torianita

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TORIANITA DO AMAPÁ Leonam dos Santos Guimarães Nos anos 80, mais precisamente entre 1986 e 1989, o Laboratório de Análise Mineral da Comissão Nacional de Energia Nuclear CNEN, a pedido da Secretaria do Conselho de Segurança Nacional, que estava investigando uma possível evasão deste minério do norte do País, analisou amostras de torianita 1 . A investigação foi conduzida à época pelo Comandante Quintieri, já falecido 2 Este minério é muito semelhante à cassiterita, minério de estanho, até na forma dos cristais. A torianita já havia sido encontrada em lotes de exportação de cassiterita (minério de estanho) como se fosse este minério e também em apreensões de contrabando por aeronaves destinadas à Guiana. As investigações da Secretaria do Conselho de Segurança foram interrompidas em 1989, não se tendo informações sobre os resultados alcançados. A origem exata deste minério também não é de conhecimento público, estando possivelmente associada à mina de pirolusita (dióxido de manganês) da Serra do Navio 3 , no Amapá, atualmente esgotada. A análise então feita desse minério, apresentou altíssimo teores de óxido de tório (acima de 80%), óxido de urânio(4 a 8%) e cerca de 10% de chumbo radiogênico (produto de uma cadeia de decaimento radiativo) com predominância do isótopo Pb-208 4 , descendente do isótopo mais abundante do tório na natureza, o Th-232 5 , sobre os outros isótopos naturais do chumbo que são Pb-204, Pb-206, Pb-207. O chumbo natural tem, em média, a seguinte composição: Pb- 204 (1.4%), Pb-206 (24.1%), Pb-207 (22.1%) e Pb-208 (52.4%). Entretanto, diferentemente do Urânio, que na natureza tem uma composição isotópica praticamente fixa, o chumbo pode ter uma composição isotópica bem variada dependendo da origem do minério. Note-se que o chumbo encontrado na torianita é 88% composto pelo isótopo Pb-208 6 , ou seja, é “naturalmente enriquecido” neste isótopo. Notícias de apreensões cargas contrabandeadas do Amapá com variadas quantidades de torianita tem surgido de forma recorrente na imprensa. Um consulta Google para as palavras-chave “torianita” e “Amapá” fornece 815 notícias 7 . Dentro do período 2000-2010, essas notícias têm a distribuição temporal quantitativa mostrada pela figura a seguir 8 . 1 http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=11221 2 http://istoevip.terra.com.br/reportagens/paginar/22273_CARTAS/1 3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Serra_do_Navio 4 http://www.matpack.de/Info/Nuclear/Nuclids/P/Pb208.html 5 http://en.wikipedia.org/wiki/Thorium-232 6 http://www.chicobruno.com.br/lista.php?idC=12099 7 http://www.google.com.br/search?q=torianita+amap%C3%A1&num=10 0&hl=pt-BR&lr=&rlz=1R2ADFA_pt- BRBR383&prmdo=1&source=lnms&ei=2p5wTMSwCcP38AbmjvXwCg& sa=X&oi=mode_link&ct=mode&ved=0CBgQ_AU 8 http://www.google.com.br/search?num=100&hl=pt- BR&lr=&tbo=1&rlz=1R2ADFA_pt- BRBR383&prmdo=1&tbs=tl%3A1&q=torianita+amap%C3%A1&btnG=P esquisar&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai= Em 1993 a Folha de São Paulo noticiava a apreensão de 1.300 quilos do material numa casa no centro de Belém que estaria no local “desde outubro de 1992” (vide figura a seguir). A reportagem especula que o material seria contrabandeado para o Iraque “que usaria o tório beneficiado para produção de mísseis nucleares”. Não se tem informações sobre o resultado das investigações nem sobre a composição do material apreendido então. A reportagem investigativa mais ampla identificada foi aquela publicada pela revista Isto É de 17 de maio de 2006 denominada “O contrabando do urânio brasileiro” 9 . A reportagem se refere a uma apreensão de 600 kg feita pela Polícia Federal em 12/07/2004 10 . Segundo análise feita pela CNEN à época, essa torianita possuía 75% de Tório, 7,5% de Urânio e 10% de Óxido de Chumbo em sua composição. Conforme o próprio título da reportagem, o autor supõe que o interesse pela torianita decorra do urânio nela contida. Chega mesmo a apresentar avaliar o preço do quilo do material “de US$ 200 a US$ 300”. Note-se que existem pelo menos duas 9 http://www.istoe.com.br/reportagens/21854_O+CONTRABANDO+DO+ URANIO+BRASILEIRO?pathImagens=&path=&actualArea=internalPag e 10 http://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2004/08/25/15802- policia-federal-no-amapa-apreende-minerio-extraido-ilegalmente.html

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Page 1: Torianita

TORIANITA DO AMAPÁ

Leonam dos Santos Guimarães

Nos anos 80, mais precisamente entre 1986 e 1989, o

Laboratório de Análise Mineral da Comissão Nacional de

Energia Nuclear – CNEN, a pedido da Secretaria do Conselho

de Segurança Nacional, que estava investigando uma

possível evasão deste minério do norte do País, analisou

amostras de torianita1. A investigação foi conduzida à época

pelo Comandante Quintieri, já falecido2

Este minério é muito semelhante à cassiterita, minério de

estanho, até na forma dos cristais. A torianita já havia sido

encontrada em lotes de exportação de cassiterita (minério de

estanho) como se fosse este minério e também em

apreensões de contrabando por aeronaves destinadas à

Guiana.

As investigações da Secretaria do Conselho de Segurança

foram interrompidas em 1989, não se tendo informações

sobre os resultados alcançados. A origem exata deste minério

também não é de conhecimento público, estando

possivelmente associada à mina de pirolusita (dióxido de

manganês) da Serra do Navio3, no Amapá, atualmente

esgotada.

A análise então feita desse minério, apresentou altíssimo

teores de óxido de tório (acima de 80%), óxido de urânio(4 a

8%) e cerca de 10% de chumbo radiogênico (produto de uma

cadeia de decaimento radiativo) com predominância do

isótopo Pb-2084, descendente do isótopo mais abundante do

tório na natureza, o Th-2325, sobre os outros isótopos naturais

do chumbo que são Pb-204, Pb-206, Pb-207.

O chumbo natural tem, em média, a seguinte composição: Pb-

204 (1.4%), Pb-206 (24.1%), Pb-207 (22.1%) e Pb-208

(52.4%). Entretanto, diferentemente do Urânio, que na

natureza tem uma composição isotópica praticamente fixa, o

chumbo pode ter uma composição isotópica bem variada

dependendo da origem do minério. Note-se que o chumbo

encontrado na torianita é 88% composto pelo isótopo Pb-2086,

ou seja, é “naturalmente enriquecido” neste isótopo.

Notícias de apreensões cargas contrabandeadas do Amapá

com variadas quantidades de torianita tem surgido de forma

recorrente na imprensa. Um consulta Google para as

palavras-chave “torianita” e “Amapá” fornece 815 notícias7.

Dentro do período 2000-2010, essas notícias têm a

distribuição temporal quantitativa mostrada pela figura a

seguir8.

1 http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=11221

2 http://istoevip.terra.com.br/reportagens/paginar/22273_CARTAS/1

3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Serra_do_Navio

4 http://www.matpack.de/Info/Nuclear/Nuclids/P/Pb208.html

5 http://en.wikipedia.org/wiki/Thorium-232

6 http://www.chicobruno.com.br/lista.php?idC=12099

7http://www.google.com.br/search?q=torianita+amap%C3%A1&num=10

0&hl=pt-BR&lr=&rlz=1R2ADFA_pt-BRBR383&prmdo=1&source=lnms&ei=2p5wTMSwCcP38AbmjvXwCg&sa=X&oi=mode_link&ct=mode&ved=0CBgQ_AU 8 http://www.google.com.br/search?num=100&hl=pt-

BR&lr=&tbo=1&rlz=1R2ADFA_pt-BRBR383&prmdo=1&tbs=tl%3A1&q=torianita+amap%C3%A1&btnG=Pesquisar&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai=

Em 1993 a Folha de São Paulo noticiava a apreensão de

1.300 quilos do material numa casa no centro de Belém que

estaria no local “desde outubro de 1992” (vide figura a seguir).

A reportagem especula que o material seria contrabandeado

para o Iraque “que usaria o tório beneficiado para produção de

mísseis nucleares”. Não se tem informações sobre o resultado

das investigações nem sobre a composição do material

apreendido então.

A reportagem investigativa mais ampla identificada foi aquela

publicada pela revista Isto É de 17 de maio de 2006

denominada “O contrabando do urânio brasileiro”9. A

reportagem se refere a uma apreensão de 600 kg feita pela

Polícia Federal em 12/07/200410

. Segundo análise feita pela

CNEN à época, essa torianita possuía 75% de Tório, 7,5% de

Urânio e 10% de Óxido de Chumbo em sua composição.

Conforme o próprio título da reportagem, o autor supõe que o

interesse pela torianita decorra do urânio nela contida. Chega

mesmo a apresentar avaliar o preço do quilo do material “de

US$ 200 a US$ 300”. Note-se que existem pelo menos duas

9http://www.istoe.com.br/reportagens/21854_O+CONTRABANDO+DO+

URANIO+BRASILEIRO?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage 10

http://noticias.ambientebrasil.com.br/clipping/2004/08/25/15802-policia-federal-no-amapa-apreende-minerio-extraido-ilegalmente.html

Page 2: Torianita

TORIANITA DO AMAPÁ

Leonam dos Santos Guimarães

empresas internacionais11, 12

que comercializam pela internet a

torianita bruta, supostamente originária das minas de Sri

Lanka13

, a US$ 450 por quilo.

Estes valores, entretanto, são incompatíveis com os preços no

mercado internacional “spot” do diuranato de amônia – DUA

(yellow cake), que contem mais de 70% de urânio e é

atualmente negociado a valores inferiores a US$ 100 o quilo.

A torianita bruta tem um teor de urânio de 4 a 8%. Ainda que

esse teor seja bastante superior aos teores dos minérios

brutos de urânio em exploração comercial no mundo (inclusive

pela INB na mina de Cachoeira em Caitité na Bahia), ele é

muito inferior ao teor de urânio do yellow cake comercial, com

preço muito inferior. Além disso, o beneficiamento da torianita

para produção de urânio é um processo tecnologicamente

difícil e caro.

Portanto, as possibilidades de que a torianita seria

contrabandeada para extração do urânio nela contido por

países que tivessem dificuldades de obtenção de yellow cake

no mercado internacional, tais como o Iraque na década de 90

e o Iran atualmente, parecem pouco prováveis.

Também careceria de fundamento supor que o interesse pela

torianita viesse do tório nela contido, pois este mineral

radioativo é muito abundante, particularmente nas areias

monazíticas brasileiras e indianas, e tem baixa procura no

mercado. Seu uso como combustível nuclear é ainda

experimental e seu uso como material fértil para produção do

isótopo físsil do urânio U-233, potencialmente aplicável a

artefatos nucleares, é pouco provável, pois os isótopos físseis

U-235 e Pu-239 são muito mais eficazes e de aplicação muito

mais fácil.

A torianita é um minério com uso comercial restrito, sem

cotação no mercado internacional, economicamente inviável

para extração de urânio e tório e que é encontrado na beira de

rios na forma de rochas.

A reportagem levanta ainda a possibilidade de essa torianita

ser usada moída, com o objetivo de adulterar a columbita-

tantalita (coltan)14

, um minério usado na fabricação de óxidos

de nióbio (nome mais comum do colúmbio) e tântalo, utilizado

na produção de ligas especiais em tecnologias de ponta

(informática, aeroespacial, dentre outras), e que tem

significativa procura no mercado e preços bastante elevados,

da ordem de mais de U$ 500 o quilo.

No Brasil, as maiores reservas de coltan encontram-se nos

estados do Amazonas, Roraima (com predominância no sul

do estado) e no Amapá, com quase 52,1% das reservas de

todo o mundo. Entretanto sua exploração atual é feita

somente pela empresa peruana Minsur, detentora da

concessão minerária da mina de Pitinga – AM15

. O minério lá

produzido e levado em caminhões para Pirapora do Bom

Jesus, próximo a São Paulo, onde é beneficiado e exportado.

11

http://www.chinaqualitydigital.com/d-p1117589478965070400-thorianite_crude_powder/ 12

http://trade-metal.com/thorianite-crude-powder-p23297.html 13

http://en.wikipedia.org/wiki/Thorianite 14

http://pt.wikipedia.org/wiki/Coltan 15

http://www.cnen.gov.br/lapoc/tecnica/inspmind.asp

Recentemente foi divulgado na mídia16

que INB discute com a

peruana Minsur, detentora da concessão minerária da reserva

de Pitinga, a possibilidade de desenvolver uma nova rota

tecnológica para explorar o urânio na região, onde, estima-se,

há cerca de 150 mil t do mineral. Uma técnica diferenciada é

necessária porque, nessa área, o urânio encontra-se

associado a outros dois minerais, columbita e cassiterita, o

que tornará o acesso ao elemento mais difícil. A mineradora

peruana já explora nióbio e estanho. O Instituto de Energia

Nuclear da UFRJ será também um potencial aliado no

desenvolvimento da nova rota tecnológica.

Não fica claro, portanto, qual coltan seria adulterado pela

torianita contrabandeada. Não faria muito sentido

contrabandeá-la para o exterior, a não ser que o coltan a ser

adulterado não fosse o nacional, ou que a adulteração do

coltan nacional fosse feita fora do País, possibilidade que,

apesar de não ser descartável a priori, parece pouco provável.

Em 2008 a Folha de São Paulo publica novamente matéria

sobre o tema17

. Nela é levantada a possibilidade de que o

interesse pela torianita decorra do Pb-208 nela contido, que

“seria utilizado para a refrigeração de reatores”, o que é

coerente com pesquisas que vem sendo desenvolvidas na

Rússia18

. Levanta também a possibilidade do interesse

decorre de outro uso do Pb-208 que seria “o revestimento de

bombas de nêutrons19,20,2122

, famosas pelo potencial de matar

seres vivos e ter um impacto menor sobre prédios e

construções”, possibilidade que já havia sido levantada no

passado23

.

A possibilidade de que o interesse despertado pela tantalita do

Amapá, que leva ao seu contrabando a preços elevados,

resida no seu terceiro componente majoritário, que é o

chumbo naturalmente enriquecido no isótopo Pb20824

seja a

mais provável. Note-se que a torianita normalmente

comercializada (vide notas 10 e 11) provêm do Sri Lanka e

Madagascar25

. Os minérios destes locais, entretanto, são

pobres em chumbo (1,8% e 2,29%, respectivamente), em

comparação com o minério brasileiro (cerca de 10%). Existem

também ocorrências deste mineral na Índia, Rússia, EUA,

Canadá, África do Sul e Congo (vide nota 12), mas não foram

obtidas informações sobre os teores de chumbo nesses

minerais.

Cabe ainda registrar que a Rede Globo levou o tema ao

horário nobre dentro da série “Globo Amazônia” apresentada

no “Fantástico” de 04/10/200926

. A reportagem cita que “no

mercado regular, países que obedecem a normas mundiais

podem comprar um quilo de urânio puro por 200 reais. Nas

negociações clandestinas, contudo, o quilo do urânio ainda

misturado à torianita, sem passar por nenhuma purificação,

pode chegar a R$ 2.500 o quilo – 12 vezes mais”. O repórter

16

http://www.energiahoje.com/online/eletrica/termo/2010/12/02/422190/tecnologia-para-uranio-no-am.html 17

http://www.chicobruno.com.br/lista.php?idC=12099 18

http://www.world-nuclear.org/info/inf08.html 19

http://nuclearweaponarchive.org/Nwfaq/Nfaq1.html 20

http://www.financialsensearchive.com/editorials/douglass/2003/0311.html 21

http://nuclearweaponarchive.org/Library/Brown/index.html 22

http://www.fact-index.com/n/ne/neutron_bomb_1.html 23

http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=11221 24

http://pintassilgo2.ipen.br/biblioteca/2009/inac/15187.pdf 25

http://www.handbookofmineralogy.org/pdfs/thorianite.pdf 26

http://www.globoamazonia.com/Amazonia/0,,MUL1329170-16052,00-TRAFICANTES+DO+AMAPA+VENDEM+MATERIAL+RADIOATIVO+OBTIDO+ILEGALMENTE.html

Page 3: Torianita

TORIANITA DO AMAPÁ

Leonam dos Santos Guimarães

deve ter se referido à relação entre o quilo da torianita bruta e

o quilo do yellow cake comercial, o que faz sentido. Nota-se,

entretanto, que o preço do material contrabandeado teria

aumentado substancialmente desde 2004, quando a

referência de reportagem da época seria “de US$ 200 a US$

300”. O valor de R$ 2.500 também não é compatível com o

preço de US$ 450 obtido atualmente (vide nota 10).

Outro ponto relevante na reportagem do “Fantástico” é a

declaração de um suposto contrabandista que afirma ter como

cliente recente “um pessoal do Iraque”. Ora, certamente esse

“pessoal” nada teria a ver com o Governo do Iraque atual, sob

ocupação americana. A afirmação, entretanto, levanta a

possibilidade de envolvimento de algum país árabe, em

especial o Iran como receptador do material.

A possibilidade de o Iran ser o receptador deste material para

recuperação de urânio é preocupante. Entretanto, para isto

ser verdade, seria necessário que o Iran tivesse desenvolvido

ou adquirido uma tecnologia específica para beneficiamento

deste material que, como já foi dito, seria muito cara e

complexa. Por não se dispor de informações sobre este

aspecto específico, não se pode, descartar essa possibilidade,

principalmente quando se sabe que os estoques de yellow

cake do Iran encontram-se praticamente esgotados desde o

final de 200827, 28

, o que certamente deve estar levando o

Governo de Teheran a buscar fontes de suprimento

“alternativas”, dadas as sanções da ONU às quais está

submetido.

Se este fato se confirmar, isto poderá a colocar o Brasil numa

posição desconfortável junto à comunidade internacional.

Entretanto, ainda que o fato não seja verdadeiro, ou seja, que

a torianita do Amapá tenha outros usos alheios ao urânio e ao

Iran, o Brasil corre ainda o risco de ser envolvido numa

acusação do tipo daquela que foi forjada para implicar o

Iraque de Saddam Hussein numa suposta compra clandestina

de yellow cake do Níger. Esta fraude foi amplamente noticiada

pela imprensa após a invasão do Iraque29, 30

, tendo sido usada

como suposta “prova” do envolvimento de Saddam com

“armas de destruição em massa”, contribuindo como

justificativa para a própria invasão. A situação hoje é muito

semelhante com relação ao Iran, e tal ação de inteligência

poderia se repetir, mas desta vez envolvendo o Brasil.

O chumbo raramente é encontrado no seu estado elementar31

.

O mineral de chumbo mais comum é o sulfeto denominado de

galena (com 86,6% deste metal). Outros minerais de

importância comercial são o carbonato (cerusita) e o sulfato

(anglesita), que são mais raros. Geralmente é encontrado com

minerais de zinco, prata e, em maior abundância, de cobre.

Também é encontrado chumbo em vários minerais de urânio e

de tório, já que vem diretamente da desintegração radioativa

destes radioisótopos. Os minerais comerciais podem conter

pouco chumbo (3%), porém o mais comum é em torno de

10%. Os minerais são concentrados até alcançarem um

conteúdo de 40% ou mais de chumbo antes de serem

fundidos.

27

http://www.timesonline.co.uk/tol/news/world/middle_east/article5576589.ece 28

http://www.isisnucleariran.org/assets/pdf/Iran_Yellowcake.pdf 29

http://en.wikipedia.org/wiki/Niger_uranium_forgeries 30

http://cryptome.org/niger-docs.htm 31

http://pt.wikipedia.org/wiki/Chumbo

O chumbo tem 4 isótopos naturais estáveis que, com a

respectiva abundância natural, são: Pb-204 (1.4%), Pb-206

(24.1%), Pb-207 (22.1%) e Pb-208 (52.4%). O Pb-206, Pb-207

e o Pb-208 são os produtos finais de uma complexa cadeia de

decaimento que se inicia com o U-238, U-235 e Th- 232,

respectivamente. As correspondentes meias-vida destes

esquemas de decaimento são : 4.47 x 109, 7.04 x 10

8 e 1.4 x

1010

anos, respectivamente. Cada um deles é documentado

em relação ao Pb-204, o único isótopo natural radioativo não

radiogênico. As escalas de relações isotópicas para a maioria

de materiais naturais são 14.0-30.0 para Pb-206/Pb-204, 15.0-

17.0 para Pb-207/Pb-204 e 35.0-50.0 para Pb-208/Pb-204,

embora numerosos exemplos fora destas escalas sejam

relatados na literatura32

.

Note-se que métodos de separação e recuperação do Pb-208

dos resíduos de Tório e Terras Raras gerados na Unidade

Piloto de purificação de Nitrato de Tório que operou no Brasil,

mas já foi descomissionada, foram objeto de tese de

doutorado no IPEN33

.

O isótopo Pb-208 tem uma característica física única: ele é o

mais pesado dos isótopos “duplamente mágicos”, que são

helio-4 (He-4), oxigênio-16 (O-16), cálcio-40 (Ca-40), cálcio-48

(Ca-48), níquel-48 (Ni-48) e chumbo-208 (Pb-208)34

. Seus 82

prótons e 126 nêutrons são arranjados em camadas

completas no núcleo atômico, o que lhe dá excepcional

estabilidade, com mínimas seções de choque (probabilidade

de ocorrência) para as reações nucleares, simultaneamente

tendo um elevado peso atômico.

Isto torna o Pb-208 o único material pesado que é

praticamente transparente aos nêutrons. Esta propriedade de

transparência aos nêutrons o torna particularmente

interessante para uso em aplicações nucleares que requeiram

a maximização do fluxo neutrônico, com mínimas perdas por

absorção.

É o caso dos reatores nucleares rápidos resfriados a chumbo

líquido35

, tecnologia desenvolvida pela URSS nos anos 70

para emprego na propulsão nuclear de submarinos (Classe

Alfa) e que hoje está sendo retomada por diversos países

para desenvolvimento da chamada “Generation IV”36

de

usinas nucleares e também para os chamados “Accelerator

Driven Systems – ADS”37

, reatores “incineradores” de

actinídeos menores (rejeitos nucleares de longa vida). O uso

de chumbo enriquecido no isótopo 208 como fluido de

resfriamento do núcleo do reator nessas aplicações traz

grandes vantagens38

. O Pb-208 também é utilizado como

fonte nêutrons para sustentar a reação em cadeia no núcleo

dos ADS39

. Neste caso ele compõe alvos para o acelerador

desses sistemas, gerando nêutrons pela reação de espalação

32

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-50532007000500014&script=sci_arttext 33

http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/85/85134/tde-04062007-160337/ 34

http://en.wikipedia.org/wiki/Magic_number_(physics) 35

http://www.sciencedirect.com/science?_ob=ArticleURL&_udi=B6V1R-50GC64W-1&_user=10&_coverDate=11%2F30%2F2010&_rdoc=1&_fmt=high&_orig=search&_sort=d&_docanchor=&view=c&_acct=C000050221&_version=1&_urlVersion=0&_userid=10&md5=b50ff7885f5872f5bf1975834e11c40a 36

http://www.gen-4.org/Technology/evolution.htm 37

http://www.world-nuclear.org/info/inf35.html 38

http://elibrary.ru/item.asp?id=13601941 39

http://pelicano.ipen.br/PosG30/TextoCompleto/Sergio%20Anefalos%20Pereira_D.pdf

Page 4: Torianita

TORIANITA DO AMAPÁ

Leonam dos Santos Guimarães

induzida por prótons de alta energia40

. Não se identifica,

entretanto, uma razão para que a obtenção do Pb-208 para

estas aplicações seja feita por vias ilícitas.

É também o caso de artefatos nucleares “Enhanced Radiation

– ER” que visam maximizar a geração de altos fluxos de

nêutrons com um mínimo efeito de calor, ondas de choque e

geração de produtos de fissão, as chamadas “bombas de

nêutrons”. Os EUA desenvolveram e produziram três ogivas

de nêutrons, uma quarta foi cancelado antes da produção.

Todas foram retiradas de serviço e desmanteladas.

A ogiva W66 para o míssil Sprint foi a primeira a ser

desenvolvida. Ela foi fabricada durante 1974-75, e foi

aposentada em agosto de 1975, após poucos meses de

serviço quando o sistema Sprint foi desativado (cerca de 70

foram feitas). Ela tinha uma energia de vários quilotons (20 kt

foi relatado) e podem ou não ter usado combustível DT

(Deutério-Trítio).

A W70 Mod-3, desenvolvida como ogiva do míssil Lance tinha

uma energia total de cerca de 1 kt de fusão. Ela foi fabricado

durante 1981-83, sendo retirada de serviço em 1992 após

serem fabricadas 380 unidades.

A ogiva W79 Mod-0 foi desenvolvida para projétil de artilharia

de 8 polegadas. Tinha um rendimento variável de 100 t a 1,1

kt. A de menor energia foi uma arma de fissão pura41

, a de

maior energia foi de 800 t de fusão (73%) e 300 t de fissão.

Elas foram fabricadas durante 1981-1986. Essa versão

começou a ser retirada de serviço em meados da década de

80, sendo todas descomissionadas em 1992. Foram

construídos 325 artefatos deste tipo.

O W82 Mod-0 foi desenvolvida para projétil de artilharia de

155 milímetros, com energia variável semelhante à W79. Foi

cancelada em outubro de 1983, sem ir para produção.

A Rússia, China, França e Israel também desenvolveram

projetos de bomba de nêutrons e podem tê-las em serviço.

Algumas fontes afirmam que Israel também teria

desenvolvidos esse tipo de artefato.

Outro conceito de artefato ER seria o tipo fission-free, ou seja,

um artefato de fusão pura, conforme figura abaixo, onde o Pb-

208 poderia ser usado como “heavy metal liner” ou como

“heavy metal driver” (vide figura a seguir). Não se tem

informações se tal artefato efetivamente tenha sido

desenvolvido ou esteja em desenvolvimento por algum dos

países nuclearmente armados.

40

http://www.emc2009.iprj.uerj.br/down.php?fid=295 41

http://nuclearweaponarchive.org/Library/Brown/index.html

O Pb-208 também poderia ainda ser utilizado para a produção

de trítio, material fundamental para a produção de artefatos de

fusão, através de sua irradiação com íons de deutério,

segundo a reação nuclear abaixo42

. Restam, entretanto,

dúvidas quanto à eficiência e capacidade industrial deste

processo produzir quantidades significativas de trítio

necessárias a um artefato de fusão.

No caso da obtenção do PB-208 para essas aplicações em

artefatos nucleares, podem ser identificadas razões para o

uso de vias ilícitas, dado o sigilo que estaria necessariamente

envolvido.

O Pb-208 é também bastante utilizado em pesquisa básica

experimental em física nuclear43

, incluídas nessas pesquisas a

geração de isótopos artificiais estáveis ultra-pesados. Note-se

que existem empresas especializadas que fornecem

comercialmente chumbo enriquecido no isótopo 20844

, porém

em pequenas quantidades. Não se pode, portanto, descartar a

possibilidade destas empresas buscarem sua matéria prima

no “mercado negro”.

42

http://es.wikipedia.org/wiki/Trit%C3%B3n_(qu%C3%ADmica) 43

http://web.if.usp.br/pesquisa/sites/default/files/Microsoft%20PowerPoint%20-%20Rubens_Lichtenthaler2009.pdf 44

http://www.americanelements.com/pb208.html