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167 Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 1, p. 167-186, jan./jun. 2012 Aprendizagem significativa de matemática aplicada à reologia: Estudo de caso num curso superior de engenharia Resumo: A matemática é importante na formação dos engenheiros que precisam modelar os problemas de sua área e encontrar de relações matemáticas entre as variáveis para poder prever comportamentos. Muitos alunos apresentam dificuldades em lidar com essas questões. Acredita-se que o emprego da contextualização, pode tornar a aprendizagem desses conceitos mais significativa. Neste estudo pretende-se diagnosticar o aprendizado de matemática anterior ao trabalho com a disciplina “Reologia” e aprendizado de matemática contextualizada em curso na disciplina. Realizou-se uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso do aprendizado de conceitos matemáticos aplicados à reologia. O estudo foi realizado, em dois momentos: um anterior e outro após o trabalho de contextualização. Ele envolveu 10 alunos voluntários de um curso de engenharia de materiais de uma universidade pública tradicional onde predominam os cursos de engenharia. Os resultados indicaram que o aprendizado contextualizado foi bem aceito pelos alunos e tudo indica que houve aprendizado significativo. Palavras-chave: Ensino de Matemática. Aprendizagem Significativa. Contextualização. Matemática Aplicada. Reologia. Ricardo Shitsuka 1 Ismar Frango Silveira 2 Dorlivete Moreira Shitsuka 3 1 Doutorando em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Mestre em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP). Graduado em Licenciatura da Computação pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). Professor de Engenharia Mecânica na Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI). E-mail: <[email protected]>. 2 Doutor em Realidade Virtual Distribuída Aplicada à Educação pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP). Mestre em Computação Gráfica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Graduado em Matemática pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor no Programa de Pós Graduação “Stricto sensu” em ECM na Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). E-mail: <[email protected]>. 3 Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Graduada em Licenciatura da Computação pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). Tutora pela mesma Instituição – Polo de São Paulo (SP). E-mail: <[email protected]>.

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167Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 1, p. 167-186, jan./jun. 2012

Aprendizagem significativa de matemática aplicada à reologia: Estudo de caso num curso superior de engenharia

Resumo: A matemática é importante na formação dos engenheiros que precisam modelar os problemas de sua área e encontrar de relações matemáticas entre as variáveis para poder prever comportamentos. Muitos alunos apresentam dificuldades em lidar com essas questões. Acredita-se que o emprego da contextualização, pode tornar a aprendizagem desses conceitos mais significativa. Neste estudo pretende-se diagnosticar o aprendizado de matemática anterior ao trabalho com a disciplina “Reologia” e aprendizado de matemática contextualizada em curso na disciplina. Realizou-se uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso do aprendizado de conceitos matemáticos aplicados à reologia. O estudo foi realizado, em dois momentos: um anterior e outro após o trabalho de contextualização. Ele envolveu 10 alunos voluntários de um curso de engenharia de materiais de uma universidade pública tradicional onde predominam os cursos de engenharia. Os resultados indicaram que o aprendizado contextualizado foi bem aceito pelos alunos e tudo indica que houve aprendizado significativo.

Palavras-chave: Ensino de Matemática. Aprendizagem Significativa. Contextualização. Matemática Aplicada. Reologia.

Ricardo Shitsuka1

Ismar Frango Silveira2

Dorlivete Moreira Shitsuka3

1 Doutorando em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Mestre em Engenharia Metalúrgica e de Materiais pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP). Graduado em Licenciatura da Computação pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). Professor de Engenharia Mecânica na Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI). E-mail: <[email protected]>.2 Doutor em Realidade Virtual Distribuída Aplicada à Educação pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP). Mestre em Computação Gráfica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Graduado em Matemática pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor no Programa de Pós Graduação “Stricto sensu” em ECM na Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). E-mail: <[email protected]>.3 Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL). Graduada em Licenciatura da Computação pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). Tutora pela mesma Instituição – Polo de São Paulo (SP). E-mail: <[email protected]>.

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1. INTRODUÇÃO

A aprendizagem de matemática tem sido um desafio para os professores em todos os níveis de educação, desde a pré-escola até a educação superior. Engenharia é uma área de conhecimentos que faz uso de muitos conceitos matemáticos e pressupõe a aplicação de princípios da ciência matemática na solução de problemas de projeto, fabricação, operação e manutenção de equipamentos, instalações e materiais.

A matemática na Engenharia é importante para se medir os fenômenos desta área, para se tentar encontrar relações entre as variáveis e se tentar prever comportamentos das mesmas, obtendo-se desta forma certo grau de previsibilidade dos fenômenos. Apesar da importância desta ciência, muitos alunos dos cursos de engenharia apresentam dificuldades de aprendizado dos conceitos matemáticos.

Qual seria a dificuldade dos alunos em aprenderem os conceitos matemáticos importantes para sua profissão? Como esta dificuldade poderia ser minimizada?

O objetivo do presente estudo é diagnosticar o aprendizado de matemática anterior ao trabalho com a disciplina “Reologia” e aprendizado de matemática contextualizada em curso na disciplina.

O estudo foi realizado numa universidade pública localizada na região sudeste do Brasil, na qual o foco principal são os cursos de engenharia. Trabalhou-se uma pesquisa qualitativa no sentido de se analisar a aprendizagem significativa de conceitos matemáticos aplicada no ensino contextualizado da reologia para estudantes do curso de engenharia de materiais.

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2. DIFICULDADES EM APRENDIZADO DE MATEMÁTICA EM CURSOS DE ENGENHARIA

Nos cursos de Engenharia, da Área de Exatas e nas Licenciaturas em Matemática, de modo geral, as disciplinas de matemática são trabalhadas nos primeiros semestres desses cursos.

Existem taxas de insucesso nos cursos mencionados. Quando se deseja melhorar tanto os processos de ensino como os de aprendizagem, torna-se importante examinar melhor as causas do fracasso, que muitas vezes podem estar relacionadas a diversos fatores entre os quais: as dificuldades de aprendizado que vêm dos níveis anteriores, a motivação do professor e a falta de contextualização do ensino (SOARES; SAUER, 2004, p. 245).

Em nível nacional, um exemplo recente com relação àquele caso foi veiculado pelos meios de informação com relação à avaliação de matemática dos alunos da educação básica no Estado de São Paulo, que é o principal, mais rico e responsável por grande parte da economia brasileira.

O Idesp (Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo), uma espécie de “nota” da educação do Estado, caiu entre 2009 e 2010 nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. Neste úl-timo nível, a nota do ano passado foi 1,81, contra 1,98 em 2009, em uma escala de zero a dez. (TARGINO, 2011).

As avaliações, ao que tudo indica, apontam para a existência de dificuldades de aprendizado de matemática em vários níveis da educação paulista e também a brasileira na qual esta inserida.

Quanto à motivação dos professores, esta é uma questão interna aos indivíduos, pois externamente, governos, entidades, empresa, escolas, famílias etc, só podem fazer incentivos na tentativa que surja a motivação (CAMPOS, 1986). Esses incentivos, no entanto, nem sempre alcançam muitos professores que atuam nas periferias das grandes cidades ou em regiões mais distantes dos grandes centros encontram dificuldades diversas para realizar seu trabalho e mesmo assim, ainda tentam realizá-lo mesmo de forma heróica, nem sempre contando com recursos de informática

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e condições para desenvolver projetos educacionais. Os números apresentados pelas avaliações nem sempre consideram as condições de trabalho mencionadas.

No aspecto pedagógico, quando o professor ensina, ele deve fazer com que o aprendizado ocorra no aluno e para tanto faz uso de planejamento, recursos didáticos e incentivos aos alunos.

Os pesquisadores da educação, Porlán e Martin (1997), consideravam que para melhorar o aprendizado dos alunos era necessário trabalhar na vertente do ensino, isto é, era necessário “mudar o professor” no seu trabalho e isto incluía:

Em um nível mais próximo à prática, este modelo se concretiza em uma série de princípios didáticos que guiam as propostas de intervenção:a) A investigação dos alunos como processo de construção de nor-mas, atitudes, destrezas e conhecimentos em aula;b) A investigação dos professores como forma de propiciar uma práti-ca reflexiva e um desenvolvimento profissional permanente;c) O caráter processual, aberto e experimental dos currículos, como forma de estabelecer um equilíbrio adequado entre planejamento e avaliação do ensino. (PORLÁN; MARTIN, 1997, p. 51).

A visão dos pesquisadores se soma a outras que consideravam que para melhorar o aprendizado no ensino de disciplinas de matemática em cursos de engenharia, poderia ser realizado um trabalho mais rigoroso na seleção dos alunos, este é o caso de Malta (2004, p. 41), o qual afirmou que: “No âmbito universitário, acreditava-se que a única ação possível seria promover uma seleção mais eficiente para o ingresso na universidade” e este caminho se aproxima do modelo francês de seleção do melhores alunos para as escolas de engenharia (POLI, 2010)

No ensino de Engenharia, há um viés importante do aluno que está motivado para aprender uma profissão na qual atuará. Porém, para que ocorra o aprendizado no aluno, é preciso que o professor consiga entender melhor a realidade desse aluno e o contexto no qual esta se inserindo. Para Paulo Freire, ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo e não

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se trata apenas de transferir conhecimentos, mas sim de criar possibilidades para sua própria produção ou construção (FREIRE, 1996, p. 47).

Em outros países, também há dificuldades relatadas do aprendizado de matemática nos cursos de engenharia.

Os EUA possuem muitas semelhanças com o Brasil, isto é, ambos são países de dimensões continentais, resultantes de colonização, com grandes populações heterogêneas e de diversas origens. Naquele país, houve uma demonstração do aumento no interesse sobre o tema de Educação Matemática: a partir dos anos de 90, aconteceu um crescimento muito grande na quantidade de reuniões anuais do Nacional Counsil of Teachers of Mathematics (NCTM) com algo em torno de 20 mil participantes. Há uma preocupação nos EUA com relação aos resultados de exames internacionais de matemática como é o caso do PISA que se mostram incoerentes com uma nação que é líder mundial em tecnologia e que investe bilhões de dólares anualmente na educação. Uma das vertentes da preocupação é com a qualidade do professor de matemática:

Muitos observadores vêem os professores norte-americanos como sendo uma fonte de deficiências no progresso dos estudantes de ma-temática e de ciências. Uma pesquisa recente a respeito da qualida-de do professor que foi realizada cobrindo um período dos últimos 20 anos, revelou que, entre os professores de matemática e ciências, aqueles que ensinavam matemática e ciências tendo um “major”, isto é, uma formação individual específica no assunto ensinado, realiza-vam seu trabalho com um impacto positivo mais significativo nos estudantes. Infelizmente, muitos professores de matemática e ciên-cias nos EUA possuem falta dessa credencial. (KUENZI, 2008, p. 20, tradução nossa).

Na Argentina, num estudo realizado em 2009 numa Instituição de Ensino Superior, em cursos de Engenharia, Física e Ciências Ambientais, onde se procurou avaliar o ensino e aprendizado da disciplina de Cálculo, as pesquisadoras Corica e Otero concluíram que:

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Os resultados confirmam que há um teoricismo dominante no ensino universitário de matemática, o qual é caracterizado pela concepção na qual o saber matemático é um conhecimento já acabado e somente se toma o fruto final desta atividade, provoca uma desconexão crescente entre o bloco prático-técnico e o bloco tecnológico-teórico das ma-térias estudadas. A relação entre ambos os blocos é muito assimétrica: enquanto o tecnológico-teórico dita os conteúdos do prático-técni-co, este possui uma incidência nula na constituição, desenvolvimento e estrutura do tecnológico-teórico. (CORICA; OTERO, 2009, p. 641, tradução nossa).

Desta forma, as pesquisadoras investigavam a questão do excesso de teoria trabalhado pelos professores, e a desconexão com o conjunto prático e técnico que fazia com que o aprendizado fosse prejudicado.

3. MATEMÁTICA APLICADA À REOLOGIA

Reologia é parte da ciência dos materiais, ou seja, é uma disciplina relacionada ao aos materiais, que estuda o fluxo e a deformação dos e para tanto, analisa respostas em termos de deformações ou tensões em um material provocadas pela aplicação de outras tensões ou deformações (BRETAS; D’AVILA, 2000, p. 17) (NAVARRO, 1997, p. 09).

Para realizar o estudo das deformações dos materiais, ela faz uso da matemática tensorial, que foi criada por Augustin Cauchy, matemático francês, em 1821. Cauchy considerava que o tensor tensão de segunda ordem é dado por uma matriz simétrica (Figura 01), cujas componentes são s (sigma) para tensão de tração e e (epsolon) para sua deformação:

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Figura 01 – Sistema de representação das tensões que atuam sobre um material reológico.

Fonte: Adaptado de Bretas e D’Avila (2000, p. 20).

A partir do sistema se representa o vetor tensão por meio da matriz de segunda ordem:

Na Figura 2 se observa a deformação e (epsolon) resultante da aplicação da tensão s (sigma), gerado por uma força F, num corpo de largura W, altura h e comprimento inicial h. O comprimento final é L.

Figura 2 – Deformação por tração num sólido cúbico Fonte: Adaptado de Navarro (1997, p. 14).

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Para o corpo mencionado valem as equações:

No caso de tensões cisalhantes, isto é, aplicadas em área paralela à direção da força F (Fig. 3), temos a tensão t (tau) e a deformação g (gama) e as equações equivalentes 3 e 4,

Figura 03 – Tensões cisalhantes e cálculos de tensões e deformações.Fonte: Adaptado de Navarro (1997, p. 15).

No caso do estudo do comportamento reológico de um polímero fundido, é necessário considerar além do fluxo ou deformação, também equações de conservação de massa, de quantidade de movimento e também de energia. Estas envolvem o uso de derivação e integração para se chegar a equações que podem reger os processos reológicos. Considerando-se as mesmas se faz também os estudos das influências de outras variáveis no comportamento reológico ou de deformação dos materiais.

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4. SUBSUNÇORES, CONTEXTUALIZAÇÃO E APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA

A teoria da Aprendizagem Significativa é importante, pois é uma teoria que explica como as pessoas aprendem. Ela foi criada por David Paul Ausubel e considerava que caso houvesse uma estrutura mental, pré-existente, denominada subsunçor, o novo conhecimento iria se unir ao mesmo, transformando-o, fixando-o e tornando o aprendizado significativo, com sentido e útil ao aprendiz (AUSUBEL et al, 1980) (MOREIRA; BUCHEWEITZ, 1987) (MOREIRA, 2006).

Num estudo sobre aprendizado significativo seria interessante saber se os alunos que já tinham passado por algumas disciplinas básicas de matemática, do curso de engenharia, possuíam seus subsunçores.

Outra visão que traz mais luz sobre a aprendizagem é a da pesquisadora Wellings, da Universidade de Stanford. Ela considerou a ideia Vigotskiana que considerava um conceito como sendo parte de um sistema de representação com coordenadas que permitissem identificá-lo. Para Vigotsky, segundo Wellings (2003), a formação de conceitos era uma atividade que ocorria com a interação da linguagem e sinais nos processos de percepção das coisas pelas pessoas.

Wellings (2003) considerou que o conhecimento acadêmico seria equivalente à seta na região superior e sentido descendente, enquanto que as setas menores na base do triângulo seriam correspondentes aos conhecimentos já possuídos pelos alunos no seu cotidiano. Então, a região vigotskiana da zona proximal, ou ZDP (zona de desenvolvimento proximal) (VIGOTSKI, 1996), se encontraria no “meio caminho” entre conceitos trabalhados de cima para baixo e aqueles emergentes do cotidiano e da prática, os quais viriam de baixo para cima, como se observa na Figura 04.

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Figura 04 - Zona de Desenvolvimento Proximal de Vigotsky.Fonte: Adaptado de Wellings (2003, p. 09).

Na região intermediária entre as duas abordagens, situava-se a ZDP. A junção dessas abordagens poderia criar uma aprendizagem significativa. Nesta região caso houvesse a junção, haveria o entendimento de um novo conceito, como se apresenta na Figura 05.

Figura 05 - Entendimento de novo conceito.Fonte: Adaptado de Wellings (2003, p. 09).

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O entendimento de novo conceito abre possibilidades para o trabalho de modo significativo com os conceitos.

Um dos instrumentos utilizados para o trabalho com conceitos, no presente estudo foram os mapas conceituais de Novak. Estes são diagramas hierárquicos que começam por um conceito principal e vai se diferenciando progressivamente em subconceitos que são unidos ao conceitos principais por meio de linhas contendo ligações que fornecem significados aos mesmos (MOREIRA; BUCHWEITZ, 1987) (NOVAK; GOWIN, 1984).

O aprendizado contextualizado permitiria reduzir a região da ZDP, buscando uma aproximação entre os conhecimentos dos engenheirandos e o conhecimento acadêmico a ser trabalhado pelos professores.

5. METODOLOGIA DO TRABALHO

Realizou-se uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso de alunos entre o 5º e o 6º períodos de um curso de engenharia de materiais numa universidade pública localizada na região sudeste do Brasil. Tal estudo foi realizado nesta universidade e com esses alunos em vista da mesma possuir predominantemente cursos de engenharia, e pelo motivo do aluno do 5º período já ter concluído as disciplinas de matemática do curso. O estudo se iniciou no final do ano de 2010, com 10 respondentes voluntários e se estendeu pelo início de 2011, com o levantamento realizado com os mesmos respondentes, de modo anônimo. Neste período trabalhou-se a disciplina de Reologia. No presente texto, apresentam-se resultados parciais da pesquisa que deve prosseguir até o final do presente semestre letivo. Também, um dos facilitadores para a realização do trabalho se deve ao fato de que um dos autores do presente estudo, atua como professor nessa instituição. Aplicou-se um questionário aberto aos alunos do 5º período no qual se perguntava:

1) Qual disciplina você gostou mais até o presente momento do curso de Engenharia?

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2) Você gostou das disciplinas de matemática do seu curso? Por quê?3) Os professores das disciplinas de matemática ensinaram onde os

conhecimentos seriam aproveitados na vida profissional ou em outras disciplinas no curso?

4) Se você fosse professor de matemática, como você ensinaria seus alunos?

Para os alunos do 6º período perguntou-se em outro momento do curso:

5) O ensino das fórmulas matemáticas e as deduções das mesmas, utilizadas na disciplina “Reologia” foram aprendidos com facilidade? Por que?

Também se trabalhou com mapas conceituais antes do trabalho com contextualização e após o mesmo (TAVARES, 2007) (MOREIRA, 2006) (NOVAK, 2000).

6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

No quesito sobre a disciplina que mais gostaram, 4 respondentes gostaram de Química e na palavra dos alunos se sintetizou as seguintes afirmações: por estar mais próximo da área de materiais, por ser mais dinâmica, por estar mais próximo da realidade dos alunos. Outros 3 respondentes se identificaram com a disciplina de Estrutura e Propriedades dos Materiais, que também se encontrava próxima da realidade dos alunos e de sua profissão. Os três respondentes finais optaram um por Programação, outro por Cálculo e último por Resistência dos Materiais, alegando este que se tratava de uma física que estava muito ligada à engenharia.

As disciplinas mencionadas, com exceção da disciplina de Cálculo, contavam com laboratórios para realização de experimentos. Este pode ser um fator positivo para o aprendizado, uma vez que a prática laboratorial estava associada aos conhecimentos trabalhados nas aulas teóricas criavam uma junção de conhecimentos e possivelmente de subsunçores para tornar a aprendizagem mais significativa. No caso da Matemática não havia essa

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“amarração” entre aulas teóricas e laboratoriais. Porém, as disciplinas de Programação e de Resistência dos Materiais também contavam com laboratório e não foram as mais escolhidas pelos alunos. Um estudo paralelo, mostrou que os professores da área de Química contavam com um tempo maior de experiência, em torno de 8 anos, enquanto os de Matemática contavam com 2,5 anos e os das outras disciplinas contavam com algo em torno de até 4 anos de experiência. Pode ser que a experiência docente tenha algum impacto favorável no entendimento dos alunos. Tudo indica que a disciplina de Química conseguiu contextualizar melhor seus ensinamentos aproximando-os do conhecimento dos discentes, diminuindo a região da Zona de Desenvolvimento Proximal de Vigotsky.

No quesito relacionado ao respondente ter gostado das disciplinas de Matemática do curso, sete (7) respondentes afirmaram não ter gostado pois a disciplina não apresentou exemplos de aplicação, não entenderam a linguagem do professor e não foi trabalhada a aplicação ou onde iriam utilizar tais conhecimentos. Outros três (3) respondentes afirmaram que gostaram da disciplina, pois ela é exata, apesar de pesada sempre teve afinidade com matemática e porque possibilita um entendimento posterior de outros conteúdos. A maioria dos alunos sentiu dificuldade nas disciplinas de matemática e tudo indica que as mesmas foram ensinadas de modo descontextualizado aumentando a Zona de Desenvolvimento Proximal e dificultando a “amarração” ou junção entre o conhecimento dos alunos e o conhecimento científico da academia. Junte-se ao exposto o fato das disciplinas matemáticas não contarem com laboratórios de ensino de matemática que poderiam ajudar a diminuir a distância da ZDP mencionada.

Com relação ao terceiro quesito, nove respondentes afirmaram que não houve ensino das possíveis aplicações. Somente um aluno afirmou que sim, e que era o caso da dinâmica das populações. Possivelmente, esta poderia ser um exemplo de livro de matemática relacionado à modelagem de crescimento populacional que é relacionado com exponenciais, mas ao que tudo indica não foi bem recebido pelos e aprendidos pelos alunos

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entrevistados. Este fato aponta para a necessidade de um planejamento melhor, ou preparo de material didático que apresente de modo mais adequado a aplicação ou aplicações para que as mesmas façam parte dos subsunçores presentes nas mentes dos alunos.

No quesito quatro (4), os alunos responderam livremente que fariam aulas mais dinâmicas incluindo visitas técnicas, que o professor tivesse mais interesse pelos alunos, que fornecessem mais exemplos de aplicações práticas dos conceitos ensinados, que usassem linguagem mais clara, linguagem mais simples e que os alunos pudessem enxergar a utilidade do que está sendo ensinado. Em princípio, as afirmações tendem a mostrar a necessidade da contextualização, reforçando o que já foi analisado para os quesitos anteriores, no sentido dos professores tentarem num primeiro momento da disciplina se aproximar mais dos alunos com linguagens mais acessíveis.

Tudo indica que a motivação na maioria dos alunos foi pequena e que não houve aprendizagem significativa.

Já no quesito cinco (5), antes da aplicação da questão, os alunos passaram por quatro aulas, três na primeira semana e duas na semana seguinte, num total de cinco (5) aulas, vendo o que era reologia, quais os seus parâmetros e muita aplicação em situações reais no transporte de lama de minério em minerodutos, na aplicação em fabricação de sorvete, na reologia do sangue humano, na reologia da farinha de trigo, na aplicação em tintas para pintura de parede e as respectivas medições e relações entre os parâmetros.

Mostrou-se como se media a viscosidade e como ela se relacionava com as propriedades reológicas dos materiais. A partir da 6ª aula, começou-se a trabalhar com os conceitos matemáticos calculando-se o número de Deborah, e trabalhando-se com as relações entre tensão e deformação e a obtenção das diversas fórmulas aplicáveis à reologia a partir de derivação e integração com integrais ordinárias. Os respondentes do 6º período foram unânimes em considerar que aprenderam a matemática associada a Reologia após um amplo trabalho de contextualização e da formação de conceitos na mente dos alunos. Ausubel considera que caso

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um aprendiz não possua um subsunçor sobre um assunto, este pode ser criado na mente do mesmo pelo uso de “organizadores prévios”. Estes podem ser apresentações sobre o tema, filmes, explicações e palestras de modo a formar nos aprendizes as estruturas mentais necessários para o ancoramento dos novos conceitos e informações.

Nas aulas, trabalhou-se com mapas conceituais de Novak para se tentar organizar os conceitos aprendidos pelos alunos. Um primeiro mapa foi construído na primeira aula sobre o que os alunos conheciam de reologia (Figura 6) e outro mapa foi construído após a 8ª aula (Figura 7). Tais mapas foram construídos coletivamente pelos alunos.

Figura 06 – Mapa conceitual construído coletivamente no primeiro dia de aula da disciplina.

Fonte: Arquivo pessoal.

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A seguir, apresenta-se o mapa construído após 8 aulas.

Figura 07 – Mapa conceitual construído coletivamente após 8 aulas. Fonte: Arquivo pessoal.

O mapa da Fig. 7 mostra um domínio conceitual muito maior que o mapa da Fig. 6 indicando que houve um bom aumento na quantidade de conceitos ao longo das semanas de estudo. No lado esquerdo estavam os conceitos iniciais mais pobres e do lado direito várias aplicações que foram estudadas nas diversas aulas. Na parte inferior do diagrama mais ao centro e tendendo à esquerda, colocaram-se alguns conceitos matemáticos que

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foram trabalhados. Embora os aspectos conceituais mostrem somente os rótulos, cada um pode conter muita informação associada aos mesmos.

Presentemente, os alunos já se encontram na 9ª aula, e em breve passarão pela primeira avaliação.

A comparação entre os mapas conceituais das figuras 6 e 7 mostrou que houve um grande aumento do domínio conceitual por parte dos alunos. Bem como o trabalho com contextualização mostrou-se bastante eficiente até o presente momento do curso. Não houve sinais de rejeição da matéria com sua abordagem matemática que ao que tudo indica foi bem assimilada pelos alunos.

Como próxima etapa, espera-se chegar ao final do curso para realizar uma nova avaliação de aprendizagem significativa, mais completa.

7. CONCLUSÃO

No presente estudo diagnosticou-se o aprendizado de matemática anterior ao trabalho com a disciplina “Reologia” e observou-se o aprendizado de matemática contextualizada em curso na disciplina.

As disciplinas de matemática nos cursos de engenharia são responsáveis por uma alta taxa de fracasso escolar.

Realizou-se um trabalho com 10 alunos voluntários no 5º e 6º períodos de um curso superior. O foi estudo realizado num curso de Engenharia de Materiais de uma Universidade que se caracteriza por contar predominantemente com cursos de engenharia.

Observou-se que os alunos entrevistados preferiram outras disciplinas em relação à matemática aprendida no curso.

A disciplina mais preferida foi Química. Tal fato parece estar relacionado com o fato dos professores desta disciplina contarem com mais anos de experiência docente, cerca de 8 anos em média, e por trabalharem com laboratórios e possuírem mais facilidade em contextualizar a disciplina.

No caso das disciplinas de Matemática, seus professores contavam com menos anos de experiência docente, 2,5 anos e não contavam

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com laboratórios de ensino de matemática, nem com os recursos computacionais.

Segundo os respondentes, o estudo da Reologia com a matemática trabalhada de modo contextualizado com as variáveis reológicas e sua análise em diversas aplicações práticas trouxe consigo a interdisciplinaridade com a Matemática do Cálculo Diferencial e Integral e desta forma facilitou-se o aprendizado de modo significativo.

O uso de mapas conceituais de Novak, que estão associados à aprendizagem significativa, permitiu avaliar o conhecimento coletivo antes de se iniciar a disciplina de Reologia, como primeira atividade da primeira aula da disciplina e um novo mapa foi construído, após algumas aulas de contextualização. Tudo indica que o domínio conceitual se ampliou significativamente e criou-se nos alunos uma condição melhor para se trabalhar as questões matemáticas mais complexas, aplicadas à Reologia, com mais facilidade de aprendizado por parte dos alunos. Não houve indícios de rejeição da matéria apesar da complexidade dos assuntos abordados.

REFERÊNCIAS

AUSUBEL, D. P. et al. Psicologia educacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1980.

BARBOSA, M. L. et al. Mapas conceituais na avaliação da aprendizagem significativa. In: XVI SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA. Rio de Janeiro, 2005. Disponível em: <www.swww.sbf1.sbfisica.org.br/eventos/snef/xvi/cd/resumos/T0028-2.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2011.

BOM, R. P. Análise reológica de misturas de PSAI com resíduos de espuma rígida de poliuretano. In: Estudos tecnológicos. v. 3, n. 2, p. 112-123, jul./set. 2007.

BRETAS, R. E. S.; D’AVILA, M. A. Reologia de polímeros fundidos. São Carlos: EdUFSCAR, 2000.

185Linguagem Acadêmica, Batatais, v. 2, n. 1, p. 167-186, jan./jun. 2012

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Title: Meaningful learning of mathematics applied rheology in context: A case study in engineering college.Authors: Ricardo Shitsuka; Ismar Frango Silveira; Dorlivete Moreira Shitsuka.

ABSTRACT: Mathematics is important in engineers formation because they need to model problems and find mathematical relations between variables in order to predict behaviors. Many students have difficulties in dealing with these issues. It is believed that the use of context can make learning these concepts more meaningful. This study is intended to diagnose learning math prior to working with the subject “Rheology and contextualized learning math course in the discipline. We conducted a qualitative case study type of learning mathematical concepts applied to rheology. The study was conducted in two phases: one before and one after the work of contextualization. It involved 10 volunteer students from a course in materials engineering at a public university dominated by traditional engineering courses. The results indicated that learning in context was well accepted by students and everything indicates that there was significant learning.

Keywords: Teaching Math. Meaningful Learning. Context. Applied Mathematics. Rheology.