trab. de conclusão

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A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL Juliana Raquel Fraga Canoas

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Page 1: Trab. de Conclusão

A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA RECUPERAÇÃO

JUDICIAL

Juliana Raquel Fraga

Canoas

2010

Page 2: Trab. de Conclusão

JULIANA RAQUEL FRAGA

A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA RECUPERAÇÃO

JUDICIAL

Trabalho de conclusão de curso

apresentado à Faculdade de Direito do

Centro Universitário Ritter dos Reis, como

requisito parcial à obtenção do título de

Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Luis Felipe Spinelli

Canoas

2010

Page 3: Trab. de Conclusão

JULIANA RAQUEL FRAGA

A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial à obtenção

do título de Bacharel em Direito, pela banca examinadora constituída por:

________________________________________Nome do Professor

________________________________________Nome do Professor

________________________________________Nome do Professor

Canoas

2010

Page 4: Trab. de Conclusão

DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Irani e Ana, por todos

estes anos de amor e dedicação

destinados a mim e aos meus irmãos.

Ao Ismael, meu incentivador e amigo, que

esteve ao meu lado me auxiliando e

preenchendo-me percurso de amor e

carinho.

Ao meu sogro, Eloi, por todas as dicas e

ajudas que prestou durante esta jornada.

A todos que, das mais diversas formas,

me auxiliaram nessa empreitada.

E a Deus por todas as dádivas e

felicidades que venho colhendo em meu

caminho.

Page 5: Trab. de Conclusão

GRADECIMENTOS

Meus agradecimentos a todos os

professores do Curso de Bacharel em

Direito do Uniritter, os quais participaram

e são, em grande parte, responsáveis

pelo meu desenvolvimento profissional e

pessoal. Em especial quero agradecer a

meu orientador, o Prof. Luiz Felipe

Spinelli, que comigo esteve comprometido

e me auxiliou de forma excepcional,

nessa empolgante jornada.

Page 6: Trab. de Conclusão

O fim do direito é a paz, o meio de que se

serve para consegui-lo é a luta. Enquanto

o direito estiver sujeito às ameaças da

injustiça – e isso perdurará enquanto o

mundo for mundo -, ele não poderá

prescindir da luta. A vida do direito é a

luta: luta dos povos, dos governos, das

classes sociais, dos indivíduos. (Rudolf

von Ihering)

Page 7: Trab. de Conclusão

RESUMO

Este trabalho trata da função social da empresa e como esta influência o

instituto da recuperação judicial. Sendo a recuperação judicial um instituto

novo, pois este não existia no Decreto – lei 7.661/1945 se faz necessário

observar as principais diferenças e semelhanças entre o instituto da

concordata, principalmente a concordata preventiva (por ser a que mais se

aproxima da recuperação judicial), e identificar os possíveis impactos que o

reconhecimento a função social da empresa irá causar no deferimento e

andamento do processo de recuperação judicial. O texto ainda traz os motivos

que levaram o Decreto – lei 7.661/1945 ser substituído pela Lei 11.101/2005.

Ainda procura, por meio de manifestações do Poder Judiciário demonstrar

como a nova Lei vem se adaptando à realidade.

Palavras-chave: função social da empresa, preservação da empresa,

recuperação judicial, concordata preventiva.

Page 8: Trab. de Conclusão

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..............................................................................................9

1 A RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A FUNÇÃO SOCIAL .............................141.1 A concordata no regime do Decreto – lei 7.661/45 ................................161.1.1 A flexibilização do instituto da concordata e a função social da empresa.........................................................................................................281.2 Da recuperação judicial............................................................................321.2.1 O reconhecimento da função social da empresa na recuperação judicial.............................................................................................................531.2.2 Contratualismo x Institucionalismo........................................................71

2 REPERCUSSÃO DA LEI 11.101/2005 E DE SUAS DIRETRIZES NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA EM CRISE.........................................................................................................782.1 Instituições................................................................................................882.2 Análise das manifestações do Judiciário..................................................94

CONCLUSÃO...............................................................................................102

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................105

Page 9: Trab. de Conclusão

INTRODUÇÃO

Durante sessenta anos o Decreto – lei 7.661/1945 foi quem ditou as

regras e as formas para que o empresário em crise pudesse sair desta ou

requerer a decretação de sua falência, sobrecarregando de responsabilidades

o devedor, não possibilitando a este muitas alternativas econômicas para

solucionar a falta de liquidez.

O regime falimentar da legislação de 1945 demonstrou-se notadamente

ultrapassada, pois regia um processo concursal que não viabilizava

mecanismos eficientes para que a empresa pudesse se recuperar da crise,

bem pelo contrário, a prática demonstrava um índicie muito maior de quebra

das empresas do que sua efetiva recuperação.

O Decreto – lei 7.661/45 previa como formas de recuperação da

empresa o instituto da concordata, o qual podia ser preventiva ou suspensiva.

No presente estudo a mais relevante é a concordata preventiva, pois a

recuperação judicial, prevista na Lei 11.101/2005, tendo está vindo para

substituir o Decreto-lei guarda algumas semelhanças com o antigo instituto. Já

a concordata suspensiva não foi mantida na nova lei, não havendo mais como

suspender o processo de falência em curso.

A concordata preventiva era um instrumento onde buscava-se, através

de dilação de prazos e remissão de parte das dívidas, a retirada da empresa da

crise. Mas seus métodos acabavam por não proporcionar a recuperação efetiva

de que a empresa necessitava.

Na sistemática do Decreto – lei a falência do devedor poderia ser

decretada pela simples impontualidade no pagamento de seus compromissos,

não sendo levada em consideração questões como a capacidade econômica e

financeira do devedor ou a boa-fé do mesmo em relação aos seus credores.

Estas considerações são de suma importância, por viabilizarem a recuperação

deste devedor, mantendo assim postos de trabalho, a circulação de bens e

serviços, entre outros benefícios a sociedade e ao próprio Estado com a

arrecadação de impostos.

Page 10: Trab. de Conclusão

A recuperação judicial prevista na Lei 11.101/2005, apesar de manter

algumas semelhanças com o instituto da concordata preventiva, tem seus

objetivos bem mais abrangentes, pois não visa apenas à satisfação dos

credores da empresa em crise, visa também à preservação da empresa e tudo

que este significa.

O Senador Ramez Tebet, em relatório sobre o projeto de Lei que

institui a Lei 11.101/2005, apresenta o principal objetivo da nova lei quando

menciona que “em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada

sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda,

contribuindo para o crescimento e desenvolvimento social do País1”. O Senador

ainda refere que o trabalho do legislativo foi ajustado, não apenas no aumento

da eficiência econômica, mas, principalmente “pela missão de dar conteúdo

social à legislação2”.

A nova lei diluiu a responsabilidade do devedor, dividindo-a com os

credores e Poder Judiciário, os quais passam a ter uma participação mais ativa

no processo de recuperação da empresa.

Mas não é apenas a recuperação judicial novidade no campo do direito

concursal, pois a nova lei também traz a recuperação extrajudicial, onde

devedor e credores podem entrar em acordo sem a necessidade da

participação atuante do judiciário, bem como um regime especial de

recuperação para as pequenas e micro empresas, não sendo estes, foco do

presente estudo.

Hoje a empresa não é apenas uma mera produtora de bens e serviços,

ela é acima de tudo um poder, pois representa uma fonte geradora de

empregos e expansão da comunidade e sociedade em geral. A empresa é uma

das instituições mais significativa da atualidade, acabando por assumir

responsabilidades, não apenas com o seu interior, mas também com seu

1 SCHELLES, Marta Santiago de Oliveira. O Princípio da Preservação da Empresa no Novo Sistema Falimentar. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/trabalhos_conclusao/trabalhos_22009/martaschelles.pdf>. Acesso em 22 de fevereiro de 2010.2 SCHELLES, loc cit.

Page 11: Trab. de Conclusão

exterior. Afinal, como Samuel Koenig3 profere, as instituições servem para

satisfazer as necessidades da sociedade; que vão desde as mais essenciais

até as relativamente sem importância, ou mais ou menos dispensáveis. Elas

acabam por servir como um meio de regular e controlar as atividades do

homem.

É dentro deste conceito que surge a função social da empresa e sua

importância nos tempos de hoje. O legislador, quando não definiu a função

social da empresa foi muito sensato, pois esta se adequa ao seu tempo e seus

significados podem: ser traduzidos de várias formas e possuírem significados

diferentes para cada ordenamento jurídico. Neste trabalho interessará apenas

o que a função social da empresa significa para o ordenamento brasileiro, não

havendo comparações com o direito de outros países.

Dentro das modificações trazidas pela Lei 11.101/2005, a que chama a

atenção é a possibilidade de o juiz, ao reconhecer a função social da empresa,

poder aprovar o plano de recuperação mesmo que este não seja aprovado

pelos credores em assembléia, dando assim liberdade ao juiz de interpretar a

norma de forma que está seja favorável, não apenas aos credores, mas

também aos outros interessados, pois como cita Humberto Theodoro Júnior4

sobre a questão:

Mesmo na atividade de interpretação da lei, que se reconhece não se fazer de forma mecânica e literal, a criatividade desempenhada pelo juiz para atualizar e compatibilizar a norma com o caso concreto e o momento da sua aplicação não lhe dá uma liberdade que possa significar a abertura para o arbítrio e a aventura, pois, como adverte PERLINGIERI, a interpretação é também uma atividade vinculada, controlada e responsável. Ou, segundo CAPPELLETTI, o juiz, na sua nobre missão de complementador da regra legislada, não um interprete completamente livre de vínculos, embora inevitavelmente criador do direito.

A relação história do instituto e sua evolução trazem muitas noções de

como este funcionava, o que precisava ser contornado e o que as mudanças

poderão causar, mas apesar disto este não será analisado no corpo do

trabalho, pois se dará mais espaço as questões técnicas do que históricas.

3 KOENIG, Samuel. Elementos de Sociologia. 6º. ed. Tradução Vera Borda. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, p. 92.4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 117.

Page 12: Trab. de Conclusão

Para alcançar o entendimento do que é a função social da empresa, e

como a recuperação judicial se apresenta o trabalho será composto de dois

capítulos que possibilitarão identificar o instituto e como este, e o princípio da

função social, se desenvolvem na Lei 11.101/2005.

No primeiro capítulo se visualizará como funcionava o instituto da

concordata preventiva e como este não se adequa mais a realidade brasileira.

É identificado o funcionamento do processo de recuperação judicial, e como a

função social da empresa enquadra-se nesses processos tão distintos.

O segundo capítulo busca demonstrar algumas diferenças existentes

entre o Decreto-lei 7.661/45 e a Lei 11.101/2005, identificando suas relações; e

os principais institutos envolvidos na recuperação judicial da empresa.

Por fim, serão analisadas algumas manifestações do judiciário sobre

algumas matérias que acabam por impossibilitar a efetiva recuperação judicial

da empresa se forem seguidas pelos juízes, acabando assim sendo entendidas

como desnecessárias e que acabam indo ao encontro ao objetivo da Lei a qual

é a preservação da empresa, e aquelas que merecem maior atenção por ainda

trazer dúvidas em relação a sua utilização na prática pelos tribunais.

Portanto, o problema que se propõe é identificar como a Lei

11.101/2005 entende ser função social da empresa e como esta se insere e

vem se inserindo no cotidiano das empreses, sociedade e principalmente

dentro do ordenamento jurídico, em especial na recuperação judicial da

empresa.

Page 13: Trab. de Conclusão

1 A RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A FUNÇÃO SOCIAL

Antes da promulgação da Lei 11.101/2005 a recuperação judicial já era

contemplada, não especificamente, mas ainda assim ocorria no mundo dos

fatos, mais como um fenômeno econômico do que jurídico. 5

O instituto da recuperação judicial da empresa só ingressou no

ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Lei 11.101/2005. Pois até

então não havia qualquer referência à recuperação da empresa, apesar de o

Decreto-lei 7.661/1945 disciplinar o instituto da concordata, o qual prestava a

possibilidade de o empresário buscar judicialmente o retorno da saúde

econômica de seu empreendimento. No entanto ali, seus princípios e

fundamentos eram diversos da nova lei.

Na recuperação judicial o olhar do juiz não se restringe apenas ao

momento atual da empresa, mas tenta, sim averiguar as suas potencialidades

futuras. Ou seja, ele busca indicações de que a empresa em crise tem

potencialidade para se reerguer e permanecer no mercado. E está

potencialidade futura é demonstrada de acordo com Vigil Neto:

...não pelo desempenho momentâneo, mas pelo plano reorganizativo da empresa, que será avaliado pelos credores e pela sociedade. Dentro dessa análise geral, os credores também deverão observar a capacidade da empresa de cumprir as obrigações assumidas no plano recuperatório.6

A Lei 11.101/05 trouxe ao ordenamento jurídico uma abertura maior em

relação à real crise econômica da empresa e a oportunidade de buscar formas

mais efetivas para a recuperação da empresa. O regime da recuperação

judicial não “pré-diagnostica a doença e nem pré-determina o remédio”, ela

possibilita que o devedor busque junto aos credores as melhores formas de

retirar a empresa da situação de crise.7

5 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências/ Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3º ed., 2 tir. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 43.6 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.71.7 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.72.

Page 14: Trab. de Conclusão

O devedor deverá apresentar aos credores um plano reorganizativo da

sociedade, devendo este ser aprovado pelos mesmos, dependendo a

recuperação desta aprovação. Caso o plano seja reprovado poderá o juiz impor

o plano aos credores, desde que respeitado alguns requisitos e seja

reconhecido o desempenho de função social da empresa, caracterizando – se

este como “um ônus de submissão ao plano recuperatório imposto aos

credores em prol de um ganho social futuro”.8

Outro avanço da Lei 11.101/05 foi a ampliação do rol de credores, que

na concordata previa a participação apenas dos créditos quirografários. Quanto

a isto, Vigil Neto diz:

...fator que afetava a eficiência do regime foi ampliado na recuperação. Pois, se o caminho de reorganização da empresa passa pela construção coletiva de um projeto econômico e/ou financeiro deverá estender-se às relações jurídicas essenciais à manutenção da empresa, independentemente da natureza do crédito, tendo em vista que a recuperação não se resume a uma forma de repactuação do pagamento de dívidas, mas na própria reorganização da empresa.9

No instituto da recuperação judicial é possível identificar algumas

semelhanças com a concordata preventiva, pois a recuperação judicial também

visa a evitar a falência da empresa em crise, tem como objetivo buscar formas

de recuperar a saúde da empresa, tendo como principal diferença da

concordata preventiva que a primeira busca alternativas junto aos credores

para recuperar-se da crise enquanto a concordata preventiva é mais fechada,

não dando muitas opções ao empresário para buscar sua melhora.

Estes são apenas alguns dos avanços que a Lei 11.101/05 trouxe ao

ordenamento jurídico brasileiro. Mudanças estas que a prática já vinha

exigindo, há algum tempo, e que agora se faz necessário sejam estudadas a

fundo para que seja possível compreender por completo os novos rumos que

foram dados ao instituto da recuperação da empresa em crise e quais os

institutos que permaneceram.

8 Ibidem, p.71.9 Ibidem, p.72.

Page 15: Trab. de Conclusão

É importante entender o que é a crise da empresa. De acordo com

Fábio Ulhoa Coelho, para entender o seu significado é preciso distinguir as

crises econômica, financeira e patrimonial.

Por crise econômica deve-se entender a retração considerável nos negócios desenvolvidos pela sociedade empresária. (...)

A crise financeira revela-se quando a sociedade empresária não tem caixa para honrar seus compromissos. (...)

Por fim, a crise patrimonial é a insolvência, isto é, a insuficiência de bens no ativo para atender à satisfação do passivo.10

A empresa para requerer o benefício da recuperação judicial não

poderá ter as três espécies de crise, pois se assim o for ela só poderá requerer

a falência da empresa. Desta forma, para que a empresa possa passar pela

recuperação judicial só pode estar em crise econômico-financeira, do contrário

a falência da empresa é inevitável.

Com estas definições fica mais fácil entender como a recuperação

judicial se dá e a quem afeta. Daqui para frente serão identificados os

procedimentos, semelhanças entre a concordata preventiva e recuperação

judicial, e as inovações que a Lei 11.101/2005 trouxe ao direito falimentar

brasileiro.

1.1 A concordata no regime do Decreto – lei 7.661/45

O Decreto – lei 7.661/45 previa o instituto da concordata, o qual pode ser

conceituado como:

Benefício concedido por lei ao negociante insolvente e de boa-fé para evitar ou suspender a declaração de sua falência, ficando ele obrigado a liquidar suas dívidas segundo for estipulado pela sentença que concede o benefício.11

Para Ruben Ramalho concordata é

Uma forma legal de prorrogação de prazo ou de redução da dívida, com o objetivo de superar o estado de pré-insolvência do devedor comerciante ou industrial, evitando ou suspendendo a sua falência.12

10 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p. 24-25.11 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 105.12 Ibidem, p. 104.

Page 16: Trab. de Conclusão

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, o objetivo da concordata era resguardar

a empresa em crise das conseqüências da falência, evitando, assim, a

instauração do concurso falimentar.13

Dentro destes conceitos a concordata era divida em duas espécies, a

concordata preventiva, a qual era decretada antes da falência, possibilitando,

assim, ao empresário evitar a quebra de seu empreendimento, e a concordata

suspensiva, a qual era decretada quando o empreendimento já se encontrava

em processo de falência, mas esta era afastada, interrompendo desta forma o

procedimento liquidatório-solutório14 em curso, dando a possibilidade ao

empresário de retornar ao comando de sua atividade econômica, visando desta

forma a mantença do negócio.

As concordatas podiam assumir diferentes modalidades, podendo elas

ser: remissória, onde o empresário poderia conseguir a remissão parcial de

suas dívidas, sendo este desconto de no máximo 50%(cinqüenta por cento) do

valor devido; e moratória a qual visava a dilação dos prazos de vencimento das

dívidas, que poderia chegar até dois anos, e a mista, onde previa a conjugação

dos dois efeitos, ou seja, a dilação do prazo para pagamento e o abatimento de

parte do valor da dívida. A mista possuía maior ênfase na lei, por ser a mais

utilizada, tendo seus prazos e valores remidos nos artigos 156, § 1º e 177,

parágrafo único do Decreto – lei.15

A concordata era destinada apenas ao comerciante, ou seja, ao

empresário comercial, fosse ele individual ou coletivo, tendo o instituto uma

natureza mercantil. Os devedores civis eram excluídos do benefício.16

A legitimidade para requerer a concordata era do devedor, sendo ele o

sujeito ativo da ação. Entretanto existiam hipóteses de representatividade,

como, por exemplo, o espólio do devedor o qual seria representado pelo

13 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial. 4º ed. rev. e atual. SP: Saraiva, 2003, v.3, p. 359.14 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 213.15 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 113.16 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 25

Page 17: Trab. de Conclusão

inventariante do mesmo, devidamente autorizado pelos herdeiros.17 Bem como

no caso de sociedade anônima os legitimados para requerer o benefício seriam

os seus diretores, de acordo com a deliberação da assembléia de acionistas;

nas demais sociedades seriam pelo sócio que tivesse a qualidade de obrigar a

sociedade, e as em liquidação seria o liquidante devidamente autorizado.18

Na concordata o devedor – concordatário – permanecia na

administração plena de seus bens, e na gerência de seus negócios.19 Ficando

o devedor, na concordata preventiva, apenas sob a fiscalização do comissário,

o qual era escolhido dentre os maiores credores estabelecidos no foro da

concordata, devendo este ser nomeado pelo juiz no despacho inicial. O

comissário, ainda, tinha que ter reconhecida sua idoneidade moral e financeira,

estando suas funções dispostas no artigo 169 do Decreto – lei 7.661/45.20 De

acordo com Rubens Requião:

O comissário, assim, não deve imiscuir-se na administração da empresa; se o procedimento do concordatário, por ele verificado, for irregular, não só na sua atividade empresarial como em sua vida particular – como mantendo vida dissoluta, desregrada ou faustosa – deve comunicar o fato ao juiz. Dada a gravidade do ocorrido e de sua repercussão patrimonial, pode o juiz desde logo rescindir a concordata, declarando-lhe a falência.

Mas o comissário não pode determinar o modo de gestão da empresa, nem querer vetar certos atos do concordatário, relativos ao modo de gerir seu negócio.21

O comissário deveria apresentar em cartório, até cinco dias após a

publicação do quadro geral de credores, o relatório onde constava o estado

econômico do devedor, junto com as razões que levaram o mesmo a requerer

o benefício, as possibilidades deste de cumprir a concordata, bem como os

procedimentos do empresário em crise, antes e depois do pedido e, se existiam

atos revogáveis, estes deviam ser indicados, bem como seus responsáveis e

17BRITO, Thomás Raimundo; SOARES, Gabriela; PINHEIRO, Grazieli e PEREIRA, Lívia Sampaio. Da análise comparativa entre a recuperação judicial e a concordata. Disponível em: <http://www.fesmip.org.br/arquivo/publicacao/dir_comercial.pdf>. Acesso em 05 de março de 2010.18 OLIVEIRA, op cit., p. 120.19 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 36.20 OLIVEIRA, op cit., p. 126.21 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 36.

Page 18: Trab. de Conclusão

os dispositivos penais aplicáveis. Com base neste relatório é que os credores

poderiam buscar com segurança os fundamentos para seus embargos.22

O devedor permanecia na administração da empresa, visando sempre

o objetivo de retirar a empresa da crise, ou seja, recuperá - lá da crise

econômica, não podendo deixar de lado o principal intuito da concordata o qual

era pagar os credores conforme a proposta apresentada.

A concordata, tanto a suspensiva quanto a preventiva, reconhecia

apenas os créditos quirografários, sendo em relação a este ponto um tanto

quanto deficiente, uma vez que os créditos com garantia reais e trabalhistas

são, até hoje, os que mais necessitam de soluções e são os principais

causadores da quebra das empresas, e justamente estes não podiam ser

remidos e nem ter seus vencimentos dilatados de acordo com o Decreto-lei

7.661/45. A falta do reconhecimento dos créditos em garantia real e

trabalhistas não permitia uma criatividade maior por parte do devedor e nem

dos credores para criar possíveis soluções para o estado de bancarrota da

empresa.23

Sendo reconhecidos apenas os créditos quirografários, o credor com

garantia real tinha a opção de renunciar a sua garantia, desde que esta fosse

feita expressamente, junto ao cartório onde foi devidamente arquivada, pois

não há renuncia tácita, para assim, então, poder legitimar a habilitação de seu

crédito no concurso de credores.24

O pedido de concordata preventiva de acordo com o Decreto-lei

7.661/45 deveria ser feito ao juízo da comarca em que estava situado o

estabelecimento principal, sendo este a sede dos negócios da empresa. Em se

tratando de empresa estrangeira, mas com filial no Brasil, a competência era

do juízo onde se encontrava a filial. Estes requisitos permaneceram os mesmos

na Lei 11.101/2005, estando dispostos no artigo 3º da lei.

22 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 132.23 VASCONCELOS FERREIRA, Gecivaldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Comentários sistemáticos. Primeira e Segunda Partes. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6632>. Acesso em 17 de janeiro de 2010.24 KONDER COMPARATO, Fábio.Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p.469-471.

Page 19: Trab. de Conclusão

Na petição inicial em que fosse requerida a concordata preventiva, o

requerente, ou seja, o empresário em crise tinha de fundamentar

minuciosamente seu estado econômico financeiro, e os motivos que o levaram

a requerer a concordata.

Nos pedidos da inicial o devedor deveria formular sua proposta de

pagamento das dívidas quirografárias, bem como indicar todos os credores e

respectivos endereços, sendo que a proposta de pagamento deveria ser dentre

as opções: remissória, quando fosse pago 50% do valor da dívida à vista;

dilatória, quando seria pago 100% da dívida no prazo de 24(vinte quatro)

meses e remissória-dilatória quando fosse fixado porcentagem de pagamento

da dívida em 60%(sessenta por cento), 75%(setenta e cinco por cento) ou 90%

(noventa por centro), no prazo, respectivamente, de 6(seis), 12(doze) e

18(dezoito) meses.25

Cumprido os requisitos o juiz, necessariamente, se não houvesse

nenhuma irregularidade, devia decidir pela concordata, não sendo necessária a

aprovação dos credores. Ou seja, bastava cumprir os requisitos e não havendo

nenhuma irregularidade nos documentos exigidos o juiz era obrigado a deferir a

concordata, independente da concordância dos credores u qualquer outro

interessado ou princípio. Caso o pedido não estivesse devidamente instruído

ou não existisse dúvida de que havia fraude o juiz declararia em 24 horas a

abertura da falência, observando o disposto no parágrafo único do art. 14 do

Decreto-lei.26

Dado o despacho inicial pelo juiz deferindo o processamento da

concordata, esta alcançava a principal conseqüência do instituto, o vencimento

antecipado de todos os créditos sujeitos aos seus efeitos e a suspensão das

ações e execuções contra o devedor. Os efeitos do despacho retroagia até a

propositura do pedido, junto com estas o juiz ainda nomeava o comissário,

mandava expedir edital com o pedido do devedor, a íntegra do despacho e a

25 BRITO, Thomás Raimundo; SOARES, Gabriela; PINHEIRO, Grazieli e PEREIRA, Lívia Sampaio. Da análise comparativa entre a recuperação judicial e a concordata. Disponível em: <http://www.fesmip.org.br/arquivo/publicacao/dir_comercial.pdf>. Acesso em 05 de março de 2010.26 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 140.

Page 20: Trab. de Conclusão

lista de credores, abria prazo para que os credores que não constavam da lista

apresentassem as declarações e documentos justificativos de seus créditos, e

por fim, determinava o prazo para que o devedor tornasse efetiva a garantia

por acaso tivesse oferecido.27

Para que o devedor pudesse requerer a concordata este deveria ser

comerciante e não possuir nenhum dos impedimentos elencados no art. 140 do

Decreto-lei 7.661/45, o qual exige que: o empresário deveria estar devidamente

registrado, assim como os documentos indispensáveis ao exercício legal da

atividade deviam estar arquivados no órgão em que fora registrado, o devedor

não deveria ter sido condenado por crime falimentar ou qualquer outro que

pudesse por em dúvida sua honestidade em relação a manter os negócios, não

poderia ter requerido igual benefício a menos de cinco anos, devia ter

requerido a autofalência no prazo de trinta dias do vencimento da obrigação

líquida, sem relevante razão de direito, bem como exercer regularmente a

atividade comercial no mínimo há dois anos, precisa possuir ativo o qual

correspondesse a mais de 50% (cinqüenta por cento) do seu passivo

quirografário, não ser falido, e se já o tiver sido ter cumprido com suas

obrigações, e por fim não possuir título protestado por falta de pagamento.28

Além dos requisitos formais já observados acima o empresário em

crise ainda tinha que comprovar sua honestidade e boa-fé, conforme J. X.

Carvalho de Mendonça:

A concordata preventiva, amparando altos interesses do devedor comerciante, mantendo-o à frente do seu estabelecimento e evitando a falência, é considerado um benefício, um favor, e por isso, fica dependente da mais exata honestidade e da mais comprovada boa-fé por parte do devedor.

Não só isso; o comerciante deve apresentar o curriculum vivendi. Uma só mancha que tenha na sua profissão mercantil o privaria desse favor.

Compreende-se, pois, como os juízes devem ser rigorosos na apreciação das alegações do devedor, se aparecer qualquer oposição. Se não forem parcos em conceder a concordata preventiva, degenerar-se-á o belo instituto.29

27 OLIVEIRA, loc cit.28 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 114.29ULHOA COELHO, Fábio. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 487.

Page 21: Trab. de Conclusão

Para que o devedor pudesse requerer a concordata este deveria ser

comerciante e não possuir nenhum dos impedimentos elencados no art. 140 do

Decreto-lei 7.661/45, o qual exige que: o empresário deveria estar devidamente

registrado, assim como os documentos indispensáveis ao exercício legal da

atividade deviam estar arquivados no órgão em que fora registrado, o devedor

não deveria ter sido condenado por crime falimentar ou qualquer outro que

pudesse por em dúvida sua honestidade em relação a manter os negócios, não

poderia ter requerido igual benefício a menos de cinco anos, devia ter

requerido a autofalência no prazo de trinta dias do vencimento da obrigação

líquida, sem relevante razão de direito, bem como exercer regularmente a

atividade comercial no mínimo há dois anos, precisa possuir ativo o qual

correspondesse a mais de 50% (cinqüenta por cento) do seu passivo

quirografário, não ser falido, e se já o tiver sido ter cumprido com suas

obrigações, e por fim não possuir título protestado por falta de pagamento.30

Além dos requisitos formais já observados acima o empresário em

crise ainda tinha que comprovar sua honestidade e boa-fé, conforme J. X.

Carvalho de Mendonça:

A concordata preventiva, amparando altos interesses do devedor comerciante, mantendo-o à frente do seu estabelecimento e evitando a falência, é considerado um benefício, um favor, e por isso, fica dependente da mais exata honestidade e da mais comprovada boa-fé por parte do devedor.

Não só isso; o comerciante deve apresentar o curriculum vivendi. Uma só mancha que tenha na sua profissão mercantil o privaria desse favor.

Compreende-se, pois, como os juízes devem ser rigorosos na apreciação das alegações do devedor, se aparecer qualquer oposição. Se não forem parcos em conceder a concordata preventiva, degenerar-se-á o belo instituto.31

Os contratos e ações trabalhistas não sofriam nenhuma espécie de

alteração com a instauração da concordata. Permanecendo a competência da

Justiça do Trabalho a ação e execução de seus créditos. Isto se devia a sua

natureza alimentar, sendo desta forma considerados privilegiados em face aos

outros créditos.30 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 114.31ULHOA COELHO, Fábio. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 487.

Page 22: Trab. de Conclusão

Importante ressaltar que quando do deferimento da petição inicial da

concordata preventiva pelo juiz este não a estava concedendo de imediato, ele

apenas estava autorizando o processamento da mesma. Pois o deferimento do

processamento da concordata dependia apenas do juiz, pois está não sofria

nenhuma influência de aceitação por parte dos credores, mas estes podiam

opor-se judicialmente ao pedido através dos embargos. Ainda que estes

embargos fossem restritos..32

Os embargos constituíam um direito de oposição por parte dos

credores referente ao pedido do autor e não do despacho inicial do juiz, o qual

devia ser praticado antes da sentença final.33

O despacho que defere o processamento da concordata era

irrecorrível, mas se o juiz não reconhecesse a concordata e acabasse por

decretar a falência, desta cabia o recurso da sentença declaratória da falência.

Mas como Celso Marcelo de Oliveira profere:

Isso não significa, porém, que qualquer credor, tomando conhecimento de alguma fraude evidente, deva manter-se inerte até o momento oportuno para a apresentação dos embargos. O art. 161 estabelece que, tão logo tenham sido cumpridas as formalidades inerentes à apresentação da petição inicial da concordata preventiva, a falência será também declarada se estiver equivocadamente caracterizada a fraude, que poderá vir ao conhecimento do juiz por representação de qualquer credor ou mesmo quando o magistrado a constate.34

Os fundamentos que possibilitavam o ingresso dos embargos estavam

dispostos no artigo 143 do Decreto – lei, sendo eles: quando o sacrifício do

credor fosse maior do que se efetivasse a liquidação na falência ou a

impossibilidade evidente de não cumprimento da concordata por parte do

devedor; quando da inexatidão do relatório do comissário ou laudo que

facilitasse a concessão do benefício; e se caracterizado qualquer ato de fraude

ou má-fé ou crime falimentar.35

32 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 4733 Ibidem, p. 48.34 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 155.35 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 155.

Page 23: Trab. de Conclusão

O prazo para ingressar com os embargos na concordata preventiva era

após a fase informativa, ou seja, quando os credores estavam habilitando seus

créditos, havia à apresentação do relatório do comissário e o devedor

comprovava, nesta mesma fase, o pagamento dos impostos federais, estaduais

e municipais e das contribuições previdenciárias relativas ao exercício da

atividade, sendo após estes publicados pelo escrivão, no Diário Oficial, a

abertura do prazo de cinco dias para os credores opor embargos ao pedido de

concordata.36

Decorrido o prazo sem apresentação dos embargos, era ouvido o

representante do Ministério Público, no prazo de cinco dias, e logo após os

autos iam conclusos ao juiz, o qual proferia a sentença, concedendo ou não a

concordata. Caso houvesse a interposição de embargos, o devedor tinha 48

horas para apresentar a contestação e com estas indicar as provas do alegado.

Encerrando o prazo do devedor os autos iam conclusos ao juiz o qual tina 48

horas para proferir o despacho deferindo as provas que entendia necessárias e

designando a audiência para julgamento dos embargos, dentro dos 10 dias

seguintes, os quais não poderiam ser ultrapassados.37

O devedor após requerer a concordata poderia apresentar pedido de

desistência, desde que esta fosse feita antes do despacho de deferimento do

processamento da mesma. Isto ocorria porque após o deferimento os efeitos

da instauração do processo não recaiam apenas sobre o devedor, mas

também sobre os seus credores.38 Mas a jurisprudência admitia a desistência

após o despacho inicial, desde que houvesse a concordância dos credores,

ficando a cargo do juiz decidir se procedente ou não à oposição dos credores.

Não bastava a simples desistência por parte do devedor, este tinha que

justificar o pedido, não podendo de qualquer forma desistir após o deferimento

do processamento quando este caracterizava a tentativa de burlar o

36 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 49.37 OLIVEIRA, op cit., p. 156.38 REQUIÃO, Rubens. Concordata preventiva. Desistência; conversão em falência. Título protestado. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n.1, p.99-110, ano X, 1971.

Page 24: Trab. de Conclusão

cumprimento das disposições legais ou interesses dos credores.39 Conforme

demonstram as decisões a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL. CONCORDATA PREVENTIVA. DEPÓSITO DO VALOR. COMPROVAÇÃO. PERDA DO OBJETO. APELO PREJUDICADO.A recorrente pretendia obstar a homologação da desistência da demanda, fundamentando o pleito exclusivamente no fato de seu crédito não estar garantido.Todavia, levando em conta o depósito judicial efetuado pela concordatária, após a interposição do presente recurso, o apelo resta prejudicado.Apelo prejudicado.40

Concordata preventiva. Desistência. Deferimento do pedido. fato que, de per si, não justifica a decretação de falência se não provada nos autos a falta dos requisitos do art. 162 do Dec.-lei 7.661/45 ou manifestamente constatada a insolvência do devedor. Agravo de instrumento interposto contra a setença declaratória da quebra em tais circunstâncias. Mandado de segurança visando a lhe dar efeito suspensivo. Fumus boni júris e periculum in mora caracterozados. Segurança concedida. (TJSP – RT 643/81)41

O marco inicial da concordata era a sentença, este era o momento em

que o concordatário, ou seja, o devedor passava a se submeter ao controle

jurisdicional, ficando impedido, de acordo com o artigo 167 do Decreto – lei

7.661/45, a “alienar imóveis ou constituir garantias reais, salvo evidente

utilidade, reconhecidas pelo juiz, depois de ouvido o comissário” 42

A concessão da concordata por meio de sentença não podia confundir-

se com a decisão final de seu cumprimento, tanto que dessa sentença cabia o

recurso de agravo de instrumento.43

O pedido da rescisão da concordata cabia aos credores, sendo esta a

ação rescisória de sentença que concedeu a concordata, podendo ser 39 OLIVEIRA, OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 156.40 PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 5º Câmara Cível. Apelação Cível nº 70020620431/2007. Apelante: Comabe Indústria, Comércio, Importação e Exportação LTDA. Relator: Umberto Guasparine Sudbrack. Publicada em: 04 de março de 2009. Disponível em< http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris> Acesso em 07 de junho de 2010.41 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Falências: comentada: método de estudo da lei de falências: doutrina: comentário artigo por artigo: jurisprudência recente (1.106 julgados)/ Prefácio Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, 2º. Ed.rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p, 447.42 BRITO, Thomás Raimundo; SOARES, Gabriela; PINHEIRO, Grazieli e PEREIRA, Lívia Sampaio. Da análise comparativa entre a recuperação judicial e a concordata. Disponível em: <http://www.fesmip.org.br/arquivo/publicacao/dir_comercial.pdf>. Acesso em 05 de março de 2010.43 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 157.

Page 25: Trab. de Conclusão

requerido de pleno direito quando o devedor não cumprir com as obrigações

assumidas, nestes casos a falência podia ser decretada pelo juiz ex officio, e

era caso de provocação dos credores os casos em que o devedor não adimplir

com as obrigações nos tempos devidos, pelos pagamentos antecipados feitos

a alguns credores em prejuízo de outros, quando o devedor abandonasse o

estabelecimento comercial, quando da venda por preço vil de bens do ativo,

quando da negligência por parte do concordatário em relação a continuação do

negócio, pela vida desregrada do devedor ou despesas evidentemente

supérfluas do concordatário, quando o responsável pela administração da

empresa em crise tivesse sido condenado por crime falimentar.

Cumpridas todas as obrigações assumidas na concordata, o

concordatário requeria ao juiz que este declarasse o cumprimento da mesma,

quando, então, era declarada extinta a concordata, sendo desfeitas, desta

forma, as figuras do comissário e do quadro geral de credores. A sentença que

julgava cumprida a concordata devia ser publicada por edital, no órgão oficial e

em jornal de grande circulação, iniciando, assim, o prazo de 10 dias para

reclamação dos interessados. Esta sentença era eminentemente declaratória.

Porém a declaração de cumprimento da concordata não se equivalia à

expressão “extinção das obrigações44”. Conforme Rubens Requião:

Se a sentença que julga cumprida a concordata declarasse extintas as obrigações do concordatário, o credor não habilitado, ou que teve negado o pagamento do seu crédito, não poderia, após a concordata, haver pela ação própria o seu crédito, na moeda da concordata. Por igual, ficaria sem aplicação o artigo 147, § 2º, pelo qual o credor quirografário excluído, mas cujo crédito tenha sido reconhecido pelo concordatário, pode exigir deste o pagamento da percentagem da concordata, depois de terem sido pagos todos os credores habilitados.45

1.1.1 A flexibilização do instituto da concordata e a função social da

empresa

O Decreto-lei 7.661/45 em sua vigência sofreu pequenas alterações.

Mas, em se tratando de matéria concursal, essas pequenas transformações

não foram o suficientes, uma vez que este setor jurídico sofre forte influência

44 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 158.45 OLIVEIRA, loc cit.

Page 26: Trab. de Conclusão

do mercado econômico, o qual é dinâmico e encontra-se em constantes

modificações, as quais trazem conseqüências sociais.46

De acordo com o doutrinador Waldo Fazzio Júnior:

A LFC – Decreto – lei 7.661/45 – tornou-se obsoleta e se seus princípios, no tocante aos efeitos do inadimplemento das obrigações, conservam relativa atualidade, o contexto de seus comandos passou a regular de forma deficiente e, às vezes, injusta, senão improdutiva, situações que demandavam um direito recursal mais ágil, protectivo da empresa, realista e eficaz.47

Estatísticas demonstram que durante a vigência do Decreto-lei

7.661/45, apenas 17% (dezessete por cento) das empresas sob concordata

judicial se recuperavam e se mantinham em atividade, enquanto as demais

83% (oitenta e três por cento) acabavam por ter decretada sua falência.48

Osvaldo Biolchi49 entendia que:

Nestes dias se impetra uma concordata ou uma falência com muita facilidade, observando-se um total abuso do instituto, pois quase 80% das empresas que pedem concordata não se recuperam mais e caminham, fatalmente, para a falência.

A concordata, bem como os institutos semelhantes que a antecederam,

nem sempre tiveram como finalidade encontrar a melhor solução para o

devedor ou a manutenção da empresa.

O Decreto-lei 7.661/45 era bem rigoroso quanto às formalidades, tanto

que o comerciante em crise tinha que ter muita cautela ao requerer a

concordata preventiva, já que poderia, ao invés de ter deferida a concordata,

ter a decretação da falência de sua empresa.

Conforme Waldo Fazzio Junior:

A crítica mais freqüente e procedente que sempre se formulou em relação à concordata preventiva focalizava o particularismo daquela solução preventiva da falência. A concordata só interessava aos credores quirografários e ao devedor. Realmente, o âmbito da concordata era muito estreito e relegava a um plano secundário o

46 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação judicial de empresas, 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 107.47 FAZZIO JÚNIOR, loc cit.48 SALAMANCHA, José Eli. A recuperação judicial de empresas e as dívidas fiscais. O Estado do Paraná, Curitiba, 25 dez. 2005, Caderno Direito e Justiça.49 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 178.

Page 27: Trab. de Conclusão

verdadeiro significado da empresa. Era só uma garantia dos credores.50

O regime adotado pelo Decreto-lei 7.661/45 não distinguia a empresa

(atividade) da figura do empresário, castigando a primeira pelas obrigações

inadimplidas pelo segundo, o que levava a um sistema em que todos os

envolvidos perdiam. Um exemplo era a sucessão tributária e trabalhista quando

da alienação de filial ou unidade produtiva, o que acabava por comprometer a

manutenção dos empregos e o pagamento de novos tributos. E até mesmo o

pagamento das obrigações inadimplidas do devedor sofria com o sistema, pois

não era possível levantar grandes valores com a alienação dos bens da

empresa em concordata devido aos riscos ao qual o comprador ficava exposto,

já que o novo dono herdava as dívidas tributárias e trabalhistas.51

Durante a vida do Decreto-lei é possível identificar que alguns de seus

comandos foram flexibilizados, na tentativa de tornar o instituto mais de acordo

com a realidade. Um exemplo são os documentos que deviam ser juntados

com o pedido inicial da concordata, o qual podia ser dilatado, em até no

máximo trinta dias, pelos juízes, não sendo desta forma declarada a falência de

imediato pelo juiz pela falta dos documentos.

Também, havia precedentes jurisprudenciais no sentido de que uma

simples irregularidade não faria com que o juiz decretasse a falência, isto

porque o juiz, mesmo sem a lei reconhecer, levava em consideração o

interesse público e social em manter operante a empresa em crise. Sendo este

o ponto mais próximo dos princípios da preservação e função social da

empresa, que constam no artigo 47 da nova lei.

50 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação judicial de empresas, 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 125.51 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 297-298.

Page 28: Trab. de Conclusão

Em decisão proferida pelo relator Fonseca Tavares52 do Tribunal de

Justiça de São Paulo, este ressaltou a possibilidade de aumentar o prazo para

a apresentação dos documentos, conforme:

Ao postulante dos benefícios da moratória pode vir a ser concedido prazo razoável para apresentação da documentação, algo que não atenta contra preceitos e regramentos legais, Isso se funda na circunstância de levantamentos e demonstrativos exigidos pela legislação especial serem de difícil elaboração, a demandar tempo para sua confecção, em meio às dificuldades ínsitas aos procedimentos de obtenção de certidões e documentos. Não pode após o aforamento do pedido de concordata preventiva, a requerente efetuar qualquer pagamento relativo ao quirografo até a respectiva data, mesmo que haja protesto, pois, do contrário quebrar-se-ia a igualdade entre os credores.

Outro exemplo de flexibilização é a ementa abaixo, o qual teve deferida

a concordata preventiva reconhecendo a finalidade social da empresa que

requereu o benefício:

Concordata preventiva. Devedor. Protesto de título. Existência. Deferimento. A existência de protesto de título contra o devedor não impede o deferimento da concordata preventiva, eis que a empresa deve ser preservada, para que atenda a sua finalidade social, com o corolário do princípio fundamental insculpido na CF/88, art. 1º. O valor social do trabalho do empresário, assim como a livre iniciativa estão consagrados no referido dispositivo constitucional, que tem de servir como norte ao intérprete do direito. E, havendo incompatibilidade entre o disposto na Lei Maior e na lei ordinária, a inadequação verificada resolve-se em favor da Almeida Melo – j. em 04.03.1999 – DJ 29.10.1999)53

Apesar desta decisão viabilizar a recuperação judicial, mesmo que

houvesse título protestado, as decisões judiciais se desencontravam em

relação a essa exigência, conforme decisão abaixo:

FALÊNCIA - Decretação - Decisão mantida - Concordata - Ausência de cumprimento do art. 158, IV, do Decreto-lei 7.661/45 - Irrelevância da juntada de outros documentos e papéis, e da existência de bens no estabelecimento comercial - Favor legal que visa a manter saudável a vida econômica da empresa e, com isso, garantir os interesses dos trabalhadores - Inocorreência de afronta aos fins sociais da lei e de desamparo legal ao ato judicial atacado - Descuido

52 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 4º Câmara de Direito Privado. Agravo Regimental nº 116.847-4/2-01. Agravante: Hachul Engenharia e Empreendimentos Imobiliários LTDA. Agravado: Desembargador Relator. Relator: Fonseca Tavares. Publicada em 02 de junho de 1999. Disponível em <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1523351> Acesso em 07 de junho de 2010.53 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 46.

Page 29: Trab. de Conclusão

na observância do ônus de instruir correta e completamente o pedido inicial - Agravo improvido.54

O artigo 140, inciso II do Decreto-lei que declara a impossibilidade de

requerer a concordata o devedor que deixou de confessar a falência no período

de trinta dias após o vencimento de obrigação líquida não paga não deixa

dúvidas. Mas a aplicação desta afigurou-se odiosa, pois em muitas situações o

empresário, supondo que esta enfrentando dificuldades econômico-financeiras

transitórias, acaba não confessando a falência dentro do prazo de trinta dias.

Como refere Rubens Requião55, “a confissão de falência, dentro de trinta dias

do vencimento de obrigação líquida, seria uma medida deplorável, e sem

razões econômicas”.

Em meio às decisões, já analisadas, surgiram duas correntes, uma

mais rígida que aplicava o preceito legal literalmente; já a outra amenizava o

dispositivo, entende que era necessário que houvesse o protesto para impedir

a concessão da concordata preventiva. Estas correntes perduraram por um

tempo até que o Supremo Tribunal Federal, após iterativas decisões apaziguou

as divergências através da Súmula nº 190, a qual previa que “o não pagamento

de título vencido há mais de trinta dias, sem protesto, não impede a concordata

preventiva”.56

É possível verificar que a concordata não atendia mais as

necessidades sócias que provêm da devida manutenção que as empresas

necessitam. As empresas careciam de mecanismos que possibilitassem a

garantia do interesse social e dos próprios credores, tendo a Lei 11.101/2005

buscado atender as estas necessidades.57

1.2 Da recuperação judicial

54 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 1º Câmara de Direito Privado. Agravo de instrumento nº 205.257 – 4/1. Agravante: Profissionais Gráficos e Editora LTDA. Agravada: Massa falida Profissionais Gráficos e Editora LTDA. Relator: Alexandre Germano. Publicada em 30 de outubro de 2001. Disponível em <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1706616> Acesso em 07 de junho de 2010.55 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 28-29.56 Ibidem, p. 29.57 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falências comentada/ Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3. Ed.,2 tir. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2005, p. 35.

Page 30: Trab. de Conclusão

Apesar de a recuperação judicial ser um instituto novo, a Lei

11.101/2005 manteve certa semelhança procedimental com a concordata

preventiva do Decreto – lei 7.661/45. Esta semelhança encontra-se

principalmente, de acordo com Manuel Justino Bezerra Filho, “no sistema de

existir uma decisão inicial que defere o processamento e uma segunda que

defere o próprio pedido”58

Para Vigil Neto a modificação que Lei 11.101/05 traz para o

ordenamento é:

Em relação ao regime liquidatório de falência, a mudança foi mais principiológica do que estrutural, mas quanto aos regimes alternativos à liquidação a mudança foi principiológica e estrutural, não significando apenas uma nova nomenclatura do “remédio”, mas uma profunda alteração de sua “fórmula.59

A recuperação judicial tem como objetivo sanear a crise econômico-

financeira do empresário ou da sociedade empresária, ou seja, intenta

preservar a atividade empresaria para assim assegurar seu fim social. Busca-

se, na prática manter o negócio para assim satisfazer sua função social, bem

como preservar os direitos e interesses dos credores60.

Rachel Sztajn61 entende empresa como: “organização econômica que

atua em mercados e, cuja existência interessa à sociedade em geral, aos

exercentes da atividade, aos credores, aos consumidores ou clientes e ao

Estado.”

Se faz necessário conceituar a figura do empresário, pois este é sujeito

fundamental para entender o que é empresa, uma vez que a legislação

brasileira não define o que é empresa e sim quem é empresário, auxiliando sua

conceituação no entendimento do processo de recuperação judicial.

58 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falências comentada/ Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3. ed., 2 tir. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2005, p. 128-129.59 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.68.60 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 234.61 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 218.

Page 31: Trab. de Conclusão

Empresário tem sua definição no artigo 966 do Código Civil, sendo ela:

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Desta conceituação destacam-se as noções de profissionalismo,

atividade econômica organizada e produção ou circulação de bens ou serviços.

O profissionalismo se caracteriza através de três ordens, as quais são

a habitualidade, ou seja, o profissional não pode realizar tarefas de modo

esporádico, tem que ser habitual; a pessoalidade, devendo o sujeito exercer a

atividade empresarial pessoalmente, diferenciando-o, assim, dos empregados,

os quais produzem ou circulam bens ou serviços em nome do empregador; e o

profissionalismo, o qual provém do monopólio das informações que o

empresário detém sobre o produto ou serviço objeto de sua empresa.62

A atividade econômica organizada significa que na atividade se

encontram articulada, pelo pessoa do empresário, os quatro fatores de

produção, sendo estes o capital, mão obra, insumos e tecnologia, estando

todos voltados para a geração de lucros para quem explora a atividade

empresária.63

A produção e circulação de bens ou serviço referem-se à fabricação de

produtos ou mercadorias e a busca do bem no produtor para trazê-lo ao

consumidor. Da definição de empresário é possível identificar o que é

empresa.64

É importante salientar que só se deve optar pela recuperação judicial,

quando esta se demonstrar mais benéfica para a sociedade. De acordo com

Eduardo Secchi Munhoz65:

... a lei falimentar deve procurar preservar os demais interesses envolvidos (investidores, trabalhadores, consumidores, comunidade local, coletividade em geral), devendo-se optar pela recuperação da

62 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 7 63 Ibidem, p. 7-8.64 Ibidem, p.9.65 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v.10, n. 36, p.189.

Page 32: Trab. de Conclusão

empresa sempre que essa solução gerar maiores benefícios do que custos para a sociedade.

Em princípio, poder-se-ia imaginar que tal solução estaria em conflito com o interesse dos credores. Essa observação, porém, não corresponde à realidade, na maior parte das vezes, pois os credores também podem ser beneficiados pela recuperação; isso sempre ocorrerá quando a continuidade da empresa aumentar a probabilidade de recuperação de créditos e o valor respectivo em comparação com o que se obteria no processo de liquidação. “Considere-se, ainda, a possibilidade de o credor continuar a fazer negócios com a empresa recuperada”.

A recuperação judicial pode ser dividida em duas fases. Na primeira

identificamos o processamento da recuperação judicial, e na segunda fase

identificamos o deferimento da recuperação judicial.

Faz-se importante esta separação, devido às possíveis conseqüências

de cada uma, pois na fase de processamento da recuperação judicial caso esta

venha a ser indeferida pelo juiz, não acarretará na convolação da recuperação

em falência, já na fase do deferimento da recuperação, caso o empresário em

dificuldades recaia sobre alguma das hipóteses elencadas no artigo 73 da Lei

11.101/2005, teremos a convolação da recuperação judicial em falência.

Cabe ressaltar que o primeiro exame feito pelo juiz, quando este

recebe a inicial requerendo a recuperação judicial, este não se atrela ao mérito

da recuperação judicial, pois o juiz no primeiro momento verifica apenas se a

inicial atende a todas as exigências de ordem processual imposta pela

legislação, ou seja, o deferimento da petição inicial não garante a concessão

do regime recuperatório e não obriga o magistrado a concedê-la no futuro.66

Contudo o processamento da recuperação judicial traz alguns efeitos sobre as

relações do requerente da recuperação e seus credores.

Na primeira fase identificamos os requisitos para ingressar com o

pedido de recuperação judicial, requisitos que se encontram no artigo 48 da Lei

11.101/2005, devendo ser atendidos cumulativamente, sendo eles:

Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:

66 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.163.

Page 33: Trab. de Conclusão

I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.Parágrafo único. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente

De acordo com o artigo acima exposto apenas o devedor é legitimado

a requerer a recuperação judicial, isto se dá pelo fato de que ele é quem está

exposto ao risco de ter a falência decretada, por este motivo a Lei afastou a

possibilidade do credor poder requerer a recuperação. Caso o devedor não

demonstre interesse em pedir a recuperação, esta não tem como ser imposta a

ele.67

A lei reconhece outros legitimados no parágrafo único do referido

dispositivo legal, contudo, todos os legitimados previstos, com legitimidade

secundária, não visam interesses próprios e sim os interesses da empresa em

crise.68

Outro requisito do já referido artigo é estar exercendo a atividade

empresaria regularmente a mais de dois anos, ou seja, a mais de 24 meses.

Devendo a expressão “há mais de dois anos” ser interpretada como a exatos

24 meses de atividade empresarial, ou período superior a este.69 A

regularidade da atividade não se refere apenas ao registro do empresário

individual ou sociedade empresaria na Junta de Comércio, e sim, também,

manter a escrituração atualizada e as publicações periódicas das

demonstrações contábeis em dia. Ou seja, para preencher o requisito da

67 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial. 4º ed. rev. e atual. SP: Saraiva, 2003, v.3, p. 125.68 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.146.69 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 224.

Page 34: Trab. de Conclusão

regularidade temporal a empresa em crise deverá comprovar ter atendido os

três requisitos mencionados, no período de dois anos, exigidos na lei.70

Para Vera Helena de Mello, a exigência do lapso temporal de dois anos

“visa a demonstrar alguma viabilidade do empreendimento, que não se cuida

de aventura passageira”.71 Já para Rachel Sztajn72:

...se o comando vier a ser relaxado para fins de reduzir o termo para 24 meses, o risco é de, paulatinamente, abrandar-se o rigor normativo para aceitar pedidos que exerça a atividade irregularmente por algum período e, vendo-se diante da impossibilidade de obter a recuperação judicial por conta disso, tardiamente, se ocupe em regularizá-la, o que abre espaço para comportamentos oportunistas o que a norma não pode estimular nem consentir.

Encontramos também como requisito que o empresário não pode ser

falido, ou seja, se já houve sentença instaurando o concurso falimentar de

credores, este não poderá requerer a recuperação judicial, pois a lei entende

que não faz mais sentido recuperar uma empresa a qual teve decretada sua

falência, sendo os dois institutos incompatíveis. Se a empresa tiver apenas

títulos protestados ou a falência requerida, o devedor poderá, ainda assim,

requerer a recuperação judicial, bem como se este comprovar, através de

declaração, de que todas as obrigações advindas da falência já formam

extintas, terá direito ao beneficio. 73

O devedor não pode ter obtido o beneficio da recuperação judicial a

menos de cinco anos, pois se em período menor a empresa necessita,

novamente do beneficio para reorganizar os seu negocio, este “sugere falta de

competência suficiente para exploração da atividade econômica em foco”.74 No

Decreto – lei 7.661/45 também havia a vedação, no mesmo período, para

quem já houvesse impetrado concordata, havendo a possibilidade da redução

do lapso temporal caso houvesse desistência do pedido da mesma.75

70 VIGIL NETO, op cit., p.148.71 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 235.72 SZTAJN, Rachel, loc cit.73 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.124 - 125.74 Ibidem, p.125.75 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências/ Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3º Ed., 2 tir. – São Paulo: Editora Revista

Page 35: Trab. de Conclusão

O último requisito define que o sócio - controlador e o administrador

não podem ter sidos condenados por crimes previstos na Lei 11.101/2005,

entendo-se este como condenação por sentença condenatória com transito em

julgado. Para o professor Ricardo José Negrão Nogueira, este requisito não é

essencial para o indeferimento do pedido de recuperação judicial, uma vez que

a “condição da empresa não pode ser confundida com a condição do

empresário”, dando como solução que dentre os meios de recuperação conste

a previsão da substituição do sócio – controlador ou administrador.76 Este

último requisito também constava da lei anterior, e foi alvo de severas criticas,

tendo sido chamado de “pessoalidade” da lei falimentar, pois de acordo com

Manoel Bezerra Filho77:

...além de não privilegiar a manutenção da empresa em funcionamento, ainda impedia que a sociedade empresarial, mesmo que saneada e em boas condições, porém em crise passageira, pudesse se valer então da concordata, ante os problemas pessoas que atingiam determinado administrador ou sócio – controlador.

Depois de preenchido estes requisitos o devedor tem ainda que

preencher algumas condições, tanto formais quanto materiais. Estas condições

estão elencadas no artigo 51 da Lei 11.101/2005, o qual indica os requisitos

que devem estar presente na redação da petição inicial que irá requerer o

beneficio da recuperação judicial.

Estes requisitos são: exposição das causas concretas da crise;

demonstrações contábeis; relação de todos os credores; relação dos

empregados; certidão de regularidade do credor emitida pela Junta Comercial;

relação dos bens particulares dos sócios – controladores e administradores;

extratos atualizados das contas bancárias e aplicações financeiras; certidões

de protesto de títulos; relação das ações judiciais em que o devedor figure

como parte.78

dos Tribunais, 2005, p. 133.76 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 153.77 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências/ Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3º Ed., 2 tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 133.78 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 161.

Page 36: Trab. de Conclusão

O primeiro requisito que é a exposição das causas concretas da crise

deve ser feita através de um relatório, onde há a exposição de forma detalhada

e fundamentada das razões, situações, fatores ou eventos que levaram à

empresa a crise econômica – financeira. Esta exposição “permite avaliar as

probabilidades de recuperação da atividade se a crise vier a ser debelada

mediante a execução do plano79”.

Para Rachel Sztajn80 causa concreta significa:

Servirá para indicar o real motivo gerador do desequilíbrio patrimonial, a crise econômica – financeira. Ou seja, é preciso expor, de forma clara e articulada, as razões que geraram a crise da empresa que, como se intui, não é resultado de uma só decisão equivocada. Em atividade, série de atos ou negócios funcionalizados entre si para levar a um resultado, a crise é parte desse processo contínuo. O desfecho pode ser determinado pontualmente, porem não se desvincula da atividade.

Quanto ao requisito das demonstrações contábeis, esta se caracteriza

pelos instrumentos: balanço patrimonial, demonstração de resultados

acumulados, demonstração de resultado desde o último exercício e relatório

gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção.81 Dos três primeiros instrumentos

o empresário em crise deve apresentar os últimos três exercícios sociais, ou

seja, os três últimos anos civis anteriores ao pedido.82 Para complementar a

peça informativa o empresário em crise deverá juntar as demonstrações

contábeis do momento atual da empresa, pois esta refletirá o estado presente

dos negócios.

Na relação de credores deve o requerente da recuperação judicial listar

nominalmente cada um e abranger não apenas as obrigações pecuniárias, mas

também as obrigações de fazer e dar. Devendo os credores sujeitos aos efeitos

da recuperação ser relacionados em tópico especial, o qual auxiliara o

79 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 243.80 TAVARES GUERREIRO, José Alexandre. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 250.81 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.147.82 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 161..

Page 37: Trab. de Conclusão

administrador judicial na realização da publicação dos credores, exigido no

artigo 7º da Lei 11.101/2005.83Devem constar, ainda, o endereço de cada um

dos credores, bem como a natureza de seus créditos e o valor atualizado dos

mesmos, origem do crédito, suas condições de vencimento e a indicação do

respectivo registro contábil.84

Na relação de empregados deve constar o rol completo dos

funcionários da empresa em crise, bem como suas funções e seus créditos, a

título de saldo de salário, indenização e outros encargos e o respectivo mês

que se deu o vencimento da obrigação trabalhista.85

Umas das exigências para obter a recuperação judicial a qual não

demonstra relevância é a apresentação da relação de bens particulares dos

sócios – controladores e administradores, uma vez que existe a separação

patrimonial dos sócios e da sociedade de que fazem parte. Podendo esta

exigência permitir que os credores exerçam pressões para obterem a

satisfação de seus créditos, uma vez que o processo de recuperação não

tramita em segredo de justiça. Sem falar na possibilidade de os sócios e

administradores procurarem formas de criar escudos para proteger seus bens

mais precocemente.86 Mas é valida a negativa por parte do sócio – controlador

e administrador em não apresentar a relação de seus bens, pois a Constituição

Federal de 1988 garante em seu artigo 5º a inviolabilidade da vida privada, pois

nada pode forçá-los a apresentar a relação de seus bens particulares.87

É preciso juntar na inicial os extratos bancários atualizados, ou seja,

estes devem conter data anterior ao da distribuição do pedido de recuperação.

Devendo constar os extratos de todas as contas bancárias que a empresa

83 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências/ Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3º Ed., 2 tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 148.84 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.148.85 ULHOA COELHO, loc cit.86 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 255.87 ULHOA COELHO, op cit., p.149.

Page 38: Trab. de Conclusão

possui, bem como os fundos de investimentos, para que os credores saibam do

montante ativo que a empresa em crise possui.88

O pedido de certidões de protestos de títulos não influência na

concessão da recuperação judicial. Tais certidões servem apenas para

informar os credores da real situação da empresa em crise, devendo elas

serem expedidas pelos cartórios das comarcas onde a empresa possui sede e

filiais.

Dentro da relação das ações judiciais em andamento faz-se necessário

que conste a estimativa atualizada dos valores demandados, a qual serve para

“caracterização de êxito provável ou remoto na ação judicial, a fim de

determinar o modo como tais valores serão incluídos na contabilidade da

empresa”89.

A escrituração da empresa em crise não precisa ser depositada em

juízo, a não ser que o juiz determine, pois este será essencial ao administrador

judicial para saber o que vem acontecendo com o ente em recuperação. O juiz

só deve determinar o depósito da escrituração da requerente se houver risco

de adulteração ou perda da mesma. A escrituração deve ficar à disposição do

juiz e ser consultado por qualquer interessado que obtenha autorização judicial.

Esta disposição da escrituração existe porque a empresa que requer o

benefício da recuperação necessita se submeter ao dever de transparência,

fincando assim suspenso o sigilo da escrituração mercantil.90

Após a distribuição da petição inicial esta vai conclusa ao magistrado, o

qual analisará se a inicial possui todos os requisitos exigidos pela Lei

11.101/2005, sendo tal análise meramente formal, pois o juiz não avalia o

mérito do pedido. Deste primeiro exame duas hipóteses poderão ocorrer,

conforme Luiz Inácio Vigil Neto91:

88 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.150.89 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências/ Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3º Ed., 2 tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 151.90 ULHOA COELHO, op cit. p.151.91 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 163.

Page 39: Trab. de Conclusão

1) A petição inicial não se encontra em condições de deferimento: se não deferir pelo não atendimento de um ou vários requisitos, deverá observar algumas situações:1.1) se o indeferimento decorreu da não apresentação de documento ou não atendimento de requisito indicado na lei, deverá o juiz conceder prazo razoável para complementação da petição inicial;1.2) se o indeferimento decorreu da impossibilidade de cumprir com algum(ns) do(s) pressuposto(s) ou condição da lei, deverá o juiz indeferir a petição inicial, encerrando o processo. Nestas situações não haverá base jurídica para a decretação de oficio da falência.2) A petição se encontra em condições de deferimento: se todos os requisitos forem atendidos, o magistrado deferirá a petição inicial, autorizando o processamento do pedido.

Deve-se observar que a recuperação judicial não pode ser requerida

caso seja decreta a falência do devedor, pois na Lei 11.101/2005 não existe a

figura da concordata suspensiva e nem figura similar, não havendo como

suspender o processo de falência. Dessa forma, cabe postular a recuperação

somente antes da decretação da falência. Caso seja feito o pedido de falência,

por credor da empresa em crise, no prazo de defesa do devedor, ou seja, no

prazo para contestação, o devedor pode requerer o benefício da recuperação,

conforme o artigo 95 da Lei.92

Após a autorização do processamento da recuperação judicial

iniciamos a segunda fase, onde teremos a concessão real da recuperação

judicial. Mas quando deferida a inicial já visualizamos alguns efeitos, como a

suspensão da tramitação dos pedidos de falência existentes contra o

empresário em crise; a nomeação do administrador judicial, a dispensa da

apresentação das certidões negativas para o exercício de suas atividades

econômicas, exceto no caso de contrato com o Poder Publico ou outorga de

benefícios ou isenções fiscais ou creditícios, a suspensão de todas as ações de

execuções existentes contra o devedor. Também será publicado edital

contendo o resumo do pedido e da decisão que deferiu o processamento da

recuperação judicial, bem como a relação dos credores, abrindo-se prazo para

habilitação dos créditos. Ainda podem os credores, após o deferimento da

recuperação judicial, requerer a convocação da Assembléia Geral de Credores.

92 VASCONCELOS FERREIRA, Gecivaldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Comentários sistemáticos. Primeira e Segunda Partes. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6632>. Acesso em 17 de janeiro de 2010.

Page 40: Trab. de Conclusão

A figura do administrador judicial não existia no Decreto – lei, sendo

sua principal função a de fiscalizar o andamento da recuperação e

cumprimento do plano. Podendo ser tanto pessoa natural quanto jurídica e vem

substituir as figuras do antigo síndico, na falência, como o comissário das

concordatas. Este deve ser profissional habilitado, ou seja, que exerça

atividade que detenha alguma relação com as atribuições que lhe são

deferidas. O artigo 21 da lei indica alguns profissionais que podem assumir a

função, mas este não é taxativo. Assim como no Decreto – lei o administrador

judicial precisa ter idoneidade, conduta moral e responsabilidade no plano

financeiro, pois pode ter que vir a responder por seus atos, uma vez que se

torna responsável pelo bom andamento do plano de recuperação.93

O devedor permanece na administração dos seus negócios, mas este

deve prestar contas do desenvolvimento da atividade durante o período em que

perdurar a recuperação judicial, sobre pena de destituição de seus

administradores.94

A habilitação dos créditos é de extrema importância, pois procura,

assim, evitar fraudes, condutas de má-fé e assegura que todos os credores

terão tratamento proporcional ao crédito. A habilitação dos créditos

compreende três fases: a publicação da relação de credores, impugnação ou

postulação de inclusão e consolidação do quadro geral de credores.95

Segundo Waldo Fazzio Junior96:

A apresentação do crédito decorre de sua inserção na relação oferecida pelo administrador judicial ou de sua posterior inclusão, quando não integrante daquela. Também pode ocorrer fora do prazo previsto no art. 7º, § 1º, como retardatária.

O quadro geral de credores é de publicação obrigatória e pode ocorrer

de duas formas. A primeira está no artigo 8º, parágrafo único da lei, onde não

apresentação de impugnação à listagem de verificação provisória dos créditos,

93 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 5494 MELLO FRANCO, loc cit.95 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação judicial de empresas, 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2005. P. 7996 Ibidem, p. 80

Page 41: Trab. de Conclusão

a qual é elaborada pelo administrador judicial e publicada. Não havendo

impugnação o juiz homologará a listagem, tornando-a definitiva, não sendo

necessária nova publicação, pois o prazo para impugnação é definitivo, não

tendo os credores outra oportunidade.97

A segunda forma se dá quando há apresentação de impugnação

dentro do prazo, a qual está prevista no artigo 8º da lei. Dessa forma inicia-se

um processo judicial de comprovação da existência, natureza e quantificação

do crédito, fincando o juiz incumbido de decidir. A decisão proferida é

recorrível, tendo o legislador optado pelo recurso de agravo para modificação

da decisão. Quando da tramitação do recurso duas situações se apresentam,

de acordo com Vigil Neto98:

1) determinar a exclusão temporária do crédito do quadro – geral enquanto não julgado o agravo;

2) determinar, provisoriamente, a inclusão do crédito julgado não habilitado em primeiro grau até a apreciação do agravo para garantir ao credor, exclusivamente, o direito de votar em assembléia geral.

A elaboração do quadro definitivo é função do administrador judicial, o

qual deve, juntamente com o juiz, assinar o quadro geral de credores definitivo

e publicá-lo ao término do prazo para impugnações ou do trânsito em julgado

da última impugnação.99

A Assembléia Geral de Credores é a reunião de todos os credores

habilitados, para que estes possam expressar seus interesses e buscar a

melhor forma para recuperar a empresa em crise para que seus créditos sejam

satisfeitos. A atribuição da Assembléia de Credores é: aprovar, rejeitar e revisar

o plano de recuperação judicial; aprovar a instalação do comitê de credores e

eleger seus membros; manifestar-se sobre o pedido de desistência da

recuperação judicial; eleger o gestor judicial, quando afastados os diretores da

sociedade empresária em crise; deliberar sobre qualquer outra matéria de

interesse dos credores.100

97 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.115.98 Ibidem, p.115 e 116.99 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.115-116.100 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 96

Page 42: Trab. de Conclusão

A Assembléia Geral é composta, de acordo com o artigo 41 da lei, das

seguintes classes de credores: 1) titulares de créditos derivados da legislação

do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho; 2) titulares de créditos com

garantia real; 3) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com

privilégio geral, ou subordinado.101

Diferentemente do administrador judicial o Comitê de Credores é

opcional, e têm a função de auxiliar o judiciário como os demais órgãos que

fazem parte da recuperação judicial. Como já visto, compete a Assembléia

Geral constituí-la, podendo ser proposta por qualquer de suas classes. De

acordo com Vera Helena de Mello Franco e Rachel Sztajn102:

O comitê é órgão consultivo e de fiscalização e, na sua constituição, deve ser integrado por 1 representante efetivo de cada uma das classes de credores e mais dois suplentes de cada classe (art. 26 da LRE).

“Para a constituição do comitê de credores não se exige a

manifestação de todas as classes”103, pois basta a manifestação de apenas

uma das classes para que seja feita a constituição do comitê, podendo as

outras classes indicarem seus representantes, se assim, acharem interessante.

O representante pode ser escolhido entre os credores da classe ou, ainda,

escolher pessoa natural ou jurídica estranha ao quadro geral de credores,

sendo necessário que este último seja especialista; pode uma pessoa

representar mais de uma classe ao mesmo tempo, tendo em vista o possível

conflito de interesses existente entre as classes.104

Quando não houver a constituição do comitê, seus deveres serão

exercidos pelo administrador, e quando este for incompatível será exercido

pelo juiz, sendo suas atribuições: fiscalizar as atividades e examinar as contas

do administrador judicial; zelar pelo bom andamento do processo e pelo

cumprimento da lei; comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou

101 VASCONCELOS FERREIRA, Gecivaldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Comentários sistemáticos. Primeira e Segunda Partes. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6632>. Acesso em 17 de janeiro de 2010.102 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. P. 69.103 Ibidem, p. 70.104 MELLO FRANCO, loc cit.

Page 43: Trab. de Conclusão

prejuízos aos interesses dos credores; apurar e emitir parecer sobre quaisquer

reclamações dos interessados; requerer ao juiz a convocação da assembléia

geral de credores; manifestar-se nas hipóteses previstas na lei; fiscalizar a

administração das atividades do devedor, apresentando, a cada trinta dias,

relatório de sua situação; fiscalizar a execução do plano de recuperação;

submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas

hipóteses previstas na lei, a alienação de bens do ativo permanente, a

constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endividamento

necessários à continuação da atividade empresarial durante o período que

antecede a aprovação do plano de recuperação judicial.105

Após o deferimento do pedido de recuperação judicial o devedor não

poderá desistir deste sem antes reunir em Assembléia – Geral os credores,

para que estes concordem com a desistência do processo.

O principal objetivo desta segunda fase é a elaboração, apresentação,

por parte do devedor e votação pelos credores, que sofrem os efeitos da

recuperação judicial, do plano de recuperação da empresa em crise.

Vera Helena de Mello e Rachel Sztajn106 entendem o plano de

recuperação como sendo:

...um negócio de cooperação celebrado entre devedor e credor, homologado pelo juiz. No que diz respeito ao negócio de cooperação, assemelha-se ao contrato plurilateral; no que diz respeito à homologação, pode-se considerar forma de garantia do cumprimento das obrigações assumidas, com o que se reduzem custos de transação dada a coercitividade que dela, homologação, resulta.

A elaboração do plano é crucial para que os credores saibam como a

empresa irá agir para sair da crise e como fará para pagar suas dívidas,

devendo o plano ser um projeto detalhado das medidas a serem realizadas,

105 VASCONCELOS FERREIRA, Gecivaldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Comentários sistemáticos. Primeira e Segunda Partes. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6632>. Acesso em 17 de janeiro de 2010.106 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 234.

Page 44: Trab. de Conclusão

onde contará as delimitações das estratégias utilizadas para alcançar o

sucesso da recuperação judicial.107 De acordo com Fábio Ulhoa Coelho108:

Depende exclusivamente dele a realização ou não dos objetivos associados ao instituto, quais sejam, a preservação da atividade econômica e cumprimento de sua função social. Se o plano de recuperação é consistente, há chances de a empresa se reestruturar e superar a crise em que mergulha. Mas se o plano for inconsistente, limitar-se a um papelório destinado a cumprir mera formalidade processual, então o futuro do instituto é a completa desmoralização.

O plano deve demonstrar a viabilidade econômica da empresa em

crise, ou seja, ele deve comprovar a capacidade da empresa para se

restabelecer economicamente e financeiramente, não podendo a

demonstração ser apenas jurídica, mas, também, matemática, das medidas

que serão aplicadas para que a crise seja superada.109 Também deverá

apresentar um laudo econômico – financeiro de avaliação dos bens e ativos da

empresa, o qual carecerá de profissional habilitado para tal, não podendo a

avaliação ser feito pelo próprio devedor.

O plano deverá ser apresentado 60 dias após a publicação da

sentença que deferiu o pedido da recuperação judicial, não podendo este prazo

ser prorrogado, e a não apresentação do plano no prazo acarretará na

decretação da falência, caindo em uma das hipóteses existentes no artigo 73

da Lei 11.101/2005.

O plano possui apenas quatro restrições previstas na lei, que o devedor

necessitará levar em conta quando da elaboração do projeto, as quais são:

Cláusula que proponha a venda de bem dado em garantia, com a supressão ou a substituição da garantia (artigo 50, § 1º): para produzir efeitos em relação ao credor beneficiário da garantia, deverá haver a sua expressa concordância. Dessa forma, se existirem dez credores que tenham a seu favor direitos reais de garantia hipotecária ao pagamento dos créditos, com uma hipoteca para cada dívida ativa, a proposição do devedor de substituição ou supressão das hipotecas para a venda dos respectivos imóveis não representa nulidade que afeta o plano de validade da cláusula, porém, produzirá efeitos

107 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 265.108 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.159.109 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, op cit., p. 267.

Page 45: Trab. de Conclusão

somente para os credores que com ela concordem. A negativa de alguns a cláusula nem repercute na decisão dos que com elas concordaram;A cláusula que proponha a conversão dos créditos em moeda estrangeira para moeda nacional (artigo 50, § 2º): para produzir efeitos em relação aos credores, demanda a sua expressa concordância. Seguindo a forma exemplificativa anterior, em havendo trinta credores em moeda estrangeira, a apresentação de cláusula de conversão será eficaz para aqueles que aceitarem esta proposição. Para os demais, será mantida a cotação em moeda estrangeira....O plano não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para o pagamento dos créditos trabalhistas (artigo 54, “capvt”): diferentemente da fórmula anteriormente apresentada, a transgressão do enunciado, a partir da apresentação desta proposta em cláusula de plano recuperatório, implica a sua nulidade jurídica e a rejeição de oficio pelo magistrado, mesmo que os empregados estivessem dispostos a aceitá-la, uma vez que se trata de norma cogente;O plano não poderá prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento dos créditos eminentemente salariais vencidos nos últimos 3 (três) meses e não superiores a 5 (cinco) salários mínimos por credor (artigo 54, parágrafo único): o mesmo deverá ser aplicado para a restrição contida no parágrafo único do artigo 54, com a diferença que neste dispositivo legal são tratados apenas os créditos salariais vencidos nos últimos três meses anteriores ao pedido e não superiores a cinco salários mínimos por empregado, que deverão ser honrados pelo devedor em até trinta dias contados da aprovação do plano.110

Após a apresentação do plano ao juiz, este irá publicar edital para

conhecimento dos credores do mesmo, e fixará prazo para que os credores

apresentem objeções ao plano elaborado pelo devedor. A objeção por parte de

qualquer credor torna imprescindível a convocação da Assembléia Geral de

Credores para deliberar sobre sua aprovação. Ou seja, para que o devedor

tenha o plano aprovado sem a necessidade de deliberação da assembléia é

necessário a aprovação unânime dos credores.111

Como o prazo para suspensão dos processos de execuções é de no

máximo 180 dias contados do deferimento do processamento da recuperação,

e após este período, restabelece-se o direito dos credores de prosseguir com

as suas execuções, se faz necessário que a assembléia geral de credores

ocorra dento do mesmo período, pois se assim não o for, o devedor perderá

110 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 168.111 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 272.

Page 46: Trab. de Conclusão

uma das principais proteções que o processo de recuperação lhe oferece, que

é suspender as ações e execuções dos credores.112

Se não houver objeções ao plano o juiz concederá a recuperação

judicial ao devedor, passando-se então à execução do mesmo. Caso haja

objeções ao plano será realizada, então, a Assembléia Geral de Credores,

onde a deliberação se dará de acordo com o disposto no artigo 45 da Lei

11.101/2005, o qual exige um quorum especial para aprovação do plano. Caso

o plano seja rejeitado pela a assembléia geral, o juiz deverá decretar a falência,

hipótese esta que está prevista no artigo 73 da Lei 11.101/2005.

Porém o juiz tem o poder de impor aos credores o plano rejeitado,

desde que estejam presentes determinados requisitos, evitando assim, a

decretação da falência. Além dos requisitos presentes no artigo 58, §§ 1º e 2º,

os quais são: aprovação pela maioria dos créditos presentes, independentes de

classe; aprovação em pelo menos duas classes, se a assembléia tiver sido

composta de três classes, ou por uma classe, se a assembléia tiver

comparecido apenas duas classes; na classe que houver rejeitado, tiver o

plano obtido mais de um terço dos votos; o juiz, ainda, terá que reconhecer o

desempenho de função social pela empresa em crise, para assim poder impor

aos credores o plano rejeitado na assembléia geral de credores.113

A imposição do plano rejeitado pela a assembléia geral de credores

pelo juiz “não se constitui em um ato de vontade absoluta”114, pois para esta

imposição o magistrado tem de observar os requisitos acima enumerados e a

partir daí analisar de forma subjetiva, “se a empresa é estrategicamente

importante em seu contexto social”115.

Apesar dos administradores e o devedor permaneceram na condução

da empresa em crise, estes tem, após a distribuição do pedido de recuperação,

sua liberdade de atuação cerceada. A restrição mais importante é a da 112 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 273.113 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 172 e 173.114 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 172 e 173.115 VIGIL NETO, loc cit..

Page 47: Trab. de Conclusão

impossibilidade alienar ou onerar bens do ativo permanente, salvo se for

reconhecido pelo juiz a utilidade do ato, e depois de ouvido o comitê de

credores. Mas a decisão do comitê não vincula o juiz, o qual pode proferir

decisão contrária ao comitê, desde que, quando optar por permitir a alienação

ou oneração dos bens do ativo, reconheça a existência de evidente utilidade do

ato.116

A recuperação judicial pode se encerrar de duas formas. A primeira

quando o cumprimento da recuperação corresponde ao período de dois anos,

sendo, assim, proferida a sentença de encerramento pelo juiz, determinando,

desta forma, a quitação dos honorários do administrador e das custas

remanescentes, a apresentação, em quinze dias, do relatório do administrador

judicial, a dissolução dos órgãos auxiliares da recuperação judicial, ao quais é

o comitê de credores e assembléia geral, bem como a comunicação à Junta

Comercial do término do processo. E a segunda ocorre quando houver a

desistência por parte do devedor do benefício. Ao ser homologado a

desistência o devedor retorna a sua antiga condição jurídica a que se

encontrava antes do pedido de recuperação, podendo os credores retornar aos

seus direitos originários, como se o processo de recuperação nunca houvesse

existido.117

O juiz poderá decretar a falência durante o processo de recuperação,

conforme o artigo 73 da lei, quando: a assembléia geral assim deliberar, ou

seja, quando os credores que representam mais da metade do valor total dos

créditos presentes à assembléia geral deliberaram a favor da convolação; a

não apresentação do plano de recuperação no prazo de sessenta dias,

contados da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial; a

rejeição do plano pela assembléia geral de credores, em conformidade com o

procedimento próprio de votação estabelecido pela lei; e o descumprimento

das obrigações assumidas no plano de recuperação.118

116 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 315 e 316.117 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 207.118 KLEIN ZANINI, Carlos. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 332-334.

Page 48: Trab. de Conclusão

A convolação do procedimento da recuperação judicial em falência não

anula os atos praticados durante a recuperação judicial, desde que estes

estejam de acordo com a lei. Os credores retornam ao status quo ante, sendo

deduzidos os valores eventualmente pagos pelo devedor durante o processo

de recuperação.

1.2.1 O Reconhecimento da Função Social da Empresa na

Recuperação Judicial

Há duas formas de o regime recuperatório ser concedido: 1º) o plano

reorganizativo tenha sido aprovado pela maioria dos créditos presentes na

assembléia geral de credores, contados de acordo com o artigo 45 da Lei

11.101/2005; 2º) quando o plano reorganizativo é imposto aos credores pelo

juiz, uma vez que este identifique a função social da empresa, e que estejam

preenchidos os requisitos do artigo 58, § 1º e § 2º da Lei 11.101/2005.

Para o autor Luiz Inácio Vigil Neto119:

A função social, ainda que essencial para a decisão judicial de imposição do plano rejeitados aos credores, não recebeu, contudo, uma definição por parte do legislador. Essa correta opção do legislador brasileiro deveu-se à idéia de não se propor um modelo estático de cognação do instituto. Em outras palavras, a função social é um valor cultural de um povo que se expressa, nos eixos cartesianos de tempo e espaço sociais.

Não apenas o princípio da função social da empresa deve ser levado

em consideração quando da imposição aos credores do projeto recuperatório,

também necessitam ser observados todos os princípios dispostos no artigo 47

da Lei 11.101/2005, o qual prevê:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

O presente artigo demonstra a opção legislativa no que concerne à

recuperação da empresa em crise econômica financeira. A busca pela

manutenção de empregos, o respeito aos interesses dos credores, a garantia

119 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.143.

Page 49: Trab. de Conclusão

da produção dos bens ou serviços em mercados são os objetivos tutelados na

reorganização da empresa em crise, não esquecendo, de respeitar os preceitos

econômicos da organização das empresas, sua participação no mercado, no

criar e distribuir bem estar e na geração de riquezas. Em suma, o esforça da

nova disciplina é manter a empresa em funcionamento quando está se

demonstre viável. É nítido o abandono da visão da legislação revogada, pois

ela dava prioridade a retirada do comerciante inábel ou inepto do mercado,

tanto que por qualquer motivo a concordata preventiva era indeferida, sendo a

decretação da falência um ato compulsório. A nova legislação procura analisar,

antes da quebra, as probabilidades de sobrevida do negócio, tendo a mesma

administração ou outra, sendo alterado assim o foco da tutela, o qual era

antigamente o credor e a confiança, para, agora, vir tutelar o devedor de boa-

fé.120

Os princípios alocados na Lei 11.101/2005 são frutos da evolução do

direito falimentar, que ao longo do tempo identificou a necessidade de se

modificar pra assim poder se adequar à nova realidade econômica e social, a

qual bradava por um ordenamento que identificasse a atividade empresária e o

próprio empresário como agentes sociais importantes para o desenvolvimento

da sociedade.121

Tanto o princípio da preservação da empresa quanto o da função social

da empresa tem sua origem no artigo 170 da Constituição Federal de 1988,

instaurando assim um novo panorama jurídico, onde a ordem econômica é

centrada não só na dignidade da pessoa humana, mas também na livre

iniciativa, na valorização do trabalho humano e na função social da propriedade

privada, proporcionando repercussões na forma de se interpretar e por em

prática a legislação, em especial a Lei 11.101/2005.122

120 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 222-223121 SCHELLES, Marta Santiago de Oliveira. O Princípio da Preservação da Empresa no Novo Sistema Falimentar. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/trabalhos_conclusao/trabalhos_22009/martaschelles.pdf>. Acesso em 22 de fevereiro de 2010.122 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 23.

Page 50: Trab. de Conclusão

O princípio da função social da propriedade merece destaque, pois

deste deriva o princípio da função social da empresa, o qual reconhece a

necessidade e a importância da continuação das atividades empresariais,

mesmo que está encontre-se em crise, uma vez que a atividade das empresas

ativa a economia como um todo, proporcionando a geração de postos de

trabalho, contribuindo, assim, para a satisfação das necessidades essenciais

do indivíduo.123

Já o princípio da preservação da empresa não está expressamente

previsto na Constituição Federal, mas é por ela defendido, uma vez que seu

intuito é plenamente compatível com os direitos e princípios previstos na carta

magna. Sendo, desta forma, o princípio da preservação da empresa um

“princípio constitucional não escrito124”.

A Constituição Federal em seu artigo 170 elege também como princípio

da ordem econômica a busca pelo pleno emprego, não podendo, desta forma,

falar na busca do pleno emprego sem propiciar a preservação da empresa,

pois, afinal é a atividade empresarial que gera boa parte dos postos de trabalho

e é umas das principais fontes de tributos para o estado. Como ressalta Carlos

Alberto Farracha de Castro125:

Sem preservação da atividade empresarial inexiste emprego, razão pela qual não há como se valorizar o trabalho, motivo por que a pretensão do legislador constituinte ficaria reservada ao seu imaginário. Em outras palavras, o princípio da busca do pleno emprego, corresponde a preservação da empresa (de que é corolário o da recuperação da empresa), segundo o qual, diante das opções legais que conduzem a dúvida entre aplicar regra que implique a paralisação da atividade empresaria e outra que possa também prestar-se à solução da mesma questão ou situação jurídica sem tal conseqüência, deve ser aplicada essa última, ainda que implique sacrifício de outros direitos também dignos de tutela jurídica.

O princípio da preservação da empresa não deriva apenas da busca do

pleno emprego, mas também do princípio da função social da propriedade, o

qual não permite a aniquilamento de empresas produtivas, só porque não

atende mais aos interesses individuais e patrimoniais de seus titulares.126

123 CASTRO, loc cit.124 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007. P. 42.125 Ibidem, p. 43.126 CASTRO, loc cit.

Page 51: Trab. de Conclusão

O reconhecimento do princípio da preservação da empresa como

princípio constitucional não escrito auxilia na concretização dos princípios

fundamentais, principalmente o da dignidade da pessoa humana, ou seja, “sua

preservação está em conformidade com os postulados do atual sistema

constitucional, cuja preocupação primeira é atender e preservar os interesse

sociais do homem, em sua plenitude”.127

Quando analisada a questão da empresa em dificuldade econômico-

financeira, sendo esta transitória, para que seja possível a sua recuperação e

preservação, no momento de crise, se faz necessário privilegiar a preservação

da empresa em prejuízo de outros princípios, sempre que a empresa

demonstrar-se viável.128

Ao se buscar a preservação da empresa deve-se se ter o cuidado de

manter apenas as empresas viáveis, aquelas que tenham relevante

importância social. É de extrema importância analisar os custos que serão

gerados na conservação da empresa em crise no mercado, não devendo estes

custos superar os da extinção da mesma, através do processo liquidatório.129

Conforme Fábio Ulhoa Coelho130:

Nem toda a falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia com um todo, os recursos – materiais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores.

127 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007. P. 46128 Ibidem, p. 47.129 SCHELLES, Marta Santiago de Oliveira. O Princípio da Preservação da Empresa no Novo Sistema Falimentar. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/trabalhos_conclusao/trabalhos_22009/martaschelles.pdf>. Acesso em 22 de fevereiro de 2010.130 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 129.

Page 52: Trab. de Conclusão

Desta forma, acabam-se incumbindo aos operadores do direito a

análise do caso concreto, com base no princípio da preservação da empresa e

outros que norteiam a ordem econômica, para decidir se a empresa merece o

amparo judicial no sentido de ser preservada; ou caso, se demonstre mais

benéfico às outras empresas que integram o mercado e a sociedade que esta

seja liquidada imediatamente, que assim ocorra.

Para que ocorra a preservação da empresa é necessário que o juiz não

se restrinja apenas ao momento atual, mas sim à potencialidade futura da

empresa em crise. Esta potencialidade deverá ser demonstrada não pelo

desempenho momentâneo, mas em seu plano reorganizativo, o qual será

avaliado pelos credores e pela sociedade, podendo assim, ser observado se a

empresa possui capacidade de cumprir com as obrigações assumidas no plano

de recuperação.131

Para Fábio Ulhoa Coelho, o exame da viabilidade da atividade

empresária em crise deve ser feito, pelo judiciário, através dos seguintes

vetores: importância social; mão de obra e tecnologias empregadas, volume do

ativo e passivo, tempo de empresa e o porte econômico.132

A importância social refere-se a dois aspectos, sendo eles: as

condições econômicas que demonstrem possível o reerguimento da atividade

empresária não podem ser ignoradas, bem como a sua relevância para a

economia local, regional e nacional. Em outros termos, “que valha a pena para

a sociedade brasileira arcar com os ônus associados a qualquer medida

recuperatória de empresa não derivada de solução de mercado133”.

A mão-de-obra e tecnologia empregadas, nesse aspecto, devido à

evolução das empresas, por muitas vezes se excluem e por outras se

completam. Sobrepesar estes vetores é complexo, pois a recuperação da

empresa com tecnologia defasada e que depende de modernização pode

131 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 71.132 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 144-145.133 ULHOA COELHO, loc cit.

Page 53: Trab. de Conclusão

implicar o fim de postos de trabalho, mas se a tecnologia não for renovada, a

empresa pode não conseguir se reorganizar.

O volume do ativo e do passivo significa analisar qual a natureza da

crise, pois na medida em que estas se relacionam, a recuperação necessitará

de soluções mais complexas. É importante salientar que a análise financeira da

empresa cumpre papel relevante.

O tempo da empresa leva em conta quanto tempo esta encontra-se

atuando no mercado. Todavia, isto não significa que as empresa com menor

tempo não possam requerer o benefício da recuperação, pelo contrário

qualquer empresa viável e que preencha os requisitos da lei possuem esse

direito. A principal influência do tempo na concessão da recuperação é que as

empresas mais jovens terão que ter o potencial econômico e a importância

social realmente relevante.

E, por fim, o porte econômico trata do tamanho da empresa a se

recuperar, pois as medidas reorganizativas de uma empresa grande não serão

as mesmas adotas por um microempresário, devendo desta forma identificar o

porte da empresa, pois quanto menor está for, menor será sua importância

social.

Para Paulo Penalva Santos134

Naturalmente a apreciação da viabilidade não se deve se limitar a

uma análise meramente financeira da empresa... A viabilidade

dependeria, em resumo da resposta às seguintes indagações

formuladas pelo Prof. Paillusseau: Qual a importância em relação aos

concorrentes? Quanto valem seus produtos e serviços no mercado?

Qual é a qualidade da sua organização de produção? Quais são os

investimentos que devem ser feitos? Todas essas perguntas e outras

mais é que permitem traçar ao menos um parâmetro para se saber se

a empresa é ou não viável.

134 PENALVA SANTOS, Paulo. O novo projeto de recuperação da empresa. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v.39, n. 117. p. 128, jan./mar.2000.

Page 54: Trab. de Conclusão

Outro princípio previsto no artigo 47 da lei é o da função social da

empresa, o qual, como dito, deriva da função social da propriedade, o qual se

encontra no artigo 170 da Carta Maior.

A função social da propriedade se restringiu por muitos anos as

propriedades agrárias, pois estas eram sinônimo de poder econômico, por

outro lado a propriedade dos bens de consumo passaram a ter grande

relevância social, influenciado, desta forma, as interpretações restritivas do

direito de propriedade. Logo se tornou evidente que a utilização do termo tinha

que ser ampliada, passando a empresa a representar “o principal motor do

sistema econômico, influenciando de forma crescente as relações sociais”.135

De início não havia previsão legal expressa da função social da

empresa, tendo a doutrina que identificar – a através das diversas formas de

propriedade, como a propriedade de bens de consumo e bens de produção -, o

controle da empresa, dando-lhe, assim, força aplicativa.136

A extensão da função social para a empresa justifica o reconhecimento

de alguns direitos fundamentais da pessoa jurídica. Esta extensão da função

social influenciou, na prática, as transformações sofridas pelo direito

empresarial brasileiro. Para Calixto Salomão Filho quando a função social

passa a se referir à empresa “sua disciplina transforma-se em algo fortemente

ligado ao interesse estatal em uma disciplina ligada ao interesse de grupos

afetados pela atividade da empresa137”.

A função social ao ser entendida como princípio, abre caminho para a

aplicação deste não só para a empresa como para toda a relação civil,

surgindo, assim, a idéia de função social do contrato.138

135 SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 7.136 Ibidem, p.8.137THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004.Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 8.138 SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 8.

Page 55: Trab. de Conclusão

De acordo com Humberto Theodoro Júnior139:

Para uns, a função social estaria localizada no propósito de colocar o interesse coletivo acima do interesse individual, o que, no domínio do contrato, implicaria a valorização da solidariedade e cooperação entre os contratantes. A base da função social do contrato estaria no principio da igualdade, o qual atuaria, in casu, para superar o individualismo, de modo a fazer com que a liberdade de cada um dos contratantes “seja igual para todos”. Seria a idéia de igualdade na dignidade social ou na liberdade “para todos”, que faria com que o contrato, outrora concebido de maneira individualista, possa passar a exercer, na sociedade, uma “função social”.

Alguns doutrinadores conceituam a função social do contrato situando-

o apenas na relação dos contratantes com o meio social. Para o professor

Antônio Junqueira de Azevedo140, os contratos devem estabelecer-se numa

ordem social harmônica, devendo impedir qualquer prejuízo à coletividade que

provenha da relação firmada no contrato. Desta forma, o contrato “deve

apresentar-se como um comportamento social sempre adequado”. 141

Função significa dizer que é o papel que alguém ou algo deve

desempenhar em determinadas circunstâncias. Falar em função, portanto,

corresponde a definir um objetivo a ser alcançado. O contrato passa a exercer

uma função social quando visa o princípio da igualdade, o qual se volta para a

idéia de dignidade social ou liberdade “para todos”, sobrepondo-se, assim, o

interesse coletivo sobre o individual.142

Para Calixto Salomão Filho143:

Não é tarefa fácil atribuir sentido jurídico específico ao termo função. Expressão genérica, plena de significado moral e social, a tendência natural é sempre no sentido de sua ampliação. (...)

É também bastante evidente que o simples envolvimento da esfera de terceiros não é o suficiente para definir e delimitar a função social. A expressão interesse de terceiros é por demais vaga para definir o objeto de tutela de princípio tão importante.

139 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 43.140 Ibidem, p. 48141 THEODORO JÚNIOR, loc cit.142 Ibidem, p. 43143 SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 10.

Page 56: Trab. de Conclusão

Presta-se um maior serviço ao instituto jurídico da função social do

contrato se forem analisados os verdadeiros interesses sociais em jogo,

podendo estes interesses ser traduzidos nos princípios da eticidade e da

socialidade. Onde o primeiro se aplica as regras como a da lealdade e

solidariedade entre os contratantes, e a segunda refere-se à preocupação com

a ordem econômica e social, ambos os princípios devem ser analisados no

plano “do impacto do contrato com terceiros ou com o meio social em sentindo

mais amplo”.144

O que se deve dizer é que tanto o direito de propriedade quanto o direito de contratar devem, para ser dignos de alguma tutela pelo direito, atender a uma função na sociedade.145

Humberto Theodoro Júnior, ainda ressalta que:

Para que se conceba um conceito adequado de função social do contrato é preciso que se busque também um elemento externo ao contrato. Por isso não basta apenas aquela relação de proporcionalidade entre os princípios. É necessário que com o contrato se atinja o bem comum, ou em outras palavras, é preciso que o contrato seja bom para os indivíduos que o celebram e bom para a sociedade.

A função primária do contrato é a função econômica e está jamais pode

ser descartada ou anulada em prol, por exemplo, de uma atividade assistencial,

pois a contrato cabe uma função social, mas não uma função de assistência

social. A função social e econômica são institutos jurídicos distintos, mas

devem coexistir harmonicamente, tendo a função social o atributo de indicar os

limites do contrato em relação o quanto este pode atingir terceiros.146

A função social é uma cláusula geral, sendo assim, está não prescreve

uma conduta, mas define valores e princípios. As cláusulas gerais são ponto de

referência e oferecem ao interprete os limites para a aplicação das demais

disposições normativas, ou seja, estas descrevem valores. Ressalta Humberto

Theodoro Júnior147

O julgamento segundo clausulas gerais autorizadas pela lei não é, em hipótese alguma, “uma tarefa arbitrária”. Ao complementar uma

144 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 49.145 Ibidem, p. 83.146 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 100147 Ibidem, p. 135

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norma legal em branco, o juiz tem de se ater à realidade da figura jurídica, sua estrutura e funcionalidade, aplicando sempre os princípios informativos do sistema. “Toda e qualquer reconstrução dogmática está, em primeiro lugar, atada aos valores e diretivas do ordenamento, os quais exigem do juiz não apenas ato de vontade, mas, fundamentalmente, ato de conhecimento e de responsabilidade”. Não é por outra razão que a Constituição exige, sob pena de nulidade, que toda a decisão judicial seja fundamentada (CF, art. 93, IX). Somente com a explicitação dos elementos de fato e de direito em que a sentença se apoiou haverá condições de aferir-lha a conformidade com o sistema normativo axiológico determinado pela Constituição.

De acordo com Arnoldo Wald:

Se o direito tem a dupla finalidade de garantir tanto a justiça quanto a segurança, é preciso encontrar o justo equilíbrio entre as duas aspirações, sob pena de criar um mundo justo, mas inviável, ou uma sociedade eficiente, mas injusta, quando é preciso conciliar justiça e eficiência. Não devem prevalecer nem o excesso de conservadorismo, que impede o desenvolvimento da sociedade, nem o radicalismo destruidor, que não assegura a continuidade das instituições. O momento é de reflexão e construção para o jurista, que, abandonando o absolutismo passado, deve relativizar as soluções, tendo em conta tanto os valores éticos, quanto as realidades econômicas e sociais.

Ainda cabe ressaltar que sendo a preservação da empresa princípio

constitucional, este pode ser concebido como a desmaterialização da riqueza,

este se deve a função social da propriedade, o qual não permite a extinção das

empresas produtivas, pois sua extinção não atende aos interesses coletivos,

mas, “tão-somente, aos individuais e patrimoniais dos seus titulares”.148

Ademais, tem-se o entendimento que a empresa constitui a noção atual de

propriedade. Conforme Orlando Gomes149:

O jurista que observa a paisagem da vida econômica contemporânea se convencerá de que a evolução das estruturas da economia relegou a segundo plano, sob a perspectiva social, a atividade de gôzo do proprietário quando comparado à atividade produtiva do empresa. (...) Dessa constatação, surgiu a categoria jurídica da empresa, introduzida no centro do sistema do direito privado. (...) O exercício da atividade econômica pela organização de bens e pessoas nessas unidades orgânicas cada dia maiores e mais poderosas exige disciplina que encare o direito de propriedade sob novas perspectivas. Sendo a empresa em última análise, um dos modos de seu exercício e devendo subordinar-se esse exercício ao interesse geral, o poder jurídico que o pressupõe deixa de ser, nesse ponto, um direito subjetivo puro, pó que não é mais, exclusivamente “um poder da vontade para a realização de um interesse próprio”, senão um poder que, embora exercido com fim lucrativo, e, portanto, no

148 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 43-44.149 CASTRO, loc cit.

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interesse de quem exerce, deve ao mesmo tempo legitimar-se pela realização de interesse extra-pessoal transindividual. Desse modo, o proprietário na veste do empresário ou empreendedor tem deveres e responsabilidades.

A essência da função social decorre de sua evolução e utilização na

realidade histórica, revelando, assim, o valor nele embutido, o qual dado a ele

pela própria sociedade.150

Na medida em que a função social da propriedade deixa de vislumbrar

apenas as propriedades agrárias e passa se fundar nas relações comerciais e

industriais mais complexas, a essência contida no princípio tem de se

transformar. Passando, assim, do direito de propriedade as relações jurídicas,

“em um primeiro momento aquelas envolvidas pela empresa e, em seguida,

pelos contratos em geral”. Desta forma, tornou-se importante prever como a

esfera social era afetada por estas relações.151

Antes de ser identificada a função social da empresa os doutrinadores

buscavam na função social dos bens de produção e dos bens de consumo a

forma de identificar o controle que empresa exercia na sociedade.

Fábio Konder Comparato152 classifica bens de produção e bens de

consumo como:

Os bens de produção são móveis ou imóveis, indiferentemente. Não somente a terra, mas também o dinheiro, sob a forma de moeda ou de crédito, podem ser empregados como capital produtivo. De igual modo os bens destinados ao mercado, isto é, as mercadorias, pois a atividade produtiva é reconhecido, na análise econômica, não pela criação de coisas materiais, mas pela criação de valor. Mas as mercadorias somente se consideram bens de produção enquanto englobadas na universalidade do fundo de comércio; uma vez destacadas dele, ao final do início do ciclo distributivo, ou elas incorporam a uma atividade industrial, tornando-se insumos de produção, ou passam à categora de bens de consumo.

A classificação dos bens de produção e dos bens de consumo não se

encontra em sua natureza ou consistência, mas sim em sua destinação. “A 150 SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 9.151 SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 10.152 COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da propriedade dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 25, n. 63, p. 71-79, jul.-set. 1986, p. 72.

Page 59: Trab. de Conclusão

função que as coisas exercem na vida social é independente da sua estrutura

interna”.153

Antigamente o intuito da propriedade privada era o de proteger o

indivíduo e sua família de possíveis necessidades materiais, e isto justifica a

importância dada para a propriedade agrária, sendo a forma de obter a

subsistência do indivíduo e de sua família. Hoje a propriedade privada deixou

de ser o único meio de garantir a subsistência da família, em seu lugar, em vez

da subsistência, encontra-se a garantia de emprego, salário justo, e as

“prestações sociais devidas ou garantidas pelo Estado, como a previdência

contra os riscos sociais, a educação e a formação profissional, a habitação, o

transporte e o lazer.154”

Quando se fala em função social da propriedade não significa que este

restringe o uso e o gozo dos bens de seu proprietário. A função, aqui, deve ser

entendida como um poder, mais especificamente, “o poder de dar ao objeto da

propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo”.155 Já o social

demonstra o objetivo, o qual corresponde ao interesse coletivo e não ao

interesse próprio do proprietário; “o que não significa que não possa haver

harmonização entre um e outro”.156 Mas, mesmo assim, se está perante a um

interesse coletivo, sendo a função social um poder-dever do proprietário,

podendo até mesmo ser sancionado pela justiça.157

Em outras palavras a função social da propriedade é um poder-dever

não somente no sentido negativo, em relação ao “respeito a certos limites

estabelecidos em lei para o exercício da atividade, mas, também, na acepção

positiva, de que algo deve ser feito ou cumprido”, devendo está ser

desempenhada para a satisfação da coletividade.158

153 Ibidem, p. 73.154 COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da propriedade dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 25, n. 63, p. 71-79, jul.-set. 1986, p.73155 Ibidem, p.75.156 COMPARATO, loc cit.157 COMPARATO, loc cit.158 Ibidem, p. 41.

Page 60: Trab. de Conclusão

Dentro da Constituição Federal de 1988, a função social da

propriedade é apresentada “como imposição do dever positivo de uma

adequada utilização dos bens, em proveito da coletividade”.159

Adilson Abreu Dallari e Lúcia Valle Figueiredo160 entendem como

função social da propriedade que:

Todo o individuo tem a obrigação de cumprir na sociedade uma certa função, na razão direta do lugar que nela ocupa. Ora, o detentor de riqueza, pelo próprio fato de deter a riqueza, pode cumprir uma certa missão que só ele pode cumprir. Somente ele pode aumentar a riqueza geral, assegurar a satisfação de necessidades gerais, fazendo valer o capital que detém. Está, em conseqüência, socialmente obrigado a cumprir esta missão e só será socialmente protegido se cumpri-la e na medida em que o fizer. A propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor da riqueza.

A empresa, hoje, compõe-se na base da sociedade, e este resulta do

exercício do direito a propriedade. Deste modo, configura-se,

predominantemente, em uma situação econômica. Na opinião de Clóvis Couto

e Silva161, “o conceito de empresa antecede o seu reconhecimento pela ordem

jurídica”. Conforme destaca Fábio Konder Comparato:

Uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa. É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da população ativa deste país,pela organização do trabalho assalariado. A massa salarial já equivale, no Brasil, a 60% da renda nacional. É das empresas que provém a grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo povo, e é delas que o Estado retira a parcela maior de suas receitas fiscais. É em torno da empresa, ademais, que gravitam vários agentes econômicos não – assalariados, como os investidores de capital, os fornecedores, os prestadores de serviço.162

Deste modo a função social da empresa é irreversível, dada a sua

importância e movimentação da sociedade ser dependente, de certo modo, de

sua existência; sem falar do alcance desta ao Estado como um todo, pois é por

intermédia da empresa que o Estado arrecada tributos indispensáveis, para

que este possa cumprir com suas despesas e obrigações.

159 Ibidem, p. 43.160 DALLARI, Adilson Abreu/ FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA. 1987, p. 5.161 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 135.162 Ibidem, p. 135-136.

Page 61: Trab. de Conclusão

Alguns doutrinadores entendem que a função social da empresa

determina que a exploração da atividade empresarial não interesse apenas

empresário e, também, não, deve buscar o lucro de forma desenfreada, pois os

interesses e exercícios da exploração da propriedade devem ser tencionados à

sociedade, atingindo, desta forma, trabalhadores, fornecedores, meio

ambiente, fisco e todos aqueles que têm relação com a empresa. Em suma, a

função social da empresa “implica um dever social que exige consonância

entre interesses particulares da sociedade e o interesse coletivo”.163

Sendo assim, a função social da empresa representa a superação do

individualismo, devendo o direito individual coexistir, harmonicamente, com a

funcionalização do princípio, exercendo, assim, um papel produtivo, o qual

favorece toda a sociedade. Em outras palavras “a atividade empresarial

apresenta um caráter dúplice, uma vez que serve não só ao sujeito proprietário,

como também, às necessidades sociais”.164

Cabe ressalvar que a função social não deve ser encarada como algo

exterior à propriedade, mas sim, como componente integrante de sua própria

estrutura.165

É entendimento de alguns doutrinadores, como Fábio Konder

Comparato, que não há como a empresa exercer sua atividade tendo em vista

a função social da empresa, pois não há como o administrador da empresa

praticar atos gratuitos e não razoáveis em benefício da comunidade em torno

da empresa, mesmo que autorizado legalmente. A razoabilidade da atuação

dos administradores está estritamente ligada à lucratividade da empresa, a

qual é a essência da sociedade, sem o lucro não há como a empresa resistir.166

Nas palavras de Fábio Konder Comparato167:

163 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 138.164 CASTRO, loc cit.165 ALVES PESSOA, Mariana. A função social da empresa como Princípio do direito civil constitucional. Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/artigos/artigos_53.html>. Acesso em 24 de janeiro de 2010.166 COMPARATO, Fábio Konder. Estado, Empresa e Função Social. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 732, p. 38, out. 1996, p. 45.167 COMPARATO, Fábio Konder. Estado, Empresa e Função Social. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 732, p. 38, out. 1996, p. 45.

Page 62: Trab. de Conclusão

É imperioso reconhecer, por conseguinte, a incongruência em se falar numa função social das empresas. No regime capitalista, o que se espera e exige delas é, apenas, a eficiência lucrativa, admitindo-se que, em busca do lucro, o sistema empresarial como um todo exerça a tarefa necessária de produzir ou distribuir bens e de prestar serviços no espaço de um mercado concorrencial. Mas é uma perigosa ilusão imaginar-se que, no desempenho dessa atividade econômica, o sistema empresarial, livre de todo controle dos Poderes Públicos, suprirá naturalmente as carências sociais e evitará abusos; em suma, promoverá a justiça social.

Fábio Leandro Tokars168 entende a função social como:

Um paliativo retórico aos efeitos concretos de nossas políticas econômicas, a qual pode ser definida como instrumento de aparente conquista social que, na realidade, acaba por atuar exatamente de forma oposta, mantendo privilégios ou impedindo a real conquista dos interesses sociais.

A realização, por parte da empresa, de sua finalidade lucrativa,

garante, por conseqüência, melhoria de vida aos seus empregados,

fornecedores, consumidores, enfim, trás benefícios a sociedade, não

significando que a empresa deva substituir ou fazer às vezes do Estado169. Em

outras palavras, se considerarmos que a empresa possui função social, então

está acaba sendo, também, responsável em relação à garantia dos direitos

individuais dos cidadãos, ou seja, a empresa passa a ser responsável não

apenas por melhorar o aspecto econômico, mas também o social, da

comunidade que nela está inserida.170

Em suma:

Podemos afirmar que atribuir alguns deveres sociais a essas entidades não significa esquivar o Estado de funções que lhe são próprias. Na economia moderna, ambos devem trabalhar juntos, pois é notório que a atividade empresarial assumiu dimensões extraordinárias que cada vez mais vêm se acentuando nesta época de globalização... Importante ressaltar que sua contribuição à sociedade não significa diminuição dos lucros. Pelo contrário, podemos felizmente constatar uma sensível melhora nas condições econômico-financeiras das instituições que têm adotado medidas de caráter social.

168 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 140.169 CAPEL FILHO, Hélio. A Função Social da Empresa: adequação às exigências do mercado ou filantropia? Disponibilizado em: <http://jusvi.com/artigos/15411>. Acesso em 17 de janeiro de 2010.170 ARNOLDI, Paulo R. Colombo/MICHELAN, Taís C. de Camargo. Novos enfoques da função social da empresa numa economia globalizada. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v.39, n. 117. p. 159, jan./mar.2000, p. 120.

Page 63: Trab. de Conclusão

A função social não cabe apenas à empresa, pois seus

administradores também possuem deveres sociais, estando este disposto no

artigo 116, parágrafo único da Lei 6.404/1976:

Art. 116. (...)

Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Quando se trata de exploração empresarial a função social não cabe

ao proprietário, mas ao administrador ou controlador. Importante se faz

distinguir, pois o poder de controlar não se confunde com a propriedade.171

Desta forma, exige-se do administrador que este empregue em suas

funções o máximo dever de diligência, lealdade e informação, não só com os

acionistas da empresa, mas, também, para com a comunidade em sua vota.

Apesar do aludido diploma legal tratar apenas das sociedades por

ações, não restam dúvidas de que este se aplica a qualquer atividade

empresarial, exercida de modo individual ou sobre qualquer forma societária

prevista no Código Civil, e que a lista de elementos extra-societários que a

empresa deve respeitar e atender não pode pautar-se unicamente pela

obtenção de lucro, devendo a empresa atender, também, os direitos do

consumidor, o regime de livre concorrência, a preservação do meio ambiente,

do patrimônio histórico e cultural do País, dentre outros. De acordo com Mauro

Rodrigues Penteado172:

Em razão dessa função de grande relevo é que a nova Lei estrutura mecanismos que conduzam à sua preservação, superando as naturais crises econômicas e financeiras pelas quais venha a passar o devedor empresário.

Por fim, o desenvolvimento econômico e em conseqüência a busca

pelo lucro não se demonstram incompatíveis com a consolidação da função

171 COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da propriedade dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 25, n. 63, p. 71-79, jul.-set. 1986, p.77.172 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 73.

Page 64: Trab. de Conclusão

social da empresa, ainda que este seja apontado como o gerador das

desigualdades sociais e da “exploração econômica da classe de trabalhadores

pelos detentores do capital”.173 A função social da empresa, ainda, refere-se à

organização empresarial, cuja existência está estritamente ligada à atuação

responsável na esfera econômica, não para cumprir as obrigações típicas do

Estado, muito menos para substituí-lo, mas sim na acepção de que, sua

existência deve ser calculada para criar postos de trabalho, respeitar o meio

ambiente e a coletividade, sendo por estes motivos que se busca sua

preservação.174

1.2.1.1 Contratualismo x institucionalismo

Ao analisarmos os fundamentos do direito societário estamos ao

mesmo tempo analisando as funções das sociedades.175 Considerado as

teorias contratualista e institucionalista identificamos até que ponto as

sociedades tem responsabilidades sociais com os terceiros que não estão

envolvidos, e até onde pode ou deve ir esta responsabilidade da empresa com

o universo que a cerca.

A visão alcançada pela sociedade unipessoal leva a dois

entendimentos distintos, um vê a sociedade como um contrato e o outro como

uma sociedade organizada como instituição. Estes entendimentos nos levam

as teorias contratualista e institucionalista.176

A teoria contratualista é contrária à concepção de que a empresa deve

ter como prisma o interesse social, ou seja, está apóia que o interesse da

sociedade deva ser o mesmo do seu grupo de sócios. Sendo o interesse dos

sócios o interesse social da empresa. Dentro do contratualismo alguns autores

173 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 149.174 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 223175 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 25176 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 26

Page 65: Trab. de Conclusão

definem interesse social de forma abstrata e típico, “reduzindo-o ao interesse à

maximização do lucro”, está constitui à noção clássica da teoria. 177

O Contratualismo moderno não vê o interesso apenas em torno única e

exclusivamente do grupo de sócios. De acordo com Calixto Salomão Filho:

O interesse social é predefinido: sobre ele os órgãos sociais não têm qualquer influência (o que não corria na definição clássica pura, onde; ainda que formalmente identificado à maximização de lucros; o fulcro da definição do interesse era sua identificação com o interesse do grupo de sócios atuais, qualquer que fosse).

Do ponto de vista prático, o efeito óbvio é o estímulo à busca desenfreada de aumento do valor de venda das ações por todos os agentes do mercado.178

No contratualismo os sócios se unem para um fim comum, contudo os

sócios se obrigam apenas com os interesses um dos outros e não com os da

sociedade a sua volta.179

A teoria institucionalista nasceu na Alemanha após a Segunda Guerra

Mundial, sendo vista como uma forma de desenvolver a sociedade que se

encontrava destruída no pós - guerra. Está postulava o reconhecimento de

diversas classes de interesses que iam além dos sócios, ou seja, devia-se

reconhecer o interesse, também, dos trabalhadores e da coletividade. A soma

destes interesses se “traduz no interesse à preservação da empresa”.180

Após um período no qual o institucionalismo era mais publicista, ou

seja, buscava-se a preservação da personalidade jurídica da sociedade, veio

um institucionalismo mais organizativo, onde o interesse dos sócios não

prevalecia sobre o interesse social. O interesse social busca a manutenção da

empresa e são discutidas formas para alcançar e garantir este objetivo.181

De acordo com Calixto Salomão Filho:

Ao contrário da concepção contratualista, no institucionalismo o conflito de interesses, ainda que existente na prática, não é requisito teórico para a explicação do funcionamento social. Com isso quer-se

177 Ibidem, p. 26-28.178 Ibidem, p.30.179 Ibidem, p.36.180 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.33 e 34.181 Ibidem, p.35.

Page 66: Trab. de Conclusão

dizer que a diferença entre um sistema integracionista (como é o institucionalismo), que pressupõe a colaboração na persecução de um interesse social predeterminado, e um sistema autônomo (como o contratualismo), que pressupõe a existência de contraposição interna de interesses, está na limitação do objeto do conflito. O que a primeira concepção fez foi limitar o objeto do conflito às questões de rentabilidade e às questões organizativas, ambas paramentradas pelo interesse à preservação da empresa.182

Na teoria institucionalista é possível visualizar os interesses

efetivamente contrapostos, pois de um lado temos os conflitos de interesse dos

sócios conjuntamente com os interesses dos órgãos sociais.183

No sistema societário brasileiro visualizamos no artigo 981 do Código

Civil que sociedade é um contrato plurilateral, onde as partes se obrigam entre

si para alcançar um fim comum, nesta definição encontramos todos os traços

da teoria contratualista, uma vez que este não vislumbra os interesses dos

órgãos sociais. De forma geral parte da doutrina encontra nas disposições

legais a teoria contratualista da sociedade.184

Há vestígios da teoria institucionalista na Lei 6.404/76 em seu artigo

116 o qual prevê que o acionista controlador deverá realizar o objetivo a e

função social da empresa, está faz com que as outras regras do ordenamento

devem ser revistas pela perspectiva institucionalista.185

Hoje há uma junção das teorias contratualista e institucionalista, pois

não há como pensar só nos interesses dos sócios, como na contratualista, e

nem tampouco ficar só na preservação da empresa. “Deve isso sim ser

relacionado à criação de uma organização capaz de estruturar de forma mais

eficiente as relações jurídicas que envolvem a sociedade”.186

Devido esta mistura da teoria contratualista e da institucionalista o

entendimento do que é a empresa teve que passar por uma reforma, pois como

profere Fábio Konder Comparato em “A reforma da empresa”187:

182 SALOMÃO FILHO, loc cit.183 SALOMÃO FILHO, loc cit.184 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.36.185 Ibidem, p.38.186 Ibidem, p.42.187 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 50, p. 57-74, 1983, p. 57.

Page 67: Trab. de Conclusão

Se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva como elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa.

O maior questionamento dessa mistura de teorias é se levarmos a

sério que a empresa deve cumprir sua função social como ficaria o lucro?

Como compatibilizar o objetivo da empresa que é o lucro e sua função social?

Comparato188 entende que:

O lucro da gestão empresarial é o saldo positivo de um balanço geral de ingresso e dispêndios... toda a empresa, mesmo não lucrativa, deve trabalhar em regime de economicidade, comportando um equilíbrio estrutural entre ingressos e dispêndios.

Mas a Constituição Federal não prevê nos princípios do art. 170 a

lucratividade empresarial, não sendo o lucro um objetivo obrigatório. O lucro é

apenas um objetivo lícito, não há sua inclusão na esfera social, nos interesses

da coletividade.189 Sendo assim uma empresa que tem sua atividade focada no

interesse social não pode centrar-se no lucro, desta forma quando a empresa

entra em estado de crise a solução jurídica não pode apenas levar em

consideração o interesse dos credores, pois deve reconhecer o interesse da

coletividade na preservação da instituição.190

Uma das reformas pela qual a empresa se submeteu foi separação da

figura do empresário da empresa, pois não é justo a empresa sofrer a punição

pelos atos faltosos do empresário, ou seja, devendo ser “a preservação da

empresa como centro autônomo de interesses, sem prejuízo da punição e do

afastamento do empresário faltoso191”.

Alberto Asquine192 visualizou a empresa através de diversos perfis,

sendo eles:

188 Ibidem, p. 62.189 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 50, p. 57-74, 1983, p. 62.190 Ibidem, p. 65.191 Ibidem, p. 66.192 ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 104, p. 109-126, out.-dez. 1996. Traduzido por Fábio Konder Comparato do artigo “Profili dell’impresa”, publicado em 1943, na Rivista del Diritto Commerciale, v. 41, I, p. 123.

Page 68: Trab. de Conclusão

Perfil subjetivo: A empresa como empresário... A organização econômica da empresa pelo seu vértice, usando a palavra em sentido subjetivo como sinônimo de empresário.

Não é, portanto, empresário, quem exerce uma atividade econômica às custas de terceiros. Não é, tampouco, empresário, quem presta um trabalho autônomo de caráter exclusivamente pessoal, seja de caráter material, seja de caráter intelectual. Não é ainda empresário quem exerce uma simples profissão (o guia, o mediador, o carregador etc.) nem de regra, quem exerce uma profissão intelectual (a advogado, o médico, o engenheiro etc.) a menos que o exercício da profissão intelectual “dê lugar a uma atividade especial, organizada sob forma de empresa”.

Perfil funcional...vista funcional ou dinâmica, a empresa aparece como aquela força em movimento que é a atividade empresarial dirigida para um determinado escopo produtivo.

...a empresa em sentido funcional “é a atividade profissional organizada do empresário”.

Perfil patrimonial e objetivo: a empresa como patrimônio “aziendal” e como estabelecimento...o fenômeno econômico da empresa, projetado sobre o terreno patrimonial, dá lugar a um patrimônio especial distinto, por seu escopo, do restante patrimônio do empresário (exceto se o empresário é pessoa jurídica, constituída para o exercício de uma determinada atividade empresarial, caso em que o patrimônio integral da pessoa jurídica serve àquele escopo).

Perfil corporativo: a empresa como instituição...a empresa é considerada do ponto de vista individualista do empresário, segundo o perfil corporativo, a empresa vem considerada como aquela especial organização de pessoas que é formada pelo empresário e pelos empregados, seus colaboradores. O empresário e seus colaboradores dirigentes, funcionários, operários, não são de fato, simplesmente, uma pluralidade de pessoas ligadas entre si por uma soma de relações individuais de trabalho, com fim individual; mas formam um núcleo social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundem os fins individuais do empresário e dos singulares colaboradores: a obtenção do melhor resultado econômico, na produção.

Assim como Comparato, Asquine também identifica a empresa como

instituição. Pois ele entende que de todos os perfis analisados, o perfil

corporativo da empresa é o exemplo típico de instituição, pois nesta a empresa

é uma organização de pessoas, onde se compreende o empresário e seus

colaboradores, sendo identificado um fim comum, ou seja, “a conquista de um

resultado produtivo, socialmente útil, que supera os fins individuais do

empresário (intermediação lucro) e dos empregados (salário).193”

193 ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 104, p. 109-126, out.-dez. 1996. Traduzido por Fábio Konder Comparato do artigo “Profili dell’impresa”, publicado em 1943, na Rivista del Diritto Commerciale, v. 41, I.Diritto Commerciale, v. 41, I, p. 124.

Page 69: Trab. de Conclusão

Hoje é inviável a empresa pensar apenas no lucro, pois está não tem

como fugir dos interesses que a circundam, devendo, como foi visto, dar

atenção a função social da empresa e buscar, quando está for benéfica a

sociedade, sua preservação.

2 REPERCUÇÃO DA LEI 11.101/2005 E DIRETRIZES NO

PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA

EMPRESA EM CRISE

Quando a lei 11.101/05 entrou em vigor está não revogou de imediato

o Decreto – lei 7.661/45, pois a passagem de um sistema para outro é delicada

e há situações que merecem um tratamento diferenciado. Assim como há

mudanças significativas que devem ser analisadas com mais tenacidade.194

O período para cumprimento da recuperação judicial, a exemplo do que

ocorria na concordata, é de dois anos, onde identificamos duas fases, a

primeira é de negociação do plano e a segunda refere-se à execução e

cumprimento da recuperação judicial da empresa em crise. Mas o plano pode

prever o cumprimento das obrigações em período superiores há estes dois

anos. Sendo que nos primeiros dois anos de execução do plano o devedor

ficará sobre a fiscalização do Poder judiciário, dos credores, através da

assembléia geral, do comitê de credores e do administrador judicial, ficando a

cargo do comitê de credores informarem o juiz, através de relatórios mensais, o

bom andamento do plano, denunciar ocasionais irregularidades, apurar e emitir

pareceres sobre as reclamações dos interessados. O administrador judicial,

além de fiscalizar o andamento do plano, pode requerer, em caso de

descumprimento do mesmo, a falência do devedor.195

Após o período de dois anos o processo de recuperação judicial é

encerrado por sentença, mas se as obrigações previstas no plano são

superiores a este período, o devedor deverá seguir cumprindo-o, caso este

194 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação judicial de empresas, 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 36.195 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 302.

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venha a descumprir-lo o juiz só poderá decretar a falência quando os credores

informarem o descumprimento, caso contrário não haverá a convolação da

recuperação em falência.196

Enquanto que na concordata preventiva o cumprimento desta não

poderia ser superior ao período de dois anos, devendo o período ser contado a

partir da data do ingresso do pedido da concordata em juízo.197

A Lei 11.101/2005 inovou em seu artigo 50 ampliando os meios de

recuperação judicial, o qual traz hipóteses exemplificativas e não taxativas

como ocorria no Decreto – lei 7.661/45, onde os meios que a concordata podia

adotar eram apenas os descritos no referido decreto.

A concordata possuía o intuito de solucionar as crises de iliquidez

temporária, sendo disponibilizada a empresa em crise a dilação do prazo para

pagamento, remissão parcial do valor dos créditos quirografários ou combinar

as duas opções, ou seja, dilatar o prazo e remir com parte dos créditos, sendo

estes os únicos meios disponibilizados para a realização da concordata.198

Já no artigo 50 da Lei 11.101/2005 encontramos como meios para a

recuperação judicial:

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;III – alteração do controle societário;IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;VI – aumento de capital social;VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;

196 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 303.197 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 2º Vol. 16º edição. São Paulo, 1995, p. 126-128. 198 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 232.

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VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;X – constituição de sociedade de credores;XI – venda parcial dos bens;XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;XIII – usufruto da empresa;XIV – administração compartilhada;XV – emissão de valores mobiliários;XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.§ 1o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.§ 2o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.

No inciso I do artigo 50, identificamos que a dilação do prazo é

parecida com a existente na antiga concordata dilatória, com a diferença que a

dilação referida no inciso I do artigo 50 não atinge os créditos posteriores a

concessão do beneficio da recuperação. Quando o inciso fala em condições

especiais, este pode ser considerado como a remissão de parte da divida, bem

como a redução dos juros anteriormente cobrados.199 Este inciso é o único

meio o qual guarda alguma semelhança com o Decreto – lei 7.661/45.

O inciso II do art. refere a mecanismo de recuperação a reorganização

societária da empresa, devendo está seguir o disposto no Código Civil, ou da

Lei nº 6.404/1976 que dispõe sobre as sociedades anônimas. A transformação,

fusão, incorporação e cisão – incorporação, ainda que não esteja mencionada

no inciso – recai tanto sobre as relações internas quanto externas da

sociedade. A transformação é quando se modifica a estrutura societária, ou

seja, quando a organização da sociedade muda de forma. A fusão ocorre

quando há a soma dois ou mais patrimônios societários, ou seja, a criação de

uma nova pessoa jurídica, desparecendo as anteriores. A cisão “é a divisão

patrimonial com versão da(s) parcela(s) cindida(s) em nova(s) sociedade(s) e o

199 MELLO FRANCO Vera Helena de e SZTAJN Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 237.

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desaparecimento da anterior200”. Das alternativas mencionadas, apenas a

transformação terá deliberação exclusiva dos sócios ou acionistas, pois as

demais dependem da deliberação dos membros da outra sociedade que

deverão demonstrar seu interesse, sendo interessante evidenciar quando da

demonstração aos credores e magistrado a manifestação dos sócios da outra

sociedade que venham a fazer parte da operação.201

O inciso III refere-se à troca do controlador, sendo o controle “a forma

de poder que leva tanto a formulação de políticas e estratégias administrativas

quanto a condução dos negócios sociais.202”. Há dentro da sociedade o

controle interno, o qual é praticado pelos sócios ou acionistas através das

assembléias – gerais ou reuniões de sócios, e o controle externo o qual resulta

de acordos entre a sociedade e terceiros, tendo estes poder veto em relação

há algumas matérias. De acordo com Rachel Sztajn203: “Presume-se que a

intenção é de, mediante cessão de controle, facilitar mudanças na formulação

das diretrizes administrativas”.

Já o inciso IV prevê a modificação dos administradores ou dos órgãos

da administração. A questão que este inciso suscita é se a modificação dos

administradores é uma avaliação da aptidão ou capacidade deste de

administrar a sociedade? Não seria justo imputar ao administrador a

responsabilidade pelo resultado, a não ser que este agisse com culpa ou dolo.

Deste inciso surgem diversos questionamentos sobre sua utilização, devendo

desta forma ter cuidado ao aplicá-lo.204

O inciso VI quando considera o aumento do capital um dos meios de

recuperação deveria indicar que este pode ser feito pelo aporte de recursos

pelos próprios sócios da empresa em crise, por novos investidores, como pela

conversão de dívida em capital. Outra possibilidade é a conferência de bens,

200 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 232.201 Ibidem, p. 233-234.202 Ibidem, p. 235.203 Ibidem, p. 237.204 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 238.

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devendo está transferência de bem ser útil e necessária ao desenvolvimento da

atividade.205

É permitido como meio de recuperação no inciso VII o trespasse ou

arrendamento de estabelecimento, os quais devem atender o disposto nos

artigos 1.142 a 1.149 do Código Civil. Sendo que o plano de recuperação que

prevê estes meios de recuperação deverá ter a aprovação de todos os

credores ou a inexistência de oposição destes para ser eficaz. Conforme

Rachel Stanj206:

As obrigações a ele (estabelecimentos) vinculadas são transmitidas juntamente com os ativos que o compõem, pelo que ficariam excluídas, por força das normas especiais, as obrigações tributárias e as trabalhistas, além do limite da Lei 11.101/2005.

O inciso X inova permitindo que os credores constituam uma

sociedade. Quando da escolha do tipo societário dificilmente se optaria pela

sociedade ilimitada, sobrando duas alternativas, as quais seriam a sociedade

limitada e anônima. Independente de quais das alternativas, entende Rachel

Stanj207:

O capital seria integralizado com os créditos contra o devedor e, portanto, os credores subscritores seriam solidariamente responsáveis pela solvência do devedor. Surrealista imaginar que alguém, cujo crédito já é de liquidação duvidosa, aceite esse novo risco, sem alguma garantia; essa garantia pode estar na obrigatoriedade de a sociedade em crise fazer dação em pagamento de alguns bens que permitam operar a nova sociedade, ou que se siga à matrícula o trespasse de estabelecimento ou, após aprovar a cisão da sociedade, a versão da parcela cindida naquela organizada pelos credores. Em qualquer hipótese é preciso que a nova sociedade possa operar, exercer atividade e buscar lucros.

Em relação à venda parcial dos bens da sociedade, constante do inciso

XI, estes precisam ser qualificados, devendo-se ter em mente que os bens que

são necessários a manutenção da atividade não podem ser alienados.208

O inciso XII sofreu forte crítica da doutrina, devida a incoerência “entre

o aumento de risco e a eventual ‘equalização’, que pode significar diminuição

205 Ibidem, p. 239.206 Ibidem, p. 240.207 Ibidem, p. 242.208 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 243.

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dos encargos financeiros em razão inversamente proporcional ao seu preço,

representado pelos juros cobrados209”. Sem falar que o inciso não institui o

critério para estabelecer as taxas de juros a ser cobrada quando da

equalização do percentual aplicável as obrigações.210

O inciso XIII traz algumas dúvidas, pois a empresa como atividade não

é objeto de direito, podendo, assim, o usufruto recair apenas sobre o

estabelecimento. Contudo quando analisamos o artigo 140 da Lei 11.101/2005

identificamos a confusão do termo empresa com o conjunto de bens

necessários e utilizados para seu exercício, o que justificaria o respectivo

inciso.211

Mas alguns doutrinadores entendem que o usufruto mencionado no

inciso se assemelha ao direito à anticrese, isto é, “o credor tem direito de

administrar a empresa e fruir dos resultados produzidos212”.

A emissão de valores mobiliários, o qual o inciso XV refere, só pode ser

aplicada por sociedades anônimas, uma vez que apenas estas podem emitir

este tipo de documento. A emissão de valores mobiliários constitui:

a) emitir novas ações para aumento de capital (inc. VI); b) emitir títulos de dívida ou debêntures, conversíveis, ou simples; c) emitir opções para a compra e ações o que implica previsão de aumento de capital.

...

Ocorre que, em mercados eficientes o preço dos valores mobiliários reflete imediatamente, as contingências enfrentadas pela sociedade, razão pela qual o preço de emissão das ações deverá ser baixo.213

O último inciso refere-se à constituição de sociedade de propósito

especifico “para adjudicar os ativos do devedor em pagamento dos créditos214”.

209 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 241210 MELLO FRANCO, loc cit.211 Ibidem, p. 242.212 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 244.213 Ibidem, p. 245.214 ? MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 242.

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Como o artigo 50 é exemplificativo podem-se criar outros meios ou

ainda utilizar mais de uma das hipóteses sugeridos no artigo, uma vez que

neste encontramos diversos instrumentos, como, financeiros, administrativos e

jurídicos para restabelecer a empresa em crise.215

Como já visto, os credores que se submetiam aos efeitos da

concordata era apenas os credores quirografários, não podendo estes superar,

em valor, metade do ativo da empresa. Como a concordata era um favor legal,

tendo como pressuposto apenas os problemas de liquidez da empresa que o

requeria, não interessava se esta poderia adimplir com todas as obrigações

assumidas. Por este motivo é que os efeitos recaiam apenas sobre os créditos

sem garantia real, sendo o suficiente a dilação no prazo de pagamento, ou a

remissão parcial das dívidas, ou a conjunção das duas, pois os créditos com

garantia real seriam cobrados mediante execução própria. As obrigações

fiscais e trabalhistas ficavam fora do quadro geral da concordata, dada as

prioridades que a legislação dava a estas.216

O artigo 49 da Lei 11.101/2005 sujeita aos efeitos da recuperação

judicial todas as obrigações existentes a época do pedido de recuperação, não

interessando sua natureza, nem se há garantia ou não. A inclusão de todas as

obrigações vencidas e vincendas aos efeitos da recuperação se deve ao

objetivo da lei que é a preservação da empresa e da atividade, buscando dessa

forma a disposta entre credores de diferentes classes.217

A desoneração de qualquer ônus e obrigações quando da alienação

de filiais ou unidades produtivas da empresa em crise no processo de

recuperação é uma das mais importantes inovações da Lei 11.101/2005. Pois

como Eduardo Secchi Munhoz218 ressalta:

A sucessão das obrigações trabalhistas e, sobretudo, das tributárias, no sistema anterior, inviabilizava a manutenção da unidade produtiva (da empresa) viável nas mãos de terceiro, em detrimento do interesse

215 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.134.216 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 228.217 SECCHI MUNHOZ, loc cit.218 Ibidem, p. 297.

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dos trabalhadores e credores (inclusive do próprio fisco) do devedor anterior.

No regime do Decreto – lei 7.661/45 o legislador não diferenciava a

empresa da figura do empresário, acabando por penitenciar a empresa pelas

obrigações não adimplidas pelo empresário. Com o fim da sucessão tributária e

trabalhista nas alienações efetivadas dentro do processo de recuperação

judicial permite que a empresa seja transferida para um novo empresário,

“obtendo-se dessa forma recursos que podem ser utilizados para o pagamento

das obrigações do devedor, inclusive as trabalhistas e tributárias219”. O artigo

60 da Lei 11.101/2005 é o reconhecimento pelo ordenamento jurídico brasileiro

da distinção entre empresa e a figura do empresário; devendo as obrigações

do empresário adquiridas por ele ao longo da sua atividade empresarial

permanecer sob sua responsabilidade, não comprometendo, assim, a

continuidade da empresa sob o comando de terceiro.

A alienação deve constar do plano de recuperação apresentado aos

credores e juiz, bem como deve respeitar os artigos 141 e 142 da Lei. Assim

como a sucessão dos ônus será aplicada quando o arrematante for:

(i) sócio do devedor ou sociedade por ele controlada; (ii) parente, em linha reta ou colateral até o 4º grau, consangüíneo ou afim, do devedor ou de sócio do devedor; (iii) identificado como agente do devedor com o objetivo de fraudar a lei (art. 141, § 1º).220

As modalidades para efetuar a alienação, a qual deverá ser judicial,

são: leilão, por lances orais; propostas fechadas e pregão.221 Sendo a

alienação por hasta pública obrigatória, pois este visa evitar a venda direta a

terceiros estabelecido no plano de recuperação, dando assim mais segurança

aos credores de que a venda não consiste em uma fraude.222

O artigo 198 da Lei 11.101/2005 manteve as proibições existentes no

Decreto – lei 7.661/45, ou seja, os devedores que não podiam requerer a

concordata ficaram impedidos de requerer a recuperação judicial. Os

219 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 297-298.220 SECCHI MUNHOZ, loc cit.221 SECCHI MUNHOZ, loc cit.222 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p.60.

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impedimentos referentes à natureza da atividade são pertinentes aos

empresários223:

(i) instituições financeiras (art. 45, § único, da Lei 4.595/1964) e entidades legalmente equiparadas; (ii) empresas integrantes do sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários no mercado de capitais (art. 53 d Lei 6.024/1974); (iii) sociedades seguradoras (art. 26 do Dec. – lei 73/1966); (iv) empresas de capitalização (art. 4º do Dec. – lei 261/1967); (v) operadoras de planos privados de assistência à saúde (art. 23 da Lei 9.656/1998); (vi) entidades fechadas de previdência complementar (art. 47 da LC 109/2001); e (vii) entidades abertas de previdência complementar (art. 77 do Dec. 81.402/1978).

Antes da entrada em vigor da Lei 11.101/2005 as empresas

exploradoras de serviços aéreos de qualquer natureza ou espécie aeronáutica

eram proibidas de requerer a concordata, mas a nova Lei dispôs em contrario,

permitindo, dessa forma, que empresas desta natureza ingressem com o

pedido de recuperação judicial.224 Está modificação está disposto no artigo 199

da nova lei, tendo sido os parágrafos adicionados quando da promulgação da

Lei 11.196, de 21 de novembro de 2005, os quais não tratam de matéria

transitória, mas sim dos contratos de locação, arrendamento mercantil ou

outros similares de aeronaves ou de suas partes, as quais deverão ser

cumpridas de acordo com as suas cláusulas. Fábio Ulho Coelha225 dá como

exemplo:

Se uma dessas cláusulas possibilitar ao arrendador rescindir o arrendamento e exigir a devolução da aeronave, em caso de falência ou recuperação judicial da empresa de aviação arrendatária, o exercício deste direito não ficará suspenso em hipótese nenhuma. Por outro lado, se o contrato estabelecer o contrário, o exercício do direito da arrendatária em recuperação ou da massa falida de continuar arrendando a aeronave também não poderá ser suspenso.

Estes foram mais algumas das mudanças trazidas pela Lei

11.101/2005 que devem ser analisadas com cuidado, pois podem trazer muitos

benefícios as empresas em crise.

2.1 Institutos

223 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 640.224 ADAMEK, Marcelo Vieira von, loc cit.225 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p.479.

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Como já foi visto a Lei 11.101/05 busca preservar não apenas o credor,

mas, também, os demais interessados envolvidos na constituição da empresa

em crise, como os investidores, trabalhadores, consumidores, comunidade

local, enfim, a coletividade em geral, devendo-se buscar a recuperação judicial

sempre que está se demonstrar mais benéfica a sociedade.226 Como Eduardo

Secchi Munhoz ressalta227:

Em princípio, poder-se-ia imaginar que tal solução estaria em conflito com o interesse dos credores. Essa observação, porém, não corresponde à realidade, na maior parte das vezes, pois os credores também podem ser beneficiados pela recuperação; isso sempre ocorrerá quando a continuidade da empresa aumentar a probabilidade de recuperação de créditos e o valor respectivo em comparação com o que se obteria no processo de liquidação. “Considere-se, ainda, a possibilidade de o credor continuar a fazer negócios com a empresa recuperada”.

A busca da preservação da empresa, reconhecendo, assim, os

interesses não só dos credores como, também, os da coletividade em geral,

denota a discussão se a nova Lei proporcionou ao juiz mais poder de decisão.

Pois, como já foi visto, o art. 47 da Lei 11.101/05 dá a possibilidade ao juiz,

caso o plano de recuperação não seja aprovado pela assembléia geral de

credores, aprovar o plano uma vez que seja reconhecida a função social da

empresa.

O dispositivo referido tem divergido a doutrina quanto a sua

interpretação, pois alguns acreditam que este não dá ao juiz a faculdade de

aceitar ou não a recuperação judicial. Pois uma vez preenchidos os requisitos

da lei e aprovado o plano de recuperação pela assembléia geral de credores o

juiz não tem nada a fazer a não ser conceder o benefício. 228

Para Eduardo Secchi Munhoz229 o juiz apenas homologa a vontade dos

credores; o juiz procede apenas verificação dos aspectos formais da atuação

da assembléia de credores, de acordo com o doutrinador:

226 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v.10, n. 36. p. 189, abr./jun.2007.227 MUNHOZ, loc cit.228 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v.10, n. 36. p. 189, abr./jun.2007.229 MUNHOZ, loc cit.

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Não há, portanto, como estabelecer qualquer espécie de conflito entre a deliberação da assembléia de credores e o juiz, ainda que, na opinião deste, o plano aceito seja ruim. O juiz não examina o conteúdo do plano aceito; assim como não examina o conteúdo dos acordos que ele homologa freqüentemente no processo.

Mas há alguns doutrinadores que defendem que o juiz tem poder de

decisão, podendo aprovar o plano quando este for recusado pela assembléia,

desde que respeitado os fundamentos e objetivos do artigo 47 da Lei

11.101/2005, assim como pode indeferir a recuperação se entender que os

mesmos fundamentos e objetivos foram violados.230

Devem-se buscar soluções procedimentais para resolver este dilema,

permitindo assim uma interferência jurisdicional toda vez que o juiz identificar o

desvio dos credores dos objetivos determinados no artigo 47, já que este é

uma cláusula e necessita de interpretação por parte do juiz. Ao juiz cabe o

“papel de presidente do processo de negociação e de arbitro dos eventuais

desvios de rota que possam comprometer o atendimento dos objetivos

definidos pelo legislador231”.

O juiz deve buscar instrumentos que possibilitem que este interfira na

vontade dos credores e devedor, para que assim possa garantir a função

pública da respectiva lei. Um desses instrumentos poderia ser a teoria do

conflito de interesses, pois esta teoria que é pedra angular no direito societário

poderia ser adaptada para o instituto da recuperação judicial.232

Quando da transposição da teoria do conflito para a recuperação

judicial devemos afastar a figura do conflito formal, o qual decorre da proibição

do direito de voto, isto porque todo devedor encontra-se em conflito formal com

os credores, estes devem proferir seu voto na assembléia geral de credores

para que a recuperação judicial se realize. Pois o credor vota com o intuito de

satisfazer o seu crédito perante o devedor.233

230 MUNHOZ, loc cit.231 MUNHOZ, loc cit.232 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v.10, n. 36. p. 191, abr./jun.2007.233 MUNHOZ, loc cit.

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Já o conflito material poderia dar-se em função do interesse da

coletividade de credores, o que não se confundiria com a preservação da

empresa, mas sim com “otimização da satisfação dos seus respectivos

créditos234”. Dessa forma o voto do credor na assembléia geral de credores se

tornaria um dever - poder235, não podendo o credor votar pensando apenas

nele, mas também levando em consideração o interesse de todos os credores.

Podendo o juiz, caso identificasse o desvio do interesse da coletividade por

parte de algum credor, anular seu voto. Conforme Eduardo Secchi Munhoz236:

A transposição da teoria do conflito do direito societário para o direito falimentar implicaria, portanto, sérias modificações e limitações, ficando sua utilidade restrita às hipóteses em que o credor votasse na recuperação judicial não em vista do seu interesse na satisfação do crédito, mas em prol de um eventual interesse em relação ao devedor.

A lei não utilizou a teoria ao disciplinar a assembléia geral de credores,

mas este não impede que se faça uso deste através da interpretação

sistemática e teleológica do texto legal, sempre com as devidas adaptações,

tornando-se, assim, em um instrumento de intervenção por parte do juiz na

aprovação ou não do plano de recuperação judicial.237

O entendimento de Rita de Cássia Espolador238 sobre o poder de

decidir do juiz é:

Com efeito, o magistrado será, na condição de representante do

Poder Judiciário, a alavanca na interpretação e no conhecimento

prático da legislação, saindo da mera passividade, fruto da obsoleta

legislação revogada de 1945, e ainda do sistema do Código

napoleônico de 1807, aliado ao excesso de processualismo,

movimentando-se para o campo ativo de um procedimento concursal

destinado à solução dos conflitos, e não propriamente à criação de

incidentes.

234 MUNHOZ, loc cit.235 MUNHOZ, loc cit.236 MUNHOZ, loc cit.237 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v.10, n. 36. p. 191, abr./jun.2007.238 ESPOLADOR, Rita de Cássia Resquetti Tarifa. Direito empresarial e trabalhista, São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009, p. 80

Page 81: Trab. de Conclusão

Apesar da liberdade dada ao judiciário nas decisões dos pedidos de

recuperação judicial, este não poderá se afastar dos princípios norteadores da

Lei 11.101/2005, buscando sempre a redução dos conflitos entre credores e

devedor.239

Essa possibilidade oportunizada ao juiz, de ter maior discricionariedade

em relação ao deferimento ou não da recuperação judicial exigirá que os

magistrados busquem a renovação de seus conhecimentos, “entenda os

mecanismos de mercado, transmita segurança e se dedique integralmente à

recuperação, enquanto os tribunais, com agilidade e eficiência, processam e

julgam os recursos240”.

Quando se fala no poder de decidir do juiz não se pode esquecer que

este não leva em consideração apenas as normas e o preenchimento destas

quando toma a decisão final, até porque, como foi visto, alguns doutrinadores

acreditam que a Lei 11.101/2005 garantiu ao juiz a chance de poder intervir no

deferimento ou não da recuperação judicial. Mas para que possa ocorrer está

intervenção é necessário, conforme o artigo 47 da lei que o juiz identifique a

função social da empresa, sendo este subjetivo, o que chamam de cláusula

geral.

A cláusula geral evita o engessamento da norma, faz com que o

significado do artigo esteja de acordo com os acontecimentos de cada época,

mas a questão é: até onde a cláusula aberta interfere na segurança jurídica?

Pois será o juiz quem irá definir o que é função social e qual a empresa que a

possuí.

Para Luciano Felix do Amaral e Silva241:

A atuação do juiz na aplicação das cláusulas gerais sempre encontrará sua origem na lei e estará sempre condicionada a um juízo marcado pela razoabilidade.

239 Ibidem, p. 81-83.240 ESPOLADOR, loc cit.241 SILVA, Luciano Felix do Amaral. Princípios norteadores da intervenção judicial no contrato normas abertas versus segurança jurídica. Revista de Direito Privado, São Paulo, v.10, n. 37. p. 132, jan./mar.2009.

Page 82: Trab. de Conclusão

Os ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery242

não são diferentes, como se pode ver:

Princípios gerais de direito são regras que norteiam o juiz na

interpretação da relação jurídica discutida em juízo. Os conceitos

legais indeterminados e as cláusulas gerais são enunciações

abstratas feitas pela lei, que exigem valoração para que o juiz possa

preencher o seu conteúdo. Preenchido o conteúdo valorativo por obra

do juiz, este decidirá de acordo com a conseqüência previamente

estabelecida pela lei (conceito legal indeterminado) ou construirá a

solução que lhe parecer a mais adequada para o caso concreto

(cláusula geral).

A aplicação de valores e princípios, como a função social da empresa

encontrada nas cláusulas gerais não são antagônicas ao objetivo da

recuperação judicial, tanto que em certas situações tais valores e princípios

devem prevalecer, sem, contudo, aniquilar os demais.243

As cláusulas abertas podem gerar insegurança jurídica, pois

outorgariam ao juiz um enorme poder de decisão, o que poderia se traduzir em

juízes arbitrários, mas está não encontra amparo nas decisões emanadas pelo

judiciário, alias as decisões encontradas são até tímidas “diante do poder de

integração proporcionado pelas cláusulas gerais244”. Neste sentido:

É importante ressaltar que atuação do juiz no preenchimento das cláusulas gerais (e das normas de tipo aberto em geral) e no cumprimento das suas diretrizes só será legítima nos limites da legalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica.245

O juiz deve respeitar os princípios fundamentais que estão presentes

na Constituição Federal do país, pois a Constituição “é o ato do poder

constituinte originário, sendo a fonte inicial de todo o ordenamento jurídico

pátrio246”. Não havendo como as normas ou o judiciário fugir de sua

supremacia.

242 SILVA, loc cit.243 SILVA, Luciano Felix do Amaral. Princípios norteadores da intervenção judicial no contrato normas abertas versus segurança jurídica. Revista de Direito Privado, São Paulo, v.10, n. 37. p. 132, jan./mar.2009.244 SILVA, loc cit.245 SILVA, loc cit.246 BORGES NETO, André. A supremacia hierárquica das normas constitucionais. Ciência e Direito: Revista Jurídica da FIC-UNAES, Campo Grande, v.1, n. 1. p. 27, maio/out. 1998.

Page 83: Trab. de Conclusão

A aplicação e garantia dos princípios e regras constitucionais trazem

aos indivíduos certeza e segurança jurídica de que o Estado está agindo de

acordo com o preconizado pela lei maior.

Para André Borges Neto247:

Constituição, portanto, vista como um documento jurídico que abriga no seu seio as normas supremas da comunidade, por ser documento jurídico que contém normas superiores às demais, que submetem governantes e governados ao seu império, servindo de limite jurídico ao Poder, vem a ser, na definição abrangente de Dalmo de Abreu Dallari, “a declaração da vontade política de um povo, feita de modo solene por meio de uma lei que é superior a todas as outras e que, visando a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana, estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indivíduos, dos grupos sociais, do povo e governo”.

Devendo desta forma tanto juízes quanto legislador, ao proferir a lei

verificar se esta encontra-se de acordo com a carta magna, não sendo

prejudiciais à segurança jurídica as cláusulas gerais e nem o maior poder de

decisão dado juiz através destas, pois estas vêm beneficiar a coletividade em

geral.

Conforme Rachel Sztajn248:

As boas intenções do legislador requerem, contudo, que se tenha presente aspectos econômicos que ficam subjacentes às normas legais, que se respeite o critério da eficiência e que o aplicador da Lei não se deixe levar por motivações ideológicas assistencialistas em que a preservação de atividades inviáveis seja deferida para atender a alguns interesses de certa parcela da sociedade (civil).

2.2 Análise das Manifestações do Judiciário

Demonstrou-se, no decorrer do presente trabalho, que o Decreto – lei

7.661/45 estava obsoleto. O instituto da falência clamava por renovações, as

quais vieram através da promulgação da Lei 11.101/2005, que trouxe um

instituto novo, o da recuperação judicial, tendo o legislador, através deste

atendido ao mandamento constitucional da função social da empresa,

propiciando desta forma, mecanismos que retire a empresa da crise.

247 BORGES NETO, loc cit.248 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 222.

Page 84: Trab. de Conclusão

Apesar de a Lei ser voltada à recuperação da empresa, encontramos

nela alguns pontos antagônicos, dispositivos dispares à realização dos

objetivos mencionados. Um destes dispositivos é do artigo 57, o qual prevê que

o devedor deve apresentar certidões de quitação de tributos para que a

recuperação judicial seja conferida. A concessão do benefício é condicionada a

este artigo e não sendo atendida provoca o indeferimento da recuperação

judicial, ou seja, a prova de regularidade fiscal acaba com os objetivos da lei,

pois boa parte, se não todas, as empresas que se encontram em crise devem

tributos, tornando para a maioria das empresas inviável requerer a recuperação

judicial sob esta condição.

Para tanto alguns juízes devem conceder a recuperação judicial

mesmo sem apresentação das certidões negativas de débitos tributários. Uma

das primeiras decisões neste sentido foi proferida pelo juiz Luiz Henrique

Miranda, da 1º Vara Cível da comarca de Ponta Grossa, no estado do Paraná,

nos autos do processo nº 390/2005. O juiz manifestou-se em sentença desta

forma249:

Como é sabido, o instituto da recuperação judicial foi inspirado no princípio constitucional da função social da empresa, que por sua vez, se coliga com o princípio da dignidade da pessoa humana. (...)

Nessa ordem de idéias, o instituto da recuperação judicial se apresenta como um mecanismo voltado à preservação de uma empresa que atende a uma função social e que, por circunstâncias acidentais, entra em crise econômico-financeira, mas que, apesar disso, se mostra viável dependendo apenas de ajustes na sua rotina administrativa e de algumas concessões por parte dos credores para se reerguer e voltar a operar de forma saudável para o mercado. (...)

Na realidade, a subordinação do deferimento da recuperação judicial à apresentação de certidões negativas de débitos tributários colide com os princípios constitucionais antes mencionados na medida em que inviabiliza a salvação da empresa, entendimento do qual não discrepa a doutrina. (...)

Enfim, a exigência de apresentação de certidões negativas – que, na prática, equivale a impor ao empresário estar em dia com as obrigações fiscais e previdenciárias – inviabiliza a recuperação judicial. Fazendo-o, conflita com o princípio constitucional da função social da empresa e com os outros que a ele se ligam, entre os quais o da dignidade da pessoa humana. (...)

249 CARVALHO DA SILVA, Ronny. Lei de Recuperação de Empresas e sua necessária interpretação principiológica como único meio à consecução de seu objetivo jurídico colimado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7900>. Acesso em 24 de janeiro de 2010.

Page 85: Trab. de Conclusão

Sintetizando, a exigência de apresentação de certidões comprobatórias de inexistência de débitos junto ao fisco e à previdência, feita pelo artigo 57 da Lei 11.101/2005, ofende o princípio constitucional da função social da empresa, malfere o princípio da razoabilidade e agride garantias constitucionais ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa dadas ao contribuinte.

Por tal razão, deve a Autora ser dispensada do cumprimento dessa mesma exigência, e, porque preenchidos os demais requisitos legais, ao que se soma a aprovação unânime dos credores que compareceram à assembléia-geral ao plano de recuperação deve ser deferido o pedido inicial

O juiz buscou, antes de atender o que lei infraconstitucional requer, o

que a constituição e seus princípios ditam. Como Ronny Carvalho da Silva250,

refere em artigo:

Realmente, o princípio tem caráter de norma, contudo é dinâmica, diferentemente da lei, cuja aplicação ao caso concreto, em muitas das vezes resta prejudicada, tendo em vista apresentar-se retrógrada – por não acompanhar a evolução social –, ou protecionista, por ser um afloramento de interesses de setores da sociedade ou do próprio Poder Público, que de diversas maneiras agride constantemente os direitos e garantias fundamentais.

Outro caso que o juiz não exigiu a certidão negativa de débito tributário

para concessão do benefício o foi a da empresa Parmalat, tendo sido a

sentença prolata pelo juiz Alves Lazarini, da 1º Vara de Recuperação Judicial

de São Paulo, tendo ele se baseado nos princípios da própria lei, bem como

nos princípios constitucionais, tendo sido o Ministério Público e o administrador

judicial favoráveis ao deferimento da recuperação judicial sem a apresentação

das certidões negativas tributárias. É o parecer do Ministério Público, elaborado

por seu representante Alberto Camiña Moreira251, nos autos do processo da

Parmalat:

Em relação à exigência do art. 57 da Lei 11.101/05 e artigo 191-A do CTN: a) trata-se de sanção política, profligada pela jurisprudência dos tribunais; b) fere o princípio da proporcionalidade, e, por isso, são insubsistentes; c) o descumprimento não acarreta a falência, conseqüência não desejada pela lei; d) a jurisprudência de nossos tribunais, historicamente, desprezou exigências fiscais de empresas

250 CARVALHO DA SILVA, Ronny. Lei de Recuperação de Empresas e sua necessária interpretação principiológica como único meio à consecução de seu objetivo jurídico colimado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7900>. Acesso em 24 de janeiro de 2010.251 COSTA, Priscyla. Justiça homologa plano de recuperação judcial da Parmalat. Disponível em :<http://www.conjur.com.br/2006-fev-03/justica_homologa_plano_recuperacao_parmalat>. Acesso em 20 de maio de 2010.

Page 86: Trab. de Conclusão

em crise econômica, sem que isso represente proibição de cobrança de tributos pelas vias próprias. (fl. 5793)

Na sentença o juiz que concedeu o pedido de recuperação judicial a

Parmalat, buscou nos ensinamento de Manoel Justino Bezerra Filho apoio

doutrinário para sua decisão de deferir o pedido sem a obrigatoriedade de

juntar as certidões negativas tributárias, sendo este ensinamento252:

Aliás, neste ponto, a Lei não aproveitou o ensinamento que os 60 anos de vigência do Dec.-lei 7.661/45 trouxeram, a partir do exame do art. 174 daquela lei. Este artigo exigia que, para que a concordata fosse julgada cumprida, o devedor apresentasse comprovação de que havia pago todos os impostos, sob pena de falência. Tal disposição, de praticamente impossível cumprimento, redundou na criação jurisprudencial que admitia o pedido de desistência da concordata, embora sem expressa previsão legal. E a jurisprudência assim se firmou,porque exigir o cumprimento daquele art. 174 seria levar a empresa, certamente, à falência. Sem embargo de tudo isto, este art. 57, acoplado ao art. 49, repete o erro de trazer obrigações de impossível cumprimento para sociedades empresárias em crise.

A Varig ao requerer a recuperação judicial também não necessitou

apresentar as certidões negativas tributárias, demonstrando que as decisões

vêm pacificando o entendimento de que este requisito não traz benefícios às

empresas e nem a próprio fisco. O juiz que proferiu a sentença favorável à

Parmalat ainda analisa o ponto econômico, buscando no trabalho de Marcos de

Barros Lisboa, antigo Secretário de Política Econômica do Ministério da

Fazenda a seguinte colocação253:

“O Fisco colabora com a recuperação da empresa mediante o parcelamento dos créditos tributários”, fixando norma determinando “que as Receitas de cada ente federativo criem regras específicas sobre o parcelamento de dívidas tributárias para empresas em recuperação de empresas”, como forma de ajudar a recuperação judicial, já que dela não participa, “estabelecendo uma dilatação dos prazos para pagamento, aliviando as necessidades de fluxo de caixa da empresa e propiciando a regularização de sua situação fiscal”.

Assim sendo, o fisco possui mais possibilidades de receber seu crédito

com a recuperação da empresa do que se essa vier a falir por não ter como

cumprir o requisito do artigo 57 da Lei 11.101/2005.

252 COSTA, Priscyla. Justiça homologa plano de recuperação judcial da Parmalat. Disponível em :<http://www.conjur.com.br/2006-fev-03/justica_homologa_plano_recuperacao_parmalat>. Acesso em 20 de maio de 2010.253 COSTA, loc cit.

Page 87: Trab. de Conclusão

Outra questão de extrema importância que a lei 11.101/2005 traz é a

eliminação da sucessão trabalhista e fiscal quando da alienação de ativos da

empresa, quando esta se encontra em recuperação judicial. As orientações

doutrinárias sobre o assunto são diversas, e no momento ainda não há

manifestações dos tribunais superiores que direcionem as decisões para uma

mesma interpretação, estando esta em formação.

Mas o Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº

61.272 – RJ (2006/0077383-7), referente à recuperação judicial da Varig S/A,

manifesta-se sobre de quem é a competência pra decidir se há ou não

sucessão trabalhista. No presente caso o juiz do trabalho se declarou

competente para dispor do patrimônio da empresa em recuperação judicial,

bem o qual foi arrematado em leilão, onde constava no edital que o

arrematante não responderia pelas obrigações trabalhistas da Varig S/A,

cabendo ao arrematante apenas as obrigações discriminadas no edital do

leilão. De acordo com o relator o Ministro Ari Pargendler254:

Há incompatibilidade prática entre essas decisões, porque uma não pode ser executada sem prejuízo da outra – resultando disso, evidentemente, um conflito de competência; deve prevalecer a decisão do juiz competente.

O Ministro relembrou que o Superior Tribunal de Justiça já havia

passado por situação semelhante, o qual foi decido pela 3ª Turma, tendo sido

ele o relator, da seguinte forma:

COMERCIAL. FALÊNCIA. PRAÇA. Os bens arrecadados pelo síndico da massa falida estão sujeitos à jurisdição do juiz da falência; Revista da Escola Nacional de Magistratura, v. 2, n. 5, abr. 200898 Revista ENM nenhum outro pode designar praça para a alienação dos aludidos bens sem invadir a competência daquele. Caso em que o ato de arrecadação foi registrado no Ofício Imobiliário. Recurso especial conhecido e provido” (DJ, 18/12/2006).255

O Ministro ressalta:

254 AYOUB, Luís Roberto. Recuperação de empresas: uma lei de estímulos e atrativos – reflexões gerais. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/21445/recuperacao_empresas.pdf?sequence=1>. Acesso em 22 de fevereiro de 2010.255 AYOUB, Luís Roberto. Recuperação de empresas: uma lei de estímulos e atrativos – reflexões gerais. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/21445/recuperacao_empresas.pdf?sequence=1>. Acesso em 22 de fevereiro de 2010.

Page 88: Trab. de Conclusão

A situação seria diferente se o juiz do trabalho, antes da ultimação do leilão processado pelo juiz de direito, tivesse suscitado conflito de competência para dispor sobre o respectivo objeto. Nesta altura, há terceiro, beneficiado pelo leilão, com interesses a proteger na jurisdição que lhe assegurou o direito de não responder por obrigações trabalhistas das empresas sujeitas à recuperação judicial.256

Por fim o Ministro declarou competência do Juiz de Direito da 1ª Vara

Empresarial do Rio de Janeiro, antiga 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro,

eliminando desta forma a sucessão trabalhista e fiscal do arrematante,

confirmando “o propósito legal de emprestar atividade ao ativo que, com sua

alienação, emprestara recursos para a tentativa de reorganização da empresa

em dificuldades momentâneas257”.

Sobre a sucessão fiscal o Ministro segue o disposto na Lei

Complementar nº 118, o qual prevê a não sucessão dos créditos fiscais por

parte do comprador da filial da empresa em crise, e ainda complementa258:

É evidente que ninguém estará interessado em adquirir qualquer unidade produtiva quando acompanhada do passivo fiscal. Não haverá mercado nem investidor para tanto. Não se manterão os empregos. Outros não serão criados. Com isso, o país perde porquanto riquezas não serão geradas, trazendo evidentes prejuízos para o próprio fisco, que deixará de arrecadar com o desaparecimento da empresa.

O Conflito de Competência nº 101.552 – AL (2008/0272295-5) que foi

julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual teve o Senhor Ministro Honildo

Amaral de Mello Castro como relator, trata-se da suspensão pelo período de

180 dias das ações de execuções, por força do artigo 6º, caput da Lei

11.101/2005. O juízo que deferiu o pedido de recuperação judicial informou ao

Tribunal de São Paulo e Rio de Janeiro que estes deviam suspender as ações

de execução contra o devedor, o qual foi atendido. Entende o Relator que estes

devem sim ser suspensos, de acordo com o Ministro:

O destino do patrimônio da empresa-ré em processo de recuperação judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele da Recuperação, sob pena de prejudicar o funcionamento do estabelecimento, comprometendo o sucesso de seu plano de recuperação.

256 AYOUB, loc cit.257 AYOUB, loc cit.258 AYOUB, loc cit.

Page 89: Trab. de Conclusão

Em sua decisão o Relator cita os ensinamentos de Marcelo M. Bortoldi

e Marcia Carla Pereira Ribeiro:

O juízo universal da recuperação judicial está vinculado aos princípios da universalidade e da unidade. Uma vez concedida, será aberto um leque de procedimentos que estarão sujeitos a uma direção única. O principio da unidade tem por finalidade a eficiência do processo, evitar repetições de atos e contradições. Seria inviável mais de uma recuperação, por isso a exigência da lei de um único processo para o mesmo devedor. O principio da universalidade está na previsão de um só juízo para todas as medidas judiciais, todos os atos relativos ao devedor empresário. Todas as ações e processos estarão na competência do juízo da recuperação (...)" ( in Curso Avançado de Direito Comercial - 3ª edição - RT - 2006. p.462).

O Ministro ainda refere que a liberação dos bens arrestados pelo

Tribunal de São Paulo e Rio de Janeiro é de competência do juízo da

recuperação, pois a ele cabe a supervisão do processo de recuperação judicial,

buscando, assim, a melhor forma de sanar a crise econômica – financeira por

qual a empresa passa.

O Ministro ainda citou outra decisão com o mesmo entendimento, de

que a suspensão das execuções é essencial para a recuperação judicial da

empresa em crise, sendo esta decisão do Superior Tribunal de Justiça, Conflito

de Competência nº 79170 – SP, Relator Senhor Ministro Castro Meira.

Entendem também os Ministros de que se deve privilegiar o principio

da preservação da empresa, o qual está previsto no artigo 47 da Lei, mantendo

assim o ativo da empresa em crise livre de qualquer constrição, facilitando

assim o cumprimento do plano de recuperação.

Estas decisões demonstram que a Lei 1.101/2005 possui muitos

pontos controversos, os quais serão dirimidos com o tempo pelos tribunais,

mas já se visualiza a busca pela manutenção da empresa, o qual é um dos

principais objetivos da nova lei, demonstrando assim sua importância e

demonstrando a possibilidade da consagração dos princípios da preservação e

função social da empresa.

Page 90: Trab. de Conclusão

CONCLUSÃO

No transcorrer do trabalho foi possível observar as transformações

sofridas no instituto da falência com a promulgação da Lei 11.101/2005, a qual

veio substituir o Decreto – lei 7.661/1945, trazendo consigo figuras novas,

como a recuperação judicial da empresa, e suprimindo outras como a

concordata suspensiva.

Para Fábio Ulhoa Coelho259 as principais diferenças entre a concordata,

prevista no Decreto – lei 7.661/45 e a Recuperação Judicial da Lei 11.101/2005

são:

a) a concordata é um direito a que tinha acesso todo empresário que preenchesse as condições da lei, independentemente da viabilidade de sua recuperação econômica, mas à recuperação judicial só tem

259ULHOA COELHO Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.XL.

Page 91: Trab. de Conclusão

acesso o empresário cuja atividade econômica possa ser reorganizada; b) enquanto a concordata produz efeito somente em relação aos credores quirografários, a recuperação judicial sujeita todos os credores, inclusive os que titularizam privilégio ou preferência (a única limitação legal é o pagamento das dívidas trabalhistas em no máximo 1 ano), exceto os fiscais (que devem ser pagos ou parcelados antes da concessão do beneficio); c) o sacrifício imposto aos credores, na concordata, já vem definido na lei (dividendo mínimo) e é da unilateral escolha do devedor, ao passo que, na recuperação judicial, o sacrifício, se houver, deve ser delimitado no plano de recuperação, sem qualquer limitação legal, e deve ser aprovado por todas as classes de credores.

Uma das principais características trazidas pelo novo instituto é o

reconhecimento da função social da empresa como forma de impor aos

credores o plano reorganizativo da empresa pelo juiz. Isto se dá porque o

principal objetivo da lei a preservação da empresa, podendo o juízo através do

reconhecimento da função social da empresa evitar que uma empresa em

condições de se recuperar acabe por não conseguir o benefício devido a

ganância dos credores.

Durante a vigência do Decreto – lei observou-se que a soma de

esforços do devedor, dos credores e do Poder Judiciário pode levar a uma

vitoriosa reestruturação financeira da empresa.

Devido às alterações do cenário socioeconômico o instituto da falência

teve sua concepção atualizada para os novos caminhos que estavam sendo

apontados, o qual era voltar-se para o desenvolvimento do comércio e da

atividade empresária em geral, ou seja, buscar, sempre que for possível,

preservar a empresa. Esta busca não pode ser cega, deve ser analisada a

viabilidade da recuperação da empresa, como assevera a estudiosa Rita de

Cássia Espolador260:

Em suma, o espírito da nova lei – que o magistrado há que entender – não é preservar a empresa a qualquer custo. Se os ativos podem ser alocados a outros usos mais eficientes, o papel do magistrado é presidir sobre esse processo de forma célere, determinando a convolação da recuperação em falência. Empresas viáveis devem permanecer em operação, e as inviáveis devem ter sua quebra – com a conseqüente alienação de seus ativos – implementada, com a menor perda possível para a sociedade.

260 ESPOLADOR, Rita de Cássia Resquetti Tarifa. Direito empresarial e trabalhista, São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009, p. 86

Page 92: Trab. de Conclusão

É preciso lembrar que nem sempre é possível buscar a preservação da

empresa, pois há situações em que a soma de esforços devem ser poupadas,

pois poderá trazer prejuízos maiores do que se decretada à falência da

empresa. A recuperação judicial da empresa deve ser usada de forma sensata,

devem se observar as reais condições da empresa em relação ao plano de

recuperação apresentado, pois se a recuperação for inviável, ao invés de

diminuir os custos sociais a recuperação trará prejuízos maiores ao envolvidos.

Conforme Rita de Cássia Espolador261:

Por que então será tão difícil resistir à tentação de manter empresas inviáveis indefinidamente em operação, ao arrepio de disposição expressa de lei? A resposta é óbvia: os prejudicados com a quebra estarão presentes no cotidiano do magistrado, enquanto os beneficiários da solução eficiente permanecerão invisíveis para os tribunais. O empregado demitido faz sua voz mais presente do que a do beneficiário do emprego que nem sequer foi criado. A responsabilidade do magistrado é grande: incumbe-lhe tanto recuperar as empresas viáveis quanto resistir a tentação de manter artificialmente em funcionamento das empresas que há muito deveriam ter saído do mercado. Nesse caso, o magistrado que adota a solução eficiente age como benfeitor do interesse difuso, das pessoas sem nome e rosto que, ainda sim, são afetadas profundamente por suas decisões.

É possível identificar que a Lei 11.101/2005 difere do Decreto – lei, por

que aquela exalta os interesses sociais ao permitir que uma empresa que se

encontra em crise econômica - financeira permaneça operando, incentivando,

assim, os empreendedores a dar continuidade ao ciclo produtivo, satisfazendo,

desta forma, seus interesses econômicos e mantendo o consumo da

comunidade.

Considerando as teorias contratualista e institucionalista é possível

identificar as duas na nova lei. Ainda se mantêm o interesse dos credores, mas

estes não são mais soberanos, pois agora é preciso respeitar alguns princípios

como a preservação da empresa, a função social da empresa, tendo estas em

comum a satisfação de interesses sociais, não interessa apenas a relação

devedor x credores, hoje se busca o equilíbrio desta relação com o que a

sociedade necessita e o quanto a extinção da empresa poderá prejudicá-la.

As principais características introduzidas pela Lei 11.101/2005, as

quais puderam ser visualizadas foram a flexibilização dos procedimentos

261 ESPOLADOR, loc cit.

Page 93: Trab. de Conclusão

preventivos; ampliação na participação dos credores no processo de

recuperação; maior amplitude nas possibilidades de acordo entre o devedor e

os credores; mitigação da função jurisdicional; adoção de novos mecanismos

para a superação das crises empresariais, e a simplificação dos

procedimentos.

É corriqueiro que o processo de aperfeiçoamento da legislação seja

lenta e gradual, diferente das mudanças ocorridas nas relações sociais e

econômicas. Desta forma cabe aos doutrinadores e Poder Judiciário fazer os

ajustes necessários para que a Lei 11.101/2005 seja aceita e respeitada, tendo

seus objetivos levados a sério. O instituto da recuperação judicial já está tendo

suas primeiras orientações práticas, as quais estão sendo dadas pelos juízes

dos tribunais competentes, como foi visto na análise das manifestações do

Judiciário. A adaptação da legislação já está ocorrendo.

Concluindo, a pesquisa entre autores eminentes, de expressão

nacional, e os acórdãos prolatados por juízes competentes, demonstra que a

recuperação judicial foi pensada para satisfazer a função social da empresa,

ela busca, acima de tudo, sua manutenção e preservação. Construindo através

da aplicação da lei e a devida interpretação de seus preceitos seu

enraizamento no direito empresarial, sobretudo, no direito falimentar brasileiro.

Page 94: Trab. de Conclusão

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

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