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REVISTA UNIARA

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REVISTA

UNIARA

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ARARAQUARA – UNIARA

ReitorLuiz Felipe Cabral Mauro

Pró-Reitoria AcadêmicaFlávio Módolo

Pró-Reitoria AdministrativaFernando Soares Mauro

EditoresMaria Lúcia Ribeiro

Denilson TeixeiraLuis Henrique Rosim

Lívia Nunes

EditoraçãoLívia Nunes

CapaBruno Zago

Conselho EditorialHelena Carvalho De Lorenzo

Inayá Bittencourt e SilvaLuciana Togeiro de Almeida

Mary Rosa Rodrigues de MarchiWilson José Alves Pedro

RevisãoDirce Charara Monteiro (Inglês)

Lívia Nunes (Português)Rosmary dos Santos (Bibliográfica)

REVISTA UNIARA

REVISTA UNIARA: Revista do Centro Universitário de Araraquara.Araraquara – SP – Brasil, 1997.v. 13, n. 1, jul. 2010. 180 p.

Publicação Semestral do Centro Universitário de Araraquara – Uniara.

ISSN 1415-3580

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SUMÁRIO

CONHECENDO O MEIO AMBIENTE EM RIO BONITO: UMA PRÁTICA LÚDICA

E EDUCATIVA NO COLÉGIO NOSSA SENHORA DE NAZARÉ,NOVA FRIBURGO-RJInajara Schuaber GomesJoel de Araujo

RESGATE HISTÓRICO DA PERCEPÇÃO DOS MORADORES LOCAIS EM

RELAÇÃO À TRANSPOSIÇÃO DO RIO PIUMHI PARA O RIO SÃO FRANCISCO

André Tomé de AssisLeonardo Rios

MICORREMEDIAÇÃO DE SOLO IMPACTADO POR RESÍDUOS

DE HIDROCARBONETOS

Franklin Santos FreireSônia Valéria PereiraGraziella de Sá Gattai

ANÁLISE FENOTÍPICA E GENOTÍPICA DE BACTÉRIAS ISOLADAS DO

SOLO DA FLORESTA NACIONAL DOS TAPAJÓS, PARÁ, BRASIL,SOB EFEITO DE ESTRESSE HÍDRICO

Selma Baia BatistaPaulo Iiboshi HargreavesLeda Cristina Mendonça-HaglerOscarina Viana de Sousa

APLICAÇÃO DE MODELO DE AUTODEPURAÇÃO PARA SIMULAÇÃO

DA QUALIDADE DA ÁGUA DO RIBEIRÃO DO OURO, ARARAQUARA-SPDaniel Jadyr Leite CostaDenilson Teixeira

NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS E A PEDAGOGIA,EM TRÊS MOMENTOS DE FORMAÇÃO

Claudionor Renato da SilvaJuliene de Cássia Leiva Rosa

.................................................................................6

REVISTA UNIARA, v. 13, n.1, julho 2010 3

ARTIGOS ORIGINAIS

.................................7

................................25

................................36

EDITORIAL

................................49

................................63

................................16

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ARTIGOS DE REVISÃO

......................................73CULTURA EMPRESARIAL E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA

NA INDÚSTRIA BRASILEIRA: O CASO DA LUPO S/AHelena Carvalho De LorenzoÂngela Cristina Ribeiro Caíres

DO AVANÇO DO PLANEJAMENTO, PROGRAMAÇÃO E

CONTROLE DA PRODUÇÃO COMO ATIVIDADES ESSENCIAIS

DA EMPRESA À EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Geraldo Cardoso de Oliveira NetoWalther Azzolini JuniorSilvia Bonilla

INSUSTENTÁVEL SUSTENTABILIDADE DO DESENVOLVIMENTO?Monique MedeirosJalcione Almeida

EFEITOS DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL NA PROTEÇÃO DA ÁREA

DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO GUARIROBA, MATO GROSSO DO SUL

Carolina Maria Jorge CamargoLuan José Jorge CamargoAdemir Kleber Morbeck de Oliveira

INTEGRAÇÃO ENTRE BIODIVERSIDADE E APLICAÇÃO DE PESQUISA

CIENTÍFICA RESULTANDO EM MANEJO PARA USO SUSTENTÁVEL E CONSERVAÇÃO

Cleber J. R. Alho

A LEI DA APRENDIZAGEM: UMA SOLUÇÃO POSSÍVEL PARA AQUESTÃO DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL

Luciani Marconi Caetano Martins SgarbiVera Lúcia S. Botta Ferrante

CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

NO CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS E SUA RELAÇÃO

COM AS POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

Thaís Bozelli CiarloFábio de Carvalho Mastroianni

.......................................93

......................................107

......................................115

......................................125

......................................135

......................................149

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INTERFACES EPISTEMOLÓGICAS EM ABORDAGENS INTER

E TRANSDISCIPLINARES, EM REVITALIZAÇÃO DO AMBIENTE CONSTRUÍDO

Heloísa Helena Couto

COMUNICAÇÕES BREVES

FERTIRRIGAÇÃO COM VINHAÇA NO MUNICÍPIO DE

SÃO ROQUE DO CANAÃ-ESGerson FreitasLuciana C. OliveiraMaria L. RibeiroZildo GalloNatália N. Ferreira

NORMAS DE PUBLICAÇÃO

......................................158

...........................................................178

......................................166

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EDITORIAL

Este número da Revista Uniara apresenta a continuidade do processo de sua reestruturação, que vem sendoimplantado por etapas previamente discutidas, com o objetivo de ampliar sua visibilidade no cenário científicobrasileiro. Nesta segunda etapa as dimensões da revista foram alteradas, procurando melhor atender tanto aoscritérios do Sistema Qualis da Capes, como torná-la mais aprazível ao leitor. Entretanto, o passo mais significativofoi certamente o investimento no diálogo acadêmico entre autores e pareceristas, expresso no aprimoramentoda estrutura e do conteúdo dos artigos, reverberando como consequência na qualidade científica da revista.

Dois pontos podem ser destacados: o número crescente de manuscritos submetidos à avaliação e aextrapolação do universo endógeno da Uniara, pela submissão de artigos de autores de diversas instituições dopaís, o que deverá proporcionar uma divulgação mais abrangente da revista. Assim, esses fatores aumentam aresponsabilidade dos editores, além de estimular e reforçar a política editorial em implantação, tendo comoresultado uma revista com credibilidade junto à comunidade científica. A editoração eletrônica é o próximopasso a ser dado neste caminhar na busca de sua modernização.

Os textos deste volume, compreendendo artigos originais, artigos de revisão e comunicações breves, abordamrecentes pesquisas científicas nas áreas de meio ambiente, saúde, educação e empresarial. As questões ambientaiscontemplam a discussão de bases teóricas, análises e caracterizações de compartimentos ambientais, cujosresultados oferecem contribuições importantes para o estudo de recortes regionais, abrindo perspectivas paranovas investigações. Os artigos de revisão enfatizam os diferentes pilares do processo de desenvolvimento,abordando questões socioeconômicas e ambientais.

Almejar e alcançar uma melhor avaliação Qualis é a tarefa a que se propõe o corpo editorial da RevistaUniara, contando com o respaldo desta Instituição.

Os Editores

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CONHECENDO O MEIO AMBIENTE EM RIO BONITO: UMAPRÁTICA LÚDICA E EDUCATIVA NO COLÉGIO NOSSA SENHORA

DE NAZARÉ, NOVA FRIBURGO-RJGOMES, Inajara Schuaber

Bióloga e Mestranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) –Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Av. Presidente Vargas 417, 6.º ao 9.º andares, CEP

20071-003 – Rio de Janeiro/RJ. Brasil. E-mail: [email protected], Joel de

Prof. Dr. do curso de Pós-Graduação em Ciência Ambiental – Universidade Federal Fluminense (UFF).Av. Litorânea, s/n.º, 4.º andar. CEP 24030-340. Niterói/RJ. Brasil. E-mail: [email protected]

RESUMO

A presente pesquisa foi desenvolvida na cidade de Nova Friburgo, mais precisamente no sétimo distrito –Lumiar –, na localidade de Rio Bonito. Por não haver na região nenhum trabalho educativo de conscientizaçãoe de reflexão e com informações à população sobre as principais questões ambientais, objetivou-se fazer umdiagnóstico socioambiental junto a essa comunidade local dos seus problemas para, posteriormente, realizaratividades educativas de cunho ambiental na Escola Municipal Nossa Senhora de Nazaré. Para tal, a estratégiaeducativa utilizada foi a contação de estórias. O instrumento de pesquisa aplicado foi o questionário direcionadoàs famílias e aos docentes. A partir dos principais problemas apontados, foram priorizados aqueles de ordemambiental, tais como: a poluição do rio, o lançamento dos resíduos sólidos em locais não apropriados e a caçaarmada. Assim, essas questões foram trabalhadas entre os alunos na escola local, por meio da contação deestórias. Também foram realizadas outras atividades educativas lúdicas. Ao final, pôde ser observado que nãosomente os contos, mas também as atividades complementares, auxiliaram no trabalho de educação ambiental,visto que as crianças, além de se interessar pelo assunto, participaram intensamente, refletiram, trocaram econstruíram conhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: Educação ambiental; Atividades lúdicas; Ensino fundamental; Contação de estórias; Diagnóstico.

ABSTRACT

This research was developed in the city of New Friburgo, more precisely in the seventh section – Lumiar – RioBonito. The inexistence in the region of educational actions aimed at understanding, reflecting and offeringinformation to the population on the main environmental subjects has leaded to an environmental diagnosis, toidentify the local community problems and, later, to develop educational environmental activities at municipalschool Nossa Senhora de Nazareth. To attain this aim, the selected educational strategy was story telling. Theresearch instrument was a questionnaire addressed to the families and to the teachers. Based on the principaldetected problems, the ones related to environmental issues were selected, such as: river pollution; the releaseof solid residues in not appropriate places and the armed hunting. Those subjects were discussed with the localschool students through story telling. Other playful educational activities were also developed. Finally, it could beobserved that, not only the stories, but also the complementary activities, have helped the students in theenvironmental education work, considering that besides showing interest in the subject, they participated intensely,reflected, changed and built knowledge.

KEYWORDS: Environmental education; Playful activities; Elementary school; Story telling; Diagnosis.

artig

os o

rigi

nais

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INTRODUÇÃO

Rio Bonito está localizado no quinto distrito de NovaFriburgo, Lumiar, no Estado do Rio de Janeiro. É umlocal com extensa área de Mata Atlântica, aindaconservada, possui uma enorme diversidade de florae fauna, estando em uma das áreas mais preservadasde Área de Proteção Ambiental (APA) de Macaé deCima (ARAÚJO; LIMA, 2006). Nos últimos dez anos,o lugar vem se tornando um polo turístico considerável,absorvendo um incremento populacional cada vezmaior, o que faz com que, grande parte da populaçãolocal de agricultores tenha gradativamente alteradas assuas atividades sócio-econômico-político-cultural-ambientais e, a partir de então, busquem alternativasde sobrevivência econômica.

Diante de um cenário de intensas e rápidastransformações, a comunidade local sentiu anecessidade de criar estratégias e alternativas comoforma de sobrevivência a essa nova realidade, e o setoreducacional – motivador dessa pesquisa – emergiucomo elemento de fundamental importância no tocantea propostas na busca de reflexões e mudanças quepudessem dirimir as possíveis instabilidades aliexistentes.

Por ser a escola o espaço de reflexão/construção eformação, onde o indivíduo – em tese – deve ser(in)formado a respeito das questões que também fazemparte do seu cotidiano, foram notadas a necessidade ea importância do desenvolvimento e (implantação)desta pesquisa.

São diversas as transformações que o distrito deRio Bonito tem sofrido: poluição dos recursos hídricos,desmatamento, diminuição da flora e da fauna local,crescimento considerável da população, aumento deconstruções irregulares – algumas, inclusive, sem apresença de fossa, com o esgoto correndo direto paraos rios –, etc. Com isso, nos últimos dez anos, algunsrios até então limpos, agora não mais o são. Na épocado inverno, principalmente, as queimadas vêm setornando ainda mais comuns, destruindo grandes áreas.No entanto, não há nenhum projeto ou planejamentono distrito, nem mesmo para com os turistas, sobre aimportância das questões ambientais. Também não há

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GOMES, I.S. & ARAUJO, J.

um Plano Diretor bem-estruturado que possibilite umamelhor organização do espaço ou uma fiscalizaçãoquanto às práticas ambientais ilegais.

O saneamento básico na região é altamenteprecário. O abastecimento de água, sem análisese tratamento sistematizado nas nascentes ereservatórios, gera uma série de doenças.Observa-se, pelos dados do IBGE Censo 2000,que a maioria (70,6%) dos domicílios da regiãoda Bacia do Rio Macaé tem acesso à águaatravés de poços e nascentes (ARAÚJO; LIMA,2006, p.40).

Nesse sentido, esta pesquisa apontou para uma áreadenominada Rio Bonito, localizada a aproximadamente27 quilômetros do centro do distrito de Lumiar, emNova Friburgo (RJ), sendo este um dos locais aindamais conservados, com rios de água potável, além deuma grande área de Mata Atlântica, uma Área deProteção Ambiental (APA) – a APA de Macaé de Cima– e o Parque dos Três Picos.

Como alternativa para trabalhar as questõessocioambientais e buscar desenvolver uma consciência,talvez um pouco mais crítica e reflexiva na comunidadede Rio Bonito, iniciou-se um trabalho de cunho educativo– até porque tem sido costume, com relação a essasquestões, também os estabelecimentos de ensinodesenvolverem atividades ditas ambientais, somente noDia do Meio Ambiente, quando então ocorrem:

Diferentes tipos de atividades [...] traduzidas emeventos pontuais como [...] gincanas e jogosambientais; plantio de mudas (às vezessimbólicos); concurso de redação, etc. (ARAUJO,2008, p.184).

Assim, o desenvolvimento da presente pesquisa teveo objetivo de fazer um diagnóstico das questões locaismais relevantes sob o olhar de parte da populaçãolocal, a serem dialogadas, posteriormente, com estamesma população, por meio do ensino formal, ou seja,dentro do espaço escolar.

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Conhecendo o meio ambiente...

Na Escola Nossa Senhora de Nazaré, a educaçãoambiental foi escolhida como o lócus interlocutório,inicialmente do diagnóstico e, posteriormente, dodiálogo a ser feito sobre o/no contexto socioambientallocal. Em princípio, constatou-se junto a atoresespecíficos da inexistência de atividadesambientalmente educativas, bem como a deficiênciada escola quanto a atividades lúdicas. Essa é a escolada região que recebe o maior número de alunos. Outrofator importante é o de que é uma escola multisseriada.Assim, a diagnose, montagem e explanação dosconteúdos, bem como a aplicação dos exercícios eretorno de todas as etapas do processo, puderamacontecer.

Referencial teóricoA criança, como o jovem que ainda não se adaptouàs exigências do mundo adulto (do trabalho e darazão instrumental), está aberta à recepção dassemelhanças sensíveis e sua formação individualse produz como aprendizado (e criação) domundo. Assim, a experiência infantil dabrincadeira, da expressão mimética e lúdica, seconstitui como o gérmen do novo que pode sercontraposto à experiência do adulto, adaptado àscondições do mundo regido pelo modo deprodução e de representação modernos(SCHLESENER, 2009, p.2).

Até o século XIX, desconhecia-se a criança comoser inteligente e a imagem do adulto era proposta peloseducadores como ideal a atingir (BENJAMIN, 1985).

O individualismo burguês que se instaurou nasociedade moderna se sedimenta na ideia deque as crianças são diferentes e é precisoadaptá-las ao mundo adulto. Na verdade, oadulto, por não compreender a percepçãoinfantil porque a aborda de uma perspectivatempora l l inear, t ambém não entendeexatamente o sentido do br inquedo naexperiência da criança (BENJAMIN, 1985,p. 237).

Ainda, segundo Benjamin (1984, p.246):

A história cultural dos brinquedos mostra que estesnão podem ser explicados apenas a partir doespírito infantil, mas expressam ainda o processode construção da sociedade: as "crianças nãoconstituem nenhuma comunidade separada, massão partes de povo e da classe a que pertencem."Desse modo, o brinquedo e a brincadeira infantilestabelecem "um diálogo mudo, baseado emsignos, entre a criança e o povo".

"As crianças são seres culturais, não porque sãobrasileiros, mas porque vivem numa comunidadeconcreta de sua cultura enquanto inserção" (FREIRE;MOZZA; NOGUEIRA, p. 62, 1990). Destaca-setambém que, para Vygotsky em Oliveira (2002), acriança não reproduz totalmente os comportamentos,ela participa ativamente da construção de sua culturae de sua história, modificando-se e provavelmentetransformando os sujeitos que interagem com ela. Oconhecimento se dá através da troca intra einterpessoal. É na troca com outros sujeitos e com sique se vão internalizando conhecimentos, papéis efunções sociais.

Nesse contexto, para desenvolver um trabalhoeducativo lúdico com os alunos dentro do universoescolar, deve-se levar em consideração a importânciada brincadeira no desenvolvimento infantil e como aconstrução da imaginação e a troca de saberes podemauxiliar no processo de aprendizagem. Para auxiliarno desenvolvimento dessas atividades, deve-se ter emmente que:

A educação implica uma busca realizada por umsujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeitoda sua própria educação. Não pode ser o objetodela. Por isso, ninguém educa ninguém. Mas estabusca deve ser feita com outros seres que tambémprocuram ser mais e em comunhão com outrasconsciências, caso contrário se faria de umasconsciências objetos de outras. Seria "coisificar"as consciências (FREIRE, 1998, p. 28).

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METODOLOGIA

Inicialmente, foi feito um diagnóstico acerca dosprincipais problemas locais, cujos participantes teriamde ser não somente residentes em Rio Bonito, mas,principalmente, aqueles cujos filhos estudassem nocolégio municipal Nossa Senhora de Nazaré. Para tal,utilizou-se como instrumento para a coleta dos dadosa entrevista semiestruturada. A partir desse critério,investigou-se na escola o quantitativo de alunoscursando a alfabetização, o primeiro, o segundo e oterceiro anos, para, a partir de então, referenciar nãosomente o número de famílias a serem pesquisadas,mas também traçar o roteiro das atividades de campo.

Constatado que eram 18 os alunos cursando do1.º ao 3.º ano do ensino fundamental, identificou-seque estavam contidos em 14 famílias. Nessa primeirafase foram escolhidos os pais dos alunos, uma vez que,além de serem moradores da comunidade, em teseestão mais próximos da "vida escolar" das crianças,podendo contribuir com informações acerca de RioBonito. Foram entrevistadas também duas professorase uma diretora, para obter informações sobre o universoescolar sob o ponto de vista daqueles atores quetrabalham no espaço.

As entrevistas com as famílias foram feitas durantetrês dias, com cerca de 20 horas de campo nessaprimeira fase. Foram realizadas de forma oral e asrespostas, anotadas durante a conversa com osentrevistados; em alguns momentos, os filhos estavampresentes e também contribuíram com algumas dasinformações. Como já havia sido realizado um contatoprévio com as crianças na escola, elas tambémindicaram alguns dos demais endereços, chegandoinclusive a apresentar os próprios pais, o que contribuiupara um melhor desenvolvimento da pesquisa, uma vezque assim, os entrevistados pareceram mais seguros eas conversas fluíram melhor.

As perguntas a serem feitas aos pais, professorese diretores, estavam assim distribuídas: 10 perguntaspara o primeiro grupo e 12 para o segundo e terceiro.Destacam-se aqui algumas julgadas de extremarelevância para o desenvolvimento de atividades emsala de aula, a saber: Você considera/acha que existe

algum tipo de problema aqui em Rio Bonito? ( ) sim( ) não. Caso positivo, qual/quais problemas sãoesses?; Você participa de alguma atividade na EscolaN. S. de Nazaré? ( )sim ( ) não. Caso positivo,em qual/quais atividades?; Você acha que existe(m)problema(s) ambiental(is) em Rio Bonito? ( ) sim( ) não. Caso positivo, quais são esses problemas?;dentre outras perguntas.

Após a coleta de dados, fez-se uma (re) leitura detodo o material pesquisado em campo, resultado dasentrevistas, para registrar todos os depoimentos feitos.Os dados, convertidos em informações, foramtraduzidos/ interpretados por meio da análise dosdiscursos proferidos pelos entrevistados. A análise estábaseada nos postulados de Minayo (1994) e Godoy(1995), acerca da forma holística da abordagem dopesquisador para com o ambiente e as pessoas quenele convivem e participaram do processo.

Como forma de trabalhar as questõessocioambientais levantadas no diagnóstico, foiescolhida como estratégia a contação de estórias. Paratal, foram realizados estudos anteriores que incluíam aleitura do conto, algumas vezes para que os elementosda história fossem bem conhecidos, o que propiciou asua melhor compreensão. Isso é confirmado por Estés(2001, p.68), que afirma: "Deve-se dormir com ashistórias, até que ela sangre você mesmo."

Para o desenvolvimento/implantação das atividadespedagógicas em sala de aula, considerou-se a faixaetária e o ano escolar dos alunos, adequando ovocabulário das estórias e também a criação de matéria-prima adequada ao momento interativo. As estóriasduravam até 15 minutos, pois contos com maiorduração podem tornar-se cansativos. Como forma deadequar o vocabulário à realidade, as estórias foramrecontadas agregando à sua estrutura elementos daregião, onde as crianças (com)vivem e asproblemáticas apontadas no diagnóstico com os paisestão presentes.

As estórias adaptadas foram as seguintes: "A meninaque era irmã de 7 dives"; "Conversando com RioBonito"; e "Protegendo os animais: Anhangá". Ademais,após essa fase, foram realizadas as atividades de

GOMES, I.S. & ARAUJO, J.

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avaliação, com desenhos e montagem de mural sobreum dos temas desenvolvido. O desenho foi escolhidocomo elemento de avaliação/interpretação nodiagnóstico, devido ao fato de que muitos daquelesalunos ainda não sabem escrever.

Durante todos os dias de atividades, previamenteforam colocadas músicas para os alunos, como formade introduzi-los nas estórias, na seguinte sequênciamusical: "Aquarela" (cantada e composta porToquinho), "Água, fogo, terra e ar" (composta ecantada por Bia Bedran), "Anhangá" (composta ecantada por Ricardo Villas) e "Meninos" (compostapor Juraildes da Cruz e cantada por Xangai). Alémdisso, foram realizadas outras atividades lúdicas, como:vivências, colagem, desenho, dança e teatro, de modoa trabalhar as múltiplas inteligências das crianças epromover a melhor compreensão dos assuntostrabalhados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na questão "Você considera/acha que existe algumtipo de problema aqui em Rio Bonito? ( ) sim ( )não. Caso positivo, qual/quais problemas são esses?",86% das famílias responderam sim e 100% do grupode professores e diretor, também. Quanto aosproblemas os mais citados, se destacaram: ausênciade escolaridade até o 9.º ano, uma vez que no local sóexiste escola até o 5.º ano; pouca disponibilidade dehorários de ônibus para o centro de Nova Friburgo;pouco emprego; falta de emprego.

Em resposta à pergunta: "Você participa dasatividades na escola N. Senhora de Nazaré? ( ) sim( ) não. Caso positivo, em qual/quais atividades?",100% das famílias responderam sim. Como atividadeseles responderam que participam dos eventos (festas),quando estes ocorrem.

Em resposta à pergunta: "Você participa de algumaatividade na comunidade de Rio Bonito? ( ) sim ( )não. Caso positivo, em qual/quais atividades?", 67%dos entrevistados responderam sim, indicando queparticipam da associação de moradores e que a escolavai às festas que ocorrem no povoado, fazendoapresentações de trabalhos dos alunos.

Em resposta à pergunta: "Você acha que existe(m)problema(s) ambiental (is) em Rio Bonito? ( ) sim( ) não. Caso positivo, quais são esses problemas?",71% das famílias responderam sim e 67% dasprofessoras e diretora, não. Constatou-se que o corpodocente está no local há pouco tempo, desconhecendomuito da problemática regional. Quanto aos problemasambientais citados pelas famílias, foram indicados: lixo(jogado pelos comerciantes locais, moradores e turistasdentro da mata ou nos córregos). As poucas lixeirasque existem ficam abertas, são feitas de madeiras enão apresentam nenhuma estrutura que comporte olixo; caça armada de animais silvestres (tais animaissão caçados com o uso de espingarda, com destaquepara a paca, o tatu e pássaros. É um costumetransmitido de geração a geração); lixo nos córregos(devido às poucas lixeiras, o lixo jogado na beira daestrada ou dentro da mata ciliar, com a chuva, écarreado rio adentro. Alguns pais, inclusive, disseramque os filhos tomam banho nesses rios que, com otempo, tendem a ficar poluídos.

Após o diagnóstico, foram elaboradas as atividadessocioambientais de cunho educativo que seriamimplementadas na escola. Inicialmente foi contada aestória "A menina que era irmã de sete dives", que falasobre um mundo com monstros e a luta de dois jovenspara chegar a um reino encantado. Os alunos, então,desenharam como seria para elas um Rio Bonito muitobom para morar, imaginando, nesse processo, o reinoencantado que foi alcançado na estória. Para introduzira estória foi colocada a música "Aquarela". A maioriados alunos desenhou casas grandes, com gramado,piscinas e cavalos. Em alguns desenhos havia rios comgramados e árvores no leito. O primeiro poderepresentar traços da influência externa dos sitiantes.Usualmente, são eles que empregam a comunidadelocal, incluindo os pais dos alunos que fizeram parteda pesquisa. O segundo desenho representa apaisagem de Rio Bonito, que está presente no cotidianodo aluno, uma vez que grande parte dos rios possuienormes gramados nas suas margens.

Para Vygostsky (1991), por meio de desenhos,as crianças interpretam o mundo, mostram o que

Conhecendo o meio ambiente...

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conhecem, interpretam a realidade. Pelas verbalizaçõesassociadas aos desenhos, as crianças atribuemsignificados aos mesmos, demonstrando interpretaçõespessoais ao que foi desenhado. O pensamentoexpresso pela palavra explicita seu mundo. Osdesenhos por si mesmos, sem as verbalizações, nãoexplicitam os significados que a criança atribui ao quefaz. A criança desenha o que conhece, mas fazdesconstruções, reconstruções em novas combinações,de acordo com suas experiências, imaginação e açõescriativas.

A segunda estória contada "Conversando com RioBonito", se reporta a um rio que se assemelha muitoao rio do local e sobre como ele vai se poluindo nodecorrer da sua passagem por um povoado. Essa foiuma atividade interativa de que, em todos os momentos,os alunos participavam e se interessavam, dizendosobre o que deixava o rio triste e/ou feliz. Finalmentefalaram que não deveria ser jogado lixo dentro da águae se emocionaram muito com o que foi contado. Amúsica que introduziu a estória foi "Água, fogo, terra ear", por abordar o tema da água e seu ciclo, de umaforma lúdica.

Após essa etapa, foi realizada uma atividadedenominada "Ciranda do equilíbrio", retirada dosCadernos de educação Ambiental, Guia deAtividades (2006), explorando alguns elementoscomo: poluição da água, lixeiras abertas quecontribuem para a poluição e as consequências destese do desmatamento da mata ciliar para o ecossistema,enfatizando a saúde do homem e dos animais. Aatividade consistia numa ciranda, em que os alunosdeveriam representar, individualmente, algunselementos, como as árvores, o rio, a cachoeira, ocórrego, a nascente e animais – peixes e pássaros e opróprio ser humano. Em todos os momentos houvediálogos e, para tornar a atividade mais interativa,produziram-se os componentes da ciranda que foramcolados nas crianças, um símbolo do que cada umrepresentava naquele círculo. Esse momento deixouos alunos ainda mais animados, sempre refletindo einteragindo sobre o que acontecia com o seupersonagem individual. Por ser uma atividade corporal,

todos brincaram e compreenderam bem a mensagem,o que pode ser comprovado através de conversasinformais.

O terceiro conto, "Protegendo os animais:Anhangá", é a estória de Anhangá, personagemfolclórico do Norte do Brasil. Nela, os caçadores vãopara mata e, no momento em que encontram os animaisda caça, o Anhangá aparece e faz os caçadores fugiremassustados. Aqui, os animais da estória "original" foramtrocados por nativos, e a lenda foi contada como um"causo", ou seja, como se fosse verídica e tivesseocorrido com um morador local. A música "Anhangá",que descreve o personagem, tocou depois,despertando a curiosidade entre todos os alunos queperguntaram sobre a veracidade da estória.

No final dessa etapa, foi realizada uma atividadeem que os alunos montaram um painel com fotos deanimais presentes na região. Foi demonstrado epercebido pelos alunos como todos os animais estãointerligados, uma vez que, através da cadeia alimentar,um herbívoro precisa da planta e, por sua vez, ocarnívoro precisa do herbívoro para se alimentar.Ratificou-se que esse equilíbrio se rompe com ohomem matando um grande número de animais, poisfaltará comida para outro elo.

No último dia foi colocada a música "Meninos", nointuito de introduzir as atividades, por ser uma músicasobre a vida no campo, sobre as brincadeiras dascrianças e sobre o seu imaginário. Após este momento,pediu que pensassem sobre qual das três estórias maisgostaram. Isso foi feito para tentar avaliar e absorvercomo interpretaram as estórias. Foram realizados novedesenhos para a estória da água (três por alunos do1.° ano e seis por alunos do 3.° ano) e sete desenhos(um por aluno do 1.° ano, quatro por alunos do 2.°ano e dois por alunos do 3.° ano) para a estória dacaça. Assim, observou-se qual foi essa estória, bemcomo se a mensagem da mesma esteve presente nosdesenhos. A estória "A menina que era irmã de setedives" não esteve presente na avaliação, pois foicontada apenas para introduzir uma atividade demaneira lúdica, não se referindo às questõessocioambientais da comunidade.

GOMES, I.S. & ARAUJO, J.

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Os alunos que representaram a estória do riofizeram-na através de desenhos do rio limpo comárvores e flores na sua margem, ou o momento emque ele era poluído e sentia dor. Já a estória da caçafoi representada pelo momento no qual o Anhangáaparece para assustar os caçadores. Aqueles que maisgostaram, por exemplo, da estória da água, realizaramuma segunda atividade concomitante, na qual receberamdois desenhos (esquemas) produzidos previamente, daseguinte forma: um com o rio de aparência feliz e ooutro desenho com o rio triste. Também receberamimagens da biodiversidade próxima ao entorno do rio,como árvores, peixes, flores, cobras e até o própriohomem, e outras figuras com desenhos, como sapatos,latas de refrigerante, etc., que depois deveriam sercoladas, no rio feliz ou no rio triste, mostrando, assim,o que imaginavam deixar o rio limpo e o que polui orio. Essa atividade foi desenvolvida no sentido deratificar o que foi trabalhado na estória "Conversandocom o Rio Bonito" e saber se os alunos compreenderama mensagem, bem como as atividades propostas.

Para os alunos que desenharam a estória da caça,realizou-se uma atividade na qual fizeram um círculo erepresentaram dois pássaros, dois tatus, uma planta,duas cobras, um gavião e, a partir daí, cada qualmostrou como aqueles agiriam no seu ambiente,devendo movimentar-se conforme tais animais e o quecada um comeria. Constatou-se que o pássaro e otatu dependem da planta; a cobra come o tatu e opássaro e o gavião come a cobra, mas o homem chegaa esse lugar e mata um pássaro e prende o outro e elesnão fazem mais a dispersão das sementes. Comoconsequência, não nasce mais planta e o tatu, então,morre de fome, a cobra fica sem os pássaros para sealimentar e procura alimento até morrer de fome, e ogavião, por fim, também não resiste. Até que o própriohomem morre de fome, pois a sua fonte alimentar sefoi esgotando. Após esta constatação/vivência/reflexão,perguntou-se aos alunos o que o homem não deveriafazer para evitar que tal situação ocorra. Por meio dasrespostas positivas dadas oralmente ao final davivência, pôde-se avaliar o que elas captaram namensagem da estória da caça e do desequilíbrio que

esta atividade descontrolada pode causar.Quanto às atividades corporais realizadas – vivência

e a atividade da água –, estas possibilitaram que osalunos interagissem, sentindo e vivendo, ao mesmotempo, o que estava sendo realizado. Para Egan (1992,p. 43), "a imaginação é a capacidade de pensar nascoisas que podem vir a ser; é um ato intencional damente; é a fonte da invenção, da novidade e dacriatividade". "A imaginação opera com a razão, àsvezes pela capacidade de formar imagens, às vezesindependente disso, envolvendo também a emoção.Isto acontece no contexto da história da cultura humana"(EGAN, 1992, p. 143). Numa perspect ivaeducacional, a imaginação opera por meio dosinstrumentos cognitivos: narrativas, metáforas, opostosbinários, rima, ritmo e padrão, imagem mental, humor,dramatização e mistério (EGAN, 2005).

Assim, foi interessante observar que, com asestórias, os alunos compreenderam as mensagens, oque pode ser comprovado durante a realização dasatividades, quando todos repetiram o que estava sendoperguntado, extrapolando em certos momentos ealcançando respostas antes que as perguntas fossemfeitas. Embora, em alguns poucos momentos tenhamocorrido dispersões, em outros os alunos ficaram muitoentretidos, gargalhando, gritando, ou seja, seemocionavam com o que estava sendo contado. Essafoi uma agradável/lúdica/construtiva e interativa formade se trabalhar/discutir/refletir com as crianças atemática abordada, apontando para os principais pontospor eles previamente elencados. Ademais, constatou-se ter havido também uma troca entre quem contou equem escutou, além dos momentos de interatividade ede intercâmbio de conhecimento. Isso porque asestórias propiciaram momentos de reflexão e dedescontração, formas essenciais que deveriam sempreestar presentes dentro do universo escolar, conformeassevera Giordano (2004, p. 518):

As estórias são excelentes ferramentas paraampliar a consciência, despertar a curiosidade,exercitar a criatividade e educar. Por meio dosexemplos apresentados nos contos, as pessoas

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adquirem maior vivência. As histórias trazem aoentendimento o abstrato, munindo os ouvintes comexperiências e ampliando as possibilidades derelacionamento com o meio.

"Em última análise, as histórias ensinam os homensa ouvir, a pensar, a crescer e a viver bem no ambienteque os circunda" (GIORDANO, 2004, p.527).

CONCLUSÕES

Através do diagnóstico socioambiental junto aosfamiliares, professoras e diretora da Escola MunicipalNossa Senhora de Nazaré, pode ser evidenciadoalguns problemas, concepções e relações quepermeiam Rio Bonito e os seus moradores. Tais atoresforam de extrema importância para que o processode elaboração das atividades didático-pedagógicasfossem desenvolvidas e implementadas naquelaescola.

O desenvolvimento das atividades pedagógicaspropiciou que os alunos compreendessem a realidadeque os cerca sob uma ótica diferente, possibilitando-os à construção de uma reflexão crítica acerca doespaço, das relações e do contexto local. O diálogocom a realidade vivida diariamente permeou as práticaseducativas posteriores, de forma que os educandosapreendessem melhor os conteúdos escolares que lhesforam transmitidos.

No decorrer do processo observou-se que o ensinodito formal nessa escola se mostra incipiente pordiferentes motivos: classes multisseriadas, poucaparticipação da família, resquícios oligárquicos, atuaçãodos docentes e pouca qualificação profissional. Dentrodesse contexto, pode ser constatada a importância dodesenvolvimento de atividades lúdicas junto às criançasnessa faixa etária, permitindo a sua livre expressão ebrincadeira. Fatos que contribuem para a construção,então, de sua individualidade enquanto sujeito e aluno.

Ao se levar as brincadeiras para dentro da sala deaula, puderam ser observados o entrosamento entreas crianças de forma mais dinâmica, leve e livre deimposições que permeiam as práticas educativas. Dessaforma, foi possibilitado que elas se expressassem,

participassem, refletissem e ensinassem. As estóriasforam contadas propiciando momentos dedescontração. Houve, também, uma troca de afeto esaberes encantadores. Constatou-se que as estóriasauxiliaram na construção do conhecimento e que, paraessas crianças e aqueles envolvidos na pesquisa, forammomentos únicos, em que se aprendeu como cuidarnão somente do meio ambiente externo, mas também,do nosso meio ambiente interno.

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RESGATE HISTÓRICO DA PERCEPÇÃO DOS MORADORESLOCAIS EM RELAÇÃO À TRANSPOSIÇÃO DO RIO PIUMHI PARA

O RIO SÃO FRANCISCO*ASSIS, André Tomé de

Mestre pelo Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente do CentroUniversitário de Araraquara – Uniara. Tutor da UFMG e professor do UNIFOR-MG e da SEE/MG.

E-mail: [email protected], Leonardo

Doutor em Engenharia, área Ciências da Engenharia Ambiental; docente, orientador e pesquisador doPrograma de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente do Centro Universitário de

Araraquara – Uniara e diretor acadêmico da Escola de Engenharia de Piracicaba (EEP).

RESUMO

O rio Piumhi foi afluente do rio Grande até o final da década de 50 e, com a construção de Furnas, foi revertidopara o rio São Francisco via um canal e a construção de um dique, no município de Capitólio (MG). O objetivodeste trabalho foi registrar a percepção que a população local teve da transposição do rio Piumhi por meio dejornais, livros, documentos e entrevistas, utilizando a técnica história de vida. Ficaram evidenciadas nas entrevistaspercepções diferenciadas, dependendo da região geográfica onde moravam os entrevistados. Em Capitólio, aolado do dique, o fato mais marcante foi a inundação do lago de Furnas, afetando a área rural. Entre Capitólio e ocomeço da zona rural de Piumhi, onde estão os canais da transposição, o fato mais marcante foi a alteração doleito do rio e das várzeas. Próximo à cidade de Piumhi, onde existia um pântano que chegava até a zona urbana, adrenagem da área alagada e transformada em área agricultável provocou conflitos fundiários. O registro da percepçãoda população demonstra conflitos sociais, impactos econômicos e ambientais gerados pela mudança na paisagem,registrando como as pessoas sentiram e lidaram com os fatos ao longo de suas vidas.

PALAVRAS-CHAVE: Transposição; Rio São Francisco; Rio Piumhi; História de vida.

ABSTRACT

Piumhi river was a tributary of Grande river until the late 50s. The Furnas reservoir construction has reversedPiumhi river to São Francisco river through a canal and a dam in Capitólio city (MG). The aim of this study wasto record the perception that local people had on the river Piumhi transposition by means of newspapers, books,documents and interviews using the life history technique. Different perceptions were evident in the interviews,depending on the geographic region where the subjects lived. In Capitólio, besides the dike, the most strikingfact was the flooding of the Furnas reservoir, affecting the rural area. Between Capitólio and the beginning ofrural Piumhi, where the transposition channels are, the most striking fact was the change of the riverbed and thefloodplain. Near the town of Piumhi, where there was a marsh that reached to the urban zone, the drainage of theflooded area transformed into arable land caused land conflicts. The record of the population's perceptiondemonstrates social conflicts, economic and environmental impacts generated by the change in the landscape,recording how people felt and dealt with the facts in their lives.

KEYWORDS: Transposition; São Francisco river; Piumhi river; Living history.

*Este texto deriva da dissertação (mestrado): "Transposição do rio Piumhi para o rio São Francisco: RegistroHistórico" (ASSIS, 2009).

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INTRODUÇÃO

No final da década de 1950 e início da décadade 1960, o Brasil passava por um período deexpectativa de forte desenvolvimento. JuscelinoKubitschek, já na sua campanha, prometeu que o Brasilteria um desenvolvimento de meio século, cresceria50 anos em 5. Nessa perspectiva, foi construída emMinas Gerais a usina hidrelétrica de Furnas, sendonecessário construir um dique no município deCapitólio, para que as águas do lago de Furnas nãoinundassem a cidade e não conectasse as bacias dorio Grande e São Francisco através do rio Piumhi.

Com a construção do dique de Capitólio foinecessário transpor o rio Piumhi, que fazia parte dabacia do rio Grande, para o rio São Francisco. Paratanto, foi escavado um canal para que as águas do rioPiumhi pudessem chegar até o córrego Água Limpa,que por sua vez desemboca no ribeirão Sujo, afluentenatural do rio São Francisco. Assim, o rio Piumhi passaa integrar a bacia do rio São Francisco.

O fato foi pouco divulgado e a história não teve oregistro adequado e organizado, mas foi relatado emmúsica, jornais da época, fotos e, principalmente, ficouregistrado na memória da população que o vivenciou.Dessa forma, este trabalho vem provocar uma série dereflexões sobre as questões ambientais que envolvem anascente do rio São Francisco e seu desenvolvimentolocal; é dentro do conceito de conservação dosmananciais que se devem discutir todas as açõesdirecionadas aos recursos hídricos. "Os fatos envolvendoos impactos ambientais estão sendo estudados porbiólogos da Universidade Federal de São Carlos(UFSCar) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ). Entretanto, os impactos históricos esociopolíticos foram esquecidos e merecem serresgatados e registrados.'' (MOREIRA, 2006, p.79).

Portanto, o objetivo deste trabalho foi realizar oresgate histórico da transposição do rio Piumhi para orio São Francisco, não esquecendo como a populaçãolocal vivenciou tal fato. Delimitou-se o contextohistórico da construção de Furnas. Fez-se uma análiseobservando a nascente do rio São Francisco e do rioPiumhi e o encontro desses dois rios na região dos

municípios de São Roque de Minas, Vargem Bonita,Capitólio e Piumhi. Registrou se a história datransposição do rio Piumhi para o rio São Francisco,por meio do que já se tinha escrito em livros e jornaise, principalmente, através dos relatos orais colhidospela técnica de história de vida de moradores dosmunicípios de Capitólio e Piumhi.

DISCUSSÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

História de vida: Um elo à percepção ambientalA história de vida tenta obter dados relativos à

experiência íntima do entrevistado que apresenteresultados reveladores em relação ao tema estudado.Para Marconi e Lakatos (1999), "... é uma forma depoder explorar mais profundamente uma questão (...)há liberdade total por parte do entrevistado, quepoderá expressar suas opiniões e sentimentos''.Procura-se captar reações espontâneas, relatos de suasvidas. O investigador procura fazer uma reconstituiçãoglobal da vida da pessoa e evidenciar o fato relevanteao tema, podendo colher informações que descrevamacontecimentos, emoções e sentimentos.

Segundo Bottura (1998), muitas vezes a históriaregistrada deriva de pessoas que possuem certo poder,por muitas vezes exclui a versão de grande parte daspessoas. A técnica história de vida pode, por exemplo,colher dados de pessoas analfabetas, não rejeitandovárias faces da história. As relações entre a populaçãoe o meio ambiente são fundamentais na análise deecossistema, por isso devem ser consideradas nosplanos de manejo dos recursos naturais. Asinformações trazidas pela população local sãofundamentais.

A técnica história de vida tem demonstradorelevância para entender as relações entre homem enatureza. Para a recuperação da memória dadiversidade cultural, onde houver a perda deecossistemas naturais recorre-se ao resgate damemória, utilizando-se técnicas das ciências sociaiscomo história de vida.

Por meio deste trabalho, pôde-se recuperar ahistória local sob a ótica dos seus antigos moradores,demonstrando assim a percepção deles em relação aos

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fatos. Os trabalhos de resgate da memória oral nãopodem ser realizados a qualquer tempo, pois dependemdo ciclo de vida das pessoas. Os dados colhidosfornecem um conjunto de informações que permitemreconstruir em parte a bacia hidrográfica e seusecossistemas, resgatam a paisagem da região nopassado. Assim, pode-se situar o leitor numaretrospectiva histórica em relação à população localcom o meio ambiente, bem como nas transformaçõesno uso de recursos naturais em relação às mudançassocioeconômicas, culturais e ambientais.

A utilização da metodologia de resgate da memóriaambiental pode ser ferramenta útil em regiões ondehouve fortes rupturas da população com o meioambiente. Acredita-se que este tipo de pesquisa podefornecer subsídios para programas de educaçãoambientais mais compreensivos, baseados nasrepresentações e percepções das populações,evitando-se, dessa forma, o desencontro entre oseducadores e as comunidades, desencontro este queresulta da diferença entre os códigos científicos e asrepresentações culturais formadas na relação entre ascomunidades e seu meio ambiente.

Na pesquisa, quando se quer ir direto ao assunto aser investigado, é utilizada a técnica do depoimento,em que são colhidas determinadas informaçõespessoais, cabendo ao pesquisador conduzir comsensibilidade o depoimento do sujeito, para mantê-lodentro do tema proposto. O depoimento é curto e commaior interferência do pesquisador.

Segundo Whitaker (2002), numa tentativa detranscrever na íntegra as falas do homem rural, astranscrições das entrevistas devem ter o cuidado denão fazer uma caricatura desse homem, pois transcrevera fala na íntegra para a palavra escrita possui suaslimitações:

"(...) O alfabeto que utilizamos em qualqueratividade, acadêmica ou não, não é um alfabetofonético. Não dá conta, portanto, da imensavariedade de pronúncias das sociedadescomplexas. (...) Estamos preocupados com ohomem rural porque ele tem sido vítima indefesa

de transcritores bem intencionados que julgamestar respeitando seu discurso e conseguemreproduzir apenas a caricatura de sua pronúncia."(WHITAKER, 2002, p.115, p.116, p. 117).

A transposição do rio PiumhiA transposição do rio Piumhi aconteceu entre o final

da década de 1950 e início da década de 1960,quando estava sendo construída a usina hidrelétricade Furnas, que se situa no centro-oeste de MinasGerais. Um dos problemas encontrados foi que, como alagamento da represa, as bacias do rio Grande edo rio São Francisco seriam conectadas pelo rioPiumhi. Sendo assim, o rio Piumhi, que era afluente dorio Grande foi desviado de seu curso e passou a serafluente do rio São Francisco. Foi construído um diquena cidade de Capitólio (vizinha à cidade de Piumhi eVargem Bonita), que separaria as águas represadasde Furnas do encontro com as águas do rio Piumhi.

O rio Piumhi, próximo à cidade de Capitólio,formava um pântano e, segundo Moreira (2006), existiaum pantanal por onde corria o leito do rio Piumhi. Foifeito um sistema de drenagem e o rio passou a correrpor um canal artificialmente construído. Desviando aságuas do pantanal e de seus afluentes para o córregoÁgua Limpa, que deságua na margem esquerda doRibeirão Sujo, um dos afluentes da margem direita dorio São Francisco:

"A cabeceira do rio Piumhi está localizada nadivisa entre municípios de Vargem Bonita ePiumhi, ao centro-oeste do Estado de MinasGerais. Sua cabeceira é formada pela junção doscórregos Destêrro, Jorça e Confusãoaproximadamente a 930 metros de altitude.No final dos anos 50, as águas do rio Piumhi fluíamnum pequeno trecho para o nordeste, deslocando-se para o leste, em seguida para o sudeste efinalmente para o sul, que passava a ser suadireção geral até a foz. Em parte de seu percursoatravessava uma região de planície alagada commais de 38 km de extensão, denominadaantigamente como o pantanal do rio Piumhi. À

ASSIS, A.T. & RIOS, L.

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margem esquerda desse rio está localizada acidade de Capitólio, onde as águas do Piumhicontinuavam rumando ao sul, por volta de 760 mde altitude, onde se situava sua foz, na margemdireita do rio Grande. Portanto, até 1963 o rioPiumhi pertencia a bacia do rio Grande. Segundoas folhas cartográficas de Vargem Bonita, rioPiumhi, Piumhi e Capitólio (escala 1.50.000), osprincipais afluentes do rio Piumhi, à margemdireita, são córregos da Jorça, da Confusão e daEstiva, ribeirão dos Pavões, córregos dos Bois,da Onça, do Servo, Campão Grande, do Fumo,Mutuca, Penedo, ribeirão da Cachoeira ecórregos Àgua Limpa, dos Soares e Araujo. Osafluentes da margem esquerda são córregos doDestêrro, das Almas, ribeirão dos Almeidas,córrego Capão da Olaria, ribeirão das Minhocase os córregos Pari Velho e Engenho da Serra.Ressalta-se que até o inicio dos anos 60 oscórregos Capão da Olaria, dos Bois, da Onça, doServo, Campão Grande, do Fumo e Mutuca nãodesaguavam diretamente nas margens do rioPiumhi, mas sim no grande pantanal por ondepercorria o rio Piumhi. (...) Aproveitando atopografia da região do pantanal – por onde corriao leito do rio Piumhi, suas lagoas marginais e seus22 afluentes – foi efetuado um sistema dedrenagem, com a construção de aproximadamente18 Km de canais, alterando o curso do rio Piumhi,desviando as suas águas e as do pântano para ocórrego Água Limpa, que deságua na margemesquerda do ribeirão Sujo, um dos afluentes damargem direita do rio São Francisco. Para efetuaro desvio, foi necessário alterar o leito do córregoÁgua Limpa, que foi totalmente dragado ealargado para receber todo o volume de águasvindas do rio Piumhi, de seus afluentes e dadrenagem do pântano. O mesmo procedimentoteve de ser feito em parte do leito do ribeirão Sujo.Na parte inferior da bacia do rio Piumhi, na regiãodo dique, formaram-se sucessões de grandeslagos interligados, cujas àguas também foramdesviadas para um dos canais do rio Piumhi (canal

de refluxo), que se junta ao canal construido sobreo Àgua Limpa" (MOREIRA, 2006. Disponível emhttp://www.transpiumhi.ufscar.br/historico.htm.Acesso em: 12 janeiro de 2009).

A construção do dique de CapitólioSegundo Rainer (2002), com a construção de

Furnas cidades seriam inundadas, caso de Guapé,reconstruída ao lado da cidade velha. O mesmo teriaacontecido com a cidade de Capitólio, se a barragemtivesse seguido o projeto inicial. O projeto Dique 1deveria ser construído num espigão no município dePiumhi. Esse dique seria relativamente baixo e suaconstrução, bem vantajosa para Furnas, pois oinvestimento seria o mínimo e o reservatório bem maior.A cidade de Capitólio ficaria, portanto, praticamentesubmersa uma vez que a água atingiria o piso da igrejamatriz. Diante da iminente inundação o protestopopular foi tão grande, contando com o apoio dovigário Alberico Santos, que Furnas recuou e elaborouum segundo projeto (Projeto Dique 2).

No segundo projeto, o dique seria colocado entre afazenda Matinha de Sinval Alves de Melo e a fazendade Francisco Delfino, no local onde se vê o trecho maisestreito do lago de Furnas, quando se vai do atual diqueem direção à ilha do Funil. Sondagens geotécnicaschegaram a ser realizadas para dar início à construção,mas faltava, naquela região pedregosa, terra para aconstrução do dique. O transporte teria de ser feito auma distância de 2 quilômetros. Realizou-se então umterceiro estudo, o projeto dique 3, que finalmenteculminou na construção do dique atual, na fazenda dosr. Antônio Jonas. Duas vezes mais extenso que o projetoanterior, havia no local terra adequada e disponível. Emdezembro de 1960 o bispo diocesano celebrou umamissa campal no lugar onde seria o dique – que tem650 metros de extensão e foi construído pela construtoraMendes Junior, sendo o engenheiro dr. João CâncioFernandes Filho seu supervisor-técnico.

METODOLOGIA

Levantamento bibliográficoA obtenção de dados se deu a partir de pesquisas

Resgate histórico...

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de exploração, nos levantamentos de fatos históricosna bibliografia de jornais locais da região de São Roquede Minas, Vargem Bonita, Capitólio e Piumhi; noacervo bibliográfico das bibliotecas municipais; noacervo de dados do escritório do Ibama e do parquenacional da Serra da Canastra, no município de SãoRoque de Minas; e em trabalhos relacionados ao tema,como monografias, dissertações, teses e pesquisastécnicas de diferentes órgãos do governo e instituiçõesde ensino.

História de Vida e DepoimentosAplicação da técnicaConsiderando amostragem de depoimentos em

diversos pontos dos municípios, em diferentes níveissocioeconômicos, temos uma visão geral de comoos moradores perceberam a história. Foramentrevistados com a técnica história de vida setemoradores locais. A análise começa no dique deCapitólio e vai até a foz do rio Piumhi no rio SãoFrancisco, no município de Piumhi.

Foram colhidos dados qualitativos, de caráterdescritivo, emocional e afetivo, por meio de entrevistanão estruturada, não dirigida, através da técnica dehistória de vida. A escolha e o número deentrevistados não seguiram um padrão rígido;procurou-se identificar, ao longo do curso dos rios,moradores que viveram na época da transposição dorio Piumhi ou que tenham demonstrado conhecimentoda história ou se sentiram afetados por ela.Moradores que tenham uma ligação de modo de vidacom os rios, seja ela econômica, social ou ambiental.As entrevistas visaram coletar percepções frente àsquestões históricas, as transformações geradas pelatransposição e a importância do rio São Francisco edo rio Piumhi, com elementos representativos comoas responsabilidades, interesses, possibilidades deuso, expectativas, valoração.

As primeiras perguntas procuraram identificar abase da amostra, como a idade, o nível deconhecimento da história da transposição e a ligaçãosocial, econômica e ambiental com os rios. Ao longoda entrevista, foram observadas as respostas que se

colocaram a favor e contra a transposição e avalorização de impactos ambientais, sociais eeconômicos, em diferentes grupos socioeconômicos,com idades que demonstrem conhecimentos da história– não se tentou fazer com que as respostas seguissemcaminhos rígidos, dando ao entrevistado liberdade parademonstrar fatos que ainda não eram conhecidos.

Inicialmente, a técnica de história de vida era ametodologia escolhida, mas percebeu-se durante asentrevistas as dificuldades de se trabalharadequadamente a técnica; as entrevistas de história devida, no caso da transposição do rio Piumhi, levariamum tempo muito grande para serem realizadas,podendo levar dias, e por vezes não se concretizoupor inteiro, sendo que o entrevistador teve de direcionarmais rapidamente o foco da pesquisa, adequando apesquisa para a técnica de colher depoimentos. Emtodos os casos durante a "conversa" os entrevistadoscontaram histórias de suas vidas, lembrando desde ainfância até o presente, os parentes que viveram comeles ao longo desse tempo; houve momentos deprofunda emoção. A paisagem da região foi lembradae apresentada pelos entrevistados.

Sujeitos da pesquisaPopulação que mora ao longo do curso do rio

Piumhi nos municípios de Capitólio e Piumhi, ou queacompanhou a história da transposição e a importânciado rio São Francisco e rio Piumhi na região.

Análise dos resultadosFoi feita a transcrição dos relatos tentando ser fiel

ao máximo à íntegra das entrevistas. De acordo com arevisão da literatura já apresentada, muitos sons eemoções, por vezes, não são fáceis de se transcrever.Em seguida, os relatos se foram incorporando àsreferências bibliográficas, às falas de outrosentrevistados da mesma região geográfica, para depoisserem recortados, focalizando os principais pontosdesejados na pesquisa. A interpretação deu-se a partirde comparações com os diferentes relatos e oreferencial bibliográfico. Os resultados se apresentamcomo exemplos dos fatos registrados em diversos

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documentos, bem como expõem o sentimento e avisão da população local. Para tanto, as entrevistasforam gravadas com gravador digital, medianteconsentimento dos entrevistados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A história retratada nas margens do rio PiumhiA região da transposição do rio Piumhi abrange

áreas diversas. Por meio dos depoimentos colhidosentre os moradores das margens do rio Piumhi pode-se descrever parte da história da transposição,observando como as pessoas acompanharam asmudanças na paisagem. Portanto, dependendo dalocalização geográfica do morador, as mudançasforam sentidas e relatadas de maneiras diversas.Foram evidenciados três grupos distintos depercepção: na área do município de Capitólio,próximo ao lago de Furnas; na área rural entre Piumhie Capitólio; e na região próxima ao antigo pântanodo rio Piumhi, junto à área urbana do município dePiumhi, que secou e onde hoje são praticadas aagricultura e a pecuária comercial. Nos subitensabaixo estão descritos esses fatos.

Capitólio: O retorno do rio Piumhi pelaconstrução do dique

A construção da hidrelétrica de Furnas transformouradicalmente a vida dos capitolinos. Houve muitosdanos, visto que as melhores terras foram encobertas.Segundo Rainer (2002), cerca de 22,4% da área totaldo município, que é de 522,3 km quadrados, foiinundada. A água subia rapidamente, plantações dearroz e milho ainda verdes, tulhas cheias de cereais,casas, benfeitorias, engenhos de cana, moinhos... Maldava tempo de derrubar as paredes das casas paraaproveitar algo, até animais não foram todos retiradosa tempo. A indenização foi a preço de escritura. Comoas escrituras eram registradas a preços inferiores, emrazão de impostos, a indenização foi baixa. Muitosfazendeiros foram morar na Vila Vicentina, umainstituição de caridade de Capitólio. Houve suicídios evários causos de neuroses profundas. A população domunicípio caiu. Segundo o Censo do IBGE de 1950,

Capitólio tinha 6.643 habitantes, 5.668 na zona rural e975 na área urbana. Quatro décadas depois, no CensoDemográfico de 1991, o município apresentava 4.177habitantes, 1.432 na zona rural e 2.745 na urbana.Atualmente, segundo o site oficial da Prefeitura deCapitólio, a cidade possui cerca de 8 mil habitantes.Apesar de tantos problemas, a represa de Furnastrouxe muito progresso. A região ficou bem servida deenergia e foi construída a rodovia que liga Passos aFormiga, passando por Piumhi, e a região foitransformada num enorme potencial turístico com olago de Furnas. Muitos jovens hoje aproveitam dasvantagens que o lago de Furnas trouxe, mas não sabemdo trauma que seus avós sofreram.

Na época o governo era tipo uma ditadura. Agente acompanhou a construção, eu era muitopequeno, mas eu lembro, lembro as máquinastrabalhando, nossa casa dava vista. A gente via abarragem.

Indenizou. Claro que não era pelo valor real,sempre muito menos.

Teve muita resistência, o povo recebeu muitomenos que valia. O pessoal ficou triste. Na maioria.(DEPOIMENTO DO SR. JOSÉ CARLOS SOARES CARLITO)

Como se pode perceber no depoimento acima, ficaclara a insatisfação da comunidade local, principalmentecom relação ao pagamento irregular das indenizaçõespagas pelo governo pelas terras ocupadas pelo lagode Furnas. Também foi colocada a questão do governotipo "ditadura", em que a população não tinha voz, enovamente o sentimento de perda do lugar de vivência– levando até a suicídios. Como já foi relatado, o lugaré um espaço que envolve relações afetivas e às vezesnão pode ser totalmente reconstruído, provocandotraumas psicológicos que podem levar à morte. Osbenefícios da construção do lago também sãocolocados, como a construção do bairro de luxo emCapitólio e os turistas que o frequentam e movematualmente a economia do município.

Segundo o jornal Alto São Francisco de 24 denovembro de 1956, no auge dos protestos realizados

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pela população local, Juscelino Kubitschek respondiaque as manifestações só estavam ocorrendo porignorância, por não conhecimento da importância daobra para manter a qualidade de vida da populaçãolocal. Ele alardeava um déficit de energia elétrica queestava retardando o desenvolvimento, e a construçãoda usina de Furnas inundaria de energia o sul de MinasGerais. Que nenhum quilowatt, dos 500 mil destinadosa Minas Gerais seriam desviados a outras regiões elembrava que os donos dos terrenos alagadosreceberiam as devidas indenizações.

Difícil avaliar, né? Tinha a necessidade de usode energia; o que move o país é a energia, né?Mais os problemas sociais na época foram muitos,né? Pra quem teve terra inundada pegar odinheiro, investir em outra coisa, embora o valor;quem fez isso foi melhor do que quem foi brigar.Foi difícil pra muita gente. Que não queriam sairdas casas, tiveram de ser arrastados. Falaram quenão ia sair que ia ficar na casa, ia ficar lá, osvizinhos tiveram de ir lá e retirar. Teve algunscasos assim. (DEPOIMENTO DO SR. JOSÉ CARLOS

SOARES CARLITO)

As falas registradas no jornal demonstram aideologia desenvolvimentista e, em contrapartida, ascolocações do depoimento sobre retirar pessoas à forçade suas casas em nome dessa política. Foram citadosbenefícios sentidos na vida dos entrevistados, como ocaso das pessoas que possuem o hotel, construído parareceber os turistas na atualidade, um contraponto entreos malefícios iniciais da construção do lago, e benefíciosdas adaptações da família ao novo lugar.

No entanto, essa comparação é meramenteespeculativa, pois não existe parâmetros para compararduas situações em tempos tão diferentes. Como seriaessa região caso a represa não existisse? Essa é umaresposta impossível de ser dada. O certo é que ainundação para a construção do reservatório de Furnascausou diversos problemas ambientais e sociais naregião, e estão vivos até hoje na memória da populaçãoque vivenciou o fato.

Piumhi: Os canais da transposiçãoCom a construção do dique de Capitólio, o rio

Piumhi teve de ser desviado para o córrego ÁguaLimpa através de um canal artificial. Como as águasdo rio Piumhi corriam no sentido de Capitólio, foinecessário aprofundar o leito do rio Piumhi, fazendoum outro canal, para que as águas que drenam omunicípio de Capitólio pudessem ser escoadas tambémpara o rio São Francisco, através do córrego ÁguaLimpa e do ribeirão Sujo. Sendo assim, o rio Piumhihoje corre para o rio São Francisco em canais artificiais,canais naturais de um córrego e depois um ribeirão, oque provocou um aumento significativo de volumenesses corpos d´água, causando problemas de erosão.Portanto, o rio Piumhi, o córrego Água Limpa e ribeirãoSujo tiveram suas estruturas alteradas, ficando semmata ciliar, desprovidos de proteção. Uma fortealteração no ecossistema regional.

Enche, agora que enche direito. As vargens tátudo cheio. Fez o dique lá, pois então tampou, aágua corre mais não corre tudo, água num temespidiência, então a água num corre, tá tudo cheio.(DEPOIMENTO DA SRA. MARIA ALVES FERREIRA)

Não foi fácil achar moradores na região queacompanharam as obras da transposição, que estavamantes na região e que lá ainda estão. A maioria dosmoradores tinha se mudado para a regiãorecentemente. Portanto, essa é uma das últimasoportunidades de se descrever a história a partir dasfalas dos moradores. Nos depoimentos acima,percebe-se o início das obras sendo relatado. A obranão foi bem-feita. Foi feita às pressas e os canais nãoforam feitos com a profundidade correta, de acordocom os moradores, por isso as inundações ocorremem Capitólio.

Piumhi: Alterações no pântano, foz do rioPiumhi

Segundo Moreira Filho (2006), para mudar o cursodo rio Piumhi foram construídos canais. O rio Piumhiformava um pântano que foi dragado, e os córregos

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da região passaram a se juntar a essas águas eescorrer por esse canal. "Portanto, o rio Piumhi e seus22 afluentes passaram a correr por aproximadamente18 quilômetros de canal até o córrego Água Limpa.Em parte de seu percurso atravessava uma região deplanície alagada com mais de 38 km de extensão,denominada antigamente como o pantanal do rioPiumhi" ( MOREIRA, 2006). Atualmente, o rio Piumhivem tanto de suas nascentes, na divisa do municípiode Piumhi e Vargem Bonita, como do refluxo domunicípio de Capitólio, através de um canalartificialmente construído e se encontra, no municípiode Piumhi, com o rio São Francisco.

Atravessava aquilo era de canoa. Extensãogrande assim. Meu sogro era de lá do pântano, eracomo se fosse uma lagoa. Ele pegava de VargemBonita, até Capitólio. Pegava um terreno bom dePiumhi, pegava tudo. Depois veio um portuguêsmorando aqui em Piumhi, ele fez um aterro. Nocaso, de carro de boi, no braço, montou pedra pelopântano afora e abriram uma estrada.

Depois veio essa drenagem do rio. E o aterrodesapareceu. O aterro tinha uns 500 metros decomprimento, passou até a ponte. (DEPOIMENTO DO

SR. JAMIL)

Por esse depoimento se percebe que essa regiãodo rio Piumhi formava uma grande extensão alagada,que os moradores tinham desejo de aproveitar paraagricultura e pecuária. Antes da transposição do rioPiumhi, houve tentativas de aterro. Nas entrevistasnessa área, foi difícil tentar levar o entrevistado a relatarimpactos ambientais, pois o desejo de todos osentrevistados era falar sobre a questão fundiária.Quando o pântano secou, essa área foi ocupada porgrandes fazendeiros. Atualmente, grandes latifundiários.As entrevistas nessa área não ocorreram na zona rural;antes a região era um pântano, portanto, semmoradores. A região é muito grande e não seencontraram moradores perto, pois hoje, como foi dito,são grandes fazendas. As entrevistas foram realizadascom moradores que habitavam, na época, asproximidades dessa região rural, e hoje vivem na cidade

de Piumhi. Houve algumas tentativas de falar com osgrandes fazendeiros, mas não foram conseguidas asentrevistas.

CONCLUSÕES

A transposição do rio Piumhi tem percepçõesdiferenciadas, dependendo da região geográfica domorador ao longo do rio, onde foram colhidas asinformações.

No município de Capitólio, próximo ao lago deFurnas, a construção da barragem e a inundação dasáreas mais férteis do município, fundo de vales,marcaram profundamente os moradores, comoevidenciado nos relatos de casos de neuroses e atésuicídios provocados pela falta de referência da históriafamiliar e a perda do sentimento de pertencimento departe da população.

Na área rural de Capitólio e Piumhi, onde foiconstruído o canal de transposição, o fato maismarcante para os ribeirinhos foi a transformação doleito do rio, provocada pela abertura dos canais detransposição e a falta de peixes, em razão da drenagemdo pântano de Piumhi.

Na área onde o rio Piumhi formava um pântanoantes da transposição, ficou marcada a questãofundiária. A área drenada se transformou em terrasagricultáveis de excelente qualidade, devido aosedimento depositado no antigo pântano. Essa árease tornou em um ponto de conflito pela disputa deterras, pois quando pântano não havia proprietários.Movimentos de trabalhadores sem-terra eproprietários rurais disputaram a área e até hoje adesavença gera discussão e sentimentos de injustiçapor parte da população.

Os impactos sociais e econômicos foram notadospela comunidade local, porém, os impactos ambientais,às vezes por falta de conhecimento técnico ou pelapouca importância que tinham na época datransposição, foram escassamente evidenciados nosrelatos da comunidade local e dos meios político,acadêmico e empresarial, e estão sendo agravados aolongo da história. A transposição do rio Piumhi é umaobra pouco lembrada e seus impactos no rio São

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Francisco, pouco estudados, por não comprometeremde forma tão visível a economia e o meio ambiente dorio São Francisco para população em geral.

Devido à importância do tema, torna-se necessárioo debate da questão da transposição de rios,principalmente quando se inicia a transposição dorio São Francisco no Nordeste brasileiro. A ênfasedada à construção das obras e os valores aplicadosnessa fase são vultuosos. Porém, com o passar dosanos, a população local fica com o ônus dos impactosambientais e sociais e a manutenção das áreasmodificadas são negligenciadas pelo poder públicoe privado.

REFERÊNCIAS

BOTTURA, Giovana. A compreensão das formasde relação da população com o meio ambiente:estudo de caso no reservatório de Salto Grande(Americana-SP). 1998. 122 f. Dissertação(Mestrado em engenharia ambiental), USP, SãoCarlos, SP., 1998.

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Hall Inc, 1966. 179 p.

MARCONI, Marina de Andrade; Lakatos, EvaMaria. Técnica de pesquisa: planejamento eexecução de pesquisas, amostragem e técnicas,elaboração, análise e interpretação de dados.São Paulo: Atlas, 1999. 260 p.

MOREIRA FILHO, Orlando. Uma transposição derio esquecida. Revista UFG. Goiânia, n. 2, ano 7p.78-82, Dez. 2006. Disponível em http://www.transpiumhi.ufscar.br/divulgacao.htm. Acessoem: 21 abril 2007.

RAINIER, Adil. Capitólio em Prosa e Verso.Viçosa: Editora Folha de Viçosa, 2002. 295p.

THOMPSON, Paul. A voz do passado. HistóriaOral. São Paulo, Paz e Terra, 1992.385 p.WHITAKER, Dulce C. A. Sociologia RuralQuestões Metodológicas Urgentes. São Paulo:Editora Letras à Margem, 2002. 256 p.

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RECEBIDO EM 15/4/2010ACEITO EM 19/7/2010

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MICORREMEDIAÇÃO DE SOLO IMPACTADO POR RESÍDUOS DEHIDROCARBONETOS

FREIRE, Franklin SantosBiólogo. Mestre em Tecnologia Ambiental (Itep-PE). Professor da disciplina de Ecologia do Curso deLicenciatura em Ciências Biológicas do CESA-PE. Endereço: Rua Capitulino Feitosa, 294, Centro,

Arcoverde-PE-Brasil. CEP: 56.506-060.PEREIRA, Sônia Valéria

Química, Doutora em Botânica (UFRPE). Pesquisadora do Itep-PE. Coordenadora do MestradoProfissional em Tecnologia Ambiental.

GATTAI, Graziella de SáBióloga. Mestre em Ciências Biológicas (UFPE).

RESUMO

O petróleo e seus derivados são os principais meios de geração de energia para veículos transportadores dematéria-prima e mercadorias produzidas nas regiões desenvolvidas e em desenvolvimento, acentuando os riscosde acidentes por derrames na estocagem, transporte, uso ou descarte. A contaminação por hidrocarbonetos totaissugere a elevada propensão a mutações e formação de tumores cancerígenos, decorrentes da exposição causadapela contaminação humana por estes produtos. Este trabalho teve como objetivos: a) Investigar, em escala delaboratório, a capacidade degradativa da microbiota autóctone na presença de concentrações variadas de borrade petróleo (0%, 2,5%, 5% e 7,5%); b) Isolar fungos tolerantes aos constituintes de petróleo; c) Quantificar eanalisar a capacidade de biodegradação do solo através da biomassa microbiana e do quociente metabólico; e d)Definir em laboratório, as condições ideias de biodegradação do petróleo. Foram avaliados parâmetros biológicos(carbono da biomassa microbiana, emissão de CO2, qCO2 e crescimento fúngico), químicos (pH, condutividadeelétrica – CE –, análise da fertilidade e hidrocarbonetos totais) e físicos (composição física do solo) para análise ecomparações. Os resultados obtidos sugerem que a adição de 5% de borra de petróleo no solo apresentoucondição ideal para a biodegradação do contaminante no ambiente. Dos parâmetros avaliados, a emissão de CO2e o C microbiano foram considerados os mais indicativos das alterações na atividade microbiana no solo submetidoà adição de hidrocarbonetos, evidenciando a possibilidade de uso da micorremediação.

PALAVRAS-CHAVE: Biorremediação; Áreas degradadas; Hidrocarbonetos; Fungos filamentosos.

ABSTRACT

Oil and its derivatives are the principal means of energy generation for vehicles that transport raw materials andgoods produced in developed and developing regions accentuating the risk of accidents by spills in stockpiling,transport, use or discarding. The contamination by total hydrocarbons suggests the elevated propension to mutationsand to the formation of carcinogenic tumors, as a consequence of the exposure to human contamination by theseproducts. This work had as aims: a) To investigate, in a laboratorial scale, the degrading capacity of autochthonousmicrobiota in the presence of differing concentrations of hydrocarbons (0%, 2,5%, 5% e 7,5%); b) To isolate fungitolerant to the contaminant; c) To quantify and analyze the biodegradation capacity of soil through the microbialbiomass and metabolic quotient; and d) To set, in laboratory, ideal conditions of biodegradation of the xenobioticcompound. Some parameters of microbial activity have been evaluated, such as: biological (Carbon of microbialbiomass, CO2, qCO2 emission, and fungi growth), chemical (pH, electrical conductivity – EC –, analysis of fertilityand total hydrocarbons) and physical (physical composition of the soil) for analysis and comparisons. The obtainedresults suggest that the adding of 5% of waste oil in the ground provided ideal condition for the biodegradation of

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the contaminant in the environment. From the evaluatedparameters, the emission of CO2 and microbial C wereconsidered more indicative of changes in soil microbialactivity subject to the addition of hydrocarbons,confirming the possibility of microremediation use.

KEYWORDS: Bioremediation; Degrading areas;Hydrocarbons; Filamentary fungi.

INTRODUÇÃO

Nos dias atuais, a exploração desenfreada das fontesnão renováveis de energia, e mais precisamente dopetróleo e seus derivados, tem exigido um aumento naprodução, armazenamento e distribuição de produtosgerados para as diferentes áreas populacionais deprodução industrial. Porém, inerentes a essas atividadesestão os riscos de poluição ambiental, quando sãorealizadas sem os devidos procedimentos preventivos.

A história de empresas petrolíferas no mundo écarreada por catástrofes no campo da mineraçãodesse precioso produto e por acidentes oriundos dederrames com repercussão mundial: em 1978, maisde 200 mil toneladas de óleo foram derramados nacosta da França pelo acidente com o navio AmocoCadiz; em 1989, 40 mil toneladas vazaram do navioExxon Valdez no litoral do Alasca; em 1991, oincêndio do navio Haven, na costa da Itália, ocasionouo derrame de 140 mil toneladas de óleo; em 1991,na Guerra do Golfo, vários poços de petróleo foramsabotados e explodidos ocasionando um desastre naordem de mais de 820 mil toneladas, contaminandovasta região do Kuwait.

No Brasil, vários acidentes enumeram asestatísticas, mais especificamente com o óleo diesel,que é um dos principais derivados utilizados pela malhade transporte rodoviário. Nos últimos anos,ocorreram vários acidentes: com o trem daCompanhia América Latina Logística (ALL), quecarregava 60 mil litros de óleo diesel, despejandogrande parte para o córrego próximo a FernandezPinheiro no Paraná (2000); o rompimento de dutoda Petrobrás provocou vazamento de 4 mil litros deóleo diesel no Córrego Caninana, afluente do Rio

Nhundiaquara no Amazonas, contaminando a flora ea fauna de toda região (2001); o descarrilamento dotrem da Ferrovia Novoeste, que despejou 35 mil litrosde óleo diesel em uma área de preservação ambientalde Campo Grande, Mato Grosso do Sul (2001); e ovazamento de óleo diesel em um tanque operado pelaShell no bairro Rancho Grande, São Paulo,contaminou o solo e, por consequência, o lençolfreático e o manancial da cidade (2002).

Esses acidentes serviram para nortear estudosvisando ao desenvolvimento de tecnologias voltadaspara o controle e a recuperação de áreas degradadas,entre elas a biorremediação.

A biorremediação é o uso de microrganismos emprocessos de degradação de compostos poluentes nosolo ou da água e sua transformação em outros menosrecalcitrantes (BENTO, 2003; JACQUES et al.2007). Desde 1946, os microbiologistas isolam eidentificam microorganismos capazes de degradar opetróleo, relacionando aqueles que conseguem utilizaros elementos degradados como fonte de carbono etransformando-os em biomassa, mesmo sabendo queos derrames de petróleo e derivados não eramconsiderados um problema ambiental significativo(ZOBELL, 1946).

Dentre as técnicas utilizadas em projetos deremediação ambiental, uma das que apresentamconsiderável avanço quando aplicada é amicorremediação, ou seja, o uso de fungos nabiodegradação de solo contaminado por compostosxenobióticos (MORENO et al., 2004). Os fungosrealizam um trabalho considerado importante nanatureza, degradando de celulose até polímeros. Naatualidade, o uso de fungos em relação ao de bactériaspara fim de biodegradação é muito raro, principalmenteem países como o Brasil, onde indústrias petroquímicasusam a técnica de landfarming para o tratamento deresíduos sólidos (JACQUES et al., 2007).

As pesquisas desenvolvidas até o momentoprocuram responder às várias questões envolvendo aaplicação da técnica da biorremediação: 1. Que tiposde componentes presentes no petróleo sãobiodegradáveis? 2. Quais fatores ambientais limitam e

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FREIRE et al.

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estimulam a degradação? e 3. Quais as populações demicrorganismos capazes de degradar e qual a suadistribuição no ambiente? Até o momento, o estudo eo uso da micorremediação como meio empregado paraa biodegradação ainda são inexpressíveis no Brasil.Nesse sentido, são necessários estudos que indiquemmetodologias apropriadas que permitam avaliar oimpacto da presença de hidrocarbonetos na atividademicrobiana do solo.

LOCAL DE ESTUDO

A área selecionada para coleta das amostras estáassentada sobre sedimentos recentes e sub-recentespor depósitos da chamada Planície de Recife. Estaplanície está situada sobre depósitos quartenárioscompostos por areias e argilas de origem fluviomarinha,provenientes do Grupo Barreiras e de origemcaulínitica, com influência direta da deposição desedimentos da foz dos rios Capibaribe e Beberibe. Essaárea de topografia plana (170 mil m2), denominadaÁrea do Brum, é integrante da região estuarina dosrios Capibaribe e Beberibe, tendo sido ocupada porantigas instalações de recebimento, estocagem edistribuição de petróleo e derivados.

Ainda podemos identificar, dependendo daprofundidade, uma modificação das camadas dematerial litológico, até 1,5 m, predominandosuperficialmente aterros constituídos de areias médiasde diversas colorações, entre 1,5 m e 10 m de argilassiltosas de coloração marrom, ocre e cinza.

A hidrogeologia da área apresenta dois aquíferos(cristalino e de camadas sedimentares), deixandoevidentes situações bem distintas quanto àmovimentação do lençol freático. Em maré baixa, odeslocamento obedece ao sentido sudoeste paranordeste, em direção ao rio Beberibe. No entanto, namaré alta, a inversão do fluxo ocorre para o interior dailha, em sentido ao Oceano Atlântico.

A seleção da área destinada à coleta do solo foibaseada em diagnóstico previamente realizado pelaempresa GEO CSD, onde foi verificada a presençade derivados de petróleo no subsolo.

As tubulações responsáveis pela distribuição dos

derivados de petróleo são na sua maioria subterrâneas,sendo os tanques assentados sobre bases de concretosem pavimentação adequada (GEO CSD, 2002).

Na área selecionada para coleta, durante adécada de 80, foram realizadas obras de manutençãoe reforma portuária, identificando-se a presençasubterrânea de hidrocarbonetos no lençol freático,sendo aplicadas apenas medidas mitigadoras,impedindo sua chegada ao nível do mar e possívelacidente ambiental mais sério.

Das 11 áreas antigas utilizadas para armazenamentoe distribuição dos derivados de petróleo, somente 2ainda mantêm a atividade (BR Distribuidora e Ipiranga).O solo retirado por escavação das áreas contaminadaspor óleo estava acondicionado em "bags" e dispostoem pátio de estocagem do Porto, sob aresponsabilidade das empresas geradoras do resíduo.

DESENHO EXPERIMENTAL

As amostras de solo nativo (SN) e de solocontaminado com borra de derivados de petróleo (S+B)foram coletadas no mês de agosto de 2006, em umaantiga área de estocagem de derivados de petróleo daBR Distribuidora. As amostras de SN foram coletadasem uma área intacta (0-20 cm de profundidade) doPorto, onde nunca houve escavação nem deposição dequalquer material que contenha hidrocarbonetos. Asamostras de Borra (B) foram coletadas do materialarmazenados em "bags" localizados na antiga área deestocagem do Porto do Recife.

As amostras de solo nativo (SN) utilizadas noexperimento receberam adição de borra nasconcentrações de 2,5, 5,0 e 7,5%, sendo estabelecidocomo testemunha o tratamento de 0%.

Recipientes de vidro (1l) contendo 20g de soloforam preparados de forma a permitir que a cadasemana amostras em triplicata dos tratamentos (0%,2,5%, 5% e 7,5%) fossem analisadas. No total forammontados 12 recipientes, mantidos fechados eincubados por um período de 56 dias.

Esse sistema foi preparado para permitira realização do ensaio, em escala de laboratório,visando à verificação de alterações na microbiota do solo

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Micorremediação de solo...

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através da análise da respirometria, biomassamicrobiana, número de colônias fúngicas, bem como aanálise de parâmetros físico-químicos do solo afetado.

ANÁLISE DO SOLO

A análise de fertilidade foi realizada no Laboratóriode Solo da empresa Agrolab e as análises química,bioquímica e microbiológica foram realizadas nosseguintes Laboratórios da Associação Instituto deTecnologia de Pernambuco (Itep): Laboratório deTecnologia Ambiental, Laboratório de Microbiologiae Físico-Química de Alimentos e Laboratório deFluidos.

Os parâmetros estudados estão descritos a seguir:

Condutividade elétrica – CEAs suspensões (1 solo: 2 água) de solo foram

preparadas pesando-se 10 g da amostra eadicionados a 20 ml de água destilada. Após 24 horas,realizou-se a medição da CE no sobrenadante(FRIGHETTO, 2000).

pHO pH foi determinado eletronicamente, por meio

de eletrodo combinado, imerso em suspensãosolo:líquido (1 solo: 2 água). Foram pesados 10 g desolo em um béquer de 50 ml, adicionando-se 25 ml deágua deionizada. Foi deixado agitar por 20 minutos,esperando-se em seguida a decantação por 30 minutos,medindo o pH do sobrenadante por 2 minutos. Foiutilizado um pHmetro de bancada Pack pH 21 paramedição do potencial (FRIGHETTO, 2000).

RespirometriaO método utilizado se baseia na absorção estática

(por difusão) do CO2 desprendido do solo por umasolução alcalina (KOH 0,5N), em um recipientefechado e incubado por um período de 56 dias(GRISI, 1984).

As amostras de solo foram pesadas (20 g cada)em copos plásticos em número de cinco repetiçõescada. Uma lâmina de água destilada foi colocada paramanter a umidade nos potes de vidro, sendo

depositados em seguida as amostras pesadas e umrecipiente plástico contendo 10 ml de KOH 0,5N. Osrecipientes de 1l foram tampados e vedados comparafilm para não permitir a entrada nem a saída de arno interior dos mesmos.

A cada intervalo de sete dias, os recipientes foramabertos e as soluções de KOH 0,5N, transferidas paraErlenmeyers e procedida a titulação com HCl 0,1N,utilizando fenolftaleína e metilorange como indicadores.

Biomassa microbianaO método utilizado foi o de fumigação-extração

(VANCE et al, 1987), seguindo o princípio doaumento dos teores de C e N, extraíveis por K2SO4 eoxidados com dicromato de potássio (K2Cr2O7).Essas substâncias, liberadas após fumigação do solocom clorofórmio, estão relacionadas aos constituintescelulares liberados das células microbianas apósrompimento da membrana submetida a uma atmosferade solvente lipolítico.

O método prevê as etapas de fumigação comclorofórmio, extração com sulfato de potássio edigestão ácida com dicromato de potássio do Cmicrobiano. No processo de fumigação, as amostrasde solo em estudo (4 g), contidas em recipientes comtampa, receberam 0,2 ml de clorofórmio e mantidasem repouso por 20 minutos. Em seguida, as amostrasforam transferidas para Erlemneyer de 250 ml, eadicionados 40 ml de sulfato de potássio. Para efetuara digestão das amostras, alíquotas de 8,0 ml do extratoforam transferidas para tubos, adicionados 2,0 ml deK2Cr2O7, 5,0 ml de ácido fosfórico concentrado e10ml de ácido sulfúrico concentrado e em seguidasubmetidos a aquecimento por 30 minutos, a umatemperatura de 100ºC. Após resfriamento, as amostrasforam tituladas com sulfato ferroso amoniacal(0,333N), utilizando como indicador a ferroína. Omesmo procedimento foi utilizado para o solo nãofumigado, excetuando-se a etapa de fumigação comclorofórmio.

O mesmo procedimento foi utilizado para o solofumigado, acrescentando a presença de 0,2 ml declorofórmio. Os extratos, depois de diluídos, foram

FREIRE et al.

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titulados com sulfato ferroso amoniacal (0,333N) eferroína como indicador.

Quociente metabólico – qCO2O Quociente Metabólico (qCO2), índice usado

para avaliar as condições metabólicas da biomassamicrobiana, é calculado pela relação entre a respiraçãobasal e o C da biomassa microbiana (ANDERSON& DOMSCH, 1993).

O cálculo do qCO2 foi realizado por meio da relaçãoentre o CO2 acumulado (µgC-CO2 .g solo-1) e o C dabiomassa microbiana (µgC. g solo-1).

Crescimento de colônias fúngicasPara isolamento dos fungos filamentosos tolerantes

aos constituintes dos petróleos, foram pesados 10 gde solo e diluídos em 90 ml de água destilada,correspondendo a uma suspensão 1:10. Nasposteriores diluições, foi transferido 1 ml dassuspensões para tubos de ensaio contendo 9 ml deágua destilada até a concentração de 10-3. Para cadadiluição, foi tomado, em triplicata, 1,0 ml da suspensão

de solo e inoculado em placas de Petri contendo meioBatata-Dextrose-Ágar (BDA), com auxílio de alça deDrigalski. As placas foram incubadas em temperaturaambiente durante sete dias, sendo os resultadosexpressos em Unidades Formadoras de Colônias(UFC g solo-1).

Hidrocarbonetos totais de petróleoA análise da presença de hidrocarbonetos totais de

petróleo (HTP) foi realizada no Laboratório de Fluidosdo Itep (método de cromatografia gasosa) e noLaboratório de Microbiologia e Físico-Química deAlimentos (LMFQA) .

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise de soloA Tabela 1 descreve a análise física do solo

estudado, sendo SN o solo nativo e S+B o solocontaminado.

A Tabela 2 descreve a análise química do solo nativoe contaminado (solo coletado para o experimento semdiluição).

Tabela 1 – Análise física do solo nativo e contaminado.

Tabela 2 – Análise química do solo nativo e contaminado.

Solo Densidade

do solo (g/cm3)

Areia Grossa

g/kg

Areia Fina g/kg

Silte g/kg

Argila g/kg

Classificação Textural

SN 1,65 853 101 26 20 Arenoso - AR

S+B 1,65 853 101 26 20 Arenoso - AR

Solo Carbono g/kg

Nitrogênio g/kg

Relação C/N

Matéria Orgânica g/kg

pH (1:2)

Fósforo Assimilável

mg/kg

SN 1,19 0,2 5,50 1,90 7,9 16 S+B 2,28 0,3 7,33 3,79 7,7 28

Micorremediação de solo...

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pHSegundo Canals (2005), o pH considerado ótimo

para a biodegradação de compostos xenobióticos estáentre 6 e 8 em temperatura ambiente (20º-30ºC). Umavariação acentuada no pH pode afetar de formaconsiderável a microbiota e a velocidade dedegradação dos compostos. Essa reação se apresentade forma mais específica para os cátions que são maissolúveis em pH ácido e para os ânions solúveis em pHalcalino.

Conforme apresentado na Figura 1, foi possívelverificar variação do pH (7,77-8,30) das amostrassubmetidas à contaminação por hidrocarbonetosdurante os 56 dias do experimento. Estudos realizadospor Dibble e Bartha (1979) sugerem que, sob condiçãode pH neutro, o processo de degradação decompostos recalcitrantes é mais eficiente.

Os solos contaminados na concentração de 2,5 e5% apresentaram a menor taxa de variação do pHentre os 56 dias de experimento.

Condutividade elétrica – CEA Tabela 3 descreve os valores relativos à condutividade elétrica (CE) do solo, evidenciando pequena

diferença entre os valores encontrados nas concentrações do experimento.

Tabela 3 – Valores médios de condutividade elétrica (CE) do solo nativo e contaminado, submetidos adiferentes concentrações de hidrocarbonetos (0; 2,5; 5 e 7,5%).

Tratamentos 0% 2,5% 5,0% 7,5% CE (µs/m) 98,3 90,85 91,85 94,6

Figura 1 – Variação do pH.

FREIRE et al.

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Biomassa microbianaOs resultados indicam maior concentração média

de carbono microbiano no solo contaminado comhidrocarbonetos, com a concentração de 5%, duranteo tempo de experimento (56 dias) (Figura 3), emrelação aos outros tratamentos. Na concentração de2,5% de hidrocarbonetos, não foi observada diferençaem relação ao solo nativo quanto à presença de

RespirometriaCom relação à emissão de CO2 do solo, foi

verificado aumento a partir do 20.º dia deexperimento, em função da adição de doses dehidrocarbonetos. Essa alteração sugere que aatividade microbiana do solo foi estimulada pelapresença do hidrocarboneto, promovendo adegradação e, consequentemente, aumento na

emissão de CO2. Foi evidenciada uma adaptação damicrobiota durante a primeira semana de análise doexperimento, seguida de uma curva de crescimentoexponencial da população, atingindo uma terceira fase,esta de estacionamento (Figura 2), o que comprovaa rápida adaptação dos microrganismos presentes noSC nas suas diversas concentrações (0%, 2,5%, 5%e 7,5%).

Figura 2 – F(18,84)=3,21; p<,0002

carbono microbiano, mantendo-se constante duranteo período de incubação.

O solo recebendo 7,5% de contaminante apresentavalores superiores ao solo nativo e ao contaminadocom 2,5%, mas inferior à concentração de 5%,sugerindo que a alta porcentagem adicionada decontaminante pode afetar a comunidade microbianado solo.

Micorremediação de solo...

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Quociente metabólico – qCO2Segundo Paula et al. (2006), os valores mais

elevados de qCO2 podem indicar um estressefisiológico na comunidade microbiana. Foi observadoque o solo contaminado com a concentração de 7,5%apresenta o valor de coeficiente metabólico superior

aos outros tratamentos, caracterizando estressefisiológico da microbiota presente, o que não severifica até o 27.º dia, evidenciando período deadaptação. Foi observado comportamento similarentre as diversas concentrações no 56.º dia deexperimento (Figura 4).

Figura 3 – Concentração Média do Carbono Microbiano.

Figura 4 – Média de qCO2.

FREIRE et al.

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Hidrocarboneto total de petróleoNa análise quantitativa de hidrocarbonetos totais

de petróleo (1000 ppm e 5000 ppm) pelo de métodode cromatografia gasosa, usando hexano como diluenteem detector de ionização de chama, não foi possíveldetectar a presença deste tipo de composto. Oresultado pode estar relacionado ao fato de que omaterial tem principalmente hidrocarbonetos de cadeialonga, o que inviabilizou a quantificação por esta

Unidade Formadora de Colônia – UFCA contagem de colônias fúngicas (UFC) não é

considerada uma estimativa confiável, em razãoprincipalmente das limitações de cultivo demicroorganismos em condições de laboratório. Noentanto, este parâmetro pode sugerir alterações nacomposição da comunidade fúngica, evidenciadas pelonúmero e diversidades de colônias formadas. Nesteestudo, foi observado que no solo nativo (concentraçãode 0%), a microbiota permaneceu constante durante

o período de 56 dias. Por outro lado, as amostras quereceberam doses de hidrocarbonetos nasconcentrações de 2,5% e 7,5% apresentaram declíniono número de colônias após a 1.ª semana deincubação, sendo observado crescimento a partir da2.ª semana. No tratamento referente à concentraçãode 5%, foi possível constatar maior crescimento fúngicoem relação aos outros tratamentos estudados no 20.ºe 34.º dia de experimento, não sendo observado nosdemais tempos individuais (Figura 5).

Figura 5 – Média de UFC.

técnica. No entanto, pela quantificação pelo métodode extração com hexano (STANDARD METHODSFOR THE EXAMINATION OF WATER ANDWASTEWATER, 1998), foi possível evidenciar apresença de hidrocarboneto total nas amostras de solocom as respectivas concentrações (Tabela 4). Não foipossível quantificar de forma individual os compostospresentes na borra, devido à diversidade do materialcoletado no local de depósito.

Solos/tratamentos Resíduo (borra) 2,5% 5,0% 7,5%

1,39 0,18 0,24 0,30

Tabela 4 – Valores médios de hidrocarbonetos totais presentes na borra e nas amostras de solo submetidasa diferentes concentrações do contaminante (2,5; 5 e 7,5%) no início do experimento.

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A matéria orgânica do solo (MOS) desempenha umpapel fundamental nos processos químicos, físicos ebiológicos do solo. Nos processos de reabilitação deáreas impactadas, o aporte de MOS representa o pontode partida, influenciando diversos atributos do solo.

CONCLUSÕES

Com base no trabalho realizado, concluiu-se que:O aumento da emissão de CO2 do solo em função

da adição de doses crescentes de hidrocarbonetosindica habilidade de adaptação da microbiota emcondições do estudo;

A estimativa do carbono microbiano indica que otratamento de 5% de hidrocarbonetos no solo foi omais apropriado para as condições estabelecidas, sendoesta concentração do contaminante considerada idealpara a biorremediação em experimento laboratorial;

Os valores de coeficientes metabólicos (qCO2)sugerem que a concentração de 7,5% é o limite máximode biodegradação de borra de petróleo no solo, nascondições de estudo;

A capacidade de crescimento fúngico no solocontaminado com hidrocarbonetos foi comprovada pelocultivo em meio de cultura, em condições de laboratório;

O pH do solo controle (SN) e do solo contaminado(SC) não sofre variação considerável, mantendo-sedentro dos padrões relatados em diversos trabalhossobre biorremediação.

AGRADECIMENTOS

Nossos agradecimentos são dirigidos aoscomponentes do Laboratório de Tecnologia Ambientaldo Itep e do LMFQA, na pessoa do sr. Edson Silva,bem como, a administração do Porto do Recife (PE),pela abertura da área de estudo.

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DIBBLE, J. R. e BARTHA, R. Effect of

Matéria orgânicaNas análises das amostras de solo contaminado

e das respectivas concentrações utilizadas (0%,2,5% 5% e 7,5%), foi possível observar (Tabela 5)um aumento da concentração de matéria orgânicapresente no solo contaminado (Borra) em função

da adição do contaminante. Estes valoresapresentados de MO sugerem que o aumento daemissão de CO2, observado durante o experimento,pode estar relacionado ao produto da reação deoxidação do carbono, oriundo do contaminanteadicionado no solo.

Tabela 5 – Valores médios do teor de matéria orgânica nas amostras de solo submetidas a diferentesconcentrações de hidrocarbonetos (0; 2,5; 5 e 7,5%).

Solos/tratamentos Resíduo (borra) 0% 2,5% 5,0% 7,5%

2,71 0,60 0,81 1,02 1,20

FREIRE et al.

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ANÁLISE FENOTÍPICA E GENOTÍPICA DE BACTÉRIAS ISOLADASDO SOLO DA FLORESTA NACIONAL DOS TAPAJÓS, PARÁ,

BRASIL, SOB EFEITO DE ESTRESSE HÍDRICO

RESUMO

Os solos da Floresta Nacional dos Tapajós são classificados como argilosos e podzólicos, possuem acidezelevada, altos teores de alumínio e são pobres em nutrientes. Visando avaliar o impacto das secas na floresta, foidesenvolvido o projeto "Dry Forest". Este projeto inclui as parcelas Floresta Primária (FP, controle) e FlorestaSeca (FS, com exclusão de chuvas). O presente estudo avaliou o efeito do estresse hídrico sobre a microbiotado solo nessas parcelas. Foram analisadas 12 amostras de solo por parcela quanto às populações microbianas,incluindo organismos celulolíticos, proteolíticos e solubilizadores de fosfato. Foi observada uma redução nascontagens microbianas no solo sob estresse hídrico, podendo atingir duas ordens de grandeza, sendo maisexpressiva para os microrganismos celulolíticos. Das 286 culturas bacterianas isoladas, os bastonetes Grampositivos representaram 47% (FP) e 62% (FS) destes isolados. Os gêneros prevalentes foram Bacillus,Corynebacterium, Listeria e Micrococcus. Foi encontrada significativa diversidade genotípica entre as estirpesisoladas (FP e FS) nos perfis de BOX-PCR. Os resultados permitem concluir que a exclusão de chuvas naparcela seca pode provocar redução nas populações microbianas. No entanto, a diversidade encontrada, emnível de gênero, foi pouco influenciada. A elevada diversidade bacteriana detectada ao nível de espécie/subespéciesugere uma resiliência dos solos de ambas as parcelas ao estresse ambiental.

PALAVRAS-CHAVE: Microbiota do solo; Atividade enzimática do solo; Estresse hídrico; BOX-PCR; FlorestaAmazônica.

ABSTRACT

Soils from the National Forest of Tapajos are nutrient-poor, acidic, podzolic clay types, with high aluminum content.The Dry Forest Project was developed to assess the impact of drought on a tropical forest. This project includesplots of Primary Forest (FP, control) and Dry Forest (FS, with exclusion of rain). This study assessed the effectof dryness on the microbial populations of soils collected in these plots. Twelve soil samples were analyzed forcounts of total bacteria, fungi, and cellulolytic, proteolytic and phosphate solubilizer populations. A decrease ofmicrobial counts was detected at the dry forest plot in comparison with the control, being more significant (twoorders of magnitude) for cellulolytic populations. The majority of 286 isolated cultures were Gram-positivebacilli (47% for FP and 62% for FS) and the prevalent genera were Bacillus, Corynebacterium, Listeria andMicrococcuss. Box-PCR profiles of the bacteria from both plots showed high genetic diversity. The exclusion

BATISTA, Selma BaiaCentro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) Universidade Federal do Mato Grosso. Av. FernandoCorreia da Costa. Bairro Boa Esperança, Cuiabá-MT. CEP 78060-900. Brasil. Tel. (65) 63615-8970.

E-mail: [email protected], Paulo Iiboshi; MENDONÇA-HAGLER, Leda Cristina

Instituto de Microbiologia Prof. Paulo de Góes (IMPPG) UFRJ; Laboratório de Ecologia Microbiana eTaxonomia; Centro de Ciências da Saúde (CCS), Bloco I, sala 44, Ilha do Fundão-RJ. CEP 21941-590.

Brasil. Tel. (21) 2562-6739.SOUSA, Oscarina Viana de

Instituto de Ciências do Mar – LABOMAR UFC; Av. da Abolição, 3207 – Meireles – Fortaleza-CE. CEP60165-081. Tel. (85) 3366-7000

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of rain can produce a negative effect on the microbialpopulations of tropical forest soil. The diversity, at thegenus level, does not appear to be affected by drought,and the high diversity found for bacteria at the species/subspecies level at both sites suggested a resilience ofthe soil microbiota to this environmental stress.

KEYWORDS: Soil microbes; Soil enzymatic activities;Stress by drought; BOX-PCR, Amazon Forest.

INTRODUÇÃO

A Floresta Amazônica sofre eventos anuais de secasazonal no período de Junho a Novembro, causadospor uma perda de água para a atmosfera através deevapotranspiração. A absorção da umidade do solo éo fator determinante para manter a floresta verde efisiologicamente ativa durante esse período (KALIFet al., 2000). No caso de estiagens prolongadas,frequentes devido ao fenômeno climático El Niño, aumidade nas camadas mais profundas do solo tambémé perdida para a atmosfera. Sob essas condições, afloresta sofre alterações que a tornam mais seca esuscetível ao fogo (NEPSTAD et al., 1995). Paraprever o efeito de seca prolongada, é importante avaliara resistência da Floresta Amazônica e planejar melhora sua conservação. Nesse contexto foi desenvolvidoo Projeto "Dry Forest", por meio de uma abordagemexperimental que avaliou a resposta da vegetação auma estiagem produzida artificialmente através daexclusão de chuvas, em uma área da Floresta Nacionaldos Tapajós, em Santarém, no Estado do Pará(NEPSTAD et al., 2000). Os solos dessa floresta sãoargilosos e podzólicos, apresentam coloração vermelhaou amarela; são pobres em nutrientes, possuem acidezelevada e altos teores de alumínio (CERRI et al.,1985). Neles, a riqueza nutricional normalmente estáconcentrada na camada superficial, devido ao depósitode resíduos vegetais na serrapilheira, além dos efeitosdas raízes. Assim, a matéria orgânica é incorporadapelos microrganismos. Havendo disponibilidade deágua, a decomposição parcial realizada pelos mesmosvai dar origem à matéria orgânica que reterá nutrientes,que serão liberados lentamente para os colonizadores

do solo (BORNEMAN e TRIPLETI, 1997).A diversidade microbiana do solo da Floresta

Amazônica é complexa e pouco estudada. Bornemane Tripleti (1997) realizaram uma análise desse solo pormeio do método de RISA, e encontraram bactériasdos grupos Plactomyces, Clostridium, Grampositivos com alto teor de Guanina/Citosina,C y t o p h a g a - F l e x i b a c t e r - B a c t e r i o d e s ,Fibrobacterium e da sub-classe Proteobactéria.

Os microrganismos são reconhecidos por suahabilidade em promover transformações bioquímicasdos nutrientes e por sua importância em disponibilizarelementos nutritivos às plantas (NAHAS, 2002).Grupos microbianos podem ser utilizados comoindicadores na estimativa dessas transformações pormeio da biomassa e de suas atividades enzimáticas,como, por exemplo, celulase, protease e fosfatase,dentre outras (ARIAS et al., 2005). Essas atividadessão influenciadas pela variação sazonal, aeração,umidade, vegetação, microbiota, temperatura e tipode solo (KISS et al., 1975; NAHAS, 2002). Asenzimas acumuladas no solo são primariamenteprovenientes de células microbianas (LADD, 1978);entretanto, um percentual também pode ser originadode resíduos vegetais e animais (BAHL e AGRAWAL,1972; BRADY, 1989, TABATABAI, 1994). Sãoencontradas no solo na forma livre, excretadas porcélulas vivas (exoenzimas), liberadas por células quese rompem (endoenzimas) e enzimas ligadas aconstituintes celulares (KISS et al., 1975). Váriosestudos sobre diversidade funcional vêm utilizandométodos baseados em atividades enzimáticas, comocelulases, fosfatases e proteases (ZILLI et al., 2003).A degradação microbiana da celulose é um importanteprocesso de decomposição de detritos vegetais (RAIe SRIVASTAVA, 1983; SINSABAUGH e LINKINS,1988). A fosfatase está ligada aos microrganismos dosolo através do ciclo biogeoquímico do fósforo (PAULe CLARK, 1996), enquanto que a protease édegradada pela maioria dos microrganismos do solo,liberando amônia (ALEF e KLEINER, 1986;MORRA e FREEBORN, 1989).

Técnicas de biologia molecular, como o BOX-PCR,

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Análise fenotípica e genotípica...

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BATISTA et al.

possibilitam caracterizar o perfil genotípico demicrorganismos cultiváveis (DE BRUIJIN et al., 1992;RADEMAKER et al., 2005), representandoferramentas que complementam os métodostradicionais de estudo da diversidade microbiana(ZILLI et al., 2003).

O presente estudo teve como objetivo avaliar o efeitodo estresse hídrico sobre a diversidade microbiana dosolo em duas parcelas da Floresta Nacional dos Tapajós,incluídas no Projeto "Dry Forest".

METODOLOGIA

As amostras de solo foram coletadas na FlorestaNacional do Tapajós, no município de Santarém, Pará,nas parcelas do experimento montado para o projeto"Dry Forest". No local foi realizada uma simulação doEl Niño, onde duas parcelas foram cercadas portrincheiras laterais com profundidade de 1 a 1,7 m.Na parcela seca (FS), as trincheiras limitaram oabastecimento de água das plantas por raízes lateraise, na úmida (FP), simularam o efeito de borda, evitandoesta nova fonte de variação. Para excluir a chuva, 5.660painéis (3 m x 0,5 m) foram colocados na parcela secadurante a estação úmida (Janeiro-Maio). Esses painéissão responsáveis por uma redução de 50 a 80% daágua incidente no solo. Essa área da Floresta Nacionaldos Tapajós recebe chuvas com média anual de 2000mm. (CUNHA et al., 2002).

Coleta e processamento das amostrasAs amostras do solo foram coletas em Julho de

2005 e Janeiro de 2006, em profundidade de 0 – 10cm, em seis pontos aleatórios das duas parcelas:Floresta primária (FP – controle, sem exclusão dechuva) e Floresta Seca (FS – que é a área comexclusão de chuva). De cada área foram coletadas seisamostras compostas a partir de três subamostras, queforam acomodadas em pequenos sacos impermeáveise esterilizados, e estocadas a 4ºC até o processamentoem laboratório.

Análises Físico-químicas do soloAs análises físico-químicas determinadas nas

amostras de solo foram: percentual de areia, silte e argila,testes expedita de granulometria, nutrientes (Al, Ca+Mg,Ca, Mg, P, K e matéria orgânica) e pH. As análisesforam efetuadas seguindo as técnicas recomendadas porMuzilli (1978) e Embrapa (1998) e realizadas noslaboratórios da Empresa Brasileira de PesquisasAgropecuárias (Embrapa), Setor Solos-Rio de Janeiro.

Enumeração de populações microbianasAs amostras de solo (10 g) foram suspensas em 90

ml de uma solução contendo 0,1% pirofosfato de sódioe 0,1% tween 80 e agitadas 20 minutos. Em seguidaforam feitas diluições decimais em NaCl 0,85% einoculadas (alíquotas de 0,1 ml) em placas com osdiferentes meios de cultivo. Para a quantificação debactérias heterotróficas foi usado o meio Agar trypticde soy (TSA, Difco®) com 0,1g% de cicloheximida.As contagens de fungos foram estimadas usando omeio Potato dextrose Agar (PDA, Difco®)cloranfenicol a 0,1 g%. As placas foram incubadasdurante 24/48 horas (podendo estender-se a umasemana) a 30°C para as bactérias e 20°C para osfungos. Após a contagem das colônias, as placas foramusadas para posterior isolamento de culturasmicrobianas. Foram realizadas contagens de bactériase fungos filamentosos em meios específicos:Celulolíticos (CMC), Proteolíticos (Agar Gelatina) eSolubilizadores de Fosfato (Sais de Fosfato). Osmicrorganismos com atividade celulolítica foramevidenciados através do crescimento no meio sólidoDubos (meio contendo apenas sais minerais essenciaise carboximetilcelulose) como única fonte de carbono,e quant ificados segundo LINHARES EDROZDOWICZ (1972). Os microrganismosproteolíticos, com potencial para crescer no meiomineral enriquecido apenas com gelatina, foramdetectados por meio da formação de halo ao redordas colônias proteolíticas. Nessa técnica, o corante"Coomasie Blue" é utilizado para evidenciar adegradação da proteína. Um volume do corante foivertido dentro da placa até cobrir toda a superfície domeio, por um tempo de 5-10 minutos; posteriormente,a placa foi lavada com uma solução de ácido acético

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(50%) com metanol (50%) para retirar o excessoe a parte do corante que não se impregnou a proteína,que é então eliminada. (LADD e BUTLER, 1972).Os microrganismos capazes de solubilizar fosfato foramquantificados através de um halo transparente ao redordas colônias cultivadas em meio de cultura, constituídode sais minerais com glicose e sais de fosfatos insolúveis(HOFFMAN, 1967).

Isolamento e caracterização de bactériasForam selecionadas, das placas de cultivo, colônias

bacterianas representativas das diferentes morfologias.Estas foram submetidas ao isolamento em cultura puranos respectivos meios de contagem. A cultura foicaracterizada usando os seguintes testes fenotípicos:morfologia celular, coloração de Gram, oxidação/fermentação, motilidade, citrato, catalase, nitrato,urease e fermentação de carboidratos (maltose,dextrose, xilose, sacarose, glicose, manitol e lactose).As culturas foram identificadas ao nível de gênero deacordo as descrições citadas no Bergey´s Manual(1994) e MacFaddin (1976).

Extração de DNA das culturas bacterianasA extração de DNA das culturas bacterianas foi

realizada após os testes bioquímicos, em que foramescolhidas estirpes representativas dos gênerospertencentes ao grupo bacilo Gram positivo, totalizando41 estirpes da parcela FP e 37 da FS, respectivamente.Este método foi efetuado usando o protocolo de HURTet al. (2001), utilizando agitação com pérolas de vidroem Fast Prep (Fast Prep TM FP 120; Bio101 ThermoElectron Corp.®) a uma velocidade 5,5 por 20segundos. Em seguida, a lise das células foi realizadaem banho-maria a 65°C por 30 minutos e centrifugação10000 g, 5 minutos. A preparação foi extraída comClorofórmio Álcool isoamílico (24:1) e o DNA,precipitado com isopropanol (80%) gelado e diluídoem tampão Tris-Edta (TE). A pureza e peso moleculardas preparações de DNA foram testados em gel deagarose (0,8%) corado com Brometo de Etídio eobservado sob luz UV (254 nm). Foi usado comopadrão um marcador com 1Kb de peso molecular

(SAMBROOK et al., 1989).

Caracterização Genotípica – BOX-PCRA caracterização genotípica das culturas bacterianas

foi através da técnica BOX-PCR (RADEMAKER etal., 1998). A reação para amplificação foi feitautilizando Go Taq master Mix (PROMEGA), deacordo com as recomendações do fabricante. Foiusado o Primer: BOXA1R (5'-CTA CGG CAA GGCGAC GCT GAC TGA CG-3') (VERSALOVIC etal., 1994), e o programa de amplificação foi:Desnaturação a 94°C por 7 minutos; Ciclos 94°C por1 minuto.; 53ºC por 1 minuto e 65°C por 1 minuto(35 X) e Extensão final, 65ºC 16 minutos(Termociclador Gene Amp® PCR System 9700;Applied Biosystems). O produto do PCR foivisualizado através de eletroforese em gel de Agarose(Invitrogen) a 100Volts por 4 horas; observados emum transiluminador UV (254nm) após a coloração comBrometo de Etídeo (SAMBOOK et al., 1989). Osperfis de BOX-PCR foram analisados por meio doprograma estatístico BioDiversity Professional Beta(MACALEECE, 1998), com o coeficiente desimilaridade de Jaccard e o algoritmo de agrupamentoUPGMA.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análises Físico-QuímicasA Tabela 1 apresenta as características físico-

químicas e de textura das amostras de solo. Osresultados indicaram similaridade física entre asamostras e um nível de acidez elevada, característicados solos da Floresta Amazônica (NAHAS, 1994).As concentrações dos nutrientes pesquisados tambémforam próximas nas duas amostras. A diferença dopercentual de matéria orgânica não foi expressiva naparcela submetida a estresse hídrico (FS), emcomparação com a parcela controle (FP). De acordocom Ferreira et al. (2006), a pobreza do solo dafloresta decorre do fluxo de saída ou perdas nutricionaldo sistema por meio do processo de lixiviação etambém porque boa parte dos nutrientes que entramna floresta são retidos pela mesma.

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Tabela 1 – Propriedades físico-químicas das amostras de solo.

Análises microbiológicas do soloA Figura 1a apresenta os valores obtidos para as

populações de bactérias nas amostras de solocoletadas em Junho de 2005 e em Janeiro de 2006,cultivadas em TSA e meios específicos. Foramobservadas variações nas contagens bacterianastendendo à redução na parcela FS. Em coletasanteriores (dados não apresentados) houve umaredução, de cerca de duas ordens de grandeza, nonúmero de bactérias na FS. A redução foi maissignificativa na população de bactérias capazes dedegradar celulose, sob estresse hídrico, nas coletasde Junho de 2005 e Janeiro de 2006. A pouca atuaçãodas bactérias celulolíticas talvez seja explicada devidoà ausência de precipitação, sem a qual não ocorre ocarreamento dos nutrientes disponíveis na partedecomposta da serrapilheira, ou porque osmicrorganismos oriundos das camadas maissuperficiais do solo não consigam alcançá-la.Moutinho (2002) reportou nesse sistema (projeto"Dry Forest") uma diminuição da área foliar queinterfere na ciclagem de nutrientes para o solo. Essesdados corroboram com os de Smitt et al. (2001),sugerindo que esse fato pode ser devido à diferença

na fisiologia celular de alguns microrganismos emresposta ao estresse hídrico. Certas espéciesbacterianas isoladas de solos com déficit de água podemsofrer um choque quando são re-hidratadas. Ainterpretação desses resultados também deve levar emconta as limitações do método de contagem em placas,o qual seleciona as espécies que formam colônias e sedesenvolvem bem no meio de cultura utilizado, e tambémporque algumas estirpes podem estar em estado nãocultivável no ambiente ficando excluídas da análise (ZILLIet al., 2003; CARNEIRO et al., 2004).

A Figura 1b representa as contagens de fungos. Estapopulação apresentou menor sensibilidade ao estressehídrico, tendo mantido contagens próximas em todosos meios utilizados e diferença pouco significativa nacomparação entre as amostras de parcela FS e FP,exceção das amostras coletadas em 2006 com reduçãode duas ordens de magnitude na contagem de fungosda parcela FS. Segundo os autores Kempf e Bremer(1998) e Schimel (1999), os fungos são mais resistentesao estresse, em razão da rigidez da parede celular. Aquantificação fúngica também possui suas limitações,como o rápido crescimento celular e a proliferação defilamentos que dificultam a contagem de colônias.

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Figura 1a – Contagens de bactérias em amostras de solo de Floresta Primária e Floresta Seca, Projeto"DryForest", Floresta Nacional de Tapajós. Os dados correspondem às médias geométricas e desvio padrão das

contagens em logaritmo das unidades formadoras de colônias (UFC) cultivadas em TSA, CMC, AgarGelatina e Sais de Fosfato. Amostras coletadas em Junho de 2005 e Janeiro de 2006.

Figura 1b – Contagens de fungos em amostras de solo de Floresta Primária e Floresta Seca,Projeto"Dry Forest", Floresta Nacional dos Tapajós. Os dados correspondem às médias

geométricas e desvio padrão das contagens em logaritmo das unidades formadoras decolônias (UFC) cultivadas em PDA, CMC, Agar Gelatina e Sais de Fosfato. Amostras

coletadas em Junho de 2005 e Janeiro de 2006.

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A identificação dos gêneros das estirpes isoladasfoi feita de acordo com os testes morfológicos efisiológicos, seguindo as chaves de identificação doBergey's Manual (1994) e MacFaddin (1976). Oresultado dos testes bioquímicos confirma que amaioria dos isolados pertence ao grupo bacilos Grampositivos, considerando que a maioria dos gênerosidentificados pertence a esse grupo. Esse dadocorrobora com outros resultados citados na literatura,onde é relatado que este grupo é um granderepresentante da comunidade bacteriana do solo. A

Diversidade de bactérias isoladas de amostrasde solo

Foram isoladas 286 estirpes bacterianas dos solosdas parcelas, oriundos das duas coletas, sendo 153isoladas da FP e 133 da FS a partir dos meios decultivo. A caracterização morfológica das culturasbacterianas foi efetuada através da coloração de Gram.Considerando suas características morfotintoriais, as

Figura 2 – Caracterização morfológica e tintorial (Gram) das culturas isoladas de solos deFloresta Primária (FP) e Floresta Seca (FS).

estirpes foram divididas em grupos, sendo a maioriaformada de bacilos Gram positivos, seguidos de cocosGram positivos (Figura 2). A prevalência dosbastonetes Gram positivos pode estar relacionada aofato de que a maioria das bactérias pertencentes a essegrupo formam esporos ou estágios fisiológicos combaixa atividade metabólica mediante uma situaçãoadversa, como a escassez de água.

presença de cocos Gram positivos também foiexpressiva, como Streptococcus e Staphylococcus,gêneros normalmente associados aos animais desangue quente. Este resultado pode ser explicadoconsiderando que o solo não é um ambiente isolado,possuindo ligações diretas com as águas, ar, plantase animais. Na Tabela 2 estão representados osgêneros prevalentes isolados nos solos estudados. Osgêneros encontrados com menor frequência foram:Acinetobacter, Cromobacterium, Flavobacterium,Enterobacter.

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BOX-PCR dos Isolados BacterianosAs bactérias possuem sequências naturais,

altamente conservadas e repetitivas no DNA, as quaisestão presentes em várias cópias no genoma. Essassequências parecem estar localizadas em posiçõesintergênicas distintas ao redor do cromossomo; oelemento BOX foi identificado por possuir essassequências (DIMRI et al., 1992). A Figura 3apresenta o perfil genético de 41 estirpes isoladas daárea FP, onde foi observada uma alta diversidade.Resultado semelhante foi encontrado na análise das37 isoladas da parcela FS (Figura 4). Os perfisgenotípicos obtidos através da técnica de BOX-PCR

Tabela 2 – Gêneros bacterianos prevalentes isolados das amostras de solo da Floresta Nacional doTapajós – Projeto "Dry Forest".

estão apresentados por meio dos dendrogramas. Amatriz de similaridade foi gerada usando o índice deJaccard, em que as medidas de semelhança sãograndezas numéricas que quantificam o grau deassociação entre os isolados. As estirpes oriundasde solos FP e FS apresentaram perfis genotípicoscom baixo grau de similaridade ao nível de resoluçãode espécie/subespécie, indicando alta diversidade,embora estas culturas pertençam a poucos gênerosbacterianos. Segundo Rademaker et al. (2005), ouso da técnica do BOX-PCR permite fazerdiferenciação de subespécies através do uso de DNAde isolados; porém, esse método gera perfis

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complexos. Esse fato foi verificado nos perfis deBOX-PCR encontrados no presente estudo para asbactérias de solo de floresta. A técnica engloba aanálise do genoma como um todo, assim sendo, aprobabilidade para duas estirpes distintas revelarem

o mesmo perfil em BOX-PCR é virtualmente nula,devido ao fino grau de resolução genética da análise,conforme relatou Costa (2001; COSTA et al., 2006)para a caracterização genotípica de bactériaspertencentes ao gênero Pseudomonas.

Figura 3 – Caracterização genotípica via BOX-PCR de Bacilos Gram positivos isolados da parcela FlorestaPrimária. M: marcador de peso molecular (100pb). Estirpes bacterianas: indicadas pelos códigos e

agrupamento (UPGMA de acordo com os perfis genotípicos determinados por BOX-PCR. O percentual desimilaridade entre os isolados da amostra Floresta Primária foi obtido a partir de uma matriz construída

através da análise de Jaccard.

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Os resultados obtidos no presente estudo sugeremque a queda nas populações microbianas e a reduçãonos valores das atividades enzimáticas podem serdecorrentes da escassez de água, pois esta é a variávelmais expressiva que diferencia as parcelas FlorestaPrimária e Floresta Seca. A diversidade microbiana nãofoi significativamente afetada ao nível de gênerosbacterianos encontrados nos solos analisados, estesrepresentados predominantemente por bastonetesGram positivos. A caracterização genética de estirpesrepresentativas gerou perfis complexos de similaridadeentre os genótipos bacterianos, sinalizando elevadadiversidade de espécies e genótipos presentes nascomunidades microbianas do solo da Floresta dos

Figura 4 – Caracterização genotípica via BOX-PCR de Bacilos Gram positivos isolados da parcelaFloresta Seca. M: marcador de peso molecular (100pb). Estirpes bacterianas: indicadas pelos códigos e

agrupamento (UPGMA) de acordo com os perfis genotípicos determinados por BOX-PCR. O percentualde similaridade entre os isolados da amostra Floresta Seca foi obtido a partir de uma matriz construída

através da análise de Jaccard.

Tapajós, fato que pode explicar a reconhecidaresiliência do solo (GIRVAN et al., 2005) frente aosperíodos de secas neste ecossistema.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à equipe do projeto "Dry Forest" eAo Ibama-Pará pela concessão das amostras, bemcomo à Embrapa pelas análises dos solos. O presenteestudo recebeu apoio financeiro das agências Capes,CNPq e Faperj.

REFERÊNCIAS

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RECEBIDO EM 11/8/2010ACEITO EM 23/8/2010

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APLICAÇÃO DE MODELO DE AUTODEPURAÇÃO PARAAVALIAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA DO RIBEIRÃO DO OURO,

ARARAQUARA-SP

COSTA, Daniel Jadyr LeiteApoio técnico no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente do Centro

Universitário de Araraquara – Uniara, mestrando EESC/USP.TEIXEIRA, Denilson

Professor-pesquisador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente doCentro Universitário de Araraquara – Uniara. Rua Carlos Gomes, 1338 – Centro – CEP 14801-340 –

Araraquara-SP. E-mail: [email protected]

RESUMO

Os modelos matemáticos utilizados para simular a qualidade e o processo de autodepuração de corpos d'águasão importantes ferramentas de auxílio à gestão dos recursos hídricos. Assim, o objetivo principal deste trabalhofoi aplicar um modelo matemático de qualidade de águas superficiais (QUAL-UFMG) para avaliar a qualidadedas águas do ribeirão do Ouro, em Araraquara (SP). A partir dos perfis de oxigênio dissolvido (OD) e dademanda bioquímica de oxigênio (DBO5,20), obtidos ao longo da seção longitudinal do rio, foi possível determinaras zonas de autodepuração e verificar o atendimento aos padrões de qualidade de águas estabelecidos naResolução CONAMA 357/2005. O modelo e os resultados encontrados poderão subsidiar gestores epesquisadores na prevenção, controle e estudos referentes à poluição desse corpo de água.

PALAVRAS-CHAVE: Modelagem Matemática; Qualidade das águas superficiais; Gestão de recursos hídricos;Modelo QUAL-UFMG.

ABSTRACT

Mathematical models used to simulate the quality and the process of self-purification of water bodies are importanttools to aid the management of water resources. The main objective of this paper was to apply a mathematicalmodel (QUAL-UFMG) to evaluate the water quality of the stream “ribeirão do Ouro", Araraquara (SP). Basedon the profiles of dissolved oxygen (DO) and of the biochemical oxygen demand (BOD5,20) obtained along thelongitudinal section of the river, it was possible to determine the areas of self-purification and to verify compliancewith the standards of water quality established by Resolution CONAMA 357/2005. The model and the obtainedresults will be able to support managers and researchers in the prevention, control and studies related to pollutionof this water body.

KEYWORDS: Mathematical Modeling; Surface water quality; Water resources management; Model QUAL-UFMG.

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INTRODUÇÃO

O atual modelo de desenvolvimento socioeconômico,o crescimento populacional acelerado e a necessidadede atendimento às diversas atividades humanas têmcomo resultado um panorama complexo em relação àdegradação dos recursos naturais, especialmenteevidenciado nos aspectos qualitativos e quantitativos dosrecursos hídricos. Este cenário tornou ainda maisimportante os estudos e procedimentos de gestãointegrada desses recursos. Assim, cada vez mais, sãonecessárias ferramentas que quantifiquem direta ouindiretamente esses impactos ambientais, como passoinicial para a tomada de decisões que estejamdirecionadas à manutenção e recuperação da qualidadedesses sistemas.

Os modelos matemáticos utilizados para simulara qualidade da água e o processo de autodepuraçãode corpos d'água são importantes ferramentas deauxílio à gestão dos recursos hídricos, podendo atuartanto na prevenção como no controle da degradaçãodesses recursos.

Dentre as ações, subsidiadas por esses modelos,podem ser destacadas: a alocação deempreendimentos potencialmente geradores depoluição hídrica, a definição do nível de tratamento aser empregado para que os padrões de qualidade nãosejam infringidos, a delimitação de trechos críticos depoluição e a previsão das alterações da qualidade daágua ao longo do tempo e do espaço em condiçõesnormais ou decorrentes de descargas acidentais. Asduas últimas estão relacionadas com a determinaçãodas zonas de autodepuração de um corpo hídrico.

A autodepuração pode ser definida como umprocesso natural de recuperação da concentração desaturação do oxigênio dissolvido (OD) no corpo deágua, a jusante do recebimento de uma carga orgânicabiodegradável. Para Von Sperling (2007), esseprocesso pode ser considerado como representativode um fenômeno de sucessão ecológica, em que háuma sequência sistemática de substituições de uma

COSTA, D.J.L. & TEIXEIRA, D.

comunidade aquática por outra, até que haja o equilíbrioentre determinadas comunidades com as condiçõeslocais. Do início ao final desse processo estãopresentes diferentes zonas de autodepuração.

O marco inicial do uso da modelagem nos estudosda poluição dos corpos hídricos foi em 1925, com oclássico modelo de Streeter-Phelps, que foi desenvolvidoa partir de intensos estudos das fontes de poluição eseus impactos no rio Ohio, EUA (CHAPRA, 1997;THOMANN & MUELLER, 1987; ORLOB, 1983).Este modelo descreveu o aumento, seguido dedecréscimo, do déficit de oxigênio a jusante de uma fontede material orgânico (GONÇALVES, 2009).

A inexistência de computadores limitava a aplicaçãodo modelo analítico de Streeter-Phelps à cinética deprimeira ordem, canais com geometria simples eescoamento em regime permanente e uniforme. Apenasno final da década de 1950, com o desenvolvimentodos métodos numéricos para solução de equaçõesdiferenciais com o uso de computadores, é que foipossível aumentar a complexidade dos modelos, sendoo Delaware Estuary Comprehensive Study Model(DECS), desenvolvido por Thomann em 19631, oprimeiro modelo de qualidade de águas baseado emexpressões numéricas (CHAPRA, 1997).

O sucesso do modelo DECS encorajou os órgãosgovernamentais dos EUA a investirem na modelagem parao gerenciamento dos recursos hídricos; assim, outrosmodelos computacionais surgiram, os quais permitiram asimulação de mais variáveis de qualidade da água, desistemas hídricos mais complexos – em regimepermanente e não permanente – e maior flexibilidade nosajustes dos coeficientes cinéticos (ORLOB, 1983).

Os modelos de qualidade de águas superficiaisvêm sendo bastante utilizados, devido a suacredibilidade no meio técnico-cient ífico,principalmente os modelos QUAL2K (uma versãoatualizada e aprimorada dos modelos da famíliaQUAL – I, II e 2E, este último distribuído pelaUSEPA2) e o MIKE11, do grupo DHI software.

1THOMANN, R. V. Mathematical Model for Dissolved Oxygen. J. San. Eng. Div. ASCE89 (SA5): 1-30, 1963.2United States Environmental Protection Agency.

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Aplicação de modelo...

Vale salientar que, até o momento, a maioria dostrabalhos voltados para a modelagem de qualidade deáguas superficiais foi realizada a partir de modelosunidimensionais, como Campos (1997); Gastaldni(2002); Kannel (2007); e Sardinha (2008). Comogrande valia, principalmente para rios com vazõesrelativamente elevadas, está em ascensão a aplicaçãode modelos bi e tridimensionais, capazes de modelar adispersão longitudinal e a difusão transversal depoluentes. As equações de conservação de massa equantidade de movimento utilizadas nesses modelospodem ser resolvidas a partir de programas defluidodinâmica computacional (ou computational fluiddynamics – CFD); essa abordagem está detalhadaem Lien (1999); Ma (2002); Modenesi (2004); eMachado (2008).

O modelo utilizado neste trabalho foi o QUAL-UFMG (Von Sperling, 2007), que teve seudesenvolvimento baseado no QUAL2E. O QUAL-UFMG é um modelo unidimensional, de interfacebastante amigável, adequado para rios com vazõesrelativamente baixas e escoamentos em regimepermanente, pois essas condições não favorecem ofenômeno de dispersão longitudinal.

Esse modelo já foi usado nas simulações de diversoscenários para os cursos d´água componentes do Planode Gerenciamento Integrado de Recursos Hídricos do

Distrito Federal (VON SPERLING, 2007).Dessa forma, o objetivo principal deste trabalho

foi justamente avaliar a qualidade das águas do Ribeirãodo Ouro, em Araraquara (SP), a partir da aplicaçãode um modelo matemático de qualidade de águassuperficiais (QUAL-UFMG).

A aplicação do modelo matemático produziuresultados numéricos da variação da concentração deOxigênio Dissolvido (OD) e Demanda Bioquímica deOxigênio (DBO5,20) ao longo do rio. Os trechos críticosde degradação podem ser visualizados a partir do perfilde OD obtido, o qual forneceu subsídios para averificação de atendimento à Resolução CONAMA357/2005 e determinação das zonas de autodepuraçãodo corpo hídrico. As zonas de autodepuração foramdefinidas e apresentadas em uma carta digitalgeoreferenciada da bacia hidrográfica em estudo.

ÁREA DE ESTUDO: BACIA HIDROGRÁFICA DO RIBEIRÃO

DO OURO

A Bacia Hidrográfica do Ribeirão do Ouro pertenceà Unidade de Gerenciamento de Recursos HídricosTietê-Jacaré (UGRHI–13) e localiza-se na porçãocentral do Estado de São Paulo, no município deAraraquara (SP). Possui aproximadamente 84,3 km²e abrange em torno de 45% da área urbana dessemunicípio (Figura 1).

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De acordo com Fuller (2008), pela classificaçãoKoppen, essa bacia está localizada em uma região declima "Tropical de Altitude" CWA, caracterizada por duasestações bem definidas: um verão com temperaturas altas(média de 31ºC) e pluviosidade elevada e um invernocom temperaturas amenas e pluviosidade reduzida.

Um mapeamento do uso e ocupação do solo, realizadoa partir de imagens de satélite e apresentado por Teixeiraet al. (2008), identificou que a Bacia Hidrográfica doRibeirão do Ouro está ocupada predominantemente poráreas agrícolas e pastos, abrangendo uma área de 48,6km² (ou 57,6 % da área total da bacia). As áreas urbanasocupam 27,1 % e as áreas verdes (incluindo reservaslegais e matas ciliares), apenas 13,3 %.

O Ribeirão do Ouro possui uma extensãoaproximada de 19.900 metros. Ao longo de seupercurso recebe o lançamento de algumas fontespoluidoras; sendo assim, o modelo matemático utilizadoneste trabalho foi aplicado para caracterizar o efeito

desses lançamentos sobre a qualidade de suas águas.O trecho simulado inicia-se na seção transversallocalizada a 13.400 metros de sua foz.

Na simulação realizada, verificou-se a presença deuma significativa fonte pontual proveniente de uma indústria,e ainda, outras fontes pontuais lançadas direta eindiretamente no corpo de água. As fontes pontuaisindiretas são advindas de tributários com elevadasconcentrações de matéria orgânica. O Ribeirão do Ouroestá enquadrado como Classe 4, de acordo com oDecreto 10.755, de 22 de novembro de 1977, que dispõesobre o enquadramento dos corpos d'água receptoresdo Estado de São Paulo, conforme classificação previstano Decreto 8.468, de 8 de setembro de 1976.

MATERIAIS E MÉTODOS

Os dados de qualidade de águas de OD e DBOdo Ribeirão do Ouro foram obtidos através de análisesrealizadas pelo Departamento Autônomo de Água e

COSTA, D.J.L. & TEIXEIRA, D.

Figura 1 – Localização da Bacia Hidrográfica do Ribeirão do Ouro.

S

O

N

L

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Aplicação de modelo...

Esgotos (Daae), autarquia municipal. Os dados foramcoletados nos pontos de amostragem apresentados naFigura 2, no dia 31 de maio de 2006, e utilizados comovalores de referência para a calibração do modelo. Asanálises seguiram os padrões descritos na 20.ª ediçãodo Standard Methods for Examination of Water andWastewater (APHA, 1998).

As vazões do rio e de seus tributários foramcalculadas através do método de regionalizaçãohidrológica, por meio do Sistema de Informações parao Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH) doEstado de São Paulo. O valor de referência foi adescarga específica [m³/s.km²], obtida a partir da vazãomédia plurianual de uma série histórica de 34 anos deum posto fluviográfico do Daee, localizado na Fazenda

Palmeiras, Rio Chibarro, em Araraquara (SP). Ocálculo da área da Bacia Hidrográfica do Ribeirão doOuro foi realizado com uso do software Auto CAD,utilizando-se como base cartográfica a folha digitalizadaSF-22-X-D-VI-4 do IBGE (1:50.000).

O percurso simulado tem uma extensão de 13.400metros e foi dividido em cinco trechos, sendo eles(com relação à seção inicial): 1. 0-3100 m; 2. 3100-5200 m; 3. 5200-7200 m; 4. 7200-12800 m; e 5.12800-13400 m. Os critérios para a divisão detrechos estão baseados nas características hidráulicasdo rio e na localização das fontes poluidoras, como émostrado na Figura 2. Os trechos foram divididosem elementos computacionais de comprimento (x)igual a 100 metros.

Tributário A

Tributário B

Tributário D

Tributário E

Tributário H

Tributário I

Tributário J

Tributário K

Tributário C

Fonte Pontual (ETE industrial)

Tributário F

Tributário G

1

234

5

6

7

8

9

10

1

2

3

4

5Rio Chibarro

Ribeirão do Ouro

Legenda

Trechos

Pontos de Amostragem

Fonte Pontual/Tributários

Figura 2 – Diagrama unifilar dos trechos simulados do Ribeirão do Ouro.

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Além dos dados de lançamento pontual daindústria, a calibração do modelo foi realizada pelavariação dos coeficientes cinéticos [T -1] dedesoxigenação (K1) e reoxigenação (K2).

Modelo matemático e solução das equaçõesdiferenciais ordinárias

De uma maneira geral, as concentrações dosconstituintes (como, por exemplo, o oxigêniodissolvido) em um corpo d'água são alteradas pelosmecanismos físicos de advecção-dispersãolongitudinal e por processos bioquímicos e físicosde conversão.

De acordo com Von Sperling (2007) e Lima(1997), o transporte de poluentes em cursos d'água,em regime permanente, pode ser modeladodesprezando-se o termo da dispersão longitudinal,visto que os gradientes de concentração são

pequenos neste tipo de escoamento. Para o segundoautor, no caso de descargas acidentaisconcentradas, a dispersão deverá ser considerada,uma vez que se tem um grande gradiente deconcentração.

A simulação realizada considerou o escoamentoem regime permanente, desconsiderando assim adispersão longitudinal. Por isso, para os cálculos dosperfis de concentrações de OD e DBO foiconsiderada a fluidodinâmica de um reator de fluxoem pistão, ou seja, apenas a advecção é utilizadacomo mecanismo de transporte.

As equações utilizadas em um modelo como este,para construção do perfil longitudinal de OD, sãocriadas a partir do balanço de massa desta variável,como mostrado na Figura 3. Apesar de nãodemonstrado, o mesmo balanço deve ser realizadopara a DBO.

COSTA, D.J.L. & TEIXEIRA, D.

Os dados de OD, DBO e vazão de lançamentopontual (industrial) foram estimados a partir de Ponezi(2000) e foram ajustados na etapa de calibração domodelo.

A declividade do leit o do r ibeirão fo ideterminada a partir da carta topográfica do IBGE(escala 1:50.000). A largura dos trechos foi medida

e, a partir da vazão média, foram estimadas aprofundidade e a velocidade média de cada trecho.A simulação foi realizada considerando oescoamento do rio sobre uma calha ideal, comgeometria retangular. As características hidráulicasdos trechos simulados estão apresentadas naTabela 1.

Tabela 1 – Características hidráulicas dos trechos simulados.

*Valores médios para cada trecho;**Os trechos 2 e 3 possuem características hidráulicas semelhantes: no entanto, essa divisão se deve aolançamento pontual no início do trecho 3, possuindo um coeficiente cinético de desoxigenação maiselevado, dado que a taxa de reação de degradação é proporcional à concentração de matéria-orgânicado meio (reação de primeira ordem).

Trecho Comprimento [m]

Declividade [m/m]

Largura [m]

Profundidade [m]

Vazãom [m³/s]*

Velocidadem [m/s]*

1 3100 0,0065 3,6 0,4 0,334 0,23 2** 2100 0,0110 3,6 0,4 0,4876 0,34 3** 2000 0,0110 3,6 0,4 0,4876 0,34

4 5600 0,0163 4,4 0,31 0,5743 0,42 5 600 0,0057 5,3 0,55 0,6114 0,21

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Dividindo os dois lados da equação por t, V e considerando xA igual a V, tem-se:

Quando t0:

Considerando o regime permanente, tem-se:

em que:x: comprimento do volume de controle [m];t: intervalo de tempo [s];A: área transversal do volume de controle [m2];U: velocidade média do escoamento [m/s];COD: concentração de oxigênio dissolvido [mg/L];CDBO: concentração de DBO [mg/L];Cs: concentração de saturação de oxigênio dissolvido [mg/L];K1: coeficiente cinético de desoxigenação [dia-1]; eK2: coeficiente cinético de reoxigenação [dia-1].

Aplicação de modelo...

Figura 3 – Balanço de massa para a variável OD.

Δt]VCK)VC(CKΔx

xCUAUAC[UACCV DBOODS

ODODODOD 12

DBO1ODS2

ODOD CK)C(CKx

CUΔtΔC

DBO1ODS2

ODOD CK)C(CKx

CUdt

dC

UCK)C(CK

xC DBOODSOD 12

O termo RNaKNaCNaV se refere ao consumo de OD, devido ao processo de nitrificação (DBO nitrogenada),o qual não foi considerado neste trabalho.

Aplicando-se o princípio de conservação da massa, obtém-se a Equação 1:

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Verificação de atendimento à legislação edeterminação das zonas de autodepuração

Para a verificação de atendimento à legislaçãoambiental, foi utilizado como referência os padrões dequalidade de águas presentes na Resolução CONAMA357/2005, para a classe em que o Ribeirão do Ourose encontra enquadrado.

As zonas de autodepuração foram obtidas a partirdo perfil de OD, construído com o uso do modelo, eforam caracterizadas utilizando-se as definiçõescontidas em Von Sperling (2007).

A espacialização das zonas de autodepuração foirealizada integrando-se os dados numéricos do perfilde OD (calculados em uma planilha eletrônica do tipoExcel) na folha digitalizada e georeferenciada do IBGE(software AutoCAD).

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os valores de Oxigênio Dissolvido (OD) eDemanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) doRibeirão do Ouro utilizados no modelo encontram-se na Tabela 3.

COSTA, D.J.L. & TEIXEIRA, D.

As equações diferenciais ordinárias apresentadaspodem ser resolvidas a partir da aplicação de métodosnuméricos. Vários métodos de integração numéricapodem ser usados, o QUAL-UFMG emprega o deEuler; embora mais simples, requer passos de integraçãomenores que os demais, como, por exemplo, o deRunge-Kutta de quarta ordem. Pela integração, segundoo método de Euler, tem-se a seguinte equação geral:

Δx)reaçãode(taxaCC nn 1

em que:Cn+1: concentração em uma posição qualquer [g/m3];Cn: concentração na posição anterior [g/m3];Taxa de reação: representa a declividade da reta usadapara encontrar o próximo ponto; ex: passo de integração [m].

Na Tabela 2 é mostrado o resultado da aplicaçãodo algoritmo de Euler às equações diferenciais,construídas a partir dos balanços de massa.

Tabela 2 – Solução numérica das equações diferenciais.

Variável Equação diferencial Solução numérica

OD U

CK)C(CKx

C DBO1ODS2OD

))(

( 121 x

UCK

UCCK

CC nDBOnODSnODnOD

DBO UCK

xC DBODBO 1

)x

UCK

(CC nDBO1nDBO1nDBO

Parâmetros Pontos de Amostragem

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Padrão rio classe 4

OD [mg/L] 7,0 6,2 6,6 5,0 5,4 3,9 1,9 0,8 1,5 0,8 superior a 2,0mg/L

DBO [mg/L] 0,8 1,9 6,6 17,4 12,2 6,6 110,2 97,5 82,0 75,3 -

Tabela 3 – Valores de OD e DBO do Ribeirão do Ouro utilizados no modelo.

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Cabe destacar, para efeito de comparação comoutros modelos, que os coeficientes cinéticos estimadosno processo de calibração do modelo utilizado nessapesquisa se encontram na faixa de valores aceita pelo

Aplicação de modelo...

Com uma área de influência na baciahidrográfica de 35,6 km² e descarga específica de0,00874 m³/s.km² (método de regionalizaçãohidrológica), a vazão calculada para a seção inicial

Tabela 4 – Vazões, OD e DBO dos tributários e efluente industrial.

do trecho simulado foi de 0,311 m³/s. Os valoresdas vazões e concentrações de OD e DBO, paraos t ributários e efluente industrial, estãoapresentados na Tabela 4.

Parâmetros Tributários Fonte Pontual

(ETE industrial) A B C D E F G H I J K

Vazão [m³/s] 0,037 0,043 0,058 0,004 0,004 0,008 0,01 0,008 0,006 0,01 0,013 0,1

OD [mg/L] 5,0 0,0 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 0,0

DBO [mg/L] 2,0 123,0 2,0 2,0 2,0 2,0 2,0 2,0 2,0 2,0 2,0 600,0

Trecho K1* [d-1] K2* [d-1]

1 0,20 10,5 2 0,20 10,5 3 0,45 10,5 4 0,40 11,0 5 0,40 10,5

modelo QUAL2E, um dos mais utilizados no meiotécnico-científico.

Os perfis de OD e DBO encontram-se nas Figuras4 e 5 respectivamente.

A fonte pontual proveniente da indústria cítrica foiestimada com uma DBO de 1200 mg/L. Devido àexistência de uma estação de tratamento de efluentes,considerou-se para a simulação uma remoção de

DBO de 50%. De acordo com o ajuste aos dadosexperimentais, os valores encontrados para oscoeficientes cinéticos K1 e K2, nos diferentes trechos,estão apresentados na Tabela 5.

Tabela 5 – Valores dos coeficientes cinéticos utilizados para a calibração do modelo.

* (base e, 20 ºC)

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Figura 4 – Perfil de OD para os trechos simulados do Ribeirão do Ouro.

Figura 5 – Perfil de DBO para os trechos simulados do Ribeirão do Ouro.

COSTA, D.J.L. & TEIXEIRA, D.

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Após a fase inicial de perturbação do ecossistema(zona de degradação), os microrganismosdesempenham ativamente suas funções dedecomposição de matéria orgânica. Em consequência,o corpo d´água atinge seu nível mais acentuado dedegradação, e a qualidade da água apresenta-se emseu estado mais deteriorado (VON SPERLING,2007). Esses aspectos fornecem uma descriçãoqualitativa das condições ambientais predominantes noecossistema aquático em uma zona de decomposiçãoativa. A correlação dessas condições com dadosnuméricos, permite inferir interpretações mais

abrangentes sobre a perturbação causada no meio esuas possíveis consequências.

Considerando que as fontes pontuais presentes noRibeirão do Ouro sejam lançadas em regimepermanente, é possível, a partir dos dados da Tabela6. verificar que haverá um trecho de 3.700 metros comTDH de aproximadamente duas horas e meia,governado por condições ambientais presentes na Zonade Decomposição Ativa.

A localização espacial das zonas de autodepuraçãoda bacia hidrográfica do Ribeirão do Ouro para asimulação realizada está apresentada na Figura 6.

Zonas de Autodepuração Comprimento [m] TDH*

Águas Limpas 5100 310,2min = 5h 10min Degradação 1500 73,5min = 1h 13min

Decomposição Ativa 3700 151,5min = 2h 31min Recuperação 6700 294,6min = 4h 54min

Tabela 6 – Zonas de autodepuração do evento simulado e respectivos tempos de detenção hidráulica.

Nota-se nos resultados apresentados nas Figuras4 e 5 significativa depleção da concentração de OD eaumento da DBO após o lançamento industrial.Embora menos significativo, a montante desselançamento, o Tributário B (Figura 2) também contribuicom o aporte de matéria orgânica para o sistema,aumentando a DBO e diminuindo os níveis de OD nocorpo hídrico. Este tributário se encontra totalmentecanalizado, escoando de forma subterrânea (abaixode duas avenidas asfaltadas) sobre margens e leito deconcreto. Devido a essas condições e aos resultadosobtidos das análises físico-químicas da água, háprováveis lançamentos clandestinos no córrego.

A aplicação do modelo permite clara visualizaçãodos trechos que se encontram dentro dos valores-limiteestabelecidos por legislação. Verifica-se que na

*Tempo de Detenção Hidráulica: é o tempo médio de permanência de uma partículaem suspensão em determinado trecho.

distância de 6,4 km (ou 6.400 metros de distância comrelação à seção inicial do trecho simulado) até suaconfluência com o Rio Chibarro, as concentrações deOD se encontram inferiores a 2 mg/L, ou seja, menoresdo que o padrão de qualidade determinado pelaResolução CONAMA 357/2005 para riosenquadrados na Classe 4 (Figura 4). O perfil de ODobtido também forneceu subsídios para a determinaçãoe medição dos comprimentos longitudinais das zonasde autodepuração, que foram criadas a jusante dolançamento industrial.

Tomando-se como base a velocidade doescoamento em cada trecho, calculou-se o tempo dedetenção hidráulica (TDH) das zonas deautodepuração. Esses valores podem ser visualizadosna Tabela 6.

Aplicação de modelo...

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CONCLUSÃO

Por meio das análises experimentais e do modelo,verifica-se que há um significativo impacto ambientalnegativo no Ribeirão do Ouro, causado pelolançamento de matéria orgânica provenienteprincipalmente de efluentes industriais.

O bom ajuste entre o modelo e os dadosexperimentais deve-se ao fato que as fontes pontuaise os coeficientes cinéticos de desoxigenação (K1) ereoxigenação (K2) foram utilizados como parâmetrosde calibração.

O modelo poderá ser utilizado pelos gestores da

A tradução desses resultados na forma de ummapa de zonas de autodepuração (qualidade daságuas) constitui-se na mais completa forma deinteração entre o pesquisador e os tomadores dedecisão. Esse tipo de informação é muito importantepara subsidiar o processo de gestão integrada dosrecursos hídricos. Permite também, de interesseprincipalmente da academia, a definição de estudos

Figura 6 – Zonas de autodepuração da bacia hidrográfica do Ribeirão do Ouro para a simulação realizada.

e pesquisas voltadas aos seguintes temas:toxicologia, análise de risco, avaliação de impactosambientais, indicadores biológicos de qualidade deágua, entre outros. Cabe ainda destacar o potencialdessa ferramenta como subsídio para oestabelecimento de programas de monitoramento dequalidade de água para a sub-bacia hidrográfica emquestão.

COSTA, D.J.L. & TEIXEIRA, D.

N

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bacia para subsidiar de forma preventiva e corretivaos problemas ambientais existentes no corpo de água.

Os estudos realizados apontam ainda para novaspropostas de pesquisas, por exemplo, em função dasincertezas dos valores de alguns dados utilizados nomodelo como a vazão do rio, a vazão e concentraçãodo efluente industrial e os coeficientes cinéticos K1 eK2, torna-se interessante a aplicação de métodosestatísticos que realizem uma simulação probabilísticados resultados obtidos. Esta simulação pode serrealizada através da Análise de Incerteza, por meio daSimulação de Monte Carlo.

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COSTA, D.J.L. & TEIXEIRA, D.

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NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS E A PEDAGOGIA, EMTRÊS MOMENTOS DE FORMAÇÃO1

SILVA, Claudionor Renato daRua Vicenzo Spoto, 32, Jardim Maria Luiza. Pedagogo e Mestrando em Educação. Universidade Federal

de São Carlos – UFSCar. E-mail: [email protected], Juliene de Cássia Leiva

Docente do Departamento Ciências Humanas e Sociais do Centro Universitário de Araraquara – Uniara.RESUMO

Este artigo apresenta e discute três momentos da formação inicial de pedagogos na temática da inclusão ediversidade, tendo como foco as necessidades educacionais especiais. A metodologia qualitativa do estudo decaso foi utilizada nos três momentos da pesquisa. Nos dois primeiros momentos o instrumento utilizado para acoleta de dados foi um texto e no terceiro momento, a aplicação de questionário semi- estruturado. Os doisprimeiros momentos ocorreram no início e no final do ano de 2008 e o terceiro momento, seis meses depois. Osresultados apontaram o amadurecimento profissional e pedagógico dos entrevistados, principalmente nadesconstrução de mitos, medos e opiniões de senso comum relacionados à educação especial e à inclusãoescolar, ao mesmo tempo em que novas construções e saberes sobre essas temáticas foram sendo organizadosnas suas representações. Os indicadores quantitativos demonstraram uma considerável sedimentação das ideiase conceitos fundamentais da educação especial e inclusão, bem como da prática da inclusão escolar, condiçãoimprescindível para que se efetive na escola uma real educação na diversidade, com qualidade e profissionalismode um de seus principais atores de mudança: o professor.

PALAVRAS-CHAVE: Necessidades educacionais especiais; Formação de educadores; Inclusão; Diversidade;Pedagogia.

ABSTRACT

This paper presents and discusses three moments in educators'initial formation in diversity and inclusion themes,focusing special educational needs. The qualitative methodology of case study was used in the three moments ofthe research. In the first two moments the instrument used for data collecting was a text and, in the third moment,a semi-structured questionnaire. The first two moments took place at the beginning and at the end of 2008 andthe third moment took place 6 month later. The results showed the professional and pedagogical maturing of theinterviewed participants, mainly in the deconstruction of myths, fears and opinions based on the common senserelated to special education and school inclusion, at the same time as new construction and knowledge aboutthese themes were organized in their representations. The quantitative indicators have demonstrated a considerablesedimentation of the ideas and fundamental concepts in special education and inclusion, as well as of the practiceof school inclusion, a necessary condition for the realization in school of a true education in diversity, with qualityand professionalism of one of its main actors of change: the teacher.

KEYWORDS: Special educational needs; Educator formation; Inclusion; Diversity; Pedagogy.

Os resultados desta etapa da pesquisa foram apresentados no III Congresso Brasileiro de Educação Especial na UFSCar(Universidade de São Carlos) em dezembro de 2008. Os dados desta pesquisa completa, no IV EIDE (Encontro Iberoamericanode Educação) na FCLar/UNESP, em Araraquara, em novembro de 2009.

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SILVA, C.R. & ROSA, J.C.L.

INTRODUÇÃO

A temática da educação de pessoas comnecessidades educacionais especiais (NEE2) naeducação básica tem ganhado ampla repercussãodiscursiva, no âmbito das políticas públicaseducacionais, das pesquisas acadêmicas, daspráticas docentes, do dia a dia da escola, comotambém e, fundamentalmente, nas universidadesformadoras de professores, por tanto, daslicenciaturas.

Na licenciatura em Pedagogia, em sua nova"roupagem" curricular nacional, é que a temática daeducação nas NEE toma dimensões complexas,advindas, sobretudo, do ideal da educação para todos,da inclusão, da diversidade, da pluralidade cultural(multiculturalismo) – dentre outros conceitos econcepções – pautados no paradigma da pós-modernidade e da teoria da complexidade moriniana3.

Nesse sentido, a formação de professores, tantoinicial como em serviço (chamada de formaçãocontinuada), é a grande preocupação e o foco dasdiscussões atuais, tendo o crivo da diversidade comoelemento articulador por uma educação – ou sistemaeducacional – que "inclua" pessoas com NEE nas salasde aula "comuns" da educação básica.

As palavras "incluir" e "comuns" são alguns dos "nós"que perpassam a formação de professores, nos cursosde licenciatura em Pedagogia. As questões que seinstauram são: a escola e, por consequência, ademocracia, em essência, é inclusiva, se temos que"incluir", então, não temos escola, nem democracia.Por outro lado, o que são salas "comuns"? Pessoascom NEE são incomuns? Não são pessoas?

Essas são algumas das questões que a presente

pesquisa procurou investigar, tendo como pressupostosa Educação Especial e a formação de professores noscursos de Pedagogia.

A pesquisa é resultado de um trabalho de IniciaçãoCientífica iniciado no ano de 2008, finalizado noprimeiro semestre de 2009, cujo enfoque foi detectaras representações dos pedagogos em formação inicial,quanto à educação especial e à inclusão escolar,considerando desde concepções subjetivas até asteóricas, voltadas à educação de pessoas NEE, nassalas regulares da educação básica, nos anos iniciaisdo Ensino Fundamental.

REFERENCIAL TEÓRICO: A FORMAÇÃO DE PROFESSORES

E INCLUSÃO

Michels (2008) usa uma palavra chave para aquestão da formação de professores para a educaçãoinclusiva, na diversidade: ambiguidade.

Tal ambiguidade gera indefinição, a ponto de severificar em pesquisas de formação de professores,alguns posicionamentos de senso comum, emboraesses professores tenham passado pelos bancos deinstituições de ensino superiores.

Esses posicionamentos acabam por se "naturalizar"dos discursos (falas) docentes para a práxis educativaconstituindo-se em um "habitus"4 que deve sersuperado, no sentido da construção de novas posturas,de saberes tanto de cunho profissional comoeducacional e também didático-pedagógico.

Com o fim das habilitações nos cursos de Pedagogiapela legislação nacional vigente5, as habilitações emgestão escolar, educação especial, dentre outras, terãoseus profissionais formados em cursos de pós-graduação.

2A partir daqui o texto trará apenas a sigla NEE.3Referencia a Edgar Morin e à sua teoria da complexidade para compreensão e apreensão do conhecimento e da ciência.4Conceito de Bourdieu, elaborado e reelaborado ao longo de sua extensa produção acadêmica como sociólogo, comextensas contribuições à educação. Definição: "um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todasas experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações (...)(BOURDIEU, 1983, p. 65).5Ver BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução n° 1, de 15 de maio de 2006, que institui asDiretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília, 2006.

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Mas, como afirma Michels (2008), tal enunciadolegal não exime – e isto é fundamental e imprescindívelque se afirme – os cursos de graduação de discutirema temática da educação especial e inclusiva:

Nas Diretrizes para o Curso de Pedagogia queinstitui Diretrizes Curriculares Nacionais para oCurso de Graduação em Pedagogia, licenciatura(Brasil, 2006) onde as habilitações são extintas, aformação desses professores é reafirmada (emnível superior) uma vez que indica que devegarantir-se a discussão sobre a educação depessoas com necessidades especiais na formaçãogeral dos professores (MICHELS, 2008, p.240).

A temática da formação de professores para ainclusão é um dos fatores mais importantes a seremconsiderados especialmente quando se conjecturou apolítica pública da inclusão de estudantes com NEEnas salas regulares marcadamente superlotadas, semestrutura mobiliária adequada e outros problemassomados ao problema maior que era – e, ainda é –toda uma classe ou geração de professores que nãotiveram em sua formação, seja inicial ou em serviço, atemática da inclusão, da diversidade, da educaçãoespecial.

Oliveira e Costa (2003) afirmam que

Lidar com a diversidade no cotidiano escolar, paraeducadores que adquiriram em sua formação osconceitos de desejabilidade da homogeneidadegrupal e de prontidão para a aprendizagem, porexemplo, é especialmente difícil. Eles perseguemo mito da performance ideal e da normalidadeem sentido pleno (OLIVEIRA E COSTA, 2003,p.100).

Portanto, há que ser considerada com muitocuidado e perspicácia acadêmica uma proposta deformação inicial em Pedagogia que opere essas relaçõesao mesmo tempo em que considerações deprofissionalismo pedagógico direcionado paracompetências e habilidades desconstruam esse ideário

homogeneizador, colocando-o sobre rasuras.O que entendemos, a partir desta pesquisa, com

um olhar sobre os trabalhos de Gomes e Rey (2008),Oliveira e Costa (2003), Tinos, Orlando e Denari(2008) e Pereira e Mendes (2003) é que não bastadetectarmos os entraves, conflitos e a complexa tramadas realizações e idealizações da escola inclusiva,particularmente, da formação de professores. É precisoir além. Considerar essas representações para, a partirdelas, formular práticas diretivas de (re) formulaçõesde currículos, inovações práticas e, especialmente, amudança de discursos de senso comum parafundamentações teórico- práticas.

Esta seria a superação do senso comumprofissional, presente em muitas das pesquisas deformação de professores na temática da diversidade eda inclusão.

Suas representações devem ser consideradas,contudo não supervalorizadas em detrimento dosatores envolvidos que mais necessitam ser focados: osestudantes da educação básica.

Considerar exclusivamente e somente asrepresentações perpetuará o ciclo das desigualdades,dos preconceitos e da barbárie educacional marcadapelo preconceito, tabus e ambiguidades. E como nosindica Adorno (2006):

Mudanças de fundo exigem pesquisas acerca doprocesso da formação profissional (...) Mas nãose deve esquecer que a chave da transformaçãodecisiva reside na sociedade e em sua relaçãocom a escola. Enquanto a sociedade gerar abarbárie a partir de si mesma, a escola tem apenascondições mínimas de resistir a isto (...) Mas se abarbárie, a terrível sombra sobre a nossaexistência, é justamente o contrário da formaçãocultural, então a desbarbarização das pessoasindividualmente é muito importante. Adesbarbarização da humanidade é o pressupostoimediato da sobrevivência. Este deve ser oobjetivo da escola, por mais restritos que sejamseu alcance e suas possibilidades (ADORNO,2006, p. 116-7).

Necessidades educacionais especiais...

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Portanto, consideramos diversidade, nessetrabalho, a acepção adotada em Brasil (2006), Pereirae Mendes (2003) e Oliveira e Costa (2003), cujoenfoque é a formação de professores para atendereducandos com NEE.

Cabe também a consideração do uso do termo"representações" como encaminhamento de pesquisa,conforme desenvolvido por Gomes e Rey (2007) eOliveira e Costa (2003): produção de sentidos,significados e emotividades, traduzidos em medos,insegurança, preconceitos, frustrações, incapacidadese até críticas ao sistema educacional vigente, masespecialmente, defesas docentes (justificativas para onão enfrentamento ou negação).

Sobre essas defesas docentes Oliveira e Costa(2003) afirmam que

Estas defesas consubstanciam-se, em nossoentendimento, nas representações que elaboramsobre sua identidade, o seu "fazer" docente (...)Transitaremos, portanto, do ser - emoções,motivação, defesas, subjetividade - para o fazer(...). (OLIVEIRA E COSTA, 2003, p.99).

OBJETIVO

Considerando a atualidade e a urgência do temaquanto às preocupações com a formação deprofessores nas licenciaturas em Pedagogia;considerando ainda os referenciais aqui abordadospara a compreensão da diversidade e dasrepresentações, a presente pesquisa buscou construiruma interpretação dos processos que desencadeiam,no espaço de formação inicial, as concepções deeducação nas NEE, no contexto de um componentecurricular voltado para a reflexão na temática daeducação especial.

METODOLOGIA

Utilizamos a metodologia do estudo de caso,conforme propostas de André (2005), Sobrinho eNaujorks (2001) para os três momentos desta pesquisa.

O instrumento selecionado para a coleta de dadosnas duas primeiras etapas foi um texto produzido pelos

alunos e, para a última, a aplicação de questionáriosemiestruturado.

No primeiro momento buscamos identificar asrepresentações iniciais dos entrevistados quecomeçavam a estudar o primeiro componente curriculardo curso de Pedagogia referente às questões daeducação na diversidade, à educação especial e àinclusão.

Ao término do ano letivo, com a devolutiva dasproduções realizadas no início do ano, fizemos aproposta para que os entrevistados registrassem suasmudanças de posições ou idéias (representações), casohouvesse.

O último momento desta pesquisa foi a aplicaçãode um questionário semiestruturado sobre aspectosvoltados à sedimentação dos conceitos, identificaçãodos diversos tipos de NEE e considerações maisabrangentes sobre a efetivação de uma escola inclusivacom qualidade de ensino para todos.

Sistematizando e sintetizando os três momentos,temos: 1.° momento: uma produção textual individual

abordando duas considerações: o que fariam setivessem em sua sala um (s) aluno (s) com NEE e oque entendiam por Educação Especial. 2.° momento: devolução das produções do início

do ano, relatando mudanças de posicionamento ouapontando novas aprendizagens. 3.° momento: aplicação de um questionário

semiestruturado envolvendo os seguintes tópicos:caracterização dos entrevistados, noções e conceitosbásicos, vivências em educação especial e percepçõessobre a formação de professores.

Os participantes desta pesquisa foram estudantesdo 3.° Ano de Pedagogia de uma universidade privadado interior de São Paulo, no contexto do componentecurricular "Educação e Inclusão".

Tal componente é o único do Curso a tratarespecificamente da temática, juntamente com Libras(Língua Brasileira de Sinais, oferecido no último anodo curso. Os componentes curriculares articuladosDesenvolvimento Humano e Psicologia e Educaçãocontemplam parcialmente a temática.

SILVA, C.R. & ROSA, J.C.L.

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OS RESULTADOS DA PESQUISA: APRESENTAÇÃO E

DISCUSSÃO DOS TRÊS MOMENTOS

Nossa busca em cada etapa da pesquisa foi a deencontrar, nas representações dos entrevistados,construções e desconstruções ao longo do processode formação, pois como afirma Gomes e Rey (2007):

Até então, muito pouco se explorou aquilo que, defato, os agentes humanos envolvidos, entre eles osprofissionais da educação, realmente sentem quandopassa a fazer parte da rotina escolar um aluno atípicoem relação aos demais, em decorrência de seus déficitsmentais, físicos ou sensoriais, e que sentidos cercamseus posicionamentos frente a esse novo aluno(GOMES e REY, 2007, p.409).

Sobre o perfil dos entrevistados: 64% tinhamentre 18 e 27 anos; 27%, aproximadamente, entre28 e 48 anos. Dentre os entrevistados, 67%atuavam na área da educação, como professorese agentes de educação (monitores, auxiliares,estagiários remunerados, etc.). Cerca de 55%afirmaram já terem trabalhado ou vivenciadouma situação de atividade profissional,envolvendo educandos com NEE.

Primeiro momentoEste momento caracterizou-se pela produção de

um texto livre que discorresse sobre duas questõesprincipais: a primeira indagava sobre o que osentrevistados entendiam/conheciam sobre educaçãoespecial e inclusão; a segunda questão referia-se àhipótese de, caso fossem professores em uma sala deaula regular, como agiriam se recebessem um ou maisalunos com NEE.

Dos 56 participantes da entrevista no início do anoletivo (2008) obtivemos a produção de 53 textosreferentes à primeira questão e 129 textos à segundaquestão.

O que se depreende desse primeiro momento é quea preocupação dos professores em formação inicialparece estar mais voltada para a prática docente doque para o conceito ou posição sobre a educaçãoespecial, diversidade e inclusão escolar. O que é natural

e evidente dado que esse componente curricular é oprimeiro na formação desses entrevistados.

Todas as respostas tanto para a primeira como paraa segunda questão foram organizadas em categorias.Na primeira questão as três categorias que maisapareceram dentre as onze foram: 1) Desafio (medo,insegurança); 2) Favoráveis à inclusão (caminho semvolta, educação para todos) e 3) situação preocupantee alguns relatos de práticas vivenciadas. Somados essesposicionamentos, atingiram em torno de 70% dasrespostas produzidas, indicando a presença de umacarga de senso comum nas representações dessesentrevistados.

Na segunda questão pôde-se verificar que a grandemaioria dos entrevistados receberia normalmentealuno(s) com NEE e sua primeira atitude seria identificara NEE, envolver esse aluno com a sala e observá-lo(juntas, essas representações somam 65% dasrespostas totais). Percebe-se uma certa falta de direçãoquanto ao trabalho numa situação inclusiva o queimplica também uma análise mais apurada sobre talposicionamento, como defende Omote (2004), poistalvez essa simples aceitação na sala de aula não seconfigure uma inclusão efetiva tal como se pretende.Deixar na sala de aula regular o aluno com NEE ouretirá-lo num dado momento para uma sala de recursosé manter a exclusão e mascarar uma inclusão que nãoexiste de fato, mas que se finge existir.

Essas representações "exigem novos posicionamentosa fim de reconstruir as práticas educativas oferecidas"(GOMES e REY, 2007, p. 408).

Segundo momentoAo final do ano letivo foi realizada uma devolutiva

aos entrevistados propondo que, voluntariamente,discorressem se mudaram de posicionamentos quantoà educação especial e inclusão ou se mantinham asmesmas proposições iniciais. Os resultados dessaetapa, com a devolutiva de apenas dez entrevistas,demonstraram que, de alguma maneira, quando seretira a possibilidade de "cobrança" num contextode componente curricular, o grau de participaçãocai, revelando que a temática não ocupa uma atenção

Necessidades educacionais especiais...

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REPRESENTAÇÕES MUDADAS/ACRESCENTADAS

Início do ano letivo (2008)

- “Acho que é algo que assusta um pouco no primeiro momento,

por não estar acostumada com a situação ou não estar preparada

didaticamente...”

-“Em primeiro lugar eu ficaria preocupada e com medo desse

novo desafio (...) “.

Devolutivas (ao final do ano)

- “Só mudaria o início em que digo que ficaria amedrontada

com situação de ter em minha sala uma criança que necessite de

educação especial...”

- “Apenas ratificar que o papel docente voltado para as NEE

devem ser presentes em toda a Educação Básica e não somente

nos Anos Iniciais”. (Uma representação “acrescida”).

- Só não ficaria tão preocupada, pois a inclusão já não me dá

muito medo. Me sinto um pouco mais segura e confiante diante

desse desafio”.

Quadro 1 – Representações das devolutivas dos entrevistados.

SILVA, C.R. & ROSA, J.C.L.

particular ou prioritária para a formação. Seria o"habitus" de Boudieu fincado nas características deformação docente e um dos tabus do magistério naalegoria adorniana para discussão da formação docente.

Contudo, a participação dos dez entrevistadosdemonstra alguns aspectos importantes nesse processo

de formação inicial. O principal deles é a verificaçãode que três mudaram de opinião, indicando que arepresentação inicial marcada por medo, desafio,insegurança, que representaram cerca de 70% dasrespostas no início do ano letivo, foram superadas,conforme o Quadro 1.

Como se observa, o universo dos entrevistados queparticiparam da devolutiva e que havia inicialmente sereferido à inclusão com representações de medo,insegurança, falta de capacidade, etc., foi desconstruídopor pelo menos dois deles, um número realmente beminferior aos demais participantes (7) que afirmaramnão ter mudado de posição.

A representação acrescida que afirma a educaçãoespecial com enfoque real para toda educação básicaindica de alguma forma uma questão que apareceu noterceiro momento da pesquisa quando os entrevistadosopinaram sobre a importância do componente curricularna temática da educação especial e inclusão nas demaislicenciaturas que tratam das especialidades como LínguaPortuguesa, Matemática, História, etc.

Quanto aos outros sete participantes, cinco oureescreveram o que haviam escrito no início do anoletivo (um entrevistado), ou apenas assinalaram "Sim"na folha de atividade, indicando que permaneciam coma mesma representação do primeiro momento dapesquisa.

Contudo, os dois outros restantes trouxeram grandescontribuições à pesquisa, pois, embora mantivessemas representações do início do ano letivo,apresentaram respectivamente um relato pessoal deatividade em serviço e uma colocação sobre questõesainda não resolvidas mesmo com todas as discussõese esclarecimentos proporcionados pelo componentecurricular durante o ano.

O relato é apresentado a seguir:

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Mesmo mantendo a minha resposta quero dizerque tentei por oito meses trabalhar com esse alunoe confesso que tive resultados positivos com ele.Exemplo: ele se tornou meu amigo e eu amigadele. Suas aulas foram benéficas no meurelacionamento com ele. Essa criança ficou menosagressiva, conseguia realizar algumas atividades.Procurei psicóloga e fonoaudióloga da Prefeitura.Prometeram me ajudar e nunca apareceram.Infelizmente na metade de outubro me mudaramde turma e com a chegada da nova professoratudo voltou como era antes.Quem perdeu foi ogaroto (ENTREVISTADO 4).

O entrevistado fez referência no início do ano sobresua experiência com um aluno surdo-mudo. Encontroudificuldades em sua ação docente, pois viu sua sala sedispersar e esse aluno tornar-se o centro de tudo,ficando os demais "perdidos". Como se vê oentrevistado faz apontamentos importantes quanto aofato de que sua prática melhorou com o processo de(novas) construções e saberes docentes inclusivos.

Já o entrevistado 9 fez o pedido de umesclarecimento sobre casos específicos de inclusãocomo, por exemplo, deficiência múltipla (uso de sonda).Acreditamos não termos encontrado algumas respostaspara muitos problemas na educação, bem como emoutras áreas do conhecimento. Não é diferente naeducação especial, área na qual algumas respostasainda estão sendo formuladas pela academia. O quehá de concreto, o que equivale dizer, o que deve serfeito, está diante de nossos olhos: devemos nosposicionar enquanto atores políticos da mudançaideológica do sistema de ensino vigente e pela práticacom aporte teórico buscarmos soluções nesse grandelaboratório educacional que é a sala de aula.

Terceiro momentoCom a participação de 36 entrevistados, o

questionário semiestruturado, aplicado entre maio ejunho de 2009, com o mesmo universo da pesquisados dois primeiros momentos foi organizado em quatroeixos principais: perfil dos entrevistados, conceitos

básicos em educação especial e inclusão, vivências naeducação especial e percepções sobre a formação emPedagogia.

No item que trata dos conceitos básicos e "inclusãoeducacional", 86% dos entrevistados afirmaramacreditar num processo educacional em que alunos comNEE participam ativamente. Isso demonstrafundamentalmente que os pedagogos em formaçãoassimilaram o compromisso político e pedagógico coma inclusão que como afirma Bueno (2008) necessitamde maior aprofundamento especialmente no queconcerne às políticas públicas.

Para o conceito de educação especial, 69,4%afirmaram ser uma área de formação para educadoresque atuarão com alunos com NEE. Os 22% queafirmaram ser uma educação diferente parecem nãoter apreendido a definição.

A Figura 1 apresenta a posição dos entrevistadosquanto aos momentos do curso em que foramdiscutidas questões referentes à educação especial einclusão.

Figura 1 – Discussões sobre a inclusão e adiversidade em vários momentos do curso.

De acordo com a figura 1, destaca-se a opção(69%) em que professores e colegas, ao discutirema questão em outros momentos dos componentescurriculares, o fizeram de forma posit iva,comprovando as posições de Skliar (2001) para quema temática da educação especial é uma temática daeducação.

Com relação aos estágios supervisionados na área,67% afirmaram que gostariam de realizá-los caso

Necessidades educacionais especiais...

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estivessem incluídos na grade do curso. Outros 89%foram favoráveis à inclusão, na estrutura do Cursode Pedagogia, de estágios na área. Essas opiniõessobre a necessidade de estágios específicos estão deacordo com os 44% dos entrevistados que afirmaramque a formação inicial voltada às questões daeducação especial, inclusão e diversidade supõe, alémde leituras e reflexões, ações teórico-práticas emultidisciplinaridade.

Esses resultados demonstram os caminhos possíveispara a inclusão escolar de qualidade a começar nasestruturas de formação. Mesmo com as ambiguidadesda lei e das estruturas sociais refletidas no sistemaescolar, é possível novas construções no sentido dasuperação do preconceito e na construção dealternativas para o educar na diversidade. Esse terceiromomento da formação inicial desses pedagogos indicaessa(s) possibilidade(s).

Apontamentos reflexivosDada a especificidade da presente pesquisa que se

direciona para um olhar em processo, no contexto daformação inicial em Pedagogia, por todo um ano e seismeses após a conclusão do componente curricular docurso, reforça-se o que outros estudos já apontaram(BUENO, MENDES E SANTOS, 2008), que o fatorformação inicial e continuada é imprescindível para oprocesso de afirmação da educação inclusiva.

Um componente curricular que se articule e culminenuma prática didático-pedagógica possível para asedimentação de conceitos educacionais nas NEEorientados a uma prática solidificada, norteadora nosprocesso de ensino e de aprendizagem na diversidade.

Ademais, um componente curricular queoperacionalize (1) desconstruções de senso comum,de ideologias, preconceitos e medos ao mesmo tempoem que se efetuam e se solidificam construçõesprofissionais, epistemológicas e práticas; (2) oamadurecimento profissional e de formação inicial notocante à prática pedagógica futura e os desafios daeducação, particularmente da profissão professor.

Do primeiro para o segundo momento da pesquisapercebe-se que uma parcela representativa

considerável construiu uma nova percepção(representação) sobre a idéia da inclusão mesmo tendoobtido um retorno de apenas dez textos.

Nessas devolutivas não foram citadas conceituaçõesde educação especial e inclusão, embora tenhamaparecido as palavras "educação especial" e"necessidades educacionais especiais". Os conceitosvão aparecer no momento seguinte da pesquisa, coma aplicação do questionário. Portanto, essasrepresentações devolutivas restringiram-se a aspectosvoltados à prática docente desses futuros professores.

Para uma formação que se pretende inclusiva, nãobasta, não é suficiente uma construção de visões sobrea inclusão. É preciso avançar.

Outra observação importante na devolutiva é quenão houve uma referência a questões ligadas à práticadocente na atuação com estudantes com NEE,embora apareça, no terceiro momento da formação,que os estudos em Educação Especial e inclusãodevem prever reflexões e leituras, estudos dascategorias de NEE, estágios supervisionados na áreae relações multidisciplinares na grade do curso delicenciatura.

Certamente, no terceiro momento, pôde serdetectada a sedimentação dos conceitos erepresentações sobre a inclusão bem como as relaçõespráticas desvendando-se assim, para nós, enquantopesquisadores, novas perspectivas. Esse terceiromomento de formação revelou um amadurecimentopedagógico profissional dos entrevistados que semostraram mais atentos às questões da diversidade eda inclusão. Por exemplo: o olhar para uma inclusão que está atenta aos

processos de ensino e aprendizagem de alunos comnecessidades educacionais especiais, que não estãosimplesmente no espaço da sala de aula para se dizerque se está fazendo inclusão; o reconhecimento de todas as principais

categorias de NEE, pois quase 100% dos entrevistados(de um total de 36) participaram da aplicação doquestionário. a necessidade, apontada pela maioria, de

estágios supervisionados na área e a importância da

SILVA, C.R. & ROSA, J.C.L.

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temática da inclusão e da diversidade em todas asLicenciaturas e não apenas na Pedagogia.

As questões referentes aos estágiossupervisionados e estruturas dos cursos de Pedagogiae outras licenciaturas pautados no educar nadiversidade concordam com o trabalho de Tinos,Orlando e Denari (2008) que afirmam a falta deaprofundamento teórico nas temáticas da inclusão eeducação especial.

Entendemos nesse sentido que o caminho a serpercorrido é bastante complexo e envolve umprocesso a médio e longo prazos em direção àdesbarbarização adorniana da sociedade queperpassa, sem dúvida alguma, os currículos daslicenciaturas que formam professores.

O estudo dessas representações é fundamental paraa efetiva e real ação educativa inclusiva paradiversidade estruturada nos cursos de formação iniciale em serviço: novas atitudes, novas formas de interaçãoe mudança de relacionamentos pessoal e social.

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CULTURA EMPRESARIAL E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA NAINDÚSTRIA BRASILEIRA: O CASO DA LUPO S/A

LORENZO, Helena Carvalho DeDocente e pesquisadora do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente do

Centro Universitário de Araraquara – Uniara. E-mail: [email protected]ÍRES, Ângela Cristina Ribeiro

Faculdades Integradas-Jaú/SP e Faculdades do Interior Paulista-Barra Bonita/SP. Doutora em Sociologiapela FCL/Unesp-Araraquara/SP. E-mail: [email protected]

RESUMO

Fundada em 1921, a empresa atualmente denominada Lupo S/A é das mais antigas das indústrias do setor têxtile confecções da Brasil. Neste artigo se busca traçar as linhas gerais da trajetória da empresa familiar, hojevoltada para a produção de meias, lingeries e artigos esportivos. O foco do artigo está na análise de algumasestratégias utilizadas pela empresa ao longo de seu processo de formação e desenvolvimento e, em particular,a forma como essas estratégias possibilitaram a reestruturação produtiva associada à superação de forte criseiniciada no final dos anos 80 e começo dos 90, possibilitando sua consolidação recente na indústria de confecções.A hipótese norteadora do estudo é de que a forte cultura organizacional que se foi formando e se consolidandodesde sua fundação, restabelecida na gestão mais recente, foi o fator responsável pelos avanços capazes degerar um ambiente de inovação tanto em produtos quanto em processos e gestão. A reflexão teórica selecionadapara subsidiar a construção cognitiva do estudo da empresa está apoiada na abordagem histórica sobre odesenvolvimento da indústria têxtil no Brasil e em estudos sobre importância da ação do empreendedor, nopapel da cultura organizacional e da inovação para a escolha das estratégias em empresas. A pesquisa realizadaenvolveu a análise de documentos e dados da empresa, além de entrevistas com diretores e funcionários. Osresultados mostram um modelo tradicional da empresa, mas também a presença de uma dinâmica empresarialmuito avançada. O mundo moderno – conhecido como modelo industrial fordista – já podia ser percebido naempresa quando este padrão de produção ainda não estava claramente definido na indústria brasileira. Atualmente,a empresa enfrenta o desafio da globalização e da competição aberta no mercado internacional, que traz aconcorrência das maiores e melhores empresas globalizadas.

PALAVRAS-CHAVE: História de empresa; Cultura empresarial; Reestruturação produtiva.

ABSTRACT

Founded in 1921, the company currently known as Lupo S/A is one of the most ancient textile and clothingindustries in Brazil. In this article we aim to describe the general lines of the trajectory of this family company,currently producing socks, nightwear and sports articles. The focus of this paper is on the analysis of somestrategies used by the company along its formation and development process, and, particularly, the way thesestrategies made possible the productive restructuring associated to the overcoming of the strong crisis whichbegan in the end of the 80's and early 90's, contributing to its recent consolidation in the clothing industry. Theleading hypothesis of the study is that pioneering connected to a strong organizational culture that has beenformed and constructed since its foundation and that was reestablished in a more recent management were thefactors which were responsible for the advances able to generate an innovation environment in products as wellas in processes and management. The theoretical reflection selected to subsidize the cognitive construction ofthe study of the company is based on the historical approach of the development of the textile industry in Braziland in studies about the importance of the action of the entrepreneur, in the role of the organizational culture and

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of innovation to choose strategies in companies. Theresearch involved the analysis of documents and dataof the company, as well as interviews with directorsand employees. The results show a traditional companymodel, but also show the presence of a very advancedentrepreneurial dynamic. Modern world – known as afordist industrial model – could already be noticed inthe company when this production pattern was notclearly defined yet in the Brazilian industry. Nowadays,the company faces the challenge of globalization andthe open competition in the international market whichbrings the rivalry of the greatest and best globalizedcompanies.

KEYWORDS: Company history; Entrepreneurial culture;Productive restructuration.

INTRODUÇÃO

Ao longo de seus 89 anos de existência, a empresaatualmente denominada Lupo S/A, que começoucomo uma pequena unidade familiar para produzirmeias masculinas, passou por profundastransformações tanto na produção e comercializaçãode seus produtos, quanto em sua estruturaadministrativa, organizacional e tecnológica. Aempresa vivenciou todas as fases que, de um modogeral, caracterizaram a economia brasileira e aevolução da indústria têxtil e de confecções no Brasil.Nasceu no contexto da economia agroexportadora,e rapidamente deixou de ser uma pequena empresalocal, tornando-se uma grande empresa de portenacional. Após a crise da economia agroexportadora,teve forte crescimento associado ao atendimento dademanda interna, da mesma forma que outrasindústrias têxteis no Brasil. Diversas empresas hojelíderes no mercado também surgiram nesses períodosiniciais da indústria têxtil no Brasil: em 1883, aCompanhia Cedro e Cachoeira; em1906, Cia.Industrial Belo Horizonte; em 1914, Delmiro Gouveia(hoje, Fábrica da Pedra); em 1921 a Lupo; em 1929a Santista Têxtil; e, em 1946, a Vicunha Têxtil.

A trajetória da indústria têxtil e de vestuário noBrasil refletiu-se fortemente nas empresas do setor. A

partir dos anos 1970, quando a indústria brasileiraganha maior diversificação e dinamismo e a economiabrasileira passa a apresentar uma estrutura produtivamais completa, o setor têxtil perde importância relativa,mas ainda apresenta forte dinamismo apoiado nocrescimento econômico. Nos anos 1990, com aabertura comercial acelerada, a indústria têxtil e deconfecções é um dos setores que mais sofrem com oaumento das importações. Muitas empresas fecharame houve forte redução do emprego. Também nos anos1990, o avanço da globalização e a imposição de forteprocesso de reestruturação produtiva e organizacionalalteram o padrão de concorrência e provocam outrasmudanças na produção e comercialização do setor, etrouxeram como consequência fortes mudanças nospreços e nas condições de produção com impactosnas empresas.

Neste artigo se busca traçar as linhas gerais datrajetória da Lupo S/A, até o presente ainda umaempresa familiar, hoje voltada para a produção demeias e lingeries e produtos esportivos. O foco doartigo está na análise de algumas estratégias utilizadaspela empresa ao longo de seu processo de crescimentoe, em particular, a forma como essas estratégiaspossibilitaram o processo de superação de forte criseiniciada no final dos anos 1980 e começo dos 1990, epermitiram sua consolidação recente como grandepotência da indústria de confecções.

A hipótese norteadora do estudo é de que os fortestraços da cultura empresarial que se foram formandoe se consolidando desde a fundação, e restabelecidosem gestão mais recente, foram os fatores responsáveispelos avanços capazes de gerar um ambiente deinovação tanto em produtos quanto em processos egestão.

A reflexão teórica selecionada para subsidiar aconstrução cognitiva para o estudo da empresa estáapoiada em dupla abordagem. Em primeiro lugar,tomou-se como referência a abordagem histórica sobreo desenvolvimento da indústria têxtil no Brasil paracompreender o desenvolvimento da empresa. Nessesentido os dados foram organizados por períodos,buscando compatibilizar a história da empresa às

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principais fases da indústria brasileira. Em segundolugar, a análise se apoia em estudos sobre o papel dacultura organizacional na escolha das estratégias emempresas e na importância da ação do empreendedororientada pelo conhecimento, que facilita as adaptaçõese inovações em um quadro de aproveitamento dasoportunidades.

Do ponto de vista metodológico, o estudo podeser considerado exploratório e qualitativo. A pesquisarealizada envolveu a análise de documentos e dadosda empresa, além de entrevistas com diretores efuncionários. As informações obtidas foram analisadasà luz de conceitos extraídos das abordagensmencionadas. A compreensão do desenvolvimentoprodutivo da empresa ocorrido ao longo do tempo eorganizado por períodos pautou-se na análise dasseguintes categorias de análise: produtos e produção,inovação e tecnologia, integração vertical, relações detrabalho, comercialização e distribuição. Essascategorias, sugeridas pela literatura sobre culturaempresarial e sobre a história e evolução da indústriatêxtil no Brasil, e apresentadas na seção de referênciasteóricas, foram decisivas para a organização dos dados.

Os padrões culturais da empresa foram geradosdesde a primeira fase pelo seu fundador, HenriqueLupo, e reproduzidos pelos seus filhos e netos nasgestões posteriores. Foram também compartilhadospelos primeiros líderes e demais trabalhadores quefizeram da Lupo uma empresa de projeção nacional,marcada pela competência, mas também pela tradiçãoe certa dose de conservadorismo. Tais valores foramtambém responsáveis pela consolidação de uma culturaforte, ao mesmo tempo em que contribuíram para aconstrução da identidade empresarial. Todavia, nãoimpediram que a empresa enfrentasse graves crises denaturezas diversas, mas foram importantes para suasuperação.

O presente artigo está organizado em nove seções,iniciadas por esta introdução. Na 2.ª seção apresentam-se a contribuição dos estudos sobre cultura empresarialpara a compreensão das estratégias empresariais. Na3.ª seção estuda-se o papel desempenhado pelofundador na condução da empresa desde sua fundação

até o seu falecimento, em agosto de 1963. Esse é umtempo decisivo na história da empresa. Momento emque, como já mencionado, tem início a construção dasua cultura. Nas seções seguintes (4.ª, 5.ª, 6.ª e 7.ª)analisam-se as principais características da empresapor períodos, buscando em cada um deles os principaistraços da evolução da empresa a partir das categoriasanteriormente citadas: produtos e produção,preocupação com a tecnologia e sentido da inovação,a introdução da integração vertical na produção, asespecificidades na forma de conduzir as relações detrabalho, as formas de comercialização e distribuiçãoda produção; na 8.ª seção estuda-se a força dasrelações familiares nas tomadas de decisões, nasestratégias e contribuições da empresa para a vidaempresarial frente às exigências do mundo globalizadoe da competição em mercado aberto à concorrênciainternacional, quando terá de enfrentar as melhores emaiores multinacionais.

A CONTRIBUIÇÃO DOS ESTUDOS SOBRE CULTURA

ORGANIZACIONAL PARA A COMPREENSÃO DAS

ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS

O tema cultura organizacional tem sido amplamenteutilizado nos estudos administrativos para acompreensão da trajetória de empresas. A contribuiçãodesses estudos está relacionada ao fato de que, paraalguns autores, as escolhas, as decisões e a definiçãodas estratégias empresariais se fundamentam, emgrande parte, na importância da cultura organizacional,e esclarecem:

A cultura organizacional é o conjunto de hábitose crenças estabelecidos através de normas,valores, atitudes, e expectativas compartilhadaspor todos os membros da organização. Ela refere-se ao sistema de significados compartilhados portodos os membros e que distingue umaorganização das demais. Constitui o modoinstitucionalizado de pensar e agir que existe emuma organização. A essência da cultura de umaempresa é expressa pela maneira como elafaz seus negócios, a maneira como ela trata seus

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clientes e funcionários, o grau de autonomia eliberdade que existe em suas unidades ouescritórios e o grau de lealdade expresso por seusfuncionários com relação à empresa. A culturaorganizacional reflete as percepções dosdirigentes e funcionários da organização e refletea mentalidade que predomina na organização(CHIAVENATO, 1999, pp.138/139).

A cultura organizacional é ainda:

...um padrão de assuntos básicos compartilhadosque um grupo aprendeu como maneira de resolverseus problemas de adaptação externa eintegração interna, e que funciona bem a pontode ser considerado válido e desejável para sertransmitido aos novos membros como a maneiracorreta de perceber, pensar e sentir em relaçãoàqueles problemas. (SCHEIN, 1992 apudCHIAVENATO, 1999, p. 139).

Para Schein, assim como para outros estudiosos quevêm se ocupando deste tema, "o conjunto de pessoasque formam a organização é responsável pela formaçãoda cultura, pela criação do conjunto de pressupostosbásicos e por sua transformação." Entretanto, estemesmo autor, como destaca Fleury (1991, p. 249):

....atribui importância especial ao papel dosfundadores da organização no processo demoldagem de seus padrões culturais: os primeiroslíderes ao desenvolverem formas próprias deequacionar os problemas da organização, acabampor imprimir a sua visão de mundo aos demais etambém a sua visão das funções que esta devedesempenhar. Depois dos fundadores, os gerentesprofissionais desempenham também este papel.Ou seja, apesar de todos os membros serem'iguais' no processo de criação e modelagem dacultura, uns são mais iguais do que os outros;alguns produzem e interiorizam os padrõesculturais de uma organização, outros nela sãosocializados e a internalizam.

A cultura organizacional construída ao longo dotempo, também como observa a autora mencionada,passa a impregnar todas as práticas, constituindo umcomplexo de representações mentais e um sistemacoerente de significados que une todos os membrosem torno dos mesmos objetivos e dos mesmos modosde agir. Ela serve de elo entre o presente e opassado e contribui para a permanência e acoesão da organização (grifo nosso).

Ainda em função de proposta deste estudo, cabeagora esclarecer o conceito de estratégia e o deestratégia empresarial como processos associados àsdecisões empresariais. Nesta direção e, de acordo comPorter (1997: 47), a definição de estratégia tem umatrajetória significativa para a compreensão do conceitoaqui utilizado. Uma definição mais tradicional deestratégia estava relacionada à forma como recursossão alocados para se atingir determinado objetivo.Usada originalmente na área militar, esta palavra hojeé bastante usada na área de negócios. (...) A partir daárea militar, a estratégia passou a fazer parte nosnegócios, sendo o conjunto de objetivos da empresae a forma de alcançá-los. E ainda mostra que odesenvolvimento de estratégias tem sidotradicionalmente abordado como um processo formalde planejamento, envolvendo, em geral, duas etapas:a primeira engloba a definição do negócio, bem comoa explicitação da missão da organização e seusprincípios. No entanto, em contexto do mundoglobalizado e da reestruturação produtiva, a formulaçãoe implementação de estratégias empresariais devemser vistas como um processo de gestão visando àtomada de decisão em médio e longo prazos,envolvendo decisões relativas à definição de negócios(produtos, serviços, clientes-alvo, posicionamento,etc.) A inovação e o conhecimento são objetivos dedesenvolvimento e fatores chave de sucesso.

Fleury (1991), que estudou casos relacionados como tema, mostra que a estratégia tem a ver com fazerescolhas firmes em três dimensões: os clientes nos quaisa empresa se concentrará e naqueles queconscientemente não visará os produtos que serãooferecidos ou não, e as atividades que serão executadas

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ou não. Para este professor, estratégia sempre tem aver com escolhas, e a empresa não será bem-sucedidasó por escolher uma posição estratégica diferente dados concorrentes; portanto, a essência da estratégiaestá em escolher uma posição que a companhiadefenderá como sua. Assim, uma posição estratégia ésimplesmente a soma das respostas que uma empresadá às seguintes questões: A quem deve visar comocliente? Quais produtos ou serviços devem seroferecidos a eles? Como se pode fazer isso de maneiraeficiente?

Entendendo, portanto, cultura organizacional comoum conjunto de hábitos e crenças estabelecidos pormeio de normas, valores, atitudes e expectativas,compartilhados por todos os membros da organizaçãoque explicam as escolhas estratégicas frente aosconcorrentes, buscaram-se a compreensão dadinâmica empresarial da Lupo e suas escolhasestratégicas ao longo dos 85 anos de sua existência.

A FUNDAÇÃO DA EMPRESAS NO CONTEXTO DAS

PRIMEIRAS INDÚSTRIAS TÊXTEIS NO BRASIL E A

CONSTRUÇÃO DAS PRIMEIRAS ESTRATÉGIAS

A Fábrica de meias Lupo S/A, como registra a suahistória, foi instalada em 1921 na casa de seu fundadorcom duas máquinas de meias da marca Banner3. Àépoca da criação da Lupo, a atividade industrial erapouco relevante no Brasil. A indústria era uma atividadeaté então esparsa e pouco importante no país sendoque os imigrantes, principalmente os italianos, que aquichegaram ao final do século XIX e início do séculoXX para trabalhar na lavoura cafeeira ou instalandopequenos negócios, tiveram uma forte participação no

seu crescimento inicial. (SILVA, 1976)As indústrias têxteis, que sempre tiveram lugar

importante na economia brasileira, viram a sua efetivaimplantação se efetuar somente a partir do final daprimeira metade do século XIX4. Desde os anos finaisdo século XIX, a economia brasileira dependia daexportação de produtos agrícolas, e o café era a maisimportante atividade produtiva da economia brasileira.Todas as demais atividades – bancos, comércio e,inclusive, industrial – foram se formando à sua volta, ea receita das exportações financiava a aquisição debens de consumo. O café, portanto, gerava mercadospara a indústria, sendo que o fortalecimento daagricultura era essencial para o seu crescimento. Pode-se dizer que havia mútua dependência entre o capitalcafeeiro e o capital industrial. Esse processopermanece até 1929, quando, por efeitos da grandedepressão e da crise cafeeira de 1929, houve umamudança na dinâmica do crescimento do país (CANO,1979; LORENZO, 1979.

O mercado local e regional criado pela economiacafeeira gerava, pois, a base para o desenvolvimentoinicial da empresa. Porém, a busca por autonomia eindependência foi uma das marcas da empresa, o quefez com que se procurasse, desde o início, o que haviade mais moderno no setor. A tecnologia disponível naépoca foi importante na definição do produto. Autilização de máquinas "monocilindro" está presente naprodução de meias masculinas, desde 1921 até 1937.As matérias-primas utilizadas eram fios de algodãoimportados da Inglaterra e Egito.

Assim, várias viagens de prospecção tecnológicaforam realizadas pelos seus dirigentes, para países que

3Há informações desencontradas a respeito do local de origem das máquinas. BRANDÃO E TELAROLLI, 1998, afirmam serde São Paulo; nos trabalhos de LORENZO (1979), SANTOS (1997) e MORÁBITO (1997) consta que parte das máquinasveio do Rio de Janeiro e no estudo organizado por MANZOLI (2006) aparece a informação de que teriam vindo de Juiz deFora/MG.4Pelos dados do censo industrial de 1907 havia nessa época no Brasil 200 fábricas de tecidos que empregavam cerca de78.000 pessoas. Em 1920 esse número aumentou para 266 fábricas, com 115.519 empregos (41% do emprego nacional). Nadécada de 1920 quando houve grande expansão da urbanização, principalmente em São Paulo, com aumento de importaçõese investimentos, também ocorreu grande avanço da indústria do vestuário. As principais matérias primas eram importadas,as fibras naturais e vegetais: lã, seda, algodão, juta e linho. A crise econômica de 1929 trouxe uma interrupção do investi-mento, que só seria retomado após 2ª. Guerra Mundial. (Cano, 1979)

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oferecessem a tecnologia de que a empresa necessitava.As primeiras viagens ocorreram a partir de 1927,quando foram à Europa em busca de tecnologia detingimento, e também para estabelecer os primeiroscontatos com fornecedores de fios de algodão –conhecidos como "Fio Escócia".

A cultura de verticalização, característica daempresa, ou seja, a busca para produzir internamentetodos os equipamentos necessários, também tem inícionos primeiros anos que se seguem à sua fundação.Seguindo o modelo das grandes corporações, etambém pela inexistência de serviços especializadosem Araraquara, a empresa procurou, desde cedo, seprover dos equipamentos necessários à produção demeias, seu principal produto. Começou a construir,ainda na década de 1920, uma ampla infraestrutura deprodução, sendo que os primeiros empreendimentosnesse sentido se deram com a organização dosseguintes setores: oficina de reforma e manutenção demáquinas têxteis e oficina elétrica, com instalação degerador próprio; setor de carpintaria e marcenaria.Este setor tem início pela necessidade de se produziras fôrmas do concreto para a construção do prédio.Também a implantação da fábrica de caixas paraembalagem de meias ocorreu em 1930.

A comercialização e todos os processos queenvolvem esta área também foram uma marca forte nahistória da empresa. Desde os seus primeiros temposde existência, a Lupo elegeu como seu clientepreferencial um público seleto, isto é, pessoas de gostomais exigente, com condições financeiras para consumirum produto refinado e de qualidade. Assim, nosprimeiros anos da fábrica, as meias, produzidas emsistema quase artesanal, eram vendidas na própriacidade, em cestas de taquara, na forma de vendasavulsas, sendo que também foi adotado nesse momentoo regime de vendas consignadas.

A produção de meias de qualidade, com autilização sempre renovada de tecnologias modernas,exigiu uma quantidade significativa de trabalhadores,cujo contingente se ampliou rapidamente, na medidaem que a produção se expandia. O seu número passoude 22, em 1924, para 82 em 1929, com significativa

queda em 1930, para 59 trabalhadores, possivelmenteem razão da crise de 1929. (MANZOLLI, 2006)

Desde o início, em função das exigências ecaracterísticas do seu produto – meias –, que noprocesso de fabricação exige atenção, desvelo edelicadeza, atributos identificados com o trabalho demulheres, e também por se tratar de uma tradição naindústria têxtil, a empresa optou pela mão-de-obrafeminina, especialmente na produção. As primeirastrabalhadoras que se empregavam na Fábrica de MeiasLupo eram na maioria filhas de imigrantes europeus,alguns deles conhecidos dos proprietários, que faziamparte de ampla rede de imigrantes estabelecidos emAraraquara. Com as moças trabalhando na sala dacasa do patrão e em contato direito com membros dafamília, que também desenvolviam atividades fabris,desde o início se foi construindo um padrão de relaçõesde trabalho baseado na convivência com familiares,com relações pessoais e com contado direto entrepatrões e empregados (CAIRES, 1999).

Nesse contexto, e de acordo com o padrão derelações de trabalho da época, era comum a presençafísica do patrão e seus filhos entre os trabalhadores.Era o patrão quem, de perto, coordenava pessoalmentea produção, zelando, sobretudo, pela qualidade doproduto. Esta proximidade, no entanto, não impediaque os assuntos relativos ao trabalho fossem tratadoscom austeridade, garantindo a disciplina e a ordem nafábrica. Apesar disso, os trabalhadores eram atendidosem suas necessidades. Em consequência, pode-seafirmar que as relações de trabalho na empresamesclavam tradição e racionalidade, indicando desdeentão os caminhos que trilhariam nos anos seguintes(CAIRES, 1999).

Desde os primeiros tempos, a gestão familiar epatriarcal foi uma característica da empresa. A tomadade decisões sobre produção, tecnologia, sistema devendas e relações de trabalho está com a família,sobretudo os membros do sexo masculino, mas é o"pai" quem toma as decisões finais.

Outros fatores também foram fundamentais para ocrescimento da empresa nessa primeira fase. Emprimeiro lugar, e ainda sobre a importância da questão

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da comercialização, ressalta-se que a busca incessantepor mercados ficou marcada indelevelmente comocaracterística do papel da família na empresa. Por outrolado, ressalte-se também o rápido salto qualitativo,sempre na busca de tecnologia para o estabelecimentode um alto padrão de produção, e a consolidação nosmercados paulista e regional. Já neste período,conforme citado, inicia-se a formação de um corpotécnico, composto por mecânicos de manutenção demáquinas têxteis, formados na própria empresa, queposteriormente se constituirá em importante grupodentro da escala de poder na empresa.

É, portanto, nesse primeiro período que começa aser construída a sua cultura organizacional, com oestabelecimento e a afirmação dos valores que se farãopresentes em toda a trajetória da empresa, até os diasatuais. Esses valores – autonomia e adaptabilidade,produção com qualidade (ligada à ideia de carinhoe desvelo), austeridade; respeito às leis, ousadiapara enfrentar desafios, honestidade, lealdade,informalidade nas relações, amor e dedicação aotrabalho, não desperdício e controle de gastos,independência financeira, e visão de futuro –, sempreretomados ao longo deste texto, foram gerados na suaprimeira fase pelo seu fundador e reproduzidos pelosseus filhos e netos, nas gestões posteriores. Foramtambém compartilhados pelos primeiros líderes edemais trabalhadores que atuaram na empresa e fizeramda Lupo uma empresa de projeção nacional, marcadapela competência, mas também pela tradição e certadose de conservadorismo. Tais valores foram tambémresponsáveis pela consolidação de uma cultura forte,ao mesmo tempo em que contribuíram para aconstrução da identidade empresarial. Assim, quandoo nome Lupo era pronunciado, a primeira imagem quese produzia era a de uma empresa sólida, eficiente,que primava pela qualidade, e se constituía em umespaço privilegiado para trabalhar.

Essa preocupação esteve fortemente presente nasdecisões empresariais, desde o início, em especial napessoa do fundador, que sempre exigiu e cuidou paraque esse padrão se consolidasse. A qualidade, muitoprovavelmente, garantiu a boa aceitação do produto

no mercado, assegurando a sobrevivência e ocrescimento da Lupo, bem como permitiu que estavencesse a concorrência e se sobressaísse na cidade ena região.

Em síntese, os primeiros anos da empresa, apesarde se aproximarem do que o sociólogo alemão MaxWeber define como um modelo tradicional, isto é, como líder conduzindo e orientando pessoalmente ostrabalhos e mantendo relacionamento pessoal com ostrabalhadores, já revelam a presença de uma dinâmicaempresarial muito avançada. O mundo moderno –conhecido como modelo industrial fordista – já podiaser percebido na empresa quando este padrão deprodução ainda não estava claramente definido naindústria brasileira.

DOS ANOS 1930 ATÉ O FINAL DOS ANOS 1970:CONSOLIDAÇÃO DA EMPRESA NO MERCADO NACIONAL

A partir de 1930 houve uma grande mudança nocenário econômico nacional. Com a crise de 1929, aatividade cafeeira perde a sua hegemonia. Isso faz comque a indústria, gradativamente, ganhe um papel maisimportante na dinâmica econômica nacional. A indústriatêxtil, que já existia na época, passa a ser uma atividadeimportante, com forte crescimento, associado aoatendimento da demanda crescente. Esse período podeser visto como muito positivo, e marcado, sobretudo,pelo início da produção e comercialização de fiossintéticos, fato que será de grande importância parasetor têxtil brasileiro, pois significou a possibilidade dediversificação no uso de matérias-primas econsequente desenvolvimento de novos produtos.

A principal característica da Lupo observada noperíodo foi o seu fortalecimento no mercado. Até osanos 1950, a produção de meias podia serconsiderada pequena. Em 1950, houve grandeexpansão da produção, que atinge 164 mil dúzias depares/ano e, entre este ano e 1965, a produçãocresceu 53%, tendo atingido 305 mil dúzias de pares/ano (MANZOLLI, 2006).

Tendo se começado como uma pequena fábrica,tornar-se uma empresa de porte nacional não foi algotrivial. Em nossa opinião, o cerne da questão está na

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formação de uma forte identidade empresarial, que seoriginou juntamente com a construção de seu produtoe de seu mercado. Por outro lado, a intensificaçãoda verticalização das atividades, a valorização doconhecimento técnico interno e da inovação emgestão, na prática foram fatores importantes que já seobservava desde os seus primeiros anos. Embora ocomando continuasse nas mãos do patriarca e fundador,a presença dos filhos homens e mais velhos naadministração, e também a contratação de profissionaisnas áreas de administração e produção, revela ocaminhar para um processo de relativaprofissionalização, que terá como consequência apresença de controles e registros de dados e atividadesrealizadas pela empresa que indicam o crescimento doprocesso de racionalização. Esse fator permitiu àempresa sua adequação ao mundo do pós-guerra,antes mesmo que esse modelo de organização e deprodução viesse se impor para o conjunto das empresasbrasileiras. Ainda mais, esse procedimento pôdediferenciar bastante a Meias Lupo S/A frente ao padrãomédio das indústrias têxtil e de confecções nacionais.

Em relação às relações de trabalho observa-se,nesse período, a continuidade e consolidação dopadrão de relacionamento que vinha sendo construídodesde o início da fábrica. Relações formais marcadaspela presença dos patrões no espaço de trabalho, comcontrole e vigilância direta da produção, doscomportamentos e atitudes, instituição de umahierarquia rígida composta por mestres econtramestres, mesclam-se com um relacionamentoinformal e pessoalizado que incluía o atendimento dasnecessidades básicas dos trabalhadores, tais comoassistência médica e outras benesses.

Por um lado pode-se afirmar que em muitosaspectos a Lupo segue o padrão de relações detrabalho presente na maioria das indústriasbrasileiras, especialmente as têxteis, familiares etradicionais. Por outro, é pioneira e antecipa-se,como, por exemplo, no caso da distribuição delucros como 13.º salário para alguns empregados,cuja lei só será editada em 1962.

A 2.ª Guerra trouxe impactos diversos para a

empresa. A redução de fornecimento do fio de algodãoestrangeiro fez com que se buscasse a matéria-primana produção nacional. Porém, a sua escassez reduziusignificativamente a produção e causou, talvez, aprimeira crise vivida pela empresa. Todavia, vencida acrise no fornecimento de matérias-primas, a empresaassistiu a uma expansão comercial, com o início daexportação para os EUA.

A superação da crise, com recorrência à matéria-prima brasileira, revela a capacidade de adaptaçãocomo um dos marcos da cultura da empresa que emoutros momentos aparecerá de outra forma.

Assim, desde os anos 1950 a empresa, que jáapresentava grau de desenvolvimento bastanteconsiderável dedicando-se, até então, sobretudo àprodução de meias masculinas, começou a investirem meias femininas e infantis. Isso deu início a umatrajetória de diversificação da produção e dereorganização de vários setores produtivos, tornando,nos anos 1960 e 1970, a Lupo uma empresa modernae perfeitamente inserida no crescente mercadonacional de bens de consumo não duráveis que seexpandia na época.

Nesse período, a cultura pela qualidadepresente na empresa firma-se e intensifica-se. A escolade mecânica que se internalizou na Lupo levou àvalorização da mão-de-obra técnica. Duas classes demão-de-obra mecânica, isto é, mecânicos de máquinas(torneiros, frezadores) ligados à oficina de reforma ede construção de máquinas e mecânicos demanutenção de máquinas têxteis, que trabalhavam nointerior da produção na fábrica, favorecem a formaçãode um sistema de poder desses técnicos. Especialmenteos mecânicos de manutenção, como já mencionado,passam ser, cada vez mais, percebidos e tratados comotrabalhadores fundamentais para o processo produtivo.A garantia da qualidade exigia um perfeito ajuste dasmáquinas, aliado ao bom desempenho dastrabalhadoras e encarregadas de setores.

Nos 1960, a empresa firma-se como a únicaprodutora de meias da cidade e região. O período étambém marcado por crescimento do parque industrialcom investimentos em máquinas, que passam de 224,

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em 1955, para 441 em 1970; pelo crescimento donúmero de trabalhadores empregados; e porinvestimentos no setor agropecuário. Também ocorreuo ingresso da 3.ª geração na administração da empresae a ampliação da participação de membros da famíliaLupo na vida pública da cidade e no âmbito federal.

A expansão da distribuição de produtos para osmercados internos e externos, especialmente EUA ealguns países da América do Sul, exigem a instituiçãoda produção em 24 horas. Neste momento, há umaalteração na composição da força de trabalho ocupadana produção de meias. A proibição legal do trabalhofeminino em horário noturno, em âmbito nacional, deconformidade com a legislação trabalhista do país, fazcom que a empresa busque a mão-de-obra de homens– rapazes entre 19 e 25 anos. Estes jovens, no entanto,encontravam dificuldades de adaptação. Muitos sedesligavam ou eram desligados da empresa, apóscurtos períodos de permanência. Permaneciam nafábrica aqueles que, após ingressar em curso deformação no Serviço Nacional de AprendizagemIndustrial (Senai), mantinham a aspiração de setornarem mecânicos de manutenção, função cobiçadapelo prestígio gozado por esses profissionais, pelo bomsalário, dentre outras vantagens. Essa dificuldade emfixar e manter a mão-de-obra masculina faz com que,mais uma vez, a empresa recorra ao trabalho dasmulheres para a produção de meias.

Seguindo o modelo das grandes corporações, aLupo construiu em torno de si uma gigantesca estruturacomposta pelo prédio principal, escritório, oficinas demanutenção, reforma e construção de máquinas têxteis,carpintaria e marcenaria, oficina elétrica, gráfica, clube,residências para trabalhadores, restaurantes,lanchonetes, creche, dentre outros.

Aliás, no que se refere à tecnologia, e ainda emtermos estratégicos, cabe destacar a construção demáquinas têxteis para a produção de meias simples, apartir de 1961. A presença de um técnico especializadoe a organização de uma oficina de construção e reformade máquinas no interior da empresa foi de fundamentalimportância para que isso acontecesse. Esse fato sedeu em virtude de a empresa, em razão das dificuldades

de importar maquinário, sentir a necessidade deproduzir suas próprias máquinas.

Os anos da década de 1960 e 1970 correspondem,assim, à consolidação e ao coroamento do modelo deprodução e gestão fordista e verticalizado, acompanhadode grande crescimento do parque industrial, de melhoriastecnológicas, expansão das vendas e diversificação dosinteresses empresariais, produtos novos para a empresae não para o setor. A empresa, de postura aparentementebastante conservadora, na realidade apresentou grandeflexibilidade para adequação a padrões diversificadosde produção e de gestão. Essa capacidade deadequação e adaptação e a busca constante deautonomia foram responsáveis pelo seu crescimento noperíodo.

ANOS 1980: CRISES E DIFICULDADES

Os anos da década de 1980 foram bastantetumultuados para a economia e indústria brasileiras emrazão dos planos econômicos recessivos e dos altosíndices de inflação, o que vai refletir-se em importantesdimensões das empresas. A indústria têxtil e deconfecções brasileiras, que desde a década de 1970vinham tendo problemas para renovar o parqueindustrial, foram um dos ramos mais afetados. O fimdo período de crescimento econômico, a elevação dataxa de inflação e a obsolescência que marcou osperíodos anteriores começam a aumentar a partir demeados daquela década.

Para isso, colaborou a política industrial levada acabo pelo governo no período, que, emboraapresentasse alguns planos e projetos, foram poucosefetivados. Vejamos os fatos mais importantes. Em1986, quando as defasagens na fronteira tecnológicapassaram a pesar, surgiram estudos para automação emodernização do setor. Em 1986 começa a serelaborado o plano de automação e modernização dosetor até 2000, que previa, além do apoio do governopara financiar novos investimentos, isenção de tributose plano de importação emergencial, enquanto oprograma de modernização ia sendo mais bem definido.Foi apenas parcialmente implementado. Em 1988, aNova Política Industrial (dec. Lei 2433,2434 e 2435)

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facilita a importação de máquinas; apoia investimentosem pesquisa e desenvolvimento. Surgiram tambémalguns programas de exportação. Em 1988 foramcriados os Planos Setoriais Integrados – PSI – e osetor têxtil foi o primeiro a ser analisado. Havia umavisão integrada do setor e prevalecia a de cadeiasprodutivas. Todavia, o plano não foi implantado e asmetas não se efetivaram (GORINI, 2000).

Os anos entre 1980 e 1991 na empresa Lupo forammarcados pela participação da 2.ª e também da 3.ªgeração de membros da família na gestão da empresa.Apesar do forte clima de recessão e das dificuldadesgerais da economia brasileira, a empresa continuou aexpandir sua produção movida pela demanda internaainda crescente e também pela forte estrutura produtivacriada. Todavia, também foi um período de forte crise,que culminou com a saída da família da direção daempresa. Entre os anos de 1991 e 1993 houve umabreve experiência de profissionalização daadministração, tendo sido contratado um executivo domercado para dirigi-la.

A busca por tecnologias modernas e desejo deaperfeiçoamento permaneceram, mesmo convivendocom as dificuldades enfrentadas pelo país, relativas àslimitações para o desenvolvimento tecnológico ebarreiras comerciais para importação de maquinário.A empresa continuou sua prospecção tecnológica emoutros países. As viagens iniciadas pelos empresários,mais tarde acompanhados por empregados dos setorestécnicos, para países como Itália, Inglaterra, Japão,na década de 1980, e mais recentemente Coreia eChina, tiveram e têm, até hoje, o objetivo de atualizaçãoe modernização do parque industrial e também e dasformas de gestão.

Toda a estruturação da fábrica, bem como aconstante busca de tecnologias, seja de máquinas,matérias-primas e mesmo em formas de gestão,refletem um valor introduzido pelo fundador na culturada empresa, presente até hoje, e também estárelacionado com a busca de autonomia e certadisposição da empresa para enfrentar desafios,adequando-se sempre às tendências modernas.

Os investimentos em tecnologias representam

também decisões estratégicas fundamentais, adotadaspela empresa nos diferentes tempos e permitiraminclusive a diversificação dos produtos, bem como aintrodução de algumas inovações.

Há que se destacar, contudo, que as tecnologiasnão estão dissociadas do processo de produção eorganização do trabalho, que ao longo do tempo passapor mudanças, caminhando de um modelo taylorizadoe rígido para outro mais flexível. No que se refere àsrelações de trabalho, é importante ressaltar que, nestemomento, se observa mais um impulso rumo aoprocesso de racionalização, o que, aliás, vem seobservando no cenário empresarial brasileiro. Amudança na denominação do setor de relacionamentocom os trabalhadores, de Departamento de Pessoalpara Relações Industriais; a organização do Centrode Treinamento, favorecido pela lei de incentivo àformação profissional; a contratação de uma psicóloga;e a instituição de testes científicos no processo derecrutamento e seleção são marcas desse processo,que se acelera no período.

Outro fator que possivelmente tenha contribuídopara essas mudanças foi a presença de movimentossociais envolvendo a classe trabalhadora no Brasil. Aslutas que se travaram entre capital e trabalho nos anos1980, em particular o movimento grevista dosmetalúrgicos, que marcou presença no ABC paulista,ao se expandir para outras regiões do país, inclusivepara Araraquara, levou os empresários a buscaremalternativas de prevenção. Nesse momento, a empresareforçou a sua orientação legalista. A atenção e ocuidado no cumprimento das leis, que já eram umatradição, tornaram-se ainda mais preocupantes. Outrosequipamentos, como lanchonete e, sobretudo, a creche,foram instalados com vistas a cumprir rigorosamenteas exigências legais.

Também ocorreu uma maior racionalização noscontroles de produção com a criação dosdepartamentos de PCP, métodos e processos,organização do setor de relações de trabalho, dentreoutros. O fato de a empresa manter autonomia emrelação à elaboração de programas, isto é, nãocomprar sistemas operacionais e sim produzir os seus

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próprios programas e sistemas, fortalece um grupo deprofissionais ligados ao setor de informática. Tal fatotambém foi gerador de conflitos na medida em quetrouxe novos grupos de poder, desestabilizandorelações constituídas muito rigidamente. Oencolhimento do poder dos técnicos (mecânicos demanutenção) e o fortalecimento do poder do grupo deinformática pesaram na quebra das relações de poderaté então predominante

A década de 1980, particularmente, representaum momento de significativas mudanças nas relaçõesde t rabalho com a adoção de técnicas derelacionamentos e formas de gestão da mão-de-obraimportadas de outros países, em particular do Japão.Isso é traço indicativo de mais um valor presente nacultura da empresa e que está ligado à sua ousadiapara inovar e enfrentar desafios, bem comocapacidade de se adaptar. Ao mesmo tempo, essasações podem representar estratégias de atualizaçãoem termos de gestão e, até certo ponto, se tornamnecessárias para acompanhar as tendências que sedesenvolviam no mundo capitalista, e que tambémexigiam certa ruptura com o rigor do modelo fordistade acumulação.

Os fatos que mais marcara a história da empresanos anos 1980 foram: a) as novas formas de gestão daprodução e administrativas e marcam o fim do Centrode Processamento de Dados (CPD), que usavacartões perfurados, e a implantação do setor, que passaa usar as fitas magnéticas. Essa inovação organizacionalpermitiu maior armazenamento de dados, possibilitandomaior controle da produção. Os programas eram todosrealizados na própria fábrica no departamento deinformática; b) organização dos Setores deProgramação e Controle da Produção (PCP) eMétodos e Processos (M&P) – com a introdução decronometragem e cronoanálise; c) organização de setor

de criação com a contratação de estilistas; d) chegadadas Máquinas Nagatas em 1984, o que representougrande marco de inovação em processo e produto, aopermitir a confecção do punho dobrado e desenho dameia, torna a Lupo pioneira neste segmento; d) em1986 foi registrada a primeira experiência de produçãoem célula, que pode ser considerada uma experiênciabem inovadora para a época, mas realizada com asmáquinas antigas. A experiência fracassou porquecomeçam surgir conflitos por causa de saláriosdiferenciados exigidos pelo novo processo; e) em 1987chegaram as primeiras máquinas semieletrônicas comDuplo Cilindro; f) a máquina Mágica, que trazer grandeavanço na produtividade; g) em 1988 teve início aprodução de cuecas; h) ainda em 1988 foi lançada aMeia da Loba (antiga meias de senhoras), o que vaipropiciar o aumento da participação no mercado demeias femininas; e, em 1989, chegou a primeiramáquina de recobrir o elastodieno.

Com todas as mudanças realizadas, a produçãode meias na década de 1980 cresceu de 1427.394para 2377.244 pares por ano, o que pode ser verificadono Gráfico 1. Todavia, não evitou a forte crise queveio principalmente pelo endividamento da empresa equeda da produtividade em tempos de elevada inflação.Apesar dos esforços na busca por produzir suaspróprias máquinas, a tecnologia ultrapassada tende aexigir grande quantidade de mão-de-obra para suautilização, o que vai contribuir para a elevação donúmero de trabalhadores, que atinge seu recorde em1988, com um total de 3.368 empregados. O altonúmero de trabalhadores gerava despesas elevadas,sendo que salários e encargos passaram a ter pesosignificativo nas finanças da empresa, a qual, por suavez, também enfrentara outras dificuldades familiares,exigindo uma reordenação e reorganização da vidaempresarial.

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Gráfico 1 – Evolução da produção por dúzias 1987-2007.

Gráfico 2 – Média anual de funcionários 1987-2007.

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Evolução da produção em dúzias

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Anos

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ade

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No gráfico 2 pode-se verificar, pelas setasindicativas, o elevado crescimento do número defuncionários na década de 1980. Cabe mencionar quea ambiguidade de relações, criada pelo esforço parase adequar às exigências da década, levou seusdirigentes a procurarem alternativas modernas degerenciamento da mão-de-obra e da produção eprodutos.

Embora os anos 1980 tenham representado umprimeiro e grande esforço de percepção das mudançasiniciais que o mundo globalizado imporia, foi tambémum período de gestação de conflitos, cujo desfechocausaria sérios problemas para a empresa.

OS ANOS 1990: CRISE E SUPERAÇÃO

Nos anos 1990, o cenário macroeconômicobrasileiro tornou-se mais complexo com o agravamentoda crise e da inflação e, pode-se mesmo dizer, que eraperverso à atividade produtiva. Sob forte inflação erecessão internas, iniciou-se um processo de aberturacomercial acelerada, com redução drástica e rápidadas alíquotas de importação e de diversas restriçõesnão-tarifárias às importações. A recessão no mercadodoméstico (1990-1992) e câmbio sobrevalorizado(94-99) não beneficiaram as indústrias. A indústria têxtilfoi um dos setores que mais sofreram com o aumentodas importações, com o fechamento de empresas eforte redução do emprego (GORINI, 2000).

Em 1991, frente à forte crise mencionada, assumiua direção da empresa um profissional contratado nomercado. O acompanharam alguns profissionais de suaconfiança. Os problemas, no entanto, estavam apenasse iniciando. Frente à crise anunciada, a novaadministração realizou um diagnóstico que apontavacomo principais problemas a existência de um parqueindustrial defasado e problemas com a produção, cujasolução demandava investimentos elevados,principalmente em processos novos.

As principais mudanças ocorridas no período foram

a aquisição das primeiras máquinas eletrônicasimportadas para a confecção de meias esportivas e acompra da Meianyl, uma empresa localizada em SãoPaulo e que se encontrava em processo falimentar. Oque se pretendia era criar uma linha de produtoalternativa e usar a melhor tecnologia disponível.

As formas de gestão e o estilo utilizado na conduçãodos processos de implementação das propostas, noentanto, eram bastante diferentes daqueles que atéentão significavam a marca da empresa. O novo diretortentou também implantar modelo de terceirizaçãovoltado para fora, com a importação de meias daCoreia do Sul.

A nova direção buscou aprofundar uma forma deprodução marcada por uma estratégia bem diferenciadaque, na realidade, já vinha sendo buscada pela empresadesde o início dos anos 1990, e que apenas no finaldesta década seria uma rotina no mundo empresarial.Trata-se da produção induzida pela demanda. Até entãoa rotina era a de produzir sempre com grandesestoques. A partir dessa época, o ajuste da produçãose faria pela demanda, procedimento que exigiu grandesadaptações nos processos produtivos. Essasadaptações, no entanto, só vão de completar bemposteriormente, em meados dos anos 1990, quando aLupo vai verdadeiramente programar seu processo dereestruturação produtiva5.

A ênfase ao sistema just in time visava integrarmelhor a empresa no mundo global: significava, nessecaso, manter estoques pequenos e produzir a partirdos requerimentos da demanda. Buscava sempreinserir a empresa em mercados globais. O grandeproblema, no entanto, foi a questão dos custos deprodução, que se ampliavam, associados a umprocesso de endividamento crescente.

Um fator que contribuiu para o aprofundamentoda crise foi o não reconhecimento da administraçãoprofissional pela base da empresa, diretoriae trabalhadores em geral. Na realidade ninguém

5Na realidade as primeiras experiências de reestruturação empresarial se iniciaram nos anos 1980, na época conhecidascomo reengenharia ou implantação de processos de qualidade total.

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aprovava a administração profissional. Com a saídados diretores e membros da família, restou um climageral de desânimo. Porém, a cultura empresarialcontinuava forte e seria de grande ajuda para oencaminhamento do futuro.

Da perspectiva da economia brasileira cabedestacar que os primeiros anos da década de 1990anunciavam, também, uma nova dinâmica no mercadomundial, e a abertura comercial da economia brasileiratrouxe redução generalizada das restrições aocomércio. Mas, principalmente, impôs novosmovimentos ligados à nova forma de organização daatividade econômica e produtiva. Dentre as principaismudanças t rouxe a presença das empresasmultinacionais, e a organização de cadeias globais deprodução, comercialização e distribuição demercadorias.

Com a abertura comercial no Brasil, também aindústria têxtil no Brasil passava por profundastransformações desde o início da década de 1990 que,somadas às medidas do Plano Real, tiveram comoresultado forte elevação das importações, reflexosexpressivos na retração da produção, e, sobretudo,na redução do emprego (SERRA, 1988).

No caso da indústria têxtil, também comocaracterísticas do processo de reestruturação, aexpansão mais expressiva das importações foilocalizada em dois produtos principais: fibras dealgodão, por conta da forte retração da produçãodoméstica em meados dos anos 90, e fios e tecidosartificiais e sintéticos. Esses fatos serão fundamentaispara o encaminhamento do setor a partir de meadosda década. A forte retração do emprego no setordecorreu não apenas da redução da produção, mastambém da reestruturação tecnológica e produtiva dasempresas têxteis no Brasil, já que substituíram as antigasmáquinas de tecer por modernos teares que requeremum contingente muito menor de trabalhadores(LUPATINI, 2004).

Este era o cenário nacional no qual a Lupo teriaque enfrentar, a partir de setembro de 1993, a maisforte crise empresarial e comercial de sua existência,que quase resultou no encerramento de suas atividades.

Nesse mesmo ano, o fim da gestão da empresarealizada por profissional contratado no mercado,considerada desastrada, se deu com a demissão dodiretor. Também a saída do gerente de vendas e apromoção de um novo gerente nacional de vendasmarcaram o novo encaminhamento da crise.

A reversão foi um processo longo e doloroso doqual resultaram grandes mudanças e surgiram novaslideranças. No auge da crise e com a missão de "talvezvender a empresa", assume como diretora-superintendente da empresa um membro da família,filha de uma herdeira, mas com elevada qualificaçãopara o cargo.

Buscando condições para equacionar o problemafinanceiro, a nova diretoria vai buscar recursos nosistema bancário e solicitando à família o prazo de umano para atuar na empresa. Apesar da crise, o retornoda família à direção da empresa foi muito bem recebidopelos funcionários e o bem-estar voltou (MANZOLLI,2006). Esta forte característica da cultura empresarialformada ao longo do tempo, e que atribuía à presençada família um traço de força e estabilidade,indubitavelmente foi ponto importante para a superaçãode uma situação que muitos consideravam perdida.Reconhecendo a importância do passado e assumindoum diálogo franco com a base administrativa daempresa, a nova diretoria tomou atitudes altamenteinovadoras que foram importantes para a superaçãoda crise, montando um quadro gerencial de confiança,e reduzindo os gerentes de nove para seis, promovendogrande reestruturação produtiva e organizacional.

Mas o passo principal foi a aquisição de máquinassemieletrônicas da Coreia, as máquinas Kukje. Estefoi um traço marcante, pois não conseguiram compraras italianas, que eram as melhores. Assim, começou olongo processo recuperação da empresa.

Dentre as inovações também foi adotado um modelode gestão pautado em decisões colaborativas com aadministração participativa, com frequentes consultasàs bases, o que garantiu apoio desse segmento ereduziu o filtro das informações, ou seja, as informaçõespassaram a ser diretas, estabelecendo-se um sistemade comunicações mais efetivo. A redução de despesas

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e melhor funcionamento das linhas de montagemlevaram à desativação da antiga unidade localizada emárea central da cidade e transferindo toda a produçãopara uma fábrica nova, em área mais afastada. Foramreunidas as áreas comerciais e de produção, o quefavoreceu uma maior aproximação entre esses setores,ao mesmo tempo em que facilitava a responsabilidadesobre a área de produção e a de desenvolvimentotécnico e de novos produtos.

Um dos aspectos mais inovadores propostos pelanova diretoria foi a introdução e consolidação de umsistema de franquias, sistema de iniciativa tímida deinício, mas que se tornou um grande canal decomercialização da produção. Outro aspecto relevantedentre as inovações em gestão foi o enfrentamento deum estilo de produção para os mercados globalizados,ou seja, produção para o atendimento às demandasespecíficas, produtos específicos em quantidadeslimitadas – não há estoques grandes, apenas pequenose para alguns produtos. Foram fechados os antigosescritórios regionais de Belo Horizonte, Fortaleza ePorto Alegre, que existiam desde os anos 1960,mantendo-se apenas os de São Paulo e Rio de Janeiro.Com esse conjunto de medidas, um novo ponto deequilíbrio entre custos/produção/quantidade de mão-de-obra e comercialização.

Um dos aspectos fundamentais que se observouna primeira metade dos anos 90 foi o processo dedesmontagem da estrutura verticalizada que, até então,caracterizara o formato organizacional da empresa. Ummodelo mais enxuto começou a ser construído, a partirdo fechamento de alguns setores, como o de oficinasde reformas e construção de máquinas, carpintaria emarcenaria, gráfica e oficina elétrica, iniciando-se aterceirização de alguns setores. As terceirizaçõesrepresentaram nesse momento uma nova estratégiaprodutiva e administrativa, que visava desincumbir aempresa de atividades consideradas subsidiárias àprodução, permitindo uma maior focalização em suaatividade principal.

Como explicar a saída da crise e a retomada daprodução? A partir da análise realizada é possívelpropor quatro fatores que foram fundamentais nesta

passagem. Em primeiro lugar, e talvez o mais importantepara explicar a retomada da empresa, foi a imagem daforça da família, muito presente na cultura da empresa,associada ao conhecimento pessoal da diretora paraas questões técnicas e tecnológicas e a suadisponibilidade para o aprendizado. Sem a modéstia ea força para admitir a importância de aprender paraenfrentar novas situações, não teria buscado novosvalores empresariais, como a importância doempreendedorismo, da inovação e da prospecçãotecnológica, já quase esquecidos pela empresa. Emcurto espaço de tempo, e com o apoio dostrabalhadores, a situação da empresa começou mudar.Mas também foi importante o apoio e certodistanciamento "necessário" da família.

Em segundo lugar, uma combinação de aspectosda nova gestão da tecnologia e da produção quepossibilitaram um novo patamar de equilíbrio naempresa. A "lição de casa" realizada com a execuçãoda política de reestruturação produtiva foi feita comrigor. Seus principais pontos foram os seguintes:intensificação da automação, diversificação deprodutos, redução drástica da mão-de-obra emelhorias nas condições de comercialização,responsáveis pelo aumento da produtividade daempresa. Na reestruturação buscaram-se não só bonsprodutos, mas a implantação de um sistema deprodução que se caracterizou pela gestão maisintegrada entre produção, tipos de produtos, estoquespossíveis e vendas, principalmente. Houve certaproximidade com modelos de produção sugeridos pelaindústria metalúrgica e/ou mecânica, nas quais há muitosprodutos em vitrines para serem oferecidos e vendidos.Esses elementos reafirmam uma característica forte dacultura organizacional da Lupo, relacionada com acapacidade de adaptabilidade da empresa à "situaçõesdesafiadoras".

Em terceiro lugar, apesar da difícil condição daindústria têxtil e confecções no Brasil nos 1990, aeconomia brasileira começou a ajudar ao caminhar poruma trilha mais firme com o Plano Real e o fim dainflação.

Em quarto lugar, e de num ponto de vista mais

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técnico e interno à empresa, as mudanças técnicasrealizadas. Ressalte-se que já havia, desde anosanteriores, claros diagnósticos que indicavam apresença de um parque tecnológico bastante defasado.O grande problema foi que, no período anterior, assoluções buscadas romperam excessivamente comas formas mais tradicionais por meio da qual aempresa sempre enfrentara seus problemas. Estehavia sido um fator de forte desequilíbrio. Com avolta da família na direção da empresa, mas com umaadministração movida pela forte presença deempreendedorismo, inovação e conhecimento, aretomada de uma perspectiva de gestão de "dentropara fora," os trabalhadores se sentiram maisconfiantes e mais dispostos a enfrentar os problemas.Longe de qualquer raciocínio conservador, aimportância da cultura empresarial estava mais umavez evidenciada. O grande esforço dos mecânicos-técnicos, que rapidamente se transformaram emmecânicos de máquinas informatizadas, demonstraamor ao trabalho e à empresa.

Esses aspectos foram responsáveis pela introduçãode uma nova lógica empresarial que, em verdade, jáestava presente no mundo empresarial desde os anos1980. Mas na empresa o processo de incorporaçãodessas mudanças foi bastante longo e sofrido. Asconsequências poderiam ter sido mais graves. Aempresa quase fechou, porém, as mudanças nos gruposde poder e o apoio da base foram fatores essenciaispara a conquista da estabilidade e a retomada docrescimento.

Em 1995, com a mudança na regionalização dasmáquinas ocorrida no país (LUPATINI, 2004), houvemudanças na estratégia da empresa que, reconhecendoque o parque industrial ainda estava defasado, iniciounova fase de compra de máquinas eletrônicas quemudaram o perfil produtivo da empresa. As novasmáquinas automatizadas dos coreanos compradas comaval, porque a empresa ainda não havia recuperado acapacidade de pagamento, foram fundamentais para aretomada do crescimento.

Em 2000 a empresa já tinha claro um novo rumo.Havia uma estratégia claramente definida e um modelo

de gestão pautado em decisões colaborativas e açõesconcretas. Entre 2000 e 2001 a empresa investiu aindamais em automação, comprando máquinas italianas.Assim, a partir de 2001 estava montado seu novoparque produtivo, pronto para atender a mercadosvariados e flexíveis.

Com o parque produtivo inteiramente automatizadoe a retomada da produção na empresa, a partir doano 2000 pode ser percebido que, nas característicasde sua mais tradicional cultura empresarial, agora estãopresentes fortes traços do mundo pós-fordista: produzire vender produtos diferenciados, em condições deprodução flexíveis para mercados instáveis. Doisaspectos passam a ser prioritários para a empresa:questões tecnológicas e questões organizacionais.Do ponto de vista estrutural, as preocupações são comas instalações, capacidade e tecnologia. Do ponto devista organizacional, as preocupações mais relevantessão: a organização dos processos e capacitação dosRecursos Humanos (RH).

As mudanças que ocorreram na base produtiva, namedida em que se revelaram pró-ativas, e responsáveispela saída da empresa da forte crise que a assolava,foram incorporadas na cultura empresarial. Não seproduz mais apenas meias, mas outros produtos foramincorporados na produção e a diversidade passou aser a norma. O empreendedorismo, a inovação e oconhecimento como forma de valor para o indivíduo epara a organização se tornou um requisito básico. Saberpensar, saber aprender, saber mobilizar, saber transferir,saber engajar-se, ser criativo, ter visão estratégica eassumir responsabilidade passaram a ser elementospara a agregação de valor. Os diretores de sucesso naempresa revelaram claramente a incorporação dessesvalores em suas visões de gestão.

Com isso ganham espaço e se intensificam osprogramas de treinamento, que ocorrem por meio devisitas ao processo produtivo, palestra comfornecedores, treinamento sobre fiação, informaçõessobre qualidade e produtividade; implantação daescola de primeiro e segundo graus para os operários,programas de estágio de operários nos fabricantes demáquinas e equipamentos; e maior participação nas

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decisões da empresa, criando comprometimento.Destaque-se que até a capacitação dos jovens da

família e da 4.ª geração Lupo que, diferentemente deseus pais e tios, não participaram da saga dos primeirosanos de atividades da empresa, passou a ser umapreocupação da diretoria, que reconhece a necessidadede que a história e a dinâmica da empresa devam serobjeto de estudo e análises e devem ser incorporadaspor aqueles que pretendem participar da gestão daempresa.

O ambiente de trabalho na Lupo vem passando porsensível mudança. A preocupação com os movimentosdo mercado passa a exigir: equipe de estilistasespecializados; private Label; participação em feiras;utilização de fornecedores como prestadores deserviços. Por outro lado, torna-se necessário ficarantenado aos consumidores, procurando captar seusdesejos e necessidades, transformando-os rapidamenteem produtos oferecidos. Neste momento ocorre acriação do Serviço de Atendimento ao Consumidor(SAC), que cria um link entre as empresas e osconsumidores; programa de treinamento dos lojistaspara transformá-los em agentes de vendas; expansãodo sistema de franquias.

OS DESAFIOS DA GLOBALIZAÇÃO

Nos últimos anos, chama a atenção o significativocrescimento da Lupo retomando, assim, uma trajetóriaascendente de aumento da produção e de vendas, deexpansão do número de t rabalhadores e,principalmente, de inovação em produtos, gestãoadministrativa e de marketing.

Entre os anos de 2002 até 2007, o crescimento daprodução na empresa em dúzias foi de 38,56%. Porém,é necessário considerar que este crescimento se refereaos diversos produtos hoje produzidos pela empresa,que vão além da sua tradicional produção de meias.

A diversificação de produtos, na realidade, foi ofator responsável pela elevação da produção e pelamelhoria no desempenho da fábrica. Atualmente, aprodução de cuecas, lingerie e, principalmente,produtos "sem costura" tem representado um mercadopromissor para a empresa. Observa-se, porém, que o

mercado dos produtos "sem costura" é bem recente.Nasceu em 2003. Naquele ano a empresa produziu37 mil dúzias/ano da linha "sem costura" e, em 2007 aprodução cresceu extraordinariamente para 487 mildúzias/ano. A produção de cuecas para o mesmoperíodo cresceu de 589 mil dúzias/ano para 745 mildúzias/ano em 2007, sendo que havia a expectativade aumento de produção para mais de 1 milhão dedúzias em 2008. Por outro lado, o segmento de "meiacolante" passou por forte redução no consumo, tendogrande parte da capacidade produtiva deste produtose transformado em "segunda pele", um outro produtocom boas vendas.

Esses novos indicadores de desempenho mostramque o perfil da empresa se alterou, assim como mudoua sua posição na cadeia produtiva: até o ano de 2000a empresa, como já mencionado, que operava comtecnologia de base eletromecânica, foi fortementeautomatizada. Contudo, a produção de peças "semcostura", especialmente cuecas, continua exigindoconsiderável quantidade de mão-de-obra. Este fatopode ser um dos mais sérios conflitos que a empresapoderá enfrentar em futuro próximo, ou seja, aautomatização traz uma nova modalidade dedependência de mão-de-obra qualificada.

Para avaliar as alterações no perfil produtivo daempresa cabe destacar as mudanças ocorridas nomercado de meias que envolvem produção, tecnologiae consumo. Segundo o Instituto de Estudos e MarketingIndustrial (Iemi), em 2007 a produção de meias no Brasilcresceu de 251 milhões de pares/ano para 520 milhõesde pares/ano, indicando um crescimento de mais de100%. Como indicativo do consumo de meias, estedado significa uma média de 2,8 pares por habitante, oque é ainda muito baixo quando comparado com o deoutros países. O consumo médio de países como a Itália,por exemplo, hoje é de aproximadamente 6,2 pares porhabitante.

Neste cenário a Lupo ocupava, em 2002, 9% domercado nacional, fatia que em 2007 se expandiupara 11,58%. Aparentemente, haveria muito a crescerpara ocupar este mercado, porém, as mudançasocorridas no setor produtivo de meias foram grandes e

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caminharam para a banalização das condições e doprocesso de produção. Por um mecanismo, típico daseconomias capitalistas, o preço das máquinas tende acair com a expansão do consumo, mesmo que sejammáquinas modernas e automatizadas. É precisoconsiderar que toda tecnologia percorre um caminho:nasce "quase" rústica, desenvolve-se e depois tende àbanalização. É o que aconteceu no Brasil, onde, desdeo ano 2000, vêm caindo os preços das máquinas deproduzir meias, mesmo considerando as melhorias e aautomação das mesmas. Este fato impôs mudanças paraas fábricas de meias, que perceberam e puderamenfrentar o problema. No Brasil existem atualmentecerca de 10 mil máquinas de produzir meias, das quais4 mil estão nas mãos de quatro grandes fabricantes,sendo a Lupo um deles. Pode-se concluir, por estarazão, que há uma pulverização de pequenos e médiosprodutores no país, e que produzir meias deixou deser um negócio apenas para a grande empresa. Emoutras palavras, a queda no preço das máquinasmodernas abriu a possibilidade do surgimento denovos empreendimentos, ou seja, reduziram-sefortemente as barreiras à entrada de novas empresasno mercado, permitindo, assim, o surgimento defábricas de menor porte.

Também contribuiu para a deterioração dascondições do mercado de meias, no Brasil, osignificativo aumento das importações, em razão daqueda dos preços médios internacionais. Em 2002, opaís importou 6 milhões de pares e, em 2007 (até opresente), as importações foram de 25 milhões depares, com tendência a crescer. O preço médio hoje éde US$ 0,30 (30 cents) com tendência a maiorredução. No mercado interno, o preço médio de meiaspor dúzias também tende a cair, acompanhando atendência observada no mercado internacional. NoBrasil caiu de R$ 38,63, em 2006, para 37,86 em2007, e apontava para nova queda em 2008, segundoo Iemi (2007).

Porém, ao mesmo tempo em que acabam asantigas barreiras tecnológicas para a produção demeias, o avanço tecnológico faz surgir novas barreirasque realinham o mercado para outro patamar de

negócios. É o caso, por exemplo, das barreiras pordificuldades de acesso ao mercado de insumos defios e, principalmente, barreiras comerciaisdecorrentes das dificuldades em penetrar em novosmercados para venda dos produtos. Nesses casos,quando essas barreiras são muito fortes, a força damarca aliada à tradição comercial de uma empresapodem ser fatores de competitividade essenciais paraa sua sustentação no mercado. Esse foi o caso daLupo. Ao lado da busca de novos produtos, o ladocomercial da empresa ficou mais evidenciado namedida em que esta soube colocar sua produção emsua grande rede de distribuição, nas franquias e outrospontos. Do lado produtivo, além dos novos produtos,a empresa teve a habilidade para reaproveitar erequalificar seus funcionários para as novastecnologias.

No entanto, mesmo esses mercados de novosprodutos já começam a atrair novas empresas e, emconsequência, enfrentar forte concorrência no mercadointerno. Também para esses produtos, as condiçõesde produção vêm se alterando com as mudançasrápidas ocorridas na tecnologia e com o acirramentoda concorrência. Para enfrentar essa nova situação aempresa vem, como se destacou, incorporando novosmétodos e novas tecnologias de produção e gestão,microeletrônica, desenvolvimento de novos produtos,principalmente com o uso de fibras sintéticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história da Lupo é um bom exemplo de umaempresa familiar que se dedicava a apenas umproduto, enfrentou fortes crises e um duro processode reestruturação produtiva no final do século XX einício do XXI. Em seus 89 anos de existência, paramanter-se competitiva foi levada a montar, desde osanos 1930, uma estrutura verticalizada que nos anos1970 se revelou um moderno parque industrial, masteve de ser inteiramente reestruturado. Tendo criadodesde a época do fundador sólida cultura empresarial,soube conciliar a manutenção de aspectos familiares,com competitividade e empreendedorismo.Diversificou sua produção para adaptar-se às novas

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condições de mercado.Para o século XXI, no entanto, os desafios são

imensos. Olhar o futuro significa ter em foco as principaismudanças tanto quanto aos materiais quantotecnológicas. Quanto aos materiais, a grande tendênciaainda é a microfibra, que se aproxima do algodão etraz grande sensação de bem-estar. Do ponto de vistatecnológico, três grandes tendências podem seridentificadas para a indústria têxtil e confecções. Emprimeiro, a nanotecnologia, que parece ser uma dasprincipais rotas que deverá ser seguida pela indústriatêxtil e do vestuário nos próximos anos, por meio dacrescente difusão dos chamados "tecidos inteligentes":materiais "phase change" (frio e quente); materiais"shape memory" (modelador); materiais crômicos(trocam de cor).

Em segundo, a questão do desenvolvimento deproduto, design e moda, que mostra o encurtamentodo tempo de vida das linhas de produto e o aumentoda importância da moda, e aponta também para atendência à customização. Em consequência, seimpõe a adoção de novas tecnologias, que confirammaior rapidez ao desenvolvimento de produto, bemcomo maior rapidez e flexibilidade ao processoprodutivo.

Em terceiro, a questão da normatização. Este éum aspecto fundamental. A criação de normas epadrões para os artigos têxteis, do vestuário e apadronização de características dos produtos, emtermos de tipos, modelos e tamanhos, devem sedesenvolver com vistas ao atendimento dos requisitosdos compradores e à melhoria do produto aoconsumidor final (GARCIA, 2007).

Nesse quadro de possibilidades e expectativas, aquestão que fica para o caso da Lupo é a de que atéque ponto os valores construídos, associados aoconhecimento e à inovação poderão efetivamente serinstrumentos de adaptações e enfrentamento do mundoglobalizado.

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DO AVANÇO DO PLANEJAMENTO, PROGRAMAÇÃO ECONTROLE DA PRODUÇÃO COMO ATIVIDADES ESSENCIAIS DA

EMPRESA À EDUCAÇÃO AMBIENTAL

OLIVEIRA NETO, Geraldo Cardoso deMestre em Engenharia de Produção, professor da Universidade Nove de Julho – Uninove, Rua Francisco

Matarazzo, 612 CEP 05001-100, São Paulo/SP. Brasil. E-mail: [email protected] JUNIOR, Walther

Doutor em Engenharia Mecânica (USP-São Carlos) e coordenador do Programa de MestradoProfissional em Engenharia de Produção do Centro Universitário de Araraquara – Uniara. Rua Voluntários

da Pátria, 1309 CEP 14801-320, São Paulo, Brasil. E-mail: [email protected], Silvia H.

Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo – USP, professora-titular da UniversidadePaulista – Unip, Rua Bacelar, 1212 CEP 04026-002, São Paulo/SP. Brasil. E-mail: [email protected]

RESUMO

Neste artigo se aborda a evolução do Planejamento, Programação e Controle da Produção (PPCP) comoatividades essenciais da empresa à educação ambiental, por meio da pesquisa exploratória em revisão bibliográfica.Neste cenário, apresentar-se-ão como objetivos gerais: i) uma nova forma de estruturar a produção, considerandoa Produção Mais Limpa (P+L) no cerne das Instalações, Capacidade, Tecnologia e Terceirização da empresa,e ii) as mudanças de infraestrutura ao atendimento das necessidades delineadas pelo mercado consumidor e adisseminação da educação ambiental interna. As necessidades que surgem da nova forma se resumem em:adequação de instalações; implementação de tecnologias limpas na fabricação e manufatura e de ecorredes;instrução e disseminação de conceitos sobre educação ambiental internamente; simplificação dos fluxosprodutivos; e necessidade de se adaptar aos paradigmas.

PALAVRAS-CHAVE: Produção Mais Limpa, Produção enxuta, Planejamento, Programação e Controle da Produçãocom Educação Ambiental.

ABSTRACT

This work addresses the evolution of Planning, Programming and Production Control (PPCP) as essentialactivities of companies towards the insertion of environmental education. The approach is based on an exploratoryresearch and a critical bibliographic revision. Two main objectives were established: i) a new way of productionorganization, by considering cleaner production from company utilities to production capacity, technology andoutsourcing and ii) infrastructure changes related to market attendance and environmental education dissemination.The needs resultant from this new production organization can be grouped as follows: utilities adequacy, cleanertechnologies and eco-chains implementation; instruction and dissemination of environmental education; andnecessity of the adoption of new paradigms.

KEYWORDS: Cleaner Production; Lean production; Planning; Programming and Production Control withEnvironmental Education.

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INTRODUÇÃO

As estratégias competitivas de natureza tantocorporativa quanto de manufatura têm evoluído maisacentuadamente com a introdução do paradigma daManufatura Enxuta, a partir da década de 70. Desdeentão, as organizações passaram a adotar critériosrigorosos de avaliação do mercado, o qual passou a serregido pela oferta e não mais pela demanda. Acompetitividade entre as empresas tornou-se maisacirrada com a queda de barreiras comerciais a partirdo fenômeno da globalização. Consequentemente, oocidente evoluiu para a compreensão desse novoparadigma como uma nova maneira de abordagem damanufatura, junto ao processo de gestão da organizaçãoe com os sistemas integrados por computador MaterialRequeriment Planning (MRP) e Enterprise ResourcesPlanning (ERP).

Norman (1983) aponta que a essência do MRP éque se considera a demanda (o cliente) para determinaros materiais e outras exigências. À medida que atecnologia de computação avançou, o potencial crescentede aplicação desse conceito de planejamento amplo foificando mais evidente, passando do MRP para o MRPIIe, posteriormente, nos anos 90, para o ERP queconfigura a era dos sistemas gerenciais integrados.Diferença radical na maneira pela qual esses componentessão entregues ao cliente (WOMACK; JONES, 2004).A partir do contexto descrito na última década, apesquisa aplicada ao estudo do processo de evoluçãodos sistemas de gestão da produção induziupesquisadores – e isso no mundo todo – a estudar emdetalhes uma questão que fez com que os autores desteartigo estudassem com objetivo geral os novosparadigmas que surgiram ao longo dos últimos dez anosnesse cenário. Esse trabalho foi feito considerando aevolução das técnicas auxiliares do PPCP tradicional aonovo conceito relacionado ao tema Planejamento,Programação e Controle da Produção e a EducaçãoAmbiental (PPCPEA) por toda a indústria.

Como objetivos específicos que justificam o objetivogeral:

– conceituar a nova retórica do PPCP para oPPCPEA através da revisão bibliográfica;

– propor a estruturação da Produção Mais Limpa(P+L) no sistema produtivo, considerando as instalações,a capacidade, a tecnologia e a verticalização outerceirização, a fim de reduzir a poluição;

– propor infraestrutura com pessoas educadas apráticas ambientais, com conhecimentos relativos àgestão ambiental, ao atual paradigma do sistemaprodutivo – Manufatura Limpa, a inserção do novoobjetivo de desempenho da produção e a relação estreitaentre PPCP enxuto e P+L;

– propor um modelo de PPCPEA flexível adiscussões.

METODOLOGIA DA PESQUISA

Esta pesquisa se caracteriza, quanto aos fins, comoexploratória, uma vez que busca sistematizarconhecimento. Quanto aos meios, é uma pesquisabibliográfica que contém uma análise crítica. Gil (2002)relata que a categoria da pesquisa exploratóriadesenvolve o levantamento bibliográfico.

A fim de alcançar os objetivos propostos em umprimeiro momento, conceitua-se uma visão tradicionaldo PPCP frente às necessidades competitivas.

PROCESSO DE GESTÃO DA PRODUÇÃO

Evolução do PPCP ao PPCPEAO planejamento é uma formalização do que se

pretende que aconteça em determinado momento nofuturo (CORRÊA; GIANESI; CAON, 2007). Esseplanejamento tem como "fim que a produção ocorraeficazmente e produza produtos e serviços como deve"(SLACK; CAHMBERS; JOHNSTON, 2007). Ocontrole pode ser definido, segundo apontam Peter eCerto (2005), de forma ordenada: primeiroestabelecem-se metas, depois é preciso compará-lascom o realizado e por fim decidir-se por manter ouaplicar ações corretivas.

As empresas transformam produtos e serviços pormeio do sistema produtivo, que conta com entradas(insumos) e saídas (produtos), planejados em termosde prazos (TUBINO, 2007). Os sistemas produtivosprecisam de um plano de produção, cuja função é combase na previsão de vendas e na capacidade de

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produção para atender aos clientes. Corrêa e outros(2007) reforçam a importância estratégica do sistemade gestão da produção para o cumprimento dosobjetivos organizacionais, inclusive para apoiar a tomadade decisões logísticas, que visa: planejar as necessidadesfuturas de capacidade produtiva; planejar os materiaiscomprados; planejar os níveis adequados de estoque;programar atividades de produção para garantir que osrecursos produtivos envolvidos estejam sendo utilizados,em cada momento, nas coisas certas e prioritárias; sercapaz de saber e de informar corretamente a respeitoda situação corrente dos recursos (pessoas,equipamentos, instalações, materiais) e das ordens (decompra e produção); ser capaz de prometer os menoresprazos possíveis aos clientes e depois fazer cumpri-lose ser capaz de reagir eficazmente a crises de mercado.A evolução do PCP para o PPCP envolve uma série dedecisões com o objetivo de definir o que, quanto equando produzir e comprar, além dos recursos a seremutilizados de acordo (CORRÊA; GIANESI; CAON,2007).

A partir da identificação desse processo de evolução,um elemento fundamental é entender o sistema deprodução, isto é, como o fluxo de produção atingedeterminados objetivos.

O sistema de produção deve responder à demandade diferentes formas, com diferentes lead-time defornecimento, sendo que algumas empresas produzempara o estoque, outras montam sob encomenda, outrasfabricam sob encomenda e algumas desenvolvemprojetos sob encomenda. Independentemente damaneira como a empresa programa o fluxo de materiais,o PPCP representa uma importância considerável navantagem competitiva da organização, que precisa estaratenta à necessidade dos clientes.

Sacomano (2007) relata que o processo decisórioganhou novas dimensões nas organizações empresariais.A responsividade, a agilidade, a customização deprodutos, acompanhadas de um mercado cada vez maissensível aos aspectos de custo, qualidade, prazo, eflexibilidade, obriga a uma nova postura frente aoprocesso decisório, que também deve ser muito maiságil e responsivo do que na fase anterior definida apenas

como PPCP.Uma sensibilidade do mercado atual é a propensão

à compra de produtos e serviços que sejamambientalmente corretos. Segundo Contador (2008),as empresas disputam vantagens competitivas no campode competição relacionada à imagem da empresa.

Portanto, na atualidade, é de suma importância oproduto ser projetado com responsabilidade ambiental;dessa forma, o PPCP programa o fluxo da produçãopreocupado inclusive com o destino correto atribuídoaos resíduos e às tecnologias limpas a serem utilizadas.O destino correto é incentivar a reciclagem e areutilização dos resíduos no processo produtivo.

Percebe-se nitidamente que o novo direcionador demercado está relacionado à empresa ambientalmentecorreta. Hoek e Erasmus (2000) corroboram e afirmamque a filosofia "Lean and Green" tem como objetivoreduzir os impactos ambientais e melhorar o marketshare da empresa no mercado. Desse modo, paraconseguir a vantagem competitiva planejada, asempresas precisam disputar no campo da imagem, euma arma poderosa é proporcionar uma evolução doPPCP para o PPCPEA. Yuksel (2007) aponta que énecessário considerar as questões ambientais noPlanejamento e Controle da Produção de maneira flexívele adaptativa ao sistema produtivo. Para isso, avalia-sea programação da produção, levantam-se os problemasambientais e processam-se mudanças na programação.

Relação entre Planejamento e Controle daProdução Enxuta e Produção Mais Limpa

O planejador da produção deve decidir comracionalidade o controle dos recursos de manufaturaescassos. Em 2001, a Asian Productivity Organization(2001) afirmou que as práticas e princípios daManufatura Enxuta contribuem para a redução dapoluição.

O consumo consciente atribui vantagens ao conceitode Produção Enxuta. As vantagens e conceitualizaçãoda Produção Enxuta, conforme Womack e Jones(2004), apresentam-se pela maneira de utilizar menoresquantidades de recursos, isto é, reduzir desperdícios.No cotidiano, o planejador de produção precisa eliminar

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ou diminuir sete formas de desperdícios: 1) A produçãoalém das necessidades, 2) Os defeitos e retrabalhos, 3)O inventário em excesso, 4) O processamentodesnecessário, 5) A movimentação desnecessária depessoas e materiais, 6) O transporte desnecessário demateriais e 7) Esperas desnecessárias de pessoas.

Assim é possível perceber que os conceitos deManufatura Enxuta e de Produção Mais Limpa sãoalinhados, embora não tenham sido definidos com osmesmos propósitos. A Manufatura Enxuta nasceu naindústria automobilística em 1950, com o firme propósitode gerar produtividade, a fim de permitir produzir cadavez mais com menos recursos. Assim, alinha-se aospropósitos da Produção Mais Limpa no âmbito de utilizarracionalmente os recursos, termo definido por Giannettie Almeida (2006) como ecoeficiência.

Para essa finalidade se busca implementar a ProduçãoMais Limpa, com o objetivo de usar tecnologias maislimpas, com reciclagem de materiais, no descarte devido,no racionamento de água e energia, ou até mesmo naforma do PPCPEA estabelecer o plano estratégico, afim de: 1) Mapear e entender os processos para eliminardesperdícios, 2) Equilibrar a produção entre a oferta ea demanda, evitando desperdícios, 3) Processar osprodutos de forma enxuta, com isso é possível reduzirhoras extras, consumo de energia e o uso indevido dematéria-prima, 4) Preservar a segurança e integridadede seus colaboradores, além de treiná-los a práticasambientais e se tornarem multiplicadores na empresa esociedade.

Surge, então, um "PPCP Lean and Green": aomesmo tempo em que reduz a poluição, reduz tempos,desperdícios, custos, etc. Segundo US EPA (2000), amaior proposta do "Lean and Green" é rever osprocessos a fim de reduzir os tempos, os custos,racionalizar o uso de matéria-prima através da reciclagemou do reuso. Outra característica importante é planejarprodutos ambientais e analisar o ciclo de vida. Tambémse busca otimizar e unitizar o transporte, a fim de reduzira emissão de CO² e outros gases.

Portanto, o profissional que atua no PPCP precisaaderir à implementação da Produção Mais Limpa,principalmente pela estreita ligação com a Manufatura

Enxuta. Neste trabalho, apresentar-se-á o modelo dePPCPEA flexível a discussões, que integra os aspectosestruturais e infraestruturais.

Proposta de estruturação da produção compráticas ambientais

Azzolini Jr. (2004) relata que, para a estruturaçãoda produção frente a uma nova estratégia competitiva,deve-se levar em conta as decisões que envolvemaspectos de estrutura. Os aspectos estruturais são: 1)instalações industriais, 2) capacidade produtiva, 3)estratégia de processo, 4) tecnologia, 5) verticalizaçãoou terceirização e 6) planejamento e desenvolvimentode produtos. Os autores acrescentam a nova forma deestruturar a produção por meio da implementação daProdução Mais Limpa intrínseca aos aspectos estruturaiscorroborados por Azzollini Jr. (2004), a fim de reduzir apoluição de maneira consciente e contribuir com aestratégia competitiva empresarial. Propõe-se paravantagem competitiva um novo objetivo de desempenho,considerando as práticas de sustentabilidade nasdecisões, além de contribuir com os princípios daManufatura Enxuta.

As organizações precisam se atentar às formas deorganizar o trabalho, a fim de reduzir o uso de recursose diminuir a poluição, de modo que o empresariadodissemine as práticas de P+L para todas as pessoasenvolvidas na cadeia de fornecimento, desde ofornecedor até o cliente.

Segundo Giannetti e Almeida (2006), a P+L visamelhorar a eficiência, a lucratividade e a competitividadedas empresas, enquanto protege o ambiente, oconsumidor e o trabalhador. É um conceito de melhoriacontínua que tem por consequência tornar o processoprodutivo cada vez menos agressivo ao homem e aomeio ambiente.

De acordo com o Senai (2003) as vantagensambientais da P+L são as de evitar a poluição antes queela seja gerada, isto é, com consciência e entendimentosobre o impacto no meio ambiente, principalmente naeliminação de resíduos, no controle da poluição, no usoracional de energia, na melhoria da saúde e segurançado trabalho, com produtos e embalagens

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ambientalmente adequados. Já no planejamento doproduto, as embalagens dos produtos devem sereliminadas ou minimizadas. As vantagens econômicasda P+L são aparentes em longo prazo, pois no início doprojeto é investido capital na adoção de novastecnologias e modificações de processos existentes.Essas vantagens incluem aumento na eficiência doprocesso, gerando redução permanente de custos totaisatravés do uso eficiente de matérias-primas, água eenergia, e da redução de resíduos e emissões gerados,além de boas práticas operacionais.

Dessa maneira, as organizações passam a consideraraspectos sobre a sustentabilidade intrínsecos aos objetivosde desempenho. Conforme Slack e outros (2007), "osobjetivos mais amplos que as operações produtivasnecessitam perseguir para satisfazer a seus stakeholdersformam um pano de fundo para todo o processo decisórioda produção [...] no nível operacional é necessário umconjunto de objetivos mais estritamente definidos".

Os objetivos de desempenho, segundo Slack eoutros (2007), são: qualidade, rapidez, confiabilidade,flexibilidade e custo. Os autores, na nova forma deestruturar a produção, consideram a P+L como outroobjetivo de desempenho. A P+L visa racionalizar o usode recursos da natureza, buscando reciclar o máximopossível, e essa atitude consciente reflete na imagem deempresa confiável, segundo Contador (2008), frente àcompetitividade.

Frente à estruturação da P+L no sistema produtivo,torna-se necessário 1) projetar as instalações para oatendimento às necessidades dos clientes, que incluem:arranjo físico fabril de máquinas, equipamentos,quantidade de pessoal de produção, redes de operaçõese localização geográfica. A nova estruturação daprodução objetiva e a revisão dos elementos citados,incluindo as práticas reais de P+L para uma tomada dedecisão que vai além da busca de resultados financeiros,preocupa-se inclusive com as vantagens ambientais nainteração da empresa com o meio ambiente.

Segundo Slack e outros (2007), o arranjo físicoenvolve: instalações, máquinas, equipamentos, pessoalda produção e projetos de redes de operações. Essesdeterminam a maneira pela qual os recursos são

transformados – materiais, informação e clientes – e fluematravés da operação. É importante frisar aimplementação nas instalações fabris, máquinas eequipamentos, de tecnologias limpas, "sendo melhorese adequadas porque permitem utilizar totalmente osinsumos, sem a geração de resíduos" (GIANNETTI;ALMEIDA, 2006).

Gaither e Frazier (2002) complementam, relatandosobre a localização no campo geográfico. A localizaçãogeográfica da empresa deve ser um local estratégico,que evite desperdício de tempo e combustível, próximoàs rodovias, a fim de aumentar a responsividade e reduziro nível de CO² na atmosfera.

Para uma nova estruturação da produção, éimportante salientar que uma produção semcomprometimento ambiental refletirá em um consumoalto de energia, gastos maiores com matéria-prima ehoras extras, causando impactos irreversíveis ao meioambiente, por utilizar os recursos de maneira indevida eexcessiva. 2) Capacidade de produção – os conceitostradicionais mencionam que a produção precisa utilizaro "máximo da capacidade de produção conseguido emcondições normais de operação e por um determinadoperíodo de tempo" (LEWIS; SLACK, 2003). Gaithere Frazier (2002) complementam que a capacidade deprodução deve ser estimada e perfeitamente planejadadevido ao grau elevado de incerteza. As principaisincertezas são geralmente ligadas às instalações etecnologia: ausências e férias de empregados, quebrasde máquinas e atrasos de entrega e, principalmente, adiferença de cadência entre produtos e serviços. Corrêae outros (2007) corroboram e afirmam que planejar acapacidade é uma atividade crítica, desenvolvidaparalelamente ao planejamento de materiais e com ouso do MRP II. Recentemente, Krajewski (2009)apontou que a tecnologia MRP sofreu algumas alteraçõespara se adaptar à preocupação dos consumidores,empresários e governo com a degradação do meioambiente, a fim de rastrear os resíduos e planejar odescarte adequado. O mundo capitalista busca sempreaumentos da lucratividade por meio de aumento dacapacidade de produção. O incremento sugerido é focaralém dos ganhos econômicos, visar também às vantagens

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ambientais sob a ótica do desenvolvimento sustentável.Sunkel (2001) alega que o Desenvolvimento

Sustentável (DS) é um tema que as classes dirigentes danossa região não poderão adiar, sob pena de sofrergraves conflitos internos e sérias dificuldadesinternacionais. Veiga (2005) reforça que, na atualidade,o DS constitui um dos principais resultados da disputapolítica pela definição, que apresenta um claro predomínioda economia na determinação. Amazonas (2002)complementa que é mais do que isso: é a correnteprincipal da teoria econômica, a economia neoclássicaem sua vertente ambiental, a teoria hegemônica nadeterminação do que seja o DS e, por consequência,do que seja a própria posição do meio ambiente naprática política, social e econômica. Portanto, propõe-se que a empresa precisa crescer economicamente, mascom educação ambiental. Para que isso ocorra, éimprescindível estabelecer a 3) estratégia de processo,visando tornar o sistema produtivo limpo.

"Processo produtivo é uma sequência de atividadesorganizadas que transformam as entradas dosfornecedores em saídas para os clientes, com valoragregado gerado pela unidade" (ROTONDARO,

2004). A "Produção Mais Limpa é a aplicação contínuade uma estratégia integrada de preservação ambiental eprocessos, produtos e serviços, para aumentar aeficiência de produção e reduzir riscos para o ser humanoe o ambiente, intrínsecos ao sistema produtivo"(GIANNETTI; ALMEIDA, 2006). Portanto, o PPCPprecisa evoluir e implementar a P+L no processoprodutivo e também utilizar 4) tecnologias limpas.Gaither e Fraizer (2002) relatam que a tecnologia é muitoimportante para a vantagem competitiva da empresa.Porém, na nova estrutura da produção, a tecnologiaprecisa ser limpa. Giannetti e Almeida (2006) apontamque tecnologia limpa é um processo aplicado à fabricaçãoe manufatura que reduz a produção de efluentes ououtros resíduos, maximiza a qualidade do produto, bemcomo minimiza o uso de matéria-prima e energia. Thranee outros (2009) reforçam que o maior objetivo daimplementação de tecnologias limpas é a melhoraincremental no processo produtivo que traga reduçãoou eliminação da poluição.

Segundo Gaither e Fraizer (2002), os tipos deautomação apresentam recursos diversos e sãoclassificados conforme o Quadro 1.

Quadro 1 – Tipos de automação. Fonte: Gaither e Fraizer, 2002 (adaptado pelos autores).

Tipos de máquinas

Descrição Exemplos

Anexos de máquina

Máquinas que substituem o esforço humano por esforço de máquina, e tipicamente executam de algumas a muitas operações. Despejam cargas de produtos

Anexos para avanço de magazine, dispositivos para centralização e fixação rápidas para tornos, alimentadores em tiras para máquinas de estampar, tremonhas vibratórias com balanças de químicos em contêineres receptores.

Máquinas de controle

numérico (NC)

Máquinas com sistemas de controle que leem instruções e as convertem para operações de máquina.

Tornos, tornos mecânicos verticais, máquinas de fabricação de pneus, máquinas de cura, máquinas de tecelagem.

Robôs Manipuladores de uso geral reprogramáveis, de múltiplas fun-ções, que possuem algumas características semelhantes às humanas.

Máquinas que soldam, pintam, montam, inspecionam a qualidade, pegam, transportam e armazenam.

Inspeção automatizada do

controle da qualidade

Máquinas automatizadas que executam parte ou todo o processo de inspeção.

Verificações de circuitos eletrônicos, verificações de funções ativadas por computador, robôs de pesagem, sistemas de inspeção flexível.

Sistemas automáticos de identificação

(AIS)

Tecnologias usadas em aquisição automática de dados de produtos para entrada num computador.

Sistemas de código de barras, contabilidade de estoques, entrada de dados para controle de chão de fábrica, sistemas para ajustar configurações de máquinas de produção.

Controles automatizados

de processo

Sistemas de computador que recebem dados sobre o processo de produção e enviam ajustes para as configurações do processo.

Sistemas de controle para laminadores – na manufatura de pneus, calandras no processamento de filme plástico, unidades de destilação fracionada (craqueamento) em refinarias de petróleo.

Tecnologias Mais Limpas

combinadas aos tipos de

máquinas citadas

Máquinas de anexo numérico, de controle numérico, de robôs, de controle da qualidade ambiental, de sistemas automáticos de identificação, de controles automatizados do processo, que reduzem o descarte de efluentes ou outros resíduos e maximiza a qualidade do produto, bem como o uso de matéria prima e energia.

Reciclagem de borracha, que entra 90% como carga de enchimento no processo produtivo.

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Portanto, é imprescindível a implementação deTecnologias Limpas no fluxo produtivo, na automaçãoda montagem, nas manufaturas e nos sistemas dearmazenamento e recuperação.

Na estruturação da produção, quase sempre "asempresas focam em suas competências essenciais eterceirizam as atividades de apoio, que geralmentefazem parte da logística operacional" (OLIVEIRANETO, 2008). Houaiss (2008) menciona em seudicionário que a 5) terceirização significa a"contratação de terceiros por parte de uma empresa,para realização de atividades gerenciais nãoessenciais". Na nova estruturação da produção éfundamental homologar os fornecedores certificadospela ISO 14001:2000. Mas, independentemente dese optar pela terceirização, a empresa precisa seestruturar em ecorredes. A analogia com osecossistemas permite um passo além: fechar osciclos de materiais e energia com a formação deuma ecorrede, que "imita" os ciclos biológicosfechados. A ecologia industrial propõe, portanto,fechar os ciclos, considerando que o sistemaindustrial não apenas interage com o ambiente, masé parte dele e dele depende (GIANNETTI;ALMEIDA, 2006). Na atualidade, segundo Hall(2000) Walton e outros (1998), Bowen e outros(2001) e Sarkis (2003), há um grande e importantecrescimento na função de suprimentos efornecimentos em redes com o objetivo de reduzira poluição ambiental. Esse conceito se denomina"Lean and Green Supply Chain".

Giannetti e Almeida (2006) relatam que odesenvolvimento dessa abordagem pretende oferecerum quadro conceitual para interpretar e adaptar acompreensão do sistema natural, e aplicar essacompreensão aos sistemas industriais com o objetivode transformar o caráter linear do sistema industrialem um sistema cíclico, no qual matérias-primas,energia e resíduos sejam sempre reutilizados. Tambémse torna necessário, para uma nova estruturação daprodução, a implementação de 6) Planejamento edesenvolvimento de produtos "ambientaiscorretos". Segundo Gaither e Frazier (2002), é

importante planejar o produto, porque suascaracterísticas afetam diretamente a maneira pela qualpode ser produzido e consequentemente determinao design do sistema de produção. Adicionalmente oprojeto do produto afeta diretamente a sua qualidade,os custos de produção, os desperdícios com matéria-prima e a satisfação do cliente. O planejamento deprodutos é, portanto, crucial para o sucesso nacompetição global.

Na nova forma de estruturar a produção, énecessário estabelecer critérios ambientais nodesenvolvimento de produtos. A NBR ISO14001:2000 relata que as organizações precisamformar grupos a fim de avaliar todos os produtos,componentes ou matérias-primas utilizados, a fimde selecionar categorias de produtos para identificaros de menor impacto ambiental. Furtado (2005)menciona que o engenheiro de produção precisa sercompromissado com a preservação do meioambiente através da utilização de materiaisrenováveis que tenham baixo impactosocioambiental, objetivando redução do uso deenergia por unidade de bens e serviços, e reduçãodo consumo de materiais através de reciclagem,reuso e remanufatura.

Além disso, o design do produto precisa consideraro eco-design, segundo (ZHU; SARKIS;CORDEIRO, 2006) (TSOULFAS; PAPPIS, 2008),que se inicia desde a concepção e projetação,manufatura e processos de suporte, comconfiabilidade, sustentabilidade e competitividade.Essa estratégia tem por objetivo fechar os ciclos,visando à prevenção (ideal) ou a minimização dageração de resíduos – especialmente os perigosos –e à redução do uso de água.

Outra característica importante, conforme Shin eoutros (2008) e Yuksel (2007), é a inovaçãoincremental na composição de produtos, que visa àutilização de componentes recicláveis. Para isso é feitoum estudo do tempo de vida útil dos componentesou produtos e seus reflexos na decomposição no solo;o objetivo principal é substituir os materiais maispoluentes por recursos renováveis.

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Proposta de infraestrutura com práticasambientais

Entende-se por infraestrutura o conjunto deelementos estruturais que enquadram e suportam todauma estrutura, possui concepções diferenciadas emdiversas áreas do conhecimento, conforme AzzoliniJr. (2004). Sendo assim, para a concepção de práticasambientais por toda a estrutura empresarial, torna-senecessário: 1) Implementar estratégia de recursoshumanos, a f im de disseminar educaçãoambiental. Segundo Andrade e outros (2000),internamente, a organização deve conduzir programasde educação ambiental para instruir e disseminarconceitos sobre economia ambiental, ecologia gerale aplicada, meio ambiente e qualidade de vida,avaliação dos impactos ambientais, desenvolvimentosustentável, legislação ambiental, empreendimentosecológicos e auditoria e certificação ambiental, a fimde "reduzir a quantidade de reagentes tóxicos quesão descartados no ambiente, e fazer com quemateriais, como a água e matéria-prima, circulem omáximo possível dentro do processo antes dodescarte de forma t ratada" (GIANNETTI;ALMEIDA, 2006).

A implementação da estratégia no gerenciamentode pessoal, para a conscientização dos colaboradoressobre os aspectos ambientais na produção, é omomento de colocar em prática a metodologiaproposta, "formando Eco Times" (NEVENS;DESSEIN; MEUL; ROGGE; VERBRUGGEN,MULIER, PASSEL, LEPOUTRE; HONGENAERT,2008).

Mas antes é preciso assimilar que implementaruma estratégia não é uma tarefa fácil: é precisoverificar o impacto sobre a mudança. Dessa forma,Wright e Parnell (2000) relatam a necessidade deestruturar a liderança, o poder e a culturaorganizacional, a fim de possibilitar que osfuncionários trabalhem juntos na implementação dagestão ambiental. Barbieri (2007) assevera que aeducação ambiental deve estimular as pessoas aserem portadoras de soluções e não apenas dedenúncias, embora estas devam ser as primeiras

atitudes diante dos desmandos socioambientais.Deve também produzir mudanças nas suas própriascondutas, modificando, por exemplo, seus hábitosde consumo.

2) Inserir na gestão da qualidade da empresaa gestão ambiental, objetivando implementar aISO 14000 nos processos organizacionais. Barbierie Cajazeira (2009) mencionam que a evolução dagestão ambiental empresarial, alinhada à estratégiada empresa, seguiu caminho similar ao da qualidade.A pressão exercida pelas legislações ambientais paratornar as leis mais rigorosas e sua fiscalização maisefetiva fez com que as empresas passassem acontrolar a poluição, mas não foi somente porpressões externas que essa área caminhou. Muitasempresas, entidades e instituições de ensino estãoformulando propostas de gestão ambiental coerentescom os objetivos do desenvolvimento sustentável,criando para isso modelos de gestão . Anormalização ISO 14000, segundo Carvalho ePaladini (2005), tem por objetivo equilibrar aproteção ambiental e a prevenção da poluição comas necessidades socioeconômicas da população.Segundo a NBR ISO 14001:2000 (2003), meioambiente é conceituado como: a circunvizinhançaem que a organização opera, incluindo ar, água,solo, recursos naturais, flora, fauna, seres humanose suas inter-relações. É, portanto, imprescindível quea organização se preocupe com os aspectos eimpactos ambientais de qualquer modificação domeio ambiente, tendo como responsabilidade ocomprometimento da alta gerência e todos osempregados, promover t reinamentos,conscient ização , competências com umacomunicação ao pessoal envolvido, e assegurar ofornecimento de um nível apropriado de recursospara garantir a implementação e manutenção dosistema de gestão ambiental.

3) Estabelecer no plano estratégico da empresaa estreita relação entre PPCP enxuto e a P+L como objetivo de implementar a nova concepção de(PPCPEA) no sistema de produção. Nas últimasdécadas, houve a ruptura do modelo de produção,

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de empurrada para puxada, de Fim de Tudo paraP+L. Na atualidade, além de as empresas, por meiodo PPCP visarem características de empresasenxutas, também visam planejar, através do MRP, odescarte de resíduos de maneira correta, ou atémesmo assimilar o subproduto no fluxo produtivo, afim de adquirir vantagens ambientais e econômicas.Nielsen e Muller (2009) asseveram a necessidade desimplificar os fluxos produtivos com a finalidade deeconomia de materiais. Dessa forma, dois sistemasda administração da produção são imprescindíveis:Just in Time (JIT) e MRP. Taylor (2005) aponta queé imperativo que a empresa trabalhe no sistema deadministração da produção em regime de JIT paraque os fornecedores possam transformar grandesembarques de materiais em lotes que são enviadospara centrais de recebimentos em embarques notempo certo diretamente à fábrica, eliminando osestoques excessivos.

Conforme Nielsen e Muller (2009), Allen e outros(1999) e Tainter e outros (2003), a evolução dosistema natural e social intrínseco ao sistema produtivoenxuto faz com que as empresas utilizem novas formasde organizar o trabalho e se adaptem ao processoprodutivo, principalmente no suprimento efornecimento. Vais e outros (2006) corroboram eafirmam que "a essência da filosofia enxuta objetivana identificação e eliminação de desperdícios emmateriais, transporte, inventário, na movimentação,no tempo de espera, nos retrabalhos e defeitos naprodução, em síntese, busca fazer mais com menos– menos recursos, menos esforço, menosequipamentos, menos tempo". O foco do "Lean andGreen", além desses já citados, busca reduzir oconsumo de energia e de água.

Segundo Corrêa e outros (2007), a introdução dosistema na administração da produção MRP contribuipara simplificar a gestão dos materiais, sejam compradosou fabricados. A extensão para o MRP II complementasua utilidade, levando em consideração a capacidadesuficiente para realizar o plano de produção e tambémos recursos humanos e equipamentos suficientes paracumprir o plano no prazo.

Recentemente, Krajewski (2009) aponta que atecnologia MRP na elaboração do master planningsystem (MPS) pode gerar relatórios que estabeleçama quantidade de resíduos esperada durante o processode produção e quando ocorrerá. Dessa forma asempresas podem, em alguns casos, identificar seusproblemas de resíduos antes de eliminá-los e, emoutros, planejar o descarte adequado, além de geraruma documentação formal a respeito do controle dasemissões.

4) Disseminar a conscientização ambiental naempresa, a fim de envolver a estrutura, objetivandoa aceitação à evolução paradigmática do sistemaprodutivo para uma manufatura limpa. Para isso,apresentar-se-ão os Paradigmas Estratégicos daGestão da Manufatura (Pegem) e o atual, necessáriospara estruturar a produção, denominada pelos autoresde Manufatura Limpa. Na concepção deste artigo,paradigma significa a "estrutura das revoluçõescientíficas" (Kuhn, 1962). Godinho (2004) faz umamplo estudo da relação da escolha dos sistemas decontrole (JIT e MRP. etc.) relacionados ao paradigma,no qual a manufatura está inserida, e conclui que cadaparadigma produtivo citado guarda relação com oprocesso de fabricação, e sua identificação no cenáriocompetitivo é altamente necessária para que o sistemanão apresente as costumeiras restrições encontradasnas empresas. O Quadro 2 mostra a evolução dosPegem que direcionam a estratégia competitiva.Percebe-se que, com o passar dos anos, sempresurgem novos desafios, que incentivam as empresas amudar a forma de organizar seus negócios e,principalmente, a se adaptar constantemente parapermanecer no mercado.

Na atualidade as empresas buscam novosmétodos, a fim de reduzir a poluição, preocupam-secom as gerações futuras e também visam se mantercompetitivas frente ao novo direcionador de mercado"a imagem de empresa ambientalmente correta" e comisso tendem a comprar produtos e serviçosambientalmente corretos. Dessa forma as indústriasde transformação estão se adaptando ao novo Pegem– Manufatura Limpa.

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Modelo de PPCPEAPor meio de uma intensiva pesquisa bibliográfica,

não foi observada na literatura a preocupação ambientalpara a tomada de decisão no planejamento e controleda produção. Vários autores relatam apenas sobre osaspectos de prazos do sistema produtivo e mencionamcada tipo de sistema ou processo adequado para queo planejamento se torne realidade. Mas na nova formade estruturar a produção, é necessário que o PPCP secomplemente com a educação ambiental, porque épossível reduzir energia, água e matéria-prima que severão refletidas em benefícios ambientais e econômicos.

CONCLUSÕES

A necessidade de adequar-se a partir de um processode sistematização dos procedimentos inerentes ao PPCPinduz as empresas de diversos segmentos a buscarsoluções de tecnologia da informação e gerenciamentodos sistemas de produção adequados à nova conjunturamundial de competitividade.

O profissional que atua no PPCP precisa implementara P+L no sistema produtivo evoluindo para umPPCPEA, considerando as instalações, a capacidade,a tecnologia e a verticalização ou terceirização, a fim dereduzir a poluição e adquirir vantagens econômicas. Oconceito de "fazer mais com menos" de Womack (1992)

corrobora com a definição de ecoeficiência, segundoGiannetti e Almeida (2006), no qual a empresa pode,por meio da P+L, adquirir vantagens econômicas eambientais. Sendo assim, percebe-se uma estreita ligaçãocom a Manufatura Enxuta.

Para a implementação estrutural do PPCPEA, éimprescindível planejar a infraestrutura. Os aspectosconsiderados importantes iniciam-se com a necessidadede instruir e disseminar conceitos sobre educaçãoambiental internamente, tanto quanto de conscientizar ecriar Eco Times; segundo, implementar na gestão daqualidade a política ambiental acompanhada dacertificação ISO 14000; terceiro, estabelecer no planoestratégico da empresa a estreita relação entre PPCPenxuto e a P+L com o objetivo de implementar a novaconcepção de PPCPEA no sistema de produção; e,quarto, disseminar conscientização ambiental naempresa, a fim de envolver a estrutura, objetivando aaceitação à evolução paradigmática do sistema produtivopara uma manufatura limpa. Para isso, é de extremaimportância a simplificação dos fluxos produtivos, e anecessidade de se adaptar à (P+L) mostram outrosaspectos envolvidos na complexidade do novo modelo.

Para a nova estruturação da produção é necessárioque se adicione um objetivo de desempenho relativo àsustentabilidade ambiental. As instalações precisam se

Quadro 2 – Evolução dos Pegem (elaborado pelos autores).

Período PEGEM Conceito Antes do

século XX Manufatura

artesanal Womack et.al (1992) relata que eram caracterizadas por força de trabalho altamente qualificada em projeto, produção e montagem, empresas descentralizadas com volume de produções baixíssimos.

Início do século do

XX

Manufatura em Massa

Godinho (2004) revela que nesse período havia alta divisão do trabalho, alto grau de repetitividade, com produção baseada no baixo custo, explorando economias de escala.

Década de 1950 a 1970

Manufatura Enxuta

Godinho (2004) diz que a ênfase passou a ser na melhoria das operações, eliminação de desperdícios e retrabalhos, diminuição do set up das máquinas com o intuito de redução do tamanho dom lote de produção e consequentemente aumento na variedade de produtos oferecidos aos clientes. Em 1960 ocorreu um grande crescimento na participação no mercado automotivo devido “à alta qualidade e baixos custos” (BUFFA, 1984). Em 1970 as empresas passam a focar em produzir sem defeitos, com inovações nos processos e pontualidade de entrega.

Surgiu em 1987

Manufatura Responsiva

Booth (1996) relata que esta nova estratégia da gestão da manufatura enfatiza a redução do tempo de desenvolvimento de produto e do tempo de produção como fatores vitais para o aumento da competitividade de uma empresa.

Surgiu em 1987

Customização em Massa

Da Silveira et al (2001) define como a habilidade de fornecer produtos e serviços projetados individualmente para cada consumidor através de altíssima agilidade, flexibilidade no processo, integração e custo baixo.

Surgiu em 1991

Manufatura Ágil

Sharifi & Zhang, (1999); De Vor et. al. (1997) entende como objetivo responder às mudanças inesperadas de maneiras correta e no tempo devido e saber explorar estas mudanças.

De 2000 até atual

Manufatura Limpa

Os autores puderam constatar recentemente a preocupação com a redução da poluição e também melhorias na vantagem competitiva em empresas que processam produtos e serviços com responsabilidade socioambiental. Com certeza esse paradigma está afetando as formas de organizar o trabalho, principalmente pela necessidade de implementar a P+L e Ecologia Industrial focadas na Sustentabilidade. O objetivo principal é de conscientização e educação ambiental dos envolvidos e conquistar da certificação ISO 14000. Por um lado, a organização favorece a redução da poluição, apresentando vantagens ambientais; por outro, ganham em competitividade e vantagens econômicas.

OLIVEIRA NETO et al.

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adequar em termos de layout e processo. Faz-senecessária a implementação de tecnologias limpas namanufatura, assim como de fechar ciclos por meio deestruturação de ecorredes, a fim de disseminareducação ambiental para os fornecedores, agentesterceirizados e clientes. O planejamento do produtofinal com a adoção de eco-design completa osaspectos plausíveis de serem modificados e que foramanalisados em termos de estrutura.

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INSUSTENTÁVEL SUSTENTABILIDADE DODESENVOLVIMENTO?

MEDEIROS, MoniqueMestranda em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Brasil.

E-mail: [email protected], Jalcione

Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) e emSociologia (PPGS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS). Pesquisador CNPq.

E-mail: [email protected]

RESUMO

Este artigo propõe discutir como está sendo apropriada, legitimada e instrumentalizada a noção deDesenvolvimento Sustentável no atual mundo "globalizado", bem como das críticas que esse construto vemsofrendo. Para tanto se utilizou de categorias de análise que foram construídas a partir de referências teóricascríticas. A hipótese de trabalho mostra que o Desenvolvimento Sustentável não foca os elementos principais dadegradação do ambiente e que as opções dos países periféricos não estão revertendo o quadro de destruiçãoda natureza. Para tratar o tema fez-se a revisão de literatura científica publicada sobre a questão ambiental, emgeral, e sobre a sustentabilidade, em particular. A conclusão traz como pista que as verdadeiras ações sustentáveisdependerão essencialmente do nível e da qualidade da consciência pública, de sua percepção da realidade edos problemas vividos e de sua capacidade de organização para impulsionar mudanças nesse sentido.

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Sustentável; Sustentabilidade; Desenvolvimento e meio ambiente.

ABSTRACT

This article discusses how the notion of sustainable development in today's globalized world is being appropriated,legitimized and exploited, as well as the criticism that this construct is suffering. We have used categories ofanalysis which were constructed from critical theoretical references. The work hypothesis shows that sustainabledevelopment does not focus on the main elements of environmental degradation and that the options of theperipheral countries are not reversing the picture of nature destruction. To address this issue a review of publishedscientific literature on the environmental issue in general and sustainability in particular has been done. Theconclusion points to the clue that real sustainable actions depend critically on the level and quality of publicconsciousness, on their perception of reality and experienced problems, and on their organizational skills topromote changes in this direction.

KEYWORDS: Sustainable Development; Sustainability; Development and environment.ar

tigos

de

revi

são

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Este texto expõe o produto de uma "visitação"realizada à bibliografia científica publicada sobre aquestão ambiental. Mais especificamente, sistematizae problematiza o debate recente sobre a relação entredesenvolvimento e meio ambiente, se detendo sobretópicos como: os fundamentos críticos ao modelo dedesenvolvimento econômico dominante dos paísesdesenvolvidos, e difundido para os países denominados"subdesenvolvidos"; a construção do conceito dedesenvolvimento sustentável; as principaisinterpretações da crise socioambiental dentro dopensamento ambientalista mundial e as avaliações dosavanços, limites e dilemas dessa nova concepção dedesenvolvimento.

O objetivo central consiste em resgatar a discussãocrítica sobre a questão ambiental, em geral e asustentabilidade, em particular, de forma a contribuirpara a compreensão da crise que se interpõe na relaçãosociedade-natureza, revestida de complexidade eameaças ao destino de ambas, em longo prazo, casonão se formulem respostas adequadas aos desafioscolocados.

CRÍTICA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Como está sendo apropriada, legitimada einstrumentalizada a noção de DesenvolvimentoSustentável nos dias atuais? Tal indagação é o quepropicia a construção de uma série de outrosquestionamentos que têm como centralidade estanoção, mais precisamente as críticas que acometemeste polêmico tema. Inicia-se esta discussão com oretorno à origem da noção. Segundo Almeida (1999),no Relatório Brundtland, conhecido no Brasil pelo títuloNosso Futuro Comum, publicado em 1987 comotexto preparatório à Conferência das Nações Unidassobre o Meio Ambiente (Rio-92), a ideia dedesenvolvimento sustentável aparece nos seguintestermos: é aquele capaz de garantir as necessidadesdas gerações futuras.

Ainda contando com grande alcance social, a noçãode Desenvolvimento Sustentável evidencia um caráterpolêmico e ambíguo, marcada por múltiplas ediversificadas interpretações e consensos apenas

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pontuais. A literatura que avalia seu significado eimpacto social destaca suas positividades, suascontradições e os dilemas dos obstáculos existentes àsua evolução e consolidação como real alternativa dedesenvolvimento social.

Análises que acentuam suas qualidades positivasdestacam um caráter de inovação, uma formaalternativa à filosofia de desenvolvimento econômico,que substitui e supera um paradigma limitado,esgotado e ineficaz. O Desenvolvimento Sustentávelpretende incorporar também uma perspectivamultidimensional, que articula economia, ecologia epolítica em uma visão integrada, e supera abordagensunilaterais e explicações reducionistas presentes naspropostas anteriores de desenvolvimento. Percebe-se, além disso, como pontos positivos dessa noção:uma visão em longo prazo, em consonância com ciclosbiofísicos e até mesmo com gerações futuras eenvolvimento político do problema ecológico, o quesubst itui a visão meramente técnica, antespredominante.

Em contrapartida, a crítica à noção desustentabilidade, veiculada pelo Relatório Brundtland,condena que, ao permanecer obscuro seu significado,permite múltiplas leituras, que podem oscilar desde umsignificado avançado de desenvolvimento, associadoà justiça social, participação política e preservaçãoecológica, até uma leitura conservadora que o tornasemelhante ao conceito de crescimento econômico, aoqual se acrescentou uma variável ecológica.

Cabe também explorar a contradição semânticado termo, já que a associação das noções desustentabilidade e desenvolvimento encerra umantagonismo de difícil solução. O termosustentabilidade advindo da ecologia carrega osignificado de tendência à estabilidade, equilíbriodinâmico e interdependência entre ecossistemas,enquanto desenvolvimento diz respeito ao crescimentodos meios de produção, à acumulação e expansãodas forças produtivas.

Outra suscetibilidade à crítica é a tendênciaeconomicista do conceito, que supervaloriza adimensão econômica do desenvolvimento em

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Insustentável sustentabilidade...

detrimento de seus aspectos éticos, culturais, sociais epolíticos, embora, em teoria, privilegie uma perspectivamultidimensional.

Outro questionamento se refere à possibilidade desustentabilidade no contexto do capitalismo. Nessequestionamento, é aberta uma fresta paraargumentações de que o "novo conceito" tem sidodifundido sem que se coloque, explicitamente, suasignificação no cenário do capitalismo, e que ou elemostra sua possibilidade de realização, ou cai no vazio.

É possível observar com o passar dos anos, com atransformação da ciência e mesmo do cotidiano daspessoas, que a expressão Desenvolvimento Sustentável,devido à sua abertura a numerosas interpretações, foicada vez mais utilizada por distintos atores sociais, emposições institucionais, ideológicas e econômicas tambémdiferentes. Dentro dessas numerosas interpretações, épossível identificar uma que assegura que oDesenvolvimento Sustentável está fundamentado naconstrução de problemas sociais e ambientais e é,atualmente, visualizado e consequentemente transmitido,principalmente pela mídia, através de um ponto de vistacatastrófico. Uma das representações dessainterpretação, em que se criticam as "lentescatastrofistas", pode ser encontrada em Lomborg(2002). O autor afirma que temos mais tempo de lazer,maior segurança e menos acidentes, mais educação, maiscomodidades, rendas maiores, menos fome, maisalimentos e uma vida mais longa e saudável. Ele aindaaverigua que nos países em desenvolvimento muita gentenão atende às necessidades básicas e, para essaspessoas, crescimento e desenvolvimento não são umaexperiência inconsequente de flores artificiais, comidade micro-ondas, álcool e drogas, mas uma chance deviver uma vida decente, com opções que transcendama preocupação com a obtenção de comida suficiente.

Paralelamente, de acordo com Redclift (2002), asconexões entre o ambiente, a justiça social e agovernabilidade têm se tornado crescentemente vagasem alguns discursos de sustentabilidade, e as relaçõesestruturais entre o poder, a consciência e o meioambiente têm sido, gradualmente, obscurecidas.

As lideranças dos países desenvolvidos são as que

mais se apropriam do "discurso sustentável", e exigemdos países menos desenvolvidos que cuidem do meioambiente. Transmitem a imagem de que estãoavançados no cuidado ambiental enquanto aumentamseus lucros com a exportação de produtos paradespoluição, controle e monitoramento ambiental – epode-se dizer que, em alguns casos, utilizam a questãoambiental como poderoso argumento propagandistana atividade de vendas comerciais.

Não revelaria o próprio conceito uma falsaideologia, quando sugere uma corrida pelodesenvolvimento, em que os melhores chegaramprimeiro e cabe aos demais seguirem os mesmospassos? Seriam capazes, o planeta e a ciência, defornecer matérias-primas, gerar energia, absorverresíduos e encontrar soluções para os problemas docrescimento a qualquer custo?

JUSTIÇA AMBIENTAL

Este debate abre espaço para a denominada"Justiça Ambiental", que se refere à busca dotratamento justo e do envolvimento significativo detodas as pessoas, independentemente de sua etnia,origem ou renda no que diz respeito à elaboração,desenvolvimento, implementação e até mesmoreforço de políticas, leis e regulações ambientais. Portratamento justo, entende-se que nenhum grupo depessoas deva suportar uma parcela desproporcionaldas consequências ambientais negativas resultantesde operações "desenvolvimentistas", bem como dasconsequências oriundas da ausência ou omissão depolíticas que atendam às necessidades comuns.

Segundo Acselrad (2004), as lutas por recursosambientais são, simultaneamente, lutas por sentidosculturais, pois o meio ambiente é uma construçãovariável no tempo e no espaço, um recursoargumentativo a que atores sociais recorremdiscursivamente através de estratégias de afirmaçãode certos projetos em contextos de desigualdadesociopolítica.

Assim, em meio a numerosas representações sociaise distintos interesses de grupos, se cria uma dificuldadena possibilidade de consenso em torno deste tema, o

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desenvolvimento sustentável, o que se apresenta comoobstáculo ao exercício da "Justiça Ambiental".

Ainda de acordo com Acselrad (2004), aquilo queas sociedades fazem com seu meio material não seresume em satisfazer carências e superar restriçõesmateriais, mas consiste em projetar no mundo diferentessignificados – construir paisagens, democratizar ousegregar espaços, padronizar ou diversificar territóriossociais, etc.

Pensar a sustentabilidade em uma sociedade diversae desigual requer equacioná-la à diversidade cultural,assim como à democratização do acesso aos recursosnaturais. Na atual sociedade, as considerações sobrea distribuição do ambiente reportam-se aos conflitosem torno de direitos territoriais e significados culturaisque transpõem tentativas de valoração monetária danatureza, mesmo na forma de medidas mitigadoras oucompensatórias.

Assimetrias na apropriação da natureza peloshumanos resultam em uma distribuição ecológicadesigual; conflitos surgem quando o sentido e autilização de um espaço ambiental por um determinadogrupo ocorrem em detrimento dos significados e dosusos que outros segmentos sociais possam fazer deseu território e, com isso, assegurar a reprodução doseu modo de vida.

Entendida como consenso e gestão dos recursose dos sujeitos, a governança ambiental suprime asconsiderações sobre os conflitos que permeiam osprocessos sociais. Deve-se reconhecer projetosindustriais homogeneizadores do espaço, tais comohidrelétricas, mineração, monocultivos em geral, entreoutros, como geradores de injustiças ambientais, namedida em que, ao serem implementados, imputamriscos e danos às camadas mais vulneráveis dasociedade, as quais não só são verdadeiramenteexcluídas do chamado desenvolvimento, mas tambémassumem todo o ônus dele resultante. Entretanto, éimportante fazer um parênteses, salientando que osexcluídos não se constituem como vítimas passivasdesse processo: eles vêm se organizando em variadosmovimentos, associações e redes e, por meio dessasorganizações, criam e recriam alternativas que

garantem, mesmo com grande dificuldade, suapermanência nas localidades.

OS EXTREMISMOS DA SUSTENTABILIDADE

O fundamento racional do atual modelo dedesenvolvimento, baseado na dualidade homem-sujeito/natureza-objeto, levou o ser humano a julgar-se acima da natureza, com o direito de dominá-la eexplorá-la como se esta fosse inesgotável fonte derecursos. O novo paradigma ecológico aponta parauma visão integradora do mundo, que visa resgatar oser humano como parte integrante da natureza, em umarelação de interdependência com todos os fenômenosque constituem a Terra. Faz-se importante ressaltarque tal pensamento é fundamental para a visualizaçãodo dilema que aparece nas relações entre doisimportantes protagonistas: o Ser Humano e a Natureza.

Desse modo, serão destacadas aqui duas distintasmaneiras de considerar-se a sustentabilidade: aantropocêntrica e a ecocêntrica. Através da primeirase entende que futuras gerações possuem tanto direitoa viver fisicamente seguras e saudáveis como aspessoas das presentes gerações. Cada ser humano estásob uma obrigação de não permitir que o meio naturalse deteriore a ponto de serem comprometidos asobrevivência e o bem-estar dos futuros habitanteshumanos na Terra. Também possui o dever deconservar os recursos naturais para que as futurasgerações possam usufruir dos benefícios derivadosdesses recursos. A responsabilidade presente deproteger espécies selvagens ameaçadas está ligada aosvalores humanos individuais como espécie. Utiliza-seo argumento de que a variedade de espécies de plantase animais é necessária para desenvolver novas maneirasde proteger os humanos de doenças, de aprendercomo controlar certos insetos (ou mesmo pragas), eproduzir novas fontes de alimento por meio daengenharia genética. Os humanos também possuemuma obrigação de preservar a beleza da naturezaselvagem para que as futuras gerações possam ter tantaoportunidade de experimentar e apreciá-la como nopresente. Um sistema inteiro de padrões e regrasgovernando a conduta no presente em relação ao

MEDEIROS, M. & ALMEIDA, J.

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ambiente natural da Terra pode ser formado apenas apartir dos interesses e necessidades humanos.

Já para os representantes da segunda visão, anatureza é valorizada de forma direta, detentora devalor intrínseco, portanto, sem a preocupação demediação de necessidades humanas. Nessa visão, osorganismos não são simples objetos e instrumentos aserviço do homem, mas sim, também, sujeitosrelevantes das relações naturais; defendem a igualdadede todas as espécies, dentro da comunidade biótica,e uma nova ét ica que substitua os valoresantropocêntricos. Dispensam pouca atenção àsquestões sociais e políticas, sendo mais tendentes auma visão na qual a natureza em si ocupa o papel dedestaque.

Com isso, os movimentos ecológicos balizados portal perspectiva, visando antagonizar a visãoantropocêntrica da modernidade, buscam, de formadialética, fundamentação distinta para a proteção danatureza, obtendo-a, por exemplo, na Deep Ecology,que enfatiza em seu primeiro e fundante princípio que obem-estar e o desenvolvimento da vida humana e nãohumana na terra têm valor em si próprios (sinônimos:valor intrínseco, valor inerente). Este valor éindependente da utilidade do mundo não humano aospropósitos humanos, de acordo com Arendt (2001).

No entanto, segundo Bourg (1997), ao adentrarno plano energético, os humanos, como todos os outrosseres vivos, são forçados a retirar do ambiente energiade baixa entropia, com objetivo de preservar o seuequilíbrio interno, aumentando assim a entropia do meioatravés da dispensa de energia de alta entropia nomesmo. O autor defende em síntese que "a vida humananão é possível sem certa forma de degradação do meioambiente" (BOURG, 1997:78).

Como não poderia deixar de ser, há enormesimplicações em ambas as lentes que focam a noção dedesenvolvimento sustentável. Em alguns casos, é geradauma visão que acaba por não incluir as dimensões sociale ambiental, priorizando unicamente a econômica.

O poder de domínio dos humanos sobre a naturezaaumentou significativamente com o processo deindustrialização. A ideia de progresso e de crescimento

econômico propagada pelos ideólogos neoliberaislevou a humanidade a conviver com padrõesinsustentáveis de produção e consumo e a condiçõesdesiguais no acesso aos recursos naturais que viabilizama atividade econômica, o que acaba por encarar odesenvolvimento sustentável como uma maneira delegitimar certos tipos de produção dentro do sistemacapitalista.

Observa-se, através da visão antropocêntrica, queuma das maiores dificuldades em estabelecer-se apossível ou não sustentabilidade é de ordemeconômica; sendo assim, a grande questão é a respeitoda possibilidade de organizar uma produçãoeconômica alternativa dentro da lógica do sistemacapitalista. Já na perspectiva ecocêntrica, sendo adimensão a adquirir destaque a ambiental, um grandiosoimpasse seria o risco da visualização da natureza comoalgo uno, sem possibilidade de distinção das naturezasmúltiplas relacionadas às variadas formas que seapresentam aos seres humanos ("naturezas culturais").

Atualmente, apesar de muitos esforços na buscade uma maneira mais "propícia" da utilização do termo,a dicotomia ainda persiste na relação Humanos-Ambiente, o que claramente apresenta mais dificuldadepara aproximação do tão aclamado "equilíbrioambiental".

Considerando-se uma maior proximidade do serhumano à natureza não é possível desprezar quevivemos em uma era globalizada, em que relações depoder e de política, significativamente, desempenhamum papel grandioso na mediação social.

Com o objetivo de trazer a discussão para aaplicabilidade prática, como afirma Redclift (2002),desde a Rio-92, esses novos discursos ambientaisrefletem as mudanças da globalização, na genética enas comunicações, e demonstram, vivamente, aimportância das novas desigualdades espaciais.Discursos referentes à "globalização", em sua grandemaioria, têm modificado o sentido do termosustentabilidade, abrindo espaço para indagações dotipo: tal termo é utilizado meramente a favor doaprofundamento das relações de poder do capitalneoliberal?

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SUSTENTABILIDADE, GLOBALIZAÇÃO E CRISE NO

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO ESPAÇO RURAL

A globalização incidiu e incide na maioria dosaspectos da vida social, entre eles o cultural, o político,o econômico e o agrícola, este um dos mais importantespilares sustentadores do Desenvolvimento Sustentável.

De acordo com Almeida (1999), no campo daagricultura a noção de desenvolvimento encontrou,no decorrer das décadas de 1950 e 1960, nosEstados Unidos e na Europa, um terreno de aplicaçãoparticularmente receptivo. Sob a ação conjugada doEstado, das indústrias agroalimentares e de umacamada de agricultores "empresariais", o setoragrícola inseriu-se cada vez mais no sistemaeconômico; leis foram impostas nesses países visandotransformar a agricultura, setor ideologicamenteconsiderado "arcaico", tradicional, em atraso, em umsetor "moderno", participando do crescimentoeconômico nacional.

Desde então, noções como crescimento ou mesmoespecialização são levadas ao "velho" e tradicionalagricultor com objetivo de transformá-lo em um novotipo de agricultor – "desenvolvido" –, capaz de inserir-se habilmente no mercado econômico do País.

Como evidencia Almeida (1999):

...sem querer simplificar o debate sobre esteimportante tema, a discussão sobre oDesenvolvimento Sustentável hoje está polarizadaentre duas concepções principais: de um lado, oconceito/ideia como sendo gestado dentro daesfera da economia, sendo com essa referênciaque é pensado o social. Incorpora-se, deste modo,a natureza à cadeia de produção (a natureza passaa ser um bem de capital); de outro, uma ideia quetenta quebrar com a hegemonia do discursoeconômico e a expansão desmesurada da esferaeconômica, indo para além da visão instrumental,restrita, que a economia impõe à ideia/conceito(ALMEIDA, 1999:43).

Dessa maneira, é visível que tal desenvolvimentoinstaurado no meio rural, estruturado sobre as bases

da Revolução Verde de meados de 1960, constituiu-se de maneira insustentável. Não levando emconsideração a finitude dos recursos naturais, bemcomo o resultado das injustiças sociais cometidas, oideário do desenvolvimento rural entra em crise e abreespaço para um novo ideal, o Desenvolvimento RuralSustentável.

ALTERNATIVAS PARA O FUTURO SUSTENTÁVEL: BASES DA

AGROECOLOGIA

A definição de Desenvolvimento Rural Sustentávelbaseia-se no descobrimento, sistematização, análise efortalecimento dos elementos de resistência específicade cada identidade local ao processo modernizadordo espaço agrário, fortalecendo as formas de açãosocial que possuam um potencial transformador.Portanto, não se trata de levar soluções prontas paraa localidade, senão de se detectar as que ali existem,como por exemplo, experiências de manejo ecológicodos recursos naturais locais. Isso significa transferir onúcleo de poder baseado no conhecimento científicopara o núcleo do conhecimento local, que geralmenteresponde diretamente às prioridades e capacidades dascomunidades rurais em questão.

Essa forma de visualização de atuação abre espaçopara uma discussão que tem por bases a Agroecologia.Trata-se de uma estratégia que não pode sergeneralizada, pois conta com a participação ativa decada contexto e aposta na heterogeneidade dossaberes. Reconhece-se que não há desenvolvimentorural se este não estiver baseado na agricultura comoforma de articulação entre o sistema social local e amanutenção dos recursos naturais locais. Essaestratégia, portanto, possui um caráter agrário e denatureza agroecológica, e poderia ser definida comointegral, endógena e sustentável. Uma estratégiaalternativa às atividades agrícolas geradoras deimpactos socioambientais e na implementação deprogramas de desenvolvimento rural em bases maissustentáveis, que ofereçam alternativas aos modelostecnológicos "modernos".

A integração de saberes, conhecimentos eexperiências de distintos atores sociais poderão

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constituir a Agroecologia em suporte à emergência deum novo paradigma de desenvolvimento rural. Essaalternativa pode consolidar-se mediante a ação deinstituições governamentais e não-governamentais,movimentos sociais e de setores empresariaiscomprometidos com a sustentabilidade econômica,social e ecológica, articulados com a pesquisaagroecológica para ocupar os espaços e aumentá-losna direção da construção do Desenvolvimento RuralSustentável.

À GUISA DE CONCLUSÕES

Alguns dos maiores desafios talvez se concentremno processo de operacionalização da sustentabilidade,ou seja, na transformação das ideias e do discurso emação. O ideal de uma sociedade sustentável, que integree respeite as necessidades humanas e os limites danatureza, é não só desejável como também necessário,porém, persiste o desafio de como torná-lo real.

No processo de transição ideal-real encontram-seos verdadeiros obstáculos e aparecem as grandesdiscordâncias sobre como construir um desenvolvimentomultidimensional, que integre justiça social,sustentabilidade ambiental, viabilidade econômica,democracia participativa, ética comportamental,solidariedade e conhecimento integrador.

Como pôr em prática o discurso da sustentabilidade?Certamente existirão várias maneiras de conceber tantoo desenvolvimento sustentável quanto o melhor caminhopara realizá-lo. O que deve ficar claro é que não há"receita de bolo" a seguir. O respeito às individualidades– potencialidades e limitações – das localidades, nasesferas cultural, econômica, política e ambiental é quepoderá servir de guia no caminho à sustentabilidade. Otipo de desenvolvimento que teremos dependerá dasrelações construídas entre os grupos sociais locais e omercado, a sociedade civil e o estado e na dinâmicados indivíduos e grupos sociais nesse processo.

O que se faz central no momento atual transpassa aacademia e se encaminha à prática. Aceitando-se ofato de que estamos inseridos em um sistema capitalista,encontraremos maneiras de desenvolvermo-nos semsermos insustentáveis?

Há mais perguntas do que respostas, e apreocupação se concentra em diversos aspectos, comoa forma de adaptar produção ao ambiente. Como gerartrabalho e renda contemplando segurança alimentar?Como integrar agricultura a espaços rurais? Dar-se-áo crescimento via mercado ou modernizaçãoecológica? Como minimizar os prejuízos? Como gerarnovos processos produtivos adaptáveis ao real sentidodo termo sustentabilidade?

Em meio a tantos quest ionamentos semrespostas, é importante salientar que a agricultura –mantidos os mesmos níveis de consumo de recursosnaturais não-renováveis, o uso indiscriminado deagrotóxicos que contamina o ambiente por períodode tempo indefinido, a redução brutal dabiodiversidade natural e a exclusão social de umenorme contingente de famílias de agricultores –, nãopoderá ser assegurada por um período históricomaior ao de algumas poucas gerações. A chamadaagricultura moderna ou convencional apresentaindicadores de insustentabilidade, gradualmentedegradando bases de recursos naturais que, até omomento, sempre lhe forneceram sustentação.

Buscar outros rumos para a agricultura e, ainda,para as opções de desenvolvimento rural se torna,portanto, um imperativo socioambiental da maiorrelevância nos dias atuais. As bases da Agroecologia,chave de motivações e objetivos de muitos técnicos,pesquisadores e militantes, podem ser definidas comoum processo gradativo de mudança nas formas demanejo do ambiente.

A mudança dos antigos padrões de desenvolvimentorural (alicerçados puramente em crescimentoeconômico) ou de sistemas de produção de baixasustentabilidade para modelos de agricultura econvivência rural, que privilegiem e incorporemprincípios, métodos e tecnologias de base ecológica,implica não somente a busca de maior racionalizaçãoprodutiva com base nas especificidades de cadalocalidade, mas também uma mudança nas atitudes evalores dos atores sociais em relação ao manejo econservação dos recursos. Esta mudança dependerá,inclusive, da habilidade dos movimentos sociais, em

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seu sentido mais amplo, em atrair forças, em estabeleceralianças e de liderar um processo que torne o ideal dasustentabilidade uma alternativa real dedesenvolvimento social.

Campo de estudos de caráter multidisciplinar, aAgroecologia integra e articula conhecimentos dedistintas ciências, assim como saberes locais,permitindo justamente que se construam estratégias econdições para apoiar esse processo de transformação,tendo-se como referência os ideais da sustentabilidadeem perspectiva de médio e longo prazos.

A Agroecologia pode então ser considerada umaopção tomada por uma sociedade, com base emum adequado processo de análise e compreensãodos riscos e limites hoje enfrentados pelascomunidades rurais, agricultores e consumidores emgeral, ou seja, ela parece ser uma pequena pista aocaminho a ser trilhado rumo ao DesenvolvimentoRural Sustentável.

REFERÊNCIAS

ACSELRAD, Henri. As práticas espaciais e o

campo dos conflitos ambientais. In: _______ (org.).Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro:Relume-Dumará, 2004, p.13-35.

ALMEIDA, Jalcione. Da ideologia do progresso àideia de desenvolvimento rural sustentável. In:ALMEIDA, Jalcione; NAVARRO, Zander.Reconstruindo a agricultura: ideias e ideais naperspectiva do desenvolvimento rural sustentável.Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1999, p. 33-55.

ARENDT, Hanna. A condição humana. Rio deJaneiro: Forense Universitária, 2001.

BOURG, Dominique. Natureza e técnica: ensaiosobre a ideia de progresso. Lisboa: Instituto Piaget,1997.

LOMBORG, Bjorn. O ambientalista cético, Riode Janeiro, Campus, 2002, p. 393-422.REDCLIFT, Michael R. Pós-sustentabilidade e osnovos discursos de sustentabilidade. Raízes,Campina Grande, v. 21, n. 1, p. 124-136, 2002.

MEDEIROS, M. & ALMEIDA, J.

RECEBIDO EM 22/4/2010ACEITO EM 26/7/2010

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EFEITOS DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL NA PROTEÇÃODA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO GUARIROBA,

MATO GROSSO DO SUL

CAMARGO, Carolina Maria Jorge; CAMARGO, Luan José Jorge;OLIVEIRA, Ademir Kleber Morbeck de

Universidade Anhanguera-Uniderp. Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e DesenvolvimentoRegional. Rua Alexandre Herculano, 1400 – CEP 79037-280 Campo Grande, MS, Brasil.

E-mail: [email protected]

RESUMO

O presente trabalho discute a aplicação da legislação ambiental em uma Área de Proteção Ambiental (APA),na Bacia do Guariroba, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, responsável por 50% da água utilizada noabastecimento urbano da cidade. Este estudo foi desenvolvido por meio de levantamento bibliográficorelacionado às políticas públicas adotadas na APA e de análises feitas in loco, avaliando a validade e eficáciada aplicação da legislação nesta área de proteção ambiental, através dos pontos de vista jurídico, social eambiental. Os resultados indicam que a legislação ambiental não está sendo aplicada e que ocorre umaomissão do poder público, que não fiscaliza o cumprimento das normas que deveriam reger esse tipo deunidade de conservação, que sofre com processos de erosão, assoreamentos, além da substituição contínuada vegetação nativa por espécies exóticas, tais como braquiária e eucalipto, o que ameaça a biodiversidadeda região e os recursos hídricos da área.

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Sustentável; Unidades de Proteção; Área de Proteção Ambiental; RecursoHídrico; Bacia Hidrográfica.

ABSTRACT

This paper discusses the application of environmental legislation in an Environmental Protection Area in theGuariroba Basin, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, which accounts for 50% of water used in urban watersupply in the city. The methodology of the research included a review of the bibliography related to publicpolicies adopted in the area of Environmental Preservation and local analyses, assessing the validity and theeffectiveness of enforcement in this area of environmental protection, considering legal, social and environmentalpoints of view.The results indicate that environmental legislation is not being enforced and that there is a failure ofpublic power, which does not monitor compliance with the standards that should govern this type of conservationunit, which suffers from erosion, silting of water resources, and continuous substitution of native vegetation byexotic species, such as pasture and eucalyptus, which threatens the region's biodiversity and the water resourcesof the area.

KEYWORDS: Sustainable Development; Protection Units; Area of Environmental Protection; Water Resources;Watershed.

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CAMARGO et al.

INTRODUÇÃO

O Brasil, em relação aos outros países, possuium grande potencial hídrico, totalizando 15% dasreservas de água doce no mundo e 53% do totalexistente na América do Sul. Porém, a distribuiçãodesses recursos no território nacional não éigualitária, com somente 3% na Região Nordeste,12% nas Regiões Sul e Sudeste e 70% para a RegiãoNorte, que possui a menor população(REBOUÇAS et al., 2006; RODRIGUES, 2009).

Na Região Centro-Oeste se encontra 15% dareserva superficial de água doce. O Mato Grossodo Sul, no entanto, é considerado a segunda maiorpotência hídrica do Brasil, pois possui o maiormanancial subterrâneo de água doce do mundo, oAquífero Guarani, que ocupa 70% do subsolo doEstado (RODRIGUES, 2009), o que torna a RegiãoCentro-Oeste uma das maiores reservas de águadoce do país.

Mato Grosso do Sul tem como sua capital acidade de Campo Grande, localizadapredominantemente na Bacia Hidrográfica do RioParaná, Sub-bacia do Rio Pardo, com uma pequenaparte do município situada a noroeste, compondo aBacia do Rio Paraguai (CAMPO GRANDE, 1999;RODRIGUES, 2009).

Campo Grande está em pleno crescimento, situaçãooriginada por levas de migrantes que chegam paraocupar os espaços de uma capital em expansão. Acaptação de água para o abastecimento da cidade éfeita de duas formas. A primeira, superficial, noscórregos Guariroba e Lajeado. Já a segundacorresponde a 94 poços subterrâneos (CAMPOGRANDE, 1999; RODRIGUES, 2009). Porém, amaior parte dda captação é feita no córrego Guariroba.

Os recursos hídricos subterrâneos estãorelacionados as três formações geológicasdiferentes existentes em Campo Grande. A primeirae mais superficial se localiza a oeste da cidade eestá relacionada aos arenitos do Grupo Bauru; asegunda abrange as rochas da Formação SerraGeral; e a terceira encontra-se em nível profundo,contendo as rochas da formação Botucatu, que

abriga o Aquífero Guarani (GUARIROBA, 2009).Esse abundante manancial hídrico que corta oEstado do Mato Grosso do Sul pode proporcionaruma "sadia qualidade de vida" para a populaçãoregional e local, po is beneficia direta eindiretamente a qualidade de vida das pessoas, aeconomia e o equilíbrio ambiental local.

Levando-se em consideração a importância damanutenção da qualidade desses recursos, éfundamental que se aplique meios eficazes deconservação dos mananciais, porque se trata defonte essencial na conservação da vida em geral, demodo a assegurar cada vez mais o ambienteecologicamente equilibrado, garantindo uma melhorqualidade de vida a todos os seres vivos. Assim,devem os Estados-Membros, como é o caso deMato Grosso do Sul, e a União tutelar esse "bemcomum de todos", conhecido na ciência jurídicacomo bem de natureza coletiva.

É justamente nesse sentido que a Constituiçãoda República Federativa do Brasil, de 1988, emcapítulo específico sobre "Meio Ambiente", tratade maneira eficaz o ambiente, dispondo em seuartigo 225:

"Art. 225: Todos têm direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, bem de uso comum dopovo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever dedefendê-lo e preservá-lo para as presentes e futurasgerações."

Mas não é só nessa perspectiva que há a efetivatutela ambiental realizada pelo Poder Público e acoletividade. O conceito se estende também aosespaços territoriais e seus componentes, podendoocorrer alterações na legislação ambiental, nestecaso somente mediante lei.

O artigo 225 estabelece, em seu parágrafo 1.º,inciso III, o que é dever do poder público:

"em todas as Unidades Federais (entende-sepor União, Estado Municípios e Distr itoFederal), espaços terr itor iais e seuscomponentes a serem especialmente protegidos,

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sendo a alteração e a supressão permitidassomente através de lei, vedada qualquerutilização que venha a comprometer aintegridade dos atributos que justifiquem suaproteção".

Para a regulamentação desse direitoconstitucionalmente garantido às presentes e futurasgerações, foi elaborada a Lei Federal n.º 9.985, de18 de julho de 2000, que instituiu o SistemaNacional de Unidades de Conservação da Natureza(SNUC) e sistematizou o conjunto de unidades deconservação, espalhadas até então em váriaslegislações esparsas de maneira fragmentada. Pormeio dessa Lei Federal foi possível criar novos tiposde áreas de preservação, definindo-as em umasistemática que se compõe de dois gruposfundamentais, apresentando unidades reunidas deacordo com seus objetivos, de preservação ouconservação ambiental (OLIVEIRA, 2009).

O conceito de Unidade de Conservaçãoencontra-se delimitado no Art. 2.º, inciso I, da Lein.º 9.985/2000:

"Espaço territorial e seus recursos ambientais,incluindo as águas jur isdicionais, comcaracterísticas naturais relevantes, legalmenteinstituídos pelo Poder Público, com objetivos deconservação e limites definidos, sob regimeespecial de administração, ao qual se aplicamgarantias adequadas de proteção."

Portanto, o objetivo se concentra no nome e nadefinição, qual seja: a conservação dos atributosecológicos do espaço territorial devidamentedelimitado e seus recursos ambientais (SILVA,2009).

Com base na Lei n.º 9.985/2000, "as unidadesde conservação integrantes do SNUC dividem-seem dois grupos:

I – Unidade de Proteção Integral: a) EstaçãoEcológica; b) Reserva Biológica; c) ParqueNacional; d) Monumento Natural; e) Refúgio de

Vida Silvestre.II – Unidade de Proteção Sustentável: a) Área

de Proteção Ambiental; b) Área de RelevanteInteresse Ecológico; c) Floresta Nacional; d)Reserva Extrativista; e) Reserva de Fauna; f)Reserva de Desenvolvimento Sustentável; g)Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Nessa perspectiva, os córregos que abastecema cidade de Campo Grande são protegidos porÁreas de Proteção Ambiental (APAs),regulamentadas em nível Federal pela Lei n.º 9.985/2000 (SNUC). Segundo o artigo 15 "caput" dessalegislação, Áreas de Proteção Ambiental podem serdefinidas como:

"... áreas em geral extensas, com um certo graude ocupação humana, dotada de atributosabióticos, bióticos, estéticos ou culturaisespecialmente importantes para a qualidade devida e o bem-estar das populações humanas, etêm como objetivos básicos proteger adiversidade biológica, disciplinar o processo deocupação e assegurar a sustentabilidade de usodos recursos naturais."

Segundo Silva (2010), são espaços tambémprotegidos, mas a intensidade da proteção ambientalé menor do que a que se aplica nas Unidades deProteção Integral, porque, ao contrário destas,permitem o uso direto dos seus recursos naturais.Seu objetivo básico não é preservar a natureza, mascompatibilizar a conservação desta de maneirasustentável, segundo o Art. 7.º, §2.º, da Lei n.º9.985/2000.

A APA do Guariroba é considerada umaunidade de conservação de uso sustentável, quepoderá ser objeto de ações exploratórias para odesenvolvimento de atividades produtivas de cunhonatural, que proporcionem a máxima proteção dascaracterísticas naturais e até mesmo paisagísticas. Éimportante observar que as áreas de proteçãoambiental tanto podem ocorrer em propriedadespúblicas como em lugares privados; não são áreas de

Efeitos da legislação ambiental...

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conservação e preservação ambiental exclusivas dopoder público.

Apesar de atualmente existir no município trêsAPAs – Mananciais do Córrego do Guariroba,Mananciais do Córrego Lajeado e a da Bacia doCórrego Ceroula –, a mais relevante é a Área deProteção Ambiental do Guariroba, principal fontede abastecimento de água de Campo Grande. Ela éresponsável por 50% de todo o abastecimento local,sendo criada por decorrência da necessidade que omunicípio apresentava, na época, de recuperar econservar a principal fonte de água doce nomunicípio (GUARIROBA, 2009).

A APA do Guariroba iniciou-se com a formaçãoda represa (Reservatório do Guariroba), acessadapela BR-262 a aproximadamente 35 km de CampoGrande. Anteriormente a área era explorada pelaEmpresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul(Sanesul), responsável pela construção doreservatório e implantação do sistema de captaçãoe adução da água da APA para a cidade em 1985;hoje quem realiza essa função é a concessionáriaÁguas Guarirobas S.A. (GUARIROBA, 2009).

Levando em consideração a importância dessasAPAs, que abrigam as principais fontes de águapotável do município, o objetivo principal desteestudo foi examinar a real situação da sub-baciahidrográfica do Guariroba.

Visou-se discutir a regulamentação de Áreas deProteção Ambiental no Brasil, a part ir daConstituição Federal de 1988, pretendendodemonstrar se há validade e eficácia na aplicaçãoda legislação ambiental nesta área municipal, eavaliando se os impactos causados ao ambienteestão sendo efetivamente tutelados do ponto de vistajurídico e ambiental.

METODOLOGIA

Este estudo foi desenvolvido primeiramente pormeio de levantamento bibliográfico, relacionado àspolíticas públicas de manejo adotadas na referidaárea, e em legislações referentes ao estudo, paraenquadrar a previsão legal à realidade atual da sub-

bacia. Posteriormente foram feitas visitas técnicas àregião, para avaliar a quais impactos antrópicos estásendo submetida. Assim, buscou-se demonstrar eanalisar a validade e a eficácia da aplicação dalegislação na APA do Guariroba.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A APA engloba uma área to tal deaproximadamente 360 km², com seu territóriocomposto basicamente pela ocupação rural. Aspropriedades são de natureza rural privada, voltadasà prática da pecuária extensiva, com 82% doterritório da APA composto essencialmente depastagens artificiais de Brachiaria decumbes Stapf(GUARIROBA, 2009).

A maior parte dos proprietários não efetua osdevidos manejos estabelecidos pelo programa deproteção da APA, alegando que o custo para amanutenção ecológica é elevado, em relação à rendaobtida no exercício de suas atividades econômicas,inviabilizando sua aplicação.

Dessa maneira, a legislação ambiental não écumprida na maioria das propriedades, seja emrelação às Áreas de Preservação Permanente (APP)e/ou de Reserva Legal, que não possuem o tamanhopreconizado pela lei.

É importante lembrar que as APPs e ReservasLegais estão discriminadas na Lei n.º 4.771/65(Código Florestal), sendo alguns dispositivosalterados pela Lei Federal n.º 7.803/89. As APPsestão regulamentadas nos artigos 2.º e 3.º doCódigo Florestal, e podem ser definidas como áreasque podem ser cobertas ou não por vegetação nativa,com a função de preservar e conservar o ambiente,assim como preservar os recursos hídricos, apaisagem, a est abilidade ecológica, abiodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora,proteger o solo e assegurar a qualidade de vida daspopulações humanas (REBOUÇAS et al., 2006).

Ressalta-se que qualquer intervenção em área depreservação permanente, seja em APAs ou não,pode gerar uma significativa interferência nasformações ripárias, devendo possuir uma extensão

CAMARGO et al.

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específica a ser protegida de acordo com a largurado recurso hídrico, podendo ser ele rio, nascente,represa ou lago.

O Código Florestal atribui a importância de sepreservar as APPs para impedir vários tipos deimpacto ambiental aos recursos hídricos locais,utilizando-se das formações ripárias na manutençãodos ecossistemas, evitando, por exemplo, escassezda água, erosão e assoreamento, perda da qualidadeda água e da biodiversidade, entre outros fatores(COELHO, 2010).

Já a Reserva Legal pode ser definida, com baseno Código Florestal, como "área localizada nointerior de uma propriedade ou posse rural,excetuada a de preservação permanente, necessáriaao uso sustentável dos recursos naturais, àconservação e reabilitação dos processosecológicos, à conservação da biodiversidade e aoabrigo e proteção de fauna e flora nativas"(REBOUÇAS et al., 2006).

Portanto, é a área de Reserva Legal que sofreuma limitação administrativa, e ela vem discriminadano Art. 16 do Código Florestal, segundo o qual oproprietário ou o possuidor somente poderá utilizá-la sob manejo florestal sustentado – o que deveriaocorrer na APA e não vem sendo cumprido pelosproprietários privados, devendo se efetivar medianteprojeto próprio e com prévia autorização do PoderPúblico (REBOUÇAS et al., 2006).

A não observância dos proprietários sobre aprática de um manejo adequado na APA tem geradovárias ocorrências de passivos ambientais,associados diretamente à erosão e principalmente àsupressão vegetal em APPs.

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,publicada no Diário de Justiça do dia 17/12/2009,entende que:

"(...) Inexiste direito adquirido a poluir oudegradar o meio ambiente. O tempo é incapazde curar ilegalidades ambientais de naturezapermanente, pois parte dos sujeitos tutelados –as gerações futuras – carece de voz e de

representantes que falem ou se omitam em seunome. Décadas de uso ilícito da propriedaderural não dão salvo-conduto ao proprietário ouposseiro para a continuidade de atos proibidosou tornam legais práticas vedadas pelolegislador, sobretudo no âmbito de direitosindisponíveis, que a todos aproveita, inclusiveàs gerações futuras, como é o caso da proteçãodo meio ambiente. As APPs e a Reserva Legaljustificam-se onde há vegetação nativaremanescente, mas com maior razão onde, emconsequência de desmatamento ilegal, a floralocal já não existe, embora devesse existir. Osdeveres associados às APPs e à Reserva Legaltêm natureza de obrigação propter rem, isto é,aderem ao t ítulo de domínio ou posse.Precedentes do STJ. Descabe falar em culpaou nexo causal, como fatores determinantes dodever de recuperar a vegetação nativa eaverbar a Reserva Legal por par te doproprietário ou possuidor, antigo ou novo,mesmo se o imóvel já estava desmatado quandode sua aquisição. Sendo a hipótese deobrigação propter rem, desarrazoado perquirirquem causou o dano ambiental in casu, se oatual proprietário ou os anteriores, ou aculpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer.Precedentes do STJ. Recurso Especialparcialmente conhecido e, nessa parte, nãoprovido. (REsp 948.921/SP, Rel. MinistroHERMAN BENJAMIN, SEGUNDATURMA, julgado em 23/10/2007, DJe 11/11/2009)."

Por t anto , a jur isprudência é clara aodemonstrar que devem ser respeitadas as áreasde pro teção permanente (APP) como asReservas Legais, cabendo ao proprietário o deverde recuperá-la, caso haja eventual dano aoambiente. Porém, apesar de a determinação legal serbastante evidente em relação a responsabilidadeobjetiva do proprietário, na APA do Guariroba omanejo e a recuperação são inexistentes, pela falta de

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fiscalização do poder público.Outro aspecto prejudicial da proteção da APA

do Guariroba é a substituição da vegetação naturalpor pastagens, em decorrência da criação do gado,que avançam significativamente em áreas úmidas,gerando erosão acelerada, causada pelopisoteamento do gado em áreas de acesso aoscursos d'água.

Além desses impactos ambientais negativos, hátambém risco de queimada, provocada para que setenha renovação da pastagem; o grande problema,no entanto, é a falta de uma educação adequada aesses proprietários para que realizem um manejoadequado na APA do Guariroba.

Os proprietários rurais dessa área deveriamutilizar ações que garantam as mudanças no sistemaprodut ivo praticado na APA, e apresentaralternativas técnicas para viabilizar e/ou aumentar aprodução agropecuária, prevalecendo a proteçãoambiental sustentável. A produção agropecuáriaproveniente das propriedades privadas pode ser alta,podendo ser aumentada desde que se apliquemtecnologias específicas para o segmento, quecontenham uma melhoria do sistema produtivo demaneira equilibrada e sustentável, o que atualmentenão ocorre na APA.

O manejo dos animais e a transformação no solotêm causado impactos expressivos na bacia doGuariroba, pois enseja processos erosivos eassoreamento dos corpos de águas naturais, bemcomo do reservatório (GUARIROBA, 2009).

Outro impacto detectado na área da APA é aplantação de eucalipto, que cresce dia-a-dia, peloalto retorno econômico, e afeta diretamente abiodiversidade local, o lençol freático e ameaça aperenidade das nascentes.

Portanto, para que a área atinja sua finalidade, éde extrema importância que os proprietários ruraisobedeçam às diretrizes estabelecidas nas legislações,a fim de garantir uma real proteção ambiental. Senão forem obedecidas, o ambiente como um todo,incluindo os recursos hídricos, estará prejudicado,podendo essa realidade se tornar uma enorme

CAMARGO et al.

catástrofe, que poderá provocar a escassez de águana principal reserva hídrica que abastece o municípiode Campo Grande.

É imprescindível enaltecer que outro aspectoprejudicial na preservação da APA são os próprioscaracteres físicos e ambientais do local. O primeiroponto a ser levantado é a característica arenosa dosolo na região. Combinado com estradas rurais quenão obedecem aos padrões ambientais, e juntamentecom a atuação da chuvas nesta localidade, geramerosões e assoreamento dos córregos.

Outra questão a ser observada são os fragmentosvegetais existentes na área, do tipo secundário,resultado da contínua retirada de madeira na região,levando ao empobrecimento do solo e à perda debiodiversidade, o que é evidente pela presença dasespécies de árvores indicativas de áreas quesofreram modificações antrópicas, tais como Xylopiaaromatica (Lam.) Mart., Jacaranda caroba (Vell.)A. DC., Diptychandra aurantiaca Tul. ,Kielmeyera coriacea Mart . & Zucc.,Anadenanthera falcata (Benth.) Speg., Qualeagrandiflora Mart., Vochysia tucanorum Mart.,entre outras.

É evidente que a falta de observação daslegislações ambientais ocasionam a degradação;portanto, é necessário que tanto o poder públicoquanto os particulares fiscalizem e cumpram alegislação ambiental.

Além disso, a coletividade deve tomar ciênciada realidade local, fiscalizando e cobrando medidasa serem tomadas pelo governo, a fim de garantir ocumprimento das diretrizes traçadas na APA para aproteção da bacia do Guariroba. A aplicação dalegislação deveria ser uma constante, já que estemecanismo é o que permite a manutenção doambiente.

Assim, independentemente de o proprietáriodesse espaço especialmente protegido ser entepúblico ou privado, deve respeitar as limitaçõesimpostas na sua propriedade, pois essas áreas sesujeitam ao regime jurídico de interesse público.

É importante advertir que a responsabilidade

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ambiental, aplicada ao agente que comete algumtipo de degradação ou impacto ao ambiente,deverá sempre possuir um caráter objetivo. Assimse determinado sujeito praticar algum dano àsAPAs, deverá ser responsabilizado objetivamentee, dependendo do caso, até criminalmente, combase na Lei n.º 9.605/1998 (Lei dos CrimesAmbientais).

É o que se tem evidenciado nos precedentesjudiciais do Superior Tribunal de Justiça, como ojulgado em 5/8/2004, e publicado no Diário deJustiça no dia 20/9/2004, página 196:

"DANO AMBIENTAL. CORTE DEÁRVORES NATIVAS EM ÁREA DEPROTEÇÃO AMBIENTAL.RESPONSABILIDADE OBJETIVA.1. Controvérsia adstr ita à legalidade daimposição de multa, por danos causados ao meioambiente, com respaldo na responsabilidadeobjetiva, consubstanciada no corte de árvoresnativas.2. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente(Lei 6.938/81) adotou a sistemática daresponsabilidade civil objetiva (art . 14,parágrafo 1.º) e foi integralmente recepcionadapela ordem jurídica atual, de sorte que éirrelevante e impertinente a discussão daconduta do agente (culpa ou dolo) paraatribuição do dever de indenizar.3. A adoção pela lei da responsabilidade civilobjetiva significou apreciável avanço nocombate à devastação do meio ambiente, umavez que, sob esse sistema, não se leva em conta,subjetivamente, a conduta do causador do dano,mas a ocorrência do resultado prejudicial aohomem e ao ambiente. Assim sendo, para quese observe a obrigatoriedade da reparação dodano é suficiente, apenas, que se demonstre onexo causal entre a lesão infligida ao meioambiente e a ação ou omissão do responsávelpelo dano.4. O art. 4.º, VII, da Lei n.º 6.938/81, prevê

expressamente o dever do poluidor ou predadorde recuperar e/ou indenizar os danos causados,além de possibilitar o reconhecimento daresponsabilidade, repise-se, objetiva, do poluidorem indenizar ou reparar os danos causados aomeio ambiente ou aos terceiros afetados porsua atividade, como dito, independentemente daexistência de culpa, consoante se infere do art.14, §1.º, da citada lei.6. A aplicação de multa, na hipótese de danoambiental, decorre do poder de polícia –mecanismo de frenagem de que dispõe aAdministração Pública para conter ou coibiratividades dos particulares que se revelaremnocivas, inconvenientes ao bem-estar social, aodesenvolvimento e à segurança nacional, comosói acontecer na degradação ambiental.7. Recurso especial provido (REsp 578.797/RS,Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRATURMA, julgado em 05/08/2004, DJ 20/09/2004 p. 196)."

Este julgado serve como paradigma na corretaaplicação legislativa interpretada pelo já pacificadoentendimento jurisprudencial do Superior Tribunalde Justiça, que considera o ambiente natural comoalgo de difícil reparação, por ser complexo, logo oindivíduo nunca conseguirá equilibrar o ambienteexatamente como ele se encontrava.

Assim sendo, "basta haver o nexo causal entre alesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissãodo responsável dano", para que seja configurada aResponsabilidade Objetiva do agente, devendo elereparar o dano causado no ambiente.

A Lei n.º 6.902/1981 (sobre a criação deestações ecológicas e áreas de proteção ambiental),em seu Artigo 8.º, dispõe que:

"Quando houver um relevante interessepúblico, o Poder Executivo Federal, Estadual eMunicipal poderá declarar determinadas áreasdos seus territórios de interesse para a proteçãoambiental, a fim de assegurar o bem-estar das

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populações humanas, a proteção, a recuperaçãoe a conservação dos recursos naturais."

Esse aspecto torna as áreas de proteçãoambiental uma unidade de conservação em que acapacidade de intervenção do Estado é limitadapelos princípios constitucionais, que estabelecem àcoletividade e ao poder público o direito àpropriedade. Portanto, dispõe a definição da funçãosocial da propriedade rural.

Desse modo, o uso dessas áreas rurais noplanejamento de ocupação de determinado territórionecessitará ocorrer de forma efetiva e conjunta,devendo o município ou o Estado agir conforme ospreceitos legais, buscando uma exploração dosrecursos naturais das APAs de maneiraeco logicamente equilibrada, at ravés dasustentabilidade no ambiente natural.

Para que haja a devida aplicação e interpretaçãoda legislação, deve-se observar a redação doDecreto Federal n.º 4.340/2002 (regulamentaartigos da Lei n.º 9.985, de 18 de julho de 2000,que dispõe sobre o SNUC e dá outrasprovidências), que em seu Art. 17 estabelece queas Áreas de Proteção Ambiental devem dispor deum "Conselho Gestor" composto por representantesdos órgãos públicos e responsáveis por suaadministração:

"Art. 17. As categorias de unidade deconservação poderão ter, conforme a Lei n.º9.985, de 2000, conselho consult ivo oudeliberativo, que serão presididos pelo chefe daunidade de conservação, o qual designará osdemais conselheiros indicados pelos setores aserem representados."

Trata-se, portanto, de um sistema de gestãointegrada e participativa, tendo como base para suasustentação o Plano de Manejo.

Destarte, o Plano de Manejo é definido pela LeiFederal n.º 9.985/2000 em seu Art. 27, "caput" eseus parágrafos. Logo, de maneira sucinta, pode-

se considerar o Plano de Manejo como sendo "odocumento técnico que se baseia nos fundamentose objetivos gerais de uma Unidade de Conservação,deve estabelecer o seu zoneamento e normas quedelimitem o uso das áreas de manejo dos recursosnaturais, contendo, ainda, as implementaçõesencontradas nas estruturas físicas necessárias paraa gestão da unidade."

Com base no que dispõe a recomendação legal,o Plano de Manejo é consolidado como umdocumento técnico que traça as diretrizes para seter um gerenciamento das Áreas de ProteçãoAmbiental, que posteriormente poderão estabelecero zoneamento de toda a unidade, de modo a ordenaro uso e a ocupação do solo rural, buscando semprecoibir os impactos ambientais nas Áreas de ProteçãoAmbiental.

CONCLUSÕES

A APA não atende a sua função social, uma vezque não protege de modo sustentável a utilizaçãodo ambiente. Apesar da existência de um extensoplano de manejo, este não está sendo respeitadopelos proprietários rurais, deixando com queocorram impactos negativos na área.

A agropecuária exercida no local não ocorredentro dos parâmetros da sustentabilidade,ocasionando inúmeros impactos lesivos aoambiente.

Pela falta de consciência e educação ambientalda comunidade que reside na APA, e que se utilizadela como meio de subsistência, verifica-se aausência de manejo adequado no ambiente e daprópria recuperação das áreas degradas.

Outro fator que fica evidente na análise daausência de funcionamento da APA é a falta defiscalização por parte do poder público, não sendoexigido, assim, o cumprimento da legislaçãoambiental vigente.

O que agrava a situação é a falta de interessedo poder público e da coletividade na divulgaçãoda real situação apresentada na APA, transformandoeste fato em um puro descaso público.

CAMARGO et al.

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BRASIL. Decreto Federal n.º 4.340, de 22 deagosto de 2002. Regulamenta artigos da Lei no9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobreo Sistema Nacional de Unidades de Conservaçãoda Natureza - SNUC, e dá outras providências.http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto/2002/D4340.htm/ acesso 17 out. 2009.

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JULGADOS DO SUPERIOR TRIBUNALDE JUSTIÇA (STJ) UTILIZADOS COMOREFERÊNCIA:

REsp 948.921/SP, Rel. Ministro HERMANBENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em23/10/2007, DJe 11/11/2009.

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RECEBIDO EM 15/4/2010ACEITO EM 19/7/2010

CAMARGO et al.

REsp 578.797/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX,PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2004, DJ20/09/2004 p. 196.

CC 36.666/MG, Rel. Ministro PAULOGALLOTTI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em22/02/2006, DJ 08/02/2008 p. 636.

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INTEGRAÇÃO ENTRE BIODIVERSIDADE E APLICAÇÃO DEPESQUISA CIENTÍFICA RESULTANDO EM MANEJO PARA USO

SUSTENTÁVEL E CONSERVAÇÃO

ALHO, Cleber J. R.Professor no Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, Universidade

Anhanguera/Uniderp, Rua Ceará 333, Caixa Postal 2153, Campo Grande-MS/Brasil; CEP 79003-010.E-mail: [email protected]

RESUMO

A biodiversidade brasileira é reconhecida como uma das maiores do mundo. Contudo, a perturbação ambiental,em taxas aceleradas, com perda da diversidade biológica nos biomas brasileiros, tem o potencial de afetarnegativamente as espécies que servem como produtos de extrativismo e podem ser modificadas por meio dadomesticação ou por reprodução seletiva e hibridação, como novas fontes de alimento e outros usos, incluindomedicamentos. Além do seu valor intrínseco, isto é, a natureza funcionando como ela é, a biodiversidade temum papel importante nos serviços ecossistêmicos na manutenção de processos naturais: purificação do ar, daágua, produção de alimento, medicamentos, cosméticos e outros usos. Neste trabalho se analisam diferentesestudos de caso para mostrar que a associação entre a riqueza natural da biodiversidade e a pesquisa científicae tecnológica aplicada, particularmente da biotecnologia, pode favorecer a conservação que inclui o usosustentável da diversidade biológica.

PALAVRAS-CHAVE: Diversidade biológica; Biotecnologia; Conservação da natureza; Serviços ecossistêmicos;Produtos extrativistas.

ABSTRACT

Brazil's biodiversity is recognized as one of the greatest in the world. However, accelerating rates of environmentaldisruption, with biodiversity loss within the Brazilian biomes, have the potential to negatively affect the range ofwild species that serve as extractive products, to be modified through domestication or through selective breedingand hybridization as new sources of food and other uses, including pharmaceutical goods. In addition to itsintrinsic value, that is, nature working as it is, biodiversity plays an important role in ecosystem services in themaintenance of natural ecological processes: air purification, water, food, medicines, cosmetics and essentialproducts for human well-being. With the advance of Brazilian scientific research, particularly biotechnology, it ispossible to provide new products, to supply market demand for ornamental species and other extractive products,food, medicines, cosmetics and other uses. Here I analyze different case studies to show the role of biodiversityin new findings from scientific research and identify potential economic uses of some species.

KEYWORDS: Biological diversity; biotechnology; conservation of nature; ecosystem services; Extractivisticproducts.

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INTRODUÇÃO

A diversidade biológica – ou como hojeconsagrado, biodiversidade – engloba todas asespécies vivas, desde microorganismos a plantas eanimais que ativamente interagem nos ecossistemasnaturais (WILSON & PETER, 1988; ALHO,2008). Além das espécies que suprem a humanidadecom o alimento diário (que são poucas, secomparadas com o imenso número que compõe adiversidade bio lógica), há os serviçosecossistêmicos, cuja participação da biodiversidadeé importante para o bem-estar humano, provendoar puro, regulação do clima, ciclo da água, ciclosbiogeoquímicos que possibilitam a ciclagem denutrientes importantes para absorção das plantas,pesca, produtos extrativistas, medicamentostradicionais e novas fontes de informações genéticasusadas na biotecnologia para novas fontes dealimentos, fármacos, cosméticos e outros usos(MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT,2005; CHIVIAN & BERNSTEIN, 2008).

Apesar do tamanho significativo da biodiversidadebrasileira, por exemplo, 2 mil espécies de peixes naAmazônia (PORTAL DA BIODIVERSIDADEBRASILEIRA DO MINISTÉRIO DO MEIOAMBIENTE: www.mma.gov.br/portalbio), nossadieta, em geral, se baseia em cerca de 30 espéciesconhecidas de vegetais e somente cerca de metadedesse número de animais.

O ecossistema natural é extremamente heterogêneo,complexo, com a participação ativa da biodiversidade,onde as espécies interagem entre si, com captação deenergia solar segundo o princípio da termodinâmica,com fluxo de energia também na cadeia trófica, numainteração entre os componentes bióticos e abióticos;o fluxo de energia atinge o clímax de equilíbrio,podendo o sistema se automanter, quando nãoperturbado (RICKLEFS & MILLER, 2000). Já ossistemas agrícolas para a produção de alimento sãoecossistemas artificiais simplificados e instáveis, querequerem intenso manejo para insumo de energia emtermos de nutrientes, irrigação, proteção contra pragascom pesticidas e outros cuidados. A mecanização

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ALHO, C.J.R.

substitui a dispersão de sementes, os defensivosagrícolas químicos substituem o controle natural dainteração predador-presa e outras interações, amanipulação genética substitui o processo evolutivonatural, a ciclagem de nutrientes é substituída pelaadubagem, e assim por diante.

Contudo, os povos da floresta, os ribeirinhos, oscaboclos, caiçaras e tantos outros dos biomasbrasileiros conhecem inúmeras espécies úteis namedicina tradicional, além de viverem de produtosextrativistas que têm valor para suas sociedades e parao mercado em geral, pela sua demanda.

Por outro lado, o crescimento da populaçãobrasileira aliado ao desenvolvimento econômico, têmcausado impactos negativos sobre os ecossistemasnaturais, seus habitats e sua biodiversidade associada.No entanto, nem todos os brasileiros, em todas asregiões, têm sido beneficiados por esse processo, ealgumas dessas atividades têm acarretado um custoambiental e social muito alto. A par disso, abiotecnologia ganha espaço, contribuindo para oconhecimento, tendo já sido lançado o ProgramaNacional de Biotecnologia pelo Governo Federal, em2007 (Decreto n.º 6.041, de 8 de fevereiro de 2007,que institui a Política de Desenvolvimento daBiotecnologia e cria o Comitê Nacional deBiotecnologia), visando preencher a lacuna entre oenorme potencial de nossa biodiversidade e anecessidade da indústria e da sociedade.

Enquanto as atividades extrativistas nos diversosbiomas brasileiros, em especial na Amazônia, têmcontribuído para a proteção de ambientes naturais, combenefícios socioeconômicos para os povos locais(ALLEGRETTI, 1990), por outro lado se temargumentado sobre a sustentabilidade dessa prática emmédio e longo prazos, com real benefício para abiodiversidade (ALHO, 1999; HOMMA, 2008).

MÉTODOS

Este trabalho se apoia na informação científicapublicada, revendo a literatura aqui referida, e naexperiência do autor em conservação e manejo dabiodiversidade em diversos biomas brasileiros.

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Integração entre biodiversidade...

RESULTADOS E DISCUSSÃO

ExtrativismoO extrativismo, processo pelo qual o homem coleta

e apanha produtos oriundos da biodiversidade parasubsistência e comércio, tem tradição no Brasil. Noinício da colonização pelos portugueses, o pau-brasil(Caesalpinia echinata) foi alvo de extrativismopredatório, pela procura de sua tintura vermelha, cornobre e importante para os colonos naquela época.Só com a descoberta da anilina, em 1876, essa pressãofoi aliviada, mas o esgotamento dessa árvore já se faziasentir no bioma Mata Atlântica (DEAN, 1996).

Outras espécies brasileiras sofreram intensoextrativismo, como a palmeira juçara (Euterpe edulis)no Sudeste, para extração de palmito, com exaustãodas plantas, já que o corte não permite o seurebrotamento. Outras espécies foram ou ainda têm sidotambém foco de extração, como a seringueira (Heveabrasiliensis), a castanha (Bertholletia excelsa) e opalmito de açaizeiro (Euterpe oleracea).

Nos castanhais, por exemplo, a prática usual delimpar a área embaixo das castanheiras, para facilitara apanha dos ouriços, além da caça de animais queabrem e dispersam as sementes, como esquilos, pacase cotias, tem dificultado a proliferação de plantas novas,que renovariam os castanhais (ALHO, 1999). O fatoé que os castanhais produtivos são compostos em geralpor somente árvores adultas, com impacto negativoem parâmetros demográficos da planta (PERES et al.,2003). Este estudo concluiu que a intensidade de usopelos extrativistas nos castanhais é determinante paramodificar a estrutura demográfica das castanheiras,com prejuízo para recrutamento de plantas jovens noscastanhais, devido à coleta total das sementes, o queimpede a taxa de germinação e reposição decastanheiras jovens em médio e longo prazos. Essa éuma ligação que precisa ser feita, urgentemente, entrea pesquisa e a experimentação científica, para oaperfeiçoamento dos planos de manejo tradicionais dasatividades extrativistas, visando a sua sustentabilidade.

O declínio do ciclo da borracha na Amazônia,atividade meramente extrativista, começou quandosementes foram levadas inicialmente para a Inglaterra

e daí para o Sudeste Asiático, com culturas produtivas.O ciclo do extrativismo do cacau na Amazôniaperdurou até a época da independência do Brasil,quando foi suplantado pelas culturas manejadas no sulda Bahia, levando um surto de desenvolvimento àquelaregião. Contudo, com o advento de doença causadapelo fungo vassoura-de-bruxa (Crinipellisperniciosa), que atacou as plantações de cacau, ocultivo na Bahia declinou, enquanto a semente eralevada para ser cultivada na África e Ásia. Hoje a Áfricasupre mais de 70% do mercado mundial de cacau.Embora a produção brasileira tenha se recuperadoultimamente, em 2005 o Brasil ainda importou 24 miltoneladas de cacau (www.ceplac.gov.br/radar/mercado_cacau.htm).

Essa mesma tendência é verificada entre outrasespécies da Amazônia, como o pau-rosa (Anibarosaeodora), para extração de madeira e essênciasde perfumes (linalol), com o corte insustentável eexploratório do mogno (Swietenia macrophylla), mastambém constatado em outras regiões, como o declíniodo extrativismo de sassafrás (Ocotea pretiosa), emSanta Catarina e Paraná, para produção de safrol(HOMMA, 2008). O pau-rosa da Amazônia hoje estálistado como ameaçado de extinção (MMA, 2008).O extrativismo predatório da erva-mate (Ilexparaguayensis), no passado, destruiu grandes áreasnaturais, nos Estados do Sul e Mato Grosso do Sul,depois supridas por cultivos manejados.

Enfim, o extrativismo tem-se mostrado importantepara a proteção da natureza, inclusive nas novasreservas extrativistas, mas o manejo desses recursosdeve contar com a pesquisa e experimentaçãocientíficas para o aperfeiçoamento sustentável, parase contrapor à exploração predatória. Asreservas extrativistas são categorizadas pela legislaçãobrasileira como unidades de conservação de uso direto(ou unidades de uso sustentável), em contraste àsunidades de uso indireto (ou de proteção integral), entreas quais se destacam as reservas e os parques, que aprincípio não permitem uso de recursos. As primeirasreservas extrativistas que foram implantadas no Acre,em 1990, pretendiam conciliar o uso de espécies da

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biodiversidade por seringueiros e castanheiros, com oobjetivo econômico para benefício social dos povoslocais (ALLEGRETTI, 1990). Decorrido algumtempo, se questiona sobre a sustentabilidade desse uso(HOMMA, 2008).

AgriculturaPelo menos dois aspectos da biodiversidade e sua

conservação atuam diretamente na produtividadeagropecuária: (1) os serviços ecossistêmicos quepermitem, entre outros benefícios, os ciclosbiogeoquímicos com nutrientes essenciais que setornam absorvíveis pelas plantas, além do controle depragas, microclima local e processos hidrológicos(MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT,2005); e (2) o emprego de produtos oriundos dapesquisa e da biotecnologia na produtividade dealimentos (HOMMA, 2008). Além disso, abiodiversidade também enfoca o aspecto ético,econômico, cultural, recreativo, intelectual, científico,espiritual, emocional e estético da biodiversidade(ALHO, 2008).

Algumas plantas amazônicas, que até há tempoeram apenas exploradas pelo extrativismo, como ocupuaçu (Theobroma grandiflorum), já contam comsuporte de conhecimento da pesquisa eexperimentação para seu cultivo. Hoje é possívelcomprar o fruto em natura, inclusive em supermercadosde Brasília. O açaí (Euterpe oleracea) tem tambémconquistado produtividade com técnicas de manejo,baseadas em seu melhor conhecimento científico. Suapolpa hoje tem larga aceitação em todo o Brasil etambém no exterior. O guaraná (Paullinia cupana) éoutra espécie que galgou esse grau de promoção desimples extrativismo para produção manejada.Infelizmente, outras plantas, cujos frutos produzempolpas de sabores únicos para saborosos sorvetes,sucos e geleias, como o bacuri (Platonia insignis),não contam ainda com esse status de planta manejadaou cultivada, e continuam sendo extraídos da natureza,sem preocupação de sustentabilidade.

Há muitas outras plantas e frutos que sãoconsumidos na Amazônia e têm merecido atenção da

pesquisa, como a pupunha (Bactris gasipaes) – cujasemente é consumida cozida, além de também produzirpalmito –, o tucumã (Astrocarium aculeatum) – cujofruto é bastante consumido em Manaus, inclusiveempregado no recheio de tapioca e também emsanduíche –, o camu-camu (Myrciaria dubia), frutinharica em vitamina C, comum nos rios com rochas, comoo Xingu –, o araçá-boi (Eugenia stipitata), defantástico sabor para sorvetes e sucos –, e muitosoutros.

Fármacos e cosméticosA literatura científica tem apontado para o enorme

potencial de uso da biodiversidade para a produçãode medicamentos, cosméticos e outros usos(MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT,2005; CHIVIAN & BERNSTEIN, 2008; HOMMA,2008). Substâncias naturais, produtos químicos, genestranslocados e produtos ativos identificados nasespécies silvestres têm desempenhado papel relevantepara a produção de medicamentos. Essas drogasincluem quinina, aspirina, artemisinina, produção defungicidas e muitos outros.

De cada 150 medicamentos receitados ecomercializados nos Estados Unidos, 118 sãoelaborados a partir de produtos originários dabiodiversidade, como plantas, fungos, bactérias eanimais (CHIVIAN & BERNSTEIN, 2008). Estima-se que 80% dos habitantes de países emdesenvolvimento dependam da medicina tradicionalpara suprir suas necessidades básicas de saúde, e 85%dos medicamentos produzidos pela medicinatradicional envolvem o uso de extratos de plantas;portanto, remédios originários da natureza(FARNSWORTH, 1988). Há outras estimativasmostrando que 25% dos fármacos empregadosatualmente nos países industrializados são originados,direta ou indiretamente, de produtos naturais (YUNES& CALIXTO, 2001; YUNES et al., 2001).

Os chamados produtos cosmecêuticos oudermocosméticos são substâncias oriundas dabiodiversidade com propriedades bioativas decosmét icos e de medicamentos, incluindo

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antitranspirantes, dentifrícios anticárie, filtros solares,compostos para xampus, essências para perfumes,produtos antienvelhecimento, hidratantes, vitaminas eoutros (ARRUDA, 2008).

A biodiversidade brasileira tem o potencialgigantesco de prover novos produtos para abiotecnologia, incluindo microrganismos, plantas eanimais silvestres, além da informação genética nelescontida para uso em medicamentos, cosméticos,alimentos e outros usos. Por exemplo, o jaborandi(Pilocarpus microphyllus), planta produtora depilocarpina, utilizado no tratamento de glaucoma, etambém na produção de xampus, teve sua patenteregistrada pela indústria farmacêutica alemã Merk, em1991. Essa indústria fez plantação no Maranhão paraescapar do simples extrativismo. Outro exemplo deplanta da biodiversidade brasileira é a ipecacuanha(Cephaelis ipecacuanha), nativa de Rondônia, daqual se extrai o princípio ativo ementina, alcaloide quefunciona como metabólico na planta, no controle docrescimento vegetal, e que tem emprego como fármaco.Essa planta é hoje cultivada na Índia (HOMMA, 2008).

Alguns autores têm apontado a necessidade e aoportunidade da bioprospecção para atender àsnecessidades do país na produção de fitoterápicos,biofármacos, cosméticos e alimentos derivados dabiodiversidade (FUNARI & FERRO, 2005). O Brasilainda depende da tecnologia dominada pelos grandeslaboratórios mundiais, como comprador de tecnologia,pagando royalties para esses laboratóriosfarmacêuticos. É oportuno construir essa ponte parafazer a ligação entre o enorme potencial dabiodiversidade brasileira e as necessidades que abiotecnologia pode gerar. O conhecimento dos povostradicionais, como os indígenas, sobre plantas e animaisusados na medicina, é também reconhecido pelaOrganização Mundial da Saúde (OMS) como um dosmeios importantes para o desenvolvimento de novosmedicamentos, com o emprego da biotecnologia, nocombate a doenças tradicionais (malária, tuberculose,esquistossomose, leishmaniose), que acometem essespovos (WHO, 2002).

E há ainda muitas outras plantas medicinais na

Amazônia, cujos produtos dependem exclusivamentedo extrativismo, como é o caso do óleo de copaíba(Copaifera langsdorfii), utilizado como fixador deperfumes, em xampus e sabonetes, além de outrosusos como chá contra reumatismo.

Outro aspecto relevante do domínio doconhecimento sobre espécies importantes dabiodiversidade é a questão da propriedade intelectual,com a consequente determinação de patente. Emboratenha havido esforço para patentear conhecimento eespécies de interesse social e econômico (MOREIRAet al., 2006), tem-se constatado também apropriaçõesde produtos e bens da biodiversidade por outros países(http://www.conexaoaluno.rj.gov.br/especiais-23g.asp). Por exemplo, o jaborandi (Pilocarpuspennatifolius) que, como já citado, teve sua patenteregistrada pela Merk, em 1991. O conhecido açaí,que é fruto da palmeira amazônica Euterpe oleracea,teve seu nome registrado no Japão, em 2003. O Japãoacabou cedendo e cancelando a patente, diante dapressão sofrida. Outra planta famosa da Amazônia, ocupuaçu (Theobroma grandiflorum), teve sua patenteregistrada pela empresa Asahi Foods, do Japão, entre2001 e 2002, e pela empresa inglesa de cosméticos"Body Shop", em 1998. Outra planta amazônica, acopaíba (Copaifera sp.) teve sua patente registradapela empresa francesa Technico Flor, em 1993. Aespinheira-santa (Maytenus ilicifolia) é nativa daAmérica do Sul, ocorrendo no Sudeste do Brasil, eteve sua patente registrada pela empresa japonesaNippon Mektron, que produz um remédio que utilizao extrato dessa planta.

Ultimamente se tem experimentado avanços nessesetor, tanto da pesquisa, quanto das políticas públicas,particularmente com o lançamento da Política deDesenvolvimento da Biotecnologia, criada pelo DecretoFederal 6.041, de 08/02/2007, que alavanca aEstratégia Nacional de Biotecnologia. No entanto, aformação de pessoal especializado é demorada, já queum grau de doutor demora no mínimo quatro anos paraser obtido, e os resultados de pesquisa têm um tempode maturação ainda maior, no espectro que se esperapara o tamanho da biodiversidade brasileira.

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Peixes ornamentaisTanto a pesca em geral como a coleta de peixes

utilizados para aquariofilia, os chamados peixesornamentais têm enfrentado problemas de sobrepescae apanha predatória de várias espécies, em especialna Amazônia. É comum de se ver nas chamadas petshops, espalhadas por shoppings de todo o mundo,exemplares de peixinhos de coloração espetaculares,muitos deles de origem amazônica. Isso demonstra agrande importância desse comércio, com fortedemanda e consequente pressão sobre essas espécies.

Acontece que o extrativismo de peixes ornamentaisé prática comum na Amazônia, para atender aosmercados nacional e internacional, comércio esse nemsempre enquadrado nas normas legais (PRANG,2004). Em muitos países, espécies de peixesornamentais já se reproduzem em laboratórios, mas,no Brasil, o comércio é atendido pela atividadeextrativista e muitas vezes predatória (TORRES,2006). Os peixes ornamentais são espécies de pequenoporte, sedentários ou que fazem deslocamentos curtosdurante o ano, e têm na natureza requisitos de habitatsespeciais para alimentação e reprodução, sendoportanto suscetíveis à coleta predatória e à alteraçãoambiental das matas ciliares dos rios e igarapés.

A procura por peixes ornamentais da Amazônia éantiga e tem-se mostrado altamente significativa paraatender a demanda de mercado, sendo vendidosfacilmente – e a preço elevado – em outros países.Estima-se que o Brasil exporte cerca de 20 milhões depeixes ornamentais por ano, atividade que envolveaproximadamente 3 milhões de dólares, segundo oProjeto Mariuá – bases ecológicas, tecnológicas esocioeconômicas para o manejo sustentável de peixesornamentais e quelônios na bacia do rio Negro-AM(http://www.canalciencia.ibict.br/pesquisas/pesquisa.php?ref_pesquisa=65). Oitenta por centodesses peixes são obtidos nas planícies e florestasinundáveis da bacia do médio Rio Negro. O neon-cardinal (Paracheirodon axelrodi) representa 70% dasexportações. O município de Barcelos, na Amazônia,tem a maior concentração de peixes ornamentais do país.No Estado do Pará chega-se a coletar de 2 a 5 milhões

de peixes ornamentais por ano.Diante dessa realidade, há evidências de declínio

de algumas espécies-alvo de coleta, como é o casodo cardinal (Paracheirodon axelrodi) e do disco(Symphysodon discus) no Estado do Amazonas(BAYLEY & PETRERE, 1989; CRAMPTON,1999), assim como se suspeita para o acari-zebra(Hypancistrus zebra) no sistema Xingu-Iriri, Estado doPará, cuja captura já está proibida pelo Ibama, face àcoleta excessiva para atender à demanda do comércio.O acari-zebra está na lista oficial de peixes ameaçadosde extinção (MMA, 2008). Tem como habitat oubiótopo fendas das pedras submersas do rio Xingu eIriri, em trechos com correnteza.

Essa prática extrativista tem dois aspectos negativosà luz do necessário apoio do conhecimento científicopara seu uso: (1) enquanto outros países implementammelhoria genética para realçar as cores e formasespetaculares desses peixes, com sua adaptação aoaquário, e com reprodução em laboratório, o Brasilcontinua na simples prática de coleta predatória, e (2)o extrativismo predatório está reduzindo as populaçõesnaturais de maneira drástica, alterando seus hábitats elevando algumas espécies à extinção.

Alguns trabalhos têm apontado para o atraso dapesquisa com relação ao mercado de peixesornamentais. Se por um lado o Brasil continua a supriro mercado por via do extrativismo não sustentável,por outro lado países importadores, principalmente osasiáticos, têm aperfeiçoado técnicas de manejo, comavanço no conhecimento da biologia reprodutiva deespécies como o acará-disco (Symphysodonaequifasciata), o acará-bandeira (Pterophyllumscalare), o neon-tetra (Paracheirodon axelrodi),arraias e outros (CHAPMAN et al.,1998; OLIVER,2001; CARVALHO JÚNIOR et al., 2009; RIBEIROet al.,2009).

Como esses peixes coletados na natureza no Brasilsão exportados ou contrabandeados para o exterior,muitas espécies são ainda desconhecidas sob o enfoquetaxonômico, e quase nada se sabe sobre sua biologiareprodutiva e alimentar (BATISTA et al., 2004). Porexemplo, suspeita-se que muitos peixes coletados nos

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ambientes com pedras do rio Xingu sejam endêmicos,e duas constam da lista de espécies ameaçadas deextinção, da Secretaria de Meio Ambiente (Sema) doEstado do Pará em documento de 2008: o acari-zebra(Hypancistrus zebra) e o zebra-marron (Hypancistrussp). Note-se que esta segunda espécie ainda temproblema taxonômico a resolver. Espécies de acarisdos gêneros Baryancistrus, Pseudancistrus,Scobinancistrus, Oligancistrus e outros são tambémcoletadas para aquários.

O fato evidente do vazio que existe no Brasil entrea pesquisa científica e o uso de espécies dabiodiversidade, nesse comércio de peixes ornamentais,se deu quando a Alemanha anunciou em outubro de1993 que conseguiu a reprodução do acari-zebra emcativeiro, na Europa (revista de aquariofilia alemãDATZ – Die Aquarien-und Terrarienzeitschrift –www.datz.de), enquanto milhares de acaris-zebracontinuam a ser coletados no rio Xingu, levando àdepleção de suas populações e seus hábitats, comameaça de sua extinção.

Fauna silvestreEntre as espécies da fauna silvestre, há um grande

potencial de aproveitamento econômico, desde queo manejo conte com o necessário apoio da pesquisacient ífica e da experimentação para oaperfeiçoamento de seu manejo, visando ao usosustentável na natureza, em semiconfinamento ou emregime intensivo de confinamento. Há fartadocumentação sobre espécies brasileiras com esseenfoque: tartaruga-da-amazônia (ALHO, 1985),capivara no Pantanal (ALHO et al., 1989), jacaré-do-Pantanal (COUTINHO & CAMPOS, 2006),criação de emas (HOSKEN & SILVEIRA, 2003),além de outras espécies de mamíferos, aves e outrasde interesse de consumo e outros usos (ROBINSON& REDFORD, 1991; FREESE, 1994;BISSSONETTE & KRAUSMAN, 1995).

Essa lacuna entre pesquisa científica para dar apoioa planos de manejo consistentes visando à criação emconfinamento de animais de estimação e outros usos,como papagaios, araras, tucanos, primatas, tem levado

ao tráfico de animais silvestres. A grande demanda pelasespécies silvestres e a falta de meios sustentáveis parasupri-la acabam estimulando o comércio ilegal. Essetráfico se estende ainda à demanda por produtosfarmacêuticos e cosméticos oriundos da biodiversidade(HOMMA, 2008). Isso é o que se chama debiopirataria, que é considerada como o terceiro maiortráfico, atrás do comércio ilegal de drogas e do dearmas (RENCTAS, 2001).

CONCLUSÕES

Até mesmo as prioridades estabelecidas naConvenção da Diversidade Biológica (CDB), assinadadurante a Conferência Rio 92, na qual os paísessignatários se comprometeram a arregimentar esforçospara conhecer a sua biodiversidade, mostram diferençasentre a força da pesquisa de países desenvolvidos edaquela em países em desenvolvimento. Para ilustraressa diferença, os três principais herbários da Amazônia– Museu Paraense Emilio Goeldi, Inpa e EmbrapaAmazônia Oriental – contam com uma coleçãocientífica de 554.655 amostras. A coleção brasileirachega a pouco mais de 6 milhões de amostras. Já osEstados Unidos dispõem de um total superior a 60milhões de amostras (ARRUDA, 2008).

Há um vazio identificado entre os resultados dapesquisa científica, com ênfase para a contribuição dabiotecnologia, para o uso sustentável e a conservaçãoda biodiversidade brasileira. Muitas espécies passampor processos de coleta predatória, levando à depleçãode suas populações e alteração de seus habitatsnaturais. Para conservar e fazer uso sustentável doimenso potencial da biodiversidade brasileira, énecessário alavancar a capacitação institucional dapesquisa científica, com a necessária formação depessoal e a aceitação pela conscientização da inserçãodesse procedimento nos planos de manejo parabenefício socioeconômico das populações regionais,bem como para o desenvolvimento da indústriafarmacêutica, de cosméticos e de alimento, além deoutros usos da biodiversidade.

Essa postura ganha força diante do grau da perdada biodiversidade presente por que passam os biomas

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brasileiros. Todo esse esforço requer adequadorecurso institucional e capacitação humana. Éfundamental sair do estágio meramente extrativista, queainda mantém níveis de pobreza inaceitáveis para aspopulações humanas locais, procurando integrar osinstrumentos e ferramentas das recentes contribuiçõesda ciência e tecnologia, na busca do aperfeiçoamentode políticas públicas relacionadas aos planos de manejode produtos da biodiversidade, visando ao seu usosustentável e sua conservação.

Enquanto a biotecnologia prioriza as ferramentaspara o desenvolvimento econômico, em busca dedemandas do mercado com enfoques para áreasestratégicas, a conservação e o uso sustentável dabiodiversidade são igualmente uma estratégiaimportante para o desenvolvimento e para a segurançadas gerações futuras, dentro do espírito da Convençãosobre Diversidade Biológica. Esse tratado internacionalfoi resultado da Conferência das Nações Unidas parao Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD),realizada no Rio em 1992, assinado pelo Brasil juntocom 188 países, e vem sem ratificada em diversasreuniões recentes. Já foram realizadas seis reuniões daConferência das Partes, com a atuação dos países queratificam a convenção. Com isso, os países signatáriosou partes se comprometem a conservar abiodiversidade, promover o uso sustentável de seuscomponentes e dividir de forma justa e igualitária osbenefícios proporcionados pelo uso de recursosgenéticos, promovendo ações de biossegurança e depromoção da biotecnologia.

AGRADECIMENTOS

Celina Alho ajudou na elaboração do manuscrito.

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A LEI DA APRENDIZAGEM: UMA SOLUÇÃO POSSÍVEL PARA AQUESTÃO DO TRABALHO INFANTO-JUVENIL*

SGARBI, Luciani Marconi Caetano MartinsMestre pelo Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente do Centro

Universitário de Araraquara – Uniara. E-mail: [email protected], Vera Lúcia S. Botta

Professora Doutora e Coordenadora do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e MeioAmbiente do Centro Universitário de Araraquara – Uniara.

RESUMO

Este artigo tem como principal objetivo identificar e analisar o contexto social, histórico e jurídico quedeterminou a elaboração da Lei da Aprendizagem, constituindo-se parte de uma dissertação apresentada aoPrograma de Pós-Graduação em Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente do CentroUniversitário de Araraquara. Através de uma pesquisa bibliográfica foi possível compreender a significaçãoda infância, da adolescência e do trabalho, tendo, ainda, ficado demonstrado que, no Brasil, o trabalhoinfanto-juvenil sempre esteve e ainda está diretamente ligado à condição socioeconômica da família doindivíduo em questão. Daí decorre que, a lei que foi editada com base numa política pública destinada a abrirpossibilidades aos adolescentes que nascem em famílias pobres, se não for aplicada de forma adequada, temseu alcance limitado de forma a tornar-se um instrumento de legitimação da ideologia que naturaliza o trabalhoprecoce e favorece a manutenção e reprodução da dominação vigente.

PALAVRAS-CHAVE: Jovem aprendiz; Trabalho infanto-juvenil; Educação e trabalho; Lei 10.097/00; Aprendizagem.

ABSTRACT

The main objective of this paper has been to identify and to analyze the social and historical context that ledto the drafting of the Learning Law, becoming part of a dissertation presented to the Post-Graduate Masterof Regional Development and Environment of Centro Universitário de Araraquara-UNIARA. A literaturesearch allowed us to understand the significance of childhood, adolescence and work, and it has also beendemonstrated that in Brazil, child labor has always been and is still directly linked to the socioeconomiccondition of the concerned individual's family. As a consequence, the law, that was issued on the basis ofpublic policy, aiming at opening opportunities for adolescents who are born into poor families, if not appliedproperly, has its scope limited in order to become an instrument of legitimizing the ideology that considersearly work normal and encourages the maintenance and reproduction of the current domination.

KEYWORDS: Young learner; Youth work; Education and labor; Law 10.097/00; Learning.

*Este texto deriva da dissertação (mestrado): "O trabalho do jovem aprendiz: uma promessa institucional truncada?" (SGARBI,2010). Defendida em 4 de maio de 2010.

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SGARBI, L.M.C.M. & FERRANTE, V.L.S.B.

INTRODUÇÃO

A Lei da Aprendizagem é uma política pública queuniu as dimensões da Educação e do Trabalho, numatentativa de amenizar as desigualdades sociais por meioda qualificação e inserção do adolescente no mercadode trabalho. O diploma legal em questão tem porescopo a formação do adolescente através do seudesenvolvimento cultural e profissional e a viabilizaçãoda sua inserção no contexto social do trabalho,ressaltando o aspecto educativo do indivíduo, quedeve sobrepor-se ao produtivo. Este propósito temorigem na Convenção Internacional sobre os Direitosda Criança, em Assembléia Geral das Nações Unidas,que, ao reconhecer a vulnerabilidade e hipossuficiênciada criança e do adolescente, materializou esta meta noprincípio de proteção integral, princípio estetotalmente consagrado nos diplomas legais brasileiros,devendo, por isso, ser garantido não só pelo Estado,mas por toda a sociedade. Na verdade, a aludidanorma é considerada uma resposta ao problema doabandono social, moral e material em que se encontramnossas crianças e adolescentes oriundos das camadassociais mais pobres. O que se tem a partir daí é alegalização de uma prática que vem reforçar anaturalização do trabalho infanto-juvenil, posto queconsiderado uma necessidade formativa edisciplinadora para os indivíduos oriundos destesestamentos sociais, situação que dissimula a violênciaaí implícita.

SIGNIFICAÇÃO DA INFÂNCIA, DA ADOLESCÊNCIA E DO

TRABALHO

O desprezo à infância e à adolescência não seconstitui num problema contemporâneo, nemtampouco exclusivo do nosso país. Assim, antes deadentrarmos especificamente no tema do trabalhoinfanto-juvenil, cabe tratar dos conceitos da infância,da adolescência e do trabalho.

Todos sabemos que a divisão da vida do indivíduoem fases é uma construção sociocultural e, até o finalda Idade Média, o que se verificava era uma totalausência de significação de infância. É certo que sempreexistiu a diferença de tratamento e educação segundo

as divisões de classes. Os filhos oriundos da nobrezaeram destinados ao ensino das coisas sagradas edirecionados para a administração, enquanto os filhosde classes inferiores eram "adestrados" para o exercíciode diversificados ofícios manuais. Dessa forma, duranteséculos, a criança foi tirada desde cedo do seio familiarpara ser "treinada" e, na medida em que adquiria umamínima compleição física, já era inserida nos afazeresdos adultos, "...aprendia as coisas que devia saberajudando os adultos a fazê-las" (ARIÈS, 1981,prefácio, p. ix-x). Ainda segundo Ariès, a partir doséculo XVII é que começou a ser construído um novoconceito que distinguia a fase da infância do períodode vida adulta, reconhecendo-se a fragilidade e aingenuidade da criança, características que lheoutorgaram tratamento diferenciado e levaram asfamílias a se organizar em função dos filhos.

No que diz respeito à adolescência, essereconhecimento tardou ainda mais. Somente no séculoXX é que foram definidas as características desseperíodo de transição entre a infância e a idade adulta,fase que também necessita de atenção e tratamentoespecial (LEPRE, 2003).

Ferreira (1988) define adolescência como umperíodo dentro do ciclo vital posterior à infância, quecomeça com a puberdade. Trata-se de um tempomarcado por uma série de mudanças físicas epsicológicas cujo intervalo vai aproximadamente dos12 aos 20 anos; portanto, adolescente é aquele que"ainda não atingiu todo o vigor" (p. 17). SegundoFernandes (2008), a Psicologia considera aadolescência uma fase de transição em que a pessoadeixa para trás tudo o que está relacionado com suainfância e, a partir daí, constrói a sua identidade. Sobo aspecto sociológico, a autora refere-se a um períodomarcado pela passagem do estado de dependênciapara o de emancipação, fato que marca a definição devários aspectos, dentre eles o da vida profissional. Asdificuldades acarretadas por tal inconstância colocamo adolescente numa situação de vulnerabilidade.

Da mesma forma que os conceitos tratados acima,a concepção de trabalho também sofreu alterações nodecorrer da história. A palavra trabalho tem origem no

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latim "tripalium", instrumento de tortura. (DUROZOI;ROUSSEL, 1993). Seu significado mais comum é ode ser uma atividade física ou intelectual, própria dohomem, dirigida a uma finalidade, entretanto, essesautores (op. cit.) afirmam que "a dupla tradição gregae cristã torna-o aliás um sofrimento, uma punição e atéuma maldição (Bíblia)."

O trabalho já foi conceituado das mais diversasmaneiras e visto sob os mais diversos ângulos: uminstrumento modificador da natureza, edificador devalores morais e práticos, fator disciplinador, areferência na vida do indivíduo, dentre outros.

Para a filosofia, "o trabalho define o homem"(DUROZOI; ROUSSEL, 1993, p. 472). Quando setenta buscar o verdadeiro significado do trabalho, oque nos vem à mente é a clássica comparação entre ohomem e a abelha feita por Marx em O Capital:

"Antes de tudo, o trabalho é um processo de queparticipam o homem e a natureza... (...)Atuandoassim sobre a natureza externa e modificando-a,ao mesmo tempo modifica sua própria natureza.Desenvolve as potencialidades nela adormecidase submete ao seu domínio o jogo das forçasnaturais. Não se trata aqui das formas instintivas,animais, de trabalho. Quando o trabalhador chegaao mercado para vender sua força de trabalho, éimensa a distância histórica que medeia entre suacondição e a do homem primitivo com sua formaainda instintiva de trabalho. Pressupomos otrabalho sob forma exclusivamente humana. Umaaranha executa operações semelhantes às dotecelão, e a abelha supera mais de um arquitetoao construir sua colméia. Mas o que distingue opior arquiteto da melhor abelha é que ele figurana mente sua construção antes de transformá-laem realidade. No fim do processo do trabalhoaparece um resultado que já existia antesidealmente na imaginação do trabalhador. Ele nãotransforma apenas o material sobre o qual opera;ele imprime ao material o projeto que tinhaconscientemente em mira, o qual constitui a leideterminante do seu modo de operar e ao qual

tem de subordinar sua vontade." (MARX, 1985,p. 149-150)

Marx considera o trabalho uma forma que o homemtem de mostrar ao outro sua subjetividade, a naturezaque lhe é própria e exclusiva; entretanto, a partir domomento em que o trabalhador se submete à égide dosistema capitalista, surge a questão do "estranhamento",da alienação pelo trabalho. Assim, o trabalho, segundoo filósofo, deve ser considerado sob duas dimensões:a concreta e a abstrata, de acordo com a natureza dacoisa produzida.

A diferença consiste no seguinte: se, através dotrabalho, o homem objetivar um determinado fim útil àsociedade, estaremos diante de um trabalho concreto,aquele em que se conserva o seu verdadeiro sentido;ao contrário, o trabalho torna-se abstrato quando aforça humana é utilizada para produzir uma mercadoriadespida de qualquer subjetividade, ficando limitada àcriação de valores de troca, que perderam seu caráterqualitativo, reduzindo-se, portanto, ao aspectoquantitativo (ANTUNES, 2005).

Aludida concepção, feitas as devidas adequações,ainda se mostra atual no mundo contemporâneo;contudo, podemos dizer que o trabalho tomou a feiçãoque lhe impõe a ordem econômica e o transformou emfonte de produção de riqueza. A partir disso, todotrabalho ou ofício que gera baixa remuneração ficacompletamente despido de qualquer valoração social.

Por conta de todas essas roupagens e significaçõesdadas ao trabalho, quando relacionamos trabalho àinfância e à adolescência, a questão torna-se maiscomplexa. Pergunta-se: qual o real significado que eleassume quando é exercido precocemente pela criançae pelo adolescente em nossa sociedade?

TRABALHO INFANTO-JUVENIL: UMA MARCA HISTÓRICA

Através de um resgate histórico da questão,tentaremos compreender quais são os processos deestruturação e relacionamento que sustentam a práticado trabalho infanto-juvenil em nossa sociedade.

Ao longo da história, a criança sempre esteveindefesa. Na Antiguidade, mais especificamente na

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Roma antiga, os filhos de escravos eram vendidos edestinados ao trabalho em minas de cobre e prata(NOGUEIRA, 1990 apud SAMPAIO et al., 2007,p. 315). Em outras épocas, as crianças eram afastadasdos pais e, desde muito cedo, trabalhavam fora decasa, sendo que o sustento e o aprendizado constituíamas formas de seu pagamento. Segundo Singer (1977,p. 20 apud MORAES, 2007, p.20), na Europa, noséc. XVI, os capitalistas já exploravam a mão-de-obrainfantil, no seio da família camponesa, prática que foiintensificada com a industrialização.

A indústria têxtil foi aquela que mais favoreceu essetipo de trabalho e é citada por todos os autores queabordam o tema como a grande vilã em todo o mundo.Era um trabalho que não exigia qualificação, nem forçafísica e, por isso, constituía-se num serviço barato, umavez que as crianças sempre ganhavam menos que osadultos do sexo masculino (MORAES, 2007).

Ainda segundo o autor (op. cit.), no Brasil colonial,as crianças, fossem elas livres ou escravas, exerciamas mais diversas funções; as meninas atuavam comorendeiras, costureiras, fiandeiras ou, ainda, no trabalhodoméstico e os meninos como lavradores, sapateiros,cozinheiros, mineiros e carvoeiros. Entretanto, seguindouma tendência mundial, essas funções mudaram quandoa indústria têxtil chegou ao país. Na época, 60% damão-de-obra empregada era trabalho infantil.(VIANNA, 1976, p.82 apud MORAES, 2007).Embora houvesse um entendimento uniforme de que otrabalho era o antídoto para a ociosidade, amarginalidade e, principalmente, para a criminalidade,o que a realidade mostrava é que, ao ingressaremprecocemente no trabalho, os menores ficavamexpostos a todo o tipo de violência. (SILVA, 1996, p.63 apud MORAES, p. 20-21). Tais problemas eramperceptíveis, mas não se cogitava acabar com essaforça de trabalho.

Ressalte-se, neste ponto, que a concepção detrabalho como formador da moral do indivíduo oucomo vocação foi forjada pelo próprio capitalismo,sendo esta ideia, conforme nos ensina Whitaker(2005), corroborada pela "reforma protestante e pelasforcas inglesas que executaram milhares de vadios e

ociosos nos primórdios da industrialização" (p.62).Não se pode olvidar que, a par dessa realidade

apresentada no meio urbano, sempre existiu o trabalhoinfantil no meio rural, seja ligado à unidade familiar,seja numa versão mais recente, como trabalhador mirimassalariado.

Até a década de 60, o trabalho infantil no meiorural era abordado, nos estudos realizados, somentecomo uma questão secundária, pois por estar ligado àagricultura familiar não chamava a atenção dospesquisadores. Conforme nos relata Antuniassi (1983),os filhos, desde muito cedo, começavam a ajudar ospais. O trabalho, encarado como ajuda, entrava nocircuito das invisibilidades.

Fato interessante que a autora nos coloca (op. cit.)é que as transformações históricas e econômicasmundiais irradiaram seus efeitos também sob a formapela qual o trabalho infantil é exercido no meio rural.Se, antes, as crianças trabalhavam para a garantia desustento e da produção agrícola familiar, maisrecentemente, a partir da década de 70, elas setornaram vítimas do processo de proletarização dotrabalhador rural. A sua força de trabalho foitransformada em mercadoria porque a produçãofamiliar começou a vincular-se ao cultivo de matérias-primas para a indústria, fato que, além de aumentar onúmero de crianças na roça, acarretava a sua inserçãomais precoce neste trabalho, por volta de 7 anos.

Antuniassi (1983) cita, ainda, o estudo de Ribeiro(1983) que teve como recorte geográfico a Zona daMata Pernambucana, mostrando que é predominantea forma assalariada da organização do trabalho nacultura da cana-de-açúcar, e tal fato revela "umprocesso de expropriação e submissão ao capital". Essequadro foi reforçado na agricultura paulista, que assistiua um aumento da participação do trabalho infantilvolante, ou seja, os bóias-frias mirins, fruto daimplantação do processo do capitalismo na zona rural.

Do exposto, pode-se aferir que o drama dessestrabalhadores em miniatura não encontra limites nemno tempo, nem no espaço, uma vez que o trabalhoinfantil sempre existiu em todas as épocas e em todosos lugares, e a perspectiva de sua erradicação, ainda

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que difícil , constitui-se numa situação controversa.

TRABALHO INFANTO-JUVENIL: UM MAL NECESSÁRIO?Conforme já referido, não obstante o trabalho

assuma várias significações, em decorrência do modeloeconômico capitalista, seu aspecto mais marcante temsido o fato de ser gerador de condições materiais paraa vida, adquirindo, por conseguinte, uma conotaçãode preparação profissional.

Nesses termos, no Brasil, o trabalho infanto-juvenilsempre está diretamente ligado à condiçãosocioeconômica da família, e, embora existam outrascausas que o determinem, a pobreza é a maissignificativa delas e os dados estatísticos demonstram,claramente, essa realidade.

No país, em 2006, segundo os dados da PesquisaNacional por Amostra de Domicílios (PNAD), 5,1milhões de crianças e adolescentes na faixa de 5 a 17anos de idade estavam trabalhando e, desse total detrabalhadores, aproximadamente 77% morava emdomicílios cujo rendimento médio mensal domiciliar percapita era menor que um salário mínimo (IBGE, 2006).

O que se tem observado, no entanto, é que otrabalho infanto-juvenil é aceito naturalmente pelascamadas mais pobres e essa prática faz parte da culturado país (SANTOS, 2002 apud MORAES, 2007,p.74). Embora a autora faça referência a uma"construção cultural", acreditamos que a expressão"ideologia vigente" estaria melhor adequada paradesignar este tipo de violência que se encontralegitimada pela própria sociedade, fato que torna aindamais difícil sua erradicação. Conforme colocação feitapor Madeira (1993), sob esta justificativa, o trabalhoinfantil perde a sua conotação de tirania e passa a serencarado como a opção mais digna e comum entre os"infortunados", modo de prevenir-se a vadiagem e acriminalidade, esta é a ideologia que sustenta e mantéma exploração infantil do trabalho no Brasil (SAMPAIOet al., 2007). Naturaliza-se este trabalho comonecessidade formativa e disciplinadora, dissimulando-se o constrangimento aí implícito.

Esta dubiedade do termo trabalho, que ora oapresenta como atividade libertadora, relacionada a

planos e benefícios futuros, ora o associa ao desgastefísico e mental, é responsável pela postura assumidapela sociedade que, embora considere o trabalhoinfantil ilegítimo, é tolerante com essa prática.

Hoje, porém, sabemos que a inserção precoce domenor no mercado de trabalho acarreta efeitosnefastos, tanto para o indivíduo quanto para asociedade, tendo como saldo a perpetuação daignorância e da pobreza, porque a exploração da mão-de-obra infantil, vez por outra, muda sua legitimação ejustificativa. Entretanto, seja qual for a época ou lugarem que é praticada, ela se apresenta com as mesmascaracterísticas, ou seja, é mal remunerada,desqualificada, tem jornada de trabalho indefinida,sempre está ligada ao baixo custo de produção e, oque é mais grave, à sobrevivência do indivíduo e dafamília (SAMPAIO et. al., 2007).

De acordo com o autor (op. cit.), geralmente acriança e o adolescente que são submetidosprecocemente ao trabalho braçal, repetitivo e emcondições penosas são prejudicados sob diferentesaspectos. Assumir tal postura não significa adotar umavisão maniqueísta sobre o trabalho infanto-juvenil. Otrabalho, sem dúvida, contribui para um avanço, paraa edificação do indivíduo e, como salienta Moraes(2007), "tem uma relação direta com o entendimentodo sujeito no mundo em que vive", mas para que surtaefeitos positivos, é condição "sine qua non" que talatividade não interfira na saúde, na escola, no repousoe no lazer da criança e do adolescente, pois não hácomo garantir um desenvolvimento adequado se taispressupostos não estiverem satisfeitos.

A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA EM RELAÇÃO À PROTEÇÃO

DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

No Brasil, o primeiro diploma legal que tratou dotrabalho do menor foi editado no ano de 1891 e sedestinava a regular o trabalho infanto-juvenil nasfábricas do Rio de Janeiro (MORAES, 2007).

Posteriormente, mais exatamente no ano de 1927,foi aprovado o Código de Menores, que regulamentouo direito a ser aplicado aos menores de 18 anos quese encontravam em "situação irregular", denominação

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que abrangia tanto os menores infratores quanto osabandonados, ou seja, todos os "infortunados". Pordispensar tratamento diferente a esses indivíduos, a leicriou um estigma em relação ao menor que estivesseem qualquer das situações previstas naquele diplomalegal, uma vez que criou dois tipos de infância(COELHO, 2005), hierarquizados pelo marco daregularidade e do acesso a direitos.

Em 1959, 11 anos após a proclamação daDeclaração Universal dos Direito do Homem, surge aDeclaração Universal dos Direitos da Criança, quereconhece a criança como um indivíduo que tem direitospróprios, ou seja, "a criança deixou de ser consideradaextensão de sua família, passando a ter direitos próprios,oponíveis, inclusive, aos de seus pais ou aos de qualqueroutra pessoa" (RANGEL, 2004).

Apesar dessa tendência humanista mundial, oCódigo de Menores de 1979 manteve a concepçãodo diploma anterior, baseada na "situação irregular" domenor. Dentro desse contexto, "à criança pobre seapresentavam duas alternativas: o trabalho precoce,como fator de prevenção de uma espécie dedelinquência latente e a institucionalização, como fatorregenerador de sua fatal perdição" (op.cit.). Fica claroque, até então, a legislação, seguindo os hábitos sociais,também havia erigido o trabalho à condição demecanismo disciplinador da criança de classe menosfavorecida.

O certo é que os novos paradigmas que reconhecema criança como sujeito de direitos, e admitem anecessidade de proteção especial e integral decorrenteda sua condição de hipossuficiência e vulnerabilidade,somente foram incorporados "in totum" pelo DireitoPositivo Brasileiro após a Constituição Federal de1988. Acontece que esse status de norma constitucionalnão tem garantido seu efetivo cumprimento. Aocontrário, formas diferenciadas de violência continuama se impor aos menores, dissimuladas, muitas vezes,pelo pseudoargumento de ser o trabalho fator deconsolidação de personalidades bem formadas.

A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL BRASILEIRA E O ECAA nova Constituição Federal (CF) é considerada

especial em razão dos avanços que trouxe ao nossoordenamento jurídico. No seu artigo 1.º, dentre osfundamentos do Estado Democrático de Direitovigente, estabeleceu, respectivamente nos incisos II,III e IV, a cidadania, a dignidade da pessoa humana eos valores sociais do trabalho. Isso quer dizer que estessão os pilares nos quais o Estado brasileiro se encontraapoiado, o que não garante, reiteramos, sua efetivaexecução.

Mais abaixo, no artigo 3.º, a Lei Maior elencou aconstrução de uma sociedade livre, justa e solidária ea erradicação da pobreza e da marginalização comoobjetivos fundamentais da República Federativa doBrasil.

Estabeleceu, ainda, no artigo 5.º, os direitos egarantias fundamentais, assegurando-os a todos osbrasileiros e estrangeiros residentes no país e, paraque não houvesse dúvidas, proclamou de formaminuciosa e específica os direitos fundamentais dascrianças e dos adolescentes, arrolando-os no seu artigo227, a saber: "...direito à vida, à alimentação, àeducação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, àdignidade, ao respeito, à liberdade e à convivênciafamiliar e comunitária". Além disso, dispôs sobre aproteção em relação a qualquer tipo de negligência,discriminação, exploração, constrangimento, crueldadeou tirania que possam vir a sofrer.

Numa linguagem leiga, poderíamos dizer que aConstituição Federal, por um lado, consagrou ainviolabilidade dos direitos mencionados e, por outro,declarou inadmissível e inaceitável qualquer tipo deviolência, seja ela física, moral ou espiritual em relaçãoaos sujeitos destinatários da norma, garantindo-lhesnão apenas o direito à vida, simplesmente, mas o direitoa uma vida digna.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),que entrou em vigor no ano de 1989, veio substituir oantigo Código de Menores e adotou os princípios daprevenção geral, da garantia prioritária e doatendimento integral da criança e do adolescente.

Embora os direitos à educação e à profissionalizaçãotenham sido explicitamente citados pelo textoconstitucional, estando reconhecida a sua

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essencialidade, a Constituição Federal de 1988 nãoparou por aí, pois, ao tratar dos direitos sociais e, maisespecificamente, dos direitos dos trabalhadores, no seuinciso XXXIII, estabeleceu:

"a proibição de trabalho noturno, perigoso ouinsalubre a menores de dezoito e de qualquertrabalho a menores de dezesseis anos, salvo nacondição de aprendiz, a partir de quatorze anos"

O fato é que a fragilidade das relações de trabalhoestabelecidas no capitalismo, fundamentadas naexclusão social, impedem que os direitos garantidospor lei sejam praticados no dia-a-dia, uma vez que a"melhor alternativa" dada pelo sistema é encaminharas crianças e adolescentes pobres ao trabalho.

Marin (2005), ao citar Marx, trata o trabalho infantilcomo a situação máxima de exploração da dominaçãocapitalista, sendo a desigualdade social um ônus muitogrande imposto aos pequenos em razão da sua condiçãode submissão e vulnerabilidade: "Com a revoluçãoindustrial, as crianças pobres foram transformadas emoperárias úteis e produtivas, submetidas às condiçõesde extrema exploração" (p. 10).

É importante salientar o tratamento diferenciado queo Estatuto dá à criança e ao adolescente quando define,em seu art. 2.º, "criança" como sendo a pessoa até 12anos de idade incompletos e adolescente o indivíduode 12 a 18 anos de idade.

Dentre as normas de proteção nele estabelecidas,também está aquela que proíbe qualquer tipo detrabalho aos menores de 14 anos de idade, salvo nacondição de aprendiz. Em seguida, ainda no CapítuloV, define que a aprendizagem obedecerá à legislaçãoespecial, observados os princípios e normas que opróprio estatuto estabelece.

Para entendermos o marco limítrofe entre o trabalhoque explora e o trabalho que emancipa, trazemos àlume a lição de Risso et al. (2006):

Acreditamos que a exploração e perversidadedo trabalho infantil está na (des)organização dasociedade, nas estruturas econômicas e sociais

que obrigam as crianças a trabalhar parasustentar sua família e a si próprios, deixandode lado o estudo, o lazer, deixando de viver suainfância (p.128).

A ênfase na complementaridade de renda, no fatode que a dispensa de tempo com o estudo significa abrirmão do trabalho da criança no sustento da casa, é queatribuem essa malignidade ao trabalho (SARTI, 1996).

Em obediência aos comandos legais econstitucionais citados é que surgiu a Lei 10.097/00para regulamentar o trabalho educativo, que pode sercompreendida como uma resposta a um campo deforças e pressões para se legalizar o trabalho, emboranão seja isenta de controvérsias.

O DIREITO À PROFISSIONALIZAÇÃO E A PROTEÇÃO AO

TRABALHO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE

O Capítulo V do ECA que dispõe sobre o direito àprofissionalização e à proteção ao trabalho, regula otrabalho do adolescente em suas várias modalidades:o adolescente empregado – que pode ser o maior de16 anos e menor de 18 anos, não inscrito em programade aprendizado; o aprendiz – aquele maior de 14 anose menor de 24 (segundo alteração legal) regulamentadopela Lei da Aprendizagem; o adolescente em regimefamiliar de trabalho; o aluno de escola técnica; e oassistido em entidade governamental ou não-governamental.

Dentro de tais categorias, existem as modalidadesque, embora possuam em comum o caráter educativo,não podem ser confundidas com o contrato deaprendizagem, também previsto no ECA eregulamentado pela Lei 10.097/00, que se diferenciada anterior por visar a efetiva profissionalização e,ainda, por contemplar direitos trabalhistas eprevidenciários, cuja aplicação prática é objeto dapesquisa realizada para dissertação de mestrado járeferida (COELHO, 2005).

É imperioso, neste ponto, esclarecer, comdeterminado rigor técnico, o que seria a formaçãotécnico-profissional, segundo expressão legal contida

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no art. 62 do ECA e que se constitui no foco da Lei10.097/00.

Segundo podemos extrair da essência do dispostono Glossário da Organização das Nações Unidas paraa Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), essaformação não visa apenas ao aprendizado para aprática de uma profissão ou ofício específico, mas temcomo principal finalidade o desenvolvimento deapt idões e habilidades gerais mais amplos,proporcionando ao indivíduo a capacidade decompreender, raciocinar e agir segundo as exigênciasatuais do mundo do trabalho, sendo que, para que talobjetivo seja alcançado, se recomenda que o conteúdocultural de tais cursos seja ampliado (OLIVEIRA,1994apud RANGEL, et al.). Isto posto, percebe-se queaquela antiga concepção de aprendizagem de umtrabalho mecânico e limitado é inadmissível.

Nestes termos, tendo sido trazidos a lume os pilaressobre os quais se assenta a Lei 10.097/00 – Lei daAprendizagem –, passemos a conhecê-la melhor paraque possamos tentar entender como ocorre a suaefetiva aplicação dentro do contexto social.

A LEI 10.097/00 – LEI DA APRENDIZAGEM: A SOLUÇÃO

PROGRAMADA?O escopo da lei é garantir ao adolescente o

exercício da cidadania plena, abrindo a possibilidadede materialização do direito à profissionalização destaclasse.

O artigo 428 da Consolidação das Leis doTrabalho (CLT), com redação dada pela Lei 10.097/2000, definiu claramente a aprendizagem. Aconteceque, mais recentemente, o artigo foi alterado novamentepela Lei n.º 11.180, de 23 de setembro de 2005, noque diz respeito à idade máxima permitida para aparticipação no programa de aprendizagem. Com amudança, o limite de idade passou de 18 para 24anos, assim, a nova redação passou a estabelecer oseguinte:

"Contrato de aprendizagem é o contrato detrabalho especial, ajustado por escrito e por prazodeterminado, em que o empregador se

compromete a assegurar ao maior de 14(quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos,inscrito em programa de aprendizagem, formaçãotécnico-profissional metódica, compatível com oseu desenvolvimento físico, moral e psicológico,e o aprendiz a executar, com zelo e diligência, astarefas necessárias a essa formação."

Na verdade, o contrato de aprendizagem, conformedefine o artigo supracitado, é um contrato especial detrabalho que, para ter validade, deve obedecer aalgumas condições determinadas na lei, ou seja,anotação em Carteira de Trabalho de PrevidênciaSocial, inscrição em programa de aprendizagemdesenvolvido sob a orientação de entidade qualificadaem formação técnico-profissional metódica e, ainda,matrícula e frequência do aprendiz à escola, caso nãohaja concluído o ensino regular.

A Lei 10.097/00, que alterou mais profundamentea CLT, e depois a Lei 11.180/05 e o Decreto n.º 5.598,de 1.º de dezembro de 2005, que regulamentam acontratação de aprendizes, o fazem em consonânciacom o princípio da proteção integral da criança e doadolescente, uma vez que estabelecem como traçoespecífico a preponderância da dimensão formativa emrelação à produção, fator que diferencia o contrato deaprendizagem dos demais contratos de trabalhoprevistos em lei.

Justamente, neste ponto, surge o primeiro impasseda aplicação legal.

Os cursos de aprendizagem são ministrados emáreas técnico-profissionais diversas, sendo que a leiexige que haja uma conciliação entre a teoriaaprendida nas entidades e a prática executada nasdependências da empresa. Entretanto, o que se temvisto é que, geralmente, o menor é inserido emfunções incompatíveis, ou pior ainda, é colocado nalinha de produção de uma fábrica. Ora, não há quese falar em aprendizado e respeito a sua condiçãopeculiar de desenvolvimento, quando o mesmo ficalimitado unicamente à produção da empresa(COELHO, 2005).

Como já foi dito, apesar de as empresas (excluídas

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as microempresas e empresas de médio porte) seremobrigadas pela lei a empregar e matricular nos cursosde aprendizagem, no mínimo, 5% dos trabalhadoresexistentes em cada estabelecimento, tendo o benefíciode um recolhimento menor em relação ao FGTS (2%quando o normal é 8%), o empresário nega-seveementemente a fazê-lo, só cumprindo adeterminação legal sob ameaça de imposição dassanções previstas em lei.

Segundo a literatura existente, as violações legaismais referidas ocorrem em relação à remuneraçãopaga ao jovem aprendiz. A lei exige que o horáriodestinado ao aprendizado integre a base de cálculopara o salário. Geralmente, o pagamento se restringeao tempo em que o aprendiz passa na empresa,constituindo-se numa burla à legislação; porém, ainviabilização do cumprimento da lei não se deveapenas aos empresários. A falta de entidadesqualificadas em formação técnico-profissional, que nãoatendem à quantidade de menores necessários para ocumprimento da porcentagem mínima exigida por lei,também se constitui num obstáculo. Neste ponto, urgeque seja estimulado o credenciamento de novasentidades diversas do sistema "S", Serviços Nacionaisde Aprendizagem1, posto que este não tem conseguidoabsorver a demanda da qualificação/capacitação.

Outra questão duvidosa acerca das entidades dizrespeito ao conteúdo programático das atividadesteóricas, que nem sempre atende à exigência legal, umavez que, na maioria das vezes não tem se constituídonum enfrentamento às desigualdades sociais, cujo teorajuda a manter a reprodução da dominação vigente.Em outras palavras, embora o curso seja encaradocomo estratégia destinada a promover socialmente oadolescente através da sua inclusão no mercado detrabalho, o programa pedagógico muitas vezes écarregado de elementos ideológicos que apenas

treinam o aluno para o trabalho, adequando-o aosistema e fazendo dele um mero reprodutor,acomodado na posição em que se encontra dentro daorganização social.

Não obstante a lei tente tutelar e viabilizar o direitoà profissionalização e a proteção ao trabalho da criançae do adolescente, o grande problema reside nadicotomia existente entre aquilo que foi disciplinadopor lei e a realidade. O verdadeiro desafio é pôr emprática o espírito da lei para que ela não se constituaem "letra morta". Enfrentamentos a um emaranhadode interesses que buscam justificar ideologicamente anecessidade do trabalho do menor.

Marin (2006) enfatiza que o curso profissionalizante,para que produza efeitos consonantes ao princípio daproteção integral, deve criar um espírito crítico noadolescente, deve ser "capaz de proporcionar umaqualificação que vá além dos restritos vínculos do saberpara o trabalho e de incorporar dimensões sociais eculturais, reafirmando os jovens e sua família comosujeitos portadores de direitos" (p. 108).

Podemos perceber que o autor defende a ideia deque, para que as medidas legais não acabem apenasprovisoriamente com a exploração de crianças eadolescentes, é necessária a implementação de políticasque criem condições de cidadania não apenas aosmenores pobres, mas que englobem, também, toda asua família: "...de nada adianta retirar as criançasprovisoriamente do trabalho se os adultos continuam aviver sob as mesmas condições de trabalho" (MARIN2006, p. 117). A mudança deve ser estrutural.

PROGRAMA JOVEM APRENDIZ: UMA POLÍTICA PÚBLICA

ESTATAL DE DEFESA DOS DIREITOS?A Lei da Aprendizagem está inserida no

arcabouço legal que normatiza os direitos sociais.Segundo Silva (2000):

1O "Sistema S" vem sendo ampliado paulatinamente. Além de conter as instituições mais antigas, como o Serviço Nacional deAprendizagem na Indústria (Senai), Serviço Social da Indústria (Sesi), Serviço Nacional de Aprendizagem do Comercial (Senac)e o Serviço Social do Comércio (Sesc), comporta outras, a saber: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), ServiçoNacional de Aprendizagem nos Transportes (Senat) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Senacoop).

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...os direitos sociais como dimensão dos direitosfundamentais do homem são prestações positivasproporcionadas pelo Estado direta ouindiretamente, enunciadas em normasconstitucionais, que possibilitam melhorescondições de vida aos mais fracos, direitos quetendem a realizar a igualização de situaçõessociais desiguais (grifo do autor). (p. 289)

Quando o autor fala em prestação positiva, ele querdizer que, para que tais direitos sejam garantidos, asociedade exige "um passo à frente" do Estado, ouseja, ele deve ter uma participação ativa no sentido deinstituir, legitimar e disciplinar as diversas relações econflitos estabelecidos de forma a garantir a equidadeentre as partes envolvidas. Pode-se afirmar que, naverdade, o Estado tem o poder-dever de agir e, ainda,tem de fazê-lo de forma eficiente em obediência aosprincípios que regem os atos da administração pública,tendo em vista que é o grande responsável pelapromoção da justiça social. Nesta empreitada, semdúvida, o principal caminho a ser seguido para aviabilização do bem-estar da sociedade é a elaboraçãoe implementação de políticas públicas sociais. SegundoLima (2004 apud Barbosa), a Lei da Aprendizagemfoi elaborada com base no novo modelo econômicoglobalizado. O governo que criou a base legal paraimplementação desse programa tinha em mente ocombate ao desemprego e a formação do adolescentedas camadas menos favorecidas, a fim de que estenão se tornasse um problema maior.

A literatura nos explica que uma política públicanasce de um "estado de coisas" que, por transformar-se em um problema político, é incluído numa agendagovernamental, gerando uma formulação dealternativas. A partir daí, o Estado toma a decisão sobreas ações a serem praticadas (implementação), decisãoque sofre a influência de um campo de forças sociais.Nesse processo, cada ator deve assumir o seu papel,pois, muito embora a Lei da Aprendizagem seja orecurso de poder do qual o governo estatal tenhalançado mão para garantir a primazia dos interesses aserem protegidos, a política pública é uma construção

social e só será eficaz se houver uma coesão social,caracterizada pelo sentimento de pertencimento evontade política de fazê-lo valer (RUA, 1998).

O programa do jovem aprendiz apresenta dois ladosantagônicos. Ao observador mais inadvertido, podeparecer uma solução eficaz que o poder públicoencontrou para defender esse grupo social, baseadona demanda caracterizada pela indignidade humanarefletida no trabalho infanto-juvenil. Entretanto, àqueleinvestigador mais atento, pode caracterizar-se comoum instrumento que, ao legalizar esse trabalho, atuacomo produtor de uma representação que naturalizaessa prática, escamoteando a raiz dos problemas quecercam o trabalho infanto-juvenil.

Para os primeiros, o Estado, simplesmente,determina a participação de vários indivíduos e gruposde interesses, fazendo surgir, então, os atores sociaisparticipantes dessa política pública social, cujosinteresses são direta ou indiretamente afetados e que,no caso do Programa Jovem Aprendiz, são osseguintes: os adolescentes e suas famílias, osempresários, as entidades que ministram o cursoprofissionalizante e o poder público, que exigecumprimento da determinação legal por meio dafiscalização e da imposição de sanções para os seustransgressores. Para os segundos, a questão pode estarenvolvida em vantagens escusas, pois é sabido que opoder público não existe acima dos interesses de classe,e tais políticas expressam também um jogo de disputas,no caso a pressão que o capital exerce sobre otrabalho. Essa dubiedade é que nos incita à discussão.

O Programa Jovem Aprendiz é uma política cujosefeitos surgem em longo prazo, sendo necessárioanalisar cuidadosamente a relação entre ganhos eperdas. Urge que tais programas sejam avaliados, afim de que se possa, através da visualização dosresultados, descobrir quais os elementos queefetivamente cercam a formação e realização do cursode jovem aprendiz. Possivelmente, esta análise poderálevar à correção dos pontos negativos ou, enfim,fornecer subsídios à elaboração de novas políticas maiseficazes, que realmente deem conta de solucionar oude enfrentar o problema.

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CONCLUSÕES

O que fica patente aos nossos olhos é que o cenáriosocial do nosso país não permite que nossosadolescentes sejam poupados do trabalho precoce,uma vez que a situação de vulnerabilidade social emque se encontram os colocam em contato com o maisvariado tipo de iniquidades. Diante dessa realidade,gerada por uma miséria estrutural, os custos e asconsequências da inserção prematura do adolescenteno mercado de trabalho tornam-se menos onerosasdo que os riscos aos quais está exposto fora dele. Porisso, tal opção é maciçamente seguida pelos pais (epelos próprios adolescentes), que depositam naatividade laboral a expectativa de superação do estadode pobreza.

Por outro lado, o estudo também desvelou que aLei da Aprendizagem, a princípio encarada como umlenitivo a essa situação, apresenta vários entraves nasua execução, pois não há vagas suficientes nos cursospara absorver a demanda de jovens que procuram umemprego que lhes garanta a satisfação de suasnecessidades básicas e de suas famílias. Em relaçãoaos adolescentes, percebeu-se que, ao entrar no cursoprofissionalizante, os mesmos não estão imunes à forçado capital e, na maioria das vezes, ficam sujeitos aonovo modelo utilizado na construção do perfil do novooperariado industrial. Além disso, são levados a transigircom valores relativos à sua educação e não se dãoconta disso, ficando preocupados apenas com amanutenção de seus empregos. O empresário, por suavez, conhece apenas a imposição legal, integra oprograma sem entender seus fundamentos. Nãoconsegue perceber que, de uma maneira implícita, eleé o principal destinatário dos benefícios gerados porela e, por isso, movido por uma falsa representação,considera que sua participação decorre da suaconsciência social.

Não obstante isso, o Programa Jovem Aprendizainda se apresenta como a melhor saída. O desafio éexecutá-lo de forma a promover a inclusão doadolescente no mercado de trabalho, respeitando suacondição especial de pessoa em desenvolvimento,dando-lhe uma formação profissional que lhe garanta

uma vida digna, livrando-o, concretamente, do círculovicioso da pobreza. Somente assim ele poderá serconsiderado um mecanismo de enfrentamento àquestão da desigualdade social.

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DOS MEIOS DECOMUNICAÇÃO NO CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS E SUA

RELAÇÃO COM AS POLÍTICAS DE SAÚDE PÚBLICA

CIARLO, Thaís BozelliPsicóloga* formada pelo Centro Universitário de Araraquara – Uniara.

MASTROIANNI, Fábio de CarvalhoPsicólogo e Professor do curso de graduação em Psicologia e Direito do Centro Universitário de

Araraquara – Uniara. Av. Doutor Adhemar Pereira de Barros, 58, casa 28-Vila Melhado. CEP 14807-040.Araraquara/SP. E-mail: [email protected]

RESUMO

Problemas relacionados ao consumo de álcool são frequentes, especialmente entre os jovens. A publicidade debebidas alcoólicas influencia o seu consumo e é um dos fatores passíveis de modificação. Neste artigo, foirealizada uma revisão bibliográfica de trabalhos que investigaram, sob diversos pontos de vista, a relação entremídia e consumo. Utilizou-se a base de dados Scielo e o site de busca Google Acadêmico para artigos científicos,sendo adotados os termos mídia, consumo de álcool e propagandas, assim como livros de referência na área.A leitura dos textos nos permite refletir sobre a influência da mídia no consumo de álcool, podendo-se verificara alta exposição dos jovens, tornando-se pertinente uma discussão sobre o tema, principalmente no que serefere às políticas de proteção, assim como das regras de auto-regulamentação publicitária frente às políticaspúblicas de saúde.

PALAVRAS-CHAVE: Mídia; Álcool, Saúde pública.

ABSTRACT

Problems related to alcohol consumption are frequent, especially among young people. Alcohol beverageadvertisements influence its consumption and is one of the liable to modification factors. In this work, it wascarried out a bibliographical review of works that investigated, from several points of view, the relationshipbetween media and consumption. We have used Scielo database and Google Academic for scientific works,searching for the keywords media, alcohol consumption and advertising, as well as articles and books ofreference in the area. The reading of the texts has allowed us to reflect on the influence of media in alcoholconsumption, and we can also verify the high exposition of youth to alcohol advertisements, becoming relevanta discussion on the subject, particularly regarding protection policies, as well as self-regulamentation advertisingrules in public health policies.

KEYWORDS: Media; Alcohol; Public health.

*Este artigo é parte integrante do Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Psicólogo.

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INTRODUÇÃO

O uso de drogas psicotrópicas e o consumo deálcool pela humanidade ocorrem desde a Antiguidade.Ao longo do tempo, esse consumo esteve associado adiversos aspectos e funções, entre eles o favorecimentoda integração social. Na Idade Média o seu uso foiassociado a comportamentos anti-sociais, mas voltoua ser estimulado a partir do Iluminismo, favorecendo aprodução e comercialização do produto (CARLINIet al., 2009; ESCOHOTADO, 2000; SILVEIRA;MOREIRA, 2006; SCHULTES; HOFMAN, 1979).Já na metade do século XX, o uso dessas substânciasadotou claramente um caráter político-econômico,tornando-se nas últimas décadas um problema de saúdepública (MACRAE, 2001 apud GORGULHO, 2006).

Entre as principais substâncias consumidas emnosso país, o álcool apresenta uma das maioresprevalências; seu uso é lícito e o consumo é estimuladoatravés da mídia, recebendo uma representaçãobastante diferenciada, quando comparado às outrasdrogas. Um estudo domiciliar realizado pelo CentroBrasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas(Cebrid) verificou que o álcool foi uma das drogas commaior prevalência de uso na vida (68,7%), sendo asestimativas de dependentes de álcool em cerca de 6%(GORGULHO, 2006; CARLINI et al., 2002).

Estudos realizados com populações de estudantesdo ensino fundamental e médio da rede pública deensino, com idade entre 13 e 15 anos, em 27 capitaisbrasileiras, revelaram que cerca de 11,7% dosentrevistados eram usuários frequentes de álcool –definido como o uso de seis vezes ou mais no últimomês – e 6,7% faziam uso pesado do álcool – definidocomo uso de 12 ou mais vezes de álcool nos últimos30 dias (ANDRADE; ANDRADE; SILVA;SILVEIRA; SILVEIRA; SILVEIRA, 2008 apudGALDURÓZ et al., 2004).

Já um levantamento realizado com estudantes doensino superior de duas faculdades do Estado de SãoPaulo revelou que 11,8% dos estudantes do sexomasculino e 1,3% do sexo feminino foram classificadoscomo bebedores-problema. Com relação àdependência de álcool, o estudo apontou índices de

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CIARLO, T.B. & MASTROIANNI, F.C.

4,2% no sexo masculino e 0,8% no sexo feminino(BORINI; OLIVEIRA; MARTINS; GUIMARÃES,1994 apud CAETANO; GALDURÓZ, 2004). Umoutro estudo realizado com meninos em situação derua (MOURA; SILVA; NOTO, 2009; CAETANO;GALDURÓZ, 2004) aponta que o uso de álcool navida para essa população nas cidades de São Paulo(86%) e Porto Alegre (74,5%) tiveram um discretoaumento nos últimos anos. Além disso, o perfil deconsumo dessa população é extremamente maiselevado quando comparados com os estudantes(GALDURÓZ, 2001).

Embora o uso de álcool possa ter ampla aceitaçãopor grande parte da sociedade, o seu consumoexcessivo está associado a inúmeras consequências,entre elas: acidentes de trânsito, aumento da violência,desenvolvimento da síndrome de dependência, alémde ser responsável por 95% das internaçõeshospitalares provocadas pelo uso de substânciaspsicotrópicas (GALDURÓZ, 2001; CARLINI et al.,2009). Nesse contexto, o consumo de álcool torna-seum grande problema para a saúde pública, acarretandoaltos custos para a sociedade. Dados da OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS) mostram que os gastosreferentes ao consumo de bebidas alcoólicasrepresentam 4% do custo total da saúde públicamundial; contudo, na América do Sul, esse índice variaentre 8% e 15% (CARLINI et al., 2009; FARIA;PINSKY; SILVA; VENDRAME, 2009).

Para identificar os padrões de consumo de cadapaís, a fim de fazer um cálculo do peso global dosdanos causados relacionados ao álcool, a OMScaracterizou um padrão em cada nação do globoterrestre, classificando em quatro níveis de risco, comvariação crescente de 1 a 4. Um dado preocupante éque, no Brasil, se verificou a vigência de padrões deconsumo com elevado grau de risco (nível 4). Osestudos demonstram também que o consumo de álcoolé considerado 1 dos 10 comportamentos de maiorrisco à saúde, causando a morte de 1,8 milhões depessoas no mundo – 5% delas, jovens entre 15 e 29anos. As pesquisas ainda revelam que, para apopulação masculina, 5,6% de todas as mortes que

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ocorrem no planeta são atribuíveis ao consumo deálcool (WHO, 2002 apud GORGULHO, 2006;LARANJEIRA; MELONI, 2004).

Quando nos detemos à população adolescente, aquestão relacionada ao uso de álcool vempreocupando cada vez mais os pesquisadores eprofissionais das áreas de saúde e educação, umavez que esse uso geralmente se inicia na adolescênciae o consumo mundial de drogas, ao longo dos anos,vem aumentando consideravelmente (CARLINI,1990; CARLINI; COTRIN, 1994 apud PERGHER;RIBEIRO; TOROSSIAN, 1998). Em oposição aesses aspectos, o consumo de bebidas alcoólicas emcampanhas publicitárias é cada vez mais estimuladoe tendenciosamente voltado para as populações maisjovens: com bebidas mais atraentes, sabores,embalagens e novas possibilidades de uso(GORGULHO, 2006). Em contraponto àspropagandas, as campanhas de prevenção raramenteabordam a questão dos problemas que o produtoacarreta à saúde pública, como, por exemplo, serresponsável por 95% das internações hospitalaresprovocadas pelo uso de substâncias psicotrópicas(GALDURÓZ, 2001; CARLINI et al., 2009).

Estudos apontam que jovens com diferentescaracterísticas podem interpretar de várias formas osanúncios de álcool. Algumas características sãopercebidas como atraentes para adolescentes entre 10e 17 anos, como: o enredo da história, humor,personagens, evidenciando uma relação entre aapreciação pela propaganda e o aumento da intençãode comprar o produto. Considerando-se que a mídiaconstitui uma referência importante na sociedade atual,apresentando modelos e padrões de comportamento,podemos ponderar que ela também possui umimportante papel no desenvolvimento dos jovens(PERGUER; RIBEIRO; TOROSSIAN, 1998;JUNDI; PINSKY, 2008).

Apesar das diversas consequências relacionadas aoconsumo de bebidas alcoólicas, isso não impulsiona acriação de programas de controle ao álcool, comoacontece com as drogas ilícitas, evidenciando,portanto, maior tolerância ao seu uso (CARLINI et

al., 2009; ANDI, 2005). Outras drogas lícitas, comoo tabaco e alguns medicamentos psicotrópicos(especialmente ansiolíticos e anfetaminas), embora nãotão alardeados, continuam sendo as drogas maisconsumidas e as que trazem os maiores prejuízos àpopulação brasileira. Contudo, ainda são muito poucoconsistentes as intervenções preventivas voltadas paraessas drogas, deixando aberto o espaço paracampanhas publicitárias cada vez mais sofisticadas paraa promoção do consumo, que mascaram os inúmerosproblemas sociais que envolvem o abuso do álcool(GALDURÓZ; NOTO, 1999).

Apesar de a indústria do álcool sustentar o argumentode que a propaganda é um instrumento de escolha demarcas para o indivíduo, alguns estudos acerca depolíticas públicas sobre o álcool resumem o avanço feitonessa área, concluindo que, além da diferenciação entreas marcas, a campanha publicitária de álcool "reforçaatitudes pró-álcool, pode aumentar o consumo de álcoolentre indivíduos que já consomem, desencorajarbebedores a reduzir ou parar o consumo e influenciar aformação de políticas públicas" (p. 169) (EDWARDS;ANDERSON; BABOR; CASSWELL; FERRENCE;GIESBRECHT et al. apud PAVARINO FILHO;PINSKY, 2007).

Diante desse contexto, é válido mencionar a LeiFederal n.º 9.294, de 1996, que traz regras maisespecíficas às propagandas de bebidas alcoólicas eregulamenta também medicamentos, produtosagrícolas e tabaco. Para efeito dessa lei, no entanto,as bebidas alcoólicas são apenas aquelas com umgrau alcoólico superior a 13º GL, ou seja, nãoincluindo a cerveja (sendo este o produto alcoólicocom maior gasto em propaganda) e a maioria dosvinhos. Sua principal contribuição é restringir oshorários de veiculação das propagandas entre 21 e 6horas. No entanto, as vinhetas são permitidas emqualquer horário (CARLINI-COTRIM et al., 1995apud GALDURÓZ; NOTO, 1998; PAVARINOFILHO; PINSKY, 2007).

Atentando-se para o impacto do consumo nocivodessa substância à saúde, economia e segurançapública do país, recentemente a Agência Nacional

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de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançou um edital paraconsulta pública com o objetivo de limitar aspropagandas de bebidas alcoólicas, proposta esta quefoi muito atacada pela indústria do álcool e dapropaganda com argumentos em relação à liberdadede expressão (CARLINI-COTRIM et al., 1995apud GALDURÓZ; NOTO, 1998; PAVARINOFILHO; PINSKY, 2007).

Segundo estimativas da Organização das NaçõesUnidas (ONU), os valores movimentados por essecomércio giram em torno de "400 bilhões de dólaresanuais (maior que a indústria do petróleo), empregandoperto de 20 milhões de pessoas e servindo de 70 a100 milhões de consumidores" (COYLE, 2003 apudGORGULHO, 2006), tornando-se um alvo para omercado da mídia, ainda que não se utilize esta comoferramenta para esclarecer, informar e facilitar acompreensão dos consumidores e, consequentemente,à consciência social que é influenciada pelos meios decomunicação (GORGULHO, 2006).

Todavia, quantias altíssimas são investidas napublicidade de produtos como bebidas alcoólicas,impulsionada pelo desenvolvimento tecnológico eavanços da globalização econômica e cultural. Aspesquisas utilizadas acerca do comportamentohumano e monitoramento das preferências dosconsumidores são cada vez mais avançadas,demonstrando que não haveria tal investimento se nãoassegurassem o seu poder de influência. Além disso,a propaganda de bebidas alcoólicas propicia a criaçãode memórias afetivas positivas, ou "âncoras",portanto, o álcool passa a fazer parte da autoimagem,a constituir um estilo, uma maneira de ser, reforçandoa escolha do produto (BABOR; CAETANO;CASSWELL; EDWARDS; GIESBRECHT, 2003apud PAVARINO FILHO; PINSKY, 2007; JUNDI;PINSKY, 2008; GRAVAS, 2007 apudGORGULHO, 2006).

Estudos realizados com alunos do ensino médiodemonstram que eles lembravam pouco ou nada decampanhas preventivas sobre álcool e drogas. Porunanimidade, os meios de comunicação em destaqueeram a televisão, seguido de revistas com

propagandas de prevenção ao uso de drogas. Pôde-se constatar que a conscientização sobre as questõesprejudiciais do uso de álcool e outras drogas não estásendo efetiva entre os adolescentes. Além disso, oálcool foi a substância psicotrópica mais abordadaem campanhas publicitárias, segundo os sujeitos dapesquisa (COSTA; LUIS; OLIVEIRA; PILLON,2002).

Diante desse contexto, o Conselho Nacional deAuto Regulamentação Publicitária (Conar) divulgouuma resolução, em outubro de 2003, definindo váriosparâmetros restritivos à propaganda de bebidasalcoólicas, propondo: a exclusão de imagens voltadaspara menores, suspendendo a participação depessoas com menos de 25 anos nos comercias;desenhos animados; dentre outras normasestabelecidas. Apenas uma advertência éexplicitamente voltada à informação de que oconsumo não é dest inado para crianças eadolescentes: "Este produto é destinado a adultos."No entanto, é discrepante o impacto da propagandade bebida alcoólica, com belas imagens, seguida datarja governamental, sóbria e obrigatória, informandosobre os danos causados pelo abuso da substância(PECHANSKY; SZOBOT; SCIVOLETTO, 2004).

Num país como o Brasil, onde a maioria dapopulação tem a mídia como principal fonte deinformações, o que é divulgado pelos meios decomunicação de massa passa a ser padrão deverdade. Além disso, não apenas a publicidade, masos meios de comunicação, de modo geral, sãoimportantes instrumentos na divulgação deinformação. Esses veículos contribuem para aformação da opinião das pessoas, assim comotambém constituem um objeto de consumo, umaexperiência individual cotidiana, um sistema demediação cultural e de agregação social, além detantas outras funções (WOLF, 2003).

De acordo com o autor, os efeitos dos meios decomunicação sobre as pessoas não devem sercompreendidos em modelos de curto prazo, massim de modo cumulativo e cognitivo. A mídiainfluencia o modo como o destinatário organiza a

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própria imagem do ambiente, desempenhando umafunção de construção da realidade. Nesse contexto,surge a hipótese da agenda-setting, que pode serentendida como a tendência que as pessoas têm deincluir ou excluir de seus próprios conhecimentos oque a mídia inclui ou exclui do seu próprio conteúdo.Desse modo, a mídia seleciona os conteúdos quedevem ou não ser considerados importantes naagenda de acontecimentos (WOLF, 2003;TRAQUINA, 2005).

Se por um lado a imprensa não consegue dizer aoseu público o que pensar, por outro, ela é efetiva emdizer aos seus destinatários sobre quais temas pensaralguma coisa (WOLF, 2003; ATKIN; DEJONG,2000). Sendo assim, quanto menor for a experiênciadireta e pessoal dos indivíduos sobre um determinadotema, mais ela dependerá dos meios de comunicaçãopara obter as informações e os quadros interpretativosrelativos àquela área (WOLF, 2003).

Os meios de comunicação, por meio do jornalismo,são capazes de introduzir conceitos gerais, informaçõesbásicas e podem também ajudar a estabelecer um climade aceitação de questões críticas, constituindo-se numafonte primária para prover a população com amplasmensagens. Na medida em que os jornais exercem umpapel crítico no controle do acesso público àinformação, a cobertura de notícias, junto com outrasfontes primárias de socialização, podem influenciar ojulgamento dos leitores, formando crenças e atitudesem relação a um tema (BAILLIE, 1996; MYHRE etal., 2002).

Estudos que buscaram analisar o papel daimprensa brasileira em relação ao tema das drogas(ANDI, 2005; MASTROIANNI, 2006; NOTO;PINSKY; MASTROIANNI, 2006) demonstramque, apesar de o jornalismo ter como função levar adiscussão para a população, ampliando oconhecimento de seus leitores e estimulando reflexões,nem sempre isso ocorre em relação às drogas, umavez que, tanto a análise das publicações, como dodiscurso dos profissionais da área, apontam para asuperficialidade como o tema é tratado pelojornalismo. Nesse sentido, entende-se que o modelo

atual não tem oferecido à população e ao leitormaiores oportunidades de reflexão e discussão sobreo tema.

OBJETIVO

O presente trabalho tem como objetivo analisarpesquisas científicas e textos existentes sobre ostemas: mídia, propagandas de bebidas alcoólicas econsumo de álcool, visando compreender a relaçãoentre esses fatores e o modo como os veículos decomunicação podem influenciar o comportamentohumano. A leitura do presente artigo também buscaoferecer uma reflexão sobre o tema, tendo em vista asua atualidade e as diversas consequências oriundasdo consumo excessivo de álcool na sociedadecontemporânea.

METODOLOGIA

Realizou-se revisão bibliográfica utilizando-se a basede dados Scielo, bem como o site de busca GoogleAcadêmico para artigos científicos – neste último,selecionados para estudo apenas os trabalhoscientíficos. Os critérios de seleção dos artigosbasearam-se nos seguintes termos: mídia, consumo deálcool e propagandas, sendo eles revisados na íntegra,assim como também se privilegiou a utilização de livrosde importante referência na área, conforme observadona literatura.

A busca de artigos de pesquisa foi feita para operíodo compreendido entre 1995 e 2009, em línguaportuguesa. Todavia, foram incluídos alguns trabalhosde autores internacionais, traduzidos para oportuguês, e artigos científicos publicados na línguainglesa, pois estes foram considerados pertinentes paracontextualizar as informações obtidas no trabalho.Privilegiou-se, na seleção dos artigos estudados,aqueles contendo estudos empíricos,epidemiológicos, conceituais e de revisão querelacionassem o consumo de álcool e/ou a influênciada mídia. Durante a coleta de material, foramencontrados sete artigos de acordo com os critériosde seleção adotados, todos eles analisados eindicados nas referências.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os estudos, pesquisas e teorias revisadas nestetrabalho demonstram que existe uma relação entreconsumo de bebidas alcoólicas e o modo como asmensagens sobre esse tema são veiculadas nosmeios de comunicação. Embora este estudo seconcentre apenas na revisão de artigos e pesquisas,a leitura crítica dos textos favorece a reflexão epropõe uma discussão acerca da problemáticaenvolvendo o uso de bebidas alcoólicas, além dasconsequências oriundas desse consumo nosprogramas de saúde pública.

Observa-se que o consumo de drogas psicotrópicasvem aumentando em todo o mundo; o álcool, por suavez, é a droga mais consumida no país, tendo aceitaçãopor grande parte da sociedade, principalmente no quese refere às populações mais jovens. Seu consumoexcessivo ou inadequado está relacionado a inúmerasconsequências negativas, tornando-se um grandeproblema de saúde pública. Além disso, verifica-se quea realização de esforços no sentido de minimizar oureverter essa situação demandam altos gastos einvestimentos do setor público.

Em contraste com esse quadro, verifica-se queas propagandas desse produto, apesar dasrestrições e regulamentações acerca de suadivulgação, são cada vez mais criativas e voltadas àpopulação juvenil. Além disso, estudos e teoriassobre comunicação de massa apontam que a mídiatem o potencial de estabelecer padrões, influenciarcomportamentos e lançar novas tendências,exercendo, portanto, um importante papel nodesenvolvimento dos jovens. Nesse contexto,percebe-se que, enquanto as propagandasincentivam o consumo, os demais meios decomunicação, como o jornalismo, por exemplo, nãoconseguem, de forma satisfatória, discutir e oferecerà população um debate mais consciente sobre aproblemática.

Analisando a relação dos meios de comunicaçãocom as políticas de saúde, observa-se que ascampanhas de prevenção e os programas de controleao uso de substâncias psicotrópicas parecem ser mais

direcionados às drogas ilícitas, ainda que o maiorconsumo esteja relacionado às drogas lícitas, comoo álcool. Essas questões colocam o consumo debebidas alcoólicas em uma posição bastantecomplexa, pois, se de um lado o álcool é a drogamais utilizada, acarretando diversos gastos econsequências negativas, principalmente entre osjovens, por outro, é a substância psicotrópica maisdisseminada e est imulada pelos meios decomunicação.

Essa dinâmica nos leva a pensar que a mídia,principalmente no que se refere às propagandas debebidas alcoólicas, segue na contramão dos objetivose necessidades de políticas de saúde pública. Alémdisso, é válido destacar que esse incentivoindiscriminado ao consumo se contrapõe também aospreceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA – Lei 8.069/90), que dispõe sobre a proteçãointegral à criança e ao adolescente, sendo dever dafamília, da comunidade, da sociedade em geral e dopoder público assegurar, com absoluta prioridade, osseus direitos, evitando que sejam objetos de qualquerforma de exploração ou negligência. O artigo 81 dessalei, em seu inciso 2, deixa bastante clara a restriçãodessa população ao acesso e à comercialização debebidas alcoólicas.

Faz-se necessário salientar que, em hipótesealguma, a leitura dos textos e pesquisas sugere queos meios de comunicação são os principaisresponsáveis pelos problemas oriundos do consumoexcessivo de álcool. Em vez disso, a análise dosestudos revisados neste artigo nos permite observarnão só a importância e o potencial dessesinstrumentos, como também a possibilidade de seutilizar esses recursos associados às campanhas deprevenção, entre outras atividades voltadas àspolíticas de saúde pública. Exemplos disso sãoalgumas campanhas recentemente lançadas peloMinistério da Saúde, em que as mesmas técnicasutilizadas pelos publicitários, visando estimular oconsumo, são usadas para levar à população oconhecimento sobre os riscos e a necessidade de serefletir sobre o problema, apresentando realidades

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que as propagandas de incentivo não mostram.De qualquer forma, é muito difícil imaginar um

programa de prevenção – ou de controle – aoconsumo de substâncias psicotrópicas, com oobjetivo de informar e alertar a população, que nãoutilize os recursos e os benefícios oferecidos pelosmeios de comunicação. No que se refere à questãodo álcool, o que se observa é que hásimultaneamente a ação de duas forças antagônicas,ou seja, ao mesmo tempo em que a mídia pode serutilizada para prevenir, também é usada paraestimular o consumo. Além de favorecer sentimentose percepções contraditórias em relação ao tema,podendo gerar confusões, a ut ilização daspropagandas em duas vias distintas também nãopermite a modificação da problemática atual.

Identificando essas questões e visando alteraresse quadro, eliminando a ação de forças emsentidos opostos, alguns movimentos buscamrestringir o incentivo do consumo de bebidasalcoólicas na imprensa. Um exemplo é o movimentoorganizado por membros da própria sociedade,denominado "propaganda sem bebida" (http://www.propagandasembebida.org.br/), que tem comouma de suas metas aprovar lei que limita apublicidade de bebidas alcoólicas nos meios decomunicação e em eventos esportivos, culturais esociais, semelhante à legislação atual, que restringeas propagandas de tabaco que entraram em vigorno início da década.

A reflexão proporcionada pelas leituras nãodireciona a discussão para questões referentes àaprovação ou não do consumo de bebidas alcoólicas,tampouco ao impedimento da comercialização doproduto. Possibilita, no entanto, pensar sobre asvantagens ligadas em se eliminar ou restringir variáveisque não colaboram com os esforços e metas daspolíticas de saúde pública, como as propagandas queincentivam o consumo e agem no sentido inverso,gerando contradição e confusões sobre um tema tãodelicado.

Por fim, vale destacar que apenas isso nãoreverterá a situação atual, mas que, em médio e

longo prazos, algumas mudanças poderão serobservadas. É importante considerar que, havendoinformação adequada que permita à populaçãorefletir e pensar sobre o tema, esta também poderáinfluenciar e participar da construção de uma políticapública mais efetiva, posicionando-se frente àsvariáveis que possam interferir ou prejudicar o seubem-estar social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais do que confirmar, rever ou questionar ainfluência da mídia sobre o comportamento das pessoasou verificar seu efeito sobre a sociedade, este artigobuscou favorecer uma discussão sobre a importânciade se atentar para os benefícios oferecidos pelos meiosde comunicação, refletindo de que modo eles podemser úteis em programas e políticas de saúde pública,mais especificamente sobre o álcool. Outras pesquisasque busquem explorar a relação entre sociedade epolíticas públicas, assim como sua ligação com osmeios de comunicação, poderão ampliar ainda mais adiscussão sobre um tema que é tão delicado, uma vezque interesses econômicos acabam se chocando comproblemas de saúde pública.

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RECEBIDO EM 7/6/2010ACEITO EM 17/7/2010

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FERTIRRIGAÇÃO COM VINHAÇA NO MUNICÍPIODE SÃO ROQUE DO CANAÃ-ES

FREITAS, Gerson*, OLIVEIRA, Luciana C.**, RIBEIRO, Maria L.*, GALLO, Zildo*,FERREIRA, Natália N.*

*Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente do Centro Universitário deAraraquara – Uniara. Rua Carlos Gomes, 1338 – Centro. Araraquara-SP. Brasil. E-mail:

[email protected]**Instituto de Química. Universidade Estadual Paulista (Unesp) Julio Mesquita Filho. Rua Francisco

Dogni, s/n. Quitandinha. Araraquara-SP.

RESUMO

A produção de cachaça proveniente da cana-de-açúcar tornou-se uma atividade economicamente importantenas últimas décadas, devido ao aumento da demanda do consumo interno e externo. Como consequência, sãogerados elevados teores de insumo, como vinhaça e torta de filtro. Neste trabalho, foi investigada a influência daadição de vinhaça em solos cultivados com cana-de-açúcar, pela determinação de teores de micro emacronutrientes presentes no solo e de açúcares no caldo de cana do Alambique Sereia da cidade de SãoRoque do Canaã-ES. Os resultados deste estudo mostraram que a fertirrigação com vinhaça não alterou demaneira significativa o teor de matéria orgânica do solo. Verificou-se, ainda, o aumento do teor de macro emicronutrientes, dos açúcares redutores e totais e da umidade dos colmos, corroborando com dados descritosna literatura.

PALAVRAS-CHAVE: Solo; Cana-de-açúcar; Matéria orgânica; Micronutrientes; Fertilizante.

ABSTRACT

The production of "cachaça" from sugar cane has become an economically important activity in recent decadesdue to the increased demand from internal and external consumption, as a result, generating high levels of input,such as filter cake and stillage. In this study, we investigated the influence of vinasse addition to sugar canecultivated soils by determining the levels of micro and macronutrients present in the soil and of sugar present insugar cane juice at the Sereia distillery in the city of São Roque do Canaã, ES, Brazil. The findings of this studyindicated that fertirrigation with vinasse has not altered the soil's organic matter significantly. An increase wasalso found in sugarcane micro and macronutrient contents, total and reducing sugar, and in the moisture of thestems corroborating data reported in the literature.

KEYWORDS: Soil, Sugarcane; Organic matter; Micronutrients; Fertilizer.

com

unic

açõe

s br

eves

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Fertirrigação com vinhaça...

INTRODUÇÃO

A vinhaça, vinhoto ou calda é um dos subprodutosdos processos de fermentação e destilação do álcoole cachaça, e sua denominação varia de acordo comcada região. A quantidade de vinhaça produzida emdestilaria é função do teor alcoólico obtido nafermentação, de modo que a proporção pode variarde 10 a 18 litros de vinhaça por litro de cachaça(ROSSETO, 1987). Possui composição variada,devido a diversos fatores, sendo os principais: tipo decana-de-açúcar, tempo de maturação, fermentação,tipo de solo e clima, além de ser caracterizada porelevada demanda bioquímica de oxigênio (DBO) eelevado teor de macro e micronutrientes, podendo-sedestacar nitrogênio, potássio, fósforo e matéria orgânica(LOURENCETTI et al., 2006; ABREU JUNIOR etal., 2005). Assim, é um poluente com valor fertilizante,possuindo diversas alternativas para seu destino, massua disposição no solo se tornou uma técnicaamplamente utilizada e regulamentada por legislaçãono Estado de São Paulo (CETESB, 2005).

É importante ressaltar que a preocupação com aregulamentação da disposição da vinhaça no Brasil teveuma significativa evolução para proteção dos recursoshídricos. A primeira iniciativa data de 1908, com aproibição do seu lançamento em mananciais; nadécada de 80, tornou-se obrigatória a avaliação deimpacto ambiental; até se chegar à prát icarecomendada de disposição em solo, em 2005.

A literatura discute os efeitos da adição de vinhaça nosolo ainda de modo insuficiente e, muitas vezes,contraditório (RESENDE et al., 2006; LOURENCETTIet al.; 2006). Alguns autores relatam que a vinhaça, seusada regularmente em quantidade adequada, podepromover melhoria da qualidade do solo, associada àeconomia de adubos, sendo seu uso, como fertirrigação,uma importante justificativa econômica (CAMBUIM,1983; COELHO & PEIXOTO, 1986; PAULA et al.,1999; FREIRE & CORTEZ, 2000; CETESB, 2005;LOURENCETTI et al.; 2006; NOGUEIRA et al.,2007). Outros investigam, ainda, a adição de outrosresíduos agroindustriais, como o lodo de esgoto dotratamento de águas residuárias de uso industrial e

doméstico, a torta de filtro, composto da mistura debagaço moído, e lodo da decantação proveniente doprocesso de clarificação do açúcar, com a mesmafinalidade da adição da vinhaça no solo (FRANCO, 2003;TASSO JÚNIOR et al., 2007; CAMILOTTI et al.,2007; GATTO, 2003; PEGORINE & ANDREOLI,2006; RAMALHO & SOBRINHO, 2001).

A produção de cachaça proveniente da cana-de-açúcar tornou-se uma atividade economicamenteimportante nas últimas décadas, devido ao aumentoda demanda do consumo interno e externo(NOGUEIRA et al., 2007; OLIVEIRA et al., 2009)gerando em consequência elevados teores de insumo,como vinhaça e torta de filtro.

Para evitar o descarte indiscriminado e visando àpreservação do ambiente, órgãos governamentaisestabeleceram leis que permitem a disposição davinhaça em solos agrícolas (CETESB, 2005). Noentanto, a investigação da fertirrigação com vinhaçapara o cultivo de cana para a produção de cachaçaainda é pouco discutida na literatura.

O município de São Roque do Canaã, no EspíritoSanto, possui cerca de 30 destilarias, das quais 23são cadastradas na prefeitura, sendo a produção decachaça artesanal uma das suas principais fontes deeconomia local.

A vinhaça dessas destilarias foi descartada no rioSanta Maria, principal fonte de abastecimento domunicípio, durante cerca de 20 anos. Em 1995, com aemancipação política de São Roque do Canaã,conjugada ao estabelecimento de legislação ambientale à conscientização da população quanto à disposiçãoda vinhaça em recursos hídricos, este afluente passoua ser utilizado na substituição de fertilizantes agrícolas.

Neste trabalho, foi investigada a influência da adiçãode vinhaça em solos cultivados com cana-de-açúcar,determinando parâmetros de análise química para finsde fertilidade, teores de micro e macronutrientes e deaçúcares no caldo de cana.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi realizado no alambiqueSereia, localizado no município de São Roque do

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FREITAS et al.

Canaã-ES, situado a aproximadamente 300 m do rioSanta Maria do Rio Doce, principal fonte deabastecimento do município. A área de cultivo de cana-de-açúcar têm 500 ha, correspondente a 2% domunicípio, sendo a produção de cachaça artesanal umdestaque da economia local.

O solo da área de cultivo de cana-de-açúcar épredominantemente do tipo Latossolo, incluindo o daregião de estudo. O relevo é acidentado, comdificuldades tanto de irrigação como de colheita docultivo agrícola.

O clima é tropical, com influência da massa tropicalatlântica. No inverno, a massa polar atlântica provocabaixas temperaturas, e o relevo (Serra do Mar) impedea entrada da umidade vinda do oceano, o que resultaem verão quente e chuvoso e inverno frio e seco(PERRONI & MOREIRA, 2005). O índicepluviométrico situa-se acima de 1500 mm anuais.Amostras de solos foram coletadas aleatoriamente em15 pontos, utilizando mostrador sonda Terra em duasáreas de 1,5 ha, com e sem fertirrigação. As 15amostras simples de cada profundidade forammisturadas, formando 4 amostras compostas coletadasem dois momentos diferentes, verão chuvoso (A) einverno seco (B): duas da profundidade 0 – 20 cm(uma com e outra sem a aplicação de vinhaça) e outras

duas da profundidade 20 – 40 cm (uma com e outrasem a aplicação de vinhaça). As amostras foram secasà temperatura ambiente, peneiradas (peneiras de 2mm), e enviadas para análises realizadas segundoprocedimento descrito por Raij et al. (2001).

O caldo de cana foi obtido da cana cultivada emcada uma das áreas, de forma aleatória, em engenhomanual sem adição de água para não afetar suascaracterísticas naturais. Amostras correspondentes a1L de caldo foram armazenadas em frascos depolietileno, em isopor com gelo, para manter suascaracterísticas químicas e físicas, obedecendo aprotocolos de coleta e acondicionamento adotadospelos laboratórios que realizaram as análises do solo edo caldo da cana.

O tamanho das touceiras em áreas com e semvinhaça foi paralelamente avaliado, considerando onúmero de plantas por touceiras e o diâmetro doscolmos, conforme procedimento adotado pelosprodutores da Cooperativa dos Produtores de Cachaçado Espírito Santo (Unicana).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos da análise química para finsde fertilidade das amostras estão apresentados naTabela 1, nas profundidades estudadas.

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Fertirrigação com vinhaça...

As amostras coletadas nos dois intervalos deprofundidade mostraram que os teores de sódio epotássio aumentaram nas camadas superficiais do soloquando comparados com as amostras sem adição devinhaça, principalmente pela alta disposição desseselementos na sua composição, corroborando comresultados discutidos na literatura (CANELLAS et al.,2003; FREIRE & CORTEZ, 2000). Por outro lado,

os teores de fósforo, magnésio e acidez trocávelpraticamente não foram alterados nas duas áreasestudadas.

Pelo índice de saturação de bases (V), verificou-seque os solos são ricos em nutrientes (o índice desaturação de bases em todas as amostras foi alto),quando comparado com intervalos limites apresentadosna literatura (Tabela 2).

Amostras de solo

pH Matéria orgânica Na+ P K+ Ca2+ Mg2+ H + Al S.B. CTC CTC

Efetiva V

(dag/kg) (mg/dm³) (mmol/dm³) (%)

0 – 20 cm sem vinhaça – A

0 – 20 cm

sem vinhaça – B

6,3

5,8

1,48

1,92

60

150

1,6

2,93

240

280

3,83

3,01

1,5

1,42

1,49

1,33

6,17

5,80

7,66

7,13

6,17

5,80

80,5

81,3

20 – 40 cm sem vinhaça - A

20 – 40 cm

sem vinhaça - B

6,3

5,9

1,21

1,61

40

115

2,4

2,95

160

200

3,98

2,84

1,3

1,21

1,49

1,19

5,90

5,06

7,39

6,25

5,90

5,06

79,8

81,0

0 – 20 cm com vinhaça - A

0 – 20 cm

com vinhaça – B

6,5

6,2

1,49

1,94

170

450

4,3

4,03

690

820

2,92

2,42

1,7

1,88

1,49

1,49

7,12

8,36

8,45

9,85

7,12

8,36

84,3

84,9

20 – 40 cm com vinhaça – A

20 – 40 cm

com vinhaça – B

6,2

6,0

0,80

1,22

100

90

2,1

2,44

360

120

2,99

2,07

1,2

1,29

1,33

1,19

5,49

4,06

6,98

5,25

5,49

4,06

78,7

77,3

Tabela 1 – Resultados das análises de solos para fins de fertilidade, feitas nas amostras coletadas nomunicípio de São Roque Canaã nos períodos de Outubro de 2006 (A) e Julho de 2008 (B), com e sem

adição de vinhaça.

Teor Saturação por bases (%)

Muito baixo 0 -25

Baixo 26 – 50

Médio 51 – 70

Alto 71 – 90

Muito alto > 90

Tabela 2 – Intervalos limites dos teores presentes nos solos de K+, Ca2+, Mg2+, P e a saturação por basesdescritas pela literatura (Raij, et al., 2001).

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FREITAS et al.

Embora os teores de matéria orgânica nas amostrasde solo (0 – 20 cm) com e sem a adição não alteraramsignificativamente, foi verificado um aumento nacapacidade de troca catiônica na camada superficialdessas amostras, podendo-se inferir que a vinhaçaadicionada influenciou na retenção dos principaiscátions trocáveis presentes no solo, os quais podemser retidos por atração eletrostática. Estudo realizadopor Canellas et al. (2003) em áreas de plantação decana-de-açúcar, que receberam adição de vinhaçadurante 35 anos, ressalta que pequenas variações noteor de matéria orgânica devem ser considerados parasolos tropicais.

Os teores dos micronutrientes aumentaram na área

fertirrigada com vinhaça, principalmente nas camadassuperficiais, com exceção do boro (Tabela 3). Ramalho& Sobrinho (2001) verificaram o aumento nos teoresde Zn, Cu e Mn no solo que recebeu tratamento comvinhaça, no entanto, concluíram que,independentemente do aumento constatado, os teoresdesses elementos não atingiram níveis críticos, ou seja,a faixa de concentração acima da qual a toxicidade éconsiderada possível. Reis & Monnerat (2002),comparando sistemas de cana crua e cana comvinhaça, constataram o aumento nos teores desseselementos, sugerindo que a adição de vinhaça podeser uma estratégia na manutenção e no aumento dafertilidade do solo.

Tabela 3 – Teores médios de metais determinados nas amostras de solos coletadas no município de SãoRoque Canaã, com e sem adição de vinhaça.

Amostras de solo

Zn Fe Mn Cu B

(mg/dm³)

0 – 20 cm sem Vinhaça

6,73 15,4 87,38 1,27 0,49

20 – 40 cm sem Vinhaça

5,93 20,0 86,51 1,46 0,44

0 – 20 cm com Vinhaça

8,81 68,7 97,57 4,24 0,33

20 – 40 cm com Vinhaça

5,83 62,6 76,13 3,49 0,30

As análises do caldo da cana (Tabela 4) indicaram

que, apesar do ganho de biomassa, ocorreu um aumentode aproximadamente 60% no teor de açúcares redutores

Amostra de caldo de cana-de-açúcar

Açúcares redutores,

glicose (g 100mL-1)

Açúcares totais, em sacarose

(g 100mL-1)

BRIX g sólidos

solúveis 100g-

1

Sem adição

de vinhaça 2,0 18,8 17,2

Com adição

de vinhaça 3,4 19,4 17,6

Tabela 4 – Análise do caldo de cana-de-açúcar: cultivo da cana com vinhaça e sem vinhaça.

nas amostras fertirrigadas com vinhaça. Em relação aoteor de açúcares totais, o aumento foi de 3%, quandocomparado ao teor de sólidos solúveis totais (Brix).

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Fertirrigação com vinhaça...

Estudos periódicos de campo, realizados dointervalo da rebrota até o corte da cana, mostraramaumento das touceiras (folhas e diâmetro dos colmos)nas áreas com aplicação de vinhaça. Embora estesresultados sejam preliminares, o aumento na biomassa,juntamente com o elevado teor de açúcar, podemacarretar problemas na rentabilidade da produção decachaça, como relatado pelos produtores da região.

Problemas na queima do bagaço, isto é, diminuiçãoda sua combustão, vinham sendo observados pelosprodutores da Unicana nas áreas tratadas com vinhaça.O aumento de teor de potássio do solo com adiçãode vinhaça, como mostrado na Tabela 1, eleva aumidade dos colmos e do tecido que contém a polpa,diminuindo o teor de lignina e dificultando a combustão(FREIRE & CORTEZ, 2000). Estes resultadosconfirmam os dados empíricos dos produtores, queevitam usar a palha como combustível, empregando-aentão como adubo.

CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo são bastante similaresaos discutidos na literatura quanto ao uso da vinhaçana fertirrigação, sugerindo as seguintes conclusões:

– Teores de sódio e potássio nas amostras de soloda região estudada aumentaram quando comparadoscom as amostras sem adição de vinhaça, enquanto osteores de fósforo, magnésio e a acidez trocável,praticamente não foram alterados. O aumento do teorde potássio do solo fertirrigado com vinhaça aumentaa umidade dos colmos e do tecido que contém a polpa,diminuindo o teor de lignina e dificultando a combustão,confirmando o uso da palha como adubo pelosprodutores da região.

– Dados referentes ao índice de saturação de basesmostraram que o solo da região estudada é rico emnutrientes.

– Valores de CTC e CTC efetiva determinados nacamada superficial dos solos com adição de vinhaçasão maiores do que os determinados sem adição devinhaça, influenciando na retenção dos principais cátionstrocáveis do solo.

– Os teores dos micronutrientes analisadosaumentaram na área fertirrigada com vinhaça, comexceção do boro, sugerindo que a adição de vinhaçapode ser uma estratégia para evitar a deficiência demicronutrientes em solos.

– Os teores de açúcares redutores e de açúcarestotais aumentaram nas amostras fertirrigadas comvinhaça, o que pode acarretar uma diminuição naprodução da cachaça.

AGRADECIMENTOS

À Capes e à Funadesp, pela concessão de bolsas.

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166 REVISTA UNIARA, v. 13, n.1, julho 2010

INTERFACES EPISTEMOLÓGICAS EM ABORDAGENS INTER ETRANSDISCIPLINARES, EM REVITALIZAÇÃO DO AMBIENTE

CONSTRUÍDO

COUTO, Heloísa HelenaMestranda da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Rua Dom LúcioAntunes, 560/802 – Coração Eucarístico. Cep: 30535-630. Tel: (31) 3375-8258 e (31) 9967-1052.

E-mail: [email protected]

RESUMO

As deposições clandestinas indiscriminadas dos resíduos da construção civil (RCC) provocam danos enormese irreparáveis prejuízos ao meio ambiente, causando poluição dos espaços públicos, encurtando a vida útil dosaterros sanitários, promovendo o assoreamento de sub-bacias hidrográficas e onerando os cofres públicos. Oobjeto deste estudo é a gestão para lidar com os resíduos da construção civil, utilizando-os em intervençõesresidenciais de aglomerados urbanos. O estudo visa mostrar as interfaces epistemológicas em abordagensinterdisciplinares e transdisciplinares do objeto de estudo proposto. A partir da epistemologia e dos conceitosde interdisciplinaridade e transdisciplinaridade procura-se identificar as disciplinas e suas interfaces com o objeto,fazendo uma breve contextualização sobre sustentabilidade e desenvolvimento econômico, materiais, resíduosde demolição, relações sociais. Reciclar resíduos da construção civil pode gerar programas de inclusão social,ao empregar e ao capacitar mão-de-obra desqualificada e também viabilizar a autogestão.

PALAVRAS-CHAVE: Interdisciplinaridade; Transdisciplinaridade; Sustentabilidade; Resíduos da construção civil;Meio ambiente.

ABSTRACT

Indiscriminate clandestine depositions of construction wastes have produced enormous and irreparable damageto the environment, causing pollution of public urban areas, shortening the landfills' life cycle, promotingsedimentation of sub-watersheds and burden on public coffers. The object of this study is the management todeal with demolition wastes using them on residential interventions of urban cluster. This study aims to show theepistemological interfaces in Interdisciplinary and Transdisciplinary approaches of the object of study proposed.Based on the epistemology and on the concepts of interdisciplinarity and transdisciplinarity, we'll seek to identifythe disciplines and their interfaces with the object, offering a brief background on sustainability and economicdevelopment, materials, construction waste, social relations. Recycling construction waste can generate socialinclusion programs by employing and training disqualified human resources as well as enabling automanagement.

KEYWORDS: Interdisciplinarity; Transdisciplinarity; Sustainability; Construction waste; Environment.

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INTRODUÇÃO

Com o crescimento do setor da construção civil,as áreas de transbordos de resíduos – os bota-forasclandestinos em periferias da cidade, em lotes vagos,em anéis rodoviários e margens de rios que cortam osgrandes centros metropolitanos – têm-se tornado umproblema que contribui para a degradação da paisagemurbana e acaba por causar a poluição dos espaçospúblicos, comprometer o meio ambiente, encurtar avida útil dos aterros sanitários e promover oassoreamento de sub-bacias hidrográficas, onerandoos cofres públicos.

Nosso objeto de estudo será a gestão para lidarcom os resíduos da construção civil (RCC), utilizando-os em intervenções no ambiente construído. O estudoem questão objetiva mostrar as interfacesepistemológicas em abordagens interdisciplinares etransdisciplinares do objeto de estudo proposto.

O programa de reciclar resíduos da construção civiltem gerado também a inclusão social, ao empregar ecapacitar mão-de-obra desqualificada, ao viabilizar aautogestão e ao possibilitar projetos urbanos,ambientais e de sustentabilidade. O método adotadoabordará os conceitos de interdisciplinaridade,transdisciplinaridade e a epistemologia sob a ótica deSantos (2003). A partir das Modalidades Cósmicasde Dooyeweerd (2006), de sua complexidade einterdependência, pretende-se identificar as disciplinase suas interfaces com o objeto de estudo, na gestão eaplicação dos RCC como materiais alternativos, emintervenções no ambiente construído, fazendo umabreve contextualização sobre sustentabilidade edesenvolvimento econômico, materiais, resíduos dedemolição, relações sociais.

A revisão bibliográfica consta de conceitos sobreinterdisciplinaridade e transdisciplinaridade, baseando-se na episteme do objeto de estudo abordado porMartins Junior (2006) e Santos (2003).

Abordaremos as disciplinas por ordem dasmodalidades, segundo as teorias de Dooyeweerd,apontadas por Martins Junior (2006).

Os materiais RCC serão estudados nas suascaracterísticas e composição físico-químicas, e em suas

Interfaces epistemológicas...

propriedades mecânicas, com base nas teorias deCallister (1991) para os estudos dos pós. Os resíduosde demolição, a partir de Normas Técnicas Brasileiras(NBR's), das Cartilhas de Gestão dos ResíduosSólidos do Sindicato da Indústria da Construção Civil(SindusCon) e do Conselho Regional de Engenharia,Arquitetura e Agronomia (Crea) e da Resolução 307do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Será tratada também a ação participativa dacomunidade, com a história de vida, experiências,características do público-alvo e suas culturas, tratadaspor Brasil (2004) e Paugam (2003). As questões depolíticas públicas, propondo um projeto de parceriapúblico-privada entre os atores, serão abordadas pelasteorias de Gaudin (2005), Pereira (1999) e Fernandes(1998). A sustentabilidade, o desenvolvimentoeconômico e meio ambiente, sob a ótica de Veiga(1996) em uma abordagem de Altvater (1996), em OPreço da Riqueza.

As relações sociais serão abordadas com açõesparticipativas, articulação entre os diversos atoressociais e políticos e suas funções, baseados em Pereira& Castriota (2005), juntamente com as teorias deGiddens tratadas por Asensi (2006), aindacontextualizando as relações sociais.

EPISTEMOLOGIA

Paradigma dominanteSantos (2003) afirma que a ciência racional

hegemônica dominada pelas ciências naturais, com arevolução científica no século XVI, sofre a crise de suahegemonia, rompendo com o senso comum. Somenteno século XIX é que as ciências sociais emergentesassumem o modelo de racionalidade científica, em quehouve a separação entre o sujeito e o objeto doconhecimento, isto é, o homem deixa de ser o objetode conhecimento e passa ser o sujeito que pensa.

Descartes abre uma nova fase do conhecimento,mais rigorosa e profunda, a partir da matemática,que possibilita às ciências naturais análises,observações e experimentações mais precisas. Amatemática vem aferir e fornecer como instrumentoà ciência moderna o rigor científico das medições.

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COUTO, H.H.

Conhecer significa quantificar.O método científico pauta pela redução da

complexidade. A ciência moderna divide e classifica,isto é, quantifica e qualifica. Com as leis de Newtonabrem-se novas perspectivas aos estudos da natureza,que possibilita o descobrimento das leis das sociedades(políticas e jurídicas) que governam a evolução dasociedade, que deram origem, no século XIX, àsciências sociais.

Eis alguns principais obstáculos: as ciências sociaisnão dispõem de teorias explicativas que lhepermitam abstrair do real para depois buscar nele,de modo metodologicamente controlado, a provaadequada; as ciências sociais não podemestabelecer leis universais porque os fenômenossociais são historicamente condicionados eculturalmente determinados; as ciências sociaisnão podem produzir previsões fiáveis porque osseres humanos modificam seu comportamento emfunção do conhecimento que sobre ele se adquire;os fenômenos sociais são de natureza subjetiva ecomo tal não se deixam captar pela objetividadedo comportamento; as ciências sociais não sãoobjetivas porque o cientista social não podelibertar-se, no ato de observação, dos valores queinformam a sua prática em geral e, portantotambém a sua prática de cientista (NAGEL, 1961,p. 477 apud SANTOS, 2003, p. 36).

Com isso, Nagel demonstra que há diferenças entreas ciências sociais e as ciências naturais, elas não sãolineares e são de difícil superação, daí a razão do atrasodas ciências sociais em relação às ciências naturais.

Com Einstein vem o primeiro abalo do paradigmada ciência moderna, com a teoria da relatividade esimultaneidade, que revolucionou a concepção doespaço e tempo. Outra teoria de Einstein que impactouo paradigma dominante foi o da mecânica quântica dedomínio da microfísica, da química e da biologia.

Paradigma emergente da ciência modernaSantos (2003, p. 51-52) afirma que a teoria de

Prigogine, de um novo estado da matéria, propõe umanova concepção da matéria e da natureza, dificilmentecompatível com a física clássica existente até então.

Com a nova teoria, Pregogine recupera conceitosaristotélicos desprezados com a revolução científicado século XVI. Os conceitos de leis e casualidadessão doravante questionados, as leis são insuficientespor apresentarem caráter probabilístico, aproximativoe provisório. A noção de leis vai sendo substituída pelasnoções de sistema, estruturas, modelo e, por último,processo.

A crise do paradigma da ciência moderna fundou-se em condições teóricas e em condições sociais. Aautonomia da ciência e o interesse pelo conhecimentocientífico fizeram-se abalar com o evento do fenômenoda industrialização da própria ciência, em que o podereconômico, político e social passaram a exercer caráterdecisório nas definições das prioridades científicas,manifestados em nível de suas aplicações como emnível da organização das investigações. Diante dessequadro se traçou uma relação de poder e autoridadeentre a comunidade científica, submetendo-a a umagrande desigualdade. O desenvolvimento científico-tecnológico é cada vez mais inacessível aos paísespobres, agravando ainda mais a crise.

Santos, em seu trabalho (2003, p.62), diz que acrise do paradigma emergente não se apresenta deforma única científica, mas principalmente social, umavez que brota da própria sociedade. Ele afirma que oparadigma é de um conhecimento científico prudentepara uma vida decente. Que se atentarmos ao conteúdoteórico das ciências, se verifica que há uma emergenteinteligência da natureza presidida por conceitos, teoriasmetáforas e analogias das ciências sociais.

A teoria das estruturas dissipativas de Pregoginee das teorias sinergéticas de Haken explicam oscomportamentos das partículas por meio de conceitosde revolução social, como violência, escravatura,dominação, democracia nuclear, todos advindos dasciências sociais. O mesmo ocorre com a física e apsicanálise, na teoria de Capra, sendo reflexos umdo outro.

Alguns autores atribuem à natureza um comportamento

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humano. Ainda citando Santos (2003):

A concepção humanística das ciências sociaisenquanto agente catalisador da progressiva fusãodas ciências naturais e ciências sociais colocama pessoa, enquanto autor e sujeito do mundo, nocentro do conhecimento, mas, ao contrário dashumanidades tradicionais, coloca o que hojedesignamos por natureza humana no centro dapessoa. Não há natureza humana porque todanatureza é humana (SANTOS, 2003, p. 71-72).

Santos (2003) afirma ainda que a ciência pós-moderna é uma ciência analógica, em que o mundo évisto através do imaginário: hoje ele é natural ou social,amanhã poderá ser ambos. O mundo é como um jogo,um palco onde serão exercitados textos ou biografiascomo comunicação, onde a lógica existencial da ciênciapós-moderna será a 'situação comunicativa'. Tudodependerá das configurações de analogias queimaginarmos.

A ciência moderna evolui no conhecimentoespecialista, legitimando o reducionismo quantitativo etecnocrático. O conhecimento é parcelado e reduzido,o saber científico é arbitrariamente disciplinar. Quesegundo a visão de Santos (2003, p. 74), esta divisãodo saber acarreta males, “o saber científico faz docientista um ignorante especializado”. Para que esteerro fosse corrigido, criaram-se novas disciplinas, massem grandes êxitos.

No paradigma emergente, o conhecimento é atotalidade universal, indivisa e local, constituído portemas adotados por grupos sociais. O paradigma pós-moderno é fragmentado por temas e não pordisciplinas. Os temas são percursos por onde oconhecimento avança a procura de novas e das maisdiversas interfaces.

O conhecimento pós-moderno é projetado sobreas condições e possibilidades das ações humanas apartir de um espaço-tempo local. Esse tipo deconhecimento é imetódico, conseguido a partir de umapluralidade metodológica, em que cada métodocorresponde a uma linguagem e a realidade responde

conforme a língua na qual é feita a pergunta.Para se entender a transição da revolução científica

dos novos tempos, de multidisciplinas e de pluraridadesde métodos, Santos (2003, p.78) nos fala de umatransgressão metodológica. Esta repercute nos estilose gêneros literários que dirigem a escrita científica. Naciência pós-moderna, o cientista não contará com umestilo unidimensional ele construirá seu próprio estilo,configurando-os segundo os seus critérios e aimaginação.

Inter e TransdisciplinaridadeSegundo Alves e Brito (2004), a interdisciplinaridade

é apontada como saída para o problema dadisciplinaridade, com a presença de profissionais devárias áreas como necessidade inerente ao projetointerdisciplinar. Trata-se da presença de equipesmultidisciplinares para o desenvolvimento de projetosde pesquisa.

Japiassú foi o responsável por introduzir, no Brasil,a partir de 1976, as concepções sobreinterdisciplinaridade, decorrentes do Congressode Nice, na França, em 1969. Japiassú e IvaniFazenda são considerados responsáveis pelaveiculação do tema no Brasil, sendo o fulcrotemático de Japiassú epistemológico, e o deFazenda, pedagógico; entretanto, os dois autorestêm como base de suas teses a filosofia do sujeito(ALVES; BRITO, 2004).

A interdisciplinaridade traz consigo um produto doprocesso de construção do conhecimento, incluindo adisciplinaridade como etapa dessa construção dodiálogo entre as disciplinas.

A multidisciplinariedade indica a prática do diálogomultiprofissional, concebido como possibilidade deestabelecer um veio de comunicação entre os diversoscampos do conhecimento, permitindo níveis decontribuição e entendimento entre as disciplinas, demodo a garantir a compreensão cada vez mais clarados objetos de pesquisa. Segundo Japiassú (1976)apud Alves; Brito (2004, p. 141):

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À interdisciplinaridade faz-se mister aintercomunicação entre as disciplinas, de modo queresulte uma modificação entre elas, através dediálogo compreensível, uma vez que a simples trocade informações entre organizações disciplinaresnão constitui um método interdisciplinar.

A transdisciplinaridade promove a dissolução dosdiscursos homogeneizantes na ciência e na cultura: elaé uma abordagem científica que visa à unidade doconhecimento. Dessa forma, procura articular uma novacompreensão da realidade, combinando elementos quepassam entre, além e através das disciplinas, numabusca de compreensão da complexidade dosfenômenos científicos.

A ciência moderna e a epistemologiaDooyeweerdiana

As obras de Dooyeweerd muito contribuíram parao pensamento epistemológico e filosófico ocidentalcontemporâneo, relativo aos conceitos de sistemas eda perspectiva interdisciplinar, denominada Escola daIdéia Cosmonômica.

A característica desta escola é abordarsistematicamente os diversos aspectos darealidade, denominando-os de modalidades,aspectos modais ou ainda esferas de soberania.[...] Outros termos não menos importantes paraapreensão da realidade são: os sujeitos, os objetos,as leis, as normas o desdobramentos ou evolução,as tipicalidades, a liberdade, as antinomias, asoberania a universalidade das modalidades, oreducionismo as analogias, as leis de antecipaçãoe de retrocipação e as leis nucleares (MARTINSJUNIOR, 2006, p.70).

As Modalidades Cósmicas, baseadas nas teorias,segundo Dooyeweerd (1969, p.4) apud Martins Junior(2006, p. 70-71), afirmam que “a realidade ésignificado”. Onde:

Realidade todo e o significado são dadospelo conjunto das partes. Com o todo é composto

pelas partes, então a “realidade é significado”.O significado dos fenômenos só será possível ser

apreendido a partir da união das partes que compõemo todo (fenômeno). As partes neste contexto darão osignificado ao todo. A compreensão da realidade só épossível pela inter-relatividade e na intersubjetividade,pois nada é absolutamente ideal, nada é reduzido àmatéria e nada é relativo, mas tudo está inter-relacionado por suas partes.

As Modalidades Cósmicas, sua complexidadee interdependências

Levando-se em conta que tudo o que se observano mundo real só fará sentido em relação ao outro, oua algo e que a realidade é o todo indivisa e una, conclui-se que a realidade nos apresenta como aspectos emodos próprios de ser ou de se relacionar sob algumaspecto com esta realidade.

Segundo Martins Junior (2006, p. 71),Modalidades Cósmicas são aspectos que se permitemlimitar como sendo subconjunto de coisas e de relaçõesque se caracterizam por coerência e unidade própria,perceptíveis de modo distinto de outra modalidade,apesar de se inter-relacionarem. Elas apresentam statusde soberania, ocupam o topo da cadeia, diferentementedo status de autonomia, pelo fato de tudo se apresentarrelacionado a tudo. Cada modalidade possui sua leiprópria e a sua maneira própria de relacionar-se. Àmedida que essas leis que as regem sejam consideradasuniversais, dão-lhes o caráter de soberania.

É o conjunto ou espectro de realidade das coisas ede relações características, regidas por leis próprias,por relações próprias, por características únicasirredutíveis a outras modalidades (Dooyeweerd,1958 apud Martins Junior, 2006, p.71).

As modalidades são compostas de sujeitos, objetos,coisas, relações ou funções que se formam como queem um mundo próprio, que nos permitem identificarcomo os grandes conjuntos de coisas se relacionam ese constituem, apesar de características próprias,únicas e inconfundíveis.

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As leis que regem as modalidades são entendidascomo: as leis naturais e as leis sociais, ou normativas.

As leis da natureza (o limite entre o criador e anatureza) não podem ser transgredidas, são

Segundo Martins Junior (2006, p. 73), asmodalidades estão enumeradas em ordem decomplexidade e de interdependências, obedecendo auma sequência existencial, no aspecto da gênese e noaspecto de interdependência.

Na Figura 1 estão identificadas 15 modalidadessegundo teorias de Dooyeweerd, em que as ciênciasespecialistas estudam as modalidades ou conjuntos

específicos de aspectos de uma única modalidade.Cada uma delas, na ordem sequencial, é substrato àexistência da outra modalidade, em seu aspectomultidisciplinar. As relações entre as modalidadesformam a interdisciplinaridade. A transversalidade estárepresentada pelas relações ortogonais triaxial entreos sujeitos (entidades), sujeitos às leis que regem cadauma das modalidades, as tipicalidades e os objetos.

Figura 1 – Representação tri-axial das relações ortogonais e irredutíveis entre sujeitos, leis, modalidades,tipicalidades e objetos.

Fonte: Martins Junior, P.P. & Freire, S.A.

determinantes da evolução do cosmos. Essas leis sãodescobertas e regem as modalidades fundamentaisou elementares: numérica, espacial, cinemática e físicae biótica.

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COUTO, H.H.

As leis sociais ou normativas regem as modalidadespós-bióticas, de onde começa a vida: psíquico-sensorial, lógico-analítico, história, linguística, social,econômica, estética, jurídica, moral e pística. Essasnormas podem ser respeitadas ou não. Quandodesrespeitadas paga-se um alto custo social.

A diferença entre tipicalidade e modalidade está naquestão relacionada às leis, cuja aplicação restringe asdescrições de estruturas de uma classe limitada desujeitos, denominadas de leis típicas. E as leis modaisaplicam-se a todas as classes de sujeitos e objetosindependentes de suas estruturas: são leis quedescrevem modos de ser, relacionamentos, experiênciasou explanações. A forma pelas quais elas sãoreconhecíveis:Leis típicas são descobertas por indução e

generalização dos fatos empíricos.Leis modais são descobertas por abstração.Segundo Martins Junior (2006, p. 85), seres

humanos são todos sujeitos em todas as modalidades.Sujeito é toda e qualquer entidade sujeita às leis dealguma modalidade. O ser humano compreende todasas modalidades, definindo-se no seu PontoArquimediano, o Cerne de seu ser.

O objeto é entendido a partir de uma relação deserventia de um ser ou sujeito, com outro ser ou objeto,que se define em outra modalidade mais complexa.

As modalidades e seus núcleos significantesForam identificadas no objeto deste estudo as

seguintes Modalidades Cósmicas.Física (abrangendo a energia e a matéria) – no

desenvolvimento tecnológico dos compósitos de RCC,sendo estudadas suas propriedades físico-mecânicasna realização de testes laboratoriais, colhendo os dadosempíricos em testes relacionados às Engenharias dosMateriais e Civil.Biótica (os fenômenos orgânicos, matérias

bióticas ligados à vida, biologia, química, zoologia,geologia) – quanto ao desenvolvimento tecnológico doscompósitos de RCC, serão realizados em laboratóriosos testes das características químicas dos pós deentulhos, com as Engenharias dos Materiais e Química

na confecção de novos produtos e compósitos a partirdos agregados resíduos.Social (na constituição da comunidade enquanto

grupo social, expressando a sua sociabilização ecomunicação) – o potencial do ser humano de seagregar e de se constituir humano, a partir dacapacidade de seres próprios e agregados. Identificam-se na sociologia os estudos culturais da comunidade,suas relações e capacidades potenciais.Econômica (as frugalidades em gerenciar

recursos escassos ou de poupança) – visto pelo viésdo Desenvolvimento Sustentável e Ecológico eEconômico. Quando analisados, a gestão ambientaldos resíduos da construção, o ecoproduto, a análisede ciclo de vida do produto e o empreendedorismo.Estética (com a ideia e os sentimentos de beleza,

abordados pelo princípio básico da harmonia) – nelapode-se destacar a Engenharia Civil, a Arquitetura e oDesign, nas técnicas construtivas, na concepção doconforto e ergonomia, no embelezamento do espaçocomum e individual, na eficácia dos produtos e de suasrelações com o homem. Essas disciplinas estarãopresentes no estudo de caso, como intervenção derevitalização do ambiente construído e como materiaisalternativos empregados na revitalização, a partir dosresíduos de demolições.Jurídica (implica a dimensão de regulação das

relações sociais, princípios de justiça, de retribuição ede direitos) – abordam-se aqui as normas sociais naSociologia e no Direito Político, com as PolíticasPúblicas, Geografia e Arquitetura (Meio Antrópico).Visando à articulação dos diversos atores sociais,públicos e suas funções, a participação popular, ainclusão social e por último uma possível parceriapúblico-privada.

Disciplinas e suas interfacesBusca-se a identificação das disciplinas e sua

interdependência com o objeto de estudo, na gestão eaplicação dos RCC como materiais alternativos naconstrução civil.

Física e Química e Engenharia de MateriaisQuanto à análise comparativa laboratorial dos

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compósitos químicos estruturais e as propriedadesmecânicas (tonalidade, porosidade, absorção,densidade e deformação) dos corpos de prova,conforme consultas em Normas Técnicas Brasileiras(NBRs) e metodologia da Engenharia de Materiais,em que se consultam referências (no Callister) sobreprocessos de produção de compósitos de diferentestipos de pó. Os trabalhos de Cassa et al. (2001) serãotomados como parâmetros de estudos.

Economia, Meio ambiente e EcodesignNo processo de transformação dos materiais são

produzidos rejeitos, sendo possível a alguns deles areciclagem. A capacidade de reelaboração e deabsorção da natureza é diretamente proporcional àmedida de como esses rejeitos vêm sendo acumuladosno meio ambiente. Nesse processo de transformação,a reserva de energia é degradada (sintropia) e acapacidade de reelaboração dos rejeitos, na natureza,é definitivamente diminuída. Ainda neste processo, osfluxos energéticos vão impulsionar os sistemas vitaisbásicos (físicos, químicos e biológicos), afetando o ar,a água, e o solo com a emissão de carbono e outrogás danoso ao meio ambiente, como o ozônio. Aincapacidade de reelaboração dos sistemas é comoum freio, limitando a velocidade e as atividadeshumanas no desenvolvimento econômico global, emlongo prazo.

Deverá ser levada em conta a gestão dos resíduossólidos como instrumento econômico. Visto pelo viésdas cartilhas de gestão do Crea, SindusCon, daResolução Conama e a prefeitura.

A gestão de articulação desses atores sociais eestatais é fator fundamental e relevante na aplicação e/ou utilização de compósitos derivados dos Resíduosda Construção Civil (RCC).

A fim de buscar maior viabilidade econômica eminimizar gastos com energia e matéria-prima, utilizar-se-á posteriormente da análise do ciclo de vida dosmateriais.

O estudo do ciclo de vida, do material agregado aser desenvolvido, ou dos resíduos brutos da construçãocivil, será baseado na Série ISO 14000. Como omaterial é um compósito, cada parte integrante dele

deve ter sua Avaliação de Ciclo de Vida (ACV),especialmente para a questão de geração de resíduossólidos. Seria uma análise desde o início da extraçãoda matéria prima até o seu descarte, do berço aotúmulo.

O design contemporâneo caracteriza-se ainda pelaresponsabilidade socioambiental, devendoimpulsionar a indústria da reciclagem, o turismo, darnovas formas ao artesanato, gerar rendas e inclusãosocial. Nesse aspecto se pode desenvolver oempreendedorismo, com ações voltadas àcapacitação de mão-de-obra na própria comunidade,formando parcerias público- privadas na constituiçãode incubadoras comunitárias.

A Sociologia e o Direto PolíticoO Meio Antrópico, com as Políticas Públicas,

Geografia e Arquitetura, leva-nos a refletir: no contextosocial-econômico, a teoria de Giddens possibilita-nosa compreender a sociedade moderna e sua relaçãoestruturada, ao longo do tempo, do espaço com o meioambiente, tendo a democracia como um instrumentode transformação da coletividade. Giddens afirma queos indivíduos, através de uma mediação, agemcoletivamente para modificar os padrões existentes,que o autor chama de força ontológica.

A noção de força ontológica diz respeito ao fatodo indivíduo, enquanto membro de umacoletividade, ter capacidade de transformaratravés de sua ação as coisas, atuandoreflexivamente em uma estrutura. Em outraspalavras, esta noção procura dar conta do graude interferência do indivíduo nas transformaçõessociais, (...) Sociologicamente, podemos destacarduas esferas de atuação dos indivíduos:institucionalmente ou particularmente.(GIDDENS, 2006 apud ASENSI, 2006).

Entende-se na teoria de Giddens que o indivíduoisolado não tem força para mudar uma estrutura, nocaso, os paradigmas sociais ou ambientais, mas oindivíduo inserido na coletividade organizadainstitucionalmente possui todas as capacidades de

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COUTO, H.H.

mudanças dessas estruturas, a partir de sua forçacoletiva da argumentação.

Entre os resultados positivos das práticas de gestãoambiental destacam-se aqueles que promovem ainclusão social de camadas populacionaismarginalizadas por meio da geração de empregos,aumento da consciência ambiental, ampliação efortalecimento da co-responsabilidade da sociedadena fiscalização e controle dos agentes responsáveis peladegradação socioambiental, redução dos impactosambientais derivados das atividades econômicas, nocaso específico deste trabalho, as atividades daconstrução civil.

Uma das formas de inclusão social implementadaspela Prefeitura de Belo Horizonte, por meio de políticase práticas de gestão dos resíduos da construção civil,foi a implementação da fábrica de produção deartefatos de concreto, em que são utilizados agregadosreciclados como matéria-prima.

O projeto em questão teria como meta inclusãosocial, reciclagem e empreendedorismo, a partir de umnovo material, a ser desenvolvido pela pesquisa, alémde introduzir novos produtos, gerados da reciclagemde resíduos da construção civil.

Políticas PúblicasBrasil (2004) aborda alguns conceitos pertinentes

no contexto das políticas urbanas. Entre eles a noçãode territorialidade, território e espaço social. Ela citaalguns autores para explicá-los:

Milton Campos destaca o caráter jurídico-políticodeste termo, vinculado ao Estado-nação. [...] Anoção moderna de território refere-se ao espaçoimbuído da dimensão de soberania e poder doEstado, traduzindo-se no estabelecimento delimites geopolíticos e na dimensão da propriedade.Associa-se, ainda à ideia de pertencimento e dereferência de identidade, bem como a cidadania,que expressa a relação entre o lugar e o cidadão.[...] o conceito de território apresenta-se comoutilizável e relevante para análise social, somentese considerado seu uso, a relação dissociável comos atores sociais que dele se utilizam convocando

a dimensão do vivido.Se levarmos em conta o uso e a apropriação,território, no âmbito das ciências biológicas seráconsiderado a área e os limites da influência dasespécies (BRASIL, 2004).

No Brasil, a Constituição de 1988 marcou ademocracia com uma nova forma de participação edescentralização das políticas públicas, a partir deconjuntos de formas ampliadas de participaçãopolítica e de instituições híbridas, em que atoresestatais, atores sociais e associações da sociedadecivil se reorganizam em nível local, debatendoestratégicas at ravés de ações colet ivas,compartilhadas e negociadas.

A partir da Constituição de 1988, os planos sãolegitimados pela participação popular; representam avontade do povo, onde o técnico passa a agir comoconsultor e mediador, envolvendo a participação deatores políticos, atores sociais e parceiros públicosprivados.

Baseado em citações de Brasil (2004) sobre osvínculos entre territórios, as segregações socioespaciaise a exclusão podem gerar mais problemas, quando ascondições das moradias, tanto internas quanto externas,representam uma visão negativa para os moradores,considerada sob o ponto de vista de vizinhanças e emrelação a certas áreas das cidades. Isso geraria aestigmatização e a desqualificação desses moradores,aumentando ainda mais a exclusão social ecaracterizando bolsões de privação, como osproblemas de desemprego, educação, moradia, saúdee criminalidade.

Essas vizinhanças têm características particulares eespecíficas, como: localização, acessos aos serviços,bases socioeconômicas, equipamentos urbanos epadrão habitacional, que vão impactar opiniões,comportamentos, atitudes e reduzir oportunidades.Diante da imagem negativa e de precariedade, a áreaapresentará aos olhos da população uma reputaçãoduvidosa, que gerará degradação urbano-ambiental esocioespacial.

Em seus estudos, Paugam (2003) apud Brasil

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(2004) confirma a apresentação de identidades sociaisnegativas, vinculadas ao traço de desvalorização edegradação local assinalada a um pertencimento deum estrato inferior.

Intervir nesses espaços urbanos requer uma políticaparticipativa, fundada em sistemas de governança, derespeito ao cidadão, com uma abordagem plural e comparceria público-privada.

Finalmente deverá ser proposto um projeto deparceria público-privada entre os atores, em que serãoassegurados o alcance dos objetivos, os mecanismosde prestação de contas e de controle das funções decada ator envolvido, com um contrato social defechamento.

CONCLUSÕES

A ciência moderna lida com sistemas complexos,em que ao final dos processos ocorrem sínteses, partesdo sistema de cognição. Normalmente são síntesespluridisciplinares, requerendo, para melhor apreensãodo fenômeno, uma síntese interdisciplinar.

Elas se diferem quanto ao modo de observar oobjeto e em considerar sua complexidade, seja ela umacoisa ou um fenômeno, em que diversos campos decognição são invocados a observar e identificar, a partirde um viés da ciência especialista, com suas respectivasmetodologias, uma abordagem integrada por meio deum sistema de inquirição (diversos modos de se definiro que seja uma verdade e como acessá-la na práticacientífica).

O objeto aqui analisado deverá ser visto pelo viésda transdisciplinaridade e da interdisciplinaridade, portratar de problemas contemporâneos complexos epluridisciplinares.

O planejamento e o monitoramento com aparticipação coletiva, envolvendo atores sociais epolíticos como parte da postura política dessagovernabilidade, será muito importante na busca deresultados, das metas, de cumprimentos de prazos, dosrecursos e de responsabilidades.

O baixo padrão habitacional dos aglomerados debaixa renda é um dos fatores de estigmatização deáreas: desqualifica os cidadãos e suas vizinhanças,

impacta atitudes, comportamentos e reduz asoportunidades agravando o processo de exclusãosocial, segundo Brasil (2004). A revitalização doespaço construído promoverá uma maior qualificaçãosocial, contribuirá para a autoestima dos moradores ediminuirá a degradação socioespacial.

Contudo, a intervenção proporcionará omelhoramento ambiental, segurança, conforto esustentabilidade social e ambiental, dando com issouma utilização mais eficaz aos resíduos da construçãocivil (RCC).

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A Revista Uniara é uma publicação multidisciplinardo Centro Universitário de Araraquara – Uniara quetem por finalidade divulgar artigos originais de diferentesáreas do conhecimento.

Os textos submetidos não deverão ser apresentadosem outro periódico e, após a sua aceitação, será solicitadados autores a transferência dos direitos autorais. Osmanuscritos serão encaminhados a pareceristas, quedeverão analisar o valor científico do trabalho.

Os trabalhos deverão ser enquadrados em uma dasseguintes modalidades:

a) Artigos originais: trabalhos inéditos de pesquisacom no máximo 25 páginas, incluindo figuras, tabelas,quadros, esquemas, etc.;

b) Artigos de revisão: sínteses de conhecimentosdisponíveis sobre determinado tema, mediante análisee interpretação de bibliografia pertinente, com nomáximo 25 páginas;

c) Comunicações breves: resultados preliminaresde pesquisa, com no máximo 10 páginas incluindofiguras, tabelas e referências;

d) Resenhas ou análise crítica de livros: máximo 4páginas;

e) Seção temática (a convite): seção destinada àpublicação de trabalhos sobre temas de interesse atual.

PREPARAÇÃO DOS MANUSCRITOSAs submissões dos manuscritos deverão atender

aos seguintes critérios:a) Os textos deverão ser digitados em espaço

duplo, fonte Times New Roman, tamanho 12;b) Título do artigo, nome e endereço dos autores

(nome completo por extenso e filiação acadêmica).Havendo autores com diferentes endereços, elesdeverão vir imediatamente após o nome de cada autor.Agrupar os autores por endereço. O autor paracorrespondência e seu endereço, incluindo e-mail,deverão ser assinalados com asterisco;

c) Os resumos deverão ser redigidos em portuguêse em inglês, em um único parágrafo (máximo de 250palavras), de modo claro e conciso contendo:objetivo, procedimentos metodológicos, resultadose conclusões, acompanhados de 3 palavras-chave,

também redigidas em português e em inglês;d) Figuras (incluindo gráficos, esquemas, etc.)

deverão utilizar o mesmo padrão de letra do texto,ser numeradas sequencialmente, em algarismosarábicos, com a respectiva legenda. As figuras deverãoser encaminhadas em folhas separadas, com alocalização aproximada indicada no texto. Ilustrações(fotografias, gráficos, desenhos, mapas, etc.) deverãoser enviadas e em preto-e-branco, em arquivosformato jpg e/ou tif.

e) Só deverão ser utilizadas unidades de medida,símbolos e abreviaturas padronizados. Abreviações nãofamiliares deverão ser definidas na primeira vez em queforem apresentadas no texto;

f) Os artigos referentes a pesquisas envolvendoseres humanos e animais deverão ser acompanhadosde uma cópia do parecer emitido por um Comitê deÉtica em Pesquisa aprovando o desenvolvimento dapesquisa;

g) Os manuscritos deverão conter, de modo geral:introdução, metodologia, resultados e discussão,conclusão, agradecimentos e referências. Recomenda-se evitar a subdivisão do texto em um grande númerode subtítulos ou itens.

h) As referências deverão ser elaboradas deacordo com as normas da Associação Brasileira deNormas Técnicas (ABNT), conforme formatosdescritos a seguir:

1) LIVRO

SOBRENOME, Nome. Título em destaque:subtítulo. Edição. Cidade: Editora, ano. Número devolumes ou páginas. (Série).

Edição do livro:- se for em português colocar: 2. ed.- se for em inglês colocar: 2nd ed.

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Normas de publicação

página inicial-final da parte.Único autor para o livro todoAUTOR DO CAPÍTULO. Título do capítulo. In:

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NOME DA ENTIDADE RESPONSÁVEL.Título da norma em destaque: subtítulo. Cidade depublicação, ano. Número de páginas.

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