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CRIMINAL COMPLIANCE, LAVAGEM DE DINHEIRO E O PROCESSO DE RELATIVIZAÇÃO DO NEMO TENETUR SE DETEGERE: CULTURA DO CONTROLE E POLÍTICA CRIMINAL ATUARIAL CRIMINAL COMPLIANCE, MONEY LAUNDERING AND THE RELATIVIZATION PROCESS OF THE NEMO TENETUR SE DETEGERE: CULTURE OF CONTROL AND ACTUARIAL CRIMINAL POLITICS Ricardo Jacobsen Gloeckner 1 Resumo O presente artigo procurará investigar o fenômeno atualmente conhecido como criminal compliance, que especialmente com a Lei 9.613/1998 trouxe para o cenário do direito penal brasileiro importantes e profundas alterações. Acredita-se que a implementação dos denominados deveres de compliance seja responsável, especialmente com o advento da nova lei de lavagem de dinheiro (Lei 12.683/12), pelo enfraquecimento do princípio fundamental do nemo tenetur se detegere, caracterizado pela limitação do Estado na obtenção de provas contra a vontade do suspeito ou acusado. Esta nova faceta da intervenção penal, que mitiga e enfraquece direitos constitucionais dos jurisdicionalizados integra um contexto mais amplo, e que há bom tempo David Garland denominava como cultura do controle. As modificações institucionais trazidas pela nova lei dentro desta visão criminológica podem ser mais bem compreendidas através da demonstração de que o Estado brasileiro, na esteira do que ocorreu nos Estados Unidos e alguns países europeus passa a adotar uma política criminal atuarial, responsável, sobretudo, pela gestão de riscos e pela disseminação de dispositivos de governamentalidade, que segundo Foucault, ensejarão uma atuação voltada para a prevenção, justamente com o fito de se obter segurança. Abstract The present article will seek to investigate the phenomena actually known as criminal compliance that, especially with the Law 9.613/98 brings to the Brazilian criminal law scenario deeply and important modifications. We believe that the implementation of the so called compliance duties is responsible, especially with the advent of the new anti-money 1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Especialista em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Advogado Criminalista.

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  • CRIMINAL COMPLIANCE, LAVAGEM DE DINHEIRO E O PROCESSO DE

    RELATIVIZAO DO NEMO TENETUR SE DETEGERE: CULTURA DO

    CONTROLE E POLTICA CRIMINAL ATUARIAL

    CRIMINAL COMPLIANCE, MONEY LAUNDERING AND THE

    RELATIVIZATION PROCESS OF THE NEMO TENETUR SE DETEGERE:

    CULTURE OF CONTROL AND ACTUARIAL CRIMINAL POLITICS

    Ricardo Jacobsen Gloeckner1

    Resumo

    O presente artigo procurar investigar o fenmeno atualmente conhecido como criminal

    compliance, que especialmente com a Lei 9.613/1998 trouxe para o cenrio do direito penal

    brasileiro importantes e profundas alteraes. Acredita-se que a implementao dos

    denominados deveres de compliance seja responsvel, especialmente com o advento da nova

    lei de lavagem de dinheiro (Lei 12.683/12), pelo enfraquecimento do princpio fundamental

    do nemo tenetur se detegere, caracterizado pela limitao do Estado na obteno de provas

    contra a vontade do suspeito ou acusado. Esta nova faceta da interveno penal, que mitiga e

    enfraquece direitos constitucionais dos jurisdicionalizados integra um contexto mais amplo, e

    que h bom tempo David Garland denominava como cultura do controle. As modificaes

    institucionais trazidas pela nova lei dentro desta viso criminolgica podem ser mais bem

    compreendidas atravs da demonstrao de que o Estado brasileiro, na esteira do que ocorreu

    nos Estados Unidos e alguns pases europeus passa a adotar uma poltica criminal atuarial,

    responsvel, sobretudo, pela gesto de riscos e pela disseminao de dispositivos de

    governamentalidade, que segundo Foucault, ensejaro uma atuao voltada para a preveno,

    justamente com o fito de se obter segurana.

    Abstract

    The present article will seek to investigate the phenomena actually known as criminal

    compliance that, especially with the Law 9.613/98 brings to the Brazilian criminal law

    scenario deeply and important modifications. We believe that the implementation of the so

    called compliance duties is responsible, especially with the advent of the new anti-money

    1 Professor do Programa de Ps-Graduao em Cincias Criminais da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paran UFPR. Mestre em Cincias Criminais pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS. Especialista em Cincias Penais pela Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul PUCRS. Advogado Criminalista.

  • laundering law (statute 12.683/12) the deterioration of the fundamental principle of nemo

    tenetur se detegere, characterized by the state limitation in achievement evidences against the

    will of the suspect or the indicted. This new facet of penal intervention that mitigates and

    weakens constitutional rights of the jurisdictionalized integrates a larger context, that a long a

    time ago David Garland called as culture of control. The institutional modifications brought

    by the new law, inside this criminological vision may be better understood through the

    demonstration that the Brazilian State, as it happens in United States and some European

    countries, adopt an actuarial criminal politics, responsible, mostly by the risk management

    and by the apparatus of governmentality dissemination, what, according to Foucault, will give

    rise to an actuation focused on prevention, precisely with the aim to gain security.

    Palavras-Chave

    Criminal Compliance; nemo tenetur se detegere; cultura do controle.

    Key-Words

    Criminal Compliance; nemo tenetur se detegere; culture of control.

    1. O que Criminal Compliance? Breve Excurso Conceitual

    Compliance tem origem no verbo to comply, que pode ser apresentado como agir de

    acordo com uma regra, uma instruo ou a pedido de algum. Naturalmente a funo de

    compliance assume uma posio estratgica no neoliberalismo, pois est intrinsecamente

    ligada boa prtica negocial, isto , integra o que se pode denominar de tica comercial2.

    A compliance est tambm associada quilo que se pode denominar de corporate

    governance, que pode ser compreendida como um sistema de direo e organizao

    empresarial3. A governana corporativa envolve mecanismos regulatrios de mercado bem

    como as relaes existentes entre a direo da empresa, os stakeholders4 e acionistas no que

    concerne atividade-fim pela qual foi criada a empresa. A compliance assim elemento

    2 Cf WEBER, Leonard J. Business Ethics in Healthcare: beyond compliance. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press, 2001. 3 AGLIETTA, Michel; REBRIOUX, Antoine. Corporate Governance Adrift: a critique of shareholder value. Cheltenham: Northampton: Edward Elgar, 2005. 4 Stakeholder foi um termo utilizado pela primeira vez por Robert Edward Freeman para designar os participantes essenciais de um planejamento estratgico negocial.

  • essencial das prticas negociais, como uma espcie de mandamento tico, passando a ser tema

    regulado pelo direito econmico.

    Pode-se afirmar, juntamente com Silverman, que o contexto no qual a compliance est

    inserida relativamente novo. A evoluo da compliance legal e regulatria como uma fora

    crescente na vida organizacional resulta de um aglomerado de diversas esferas: jurdica,

    legislativa, econmica, social e tecnolgica5.

    A compliance no deve ser confundida com a implementao e a eficincia. Ao

    contrrio destes dois elementos, a compliance no cuida de diretivas regulatrias autoritrias

    acerca de diretivas polticas pblicas e as mudanas proporcionadas durante certo perodo de

    gesto (implementao) nem tampouco consiste na eficcia de certa regulao para a

    resoluo de um problema poltico para o qual foi instituda6. A pesquisa de compliance est

    primeiramente preocupada com o grau de adeso dos destinatrios da norma nos processos de

    atuao e na anlise de obedincia dos parmetros legais por ela institudos7. A compliance

    com elevado grau de compromisso uma condio necessria para uma governana efetiva8.

    O oposto da compliance vem a ser a non-compliance, que poder resultar da

    contrafaticidade9 do comando legal bem como a non-compliance poder ser efetivamente um

    prprio processo10. No primeiro caso ser possvel se verificar a non-compliance mediante a

    constatao de que os destinatrios das normas no agem de acordo com os mandamentos

    normativos. Isto , as normas regulatrias do comportamento dos agentes no so pautadas

    pelos comandos legais. H, evidentemente, uma grande dificuldade para a sociologia do

    direito em avaliar a diferena entre os comportamentos adotados pelas partes como condutas

    5 SILVERMAN, Michael G. Compliance Management for Public, Private and Non-Profit Organizations. New York: McGraw Hill, 2008. p.05.6 NEYER, Jurgen; WOLF, Dieter. The Analysis of Compliance With International Rules: definitions, variables, and methodology. In ZURN, Michael; JOERGES, Christian. Law and Governance in Posnational Europe: compliance beyond the national state. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 41-42. 7 NEYER, Jurgen; WOLF, Dieter. The Analysis of Compliance With International Rules: definitions, variables, and methodology. In ZURN, Michael; JOERGES, Christian. Law and Governance in Posnational Europe: compliance beyond the national state. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. P. 42. 8 Cf DEACON, Bob. Social Policy and Governance. London: SAGE, 2007.9 Para Luhmann as normas so expectativas de comportamento estabilizadas em termos contrafticos. Seu sentido implica na incondicionalidade de sua vigncia na medida em que a vigncia experimentada, e portanto tambm institucionalizada, independentemente da satisfao ftica ou no da norma. O smbolo do dever ser expressa principalmente a expectativa dessa vigncia contraftica, sem colocar em discusso essa prpria qualidade a esto o sentido e a funo do dever ser. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Braslia: Tempo Brasileiro, 1983. p.57.10 NEYER, Jurgen; WOLF, Dieter. The Analysis of Compliance With International Rules: definitions, variables, and methodology. In ZURN, Michael; JOERGES, Christian. Law and Governance in Posnational Europe: compliance beyond the national state. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 42.

  • diversas das prescries normativas. Questes como descumprimento dos deveres de conduta

    e sua extenso (violao leve, mdia ou grave), a prpria terminologia empregada pelas

    normativas (a interpretao como condio de surgimento da prpria norma diferena entre

    texto e norma como sugere a hermenutica) so alguns exemplos que atestam a

    complexidade desta tarefa de mesura entre os comportamentos pautados normativamente e

    aqueles empiricamente verificados. A segunda forma de non-compliance pode resultar como

    uma espcie de procedimento. A fim de se avaliar a non-compliance como procedimento,

    deve-se registrar duas situaes. Tem-se uma non-compliance inicial quando a conduta

    praticada, que se encontra fora do mbito de regulao identificada imediatamente. Desta

    forma, esta identificao permite o controle da agncia fiscalizadora (compliance officer), da

    autoridade judiciria ou investigadora (polcia judiciria ou Ministrio Pblico). A segunda

    forma seria uma crise no procedimento de compliance, bem mais sria do que a primeira11.

    A crise no procedimento de compliance resultar de uma inobservncia sistemtica dos

    comandos normativos que pautam aquela ao, mesmo aps a manifestao de um agente

    controlador12.

    No que diz respeito ao direito penal, a complexidade das relaes sociais e os

    processos de globalizao permitiram o surgimento de prticas delitivas transnacionais. Este

    novo cenrio sobre o qual se passou a exigir do direito penal econmico uma nova roupagem

    de suas categorias como tipo objetivo, dolo, causalidade, concurso de pessoas, etc., tambm

    exigiu que fossem objeto de estudo determinados deveres de informao e de atuao sobre

    certos agentes, quando se tratar de relaes de mercado e prticas de transao econmica.

    Pode-se falar, portanto, em criminal compliance quando se estiver diante da

    possibilidade da prtica de atividades ilcitas acobertadas ou diretamente relacionadas s

    praticas econmicas e financeiras de certo agente. Assim que a persecuo penal de

    instituies econmicas e de empresrios est imediatamente ligada com a criminal

    compliance13. Pode-se estimar que a criminal compliance tenha por pretenso a garantia de

    que as atividades ilcitas a que visa combater sero erradicadas inclusive antes de sua

    11 NEYER, Jurgen; WOLF, Dieter. The Analysis of Compliance With International Rules: definitions, variables, and methodology. In ZURN, Michael; JOERGES, Christian. Law and Governance in Posnational Europe: compliance beyond the national state. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 46.12 NEYER, Jurgen; WOLF, Dieter. The Analysis of Compliance With International Rules: definitions, variables, and methodology. In ZURN, Michael; JOERGES, Christian. Law and Governance in Posnational Europe: compliance beyond the national state. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 46. 13 SAAVEDRA, Giovani. Reflexes Iniciais Sobre Criminal Compliance. In Boletim IBCCRIM. So Paulo: IBCCRIM, a. 18, n. 18. Jan 2011. p. 11

  • prtica14. Em outras palavras, a criminal compliance lida com a questo da preveno do

    delito, numa perspectiva ex ante15. Basicamente, a criminal compliance procura evitar a

    responsabilizao de agentes ou da empresa que opere com o mercado financeiro,

    determinando procedimentos para que com o seu cumprimento, seja evitada uma prtica

    delitiva. O que se promove com esta estratgia de governana corporativa a gesto de riscos

    de persecuo penal atravs de procedimentos padronizados e que, portanto, possam ser

    controlados por uma agncia fiscalizatria (compliance officer), que deve ser

    obrigatoriamente criada pelas instituies econmicas e financeiras de capital aberto ( o caso

    da Resoluo 2.554/98 do Conselho Monetrio Nacional). A sua importncia est diretamente

    ligada utilizao, por vezes legal, por vezes ilegal, de atividades e servios postos

    disposio da sociedade para a realizao de transaes econmicas, sendo que em boa parte

    delas, a no regulamentao das atividades de investimento, compra e venda, deslocamento de

    ativos poder se confundir com prticas ilcitas. Dentro de uma perspectiva criminolgica, j

    no se pode por muitas vezes distinguir as prticas lcitas daquelas ilcitas16, constituindo-se a

    empresa num centro de management dos riscos compliance. Em suma, o estabelecimento de

    atividades padronizadas e setorializadas permite o controle, dentro da empresa, das prticas

    em conformidade com o manual de procedimentos17, que permite, por seu turno, a verificao

    de uma prtica protocolar ou de outra que foge regra, monitorando-se aquela prtica e em

    tese, autorizando uma anlise da non-compliance inicial e se tentando evitar torn-la

    endmica ou crtica. Como observa o Advisory Group on the Federal Sentencing Guidelines

    for Organizations, organizations must periodically prioritize their compliance and ethics

    resources to target those potential criminal activities that pose the greatest threat in light of the

    risks identified18. Estas atividades de priorizao so: a) a distino entre riscos maiores e

    menores; b) avaliao de cada risco e sua importncia para os objetivos e finalidades da

    14 BLOUNT, Ernest C. Occupational Crime: deterrence, investigation and reporting compliance with federal guidelines. Boca Raton: CRC Press, 2002.15 SAAVEDRA, Giovani. Reflexes Iniciais Sobre Criminal Compliance. In Boletim IBCCRIM. So Paulo: IBCCRIM, a. 18, n. 18. Jan 2011. p. 12. 16 Cf RUGGIERO, Vincenzo. Crimes e Mercados: ensaios em anticriminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.17 YEUNG, Karen. Securing Compliance: a principled approach. Oxford and Portland: Hart Publishing, 2004. 18 As organizaes devero priorizar periodicamente seus recursos ticos e de compliance para atingir aquelas potenciais atividades criminosas que colocam a maior ameaa luz dos riscos identificados. Traduo livre doautor.

  • instituio; c) avaliar o nvel dos controles internos e testar sua frequncia; d) determinar os

    recursos requeridos para gerir o risco19.

    O risco compliance nada mais do que a possibilidade de aplicao de sanes

    jurdicas ou regulatrias, de perdas financeiras ou da credibilidade da agncia financeira no

    mercado decorrentes do descumprimento de leis, regulamentos, cdigos de conduta ou de

    boas prticas em determinado setor20. Certamente, tambm, uma das funes compliance a

    identificao e preveno das condutas de lavagem de dinheiro, que est na origem dos

    regramentos da criminal compliance no Brasil.

    No Brasil, a criminal compliance surge apenas com o advento da Lei 9.613/98 Lei

    de Lavagem de Dinheiro hoje alterada e com a resoluo da 2.554/98, do Conselho

    Monetrio Nacional. Em ambos os diplomas normativos estabelece-se uma poltica de

    controle de riscos derivados das atividades financeiras e econmicas, inclusive com a criao

    das responsabilidades da diretoria de tais instituies. Nos Estados Unidos, por exemplo, a

    criao dos deveres compliance tem como sistemtica a tentativa de evitao do

    processamento21 pela wilful blindness doctrine (teoria da cegueira deliberada22).

    A seguir sero analisadas as modificaes introduzidas no cenrio da lavagem de

    dinheiro, com o advento da Lei 12.683/12.

    2. A Nova Lei de Lavagem de Dinheiro e Criminal Compliance: o alcance da Lei

    12.683/12

    Como anteriormente referido, a criminal compliance tem por objetivo a preveno de

    delitos econmicos e financeiros em um estgio inicial persecuo penal. Para alm, o

    fundamento da criminal compliance reside na evitao de quaisquer medidas judiciais, de

    carter penal, de carter investigatrio ou mesmo de natureza judicial. Os primeiros

    documentos jurdicos que cuidam desta questo se encontram depositados na Resoluo

    2.554, de 1998 do Conselho Monetrio Nacional e na Lei de Lavagem de Dinheiro, (Lei

    9.613/98), atualmente modificada pela Lei 12.683/12. Deve-se salientar que em primeiro de

    19 SILVERMAN, Michael G. Compliance Management for Public, Private and Non-Profit Organizations. New York: McGraw Hill, 2008. p.231. 20 The Compliance Funtion in Banks. Bank for International Settlements. Disponvel em http://www.bis.org/publ/bcbs103.htm. 21 STESSENS, Guy. Money Laundering: a new international law enforcement model. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 178.22 Cf KAENEL, Franz J. von. Wilful Blindness: a permissive substitute for actual knowledge under the Money laundering control act. In Washington University Law Review. v. 71. Washington, 1993. p. 1189-1216.

  • setembro de 2012 entra em vigor a Resoluo 20 do Coaf (Conselho de Atividades

    Financeiras), rgo criado para o combate ao delito de lavagem de dinheiro e para a

    recuperao de ativos.

    De toda forma, ser necessrio, em primeiro lugar, comentar brevemente o que se

    entende por lavagem de dinheiro para, j num segundo momento, determinar que inovaes

    advieram com a Lei 12.683/12, especialmente naquilo que guarda respeito aos denominados

    deveres compliance. Finalmente, neste mesmo tpico examinar-se- a ampliao dos aludidos

    deveres para ento, mais adiante, se analisar tais modificaes luz do processo penal e de

    algumas digresses criminolgicas necessrias para bem poder se descortinar o horizonte

    poltico criminal brasileiro.

    Primeiramente, cumpre destacar que os deveres compliance surgem em conjunto com

    a Lei de Lavagem de Capitais. E esta no uma relao episdica ou acidental. Por se tratar o

    crime de lavagem de dinheiro de um delito que se insere numa prtica de favorecimento de

    outros tantos crimes, isto , a lavagem corresponde prtica de transformao da origem

    ilegal de determinados bens ou valores em outros aparentemente lcitos, a tentativa de

    preveno desta modalidade delitiva exigiria uma atuao do Estado que permitisse a

    deteco da sua prtica em um momento antecedente ao mascaramento da origem ilcita

    daqueles bens ou valores. A dificuldade de se provar23 o crime de lavagem de dinheiro e

    recuperar, portanto, os ativos, de enorme magnitude24. Muitos problemas poderiam ser

    alavancados aqui. Citam-se apenas alguns no escopo de contextualizao da temtica: a) via

    de regra tratam-se de delitos que acobertam outras prticas delitivas. A fragmentao da prova

    praticamente um dado corriqueiro nos crimes de lavagem de capitais, tornando difcil a

    montagem do quebra-cabea pelas autoridades; b) o delito de lavagem de dinheiro tambm

    ocorre com a utilizao do mercado financeiro, atravs de operaes em cascata, isto ,

    mediante uma cadeia de transaes aparentemente legais que muitas vezes se desdobra por

    vrios pases (estratificao layering). Assim, a cooperao jurdica internacional acaba

    sendo necessria, com toda a sorte de empecilhos celeridade bem como eficcia da prpria

    prova encontrada; c) no raramente a lavagem de dinheiro praticada com o auxlio de

    empresas que exercem atividades lcitas e tambm com a comisto de valores tambm de

    natureza lcita, dificultando a demonstrao da introduo dos valores oriundos de prtica

    23 Cf DEMETIS, Dionysios. Technology and Anti-Money Laundering: a systems theory and risk-based approach. Cheltenham: Northampton: Edward Elgar, 2010. 24 PIETH, Mark; AIOLFI, Gemma. A Comparative Guide to Anti-Money Laundering: a critical analysis of systems in Singapore, Switzerland, the U.K and the U.S.A. Chetenham and Northampton: Edward Elgar, 2004.

  • criminosa no seio destas cadeias de operaes financeiras. H, naturalmente, dificuldades

    quanto separao dos montantes originrios de operaes ilegais daqueles que possuem uma

    sede lcita; d) por se tratar de um delito que admite apenas a figura dolosa, a prova do

    elemento subjetivo do tipo, por no admitir qualquer interpretao que mitigue o princpio da

    legalidade (presunes, inverses de carga probatria, admisso de figuras similares ao dolo

    eventual como a reckleness 25dos Estados Unidos) tambm torna tormentosa a demonstrao

    cabal do delito; e) a utilizao de empresas off-shore para a prtica dos ilcitos e a

    inadequao dos meios colocados a servio do direito internacional para a adoo de polticas

    de facilitao do acesso a registros bancrios e transaes comerciais em alguns pases

    tambm deve ser arrolado como um fator que torna difcil a persecuo penal deste delito26.

    Como se pode perceber, a admisso de determinados deveres a serem suportados pelos

    agentes e empresas atuantes no mercado financeiro e econmico est intimamente ligada aos

    esforos envidados para se prevenir o delito de lavagem de capitais. A adoo dos deveres

    compliance pela prpria Lei de Lavagem de Dinheiro especifica esta ideia, passando o Estado

    a atuar diretamente sobre transaes suspeitas ou mesmo sobre aquela categoria de transaes

    que comumente servem para a prtica deste delito. Em outras palavras, o Estado para evitar a

    prtica do delito em questo acaba por determinar que certas pessoas ou empresas assumam

    determinados nus da prtica de suas atividades (suportar o risco de cumprimento dos deveres

    estabelecidos pelas boas prticas negociais) e tambm, atingir, com a preveno ex ante do

    delito de lavagem de capitais, que os bens ou valores decorrentes de uma prtica delitiva

    anterior sejam mais facilmente recuperados e a prova do delito seja mais fcil, uma vez que

    no conta com o processo de camuflagem introduzido pelo branqueamento de capitais. Em

    suma, parece facilmente constatvel a estreita relao entre os esforos estatais e

    internacionais em prol do combate ao delito de lavagem de dinheiro e o estabelecimento da

    criminal compliance. Atualmente, os deveres compliance se baseiam em standards

    ocupacionais elaborados por rgos como o U.K Financial Services Skills Council (FSSC)27

    em associao com a International Compliance Association (ICA) e so utilizados para

    25 Trata-se de uma figura ligada ao estado mental (state of mind) do agente de uma conduta delituosa, constitutivo do mens rea (mente culpvel). A figura da reckleness significa que ao agente no desejou o resultado mas, prevendo o resultado, agiu de tal maneira a expor algum a risco. Trata-se de uma figura muito similar ao dolo eventual do direito brasileiro. 26 BERNASCONI, Paolo. Obstacles in Controlling Money Laundering Crimes. In SAVONA, Ernesto U. Responding to Money Laundering: international perspectives. London: Taylor & Francis, 2005. p. 247-256.27 Estes standards podem ser consultados em www.fssc.org.uk.

  • garantir o bom funcionamento do mercado financeiro e evitar a utilizao deste mercado para

    a prtica das atividades de lavagem de dinheiro28.

    O Brasil, com o advento da Lei 9.613/98 regulamentou, pela primeira vez no

    ordenamento jurdico-penal, o delito de lavagem de dinheiro. Trata-se, como aponta parcela

    da doutrina, de uma lei chamada de segunda gerao. Isto pelo fato de que o crime de

    lavagem de capitais necessita da prtica de um delito anterior, previamente arrolado em uma

    srie de delitos primrios. Assim, se as primeiras legislaes de combate lavagem de

    dinheiro mantinham o crime antecedente atrelado ao trfico de substncia entorpecente e as

    leis de terceira gerao dispensavam o rol fechado, permitindo-se que a lavagem recasse

    sobre qualquer conduta punvel (leis de terceira gerao), a Lei 9.613/98 permitiu que

    determinada categoria de delitos autorizasse a prtica da lavagem. Portanto, uma lei de

    segunda gerao. Na redao original da Lei 9.613/98, para haver o delito de lavagem de

    capitais era preciso que o crime antecedente, cujo produto se desejaria ocultar ou mesmo

    transformar a natureza fosse procedente da prtica: a) do trfico ilcito de substncia

    entorpecente ou drogas afins; b) de terrorismo; c) do financiamento ao terrorismo; c) do

    contrabando ou trfico de armas, munies ou material destinado sua produo; d) da

    extorso mediante sequestro; e) de crimes contra a administrao pblica; f) de crimes contra

    o sistema financeiro nacional. Estes os crimes antecedentes sujeitos a levar prtica do delito

    de lavagem de dinheiro. Com o advento da Lei 12.683/12, houve a supresso do rol de crimes

    antecedentes na legislao (lei de terceira gerao), admitindo, a teor do art. 1 da referida

    normativa, que o delito de lavagem de dinheiro seja proveniente de bens, direitos ou valores

    oriundos da prtica de qualquer infrao penal. Desta forma ento, inclusive a prtica de uma

    contraveno penal se torna suscetvel de amparar a prtica da lavagem.

    Em segundo lugar, no que diz respeito aos deveres de compliance institudos mediante

    a Lei 9.613 de 1998, cumpre salientar que o referido dispositivo legal contemplava como

    sujeitos ao controle de atividades e cumulativamente, possuam o dever de notificar s

    autoridades a prtica de alguma atividade financeira suspeita as pessoas jurdicas que

    tivessem como atividade principal ou acessria, cumulativamente ou no, em carter

    permanente ou eventual: a) a captao, intermediao e aplicao de recursos financeiros de

    terceiros, em moeda nacional ou estrangeira; b) a compra e venda de moeda estrangeira ou

    28 HOWARTH, William B. Compliance and AML: standards, education and training. In MULLER, Wouter H; KALIN, Christian H; GOLDSWORTH, John G. Anti-Money Laundering: international law and practice. San Francisco: John Wiley and Sons Ltd, 2007. p. 17-20.

  • ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial; c) a custdia, emisso, distribuio,

    liquidao, negociao, intermediao ou administrao de ttulos ou valores mobilirios; d)

    as bolsas de valores e bolsas de mercadorias ou futuros; e) as seguradoras, as corretoras de

    seguros e as entidades de previdncia complementar ou de capitalizao; f) as administradoras

    de cartes de credenciamento ou cartes de crdito, bem como as administradoras de

    consrcios para aquisio de bens ou servios; g) as administradoras ou empresas que se

    utilizem de carto ou qualquer outro meio eletrnico, magntico ou equivalente, que permita a

    transferncia de fundos; h) as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento

    comercial (factoring); i) as sociedades que efetuem distribuio de dinheiro ou quaisquer bens

    mveis, imveis, mercadorias, servios, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisio,

    mediante sorteio ou mtodo assemelhado; j) as filiais ou representaes de entes estrangeiros

    que exeram no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma

    eventual; k) as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorizao de rgo

    regulador dos mercados financeiro, de cmbio, de capitais e de seguros; l) as pessoas fsicas

    ou jurdicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes,

    procuradoras, comissionrias ou por qualquer forma representem interesses de ente

    estrangeiro que exera qualquer das atividades referidas neste artigo; m) as pessoas jurdicas

    que exeram atividades de promoo imobiliria ou compra e venda de imveis; n) as pessoas

    fsicas ou jurdicas que comercializem joias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e

    antiguidades; o) as pessoas fsicas ou jurdicas que comercializem bens de luxo ou de alto

    valor ou exeram atividades que envolvam grande volume de recursos em espcie.

    A Lei 12.683/12 ampliou e modificou as pessoas portadoras dos deveres compliance.

    Neste sentido, em primeiro lugar, a maior modificao introduzida pela novel legislao diz

    respeito extenso dos abrangidos, no mais jungidos regra de que apenas as pessoas

    jurdicas estavam inseridas neste contexto, com apenas algumas excees que admitiam as

    pessoas fsicas como destinatrias dos mencionados deveres. Como regra geral, o art. 9 da

    Lei 9.613/98, com as alteraes trazidas pela Lei 12.683/98 define que os deveres compliance

    se estendero, indistintamente, s pessoas fsicas e jurdicas, que em carter permanente ou

    eventual, como atividade principal ou acessria, cumulativamente ou no, exeram as

    seguintes atividades29: a) a captao, intermediao e aplicao de recursos financeiros de

    terceiros, em moeda nacional ou estrangeira; b) a compra e venda de moeda estrangeira ou

    ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial; c) a custdia, emisso, distribuio,

    29 Todos os itens em negrito so produto da alterao implementada pela Lei 12.683/12 sobre a Lei 9.613/98.

  • liqidao, negociao, intermediao ou administrao de ttulos ou valores mobilirios; d)

    as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os sistemas de negociao do

    mercado de balco organizado; e) as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de

    previdncia complementar ou de capitalizao; f) as administradoras de cartes de

    credenciamento ou cartes de crdito, bem como as administradoras de consrcios para

    aquisio de bens ou servios; g) as administradoras ou empresas que se utilizem de carto ou

    qualquer outro meio eletrnico, magntico ou equivalente, que permita a transferncia de

    fundos; h) as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial

    (factoring); i) as sociedades que efetuem distribuio de dinheiro ou quaisquer bens mveis,

    imveis, mercadorias, servios, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisio, mediante

    sorteio ou mtodo assemelhado; j) as filiais ou representaes de entes estrangeiros que

    exeram no Brasil qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual;

    k) as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorizao de rgo regulador dos

    mercados financeiro, de cmbio, de capitais e de seguros; l) as pessoas fsicas ou jurdicas,

    nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras,

    comissionrias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exera

    qualquer das atividades referidas neste artigo; m) as pessoas fsicas ou jurdicas que exeram

    atividades de promoo imobiliria ou compra e venda de imveis; n) as pessoas fsicas ou

    jurdicas que comercializem jias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades; o)

    as pessoas fsicas ou jurdicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor,

    intermedeiem a sua comercializao ou exeram atividades que envolvam grande volume

    de recursos em espcie; p) as juntas comerciais e os registros pblicos; q) as pessoas

    fsicas ou jurdicas que prestem, mesmo que eventualmente, servios de assessoria,

    consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistncia, de qualquer natureza,

    em operaes: 1) de compra e venda de imveis, estabelecimentos comerciais ou

    industriais ou participaes societrias de qualquer natureza; 2) de gesto de fundos,

    valores mobilirios ou outros ativos; 3) de abertura ou gesto de contas bancrias, de

    poupana, investimento ou de valores mobilirios; 4) de criao, explorao ou gesto de

    sociedades de qualquer natureza, fundaes, fundos fiducirios ou estruturas anlogas;

    5) financeiras, societrias ou imobilirias; 6) de alienao ou aquisio de direitos sobre

    contratos relacionados a atividades desportivas ou artsticas profissionais; r) pessoas

    fsicas ou jurdicas que atuem na promoo, intermediao, comercializao,

    agenciamento ou negociao de direitos de transferncia de atletas, artistas ou feiras,

    exposies ou eventos similares; s) as empresas de transporte e guarda de valores; t) as

  • pessoas fsicas ou jurdicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou

    animal ou intermedeiem a sua comercializao; u) as dependncias no exterior das

    entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a

    residentes no Pas.

    Quais so os deveres compliance a que devem se subordinar os referidos destinatrios?

    O art. 10 da Lei 9.613/98, com a redao da Lei 12.683/12 afirma que as pessoas fsicas e

    jurdicas objeto do art. 9 devero: a) identificar seus clientes e manter cadastro atualizado,

    nos termos de instrues emanadas das autoridades competentes; b) manter registro de toda

    transao em moeda nacional ou estrangeira, ttulos e valores mobilirios, ttulos de crdito,

    metais, ou qualquer ativo passvel de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado

    pela autoridade competente e nos termos de instrues por esta expedidas; c) dever de adotar

    polticas, procedimentos e controles internos, compatveis com seu porte e volume de

    operaes, que lhes permitam atender ao disposto neste artigo e no art. 11, na forma

    disciplinada pelos rgos competentes; d) dever de se cadastrar e manter seu cadastro

    atualizado no rgo regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de

    Atividades Financeiras (Coaf), na forma e condies por eles estabelecidas; e) dever de

    atender s requisies formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condies por ele

    estabelecidas, cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informaes prestadas.

    Ainda, de acordo com o art. 11 da Lei 9.613/98, j com as alteraes trazidas pela Lei

    12.683/12, as pessoas fsicas e jurdicas mencionadas no art. 9: a) dispensaro especial

    ateno s operaes que, nos termos de instrues emanadas das autoridades competentes,

    possam constituir-se em srios indcios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles

    relacionar-se; b) devero comunicar ao Coaf, abstendo-se de dar cincia de tal ato a qualquer

    pessoa, inclusive quela qual se refira a informao, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a

    proposta ou realizao: 1) de todas as transaes referidas no inciso II do art. 10,

    acompanhadas da identificao de que trata o inciso I do mencionado artigo; 2) das operaes

    referidas no inciso I; c) devero comunicar ao rgo regulador ou fiscalizador da sua

    atividade ou, na sua falta, ao Coaf, na periodicidade, forma e condies por eles estabelecidas,

    a no ocorrncia de propostas, transaes ou operaes passveis de serem comunicadas nos

    termos do inciso II; d) as autoridades competentes, nas instrues referidas no inciso I deste

    artigo, elaboraro relao de operaes que, por suas caractersticas, no que se refere s partes

    envolvidas, valores, forma de realizao, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento

    econmico ou legal, possam configurar a hiptese nele prevista; e) As comunicaes de boa-

  • f, feitas na forma prevista neste artigo, no acarretaro responsabilidade civil ou

    administrativa. Todos estes deveres compliance so ainda regulados pela Resoluo n 20 do

    Coaf, que passa a ter vigncia a partir de setembro de 2012 e que ampliar ainda mais o leque

    de obrigaes a que as pessoas fsicas e jurdicas descritas no art. 9 da Lei 9613/98 estaro

    sujeitas30.

    Finalmente, resta a anlise das consequncias jurdicas da inobservncia dos

    denominados deveres compliance. Segundo o art. 12 da Lei 9.613/98, com as modificaes

    trazidas pela Lei 12.683/12, s pessoas referidas no art. 9, bem como aos administradores das

    pessoas jurdicas, que deixem de cumprir as obrigaes previstas nos arts. 10 e 11 sero

    aplicadas, cumulativamente ou no, pelas autoridades competentes, as seguintes sanes: I

    advertncia; multa pecuniria varivel no superior: a) ao dobro do valor da operao; b) ao

    dobro do lucro real obtido ou que presumivelmente seria obtido pela realizao da operao;

    ou c) ao valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhes de reais); III - inabilitao temporria, pelo

    prazo de at dez anos, para o exerccio do cargo de administrador das pessoas jurdicas

    referidas no art. 9; IV - cassao ou suspenso da autorizao para o exerccio de atividade,

    operao ou funcionamento. 1 A pena de advertncia ser aplicada por irregularidade no

    cumprimento das instrues referidas nos incisos I e II do art. 10. 2o A multa ser aplicada

    sempre que as pessoas referidas no art. 9o, por culpa ou dolo: I deixarem de sanar as

    irregularidades objeto de advertncia, no prazo assinalado pela autoridade competente; II -

    no cumprirem o disposto nos incisos I a IV do art. 10; III - deixarem de atender, no prazo

    estabelecido, a requisio formulada nos termos do inciso V do art. 10; IV - descumprirem a

    vedao ou deixarem de fazer a comunicao a que se refere o art. 11.

    30 Segundo a Resoluo 20 do Coaf, em seu art. 2, que cuida da preveno da lavagem de dinheiro: Art. 2 As pessoas jurdicas de que trata o art. 1 devem estabelecer e implementar poltica de preveno lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo compatvel com seu porte, a qual deve abranger procedimentos destinados: I identificao e realizao de devida diligncia para a qualificao dos clientes, terceiros intervenientes e demais envolvidos nas operaes que realizarem; II - obteno de informaes sobre o propsito e a natureza da relao de negcios; III - identificao do beneficirio final das operaes que realizarem; IV - identificao de operaes ou propostas de operaes suspeitas; V ao enquadramento das operaes que realizarem e dos clientes em categorias de risco de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo, levando em considerao, no mnimo, os seguintes critrios: a) tipos de clientes, terceiros intervenientes e demais envolvidos nas operaes que realizam; b) tipos de produtos e servios negociados; c) meios de pagamento utilizados; e d) forma de realizao das operaes; e VI verificao peridica da eficcia da poltica adotada. 1 A poltica mencionada no caput deve ser formalizada expressamente, com aprovao pelo detentor de autoridade mxima de gesto, abrangendo, tambm, procedimentos para: I - a seleo e o treinamento de empregados; II - a disseminao do seu contedo ao quadro de pessoal por processos institucionalizados de carter contnuo; III - o monitoramento das atividades desenvolvidas pelos empregados; e IV - a preveno de conflitos entre os interesses comerciais/empresariais e os mecanismos de preveno lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo;. 2 As disposies do 1 deste artigo no se aplicam s pessoas jurdicas enquadradas no Regime Especial Unificado de Arrecadao de Tributos e Contribuies devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte SIMPLES NACIONAL.

  • Apresentada a configurao dos deveres compliance e as instituies sujeitas ao

    controle mediante o Coaf, resta, portanto, a anlise crtica de tais institutos, o que ser

    realizado no prximo tpico.

    3. O Processo de Deteriorao do Princpio Nemo Tenetur se Detegere: a utilizao de

    um direito penal sancionador como forma de vulnerao ao direito ao silncio

    Como vislumbrado, um extenso rol de pessoas fsicas e jurdicas resta abrangido pela

    Lei 9.613/98, devendo realizar uma srie de deveres compliance. Todavia, esta srie de

    deveres especialmente aqueles referentes prestao de informaes deve ser ventilado

    sob a gide dos princpios referentes ao processo penal e sua instrumentalidade

    constitucional31.

    No difcil se pensar em uma hiptese na qual, por exemplo, uma instituio

    financeira, submetida ao regime do art. 9 da Lei 9.613/98 possa estar envolvida em um crime

    de lavagem de capitais. Partindo-se deste pressuposto, portanto, como seria possvel conciliar

    os deveres compliance, suas sanes administrativas bem como o direito de no fazer prova

    contra si mesmo? Em outras palavras, as possveis consequncias advindas da violao dos

    deveres compliance possuem exigibilidade jurdica quando a prpria instituio seja suspeita

    da prtica de uma das modalidades de lavagem de capital arroladas no art 1 da Lei 9.613/98?

    Antes mesmo de prosseguir com a anlise acerca da hipottica resposta ao caso, tem-

    se como dever tecer breves comentrios a respeito do denominado direito a no produzir

    provas contra si mesmo, que resulta de uma concepo contempornea do brocardo nemo

    tenetur se detegere. Preliminarmente, parte-se aqui de que a Constituio da Repblica, com a

    ruptura paradigmtica ao modelo totalitrio insculpido no Cdigo de Processo Penal de 1941

    enseja uma necessria filtragem constitucional de alguns dispositivos. Por sistema acusatrio,

    se defende aqui, o sistema que centraliza a produo e iniciativa probatria nas mos das

    partes (princpio dispositivo), no se verificando qualquer espcie de poder instrutrio ex

    officio nas mos da autoridade judiciria32.

    31 Utiliza-se aqui o conceito de instrumentalidade no sentido de mxima eficcia dos direitos fundamentais do acusado, desenvolvido por LOPES JNIOR, Aury. Processo Penal e sua Conformidade Constitucional. So Paulo: Saraiva, 2012. 32 Com efeito, pode-se dizer que o sistema inquisitrio, regido pelo princpio inquisitivo, tem como principal caracterstica a extrema concentrao do poder nas mos do rgo julgador, o qual detm a gesto da prova. Aqui, o acusado mero objeto de investigao, e tido como o detentor da verdade de um crime, da qual dever dar contas ao inquisidor. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introduo aos Princpios Gerais do Direito Processual Penal Brasileiro. In Revista de Estudos Criminais. n. 1. Porto Alegre, 2001. p. 28.

  • Como corolrio de um sistema acusatrio, como regra geral, o princpio dispositivo

    que determina o regime de provas vem associado a outras tantas garantias processuais de

    ranking constitucional. Como exemplo claro cita-se o direito de no produzir prova contra si

    mesmo. Trata-se de um princpio33 constitutivo do processo penal contemporneo, que se

    erige em uma barreira contra mtodos coercitivos para se obrigar o acusado a cooperar com a

    acusao. Nas palavras de Bacigalupo, el Estado es garante de que el sospechoso no se

    incrimine contra su voluntad, pues el Derecho vigente impone a las autoridades de

    persecucin del delito el deber de instruir a cualquier persona que es interrogada34.

    O direito no-autoincriminao correlato ao direito ampla defesa, que se pode

    desdobrar em autodefesa e defesa tcnica35. A autodefesa diz respeito possibilidade de ser

    informado da acusao que pesa contra si bem como de optar por refut-la pessoalmente ou

    mesmo se negar a prestar qualquer espcie de informao. Neste ltimo sentido que se

    poder afirmar a existncia de uma autodefesa pessoal negativa. Na mesma direo possvel

    se colacionar as palavras de Pisapia, para quem h uma necessria imbricao entre o direito

    de defesa e o ato do interrogatrio do acusado ou do indiciado36.

    No sistema inquisitrio, no qual o acusado mero objeto de investigao, h uma

    verdadeira explorao do ru por sondas psquicas, sendo encontrado e ajustado o axioma

    reus tenebatur se detegere37, no se admitindo o uso do silncio. A fim de romper com o

    silncio do acusado o emprego da tortura foi uma estratgia utilizada pelo regime inquisitorial

    de provas. O princpio nemo tenetur, portanto, aparece vinculado a uma matriz que parte da

    renegao ao dogma da verdade real como finalidade do processo penal. Alis, como assevera

    Schmidt, a limitao aos meios para se acessar a verdade constitui importante ferramenta de

    controle da legalidade dos atos praticados por seus agentes, consistindo em inegvel conquista

    do Estado Democrtico de Direito38.

    33 Como princpio reitor do processo penal contemporneo, deve-se insistir em sua eficcia normativa. Portanto, concebemos o princpio como uma espcie de norma, nos mesmos termos que apresenta Alexy. Cf ALEXY, Robert. Teora de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Polticos y Constitucionales, 2001. 34 BACIGALUPO, Enrique. El Debido Proceso Penal. Buenos Aires: Hammurabi, 2005. p. 69.35 ARMENTA DEU, Teresa. Lecciones de Derecho Procesal Penal. 2 ed. Madrid: Marcial Pons, 2004. p. 54.36 Linterrogatorio della persona imputata o indiziata ha precisato la Corte (sentenza n. 33 del 1966) costituisce uno dei mezzi desercizio del diritto di difesa, in quanto la conoscenza dellimputazione consente la possibilit di presentare tempestivamente al giudice le deduzione difensive. PISAPIA, Gian Domenico. Compendio di Procedura Penale. Padova: CEDAM, 1975. p. 31.37 CORDERO, Franco. Procedimiento Penal. v. 2. Santa Fe de Bogot: Temis S. A, 2000. p. 94.38 Se debe tener en cuenta que el processo inquisitivo, segn su pensamiento fundamental, ha tendido de modo absoluto hacia la averiguacin de la verdad material; y que en ciencia y en la legislacin, el deber de investigar la

  • Todavia, uma explorao mais profunda no universo deste princpio remete

    necessariamente ao tratamento concedido a esta garantia pelo denominado sistema

    adversarial39, que possui uma intensa ligao com o conceito de sistema acusatrio aqui

    defendido40. Vrias concluses podem ser apontadas sobre a aplicabilidade deste princpio no

    regime da common law: a) o princpio da proibio da autoincriminao no conhece

    existncia na Inglaterra durante o nascimento da modernidade; b) a sua funcionalidade est

    adstrita reconfigurao processual implementada pelo surgimento do sistema adversarial e

    da participao do advogado de defesa; c) h uma mudana significativa com o passar do

    tempo no que diz respeito garantia da proibio de autoincriminao, que passa do direito de

    no proferir uma acusao contra si mesmo ao direito de no testemunhar, incluindo neste

    cerne o direito a no ser objeto de intervenes corporais destinadas a extrair provas do corpo

    do acusado; d) no h sentido algum em se recortar profundamente o direito no

    autoincirminao do direito de defesa tcnica, uma vez que aquele s possui sentido quando

    se admitir que algum possa em nome do acusado falar41. No sistema norte-americano este

    direito fundamental ganha fora a partir do caso Miranda v. Arizona, derivando da os

    denominados miranda warnings, isto , a necessria advertncia de que o acusado ou suspeito

    no est obrigado a cooperar com o Estado na investigao.

    Como referido alhures, h uma gradativa transformao do princpio do nemo tenetur

    se detegere, que ao incio englobava apenas o direito de nada responder e que passa

    posteriormente, a abranger outras formas probatrias como a prpria interveno corporal e o

    direito de no servir como testemunha quando tal posio puder de alguma maneira

    comprometer o exerccio do direito ao silncio. Entretanto, esta mesma modificao orgnica

    do princpio tem levado algumas situaes a serem deixadas fora da margem de proteo da

    garantia. Nos Estados Unidos, o caso paradigmtico Schmerber v California, no qual fora

    colhido sem a concordncia do acusado sangue de suas veias enquanto se encontrava o ru em

    verdad se ha erigido para el instructor en el deber ms sagrado. SCHMIDT, Eberhard. Los Fundamentos Tericos y Constitucionales del Derecho Procesal Penal. Buenos Aires: Lerner, 2006. p. 67. 39 The true origins of the common lar privilegie, however, are to be found not in the high politics of the English revolutions but in the rise of adversary criminal procedure at the end of the eighteenth century. The privilegie against self-incrimination at common law was the work of defense counsel. LANGBEIN, John. The Privilege and the Common Law Criminal Procedure: the sixteenth to the eighteenth centuries. p. 82. In HELMHOLZ et all. The Privilege Against Self-Incrimination: its origins and development. Chicago: London: University of Chicago Press, 1997. p.82.40 Por sistema adversarial destaca Damaska: by adversary I mean a system of adjudication in which procedural action is controlled by the parties and the adjudicator remains essencially passive. DAMASKA, Mirjan. Evidence Law Adrift. London: New Haven: Yale University Press, 1997. p. 74. 41 LANGBEIN, John. The Privilege and the Common Law Criminal Procedure: the sixteenth to the eighteenth centuries. p. 82. In HELMHOLZ et all. The Privilege Against Self-Incrimination: its origins and development. Chicago: London: University of Chicago Press, 1997. p. 108.

  • estado de inconscincia. A despeito de restar encoberta pela Quinta Emenda da Constituio

    norte-americana, a Suprema Corte negou qualquer espcie de violao ao princpio do direito

    no-autoincriminao.

    Esta tendncia pode ser encontrada recentemente no Brasil, quando o advento da Lei

    12.654/12 introduziu o que se pode denominar de investigao gentica, alterando-se

    substancialmente a Lei 12.037/09, que trata da identificao criminal. Mediante autorizao

    judicial, mesmo sem a concordncia do suspeito, a polcia poder colher, por mtodo indolor,

    quando essencial s investigaes policiais, DNA do suspeito a fim de confrontar com o

    material gentico encontrado no lugar do crime. O grande problema trazido por este

    normativo a par de sua inarredvel inconstitucionalidade o possvel efeito cascata que

    poder recair sobre outras espcies de provas, especialmente quelas cujo corpo do

    investigado ou acusado possa estabelecer nexo de causalidade probatrio entre a ao e o

    resultado. Certamente o redimensionamento da clusula de garantia contra a autoincriminao

    poder levar adiante interpretaes que concluam pela obrigatoriedade de submisso ao teste

    do bafmetro, dentre outras tantas inadequaes que podero ser construdas a partir do

    precedente normativo.

    Uma vez ultrapassado o ponto de anlise terico do princpio do nemo tenetur se

    detegere, cumpre retornar ao ponto originrio do tpico. A determinao das sanes

    previstas no art. 12 da Lei 9.613/98 podero ser aplicadas sobre o suspeito da prtica de

    alguma modalidade de lavagem de dinheiro? Preliminarmente, deve-se salientar que o prprio

    Tribunal Constitucional Alemo reconheceu a existncia de um dever de garante do

    funcionrio do compliance officer (rgo encarregado de fiscalizao sobre as atividades

    financeiras da instituio) sob o fundamento de preveno de delitos, tendo assumido a

    responsabilidade pela evitao do resultado, possuindo os deveres de cuidado, vigilncia e

    proteo42. Como acentua Badar e Bottini43, h uma cada vez maior tendncia utilizao

    do recurso aos crimes omissivos imprprios, como forma de se criminalizar determinada

    conduta amparada na lei de lavagem de capitais. Naturalmente, as pessoas fsicas e jurdicas

    descritas no art. 9 da Lei 9.613/98 poderiam colaborar, dolosamente, para a prtica do delito,

    segundo os defensores da tese da aplicabilidade da omisso imprpria ao delito em questo. O

    ponto nevrlgico da questo reside na circunstncia de que os deveres compliance seriam

    42 SAAVEDRA, Giovani. Reflexes Iniciais Sobre Criminal Compliance. In Boletim IBCCRIM. So Paulo: IBCCRIM, a. 18, n. 18. Jan 2011. p.12. 43 Cf BADAR, Gustavo; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentrios Lei 9.613/98, com as alteraes da Lei 12.683/12. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

  • verdadeiras normas de evitao de resultado, no existindo to somente como regras

    programticas para que a gesto e controle das atividades financeiras da instituio ou da

    pessoa fsica sejam executveis. Pelo contrrio, a criao de procedimentos e a observncia

    das regras administrativas localizadas na Lei 9.613/98 e especialmente na Resoluo n 20 do

    Coaf seriam indicadores de que se est a falar em um verdadeiro dever de evitao do

    resultado atribudo a tais pessoas (jurdicas e fsicas). Portanto, deste ponto de vista, a

    punibilidade pela omisso imprpria seria adequada a tais situaes, podendo, portanto, surgir

    conflituosamente com a incidncia dos deveres compliance.

    Em se admitindo a hiptese de que as pessoas destinatrias dos deveres compliance

    possam sofrer as sanes administrativas pelo descumprimento das diretrizes normativas

    quando suspeitas ou acusadas de prtica do delito de lavagem de dinheiro, haveria

    inevitavelmente uma grave violao do princpio do nemo tenetur se detegere. Explica-se.

    As multas introduzidas pela Lei 12.683/12 na Lei 9.613/98 so de tamanha

    vultuosidade que se torna possvel a afirmao de que constituem uma verdadeira sano de

    natureza administrativa. Apesar de no anunciadas como tal, a natureza eminentemente

    expropriatria que os valores alcanam (at R$ 20.000.000,00) no permite outra concluso.

    Se efetivamente se trata de penas administrativas que tentam coagir ou forar os destinatrios

    dos deveres compliance a cumprir o papel de agentes fiscalizadores, o que se est fazendo

    uma coao indireta para que tais deveres sejam cumpridos, recorrendo-se a uma espcie de

    sano administrativa de carter to severo que seria, alis, incompatvel com a prpria

    natureza administrativa que se lhe queira atribuir. Para alm, defende-se aqui que tais sanes

    pecunirias e de cessao de atividades, por exemplo, no diferem em nada daquelas penais

    provenientes de uma sentena condenatria, como a pena de multa e a proibio das

    atividades (veja-se que nos crimes ambientais inclusive no que se refere condenao da

    pessoa jurdica estas configurariam penas principais). Estas caractersticas de graves sanes,

    sem, contudo, se recorrer criminalizao so prprias do denominado direito administrativo

    sancionador. Em poucas palavras, a Lei 9.613/98 estabelece um verdadeiro direito

    administrativo sancionador para favorecer o cumprimento dos deveres compliance estipulados

    nas normas brasileiras. Entretanto, nos inmeros pases europeus que adotam o direito

    administrativo sancionador, h a renncia utilizao do direito penal. Ou se tutela

    determinada circunstncia mediante o recurso ao direito administrativo sancionador ou

    mediante o direito penal. Tudo a depender da ofensividade da conduta.

  • A situao resta agravada quando se analisa que a aceitao da duplicidade de sanes

    penais e administrativas por um mesmo fato trar as seguintes consequncias: a) a pesada

    multa administrativa que recai sobre o destinatrio do dever compliance pode fazer com que

    as informaes sejam prestadas, mesmo que isso implique em uma assuno de

    responsabilidade perante a esfera criminal. Gize-se que a pena do crime de lavagem de

    capitais que vai de 3 a 10 anos poderia autorizar, ausentes causas de aumento e ausentes

    agravantes, a se estimar que a pena privativa de liberdade seja inferior a 4 anos de priso,

    autorizando, com isso, a aplicao do art. 44 do Cdigo Penal e a substituio da pena

    restritiva de liberdade por duas penas restritivas de direitos; b) a no prestao das

    informaes poder, admitida a possibilidade de concurso de normas ao destinatrios dos

    deveres compliance a pesada multa, que inclusive poder ser mais grave do que aquela de

    natureza penal; c) a prestao de informaes que lograr xito no apontamento de um delito

    de lavagem de dinheiro, com recuperao de parte considervel dos ativos poderia, inclusive

    dependendo de como se procede, fazer incidir a causa de diminuio da pena denominada

    delao premiada, a teor do 5 do art. 1 da Lei 9.613/98.

    O que se pode vislumbrar, diante deste cenrio, a progressiva relativizao do nemo

    tenetur se detegere a partir do que se poderia denominar como justaposio de normas

    jurdicas incidentes sobre um mesmo destinatrio, a partir dos diversos enfoques que cada

    ramo do direito capaz de oferecer. Este fenmeno responsvel pelo aumento da incerteza

    na resposta estatal. E mais do que isso, aquele setor administrativo, ameaa arrebanhar cada

    vez mais tarefas anteriormente vinculadas estrita jurisdicionalidade. Isto , h uma crescente

    administrativizao do direito penal mediante o recurso formao de camadas jurdicas de

    normas, incidindo cada uma segundo sua racionalidade. O ponto de bifurcao e (perversa)

    continncia se dar quando tais normas autorizarem, necessariamente, a renncia a direitos

    (neste caso inclusive indisponveis), em prol do livramento de uma sano que poder, caso a

    caso, configurar sano de igual intensidade, mascarada de sano administrativa.

    H que se lembrar aqui, que este procedimento no novo no Brasil. De certa maneira

    o princpio nemo tenetur se detegere j havia sido relativizado quando da edio da Lei

    8.137/90 e da redao do art. 1 deste diploma legal. A situao se torna mais agravada

    quando advm no ordenamento jurdico a Lei 12.654/12, que regula a identificao gentica.

    Portanto, o esculpido pela Lei 12.683/98 foi to somente alargar o mbito dos deveres

    compliance e aumentar a dose de incentivo ao cumprimento dos referidos deveres. O

    resultado um ordenamento jurdico-penal-administrativo elaborado em camadas normativas

  • superpostas, de modo que uma mesma situao seja prevista sob a tica de dois ramos

    distintos do ordenamento jurdico, incentivando, por assim dizer, a renncia de direitos

    fundamentais com a ameaa de dispositivos de controle para-punitivos. A determinao de

    inmeras normas que atuam sobre um mesmo fato tem sentido diante de uma lgica perversa

    da eficincia e do primado do pblico sobre o privado. A simples anlise da nova normativa

    em matria de lavagem de dinheiro estabelece uma situao bastante desalentadora: ou o

    destinatrio do dever compliance se vale do direito constitucional de no produzir prova

    contra si mesmo, podendo sofrer, com isso, uma sano administrativa de grande magnitude

    ou bem renuncia quele direito e se isenta de sofrer a sano administrativa, naturalmente

    assumindo aquela de natureza penal. Eis um bom exemplo de como a racionalidade

    instrumental econmica coloniza o direito (penal) e os direitos constitucionais passam por um

    estgio de excepcionalidade.

    Parece que com este fenmeno de sobreposio de normas jurdicas que tutelam uma

    mesma circunstncia ftica j foi possvel aclarar esta nova forma de controle sobre os

    direitos fundamentais. Em suma, pode-se falar que recair um direito penal administrativo

    sancionador para aqueles que no renunciarem a seu direito constitucional de no fazer prova

    contra si mesmo. Penaliza-se com isso, o exerccio regular de um direito. Eis a a derrocada

    do Estado Democrtico de Direito pelos mecanismos capilarizados dos dispositivos de

    segurana que aliceram a governamentalidade contempornea. Esta a tarefa final do ensaio.

    4. A Poltica Criminal Atuarial e a Cultura do Controle no Brasil: dispositivos de

    governamentalidade, gesto de riscos e o postulado da segurana

    David Garland, em uma importante trilogia, que culmina no livro the culture of

    control tratou de examinar uma mudana radical operada no sistema punitivo norte-

    americano, com o que se convencionou chamar de abandono do previdenciarismo penal44. O

    aspecto central desta obra destacar o surgimento de uma cultura do controle, capitaneada

    pela criminologia do Outro. Esta nova criminologia afasta-se da discusso prpria dos anos 60

    e 70 do sculo XX, voltada sobre o conceito de responsabilidade. A modificao do eixo

    44 GARLAND, David. A Cultura do Controle: crime e ordem na sociedade contempornea. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p. 50.

  • terico desta nova criminologia repousa sobre aspectos de gesto do risco criminal, sobretudo

    com teorias cientficas da causao e preveno45.

    H uma transformao na prpria racionalidade criminolgica, operando-se as

    discusses sobre um pensamento econmico aplicado. Nas palavras de Garland, h uma nova

    forma de atuao da justia criminal os custos do crime agora so rotineiramente calculados,

    como tambm o so os custos da preveno, do policiamento, da persecuo e da punio; os

    nmeros produzidos ajudam a nortear as escolhas polticas e prioridades operacionais46.

    Esta abordagem econmica, gerencial ou atuarial do crime apela diretamente

    racionalidade econmica. A denominada anlise econmica do delito cujos

    desenvolvimentos se devem a Becker47 permite a construo e a modelagem do sistema

    punitivo segundo a maximizao da racionalidade instrumental. Qui o ponto mximo de

    estruturao da criminologia atuarial esteja debruado sobre a utilizao da estatstica e do

    clculo gerencial como elementos capazes de modificar a prpria autodefinio do sistema

    punitivo. H aqui, atualmente, na literatura criminolgica britnica e americana, uma profuso

    de textos que vo de frmulas explicativas da criminalidade demonstrao das margens

    hipotticas de vitimizao de determinada prtica delitiva. E isso corresponder para Jock

    Young a uma perda da imaginao criminolgica48. Trata-se de uma nova espcie de

    positivismo criminolgico que recorre ortodoxia do economicismo. H, inegavelmente, um

    fetiche pelos nmeros concernentes iluso da preciso por eles carregada49, pretensamente

    sob o plio de erradicar a insegurana ontolgica.

    No toa que em paralelo administrativizao do direito penal concorrer uma

    administrativizao da criminologia. Algo que Zaffaroni batiza de criminologia do fim da

    45 GARLAND, David. A Cultura do Controle: crime e ordem na sociedade contempornea. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p. 390. 46 GARLAND, David. A Cultura do Controle: crime e ordem na sociedade contempornea. Rio de Janeiro: Revan, 2008. p. 396. 47 BECKER, Gary. Crime and Punishment: an economic approach. In _______. The Economic Approach to Human Behaviour. Chicago: The University of Chicago Press, 1990. p. 39-85. 48 I have traced in this book how abstracted empiricism has expanded on a level which would have surely astonished Mills himself. How in much of the social sciences reality has been lost in a sea of statistic symbols and dubious analysis. I have, in part, focused on developments in criminology because it is here where abstracted empiricism has flourished to the great extent, producing a new genre of research and a novel breed of journal which has all but forgotten a great legacy of scholarship, where theory has been banished to the passing nod and the perfunctory and critical work significantly marginalized. YOUNG, Jock. The Criminological Imagination. London: Polity, 2011. p. viii. 49 YOUNG, Jock. The Criminological Imagination. London: Polity, 2011. p. 44.

  • histria50. Esta criminologia administrativizada corresponde, naquilo que lhe outorga uma

    relao um tanto que conturbada, ao aspecto governamental que acode ao nome de poltica

    criminal atuarial. Segue-se aqui a anlise realizada por Maurcio Dieter, em estudo pioneiro,

    profundo e acurado sobre o tema, quando examina a poltica criminal atuarial. A lgica

    atuarial remete adoo sistemtica do clculo atuarial como critrio de racionalidade de

    uma ao, definindo-se como tal a ponderao matemtica de dados normalmente inferidos

    a partir de amostragens para determinar a probabilidade de fatos futuros concretos51. Pode-

    se, via de consequncia, definir a poltica criminal atuarial como a reproduo da

    racionalidade instrumental econmica com a utilizao deste arsenal epistmico juntos dos

    procedimentos de criminalizao secundria52.

    Em torno desta lgica atuarial centraliza-se o conceito de risco, que anteriormente foi

    cooptado pelo prprio discurso do direito penal. Todavia, o gerencialismo e o fetiche causado

    pelo domnio dos nmeros algo sem dvida apresentado pela lgica atuarial demonstra

    saciedade que h um imaginrio coletivo que, a par do contexto contemporneo de

    insegurana ontolgica, como destaca Giddens53, haveria a possibilidade de se reencontrar a

    segurana.

    Esta poltica criminal atuarial pode ser mais bem compreendida diante de um exame

    que a relacione governamentalidade. Os ltimos seminrios de Foucault no Collge de

    France se direcionaram no sentido de examinar as condies, as estruturas, os pequenos

    diagramas e associaes do poder encabeados pelos denominados dispositivos de

    governana. As estratgias da governana, especialmente pelos estudos que se debruaram

    acerca da inexorvel interligao entre criminalizao e governamentalidade como muito

    bem demonstrou Simon54 passa diretamente pela produo de dispositivos. Os dispositivos,

    50 ZAFFARONI, Eugenio Ral. Las Palabras de los Muertos: conferencias de criminologia cautelar. Buenos Aires: Ediar, 2011. p. 305. 51 DIETER, Maurcio Stegemann. Poltica Criminal Atuarial: a criminologia do fim da histria. Tese Apresentada ao Programa de Doutorado em Direito da Universidade Federal do Paran. Curitiba: UFPR, 2012. p. 05. 52 Em sentido similar Cf DIETER, Maurcio Stegemann. Poltica Criminal Atuarial: a criminologia do fim da histria. Tese Apresentada ao Programa de Doutorado em Direito da Universidade Federal do Paran. Curitiba: UFPR, 2012. p. 06. 53 A insegurana ontolgica pode ser apresentada como um estado mental organizado a partir da sensao de continuidade dos acontecimentos da vida de uma pessoa, tratando-se de um dos elementos de sua teoria da estruturao. Cf GIDDENS, Anthony. A Constituio da Sociedade. So Paulo: Martins Fontes, 2003. 54 Cf SIMON, Jonathan. Governing Through Crime: how the war on crime transformed american democracy and created a culture of fear. New York: Oxford University Press, 2007.

  • de acordo com Agamben, so espcies de rede, permitindo a conectividade entre diversos

    elementos. E exerce ainda, uma funo estratgica no estudo da governamentalidade55.

    A tese de Foucault a de que a sociedade disciplinar especialmente aquela delineada

    em Vigiar e Punir j no pode dar conta de todo o fenmeno da governamentalidade.

    Especialmente pelo fato de que estes dispositivos se voltaro para a populao. Evidente que

    na sociedade ps-disciplinar, a disciplina no ser simplesmente substituda por outro

    elemento. Haver a justaposio de ambos, naturalmente. Dentro da genealogia da

    governamentalidade, pode-se afirmar que ela se desdobra pela forma da legalidade (que atua

    atravs de um cdigo binrio do permitido e proibido), da disciplina (referente aos

    mecanismos de vigilncia e correo) e finalmente, da segurana. No que diz respeito a esta

    nova tecnologia de poder, as reaes frente criminalidade, por exemplo, se daro atravs do

    clculo de custos56. O sistema de legalidade aquele referente Idade Mdia, o segundo, o

    sistema disciplinar o da modernidade, enquanto o terceiro o de segurana o

    contemporneo, que se organiza em torno do clculo de custos e que corresponde s formas

    americanas e tambm europeias de tratamento da criminalidade.

    Foucault estabelece diferenas essenciais entre a disciplina e os dispositivos de

    segurana. A disciplina essencialmente centrpeta, atravs do isolamento de um espao e

    atua de maneira segmentria, isolando o fenmeno. Os mecanismos de segurana, pelo

    contrrio, so tendentes expanso, so centrfugos. Produzem, atravs das imbricaes,

    sempre novos elementos. Foucault sustentar outras tantas diferenas que brotam entre o

    sistema disciplinar e os dispositivos de segurana. Todavia, para a tarefa deste ensaio, este

    desnivelamento entre o sistema disciplinar e o de segurana vital para a compreenso das

    concluses aqui levantadas57.

    A tese aqui defendida a de que os denominados deveres de compliance so nada

    mais do que estruturas capilarizadas de controle, debruando-se na interseco entre o

    55 AGAMBEN, Giorgio. O que um Dispositivo? In _______. O Que o Contemporneo e Outros Ensaios: Chapec: Argos, 2009.56 FOUCAULT, Michel. Seguridad, Territorio, Poblacin. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econmica, 2006. p. 20-21. 57 As outras distines elaboradas por Foucault seriam as de que: a) enquanto o sistema disciplinar possui uma tendncia a tudo regulamentar, os dispositivos de segurana atuariam na permissividade, no deixar fazer; b) a disciplina distribuiria as coisas segundo um cdigo do permitido/proibido. H uma tendncia de codificao constante do permitido e do proibido pelo mecanismo disciplinar. O dispositivo de segurana no adota plenamente o ponto de vista do permitido nem aquele do proibido. O dispositivo de segurana atua diretamente sobre a realidade, anulando-a. FOUCAULT, Michel. Seguridad, Territorio, Poblacin. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econmica, 2006. p. 66-67.

  • administrativo e o jurdico. Atravs da atuao sobre a realidade, h uma espcie de

    ajustamento de suas funcionalidades e elementos. A prpria funo de preveno comumente

    atribuda a estes deveres deixa bem claro se tratar de um regulador estratgico. Atravs destes

    dispositivos h um alargamento do controle estatal, em grande parte tendo como mesmo cerne

    o fetiche da categoria do risco. Tanto assim que os deveres compliance se justificam

    mediante o recurso da diminuio do risco compliance. Entre compliance, riscos compliance,

    sanes administrativas e penais, existir um fundo de realidade que pereniza e entroniza a

    relao entre estas categorias, permitindo a disperso destes elementos por todas as reas da

    socialidade. A anlise levada adiante por Silva-Snchez58 e que se tornou conhecida

    mundialmente poderia ser explicada, com muito mais propriedade e profundidade pelas lentes

    dos dispositivos de segurana, tendentes expanso.

    Por se tratarem de dispositivos, evidentemente exercero funes latentes e no

    declaradas, inclusive no podendo ser resumidas em algumas finalidades previamente

    atribuveis. Alm da relativizao do princpio do nemo tenetur se detegere, seria possvel

    associar os denominados deveres compliance a uma tentativa forosa de, com o recurso ao

    direito administrativo sancionador como uma maneira velada de se obter, no plano da

    investigao preliminar, uma total enforcement. O Brasil, fugindo do exemplo adotado por

    outros pases59, no torna obrigatria a notcia-crime a fim de instaurao da investigao

    preliminar. Salienta-se aqui a exceo trazida pela Lei 3.688/41, em seu art. 66, I e II

    (omisso de comunicao de crime de ao penal pblica incondicionada quando o

    funcionrio pblico, em razo de suas funes, tomou conhecimento de sua prtica; omisso

    de comunicao de crime; omisso de comunicao de crime de ao penal pblica por

    profissional da rea mdica). Nos demais casos, a notcia crime facultativa. O no

    cumprimento dos deveres compliance estabelecidos nas regras, como j referido inmeras

    vezes, sujeitar o agente omitente s sanes administrativas de alta magnitude. Como se

    pode perceber, por detrs das alteraes normativas se esconde uma grande rede de elementos

    capazes de permitir a maximizao da governamentalidade, isto , a subordinao dos sujeitos

    ao controle meramente estatstico (lembrando que estatstica no outra coisa que um

    mecanismo da razo de estado). Percebe-se, uma vez mais, a acertada anlise de Foucault

    acerca da tendncia expanso dos dispositivos de segurana. Uma anlise como a aqui

    58 SILVA-SNCHEZ, Jess-Mara. La Expansin del Derecho Penal: aspectos de la poltica criminal en las sociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 1999. 59 Por exemplo, na Espanha, a notcia crime obrigatria, podendo sujeitar o agente que se omite s penas do art. 450 da Ley Orgnica 10/1995.

  • alinhavada permite diagnosticar, imediatamente, duas afetaes diretas no sistema processual

    penal: junto da investigao preliminar e junto ao princpio da proibio da autoincriminao.

    Certamente uma anlise mais profunda poderia levantar outras tantas sries de mutaes no

    funcionamento da justia criminal trazidas pelos deveres compliance.

    Em ritmo de concluso, parece facilmente compreensvel a ampliao e o

    aprofundamento do controle punitivo e administrativo sobre determinadas prticas

    econmicas. Assim como tambm se verificam inmeros dispositivos que atuam em outras

    sedes. O funcionamento do sistema punitivo, mediante o recurso justaposio de normas,

    estrategicamente dispostas de modo a relativizar a incidncia das garantias constitucionais

    parece ser uma importante ferramenta da governamentalidade contempornea. A insero dos

    dispositivos de segurana revela uma tendncia ao ofuscamento dos cdigos de legalidade

    prprios da justia criminal.

    Verificou-se, mediante a anlise do princpio fundamental da proibio de

    autoincriminao, que os deveres compliance se apresentam como dispositivos que

    subordinam a lgica jurdica a uma lgica atuarial. A ideia motriz de preveno e de gesto de

    riscos, encravada no discurso da criminologia administrativa, justamente o leitmotiv destes

    deveres compliance. A lgica de devassa s garantias constitucionais fundamentada por

    institutos aparentemente neutros e sem a pretenso de maximizao do controle estatal. H

    que se ter o devido cuidado em se desconfiar desta ampliao de deveres e inclusive, de

    abertura racionalidade econmica e gerencial que ameaa governar o jurdico. Estas

    profundas alteraes na funcionalidade do sistema punitivo comeam a ser mais perceptveis,

    pelo menos para certo setor da criminologia contempornea.

    A grande discusso a ser travada residir na batalha contra a gradativa supresso

    destas garantias, alertando-se para o fato de que o sistema punitivo vem sendo paulatinamente

    colonizado pela racionalidade econmica. Os deveres compliance so apenas mais um

    dispositivo de segurana imerso na grande rede de governamentalidade na sociedade ps-

    disciplinar. Portanto, h que se investigar at que ponto so compatveis com a Constituio

    da Repblica e quais os limites a serem impostos.

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