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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” Relativização da Coisa Julgada. Um Estudo Sobre o Conflito entre a Segurança Jurídica e a Justiça das Decisões. AUTOR HELIO CUNHA BARROS DE SIQUEIRA ORIENTADOR PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

Relativização da Coisa Julgada. Um Estudo Sobre o Conflito entre a Segurança Jurídica e a Justiça

das Decisões.

AUTOR

HELIO CUNHA BARROS DE SIQUEIRA

ORIENTADOR

PROF. CARLOS AFONSO LEITE LEOCADIO

RIO DE JANEIRO 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

Relativização da Coisa Julgada. Um Estudo Sobre o Conflito entre a Segurança Jurídica e a

Justiça das Decisões. Monografia apresentada à Universidade Candido Mendes – Instituto a Vez do Mestre, como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Processual Civil. Por: Helio Cunha Barros de Siqueira.

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RESUMO

A coisa julgada é um dos marcos principais do processo civil, que tem como base o princípio da segurança jurídica, e que serve como uma das garantias do Estado Democrático de Direito, ao nortear o fim a que se destina todo o esforço processual; podendo ser formal ou material (aquele sendo um degrau necessário à ocorrência deste); trazendo, no bojo da coisa julgada material, pressupostos próprios (deve se tratar de decisão jurisdicional; o provimento deve versar sobre o mérito da causa; o mérito deve ter sido analisado em cognição exauriente; e deve ter havido a preclusão máxima – coisa julgada formal); a coisa julgada ainda enseja debates sobre a sua natureza (nesse momento a doutrina se divide entre a coisa julgada ser um efeito da decisão; uma qualidade dos efeitos da decisão; ou uma situação jurídica do conteúdo da decisão), e possui claros limites objetivos (lide), subjetivos (podendo ser inter partes, ultra partes e erga omnes) e formas de produção (coisa julgada secundum eventum litis, e a coisa julgada secundum eventum probationis). Gradualmente, nasce a posição doutrinária e jurisprudencial em defesa da flexibilização da coisa julgada, em virtude da ofensa ao princípio da justiça das decisões, tomando-se por base a utilização de princípios e questões (princípio da razoabilidade e proporcionalidade, moralidade administrativa, princípio do justo valor indenizatório, direitos a cidadania e direitos do homem, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a garantia constitucional do acesso à ordem jurídica justa, e a fraude e o erro grosseiro) que permitam se chegar a um juízo de valor acerca da viabilidade da relativização da coisa julgada. De face da teoria da relativização da coisa julgada, cabe o confronto com a prática, com a aplicabilidade em concreto, e assim é que o ordenamento jurídico brasileiro traz os meios típicos de revisão da coisa julgada (ação rescisória, querela nulitatis, impugnação com base na existência de erro material, impugnação da sentença inconstitucional e a possibilidade de revisão da coisa julgada por denúncia de violação à Convenção Americana de Direitos Humanos), no entanto resta ainda divergência doutrinária acerca da possibilidade ou não de existência de meios atípicos de revisão da coisa julgada, com base unicamente nos princípios decorrentes da justiça das decisões, e assim um primeiro posicionamento, capitaneado por Candido Rangel Dinamarco, defende a aplicabilidade irrestrita, aberta e sem limites da teoria da relatividade da coisa julgada, sem qualquer apego ou restrição às formas típicas; enquanto que um segundo posicionamento, defendido por Barbosa Moreira e Fredie Didier Junior, entende que a falta de clareza do termo injustiça é óbice suficiente para limitar a possibilidade de quebra do dogma da coisa julgada às hipóteses típicas e especificadas em lei.

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METODOLOGIA

O estudo proposto foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica, a

qual abrangeu consulta em diversos tipos de publicações, tais como livros, artigos

jurídicos, revistas especializadas e jurisprudência dos Tribunais superiores

brasileiros.

Foi utilizado o método dogmático positivista, tendo em vista que se

pretendeu analisar o tratamento conferido pelo ordenamento jurídico pátrio à

relativização da coisa julgada.

A pesquisa visou produzir conhecimento para aplicação prática, e a

obtenção de um resultado descritivo, sem se preocupar em realizar uma análise

crítica sobre o tema.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 7

CAPÍTULO I

UMA VISÃO GERAL DA COISA JULGADA....................................................... 10

1.1 – CONCEITO DE COISA JULGADA..............................................................10

1.2 – COISA JULGADA FORMAL E COISA JULGADA MATERIAL................. 11

1.3 – PRESSUPOSTOS DA COISA JULGADA (MATERIAL)............................ 12

1.4 – CORRENTES DOUTRINÁRIAS SOBRE A NATUREZA DA COISA

JULGADA............................................................................................................. 15

1.5 – LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA............................................ 16

1.6 – LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA.......................................... 17

1.7 – MODOS DE FORMAÇÃO DA COISA JULGADA...................................... 18

1.8 – O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E A COISA

JULGADA............................................................................................................. 19

CAPÍTULO II

DA CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA

JULGADA............................................................................................................. 22

2.1 – DA NECESSIDADE DA QUEBRA DO FORMALISMO TEÓRICO ACERCA

DA COISA JULGADA – DA IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA DAS

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DECISÕES PARA POSSIBILITAR A FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA

JULGADA..............................................................................................................22

2.2 – DA CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIA SOBRE A

POSSIBILIDADE DE SE RELATIVIZAR A COISA JULGADA........................... 23

2.3 – DOS PRINCÍPIOS UTILIZADOS E DAS QUESTÕES LEVANTADAS NA

ANÁLISE DA APLICABILIDADE DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA

JULGADA............................................................................................................. 26

CAPÍTULO III

DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA RELATIVIDADE DA COISA

JULGADA............................................................................................................ 28

3.1 – DAS FORMAS DE DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA

MATERIAL............................................................................................................ 28

CONCLUSÃO...................................................................................................... 34

BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 38

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho visou abordar tema carente de deslinde e

sobremaneira complexo que, hodiernamente, assumiu relevante papel na seara

processualística cível, instigando acalorada discussão sobre a aplicabilidade

daquilo que se convencionou denominar teoria da relativização da coisa julgada.

O presente trabalho, portanto, é um estudo sobre o conflito entre o

princípio da segurança jurídica, e o princípio da justiça das decisões, que rege na

análise da teoria da coisa julgada, e de sua relativização.

Nesse contexto, o trabalho dedica-se, de uma forma introdutória, a uma

apresentação panorâmica do ambiente em que vai ser estudada a questão

principal (que é a relativização da coisa julgada), e, portanto, busca evidenciar,

inicialmente o conceito e a natureza da coisa julgada; suas espécies e seus

pressupostos; os limites objetivos e subjetivos e modos de formação; e

principalmente o papel da coisa julgada como uma garantia do princípio da

segurança jurídica.

Adicionalmente, dedica-se a apresentar a teoria da relativização da

coisa julgada, sua relação com o princípio da justiça das decisões, e as suas

variantes; e a demonstrar a própria construção da teoria na doutrina e

jurisprudência; listando os princípios trazidos e as questões levantadas na análise

da relativização da coisa julgada.

Ao final, o presente estudo dedica-se à análise do tratamento prático

que é dado ao tema, dividindo a questão de forma pragmática, entre meios típicos

de revisão da coisa julgada; e os meios atípicos de revisão da coisa julgada, esse

último item traz ao trabalho um estudo mais pormenorizado da divergência

doutrinária que se arrasta sobre a matéria.

Justifica-se o estudo da relativização da coisa julgada, pelo embate

entre os princípios da segurança jurídica e o da justiça das decisões (de um lado

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a segurança jurídica protege a imutabilidade da coisa julgada, e de outro lado, na

busca de decisões mais justas, identificam-se vícios e falhas que abrem espaço

para o questionamento da imutabilidade da coisa julgada).

Na linha de se afirmar a possibilidade de se relativizar a coisa julgada,

há cada vez mais o entendimento de que o processo tem dimensão instrumental,

cujo sentido somente se dá quando o julgamento estiver baseado nos ideais de

Justiça e adequado à realidade.

Tal embate gera questionamentos sobre a aplicação do instituto da

coisa julgada. O estudo merece ser realizado por buscar uma melhor

compreensão sobre o tema, que ainda suscita dúvidas aos aplicadores do direito.

Em um contexto onde as produções doutrinárias e jurisprudenciais se

digladiam entre posições tão antagônicas, a importância do tema se remete

exatamente a lançar uma luz sobre a questão e a, de forma modesta, se propor a

servir de um instrumento de consulta ao jurista.

O objetivo geral deste estudo foi analisar sobre quais aspectos a

sentença pode ter ou não a sua autoridade de coisa julgada relativizada. O tema

se insere no ramo do direito processual civil, e foi analisado à luz do ordenamento

jurídico brasileiro. O estudo abrangeu uma breve análise sobre a evolução

histórica do instituto da relativização da coisa julgada, mais especificamente no

tocante a doutrina e a jurisprudência brasileiras. Quanto a jurisprudência, ganhou

especial atenção os julgados dos Tribunais Superiores.

Visando um trabalho objetivo, cujo objeto de estudo seja bem

delineado e especificado, o presente trabalho foi conduzido de forma a evitar se

estender muito detalhadamente sobre a matéria de forma que o leitor não se

perca sobre cada pormenor traçado. Assim, o trabalho aqui realizado foi feito

visando principalmente oferecer ao leitor uma visão ampla e clara sobre o tema,

em um nível de profundidade cujo alcance seja atingível sem se valer de um

esforço ou concentração extremados.

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A pesquisa que precedeu esta monografia teve como ponto de partida

um embate principiológico, uma dicotomia aparente que a Constituição Federal

traz em seu bojo, entre os já mencionados princípios da segurança jurídica, e da

justiça das decisões, cujo enredo traçaria todo o caminho para ser percorrido na

seara do direito constitucional, não fosse a introdução do elemento processual

civil: o instituto da coisa julgada, e a possibilidade ou não de sua flexibilização.

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CAPÍTULO I

UMA VISÃO GERAL DA COISA JULGADA

1.1. CONCEITO DE COISA JULGADA

O fenômeno da Coisa Julgada se manifesta como sendo a restrição

máxima à possibilidade de impugnação das decisões judiciais. Nasce de uma

necessidade de garantia de estabilidade do que já foi decidido, evitando-se assim,

uma discussão perpetuada, de forma indefinida, que por fim venha tolher o

Estado de exercer sua prestação jurisdicional de forma eficaz (não seria possível

haver promoção de paz social uma vez que não haveria definitividade na tomada

das decisões pelo próprio judiciário).

O esgotamento das controvérsias e dos apelos recursais faz nascer

uma certeza jurídica imutável e indiscutível, essa é a coisa julgada.

A coisa julgada, portanto, ganha especial relevo por integrar o rol das

garantias individuais, na Constituição Federal. As referidas garantias foram

esculpidas no seu art. 5º, XXXVI, onde estão elencados, além da coisa julgada, os

direitos adquiridos e o ato jurídico perfeito. Tamanha é a importância dessas

garantias que foram inseridas nas cláusulas pétreas do §4º do art. 60 da Carta

Magna.

Em que pese o seu status constitucional, cabe ao legislador

infraconstitucional traçar o perfil dogmático da coisa julgada. É possível que o

legislador, em juízo de ponderação, não atribua a certas decisões a aptidão de

ficar imutáveis pela coisa julgada, ou, ainda, exija pressupostos para a sua

ocorrência mais ou menos singelos ou rigorosos. Note-se, por exemplo, que, no

âmbito penal, é possível a revisão da coisa julgada a qualquer tempo em

beneficio do condenado. O que não se admite, no sistema brasileiro, é a

proscrição total da coisa julgada (o que descaracterizaria o exercício da função

jurisdicional) ou a sua revisão por lei superveniente.

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A coisa julgada pode também ser vista como a técnica de que se pode

valer o legislador, quando entender oportuno – sob o ponto de vista da

conveniência social e da estabilidade de certas relações jurídicas – que

determinados tipos de julgados permaneçam imutáveis e projetem essa

imutabilidade erga omnes.

Assim sendo, em suma, a coisa julgada pode ser entendida como a

imutabilidade da norma jurídica individualizada contida na parte dispositiva de

uma decisão judicial.

1.2. COISA JULGADA FORMAL E COISA JULGADA MATERIAL.

A coisa julgada formal é a imutabilidade da decisão judicial dentro do

processo em que foi proferida, porquanto não possa mais ser impugnada por

recurso – seja pelo esgotamento das vias recursais, seja pelo decurso do prazo

do recurso cabível. Trata-se de fenômeno endoprocessual, decorrente da

irrecorribilidade da decisão judicial. Revela-se, em verdade, como uma espécie de

preclusão – constituindo-se na perda do poder de impugnar a decisão judicial no

processo em que foi proferida. Seria a preclusão máxima dentro de um processo

jurisdicional. Também chamada de “trânsito em julgado”.

A coisa julgada formal se identifica com a idéia de “fim do processo”.

Na doutrina aparece a expressão “preclusão máxima” para designar a coisa

julgada formal, e isto significa que a coisa julgada formal se identifica de fato com

o fim do processo, tendo lugar quando da decisão já não caiba mais recurso

algum (ou porque a parte terá deixado escoar in albis os prazos recursais ou

porque terá interposto todos os recursos). Torna-se indiscutível a decisão naquele

processo em que foi proferida, já que o processo acabou. A indiscutibilidade que

nasce com a coisa julgada formal se limita àquele processo em que a decisão

tenha sido proferida, e nisso se vê uma afinidade entre o instituto da coisa julgada

formal e a preclusão, uma vez que ambas tem seus efeitos adstritos aos

processos em que se produzem.

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Fazem coisa julgada formal, dessa forma, tanto a sentença que

extingue o processo por carência de ação, por faltar qualquer dos pressupostos

processuais, como a sentença em que se homologa transação ou ainda a

sentença que acolhe ou rejeita o pedido do Autor.

A coisa julgada material, a seu turno, só se produz quando se tratar de

sentença de mérito. Faz nascer a imutabilidade daquilo que tenha sido decidido

para alem dos limites daquele processo em que produziu, ou seja, quando sobre

determinada decisão judicial passa a pesar a autoridade da coisa julgada, não se

pode mais discutir sobre aquilo que foi decidido em mais nenhum outro processo.

A coisa julgada material, portanto, é a indiscutibilidade da decisão

judicial no processo em que foi produzida e em qualquer outro. Imutabilidade que

se opera dentro e fora do processo. A decisão judicial (em seu dispositivo)

cristaliza-se, tornando-se inalterável. Trata-se de fenômeno com eficácia endo e

extraprocessual.

O objeto da coisa julgada material é qualquer sentença ou acórdão cujo

conteúdo material seja o de uma sentença.

A coisa julgada material é a coisa julgada por excelência.

Notadamente, quando se usa a expressão coisa julgada, isoladamente, quer se

fazer referencia à coisa julgada material. Quando se quer, portanto, referir à coisa

julgada formal, é necessário que se o diga expressamente.

A coisa julgada formal é um degrau necessário, para que se forme a

coisa julgada material. Em outros termos, a coisa julgada material tem como

pressuposto a coisa julgada formal. A coisa julgada formal ocorre sempre, mas

nem sempre acompanhada pela coisa julgada material, que só se forma se de

sentença de mérito se tratar.

1.3. PRESSUPOSTOS DA COISA JULGADA (MATERIAL)

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Devem estar presentes quatro pressupostos, para que determinada

decisão judicial fique coberta pela coisa julgada material: I) há de ser uma decisão

jurisdicional (a coisa julgada é característica exclusiva dessa espécie de ato

estatal); II) o provimento há que versar sobre o mérito da causa (objeto litigioso);

III) o mérito deve ter sido analisado em cognição exauriente; e IV) deve ter havido

a preclusão máxima (a coisa julgada formal).

Somente decisões de mérito estão aptas a ficar imunes com a coisa

julgada. Reputam-se decisões de mérito aquelas em que o magistrado resolve o

objeto litigioso (lide, mérito, pedido/ causa de pedir), proferidas, com base em um

dos incisos do art. 269 do CPC (decisões que certifiquem a existência ou

inexistência de algum direito). O legislador brasileiro optou por restringir a

ocorrência da coisa julgada material a tais decisões, conforme a letra do art. 468

do CPC:

Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.

Não basta porem, que se trate de uma decisão de mérito. É necessário

que o mérito tenha sido examinado em cognição exauriente (ou completa, emitida

por um juízo de certeza, é o que normalmente ocorre no processo de

conhecimento, diversa da cognição sumária, que é emitida por um juízo de

probabilidade, como ocorre, por exemplo, ao se examinar um pedido de

antecipação de tutela). Daí poder afirmar-se que a cognição exauriente é a

cognição das decisões definitivas. É por isso que uma decisão que antecipa a

tutela, fundada em cognição sumária, não fica imune com a coisa julgada

material.

Como visto, é necessário também que tenha havido a coisa julgada

formal. A coisa julgada formal, em razão da preclusão das possibilidades de

impugnação, consiste ela no fenômeno da imutabilidade da decisão judicial no

próprio processo em que foi proferida. Trata-se do pressuposto exigido, também,

por expresso texto legal. In casu, o art. 467 do CPC:

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Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.

Assim, qualquer espécie de decisão judicial que preencha os

pressupostos acima listados está apta a fazer coisa julgada: decisão

interlocutória, como, por exemplo, aquela que julgar antecipadamente parte da

demanda (art. 273, §6º CPC) ou se limita a julgar antecipadamente a demanda

reconvencional, sentença, decisão monocrática de membro de tribunal e acórdão.

Pouco importa o nome da decisão, desde que preencha os mencionados

pressupostos.

Diante do exposto, fica claro que não fazem coisa julgada material: as

razoes de decidir; a jurisdição voluntária; o processo cautelar; e as relações

continuativas.

Ficam fora do âmbito da coisa julgada material os motivos que levaram

o juiz a decidir, segundo o art. 469, I, II, e III do CPC, assim somente pesa a

autoridade da coisa julgada sobre a parte decisória da sentença. Da mesma

maneira, em sentenças que extingam o processo sem julgamento de mérito, nada

se decidindo a respeito de relação jurídica alguma, não há o que se tornar

imutável e não há estabilidade a se preservar.

Com à jurisdição voluntária acontece o mesmo, também não se

produzindo coisa julgada material (art. 1.111 do CPC), pois pode haver pleito de

modificação do provimento jurisdicional concedido, a partir do momento em que

haja alteração fática que o justifique. No processo cautelar, o raciocínio é o

mesmo, não transitando em julgado as decisões proferidas em processo cautelar,

salvo se versarem sobre a prescrição ou a decadência do direito ligado ao

processo principal (art. 810 do CPC). Isso se dá porque no processo cautelar não

se resolve acerca de nenhuma relação jurídica (profere-se uma decisão que tem

em vista tutelar uma situação efêmera e provisória, com o objetivo de tornar

possível a eficácia do provimento a ser pleiteado ou que já está sendo pleiteado

no processo principal). E aqui, assim como na jurisdição voluntária, o pedido

cautelar só pode ser renovado se houver circunstâncias diferentes, no plano

fático, que o justifique.

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Nas relações continuativas, se dá o mesmo, não havendo incidência de

coisa julgada material. O exemplo clássico é a relação alimentícia, em que se usa

o binômio possibilidade-necessidade, através da expressão “modificação da

fortuna do alimentante e da necessidade do alimentado”, para se referir a situação

que justifica que se requeira a alteração de provimento jurisdicional anteriormente

obtido (art. 471, I CPC).

1.4. CORRENTES DOUTRINÁRIAS SOBRE A NATUREZA DA COISA

JULGADA.

O instituto da coisa julgada guarda na doutrina, diferentes acepções. 1)

a coisa julgada como um efeito da decisão; 2) a coisa julgada como uma

qualidade dos efeitos da decisão; e 3) a coisa julgada como uma situação jurídica

do conteúdo da decisão.

Um primeiro posicionamento doutrinário, defendido por Ovídio Baptista

(SILVA, 2003, p. 81), Araken de Assis (ASSIS, 2001, p. 243), e Pontes de

Miranda (MIRANDA, 1997, p. 157), sustenta ser a coisa julgada um efeito da

decisão. Esta concepção restringe a coisa julgada ao elemento declaratório da

decisão. A carga declaratória seria então, imutável. Seria uma força vinculante

desta declaração que a torna obrigatória e indiscutível. O artigo 467 do CPC,

supra transcrito, contem redação nitidamente tendente a corroborar esta corrente,

ao denominar de coisa julgada material a eficácia.

Um segundo posicionamento doutrinário, defendido por Liebman

(LIEBMAN, 2006, p. 23), Candido Dinamarco (DINAMARCO, 2003, p. 303 e 304),

e Moacyr Amaral Santos (SANTOS, 2003, p. 57 e 58), sustenta que a coisa

julgada é uma qualidade dos efeitos da decisão. Seria a imutabilidade que

acoberta os efeitos da decisão judicial. Nesse diapasão, a coisa julgada não é um

efeito (declaratório) da sentença, mas sim, o modo como se produzem, como se

manifestam os seus efeitos em geral (não só o declaratório, mas todos os outros

efeitos).

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O terceiro e último posicionamento doutrinário refere-se à coisa julgada

como uma situação jurídica do conteúdo da decisão. É esposado por Barbosa

Moreira (MOREIRA, 1977, p. 88 e 89) e Fredie Didier Júnior (JÚNIOR, 2008, p.

559), e sustentam que a coisa julgada consistiria na imutabilidade do conteúdo da

decisão, do seu comando (dispositivo), que é composto pela norma jurídica

concreta.

Aqui, não há que falar em imutabilidade dos seus efeitos, vez que estes

podem ser disponíveis e, pois, alteráveis (a sentença que condena dá ensejo à

execução, sendo que esse efeito não se eterniza; o mesmo raciocínio serve para

as decisões constitutivas, pois a modificação jurídica decretada pela sentença

pode não se operar; e também serve mesmo às sentenças declaratórias, pois as

partes podem travar uma relação jurídica já declarada inexistente em juízo, ou por

fim a uma relação reconhecida judicialmente, dando fim aos efeitos da certificação

judicial).

1.5. LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA

Somente se submete à coisa julgada material a norma jurídica

concreta, contida no dispositivo da decisão, que julga o pedido. A solução das

questões na fundamentação (incluindo a análise das provas), como já visto, não

fica indiscutível pela coisa julgada (art. 469, CPC), pois se trata de decisão sobre

questões incidentes.

No art. 468 do CPC, percebe-se que prescreve o texto normativo que a

sentença tem forca de lei nos limites da lide decidida. A lide decidida é aquela

levada a juízo através de um pedido da parte, colocado como questão principal.

Logo, resta evidente que, de acordo com esse artigo, a autoridade da coisa

julgada só recai sobre a parte da decisão que julga o pedido (a questão principal,

a lide), ou seja, sobre a norma jurídica concreta contida no seu dispositivo.

Ademais, os artigos 469 e 470 do CPC deixam claro que questões deduzidas e

examinadas incidentalmente não ficarão imunes pela coisa julgada.

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1.6. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

Neste aspecto, a coisa julgada pode operar-se inter partes, ultra partes

ou erga omnes.

A coisa julgada inter partes é aquela a que somente se vinculam as

partes. Subsiste nos casos em que a autoridade da decisão passada em julgado

só se impõe para aqueles que figuraram no processo como parte.

No sistema brasileiro, é a regra geral, consagrada no art. 472 do CPC,

que dispõe:

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros.

Mas há exceções a esta regra no ordenamento processual civil

brasileiro. São os casos em que a coisa julgada pode beneficiar ou prejudicar

terceiros.

Nesses casos, a coisa julgada ultra partes é aquela que atinge não só

as partes do processo, como também determinados terceiros. Os efeitos da coisa

julgada estendem-se a terceiros, pessoas que não participaram do vínculo do

processo.

São exemplos aqui: os casos de substituição processual (quando, por

exemplo, há a substituição processual ulterior decorrente da alienação de coisa

litigiosa, segundo o qual a sentença acobertada pelo manto da coisa julgada

atingirá não apenas as partes originárias do processo, mas também o terceiro que

seja adquirente ou cessionário do direito ou coisa litigiosa); ou mesmo os casos

de legitimação concorrente (o sujeito co-legitimado para entrar com uma ação –

detentor de legitimação concorrente – que poderia ter sido parte no processo, na

qualidade de litisconsorte unitário facultativo ativo, mas não foi, ficará vinculado

aos efeitos da coisa julgada produzida pela decisão proferida na causa); ou ainda

a hipótese de decisão favorável a um dos credores solidários, que se estende aos

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demais nos termos do art. 274 do CC; e por fim há também a incidência de coisa

julgada ultra partes nas ações coletivas que versem sobre direitos coletivos em

sentido estrito, conforme a letra do art. 103, II CDC.

A coisa julgada erga omnes, é aquela cujos efeitos atingem a todos os

jurisdicionados, tenham ou não participado do processo. É o que ocorre, por

exemplo, com a coisa julgada produzida na ação de usucapião de imóveis, nas

ações coletivas que versem sobre direitos difusos ou direitos individuais

homogêneos (art. 103, I e III do CDC) e nas ações de controle concentrado de

constitucionalidade.

1.7. MODOS DE FORMAÇÃO DA COISA JULGADA

Existem três tipos diversos de produção de coisa julgada: a coisa

julgada pro et contra, a coisa julgada secundum eventum litis, e a coisa julgada

secundum eventum probationis.

A coisa julgada pro et contra é aquela que se forma

independentemente do resultado do processo, do teor da decisão judicial

proferida. Assim, pouco importa se de procedência ou improcedência, a decisão

definitiva ali proferida sempre será apta a produzir coisa julgada. Este é o sistema

que vigora no Código de Processo Civil brasileiro.

A coisa julgada secundum eventum litis é aquela que somente é

produzida quando a demanda for julgada procedente. Se a ação for julgada

improcedente, ela poderá ser reproposta, pois a decisão ali proferida não

produzirá coisa julgada material. A crítica a esse regime é que trata as partes de

forma desigual, colocando o réu em posição de flagrante desvantagem. É o caso

da coisa julgada no processo penal: a sentença de improcedência sempre pode

ser revista em favor do réu.

Em último lugar, há a coisa julgada secundum eventum probationis,

que é aquela que só se forma em caso de esgotamento das provas – ou seja, se

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a demanda for julgada procedente, que é sempre com esgotamento de prova, ou

improcedente com suficiência de provas. A decisão judicial só produzirá coisa

julgada se forem exauridos todos os meios de prova. Se a decisão proferida no

processo julgar a demanda improcedente por insuficiência de provas, não formará

coisa julgada. No regime geral (pro et contra), a improcedência por falta de provas

torna-se indiscutível pela coisa julgada. São exemplos de coisa julgada secundum

eventum probationis: a) ações coletivas que versem sobre direitos difusos ou

coletivos em sentido estrito (art. 103, I e II CDC), b) ação popular (art. 18 da lei

federal nº 4.717/1965), c) o mandado de segurança, individual ou coletivo (art. 16

da lei federal nº 1.533/1951).

1.8. O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E A COISA JULGADA.

Uma observação mais detida do princípio da segurança jurídica leva a

efetuar uma diferenciação quanto ao seu conteúdo, vislumbrando-se um caráter

dúplice do mesmo. Assim, é possível falar-se em segurança jurídica em uma

acepção objetiva e em outra subjetiva, embora estes dois aspectos estejam tão

estritamente relacionados que muitos autores ou simplesmente não os

diferenciam (assim: MELLO, 2002, p. 105) ou afirmam ser o segundo mero

subprincípio decorrente do primeiro (CANOTILHO, 2001, p. 256).

Em seu sentido objetivo, a segurança jurídica se manifesta como uma

exigência de regularidade estrutural e funcional do sistema jurídico através de

suas normas e instituições. Regularidade estrutural enquanto garantia de

disposição e formulação regular das normas e instituições integrantes de um

sistema jurídico; regularidade funcional no que tange ao cumprimento do direito

por todos os seus destinatários e a devida atuação dos órgãos encarregados de

sua aplicação, ou seja, ao assegurar a realização do direito mediante a sujeição

de todos os poderes públicos e de todos os cidadãos ao paradigma da legalidade.

Tal aspecto é a denominada segurança jurídica stricto sensu, e está interligada

com elementos objetivos da ordem jurídica, representando a garantia de

estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito.

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Já em sua faceta subjetiva, igualmente chamada de princípio da

proteção da confiança (CANOTILHO, 2001, p. 256), a segurança jurídica se

apresenta como certeza do direito, ou seja, como projeção da segurança objetiva

nas situações pessoais. Para isto, requer-se a possibilidade de conhecimento do

direito por seus destinatários, devendo-se assegurar a estes o poder de saber

com clareza e de antemão aquilo que lhes é mandado, permitido ou proibido, de

forma a organizar suas condutas presentes e programar expectativas para suas

atuações jurídicas futuras sob pautas razoáveis de previsibilidade.

Vistas estas particularidades, pode-se dizer que o princípio da

segurança jurídica ou da estabilidade das relações jurídicas impede a

desconstituição injustificada de atos ou situações jurídicas, mesmo que tenha

ocorrido alguma inconformidade com o texto legal durante sua constituição.

Muitas vezes o desfazimento do ato ou da situação jurídica por ele criada pode

ser mais prejudicial do que sua manutenção, especialmente quanto a

repercussões na ordem social. Por isso, não há razão para invalidar ato que tenha

atingido sua finalidade, sem causar dano algum, seja ao interesse público, seja a

direitos de terceiros. Muitas vezes as anulações e revogações são praticadas em

nome da restauração da legalidade ou da melhor satisfação do interesse público,

mas na verdade servem para satisfazer interesses subalternos, configurando

abuso ou desvio de poder. Mesmo que assim não seja, a própria instabilidade

decorrente desses atos é um elemento perturbador da ordem jurídica, exigindo

que seu exame se faça com especial cuidado.

Nesse sentido, a coisa julgada é instituto jurídico que integra o

conteúdo do direito fundamental à segurança jurídica, assegurado em todo

Estado Democrático de Direito, encontrando consagração expressa, no

ordenamento jurídico brasileiro, na Lei Maior (art. 5º. XXXV).

A coisa julgada, portanto, não é instrumento da justiça, frise-se. Não

assegura a justiça das decisões. É, isso sim, garantia de segurança, ao impor a

definitividade da solução judicial acerca da situação jurídica que lhe foi submetida.

21

A ocorrência da coisa julgada material apresenta-se como o centro do

direito processual civil, enquanto essa mesma coisa julgada material cria a

segurança jurídica intangível para a singularidade da pretensão de direito material

que foi deduzida em juízo. Quando se forma, a coisa julgada material se

apresenta como o centro de todos os objetivos do direito processual civil, ao

passo que a coisa julgada material em si mesma tem a força de criar a

imodificabilidade, a intangibilidade da pretensão de direito material que foi

deduzida no processo e resolvida pela sentença de mérito transitada em julgado.

A coisa julgada material é a conseqüência necessária do exercício do direito de

ação por meio do processo, vale dizer, ajuizada a ação e julgado o mérito, a coisa

julgada material ocorrerá inexoravelmente.

22

CAPÍTULO II

DA CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA

JULGADA

2.1. DA NECESSIDADE DA QUEBRA DO FORMALISMO TEÓRICO ACERCA

DA COISA JULGADA – DA IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA DAS

DECISÕES PARA POSSIBILITAR A FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Conforme visto no capítulo anterior, para que a decisão mereça o

manto da coisa julgada não há qualquer exigência de que ela seja justa ou que se

coadune com os preceitos fundantes do nosso ordenamento; daí ser plenamente

possível – e não muito esporádico – que uma sentença entre em atrito com outros

direitos e garantias fundamentais, ou que negue vigência a postulados

estruturantes do ordenamento brasileiro, plasmados na Constituição Federal. Em

vista desta possibilidade, desenvolveu-se a tese da relativização da coisa julgada

material.

Um predicado essencial à tutela jurisdicional, é o princípio da justiça

das decisões. Essa preocupação se revela a partir do momento em que doutrina e

jurisprudência começaram a despertar para a necessidade de repensar a garantia

constitucional e o instituto técnico-processual da coisa julgada, na consciência de

que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de se evitar a eternização de

incertezas.

Dessa maneira é que Sérgio Gilberto Porto, ao analisar a obra de

Cândido Rangel Dinamarco, lista uma série de fatores que o processualista

elenca como merecedores de oportunidade para a flexibilização (PORTO, 2007,

p. 31 e 32), vertentes do próprio princípio da justiça das decisões:

E levando por base extensa pesquisa, Candido Rangel Dinamarco apontou os seguintes vetores para pautar o debate: (I) princípio da razoabilidade e da proporcionalidade como condicionantes da imunização dos julgados pela autoridade da

23

coisa julgada material; (II) moralidade administrativa como valor constitucionalmente proclamado e cuja efetivação é óbice dessa autoridade em relação a julgados absurdamente lesivos ao Estado; (III) imperativo constitucional do justo valor das indenizações em desapropriação, quer em favor quer contra o Estado; (IV) zelo pela cidadania e direitos do homem, também residente na Constituição Federal, como impedimento à perenização de decisões inaceitáveis em detrimento dos particulares (mulher que deve carregar o homem nos ombros até o trabalho); (V) fraude e erro grosseiro como fatores que contaminam o processo; (VI) garantia constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado (Nigro Mazzili); (VII) garantia constitucional do acesso à ordem justa, que repele a perenização de julgados aberrantemente discrepantes dos ditames a justiça e da equidade; (VIII) caráter excepcional da disposição de flexibilizar a autoridade da coisa julgada, sem o qual o sistema processual perderia utilidade e confiabilidade.”

Fora todos esses exemplos, há ainda a sentença que infringe a

Constituição Federal, ou mesmo aquela sentença que por si só é flagrantemente

injusta em seu próprio comando (seja por não ter levado em conta a verdade dos

fatos a que induz o processo, ou por contrariar frontalmente uma lei ordinária

positiva).

Há assim, na sentença injusta, uma vontade de lei concreta que não

existe, ou que considera inexistente uma vontade que existe. A injustiça concerne,

portanto, à sentença como juízo: pode, pois, depender de um erro do juiz acerca

da questão de direito ou acerca da questão de fato.

2.2. DA CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIA SOBRE A

POSSIBILIDADE DE SE RELATIVIZAR A COISA JULGADA

Com preocupações dessa ordem, é que foram surgindo na

jurisprudência diversos julgados, que juntos, foram dando corpo a teoria da

relatividade da coisa julgada.

Em voto proferido como relator na Primeira Turma do Col. Superior

Tribunal de Justiça, o min. José Augusto Delgado declarou sua posição

doutrinária no sentido de não reconhecer caráter absoluto à coisa julgada e disse

24

filiar-se a determinada corrente que entende ser impossível a coisa julgada, só

pelo fundamento de impor segurança jurídica, sobrepor-se aos princípios da

moralidade pública e da razoabilidade nas obrigações assumidas pelo Estado:

PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. EFEITOS. COISA JULGADA. 1. Efeitos da tutela antecipada concedidos para que sejam suspensos pagamentos de parcelas acordados em cumprimento a precatório expedido. 2. Alegação, em sede de Ação Declaratória de Nulidade, de que a área reconhecida como desapropriada, por via de Ação Desapropriatória Indireta, pertence ao vencido, não obstante sentença trânsito em julgado. 3. Efeitos de tutela antecipada que devem permanecer até solução definitiva da controvérsia. 4. Conceituação dos efeitos da coisa julgada em face dos princípios da moralidade pública e da segurança jurídica. 5. Direitos da cidadania em face da responsabilidade financeira estatal que devem ser asseguradas. 6. Inexistência de qualquer pronunciamento prévio sobre o mérito da demanda e da sua possibilidade jurídica. 7. Posição que visa, unicamente, valorizar, em benefício da estrutura social e estatal, os direitos das partes litigantes. 8. Recurso provido para garantir os efeitos da tutela antecipada, nos moldes e nos limites concedidos em primeiro grau. (STJ 1ª Turma. Relator Ministro José Delgado. REsp 240712 / SP - Ementa extraída da página do Tribunal, na internet: DJ 24/04/2000 p. 38. STJ. Disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.. Acesso em 15/08/2010)

Já em julgados da década dos anos oitenta, proclamou o Col. Supremo

Tribunal Federal que, em dadas circunstancias, não ofende a coisa julgada a

decisão que, na execução, determina nova avaliação para atualizar o valor do

imóvel, constante de laudo antigo, tendo em vista atender à garantia

constitucional da justa indenização. Em um desses casos, o relator, min. Rafael

Mayer, aludiu ao lapso de tempo que desgastou o sentido da coisa julgada, como

fundamento para prestigiar a realização de nova perícia avaliatória, afastando de

modo expresso a autoridade da coisa julgada como óbice a essa diligência (STF

1ª Turma, RE nº 93.412/SC, j. 4.5.82, relator Rafael Mayer – julgado mencionado

em artigo publicado na Revista da Escola Paulista da Magistratura, nº 175, 2001,

São Paulo, p. 15).

Em outro caso, o min. Néri da Silveira votou e foi vencedor no sentido

de fazer nova avaliação apesar do trânsito em julgado da sentença que fixara o

valor indenizatório, apesar de não ter havido procrastinações abusivas, mas

25

sempre com o superior objetivo de assegurar a justa indenização, que é um valor

constitucionalmente assegurado (STF 1ª Turma, RE nº 105.012-RN, l. 9.2.88,

relator Néri da Silveira – julgado mencionado em artigo publicado na Revista da

Escola Paulista da Magistratura, nº 175, 2001, São Paulo, p. 15).

Para ilustrar a assertiva de que se levou longe demais a noção de

coisa julgada, já em 1976, Pontes de Miranda (MIRANDA, 1976, p. 195),

discorreu sobre as hipóteses em que a sentença é nula de pleno direito, arrolando

três impossibilidades que conduzem a isso: impossibilidade cognoscitiva, lógica

ou jurídica. Fala ainda da sentença ininteligível, da que pusesse alguém sob

regime de escravidão, e da que instituísse concretamente um direito real

incompatível com a ordem jurídica nacional. Para esses casos, alvitra uma

variedade de remédios processuais, como: I) nova demanda em juízo sobre o

mesmo objeto, com pedido de solução em conforme com a ordem jurídica, sem

os óbices da coisa julgada; II) resistência à execução, inclusive, mas não

exclusivamente por meio de embargos a ela e III) alegação incidenter tantum em

algum outro processo.

Hugo Nigro Mazzilli (MAZZILLI, 1998, pp. 171-172) figura a hipótese de

uma ação civil pública haver sido julgada por serem inócuas ou mesmo

benfazejas as emanações liberadas na atmosfera por uma fábrica e, depois do

trânsito em julgado, verificar-se o contrário, havendo sido fraudulenta a perícia

realizada. Para casos assim, alvitra que se mitigue a regra da coisa julgada erga

omnes ditada no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública. Alega em abono do que

sustenta a solene proclamação constitucional do direito ao meio-ambiente

ecologicamente equilibrado (art. 225, CF) e invoca lições do processualista Mauro

Cappelletti e de Jorge Miranda.

Por sua vez, o constitucionalista Jorge Miranda (MIRANDA, 1996, p.

494-495), discorrendo bem amplamente sobre a coisa julgada entre os demais

princípios e garantias residentes na Constituição, diz que aquela não é um valor

absoluto, e por isso tem de ser conjugado com outros. E, mais adiante: assim

como o princípio da constitucionalidade fica limitado pelo respeito do caso

julgado, também este tem de ser apercebido no contexto da Constituição.

26

Os julgados e os Autores supra citados contribuíram, gradativamente,

no sistema processual civil brasileiro, para uma mudança de postura na ousada

direção de se quebrar com o dogma da coisa julgada, e erigir a relatividade da

coisa julgada como valor inerente à ordem constitucional processual, dado o

convívio com outros valores de igual ou maior grandeza e a necessidade de

harmonizá-los.

Foi, portanto, construída a noção de imperiosidade do equilíbrio das

exigências de segurança e de justiça nos resultados das experiências

processuais.

2.3. DOS PRINCÍPIOS UTILIZADOS E DAS QUESTÕES LEVANTADAS NA

ANÁLISE DA APLICABILIDADE DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

Para aferir se a coisa julgada vale ser relativizada, alguns princípios

(todos ligados ao princípio da justiça das decisões), devem ser sopesados em

face da segurança jurídica, para se conseguir chegar a um juízo de valor, a uma

conclusão.

Inicialmente, deve ser analisado o princípio da razoabilidade e da

proporcionalidade como condicionantes da imunização dos julgados pela

autoridade da coisa julgada; cumpre também analisar o princípio da moralidade

administrativa como valor constitucionalmente proclamado e cuja efetivação é

óbice a autoridade em relação a julgados absurdamente lesivos ao Estado.

Aqui cabe abrir breve parênteses a fim de sanar dúvida recorrente no

que tange a conceituação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Os princípios em tela surgem de idéias como a limitação de direitos, segundo o

qual todo direito pressupor a noção de limite, e da proibição do excesso, e são

comumente mais utilizados no direito administrativo, como meio de análise do

controle da Administração Pública, mais notadamente quando da atuação

administrativa por meio do poder de polícia, e em geral na expedição de todos os

atos de cunho discricionários. Na análise desses princípios, se utiliza os critérios e

27

valores atinentes ao homem médio, e prevalece a noção de que tais princípios se

entrelaçam e se completam, não se considerando separadamente.

Há também o princípio do justo valor indenizatório, em se tratando de

desapropriação imobiliária, o qual é transgredido não apenas quando o ente

público é chamado a pagar mais, mas também quando ele é autorizado a pagar

menos que o correto; e os direitos a cidadania e aos direitos do homem,

residentes na Constituição Federal, e que devem ser zelados, como impedimento

à perenização de decisões inaceitáveis em detrimento de particulares.

Também previstos na Constituição o meio ambiente ecologicamente

equilibrado não deve ser desconsiderado mesmo na presença de sentença

passada em julgado; e a garantia constitucional do acesso à ordem jurídica justa,

deve repelir a perenização de julgados discrepantes dos ditames da justiça e da

eqüidade.

Por fim, a fraude e o erro grosseiro, como são fatores que contaminam

o resultado do processo, por si só, devem autorizar a revisão da coisa julgada.

28

CAPÍTULO III

DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA RELATIVIDADE DA COISA

JULGADA

3.1. DAS FORMAS DE DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA MATERIAL:

A coisa julgada material pode ser revista por uma série de meios

típicos, previstos no ordenamento, que serão tratados no subitem 3.1.1. No

entanto, há divergência doutrinária quanto a possibilidade de se relativizar a coisa

julgada quando se tratar de meios atípicos. Essa divergência será enfrentada no

subitem 3.1.2., quando se cuidará dos meios atípicos de revisão da coisa julgada.

3.1.1. Dos Meios Típicos De Revisão Da Coisa Julgada

No sistema processual civil brasileiro, admite-se como instrumentos de

revisão da coisa julgada material: I) a ação rescisória; II) a querela nulitatis (art.

741, I CPC) ou exceptio nullitatis (art. 475-L, I CPC); III) a impugnação com base

na existência de erro material; IV) a impugnação da sentença inconstitucional

(com base no art. 475-L, §1º, e, art. 741, parágrafo único do CPC), V) e a

possibilidade de revisão da coisa julgada por denúncia de violação à Convenção

Americana de Direitos Humanos formulada perante a Corte Interamericana de

Direitos Humanos.

A ação rescisória é uma ação autônoma de impugnação de decisão de

mérito transitada em julgado, quando inquinada por vícios rescisórios (previstos

no art. 485, CPC). Visa desconstituir a coisa julgada material. Para ser manejada

deve estar presente uma das hipóteses de cabimento do art. 485 CPC,

respeitando-se o prazo decadencial de 02 anos – cujo termo inicial é a data do

trânsito em julgado.

29

Já a querella nulitatis é meio de impugnação de decisão maculada por

vícios transrescisórios, que subsistem quando: I) a decisão for proferida em

desfavor do réu em processo que correu à sua revelia por falta de citação; II)

decisão for proferida em desfavor do réu em processo que correu à sua revelia

por ter sido a citação defeituosa (art. 475-L, I, e art. 741, I CPC). Diferencia-se da

rescisória, principalmente, por encontrar hipóteses de cabimento mais restritas e

por ser imprescritível – não se submetendo a qualquer prazo decadencial. Trata-

se de ação desconstitutiva que pode ser manejada, até mesmo, depois do

decurso do prazo de 02 anos previsto para a ação rescisória.

A revisão em razão de erro material está prevista no CPC (art. 463, I) e

se refere a erros na forma de expressão do julgamento, jamais no seu conteúdo.

O seu enunciado normativo visa superar até mesmo, a coisa julgada material.

Autoriza, então a correção da decisão judicial inquinada por lapsos materiais,

mesmo depois de acobertada pela coisa julgada material.

O §1º do art. 475-L do CPC traz mais uma hipótese de desconstituição

da coisa julgada material, tendo em vista que permite que o executado oponha

resistência à satisfação do crédito suscitando matéria atinente à formação do

próprio título executivo, quando ele estiver fundado em preceito tido por

inconstitucional pelo STF ou quando se tenha conferido a este preceito

interpretação tida pelo mesmo STF como inconstitucional. Dessa forma, em tais

casos, admite-se a rescisão da sentença pelo acolhimento de argumento de

defesa deduzido na impugnação.

Por último, a revisão por violação à Convenção Americana de Direitos

Humanos: o Brasil, por ser signatário da referida Convenção, submete-se ao

sistema americano de proteção aos direitos do homem. De acordo com o artigo

44 da Convenção, qualquer individuo, grupo de indivíduos ou ONG pode

apresentar denúncia, perante a Comissão, de violação a direitos humanos

consagrados em seu texto normativo.

Diante disso, a Corte Interamericana pode ser chamada para apreciar

qualquer ato ou omissão estatal brasileiro (executivo, legislativo, ou judiciário),

30

inclusive decisões judiciais acobertadas pela coisa julgada material que violem

garantias fundamentais. Um processo internacional, instaurado perante este

tribunal, pode ter por objeto mediato ou imediato o rejulgamento (em termos

incompatíveis com o julgamento interno) ou a invalidação de sentença brasileira

transitada em julgado. Enquadra-se, pois, como mais um instrumento típico de

revisão da coisa julgada material.

3.1.2. Dos Meios Atípicos De Revisão Da Coisa Julgada. Da Divergência

Doutrinária Sobre A Sua Possibilidade.

Após toda a construção doutrinária e jurisprudencial que foi trazida no

capítulo anterior, no item 2.2. (que serviu como amostra da forma como foi

construída a teoria da relativização da coisa julgada), ganhou força entre alguns

doutrinadores, em especial Candido Rangel Dinamarco, a posição de que a

revisão da carga imperativa da coisa julgada seria possível toda vez que

afrontado os princípios da moralidade, legalidade, razoabilidade e

proporcionalidade, ou mesmo se em patente desafinamento com a realidade dos

fatos (a afronta a esses princípios e o desatendimento da simples realidade dos

fatos nada mais é que um exercício de destrinchamento do próprio princípio da

justiça, conforme já visto também no capítulo anterior, no item 2.1.).

Assim sendo o referido autor escreveu (DINAMARCO, 2003, p. 24-25):

A coisa julgada só deve se conservar inquebrantável se: a) consoante com as máximas da proporcionalidade, razoabilidade, moralidade administrativa – quando não seja absurdamente lesiva ao Estado, b) cristalizar a condenação do Estado ao pagamento de valores “justos” a título de indenização por expropriação imobiliária; c) não ofender a cidadania e os direitos do homem e não violar a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Dessa forma, esse Autor defende a aplicabilidade irrestrita, aberta e

sem limites da teoria da relatividade da coisa julgada, sem qualquer apego ou

restrição às formas típicas. Dinamarco então, defende a aplicação da relatividade

31

da coisa julgada, com base unicamente na afronta ao princípio da justiça das

decisões, já visto no item 2.1.

A crítica à posição de Dinamarco, da possibilidade de relativização da

coisa julgada com critérios atípicos, se estruturou em torno da ausência de balizas

que pudessem servir de paradigma na construção de um modelo de

aplicabilidade.

Assim, um segundo posicionamento confronta diametralmente o

princípio da justiça das decisões com o princípio da segurança jurídica,

prevalecendo esse último. Portanto, para essa corrente, admitir-se a relativização

com base na existência da injustiça (tendo por base o princípio da justiça das

decisões), significaria franquear ao judiciário uma cláusula geral de revisao da

coisa julgada, que poderia dar margem a interpretações abertas, em prejuízo da

segurança jurídica. Dessa maneira, essa linha entende que mais do que se

garantir ao cidadão o acesso a justiça, deve lhe ser assegurada uma solução

definitiva, imutável para sua quizila.

Entre os defensores do entendimento de que não pode haver maneira

atípica de relativizar a coisa julgada pode-se citar Fredie Didier Junior (JÚNIOR,

2008, p. 586):

Assumimos que não vemos com bons olhos um movimento que busca relativizar a coisa julgada por critérios atípicos. Não podemos compactuar com a idéia de uma “cláusula aberta de revisão das sentenças” em razão de injustiça/ desproporcionalidade/ inconstitucionalidade.

E também aqui se inclui como defensor desse posicionamento,

Barbosa Moreira (MOREIRA, 2007, p. 248-249), que assim disserta, ao criticar a

falta de clareza do termo injustiça, defendida pelos defensores da relativização da

coisa julgada com base em critérios atípicos, como justificativa suficiente para sua

concessão:

Logo de começo, porem, cabe um reparo de ordem genérica. Mesmo a doutrina favorável, em maior ou menor medida, à proposta “relativização” não pode deixar de advertir-se da insuficiência, para justificá-la, da mera invocação de eventual

32

“injustiça” contida na sentença passada em julgado. Condicionar a prevalência da coisa julgada, pura e simplesmente, à verificação da justiça da sentença redunda em golpear de morte o próprio instituto. Poucas vezes a parte vencida se convence de que sua derrota foi justa. Se quisermos abrir-lhe sempre a possibilidade de obter novo julgamento da causa, com o exclusivo fundamento de que o anterior foi injusto, teremos de suportar uma série indefinida de processos com idêntico objeto: mal comparando, algo como uma sinfonia não apenas inacabada, como a de Schubert, mas inacabável – e bem menos bela.

Dessa monta, sob pena de inteira afronta à segurança jurídica inerente

a qualquer Estado de Direito, as hipóteses em que deverá permitir a revisão do

caso soberanamente julgado hão de se circunscrever a situações extremamente

excepcionais e específicas, nas quais a teratologia da decisão transpareça prima

facie.

Não sendo possível, portanto, segundo essa teoria, a adoção de

mecanismos flexibilizatórios da res judicata sobre circunstâncias vagas e pouco

concretas, sendo possível tão somente a relatividade quando se tratar das

hipóteses típicas e claras, constantes da lei, conforme demonstrados no sub item

3.1.1.

Àqueles que entendem que não devem haver meios atípicos para a

relativização da coisa julgada, os remédios processuais idôneos para

desconstituir sentenças transitadas em julgado não são propriamente formas de

se relativizar a coisa julgada.

Assim, tais remédios, aqui tratados no item 3.1.1., não se

correlacionam por forca com a injustiça da sentença. Os remédios em foco não se

ordenam de maneira específica a uma relativização que pretende situar-se e

justificar-se no plano da desconformidade entre o teor do julgamento, de um lado,

e a realidade substancial ou um princípio jurídico superior, do outro.

Nesta linha, o percurso deste caminho significaria em comprometer o

próprio estado de direito, e em sepultar os princípios da ordem democrática,

apesar de todos os vícios e violações. Significaria, portanto, a correção de uma

33

inconstitucionalidade ou ilegalidade, ou injustiça com um vício do mesmo quilate e

grandeza.

A defesa primordial se fundamenta ao se erigir a coisa julgada como

um princípio pétreo, imodificável e de eterna vigência. Somente os estritos limites

da lei abrem exceções.

34

CONCLUSÃO

O instituto da res judicata é extremamente dado a tomadas de posições

açodadas que representam muitas vezes pré-conceitos do emissor da opinião. É

disso que redundam opiniões extremadas e dadas ao absolutismo do instituto.

Decorrente dessa constatação é a afirmação peremptória de que a coisa julgada

não se coaduna com qualquer mitigação.

A coisa julgada caminha pari passu com o cânone da segurança

jurídica. Com efeito, o propósito de trazer paz e estabilidade aos conflitos sociais

é ínsito à coisa julgada e corrobora afinal, a valorização do sistema processual

civil brasileiro à segurança jurídica.

De fato, não há que negar que permitir a revisão de casos já

transitados em julgado implicaria a perpetuação da insegurança. Todavia, o

sistema brasileiro, ao lado da segurança jurídica, consagra uma gama infindável

de princípios e diretrizes de igual hierarquia. O simples cotejo do rol do artigo 5º,

da Carta Magna, comprova o que se está tentando demonstrar.

Como em todo caso de conflito entre direitos de matriz constitucional,

qualquer tomada de posição apriorística está fadada ao equívoco. No caso em

exame, os princípios sob embate são o da segurança jurídica e o da justiça das

decisões (englobando aqui todas as suas variantes).

Não se resolve a colisão entre dois princípios suprimindo um em favor

do outro. A colisão será solucionada levando-se em conta o peso e a importância

relativa de cada princípio, a fim de se escolher qual deles, no caso concreto,

prevalecerá ou sofrerá menos restrição do que o outro. Assim é que o intérprete

deverá, em cada caso concreto, efetivar a ponderação entre os princípios m jogo,

de tal sorte, a saber, qual deles, diante das especificações encontradas in

concreto, haverá de prevalecer.

35

Efetivamente, o movimento que tem por suporte a idéia de que inexiste

garantia constitucional absoluta, frente a eventual conflito que poderá existir entre

uma e outra, fez nascer, a idéia da proporcionalidade como forma de superar

eventual antinomia constitucional, em face do conflito entre garantias ou

princípios, já que a lógica do "tudo ou nada", nesta sede, não se revela oportuna,

muito embora possa ser razoável para o conflito de regras.

Dessa maneira, é posto em destaque a necessidade de equilíbrio

adequado, no sistema do processo, das exigências conflitantes da celeridade, que

favorece a certeza das relações jurídicas, e da ponderação, destinada à produção

de resultados justos. Dessa forma, o processo civil deve ser realizado no menor

tempo possível, para definir logo as relações existentes entre os litigantes e assim

cumprir sua missão pacificadora; mas em sua realização ele deve também

oferecer às partes os meios adequados e eficientes para a busca de resultados

favoráveis, segundo o direito e a justiça, alem de exigir do juiz o integral e

empenhado conhecimento dos elementos da causa.

A síntese desse indispensável equilíbrio entre exigências conflitantes é

que o processo deve ser realizado e produzir resultados estáveis tão logo quanto

possível, sem que com isso se impeça ou prejudique a justiça dos resultados que

ele produzirá.

É inolvidável a relevância das críticas externadas por Barbosa Moreira,

ao afirmar que, em prevalecendo a relativização da coisa julgada, estar-se-ia

possibilitando a continuidade de lides ad infinitum.

Em contrapartida, deve existir uma solução para a injustiça amparada

em uma sentença, alcançada pela utilização ilícita em um processo. Para tanto,

diante da omissão do sistema jurídico positivo em apontar saídas, afora a ação

rescisória e a ação declaratória de nulidade ou inexistência, cabe aos que lidam

com o direito a busca de soluções. Nesse intento, embora não em todas as

situações, não se impede a procura do judiciário para a declaração de que a

causa petendi, ou o objeto perseguido e alcançado se inclui na esfera do ilícito, do

36

inconstitucional, de matéria já decidida em outra lide, da satisfação anterior da

pretensão concedida.

A despeito da relevância das advertências esboçadas por aqueles que

entendem não caber nenhum tipo de relativização da coisa julgada, não se pode

afastar que essa posição acabaria incorrendo em um inconveniente, qual seja, o

de ladear, aprioristicamente, a possibilidade de se revisitar uma causa já julgada,

sem qualquer consideração acerca das peculiaridades do caso concreto, que

poderiam fazê-lo rever seu entendimento. Ou seja, não pode ser viável a

pretensão de exclusão da apreciação do judiciário às causas onde de forma

teratológica e escancaradas estão expostos vícios ou erros, que são

aproveitados, sob as mais grossas vistas, diante de um dogma teórico e arcaico.

A conclusão, portanto, que se tira, é de que a simples admissão da

possibilidade de desconstituição de sentenças que praticam agressões ao regime

democrático no seu âmago mais consistente, que é a garantia da moralidade, da

legalidade, do respeito à Constituição e da entrega da justiça não pode ser

obstada pelo argumento da rigidez e logicidade de um sistema que traz em si uma

lacuna, para cuja única solução a hipótese da relativização se faz presente. Mas

acima de tudo é necessário que se cinja com os formalismos e dogmas que não

mais coadunam com uma sociedade que a cada vez mais busca valores

metajurídicos, "dar a cada um aquilo que é seu".

Os precedentes jurisprudenciais colhidos na pesquisa feita apontam

exclusivamente casos em que se questionavam indenizações a serem pagas pelo

Estado, notando-se até uma preocupação unilateral pela integridade dos cofres

públicos, mas o tema proposto é muito mais amplo, porque a fragilização da coisa

julgada como reação a injustiças, absurdos, fraudes ou transgressão, é suscetível

de ocorrer em qualquer área das relações humanas que são trazidas à

apreciação do Poder Judiciário. Onde quer que se tenha uma decisão aberrante

de valores, princípios, garantias ou normas superiores, ali ter-se-ão efeitos

juridicamente impossíveis e portanto não incidirá a autoridade da coisa julgada

material.

37

É imprescindível, e o presente estudo serve para aumentar as fileiras

nesse sentido, que mais estudos sobre o tema da relativização da coisa julgada

sejam feitos, uma vez que se trata de matéria tão complexa e cujo

questionamento se faz atual e presente no cotidiano dos operadores do direito.

38

BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Araken de. Doutrina E Prática Do Processo Civil Contemporâneo. São

Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2001.

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40

ÍNDICE

RESUMO................................................................................................................ 3

METODOLOGIA......................................................................................................4

SUMÁRIO............................................................................................................... 5

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 7

CAPÍTULO I

UMA VISÃO GERAL DA COISA JULGADA....................................................... 10

1.1 – CONCEITO DE COISA JULGADA..............................................................10

1.2 – COISA JULGADA FORMAL E COISA JULGADA MATERIAL................. 11

1.3 – PRESSUPOSTOS DA COISA JULGADA (MATERIAL)............................ 12

1.4 – CORRENTES DOUTRINÁRIAS SOBRE A NATUREZA DA COISA

JULGADA............................................................................................................. 15

1.5 – LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA............................................ 16

1.6 – LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA.......................................... 17

1.7 – MODOS DE FORMAÇÃO DA COISA JULGADA...................................... 18

1.8 – O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E A COISA

JULGADA............................................................................................................. 19

CAPÍTULO II

DA CONSTRUÇÃO TEÓRICA DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA

JULGADA............................................................................................................. 22

2.1 – DA NECESSIDADE DA QUEBRA DO FORMALISMO TEÓRICO ACERCA

DA COISA JULGADA – DA IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA JUSTIÇA DAS

DECISÕES PARA POSSIBILITAR A FLEXIBILIZAÇÃO DA COISA

JULGADA..............................................................................................................22

2.2 – DA CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL E DOUTRINÁRIA SOBRE A

POSSIBILIDADE DE SE RELATIVIZAR A COISA JULGADA........................... 23

2.3 – DOS PRINCÍPIOS UTILIZADOS E DAS QUESTÕES LEVANTADAS NA

ANÁLISE DA APLICABILIDADE DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA

JULGADA............................................................................................................. 26

CAPÍTULO III

41

DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA RELATIVIDADE DA COISA

JULGADA............................................................................................................ 28

3.1 – DAS FORMAS DE DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA

MATERIAL............................................................................................................ 28

CONCLUSÃO...................................................................................................... 34

BIBLIOGRAFIA................................................................................................... 38