uma avaliaÇÃo das habilidades lingÜÍsticas …...sensíveis aos sentimentos de outras pessoas),...
TRANSCRIPT
UMA AVALIAÇÃO DAS HABILIDADES LINGÜÍSTICAS DE PORTADORES DA SÍNDROME DE
WILLIAMS
Maria Cláudia de Freitas
Maria Cláudia de Freitas
Uma avaliação das habilidades lingüísticas de portadores da Síndrome de Williams
Dissertação apresentada ao Departamento de Lingüística e Língua Portuguesa como requisito para obtenção do título de Mestre em Lingüística.
Orientadora: Profa. Dra. Letícia M. Sicuro Corrêa
PUC-RIO 2000
Agradeço sinceramente À professora Letícia Sicuro-Corrêa, pela liberdade (na medida certa) e estímulo concedidos na orientação; À professora Mariza Pimenta Bueno, por ter despertado minha curiosidade sobre a língua; Às professoras Violeta Quental e Carmelita Dias, por não terem deixado que essa curiosidade adormecesse; Ao Dr. Juan Clinton Llerena Junior, pelo apoio, confiança e disponibilidade com que me recebeu no Instituto Fernandes Figueiras, e também pelas indicações bibliográficas; À Dra. Maria Lúcia N. Menezes, pelo empréstimo de material e de sala, viabilizando a realização da pesquisa; Ao Zuza, pela imensa ajuda na confecção do material gráfico; Às famílias de F, FM, AC, E, A, I, J e AN, pela confiança e tempo dispensado à pesquisa; À F, FM, AC, E, A, I, J e AN, que gentilmente concordaram em participar da pesquisa – mesmo enfrentando um longo trajeto de suas casas até o hospital, nunca perderam o bom-humor e amabilidade, o que tornou a pesquisa não apenas viável, mas extremamente prazerosa.
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 5
1.1 DIFERENTES NÍVEIS DE ANÁLISE ENVOLVIDOS NO ESTUDO DA COGNIÇÃO HUMANA ........................... ............................................................................................... 7
1.2 PERSPECTIVA “MODULARISTA” ................................................................................ 9 1.3 PERSPECTIVA “GENERALISTA” ................................................................................... 13 1.4 O TERMO “LINGUAGEM” .............................................................................................. 17 1.5 OBJETIVOS E HIPÓTESE DE TRABALHO..................................................................... 18
2. RESENHA DA LITERATURA ........................................................................................ 21 2.1 NÍVEL CEREBRAL .......................................................................................................... 21 2.2 NÍVEL FUNCIONAL ........................................................................................................ 24 2.2.1 Habilidades lexicais e semânticas ...................................................................... 25 2.2.2 Habilidades gramaticais .................................................................................... 27 2.2.3 Habilidades discursivas ..................................................................................... 30 2.2.4 Avaliação de outras habilidades cognitivas relacionadas à linguagem ............. 31 2.2.5 Estudos baseados em testes não padronizados especificamente lingüísticos ..... 37 2.2.6 Problemas metodológicos no uso de testes padronizados ................................. 53
2.3 EM SÍNTESE .....................................................................................................................57 3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ....................................................................................... 59 3.1 CAMPOS DE ATUAÇÃO DA LINGÜÏSTICA E DA PSICOLINGÜÍSTICA ................. 60 3.2 NÍVEL COMPUTACIONAL: O PROGRAMA MINIMALISTA .................................... 63
3.3 ANÁFORAS LIGADAS E ANÁFORAS “LIVRES” ....................................................... 67 3.4 ORAÇÕES PASSIVAS ..................................................................................................... 71 3.5 ORAÇÕES RELATIVAS ................................................................................................. 76 3.6 ANÁFORAS DISCURSIVAS (OU PRONOMINAIS) ..................................................... 81 3.7 INFERÊNCIAS: PRESSUPOSIÇÕES E IMPLICATURAS .............................................. 83 3.8 GÊNERO GRAMATICAL ................................................................................................. 91
4. METODOLOGIA ............................................................................................................... 94
4.1 SELEÇÃO DE FIGURAS .................................................................................................... 94 4.1.1 Orações passivas ................................................................................................. 96 4.1.2 Anáforas ............................................................................................................. 97
4.2 TAREFA DE MANIPULAÇÃO .................................................................................... 100 4.3 TAREFA DE JULGAMENTO DE VALOR VERDADE ............................................... 103
4.4 PRODUÇÃO INDUZIDA ............................................................................................... 105 4.5 SUJEITOS ....................................................................................................................... 108
4.5.1 Consentimento ................................................................................................. 109 4.5.2 Grupo de Controle .......................................................................................... 109
4.6 PROCEDIMENTOS GERAIS ........................................................................................ 109 5. EXPERIMENTOS ........................................................................................................... 111 5.1 EXPERIMENTO 1: ANÁFORAS LIVRES E ANÁFORAS LIGADAS......................... 112
5.2 EXPERIMENTO 2: ORAÇÕES PASSIVAS ................................................................. 113 5.3 EXPERIMENTO 3: ORAÇÕES RELATIVAS .............................................................. 115
5.3.1 Experimento 3.1: Orações relativas não-restritivas ........................................ 118 5.4 EXPERIMENTO 4: ANÁFORAS DISCURSIVAS (PRONOMINAIS) ......................... 120 5.5 EXPERIMENTO 5: PRESSUPOSIÇÕES E IMPLICATURAS ..................................... 124 5.6 EXPERIMENTO 6: GÊNERO GRAMATICAL ........................................................... 129
6. DISCUSSÃO GERAL .................................................................................................... 134 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 140 8. APÊNDICE .................................................................................................................. . 145
ÍNDICE DE TABELAS
TABELA 1: Sujeitos que participaram da pesquisa ................................................. 108 TABELA 2: Distribuição (%) de respostas corretas por sujeito em função de tipo de
anáfora.................................................................................................... 113 TABELA 3: Distribuição de respostas corretas por tipo de sentença para cada
sujeito..................................................................................................... 114 TABELA 4: Distribuição de respostas corretas por condição e por sujeito .............. 116 TABELA 5: Número de respostas erradas por sujeito .............................................. 117 TABELA 6: Distribuição de respostas corretas por condição e por sujeito .............. 120 TABELA7: Distribuição (%) de respostas corretas em função do tipo de pronome,
quando este é correferente ao sujeito da primeira oração coordenada ... 122 TABELA 8: Distribuição (%) de respostas corretas para a condição sujeito manifesto
com distinção de gênero ....................................................................... 124 TABELA 9: Distribuição (%) de respostas corretas em função do tipo de inferência e
negação .................................................................................................. 127 TABELA 10: Comparação entre o desempenho médio (% de acertos) do grupo SW e
do grupo com lesão cerebral no hemisfério direito em função do tipo de inferência ................................................................................................ 127
TABELA 11: Número de respostas corretas por sujeito em função do tipo de pista.. 133 TABELA 12: Número de respostas corretas na condição com pistas sintáticas em
função da compatibilidade fonológica .................................................. 133
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo apresentar uma caracterização das
habilidades lingüísticas de portadores da síndrome de Williams (SW), tendo em vista a
controvérsia presente na literatura acerca da preservação destas habilidades. Para tanto,
foram realizados experimentos que verificam a compreensão de anáforas ligadas e
pronominais, orações passivas, orações relativas, pressuposições e implicaturas e gênero
gramatical. Os resultados foram discutidos considerando-se i) a possibilidade de
dissociação entre o sistema da linguagem e demais sistemas cognitivos; ii) a
possibilidade de dissociação no sistema cognitivo da linguagem; iii) um aparato
processador de linguagem - “alimentado” pelo sistema computacional da língua – que
dispõe de algoritmos de processamento e tem acesso a representações mantidas num
sistema de memória de trabalho. Os resultados obtidos sugerem uma preservação dos
aspectos da linguagem diretamente dependentes do sistema computacional da língua em
portadores da SW.
ABSTRACT
The goal of this dissertation is to present a characterization of the linguistic
abilities of Williams Syndrome (WS) patients in order to contribute to the debate
concerning the sparing of linguistic abilities in this population. A number of
experiments was conducted involving bound anaphors and pronominals, passive
sentences, relative clauses, presuppositions and implicatures, as well as grammatical
gender. The results were discussed considering i) the possibility of dissociation between
the cognitive system of language and other cognitive systems; ii) the possibility of
dissociation within the cognitive system of language; iii) a model of language processor
- “fed” by the computational system of language - which makes use of processing
algorithms and has access of representations kept in a working memory system. The
results suggest that the aspects of language which are directly dependent on the
computational system of language are preserved in WS.
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa apresenta uma avaliação das habilidades lingüísticas de
portadores da síndrome de Williams (SW). O objetivo desta avaliação é verificar até que
ponto pode-se considerar que portadores da SW apresentam habilidades lingüísticas
preservadas tendo em vista a controvérsia presente na literatura recente no que concerne
à preservação de tais habilidades.
A Síndrome de Williams (SW) vem, nos últimos anos, despertando a atenção
de inúmeros pesquisadores no âmbito das Ciências Cognitivas. Distúrbio genético raro,
com a ocorrência de um caso para cada 20.000 nascimentos, tem sido alvo de um
grande debate a respeito da dissociação entre linguagem e demais domínios cognitivos.
Causada por um apagamento muito pequeno em uma das duas cópias do
cromossomo 7, a SW é marcada por uma série de características comuns, como retardo
mental (QI médio em torno de 50), problemas cardiovasculares, atrasos no
desenvolvimento (portadores da SW começam a andar por volta dos 21 meses e
começam a falar mais tarde que crianças normais), puberdade precoce ( o que talvez
explique um envelhecimento prematuro: os cabelos ficam grisalhos e a pele com rugas
relativamente cedo), hipercalcemia, distúrbios na percepção espacial e visual,
hipersensibilidade auditiva, entre outros.
Portadores da SW são conhecidos por apresentarem uma fisionomia de elfo: a
cabeça pequena, testa grande, um discreto inchaço ao redor dos olhos, íris estrelada,
lábios grossos e queixo pequeno; tais características são tão comuns nas crianças com
SW que elas se parecem mais entre si do que com seus próprios pais. Estes traços
faciais somados ao seu grande interesse no contato com pessoas (em geral, preferem a
companhia de adultos, gostam de conversar e contar estórias, são amáveis, confiáveis e
sensíveis aos sentimentos de outras pessoas), sua baixa estatura e notadas habilidades
musicais ( “Music is my favorite way of thinking”, disse uma menina) fazem com que
alguns pesquisadores acreditem que as lendas em torno de elfos e gnomos possam ter
sido inspiradas em pessoas com SW (Lenhoff et al.1997).
Apesar de apresentar uma caracterização geral de retardo mental que vai de
leve a severo, a SW possui um perfil cognitivo bastante incomum e interessante, com
“ilhas” de preservação. Por um lado os portadores da SW apresentam uma cognição
espacio-visual bastante prejudicada, sendo incapazes de desenhar ou desempenhar
qualquer tarefa que demande um processamento visual e espacial; em geral, não são
capazes de fazer contas, e dificilmente conseguem levar uma vida independente. Por
outro lado, são excelentes ao reconhecer rostos de pessoas, sejam elas conhecidas ou
não, têm um grande talento para música e adoram conversar. Esta última característica –
a habilidade e "desenvoltura" com a linguagem que portadores da SW apresentam – tem
chamado a atenção de lingüistas e psicólogos que se dividem entre aqueles que vêem na
SW uma demonstração clara da dissociação entre os diferentes domínios cognitivos –
sustentados pela chamada hipótese da modularidade, e aqueles que questionam a
linguagem preservada da SW com base em uma concepção mais generalista da
atividade mental.
Sendo assim, o presente trabalho coloca em confronto duas perspectivas
teóricas no que concerne à relação entre linguagem e outros domínios cognitivos:
i) uma perspectiva “modularista” originada na proposta de arquitetura modular
da mente apresentada em Fodor (1983) e compatível com a teoria lingüística em sua
vertente gerativista. Nessa perspectiva, a SW aparece como uma possível evidência de
dissociação entre sistemas cognitivos (Bellugi et al. (1990, 1993), Lenhoff et al. (1997),
Pinker (1991, 1994)).
ii) uma perspectiva mais “generalista”, oriunda de uma visão piagetiana de
desenvolvimento, segundo a qual língua e demais domínios da cognição estão
intimamente vinculados. De acordo com esta perspectiva, a dissociação entre domínios,
se existe, é conseqüência do desenvolvimento. Numa perspectiva “generalista”, a SW é
vista como evidência da impossibilidade de dissociação entre domínios cognitivos
(Karmiloff-Smith et al. (1997, 1998), Volterra et al.(1996), Vicari et al. (1996)).
Para uma melhor compreensão dos pressupostos subjacentes a estas duas linhas
teóricas - "modularista" e "generalista" - faremos uma pequena digressão, explicitando
os diferentes níveis de análise envolvidos em uma discussão acerca do estudo da
cognição humana.
1.1 Diferentes níveis de análise envolvidos no estudo da cognição humana
O estudo da cognição pode ser conduzido em diferentes níveis de análise: i)
implementação, ii) representação e algoritmo e iii) computação (Osherson 1995).
O nível da implementação (ou físico / cerebral) lida com toda a atividade
cerebral, processos eletroquímicos e outros. O nível da representação e dos algoritmos,
também chamado nível funcional, compreende estruturas cognitivas e procedimentos
executados sobre representações mentais. Uma representação, dentro do contexto das
ciências cognitivas, pode ser caracterizada como o produto de um processo cognitivo1.
Representações são oriundas de estímulos físicos e são o material sobre o qual
1 Estamos utilizando "representação" em um sentido diferente do utilizado por Chomsky (1998), que entende representação em um sentido técnico, no qual "representações são formadas no curso de uma derivação, não havendo relação com o sentido usado em teorias representacionais, por
operações cognitivas se realizam. Estas operações cognitivas, por sua vez, são
restringidas pelas possibilidades do(s) sistema(s) computacional(is). Deste modo, o
nível computacional de análise define as possibilidades (recursos disponíveis) para a
realização dos processos cognitivos (Osherson 1995).
Utilizando estes diferentes níveis para uma caracterização do sistema da
linguagem, temos que a teoria lingüística, ou um modelo de gramática (na vertente
gerativista, corrente chomskyana), é um modelo cognitivo realizado no nível
computacional. Nesse nível há a explicitação da combinatória que permite a derivação
de sentenças da língua. Já o modelo de uma língua interna (língua I - conhecimento
lingüístico interno) encontra-se não só no nível computacional, mas também incorpora
elementos de natureza representacional. Isto é, além da explicitação da combinatória
que permite a derivação de sentenças possíveis da língua, o modelo de uma língua
particular deverá incluir representações específicas dessa língua (valores fixados dos
parâmetros de uma GU) e informação lexical (informações que estão no nível
representacional). Os procedimentos necessários à produção e compreensão da
linguagem (como procedimentos de parsing), por sua vez, são descritos em um nível
representacional-algorítmico por uma teoria Psicolingüística.
Para a caracterização do sistema da linguagem é preciso supor, portanto, um
nível computacional, que gere as derivações lingüísticas necessárias para que um
aparato processador da linguagem conduza os procedimentos de produção e
compreensão de enunciados lingüísticos. As operações que se realizam no nível
funcional/algorítmico (tais como operações de parsing) são diferentes das operações
que se realizam no nível computacional (derivações), embora estas últimas alimentem
as primeiras.
exemplo"(Chomsky 1998: 3)
Deste modo, temos que os diferentes níveis de análise podem ser conectados
entre si: fatos e princípios descobertos em um nível contribuem para a análise em outros
níveis. O conhecimento da língua interna (língua I) nos informa sobre o tipo de
informação a ser incorporada em um algoritmo da produção ou da compreensão de
enunciados lingüísticos. E uma teoria da implementação pode impor restrições às
hipóteses sobre o modo com que este processamento da informação se realiza, embora a
investigação em qualquer um desses níveis possa ser conduzida de forma autônoma
(Osherson 1995).
1.2 Perspectiva "modularista"
Ainda utilizando a caracterização triádica de diferentes níveis de análise das
faculdades cognitivas, faremos uma breve introdução às idéias de Fodor (1983) e
Chomsky (1995), presentes em uma perspectiva “modularista”.
Com a formulação da hipótese inatista, Chomsky (1965) busca explicar o fato
de uma criança internalizar o conhecimento de uma dada língua natural em um espaço
curto de tempo e a partir de um conjunto limitado de dados fragmentados,
independentemente de sua inteligência, motivação e estado emocional. Essa capacidade
de aquisição lingüística dever-se-ia a uma predisposição biológica caracteristicamente
humana e especificamente lingüística, a qual proveria o indivíduo de informações das
propriedades universais das gramáticas das línguas naturais. A programação biológica
explicaria então porque crianças expostas a situações lingüísticas diversas - mas no
âmbito de uma mesma língua natural – convergem para gramáticas altamente
compatíveis dessa língua.
A partir do momento em que se postula uma capacidade inata para a
linguagem, e, do mesmo modo, uma faculdade especificamente lingüística, é possível
assumir também especificidade para as outras funções cognitivas. Deste modo as
questões levantadas por Chomsky (1965) vão inspirar a proposta de Fodor (1983) acerca
da estrutura cognitiva da mente.
Jerry Fodor (1983) propõe um modelo de arquitetura cognitiva composto por
três mecanismos cognitivos distintos funcionalmente: a) transdutores (fonte de
informação para os sistemas de input); b) sistemas de input (sistemas cognitivos
modulares; recebem informação provinda dos transdutores, processam-na e enviam-na
para os sistemas centrais); c) sistemas centrais (processam informação proveniente dos
sistemas de memória e dos vários sistemas de input e, como produto final, liberam
representações resultantes deste processamento).
Dentro deste contexto, a linguagem é entendida como um sistema de input - um
sistema modular que apresenta as seguintes características: encapsulamento da
informação, especificidade de domínio, automaticidade (características presentes em
todos os sistemas modulares). Fodor propõe ainda que estes módulos cognitivos estão
especificados geneticamente.
Neste ponto, é preciso uma pausa para alguns esclarecimentos. O primeiro
deles diz respeito à distinção entre diferentes níveis de análise dos módulos cognitivos.
Ao lidar com módulos cognitivos Fodor está se referindo exclusivamente ao nível
funcional, pois como ele mesmo afirma “as faculdades são funcionalmente e não
fisiologicamente individualizadas” (pg 98). Segundo Steven Pinker,
“Os módulos mentais não tendem a ser visíveis a olho nu
como territórios circunscritos na superfície do cérebro (...). Um
módulo mental provavelmente (...)(espalha-se)desordenadamente
pelas protuberâncias e fendas do cérebro. Ou pode ser fragmentado
em regiões que se interligam por meio de fibras, as quais fazem a
região atuar como uma unidade. A beleza do processamento de
informação está na flexibilidade de sua demanda por terreno. (...)os
circuitos que alicerçam um módulo psicológico podem estar
distribuídos pelo cérebro de um modo espacialmente
aleatório“(Pinker 1998: 41-42)
O segundo esclarecimento diz respeito à codificação genética destes módulos
cognitivos. Como mencionado acima, Fodor (1983) trata de módulos cognitivos apenas
no nível funcional. Deste modo, ao propor que os módulos estão especificados
geneticamente, é preciso ressaltar que o que estaria codificado é a possibilidade de
organização mental, isto é, a organização mental em potencial, e não necessariamente a
configuração neural subjacente a esta organização mental. Além disso, não se deve
confundir uma organização funcional inata com um gene específico para este ou aquele
sistema mental. Assim, como assinala Pinker (1998), provavelmente não haverá um
gene exclusivamente responsável pela linguagem, por exemplo, pois “órgãos mentais
complexos (...) seguramente são feitos segundo complexas receitas genéticas, com
muitos genes cooperando de modos até agora insondáveis” (pg 46).
Quanto à teoria lingüística (vertente gerativista), esta tem adotado
recentemente as diretrizes do programa minimalista (1995), segundo o qual o sistema
cognitivo da linguagem possui uma natureza dupla: sistema computacional e "entradas
lexicais" . O sistema cognitivo da linguagem, ou faculdade da linguagem, (FL) interage
com sistemas “externos”: Sistema articulatório-perceptual (AP) e sistema conceitual-
intencional (CI). A interação de FL com estes sistemas externos deverá acontecer nos
níveis de interface: nível PF (do inglês phonetic form), interface com AP, e nível LF (do
inglês logical form), interface com CI.
No nível PF, têm-se representações que possam ser lidas ou interpretadas por
AP, e no nível LF, representações que possam ser lidas ou interpretadas por CI.
Brevemente, o programa minimalista segue a seguinte equação:
CHL(A) = (PF, LF),
onde CHL é um sistema computacional, invariável entre as línguas e A é um
arranjo (array) de traços lexicais retirados do léxico. Lendo-se a equação de forma
inversa, temos que todas as palavras/expressões da língua contém um som (ou forma,
expressos por PF) e um significado (expresso por LF), e são formadas/geradas através
de operações realizadas por um sistema computacional que “manipula” um arranjo A de
itens lexicais. A é retirado do léxico para formar um objeto disponível ao sistema
computacional, e, assim, vão se formando sintagmas a partir de palavras.2
Buscando uma aproximação entre as idéias de Fodor (1983) e Chomsky
(1995), é possível supor que transdutores captem as propriedades dos traços formais
fônicos ou visuais, o que levaria a uma representação pré-lexical do input. Com estas
informações, o sistema de processamento especificamente lingüístico (o “módulo” da
linguagem num sentido estrito) realizaria operações de parsing e de interpretação
semântica dependentes do parsing. O resultado desta segunda etapa de processamento –
uma representação mental decorrente de parsing e interpretação – é enviado para o(s)
sistema(s) central(is). Esta visão é compatível, embora não idêntica, à visão
chomskyana de faculdade da linguagem.
É possível supor então que os procedimentos de parsing e de interpretação
semântica, que ocorrem no interior do sistema de processamento especificamente
lingüístico, sejam alimentados pelo sistema computacional tal como formulado por
Chomsky. Do mesmo modo, o output do processo de parsing e interpretação semântica
é passível de ser descrito como correspondendo a uma expressão lingüística que contém
PF e LF.
2 As principais ditretrizes do programa minimalista serão caracterizadas no capítulo Pressupostos Teóricos.
Deste modo, ainda que as duas propostas não sejam idênticas, pois a concepção
do sistema cognitivo da linguagem proposta por Fodor (1983) (segundo a qual o sistema
modular da linguagem envolve sistemas perceptuais dedicados à linguagem, um
processador de linguagem e o que pode ser entendido como língua I) é mais ampla que a
proposta de Chomsky (1995), elas se mostram altamente compatíveis.
Assumindo-se uma postura “modularista” a respeito dos sistemas cognitivos, é
possível prever danos seletivos nestes sistemas, em que o “mau-funcionamento” de
alguns deles não implica necessariamente o “mau-funcionamento” dos outros. No caso
da SW, é possível que haja sistemas preservados - como o da linguagem - coexistindo
com outros sistemas danificados. Assumindo ainda que o desempenho lingüístico é
dependente de um sistema computacional especificamente lingüístico que realiza
derivações lingüísticas e de sistemas que atuam em domínios compartilhados, é possível
prever danos seletivos no que tange aos aspectos do desempenho lingüístico que
remetem a um domínio específico e no que tange aos aspectos do desempenho
lingüístico que envolvem compartilhamento de domínios.
1.3 Perspectiva "generalista"
Até aqui, vimos os pressupostos subjacentes a uma visão “modularista”, na
qual a SW é entendida como evidência da dissociação entre linguagem e demais
sistemas cognitivos.
Já em uma perspectiva mais “generalista” acerca da linguagem a aprendizagem
da criança em todos os domínios cognitivos é realizada através de um mecanismo geral
de aprendizagem, sem especificação de domínio (provavelmente de natureza lógico-
matemática). Esta corrente teórica é compatível, por exemplo, com o pensamento
construtivista de Jean Piaget, segundo o qual a construção de estruturas cognitivas
(fundamentais e gerais para todo o desenvolvimento) é conseqüência da interação entre
a criança e o meio físico.
Assim, se para Chomsky existe uma programação biológica inata altamente
especificada, para Piaget não há nada de estruturalmente inato, a não ser o próprio
funcionamento da inteligência, e a aquisição da linguagem é entendida como uma
decorrência necessária do desenvolvimento e das construções da inteligência sensório-
motora (Piatelli-Palmarini 1980)
A partir da abordagem piagetiana tradicional, desenvolve-se, no fim da década
de 70, uma linha teórica que também pressupõe um estado inicial indiferenciado da
mente/cérebro (Karmiloff-Smith 1992). Supõe-se um mecanismo geral de
aprendizagem, mas à medida em que esse mecanismo geral recebe informações (input)
do meio externo, informações estas com diferentes características – semântica, sintática,
matemática, espacial – ele vai se diferenciando (ou especializando). Neste ponto, há
uma aproximação com a teoria lingüística, uma vez que a língua é apresentada como um
domínio específico (Karmiloff-Smith 1979, apud Corrêa 1999). Mas diferentemente do
que assume a teoria lingüística, esta linha de pesquisa sustenta que "a criança terá de
atuar cognitivamente sobre o material lingüístico, organizando-o de diferentes formas
ao longo do desenvolvimento" (Corrêa 1999). Esta forma de atuação cognitiva se daria
através de um procedimento geral, "aplicável a diferentes domínios da cognição, o qual
refletiria um modo particular de organização do conhecimento num dado estágio de
desenvolvimento cognitivo" (Corrêa 1999).
Um argumento bastante utilizado em favor desta vertente “generalista” diz
respeito à plasticidade do cérebro, uma vez que bebês que sofrem lesões em um dos
hemisférios cerebrais podem ter as funções do hemisfério lesado compensadas pelo
outro hemisfério (Karmiloff-Smith 1999, Bates et al. 1997). Um segundo argumento
utilizado, e intimamente relacionado ao primeiro, refere-se à especialização gradual do
cérebro. Estudos envolvendo bebês sem qualquer tipo de déficit indicam que estes
processam sintaxe em várias partes do cérebro, em ambos os hemisférios (Mills,
Coffrey-Corina e Neville, 1994, apud Kamiloff-Smith 1999). Esses dados sugeririam
então que o fato de o cérebro adulto poder incluir várias estruturas “modulares” não
significa que estas estruturas estejam especificadas desde o nascimento. Módulos
seriam, portanto, o produto de um processo gradual de desenvolvimento (Karmiloff-
Smith, 1992).
Ainda segundo esta perspectiva, mesmo os casos de desenvolvimento anormal
que são usualmente apontados como evidências da dissociação entre domínios
cognitivos – como os casos de SLI3 e a própria SW - também apresentariam déficits na
parte considerada “intacta” (Karmiloff-Smith 1997, 1998, Bates et al.1997), embora esta
seja uma questão bastante controversa. Deste modo, o desenvolvimento anormal não
apontaria para módulos pré-especificados e dissociados de outros sistemas cognitivos,
motores e sensoriais. Distúrbios genéticos, nessa perspectiva, afetam vários aspectos do
processo de desenvolvimento, em alguns domínios de forma mais sutil que em outros
(Karmiloff-Smith 1999). Dentro desta linha teórica, Bates e Goodman (1997) sustentam
que estruturas gramaticais e lexicais interagem desde muito cedo no processamento
lingüístico, e que o acesso a estruturas gramaticais e lexicais é governado por "leis"
comuns a ambas as estruturas: propõe-se um sistema de processamento amplo e
heterogêneo.
Nesta perspectiva "generalista", a SW aparece como evidência da
impossibilidade de dissociação entre domínios cognitivos. Uma vez que a síndrome
apresenta um quadro cognitivo geral em termos de "retardo mental", e pressupõe-se a
existência de um mecanismo único e geral de desenvolvimento cognitivo, não é possível
que existam sistemas cognitivos diferenciados com desenvolvimento diferenciado,
descartando-se a hipótese de um desenvolvimento da linguagem "normal" coexistindo
com retardo mental.
Segundo esta visão mais “generalista” da arquitetura cognitiva, a hipótese da
modularidade da mente, como postulada inicialmente por Fodor (1983), deve admitir
uma visão alternativa, segundo a qual a modularidade é uma propriedade emergente em
um sistema em desenvolvimento, e não uma restrição preexistente ao desenvolvimento.
Tem-se, portanto, uma modularidade “adquirida” (que se opõe à modularidade “inata”
de Fodor.)
Contudo, como mencionado anteriormente, quando Fodor (1983) propõe uma
arquitetura cognitiva modular, deve ficar claro que o objeto em questão é a mente, e não
o cérebro, e que esta caracterização modular é feita em termos funcionais, e não
necessariamente neurais / cerebrais.
Fodor (1983) não postula a obrigatoriedade de existirem sistemas cerebrais
especializados, mas de módulos mentais especializados. Estes têm uma realização
(implementação) no nível cerebral. Contudo, uma caracterização funcional e uma
caracterização física da atividade mental estão em diferentes níveis de teorização.
Assim, a forma com que o cérebro e os circuitos neurais podem se desenvolver,
principalmente sob circunstâncias especiais - devido a síndromes determinadas
geneticamente ou lesões cerebrais ainda na infância, por exemplo – não implica
necessariamente que haja diferentes organizações dos módulos mentais. Ou seja, é
possível que a forma de organização dos diferentes módulos mentais seja determinada
geneticamente, mas a estrutura neural subjacente a esta organização pode ser suscetível
de variação. Deste modo, no caso de lesões cerebrais ocorridas na infância e de
síndromes geneticamente determinadas, por exemplo, é possível que circuitos neurais se
3 SLI: Specific Languagem Impairment; em português, déficit especificamente lingüístico – DEL.
estabeleçam de formas diferentes para realizar o sistema da linguagem. Mas não se está
negando a importância do meio no processo de desenvolvimento cognitivo. Pelo
contrário, somente a partir da exposição a dados do meio externo é que tal organização
cognitiva poderá ser realizada.
1.4 O termo linguagem
Outro ponto que deve ser considerado com relação à controvérsia acerca das
habilidades lingüísticas de portadores da SW diz respeito ao uso do termo linguagem.
Ao se discutirem questões relativas à linguagem e cognição, nem sempre há consenso
sobre o sentido em que linguagem está sendo utilizado, e o debate envolvendo a
preservação ou não de habilidades de linguagem na SW pode ser conseqüência das
diferentes interpretações que o termo admite. Deste modo, faz-se necessário esclarecer
em que sentido estaremos utilizando linguagem aqui, pois trata-se de um termo bastante
genérico, que engloba domínios de natureza específica e domínios compartilhados com
outros sistemas cognitivos, embora a forma pela qual se realiza este compartilhamento
ainda não esteja clara.
O componente da linguagem não compartilhado com outros sistemas
cognitivos é usualmente entendido como dependente de forma mais direta de uma base
biológica específica, o que torna a possibilidade de aquisição e uso da língua uma
especificidade humana4. Para a teoria lingüística, este componente especificamente
lingüístico tem sido tradicionalmente entendido como Gramática Universal (GU): um
conjunto de princípios universais inatos e de parâmetros com um número fixo de
valores possíveis. Além de GU, pode-se supor que a faculdade da linguagem inclua
sistemas de processamento de informação específicos para material lingüístico. Mais
4 Este é o entendimento da teoria lingüística gerativista.
recentemente, GU vem sendo compreendida como um sistema computacional – um
sistema capaz de gerar expressões da língua a partir de duas operações básicas, que i)
montam itens lexicais e, ii) a partir destes itens lexicais, compõe objetos sintáticos
maiores a partir dos já construídos (Chomsky 1997). Esses objetos sintáticos são lidos
ou interpretados por sistemas de desempenho que podem admitir compartilhamento de
domínios.
Considerando-se estas distinções, temos que o desempenho lingüístico pode ser
resultado da ação de um aparato processador de linguagem, capaz de operacionalizar
procedimentos (descritos sob a forma de algoritmos) sobre representações mentais
temporárias, aparato este que seria alimentado pela língua I e faria uso de sistemas
cognitivos compartilhados, tais como sistemas de memória.
Deste modo, diferentes tipos de realização do que se entende genericamente
por linguagem podem ser distinguidos, e muitas vezes o debate entre linguagem e
cognição deixa de considerar estas questões.
Inserida neste contexto, a controvérsia existente na literatura a respeito da
preservação da linguagem na SW pode ser decorrência de um entendimento de
linguagem como algo indiferenciado.
Ainda um terceiro ponto a ser considerado quanto à controvérsia acerca da
linguagem na SW diz respeito aos testes de avaliação padronizados que servem de base
a muitas pesquisas sobre a linguagem. Em sua grande maioria, estes testes se apoiam em
teorias já ultrapassadas, como será demonstrado a partir da breve análise de alguns dos
testes mais utilizados na seção 2.2.6 (Problemas metodológicos no uso de testes
padronizados).
1.5 Objetivos e hipótese de trabalho
O presente trabalho tem como objetivo clarificar a controvérsia a respeito da
preservação das habilidades lingüísticas de portadores da SW. Para tanto, serão
consideradas: a) uma perspectiva teórica que admite a possibilidade de dissociação entre
domínios cognitivos; b) o conceito “modularidade” de um ponto de vista funcional; c)
diferentes fatores que podem atuar no desempenho lingüístico; d) questões
metodológicas relativas à avaliação de habilidades estritamente lingüísticas.
A hipótese de trabalho desta pesquisa é de que o sistema da linguagem é
formado por um componente cujo domínio é especificamente lingüístico - sistema
computacional - e por outros componentes cujo domínio não é exclusivamente
lingüístico e, na SW, a linguagem pode ser caracterizada em termos de preservação do
componente cujo domínio é especificamente lingüístico.
Diante desse quadro, procedeu-se a uma avaliação ampla de habilidades
lingüísticas de portadores da SW. Para cada tipo de habilidade, testou-se a hipótese de
haver ou não comprometimento em função de esta habilidade estar em um domínio
especificamente lingüístico, sendo dependente do sistema computacional da língua e/ou
de esta habilidade estar em domínios compartilhados com outros sistemas cognitivos.
Foi realizada uma série de experimentos de modo a que se avaliassem a
habilidade de os portadores da SW conduzirem um processamento altamente
dependente de um sistema computacional preservado - orações passivas, anáforas
livres e ligadas, orações relativas; e um processamento minimamente dependente de
um sistema computacional preservado, como as anáforas pronominais. Foi avaliado
também como é feita a atribuição de gênero gramatical em pseudopalavras por
portadores da SW, visto ser esta uma questão controversa não só na literatura acerca da
SW, dado que a concordância de gênero pode ser entendida tanto como dependente de
um sistema computacional da língua (Jakubowicz e Faussart 1998), como dependente
de um mecanismo associativo de memória (Karmiloff-Smith et al.1997, Clahsen e
Almazan 1998). Por fim, foi avaliada a capacidade de compreensão de orações
envolvendo pressuposições e implicaturas em portadores da SW. Precisamente, foi
investigado se portadores da SW apresentariam um desempenho semelhante ao de
crianças com lesões cerebrais unilaterais, especificamente aquelas que apresentam o
hemisfério esquerdo preservado, na compreensão de orações que contêm pressuposições
e implicaturas (Eisele et al.1998 ).
O presente trabalho organiza-se da seguinte maneira: no capítulo 2 são
relatadas algumas das pesquisas conduzidas com portadores da SW falantes de inglês,
francês e italiano; no capítulo 3 estão os principais pressupostos teóricos desta pesquisa;
no capítulo 4 encontram-se considerações metodológicas acerca dos experimentos
realizados nesta dissertação; no capítulo 5, são descritos os experimentos e seus
resultados. Por fim, no capítulo 6, é apresentada uma discussão geral a partir dos
resultados obtidos nos experimentos, numa tentativa de conciliação entre estes
resultados e as recentes descobertas genéticas sobre a SW.
2. RESENHA DA LITERATURA
Neste capitulo, serão descritas algumas das pesquisas realizadas com
portadores da SW. Optamos por agrupá-las da seguinte maneira: primeiramente são
descritas as que investigam características cerebrais da SW. Em seguida, pesquisas
sobre o desempenho lingüístico de portadores da SW realizadas a partir de instrumentos
de avaliação padronizados. Na seção seguinte, são descritos os estudos realizados a
partir de testes não padronizados, desenvolvidos especialmente para avaliações
lingüísticas. Ao final do capítulo é feita uma breve avaliação de alguns testes
padronizados utilizados nas pesquisas citadas.
A partir das considerações tecidas no capítulo anterior, vê-se que o estudo da
SW pode suscitar questões sobre a preservação da linguagem, e conseqüentemente
sobre sua especificidade de domínio, em diferentes níveis de teorização: nível cerebral e
nível funcional.
No nível cerebral, apresentam-se as seguintes questões:
A estrutura / morfologia do cérebro na SW é normal?
Aspectos bioquímicos do cérebro de portadores da SW são normais?
No nível funcional, a questão que se apresenta é:
Até que ponto a SW apresenta uma linguagem com domínio preservado?
Se para as perguntas a) e b) há algum consenso na literatura recente, o mesmo
não pode ser dito para a questão c).
2.1 Nível cerebral
Pesquisas envolvendo características neuropsicológicas, neurofisiológicas e
neuroanatômicas da SW chegaram a resultados bastante interessantes.
Em um estudo cujo objetivo era examinar a morfologia cerebral em um grupo
SW (6 sujeitos, com idade média de 15,8 anos) através de técnicas de ressonância
magnética (MRI)5, comparando-a com a de um grupo de controle (14 sujeitos, com
idade média de 19 anos) e um pequeno grupo de portadores de síndrome de Down (SD)
(3 sujeitos, idade média de 16 anos), Jernigan e Bellugi (1990) observaram que o
tamanho de cérebro era reduzido tanto no grupo SW como no grupo SD, quando
comparados ao grupo de controle. O tamanho do cerebelo, contudo, permaneceu
reduzido no grupo SD, mas o grupo SW apresentou o cerebelo praticamente do mesmo
tamanho do grupo de controle, o que leva a uma proporção maior entre o volume do
cérebro e do cerebelo no grupo SW que no grupo de controle.
Quanto às especificidades referentes ao tamanho do cerebelo na SW, Jernigan e
Bellugi (1990) encontraram os lobos vermais do neocerebelo preservados ou maiores na
SW que no grupo de controle, e os lobos do paleocerebelo preservados ou menores na
SW que no grupo de controle. Segundo Jernigan e Bellugi (1990), um possível motivo
para a preservação e redução de determinadas partes do cerebelo estaria em uma
mudança da forma do cerebelo. Assim, a redução dos lobos I a V (paleocerebelo) pode
ter alterado a forma dos lobos preservados VI e VII (neocerebelo).
O cerebelo diz respeito à manutenção da postura e do equilíbrio para andar e
correr; a movimentos voluntários como escrever; à realização de movimentos alternados
rapidamente e repetitivos, como tocar um instrumento musical. Sua superfície é coberta
por uma camada de massa cinzenta – o córtex cerebelar. O cerebelo consiste de 3 lobos:
lobo flocculonodular (parte mais antiga do cerebelo, o arquicerebelo); lobo anterior ( a
5 MRI: imagem de ressonância magnética. Técnica baseada em duas idéias fundamentais: codificação espacial e contraste. Para a codificação espacial, busca-se a origem do sinal magnético nuclear, que pode ser observada através da decodificação da área determinada por coordenadas espaciais. Como contraste entenda-se a habilidade de distinguir e visualizar diferentes estruturas ou processos ocorrendo nas imagens. Com esta técnica é possível obter imagens de processos fisiológicos, como o fluxo sanguíneo, e química intra-celular.
segunda parte mais antiga – paleocerebelo); lobo posterior (parte maior e
filogeneticamente a mais nova – neocerebelo), localizado entre os outros dois lobos.6
O cerebelo também parece estar envolvido em algumas funções
cognitivas relacionadas à linguagem. Em um experimento em que os sujeitos deveriam
dizer um verbo relacionado ao nome que acabaram de ler ou ouvir, imagens obtidas
através de PET7 demonstraram ativação de áreas amplamente distribuídas pelo cérebro,
inclusive do hemisfério direito do cerebelo (Posner et al. 1993).
Em um outro estudo comparativo entre os cérebros de portadores da SW e da
SD, Jernigan et al. (1993) avaliaram 9 sujeitos SW (idades entre 10 e 20 anos), 6
sujeitos SD (idades entre 10 e 20 anos) e 21 sujeitos sem deficiências (idades entre 10 e
24 anos), através de técnica MRI. Foi observado que, apesar de o tamanho do cérebro de
portadores da SW ser pequeno (se comparados ao grupo de controle), o córtex frontal
parece adquirir um volume essencialmente normal com relação ao córtex posterior.
Estruturas límbicas do lobo temporal também parecem estar preservadas, na SW, com
relação a outras estruturas cerebrais. Leiner et al.1986 (apud Jernigan et al. 1993)
propôs que "o sistema "cerebelofrontocortical” evoluiu nos humanos para suportar as
demandas de processamento da fala”. Jernigan et al. (1993) sugerem, então, que a
preservação de estruturas frontais e do cerebelo na SW “pode contribuir para sua
relativa competência lingüística”.
Uma vez relatada a preservação do cerebelo, em especial do neocerebelo, na
SW, Rae, Karmiloff-Smith et al. (1998) realizaram uma investigação sobre possíveis
alterações bioquímicas no cérebro de portadores da SW, em especial na região do córtex
cerebelar. Além de alterações bioquímicas, Rae et al. (1998) tentaram relacionar estas
6 Harrison’s Principles of Internal Medicine; 12th Edition, 1991 7 PET: tomografia por emissão de positrons – técnica que permite a visualização – através de imagens computadorizadas – da ativação de áreas do cérebro no momento da apresentação de determinado estímulo.
alterações bioquímicas aos déficits cognitivos da SW. Investigando 14 portadores de
SW com idades entre 8 e 37 anos e comparando os resultados com os de um grupo de
controle composto por 48 sujeitos com a mesma média de idade do grupo SW, a
pesquisa verificou alterações bioquímicas no cerebelo do grupo SW. Os sujeitos foram
avaliados enquanto realizavam testes cognitivos padronizados (WISC / WAIS; BPVS;
PPVT). Durante a realização de tarefas que exigiam demandas cognitivas, foi detectada
uma diminuição da taxa de determinados compostos químicos, usualmente relacionados
a demandas cognitivas. Especificamente, baixos níveis de NA (compostos que contêm
N-acetil) são associados a um fraco desempenho mental, segundo os autores. No estudo
em questão foi observada uma diminuição significativa das taxas de NA no cerebelo do
grupo SW. Os resultados obtidos por Rae et al. (1998) sugerem, então, que embora haja
uma preservação estrutural do cerebelo, esta preservação não se estende aos aspectos
bioquímicos.
Como pôde ser observado, as pesquisas envolvendo estrutura e composição
bioquímica do cérebro de portadores da SW apresentam resultados interessantes
principalmente quanto ao cerebelo e neocerebelo, que começam a ser apontados como
responsáveis por algumas funções cognitivas. Como assinala Lenhoff et al. (97), esta
abordagem integrada no estudo da SW - relacionando genes à neurobiologia e, em
última análise, ao comportamento, pode se tornar um modelo para se explorar o modo
como genes afetam o desenvolvimento e funcionamento do cérebro.
2.2 Nível Funcional
Como mencionado anteriormente, a questão referente à preservação das
habilidades lingüísticas, em termos funcionais, na SW é um fato bastante controverso na
literatura.
Karmillof-Smith et al. (1997, 1998) Volterra (1996), e Vicari et al. (1996),
entre outros, com base nos resultados obtidos em seus experimentos advogam a
impossibilidade de uma preservação do sistema lingüístico coexistindo com um
comprometimento das demais funções cognitivas.
Já para Bellugi et al. (1990, 1993); Lenhoff et al. (1997), Pinker (1991, 1994),
Clahsen e Almazan (1998), entre outros, é possível falar em linguagem preservada na
SW.
Os estudos relatados a seguir subdividem-se em investigações acerca das
habilidades lexicais-semânticas, gramaticais e discursivas de portadores da SW. São
relatados também estudos realizados a partir de testes padronizados que verificam
habilidades de memória e outras habilidades cognitivas de portadores da SW.
2.2.1 Habilidades lexicais e semânticas
Volterra e colegas (1996) avaliaram as habilidades lexicais e discursivas de
portadores da SW, estudando um grupo composto por 17 crianças italianas portadoras
de SW com idade cronológica entre 4 e 15 anos e idade mental média de 5,2 anos. Os
resultados foram comparados com os de um grupo de controle composto por 116
crianças normais com idade cronológica equivalente à idade mental do grupo SW. Para
a avaliação de habilidades lexicais, foram usados os testes Peabody Picture Vocabulary
Test (PPVT) (no qual os sujeitos devem apontar para a figura, dentre 4, que corresponda
à palavra falada pelo examinador) para medir a compreensão de itens lexicais, e os
testes Boston Naming Test, Teste de Fluência Semântica e Teste de Fluência
Fonológica para avaliar a produção de itens lexicais.
No Boston Naming Test, o sujeito deve nomear a figura desenhada em um
cartão. O grupo SW teve um desempenho mais fraco que o grupo de controle, e muitos
sujeitos SW obtiveram uma pontuação bem abaixo da média esperada pela idade
mental. Foram observados erros de substituição lexical (dentro da mesma categoria
semântica (por ex., sujeito diz avião ou barco para a figura de helicóptero) e paráfrases
semânticas (dependurar roupas para a figura de um cabide). Contudo, alguns destes
erros também foram observados no grupo de controle.
No teste de Fluência Fonológica, os sujeitos devem gerar todas as palavras que
puderem começando com determinada letra, como, por exemplo, a letra F. Neste teste, o
desempenho do grupo SW foi significativamente melhor que o do grupo de controle, e
este foi o único caso em que 5 sujeitos SW tiveram desempenho acima da média
prevista pela idade mental. Mas o grupo de controle era composto por crianças bem
pequenas - menos de 6 anos - , que ainda não foram alfabetizadas, o que pode ter
influenciado os resultados.
No teste de Fluência Semântica, os sujeitos devem produzir quantas palavras
puderem dentro de determinadas categorias semânticas, como animais, brinquedos,
comidas e roupas. 14 sujeitos SW tiveram desempenho de acordo com a idade mental, e
2 sujeitos SW tiveram desempenho acima do esperado. Nenhum sujeito SW produziu
itens raros, diferentemente dos resultados encontrados por Bellugi et al.(1990, 1993).
Contudo, deve-se levar em conta que, aquilo que Volterra e colegas (1996)
englobam em uma única categoria – “habilidades lexicais” – também compreende
aspectos semânticos da língua. Talvez seja pouco acurado utilizar os testes Boston
Naming Test e Teste de Fluência Semântica para uma caracterização em termos de
“habilidades lexicais”. O Boston Naming Test pode ser considerado um instrumento de
avaliação da produção lexical, mas o mesmo não pode ser dito do Teste de Fluência
semântica, que além da produção lexical, investiga aspectos da organização semântica.
O estudo de Bellugi et al. (1993) contou com a participação de 3 portadores de
SW, com idades entre 11 e 16 anos. Nesta investigação (um teste de fluência semântica)
o grupo SW não demonstrou dificuldades para gerar muitos itens dentro de determinada
categoria semântica e foram produzidos itens raros e exóticos.
Em Bellugi et al. (1990) comparou-se o desempenho de 6 portadores de SW
com idades entre 10 e 17 anos, e 6 portadores de síndrome de Down (SD) com idade
cronológica e mental equivalente. O grupo SW produziu significativamente um maior
número de palavras que o grupo SD. Além disso, o grupo SW também produziu itens
raros. Segundo Bellugi, os testes de fluência semântica podem fornecer informações
sobre as capacidades semânticas das crianças e sobre a organização do léxico mental, e
os resultados obtidos indicariam habilidades semântico-lexicais superiores se
comparadas aos déficits cognitivos.
No teste Peabody realizado por Volterra et al.(1996), o grupo SW teve
desempenho igual ao grupo de controle, isto é, dentro do esperado pela idade mental. O
mesmo teste também foi realizado por Bellugi et al. (1990, 1993), que obteve resultados
parecidos com os de Volterra et al. (1996). O desempenho do grupo SW de Bellugi
esteve dentro do esperado pela idade mental, sendo algumas vezes superior à idade
mental. É interessante notar que, dentro das palavras identificadas corretamente pelos
sujeitos SW, havia itens raros como península, arqueólogo e fragmento.
2.2.2 Habilidades gramaticais
Para a avaliação das habilidades gramaticais dos portadores da SW foram
aplicados os testes Test for Reception of Grammar (TROG), e Repetição de frases.
O teste TROG avalia a compreensão gramatical. Neste teste os sujeitos devem
apontar para a figura, dentre 4, que corresponde à palavra / sintagma/ oração proferida
pelo examinador. O grau de dificuldade aumenta gradativamente de sintagmas simples e
orações absolutas até orações complexas.
Volterra et al. (1996) utilizaram o TROG para avaliar 7 sujeitos SW (idade
média de 8 anos). Destes, 6 tiveram desempenho bem abaixo do desempenho do grupo
de controle, e apenas um teve desempenho semelhante ao grupo de controle. Foram
encontrados “erros” (problemas de compreensão) quanto ao gênero gramatical (para a
frase “O elefante o transporta”, a criança aponta para a figura em que o elefante
transporta ela); plural (para a frase “o urso está na cesta” a criança aponta para a figura
que contém ursos na cesta); preposições (para a frase “O lápis está na mesa” a criança
aponta para a figura que contém um lápis próximo à mesa); orações reversíveis (para a
frase “A criança empurra a vaca” a criança aponta para a figura em que a vaca empurra
a criança); e orações relativas (para a frase “A galinha que está na bola é preta” a
criança aponta para a figura que contém uma bola preta”).
Bellugi et al. (1993) também usaram o TROG como instrumento de avaliação.
Quanto às passivas reversíveis, os resultados estavam de acordo com a idade mental
prevista. O grupo de Bellugi aplicou ainda o Clinical Evaluation Of Language
Functions (CELF)-Subtest 1: Processing Word and Sentence Structure, em que é
investigada a capacidade de compreensão de sintagmas preposicionais, pronomes,
tempos verbais, plural de substantivos, pronomes possessivos, negação explícita,
orações passivas, orações interrogativas Wh- e orações relativas. Neste teste, o
desempenho do grupo SW foi considerado muito bom, demonstrando compreensão de
estruturas lingüísticas que têm sido relacionadas a determinadas habilidades cognitivas -
habilidades “danificadas” na SW. (Por exemplo, compreendem passivas reversíveis,
embora não tenham a capacidade de conservação das tarefas de Piaget.)8
Em outro subteste do CELF, avaliando a compreensão de tempo e aspecto
verbal, orações adverbiais, passivas sem agente e orações encaixadas com relativas,
Bellugi et al. (1993) relatam que o desempenho do grupo SW esteve acima da idade
mental prevista.
Neste momento, já é possível observar resultados conflitantes. Se nos testes
que avaliavam habilidades lexicais – Boston Namig Test (produção) e Peabody
(compreensão) – e semânticas – Teste de Fluência Verbal - não houve grandes
diferenças entre os resultados de Bellugi e Volterra, com exceção aos itens raros
encontrados por Bellugi, o mesmo não pode ser dito com relação às habilidades
gramaticais de portadores da SW. No grupo de Bellugi as habilidades lingüísticas dos
portadores da SW estavam de acordo com a idade mental ou acima dela. Já no grupo de
Volterra o desempenho do grupo SW esteve bem abaixo da idade mental, aparecendo
erros não detectados pelo grupo de Bellugi, embora o instrumento de avaliação utilizado
tenha sido o mesmo: o teste TROG.
Ainda quanto às habilidades gramaticais, Volterra et al. (1996) realizaram o
Sentence Repetition Test, que consiste na repetição de orações. Dos 9 portadores da SW
capazes de realizar a tarefa, 6 tiveram desempenho abaixo do mínimo esperado pela
idade mental; os outros 3 tiveram desempenho na média. Uma análise dos erros mostrou
que o grupo SW produziu erros morfológicos diferentes dos erros cometidos por
crianças normais: erros envolvendo o emprego de preposições e determinados aspectos
8 Esta relação estreita entre habilidades lingüísticas e cognitivas foi sustentada durante muito tempo, tomando por base teorias piagetianas de desenvolvimento, que postulam um mecanismo geral de aprendizagem. Recentemente, esta visão tem sido questionada, a partir de resultados que demonstram que o domínio de uma habilidade lingüística não implica necessariamente no domínio de uma determinada
verbais. É relatado o caso de uma criança que, dada a oração “A menina não está lendo
o livro” repetiu “A menina não ler o livro”9
Quanto à avaliação de habilidades metalingüísticas de portadores da SW,
Bellugi et al.(1990, 1993) realizaram um teste em que os sujeitos deveriam detectar e
corrigir gramaticalmente sentenças incorretas. Sujeitos com SW não só foram capazes
de detectar frases agramaticais, mas também de corrigi-las. Em outro teste, foi pedido
para que fossem definidas oralmente 20 palavras comuns do inglês. Segundo Bellugi, as
definições dadas por portadores da SW eram longas, descritivas e pouco objetivas, mas
freqüentemente os sujeitos SW usavam as palavras corretamente no contexto, além de
serem capazes de fazer associações anedóticas10. Para o grupo de Bellugi, esses
resultados sugerem que a linguagem de portadores da SW não é simplesmente ecóica,
pois os sujeitos são capazes de explicar as palavras usadas tanto nas suas falas quanto na
dos outros. Além disso, os sujeitos demonstraram sofisticada consciência dos princípios
que determinam a boa-formação sintática, sugerindo que suas habilidades lingüísticas
envolvem consciência e manipulação da estrutura gramatical.
2.2.3 Habilidades discursivas
As habilidades discursivas da SW também foram avaliadas por Bellugi et al.
(1990) e Volterra et al. (1996). Para tanto, foram dadas aos portadores da SW estórias
formadas por uma série de figuras. Eles deveriam olhar as figuras e descrever a estória.
habilidade cognitiva. 9 Para “La bambina non legge il libro”, repetiu “La bambina non leggere il libro”. 10 Para a definição de “sad”: V(11anos): “Sad is someone dies; someone is hurt, like when you cry”; C(15 anos): “Sad means that someone hurts your feelings, or when someone starts crying” B(16 anos): “When you lost somebody that you love and care about you. It means something happens to you like your grandmother died or some part of your family or your cousin”
Bellugi (1990) relata que freqüentemente os sujeitos criavam narrativas ricas e bem
estruturadas.
Volterra et al. (1996), no entanto, assinalam que, apesar da fala fluente, o
conteúdo era freqüentemente estranho ou fora de contexto. Assim, na descrição de uma
menina com a mãe, crianças do grupo de controle usaram palavras como “mãe” ou
“mulher”, e crianças SW usaram palavras como “Fada Madrinha”. Crianças com SW
produziram ainda “Era uma vez Chapeuzinho Vermelho” para uma estória que não tinha
nada a ver com Chapeuzinho Vermelho ou com meninas em geral; “era uma floresta”
para uma figura com uma árvore ao fundo, que não tinha qualquer importância na
estória. Portadores de SW apresentaram, ainda, uma fala florida e pitoresca, cheia de
confabulações. Contudo, é reportada a existência de erros de natureza gramatical,
incluindo inversão da ordem de palavras, concordância de gênero, substituição de
palavras funcionais e formas flexionadas, embora estes não tenham sido
especificamente descritos nas referências a que se teve acesso.
Ainda quanto às habilidades discursivas, é relatado o uso excessivo e
inapropriado de clichês e frases estereotipadas, e problemas quanto à tomada de turno
(geralmente pobre) e manutenção de tópico no discurso (Meyerson e Frank 87; Udwin e
Yule 90, ambos apud Howlin et al. 98).
Uma possível explicação para as diferenças na linguagem da SW encontradas
por Bellugi et al.(1990 e 1993) e Volterra et al. (1996) pode ser a diferença de idade
entre os grupos investigados, uma vez que é amplamente relatado na literatura que as
habilidades lingüísticas na SW demoram a se desenvolver, embora até o momento não
se tenha investigado o motivo desta demora. No grupo de Volterra, a idade cronológica
média é de 9.8 anos. Em Bellugi (1990), a média é 14.4 anos e em Bellugi (1993) a
média é 14 anos.
2.2.4 Avaliação de outras habilidades cognitivas relacionadas à linguagem
Quanto à memória de portadores da SW, Vicari, Brizzolara, Carlesimo et al.
(1996) realizaram um estudo investigando aspectos da memória verbal e espacial em 16
portadores da SW, com idade média de 10 anos (idade mental de 5 anos11), comparando
os resultados com os de um grupo de controle composto por 16 crianças com idade
cronológica média de 5,3 anos. Os resultados obtidos sugerem uma memória espacio-
visual prejudicada: tanto a memória espacio-visual de curto prazo como a memória
espacio-visual de longo prazo. Quanto à memória verbal, os resultados apontam para
uma dissociação: memória de curto prazo normal, mas memória de longo prazo
prejudicada.
Para a avaliação da memória verbal, foi utilizado o Digit forward span test12,
teste em que o experimentador lê para o sujeito uma lista de dois dígitos, a qual o sujeito
deve repetir na mesma ordem. Se o sujeito repetir corretamente, a lista seguinte será de
três dígitos, e assim sucessivamente. Foi utilizado ainda o Word List Learning Test13,
em que 12 palavras de alta freqüência e não relacionadas entre si são lidas para os
sujeitos, que devem então repetir quantas palavras conseguirem, sem limite de tempo.
Em um subteste do Word List Learning Test, o Delayed Recall, o procedimento é o
mesmo do teste anterior, mas os sujeitos devem repetir as palavras 15 minutos depois.
15 minutos depois é aplicado o Yes/No Recognition Test, em que 12 das palavras
apresentadas anteriormente eram apresentadas com outras 12 palavras.
11 Idade mental medida através de Leiter International Performance Scale e Peabody Picture Vocabulary Test 12 Wechsler, 1945 13 Vicari, Carlesimo, Albertini et al. 1994 (apud Vicari et al. 1996)
Para avaliação da memória espacial foi utilizado o Block Tapping Test14, que
usa o mesmo procedimento do teste de Dígitos. Para avaliação da MLP espacial, foi
utilizado o teste Ray Figure, form B15.
Para Vicari e colegas (1986), suporte teórico para a hipótese de que dois
sistemas de memória distintos estão envolvidos na lembrança de uma lista de palavras
vem do fato de que “durante a apresentação da lista, os itens que estão no começo e no
meio da lista são armazenados na MLP enquanto são removidos da MCP. Por outro
lado, os últimos itens ainda estão retidos na MCP quando o sinal de “retorno” é dado e,
como resultado, sua lembrança significa, antes de mais nada, o output de uma
capacidade de armazenamento de curto prazo, limitada e transitória.”(Vicari et al. 1996:
507)
No teste de lembrança imediata, os resultados indicam que o grupo SW teve
menos lembranças dos itens do início e do meio das listas, mas não houve diferenças
para lembrança dos últimos itens da lista entre o grupo SW e o grupo de controle. Nos
demais subtestes avaliando a memória verbal, o grupo SW obteve um desempenho
bastante inferior ao do grupo de controle. O mesmo aconteceu com os testes
compreendendo memória espacial. Tanto para MCP como para MLP espacial, o
desempenho do grupo SW foi muito fraco.
Deste modo, segundo Vicari et al.(1996), se por um lado os resultados
confirmam uma assimetria entre as habilidades de memória verbal e espacial, já notadas
por aqueles que assumem uma preservação da linguagem na SW, por outro lado
demonstram que esta assimetria não se repete para a MLP, onde ambas as modalidades
parecem estar prejudicadas.
14 Milner, 1971 apud Vicari et al. 1996 15 Rey, 1968, apud Vicari et al. 96. Não há, no texto, maiores explicações sobre este teste.
Em outro estudo, Crisco, Dobbs e Mulhern (1988) investigaram as habilidades
de processamento de informação visual e auditiva de 22 crianças portadoras da SW
(entre 50 e 120 meses) e compararam-nas com o desempenho de 22 crianças com
distúrbios de desenvolvimento não específicos com a mesma idade cronológica e
“inteligência geral” do grupo SW.
Em todas as crianças foi aplicado o teste Stanford-Binet Intelligence Scale,
como parte de avaliação psicológica e de desenvolvimento. O teste ITPA16 também foi
administrado nos 2 grupos. Embora seja referido como um teste de habilidades
psicolingüísticas, o ITPA é mais apropriado para a medida de processamento de
informação, memória e aprendizado de regras, segundo Crisco et al.(1988). O ITPA
“contém 10 subtestes padrão que medem funções cognitivas em dois canais de
comunicação (visual-motor e auditivo-vocal) e dois níveis de organização
(representacional e automático). As tarefas representacionais requerem compreensão do
conteúdo ou significado de símbolos e envolvem 3 processos: receptivo, associativo e
expressivo.”
Os resultados demonstram que não houve diferenças significativas entre os
dois grupos. O grupo SW teve um desempenho mais fraco que o grupo de crianças com
distúrbios de desenvolvimento não específicos quanto à recepção visual, “fechamento”
da informação visual (visual closure) e memória visual, indicando que o grupo SW
apresenta seletivamente mais dificuldades em processar informação visual que o grupo
com distúrbios de desenvolvimento.
Segundo Crisco et al. (1988), estas são as únicas diferenças entre o grupo SW e
o outro grupo de crianças. No que tange às funções cognitivas auditivas, não há como
distinguir um grupo de outro. Ambos demonstraram as mesmas habilidades na
compreensão de instruções verbais (compreensão auditiva), na compreensão de relações
críticas entre conceitos verbais (associação auditiva), e no vocabulário expressivo. A
compreensão e habilidade em usar regras gramaticais também não diferiu nos dois
grupos.
Os resultados obtidos por Crisco et al. (1988), portanto, não sustentam as
observações feitas por Bellugi et al. (1990, 1993), nas quais funções lingüísticas
estariam preservadas na SW, pois o desempenho do grupo SW foi semelhante ao do
grupo de controle composto por crianças com distúrbios de desenvolvimento não
específicos.
Howlin, Davies e Udwin (1998) realizaram um estudo avaliando o
“funcionamento cognitivo, lingüístico, acadêmico e adaptativo” de 62 adultos
portadores da SW (idade média de 26 anos). Para tanto, foram utilizados os seguintes
testes: WAIS-R 17(avaliação do funcionamento cognitivo geral), BPVS18 e
EOWVT19(avaliação de produção e compreensão de linguagem); Vineland Adaptative
Behavior Scale – Interview Edition (avaliação da comunicação, independência e
socialização); testes WORD20 (precisão de leitura, compreensão e ortografia); Subteste
Arithmetic do WISC-III21 (cálculo de idade “aritmética”).
Analisados como um todo, os resultados demonstraram um padrão irregular de
habilidades na SW. Testes de QI apontaram para um retardo mental leve, com QI verbal
ligeiramente mais alto que QI de desempenho, e uma tendência dos sujeitos a apresentar
bons resultados nos testes de vocabulário e raciocínio abstrato e maus resultados em
tarefas que envolvem “conhecimento geral, memória, aptidões matemáticas e ordenação
visual”. A avaliação de habilidades de produção e compreensão de linguagem indicaram
16 ITPA: Illinois Test of Psycholinguistic Abilities. 17 WAIS-R: versão revisada do WISC para adultos 18 BPVS: British Picture Vocabulary Scale 19 EOWVT: Expressive One Word Picture Vocabulary Test 20 WORD: Wechler Objective Reading Dimensions 21 WISC III: Wechler Intelligence Scale for Children , 3a Edição.
déficits em ambas as áreas. Howlin et al. (98), contudo, não fornecem exemplos dos
tipos de erros cometidos pelo grupo SW. O desempenho no Vineland Adaptative
Behavior Scales também foi fraco.
Greer et al. (1997) realizaram uma avaliação de características cognitivas,
adaptativas e comportamentais em 15 portadores da SW, com idades entre 4 e 18 anos
(média 9,5 anos). Para tanto, foram utilizados os seguintes testes padronizados:
Stanford-Binet Intelligence Scale for Children (4a edição); Vineland Adaptative
Behavioral Scales, e Child Behavior Checklist. Os resultados referentes às habilidades
cognitivas foram obtidos a partir do desempenho dos sujeitos no Stanford-Binet, teste
elaborado a partir de um modelo que postula três níveis cognitivos hierárquicos. No
nível mais alto, uma inteligência geral; no segundo nível entram fatores de memória de
curto prazo, e no nível mais baixo estão fatores específicos como raciocínio verbal,
quantitativo e abstrato-visual.
Os resultados obtidos por Greer et al. (1997) no que se refere aos aspectos
cognitivos da SW indicam não haver diferença significativa entre habilidades de
vocabulário e habilidades de compreensão de linguagem. Também não foram
encontradas diferenças significativas entre habilidades de memória de curto prazo
auditiva e visual. Principalmente, não houve diferença entre raciocínio verbal e
raciocínio abstrato/visual, “o que revela que habilidades verbais são proporcionais a
habilidades não verbais.” Os resultados são coerentes com a proposta de Meyerson e
Frank (1987, apud Greer et al. (1997)), segundo a qual o grande número de
verbalizações e boas habilidades articulatórias dão a falsa impressão de preservação da
linguagem. Ainda segundo Greer et al. (1997) “o uso de medidas obscuras, observações
não padronizadas e confiança nas medidas do WISC / WAIS, que avaliam áreas além da
linguagem, podem levar a falsas impressões.” Assim o teste Stanford-Binet foi utilizado
porque seus subtestes de vocabulário e compreensão , que integram a área de Raciocínio
Verbal, enfatizam as áreas de compreensão e produção da linguagem, além de
habilidades de raciocínio. Deste modo, Raciocínio Verbal serviu tanto para medida de
linguagem como para medida de raciocínio.
Por fim, Greer et al. (1997) apontam para a importância de se entender o grupo
de crianças SW como um grupo bastante heterogêneo, e esta variabilidade parece ser
particularmente verdadeira para os componentes adaptativos e cognitivos.
2.2.5 Estudos baseados em testes não padronizados especificamente lingüísticos
Se até aqui foram descritas as pesquisas com portadores da SW baseadas em
testes padronizados, relataremos agora as investigações realizadas com testes criados
especialmente para avaliação de habilidades de linguagem.
Num estudo muito interessante utilizando técnica de ERP (event-related
potential) - técnica capaz de fornecer informações sobre a duração e a seqüência
temporal de eventos neurais com resolução de milesegundos e de fornecer informações
sobre o local da atividade neural -, Neville, Mills e Bellugi (1994) investigaram os
seguintes aspectos de portadores da SW: i) a influência da hipersensibilidade auditiva
no desenvolvimento de sistemas cerebrais relacionados à linguagem; ii) até que ponto
as habilidades de linguagem preservadas na SW são mediadas por sistemas neurais
similares aos que operam num grupo de controle de pessoas “normais”; iii) os efeitos da
idade na aquisição da leitura para a organização cerebral. Para i) prevê-se que alterações
nos primeiros estágios de processamento sensório-auditivo provavelmente causariam
impacto na organização de estágios posteriores de processamento da linguagem; para ii)
prevê-se diferenças nos sistemas cerebrais relevantes para a linguagem na SW; para iii)
prevê-se que sujeitos que aprenderam a ler quando crianças (na idade “padrão”)
apresentarão especializações neurais organizadas de forma mais “normal” que leitores
tardios.
Participaram do estudo 2 grupos SW: grupo I : 4 crianças de 10 a 14 anos e
grupo II: 4 adultos. Os resultados foram comparados aos de um grupo de controle
composto por crianças e adultos.
Foram utilizados três paradigmas experimentais: ciclo de recuperação auditiva
(auditory recovery cyle), processamento auditivo de frases e processamento visual de
frases.
O primeiro paradigma, ciclo de recuperação auditiva, foi empregado para
investigar os primeiros estágios do processamento sensório-auditivo e as bases neurais
para a hipersensibilidade a sons que SW apresenta. Neste experimento, séries de tons de
50mseg foram apresentadas aos sujeitos através de fones de ouvido. Cada tom era
apresentado em três posições espaciais: ouvido direito, ouvido esquerdo, centro. Um
terço dos estímulos em cada posição era precedido por um intervalo que podia ser de
200 mseg., 1.000mseg ou 2.000 mseg. Os sujeitos deveriam apertar um botão quando
ouvissem o estímulo alvo (tons de 1.000-Hz).
O procedimento experimental tanto para o processamento auditivo de frases
quanto para o processamento visual foi o mesmo, mudando-se apenas a forma de
estímulo: auditivo ou visual. Os estímulos consistiam de frases do inglês. Metade das
frases terminava de forma bastante previsível (“Depois do show todos bateram
palmas”), e a outra metade terminava de forma anormal (“Eu gosto de café com creme e
radiador”). Na modalidade auditiva as frases eram apresentadas por fones, e na
modalidade visual as frases apareciam em um monitor de computador, palavra por
palavra, uma palavra por segundo. Os sujeitos deveriam apertar um botão para indicar
se a frase fazia ou não sentido.
Os resultados do primeiro experimento demonstraram similaridades entre os
dois grupos SW, que por sua vez diferem do grupo de controle. O grupo de controle
apresentou amplitudes reduzidas a tons precedidos por um intervalo de 200 mseg. se
comparados aos estímulos precedidos por um intervalo de 1000 mseg. Isto é, o efeito do
tempo do intervalo se mostrou significativo. Este efeito, contudo, não foi observado no
grupo SW, o que indica um processamento auditivo inicial anormal.
No processamento auditivo de frases, foi observada a reação para palavras de
conteúdo no meio da frase. Os ERPs do grupo de adultos SW apresenta uma morfologia
diferente da do grupo de controle. Como o tipo de resposta SW não foi encontrado em
nenhuma faixa etária do grupo de controle, a diferença encontrada dificilmente se deve
a atrasos no desenvolvimento. O grupo de crianças SW apresentou o mesmo padrão do
grupo de adultos SW. Os resultados sugerem que “os estágios iniciais do processamento
auditivo de linguagem não são conduzidos pelos mesmos sistemas neurais que operam
em sujeitos normais.” Somados aos resultados do experimento anterior, estes resultados
podem indicar ainda que o efeito encontrado pode estar relacionado a uma
hiperexcitabilidade do sistema auditivo.
No processamento visual, também foi observada a reação para palavras de
conteúdo no meio da frase. Nos SW de 10 anos de idade, as respostas foram normais
para a idade, iguais às do grupo de controle. Já no grupo de adultos SW as respostas
diferiram das do grupo de controle, estando de acordo com o aprendizado tardio da
leitura. Segundo Neville et al., “a pouca fluência e experiência com o inglês escrito
pode requerer mais esforço de busca e/ou integração de palavras em um contexto de
frase.”. Os sujeitos SW de 10 anos exibiram amplitudes normais para idade,
demonstrando habilidades de leitura próximas do normal para a idade.
Outro dado interessante obtido em um estudo anterior de Neville et al. (1992)
sugere que palavras funcionais apresentadas visualmente produzem ERPs assimétricos
nos dois hemisférios. Esta assimetria, contudo, parece ser dependente de um
aprendizado da língua escrita nos primeiros anos de vida. Ao analisar os ERPs do grupo
SW a palavras funcionais no meio das frases apresentadas visualmente, é possível
observar que adultos SW que aprenderam a ler tardiamente não apresentaram esta
assimetria. Já em crianças SW que aprenderam a ler, os ERPs demonstraram um
assimetria na direção normal.
A partir dos relatos de um vocabulário rico e incomum na SW, Neville et al.
(1994) investigaram, ainda, efeitos de ativação semântica (semantic priming) na SW.
Para tanto, foram verificados os potenciais ativados para as palavras finais congruentes
e incongruentes nas frases do experimento anterior. Foram registrados ERPs tanto para
a modalidade auditiva quanto para a visual.
Na modalidade auditiva, adultos e crianças SW apresentaram um padrão de
ativação nas respostas maior que o normal. Este efeito é consistente com a idéia de que
portadores da SW exibem conexões normais ou maiores que o normal entre itens
lexicais relacionados (o que poderia explicar o desempenho acima da média nos testes
de fluência semântica). Na modalidade visual, contudo, os efeitos de ativação foram
normais ou menores que o normal, o que pode indicar a relação entre um efeito de
ativação maior que o normal e hipersensibilidade auditiva.
Como Neville et al. (1994) apontam, os resultados sugerem que “os sistemas
que mediam a linguagem preservada na SW não são os mesmos que operam nos sujeitos
normais”.
Ainda quanto aos aspectos semânticos, Tyler, Karmiloff-Smith et al. (1997)
também realizaram um experimento on-line22 de ativação semântica (semantic priming)
a fim de verificar a organização do léxico mental de portadores da SW. No experimento
de Tyler et al. (1997), a ativação semântica acontece quando o reconhecimento de uma
palavra (palavra-alvo) é facilitado devido à apresentação anterior de uma outra palavra
semanticamente relacionada à palavra-alvo (ex., chapéu-luva). Acredita-se que esta
facilidade se deve a uma interação semântica entre a palavra-alvo e a outra palavra.
Contudo, como apontam Tyler e colegas, a presença de um efeito significativo de
ativação não significa necessariamente que representações semânticas estão
completamente preservadas. É preciso que o “tamanho” do efeito de ativação esteja
dentro do normal e que os sujeitos demonstrem ativação para diferentes tipos de
relações semânticas. Na tarefa com portadores de SW, foram testadas dois tipos de
relações semânticas: categorias coordenadas (relações taxonômicas como laranja e
banana) e propriedades funcionais (relações temáticas, como chão e vassoura).
Tyler et al. (1997) fazem as seguintes previsões: a) a organização semântica na
SW é normal tanto para categorias coordenadas como para propriedades funcionais; b)é
predominantemente organizada através de propriedades funcionais com poucas
categorias coordenadas; c) é organizada predominantemente de forma taxonômica; d) é
uma lista de entradas lexicais desorganizada.
A fim de responder a estas questões, Tyler e colegas realizaram seu
experimento com 12 portadores da SW, com idade média de 21,9 anos. Os resultados
foram comparados com os de um grupo de controle composto por 20 sujeitos, com
idades entre 18 e 40 anos. O experimento contou com 48 pares de palavras. Em metade
22 Tarefa em que o tempo de resposta do sujeito é monitorado, o qual acredita-se estar bastante aproximado ao tempo real de processamento. Considera-se que este tipo de tarefa reflete de forma mais direta aspectos inconscientes e automáticos do processamento de linguagem. Já experimentos off-line não estão diretamente relacionados ao tempo “real” de processamento.
deles as relações eram taxonômicas (banana-laranja) e na outra metade as relações eram
temáticas(chuva; guarda-chuva). Os sujeitos deveriam apertar um botão assim que
ouvissem a palavra-alvo pré-especificada. Para o grupo SW, as palavras–alvo eram ditas
duas vezes pelo experimentador, e o sujeito deveria repeti-la antes da lista de palavras
começar.
O tempo de reação do grupo SW foi bastante rápido, embora levemente mais
lento que o do grupo de controle. A partir dos dados obtidos, não houve sinais de que a
organização do léxico esteja significativamente danificada na SW, e Tyler et al.
concluem que “a estrutura da memória semântica está preservada na SW” (pg 523) e
que “a organização semântica do léxico na SW é funcionalmente equivalente ( à de
sujeitos normais)”(pg 524)
Em um estudo envolvendo a concordância de gênero com portadores de SW
falantes de francês, Karmiloff-Smith et al.(1997) relata que esta população apresenta
problemas no que se refere ao gênero gramatical. Foi investigada a capacidade de
realização da concordância entre artigo e nome, e artigo, nome e adjetivo (que tenha
gênero marcado, como branco/branca) tanto em palavras reais como em pseudopalavras.
O material utilizado no experimento foram pares de cartões com desenhos de animais e
objetos reais e inventados, diferindo apenas quanto à cor, representando cada um dos
itens lexicais. Foram escolhidas 8 palavras reais ( 2 femininas e 2 masculinas com artigo
e terminação concordando; 2 masculinas e 2 femininas com discordância entre artigo e
terminação) e 8 pseudopalavras. Em metade das pseudopalavras havia congruência
entre artigo e terminação, e na outra metade não havia. Posteriormente foram
introduzidas figuras com “deux”(numeral “dois”, que em francês não contém marca de
gênero, como o “três” em português), e a única pista disponível era a terminação da
palavra. Para assegurar o entendimento das palavras e pseudopalavras, era pedido aos
sujeitos que repetissem os nomes-alvo. Os pares de figuras idênticas, mas de cores
diferentes, eram então mostrados aos sujeitos. O participante deveria nomear
corretamente o animal de cada figura. Por fim, a experimentadora escondia seu anel
debaixo de uma das figuras e perguntava aonde o anel estava escondido. A resposta
deveria conter o nome, artigo e adjetivo.
O desempenho do grupo SW foi comparado ao de um grupo de controle
composto por 18 crianças normais com idade cronológica equivalente à idade mental do
grupo SW (entre 4 e 5 anos).
Quanto às palavras reais, o número de erros foi bastante pequeno, e a diferença
entre o número de erros do grupo SW e do grupo de controle foi pouco maior que 5%.
Já quanto às pseudopalavras, a diferença entre os dois grupos aumentou bastante, com
SW produzindo cerca de 22% a mais de erros que o grupo de controle, que obteve 15%
de erros. Quando não havia a pista de artigo, e a única pista disponível era a terminação
das palavras, o desempenho do grupo caiu sensivelmente, ficando no nível da chance,
enquanto o grupo de controle teve apenas 20% de erros. A análise dos erros demonstrou
que o maior problema do grupo SW consistiu em realizar a concordância entre os três
elementos do sintagma (nome, artigo e adjetivo), diferentemente do grupo de controle,
cujo maior “problema” foi não fornecer o nome na resposta, apenas o artigo e o
adjetivo.
A partir dos resultados obtidos, Karmiloff-Smith et al. (1997) concluem que a
atribuição de gênero constitui um problema para a SW e que, portanto, existem
dissociações intra-domínio no que tange a regras morfossintáticas, não sendo possível
falar em “intactabilidade” de determinados aspectos lingüísticos. Karmiloff-Smith
sugere, ainda, a necessidade de repensar noções de capacidades da linguagem
preservadas e modulares na SW.
Em um estudo investigando as habilidades sintáticas e morfológicas de
portadores da SW, Clahsen e Almazan (1998) realizaram experimentos envolvendo
linguagem expressiva, produção e compreensão de orações passivas, elementos
anafóricos e formação do passado simples em inglês.
A análise da linguagem expressiva foi realizada através de produção a partir de
livro de imagens. As falas encontradas foram consideradas adequadas ao contexto e, em
geral, gramaticalmente completas e corretas; plural -s e genitivo -s foram usados
corretamente; não foram encontrados erros quanto à ordem das palavras e o uso de
determinantes e preposições foi quase perfeito. (Resultados que diferem
substancialmente dos encontrados por Volterra et al. 1996)
No primeiro experimento envolvendo compreensão da linguagem foram
escolhidas orações passivas devido aos problemas que a interpretação destas estruturas
apresenta para diferentes grupos de portadores de DEL23. Foram selecionados 6 verbos,
cada um aparecendo duas vezes em cada uma das 4 situações experimentais. (a) ativa
reversível; (b) passiva completa; (c) short progressive passive24; (d) passiva
ambígua25. Foram usados cartões com figuras; para cada oração havia quatro cartões, e
foi dito a cada criança que ela deveria olhar cuidadosamente para cada figura antes de
apontar a que descrevia a oração. Portadores da SW não demonstraram problemas na
realização desta tarefa, obtendo pontuação máxima em todas as condições.
O segundo experimento realizado verificava a compreensão, na oração, entre
elementos anafóricos e seus antecedentes, tomando por base a Teoria da Ligação (1981)
e envolvia julgamentos do tipo sim/não em que o estímulo verbal combinava ou não
com as figuras apresentadas. Era mostrada à criança uma figura do Mogli e do urso na
qual Mogli está fazendo cócegas no urso. O experimentador diz uma sentença
23 DEL: déficit especificamente linguistico; em inglês SLI – specific language impairment. 24“The teddy is being mended”
introdutória (este é o Mogli, este é o urso), seguida da sentença experimental Is Mogli
tickling him/himself ?, à qual a criança deveria responder sim / não. Foram usados 6
verbos para construir 4 tipos diferentes de sentenças-estímulo, metade com um NP
definido na posição de sujeito e metade com NP quantificador (Is every dancer
pintching her?). Os NP objetos continham um reflexivo ou um pronome, e também
houve equilíbrio quanto ao gênero. As condições experimentais foram: a) nome-
pronome; b) quantificador - pronome; c) nome-reflexivo; d) quantificador reflexivo.
Portadores da SW tiveram desempenho no nível máximo, maior até que o do
grupo de controle de "normais", indicando que os mecanismos gramaticais envolvidos,
princípios de ligação para pronomes e anáforas, estão intactos.
O terceiro experimento conduzido verificava a produção de verbos e
pseudoverbos no passado simples do inglês. Bromberg et al. (1994)(apud Clahsen e
Almazan 1998) constataram uma produção preservada da formação do passado simples
regular na SW, contra uma produção debilitada de verbos irregulares, com a presença de
inúmeras superregularizações, fato observado não só para o passado simples, mas
também para a formação de plural.
O procedimento e material experimental usados por Clahsen e Almazan (1998)
foram adaptados de Ulman 1993 e 1997b (apud Clahsen e Almazan 1998). Os itens do
teste incluem 14 verbos irregulares, 14 verbos inventados, mas com formação possível
em inglês rimando com os irregulares existentes, 16 verbos regulares, 12 verbos
inventados que poderiam ser regulares. Cada verbo foi apresentado num contexto de
duas frases ditas pelo experimentador. Após ouvir a primeira frase (Every day I play
football), a criança deve repeti-la. A frase seguinte (Just like every day, yesterday I
_____ football) deveria ser repetida a partir do Yesterday, e a criança deveria completar
25 “the teddy is mended”
o que estava faltando. Era dito à criança que ela deveria completar a frase com a
primeira coisa que ela pensasse estar certo, e que algumas palavras possivelmente
seriam novas.
As respostas foram gravadas e agrupadas em regular (aplicação correta de -ed),
superregularizadas (-ed incorreto), irregular; superirregular (forma irregular usada
para verbos regulares), não marcada (infinitivo).
Portadores da SW obtiveram pontuação alta quanto aos verbos regulares, iguais
ao do grupo de controle composto por sujeitos sem déficits; quanto aos verbos
irregulares, o desempenho foi bem pior que o do grupo de controle. Quanto aos verbos
inventados, no que tange aos regulares o grupo SW obteve uma pontuação alta, sem
diferenças significativas entre o grupo SW e o grupo de controle, mas quando era
necessária a aplicação de padrões irregulares aos verbos inventados, o desempenho foi
bem pior que o do grupo de controle.
Os dados deste experimento sugerem que crianças com SW podem generalizar
a regra -ed perfeitamente, mas dificilmente fazem uso associativo de generalizações,
mesmo nos casos em que esta é esperada. Os resultados mostram também que
portadores da SW freqüentemente fazem uso de superregularizações -ed, mesmo em
verbos irregulares existentes, produzindo significativamente mais superregularizações
que o grupo de controle.
A flexão de palavras derivadas no inglês é outro caso em que a distinção
regular / irregular é necessária.26 O experimento seguinte realizado por Clahsen e
Almazan (1998) verificou se portadores da SW eram sensíveis à estrutura morfológica
26 Verbos derivados de nomes são sempre regulares (-ed), independentemente das propriedades fonológicas das palavras. No que tange à estrutura lingüística, verbos denominais, diferentemente dos outros verbos, possivelmente não têm entradas lexicais, mas envolvem afixação de mudança de categoria. Quando as palavras derivadas são flexionadas para o passado simples, o acesso às entradas lexicais dos verbos deve ser bloqueada.(Clahsen e Almazan, 1998)
completa das palavras e se fazem uso da flexão regular sob estas condições. Pretendeu-
se verificar, portanto, o acesso às entradas lexicais, investigando como os sujeitos
flexionam verbos denominais.
Para tanto, foram apresentados aos sujeitos 9 verbos irregulares em dois
contextos diferentes: a) como uma raiz verbal com o significado usual; b) como um
verbo denominal com o significado do nome homófono correspondente.
(a) This airplane is going to fly. This airplane is about to fly through the air. (Experimentadora faz o avião voar). The airplane just _________.
(b) This is a fly. I’m going to fly this board. I just ___________ (the board).
Foram apresentadas 18 sentenças estímulo em ordem aleatorizada. Quatro tipos
de respostas eram possíveis neste experimento: i) passado regular (fly-ed) ; ii) passado
irregular (flew); iii) infinitivo (fly); iiii) respostas do tipo “eu não sei” ou com um verbo
diferente do esperado, o que muito raramente aconteceu.
O grupo SW obteve um desempenho semelhante ao do grupo de controle de
sujeitos normais quanto à produção de passado simples regular para a condição verbos
denominais. Na condição raiz verbal, contudo, o grupo SW produziu metade das
respostas regulares dadas na condição anterior. Para cada sujeito SW, a proporção de
respostas regulares foi maior para a condição denominal que para a condição verbal. Na
condição denominal, praticamente não houve respostas irregulares (houve uma única
exceção), mesmo quando a raiz do verbo denominal era homófona a de verbos regulares
existentes.
Na condição verbal em que o passado simples irregular era pedido, o grupo SW
produziu poucas respostas corretas, gerando mais que o dobro de superregularizações -
ed que o grupo de controle. Quanto às formações irregulares, portanto, o grupo SW teve
um desempenho abaixo da idade mental, o que demonstra um efeito grande da estrutura
gramatical nas respostas, sugerindo que portadores da SW são sensíveis à derivação
morfológica de verbos denominais. É a flexão irregular que apresenta problemas para o
grupo SW, pois na flexão regular o desempenho foi o mesmo do grupo de controle
composto por falantes nativos. Os resultados sugerem ainda que portadores da SW não
apenas armazenam palavras flexionadas na memória, pois se assim fosse teriam
produzido a mesma forma regular do passado simples nas duas tarefas, não importando
se o verbo era apresentado como derivado ou não-derivado.
Segundo Clahsen e Almazan (1998), a visão de uma natureza dupla da
faculdade da linguagem e a conseqüente distinção entre sistema computacional e
entradas lexicais (Chomsky 1995) ajuda a caracterizar a linguagem da SW. Do ponto de
vista de uma teoria lingüística modular, os experimentos realizados fornecem evidência
para a distinção entre flexão (regular), baseada em um sistema computacional e flexão
(irregular), baseada no léxico, sugerindo a existência de diferentes sistemas cognitivos
para estes processos flexionais.
Os resultados de Clahsen e Almazan (1998) sugerem que o sistema
computacional para a linguagem está seletivamente preservado na SW, permitindo um
desempenho excelente em tarefas sintáticas e de flexão regular, enquanto o sistema
lexical e / ou seu mecanismo de acesso exigido para flexão irregular está danificado.
Em um outro estudo verificando aspectos sintáticos na SW, Karmiloff-Smith et
al.. (1998) testou a compreensão de determinadas estruturas sintáticas na SW através de
tarefas on-line (processamento implícito) e off-line (processamento explícito). Nos
experimentos on-line, foi verificada a sensibilidade dos sujeitos às seguintes violações
sintáticas: verbos auxiliares, regras de formação de sintagmas (phrase structure rules) e
restrições de subcategorização. O experimento off-line consistia de uma tarefa de
apontar cartões.
Dados os resultados obtidos por Neville et al. (1994)27 em que estudos
envolvendo ERPs em tarefas de processamento da linguagem demonstraram que
portadores da SW apresentam um padrão de ativação cerebral diferente do grupo de
controle, Karmiloff-Smith et al.(1998) resolvem verificar como acontece o
processamento sintático, e se, de fato, esta parte da linguagem está intacta, visto que, de
acordo com Neville et al.(1994), aspectos do processamento semântico estão
prejudicados. O objetivo dos experimentos propostos é, portanto, determinar se o
processamento sintático está intacto e, não estando, quais aspectos do processamento
sintático estão preservados e quais estão danificados na SW.
O experimento contou com a participação de 8 sujeitos portadores da SW, com
idade cronológica entre 14;9 e 34;8 anos (média de 20;7 anos). Os resultados foram
comparados com os de um grupo de controle composto por 18 sujeitos, com idades
entre 19 e 29 anos.
O experimento on-line foi do tipo “monitoração de palavras”, e teve como
objetivo medir a sensibilidade dos sujeitos a vários tipos de violação sintática. Os
sujeitos ouviam uma frase e deveriam apertar um botão assim que ouvissem, na frase,
uma palavra alvo pré especificada. No grupo de controle, o tempo de latência
aumentava sempre que a palavra alvo seguia uma violação sintática. Se o grupo SW
fosse sensível a vários tipos de violação sintática, o tempo de reação também
aumentaria quando a palavra alvo aparecesse imediatamente após uma violação
sintática.
Foram investigados 3 tipos de informação sintática: restrições de
subcategorização dos verbos; restrições impostas pelos verbos auxiliares; regras de
estrutura sintagmática dentro de constituintes locais. Cada sentença contendo a palavra
27 Cf. pg 33 para detalhes deste experimento.
alvo era precedida por uma breve oração contextual. Foram criadas 74 sentenças críticas
e um grande número de distratores.
Para a condição restrições de subcategorização, foram construídas sentenças
cujo verbo apresentava violações quanto à transitividade nas orações críticas (a palavra
em letras maiúsculas significa a palavra alvo):
1. ladrão ficou apavorado. Ele continuou a brigar com o CACHORRO mas não conseguiu se soltar
2. O ladrão ficou apavorado. Ele continuou a brigar o CACHORRO mas não conseguiu se soltar28
Todas as frases continham a mesma estrutura: NP + verbo + objeto NP. O
objeto NP era sempre a palavra alvo. Na condição gramatical, o objeto NP era sempre
sintaticamente apropriado, estando de acordo com as restrições de subcategorização do
verbo. Na condição agramatical, o verbo não poderia receber OD, e a presença do
nome-alvo criaria uma violação. Os verbos escolhidos foram equilibrados entre verbos
transitivos e intransitivos.
Para a condição marcas de auxiliares, as sentenças foram criadas pela fórmula
(NP + aux + verbo + palavra-alvo). Nas frases agramaticais, a combinação (aux +
verbo) é agramatical:
3. O médico de Maria estava muito preocupado. Ele disse que ela deveria tomar LEITE e proteínas com mais freqüência.
4. * O médico de Maria estava muito preocupado. Ele disse que ela estaria tomar LEITE e
proteínas com mais freqüência.29
Para a última condição, regras de estrutura sintagmática, as frases foram
construídas da seguinte forma: a palavra-alvo aparecia após o verbo, completando um
sintagma verbal.
28 “The burglar was terrified. He continued to struggle with the DOG but he couldn’t break free *The burglar was terrified. He continued to struggle the DOG but he couldn’t break free” . 29 “ Fiona’s doctor was very worried. He said that she should have MILK and protein more often. * Fiona’s doctor was very worried. He said that she was have MILK and protein more often”.
5. Os amigos de João estavam satisfeitos. Quando ele recebeu o novo TESTE, ele passou “de primeira”. 6. *Os amigos de João estavam satisfeitos. Quando ele recebeu novo o TESTE, ele passou “de
primeira”30.
Os resultados obtidos demonstram que o grupo SW obteve resultados bastante
semelhantes ao do grupo de controle nas condições estrutura frasal e verbos auxiliares.
Contudo, diferentemente do grupo de controle, pareceram insensíveis às violações de
subcategorização do verbo. Karmiloff-Smith et al. propõem então duas interpretações
para os resultados: ou o grupo SW é insensível às restrições sintáticas que são
especificadas lexicalmente, ou o grupo é sensível às restrições de subcategorização, mas
é lento ao integrar este tipo de informação à representação da sentença em
desenvolvimento. Evidências para esta segunda interpretação vêm do fato de que o
tempo médio de reação (TMR) para a condição de subcategorização (407mseg)foi
maior do que para a condição verbos auxiliares (362mseg) e do que para a condição
estrutura frasal (345mseg) (TMR para a condição gramatical). Este padrão de respostas,
com TMR maior para a condição de subcategorização, não foi encontrado no grupo de
controle, cujo TMR variou apenas 30mseg para as três condições.
No segundo experimento realizado – off-line - o sujeito deveria apontar, dentre
três cartões, para aquele que correspondesse à frase dita pelo experimentador. O
material utilizado foi retirado do Birkbek Reversible Sentences Test, e constava de 70
sentenças experimentais, 10 para cada uma das seguintes construções: orações ativas
com verbos agentivos e verbos não agentivos; passivas com verbos agentivos e não-
agentivos, frases contendo adjetivos; frases contendo adjetivos deverbais e frases
contendo locativos.
30 “John’s friends were delighted. When he took the new TEST he passed first time * John’s friends were delighted. When he took new the TEST he passed first time”.
O desempenho do grupo SW nesta tarefa foi bastante fraco, com uma média de
24% de erros.
A partir dos resultados de seus dois experimentos, Karmiloff-Smith et al.(1998)
concluem que, diferentemente da “visão popular da literatura”, não se pode falar em
sintaxe intacta na SW.
Contudo, os resultados de Karmiloff-Smith et al. (1998) podem ser
interpretados de uma forma diferente. A questão quanto à “localização” das restrições
de subcategorização dos verbos ainda não foi totalmente esclarecida na teoria
lingüística. É possível que as restrições de subcategorização estejam apenas na parte
semântica, ou então que estejam justamente na interface sintaxe / semântica. O único
fato sobre o qual parece haver consenso é o de que restrições de subcategorização não
são uma exclusividade sintática.
Em Chomsky (1995), é dito que possivelmente as entradas lexicais contêm
pelo menos alguma informação sintática, além das informações fonológicas e
semânticas (pg 32). Em Chomsky (1997), a estrutura argumental (série de argumentos
selecionados pelo verbo (ou pelo nome ou pelo adjetivo) está no nível semântico (pg
60).
Karmiloff-Smith e colegas costumam citar os resultados de estudos usando
ERPs (Neville at al., 1992, Neville et al., 1994) como evidências contra a afirmação
original de que portadores da SW apresentam uma linguagem preservada. Segundo
Karmiloff-Smith et al. (1998), estes estudos, que avaliam o tempo e organização de
sistemas neurais durante o processamento de linguagem, questionam a conclusão de que
a linguagem na SW é relativamente normal. Contudo, existem algumas ressalvas quanto
à interpretação destes estudos como contra-evidência de uma preservação da linguagem.
A primeira ressalva diz respeito aos diferentes níveis de teorização e análise envolvidos
em “preservação da linguagem”. Como mencionado anteriormente, ao se afirmar a
dissociação entre linguagem e demais módulos cognitivos, e uma conseqüente
preservação da linguagem, a discussão está situada em termos funcionais. Isto é, se o
modo pelo qual esta organização funcional se implementa (ou seja, se a organização
neuro/cerebral) é diferente em sujeitos com SW e em sujeitos sem déficit, isto não
significa necessariamente que a organização funcional também será diferente nos dois
grupos. Apesar de utilizar os resultados de Neville et al. (1994) como evidências de que
não há uma linguagem preservada uma vez que os processos neurais subjacentes ao
processamento semântico são desviantes do normal na SW, Karmiloff-Smith parece não
ter dado importância ao que Neville escreve na pg 68 “(...) é muito provável que em
distúrbios de desenvolvimento mesmo funções cognitivas preservadas estejam mediadas
por sistemas cerebrais que se organizaram de forma anormal devido a alterações dos
sistemas associados aos processos cognitivos deficientes”.31
Para o grupo de Karmiloff-Smith, os dados sugerem que indivíduos com SW
parecem adquirir língua através de uma mistura qualitativamente diferente de
mecanismos de processamento.
Para o grupo de Bellugi, no entanto, os dados apontam na direção oposta. A
linguagem na SW está preservada sob muitos aspectos, e os resultados sugerem que o
funcionamento sintático está relativamente preservado em comparação com outras
capacidades cognitivas não lingüísticas.
2.2.6 Problemas metodológicos no uso de testes padronizados
31 “(...) it is very likely that in developmental disorders even spared cognitive functions will be mediated by brain systems that have become abnormally organized due to alterations of the systems associated with deficient cognitive processes”
Um aspecto a ser considerado na interpretação das pesquisas realizadas diz
respeito aos testes de avaliação padronizados que servem de base para muitas pesquisas
acerca da linguagem.
O teste de Stanford-Binnet, usado por Crisco et al. (1988) e Greer et al. (1997),
por exemplo, apresenta pressupostos teóricos não só distintos dos da presente
pesquisa32, mas também bastante ultrapassados. Postula-se a existência de uma
inteligência geral subjacente à linguagem, visão e outros domínios cognitivos. Deste
modo, a possibilidade de dissociação entre domínios cognitivos, com a preservação de
alguns e possível deficiência de outros, torna-se impossível, uma vez que não existem
tais domínios dissociados.
Em um artigo em que comenta os resultados de Greer et al. (1997), Wang
(1999) chama atenção para algumas conclusões de tal pesquisa, afirmando que
determinados argumentos do estudo não encontram suporte na literatura sobre a SW. O
principal alvo de suas críticas são os testes padronizados utilizados por Greer et al.
(1997). O primeiro destes argumentos diz respeito às habilidades de memória, pois os
resultados dos 15 pacientes de Greer et al. (1997) se chocam com os resultados de Wang
e Bellugi (1994) e Vicari et al (1996), que relatam que a memória para estímulos
auditivos é superior à memória para estímulos espacio-visuais na SW. Em outro teste,
Teste para memória de frases (Memory for Sentences Test), usado como avaliação da
memória auditiva de curto prazo, os sujeitos devem repetir as frases ditas pelo
experimentador. Este procedimento pode mascarar os resultados, pois crianças pequenas
podem não "compreender" a sintaxe da frase estímulo, ou não conseguir realizar um
processamento adequado do material verbal, e seu desempenho fraco pode ser
confundido com deficiências de memória. Em outros estudos são utilizados dígitos
32 Os pressupostos teõricos subjacentes a este trabalho serão explicitados no capítulo seguinte.
simples, palavras ou pseudopalavras como estímulos para testar a memória auditiva de
curto prazo, o que minimiza demandas não mnemônicas na tarefa.
Quanto aos resultados relacionados à linguagem, os comentários são da mesma
natureza: instrumentos de avaliação inadequados. Assim, no subteste de compreensão
do teste Stanford-Binet, os sujeitos devem responder perguntas do tipo “Por que as
pessoas devem comer?”, que dependem não só de habilidades lingüísticas, mas de
outros conceitos cognitivos bastante abstratos, o que demonstra que a pontuação obtida
no Raciocínio verbal da escala de Inteligência Stanford-Binet não deve ser considerada
como uma medida de habilidades estritamente lingüísticas.
Wang (1999) afirma ainda que “Uma dissecação neuropsicológica profunda da
SW (...) requer instrumentos neuropsicológicos que sejam construídos precisamente ao
lado de linhas teóricas contemporâneas, não instrumentos psicoeducacionais cuja
justificativa teórica é expressa décadas depois de sua construção (por exemplo, o
“Stanford Binet Intelligence Scale”)”.
Mas, infelizmente, os comentários feitos por Wang (1999) podem ser
estendidos a outros teste padronizados, sejam eles especificamente lingüísticos ou
“medidas da inteligência geral”.
O Inventário McArthur, bastante utilizado, é uma “avaliação” do desempenho
comunicativo, e não uma avaliação especificamente lingüística. A avaliação deste
desempenho comunicativo é feita através de um inventário do vocabulário da criança,
baseado estritamente no relato dos pais. O MacArthur pressupõe uma relação estreita
entre desenvolvimento gestual e desenvolvimento simbólico; os autores do inventário
assumem uma visão “generalista” acerca da cognição humana, visão que pressupõe um
mecanismo de aprendizagem geral e indeterminado.
Testes como o Peabody também devem ser vistos com alguma cautela. Estes
testes medem o conhecimento de itens lexicais através do reconhecimento de figuras.
Deste modo, dificilmente há uma avaliação da linguagem, mas sim uma verificação do
vocabulário (que, normalmente, vai depender ainda da decodificação visual de desenhos
nem sempre muito informativos).
O CELF (Clinical Evaluaton of Language Fundamentals), utilizado por
Bellugi (1993), parece ser dos poucos testes cuja avaliação de linguagem não se limita à
aferição de vocabulário. Contudo, ainda assim existem problemas na verificação de
determinadas estruturas gramaticais. Os subtestes do CELF-R (versão revisada do
CELF), mesmo quando apresentam algum isolamento entre os diferentes componentes
da linguagem no que diz respeito às variáveis consideradas, não consideram este
isolamento na realização destas mesmas variáveis. Isto é, se é investigada a
compreensão de sentenças envolvendo orações passivas a partir de dois itens
envolvendo esta estrutura, o número de itens que verifica de fato a compreensão destas
cai para um, pois o outro item contém, além da passiva, uma negativa. Assim, um
problema no que diz respeito às orações passivas pode na verdade se dever a um
problema com as negativas, que seria então “mascarado”.
Outro problema que aparece como conseqüência da falta de isolamento das
variáveis lingüísticas consideradas é o pequeno número de instâncias para cada item.
Tomando novamente o exemplo das orações passivas, acabamos por ter apenas um
único item analisando tal estrutura – já que o outro também contém negativa - , o que
sem dúvida é muito pouco.
Uma avaliação lingüística realizada a partir de instrumentos de avaliação
ultrapassados e pouco específicos pode comprometer os resultados obtidos. Como bem
observou Howlin et al.(1998) em seu estudo envolvendo avaliação de habilidades
cognitivas em adultos portadores da SW, os instrumentos de avaliação utilizados para as
habilidades lingüísticas não só são limitados, como também não existem instrumentos
válidos para medir o desenvolvimento lingüístico de adultos com dificuldades de
aprendizagem.
Wang (1999) observa ainda que, uma vez que o estudo de síndromes
como a SW abre novas perspectivas sobre a organização cognitiva da mente, este estudo
pode e deve também levar a novos métodos de avaliação cognitiva.
2.3 Em síntese
Brevemente, podemos observar que a pesquisa acerca das habilidades
lingüísticas de portadores da SW está longe de um consenso. No que tange aos aspectos
lexicais, são relatados:
i. desempenho fraco nos testes utilizados, inferior ao do grupo de controle composto
por crianças com idade cronológica equivalente à idade mental dos sujeitos
(Volterra et al. 1996);
ii. vocabulário rico e rebuscado (Bellugi et al. 1993);
iii. “organização do léxico” preservada (Tyler et al. 1997).
Quanto aos aspectos discursivos, os resultados apontam para:
i. fala fluente, mas com conteúdo estranho (Volterra et al. 1996);
ii. problemas quanto à tomada de turno (Meyerson e Frank, 1987, apud Howlin et al.
1998);
iii. narrativas bem estruturadas (Bellugi et al. 1993);
Por fim, a sintaxe é descrita como:
i. preservada (Clahsen e Almazan 1998);
ii. danificada (Karmiloff-Smith et al. 1997, 1998);
iii. abaixo do esperado pela idade mental; os erros cometidos pelos sujeitos são
diferentes dos erros normalmente cometidos por crianças sem déficits (Volterra et
al.1996);
iv. de acordo com a idade mental prevista, e algumas vezes acima dela (Bellugi et al.
1993).
São relatados ainda “QI verbal ligeiramente mais alto que QI de
desempenho” (Howlin et al. 1998) e “habilidades verbais proporcionais às habilidades
não verbais” (Greer et al. 1997).
Dada a controvérsia existente na literatura acerca da preservação ou não
de habilidades lingüísticas na SW, o presente trabalho tem como objetivo ajudar a
clarificar esta controvérsia, conduzindo avaliações lingüísticas produzidas
especialmente para este fim em portadores da SW falantes de português.
3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Este estudo situa-se no âmbito da pesquisa psicolingüística, área que,
idealmente, irá estabelecer com a lingüística um diálogo teórico no sentido de que o
entendimento dos processos de produção e compreensão da linguagem requer algum
tipo de teorização sobre o estado inicial e o estado final da língua.
Estabelecendo-se um diálogo com a teoria lingüística na vertente gerativa,
entende-se como estado inicial uma GU da qual fazem parte um conjunto de princípios
inatos subjacentes a todas as línguas humanas, e parâmetros cujos valores deverão ser
fixados no decorrer da aquisição da linguagem; como estado final, entende-se uma
língua I na qual os parâmetros de GU são seus valores fixados, e o léxico desta língua.
Assim, temos que o estado inicial de um falante de português é idêntico ao estado inicial
de um falante de japonês. A partir do momento em que a criança entra em contato com
informações lingüísticas do meio – informações de uma determinada língua – os valores
dos parâmetros vão sendo fixados, de modo que temos estados finais (de língua)
diferentes em um falante de português e de japonês.
A teoria lingüística, na vertente chomskyana, é a única que tem procurado
apresentar uma caracterização do estado inicial de aquisição da língua, e recentemente
tem adotado uma série de pressupostos do programa minimalista (Chomsky 1995).
Nesta dissertação, alguns desses pressupostos orientarão a pesquisa realizada. Esta
escolha se fez com base em algumas evidências que sugerem uma independência entre
funções lingüísticas e demais funções cognitivas.
Dentre essas evidências estão os raros casos de pessoas que possuem uma
preservação das habilidades de linguagem apesar de apresentarem déficits em outros
domínios cognitivos. Laura (Yamada 1992) é um desses casos incomuns. Apesar de
apresentar profundos déficits cognitivos, é capaz de produzir e compreender estruturas
sintáticas complexas, possuindo, ao que parece, habilidades lingüísticas preservadas.
Christopher (Smith e Tsimpli 1995), apesar de também apresentar déficits cognitivos
bastante pronunciados, é capaz de falar, ler e escrever em 14 idiomas.
Já os casos de DEL – déficits especificamente lingüísticos –apontam para uma
caracterização em termos de uma linguagem prejudicada em face a uma preservação dos
demais aspectos cognitivos.
As afasias, distúrbios de linguagem causados por lesão cerebral, também
contribuem para uma visão de especialização do sistema da linguagem. As afasias
adquiridas se constituem num grupo de distúrbios de produção e compreensão da
linguagem que se manifestam tanto na língua oral quanto na escrita. A seletividade dos
déficits das afasias - podem estar afetados apenas determinados aspectos da sintaxe ou
da semântica - tem ajudado pesquisadores a clarificar a organização e funcionamento do
sistema da linguagem (Swinney, 1999).
Diante dessas evidências, achamos que seria teoricamente produtivo orientar a
presente pesquisa a partir de uma perspectiva gerativo-chomskyana no que concerne à
teoria lingüística, e “modularista” no que concerne à arquitetura da mente.
3.1 Campos de atuação da Lingüística e da Psicolingüística
O objeto de estudo da Psicolingüística são os processos responsáveis pela
produção e compreensão de linguagem, ou seja, o processamento do material
lingüístico, quer na produção, quer na compreensão. Já uma Teoria Lingüística
preocupa-se em apresentar um modelo de língua interna compatível com um estado
inicial da linguagem caracterizado em termos de uma GU.
Buscando descrever os fatores que atuam no desempenho lingüístico dos
falantes - fatores que atuam na produção e compreensão de enunciados e fatores que
atuam nos procedimentos de aquisição da linguagem (forma com que a criança trata o
material lingüístico) - a Psicolingüística propõe modelos algorítmicos de
processamento. Os modelos de processamento propostos são altamente influenciados
por limitações impostas pelos sistemas de memória que atuam no processamento de
linguagem. Limitações de memória podem, portanto, acarretar deficiências de
processamento, e dentre os diferentes sistemas de memória que atuam no processamento
e na caracterização do processamento de linguagem, o sistema de memória de trabalho é
de particular importância.
A memória de trabalho é um sistema que opera quando da realização de uma
determinada tarefa cognitiva. Este sistema incorpora um componente de curto prazo e
recorre à informação mantida na memória de longo prazo.33
A memória de trabalho tem como função principal armazenar temporariamente
os resultados de computações intermediárias quando da resolução de problemas,
desempenhando outras computações a partir destes resultados temporários (Baddeley
1986). Ao ouvirmos um enunciado, usamos a memória de trabalho para manter
ativados segmentos de oração “on-line”. Brevemente, no processamento de linguagem,
usamos este sistema de memória para manter ativadas representações necessárias ao
processamento do material lingüístico.
A memória de trabalho pode ser caracterizada como um sistema de múltiplos
componentes - um sistema executivo central que possui pelo menos dois sistemas
“escravos”: um relacionado à manutenção de informação espacio-visual e outro
33 Memória de curto prazo (MCP) e memória de longo prazo (MLP) dizem respeito ao tempo de manutenção da representação e à natureza da representação. A MCP pode ser caracterizada como um sistema cognitivo que nos permite ativar uma quantidade limitada de informação (cerca de 7 +- 2 itens) por um breve período de tempo (poucos segundos).
responsável por manter e manipular informações da fala (“phonological loop”).34
(Baddeley 1999).
Corrêa (1993, 1999) propõe um esquema de memória de trabalho operativo no
processamento do discurso caracterizado em três níveis:
(i) local ou imediato, no qual são mantidas, a curto-prazo, representações
equivalentes a nós lexicais e/ou sintagmáticos do marcador-frasal da sentença em
processamento ou de sentença recém-processada;
(ii) intermediário, onde é mantido, particularmente ativado, o tópico ou
primeiro NP de uma seqüência episódica;
(iii) temático, no qual são mantidas representações organizadoras do discurso
como um todo (como a representação dos protagonistas e de um plano narrativo).
Ao tentar dar conta do processamento da linguagem, uma teoria
psicolingüística pode incorporar aspectos de natureza discursiva. Corrêa (a sair) propõe
um modelo de processamento que inclui um “gerador” discursivo, um “gerador”
sentencial, um sistema de monitoramento e um sistema de memória de trabalho. O
gerador discursivo teria acesso ao conhecimento de padrões discursivos e a um sistema
independente de língua responsável pela estruturação do discurso; o gerador sentencial
tem acesso às derivações produzidas por um sistema computacional, incorporando
parâmetros fixados de acordo com uma determinada língua e com seu léxico; o
processamento realizado tanto pelo gerador discursivo como pelo sentencial podem se
utilizar de representações mantidas no sistema de memória de trabalho (caracterizado
acima como um sistema integrado de três níveis).
A teoria Lingüística, ao propor uma descrição da língua interna (Língua I) do
falante, irá explicitar a natureza do material lingüístico a ser incorporado num modelo
34 Evidências para a existência de diferentes sistemas vêm de pacientes que apresentam dissociações entre memória verbal e espacial, e experimentos que envolvem imagens do cérebro, demonstrando que
de processamento da linguagem. O modelo de gramática proposto deverá, portanto,
apresentar a caracterização teórica de um “mecanismo” capaz de combinar unidades
lingüísticas de determinadas maneiras, e não de outras, descrevendo a capacidade
computacional das línguas, mas não se propondo a caracterizar o processamento da
linguagem. Atualmente, este "mecanismo" é descrito como um sistema computacional
que contém princípios inatos e opera sobre "matrizes lexicais". As derivações
lingüísticas geradas por este sistema computacional alimentarão o aparato processador
da linguagem, que dispõe ainda de algoritmos de processamento e tem acesso a
representações mantidas num sistema de memória de trabalho.
3.2 Nível computacional: O Programa Minimalista
A teoria Lingüística, na vertente gerativista, vem adotando os pressupostos
teóricos do Programa Minimalista (Chomsky 1995, 1998). De acordo com este
programa, existe um sistema cognitivo da linguagem que se relaciona com outros
sistemas cognitivos através de dois níveis de interface: o nível de interface PF (forma
fonética), que relaciona o sistema da linguagem e o sistema articulatório–perceptual
(AP), e o nível de interface LF (forma lógica), que relaciona o sistema da linguagem e o
sistema conceitual-intencional (CI). Temos então que PF é o nível de representação
lingüística que realiza a interface entre gramática e propriedades acústicas/articulatórias,
como contração, e processos fonológicos. LF, por sua vez, é o nível de representação
lingüística que realiza a interface com os sistemas conceituais/intencionais, e onde é
determinada a boa formação de termos sintáticos resultantes de uma derivação
(Uriagereka, 1999). As expressões lingüísticas geradas por este sistema cognitivo da
linguagem devem, portanto, obedecer a certas condições de legibilidade, de modo que
diferentes áreas cerebrais são ativadas em tarefas que envolvem memória verbal e memória espacial.
possam ser “lidas” pelos sistemas de interface PF e LF e, consequentemente, pelos
sistemas externos AP e CI.
Se de fato AP e CI são os sistemas que se relacionam com o sistema cognitivo
da linguagem e, no caso de resposta afirmativa, o modo pelo qual este relacionamento
acontece não são, no momento, preocupações do programa minimalista. O foco do
interesse da teoria lingüística é o sistema cognitivo da linguagem.
Como dito na introdução deste trabalho, o sistema cognitivo da linguagem é
composto por um sistema computacional que realiza operações lingüísticas
manipulando traços formais contidos nas entradas lexicais.
Temos que o léxico é composto por uma série de “itens” (ou traços) lexicais,
manipulados pelo sistema computacional, e é usualmente entendido como um
repositório de idiossincrasias. Ou seja, de acordo com o programa Minimalista, tudo
aquilo que não segue princípios gerais de GU está no léxico. Os elementos lexicais são
feixes de traços, alguns interpretáveis35 (legíveis pelos sistemas de interface), e outros
não interpretáveis (assumindo que a língua possui um design ótimo, os traços não
interpretáveis são os mecanismos que implementam a propriedade de deslocamento). Os
traços interpretáveis podem ser semânticos (interpretados na interface semântica) e
fonéticos (interpretados na interface fonética). Independentemente desta classificação,
existem os traços formais, que estão disponíveis no curso da computação, como por
exemplo os traços [+-N] e [+-plural]. Outros traços são semânticos, e não entram na
computação, como o traço semântico [móvel]. Deste modo, para a entrada lexical de
mesa, existem traços fonológicos como [começa com consoante], traços semânticos
como [móvel] e traços formais como [nominal].
35 O fato de um traço ser interpretável não diz respeito a processamento. Traços são interpretáveis quando há um pareamento entre uma representação em PF e uma representação em LF.
O sistema computacional, como o nome sugere, realiza operações
computacionais. Essencialmente, as operações computacionais juntam elementos
(juntam traços para formar palavras; palavras para formar sintagmas; sintagmas para
formar sintagmas ainda maiores) e deslocam esses elementos durante a derivação de
uma expressão lingüística. Mais especificamente, o sistema computacional realiza três
tipos de operação: a) junção (merge); b) concordância (agree); c) movimento (move).
Na operação de junção, o sistema computacional toma os objetos sintáticos α e
β e forma K (α, β). Assim, são juntados sintagmas, itens lexicais, ou unidades menores
que itens lexicais, para formar sintagmas ainda maiores, sintagmas ou os próprios itens
lexicais, respectivamente.
Na operação de concordância, é estabelecida uma relação de concordância ou
de checagem de caso entre α e um traço F num espaço restrito de busca, o domínio de
α.
A operação de movimento pode ser considerada uma combinação entre as
operações de junção e de concordância. Como foi dito anteriormente, traços formais não
interpretáveis são o mecanismo que implementa o deslocamento. A operação de
movimento, “mova α”, determina que cada categoria deve ser movida para uma posição
alvo. Esta operação de movimento deve ser interpretada em termos de uma “atração”,
isto é, um elemento é atraído por outro, e por isso se move. Tanto a categoria movida
quanto o alvo da mudança são considerados elementos principais, aos quais são dadas
duas únicas possibilidades:
a)substituição: a categoria movida α toma o lugar do alvo β;
b)adjunção: a categoria movida α se junta a β.
As operações citadas acima seguem determinadas “leis” - restrições e teorias
como teoria da checagem, restrição de c-comando, entre outras, invariáveis entre as
línguas. Deste modo, temos que a computação é constante, o que varia são os traços
armazenados nas entradas lexicais que levam à computação.
É importante ressaltar que, segundo o Programa Minimalista, todas as
derivações e representações produzidas obedecem a um critério geral de Economia, o
qual exige que estas derivações e representações sejam mínimas num sentido
determinado pela Faculdade da Linguagem: não existem passos extras na derivação, não
existem símbolos extras nas representações, e não existem representações além daquelas
conceitualmente necessárias.
A partir dessas considerações gerais a respeito do Programa Minimalista,
veremos agora como estas se aplicam diretamente à descrição de determinadas
estruturas gramaticais. Especificamente, estaremos descrevendo as estruturas sintáticas
relacionadas à investigação que foi feita das habilidades lingüísticas de portadores da
SW. Antes, porém, algumas breves explicações acerca da nomenclatura utilizada no
Programa Minimalista.
IP - sintagma flexional (do inglês inflectional phrase) – representa uma oração
ou sintagma; trata-se de uma projeção máxima cujo núcleo é I. I, por sua vez, representa
a categoria flexão; é o lugar onde o verbo recebe as marcas de flexão e também o lugar
dos verbos auxiliares.
Uma projeção é um constituinte que é a expansão de um núcleo. Uma projeção
máxima é um constituinte que não está contido dentro de outro constituinte com o
mesmo núcleo. Uma projeção mínima é um constituinte que não é projeção de nenhum
outro constituinte. Núcleos são projeções mínimas.
Uma proposta recente feita por Abney (1987, apud Jakubowicz e Faussart
1998) e adotada pelo programa minimalista sugere que NPs devam ser reinterpretados
como projeções de um determinante (hipótese DP); deste modo, NP é reinterpretado
como DP, o que faz com que o núcleo sintático de um NP não seja N, mas o
determinante (DET). Assim, no DP a menina bonita o núcleo seria o determinante a , e
não o nome menina.
Já CP – complementizer phrase – representa um sintagma ou oração cujo
núcleo é um complementizador. Complementizadores são pronomes relativos,
conjunções integrantes ou auxiliares invertidos (no caso das orações interrogativas no
inglês).
Outro ponto importante, que será aprofundado posteriormente, diz respeito aos
vestígios (representados por t, do inglês traces). Uma teoria do vestígio sustenta que
constituintes movidos deixam um vestígio em sua posição original (de onde foram
movidos). Um vestígio, assim, pode ser caracterizado como o elo de uma cadeia. Este
elo, contudo, não pode ser o primeiro da cadeia, o qual é pronunciado em PF. Traços de
vestígio não são pronunciados em PF, mas são interpretados em LF.
A partir dessas primeiras considerações acerca do processamento da linguagem
e da teoria lingüística subjacente a este processamento, passaremos à caracterização das
seguintes estruturas lingüísticas avaliadas nos portadores da SW:
a) anáforas "livres" e ligadas
b) orações passivas;
c) orações relativas;
d) anáforas discursivas (pronominais);
e) pressuposições e implicaturas;
f) gênero gramatical.
3.3 Anáforas ligadas e anáforas "livres"
A anáfora ligada se caracteriza pela necessidade de um antecedente que esteja
na mesma oração em que ela se encontra, e por isso é chamada anáfora ligada ou
vinculada. Do contrário, isto é, não encontrando um antecedente, a anáfora não estará
ligada e a frase gerada será agramatical.
Em termos estruturais as anáforas ligadas devem ser vinculadas em um
domínio específico, o domínio de c-comando (o “c” vem de constituinte). Em outras
palavras, a anáfora deve ser c-comandada por um elemento que possua o mesmo índice
referencial que ela, obedecendo, assim, a uma condição de c-comando.
Uma condição de c-comando, por sua vez, pode ser definida da seguinte forma:
α c-comanda β se e somente se:
(i) α não domina β nem β domina α
(ii) o primeiro nódulo ramificante γ que domina α também domina β
(Chomsky 1995, pg 35)
De acordo com este conceito, a partir da figura abaixo, temos que:
a) B c-comanda C, F e G; b) C c-comanda B, D e E; c) D c-comanda E e vice-versa; d) F c-comanda G e vice versa.
A B C
D E F G
Deste modo, para a oração
1. A mãe da menina se penteou
temos, na árvore abaixo, que a linha mais forte sinaliza a relação de c-comando. Vê-se,
portanto, que o índice não pode se referir à menina, mas ao sintagma “a mãe da
menina”.
O pronome reflexivo se, por ser um clítico, deve se mover da posição de
complemento de V para a mesma posição do verbo. Esta mudança, porém, é o último
passo da derivação a ser feito, de modo que sua posição original, D, é a que vale para a
condição de c-comando.
O processo de cliticização, por sua vez, está sujeito à Condição de Adjacência,
segundo a qual “o clítico deve ser imediatamente adjacente ao seu “hospedeiro” para
que a cliticização seja possível”, sendo bloqueado pela presença de uma categoria vazia.
(Radford, 1998)
1. IP DPi I D NP I VP A N PP V D mãe se penteou t i Prep DP de D N a menina
Já os pronomes “livres” ele/ela, o/a apresentam um comportamento oposto ao
das anáforas ligadas. Quando houver um antecedente (visto que não é necessária a
presença de um), ele não pode c-comandar o pronome dentro de seu domínio de
vinculação.
Assim, diferentemente das anáforas, os pronomes não podem estar indexados
aos DPs do seu domínio de vinculação e sua relação com seus antecedentes não pode
ser uma relação de c-comando.
Deste modo, nas orações
2. A mãe da menina penteou ela.
3. A mãe da menina a penteou,
como é possível observar pelas árvores abaixo, nenhum dos pronomes está em
relação de c-comando (marcado novamente com a linha mais forte) com seu
antecedente, e seu domínio de vinculação está livre.
Na frase 3, o pronome a sofre o mesmo processo de cliticização pelo qual
passou o reflexivo se, deslocando-se por ser atraído pelo verbo. Também do mesmo
modo que o se, a posição original do pronome a, D, é a que vale para a indexação.
A árvore para 2 e 3 será a seguinte:
2. IP DP I D NP I VP A N PP V D mãe penteou ela i Prep DP i de D N a menina 3. IP DP I
D NP I VP
N PP V D mãe Prep DPi a penteou t i
A de a menina As considerações aqui apresentadas acerca das anáforas e dos pronomes são
expressas através da condição de c-comando na ligação: “um constituinte ligado deve
ser c-comandado por um antecedente apropriado.”
A relação correta entre elementos anafóricos e seus antecedentes depende,
portanto, de condições de c-comando na ligação, que por sua vez dizem respeito ao
mecanismo computacional da língua.
Levando-se em conta aspectos relativos ao processamento das anáforas, pode-
se assumir que o sistema computacional alimentaria um algoritmo de processamento de
anáforas, de modo que ao reconhecer o pronome anafórico, a identificação do
antecedente torna-se "automática".
No experimento envolvendo a compreensão de anáforas livres e ligadas, será
verificado se portadores da SW relacionam corretamente o termo anafórico e seu
antecedente.
3.4 Orações Passivas
Orações passivas são instâncias de uma operação computacional chamada
Movimento A (movimento de argumentos). Isto é, tem-se a mudança de um constituinte
de uma determinada posição argumental para outra.
Orações passivas caracterizam-se por apresentar a posição do objeto adjacente
ao verbo vazia. Esta posição vazia é representada por ec (do inglês empty category):
1. O tigrei foi mordido eci pelo jacaré.
Uma vez que construções passivas envolvem movimento entre duas posições
A, temos que o que se move é justamente o NP36 adjacente ao verbo:
2. João colocou o livro na mesa
3. O livro foi colocado na mesa
4. Maria deu o livro a João
5. O livro foi dado a João por Maria
6. Maria deu a João o livro.
7. A João foi dado o livro.
Outra característica da oração passiva é que o verbo no particípio da passiva
“absorve” o papel θ37 que o verbo normalmente atribuiria ao seu sujeito e absorve
também o Caso38 objetivo que o verbo (transitivo) atribuiria ao seu objeto. Desta forma,
o particípio da passiva “destransitiviza” ou “destematiza” (“detransitivize” e
“detematize”) o verbo, de modo que particípios da passiva são, em termos tradicionais,
intransitivos.
Contudo, se por um lado o verbo na voz passiva torna-se incapaz de atribuir
Caso, por outro lado ele ainda é verbo, e como tal recebe complemento (interno).
O NP complemento do verbo (e que será o sujeito da oração passiva), por sua
vez, é gerado dentro do VP, adjacente ao verbo, e só depois vai para a posição de sujeito
da oração, Spec (especificador) IP.
Assim, neste primeiro momento, temos
8. * Foi comprado o livro.
em que a frase acima é agramatical justamente por não ser possível ao
argumento receber Caso do verbo na voz passiva. Deste modo, ele move-se para a
posição de sujeito (especificador), a fim de receber Caso. Ou seja, o argumento na
36 Quando as diferenças não forem absolutamente relevantes, estaremos usando aqui indistintamente os termos NP e DP. 37 Papel θ diz respeito à representação sintática do papel semântico de um argumento (agente, tema, recipiente, etc) 38 Caso: marca que indica a função gramatical de um argumento.
posição de objeto se move para que um Caso possa lhe ser atribuído, e é apenas na
posição de sujeito que isto vai acontecer.
9. O livroi foi comprado t i.
Uma vez esclarecido o motivo do movimento das passivas (atribuição de
Caso), vejamos como acontece este movimento.
Como já foi dito, o verbo na voz passiva, apesar de não atribuir Caso, recebe
um complemento (interno). A este complemento do verbo é atribuído o papel θ de tema/
paciente. Contudo, este complemento está “carente” de caso estrutural, e por isso deve ir
para a posição de sujeito (Spec de IP), aonde irá receber Caso. Toda esta movimentação,
contudo, deve seguir algumas regras, princípios operativos no sistema computacional da
língua.
A primeira restrição a ser feita ao movimento é de que ele deve ser efetuado
sempre de uma posição mais baixa para uma posição mais alta na árvore. Esta restrição
é explicada pela Teoria do Vestígio, já mencionada, segundo a qual um constituinte
movido deixa para trás um vestígio que deve ser ligado pelo seu antecedente; e pela
Condição de c-comando na ligação, também já mencionada, segundo a qual um
constituinte ligado deve ser c-comandado por seu antecedente.
Assim, em IP DP I’ I VP o livro i foi DP V’ t i DP V comprado ( o livro)t i o DP o livro está em relação de c-comando com seu vestígio t.
Outra restrição, o princípio do menor movimento, ou do movimento mais curto
(shortest movement principle), impede que o DP o livro seja movido diretamente para
Spec IP, pois segundo este princípio um constituinte deve se mover o mínimo possível
em qualquer operação de movimento. Assim, o movimento A deve ser aplicado de modo
sucessivo e cíclico, em que cada movimento é feito em direção à próxima posição de
sujeito que esteja mais alta na árvore, respeitando-se o domínio de localidade.
O motivo pelo qual o movimento A deve envolver movimento para uma
posição mais alta de especificador, e nunca de complemento, está nos princípios básicos
das operações computacionais. Só é possível a ocupação da posição de complemento
através de junção (merge) com um núcleo, e não de movimento, apenas. Já a posição de
especificador pode ser originada tanto por junção como por movimento. Como no caso
das orações passivas a operação em questão é de movimento, a posição a ser ocupada
pelo constituinte movido é a posição de especificador.
Ainda uma outra restrição, o Critério θ,
“Cada argumento usa um e apenas um papel θ , e a cada papel θ é atribuído
um e apenas um argumento.”
(Chomsky 1995, pg 36)
explica porque o complemento de um verbo na passiva pode ser passivizado,
mas não o complemento de verbo na ativa.
Assim, em
10. Os carros foram roubados
11. *Os carros roubaram,
segundo o critério θ, em 10, ao complemento do verbo roubar já foi atribuído o papel θ
de tema/paciente, e mesmo quando este argumento se mover para Spec IP o papel θ
permanecerá invariável. Já em 11, como ao argumento gerado em VP já foi atribuído
papel θ de tema/paciente, ao mover-se para a posição de sujeito a construção ficará
agramatical, pois ao sujeito da ativa é atribuído o papel θ de agente, violando, então, o
critério θ.
Uma última evidência da necessidade do movimento do argumento na
passivização relaciona-se com o Princípio do “egoísmo”(greed), segundo o qual um
constituinte se move apenas para satisfazer suas próprias necessidades morfológicas
(Chomsky 1995). Assim, argumentos (nomes / pronomes) têm propriedades de Caso
intrínsecas que precisam ser checadas no curso da derivação. Esta checagem, contudo,
só será bem sucedida se, por exemplo, um pronome de caso nominativo ocupar uma
posição nominativa.
Assim, em
12. João me viu
13. Eu fui vista (por João)
14. *Me fui vista.
a oração 14 é agramatical pois o NP me, ao mover-se para a posição de Spec IP
continua sob a forma acusativa, e a checagem falha porque o caso correspondente à
posição de Spec IP é nominativo (o pronome deveria, portanto, tornar-se eu, forma
acusativa, o que acontece em 13).
Do mesmo modo que na resolução das anáforas vista na seção anterior, aqui
também é possível supor que, em termos funcionais, o sistema computacional alimente
um algoritmo de processamento de orações passivas, de modo a tornar "automática" a
atualização dos elos da cadeia formada por, em termos tradicionais, sujeito e paciente.
No experimento realizado com portadores da SW, será verificado se os sujeitos
compreendem orações na voz passiva, operação altamente dependente de um
mecanismo computacional da língua. Dificuldades no processamento de orações
relativas adviriam de fatores estranhos ao sistema computacional, dado que as
derivações lingüísticas produzidas por este sistema alimentam o processador de
linguagem.
3.5 Orações Relativas
Orações relativas remetem diretamente à recursividade, característica da
linguagem humana que permite a expansão de orações ad infinitum. Orações relativas
atuam como modificadores restritivos ou não-restritivos. Em tarefas experimentais que
avaliam a compreensão de orações relativas, estas estruturas costumam variar quanto ao
local do encaixe - posição da relativa com relação à oração principal (no centro ou à
direita) e quanto ao foco (sujeito ou objeto). Deste modo, temos as seguintes
construções:
a) encaixe no centro e foco no sujeito (SS)
A vacai [ que chutou o cavalo ] eci pulou a cerca
b) encaixe no centro e foco no objeto (SO)
A vacai [ que o cavalo chutou ] ec i pulou a cerca
c) encaixe à direita e foco no sujeito (OS)
A vaca chutou o cavalo [ que pulou a cerca]
d) encaixe à direita e foco no objeto (OO)
A vaca chutou a cerca [ que o cavalo pulou ]
À primeira vista, orações relativas parecem apresentar duas dificuldades:
1) Problema interno à relativa: como preencher a lacuna no interior da relativa
(no caso de SS e OS o sujeito do verbo; e no caso de SO e OO, o objeto do
verbo)?
2) Problema externo à relativa, que só acontece nas encaixadas centrais: como
preencher o valor da categoria vazia (ec), sujeito do verbo da oração
principal, no caso de SS e SO?
Em termos estruturais, as relativas podem ser descritas da seguinte forma:
(SS) A vacai [que chutou o cavalo ] proi pulou a cerca,
IP DP I D NP I VP A CP DP V N Spec C' ?2 V DP
? C IP pulou que DP I a cerca vaca I VP
?1 DP V V DP
chutou o cavalo Para o problema 2) (representado na árvore por ?2 ), que diz respeito ao sujeito
do verbo da oração principal (e que só acontece nas estruturas SS e SO), se adotarmos a
hipótese do sujeito interno ao VP (Baltin, 1995), na qual o sujeito se origina em Spec
VP movendo-se posteriormente para Spec IP, deixando um traço de vestígio na posição
Spec VP, o problema desaparece:
IP DP I D NP I VP A CP DP V N Spec C' (a vaca)t V DP ? C IP pulou que DP I a cerca vaca ? I VP DP V ? V DP
chutou o cavalo
Desse modo, o problema "externo" à relativa parece ser resolvido por
princípios operativos no sistema computacional da língua. Em termos de
processamento, é possível, do mesmo modo, admitir um processador, alimentado pelo
sistema computacional, que possua um algoritmo capaz de preencher
"automaticamente" o valor do sujeito em SS, e SO, desde que a representação
correspondente ao parsing da oração relativa no interior do DP esteja mantida na
memória de trabalho.
Da mesma forma que no problema anterior, o processamento interno à
relativa encontra-se dependente do modo de operação do sistema computacional da
língua. Contudo, a descrição dessas construções (orações relativas) é um dos pontos de
maior dificuldade para a teoria lingüística (Uriagereka, 1999). Uma possível análise
pode ser realizada levando em conta as restrições impostas pelo movimento A'. Este
tipo de movimento caracteriza-se por ser um movimento longo - um constituinte é
movido para fora da IP em que ele se encontra (o constituinte move-se para a posição
mais alta na árvore). Desta forma, o constituinte movido vai para a posição de
especificador de CP (posição que estava vazia), deixando um traço de vestígio em sua
posição original (traço que deve estar em relação de c-comando com a "nova" posição
do constituinte: Spec CP). Assim39,
IP DP I D NP I VP A CP DP V N Spec C' (a vaca)t V DP wh- C IP pulou que DP I a cerca vaca t I VP DP V
39 No caso das relativas com que ( that no inglês), o wh- é tomado como um operador vazio, assim como pro é tomado como elemento pronominal vazio (Culicover, 1998).
t V DP chutou
o cavalo. As condições estruturais definidas pelo movimento A' permitem a
interpretação do elemento movido wh-, seja como um elemento de natureza pronominal,
como no caso das relativas não restritivas, seja como uma variável ligada, como nas
relativas restritivas (Jackendoff, 1977). Da mesma forma que no outro problema, a
realização do processamento possibilitado por essas condições estruturais só se realizará
se não houver perda da representação do NP complexo na memória de trabalho. Do
ponto de vista do processamento, as construções com foco no objeto gerariam mais
demanda à memória devido à distância entre a lacuna (gap) e o elemento cuja
representação deverá ser ativada para o preenchimento da lacuna.
No modelo proposto por Corrêa (1986, 1995), uma vez que o parser
identifique que/o qual/(qualquer pronome relativo), tratados como "marcadores de
relativa", imediatamente a representação correspondente ao NP no qual a relativa se
encaixa é mantida particularmente ativada na memória de trabalho. O parser então
reinicia o processamento da sentença imediatamente após o reconhecimento do
"marcador de relativa". Com isto, um gap na posição de sujeito ou objeto é identificado
e o elemento mantido ativado na memória de trabalho é automaticamente recuperado
para preencher esse gap. Esse elemento será equivalente ao NP (Det N) no caso das
orações relativas restritivas, e N no caso das relativas não restritivas, de modo que a
distinção entre a interpretação semântica do elemento wh- seja realizada (Jackendoff
1977). O modelo de Corrêa (1986) torna a realização dessa distinção conseqüência do
modo como a prosódia característica dessas construções atua na representação mantida
na memória de trabalho ao longo do parsing. Assim, o NP anterior ao pronome relativo
deve estar mantido na memória imediata (já "fechado" como unidade de processamento,
no caso das relativas não restritivas, ou "aberto", no caso das relativas restritivas, de
modo a permitir o acesso ao parser aos elementos constituintes deste NP) até que uma
lacuna (o NP que falta) seja identificada na estrutura da frase que contém o verbo da
oração relativa. Deste modo, construções com foco no objeto devem apresentar maior
demanda para a memória do que construções com foco no sujeito, pois no primeiro caso
há uma maior distância/tempo entre o antecedente e o gap.
Em um experimento envolvendo a compreensão de orações relativas restritivas
por crianças com idades entre 3 e 6 anos, Corrêa (1986, 1995) verificou que, desde
muito cedo, crianças tendem a processar orações relativas como modificadores de NPs,
embora nem sempre consigam fazê-lo. Isto é, crianças bem pequenas distinguem a
oração relativa da oração principal, mas talvez ainda não tenham desenvolvido
estratégias mnemônicas capazes de lidar com o processamento de tais estruturas, o que
parece ser conseguido plenamente aos 5 anos de idade. Em seu experimento, Corrêa
(1986, 1995) manipulou as variáveis a) local do encaixe da relativa; b) foco; c)
animacidade (sentenças que continham 2 NPs + animados e que continham 3 NPs +
animados).
Os resultados obtidos demonstraram que o efeito de todas as variáveis foi
significativo, e orações do tipo SO e OO apresentaram o maior número de erros -
particularmente as primeiras, sendo que a dificuldade de processamento aumenta com a
presença de três NPs animados. Uma análise dos erros cometidos demonstrou que entre
crianças de 3 e 4 anos há um grande número de respostas em que a relação sujeito / ação
/ objeto é expressa corretamente, embora haja problemas no processamento interno da
relativa.
No experimento realizado com portadores da SW, será verificada a
compreensão de orações relativas. A habilidade de compreender estas estruturas é
crucialmente dependente do sistema computacional da língua no que diz respeito ao
algoritmo a ser implementado, como também depende de o processador ser capaz de
manter na memória de trabalho as representações (literais) do NP complexo, enquanto o
processamento interno da relativa se realiza e enquanto o sujeito da oração principal é
processado após o encaixamento central.
3.6 Anáforas discursivas (ou pronominais)
As anáforas discursivas (sob a forma de pronome nominativo ou pro),
diferentemente das anáforas ligadas vistas no início deste capítulo, cuja interpretação é
determinada por operações computacionais, parecem ter uma interpretação dependente
de procedimentos de natureza discursiva e/ou de condições de acesso a representações
temporárias mantidas na memória de trabalho do falante / ouvinte.
A literatura acerca da interpretação de formas pronominais parece divergir
entre a)adeptos do uso de estratégias de seleção de antecedentes lingüísticos e b)adeptos
de um acesso privilegiado a uma dada representação, não necessariamente seu
antecedente.
Corrêa (1998) propõe que determinadas condições de processamento podem
favorecer um ou outro procedimento, de modo que ambas as abordagens para a
interpretação dos pronomes não se mostram excludentes.
Dentre as estratégias de seleção de antecedentes lingüísticos usadas na
interpretação de pronomes está a estratégia de função paralela, na qual o falante toma
como antecedente de um pronome o NP cuja função sintática é a mesma desse pronome.
Mas esta estratégia, por sua vez, parece ser afetada por dois fatores: vínculo sintático e
especificidades da língua em questão (Corrêa 1998).
Quanto ao vínculo sintático, é possível que sua presença favoreça a
manutenção da forma (representação de natureza sintagmática) da primeira oração de
um par e, consequentemente, que sua ausência leve a um esvaecimento dessa forma,
mantendo-se apenas a representação de natureza semântica do referente, e não do
antecedente lingüístico como tal (Flores D’Arcais 1978, apud Corrêa 1998).
No que diz respeito às especificidades das línguas, falantes de português,
língua marcada positivamente pelo parâmetro pro-drop, tendem a interpretar o pronome
sujeito como correferente a um NP diferente do sujeito da primeira oração em orações
coordenadas. (Corrêa 1998) O uso de um contraste entre a interpretação do pronome
manifesto e de pro seria conseqüência de o português apresentar formas pronominais
alternativas – manifesta e não–manifesta.
Quanto às condições de processamento que poderiam favorecer um
procedimento de seleção ou um procedimento de acesso privilegiado a uma dada
representação, estas dizem respeito a) às representações correspondentes a um elemento
temático ou a um elemento em foco num segmento discursivo; b) à presença ou
ausência de vínculo sintático entre as orações e c) à profundidade de encaixamento do
sintagma correspondente ao antecedente na representação oriunda do parsing da
sentença que o contém (Corrêa 1999).
Quanto à primeira condição, é possível que representações correspondentes a
um elemento temático ou em foco sejam mantidas particularmente ativadas ao longo do
processamento do discurso. Quanto à segunda condição, já mencionada anteriormente,
assumindo-se que as unidades lexicais ou sintagmáticas do enunciado tendem a tornar-
se pouco acessíveis após o fechamento de uma unidade semanticamente completa, é
possível que, na presença de um vínculo sintático, estas mantenham-se ativadas,
facilitando a recuperação de antecedentes lingüísticos (NPs) de formas pronominais.
Assim, se há vinculo sintático, a representação sintagmática é mantida, havendo a
seleção do antecedente NP imediatamente anterior ao pronome. No que diz respeito à
terceira condição - profundidade do encaixamento - quanto mais profunda a condição do
NP referente, menos acessível estará sua representação no momento da ativação dos
traços formais e semânticos das representações disponíveis na memória imediata, no
processamento de um NP sujeito (Corrêa 1999).
Nos experimentos com portadores da SW será verificado se os sujeitos
estabelecem corretamente a relação entre o pronome anafórico (manifesto ou pro) e seu
antecedente em orações coordenadas.
3.7 Inferências: Pressuposições e Implicaturas
O interesse acerca do processamento de inferências - especialmente de orações
que contêm pressuposições e orações que contêm implicaturas - se deve em grande
parte ao caráter peculiar que tais estruturas apresentam.
A interpretação correta de pressuposições e implicaturas em orações complexas
depende das propriedades sintáticas e semânticas associadas ao verbo principal, da
sintaxe do complemento encaixado e da interação destes dois determinantes (Eisele,
Lust e Aram 1998).
Em termos semânticos, pressuposições são proposições cujo valor verdade não
é alterado sob negativa. Do ponto de vista pragmático, pressuposições dizem respeito ao
conhecimento prévio compartilhado que falante e ouvinte assumem ser verdadeiro. Nas
pressuposições, mesmo quando há negação da oração principal, ainda julgamos o
complemento como verdadeiro. Assim, "(...) podemos dizer que a pressuposição é uma
relação de sentido em que quando alguém diz X assume Y e quando alguém diz não-X
assume Y na mesma."40 Pressuposições podem ser caracterizadas como aquilo que o
falante assume já ser conhecido no contexto do discurso - é, portanto, a informação que
não é nova. Os verbos cujo complemento apresenta pressuposição são denominados
verbos factivos, e compartilham a característica de, nas orações encaixadas, manter a
veracidade de seus complementos, mesmo sob negação. Assim, em frases como
1. Pedro sabe que quebrou o braço
2. Pedro não sabe que quebrou o braço
a veracidade do complemento se mantém, havendo ou não negativa da oração principal.
Já as implicaturas41 não pressupõem a veracidade de seus complementos, mas
implicam ou sugerem a verdade ou falsidade dos seus complementos. Uma implicatura
convencional pode ser caracterizada como um "termo que designa as implicações que
podem ser deduzidas da forma de um enunciado, com base no significado convencional
das palavras."42 Os verbos implicativos diferem dos factivos porque na presença de
negação implicam a negação ou falsidade do complemento:
3. João conseguiu arrumar o quarto.
4. João não conseguiu arrumar o quarto. Na oração 4 a negação da oração principal implica a negação de seu complemento. Assim,
pressuposições permanecem constantes ou verdadeiras sob negação, diferentemente de implicaturas.
As inferências podem, ainda, variar segundo a sintaxe da oração. Diferenças
quanto à natureza flexionada ou não da encaixada podem afetar o escopo da negação, e
consequentemente o valor verdade da inferência. Verbos implicativos (implicaturas)
ocorrem tipicamente com complementos não flexionados ou no infinitivo; verbos
factivos (pressuposições) ocorrem com complementos que somados ao verbo
flexionado.
40 Dicionário de Termos Lingüísticos, pg 295. 41 Estamos nos referindo aqui às implicaturas convencionais, que se opõem às implicaturas conversacionais de Grice (Levinson, 83) 42 Dicionário de Termos Lingüísticos, pg 206.
Sob certas condições, contudo, a sintaxe do complemento pode se sobrepor a
características semânticas do verbo, distinguindo verbos factivos e implicativos. Assim,
certos verbos como lembrar e esquecer permitem complementos tanto no infinitivo
quanto flexionados. Tais verbos, portanto, podem assumir uma interpretação factiva
quando associados a um complemento flexionado, e implicativa, quando associados a
um complemento não flexionado.
5. Maria lembrou que trancou a porta
6. Maria lembrou de trancar a porta
7. Maria não lembrou que trancou a porta
8. Maria não lembrou de trancar a porta
Na sentença 7, lembrar assume as características de verbo factivo, com a
presença do que seguido de um verbo flexionado, de modo que sua negação implica a
não negação de seu complemento (trancou a porta). Isto é, para a sentença 7, tem-se que
Maria de fato trancou a porta. Já na sentença 8, o mesmo verbo lembrar assume as
características de um verbo implicativo, com a presença da preposição de seguida do
complemento não flexionado (trancar a porta), de modo que sua negação implica a
negação de seu complemento, indicando que, desta vez, Maria não trancou a porta.
Deste modo, a compreensão de pressuposições e implicaturas nestes tipos de
oração requer a habilidade de alterar inferências de verdade de acordo com as
características semânticas associadas a determinados verbos e com as características
sintáticas da oração.43
Pesquisas com crianças com cerca de 3 anos demonstram que estas parecem
computar pressuposições de valor V como sentenças afirmativas. Assim, quando
apresentadas a
9. João sabe que Maria beijou Pedro
43 Não foi encontrada uma abordagem lingüística em termos minimalistas que desse conta das diferenças entre orações que contêm pressuposições e orações que contêm implicaturas.
elas pressupõem o fato de Maria ter beijado Pedro. As mesmas crianças, contudo, têm
um desempenho inferior numa sentença factiva que envolve negação sintática, como
10. João não sabe que Maria beijou Pedro,
freqüentemente estendendo o escopo da negação para a oração encaixada, e falhando ao
pressupor a veracidade do complemento.
Uma possível explicação estaria na computação do escopo da negação,
particularmente em uma falha em restringir o escopo da negação ao verbo da oração
principal. Phiney (1981) propôs que durante seu desenvolvimento gramatical, crianças
pequenas erroneamente adotam uma teoria de negação “S-attachment”, anexando a
partícula negativa ao nó mais alto da oração.
Em seus testes, Phinney (1981) utilizou sentenças do tipo
11. a)Fred não sabe que Piggy ama Kermit b) Fred sabe que Piggy não ama Kermit 12. a)Que os discos tenham empenado não surpreendeu Peter b)Que os discos não tenham empenado surpreendeu Peter.
Phinney (1981) realizou então 2 estudos, para verificar sua hipótese. Em um estudo
piloto (Phiney 1977) foram usadas usou sentenças do tipo 11. Os verbos principais
foram see e watch. As crianças ouviam as frases e deveriam escolher uma dentre 4
figuras. Pelo menos algumas das crianças pareceram usar uma estratégia "highest-S".
Um estudo mais detalhado foi conduzido posteriormente. Foram usadas estórias do tipo:
Bill gosta de correr e de pular. Dave o observa de vez em quando Dave sabe que Bill pulou a cerca. 1. Dave sabe o que aconteceu? 2. Bill pulou a cerca?44 O experimento continha 16 histórias como essa, e sentenças eram do tipo 11 e
12 , com e sem a negativa. Todos os verbos principais eram factivos.
44 “Bill likes to run and jump. Dave watches him sometimes Dave knew that Bill jumped over the fence. 1- Did Dave know what happened? 2- Did Bill jump over the fence? “
Foram testadas 45 crianças, com idades entre 5 e 9 anos. O experimentador lia
a histórias para as crianças, testadas em grupos de 5. Originalmente, os sujeitos foram
agrupados por séries, mas verificou-se que nem a escolaridade nem a idade eram fatores
significativos. Os grupos foram então delimitados em função do número de erros. Este
agrupamento mostrou o uso de duas estratégias diferentes.
O grupo que apresentou mais erros utilizou uma estratégia de transferência da
negativa, sem considerar a direção do encaixe. Isto é, se havia negativa na encaixada,
esta era transferida para a principal.
Uma vez que nos experimentos de Phinney (1981) a variável idade parece não
ter exercido influência significativa, o estudo realizado por Singer (1988) resolve
verificar até que ponto podem ser encontradas diferenças no processamento das
negativas encaixadas com relação ao desenvolvimento das crianças.
Os testes de Singer (1988) também envolveram a presença de negativas em
orações complexas, e foram utilizados apenas verbos factivos, variando o lugar da
negativa:
No verbo principal, à direita (Pd)
No verbo principal, à esquerda (Pe)
No verbo encaixado, à direita (Ed)
No verbo encaixado, à esquerda (Ee)
Foram utilizadas orações do tipo:
(a) Que John tenha pulado a cerca não surpreendeu Dave (Pe)
(b) Dave não sabe que John beijou Irene (Pd)
(c) Que John não tenha pulado a cerca surpreendeu Irene (Ee)
(d) Dave sabe que John não beijou Irene (Ed)
Para cada sentença, foram feitas perguntas quanto à oração principal e quanto à
subordinada.
Foram estudados quatro grupos de sujeitos: 5-6 anos; 7-8 anos; 9-10 anos; 11-
12 anos. Singer (1988) observou que, mesmo até os 11 anos, as crianças
predominantemente se apoiavam numa estratégia de "S-attachment".
Scoville e Gordon (1980) também encontraram uma tendência das crianças em
super-generalizar o escopo da negação em orações factivas, e constataram que uma
melhora gradual nas respostas acontecia à medida em que as crianças iam tornando-se
mais velhas. Os sujeitos de Scoville e Gordon (1980) foram agrupados em 5 grupos:
grupo K (média de 5,11anos), grupo 2 (média de 8 anos); grupo 5 (média de 11,11
anos); grupo 8 (média de 14,2 anos); adultos (média de 20,4 anos). O tipo de orações e
perguntas utilizados aqui foi praticamente o mesmo dos estudos anteriores, com poucas
variações.
De acordo com Scoville e Gordon (1980), até por volta dos 11-12 anos os
sujeitos não fazem distinção entre factivos e não-factivos. Esta distinção é feita de
forma gradual, à medida em que os sujeitos vão ficando mais velhos e, segundo os
autores, é difícil estipular um marco para que estas mudanças ocorram.
Mas embora Scoville e Gordon (1980) também apontem para a
supergeneralização do escopo das negações em orações complexas envolvendo verbos
factivos, não chegam a sugerir nenhuma estratégia especial de processamento como
fazem os outros estudos citados até aqui.
Hopman e Maratsos (1978, apud Scovile e Gordon 1980) também verificaram
a supergeneralização no escopo da negação, embora a idade em que esta
supergeneralização é superada difira dos demais estudos. Foram estudados grupos de 4,
5 e 7 anos, e a tarefa utilizada distinguia-se um pouco das demais, uma vez que tratava-
se de uma tarefa de manipulação. O experimentador lia uma frase para a criança, e em
seguida fazia uma pergunta. A criança deveria responder manipulando os bonecos
correspondentes. Para cada oração havia um boneco correspondendo ao agente da ação,
um correspondendo ao paciente, e outros bonecos distratores. Um exemplo de frase
usada:
“Não é possível que a menina tenha encontrado o pato. Quem encontrou o pato?”45
A criança deveria então realizar a ação indicada com os bonecos apropriados.
Os resultados obtidos indicam que, até os 7 anos, as crianças não distinguem
factivos de não-factivos, mas que a partir desta idade o índice de respostas erradas cai
sensivelmente, indicando uma mudança no comportamento a partir dos 7 anos de idade.
A justificativa para a supergeneralização no escopo da negação, para estes
autores, não está em diferentes estratégias de processamento. Hopman e Maratsos
(1978, apud Eisele et al 1998) sugerem que crianças pequenas não são capazes de fazer
as distinções semânticas necessárias entre verbos factivos e não-factivos.
O que se pode concluir até o momento é que, de fato, crianças tendem a
superestender o escopo da negação em orações complexas que contêm verbos factivos,
mas a idade em que este comportamento desaparece ainda é fato controverso. O motivo
que leva a tal comportamento também é controverso: pode ter origem sintática ou
semântica.
Investigações sobre as bases neurais para o processamento de
pressuposições e implicaturas são poucas até o momento. Apesar da dominância do
hemisfério esquerdo para a linguagem, é o hemisfério direito que tem sido envolvido na
mediação de funções pragmáticas da língua. Pacientes com danos no hemisfério direito
têm mostrado deficiência na interpretação de inferências (Brownell et al.1986 apud
Eisele et al.1998), aspectos metafóricos ou não-literais do significado (Winner e Garner
1977 apud Eisele et al. 1998), pedidos indiretos (Foldi 1987, apud Eisele et al.1998) e
piadas (Bihrle et al.1986, apud Eisele et al.1998). Além disso, tais déficits pragmáticos
freqüentemente ocorrem com habilidades gramaticais intactas.
Dada a natureza complexa das inferências, não se sabe se pressuposições ou
implicaturas podem ser localizadas em um hemisfério, ou se a competência pragmática
envolvida pode ser isolada de habilidades sintáticas e semânticas num falante
competente normal ou em indivíduos com danos cerebrais.
Eisele, Lust e Aram (1998) realizaram experimentos envolvendo a
compreensão de pressuposições e implicaturas em crianças e adolescentes (4 a 17 anos)
com lesões cerebrais unilaterais, a fim de avaliar os papéis que os diferentes hemisférios
cerebrais têm na mediação do desenvolvimento de restrições sintáticas, semânticas e
pragmáticas subjacentes às inferências de valor verdade.
Os resultados obtidos por Eisele et al. (1998) mostram que crianças com lesões
no hemisfério direito, portanto com o hemisfério esquerdo preservado, são quase tão
eficientes quanto o grupo de controle ao pressupor o escopo da negação sintática e ao
pressupor a verdade das pressuposições. Nas implicaturas, contudo, o desempenho foi
bastante fraco.
Já nas crianças com lesão no hemisfério esquerdo o quadro que se apresenta é
inverso: as crianças eram incapazes de julgar corretamente o escopo da negação,
independentemente do tipo de inferência, do mesmo modo que crianças bem pequenas.
Em termos estruturais, orações que contêm pressuposições apresentam um
constituinte pro (sujeito de uma oração finita, cujo caso é nominativo), e orações que
contêm implicaturas apresentam PRO (complemento infinitivo de um predicado, cujo
caso é nulo. Assim,
João não lembrou que pro fechou a porta.
João não lembrou de PRO fechar a porta
45 “It isn’t posible that the girl bumps into the duck. Who bumps into the duck ?”
No experimento com portadores da SW, será verificada a compreensão de
orações que contêm pressuposições e implicaturas com o objetivo de comparação com
os resultados de Eisele et al. (1998), buscando uma possível relação entre as respostas
do grupo SW e as respostas de crianças com lesões cerebrais unilaterais. A distinção
entre pressuposições e implicaturas, e a relação com a negação em cada uma destas
estruturas, parece exigir diferentes recursos vinculados aos diferentes hemisférios
cerebrais. Se as habilidades de linguagem de portadores de SW estiverem preservadas, é
de se esperar um comportamento dos sujeitos semelhante ao de crianças com o
hemisfério esquerdo preservado.
3.8 Gênero Gramatical
Questões relativas à aquisição e atribuição (concordância) de gênero gramatical
têm, até o momento, recebido pouca importância por parte da teoria lingüística, uma vez
que a maioria dos estudos têm como base a língua inglesa, que não apresenta este tipo
de concordância.
Segundo propostas recentes da teoria lingüística, o núcleo sintático de um DP
não é o nome, mas sim o determinante (Abney 1987, apud Jakubowicz et al. (1998)). Se
este for realmente o caso, é possível então que a operação de concordância gramatical
seja realizada a partir do gênero do determinante, no sintagma nominal, sendo
determinada por princípios operativos no sistema computacional da língua. Assim,
operações computacionais de concordância aconteceriam através da checagem de traços
formais a partir do núcleo. A concordância de gênero, portanto, deve ser regida por
mecanismos computacionais, em especial pela Teoria da Checagem (1995). Deste
modo, numa estrutura como *O mesa grande, a derivação não converge (crash)
justamente porque o núcleo determinante O possui os traços formais [masculino] e
[singular], o nome mesa possui os traços [feminino] e [singular] e o adjetivo grande
[singular] e [masculino]46. No momento da checagem, há uma incompatibilidade entre
os traços de O e de mesa, e a derivação “crash”, resultando numa construção
agramatical.
Quando se trata de palavras desconhecidas, ou pseudopalavras, o traço formal
referente ao gênero gramatical - armazenado no léxico junto com outras características
da palavra - pode estar preenchido de forma “provisória” a partir da informação da
terminação da palavra até que esta apareça em um contexto com um determinante ou
um modificador de gênero marcado, e aí a forma “provisória” deverá adquirir o traço
formal definitivo.
Tomando como exemplo a pseudopalavra daba, numa situação em que esta
palavra aparecer isolada ou acompanhada de um adjetivo não marcado como grande,
(daba grande), ela será provisoriamente caracterizada como [feminino]. Contudo, ao
aparecer em um contexto seguinte acompanhada de um determinante incongruente (o
daba grande), ela possivelmente seria recaracterizada, ou caracterizada definitivamente,
como [masculina], e derivações do tipo O daba pequeno seriam consideradas
gramaticais e *o daba pequena, agramaticais.
Deste modo, é possível que as informações acerca do gênero gramatical não
sejam intrínsecas às palavras, mas estejam armazenadas no léxico de acordo com o
gênero do determinante que as acompanha. A questão então se desloca para os
mecanismos de aquisição da linguagem, especificamente para como – e quando - a
criança percebe os traços formais de gênero, condição fundamental para que se realizem
46 Se, de fato, o adjetivo invariável recebe traços formais (não realizados foneticamente) de gênero do núcleo Det é algo ainda pouco estudado, mas pesquisas recentes acerca do processamento de estruturas envolvendo determinante, nome e adjetivo em diferentes situações de concordância apontam para esta direção (Jakubowicz e Faussart 1998)
as operações computacionais de concordância. É preciso, portanto, que a criança seja
capaz de identificar a classe funcional det para que, num momento posterior, ela realize
as operações de concordância.
Estudos envolvendo detecção das habilidades perceptuais auditivas de bebês
indicam que já aos 9 meses bebês são sensíveis à fronteira do sintagma (Jusczyk et al.
1992) e aos 11 meses apresentam sensibilidade a morfemas funcionais (Shafer et al.
1998). Os dados obtidos até o momento parecem sugerir, portanto, que a percepção dos
traços formais de gênero é disparada (bootstrapped) fonologicamente.
Nas investigações acerca da concordância de gênero gramatical em portadores
da SW foi avaliada a capacidade dos sujeitos de realizarem a concordância em NPs
compostos por "pseudopalavras", com o objetivo de verificar se os princípios que
determinam a concordância gramatical estão preservados na SW.
Uma vez esclarecidas as motivações subjacentes à realização dos
experimentos:
a) verificação de habilidades dependentes de um sistema computacional da língua
preservado (anáforas ligadas, orações passivas e relativas);
b) verificação de habilidades discursivas (anáforas discursivas);
c) possível relação entre habilidades lingüísticas de portadores da SW e de crianças
com lesões cerebrais unilaterais (pressuposições e implicaturas);
d) questão controversa: localização do sistema de gênero gramatical da língua – regido
por regras (sistema computacional) ou idiossincrático e arbitrário (armazenado no
léxico),
passaremos à realização dos mesmos.
4. METODOLOGIA
Nesta pesquisa, foram realizadas tarefas investigando tanto a compreensão
quanto a produção de determinadas estruturas lingüísticas nos portadores da SW. Nas
tarefas de compreensão, foram conduzidos experimentos que envolviam a) seleção de
figuras; b) manipulação de objetos (brinquedos); c) julgamento de valor verdade. Para a
coleta de dados da produção dos sujeitos, foi realizado um experimento de produção
induzida.
Para todos os tipos de tarefa descritos abaixo, deve-se ter sempre em mente que
é absolutamente fundamental que os sujeitos estejam confortáveis e à vontade, o que
deve ser enfatizado principalmente nas tarefas de produção e manipulação, onde o
sujeito é chamado a participar ativamente da tarefa.
4.1 Seleção de figuras
Tarefas envolvendo a seleção de figuras são muito usadas na investigação de
determinadas habilidades lingüísticas, principalmente aquelas cuja produção espontânea
é mais difícil de ser observada. Neste tipo de tarefa, o sujeito deve escolher, dentre
várias figuras (de duas a quatro), aquela que corresponde à frase ou palavra que acabou
de ouvir. Tarefas de seleção de figuras podem ser administradas tanto em crianças com
desenvolvimento normal quanto naquelas que possuem algum tipo de distúrbio, e
permitem a avaliação de inúmeros aspectos da compreensão da linguagem.
De acordo com Gerken e Shady (1998), ao se utilizarem de uma tarefa de
seleção de figuras, pesquisadores normalmente têm em mente ao menos um dos
seguintes objetivos:
a) verificar se a criança é capaz de compreender determinados contrastes
lingüísticos, especialmente aqueles que não costumam aparecer em suas
falas (seguir vs. seguiu)
b) determinar a seqüência de desenvolvimento em que a criança passa a
compreender certas formas lingüísticas (oração ativa vs. passiva)
c) verificar a relação entre a produção de determinada forma e sua
compreensão
d) inferir a natureza das representações morfossintáticas da criança através de
uma análise dos tipos de erros cometidos na tarefa
Em nossa investigação com portadores da SW, o objetivo principal pretendido
está definido no item a) acima, uma vez que foi investigada a compreensão de formas
lingüísticas que costumam ser de pequena ocorrência na produção espontânea (da
população investigada): orações passivas e pronomes anafóricos (ele/ela; se).
Embora a tarefa de seleção de figuras seja uma tarefa "simples", não exigindo
um aparato tecnológico como tarefas de compreensão on-line, são necessários alguns
cuidados para que a tarefa alcance seus objetivos com o mínimo de "ruído" possível47.
O primeiro desses cuidados diz respeito à prosódia do experimentador ao dizer a
sentença experimental, que deve ser "neutra", na medida do possível, sem chamar a
atenção do sujeito para qualquer elemento da sentença. Outro cuidado a ser tomado se
refere às figuras usadas no experimento, que devem ser de fácil compreensão, com
traços simples e , se possível, atraentes para a criança. O uso de desenhos descuidados
pode fazer com que a criança se desinteresse pelo experimento e/ou que ela
simplesmente não compreenda o que está na figura, o que pode levar a uma resposta
errada. Além disso, é importante que as figuras sejam facilmente distinguíveis entre si,
de modo a não confundir o sujeito. Um último ponto a ser considerado diz respeito aos
distratores. Quanto maior o número de distratores, maiores as chances de a escolha da
criança não ter sido aleatória. (Normalmente não são usadas mais que 4 figuras: uma
"correta" e três distratores). Os distratores raramente são figuras completamente
desvinculadas da sentença estímulo. Deste modo, podemos considerar a presença de i)
distrator "reverso"; ii) distrator "lexical" iii) distrator "aleatório". Como exemplo, para
a sentença "O tigre foi mordido pelo jacaré", haveria, idealmente, as seguintes figuras:
i. tigre morde o jacaré (distrator "reverso")
ii. jacaré chuta o tigre (distrator "lexical")
iii. jacaré e tigre (distrator "aleatório")
iv. jacaré morde o tigre (resposta correta).
Nesta pesquisa, usamos a tarefa de seleção de figuras em 2 experimentos:
orações passivas e anáforas. Como não havia material de testagem disponível, foi
preciso elaborar orações e, principalmente, figuras que pudessem ser usadas na
testagem. As figuras foram produzidas levando-se em conta fatores como simplicidade
dos traços, colorido e adequação às sentenças-estímulo. (O material produzido encontra-
se no apêndice)
4.1.1 Orações passivas
O experimento verificando a compreensão de orações passivas contou com 2
pares de oração para cada uma das seguintes condições:
a) passiva reversível: O tigre foi mordido pelo jacaré;
O urso foi chutado pela girafa.
b) passiva irreversível: O carrinho foi empurrado pelo menino;
O violão foi tocado pela menina.
c) passiva sem agente: O macaco foi ferido na floresta;
47 Por ruído entende-se qualquer fator externo capaz de influenciar o desempenho dos sujeitos.
A cobra foi encontrada na piscina.
Para tanto, as figuras criadas foram as seguintes:
a) 2 gravuras para as orações passivas irreversíveis: gravura correta e distrator
"aleatório"
b) 2 gravuras para orações passivas sem agente: gravura correta e distrator
"aleatório"
c) 3 gravuras para as orações passivas reversíveis: gravura correta, distrator
"reverso" e distrator "aleatório".
As figuras utilizadas podem ser vistas no apêndice.
A variável reversibilidade foi considerada por ser um fator que atua nas
estratégias de compreensão utilizadas por crianças e portadores de afasia, o que sugere
que sua utilização decorre de uma incapacidade na operação de mecanismos
dependentes de princípios computacionais. Se o fator reversibilidade afetar o
desempenho dos sujeitos, pode ser que estes estejam usando preferencialmente uma
estratégia cognitiva na resolução da tarefa.
4.1.2 Anáforas
Para a avaliação da compreensão de elementos anafóricos também foi usada a
tarefa de seleção de figuras. No experimento envolvendo anáforas "livres" e ligadas,
para cada tipo de anáfora foram criadas 8 orações:
1. Anáforas ligadas (se)
a) O coelhinho se esfregou
b) O pai do coelhinho se esfregou
c) O ursinho se sujou
d) O pai do ursinho se sujou
e) O elefantinho se molhou
f) O pai do elefantinho se molhou
g) A menina se penteou
h) A avó da menina se penteou
2. Anáforas "livres":
a) O pai do coelhinho esfregou ele
b) O pai do coelhinho o esfregou
c) O pai do ursinho sujou ele
d) O pai do ursinho o sujou
e) O pai do elefantinho molhou ele
f) O pai do elefantinho o molhou
g) A avó da menina penteou ela
h) A avó da menina a penteou.
Para cada oração havia 4 cartões com figuras,
i. distrator "reverso"
ii. distrator "lexical"
iii. distrator "aleatório"
iv. resposta correta.
Como as sentenças podem ser divididas em 4 grupos (grupo do coelho, grupo
do urso, grupo do elefante, grupo da menina), os cartões utilizados para cada grupo
eram os mesmos, havendo assim um total de 16 figuras.
Já na tarefa envolvendo anáforas discursivas (pronominais), embora também
houvesse uma série de figuras para o sujeito selecionar uma, as figuras serviam apenas
como material de "apoio", de modo a não tornar a tarefa puramente metalingüística. A
diferença deste experimento está no fato de, após a apresentação da sentença crítica, é
feita uma pergunta ao sujeito, à qual ele deve responder apontando para o cartão que
achar adequado. Mas, justamente por não ser crucial a escolha do cartão, a maioria dos
sujeitos que participou do experimento acabava por responder à pergunta verbalmente,
enfatizando o caráter secundário das figuras.
Foram criadas 16 sentenças experimentais, 8 com o pronome manifesto (O
pato bicou a pata e ele pulou a poça) e 8 com o pronome nulo (A ursa arranhou o
macaco e pro empurrou a árvore). Havia também o fator gênero gramatical. Assim, das
oito sentenças com o pronome manifesto, em metade a) sujeito e o objeto da primeira
oração do par coordenado variavam quanto ao gênero gramatical e b) sujeito e objeto da
primeira oração do par coordenado eram do mesmo gênero gramatical (b.1 e b.2).
Dentre as orações com pronome manifesto e variação quanto ao gênero do sujeito e do
objeto, em metade delas o pronome correspondia ao sujeito (a.1), e na outra metade
correspondia ao objeto (a.2). Nas orações com o pronome pro também houve variação
quanto ao gênero gramatical do sujeito e do objeto da primeira oração do par (c.1; c.2;
c.3; c.4):
Anáforas discursivas:
a.1 O sapo chamou a sapa e ele pulou a flor.
a.2 O pato beijou a gata e ela chutou a cerca.
b.1 O cachorro lambeu o porco e ele pegou a bola.
b.2 A ursa arranhou a macaca e ela empurrou a árvore.
c.1 O gato empurrou a pata e pro chutou a cerca.
c.2. A rata beijou a gata e pro comeu o queijo.
c.3 A cachorra lambeu o porco e pro segurou a bola.
c.4 O coelho empurrou o gato e pro pulou a flor.
Cada uma das frases do tipo descrito acima era dita ao sujeito, e logo após era
feita uma pergunta a respeito do sujeito da segunda oração do par coordenado. Assim,
para a oração (a.1) O sapo chamou a sapa e ele pulou a flor, a pergunta era "Quem
pulou a flor?", à qual o sujeito deveria responder apontando para o desenho que fosse
mais adequado. Em cada cartão havia um desenho correspondente à segunda oração do
par.
Para cada oração, havia 3 cartões:
i. distrator "reverso"
ii. distrator "aleatório"
iii. resposta correta.
Mas, como já foi dito, a maioria dos sujeitos preferiu responder verbalmente às
perguntas.
Alguns dos desenhos utilizados neste experimento encontram-se no apêndice
4.2 Tarefa de manipulação
Uma tarefa de manipulação consiste na manipulação, pelos sujeitos, de
objetos/personagens, de acordo com a sentença que acabaram de ouvir. É uma tarefa
amplamente utilizada na investigação da compreensão de orações relativas. Goodluck
(1998) aponta uma série de vantagens e de desvantagens no uso deste tipo de tarefa
como forma de verificação da capacidade de compreensão de determinadas estruturas
lingüísticas. Dentre algumas das vantagens citadas, encontram-se
a) fato de esta ser uma técnica que permite aos sujeitos darem sua própria interpretação
das sentenças, sem especificar uma série de interpretações disponíveis para eles
escolherem.
b) é uma técnica de fácil administração, não sendo necessário um treinamento especial
nem para o sujeito nem para o experimentador. Em geral, a partir dos 3 anos de
idade crianças já são capazes de manipular os objetos de acordo com a frase que
ouviram, bastando 2 ou 3 demonstrações por parte do experimentador.
c) é uma tarefa divertida, que parece uma brincadeira, o que faz com que as crianças
engajem-se na sua realização.
Quanto às desvantagens das tarefas de manipulação destacam-se as seguintes:
a) existem certos tipos de estruturas, como as perguntas, e certos tipos de predicados,
como aqueles que expressam estados mentais, que não se adequam facilmente a este
tipo de tarefa.
b) caráter não invasivo da tarefa (mencionado no item a) das vantagens), apesar de
constituir uma vantagem, pode levar o sujeito a não realizar uma determinada ação
com os objetos/personagens, embora esta esteja disponível. Neste caso, a tarefa pode
fornecer uma visão apenas parcial da gramática da criança. A liberdade nas
respostas pode levar a um reajuste mental da sentença estímulo que pode não ser
detectada na resposta dada.
c) embora seja uma tarefa de fácil administração e de fácil compreensão para as
crianças, pode ser considerada uma tarefa cognitivamente complexa, pois o sujeito
deve ser capaz de i) manter na memória de trabalho a interpretação da sentença que
está ouvindo; ii) decidir qual o objeto adequado à sua compreensão da sentença; iii)
planejar as ações que devem ser feitas para a descrição do significado da sentença.
Corrêa (1986, 1995) identifica ainda outras dificuldades metodológicas
presentes nas tarefas tradicionais de manipulação, quando estas são utilizadas para
avaliar a compreensão de orações relativas restritivas:
a) tradicionalmente, é pedido à criança que realize duas ações (oração
principal e relativa), mas as instruções da tarefa levam a criança à buscar
duas relações sintática e semanticamente independentes entre ator-ação-
objeto
b) a tarefa apresenta traços de uma brincadeira com bonecos e de uma
atividade metalingüística, pois as sentenças são apresentadas isoladamente,
não havendo uma função para o uso daquela particular construção
gramatical.
Como forma de minimizar estas dificuldades metodológicas, Corrêa (1986,
1995) realizou algumas modificações na tarefa, como a inserção de um contexto e a
apresentação de um cenário. Em sua tarefa, antes das sentenças experimentais serem
apresentadas, o experimentador contava um estória para os sujeitos, em que os
personagens (objetos que seriam manipulados posteriormente) eram apresentados. Em
seguida, era montado o "cenário": para a sentença "O cavalo chutou a vaca que o tigre
empurrou", havia um tigre que empurrava a vaca, e outro tigre que empurrava alguma
outra coisa (um sapo, por exemplo). Só depois de montado o cenário é que a frase
experimental era dita ("O cavalo chutou a vaca que o tigre empurrou"), de modo que a
oração relativa passava a ter uma função "real" na sentença.
Mas se tarefas de manipulação podem ser consideradas cognitivamente
complexas, esta "complexidade cognitiva" também pode ser encontrada nas tarefas de
seleção de figuras, que envolvem as seguintes demandas cognitivas: i) decodificação do
sinal acústico; ii) representação da(s) figuras(s); iii)comparação entre a representação
verbal proveniente do sinal acústico e a(s) representação(s) visual proveniente da(s)
figura(s); iiii) escolha propriamente dita. Sendo assim, uma resposta errada em uma
tarefa de seleção de figuras pode ser originada por uma falha em qualquer um dos itens
especificados acima, e não necessariamente em uma falha no processamento do material
verbal.
Cabe ao experimentador analisar as vantagens e desvantagens de cada tarefa e
a adequação de cada uma aos seus objetivos na testagem.
Na tarefa de manipulação realizada com portadores da SW, foi adotado o
mesmo procedimento de Corrêa (1986, 1995), que consta da "apresentação dos
personagens" numa estorinha inicial, e da inserção de um "cenário" antes da
apresentação das sentenças experimentais.
Foram criadas 8 sentenças experimentais, que variavam quanto ao local do
encaixe e quanto ao foco. Para cada condição havia duas orações:
Condição 1: encaixe no centro e foco no sujeito (SS)
SS O macaco que pulou a vaca derrubou o balde
SS O porco que beijou a girafa chutou a árvore
Condição 2: encaixe no centro e foco no objeto (SO)
SO A galinha que o rato assustou empurrou a cama.
SO O coelho que o cachorro chutou pulou a pedra.
Condição 3: encaixe à direita e foco no sujeito (OS)
OS O elefante mordeu o cavalo que empurrou a escada.
OS O porco empurrou a vaca que pulou a cerca.
Condição 4: encaixe à direita e foco no objeto (OO)
OO O coelho chutou a pedra que o macaco pulou
OO A girafa pulou a cama que o leão derrubou.
Para a apresentação dos personagens, era contada uma estorinha em que os
bichos apareciam “como muito bonitinhos, mas muito levados e mal-educados”. O
cenário era feito da seguinte maneira: para a primeira sentença da condição 1, por
exemplo, a experimentadora dizia "Este macaco aqui pulou a vaca. Este macaco aqui
pulou o leão." Só então era dita a sentença experimental, " O macaco que pulou a vaca
derrubou o balde", a qual o sujeito deveria representar manipulando os bichinhos.
4.3 Tarefa de julgamento de valor verdade
Em uma tarefa de julgamento de valor verdade, o sujeito deve julgar verdadeira
ou falsa uma afirmação que descreve uma situação particular mencionada em algum
contexto (Gordon 1998). Como a tarefa exige uma resposta simples por parte do sujeito
(sim/não), e a quantidade de informação que pode ser obtida sobre a compreensão do
sujeito de construções complexas é vasta, esta tarefa tem sido amplamente utilizada na
coleta de dados da compreensão de determinadas estruturas complexas. Justamente por
sua "facilidade", a tarefa pode ser usada com crianças de todas as idades, e em geral a
partir dos três anos de idade as crianças já estão aptas a participar de um experimento
deste tipo.
Tarefas de julgamento de valor verdade podem ser usadas para verificar uma
série de construções gramaticais, em especial sentenças que apresentam orações
encaixadas.
Existem dois tipos de tarefas de julgamento de valor verdade: tarefas do tipo
sim/não e tarefas do tipo prêmio/ punição, em que o sujeito premia ou pune um
brinquedo (em geral, um boneco) por fazer um relato verdadeiro ou falso a respeito de
uma situação. (Nos deteremos aqui na tarefa do tipo sim/não, que corresponde à
utilizada com portadores da SW.) A diferença entre uma tarefa de julgamento de valor
verdade do tipo sim/não e outras tarefas em que o sujeito também deve responder
sim/não (para dizer se uma determinada seqüência de letras é uma palavra ou não, por
exemplo) é que este segundo tipo de tarefa é puramente metalingüístico. Nestas tarefas
metalingüísticas, há a suposição implícita de que o sujeito compreende a noção de uma
sentença ou palavra ser "boa" ou "ruim". Já nas tarefas de julgamento de valor verdade,
é preciso supor apenas que o sujeito tenha alguma noção de verdade no sentido de haver
uma correspondência entre o que está sendo dito e a situação referida.
Em geral, antes do começo da testagem é dito aos sujeitos que lhes serão
perguntadas questões a respeito de uma estória e uma gravura, às quais eles deverão
responder sim ou não. A tarefa que foi utilizada nesta pesquisa com portadores da SW
apresenta algumas modificações com relação a estas tarefas de julgamento tradicionais.
A primeira destas alterações diz respeito à ausência de uma estória-contexto. No
experimento realizado havia apenas uma sentença-contexto e, após sua apresentação,
era feita uma única pergunta a respeito da sentença. Além disso, o experimento
realizado tomou como base o experimento de Eisele et al.(1998), que também contava
com uma única sentença-contexto, embora para esta sentença única fossem feitas duas
perguntas.
A tarefa de julgamento de valor verdade realizada com portadores da SW teve
como objetivo verificar a compreensão de orações que continham pressuposições e
orações que continham implicaturas nessa população. Para tanto, foram elaboradas 24
sentenças experimentais: 12 contendo pressuposições (a) e 12 contendo implicaturas
(b). Em metade das pressuposições havia negação sintática (a.1), o mesmo acontecendo
em metade das implicaturas (b.2)
(a) Maria sabe que acordou os vizinhos
(b) Rodrigo conseguiu pular o muro
(a.1) Maria não sabe que acordou os vizinhos
(b.1) Rodrigo não conseguiu pular o muro48.
Ao fim de cada uma das sentenças experimentais, foi feita uma pergunta a
respeito da veracidade do complemento do verbo. Assim, tanto para (a) como para (a.1)
a pergunta foi: Maria acordou os vizinhos?
48 Todas as orações utilizadas neste experimento estão no apêndice.
4.4 Produção induzida
Tarefas de produção induzida têm como objetivo revelar aspectos da gramática
dos sujeitos fazendo com que estes produzam determinadas estruturas lingüísticas. Estas
estruturas são induzidas dentro de um contexto de uma brincadeira, planejado de forma
a se adequar à produção apenas da estrutura a ser investigada. Em geral, a brincadeira é
conduzida pelo experimentador, que fornecerá o contexto e os "ingredientes" para a
produção, mas sem modelá-la (Thornton 1998).
A grande vantagem deste tipo de experimento está na possibilidade de se
observarem estruturas produzidas pela criança que talvez só pudessem ser observadas
após um tempo enorme de observação e coleta de produção espontânea. Com relação
aos outros experimentos em que a criança deve responder com julgamentos do tipo
sim/não, a vantagem das tarefas de produção induzida está no fato de que esta pode ser
considerada como um reflexo mais "direto" da gramática da criança, uma vez que é
altamente improvável que a criança junte palavras de uma determinada forma
acidentalmente. Assim, o aparecimento de determinadas estruturas lingüísticas na fala
da criança é uma forte evidência de que estas estruturas foram geradas pela gramática da
criança (Thornton 1998).
Existe uma grande variação nas tarefas de produção induzida, devido aos
diferentes objetivos pretendidos pelos pesquisadores. Mas apesar das variações, a
estratégia de envolver a criança em um jogo com um boneco está sempre presente.
A tarefa realizada com portadores da SW mistura características das tarefas de
produção induzida e características das tarefas que envolvem estórias com perguntas,
diferindo das últimas por ser o conteúdo da resposta irrelevante.
O experimento proposto teve como objetivo verificar como portadores da SW
realizavam a atribuição e concordância de gênero gramatical. Para tanto, foram criadas
estórias que tinham como protagonistas personagens inventados, sem marcas de sexo, e
tinham nomes também inventados (pseudopalavras). Havia ao todo seis condições
experimentais:
Condição 1: Sem pista de artigo, o nome do personagem com terminação
masculina ( Familia de Delos)
Condição 2: Sem pista de artigo, nome do personagem com terminação
feminina (Família de Tebas)
Condição 3: Com pista de artigo discordante da terminação do nome do
personagem (As Lapos)
Condição 4: Com pista de artigo concordante com a terminação do nome
do personagem (Os Dabos)
Condição 5: Com pista de artigo e adjetivo discordantes da terminação do
nome do personagem (Os Lecas coloridos)
Condição 6: Com pista de artigo e adjetivo concordantes com terminação
do nome do personagem (As Satas coloridas)
Os personagens, feitos com cartolina e palitos, eram coloridos, mas somente
com cores que admitem flexão de gênero (branco, preto, amarelo, vermelho). Como
mencionado, nenhum dos personagens possuía qualquer marca que indicasse o sexo
masculino ou feminino.
Para cada condição foi elaborada uma estória. Ao final da estória é feita uma
pergunta que deve conter, na resposta, o nome com o adjetivo flexionado.
Assim, temos que:
Condição 1: Era uma vez uma família de Delos (aparecem Delos pretos e Delos
brancos). A família de Delos gostava muito de passear. Num dia de sol, toda a família resolveu
passear na floresta. No meio do caminho, uma parte da família de Delos se perdeu (somem os
delos pretos), e não conseguiu voltar pra casa.
Que Delos se perderam?
Que Delos voltaram para casa?
Note que o conteúdo da resposta não é relevante, isto é, se os sujeitos vão
responder corretamente, indicando que entenderam a estória, não está em jogo. O que
importa é a forma da resposta, que pode até mesmo não conter o nome (delos brancos,
por exemplo), mas um pronome que admite marca de gênero (este/aquele).
O procedimento é o mesmo para as outras condições experimentais. As estórias
criadas estão no apêndice.
4.5 Sujeitos
A presente pesquisa contou com a participação efetiva de 5 sujeitos, com idade
média de 21,8 anos (tabela 1)
Tabela 1 Sujeitos que participaram da pesquisa.
Sujeito Idade Cronológica Sexo
F 27 anos M FM 21anos F AC 31 anos F E 15 anos F A 21 anos M
Média 21,8 anos
Todos os sujeitos foram contactados através do Instituto Fernandes Figueiras,
que realiza um acompanhamento dos portadores da SW no Rio de Janeiro. O
diagnóstico foi feito a partir de avaliação clínica, uma vez que o hospital ainda não
dispõe do equipamento necessário para o teste genético. Deste modo, é feito um
diagnóstico clínico, com base nas características faciais e outras características físicas
típicas, como problemas cardíacos.
Todos os sujeitos que participaram pertenciam a classes sociais pouco
favorecidas, numa situação bastante diferente dos participantes de outras pesquisas
conduzidas em países de língua inglesa, francesa e italiana. É interessante notar que
uma das características mais presentes nos portadores da SW, tal como reportado na
literatura, - o vocabulário rico e rebuscado - não foi observada aqui.
4.5.1 Consentimento
Antes do início dos testes foi explicado verbalmente aos sujeitos e respectivos
responsáveis, de forma clara, os motivos e objetivos da pesquisa, bem como a natureza
dos testes que seriam realizados. Foi explicitada a possibilidade de não participação nos
mesmos, e a possibilidade de interrupção dos testes se assim fosse desejado pelos
sujeitos. Ao final de cada teste era perguntado aos sujeitos se estavam cansados, e se
gostariam de continuar.
4.5.2 Grupo de controle
Num primeiro momento foi idealizada a comparação dos resultados obtidos
com portadores da SW com um grupo de controle composto por crianças com idade
cronológica equivalente à idade mental dos sujeitos. Contudo, dificuldades operacionais
impediram a realização de teste de verificação da idade mental49. Os resultados obtidos
com os sujeitos do presente estudo foram, portanto, discutidos em relação a resultados
já publicados relativos ao desempenho de crianças e adultos em testes de habilidades
lingüísticas semelhantes aos aqui realizados.
49 As dificuldades operacionais se devem ao fato de as instituições brasileiras requererem que esta avaliação seja conduzida por profissionais da área de Psicologia, e dificuldades dos trâmites burocráticos envolvidos para que um profissional dessa área viesse a atuar no hospital para a aplicação destes testes - o que inviabilizou a conclusão do trabalho em tempo hábil. Mas o trabalho será levado adiante para
4.6 Procedimentos Gerais
Inicialmente foi prevista a realização de 4 encontros com os sujeitos: o
primeiro encontro para familiarização e pré-teste, e os demais encontros para as
avaliações lingüísticas. Contudo, devido às dificuldades de acesso ao hospital por parte
dos sujeitos, o número de encontros foi reduzido à metade. Assim, no primeiro encontro
houve a familiarização, obtenção de dados de fala espontânea e realização de alguns
experimentos. No segundo encontro foram realizados os demais testes. Todos os
encontros foram realizados em uma sala isolada da instituição e gravados em áudio
integralmente, com a devida autorização dos sujeitos.
Cada encontro durou cerca de 30 minutos, e no primeiro encontro foram
realizados os seguintes experimentos: anáforas discursivas, orações passivas e orações
relativas. No segundo encontro foram realizados os experimentos restantes: anáforas
livres e ligadas, relativas não-restritivas, pressuposições e implicaturas e gênero
gramatical.
A ordem de apresentação das tarefas para cada sujeito foi contrabalançada.
Antes de cada tarefa foi feito um pré-teste, que tinha como objetivos i) verificar a
capacidade dos sujeitos de realizar a tarefa; ii) mostrar para os sujeitos o
"funcionamento" da tarefa.50
possível publicação dos resultados. 50 Inicialmente, a pesquisa contou com 8 sujeitos, mas 3 foram eliminados por não conseguirem participar das tarefas experimentais - I(9 anos); J (11 anos); AN (22anos). Nos dois primeiros sujeitos a dificuldade quanto à compreensão e realização das tarefas está de acordo com o relatado em outras pesquisas, que afirmam que o desenvolvimento das habilidades lingüísticas na SW verifica-se apenas nas crianças mais velhas (por volta dos 12 anos) embora as dificuldades de I e J parecessem se dever mais à concentração do que à linguagem. É interessante relatar o caso de J, 11 anos, e AN, 22, que não chegaram a participar dos experimentos. J. é uma criança extremamente hiperativa, e este também é um dos motivos que o impediram de participar, pois era impossível para ele concentrar-se durante alguns minutos. Quando no início do experimento 1, ao dizer-lhe O macaco mordeu o cachorro e chutou a pedra. Quem chutou a pedra?
A resposta foi Pedra, pedra, pedra Em seguida, eu disse: O rato beijou a gata e ela comeu o queijo
5. EXPERIMENTOS
Nossa hipótese de trabalho é de que portadores da SW exibem uma
preservação do sistema computacional da língua. Logo, a hipótese prevê que o
processamento mais diretamente dependente dessas estruturas estará preservado, a
menos que condições relativas à sobrecarga de memória impeçam sua realização. Para
tanto, será considerada a possibilidade de se isolarem habilidades específicas
(habilidades "computacionais") de habilidades não tão específicas assim, como as
envolvidas no processamento do discurso, e certas relações inferenciais. Mas estamos
conscientes das dificuldades metodológicas presentes na tentativa de isolar estas
habilidades, visto que todo o processamento lingüístico é dependente da atuação de
sistemas de memória não necessariamente totalmente dedicados à linguagem e sofre a
influência de inúmeros fatores, como o próprio entendimento da tarefa experimental.
Quem comeu o queijo? -- Queijo, queijo, queijo. E assim foi por mais umas 4 vezes, quando sua atenção acabou: sua resposta era repetir três vezes o último nome que eu havia dito. AN, por sua vez, era bastante calma; seu desempenho verbal pareceu bastante prejudicado. Durante a conversa que tivemos, a todas as perguntas que eu fazia ela respondia repetindo a minha última palavra. O maior diálogo que tivemos foi o seguinte:
- ... e o que você gosta de fazer? - (silêncio) - O que você gosta de fazer? Ver televisão, ver novela?... - Novela - E de que novela você gosta? Das 6, das 7? - Das sete. - E você viu a novela ontem? O que aconteceu na novela ontem? - Bateu de carro - Quem bateu de carro? - Bateu de carro. - Como bateu de carro? Como o carro bateu? - Bateu de carro.
Ao iniciar o experimento da anáfora, para cada pergunta que eu fazia ela respondia repetindo a minha última palavra. Tem sido sugerido recentemente que este perfil heterogêneo da SW se deva a fatores de ordem genética. Este fato será aprofundado no capítulo “considerações finais”.
Será investigada a compreensão dos sujeitos das seguintes estruturas: anáforas
livres e ligadas, orações passivas, orações relativas, anáforas discursivas, gênero
gramatical e pressuposições e implicaturas.
5.1 Experimento 1: anáforas livres e anáforas ligadas
Como visto anteriormente, a interpretação de anáforas livres e ligadas diz
respeito a princípios operativos no sistema computacional da língua, como a condição
de c-comando. Nas anáforas ligadas, o termo anafórico deve estar em relação de c-
comando com seu antecedente, diferentemente das anáforas livres, em que o termo
anafórico não pode estar em relação de c-comando com o antecedente.
Objetivo: verificar como os sujeitos estabelecem a relação entre o elemento anafórico e
seu antecedente.
Variável manipulada: tipo de anáfora: (+/- ligada)
Sujeitos: ver capítulo IV
Material: Conjunto de sentenças e figuras elaborados especialmente para este
experimento. Foram criadas 16 sentenças experimentais, utilizando os verbos pentear,
sujar, molhar e esfregar (ver capítulo IV):
Procedimento: Os sujeitos são convidados a participar de um jogo, no qual devem
apontar, dentre 4 cartões, aquele correspondente à sentença que acabaram de ouvir.
Antes que a frase experimental fosse dita, os cartões eram apresentados aos sujeitos, de
modo a garantir que não houvesse interferências quanto à compreensão dos desenhos.
Exemplo: A avó da menina a penteou; O ursinho se sujou; O pai do
elefantinho molhou ele.
Resultados: Os resultados podem ser vistos na tabela 2. Como é possível observar, todos
os sujeitos obtiveram 100% de acertos, o que demonstra que este tipo de estrutura não
apresenta problemas para a população SW. Os resultados sugerem, portanto, que as
operações computacionais necessárias à interpretação de anáforas livres e ligadas estão
preservadas na SW.
Tabela 2 Distribuição (%) de respostas corretas por sujeito em função do tipo de anáfora (n = 8).
Tipo de anáfora
Sujeitos + ligada - ligada
F 100 100 FM 100 100 AC 100 100 E 100 100 A 100 100
Média total 100% 100%
Do ponto de vista do processamento da linguagem, os resultados sugerem que
o(s) algoritmo(s) através dos quais se realiza o processamento das anáforas livres e
ligadas também estão preservados na SW e que esse processamento não apresenta
demandas que prejudicam o desempenho do aparato processador de linguagem.
5.2 Experimento 2: Orações passivas
A compreensão (e produção) de orações passivas depende de uma série de
princípios e restrições de natureza computacional. Mais especificamente, orações
passivas envolvem a percepção de uma cadeia sintática entre o sujeito e o objeto da
oração, a interpretação de traços de vestígio, condição de c-comando, critério θ e
princípio do "egoísmo".
Objetivo: O experimento a seguir tem como objetivo verificar se portadores da SW
exibem uma preservação do sistema computacional da língua e dos procedimentos
através dos quais sentenças passivas são compreendidas.
Variáveis manipuladas: reversibilidade(+/- reversível) e presença de agente (com
agente/ sem agente)
Sujeitos: ver capítulo IV.
Material: Conjunto de sentenças e figuras elaboradas especialmente para este
experimento. Foram criadas 6 sentenças experimentais. (O urso foi chutado pela girafa;
O carrinho foi empurrado pelo menino; O macaco foi ferido na floresta)(ver capítulo
IV)
Procedimento: Os sujeitos são convidados a participar de um jogo, no qual devem
apontar, dentre 4 cartões, aquele correspondente à sentença que acabaram de ouvir.
Antes que a frase experimental fosse dita, os cartões eram mostrados aos sujeitos, de
modo a garantir que não houvesse interferências quanto à compreensão dos desenhos.
Resultados: Os resultados podem ser vistos na tabela 3.
Tabela 3 Distribuição de respostas corretas por tipo de sentença para cada sujeito (n = 2)
Tipo de sentença
Sujeitos Reversíveis Irreversíveis S / agente
F 2 2 2 FM 2 1 2 AC 0 2 1 E 2 2 2 A 2 2 2
Média total (10) 8 (80%) 9 (90%) 9 (90%)
Como é possível observar a partir da tabela 3, o percentual de acertos foi alto
em todas as condições, o que sugere que orações passivas não apresentam problemas
para portadores da SW. Apenas o sujeito AC pareceu ter tido seu comportamento
guiado por estratégias cognitivas, não lingüísticas, dada a dificuldade observada na
condição passivas reversíveis, comportamento semelhante ao de crianças e afásicos
neste mesmo tipo de tarefa. Contudo, os resultados de AC - zero acertos na condição
passivas reversíveis - não deve ser considerado desviante. Na verdade, para a sentença
“O leão foi mordido pelo jacaré”, depois de hesitar por alguns segundos, AC apontou
para o cartão em que o leão morde o jacaré (cartão errado). Logo em seguida, AC
comentou, como que pensando alto: “ ...e desde quando um leão é mordido por um
jacaré...”. Deste modo, apesar de não ter dado a resposta correta, ficou claro que AC
havia compreendido a oração, apenas discordava da veracidade de seu conteúdo.
Do ponto de vista do processamento da linguagem, o(s) algoritmo(s) através
dos quais se realiza(m) o processamento de orações relativas também parece(m) estar
preservado(s) na SW.
5.3 Experimento 3: Orações relativas
Embora a compreensão de orações relativas dependa de alguns princípios de
natureza computacional, como os que atuam sobre o movimento A', aspectos relativos
ao processamento da linguagem, como a manutenção da representação do NP complexo
na memória, também são cruciais para que estas estruturas sejam compreendidas
corretamente.
Objetivo: verificar se portadores da SW são capazes de compreender orações relativas
restritivas e se seu processamento é afetado por variáveis relacionadas às demandas do
processamento da sentença à memória de trabalho.
Variáveis manipuladas: local do encaixe (encaixe no centro/ encaixe à direita) e foco
(sujeito/objeto)
Sujeitos: ver capítulo IV
Material: 8 sentenças elaboradas em função da manipulação de variáveis sintáticas
(local do encaixe da relativa e foco da oração), havendo duas orações para cada
condição (encaixe no centro com foco no sujeito; encaixe no centro com foco no objeto;
encaixe à direita com foco no sujeito e encaixe à direita com foco no objeto e
brinquedos (bichinhos) do tipo Lego. (ver capítulo IV)
Procedimento: O experimento foi realizado nos moldes de Corrêa (1986, 1995). Os
sujeitos são convidados a participar de um jogo no qual deverão manipular os
brinquedos de acordo com os enunciados verbais proferidos pela pesquisadora. (Ver
capítulo IV)
Resultados: Foram considerados acertos as respostas em que a relação ator / ação /
objeto era expressa corretamente, com o referente do NP sujeito ou do NP objeto
correspondente ao brinquedo identificado pela oração relativa restritiva. Pela tabela 4,
não parece haver diferença entre as várias estruturas de encaixe, o que sugere que as
variáveis foco e local do encaixe não exerceram influência nos resultados.
Tabela 4 Distribuição de respostas corretas por condição e por sujeito (n = 2)
Encaixe
encaixe no centro encaixe à direita Foco
Sujeitos Sujeito (SS) Objeto (SO) Sujeito (OS) Objeto (OO)
F 1 2 0 1 FM 2 1 1 1 AC 0 0 2 0 E 2 2 2 2 A 1 2 1 2
Total 6 (60%) 7 (70%) 6 (60%) 6 (60%)
Realizando uma análise dos erros cometidos pelos sujeitos, é possível verificar
(tabela 5) que há um grande número de respostas (80% dos erros) correspondentes à
manipulação da relação entre ator, ação e objeto expressa na oração principal, com o
referente errado do NP complexo (este tipo de resposta será chamado resposta OP –
oração principal), isto é, o problema parece estar no processamento interno da relativa.
Este problema pode ser decorrente de: i) os sujeitos reconhecerem os limites da
sentença mas não a processarem; ii) os sujeitos processarem a relativa, mas com
dificuldades (o que deveria apresentar efeito do foco); iii) os sujeitos processarem, mas
não atribuírem uma interpretação restritiva à relativa ( o que deveria apresentar efeito de
foco).
Tabela 5 número de respostas erradas por sujeito (n = 8)
Acertos Erros
Sujeitos OP Outros erros
F 4 4 Zero FM 5 2 1 AC 2 5 1 E 8 Zero Zero A 6 1 1
Total 25 (62,5%) 12 (30%) 3 (7,5%)
Como não houve efeito de foco, a primeira alternativa parece ser a explicação
mais adequada ao desempenho de portadores da SW. Este padrão de respostas –
predominância de respostas OP - é comum em crianças de 3-4 anos (Corrêa 1986,
1995). O grande número de respostas certas e de respostas OP sugere que o problema
com as orações relativas pode não estar exatamente na relativa, mas numa sobrecarga de
memória, uma vez o processamento imediato da OP pode decorrer de uma estratégia
cognitiva que o processamento da relativa viria impor. O fato de a oração principal, na
maioria das vezes (92,5%), ser processada sem dificuldades, sugere que o pronome
relativo é percebido, assim como as fronteiras entre orações.
Dado o grande número de respostas OP, pode-se esperar , por parte dos
sujeitos, um processamento imediato da oração principal, o que levaria a um
desempenho ao acaso na escolha do referente. Observando o desempenho dos sujeitos
individualmente, um desempenho ao acaso foi o que de fato aconteceu para a maioria
dos sujeitos. Somente o sujeito E teve um desempenho que sugere fortemente um
processamento correto da relativa. Uma vez que este sujeito obteve 100% de acertos em
todas as condições experimentais, seu desempenho sugere que o fato de ser portador de
SW não impede o processamento de orações relativas. É interessante observar ainda que
o comportamento de portadores de SW foi diferente do comportamento de afásicos de
Broca nesta mesma tarefa – quando não houve predominância de respostas OP. (Corrêa
e Figueiredo, 1998).
A partir dos resultados obtidos nesta tarefa, é possivel supor que
portadores da SW estejam usando uma estratégia de processamento imediato da OP; os
sujeitos parecem sensíveis à presença do pronome relativo e à segmentação das
unidades oracionais, independentemente do tipo de encaixe da relativa.
5.3.1 Experimento 3.1 Orações relativas não-restritivas
Dado o fraco desempenho dos sujeitos na tarefa anterior, foi realizado um
experimento metalingüístico, compreendendo apenas orações relativas não-restritivas, a
fim de verificar como os sujeitos se comportariam no tipo de tarefa usualmente
empregado na investigação da compreensão de orações relativas.
Objetivo: verificar se as dificuldades de portadores da SW no processamento de orações
relativas são semelhantes às de adultos e crianças neste tipo de tarefa, quando não é
necessária a identificação de um dado referente.
Sujeitos: ver capítulo IV.
Material: foram criadas 9 sentenças em função das variáveis sintáticas local do encaixe
e foco da oração (três sentenças para cada condição SO, SS, OS)51.
(SO) Maria, que Pedro chamou, fechou a porta.
(SS) Maria, que chamou Pedro, fechou a porta.
(OS) Maria chamou Pedro que fechou a porta.
Nestas condições, prevê-se um maior número de acertos para OS, o que é
compatível com uma estratégia que toma o NP mais próximo como o sujeito do segundo
verbo. Para SO e SS, prevê-se uma maior número de erros devido à dificuldade de
manutenção na memória do sintagma complexo. Uma vez que a tarefa é metalingüística,
o material usado é exclusivamente verbal.
Procedimento: Os sujeitos são convidados a participar de um jogo no qual devem
responder à pergunta feita pela experimentadora.
Exemplo: Se eu digo prá você:
SS: Maria, que chamou Paulo, fechou a porta...Quem fechou a porta?
Resultados: Pode ser observada (tabela 6) uma diferença grande entre o número de
acertos na condição OS (86,6% de acertos) e nas demais condições (SS: 40%; SO:
46,6% de acertos), o que sugere que o uso de uma estratégia, pelos sujeitos, que consiste
em atribuir ao correferente do sujeito (pro) da oração encaixada o NP mais próximo ao
verbo da OP. Na condição OS, tanto o uso dessa estratégia quanto um processamento
51 não foram utilizadas sentenças encaixadas do tipo OO devido à intenção de estabelecer o contraste entre SS e OS (quanto ao encaixe) e SO e SS (quanto ao foco).
adequado da relativa acarretam em respostas corretas, o que leva ao grande número de
acertos (86,6%) nesta condição.
Tal procedimento parece indicar um problema de natureza mnemônica por
parte dos sujeitos que, incapazes de reterem na memória imediata a representação do NP
complexo ou da oração principal como um todo, preenchem a categoria vazia com o NP
mais próximo do segundo verbo. Isto é, parece haver uma sobrecarga na memória, que
faz com que os sujeitos consigam resgatar apenas o NP mais próximo à esquerda do
verbo (efeito de "recenticidade"). Assim, do mesmo modo que no experimento anterior,
envolvendo orações relativas restritivas, neste experimento os sujeitos apresentaram um
grande número de erros, que podem ser conseqüências de problemas de memória, e não
necessariamente de déficits vinculados ao sistema computacional da língua.
Tabela 6 Distribuição de respostas corretas por condição por sujeito. (n = 3)
Tipo de sentença
Sujeitos SS SO OS
F 1 3 2 FM 1 1 3 AC 1 0 3 E 2 1 3 A 1 2 2
Total 6 (40%) 7(46,6%) 13 (86,6%)
Mas apesar do fraco desempenho nesta tarefa, o comportamento de portadores
de SW foi semelhante ao de crianças (5-7 anos) e adultos que, neste mesmo tipo de
tarefa, encontraram dificuldades com as orações com encaixe no centro e foco no objeto
(Corrêa 1986 e referências ali citadas). Do mesmo modo que portadores de SW, adultos
e crianças costumam tomar o NP mais próximo como o sujeito do segundo verbo,
independentemente de seu status sintático.
5.4 Experimento 4: Anáforas discursivas (pronominais)
Os princípios que atuam na interpretação das anáforas livres / pronominais e
ligadas (condição de c-comando) não são suficientes para determinar o antecedente das
primeiras. A interpretação deste tipo de elemento anafórico vai ser dependente de
processos discursivos, que podem ser de natureza estratégica ou decorrentes do modo de
operação do aparato processador da linguagem.
O experimento realizado com portadores da SW contou com (pares de) orações
coordenadas, e o sujeito da segunda oração alternava-se entre pronome da 3a pessoa do
singular manifesto e pro. Dados os resultados obtidos por Corrêa (1989, 1998), é de se
esperar que, nas orações coordenadas cujo sujeito é pro, este seja interpretado como o
sujeito da primeira oração, seja em função de uma estratégia que explora o paralelismo
sintático (Sheldon 1974, Smyth 1995), seja em função de pro recuperar o tópico
mantido particularmente ativado na memória (Corrêa 1989, 1990, Ariel 1997). Nas
orações em que o sujeito é o pronome manifesto, crianças (5-7 anos) e adultos falantes
de português tendem a estabelecer um contraste entre este e pro, interpretando o
pronome como antecedente diferente do sujeito da oração anterior. Logo, se portadores
da SW lidarem com o mesmo tipo de estratégia contrastiva entre o pronome manifesto e
pro, espera-se que tenham um comportamento semelhante ao de adultos e crianças.
Contudo, o uso deste tipo de procedimento não é dependente do sistema computacional
da língua. Assim, se portadores da SW tiverem habilidades lingüísticas afetadas fora
deste sistema, é possível que haja diferenças entre seu comportamento e o de falantes
sem déficits.
Objetivo: Verificar se portadores de SW interpretam de forma diferenciada pronomes
manifesto e pro como sujeito de orações coordenadas.
Variáveis manipuladas: forma do pronome anafórico ( manifesto / pro). Para as orações
com pronome manifesto, foi contrabalançado o gênero de pronome (masc. / fem.) e a
posição do pronome.
Sujeitos: Ver capítulo IV
Material: Conjunto de 16 sentenças experimentais e figuras elaborados especialmente
para este experimento (Ex: O sapo bicou a pata e ela/pro pulou a poça) (ver capítulo IV)
Procedimento: Os sujeitos são convidados a participar de um jogo, no qual devem
apontar, dentre 3 cartões com figuras, àquele que corresponde à resposta para a pergunta
feita pela experimentadora (ver capítulo IV)
Resultados: Os resultados podem ser vistos nas tabelas 7 e 8. (Constam da tabela 7, na
condição pronome manifesto, apenas os casos em que não havia distinção de gênero
entre o sujeito e o objeto da primeira oração do par coordenado) Diferentemente dos
resultados obtidos no experimento que contrasta anáforas livres e ligadas, cuja
interpretação envolve diretamente princípios dependentes do mecanismo computacional
da língua, os resultados obtidos nesta tarefa indicam que os sujeitos experimentaram
algum grau de dificuldade para lidar com estratégias de natureza discursiva.
Tabela 7 Distribuição (%) de respostas em função do tipo de pronome, quando este é correferente ao sujeito da primeira oração coordenada.
Tipo de pronome
Sujeitos nulo (pro) (n = 8) manifesto (n = 4)
F Zero 25 FM 37,5 25 AC 75 Zero E Zero Zero A 25 50
Média total: 27,5% 20%
O índice de respostas em que o pronome (nulo ou manifesto) é interpretado
como correferente do sujeito da 1a oração foi bastante baixo. Isto é, em 72,5% das
respostas, o antecedente de pro é tomado como sendo o objeto da 1a oração, o que
corresponde ao NP imediatamente anterior a pro. Na condição sujeito manifesto
(considerando apenas os casos em que não havia distinção de gênero - situação a
princípio ambígua, visto que o pronome pode ser interpretado como sujeito ou como
objeto da primeira oração coordenada: O pato bicou o sapo e ele pulou a poça), foram
computadas as respostas em que o pronome é interpretado como o sujeito da primeira
oração, o que correspondeu a 20% das respostas. Logo, 80% das respostas
corresponderam à interpretação do pronome como correferente do NP objeto. Contudo,
essa interpretação não decorreu do estabelecimento do contraste entre pronome e pro.
Os resultados obtidos podem sugerir o uso de uma estratégia que consiste em
identificar o sujeito da 2a oração do par coordenado com o NP mais próximo à esquerda
do verbo da 2a oração do par, independentemente do tipo de pronome (manifesto ou
pro). O desempenho de portadores da SW na condição sujeito manifesto com distinção
de gênero pode ajudar a esclarecer se a presença do traço formal de gênero facilita a
resolução da anáfora pronominal ou se, apesar da presença deste traço, os sujeitos
continuarão a tomar o NP mais próximo à esquerda.
Dado que na condição pronome manifesto com distinção de gênero o
correferente do pronome foi contrabalançado entre o sujeito e o objeto da 1a oração
coordenada, o uso de uma estratégia que interprete o pronome como o NP mais próximo
à sua esquerda induziria um desempenho ao acaso, uma vez que o uso dessa estratégia
levaria a respostas corretas na condição em que o pronome é, de fato, correferente do
objeto da 1a oração.
O traço formal de gênero foi considerado por 3 dos 5 sujeitos
investigados. Apenas dois sujeitos tiveram um desempenho ao acaso. O desempenho de
F e E (ambos com 50% de acertos) é compatível com o uso de uma estratégia como a
descrita acima, apoiada apenas na memória, e que não leva em conta os traços de
gênero. Já o desempenho de A e FM (ambos com 75% de acertos) sugere que o traço de
gênero foi considerado ao menos algumas vezes, levando a uma interpretação correta do
pronome manifesto.
Tabela 8 Distribuição (%) de respostas corretas para a condição sujeito manifesto com distinção de gênero (n = 4)
Pronome Manifesto
Sujeitos Com distinção de gênero
F 50 FM 75 AC 100 E 50 A 75
Média total 70 %
O desempenho de AC (100% de acertos) sugere que o fato de ser portador de
SW não implica necessariamente incapacidade de utilizar estratégias de natureza
discursiva quando da resolução de anáforas pronominais, particularmente quando esta
resolução pode ser apoiada na concordância de gênero. Entretanto, como um todo, o
grupo SW parece enfrentar dificuldades quando é necessário depender de informação de
natureza estritamente discursiva para a identificação do antecedente do pronome. Em
geral, o grupo não faz distinção entre o tipo de pronome anafórico (manifesto ou pro),
tendendo a buscar como correferente o NP mais próximo à esquerda.
5.5 Experimento 5: Pressuposições e implicaturas
A partir dos resultados de Eisele et al. (1998)52, que sugerem um padrão de
processamento de orações que contêm pressuposições e orações que contêm
implicaturas diferente em crianças com lesões no hemisfério direito e crianças com
lesão no hemisfério esquerdo do cérebro, foi realizado um experimento a fim de
verificar se o desempenho de portadores da SW se assemelharia ao de crianças com
lesão no hemisfério direito do cérebero. Dada a possível preservação da linguagem em
portadores da SW, prevê-se um comportamento dos sujeitos semelhante ao de crianças
que apresentam o hemisfério esquerdo preservado: boa compreensão das
pressuposições, mesmo sob negação.
Objetivo: Avaliar a compreensão de pressuposições e implicaturas em portadores da
SW, verificando se há uma possível semelhança entre as respostas de portadores da SW
e as de crianças com lesões cerebrais unilaterais. Precisamente, verificar se há
semelhança entre o desempenho do grupo SW e o de crianças com preservação do
hemisfério esquerdo do cérebro - hemisfério relacionado aos aspectos sintáticos da
linguagem - naquilo que parece depender da preservação deste hemisfério,.
Variáveis manipuladas: presença / ausência de negação sintática ; tipo de inferência
(pressuposição / implicatura)
Sujeitos: ver capítulo IV
Material: Conjunto de 24 sentenças experimentais:12 contendo pressuposições (metade
com negação sintática) e 12 contendo implicaturas (metade com negação sintática). O
número de respostas sim / não foi contrabalançado. Nas implicaturas, foram utilizados
os verbos lembrar (de) e conseguir, e, nas pressuposições, lembrar (que) e saber (ver
capítulo IV). Foram utilizadas orações do tipo:
Maria (não) lembrou que fechou a janela. Maria fechou a janela?
Maria (não) lembrou de desligar o carro. Maria desligou o carro?
Procedimento: esta é uma tarefa de natureza metalingüística, em que os sujeitos devem
responder às perguntas feitas pela experimentadora.(ver capítulo IV)
Resultados: Os resultados obtidos (tabela 9) indicam que, na ausência de negação, o
índice de acertos do grupo SW para pressuposições e para implicaturas é bastante alto
(80% e 76%, respectivamente).
1. Maria sabe que acordou os vizinhos (pressuposição)
2. Rodrigo conseguiu pular o muro (implicatura)
Contudo, ao se acrescentar a negação ao verbo principal, o desempenho para
as orações que envolvem pressuposições cai sensivelmente (30%), o que não acontece
nas orações que envolvem implicaturas (80%), indicando que a variável "negativa"
exerce influência apenas nas pressuposições.
3. Maria não sabe que acordou os vizinhos (pressuposição)
4. Renato não lembrou de apagar as luzes (implicatura)
Analisando a tabela 10, vemos que, no que tange `as pressuposições, os
resultados do grupo SW estão na mesma direção que os de sujeitos com lesão cerebral
no hemisfério direito do cérebro (esquerdo preservado), apresentando uma queda no
desempenho apenas nas pressuposições com negativa. Quanto às implicaturas, o grupo
SW teve um desempenho semelhante ao do grupo com o hemisfério esquerdo
preservado, e acrescentando-se a negativa, o desempenho dos sujeitos SW foi superior
ao dos sujeitos com o hemisfério esquerdo preservado investigados por Eisele et al.
(1998). O fraco desempenho do grupo SW na condição pressuposição com negativa - se
comparado ao grupo investigado por Eisele et al., - pode ser conseqüência do fator
idade, dado que nos grupos de Eisele et al. 83% dos sujeitos estava acima dos 10 anos,
52 ver pg 86 para comentário sobre este experimento.
idade em que a dificuldade com pressuposições + negativa parece ser superada (em
crianças sem lesão (Phinney 1981, Singer 1988, Hopman e Maratsos 1978, apud Eisele
et al 1998))
Os resultados obtidos podem ser explicados tanto em função da hipótese de
dificuldades de ordem maturacional (Phinney 1981, Singer 1988), quanto da hipótese de
dificuldades de diferenciação semântica entre verbos factivos (relativos a
pressuposições) e verbos não factivos (relativos a implicaturas) (Hopman e Maratsos
1978, apud Eisele et al. 1998) no que se refere à caracterização da linguagem na SW.
Tabela 9 Distribuição (%)de respostas corretas em função do tipo de inferência e de negação (n = 6)
Tipo de inferência
Pressuposição Implicatura
Negação
Sujeitos s / neg. c / neg. s / neg. c / neg.
F 33,3 50 50 83,3 FM 100 16,6 100 100 AC 66,6 16,6 50 53 50 E 100 Zero 100 100 A 100 66,6 83,3 66,6 Média total 80 30 76,6 80
Tabela 10 Comparação entre o desempenho médio (% de acertos) do grupo SW e do grupo com lesão no hemisfério direito em função do tipo de inferência e de negação
Tipo de inferência Pressuposição Implicatura Negação
Sujeitos s / neg. c / neg. s / neg. c / neg. 53 Nesta condição, AC parece demonstrar uma espécie de desvio semântico, pois para o ítem "Rodrigo conseguiu pular o muro. Rodrigo pulou o muro?", respondeu não, comentando que ninguém consegue pular um muro. Contudo, para "Rodrigo não conseguiu pular o muro" sua resposta foi sim.
SW 80 30 76,6 80 lesão no HD 85 65 70 50
Assumindo-se que o tipo de movimento envolvendo o escopo da negativa em
orações com verbos factivos é de responsabilidade do sistema computacional da língua,
e que este, por sua vez, é biologicamente inato à espécie humana, e, enquanto tal,
passível de maturação, é possível admitir que a dificuldade das crianças com estas
estruturas se deva à questões de ordem maturacional do sistema computacional da
língua.
Assim, se por um lado adotarmos a hipótese de que a causa dos erros
cometidos pelas crianças se deve a uma falta de maturação do sistema computacional da
língua para estas estruturas (movimento da negativa em orações complexas que contêm
verbos factivos), a dificuldade apresentada por portadores da SW é compatível com o
fato de a idade mental não corresponder à idade cronológica dos sujeitos. Isto é,
assumindo-se que a idade mental dos sujeitos seja equivalente à idade cronológica das
crianças que ainda apresentam dificuldades no processamento de orações negativas
complexas contendo verbos factivos (até 11 anos), é possível também que seu sistema
computacional esteja no mesmo estágio de maturação do das crianças sem déficits.
Mas, se por outro lado, adotarmos a hipótese de que as dificuldades no
processamento destas estruturas se devem a dificuldades quanto às distinções
semânticas entre verbos factivos e não-factivos, o baixo nível de desempenho dos
portadores da SW se explicaria justamente pelo déficit de natureza semântico / lexical
que estes apresentariam. Isto é, dada a possibilidade de dissociação entre sistema
computacional e "entradas lexicais", com a possível preservação do sistema
computacional, é de se esperar que aquilo que não é dependente de regras (como a
distinção semântica entre verbos factivos e verbos não-factivos) apresente problemas
para esta população. Assim, se a informação " verbo factivo / verbo não factivo" estiver
listada nas entradas lexicais dos verbos, é possível que portadores da SW demonstrem
problemas naquilo que depende exclusivamente da diferenciação factivos / não-factivos:
o escopo da negação em orações complexas. Este tipo de informação pode ainda não
estar listado nas entradas lexicais, mas ser dependente de domínios compartilhados entre
linguagem e outros sistemas cognitivos.54 Contudo, a falta de informação sobre a idade
mental dos sujeitos torna esta avaliação apenas sugestiva.
5.6 Experimento 6: Gênero gramatical
Como mencionado algumas vezes no decorrer deste trabalho, o gênero
gramatical é uma questão bastante controversa. Embora a proposta de Abney (1987)
seja adotada no programa minimalista, e decorrência deste fato é o sistema de gênero
gramatical possivelmente ser de responsabilidade do sistema computacional da língua,
relacionando-se diretamente com a teoria de checagem (Jakubowicz e Faussart 1998),
no programa minimalista Chomsky (1995) afirma que “em alguns casos estes traços
(das matrizes lexicais) podem ser considerados idiossincráticos (por exemplo o traço
plural de “pires”, ou gênero gramatical).”(Chomsky 1995:236)
Para Karmiloff-Smith, o sistema de gênero do francês é aprendido por
repetição (by rote). As crianças aprendem os pares arbitrários artigo / nome de forma
mecânica e, a partir daí, induzem o sistema parcialmente regular baseado em oposições
fonológicas do final das palavras. O sistema de gênero é, portanto, arbitrário, e não pode
54 Contudo, é possível que a tarefa utilizada possa induzir à falta de atenção. Num estudo informal, conduzido com crianças (6 a 10 anos), estas muitas vezes pediam para voltar ao início das perguntas, pois achavam que haviam respondido errado. Deste modo, acabavam por se auto-corrigir, o que acarretou em um alto número de acertos para todas as condições. Em todo caso, o tempo de resposta para as orações que envolviam negação e verbos factivos era maior que nas outras orações, o que sugere uma maior demanda de processamento.
ser engatilhado (bootstrapped) pela semântica, diferentemente das marcas de plural e
passado simples do inglês. É um sistema complexo, baseado em múltiplas pistas (as
terminações das palavras são pistas apenas probabilísticas, e não determinísticas), e que
apresenta dificuldades para portadores da SW (Karmiloff-Smith et al. 1997).
Clahsen e Almazan (1998), contudo, interpretam diferentemente os resultados
obtidos em Karmiloff-Smith et al.(1997)55. Pressupondo que a linguagem na SW é
caracterizada por uma preservação do sistema computacional da língua e possívis danos
no que se refere às entradas lexicais, uma vez que o sistema de gênero é idiossincrático
e aprendido via repetição e freqüência, ele não é determinado por operações
computacionais, e deve, assim, apresentar dificuldades para portadores da SW.
Contudo, é possível que tanto a aquisição quanto a atribuição (concordância)
do/no sistema formal de gênero não se realizem da forma com que Karmiloff-Smith et
al.(1997) e Clahsen et al.(1998) supõem.
A partir destas considerações, e diferentemente do relatado por Karmiloff-
Smith et al. (1997) e reinterpretado por Clahsen e Almazan (1998), a hipótese aqui
apresentada prevê que o grupo SW não deve apresentar problemas quanto ao gênero
gramatical, posto que a concordância de gênero é realizada sintaticamente, o que
permite que a criança identifique tão cedo este sistema. O gênero do nome deve ser
atribuído a partir do determinante (artigo, pronome) (Abney 1987, apud Jakubowicz e
Faussart, 1998), isto é, a pista que deve ser observada no momento da realização da
concordância deve ser o antecedente do nome, em geral o artigo. Deste modo, a
freqüência das palavras parece ser pouco relevante, pois a atribuição de gênero é então
realizada a partir de um sistema de regras morfossintáticas, em que a concordância de
gênero “se espalha” do determinante para outros itens do sintagma. O funcionamento
55 Detalhes do experimento de Karmiloff-Smith et al.(1997) estão na pg 41. Os resultados obtidos sugerem que portadores da SW apresentam problemas com gênero gramatical.
deste sistema geraria ainda, por exemplo, superregularizações por parte da criança em
palavras como a do personagem o Pateta, que a criança identificaria ( e
superregularizaria) como a Pateta e em sintagmas como o homem careco56. Esta
previsão não é incompatível com resultados obtidos por Karmillof-Smith et al. (1997),
pois o maior número de erros dos sujeitos aconteceu justamente nas situações em que
não havia a pista de artigo (determinante).
Objetivo: verificar como os sujeitos estabelecem a concordância de gênero gramatical
em pseudo-palavras, identificando qual a pista mais importante que os sujeitos seguirão:
o artigo ou a terminação da palavra.
Assumindo-se que a atribuição de gênero gramatical decorre de um processo
de natureza sintática em que, uma vez identificado o núcleo do sintagma determinante -
det - os traços formais de gênero deste núcleo serão atribuídos aos outros elementos do
sintagma, prevê-se que os sujeitos farão a concordância das pseudo-palavras tomando
como pista o determinante.
Variáveis manipuladas: este experimento foi realizado em duas etapas: na primeira
etapa, foi manipulado o tipo de pista para a identificação do gênero: Pista fonológica
(vogal temática-vt); sintática 1 (artigo); sintática 2 (Artigo e adjetivo).
Exemplo: Pista vt: Família de Delos; Pista sintátia 1: Os Dabos; Pista
sintática 2: Os Dabos coloridos.
Na segunda etapa, para as condições com pista sintática (1 e 2), foi manipulada
a variável compatibilidade fonológica (congruência / incongruência entre os
constituintes). Exemplo: Os Dabos / As dabos.
Sujeitos: ver capítulo IV. 57
56 como Jakubowicz e Faussart (1998) propõem, este exemplo parece indicar que os traços do det se “espalham” para os traços do adjetivo. 57 Os resultados do sujeito F não foram considerados por ele ter omitido, talvez propositadamente, a vogal temática das respostas (a/o), que indicaria o gênero gramatical atribuído aos personagens.
Material: Foram elaboradas 6 estórias, e bonecos personagens destas estórias (ver
capitulo IV)
Procedimento: Foi contada uma estória para a criança (cf. apêndice), e ao final foi feita
uma pergunta que induzia a produção do nome com o adjetivo correspondente, que
deveria estar flexionado.
Resultados: foram consideradas respostas corretas aquelas cuja pista seguida é o gênero
gramatical do determinante (artigo), exceto na condição vt, em que só existia a pista
fonológica. Como pode ser observado na tabela 11, a condição sem pistas, em que não
há pista do artigo, mas apenas a pista fonológica da terminação da palavra, foi a que
produziu o maior número de erros, com apenas 62,5% de respostas corretas. Nas outras
condições, o índice de acertos foi de 87,5%. Este resultado é compatível com a hipótese
apresentada, pois na ausência do determinante a concordância de gênero não é realizada
por meio de operações computacionais (nos casos de palavras inventadas).
A análise da tabela 12 revela que a variável compatibilidade fonológica exerce
influência nas respostas dos sujeitos, ainda que muito pequena. Assim, nas condições
em que há compatibilidade fonológica entre o nome e o artigo e entre nome, artigo e
adjetivo, os sujeitos obtiveram 100% de acertos. Nas condições em que havia
incongruência entre nome e artigo, ou entre nome, artigo e adjetivo, o desempenho caiu
um pouco, com 75% de acertos. É possível observar ainda que o número de elementos
no sintagma (2 elementos quando há artigo e nome; 3 elementos quando há artigo, nome
e adjetivo) não exerceu influência nos resultados, com 75% para cada condição. Os
resultados obtidos sugerem que tanto a variável tipo de pista quanto a variável
compatibilidade fonológica influenciaram os resultados. Pela tabela 11 é possível
observar que, exceto quando não há pista sintática e os sujeitos são obrigados a se
apoiar na pista fonológica da terminação das palavras, pista que não é sistemática, o
índice de acertos dos sujeitos foi bastante alto (87,5%). Os resultados sugerem também
que a quantidade de pistas fornecidas não afetou o desempenho, pois o número de
acertos para a condição "sintática 1" foi o mesmo do da condição "sintática 2". Quanto
à variável compatibilidade fonológica, os resultados sugerem a condição
compatibilidade fonológica facilitou o desempenho dos sujeitos (tabela 12).
Tabela 11 Número de respostas corretas por sujeito em função do tipo de pista (n = 2)
Tipo de pista
Sujeitos VT Sintática 1 Sintática 2
FM 2 2 2 AC 1 2 1 E 1 2 2 A 1 1 2
Total 5 (62,5%) 7 (87,5%) 7 (87,5%)
Tabela 12 Número de respostas corretas na condição com pistas sintáticas em função da compatibilidade fonológica (n = 2)
Compatibilidade fonológica
Sujeitos Compatível Incompatível
FM 2 2 AC 2 1 E 2 2 A 2 1
Total 8 (100%) 6 (75%)
Na condição em que os traços de gênero do artigo e do adjetivo eram
compatíveis com os traços de gênero das pseudopalavras, o índice de acertos foi de
100%. Quando não havia compatibilidade entre os traços de gênero da pseudopalavra e
os outros elementos do sintagma, o desempenho dos sujeitos caiu para 75%. Ainda
assim, o desempenho de portadores da SW nesta tarefa sugere uma preservação no que
tange aos mecanismos responsáveis pela concordância de gênero.
6. DISCUSSÃO GERAL
Os resultados obtidos na presente pesquisa dão suporte à hipótese de que a
linguagem em portadores da SW pode ser considerada preservada no que se refere
àquilo que é diretamente dependente do sistema cognitivo da linguagem. O que, em
termos atuais, significa uma preservação do sistema computacional da língua. Assim,
em estruturas cujos procedimentos de processamento são diretamente determinados
pelos mecanismos computacionais da língua, como a compreensão de orações passivas,
de anáforas ligadas e, possivelmente, gênero gramatical, os sujeitos tiveram um
desempenho muito bom, o que indica que estas estruturas não apresentam problemas
para a população investigada. Já nas estruturas cujo processamento não é determinado
exclusivamente por processos de natureza sintática, o desempenho dos sujeitos caiu
sensivelmente. Na tarefa envolvendo anáfora discursiva/pronominal, ficou bastante
evidente a dificuldade dos sujeitos em interpretar o antecedente do pronome nulo e
pleno em orações coordenadas. No que tange às orações relativas, o desempenho
também não foi muito bom, quer nas relativas restritivas quer nas não-restritivas.
Contudo, esse fraco desempenho não parece justificar a alegação de que o sistema
computacional da língua, no que se refere à recursividade, esteja comprometido. Os
erros nas orações relativas restritivas são semelhantes aos de crianças de 3-4 anos, e
sugerem a percepção da oração encaixada. Os erros nas orações não restritivas são
semelhantes aos de crianças e adultos nestas tarefas. Estes erros podem advir da busca
pelo NP mais próximo, como parece ter ocorrido na interpretação do pronome e de pro
sem marca de gênero. Na condição pronome com marca de gênero, o traço de gênero
gramatical parece ter sido levado em conta, o mesmo acontecendo no experimento sobre
gênero gramatical.
O grande número de erros obtidos nas tarefas compreendendo anáfora
discursiva e orações relativas não-restritivas sugere que os sujeitos tendem a se apoiar
em uma estratégia que consiste em atribuir ao pronome nulo correferência com o NP
mais próximo à esquerda do verbo, possivelmente devido à alta demanda do
componente de curto prazo da memória de trabalho imposta pela tarefa. No experimento
envolvendo orações relativas restritivas, o problema também parece ser causado pela
alta demanda do sistema de memória de trabalho, embora diferenças nos dois tipos de
tarefas utilizadas tenham levado a diferentes tipos de erros. Se nas relativas não
restritivas a estratégia consistia simplesmente em interpretar pro como o NP mais
próximo, a tarefa de manipulação se mostrou mais sensível ao processamento
lingüístico realizado pelos sujeitos, indicando que, embora a oração relativa seja
percebida como tal, ela não é processada, o que leva os sujeitos a manipularem os
objetos com base na oração principal. Evidência de que as demandas de memória
impostas pela(s) tarefa(s) podem ter afetado o desempenho dos sujeitos está no fato de
estas estruturas aparecerem diversas vezes na fala espontânea dos sujeitos58.
Neste ponto retomamos a observação relativa à dificuldade metodológica de se
isolarem dificuldades oriundas de déficits no sistema computacional da língua de
dificuldades na condução de procedimentos de análise pelo processador de linguagem.
(O que em termos tradicionais significa a dificuldade em se dissociar competência de
desempenho lingüístico.) Só temos acesso à linguagem quando esta já passou pelo(s)
sistema(s) de desempenho, e não há, até o momento, meios capazes de fornecer acesso
direto à competência lingüística do falante, isto é, às derivações lingüísticas geradas
pelo sistema computacional da língua. Sendo assim, no momento em que é detectada
alguma "falha" na linguagem, como por exemplo no caso da compreensão das relativas,
58 “A matéria que eu mais gosto é…português”; “…prá pegar o ônibus que vem aqui pro aterro…”; “…era um homem japonês que lutava com um monte de homens...”; “…tem um outro rapaz que pinta
é preciso comparar diferentes condições de desempenho para saber a que a falha em
questão pode ser atribuída. (Se os sujeitos parecem não compreender determinada
estrutura da língua, mas são capazes de produzi-la, o déficit dificilmente poderá ser
atribuído ao sistema computacional.) O fato de o desempenho dos sujeitos nas orações
relativas ter sido semelhante ao de crianças de 3-4 anos sem déficits (Corrêa 1986,
1995) também sugere que os problemas de compreensão observados nestas estruturas
são decorrentes de "falhas" no(s) sistema(s) de desempenho, e não no sistema
computacional da língua.59
Na tarefa envolvendo a compreensão do valor verdade de pressuposições e
implicaturas, fica bastante evidente a dificuldade imposta pela condição verbos factivos
+ partícula negativa. O motivo para o fraco desempenho dos sujeitos nesta condição,
contudo, ainda não está claro. A literatura referente ao processamento destas estruturas é
controversa, e ambas as propostas citadas são compatíveis com a hipótese de trabalho
desta pesquisa. Se, por um lado, adotamos a hipótese de que a dificuldade com verbos
factivos + negação do verbo principal se deve a questões de ordem maturacional, e a
idade mental dos sujeitos costuma estar abaixo de sua idade cronológica, os resultados
obtidos tornam-se bastante coerentes. Por outro lado, se adotamos a hipótese de que a
dificuldade com essas estruturas se deve a um problema de diferenciação semântica
entre verbos factivos e não-factivos, os resultados também tornam-se coerentes, uma
vez que a hipótese do presente trabalho sustenta uma preservação apenas do sistema
também…”. 59 A possibilidade de determinados distúrbios de linguagem serem provenientes de déficits diretamente relacionados ao processamento da linguagem, e não às derivações lingüísticas produzidas pelo sistema computacional (os chamados déficits estruturais) foi levantada por Zurif et al. 1993 e Swinney & Zurif 1995 (ambos apud Lima, 1999), quando da descrição dos déficits de afásicos agramáticos. Para estes pesquisadores, a dificuldade de afásicos agramáticos com determinadas estruturas, como as orações relativas, dever-se ia a uma “diminuição dos recursos cognitivos dedicados às operações sintáticas”, o que faz com que operações copmplexas, como o processamento de relativas, não sejam realizadas, o que não acontece com operações mais simples como a construção dos sintagmas. O agramatismo seria caracterizado, portanto, como um “déficit de processamento, que afeta o uso de representações lingüísticas” (Lima, 1999: 35)
computacional da língua, com um possível comprometimento do subcomponente
"entradas lexicais" na SW. Isto é, se a diferença entre verbos factivos (envolvidos em
pressuposições) e verbos não-factivos (envolvidos em implicaturas) e,
consequentemente, a relação que estes apresentam com a negação está listada nas
entradas lexicais, sob a forma de informação idiossincrática e intrínseca aos verbos
(informação de como o complemento do verbo se comporta diante da negação:
permanecendo verdadeiro ou não) possivelmente o desempenho dependente desta
relação apresentará problemas para portadores da SW. Entretanto, como já mencionado,
este tipo de informação não precisa, necessariamente, estar listado nas entradas lexicais
do verbo, mas pode ser dependente de informação semântica não exclusivamente
lingüística, pertencendo, então, a domínios compartilhados entre linguagem e outros
sistemas cognitivos. Mas tanto os resultados obtidos aqui com portadores de SW como
os relatados na literatura devem ser observados com cautela, uma vez que o
experimento parece apresentar dificuldades metodológicas.
Quanto à tarefa envolvendo atribuição de gênero gramatical, o bom
desempenho dos sujeitos corrobora a hipótese de que a atribuição de gênero gramatical
é realizada pelo sistema computacional da língua, diferentemente do que supõem
Karmillof-Smith et al.(1997) e Clahsen e Almazan (1998). Os resultados encontrados
aqui são opostos aos resultados encontrados pelo grupo de Karmillof-Smith, o que
aponta para a necessidade de mais estudos sobre gênero gramatical em portadores da
SW.
Suporte em favor de nossa hipótese de trabalho vem também dos resultados de
Karmiloff-Smith et al.(1998)60, em que o grupo SW estudado não apresentou
sensibilidade às violações sintáticas de estrutura de subcategorização do verbo.
Possivelmente restrições de subcategorização do verbo não são dependentes de um
sistema computacional da língua. Esta é uma questão que ainda não foi totalmente
esclarecida pela teoria lingüística, e é possível que este tipo de informação esteja listada
nas entradas lexicais do verbo, ou que esteja na interface entre sintaxe e semântica.
(Chomsky 1997)
Uma questão que se apresenta a respeito do desenvolvimento tardio de
habilidades lingüísticas em portadores da SW é se este atraso existe de fato ou se há
dificuldades relacionadas à compreensão e execução das tarefas relacionadas à
linguagem e da própria situação experimental. Assim, no caso dos sujeitos que não
puderam participar e que tinham pouca idade, o motivo da não-participação pareceu ser
dificuldades quanto à realização da tarefa, e não dificuldades de origem lingüística. Um
dado a favor desta hipótese é que, quando encontrados em uma outra situação, não-
experimental, de conversa espontânea, os sujeitos não demonstram problemas quanto à
linguagem, conversando bastante com outras pessoas. A situação experimental também
parece contribuir imensamente para um desempenho fraco de alguns sujeitos.61
Ainda um último aspecto a ser considerado diz respeito à heterogeneidade do
grupo SW. Como se sabe, a SW é causada por um apagamento muito pequeno (tão
pequeno que só foi descoberto em 1993) em uma das duas cópias do cromossomo 7.
Descobriu-se recentemente que o tamanho da região apagada pode variar entre os
indivíduos, mas ainda não é possível estabelecer uma relação entre tamanho do
apagamento e déficits cognitivos mais ou menos pronunciados, uma vez que existe,
dentro do grupo SW, uma grande variabilidade no que tange aos déficits cognitivos.
Recentemente, tem sido sugerido que a heterogeneidade do grupo não tem relação direta
60 Ver pg. 48 para descrição deste experimento. 61 O sujeito AN, por exemplo, na situação de entrevista informal e teste, limitava-se a repetir minhas palavras quando lhe era perguntado alguma coisa. Encontrado numa situação não experimental, especificamente num evento social com portadores da SW, AN veio em minha direção me
com o tamanho do material genético apagado, mas sim com as possíveis combinações
genéticas decorrentes do apagamento. Por isso, a SW é caracterizada como uma
síndrome de deleção de genes contíguos. Uma vez que há ausência de material genético,
genes que normalmente estariam distantes passam a ficar lado a lado, originando
“novos” perfis físicos e cognitivos. As conseqüências desta interação genética resultante
ainda são imprevisíveis, mas há grandes possibilidades de esta ser a razão do perfil tão
heterogêneo de portadores da SW (Osborne, 1999).
Levando estas descobertas da Genética para o âmbito da linguagem, os
resultados deste trabalho sugerem que ao menos o sistema computacional da língua se
mantém preservado diante das alterações genéticas que causam SW. As informações
contidas nas entradas lexicais, os sistemas “externos” que se comunicam com o sistema
cognitivo da linguagem, além de outros aspectos lingüísticos não dependentes de um
sistema computacional – como estratégias discursivas - e determinados aspectos da
memória parecem estar mais vulneráveis a danos na SW. A extensão destes danos,
contudo, parece variar, o que pode levar a uma impressão de linguagem mais preservada
ou menos preservada nos indivíduos. Concebendo-se linguagem como um sistema que
possui domínio específico e domínios compartilhados com outros sistemas cognitivos,
tem-se que o que é dependente do domínio específico parece estar seletivamente
preservado na SW. (Conclusão que não é possível adotando-se uma visão de linguagem
como algo indiferenciado.)
Esta variabilidade no grau de “danificação” dos outros aspectos relacionados à
linguagem que não o sistema computacional pode ser conseqüência, portanto, da
interação genética resultante da falta de material genético. Mas estas são apenas
especulações, e ainda são necessárias muitas pesquisas para que o perfil cognitivo da
SW seja bem compreendido.
cumprimentando “oi, tudo bom?”.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BADDELEY, A.D. (1986). Working Memory. New York, Oxford University Press. _____________. (1999) Memory. IN: Robert Wilson e Frank Keil (Eds) The MIT Encyclopedia of the Cognitive Sciences, MIT Press. BALTIN, M. (1995). Floating quantifiers, PRO and predication. Linguistic Inquiry, 26: 199-248. BATES, E. e Goodman, J. (1997) On the inseparability of grammar and the lexicon: evidence from acquisition, aphasia and real-time processing. Language and Cognitive Processes, 12: 507-584. BELLUGI, U., Bihrle, A., Jernigan, T., Trauner, D., and Doherty, S. (1990). Neuropsychological, neurological, and neuroanatomical profile of Williams syndrome. Am. J. Med. Genet. Supp. 6: 115-125. BELLUGI, U.; Marks, S.; Bihrle, A. e Sabo, H. (1993). Dissociation between language and cognitive functions in Williams syndrome. In: Language Development in Exceptional Circumstances, eds D. Bishop e K. Mogford, pp177-189. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. BELLUGI, U., Wang, P.P., and Jernigan, T.L. (1994). Williams syndrome: An unusual neuropsychological profile. In Atypical Cognitive Deficits in Developmental Disorders: Implications for Brain Function, eds. S. Broman e J. Grafman, pp. 23-56. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. BISHOP, D. (1998) Uncommon Understanding: Development and Disorders of Language Comprehension in Children. Hove: Psychology Press. CELF-R (Clinical evaluation of Language Fundamentals - Revised) Semel, H.; Wiig, E; Secord, W. e Sabers, D. (1986) The Psychological Corporation. CHOMSKY, N. (1965) Aspects of the Theory of Syntax. Cambridge, Mass.: The MIT Press. _____________. (1995) The Minimalist Program. Cambridge, Mass: The MIT Press. _____________. (1997) Novos horizontes no estudo da linguagem. D.E.L.T.A., 13, Edição Especial: Chomsky no Brasil: 1-20. _____________. (1998) The Minimalist Program. Working Papers in Linguistics, MIT Press CLAHSEN, H. e Almazan, M. (1998) Syntax and morphology in Williams syndrome. Cognition 68:167-198. CORRÊA, L.M.S. (1986) On the comprehension of relative clauses: A developmental study with reference to Portuguese. Unpublished PhD. Dissertation. University of London. ___________. (1989) Por que orações relativas são de difícil compreensão por crianças? D.E.L.T.A. 5(2): 133-148.
__________. (1993) Restrições ao pronome livre na linearização do discurso. Palavra 1: 75-95 __________. (1995) The relative difficulty of children’s comprehension of relative clauses: A procedural account. Em K.E. Nelson & Z. Réger (Eds) Children’s Language, vol.8 Hillsdale, N.J.: Lawrence Erlbaun. __________. (1995) An alternative assesment of children's comprehension of relative clauses. J. Psycholinguistic Research, 24: 183-203. __________. (1998) Acessibilidade e paralelismo e o contraste pro/pronome em português. D.E.L.T.A. 24: 295-330. __________ (1999a). A produção de sentenças no discurso e a questão da referência pronominal na aquisição da linguagem recolocada. Em L. G. Cabral & J. Morais (Orgs.) Investigando a Linguagem: Ensaios em homenagem a Leonor Scliar-Cabral. Florianópolis: Ed. Mulheres. __________ (2000). Aquisição da Linguagem: Uma retrospectiva dos últimos 30 anos D.E.L.T.A.(no prelo) __________. (a sair). Self-Correction in the establishment of pronominal reference and the thematic subject estrategy reconsidered. __________ e Figueiredo (1998).Trabalho apresentado no III Encontro Brasileiro - Internacional de Ciência Cognitiva. Campinas, Brasil CRISCO, J.; Dobs, J. e Mulhern, R. (1998). Cognitive processing of children with Williams syndrome. Developmental Medicine and Child Neurology, 30: 650-656. CULICOVER, P. (1997). Principles and Parameters – An Introduction to Syntactic Theory. Oxford University Press. CURTISS, S. (1980). The critical period and feral children. Artigo apresentado na First Annual Conference: Language / Reading: Comprehension and Products. San Diego University. Dicionário de termos lingüísticos. Editora Cosmos, Lisboa. EISELE, J.; Lust, B. e Aram, D. (1998). Pressuposition and Implication of truth: linguistic deficits following early brain lesions. Brain and Language 61: 376-394. FODOR, J. (1983) The Modularity of Mind: An Essay on Faculty Psycology. Cambridge, Mass.: The MIT Press. GERKEN, L. e Shady, M. (1998) The Picture Selection Task. In: Methods for Assessing Children's Syntax. D. Daniel, C. McKee e H.S.Cairns (Eds). MIT Press. GOODLUCK, H. (1998). The Act-out task. In: Methods for Assessing Children's Syntax. D. Daniel, C. McKee e H.S.Cairns (Eds). MIT Press. GORDON, P. (1998). The truth -value Judgment task. In: Methods for Assessing Children's Syntax. D. Daniel, C. McKee e H.S.Cairns (Eds). MIT Press. GREER, M.; Brown, F.; Pai, G.; Choudry, S. e Klein, A. (1997). Cognitive, adaptative, and behavioral characteristics of Williams syndrome. Am. J. Medical Genetics 74: 521-525.
HARRISON'S Principles of Internal Medicine - 12th Edition (1991) International Edition HOWLIN, P.; Davies, M. e Udwin, O. (1998). Cognitive functioning in adults with Williams syndrome. J. Child Psychology and Psychiatry 39: 183-189. JACKENDOFF, R. (1977). X' Syntax: A study of phrase strucuture. Cambridge: Mass, MIT Press. JAKUBOWICZ, C. e Faussart, C. (1998). Gender agreement in the processing of spoken french. J. Psycholinguistic Research 27: 597-617. JERNIGAN, T.L. and Bellugi, U. (1990). Anomalous brain morphology on magnetic resonance images in Williams syndrome and Down syndrome. Arch. Neurol. 47: 529-533. JERNIGAN, T.L.; Bellugi, U.; Sowell, E.; Doherthy,S. e Hesselink, J. (1993). Cerebral Morphologic distinctions between Williams and Down syndromes. Arch. Neurol. 50: 186-191. JERNIGAN, T.L. & Bellugi, U. (1994). Neuroanatomical distinctions between Williams and Down syndromes. In Atypical Cognitive Deficits in Developmental Disorders: Implications for Brain Function, eds. S. Broman and J. Grafman, pp. 57-66. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. JUSCZYK, P., Hirsh-Pasek, Kemler-Nelson, Kennedy, Woodward e Piwoz (1992). Perception of acoustic correlates of major phrasal units by young infants. Cognitive Psychology, 24: 252-293. KARMILOFF-SMITH, A. (1992). Beyond Modularity: A Developmental Perspective on Cognitive Science. Cambridge, Mass: MIT Press. KARMILOFF-SMITH, A.; Grant, J.; Berthoud,I.; Davies, M.; Howlin, P. e Udwin, O. (1997). Language and Williams syndrome: How intact is "intact"? Child Development 68: 246-262. KARMILOFF-SMITH, A.; Tyler, L.; Voice, K; Sims, K.; Udwin, O.; Howlin, P. e Davies, M. (1998). Linguistic dissociationsin Williams syndrome: evaluating receptive syntax in on-line and off-line tasks. Neuropsychologia 36: 343-351. KARMILOFF-SMIHT, A. (1999) Modularity of Mind . IN: Robert Wilson e Frank Keil (Eds) The MIT Encyclopedia of the Cognitive Sciences, MIT Press. LENHOFF, H.; Wang, P.; Greenberg, F. e Bellugi, U. (1997). Williams syndrome and the brain. Scientific American, December: 42-47. LEVINSON, S. (1983) Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press. LIMA, R.J. (1999) Detecção De Agramaticalidade em Afásicos Agramáticos. Dissertação de mestrado, UFRJ. MARTINS, H. (1995). Palavra 5: 87-97 MIOTO, C., Silva, M., Lopes, R. (1999). Manual de Sintaxe. Florianópolis: Editora Insular. NEVILLE, H., Mills, D.. e Lawsoson, D. (1992) Fractionating language: different neural subsystems with different sensitive periods. Cerebral Cortex 2: 244 -258.
NEVILLE, H.; Mills, D. e Bellugi, U. (1994). Effects of altered auditory sensitivity and age of language acquisition on the development of language-relevant neural systems: preliminary studies of Williams syndrome. In Atypical Cognitive Deficits in Developmental Disorders: Implications for Brain Function, S. Broman and J. Grafman (Eds), pp. 67-83. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. OSBORNE, L. (1999) Williams-Beuren syndrome: Unraveling the mysteries of a microdeletion disorder. Molecular Genetics and Metabolism 67: 1-10. OSHERSON, D.N. (1995) The Study of Cognition. In: L. R. Gleitman & M. Liberman (Eds.). Language: An invitation to Cognitive Science, vol. 1. Cambridge, Mass.: MIT Press, 2nd ed. PIATELLI-PALMARINI, M. (Ed) (1980). Language and Learning The debate between Jean Piaget and Noam Chomsky. Cambridge: Mass, Harvard University Press. PINKER, S. (1991). Rules of Language. Science 253: 530-535. __________. (1994). The Language Instinct: The New Science of Language and Mind. The Penguin Press, Harmondsworth, Middlesex. __________. (1998). Como a mente funciona. São Paulo, Companhia das Letras. POSNER, M. e Raichle, M. (1994). Images of Mind. Scietific American Library, New York. RADFORD, A. (1998) Syntax: A minimalist Introduction. Cambridge: Cambridge University Press. RAE, C.; Karmiloff-Smith, A.; Lee, M; Dixon, R; Grant, J.; Blamire, A.; Thompson, C.; Styles, P. e Radda, G. (1998). Brain biochemistry in Williams syndrome - Evidence for a role of the cerebellum in cognition? Neurology, 51: 33-40. SCOVILLE, R. e Gordon, A. (1980). Children's understanding of factive presupositions: an experiment and a review. J. Child Language 7: 381-399. SHAFER, V., Shucard, D., Shucard, J. e Gerken, L.A. (1998). An electrophysiological study of infants' sensivity to the sound patterns of English speech. Journal of Speech, Language and Hearing Research, 41: 874-886. SINGER, M. (1988). A developmental study of children's comprehension of negation in complex sentences involving clauses. J. Genetic Psychology, 148: 189-196. SMITH, N. e Tsimpli, I M.(1995) The Mind of a Savant. Cambridge, Mass. Blackwell. SWINNEY, D. (1999). Aphasia. IN: Robert Wilson e Frank Keil (Eds) The MIT Encyclopedia of the Cognitive Sciences, MIT Press. TANENHAUS, M. (1988). Psycholinguistics: an overview. In: Language: Psychological and Biological Aspects. F. Newmeyer.(Ed). Cambridge, CUP. TASSABEHJI, M., Metcalfe, K., Karmiloff-Smith, A, Carette, M., et al (1999). Williams Syndrome: Use of Chromossomal Microdeletions as a tool to Dissect Cognitive and Physical Phenotypes. American Journal of Human Genetics, 64: 118 – 125. THORNTON, R. (1998). Elicited Production. In: Methods for Assessing Children's Syntax. D. Daniel, C. McKee e H.S.Cairns (Eds). MIT Press.
TYLER, L ; Karmiloff-Smith, A.; Voice, K; Stevens, T.; Grant, T.; Udwin, O.; Davies, M. e Howlin, P. (1997). Do individuals with Williams syndrome have bizarre semantics? Evidence for lexical organization using an on-line task. Cortex 33: 515-527. URIAGEREKA, J. (1999). Rhyme and Reason – An Introduction to Minimalist Syntax. The MIT Press. VICARI, S., Brizzolara, D., Carlesimo,G.A, Pezzini, G. e Volterra, V. (1996 a). Memory abilities in children with Williams syndrome. Cortex 32, 3, 503-14. VICARI, S., Carlesimo,G., Brizzolara, D. e Pezzini, G. (1996 b) Short term memory in children with Williams syndrome: a reduced contribution of lexical-semantic knowledge to word span. Neuropsychologia 34, 919 - 25. VOLTERRA, V., Capirci, O, Pezzini, G., Sabbadini, L. e Vicari, S. (1996). Linguistic abilities in Italian children with Williams syndrome. Cortex 32, 4, 663 - 77. YAMADA, J.E. (1992) Laura: A Case for the Modularity of Language. Cambridge, Mass.: The MIT Press WANG, P., Hesselink, J.R., Jernigan, T.L., Doherty, S., and Bellugi, U. (1992). The specific neurobehavioral profile of Williams syndrome is associated with neocerebellar hemispheric preservation. Neurology 42: 1999-2002. WANG, P. (1999). Cognitive Dissection of WS. Am. J. Medical Genetics 88:103:104.
8. APÊNDICE
Experimento 1: anáforas livres e anáforas ligadas
O ursinho se sujou O pai do ursinho se sujou O pai do ursinho sujou ele O pai do ursinho o sujou
A menina se penteou A avó da menina se penteou A avó da menina penteou ela A avó da menina a penteou
O coelhinho se esfregou O pai do coelhinho se esfregou O pai do coelhinho esfregou ele O pai do coelhinho o esfregou
O elefantinho se molhou O pai do elefantinho se molhou O pai do elefantinho molhou ele O pai do elefantinho o molhou
Experimento 2: orações passivas
O urso foi chutado pela girafa
O violão foi tocado pela menina
O leão foi mordido pelo jacaré
A cobra foi perseguida na piscina
O macaco foi ferido na floresta
O carrinho foi empurrado pelo menino
Experimento 3: orações relativas
SS: O macaco que pulou a vaca derrubou o balde.
SS: O porco que beijou a girafa chutou a árvore.
SO: A galinha que o rato assustou empurrou a cama.
SO: O coelho que o cachorro chutou pulou a pedra.
OS: O elefante mordeu o cavalo que empurrou a escada.
OS: O porco empurrou a vaca que pulou a cerca.
OO: O coelho chutou a pedra que o macaco pulou.
OO: A girafa pulou a cama que leão derrubou.
Experimento 4: anáforas discursivas (pronominais)
O pato bicou a coelha e pulou a poça A pata bicou o coelho e ela pulou a poça (Quem pulou a poça?)
O cachorro lambeu o porco e segurou a bola O cachorro lambeu o porco e ele segurou a bola (Quem segurou a bola?)
Pronome nulo (pro)
O macaco mordeu o cachorro e segurou a pedra.
O urso arranhou o macaco e empurrou a árvore.
O cachorro lambeu o porco e segurou a bola.
O macaco mordeu o cachorro e segurou a pedra.
A rata beijou a gata e comeu o queijo.
O gato empurrou a pata e chutou a cerca.
O sapo chamou a coelha e bebeu a água.
O pato bicou a coelha e pulou a poça.
Pronome Manifesto
A gata empurrou a pata e ela pulou a cerca.
A rata beijou a gata e ela comeu o queijo.
O sapo chamou o coelho e ele bebeu a água.
O urso arranhou o macaco e ele empurrou a árvore.
A cachorra lambeu o porco e ela segurou a bola.
A pata bicou o coelho e ela pulou a poça.
O gato empurrou a pata e ela chutou a cerca.
O coelho empurrou a gata e ela pulou a flor.
Experimento 5: pressuposições e implicaturas
João sabe que trancou a porta. João trancou a porta ?. Renato lembrou de apagar as luzes. Renato apagou as luzes? Márcio não lembrou que escovou os dentes. Márcio escovou os dentes? Luís conseguiu arrumar o quarto. Luís arrumou o quarto? João não sabe que trancou a porta. João trancou a porta? Joana lembrou que comeu o bolo. Joana comeu o bolo? Cristina lembrou de desligar o rádio. Cristina desligou o rádio? Lúcia não conseguiu ligar o carro. Lúcia ligou o carro? Maria lembrou que fechou a janela. Maria fechou a janela? Rodrigo conseguiu pular o muro. Rodrigo pulou o muro? Pedro não sabe que quebrou o braço. Pedro quebrou o braço? Marcos não lembrou de guardar a chave. Marcos guardou a chave? Luís não conseguiu arrumar o quarto. Luís arrumou o quarto? Pedro sabe que quebrou o braço Pedro quebrou o braço? Maria não lembrou que fechou a janela. Maria fechou a janela? Marcos lembrou de guardar a chave. Marcos guardou a chave?
Ana não sabe que acordou os vizinhos. Ana acordou os vizinhos? Márcio lembrou que escovou os dentes. Márcio foi escovou os dentes? Lúcia conseguiu ligar o carro. Lúcia ligou o carro? Cristina não lembrou de desligar o rádio. Cristina desligou o rádio? Rodrigo não conseguiu pular o muro. Rodrigo pulou o muro? Joana não lembrou que comeu o bolo. Joana comeu o bolo? Ana sabe que acordou os vizinhos. Ana acordou os vizinhos? Renato não lembrou de apagar as luzes. Renato apagou as luzes?
Experimento 6: gênero gramatical
Era uma vez uma família de Delos. A família de Delos gostava muito de passear. Num dia de sol, toda a família resolveu passear na floresta. No meio do caminho, uma parte da família de Delos se perdeu, e não conseguiu voltar pra casa. que Delos se perderam? que Delos voltaram para casa? Agora eu vou contar a história das Lapos. Era uma vez duas Lapos. Elas gostavam muito de brincar. Um belo dia as Lapos foram ao parque. Lá no parque, brincaram com outras Lapos. Até que essas ficaram com fome, e foram pra casa lanchar. Que Lapos foram lanchar? Que Lapos continuaram brincando? Agora eu vou contar a história dos Lecas coloridos. Era uma vez os Lecas coloridos. Os Lecas coloridos gostavam muito de nadar. Até que, um dia, foram nadar na piscina. Na piscina, esses Lecas coloridos acharam a água fria e foram brincar ao sol. Que Lecas coloridos acharam a água fria? Que Lecas coloridos ficaram na piscina? Agora eu vou contar uma história de Tebas. Era uma vez uma família de Tebas. A família de Tebas gostava muito de passear. Num dia de sol, toda a família resolveu passear na floresta. No meio do caminho, uma parte da família de Tebas se perdeu, e não conseguiu voltar pra casa. que Tebas se perderam? que Tebas voltaram para casa? Agora eu vou contar a história dos Dabos. Era uma vez dois Dabos. Eles gostavam muito de brincar. Um belo dia os Dabos foram ao parque. Lá no parque, brincaram com outros Dabos. Até que esses ficaram com fome, e foram pra casa lanchar. Que Dabos foram lanchar? Que Dabos continuaram brincando?
Agora eu vou contar a história das Satas coloridas. Era uma vez as Satas coloridas. As Satas coloridas gostavam muito de nadar. Até que, um dia, foram nadar na piscina. Na piscina, essas Satas coloridas acharam a água fria e foram brincar ao sol. Que Satas coloridas acharam a água fria? Que Satas coloridas ficaram na piscina? Personagens inventados usados nas estórias: