um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com...

16
29 Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com memórias – relato de experiência Isaura Maria Ribeiro BONAVITA 1 Rodrigo Touso Dias LOPES 2 Resumo: Tendo como fonte primária de estudo a Missão do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo e o Programa Educativo existente, este estudo tem como objetivo a elaboração de um Programa Educativo Cultural a ser implantado nos palácios paulistas, visando acrescentar valores à experiência do visitante por meio do encontro de suas referências históricas e do seu lugar na história. Tendo como embasamento teórico autores especializados em Educação, Patrimônio e Memória presentes na revisão bibliográfica elaborada, somados às análises de experiências existentes em outras casas de poder, o estudo tomou corpo e apresenta a proposta de um novo Programa Educativo Cultural que objetiva o encontro dos visitantes com as memórias existentes nos Palácios Paulistas, trazendo o passado à contemporaneidade. Palavras-chave: Educação Patrimonial. Memória. Educação Museal. 1 Isaura Maria Ribeiro Bonavita. Especialista em Museografia e Patrimônio Cultural pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>. 2 Rodrigo Touso Dias Lopes. Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) – câmpus de Franca (SP). Especialista em Formação de Professores e Graduado em História pela mesma instituição. Coordenador do Curso de Pós-graduação lato sensu em Museografia e Patrimônio Cultural do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

Upload: others

Post on 10-Jan-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

29

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com memórias – relato de experiência

Isaura Maria Ribeiro BONAVITA1

Rodrigo Touso Dias LOPES2

Resumo: Tendo como fonte primária de estudo a Missão do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo e o Programa Educativo existente, este estudo tem como objetivo a elaboração de um Programa Educativo Cultural a ser implantado nos palácios paulistas, visando acrescentar valores à experiência do visitante por meio do encontro de suas referências históricas e do seu lugar na história. Tendo como embasamento teórico autores especializados em Educação, Patrimônio e Memória presentes na revisão bibliográfica elaborada, somados às análises de experiências existentes em outras casas de poder, o estudo tomou corpo e apresenta a proposta de um novo Programa Educativo Cultural que objetiva o encontro dos visitantes com as memórias existentes nos Palácios Paulistas, trazendo o passado à contemporaneidade.

Palavras-chave: Educação Patrimonial. Memória. Educação Museal.

1 Isaura Maria Ribeiro Bonavita. Especialista em Museografia e Patrimônio Cultural pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.2 Rodrigo Touso Dias Lopes. Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) – câmpus de Franca (SP). Especialista em Formação de Professores e Graduado em História pela mesma instituição. Coordenador do Curso de Pós-graduação lato sensu em Museografia e Patrimônio Cultural do Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

Page 2: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

30

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

A patrimonial sight: Palaces from São Paulo, places with memories-experience report

Isaura Maria Ribeiro BONAVITA Rodrigo Touso Dias LOPES

Abstract: This paper has the primary source of study the Mission of the Artistic-Cultural Palaces from São Paulo state and the existing educational program, this study aims at the development of a Cultural Education Program to be implemented in the São Paulo palaces, aiming to add value the visitor experience through the meeting of its historical references and its place in history. It has as theoretical basis expert authors in Education, Heritage and memory present in elaborate literature review, in addition to analysis of existing experience in other houses of power, the study took shape and presents the proposal for a new Cultural Education Program aiming at meeting the visitors with existing memories in Paulistas Palaces, bringing the past to contemporary times.

Keywords: Patrimonial Education. Memory. Museum Education.

Page 3: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

31

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

1. INTRODUÇÃO

Vivendo nos primeiros anos do século XXI, urge que prestemos atenção na formação do ser humano. A educação fragmentada, própria de nosso tempo, não estabelece coerência entre os saberes e não contribui para a tomada de consciência necessária ao desenvolvimento do homem como elemento participante da vida capaz de interagir com o meio e o seu semelhante.

Os discursos mundiais de sustentabilidade falam-nos da importância da educação como ferramenta para entender o meio ambiente e desenvolver a preservação deste. Esse olhar, expandido para todo o universo de possibilidades socioculturais que estão imbricadas na educação, possibilitará uma educação igualitária e justa onde a ética e a importância do todo seriam o ponto de partida para a formação do homem integral.

O físico Fritjof Capra (s.d.) coloca o pensamento sistêmico como um grande aliado para entender a teia da vida. Segundo sua abordagem, podemos entender que a consciência do entrelaçamento e da interdependência entre todos os seres e os seguimentos dos saberes é que fazem acontecer a formação do ser humano por completo.

Trazendo para uma linguagem pedagógica, teremos a oportunidade da expansão da aquisição das capacidades intelectuais, valores, hábitos, relações socioafetivas, bem como o estabelecer das relações corpo-mente. Dessa forma possibilita a relação entre a emoção e a razão integrando sentimento e ação, o que facilita a aquisição do equilíbrio capaz de promover o desejo de aprender. Religando a vida, tendo o ser humano como sujeito principal da teia, advirá um crescimento pleno e equilibrado deste.

Tendo como premissa que a educação, formal ou informal, tem como missão a formação do homem como ser social, através da vivência plena de suas potencialidades e o desenvolvimento da consciência real das semelhanças e diferenças entre si, buscando o respeito à aceitação da pluralidade cultural, consideramos o museu um elemento significativo de ligação entre os saberes.

Page 4: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

32

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

Os museus têm o importante dever de desenvolver o seu papel educativo atraindo e ampliando os públicos egressos da comunidade, localidade ou grupo a que servem. Interagir com a comunidade e promover o seu patrimônio são parte integrante do papel educativo dos museus (ICOM, 2009, p. 21).

Conforme a citação do Código de Ética (2009), os museus têm a responsabilidade de cooperar na amplitude da educação promovendo, por meio de seu patrimônio, ações que possibilitem exercícios de cidadania.

Para tanto, é necessária a elaboração de uma Pedagogia do Patrimônio que dialogue com as novas perspectivas museais em que as abordagens educativas tenham compromisso com o aspecto social. Segundo Cabral (2013), a educação que acontece a partir de um bem cultural contribui significativamente para a aquisição da capacidade crítica. Partindo da aquisição da crítica, o homem exercita questões de cidadania ao questionar o seu conhecimento e sua história.

Nesse contexto, os Palácios do Governo do Estado de São Paulo, por meio de seu acervo artístico e da memória contida em seus espaços, podem contribuir significativamente com a formação do olhar patrimonial de todos os visitantes que por eles transitam. As palavras de Freire nos mostram a importância das relações dos seres humanos e o mundo advindas das relações com um espaço, sua história e cultura:

A criticidade e as finalidades que se acham nas relações entre os seres humanos e o mundo implicam em que estas relações se dão com um espaço que não é apenas físico, mas histórico e cultural. Para os seres humanos, o aqui e o ali envolvem sempre um agora, um antes e um depois. Dessa forma, as relações entre os seres humanos e o mundo são em si históricas, como históricos são os seres humanos, que não apenas fazem a história em que se fazem mas, consequentemente, contam a história deste mútuo fazer (FREIRE, 1981, p. 81).

Tais palavras nos dão a dimensão de possibilidades em ações educativas decorrentes das memórias contidas nos palácios paulistas seja em seus espaços, seja no âmbito de seus ocupantes

Page 5: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

33

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

transitórios, seja em seu acervo artístico. Considerando que a “[...] educação se apoia na construção e reconstrução do patrimônio cultural” (SANTOS, 2011, p. 25), ações educativas com foco na educação para o patrimônio devem ser objetivo da gestão do acervo dos palácios paulista, pois, por meio delas, o exercício da cidadania será continuo e estará dialogando com os seres humanos no tocante às sua história e heranças culturais.

Como depositários e gestores de patrimônio, os palácios paulistas detêm a função de instituição educativa valorizada por ser um “Museu” vivo, em que a história se faz no cotidiano. As obras e peças de artes expostas nos espaços palacianos refletem conhecimentos, valores, modos de pensar e de viver daqueles que as criaram ou utilizaram.

Tendo como fonte primária de estudo a Missão do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo e o Programa Educativo existente, propomos a sistematização de um Programa Educativo Cultural a ser implantado nos palácios paulistas, visando acrescentar valores à experiência do visitante por meio do encontro de suas referências históricas, bem como do seu lugar na história.

2. POR UMA PEDAGOGIA DO PATRIMÔNIO

Educação

Tendo como premissa que a Educação tem como missão a formação do homem como ser social, por meio da transmissão de conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana e o desenvolvimento da consciência real das semelhanças e da correlação entre todos os seres, é de notória importância gerar ações educativas que contribuam para o enriquecimento do ser humano.

Somente a partir do olhar sem preconceito, para o outro, o homem poderá olhar para si mesmo e reconhecer-se único entre todos, reconhecendo cada um como único diante a si. Analisando fatores que aproximam os seres humanos, destacamos a arte e a

Page 6: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

34

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

história contida em cada manifestação artística, no registro de tempo, usos e costumes que possibilitam o despertar dos sentimentos de pertencimento e apreço às memórias pessoais e coletivas.

Segundo Chauí (1998, p. 270), “Merleau-Ponti dizia que a Arte é advento – um vir a ser do que nunca existiu – como promessa infinita de acontecimentos – as obras dos artistas”. Pensando em ações, que possibilitem o dar as mãos entre os seres do Planeta, as palavras do filósofo Merleau-Ponty (apud CHAUÍ, 1998) reafirmam que a Arte é o início de um novo tempo, é a promessa de acontecimentos geradores de paz e universalidade que vão promover a formação do homem da nova era.

A educação pela arte possibilita a integração do ser humano com o mundo, desenvolvendo apreço e consideração em relação às diferenças.

O conhecimento da arte abre perspectivas para que o aluno tenha uma compreensão do mundo na qual a dimensão poética esteja presente: a arte ensina que é possível transformar continuamente a existência, que é preciso mudar referências a cada momento, ser flexível. Isso quer dizer que criar e conhecer são indissociáveis e a flexibilidade é condição fundamental para aprender. O ser humano que não conhece arte tem uma experiência de aprendizagem limitada, escapa-lhe a dimensão do sonho, da força comunicativa dos objetos à sua volta, da sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores e formas, dos gestos e luzes que buscam o sentido da vida (BRASIL, 1997, p. 20).

Ao aliarmos a arte à história, podemos vislumbrar a aquisição de conceitos de cidadania e respeito que facilitará a compreensão de si, do outro, do presente e a construção da noção de identidade.

A história permite-nos olhar o passado e entendê-lo à luz do presente. Sua abordagem a partir dos artefatos descreve usos e costumes dos povos através dos tempos, bem como possibilita a construção da história individual e o entender da história coletiva.

Desenvolver o olhar, estabelecer relações, expressar o que se pensa e o que se sente é possível frente às produções e expressões

Page 7: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

35

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

artísticas disponíveis em museus de arte, história, arqueologia e museus casa.

Trazendo essas considerações aos palácios paulistas, pode-se afirmar que as peças de arte e os objetos históricos pertencentes ao acervo possibilitam o compartilhamento de memórias, o escrever de histórias e, acima de tudo, o reconhecer do lugar de cada homem na memória coletiva do estado de São Paulo.

Patrimônio Cultural

Patrimônio: riqueza, preciosidade, bem ou conjunto de bens naturais ou culturais de importância reconhecida que passam por um processo de tombamento para que seja protegido e preservado (HOUAISS, 2009, n.p.).

Pensando na definição acima, fica clara a importância da preservação e democratização do patrimônio cultural. Para tanto, é necessário que os museus como agentes culturais se proponham a estabelecer critérios para que se fomentem ações que permitam ao homem tomar posse de seu patrimônio cultural seja ele material ou imaterial e agindo sobre ele.

Freire (1867) tem o homem como ser de integração, cuja relação com a realidade o torna capaz de dinamizar o seu mundo, transformando-o, agindo sobre ele, criando e recriando-o:

A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz cultura (FREIRE, 1867, p. 44).

Por meio da história, o homem cria seu mundo e o transforma deixando em sua produção e criação o testemunho de seu viver. Esse testemunho, ao longo do tempo, torna-se a memória material e imaterial do existir, tornando-se um patrimônio cultural do homem. Seu valor só pode ser considerado quando democratizado e, ao homem do aqui e agora, servindo-o como elemento de pertencimento.

Page 8: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

36

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

O patrimônio cultural, seja material, seja imaterial, propicia entrar em contato direto com os povos de todas as épocas e culturas, bem como tomar conhecimento da diversidade cultural que nos cerca e compreender o significado da existência humana e o nosso valor no momento em que nos inserimos nesta.

As expressões e produções humanas ganham novo significado quando interpretadas à luz da inserção do homem no mundo em que está inserido, pois facilitam o entendimento da importância do ser humano como agente produtor de conhecimento e cultura.

A imaterialidade contida em cada produção humana, quando trazida à luz do conhecimento, passa a ser o registro de usos e costumes, modo de pensar e viver de uma determinada época e lugar. Todo o contexto advindo do patrimônio enriquece o ser humano que tem a oportunidade de se revelar a partir da interação com o material e imaterial desse patrimônio.

Pra começo de conversa, não existe patrimônio que não seja definido a partir de sentidos e significações, de valores e, portanto, de entidades imateriais. Um objeto material tem, em si, apenas propriedades físico-químicas. Não se pode vê-lo, necessariamente, apenas dessa forma, mas a partir das significações (imateriais) produzidas pelas práticas sociais. Anaxágoras dizia que o homem é a mais sensata das criaturas por causa de sua mão. É por causa da sua mão que ele pode construir o mundo e se construir, inclusive. A mão pensa, dizia Marcel Mauss, você vê que está aí a antítese dessa dicotomia. O importante é explorar o imaterial no material e os suportes materiais do imaterial (MENEZES, 2009, n.p.).

Sendo assim, podemos afirmar que os palácios paulistas, como lugares detentores de um considerável patrimônio, que transita entre objetos históricos, obras de arte e memórias palacianas, possibilitam ao ser humano oportunidades para entender a sua história, revelar suas memórias e recriar significados para estas de acordo com o seu olhar.

Page 9: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

37

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

Educação e Patrimônio

Para Freire (1987, p. 68), “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,

mediatizados pelo mundo”.

Partindo da afirmação de Freire (1987), entendemos que a educação preconizada perde o seu sentido quando a considerarmos soberana às interações do homem com o homem e com o meio. No âmbito do museu, devemos ter claro que a educação ali praticada deve ter olhos para todos os vértices: o objeto, o homem, a sociedade, a imaterialidade contida no objeto, os saberes e os fazeres.

É importante, neste contexto, levar em consideração as questões patrimoniais quando da elaboração de uma pedagogia, vinculando-a a uma visão interdisciplinar de mundo, para que atenda aos anseios e questionamentos do público visitante.

Tal pedagogia deve ter como centro o homem promovendo oportunidades de conhecimento, desenvolvimento das capacidades cognitivas e de valores e atitudes que se refletiram na conquista da identidade social.

Para aproximar o homem do museu, é preciso transpor as barreiras existentes entre o homem, objetos e obras de um espaço do museu. Para que isso, aconteça é preciso deixar o olhar sobre o objeto se expandir ao meio em que está exposto para transcender na relação espaço-tempo, conquistando o olhar contemporâneo e ativo do homem como visitante. Nesse momento, segundo Homs (2004), o acervo passa a ter relações e mediações com a realidade social, fazendo acontecer a interação homem-museu-acervo.

No que diz respeito aos espaços palacianos, além do acervo material existente e disponível à comunicação, existem as questões relacionadas aos patronos, ao uso social e político do espaço e as memórias contidas em cada ambiente. Essas questões são de grande importância principalmente para o visitante local, que, a partir das abordagens feitas pelo museu, toma consciência de suas heranças, toma posse da história em que está inserido e compreende o presente.

Page 10: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

38

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

Um exemplo de tomada de posse desses fatores por um programa educativo é o Palácio Nacional da Ajuda em Portugal, que transforma a busca da memória palaciana em divertida visita. Por meio de materiais denominados Guiões, é possibilitada ao visitante a interação com o espaço, acervo e com a história de Portugal, tornando-a leve e prazerosa. Nesse momento, o palácio transforma-se em um lugar com memórias que pertencem a um povo e que dialogam com outras memórias, de outros povos, de outras terras.

No tocante aos Palácios Paulistas, considerando a importância do estado de São Paulo na história do Brasil desde a hegemonia da cafeicultura até os dias de hoje, os palácios são lugares com memórias que valem ser resgatadas e compreendidas tanto por meio de seu acervo de obras e objetos antigos quanto do acervo histórico guardado na memória de seus ambientes e de seus patronos desde a década de 60 do século XX.

3. O DELINEAR DE UM PROGRAMA EDUCATIVO

Formas de mediação que propiciam aos diversos públicos a possibilidade de interpretar objetos de coleções de museus, do ambiente natural ou edificado, atribuindo-lhes os mais diversos sentidos, estimulando-os a exercer a cidadania e a responsabilidade social de compartilhar, preservar e valorizar patrimônios com excelência e igualdade (GRISPUM, 2000, p. 27).

O educativo dos palácios do Governo do Estado de São Paulo vem desde 2007, ano em que a autora deste artigo passou a ser diretora do Centro de Monitoria da Visitação aos Palácios, ampliando seu horizonte no que diz respeito a uma mediação que possibilite acrescentar valores à experiência do visitante.

Na época, pouco se falava em programas educativos. Buscaram-se referências e foram encontrados o programa educativo desenvolvido pelo Museu Lasar Segall e o educativo do Museu de Arte Contemporânea da USP. As possibilidades educativas à disposição encantavam, desafiavam e nos impeliram a buscar um estudo sistematizado do tema.

Page 11: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

39

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

O caminho tem sido de muito estudo, pesquisa e conversas com outros espaços tal como o nosso: Palácio Museu. A especificidade dos espaços, do atendimento ao visitante e do acervo disponível direcionou nosso olhar para arte-educação e educação patrimonial, objetivando melhor compreensão dos bens à disposição do trabalho educativo.

A primeira preocupação era o atendimento condizente ao nível de compreensão do público escolar. Para tanto, foram desenvolvidas abordagens educativas condizentes as diversas faixas etárias, permitindo que a visita dialogasse com os PCNs. Nesse momento, foi criado um percurso no qual as obras de arte e os objetos artísticos contavam a história de São Paulo.

Com o início das exposições temporárias, passou-se a criar Materiais Educativos, com um percurso artístico que dialogava com o tema e as obras da exposição expandindo o olhar para a história e a contemporaneidade. Ao realizar o agendamento, a escola recebia o link do acervo para consultar o material e preparar a sua visita e, no dia da visita, o educador desenvolvia as questões e os olhares propostos no material.

Até 2011, tais materiais eram preparados para todas as exposições temporárias ocorridas nos palácios Bandeirantes, Horto e Boa Vista. Nesse momento, o educativo passou a preparar abordagens educativas com atividades de interpretação relacionadas com a faixa etária do visitante. Todos os percursos educativos ofereciam, após a mediação, a oportunidade de participar de uma atividade criativa. Os percursos tornaram-se mais abrangentes, mais dialógicos e lúdicos.

O tempo passou e as experiências encaminharam as mudanças. Hoje, como base na missão do Acervo, pode-se pensar em sistematizar todo o trabalho que é realizado e expandi-lo com consciência para outras vertentes que melhor atendam os anseios e expectativas do público dos palácios paulistas.

Para tanto, propõe-se, com base no estudo realizado e na Missão do Acervo, o Programa Educativo: Palácios Paulistas lugares com memórias, o qual é apresentado a seguir.

Page 12: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

40

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

4. PROPOSTA DE PROGRAMA EDUCATIVO CULTURAL: PALÁCIOS PAULISTAS LUGARES COM MEMÓRIAS

Justificativa

Considerando que os palácios guardam uma memória vital para entender nosso passado – que está sempre presente e constituirá parte do futuro –, conhecê-los por meio da arquitetura e do acervo artístico-cultural presente neles possibilita compreender as contradições da história e ter a oportunidade de relacioná-las e estudá-las, buscando sua superação (ACERVO, 2014, n.p.).

Objetivo geral

• Possibilitar, por meio da arte e da história contida nos ambientes palacianos, o desenvolver das capacidades cognitivas e afetivas, das habilidades e das atitudes que promovam o despertar e ampliar do conhecimento e o exercer da cidadania consciente.

Objetivos específicos

• Propiciar um ativo processo de conhecimento, apropriação e valorização das heranças culturais, por meio do acervo material (obras de arte, mobiliário, louçaria, prataria) exposto nos ambientes dos Palácios.

• Estabelecer um diálogo prazeroso a fim de possibilitar relações do presente com o passado, possibilitando base para o entendimento do agora e a construção do futuro.

• Promover o diálogo sobre os mitos relacionados aos Palácios favorecendo maior entendimento do espaço como um espaço de múltipla função.

• Estimular momentos de reflexão sobre o contexto histórico dos palácios em relação à história de São Paulo a fim de

Page 13: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

41

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

que o visitante pense sobre o seu papel na construção do estado.

• Oportunizar momentos de: apreciação dos bens patrimoniais; conscientização sobre preservação patrimonial; reconhecimento da identidade cultural; exercício de cidadania; aceitação da pluralidade cultural.

Conteúdo a ser abordado

• Palácio dos Bandeirantes.• História do Palácio (origem, localização, estilo arquitetô-

nico).• Funções do Palácio (sede do governo, residência oficial do

governador, palácio museus).• O governador (os governadores ao longo da história).• Acervo artístico (acervo permanente exposto no espaço

aberto à visitação).• Memórias.• Palácio Boa Vista.• História do Palácio (origem, localização, estilo arquitetô-

nico).• Funções do Palácio (residência de inverno do governador,

palácio museu).• Festival de Inverno.

Estratégias

As estratégias devem ser articuladas principalmente a partir de visitas mediadas dialógicas, em que os educadores desenvolvam, de forma criativa e prazerosa, um discurso interativo com os visitantes, permitindo momentos de observação, análise e expressão. Nesse sentido, incluem-se:

Page 14: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

42

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

• Discussão dirigida e descoberta orientada: os educa-dores devem estabelecer um diálogo com os visitantes impelindo-os a questionar os temas, objetos e espaços percorridos.

• Registro espontâneo: durante todo o percurso, os visitantes poderão ser incentivados a registrar pictograficamente o que lhes chamar a atenção. Para tanto, são oferecidos ao visitante prancheta, papel e lápis (público escolar).

• Oficinas de arte: nelas, poderá ser oportunizada ao visitante a possibilidade de experimentar uma técnica ou linguagem artística presente no espaço expositivo.

• Abordagens educativas: diálogos com a arte e a história, que possibilitam um momento lúdico, democrático e prazeroso, permitindo ao visitante tomar posse das memórias contidas nos espaços palacianos.

• Material educativo: material a ser disponibilizado, que trabalhe a arte e a história e suas relações com o saber cultural, oferecendo condições de inserção do contexto dos PCNs e possibilitando a elaboração de um Roteiro de Visita.

• Encontros educativos: para que os professores conheçam o percurso expositivo e suas aproximações com os PCNs, bem como elaborem seu Roteiro de Visita.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estabelecer o diálogo entre os espaços e seus públicos é um desafio para as instituições museológicas. Quando esses espaços se revestem também de características de espaços de poder, esse desafio se torna ainda maior.

Ao longo deste artigo, procuramos demonstrar como, por meio de um programa consciente e integral, podemos fomentar o diálogo, oferecer espaços de luz e voz para o público visitante, na intenção de que, do diálogo entre visitantes, visitantes e funcionários, visitantes e a arte em si, floresça uma fruição de

Page 15: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

43

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

qualidade, cumprindo os palácios a finalidade de serem, também, importantes lugares com memória.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte/Secretaria da Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

______. Programa Nacional de Educação Museal (PNEM). Documento Preliminar do Programa Nacional de Educação Museal. Brasília, 2014. Disponível em: <http://pnem.museus.gov.br/wp-content/uploads/2014/01/DOCUMENTO-PRELIMINAR1.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2014.

CABRAL, M. Memória, patrimônio e educação. Resgate: revista interdisciplinar de cultura, Campinas, v. 12, n. 13, p. 35-42, 2004. Disponível em: <http://www.cmu.unicamp.br/seer/index.php/resgate/article/view/177>. Acesso em: 11 dez. 2013.

CAPRA, F. A teia da vida. Uma nova compreensão científica dos seres vivos. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996.

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1998. Disponível em: <www.pedagogiaaopedaletra.com/convite-a-filosofia-de-marilena-chaui>. Acesso em: 17 out. 2014.

CURADORIA DO ACERVO ARTÍSTICO-CULTURAL DOS PALÁCIOS DO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Plano estratégico. São Paulo, 2014.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 15. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

______. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

______. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GRINSPUM, D. Educação patrimonial como forma de arte e cidadania. In: FDE. Educação com arte. São Paulo: FDE, 2009. p. 163-170.

Page 16: Um olhar patrimonial: palácios paulistas lugares com ...claretianobt.com.br/download?caminho=/upload/cms/... · Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015 Um olhar patrimonial:

44

Educação, Batatais, v. 5, n. 3, p. 29-44, 2015

______. Educação para o patrimônio: museu de arte e escola – responsabilidade compartilhada na formação de públicos. São Paulo, Usp, 2000. (Tese de Doutorado). Disponível em: <http://repep.fflch.usp.br/sites/repep.fflch.usp.br/files/Educa%C3%A7%C3%A3o%20para%20patrimonio%20GRISPUM_D.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2014.

HOUAISS, A. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. CD-ROM.

HOMS, M. I. P. Pedagogia museística. Nuevas perspectivas y tendências actuales. Barcelona: Editorial Ariel, 2004.

ICOM. Código de ética para museus: versão lusófona. 2009. Disponível em: <http://icom.museum/fileadmin/user_upload/pdf/Codes/Lusofono2009.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2015.

MENEZES, U. B. Para que serve um museu (entrevista). Revista de História. 18 set. 2009. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/secao/entrevista/ulpiano-toledo-bezerra-de-meneses>. Acesso em: 20 set. 2014.

PALÁCIO NACIONAL DA AJUDA. Serviço educativo. Disponível em: <http://www.palacioajuda.pt/pt-PT/servicoeducativo/HighlightList.asp>. Acesso em: 20 maio 2014.

SANTOS, M. C. T. M. Museu e Educação: conceitos e métodos. In: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Educação patrimonial: orientações ao professor. 2. imp. Caderno temático 1. João Pessoa: Superintendência do Iphan na Paraíba, 2011. p. 22-31 Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/baixaFcdAnexo.do?id=3839>. Acesso em: 20 jan. 2012.

UNESCO. Os quatro pilares da educação – pistas e recomendações. In: ______. Educação: um tesouro a descobrir. Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Relatório para a Unesco da comissão internacional sobre educação no século XXI. Brasília, 2010, p. 31. Disponível em: <www.unesdoc.unesco.org/images/0010/001095/109590por.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2014.