1981, p. 37) e

acreditamos que essa proximidade facilitou o diálogo sobre os livros. O Círculo de Leitura

mostrou-se como uma oportunidade de encontro com o texto literário e com os outros leitores

do grupo; afinal ler é compartilhar.

Vivenciar e conhecer de perto o que pensam as crianças sobre os livros

considerados Altamente Recomendáveis pelos adultos nos ensinou que o pequeno leitor pode

contribuir na discussão a respeito da condição complexa que caracteriza o campo da literatura

infantil, apesar de sua voz ainda não ecoar tanto nos espaços em que ele circula,

particularmente em relação ao que se considera qualidade estética em literatura infantil. Na

produção acadêmica, há três livros muito conhecidos pelos pesquisadores que discutem a

literatura infantil O que é qualidade em literatura infantil e juvenil? Com a palavra o

escritor; O que é qualidade em literatura infantil e juvenil? Com a palavra o ilustrador e O

que é qualidade em literatura infantil e juvenil? Com a palavra o educador. Acreditamos que

seria importante uma quarta publicação, que teria como subtítulo Com a palavra a criança. A

experiência mostrou a necessidade de se dar visibilidade ao que pensam os leitores no

processo de leitura de textos literários; afinal eles são a razão de ser de toda a produção

editorial.

Segundo Calvino (1990, p. 11), “há coisas que só a literatura com seus meios

específicos nos pode dar”. Complementando o autor, e que a ousadia nos seja perdoada, o que

percebemos em nosso estudo é que há coisas que só a leitura da literatura com crianças pode

nos dar. A emoção, a vivacidade e a alegria que elas imprimem à leitura literária tornam a

experiência de ler literatura de forma compartilhada profundamente significativa. A forma

particular de leitura das crianças, encenando o que ouvem, reproduzindo ações de

personagens, recriando o texto pelo diálogo, reafirma as potencialidades do texto literário,

propulsor da imaginação, da apreciação estética e da sensibilidade.

Quando falamos em avaliação e seleção de livros para crianças, logo pensamos

nos critérios que devem nortear as escolhas. Há autores que estabelecem uma hierarquia

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literária e defendem critérios com base exclusivamente na qualidade literária da obra. Outros

propõem atender apenas a aceitação dos livros pelos destinatários; assim, um livro literário

seria considerado bom se conseguisse agradar às crianças. Hunt (2010, p. 29) e Colomer

(2003, p. 48) destacam que esses grupos são conhecidos como book people e children people

(povo dos livros e povo das crianças), respectivamente. Considerando as duas posições, não

seria possível ter como ponto de orientação a qualidade estética dos livros, assim como

conhecer o leitor e as suas especificidades?

O mediador que se dispõe a trabalhar literatura com crianças enfrenta alguns

desafios: a escolha das obras a serem oferecidas aos leitores e a escolha de estratégias

adequadas à abordagem dos textos. Inicialmente, acreditamos que é preciso garantir o acesso

a obras de qualidade estética. A memória afetiva que a criança constrói da literatura, a partir

do acesso e relação com os livros, é de fundamental importância em sua história de leitura,

por isso a complexidade do tema. Outro desafio do mediador seria conhecer a bagagem

cultural dos leitores e as realidades que afetam a infância contemporânea (PERROTTI, 1990).

Ao mesmo tempo em que o mediador elabora propostas e estratégias de

abordagem do texto literário, parece-nos importante delinear programas de leitura que abram

espaço para as escolhas das crianças. Quando a leitura é uma atividade motivada pelo desejo

do leitor, seus efeitos podem ser mais significativos. A escolha adulta utiliza critérios em

relação ao texto verbal que a criança não considera em sua análise: literariedade do texto,

trabalho estético com a linguagem, diálogo entre texto verbal e visual, dentre outros. Como

vimos, os critérios das crianças são outros, portanto aqueles que pretendem formar leitores

precisariam pensar em garantir momentos da rotina em que esses leitores pudessem escolher o

que desejam ler. Ao mesmo tempo em que abrem espaço no planejamento para que as

crianças escolham livros, é importante que os mediadores deem acesso a obras de qualidade

que valorizem a diversidade: diversidade de autores, diversidade de temas, diversidade de

imagens. Assim, aos poucos, as crianças vão ampliando suas leituras pessoais e os seus

critérios de escolha, visto que só podemos aprimorar as experiências que fazem parte de nossa

história. Afinal, não se nasce leitor.

Na obra A maior flor do mundo, Saramago (2001, s/n.) nos diz que “as histórias

para crianças devem ser escritas com palavras muito simples, porque as crianças, sendo

pequenas, sabem poucas palavras e não gostam de usá-las complicadas”. Após nove meses de

compartilhamento de leituras com as crianças de seis e sete anos, percebemos que escrever de

maneira simples facilita a leitura e a construção dos sentidos do texto desses leitores

singulares, em processo de alfabetização, porém eles sabem muitas palavras e possuem

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variadas experiências culturais que fazem parte de sua individualidade e, portanto, os

constituem.

As crianças dizem o que pensam dos textos, expressam o que sentem com

espontaneidade e isso possibilitou a organização de um grande volume de dados que,

certamente, nos mobilizou e ainda nos mobilizará na elaboração de futuras análises – a

respeito de questões que despontaram durante as interações – e que consideramos pertinentes

aos estudos sobre literatura infantil, como pesquisar a recepção dos livros que as crianças

procuram na biblioteca. Muitas vezes, a escola desconhece o que as crianças sabem a respeito

das tecnologias digitais e as formas contemporâneas de ler: elas realizam certo tipo de leitura

dos desenhos, séries, filmes, jogos e até de textos dos celulares. As crianças pesquisadas são

leitoras de muitos códigos e realizam, continuamente, atividades intertextuais reunindo esses

diferentes textos a que têm acesso de forma rápida.

O desenvolvimento da pesquisa revelou que, quando abrimos um livro de

literatura para ler com as crianças, muita coisa acontece nesse ritual e elas observam: a

postura do mediador, o seu olhar, a materialidade geral do suporte, a capa da obra, a nitidez

das imagens na capa, as cores utilizadas no projeto gráfico, o tamanho e o tipo da letra, a

presença, o tamanho e o número de imagens ao longo do livro, o traçado utilizado pelo(a)

ilustrador(a), a extensão do texto verbal, dentre outros elementos.

No dia 12 de junho de 2017, último mês de coleta de dados, Luna me fez uma

pergunta no Círculo de Leitura que revela como as crianças estão atentas ao que acontece e

também como são curiosas: “Elisa, por que você escolheu os livros para crianças como tema

de pesquisa?” No calor do momento, a minha resposta foi: “Porque eu trabalho com crianças

há muito tempo e gosto de ler livros para elas. Então eu queria conhecer a opinião das

crianças sobre os livros.” Ao redigir esta tese, essa pergunta da criança me acompanhou no

processo de escrita. Ela me mobilizou a pensar que a minha trajetória profissional tem sido

construída com crianças e livros, assim como nas relações que acontecem entre eles.

Escolhemos “encerrar” esta tese com a mesma frase que concluíamos a leitura dos

livros nos Círculos de Leitura: “Entrou por uma porta, saiu por outra e quem quiser que conte

outra.” Essa metáfora nos parece pertinente para apontar os caminhos que traçamos na

investigação, entrando e saindo por portas, transpondo obstáculos e assumindo rumos. Nesse

percurso, nos nove meses de intensa imersão no campo, buscamos captar o olhar da criança

sobre o livro infantil. É possível afirmar que o olhar da criança pode contribuir para

ampliarmos o nosso olhar e, retomando o título, reafirmamos o convite a pesquisas futuras,

por isso “quem quiser que conte outra...”

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231

AZEVEDO, A. O trompetista na tempestade. Ilustrações de Lelis. Belo Horizonte: Abacatte, 2015. 32 p. AZEVEDO, R. O livro das casas. São Paulo: Moderna, 2015. 56 p. BUENO, R. O que é a liberdade? São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2015. [s/n.]. CÁRCAMO. Tenório, um artista iniciante. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2015. [s/n.]. CASTANHA, M. Contos Ortográficos. Belo Horizonte: Abacatte, 2015. 56 p. ELMA. Tabuleiro da baiana. São Paulo: Paulinas, 2015. [s/n.]. HIRATSUKA, L. As cores dos pássaros. Rio de Janeiro: Rovelle, 2015. 48 p. ______. O guardião da bola. São Paulo: Moderna, 2015. 40 p. KRENAK, E. O sonho de Borum. Ilustrações de Mauricio Negro. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. 32 p. LELIS. Hortência das tranças. Belo Horizonte: Abacatte, 2015. 36 p. MACHADO, A. M. De noite no bosque. Ilustrações de Bruno Nunes. São Paulo: Ática, 2015. 32 p. MELLO, R. Inês. Ilustrações de Mariana Massarani. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2015. [s/n.]. MONTEIRO, F. Cartas a povos distantes. Ilustrações de André Neves. São Paulo: Paulinas, 2015. 96 p. MOREYRA, C. Lá e Aqui. Ilustrações de Odilon Moraes. Rio de Janeiro: Pequena Zahar, 2015. [s/n.]. SAUERESSIG, S. Receita para fazer dragão. Ilustrações de Janaina Tokitaka. São Paulo: Cortez, 2-15. 84 p. ZIRALDO. Nino, o menino de Saturno. São Paulo: Melhoramentos, 2015. 48 p.

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Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Responsáveis

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA RESPONSÁVEIS

O(A) menor de idade sob sua tutela está sendo convidado(a) como voluntário(a) a

participar da pesquisa “A literatura infantil pelo olhar da criança e do adulto”. Neste estudo, pretendemos analisar obras de literatura que as crianças gostam de ler e tudo o que elas pensam sobre os livros endereçados a elas. Para que o(a) menor possa participar deste estudo, o(a) Sr.(a) deverá autorizar e assinar este Termo de Consentimento.

O motivo que nos leva a pesquisar essas questões é, principalmente, o fato de que estudos e relatórios de pesquisas indicam a necessidade de se estudar as relações das crianças com as obras que são produzidas para elas. Para este estudo adotaremos os seguintes procedimentos: realização de círculos de leitura, registro das observações por meio de áudio, filmagem e anotações em um caderno de campo, além da possibilidade de realização de algumas entrevistas individuais.

Para participar deste estudo, o(a) Sr.(a) não terá nenhum custo, nem receberá qualquer vantagem financeira. Você será esclarecido(a) sobre o estudo em qualquer aspecto que desejar e estará livre para autorizar ou não a participação do(a) menor de idade sob sua tutela. Também poderá retirar seu consentimento ou interromper a participação a qualquer momento. A participação nesta pesquisa é voluntária e a recusa em participar não acarretará qualquer penalidade ou modificação na forma em que é atendido pela pesquisadora.

Todo o material produzido na pesquisa (arquivos eletrônicos de armazenamento e notas de campo) será utilizado exclusivamente para fins de divulgação da pesquisa. Esse material será devidamente arquivado pelo período de cinco anos. Após esse período, todo o material será destruído. A pesquisadora irá tratar a identidade dos participantes da pesquisa com padrões profissionais de sigilo e em hipótese alguma o(a) participante será identificado(a) em qualquer publicação que possa resultar deste estudo. Os resultados da pesquisa estarão à sua disposição quando finalizada. Este Termo de Consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma via será arquivada pela pesquisadora responsável e a outra será fornecida a você.

Devido ao caráter da investigação, o risco ou possibilidade de afetar qualquer participante da pesquisa é mínimo, isto é, o mesmo risco existente em atividades rotineiras como conversar, caminhar, ler, etc. A fim de minimizar qualquer risco de desconforto ou constrangimento durante a pesquisa, a pesquisadora agirá de maneira extremamente respeitosa e ética independentemente das opiniões ou posicionamentos do(a) pesquisado(a). Mas, caso haja danos decorrentes da pesquisa, a pesquisadora assumirá a responsabilidade pelos mesmos.

Eu, ________________________________________________, portador(a) do

Documento de Identidade _________________________ fui informado (a) dos objetivos do

estudo “A literatura infantil pelo olhar da criança e do adulto”, de maneira clara e detalhada e

esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e

modificar minha decisão se assim o desejar.

Declaro que autorizo ___________________________________________,

portador(a) do Documento de Identidade _________________________, a participar desse

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estudo. Recebi uma via deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e me foi dada a

oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.

Belo Horizonte, 14 de setembro de 2016. _________________________________ _________________________________

Assinatura do(a) responsável Maria Elisa de Araújo Grossi (Pesquisadora)

Em caso de dúvidas com relação à pesquisa e/ou aos aspectos éticos deste estudo, você poderá consultar: Maria Elisa de Araújo Grossi (Pesquisadora - doutoranda). Endereço: Av. Antônio Carlos, 6627, Faculdade de Educação - UFMG; Programa de Pós-Graduação em Educação; Campus Pampulha; Belo Horizonte, MG – Brasil; CEP.: 31270-901; E-mail: [email protected]; Telefone: (31) 996181891. Essa pesquisa é orientada pela Profª Drª Maria Zélia Versiani Machado. E-mail: Zé[email protected] COEP - Comitê de Ética em Pesquisa. Endereço: Av. Antônio Carlos, 6627, Unidade Administrativa II - 2º andar - Sala 2005; Campus Pampulha; Belo Horizonte, MG – Brasil; CEP.: 31270-901; E-mail: [email protected]; Telefone: (31) 3409-4592.

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Apêndice B – Roteiro para a dinâmica do Círculo de Leitura

Antes da leitura compartilhada:

• Conversa inicial sobre a pesquisa e o objetivo da dinâmica. • Observar as crianças analisando os livros Altamente Recomendáveis: como

elas procedem, se escolhem os mesmos livros, o que dizem sobre os livros.

• Apresentação das crianças participantes do grupo.

1) – Tinha vários livros na mesa, não é? Cada um vai agora me falar por que escolheu este

livro... O que chamou a sua atenção nele?

2) – Você já conhecia esse livro? E o (a) autor (a)? Já ouviu falar dele(a)?

3) – Você acha que o livro vai falar sobre o quê?

4) – Qual livro vamos começar a ler primeiro? (Combinar sempre com as crianças).

Durante a leitura compartilhada:

Observar o que as crianças destacam no livro durante a discussão: que observações

fazem sobre a capa, as imagens, os personagens, o texto em geral; o que elas perguntam; que

relações estabelecem ao ouvirem e discutirem o texto coletivamente; se fazem conexões entre

as partes das obras; que elementos elas destacam durante a conversação literária.

Após a leitura compartilhada:

Ouvir a opinião das crianças sobre os livros lidos: se gostaram do texto ou não, parte(s) que

mais gostaram. Ouvir o que elas dizem sobre os livros lidos.

1) – Após lermos os quatro livros, de qual deles você gostou mais? Por quê?

Importante para o estudo!

- Observar os livros que sobram na mesa. Buscar conhecer também o que as crianças dizem a

respeito dos livros “não escolhidos”.

- As falas das crianças nas interações indicarão outras perguntas a serem formuladas.

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Apêndice C – Roteiro para a entrevista individual

- Conversa inicial sobre a pesquisa e o objetivo da entrevista.

- Criar um ambiente descontraído e de confiança.

- Levar os livros Altamente Recomendáveis da pesquisa para a entrevista e deixar eles

expostos, à disposição das crianças.

1) – Nome e idade.

2) – Com quem você mora?

3) – Você gosta de ler?

4) – Tem livros na sua casa? Você lembra o nome de algum de que você gosta muito? Como

ele é?

5) – Você vê alguém lendo na sua casa? Quem?

6) – Alguém na sua casa lê pra você?

7)– Que livro você escolheu para ser lido no Círculo de Leitura? Por que você escolheu este

livro? O que te chamou a atenção nele?

8) – Após terminarmos de ler juntos os quatro livros, de qual você gostou mais? Por quê?

9) – Fala sobre um livro que você já leu e gostou muito. Por que você gostou dele?

10) – Quando você vai escolher um livro para ler, o que você olha na hora de escolher? Como

você escolhe um livro para ler?

11) – Você já leu algum livro de que não gostou? Qual? Por quê?

12) – Você já indicou um livro para um amigo ler? Qual?

13) – Algum amigo seu já te indicou algum livro?

14) – Se você pudesse conversar com um escritor ou uma escritora de livros para crianças, o

que diria a ele(a) que não pode faltar num livro para crianças?

* Formular outras perguntas relacionadas ao tema da pesquisa a partir das falas das

crianças.

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Apêndice D - Termo de Assentimento Livre e Esclarecido

TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) como voluntário(a) a participar da pesquisa “A literatura infantil pelo olhar da criança e do adulto”. Neste estudo, pretendemos analisar obras de literatura que você gosta de ler e tudo o que pensa sobre os livros para crianças. Para participar deste estudo, o/a responsável por você deverá autorizar e assinar um Termo de Consentimento.

O motivo que nos leva a pesquisar essas questões é, principalmente, o fato de que estudos e relatórios de pesquisas indicam a necessidade de estudar as relações das crianças com as obras que são produzidas para elas. Para este estudo adotaremos os seguintes procedimentos: círculos de leitura, registro das observações por meio de áudio, de filmagem e anotações em um caderno de campo, além da possibilidade de realização de algumas entrevistas individuais.

Para participar deste estudo você não terá nenhum custo, nem receberá qualquer vantagem financeira. Você será esclarecido(a) sobre o estudo em qualquer aspecto que desejar e estará livre para participar ou recusar-se a participar. Também poderá retirar seu consentimento ou interromper a participação a qualquer momento. O responsável por você também poderá retirar o consentimento ou interromper a sua participação a qualquer momento. A sua participação é voluntária e a recusa em participar não acarretará qualquer penalidade ou modificação na forma em que é atendido pela pesquisadora.

Todo o material produzido na pesquisa (arquivos eletrônicos de armazenamento e notas de campo) será utilizado exclusivamente para fins de divulgação da pesquisa. Esse material será devidamente arquivado pelo período de cinco anos. Após esse período, todo o material será destruído. A pesquisadora irá tratar a sua identidade com padrões profissionais de sigilo e em hipótese alguma o(a) participante será identificado(a) em qualquer publicação que possa resultar deste estudo. Os resultados da pesquisa estarão à sua disposição quando finalizada. Este Termo de Assentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma via será arquivada pela pesquisadora responsável e a outra será fornecida a você.

Devido ao caráter da investigação, o risco ou possibilidade de afetar qualquer participante da pesquisa é mínimo, isto é, o mesmo risco existente em atividades rotineiras como conversar, caminhar, ler etc. A fim de minimizar qualquer risco de desconforto ou constrangimento durante a pesquisa, a pesquisadora agirá de maneira respeitosa e ética independente das opiniões ou posicionamentos do(a) pesquisado(a). Mas, caso haja danos decorrentes da pesquisa, a pesquisadora assumirá a responsabilidade pelos mesmos.

Eu, ____________________________________________, portador(a) do documento

de Identidade _________________________ fui informado (a) dos objetivos do estudo “A

literatura infantil pelo olhar da criança e do adulto”, de maneira clara e detalhada e

esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e

modificar minha decisão de participar se assim o desejar.

Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma via deste Termo de

Assentimento Livre e Esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas

dúvidas.

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Belo Horizonte, 15 de Setembro de 2016.

_________________________________ _________________________________

Assinatura do (a) participante Maria Elisa de Araújo Grossi (Pesquisadora)

Em caso de dúvidas com relação à pesquisa e/ou aos aspectos éticos deste estudo, você poderá consultar: Maria Elisa de Araújo Grossi (Pesquisadora - doutoranda). Endereço: Av. Antônio Carlos, 6627, Faculdade de Educação - UFMG; Programa de Pós-Graduação em Educação; Campus Pampulha; Belo Horizonte, MG – Brasil; CEP.: 31270-901; E-mail: [email protected]; Telefone: (31) 996181891. Essa pesquisa é orientada pela Profª Drª Maria Zélia Versiani Machado. E-mail: Zé[email protected] COEP - Comitê de Ética em Pesquisa. Endereço: Av. Antônio Carlos, 6627, Unidade Administrativa II - 2º andar - Sala 2005; Campus Pampulha; Belo Horizonte, MG – Brasil; CEP: 31270-901; E-mail: [email protected]; Telefone: (31) 3409-4592.

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Apêndice E – Caracterização resumida das obras Altamente Recomendáveis

Consideramos que seria importante fazermos uma caracterização resumida das

obras utilizadas na pesquisa. Iniciaremos pelos livros mais escolhidos pelas crianças até

chegarmos aos não escolhidos.

1 Nino, o menino de Saturno

Escritor e ilustrador: Ziraldo

Natural de Caratinga (MG), Ziraldo é escritor, chargista, caricaturista, teatrólogo, jornalista,

pintor e artista gráfico. Em 1969, publicou seu primeiro livro infantil, Flicts, e não parou

mais. Em 1980, lançou O Menino Maluquinho, que lhe rendeu sua maior consagração como

autor infantil.

Fonte: <http://ziraldo.com/historia/rbiograf.htm>.

O livro conta a história de um menino que vivia voando pelo espaço em sua

prancha de surfe. Ele era de Saturno, daí seu nome, Saturnino, mas todos o chamavam de

Nino. Ele gostava de deslizar “sobre o tapete feito de cor e cristais

dos anéis de seu planeta” (p. 4), mas um dia Saturno amanheceu sem

as cores de seus anéis. Para resolver este problema, ele segue o

conselho de outro personagem, um misterioso menino que aparece na

história e aconselha Nino a buscar os “garimpeiros do Sol” (p. 11). O

protagonista parte então para o espaço e, ao chegar próximo à Terra,

escuta a voz do amigo misterioso que lhe diz: “Você chegou ao seu

destino”. No planeta Terra, Nino conversa com vários pintores famosos: Picasso, Van Gogh,

Kandinsky, Gustav Klimt, Pollock, Matisse, Miró e cada um apresenta uma forma de colorir

os anéis que lembra o seu próprio estilo de pintar.

2 De noite no bosque

Escritora: Ana Maria Machado

Ana Maria Machado é natural do Rio de Janeiro. Trabalhou como professora universitária,

jornalista, radialista e artista plástica. Suas primeiras histórias foram criadas para a Revista

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Recreio, em 1969. Primeira autora infantojuvenil eleita para a Academia Brasileira de Letras.

Em 2000, recebeu o prêmio Hans Christian Andersen, pelo conjunto de sua obra.

Fonte: <http://www.anamariamachado.com>.

Ilustrador: Bruno Nunes

Bruno Nunes nasceu em Belo Horizonte, em 1979. Além de trabalhar como ilustrador e

designer para editoras de livros e de revistas, tem uma banda chamada Constantina. Possui um

estúdio criativo que se chama “Caixa Amarela”. Já ilustrou 17 livros e recebeu alguns

prêmios.

Fonte: <https://followthecolours.com.br/art-attack/bruno-nunes-e-cabeca-e-coracao-por-tras-

da-caixa-amarela-ilustracoes/>.

O livro se inicia apresentando uma família na qual os pais têm o hábito de ler

histórias todas as noites para seus dois filhos, Gabi e Lipe. Porém, certo dia, os pais retornam

tarde do trabalho e, cansados, avisam “Ah, não, hoje não vai ter

história” (p. 10). As crianças então dizem que elas é que farão as

leituras. Sentam-se à beirada da cama e, alternadamente, cada uma

inicia a leitura de uma história. As leituras são alternadas porque, ao

ler, cada criança cochila um pouco e a outra inicia então uma nova

história. As crianças, ao longo do conto, leem parte das seguintes

histórias: Chapeuzinho Vermelho, Cachinhos Dourados, Branca de

Neve, João e Maria, O Pequeno Polegar, Bambi e A Bela Adormecida. O livro apresenta,

assim, fragmentos desses contos clássicos nos quais o bosque é o espaço das narrativas.

3 O livro das casas

Escritor e ilustrador: Ricardo Azevedo

Escritor, ilustrador, compositor e pesquisador paulista, Ricardo Azevedo publica livros,

estudos e artigos a respeito de temas como cultura popular, literatura e poesia, problemas do

uso da literatura na escola e questões relativas à ilustração de livros.

Fonte: http://www.ricardoazevedo.com.br/artigos/

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O livro, organizado em forma de quadrinhas com rimas no 2º e 4º versos, traz

várias possibilidades de casa, “a casa da mordida”, “a casa do bicho”, “a casa do sonho”,

dentre outras, num texto de caráter lúdico. Temos o texto verbal em

uma página e a imagem relacionada a ele na outra. Observa-se um

interessante diálogo entre o texto verbal e o visual: “diante da fala do

texto, o desenho responde e dá a sua opinião [...]” (p. 56). É possível

afirmar que o texto visual assume na obra um caráter importante, pois

ele complementa as ideias do texto escrito. Por exemplo, para o texto

“A pulga vive feliz/ Pois é um bicho de sorte./ Sua casa tem comida/ E

é seu meio de transporte!” Observamos, ao lado, o desenho de um cachorro com uma pulga

próxima ao rabo.

4 Lá e Aqui

Escritora: Carolina Moreyra

Formou-se pela London Film School. Seu primeiro livro, O guarda-chuva do vovô, também

ilustrado por Odilon Moraes, ganhou o prêmio FNLIJ 2009 de melhor livro do ano para

crianças e o de escritor revelação, além do selo White Raven da Biblioteca de Munique. Lá e

Aqui é seu segundo livro.

Fonte: <https://zahar.com.br/autor/carolina-moreyra>.

Ilustrador: Odilon Moraes

Natural de São Paulo, Odilon cursou Arquitetura. Já ilustrou mais de 50 livros e recebeu

prêmios como o Jabuti e o Adolfo Aizen. Em 2002, recebeu o Prêmio Ofélia Fontes - O

Melhor Livro para Crianças, conferido pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil -

pela obra A Princesinha Medrosa, o primeiro livro que escreveu e ilustrou.

A obra, premiada em 2016, pela FNLIJ, na categoria Criança, é um pequeno

conto, narrado em primeira pessoa por uma criança. O tema é a

separação de seus pais e, embora trate desse tema, o texto escrito é

claro e leve. Há uma forte interdependência entre texto verbal e texto

visual. A tristeza da separação é narrada por meio de metáforas,

especialmente aquelas construídas pelas imagens. O ilustrador utiliza

vários elementos da natureza, que, durante a conversação foram

muito apreciados pelas crianças: árvore, lago, pássaros, sapos, cachorros, peixes, dentre

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outros. O livro apresenta capa dura, forma quadrada (16,5 X 16,5 cm), é de fácil manuseio

pelas crianças, as páginas não são numeradas e o texto visual predomina, em termos de uso do

espaço, sobre o verbal. As frases são curtas, característica que facilita a leitura das crianças

em processo de alfabetização.

5 As cores dos pássaros

Escritora e ilustradora: Lúcia Hiratsuka

Lúcia nasceu em 1960, no interior de São Paulo. É autora de diversos livros para crianças. Já

recebeu importantes prêmios como o Jabuti de ilustração, em 2015. Seu livro Orie, lançado

em 2014, foi eleito o Melhor Livro para Crianças da FNLIJ/2015 e foi escolhido para o

catálogo White Ravens da Biblioteca de Munique.

Fonte: <http://www.luciahiratsuka.com.br>.

A obra é uma pequena fábula japonesa que conta a história de um tempo em que

todos os pássaros eram brancos. Certo dia, Dona Coruja, protagonista da história, resolve

pintar as suas penas. As outras aves ficam encantadas com as cores

utilizadas e pedem que Dona Coruja as pinte também. Assim,

canários, araras, andorinhas, periquitos, colibris e outros pássaros

tornam-se coloridos. Cada um era pintado da cor que escolhia, até

que o corvo procura a ave pintora e algo misterioso acontece. A obra

destaca-se pela suavidade da narrativa e qualidade de suas imagens.

O texto verbal e o visual se complementam e dialogam de forma harmônica.

6 Receita para fazer dragão

Escritora: Simone Saueressig

Natural de Campo Bom (RS), Simone nasceu em 1964. Professora de balé, estreou na

literatura em 1987, com o livro O mistério do formigueiro, publicado pela editora Kuarup.

Tem muitos títulos publicados para o público infantil e juvenil como O Palácio de Ifê (1989),

A Noite da Grande Magia Branca (2007), A Fortaleza de Cristal (2007), dentre outros.

Ilustradora: Janaina Tokitaka

A ilustradora nasceu em São Paulo, em 1986. É bacharel em Artes Plásticas pela USP e

mestre em História da Arte pela UNICAMP. Seus trabalhos são feitos, principalmente, com

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aquarela, nanquim e tinta acrílica. Janaina retoma, com frequência, a iconografia e folclore

japoneses em sua obra, transpostos para a imagem narrativa contemporânea. Além de ilustrar,

também escreve livros para crianças e adolescentes e ministra cursos e oficinas sobre

ilustração.

Fonte: Orelha da obra Receita para fazer dragão

A obra conta a história de Tina, uma menina que fica conhecendo Joana, certa moradora

misteriosa de uma casa que fica no alto de uma colina. Joana gosta de

apanhar papéis coloridos na rua para fazer dobraduras. Convivendo com

essa senhora, Tina descobre a magia oculta em um simples pedaço de

papel. Magia essa que dá vida a um dragão de dobradura feito pela menina.

Juntos, o animal e a menina vivem algumas aventuras que tumultuam a

vida da pacata cidade em que acontece a história.

7 O caixão rastejante e outras assombrações de família

Escritora e ilustradora: Angela Lago

A artista nasceu em Belo Horizonte, em 1945. Formou-se na Escola de Serviço Social da

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em 1968. Possui uma obra vasta e já foi

premiada no Brasil e no exterior. Seu livro Cena de Rua, umas das obras de literatura infantil

mais premiada no mundo, destaca-se no conjunto dos livros de imagem, em razão da

composição imagética, do domínio técnico e do apurado senso estético. Por três vezes foi

candidata ao prêmio Hans Christian Andersen de Ilustração, promovido pelo International

Board on Books for Young People (IBBY). A autora faleceu em 22 de outubro de 2017, aos

71 anos.

Fonte: <http://blogeditorarhj.blogspot.com.br/2010/06/livro-de-imagem-cena-de-rua-de-

angela.html>.

O livro é uma coletânea de dez “contos de assombração”. A autora traz

histórias de Belo Horizonte, Bom Despacho e municípios vizinhos,

contadas há anos e vivenciadas por pessoas de sua família, muitas delas,

personagens que ela inclui nos contos. A autora brinca com o mistério

que permeia as narrativas, repletas de terror e de humor. Na obra, a

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autora utiliza a sua própria imagem para representar os diferentes personagens e

assombrações.

8 O guardião da bola

Escritora e ilustradora: Lúcia Hiratsuka

Nasceu em 1960, no interior de São Paulo. É autora de diversos livros para crianças. Já

recebeu importantes prêmios como o Jabuti de ilustração, em 2015. Seu livro Orie, lançado

em 2014, foi eleito o Melhor Livro para Crianças da FNLIJ/2015 (Produção 2014) e foi

escolhido para o catálogo White Ravens da Biblioteca de Munique.

Fonte: <http://www.luciahiratsuka.com.br>.

A obra conta a história de Zinho e seus amigos. Eles juntam dinheiro e

conseguem comprar uma bola de verdade, mas precisam decidir quem

será o responsável por cuidar da bola. O grupo de amigos faz então um

sorteio e Zinho é sorteado. Em casa, ele tenta encontrar um esconderijo

para a bola, preocupado com seu irmão que mexe em tudo. Muitas

coisas acontecem na narrativa em torno de Zinho e a bola de futebol de

seu grupo.

9 Contos Ortográficos

Escritora e ilustradora: Marilda Castanha

Natural de Belo Horizonte, nasceu em 1964. Marilda cursou Belas Artes na UFMG e foi nessa

época que começou a ilustrar livros infantis. Ganhou alguns prêmios, entre os quais o Runner-

Up e o Jabuti de Melhor Ilustração (Pindorama, Terra das Palmeiras e Mil e uma estrelas).

Criou a ilustração que é a identidade visual da L’Occitaine. Atualmente, a artista vive em

Santa Luzia (MG).

Fonte: <http://marildacastanhailustradora.blogspot.com.br/2014/>.

A obra reúne nove contos ambientados na “Cidade Ortográfica”. Os

títulos dos contos reportam-nos a nomes de sinais de pontuação ou de

acentuação gráfica como “O Homem Vírgula”, “Sr. Hífen”, “O Trema”,

“Irmãs Aspas”, dentre outros. Os contos abordam a questão das funções dos sinais, por meio

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de histórias divertidas e as implicações das reformas “que, a cada dia, proliferavam ali na

Cidade Ortográfica”. Os sinais gráficos são os personagens das narrativas.

10 Coisa de gente grande

Escritora e ilustradora: Patrícia Auerbach

Nasceu em São Paulo, em 1978. É formada em Arquitetura e Publicidade com especialização

em História da Arte pela New York University e em desenho pela School of Visual Arts

(NY). Principais obras: O Jornal (2012 - Prêmio FNLIJ Melhor Livro de Imagem; Finalista do

Prêmio Jabuti Melhor Ilustração Infantil/Juvenil), O Lenço (2013 - Selo Altamente

Recomendável FNLIJ) e Patacoadas (2016).

Fonte: www.agenciariff.com.br/site/AutorCliente/Autor/115

A obra é considerada um poema ilustrado. O texto visual predomina

sobre o verbal, que se constitui de apenas uma palavra. Palavras do

universo adulto como “bagagem”, “lugares”, “vitórias” compõem

um texto significativo com cenas do universo infantil. Esse diálogo

entre texto verbal e visual nos faz construir novos sentidos para

essas palavras.

11 O trompetista na tempestade

Escritor: Alexandre Azevedo

Cronista, teatrólogo, romancista, contista e ensaísta. Nasceu em 1965, em Belo Horizonte,

mas vive em Ribeirão Preto. Possui mais de 90 obras publicadas por várias editoras do Brasil,

dentre elas “O vendedor de queijos e outras crônicas”, “A lua e a bola (Bibliografia Brasileira

de Literatura Infantil e Juvenil - Melhor Livro de Poesia Infantil de 1996)”, “Poeminhas

fenomenais” dentre outros. Alexandre é membro da Academia Riopretana de Letras.

Ilustrador: Lelis

Marcelo Eduardo Lelis de Oliveira é natural de Montes Claros. Escritor, ilustrador e

quadrinista, Lelis nasceu em 1967. Atualmente mora em Lagoa Santa (MG). Autodidata, o

artista gosta de trabalhar com desenhos e aquarelas. Escreveu 3 livros (Saíno a percurá, em

2001; Cidades do Ouro, em 2005; Hortência das Tranças – Prêmio da Biblioteca Nacional na

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categoria literatura infantil e Prêmio Guavira de Literatura - em 2015) e já ilustrou dezenas de

trabalhos de outros autores.

Fonte: <http://www.uai.com.br/app/noticia/artes-e-livros/2017/08/25/noticias-artes-e-livros,

212186/escritor-ilustrador-e-quadrinista-lelis-busca-apoio-na-internet.shtml>.

A obra pode ser considerada uma prosa poética e conta a

história de um som de trompete que vai invadindo a cidade e

a rotina dos moradores que ficam fascinados com a beleza

dos acordes. A melodia chega ao final da tarde com a chuva

e vai preenchendo o silêncio da cidade que se ilumina com

aquele som.

12 Hortência das Tranças

Escritor e ilustrador: Lelis (Ler breve biografia no livro 11)

Narrada em versos, a história traz como personagem principal

Hortência, que com sua mala carregada de livros, viaja por

diferentes lugares narrando muitas histórias. Nas andanças de

Hortência, ela apresenta ao público alguns clássicos da literatura

como Moby Dicky, Metamorfose, Sítio do Picapau Amarelo, dentre

outros.

13 Inês

Escritor: Roger Mello

Escritor, dramaturgo, diretor de teatro e ilustrador brasiliense. Nasceu em 1965. Recebeu

vários prêmios por suas obras, dentre eles o Hans Christian Andersen, em 2014, como

ilustrador. Foi o primeiro ilustrador brasileiro a receber este prêmio, considerado o Nobel da

literatura infantil e juvenil. Entre suas obras destacam-se Meninos do Mangue (2001), João

por um fio (2006) e Carvoeirinhos (2009).

Fonte: <http://www.brasilliterario.org.br/roger-mello-e-o-primeiro-ilustrador-brasileiro-a-

vencer-premio-2/>.

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Ilustradora: Mariana Massarani

Natural do Rio de Janeiro, em 1963. Ilustrou em torno de 150 livros infantis de diversos

autores. Além de ilustrar, Mariana também escreveu nove livros como Victor e o jacaré

(1993), Quando Pedro tinha nove anos (2009) e Os Mergulhadores (2010). Mariana tem

também cinco livros digitais publicados como aplicativos e disponíveis nas Appstores de todo

o mundo. Ganhou o Prêmio Jabuti de Literatura em 1997 e 2003, na categoria ilustração de

livros infantis e juvenis.

Fonte: <http://www.wikiwand.com/pt/Mariana_Massarani>.

O livro Inês narra a história do amor proibido entre Inês de Castro, ama da futura

rainha, D. Constança, e o príncipe de Portugal, D. Pedro I,

seu esposo. Num tempo em que não havia amor por escolha,

o texto é narrado por uma das filhas do casal, Beatriz, de

maneira leve e poética, integrando ficção e realidade. Inês

foi assassinada por ordem do Rei Afonso IV e foi coroada

depois de morta. A obra recebeu vários prêmios: Melhor

Livro Infantil do Ano (Academia Brasileira de Letras),

Prêmio Jabuti na categoria infantil, Selo White Ravens, Criança Hors-Concours da FNLIJ.

14 O Sonho de Borum

Escritor: Edson Krenak

Escritor indígena, Edson assumiu para assinar a sua obra o sobrenome do povo do qual é

descendente. Atualmente, os Krenak vivem numa área reduzida às margens do Rio Doce

(MG). Edson é mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de São Carlos e

pesquisador do Instituto UKA – Casa dos Saberes Ancestrais.

Ilustrador: Maurício Negro

Ilustrador, escritor e designer gráfico, Maurício nasceu em 1968. Graduado em Comunicação

Social pela Universidade de São Paulo (USP). Cursou também Arquitetura e Urbanismo, na

Universidade Mackenzie, em São Paulo. Sua obra é extensa. Já recebeu prêmios e menções no

Brasil e no exterior.

Fonte: <http://negroaporter.blogspot.com.br/2010/07/biografia_23.html>. Acesso em 25 de

abr. de 2018.

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O Sonho de Borum, vencedor do 10º Concurso Tamoio de Textos de Escritores Indígenas, é

uma narrativa ambientada numa aldeia indígena, às margens do

“grande e furioso Rio Doce”, terra onde vivem os Krenak. Nela,

Borum, um menino indígena, personagem principal do conto, recebe

um presente do pajé, mas para isso precisa cumprir uma prova: contar

um sonho. Ao longo da narrativa, aventuras e outros costumes dos

povos indígenas são incorporados ao texto.

15 Tenório, um artista iniciante

Escritor e ilustrador: Cárcamo

O artista nasceu em 1954, numa pequena cidade ao sul do Chile, mas veio para o Brasil em

1976, país que adotou desde então. Ilustrador, escritor e caricaturista. Em 1986, começou a

publicar caricaturas no histórico jornal Pasquim, incentivado pelo cartunista Jaguar. Já

conquistou alguns prêmios tanto como caricaturista como ilustrador.

Fonte: <https://www.gonzalocarcamo.com/about>.

O livro conta a história de Tenório, um jovem apaixonado pela pintura que, ao

pintar quadros na rua, acaba atendendo a todos os conselhos daqueles que passavam por ele,

acreditando que um bom pintor precisa agradar a todos.

Assim, sente-se insatisfeito com sua arte, até que um dia ele

encontra um violinista tocando na rua e a forma como o

artista reage aos comentários das pessoas, mobiliza Tenório

a refletir sobre o seu comportamento em relação à opinião

do outro. Os personagens da obra são representados por

animais (jacaré, porco, elefante, rato, macaco, dentre outros) personificados como seres

humanos.

16 Tabuleiro da Baiana

Escritora e ilustradora: Elma

Natural de Recife, mora há mais de 20 anos em João Pessoa. Elma estudou Serviço Social,

Relações Públicas e também Artes Plásticas. Trabalha com a utilização de várias técnicas,

desde o bordado até computação gráfica.

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Fonte: <http://tempodeternuras.blogspot.com.br/>.

Como o título anuncia, Tabuleiro da Baiana narra a história de

Arminda, uma baiana que saía todos os dias às ruas com seu tabuleiro

cheio de coisas gostosas: acarajés, tapiocas e cocadas. Ela era cercada

de fregueses, mas um dia se aposenta e sua filha, Arlete segue o ofício

da mãe. A obra aborda o ofício das baianas.

17 Os nada-a-ver

Escritor: Jean-Claude R. Alphen

Jean-Claude nasceu no Rio de Janeiro, em 1965, mas passou a sua infância na França, país

natal de seu pai. Retornou ao Brasil em 1976, país natal de sua mãe. Formou-se na Escola

Superior de Comunicação e Marketing, em São Paulo. Trabalhou como caricaturista no jornal

“o Estado de São Paulo”. Começou a trabalhar com literatura infantil em 1990. Possui mais

de setenta livros publicados.

Fonte: <https://www.jeanclaudealphen.com/biografia>.

Ilustradora: Juliana Bollini

Natural de Buenos Aires, a ilustradora cursou, em 1990, a faculdade de Artes Plásticas. Em

1994, veio visitar a Bienal de São Paulo e, no ano seguinte, mudou para esta cidade. Trabalha

com papéis de diferentes tipos e reaproveitamento de materiais. É comum utilizar arames nas

estruturas que cria.

Fonte: <http://projetocuradoria.com/juliana-bollini/>.

A obra conta a história de uma cidade particular habitada por seres especiais. Esses seres são

nomeados da seguinte forma: O-que-sorri, O-que-assobia, O-que-

cata-borboletas, O-que-olha-no-espelho, O-que-conta-dinheiro,

dentre outros. Cada um desses seres tinha o seu jeito de ser,

andava apenas com sua turma e não se misturava com outro ser.

Até que um dia O-que-olha-no-espelho se apaixona por um ser

diferente dele, de outro grupo, e esse fato começa a misturar os

grupos.

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18 O que é a liberdade?

Escritora e ilustradora: Renata Bueno

Renata é arquiteta e artista plástica. Vive e trabalha no Brasil. Trabalha com várias técnicas

como serigrafia, colagens, monotipias, dentre outras. Projeta também esculturas de ferro

pintado que já foram implantadas em São Paulo. Já ilustrou vários livros infantis. Seu livro

Poemas Problemas, produzido em 2012, ficou em 1º lugar no Prêmio Jabuti 2013, categoria

“Didáticos e Paradidáticos”.

Fonte: <http://www.renatabueno.art.br/>.

Na obra, um passarinho, protagonista da narrativa, dialoga com vários personagens (bebê,

estilista, lápis vermelho, lua, dragão, dentre outros) fazendo a

mesma pergunta “O que é a liberdade”? Cada um desses

personagens responde a seu modo e há, após a resposta, uma

imagem que se relaciona a ela, ampliando as suas possibilidades. Na

obra, o texto verbal e o visual estão intimamente relacionados.

19 Cartas a povos distantes

Escritor: Fábio Monteiro

Fábio nasceu em Recife. Graduou-se em História na Universidade Federal Rural de

Pernambuco. Cursou a Pós-Graduação na PUC/SP, em História, Sociedade e Cultura.

Atualmente mora em São Paulo, é professor de História, coordenador pedagógico do

Fundamental II e escreve livros para a infância e juventude.

Fonte: <https://br.linkedin.com/in/fábio-monteiro-437b3a37>.

Ilustrador: André Neves

André nasceu em Recife, em 1973, e lá se formou em Relações Públicas. Atualmente reside

em Porto Alegre, onde trabalha pesquisando, escrevendo e ilustrando livros infantis. Estudou

Artes Plásticas. Tem vários livros publicados por diversas editoras e já recebeu muitos

prêmios.

Fonte: <https://voluntarios.institutocea.org.br/pages/4011-conhecendo-um-pouquinho-de-

andre-neves>.

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A obra conta uma história de amizade entre Giramundo, um garoto que

mora no Brasil, e um amigo desconhecido, que mora em Luanda

(Angola). Esse amigo, por coincidência, também se chama Giramundo.

Essa amizade se inicia com uma carta que o Giramundo do Brasil

recebe desse novo amigo misterioso, da África. Aos poucos, por meio

das cartas, Giramundo vai descobrindo quem é essa pessoa que mora

tão distante, o que ela faz, com quem reside, dentre outras

informações.

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Apêndice F – Autorização de uso de imagem

Belo Horizonte, 22 de maio de 2018

AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM

Eu, ___________________________________________________, portador da CI

_______________________, responsável pelo aluno(a)

_____________________________________________ do Centro Pedagógico da UFMG,

autorizo a utilização da imagem dele(a) participando dos círculos de leitura, metodologia

utilizada na pesquisa “A literatura infantil pelo olhar da criança”, investigação desenvolvida

nesta mesma instituição pela professora Maria Elisa de Araújo Grossi, sob orientação da

professora Dra. Maria Zélia Versiani Machado. Estou esclarecido (a) que essas imagens só

podem ser utilizadas para fins acadêmicos.

________________________________________

Assinatura do (a) Responsável