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    Textos sobre a Cultura Indígena e Escrava no Brasil

    Texto 1

    Índios no Brasil: história, sociedade e culturaProf.º Leonardo Castro

    Às vésperas da chegada dos europeus, a América abrigava uma população estimada entre 80 e 100 milhões de habitantes. Dessetotal, cerca de 30 milhões estariam na América do Sul, com a maior

     parte concentrada na região andina.

    Para a área do atual território brasileiro, as estimativas mais aceitasindicam uma população entre 3 e 6 milhões de habitantes nomomento da chegada dos portugueses. Avalia-se que essa

     população era constituída por cerca de 1 500 grupos étnicosdistintos. Tais grupos estavam agrupadas em quatro grande troncosdistribuídos por três regiões geográficas: tupi-guarani (populaçõeslitorâneas, inclusive na Amazônia), macro-jê (cerrados do interior),aruaque e caribe (Amazônia).

    De toda essa população nativa original, restam atualmente cerca de300 mil índios, constituindo 200 etnias com 170 línguas diferentes.

    Os habitantes da América pré-colombiana não são naturais docontinente, são alóctones. O provável caminho percorrido por esseshomens, originários da Ásia, em direção à América foi o que passa

     pelo estreito de Bering, nordeste da Ásia. Mas há outras possibili-dades, como a travessia do Pacífico usando-se as ilhas existentesentre a Ásia e a América do Sul. Índios no Brasil e na Bacia Amazônica, em 1500. 

    Texto e ContextoA história indígena é cheia de enganos e incompreensões, a começar pelo vocabulário.  

    Índio: A palavra índio deriva do engano de Colombo que julgara ter encontrado as Índias, em 1492. 

    Gentio: O coletivo gentio foi utilizado pelos jesuítas. O vocábulo gentio ou pagão passou a significar o oposto decristão;

      Negros da terra ou negros brasis: Duas expressões utilizadas pelos grupos escravocratas para designar

    genericamente os índios e diferenciá-los dos negros da Guiné, outro termo genérico usado, no caso, para osafricanos;

     

    Tupis (ou Tupinambá) designava os povos, pela semelhança de língua e costumes, do litoral no século XVI econsiderados amigos.

      Tapuias eram os “outros” grupos considerados hostis e que não falavam a “língua geral”. 

    Caçadores, pescadores e coletores nômades por milhares de anos, os índios começaram a desenvolver, a partir de 7 000a.C., a agricultura, a criação de pequenos animais, a cerâmica, a cestaria e a tecelagem. Tais atividades foram a basematerial da formação de grupos sedentários da América.

    Pesquisas atuais demonstram que, ao contrário da visão construída durante séculos de dominação, a palavra “índio” não

    representa uma realidade única, geral e uniforme. Por trás dela existe, na verdade, uma pluralidade de formas de organi-zação, hábitos e de relações sociais.

    A história do povo brasileiro de fato não começou com a chegada dos portugueses, pois teve uma etapa inicialconstituída pela vida e atividades dos primeiros ocupantes do território brasileiro, os índios.

    Cultura e sociedade dos índios do Brasil Como os índios brasileiros não deixaram monumentos e não possuíam escrita para registrar sua história e mitos, para secompreender essa história utiliza-se principalmente vestígios materiais das sociedades indígenas (cerâmica, machados,utensílios), as pinturas rupestres encontradas em cavernas e os escritos e relatos dos primeiros europeus que escreveramsobre os indígenas que encontraram no Brasil.

    A expressão cultural criativa dos índios estava (e está) em grande parte voltada para o adorno pessoal. Há os ornamentocorporais de penas ou de pedras usados na orelhas, boca, nariz.

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    Em relação à pintura corporal, duas tinturas vegetais são abundantesna maior parte do Brasil e da Amazônia: o vermelho do urucum e o

     preto do jenipapo. A pintura corporal simboliza identidade para cadadeterminado grupo, também expressa idéias cosmológicas,mitológicas, assim como para demarcar status social.

    Texto e Contexto“Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas

    vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas.Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados,assim nos corpos, como nas pernas, que certo pareciam bem assim.Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuascomo eles, que não pareciam mal. Entre elas andava uma com umacoxa, do joelho até o quadril, e a nadega, toda tinta daquela tintura

     preta. (...) e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocênciadescobertas, que nisso não havia vergonha alguma.”(Carta de Pero Vaz de Caminha dirigida a D. Manuel (Porto Seguro,Ilha de Vera Cruz, 1° de maio de 1500).

    Os Karajá do vale do rio Araguaia (PA, GO, MT), na puberdadesubmetem-se à aplicação do omarura, dois círculos tatuados nas facesde tinta do jenipapo com fuligem de carvão. Foto: Vladimir Kozak –Museu Paranaense/s.d

    Outros ornamentos usados pelos indígenas brasileiros compreendem uma grande variedade de colares, maracás e mas-caras para uso cerimonial dos pajés. As máscaras, no contexto mágico religioso, representam figuras de antepassados,espíritos protetores da floresta, da fauna e do ambiente natural.

    Machado de pedra indígena, proveniente de IlhaBela, SP.

    Há ainda a cerâmica, sendo a argila sua matéria- prima básica de confecção, e os artefatos líticos,isto é, objetos produzidos de pedras como, porexemplo, os machados indígenas. Estes materiais Sambaqui indígena. Jaguaruna, litoral de Santa Catarina. são encontrados frequentemente em sambaquis (do tupi tamba'kï; literalmente “monte de conchas”), que eram depósitoscriados pelos indígenas constituídos por materiais orgânicos, calcários, muitos nos quais enterravam seus mortos e osobjetos pessoais dos mesmos. São comuns em todo o litoral do Brasil, de Santa Catarina ao Pará.

    Durante muito tempo, tornou-se consenso dizer que os índios não têm “fé, nem rei, nem lei”. Essas ideias originaram-sede observações incorretas. Embora os índios não tivessem reis nem hierarquia de classe, efetivamente tinham chefesrespeitados; entre os tupis eram os principais ou morubixaba. Tinham leis, não-codificadas, mas aceitas. Tambémtinham suas crenças, ritos e seus pajés.

    O mundo sobrenatural era muito real para os indígenas. Sentiam-se rodeados de espíritos, benéficos ou maléficos, algun protetores, mas em sua maioria malévolos. A vida tribal estava envolvida numa trama de lendas, mitos, cerimônias ecrenças espirituais. Toda tribo tinha pajé para interpretar o mundo sobrenatural e curar por meio de seus poderesespeciais. Muitas decisões eram tomadas através da interpretação de presságios ou de adivinhação.

    Os pajés eram os intermediários entre a comunidade e o mundo sobrenatural. Eles também dirigiam os rituais, danças ecerimônias grupais, balançando ritmicamente os maracás e seus chocalhos ao bater os pés. A cura se realizava numanuvem de fumaça de fumo e consistia em sugar os maus espíritos da pessoa enferma.

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    Os índios praticavam uma agricultura de subsistência diversificada, com o cultivo de mandioca, milho, feijão, abóbora, batata-doce, amendoim, etc. Tecnologicamente, porém, não dispunham de muitos recursos. Praticavam a Coivara, umregime agrícola rudimentar tradicional com a plantação através da derrubada da mata nativa, seguida pela queima davegetação. Há, então, a plantação intercalada de várias culturas (rotação de culturas), como o arroz, o milho e o feijão. Acaracterística extremamente rudimentar dessa técnica agrícola leva ao rápido esgotamento do solo, fazendo com que asterras precisem ficar em descanso por volta de 3 anos e causando a derrubada de grandes áreas de mata.

    A coleta de raízes, frutos silvestres e mel é praticada, em grau maior ou menor, por todas as tribos. A proteína animalvinha da caça e da pesca. Caçavam ou domesticavam alguns mamíferos como a anta que ao lado dos jabotis constituíamas caças preferidas dos indígenas. Não conheciam animais de grande porte para a domesticação, como cavalos, porcos evacas que seriam introduzidos mais tarde pelos colonos portugueses.

    Cultura Tupinambá Quando os europeus chegaram ao litoral brasileiro, os tupi-guarani estavam estabelecidos ao longo da maior parte dacosta. É possível que este grupo indígena tenha provindo dos Andes ou do planalto do médio Paraguai e Paraná etenham invadido a costa brasileira.

    Em um século os Tupi foram expulsos do litoral pela violência, pela fome e pelas doenças. Eram inúmeros os movimen-tos migratórios forçados e/ou voluntários para o interior – os Tupi fugiam das epidemias, da escravidão, buscavamnovos territórios. Dentre os índios tupi-guarani, os mais conhecidos são os Tupinambá.

    Texto e Contexto “Os valentes Tupinambá, gente que das conquistas do Brasil, em terras de Pernambuco, saíram derrotados há muitos

    anos, fugindo do rigor com que os portugueses os iam subjugando”. (ACUÑA, Pe. Cristóbal de. O “Nuevodescobrimento Del gran rio de lãs Amazonas”, 1641. In: PAPAVERO, Nelson et. al. O Novo Éden... Belém: MuseuParaense Emilio Goeldi, 2002. 2ª ed. p. 196). 

     No início do século XVII, os europeus encontraram os Tupinambá no Maranhão, no Pará e na ilha de Tupinambarana,no médio Amazonas. Todos são unânimes em afirmar tratar-se de índios da costa brasileira que emigraram para essasregiões, fugindo do processo colonizador português.

    Os Tupinambá organizavam-se em aldeias, compostas por um número variável de malocas – em geral, de quatro a oito –em torno de um pátio central, possuíam, segundo os relatos da época, uma população de quinhentos até 2 ou 3 milíndios.

    Cada maloca dentro de uma aldeia tinha um chefe ou “ principal”, que era alguém que conseguia reunir em torno de si

    uma grande parentela. Todo chefe, além de sogro, era um grande matador, e líder de um grupo de guerreiros.

    Guerra e Vingança Os Tupinambá eram extremamente belicosos, isto é,guerreiros. As guerras entre os Tupinambá tinham oobjetivo de capturar prisioneiros para a execução e aantropofagia ritual. Os mortos e feridos durante ocombate eram devorados no campo de batalha oudurante a retirada; os prisioneiros seguiam com seusalgozes, para que as mulheres também os vissem, e

     pudessem ser mortos. A vingança, assim, erasocializada: era necessário que todos se vingassem. Aexecução ritual, contudo, poderia demorar vários meses.

    O objetivo da antropofagia ritual era o desejo de vingara morte de seus parentes próximos ou os amigos em

     batalhas. Também há a crença entre os Tupinambás deque comendo o corpo de um guerreiro, adquiririam asua força e habilidades nas batalhas. Tal ritual chocava

     profundamente os europeus que o presenciaram; talchoque fora registrado em relatos de viajantes egravuras da época.

    Antropofagia ou canibalismo Tupinambá. A representação doritual associa-se às imagens do purgatório e a ação demoníaca,no âmbito do imaginário religioso europeu. Theodore De Bry,Grandes Viagens, 1592.

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    Texto e Contexto Em 1639, Pedro Teixeira registrou durante sua famosa expedição pelo rio Amazonas, a belicosidade dos Tupinambá queencontrará na região:

    “Havia 120 léguas deste sítio [o estreito de Óbidos] até os Tupinambá; esta nação é de gente mui feroz carniceira enunca quis conhecer sujeição; por isso vieram fugidos do Brasil rompendo por terra e conquistando grande número degentios até chegar ao grande rio e sítio onde hoje vivem.”(De Pedro Teixeira, 1639. In: PAPAVERO, Nelson et. al. O Novo Éden... Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 20022ª ed. p. 153). 

    Matar publicamente um inimigo era o evento central da vida social Tupinambá. Levado ao terreiro, pintado e decorado,

     preso pela mussurana (corda), o cativo esperava seu carrasco que, vestindo seu manto de penas de íbis vermelha (ave pernalta), aproximam-se de sua presa, imitando uma ave de rapina. Recebia a ibirapema (espécie de porrete), das mãosde um velho matador, desferia um golpe concreto contra a nuca do cativo,rompia-lhe o crânio e lançava-o ao chão. De imediato, acudiam as velhas comcabaças para recolher o sangue que se espalhava. Nada deveria ser perdido, tudo

     precisava ser consumido e todos deviam fazê-lo: as mães besuntavam seus seiosde sangue, para que seus bebês também pudessem provar do inimigo.

    Texto e Contexto Por volta de 1550, um alemão de nome Hans Staden foi aprisionado pelosTupinambá do Rio de Janeiro. Em seus relatos, registrou o canibalismo tupi, mas

    fazendo ressaltar seu caráter ritualístico, social e guerreiro:“Não o fazem por fome, mais por ódio e inveja, e quando combatem na guerragritam um para o outro: para vingar a morte dos meus amigos, estou aqui; tuacarne será hoje, antes que o sol entre, meu assado”.

    (De Hans Staden, “Viagem ao Brasil ”, 1557.). 

    O único que não comia era o matador, que iniciava um período de resguardo, noqual deveria se abster de uma série de alimentos e atividades. A antropofagiaritual Tupinambá era seu mais forte elemento social e cultural, que fazia da morteguerreira uma condição da vida social.

    Paradoxalmente, porém, esses “carniceiros” foram antes carniça nas guerras deconquista dos colonizadores, em suas bandeiras e suas missões. Em menos dedois séculos, os numerosos Tupi foram varridos da costa brasileira – aqueles quenão sucumbiram à violência, às epidemias e à fome fugiram para o interior.

    Manto tupinambá, feito de penas deguará, ibis rubra, hoje em museu naDinamarca.

    Índios da AmazôniaA bacia amazônica foi palco das culturas indígenas mais sofisticadas antes daconquista. A expressão cultural mais importante dos indígenas da Amazônia é acerâmica desenterrada na Ilha de Marajó na foz do Amazonas e em Santarém, no rioTapajós, sendo as evidências de sociedades indígenas mais avançadas existentes noBrasil.

    As primeiras populações que habitaram a Ilha do Marajó viviam de forma simples, comorganização social baseada no trabalho doméstico e familiar. Dedicavam-se à caça, à

     pesca, à coleta de produtos da floresta e à horticultura. Cerâmica, tecidos e outrosobjetos eram produzidos para a família e para eventuais trocas com outros grupos.

    Os povos que viveram na Ilha do Marajó entre 1.500 anos a.C. até o século XVIII produziam cerâmica em estilosdiversos. A cerâmica marajoara demonstrava grande valor como objeto artístico e veículo de comunicação social ecultural. Desenhos geométricos e figuras humanas e de animais podem ser observados na decoração.

    A produção da cerâmica se concentrava no trabalho das mulheres das tribos, responsáveis por todo o processo, daescolha da argila à modelagem, da queima das peças à pintura dos objetos.

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     Igaçaba Marajoara. Museu do Encontro,Forte do Presépio. Belém-PA. 

    Dentre as peças cerâmicas mais famosas estão as igaçabas, urnas destina-das à guarda de ossos dos mortos em cerimônias funerárias. Há ainda as estatuetas, muitas utilizadas pelos pajés em rituais como maracás, e as tangasde cerâmica, usadas por mulheres em cerimônias e ritos de passagem.

    O principal grupo indígena que habitava a região do rio Tapajós, no Estadodo Pará, chamava-se Tapajó, habitando a região pelo menos desde o séculoX até o XVII. Sua principal aldeia estava situada na foz do rio Tapajós,local atual do bairro de Aldeia, na cidade de Santarém.

    Os relatos históricos informam que os Tapajó estavam organizados em al-deias com 20 a 30 famílias, vivendo juntas em casas coletivas. Os grupos

    familiares possuíam lideres (chefes), a quem deviam obediência.

    A cerâmica indígena tipicamente deSantarém da cultura cerâmica tapa-

     jônica apresentam regularmente arepresentação de figuras humanas eanimais. Os objetos mais significa-tivos da cerâmica de Santarém sãoos vasos de cariátides, os vasos degargalo, estatuetas e cachimbos.

    Os vasos de cariátides apresentam curiosamente pequenas figuras modeladas que sustentam uma vasilha sobre suascabeças. Esses vasos e os de gargalo apresentam em sua estrutura decorações com figuras humanas ou animais, como

    urubus, antas, macacos e pequenos batráquios. As estatuetas, em sua maioria, representam formas humanas, sobretudofemininas.

    Vaso de Cariátide. Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém-PA.  Muiraquitã. Museu Paraense Emílio Goeldi. Belém-PA.

    Além de sua sofisticada cerâmica, os índios Tapajó tem como maior expressão de sua criatividade os Muiraquitãs, quesão considerados os elementos de cultura material indígena mais sofisticado do Brasil.

    Os Muiraquitãs, também chamados de “Pedras das Amazonas”, eram adornos produzidos de pedras verdes (jadeíta,amazonita) em forma de batráquio, possivelmente utilizados como protetores contra doenças e mordedura de animais

     peçonhentos, assim como elemento para o aumento da fertilidade feminina e como figura mitológica astral. NaAmazônia, os muiraquitãs foram encontrados com maior freqüência nos vales dos rios Tapajós, Trombetas e Nhamundá

    Índios aldeados, escravos e resgatadosPara o Estado português, a prioridade era assegurar a participação dos indígenas nas atividades produtivas e suacolaboração na defesa do território. Isso determinou a adoção de diversas medidas legais em relação aos indígenas e ouso de sua força de trabalho.

    A liberdade era garantida para os índios aldeados e aliados, ou seja, os que viviam nos aldeamentos e foram convertidose aculturados. Livres, eram senhores de suas terras nas aldeias, passíveis de serem requisitados para trabalharem para osmoradores mediante pagamento de salário.

    Esses índios aldeados e aliados eram recrutados pelas “tropas de descimentos”, ou seja, eram “descidos”, isto é, trazidosde suas tribos do interior (“sertão”) para junto das povoações portuguesas, onde eram catequizados e “civilizados”, de

    modo a tornarem-se úteis a Coroa. Deles dependia o sustento dos moradores e a defesa da colônia.

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    Texto e contexto “Eu, El-Rei, recomendo aos Padres Jesuítas que penetrem tanto quanto possível nos sertões e façam neles igrejas paracultivar os índios na fé e para que vivam com a decência cristã e deixem seus bárbaros costumes.”(Provisão Régia de 1680). 

    Para o “descimento”, havia a obrigatoriedade da presença de missionários junto às tropas, já que o principal objetivo dosdescimentos era a conversão. O método usado para trazer os índios para aldeias próximas às povoações coloniais era a

     persuasão, ou seja, tratava-se de convencer os índios de que era interessante aldear-se junto aos portugueses, para sua própria proteção. Nas aldeias deviam viver índios e missionários, estes últimos, sobretudo padres jesuítas,administravam as aldeias e promoviam a catequese, isto é, o ensino da religião católica.

    O aldeamento era um projeto da colonização portuguesa para garantir a conversão dos índios ao catolicismo, a ocupaçãodo território, sua defesa e ainda servia como uma reserva d mão-de-obra para o desenvolvimento da colônia.

    A repartição da mão-de-obra era estabelecida pela “terça parte”: um terço permanecia na aldeia, um terço servia à Coroa(guerras, descimentos), o restante era repartido entre os moradores, para atividades remuneradas.

    Para a escravização dos indígenas, havia duas possibilidades: a guerra justa e o resgate. O principal caso de escravizaçãolegal era a guerra justa.

    As causas legítimas para a realização de uma guerra justa seriam a recusa à conversão, a prática de hostilidades contra o portugueses e a quebra de pactos celebrados. O impedimento à pregação era apontada como causa justificada de guerra, para punir e castigar aqueles que punham obstáculo à propagação da fé cristã. As hostilidades das tribos também eram

    causas das guerras justas. Era então estabelecida a hostilidade, a guerra devia destruir as aldeias inimigas, matando ouescravizando a todos a quem de algum modo resistir.

    Também podiam ser escravos os índios resgatados, que não eram inimigos, mas que eram cativos ou escravos de outrosíndios e que fossem comprados ou “resgatados”, para serem salvos. Contudo, o cativeiro através do resgate não erailimitado, havia tempo definido para manter o índio como cativo, geralmente dez anos para que fiquem livres.

    O escambo de pau-brasil, intensamente praticado no litoral, foi a primeira atividade importante onde se utilizou a mão-de-obra indígena. Na região amazônica, o uso da força de trabalho dos índios era importante, pois estes conheciam eregião, sendo utilizados na navegação nos rios, na orientação na mata, assim como no trabalho na floresta, na extraçãodas chamadas “drogas-do-sertão”.

    Em 1757, foi instituída a Lei do Diretório dos Índios que tiraria a tutela dos indígenas dos padres, passando aadministração dos aldeamentos para dirigentes civis, tal lei estabelecia: a substituição dos religiosos missionários pordiretores civis leigos nas aldeias; a obrigação do uso da língua portuguesa nas aldeias e vilas, com a proibição do uso da“língua geral”; a autorização da presença de brancos colonos nas aldeias, que podiam viver agora no povoado indígena;o incentivo ao casamento entre os indígenas e os colonos brancos.

    A Lei do Diretório tinha a intenção de tornar os indígenas cada vez mais úteis ao processo colonizador, tornando-os emhomens livres e colonos tendo como um dos seus objetivos efetivar a ocupação e a defesa do território brasileiro,sobretudo na região amazônica, alvo principal da reforma indigenista pombalina.

    Como solução econômica, a escravidão indígena fracassou na maior parte do território colonial brasileiro. Não pelaindolência, mas sim pela resistência dos índios ao cativeiro e a um regime de trabalho para eles opressivo, estranho esem sentido. Mas o uso da força de trabalho indígena teria importância em outras áreas coloniais, como, por exemplo, naAmazônia e em São Paulo.

    Os nativos sob o olhar europeu Os europeus deixaram sua visão inicial do Novo Mundo e seus ocupantes registrada em vários textos escritos, gravuras,desenhos, etc. Essa visão apresenta sentimentos contraditórios de encanto e estranhamento. Mas, à medida que osinteresses da conquista impuseram sua força, definindo objetivos econômicos e estratégias políticas de ocupação doterritório, a visão dos europeus passou logo da estranheza para a desconfiança, da atração para a rejeição.Dados à poligamia, canibalismo, idolatria e outros “vícios”, os indígenas, de seres “diferentes”, passaram à condição deseres inferiores. De “ bons selvagens”, foram reduzidos a selvagens simplesmente, ou a “ bárbaros”, à medida queaumentaram sua resistência ao avanço da conquista colonial.

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    Texto e Contexto “Os Índios moradores d’este rio tem grandissimas superstições, como os Engaibas, ainda q’ nenhum d’elles adora a

    couza algûa. Sam bárbaros, grandes comedores de carne humana, traidores em estremo, os mais delles se prezam defeiticeiros, e q’ falam com o Diabo, dam a entender a os demais q’ o Diabo gosta de algûas couzas, as quais todasexecutam e guardam inviolavelmente, mais por temor a outra couza.”(De Mauricio de Heriarte, em 1639, sobre os índios do rio Tocantins. HERIARTE, Mauricio de. A “Descriçam doEstado do Maranham, Para, Corupa, Rio das Amazonas” (1662). In: PAPAVERO, Nelson et. al. O Novo Éden... Belém:Museu Paraense Emilio Goeldi, 2002. 2ª ed. p. 252.) 

    Para justificar a pilhagem e submissão de povos inteiros e a morte de milhões de índios na América, os europeus nãohesitaram em atribuir caráter diabólico a muitos dos rituais indígenas e acusar os nativos de serem agentes do demônio e

    inimigos da cristandade. Trouxeram para o Novo Mundo a velha intolerância religiosa e o sentimento de superioridadedo europeu sobre povos considerados “atrasados” ou “ primitivos”.

    A noção de exotismo domina a representação do índio no motivo do selvagem bárbaro, cruel, antropófago, ou o seucontrário, o homem em estado natural, o “bom selvagem”.

    Texto e Contexto“No Novo Mundo, depois da chegada dos padres, há duas igrejas: uma boa e católica, chefiada por Roma, e outradiabólica, dirigida pelas hostes de Satã.”(Do padre espanhol Andrés de Olmos, por volta de 1550, sobre o cenário da luta espiritual na América).

    O olhar europeu em gravuras e relatos coloca-se, assim, a serviço da legitimação moral de assuntos profanos, bem comodos dogmas cristãos.

    O índio não-cristão apresenta-se nu para ser catequizado ou civilizado; o indígena, com maracás, ídolos em seus rituais,devia ser convertido. São, desta forma, sempre pensados e representados de acordo com os objetivos europeus deexploração e catequese. Tal visão extraída do caleidoscópio eurocêntrico justificava a presença ocidental em terraamericana.

    Com a colonização, os nativos da América portuguesa tinham duas escolhas: submeter-se ou resistir. No plano social e político, isso significada aderir a uma sociedade não-igualitária e hierarquizada, ou opor-se a ela. No plano cultural,implicava em preservar ou abandonar as tradições, crenças e costumes, pelos valores da sociedade européia cristã.

    Texto e Contexto “Não se pode esperar nem conseguir nada em toda esta terra na conversão dos gentios, sem virem para cá muitos

    cristãos, que conformando-se a si e a suas vidas com a vontade de Deus, sujeitem os índios ao jugo da escravidão e osobriguem a acolher-se à bandeira de Cristo.”(De José de Anchieta, em meados do século XVI, sobre a necessidade de submeter os nativos para convertê-los). 

    Alguns povos não tiveram escolha senão deixar-se catequizar e colocar-se sob o abrigo das ordens religiosas paraescapar da escravidão ou ao extermínio imposto pelos colonizadores. Outros empreenderam lutas em defesa de suaautonomia, como na Guerra Guaranítica (1753-1756), empreendida pelos índios guaranis no século XVIII contra aimposição do governo para que os indígenas guaranis que habitavam a região do rio da Prata deixassem seu territóriodurante a demarcação dos limites do território brasileiro imposto pelo Tratado de Madri (1750).

    Texto e Contexto Resistência Indígena no Brasil 

    Guerra ou Confederação dos Tamoios (1555-1567): ocorre no Rio de Janeiro e São Paulo. Os Tupinambá se aliam aoCarijó, Tupinikins e franceses, reúnem 180 canoas, num assalto matam Fernão, filho de Mem de Sá.Guerra dos Aimoré (1555-1673): os Aimoré, povo Jê, atingem Ilhéus, BA, atacando até o Recôncavo.Levante dos Tupinambá (1619): atacam Belém, PA, sob o comando do chefe Guaimiaba (Cabelo de Velha). Guerra dos Manau (1723-1728): os índios Manau liderados por Ajuricaba impedem qualquer barco luso subir o rio

     Negro de 1723 até 1728.

    Outros grupos optavam por fugir para regiões distantes dos núcleos coloniais. Entre esses, após a chegada dos portugueses no século XVI, um grupo numeroso de Tupinambás retiraram-se do litoral para a Amazônia, a procura doque eles chamavam de “terra sem males”.

    Referências

    CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos índios no Brasil . São Paulo: Companhia das Letras: SecretariaMunicipal de Cultura: FAPESP, 1992.

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    DEL PRIORE, Mary Lucy Murray. Retrato da América quando jovem: imagens e representações sobre o NovoContinente entre os séculos XVI e XVII . Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n. 9, 1992.

    GRUPIONI, Luís Donizete Benzi (org.). Índios no Brasil . São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura, 1992.

    PAPAVERO, Nelson et. al. O Novo Éden... Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi, 2002. 2ª ed.

    Postado por Prof às 13:12 Fonte: http://novahistorianet.blogspot.com.br/2009/01/ndios-no-brasil-histria-sociedade-e.html 

    Texto 2

    Escravidão e Resistência no BrasilProf.º Leonardo Castro

    O Tráfico Negreiro A partir da segunda metade do século XVI, começarama ser trazidos para a América os africanos como escra-vos em número expressivo para a exploração sistemáti-ca de sua mão-de-obra.

    A opção pelo africano se deu por algumas supostas van-tagens: maior resistência física às epidemias e maiores

    conhecimentos em trabalhos artesanais e agrícolas. Aopção pelo escravo africano se deu também porque o Escravos à venda no mercado do Valongo, junto ao porto doRio de Janeiro. Gravura de W. Read, século XIX.

    tráfico dava lucros, era uma das atividades mais lucrativas do sistema colonial. Para facilitar, nem o Estado nem a igrejacatólica condenavam a imposição da escravidão aos africanos.

    Os portugueses transportavam os escravos em suas ca-ravelas vindas da África. Os holandeses também reali-zavam o tráfico de escravos para o Brasil. O número deescravos embarcados dependia da capacidade da emba-rcação. Nas caravelas, os portugueses transportavam até500 cativos. Um pequeno navio podia transportar até200 escravos, um navio grande até 700.

    A bordo, todos os escravos eram marcados a ferro noombro ou na coxa. Embarcados, os cativos são acorren-tados até que se perca de vista a costa da África. Os na-vios negreiros embarcavam mais homens do que mulhe-res. O número de crianças era inferior, de 3% a 6% dosembarcados.

    Porão de Navio Negreiro. Gravura de Rugendas, 1835.  Angola (África Centro-Ocidental) e a Costa da Mina (todo o litoral do Golfo da Guiné) eram até o século XVIII os

     principais fornecedores de escravos ao Brasil. Os principais grupos étnicos africanos trazidos ao Brasil foram os bantos,oriundos de Angola, Golfo da Guiné e Congo; os sudaneses, originários do Golfo da Guiné e do Sudão; e os maleses,sudaneses islamizados.

    Durante o século XVI e o XVII, os escravos eram trazidos principalmente ao Nordeste para a atividade açucareira,sobretudo, para fazendas na Bahia e em Pernambuco. Em menor número eram enviados ao Pará, Maranhão e Rio deJaneiro. No final do século XVII, a descoberta do ouro na província de Minas Gerais eleva o volume do tráfico, que

     passa a levar os cativos para a região das minas. No século XVIII, o ouro sucede o açúcar na demanda de escravos, ocafé substitui o ouro e o açúcar no século XIX.

    Entre a segunda metade do século XVI e 1850, data do fim do tráfico negreiro (Lei Eusébio de Queiroz), o número deescravos vindos para o Brasil é estimado entre 3 500 000 e 3 900 000. O Brasil teria importado 38% dos escravostrazidos da África para o Novo Mundo.

    Os escravos a bordo estavam sujeitos a todos os riscos. Sua alimentação era escassa. Não fazia exercícios físicos durantea viagem. A higiene a bordo era muito medíocre. Havia ainda os maus-tratos a bordo e a superlotação dos porõesinsalubres e infectos.

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    Trinta e cinco dias durava a viagem de Angola a Pernambuco, quarenta até a Bahia, cinquenta até o Rio de Janeiro. Amortalidade era alta a bordo. 20% dos escravos morriam durante essa longa viagem.A partir da década de 1840, a Inglaterra começa a sua

    guerra contra o tráfico de escravos para o Novo Mundo,alegando razões humanitárias, mas na verdade com a fi-nalidade de ampliar o mercado consumidor de seus pro-duztos industrializados. É aprovada na Inglaterra a leiconhecida como Bill Aberdeen, que dava direito a Mari-nha de Guerra britânica de prender navios negreiros noAtlântico e julgar seus tripulantes.

    Sob pressão inglesa, o governo imperial brasileiro pro-mulga a 4 de setembro de 1850, a lei Eusébio de Queiroz,que extinguia o tráfico de africanos para o Brasil. Com ailegalidade do tráfico, a alternativa foi a intensi-ficaçãodo tráfico inter-regional e interprovincial de escravos.

    Assim, no século XIX, os cativos vinham prin-cipalmente das províncias do Norte e Nordeste para su-

     prir as necessidades de mão-de-obra do Sudeste cafeeiro.

    Ser escravo no BrasilA característica mais marcante da escravidão é o fato do

    As rotas do tráfico de Escravos africanos para as Américas eBrasil. 

    escravo ser propriedade de outro ser humano. O escravo é uma “ propriedade viva”, sujeita ao senhor a quem pertence. Nesta situação, o escravo é uma coisa, um “bem” objeto. 

    Sendo um bem objeto ou coisa do senhor, ou seja, sua propriedade, o escravo se tornava mercadoria de todos os tipos detransações nas relações mercantis. Assim, pelo direito de propriedade, o senhor podia vender seus escravos, alugá-los,emprestá-los, doá-los, transmiti-los por herança ou legado, penhorá-los, hipotecá-los, exercendo, enfim, todos os direitolegítimos de dono e proprietário.

    Assim, o senhor tinha o direito de utilizar a força de trabalho do escravo pelo modo que lhe conviesse, de modo a conseguir dele o maior proveito possível, assegurando em troca a subsistência necessária para sua manutenção.

    Equiparando-se às coisas e propriedade de outra pessoa, o escravo não era cidadão, sendo privado de quaisquer direitoscivis. O escravo podia constituir família, mas continuava marido, mulher e filhos propriedade do senhor, que não podia,

    no entanto, separar os cônjuges e os filhos menores de 15 anos.Texto e Contexto 

    “Os escravos são as mãos e os pés do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar eaumentar fazenda.”

    (Do jesuíta italiano André João Antonil, Cultura e opulência do Brasil, 1711.) 

    A escravidão no Brasil estava voltada, sobretudo, para as atividades agrárias. A força de trabalho escrava destinava-seaos estabelecimentos agrícolas nas regiões rurais onde residiam, habitando em senzalas. O escravo rural assenzalado foi

     predominante no Brasil.

     Na economia canavieira, a maioria dos escravos trabalhavaem todo o processo de produção, na lavoura e na produção do

    açúcar. No engenho, onde se fabricava o açúcar, trabalhavamna moenda, na casa das caldeiras e na casa de purgar. Alémdo setor da produção de açúcar, foi empregado também naagricultura de abastecimento interno, na criação de gado e nas

     pequenas manufaturas. Trabalhavam muito, de quatorze adezesseis horas. 

     Nas cidades, a sorte para o escravo parece ter sido menos du-ra, e o seu emprego se diversificava. Nas ruas, alguns possuí-am liberdade de locomoção, o que era negado a todos os es-cravos rurais. Podiam até, mediante negociação com seu se-nhor, residir em domicílio separado. Escravos na moenda de açúcar. Gravura de Jean

    Baptiste Debret, 1835. 

     Nas cidades, eram os escravos que se encarregavam do transporte de objetos, dejetos e pessoas, além de serem responsáveis por uma considerável parcela da distribuição do alimento que abastecia pequenos e grandes centros urbanos.

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    Alguns trabalhavam na residência do senhor, a serviço da família em serviços domésticos. Nas cidades, mestres arte-sãos utilizavam também escravos treinados em trabalhos artesanais, por isso tais escravos eram geralmente mais caros. Havia ainda aqueles escravos que trabalhavam nas ruas, prestando serviços, realizando trabalhos manuais ou vendendoartigos, alimentos, etc. Até o século XIX, nos portos das cidades, os escravos organizados em grupos de dez ou vinteeram muito utilizados nas atividades de manuseio e transporte de carga.

    Escravos vendedores ambulantes e quitandeiros, sobretudomulheres, povoavam as ruas de Recife, Salvador, OuroPreto, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e outras ci-dades. No Brasil, esses escravos eram chamados de escra-vos de ganho, que percorriam as ruas das cidades atrás de

    ocupação para prover as necessidades de seu senhor e suas próprias. Estes escravos entregavam uma renda fixa pordia para seu senhor, fruto de seu trabalho, e o restante po-diam guardar consigo. Os escravos podiam possuir bensmóveis e dinheiro. A renda adquirida podia ser utilizada

     para a compra da alforria (a liberdade) pelo escravo, a cha-mada manumissão. Esta podia ser comprada ou doada dosenhor, se está fosse sua vontade, ou seja, a liberdade atra-vés da manumissão era um ato que dependia da boa vonta-de do senhor, salvo em alguns casos determinados por lei. Escravos de ganho no Rio de Janeiro, 1860.

    Castigos e violência Uma das características do regime escravocrata é o que confere ao senhor o direito privado de castigar fisicamente oescravo. A exploração da força de trabalho escrava requeria necessariamente mecanismos de coerção que garantissem acontinuidade do trabalho. A relação entre senhor e escravo era, assim, marcada pela violência. Do ponto de vista daescravidão, o castigo do escravo era necessário e justo.

    Texto e Contexto “É lamentável, em todo caso, a sorte desses negros. Eles sabem que são espoliados e isso deve tornar-lhes ainda mais

    amargos os espancamentos e outros maus tratos que sofrem. Também é preciso ter em mente que muitos negros deixamde trabalhar bem se não foram convenientemente espancados. E se desprezássemos a primeira iniqüidade a que os

    sujeitam, isto é, sua introdução e submissão forçada, teríamos de considerar em grande parte merecidos os castigos quelhes impõem os seus senhores.” 

    (Do colono suíço Thomas Davatz, sobre o castigo sofrido pelos escravos no século XIX. DAVATZ, Thomas. Memóriasde um Colono no Brasil . 2ª Ed. São Paulo: Livraria Martins Ed., 1951. pp. 62-63)

    O sistema escravocrata possuía os mais bárbaros instrumentosde tortura como forma de manter, pelo terror, a dominaçãosobre os negros. A palmatória foi instrumento de castigoaplicado nas casas-grandes e senzalas, em escravos, assimcomo nas crianças, sendo um método pedagógico utilizado

     para moldar comportamentos e hábitos.

    O açoite era a pena aplicada ao escravo, usava-se para isso do“ bacalhau”, chicote feito com cabo de madeira e de cincotiras de couro retorcidos ou com nós. Nas fazendas era

    utilizado para punir pequenas faltas ou acelerar o ritmo detrabalho, com algumas lambadas. Nos casos de delitos graves,o castigo era exemplar, sendo assistido pelos demais escravos.Era comum a surra-de-carro, no qual ficava o negro amarradoem um carro de boi, de bruços e braços abertos para receberas chicotadas.

    Escravo no pelourinho sendo açoitado. Gravura deDebret, 1835. 

    As execuções oficiais eram feitas em praça pública, no pelourinho – coluna de pedra com argolas onde eram presos osescravos. Procurava-se fazer da punição um exemplo que intimidasse a escravaria.

    O tronco foi outro instrumento e tortura, consistia num grande retângulo de madeira dividido em duas partes entre asquais havia buracos destinados a prender a cabeça, os pulsos e os tornozelos do escravo. Preso, o escravo permaneciaimóvel, indefeso aos ataques de insetos e ratos, em contato com sua urina e fezes, isolado num barracão, até o seu senho

    resolver soltá-lo. 

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    Escravos no tronco. Debret, 1835.

    A máscara de flandres era usada para punição de furto de

    alimentos, alcoolismo, ingestão de terra, e, na mineraçãode diamantes, para impedir que os negros extraviassem as pedras, engolindo-as. A máscara podia cobrir todo o rostoou apenas a boca, sendo fechada a cadeados por trás dacabeça.

    Usados para prender, transportar, maltratar ou sujeitar os  O tronco. Acervo do Museu Imperial, Rio de Janeiro. 

    Escravo com mascara deflandres. Debret, 1835. 

    escravos, os instrumentos de ferro faziam parte do patrimônio das fazendas e das casas.Eram correntes, algemas, cadeados, grilhões, colares, tudo para garantir a submissão dosnegros escravos pela tortura e degradação.

    Texto e Contexto 

    “Ver que os senhores têm cuidado de dar alguma coisa dos sobejos da mesa aos seus filhos pequenos, é causa de que os escravos os sirvam de boa vontade, e que se alegrem de lhesmultiplicarem servos e servas. Pelo contrário, algumas escravas procuram de propósito

    aborto, para que não cheguem os filhos de suas entranhas a padecer o que elas padecem.”(De André João Antonil. Cultura e opulência do Brasil , 1711.)

    Rebeldia e Resistência negra no Brasil A violência legal e sistematicamente utilizada pelo branco como meio de submeter oescravo, gerava o medo, mas também a revolta e formas de resistência por parte dosescravos submetidos a tais castigos cruéis. A reação do escravo assumiu várias formas.

    O aborto foi frequentemente provocado pelas escravas para não verem seus filhos na mesma

    situação degradante delas e também como meio de prejudicar o senhor, sempre interessadono aumento do número de crias.

    Os instrumentos de ferro de “castigos e penitências” usados para punir esubmeter os escravos: algemas, palmatórias, gargalheiras (espécie de

    coleira presa ao pescoço do cativo), etc. Acervo do Museu HistóricoNacional, Rio de Janeiro.

    Texto e Contexto “O homem, porém, por mais abatido e rebaixado que seja em suadignidade, em sua vontade e liberdade, pela prepotência de seusemelhante, tende sempre a sacudir o jugo. O livre promove as

    revoluções, transforma a sociedade, modifica a organização social. Oescravo revolta-se parcialmente contra os senhores...”(Perdigão Malheiro, A escravidão no Brasil, 1867.) 

    A reação pelo suicídio era uma forma do escravo em se libertar dascondições subumanas em que vivia. O suicídio estava geralmente ligado aum momento de medo ou impasse em que o escravo se via indefesodiante da repressão do branco, sendo comum escravos se matarem apósterem agredido ou matado um branco.

    A rebeldia consistia a resposta do negro à violência do sistema escravista. Rebeldia está também respondida com violência pelos escravos. Eram comuns os casos em que feitores, senhores e seus familiares são estrangulados, asfixiados,esfaqueados ou simplesmente mortos a pancada pelos escravos.

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    O ódio do escravo era pelo senhor e pelo feitor, mas também porsuas famílias, pois era um modo indireto de atingi-los. A frequên-cia de ataques e homicídios cometidos por escravos levou muitasvezes o governo brasileiro a promulgar leis duras, inclusive a

     pena de morte.

    Escravos matam senhor. Desenho do século XIX, deArago. 

    Texto e Contexto “Serão punidos com pena de morte os escravos ou escravas, quematarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno,ferirem gravemente ou fizerem qualquer outra grave ofensafísica, a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentes

    que em sua companhia morar, a administrador, feitor, e as suasmulheres que com eles viverem. Se o ferimento ou ofensa físicaforem leves, a pena será de açoites, a proporção dascircunstâncias , mais ou menos agravantes.”(Artigo 1°, da lei de 10 de junho de 1835, Governo Regencial.) 

    Os quilombos como espaço deresistência e liberdadeA forma de resistência escrava mais temida pelos senhores era a fuga seguida da formação de aldeamentos coletivos, osquilombos. A fuga era para o escravo a solução mais simples contra a violência da dominação branca. O trabalhocompulsório e excessivo, as precárias condições de subsistência, a degradação e o controle constante a que estavamsubmetidos predispunham os escravos a evasão, facilitada pela grande extensão de terras sem ocupação efetiva no país.

    Texto e Contexto “Fugiu no dia 29 de junho passado uma preta de nação mina, ladina, bemfalante, com os sinais seguintes: alta, magra, proporcionada, bonita, bemfeita, e com bons dentes, levou camisa de algodão americano, vestido deriscadinho escuro, um lenço no pescoço e outro amarrado na cabeça, àmaneira das pretas da Bahia, e um pano de riscado a costa com que secostuma embrulhar; ela anda pela cidade porque foi encontrada na rua doOuvidor e no largo do Capim em companhia de uma outra preta mina quevende galinhas no largo do Capim e tem casa no Valongo, onde mora.”(Diário do Rio de Janeiro, 16/07/1836.) 

    Anuncio da Fuga do escravo Fortunato. Riode Janeiro, 18 de outubro de 1854.

    Muitos fugitivos iam para a cidade, onde eram empregados por outrossenhores em serviços esporádicos, como se fossem escravos forros. O

     pequeno comércio ambulante era uma atividade que empregava essesescravos fugidos. Outros escravos fugidos eram capturados ouconvencidos por outros negros para viverem em quilombos.

    Erguidos nas matas ou em áreas de difícil acesso que oferecessemsegurança e meios naturais de sobrevivência, os quilombos eram o granderefúgio dos escravos que conseguiam escapar da opressão. Os quilombostambém abrigavam negros forros, índios, mulatos e caboclos.

    Os quilombos surgiram e cresceram em desafio aberto à sociedade e à

    autoridade colonial. Para enfrentar a repressão, os escravos aquilombados precisaram recorrer à violência e à luta armada. Os negros dos quilombosfaziam freqüentemente incursões para prover, através do roubo ou escam-

     bo, suas necessidades de alimentos, utensílios, armas e também para conseguir, pelo rapto ou persuasão, mais negros para o quilombo. Outros buscavam desenvolver até mesmo relações com as povoações próximas, estabelecendo comelas um comércio regular com troca de alimentos, animais e lenha por tecidos, utensílios e ferramentas.

    Texto e Contexto “Os escravos pretos lá, Quando dão com maus senhores, Fogem, são salteadores, e Nossos contrários são. Entranham-se

     pelos matos, E como criam e plantam, Divertem-se, brincam e cantam, De nada têm precisão.Vêm de noite aos arraiais, E com indústrias e tretas, Seduzem algumas pretas, Com promessas de casar. Eis que a notícise espalha, Do crime e do desacato, Caem-lhe os capitães-do-mato, E destroem tudo enfim.”

    (De Joaquim José Lisboa, 1806; In: REIS, João J; GOMES, Flavio. Liberdade por um fio – história dos quilombos no Brasil . São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 164-65.) 

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     No século XVII, a desorganização da colônia portuguesa no Brasil causada pelas invasões holandesas no Nordestecanavieiro facilitou as fugas dos negros, intensificadas a partir de 1630. O quilombo era a melhor alternativa de defesa esobrevivência do negro escravo fugido.

    Os quilombos surgiram em todas as áreas do território português. Em Minas Gerais era grande a concentração dequilombos no Alto São Francisco, o mais famoso dele chamava-se Ambrósio. No século XIX, no Rio de Janeiro, o maisconhecido quilombo foi o liderado pelo escravo ManoelCongo, em Vassouras. Na região norte, no Grão-Pará,os quilombos surgiram sobretudo a partir do séculoXVIII, espalhando-se pelo baixo amazonas (atual regiãode Oriximiná, Óbidos, Alenquer), no Tocantins, na Ilha

    do Marajó e, principalmente, a leste da capital Belém. 

    Entre todos os quilombos do período colonial, osmaiores e mais afamados foram os da região dePalmares, no sul da capitania de Pernambuco (hoje,norte de Alagoas). O quilombo de Palmares surgiu por O Quilombo dos Palmares.  

    voltada de 1602. Em seus vários mocambos (aldeamentos), espalhados por umaárea de 150 km, chegaram a reunir, segundo estimativas, mais de vinte mil

     pessoas.

     No quilombo, os negros africanos procuraram se organizar de acordo com antigasregras tribais baseadas na autoridade local do chefe de cada um dos mocambos.

    Esses chefes estavam submetidos a Ganga-Zumba, em cujo mocambo se reuniam.Com a morte Ganga-Zumba, assumiu o poder em Palmares seu sobrinho, Zumbi.

    Tanto por pressão dos senhores de terra preocupados em recuperar seus escravos,quanto por interesse das autoridades, o quilombo de Palmares foi destruído em1694 pelas tropas do pernambucano Bernardo Vieira de Melo e do bandeirante

     paulista Domingos Jorge Velho, após quase um século de guerras.

    Os quilombos tornaram-se o símbolo de uma resistência ameaçadora para osgrupos dominantes do Brasil e alvo permanente da repressão oficial, dandoorigem inclusive a leis violentas.

    Zumbi, líder negro de Palmares. Tela de Antônio Parreiras, Museu AntônioParreiras, Niterói, RJ. 

    Texto e Contexto “Eu El-Rei faço saber aos que este Alvará em forma de lei virem, que sendo-me presente, os insultos que no Brasilcometem os escravos fugidos, a que vulgarmente chama de calhambolas, passando a fazer o excesso de se juntar emquilombos... hei por bem que a todos os negros, que forem achados em quilombos, estando neles vulgarmente, se lhes

     ponha uma marca em uma espádua com a letra F... se quando se for executar esta pena for achado já com a mesmamarca se lhe cortará uma orelha; tudo por simples mandado do Juiz de Fora... sem processo algum...” (Alvará de 03 de março de 1741.)Postado por Prof às 23:11 http://novahistorianet.blogspot.com.br/2009/01/escravido-e-resistncia-no-brasil.html 

    Texto 3

    A influência africana no processo de formação da cultura afro-brasileira29/08/2013Márcio Carvalho C. Ferreira*

    Este artigo tem como intenção analisar a influência cultural dos africanos no Brasil. Por meio da revisão bibliográficaobserva-se o intenso intercâmbio cultural ocorrido entre os escravos africanos, os indígenas e os europeus. Essas trocasculturais ocorridas por vários séculos durante o período colonial brasileiro contribuíram para a formação de uma culturahíbrida e bastante rica. No que se refere à contribuição africana é evidente, principalmente, na culinária, dança, religião,música e língua. Percebe-se, que, essa matriz africana teve um papel importante na formação e delineamento da identi-dade cultural afro-brasileira, uma que, os escravos possuíam uma grande diversidade cultural devido à sua origemdistinta e por pertencerem a diversas etnias com idiomas e tradições distintas, pois, eram oriundos de diversas regiões do

    continente africano. Já, no Brasil esses africanos souberam assimilar, interpretar e recriar certas práticas de outrasculturas com os quais estiveram em contato.

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    Palavras-chaves: Cultura. Identidade. África. Afro - brasileira.

    IntroduçãoA influência africana no processo de formação da cultura afro-brasileira come-çou a ser delineada a partir do tráfico negreiro. Quando milhões africanos "deixa-ram" forçadamente o continente africano e despontarem no Brasil para exercer otrabalho compulsório.

    O escravo africano era um elemento de suma importância no campo econômicodo período colonial sendo considerado "as mãos e os pés dos senhores de enge-nho porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazen-da, nem ter engenho corrente" (ANTONIL, 1982, p.89). Contudo, a contribuição

    africana no período colonial foi muito além do campo econômico, uma vez que,os escravos souberem reviver suas culturas de origem e recriarem novas práticasculturais através do contato com outras culturas.

    É importante salientar que não houve uma homogeneidade cultural praticada pelos negros africanos, visto que imperavauma heterogeneidade favorecida pelas origens distintas dos africanos, que apesar de oriundos do continente africano,geralmente os escravos apresentava uma prática cultural diferenciada em alguns aspectos devido à região que pertencia,

     pois a África caracteriza-se em um continente dividido em países com línguas e culturas diversas.

    Além da prática cultural diferenciada ressaltada, os africanos, ainda, incorporaram algumas práticas europeias e indíge-nas, além de, influenciá-los culturalmente. O intercâmbio cultural entre os elementos citados contribuiu para uma formação cultural afro - brasileira híbrida e bastante peculiar.

    DesenvolvimentoAo longo do período colonial e monárquico brasileiro foi grande o contingente de escravos africanos no Brasil, vistoque, constituía a maior mão - de - obra do período. A contribuição desses escravos foi além da participação econômica,uma vez que, foram inserindo suas práticas, seus costumes e seus rituais religiosos na sociedade Brasileira contribuindodessa forma para uma formação cultural peculiar no Brasil.

    Importante, ressaltar que as práticas desses escravos africanos eram diferenciadas, pois eles eram oriundos de pontosdiferentes do continente africano. De acordo com VAINFAS (2001 p.66), durante o período colonial, quase nada sesabia sobre a origem étnica dos africanos traficados para o Brasil. Porém, ao longo do período passou-se a designá-los a

     partir da região ou porto de embarque, ou seja, das áreas de procedência.

    Apesar da origem diversa dos escravos africanos, dois grupos se destacaram no Brasil: os Bantos e os Sudaneses. Os bantos foram assim, classificados devido à relativa unidade lingüística dos africanos oriundos de Angola, Congo e

    Moçambique.Vainfas (2001, p. 67) destaca que:

    Os povos bantos predominaram entre os escravos traficados para o Brasil desde o século XVII, concentrando- se na região sudeste, mas espalhados por toda a parte, inclusive na Bahia. (...) Os Bantosoriundos do Congoeram chamados de congo, muxicongo ,loango, cabina, monjolo, ao passo que os de Angola o eram demassangana, cassange, loanda, rebolo, cabundá, quissamã, embaca,benguela.

    Essa diversidade fez com os Bantos apresentassem uma especificidade cultural, notadamente na lingüística, noscostumes e, principalmente, no campo religioso, que mesclou aspectos do cristianismo com suas tradições religiosas.

    De acordo com Kavinajé (2009, p. 3):Os bantos, depois de um primeiro período de autonomia religiosa, que se conhece através de documentos

    históricos, assistiram à transformação de seus cultos. Por um lado, esses deram lugar á macumba; por outro,amoldaram-se às regras dos condomblés nagôs, não se distinguindo deles senão por uma maior tolerância. Oscultos bantos em gradativo declínio acolheram os espíritos dos índios, o que iria levar ao surgimento de um"condomblé de cablocos", e adotaram cantos em língua portuguesa, ao passo que os condomblés nagôs sóusam cantos em língua africana.

    Já os sudaneses provenientes da África ocidental, Sudão e da Costa da Guiné, contribuíram culturalmente para a forma-ção de uma identidade afro-brasileira, visto que muito de suas práticas culturais imperam atualmente como, por exem-

     plo, o candomblé, prática religiosa dos escravos sudaneses.

     No Brasil estes grupos: bantos e sudaneses misturaram-se resultando em cruzamentos biológicos, culturais e religiosos.

    De acordo com Paiva (2001, p.36):

     Misturavam-se informações, assim como etnias, tradições e práticas culturais. Novas cores eram forjadas pela sociedade colonial e por ela apropriadas para designar grupos diferentes de pessoas, para indicar

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    hierarquização das relações sociais, para impor a diferença dentro de um mundo cada vez mais mestiço. Dacor da pele à dos panos que a escondia ou a valorizava até a pluralidade multicor das ruas coloniais, reflexode conhecimentos migrantes, aplicados à matéria vegetal, mineral, animal e cultural.

     Nota-se que o cruzamento cultural entre estes povos africanos propiciou a construção de uma identidade cultural brasileira, ou cultura afro-brasileira. Uma vez que, eles não temeram em "inventar códigos de comportamentos e derecriarem praticas de sociabilidade e culturais" (Paiva 2001, p.23). Assim, este cruzamento foi resultado de um longo

     processo que propiciou uma riqueza cultural peculiar ao Brasil.

    De acordo com Paiva (2001, p.27), pode-se caracterizar este cruzamento cultural como resultante de uma aproximaçãoentre universos geograficamente afastados, em hibridismos e em impermeabilidades, em (re) apropriações, emadaptações e em sobreposição de representações e de práticas culturais.

    Assim, a influência africana foi se tornando visível em vários seguimentos da sociedade colonial, tais como culinária, práticas religiosas, danças, dentre outros valores culturais que foram incorporados pela população brasileira.

    Sobre a influência africana Freire (2001, p. 343) destaca que:Quantas "mães-pretas", amas de leite, negras cozinheiras e quitandeiras influenciaram crianças e adultosbrancos (negros e mestiços também), no campo e nas áreas urbanas, com suas histórias, com suas memórias,com suas práticas religiosas, seus hábitos e seus conhecimentos técnicos? Medos, verdades, cuidados, formade organização social e sentimentos, senso do que é certo e do que é errado, valores culturais, escolhas gastronômicas, indumentárias e linguagem, tudo isso conformou-se no contato cotidiano desenvolvido entrebrancos, negros, indígenas e mestiços na Colônia.

    Ainda de acordo com Freyre (2001, p. 346), a nossa herança cultural africana é visível no jeito de andar e no falar do

     brasileiro, pois: Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo em que se deliciam nossos sentidos, na música, no andar, na fala, no canto de ninar menino pequeno, em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos amarca da influência negra. Da escrava ou sinhama que nos embalou. Que nos deu de mamar. Que nos deu decomer, ela própria amolegando na mão o bolão de comida. Da negra velha que nos contou as primeirashistórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o primeiro bicho- de- pé de uma coceira tãoboa. De que nos iniciou no amor físico e nos transmitiu, ao ranger da cama- de- vento, a primeira sensaçãocompleta de homem. Do muleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo. (Freyre (2001,p. 348)

    Observa-se que de acordo com a citação acima a influência africana foi além da cozinha e da mesa, chegando até a ca-ma, pois era comum a iniciação sexual do "senhorzinho" branco ocorrer com uma escrava. Comum também era a práticde feitiços sexuais e afrodisíacos pelos escravos, pois foi na "perícia e no preparo de feitiços sexuais e afrodisíacos que

    deu tanto prestigio a escravos macumbeiros juntos a senhores brancos já velhos e gastos." Freyre (2001, p. 343)A influência do escravo negro na vida sexual da família brasileira é destacada por, Freyre (2001, p. 381), assim:

    (...) O grosso das crenças e práticas da magia sexual que se desenvolveram no Brasil foram coloridas pelointenso misticismo do negro; algumas trazidas por ele da África, outras africanas apenas na técnica, servindo- se de bichos e ervas indígenas. Nenhuma mais característica que a feitiçaria do sapo para apressar arealização de casamentos demorados. O sapo tornou-se também, na magia sexual afro-brasileira, o protetorda mulher infiel que, para enganar o marido, basta tomar uma agulha enfiada em retrós verde, fazer com elauma cruz no rosto do individuo adormecido e coser depois os olhos do sapo.

    Além da influência na vida sexual destacado no clássico Casa Grande e Senzala, merecem ênfase as canções que forammodificadas pelas negras.

    Também as canções de berço portuguesas, modificou-se a boca da ama negra, alterando nelas palavras; adaptando-as àscondições regionais; ligando-as às crenças dos índios e às suas. Assim a velha canção "escuta, escuta menino" aquiamoleceu-se em "durma, durma, meu filhinho", passando Belém de "fonte" portuguesa, a "riacho" brasileiro. Freyre(2001, p. 380)

    Observa-se que as amas apropriaram-se das canções de origem portuguesa e as recriaram, dando um toque especial, otoque africano. Isso é perceptível na "infantilização" das palavras das canções.

    "A linguagem infantil também aqui se amoleceu ao contato da criança com a ama negra. Algumas palavras, ainda hojeduras ou acres quando pronunciadas pelos portugueses, se amaciaram no Brasil por influência da boca africana. Da bocaafricana aliada ao clima - outro corruptor das línguas europeias, na fervura por que passaram na América tropical esubtropical. Freyre (2001, p. 382)

    Deste modo, foi se delineando a língua falada no Brasil, a língua portuguesa que foi amplamente influenciada pelo mod

    de falar dos escravos africanos.

  • 8/19/2019 Textos sobre As Culturas indígenas e escrava no Brasil.pdf

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    A ama negra fez muitas vezes com as palavras o mesmo que com a comida: machucou-as, tirou-lhes as espinhas, osossos, as durezas, só deixando para a boca do menino branco as sílabas moles. Daí esse português de menino que nonorte do Brasil, principalmente, é uma das falas mais doces deste mundo. Sem rr nem ss; as sílabas finas moles; palavraque só faltam desmanchar-se na boca da gente. A linguagem infantil brasileira, e mesmo a portuguesa, tem um saborquase africano: cacá, bumbum, tentén, nenén, tatá, papá, papapo, lili, mimi (...) Amolecimento que se deu em grande

     parte pela ação da ama negra junto à criança; do escravo preto junto ao filho do senhor branco. Os nomes próprios foramdos que mais se amaciaram, perdendo a solenidade, dissolvendo-se deliciosamente na boca dos escravos. Freyre (2001,

     p. 382)

     Nota-se que o intercâmbio cultural entre os negros africanos, indígenas e portugueses foram intensos, notadamente nalíngua, costumes, modos, comidas, forma de pensar e práticas religiosas. De acordo com Paiva (2001, p. 185) As trocas

    culturais e os contatos entre povos de origem muito diversa é algo que, então, fazia parte do dia - a – dia colonial, desdea chegada dos portugueses.Isto, porque, era ampla a vivência cultural da população negra no Brasil colonial, refletindoamplamente na sociedade do período.

    Deste intercâmbio cultural formou-se a cultura afro-brasileira, sendo visível à influência africana em todos os aspectosda sociedade brasileira, não sendo possível desvincular a cultura brasileira da africana, da indígena ou da européia.Para Paiva (2001, p.39) a formação cultural não se deu de forma linear, uniforme e harmônica. Muitos foram osconflitos, as adaptações e os arranjos ao longo do período.

    É evidente que não estou sugerindo uma formação linear desse universo cultural, nem estou emprestando-lhe umaharmonia, que, de fato, pouco existiu. Tanto seu processo de formação quanto a convivência no interior dele se deram (ese dão) de maneira conflituosa na maioria dasezes, embora haja, também, adaptações constantes, arranjos e acordos quevisam a sua preservação. Paiva (2001, p. 41)

    A preservação dessas práticas culturais ocorreu através de aproximações e afastamentos conforme idéia defendida porPaiva (2001, p.40):

    A conformação e a preservação do universo cultural dão-se, então, através das aproximações e afastamentos, dasinterseções, da intervenção de espaços individuais e coletivos, privados e comuns, que envolvem dimensões do viver tãodiversas quanto à do material, da utensilagem e das técnicas; dos costumes e tradições, das práticas e das representaçõesculturais; da mitologia e da religião; do físico e concreto, do psicológico e imaginário; da linguagem e das escritas; dadominação, da resistência e do transito entre elas: da temporalidade e da espacialidade; das continuidades e dasdescontinuidades; da memória e da história. Tudo implicado com os campos da política e do econômico, provocandomutuamente contínuas reordenações e construções sociais.

    Desse modo, observa-se a formação e a preservação de uma identidade cultural, bastante plural devido às influências:

    européia, africana e indígena, favorecendo uma riqueza cultural bastante peculiar. Estas peculiaridades multiculturaismanifestaram-se, principalmente, na língua, culinária, música, dança, religião, dentre outros.

    ConclusãoConclui-se que os africanos tiveram um papel importante no processo de formação cultural brasileiro, pois através dainserção de suas práticas e seus costumes na sociedade brasileira contribuíram para a formação de uma identidadecultural afro-brasileira.

    REFERÊNCIAS

    ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia: São Paulo: EDUSP, 1982.

    FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 43 ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

    PAIVA, Eduardo França. Escravidão e Universo Cultural na Colônia. Minas Gerais: UFMG, 2001.VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

    KAVINAFÉ, Tata Kisaba: O sacrifício do povo africano cultura Afro - Americana. Acesso em 28 jan. 2009.

    *Márcio de Carvalho C. Ferreira, funcionário público, Formado em História - licenciatura plena, pelo Instituto Superiorde Educação (Ceiva) Januária MG, Pós graduado em História e cultura Afro-Brasileira, pela Finon. Atualmente cursa oscursos de pós graduação de Educação ambiental e Docência do ensino superior

    http://www.acordacultura.org.br/artigos/29082013/a-influencia-africana-no-processo-de-formacao-da-cultura-afro-brasileira