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Anais 5º Simpósio de Geotecnologias no Pantanal, Campo Grande, MS, 22 a 26 de novembro 2014 Embrapa Informática Agropecuária/INPE, p. 286 286 -295 Uma análise das ocupações de terra em Mato Grosso de 2000 a 2012 1 Danilo Souza Melo 1 Rosemeire Aparecida de Almeida 2 1Mestrando em Geografia no Programa de Pós-Graduação Universidade Federal de Mato Campus de Três Lagoas - UFMS/CPTL - MS - Bolsista CAPES [email protected] 2Professora no Programa de Pós-Graduação na Universidade Federal de Mato Campus de Três Lagoas - UFMS/CPTL - MS, Brasil [email protected] Resumo. As atuais disputas por território no estado de Mato Grosso, tem em seu âmago a concentração fundiária iniciada no processo histórico da apropriação capitalista da terra. Este processo privilegiou apenas uma pequena parte da população, excluindo povos tradicionais e trabalhadores. A atual conjuntura da questão agrária em Mato Grosso tem como parte integrante, a utilização de novas tecnologias de produção a partir da década de 19(70) que possibilitou a intensificação da concentração fundiária, nesse sentindo, cabe ressaltar, que a expansão da agricultu- ra capitalista a partir da revolução verde, protagonizou também, problemas ambientais no bioma Cerrado e Panta- nal assim como sérios problemas sociais. Em contrapartida, os movimentos socioterritoriais lutam pelo retorno a terra, utilizando estratégias para colocar em discussão a reforma agrária e os problemas gerados pelo agronegócio. Desta maneira, objetivamos discutir neste artigo as contradições inerentes à agricultura capitalista em Mato Gros- so, por meio da análise de dados, assim como, serão analisadas as ocupações de terras no período de 2000 a 2012 com auxílio do Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA) e entrevistas realizadas em campo. Palavras-chave: Mato Grosso, luta pela terra, movimentos socioterritorias, agricultura capitalista. 1 Este texto é parte de um estudo mais amplo, financiado pela Rede Pro-Centro-Oeste, Pesquisa e Inovação CNPq/MCT/FAP’s/Capes/FNDCT, intitulado: “Questão Agrária e transformações socioterritoriais nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará da Serra/MT na última década censitária”.

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Uma análise das ocupações de terra em Mato Grosso de 2000 a 20121

Danilo Souza Melo1

Rosemeire Aparecida de Almeida2

1Mestrando em Geografia no Programa de Pós-Graduação Universidade Federal de Mato Campus de Três Lagoas - UFMS/CPTL - MS - Bolsista CAPES

[email protected]

2Professora no Programa de Pós-Graduação na Universidade Federal de Mato Campus de Três Lagoas - UFMS/CPTL - MS, Brasil

[email protected]

Resumo. As atuais disputas por território no estado de Mato Grosso, tem em seu âmago a concentração fundiária iniciada no processo histórico da apropriação capitalista da terra. Este processo privilegiou apenas uma pequena parte da população, excluindo povos tradicionais e trabalhadores. A atual conjuntura da questão agrária em Mato Grosso tem como parte integrante, a utilização de novas tecnologias de produção a partir da década de 19(70) que possibilitou a intensificação da concentração fundiária, nesse sentindo, cabe ressaltar, que a expansão da agricultu-ra capitalista a partir da revolução verde, protagonizou também, problemas ambientais no bioma Cerrado e Panta-nal assim como sérios problemas sociais. Em contrapartida, os movimentos socioterritoriais lutam pelo retorno a terra, utilizando estratégias para colocar em discussão a reforma agrária e os problemas gerados pelo agronegócio. Desta maneira, objetivamos discutir neste artigo as contradições inerentes à agricultura capitalista em Mato Gros-so, por meio da análise de dados, assim como, serão analisadas as ocupações de terras no período de 2000 a 2012 com auxílio do Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA) e entrevistas realizadas em campo.

Palavras-chave: Mato Grosso, luta pela terra, movimentos socioterritorias, agricultura capitalista.

1 Este texto é parte de um estudo mais amplo, financiado pela Rede Pro-Centro-Oeste, Pesquisa e Inovação CNPq/MCT/FAP’s/Capes/FNDCT, intitulado: “Questão Agrária e transformações socioterritoriais nas microrregiões do Alto Pantanal e Tangará da Serra/MT na última década censitária”.

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Abstract. The current arguments for territory in the state of Mato Grosso, it has in his heart to agrarian concentra-tion initiated into the historical process of the capitalist appropriation of the land. This process privileged only a small part of the population, excluding traditional and hard-working people. The current state of affairs of the agrarian question in Mato Grosso has like integrant part, the use of new technologies of production from the de-cade of 19 (70) that made possible the intensification of the agrarian concentration, in this feeling, fits to stand out, in what the expansion of the capitalist agriculture from the green revolution, played the lead role also, problem environmental in the Closed bioma and Swampland as well as serious social problems. In counterentry, the move-ments socioterritoriais fight for the return the land, using strategies to put in discussion the land reform and the problems produced by the agronegócio. Desta maneira, objetivamos discutir neste artigo as contradições inerentes à agricultura capitalista em Mato Grosso, por meio da análise de dados, assim como, serão analisadas as ocupações de terras no período de 2000 a 2012 com auxílio do Banco de Dados da Luta pela Terra (DATALUTA) e entrevistas realizadas em campo.

key-words: Mato Grosso, it fights for the land, movements socioterritorias, agriculture capitalist

1. Introdução Diversos fatores permitem o avanço do agronegócio pelo cerrado brasileiro, principalmente em Mato Grosso, entre estes fatores, está o relevo (planaltos) e a abundância em água.

O cerrado brasileiro, com sua enorme diversidade biológica e cultural, tem se trans-formado numa área de expansão desses grandes latifúndios produtivos, pelas enormes vantagens que oferece, seja pela riqueza hídrica que abriga, seja pela topografia plana de suas chapadas e de seus chapadões. Avalia-se que 70% da área das chapadas já esteja ocupada por esse tipo de empresa, seja com cultivo de grãos, algodão ou de monoculturas de plantação de madeira (eucaliptos e pinus) (PORTO - GONÇALVES, 2006, p.250).

Aliados a estes fatores, está à política fundiária2 empregada no estado entre os anos de 1850 e 1929 que possibilitou a apropriação capitalista da terra e sua concentração. Consequent-emente, questões ambientais e sociais emergem deste modelo de agricultura (agronegócio). Neste artigo, nos dedicaremos a analisar as contradições sociais presentes no campo de Mato Grosso e a luta pela terra protagonizada por trabalhadores sem terra e povos tradicionais.

A agricultura capitalista, entendida aqui como agronegócio, se intensifica com mudanças no processo produtivo com o auxílio de novas técnicas e tecnologias na agricultura, aliados ao discurso de produtividade e modernidade. Nessa perspectiva, o novo, na realidade, representa a velha estrutura baseada no latifúndio e na exportação, aliada à nova base técnica impulsionada pela revolução verde Oliveira (2001). Revolução, essa, baseada no discurso de combate à fome, mas que possibilitou a expansão da agricultura capitalista e a produção de commodities, em detrimento da expropriação dos camponeses brasileiros.

Assim, a chamada modernização da agricultura não vai atuar no sentido da trans-formação dos latifundiários em empresários capitalistas, mas, ao contrário, transfor-mou os capitalistas industriais e urbanos – sobretudo do Centro-Sul do país – em proprietários de terra, em latifundiários. A política de incentivos fiscais da Sudene e da Sudam foram os instrumentos de política econômica que viabilizaram esta fusão. Dessa forma, os capitalistas urbanos tornaram-se os maiores proprietários de terra no Brasil, possuindo áreas com dimensões nunca registradas na história da humanidade (OLIVEIRA, 2001, p. 186).

Na verdade, a modernização conservadora da agricultura agravou os problemas sociais no

2 Para tanto, a obra de Moreno (2008),oferece subsídios sobre os mecanismos de “burla” na regularização de compra de terras devolutas.

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campo proporcionalmente ao crescimento dos complexos agroindustriais (CAIs) produtores de commodities. A inserção do capital internacional, principalmente dos fundos de pensão, car-acteriza o agronegócio, que necessita de subsídios financeiros para se estruturar e competir no mercado mundial.

Portanto, a necessidade de acumulação, que leva a uma franca expansão geográfica do capital na produção de soja no cerrado, exige contínuos investimentos para criar o ambiente adequado para a produção, não só nos objetos técnicos, mas também na infra-estrutura, construindo campos, fábricas, oficinas, armazéns, portos, estradas, energia etc., que são as formas geograficamente imobilizadas de capital fixo (BER-NARDES,1996, p.339)

Acrescenta-se, ainda, que as novas tecnologias implantadas na agricultura aliadas a inves-timentos públicos e privados proporcionam recordes anuais na produção e exportação. Com a produção de 23,5 milhões3 de toneladas de soja, em 2013, Mato Grosso configura-se como maior produtor do país. Vejamos a série histórica (Figura 1) da produção de soja.

Figura 1. Produção de Soja em Toneladas por ano no estado de MT (2002 a 2012). Fonte: EM-BRAPA, 2014.

A soja representa a principal commodity cultivada em Mato Grosso, destacando-se as ci-dades matogrossenses, considerando-se que treze delas compõem as vinte cidades maiores produtoras de soja do país, cuja liderança é Sorriso-MT.

Esse modelo de agricultura baseia-se na grande propriedade, assim, o monopólio da terra é parte importante do nosso estudo, por se tratar de uma reserva de valor da qual se extrai a renda da terra, isso faz com que capitalistas se tornem proprietários de terras (Oliveira, 2007). O interesse capitalista em adquirir grandes extensões de terras é uma contradição no sistema hegemônico; afinal, terra é uma unidade produtiva e seu monopólio se revela um empecilho ao desenvolvimento do capital. Entretanto, no Brasil, temos um capitalismo atípico, assim o capitalista e o latifundiário, muitas vezes, são o mesmo sujeito, a aliança terra-capital, como apontou Almeida (2009, p. 01):

3 Embrapa disponível em http://www.cnpso.embrapa.br

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Esta lógica de desenvolvimento é explicada por uma característica que o capitalismo assumiu no Brasil: o predomínio dos latifúndios não representa, em momento algum, entrave para o capital. É sim, a possibilidade, por meio da aliança de classe entre capi-talistas e proprietários de terra, de se gerar lucro e renda.

É interessante comentar que a aliança terra-capital4 é importante na compreensão da ex-istência do latifúndio com sua atual aparência moderna, denominada agronegócio. Entretanto, a aliança do atraso intensificou a concentração da propriedade privada em nossa área de estudo. Os dados do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), sobre imóveis rurais apresentam a concentração fundiária, como se observa na (Figura 2) a seguir.

Figura 2. Índice de GINI 2003 Brasil . Fonte: Atlas da Questão Agrária no Brasil.

O índice de Gini5 da estrutura fundiária, com base nos dados do INCRA de imóveis rurais, demonstra uma extrema concentração de terras em Mato Grosso. Em relação ao Brasil, ambos os estados apresentam grande concentração. Os problemas de MT, contudo, vão além da con-centração fundiária, pois, nos campos, o símbolo maior da barbárie é o número de trabalhadores encontrados em situação de escravidão demonstrados na Figura 3;

4 No Brasil, esta aliança fez com que, ao invés de a burguesia atuar no sentido de remover o entrave (a irracionalidade) que a propriedade privada da terra traz ao desenvolvimento do capitalismo, atuasse no sentido de solidificar, ainda mais, a propriedade privada da terra (OLIVEIRA, 2001, p.186).5 No índice de Gini (“R”), que se insere no intervalo de 0 a 1, quanto maior for a concentração, mais pró-ximo o índice estará de 1(um), valor este que representaria a concentração absoluta (INCRA, 2001).

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Figura 3. Mato Grosso: Número de trabalhadores em situação de escravidão. Fonte: CPT, 2014

Os índices de trabalhadores encontrados nessa situação, em Mato Grosso, demonstram a contradição presente nos estados. Submetidos a péssimas condições, e até mesmo em situação de escravidão, muitos trabalhadores são imigrantes de outras regiões do país e chegaram até MT à procura de emprego e movidos principalmente pelo discurso desenvolvimentista.

Imbuídos nas contradições do campo mato grossense os camponeses, posseiros e povos tradicionais compõem um grupo de excluídos que marcham pelo estado na esperança da con-quista de parte do território. Os camponeses de Mato Grosso lutam pelo retorno a terra da qual foram expulsos no processo de colonização ou atraídos de outras regiões pela expansão da ag-ricultura capitalista. O enfrentamento dos excluídos contra o agronegócio e o latifúndio ocorre por meio de estratégias de ações, que variam de acordo com a base ideológica e organização dos movimentos que os representam. Essas ações são diariamente registradas e sistematizadas pelo DATALUTA, uma importante fonte de informação da resistência camponesa e povos tradicio-nais que balizará nossa pesquisa sobre as ocupações em Mato Grosso.

2. Objetivo

Objetivamos nesse artigo compreender e analisar as contradições do campo mato grossense resultantes da expansão da agricultura capitalista, assim como as ocupações realizadas pelos movimentos socioterritoriais no período de 2000 a 2012.

Especificamente analisar os números de ocupações mapeando-as e discutindo seus desdo-bramentos.

3. Material e Métodos

Para atingirmos nossos objetivos, utilizamos uma metodologia que compreendesse toda a com-plexidade que envolve a questão agrária em Mato Grosso. Metodologia composta por revisão bibliográfica, consulta a dados estatísticos como Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e entrevistas realizadas em campo.

Dessa maneira, a revisão bibliográfica da história de ocupação e colonização possibilitou entendermos a política fundiária que permitiu a apropriação capitalista da terra em Mato Gros-so. Assim como os dados do IBGE e INCRA permitiram a análise da estrutura fundiária. Outros

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dados estatísticos como da Comissão Pastoral da Terra (CPT) evidenciou as contradições da agricultura dita moderna.

O banco de dados da luta pela terra DATALUTA6, é a principal fonte de informações sobre as ocupações, permitindo nossa análise e a elaboração de gráficos e mapas. Complementado os dados do DATALUTA utilizamos entrevistas realizadas durante a saída de campo, que possi-bilitou o contato direto com lideranças do principal movimento socioterritorial de Mato Grosso.

Assim, a metodologia utilizada articulou as mais diversas fontes de informações para que pudéssemos analisar o movimento histórico do avanço da agricultura capitalista em Mato Gros-so e a luta pela terra.

4. Resultados e Discussão

As ocupações são parte importante da luta pela terra e essa estratégia é utilizada há décadas. O MST a partir dos anos de 19(80) ocupa em massa áreas com problemas de titulação7 e/ou improdutivas reivindicando a desapropriação para reforma agrária, pois “Se não ocupamos, não provamos que a lei está do nosso lado. É por essa razão que só houve desapropriações quando houve ocupação [...] A lei só é aplicada quando existe iniciativa social, essa é a norma do di-reito” (STÉDILE, FERNANDES, 2000, p.115). A ocupação coloca em disputa uma fração do território, resultado de um modelo de desenvolvimento concentrador e excludente, revelando sua conflitualidade.

A ocupação não é o começo da conflitualidade, nem o fim. Ela é desdobramento como forma de resistência dos trabalhadores sem-terra. O começo foi gerado pela expropriação, pelo desemprego, pelas desigualdades resultantes do desenvolvimento contraditório do capitalismo (Fernandes, 2005, p.8).

A conflitualidade é resultado da questão agrária produzida pelo avanço do capitalismo no campo tendo como contraponto os camponeses e povos tradicionais lutando por território que lhes pertenceu outrora. A ocupação é uma estratégia dos movimentos socioterritoriais desde as décadas de 19(70) e 19(80) na luta pela democratização da terra e direito dos trabalhadores rurais, seguidas pela forte repressão do Estado e também dos fazendeiros em defesa da proprie-dade privada.

Na luta pela terra, a ocupação é uma comprovação que o diálogo não é impossível. Ao ocupar a terra, os sem-terra vêm a publico e iniciam as negociações, os enfretamentos com todas as forças políticas. Ao ocupar espaços políticos, reivindicam seus direitos. Quando o governo criminaliza essas ações, corta o diálogo e passa dar ordens. Tenta destruir a luta pela terra sem fazer a reforma agrária (Fernandes, 2013, p.36).

A luta indígena, camponesa e quilombola fazem parte da luta pelo território no estado de Mato Grosso. Suas ocupações8 e manifestações fazem parte do processo de espacialização 6 O DATALUTA – Banco de Dados da Luta pela Terra – é um projeto de pesquisa e extensão criado em 1998 no Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – NERA, vinculado ao Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP, campus de Presidente Prudente. A elaboração do primeiro Relatório DATALUTA em 1999, com os dados de 1998, foi o início desta publicação de categorias es-senciais da questão agrária brasileira, superando a dificuldade de acesso aos dados sistematizados sobre ocupações e assentamentos. Em 2004, incorporamos as categorias movimentos socioterritoriais e estrutura fundiária, com a apresentação de gráficos, tabelas, quadros e mapas.7 Segundo Oliveira 2013: Metade dos documentos de posse de terra no Brasil é ilegal. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/metade-dos-documentos-de-posse-de-terra-no-brasil-e-ile-gal-7116.html. Acesso em 12/05/2014.8 Segundo Oliveira 2013: Metade dos documentos de posse de terra no Brasil é ilegal. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/metade-dos-documentos-de-posse-de-terra-no-brasil-e-ile-gal-7116.html. Acesso em 12/05/2014.

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da luta. A espacialização e territorialização são dimensões da luta pelo território decorrentes das ações dos movimentos socioterritoriais, dimensões estas indissociáveis, ocorrendo muitas vezes de forma simultânea. O movimento se espacializa ao realizar suas lutas (manifestações, ocupações), nelas a luta se faz conhecida, ganha adeptos e opositores.

No processo de ocupação, a escolha da fazenda não é aleatória, são fazendas passíveis de reforma agrária, seja por improdutividade ou irregularidades, assim evidencia-se a luta dos movimentos socioterritoriais contra o modelo capitalista de agricultura;

Os sem-terra ocupam terras, predominantemente, em regiões onde o capital já se territorializou. Ocupam latifúndios – propriedades capitalistas – terras de negócio e exploração – terras devolutas e/ou griladas. As lutas por frações do território [...] rep-resentam um processo de territorialização na conquista da terra de trabalho contra a terra de negócio e de exploração. Essa é a diferença fundamental, porque o grileiro, o latifundiário, o empresário chegam onde o posseiro está. Os sem-terra estão ou che-gam onde o grileiro, o empresário, o latifundiário estão. (FERNANDES. 1999 p. 67).

No quadro geral (Figura 4), Mato Grosso no período de 2000 a 2012 apresenta um de-créscimo nas ocupações salvo de pequenas variações, vejamos:

Figura 4. Ocupações em Mato Grosso de 2000 a 2012. Fonte: DATALUTA 2014.

Ocorreram 64 ocupações entre 2000 e 2012, sendo que os picos de ocupações aconteceram nos anos de 2003(19 ocupações) e 2005(12 ocupações) motivados por promessas políticas e principalmente com a eleição presidente Luis Inácio Lula da Silva que efervesceram os movi-mentos sociais, principalmente o MST. Com a entrada de um governo popular, se esperava a desapropriação e criação de mais assentamentos, nesse sentido as ocupações se intensificaram entre os primeiros anos do governo Lula (2003 2004 e 2005).

Nos anos subsequentes, a reforma não ocorreu como na expectativa dos movimentos, desse modo, as ocupações caíram nos anos seguintes: 2006 (4 ocupações), 2007 (2 ocupações), 2008 (2 ocupações) devido a desistência das famílias acampadas como afirma� uma das lider-anças do MST-MT.

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Aqui é um período que quando o PT assumiu o governo, o superintenden-te do INCRA foi em cadeia nacional e disse “só vou assentar quem estiver acampado”, isso estimulou o sem-terra a fazer luta ir para o acampamento. Ai vem caindo de novo, porque a partir que isso aqui não acontece, as famílias vão desistindo e cada vez mais difícil fazer ocupação, por quê? Porque as famílias ficam muito tempo acampadas, um ano dois anos, hoje cinco anos. Então se eu vejo meu vizinho acampando há cinco anos eu não me encorajo de ir.

Esse contexto explica a redução significativa de 2000 a 2012 em Mato Grosso (Figura 5)

Figura 5. Famílias em ocupações em Mato Grosso de 2000 a 2012. Fonte: DATALUTA 2014.

Mato Grosso contou com um total de 18.213 famílias nas ocupações, como pode ser veri-ficado no gráfico 4. Todavia há uma redução drástica das famílias acampadas. A morosidade da reforma agrária e a sua não realização provocam a desistência das famílias e a redução do contingente de famílias sem-terra nas ocupações. O impacto dos programas sociais como bolsa família, afetaram consideravelmente no trabalho de base realizado pelos movimentos socioter-ritoriais para convocar as pessoas para a luta.

No trabalho de base os movimentos procuram encontrar pessoas com perfil da luta pela terra, que já foram trabalhadores rurais ou sempre moraram na cidade, mas almejam uma quali-dade de vida melhor. Algumas estratégias são adotadas a fim de manter as famílias na luta, como por exemplo, a permissão para que as famílias possam passar o dia na cidade trabalhando, ou até mesmo algumas concessões para as famílias só retornarem ao acampamento nos finais de semana.

O mapeamento das ocupações por meio dos dados do DATALUTA (Figura 2) apresenta a espacialização da luta pela terra nos estados estudados. As regiões com maior número de ocu-pações são o Sul de Mato Grosso.

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Figura 6. Mato Grosso ocupações por município (2000 a 2012). Fonte: DATALUTA 2014.

O Sul de Mato Grosso possui maiores números de ocupações parte devido pela organização do MST na região principalmente em Cuiabá e Cáceres (4 ocupações). Contudo, Sinop e Jaciara com seis e cinco ocupações respectivamente são os municípios com mais ocupações de terras, ambos também articulados pelo MST.

5. Conclusões

O estado de Mato Grosso possui intensas contradições no campo, no que se refere à produção, observam-se altos índices da produção de commodities em detrimento da produção de alimen-tos. A propensão ao agronegócio mostra a fragilidade do estado em sua soberania alimentar9. São problemas estruturais do modelo produtivo baseado na concentração de terras. A presença de trabalhadores em situação de escravidão revela que a barbárie está presente no estado, junto com um contingente de trabalhadores pobres sem terras que migraram para a cidade a procura de melhores condições de vida. Parte desses trabalhadores entra na luta pelo território por meio dos movimentos socioterritoriais.

Cabe ressaltar, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é o maior coorde-nador das ações realizadas no estado. Ao compararmos o índice de GINI (Figura 2) com as ocupações (Figura 6) conclui-se que as ações dos movimentos socioterritoriais ocorrem prin-cipalmente nas regiões com maior concentração fundiária.

Percebe-se ainda a queda das ocupações motivadas pela não realização da reforma agrária 9 Segundo Oliveira 2013: Metade dos documentos de posse de terra no Brasil é ilegal. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/metade-dos-documentos-de-posse-de-terra-no-brasil-e-ile-gal-7116.html. Acesso em 12/05/2014.

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que provoca a desistência das famílias acampadas. Não podemos nos esquecer de que há um grande número de famílias que resistem em barracas na beira da estrada, como é o caso do acampamento Silvio Rodrigues em Mirassol do Oeste-MT que resiste há 12 anos na esperança de conquistar um pedaço de terra.

Nesse sentido, a luta pela terra em Mato Grosso enfrenta dificuldades pela lentidão da reforma agrária e desistência das famílias. Contudo a reforma agrária continua sendo o único caminho para justiça social e por uma agricultura mais saudável de alimentos.

6. Referências

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