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ETHOS JUS REVISTA ACADÊMICA DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE EDUVALE DE AVARÉ - Vol 4 - Nº 1 - 2010 ISSN 1808-8422

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ETHOS JUS

REVISTA ACADÊMICA DE CIÊNCIAS JURÍDICASFACULDADE EDUVALE DE AVARÉ - Vol 4 - Nº 1 - 2010

ISSN 1808-8422

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FACULDADE EDUVALE DE AVARÉCURSO DE DIREITO

ETHOS JUS

Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas

Volume 4 - Número 1 - 2010

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ETHOS JUS - Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas

Presidente da Associação Educacional do Vale da JurumirimCláudio Mansur Salomão

Diretor Acadêmico da Faculdade Eduvale de AvaréEvandro Márcio de Oliveira

Coordenador do Curso de DireitoLourenço Munhoz Filho

Coordenação EditorialCelso Jefferson Messias Paganelli

NormalizaçãoJosana Souza Carlos

Conselho EditorialAlexandre Gazetta SimõesCelso Jefferson Messias PaganelliÉrica Marcelina CruzGiovani José Carreira CapecciJosé Antônio Gomes Ignácio JúniorLourenço Munhoz FilhoMarco Antonio de OliveiraMaria Júlia Pimentel TamassiaPaulo Roberto Gomes IgnácioSérgio Saliba MuradVagner Bertoli

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Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) FichaCatalográfica:JosanaSouzaCarlosCRB8-7495

E847 EthosJus:revistaacadêmicadeCiênciasJurídicas/publicadaeeditadapelocursodeDireitodaFaculdadeEduvaledeAvaré-v.4,n.1,-Avaré:FaculdadeEduvaledeAvaré,2010.181p.;23cm

AnualISSN1808-84221.Direito-Periódicos.I.FaculdadeEduvaledeAvaré

CDD-340.05

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EDITORIAL

É com grande satisfação que é apresentado o quarto volume daRevistaEthosJus,enfatizandoaimportânciadapesquisacientíficae a consequente publicação destas dentro do ambiente acadêmicodesenvolvido pelo curso de Direito da Faculdade Eduvale de Avaré.

O empenho do Conselho Editorial em trazer aos leitores textos instigantes revela-se na temática dos artigos apresentadospelos alunos e professores da Eduvale, bem como nos textos doscolaboradores externos.

Oespíritoacadêmiconãopodeficarrestritoapenasàssalasdeaulasepossíveisargumentaçõesocasionaisquetaisproporcionam.Apesquisa científica alcança todo o seu potencial com a publicaçãode artigos que demonstram o aprofundamento necessário de temas complexosporpartedeseusautores,oquesemdúvidaproporcionaráos mecanismos necessários para a provocação de debates também por parte dos alunos.

AFaculdadeEduvaleprezapeloavançocientífico,por issomesmo é fortemente apoiadora da pesquisa científica, não só comseusprofessores,mastambémeprincipalmentecomosalunosquecompõemocursodeDireito,afinal,sãodelesqueespera-sevenhamos avanços necessários para que o Direito tenha o amoldamento necessário aos anseios da sociedade.

Espero que esta edição possa acrescentar conhecimento e instigar o leitor ao debate de assuntos que sempre estão fervilhando dentrodomundojurídico.

Celso Jefferson Messias PaganelliCoordenador Editorial

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SUMÁRIO

RELATIVIZAÇÃODACOISAJULGADA..........................................................................................13João Guilherme de Oliveira

ATUTELAESPECÍFICADASOBRIGAÇÕESDEFAZERENÃO-FAZERCOMOGARANTIADEACESSOÀJUSTIÇA............................................................................................................................23Jamil Ros Sabbag e João Guilherme de Oliveira

A SUSPENSÃO DO PROCESSO CRIMINAL POR SONEGAÇÃO FISCAL,EM RAZÃO DO PARCELAMENTO DOS DÉBITOS TRIBUTARIOS NÃO FEDERAIS.............................................................................................................................................33Alexandre Gazetta Simões e José Antonio Gomes Ignácio Junior

O DIREITO E A IMPORTÂNCIA DE SE PRESERVAR A ÁGUA NA ATUALIDADE.......................................................................................................................................45AlexandreGazettaSimões,DanilaTonini.MariaJuliaTamassiaeRobsonCornélioGomes

ABORDADEM DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL LIBERAL PELO CÓDIGO DEDEFESADOCONSUMIDOR........................................................................................................55Alexandre Gazetta Simões e Cássia Mariane Santos

OMODELODEPREVIDÊNCIASOCIALADOTADONOBRASIL................................................69Alexandre Gazetta Simões e Maria Claudia Gomes Parischi

CARACTERÍSTICAS DA FOTOGRAFIA DIGITAL PARA SER USADA COMO PROVA EM PROCESSOS..........................................................................................................................................81Celso Jefferson Messias Paganelli

DIREITO FUNDAMENTAL E SUA NORMATIZAÇÃO – NECESSIDADE DO VALOR JUSTIÇA ATRAVÉS DA DEMOCRACIA COMO UM DOS FINS DO ESTADO...............................................................................................................................................105José Antonio Gomes Ignácio Junior e Celso Jefferson Messias Paganelli

A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA PROVA NA CONFORMAÇÃO DE SUA RAZÃO DE EXISTIR...............................................................................................................................................123Alexandre Gazetta Simões e Celso Jefferson Messias Paganelli

ATIVISMOJUDICIAL..........................................................................................................................131Wilson Canci Júnior

PONDERAÇÕES SOBRE APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NA SEARA CONSUMERISTA...............................................................................................................................149Alexandre Gazetta Simões

PODERESDORELATORFACEAORECURSOINOMINADO......................................................171Marcus Rogério Tonoli

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RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADARESCISSION LAWSUIT

João Guilherme de Oliveira1

RESUMONopresentetrabalhoobjetivou-selançarumolharsobreotemadarelativizaçãodaresjudicata,sendoque,apósalgunsapontamentossobreosconceitoseaslinhasgeraisdas formasde relativizaçãoadmitidaspela legislaçãoprocessual,passou-se à discussão e crítica às teorias da relativização criadas àmargem do direitopositivo.Comoconclusão,sustentou-sequequalquermedidaqueintenterompero invólucroprotetor da coisa julgada só poderá ser admitida se nãoprovocar afamigeradaeternizaçãodoslitígios.Palavras-chave:Coisajulgada,Relativização,AçãoRescisória,QuerelaNullitatisInsanabilis. ABSTRACTIn the present article aimed discusses the relativization of res judicata bringing somenotesontheconceptsandmethodspermittedbytheprocedurallaw,itmovedto discussion and critique of theories of relativization lawsuit created out of legis-lation.Inconclusion,itwasarguedthattherelativizationofresjudicatamayonlybe permitted if it does not lead to perpetuation of the lawsuit and not interfere with the completion.Keywords:ToRejudge,RescissionLawsuit,QuerelaNullitatisInsanabilis.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, após breve apresentação dos conceitos de coisajulgada,açãorescisóriaedaquerelanullitatissepropõeaanalisardeformacríticaa questão da relativização da coisa julgada além dos limites postos pelo direito positivo. Acompanhandoosensinamentosdepartedadoutrina,acredita-sequeomelhor caminho para a revisão da coisa julgada não seja a sua desconsideração por simplesinexistência,tampoucoa“identificação”deoutrosmeioseficientesparaarelativizaçãoquedeixemdeladovalorescomoasegurançajurídica.Portando,pretende-selançarumaopiniãoque,namedidadopossível,foidespidada paixão que envolve o tema.

1PósGraduadoemDireitoProcessualCivil.ProfessordeDireitoEmpresarialparaoscursosdeDireitoeAdministraçãoAdvogado e Consultor de Empresas.

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DA COISA JULGADA

Odireitopositivobrasileiroalbergaumadefiniçãolegaldecoisajulgada,sendoqueoartigo467doCódigodeProcessoCivil,assimdispõe:“Denomina-secoisajulgadamaterialaeficácia,quetornaimutáveleindiscutívelasentença,nãomaissujeitaarecursoordinárioouextraordinário” A coisa julgada, em verdade,materializa uma exigência do Estado deDireito,qualsejaadaimutabilidadequedeverevestirasdecisõesjudiciaisparaassimgarantiracertezaeasegurançajurídicabuscadapelaresoluçãojudicialdosconflitosdeinteresse. Noentanto,comoseverificanadoutrina,éinegávelqueosensinamentosde Liebman preponderaram no texto legal. A coisa julgada deixou de ser um efeito para ser uma qualidade. Esclarece Liebman2,comsingularsabedoria:

“Nisso consiste, pois, a autoridadeda coisa julgada, que sepodedefinircomprecisão,comoaimutabilidadedocomandoemergentede uma sentença. Não se identifica ela simplesmente com adefinitividadee intangibilidadedoatoquepronunciaocomando;é,pelocontrário,umaqualidade,maisintensaemaisprofunda,quereveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis,além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer quesejam,dopróprioato”

Omestre preconiza a coisa julgada não como efeito da sentença,masqualidade, e define a autoridade da coisa julgada como sendo a imutabilidadedo comando produzido pela sentença, demonstrando ainda em seus trabalhos ainsuficiência das teorias até então conhecidas.Omesmo autor afirma possuir acoisa julgada substancial a mesma imutabilidade com relação aos conteúdos e principalmenteaseusefeitos,porevidente,paraforadoprocesso,vinculandooórgãojurisdicionalafuturasdemandas. Dentreoutrastesesdeconceituaçãodacoisajulgada,merecemdestaqueasdefendidasporBarbosaMoreiraeOvídioBaptistadaSilva. O Professor Barbosa Moreira3afirma:

“Temrazão,pois,Liebmanemfixar-senoângulodaimutabilidade,paradele,esódele,visualizaracoisajulgada.Menosfelizparece,entretanto a escolha da direção em que se projetou o feixe luminoso. (...)Imutabilidade,pois:masnão‘dasentençaeseusefeitos’comopretendeLiebman,senãoapenasda‘própriasentença’.Ecompleta:Por sentença imutável há de entender-se aqui a sentença cujoconteúdonãocomportamodificação”

2LIEBMAN,EnricoTúllio.EficáciaeAutoridadedaSentença.Forense,RiodeJaneiro,1984,p.54..3Moreira,JoséCarlosBarbosa.AindaeSempreaCoisaJulgada,in:_________DireitoProcessualCivil,Borsói,RiodeJaneiro,1971.

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Evidencia-sedessaformaaopiniãodoilustremestrenosentidodequeaimutabilidadenãoédasentençaeseusefeitos,masapenasdoconteúdodaquela,devendovincular-seatodooconteúdodasentença,arrematandosuacríticaatesede Liebman dizendo faltar ao grande mestre italiano a perspicácia de separar a problemáticarelativaàeficáciadasentençadateoriadacoisajulgada4. Porseu turno,oProfessorOvídio,aoanalisara teoriadeLiebman,fazalgumas considerações interessantes que conduzem a uma conclusão sobre o conceito de coisa julgada. O renomado mestre indica o estudo do conteúdo e dos efeitosseparadamente,hajavistapossuíremsignificadosdiversos,e,seassimnãoforfeito,poderáficarprejudicadaacompreensãodoassunto. A partir dessa premissa, ele concorda com Liebman quando diz ser acoisa julgadanãoumefeito, e simumaqualidade.Masdiscordacomrelaçãoàaplicaçãoatodososefeitosdasentença,poisentendehavervinculaçãoapenasdosefeitosdeclaratórios,conceituandoacoisajulgadacomosendoaqualidadequeseadiciona,emcertascircunstâncias,aoefeitodeclaratóriodasentençatornando-oindiscutível. Anossover,longedearranharoaltíssimonívelintelectualemquehojeestáassentadaadiscussãosobreessetema-queenvolvetantosoutrosnomesdeexpressãonadoutrinaprocessualista - a conceituaçãoda coisa julgadadeve serfixadacomosendoumaqualidadequeseagrega,eporissonãoestánoconteúdodasentença,vemdefora,afimdeblindá-lacontranovasdecisõesrelacionadascomoomesmopedido,partesecombasenamesmacausadepedir. Quantoàcoisajulgada,aindaéimportantedestacaradistinçãoexistenteentre a chamada coisa julgada formal e a coisa julgada material. A coisa julgada formal, nada mais é do que o reflexo do instituto dapreclusãodosatosprocessuais,essencialparaocaminhardeumprocesso,sendoqueela seoperapelo trânsito em julgadoproduzindoa eficáciapreclusiva,nãoestandopotencialmenteaptaairradiarseusefeitosdeformapanprocessual;estesficamrestritosaosprocessoatuandoendoprocessualmente. Jáacoisajulgadamaterialdizrespeitoàdecisãosobreoméritodoprocessoe projeta seus efeitos para fora do processo em que foi prolatada a sentença. Paraarremataressadistinção,mistertrazeraobojoosirretocáveisdizeresde José Frederico Marques5,asaber:

“Se a coisa julgada formal é a impossibilidade de impugnar asentençae,porissomesmo,deinfirmá-laemsuaexistênciaformaldeatodoprocesso,porquetraduzaimutabilidadedasentençacomoatoprocessual,-acoisajulgadamaterialsignificaaimutabilidadedo comando emergente da decisão nesse ato contida. Na coisa

4Moreira,JoséCarlosBarbosa.CoisaJulgadaeDeclaração,in:TemasdeProcessoCivil,Saraiva,SãoPaulo,1977.5MARQUES,JoséFrederico,InstituiçõesdeDireitoProcessualCivil,TomoIV,2000,Ed.Milllennium,Campinas/SP,pág.356.

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julgada material, concentra-se a autoridade da coisa julgada, ouseja, o mais alto grau de imutabilidade a reforçar a eficácia dasentençaquedecidiusobreomérito(...)”

Feitos esses apontamentos, passa-se a análise das hipóteses em que arevisão da coisa julgada é permitida. DA AÇÃO RESCISÓRIA

O legislador previu alguns casos em que a autoridade da coisa julgada material pode ser afastada, rescindindo a sentença demérito. Isso acontece emumaaçãoautônomadenominadaaçãorescisória,queéomeiomaistradicionalderevisão da coisa julgada. Não se trata demodalidade recursal, posto que a ação rescisória é uminstrumento autônomo de impugnação de sentença a ser aplicada depois do seu trânsitoemjulgado.Jáosrecursos,sãoummeiodeimpugnarasentençaqueaindanão transitou em julgado. Nesse mesmo sentido são as palavras do professor Humberto Theodoro Júnior6, cujoscomentáriosem relaçãoàcoisa julgada, recursoeação rescisóriavêmaseguir:

“O recurso visa a evitar ou minimizar o risco de injustiça dojulgamento único. Esgotada a possibilidade de impugnação recursal,acoisajulgadaentraemcenaparagarantiraestabilidadedas relações jurídicas, muito embora corra o risco de acobertaralgumainjustiça latenteno julgamento.Surge,porúltimo,aaçãorescisóriaquecolimarepararainjustiçadasentençatransitadaemjulgado,quandoo seugraude imperfeiçãoéde talgrandezaquesupereanecessidadedesegurançatuteladapelaresjudicata.”

Destaforma,vê-seevidenteafunçãoderescindirasentençaquepossuialgumvício,algumamáculaquedetãolesivaexigeaquebradaimutabilidadequereveste a coisa julgada para então produzir um ato jurisdicional na forma esperada pela sociedade e pelo Direito. Noentanto,oCódigoProcessualCivilelencaashipótesesemquepoderáserrevistaacoisajulgadapormeiodaAçãoRescisória:

Art. 485.A sentença de mérito, transitada em julgado, pode serrescindidaquando:I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão oucorrupçãodojuiz;II-proferidaporjuizimpedidoouabsolutamenteincompetente;III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte

6THEODOROJÚNIOR,Humberto,Cursode DireitoProcessualCivil: teoriageraldodireitoprocessual civil eprocessodeconhecimento.,Ed.Forense,RiodeJaneiro,2002,pág592.

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vencida,oudecolusãoentreaspartes,afimdefraudaralei;IV-ofenderacoisajulgada;V-violarliteraldisposiçãodelei;Vl - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada emprocessocriminalousejaprovadanaprópriaaçãorescisória;Vll - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cujaexistênciaignorava,oudequenãopôdefazeruso,capaz,porsisó,deIheassegurarpronunciamentofavorável;VIII-houverfundamentoparainvalidarconfissão,desistênciaoutransação,emquesebaseouasentença;IX-fundadaemerrodefato,resultantedeatosoudedocumentosdacausa;

Detodoesserol-querepresentaumatentativadolegisladornosentidodequeasentençarescindidasejaumaexceção–ashipótesesmaisintrigantesetormentosasreferem-seàviolaçãoàliteraldisposiçãodelei. Sobreesseponto,éimportantedeixarclaroquenãoéqualquerofensaquepode servir de motivo para rescindir a sentença. Essa ofensa deve surgir de uma nulidade absoluta, sendo que tal nulidade precisa ser de tamanha grandeza quemacule,deformairremediável,oprocesso. Essanulidadeaindaprecisar terpor consequênciaumprejuízoàparte,sendoqueapenasesse tipodenulidadeéquepodeservirde justificativaparaainterposiçãodaaçãorescisória. Emverdade,emboraaaçãorescisóriamereçaumarevisão,principalmentequantoaoexíguoprazodecadencialparasuainterposição–doisanoscontadosapartirdotrânsitoemjulgadodasentença-,éuminstrumentoseguroque,sebemregulamentado,serásuficienteparaeliminarasquestõesqueofendamasbasesdoEstado de Direito. DA QUERELA NULLITATIS INSANABILIS

Surge nos dias atuais a querela nulittatis insanabilis como mais uma ferramentaparadesconstituiraimutabilidadedacoisajulgada,sendoqueamaisabalizada doutrina tem recorrido a este expediente. Referida modalidade tem origem romana sendo que sua utilização era “restrita às sentenças injustas e não às nulidades do processo”.A modalidadeinsanábilis“nãoeraumrecurso,nemação,eraumaimploratioofficitiudicis”semprazo para utilização7. Umresquíciodessamodalidadeéanossaaçãodeclaratóriadenulidade.Trata-se,emverdade,deaçãodeclaratóriaautônomadeinexistênciajurídica,pelaqual se fará declarar o cunho negativo da sentença.7Cf.SANTOS,CláudioS.A.dos.BrevehistóricodarevitalizaçãodacoisajulgadanoBrasil,inNASCIMENTO,Carlos Valter e DELGADO, JoséAugusto, coords. Coisa Julgada Inconstitucional, 2ª Ed., Editora Fórum, BeloHorizonte,2008,pág.37.

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Os professores Medina e Theresa Wambier representam os maiores entusiastasdautilizaçãodesteinstrumentopararelativizaracoisajulgada,atrelandoousodaquerelaàdeclaraçãodassentençasinexistentes8,afirmandoinclusiveque:

“adeclaraçãodeinexistêncianaverdadenãoprecisanecessariamenteocorrer, por meio de uma ação, como, de ordinário, acontececom as lides que são objeto de ações declaratórias. Na verdade,a inexistência, no processo, e especificamente a inexistência dassentenças,podeseralegadaaqualquertempo,oumeio(ounobojo)dequalqueração”9

De todasas facetasdadasaeste instrumento,aquemereceumamaiorvigiaéaqueserefereaofatodenãoobedecerqualquerprazo,postoque,comoseráratificadoadiante,odireitonecessitalimitações. Por fim, vê-se a utilização da querela inclusive para situações em quetranscorreuoprazoparaaaçãorescisória,oquenãopodeseradmitido.

CRÍTICA À RELATIVIZAÇÃO

Comodelineadoacima,acoisa julgadamaterialéodizerodireito,oumelhor,dizrespeitoaopoderdeverdoEstadodedizerodireitonocasoconcreto,solucionandoumalidecomdefinitividade. Acoisajulgada,ligadaaummarcotemporaldefinido,éinstrumentoquepodeserrepresentadoporumabalança,emquedeumladoencontra-seasegurançajurídicaedeoutroajustiça,sendoqueestaúltimaestárelacionadaàbuscapelasentençaperfeita,isentadequalquermáculaouvício. Porém, a questão não é tão exata, pois conforme os dizeres de LuizGuilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhat10,oinstitutodacoisajulgadamaterialrepresentacritériodejustiçaparaoprocessocivil,pois:

“Eternizar-seasoluçãodoconflitonabuscadeumaverdadeque,emsuaessência,jamaisserápossíveldizerestaratingida,constituicertamentealgoinaceitável,mormenteemseconsiderandooperfildasrelaçõessociaiseeconômicasdasociedademoderna.É,porisso,realmente indispensável colocar, em determinado momento, umfimaolitígiosubmetidoàapreciaçãojurisdicional,recrudescendoa decisão judicial adotada. A esse momento corresponde a coisa julgada.”

8Sãodefinidascomosentençasinexistentesasqueforamproduzidasàmargemdequalquerdascondiçõesdevalidadeoueficáciadaação,sendoquepartedadoutrinaasadjetivacomosendoum“nadajurídico”eportantonãorevestidasda autoridade da coisa julgada.9WAMBIER,TeresadeArrudaAlvimeMEDINA,JoséMiguelGarcia.MeiosdeimpugnaçãodasdecisõestransitadasemjulgadoinNASCIMENTO,CarlosValtereDELGADO,JoséAugusto,coords.CoisaJulgadaInconstitucional,2ªEd.,EditoraFórum,BeloHorizonte,2008,pág.328.10 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz: Curso de Processo Civil, Vol. 2, Processo deConhecimento,7ªEd.,RT,SãoPaulo,2008,pág.646e696.

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Econtinuammaisafrente:

“As teses da ‘relativização’ não fornecemqualquer resposta parao problema da correção da decisão que substituiria a decisão qualificadapelacoisajulgada.AdmitirqueoEstadoJuizerrounojulgamento que se cristalizou implica em aceitar que ele pode errar novamente,quandoaidéiade‘relativizar’acoisajulgadanãotrariaqualquerbenefícioousituaçãodejustiça”

Nota-se que, ao se ampliar exageradamente as possibilidades derelativizaçãodacoisajulgada,acaba-semesmoporaniquilaresseimportantíssimoinstituto. Porcerto,nãosepode,apretextodealcançarumajustiçaperfeita,criarinjustiçasoupior,instabilidadesocialdecorrentesdafaltadesegurançajurídica,deceleridade e efetividade dos processos. Assim,arevisãodasdecisõesjudiciaisdefinitivasdevesedarnoslimitesdodireitopositivo,comautilizaçãodaaçãorescisória,sendoqueaesserespeitomerecemmuitaatençãoosensinamentodomestreOvídioBaptista11:

“Asconsideraçõesprecedentes,cujoobjetivocentra-senointeresseem ampliar o debate, autorizam-me a extrair duas conclusões:a) é indispensável revisar o sistema de proteção à estabilidadedos julgados, como uma contingência determinada pela crisepragmática. O fim da ‘primeira modernidade’ determinará umasevera redução da indiscutibilidade da matéria coberta pela coisa julgada;b)seránecessário,porém,conceberinstrumentoscapazesde atender a essa nova aspiração jurídica. Esses instrumentosdevem ficar limitados àqueles propostos porDinamarco, a partirdaliçãodePontesdeMiranda,quaissejam,(a)aaçãorescisória;(b) uma sistematização adequada da querela nullitatis Nunca,porém,(c)parapermitiroafastamentodacoisa julgadasuscitadosobaformadeumaquestãoincidente,nocorpodeoutraação,sejaformulado pelo autor, como uma questão prejudicial; seja comouma objeção levantada em contestação pelo demandado; nuncaigualmente (d), tornando a coisa julgada “relativa” a partir depressupostos valorativos, como “injustiça” da sentença, sentença“abusiva”, “moralidade” administrativa, ou outras proposiçõesanálogas,mesmoporque-noquerespeitaàmoralidade-nemsónaadministraçãopúblicaocorremimoralidades.Comopoderíamosjustificarqueacoisajulgadanãovalhaquandoasentençaconsagreuma imoralidade administrativa, mas tenha, ao contrário, plenovigor quando a imoralidade seja cometida contra os particulares? Eliminaríamosacoisajulgadaquandoaimoralidadefossecometidacontraaadministraçãopública,masaconservaríamosválidaquandopraticadacontrasujeitosdedireitoprivado.Ahipótesesubcseria,delegeferenda,admissível.Teríamos,porém,criadoumaespécie

11SILVA,OvídioA.Baptista:CoisaJulgadaRelativa?InRelativizaçãodaCoisaJulgada:EnfoqueCrítico,EditoraJusPodivs,Salvador/BA,2004.

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dedemandarescindenteatípica,genérica,ou“inominada”.Acoisajulgadapoderia,sempre,serquestionadapormeiodeuma“questãoprejudicial”,assimcomopoderíamos,ignorá-latendo-acomonulae, conseqüentemente, ineficaz, na ação em que postulássemos areapreciação da mesma lide.

Assim,comtodorespeitodevidoàpartedadoutrinaqueentendedeformadiversa,entende-sepormaisapropriadooentendimentodequeoinstitutodacoisajulgadanãopodeserinstrumentodeperpetuaçãodeinjustiças,e,destaforma,arelativização da coisa julgada deve ser operada apenas nos limites previstos pelo própriodireitopositivo. Emsendoassim,estamosnocenárioperfeitoparanosdebruçarmossobreashipóteses emque a relativizaçãopossa ser admitida, sendoqueoProjetodoNovoCódigodeProcessoCivil,recentementeapresentado,podeabarcarreferidashipóteseseassim,senãoextinguirosriscosàsegurançajurídica,possaaomenosminimizá-los. CONCLUSÃO

Emborasejamadmiráveisosesforçosparaexpurgardomundojurídicodecisõestidasporinjustasouinexistentes,averdadeéqueoDireito,poressência,éopoder-deverdoEstadodetutelarasrelaçõesentreosindivíduos,e,porvezes,oapegoàformaouàevoluçãodoprocedimentodeveserfreadoporvaloresquenãopodemserdissociadosdoEstadodeDireito,qualsejaodequeotuteladotenhaoqueveiobuscarquandobateuàsportasdojudiciário,adecisãoparasualide. Temos que a ação rescisória e alguns outros instrumentos, se bemregulamentados, podemagir positivamentenabalança justiça versus segurança,massemjamaisperderdevistaaimportânciadaimposiçãodeumtermofinalaoconflitodeinteresses. REFERÊNCIAS

LIEBMAN,EnricoTúllio.Eficácia e Autoridade da Sentença.Forense,RiodeJaneiro,1984.

MARINONI,LuizGuilhermeeARENHART,SérgioCruz:Curso de Processo Civil,Vol.2,ProcessodeConhecimento,7ªEd.,RT,SãoPaulo,2008.

MARQUES,JoséFrederico,Instituições de Direito Processual Civil,TomoIV,Ed.Milllennium,Campinas/SP.2000.

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MOREIRA,JoséCarlosBarbosa.Ainda e Sempre a Coisa Julgada, in: Direito Processual Civil,Borsói,RiodeJaneiro,1971.

_________, José Carlos Barbosa.Coisa Julgada e Declaração, in: Temas de Processo Civil,Saraiva,SãoPaulo,1977.

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THEODORO JÚNIOR,Humberto,Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento,Ed.Forense,RiodeJaneiro,2002.

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A TUTELA ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO-FAZER COMO GARANTIA DE ACESSO À JUSTIÇA

Jamil Ros Sabbag1

João Guilherme de Oliveira2

RESUMOO tema central do presente artigo é a efetividade processual, especialmente notocante às reformas pelas quais passou o Direito Processual Civil Brasileiro,principalmentecomoadventodaLein.8.952de1994,aqualinstituiuapossibilidadedeconcessãopelojuiz,nasentença,datutelaespecíficadasobrigaçõesdefazerenão-fazer,tornandooprocessoefetivoinstrumentodeacessoàjustiça,nostermosdaConstituiçãoFederalde1988.Palavras-chave:AcessoàJustiça.EfetividadeProcessual.TutelaEspecífica.

ABSTRACTThecentralthemeofthisarticleistheproceduraleffectiveness,especiallyasregardsreformsthroughwhichpassedtheBrazilianCivilprocedurallaw,particularlywiththeadventoflaw8,952of1994,whichestablishedthepossibilityofgrantingbythejudgeinsentencing,specificprotectionobligationsdoandnotdo,makingtheprocess effective instrument of access to justiceunder the Federal Constitution of 1988.Keywords:accesstojustice.ProceduralEffectiveness.SpecificProtection.

INTRODUÇÃO

Trata-seopresenteartigodeumaanálisesobreaefetividadeprocessualnoBrasil,ondeseapontamparadigmasdemudançasqueseguemnestadireçãohámais de uma década. SerádemonstradoqueaLeinº8.952/94foiaprimeira,ouaomenosaprincipal,a trazer substancialmodificaçãonosistemaprocessualno tocanteaosresultadosesperadosdoprocesso,sendotambémoprimeiropassoparaoprocessosincrético. Oobjetivonãoéesgotarotematutelaespecífica,tampoucoaprofundar-senoestudodoprincípiodoAcessoàJustiça,masapenasdemonstraraafinidade

1Advogado,Pós-graduadoemDireitoCivileProcessualCivil.2AdvogadoeConsultordeEmpresas,Pós-graduadoemDireitoProcessualCivil,ProfessordeDireitoEmpresarialpara os cursos de Direito e Administração.

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entre os dois institutos e rumo no qual trilha o direito processual civil brasileiro.

A BUSCA DA EFETIVIDADE PROCESSUAL

Costumamsercitadasnadoutrinatrêsfasesdedesenvolvimentododireitoprocessual:a)fasecivilista:b)faseautonomista;c)faseinstrumentalista. Pois bem.Após o direito processual firmar a sua autonomia científicaem relação ao direito material, superando o período civilista, percebeu-se anecessidade de uma reaproximação com aquele, uma vez que o processo nãopode ser considerado umfim em simesmo, ingressandofinalmente no períodoinstrumentalista. ComareestruturaçãodoCódigodeProcessoCivil,restouclaroquehojeinteressa muito mais a efetiva realização do direito material do que a sua simples declaraçãopelasentençademérito,decorrendodaíanecessidadedecompreenderodireitode ação como fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva, enãomaiscomomerodireitoaoprocessoeaojulgamentodemérito(MARINONI,2008,p.97). Com efeito, não existe processo que não envolva questão de direitomaterial. Há uma relação de mutualidade envolvendo o direito processual e o direitomaterial,poisaquelefazvaleresse,aopassoemqueestedásentidoàquele. Nesta última fase, na qual nos encontramos (embora a doutrina jámencioneuma4ªfase,adoneoprocessualismo,responsávelporrevisarosinstitutosprocessuais a partir de novas premissas teóricas), já com a plena consciênciado caráter instrumental do processo, o objetivomaior passou a ser a busca daefetividade processual, comvistas a concretizar a garantia doAcesso à Justiça,materializadanosincisosXXIVeXXXVdoart.5ºdaConstituiçãoFederal. Entende-se porAcesso à Justiçamuitomais do que omero acesso aoprocesso,devendosercompreendidocomoorequisitofundamentaldeumsistemajurídicomodernoeigualitárioquepretendegarantir,enãoapenasproclamar,osdireitosdetodos(CAPPELLETTI;GARTH,1998,p.12). Trata-se,portanto,deacessoàordemjurídicajusta.Valedizer:traduzagarantiadaplenasatisfaçãododireitomaterialemdiscussãonarelaçãojurídicaprocessual. Isso porque a problemática do acesso à Justiça não pode ser estudadanos limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes.Não se trata apenas depossibilitaro acessoà Justiça enquanto instituiçãoestatal, e simdeviabilizaroacessoàordemjurídicajusta. Asexpressõesconstitucionais “lesão”e “ameaçaadireito”garantemolivre acesso ao Judiciário para postular tanto a tutela jurisdicional preventiva como a repressiva.

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Existem diversas barreiras ao acesso à ordem jurídica justa, sobretudoaeconômicaeaburocrática,demodoqueparaqueoprocessosejaconsideradoinstrumentodeacessoà justiça,03ondasrenovatóriassefazemnecessárias:1ª)justiçaaospobres;2ª)Instrumentosparaadefesaemjuízodosdireitoscoletivos;3ª)efetividadeprocessual. A efetividade processual mostra-se como a última onda renovatórianecessáriaparaagarantiadoAcessoàJustiça,embuscadaquiloquesedenominaProcesso Civil de Resultados. O processo, além de efetivo, deve ser adequado à solução do direitomaterial discutido na relação processual. Vale dizer: a lei processual deve serproduzida de forma adequada às soluções de conflitos para as quais foi criada,lembrando que o direito material disputado pode variar de natureza. A TUTELA ESPECÍFICA DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO-FAZER

Combasenessaideia,odireitoprocessualcivilbrasileiropassouporumasériedereformas,emummovimentoembuscadaefetividadeprocessualqueteveiníciocomaLein°8.952,de13dedezembrode1994,aqualmodificoudiversosdispositivosdoCódigodeProcessoCivil,sobretudooartigo461. Após a Lei n° 8.952/1994, diversas outras sobrevieram com amesmafinalidadedeconferirefetividadeaoprocessoeàsdecisõesjudiciais.Contudo,estaéamaisemblemáticadetodas,poistrouxeaoordenamentojurídicobrasileiroadenominadatutelaespecíficadasobrigaçõesdefazerenão-fazer. Na verdade, o art. 461 doCPC foi inspirado no art. 84 doCódigo deDefesadoConsumidor,oqual trazdisposição idêntica,porémoutroraaplicávelapenas nas demandas envolvendo relações de consumo. ALein°8.952/1994fezcomqueaantigaredaçãodocaputdoartigo461doCPCmigrasseparaoatualparágrafoúnicodoartigo460,inserindo,nolugar,asuaatualredação.Acrescentouos§§1º,2º,3º,4ºe5º,esteúltimoalteradopelaLeinº10.444,de07demaiode2002,aqualtambéminseriuo§6º,ficandoaredaçãofinaldodispositivoestabelecidadaseguinteforma:

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento deobrigaçãodefazerounãofazer,ojuizconcederáatutelaespecíficadaobrigaçãoou,seprocedenteopedido,determinaráprovidênciasque assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.§1oAobrigação somente se converterá emperdas e danos se oautororequererouseimpossívelatutelaespecíficaouaobtençãodo resultado prático correspondente. § 2oA indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo damulta(art.287).§ 3o Sendo relevante o fundamento da demanda e havendojustificadoreceiodeineficáciadoprovimentofinal,élícitoaojuiz

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conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia,citadooréu.Amedidaliminarpoderáserrevogadaoumodificada,aqualquertempo,emdecisãofundamentada.§4oOjuizpoderá,nahipótesedoparágrafoanteriorounasentença,impormultadiáriaaoréu,independentementedepedidodoautor,seforsuficienteoucompatívelcomaobrigação,fixando-lheprazorazoável para o cumprimento do preceito. §5oParaaefetivaçãodatutelaespecíficaouaobtençãodoresultadoprático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento,determinarasmedidasnecessárias,taiscomoaimposiçãodemultapor tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas ecoisas,desfazimentodeobraseimpedimentodeatividadenociva,se necessário com requisição de força policial. §6oOjuizpoderá,deofício,modificarovalorouaperiodicidadedamulta,casoverifiquequesetornouinsuficienteouexcessiva.”

Note-se,comisso,queosincretismoprocessualexistenoordenamentojurídicobrasileirohátempos,aindaqueàépocarestrito,comoregra,àsobrigaçõesde fazer e não fazer. ComoadventodaLein°10.444,de07demaiode2002,entretanto,oinstitutodatutelaespecíficafoiestendidoàsobrigaçõesdeentregadecoisa(art.461-A) e, com aLei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, para as de pagarquantiacerta(art.475-I),fechando-seociclo. Todasassentençasdeprestação,portanto,podemserefetivadasnomesmoprocessoemqueproferidas,sineintervalo.Todaspodemserdesignadas,pois,decondenatórias(DIDIERJR,2012,p.361) Antesdamodificaçãodoartigo461doCódigodeProcessoCivil,nocasode descumprimento de uma obrigação de fazer e não fazer, o credor não tinhaoutra alternativa senão a propositura de uma ação de conhecimento de preceito cominatório,nostermosdoartigo287domesmocódigo,visandoacondenaçãododevedornocumprimentodaobrigaçãodefazerenãofazerinadimplida,medianteimposiçãodemulta,quesomentepoderiaserimpostanasentença,apósotérminodo processo de conhecimento. Não bastasse, ainda era necessário executar a sentença, na forma dosartigos 632 a 645 doCódigo de ProcessoCivil, o que, em virtude da demora,poderia tornar o processo desprovido de efetividade e a obrigação imprestável. Por fim, restava ao credor a possibilidade única de se conformar coma conversão da obrigação em indenização por perdas e danos, devendo, aindapromover a execução por quantia certa. Portanto,seantesaexecuçãoexintervaloeraaregra,agoraaregraéaexecuçãosineintervalo,Muda-seatécnicadeexecução,maspermanecesempreamesmarealidade:somentesentençasdeprestaçãodãoensejoaatividadeexecutiva(DIDIERJR,2012,p.361).

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Atutelaespecíficapodeserconceituadacomo“ocontráriodetutelapeloequivalenteaovalordodanoouovalordaprestaçãoinadimplida”(MARINONI,2008,p.425). No caso das obrigações de fazer e não-fazer, o juiz concederá a tutelaespecíficadaobrigaçãoou,seprocedenteopedido,determinaráprovidênciasqueassegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Semolvidardaeficáciadoinstituto,critica-searedaçãodoart.461,caput,doCódigodeProcessoCivil,poiséevidentequeojuizsomenteconcederáatutelaespecíficadaobrigaçãoseacolheropedido(MOREIRA,2007,p.192). Observe-sequeartigo461viabilizaaconcessãodetutelaespecíficaaosdireitos,mastambémautorizaatutelaespecíficadodireitopeloresultadopráticoequivalente. Quandoocódigofalatutelaespecíficaouresultadopráticoequivalente,pode-se dar a entender, em uma interpretação literal, que o resultado práticoequivalentenãoseprestaàtutelaespecífica. Porém,opoderdeoutorgadoresultadopráticoequivalenteaodesejadopeloautornãotemoutrafinalidadeanãoserpermitiraobtençãodatutelaespecíficado direito material. Permite,naverdade,oalcancedatutelaespecíficamedianteumresultadoalternativoàquelequeresultariadoatendimentoaopedidodoautor,viabilizandoatuteladaobrigaçãoorigináriadaformamaisadequadapossível. Assim, por exemplo, se o autor pede a cessação de atividade nocivamedianteordemdenãofazersobpenademulta,ojuizpodedeterminarainterdiçãodolocal.Seoautorpodeacessaçãodoilícito,ojuizpodedeterminarainstalaçãodefiltroantipoluente.”(MARINONI,2008,p.427). Nãosignificaissodesobediênciaàcongruênciaentreopedidoeasentença,umavezqueojuizassimageparaadequaratuteladaobrigaçãooriginária.Ouseja,devealcançaroresultadopretendidopeloAutor,aindaqueparatantoseempreguemeio diverso do requerido. Entretanto,nãosendopossívelaobtençãodatutelaespecíficaoudeseuresultadopráticoequivalente,dispõeo§1ºdoartigo461doCPCqueaobrigaçãoseconverteráemperdasedanos,oquetambémpodeocorreremrazãodavontadedo autor. Essapossibilidade,trazidapelo§1º,denominadadetutelapeloequivalentemonetário,confereàparteoequivalenteaovalordodanonãoressarcidonaformaespecíficaouoequivalenteaovalordaprestaçãonãoadimplida. Uma vez convertida em perdas e danos a tutela específica ou o seuresultadopráticoequivalente,oseucumprimentosedaránostermosdoartigo475-JeseguintesdoCPC,comosehouvesseumatransmutaçãodanaturezaobrigacional,ouseja,defazerounãofazerparadepagarquantia.

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Ressalvao§2ºqueaindenizaçãoporperdasedanosaludidano§1ºsedarásemprejuízodamultaprevistanoartigo287:

“Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstençãoda prática de algum ato, tolerar alguma atividade, prestar ato ouentregarcoisa,poderárequerercominaçãodepenapecuniáriaparaocasodedescumprimentodasentençaoudadecisãoantecipatóriadetutela(arts.461,§4o,e461-A).”

DeacordocomoSuperiorTribunaldeJustiça,opedidocominatórioécabível tantoparaqueodemandadocumpraumfazerounão-fazer, fungívelouinfungível:

“PROCESSUALCIVIL -COMINATÓRIA-OBRIGAÇÕESDEFAZER (FUNGÍVEIS OU INFUNGÍVEIS) - INTELIGÊNCIADANORMADOART.287DOCPC.I-ASOBRIGAÇÕESDEFAZER INFUNGÍVEIS TAMBÉM SÃO OBJETO DE PEDIDO COMINATÓRIO,EISQUEIRRELEVANTESEJAOOBJETIVODA PRESTAÇÃO FUNGÍVEL, PORQUE TAMBÉM O ENASOBRIGAÇÕESDEDAR, QUANTONASDE FAZER.APRESTAÇÃO,NOCASODASDEFAZER,REVELA-SECOMOUMAATIVIDADEPESSOALDODEVEDOR,OBJETIVANDOAPROVEITAR O SERVIÇO CONTRATADO. II - RECURSOCONHECIDOEPROVIDO.”(Resp6.314/RJ)

Amultaaludidapelo§2ºécabívelaindaqueoRequerentenãoapleiteie,podendoserconcedidadeofíciopelojuiznostermosdo§4º,liminarmenteounasentença,demodorazoáveleproporcionalàobrigação. Domesmomodo,éevidentequeseojuizpodeconcederamultadeofício,pode,igualmente,suspendê-latambémdeofício. Afinalidadedamulta é coagir o demandado ao cumprimentodo fazeroudonão-fazer,semcaráterpunitivo,podendoserfixa,periódicaouprogressiva,tendocomodestinatárioaqueleaquemocumprimentodaordembeneficia,porforçadodispostono§2º. Amultacoercitivaproduzefeitosdeimediato,podendoserexigidadesdeodiaemqueoRequerido,intimadoparafazeroudeixardefazeralgo,descumprea determinação. Entretanto,comoamultanãoserádevidaemcasodeimprocedênciadopedido,seuvalorsópoderáserexecutadodepoisdotrânsitoemjulgadodaúltimadecisão do processo. Ovaloreaperiodicidadedamultapodemserrevisadospelojuiz,deofícioouarequerimentodaparte,semprequesedemonstrarinsuficienteouexcessiva,nos termos do § 6º. Comefeito,amultadeveguardarproporcionalidadeentreovalorfixado

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e o bem jurídico tutelado, assim como não pode ser causa de enriquecimentoindevidoàqueleaquemocumprimentodaordembeneficia,bemcomonãopodelevaràpenúriaaquelequedescumpriuaobrigação. Aexpressão“setornou”,contidano§6º,nãodeveserentendidacomose restringisse a possibilidade da modificação à superveniência de fato capazde justifica-la,maspodeo juiz, aindaque sem fatonovo,modificar o valor oua periodicidade se se convencer que a fixação inicial não foi a mais razoável.(MOREIRA,2007,p.192). Aoladodamulta,medidadecarátercoercitivo,o§5ºtrouxeaschamadasmedidassub-rogatórias,podendoojuiz,deofícioouarequerimentodaparte,adotaroudeterminaraadoçãodosatosnecessáriosparaaobtençãodatutelaespecíficaoudo resultado prático equivalente. Para tanto, traz um rol exemplificativo demedidas como a imposiçãodemultapor tempodeatraso,buscaeapreensão, remoçãodepessoasecoisas,desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, inclusive com autilizaçãodeforçapolicial,senecessário. Porfim,o§3ºpermiteaconcessãoliminardatutelaespecíficadaobrigaçãodefazerounão-fazer,oumediantejustificaçãoprévia,citadooréu,semprequeofundamentodademandaforrelevanteehouverreceiojustificadodeineficáciadoprovimentofinal. Note-sequeaantecipaçãodatutelanasaçõesquetenhamporobjetoumaprestação de fazer ou não fazer, possui requisitosmenos rigorosos que aquelesprevistosnoartigo273doCódigodeProcessoCivil:

Art.273.Ojuizpoderá,arequerimentodaparte,antecipar,totalouparcialmente,osefeitosdatutelapretendidanopedidoinicial,desdeque, existindoprova inequívoca, se convençadaverossimilhançadaalegaçãoe:I-hajafundadoreceiodedanoirreparáveloudedifícilreparação;ou II-fiquecaracterizadooabusodedireitodedefesaouomanifestopropósitoprotelatóriodoréu.§ 1oNadecisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, demodoclaroepreciso,asrazõesdoseuconvencimento.§2oNãoseconcederáaantecipaçãodatutelaquandohouverperigode irreversibilidade do provimento antecipado. §3oAefetivaçãodatutelaantecipadaobservará,noquecoubereconformesuanatureza,asnormasprevistasnosarts.588,461,§§4oe5o,e461-A.§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada aqualquertempo,emdecisãofundamentada.§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá oprocessoatéfinaljulgamento.§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando umoumaisdospedidoscumulados,ouparceladeles,mostrar-se

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incontroverso. § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requererprovidênciadenaturezacautelar,poderáo juiz,quandopresentesos respectivos pressupostos, deferir amedida cautelar emcaráterincidental do processo ajuizado.

Como se nota, a tutela específica pode ser adiantada desde que sejarelevante o fundamento da demanda e haja justificado receio de ineficácia doprovimentofinal, sendo suficiente amera probabilidade, isto é, a relevância dofundamentodademanda,paraaconcessãodatutelaantecipatória,aopassoqueoartigo273doCPCexige,paraasdemaisantecipaçõesdeméritoprovainequívoca,convencimento do Juiz acerca da verossimilhança da alegação e o perigo da demora ouoabusodedireitodedefesadoréu(NERYJR,1997,p.673) Apartefinaldo§3ºestabelecequeamedidaliminarpoderáserrevogadaoumodificada a qualquer tempo, tal comoocorre em toda e qualquer tutela deurgência. Embreveslinhas,sãoessasasconsideraçõesfeitassobreatutelaespecíficadasobrigaçõesdefazeredenão-fazer,comaespecialfinalidadededemonstraracontribuição desse instituto para tornar a instrumentalidade processual sinônimo de AcessoàJustiça. CONCLUSÃO

Afasedocientificismoprocessualfoidefatonecessáriaparaaafirmaçãoeaintroduçãododireitoprocessualcomodisciplinacomautonomiacientífica,istoé,desvinculadadodireitomaterial. Contudo,oquenãosepodeconceberéaideiadequeoprocessoéumafinalidadeemsimesma,esquecendo-seoseucaráterinstrumental,comodurantemuitos anos parece ter sido compreendido. A Escola Processual de Enrico Tullio Liebman no Brasil foi fundamental para a construção da ciência processual, onde seus grandes expoentes, comoCândidoRangelDinamarcoeAdaPellegriniGrinover,dentreoutros,contribuíramsobremaneira nesse sentido. Isso, entretanto, já não bastava, pois a Constituição Federal de 1988quis conferir ao processo muito mais do que o status de ramo autônomo do conhecimentojurídico,erigindo-oàcategoriadeinstrumentoadequadoaseevitarlesão ou ameaça de lesão a direito. Efoinessapassadaqueolegisladorcomeçouacaminhar,anossoverapartirdaLeinº8.952/94,modificandopaulatinamentealegislaçãoprocessualcomoúnicofimdetornaroprocessoefetivo. Pode-sedizer,emconclusão,queatutelaespecíficadeuinícioaonovo

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processo civil brasileiro. REFERÊNCIAS

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MARINONI, Luiz Guilherme. Código Civil Comentado Artigo por Artigo. EditoraRevistadosTribunais.SãoPaulo,2008

MOREIRA, José Carlos Barbosa.O Novo Processo Civil Brasileiro. Editora Forense.RiodeJaneiro,2007.

DIDIER JR., Fredie.Curso de Direito Processual Civil, volume 02. EditoraJuspodium.Salvador,2012.

NERYJR.,Nelson.Código de Processo Civil Comentado.EditoraRT.SãoPaulo,1997.

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A SUSPENSÃO DO PROCESSO CRIMINAL POR SONEGAÇÃO FISCAL, EM RAZÃO DO PARCELAMENTO DOS DÉBITOS TRIBUTARIOS NÃO FEDERAIS

José Antonio Gomes Ignácio Junior 1

Alexandre Gazetta Simões 2

RESUMOQuestãotormentosaemnossadoutrinaejurisprudênciadizrespeitoàsuspensãodos processos criminais por sonegação, diante da opção do contribuinte poralgumaformadeparcelamentododébito,popularmenteindicadocomoREFIS,ouRefinanciamentoFiscal,queéumaformadesuspensãodocreditotributário.Muitoemboracadalegislaçãoconcessivadoparcelamentodisponhasobretalvertente,asituaçãosomentesematerializanaquelasnormasenvolvendoaUnião,quedetémcompetência legislativa constitucional sobre processo penal, restando, porém,dúvidaseosparcelamentosoutorgadospelosEstadoseMunicípiostambémteriamo mesmo efeito.Palavras-chave:créditotributário–suspensão–processocriminal.

ABSTRACTQuestion stormy in our doctrine and case law concerning the suspension ofcriminal prosecution for tax evasion, given the option of the taxpayer by someformofinstallmentdebt,commonlyindicatedasREFISorRefinancingTax,whichis a form of suspension of the tax credit. While each installment of the concessive legislationprovidingforsuchissue,thesituationmaterializesonlyifthoserulesinvolvingtheUnion,whichhaslegislativejurisdictionoverconstitutionalcriminalprocedure,leaving,however,doubtwhethertheinstallmentsgrantedbystatesandmunicipalities also have the same effect.Keywords:taxcredit-suspension-criminalprosecution.

INTRODUÇÃO

Inicialmente,derigordestacarqueexistemdecisõesnoSTFenoSTJfirmandoa

1Advogado;Professordegraduação(EDUVALE/AVARÉ);membrodoConselhoEditorialdaRevistaAcadêmicadeCiênciasJurídicasdaFaculdadeEduvaleAvaré-EthosJus;Pós-graduadoemDireitoTributário(UNIVEM)eDireitoPublico(IDP);GraduadoemAdministração(FCCAA)eDireito(FKB)[email protected] Graduado em Direito (ITE-BAURU). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC);DireitoConstitucional (UNISUL);DireitoConstitucional (FAESO);DireitoCivileProcessoCivil (FACULDADEMARECHALRONDON);DireitoTributário(UNAMA).MestrandoemTeoriadoDireitoedoEstadopeloCentroUniversitárioEurípedesdeMarília(UNIVEM),AnalistaJudiciárioFederal–TRF3.ProfessordegraduaçãodeDireitona Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da Revista AcadêmicadeCiênciasJurídicasdaFaculdadeEduvaleAvaré[email protected].

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possibilidadedaextinçãodapunibilidadenoscrimesde“sonegaçãofiscal”comoparcelamentooupagamentointegraldodébitofiscal,mesmoapósorecebimentoda denúncia. Quantoaosparcelamentos,emregraasleiseditadaspelaUnião,dispõesobre o sobrestamento dos eventuais processos criminais em andamento. Nessesentido,aLeiFederalnº11.941,editadaem28demaiode2009(conversãodaMP449/2008),instituiuumnovoprogramadeparcelamentoedequitaçãodedébitostributárioscomremissão,reduçãodejuroseanistiademultas,total ou parcialmente. Tal programa abrangeu os débitos com a Receita Federal do Brasil,ProcuradoriaNacionaleInstitutoNacionaldoSeguroSocial-INSS. Asprincipaiscaracterísticasforamapossibilidadedeosdébitosvencidosaté30/11/2008seremparceladosematé180(centoeoitenta)vezesousuaquitaçãoàvista,emambososcasoscombenefícios,earemissão(perdão)dedébitosdeatéR$10.000,00vencidosaté31/12/2007. Citadanorma trouxe, expressamente, em seu artigo683, a consignaçãoque os eventuais processos criminais cuja matriz hipotética guardasse relação com os débitos parcelados, estariam suspensos com o deferimento do pedido,ressaltando que o beneficio guardaria relação com os termos daquela norma,corrigindo,naverdade,umaomissãodoartigo9ºdaLei10.684/2003,quegerougrande controvérsia desde sua edição. Nesse ponto, nada de novo, eis que a União tem plena legitimidadepara editar normas sobre direito processual penal. A questão que nos propomos a debaterrefere-seaosparcelamentosdedébitosfiscaispelosEstados,MunicípioseDistritoFederal,eisquetaisentesfederadosnãopodemlegislarsobrequestõesprocessuais,daísurgindooseguintequestionamento:osprocessoscriminais,porsonegaçãofiscaldessesentesfederados,poderiamsersuspensos? Anossoversim.Porém,amatériaestálongedeterumaposiçãopacificaem tal caminho. Nesse sentido, buscando-se uma contextualização do problema quepropomosàreflexão;relembramosque,inicialmente,ocrimedesonegaçãofiscalforadefinidonaLein.º4.729,de14.07.65. No entanto, a partir da promulgação da Lei n.º 8.137, de 27.12.90;diplomaseguintequetocouotemaemcomento, todosaquelescomportamentos

3Art.68.ÉsuspensaapretensãopunitivadoEstado,referenteaoscrimesprevistosnosarts.1oe2ºdaLeinº8.137,de27dedezembrode1990,enosarts.168-Ae337-AdoDecreto-Leinº2.848,de7dedezembrode1940–CódigoPenal,limitadaasuspensãoaosdébitosquetiveremsidoobjetodeconcessãodeparcelamento,enquantonãoforemrescindidososparcelamentosdequetratamosarts.1oa3odestaLei,observadoodispostonoart.69destaLei.Parágrafoúnico.Aprescriçãocriminalnãocorreduranteoperíododesuspensãodapretensãopunitiva.Art.69.Extingue-seapunibilidadedoscrimesreferidosnoart.68quandoapessoajurídicarelacionadacomoagenteefetuaropagamentointegraldosdébitosoriundosdetributosecontribuiçõessociais,inclusiveacessórios,quetiveremsido objeto de concessão de parcelamento.

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considerados crimes de sonegação fiscal passaram a receber a denominação decrimes contra a ordem tributária. Frisando-se, destarte, que os crimes contra aordemtributária(outroradenominadoscrimesdesonegaçãofiscais)sãotipificadosnaLein.º8.137/90.

De outra parte, o crime de apropriação indébita previdenciária foradefinido,inicialmente,naLein.º4.357,de16.07.64.Posteriormente,aLein.º8.212,de24.07.91,quedispõesobreoplanodecusteiodaseguridadesocial,definiraocrimedeapropriaçãoindébitaprevidenciária.Entretanto,apartirdapromulgaçãodaLein.º9.983,de14.07.2000,ocrimeforatipificadonoartigo168-AdoCódigoPenalBrasileiro,mantendo-se,inobstante,suadenominaçãooriginal.

Atualmente, portanto, temos que o crime de sonegação fiscal, hojedenominadocrimecontraaordemtributária,estádefinidonaLein.º8.137/90eocrimedeapropriação indébitaprevidenciáriaestáprevistonoartigo168-AdoCódigoPenal.

Assim,nosartigos1ºe2ºdaLein.º8.137,de27.12.90,encontramosorol de condutas que podem constituir crime contra a ordem tributária (sonegação fiscal)4. Por sua vez, como já referido,o crime de apropriação indébita

4“Art.1°Constituicrimecontraaordemtributáriasuprimirou reduzir tributo,oucontribuiçãosocialequalqueracessório,medianteasseguintescondutas:I-omitirinformação,ouprestardeclaraçãofalsaàsautoridadesfazendárias;II - fraudarafiscalizaçãotributária, inserindoelementos inexatos,ouomitindooperaçãodequalquernatureza,emdocumentooulivroexigidopelaleifiscal;III-falsificaroualterarnotafiscal,fatura,duplicata,notadevenda,ouqualqueroutrodocumentorelativoàoperaçãotributável;IV-elaborar,distribuir,fornecer,emitirouutilizardocumentoquesaibaoudevasaberfalsoouinexato;V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda demercadoriaouprestaçãodeserviço,efetivamenterealizada,oufornecê-laemdesacordocomalegislação.Pena-reclusãode2(dois)a5(cinco)anos,emulta.Parágrafo único.A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá serconvertidoemhorasemrazãodamaioroumenorcomplexidadedamatériaoudadificuldadequantoaoatendimentodaexigência,caracterizaainfraçãoprevistanoincisoV.Art.2°Constituicrimedamesmanatureza:I-fazerdeclaraçãofalsaouomitirdeclaraçãosobrerendas,bensoufatos,ouempregaroutrafraude,paraeximir-se,totalouparcialmente,depagamentodetributo;II-deixarderecolher,noprazolegal,valordetributooudecontribuiçãosocial,descontadooucobrado,naqualidadedesujeitopassivodeobrigaçãoequedeveriarecolheraoscofrespúblicos;III-exigir,pagaroureceber,parasiouparaocontribuintebeneficiário,qualquerpercentagemsobreaparceladedutíveloudeduzidadeimpostooudecontribuiçãocomoincentivofiscal;IV-deixardeaplicar,ouaplicaremdesacordocomoestatuído,incentivofiscalouparcelasdeimpostoliberadasporórgãoouentidadededesenvolvimento;V-utilizaroudivulgarprogramadeprocessamentodedadosquepermitaaosujeitopassivodaobrigaçãotributáriapossuirinformaçãocontábildiversadaquelaqueé,porlei,fornecidaàFazendaPública.Pena-detenção,de6(seis)mesesa2(dois)anos,emulta.”

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previdenciária,atualmente,édefinidonoartigo168-AdoCódigoPenal5. Tem-se, portanto, que a extinção da punibilidade dos crimes contraa ordem tributária (sonegação fiscal) era disciplinada pelo artigo 14 da Lei n.º8.137/90,normaqueestabeleciaqueopagamentododébitotributáriofeitoantesdo recebimento da denúncia criminal era causa excludente da punibilidade. No entanto,taldispositivoforarevogadopeloart.98daLein.º8.383/91. O art. 34daLei n.º 9.249/95, contudo, voltou a admitir amencionadaextinção de punibilidade. Quanto à extinção da punibilidade do crime de apropriação indébitaprevidenciária,temosqueo§2º,doartigo168-AdoCódigoPenal6 determina que aextinçãodepunibilidadeocorrenashipóteseemqueoagentedeclara,confessaeefetuaopagamentodascontribuições,valores,importânciaoumesmovalores,deformaespontânea,assimcomo,prestaasinformaçõesdevidasàsPrevidênciaSocial. Nessediapasão,éimportanteobservarqueoautordeumcrimecontraaordem tributária (sonegaçãofiscal)poderia ter extintaa suapunibilidade,desdeque pagasse o débito tributário até o recebimento da denúncia. Porsuavez,quantoaocrimedeapropriaçãoindébita,oautordocrimesóteriaaextinçãodesuapunibilidadeseefetuasseopagamentododébitofiscalatéoiníciodaaçãofiscal. OcorrequeapartirdapromulgaçãodaLein.º10.684,de30demaiode2003; a extinçãodapunibilidade, nos crimesde sonegaçãofiscal e apropriaçãoindébitaprevidenciária,ganhounovoregramento.Odispositivoqueveiculouessainovaçãofoioartigo9º7 do referido diploma normativo. Assim,a referidanorma,quedispôssobreumdosREFISeditadopelo5“Art.168-A.Deixarderepassaràprevidênciasocialascontribuiçõesrecolhidasdoscontribuintes,noprazoeformalegalouconvencional:Pena–reclusão,de2(dois)a5(cinco)anos,emulta.§1oNasmesmaspenasincorrequemdeixarde:I–recolher,noprazolegal,contribuiçãoououtraimportânciadestinadaàprevidênciasocialquetenhasidodescontadadepagamentoefetuadoasegurados,aterceirosouarrecadadadopúblico;II–recolhercontribuiçõesdevidasàprevidênciasocialquetenhamintegradodespesascontábeisoucustosrelativosàvendadeprodutosouàprestaçãodeserviços;III-pagarbenefíciodevidoasegurado,quandoasrespectivascotasouvaloresjátiveremsidoreembolsadosàempresapelaprevidênciasocial.”

6Éextintaapunibilidadeseoagente,espontaneamente,declara,confessaeefetuaopagamentodascontribuições,importânciasouvaloreseprestaasinformaçõesdevidasàprevidênciasocial,naformadefinidaemleiouregulamento,antesdoiníciodaaçãofiscal.7“Art.9ºÉsuspensaapretensãopunitivadoEstado,referenteaoscrimesprevistosnosarts.1ºe2ºdaLeinº8.137,de27dedezembrode1990,enosarts.168Ae337AdoDecreto-Leino2.848,de7dedezembrode1940–CódigoPenal,duranteoperíodoemqueapessoajurídicarelacionadacomoagentedosaludidoscrimesestiverincluídanoregime de parcelamento.§1ºAprescriçãocriminalnãocorreduranteoperíododesuspensãodapretensãopunitiva.§2ºExtingue-seapunibilidadedoscrimesreferidosnesteartigoquandoapessoajurídicarelacionadacomoagenteefetuaropagamentointegraldosdébitosoriundosdetributosecontribuiçõessociais,inclusiveacessórios.”

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GovernoFederal,determinouasuspensãodosprocessoscriminaisemandamento,mediante a adesão ao parcelamento. Eportalrazão,diversosquestionamentossurgiram,taiscomo,seoartigo9ºseaplicariatambémafuturosparcelamentos,ouaparcelamentosjáexistentes.Valefrisar,aliás,queadiscussãoperduraatéosdiasatuais. Entretanto, o que importa saber é se teríamos algum amparo jurídico,decarátergeral,quesustenteosobrestamentodosprocessoscriminaisdiantedoparcelamentodosdébitosfiscaisdeoutrosentesfederados.

DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTARIA

Oscrimespopularmentechamadosde‘sonegaçãofiscal”,atualmente,temdisciplinafixadapelalei8.137/90,comojáforareferido. Trata-sedefigurapenaldiferenciadapelasuapróprianaturezajurídica.Porenvolvertributo,nãohácomoseanalisarotipocriminalsemlançarmosumolharmaisaprofundadosobreaestruturajurídicadessarelaçãoobrigacional. Assim, apesar de ter, como função principal, a geração de recursosfinanceirosparaoEstado,o tributo tambémfuncionano intuitode interferirnodomínioeconômico,afimdepromoverestabilidade.Por tal razão,diz-sequeotributotemfunçãohíbrida. Naprimeirahipótese,temosadenominadafunçãofiscal,aopassoque,nasegunda,temosachamadafunçãoextrafiscal. Aindanessepasso,éimportantelembrarmosqueotributonãoseconstituiempenalidadedecorrentedapráticadeatoilícito,umavezqueofatodescritopelalei,oqualgeraodireitodecobrarotributo(hipótesedeincidência),serásemprealgolícito8. Enessa toada, pelapróprianaturezado tributo, e ante a elevada cargatributáriadoBrasil,verifica-se,deummodogeral,ainexistênciadeumareprovaçãosocialdoscrimestributários;ou,aomenos,umareprovaçãosocialqueseverificanos crimes ordinários. TalpormenoréapontadoporJeffersonAparecidoDias,oqualasseveraque:

Imaginemosdoiscasos:noprimeiro,umapessoadesempregadaeviciada em drogas abre a porta de um carro (que estava trancada) e subtraiorádiodoveículo,quepretendevenderparasustentaroseuvício;nosegundocaso,umgrandeempresário,duranteanos,deixaderecolheràPrevidênciaSocialosvaloresdascontribuiçõessociaisquedescontoudeseusempregados.Apartirdessesdoisexemplos,pergunta-se: Qual das duas condutas sofrerá maior reprovaçãosocial?Quemseráconsiderado“criminoso”?

8Art.3ºTributoétodaprestaçãopecuniáriacompulsória,emmoedaoucujovalornelasepossaexprimir,quenãoconstituasançãodeatoilícito,instituídaemleiecobradamedianteatividadeadministrativaplenamentevinculada.

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Não é difícil concluir que, para amaioria das pessoas, apenas oautor do furto do rádio será considerado um criminoso e, nessacondição,merecedordarepresáliaestatalpormeiodaaplicaçãododireito penal.Claro que alguns desaprovarão a conduta do empresário, masbastará ele alegar que sua conduta foi provocada pela excessiva carga tributária brasileira e que o pagamento correto dos tributos levaria ao fechamento de sua empresa que restarão poucos a não concordarem com a sua postura.Esses exemplos, apesar de singelos, demonstram como nãoexiste uma reprovação social à pratica dos crimes tributáriose previdenciários que, para muitos, é uma reação legítima dosindivíduocontraoEstadobrasileiroque,nosúltimosanos,temseespecializado em majorar tributos.(...)Assim, deixar de pagar tributos é algo aceitável e até mesmoconsideradocorretoparagrandepartedasociedade,quereconhecetalcondutacomoaúnicareaçãopossívelcontraumEstadoque,anoanão,aumentaacargatributáriasobreosseuscidadãos.9

Deoutraparte, háque se asseverar, por suavez,que asfiguraspenaisdescritaspela8.137/90pressupõemumaaçãoouomissãoilícitaedolosadoagente,que vise reduzir ou anular o pagamento de tributo10. Diantedessasdisposiçõesnormativas,poder-se-iaentenderoporquêde

9DIAS,JeffersonAparecido.CrimedeApropriaçãoIndébitaPrevidenciária.Curitiba:Juruá,2005,pp.20e21.10Art.1°Constituicrimecontraaordemtributáriasuprimirou reduzir tributo,oucontribuiçãosocialequalqueracessório,medianteasseguintescondutas:(VideLeinº9.964,de10.4.2000)I-omitirinformação,ouprestardeclaraçãofalsaàsautoridadesfazendárias;II-fraudarafiscalizaçãotributária,inserindoelementosinexatos,ouomitindooperaçãodequalquernatureza,emdocumentooulivroexigidopelaleifiscal;III-falsificaroualterarnotafiscal,fatura,duplicata,notadevenda,ouqualqueroutrodocumentorelativoàoperaçãotributável;IV-elaborar,distribuir,fornecer,emitirouutilizardocumentoquesaibaoudevasaberfalsoouinexato;V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda demercadoriaouprestaçãodeserviço,efetivamenterealizada,oufornecê-laemdesacordocomalegislação.Pena-reclusãode2(dois)a5(cinco)anos,emulta.Parágrafo único.A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá serconvertidoemhorasemrazãodamaioroumenorcomplexidadedamatériaoudadificuldadequantoaoatendimentodaexigência,caracterizaainfraçãoprevistanoincisoV.Art.2°Constituicrimedamesmanatureza:(VideLeinº9.964,de10.4.2000)I-fazerdeclaraçãofalsaouomitirdeclaraçãosobrerendas,bensoufatos,ouempregaroutrafraude,paraeximir-se,totalouparcialmente,depagamentodetributo;II-deixarderecolher,noprazolegal,valordetributooudecontribuiçãosocial,descontadooucobrado,naqualidadedesujeitopassivodeobrigaçãoequedeveriarecolheraoscofrespúblicos;III-exigir,pagaroureceber,parasiouparaocontribuintebeneficiário,qualquerpercentagemsobreaparceladedutíveloudeduzidadeimpostooudecontribuiçãocomoincentivofiscal;IV-deixardeaplicar,ouaplicaremdesacordocomoestatuído,incentivofiscalouparcelasdeimpostoliberadasporórgãoouentidadededesenvolvimento;V-utilizaroudivulgarprogramadeprocessamentodedadosquepermitaaosujeitopassivodaobrigaçãotributáriapossuirinformaçãocontábildiversadaquelaqueé,porlei,fornecidaàFazendaPública.Pena-detenção,de6(seis)mesesa2(dois)anos,emulta.

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PedroRobertoDemocainadvogaratesedeque:findooprazoparaopagamentodotributo,decujasupressãooureduçãosecogita,estáconsumadoocrimedescritonoartigo1º,incisoI,daLei8.137/90. Portanto, a partir desse posicionamento doutrinário, o momentoconsumativo seria o instante em que se vence o prazo para pagamento do tributo11.Porém,adoutrinamaisacertadaacolhe,comomomentoconsumativo,ofimdoprazoparaadenunciaespontâneadocontribuinte,conformedeterminaoartigo138doCódigoTributárioNacional12. Assim, o término do prazo para o pagamento do tributo tem apenas oefeitodeemprestaràinstauraçãodaaçãofiscal,acondiçãodemarcodefinidordaconsumaçãodocrime,namedidaemqueafastaaespontaneidadedadenúncia13.Desse modo, somente há consumação se se esgotaram as possibilidades deespontaneidadedocontribuinte.Aobjetividadejurídicadanormapenaléafraude,nãoamerainadimplência. Ocorrequecomoolegisladorpenalbuscaapenaroembuste,afalsidade,amentira,odesaparecimentodessetipodesituação,retiraatipicidadecriminal.Assim,taisfiguraspenaispressupõemaformadolosa,acompanhadadequalquerespécie de falsidade. Aliás,oportunaamençãodoparecerdoilustreSub-ProcuradorGeraldaRepublicaEitelSantiagodeBritoPereira,onde:

a interpretação rigorosa dos preceitos da lei penal, perseguidapeloRecorrente,nãoconcorreparamelhorarascondiçõesdevidada sociedade brasileira. O encarceramento de empresários, pelaperpetração de crimes fiscais, deve ser reservado para situaçõesexcepcionalíssimas,poispodeprovocaratéodesaparecimentodealgumasempresas,aumentandoointolerávelníveldedesempregoexistentenaatualidade.Dequeadiantariamandarparaascadeias,já abarrotadas de delinqüentes violentos, pessoas que, mesmocometendo ilícitos tributários, exercem atividades comerciaislícitas e produtivas, absorvendomão de obra em suas empresas?Talprovidêncianãosejustifica,nematendeaosreclamosdeumapolíticacriminalconstrutiva.Notadamente,seosresponsáveispelainfraçãoprocuramsecomporcomoFisco,providenciando,aindaquedeformaparcelada,aquitaçãodasexaçõesdevidas.14

Portanto, é perfeitamente defensável a tese que propugna pelaexcepcionalidade da aplicação da lei penal nos crimes de natureza tributária.11PedroRobertoDecomain,CrimesContraaOrdemTributaria,obraJurídicaEditora,Florianópolis,1994,pag.50.12Art. 138.A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso,do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridadeadministrativa,quandoomontantedotributodependadeapuração.Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimentoadministrativooumedidadefiscalização,relacionadoscomainfração.13HugodeBritoMachado,EstudosdeDireitoPenalTributário,EditoraAtlas,2002,pag.237.14Subprocurador-GeraldaRepública,EitelSantiagodeBritoPereira,exaradonoRespn.º191.294-RS.

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AS HIPOTESES DE SUSPENSÃO DO CREDITO TRIBUTÁRIO POSSIBILIDADE DE NOVAÇÃO DE DÍVIDA

Como os crimes contra a ordem tributaria carregam as particularidades retro-expostas, não podemos esquecer de mencionar que o Código TributárioNacional traz algumas situações de suspensão da exigibilidade do crédito tributário15. Dessemodo,dentrodequalquerdashipótesesindicadaspeloartigo151doCódigoTributárioNacionalnãohádesecogitaremexigibilidadedocréditotributário. Nesseraciocínio,sehouveoparcelamento,ocontribuinteeventualmentedenunciado criminalmente, de forma espontânea, fulminou com o embuste, afraude;poistrouxe,aautoridadefazendária,todososelementosdoreconhecimentododébito.Muitoemboraasuspensãodocréditotributário,nãoimplique,apriori,na extinção da punibilidade. Entretanto,raciocínioopostosurgeseentendermosapresençadanovaçãode divida. EssesemprefoioentendimentoquasequepacificonoSTJ:

Quandooparcelamentoocorreantesdoiniciodapersecuçãopenal:O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antesdo recebimento da denúncia, enseja a extinção de punibilidadeprevistanaLei9249/95,art.34,porquantoaexpressão“promovero pagamento” deve ser interpretada como qualquermanifestaçãoconcretanosentidodepagarotributodevido.2.“HabeasCorpus”conhecido;pedidodeferido.16

Emoutradecisão,cujoAcórdãoédalavradoMinistroGILSONDIPP,notamosomesmoraciocínio:

Tenho entendido que a manifestação concreta no sentido de saldar adívida–comonocasodeparcelamentododébitojuntoaoEstado– em momento anterior ao recebimento da exordial acusatória,afastaajustacausaparaaaçãopenal,aindaquerestandoeventualdiscussão extra-penal dos valores. Com efeito, o parcelamentodo débito deve ser entendido como equivalente à promoção do

15Art.151.Suspendemaexigibilidadedocréditotributário:I-moratória;II-odepósitodoseumontanteintegral;III-asreclamaçõeseosrecursos,nostermosdasleisreguladorasdoprocessotributárioadministrativo;IV-aconcessãodemedidaliminaremmandadodesegurança.V–aconcessãodemedidaliminaroudetutelaantecipada,emoutrasespéciesdeaçãojudicial;(IncluídopelaLcpnº104,de10.1.2001)VI–oparcelamento.(IncluídopelaLcpnº104,de10.1.2001)Parágrafo único.O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes daobrigaçãoprincipalcujocréditosejasuspenso,oudelaconseqüentes.16STJ-HCn.º9.909/PE;Rel.MinistroEDSONVIDIGAL;DJ13/12/1999.

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pagamento.Destarte,opróprioart.14daLeinº8.137/90nãofaziadistinçãoseopromoverseriaintegralouparcelado,razãopelaqualse temcomosuficienteoatodesaldaradívida–oquesobressaidopróprioparcelamento.Deoutrolado,oparcelamentocrianovaobrigação,extinguindoaanterior,pois,narealidade,verifica-seumanovaçãodadívida–oquefazaequivalênciaaoart.14daLein.º8.137/90,paraofimdeextinguirapunibilidadedoautordocrime.Destamaneira,oinstitutoenvolvetransaçãoentreaspartescredorae devedora, alterando a natureza da relação jurídica e retirandodela o conteúdo criminal para lhe atribuir caráter de ilícito civillato sensu.Não obstante, oEstado credor dispõe demecanismosprópriose rigorososparasatisfazerdevidamenteosseuscréditos,pois a própria negociação realizada envolve previsões de sançãopara a inadimplência.Aquestãode eventual inadimplência aindapoderá ser resolvidano Juízo apropriado, pois na esfera criminalsó restará a declaraçãoda extinçãodapunibilidade.Devido a talconclusão, penso que se torna efetivamente irrelevante saber seforampagaspoucasoumuitasparcelas,poisoqueinteressaéqueo acordo de parcelamento foi celebrado antes do recebimento da denúncia,possuindoefeito jurídico igualaopagamento.Destarte,paraefeitospenais,oparcelamentoextingueadívida,criandooutraobrigação,razãopelaqualsedevetercomoefetuadoopagamento,paraestefim.”17

Deoutraparte,énecessáriopontuarqueexistemvozesdiscordantesnadoutrina,asquaispostulampelatesedequeoparcelamentoseconstituiemmeracausa de suspensão da exigibilidade do tributo. Nesse sentido José Paulo Baltazar Júnior:

Comadevidavênia,discordodessaorientação,poisoparcelamentosob o nome de moratória é qualificado como mera causa desuspensãodaexigibilidadedocréditotributário(CTN,art.151,I),enãodesuaextinção,operada,porexemplo,pelopagamento(CTN,art.156).Assiméque,descumpridasascondiçõesdoparcelamento,seráesserescindido,remanescendoocréditotributário,queestavasuspenso,comtodososseusprivilégios.Daíporquenãosepodefalar,nocaso,emnovação(STF, Inq.1028-6/RS,MoreiraAlves,PI;Rosa:251,BelloFilho:491:2;Lima112-115).18

Inobstante, em se considerando o primeiro posicionamento expendido,tem-sequeoSTJ,àluzdaredaçãoanteriordoartigo14daLei8.137/90,acolhendoo entendimento que parcelamento pode ser sinônimo de novação, porque nãopoderíamosestenderomesmoparaaquelescasosemqueoparcelamentoocorreuapósadenúncia? Ora,seriaumraciocíniológico,poisoparcelamentoéumreconhecimentode débito, onde o contribuinte renuncia a qualquer direito de questionamento,17STJ-RecursoOrdinarioemHabeasCorpusNº11.598-SC(2001/0088559-7).18JÚNIOR,JoséPauloBaltazar.CrimesFederais.PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,2007,p.56.

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situaçãotípicadanovação.

OS CASOS DE SUSPENSÃO DO PROCESSO CRIMINAL POR SONEGAÇÃO FISCAL

Nos crimes contra a ordem tributária, a legislação brasileira em regravalorizaafunçãoarrecadatóriadoEstadoemdetrimentodafunçãorepressiva. Assim, o pagamento do tributo ou contribuição social, ressalvando-sealgunspoucosmomentoshistóricos,semprefoicausadeextinçãodapunibilidadenoordenamentojurídicobrasileiro. Domesmomodo,nodireitocomparado,encontramosvariasnaçõesquetambém impõe a mesma função a seus diplomas penais. Entretanto, a questão do pagamento, como causa de extinção dapunibilidade, frequentemente resvala em um ponto muito controverso quandose trata de parcelamento. Isso porque, sempre remanesce a pergunta: poderia oparcelamento ser equiparado ao pagamento? Nesse sentido, como já referido, a assertiva somente se justificaria sepensarmos no parcelamento como novação de divida a resposta pode ser positiva.Dessemodo,outraquestãovemàbaila.Ouseja,oparcelamentoantesdeoferecidaa denúncia tem o condão de extinguir o parcelamento? Nesse sentido, o STJ em 02 de Setembro de 2002, ao analisar o HC11.598-SC,emAcórdãodalavradoMinistroGilsonDipp,decidiuque,noscrimesdesonegaçãofiscal,oparcelamentodadívidaantesdooferecimentodadenúnciaextingueapunibilidade.OMinistroRelatortrouxe,emseuvotovencedor,váriospontosquejustificavamadecisão,comov.g.:

Opagamentoequivaleaoparcelamento;Oparcelamentocrianovaobrigaçãoeextingueaanterior;Hánovaçãodadívida;Atransaçãoentre as partes altera a relação jurídica e retira seu conteúdocriminal; O Estado dispõe de mecanismos próprios e rigorososparacobraressadívida;Anegociaçãoenvolvesançõesparaocasodedescumprimentodaobrigação;Oinadimplementodasparcelasdeve ser resolvidono juízo apropriado;Oparcelamento extinguea dívida anterior, surgindo uma nova; O Direito penal não devepreocupar-secomatosquenãosejamrelevantementeanti-sociais. Ocorre que a partir da promulgação da Lei n.º 10.684,de30demaiode2003;aextinçãodapunibilidadenoscrimesdesonegaçãofiscaleapropriaçãoindébitaprevidenciáriaganhounovoregramento. Areferidalei,emsuma,prevêasuspensãodapunibilidadequando do parcelamento do débito, ficando a extinção dapunibilidadesujeitaàquitaçãododébito.Dessa forma,osimplesparcelamento da dívidafiscal acarretará a suspensão do processocriminal até ofinal pagamento.Comprovandoo contribuinte que

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quitousuadívida,outroraparcelada,comofisco,poderárequereraextinçãodofeitoemdecorrênciadaquitaçãodadívida. Ademais,aleinãofazqualquermençãoaorecebimentodadenúncia,silenciando,outrossim,quantoaomomentoprocessualem que o pagamento integral do débito pode ser feito, com aconseqüênciaextinçãodapunibilidade. Inobstante tal raciocínio, pelo magistério de Hugo deBritoMachado,épossível,comoseverá,aextinçãodapunibilidadenoscrimescontraaordemtributaria,peloparcelamentododébito,desdequeseentendacabívelasuspensãodoprocesso,edesdequecumpridas inteiramente pelo réu as condições dessa suspensão. A lei estabelece que nos crimes para os quais a pena mínimacominadanãosejasuperioraumano,estejamounãotaiscrimesabrangidospelacompetênciadosdenominadosJuizadosEspeciais,o Ministério Publico, ao oferecer a denúncia, poderá propor asuspensãodoprocesso,pordoisaquatroanos,desdequeoacusadonão esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime,presentesosdemaisrequisitosqueautorizama suspensãocondicionaldapena.Assim,noscrimesprevistosnosartigos2ºe3ºdaLei8.137/90,desdequepresentesosdemaisrequisitoslegais,éinduvidosoocabimentodasuspensãodoprocesso,porqueaspenascominadas nesses dispositivos são de seis meses de detenção e umanodereclusão,respectivamente.Levaproblema,então,sabersenocrimeprevistonoart.1ºdaLei8.137/90,étambémcabívela suspensão do processo, posto que a pena mínima cominada,nesse caso, é de dois anos de reclusão. Se, o crédito tributáriofoi constituído por iniciativa do contribuinte, vale dizer, se estefezoque seriaumadenúnciaespontâneaeapenasnãoefetuouopagamento,opedidodeparcelamentododébitoconstituiráformaevidente de arrependimento posterior.19

Portanto,emquepeseasopiniõesemcontrário,noscrimesdesonegaçãofiscal, o parcelamento da dívida antes do oferecimento da denúncia extingue apunibilidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ateordosapontamentossupra,podemossugerircomorespostaaoquestionamentoinicial, que nas imputações criminais da Lei 8.137/90, quanto aos tributos nãofederais,eisquenessesaUniãoquandodisciplinaoparcelamentopode,exercendosuacompetêncialegislativaprocessualpenaldisporsobreasuspensãodosprocessoscriminais,poderáhavertambémosobrestamentopenalfaceaoparcelamentododébito,desdequeosdelitosestejamnaalçadadosJuizadosEspeciaisCriminais(arts2ºe3ºdaLei8.137/90),ou,emcasosdetipificaçãopeloartigo1ºpode-seaindaacolher a tesequeo artigo9ºdaLein.º 10.684,de30demaiode2003,continuaagerarefeitos, independentedoparcelamentocontidonanormaqueo19Opuscit.,pp.240/241.

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criou,oquedariaaocontribuinteodireitoemsobrestareventuaisaçõescriminais.Por fim, na pior das hipóteses, com a adesão ao parcelamento podemos aindaacolher a tese de Luiz Flavio Gomes20, segundoaqual aoaplicar-se a regradoartigo16doCP,queprescreveareduçãodapenadeumadoisterçosdapena,ondeteríamosporconseqüênciaareduçãodapenamínimadedoisanosparaoitomesesnaimputaçãodoartigo1ºdaLei8.137/90,oquedariaaocontribuinteodireitoemsobrestar o feito pelas leis dos Juizados Especiais.

REFERÊNCIAS

DECOMAIN, Pedro Roberto, Crimes Contra a Ordem Tributaria, obra Jurídica.EditoraFlorianópolis,1994.

DIAS, JeffersonAparecido.Crime de Apropriação Indébita Previdenciária. Curitiba:Juruá,2005.

FELDENS, Luciano. Direitos Fundamental e Direito Penal. Porto Alegre:LivrariadoAdvogado,2008.

GOMES,LuizFlavio,Suspensão Condicional do Processo Penal,RevistadosTribunais,SãoPaulo,1997.

JÚNIOR, José Paulo Baltazar. Crimes Federais. Porto Alegre: Livraria doAdvogado,2007.

LOPES, Mauro Luís Rocha. Processo Judicial Tributário. Niterói: EditoraImpetus,2012.

MACHADO,HugodeBrito,Estudos de Direito Penal Tributário,EditoraAtlas,2002.

PEREIRA, Eitel Santiago de Brito, exarado no Resp n.º 191.294-RS.

20LuizFlavioGomes,Suspensãocondicionaldoprocessopenal,RevistadosTribunais,SãoPaulo.1997,p.215.

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O DIREITO E A IMPORTÂNCIA DE SE PRESERVAR A ÁGUA NA ATUALIDADE

Alexandre Gazetta Simões1Danila Tonini2

Maria Julia Tamassia3Robson Cornélio Gomes4

RESUMOOpresente trabalho temporfimchamaraatençãoquantodousoepreservaçãodaáguaemnossaregião,comentarsobrenoçõesdepoluição,vistoquealgumasatitudescotidianas sãopoluidorasenemnosdamosconta; além trazeralgumasdaslegislaçõesexistentes,inclusive,emnossoMunicípio.Ainda,pretendeabordartemas;como,porexemplo,aparticipaçãodapopulação,alémdesugeriratitudesque possam contribuir para a conservação deste recurso.Palavras-Chave:Água,Legislaçãosobreáguas,usoracionaldaágua,CidadaniaAmbiental,GestãoparticipativaeResponsabilidadeAmbiental.

A IMPORTÂNCIA DA ÁGUA NA ATUALIDADE

Inicialmente, pondere-se que o uso racional da água tem sido temade diversas campanhas ambientais; sobretudo, nas cidades e nos grandes pólosurbanos, onde, em alguns casos, existem até rodízio de distribuição das águaspotáveis. Importantelembrar,ainda,queestenãoéumrecursoinfinito,queestásetornadocadavezmaisescassoequesuautilizaçãoracionaldependedeconsciênciaedeeducaçãoambiental,geralmenteiniciadanosprimeirosanosdevidaacadêmicainfantil. ParatantoaLeinº9.433,dejaneirode1997,diz:

Art. 1º A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se nosseguintesfundamentos:I-aáguaéumbemdedomíniopúblico;II - a água é um recurso natural limitado, dotado de valoreconômico;”(grifonosso).

1 Graduado em Direito (ITE-BAURU). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC);DireitoConstitucional (UNISUL);DireitoConstitucional (FAESO);DireitoCivileProcessoCivil (FACULDADEMARECHALRONDON);DireitoTributário(UNAMA),AnalistaJudiciárioFederal–TRF3.Professordegraduaçãode Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da RevistaAcadêmicadeCiênciasJurídicasdaFaculdadeEduvaleAvaré[email protected]çãodocursodeDireitodaFaculdadeEduvale.3MestreemDireitoConstitucional,GarantiaseDireitosFundamentaiseprofessoradoCursodeDireitodaFaculdadeEduvale de Avaré.4AlunodagraduaçãodocursodeDireitodaFaculdadeEduvale.

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OProfessorEdisMilarénosensina,emseulivro“DireitodoAmbiente”(MILARÉ,2005,p.280),queapenas2,5%daáguaexistentenoplanetaéprópriaparaconsumo,equeselevarmosemcontaquedestemontante80%encontram-seemgeleiras,aquantidaderealmentedisponívelficaaindamaisescassa. Assim,ousoracionaldesserecursonaturaltãoescassosetornaurgente. Nesse sentido, sabemos que o uso indiscriminado deste recurso é oprincipal causador desta escassez. Outrograndeproblemaéapoluiçãodaságuasedosrecursoshídricos,ouseja,nascentes,lençolfreático,córregoserios;prejudicandosuautilização. OProfessor JoseGoldenberg, Secretário domeioAmbiente doEstadodeSãoPaulo,em2004,publicouummaterial titulado“GestãoparticipativadasÁguas”. Essematerial,alémdeeducaçãoambiental,trouxeinúmerasinformaçõesimportantes,sobretudojánaqueletempo,precisamenteem2003. Lembra-nos,oprofessor,queasNaçõesUnidasalertavamparaareduçãodaáguadisponívelemfacedacontaminação.Queoconsumotornou-sepelomenosseisvezesmaiordiantedapopulaçãomundialtersetriplicadoemsetentaanos,ejá alertava também pela contaminação de toneladas de dejetos que são lançados diariamente nos corpos de água. Talníveldepoluiçãojápreocupavaem2004e,peloquevemos,poucomudounestesseisanos,notocanteàpoluiçãodaságuas. Nesse sentido, podemos definir a poluição das águas como “qualqueralteração, química ou biologia que inviabilize a utilização de tal recurso pelohomem,pelasplantasepelosanimaistrazendoriscosàsaúde”. Ainda,valerecordarqueapoluiçãopodeocorrerporagentesorgânicos(Proteínas, gorduras, hidratos de carbono, Ceras, solventes, etc.) Inorgânicos(Ácidos, álcoois, tóxicos, sais solúveis ou inertes.) e biológicos (bactérias,protozoários,vírus,helmintos,animaiseplantas introduzidosaumdeterminadohabitat natural sobre exploração). Temosexemplosnítidosdoquepodeocorrercomoresultadodemauusodesterecurso.OrioTietê,nacapitalpaulista.Atéadécadade50,doséculoXX,erapossívelnadarepescarnele.Jánadécadade80,domesmoséculo,eraconsideradooriomaispoluídodomundocommenosde0,01%deoxigênio,ouseja,eraumriomortoàvidaanimal,pelomenosnotrechoquecortaacapitalpaulista.Apenasplantasquesobrevivemdeconsumirmaterialorgânicocomaltoníveldefósforoebactérias,muitasnocivas,sobrevivemnaqueleambiente. Emnossaregião,queériquíssimaemrecursoshídricos,temosquetomarmedidas imediatas para evitarmos que o mesmo ocorra. Assim,énecessárioevitarquepoluentessejamlançadosnasnascentes.Trataroesgoto,demodoaqueomesmonãosejalançadonoscorposdeáguasem

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tratamentodosresíduosindustriaiseorgânicos. Ainda, é necessário controlar o uso de fertilizantes e agrotóxicos naagriculturaeiniciaraeducaçãoambientalcomrecursosalémdasaladeaula,como,porexemplo;trabalhosexternos,visitastécnicas,pesquisadecampoetc.Medidasessas,queenvolvemtodososníveisdeaprendizado,desdeoprimárioatécursosuniversitários. Portanto, as medidas protetivas devem ter origem, tanto na iniciativaprivada,comonainiciativapública. Nessesentido,PauloAffonsoLemeMachadoponderaque:

Salientemosasconseqüênciasdaconceituaçãodaáguacomo“bemdeusocomumdopovo”;ousodaáguanãopodeserapropriadoporumasópessoafísicaoujurídica,comexclusãoabsolutadosoutrosusuáriosempotencial;ousodaáguanãopodeesgotaroprópriobem utilizado e a concessão ou a autorização (ou qualquer tipo de outorga) do uso da água deve ser motivada ou fundamentada pelo gestorpúblico.(MACHADO,2007,p.443).

Assim, é necessário o engajamento de todos; do poder público, dasindústrias, do comércio, dos órgãos fiscalizadores Municipais, Estaduais eFederais,mas,principalmentedapopulação,docidadão,queéresponsávelpelamaiorpartedapoluiçãoqueéinseridananaturezadiuturnamente,comoageraçãodeesgoto,resíduossólidos(lixo),desperdíciodeáguaeusoindevidodemateriaiscontaminadores como tintas e solventes.

AS MEDIDAS PROTETIVAS DA ÁGUA NA ESTÂNCIA TURÍSTICA DE AVARÉ-SP

QuantoàregiãodeAvaré,noEstadodeSãoPaulo,aáguaocupaumlugardeproeminência,vistoqueébanhadapelaRepresadeJurumirim,formadapelabarragemdeJurumirim,comumreservatóriocomáreade449Km2,bemcomo,um volume de água quase quatro vezes maior que o da Baia de Guanabara no Rio de Janeiro5. Assim,porserumaEstânciaTurística,aRepresadeJurumirimexerceumpapelcentralcomopólocatalisadordaspolíticaspúblicasdeproteçãodaságuas,notadamentenoviésturístico. Noentanto,háquesefrisarqueousodaáguaemnossaregião,alémdopotencialturístico,émuitoimportanteparaaagricultura,piscicultura,geraçãodeenergia.Derivadaíanoçãoprimordialdocuidadoquedevemostercomautilizaçãodesterecursofinito. Portaisrazões,aEstânciaTurísticadeAvarécontacomváriosdispositivos

5FonteWikipedia:http://pt.wikipedia.org/wiki/Represa_de_Jurumirimi

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institucionais tendentes a auxiliar a coordenar as medidas necessárias para se combater a poluição como o COMDEMA (Conselho municipal de Defesa do Meio Ambiente),aCETESB,PolíciaAmbiental,alémdaPromotoriadeJustiçavoltadaàdefesaambiental,entreoutros. Entretanto,oquefaltaéiniciarmos,urgentemente,umtrabalhofocado.Pois, apesar de tais instrumentos existirem, não participamos ativamente doprocessodeproteçãodaágua.Enessesentido,faltaàessesórgãos,divulgaçãodeseutrabalho,publicidadenoresultadodesuasaçõesfiscalizadoras;assimcomo,a necessidade conjunta de se colocar em prática as diversas resoluções e leis protetivas.

DAS LEIS PROTETIVAS DOS RECURSO HÍDRICOS NAS VÁRIAS ESFERAS FEDERATIVAS

Apreservaçãodaságuas,emnossoplaneta,insere-seemumcontextoquerefleteodireitodeseviveremumambienteaptoaforneceraqualidadedevidadignaepropíciaàsobrevivênciahumana. Esta evolução dos direitos fundamentais do homem consagra uma necessidadelatentedemanutençãodoequilíbriodosecossistemasparatodavidaPortalmotivo,aConstituiçãoFederal,emseuArt.225,estabeleceuque:

Todos têmdireito aomeio ambiente ecologicamente equilibrado,bemdeusocomumdopovoeessencialàsadiaqualidadedevida,impo-seaoPoderPúblicoeacoletividadeodeverdedefendê-loepreserva-loparaaspresentesefuturasgerações.

Ainda,quantoaConstituiçãoFederal,natemáticaemquestão,amesma,emseuart.22,incisoIV,estabeleceserdacompetênciaprivativadaUniãolegislarsobre:“águas,energia,informática,telecomunicaçõeseradiodifusão”. Todavia, apesar da legislação constitucional dizer que a competêncialegislativasobreaquestãohídricaserdaUnião,nãosepoderetirardosEstadosedosMunicípiosopoderdelegislarsupletivamente(art.25,§1ºeart.30,IeII,ambosdaConstituiçãoFederal,respectivamente). Noquetangeàlegislaçãoordinária,podemsercitados:oDecretonº24.643,de10dejulhode1934(CódigodeÁguas,revogadosmuitosdeseusdispositivos);CódigoCivilbrasileiro,especialmenteemseuart.99,I;Leifederalnº9.433,de08dejaneirode1997,(LeidasÁguas),queinstituiuaPolíticaNacionaldeRecursosHídricosecriouoSistemaNacionaldeGerenciamentoderecursosHídricos. Noquetange,especialmente,aoCódigoCivil;nostermosdoseuart.99,I,aságuasdosmaresedosriossãobenspúblicosdeusocomumdopovoepelodispostonoart.103domesmocódigoautilizaçãopodesergratuitaouretribuída.

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Por suavez, aLei federalnº9.433,de8/01/97(LeidasÁguas), trouxenovas e importantes contribuições para o aproveitamento deste recurso adequando a legislação aos conceitos de desenvolvimento sustentado. Instituiu a PolíticaNacionaldeRecursosHídricos, criouoSistemaNacionaldeGerenciamentodeRecursosHídricoseclassificouaáguacomobemdedomíniopúblico,umrecursonaturallimitadoedotadodevaloreconômico(art.1º,IeII).Dita,ainda,asregrasdeumanovaformadegerenciamentodescentralizadodosrecursoshídricoscriandocomitês para cada bacia hidrográfica (art.33), bem como incorpora na políticadedesenvolvimentoagestãodosrecursoshídricoscomaparticipaçãodoPoderPúblico,dosusuáriosedascomunidades(art.1º,VI). Institui tambémaoutorgadedireitosdeusoderecursoshídricocomoobjetivo de assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivoexercíciodosdireitosdeacessoàágua(art.11). Outrainovaçãoéacriaçãodacobrançapelousodaágua(art.19),elencandoos seguintes objetivos: reconhecer a água como bem econômico, incentivar aracionalizaçãodoseuusoeobterrecursosfinanceiros,osquaisserãodeaplicaçãoprioritária na bacia hidrográfica onde foram gerados (art.22), colaborando-se,diretamente,paraamelhoriaambientaldaregião. Por esta lei é criado o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos,comosobjetivosde:coordenaragestão integradadaságuas, resolveros conflitos em relação aos recursos hídricos; implementar a Política NacionalRecursosHídricos,planejar,regularecontrolarousodaáguaassimcomopromoveracobrançaporseuuso(art.32). Também disciplina osComitês deBaciaHidrográficas (arts. 37 e 38),assimcomocriaasAgênciasdeÁgua,quetêmafunçãodesecretáriasexecutivasdosComitêsdeBaciaHidrográfica(art.41). Interessante, ainda, pontuar que esta lei inclui as organizações não-governamentais (ONGs) com objetivos de defesa de interesses difusos e coletivos dasociedadecomoorganizaçõescivisderecursoshídricos(art.47). Independentementederesponsabilidadepordanos,institui,ainda,aLei9.433/97; advertência, multa administrativa e embargo como penalidades porinfraçõesdasnormasdeutilizaçãodosrecursoshídricos,elencadasnoart.49.Portanto, esta lei traz muitas inovações modernas, destacando-se a figura dousuário-pagador, a qual está sendoobjetode regulamentaçãopara colocá-la emprática efetivamente. NocasodoEstadodeSãoPaulo:aConstituiçãodoEstadodeSãoPaulo,especialmenteemseuart.205eincisos;Leinº7.663,de30.12.91,queinstituiuaPolíticaEstadualdeRecursosHídricoseoSistemaIntegradodeGerenciamentodeRecursosHídricos. Apropósito,háqueseponderarqueosproblemasdepoluiçãoultrapassam

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as fronteiras municipais, estaduais e muitas vezes nacionais, atingindo locaisdistantesdafontepoluidora,oquetornainoperanteatentativadediminuí-lossemaparticipaçãodetodososentesdafederação,acrescentandoaíasociedadecivil. EstaconstataçãoestaconsagradanaConstituiçãodoEstadodeSãoPaulo,quando em suaSeção II -DosRecursosHídricos, estipulou, em seu art. 205 eincisos,que:

O Estado instituirá, por lei, sistema integrado de gerenciamentodosrecursoshídricos,congregandoórgãosestaduais,municipaiseasociedadecivile,ainda,quedeveráserutilizadaracionalmenteaágua,preservando-a,entreoutrascoisas.

Assim, prevê o rateio dos custos (II), ficando claro, no art. 211, apossibilidade do Poder Público cobrar pelo seu uso. Porsuavez,aLeinº7.663,de30/12/91,tambémdeSãoPaulo,instituiuaPolíticaEstadualdeRecursosHídricoseoSistemaIntegradodeGerenciamentodeRecursosHídricos,reconhecendoorecursohídricocomobempúblicodevaloreconômico;assimcomo,prevêacobrançapelautilizaçãoeaformaderateiodocusto(art.3º,III;14ºe15º). Finalmente, a Estância Turística de Avaré possui a Lei Municipal nº1.228,de20deagostode2009,queinstituiuapolíticamunicipaldeproteçãoaosmananciaisdeáguasdestinadasaoabastecimentopúblico,eque,jáemseuartigo1º,faladarecuperaçãodetaismananciais.Assim,tem-seque:

Artigo1°-SãoobjetivosdapresenteLei,aproteçãoearecuperaçãoda qualidade dos mananciais de interesse municipal para abastecimento público local.Artigo 2° - Para efeito desta lei, consideram-se mananciais deinteressemunicipal as águas superficiais, interiores subterrâneas,fluentes, emergentes ou em depósito, efetiva ou potencialmenteutilizáveis para o abastecimento e consumo das gerações atuais e futuras.Artigo 3° - Para ações de preservação, o município de Avarédeclaracomoprioritáriaaáguaparaoabastecimentopúblico,emdetrimento de qualquer outro interesse.

Enessamesmaseara,aLeiOrgânicadoMunicípiodeAvaré,quantoaosRecursosHídricos,dispõeque:

Art. 186. O Município participará dos sistemas integrados degerenciamento de recursos hídricos previstos no art. 205 daConstituiçãoEstadual, isoladamenteouemconsórciocomoutrosMunicípios damesma bacia ou região hidrográfica, assegurando,paratanto,meiosfinanceiroseinstitucionais.Art.187.CaberáaoMunicípio,nocampodosrecursoshídricos:I-instituirprogramasderacionalizaçãodousodaságuasdestinadas

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aoabastecimentopúblicoeindustrialeàirrigação,assimcomodecombateàsinundaçõeseaerosãourbanaerural,edeconservaçãodosoloedaágua;II - estabelecer medidas para proteção e conservação das águassuperficiais e subterrâneas, e para sua utilização racional,especialmentedaquelasdestinadasaoabastecimentopúblico;III-celebrarconvênioscomoEstado,paraagestãodaságuasdeinteresseexclusivamentelocal;IV - proceder ao zoneamento das áreas sujeitas a riscos deinundações, erosão e escorregamento do solo, estabelecendorestrições e proibições ao uso, parcelamento e à edificação, nasimprópriasoucríticas,deformaapreservarasegurançaeasaúdepúblicas;V-ouviradefesacivilarespeitodaexistência,emseuterritório,de habitações em áreas de risco, sujeitas a desmoronamentos,contaminações ou explosões, providenciando a remoção de seusocupantes,compulsória,seforocaso;VI-implantarsistemadealertaedefesacivil,paragarantirasaúdeesegurançapúblicas,quandodeeventoshidrológicosindesejáveis;VII - proibir o lançamento de efluentes urbanos e industriais emqualquer corpo de água, nos termos do art. 208 da ConstituiçãoEstadual,einiciarasaçõesprevistasnoart.43desuasDisposiçõesTransitórias,isoladamenteouemconjuntocomoEstadoououtrosMunicípiosdabaciaouregiãohidrográfica;VIII-disciplinarosmovimentosdeterraearetiradadacoberturavegetal,parapreveniraerosãodosolo,oassoreamentoeapoluiçãodoscorposdaágua;IX-condicionarosatosdeoutorgadedireitosquepossaminfluirnaqualidadeouquantidadedaságuassuperficiaise subterrâneas,emespecialaextraçãodeareia,àaprovaçãopréviadosorganismosestaduais de controle ambiental e de gestão de recursos hídricos,fiscalizandoecontrolandoasatividadesdecorrentes;X-exigir,quandodaaprovaçãodosloteamentos,completainfra-estrutura urbana, correta drenagem das águas pluviais, proteçãodosolosuperficialereservadeáreasdestinadasaoescoamentodeáguaspluviaiseàscanalizaçõesdeesgotospúblicos,emespecial,nosfundosdevale;XI-controlaraságuaspluviaisdeformaamitigarecompensarosefeitos da urbanização no escoamento das águas e na erosão do solo.Art. 188. No estabelecimento das diretrizes e normas sobredesenvolvimentourbano,enaelaboraçãodoPlanoDiretor, serãoasseguradas:I-acompatibilizaçãododesenvolvimentourbanoedasatividadeseconômicas e sociais com as características, potencialidades evulnerabilidadedomeiofísico,emespecialdosrecursoshídricos,superficiaisesubterrâneos;II-ainstituiçãodeáreasdepreservaçãodaságuasutilizáveisparaabastecimento das populações e a implantação, conservação erecuperaçãodasmatasciliares;III-aproteçãodaquantidadeedaqualidadedaságuascomouma

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das diretrizes do Plano Diretor, do zoneamento municipal e dasnormassobreusoeocupaçãodosolo;eIV-aatualizaçãoecontroledoPlanoDiretoredesuasdiretrizesdeformaperiódicaesistemática,demodocompatívelcomosplanosdabaciaouregiãohidrográfica.Fonte : (http://www.camaraavare.sp.gov.br/leiorganica.asp#_Toc245632382)

Dessemodo,umpassardeolhosnalegislaçãopertinentejádemonstraaimportânciaqueotemasuscitaparaoDireitoeevidenciaafundamentalidadedapreservaçãoambiental,notadamentedosrecursoshídricos,paraossereshumanos.

EXEMPLOS DE ALGUMAS PRÁTICAS DE PROTEÇÃO A SEREM ADOTADAS

Apartirdestemomento,apósanalisarmosalgunsdosdispositivoslegaisquedispomos,temosacertezadequeoimportanteénãotransferirmosaoPoderPúblico toda a responsabilidade ambiental, mas chamarmos para nós, comocidadãos,acobrançaprincipal,ouseja;afiscalização. Éurgente,portanto,acobrançadeumaatitudedecidadaniaambiental.Assim, por exemplo, a presença atuante no COMDEMA, como expectadores,comoconselheirosautônomos,comocidadão,sobretudo. E nessa linha de raciocínio, falarmos que algo deve ser feito, que éprecisofiscalizar,ensinareducaçãoambiental,éfácil.Agora,vejamossetambémconseguimos propor algumas ações que possam contribuir com as diretrizes propostas. E,énessesentidoquepassamosateceralgumasconsiderações: 1º)Aelaboraçãodeummaterialdecampanha,pormeiodeumConvênio,entreaSabesp,CetesbeMunicípio,paraque, juntamentecomacontadaágua,aquele fosse enviado. Tal material publicitário instruiria a dona de casa a não jogar óleodecozinhausadonoesgoto;massimrecolhê-loemumagarrafadotipo“PET”edisponibilizando-aàcoletaseletiva. O Município, ainda, instruiria os coletores quanto ao recolhimento edevidodestinodestematerial,assimcomo,apossívelarmazenagemdoóleoatéodestinodereciclagem.Porseuturno,aCetesbcuidariadeencaminharestematerialparacooperativasdefabricaçãodebio-diesel.Finalmente,aSabespencaminhariaomaterialdecampanhaparaasresidências. 2º)Outrotrabalhointeressantepoderiaserrealizadojuntoaosprodutoresde peixes na represa Jurumirim. Ocorre que eles introduzem espécies não nativas naságuase,parapiorar,algunspeixespodemreceberantibióticosemedicamentosutilizadosnasetapasdeprodução,oquepodegerarachamadapoluiçãoinorgânica,mudandoabiodiversidadelocal,comaintroduçãoanimaiseplantas.

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Nessecaso,aCetesbeoMunicípioatuariamemparceriacomoutrosórgãosEstaduaiseFederais,comoSecretariaEstadualdaAgriculturaeoMinistériodaPesca;alémdaatuaçãodeoutrossetoresquevenhamapossuirdiscricionariedadepara atuar neste campo da piscicultura. 3º)Ainda se tratando de água, temos o problema dos esgotos.Apesarde todososesforços, ainda temos, emnossa região, esgotosnão tratados sendolançados nas águas que circundam nossomunicípio.Nesse sentido, portanto, éprecisomaisesforço,maisinvestimentoemsaneamentoeéclaromaisfiscalização. 4º)Porfim,éurgenteenecessárioaçõesjuntoaprodutoresrurais,vistoqueésabidoqueousodeagrotóxicoécomum,e,emalgunscasos,nãoorientadocorretamente. Portanto,taisaçõesseriamdeorientaçãoefiscalização. Destarte, por falar em fiscalização, é necessário um corpo fiscalizadoratuante,focadoempoluição,destinadoapercorrereanalisaraságuas.Investigaraorigemdapoluiçãoecombatê-lacomorientações,multase,atémesmo,comofechamento da fonte poluidora. Nesse sentido, bem sabemos que é preciso agir agora, enquanto aindatemos algum tempo. Tempo este que se esgota como a areia em uma ampulheta. Quandomenos se espera acaba-se. E, não basta olhá-lo passar, é preciso agir.Correr contra o tempo e corrigir o que está errado. Participar ativamente da parte prática e sair da teoria. Por tal razão, Luciane Gonçalves Tessler, em seu livro “TutelasJurisdicionaisdoMeioAmbiente”, citandoCelsoAntonioPachecoFiorillo,nosensinaque:“énecessáriocompreenderqueatitularidadeaqueserefereoart.225daConstituição, consiste na idéiadepovo, conjuntode indivíduos ligadospelamesmacultura,comosmesmoshábitos,interessesetradições”.

CONCLUSÃO

Derradeiramente, cumpre observar que chegamos a um ponto onde,ou tomamosumaposição ativa e tomamosprovidências para sanar o problemaproposto,oupassivamenteaguardemosoesgotamentodenossorecursoshídricos,porpurodescaso,pormerainércia,poropçãonegativa. Assim, esperamos que todos acordem amanhã dispostos e alçar umabandeiradiferente,paraquenós,nossosfilhos,netosebisnetospossamosdesfrutardeumaáguadequalidadeesintamorgulhodenossosatos,aoveremtalbandeiratremular,perpetuamente,numgestotãosimplesqueésaciarasede.

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REFERÊNCIAS

MILARÉ,Edis.Direito do Ambiente.SãoPaulo:EditoraRevistadosTribunais,2005.

GOLDENBERG, José.Gestão Participativa das águas. São Paulo: ImprensaOficial,2004.

MACHADO. Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo:Malheiros,2007.15ed.

TESSLER,LucianeGonçalves.Tutelas Jurisdicionais do Meio Ambiente. São Paulo:RevistadosTribunais.

Sitesdeconsultaàlegislação:http://www.camaraavare.sp.gov.br/leiorganica.asp#_Toc245632382http://www.aultimaarcadenoe.com.br/leiagua.htmwww.planalto.gov.brhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Represa_de_Jurumirimim

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ABORDADEM DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL LIBERAL PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Alexandre Gazetta Simões1Cássia Mariane Santos2

RESUMOOpresenteartigotratadaresponsabilidadecivildoprofissionalliberalnoCódigodeDefesadoConsumidor.Assim,tececonsideraçõesarespeitodocarátersubjetivodaresponsabilidadedessaespéciedefornecedor,aqualdestoadaregraobjetivaqueregearesponsabilidadecivildasdemaisespéciesdefornecedores.Considera,entretanto, a possibilidade de o profissional liberal poder ser responsabilizadoobjetivamente, nos casos em que a obrigação, a que estiver adstrito, tratar-sede obrigação de resultado.Utilizar-se-á, para tanto, de pesquisas bibliográficas,além de pesquisa jurisprudencial, considerando notadamente a jurisprudênciado Superior Tribunal de Justiça. Ter-se-á, por fim, a demonstração de que apossibilidadededefesaoferecidaaoprofissional,medianteverificaçãodaculpa,noscasosdeobrigaçãodemeio,earesponsabilidadeobjetivaderivadadovinculoestabelecidoentreeleeagarantiaderesultado,oferecidaaoconsumidor,estãodeacordo com a teleologia pretendida por aquele diploma normativo.Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Consumidor. Fornecedor. ProfissionalLiberal.

ABSTRACTThis article deals with the civil responsibility of the professional person in the Code ofConsumerProtection.Thus,weavesconsiderationsaboutthesubjectivenatureof the responsibility of this kind of supplier, which clashes with the objectiverule that governs the civil responsibility providers the other species.Considers,however,thepossibilitythattheprofessionalpersonbeliabletothepoint,wheretheobligation,towhichisattached,thatitistheobligationofresult.Usewillbeforboth,bibliographicsearches,inadditiontoresearchcaselaw,especiallyconsideringthejurisprudenceoftheSuperiorCourt.Willhave,finally,thedemonstrationthatthe defense offered the possibility of professional, upon verification of guilt incasesofobligationofmeans,andstrictliabilityderivedfromthebondestablished

1 Graduado em Direito (ITE-BAURU). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC);DireitoConstitucional (UNISUL);DireitoConstitucional (FAESO);DireitoCivileProcessoCivil (FACULDADEMARECHALRONDON);DireitoTributário(UNAMA),AnalistaJudiciárioFederal–TRF3.Professordegraduaçãode Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da RevistaAcadêmicadeCiênciasJurídicasdaFaculdadeEduvaleAvaré[email protected]çãodocursodeDireitodaFaculdadeEduvale.

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betweenhimandtheguaranteeofresultsofferedtotheconsumer,areinagreementwith the teleology desired by that law normative.Keywords:CivilResponsibility.Consumer.Provider.LiberalProfessionals.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXII, estabeleceuque:“oEstadopromoverá,naformadalei,adefesadoconsumidor”,oquequerdizer,emoutraspalavras,queoGovernoFederaltemaobrigaçãodedefenderoconsumidor,deacordocomoqueestiverestabelecidonasleis. Porseuturno,omesmodiplomanormativovoltouamencionaradefesadoconsumidorquandotratoudosprincípiosgeraisdaatividadeeconômicanoBrasil,citandoemseuartigo170,V,queadefesadoconsumidoréumdosprincípiosquedevemserobservadosnoexercíciodequalqueratividadeeconômica. E, finalmente, o artigo 48 do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias (ADCT) da Constituição Federal determinou que o CongressoNacionalelaborasseumcódigodedefesadoconsumidor. Por tais imperativos constitucionais, porquanto, em 11 de setembro de1990,foraelaboradooCódigodeDefesadoConsumidor. Oreferidodiploma,emseuartigo1ºestabeleceuque:

O presente código estabelece normas de proteção e defesa doconsumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dosarts.5°,incisoXXXII,170,incisoV,daConstituiçãoFederaleart.48desuasDisposiçõesTransitórias”.

Talconformaçãonormativaapresenta-secomoumparâmetroimpositivo,determinando,aoEstado,apromoçãodepolíticaspúblicasqueconsagremadefesado consumidor e a promoção de seus direitos. Tal ponderação é apresentada por Eros Roberto Grau3, oqual asseveraque:

Outro dos princípios da ordem econômica – além dos atinentesà livreconcorrência,queanteriormenteexaminei–éodadefesado consumidor (art 170, V). Princípio constitucional impositivo(Canotilho), a cumprir dupla função, como instrumento para arealizaçãodofimdeasseguraratodosexistênciadignaeobjetivoparticular a ser alcançado. No último sentido, assume a feiçãode diretriz (Dworkin) – norma-objetivo – dotada de caráterconstitucional conformador, justificando a reivindicação pelarealizaçãodepolíticaspúblicas.

Nessesentido,oCódigodeDefesadoConsumidor,logoaseguir,emseus3GRAU,ErosRoberto.AOrdemEconômicanaConstituiçãode1988.10ªed.MalheirosEditores,p.248.

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artigossubsequentes,delimitouoâmbitodesuaatuação,definindoumarelaçãodeconsumo,apartirdoestabelecimentodeseuselementosobjetivosesubjetivos.Assim, como consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, apresentou osseguintesvérticesconceituais:

Art.2°Consumidorétodapessoafísicaoujurídicaqueadquireouutilizaprodutoouserviçocomodestinatáriofinal.Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade depessoas,aindaqueindetermináveis,quehajaintervindonasrelaçõesde consumo.(...)Art.17.ParaosefeitosdestaSeção,equiparam-seaosconsumidorestodasasvítimasdoevento(...)Art.29.ParaosfinsdesteCapítuloedoseguinte,equiparam-seaosconsumidores todasaspessoasdetermináveisounão,expostasàspráticas nele previstas.

Porsuavez,quantoaofornecedor,oCódigodeDefesadoConsumidortambémestabeleceuumaconceituaçãoampla,determinandoque:

Art.3°Fornecedorétodapessoafísicaoujurídica,públicaouprivada,nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados,que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação,construção,transformação,importação,exportação,distribuiçãooucomercialização de produtos ou prestação de serviços

E,finalmente,aosereferiraoselementosobjetivosdarelaçãodeconsumo,oCódigodeDefesadoConsumidor,definiu,respectivamente,produtoeserviço,valendo-sedaseguintedicção:

Art.3º.(...)§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ouimaterial.§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado deconsumo,medianteremuneração,inclusiveasdenaturezabancária,financeira,decréditoesecuritária,salvoasdecorrentesdasrelaçõesde caráter trabalhista.

Dessemodo,portaisderivações,oCódigodeDefesadoConsumidorfoiograndemarconaevoluçãodadefesadoconsumidorbrasileiro,sendoumaleideordempúblicaedeinteressesocialcominúmerasinovações,inclusivedeordemprocessual,editadosegundoosPrincípiosdeumEstadoDemocráticodeDireito,oqueemmuitoinovouemcomparaçãocomoCódigoCivilentãovigente.

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DO CONCEITO DE PROFISSIONAL LIBERAL

Inicialmenteháqueseponderarquefornecedorégênero,ondeseincluemosfabricantes,osprodutores,osconstrutores,osimportadoreseoscomerciantes,esses,comoespéciesdaqueleconceito. Por seu turno, a figura do profissional liberal não escapou à égide doCódigo de Defesa do Consumidor. Desse modo, a figura da pessoa física estáidentificadacomofornecedor. Nesse sentido, quanto ao conceito de profissional liberal, a partir doEstatutodaConfederaçãoNacionaldasProfissõesLiberais-CNPL4,coteja-seaseguinteconceituação:

Profissional Liberal é aquele legalmente habilitado a prestarserviços de natureza técnico-científica de cunhoprofissional coma liberdade de execução que lhe é assegurada pelos princípiosnormativos de sua profissão, independentemente do vínculo daprestação de serviço.

Nessesentidoainda,RizzattoNunes5,aotratardosprofissionaisliberais,ponderaque:

Osprofissionaisliberaisclássicossãobemconhecidos:oadvogado,omédico,odentista,ocontador,opsicólogoetc.As características do trabalho desse profissional são: autonomiaprofissional, com decisões tomadas por conta própria, semsubordinação;prestaçãodeserviçofeitapessoalmente,pelomenosnos seus aspectos mais relevantes e principais; feitura de suaspróprias regras de atendimento profissional, o que ele repassaao cliente, tudo dentro do permitido pelas leis e em especial dalegislaçãodesuacategoriaprofissional.

Dentro dessa acepção, esclarece-se que as profissões não tipicamentetidas como liberais, também poderão ser enquadradas nessa acepção, uma vezidentificadas,naquelefornecedor,ascaracterísticasacimaapresentadas. Portanto, os profissionais liberais apresentam-se como espécie dogênerofornecedor,sesujeitando,portando,aosditamesdoCódigodeDefesadoConsumidor.

RESPONSABILIDADE CIVIL

Como fundamento da responsabilidade civil tem-se o principio doneminemlaedere,oqualexpressaqueaninguémédadocausarprejuízoaoutrem. Nessesentido,PabloStolzeGaglianoeRodolfoPamplonaFilhoexplicam4ReconhecidapeloDecretonº35.575,de27demaiode1954.5NUNES,Rizatto.CursodeDireitodoConsumidor.3ªed.SãoPaulo:Saraiva,2008,p.359.

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que6:

(...) responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, aopagamento de uma compensação pecuniária a vitima, caso nãopossa repor in natura o estado anterior de coisa.

Dessemodo, afigura-se patente que a responsabilidade civil tem comorazãodeseromaiselementarsentimentodejustiça,namedidaemqueconsiderandoodanocausado,peloagenteemrelaçãoàvítima,propugnapelorestabelecimentodo statu quo ante. Nessesentido,SergioCavalieriFilho7explicaque:

Oanseiodeobrigaroagente,causadordodano,arepará-loinspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormenteexistenteentreoagenteeavítima.Háumanecessidadefundamentaldeserestabeleceresseequilíbrio,oqueseprocurafazerrecolocandooprejudicadono statuquoante. Imperanessecampooprincípioda restitutio in integrum, istoé, tantoquantopossível, repõe-seavítimaasituaçãoanterioràlesão.

OCódigoCivil, quanto a tal temática, disciplina, em artigo 186, que:“Aqueleque,poraçãoouomissãovoluntária,negligênciaouimprudência,violardireito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete atoilícito”. Namesmaseara,disciplina,oartigo187domesmodiplomalegal,que:“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excedemanifestamenteoslimitesimpostospeloseufimeconômicoousocial,pelaboaféoupelosbonscostumes”. Porsuavez,oartigo927doCódigoCivilestabeleceque:“Aqueleque,poratoilícito(artigos186e187),causardanoaoutrem,ficaobrigadoarepará-lo”. Ainda,oparágrafoúnicodoreferidodispositivodeterminaque:

Haveráobrigaçãoderepararodano,independentementedeculpa,noscasosespecificadosemlei,ouquandoaatividadenormalmentedesenvolvidapeloautordodano implicar,porsuanatureza, riscopara os direitos de outrem.

Assim, considerando os artigos acima mencionados, em sua vertentesubjetiva,tem-se,comoelementosdaresponsabilidadecivil:acondutahumana,aqualpodeserpositivaounegativa;aculpalatosensu,odanoouprejuízoe,onexode causalidade.6GAGLIANO,P.S.;PAMPLONAFILHO,R.NovoCursodeDireitoCivil,volumeIII:ResponsabilidadeCivil.7.ed.SãoPaulo:Saraiva,2009,pag.09.7FILHO,SergioCavalieri.ProgramadeResponsabilidadeCivil.8ªed.SãoPaulo:EditoraAtlas,p.13.

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Por sua vez, em outra vertente, a responsabilidade civil, ainda, divide-se emobjetiva,quandonãoexistenecessidadedeverificaçãodeculpalatosensu. Talvertenteseoriginouporcontadarevoluçãoindustrial,queemsuasconsequências, deu ensejo ao progresso científico e a explosão demográfica,originando-se,porquanto,umanovaconformaçãodaresponsabilidadecivil. Apartirdessenovoparadigma,tem-seoesgotamentodomodelobaseadonaculpa,vistoaimpossibilidadedeseprová-la,emsituaçõescomuns,nasociedadecontemporânea,comoacidentesdotrabalho. Nessesentido,SérgioCavalieriFilho8explicaque:

Logo os juristas perceberam que a teoria subjetiva não mais era suficiente atender a essa transformação social ocorrida em nossoséculo; constataram que, se a vítima tivesse que provar a culpado causador do dano, em numerosíssimos casos ficaria semindenização,aodesamparo,dandocausaaoutrosproblemassociais,porquanto, para quem vive de seu trabalho, o acidente corporalsignificaamiséria,impondo-seorganizarareparação.

Enessesentidoainda,amatrizdaresponsabilizaçãonoCódigoCivilépredominantementesubjetivaeexcepcionalmenteobjetiva,incluindonoconceitodeatoilícito,oatopraticadocomabusodedireito. OCódigodeDefesadoConsumidor,porseuturno,apresentaumamatrizinversa, quanto à responsabilização civil dos fornecedores. Assim, baseia-sepredominantementenaresponsabilidadeobjetiva,e,deformaexcepcional,utiliza-se da responsabilidade subjetiva. Portanto,comosepodedepreenderdodispostonoartigo1ºdoreferidocódigo em questão, o mesmo destina-se a proteção e a defesa do consumidor,estatuindo, pois, normas de ordempública nesse pormenor, em atendimento aoimperativo constitucional. Assim, o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor preconizaa responsabilização objetiva no dever de reparação dos danos, causados pelofabricante,oprodutor,oconstrutor,nacionalouestrangeiro,eo importadoraosconsumidores. Assim,taldispositivolegalapresentaoseguinteteor:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ouestrangeiro, e o importador respondem, independentementeda existência de culpa, pela reparação dos danos causados aosconsumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação,construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ouacondicionamento de seus produtos, bem como por informaçõesinsuficientesouinadequadassobresuautilizaçãoeriscos.

8FILHO,SergioCavalieri.ProgramadeResponsabilidadeCivil.8ªed.SãoPaulo:EditoraAtlas,2008,p.135.

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Emoutramedida,noâmbitodoCódigodeDefesadoConsumidoraindaqueexcepcionalmente,hámençãoàresponsabilidadesubjetiva.Nessecaso,comoreferido,existiráaanálisedeculpalatosensu. Como exemplo de tal concepção, aventa-se a responsabilização doprofissionalliberal,nostermospreconizadospeloart.14,§4ºdoCódigodeDefesado Consumidor. Assim,sinteticamente,tem-sequeoCódigodeDefesadoConsumidor,emregra,sebaseianaresponsabilizaçãoobjetivadosfornecedoreseprestadoresdeserviços,nãodeixandomargemaquestionamentosreferentesàspossibilidadesdeavaliaçãodeculpalatosensudosmesmos,emcasodedefeitodoprodutoouserviço. Pondere-se,dessemodo,quetaisbasesaxiológicasfundantesdateleologiaquedirecionouaredaçãodoCódigodeDefesadoConsumidor,deram-se,comojáreferido,especificamenteem1990,razão,porsisó,bastanteemsi,ajustificaroexamedaspremissasquepossibilitaram,naquelemomentohistórico, tamanhainversãodosprincípiosfulcraisqueregiamtodoodireitoprivado. Nessesentido,CarlosRobertoGonçalves9 explica que na responsabilidade objetiva prescinde-se, totalmente, da prova da culpa. Ela é reconhecida, comomencionado,independentementedeculpa.Bastaquehajarelaçãodecausalidadeentre a ação e o dano. Assim,tem-seque:

DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA ELETRÔNICO DE MEDIAÇÃO DE NEGÓCIOS. MERCADO LIVRE. OMISSÃO INEXISTENTE. FRAUDE.FALHA DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PRESTADOR DO SERVIÇO.1.Tendooacórdãorecorridoanalisadotodasasquestõesnecessáriasaodeslindedacontrovérsianãoseconfiguraviolaçãoaoart.535,IIdo CPC.2.O prestador de serviços responde objetivamente pela falha desegurançadoserviçodeintermediaçãodenegóciosepagamentosoferecidos ao consumidor.3.O descumprimento, pelo consumidor (pessoa física vendedoradoproduto),deprovidêncianãoconstantedocontratodeadesão,mas mencionada no site, no sentido de conferir a autenticidadede mensagem supostamente gerada pelo sistema eletrônico antes do envio do produto ao comprador, não é suficiente para eximiro prestador do serviço de intermediação da responsabilidade pela segurança do serviço por ele implementado, sob pena detransferência ilegal de um ônus próprio da atividade empresarialexplorada.4. A estipulação pelo fornecedor de cláusula exoneratória ouatenuantedesuaresponsabilidadeévedadapeloart.25doCódigo

9GONÇALVES,CarlosRoberto.DireitoCivilBrasileiro.3ªed.SãoPaulo:Saraiva,2008,passim.

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de Defesa do Consumidor.5.Recursoprovido.(REsp1107024/DF,Rel.MinistraMARIA ISABELGALLOTTI,QUARTATURMA,julgadoem01/12/2011,DJe14/12/2011)

Dessemodo, o partir doparadigma traçadopeloCódigodeDefesa doconsumidor, a responsabilidade civil do agente, titular do produto ou serviçodisponibilizadonomercadodeconsumo,éobjetiva.

OBRIGAÇÃO DE MEIO E RESULTADO

Asobrigaçõesderesultadosãoaquelasemqueoprofissionalseobrigaaalcançarumfimespecifico,podendoresponderporperdasedanosseoresultadonãoocorrereseverificado,porisso,ainadimplênciadocontrato. Por seu turno, a obrigação demeio é aquela em que o profissional seobrigaaprestarumserviçocomatenção,cuidadoediligência,deacordocomsuaqualificaçãoecomosrecursosquedispõe,sem,noentanto,garantirumresultadoespecífico. Desse modo, como explica Rizzatto Nunes10; de forma ordinária, aatividade dos profissionais liberais não é de fim, mas de meio; visto que talprofissionalnãoasseguraofimdesuaprópriaatividade.Aorevés,apesardequererofimproposto,nãopossuicondiçõesobjetivasdeassegurá-lo. Deoutraparte,excepcionalmente,algumasatividadessãodefim. Assim, por exemplo, as atividades que pressupõem a capacitaçãoprofissional do prestador do serviço, e não se prestam a circunstâncias outras,poderãoserclassificadascomoatividadesfim. Taissituações,comoreferido,sãoapresentadasporRizzattoNunes11 da seguinteforma:

Assim, por exemplo, se um dentista examina a radiográfica queacaba de tirar da arcada dentária de seu cliente e diagnostica que odentetemdeserextraído,porproblemainsolúvelláexistente,eresolveextraí-loe,depois,verifica-seporexamecorretofeitoporoutrodentistaqueodentenãodeveriatersidoextraído,trata-sededefeitodasprestaçõesdoserviço,queé tipicamentedefimenãodemeio.Oserviço-fimfoioexamedaradiográficaeadecisãodeextração do dente. É muito diferente do dentista que corretamente diagnosticapeloexameda radiografiaque temdeextrairodente–atividade-fim–e,depois,oclienteacabatendocomplicaçõesnagengivanolocaldodenteextraído(atividade-meio,cujoresultadonão dava para assegurar).

Portanto, de forma preliminar, conclui-se que os profissionais liberais10NUNES,Rizatto.CursodeDireitodoConsumidor.3ªed.SãoPaulo:Saraiva,2008,pp.353e354.11NUNES,Rizatto.CursodeDireitodoConsumidor.3ªed.SãoPaulo:Saraiva,2008,p.354.

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responderão civilmente, tanto quando desempenharem atividade-meio comoatividade-fim.

RESPONSABILIDADE DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

Deacordocomoparágrafoúnicodoartigo927doCódigoCivil,tem-seque:

Art.927.Aqueleque,poratoilícito(arts.186e187),causardanoaoutrem,ficaobrigadoarepará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ouquando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,porsuanatureza,riscoparaosdireitosdeoutrem.

Quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar,por sua natureza, risco para os direitos de outrem haverá responsabilidadeindependentementedeculpa,ouseja,obedecendoateoriadorisco,oautordodanoserá responsabilizado objetivamente. ÉoqueocorrenoCódigodeDefesadoConsumidor, emseuart.12eseguintes, em razão do principio da vulnerabilidade do consumidor, que possuipresunçãojurisetdejure,ouseja,omesmoquepresunçãoabsoluta. Apesardisso,oartigo14,§4ºdoCódigodeDefesadoConsumidor,revelaumaexceçãoàresponsabilidadeobjetivaquandodispõequeoprofissionalliberalserá responsabilizado mediante verificação de culpa lato sensu, ou seja, culpastricto sensu e dolo. Assim,tem-seque:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentementeda existência de culpa, pela reparação dos danos causados aosconsumidorespordefeitosrelativosàprestaçãodosserviços,bemcomo por informações insuficientes ou inadequadas sobre suafruição e riscos. (...)§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais seráapuradamedianteaverificaçãodeculpa.

A razão para a diversidade de tratamento deriva da natureza intuitu personaedosserviçosprestadosporprofissionaisliberais.Assimsendo,somenteserãoresponsabilizadospordanosquandoficardemonstradaaocorrênciadeculpa,emquaisquerdesuasmodalidades:negligência,imprudênciaouimperícia. Nessesentido,ZelmoDenari12explicaque:

12GRINOVER,A.P.etal.CódigoBrasileirodedefesadoConsumidor:ComentadopelosAutoresdoAnteprojeto.9.ed.RiodeJaneiro:ForenseUniversitária,2007,p.205.

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O § 4º abre uma exceção ao princípio da objetivação daresponsabilidade civil por danos.Trata-sedofornecimentodeserviçosporprofissionaisliberaiscujaresponsabilidadeseráapuradamedianteverificaçãodeculpa.Explica-se a diversidade de tratamento em razão da naturezaintuitu personae dos serviços prestados por profissionais liberais.Defato,osmédicoseadvogados–paracitarmosalgunsdosmaisconhecidosprofissionais–sãocontratadosouconstituídoscombasenaconfiançaqueinspiramaosrespectivosclientes.Assim sendo, somente serão responsabilizadospor danosquandoficardemonstradaaocorrênciadeculpasubjetiva,emquaisquerdesuasmodalidades:negligência,imprudênciaouimperícia.

No entanto, há que se verificar se o enquadramento do serviço comoobrigaçãodemeioenãoderesultadooufim. Ocorrequeasobrigaçõescontratuaisdosprofissionaisliberais,nomaisdasvezes,sãoconsideradascomo“demeio”,sendosuficientequeoprofissionalatue com a diligência e técnica necessárias, buscando a obtenção do resultadoesperado. Contudo, há hipóteses em que o compromisso é com o “resultado”,tornando-senecessáriooalcancedoobjetivoalmejadoparaquesepossaconsiderarcumprido o contrato13, são exemplos os procedimentos estéticos dos cirurgiõesplásticosealgunstratamentosodontológicosque,mesmonãovisandosomenteoladoestético,podemterseusresultadosprevistos. Desse modo a responsabilidade subjetiva do profissional liberal tempresunçãorelativa,juristantum,poissomentepodeserconsideradadessaformasetratadooserviçocomoobrigaçãodemeio.Aorevés,severificadaaobrigaçãoderesultado,passa-seaavaliarocasodeacordocomaresponsabilidadeobjetiva.Comoexemplo,tem-se:

RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO ODONTOLÓGICO. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. TRATAMENTO ORTODÔNTICO. EM REGRA, OBRIGAÇÃOCONTRATUAL DE RESULTADO. REEXAME DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE.1.Asobrigaçõescontratuaisdosprofissionaisliberais,nomaisdasvezes, são consideradas como “demeio”, sendo suficiente que oprofissionalatuecomadiligênciaetécnicanecessárias,buscandoaobtençãodoresultadoesperado.Contudo,háhipótesesemqueocompromissoécomo“resultado”,tornando-senecessáriooalcancedo objetivo almejado para que se possa considerar cumprido o contrato.2. Nos procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos,os profissionais da saúde especializados nessa ciência, em regra,

13RECURSOESPECIALNº1.238.746-MS(2010/0046894-5).

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comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativosaostratamentos,decunhoestéticoefuncional,podemseratingidoscom previsibilidade.3.Oacórdãorecorridoregistraque,alémdeo tratamentonãoterobtidoosresultadosesperados,“foiequivocadoecausoudanosàautora,tantoéqueosdentesextraídosterãoqueserrecolocados”.Com efeito, em sendo obrigação “de resultado”, tendo a autorademonstradonãotersidoatingidaametaavençada,hápresunçãodeculpadoprofissional,comaconsequente inversãodoônusdaprova,cabendoaoréudemonstrarquenãoagiucomnegligência,imprudênciaou imperícia, oumesmoqueo insucesso sedeu emdecorrênciadeculpaexclusivadaautora.4. A par disso, as instâncias ordinárias salientam também que,mesmoquesetratassedeobrigação“demeio”,oréuteria“faltadocom o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada”,impondo igualmente a sua responsabilidade.5.Recursoespecialnãoprovido.(REsp 1238746/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,QUARTATURMA,julgadoem18/10/2011,DJe04/11/2011)

CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO PARTICULAR. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. HOSPITAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM.1. Os hospitais não respondem objetivamente pela prestação deserviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuamsemvínculodeempregoousubordinação.Precedentes.2.Emboraoart.14,§4º,doCDCafastearesponsabilidadeobjetivadosmédicos, não se exclui, uma vez comprovada a culpa desseprofissionaleconfiguradaumacadeiadefornecimentodoserviço,asolidariedadedohospitalimpostapelocaputdoart.14doCDC.3.Acadeiade fornecimentode serviços secaracterizapor reunirinúmeros contratos numa relação de interdependência, como nahipótesedosautos,emqueconcorreram,paraarealizaçãoadequadadoserviço,ohospital,fornecendocentrocirúrgico,equipetécnica,medicamentos, hotelaria; e omédico, realizando o procedimentotécnicoprincipal,ambosauferindolucroscomoprocedimento.4. Há o dever de o hospital responder qualitativamente pelosprofissionais que escolhe para atuar nas instalações por eleoferecidas.5. O reconhecimento da responsabilidade solidária do hospitalnão transformaaobrigaçãodemeiodomédico,emobrigaçãoderesultado,poisaresponsabilidadedohospitalsomenteseconfiguraquando comprovada a culpa do médico, conforme a teoria deresponsabilidadesubjetivadosprofissionais liberaisabrigadapeloCódigodeDefesadoConsumidor.6. Admite-se a denunciação da lide na hipótese de defeito naprestação de serviço. Precedentes.

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7.Recursoespecialparcialmenteprovido.(REsp 1216424/MT, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,TERCEIRATURMA,julgadoem09/08/2011,DJe19/08/2011)

Portanto, os profissionais liberais figuram como exceção à regraestabelecidanoCódigodeDefesadoConsumidor,respondendodeformasubjetiva,pelodanocausadoaosconsumidores,comsuasnuancespróprias;diferentementedas demais espécies de fornecedores que figuram no âmbito daquele diplomanormativo. Entretanto,háquesefrisarquetalponderaçãonãoéabsolutanadoutrina.Assim,porexemplo,SergioCavalieriFilho14 preceitua que a responsabilidade do profissionalliberal,noquetangeasobrigaçõesderesultado,nãosubvertearegrada responsabilidade subjetiva, estabelecido aos profissionais liberais, de modogeral.Aduz,aorevés,quenasobrigaçõesderesultado,existiráumapresunçãodeculpasobreoprofissionalliberalquerealizouoserviço;utilizando-sedacasuísticainerenteàscirurgiasplásticasestéticas. Nessesentido,portanto,SérgioCavalieriFilhoponderaque:

EcomosejustificaessaobrigaçãoderesultadodomédicoemfacedaresponsabilidadesubjetivaestabelecidanoCódigodoConsumidorparaosprofissionais liberais?A indagaçãosócriaembaraçoparaaqueles que entendem que a obrigação de resultado em alguns casos apenasinverteoônusdaprovaquantoàculpa;aresponsabilidadecontinuasendosubjetiva,mascomculpapresumida.OCódigodoConsumidornãocriouparaosprofissionaisliberaisnenhumregimeespecial,privilegiado,limitando-seaafirmarqueaapuraçãodesuaresponsabilidade continuaria a ser feita de acordo com o sistema tradicional,baseadonaculpa.Logo,continuamaser-lhesaplicáveisas regras de responsabilidade subjetiva com culpa provada nos casos emqueassumeobrigaçãodemeio;easregrasderesponsabilidadesubjetiva com culpa presumida nos caso em que assumem obrigação de resultado.

Assim,osprofissionaisliberaisrespondemsubjetivamentepelosserviçosinerentesaoseuofício. Inobstante,nocasodasobrigaçõesderesultado,osprofissionaisliberaisresponderãoobjetivamente,considerandosuaresponsabilizaçãocivil,demodoase vincularemao resultadoprometido ao consumidor, quandoda celebraçãodocontrato. Frisando,deoutraponta,oposicionamentodoutrinárioqueinsiste,nessasituação,na responsabilização subjetiva,propugnandopela inversãodoônusdaprova;devendo,portanto,oprofissionalliberalteraobrigaçãodegerarprovasqueo isente da culpa presumida.

14FILHO,SergioCavalieri.ProgramadeResponsabilidadeCivil.8ªed.SãoPaulo:EditoraAtlas,2008,p.381.

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CONCLUSÃO

Oprofissional liberal,porprestar serviçodenatureza técnico-científicae por estar sujeito a fiscalização de Conselhos Profissionais que estabelecemos procedimentos técnicos e éticos para o exercício da atividade, possui certarelativização no que tange a responsabilidade de reparação pelo defeito do serviço previstonoCódigodeDefesadoConsumidor. Alémdisso,aocontráriodofornecedordeprodutoouserviçocomum,oprofissionalliberaléexercidadeformapessoal,combase,nagrandemaioriadoscasos,emconfiançarecíproca. Assim, considerando tais situações, o profissional liberal é excluídodo sistema comum de responsabilidade que se baseia o Código de Defesa doConsumidor; demodo que deverá ser civilmente responsabilizado, mediante averificaçãodeculpa. Trata-se, porém, de presunção relativa, uma vez que ainda há que seavaliarseoserviçoseencaixanoconceitodeobrigaçãodemeioouresultado,poisseencaixandonestaultimaoprofissionalseráresponsabilizadoobjetivamente,namedia em que se responsabiliza pelo resultado prometido. Por tais razões, conclui-se que a submissão dos profissionais liberaisprestadores de serviço a tal sistema de responsabilização civil, lastreado, comoreferido,naculpa,representaumasoluçãojusta,adotadapeloCódigodeDefesadoConsumidor,namedidaemqueoferecepossibilidadededefesaaoprofissional,não inviabilizando a atividade econômica, ante o caráter pessoal que emana detalprestaçãodeserviço,nasobrigaçõesdemeio;e,deoutraponta,vinculaesseprofissionalàsgarantiasderesultadooferecidasaoconsumidor,quandodafasedecelebraçãodocontrato,nasobrigaçõesderesultado.

REFERÊNCIAS

FILHO,SergioCavalieri.Programa de Responsabilidade Civil.8ªed.SãoPaulo:EditoraAtlas,2008.

FILOMENO, J.G.B.Manual de Direitos do Consumidor. 10. ed. São Paulo:Atlas,2010.

GAGLIANO,P.S.;PAMPLONAFILHO,R.Novo Curso de Direito Civil, volume III:ResponsabilidadeCivil.7.ed.SãoPaulo:Saraiva,2009.

GONÇALVES,CarlosRoberto.Direito Civil Brasileiro.3ªed.SãoPaulo:Saraiva,2008.

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GRAU,ErosRoberto.A Ordem Econômica na Constituição de 1988.10ªed.SãoPaulo:MalheirosEditores,2005.

GRINOVER,A.P.etal.Código Brasileiro de defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto.9.ed.RiodeJaneiro:ForenseUniversitária,2007.

NUNES,Rizatto.Curso de Direito do Consumidor.3ªed.SãoPaulo:Saraiva,2008

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O MODELO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL ADOTADO NO BRASIL

Alexandre Gazetta Simões1Maria Claudia Gomes Parischi2

RESUMOEstetrabalhoapresentaoconceitodePrevidênciaSocial,suaevoluçãonahistória,tanto no âmbito mundial como no nacional. Apresentar-se-á os Sistemas dePrevidênciaexistenteseoadotadopelonossopaís.Palavras-chave: Previdência Social; Regime Previdenciário; Modelos dePrevidência.

ABSTRACTThispaperpresents theconceptofSocialSecurity, itsevolution inhistory,bothat the global and national levels. Present will be the existing pension systems and adopted by our country.Keywords:SocialSecurity,PensionScheme,SecurityModels.

O CONCEITO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

Apalavra“previdência”derivadolatimpre viderequesignificavercomantecipação as contingências (incerteza sobre se uma coisa acontecerá ou não)sociaiseprocurarcompô-las,oudepraevidentiae (prever, antever)3. Destarte, podemos dizer que Previdência Social nadamais é que umaformadeproteçãosocialquetemporobjetivopropiciarmeiosàmanutençãodoseguradoedesuafamílianassituaçõesdematernidade,incapacidadedecorrentede doença ou acidente, prisão, idade avançada, tempo de contribuição,morte edesemprego involuntário. A Previdência Social é um dos segmentos da Seguridade Social, e sediferencia da assistência social e da saúde pelo fato de exigir contribuição ouparticipação do custeio. Nessesentido,MarcusOrioneGonçalvesCorreiaeÉricaPaulaBarcha

1 Graduado em Direito (ITE-BAURU). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC);DireitoConstitucional (UNISUL);DireitoConstitucional (FAESO);DireitoCivileProcessoCivil (FACULDADEMARECHALRONDON);DireitoTributário(UNAMA),AnalistaJudiciárioFederal–TRF3.Professordegraduaçãode Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da RevistaAcadêmicadeCiênciasJurídicasdaFaculdadeEduvaleAvaré-EthosJus.alexandregazetta@yahoo.com.br.2AlunagraduandadocursodeDireitodaFaculdadeEduvaledeAvaré/SP,graduadaemLetraspelaFREA(FundaçãoRegional Educacional deAvaré), especialização em Linguística pela FREA (Fundação Regional Educacional deAvaré).3HORVATHJUNIOR,Miguel.DireitoPrevidenciário.4ªed.–SãoPaulo:QuartierLatin,2004,passim.

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Correia4explicamque:

O custeio é outra característica fundamental e que na assistênciasocialreveste-sedeumapeculiaridadequeadistinguedaPrevidênciaSocial,emqueosistemaédiretamentecontributivo.Osbenefíciosassistenciaiseosde saúdesãocusteadaspor todaapopulaçãoe,portanto,deresponsabilidadegeraldetodaasociedade.

É sinônimo de seguro social e exige de quem dela participa uma contribuição mensal (contribuição previdenciária). Tal tributo, por sua próprianatureza,apresentaumcarátercompulsório,significandoqueapartirdomomentoqueoindividuofilia-seaoRegimedePrevidência,passaaserobrigadoacontribuirpara o custeio do regime. Nessesentido,EduardoSabbag5explicaque:

Tributoéprestaçãocompulsória,logo,nãocontratual,nãovoluntáriaounãofacultativa.Comefeito,oDireitoTributáriopertenceàsearadoDireitoPúblico,easupremaciadointeressepúblicodáguaridaàimposiçãounilateraldeobrigações,independentementedaanuênciado obrigado.

Ogoverno,porsuavez,temporobrigação;alémdearrecadarostributos,advindosdascontribuiçõescompulsórias,incutir,emseuscidadãos,apercepçãodanecessidadedeseprecaveraosriscossociais,sobretudonavelhice,promovendoainclusãogradativadetodaasuapopulaçãonosregimesdeprevidênciasocial. Destamaneiraaaposentadoriaassumeumpapeldeumapoupançaforçada,poisodinheirodoscidadãosdepositadoemumacontacomum,administradapelogoverno, que, nas hipóteses legais assume a obrigação de pagar os benefíciosprevidenciários. Destemodo,aLei8.213/91,emseuartigo1º,asseveraque:

APrevidênciaSocial,mediantecontribuiçãotemporfimasseguraraos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, pormotivodeincapacidade,desempregoinvoluntário,idadeavançada,tempodeserviço,encargosfamiliareseprisãooumortedaquelesdequem dependiam economicamente.6

Portanto,aPrevidênciaSocialéumsistemaquevisagarantirosustentodas pessoas em determinadas situações, pressupondo sua filiação prévia e suacontribuição,pormeiodeprestaçõestributáriasvertidasaumfundocomum. Tem como características fundamentais, conforme disposiçãoconstitucional (art. 201 da Constituição Federal), a compulsoriedade e a4CORREIA,MarcusOrioneGonçalves;CORREIA,ÉricaPaulaBarcha.CursodeDireitodaSeguridadeSocial.4ªed.SãoPaulo:Saraiva,2008,p.20.5SABBAG,Eduardo.ManualdeDireitoTributário.3ªed.SãoPaulo:Saraiva,p.377.6Lei8.213/91quedispõesobreosPlanosdeBenefíciosdaPrevidênciaSocial.

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contributividade.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA

AgêneseedesenvolvimentodoDireitoetodosseusramosestáintimamenteligadaaomomentohistórico,econômicoeculturaldetodaahumanidade.Atravésdo estudo do passado é possível a compreensão, o desenvolvimento da ciênciacom o passar dos anos. A seguir serão pontuados alguns momentos importantes da históriaemrelaçãoàSeguridadeePrevidênciaSocial. OsdireitossociaisestãoligadosaevoluçãodoEstado,representadapelasuperação do paradigma do Estado Liberal e ao advento do Estado Social. Nessesentido, tem-sequetalmodelodeEstadoteveorigemnadécadade 1920, advindo de três experiências políticas e institucionais, baseadas emtrês acontecimentos históricos: a Revolução Russa de 1917, a reconstrução daAlemanhaapósaPrimeiraGuerraeaRevoluçãoMexicanaesuasconseqüências(como a fundação do PRI – Partido Revolucionário Institucional). Por suavez, seuembasamento teórico,fixandoasbasesdogarantismosocial,advémdetrêsdocumentosderivadosdosfatoshistóricosrelatados,quaissejam:aConstituiçãodeWeimarde1919;aConstituiçãoMexicanade1917eaDeclaraçãodosDireitosdoPovoTrabalhadoreExplorado,naRússiarevolucionáriade1918. Baseando-senoprimadodaigualdadedeoportunidadeàtodos,oEstadoSocialcaracteriza-sepelaconjugaçãodagarantiadasliberdadesindividuaiscomoreconhecimento e promoção dos direitos sociais. Nessesentido,PauloBonavides7explicaque:

Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelasreivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poderpolítico,confere,noEstadoconstitucionalouforadeste,osdireitosdo trabalho, da previdência, da educação, intervém na economiacomodistribuidor,ditaosalário,manipulaamoeda,regulaospreços,combateodesemprego,protegeosenfermos,dáaotrabalhadoreaoburocrataacasaprópria,controlaasprofissões,compraaprodução,financia as exportações, concede crédito, institui comissões deabastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta criseseconômicas,colocanasociedadetodasasclassesnamaisestreitadependência de seu poderio econômico, político e social, emsuma,estendesuainfluênciaaquasetodososdomíniosquedantespertenciam,emgrandeparte,àáreadeiniciativaindividual,nesseinstante o Estado pode, com justiça, receber a denominação deEstado social.

O Estado, portanto, passa a chamar para si, a solução dos problemas7BONAVIDES,Paulo.CursodeDireitoConstitucional.15ª.ed.SãoPaulo:MalheirosEditores,2004,p.186.

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sociais, a partir da ruptura de determinados aspectos da ordem política, social,jurídicaeeconômicaexistentesatéentão.

EVOLUÇÃO NO MUNDO

Como advertem Marcus Orione Gonçalves Correia e Érica Paula Barcha Correia8, buscar as origens da seguridade social (gênero no qual se inserem asaúde,aassistênciaeaprevidênciasocial)nãoétarefafácil,vistoqueapesardesevislumbrarseussinaisaolongodahistóriadahumanidade;sóteveasuaprimeiranormatizaçãoorgânicacomaconcepçãodoPlanoBeveridge. Noentanto,épossívelseestabelecerumacronologiadaevoluçãohistórica,em âmbitomundial, da seguridade social; considerando os acontecimentos querepresentaram o seu surgimento e evolução. Assim, emum tempo longíquo, é possível estabelecer comomarco daassistênciasocial,em1601,osurgimentodaLeidosPobres(PoorLawAct),naInglaterra. Avançandonahistória,dentreosanosde1883-1911ocorreuaimplantaçãona Prússia (atual Alemanha) do sistema idealizado pelo Chanceler Otto Von Bismark,baseadona trípliceobrigaçãocontributiva,ou seja,peloEstado,pelosempregados e pelos empregadores. Tal sistema securitário foi inaugurado, em1883,comaediçãodaleiqueimplantouoseguro-doença.Seguidodeváriasoutrasleis,vicejou,em1911,comumacompilaçãodasleisdeproteçãosocial,surgindo,assimoCódigodeSeguroSocialalemão. AnteoinfluxodasleispropostadoBismarck,bemcomosobainspiraçãoideológicadadoutrinasocialcristã,apartirdaRerum Novarum,encíclicapapaldeLeãoXIII,osesforçosnosentidodecriaçãoeexpansãodeumsistemasecuritáriopassamaocorreremdiversospaísesdoglobo. Assim, em1897,nasceoWorkman´s Compensation Act, na Inglaterra,umseguroobrigatóriocontraacidentedetrabalho,queestabeleceuaoempregadora responsabilidade objetiva na reparação dos danos decorrentes dos acidentes de trabalho.TambémnaInglaterra,em1908,ocorreaediçãodaOld Age Pensions. Tratava-sedaleiqueconcediapensãoaosmaioresde70anos,independentementede contribuições. Ainda na Inglaterra, no ano de 1911, surge aNational Insurance Act, sistema de proteção social com caráter contributivo obrigatório. Com tríplicecusteio. Jáem1917,noMéxico,ocorreapromulgaçãodaConstituiçãoquepreviaosegurosocialemseuartigo123. ComasconsequênciasadvindasdaPrimeiraGuerraMundial,tendoem8CORREIA,MarcusOrioneGonçalves;CORREIA,ÉricaPaulaBarcha.CursodeDireitodaSeguridadeSocial.4ªed.SãoPaulo:Saraiva,2008,p.1.

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vistaanecessidadedecoberturadeumgrandenúmerodeórfãos,viúvaseferidos,vítimas dessa guerra; além da inflação galoupante daquele momento, resultounaquebradosmodelosdeprevidênciasocialatéentãoexistentes,de inspiraçãobismarckiana. Assim,em1919,noTratadodeVersalhes,surgeoprimeirocompromissodeimplantaçãodeumregimeuniversaldejustiçasocial,comafundaçãodoBureauInternacional Du Travail (BIT).9 Porsuavez,TheodoreRooseveltedita,em1935,nosEstadosUnidosdaAmérica,ochamadoSocial Security Act,queagrupavamedidasdeassistênciaeseguros,tratandodeseguro-desempregoeaposentadorias.Taldiplomanormativoempregou,pelaprimeiravez,aexpressãoseguridadesocial10. Aexperiênciaamericanainspirou,naInglaterra,entre1942-1944,LordeBeveridge,oqualcriouoprojetoinglêsquevisavaaproteçãodoberçoaotúmulo,comadoçãodaideiadeseguridadesocial(assistênciasocial,saúdeeprevidência).“SistemaconcebidosobaóticadequeincumbeaoEstadoatualdeformapositiva,implantandopolíticasdeintegraçãosocialedenaturezadistributiva”11.

EVOLUÇÃO NO BRASIL

NoBrasil,asmanifestaçõesdeproteçãosocialforaminspiradasnomodeloportuguês.Assim,comomarcoinaugural,podesercitadoainauguraçãodaSantaCasadeMisericórdiadeSantos,porBrásCubas,em1543,apartirdainstituiçãodeummontepioparaos seusempregados,atuando,a instituição,naassistênciahospitalar aos pobres.12 Nesse sentido, as várias iniciativas nessa seara, no Brasil colônia eimpério,caracterizavam-seporsebasearemumsistemademutualismo. E,portanto,em1824,aConstituiçãoImperial,dentrodesseespírito,emseubojo(art.179,XXXI),asseguravaagarantiadossocorrospúblicos(assistênciaa população carente). Já em 1888, nasce a Lei nº 3.397 de 24/11/1888. Tal lei tratava dasdespesasgeraisdaMonarquiaparaoexercíciosubsequenteepreviaacriaçãodeuma caixa de socorros para os trabalhadores das estradas de ferro de propriedade do Estado. Enessepasso,houveacriaçãooMontepioobrigatórioparaosempregadosdo correio e a criação do Fundo Especial de Pensão para os trabalhadores das oficinasdaImprensaRégia,em1889. Jánoanode1890,dá-seacriaçãodaaposentadoriadostrabalhadoresda

9SANTOS,MarisaFerreirados.DireitoPrevidenciárioEsquematizado.SãoPaulo:Saraiva,2011,p.31.10MIRANDA,JediaelGalvão.DireitodaSeguridadeSocial.RiodeJaneiro:Elsevier,2007,p.5.11MIRANDA,JediaelGalvão.DireitodaSeguridadeSocial.RiodeJaneiro:Elsevier,2007,p.5.12MIRANDA,JediaelGalvão.DireitodaSeguridadeSocial.RiodeJaneiro:Elsevier,2007,p.6.

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EstradadeFerroCentraldoBrasile,tambémcriaçãodoMontepioobrigatóriodosempregados do Ministério da Fazenda. Por sua vez, a Constituição Republicana de 1891 apresentava em seuteor,aexpressão“aposentadoria”,aqual tratava-sedeumbenefício restritoaosfuncionáriospúblicos,emcasodeinvalidez. Jáem1919,nasceaLeidoAcidentedeTrabalho. Quanto ao marco inaugura da previdência social no Brasil, cita-se apromulgaçãodoDecretoLegislativonº4682,de24/01/1923,conhecidocomoLeiElóiChaves,quedeterminavaacriaçãodeCaixadeAposentadoriaePensõesparaos empregados ferroviários. Essa lei propiciava aposentadoria, pensão, assistência médica emedicamentos.Agestão,pordisposiçãolegal,ficavaacargodeumconselhodeadministração, compostopor trabalhadores eporum inspetor-geralda empresa,que o presidia. E nesse passo, na década de 1930 a 1940, diversos institutos deaposentadoriaepensão,foramcriados.Entreeles,podemsercitados:IAPM(dosMarítimos),IAPB(bancários),IAPC(doscomerciários),IAPI(dosindustriários),IPASE(ServidoresdosEstados,queem1977transformou-seemSINPAS). Por sua vez, em 1934, Constituição Federal faz a primeira mençãoexpressa aos direitos previdenciários. Já em 1960, é editada a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS);complementada,em1966,pelacriaçãodoINPS,IAPFESP,IPASE,SASSEe,em1971,peloPRORURAL–regulamentaçãodaproteçãoaostrabalhadoresrurais Na década de 70, ocorreu a inclusão dos empregados domésticoscomo segurados obrigatórios, a transmutação da natureza jurídica do salário-maternidade de direito trabalhista a direito previdenciário e promulga-se a Leinº 6.260 (universalização da previdência social trazendo benefícios e favor dosempregadores rurais e seus dependentes), assim, como o advento da CLPS –ConsolidaçãodaLegislaçãodePrevidênciaSocial. Em 1977, há a criação do SINPAS, o qual era composto sete órgãos:IAPAS,INPS,INAMPS,DATAPREV,LBA,CEE,FUNABEM.Suasatribuiçõeseram:(i)Concessão,manutençãodebenefícioseprestaçãodeserviços;(ii)Custeiodeatividadeseprogramas,e;(iii)Gestãoadministrativa,financeiraepatrimonial.Finalmente,noanode1988,aConstituiçãoFederalinstituiuaSeguridadeSocialnoBrasil,prevendocusteiotripartite,entreUnião,Estados,MunicípioseDistritoFederal; Empregadores e Trabalhadores (conforme art. 195 da ConstituiçãoFederal);compostaportrêsáreasdeatuação:assistênciasocial,assistênciaàsaúdeeprevidênciasocial. Nesse sentido, a Constituição de 1988, inova, ao assimilar novastendênciasdeproteção socialnomundo,utilizando-se,porquanto,da expressão

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“seguridade social”, demodo a integrar osmecanismos de cobertura contra osriscosecontingênciassociaisnasáreasdasaúde,assistênciasocialeprevidênciasocial.13 Jáem1990,ocorreaextinçãodoSINPASeacriaçãodoInstitutoNacionaldoSeguroSocial(INSS);e,em1991,comediçãodasLeis8.212e8213,dispõe-sesobreoplanodecusteioeorganizaçãodaSeguridadeSocial;assimcomo,sobreoplanodebenefíciosprevidenciários. Porsuavez,comaLei8080/90,tem-seadisciplinaafetaásaúde;e,comapromulgaçãodaLei8742/93,estrutura-seaassistênciasocialnoBrasil.

REGIMES PREVIDENCIÁRIOS

APrevidênciaPúblicaéumsistemaderepartição,naqualsuacaracterísticabásicaéaexistênciadesolidariedade.Destarte,solidariedadeentregerações,ouseja,quempagahojeestáfinanciandoosatuaisaposentados. Os regimes previdenciários estão disciplinados no art. 201 da CartaMagna14. Regime Previdenciário é aquele que abrange as normas disciplinadoras darelaçãojurídicaprevidenciária. De acordo com nossa Constituição, os regimes de previdência socialdividem-se emPrevidênciaPública, comoprevidência social principal; que porsuavez,subdivide-seemgeralouespecial;ePrevidênciaPrivada,correspondenteaprevidênciasocialcomplementar. Assim,seocidadãonãoforservidorpúblicoestatutário,osquaisestãosujeitos a um regime de previdência próprio; pertencerá, de forma obrigatória,aoRegimeGeral da Previdência Social (RGPS); o qual trata do setor privado,administradopeloPoderPúblico,porintermédiodoInstitutoNacionaldeSeguroSocial(INSS),órgãodoMinistériodeEstadodaPrevidência15. Já a Previdência Privada, com disciplina estabelecida no art. 202 daConstituição Federal16,éumsistemadecapitalização,querdizer,ocontribuinteforma uma espécie de poupança individual com base em projeção do que será recebido quando este mesmo contribuinte for se aposentar.

SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

A Previdência Social, conforme disposição expressa do art. 195 da

13MIRANDA,JediaelGalvão.DireitodaSeguridadeSocial.RiodeJaneiro:Elsevier,2007,p.8.14Art.201.Aprevidênciasocialseráorganizadasobaformaderegimegeral,decarátercontributivoedefiliaçãoobrigatória,observadoscritériosquepreservemoequilíbriofinanceiroeatuarial,eatenderá,nostermosdalei,a:[...]15TSUTIYA,AugustoMassayuki.CursodeDireitodaSeguridadeSocial.2ºed.SãoPaulo:Saraiva,2010.16Art.202.Oregimedeprevidênciaprivada,decarátercomplementareorganizadodeformaautônomaemrelaçãoaoregimegeraldeprevidênciasocial,seráfacultativo,baseadonaconstituiçãodereservasquegarantamobenefíciocontratado,ereguladoporleicomplementar.

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ConstituiçãoFederal,éfinanciadaportodaasociedade,deformadiretaouindireta,nos termosda lei, apartirdos recursosqueemanamdosorçamentosdaUnião,dosEstadoseDistritoFederaledosMunicípios,assimcomopelascontribuiçõessociais. Ossistemasmaisusadosparaofinanciamentodosgastosprevidenciáriossão o de repartição simples ou modelo de benefício definido, e o sistema decapitalização,tambémconhecidocomomodelodecontribuiçãodefinida17. Ométododerepartiçãofuncionaapartirdoprincípiobásicodequeascontribuiçõesrealizadasduranteumdadoperíodoservemparapagarosbenefíciosdessemesmoperíodo.Ascontribuiçõesprevidenciáriaspagaspelapopulaçãoativadehojesãodestinadasacobrirosgastoscomosbenefíciosdosinativos(quemjáseaposentou).Assim,oregimederepartiçãosimplesnãopermitequehajavínculoestritoentreobenefíciorecebidoeovalorcapitalizadoaolongodoperíodo. O iníciodo sistemaé caracterizadoporpossuir umapopulação jovem,onde existem muitos contribuintes e poucos inativos, gerando assim saldospossivelmente superavitários. Issopermitequeaalíquotadecontribuiçãosejabaixa.Contudo,quandoessapopulaçãocomeçaaenvelhecerearelaçãoativo/inativocomeçaradecrescer,fatalmente haverá a necessidade de aumento da alíquota. Todos esses fatorestêmqueserconsideradosparaquenãohajaumataxamuitobaixanoinícioqueinviabilizeoequilíbrioatuarialnofuturo. Já no sistema de capitalização, o segurado irá receber seu benefíciocondicionado às contribuições próprias, à rentabilidade das aplicações e aotempo de contribuição e recebimento do benefício. Isso torna o valor presentedascontribuiçõesiguaisaovalorpresentedasaposentadoriasqueoindivíduoiráreceber. É um sistema justo uma vez que cada um receberá o que contribuiu. O governoiráparticiparsomenteparagarantirumpatamarmínimoaosmaispobresquenãoconseguiremacumularosuficienteparasuasubsistência. Os regimesdecapitalizaçãodividem-seem (i) regimedecapitalizaçãode carátermisto; (ii) regime de capitalização individual pura; e (iii) regime decapitalização parcial. Assim, o regime de capitalização de caráter misto: formado por umcomponente de capitalização e outro de repartição. Porsuavez,oregimedecapitalizaçãoindividualpuracaracteriza-sepelofato de que nesse regime, cada trabalhador constitui reserva durante a sua faseeconomicamenteativaqueseráusadaparasuportarsuafaseinativa.Destemodo,cadageraçãoprovêosrecursosparasuportarseusprópriosbenefícios. Finalmente, o regime de capitalização parcial tem como característicaque parte significativa das contribuições seja feita pela geração dos próprios

17HORVATHJUNIOR,Miguel.DireitoPrevidenciário.4ªed.–SãoPaulo:QuartierLatin,2004,passim.

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beneficiários das aposentadorias e a parte complementar pelos trabalhadoresdasgeraçõesseguintes, recompondo,assim,aindaqueparcialmente,afiguradasolidariedadeentreduasgeraçõescontemporâneas.

SISTEMAS DE PREVIDÊNCIA ADOTADO NO BRASIL

O sistemade previdência adotado noBrasil é o de repartição simples,onde as contribuições previdenciárias pagas pela população ativa destinam-se acobrirosgastoscomosbenefíciosdosinativos. Assim,comoexplicaFredericoAmado18,oRegimeGeraldePrevidênciaSocialdoBrasiltrata-sedeumsistemaprevidenciárioparcialmenteinspiradonomodelobismarckiano,namedidaemquepressupõecontribuiçõesespecíficasdosfiliadosedasempresas,afimdequeexistacoberturasecuritária;aocontráriodomodelobeveridgiano,queabarcatodaapopulaçãoapartirdocusteiopormeiodostributos em geral. Talcaracterísticaéevidenciadaapartirdodispostonoart.167,IXc.c.art.195c.c.art.250,ambosdaConstituiçãoFederal. Assim,tem-se,inicialmente,quantoaosistemadecusteiodaPrevidênciaSocial,que:

Art.195.Aseguridadesocialseráfinanciadaportodaasociedade,de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursosprovenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do DistritoFederaledosMunicípios,edasseguintescontribuiçõessociais:I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparadana forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela EmendaConstitucionalnº20,de1998)a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe presteserviço,mesmosemvínculoempregatício;(IncluídopelaEmendaConstitucionalnº20,de1998)b)areceitaouofaturamento;(IncluídopelaEmendaConstitucionalnº20,de1998)c)olucro;(IncluídopelaEmendaConstitucionalnº20,de1998)II -do trabalhadoredosdemaisseguradosdaprevidênciasocial,não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;(RedaçãodadapelaEmendaConstitucionalnº20,de1998)III-sobreareceitadeconcursosdeprognósticos.IV-doimportadordebensouserviçosdoexterior,oudequemaleiaeleequiparar.(IncluídopelaEmendaConstitucionalnº42,de19.12.2003)

Tais contribuições sociais referidas nos incisos acima transcritas deverão 18AMADO,Frederico.DireitoeProcessoPrevidenciárioSistematizado.3ªed.Salvador:EditoraJuspodium,2012,p.175.

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ser exclusivamente vertidas ao custeio doRegimeGeral dePrevidênciaSocial.Dessemodo,tem-seque:

Art.167.Sãovedados[...]XI-autilizaçãodosrecursosprovenientesdascontribuiçõessociaisde que trata o art. 195, I, a, e II, para a realização de despesasdistintasdopagamentodebenefíciosdoregimegeraldeprevidênciasocialdequetrataoart.201.(IncluídopelaEmendaConstitucionalnº20,de1998)

Finalmente,oRegimeGeraldePrevidênciaSocial,constitui-seemumfundomonetárioúnicoparaopagamentodosbenefíciosprevidenciários(essecriadopeloart.68daLeiComplementar101/2000,anteomandamentoconstitucional),deixandoclarosuanaturezacontributivaderepartição.Assim:

Art.250.Comoobjetivodeassegurarrecursosparaopagamentodos benefícios concedidos pelo regime geral de previdênciasocial,emadiçãoaosrecursosdesuaarrecadação,aUniãopoderáconstituir fundo integradoporbens, direitos e ativosdequalquernatureza,medianteleiquedisporásobreanaturezaeadministraçãodessefundo.(IncluídopelaEmendaConstitucionalnº20,de1998)

Nessa linha de raciocínio, portanto, levando-se emconsideraçãoque osistemadeprevidênciaadotadonoBrasiléoderepartiçãosimples,econsiderando,ainda,gastosquesãoarcadospelaPrevidência,noentanto,destoamdasfinalidadessecuritárias,comoasdespesascomsaúdeeassistênciasocial,tem-severificadoquequando a população brasileira começou a envelhecer e o número de contribuintes deixoudesertãosuperioraonúmerodeinativos,nãofoipossívelmanteramesmaalíquotadecontribuição. Dessemodo,asalíquotasdecontribuiçãosofreramsucessivosaumentos,tantodoempregadoquantodoempregador,vicejandoemúltimaanáliseemumareformaprofundadetodoosistemaprevidenciáriobrasileiro,queaindaestáemcurso.

CONCLUSÃO

Apartirdoconceitodeprevidênciasocial,verifica-sequeamesmatemcomo objetivo dar proteção social, de forma a propiciar meios à manutençãodo segurado e de sua família nas situações de maternidade, acidente, doença,incapacidade, invalidez,prisão, idadeavançada, tempodecontribuição,morteedesemprego involuntário. Em sua evolução histórica, percebe-se a gradativa dinâmica de seuaprimoramento frente à preservação da dignidade da pessoa humana, enquanto

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elemento componente da seguridade social. Apesardahistóriadaseguridadesocialapresentar-sedifusaaolongodosváriosperíodoshistóricosexperimentadospelasociedade,algunsmarcospodemsercravados,exemplificandosuaevolução.Assim,porexemplo,LeidosPobres(PoorLawAct)promulgadanaInglaterraem1601;ounoBrasil,aLeiEloiChaves(DecretoLegislativonº4682,de24/01/1923),queinaugurouaquiaprevidênciasocial. Apresentaram-se,também,asdiversasespéciesderegimeprevidenciário,quaissejam,osistemaderepartição,ondeascontribuiçõesrealizadasduranteumdadoperíodoservemparapagarosbenefíciosdessemesmoperíodo;ouseja,ascontribuições previdenciárias pagas pela população ativa de hoje são destinadas a cobrir os gastos com os benefícios de quem já se aposentou. E o sistema decapitalização, em que o segurado irá receber seu benefício condicionado àscontribuiçõespróprias,somadoàrentabilidadedessasaplicaçõesnotempo. Assim,apontou-seque:comoosistemaadotadopeloBrasil,trata-sedoderepartiçãosimples;tem-severificadoumcrescentedéficitdaPrevidênciaSocial,advindodoenvelhecimentodesuapopulação,frenteàescassamassatrabalhadoraque verte as contribuições que subsidiam o fundo securitário. Tal situação mostra-se irreversível; e, mesmo após o aumento dasalíquotascomofimdeajustarestequadrodeficitário,nãosechegouaumasoluçãosatisfatória. Portanto,anteo sinaldoesgotamentodomodelodeprevidência socialadotadonoBrasil,oRegimeGeraldePrevidênciaestápassandoporumamudançaestrutural. Tal metamorfose possivelmente representará uma mudança do sistema previdenciárioderepartiçãosimples,apartirdaadoçãodecritériosdecapitalização,cadavezmaisevidenciados,naesperançadesealcançarumequilíbrioatuarial.

REFERÊNCIAS

AMADO, Frederico.Direito e Processo Previdenciário Sistematizado. 3ª ed.Salvador:EditoraJuspodium,2012

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª. ed. São Paulo:MalheirosEditores,2004

CORREIA,MarcusOrioneGonçalves;CORREIA,ÉricaPaulaBarcha.Curso de Direito da Seguridade Social.4ªed.SãoPaulo:Saraiva,2008

DIAS,DnilsonCarlos;FERREIRA,FernandaCarolinaRochaMartins.Disponívelem : < http://www.nepec-ufg.net/dnilson/sistemaprevidenciario.pdf>Acesso em

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12mar2012.

FORTES,SimoneBarbisanePAULSEN,Leandro.Direito da Seguridade Social. PortoAlegre,2005:LivrariadoAdvogado.

HORVATHJUNIOR,Miguel.Direito Previdenciário.4ªed.–SãoPaulo:QuartierLatin,2004.

MARTINS,SérgioPinto.Direito da Seguridade Social.30ed.–SãoPaulo:Atlas,2010.

MEIRELES,Ana Cristina.A Eficácia dos Direitos Sociais. Salvador: EditoraJuspodivm,2008.

MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social. Rio de Janeiro:Elsevier,2007.

POZZOLI,Lafayette;LIMA,OtávioAugustoCustódio.Direito Previdenciário. SãoPaulo:PrimeiraImpressãoEditora&DistribuidoraLtda,2009.

RIBEIRO,JulianadeOliveiraXavier–Direito Previdenciário Esquematizado – SãoPaulo:QuartierLatin,2008.

SABBAG,Eduardo.Manual de Direito Tributário.3ªed.SãoPaulo:Saraiva,p.377.

SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. São Paulo:Saraiva,2011

TSUTIYA,AugustoMassayuki.Curso de Direito da Seguridade Social.2ºed.SãoPaulo:Saraiva,2010.

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CARACTERÍSTICAS DA FOTOGRAFIA DIGITAL PARA SER USADA COMO PROVA EM PROCESSOS

CHARACTERISTICS OF DIGITAL PHOTOGRAPHY TO BE USED AS EVIDENCE IN LAW SUITS

Celso Jefferson Messias Paganelli1

RESUMOComnovosequipamentosaparecendoacadadia,commaisemaisfunçõesantesimpensáveisaohomemmédio,vivemosumaexplosãotecnológicaaliandooqueantessetinhaquetervárioseváriosdispositivosemumúnicoequipamento,sendoqueumadessascaracterísticaséafotografiadigital.Hoje,praticamentequalqueraparelhoeletrônicoconseguecapturarimagens,comasmaisdiversasconfiguraçõesequalidadedeimagem.Apesardenãodiretaeexplicitamente,nossasleisjáestãomadurasosuficienteparatratardasquestõesdasprovasdigitais,principalmentedafotografiadigital,nãoimpedindoasuautilizaçãodentrodostribunaisnacionais.Aperíciaforensetambémacompanhadepertoasinovaçõestecnológicas,propiciandoaos operadores do Direito e peritos todas as ferramentas necessárias para atestar a autenticidadeeintegridadedosarquivosdeimagens,eliminandoacrençadequeafotodeveserobrigatoriamenteacompanhadadoseunegativooufilmefotográfico.Palavras-chave:Fotografiadigital;períciaforense;formatoraw;filmefotográfico;lei nacionais.

ABSTRACTWith new equipment showing up every day with more and more functions previously unthinkabletothemiddleman,livingatechnologicalexplosioncombiningwhatpreviouslyhadtohavelotsandlotsofdevicesinasingleequipment,andoneofthose features is digital photography.Today, virtually any electronicdevice cancapture images with the most diverse settings and image quality. Although not directlyandexplicitly,ourlawsarealreadymatureenoughtoaddresstheissuesofdigitalevidence,especiallydigitalphotographyanddonotpreventtheiruseinnationalcourts.Theforensicalsocloselymonitoringthetechnologicalinnovations,enabling operators to the right experts and all the tools necessary for certifying the authenticityandintegrityofimagefiles,eliminatingthebeliefthatthepicturemustnecessarilybeaccompaniedbytheirnegativeorphotographicfilm.Keywords:Digitalphotography;forensics;rawformat;photographicfilm;nationallaws.

1GraduadoemDireitopelaFaculdadeEduvaledeAvaré.Advogado.ProfessoruniversitáriodeDireito.

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INTRODUÇÃO

Vivemos atualmente uma explosão de dispositivos digitais, umaevolução eletrônica semprecedentes na história, elevando exponencialmente aspossibilidades de interação entre as pessoas e as formas de comunicação. Entre as inúmeraspossibilidadesquetemosànossadisposiçãonosdiasatuais,estáafotodigital,quediferentementedehápoucotempo,nãoémaisnecessáriopossuirumacâmeradigitalparaseobtê-las,poisosrecursosnecessáriosjáestãodisponíveiseminúmerosdispositivoseletrônicos,tocadoresdemídiasdigitais,tablets,notebooks,netbooks,webcams,entreoutros.Averdadeéqueafotografiadigitalhojeemdiaestá ao alcancedepraticamentequalquer pessoa, facilitando a imortalizaçãodemomentos do cotidiano com custo praticamente zero. Sem dúvida isso cria uma profusãodeimagensdisponíveisemváriosníveisdeinteraçãoentreaspessoas,principalmentecomaInternet,e-maileoutrosmeiosdecomunicaçãoinstantânea,não esquecendo aindadas redes sociais, comoOrkut eFacebook. Infelizmente,juntocomosbenefíciosinerentesàtecnologia,existemaspessoasqueusamoseuconhecimentoparaarealizaçãodeilícitos.Dentreosváriosquesepodemcitar,estão a divulgação de imagens sem o conhecimento e consentimento da pessoa envolvidaeadulteração,comointuitodedenegriraimagemdealguém. Antigamente eram necessários conhecimentos profundos para a realização de alterações em arquivos digitais, principalmente de imagens, conjuntamentecomprogramascomplexos,carosededifícilmanejo,sendoqueoscomputadorestambémdeveriamserdeumaconfiguraçãorobustaosuficienteparaquetivessemcapacidade de executar todas as tarefas necessárias. Hoje a realidade é outra. O poderdeprocessamentodoscomputadoresatuaisjáésuficientepararealizartarefasantes impensáveis, também,opreçoecomplexidadedosprogramasdiminuíramsignificativamente.Processosantesdedifícil execução,comoa retiradadeumapessoadeumafotografia,hojeéfeitocomapenasdoispassoscomautilizaçãodeprogramasdeediçãodeimagensapropriado.Assim,éevidentequeparaalguns,aautenticidadede fotografiasdigitaiséaltamentequestionável, sendoqueestessimplesmentepartemdoprincípiodenão aceitaremesse tipode imagemcomoprova. Naverdade,afotografiadigitaldemandacuidadosextras,quenormalmentenãoveríamoscomasfotos“normais”,queutilizamnegativocomofonteprimária,umavezquetambémpermitemadulterações,noentanto,paraqueissosejafeitosãonecessáriosprofissionaisaltamentetreinadosequalificados,horasehorasdetrabalhopesadoacustorelativamentealto,mesmonosdiasatuais.Essescuidadossãorelativosàsquestõesdaoriginalidade,autenticidadeeoutrascaracterísticasquefaçamcomqueafotografiadigitalsejaaceitacomoprovadeformaincontestável,permitindo a justa solução e elucidação do processo.

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Para que o operador do Direito possa saber com exatidão o que pode e deveserfeitoparaidentificarumafotografiadigitalcomoautêntica,énecessáriorecorrer à ciência que estuda a Informática como um todo, esmiuçando ascaracterísticastécnicasinerentesaosarquivosdigitaisenvolvidosnaquestão,bemcomo também o entendimento de como funcionam determinados programas que manipulamtaisimagens,alémdeoutroscriadosespecificamenteparareconheceradulterações,facilitandosobremaneiraotrabalhodosperitoseoutraspessoasquebuscamaverificaçãoparaevitardúvidas. Neste artigo não temos a pretensão de esgotar o assunto, no entanto,buscamos oferecer ao leitor embasamento suficiente para a compreensão dautilizaçãodafotografiadigitalcomoprova,osmeiosadequadosparaacomprovaçãodeautenticidadeeautilizaçãodeprogramasespecíficos,adentrandodentrodeumaseara técnica nãomuito comum a quem trabalha com oDireito,mas essencialàquelesquequeremteroconhecimentonecessárioparatrabalharadequadamentecom o Direito Digital.

CONSTITUCIONALIDADE DAS PROVAS DIGITAIS OU ELETRÔNICAS

AConstituiçãoFederalpátria,trazemseusartigos:

Art.5º-Todossãoiguaisperantealei,semdistinçãodequalquernatureza,garantindo-seaosbrasileiroseaosestrangeirosresidentesnoPaísainviolabilidadedodireitoàvida,àliberdade,àigualdade,àsegurançaeàpropriedade,nostermosseguintes:LV-aos litigantes,emprocesso judicialouadministrativo,eaosacusadosemgeralsãoasseguradosocontraditórioeampladefesa,comosmeioserecursosaelainerentes;LVI-sãoinadmissíveis,noprocesso,asprovasobtidaspormeiosilícitos;

Como se pode observar, pelo princípio constitucional da ampla defesae da proibição da prova obtida ilicitamente, conclui-se que não há vedação emnossa Norma Magna à utilização de provas digitais, dentre elas, a fotografiadigital, podendo todos os que necessitarem recorrer a esse importante tipo dearmazenamento de imagens dos dias atuais. Em análise do texto constitucional fica evidente que não existe apossibilidadedaproibiçãodautilizaçãodafotografiadigitaldentrodeumprocesso,casocontráriohaverianítidadesobediênciaaoprincípiodaampladefesa,alémdomais,nãopodeoDireitoirdeencontroaosavançostecnológicos,hajavistaqueestesnaverdadesemprevêmaoauxíliodaquele,possibilitandoqueaslidessejamresolvidas de forma mais célere e justa ao utilizar dos novos recursos eletrônicos disponíveis.

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Ademais,comoqualqueroutrotipodeprova,deveojuizcuidardequenãosejamutilizadasnoprocessoprovasilícitas,sendoqueasproduzidaspormeiosdigitaisoueletrônicospossuemcaracterísticasdistintasdasdeoutrosmeios,noentanto,obedecemaosmesmosritosimpostospornossasnormas,principalmenteconstitucionais,eestãoigualmentesuscetíveisaoexamepericialparaaconfirmaçãode sua legitimidade. Some-sea issooprincípiodolivreconvencimentomotivadodojuiz,oque,embrevesíntese,significaqueomagistradoestálivreparasolucionarumalide da forma que lhe melhor parecer adequada, conforme estiver convencido,obviamente, guiando-se pelos limites impostos pelas normas legais, e por fim,motivando sua decisão. EnsinaCintra,GrinovereDinamarco:

OBrasil também adota o princípio da persuasão racional: o juiznão é desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos (quodnonestinactisnonestinmundo),masasuaapreciaçãonãodependedecritérioslegaisdeterminadosapriori.Ojuizsódecidecom base nos elementos existentes no processo, mas os avaliasegundocritérioscríticoseracionais(CPC,art.131e436).2

Conforme a tese exposta é ampla a possibilidade de o juiz decidir conforme seu convencimento, atribuindovalor às provas com total liberdade e,inclusive,interpretandooordenamentojurídicovigenteemsuatotalidadedeformameticulosa. Ojuiz,dessemodo,deveaceitarafotografiadigitaldentrodoprocessoparanãodesobedeceraConstituiçãoFederal,socorrendo-sedeperíciaespecializadaquandocolocadoemdúvidaaautenticidadeouoriginalidadedaprovaproduzida,sendoquetambémdeveestaratentoaosmeiosilícitoscomosquaisasimagenspodemserobtidas,umavezqueháumaprofusãodedispositivoseletrônicosquepossuem capacidade de captura e armazenamento de imagens.

PREVISÃO INFRACONSTITUCIONAL PARA O USO DE FOTOGRAFIAS DIGITAIS COMO MEIO DE PROVA

CÓDIGO CIVIL

Dizoartigo225doCódigoCivil:

2CINTRA,AntonioCarlosdeAraújo,GRINOVER,AdaPellegrini,DINAMARCO,CândidoRangel,TeoriaGeraldoProcesso,14ªed.SãoPaulo:Malheiros,1997.CPC,Art.131Ojuizapreciarálivrementeaprova,atendendoaosfatosecircunstânciasconstantesdosautos,aindaquenãoalegadospelaspartes;masdeveráindicar,nasentença,osmotivosquelheformaramoconvencimento.CPC,Art.436Ojuiznãoestáadstritoaolaudopericial,podendoformarasuaconvicçãocomoutroselementosoufatos provados nos autos.

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As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registrosfonográficose,emgeral,quaisqueroutrasreproduçõesmecânicasoueletrônicasdefatosoudecoisasfazemprovaplenadestes,seaparte,contraquemforemexibidos,nãolhesimpugnaraexatidão.

Com o artigo acima, o atualCódigoCivil passou a adotar o princípiodaverdadedocumental,ouseja,tododocumentoéverdadeiroatéqueseproveocontrário.Conformesedepreendedaleituradanormatranscrita,seapartecontraquemfoiexibidaafotografianãoimpugná-la,nãopodeojuizdeterminá-lacomoinválidaedeveaceitá-ladentrodoprocesso.

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

OCódigodeProcessoCiviltambémnosorientacomváriosartigos:

Art. 154 -Os atos e termosprocessuais nãodependemde formadeterminadasenãoquandoaleiexpressamenteaexigir,reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham afinalidadeessencial.

Art. 332 - Todos os meios legais, bem como os moralmentelegítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeisparaprovaraverdadedosfatos,emquesefundaaaçãoouadefesa.

Art.334-Nãodependemdeprovaosfatos:III-admitidos,noprocesso,comoincontroversos;IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou deveracidade.

Ficacristalinocomosartigoscitadosquenãoháproibiçãolegal,apesarde não haver previsão expressa, da utilização de fotografia digital comoprova,ao contrário, tanto o Código Civil quanto o Código de Processo Civil aceitamtotalmente a sua utilização, sendo necessário apenas que se faça a coleta eguardade formacorreta,demodoqueseevite teraautenticidadee integridadecontestadae,principalmente,evitarquesejamobtidasdeformailícita,deformaquenãosecontrarieaConstituiçãoeoutrospreceitoslegais.Pode-sedizerentãoque o preconceito é o único óbice à utilização da fotografia digital dentro doprocessonosdiasatuais,poismuitaspessoasaindatêmmedodoquerepresentaosarquivosdigitais,poisnãotêmcompreensãototaldecomoéofuncionamentodesistemascomputacionais,nãosabendodeterminarqualaextensãopossívelparaaadulteraçãodetaisarquivos,comodetectarseissoocorreuoumesmoaquemrecorrer de forma a se obter as informações necessárias para estabelecer de forma

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inconteste a autenticidade e integridade do mesmo.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

O Código de Processo penal também possibilita o uso de fotografiasdigitais,comosedepreendedosseguintesartigos:

Art. 231 - Salvo os casos expressos em lei, as partes poderãoapresentar documentos em qualquer fase do processo.

Art. 232 - Consideram-se documentos quaisquer escritos,instrumentosoupapéis,públicosouparticulares.

Segundodepreende-sedosartigostranscritos,nãoháimpedimentolegalparaautilizaçãodefotografiasdigitaisemprocessospenais,novamente,devendo-seobservarosprincípiosconstitucionaisquantoaosmeiospelosquaistaisforamobtidas,nãosepermitindoemhipótesealgumaautilizaçãodasilícitas.

CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO

ACLTtratadaproduçãodeprovasnoprocessotrabalhistadoartigo818ao830,sendofeitodeformaexemplificativaesuperficial,sendoomissasobreaprevisãoexpressadosmeiosadmissíveis,emboraofaçarelativoaointerrogatóriodaspartes(art.818),confissão(art.844)edocumental(art.787e830). Éimprescindível,assim,autilizaçãodoartigo769daCLT:

Art.769.Noscasosomissos,odireitoprocessualcomumseráfontesubsidiáriadodireitoprocessualdotrabalho,excetonaquiloemqueforincompatívelcomasnormasdesteTítulo.

Comosepercebe,aCLTnãofalaespecificamentesobreaproduçãodeprovasatravésdefotos,muitomenosdesuaversãodigital,assim,háomissãodaleiprocessualtrabalhista,devendooCPCseraplicadodeformasubsidiária,desdequenãoincompatível. Ocorre,conformejávisto,queoCPCtambémnãotrataespecificamentedafotografiadigital,oque,aparentemente,abreumdilema.Noentanto,devemosnossocorrerdanormainscritanoCódigoCivil,noartigo225,jácitadoalhures,quepermiteautilizaçãodessemeiodeprova, incumbindoàpartecontráriaquefaça a impugnação desta na primeira oportunidade que tiver de se manifestar nos autos. Ademais,aCLTtambémadotouosistemadapersuasãoracionaldojuiz,ouoprincípiodolivreconvencimentomotivado,quepodeserconfirmadocoma

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leituradoartigo832:

Art.832.Dadecisãodeverãoconstaronomedaspartes,oresumodopedidoedadefesa,aapreciaçãodasprovas,osfundamentosdadecisão e a respectiva conclusão.

Infere-sedodispositivosupracitadoqueatravésdaapreciaçãodasprovase os fundamentos da decisão, pode o juiz aceitar a fotografia digital dentro doprocessoetambémutilizá-laparaseuconvencimento,bastandoquefundamentesuadecisão,eclaro,queestasejalícitaesejapermitidaàpartecontráriaaampladefesaecontraditório.

CONSIDERAÇÕES GERAIS DAS NORMAS

Conforme apresentado, deve-se levar emconsideraçãoo artigo225doCódigoCivilsobreasdemaisnormas,poisesteémaisrecente,devendoprevalecer,sórestandoaconclusãoqueafotografiadigitaléadmissívelprocessualmenteenãorequeraapresentaçãodenegativo,porém,continuasuscetívelquantoaimpugnaçãode sua exatidão. Dessa forma, como a foto apresentada dentro do processo não conteránegativo,umavezqueestaédigital,oônusdaprovarecaisobrequemaapresentou,devendo este demonstrar a autenticidade e integridade desta. Nessesentido,nosensinaMarinonieArenhart:

Emhavendoa aquiescênciada conformidadeentre a fotografiaearealidaderetratada(portodosossujeitosprocessuaisprincipais),mesmo que ausente o negativo fotográfico, há que se reputarque os fatos e coisas registrados ocorreram de acordo com o que consta no documento. Somente se houver por parte de qualquer umdos sujeitosdoprocesso (partesou juiz), impugnaçãoquantoàconformidadeentreoreproduzidonafotografiaeoefetivamenteocorrido éque seránecessário instaurarum incidenteprocessual,deverificaçãodeconformidade.(...)Todavia,nãorestadúvidaquea não apresentação do negativo, por si só, não basta para negareficáciaprobatóriaàfotografia,devendohaverrazõesfundadasquepossam indicar a falsificação do registro fotográfico apresentado.(...)Casocontrário,estandooregistrofotográficodesacompanhadodo negativo, esse ônus recairá sobre a parte que apresentou afotografia,competindoaelademonstrarquenãohánenhumvíciona prova.3

Importantesedestacaraponderaçãoquenosensinamosdoutrinadores,no sentido de que se a fotografia digital corrobora com a realidade dos autos,deve-sereputarqueosfatosocorreramconformeconstanesta.Ficademonstrado3MARINONI,LuizGuilherme.ARENHART,SérgioCruz.Prova.SãoPaulo:EditoraRevistadosTribunais,2009,p.640.

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assim,maisumavez,queolivreconvencimentomotivadodojuizésemdúvidaumprincípioquedeveserconstantementeobservadodentrodoprocesso,demodoquenãosejamprivadasàspartesautilizaçãodenenhumtipodeprovaspossíveisemoralmenteadmissíveis.

JURISPRUDÊNCIA

Apesar de ser pouco enfrentado em nossos tribunais, temos algumasdecisõessobreousodefotografiadigitalquemerecemdestaque,conformesegue.

Ementa:“PENAL.APELAÇÃOCRIMINAL.ART.241DOECA.DIVULGAÇÃO DE IMAGEM PORNOGRÁFICA DE MENOR. 1. Comprovada a divulgação de foto de menor pela Internet,contendo cena pornográfica, por perícia médica e de imagemdigital,configura-seotiposubsumidonoart.241daLei8.069/90.”TRF4ªRegião7ªTurma-ACRnº9342/RS–Relator:JuizVladimirFreitas-DJUde10/07/2002,p.498.

Ementa: “CRIMINAL. RESP. PUBLICAR CENA DE SEXOEXPLÍCITO OU PORNOGRÁFICA ENVOLVENDO CRIANÇA E ADOLESCENTE VIA INTERNET... ANÁLISE DOS TERMOS PUBLICAR E DIVULGAR. IDENTIFICAÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. DESNECESSIDADE. ECA. DESTINATÁRIOS. CRIANÇAS EADOLESCENTES COMO UM TODO... V. Hipótese em queoTribunal a quo afastou a tipicidadeda conduta dos réus, sobofundamentodequeoatodedivulgarnãoésinônimodepublicar,pois “nem todo aquele que divulga, publica”, entendendo que osréus divulgavam omaterial, “de forma restrita, em comunicaçãopessoal,utilizandoainternet”,concluindoquenãoestariam,destaforma, publicando as imagens. VI. Se os recorridos trocaramfotospornográficasenvolvendocriançaseadolescentesatravésdainternet,restacaracterizadaacondutadescritanotipopenalprevistonoart.241doEstatutodaCriançaedoAdolescente,umavezquepermitiram a difusão da imagem para um número indeterminado depessoas, tornando-aspúblicas,portanto.STJ5ªTurma-RESP617221/RJ–Rel.:Min.GilsonDipp–DJUde09.02.2005,p.214

Ementa: “DIREITO AUTORAL. FOTOGRAFIA. AÇÃO DEINDENIZAÇÃO. REPRODUÇÃO NÃO AUTORIZADA DE OBRA ARTÍSTICA. CONTRAFAÇÃO. PROVA EFETIVA DE TITULARIDADE DE DIREITO AUTORAL. O negativo a que se refere a lei anterior não é a única forma de produção de obra fotográficaàvistadaevoluçãoda tecnologia, já se reconhecendosua feitura por slides ou impressão digital. Desnecessidade de indicação de valor certo e determinado referente aos danos pleiteados.”RevistadeDireitodoTJERJ43/253.TJRJ,5ªCâmara

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Cível.ApelaçãoCível1999.001.15076.Rel.Des.RobertoWider.Julgadoem07/12/1999.

Ementa: “AÇÃOANULATÓRIADEMULTASDETRÂNSITO- EXCESSO DE VELOCIDADE - LAVRATURA DOAUTO INFRACIONAL COM BASE EM INFORMAÇÃO ELETRÔNICA-CERCEIODEDEFESA-NULIDADEDOATOADMINISTRATIVO - PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE- RECURSO DESPROVIDO, UNÂNIME. Legítimo e legal ouso, pela administração pública, de aparelhagem eletrônica para,no trânsito, fiscalizar e justificar a imposição de multas sobre avelocidade. A tecnologia, nesse caso, desempenha fundamentalpapel,coibindoabusosnocrescentetráfegodeveículos.”TJDF1ªTurmaCível–APCnº20020111131510–Rel.:Des.EduardodeMoraesOliveira–DJUde24/02/2005,p31

Ementa:“APELAÇÃOCÍVEL.MANDADODESEGURANÇA.INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. REGISTRADAS POR EQUIPAMENTOELETRÔNICO.FOTOSSENSOR.AUSÊNCIADE AFERIÇÃO PELO INMETRO. OFENSA ÀS RESOLUÇÕES 795/95,801/95E23/98,DOCONTRAN.FOTOGRAFIASQUENÃO RETRATAM, COM FIDELIDADE, A INFRAÇÃO DETRÂNSITO DEAVANÇO DE SINAL VERMELHO.ART. 208DO CTB. INSUFICIÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA . SEGURANÇA CONCEDIDA. A infração e respectiva autuação de trânsito referente ao avanço de sinal fechado, constatada porfotossensor, não é válida se este não foi aferido pelo InstitutoNacional deMetrologia,Normalização eQualidade (INMETRO)ou por entidade credenciada pelo órgão máximo executivo detrânsitodaUnião.”TJMSApelaçãoCívelnº2001.003865-2/0000-00–Rel.:.Des.NildodeCarvalho.Julgado10.09.01.

O direito comparado também nos trás várias informações valiosas sobre aaceitaçãodafotografiadigitalemtribunaisemoutrospaíses.Especificamente,nosEstadosUnidos,quesãoreconhecidamentemaisafetosàtecnologia,otemaéenfrentadodesdeocomeçodosurgimentodosequipamentostecnológicosparaacapturadigital,comopodemosver:

StateofWashingtonvs.EricHayden,1995:AhomicidecasewastakenthroughaKelly-Fryehearinginwhichthedefensespecificallyobjected on the grounds that the digital images were manipulated. The court authorized the use of digital imaging and the defendant wasfoundguilty.In1998theAppellateCourtupheldthecaseonappeal.Tradução livre:EstadodeWashingtoncontraEricHayden,1995:Um caso de homicídio levando à audiência preliminar na qual oadvogadocontestouespecificamenteemrazãodasimagensdigitaisterem sido manipuladas. A Corte autorizou o uso das imagens

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digitaiseo réu foiconsideradoculpado.Em1998,oTribunaldeApelaçãoconfirmouocasoemsegundainstância.

StateofCaliforniavs.PhillipLeeJackson,1995:TheSanDiego(CA) Police Department used digital image processing on a fingerprint in a double homicide case. The defense asked for aKelly-Frye hearing, but the court ruled this unnecessary on theargument that digital processing is a readily accepted practice in forensics and that new information was not added to the image.Tradução livre: Estado da Califórnia contra Phillip Lee Jackson,1995: O Departamento de Polícia de San Diego (CA) usou oprocessamento de imagens digitais numa impressão digital em um caso de homicídio duplo. O advogado pediu uma audiênciapreliminar,mas a corte decidiu que isso era desnecessário sob oargumento de que o processamento digital é uma prática forense facilmente aceitável e que nenhuma nova informação havia sido adicionadaàimagem.

Comopodemosnotar,nãoésónostribunaisnacionaisqueafotografiadigitalvêmsendoaceita,comadevidacautelaqueessemeiodeprovaexige,mastambémficapatentequehámuitotempoissovemocorrendonospaísesnosquaisatecnologiaémuitomaisutilizada,sendoimprescindívelparaaresoluçãodevárioscasos judiciais.

FORMATOS MAIS COMUNS DA FOTOGRAFIA DIGITAL

Afotografiadigitaléumarquivodedadosquedeveserarmazenadoemumdispositivofísicocujoqualpossaserlidoeinterpretadoporcomputadoresououtrosdispositivos,deformaquesejapossívelavisualizaçãodamesmaetambémasuaimpressãoemsuportefísico,comoopapel. Existem vários tipos de formatos com os quais podemos usar ao lidarmos comfotografiasdigitais,sendoosmaiscomunsoJPG(ouJPEG),TIFF,BMP,PNG,GIF eRAW.Cadaumdeles possui suas característicaspróprias, que estaremosabordandonostópicosseguintes.

JPG OU JPEG

OnomesignificaJointPhotographicsExpertsGroup,sendoocomitêquedesenvolveuumatécnicadecompressãodeimagens,em1992,quepodeconterounão perda de informação. O processo de compressão consiste na análise sequencial de pequenas partes da imagem em questão, a informação resultante é entãoarmazenadaemblocos,emumnúmeropré-definidodeslots(áreasnasquaisosdadossãogravados).Paradiminuirotamanhodoarquivodaimagem,deve-seusarumaaltataxadecompressão,issofazcomqueaspartesaseremanalisadassejam

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maioreseonúmerodeslotsémenor.Comoconsequênciaháperdadedetalhesefoco,podendo, emcasosespecíficos,ocorreremborrões,blocosdecoreoutrosproblemas na imagem que está sendo comprimida. Alémdeummétododecompressão,tambéméconsideradoumformatodearquivo.Esteformatoéomaiscomumutilizadoemcâmerasdigitaiseoutrosdispositivos eletrônicos que fazem a captura de imagens. Também é muito utilizado para a publicação de imagens na Internet ou na utilização de equipamentos que possuempoucacapacidadedearmazenamentoememória,devidoàsuaaltataxadecompressãosemaperdanítidadequalidadedaimagemapósoprocessamento. Emdeterminadassituaçõesdealtastaxasdecompressão,oumesmodeconfiguraçãoinadequadadosequipamentosdecaptura,comocâmeras,asimagenspodemficarborradasoudistorcidas,oquepodeinviabilizaroseuusodentrodeprocessos.Noentanto,mesmodentrodessassituações,aindaépossíveldeterminarsehouveadulteraçõesrelativasaoarquivooriginal,conformeveremosadiante.

TIFF

O formato mais utilizado por programas profissionais, desenvolvidopelaempresaAldus,oTIFF(TargaImageFileFormat),émuitoutilizadoparaatrocadearquivosdeimagensemsistemasdepré-impressão.Oformatooriginou-senomundodaeditoraçãoeletrônica.Acaracterísticamaismarcantedesse tipodearquivoéqueeleémultiplataforma,podendoserusadosemanecessidadedeconversãoporsistemasWindows,Linux,Macintosh,entreoutros.Suaqualidadeprincipaléaelevadadefiniçãodecoresetambémacapacidadedearmazenarmaisde uma página dentro de um único arquivo. ArquivosTIFF tambémsuportamacompactação,porém,nãoháperdadequalidade,poisnenhumainformaçãodaimagemédescartadanoprocesso.Adiferençamaisvisívelnocaso,équeaaberturadosarquivoseoseuprocessamentosãomuitomaislentosqueonormal,semacompressão. Esses arquivos são muito utilizados em programas profissionais edispositivosdecaptura,comoscanners,porém,devidoàsuacomplexidadeeaotamanhomuitosuperioraoutrostipos,nãoéutilizadoemcâmerasedispositivossimilares,tampoucoécomumapublicaçãonaInternetcomestetipodeimagem.

BMP

OBMPouWindowsBitmapéumformatográficocompostodepixels4,4Pixel(sendoopluralpíxeis)(aglutinaçãodePictureeElement,ouseja,elementodeimagem,sendoPixaabreviaturaeminglêsparaPicture)éomenorelementonumdispositivodeexibição(comoporexemplo,ummonitor),aoqualépossívelatribuir-seumacor.Deumaformamaissimples,umpixeléomenorpontoqueformaumaimagemdigital,sendoqueoconjuntodemilharesdepixeisformaaimageminteira.Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Pixel,acessadoem15dejaneirode2011.

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criadopelaMicrosoftepelaIBM,éusadoprincipalmentepelosistemaoperacionalWindows.Acrônimodebitmap,oumapadebits5,éoformatonoqualumasériede pixels individuais formam uma imagem. A cor de cada pixel é determinada por umconjuntodebits.Acaracterísticamarcantedeste tipodearquivoéqueeleéindependentedoperiféricodeafixação,ouseja,eleindependedodispositivonoqual será exibido. Apesar de largamente utilizado pelo sistema operacionalWindows, osarquivosdotipoBMPcaíramemdesuso,devidoasuacaracterísticamarcantedeocuparmuitoespaçoparaarmazenamentodeimagens,sendoquecomautilizaçãodoJPG,porexemplo,paraarmazenaramesmacoisa,ocupapraticamentede10a15%doespaçonecessário.PorsuaamplautilizaçãocomoWindows,estetipodearquivotambéméutilizadopormuitosdispositivoseletrônicos,possibilitandoarápidaediçãoearmazenamento,alémdeserintercambiávelentrepraticamentetodos os tipos de programas que trabalham com imagens.

GIF

O formato GIF ou Graphics Interchange Format, foi criado em 1987pelaCompuServe,comoobjetivodefornecerumaalternativaaosarquivosmaisantigosquepermitiamapenaspretoebranco,sendoqueeletrabalhacomimagensdenomáximo256cores.Eleéconsideradoantiquadoempraticamentetodosossegmentosquetrabalhamcomimagensatualmente,sendoqueéinadequadoparaautilizaçãocomfotoscoloridas,devidoapoucaquantidadedecoresdisponível.A única vantagem do formato é a possibilidade de colocar várias imagens em um único arquivo e definir um espaço de tempo que cada qual permanecerá sendoexibida,formandoassimum“filme”comasimagens,criandoumaanimação.Porfim,tambémépossívelescolherumadeterminadacorquenãoseráexibidapelocomputador,criando-seassimumefeitodetransparência. Apesardenão serutilizadoparao armazenamentode fotografias, esseformatoémuitoutilizadonaInternet,porsuacaracterísticadeconseguirproduzirarquivospequenoscomanimações,desdequenãoexijammuitascoresetampoucoatividades complexas.

PNG

PNGouPortableNetworkGraphicséumformatoquefoidesenvolvidocomoobjetivodesubstituirosarquivosGIF,queeramprotegidosporpatentes.A principal vantagem do PNG é que ele combina o que de melhor existe nos 5Bit(simplificaçãoparadígitobinário,“BInarydigiT”eminglês)éamenorunidadedeinformaçãoquepodeserarmazenadaoutransmitida.UsadanaComputaçãoenaTeoriadaInformação.Umbitpodeassumirsomente2valores,porexemplo:0ou1,verdadeirooufalso.Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Bit,acessadoem15dejaneirode2011.

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arquivosGIFeJPG.UmadasexceçõesemrelaçãoaoGIF,équeesteformatodearquivonãosuportaanimações,porémtemumacompressãomuitomaiseficienteeproduzarquivosmenores.UmadascaracterísticasmarcanteséqueoPNGsuportatransparênciaporcanais,ouseja,elepermiteumagraduaçãosuave,aoinvésdeutilizar apenas uma cor para conseguir o efeito desejado. Devidos às limitações intrínsecas a este formato de arquivo, ele não éutilizadoporquasenenhumacâmerafotográficanaatualidade,ficandorelegadoaoostracismo,poistambémépoucoutilizadonaInternet.

RAW

OformatoRAWpodeserdefinidocomo“negativodigital”.Suaprincipalcaracterística é armazenar a totalidade dos dados da imagem damaneira fiel eliteralpelaqualfoicapturadapelosensordacâmeradigital.Oformatoparaserconsideradopuro,ou“cru”,nãopodeternenhumtipodecompressão,comoocorrecomoutrosformatosdearquivosdeimagem,como,porexemplo,oJPG. Devidoàcaracterísticadecontertodososdadosdaimagemcapturadapelamáquinadigital,osarquivossãoextremamentegrandes.Échamadode“negativodigital”justamenteporseroequivalentedofilmedasmáquinasanalógicas,issoporque,oarquivoRAWemsinormalmentenãoéutilizadocomoimagem,massim como suporte de armazenamento de dados para possibilitar a criação de uma. O processo que faz a conversão do formato RAW para outro mais conhecido e que possibilita a visualização da imagem, como o JPG, também é conhecido como“revelação de imagemRAW”. Não existe uma extensão própria para este tipode arquivo.Na verdade, cada fabricante de câmeras digitais ou dispositivos decapturade imagensutilizamsuasprópriasextensões,assim,deve-seconsultaromanual técnico de cada dispositivo para se obter maiores informações. Também nãohácompatibilidadeentreosarquivos,poiscadafabricanteutilizaoseuprópriopadrão,porissoéimportantesaberdeantemãoseexisteprogramasadequadosparatrabalhar com elas. Aliadoaoutrastécnicasparaadetecçãodeadulterações,oformatoRAWsem dúvida se mostra o melhor tipo de arquivo de imagem a ser utilizado pelos tribunaisbrasileiros,possibilitandoaojuizgrandesegurançaparaautilizaçãodefotografias digitais. No entanto, com a criação de novosmétodos e programasespecíficospelacomputaçãoforense,estenãoéoúnicoarquivoaserconsideradoutilizávelemmeiosprocessuais,apesardedesejável. Apesar do tamanho gerado por este formato, é aconselhável a quemquiserutilizarumafotocomoprovajudicialqueoutilize,poisapossibilidadedeadulteraçãoémuitomenor,poisnecessitadeprogramasespecíficos,deacordocomcadafabricantedodispositivousadoparaacapturadaimagem,sendoquealguns

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arquivossequerpermitemmodificações,etambémporqueemcasodanecessidadede perícia, o trabalho a ser realizado será imensamente facilitado, propiciandováriosmeios para que se demonstre a autenticidade e integridade necessárias àcomprovação da originalidade para o convencimento do magistrado. Para melhor compreensão do que seria um “negativo” da fotografiadigital,é interessanteentenderoqueocorrenoexatomomentodaexposiçãodacâmera.Háumprocessofísicocomsensoresfotossensíveisqueaoreceberemluzgeramumacargaelétrica.Osensorpossuimilhõesdepixeis,sendoquecadaumdelesrecebeumaquantidadedeluz,gerandoumsinalelétricoqueéenviadoaumprocessador.Emfraçõesdesegundo,háumainterpretaçãodessessinaisatravésdoprocessador,prosseguindocomacriaçãodeummapadetodosospixeis.Omapa,narealidade,éaimagemcapturadapelosensor.Amaiorpartedascâmerasdigitaisaplicafiltroseefeitosnessemapa,jánaetapadeprocessamento,oresultadopráticoéque a imagem temum tratamentoprévio, e quando issoocorre, o arquivodeimagem resultante normalmente é gravado no formato JPG. Aqui entra a principal utilidadedoformatoRAW:omapanãosofrealteraçõesnemtratamentoprévio,gerandoumaimagem“crua”,comexatamenteoquefoicaptadopelosensor. Fotógrafosprofissionaispreferemesseformatojustamenteporquepodemfazerasalteraçõesnecessáriasdecorreçãonasfotosposteriormente,sendoqueaqualidadeobtidacomafotografiadigitaloriginalémuitosuperioraoutrosformatosaquijádescritos.Noentanto,amanipulaçãodestesarquivosémuitotrabalhosa,necessitando de processadores poderosos para a manipulação destes. Infelizmente a atual tecnologia ainda não permite que as câmeras disponíveis no comérciotenham esse recurso de forma completa. Alguns fabricantes para disponibilizarem o formato RAW em seus equipamentos costumam fazer a utilização de algoritmos menoseficazes,oquemuitasvezesresultanumafotografiacomqualidadeinferiorao esperado.

FORMATO DNG

AAdobe,empresareconhecidamenteespecializadaemimagensdigitais,criouoformatoDNG,ouDigitalNegative,“umformatodearquivamentopúblicopara os arquivos brutos gerados pelas câmeras digitais.Ao utilizar um padrãoabertoparaosarquivosRAWcriadosemmodelosindividuaisdecâmera,oDNGajudaagarantirqueosfotógrafosterãoacessoaosseusarquivosnofuturo”6. Na prática, o formato DNG é um arquivo com a imagem RAW e osmetadadoscorrespondentesparaasualeituracorreta,criandoumapadronização,jáquecadafabricantefazasuaprópriadefinição.

6Fonte:AdobeSystems.<http://www.adobe.com/br/products/dng/>,acessadoem16/01/2011.

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ESTEGANOGRAFIA

Esteganografia significa “escrita escondida”. Consiste no estudo e usode técnicas com o objetivo de esconder mensagens dentro de outra. Não se deve confundircriptografiacomesteganografia,aprimeiratemcomoobjetivoocultarosignificadodamensagem,masnãoelaprópria,jáasegundaprocuraesconderamensagememsi.Nadaimplica,porém,quenãopossamserusadasasduastécnicascombinadas para o envio de mensagens. Modernamente,atécnicaéusadacomimagens,alterando-sepequeníssimasporçõeslocalizadasdentrodomapadepixels,fazendocomqueamensagemfiqueescondidaequenãohajaalteraçõesperceptíveisapósousodaesteganografia.Entreosmétodosmaisconhecidoseutilizados,estãoastintasinvisíveisemicropontos. Uma das utilidades da técnica pode ser a inserção de mensagens personalizadasdentrode imagensdemodoquesepossa identificarrapidamentecaso ela seja copiada e usada irregularmente por outros que não são seus detentores originais e de direito. Existem dois tipos de técnicas mais usadas frequentemente nosdiasatuais:amarcad’águadigital,utilizadaemimagens,eaimpressãodigital,queconsistenainserçãodecódigosseriais,principalmentedentrodearquivosdevídeo,assim,seforemcopiadosedistribuídos,porexemplo,pelaInternet,seráfácilidentificarquemfoioresponsávelpeladistribuição.Infelizmente,essatécnicapodeserusadatambémcomfinsmenosaltruístas,comocomunicaçãoentrecriminososeadistribuiçãodevírus,entreoutrosprogramasnocivosemcomputadores.Estatécnicanãoprecisanecessariamenteserutilizadaapenascomimagens,podendotambémseraplicadaemarquivosdeáudioevídeo. Operitoforensedeveestarpreparadoparaperceberpossíveisindíciosdautilizaçãodatécnicadeesteganografiaeassimutilizarosprogramascorretosparaa obtenção das mensagens ocultas dentro de imagens. A esta área responsável por descobriraexistênciademensagensemarquivosdá-seonomede“esteganálise”.Além de descobrir a mensagem em si, deve-se também encontrar qual foi ométodoutilizadopara realizaraesteganografia,oqueé feitopartindodeváriospressupostos.Umavezencontradaamensagem,pode-seprocederaleitura,torna-lainconsistenteousimplesmentedestruí-la.

CADEIA OU CORRENTE DE CUSTÓDIA DE PROVAS

Apesardecomopassardotempoexistirinúmerosavançostecnológicosecientíficosdacomputaçãoforense,melhorandoacapacidadedecoletaeutilizaçãodeprovasouevidênciasparaasoluçãodeprocessos,osavançosporsinãogarantemque estas sejam aceitas pela justiça. Paraseraceitajudicialmente,aprovatemqueobedecercritériosrígidos

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para a sua coleta, manuseio e análise, com condições mínimas de segurança,proporcionandoaintegridadeeautenticidade,evitandodanosirrecuperáveisquepossammaculardeformairreversíveloprocesso. A credibilidade da prova vem da capacidade de se provar em juízo aautenticidade e integridade da fotografia digital, não esquecendo que qualqueranálise feita deva ser isenta e que não promova qualquer alteração no objeto periciado.Aprovadeve,assim,serconfiável,suficienteerelevante. Para o correto prosseguimento da ação processual é imperativo que se tenhafamiliaridadecomalinguagemespecíficadatecnologia,queseconheçamos termos utilizados, não se esquecendo da ciência forense computacional e osaspectos jurídicos relevantes e correlacionados. O conhecimento prévio dasmetodologias a serem empregadas e do processo de forense computacional são essenciais para o desenvolvimento da análise técnica sem falhas e com a maior taxa desucessopossível. Oprincipalobjetivodacadeiadecustódiaédefinirocaminhopeloqualseefetuaráacoleta,guardaeanálisedaprova,documentandotodasasinformaçõespossíveissobreo trabalhorealizado,comohoráriodacoleta,proprietário,quemcoletou,comofoicoletada,formadearmazenamentoeproteção,quempossuiaposseatualmente,entreoutrasinformaçõesrelevantes. Uma das características mais relevantes a ser levantada é o MAC,Modified,AccessedandChanged,numa tradução livre,Modificado,AcessadoeAlterado. Essas informações são amplamente utilizadas pela imensa maioria dos sistemasoperacionaisexistenteshojeemdia,desdeoWindows,Linux,MacOS,entreoutros.OMAC,ouMACTime,comotambéméconhecido,éumpadrãoparaaidentificaçãosobreprocedimentosrealizadoscomasinformaçõesdeumsistemadearquivoscomputacional,comoseguintesignificado:• M:últimaleituraougravação;• A:últimoacessoaoarquivo;• C:últimamudançadeinode7. Casohajaalteraçãonoatributodeumarquivo,como,porexemplo,deixá-locomo“somenteleitura”,oumudarapermissãodesteoudodiretório(pasta)noqualestálocalizado,restringindoouaumentandoasopçõesdeacesso,fazemcomque exista uma mudança no inode do arquivo em questão. Dessamaneira, oMACTimepossibilita a determinação da cronologiadecriaçãoeacessoaosarquivosdigitais.Comeleépossíveldeterminarquandoo arquivo da fotografia digital foi criado, a última vez que foi acessado (umavisualização,porexemplo)etambémaúltimavezquefoimodificado.Assim,umadasformaspossíveisparaseverificarsehouveadulteraçãoéatravésdesseatributodoarquivo,querevelaimediatamenteamanipulaçãodafotocasoasdatassejam7 Inode ouNó-I ou índex node é uma estrutura de dados que compõem um sistema de arquivos. Ele armazenainformaçõessobreumarquivo,comoproprietário,permissõeselocalização.

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diferentes. É importante que ao se analisar uma prova digital todo o procedimento seja,namedidadopossível,realizadoemcópiasdosarquivosoriginais,evitando-seaomáximoaalteraçãodeatributos,conservandoaoriginalidadeeautenticidade,demodoqueestejamsempredisponíveisparanovasperíciasepossíveiscontraprovas.Obedecendoaessescritérios,têm-secincoregrasquesempredeveestaràmentesobreasprovas:seradmissível:deveserpassíveldeserutilizadanos tribunais;ser autêntica: deve relatar o incidentedemaneira relevante; ser completa: devesercapazdecomprovaralgumfatodemaneiracompleta;serconfiável:nãopodeserquestionadaquantoasuaautenticidadeeveracidade;sercrível:claraefácildecompreender aos olhos do juiz.

PRINCÍPIO DA TROCA DE LOCARD

O princípio da troca de Locard determina que no momento que doisobjetosentramemcontatohátransferênciadematerialentreeles,ouseja,semprehaverá troca quando dois objetos entrarem em contato. No contexto do presente artigo,oprincípiodemonstraquepodehavercontaminaçãodasprovas,inclusivepordesatençãodequemestivermanipulandooarquivodigital,comooperito,nomomentodainvestigaçãoerealizaçãoderelatórioparaainstruçãojudicial. Para proteger o ambiente e também a prova digital, especificamente afotografia digital, é necessário que o ambiente de análise e tambémomeio noqual o arquivo se encontra armazenado seja administrado adequada e corretamente. Ainobservânciadessescuidadospodeinvalidaraproduçãoprobatóriaemjuízo,prejudicandototalmenteosucessoprocessualalmejado.Assim,éimprescindívelqueoresponsávelsaibacomofuncionaacadeiadecustódiaetenhaconhecimentosmínimosdaciênciaforensecomputacionaldeformaqueamanipulaçãoinadequadados arquivos não venha a comprometer a produção de provas, uma vez que osimplesacessodeumafotografiadigitaljápodecausaraalteraçãodedeterminadosatributosdoarquivo,comotratadoalhures,inviabilizandoseuusoemjuízo.

FERRAMENTAS PARA A PERÍCIA FORENSE

Atualmente é possível encontrar no mercado diversas ferramentaspara serem utilizadas com a ciência forense computacional, desde programasgratuitosatédeelevadocusto,domaissimplesaomaiscomplexo.Éimportanteque o operador doDireito tenha conhecimento básico sobre essas ferramentas,propiciando assim uma maior desenvoltura dele junto ao perito e também para a melhor argumentação do caso junto ao juiz. Normalmente,asfotografiasdigitaisestãoarmazenadasemdispositivos

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móveis, como cartões dememória oumesmo aparelhos celulares. Praticamentetodoselespodemseracessadosemqualquercomputador,possibilitandoaanáliseforensedo arquivodigital emquestãode formaque se estabeleçamparâmetrosmínimosdeconfiabilidadeegarantiadequenãohouveadulteraçãoequeforneçaos meios necessários para a geração de arquivos de controle que podem ser usados a qualquer momento para comparações e se descobrir se o arquivo original sofreu qualquer tipo de adulteração.

VERIFICAÇÃO DE INTEGRIDADE ATRAVÉS DE HASH

Hash8 é uma função, que tem como objetivo sumarizar ou identificarprobabilisticamenteumdeterminadodado.Assim,suapropriedademaisimportanteéque,seapósaconstruçãodohasheverificaçãodoalgoritmogeradonaorigeme no destino houver diferença, isso significa que as entradas não são iguais,caracterizando que houve violação do que foi enviado com o que foi recebido pelo destinatário.Emsistemascomputacionais,afunçãohashcriptográficarecebe,emsuaentrada,umacadeiadecaracteres,dequalquertamanho,quepodeserqualquertipodearquivo.Apósaanálisedoconteúdoparaosdevidoscálculosmatemáticoségeradanasaídaumacadeiadecaracteresdetamanhofixo,querecebeonomedeMessageDigestoudigitalfingerprint(impressãodigitalcomputacional). Este tipo de solução é muito utilizado nos meios computacionais uma vez quenãoépossívelreconstruiracadeiadecaracteresoriginalapartirdoalgoritmohashcriado.Assim,casohajaqualquertipodemudançanoarquivooriginal,mesmoquedeumúnicobit,ohashresultantenodestinoserádiferenteeodocumentosetornará inválido.

MD5

O MD5 ou Message-Digest algorithm 5 é um algoritmo de hashunidirecional,ouseja,apósageraçãodocódigodeidentificaçãodeletrasenúmeros,nãoépossível fazeroprocessoreverso,ouseja,apartirdohashaobtençãodoarquivooriginaléimpossível. A utilização doMD5 é indicada para se resguardar a autenticidade dafotografia digital.Ao se ter acesso pela primeira vez com a prova em questão,deve-sefazerumacópiadamesmaeemseguidafazerageraçãodoarquivoMD5earmazenarambosemummeioadequado,porexemplo,gravaremumCDnãoregravável,ficandoaprovaassimresguardadaquantoapossíveisadulterações.

8Adefiniçãomaissimplesparahashéa transformaçãodegrandesquantidadesde informação,comoumarquivodigital inteiro, em pequena quantidade de informações, não passando de apenas algumas letras e números, comoresultadodecálculomatemático,gerandoumaidentificaçãoúnicaparaoarquivooriginal.TambémpodeserconhecidacomoOne-WayHashFunction,MessageDigest,FunçãodeEspalhamentoUnidirecionalouFunçãodeCondensação.

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Caso a fotografia digital encontre-se em um cartão de memória, queé o caso da imensamaioria das câmeras digitais, é sensato que se guarde estejuntamentecomoCDcomacópiadafotoeoarquivoMD5resultante.

SHA

SHA(SecureHashAlgorithm)éumafamíliadefunçõescriptográficas.OsalgoritmosSHAforamdesenvolvidospelaAgênciadeSegurançaNacional(NSA–NationalSecurityAgency)dosEstadosUnidos,eservemcomopadrãoparaogovernonorte-americano.EstealgoritmoéconsideradopormuitoscomoosucessordoMD5,emboraambos tenhamfalhasexploradasporagentescriminosos.Paraoperaçõescríticas,érecomendadoqueseutilizeoSHA-256ousuperior,demodoque se evite problemas com exploração de falhas por pessoas má intencionadas.

WHIRLPOOL

OWhirlpooltambéméumafunçãocriptográficadehash,desenvolvidaem parceria pelo brasileiro Paulo S. L. M. Barreto e pelo belga Vincent Rijmen. Apósolançamentodaprimeiraversão,doispesquisadoresjaponeses,ShibutanieShirai,descobriramumproblemacomoalgoritmo,sendonecessáriaumacorreçãoe lançamento de uma versão corrigida. Com isso, o NESSIE (New EuropeanSchemes for Signatures, Integrity andEncryption –Europeu) o escolheu comoprojeto de algoritmo de hash. Em seguida o padrão foi adotado pela ISO/IEC10118-3:2004.Apesardobomdesenvolvimentoeaplicabilidade,essafunçãonãoé muito utilizada atualmente.

CÓPIAS FIDEDIGNAS

Umas das preocupações que o operador do direito e eventuais peritos devem ter em mente é a realização de cópias para a correta manipulação dasfotografias digitais que serão utilizadas comoprova.No entanto, namedida dopossível,nãosedevemfazercópiassimples,poisestasalteramalgunsatributosdosarquivosaogeraremascópias.Aformadegarantirqueacópiatambéméfidedignaeexatamenteigualàoriginaléatravésdeprogramasespecializados,quetrabalhamcomduplicaçãofísicadedispositivosougeraçãodeimagensidênticasàsoriginaispara que o trabalho pericial seja realizado sem problemas. Uma das vantagens desse tipo de cópia é que o trabalho pode ser realizado independentemente dosistema operacional utilizado no computador ou dispositivo eletrônico. Tenha emmente que há necessidade de sempre se realizar cópias dasfotografiasdigitaisouqualqueroutro tipode arquivoque se façanecessário ao

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conjuntoprobatórioparaque,casoocorraalgumproblema,osdadosnãosejamperdidosdeformadefinitiva,impossibilitandoqualquertipodeaçãofutura.Assim,é essencial e imperativoque semantenhanomínimoduascópias adicionaisdetodas as provas para evitar quaisquer tipo de dissabores que são inerentes ao meio computacional.

IDENTIFICANDO FOTOS ALTERADAS

Existemváriosmecanismospelosquaissepodeidentificarseumafotofoialterada,mesmonãosendopossívelrecorreràimagemoriginalparacomparação. Cientistas já concluíram com êxito um programa que consegue saberseafotosofreuqualquertipodealteraçãoatravésdacomparaçãoda“assinaturadigital” que toda imagem gerada por uma câmera fotográfica digital possui.Todoequipamentofotográficoinsereuma“assinaturadigital”únicanosarquivosresultantes,então,apartirdeumbancodedadoscomessasinformações,épossívelidentificarseafotografiadigitalpassouporalterações,umavezqueaosergravadanovamenteperderáouteráessaassinaturadigitalmodificada. Épossíveldetectaralteraçõestambémcomanálisedailuminação,umavezque as técnicas de manipulação não conseguem duplicar os efeitos com perfeição da luz natural, assim programas especializados podem fazer comparações nascondições de iluminação da fotografia.O programa consegue detectar todos ostiposdeemissãodeluz,naturaleartificialesuperfíciesrefletoras,apartirdesseestágioé feitoamodelagemda iluminação,procurandovariações inconcebíveiscom as emissões de luz. A alteração também pode ser identificada através de comparaçõesmatemáticasdeconjuntosdepixeisdaimagem,pois,aofazeralterações,muitasvezesusam-separtesdaprópriafotoparaconcluirotrabalho,porexemplo,quandose quer retirar uma pessoa ou objeto, utiliza-se clonagemdas partes adjacentespara criar o efeito necessário. Ocorre que nesse processo de clonagem há uma repetiçãodepixels,quepodeserimperceptívelaoolhohumano,masquequandoanalisado através de algoritmos matemáticos é facilmente encontrado um padrão derepetição,identificandoassimaalteração. Outramaneirade identificar alterações é atravésdoELA–Error levelanalysis – que consiste em salvar novamente a imagem que está sendo alvo da perícia. Se não houver alterações significativas na imagem, então não houvealterações.Noentanto,casotenhahavidoretoques,aosalvarnovamente,aimagemapresentaráerrosmínimosdequalidade,revelandoasáreasqueefetivamenteforammodificadas.ÉpossívelutilizaresseserviçogratuitamenteatravésdaInternet,noendereçohttp://errorlevelanalysis.com.

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CONCLUSÃO

Asnormaslegaisexistentesemnossopaíshojenãoobstamaproduçãode provas digitais, sendo assegurado pela Constituição Federal e legislaçõesinfraconstitucionaisodireitoàutilizaçãodetodoconjuntoprobatórionecessáriopara a instrução processual e convencimento do juiz. ÉsabidoqueoDireitonãotemcomoacompanharaevoluçãotecnológicaque vivenciamos, pois esta ocorre de forma exponencial, comnovidades sendolançadasacadamomento,comacriatividadehumanasesuperandoatodoinstante.ODireito,comociênciaqueestudaocomportamentohumanoqueé,temqueseadaptaraoqueocorrenodia-a-dia,nãotendocomopreverinúmerassituaçõescomasquaisatecnologiaproporcionadesafiosaosconceitosmaisarraigadosquetemosem nossa sociedade. São inúmerose infindáveisosdispositivosquepossuemcapacidadedecapturarimagens,asfotografiasdigitais,semanecessidadedautilizaçãodefilmesfotográficos, criando assim um desafio adicional para peritos e operadores dodireito para poderem usar com plena convicção as imagens dentro de um processo judicial. Com o uso de tecnologias apropriadas e conhecimento sólido sobreo funcionamento tecnológico desses equipamentos, é totalmente possível autilizaçãodeprovasdigitais,principalmenteafotografiadigital,dentrodoconjuntoprobatório.Sãováriaseváriasferramentasquefornecemtodotipodeauxílioparaque as imagens possam ter sua autenticidade e integridades confirmadas, bemcomo também possam eventualmente ser contestadas e descobertas caso tenham sido alteradas ou adulteradas de alguma forma. A perícia forense, que independe da criação de leis, vem socorrer aciênciadoDireitofornecendotodasasferramentasnecessáriasparaavalidaçãodasfotografiasdigitaiscomomeiodeprova,eacompanhamladoaladoocrescimentotecnológicoqueenfrentamoscomosnovosequipamentosquesãolançadosquaseque diariamente. Nãodeveojuizrecusarautilizaçãodefotografiasdigitaisnoprocessoporsimplesdesconfiançadanovatecnologiaouporater-secegamenteaoCódigodeProcessoCivil.Antes,deveconsideraroartigo225doCódigoCivilqueautorizaaproduçãodeprovasdigitaisenãoexigeoacompanhamentodofilmefotográficoparavalidaçãoda foto.Casoo juizouapartecontrária sintam-se incomodadoscom alguma característica da foto juntada ao processo, desconfiando de suaautenticidade,bastarequisitaracontraprovaeaperíciadamesma,poiscomtodososmeiosexistentesérelativamenteseguroafirmarquefacilmentesedescobrirásehá alterações ou se a foto é forjada. Também não se deve aceitar apenas o formato RAW,umavezqueosrecursosdisponíveisparaaperíciajásãosuficientespara

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análisedosformatosmaiscomuns,comooamplamenteutilizadoJPG. Aliás, é o que podemos perceber que está ocorrendo mais e maiscorriqueiramente, não só com a aceitação por parte dos tribunais das fotosdigitais,comotambémpeloseuusocrescenteporpartedeórgãosgovernamentais,evidenciando que estamos numa estrada sem volta, sendo, inclusive, que autilizaçãodefilmesfotográficos,ospopularmenteconhecidos“negativos”,estãocadavezmais escassos e difíceis de seremencontrados, umavezque as novascâmerasedispositivosquesãocomercializadosnãoutilizammaisesterecurso. Ademais, deve o operador de Direito que quiser utilizar a fotografiadigital como prova preocupar-se com a forma que a imagem foi capturada etambémsemprearmazená-laemlocalconfiável,gerandoarquivosquepossamserutilizadosparaatestaraautenticidadeeintegridade,nãoesquecendoaindadeseefetuarcópiasintegraisesemgerarmodificaçõesnosarquivosdemodoquenãosecorra riscos desnecessários com a destruição de algum arquivo. Observando-se os princípios da perícia forense, como a cadeia decustódia,nadaimpedeautilizaçãodafotografiadigitaldentrodoprocesso,sendouma ferramenta indispensável nos dias atuais para se buscar a tão almejada justiça social.

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DIREITO FUNDAMENTAL E SUA NORMATIZAÇÃO – NECESSIDADE DO VALOR JUSTIÇA ATRAVÉS DA DEMOCRACIA COMO UM DOS FINS DO ESTADO

FUNDAMENTAL RIGHT AND THEIR STANDARDIZATION - VALUE OF NEED OF JUSTICE THROUGH DEMOCRACY AS ONE OF THE PURPOSES OF THE STATE

José Antonio Gomes Ignácio Junior1Celso Jefferson Messias Paganelli2

RESUMOA busca da justiça nasceu com o direito. O homem desde o inicio das relações sociais, teve emmenteumadeterminada justiça.Semdúvidaqueesse conceitoé subjetivo e multifásico, porém pode-se cogitar da existência de um sensocomum entre tantas definições. Inicialmente nosso trabalho procura trazer deformaobjetiva, os principais formatos pelos quais o direito foi edificado– jus-naturalismo;positivismoepós-positivismo.Nessaseara,ressalta-seoafloramentodo pós-positivismo como fruto da necessidade da normatização dos princípios,diantedofracassodosistemaKelsenianoclássico(positivista),quesustentouosregimes totalitários da Europa nomeio do século passado (nazismo, fascismo,stalinismo,etc).Comofimdessesregimesditatoriais,omundoseviudiantedanecessidadede inserçãonoordenamento jurídico,devalorescomunsa todososseres humanos, independentemente de sua cor, raça, religião, opção política ouqualquer outra forma de fragmentação social. Esses valores inseridos no campo do direitopostoadquiriramváriasdenominações,entreasquaisachanceladedireitosfundamentais.Apesquisaaindaanalisaseentretodosessesdireitos,haveriaumponto de comunhão, a justiça.Muito embora todas as vertentes exploradas notrabalho invoquem um apaixonante aprofundamento, o que não podemos fazernestasearaemrazãodaslimitaçõesformais(numerodelaudas),acreditamosqueabuscadajustiçaestejapresenteemcadaumdosdireitosfundamentais,emais,quehaveriaumelementocomumentretodasasdefiniçõesdesta,porémasechegarnesse liame,mostra-senecessáriooprosseguimentodas investigações,porém,oqueanossoverseapresentaincontroverso,équeojustoéumaxiomadosdireitosfundamentais.Essajustiçaemparte,residenademocraciaquedeveserumdosfinsde um Estado. 1Advogado;Professordegraduação(EDUVALE/AVARÉ);membrodoConselhoEditorialdaRevistaAcadêmicadeCiênciasJurídicasdaFaculdadeEduvaleAvaré-EthosJus;Pós-graduadoemDireitoTributário(UNIVEM)eDireitoPublico(IDP);GraduadoemAdministração(FCCAA)eDireito(FKB).gomes@gomesignacio.adv.br2GraduadoemDireitopelaFaculdadeEduvaledeAvaré.Advogado.ProfessoruniversitáriodeDireito.

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Palavras-chave:Direitofundamental;justiça;normatização;democracia.

ABSTRACTTheseekforjusticewasbornwiththeright.Themanfromthebeginningofsocialrelations,hadinmindaparticularjustice.Nodoubtthatthisconceptissubjectiveandmultiphase,butyoumightconsidertheexistenceofacommonsenseamongmanydefinitions.Initiallyourworkseekstobringinanobjective,themainformatsfor which the right was built - jus-naturalism, positivism and post-positivism.In thisarea, itemphasizes theoutcropofpost-positivismasaresultof theneedforstandardizationofprinciples,beforethefailureofthesystemKelsianclassic(positivist),whichsustainedthetotalitarianregimesinEuropeinthemiddleoflastcentury(Nazism,Fascism,Stalinism,etc.).With theendofdictatorialregimes,the world was faced with the need to enter the legal system of values common to allhumanbeingsirrespectiveof theircolor,race,religion,politicaloranyotherform of social fragmentation. These values inserted in the legal position acquired several names, including the seal of fundamental rights. The survey analyzesbetweenall theserights, therewouldbeapointoffellowship, justice.Althoughallaspectsexploredinthepaperclaimingapassionatedeepening,wecannotdointhisendeavorbecauseoftheformallimitations(numberofpages),webelievethatthepursuitofjusticeispresentineachofthefundamentalrights,andfurther,thattherewouldbeacommonelementofalldefinitionsofthis,butgetthisbond,itappearsnecessarytothecontinuationoftheinvestigations,however,whichinourviewpresentsincontrovertible,isthatfairisanaxiomoffundamentalrights.Thisjusticeinpart,liesindemocracytobeoneofthepurposesofastate.Keywords:Fundamentalrights;justice;standardization;democracy INTRODUÇÃO Oartigotemcomofinalidadejustificaranormatizaçãodosprincípios,ebuscarumelocomumentretodos–ajustiça-queéumdosobjetivosdoEstado. Esseliameseapresentaatravésdademocracia.Inobstanteasdificuldadesem definir seu conceito – justiça - procuramos colocá-la como axioma dosprincípios,eporconseqüênciadetodooordenamentojurídico,essaaproblemática. Osprincípiostemintrinsecamenteajustiçaemseuâmago,equandodasuainserçãonoordenamento,esseviésdeveserealçar.Nãopodemosaindafalaremjustiçasemtermosademocraciacomoelementocrucial,poisatravésdela,équeosdireitos(fundamentais)sãojustificados.Essenossoobjetivo. Vários autores defendem a idéia que justiça e direito estão em linhas paralelasmasnãojuntas.Talvezsejaumaverdade,comoarriscaPASCAL:

Éarriscadodizeraopovoqueàsleissãojustas;poiselesóobedeceporque as julga justas.Eis porque é preciso dizer-lhe, aomesmo

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tempo, que é preciso obedecer porque são leis, domesmomodoporqueéprecisoobedeceraossuperiores,nãoporquesejamjustos,mas porque são superiores. E, assim, em toda sedição previnida,sepodefazerentenderisso;eépropriamenteessaadefiniçãodajustiça. 3

JáparaBOBBIOjustiçasemostraintrínsecaaodireito:

Poder-se-iaobjetarqueofimprópriododireitonãoéaordem,massim umfim superior: a justiça; ou, em outros termos, que o fimdo direito não é uma ordem qualquer,mas a ordem justa. Pode-seentretantoresponderque,nosentidotradicional,maiscomumemaisamplodessetermo,ajustiçanadamaisédoquealegalidade,isto é, respeito e correspondência à lei (e homem justo é aqueleque adéqua o próprio comportamento à lei, em contraposição aohomem ético,que é aquele que age combase numa livre escolharesponsável). ...A afirmação segundo a qual a funçãoprópria dodireitoégarantiraordemnãoéportantoaberranteemrelaçãoàquelaqueconsideraa justiçacomoofimprópriododireito,porque,aomenoscombasenumacertaconcepção,ajustiçaseidentificacoma ordem.4

Nesseprisma,oobjetivodapesquisatentademonstrarqueosprincípioscarregamemsuaessência,umaforçamotriz,ajustiça,queadquirediversasformas,mas não deixa de ter um conceito comum na busca da efetivação dos direitos fundamentais do cidadão. Esses direitos fundamentais adquirem um adjetivo peculiardenominadodehumanista,entendidosaquelesprincípiosquenaspalavrasdeAYRESBRITTO:

Consistenumconjuntodeprincípiosqueseunificampelocultooureverênciaaessesujeitouniversalqueéahumanidadeinteira.....ODireitoenquantomeio,ohumanismoenquantofim.Ècomodizer:ohumanismo,alçadoàcondiçãodevalorjurídico,édeserrealizadomediantefigurasdeDireito.Quesãoosinstitutoseasinstituiçõesemqueele,DireitoPositivo,sedecompõeepelosquaisopera. ...Não que as Constituições precisem nominar o humanismo. Basta que elas falem de democracia para que ele esteja automaticamente normado.5

O temase justificaem razãoda justiça serumaaspiraçãodesdeo jus-naturalismo, passando pelo positivismo, e semostrando presente no atual pós-positivismo. Umviésdesseconceito,semdúvidasécristalizadonademocracia,porémissonãoa livracompletamentedecríticas,aomenosnaformaemseapresenta,3PASCAL,Blaise.Pensamentos.TraduçãoPauloM.Oliveira.SãoPaulo:EDIPRO,1996.p.200.4BOBBIO,Norberto.Opositivismojurídico.TraduçãodeMárcioPugliesi;EdsonBinieCarlosE.Rodrigues.SãoPaulo:Icone,.2006.p.231.5BRITTO,CarlosAyres.Ohumanismocomocategoriaconstitucional.BeloHorizonte:Forum,2010.p.19;37/38.

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como veremos nas palavras do ilustre juiz da Corte Constitucional da Itália,GustavoZagrebelsky,que invocaummodelodiferentededemocracia, aqual érotuladapeloprópriode-democraciacrítica-. Porfim,estabelecidosotema,oproblema,oobjetivoesuajustificativa,ametodologia terá omodelo dogmático de investigação, pautado no raciocíniodedutivoporacreditarmosseromaisadequadoàtemática.

A EVOLUÇÃO FILOSÓFICA DO DIREITO

Odireitoaolongodostempospassouporinúmerasinfluenciasfilosóficas,recebendo entre tantas, as mais relevantes denominadas de naturalismo epositivismo,massempresequestionouaeficáciadomodeloadotado,oquenãoédiferente atualmente. Os ordenamentos criados sob a vontade popular, em síntese, deveriambuscarumafelicidadedeseusdestinatários,ounaspalavrasdeBECCARIA:

Consultemosahistoriaeveremosqueasleis,quesãooudeveriamser pactos entre homens livres, não passaram, geralmente,de instrumentos das paixões de uns poucos, ou nasceram danecessidadefortuitaepassageira;jamaisforamelasditadasporumfrioexaminadordanaturezahumana,capazdeaglomerarasaçõesdemuitoshomensnumsóponto ede considerá-lasdeumúnicopontodevista:amáximafelicidadecompartilhadapelamaioria.6

As expectativas historicamente não foram atingidas na sua plenitude. Semprejuízoda forma, todoordenamentodevebuscaruma justezadeacordo com os anseios de seus jurisdicionados. ParaKANThánecessidadedeumprincipiouniversaldodireito,onde:

qualquer ação é justa se for capaz de coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, ou se na suamáxima aliberdade de escolha de cada um puder coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal.7

Ojusnaturalismofoipautadonessaidéiafilosóficaquesustentaavalidadede norma desde que seja justa. Para BARROSO, o termo “jusnaturalismo”identifica:

uma das principais correntes filosóficas que tem acompanhado odireitoao longodosséculos, fundadanaexistênciadeumdireitonatural. Sua idéia básica consiste no reconhecimento de que há na sociedade, um conjunto de valores e de pretensões humanaslegitimas que não decorrem de uma norma jurídica emanada do

6BECCARIA,Cesare.Dosdelitosedaspenas.TraduçãodeLuciaGuidicinieAlessandroBertiContessa..SãoPaulo:MartinsFontes,2005.p.39/40.7KANT,Immanuel.Ametafísicadoscostumes.TraduçãodeEdsonBini.2ªed.SãoPaulo:Edipro,2008.p.76/77.

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Estado,istoé,independemdodireitopositivo.Essedireitonaturaltemvalidadeemsi,legitimadoporumaéticasuperior,eestabelecelimitesàpróprianormaestatal.8

BOBBIOadefinecomo“aquelasegundoaqualumaleiparaserlei,deveestardeacordocomajustiça”.9 O jusnaturalismo juntamente com o direito, alavancou significantesavançossociais,comooCódigoCivilFrances(CódigoNapoleônico),editadoem1.804. AofinaldoséculoXIXcomaexpansãodaciênciaeofortalecimentode uma nova forma de idéias, que pregava ser o direito a resposta de todos osquestionamentos,encontraojusnaturalismoseufim. A partir desse momento, surge o positivismo filosófico, lastreado naconcepçãoqueaciênciaéoúnicoconhecimentoválido,abstraídodeconcepçõesmetafísicas. Aospoucos,opositivismofilosóficofundiu-secomodireito,nascendoopositivismojurídico. NosvalemosmaisumavezdavozdoprofessorBARROSO,que commuitapropriedadedescreveoscontornosdessafasedodireito:

Opositivismo jurídico foi a importaçãodopositivismofilosóficopara o mundo do Direito, na pretensão de criar-se uma ciênciajurídica, com objetividade cientifica, com ênfase na realidadeobservável e não na especulação filosófica, apartou o Direito damoraledosvalorestranscendentes.Direitoénorma,atoemanadodo Estado com caráter imperativo e força coativa.A ciência doDireito,comotodasasdemais,devefundar-seemjuízosdefato,quevisamaoconhecimentodarealidade,enãoemjuízosdevalor,que representam uma tomada de posição diante da realidade. Não é no âmbito doDireito que se deve travar a discussão acerca dequestões como legitimidade e justiça.10

Oápicedopositivismojurídicodeu-secomasidéiasdeKELSEN,quandoda edição de sua clássica obra Teoria Pura do Direito. Nelaoautorexpõesuaconcepçãodoqueseriaaessênciadodireito,enãodeumordenamentoemespecifico:

A Teoria Pura do Direito é uma teoria do direito positivo. Tão somentedodireitopositivoenãodedeterminadaordemjurídica.Éteoriageralenãointerpretaçãoespecial,nacionalouinternacional,de normas jurídicas. Como teoria, ela reconhecerá, única e

8BARROSO,LuizRoberto.Interpretaçãoeaplicaçãodaconstituição.7ªed.SãoPaulo:Saraiva,2010.p.320.9BOBBIO,Norberto.Teoriadanormajurídica.TraduçãodeFernandoPavanBaptistaeArianiBuenoSudatti.4ªed.SãoPaulo:Edipro,2008.p.55.10 BARROSO, Luiz Roberto (org.); et alii. BARCELLOS, Ana Pula de; PEREIRA, Jane Reis Gonçalves;SARMENTO,Daniel;SOUZANETO,ClaudioPereirade.Anovainterpretaçãoconstitucional.Anovainterpretaçãoconstitucional–ponderação,direitosfundamentaiserelaçõesprivadas.Riodejaneiro:Renovar,2003.p.24.

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exclusivamente,seuobjeto.Tentaráresponderàpergunta“oqueé”e“comoé”odireitoenãoàperguntade“comoseria”ou“deveriaser” elaborado. è ciência do direito e não política do direito.Intitula-seTeoria“Pura”doDireitoporqueseorientaapenasparaoconhecimento do direito e porque deseja excluir deste conhecimento tudooquenãopertenceaesseexatoobjetojurídico.Issoquedizer:elaexpurgaráaciênciadidireitodetodososelementosestranhos.Este é o principio fundamental do método e parece ser claro. Mas umolharsobreaciênciadodireitotradicional,damaneiracomosedesenvolveunodecorrerdosséculosXIXeXX,mostraclaramentecomo isso esta longe de corresponder à exigência da pureza.Demaneiradesprovidadetodoespíritocrítico,odireitosemesclouàpsicologia,ábiologia,áéticaeateologia.Hojeemdianãoexistequasenenhumaciênciaespecial,emcujoslimitesocultordodireitoseacheincompetente.Sim,eleachaquepodemelhorarsuavisãodoconhecimento,justamenteconseguindopediremprestadoaoutrasdisciplinas.Comisso,naturalmente,averdadeiraciênciadodireitose perde.11

Inobstante seu valor, o positivismo clássico também fracassou. Essefracasso, aflorou à necessidade de um sistema sobre o qual, recaíssem valoresmaisdoqueosdecaráter liberal,masqueabarcassegarantiasdecunhosocial,humanista,poissóassim,asdeficiênciasdossistemasanteriores,poderiamseraomenos atenuadas.

O NEOPOSITIVISMO – A JUSTIÇA COMO LAÇO COMUM AOS PRINCÍPIOS

O positivismo clássico não atendeu aos anseios da sociedade do século XX,mormentepelanãoconcretudedesuaslacunas. Aindaomundoobservouasbarbáriesdonazismoedofascismo,ondeseus agentes em defesa no tribunal de Nuremberg invariavelmente se escudavam naobediênciaaumordenamentojurídico. Mashaviaanecessidadedeumestadodedireito,poremmaiseficazqueooriginário. Asmatrizesdopositivismonãopoderiamserdescartadas,enãoforam. O estado de direito pode ser definido nas palavras deBOBBIO (apudSUNDFELD,2011),como:

um Estado em que os poderes públicos são regulados por normas gerais (as leis fundamentais ou constitucionais) e devem ser exercidos no âmbito das leis que o regulam, salvo o direito docidadão,recorreraumjuiz independenteparafazercomquesejareconhecido e refutado o abuso e o excesso de poder. Assim

11KELSEN,Hans.Teoriapuradodireito.traduçãodeJ.CretellaJr.eAgnesCretella.7ªed.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2011.p.67/68.

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entendido,oEstadodedireitorefleteavelhadoutrina–associadaaosclássicosetransmitidaatravésdasdoutrinaspolíticasmedievais–dasuperioridadedogovernodasleissobreogovernodoshomens,segundo a fórmula lex facit regem, doutrina, essa, sobreviventeinclusive da idade do absolutismo, quando a máxima principslegibus solutus é entendida no sentido de que o soberano não estava sujeitoàsleispositivasqueelepróprioemanava,masestavasujeitoàsleisdivinasounaturaiseàsleisfundamentaisdoreino.Poroutrolado, quando se fala de Estado de direito no âmbito da doutrinaliberaldoEstado,deve-seacrescentaràdefiniçãotradicionalumadeterminaçãoulterior:aconstitucionalizaçãodosdireitosnaturais,ouseja,atransformaçãodessesdireitosemdireitosjuridicamenteprotegidos, isto é, emverdadeiros direitos positivos.Na doutrinaliberal, Estado de direito significa não só subordinação dospoderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limiteque é puramente formal, mas também subordinação das leis aolimite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais consideradosconstitucionalmente,eportantoemlinhadeprincipio“invioláveis”(esseadjetivoseencontranoart.2ºdaConstituiçãoitaliana).(...)DoEstadodedireitoemsentidoforte,queéaqueleprópriodadoutrinaliberal,sãoparteintegrantetodososmecanismoconstitucionaisqueimpedemouobstaculizamoexercícioarbitrárioe ilegítimo do poder e impedem ou desencorajam o abuso ou oexercícioilegaldopoder.12

Observe-se que BOBBIO, informa a necessidade da positivaçãodos princípios em uma Constituição, adjetivando inclusive essas normas de‘invioláveis’. A esse novo Estado de direito, onde há uma junção de parcela dojusnaturalismo com o positivismo clássico, nasce o pós-positivismo, ou naspalavrasdeRAMOS:

Destarte,no lugardesse“superado”positivismo,propõe-sequeaDogmática Constitucional se assente em um assim denominado “pós-positivismo”, entendido como “a designação provisória egenéricadeumideáriodifuso,noqualseincluemadefiniçãodasrelações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamadanovahermenêuticaeateoriadosdireitosfundamentais.13

OmodeloKelseniano,talveztenhapadecidodeineficiênciaontológica,que não impediu o uso do direito como instrumento da tirania. Casoessemodelo,tivesseemseubojo,princípiosnorteadoresdasregras,o ordenamento impediria sua instrumentalização no massacre de milhares de judeus por exemplo. Operíodopós-segundaguerra,mostrouanecessidadedeaproximaçãodo12BOBBIO,Norberto.LiberalismoeDemocracia.TraduçãodeMarcoAurélioNogueira.2ªed.SãoPaulo:Brasilense,1998.p.19.13RAMOS,ElivaldaSilva.Ativismojudicial–Parâmetrosdogmáticos.SãoPaulo:Saraiva,2010.p.35.

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direitocomamoral,etal,pareceocorrercomaconstitucionalizaçãodosprincípios. O professor BARROSO explica essa inovação do direito da seguinte forma:

O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aosvalores, uma reaproximação entre ética e Direito. Para poderembeneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando dafilosofiaparaomundo jurídico, essesvalorescompartilhadosportodaacomunidade,emdadomomentoelugar,materializam-seemprincípios,quepassamaestarabrigadosnaConstituição,explicitaou implícitamente. Alguns nela já se inscreviam de longa data,comoaliberdadeeaigualdade,semembargodaevoluçãodeseussignificados. Outros, conquanto clássicos sofreram releituras erevelaramnovassutilezas,comoaseparaçãodosPodereseoEstadodemocrático de direito.14

Portanto,essenovoconstitucionalismo,émarcadodeformainexorávelpelainserçãodosprincípiosmaisrelevantesparaasociedade,noápicedenossoordenamento.Essesprincípioscarregamemsuaessênciaalgocomum,abuscadeuma justiça. ALEXYassimassegura:

QuandooTribunalConstitucionalFederalafirmaqueolegisladorconstituinte se esforçou “em realizar a idéia de justiça naConstituiçãoalemã”,issodizrespeitosobretudoaosprincípiosdedireitos fundamentais. A irradiação dos direitos fundamentais como direito positivo em todos os âmbitos do sistema jurídico inclui,portanto,umairradiação–requeridapelodireitopositivo–daidéiadejustiçaatodososramosdoDireito”.15

Temospoisumliameentretodososprincípioshumanistas.

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Nãoépelosimples fatodeumanormaestargeograficamentenoTextoConstitucional,quesecaracterizacomofundamental. Seuconteúdodeveteressacaracterísticaintrinsecamente,comolecionaALEXY:

Até aqui falou-se de normas em geral. A partir de agora deveser questionado o que são normas de direitos fundamentais Essa questão pode ser formulada de forma abstrata ou concreta. Ela é formulada de forma abstrata quando se indaga por meio de quais critérios uma norma, independentemente de pertencer a um

14BARROSO,LuizRoberto.Interpretaçãoeaplicaçãodaconstituição.7ªed.SãoPaulo:Saraiva,2010.p.328.15ALEXY,Robert.Teoriadosdireitosfundamentais.TraduçãodeVirgilioAfonsodaSilva.SãoPaulo:Malheiros,2011.p.544.

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determinado ordenamento jurídico ou a uma Constituição, podeser identificada como sendo uma norma de direito fundamental.A pergunta assume uma forma concreta quando se questiona quenormasdeumdeterminadoordenamento jurídicooudeumadeterminada Constituição são normas de direitos fundamentais,e quais não. Neste trabalho o objeto é uma teoria dos direitos fundamentais da Constituição alemã. A pergunta a ser feita,portanto,éasegundae,alémdisso,emumaversãoqueserefereaumadeterminadaConstituição,aConstituiçãoalemã.Umarespostasimplespoderiaser:normasdedireitos fundamentaissãoaquelasnormasquesãoexpressaspordisposiçõesdedireitosfundamentais;e disposições de direitos fundamentais são os enunciados presentes no texto da Constituição alemã, e somente esses enunciados.Essa resposta apresenta dois problemas. O primeiro consiste na pressuposiçãodaexistênciadeumcritérioquepermitadividirosenunciados da Constituição alemã entre aqueles que expressam normasdedireitosfundamentaiseaquelesquenãoasexpressam,já que nem todos os enunciados da Constituição alemã expressam direitos fundamentais.Osegundoproblemaconsisteemsaberse,defato,aosdireitosfundamentaisdaConstituiçãoalemãpertencemsomente aquelas normas expressas diretamente por enunciados da própriaConstituiçãoalemã.16

Ojuristagermânicoaprofundaàdiscussãoemsuaclássicaobra,levandoo leitoraconcluirqueumanorma,desdequesejadedireito fundamental,deveestaralicerçadaemprincípios,osquaistemdefiniçãodaseguintemaneira:

Princípiossão,porconsequinte,mandamentosdeotimização,quesão caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somentedaspossibilidadesfáticas,mastambémdaspossibilidadesjurídicas.17

MIRANDAdefinedeformalúcidaasnormasdedireitofundamental:

Por direitos fundamentais entendemos os direitos ou as posições jurídicas subjetivas das pessoas enquanto tais, individual ouinstitucionalmente consideradas, assentes na Constituição, sejana Constituição formal, seja na Constituição material – donde,direitos fundamentais em sentido formal e direitos fundamentais em sentido material. Essa dupla noção – pois os dois sentidos podem ou devem não coincidir – pretende-se susceptível de permitir oestudodediversossistemasjurídicos,semescamotearaatinênciadasconcepçõesdedireitosfundamentaiscomasidéiasdeDireito,osregimespolíticoseasideologias.Alémdisso,recobremúltiplascategoriasdedireitosquanto à titularidade, quanto aoobjectoouao conteúdo e quanto à função e abrange verdadeiros e própriosdireitossubjectivos,expectativas,pretensõese,porventuramesmo,

16Op.cit.p.66.17Op.cit.p.90.

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interesseslegítimos.18

Essasnormascarregamintrinsecamenteinúmerosvalores,comoassinalaSILVA:

Anaturezadessesdireitos,emcertosentido,jáficouinsinuadaantes,quandoprocuramosmostrarqueaexpressão“direitosfundamentaisdohomem” refere-sea situações jurídicas,objetivase subjetivas,definidas no direito positivo em prol da dignidade, igualdade eliberdade da pessoa humana.19

Aindaomesmo autor, salienta que noBrasil, esses direitos estão implícitos noartigo1ºdaCF,quefalaemEstadoDemocráticodeDireito:

AConstituição,aodotá-losnaabrangênciacomqueofez,traduziuumdesdobramentonecessáriodaconcepçãode ‘Estado’ acolhidanoart.1º-EstadoDemocráticodeDireito.20

Notamos certa ligação entre direitos fundamentais e democracia. Esses direitos, abarcando a justiça como vetor, norteiam a construção e aplicação doordenamento. Outros ratificam que a justiça reside abstratamente no direitopositivado (princípios), e empiricamente no direito aplicado (decisão judicial),comolecionaAYRESBRITTO:

Corresponde a falar: o Direito é, na sua estruturalidade, tantoa abstrata justiça das leis (inclusive e sobretudo a justiça das Constituições)quantoaempírica justiçadasdecisões judiciais.EtambémnasuafuncionalidadeoDireitoébinário,porquetantosemanifesta sob a forma de norma geral (Direito-lei) quanto sob aformadenormaindividual(Direito-sentença).21

Latente a forte ligação da justiça com os direitos fundamentais,praticamente ousamos dizer que são indissolúveis. Esses direitos fundamentais, positivados como princípios, trazem umanova visão na construção e aplicação do direito. Oconstrutor(legislador)eoaplicador(julgador),nãoficammaisrestritossomente as regras, estas entendidas como o direito não principiológico, masespecialmenteaosprincípios,dandoorigemaumnovoconstitucionalismo.

OS PRINCÍPIOS E O NEOCONSTITUCIONAL

O fracasso do positivismo clássico trouxe a necessidade de implantação

18MIRANDA,Jorge.Direitosfundamentais.Introduçãogeral.Lisboa:1999,p11/12.19SILVA,JoséAfonso.Comentáriocontextualàconstituição.2ªed.SãoPaulo:Malheiros,2006,p.57.20Op.cit.p.57.21Op.cit.p.55/58.

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noápicedoordenamento,deprincípiosquenorteariamaconstruçãoeaplicaçãododireito,assimchamadosdireitosfundamentais,ounaspalavrasdeALEXY:

A fundamentalidade formal das normas de direitos fundamentais decorre da sua posição no ápice da estrutura escalonada do ordenamento jurídico, como direitos que vinculam diretamente olegislador,oPoderExecutivoeoJudiciário.22

Essesprincípiosasseguramaconcretudedosanseiosmaisrelevantesdasociedade,comodescreveMULLER:

Também diante da cláusula geral, o principio não aparece comoorientação definida ou passível de definição, mas como causa,critério e justificação. Diante das cláusulas gerais, os direitosfundamentais,contém,emumaltograudedensidade,umâmbitonormativo em geral fortemente marcado pelos dados reais, emfunção do qual tais direitos são normalmente assegurados como garantias constitucionais.23

Apartirdessapositivaçãoprincipiológica,nasceàfiguradainterpretaçãoconformeaConstituição,ouaspalavrasdeMIRANDA:

A Constituição confere uma unidade de sentido, de valor e deconcordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E elarepousanadignidadedapessoahumana,ouseja,naconcepçãoquefazapessoafundamentoefimdasociedadeedoEstado.24

O movimento pós-positivista afasta o constitucionalismo liberal e aspolíticas neoliberais, descortinando o chamado totalitarismo constitucional, daexpressão do professor UADI LAMMÊGO BULOS.25 TalmovimentoindicaqueoEstadodeveatingirdeterminadasmetas,emespecial aquelas descritas pelos direitos fundamentais. Essesdireitosseinseremnacategoriadoshumanistas,assimdefinidosporAYRESBRITO:“Consistenumconjuntodeprincípiosqueseunificampelocultooureverênciaaessesujeitouniversalqueéahumanidadeinteira”.26 Aparde tais idéias,aConstituiçãonãopodeser interpretadade formafragmentada,quernaaplicaçãoounaconstruçãododireito,sobpenadetermosumavisãodistorcidadocontextogeraldosistema.ComolecionaOTERO:

o Direito é, bem pelo contrário, e antes de tudo, um conjuntoorganizado de normas jurídicas. Ora, e precisamente a naturezaorganizadadesseconjuntodenormasjurídicasquepermiteafirmar

22Op.cit..p.520.23MULLER,Friedrich.Teoriaestruturantedodireito.TraduçãodePeterNaumanneEuridesAvancedeSouza.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2012.p.262/261.24MIRANDA,Jorge.ManualdeDireitoConstitucional.V.4.Coimbra:1999.p.166.25BULOS,UadiLammêgo.ConstituiçãoFederalanotada.SãoPaulo:Saraiva,2000.p.16.26Op.cit.p.19.

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que o Direito é uma ordem, surgindo, deste modo, a noção deordenamento jurídico; oDireito exprimeum conjunto de normasdotadasdeumaespecificaordenaçãoearticulaçãoquelhesconfereetraduz,simultaneamente,umsentidounitário.27

Essesentidounitáriododireitotemcomoliameosprincípios. Sãoelesqueunemesolidificamosistema,ounodizerdeREALE:

Há uma tendência natural, psicológica e sociologicamenteexplicável, a qual se traduz em uma integração progressiva deordenamentos,medianteumarecíprocainfluencia,compredomíniodestaoudaquelaforçasocial.Talfenômenoexplica-se,outrossim,emvirtudeda própria naturezados valores que se objetivampormeio de normas jurídica, pois, consoante expusemos em nossaFilosofiadodireito, comoapoionaAxiologiadeMaxSchelereNicolauHartmann,umadascaracterísticasdosvaloreséasuaforçaexpansiva,oquelevaosegundodosautoreslembradosafalar-nosem“tiraniadosvalores”.Aessatendênciaporassimdizer,imperialista,nosentidodefazer-sevalernosplanosobjetivosdahistoria,une-se uma outra qualidade axiológica, que é a solidariedade, isto é,a compreensãoouco-implicaçãodasvalorações emumprocessocomentesuscetíveldesercompreendidoàluzdeumadialéticadeimplicação-polaridade.28

Entreessesvalores,ajustiçaserealça.

A JUSTIÇA COMO AXIOMA DO DIREITO Ajustiçaéelementoeliameentreosprincípios;éosentimentodobemcomum,ouseja,aquiloqueébomatodoséjusto. Nãohácomoseimaginarumordenamentoquesejadiferente,comonaspalavrasdeSANDEL:

Seumasociedadejustarequerumfortesentimentodecomunidade,ela precisa encontrar uma forma de incutir nos cidadãos uma preocupaçãocomotodo,umadedicaçãoaobemcomum.29

EssapreocupaçãoqueoprofessordeHarvardrevela,dizdeformamuitolúcida,queobemcomumdeveserumapreocupaçãode todos,emespecialdosoperadores do direito. A justiça em sentido lato abarca todos os princípios humanistas, e odesprezodealgumdeles,deixaumalacunaquepodesersinônimodoinjusto. Osprincípioshumanistas,quealicerçamosistemageraldedireito,trazem27OTERO,Paulo.LiçõesdeIntroduçãoaoestudododireito.IV.Lisboa:1999.p.307.28REALE,.Miguel.TeoriadoDireitoedoEstado.5ªed.4ªtiragem.SãoPaulo:Saraiva,2010.p.319/320.29SANDEL,MichaelJ.Justiça.Oqueéfazeracoisacerta.TraduçãodeHeloisaMatiaseMariaAliceMáximo.Riodejaneiro:CivilizaçãoBrasileira,2011.p.325.

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emseuâmago,abuscadeumajustiça. OsaudosoprofessorMONTOROdizque:

Alémdisso,anoçãode“princípiosgeraisdodireito”–aquedevem,acadamomento, recorrero juizeosdemaisaplicadoresda lei–correspondefundamentalmenteaosprincípiosde“justiça”...30

KANT,járessaltouumprincipiogeraldodireitodaseguinteforma:

Qualqueraçãoéjustaseforcapazdecoexistircomaliberdadedetodosdeacordocomumaleinatural,ounasuamáximaaliberdadede escolha de cada um puder coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal.31

Essabuscada justiça atravésdoDireito, sempre foiumapreocupação,desdeopositivismoclássico,comolecionaoprofessorlusitanoMARQUES:

Pode,assim,admitir-se,comoumdadosociológicosusceptíveldeverificação,queemtodasasépocase latitudesoespíritohumanotoma por meta transcendente da criação juspositiva, o ideal dajustiça.32

Ajustiçacomovalormáximododireito,éalgoextremamenteligadoaosprincípios,quandoestesseposicionamnoordenamentocomoguiasdaedificaçãoe aplicação do mesmo. Pode-seafirmarquejustiçaéabuscaeconcretudedosideaispositivadosnos princípios humanistas, e esse juízo fortemente carregado de subjetivismo,oscilaaolongodotempocomoasseveraBOBBIO:

Oproblemadajustiçaéoproblemadacorrespondênciaounãodanormaaosvaloresúltimosoufinaisqueinspiramumdeterminadoordenamento jurídico. Não tocamos aqui na questão se existeum ideal de bem comum idêntico para todos os tempos e paratodosos lugares.Paranós,bastaconstatarque todoordenamentojurídicoperseguecertosfins,econvirsobreofatodequeessesfinsrepresentamosvaloresacujarealizaçãoolegislador,maisoumenosconscientemente,maisoumenosadequadamente,dirigesuaprópriaobra. No caso de se considerar que existem valores supremos,objetivamente evidentes se é apta ou não a realizar esses valores. Mas,tambémnocasodenãoseacreditaremvaloresabsolutos,oproblemadajustiçaounãodeumanormatemumsentido:equivaleaperguntarseessanormaéaptaounãoarealizarosvaloreshistóricosqueinspiramcertoordenamentojurídicoconcretoehistoricamentedeterminado. O problema se uma norma é justa ou não é um aspecto docontrasteentremundoidealemundoreal,entreoquedevesereoqueé;normajustaéaquelaquedeveser;normainjustaéaquela

30MONTORO,AndréFranco.Introduçãoàciênciadodireito.28ªEd.SãoPaulo:RevistadosTribunais.2009.p.158.31Op.cit.p.76/77.32MARQUES,J.Dias.Introduçãoaoestudododireito.2ªed.Lisboa:1994.p.48.

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que não deveria ser.33

Odireitopodeserenxergadocomoumaexigênciadejustiça,tantoqueoslatinos diferem o jus do lex. AindaMONTOROcommuitapropriedaderessaltaque:

Nesse sentido, direito é propriamente aquilo que é “devido” porjustiça a uma pessoa ou a uma comunidade: o respeito à vida édireitodetodohomem,aeducaçãoédireitodacriança,osalárioédireitodoempregado,ahabitaçãoédireitodafamília,oimpostoédireito do Estado. A essa acepção corresponde a expressão clássica “daracadaumoseudireito”.34

Entreasváriasfacesdajustiça,umaquenoschamaàatençãoéaqueserelaciona com a democracia.

DEMOCRACIA COMO FORMA DE JUSTIÇA E FIM DO ESTADO

Ademocraciapodeservistacomoumadasincorporaçõesdosprincípioshumanistas. Elapressupõeoutorgadepoderpelopovoaseusrepresentantes,comafinalidadedeexercê-lonãodeformaabsoluta,poisencontralimitesnosdireitosfundamentais. ComolecionaFERREIRAFILHO:“Navisãoocidentaldedemocracia,governopelopovoelimitaçãodepoderestãoindissoluvelmentecombinados”.35 Nagestãodessespoderesoutorgados,espera-sequeomandatárioatuesobopaliodosprincípioshumanistas,devidamenteinseridostextualmentenaCF. Nessa esteira, democracia e princípios humanistas, estão entrelaçados,comodescreveAYRESBRITTO:

Sendoassim,dá-severdadeirafusãoentrevidacoletivacivilizada(culturalmentevanguardeira,foidito)edemocracia.Istonosentidodeseentenderporvidaemcomumcivilizadaaquelaquetranscorre,circularmente,nosarejadosespaçosdacontemporâneademocracia.Com o que o humanismo e a democracia passam a formar uma unidadeincindível.Inapartável.36

Considerandoqueosprincípioshumanistas,carregamemsiumelementocomum, que é a justiça, podemos entender que amesmaderiva de um sistemademocrático,sendoeste,nãoapuravontadedasmaiorias,masaquelaensejadorade determinado padrão de civilidade. 33BOBBIO,Norberto.Teoriadanormajurídica.4ªed.TraduçãodeFernadoPavanBaptistaeArianiBuenoSudatti.SãoPaulo,Edipro.2008.p.46.34Op.cit.p.160.35FERREIRAFILHO,ManoelGonçalves.Estadodedireitoeconstituição.SãoPaulo:Saraiva,1988.p.16.36Op.cit.p.33.

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Acompanhando o raciocínio do Ministro do STF37, a democraciacontemporânea,étríade,tendoosseguintestraçosfisionômicos:procedimentalista,ouseja,aconstituiçãodopoderpolíticoocorreatravésdovotopopulareosistemarepresentativodeexercíciodopoder;substancialista,aseoperacionalizaratravésda desconcentração de poder, bem como pormeio de ações distributivas, estasligadas ao campo econômico-social; e por fim, a face fraternal, especialmentecristalizadaatravésdasaçõesafirmativas. EssemodelodedemocraciaseapresentacomoumdosfinsdoEstado,queentreoutrasexpectativas,traduzabuscadeumasociedadehumanista. Veja-sequenãoestamosfalandodademocraciaclássica,assimentendidaa simples e objetiva vontade das maiorias. Esse modelo mostra-se ineficaz naconcretudedecertasexpectativas,comodescreveZAGREBELSKY:

Paraademocraciacrítica,nadaémaisinsensatoqueadivinizaçãodopovoexpressapelamáximaVoxpopuli,voxdei,umaverdadeiraforma de idolatria política. Essa grosseria teologia democráticacondizcomasconcepçõestriunfaiseacríticasdopoderdopovo,asquais,comojávimos,sãoapenasadulaçõesinteresseiras.38

VoltandoàspalavrasdoilustreMinistrodoSTF,AYRESBRITTO,temosatualmenteumsistemademocráticoquenãotemcomofimavontadedasmaiorias,masquebuscaaconcretizaçãodeumasociedadehumanista:

É o quanto basta para a dedução de que o humanismo enquanto vida coletiva de alto padrão civilizatório é aquele que transcorrenos mais dilatados cômodos da contemporânea democracia detrês vértices: a procedimentalista, a substancialista e a fraternal.Os dois termos (humanismo e democracia) a se interpenetrar por osmose,enãomaisporsimplesjustaposição.Dondeametáforadatransubstanciação.39

CONCLUSÃO Apardoacimaexposto,nosdeparamosatualmentecomumordenamentopautado no neopositivismo, onde princípios humanistas integram nossaConstituição,tendocomoliameevetorbásico,ajustiça. Considerando segundo as palavras de ALVES que: “o axioma é umprincipionecessário,evidenteporsimesmo,indemonstrável,fundamento–formal–deumasériedededuções”40,nãohaveriasentidonosprincípiossenãohouvesseneles a justiça. 37Cf.op.cit.p.33/34.38ZAGREBELSKY,Gustavo.A crucificação e a democracia.TraduçãodeMonica deSanctisViana. SãoPaulo:Saraiva,2011.p.135.39Op.cit.p.35.

40 ALVES, Alaor Caffé. Lógica – Pensamento formal e argumen-

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Muitoemboraesseconceitosejasubjetivoevariávelaolongodotempo,enãopodeterumconceitoobjetivo,poisafirmarquealgoéjustoouinjusto,éumjulgamentocarregadodevaloreseconcepçõesdiversas,éderigorquesempreoordenamentosejainterpretado,quernacriaçãoounaaplicaçãododireito,sobessesentimento integrativo. Atualmente,comafiguradajudicializaçãodapolítica,aaplicaçãodessespostuladosnaconcretudedodireito,émuitoexaltadaporseusdefensores,masdeveolegisladortambémsesubjugaraessesparadigmas,comosalientaBARROSO:

Toda atividade legislativa ordinária nada mais é, em ultimaanálise, do que um instrumento de atuação da Constituição, dedesenvolvimentodesuasnormaserealizaçãodeseusfins.Portanto,ecomojáassentado,olegisladortambéminterpretarotineiramentea Constituição. 41

Mas a justiça não restringe sua presença somente a essa seara, elatambémestapresentenademocracia,nãoaquelaqueprestigiasomenteavontadedasmaioriasedesprezaasminorias,masnaquecultuaebuscaatravésdosistemade representação, edificar uma sociedade humanitária. Essa democracia crítica,quenãosóconferepoderes,masindicaosobjetivos,osfiscalizaeretira,temsuadefiniçãobemsalientenavozdeZAGREBELSKY:

A democracia crítica quer tirar o povo da passividade e tambémda mera reatividade. Quer fazer dele uma força ativa, capaz deiniciativae,portanto,deprojetospolíticoselaboradosporsimesmo.Emresumo:querumpovoquesejaosujeitodapolítica,nãoobjetoou instrumento.42

Esse modelo novo de democracia, ao se fundir com a busca dedeterminadosprincípioshumanistas(adignidadedapessoahumanaporexemplo),nosquaisencontramosajustiça,torna-seumdosfinsdoEstado.

REFERENCIAS

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A PLURISSIGNIFICAÇÃO DA PROVA NA CONFOR-MAÇÃO DE SUA RAZÃO DE EXISTIR

Alexandre Gazetta Simões1Celso Jefferson Messias Paganelli2

RESUMOO presente trabalho tem por objetivo investigar o problema da verdade sobre o foco dateoriageraldaprova.Nessesentido,apresentaumavisãopanorâmicasobresuaplurissignificação,abordandoosváriosaspectosadstritosàteoriageraldaprova.Defendeseraprovaoinstrumentoprocessualadequadoàbuscadeumaverdadepossível.Propugna,apartirdessaconstatação,seraverdadepressupostodeumadecisãojusta,apoiando-se,paratanto,noescoposocialdajurisdição,qualseja,depacificarcomjustiça.Finalmente,comoconclusão,apóstaisponderações,verberaporumamaiorimportânciaacadêmicaàteoriageraldaprova,apresentando,emsuavisão,asimplicaçõesderivadasdessedesinteressedaacademiaataltemática.Palavras-chave:Prova–Verdade–Justiça–TeoriaGeraldaProva.

INTRODUÇÃO

Emumpontodevistamaisdireto,háque seponderar, inicialmente,oentendimento do verbo provar.Mais especificamente, no que consiste o ato deprovar,emsuasignificaçãomaiselementar,porsuposto. Evidente,queessa significação leigaapresenta subsídiosquederivarãoemumaconformaçãotécnicamaisapropriada.Aomenos,umaconceituaçãoquesejaamaistotalizantepossível. Portalrazãoaventura-seemtaisparagens.Mas,entretanto,jáseadverteoleitor,vistoqueinstrumentaldesejávelaumdestinooutro,quevicejeemumaontologia própria à noção da importância real da prova para o processo comoinstrumento concretizador da justiça.

PLURISSIGNIFICAÇÃO DA PROVA.

Dessemodo, emumsentidomais comezinhoedramático, se éque sepode abordar dessemodo uma significação científica; emumviés etimológico,provar deriva de sofrer.1 Graduado em Direito (ITE-BAURU). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC);DireitoConstitucional (UNISUL);DireitoConstitucional (FAESO);DireitoCivileProcessoCivil (FACULDADEMARECHALRONDON);DireitoTributário(UNAMA).AnalistaJudiciárioFederal–TRF3.Professordegraduaçãode Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da RevistaAcadêmicadeCiênciasJurídicasdaFaculdadeEduvaleAvaré-EthosJus.alexandregazetta@yahoo.com.br.2GraduadoemDireitopelaFaculdadeEduvaledeAvaré.Advogado.ProfessoruniversitáriodeDireito.

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Assim, o verbo transitivo provar relaciona-se com a dor, significaçãopassivadesofrer,talvezjáadstritaaoinvólucrodeagrurasquepermeiaeacompanhaa atividade processual. De outro ponto de vista, provar liga-se a experimentar, conexomais àtemática gastronômica. Ainda, em uma abordagem mais inusitada, o verbo provar pode serpensadoapartirdeumasignificaçãoqueseligaaidéiadecorroboraroujustificarumaconcepçãomercadológica. Dessaforma,JoãoPenidoBurnierJunior3explicaque:

Overboprovaréempregadoemváriossentidosemnossalíngua.Assim,podeterumasignificaçãopassivadesofrer,comoquandosefalaque“alguémprovouasagrurasdoinverno”,ouque“provouas conseqüências de uma moléstia”, ou, então expressar umaatividade, como “experimentar” (o cozinheiro provou a comida;o cliente provou a roupa), “corroborar”, “justificar” ( a aceitaçãodamercadoriaprovaqueapesquisademercadorestavacorreta),eassim por diante.

Porsuavez,paraFranciscoTorquatoAvolio4,citandoosensinamentosdeAntonioCarlosdeA.Cintra,AdaPellegriniGrinovereCândidoRangelDinamarco,asseveraque:“Pode-sedizerqueaprovaéoelementointegradordaconvicçãodojuizcomosfatosdacausa,daísuarelevâncianocampododireitoprocessual”. Ainda, Fredie Didier Júnior; Paulo Sarno Braga e Rafael Oliveira5 explicamque:“Numsentidocomum,diz-sequeprovaéademonstraçãodaverdadedeumaproposição”. Eprosseguemasseverandoque:

Nosentido jurídico, sãobasicamente trêsasacepçõescomqueovocábuloéutilizado:a)àsvezes,éutilizadoparadesignaroatodeprovar, édizer, aatividadeprobatória;énesse sentidoquesedizque aquele que alegaum fato cabe fazer provadele, isto é, cabefornecer os meios que demonstrem as sua alegação; b) noutrasvezes,éutilizadoparadesignaromeiodeprovapropriamentedito,ouseja,astécnicasdesenvolvidasparaseextrairaprovadeondeelajorra;nessesentido,fala-seemprovatestemunhal,provapericial,provadocumentaletc.;c)porfim,podeserutilizadoparadesignaroresultado dos atos ou dos meios de prova que foram produzidos no intuito de buscar o convencimento judicial e é nesse sentido que se diz,porexemplo,queoautorfezprovadosfatosalegadosnacausa.

E nesse sentido, ainda, buscando-se uma melhor abrangência sobre

3JUNIOR,JoãoPenidoBurnier.TeoriaGeraldaProva.Edicamp:Campinas,2009,p.10.4AVOLIO,LuizFranciscoTorquato.ProvasIlícitas.SãoPaulo:Saraiva,4ªed.,2010,p.30.5 JÚNIOR,FredieDidier;BRAGA,PaulaSarno eOLIVEIRA,Rafael.Curso deDireitoProcessual,Volume02.EditoraPodium:Salvador,2007,p.20.

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o conceito de prova, em suas várias expressões; Eduardo Couture , em suasensinanças,aosereferiràsformasdeproduçãodaprova,explicaque:

El orden de esas tres fonnas de producirse la prueba es el que se pasa a enunciar.a) -En primer término, aparece la prueba directa por percepción.Consiste en el contacto inmpdiato de la persona del juez con los objetos o hechosque habrándedefllostrarse en el juicio.Puededecirse que la prueba más eficaz es aquella que se realiza sinintennediarios, y en ese sentido, el primero de todos losmediosdeprueba,desdeelpuntodevistadesueficacia,eslainspecciónjudicial.Así,sisetratasedeunjuicioporseparacióndelosárbolespróximos de la pared medianera, ninguna prueba mejor quela constituída por la inspección directa por el propio juez de losárboles y la pared que son motivo de la prueba.Pero este medio de prueba funciona en escasas oportunidades. Un hechoescasi siempreunacircunstanciapasajera,y lonormal, loregular,esquelaposibilidaddeobservacióndeesehechosehayaperdidodefinitivamentecuandoeljueztengaquefallarellitigio.Esnecesario,entonces,acudiralosmediossustitutivos.b)Elmediosustitutivodelapercepcióneslarepresentación:larepresentaciónpresentedeunhechoausente.Larepresentaciónde los hechos se produce de dosmaneras:mediante documentosquehanrecogidoalgúnrastrodeesoshechos,omedianterelatos,esdecir,medianteunareconstrucciónefectuadaatravésdelamemoriahumana.Estamos,pues,enpresenciadelarepresentaciónmediantecosasydelarepresentaciónmedianterelatosdepersonas.c) La representación mediante cosas se realiza con la pruebainstrumental. Un documento representa um hecho pasado o un estado de voluntad. Cuando el acreedor y el deudor están de acuerdo en cuantoalacosayalprecio,yextiendensucontratodecompraventa,loquehacenes,puraysimplemente,representareneldocumentoese estado de ánimo común que se llama consentimiento. En este sentido,lapruebaescritanoesotracosaqueunmododepreconstituírlaprueba,enprevisióndeposiblesdiscrepanciasfuturas•d)Acontinuaciónseadviertequenotodaslãscircunstanciaspuedenregistrarse en documentos. El consentimiento puede frecuentemente documentarse;peroloshechosilícitos,losdelitos,loscuasidelitos,normalmentenosepuedendocumentar.Enunaccidentedetránsito,queocurreenunabrirycerrardeojos,nohaydocumentoposible.Losdocumentosposteriores,comoelpartepolicial,sonderelativovalor.Entonceslareconstruccióndeloshechosseverificamedianterelatos.Estarepresentaciónmedianterelatossepresentaendoscircustanciasdistintas: el relato efectuado por las partes y el relato efectuadopor terceros que nada tienen que ver en el juicio. Cuando la representaciónseefectúaporlaspartesmismas,seestáenpresenciadelaconfesiónodeljuramento.Laspartes,alconfesaroal juraracercadelaverdaddeunhecho,nohacenotracosaquerepresentar

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en el presente una circunstancia ausente.Ycuandolarepresentaciónseproducemedianterelatodeterceros,depersonasindiferentes,aquienesnomueveelinterés,seestáenpresencia de la prueba de testigos.e)Quedatodavíalaprueba-pordeducciónoinducción.Cuandohastaelrelatoesimposible,existetodavialaposibilidaddereconstruírloshechosmediantededuccioneslógicas,infiriendodelos hechos conocidos los hechos desconocidos. Tal cosa se obtiene mediantelalabordelpropiojuez,porelsistemadelaspresunciones.La presunción se apoya en el suceder lógico de ciertos hechosconrelaciónaotros.Cuandoladeducciónseefectúamedianteelaporte de terceros que infieren, através de su ciencia, los hechosdesconocidosdelosescasoshechosconocidos,seestáenpesenciadel examen pericial.

Portanto, a acepção enunciativa da prova apresenta várias expressõespossíveis,demodoqueasuasignificaçãoeextremamenteabrangente.

A PROVA COMO INSTRUMENTO DA VERDADE. A VERDADE COMO INSTRUMENTO DA JUSTIÇA

Afigura-seclaraaplurissignificaçãodovocábuloprova,vistoquepodeser referidoemmúltiplas significações;comoensinaEduardoCambi6; seja fatorepresentado,atividadeprobatória,meiooufontedeprova.Portanto:“procedimentopeloqualossujeitosprocessuaisobtêmomeiodeprovaou,aindaaoresultadodoprocedimento,istoé,arepresentaçãoquedelederiva(maisespecificamente,àconvicçãodojuiz)”. Enesseúltimoprisma,emparticular,deve-sepretenderumavisãomaispróxima.Já,portanto,pretendendoaproximar-sedeumaidéiaqueexpliquenãomaisaontologiadaprova,massuafinalidadeessencial. Tal caminho deverá ser trilhado a partir de noção de que é por meio da prova que se pretende investigar a verdade dos fatos ocorridos7,essesfundamentosdoprocesso,emumaacepçãopragmática,queseprestarãoàconstruçãodasíntese,vertidanodispositivodasentença,quandodaaplicaçãodoprocessosubsuntivoàhipóteselegal. Assim, tem-se que a convicção razoável é importante para a sentença,umavezqueojuiz,paratomarumadecisão,deverásaberoqueénecessárioparajulgar o pedido. Entendendo,aliás,essanecessidadecomoavisãototaldoquadrofáticoqueseprestaráàmolduralegal. Nessesentido,GuilhermeMarinonieSérgioCruzArenhart8 asseveram 6CAMBI.Eduardo.DireitoConstitucionalàProvanoProcessoCivil.SãoPaulo:RT,2001,p.41.7MARINONI,LuizGuilherme;ARENHART,SérgioCruz.Prova.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2009,p.25.8MARINONI,LuizGuilherme;ARENHART,SérgioCruz.Prova.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2009,pp.24.

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que:

Nãohádúvidaque a funçãodos fatos (e, portanto, daprova) noprocesso é absolutamente essencial, razãomesmoparaque a suainvestigação ocupe boa parte das regras que disciplinam o processo deconhecimentonoCódigodeProcessoCivil.Seoconhecimentodos fatos é pressuposto para a aplicação do direito e se, para operfeito cumprimento dos escopos da jurisdição, é necessária acorretaincidênciadodireitoaosfatosocorridos,tem-secomológicaa atenção redobrada que merecer análise fática no processo.

Portanto,avisãofáticatotaldoeventoquemotivaaaçãojurisdicional,somenteépossível,mesmoqueutopicamente,pormeiodaprova,pressupostodapresença da verdade nos autos. Assim, a prova está profundamente ligada à verdade, visto que, emúltimaanálise,oumesmoabordandosuanaturezajurídica,trata-sedoinstrumentoprocessual lapidado a alcançar tal resultado. Esobretalacepção,MicheleTaruffo9ponderaque:

Estasperspectivas,yotrasquepodríansituarseenelmismoâmbito,son variantes – ligadas a la diversidad de las aproximaciones culturales generales y, en particular, a la diversidad deaproximaciones epistemológicas – respecto a um leitmotiv quepuedeconsiderarseconstante:laideadeque,supuestalaposibilidaddealcanzarlaverdadjudicial(definidadealgúnmodo),lapruebaes el instrumento procesal que sirve para alcanzar esse resultado.

Enesseaspecto,buscandoaindadimensionarumamaiorintimidadecomaimportânciadotema,averdadeépressupostodajustacomposiçãodalide,umdos escopos fundamentais da jurisdição. NãoésemrazãoqueCândidoRangelDinamarco10asseveraque:

Assim,ajurisdição,comoexpressãodopoderpolítico.Saindodaextremaabstraçãoconsistenteemafirmarqueelavisaàrealizaçãodajustiçaemcadacasoe,medianteapráticareiterada,àimplantaçãodoclimasocialdejustiça,chegaomomentodecommaisprecisãoindicar os resultados que, mediante o exercício da jurisdição, oEstado se propõe a produzir na vida da sociedade.

Prosseguindo,deve-sevolveroolharaumaspectoadstritoàinserçãodatemáticaprobatórianaconstruçãodedecisãoqueseráemanadapelo julgador,apartir de suas convicções. Assim,tudooqueatéforaexpostonosentidodaimportânciadaprovanaconstruçãodaverdadepossívelnoprocesso,elementoessencialàumadecisãojusta,somenteterávaliaseojulgador,valer-sedeumaconstruçãocognitivaque9TARUFFO,Michele.LaPruebaDeLosHechos.3ªed.Madrid:EditorialTrotta,2009,p.85.10DINAMARCO,Cândido.AInstrumentalidadedoProcesso.13ªed.SãoPaulo:MalheirosEditores,2008,p.188.

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leve em consideração as provas produzidas nos autos. Suamotivaçãointelectualdeveprovir,racionalmente,defonteprobatória,afastando-sedeturbilhãoquerepousaemsuaconvicçãoíntimadascoisas,apartir,porexemplo,deumetiquetamentosocial. Nãosequeraqui,afastaroelementohumanodojulgador,adstritoàsuanaturezadeserracional,quepercebeomundoàsuavolta,eopinapelosimoupelonão.Mas,aorevés,propugnarpelocaráterinstrumentaldaprova,aqualpresta-seasubsidiar,porexemplo,umjuízodeverossimilhança. Assim, a idéia da máxima de experiência, zona fronteiriça entre oabsolutosubjetivismoeorelativismoobjetivo;presta-se,precisamente,àidéiaquesepretendeincutir.Aconvicçãonãopodeprescindirdaprova,emseuprocessodeconcepçãocognitiva.Noentanto,hásituaçõestais,queaprovadosfatosadstritos,masperiféricosafatosdeterminantes,presta-secomoindicadordeverossimilhança,essaconstruídaapartirdeumjuízosubjetivo. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart11 ponderamque:

Para atingir o conceito de verossimilhança,CALAMANDREI sevaleda idéiademáximadeexperiência.Partindodesseconceito,estabelece a noção de que “verossimilhança” é uma idéia que seatingeapartirdaquiloquenormalmenteacontece.Éessailaçãológicado usual que permite ao sujeito reconhecer como verossimilhança algoque,segundocritériosadotadospelohomemmédio,prestar-se-iaparaadquiriracertezaquantoacertofato.Assim,“parajulgarseumfatoéverrossímilouinverossímil,recorramos,semnecessidadede uma direita pesquisa histórica sobre sua concreta verdade, aum critério de ordem geral já adquirido previamente mediante a observação do quod plerumque accidit: já que a experiência nosensina que fatos daquela específica categoria ocorrem no casoconcreto, dessume-se desta experiência que também o fato emquestão se apresenta comoaaparênciade serverdadeiro; evice-versaconclui-sequealgoéinverossímilquando,mesmopodendoserverdadeiro,pareceporémemcontrastecomocritériosugeridopelanormalidade”.Comoéevidente–ecomotambémélembradopeloprocessualistaflorentino-,essaverossimilhançadependerádecritériosnitidamentesubjetivosevariáveis,deacordocomosujeitocognoscente.

Portanto,afinalidadedaprovaédarsubsídiosparaqueojuizpossajulgaracausaomaispróximopossíveldaquiloqueocorrera. Oconceitodeprova,portanto,emumasignificaçãopróximaàquiloquenos émais caro, revela-se, é verdade, em um desiderato utópico “de busca decertezadevisãodeumcaminhoaseguir”.

11MARINONI,LuizGuilherme;ARENHART,SérgioCruz.Prova.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2009,pp.38e39.

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Outrossim,nessaproposiçãodeseatingirumadecisão justa;osqueseaventuramporessaseara,lidamcomasemprepresentepossibilidadedecairemdesgraçaedesgraçarosoutros.E,éjustamentenessemeandro,noolhodofuracão,queresideaimportânciadatemáticadeprova. Enesseaspecto,depoisdesetentarbuscarumpanoramaabrangente,aindaquenãotãodenso,sobreaplurissignificaçãodaprova;caminhandoporsearasquese pretendeu terem por destino a compreensão da umbilical ligação entre a temática probatória,emsuasignificaçãoeaplicação,naconsecuçãodejustiça,apartirdoescopofundamentaldajurisdição;quer-se,nessemomento,volverosolhosàfaltadeimportânciaqueérelegadataltemática. Assim,vislumbra-seaquestão.Deumaponta, a teoriageraldaprova,funcionandocomoengrenagemprincipaldetodaamáquinaprocessual,vistoqueo processo, em sua função, a partir de uma conotação aindanãodesatualizada,pretende-secomomecanismojurídicocapazdereproduzir,emsuasentranhas,averdadequeocorreraforaeantesdesse.Deoutraponta,aorevés,apoucaatençãodacomunidadejurídicadispensadaaumtematãocandente,quandomuito,relegadoa notas de rodapé. Ora,éparadoxal,conceber-seoprocessocomouminstrumentogarantidordejustiça,aptoareproduziraconcordânciadofatoocorridocomasconclusõesquedaí derivarão, a partir do ideal chamado de “verdade substantiva”, e relegar asprovas a um plano subsidiário. Emsuma,éoptarporvaler-sedapuraesimplesprobabilidadedeerroeacerto,commetadedechancesparasimouparanão,flertandoperigosamentecomo acaso. E, sobretudo,por tais razões, taisquestionamentos tocamemacepçõesqueresvalamemvalores,comojustiça,verdade,dignidadedapessoahumanaesegurançajurídica. Tantopior,pois!

CONCLUSÃO

Comoum fechopanfletário, verbera-se, por tudoque se disse, por umdespertaracadêmicoàilustreedesconhecidaciênciadaprova. Assim,urgemaisemelhoresestudossobreaTeoriaGeraldaProva.Salvoalgunsdoutrinadoresheróicos,poucosetemescritosobreumtematãocandentenocotidianoforense,tãoentremeadodedúvidaseobscuridades,comumaimportânciatãogrande,vistoquesemostracomorazãodeserdoprocesso. E por tal menção, o processo deve estar a serviço da jurisdição,legitimando-aeinserindo,emseuexercício,osvaloresconstitucionaisínsitos. Comtaldesiderato,oprocessodeveserpensadoapartirdapremissada

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efetividadedajurisdição,deformaasealcançarajustiçamaterialdocasoconcretonomaisbrevetempopossível. Eportaisponderações,aprovacomoinstrumentoprocessualtalhadoàbuscadaverdade,aindaqueumaverdadepossível,éagarantiadeumprocessojusto,eaboatécnicanaaplicaçãodosmeiosprobatóriosadstritosàpeculiaridadesfáticasdocasoemjulgamento,éagarantiadesuaefetividade.

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ATIVISMO JUDICIAL

Wilson Canci Júnior1

RESUMOEsteartigovisaabordaroativismojudicial,faceàsinúmerasmudançasnosmodelosconstitucionaispresentes,desortequeaprópriacompreensãoeapráticatenhamsemodificado.Aredemocratizaçãoemdiversospaísesnasúltimasdécadasmostrouque o modelo constitucional se alterou no sentido de ampliar os direitos e garantias individuais.Daíadvémonovostatusaoqualfoielevadoaconstituição.Porfim,abordar-se-áarepercussãodessefenômenojurídiconoterritóriopátrio,sobretudoperanteaoposicionamentojurídicopró-ativodoSupremoTribunalFederal.Palavras-chave:Ativismojudicial;ConstituiçãoFederal;Judicialização.

INTRODUÇÃO

O vocábulo ativismo pode ser empregado com mais de uma acepção. No âmbitodaciênciadoDireito,eleéempregadoparadesignarqueopoderjudiciárioestáagindoalémdospoderesquelhesãoconferidospelaordemjurídica. Deve-seentenderoexercíciodafunçãojurisdicionalparaalémdoslimitesimpostos pelo próprio ordenamento jurídico, que, institucionalmente, incumbeao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo tanto litígios de feições subjetivas(conflitos de interesses) quanto às controvérsias jurídicas de natureza objetiva(conflitosnormativos)(RAMOS,2010). TourinhoLeal(2010,p.24),assinalaquemesmosedestacandoadificuldadeem se fixar critérios objetivos para uma conceituação sobre o termo ativismojudicial,essaexpressãoestáassociadaàideiadeexorbitânciadecompetênciaporpartedoPoderJudiciário,razãopelaqualadverte,quechamar-sedeativistaaumtribunalimplicaatribuir-lhealgodenegativonasuacondutainstitucional. Paraambososautores,portanto,oativismojudicialsignificaumaespéciedemau comportamento ou demá consciência do Judiciário acerca dos limitesnormativos substanciais do seu papel no sistema de separação de poderes do Estado Constitucional de Direito. Oativismojudicialnascecomosurgimentodoconstitucionalismosocial,especialmente com a ascensão dos direitos fundamentais e dos princípios queregem as constituições sociais. Busca objetivamente a tornar efetivo o tão almejado Estado Democrático deDireitotraçadopelaConstituiçãoFederal,traduzindo-senaefetivaparticipaçãoativa dos magistrados na proteção dos princípios constitucionais, por meio do

1PromotorpúblicoemMatoGrossodoSul,especialistaemDireitoPúblicoePrivado.

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controledaatividadedosdemaispoderes,especialmentedoPoderLegislativoemsuas omissões e excessos. Há no Brasil fortes opositores ao ativismo, que chegam a compará-loaoPoderModeradorqueexistiunoBrasil Imperial,contudo,frenteaosgrandesavanços da sociedade, como surgimento de questões ainda não reguladas peloDireito,bemcomofrenteàespecialmorosidadedoPoderLegislativo,oativismose mostra a única solução imediata a problemas que não podem esperar pela criação legislativa.

ORIGEM E DEFINIÇÃO

A controvérsia sobre o termo ativismo judicial já surge quanto a sua origemedefinição. Quantoàorigem,algunsautoresafirmamqueestefenômenosurgiucomajurisprudêncianorte-americana. LuísRobertoBarroso(2010),afirmaqueoativismojudicialdespontoucomummatizconservador,citandocomoexemploaSupremaCorteAmericanaqueutilizouativismoparamanter a segregação racial: “Foinaatuaçãoproativada Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregaçãoracial”. VaniceReginaLíriodoValle(2009,p.21),porsuavez,asseveraqueotermoativismojudicial,nasceucomapublicaçãodeumartigonarevistaamericanaFortune,pelojornalistaamericanoArthurSchlesinger,numareportagemsobreaSupremaCortedosEstadosUnidos,noqualeletraçouoperfildosnovejuízesdaSupremaCorte.Ainda,segundoaautora,desdeentão,otermovemsendoutilizado,normalmente,emumaperspectivacríticaquantoàatuaçãodopoderjudiciário. Segundo o Professor Luiz Flávio Gomes (2009), há duas espécies deativismojudicial:

háoativismojudicialinovador(criação,exnovo,pelojuizdeumanorma,deumdireito) eháoativismo judicial revelador (criaçãopelo juizdeumanorma,deuma regraoudeumdireito, apartirdos valores e princípios constitucionais ou a partir de uma regralacunosa, como é o caso do art. 71 do CP, que cuida do crimecontinuado). Neste último caso o juiz chega a inovar o ordenamento jurídico, mas não no sentido de criar uma norma nova, sim, nosentidodecomplementaroentendimentodeumprincípiooudeumvalor constitucional ou de uma regra lacunosa.

OEstadoDemocrático deDireito, agasalhado no artigo 1º daCF, temcomofundamentooprincípiodasoberaniapopular,eumadassuascaracterísticasessenciaiséaseparaçãodospoderes,normaprevistanoartigo2ºdaCFcomoum

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dosprincípiosfundamentaisdoEstadobrasileiro. A importância desse princípio é tamanha, que o constituinte originárioelevouaseparaçãodospoderesàcategoriadecláusulapétrea,expressamentenoartigo60,§4º,incisoIIIdaCF. Emquepeseopoderseruno,indivisíveleindelegável,estesedecompõeemfunçõesnecessáriasàplenarealizaçãodaatividadegovernamental,ouseja,nasfunçõeslegislativa,executivaejurisdicional. SegundoJoséAfonsodaSilva(2009,p.108):

Afunçãolegislativaconsistenaediçãoderegrasgerais,abstratas,impessoais e inovadoras da ordem jurídica, denominadas leis.Afunçãoexecutivaresolveosproblemasconcretoseindividualizados,deacordocomas leis;nãose limitaàsimplesexecuçãodas leis,comoàsvezessediz;comportaprerrogativas,enelaentramtodososatosefatosjurídicosquenãotenhamcarátergeraleimpessoal;por isso, é cabível dizer que a função executiva se distingue emfunçãodegoverno,comatribuiçõespolíticas,co-legislativasededecisão, e função administrativa, com suas três missões básicas:intervenção,fomentoeserviçopúblico.Afunçãojurisdicionaltempor objeto aplicar o direito aos casos concretos a fim de dirimirconflitosdeinteresse.

Vê-sequeaautonomiaparainovaroordenamentojurídicofoideferidaaoPoderLegislativo,queécompostoderepresentanteseleitospelopovo,pormeiodosufrágiouniversal,atribuiçãoesta,obviamentenãodeferidaaoPoderJudiciário. Nãosepretendeaqui,diminuirafunçãojurisdicionalsomenteàaplicaçãomecânicadalei,umavezqueéindiscutívelacompetênciadoPoderJudiciárioparaatuarsobreoPoderLegislativo,especialmenteparaimpedirosabusosdepoder,num verdadeiro sistema de freios e contrapesos. Outrossim, a função do Poder Judiciário, caracterizada sempre pelaatuaçãonocasoconcreto,exigeumaposturaparticipativadojuiznaconduçãodoprocesso,quenãopoderádeixardejulgarporausênciadelei,ouderegulamentaçãodelei,ouatémesmoemcasodeomissãolegislativa. Posta a questão frente aoPoder Judiciário, omagistradonão se eximedejulgá-la.Asociedadenãopodeaguardarasoluçãolegislativa,umavezqueoproblema a antecede. Oativismojudicialsurgeentãoexatamentecomooreflexodestaposturaparticipativa do magistrado. Nestediapasão,segundoAlexandreGarridodaSilva,citandoC.NealTate(1996,p.57):

o ativismo judicial constitui uma espécie de atitude ou comportamentodosjuízesnosentidode“participarnaelaboraçãode políticas que poderiam ser deixadas ao arbítrio de outras

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instituiçõesmaisoumenoshabilitadas(...)e,porvezes,substituirdecisõespolíticasdelesderivadasporaquelasderivadasdeoutrasinstituições”

Resta-nosdiscutirseocontrolejudicialdenormasproduzidaspeloPoderLegislativoélegítimoerespeitaademocracia,frenteàsnormasinsculpidaspelaConstituiçãoFederal,eainda,emcasopositivo,quaissãooslimitesdessecontrole.

CONSTITUCIONALIDADE DO ATIVISMO JUDICIAL

Oativismojudicialsóépossívellegitimamenteemrazãodamargemdediscricionariedade deixada ao julgador pelo legislador. Épermitidoaojuizqueescolhalivremente,dentreasnormasexistentes,amelhor,queseadapteaocasoconcreto,segundoasuadiscricionariedade. Referidadiscricionariedade lhegarantea legitimidadeda interpretação,própriadoPoder Judiciário, intrínseca à atividade jurisdicional, inserta ainda, apré-compreensãodomagistrado,queconfiguranítidocarátersubjetivo. O texto normativo somente terá capacidade de regulamentação a partir daatribuiçãodesentidoquelhedaráointérprete,deacordocomosseusprópriosvalores. Contudo, os efeitos dessa interpretação se dá inter partes, dentro docasoconcreto,não secogitandodaconcepçãodenormasdeefeitoergaomnes,necessárioparatanto,sefazaatuaçãodoPoderLegislativo,escolhidopelopovopara esse mister. DaíaadvertênciadeLenioStreck,citandoPauloBonavides,acercadeumapossívelampliaçãodalegitimidadeinterpretativajudicial(2005,p.88):

ainterpretação,quandoexcedeoslimitesrazoáveisemquehádeconter,quandocriaou“inventa”contralegem(acrescentaria,contraaConstituição),postoqueaparentementeaindaaínasombradalei,éperniciosaàgarantiacomoàcertezadasinstituições.

Assim, apesar de ser interessante que o Poder Judiciário assuma umaatitudeproativa,decisõesativistasdevemsereventuais,devendosercoerentecomomomentohistóricovividopelopaís,pois,interferênciasirrestritaseinconsequentesnaatividadeparlamentarimpedemaconsolidaçãodademocracia,atéporqueeivadeincredibilidadeoPoderLegislativo(BARROSO,2009,p.77).

O ABORTO DO FETO ANENCÉFALO

Não há emnosso ordenamento jurídico, excludente de ilicitude para oabortodofetoanencéfalo,contudo,estaquestãosecolocouatualecomrelaçãohá

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máformaçãocongênitadofetoháprecedentesjurisprudenciaisadmitindooaborto,nestescasos,mediantepréviaautorizaçãojudicial(TJSP,RT781/581). Habeascorpusemfavordofetoéadmissível. Contrahipótesedoabortamentodoartigo128doCP:

“Ohabeascorpusfoiimpetradoemfavordonascituro,oranooitavomêsdegestação,contraadecisãodoTribunalaquoqueautorizaraintervenção cirúrgica na mãe para interromper a gravidez. Essa cirurgia foi permitida ao fundamento de sua vida pós-natal. ATurma,porém,concedeuaordem,poisahipóteseemquestãonãose enquadra em nenhuma daquelas descrições de forma restrita no art.128doCP.Assim,nãohácomosedarinterpretaçãoextensivaouanalogia inmalampartem;háqueseprestigiaroprincípiodareservalegal”(STJ,5ªT.HC32.159–RJ,Rel.Min.LauritaVaz,j.12-2-2004).

Abortoautorizadoporanencefaliadofeto–STJ:

“Nessecontexto,certoéqueagestaçãoinfrutíferaoraimpugnadatraráriscoàprópriasaúdedagestante,quepoderásofrerportodasua vida dos danos, senão os físicos, dos prejuízos psicológicosadvindos do gato de carregar nove meses criança em seu ventre fadadaao fracasso.Porsaúde,aprópriaOrganizaçãoMundialdeSaúde pontifica que há de se entender o bem estar completo dapessoahumana,nãosóofísico,mastambémpsicológico.Eaquiogravameéduplo.Enemsedigaqueestáseolvidandododireitoàvida,garantiaconstitucionaldetodasaspessoas,assimentendidastodas aquelas já concebidas, na forma da reserva civil de seusdireitos. É que, no caso dos autos, essa dita vida não se realiza,aindaquetomadostodososcuidadosparapreservaçãodamesma,eis que o laudo é categórico ao atestar a ausência de sobrevidaneonatal(pós-parto)destesprodutogestacionais,excetoporhorasouexcepcionalmentedias,pelaausênciadeintegridadedostecidoscerebrais’.Não autorizar a condutamédica seria negar a própriaaplicaçãodaleipenal,eisquedopontodevistacriminalarealizaçãodo tipo previsto no art. 125 do Código Repressor requer doloespecífico para interrupção da vida injustificada ou não-naturais,comobemacentuaAbertoSilvaFrancoemsuaobra ‘Abortoporindicação Eugênica’, Revista dos Tribunais, 1992, p.90: ‘(...) opreenchimento da área de significado desse dado compositivo dafiguratípica,deveserbuscadoemcampoextra-penal,namedicina,ou mais especificamente na biologia, na parte em que cuida doprocesso de formação da vida e das causas de sua interrupção.’Portanto,plenamentejustificadaainterrupçãodagestaçãoumavezcoerentecomospreceitosdeproteçãoàvidaeàsaúde,garantidapelaprópriaCartaMaior(...)”(HC51.982-SP-Decisãoconcessivadeliminar-Min.EdsonVidigal–DJU8-2-2006,p.207).

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A INICIAL DA ADPF E OS FUNDAMENTOS DO PEDIDO

AConfederaçãoNacionaldosTrabalhadoresnaSaúde(CNTS),atravésdoseuadvogadoLuisRobertoBarroso,ofereceuaArgüiçãodeDescumprimentodePreceitoFundamental(ADPF)para,emcasodeocorrênciadegestaçãodefetocomanencefalia,nemosmédicosenemagestantequedecidiroptarpelaantecipaçãoterapêuticadeparto,nocasodefetoportadordeanencefalia,sejam,nostermosdosartigospenaisreferentesaoaborto,peloscrimesapenados. Em nota prévia, o advogado esclarece que, antecipação terapêutica departo não é aborto,mas não explica osmotivos que diferenciam a antecipaçãoterapêuticadepartodocrimedeaborto.Fazaofinal,odiscursodaimportânciadopronunciamentodoSTFsobreamatéria:“quetemprofundoalcancehumanitário,para libertá-la de visões idiossincráticas causadoras de dramático sofrimento àsgestantesedeameaçaseobstá-losàatuaçãodosprofissionaisdasaúde”. No quesito hipótese, define o que é anencefalia, segundo a literaturamédica.Informaqueainviabilidadedevidadestefetoapósonascimentoé100%fatal equeemalgunscasos (65%),o fetonãoconsegue resistir aindanoútero,expõeaformadedetectaraanomalia(ecografia),operíodogestacional(segundotrimestre de gestação) e a falibilidade do procedimento (praticamente nulo). Explicita que “umavez diagnosticada a anencefalia, nãohá nada que a ciênciamédicapossafazerquantoaofeto inviável”.Afirmaque,nocasodagestante,apermanênciadofetoanômalonoventreé“potencialmenteperigosa”,poispoderiagerardanosasuasaúdeeatériscosdevidaporcausadosóbitosaindanoventre.Dizaindaque,“defato,amáformaçãofetalemexameemprestaagravidezumcaráterde risco,notadamentemaiordoqueo inerenteaumagravideznormal”.Coloca a antecipação terapêutica, no caso de anencefalia, como a única forma“possíveleeficazparaotratamentodapaciente(agestante),jáqueparareverterainviabilidadedofetonãohásolução.” Aindaemsuaanálise,explicaque,diantedorelatode riscosàvidadagestanteedainviabilidadedofeto,aantecipaçãoterapêuticadepartonãopoderiaser considerado aborto. Descreve o aborto, segundo a doutrina especializada,como“a interrupçãodagravidez coma consequentemortedo feto (produtodaconcepção)”,informa ainda que “a morte deve ser resultado direto dos meiosabortivos”equenocasodofetocomanencefalia,amorteéemdecorrênciadamáformaçãocongênitaequeseuóbitoécertoeinevitável,mesmoquesuagestaçãosedênoperíodonormal(9meses). Paraconcluirsuahipótese, fezreferênciaao tempodepromulgaçãodoCódigo Penal, a falta de tecnologias, naquele tempo, suficientes para detectarprecisamenteanomaliasfetaisequeo“anacronismodalegislaçãopenal”nãodeveriaservirdeimpedimento,aoacolhimentoàdireitosfundamentaiscontempladospela

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Constituição Federal. Nomomento seguinte, demonstra as questões processuais relevantes eos fundamentos do pedido. Preliminarmente demonstra a legitimação ativa e a pertinênciatemática,istoé,ademonstraçãodeinteressenaação,quenocasodaCNTSérepresentarostrabalhadoresdasaúde,osmédicos,enfermeirosououtrascategoriasquepossamviraatuarnoprocedimentodeantecipaçãoterapêuticadeparto,poisseestesprofissionaisparticiparemdeprocedimentoforadapermissãolegal,riscodevidadagestanteeestupro,estarãosujeitosaaçãopenalpública. QuantoaocabimentodaADPF,declaraqueéumaarguiçãoincidentaledenaturezaautônomaequeesteassuntoseenquadranostrêspressupostosdecabimentodaarguiçãoautônoma,ouseja,(I)aameaçaouviolaçãoapreceitofundamental;(II) um ato do poder público capaz de provocar a lesão; (III) a inexistência dequalqueroutromeioeficazdesanaralesividade,ouseja,éaADPFoprocedimentolegal capaz de levar ao judiciário esta questão de ordem e que a manifestação do STF,interpretandoosdispositivospenais“conformeàConstituição”éomeiodesupriralacunatemporalexistentenalegislaçãopenaldadaaoabortoe“explicitarqueelanãoseaplicaaoscasosdeantecipaçãoterapêuticadopartonahipótesedefetosportadoresdeanencefalia,devidamentecertificadapormédicohabilitado.” Nomérito,oadvogadoprocurouponderarsobreosdireitosdagestanteedonascituro,quandoestetempotencialidadedevida,oquenãofiguranocasoemexamine,eporestedadobuscaoreconhecimentodosdireitosfundamentaisdagestante,“cujointeressesepossaeficazmenteproteger”. E na defesa deste direito objetivo, que de fato pode ser defendido, opostulanteesclareceque,“agestanteportadoradefetoanencefálicoqueoptepelaantecipação terapêutica do parto esta protegida por direitos constitucionais queimunizamasuacondutadaincidênciadalegislaçãopenal”.Sãoeles,osprincípiosda dignidade da pessoa humana, analogia a tortura; Principio da Legalidade,liberdadeeautonomiadavontadeeporfimoprincipiododireitoàsaúde. Aoque tange aoprincipio daDignidadedapessoahumana, explicitouque,estaéo“centrodossistemasjurídicoscontemporâneos”,alcançadaem1945,pósfascismoenazismo.Confirmaqueestenovocenário“reaproxima”odireitoeaética,regatavalorescivilizatórios,reconhecenormatividadeaosprincípiosecultiva-seosdireitosfundamentais.NoBrasil,estecenáriosedeucomapromulgaçãodaConstituiçãode1988,queconsagrouoprincipiodaDignidadedaPessoaHumanacomofundamentodoEstadoDemocráticodeDireito(art.1º,III).Esteprincípio“relaciona-setantocomaliberdadeevaloresdoespíritoquantocomascondiçõesmateriais de subsistência”.Menciona ainda que o “reconhecimento dos direitosdapersonalidadecomodireitosautônomos”sãodecorrentesdaveiadadignidade,poissão“atributosinerentese indispensáveisaoserhumano”,esclarecendoquetaisdireitossãooponíveisatodacoletividadeetambémaoEstado.

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Classificouosdireitosdapersonalidade, inerentesàdignidadehumana,emduaspartes,asaber: 1.Direitos à integridade física, englobando direito a vida, o direito aoprópriocorpoeodireitoaocadáver;e 2.Direitoa integridademoral, rubricanaqual se inseremosdireitosàhonra,à liberdade,àvidaprivada,à intimidade,à imagem,aonomeeodireitomoraldoautor,dentreoutros. Na ultima parte, ao que tange o principio da Dignidade da PessoaHumana,explicouarelevânciadessedireitoaocasoemdiscussão.Explicitandoqueimporáumamulheraobrigaçãodegestarumfetoquesabe,comcerteza,nãotercondiçõesdesobrevivência,causar-lhe-ádor,angústiaefrustração,importandoem uma violação de ambas as vertentes da dignidade acima explicitadas que são elas,aameaçaaintegridadefísicaeosdanosaintegridademoralepsicológica,foraque,convivercomarealidadeealembrançadequeofetoquenelacrescenãopoderásobreviver,podesercomparadaá torturapsicológica.Lembrou,aofinal,que a Constituição veda todo tipo de tortura e que a legislação infraconstitucional defineatorturacomo“umasituaçãodeintensosofrimentofísicooumental”. Ainda, em se tratando de princípios, comenta sobre os princípios dalegalidade,liberdadeedaautonomiadavontade.AConstituição,emseuartigo5ºdescreveque“ninguémseráobrigadoafazeroudeixardefazeralgumacoisasenãoemvirtudedelei”,impondoaoentepúblicoeaoparticularvertentesdistintas,poisparaopúblico,somenteéfacultadoagirporimposiçãoouautorizaçãolegaleparaosparticulareséconsideradoumacláusulagenéricadeliberdade,porquesealeinão proíbe e nem impõedeterminado comportamento , tem as pessoas, a auto-determinaçãodeadotá-loounão. Osegundoprincipio–liberdade–consisteque,ninguémterádesubmeter-se a qualquer vontade que não seja a da lei e esta deve ser tanto formal quanto materialmente constitucional. Levando-se em conta a autonomia da vontadeindividual,quesomenteencontralimitesaoimpostopelalegalidade. O terceiro princípio versa sobre a autodeterminação que toda pessoahumanacapazdesedeterminarpossui.OPatronoesclareceque,nocasoemtela,antecipaçãoterapêuticadepartoemhipótesesdegravidezdefetoanencefálico,nãoencontravedaçãonoordenamentojurídicopátrio.Equerestringiraliberdadedeescolhaeaautonomiadavontadedagestantenãosejustifica,quersoboaspectododireitopositivo,quersoboprismadeponderaçãodevalores. Eporúltimoenãomenosimportante,odireitoàsaúde,elevadoacategoriamundialdedireitohumano.RessaltouqueOMSdescrevedireito à saúdecomo“completobemestarfísico,mentalesocial,enãoapenasaausênciadedoença”.Sendoentão, emcasode antecipaçãodoparto emhipótesedegravidezde fetoanencefálico,oúnicoprocedimentomédicocabívelparaobviaroriscoeadorda

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gestante.Finalizandoqueimpedirarealizaçãoimportaeminjustaeinjustificávelrestriçãoaodireitoàsaúde. Napartequesefazreferenciaaopedido,oeméritopatrono,fazalusãoquea técnica da interpretação seja conforme a Constituição.

A ADPF NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A referida ação foi interposta na Suprema Corte brasileira em meados de junhode2004eorelatorforaoMinistroMarcoAurélio.Emrelatórioeprimeiraanálise,oMinistroRelator,numesboçoparcialdainicialverificouaadmissibilidadedaADPFeopedido,aoquesereferiaaospreceitos-dignidadedapessoahumana(art.1º,IV),principiodalegalidade,liberdadeeautonomia(art.5º.II)edasaúde(art.6º.e196)-todosdaConstituiçãoequaisforamosatosdopoderpúblico,quecausaramalesão.Nocaso,osartigosdoCódigoPenalBrasileiro-124,126e128doCP–quetratamdoabortoesuasexcludentes.Analisouemseguida,opedidodeliminarcautelar,quetinhaporobjetivosuspenderoandamentodeprocessosoudosefeitosdedecisõesjudiciaisquetenhamcomoréusosprofissionaisdasaúdequeforamacusadosdeinfringiroCódigoPenalnosincisosacimademonstradose ainda, que fosse concedido àsmulheres gestantes de fetos com anencefalia odireitosesubmeteràinterrupçãoterapêuticadeparto,atéaresoluçãodamatériaemdefinitivopeloEgrégioTribunal. O Ministro Relator, diante das férias coletivas do Tribunal e aimpossibilidadedeexamepróximopeloPlenário,amparou-senoartigo21,IVeV,doRegimentoInternodoTribunaledoartigo5º,parágrafo1,daLei9882/99,paraconceder“adreferendum”opedidodeliminar.Levouemconsideraçãoqueosdireitospostuladosnaexordialpossuíamrelevânciaeproteçãoestatalepreocupou-secomoperigodegravelesãoquepoderiaocorrer.Constatouque,noatualcenáriojudicial,odesencontrodeentendimentoseadesinteligênciadejulgados,atéchegaraumadecisãofinalemitidapeloSupremosóprotelariaaindamaisaviacrucisdeumamulhergestantedeumfetocomanencefalia,afinalseriammaisde9(nove)meseseoobjeto(feto)játeriaseperdido,referenciaaocasodoHabeasCorpus3queperdeu o objeto na data de julgamento. Reconhece que a dimensão dada á pessoa humana acaba por obstaculizar apossibilidadedecoisificarumapessoa,usando-acomoobjeto.Citamosdireitos,fundamentosdopedido inicial,dasaúde,da liberdadeemseusentidomaior,dapreservação da autonomia da vontade, da legalidade e da dignidade da pessoahumanaparajustificaressadimensãoeaimpossibilidadedecoisificarumapessoa.Contrabalanceia o reconhecimento acima com o sentimento maternal, com osmesesdegestação,comoamorequemesmodiantedaalteraçãofísicaeestética,amulher que gesta é suplantada pela alegria de ter em seu ventre a sublime gestação

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edadorqueesteentegestadorpodesofrerdiantedadeformaçãoirreversíveldofeto.Estendeodano,integridadefísicaepsicológica,nãosóamulher,mastambémaopróprio institutodafamília,poisdamaneiracomodescreveconclui-sequeamulheréaprópriafamília. Durante sua primeira análise da matéria, recebeu alguns pedidos deingressoaoprocesso,nacondiçãodeamicuscuriae,dasseguintesentidades:daCNBB,daCatólicapeloDireitodeDecidir,AssociaçãoNacionalPró-VidaePró-Família e daAssociação peloDesenvolvimento da Família,Todos inicialmentenegados. Em agosto de 2004 submeteu o processo ao Pleno para referendo daliminareoColegiadodeliberouaguardar-seojulgamentofinal.Logoemseguidaenviou o processo para parecer da Procuradoria da República. OProcuradordaRepúblicaàépoca,CláudioFonteles,negouqueoPleito,conformeapresentadonainicial,autorizavaainterpretaçãoconformeaConstituiçãoequeofetocomanencefaliaestariaamparadopeloprincipiodaprimaziajurídicadavidaeassim,pediuoindeferimentodopleito. Em 20 de outubro de 2004, O Plenário do SupremoTribunal federal,acolhendoapropostadoMinistroErosGraus,sereuniuparaanalisaramatériaereferendou a primeira parte da concessão da liminar – sobrestamento dos processos edecisõesnãotransitadasemjulgado,porém,numasituaçãoumtantoconturbadarevogou a segunda parte da liminar que reconhecia o direito da gestante em submeter-se àoperação terapêuticadepartode fetos anencefálicos.Analisou-setambém,nestamesmasessão,ocabimentodaADPFparatratamentodotema. Diante dos questionamentos e de múltiplos entendimentos que a matéria suscitou, principalmente em face damanifestação do ProcuradorGeralda República, o relator entendeu necessário requisitar informações adicionais,conformeprevêoartigo6º,parágrafo1ºdaLei9882/99,para,emaudiênciapública,ouvir as entidades que acima suscitaram o pedido de ingresso no processo como amicus Curiae e abriu prazo para outras entidades se manifestarem ao ingresso para participaremdaAudiênciaPública. Asaudiênciasocorreramentreosdias26deagostoe16desetembrode2008.Foramfeitasquatroaudiências (26/08;28/08;04/09e16/09)onde foramouvidos vários segmentos da sociedade, desde entidades religiosas, sociedadesmédicasegenéticas,oMinistrodaSaúde:JoséGomesTemporão,entreoutros. Na oitiva doMinistro da Saúde ficou claro a eficiente estruturação doSistema único de Saúde (SUS) em abrigar as gestantes que optem pela interrupção terapêuticadepartoeserviuparaafundamentaçãojurídicadoAdvogado-GeraldaUnião.

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OS CAMINHOS DA ADPF NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Desdejunhode2004,anoinicialdaaçãodeDescumprimentodePreceitoFundamental –ADPF no. 54, o SupremoTribunal Federal vem enfrentando osquestionamentosdestaação,poisenvolvequestõesdelargarepercussãomoralereligiosaemfacedeprincípiosconstitucionaisconsagrados,taiscomo,dignidadedapessoahumana,autodeterminação,direitoavidaeasaúde. OscaminhospercorridospelaADPFn.54atéosdiasatuais:(I)oprimeiropasso foi a interposição da ação que trouxe a margem esse debate tão latente de princípios.(II)AatitudeativistadoMinistroaoconcederumaliminarpossibilitandoque mulheres gestantes de fetos com anencefalia poderiam se submeter a antecipação terapêuticadepartoeasuspensão,atéofimdojulgamento,dosprocessospenaisque envolvem profissionais da saúde que em virtude da anencefalia realizaramaantecipação terapêuticadeparto,a liminarvigoroupor4 (quatro)meses. (III)ManifestaçãodoProcurador-GeraldaRepública.(IV)Ojulgamentodesuspensãoda liminar. (V) os pedidos de ingresso como amicus curiae das entidades religiosas ecientificas,técnicas,mães,etc.(VI)designaçãoparadatadaaudiênciapública.(VII)váriosdespachosderequerimentodeoitivas,dereconsideração,dejuntadadedocumentos,dentreoutroseosúltimosenãomenosimportante(VIII)manifestaçãodo Advogado Geral da União e do Procurador Geral da República. O SupremoTribunal Federal nos últimos anos tem estado à frente deváriasquestõesdegranderelevânciaparaoEstadoDemocrático,principalmenteao que tange à direitos fundamentais não estabelecidos pelos ordenamentosinfraconstitucionais. O Ministro Eros Graus declarou em uma banca de dissertação da UniversidadeEstáciodeSáqueoAtivismoéaconsequêncianaturaldoJudiciário,competênciaestaemdecorrênciadaprópriaConstituição. Quando o direito envolve premissas morais e questões de granderepercussão não encontra base de sustentação tal alegação, haja vista a análisedaposiçãoemanifestaçãodeseusministros,nestecaso,emfacedainterrupçãoterapêuticadepartoparafetoscomanencefalia. Diante do pedido da liminar, o ministro relator Marco Aurélio, queentendeu presentes os motivos ensejadores da concessão da liminar pleiteada,acabandopordecidirdaseguintemaneira:

Daíoacolhimentodopleitoformuladopara,diantedarelevânciadopedidoedoriscodemanter-secomplenaeficáciaoambientededesencontrosempronunciamentosjudiciaisatéaquinotados,ter-senãosóosobrestamentodosprocessosedecisõesnãotransitadasemjulgado,comotambémoreconhecimentododireitoconstitucionaldagestantedesubmeter-seàoperaçãoterapêuticadepartodefetosanencefálicos,apartirdelaudomédicoatestandoadeformidade,a

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anomaliaqueatingiuofeto(ADPF/54/STF).Tal decisão liminar foi baseada em anterior julgamento daquela ColendaCorte,emqueoprocessoperdeuseuobjetopelademoradaresolução,oquepermitiuqueagestantequepleiteavaautorizaçãojudicialparasesubmeterà interrupçãoterapêuticadopartodesseàluzantesdojulgamentofinalpeloSupremo(HC/84.025/STF).

Apóstaldecisãoliminar,aConfederaçãoNacionaldosBisposdoBrasil(CNBB)requereusuaentradanofeitonacondiçãodeamicuscuriae,apresentandomemorial, emquepleiteavaa revogaçãoda liminar, tendoemvistaqueo temaeradamaisaltaindagação,versandosobreodireitodenascerdofetoportadordeanencefalia,decisãoquenãopoderiasertomadapelorelator,monocraticamente,numjuízosumário,emqueesteacabarialegislandopositivamente,fazendonasceruma outra causa excludente de ilicitude do crime de aborto. ACNBBaduziuaindaqueofeto,mesmoportadordeanencefalia,nãopodesercoisificado,sendo,portanto,pessoahumana,tambémtitulardedignidadee merecedor de ver prestigiado seus direitos. A Procuradoria Geral da República, na ocasião de sua manifestaçãoprocessual, ofereceu parecer manifestando-se contrário, tendo em vista que ascausasextintivasdepunibilidadepossuemumsentidoestrito,inequívocoepreciso,sendoestesoabortoparaevitarqueamãemorra,eoabortoseamãe,vítimadeestupro,consentenapráticadomesmo,sendo,pois,claroqueocasodeanencefalianãoconstanoroldeexcludentesprevistasnoCódigoPenal. Assim, permitir o aborto no casode feto portador de anencefalia seriaflagranteofensaaodireitoàinviolabilidadedodireitoàvida. Ainda sobre o julgamento daADPF 54, foi formulada pelaUnião dosJuristas Católicos, uma consulta aoMinistro aposentado do STF José Néri daSilveira, sendo que este claramente se manteve contrário às pretensões destademanda, com base no princípio da ponderação de interesses (princípio daproporcionalidade),nostermosquesepassaaexpor,verbis:

Odireitoàvida,comooprimeirodosdireitosfundamentais(CF,art.5º,caput),égarantido,pelaConstituiçãoeordenamentolegal,aoserhumano,desdeaconcepçãoatéamorte.Éele,assim,assegurado,tambémaonascituro,desdeaconcepção,semdistinçãodequalquernaturezaoucondiçõesdemaioroumenorvitalidadedesseservivo,nafaseintra-uterina,bemassimnavidaextra-uterina,querexistaounão probabilidade de duração breve.Numa ponderação hierárquica dos direitos e valores concernentes à vida e à dignidade humana garantidas também ao nascituroanencefálico, vivo e em desenvolvimento no ventrematerno, emface de invocados direitos fundamentais da gestante, quanto àdignidade de pessoa humana, liberdade e autonomia de vontade,nosentidodeinterromperagravidez,doqueresultariaamortedofeto, - não é possível deixar de fazer prevalecer o direito à vida

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do nascituro, visto que a vida e a saúde da gestante não corremperigodegravedano,nemsuadignidadedepessoahumanaéferidapelofatodessamaternidade,valorconstitucionalmenteexaltado.Agestante–emmantendoo fetoanencefálicoemseuventre,atéonascimento,comvida,dofilhoporelagerado,comagrandezadahumanidadeerevestidodadignidadedeserhumano,–nãoterásuadignidadepessoaldiminuída,nalinhadamagnacompreensãodessevalor na ordem constitucional, nem sua liberdade ameaçada oucomprometida,mas,aocontrário,–revestidadovalorconstitucionalehumanoqueseconfereàmaternidade,–cumprevê-lamerecedorademaisrespeitoeadmiraçãoporseusconcidadãos,oquesignificater sua dignidade pessoal elevada, porque, acima de tudo, soubeamar até o fim e é somente pelo amor que o ser humano poderealizar sua perfeição e felicidade.

Não cabe dar prevalência ao que se pretende na inicial, que instrui aConsulta,porqueissoimportariaemdestruiravidadoservivoeemdesenvolvimentonoúteromaterno,ouseja,fulminar,irreversivelmente,odireitofundamentalàvidadofetoanencefálico,antecipando-lheamorte,eliminandoumavidaque,mesmosehouverdeserbreve,emboraindeterminadoomomentodoóbito,nemcomissodeixarádeservidahumanaprotegidapelaConstituiçãoeasleis,comanobrezadoserhumano(ALVESJR.,2007). O plenário do Supremo Tribunal Federal deliberou acerca da liminar deferidapeloMinistroMarcoAurélio,ocasiãoemqueficoudecididaarevogaçãodaliminarquantoàpermissãodoaborto,mantendoestaemrelaçãoàsuspensãodos processos em curso. Aoanalisarocaso,oMinistroCarlosBrittoacompanhouoMinistroMarcoAurélio,relatordocaso,poisestedefendeuqueofetoportadordeanencefalianãoeraumapessoaviávelforadoventrematerno,queseriaumaespéciedeUnidadedeTerapiaIntensivaparaesseser,nãopodendoestesobreviverforadoorganismodamãe,peloque,nãohaveriasentidoobrigaragestanteaumagravidezdaqualnãoteria como resultado um começo de vida humana. SeguiramessaposiçãoosMinistrosCelsodeMelloeSepúlvedaPertence,posicionando-seafavordamanutençãodaliminar. Em sentido contrário, o Ministro Eros Grau colacionou que o fetoanencefálico é uma pessoa humana e não uma coisa (objeto), não havendono caso risco de morte para as mães-gestantes de fetos com essa patologia, eainda semanifestou no sentido de que o risco de grave e irreversível dano erado feto anencefálico e não da gestante,motivo pelo qual, a liminar deveria serimediatamente revogada. Acompanhando o Ministro Eros Grau, o Ministro Cezar Pelusoargumentou que o feto é ser humano, e a brevidade de sua vida não lhe retiraaproteçãopenaldesuavida intrauterina.Porfim,ainda trouxeacolaçãoqueo

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sofrimentosuportadopelagestantenãoadegrada,poisessesentimentofazpartedaprópriaexperiênciahumana,nãosendomotivobastanteparaapermissãodoabortamento em tais casos. OsMinistrosGilmarMendeseCarlosVeloso,igualmente,votaramcontraamanutençãodaliminar,oprimeirosoboargumentodequeamatériaeramuitodelicada,epoderialevaraumamutaçãoconstitucionalpormeiodaJurisprudênciadaqueleTribunal,oquenãopoderiaocorrerpormeiodeumaviatãoestreitacomoamedidacautelar.Osegundo,MinistroCarlosVeloso,entendeuqueacautelarnãopoderiasubsistir,hajavistanãohaverriscodedanoiminenteparaagestante,massimparaosfetosanencefálicos,esopesandoodireitodagestanteedofeto,esteoptoupelodireitoàvidadoanencefálico. Votaramemsentidocontrárioàmanutençãodaliminar,alémdosjáaquicitados,osMinistrosJoaquimBarbosa,EllenGracieeNelsonJobim,motivopeloqual a liminar foi revogada. AdecisãodoSTFemrazãodaliminar:

ADPF – LIMINAR – ANENCEFALIA – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – GLOSA PENAL – PROCESSOS EM CURSO – SUSPENSÃO. Pendente de julgamento a argüição dedescumprimentodepreceitofundamental,processoscriminaisemcurso,emfacedainterrupçãodagravideznocasodeanencefalia,devemficarsuspensosatéocrivofinaldoSupremoTribunalFederal(ADPF/54/STF).

ADPF – LIMINAR – ANENCEFALIA – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – GLOSA PENAL – AFASTAMENTO – MITIGAÇÃO.Na dicção da ilustradamaioria, entendimento emrelação ao qual guardo reserva, não prevalece, em argüição dedescumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido deafastaraglosapenalrelativamenteàquelesquevenhamaparticipardainterrupçãodagravideznocasodeanencefalia(ADPF/54/STF).

Essa decisão foi baseada, sobretudo, no fato de que grande parte dosMinistrosconsiderarammuitoperigosoqueumadecisãomonocráticanumjuízosumário de mérito tivesse o condão de permitir em todos os casos a antecipação terapêuticadoparto,sendomaisacertadoquetaldecisãofossedecididapeloplenoaofinaldojulgamento,alémdosjulgadoresmostrarem-seclaramentedivergentesquanto ao mérito do processo. Quantoà suspensãodosprocessos e efeitosdeoutrasdecisões, esta semanteve,poistaiscausastinhamojulgamentooraemcomentocomosuaprejudiciallógica. Concluindosobrearespeitodotema,vejamosaindaalgunscomentáriosdoutrinários aos quais sou favorável.

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O posicionamento do professor Luiz Regis Prado (2011), em seuentendimento diz, “que a mulher que pratica aborto de feto anecefálico nãocomete crime”, penso damesma forma, pois a perspectiva de vida ultrauterinapode ser de segundos, minutos, horas ou momentâneos dias, sem respectivasfuturas,ainterrupçãodagravidezemcasosassimnãosedirigeaocumprimentoda funçãopositivamentevaloradadopontodevista social, já queo anencéfalonãoébiologicamentecapazdeconcretizar-seemumavidahumanaviável,sósepermitindocaracterizá-loemumprocessodemorte. Concluindooilustredoutrinador,“éjustamenteainexistênciadevidaoquepermitefundamentarafaltadedoloouculpa,bemcomoaconsequênciafaltadeumresultadotípico.Trata-se,portanto,defatoodesvalordaação,consideradaessaposturadogmáticapreferívelaqualqueroutra.” É desnecessário qualquer permissivo legal para autorizar a mulher antecipar opartodefetoanencéfalo,paratantofazusodateoriadatipicidadeconglobante,ouseja,queaduzqueofatosomenteserátípicoseformaterialmentelesivoaobemjurídicotuteladoequeacondutadeabortarumfetoquenãopossuiexpectativadevidaextrauterina,emboraformalmentetípica,materialmenteatípica.Enquantoadignidadedapessoahumana,nãodeveodireitopenalexercerocontroledeumgruposocial,étnicoereligiosomajoritáriosobregruposminoritários. AConstituiçãoFederalde1988,temcomodestaqueàdignidadedapessoahumana,comovalorfundamentaleexpressãodireitoàvida,sendoinegávelqueeste fundamento estaria sendo violado em se submeter a gestante o sofrimento prolongado durante a gestação com a certeza de que está se desenvolve em seu ventreumserquejamaisviveráplenamenteemorrerá,senãoaindadentrodoseuútero,logoapósoparto. ParaBittencourt,sobofundamentoconstitucionaldadignidadedapessoahumana,aduzirqueoabortoanencefálico,diantedaausênciadefundamentodacensurasocial,serealizado,écausadeinexigibilidadedecondutadiversa,jáquenestascircunstâncias,comoquestionapeloestudioso,quempoderá recriminaramulher que busca o aborto? O autor questiona a autoridade moral do Estado em exigirdessagestantequeaguardeociclobiológico,mantendoemseuventreumserinanimado“quequandoanaturezaresolverexpeli-lo,nãoteráoutraalternativasenãopranteá-lo,enterrá-looucremá-lo. O princípio da dignidade da pessoa humana impõe ao Estado o deverdeproporcionara todoserhumanocondiçõesparaquepossaviverdignamente;assim,nãoérazoávelprivaragestantedasualiberdadeesubmetê-laaobrigaçãode carregar por nove meses um feto que não sobreviverá. Comooperadordedireito,nãopoço fugirda realidadequenos rodeia,nemfecharosolhosparaalentidãoe“burocracia”damáquinajudiciáriaque,porvezes,emboraautorizeopedido,chegatardia,semeficáciaecomaintensificação

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dosofrimentodiantedaespera,papéiseprocedimentosnecessáriosparaalcançarofimalmejado. Odireitoéumaciênciahumanaedeveserutilizadaemproldohomem,visando satisfazer seus anseios e possibilidade de vida digna em sociedade,devemossenãoamarnossossemelhantes,aomenosrespeitarsuasconvicçõeseusaratecnologiaemconhecimentoemfavordetodos.Destamaneiraespera-sequeoSupremoTribunalFederalsemanifeste-senosentidoemquecoloqueumpontofinalnadiscussãocomoreconhecimentodaatipicidadedoabortoanencefálico.

CONCLUSÃO

OPoderJudiciáriobrasileirovemampliando,nosúltimostempos,oseuraiodeatuação,passandoaassumirumpapelmaisativoemdiscussõesdecunhopolítico. Talfatosedápelacrescentebuscadasociedadepor“direitos”aindanãoreconhecidos,oumesmoregulamentadospelopoder Judiciário,queseencontramuito aquém da evolução da sociedade brasileira. Leisultrapassadas,ausênciaslegislativas,omissõeschegamtodososdiasàsportasdoPoderJudiciário,buscandoaatualizaçãoqueoPoderLegislativonãolhes deu. Destaforma,oPoderJudiciário,aoconciliara limitaçãodospodereseorespeitoaosdireitosfundamentaiscomademocraciasupreacarênciadoPoderLegislativo,gerandomuitacontrovérsia. O que deve ser levado em conta, nesses casos, é a defesa dos valoresfundamentais, mesmo que para isso se faça existir um confronto entre os doisPoderes. A limitação do poder político e a garantia à soberania popular, bemcomo a garantia ais direitos dos cidadãos são pilares do sistema democrático constitucional, e devem coexistir,mesmo que em alguns casos, emmaiores oumenores proporções. Por tais razões, o SupremoTribunal Federal, tido comoo guardião daConstituição,devesercomedidoemsuasingerênciasàsdeliberaçõesparlamentares,limitando-se, nestes casos, a resguardar o sistema democrático e os direitosfundamentais,nãodevendo,deformaalguma,aCorteSupremaavocarparasiatarefadeinovarnaordemjurídica. Assim,conclui-sequenãoháinconstitucionalidadenalimitaçãodoPoderLegislativopeloJudiciário,desdequetallimitaçãosejaimpostaporumajurisdiçãoconstitucionalexercidadentrodoslimitesautorizadospelaConstituição,oquefarácomqueafiscalizaçãodoPoderJudiciáriosobreoLegislativoseja,antesdeumrisco,umagarantiaparaademocracia.

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PONDERAÇÕES SOBRE APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NA SEARA CONSUMERISTA

Alexandre Gazetta Simões 1

RESUMOEste trabalhobusca justificaraaplicaçãodoprocedimentoarbitrala litígiosquetenham como fundamento questões derivadas de uma relação de consumo. Para tanto,apósumabreveexplicaçãodoinstitutodaarbitragem,defendeaaplicaçãodasduasmodalidadesdeconvençãodearbitragemàsearaconsumerista.Portanto,postula, em primeiro enfoque, considerando o paradigma traçado pelo Códigode Defesa do Consumidor - evidenciando, assim, o que seja uma relação deconsumo - a utilização pelas partes, fornecedor e consumidor, do compromissoarbitral. Em uma segunda abordagem, aventando a teoria geral dos contratoscivis,soboenfoquedodireitoconsumerista,defendeapossibilidadedeutilizaçãoda cláusula compromissória, em contratos que tenham como pano de fundo,relaçõesconsumeristas,advogandoatesesegundoaqual,dadaaimportânciadaarbitragememnossoatualpanoramajurídico,nãosejustificaoseuafastamento,apoditicamente,dasearaconsumerista.Palavras-chave: Contratos; relação de consumo; consumidor; fornecedor;arbitragem.

CONCEITO E APLICABILIDADE DO INSTITUTO DA ARBITRAGEM.

A arbitragem corresponde a uma alternativa que faceia com a situação de esgotamento estrutural que sofre o Poder Judiciário. Por suas características peculiares, notadamente por sua rapidez econsensualismo,alcança,emsuassoluçõespropostasaosproblemasapresentadosàsuaapreciação,respostaseficientes,quevemaoencontrodasexpectativasnutridaspelaspartes,aonomearemoárbitro. Nãoé semrazãoqueMauroCapelleti (1994,p.97),ao tratar sobreosmeiosalternativosdesoluçãodedisputas,ponderaque:

Devemosestarconscientesdenossaresponsabilidade;énossodevercontribuirparafazerqueodireitoeosremédioslegaisreflitamasnecessidades, problemas e aspirações atuais da sociedade civil;entre essas necessidades estão seguramente as de desenvolver

1ALEXANDREGAZETTASIMÕES,GraduadoemDireito(ITE-BAURU),PósGraduadocomEspecializaçãoemGestãodeCidades(UNOPEC),DireitoConstitucional(UNISUL),DireitoConstitucional(FAESO);DireitoCivileProcessoCivil(FACULDADEMARECHALRONDON)eDireitoTributário(UNAMA),MestrandoemTeoriadoDireitoedoEstado(UNIVEM),AnalistaJudiciárioFederal–TRF3eProfessordegraduaçãoemDireito(EDUVALEAVARÉ).

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alternativas aos métodos e remédios, tradicionais, sempre quesejamdemasiadocaros,lentoseinacessíveisaopovo;daíodeverde encontrar alternativas capazes de melhor atender às urgentesdemandas de um tempo de transformações sociais em ritmo de velocidade sem precedente.

Assim,osmétodosalternativosdesoluçãodeconflitos,apesardeteremseusregistrosconstantesdeépocasrecuadasdahistóriahumana,comaArbitragem,notadamente sobre o enfoque da Lei 9307/96, ganharam fôlego, não causandoespécie;aorevés,sendooportuno,queaspartespacifiquemumdeterminadolitígio,sem a necessidade de utilização de um processo judicial perante o Judiciário. Tal instituto, portanto, tem sua aplicação adstrita à autonomia privada,objetivandoacomposiçãodelitígiosadvindosdedireitospatrimoniaisdisponíveis.Nessesentido,quantoaumapossívelconceituaçãodaarbitragem,LuizAntonioScavoneJúnior(2010,p.15)define-adaseguinteforma:

Aarbitragempodeserdefinidacomoomeioprivadoealternativode solução de conflitos referentes aos direitos patrimoniais edisponíveis através do árbitro, normalmente um especialista namatériacontrovertida,queapresentaráumasentençaarbitral.

Porsuavez,CarlosAlbertoCarmona(2009,p.31),apontandoasprincipaiscaracterísticasdaarbitragem,explicaque:

A arbritragem – meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderesdeumaconvençãoprivada,decidindocombasenela,semintervençãoestatal,sendoadecisãodestinadaaassumiramesmaeficáciadasentençajudicial–écolocadaàdisposiçãodequemquerqueseja,parasoluçãodeconflitosrelativosadireitospatrimoniaisacerca dos quais os litigantes possam dispor.

Assim,pessoasmaioresecapazespodemsevalerdaarbitragem,afimdedisporsobredireitospatrimoniaisdisponíveis. Por tal razão, o artigo 1º daLei 9307/06, estabelece que: “As pessoascapazesdecontratarpoderãovaler-sedaarbitragemparadirimirlitígiosrelativosadireitospatrimoniaisdisponíveis”. De outra parte, a fonte do procedimento arbitral é a convenção dearbitragem, a qual corresponde aonegócio jurídico, pormeiodoqual as partesbuscamasoluçãodolitígiovalendo-sedeumárbitro. Nesse sentido, o Art. 3º da Lei 9307/96, estabelece que: “As partesinteressadaspodemsubmeterasoluçãodeseuslitígiosaojuízoarbitralmedianteconvenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e ocompromissoarbitral”. Tal gênero negocial compõe-se de duas espécies; portanto, a cláusula

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compromissória,eocompromissoarbitral. Assim,quantoacláusulacompromissória,trata-sedeumaconvençãodearbitragemprévia,pormeiodaqualaspartesdecidemquesesobrevierumconflitorelativoàquelenegóciojurídicoqueacaboudesercelebrado,esseconflitodeveráser resolvido pelo árbitro. Portanto, caracteriza-se por ter os seus olhos voltados para o futuro.Assim,casosobrevenhaumconflito,omesmodeveráserresolvidoporumárbitro. Nesse sentido, oArt. 4º, da Lei 9307/96, estabelece que: “A cláusulacompromissória é a convenção através da qual as partes em um contratocomprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir,relativamenteatalcontrato”. Porseuturno,ocompromissoarbitralpressupõeumconflitojáexistente.Dessemodo, na situação de existir um conflito, as partes resolvem que aqueleconflitodeveserresolvidoporárbitros. Assim,oArt.9º,daLei9307/96,estabeleceque:“Ocompromissoarbitraléaconvençãoatravésdaqualaspartessubmetemumlitígioàarbitragemdeumaoumaispessoas,podendoserjudicialouextrajudicial”. Frise-se,deoutraparte,queocompromissoarbitral,vistoqueserefereaumconflitoconcreto,podeserprecedidodeumacláusulacompromissória.Assim,estabelecidaacláusulacompromissória,casooconflitoapareça,anteanecessidadede regulamentar a arbitragem,definindoomodelodearbitragem.Por tal razão,celebra-seumaconvençãodearbitragem.

CONCEITO E PARADIGMA ATUAL DA FIGURA CONTRATUAL.

Inicialmente, énecessárioponderarqueocontratonadamaiséquedoumamodalidadedefatojurídico. Dessa forma, o contrato consiste em um negócio jurídico bilateralou plurilateral,mediante o qual uma oumais vontades se harmonizam em umdenominador comum, de modo a que possam produzir resultados jurídicosobrigacionais,conformeasdisposiçõeslegais. Nessesentido,quantoaoconceitodecontrato,PauloNader(2010,p.09)explicaque:“Naacepçãoatual,contratoéacordodevontadesquevisaaproduçãodeefeitosdeconteúdopatrimonial.Porele,cria-se,modifica-seouextingue-searelaçãodefundoeconômico”. Assim,comojáreferido,ocontratoéumadeclaraçãonegocial.Noentanto,ocontratoéumadeclaraçãopormeiodaqualaspartespersegueminteresses,mascondicionadosaparâmetrosestabelecidosnoCódigoCivil,comoafunçãosocialeaboa-féobjetiva. Por tais razões, o exercício da liberdade de celebração contratual,

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denominada de autonomia da vontade, em substituição à autonomia absoluta,conforma-seaumasignificaçãoprincipiológica. Nessesentido,MariaHelenaDiniz(2009,p.24)explicaque:

Assim,oprincípioda autonomiadavontadeéopoder conferidoaos contratantes de estabelecer vínculo obrigacional, desde quese submetam às normas jurídicas e seus fins não contrariem ointeressegeral,detalsortequeaordempúblicaeosbonscostumesconstituemlimitesàliberdadecontratual.

Portanto,oconceitodeautonomiaabsoluta,tãoemvoganasearacivilista,noséculoXIX,forasubstituídapelaautonomiaprivada,aqualapresentaumcaráterlimitado. Essenovoparâmetro,inauguradopeloCódigoCivilde2002,éevidenciadoporMariaHelenaDiniz(2009,p.22),aqual,emtrechodesuaobra,explicaque:

É preciso não olvidar que a liberdade contratual não é ilimitada ou absoluta,poisestálimitadapelasupremaciadaordempública,quevedaconvençõesquelhesejamcontráriaseaosbonscostumes,deforma que a vontade dos contraentes está subordinada ao interesse coletivo.PeloCódigoCivil,noart.421,“Aliberdadedecontratarseráexercidaemrazãoenoslimitesdafunçãosocialdocontrato”(CF,art.1º,IV,5º,XXIII,e170,III).

Nessamesmatoada,aindaMariaHelenaDiniz(2009,p.27)concluique:

O princípio da autonomia da vontade está atrelado ao dasocialidade,pois, pelo art. 421doCódigoCivil, declarada está alimitação da liberdade de contratar pela função social do contrato. Esse dispositivo é mero corolário do princípio constitucional dafunçãosocialdapropriedadeedajustiça(LICC,art.5º),norteadordaordemeconômica.Oart.421é,comojádissemos,umanormaprincipiológica que contém uma cláusula geral: a função socialdo contrato. O art. 421 institui, expressamente, a função socialdo contrato, revitalizando-o, para atender aos interesses sociais,limitando o arbítrio dos contratantes, para tutelá-los no seio dacoletividade, criando condições para o equilíbrio econômico-contratual, facilitando o reajuste das prestações e atémesmo suaresolução.

Quantoafeiçãodocontrato,emnossasociedadeatual;claroseafiguraqueapresençadoscontratosparitários,cadavezmaissetornaescassa;predominando,atualmente, ante a realidade da sociedade demassa; os chamados contratos deadesão;oquaissecaracterizam,porsuaconformação,pela imposiçãodopodereconômico sobre os contratantes, consumidores; mediados pelos contratados,chamados fornecedores, todos se movimentando no cena de uma relação deconsumo.

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Nessesentido,PauloNader(2010,p.47)pontuaque:

Os contratos gré a gré ou amigáveis, chamados ainda paritários,formam-se mediante diálogo entre as partes, diretamente, oupor representantes. O ajuste final surge como o resultante daconveniência no momento da declaração de vontade. Nemsempre as partes obtêm as condições desejadas; a harmonizaçãodos interesses às vezes não é alcançada. Mazeaud, Mazeaud eChabas consideram imprópria a denominação, entendendo que agrandemassadeacordosnasceédaimposiçãoporumadaspartes,geralmente amais forte economicamente.Quando se efetua umacompra em estabelecimento comercial o preço e as condições previamente se acham definidos, não ensejando, pois negociaçãoentre os contratantes.

Contrato de Adesão, portanto, é aquele cujas cláusulas tenham sidoaprovadaspelaautoridadecompetente,comoporexemplo,ocontratodeprestaçãodeenergiaelétrica,oumesmoaquelecontratoestabelecidodeformaunilateralpelofornecedordeprodutosou serviços, comopor exemplo, o contratode telefoniacelular;semqueoconsumidorpossadiscutiroumodificarsubstancialmenteseuconteúdo. TalcontratotemprevisãonoArt.54doCódigodeDefesadoConsumidor.Assim,oreferidoartigodeleiestabeleceque:

Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedordeprodutorouserviços, semqueoconsumidorpossadiscutiroumodificarsubstancialmenteseuconteúdo.

Portanto, em tal modalidade contratual, o consumidor não participasubstancialmente de sua elaboração. Ademais, ao consumidor não é dado apossibilidadedemodificarsuascláusulas. Dessemodo,inicialmente,comojáforareferidonoitemanterior,todososcontratosdeverãovelarporsuatransparência. Aoencontrodesseprincípio,oArt.46doCódigodeDefesadoConsumidor,estabeleceque:

Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomarconhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivosinstrumentosforemredigidosdemodoadificultaracompreensãode seu sentido e alcance.

TalprincípiopossuiderivaçõesquepodemserlocalizadastantonoCódigoCivil,quantonoCódigodeDefesadoConsumidor. Assim,oCódigoCivilevocaosprincípiosdafunçãosocialdocontrato,

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da boa-fé objetiva, além da eticidade, dando um embasamento constitucional apartirdainserção,nasearacontratual,deprincípiodadignidadedapessoahumana.Nessesentido,RômuloRussoJúnior(2006,pp.03e04).ponderaque:

O que se ergue, na verdade, é que o contrato passa a receber,com unidade, a saudável influência dos princípios da ordemconstitucionalvigente(taiscomo:adignidadedapessoahumana,o respeito ao meio ambiente, à justiça social, a livre iniciativa,dentreoutros),atravésdosquaispoder-se-ápassaradarumacertaconcretudeaoequilíbriocontratual,corrigindo-seouaomenosseatenuando,pormeiodascláusulasgeraisdaboa-féobjetiva,funçãosocial e probidade e dos referidos deveres anexos ou laterais, odesequilíbriodasforçaseconômicasdoscontraentes.

Portanto, o Código Civil, delineando novas linhas gerais voltadas àreconstruçãodateoriageraldoscontratos,evidenciaqueocontratosomentepodesejustificarseasuamotivaçãoforadstritaaointeressesocial. Assim, aquele diploma, em seuArt. 421, estabelece que: “A liberdadedecontratarseráexercidaemrazãoenos limitesdafunçãosocialdocontrato”.Porseuturno,emseuArt.422,determinaque:“Oscontratantessãoobrigadosaguardar,assimnaconclusãodocontrato,comoemsuaexecução,osprincípiosdeprobidadeeboa-fé”. Nessemesmopasso,comrelaçãoaoscontratosdeadesão,acimareferidos,oCódigoCivil,emseuArt.423,determinaque:“Quandohouvernocontratodeadesãocláusulasambíguasoucontraditórias,dever-se-áadotarainterpretaçãomaisfavorávelaoaderente”.Ainda,emseuArt.424,estabeleceque:“Noscontratosdeadesão,sãonulasascláusulasqueestipulemarenúnciaantecipadadoaderenteadireitoresultantedanaturezadonegócio”. Porseuturno,oCódigodeDefesadoConsumidor,emseuartigo54,§4º,determinaqueascláusulascontratuaisimpositivasdeobrigaçõesaoconsumidor,deverão apresentar redação clara, quando nos referimos a contratos de adesão.Ainda,oseuartigo47,estabeleceque:“Ascláusulascontratuaisserãointerpretadasdemaneiramaisfavorávelaoconsumidor”. Aindanessa linhade raciocínio, considerando a sistemáticaprofessadapelo Código de Defesa do Consumidor, ofendem-se seus princípios fundantes,quando cláusula contratual restringe direitos ou obrigações fundamentais, ouquandosemostraexcessivamenteonerosaparaoconsumidor,considerando-seanaturezaeconteúdodocontrato,assimcomoointeressedaspartes;alémdeoutrascircunstânciaspeculiaresaocaso. ÉoquedispõeoArt.51,§1º,doCódigodeDefesadoConsumidor,aqualestabeleceemseuteorque:

Art.51.[...]

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[...]§1ºPresume-seexagerada,entreoutroscasos,avontadeque:I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a quepertence;II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes ànaturezadocontrato,detalmodoaameaçarseuobjetoouequilíbriocontratual;III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor,considerando-seanaturezaeconteúdodocontrato,ointeressedasparteseoutrascircunstânciaspeculiaresaocaso.

Enessesentido,oreferidoArt.51,doCódigodeDefesadoConsumidor,emseucaput,estabeleceque:“Sãonulasdeplenodireito,entreoutras,ascláusulascontratuaisrelativasaofornecimentodeprodutoseserviçosque”. Nessesentido,quantoanulidade,CarlosAlbertoBittar(BITTAR,2007,p.258)explicaque:

Nulo é o negócio jurídico que se perfaz com inobservância depressupostos e de requisitos substanciais, gerais ou especiais, ouque,quantoàcausa,ou,aosfins,seconcluiemfrontaldiscordânciacom o ordenamento jurídico (assim, por exemplo, com agenteabsolutamenteincapaz,comobjetivoilícito,commotivosilícitos;com formas inadequadas).A nulidade investe, portanto, contra elementos essenciais àformaçãoválidadonegócio,erelacionadasavaloresqueinteressama toda sociedade.

Portanto, considerando as derivações constantes do Código doConsumidor,aschamadascláusulasabusivassãonulasdeplenodireito.Ouseja,ataiscláusulaslhesãonegadasqualquerefeitojurídico;indepentementedointentodofornecedor,bastandoaverificaçãodesuaocorrência,emumcontratodefundoconsumerista,conformeoelencolegal.

DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DA RELAÇÃO DE CONSUMO.

OCódigodeDefesadoConsumidor,comorespostanormativadoDireitoàSociedadedeConsumo,considerandoarealidadebrasileira;passouadisciplinarosfatosadstritosaouniversoconsumerista;buscando,apartirdeummandamentoconstitucional,aconcretizaçãodaregradejustiçamaterial,fundadanaconstataçãoda vulnerabilidade do consumidor. Para tanto, apresentou-se como uma lei principiológica, vicejando emummicrossistemalegislativo,comaplicabilidadeemtodarelaçãojurídicaqueseconstitua em relação de consumo. Nessesentido,aclarandoessespostulados,RizzattoNunes(2008,p.66)

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ponderaque:

Comoleiprincipiológicaentende-seaquelaqueingressanosistemajurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, nocasodoCDC,atingirtodaequalquerrelaçãojurídicaquepossasercaracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outranorma jurídica infraconstitucional.Assim,porexemplo,umcontratode segurodeautomóveiscontinua reguladopeloCódigoCivilepelasdemaisnormaseditadaspelosórgãosgovernamentaisque regulamentam o setor (Susep, Instituto de Resseguros etc.),porémestãotangenciadasportodososprincípioseregrasdalein.8078/90,detalmodoque,naquiloquecomelescolidirem,perdemeficáciaportornarem-senulosdeplenodireito.

Assim,oCódigodeDefesadoConsumidorapresentando-secomonormade ordempública, assim como, de interesse social; tem, em sua aplicabilidade,preponderância sobre outras normas, que com ele possam a vir a colidir. Suaaplicabilidadeestáadstritaàvinculaçãocomumarelaçãodeconsumo. Comojáreferido,apresunçãodevulnerabilidadedoconsumidorbaseia-seemumtripé,qualseja,avulnerabilidadetécnica,jurídicaeeconômica. Assim, quanto a vulnerabilidade técnica, essa se manifesta pelaausênciadeconhecimentosespecíficosemrelaçãoaoprodutoouaoserviço.Estedesconhecimentotornaoconsumidorsuscetíveldeserenganadoouprejudicado. Por seu turno, a vulnerabilidade econômica, trata-se é falta deconhecimentos quanto a direitos, instrumentos contratuais e remédios jurídicosparasolucionareventuaisproblemas.Manifesta-setambémnocursodoprocesso,poisoconsumidorélitiganteeventual,enquantoofornecedorélitigantehabitual.E justamente por estar habitualmente envolvido em processos judiciais, osprocuradoresdosfornecedoressãoespecialistas,conhecememdetalhesaorientaçãodotribunal,pré-constituemasprovas,beneficiam-secomademoradoprocesso,e,casopercam,podemorientarorepassedoprejuízoaosdemaisconsumidores. Finalmente, a vulnerabilidade econômica provoca um desequilíbrio nanegociação,poisoconsumidorpossuipoderdebarganhainversamenteproporcionala seu poder de compra. Ainda,podeseraventadaachamadavulnerabilidadepsíquicamanifesta-se pelo uso das mais diversas técnicas de venda que induzem o consumidor a compraroqueelenãoprecisa,nãoquer,emuitasvezes,tambémoquenãopodepagar. PortalrazãooArt.4ºdoCódigodeDefesadoConsumidor,aoregulamentarapolíticanacionaldeconsumo,estabeleceque:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem porobjetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, orespeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus

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interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida,bem como a transparência e harmonia das relações de consumo,atendidososseguintesprincípios:I-reconhecimentodavulnerabilidadedoconsumidornomercadodeconsumo;II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente oconsumidor:a)poriniciativadireta;b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associaçõesrepresentativas;c)pelapresençadoEstadonomercadodeconsumo;d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade,segurança,durabilidadeedesempenho.III - harmonização dos interesses dos participantes das relaçõesde consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidadededesenvolvimentoeconômicoetecnológico,demodoa viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica(art.170,daConstituiçãoFederal), semprecombasenaboa-féeequilíbrionasrelaçõesentreconsumidoresefornecedores;IV-educaçãoeinformaçãodefornecedoreseconsumidores,quantoaosseusdireitosedeveres,comvistasàmelhoriadomercadodeconsumo;V- incentivoàcriaçãopelos fornecedoresdemeioseficientesdecontrole de qualidade e segurança de produtos e serviços, assimcomo de mecanismos alternativos de solução de conflitos deconsumo;VI-coibiçãoerepressãoeficientesdetodososabusospraticadosnomercadodeconsumo,inclusiveaconcorrênciadeslealeutilizaçãoindevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aosconsumidores;VII-racionalizaçãoemelhoriadosserviçospúblicos;VIII-estudoconstantedasmodificaçõesdomercadodeconsumo.

Assim,oâmbitodeincidênciadoCódigodeDefesadoConsumidorestáadstritoàproteçãodoconsumidor,pressupondoumarelaçãojurídicadesigual,antea concepção da idéia de vulnerabilidade do consumidor. Portanto,considerandoasnoçõesexaradas,tem-sequeanoçãodoquesejaumarelaçãojurídicamostra-sedefundamentalimportânciaparaoentendimentodoespectrodeabrangênciadequalquernorma. Nessesentido,aspalavrasdeMiguelReale(REALE,1995,p.211)sãoproverbiais,aoexplicarque:

[...]asnormasjurídicasprojetam-secomofeixesluminosossobreaexperiênciasocial:esóenquantoasrelaçõessociaispassamsobaaçãodessefachonormativo,équeelasadquiremosignificadoderelaçõesjurídicas.(...)Quandoumarelaçãodehomemparahomemsesubsumeaomodelonormativo instauradopelo legislador,essa

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realidadeconcretaéreconhecidacomosendorelaçãojurídica.

Assim, ao se buscar fixar o alcance das normas jurídicas é necessárioverificar e analisar os componentes da respectiva relação jurídica que nela sesubsumem;notadamentequandoocorreumconcursoaparentedenormas. Enessesentido,quantoadeterminaçãodoâmbitodeaplicaçãodoCódigodeDefesadoConsumidor,oprópriodiplomanormativo,emseuartigodeaberturapropugnapelaproteçãoe adefesado consumidor, estatuindonormasdeordempública nesse aspecto, em atendimento ao imperativo constitucional, conformedeterminamosArts.5º,XXXII,e170,V,daConstituiçãoFederal. Nesse diapasão, oCódigodeDefesa doConsumidor, em seusArts. 2ºe 3º, trata da conceituaçãodoque, paraos seus efeitos, vêma ser consumidor,fornecedor,produtoseserviços. Assim, verifica-se que a primeira preocupação do legislador fora a deestabelecerparâmetrosparaaidentificaçãodoscomponentesdarelaçãojurídicadeconsumo,doqualtrataprimordialmentealeisobcomento. Nesse sentido, Celso Marcelo de Oliveira (jus.uol.com.br/revista/texto/2741), buscando evidenciar as hipóteses dos atos jurídicos de consumo,explicaque:

Apartirdasdefinições,pode-seproporumaclassificaçãotripartidaparaosatosjurídicosdeconsumo-paraaqualemmuitocontribuiaexperiênciavindadadivisãoclássicadodireitoprivadobrasileiroeasconstruçõesdoutrináriasdesenvolvidasnoseuâmbitoparaatipificaçãodosatosdecomércio-,asaber:I–Osatosdeconsumoprópriosouporessência:sãoosatosdeconsumoporexcelência,deregrapraticadospeloconsumidornaspontasfinaisdacadeiadecirculaçãodos produtos e serviços; II –Os atos de consumoporacessãooudependência:sãoosatosdeconsumoprópriopraticadospelos fornecedores para a viabilização do seu empreendimento e alavancagemdasatividadesdasuaagênciaprodutoradeconsumo,no fluxo circulatório de bens nos setores primário, secundário eterciáriodaeconomia;III-Osatosdeconsumoporforçadelei:sãoosatosdeconsumoobjetivos,cujasrelaçõesjurídicassãosubmetidosmandatoriamente, por força de lei, à disciplina regulatória -diretaouincidental-doCódigodeDefesadoConsumidoreseusconsectários normativos, independentemente da qualificação oufuncionalidadedossujeitosenvolvidosnarelaçãojurídica

Nesse sentido, partindo-se da premissa de que a relação jurídica écompostaporumsujeitoativo-assimentendidocomoobeneficiáriodanorma-,umsujeitopassivo-aquelesobreoqualincidemosdeveresimpostospelanorma-,umobjeto-queseidentificacomobemsobreoqualrecaiodireito-,eum“fatopropulsor”-assimconsideradocomootipodevínculoqueligaosujeitoativoaosujeitopassivo-,deve-seanalisararelaçãodeconsumosobopontodevistade

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cadaumdeseuscomponentes.Dessemodotem-se,oconsumidor,ofornecedor,oprodutoou serviço, e o seu fatopropulsor, seja eledenatureza contratual ouextracontratual. Emprosseguimento,umavezidentificadososelementoscomponentesdarelaçãojurídicadeconsumo,poder-se-á,comclareza,mensurara“açãodofachonormativo”daLei8.078/90,oCódigodeDefesadoConsumidor. Ademais, vale ressaltar que a utilidade da correta identificação doselementos componentes da relação jurídica de consumo prende-se, também, ànecessidade da observância do princípio da legalidade previsto no Art. 5º daConstituiçãoFederal,considerandoser,oCódigodeDefesadoConsumidor,umestatutomultidisciplinar, definindo em seu bojo inclusive tipos criminais, a parde regras de comportamento mais gravosas em cotejo com as estabelecidas pelo CódigoCivilepeloCódigoComercial. Nesse diapasão, as relações de consumo são as relações jurídicas porexcelência,asquaisenvolvemsempre,basicamente,duaspartesbemdefinidas.Comoprimeiraparte,umarelaçãotendocomovértices,deumladoumadquirentedeumprodutoouserviço(consumidor);deoutroofornecedorouvendedordeumprodutoouserviço(produtor/fornecedor). Dessemodo,NewtonDeLucca(2003,pp.136-137)ponderaque:

[...]porexemplo,emtrabalhoquemerecesercitadoàexaustãopelosestudiosos do direito do consumidor noBrasil, parece identificarambososconceitosaoafirmarque“arelaçãodeconsumonãoseverifica entre simples particulares e que os produtos e serviçosde que trata devem ser colocados no mercado por um sujeito no exercíciodesuaatividadeempresarial

Como segunda parte, tem-se o objeto destinado a satisfação de umanecessidade privada do consumidor. Portanto,oCódigodeDefesadoConsumidorforacriadoparadisciplinaras relações de consumo em geral. Portanto, para aferir com precisão a existência de uma relação deconsumo,éindispensávelterconhecimentopréviodedoisconceitosfundamentais,necessáriosparaseidentificartalrelação,quaissejam:consumidorefornecedor.

Do Consumidor.

Assim,consumidor,àluzdoArt.2ºdaLei8078/90,étodapessoafísicaoujurídicaqueadquireouutilizaprodutosouserviçoscomodestinatáriofinal. Dessemodo,oconsumidorécaracterizadopeloatoderetiraroprodutoouserviçodecirculaçãodomercado.Ocritérioadotadoportalcorrenteéobjetivo,apartirdessaanálise,buscandobasear-seemumconceitojurídico.

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Tal corrente é chamada de Maximalistas. Por sua vez, uma segunda corrente defende que a caracterização doconsumidornãodevesebasear,tãosomenteemumcritériofático,masdever-se-áagregarumcritérioeconômico,afimdesealcançaraderivaçãodotermo. Portanto,alémdadestinaçãofática,consistenteemretiraroprodutoouserviçodomercado,énecessárionãoutilizarosmesmosparaauferirrenda. Assim,paraacaracterizaçãodoconsumidoradota-seumcritériosubjetivo.Assimcomo,adotou-se,nessepontodevista,ocritérioeconômico. Tal corrente é denominada de Finalistas. Entretanto, um elemento de conjunção entre essas duas correntes semostra,justamente,fulcradanoelementodevulnerabilidadedoconsumidor. Dessemodo,oconsumidoréaquelesujeitoimbuídodevulnerabilidade. Nessesentido,ElianeM.OctavianoMartins(http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7104) ponderaque:

Inobstante serem detectados inúmeros entendimentos diversos acercadoexatoalcancedoconceitodevulnerabilidade,preponderaa exegese que sustenta dever ser a vulnerabilidade compreendida no sentidotécnico,jurídicoesocioeconomico.

Eprossegue,concluindoque:

Infere-se, portanto, que tais sentidos importam na configuraçãode não ter o consumidor conhecimentos em relação aos aspectos jurídicosdonegócioeassuasrepercussõeseconômicaalémdenãoseencontrar,geralmente,namesmacondição social e econômicadofornecedorpartecomquenegocia.Efetivamente,comoregra,asconclusõesadotadaspelateoriasubjetivaoufinalistaestãocalcadasnosseguintespressupostos: i)oconceitodeconsumidordevesersubjetivoepermeadopelocritérioeconômicoedavulnerabilidade;ii) a expressão “destinatário final” deve ser interpretadarestritivamente.

O Superior Tribunal de Justiça, a partir dos preceitos conceituaisenumerados, manifesta-se também nesse sentido, levando em consideração avulnerabilidadedoconsumidor,atemperaracorrentefinalista;tambémchamadade Teoria Finalista Mitigada. Nessesentido:

PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MÁQUINA DE BORDAR.FABRICANTE. ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE.RELAÇÃO DE CONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA ELETIVADEFORO.1.ASegundaSeçãodoSTJ,aojulgaroREsp541.867/BA, Rel. Min. Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min.

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BarrosMonteiro,DJde16/05/2005,optoupelaconcepçãosubjetivaoufinalista de consumidor. 2.Todavia, deve-se abrandar a teoriafinalista,admitindoaaplicaçãodasnormasdoCDCadeterminadosconsumidores profissionais, desde que seja demonstrada avulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica. 3. Nos presentesautos,oqueseverificaéoconflitoentreumaempresafabricantede máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças eacessóriosparaaatividadeconfeccionistaeumapessoafísicaqueadquireumamáquinadebordaremproldasuasobrevivênciaedesuafamília,ficandoevidenciadaasuavulnerabilidadeeconômica.4.Nestahipótese,estájustificadaaaplicaçãodasregrasdeproteçãoaoconsumidor,notadamenteanulidadedacláusulaeletivadeforo.5.Negadoprovimentoaorecursoespecial.(RESP 200702835038, NANCYANDRIGHI, STJ - TERCEIRATURMA,13/10/2010)

CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE FORNECIMENTO DE ENERGIA. DESPACHO SANEADOR. RELAÇÃO DE CONSUMO.ART. 2º DOCDC. ILEGITIMIDADEATIVA “ADCAUSAM”.(...)3. No tocante ao segundo aspecto – inexistência de relação deconsumoe conseqüente incompetênciadaVaraEspecializada emDireito do Consumidor – razão assiste ao recorrente. Ressalto,inicialmente,quesecolhedosautosqueaempresa-recorrida,pessoajurídica com fins lucrativos , caracteriza-se como consumidoraintermediária, porquanto se utiliza do serviço de fornecimentodeenergiaelétricaprestadopela recorrente, com intuitoúnicodeviabilizarsuaprópriaatividadeprodutiva.Todavia, cumpre consignar a existência de certo abrandamentona interpretação finalista, na medida em que se admite,excepcionalmente, desde que demonstrada, in concreto, avulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, a aplicação dasnormasdoCDC.Querdizer,não sedeixadeperquirir acercadouso,profissionalounão,dobemouserviço;apenas,comoexceçãoeàvistadahipossuficiênciaconcretadedeterminadoadquirenteouutente, nãoobstante seja umprofissional, passa-se a considerá-loconsumidorOra,incasu,aquestãodahipossuficiênciadaempresarecorrida em momento algum foi considerada pelas instânciaordinárias, não sendo lídimo cogitar-se a respeito nesta seararecursal,sobpenadeindevidasupressãodeinstância(Precedentes:REsp.541.867/BA,DJ10.11.2004).4. Por tais fundamentos, CONHEÇO PARCIALMENTEDO RECURSO ESPECIAL, E, NESTA PARTE, DOU-LHEPROVIMENTO,para,afastandoarelaçãodeconsumo,determinara incompetência absoluta do Juízo de Direito da 11ª VaraEspecializada da Defesa do Consumidor para processar e julgar o feito. Reconheço, outrossim, a nulidade dos atos processuais

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praticadosedeterminoadistribuiçãodoprocessoaumdosJuízosCíveisdaComarcadeVitória/ES.(REsp661145/ES,Rel.MinistroJORGESCARTEZZINI,QUARTATURMA,julgadoem22/02/2005,DJ28/03/2005,p.286)

Assim, o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre aproduçãodebensdeconsumoouprestaçãode serviçosque lhe sãodestinados,arrisca-se a submeter-se aopoder e condiçõesdosprodutoresdaquelesmesmosbenseserviços,tendoaofundooquesedenominadeDireitodoConsumidor,quepodeserconceituadocomooagrupamentodenormasjurídicasquevisamregularas relações estabelecidas entre a pessoa do consumidor e do fornecedor.

Do Fornecedor.

O fornecedor, por sua vez, é toda pessoa física ou jurídica, públicaou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados,que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção,transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização deprodutosouprestaçãodeserviços(Art.3ºdalei8078/90). Desse modo, como se observa pelos conceitos trazidos pelo Códigode Defesa do Consumidor acerca das figuras de consumidor e fornecedor, éimprescindívelquesetenhacomoentesformadoresdarelaçãodeconsumoessasduas figuras em pólos distintos, devendo o consumidor figurar em um pólo darelação e o fornecedor em outro. Entretanto, a abordagemdoutrinária sobre os conceitos de consumidore fornecedor são muita amplas e trazem consigo muitas dúvidas acerca da sua definiçãoeutilização. Assim, como adverte Newton De Lucca (2003, p. 133): “Entende-se, demaneira geral, que a expressão “fornecedor”, noCDC, abrange todos osparticipantesdocicloprodutivo-distributivo”. Conclui-se,portanto,quecomofornecedorpoderáserconsideradotodososquaispropiciemaofertadeprodutose serviçosnomercadodeconsumo,deformaaatenderàsnecessidadesdoconsumidor. Dessaforma,opontonodalresidenavinculaçãolegalàpalavradestinatáriofinal,defundamentalimportânciaparasedeterminaressafigura. Assim,maisumavez,tem-sequedestinatáriofinaléaquelapessoa,físicaoujurídicaqueadquireouseutilizadeprodutosouserviçosembenefíciopróprio,ouseja,éaquelequebuscaasatisfaçãodesuasnecessidadesatravésdeumprodutoouserviço,semterointeressederepassaresteserviçoouesseprodutoaterceiros. Portanto, caso este produto ou serviço seja repassado a terceiros,medianteremuneração,inexisteafiguradoconsumidoresurgeimediatamentea

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do fornecedor. Adentrando aos meandros da conceituação de fornecedor, importanterepisar que esse não necessita ser uma pessoa jurídica, uma vez que o textolegal traz a figura dos entes despersonalizados, podendo se entender assim porumainterpretaçãológica,quetambémpodemfigurarcomofornecedoresaquelesquepraticamatividadesdefinidasem lei,quantoao fornecimentodeprodutoseserviços,mesmoqueatuandoeconomiainformal. Frise-se que os entes de direito público, os quais prestam serviçosessenciais à sociedade, como serviços de fornecimento de água, luz e esgototambémseenquadramnafiguradefornecedorescombasenoArt.3ºdalei8078/90.Finalmente,asedimentarqualquerdúvidaquantoaoconceitodefornecedor,FabioUlhoaCoelho(1999,p.82)ensinaque:

Fornecedor é a pessoa que desenvolve atividade de oferecimento de bensouserviçosaomercado,econsumidoraquelaqueosadquirecomo destinatário final. Sempre que a relação jurídica ligar umexercente de atividade de oferecimento de bens ou serviços ao mercadoaodestinatáriofinaldestes,elaéumarelaçãodeconsumoe sua disciplina será a do regime de tutela do consumidor.

Portando,valendo-semaisumavezdoArt.3ºdoCódigodeDefesadoconsumidor,atítulodefecho,evidenciando-seocaráterabrangentedadefiniçãolegal;comofornecedor,podemserenquadradastodasaspessoascapazes,físicasoujurídicas,bemcomoosentesdespersonalizados,que“desenvolvamatividadesdeprodução,montagem,criação,construção,transformação,importação,exportação,distribuiçãooucomercializaçãodeprodutosouprestaçãodeserviços”.

DA APLICAÇÃO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL NO ÂMBITO DA RELAÇÃO DE CONSUMO

Aosepretenderumaimbricação,entreatemáticadamediçãoearbitragemeasearaconsumerista,énecessárioquesefaçaumadiagnoseinicial,vistoquediscussão comporta algumas derivações. Portanto,umprimeiropontoexsurgedesesaberseépossívelautilizaçãodo procedimento arbitral nas relações de consumo. Assim,evocandoogêneroconvençãodearbitragem,énecessáriosaber,quandodaaplicaçãodoprocedimentoarbitralaumarelaçãodeconsumo,aquaisdasespéciesestamosnosreferindo,nessemomento. Dessaforma,aotratarmosdeumaabordagemquelevaemconsideraçãoocompromissoarbitral,nãonosparecequeexistaqualquerempecilhoqueobsteaescolhadaviaarbitral,peloconsumidor,emumarelaçãodeconsumo. Ocorre quepela naturezado compromisso arbitral, o qual pressupõeo

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conflito instauradoentreaspartesepodendocontarcomaassistênciadoPoderJudiciário,escudando-lhealivremanifestaçãodevontade,nãoexisteviolaçãoaoCódigodeDefesadoConsumidor,àaplicaçãodaheterocomposição. Nesse sentido aponta a Lei 9099/95, que criou os Juizados EspeciaisCíveis,asseverando,emseusArts.24a26,apossibilidadedeinstaurar-sejuízoarbitralapósoajuizamentodaaçãonajustiçaestatal. Nessesentido,LuizAntonioScavoneJunior(2010,p.27)explicaque:

Entendemos, seguindoamaioriadadoutrina,quenadaobstaqueo consumidor, depois do conflito instaurado, com o Judiciárioà suadisposição– jáquenãoexiste cláusula arbitralnocontratoou a existente é nula -, resolva firmar um compromisso arbitralmanifestando livremente sua vontade e, nessa medida, resolvasubmeteresseconflitoaumárbitro.

Aorevés,aosepontuaracláusulacompromissória,adiscussãotomaummatiz diferenciado. Nessesentido,comojáreferido,oArt.51,VII,doCódigodeDefesadoConsumidor, estabelece que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuaisrelativas ao fornecimento de produtos ou serviços que determinem a utilização compulsóriadearbitragem. Portanto, a lei veda que se imponha, por disposição contratual, a viada arbitragem ao consumidor. Fundamenta tal imperativo na presunção de vulnerabilidade do consumidor, princípio fundante do Código de Defesa doConsumidor. Dessemodo,qualquercláusulanessesentido,determinandoautilizaçãocompulsóriadaarbitragem.énuladeplenodireito. Entretanto,talconclusãonãopodeocorrerdeformaabsoluta,vistoqueo banimento da seara consumerista, está adstrito à utilização compulsória daarbitragem,consubstanciadaemumacláusulaarbitral. Portanto, ao fornecedor é dado o ônus de provar que a anuência doconsumidoràreferidacláusulanãoforafeitadeformacompulsória. Nessesentido,LuizAntonioScavoneJunior(2010,p.28)ponderaque:

Entendemos que essa possibilidade demanda a prova, pelofornecedor, de que não determinou a utilização compulsória daarbitragemaofirmaracláusulaarbitral,oquefeririaoincisoVII,doart.51,daLei8078/1990.Nesse caso, alegadaa insubsistênciadacláusula arbitral,militaráa favor do consumidor a presunção de invalidade, cabendo aofornecedor provar que a cláusula não foi imposta, notadamentediante das peculiaridades do negócio firmado e das condiçõespessoais do consumidor (forma do negócio, idade, instrução,capacidade econômica).

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Domesmomodo,JoséGeraldoBritoFilomeno(2007,pp.87e88),aocomentarsobreotema,citandoNelsonNeryJúnior,ponderaque:

Aocomentarigualmentereferidodispositivo,oilustreprocessualistaDr. Nelson Nery Jr. Pondera que a “escolha pelas partes de umárbitropara solucionar as lides existentes entre elasnão significarenúnciaaodireitodeaçãonemofendeoprincípioconstitucionaldo juiz natural; com a celebração do compromisso arbibral, aspartesestãotransferindo,deslocandoajurisdição”.[...]NeryJrconcluiseupensamentearespeito,ponderandoque“ojuízoarbitralé importantefatordecomposiçãode litígiosdeconsumo;razãoporqueoCódigonãoquisproibirsuaconstituiçãopelaspartesdocontratodeconsumo;ainterpretaçãoacontrariosensudanormasobcomentoindicaque,nãosendodeterminadacompulsoriamente,épossívelinstituir-seaarbitragem;[...]”.

Quanto ao contrato de adesão na seara consumerista, as mesmasmesurasdevemseraplicadasaesse,comumdetalhe,quereforçaoprincípiodatransparência,consoanteodispostonoArt.4º,§§1ºeArt.2º,daLei9307/96. Taisdispositivoslegaisestabelecemque:

Art.4º[...].§ 1ºA cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito,podendo estar inserta no próprio contrato ou em documentoapartadoqueaeleserefira.§ 2ºNos contratos de adesão, a cláusula compromissória só teráeficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragemouconcordar,expressamente,comasuainstituição,desdequeporescrito emdocumento anexoou emnegrito, coma assinaturaouvisto especialmente para essa cláusula.

Frise-se,portanto,quesobtalpontodevista,oscontratosdeconsumo,sejamdeadesãoounão,quantoaocompromissoarbitralnãoháressalvasaseremfeitas,podendo-sevalerdoprocedimentoarbitral,namedidaemqueaspartessecomprometemasubmeterseuslitígiosàdecisãodeumárbitro,apósaocorrênciados mesmos. Quanto à cláusula compromissória, em uma análise inicial, por contadodispostonoArt.51,VII,doCódigodeDefesadoConsumidor,tem-sequenoâmbitocontratual,tendocomoobjetoumarelaçãodeconsumo,amesmaévedada. No entanto, como referido, tal proibição somente poderá ocorrer,acoimando de nula a cláusula compromissória, se o fornecedor não logrardemonstrarqueaescolhapeloprocedimentoarbitralsedeudeformalivre,semqualquertraçodeimposição;alémdisso,demonstrarqueaescolha,porpartedoconsumidor, fora feitade formaconsciente,apartirdascircunstânciasobjetivasque nortearam a celebração do contrato.

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Quanto aos contratos de adesão, que decorreram de uma relação deconsumo, tem-seque as circunstâncias acimaevidenciadas, sobnossopontodevista,verificam-se. Assim, se demonstrado, pelo fornecedor, a vontade consciente elivre do consumidor de optar pela via arbitral, não nos parece que tal cláusulacompromissóriadevaserdeclaradanula,deformaapodítica. Entretanto, nesse ponto, todas as cautelas deverão ser tomadas,observando-setodasasdeterminaçõeslegais,demodoaseevidenciaroinequívococonvencimentodoconsumidor,alémdesedemonstraroseuesclarecimentoquantoasconseqüênciasdeseuato. Assim,alémdoArt.4º,§§1ºe2º,daLei9307/96;ofornecedordeveráobservarodispostonosArt.54,§§3ºe4º,doCódigodeDefesadoConsumidor. Nessesentido,tem-seque:

Art.54[...]§ 3o Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termosclarosecomcaracteresostensivoselegíveis,cujotamanhodafontenãoseráinferioraocorpodoze,demodoafacilitarsuacompreensãopeloconsumidor.(Redaçãodadapelanº11.785,de2008)§4°Ascláusulasqueimplicaremlimitaçãodedireitodoconsumidordeverãoserredigidascomdestaque,permitindosuaimediataefácilcompreensão.

Deoutraparte,énecessárioesclarecerquetalmatérianãoépacíficanadoutrina,existindoposicionamentosnosentidodesevedar,deformaperemptória,aaplicaçãodaarbitragemàsearaconsumerista. Assim,outrosdoutrinadores,comoClaudiaLimaMarques,opõem-seàutilizaçãodoprocedimentoarbitralnasearaconsumerista,aduzindoqueosórgãosarbitrais, ao serem mantidos por organizações representativas de fornecedores,violariamaproteçãoeodireitodoconsumidor,considerandoasuavulnerabilidadeehipossuficiênciaprocessual. Domesmomodo,LeonardoRoscoeBessa(2010,p.349)tambémperfilhatalentendimento,seopondoàutilizaçãodoprocedimentoarbitralàsrelaçõesdeconsumo.Nessesentido,aduzque:

Em que pese o cuidado da Lei 9037/96 com a vontade real doaderente, a doutrina sustenta majoritariamente que, em face davulnerabilidade do consumidor, principalmente quando pessoanatural, a instituição da arbitragem em contratos de adesão éextremamentedesvantajosaparaoconsumidore,portanto,nuladepleno direito.

Ainda nessa seara, Leonardo Roscoe Bessa (2010, p.349) aduz que oimperativoconstitucionalprevistonoartigo5º,XXXIIdaConstituiçãoFederal,

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somadoaoartigo1ºdoCódigodeDefesadoConsumidor,assimcomoosartigos1ºc.c.25,daLei9307/96,vedariaautilizaçãodaarbitragemnasearaconsumerista. Aduz que as normas doCódigo deDefesa doConsumidor, fossem denaturezaprocessualoumaterial,teriamcaráterindisponível,aplicando-seoteordoartigo25daLeideArbitragem,casoamatériasubmetidaaoprocedimentoarbitraltivesse o matiz consumerista.

CONCLUSÃO

A Arbitragem representa importante papel no panorama social atual. Talimportância,comomeioalternativodecomposiçãodecontrovérsias,revela-senoesgotamentodoPoderJudiciárioemdarsoluçãoacontento,atodososlitígiosquelhesãosubmetidos,sejapelademoraemapresentarumasolução,sejaporrazõesváriasqueperpassamagargalossistêmicos,queseapresentamdesdeaprimeirainstânciaatéaúltimainstância,abarcandoostribunaisdesuperposiçãocomoumtodo.Oumesmo,semostramnoprocedimentojudicial,quejáapresentasinaisdeesgotamento,presoagrilhõeslegais,quenãopodedispor. AArbitragem,por seu turno, é fundamentadanapreocupaçãocomumprocedimento célere, sendo inclusive causa de nulidade a não observância dosprazos legais para a celebração da sentença arbitral. Além disso, também existe a preocupação com a preservação docontraditório,alémdaparconditio,tambémcomorequisitodevalidadedasentençaarbitral. Oárbitrogozadeconhecimentosespecializados,alémdeserimparcial;facultadoàspartesaduziroeventualimpedimentooususpeiçãodomesmo. De outra parte, a moderna acepção contratual é o foco pelo qual asrelaçõesconsumeristassãomoldadas,amparando-se,oconsumidor,nasistemáticaconstruídapeloCódigodeDefesadoConsumidor, alémdafiguradodirigismocontratual. Desse modo, o afastamento, pura e simplesmente, do âmbito doconsumidor,aalternativadoprocedimentoarbitral.parece-nosumcontra-senso,namedidaemque,emmuitoscasosconcretos,aarbitragempoderiarepresentara melhor alternativa ao consumidor, mesmo que consideramos a realidadecontemporânea,representadapelautilizaçãogeneralizadadoscontratosdeadesão. Portanto,autilizaçãodaviaarbitral,mesmoquecomprevisãoderivadadeumacláusulacompromissóriadeveráseranalisadacasoacaso,sejapelasrazõesquefundamentemsuaaplicabilidade,sejapelavantagemquepossarepresentaràspartes,notadamenteaoconsumidor;conceitualmente,apartemaisfracadarelaçãojurídicadeconsumo.

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PODERES DO RELATOR FACE AO RECURSO INOMINADO

Marcus Rogério Tonoli1RESUMOOsjuizadosespeciaisbuscamagilizaroacessoaopoderjudiciário,porpartedoslitigantes.Paraissofoiestabelecidoumvalordeaté40saláriosmínimosparaosprocessosquedevemserabertosnosjuizados.Assim,aceleridadeprocessualcomoprincipioprocessualprevistonaleidejuizadosespeciaisnº9.099/95tornoupossívelo fácil acesso e a diminuição de demandas na justiça comum. Para a aplicação da leidejuizadosemseuâmbito,faz-senecessárioautilizaçãosubsidiariamentedoCódigoprocessualcivil.Édeextremaimportânciasuautilização,umavezquesuaaplicaçãosedádeformaabrangente,abarcandotodasasáreaseasaçõesespecificas,poiscontememsiosprincípiosnorteadoresdobomandamentoprocessual.Comoadventodoart.557doCPC,foramexpandidosospoderesdorelatornosjuizadosespeciais,aomesmotempoemquerestringiuelimitousuadecisãomonocráticaaoquestionamento por meio do recurso chamado Agravo Regimental. No tocante ao Recursoinominado(recursosemnomeouprevisãolegal),oumaisconhecidacomoapelação,ospoderesdorelatorsãoavaliarospressupostosobjetivosesubjetivosdo recurso e ao mesmo tempo ter possibilidade da retratação.Palavras-chave:Juizadoespecial,celeridadeprocessual,CPC,Poderesdorelator,Agravo Regimental e Recurso Inominado.

ABSTRACTThespecialcourtsseektoexpediteaccesstothejudiciaryonthepartoflitigants.Forthisweestablishedavalueofupto40minimumwagesfortheprocessesthatthecourtsshouldbeopened.Thus,speedof theprocedureasprescribedbylawproceduralprincipleofspecialcourtsNo.9099/95madepossibletheeasyaccessand reduced demands on the regular courts. For the application of the law courts in itsscope,itisnecessarytousealternativecodeofcivilprocedure.Itisextremelyimportantuse,since it isapplied inacomprehensivemanner,coveringallareasandthespecificactions,becauseitcontainswithinitselftheguidingprinciplesofproperconductproceedings.Withtheadventofart.557oftheCPC,haveexpandedthe powers of the Special Rapporteur on the courts at the same time restricted and limited its decision monocratic to questioning by the Regimental feature called Aggravation. Concerning the Appeal unnamed (unnamed feature or legal provision),orbetterknownasanappeal,thepowersoftherapporteuristoassessthe objective and subjective assumptions of the resource at the same time having

1Advogado. Possui graduação em Direito pela União das Faculdades dos Grandes Lagos (UNILAGO - 2007),EspecialisataemDireitoPrivadopelaEscolaPaulistadaMagistratura(EPM-2010).

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the possibility of retraction.Keywords:specialcourt,promptness,CPC,Powersoftherapporteur,Regimentaland Aggravation Resource Nameless.

INTRODUÇÃO Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais tiveram origem através daLei n. 9.099, de 1995 (Lei do Juizado especial civil e criminal), como intuitode facilitar o acesso da sociedade ao Poder Judiciário, decidindo os processosconsiderados de “pequenas causas”, e, também, desafogar o número de causasque tramitamna justiçacomum,demaneiraapossibilitarumamaiorceleridadeprocessualdosfeitos.Ojuizadoofereceumaprestaçãojurisdicional,pormeiodeumprocedimentosumaríssimo,emquesebuscaseguiroscritériosdaoralidade,simplicidade,informalidade,celeridadeeeconomiaprocessual,quesãoprincípiosprocessuais dos juizados especiais. Nodesejodeoferecerceleridadeaosjulgamentosdasdemandasjudiciais,eisquesurgeoartigo557doCódigodeProcessoCivil(CPC),introduzidopelaLein.9.756/98,noqualorelatorteráaautonomiadenegarseguimentoarecursomanifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em discordânciacomasúmulaoucomjurisprudênciaespecificadotribunal,doSupremoTribunalFederal,oudeTribunalSuperior. Seráabordadonesseartigo,ojuizadoespecial,suacriaçãoesuafinalidade,a estrutura recursal dos juizados especiais, em especial atenção ao recursoinominado,e,finalmente,ospoderesdorelatoremfaceaorecursoinominado. Para a apresentação dos temas referidos acima serão utilizados como baseádoutrinaeajurisprudênciadostribunais,umavezquesãoosfundamentosanalisados por doutrinadores e operadores de direitos especializados na observação eanálisedaciênciadodireito. A intenção desse presente trabalho é demonstrar, demaneira ampla, acompatibilidadeeconveniênciadaaplicaçãodoartigo557doCPCnoscolegiadosRecursais dos Juizados Especiais, possibilitando certa autonomia e poder aoRelatoremfacedosrecursos,emespecialoRecursoInominado,queéobjetodeanalise desse trabalho. JUIZADO ESPECIAL – NOÇÃO GERAL

O Juizado especial foi criado com o intuito de possibilitar um maior e fácil acesso à sociedade aopoder judiciário.Trata-sedeumórgão jurisdicionalvinculadoàjustiçacomumestadual,quesedestinaàsoluçãodelidesdemenorcomplexidade de fato. Suacompetênciamaterialrefere-se:acausasdeaté40(quarenta)salários

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mínimos,àsdoart.275, II,CPC,aodespejoparausopróprioeàspossessóriasdeimóveisdevaloraté40saláriosmínimos(art.3,Lei9.099/95).Acompetênciaterritorialseguiráadisciplinadoart.14dalei9.009/95.

ESTRUTURA RECURSAL DO JUIZADO – LEI.9.009/95

A Lei 9.099/95, referente aos recursos cabíveis no Juizado Especial,optouporreduzironúmeroderecursosemcomparaçãoaospermitidospeloCPC,simplificando e reduzindo o processo, de maneira que restringiu as diferentesformasdemanifestaçãodeinconformismobasicamenteaoRecursoInominado,emesmoassim,paranãovervioladooprincípioconstitucionalínsitododuplograudejurisdição.ORecursoInominado,queequivaleaoRecursodeApelação,serveparaatacarsentençasdesfavoráveissubmetendooprocessoàanálisedeumórgãocolegiado,formadopor3(três)juízesde1ºgraudejurisdição,denominadoTurmaRecursalCível,(§1º,art.41daLei9.099/95eart.2ºincisoVdalei2.556/96).O Regimento Interno das Turmas Recursais (Resolução 06/99 do Conselho deMagistratura do RJ) alterou sensivelmente este dispositivo. Dispõe o art. 41 da Lei 9.099/95 que “Da sentença, excetuada ahomologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o própriojuizado.” Não são passíveis de serem submetidos à nova apreciação, portanto,os casos onde houver conciliação homologada ou laudo arbitral, atendidosos pressupostos que a própria lei elenca nos arts. 24, 25 e 26. Com relação àinterposiçãode recursopara vermodificada a sentençade primeira instância, oprocedimentoésimilaraodoCPC,comaspeculiaridadesdaleiespecial. Diverso do CPC é o fato de que o recurso em regra é recebido somente emseuefeitodevolutivo,podendo,apedidodorecorrenteoudeofício,ojuizdar-lhe efeito suspensivo para evitar dano irreparável para a parte. Vale dizer que a execuçãoprovisóriaécabívelemsededeJuizadosEspeciaisCíveis,devendo-se,paraisso,observaroprocedimentoestatuídonosarts.587e588doCPC,aplicadodeformasubsidiáriaàlei9.099/95.Diverso,também,éofatodenãoserpossívelqualquer outro tipo de recurso além do pedido de revisão da sentença de primeira instância.AparteinconformadainterpõeRecursoInominadoàTurmaRecursalepronto,nenhumaoutrainterferêncialheépossível. Peloexpostoacima,pelatotalfaltadeprevisãoouomissãoporpartedolegislador,parecequeaúnicapossibilidadederecurso,apósasentença,comofitodereformá-la,érealmenteaviadoRecursoInominado. AquestãodosEmbargosdeDeclaração,previstosnosarts.48,49e50da lei 9.099/95, será tratadamais adiante, entretanto, como sabe-se, trata-se depedidodeesclarecimentoaoJuizprolatordasentençaparaqueafasteobscuridade,

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suprimaomissão,oueliminecontradiçãoqueporventuraexistanojulgado. Nessescaminhoslegalmenteinstituídosparasatisfazeroinconformismodosadvogadosmilitantes,noquetangenãosóàsdecisõesterminativas,mastambémàs decisões interlocutórias, é que vêm surgindo teses e/ou práticas processuaiscomointuitodeviabilizarpretensõesjurídicasaproveitando-sedebrechasoudeomissões legais. Masespecificamente,trata-sedaspossibilidadesdorecursocontradecisõesinterlocutórias em sede de Juizados Especiais Cíveis, passando, também, peloataqueàsdecisõesproferidaspelojuízoadquem,porserem,aoqueparece,umadasquestõesquemaisafligemosadvogadosquemilitamnestanovamodalidadeda justiça.

OS RECURSOS PREVISTOS NO CPC E A LEI 9.099/95

Abaixo, o art. 496, CPC, elencando os recursos disponíveis que serãoaplicados,quandopossível,emsededeJuizados. Dispõeoart.496doCPC:que

“Sãocabíveisosseguintesrecursos:I–apelação;II–agravo;III–embargosinfringentes;IV–embargosdedeclaração;V–recursoordinário; VI – recurso especial; VII – recurso extraordinário;VIII–embargosdedivergênciaemrecursoespecialeemrecursoextraordinário.

Os recursos Ordinário, Especial e Extraordinário, bem como seusembargos, não serão tratados nesse trabalho, uma vez que trata-se de matériaconstitucional,fugindoaoescopodotrabalhooraelaborado.

DA APELAÇÃO

Como já referido anteriormente, o (Recurso Inominado) ou o recursodeapelação,da formacomofoiconcebidopeloCPC,nãofoi recebidopelaLei9.099/95.AleidosJuizadosEspeciaisCíveisdisciplinouaquestãonoarts.41eparágrafos,42eparágrafose43,alterando,inclusive,anomenclaturadoprópriorecurso,ou,sepreferirem,omitindoasuanomenclatura. ObserveoartigosdaleidejuizadosEspeciais,noquetangeaorecurso:

Art.41.Dasentença,excetuadaahomologatóriadeconciliaçãooulaudoarbitral,caberárecursoparaopróprioJuizado.§1ºOrecursoserájulgadoporumaturmacompostaportrêsJuízestogados,emexercícionoprimeirograudejurisdição,reunidosnasede do Juizado.§2ºNorecurso,aspartesserãoobrigatoriamenterepresentadaspor

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advogado.

Art.42.Orecursoseráinterpostonoprazodedezdias,contadosdaciênciadasentença,porpetiçãoescrita,daqualconstarãoasrazõese o pedido do recorrente.§ 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nasquarentaeoitohorasseguintesàinterposição,sobpenadedeserção.§2ºApósopreparo,aSecretariaintimaráorecorridoparaoferecerresposta escrita no prazo de dez dias.Art.43.Orecursoterásomenteefeitodevolutivo,podendooJuizdar-lheefeitosuspensivo,paraevitardanoirreparávelparaaparte.

RECURSO ‘INOMINADO’

Deinício,cumpreressaltar,queorecursoestabelecidopelalei9.099/95carecededenominaçãoespecífica,eainda,paraquenãohajaconfusãocomoutrosrecursosexistentesemnossoordenamentoprocessual,postoasuapeculiaridade,édenominadodeRecursoInominado,ousimplesmenteRecurso,comodispõealei,estando este entendimento ombreado por boa parte de nossos juristas. Dispõe o art. 41 da lei 9.099/95 que “Da sentença, excetuada ahomologatória de conciliação ou laudo arbitral, caberá recurso para o própriojuizado.”(g.n) ORecurso Inominado, tratadonoart. 41da lei dos JuizadosEspeciaisCíveis,equipara-seaoRecursodeApelação,tratadonosarts.513a521doCPC.Apartequenãoseconformacomasentençadeprimeirainstância,desejandoqueessa seja reformada, interpõeumRecurso InominadoparaaTurmaRecursal.AturmaRecursal éumórgãocolegiadoconstituídopor3(três) juizestogadosdeprimeirograudejurisdição,§1ºdoart.41dalei9.099/95. Entretanto, cumpre ressaltar que,mesmo que a Lei 9.099/95 disponhaemseu§1ºdoart.41queosrecursosserãojulgadosporumaturmaformadapor3 (três) juízes togados, emexercícionoprimeirograude jurisdição, ede aLeiEstadual2.556/96,emseuart.16,ratificarestadisposição,asresoluções01/98e06/99,ambasdoConselhodeMagistraturadoEstadodoRiodeJaneiro,asegundarevogandoaprimeira,tendo,ainda,aúltimaocunhodeanteprojetodeRegimentoInterno dasTurmas Recursais Cíveis, dispõe demaneira diversa, posto que noanteprojeto o § 1º do art. 1º dispõe que as Turmas Recursais serão compostaspor4(quatro)juízestogados,todostitulares,preferencialmenteemexercícionosJuizados Especiais. Pode-sedestacaralgumasdiferençasentreosdoisinstitutos: ORecursoinominadoéjulgadopelaTurmaRecursal,umavezquetrata-sedeunidade jurisdicionalautônomae independente,na formadoart.5ºda lei2.556/96,quecriaosJuizadosEspeciaisCíveiseCriminais,dispondoaindasobre

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suaorganização,composiçãoecompetência,jáaApelaçãoéjulgadapeloTribunal. NãoépossívelojuízodeadmissibilidadepelojuízoaquonosJuizadosEspeciais. (enunciado nº 2, aviso 8/97, 1ª Reunião entre Juízes integrantes dasTurmasRecursaisCíveis),oqueseriahipótesedeagravo,comoabordareimaisadiante. ORecursoInominado,diferentementedaApelação,érecebidosomenteemseuefeitodevolutivo,excetosepedidopelaparteparaquesejarecebido,pelocoligado, em seu duplo efeito, devendo alegar dano irreparável, (art. 43 daLei9.099/95).Noentanto,quedonãorecebimentodoRecursoemseuduploefeito,quandorequerido,caberáàparte,primeiramente,pedidodereconsideraçãoàprópriaTurmarecursal,que,negando-o,facultaráaorecorrenteaviadaReclamação. O prazo para interposição do Recurso Inominado é de 10 (dez) dias,contadosdaciênciadasentença (art.42daLei9.099/95),enãode15 (quinze)dias,prazodoCPC. Nãoobstante,haveráaintegraçãodoCPC,excetonoscasosdosarts.518eparágrafo,519eparágrafo,520nosincisosI,II,IIIeVI,e,521primeiraparte,porconteremmatériareguladaouconflitantecomalei9.099/95.

PODERES DO RELATOR EM FACE DO RECURSO INOMINADO

OCódigo deProcessoCivil, em seu artigo 557, caput, possibilitou aorelator,medianteumadecisãosingular,negarseguimentoarecursomanifestamenteinadmissível,improcedente,prejudicadoouquecontrariesúmulaoujurisprudênciadominantedo respectivoTribunal,doSuperiorTribunaldeJustiça (STJ),oudoSupremo Tribunal Federal (STF).

Art. 557. O relator negará seguimento a recursomanifestamenteinadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto comsúmulaoucomjurisprudênciadominantedorespectivotribunal,doSupremoTribunalFederal,oudeTribunalSuperior.(RedaçãodadapelaLeinº9.756,de17.12.1998)§1o-ASeadecisãorecorridaestiveremmanifestoconfrontocomsúmula ou com jurisprudência dominante do Supremo TribunalFederal,oudeTribunalSuperior,orelatorpoderádarprovimentoaorecurso.(IncluídopelaLeinº9.756,de17.12.1998)§ 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, aoórgãocompetenteparaojulgamentodorecurso,e,senãohouverretratação, o relator apresentará o processo emmesa, proferindovoto;providooagravo,orecursoteráseguimento.(IncluídopelaLeinº9.756,de17.12.1998)§2oQuandomanifestamenteinadmissívelouinfundadooagravo,o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um edezporcentodovalorcorrigidodacausa,ficandoainterposiçãodequalqueroutrorecursocondicionadaaodepósitodorespectivo

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valor.(IncluídopelaLeinº9.756,de17.12.1998)Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, noscasosdeprisãocivil,adjudicação,remiçãodebens, levantamentode dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevantea fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até opronunciamentodefinitivodaturmaoucâmara.(RedaçãodadapelaLeinº9.139,de30.11.1995)Parágrafoúnico.Aplicar-se-áodispostonesteartigoashipótesesdoart.520.(RedaçãodadapelaLeinº9.139,de30.11.1995)Art.559.Aapelaçãonãoseráincluídaempautaantesdoagravodeinstrumento interposto no mesmo processo.Parágrafo único. Se ambos os recursos houverem de ser julgados na mesmasessão,teráprecedênciaoagravo.

O legislador atribuiu poderes ao relator, possibilitando, por meio deumadecisãomonocrática, a negação do seguimento ao recursomanifestamenteinadmissívelantesdeseguiràjulgamentopeloórgãocolegiadodojuizadoespecial. De acordo com o entendimento do referido artigo, o recurso se tornainadmissívelquandonãopreencheospressupostosrecursaisobjetivosesubjetivos. NoentendimentodeHumbertoTheodoroJúnior,ospressupostoobjetivossão:recorribilidadedadecisão;tempestividade;singularidaderecursal(princípioda uni-recorribilidade); preparo; adequação; forma; emotivação.Opressupostorecursal subjetivo é a legitimidade para recorrer. Diante disso, o relator averiguando que o recurso se encontra fora doprazolegal,imediatamente,negar-lhe-áseguimento,nãohavendonecessidadedeirajulgamentopelosdesembargadores,oqueseriaumamaneiradedilataroprazo.Esse poder que é conferido ao Relator tem a função de suprimir a eventual falha do juízoaquoquedeuseguimentoaorecursointempestivamente.Seriaumaformadereter o andamento do recurso que pela lei tem caráter intempestivo – fora do prazo. Dessamaneira, issopossibilitasobremaneiramenteao relatorvisualizarqueorecursoseencontraprejudicado.NaspalavrasdeBarbosaMoreira,revela-seprejudicadoorecursoperdeoobjeto,“e,porconseguinte,cainovazioopedidodereformaouanulação:v.g.,seoJuizaquoreformaintotumadecisãoagravada,prejudicadoficaoagravo”. Tãologo,terápoderorelatordedecidirindividualmenteasquestõesdemérito, quando negar seguimento ao recurso que se apresenta manifestamenteimprocedente, ou no caso da pretensão recursal contrariar súmulas do próprioTribunal,doSTJoudoSTF. Por improcedência, compreende-se o recurso que tem uma pretensãosemfundamento,semqualquerpossibilidadejurídicafavorávelaorecorrente.DeacordocomPauloAffonsoLemeMachado:

“...manifestamenteinfundadasignificaaausênciadesuportefático

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e jurídicopara a ação, desdeo seunascedouro e de forma clara,induvidosa,inconteste”.

AnovidadetrazidapelaLeinº9.756,dedezembrode1998,acrescentouosparágrafos1º-Ae2ºaoartigo557doCPC,transmitindoapossibilidadeeopoderaorelatordebloquearoandamentoderecursosintempestivos,semfundamentosesem os pressupostos objetivos e subjetivos previstos. Hoje, o relator pode de imediato dar provimento ao recurso, quando adecisãodojuízoaquo(deprimeirainstância)fordiversaàsúmulaoujurisprudênciadominante do STJ ou do STF. Portanto,orelatorpossuipoderesparanegarseguimento,negarprovimentoeatédarprovimento,semdarouvidoàopiniãodosoutrosdesembargadores.Logo,suadecisãoémonocráticaeindividual,nãoestandosujeitaàsobjeçõesdosoutrosdesembargadores. Sealgumadaspartes se sentir lesadacomadecisãodo relator,poderáinterporagravointerno(antigoagravoregimental)noprazode5dias,cabendoaretrataçãodorelatorouapresentaroprocessoemmesaparavotaçãodoórgãoemcolegiado. Seforprovidooagravointerno,teráseguimentoorecursoprincipaleseráapreciadopelopróprioTribunal,casoemqueadecisãodorelatorserásubstituídapela decisão colegiada. Porém, caso o agravo seja intempestivo ou quando inepta a petiçãorecursal,ocolegiadonãooconhecerá,mantendo-seadecisãosingularproferidapelo relator. O§2º,doartigo557,CPC,temointuitodeaplicaraoagravantemultade1a10%sobreovalordacausa,quandoseuagravointernoformanifestamenteinadmissível.Éduramentepunívelqualqueratoquetemoobjetivodeprolongareatrapalhar o bom andamento do processo. O agravo interno possui umaduplafinalidade, pois alémde limitar ospoderes inerentes ao relator, possibilita o reexame da matéria que foi decidamonocraticamente. Estaprerrogativadadaaorelatorobjetivaatendereobedeceraoprincípiodaceleridadeprocessualsem,entretanto,ultrapassarosgarantiasconstitucionaisdaampladefesaedocontraditório,bemcomoodevidoprocessolegal.

CONCLUSÃO

Diantedisso,pode-seconcluirqueorelatorpossuiopoderdeseretratardesuadecisão,tãologoocódigodeprocessocivilestendeuospoderesaorelatornosjuizadosespeciais,possibilitandoáanálisecriteriosadeaspectosobjetivosesubjetivosconcernentesaospressupostosprocessuais.Porém,seupoderélimitado

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atravésdodireitoqueumadaspartesemlitígioporquestionarsuadecisão,aissochama-seAgravoInternoouRegimental.Dá-seonomeregimentalaorecursoquevisa questionar decisão aferida por membro do tribunal ou colegiado. É questão discutida sobre ato de juiz ou desembargador que somente pode ser questionada e decidida pelo tribunal ou colegiado. Regimento (regimental) ordem interna do tribunal. Quanto ao Recurso inominado, também conhecido como Apelaçãoinstaurada nos Juizados, trata-se de recurso que objetiva contestar decisãodo juízo a quo.Na apreciaçãodo recurso inominadopelo relator, a este caberáreceber edarprovimentoao recurso antesde encaminhá-lo ao colegiado.Oart557doCPCexpandiuospoderdorelatornosjuizadosespeciais,umavezquedeuapossibilidadede se retratar de suadecisão, receber e analisar ospressupostosobjetivosesubjetivosdorecurso.Ojuízoderetrataçãoéumaferramentaeficaz,contribuindopara a celeridadeprocessual, pois o relator temapossibilidadederetratação,oquenãoestenderiaoprocessoparaapreciaçãodocolegiado.

REFERÊNCIAS

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THEODOROJÚNIOR,Humberto.Curso de Direito Processual Civil. 39. ed.RiodeJaneiro:Forense,2003.

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