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Temas de Pediatria nº 57 NESTLÉ - Serviço de Informação Científica

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Temas de Pediatria

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Intolerânciaà lactose

1994

Aderbal Sabrá, Professor Titular de Pediatria da Universidade Federal Fluminense.Professor de Gastroenterologia Pediátrica do Programa de Pós-graduação daUniversidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense. Chefedo Serviço de Pediatria e do Serviço de Gastroenterologia Pediátrica do HospitalUniversitário Antônio Pedro.Alfredo Wills, Professor Adjunto de Pediatria da Universidade Federal de Londrina.Selma Sabrá, Docente do Setor de Gastroenterologia Pediátrica do Serviço de Pediatriada HUAP. Professor Assistente de Pediatria da Universidade Federal Fluminense.Eloisa Almeida, Fellow do programa de Gastroenterologia Pediátrica do Serviço doProfessor Aderbal Sabrá.Cristina Lopes, Fellow do programa de Gastroenterologia Pediátrica do Serviço doProfessor Aderbal Sabrá.Maria Cláudia Correa, Fellow do programa de Gastroenterologia Pediátrica do Serviçodo Professor Aderbal Sabrá.Mônica Taulois, Fellow do programa de Gastroenterologia Pediátrica do serviço doProfessor Aderbal Sabrá.

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Intolerância à LactoseO uso de Fórmulas Infantis após o desmame ou sua utilizaçãodesde o nascimento quando falta o leite materno, é práticahabitual em todo o mundo, como também entre nós. Criançasjá de algumas gerações tornaram-se adultos sadios tomandoo leite de vaca o que antecede ao uso dos alimentos sólidose à adição de cereais. O uso precoce do leite de vacapasteurizado acarreta perda gastrintestinal de sangue em todosos lactentes jovens que o consomem, chegando a perda fecal deferro, por dia, a 0,9 mg nos lactentes anêmicos (1). Isto obrigao pediatra atento a recomendar o uso diário de ferro na dose de0,3 a 0,9 mg/dia às crianças que consomem os diferentes tipos deleite de vaca.

Afora este tipo de problema acarretado pelo uso precoce doleite de vaca integral, o pediatra precisa dominar comexatidão as grandes complicações que advém da intolerânciaà lactose e da alergia à proteína do leite de vaca que, comfreqüência, trazem estas crianças ao consultório do especialista.A primeira complicação é o escopo desta monografia.

Neste trabalho pretendemos chamar a atenção para avariável sintomatologia clínica que acompanha este proble-ma - intolerância à lactose - bem como demonstrar através desua fisiopatologia os caminhos que o pediatra tem a percorrerna busca do diagnóstico laboratorial e tratamento. Para melhorcompreensão dos conceitos emitidos neste trabalho são neces-sárias algumas definições:

Má absorção alimentar diz respeito exclusivamente à absorçãodo açúcar.

Intolerância alimentar é a manifestação clínica (sinais esintomas) decorrente da má absorção do açúcar. Depende domontante de lactose ingerido, da intensidade da má absorção,da flora sacarolítica intestinal, do aproveitamento pelo pacientedos produtos do metabolismo bacteriano intestinal e dacapacidade do cólon de absorver estes produtos metabólicos.

Alergia ao leite de vaca diz respeito ao aparecimento de sinaise sintomas decorrentes da reação imunoalérgica às proteínasdo leite, podendo levar secundariamente à intolerância a váriosaçúcares.

Tipos de intolerânciae de alergia alimentar:

transitórias:• alergia à proteína heteróloga,• intolerância secundária à lactose.

definitivas:• doença celíaca,• intolerância à lactose do tipo adulto.

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INTRODUÇÃOOs glicídeos são responsáveis por gran-de parte das calorias da dieta normal.A proporção varia de 40% a 55%,podendo atingir cifras mais altas. O tipode carboidrato varia com a alimentação.A lactose predomina na criança ama-mentada ao seio ou que esteja rece-bendo fórmula láctea. A sacaroseaparece na dieta com a introdução doaçúcar comum e das frutas, enquanto oamido surge com os cereais. Paradigerir os carboidratos há necessidadeda plena atividade das enzimas diges-tivas e, para isso, o organismo lançamão da amilase salivar, da alfa-amilasepancreática e das oligossacaridases(lactase, maltase e sacarase) que sãoenzimas localizadas na superfície dosenterócitos. Os produtos da digestão, osmonossacarídeos, são absorvidos quasetotalmente pelo intestino delgado.

Os problemas decorrentes da má absor-ção de açúcares, principalmente osdissacarídeos, levam pesquisadoresde todo o mundo ao estudo de suaprevalência e fisiopatologia, além damorbidade e mortalidade que deter-minam. O diagnóstico é importante,pois o tratamento consiste na exclusãodo açúcar da dieta. As deficiênciascongênitas, embora raras, devem serlembradas nas diarréias osmóticas queiniciam no período neonatal ou poucodepois. As deficiências secundárias sãoparticularmente importantes devido àfreqüência com que ocorrem quando hálesão do intestino delgado. O binômioesnutrição-infecção é certamente res-

ponsável pela grande maioria de crian-ças com intolerância aos hidratos decarbono. A lesão intestinal é, às vezes,tão grave que há má absorção de todosos açúcares, inclusive de monossa-carídeos, principalmente em lactentesde baixa idade.

Existem implicações socioeconômicasrelevantes quanto a tolerância à lactoseem áreas onde encoraja-se a obtençãode leite de vaca em pó, distribuído pelogoverno, para suplementar a dieta dapopulação infantil. Em determinadosgrupos populacionais a adição de leitee derivados à refeição deve ser prece-dida de estudos que avaliem a máabsorção da lactose. A tolerância àlactose é de valor também para estudosetnológicos, já que se demonstrou, pelomenos na África, que determinadastribos apresentam e outras não, aatividade da lactase na mucosa intesti-nal após o desmame, havendo, comisso, mudança de padrões culturais,dedicando-se umas à agricultura eoutras à pecuária, respectivamente.

A intolerância à lactose é uma síndromeclínica caracterizada pela incapacidadeprimária ou secundária de hidrolisar alactose em monossacarídeos. A deficiên-cia de lactase secundária à diarréia oudesnutrição é a causa mais comumdesta intolerância. A manifestação clí-nica característica é a diarréia aquosaexplosiva mas podem ser encontradossintomas isolados como dor abdomi-nal. O teste de tolerância à lactose, opH fecal e o “Clinitest ®“ são parâmetrospara orientação diagnóstica.

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DIGESTÃO E ABSORÇÃODA LACTOSEA lactose é um dissacarídeo compostode glicose e galactose e produzidoexclusivamente pela glândula mamá-ria. Sua concentração no leite varia demamífero para mamífero, sendo de

7% no leite de vaca (1). Para serabsorvida pela mucosa intestinal alactose deve ser hidrolisada emmonossacarídeos pela lactase, enzimapresente na borda em escova do intes-tino delgado. Sua atividade é muitoalta no jejuno proximal, baixa noduodeno e jejuno distal e muito baixano íleo terminal.

BORDA EM ESCOVA TRANSPORTECELULAR

LACTOSELACTASE

GALACTOSE

GLICOSE

Transporteativo

Fig. 1 - Digestão da lactose e absorção da glicose e galactose

A absorção de glicose e galactose éfeita em velocidades diferentes, atra-vés de uma proteína transportadoradependente do sódio. A baixa con-centração de açúcar dentro da céluladirige o sentido da absorção.

Uma vez dentro do enterócito aglicose passa por difusão simplesatravés da membrana basolateral paraos capilares do sistema porta. A fimde manter o gradiente eletroquímico,o sódio sai através da membranalateral, por transporte ativo. O fatordeterminante da velocidade máxima

de absorção da lactose é a quantidadede lactase disponível na membrana(2,3,4).

A atividade da lactase já é detectadana 10ª semana de gestação. Por voltada 25ª à 34ª semana a atividade é de30% do nível do RN a termo e entrea 35ª e a 38ª semana alcança 70%.No ser humano este nível se mantématé os 2 a 5 anos de vida, podendodeclinar depois ou persistir por todaa vida. Isto vai definir a deficiênciade lactase do tipo adulto que pareceser determinada geneticamente (1).

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Idade

µ M

ole

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teín

a

CLASSIFICAÇÃOA intolerância à lactose pode serprimária, por um defeito intrínseco daenzima, ou secundária a um dano namucosa intestinal com a conseqüentefalta da enzima.

TABELA I

Causas de deficiência de lactasePrimária

Deficiência de lactase do prematuroDeficiência de lactase congênita

Deficiência de lactase do tipo adulto

Secundária(causas de dano à mucosa intestinal)

Diarréia infecciosaDesnutrição

Alergia à proteína heterólogaFibrose císticaDoença celíaca

Úlcera duodenalColite ulcerativaDiabetes Mellitus

Síndrome de alça cegaSíndrome do cólon irritávelSíndrome do intestino curto

Drogas (Canamicina, Neomicina, Colchicina,Metrotexate)

Pós-cirurgia gástricaJejum prolongado

GiardíaseImunodeficiência

Entre as causas de deficiência primáriade lactase deve-se fazer distinção entre

a congênita e a do tipo adulto (onto-genética). Há dúvidas a respeito daexistência da deficiência congênita,embora alguns casos tenham sido des-critos com diagnóstico baseado no testede tolerância à lactose (5).

MÁ ABSORÇÃOONTOGENÉTICA DELACTOSE OU DEFICIÊNCIADE LACTASE DO TIPOADULTOA má absorção ontogenética refere-seà diminuição da atividade da lactaseque ocorre em determinados gruposétnicos a partir dos 2 a 5 anos de idade.A teoria mais aceita é a que relacionaa persistência da atividade da lactaseno adulto a um traço adaptativo daevolução do homem. Entre nós, traba-lho realizado no Alto Xingu por Wehbae Fagundes Netto demonstra ser oíndio brasileiro deficiente desta enzimaapós a fase de lactente. Os achados deSabrá e cols., de elevada incidência de

Fig. 2 - Níveis de lactase no tubo digestivo do homem

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intolerância à lactose em escolares doGrande Rio, sugerem ser a miscigena-ção racial fator a ser considerado naorigem ontogenética da baixa atividadeda lactase em nossas crianças.

A intolerância à lactose ocorre comalta freqüência em todo o mundo apartir do segundo ano de vida mas,entre nós, além desta mesma caracte-rística, agrava-se o problema por ser o

tubo digestivo do nosso lactenteconstantemente agredido por contami-nação originária das precárias condiçõesde higiene em que vive. As altas taxasde desnutrição protéico-energéticaconcorrem para elevar estes númerosa ponto de podermos afirmar quea intolerância à lactose é a alteraçãomais comum do tubo digestivo de nos-sas crianças.

Fig. 3 - Níveis de lactase no tubo digestivo normal

A = Concepção AB = Gestação B = nascimen-to

a — Aparecimento da lactase no tubo digestivo (final do 1o trimestre de gestação)a' — Começa a elevação dos níveis de lactase (final do 2o trimestre de gestação)b — Ocorre o nível máximo de lactase no tubo digestivo do recém-nascido normal a termo (após 28 semanas

de gestação)b' — Início da diminuição dos níveis de lactase ao final da amamentação normal (regra geral para todos

os mamíferos)bb' — Níveis de lactase no tubo digestivo de crianças normais, variando de 0 a 5 anosC — Interrupção da amamentação ou da alimentação predominantemente láctea. Geralmente dentro do primeiro

ou segundo ano de vidaD — Alcance dos níveis de lactase em crianças e adultos b, b', b'', b'''. Situação prevalente no Brasil, a qualquer

momento após a parada da alimentação láctea (b' e b'' geralmente entre 2 e 5 anos de idade). Estes níveispermanecerão por toda a vida (b'' e b''')

b, b' e b'''' — níveis de lactase no tubo de crianças e adultos mutantes, ditos “caucasianos”• • • níveis de lactase no tubo digestivo acometido por qualquer enfermidade, principalmente diarréia aguda

e crônica. Caem rapidamente a zero (X). Pode ocorrer volta aos níveis normais dentro de 2 a 6 mesesou permanecerem baixos por toda a vida na dependência de vários fatores: grau da lesão intestinal, idadeda ocorrência, estado nutricional do paciente e herança genética para a produção de lactase.

Como decorrência desta tendênciaà intolerância à lactose as criançasque sofrem desta doença, tempo-

rária ou permanentemente, apresentam comumente os sintomas databela II.

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TABELA II.

CONSEQÜÊNCIAS DA INTOLERÂNCIA À LACTOSE

Dor abdominal, distensão e flatulênciaDiarréia aguda osmótica

Diarréia intermitenteDiarréia crônica

Acidose metabólicaDesnutrição

Intestino contaminadoDiarréia protraída

Enterite necrosante

A deficiência do tipo adulto manifesta-se ao redor de 2 a 5 anos de idadequando os níveis de lactase declinamem até 10 vezes relativamente aos donascimento. Fazem exceção a estepadrão certos grupos étnicos que man-têm níveis altos por toda a vida como

os norte-europeus (anglo-saxões), hún-garos, mongóis e algumas tribos africa-nas (Tabela III). A deficiência secun-dária de lactase ocorre após lesão daborda em escova do intestino delgadoe é causa de má absorção de carboidratosna infância (5).

Raças % deficientes de lactase

BrancosDinamarqueses 3Norte-americanos 5 a 20Porto-riquenhos 21Brasileiros 45Judeus israelenses 61Mexicanos 74Árabes 81

NegrosBantus 50Nigerianos 58 a 99Norte-americanos 70 a 75

AmarelosMongóis 30Hindus 55Índios americanos 60 a 100Índios brasileiros 80Esquimós 86Chineses 87Tailandeses 87Filipinos 95

TABELA III.

Prevalência % da deficiência de lactase nos diferentes grupos étnicos

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PATOGENIACom a diminuição do nível de lactase alactose da dieta não é hidrolisada,ficando intacta no lúmen intestinal. Issofaz com que a osmolaridade aumente,movimentando água e eletrólitos parao lúmen. Ao mesmo tempo, a lactosesofre fermentação pelas bactérias in-testinais com a produção de gás hidro-gênio, ácido láctico, glicose e outrosácidos. A fermentação bacteriana di-minui o pH e aumenta a osmolaridadefecal. Nesta situação as fezes elimina-das apresentam osmolaridade elevada,alcançando valores superiores ao dobrodo sódio e do potássio eliminados namesma amostra fecal: Osm > 2(Na + K).

A produção excessiva de hidrogênio eácidos orgânicos estimula a secreçãointraluminal de bicarbonato. A absor-ção desses ácidos associada à perda debicarbonato pode levar a uma acidosemetabólica severa.

É importante salientar que após umaagressão ao intestino a lactase é aprimeira enzima a diminuir e a últimaa normalizar, porque é produzida naregião apical da vilosidade intestinal esua concentração é inferior à das outrasdissacaridases.

A deficiência secundária de lactasepode prolongar-se por 18 a 24 mesesapós uma enterite infecciosa aguda (1).

Fig. 4 Diarréia Osmolar produzida por dissacarídeo não absorvido (Modificação de Sabrá, A.: Diarréias na infância.

1ª ed.,F.M.P. 1974)

MANIFESTAÇÕESCLÍNICASA exteriorização clínica da intolerânciaaos carboidratos é variada. O quadroclássico, no lactente, é a presença dediarréia aquosa explosiva, distensão ab-

dominal, flatulência, vômitos e paradado crescimento. A escoriação perianal écomum.

O quadro clínico, entretanto, às vezesnão é tão característico. Algumas crian-ças crescem e se desenvolvem “nor-malmente”. Apresentam diarréia in-

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termitente, dependente da quantidade deaçúcar ingerido. Tais pacientes são in-corretamente rotulados como portado-res de diarréia crônica inespecífica oude síndrome do cólon irritável.

A aversão ao leite é freqüente empacientes que têm intolerância à lactose.Outros pacientes apresentam dor ab-dominal recorrente e flatulência.

A diarréia prolongada é conseqüênciafreqüente da intolerância aos açúcares.A intolerância aos açúcares pós-gas-trenterite aguda é sempre transitória.Varia de poucos dias a várias semanas.As crianças que toleram a lactose têmdiarréia de menor duração do que asque não toleram este dissacarídeo.

A acidose metabólica é complicação dadiarréia na má absorção dos hidratos decarbono. A presença de grandes quan-tidades de ácidos orgânicos estimula asecreção de bicarbonato pelo cólon.Parte desses ácidos orgânicos pode serabsorvida pelo intestino, sendo respon-sável pelo aumento do íon hidrogêniono líquido extracelular. Efeito seme-lhante ocorre em crianças prematurasque desenvolvem acidose metabólicaquando alimentadas com leite quecontém lactose.

A perda contínua de nutrientes leva àdesnutrição. A má absorção de nitrogê-nio tem sido descrita na diarréia osmóticaprovocada pela lactose. Quanto maisgrave a diarréia, mais precária a absor-ção de nitrogênio. O efeito osmóticotende a diluir a concentração de ácidosbiliares abaixo do nível necessário para assegurar a máxima emulsão dosprodutos resultantes da digestão dasgorduras. Também foi descrita a máabsorção de vitaminas e sais minerais.As deficiências associadas à diarréiaprolongada e à desnutrição incluem a

hipocupremia e a hipo-magnesemia bemcomo a anemia secundária provocadapela deficiente absorção de vitaminaB12, ácido fólico e ferro.

A hipoxia é problema particularmen-te importante no recém-nascido comsíndrome de angústia respiratória idio-pática. Induz redistribuição de sanguedos intestinos para os órgãos vitais oque pode alterar a função intestinal.Parece haver bloqueio da capacidadede transporte intestinal pelo sódio, oque impede o transporte da glicose eoutros nutrientes, dentre eles outrosmonossacarídeos dependentes do sódiopara sua absorção.

A presença na luz do intestino delgadode carboidrato não absorvido podefacilitar a colonização por bactérias esua proliferação. O grau de coloniza-ção relaciona-se com a severidade daintolerância aos hidratos de carbono.

A pneumatose intestinal é complicaçãoque ocorre em crianças com intolerân-cia secundária à lactose e na hipoxianeonatal. Quando a produção de gás nointestino é intensa, aparecem isquemiae necrose da mucosa intestinal, haven-do penetração de gás na parede intes-tinal, caracterizando a pneumatose.

Não devemos esquecer que o sintomacardinal da intolerância à lactose é adiarréia, geralmente aquosa, explosiva,com odor tipicamente “azedo” e que asmanifestações clínicas podem apresen-tar-se associadas ou isoladamente e emqualquer faixa etária.

DIAGNÓSTICODiante de um quadro clínico que leve àsuspeita de intolerância à lactose, deve-se

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iniciar a investigação diagnóstica por umaanamnese dirigida, seguida de examefísico detalhado e testes que avaliem adigestão e absorção desse carboidrato.

I - Pesquisa de açúcarnas fezesEste teste é baseado na excreção decarboidratos nas fezes. Uma pequenaamostra de fezes fluidas é misturada como dobro do volume de água, retirando-se15 gotas para o “Clinitest ®“. O resul-tado é comparado com o padrão (cor).O teste é positivo acima de 0,5%. Umpercentual de 0,25% é consideradoduvidoso (5).

Alguns cuidados devem ser tomadospara evitar resultados falsos-positivose negativos:

Falsos positivos:

• Não devem ser usados concomi-tantemente medicamentos como o áci-do nalidíxico, o ácido ascórbico, ascefalosporinas e o probenecid (6).

• RN normais, alimentados com leitematerno podem apresentar Clinitest de0,5 a 0,75% (7).

• Medicamentos que contêm lactosecomo veículo (ex.: Nistatina oral eprodutos homeopáticos).

Falsos negativos:• Nas crianças maiores o trânsito intes-tinal fica mais lento, diminuindo aconfiabilidade do teste.

• O Clinitest negativo não exclui a máabsorção de lactose.

• Intestino contaminado.

II - pH fecalUm pH menor que seis reflete aexcessiva produção de ácidos orgâni-cos. Deve ser interpretado com caute-la, pois nem sempre fezes ácidas con-têm excesso de substâncias redutoras ea sua presença não significa pH baixo.O teste deve ser feito na parte maisfluida das fezes recém emitidas.

A validade do teste é limitada nas crian-ças que estiverem recebendo antibióti-cos e nos RN alimentados ao seio (1).

III - Cromatografia fecalConhecendo-se o açúcar ingerido nadieta pode-se identificar cromatogra-ficamente os carboidratos não absorvi-dos. São descritos 7 padrões de avali-ação da cromatografia das fezes para osaçúcares (Tab. IV).

As fezes não podem permanecer àtemperatura ambiente por mais de 20minutos. Recomenda-se a sua conser-vação em baixa temperatura.

Atualmente existem 4 indicações im-portantes para o teste cromatográfico:

1. Identificação de intolerância a polí-meros de glicose;

2. Diagnóstico diferencial do RN comexcesso de substâncias redutoras nasfezes;(Clinitest falsamente positivo);

3. Diagnóstico da causa da intolerânciaao açúcar quando forem feitas trocasrápidas do tipo de carboidratos con-tido na dieta;

4. Identificação da intolerância à lactu-lose, feita exclusivamente pela croma-tografia.

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A lactulose é um dissacarídeo nãoredutor composto de frutose e galactose.É um subproduto do processo de este-rilização de algumas fórmulas alimen-

tares infantis disponíveis no mercado.Este carboidrato não é absorvido pelamucosa intestinal do homem devido àinexistência da enzima lactulase (6).

IV - Teste de tolerânciacom sobrecarga oral delactoseAvalia a capacidade de digerir e absor-ver este carboidrato. Após jejum de6 horas, o primeiro passo é dosar aglicemia. A seguir, administra-se umasolução padronizada de lactose a 10%na dose de 2g/kg (máximo de 20g).

TABELA IV

Padrões de avaliação da cromatografia das fezes para açúcares

Padrão I Detecta a presença de lactose, sacarose, galactose, glicosee frutose quando a criança é portadora de má absorção delactose e sacarose

Padrão II Detecta a presença de lactose, galactose e glicose nas criançasque recebem leite de vaca, evidenciando a má absorção delactose.

Padrão III Detecta a presença de sacarose, glicose, frutose e traços deoutros açúcares. Este é o padrão da má absorção da sacarose.

Padrão IV Detecta a presença somente da glicose na criança que recebefórmula contendo apenas este monossacarídeo. Indica máabsorção de glicose.

Padrão V Detecta a presença de frutose nas crianças que recebemapenas frutose na dieta. Indica má absorção de frutose.

Padrão VI Detecta polímeros de glicose nas crianças que usam fórmulassemi-elementares, indicando intolerância a polímeros de glicose.

Padrão VII Detecta lactulose. Indica intolerância à lactulose.

Após 15 minutos (no máximo 20 minu-tos), faz-se nova dosagem da glicemia.Um aumento de 20 a 30 mg % é consi-derado normal. Não havendo elevaçãoda glicemia deve-se fazer novas dosa-gens aos 30, 45 e 60 minutos.

São causas de erro do teste o retardamentodo esvaziamento gástrico, os vômitosocasionais, o atraso no tempo de dosagemda glicemia, a demora na ingestão e a

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dosagem da glicemia em sangue venoso.

Devem ser observados parâmetros clí-nicos de intolerância à lactose nasprimeiras 24 horas após o teste, taiscomo distensão abdominal (através damensuração do perímetro abdominal),vômitos, náuseas, cólicas, diarréias edermatite perineal. Nas fezes emitidas

podem ser verificadas o pH fecal e assubstâncias redutoras.

O teste deve ser realizado com cuidadonas crianças com diarréia crônica seve-ra, pois pode agravar a diarréia e levarà desidratação grave. Recomenda-se,nestes casos, a utilização de uma dosemenor do açúcar testado (7).

V - Teste de hidrogênioexpiradoÉ um método indireto e não invasivo dedeterminação da má absorção de lactose.Requer um jejum de 6 horas seguido daverificação do hidrogênio expiradoantes do início do teste.

Após a administração de uma carga de

lactose faz-se a mensuração do hidro-gênio expirado através de um pequenotubo plástico colocado na narina, acada meia hora, por três horas. Seocorre expiração de hidrogênio acimade 20 ppm, detectada entre 1 e 3 horas,o teste é considerado positivo.

Resultados falsamente negativos podemocorrer quando a flora do cólon édestruída (uso de antibióticos, diarréia

TABELA V

Diagnóstico laboratorial de má absorção de carboidratos pela criança

I - Prova Direta Determinação da atividade das oligossacaridasesna mucosa intestinal

II - Provas Indiretasa) Exames de fezes pH

pesquisa de substâncias redutoras pelo Clinitest®Dosagem do ácido lácticoCromatografia

b) Prova de sobrecarga Com dosagem de glicemiaAvaliação clínica após sobrecarga

c) Provas respiratórias H2

14CO2

d) Prova radiológica RX bário-açúcar

e) Perfusão intestinalcom lactose

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aguda, baixo pH do cólon), com oaumento do trânsito intestinal, presen-ça de bactérias consumidoras de hidro-gênio e hiperventilação. Resultadosfalsamente positivos ocorrem quandohá um crescimento anormal da florabacteriana produtora de hidrogênio eno sono profundo e prolongado.

Este teste não é feito rotineiramentedevido à dificuldade de sua realização(1,6,7,8) em lactentes jovens.

VI - RX contrastado combário e lactoseApós a ingestão de bário com lactose opaciente é submetido a um estudoradiológico. A visualização da diluiçãodo bário e a distensão das alças intesti-nais e níveis hidroaéreos sugerem máabsorção da lactose.

A pouca sensibilidade e a radiação a queo paciente é exposto fizeram com queeste exame fosse substituído por outrosmais sensíveis e menos invasivos (1).

VII - Perfusão intestinalcom lactoseÉ um procedimento invasivo, sofistica-do e portanto, limitado. Foi usado,basicamente, a título de investigação.

Consiste em quantificar a absorção dalactose intestinal através da colocação deum tubo fluoroscópico no intestino, se-guindo-se a administração oral ou intra-duodenal de lactose e um marcador nãoabsorvível como o polietilenoglicol (1).

VIII - Biópsia intestinalcom determinação dalactaseA biópsia deve ser feita no ângulo deTreitz por cápsula de aspiração (9). Osvalores da atividade lactásica são de38 ± 4 unidades por grama de proteínasem recém-nascidos e de 18 ± 4 unidadespor grama de proteínas depois dos 5anos. Valores abaixo de 20 no RN empresença de atividade normal da alfa-glucosidase e histologia normal sugeredeficiência primária de lactase (1,8,9).

TRATAMENTOO tratamento da intolerância à lactoseconsiste na retirada deste açúcar dadieta ou na ingestão oral de lactase todavez que a criança portadora de intole-rância consumir este açúcar.

Para os indivíduos que desejam conti-nuar o consumo de leite existe nomercado uma fórmula de leite de vacaisenta de lactose. Para substituir o leitede vaca podem ser usadas as fórmulasà base de soja, isentas de lactose.

Com o advento da lactase sob a formade gotas ou comprimidos mastigáveis,os indivíduos portadores de intolerân-cia à lactose passaram a ter uma vidanormal quanto ao consumo de leite ederivados, bastando para isso ajustar adose de enzima oral ao consumo dessesalimentos.

Crianças maiores “toleram” derivadoslácteos isentos ou com traços de lactose(Yogurte, Queijos, Coalhadas e LeitesAcidificados).

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Temas de Pediatria nº 57 NESTLÉ - Serviço de Informação Científica

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