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Literatura Infantil: a experiência sensível da linguagem Ana Paula Cecato de Oliveira Assessoria a projetos e programas de leitura da Câmara Rio-Grandense do Livro, Professora de Português e Literatura e Mestranda em Letras no UNIRITTER

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Page 1: Tessituras   literatura infantil

Literatura Infantil: a experiência sensível

da linguagem

Ana Paula Cecato de Oliveira

Assessoria a projetos e programas de leitura da Câmara Rio-Grandense do Livro, Professora de Português e Literatura e Mestranda em Letras no UNIRITTER

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• Como nós, mediadores da leitura literária, entendemos a Literatura?

• A Literatura pode ser considerada um método de conhecimento?

• Quando falamos em “mediação de leitura” que ações estão implicadas neste processo?

• Servirá à Literatura apenas a fruição, o prazer, o deleite?

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Walter Beach Jumphrey

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CRIANÇA LENDO. Da biblioteca da escola recebe-se um livro. Nas classes inferiores é feita uma distribuição. Só uma vez e outra ousa-se um desejo. Muitas vezes veem-se livros cobiçosamente desejados chegar a outras mãos. Por fim, recebia-se o seu. Por uma semana estava-se inteiramente entregue ao empuxo do texto, que envolvia branda e secretamente, densa e incessantemente como flocos de neve. Dentro dele se entrava com confiança sem limites. Quietude do livro que seduzia mais e mais! Cujo conteúdo Nem era tão importante. Pois a leitura caía ainda no tempo em que se inventavam histórias para si próprio na cama.

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Seus caminhos semi-encobertos de neve a rastreia. Ao ler, ela mantém as orelhas tapadas; seu livro fica sobre a mesa alta demais e uma das mãos fica sempre pousada sobre a folha. Para ela as aventuras do herói são legíveis ainda no redemoinho das letras como figura e mensagem no empuxo dos flocos. Sua respiração está no ar dos acontecimentos e todas as figuras lhe sopram. Ela está misturada entre aspersonagens muito mais de perto do que o adulto. É indizivelmente concernida pelo acontecer e pelas palavras trocadas e, quando se levanta, está totalmente coberta pela neve do lido. (BENJAMIN, 1987, p.37)

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Walter Benjamin

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Pensador alemão (15/7/1892-26/9/1940). Considerado um dos mais importantes críticos literários da Alemanha do início do século. Nasce em Berlim e estuda filosofia em Freiburg, Berlim, Munique e Berna. Fixa-se em Berlim em 1920 e trabalha como crítico e tradutor. É um dos expoentes da escola de Frankfurt, ao lado de Theodor Adorno e Max Horkheimer. Interrompe a carreira acadêmica quando, em 1928, a Universidade de Frankfurt rejeita sua tese de doutorado sobre A Origem do Drama Trágico Alemão, considerada pouco convencional. Filho de judeus, deixa a Alemanha em 1933, em virtude da ascensão do nazismo, e muda-se para Paris. Continua a escrever ensaios e artigos para jornais de literatura até a invasão da França pelos nazistas, quando foge para o sul da Europa com a intenção de escapar para os Estados Unidos pela Espanha. Preso pela polícia da cidade de Port-Bou, na fronteira franco-espanhola, e informado de que seria entregue à Gestapo, suicida-se. Sua obra rende-lhe reconhecimento póstumo. Os ensaios contendo suas reflexões filosóficas sobre literatura são densos e entremeados de observações poéticas.

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Quando e como surgiu a denominação “Literatura

Infantil”...

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• “O livro infantil alemão – assim como o autor nos introduz em sua história – nasceu com o Iluminismo. Com sua forma de educação, os filantropos colocavam à prova o imenso programa de formação humanista. Se o homem era piedoso, bondoso e sociável por natureza, então deveria ser possível fazer da criança, ser natural por excelência, o homem mais piedoso, mais bondoso e sociável.” (BENJAMIN, 2002, p. 54-55)

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• O surgimento das primeiras obras é concomitante ao estabelecimento da família nuclear burguesa, bem como à consolidação da instituição escolar, por volta do séc. XVIII.

• Não havia grandes preocupações estéticas, atrelavam-se ao sentido didático-moralizante destinado ao público escolar.

Muitas questões, ainda, são tabus no espaço escolar, quando tratados em uma obra

literária.

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Quais seriam, então, as origens “mais puras” da Literatura

Infantil?• A LI iniciou muito antes do que sua formalização

conceitual, através da aproximação do mundo infantil com o mundo mítico. Nelly Novaes Coelho afirma que a aproximação se estabelece pela identificação entre o popular e o infantil, pois ambos são definidos por uma “consciência primária na apreensão do eu interior ou da realidade exterior”, mediados pelas “emoções, sentidos e sensibilidade” (COELHO, 2000, p. 36).

• Dessa maneira, orientam-se pelo pensamento mágico, onde prevalecem textos como mitos e lendas. Vale lembrar, também, de um elo que se complementa à relação estabelecida previamente: a oralidade. A maioria das crianças começa sua história de leitor como ouvinte de histórias, cantigas de ninar e demais gêneros que provém da Literatura Oral.

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• Sendo assim, a última definição parece-nos mais oportuna, uma vez que parte de uma concepção de literatura como forma de expressão artística, que não precisa comprometer-se com ensinamentos e vincular-se ao espaço escolar.

• Há autores que lançam dúvida à denominação “Literatura Infantil”, atribuindo “Literatura para a infância”, defendendo que, dessa maneira, a produção não se restringe a uma fase da vida ou classificação etária, e abre caminhos para unir, pelo poder da palavra, adultos e crianças num mesmo universo estético.

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• “Há um provérbio em Moçambique que diz: a vida de cada um é um rio. Assim pensado, o tempo que nos cabe para viver é alimentado por uma fonte eterna: a infância. E assim dita, a infância não é um tempo passado, mas a capacidade infinita de nos renovarmos entre nascente e estuário. (...) a ideia de que aquilo que chamamos de Literatura Infantil é, muitas vezes, um estereótipo fundado numa falsa menoridade da criança e na verdadeira arrogância do adulto. Esse conto (A diaba e sua filha) fala desse rio que apenas existe se nos olharmos como eternos inventores da nossa própria infância. Na margem desse rio, nenhuma história tem idade porque toda a narrativa está fora do tempo.” (Mia Couto, na orelha do livro A diaba e sua filha, de Marie Ndiaye)

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• A criança exige do adulto uma representação clara e compreensível, mas não “infantil” (no sentido de infantilizada). Muito menos aquilo que o adulto costuma considerar como tal. E já que a criança possui senso aguçado mesmo para uma seriedade distante e grave, contanto que esta venha sincera e diretamente do coração, muita coisa se poderia dizer a respeito daqueles textos antigos e fora de moda.” (BENJAMIN, 2002, p.55)

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Literatura Infantil enquanto experiência sensível da

linguagem• A linguagem media a relação do homem

com o seu mundo, somente na linguagem o homem confere sentido à realidade das coisas.

• De que forma a criança se relaciona com a linguagem?

• No universo infantil, a relação de significação com a linguagem acontece por e com imagens, que remetem a um mundo sensível, desprovido de objetividade;

• Percepção imagética e lúdica do mundo.

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Ao elaborar histórias, crianças são cenógrafos que não se deixam censurar pelo “sentido”.

(BENJAMIN, 2002, p.70)

Fantasiada com todas as cores que capta lendo e contemplando, a criança se vê em meio a uma

mascarada e participa dela. Lendo – pois se encontraram as palavras apropriadas a esse baile

de máscaras, palavras que revolteiam confusamente no meio da brincadeira como sonoros flocos de

neve. (BENJAMIN, 2002, p.70)

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O que é um bom livro infantil?

• Antes de tudo, deve considerar o repertório, o interesse e o propósito do leitor;

• Como mediadores, o texto deve aproximar o leitor do prazer estético e propor “uma educação do olhar”;

• Deve permitir ao leitor a construção de sentidos a partir da leitura;

• O essencial é que as produções cativem com o recurso à fantasia, por seu caráter mágico, pela valorização das sensações e emoções que os transporta para o mundo da imaginação, edificado pelas imagens e símbolos do texto literário. (MARTHA, 2011, p.50)

• O livro inserir-se num campo de produção cultural para a criança.

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O livro infantil como objeto cultural*

• Elementos externos ao texto verbal (capa, contracapa, orelhas, paratextos, informações contextualizantes dos autores, fonte, papel, ilustrações, projeto gráfico);

• Elementos internos (estruturais como foco narrativo, verossimilhança, linguagem, caráter de experimentação, intertextualidade, relação com outras lggs, rompimento de clichês e modelos, ambiguidade e pluralidade de significação da lggm literária, adequação do discurso das personagens a variáveis como tempo e espaço no mundo narrado).

• Jogo de sentidos – diálogo entre palavras e imagens – Literatura Infantil é um gênero híbrido.

*De acordo com MARTHA, 2011, p.49-53)

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Como trabalhar com a LI em sala de aula, sala de leitura,

biblioteca...?• O mediador deve ser um atento observador da

realidade em que está inserido (conhecer o repertório cultural da comunidade, se participam de eventos de letramento, observar de que forma se expressam, quais temas lhes interessam) e um bom conhecedor de obras clássicas e contemporâneas de LI (o caminho pode ser o acervo disponibilizado pelo PNBE às bibliotecas escolas é uma ótima referência, a participação em eventos como seminários na Feira do Livro, acesso a sites sobre o gênero, onde podem ser encontradas resenhas dos livros...)

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• É preciso que a leitura e a escrita sejam entendidas como práticas que são significadas a partir das produções dos sujeitos envolvidos;

• Trabalhos interdisciplinares, contemplando os níveis de expressão oral, visual e escrito;

• Contextualização da obra lida;

• Utilizar o espaço da biblioteca e outros do ambiente escolar para leituras.

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A convenção da maioria das escolas tem sido a de tratar a arte da narrativa – as canções, o drama, a ficção, o teatro, seja lá o que for – mais como uma “decoração” do que como uma necessidade, como algo que tenha que enfeitar o lazer, ou, às vezes, até como moralmente exemplar. Apesar disso, formulamos os relatos de nossas origens culturais e das crenças que nos são mais caras sob a forma de histórias, e não apenas o “conteúdo” dessas histórias nos atrai, mas seu artifício narrativo. (BRUNER, 2001, p. 171 apud CORSO, 2011 p.21).

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Alguns sites sobre LI:• Dobras da Leitura:

http://www.dobrasdaleitura.com/index.html• Memórias da LIJ:• http://www.museudapessoa.net/mdl/memoriasDa

Literatura/• Mundo da Leitura:• http://mundodaleitura.upf.br/novo/index.php• O livro infantil:• http://olivroinfantil.blogspot.com.br/• Revista Tigre Albino (poesia infantil)• http://www.tigrealbino.com.br/• http://programasdeleitura.blogspot.com

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Bibliografia• BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I. Magia e técnica, arte e política.

São Paulo, Brasiliense, 1985.• _____________. Obras Escolhidas II. Rua de Mão Única. São Paulo,

Brasiliense, 1987.• _____________. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação.

São Paulo: Duas Cidades & Ed. 34, 2002.• COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São

Paulo: Moderna, 2000.• CORSO, Diana & Mario. A psicanálise na Terra do Nunca: ensaios

sobre a fantasia. Porto alegre: Penso, 2011. • GAIMAN, Neil. Os lobos dentro das paredes. Rio de Janeiro: Rocco,

2002.• MARINHO, Jorge Miguel. A convite das palavras: motivações para ler,

escrever e criar. São Paulo: Biruta, 2009.• OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em Literatura Infantil e Juvenil –

com a palavra o educador. São Paulo: DCL, 2011.• PRIETO, Heloisa. Quer ouvir uma história? Lendas e mitos no mundo

da criança. Campinas: Angra, 1999.