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FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ DE SANTA CATARINA JOSIELE MARIA DE SOUZA A TELEVISÃO E OS ANIMAIS: A MANEIRA COMO A MÍDIA TELEVISIVA REFLETE A IDEIA DE QUE OS ANIMAIS SÃO OBJETOS SÃO JOSÉ, 2010.

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Page 1: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ DE SANTA CATARINA

JOSIELE MARIA DE SOUZA

A TELEVISÃO E OS ANIMAIS:

A MANEIRA COMO A MÍDIA TELEVISIVA REFLETE A IDEIA DE

QUE OS ANIMAIS SÃO OBJETOS

SÃO JOSÉ, 2010.

Page 2: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

JOSIELE MARIA DE SOUZA

A TELEVISÃO E OS ANIMAIS:

A MANEIRA COMO A MÍDIA TELEVISIVA REFLETE A IDEIA DE

QUE OS ANIMAIS SÃO OBJETOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à

disciplina de Projeto Experimental, como

requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Comunicação Social com

Habilitação em Jornalismo, da Faculdade

Estácio de Sá de Santa Catarina.

Professores Orientadores:

Conteúdo: Lúcia Correia Marques de Miranda,

Doutora

Metodologia: Savani Terezinha de Oliveira

Borges, Especialista.

SÃO JOSÉ, 2010.

Page 3: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

Ficha catalográfica

Page 4: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

ATA

Page 5: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

Este trabalho é dedicado a todos os animais,

independente de qual espécie estejam inseridos, que já

sofreram e ainda sofrem nas mãos dos humanos.

Page 6: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas que me apoiaram e me ajudaram neste estudo. Aos meus

amigos, familiares, em especial minha mãe e meu namorado. A todos os voluntários que

atuam na causa animal, principalmente o pessoal da OBA! Floripa que me ajudaram e me

deram forças para continuar esta pesquisa. Não posso deixar de fazer um agradecimento

especial aos meus orientadores (de conteúdo e de metodologia) em especial a doutora Lúcia

que conseguiu me aturar nesses meses de orientação e que sem ela eu não conseguiria ter feito

esta monografia devido a sua dedicação e paciência comigo. Agradeço a Deus e aos seres

divinos que sempre estiveram ao meu lado e auxiliando-me nos momentos mais difíceis deste

estudo. E é claro que não posso deixar de agradecer à minha companheira de todas as horas

que também teve papel fundamental para escolha do tema: minha amiga animal, Pithula. Esta

que todos os dias faz me sentir mais feliz e ter a simplicidade de uma criança quando estou ao

lado dela. Obrigada, Pithula e a todos os animais que fazem a minha vida ser mais completa.

Page 7: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

Jamais creia que os animais sofrem menos do que os

humanos. A dor é a mesma para eles e para nós. Talvez

pior, pois eles não podem ajudar a si mesmos.

Louis J. Camuti

Page 8: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

RESUMO

Esta monografia pretende analisar a forma como a mídia televisiva reflete a ideia de que os

animais são objetos. Serão analisados os programas da categoria de entretenimento e

informativa nas emissoras que possuem o sinal na Grande Florianópolis da RIC SC/Rede

Record (que retransmite o sinal da nacional) e RBS TV/Rede Globo (que transmite o sinal da

nacional). O meio televisivo foi escolhido devido a fácil divulgação dos assuntos através das

imagens e o seu alcance junto à sociedade. Os procedimentos metodológicos utilizados para

alcançar os objetivos deste estudo foram: as definições de pesquisa exploratória e descritiva; a

prática da pesquisa bibliográfica; e a técnica de observação. Todos estes tópicos têm base nos

procedimentos da pesquisa qualitativa. Para a teoria de televisão foram usados diversos

autores entre eles Ciro Marcondes Filho, Arlindo Machado e Joan Ferrés. O embasamento

teórico para escrever sobre os animais teve como principais autores Tom Regan e Gary

Francione. Esta é a primeira análise sobre o assunto e tem com alicerce a teoria abolicionista

animal.

Palavras-chave: Animais. Abolicionismo. Televisão.

Page 9: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1: Chacrinha no seu picadeiro onde realizava suas brincadeiras e atrás o respeitável

público.......................................................................................................................................17

Ilustração 2: Cachorro “canta” no Domingão do Faustão. Exemplo clássico da utilização de

animais como entretenimento...................................................................................................22

Ilustração 3: Repórter fazendo sua passagem e mostrando ao fundo um cachorro que seria de

rua e consequentemente um exemplo de “risco para a saúde humana”................................... 24

Ilustração 4: Matérias usam a emoção para atingir os objetivos: maior número de

audiência...................................................................................................................................25

Ilustração 5: Categorias e gêneros............................................................................................32

Ilustração 6: As diferenças e semelhanças entre gênero e formato...........................................33

Ilustração 7: Sílvio Santos, no seu programa dominical de 10 de outubro de 2010, momentos

antes de revelar as garotas quem havia ganhado a brincadeira.................................................36

Ilustração 8: O casal Glória Menezes e Tarcísio Meira na gravação da primeira novela diária

brasileira....................................................................................................................................38

Ilustração 9: Jô Soares entrevistando Maurício Sita que foi ao programa no dia 14 de outubro

de 2010 lançar um livro............................................................................................................41

Ilustração 10: Comparação entre as duas aberturas do Programa.............................................44

Page 10: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................11

1.1 TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA.............................................................................12

1.2 OBJETIVOS.......................................................................................................................12

1.2.1 Objetivo geral..............................................................................................................12

1.2.2 Objetivos específicos...................................................................................................13

1.3 JUSTIFICATIVA................................................................................................................13

1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO........................................................................................14

2 REVISÃO DE LITERATURA...........................................................................................15

2.1 A LINGUAGEM DA TV...................................................................................................15

2.1.2 A origem da linguagem televisiva no Brasil: o rádio e o circo...................................16

2.1.3 O fascínio e a imediatez das imagens...........................................................................19

2.1.4 Os estereótipos................................................................................................................21

2.1.5 As imagens como linguagem na TV..............................................................................28

2.1.6 A televisão e seus gêneros..............................................................................................31

2.1.6.1 Os gêneros baseados no entretenimento.......................................................................34

2.1.6.1.1 Programas de Auditório e Variedades.......................................................................34

2.1.6.1.2 Novelas.......................................................................................................................37

2.1.6.1.3 Talk Shows.................................................................................................................40

2.1.6.2 Os gêneros baseados na informação.............................................................................41

2.1.6.2.1 Documentário............................................................................................................42

2.1.6.2.2 Telejornalismo...........................................................................................................46

2.1.7 O telespectador e a televisão.........................................................................................49

2.2 ANIMAIS............................................................................................................................51

2.2.1 A relação homem-animal...............................................................................................51

2.2.2 Os animais como divindade...........................................................................................53

2.2.2.1 Xamanismo...................................................................................................................53

2.2.2.2 Egípcios.........................................................................................................................54

2.2.2.3 Hinduísmo, Budismo e Jainismo..................................................................................55

2.2.3 A dominação dos animais..............................................................................................56

2.2.3.1 Filosofia grega...............................................................................................................57

Page 11: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

2.2.3.2 O cristianismo e os animais..........................................................................................59

2.2.3.3 Os santos e os animais..................................................................................................60

2.2.4 O Renascimento e o Iluminismo...................................................................................61

2.2.5 Ideias e ações ..................................................................................................................64

2.2.6 A domesticação...............................................................................................................66

2.2.6.1 A estima e os animais...................................................................................................67

2.2.6.2 Especismo.....................................................................................................................69

2.2.6.3 Seres Sencientes............................................................................................................70

2.2.6.4 Teorias filosóficas e a relação com os seres sencientes................................................74

2.2.6.4.1 Os argumentos abolicionistas....................................................................................75

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS....................................................................................78

4 ANÁLISE DOS DADOS...................................................................................................................81

4.1 OS ANIMAIS NOS PROGRAMAS DE ENTRETENIMENTO.......................................81

4.1.1 Programas de Auditório e Variedades.........................................................................82

4.1.2 Novelas............................................................................................................................87

4.1.3 Talk Show.......................................................................................................................91

4.2 OS ANIMAIS NOS PROGRAMAS INFORMATIVOS...................................................94

4.2.1 Documentário.................................................................................................................94

4.2.2 Telejornalismo................................................................................................................97

5 CONCLUSÃO..................................................................................................................................104

REFERÊNCIAS..................................................................................................................................106

ANEXO A – Declaração Universal dos Direitos dos Animais..........................................114

ANEXO B – Retratação Telejornal Bom dia Brasil sobre matéria a favor de eutanásia

de animais abandonados.......................................................................................................117

ANEXO C – Declaração de Responsabilidade...................................................................118

Page 12: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é mostrar como os animais são ainda vistos na sociedade

como propriedades e de que forma a televisão brasileira reflete isso. Demonstra-se esta ideia,

com base na revisão bibliográfica que mostra a evolução da relação homem/animal e a própria

evolução do ser humano. A partir de então, é possível fazer um paralelo de como a relação

dos homens com os da mesma espécie evoluiu e do homem com os outros animais continua

com estes sendo encarados como inferiores.

O homem criou a dependência com os animais desde o período pré-histórico. Para

isso, ele domesticou algumas espécies trazendo-as mais próximas ao convívio humano. Com

o passar dos tempos, os animais foram classificados como selvagens e domesticados. Entre os

domesticados estão os usados para alimentação, para o lazer e os que dividem o mesmo

espaço com os homens nos lares.

A evolução dos tempos também trouxe novas alternativas para a diversão, para a

alimentação e novos hábitos foram inseridos nas famílias. Dentre os diversos aspectos

relativos a essa questão tem-se o surgimento das mídias e a sua consecutiva evolução. Na

década de 50 a TV no Brasil começa a ganhar vida e surge um novo período. A televisão

fascina, encanta e ajuda na formação de opinião. Diversos autores criticam a pequena tela

pelo poder de persuasão, mas esquecem de mencionar que o telespectador não é como um

papel em branco que aceita tudo que os falam.

A televisão da década de 50 e a disponível em 2010 divulgam novos estilos, novos

hábitos que são seguidos e adaptados pela sociedade. O meio une o que já existe na sociedade

e joga novos padrões que nem sempre são seguidos pelas pessoas. Isso ocorre devido à forma

como a TV faz isso: antes de se fazer um programa analisa-se um público alvo e constrói-se

um modelo de telespectador, surge assim um espaço propício à criação de estereótipos.

Assim como se cria um modelo de telespectador também é possível criar um modelo

de como os animais são vistos: para alimentos, diversão e propriedades dos homens. Os

bichos aparecem na televisão em diversas situações, no entanto, neste estudo serão analisados

os animais de estimação. Embora seja de interesse da pesquisadora analisar a relação da

televisão com todas as espécies de animais, para que este estudo seja melhor aprofundado

foram escolhidos os animais de estimação.

Page 13: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

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1.1 TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA

A partir da leitura do livro Jaulas Vazias, de Tom Reagan começou-se a observar

como a mídia televisiva mostrava os animais. O autor afirma que notícias sobre direitos

animais só aparecem quando sangram o suficiente. A partir dessa declaração a acadêmica

começou a observar os programas da categoria de entretenimento e informativa nas emissoras

que possuem o sinal na Grande Florianópolis da RIC SC/Rede Record (que retransmite o sinal

da nacional) e RBS TV/Rede Globo (que transmite o sinal da nacional). A escolha dessas

emissoras deve-se ao sucesso que elas possuem junto ao público nacional e estadual e pela

produção de conteúdo nas categorias estudadas.

Inicialmente o estudo trará um breve resumo sobre a história da televisão no país e

uma reflexão acerca de um dos aspectos mais relevantes da sua linguagem: a utilização da

imagem. Mais adiante falará sobre a relação dos homens e os animais para entender como ela

se estabelece nos dias de hoje. Após a junção destes dois temas será feita a análise do material

que tem como premissa a forma que a televisão transmite os assuntos relacionados ao meio

animal.

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo geral

Analisar como a mídia televisiva no Brasil reforça a ideia de que os animais são

objetos.

Page 14: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

13

1.2.2 Objetivos específicos

a) Iniciar um estudo científico, através da monografia, mostrando como programas

de televisão (com ênfase nos informativos e de entretenimento) tratam os animais,

na maioria dos casos, como bens de consumo;

b) Mostrar por meio de breve histórico as fases da relação homem/animal;

c) Definir o porquê, de acordo com filósofos, dos animais serem dignos de ter uma

vida;

d) Analisar programas de televisão no país (informativos e de entretenimento)

mostrando os animais de acordo com a ótica destes;

e) Retratar a forma como a televisão, grande formadora de opinião, divulga os

costumes da sociedade no tratamento dado aos animais, transformando o que é

transmitido em verdade absoluta.

1.3 JUSTIFICATIVA

A presente análise é a primeira deste segmento. Não há estudos (artigos,

monografias, teses) que analisam como a televisão reflete a ideia de que os animais são

objetos. Dessa forma, esta pesquisa pretende mostrar que existe um novo campo de estudo

nesta área e que precisa ser estudado já que os animais fazem parte da vida de todos da

sociedade.

A televisão reflete os comportamentos, os costumes das pessoas, no entanto ela

também lança novos hábitos e modas que podem ser incorporados ou não. Existe uma visão

geral de que os animais são inferiores perante aos humanos. Porém, há outras teorias que

defendem que os bichos também são dignos de direitos e que não podem ser considerados

inferiores aos homens somente por pertencerem a uma raça diferente da humana.

Quem defende os direitos aos animais ainda é uma minoria e geralmente quando

estas ideias aparecem na mídia é de forma pejorativa ou sensacionalista. Dessa forma, o

presente estudo pretende mostrar como os animais aparecem na televisão brasileira. Com esta

Page 15: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

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análise, pode-se verificar o que poderia ser mudado para que a televisão mude o seu caráter

especista1.

1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO

A revisão de literatura é dividida em duas partes. Uma sobre televisão onde há um

pequeno resgate histórico da televisão, suas raízes, seus gêneros, o diferencial da imagem na

televisão e a relação da TV com o telespectador.

A segunda parte aborda os temas relacionados aos animais. A relação entre o homem

e o animal, os animais segundo as religiões; a visão sobre os animais de acordo com o tempo

histórico; e mais à frente os filósofos e as teorias que mostram os bichos como dignos de

direitos e de possuírem uma vida livre. Nesta parte consegue-se compreender a forma como

os animais são vistos na sociedade.

Com o embasamento do capítulo dois se tem o resultado no capítulo quatro na

análise de dados. Este capítulo foi dividido em duas partes: em programas da categoria de

entretenimento (dentro dessa estão os gêneros auditório/variedades, novelas e talkshows) e

informativos (documentários e telejornais). Foram analisados cerca de dois vídeos em cada

gênero. O capítulo quatro apresenta a teoria da revisão de literatura sobre a análise dos vídeos

escolhidos.

Os procedimentos metodológicos utilizados nesta pesquisa são explicados no

capítulo três. Já no capítulo cinco, finalmente, é apresentado a conclusão que é o resultado da

do que foi apresentado na análise de dados.

1 Que julga pela espécie a qual o animal pertença. Semelhante ao racismo que julga um ser inferior ou superior

somente por ter uma cor diferente dá de outras pessoas. Esta expressão será explicada de forma mais detalhada

na revisão de literatura.

Page 16: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

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2 REVISÃO DE LITERATURA

Mesmo com as tecnologias disponíveis como a internet, grande parte da população

ainda utiliza a televisão como forma de entretenimento e de se manter informado. É uma

forma barata e confortável de se divertir e de receber as notícias sem fazer esforço. A

televisão, mesmo depois de mais de meio século no Brasil, ainda fascina e encanta. Dessa

forma, esta primeira parte da revisão de literatura trará um breve histórico da televisão no

país, a relação dela com o rádio e o circo, o fascínio das imagens, os estereótipos utilizados

para simplificar a comunicação entre veículo e telespectador, os gêneros jornalísticos além da

relação do público com a TV.

Já na segunda parte, serão apresentados os assuntos relacionados à temática dos

animais para que, na Análise de Dados, se possa observar a maneira como a televisão reflete a

ideia de que os animais são objetos. Para isso, é necessário conhecer a relação homem/animal

desde a antiguidade aos tempos atuais. Também serão apresentados os principais filósofos

defensores da causa animal e as teorias que valorizam os animais como seres possuidores de

direitos.

2.1 A LINGUAGEM DA TV

Entre os meios de comunicação aquele que atingiu a massa de modo significativo e

peculiar foi a televisão. Diariamente milhares de brasileiros assistem aos programas de TV

veiculados nos poucos canais abertos do país. A linguagem deste meio é mais acessível a

todos os públicos, ao contrário dos outros veículos de comunicação (jornal, internet e rádio)

que necessitam de compreensão do que está escrito (jornais e internet), a TV traz os assuntos

falados e ilustrados com imagens, o que caracteriza uma relação de identificação mais

imediata entre os extremos envolvidos no processo (emissor-receptor).

O sucesso da televisão no Brasil deve-se a fatores econômicos e culturais:

[...] a má distribuição da renda, a concentração da propriedade das emissoras, o

baixo nível educacional, o regime totalitário nas décadas de 1960 e 70, a imposição

Page 17: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

16

de uma homogeneidade cultural e até mesmo a alta qualidade da nossa

teledramaturgia. (REZENDE, 2000, p. 23).

Em países onde há outras alternativas para o lazer e o acesso à informação, a TV

divide a preferência da sociedade. No Brasil, o veículo ganhou destaque e importância nos

lares devido à praticidade que ele ocasiona. Outras formas de entretenimento como ir ao

cinema, por exemplo, exige a locomoção até o local e ainda o custo para assistir aquela

película. Já a TV traz a diversão gratuitamente no conforto de casa com o sinal aberto. Você

não precisa ir até a diversão, ela vem até você (REZENDE, 2000).

Mas a programação da TV não está baseada só no entretenimento. Mesmo em

novelas, consideradas por alguns como divertimento, também há a transmissão de mensagens

que auxiliam a viver em sociedade. Frequentemente, os canais divulgam enredos que abordam

temas delicados para serem expostos nestes programas. Como o caso da cadeirante

interpretada por Aline Moraes na novela Viver a Vida da Rede Globo (exibida entre

setembro de 2009 e maio de 2010). A ficção mostrava as dificuldades e os preconceitos

vividos por Luciana (Aline Moraes). Já os programas jornalísticos são exemplos do acesso à

informação de diversos locais do mundo em poucos minutos. A programação da TV é

ininterrupta e proporciona ao telespectador o acesso a diversos assuntos em qualquer

momento do dia.

2.1.2 A origem da linguagem televisiva no Brasil: o rádio e o circo

A televisão no país surge na década de 1950, com a extinta TV Tupi. Assis

Chateaubriand foi o pioneiro que além de montar a primeira emissora do Brasil também

trouxe a produção das televisões para o país. De acordo com Marcondes Filho (1988), ao

contrário de outros países que tiveram influência da linguagem do cinema na televisão, o

Brasil desenvolve-se sob outros gêneros: “ela [a linguagem] derivou-se mais das formas de

comunicação populares: o circo e o rádio”. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 43).

O estilo circense é notadamente visível nos programas de auditório realizados no

início da década de 50. “A influência do circo [...] é vista não apenas pela presença dos

palhaços ou do homem de auditório, mas também pelo estilo circense de alguns animadores

como Chacrinha, Sílvio Santos, Bolinha”. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 43).

É só lembrar-se dos programas apresentados por José Abelardo Barbosa de

Medeiros, o Chacrinha. O apresentador ficou famoso pelo uso de diversas expressões dentre

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elas: Quem não se comunica, se trumbica; Vocês querem bacalhau?, jogando bacalhau,

abacaxi ou que estivesse em mãos para a plateia. A própria figura do Chacrinha (ver

Ilustração 1) já remete à imagem de artista de circo. O estilo circense aproxima o

telespectador/pessoas no auditório do apresentador/animador. Este estilo popular cativou e

ainda cativa a atenção do público. Assim, “[...] os programas de auditório acabam se tornando

uma síntese, uma nova modalidade de espetáculo de palco [...]”. (MIRA, 1995 apud SOUSA,

2009).

Ilustração 1: Chacrinha no seu picadeiro onde realizava suas brincadeiras e atrás o respeitável público

Fonte: Ex-motorista... (2010).

Os primeiros programas de auditório e os atuais não diferem muito. Com o

desenvolvimento tecnológico, o estilo e algumas ferramentas mudaram o cenário improvisado

de antigamente. Entretanto, é possível perceber que os programas que Sílvio Santos ainda

apresenta possuem as mesmas características dos primórdios deste estilo televisivo. O

Programa Sílvio Santos, por exemplo, apresenta diversos blocos com diferentes quadros,

mas com estilos semelhantes: variedades, atrações musicais, jogos, disputas, quis,... esta

estrutura, se não igual, é muito parecida com a realizada nos programas da década de 1950.

Os programas de auditório baseiam-se no diálogo, no discurso oral. Este tipo linguagem é a

mais próxima do cotidiano tornando assim estes programas mais familiarizados com a

sociedade (SOUSA, 2009).

Page 19: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

18

A influência circense também está presente em outros estilos da televisão. O

respeitável público não pode ficar sem seu espetáculo diário. Para isso, a televisão privilegia o

formato espetacular de sua programação, segundo Rezende (2000). O uso do espetáculo nos

últimos anos

[...] ganhou proporções com a proliferação das emissoras (monotemáticas ou não)

que transmitem suas programações 24 horas por dia. Hoje se cumpre o velho ditado

do circo: o espetáculo não pode parar. Na televisão, o espetáculo se desenrola

continuamente hora após hora, dia após dia. Sempre. (REZENDE, 2000, p. 36).

Essa técnica, do espetáculo, cria laços de proximidade entre o telespectador e o

veículo. Porém, para o telespectador é apresentado um clima de familiaridade. Sodré (1984)

afirma que o público espera que a TV interaja com ele ampliando o clima de simpatia e

proximidade, características da família.

Como citado anteriormente, o rádio também teve forte influência na televisão. Nos

primeiros programas de TV não havia muita distância entre ela e o rádio: é como se

tivéssemos um rádio televisionado. Essa influência é bastante presente devido à falta de uma

identidade do novo meio. O veículo ainda não possuía uma linguagem própria, dessa forma

utilizou a experiência dos profissionais radiofônicos e adaptou os programas do rádio para o

meio televisivo.

O Repórter ESSO é um exemplo desta transição. O noticiário foi o primeiro neste

estilo no radiojornalismo brasileiro. De acordo com Machado (2009), o programa surgiu na

década de 40 com o objetivo de divulgar a “propaganda da guerra americana direcionada ao

povo brasileiro”. Ainda segundo o autor (2009), o programa divulgava “notícias de

autoridades, notáveis, estrelas e astros de cinema e feitos científicos norte-americanos”.

Entretanto, informações que não fossem de interesse dos norte-americanos não eram

noticiadas.

O nome do programa é este devido ao patrocínio da empresa petrolífera ESSO que

também orientava como deveriam ser os programas. Devido ao sucesso no rádio, em 1952 o

Repórter ESSO passa a ser transmitido pela TV Tupi. “Assim como no rádio, o Repórter

ESSO na TV ficou conhecido pela pontualidade e credibilidade perante seus telespectadores”.

(MACHADO, 2009). Essas características também migraram para outros programas

jornalísticos, transformando-as em itens obrigatórios na televisão brasileira.

De acordo com Marcondes Filho (1988), no período inicial da TV, o veículo trabalha

com cenas ao vivo e em cenários improvisados. Os recursos técnicos para filmagem também

Page 20: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

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eram precários e de difícil uso. Os equipamentos do rádio tornam-se insuficientes frente ao

novo desafio de transmitir as imagens. A linguagem do rádio usa a voz, a entonação e os

efeitos sonoros. Já a televisão, além de usar esses itens, também precisa montar um ambiente

para transmitir as imagens.

2.1.3 O fascínio e a imediatez das imagens

Através da televisão é possível o acesso a informações de diversos lugares do globo e

de diferentes culturas. Essa janela para o novo mundo também possibilita que as nossas

fantasias sejam alimentadas. Num programa sobre viagens, por exemplo, o ato de assistir

aquelas imagens já alimenta o desejo de conhecer aqueles locais, graças ao trabalho de edição

das imagens escolhidas, revelando o potencial turístico do local.

Como explica Marcondes Filho (1988), o fascínio da TV não está no aparelho, mas

na proximidade entre os telespectadores e outros mundos. A TV tem a capacidade de ligar o

mundo externo (real) e interno (desejos, imaginações) do telespectador. Ela consegue isso no

trabalho de edição dos materiais, pois tenta adequar o produto aos desejos e anseios do

telespectador. A psicanálise explica que as pessoas sempre viveram em prisões mentais.

Embora os costumes da sociedade atual sejam mais liberais do que há 100 anos, o ser humano

continua sendo prisioneiro dos seus desejos. Estes desejos estão trancados no nosso

inconsciente e sempre acham uma forma de escapar, os chamados recalques.

O guardião [dessa prisão] é o ego, e a autoridade carcerária superior, que atua sobre

o ego, chama-se superego. O id, prisioneiro irrepreensível, indomável,

permanentemente buscando formas de fuga, às vezes, se disfarça em alguém livre,

tapeia o guardião e dá umas fugidinhas: são os nossos sonhos, nossos desejos

mascarados com símbolos sem censura, nossos desejos recalcados. (MARCONDES

FILHO, 1988, p. 38-39).

Essas definições da psicanálise ajudam a compreender o que acontece no mundo

interno de cada ser humano. A televisão atrai pela representação de elementos que compõem a

estrutura mental e, de certa forma, os homens desejam possuir aqueles elementos. Entretanto,

não há consciência desta ação que ocorre na área psíquica a qual não existe muitas

informações: é o recalcado que faz parte do inconsciente (MARCONDES FILHO, 1988).

O verbo fascinar, de acordo Houaiss e Villar (2001), refere-se, dentre outras

Page 21: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

20

definições, ao ato de atrair, seduzir através do olhar. Ora, a televisão fascina os

telespectadores com os artifícios utilizados e, como falado anteriormente, age diretamente no

inconsciente. Entretanto, é interessante comentar a diferença entre seduzir e convencer. Ferrés

(1998) aborda que a sedução não utiliza a via racional, apenas a emocional. Ela não se baseia

nos argumentos, mas no fascínio. Enquanto convencer significa levar alguém a aceitar uma

ideia por meio de razões, em argumentos bem fundados (HOUAISS; VILLAR, 2001).

A sedução quando domina as emoções tende a adormecer a realidade e ativa a

transferência globalizadora ativada pelo pensamento primário. Já o pensamento primário é

quem organiza as percepções de forma mais clara, alinhando as expectativas a uma

uniformidade (FERRÉS, 1998).

Para Freud (1876 apud LIMA, 2006), o assunto fascinação está ligado ao tema

narcisismo. Ele faz esta relação, pois para o psicanalista o narcisismo é quando um indivíduo

ama a si próprio ou quando o ama da mesma forma que o faz com o corpo da pessoa amada.

O mito grego de Narciso explica o fascínio do jovem pela própria imagem. O narcisismo

define, dessa forma, quando um ser está apaixonado por si mesmo (LAMBOTTE, 1996 apud

LIMA, 2006).

Para o pai da psicanálise (1876), a fase narcisista é necessária para formação do eu,

entretanto no caso da paixão, por exemplo, essa fascinação volta-se para o objeto desejado.

[...] tanto na paixão do amor quanto na hipnose, o sujeito idealiza de tal modo o

objeto que se torna fascinado por ele. O corpo do objeto vira luz, sedução. No amor

idealizado, o objeto é tratado como se fosse o próprio sujeito, isto é, o objeto é

investido de libido narcísica. Quanto mais o objeto é idealizado, mais o sujeito se

torna fascinado, de forma tal que se estabelece uma servidão voluntária do sujeito ao

objeto. (FREUD, 1876 apud LIMA, 2006, p. 4).

Segundo Ferrés (1998), a televisão possui características narcisistas porque é uma

experiência sedutora. O fascínio que as mensagens transmitem provém do contato com os

desejos, sonhos, medos dos espectadores. A televisão não só reflete a realidade representada,

mas também o conteúdo interno de quem assiste.

A produção televisiva tem o objetivo de fascinar e fixar o público. Como cita

Marcondes Filho (1988), se a televisão estimulasse a participação da sociedade levando a

realizar experiências e vivências reais a TV não seria tão ruim. Entretanto,

os produtos da comunicação captam as fantasias dos receptores, estimulam-nas,

permitem que se desenvolvam. [...] Isso vai até certo ponto. Se os estímulos

ultrapassassem esses limites, começariam a incomodar, pois iriam exigir do

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21

telespectador ações e comportamentos concretos. [...] O fascinante da TV é isso: a

tensão entre momentos de fantasias liberada e o restabelecimento de esquemas da

ordem. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 39-40).

A televisão condiciona essas fantasias a serem somente fantasias no momento que

impõem um limite para elas. Mesmo assistindo a um telejornal, por exemplo, cuja principal

função é a de informar sobre os fatos “mais importantes” do momento, os telespectadores

recebem a mensagem, mas não são estimulados a fazer algo mesmo que a ação transmitida

pelo veículo seja contrária aos ideais de quem assiste.

2.1.4 Os estereótipos

No mundo há vários tipos de cultura e costumes. A televisão minimiza estas

diferenças construindo modelos que não causem grande estranhamento ao telespectador.

Esses modelos são os chamados estereótipos.

Para transmitir uma mensagem, o veículo utiliza o estilo de esquemas. “Por exemplo,

há certas características na aparência de um homem que personifica o herói de TV. Esses

traços típicos são então construídos pelos idealizadores de tipos e apresentados na tela de

forma acentuada”. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 43).

Vai-se acentuando dessa forma uma representação da realidade característica da TV.

Esses traços acentuados são os chamados estereótipos. A mocinha do filme geralmente é bela

e delicada; o vilão de uma novela é tão malvado e desumano que faz os telespectadores

odiarem o personagem e, muitas vezes, o próprio ator.

Programas dominicais como Domingão do Faustão (exibido semanalmente pela

Rede Globo) geralmente apresentam quadros que estereotipam os animais. O quadro Se vira

nos 30, por exemplo, frequentemente mostra animais realizando ações humanas para

entretenimento. Um exemplo apresentado no dia 1° de agosto de 2010 é o caso de um cão da

raça São Bernardo “cantor” (ver ilustração 2). É bom lembrar também que o vencedor do Se

Vira... ganha 15 mil reais, ou seja, o animal está sendo exposto e utilizado como

entretenimento para concorrer a um prêmio para os seus tutores. Vale ressaltar que a definição

de cantar no sentido que é conhecido no mundo humano não é transferida literalmente para o

animal. Neste caso o cachorro não canta, mas uiva. Ultimamente, diversos vídeos neste estilo

estão disponíveis na internet ou até mesmo na TV, mostrando animais que realizam essa tal

Page 23: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

22

cantoria. No quadro apresentado é fácil perceber o desconforto do animal quando a sirene do

tempo esgotado toca. Até o próprio apresentador comenta sobre o barulho. Por ser um local

estranho, com muitas luzes e pessoas diferentes do seu convívio, o cão mostra-se algumas

vezes inquieto. Outro fato a ser comentado é o acessório utilizado pelo animal. Cães não usam

gravatas, pois não possuem esta necessidade. Este acessório é mais um exemplo da

humanização imposta ao animal. Neste quadro percebe-se o estereótipo utilizado. Para os

telespectadores se identificarem e assistirem aquele programa é mostrado um cão que canta e

usa gravata. É fácil perceber que mesmo sendo domesticados os cachorros não cantam e não

possuem a necessidade de usarem acessórios. A necessidade humana é transferida ao animal

para que aquele conteúdo transmitido seja captado pelo público de maneira mais simples. O

telespectador ao receber estas informações não demonstra estranhamentos já que esses

elementos (impostos ao cão) são naturais do dia a dia dos humanos. Programas e vídeos deste

tipo reforçam a ideia de que os animais podem ser usados no entretenimento dos homens

realizando ações humanas.

Ilustração 2: Cachorro “canta” no Domingão do Faustão. Exemplo clássico da utilização de animais como

entretenimento

Fonte: Max... (2010).

Page 24: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

23

Os programas televisivos possuem o ritmo da vida dos trabalhadores. A televisão

prolonga essa continuidade do trabalho, mesmo as pessoas estando em repouso. Para

Marcondes Filho (1988, p. 24), “enquanto assiste à TV, o sujeito mantém seu ritmo de

produção [...] Ansiedade e sensação de estar sempre funcionando são as neuroses permanentes

que garantem ao trabalhador a impressão de „estar vivo‟. Viver significa produzir e apresentar

resultados em todos os sentidos”.

Entretanto, ao assistir um programa televisivo não há essa percepção de que o

veículo transmite a ideia desta continuação de ritmo de trabalho. Isso acontece devido à

linguagem utilizada. A televisão tende a reduzir as mensagens para que o telespectador receba

aquele conteúdo e compreenda instantaneamente. Dessa forma, a TV tende a transmitir as

mensagens e os telespectadores as recebem como reais, pois as ideias transmitidas vêm num

formato definido que facilita a decodificação. Os estereótipos dão uma falsa sensação de

conforto, pois não apresentam surpresas, não exigem grandes reflexões.

De acordo com Ferrés (1998, p. 135),

os estereótipos são representações sociais, institucionalizadas, reiteradas e

reducionistas. São representações sociais porque pressupõem uma visão

compartilhada que um coletivo social possui sobre outro coletivo social. São

reiteradas porque são criadas com base na repetição. A palavra estereótipo provém,

justamente, da tecnologia utilizada para a impressão jornalística, “na qual o texto é

escrito em um molde rígido – na impressão em offset ou de estereótipo – que

permite reproduzi-lo tantas vezes quanto se deseje” (E. Noelle Neumann, 1995,

p.191). O estereótipo tem, pois, muito desse molde rígido que permite a repetição. A

base da rigidez e de reiteração, os estereótipos acabam parecendo naturais; o seu

objetivo é, na realidade, que não pareçam formas de discurso e sim formas da

realidade. Finalmente, são reducionistas porque transformam uma realidade

complexa em algo simples.

Ainda segundo Ferrés (1998), as representações audiovisuais utilizam o estereótipo

como forma de amenizar a recepção das mensagens, tornando-as mais leves e seguras no

momento da recepção:

tanto nos noticiários como na ficção, o uso de estereótipos ajuda a reduzir a

incerteza. Os estereótipos contribuem para potencializar a sensação de que se tem

controle da realidade, de que esta pode ser conhecida, entendida, explicada,

dominada. [...] A televisão ocupou o destaque, levando mais ao extremo as

simplificações, porque pretende atingir audiências mais vastas. (FERRÉS, 1998, p.

137-138).

O estereótipo construído pela televisão reflete significativamente na vida dos

telespectadores. Cria-se uma falsa sensação de proximidade, de intimidade com a realidade ali

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24

representada. A padronização das situações e das pessoas empobrece o cotidiano fazendo as

pessoas reproduzirem aquela informação que recebem. Em matéria divulgada pela RBS TV

de Santa Catarina – afiliada Rede Globo no Estado - (RBS Notícias, março/2010 – ver

ilustração 3), por exemplo, sobre animais abandonados em Florianópolis, o conteúdo

informativo falava sobre o problema do abandono de animais. Porém a matéria tinha o foco

nos animais abandonados como risco para saúde humana (expressão usada pela repórter ao

um minuto e trinta segundos na presente matéria).

Ilustração 3: Repórter fazendo sua passagem e mostrando ao fundo um cachorro que seria de rua e

consequentemente um exemplo de “risco para a saúde humana”

Fonte: Rede Brasil Sul (2010).

Os canais de TV regionais quando abordam este tema caem sempre neste lugar

comum: o problema do abandono de animais é secundário. A televisão tende a reduzir as

informações para que a compreensão seja de maneira mais rápida pelo telespectador. A mídia,

em geral, reflete o que a sociedade acredita. Entretanto, ela delimita um recorte perante aquele

assunto que será abordado. No caso dos animais, por exemplo, nem todos da sociedade

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25

acreditam que o abandono é um problema de saúde pública. Porém, o recorte escolhido

delimitou somente este enfoque.

A maioria das matérias veiculadas tende a mostrar o problema, achar um culpado e

uma possível solução. Neste caso específico, os culpados são os animais e a possível solução

é o extermínio. Este mesmo problema poderia ser falado de outra forma abordando, por

exemplo, que o abandono é realizado por pessoas que jogam fora o próprio animal doméstico.

Não só nos noticiários regionais, como nos nacionais, em programas de

entretenimento e novelas os estereótipos estão presentes. Programas como Gugu/Rede

Record, Domingão do Faustão/Rede Globo, Eliana/SBT e Tudo é Possível/Rede Record

frequentemente apresentam quadros que estereotipam os animais tornando-os apenas como

elementos de entretenimento conforme exemplo citado acima. Vale ressaltar, que estes

programas televisivos também exibem (mesmo que não seja de forma rotineira) quadros que

valorizam a adoção de animais, a castração,... como o exibido no domingo, 8 de agosto de

2010, no programa da Eliana/SBT (ver ilustração 4) sobre a importância da castração e a

adoção de animais. Entretanto, estes não deixam de ser um estereótipo, pois tocam na emoção

do telespectador, principalmente nas pessoas apaixonadas por animais.

Ilustração 4: Matérias usam a emoção para atingir os objetivos: maior número de audiência

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26

Fonte: Programa Eliana (2010).

Para quem acabou de assistir a série de matérias tem a conclusão de que: existe um

problema (aumento populacional de animais, principalmente em áreas carentes) e aqueles

voluntários são a solução. O conteúdo da mensagem não deixa de ser importante, pelo

contrário, é imprescindível que trabalhos como estes sejam divulgados. O foco destas

matérias está nos finais felizes (com o auxílio da trilha sonora que transmite estas mensagens)

com histórias de animais castrados, animais resgatados, adotados..., mostrando apenas

superficialmente o outro lado. O receptor daquela mensagem já recebe as informações prontas

e com os problemas já solucionados, enquanto, na vida real o problema persiste e talvez não

se resolva de modo tão simples. As escolhas das imagens e da trilha sonora auxiliam nesta

conclusão.

Ferrés (1998) afirma que os estereótipos servem como forma de socialização entre os

membros da sociedade quando realiza esta identificação emocional entre o conteúdo e o

receptor. O telespectador identifica-se com um ou outro personagem dependendo do ponto de

vista que é mostrado. Em geral, os audiovisuais tendem a criar algum tipo de herói,

satisfazendo as necessidades emocionais do espectador.

No espetáculo de televisão, as emoções não servem apenas como entretenimento.

Não existem emoções neutras. Toda emoção é portadora de significação. Em alguns

casos, a significação é intencional. Em outros, é involuntária. Mas explícita ou

implícita, manifesta ou latente, a significação está ali. A utilização da via emotiva no

espetáculo cinematográfico ou televisivo cumpre, pois, uma dupla função: a

liberação catártica e a partir dela, a transferência ideológica. (FERRÉS, 1998, p.

151).

O termo catarse tem sua origem com Aristóteles. Desenvolvido para explicar os

gêneros artísticos da tragédia, os sentimentos de compaixão e temor que provocam um efeito

de purificação ao se chocar com uma tragédia (BILL, 2010).

Fatos de grande repercussão como da morte da menina Isabella Nardoni

mobilizaram a família da vítima, a imprensa e toda sociedade e são exemplos da catarse

televisiva. Mesmo sem o julgamento final da justiça, as informações transmitidas pela mídia

já havia, de certa forma, condenado o pai e a madrasta. Durante semanas após a morte da

criança, os noticiários eram bombardeados com ilustrações explicando detalhadamente o

crime, dados e testemunhas de amigos e familiares dos réus e da mãe da vítima, além das

constantes visitas de curiosos ao local. Estes atos mostram o lado perverso dos homens e a

necessidade de testemunhá-los (BILL, 2010).

Para Bill (2010), a sociedade tem a necessidade de experenciar a tragédia e a

Page 28: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

27

consegue através da televisão.

Hoje ela [a tragédia] ultrapassa o campo [...] da ficção, e chega às telas da televisão,

no retrato das tragédias da vida real. O público consome o trágico na TV de maneira

a se sentir aliviado de seu próprio cotidiano e redimido de seus próprios conflitos.

(BILL, 2010, p. 4).

Vale ressaltar que a TV sempre teve seu uso e utilidade discutidos. A forma

espetacular dos conteúdos, as mensagens transmitidas e o estilo trazem a tona o

questionamento da importância deste veículo, assim como comenta Sodré (1984, p. 14, grifo

do autor):

O que é a televisão? Do ponto de vista das necessidades imediatas do mercado

capitalista, o primeiro ponto observável dessa engenhoca tecnológica, capaz de

hipnotizar cotidianamente centenas de milhões de pessoas com imagens cinéticas, é

a sua maior absoluta superfluidade. Realmente, a televisão não surgiu para absorver

a uma <<necessidade>> real de comunicação por imagens. O rádio também não, de

certo modo. Mas a técnica radiofônica propiciou o contato entre regiões distantes,

culturas diversas, fazendo emergir formas comunicacionais que já se impunham

diante da pressão dos descobrimentos e expansões posteriores à Revolução

Industrial. A televisão, ao contrário, não veio atender a nenhuma específica e

preexistente da comunicação social. Surgiu diretamente do meio técnico, como

resultado da crescente autonomia dos bens eletrônicos (mercado) com relação às

reais carências humanas. A televisão é uma técnica, um eletrodoméstico, em busca

de necessidades que a legitimem socialmente.

Não é necessário fazer uma pesquisa para compreender a importância da TV na

sociedade atual. Este “utensílio doméstico” tem servido para usos diversos além de enfeitar os

lares brasileiros. Através da televisão tem o acesso ao mundo sem sair de casa. Entretanto, o

que Sodré (1984) questiona é que a televisão, diferente do jornal e do rádio, surge para suprir

uma necessidade, uma carência dos seres humanos.

Além desta falta de algo a humanidade também possui a necessidade da fantasia. Há

mais de 100 anos as pessoas exercitavam-na lendo livros: romances, livretos de aventuras, de

acordo com Marcondes Filho (1988). Para o autor, as pessoas vivem em dois mundos: o das

obrigações (trabalhar, estudar, cuidar da casa...) e da fantasia. Neste último as pessoas estão

livres e podem realizar os sonhos e desejos. A televisão tem o poder de ocupar este espaço da

fantasia e o faz pontualmente através do fascínio do audiovisual, em que se apresenta um

cotidiano através de imagens em movimento controladas pelo controle-remoto

proporcionando um prazer peculiar de dominação da realidade.

Marcondes Filho (1988, p. 28) critica a maneira como a comunicação é produzida

Page 29: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

28

quando industrialmente, pois as fantasias, os sonhos são domesticados e a satisfação desses

desejos é desviada: “em vez de atender, de satisfazer nossos desejos e vontades, só recebemos

dela alguns indícios: o perfume da flor e não a flor [...]. A comunicação industrial nos seduz

com vãs promessas, abandonando-os sem efetivamente nada nos dar”.

A produção industrial da comunicação transforma a necessidade – de estar informado

– em um produto capaz de ser vendido e modificado. Essa produção fica mais massiva no

veículo TV, pois a utilização de imagem vende mais. Como já diz aquela célebre frase: Uma

imagem vale mais do que mil palavras.

2.1.5 As imagens como linguagem na TV

O diferencial da TV, como já foi falado, é a utilização das imagens em movimento.

Os sinais luminosos transmitidos pela telinha têm a capacidade de prender a atenção dos

telespectadores. Todos os dias, milhares de pessoas ligam seus televisores e muitos, sem nem

prestar atenção à programação que vão assistir.

A imagem foi criada para desviar a atenção do ser humano da solidão, de acordo com

Marcondes Filho (1988). As formas de entretenimento (como esportes, diversões, festas,...)

também foram criadas para este objetivo, mas é na imagem que o homem teve mais sucesso.

As obras de arte e a imagem, neste ponto, têm algo em comum: ambas foram concebidas para

congelar e cristalizar o presente negando a degeneração do corpo e da vida.

De acordo com o autor (1988, p. 10), “a imagem é uma das formas mais bem

sucedidas que o homem criou para superar o fato angustiante de que depois do dia de hoje

virá o amanhã, o seguinte, e que sua vida caminha para um fim inevitável”.

Para camuflar este inevitável fim, a imagem estabelece uma ligação entre o homem e

o imaginário, ou seja, entre o real e os sonhos do próprio homem. A vida real transcorre

regularmente, cotidianamente. Já a mente trabalha por melhorias, em mudanças na vida

daquele homem (MARCONDES FILHO, 1988).

Essa relação com a imagem remete a tempos pré-históricos. Ao desenhar os animais

em cavernas, por exemplo, os humanos acreditavam estar dominando aqueles animais e assim

seria mais fácil enfrentá-los. Para Marcondes Filho (1988), este ato refere-se à magia

propiciatória.

O mundo para os homens, nesta época, era uma única realidade. Não havia separação

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29

entre o mundo real e o espiritual, entre o visível e o invisível. Dessa forma, o desenho de um

animal morto referia-se à magia: eu o matei no momento que o desenhei morto. No entanto,

cada imagem funcionava para um único ritual: depois aquela pintura era desprezada e quando

os caçadores saiam novamente para caçar desenham novos animais (JANSON; JANSON,

1993).

A representação da imagem foi evoluindo assim como os homens e tomando papéis

diferenciados ao longo da história. No Egito as imagens eram pintadas em tumbas funerárias e

representavam a morte. Na civilização grega eram utilizadas para humanizar as imagens e

representar a sensualidade (MARCONDES FILHO, 1988).

A noção de imagem considerada hoje vem do Renascimento. A profundidade de

campo produz a sensação de estar na própria natureza representada. Já a profundidade é

conseguida através da perspectiva. Esta possui regras de volumes e distâncias que aumentam

a ilusão do que está representado. O Renascimento inovou perante os outros estilos artísticos,

pois introduziu um ponto de fuga central para onde convergem todas as linhas da imagem.

Assim, a arte deste período proporciona a sensação de profundidade e transmite o efeito de

estar diante a uma janela onde se pode ver tudo (ESTEVÃO; GONÇALVES, 2006).

A importância da imagem muda de acordo com a necessidade do período histórico.

Quando surge a fotografia, um novo conceito de análise das imagens é exigido. A foto é a

representação do real. Na verdade, de um recorte que é tido como real. Tanto o cinema como

a televisão utiliza este sentido da imagem, a diferença entre eles e a fotografia é a imagem que

está em constante movimento.

De acordo com Marcondes Filho (1988), a relação que se tem hoje com a fotografia é

uma relação intensiva, pois se pode observar os detalhes, a densidade, todas as informações

contidas ali e assim chegar a outra realidade através do ilustrado. Já com a televisão tem-se

uma relação extensiva. Não há tempo para analisar o que está sendo mostrado, observar os

detalhes, as cenas acontecem de maneira rápida sem que o telespectador tenha tempo de se

prender ao mostrado.

Pela TV as imagens passam rapidamente e não nos detemos nela (sic), não as

exploramos completamente. [...] Então, percebe-se que, enquanto a fotografia o

sujeito escolhe os detalhes que mais o interessam, na televisão eles são escolhidos

para as pessoas, e isso acarreta grandes perdas: o direito de escolha e da livre

concentração, além de serem impostas as cenas que interessam principalmente ao

realizador do programa e ao patrocinador. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 13).

Esses recortes escolhidos são os que determinam o rumo que aquele conteúdo

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30

televisivo tomará. As imagens na televisão já vêm prontas para serem consumidas pelo

telespectador. Não há tempo para refletir o conteúdo ou os detalhes, a não ser que esta seja a

intenção do produtor. No geral, as imagens são como fast food: já vêm embaladas prontas

para serem deglutidas.

Outro aspecto importante nesta situação é a utilização dos estereótipos. Como

explica Ferrés (1998), os estereótipos são, ao mesmo tempo, verdadeiros e falsos. Verdadeiros

porque utilizam elementos da realidade. Mas também são falsos “porque toda generalização

simplificadora pressupõe uma traição a uma realidade que é, necessariamente, complexa,

contraditória, dual”. (FERRÉS, 1998, p. 136).

Sessenta anos após a transmissão do primeiro programa de TV o veículo ainda é

objeto para muitos estudos. Tilburg (1990) estudou o porquê das pessoas serem

telespectadores assíduos. Após um árduo dia, o trabalhador encontra no televisor a diversão

mais adequada para o seu estado físico e psicológico.

A atração pela imagem, seja em cores seja em preto e branco, exerce uma influência

proporcional a um nível de abstração que é resultado tanto da natureza do trabalho

exercido quanto de hábitos e atitudes adquiridos por ocasião da educação na família

e na escola. (TILBURG, 1990, p. 61).

Para receber a imagem televisiva não é exigido nenhum esforço do telespectador. As

imagens já entregam a informação completa sem que o telespectador precise de tempo para

processar. Exemplo disso são os telejornais. A rapidez com que as notícias são transmitidas

muitas vezes faz questionar ao fim do noticiário quais informações acabaram de ser

transmitidas. De acordo com Tilburg (1990, p. 91), “70% das informações do Jornal Nacional

não são absorvidas, exatamente em virtude do ritmo acelerado na edição, que impede o

aprofundamento das notícias transmitidas”.

Já no caso das telenovelas, através das histórias o público se sente mais íntimo dos

personagens, ou seja, intimidade com o que está sendo transmitido. A fusão entre o real e o

simbólico se confunde, segundo Tilburg (1990, p. 94),

[...]criando uma realidade com características próprias que pouco tem (sic) a ver

com o dia de trabalho monótono, repressivo e exaustivo, o que permite liberar os

desejos e a agressão - causada pelo mundo de trabalho – mediante os mecanismos

mais variados e extremamente complexos de identificação.

Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Arbex (1995) afirma que para fugir dos

problemas da realidade as pessoas eliminam o limite que existe entre a ficção e o real. “[...] A

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31

televisão seria, nessa perspectiva, o „ópio do povo‟, uma droga anestesiante, uma quebra

lúdica que tornaria suportável o cotidiano do trabalho, dos chefes neuróticos e opressivos, dos

impostos, das obrigações, das dívidas, do desamor”. (ARBEX, 1995, p. 23).

Diversos são os críticos deste meio. As definições apresentadas neste tópico servem

para ilustram como alguns pensam a TV. No entanto, o meio não pode ser julgado somente

como um veículo ruim já que os insatisfeitos podem se ver livre da televisão desligando o

aparelho.

2.1.6 A televisão e seus gêneros

Neste estudo serão apresentados os programas das categorias de entretenimento e

informativos. No entanto, existem diversas categorias e sucessivamente diferentes gêneros e

formatos. Antes de falar de gêneros é necessário compreender a diferença entre estas três

classificações.

Estas denominações seguem uma ordem. Primeiramente vem a categoria. Esta segue

os princípios da lógica de Aristóteles. É só lembrar como os reinos animais, vegetais,

humanos são divididos. Assim, os programas televisivos podem ser divididos basicamente em

três categorias: entretenimento, informativos e educativos (ARONCHI, 2006). No entanto,

somente os programas de caráter educativo não serão apresentados neste estudo.

Os gêneros são reunidos a partir de características semelhantes. Na categoria

entretenimento, por exemplo, existem diferentes gêneros como de auditório, esporte,

novelas... (ver ilustração 5). Já os formatos (ver ilustração 6) ajudam a definir e a identificar

os gêneros e podem aparecer de diversas formas criando novos programas (ARONCHI,

2006).

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32

Ilustração 5: Categorias e gêneros

Fonte: Aronchi (2006, p. 6).

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33

Ilustração 6: As diferenças e semelhanças entre gênero e formato Fonte: Aronchi (2006, p. 8).

Dessa forma, pode-se concluir que o “formato está sempre associado a um gênero,

assim como gênero está diretamente ligado a uma categoria”. (ARONCHI, 2006, p. 9, grifo

do autor).

Estas classificações seguem a ótica das emissoras de televisão. De acordo com o

manual de programas desenvolvido pela British Broadcasting Corporation, da rede BBC da

Inglaterra os programas podem ser informativo ou educativo, mas devem sempre entreter

(ARONCHI, 2006).

Segundo Aronchi (2006), a televisão é uma indústria e seus produtos são os

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34

programas. Para vender estes produtos é necessário agradar os anunciantes. Já estes preferem

não investir em programas que fogem do convencional. Ou seja, a programação2 da televisão

é montada com base nos programas que agradarão aos anunciantes e não aos consumidores.

A identificação dos gêneros televisivos, ao contrário do cinema e da fotografia, é

mais complexa já que há uma hibridação entre eles. Pode-se observar, por exemplo, haver

informação em programas de entretenimento. No entanto, estes gêneros possuem um padrão,

de certa forma estáveis caracterizando o espetáculo televisivo (COSTA, 2005).

Os conceitos de categoria, gêneros e formatos auxiliarão no entendimento dos

tópicos que seguem sobre os programas de gêneros de entretenimento e informativos.

2.1.6.1 Os gêneros baseados no entretenimento

Como já mencionado antes, os programas independentes de qual categoria pertençam

devem sempre entreter o telespectador. No entanto, vale ressaltar que mesmo os programas da

categoria de entretenimento também possuem caráter informativo como mostrar problemas

sociais nas novelas, por exemplo. Ao mesmo tempo em que o telespectador se diverte também

é bombardeado com as informações que são transmitidas de forma codificada ou não. Antes

de aprofundar na categoria informativa, é necessário compreender quais gêneros e quais as

diferenças da categoria entretenimento quanto às outras.

Existem diversos gêneros baseados no entretenimento, mas aqui serão apresentados

os de interesse deste estudo que são: Auditório e Variedades, Novelas e Talkshow.

2.1.6.1.1 Programas de Auditório e Variedades

Este gênero tem origem, como abordado anteriormente, no estilo circense. O formato

2 De acordo com Aronchi (2006, p.10-11), “programação é o conjunto de programas transmitidos por uma rede

de televisão. O principal elemento para a programação é o horário de transmissão de cada programa. A economia

é imprescindível hoje em dia para entender o funcionamento da televisão, desde a produção de programas até as

estratégias de programação e de marketing. Atualmente, as emissoras comerciais baseiam-se nos dados de

audiência para decidirem pela programação de um gênero em determinado horário. O principal fornecedor

dessas informações é o IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), que trabalha com pesquisa

de mercado. O IBOPE estima o número de aparelhos de TV ligados em um canal no mesmo horário”.

Page 36: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

35

do programa com os quadros divididos em brincadeiras, música, participação do público...,

traz mais proximidade ao telespectador e para o público que está no local. Aronchi (2006, p.

18) afirma que “os programas de auditório prendem a atenção do público e do telespectador

pela variedade das atrações apresentadas num só programa, aproximando-se da mesma

linguagem utilizada pelo circo”.

Marcondes Filho (1988) afirma que os programas de auditório têm origem no circo.

Este teve sua decadência com a era industrial e quase desapareceu com o surgimento e

aperfeiçoamento dos meios de comunicação. Mais tarde, a TV absorveu caractérísticas

básicas circences: o entretenimento e a diversão. “O termo „circo‟ vem do latim circu (círculo)

e designa o local onde se realizavam os jogos públicos. Já no período moderno, a palavra

circo adquiriu a conotação de ser itinerante e oferecer espetáculos em troca de pagamentos de

ingresso, como nos dias atuais”. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 68).

O clássico programa do Chacrinha, em que o próprio apresentador fazia parte

daquele grande circo com suas roupas de palhaço, é um ótimo exemplo da herança circense.

Desde os primeiros programas aos atuais, o que faz as emissoras levar o público ao estúdio é

o controle da plateia. Devido à dinâmica (contando com apresentações musicais, danças,

brincadeiras, reportagens,...), o auditório também faz parte do programa (ARONCHI, 2006).

Programas como os que Sílvio Santos apresenta no SBT também são clássicos

exemplos. O apresentador utiliza o diálogo como forma de deixar os participantes dos quadros

mais descontraídos (ver ilustração 7).

Além disso,

as tomadas de câmera, combinadas com a sonoridade, dotam as cenas de um ritmo

acelerado. Esse gênero de programa, então, organizado espacialmente em torno de

um palco, sempre oferencendo prêmios, através de jogos, sorteios, ou atrações

variadas, dá-se a ver como uma grandiosa encenação. Nessa cena circense e popular

não é possível ficar triste ou parado, pois o clima de festa, show e empolgação

colabora para a tematização da alegria. (SOUSA, 2009, p. 46).

Page 37: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

36

Ilustração 7: Sílvio Santos, no seu programa dominical de 10 de outubro de 2010, momentos antes de revelar as

garotas quem havia ganhado a brincadeira

Fonte: Sistema Brasileiro de Televisão (2010).

Os programas de auditório tiveram seu auge na década de 60. A inauguração de

novas redes de TVs e o crescente número de novos programas de auditório tornaram este

gênero mais apelativos. Concursos com as pessoas mais gordas, os mais magros passam a

dominar o horário nobre e a render grandes audiências. O que importa, neste período, é

comunicar não interessando se isso se realiza de maneira boa ou ruim, sensacionalista ou não

(MIRA, 1995).

No início da década de 70, diversos programas utilizam o estilo sensacionalista para

ganhar audiência, empobrecendo a produção de programas com conteúdos. Após diversos

incidentes, os programas começam a mudar o estilo grotesco na TV e os programas de

auditório começaram a ser gravado para evitar qualquer imprevisto que pudesse complicar a

emissora mais tarde (MIRA, 1995).

Para melhorar a imagem destes programas, atualmente, as emissoras de televisão

têm repaginado os programas de auditório, chamando-os de Variedades. Essa mudança no

nome do gênero deve-se à versatilidade que estes programas comportam recebendo desde

reportagens a apresentações musicais. Porém, essa atitude é uma forma de mudar alterando

sua imagem de programa popular (ARONCHI, 2006).

Page 38: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

37

Aronchi (2006) questiona que os novos programas de Variedades aplicam o uso do

bizarro e do grotesco nos seus quadros. Programas que exibem crimes, exploração da dor dos

outros, brigas..., são exemplos. Além disso, “são os programas de auditório pós-modernos na

TV que promovem uma guerra de audiência com prejuízo para o telespectador que vê, ri,

chora e se espanta com tudo o que é apresentado”. (ARONCHI, 2006, p. 19).

Programas como O Melhor do Brasil, da Rede Record (ainda no ar) que tem como

apresentador Rodrigo Faro, é um exemplo. Não há muitos resquícios dos programas de

apresentados por Chacrinha, mas mesmo assim mantém as características básicas de um

programa de auditório com os quadros, as danças, a participação do público. Vale ressaltar

que este é chamado de programa de Variedades, e não mais de auditório.

Assim como os programas de auditório e Variedades ainda fazem sucesso, outro

gênero que é adorado pelo público é a novela, tópico que será mostrado a seguir.

2.1.6.1.2 Novelas

A TV em seu início utilizou dos recursos e da mão de obra do rádio. O que se tinha

conhecimento, no início da década de 50 com relação a televisão era insuficente para produzir

uma boa programação sem utilizar dos recursos radiofônicos. Assim, as novelas também têm

origem no rádio. Tanto os profissionais quanto o estilo de narrativa veio do rádio.

A primeira novela transmitida foi Sua Vida Me Pertence em 1951 transmitida pela

TV Tupi. Seu modelo ainda era baseado em teleteatros e a trama se desenrola em capítulos,

como hoje. Porém, as narrativas eram ao vivo, possuiam cerca de 15 capítulos e eram

transmitidas duas vezes por semana. O gênero caiu no gosto do povo brasileiro que começou

a pedir telenovelas diárias (ver ilustração 8). Assim, a primeira novela diária, chamada de 2-

5499 Ocupado, foi criada em 1963 pela TV Excelsior (ANKERKRONE, 2001).

Page 39: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

38

Ilustração 8: O casal Glória Menezes e Tarcísio Meira na gravação da primeira novela diária brasileira

Fonte: E foram... (2009).

As novelas brasileiras ganharam destaque no Brasil e no mundo. Tanto que diversas

telenovelas foram exportadas para outros países. Segundo Matterlart e Matterlart (1998,

p.111), a popularidade das novelas se mede

[...] pelo espaço que ocupam nas conversas e debates de todos os dias, pelos boatos

que alimentam, por seu poder de catalisar uma discussão nacional, não somente em

torno dos meandros da intriga, mas também acerca das questões sociais. A novela é

de certa forma a caixa de ressonância de um debate público que ultrapassa.

Diversas vezes já foram noticiados casos de atores e atrizes que apanharam por causa

dos personagens que interpretavam. Há telespectadores que se envolvem de tal maneira com a

trama daquela novela que não separam o real da ficção. Parte do público que assiste as

novelas sabe diferenciar que o que está sendo transmitido é uma ficção. No entanto, ao

mesmo tempo que a novela é ficção, o gênero também transmite mensagens sociais, ou seja,

informa. Como os efeitos do uso das drogas que foi destaque na novela O Clone (2001-2002,

Rede Globo) com a interpretação de Déborah Fallabela no papel de Mel uma garota viciada

em drogas.

No caso dos animais utilizados tanto em seriados, séries ou em novelas eles são

Page 40: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

39

apresentados como um personagem. Os bichos são treinados para fazer parte daquela história.

Entretanto, o telespectador o vê como mais um personagem sem avaliar o que foi feito para

aquela cena ser realizada. Ao contrário dos homens, os animais não têm livre escolha para

decidir se querem ou não. Ser personagem de um audiovisual depende de escolha e isso os

animais não possuem.

Para Martín Barbero (1997 apud FERREIRA, 2005), o gênero novela é um dos

principais produtos da cultura popular não só no Brasil, mas também em toda América Latina.

Devido à forte influência, os telespectadores mudam seus comportamentos e hábitos de

consumo adotando outras formas para se assemelhar aos transmitidos pela novela. As

telenovelas rompem a ligação como gênero somente fictício quando alteram o comportamento

do público. A televisão tem o poder de influenciar as pessoas. Vale ressaltar, no entanto, que

os telespectadores não são como uma folha em branco e não recebem todos os estímulos de

forma homogênea. A partir das características daquele espectador, da carga emotiva e da sua

herança cultural é que o telespectador vai decodificar aqueles estímulos. Ou seja, cada pessoa

interpreta o estímulo de acordo com suas heranças (culturais, emocionais...,).

As tramas atingem diversos públicos de diferentes classes sociais. Isso ocorre, pois

ao escrever uma novela o autor busca construir histórias de personagens que se identifiquem

com o público. Para isso, também são criados diversos personagens que mostram diversas

classes sociais, diferentes idades,... para atrair os telespectadores. No entanto, a audiência em

diversos casos é que decide o rumo que aquele personagem terá na trama (FERREIRA, 2005).

As novelas expoêm os telespectadores a mundos e situações vivenciados no dia-

adia, o que faz com que eles sintam-se familiarizados com o universo visto nas

novelas e ao mesmo tempo usa de sentimentos aprendidos nas relações sociais. É

nesse sentido que as telenovelas são consideradas como histórias verdadeiras e

realistas, na medida que tratam de sentimentos humanos, que alguns telespectadores

julgam universais. (FERREIRA, 2005, p. 20).

O modelo industrial das novelas é característica da TV. Percebe-se este modelo ao

analisar a formatação dos cenários, a escolha dos mesmos atores, dos mesmos figurinos para

elaborar uma novela (MACHADO, 2001).

A necessidade de alimentar com material audiovisual uma programação ininterrupta

teria exigido da televisão a adoção de modelos de produção em larga escala [...] o

programa da televisão é concebido como um sintagma padrão que repete o seu

modelo básico ao longo de um certo tempo, com variações maiores ou menores.

(MACHADO, 2001, p. 88).

Page 41: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

40

Vale ressaltar também que este padrão das novelas consegue prender o público, pois

ao final de cada episódio, há uma ligação para que o telespectador fique esperando o próximo.

Um dos gêneros mais rentáveis da TV, a novela é um dos gêneros que consegue juntar ficção,

informação e entretenimento sem tornar a trama cansativa.

2.1.6.1.3 Talk Shows

Existe uma discussão quanto a este gênero, se ele pertence ao informativo ou ao

entretenimento. Analisando o modelo de talk shows que se tem no Brasil, que é o estudado, os

programas misturam informação, música, humor, debates, entrevistas,... Novamente há uma

hibridação dos formatos. Claro, como já mencionado anteriormente, os gêneros têm a missão

de entreter, mas também informam. O gênero talk show está na categoria de entretenimento

devido a sua diversidade na composição.

Este gênero valoriza a presença do apresentador que precisa comandar o programa

independendo do conteúdo e do entrevistado. O programa pode contar com mais de um

convidado. Além disso, é comum contar com auditório para aumentar o clima de descontração

(ARONCHI, 2006).

Este gênero começa a ter destaque a partir da década de 1980 no Brasil e tem origem

com o modelo americano. Na década de 1950 o gênero nasce nos Estados Unidos que o

utilizam em três momentos do dia: no período matutino os talk shows se dedicam às notícias;

à tarde, programas de debates com ênfase no aconselhamento; e no período noturno dão

ênfase aos programas de humor e entrevistas com celebridades (TIMBERG, 2004 apud

SILVA, 2009).

Mas no Brasil, em 1980, o gênero surgiu após a consolidação do gênero de

entrevistas no país. O primeiro talk show brasileiro foi exibido em 1988 pelo SBT: Jô Soares

onze e meia (ver ilustração 9). Embora o foco fossem as informações, principalmente

política, o programa apresentava uma pitada de humor. O programa mudou os formatos

existentes que tinham foco somente na informação trazendo entretenimento e humor ao

gênero (SILVA, 2009).

Page 42: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

41

Ilustração 9: Jô Soares entrevistando Maurício Sita que foi ao programa no dia 14 de outubro de 2010 lançar um

livro

Fonte: Jornalista... (2010).

Jô Soares já trabalhou com humor, dirigiu peças de teatro, escreveu livros,... Hoje

apresenta o Programa do Jô, na Rede Globo. O programa traz atrações musicais, de humor,

entrevistas, a particação da banda do programa e do auditório. O que se nota, como é de se

esperar dos programas de talk shows, é a presença constante de Jô Soares. Muitas vezes, o

entrevistado precisa disputar espaço para falar.

2.1.6.2 Os gêneros baseados na informação

Os gêneros desta categoria possuem em comum o caráter jornalístico de informar.

No mesmo caso que os programas da categoria de entretenimento, estes gêneros não só

informam, mas também entretem. Esta diversão ocorre de maneira diferente da outra

categoria, já que é necessário se adequar aos moldes informativos. O objetivo das categorias

Page 43: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

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entretenimento e informativo é o mesmo: prender a atenção do telespectador gerando

audiência e consequentemente aumentando os lucros da emissora. Podem citar-se os gêneros

programas de entrevistas, debates, documentário e telejornalismo nesta categoria. No entanto,

será apresentado de forma mais detalhada os gêneros documentário e telejornalismo que serão

o objeto da análise realizada mais adiante.

O gênero entrevista é muito utilizado na categoria de entretenimento, principalmente

no gênero talk show. A grande diferença entre estes dois gêneros é o objetivo: enquanto a

entrevista tem o foco no jornalismo, o talk show pretende divertir. Nos programas de talk

show o apresentador é o destaque, já nas entrevistas o foco é o entrevistado (ARONCHI,

2006).

Os programas de debate não exigem grandes investimentos das emissoras e podem

ser realizados também para preencher espaços vazios na grade da programação. Ao contrário

da entrevista, o debate é criado pelo número de participantes. O programa pode contar com

mais de um apresentador que também pode atuar como comentarista, assim como os

convidados. A escolha do assunto e dos participantes varia de acordo com a emissora. Estes

programas também podem contar com pequenas reportagens que servem para ilustrar

(ARONCHI, 2006).

Como serão expostos a seguir, ao contrário dos programas de debates e entrevistas,

os gêneros documentário e telejornalismo são mais versáteis e podem utilizar dos recursos

deste últimos para implementar ainda mais o conteúdo.

2.1.6.2.1 Documentário

Os documentários possuem papel importante na área de jornalismo das emissoras.

Redes de TVs pequenas geralmente importam este gênero de outras emissoras. A BBC é um

exemplo de rede que fabrica e vende documentários. No entanto, não só emissoras pequenas

compram estes programas. O capital de redes como a BBC é muito maior para fabricar

documentários com ótima qualidade e conteúdo.

Este gênero aborda temas que possuem importância histórica, social, política,.. e

também aprofundam assuntos do dia a dia. O documentário teve raízes no cinema durante a

Segunda Guerra Mundial. Neste período, o gênero tinha o objetivo de informar e de divulgar

as ideologias (ARONCHI, 2006).

Page 44: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

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O primeiro documentário foi filmado pelo americano Robert Flaherty, no norte do

Canadá de 1912 a 1919. O documentarista acompanhou uma família de esquimós neste

período e lançou, em 1922, o filme Nanouk, o esquimó (ZANDONADE; FAGUNDES, 2003).

De acordo com Penna (apud ZANDONADE; FAGUNDES, 2003), Robert construiu um novo

estilo de representar a realidade ao pedir aos membros da família para interpretar as próprias

atividades diárias.

Para Zandonade e Fagundes (2003), o documentário pode ser dividido em dois

modelos: clássico e moderno. O primeiro “era utilizado no início século 20, com a escola

britânica de John Grierson, baseada em ilustrações e narrações construídas com finalidades,

na maioria das vezes, institucionais”. (ZANDONADE; FAGUNDES, 2003, p. 12).

O moderno começou a ser utilizado no Brasil3 a partir da década de 1960 e “busca

uma interação com o público alvo, de modo a lhes despertar o senso crítico e permitir

interpretações variadas, de acordo com a realidade de cada espectador”. (ZANDONADE;

FAGUNDES, 2003, p. 12).

Vale ressaltar, que os documentários não mostram a realidade, mas apenas um olhar

sobre ela. A partir desse recorte, os telespectadores receberão as informações e interpretarão

de acordo com sua herança cultural. Assim, o modelo moderno, que é utilizado atualmente,

conquistou novos espectadores devido a sua proximidade com o público ao interagir com este.

O formato do documentário possibilitou a divulgação de uma visão do mundo de outras

culturas, outros povos. De acordo com Aronchi (2006), o gênero busca a seriedade com o

máximo de informações daquele conteúdo e utiliza técnicas com captura de imagens em

diversos locais e entrevistas. No entanto, o autor questiona que as atuais emissoras brasileiras

reduziram o tempo de duração destes programas, devido ao apelo mercadológico,

transformando o conteúdo em meras reportagens.

Os documentários podem contar com diversos formatos que auxiliam na produção do

programa. Pode-se citar os formatos entrevistas, debates e narração em off. Segundo Aronchi

(2006), a utilização destes visa deixar o documentário mais leve e mais fácil de ser

compreendido.

Exemplos de produção de documentário é o caso do Globo Repórter (Rede Globo),

Câmera Record (Rede Record) e SBT Repórter (SBT). Os programas possuem duração de

cerca de uma hora e abordaram diversos assuntos. Estas emissoras possuem produção própria,

3 A história do documentário Brasil no Brasil pode ser conferida na monografia: O vídeo documentário como

instrumento de mobilização social (2003) de Vanessa Zandonade e Maria Cristina de Jesus Fagundes. Disponível

em: http://www.bocc.uff.br/pag/zandonade-vanessa-video-documentario.pdf.

Page 45: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

44

mas também transmitem documentários comprados de redes estrangeiras.

O Globo Repórter (Rede Globo), por exemplo, começou a ser exibido em 3 de abril

de 1973 (ver ilustração 10). De acordo com o site oficial do programa (2010), sobre a

primeira edição, “o programa se destinava a analisar com mais profundidade os principais

acontecimentos jornalísticos nacionais e internacionais do mês, que, por uma questão de

tempo, não podiam ser detalhados nos telejornais”.

Ilustração 10: Comparação entre as duas aberturas do Programa

Fonte: Adaptado de Conheça... (1973) e Globo... (2010a).

O Globo Repórter foi considerado como um dos melhores do gênero. No entanto, o

programa tem perdido espaço devido às restrições que a emissora impõe. Segundo Brasil

(2002 apud ZANDONADE; FAGUNDES, 2003, p. 33),

o projeto pioneiro do Globo Repórter sobreviveu à ditadura, mas não sobreviveu ao

peso da sua própria história de sucesso, criatividade e inovação. (...) Passou a ser um

programa com reportagens longas sobre temas óbvios e abandonou definitivamente

a experimentação de novas linguagens audiovisuais. (...) Os temas passaram a

privilegiar, com raras exceções, a vida dos animais estranhos e o turismo em locais

exóticos, e programas burocráticos e pouco criativos. Os temas sociais e as

denúncias de um jornalismo mais investigativo e impessoal, características

fundamentais do gênero documental foram substituídos pela produção institucional

tímida e bem comportada.

O programa exibido pela Rede Globo é só um exemplo do que outras emissoras

também estão passando quanto à produção e a manutenção deste gênero no ar. Para

Sacramento (2008, p. 14), para ser feita uma análise do gênero, é necessário compreender

alguns aspectos: “a construção ideológica da narrativa; as condições de produção; as relações

com o cenário midiático e o contexto sociocultural e político”.

O autor ainda afirma que esta distinção não contempla todo o processo, mas auxilia

na identificação. Na construção ideológica da narrativa deve-se observar como é

apresentado e construído desde a produção, na captura de imagens, até na finalização, como a

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45

escolha do melhor depoimento de uma fonte. A produção do conteúdo tem de estar de acordo

com a visão dos autores, produtores e diretores daquela emissora (SACRAMENTO, 2008).

Nas condições de produção, de acordo com Sacramento (2008), não se pode

esquecer do período histórico em que o documentário foi construído. É preciso também

observar as relações que a emissora possui com o Estado bem como com outras instituições.

Conhecer a história do programa onde o documentário foi exibido também é importante. Esta

ação auxilia a compreender o porquê daquele recorte, por exemplo.

As relações com o cenário midiático definem que o documentário deve se localizar

de acordo com o seu gênero no contexto histórico em que está situado. Um documentário que

será transmitido num programa que apresenta conteúdos sobre o mundo animal, por exemplo,

deverá seguir aquela linha a que se filia e do programa de que fez parte num determinando

contexto (SACRAMENTO, 2008). Além disso,

devem ser percebidas quais são as aproximações e os distanciamentos de uma obra

em particular com o coletivo de que ela faz parte. Deve também ser notado ainda

como o documentário para a televisão se relaciona com outros textos da cultura da

mídia – filmes, reportagens televisivas, matérias na imprensa do conjunto da época

em que foi produzido. Também se deve tratar do efeito provocado pelo programa e

dos significados e dos valores que são a eles relacionados. Artigos e reportagens em

jornais e revistas ou até mesmo comentário feitos na própria televisão em relação ao

documentário também devem ser incorporados à análise. As diversas formas de

recepção ajudam a materializar o terreno de lutas em que o programa se

circunscreve. (SACRAMENTO, 2008, p. 15-16).

Outro fator a ser analisado é o contexto sociocultural e político. Este ajuda a

identificar qual o momento histórico em que o documentário está situado, além de analisar a

posição das fontes utilizadas no conteúdo. Para Sacramento (2008, p. 16), “é preciso mostrar

como ela [a situação política] se materializa, de algum modo, em obras concretas assim como

perceber como se relacionaram os sujeitos envolvidos com o processo, e as múltiplas pressões

a que estavam submetidos no cotidiano de planejamento e realização da obra”.

Estes aspectos são exemplos de como a posição ideológica, tanto das emissoras

quanto dos produtores, influenciam na produção de um documentário. Entendê-los ajudará na

análise que será feita mais adiante.

Page 47: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

46

2.1.6.2.2 Telejornalismo

Os telejornais têm um papel fundamental na vida dos brasileiros: trazem as principais

informações do dia em poucos minutos. Não importa a natureza das notícias - regionais,

locais ou mundiais - estas informações chegam aos telespectadores de forma sintética e

resumida para quem assiste possa receber aquele conteúdo de maneira mais simples. A

própria seleção das principais informações do dia já é um fato questionável. As notícias

consideradas as mais importantes são interessantes a todos os telespectadores? Novamente

entra a questão do uso do estereótipo. Um modelo de telespectador é utilizado pelas emissoras

para, assim, ter um destinatário para aqueles conteúdos.

As informações são noticiadas em forma de espetáculo (mais uma vez o circo)

transformando os conteúdos em shows para serem vendidos. Independente do assunto que a

TV aborde, seja um movimento social ou uma informação sobre saúde, ela descaracterizará as

notícias transformando-as em informações neutras. Tanto na produção quanto na apresentação

no estúdio, as notícias perdem o caráter crítico (MARCONDES FILHO, 1988).

O telejornalismo, assim como outros produtos da TV, deve dar lucro às emissoras.

Mesmo num gênero informativo (jornalístico), o que mais chama a atenção do público, e

consequentemente gera maior audiência, é a fantasia. Dessa forma, o que rende mais

telespectadores é um telejornal que está mais longe da realidade e mais próximo da ficção

(MARCONDES FILHO, 1988).

A anarquia do telejornal não ocorre logo na primeira página, como no caso do jornal

impresso, mas na apresentação de suas pequenas manchetes – chamadas – que se

anunciam durante o noticiário. É uma miscilância de diversos assuntos, apresentados

um após o outro, sem que o telespectador tenha tempo de pensar e refletir sobre cada

um deles. Mal são transmitidos já vem outra notícia, completamente diferente, que

distrai outra vez o receptor, e assim até o final. Ninguém se informa seriamente de

nada; só se tem a impressão de ficar informado. (MARCONDES FILHO, 1988, p.

54, grifo do autor).

Devido ao curto tempo para informar as notícias, o telejornalismo se utiliza muito de

duas formas de produção: a fragmentação e a personalização. Na fragmentação é analisado

o contexto geral do conteúdo e escolhido um recorte específico, um fragmento daquela

informação. A partir deste fragmento, constrói-se a notícia. Como afirma Marcondes Filho

(1988), a fragmentação no jornalismo nada mais é que expor um recorte da realidade, pois ao

realizar tal ação outras informações, muitas vezes importantes para compreender o contexto,

Page 48: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

47

são excluídas.

Já a personalização é quando se coloca a responsabilidade de um acontecimento em

uma pessoa (líder de movimento, religioso,...) “[...] quando, na verdade, ele é um produto de

um conjunto maior, de uma instituição ou mesmo de toda a sociedade”. (MARCONDES

FILHO, 1988, p. 54-55).

Ainda segundo Marcondes Filho (1988), o telejornal utiliza expressões e recursos

técnicos para alterar ainda mais o caráter de realidade das notícias. Isso ocorre quando se usa

os termos fontes bem-informadas ao invés de informar quem é a fonte. Ou quando usa

expressões que deixam o informante ou o produtor daquela informação oculto: foi aprovado

(quem aprovou?),... Clóvis Rossi (apud MARCONDES FILHO, 1988) afirma que esses

recursos são formas de padronização tanto dos profissionais que trabalham na emissora

quanto de quem recebe as informações.

A história do telejornalismo no Brasil começa na década de 1950 com o advento da

televisão no país. Assim como a televisão, de forma geral, teve seus programas e profissionais

vindos do rádio, no telejornalismo não foi diferente. O primeiro telejornal foi o Repórter

Esso. Esse programa era patrocinado pela empresa Esso, como já abordado anteriormente

(ARONCHI, 2006).

As emissoras no país investem pesado na área jornalística. O gênero telejornalismo

tem destaque e grandes investimentos nas maiores emissoras do Brasil. Esse investimento é

de fácil percepção devido à qualidade dos programas exibidos. Para Gontijo Teodoro (apud

ARONCHI, 2006, p. 29, grifo do autor), que já foi apresentador do Repórter Esso e diretor de

telejornalismo da TV Tupi do Rio de Janeiro, os objetivos do telejornal são: “de informar,

educar, servir, interpretar e entreter”.

Para Machado (2001), um dos principais erros é identificar os telejornais como

gênero que tem o objetivo de informar. Não é um pressuposto errado já que grande parte dos

telespectadores assiste aos programas sem se preocupar com o conteúdo e dessa mesma forma

vêem os telejornais para manterem-se “informados”. No entanto, o autor questiona que as

montagens dos discursos exibidos pelo telejornal acabam se confrontando. Ao recortar e

encaixar depoimentos diferentes no mesmo contexto, o telejornalismo não consegue construir

um discurso unitário. Diferentes enunciados são colocados num noticiário e entregues ao

público de forma não processada fazendo os telespectadores ordenarem aquelas informações.

Vale ressaltar que o telejornalismo brasileiro teve influência do modelo norte-

americano. Os formatos que se tem hoje também foi influenciado pela tv americana.

Atualmente, os formatos podem ser divididos em: “nota, notícia, reportagem, entrevista,

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48

indicador, editorial, comentário e crônica”. (ARONCHI, 2006, p. 30).

As definições dos formatos utilizados no gênero no telejornalismo são retiradas das

obras de Rezende (2000). Diversos autores já escreveram sobre estas definições. Para esta

análise não é necessário compreender todas as expressões e formatos do telejornalismo, mas

os que auxiliarão na análise que será feita mais adiante. Dessa forma, serão apresentados a

seguir os principais formatos presentes no telejornal.

Antes de classificar os formatos, Rezende (2000) comenta que devido às

diversidades presentes nos gêneros e nos formatos televisivos é necessário classificar os

gêneros jornalísticos em informativos e opinativos. É bom lembrar que esta classificação é

referente ao jornalismo e não aos gêneros televisivos. No entanto, esta classificação será

utilizada já que o telejornal, como o nome já diz, tem sua base no jornalismo. O autor afirma

que para definir os gêneros e formatos num telejornal é necessário analisar diversas obras

bibliográficas e fazer uma pesquisa mais aprofundada, porém não é este o objetivo de

Rezende (2000) e também desta monografia. Dessa forma, o autor apresenta as classificações

de acordo com os trabalhos estudados de Marques de Melo (1997 apud REZENDE, 2000).

Este, dentre várias obras e estudos já apresentados, fez uma análise dos gêneros dos jornais

impressos.

Os formatos do gênero jornalismo informativo são classificados em cinco. A nota é

um relato conciso e direto e é dividida em simples quando o apresentador aparece lendo um

texto e a coberta é a mesma nota só que são inseridas imagens para ilustrar esta informação.

A notícia é feita pelo repórter e é mais completa que a nota já que pode acrescentar

apresentações ao vivo (em tempo real) e narrações em off (o repórter narra as informações

enquanto imagens daquele acontecimento são mostradas). As notícias muitas vezes são

confundidas com o formato reportagem. Esta difere pelo relato aprofundado do conteúdo

apresentado. A reportagem conta com cinco partes, porém também pode ser apresentada sem

algum desses elementos: cabeça (texto falado pelo apresentador chamando a reportagem),

boletim (repórter narrando os acontecimentos do local. Utilizado quando não há imagens para

cobrir), sonoras (falas do entrevistado) e pé (apresentador fechando a reportagem). As

reportagens podem ser factuais ou de assuntos que são de interesse permanente da sociedade,

como saúde pública, por exemplo (REZENDE, 2000).

O formato entrevista é o diálogo entre jornalista e entrevistado. Funciona com o

sistema de perguntas e respostas. Este formato é utilizado em diversos gêneros televisivos. Já

os indicadores são matérias baseadas em estatísticas, informações que indicam tendências de

diferentes áreas, como a previsão metereológica, bolsa de valores (REZENDE, 2000).

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49

O gênero jornalismo opinativo conta com três formatos: o editorial assim como nos

outros veículos é a opinião da emissora (da empresa) de acordo com determinado assunto. No

caso do telejornal, é lido pelo apresentador. O comentário é realizado por um jornalista que é

especialista em um assunto (como a Mirian Leitão falando sobre economia) e faz uma análise

sobre aquele tema. Muitas vezes o comentarista transforma aquele conteúdo de difícil

compreensão para a maioria dos telespectadores em informações mais claras. Já a crônica (no

Jornal da Globo, por exemplo, é apresentada por Arnaldo Jabor) faz uma reflexão sobre

acontecimentos atuais. Mistura a literatura com a informação e, algumas vezes, também é

utilizada imagens e música para ilustrar o formato (REZENDE, 2000).

Vale ressaltar que devido à diversidade do meio televisivo pode ocorrer a integração

de diversos formatos num mesmo gênero. O próprio telejornalismo, por exemplo, conta com

reportagens gravadas e transmissões ao vivo. Para Marcondes Filho (1988, p. 56),

[...] o trabalho do telejornal acaba sendo o de recolher as notícias na realidade e criar

uma nova realidade com as notícias recolhidas. O telejornal só extrai da matéria a

parte que lhe interessa. [...]a função do telejornal não é a de noticiar nem divulgar

fatos que interessem à sociedade, mas a de mondá-los, esticá-los ou comprimi-los,

reprosuzindo assim a vida política e social conforme os critérios ideológicos e

particulares de jornalistas, proprietários ou patrocinadores. [...] O telejornalismo

cria, portanto, uma outra natureza, uma segunda natureza, que se impõe a milhões de

lares no país, como se fosse essa a verdade e não aquela do mundo real. A imagem

que toda a população acaba construindo de seu país, de sua cultura, de seu povo é

fortemente influenciada e, em alguns casos extremos, completamente forjada por

essas informações inexatas, tendenciosas e deturpadas.

As afirmações apresentadas anteriormente podem parecer um tanto exageradas.

Porém é só observar a população brasileira e a forte presença da TV nos lares do país que se

compreende as afirmações de Marcondes Filho. Muitas pessoas utilizam somente a TV como

meio de entretenimento e informação. Este veículo possui influência muito grande nas

massas. E no telejornalismo não é diferente.

2.1.7 O telespectador e a televisão

Durante este estudo, fez-se questão de demonstrar em diversos momentos que o

telespectador não é uma tábula rasa que recebe e absorve todas as informações como verdade.

Se assim não fosse, a sociedade de uma maneira geral seria padronizada não havendo

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50

diferença entre gostos, costumes e preferências. Independente do gênero, o público da

televisão busca no aparelho uma programação que não lhe mostre problemas e não faça o

telespectador procurar soluções. O público quer descansar (seja em programas de

entretenimento ou informativos) e assistir a algo que lhe dê prazer. Como abordado

anteriormente, mesmo os programas informativos possuem características de entretenimento

para que o telespectador possa se manter informado e mesmo assim divertindo-se.

Para Marcondes Filho (1988, p. 57), “a televisão é o oposto da psicanálise: enquanto

nesta o indivíduo procura ajuda para se conhecer e trabalhar seus problemas, na TV ele busca

esquecer, ignorar, eliminar qualquer sofrimento que o atormenta”.

Tilburg (1990) comenta que o público da TV é composto por pessoas que buscam

um momento de descanso após um dia exaustivo de trabalho. Esses telespectadores conectam

diariamente no mesmo canal e assistem sempre aos mesmos programas. Quem dá audiência e

mantém os programas televisivos também é o público, pois se o público não assistir os

anunciantes não vão querer anunciar naquele horário ou naquela emissora.

A televisão é mais do que um aparelho para grande parte dos telespectadores. É uma

forma de lazer barato e de se manter informado sem se esforçar apenas recebendo aquelas

notícias. Marcondes Filho (1988) afirma que o telespectador busca a ilusão de tranquilidade

no veículo. Assim, a TV pode ser considerada um veículo que não provoca tensão devido a

formula de espetáculo que possui.

Ela é como uma caixa mágica, cheia de fantasias. A televisão pode transportar o

telespectador ao mundo de sonhos com as novelas e também com os noticiários. O meio

televisivo utiliza a sua imaginação para mostrar todas as possibilidades que você tem

disponível no mundo dela (SANTOS; MOREIRA, 2008).

O aparelho é o acesso para um mundo de fantasia. Neste mundo você encontra tudo

que só vive nos sonhos. Ali os seus desejos são reais, você pode ser princesa, ser modelo, ser

um grande empresário e morar numa ilha deserta. Os sonhos ficam mais próximos de serem

reais. A sociedade vê na televisão um portal para outro mundo, um mundo onde tudo é

possível. E se não quiser ser mais rainha ou rei é só desligar o televisor e voltar ao mundo

real.

No entanto, como toda caixa mágica, a televisão possui os seus mistérios. Estes

podem ser definidos com a manipulação do discurso. O que é notícia, qual é a tendência da

moda,... passa primeiro por quem comanda os meios de comunicação. A televisão propicia

entretenimento, mas também emite um discurso manipulado (SANTOS; MOREIRA, 2008).

Então a televisão é boa ou ruim? As duas. Quem faz a televisão também é o

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51

telespectador. Se não gostar da programação, não assista. Momentos de descanso também

podem ser conseguidos com um bom livro ou uma boa conversa com os amigos e familiares.

A TV é usada como forma de escape dos problemas pessoais e sociais, mas ela não ajuda a

resolvê-los. Existe uma célebre frase que diz: “cada país tem a televisão que merece”. No

Brasil não é diferente. Se grande parte das pessoas não possui educação, esse é o resultado

com a televisão aberta que o Brasil tem disponível.

2.2 ANIMAIS

Este capítulo abre a discussão da relação homem/animal. Nesta etapa, será traçado

um panorama teórico acerca da concepção que se tem dos animais atualmente. Para isso, é

necessário compreender esta relação desde os primórdios da vida humana. Antes de fazer isso,

é de suma importância entender duas visões defendidas em diferentes tempos históricos: a

visão antropocêntrica e a biocêntrica.

A visão antropocêntrica é aquela que o homem é o ser superior a tudo: a natureza e

aos animais. Os benefícios são destinados ao bem estar dos homens, excluindo outras espécies

de possuírem os mesmos direitos.

Para Prada (2008), esta visão sustenta-se em duas características: apenas no bem

estar dos homens e na exploração dos bens naturais em prol dos humanos. Como veremos a

seguir, diversos estudiosos defendiam e ainda defendem esta visão.

Já a visão biocêntrica afirma que todos os seres possuem direitos e não somente a

raça humana. Como defende Prada (2008), a ideia não é mais de exploração da natureza, mas

de interagir com ela.

Esta visão, também chamada de ecocêntrica, foi abordada por alguns pensadores

gregos, mas é nas últimas décadas que tem ganhado maior espaço. Muitos autores, de diversas

áreas, defendem que na ligação sistêmica entre todas as coisas do universo.

2.2.1 A relação homem-animal

A relação entre os homens e os animais remete a tempos remotos. Desde o tempo dos

Page 53: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

52

homem das cavernas há histórias, como das pinturas rupestres, que nos comprovam a

existência dessa relação. Entretanto, o que não é muito discutido é a concepção que

determinada sociedade tem dos animais não-humanos.

De acordo com o veterinário italiano Francesco Chieppa4, a relação homem-animal é

dividida em três fases. Na primeira há a concepção arcaica do animal. O homem tem uma

ligação mágica com os animais assimilando-os como uma entidade divina (cultos pagãos e

antigos egípcios). A segunda fase é chamada de concepção econômico-funcional do animal

em que a natureza é considerada como possuidora de elementos para servir as necessidades

materiais dos humanos. Neste período, dominado pela teologia cristã, o homem é o

dominador. Os animais não-humanos5 são classificados como úteis devido ao conceito

econômico financeiro (produtores de alimento, de pele e força de trabalho). Os animais neste

período histórico não passam de uma besta e são destinados para servir de forma

indiscriminada os homens. Já a terceira fase é conhecida como a concepção ética do animal.

Os animais não-humanos agora são considerados conscientes de dor e prazer e nos países

mais evoluídos há legislações específicas (CHIEPPA, 2002).

Como descreve Chieppa (2002) sobre o segundo período, o homem primitivo era

nômade e dedicava-se à caça e ao pastoreio. Sendo assim, a relação homem-animal é apenas

de sustentação. Entretanto, mesmo com a mudança do modelo de sociedade este conceito

permanece inalterado até meados de 1800 quando começam a surgir legislações específicas

para os animais (no início da terceira fase).

Essas fases são relativas quanto ao próprio modelo econômico-cultural que a

sociedade está inserida. A primeira fase, como será exposta mais a diante, é a relação do

inexplicável com o mundo real. O conceito que se tem dá natureza e dos animais é a ligação

direta com as divindades.

4 Francesco Chieppa é um pesquisador e veterinário italiano que, dentre várias obras, escreveu sobre o uso

terapêutico de animais. Ele defende que os animais podem prevenir e até curar algumas doenças dos seres

humanos. Essa relação entre os homens e os animais não-humanos ele chama de Pet Terapia (CHIEPPA, 2002). 5 Desde a Teoria de Darwin temos a comprovação científica de que o ser humano também é um animal. Assim,

os animais humanos e os não humanos diferenciam-se de acordo com o grau de evolução e o nível de

consciência. Os animais, tanto humano como os não-humanos, possuem direitos e devem ser protegidos por lei e

pela sociedade. Neste estudo, será abordado a questão dos não-humanos serem semelhantes aos homens sendo

diferentes em alguns aspectos, assim como será explicado mais adiante.

Page 54: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

53

2.2.2 Os animais como divindade

A história dos homens está ligada diretamente as suas crenças. Assim como o planeta

terra evoluiu de um grande globo inabitável a uma terra de farturas e riquezas, a humanidade

também teve seu crescimento. Hoje é muito fácil questionar as teorias apresentadas devido ao

fácil acesso à informação. Mas imaginem-se milênios antes da era cristã. A relação entre as

pessoas e a natureza (incluindo com os animais não-humanos) era mais próxima tanto na

questão de subsistência quanto do sistema de crenças.

Segundo Dias6 (2006), nas religiões ancestrais o universo era como uma grande mãe.

As Grandes deusas presentes nas culturas gregas, babilônicas e egípcias, por exemplo, eram

cultuadas e adoradas e, segundo as doutrinas, sem elas a vida extinguir-se-ia. Ainda de acordo

com a autora, desenhos rupestres comprovam esta adoração e a presença das deusas

juntamente com animais que expressam agradecimento aos considerados sagrados.

A seguir estão listadas algumas crenças/doutrinas que relatam bem esta relação do

divino e os animais. Embora os conceitos destas crenças tenham sido modificados ao longo

do tempo tanto o xamanismo quanto o hinduísmo ainda estão presente na nossa sociedade.

2.2.2.1 Xamanismo

A origem do xamanismo data de 40.000 e 50.000 na Idade da Pedra. A palavra

xamanismo é utilizada para identificar um conjunto de crenças ancestrais. Para eles, tudo está

ligado: a natureza, os homens e os animais (ARTÉSE, 2007a).

O animal sempre teve um papel crucial no xamanismo. No plano inicial arcaico o

animal e o ser humano não se diferenciavam, eram como uma única entidade. Isto

pode ser constatado através de pinturas rupestres como as da caverna Très Frères, na

França (25.000 a. C.) Nesse local pode-se ver um xamã vestido com a pele e a

cabeça de um cervo, a cauda do animal passando-lhe entre as pernas. As inúmeras

representações da grande Deusa, Senhora dos animais e a lenda do primeiro xamã,

vem selar essa comunhão entre o homem e o animal. (DIAS, 2006, p. 2).

6 Edna Cardozo Dias é doutora em Direito e em sua tese de doutorado defendeu a Tutela Jurídica dos Animais.

Escreveu diversos artigos sobre o tema. Parte do seu trabalho está disponível em www.sosanimaismg.com.br.

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54

O poder dos xamãs7 está diretamente ligado aos animais. Para o xamã o homem não

é melhor que os animais não-humanos e oferece ao espírito deles respeito e devoção. Tanto os

animais como as pedras, por exemplo, tem seu papel para ajudar as pessoas em tarefas

específicas. “Os xamãs ensinam que à medida que uma pessoa for aprendendo a se comunicar

com as pedras e os animais, deve ter em mente que o segredo do sucesso é o respeito. Para ter

sucesso é preciso cooperar com o meio ambiente”. (DIAS, 2006, p. 3).

O xamanismo é praticado até hoje em diversos países, inclusive nas Américas. Esta

doutrina é um dos exemplos de como uma cultura ancestral possui uma visão biocêntrica.

Entretanto, como será apresentado mais adiante, nem todas religiões defendem esta ideia

rompendo a ligação entre o cosmos e os homens.

2.2.2.2 Egípcios

Os homens da pré-história egípcia respeitavam os fenômenos da natureza e as

situações que os faziam sentir admiração ou amedrontamento com relação aos animais. Os

deuses são representados, muitas vezes como metade homem e metade animal.

Para Dias (2006), os egípcios acreditavam que o poder poderia encarnar em qualquer

forma aceitando o homem, sem rejeitar o animal. A deusa Hatór, por exemplo, ora aparecia

com cabeça de vaca, ora de leoa.

As leis egípcias afirmavam que os humanos não tinham o direito de matar ou torturar

qualquer animal. Além disso, o Livro dos Mortos descrevia o que deveria ser falado no

julgamento final. Dentre as declarações, havia a afirmação de não ter cometido pecado contra

a natureza (DIAS, 2006).

Há indícios da forte presença dos cães na era egípcia. Estes animais eram amados e

reverenciados. Apenas a realeza poderia ter cães de raça pura. Tratados como humanos,

tinham direito a jóias e servos pessoais, em alguns casos (MCGRATH, 2008).

Já os gatos eram considerados deuses e foram retratados em diversas pinturas e

7 “O xamã, não se autoproclama. Ele é chamado para suas tarefas espirituais, passa por treinamentos e então é

reconhecido pelas pessoas de sua comunidade. Nos primórdios da humanidade, os seres humanos, sentiam-se

frágeis perante as forças da natureza e temiam aqueles que não pertenciam aos seus clãs, animais, etc. Para suprir

essas carências, surge o xamã como um "organizador do caos" para despertar a consciência. Assim eles

recorriam àquele que era concebido como um guerreiro que atuava com armas espirituais, que faziam a ponte

entre o mundo dos homens e espíritos. A palavra xamã tem sua raiz na Sibéria, vinda da palavra „saman‟,

aparentado com o termo sânscrito "sramana" que significa: inspirado pelos espíritos”. (ARTÉSE, 2007b).

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55

estátuas. “Um templo foi erigido para a deusa - gata Batest. Ela era representada com o corpo

de mulher e cabeça de gata, e sustentava em uma das mãos o instrumento musical das

bailarinas e no outro a cabeça da leoa [...]”. (DIAS, 2006, p. 4).

A mumificação era algo importante e somente os nobres realizavam a ação. Os

egípcios acreditavam na ressurreição do corpo e, por isso, realizavam tal ato. Assim com os

cães, vários felinos foram encontrados mumificados (MCGRATH, 2008).

O ato de mumificar não é característica exclusiva dos egípcios. Os povos Astecas,

Incas e Maias também realizam este ritual na esperança da ressurreição do corpo.

2.2.2.3 Hinduísmo, Budismo e Jainismo

Estas três doutrinas tiveram origem no Oriente e começou a ser mais difundida nos

países Ocidentais no último século. A religião que predominava no Brasil, até então, era a

Católica.

O hinduísmo acredita que Deus está em tudo, o chamado panenteísmo8. A diferença,

para os hindus, entre os homens e os animais não-humanos é o grau de evolução. As

encarnações dos deuses, chamados de avatares, mostram-se sob forma de animais (DIAS,

2006).

Vishnu, o preservador, aquele que toma muitas formas, manifestou-se no mundo

numa série de dez encarnações, três em forma animal. Ganesh, o deus-elefante, o

removedor de obstáculos, é filho de Parvati, filha da montanha sagrada, o Himalaia,

com o deus Shiva, o destruidor. Segundo a lenda ele tem uma cabeça de elefante,

porque seu pai não o reconheceu e o degolou. Ao perceber seu erro Shiva prometeu

repor-lhe a cabeça tomando-a da primeira criatura que visse, que foi um elefante.

(DIAS, 2006, p. 4).

Entretanto, nesta cultura não se leva em consideração o animal, mas o ato de praticar

violência ou não, já que os hindus são contra qualquer tipo de violência. Para eles o que

importa é quem praticou o ato violento e não quem as recebeu. Ainda segundo o hinduísmo,

os homens que não completaram o grau de purificação voltam como animais inferiores, ou

seja, os animais não-humanos (FELIPE, 2007 apud CHRISTEN, 2009).

Segundo Dias (2000), no século VI a.C. constitui-se a tradição jainista, juntamente

8 Ao contrário do panteísmo, o panentísmo define que Deus é tudo (DIAS, 2006).

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56

com o budismo. Essa tradição segue os mesmo princípios do hinduísmo e é totalmente contra

a violência. Gandhi fez parte do grupo dos jainistas. Os membros são vegetarianos,

reverenciam a natureza e fazem um juramento de renunciar a destruição de qualquer animal,

independendo de qual espécie pertença.

Os budistas também valorizam a vida de todas as formas e para eles não existem

distinção entre a vida de um ser humano e um não-humano. O principal mandamento é o de

não matar nenhuma criatura vivente (LEVAI, 2004 apud CHRISTEN, 2009).

A crença budista afirma que os humanos podem reencarnar no corpo de animais para

terminar alguma obra inacabada e assim aumentar o nível espiritual (FELIPE, 2007 apud

CHRISTEN, 2009).

Entre o budismo, o hinduísmo e o jainismo este último é o que mais reverencia toda e

qualquer forma de vida. Ao contrário dos hinduístas, por exemplo, os jainistas condenam

qualquer tipo de violência seja contra animais ou humanos, pois não importa a quem a

violência é dirigida, mas o ato em si (FELIPE, 2007 apud CHRISTEN, 2009).

Há hoje países que mantém esta tradição, como a Índia, e algumas espécies são

consideradas sagradas. Rodrigues (2003) afirma que essa ligação entre os humanos e os

animais rompeu-se devido a necessidade de dominação por parte dos homens: “a princípio, os

homens e Animais enfrentavam-se na disputa por alimentos e aos poucos, os homens, animais

do gênero mamífero, passaram a submeter os Animais não-humanos aos seus serviços

mediante a desculpa da sua racionalidade e superioridade na Terra”. (RODRIGUES, 2003, p.

37).

Ainda segundo a autora (2003), essa necessidade é criada a partir do modelo

econômico da cultura ocidental: o capitalismo que transforma os animais em meras

mercadorias.

Estas crenças são exemplos de como a relação dos homens e os animais mudou.

Antes tidos como deuses, hoje são trancafiados em pequenos espaços para gerarem lucros e

produzirem alimentos/vestuários e até entretenimentos para os humanos.

2.2.3 A dominação dos animais

A cultura ocidental é regida pelo princípio da dominação e assim o faz com a

natureza e os animais. Para Dias (2000), as atitudes generalizadas sobre animais, por exemplo,

Page 58: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

57

nasceram na crença bíblica quando Deus concede ao homem o direito de dominar todas as

criaturas. Já Singer (2003), considerado um dos pais da libertação animal, afirma que as

atitudes para com os animais têm origem nas tradições judaicas e na Antiguidade grega. É

importante conhecer o que as principais linhas filosóficas pensavam, pois estas influenciaram

diversas outras criadas posteriormente e assim a maneira como os animais hoje são tratados.

2.2.3.1 Filosofia grega

Na história da humanidade a contribuição dos pensadores gregos foi imprescindível

tanto para as ciências humanas, biológicas, exatas,... Entretanto, nesta monografia serão

apresentados somente os que contribuíram significativamente para as teorias abordadas neste

estudo.

Segundo Dias (2000), na obra Teogonia do filósofo grego Hesíodo há a separação

entre a natureza racional e a natureza irracional na “ordem universal protegida por Zeus”. De

acordo com a autora, o filósofo afirma que pelo fato dos animais não possuirem direitos

podem devorar-se uns aos outros. Entretanto, aos homens é dado o direito, chamado de Dike9

e o maior dos bens. Esta teoria também defende que aos animais é dado somente o direito da

necessidade vital, enquanto aos humanos prevalece a justiça.

Um dos filósofos mais importantes do período pré-socrático é Pitágoras (580-497

a.C.). Para ele, o homem é eterno discípulo dos animais, pois aprende com as lições ensinadas

pelos não-humanos já que os animais são vistos como irmãos e professores dos homens.

Pitágoras criou a Escola Itálica que tem como fundamento o universo que é único e está em

harmonia com todos os elementos. Além disso, ele também afirma que a presença divina está

em tudo e não apenas nos seres humanos (DIAS, 2000).

Vale ressalta que neste mesmo período, como cita Dias (2000), o Parlamento

Supremo que se reunia em Delfos já reconhecia a importância da natureza para a vida na

cidade.

Pitágoras era vegetariano e acreditava na reencarnação. Dizia que os animais também

9 Dike também era chamada de Diké e era a deusa da justiça, “filha de Zeus e Themis, que possuía em sua mão

esquerda uma balança com um fiel totalmente verticalizado em seu centro, e na mão direita uma espada.

Determinava, Diké, que o justo se estabelecia enquanto a balança estivesse em perfeito equilíbrio. Interpretava a

linguagem vulgar dos gregos que o justo (direito) era sinônimo de igualdade (íson, um termo grego que originou

vocábulos como isonomia)”. (FERRAZ JR., 1994, p. 32).

Page 59: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

58

evoluíam espiritualmente. Defendia a doutrina conhecida com transmigração das almas que,

segundo Dias (2000), trata da evolução da Terra (GAIA) e da evolução das almas. Essa

doutrina coloca os animais como irmãos evolucionários dos homens.

Para os pensadores gregos antigos o homem está ligado ao universo. As leis do

estado confundiam-se com as da natureza, pois tudo está ligado. A ideia defendida por estes

pensadores era unidade entre natureza e homem, sociedade e os deuses. Demócrito, Talles,

Heráclito, Filolau são alguns exemplos de pensadores que compartilhavam esta visão (DIAS,

2000).

Singer (2003) defende que o pensamento grego não é linear, pois se divide em

escolas rivais e cada uma ensina a doutrina do fundador. Alguns pensadores como Pitágoras,

por exemplo, acreditavam que as almas dos humanos poderiam ir para os animais. Embora as

idéias de Pitágoras fossem importantes foi a escola de Platão e seu discípulo Aristóteles que

ficou mais conhecida.

É com Aristóteles (384-322 a.C.) que o homem rompe a ligação com a natureza e o

universo. “Na cosmovisão aristotélica, imperava a supremacia do ser humano sobre a

Natureza e sobre todos os outros seres, os quais estariam a serviço do homem”.

(RODRIGUES, 2003, p. 37).

Os animais são vistos como escravo, um bem para uso diário e na alimentação, além

da força de trabalho. Segundo Aristóteles o único fim para a existência dos animais é a de

servir aos humanos (DIAS, 2000). O pensador também possui idéias convictas quanto à

escravatura: alguns homens eram escravos por natureza e esta natureza era correta. Aristóteles

defendia a ideia de que embora o escravo fosse um ser humano, continuava sendo uma

propriedade (SINGER, 2003).

Se, para o pensador, há níveis de hierarquia entre os humanos com a natureza não

seria diferente. De acordo com Dias (2000), os pensamentos aristotélicos influenciaram a

educação da Europa até o século XVIII. Para Aristóteles (apud SINGER, 2003, p. 145), “os

que têm menor capacidade de raciocínio existem para servir aqueles que possuem em maior

grau”.

Aristóteles ainda exerce forte influência tanto na ciência quanto nas religiões. O

cristianismo, por exemplo, possuem nos seus discursos e nas pregações resquícios deste

pensador como será exposto a seguir.

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59

2.2.3.2 O cristianismo e os animais

Por muitos séculos a Igreja Católica dominou a sociedade. Guerras, disputas, mortes

foram declaradas em nome de Deus. As pessoas não tinham acesso ao livro sagrado, a Bíblia,

e o conhecimento que possuíam eram aqueles transmitidos nos encontros nas igrejas. Essa

dominação tinha como desculpa as escrituras bíblicas que, por vezes, foram deturpadas e

livros foram retirados (principalmente na Idade Média) para que os ensinamentos cristãos da

Igreja Católica não fossem contestados.

Rodrigues (2003) afirma que as crenças religiosas judaicas, cristãs e o islamismo10

contribuíram para a destruição da Natureza com a justificativa da necessidade de prevalecer a

economia dos povos. Os valores foram distorcidos ao falarem que a única forma de

conseguirem propriedades era a de dominação da Natureza.

É importante ressaltar que “a Igreja Católica seguiu o pensamento aristotélico de que

os animais não devem ter consideração moral, ao contrário do que vinha sendo afirmado por

alguns poucos filósofos romanos que seguiam Pitágoras e sua convicção no respeito aos

animais”. (FELIPE, 2007 apud CHRISTEN, 2009, p. 35). Esses conceitos foram rapidamente

difundidos no Império Romano.

Vale ressaltar também que as ideias aristotélicas tiveram forte influência sobre o

Movimento Protestante (CHRISTEN, 2009). Para Singer (2003), o cristianismo divulgou que

toda vida humana e somente ela é sagrada. A ideia defendida até hoje pelo cristianismo é a

imortalidade da alma humana.

O cristianismo foi fundado durante o Império onde uniu os ensinamentos judaicos11

e

as idéias gregas sobre os animais. Para os romanos a morte era algo banal. Filmes,

documentários relatam hoje o costume daquela sociedade de reunirem-se para assistir as lutas,

chamados de jogos, no Coliseu, por exemplo. Essas ações eram comuns devido à constituição

do império que foi através de lutas e muitas guerras. Homens e mulheres viam na morte uma

atividade voltada à diversão (SINGER, 2003).

10

No Islamismo os animais são considerados inferiores aos humanos, mas detêm a compaixão destes. Nesta

religião, matar um animal ou qualquer ser vivo é uma forma de impedir que o bem seja alcançado. Fisicamente

os animais são superiores aos humanos, segundo o islamismo. Entretanto, no plano espiritual os homens são

superiores, pois pensam de forma consciente e podem fazer escolhas, ações que os demais seres não podem

(FELIPE, 2007 apud CHRISTEN, 2009). 11

“A concepção judaica exposta pela bíblia no antigo testamento, era do favorecimento do homem, da

superioridade do homem sobre os demais seres vivos [...]”. (CHRISTEN, 2009, p. 33). Os animais, no judaísmo,

não possuem direito à vida e, por isso, não recebem proteção (FELIPE, 2007 apud CHRISTEN, 2009).

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60

No Império Romano a morte era banalizada. Matar uma pessoa ou um animal era

algo normal, dessa forma o cristianismo teve função importante neste período. A Igreja

católica surge defendendo o valor da vida humana, quebrando os conceitos de banalização.

Entretanto, ao mesmo tempo em que valoriza a vida dos homens, esta religião deixa os

animais no mesmo estágio de abandono quanto aos direitos.

2.2.3.3 Os santos e os animais

Embora a Igreja Católica tenha dominado o território Ocidental e as diversas

doutrinas religiosas, como mostra a história, alguns cristãos demonstravam compaixão para

com os animais. Entretanto, alguns santos defendiam a visão antropocêntrica e ignoravam a

existência de direitos aos animais e à natureza.

São Basílio, São João Crisóstomo, São Isaac e São Neotério foram alguns que se

pronunciaram através de orações, sermões e até na sabotagem de caçadas (São Neotério). Mas

estas ações não desviaram as atitudes especistas12

da época (SINGER, 2003).

Segundo Rodrigues (2003), sob a influência de Santo Agostinho (354-430) e do

Cristianismo os animais e a natureza passam a ser valorados em hierarquia. São Tomás de

Aquino (1225-1274) também possuía essa visão discriminatória. Para eles, tanto a vida quanto

a morte dos animais são submissas ao ser humano.

São Tomás afirma que o mandamento Não matarás não vale para os animais, pois

não existe pecado por usar algo para o fim o qual ele se destina (DIAS, 2000). De acordo com

Singer (2003), São Tomás deixa bem clara sua posição sobre os animais serem apenas objeto

dos humanos. Quanto à caridade, por exemplo, o santo diz que não é destinada aos animais a

não ser que seja para o fim o qual ele é destinado. Ou seja, a caridade para com os animais

será válida se você, por exemplo, alimentar os animais que serão usados para alimentação e

não porque eles estão com fome.

Já São Francisco de Assis (1182-1226) tinha uma relação diferente com os animais e

a natureza. Ele meditava na floresta e falava com os animais além de construir ninhos para os

12

São atitudes preconceituosas que discriminam uma espécie, independendo se humanas ou não, considerando-

as muitas vezes como algo que possui uma utilidade e depois desta pode ser jogada fora. Por exemplo, as

atitudes dos brancos para com os negros escravos. Estes possuíam a utilidade de ser mão de obra. Quando não

era mais útil àquela atividade perdia seu valor e era descartado na sociedade. Este assunto será melhor explicado

mais adiante.

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61

pássaros e levar mel às abelhas no inverno (DIAS, 2000). São Francisco dizia que “sendo tudo

criado pelo Verbo, cada criatura é um eco desse Verbo divino, e pode tornar-se para nós, o

degrau de uma escada que nos permitirá chegar à Causa, da criatura ao Criador”. (DIAS,

2000, p.13).

São Francisco tratava os animais, o sol, a lua, a natureza em geral como irmãos. Esse

amor sentido pelo santo não impedia que ele comesse carne, pois de acordo com Singer, o

religioso afirmava que (apud SINGER, 2003, p. 150): “[...] uma vez que temos de comer para

sobreviver, e já que não conseguimos comer sem matar algo que amamos, não interessa o que

matamos”.

Entretanto, só em 1988 que a Igreja Católica fez um pronunciamento oficial quanto à

questão da natureza e aos animais. O então Papa, João Paulo II, diz:

o domínio conferido ao homem pelo Criador não é um poder absoluto, nem se pode

falar de uma liberdade de “usar e abusar”, ou de dispor das coisas como melhor

agrade (...) Nas relações com a natureza visível, nós estamos submetidos a leis, não

só biológicas, mas também morais, que não podem ser impunemente transgredidas.

(SINGER, 2003, p. 149-150).

Já na década de 1980 a Igreja não possuía mais o poder como antes. Após a ditadura

militar no Brasil, diversos conflitos e guerras, além de movimentos de liberdade de expressão,

a declaração proferida pelo Papa não teve muito efeito. O Catolicismo não era mais a religião

dominante e, assim, não possuía mais o domínio sobre o que os fiéis deveriam ou não fazer.

2.2.4 O Renascimento e o Iluminismo

Entre os séculos XVII e XVIII a Europa vive um novo período chamado de

Renascimento que encerra a Idade Média e tem-se início a Idade Moderna. Neste período há

uma profunda ruptura com o modelo medieval do feudalismo e a instauração do capitalismo.

Várias mudanças aconteceram na sociedade, na cultura, na política, na economia e na religião.

Este período

trata-se de uma volta deliberada, que propunha a ressurreição consciente (o re-

nascimento) do passado, considerado agora como fonte de inspiração e modelo de

civilização. Num sentido amplo, esse ideal pode ser entendido como a valorização

do homem (Humanismo) e da natureza, em oposição ao divino e ao sobrenatural,

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62

conceitos que haviam impregnado a cultura da Idade Média. (RENASCIMENTO,...

2004).

O humanismo renascentista determina as ações de como agir com a humanidade e

não com os animais, colocando o ser humano como centro do universo (SINGER, 2003). O

modelo de sociedade é drasticamente alterado pelos novos conceitos, entretanto as teorias

desenvolvidas para os não-humanos continuam da mesma fora.

[...] os humanistas do Renascimento sublinhavam a singularidade dos seres

humanos, o seu livre arbítrio, as suas potencialidades e a sua dignidade; e

contrastavam tudo isso com a natureza limitada dos “animais inferiores”. Do mesmo

modo que a insistência cristã original na santidade da vida humana, esta era, de certa

forma, um progresso valioso nas atitudes para com os seres humanos, mas deixava

os não humanos tão abaixo dos seres humanos quanto já tinham estado. (SINGER,

2003, p.151).

Poucas foram as exceções como o caso do pintor Leonardo da Vinci (1452-1519) que

contribuiu na defesa dos animais. Ele se preocupa com o sofrimento dos não-humanos e até se

tornou vegetariano por este motivo (SINGER, 2003).

Francis Bacon (1561-1626), entretanto, postulava que a natureza e os animais

deveriam ser dominados e manipulados. O pensador defende isso com suas pesquisas

científicas e na experimentação animal (DIAS, 2000).

Tanto para Thomas Hobbes (1588-1679), Spinoza (1632-1677) e John Locke (1632-

1704) a natureza poderia ser dominada pelos seres humanos, pois era inferior a raça humana

(LEVAI, 2004 apud CHRISTEN, 2009).

Entretanto, quem realmente ficou famoso não pelas teorias quanto aos animais, mas

por sua contribuição em diversas áreas da ciência foi o matemático Renê Descartes (1696-

1650). No século XVIII, este cientista desenvolveu a tese de que tudo é composto por matéria

e regido por princípios da mecânica, ou seja, tudo é uma máquina. Porém, para os humanos

ele acrescentou a ideia de detentores de alma. Apenas a raça humana foi dada o direito de

possuírem almas imortais. Os animais eram apenas máquinas autônomas e não tinham

consciência, ao contrário dos homens. Para Descartes, os animais não-humanos não sentiam

dor e nem prazer. Ele diferencia as máquinas fabricadas pelos homens aos animais pelo

motivo de que os animais são mais complexos, então foram criados por Deus (SINGER,

2003).

Neste mesmo período, a prática de vivissecção13

na Europa se difundiu. Descartes

13

“Vivisecção define-se como o acto ou a prática de fazer experiências em animais vivos, geralmente sem

Page 64: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

63

também praticava este ato. Na época não existiam anestesias e os animais eram analisados e

dissecados ainda vivos. Alguns animais eram golpeados, pregados em tábuas ainda vivos

enquanto os pesquisadores afirmavam que os ruídos emitidos pelos animais eram apenas

como o ruído de uma mola que havia sido acionada e que o corpo deles não sentia dores

(SINGER, 2003).

De acordo com Levai (2004 apud CHRISTIEN, 2009), quem contrapõem esta visão

mecanicista é Voltaire (1694-1778) e Montaigne (1533-1592) que acreditavam que a vida de

qualquer ser vivo deveria ser valorizada e respeitada pelos humanos.

Voltaire critica a forma que os filósofos definem o que é a alma e quando julgam que

os animais não a possuem. Para ele, este tema é algo que está muito além da nossa capacidade

de compreender, pois nossa inteligência é limitada (DIAS, 2000).

Deus nos deu a inteligência não para penetrar na essência das coisas, mas para nos

conduzirmos pela senda do bem. [...] Se uma árvore tem a capacidade de receber nas

suas fibras a seiva que nelas circula, desabrochar em botões e dar frutos, é prova

suficiente de sua alma. (DIAS, 2000, p. 18).

Voltaire ainda contesta os argumentos apresentados por Descartes sobre os animais.

O filósofo afirma que não tem sentido a natureza dispor de instrumentos do sentimento animal

para que ele não possa sentir. Voltaire ainda comenta que não é o fato dos homens possuírem

sentimentos e memória que são melhores que os não-humanos (VOLTAIRE apud DIAS,

2000).

Montaigne, por exemplo, afirmava que todos os animais foram criados por Deus para

fazerem parte das famílias dos humanos. Além disso, o filósofo respeitava todas as formas de

vida: tanto animais como com as plantas. Produziu várias obras que defendia essas ideias

(DIAS, 2000).

Muitos filósofos do período renascentista também fizeram parte do Iluminismo. O

Iluminismo surge a partir do século XVII na França e defendia o domínio da razão sobre as

ideias afirmadas pela igreja (teoria teocêntrica). Um novo período surge para iluminar as

trevas que a sociedade estava situada. Locke, Rosseau, Voltaire são alguns dos filósofos que

também tiveram influência em seus ensaios e livros do Iluminismo (ILUMINISMO, 2004).

Estes filósofos não deixaram de defender suas teorias, apenas aderem à forma de

recorrer a qualquer tipo de anestesia. O termo vivissecção é usado para englobar as várias categorias científicas e

procedimentos médicos feitos em animais, incluindo: testes de medicamentos e outros produtos químicos,

pesquisa biomédica, ou a criação e morte de animais direccionadas para retirar e usar partes, tais como válvulas

cardíacas ou órgãos”. (VIVISSECÇÃO..., 2004).

Page 65: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

64

produzir estes conteúdos. Neste período, os pensadores rompem com a igreja quanto a

produção de conhecimento. Para muitos filósofos as ideias do cristianismo não norteavam

mais as suas pesquisas. Nesta fase a razão passa a prevalecer nas diferentes produções

científicas e filosóficas.

2.2.5 Ideias e ações

Toda produção intelectual produzida até o momento havia sido analisada e

modificada agora para um novo objetivo. Outros pensadores e filósofos começam a escrever e

defender os animais. A partir do século XVIII ações começam a ser tomadas em benefício dos

não-humanos.

A primeira crítica escrita contra as tradicionais doutrinas e a favor dos animais foi

elaborada por Humphrey Primatt no final do século XVIII. Primatt afirmava, principalmente

contra os argumentos de São Tomás de Aquino que:

dor é dor, toda dor infligida a outro injustamente é pura exibição de poder, é

crueldade e injustiça por parte de quem a infringe. Pode haver diferenças

significativas entre homens e outros animais, mas não em relação à dor. Essa

experiência é comum a ambos. (PRIMATT apud FELIPE, 2003, p. 63).

Primatt (2007 apud COURRIER, 2007) acreditava que todo ser humano tinha o

dever de possui compaixão aos não-humanos. Para ele, a aparência exterior do ser não deve

servir de parâmetro para julgá-lo. Primatt ainda afirma que tanto os humanos como os não-

humanos possuem o interesse de não sofrer, de não sentir dor.

Em 1780 é a vez de Jeremy Bentham contribuir para a causa. Numas das célebres

frases do autor, retirada do livro Introducion to tlhe Principies of Morais and Legislation,

ele afirma que: “a questão não é: podem eles raciocinar? Nem: podem eles falar? Mas: podem

eles sofrer?”. (BENTHAM, 1780 apud SINGER, 2003, p. 154).

O século XIX foi vivenciado por muitas lutas em prol dos animais. Um exemplo foi

em 1821 quando um proprietário fundiário irlandês e deputado, Richard Martin, propôs uma

lei que tinha como objetivo acabar com os maus-tratos aos cavalos. O assunto foi motivo de

risos na câmara. No ano seguinte, o mesmo deputado conseguiu aprovar uma lei que proibia

os maus-tratos a certos tipos de animais domésticos (SINGER, 2003).

Page 66: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

65

O mesmo deputado, juntamente com um grupo de humanitaristas formou uma

organização em prol do bem-estar animal e mais tarde conhecida como a RSPCA, Royal

Society for the Prevention of Cruelty to Animals (SINGER, 2003).

Em 1859 Charles Darwin escrever a obra A Origem das Espécies. Entretanto, o

cientista não julgou a teoria da evolução aos homens. Em 1871, Darwin publica a Origem do

Homem onde afirma que os homens, assim como os animais também evoluem. Esta teoria

envolveu antigos paradigmas, principalmente os defendidos pela Igreja Católica, de que o ser

humano tinha origem e foi criado imagem e semelhança de Deus. Sua teoria foi questionada e

criticada por muitos cientistas. Como já se suponha as ideias apresentadas por Darwin não

foram facilmente aceitas pela sociedade. Até o momento o homem era considerado o ser

superior a tudo. Charles Darwin afirmou que mesmo os animais considerados inferiores são

capazes de sentir emoções e criar vínculos de amizades, por exemplo. Nesta obra ele define

que o ser humano também é um animal e que a diferença entre os homens e os não-humanos

não era tão distante (DARWIN apud SINGER, 2003).

Outros pensadores que também contribuíram para o estudo dos animais e do meio

ambiente foram Artur Schopenhauer, Alexander Von Humbold e Ernest Haeckel (LEVAI,

2004 apud CHRISTIEN, 2009).

Peter Singer, com o livro Libertação Animal inovou nas últimas décadas. A partir

desta obra o autor denuncia práticas desumanas com o uso de animais e propõe a valorização

dos animais como seres sencientes14

(PRADA, 2004 apud CHRISTIEN, 2009).

Já as primeiras normas contra as crueldades cometidas aos animais foram elaboradas

pela Inglaterra em 1822 através do British Cruelty to Animal Act. Depois foi a vez da

Alemanha em 1838 de elaborar normas de proteção aos animais. Em 1948 a Itália criou leis

contra os maus-tratos. O Brasil elaborou um decreto apenas em 1924 em defesa dos Animais.

Somente em 1978 é que foi apresentado a Declaração Universal dos Direitos dos Animais

(veja o Anexo A). (RODRIGUES, 2003).

No entanto, esta obra é um pouco controvérsia quanto ao seu conteúdo. Alguns a

consideram uma declaração em prol do bem-estar dos animais e não uma declaração

abolicionista (assuntos estes que serão abordados mais a frente). Vale lembrar também que a

mesma declaração ainda não tem valor no Brasil, pois o país não assinou a declaração.

14

Os homens e os animais são seres sencientes porque possuem a capacidade, em resumo, de sentir dor, fome,

prazer, medo, saudade, alegria...

Page 67: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

66

2.2.6 A domesticação

Desde os primórdios da história da humanidade os animais estão presentes. O

homem sempre os utilizou para diversas funções: a força para o trabalho, a carne para

alimento, a pele para roupas, a presença para proteção e até como companheiros. Antes

considerados selvagens agora pertencem aquela sociedade que os domesticou. Exemplo mais

conhecido é o caso dos lobos. Historiadores afirmam que estes animais foram os primeiros a

serem domesticados pelos homens.

Uma teoria sugere que os humanos começaram a pegar filhotes de lobos e, em

determinado momento, conseguiram domá-los. Outra teoria propõe que os lobos

mais mansos não tinham medo de andar em meio aos locais onde os humanos

jogavam lixo para procurar comida. Como eles se alimentavam dessa maneira, esses

lobos mais mansos tinham maiores possibilidades de evoluir para cachorros devido à

seleção natural. (MCGRATH, 2008).

Esta teoria afirma também que os lobos vivem em matilhas e obedecem ao lobo mais

importante. Dessa forma, os animais aprendem a obedecer aos humanos. Ainda como sugere

McGrath (2008), a evolução ganhou uma ajuda com a seleção natural. Os animais mais

mansos ficavam mais próximos dos humanos e assim as novas gerações foram se tornando

mais mansas até chegar ao cão que é conhecida hoje.

Porém, teorias mais recentes (de cerca de 10 anos) afirmam que na natureza os lobos

vivem em famílias, não em matilhas. As hipóteses que afirmam que os lobos se organizam em

matilhas foram construídas observando animais em zoológicos ou em cativeiros onde os

animais que estão naquele local foram inseridos juntos e não escolheram formar o seu próprio

grupo (GRANDIN; JOHNSON, 2010).

Esta teoria assegura que os animais possuem uma relação entre os membros do grupo

semelhante a que os humanos possuem com pai, mãe e irmãos. Os lobos, da mesma forma

que os homens, não mantêm relações sexuais com seus pais. Assim, as autoras (2010, p. 32)

afirmam, de acordo com estudo de L David Mech, que “na natureza, os lobos não vivem em

alcateias e não têm um macho alfa que luta contra outros para manter a dominância”.

A conclusão que Mech e outros pesquisadores chegaram é que a relação que os cães

possuem com os seres humanos, na maioria dos casos, é de família. No entanto, quando há

muitos cães na casa, por exemplo, o humano ou outro cão pode ser visto como macho alfa

Page 68: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

67

perante os outros membros do grupo (GRANDIN; JOHNSON, 2010).

Entretanto, a domesticação de animais não é algo tão simples de ser realizada. De

acordo com o biólogo Jared Diamond (apud MCGRATH, 2008), nem todos os animais são

domesticáveis. Para que a domesticação ocorra é necessário observar alguns critérios:

a) Dieta correta – muitos animais possuem dietas específicas e caras. Por isso, os

seres humanos domesticam os que comem alimentos baratos e acessíveis;

b) Alta velocidade de crescimento - a espécie deve crescer rapidamente para que

pastores e fazendeiros tenham um retorno rápido do investimento na sua criação;

c) Disposição amigável - animais naturalmente agressivos normalmente não gostam

quando tentam capturá-los e não deixam que os humanos cuidem deles;

d) Facilidade para procriar - se o animal se recusa a procriar sob as condições que os

captores humanos oferecem, então é claro que o seu período sob controle humano

será curto;

e) Respeito a uma hierarquia social - quando em liberdade, se os animais formam

estruturas sociais nas quais todos seguem um membro dominante, então os humanos

podem se estabelecer como líderes da matilha;

f) Resistência ao pânico - muitos animais enlouquecem quando são presos, cercados

ou percebem uma ameaça. As vacas, por outro lado, permanecem razoavelmente

complacentes e imperturbáveis, apesar dessas condições, por isso são mais fáceis de

serem domesticadas. (DIAMOND apud MCGRATH, 2008).

Dessa forma é fácil compreender porque grande parte dos animais não são

domesticados. O biólogo ainda explica que a tentativa de domesticar pandas e zebras, por

exemplo, foram falhas por não se encaixarem neste perfil além de serem animais agressivos

(DIAMOND apud MCGRATH, 2008).

Ainda segundo Diamond (apud MCGRATH, 2008), a domesticação de espécies só

ocorre quando os genes são alterados de acordo com seus ancestrais, permitindo que os

homens manipulem sua dieta e criação. Neste ponto, o biólogo descreve a diferença entre

domesticação e um animal domado. Os elefantes, por exemplo, são casos de animais domados

pois, seus genes não foram alterados devido a interação com seres humanos.

Diversos são os animais domesticados como vacas, galinhas, pássaros, coelhos,...

mas devido ao recorte estudado nesta monografia, serão apresentados somente os animais

considerados de estimação.

2.2.6.1 A estima e os animais

Os animais de estimação são os que foram domesticados para conviver com os

humanos. Ao contrário dos domésticos, que também passaram pelo processo de

Page 69: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

68

domesticação, algumas espécies também são usadas para o trabalho e alimentação. Espécies

como aves, répteis, peixes, invertebrados e mamíferos (como cães e gatos) são exemplos de

animais não-humanos de estimação.

A modernidade e a correria diária tornou as pessoas em geral mais solitárias. A falta

de tempo e o excesso de tarefas na rotina distanciou as pessoas umas das outras. No mundo

cibernético tudo está mais próximo e ao mesmo tempo longe. Neste novo modo de vida, em

diversas vezes, as pessoas esquecem a solidão ao lado de um animal de estimação. Entretanto,

o estresse vivido pelo companheiro humano pode ser transferido aos bichos. Algumas pessoas

sentem-se incomodadas com o comportamento daquele animal e acaba abandonando-o nas

ruas ou isolando-o do convívio familiar, segundo Carvalho (1997). Para a veterinária, é

necessário que antes de trazer um animal para a casa seja avaliada as condições de vida dos

moradores bem como se há espaço e tempo para dedicar ao bicho.

A palavra estima tem seu significado relacionado ao valor que uma pessoa dá a algo

ou alguém e está ligada a sentimentos como respeito, amor e afeto (HOUAISS; VILLAR,

2001). Dessa forma, pode-se entender que um animal de estimação é aquele que recebe todo

carinho e atenção possível do seu amigo humano.

Entretanto, muitas pessoas (principalmente por falta de conhecimento) tratam o

animal como um ser humano colocando perfumes, calçados e até joias. Mesmo depois de

domesticados, os bichos possuem suas características que são diferentes das dos homens.

A Revista Animais de Companhia na sua página de apresentação no site descreve o

objetivo do veículo em: “levar informação sobre saúde e bem-estar dos animais aos

proprietários, ajudando-os a aprender essa importante tarefa que é cuidar de seus

companheiros da melhor maneira”. (APRESENTAÇÃO,... 2008, grifo nosso).

As pessoas são proprietárias de coisas. Não se houve alguém dizer que é proprietário

de sua esposa, por exemplo. A relação entre proprietário e coisa apropriada era muito comum

na época da escravidão onde os seres humanos realmente eram considerados como coisas.

Atualmente, esta palavra não é mais designada para os humanos, pois se entendeu que os

homens (independendo de cor e raças) são livres e possuem direitos.

Ao mesmo tempo em que os animais são considerados, em alguns aspectos, como

digno de receberem características designadas somente à pessoas também são como objetos.

Esta ação acontece principalmente quando são vendidos. Ora, vender um ser humano é algo

ilegal, mas um animal é algo normal. Isso deveria ser questionado pela sociedade. Se aquele

bicho é seu amigo e amigos não se compram há algo errado. Este tipo de relação pode ser

explicado pelo especismo que também existe entre os povos da raça humana.

Page 70: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

69

2.2.6.2 Especismo

Julgar ou condenar alguém por ser negro, pardo ou amarelo hoje é crime de racismo

pois, entendeu-se que não há motivos para julgar uma pessoa só por causa da cor dela. A cor,

tamanho, origem não delimitam se é um ser bom ou ruim, de acordo com os padrões da

sociedade. Mesmo que o preconceito ainda exista, hoje se defende e entende-se que o

preconceito baseado no julgamento de características físicas não possuem fundamentos.

O termo especismo começou a ser usado a partir de 1973 pelo filósofo e cientista

Richard D. Ryder ao defender o “princípio da igual consideração de interesses semelhantes no

tratamento dos animais”. (FELIPE, 2003, p. 83).

Para Singer (2003), o especismo pode ser comparado ao racismo e ao sexismo e

favorece atitudes de preconceitos de uma espécie em detrimento de outras. Para o autor, os

argumentos para combater o racismo e o sexismo também devem ser usados para combater o

especismo.

O especismo, ou seja, o preconceito que leva os humanos a não considerarem os

interesses de outras espécies, tem seu fundamento na percepção e na constatação das

diferenças aparentes determinadas pelo padrão biológico dos seres em apreço. Se um

determinado interesse aparece em um ser constituído biologicamente em uma

espécie animal não-humana, os seres humanos deixam de considerá-lo moralmente.

(FELIPE, 2003, p. 83, grifo do autor).

Para Ryder (apud FELIPE, 2003), o especismo tem seus fundamentos no

comportamento humano em considerar que possuir valores morais inferiorizando os não-

humanos por não serem semelhantes ao Homo Sapiens. O simples fato de não serem iguais

aos homens, já é um motivo válido para que animais sejam considerados inferiores e

moralmente marginalizados pela sociedade.

Possuir características diferentes dos homens não nega o direito à vida aos animais.

Os não-humanos possuem características específicas deles, mas isso não os classifica como

inferiores ou superiores (FELIPE, 2003).

Para Follain (2010), o especista acredita que a vida de qualquer ser humano pelo

único fato de pertencer a espécie do Homo Sapiens tem mais importância do que a de

qualquer outro ser.

Em resumo, o especismo defende que somente o fato de um ser pertencer a uma

Page 71: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

70

espécie (no caso, a raça humana) já é dado o direito de serem superiores as outras espécies

existentes. Os argumentos utilizados por especistas são diversos, entretanto quando

questionados podem ser considerados moralmente falsos.

2.2.6.3 Seres Sencientes

O especismo é algo presente no cotidiano da sociedade principalmente pelo modelo

que esta possui. Como mostrado anteriormente, a exploração animal tem origem em tempos

remotos. O modelo capitalista da sociedade mostra os animais como meros objetos dos

humanos em que são utilizados para trabalhar, na alimentação, vestuário, diversão e testes

científicos.

A utilização de animais para o bem dos homens é moralmente aceita por grande parte

da sociedade. Assim como se convive com diversos problemas diariamente em sociedade

(como a corrupção, desvio de verba pública...) outras questões, como a dos animais, nem são

questionadas: são apenas aceitas e os falsos argumentos são transmitidos de pessoa à pessoa.

Os não-humanos são seres sencientes e, de acordo com a origem do termo, quer dizer

que sentem e possuem sensações. Os animais são capazes de processar os estímulos

tranformando-os em sensações (PRADA, 2008 apud CHRISTIEN, 2009).

Singer (2003) afirma que embora os animais não sejam racionais isso não significa

que eles não sejam capazes de sentir dor e compara a situação dos não-humanos às pessoas

com deficiências mentais e recém-nascidos. O autor questiona também que se animais podem

ser usados em testes porque pessoas com sério retardo mental (que muitas vezes demonstram

até possuir menor capacidade de compreender as situações do que alguns animais) não

poderiam ser utilizadas. Como os humanos, os animais são capazes de sentir dor e prazer.

O sistema Nervoso dos animais e do homem é organizado segundo o mesmo

modelo. De uma espécie animal para outra, existem diferenças anatômicas no

Sistema Nervoso, que atendem às necessidades de cada um deles, mas basicamente,

o modelo é o mesmo. O modelo foi um só! E como é esse modelo? Ele é

essencialmente constituído por medula espinhal, tronco encefálico, cérebro e

cerebelo. (PRADA, 1997 apud RODRIGUES, 2003).

Novamente, volta-se na questão do especismo. Os homens são superiores aos seres

de outras espécies, logo, pessoas não podem ser utilizadas em tais experimentos. Essa ideia

Page 72: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

71

foi defendida por Descartes que afirmava que não-humanos eram apenas máquinas e não

possuíam sensações.

Para Regan15

(2006), a relação que os humanos têm com os animais é o resultado do

que a cultura transmite. Principalmente a cultura ocidental que vê nos animais apenas seres

que foram feitos para os humanos.

Essa ideia é fundamentada por afirmações vagas. Se todos são seres que vivem no

mesmo planeta, mas possuem diferenças porque são seres de espécies diferentes o que faz

somente a espécie Homo Sapiens possuir direitos?

Regan (2006) afirma que os argumentos mais usados são falsos pois, não há provas

consistentes que comprovem que os animais não possuem direitos. O autor16

(2006) listou

alguns questionamentos e os argumentos mostrando que aquela ideia é falsa. A primeira delas

é afirmar que os seres humanos possuem direitos porque são autoconsientes. Ser

autoconciente é compreender quem aquele ser é, do mundo em que se vive e de tudo que os

cerca. Para os filósofos que defendem esta ideia, a autoconsciência é necessária para

compreender que existe morte e para que se tenha medo dela. Sendo assim, estes filósofos

afirmam que os animais não são autoconcientes, então não possuem direito à vida. Entretanto,

conforme pesquisas realizadas por psicólogos, as crianças não se conscientizam sobre a

própria mortalidade antes dos nove anos. Ou seja, este argumento é falso já que crianças são

seres humanos e humanos possuem direitos.

O ato de raciocinar, pensar e possuir consciência de si é outro exemplo. Mas é um

argumento fácil de ser quebrado já que pesquisas científicas comprovam que grande parte das

ações praticadas pelos homens não é acompanhada de consciência. Este argumento, levanta

outros questionamentos como o fato de pessoas com lesões cerebrais graves possuírem

direitos. Este critério também não possui valor já que seres humanos que não possuem a

mesma capacidade de raciocinar e compreender o que os homens considerados normais

possuem também contam com direitos (RODRIGUES, 2003).

Outra ideia muito defendida também é a respeito da linguagem humana, ou seja, a

fala. Os bebês não falam até uma certa idade, algumas pessoas com deficiência também não

falam. Este questionamento não é válido pois não há justificativa para explicar o porquê de

15

Tom Regan é um filósofo norte-americano e desenvolveu a teoria dos direitos animais a qual é defendida

atualmente. Publicou diversos ensaios e artigos em defesa da causa animal. A obra mais importante é The Case

for Animal Rights, 1983 (sem tradução no Brasil). Neste livro, Regan defende que os animais mamíferos são

sencientes a partir de um ano de idade. Jaulas Vazias, 2006, Editora Lugano, é o único livro traduzido para o

português, entretanto o trabalho deste pensador pode ser encontrado em diversos sites (FILÓSOFOS..., 2009c). 16

No livro Jaulas Vazias, Tom Regan cita diversos argumentos utilizados, entretanto aqui serão apresentados

somente alguns para ilustrar o estudo.

Page 73: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

72

humanos que não possuírem esta capacidade e mesmo assim terem direitos (REGAN, 2006).

Para Rodrigues (2003), não se pode afirmar que os animais não possuem uma

linguagem, pois pode ser uma linguagem incompreensível para os homens. A capacidade de

utilizar uma linguagem não torna os humanos superiores, pois é apenas uma forma de

diferenciá-lo de outras espécies.

Outro argumento muito utilizado é o fato dos homens terem almas. Como mostrado

anteriormente, esta ideia foi defendida pela Igreja Católica e um pouco depois por Descartes.

Mas, conforme explica Regan (2006), o conceito de possuir ou não uma alma é muito relativo

e pode alterar de acordo com a crença de cada pessoa. O fato de possuir uma alma não

justificaria os direitos que os humanos tem enquanto estão vivos.

Como afirma Rodrigues (2003, p. 45),

ainda que aceita a premência humana, é inadequado e ineficaz justificar a exploração

dos Animais simplesmente por não serem seres humanos, ou por considerá-los

menos inteligente, menos importantes, ou simplesmente por não falarem.

Regan (2006) defende que todos os seres possuem direitos, pois são sujeitos de uma

vida. Independente de raça, cor, espécie. Os conceitos morais não definem a sociedade em

superiores ou inferiores. Pessoas menos capacitadas não existem para servir outras superiores.

Ser sujeito de uma vida é ter consciência de que existe. De acordo Chuahy17

(2009), Regan

afirma que os animais têm direitos legais assim como os homens e esses direitos são inatos e

não dependem de outras pessoas. Para a autora, o filósofo defende que os não-humanos tem

valores morais que não dependem dos homens.

Regan critica as ideias utilitaristas que são defendidas por Singer. Com relação aos

não-humanos, Singer é defensor do utilitarismo de regra afirmando que as ações certas são as

que atendem regras gerais e conduzem ao melhor bem. Para o filósofo australiano, os animais

não sujeitos de direitos assim como os bebês, deficientes mentais e alguns humanos. Singer

defende em suas obras a redução do sofrimento animal e é a favor da exploração desde que os

bichos não sofram ou, se sofrer, que o benefício seja significativo aos homens

(FILÓSOFOS..., 2009a). Singer e os utilitaristas (apud CHUAHY, 2009, p.19) afirmam “que

o bem estar da maioria deve ser considerado em detrimento do bem-estar animal”.

As obras e o trabalho de Regan foram e são imprescindíveis para os estudos desta

17

Rafaella Chuahy é brasileira e vive em Washington. Formada em Ciências Políticas e Criminologia,

vegetariana e atuante em ONGs em prol dos animais. Escreveu em 2009 o livro Manifesto pelos Direitos dos

Animais.

Page 74: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

73

causa. Entretanto, os argumentos do filósofo deixam a entender que nem todos os animais são

sujeitos de uma vida já que o autor utiliza como argumentos a semelhança dos corpos, dos

sistemas (nervoso...) ao dos humanos e de que mamíferos com pelo menos um ano de idade

são sencientes. Assim também a teoria de Singer pode ser questionada. Embora seja

considerado o pai da libertação animal, o filósofo já declarou que não é um lutador pela causa

animal e que é a favor do abate humanitário.

Mas é Gary Francione18

, um dos defensores da teoria abolicionista animal19

, que tem

ganhado destaque nos últimos anos. Francione é adepto dos princípios jainistas e acredita que

as mudanças na sociedade devem acontecer primeiro individualmente. É contra a violência e a

favor da educação vegana20

. Em sua teoria, o professor formado em Direito defende que não

há mais necessidade de utilizar os animais nas diversas atividades onde hoje são usados.

Francione é contrário às ideias defendidas por Singer, pois afirma que não há

justificativa moral para a exploração animal mesmo que essas atividades tragam benefícios

aos homens. O filósofo também critica as teorias de Regan. Francione afirma que Regan

desenvolveu uma teoria abolicionista que restringe os animais em seres que possuem

capacidade cognitiva mais sofisticadas como mamíferos, aves e peixes. Entretanto, Gary

Francione expande o conceito para todos os seres sencientes, isso inclui todos os mamíferos,

seres dotados de sistema nervoso central e insetos (FILÓSOFOS..., 2009b).

O filósofo utiliza o termo esquizofrenia moral, pois, fala-se que os animais

deveriam ser tratados de uma forma, mas se faz outra. Muitas pessoas possuem animais

domésticos em casa, por exemplo. Estes são tratados como membros da família, entretanto

ainda existe um limite nesta relação. Como os não-humanos são vistos como propriedades,

permanecem sendo coisas e são protegidos quando trazem algum benefício econômico.

Francione defende que para os animais deixarem de pertencer ao status de coisas deve-se

romper este laço deles como sinônimos de propriedades (FRANCIONE, 2007).

A teoria defendida por Francione pode ser entendida em seis pontos:

a)Todos os seres capazes de sentir (seres sencientes), humanos ou não-humanos, têm

18

Gary Francione é formado em Direito e Filosofia e atua como professor na Rutgers University dos EUA.

Escreveu cinco livros, entretanto, nenhum como tradução em português. As informações sobre sua teoria estão

disponíveis no site pessoal gary-francione.com. Já a versão em português, o filósofo autorizou a escritora Regina

Rheda a traduzir as informações sobre seus livros, teorias e site na página

www.anima.org.ar/libertacao/abordagens/francione. 19

O abolicionismo animal defende que todos os animais devem ser livres e não devem ser utilizados no lazer, na

alimentação, no vestuário, para trabalho e em testes. Mais adiante, será abordado este assunto mais aprofundado. 20

O veganismo é uma filosofia que exclui todo e qualquer tipo de consumo e utilização de produtos de origem

animal. Estão incluídos produtos de origem animal (como carne, leite, ovos, mel e seus derivados) e atividades

que estimulem a exploração animal.

Page 75: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

74

um direito: o direito básico de não ser tratados como propriedade dos outros;

b) Nosso reconhecimento desse direito básico significa que devemos abolir, em vez

de simplesmente regulamentar, a exploração institucionalizada dos animais --

porque ela pressupõe que os animais sejam propriedade dos humanos;

c) Assim como rejeitamos o racismo, o sexismo, a homofobia e o preconceito contra

as pessoas de idade, rejeitamos o especismo. A espécie de um ser senciente não é

razão para que se negue a proteção a esse direito básico, assim como raça, sexo,

orientação sexual ou idade não são razões para que a inclusão na comunidade moral

humana seja negada a outros seres humanos;

d) Reconhecemos que não vamos abolir de um dia para o outro a condição de

propriedade dos não-humanos, mas vamos apoiar apenas as campanhas e posições

que promovam explicitamente a agenda abolicionista. Não vamos apoiar posições

que reivindiquem supostas regulamentações “melhores” da exploração animal.

Rejeitamos qualquer campanha que promova sexismo, racismo, homofobia ou

outras formas de discriminação contra humanos;

e) Reconhecemos que o passo mais importante que qualquer um de nós pode dar

rumo à abolição é adotar o estilo de vida vegano e educar os outros sobre o

veganismo. Veganismo é o princípio da abolição aplicado à vida pessoal. O

consumo de carnes (vaca, ave, pescado, etc), de laticínio, ovo e mel, assim como o

uso de animais para roupas, entretenimento, pesquisa ou qualquer outro fim, são

incompatíveis com a perspectiva abolicionista;

f) Reconhecemos a não-violência como o princípio norteador do movimento pelos

direitos animais. (FRANCIONE, 2007).

O autor também questiona que além de serem tratados como propriedades, os

animais precisam ser tratados com igualdade entre eles. Os animais de estimação, geralmente,

são tratados com respeito. Já as vacas, os frangos e porcos são mortos, destituídos desta

atenção e usados para a alimentação.

2.2.6.4 Teorias filosóficas e a relação com os seres sencientes

Diversos filósofos desde o início do século XX já escreveram sobre direitos animais

e a libertação animal. Porém, cada um possui perspectivas e teorias diferentes. As principais

teorias defendidas são a conservacionista, a bem-estarista e a abolicionista. Entretanto, neste

estudo será apresentado de forma resumida as teorias conservacionistas e bem-estaristas já

que o objeto analisado mais a frente utilizará os argumentos abolicionistas21

.

Os conservadores afirmam “ [...] que nenhum dano animal pode ser considerado tão

relevante a ponto de justificar a limitação da liberdade de investigação do cientista [...]”.

(FELIPE, 2007, p. 132, grifo do autor).

Diversos autores e cientistas utilizam esta ideia como justificativa para utilizar

21

Estas três linhas estão explicadas de forma mais detalhadas na obra de Sônia Felipe: Ética e Experimentação

Animal, 2007, Editora da Ufsc.

Page 76: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

75

animais em testes, na alimentação e em outras formas de exploração. Segundo Rodrigues

(2000 apud CHRISTIEN, 2009), estes pesquisadores buscaram argumentos para justificar o

sofrimento e a dor dos animais para obter benefícios aos homens. Para os conservacionistas,

os não-humanos, de maneira geral, são apenas seres submissos ao Homo Sapiens.

Ao contrário dos conservadores,

abolicionistas e bem-estaristas reivindicam, ainda, em nome da condição sensível da

natureza de animais de outras espécies, além do reconhecimento de direitos

negativos, como, por exemplo, o de não serem agredidos física nem

emocionalmente, direitos positivos, por exemplo, o de receberem auxílio para

preservarem-se vivos com necessário bem-estar. Isso implica em estabelecer, em

contrapartida àqueles dois direitos, dois tipos de deveres: o dever negativo, o dever

de não causar danos, dor, sofrimento e morte; e o dever positivo, o de prestar ajuda e

assistência para garantir aos animais, individual ou coletivamente, acesso aos meios

necessários ao bem-estar e à preservação de sua forma específica de vida. (FELIPE,

2007, 139-140).

Entretanto, os bem-estaristas, que tem como um dos representantes o utilitarista Peter

Singer, defendem que os animais devem ser liberados de qualquer tipo de sofrimento. Porém,

se esse sofrimento for necessário para um bem maior, é aceito. Os bem-estaristas proibem o

sofrimento desnecessário e admitem o tratamento humanitário. Dessa forma, essa teoria

afirma que os animais são inferiores justificando a exploração animal.

No entanto, nas últimas décadas surgiu uma nova linha denominada de neo bem-

estaristas. Estes afirmam que os homens não são superiores aos animais e também não

possuem o direito de explorá-los. Contudo, não diferem muito dos bem-estaristas, pois

defendem estes argumentos já que as ideias abolicionistas são medidas para serem realizadas

a longo prazo (ABOGLIO, 2007).

A linha abolicionista é considerada, para muitos, a mais radical das teorias já que é

contrária toda e qualquer tipo de exploração animal e luta para que os direitos animais sejam

colocados em prática. Esta teoria será explicada de forma mais detalhada a seguir.

2.2.6.4.1 Os argumentos abolicionistas

O abolicionismo defende o fim de todo tipo de exploração animal que violam a

integridade dos animais. Isso inclui as atitudes especistas com as realizadas com animais que

ficam confinados para servir as necessidades de alimentação e vestuários dos homens

Page 77: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

76

(FELIPE, 2007).

Embora Singer seja da linha bem-estarista, o filósofo criou ideias que também são

utilizadas na abolicionista. Singer defende o princípio da igualdade moral a todos os animais,

humanos e não-humanos. Nesta mesma linha, Regan afirma que todos os animais possuem

direitos estabelecidos para garantir a integridade física, emocional, social e ambiental que os

humanos também possuem (FELIPE, 2007).

Tanto Regan quanto Singer (apud FELIPE, 2007), baseiam estes argumentos nas

ideias defendidas por Charles Darwin nas conclusões sobre o comportamento de animais que

ficavam em locais fechados (como gaiolas, viveiros, jaulas,...) e outros em seu habitat.

Darwin chegou a conclusão que os animais, como os humanos, quando tirados do seu meio

perdem suas características.

O cientista afirma que para o desenvolvimento completo das capacidades físicas,

psicológicas do ser humano e dos outros animais no habitat natural quatro habilidades são

fundamentais: “atenção, memória, imaginação e razão”. (FELIPE, 2007, p. 178). Darwin

afirma que as diferenças existentes entre humanos e não-humanos são de grau e não de

espécie. Na mesma linha de raciocínio, James Rachels defende que os homens não são

superiores aos animais quanto aos sentimentos e emoções. Rachels ainda afirma que da-se

importância as necessidades dos animais de estimação (mesmo sem questionar se aquela ação

é adequada a ele ou não), entretanto quando questionados sobre os outros animais procura-se

a desculpa de que aqueles não possuem razão (FELIPE, 2007).

Entretanto, usar a razão como argumento é um pretexto para descriminar os animais,

pois se a razão dos humanos é utilizada para praticar ações que ameaçam a integridade

daquele animal então, quem pratica esta ação também não possui razão, pois se possuísse não

agiria dessa forma já que o juízo moral vale para os dois casos (FELIPE, 2007).

O critério da razão não pode ser utilizado, como explica Felipe (2007), pois se o

argumento de não possuir razão for usado deve-se também excluir da comunidade moral seres

humanos que possuem problemas cerebrais graves e/ou com deficiência mental.

Da mesma forma, não se deve discriminar os animais de forma diferente pelo fato de

pertencerem a espécie humana. Para Rachels (apud FELIPE, 2007), os indivíduos devem ser

tratados de acordo com suas necessidades e não com as que se acreditam ser as adequadas.

Rachels também defende que os direitos humanos devem ser expandidos aos animais,

principalmente quanto aos argumentos utilizados que defendem pessoas que não possuem

razão e linguagem. Ele ainda afirma que o direito à liberdade também deve ser estendido aos

animais para que eles possam viver livres de sofrimentos.

Page 78: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

77

Rachels (apud FELIPE, 2007) defende que os direitos humanos são direitos naturais

e garante que outros não interfiram na integridade daquele indivíduo. Dessa forma,

[...] para estabelecer limites morais à liberdade humana, deve-se levar em

consideração a natureza sensível dos seres afetados, não seu aspecto físico, sua

limitação para o uso da linguagem formal, do raciocínio lógico ou de outros padrões

mentais humanos. Se, com um determinado ato, o sujeito moral é capaz de destruir

o bem-estar de um ser sensível, esse ato só pode ser justificado mediante uma boa

razão, e essa só será boa se for capaz de justificar o mesmo ato em relação a todo e

qualquer ser sensível. E, para isso, é preciso demonstrar o benefício do ato aos

interesses de quem o sofre, não de quem os pratica. (FELIPE, 2007, p. 182-183).

Nesta mesma perspectiva, Singer (apud FELIPE, 2007) alega que os seres que

possuem complexidade mental maior não podem praticar qualquer ação contra os outros com

mentalidades inferiores. Para ele, toda ação praticada a uns deve ser moralmente aceita quanto

as ações praticadas a outros.

Já Steven Zark (apud FELIPE, 2007) afirma que as pessoas não aceitam o argumento

de que os animais têm direito à vida, embora esta ideia seja baseada na teoria de que qualquer

tipo de vida é importante. Assim como toda forma de vida humana é valiosa, a de seres de

outra espécie também é e deve ser respeitada. Zark defende os direitos animais e acredita que

sem eles não há como atacar os interesses especistas.

Outro filósofo que defende a teoria abolicionista é Gary Francione, como falado

anteriormente. O autor afirma que as ações praticadas aos animais pelos humanos é uma

atitude contra o próprio humano. O modelo de sociedade baseado no capitalismo transforma

os animais em propriedade tornando os homens indiferentes as crueldades. Francione

argumenta que os animais não são vistos como seres sencientes, pois não há benefícios

econômicos (CHUAHY, 2009).

Regan, Francione e outros cientistas desenvolveram teorias que se assemelham, mas

que todas têm o mesmo interesse: a abolição da exploração animal. Assim, como na época da

escravidão humana pessoas eram contra a escravidão defendendo diferentes pontos de vista,

agora não é diferente. O objetivo é que todos os animais sejam livres e não pertençam mais

aos homens. Os não-humanos possuem necessidades e o principal: querem viver.

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78

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para que este estudo possua o caráter científico o qual se dispõe é necessário expor

alguns procedimentos metodológicos que auxiliam o pesquisador a alcançar os objetivos

definidos no capítulo 1.

O objetivo de elaborar uma pesquisa é encontrar respostas para possíveis problemas.

Uma pesquisa é realizada quando não se tem muitas informações sobre o assunto que será

estudado. Para realizar este estudo são necessários procedimentos que possuem caráter

científico. Além disso, a pesquisa é dividida em fases para que a monografia seja apresentado

de forma coerente (GIL, 2002).

Para elaborar uma pesquisa é necessário que o pesquisador também possua algumas

qualidades para que o estudo tenha êxito, e são:

a) Conhecimento do assunto a ser pesquisado;

b) Curiosidade;

c) Criatividade;

d) Integridade intelectual;

e) Atitude autocorretiva;

f) Sensibilidade social;

g) Imaginação disciplinada;

h) Perseverança e paciência;

i) Confiança na experiência. (GIL, 2002, p. 18).

A acadêmica se considerou apta a realizar esta pesquisa devido a sua identificação

como pesquisadora e com o tema. A acadêmica também atua como protetora dos animais na

região onde mora, na Grande Florianópolis. Dessa forma, devido o ineditismo do tema, a

pesquisadora se motivou a realizar tal estudo.

A seguir, será exposta a metodologia que é a escolha dos procedimentos que serão

seguidos no estudo. Assim, a metodologia varia de acordo com o objetivo do pesquisador.

Nesta pesquisa será abordada a natureza desta e a análise dos dados (GIL, 2002).

A ideia desta monografia começou no início de 2010 quando a acadêmica estava

lendo o livro Jaulas Vazias, de Tom Regan onde o autor afirma que a mídia só noticia os

assuntos referentes aos animais quando são sensacionalistas. A partir desta ideia, a acadêmica

começou a prestar atenção na forma como os animais eram retratados na TV aberta do país.

No final do primeiro semestre de 2010, juntamente com o coordenador de curso, Paulo

Scarduelli, ficou decidido que a aluna analisaria os animais nos noticiários.

Page 80: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

79

Assim, devido à versatilidade da análise proposta, a pesquisa pode ser classificada

como exploratória. De acordo com Gil (2002), nesta o planejamento é mais flexível e pode

apresentar levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas envolvidas no tema estudado e

análise de exemplos. No caso deste estudo são os vídeos que ilustram a análise.

Já no começo do segundo semestre, juntamente com a orientadora de conteúdo, o

recorte mudou sendo agora analisado os animais de estimação (e não todos os animais) nos

programas informativos e de entretenimento. No capítulo quatro estão apresentados os

gêneros que se encaixam nestas categorias afirmando o objetivo do estudo: a forma como a

televisão reflete a ideia de que os animais são objetos.

O conceito de pesquisa descritiva também se encaixa aqui devido as técnicas

utilizadas que são: de observação, pesquisa bibliográfica e documental. Um dos objetivos

desta pesquisa é analisar um determinado grupo, no caso deste estudo os animais domésticos,

e o reflexo da divulgação dos programas de TVs sobre eles (GIL, 2002).

Para ficar mais organizado, a revisão de literatura foi dividida em duas partes. Assim,

ficou mais fácil apresentar os temas analisados a seguir. O item 2.1 aborda o tema televisão.

Nesta parte o material utilizado são livros, artigos, monografias, teses sobre o tema. Alguns

livros foram encontrados na Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina, outros foram

sugeridos pela orientadora de conteúdo. Alguns amigos também emprestaram e indicaram

livros e autores que puderam ajudar na elaboração desta pesquisa. Informações

complementares e artigos acadêmicos também estão disponíveis nos meios eletrônicos. Obras

de Arlindo Machado, Muniz Sodré, José Arbex, Joan Ferrés, Marcondes Filho entre outros

autores fazem parte desta primeira parte da análise. A elaboração da revisão de literatura foi

realizada com base na pertinência do assunto e o foco na análise que será abordada a seguir.

Desta forma, os antecedentes trazem informações sobre a história da televisão, a relação da

TV e o telespectador, como a televisão influencia através dos estereótipos, dentre outros.

A segunda parte da revisão de literatura aborda a temática sobre os animais. A

Faculdade Estácio de Sá possui poucas obras sobre o tema, por isso grande parte dos materiais

pesquisados faz parte do acervo pessoal da acadêmica. Livros, artigos e indicações sobre sites

e informações de amigos também auxiliaram na elaboração desta etapa. Há diversos artigos

sobre este assunto em páginas da internet que foram utilizados pela acadêmica e

proporcionaram maior entendimento por parte da mesma.

Assim, este estudo possui como base a pesquisa bibliográfica. A partir dela foram

apresentados os objetivos estudados na análise de dados. A pesquisa bibliográfica “é

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80

desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e

artigos científicos”. (GIL, 2002, p. 44).

De maneira geral, o material sobre a relação dos homens e os animais apresentado no

capítulo dois foi de fácil compreensão devido ao envolvimento da acadêmica com a causa

animal. A pesquisadora sempre gostou dos animais e em 2007 começou a se envolver na

proteção animal da Grande Florianópolis. Devido a este envolvimento a acadêmica começou a

perceber a forma como a sociedade via os animais e como a televisão refletia este

pensamento. Assim, surgiu a ideia de fazer o estudo.

Devido esta proximidade com o tema, a pesquisadora teve a oportunidade de ver de

outra forma a maneira como a televisão mostra os animais. Com isso, a acadêmica também

utilizou a técnica de observação que consiste em “conseguir informações e utiliza os sentidos

na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas

também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar”. (MARCONI; LAKATOS,

1999, p. 90).

A presente monografia pode ser classificada como qualitativa. A definição para esta

pesquisa que mais se aproxima do que a acadêmica propõe é a afirmada por Oliveira (2007).

Para o autor (2007, p. 37), este tipo de pesquisa pode ser entendido como “um processo de

reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para compreensão

detalhada do objeto do estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua estruturação”.

A análise feita a seguir tem como base as leituras da acadêmica (livros, sites, artigos,

notícias, revistas...) referente a televisão e aos animais. Além disso, o estudo desta análise

utilizou a teoria defendida por Gary Francione sobre abolicionismo animal.

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81

4 ANÁLISE DOS DADOS

Nesta etapa, será feita uma análise dos programas da TV aberta do país das emissoras

que possuem o sinal na Grande Florianópolis da RIC SC/Rede Record (que retransmite o sinal

da nacional) e RBS TV/Rede Globo (que retransmite o sinal da nacional). O objetivo é

analisar a maneira como a televisão reflete a ideia de que os animais, em especial os

domésticos, são tratados como objetos. Serão apresentadas matérias, reportagens, quadros que

divulgam ou utilizam animais e a maneira como estes mostram os bichos. Os programas

analisados serão de caráter informativo e de entretenimento. Para fazer esta análise, será

utilizada a teoria defendida por Gary Francione22

sobre libertação animal.

A escolha das emissoras e da categoria TV aberta deve-se ao maior alcance que estas

possuem diante do público. O Diário Catarinense de 24 de julho de 2010 (IENSEN, 2010)

divulgou uma pesquisa do Meta Instituto de Pesquisa e Opinião sobre os Hábitos de

Informação e Formação de Opinião da População Brasileira. Dentre os resultados

apresentados, um deles mostrava que só em Santa Catarina 73,9% da população assiste

somente a TV aberta e 8,4% assiste apenas a TV paga. Já quanto à programação mais

importante da TV, o telejornal aparece com 56% e as novelas, em segundo lugar, com 19,9%

(dados para SC).

Essas informações mostram a importância que a televisão aberta possui no Estado.

Além disso, os telejornais e as novelas possuem papel importante no cotidiano das pessoas.

Por isso, para esta análise foi delimitada a televisão aberta e os programas informativos e de

entretenimento, como será exposto a seguir.

4.1 OS ANIMAIS NOS PROGRAMAS DE ENTRETENIMENTO

Nesta primeira parte serão apresentados os animais nos gêneros do entretenimento.

Quando se pensa em entretenimento logo vem a ideia de diversão, de realizar algo que seja

para descontrair. Ao assistir os programas com este caráter os telespectadores mantêm o

mesmo objetivo: procurar divertimento. É nesse contexto que se demonstrará a inserção dos

22

A teoria de Gary Francione foi apresentada na segunda parte da Revisão Bibliográfica deste estudo.

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82

animais.

4.1.1 Programas de Auditório e Variedades

A presença dos animais no dia a dia das pessoas é constante. Essa presença é

mostrada diariamente na televisão através dos diversos programas existentes. Na televisão

aberta brasileira, existem diferentes programas que se encaixam no gênero auditório e

variedades. Como mencionado anteriormente, os formatos aparecem nos diversos programas,

independente do gênero, causando a diversidade que hoje é televisionada (como a inclusão de

reportagens, matérias, entrevistas,... nos programas de variedades). Devido à variedade dos

programas e à grande quantidade deles na TV aberta, foram escolhidos dois vídeos, um de

cada emissora analisada, para ilustrar o aparecimento de animais nos programas da categoria

entretenimento.

De acordo com o site do Hoje em Dia, da Rede Record, o programa possui o gênero

de Variedades e tem o objetivo de divulgar “notícias, prestação de serviços e entretenimento

na medida certa (que) dão o ritmo deste programa concebido a partir do mais nobre

compromisso da comunicação: informar e formar a opinião pública, sem perder de vista a

opção de lazer que muitos buscam na telinha”. (O PROGRAMA, 2010).

Esse misto de formatos é uma das características do gênero de Variedades.

Atualmente estes gêneros dispensaram a plateia (exemplo destes programas diários matinais)

e trazem informações atuais, dicas para o telespectador, além da culinária. Assim, o Hoje em

Dia traz diversos conteúdos para o público. No caso dos bichos, muitas vezes, é apresentado o

animal como ser inferior ao homem. Essa inferioridade aparece de forma sucinta como o

emprego da palavra dono e a necessidade imposta aos animais como se fosse uma real

necessidade dos bichos.

Um exemplo disso é a matéria divulgada no dia 5 de março de 2010 intitulada de

“Animais procuram namorados pela internet” (ANIMAIS..., 2010b). Diversos bichos

(inclusive silvestres como um gorila e um avestruz) são apresentados e suas histórias contadas

mostrando do porquê deles estarem procurando um amor. Vale ressaltar que esta análise não

falará dos animais silvestres, no entanto é bom lembrar que animais em zoológicos, animais

de criação e em outras formas de utilização para fins humanos (alimentação, diversão,..) não

demonstrarão seu comportamento normal já que estão presos. Um animal enjaulado pode

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83

parecer menos deprimido se um parceiro, ou parceira, estiver com ele. Porém ele não será

mais feliz com esta atitude. Talvez uma ave silvestre, por exemplo, pareça mais contente (esta

noção de contente é relativa já que tem como base a felicidade humana que não é igual à dos

animais) vivendo com outra ave do gênero oposto ao seu. No entanto, os proprietários (neste

caso pode ser usado a definição de propriedade já que estes bichos não passam de coisas para

os criadores) não conhecem como aquele animal reage quando está realmente feliz (de acordo

com a própria espécie).

Na parte final do vídeo é apresentado uma pessoa que criou um site de

relacionamento para cães. A criadora do site afirma que teve a ideia de elaborar esta página já

que não existia nada neste segmento e queria arrumar um namorado para sua cachorra. A

matéria, além disso, mostra que Nina, sua tutora é a criadora do site, arrumou um namorado e

que outra cachorra também está a procura de um pretendente. A apresentação da matéria

mantém as mesmas estruturas de uma matéria normal. No entanto, a escolha da própria

matéria já é algo a ser questionado. Os animais namoram, eles possuem esta necessidade de

namorar? O conceito de namoro, tem aqui o significado que possui destinado aos humanos.

Em primeiro lugar, os animais só mantêm relação sexual quando estão no cio. Eles podem

conviver no mesmo local, brincar, correr..., mas esse não é o significado de namoro que a

matéria atribui. Este namoro pode ser definido como o cruzamento entre duas espécies.

Consequentemente a geração de novos animais. Estes novos bichos serão vendidos e as mães,

grande parte delas, são mantidas como produtoras de novos animais para geração de lucro. Ou

seja, uma pequena atitude de divulgação de site de namoro de cães resulta na divulgação de

uma cruel indústria: do comércio de animais.

Somente o aspecto da compra de animais já é algo a ser analisado. Primeiro vem a

questão de quem produz esses animais. Pode-se chamar de produção já que eles são vendidos,

ou seja, são encarados como produtos. Existem exceções, mas grande parte das pessoas que

compram animais estão comprando um objeto, uma propriedade. Assim, quando aquele

objeto não tiver mais valor será jogado fora. Outra questão está relacionada aos maus-tratos.

Algumas pessoas ficam com os bichos, mas não alimentam, não cuidam da saúde e do bem-

estar deles. Outras, machucam, batem, queimam e diversas atitudes cruéis que não precisam

ser citadas aqui.

A venda de animais está relacionada diretamente ao número crescente de abandono e

de maus-tratos. Essas informações foram citadas nesta parte para ser avaliada a repercussão

que uma reportagem deste tipo num programa de variedades (onde o público é muito diverso)

pode ocasionar. Algumas pessoas podem pensar: “Ah, tenho dois cães de raça e estou sem

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84

dinheiro, então vou cruzá-los e ter o meu próprio dinheiro sem sair de casa”. Essa é apenas

uma suposição, mas com certeza bem atual.

O conteúdo mostrado no pequeno trecho que fala sobre o site de relacionamento de

animais mostra como os recursos utilizados (união das imagens, texto da repórter e trilha

sonora) fazem com que aquela atitude possa ser algo considerado natural. A própria trilha

remete a um tom de descontração, de diversão. A venda de animais é algo comum, porém não

é algo moralmente válido. E a matéria não mostra este lado. Fala sobre o namoro de cães e

mostra o site para que os interessados procurem a página.

Como afirma Marcondes Filho (1988), a televisão reforça algo que já existe nas

pessoas, na sociedade. A cultura da venda de animais é algo histórico no Brasil. No entanto,

existe o outro lado. A venda de animais representa uma triste indústria que também traz

consequências diretas para a população: os bichos soltos nas ruas, as doenças transmitidas por

eles,... A matéria divulga uma atitude normal na sociedade, mas caberia também mostrar o

outro lado.

O programa Hoje em Dia também divulgou, dias antes da veiculação desta matéria,

no dia 1° de março de 2010 (NÚMERO..., 2010) o problema do abandono de animais em

Belo Horizonte. Não é objetivo analisar este vídeo, no entanto vale ressaltar que na matéria

não se falou sobre a venda de animais. Um assunto está relacionado ao outro, porém mesmo

sendo divulgado em datas próximas uma informação não foi ligada a outra dando a entender

que são assuntos bem diferentes.

Outro vídeo importante a ser analisado é o divulgado no dia 21 de outubro de 2010

no Caldeirão do Huck, no quadro Lata Velha, da Rede Globo de Televisão. Neste quadro é

reformado o carro de alguém (que sempre possui uma história de superação, que ajudou

outras pessoas,...) e este tem que dançar ou cantar para recuperar o veículo. No dia 21

(CACHORRINHOS..., 2010) foi mostrada a história de João, morador de Pirassununga,

interior de São Paulo, que administra a ONG Todo Bicho. João possui uma Belina 1980 onde

transporta diversos cães abandonados e ajuda outros do município. Ao todo são mais de 100

cachorros que são cuidados com o salário de vigilante de João e com a ajuda de amigos. Para

pegar o carro, o vigilante teve de cantar a música Maluco Beleza, de Raul Seixas.

Vale lembrar que o programa Caldeirão do Huck vai ao ar todos os sábados e

possui atrações musicais, quadros de reconstrução de casas, de carros e também conta com

plateia e as dançarinas. Todo esse conjunto de elementos ajuda no contexto emotivo

explorado pelo programa. No quadro Lata Velha não é diferente. Para começar o quadro,

sempre é forjada uma história para assustar o participante. O apelo emotivo é conseguido,

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85

neste caso, com a invenção de que a força aérea precisaria dos cães que o João cuida para

serem enviados ao espaço e consequentemente serem mortos. Obviamente depois de alguns

instantes aparece Luciano Huck falando que é tudo mentira e a música We are the

champignons ecoa pelo vídeo. João se emociona, chora contando as dificuldades que enfrenta

como protetor dos animais. Este apelo é muito utilizado já que as pessoas que se identificaram

com João também vão se emocionar e continuar assistindo ao programa. A parte a ser

analisada começa no momento em que o carro é desmontado para a reforma. Alguns

estereótipos são utilizados neste momento. Primeiro é a escolha da música e quem canta: eu

não sou cachorro não, por Falcão (obs.: cantada em inglês). A música começa com as frases:

“eu não sou cachorro, não pra viver tão humilhado. Eu não sou cachorro, não para ser tão

desprezado”. (EU.., 2010). Enquanto a cantoria continua, o desmanche do carro segue em

frente e os funcionários que realizam a desmontagem entram no ritmo e realizam coreografias

como se fossem cães indo atrás das mulheres que estão com o cantor.

Existem outras músicas que poderiam ser escolhidas. Esta música faz referência a

que os cães são humilhados e desprezados. No caso dos animais abandonados isso pode ser

verdade, mas no caso específico dos animais que são cuidados pela ONG estes são bem

tratados. Como o programa faz parte da categoria entretenimento ele deve possuir elementos

que criem essa diversão para o público. No entanto, essa diversão poderia se dar pela escolha

de outros itens. As mensagens são passadas novamente de maneira despercebida.

Outro momento a ser destacado é na entrega do carro após João interpretar Raul

Seixas. A iniciativa do programa foi de suma importância para a ONG e para as ONGs do

país já que deu maior visibilidade a esse trabalho. Um pequeno detalhe na montagem do carro

é interessante comentar. O estofado é branco e de pelúcia. Quem montou o automóvel não se

deu conta que é um carro de ONG e que a cor branca não é uma boa opção de estofado já que

diversos cães passarão diariamente pelo carro. Além disso, os recursos utilizados para

divulgar esse trabalho também caem no senso comum, como por exemplo, o apresentador

falar, já no final do programa, que no país existem diversas ONGs que recolhem animais.

Com este mesmo conceito, diversas pessoas abandonam animais em frente à sede de ONGs

ou na casa de protetores. Vale lembrar que este não é o objetivo das ONGs, mas sim o de

ajudar e tentar melhorar a situação dos animais enquanto o poder público (que seria função

dele) não o faz.

No final do quadro alguns animais para a adoção são trazidos para o palco. Atitude

muito importante por parte do programa, no entanto alguns itens deveriam ser modificados

como a altura do som, o efeito de fumaça e as luzes que o próprio apresentador comenta sobre

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86

os cães estarem assustados. Neste momento, outro fator chama a atenção: as dançarinas

seminuas estão segurando os cães. O que chama mais a atenção: as mulheres ou a atitude de

trazer ao palco animais para serem adotados? Isso depende do telespectador que está

assistindo, como foi mostrado anteriormente o telespectador não é uma tabula rasa e não

recebe as mensagens de forma igual. Ferrés (1998) afirma que quem decifra as mensagens é o

inconsciente que também analisa as informações pelo pensamento primário. O pensamento

primário reage com a sedução. Por sua vez a sedução domina as emoções adormecendo a

realidade e ativa o pensamento primário que vai organizar as percepções daquela realidade

que foi criada.

Novamente esta análise ressalta que a divulgação no quadro do trabalho de um

protetor foi de suma importância, no entanto, existem itens que precisam ser melhor

detalhados para compreender onde há as mensagens despercebidas neste quadro. É necessário

compreender estas informações, pois elas passam de forma discreta e podem também

influenciar a opinião dos telespectadores com informações equivocadas. Não são todos que

assistem à televisão e acreditam fielmente no que o veículo divulga. No entanto, há uma parte

da sociedade que, por não possuir opinião formada sobre determinado assunto, absorve aquela

informação e afirma ser verdade porque a televisão mostrou.

Todo o conjunto: mulheres seminuas dançando, a utilização de apelo emocional, a

escolha da música cantada por Falcão e a constante repetição do apresentador de que ONG

recolhe animais aparecem no vídeo em pequenos instantes, mas possuem grande significado

quando estes elementos são analisados de forma conjunta. Os estereótipos utilizados e o apelo

emocional utilizado resultam na forma como os animais são vistos pela sociedade. Grande

parte das pessoas veem os animais como seres inferiores e, por isso, os diversos problemas

(como já citado anteriormente) de abandono e maus-tratos.

Outro vídeo (DANY..., 2010) postado no site do Caldeirão do Huck mostra a

entrega da Belina e a repercussão que o aparecimento no programa rendeu à ONG: todos os

animais que estiveram no palco foram doados e os telefones não paravam de tocar em busca

de animais para adotar. Além dos diversos benefícios que João ganhou participando do

quadro Lata Velha (como a reforma do veículo, seguro para o carro, doação em dinheiro...) a

ONG também ganhou mais divulgação e o trabalho foi transmitido para todo o país. A

televisão tem esse poder: ela fascina pela proximidade que traz entre os diversos locais do

globo e o telespectador. Além disso, o meio televisivo não tem o objetivo de questionar as

atitudes do telespectador para com as informações que estão sendo divulgadas, mas apenas de

fazer o público sonhar e viver aquele sonho que está sendo veiculado.

Page 88: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

87

4.1.2 Novelas

Os enredos das novelas conseguem misturar realidade e ficção. Essa magia ocorre

devido à proximidade entre a história e a situação real dos telespectadores. As novelas

inserem no seu contexto elementos do cotidiano do público como a criação de cenário e

histórias (alegrias, felicidades, casos de superação...) que criem essa proximidade. Além

disso, segundo Ferreira (2005), as novelas possuem o encantamento da televisão e

transportam o telespectador para aquele mundo de sonhos sem que o público precise se

esforçar ou sair de casa. As novelas são consideradas histórias reais, pois tratam de

sentimentos humanos. No entanto, como já mencionado anteriormente, essa mistura entre o

real e a ficção traz consequências para o telespectador que pode confundir o personagem

interpretado pelo ator com o próprio ator.

As novelas mais recentes de autoria de Manoel Carlos, roteirista de telenovelas para

a Rede Globo de Televisão, por exemplo, ao final de cada episódio trazem um depoimento de

superação. A última narrativa seriada escrita por este autor foi Viver a Vida transmitida pela

Rede Globo entre 2009 e início de 2010. No dia 24 de fevereiro de 2010 foi ao ar a história de

Sônia Garcia.

No início de 2005 foi diagnosticado que ela tinha câncer e toda a rotina de exames e

cirurgias modificou sua vida. Sônia é protetora dos animais, porém no vídeo entende-se que

ela tem alguns cães e que gosta dos bichos. Consegue-se realmente compreender que esta

paixão pelos animais ajuda a Sônia a lutar contra a doença, no entanto, vendo a página na

internet da novela com o depoimento da protetora. No vídeo, ela também fala da importância

da sua família e do seu neto que ela quase não viu nascer devido à gravidade da própria

doença. No entanto, através do depoimento apresentado no final do capítulo da novela, fica

um vazio quanto à importância que os animais possuem na sua vida, bem como com relação

às ações relativas à proteção dos animais desenvolvidas por Sônia.

No site existem dois vídeos: um mais reduzido e outra versão mais estendida. Porém,

as informações quanto aos animais são basicamente as mesmas. Somente na versão estendida

é que aparece uma declaração de Sônia dizendo que ela quer continuar o trabalho com os

animais. Mas o vídeo não fala sobre o tipo de trabalho que ela desenvolve exatamente. O

voluntariado é deixado nas entrelinhas. Ao final do texto escrito na parte do vídeo de Sônia

está dito que: “ela sempre teve um carinho especial pelos animais e não liga quando tem que

lidar com comentários desfavoráveis à sua dedicação. Levanta todos os dias com mais e mais

Page 89: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

88

vontade de viver para continuar cuidando dos seus bichinhos e também de animais

abandonados e vítimas de maus-tratos”. (SÔNIA..., 2010).

Com essa afirmação compreende-se que Sônia não só gosta dos seus animais, mas

também cuida de animais abandonados. Fica a pergunta: por que esse assunto não foi

esclarecido no vídeo transmitido no final da novela? Talvez a importância do assunto naquela

narrativa. A novela trata de problemas reais dos seres humanos como o caso de Luciana

(interpretada por Aline Morais) que ficou paraplégica ou o aborto realizado pela modelo

Helena (interpretada pela atriz Thaís Araújo). No entanto, em nenhum momento é contada

alguma história que fale sobre momentos de superação ou outro problema que seja

relacionado aos animais.

O voluntariado como protetora dos animais faz parte da vida real de Sônia Garcia,

porém não tem destaque no vídeo transmitido a milhares de telespectadores. Um aspecto

importante da sua vida não teve destaque, pois não é característica destes tipos de

depoimentos dar destaque aos animais. No entanto, as informações escritas no site trazem as

informações com maior clareza, porém diversas pessoas não acessam a página para ver

novamente as declarações.

Tilburg (1990) afirma que o telespectador se sente mais próximo dessas narrativas,

pois o público rompe o elo entre o real e o simbólico. As novelas são um recorte da vida real e

não a representação dela. São usados estereótipos para representar o maior número de

telespectadores possíveis para que o maior número de pessoas assista aquela narrativa. Os

estereótipos dão uma falsa sensação de conforto já que auxiliam na decodificação rápida

daquela mensagem. Dessa forma, o telespectador não precisa questionar nem analisar aquela

informação.

Assim, a ocultação dessa importante informação é explicada já que ser protetor dos

animais representa uma minoria da sociedade. Contudo, gostar de animais é algo comum e

natural para as pessoas, por isso utilizou-se o gostar dos animais.

A própria inserção de depoimentos reais em uma narrativa de ficção reflete este

misto entre real e ficção nas novelas. Existe uma barreira entre elas, no entanto quando

depoimentos reais são colocados numa narrativa esta barreira é quebrada e a realidade e o

simbólico se misturam.

A exclusão daquele conteúdo sobre Sônia é um dos exemplos como os animais ainda

são vistos pela sociedade. O animal tem destaque numa novela quando é um personagem, mas

quando alguém da vida real dá um depoimento e fala sobre a importância dos bichos na sua

vida, esta declaração é reduzida e mostra-se apenas a parte que não causará ruídos ao público.

Page 90: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

89

Este corte reduz questionamentos como: “ao invés de ela estar cuidando da saúde, ela fica

cuidado destes bichos”. Como afirma Marcondes Filho (1988), a televisão não quer causar

desconforto ao telespectador.

Outra novela a ser analisada é Escrito nas Estrelas (Rede Globo, exibida de abril a

setembro de 2010). A trama conta com um cão que interpreta Pepe, animal de estimação de

Daniel. Daniel morre num grave acidente e fica na Terra como um espírito e um dos

personagens que sente a presença dele é o cachorro (ESCRITO..., 2010). A novela conta uma

história espírita, a qual não será explorada neste estudo, e um dos principais elos entre o

mundo dos vivos e dos espíritos é o cão Pepe.

Para fazer a análise desta novela foram escolhidas algumas cenas em que Juca

(verdadeiro nome do cão) aparece contracenando. O animal ora é tratado como cão (quando

brincam com ele, por exemplo), ora como humano (quando conversam com o animal). Não há

um padrão no modo de tratamento. Se esta mesma situação fosse transferida aos humanos

poderia ser considerado preconceito. Um ser humano que é tratado como animal (e quando se

fala em animal vem a lembrança pejorativa de que animal é tratado de maneira grosseira, de

forma negativa), mesmo sendo personagem, gera diversas discussões. Mas por que um animal

tratado de forma diferente da sua espécie não é questionado?

Como afirma Francione, os animais são considerados como propriedades na

sociedade e o seu bem-estar, os seus direitos (os mesmos que os homens têm) não são

questionados e nem pensados pela maioria das pessoas. Quando se usa a expressão dono, por

exemplo, é uma maneira de expor a ideia de posse. Você só é dono de algo ou alguma coisa.

Não se diz: eu sou dono do meu filho. Pois não é moralmente válido. Enquanto com os

animais isso não acontece. Pode-se dizer: eu sou dono daquele poodle e faço o que quero com

ele! E não ser questionado pelas pessoas. Os animais são vistos como propriedades e esta

visão tira qualquer direito que os bichos possam ter, afinal uma coisa não possui direitos.

Com este pensamento, diariamente milhares de animais são mortos cruelmente e maltratados.

As diferenças entre humanos e animais deveriam ser melhor avaliadas para se

entender como os bichos deveriam ser tratados na sociedade. Não é porque os cães possuem

unhas que estas precisam ser pintadas. Ou por que seus pelos são grandes e bonitos que

precisam ser coloridos. A própria raça humana é controversa quanto ao tratamento dado aos

animais. Quando é conveniente, os animais são tratados como humanos (no caso das

extravagâncias, por exemplo). Em outras situações, os bichos são apenas coisas e não podem

ser comparados aos homens (no caso dos direitos).

Page 91: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

90

Nesta análise, porém, não se está afirmando que o cão Juca sofre qualquer tipo de

crueldade. No entanto, a própria controvérsia da forma que o animal é tratado é uma questão a

ser comentada. Num dos episódios da novela, por exemplo, Daniel pede que Pepe pegue um

livro que está num local diferente, numa prateleira qualquer de outro quarto. O animal surge

novamente na cena com o livro pedido e entrega a Viviane (Nathalia Dil). Fica claro nesta

cena como o animal realizou a atitude de forma adestrada. Não se espera outra coisa já que ele

não está fazendo algo que seja de sua natureza. O cão faz porque foi adestrado. Este é um

exemplo de diversas cenas.

Durante toda trama, Pepe é presença constante nas cenas e diversas situações

ocorrem devido à interpretação de Pepe. Mas o cão não é um personagem, pois ao contrário

dos humanos, ele não teve a liberdade para escolher se queria ou não. Além disso, o animal

foi adestrado para fazer aquele personagem. O cão faz isso para outra pessoa (ou outras)

ganharem dinheiro. Ou seja, o animal é usado como personagem numa novela para

favorecimento dos homens. Outra coisa é o fato do cão estar num local diferente, com pessoas

diferentes. O cachorro pode ter ficado incomodado. Esses momentos, é óbvio, não são

mostrados na televisão. Assim como as pessoas ficam doentes, os cães podem não estar num

bom dia também. E nestes momentos o que acontece? Alguém perguntou ou parou para

analisar a situação daquele cão? Como já mostrado anteriormente, os animais possuem

sentimentos, dor, medo assim como os humanos. No entanto, quando alguma situação

aborrece ou incomoda um humano é fácil perceber, mas o animal age de forma diferente dos

homens.

A trama também reforça a ideia do animal como propriedade, como um objeto que

existe na sociedade. De maneira geral, as novelas trazem novas tendências e criam novos

hábitos, assim esta novela também poderia ter mostrado este outro lado quanto aos animais.

Nesta trama abordou-se o tema espiritismo como nunca mostrado numa novela brasileira.

Tratou-se de assuntos e mitos que o senso comum acredita sobre a doutrina. O próprio

espiritismo tem uma visão bem diferente sobre os animais comparado a outras religiões.

Segunda a doutrina, os espíritos dos animais também evoluem assim como os humanos. No

entanto, isto também não foi mostrado.

De maneira geral, independendo de qual novela seja analisada, é importante ressaltar

que em qualquer trama (pelo menos as transmitidas até hoje no país) os animais são

mostrados de maneira estereotipada e como inferiores aos humanos. Dessa forma, eles fazem

ações que são humanas e atividades que são interessantes para aquela trama. O outro lado, de

Page 92: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

91

que eles também têm direitos e possuem características e atividades diferentes das dos

homens não é abordado.

4.1.3 Talk Show

Um dos programas mais conhecidos deste gênero no país é o Programa do Jô. No

capítulo dois foi abordado de forma mais aprofundada a história deste gênero e a importância

de Jô Soares para a construção dos programas de talk shows no país. Para esta análise foram

escolhidos dois dias do programa.

Antes de falar do conteúdo dos vídeos, é importante comentar sobre o apresentador.

Em todas as entrevistas Jô deixa evidente sua presença com as constantes interrupções. O

entrevistado precisa ter jogo de cintura no momento de passar suas informações.

Independendo do assunto do programa, sempre surgem questionamentos e brincadeiras, por

parte do apresentador, para descontrair e também para ver se o entrevistado possui

argumentos para os questionamentos de Jô.

Em diversos momentos do programa o apresentador também parece tratar com

sarcasmo os assuntos que são apresentados nas entrevistas. As expressões, as risadas e as

piadas feitas pelo apresentador dão o tom que caracteriza o programa, este sarcasmo fica

presente no vídeos analisados. No entanto, para quem assiste diversas vezes fica a sensação de

que o apresentador não vê importância no conteúdo que está sendo apresentado pelo

entrevistado.

Um exemplo foi divulgado em maio de 2010 quando Josimar da Silva Melo foi ao

programa com o seu porco de estimação de 200 Kg. Há três anos, Josimar já havia ido ao Jô

quando Gabriel (nome do porco) tinha apenas cinco meses. Agora com um pouco mais de três

anos (JOSIMAR..., 2010), eles voltaram ao programa e Josimar conta como é ter um porco de

estimação e afirma que na Inglaterra é comum as pessoas terem porcos domésticos. Gabriel

mora numa casa com o seu tutor, mais alguns cães e possui o seu próprio quarto. Eles moram

em uma casa em São Paulo e diariamente passeiam pelas ruas da cidade.

Josimar afirma que conhece apenas duas pessoas que têm porcos de estimação em

São Paulo. Como já mencionado no capítulo dois, a domesticação de animais ocorre desde

tempos remotos e não são todos os animais que se consegue domesticar. Pesquisas

demonstram que porcos são animais inteligentes e dóceis. O tutor de Gabriel faz questão de

Page 93: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

92

afirmar isso em diversos momentos. No entanto, ter um porco como estimação é algo fora dos

padrões da sociedade e por isso o estranhamento quando se vê uma situação como esta. O

apresentador comprova esse estranhamento fazendo piadas e utiliza suas expressões faciais

para demonstrar a sua indiferença quanto ao tema tratado.

Como é de se esperar, o porco fica um pouco atordoado com o local e quer conhecer

onde ele está. Ou seja, o animal não fica parado e em diversos momentos Josimar corre atrás

do animal. Com suas piadas, Jô pergunta se Gabriel não come carne, lingüiça,... e o tutor

afirma que não, que carne deixa os porcos agressivos. Obviamente o comentário do

apresentador foi para desconcertar o entrevistado.

Mais a frente na entrevista, Jô demonstra seu comportamento especista ao trazer um

porco menor ao palco e afirmar que este será usado para um churrasco. A plateia bate palmas

e incomodado Josimar afirma que é vegetariano. Então, o apresentador diz que os

vegetarianos é que são cruéis, pois não têm pena das plantas que não podem se defender

(sempre em tom sarcástico). Depois desta declaração o entrevistado fica desconcertado e a

entrevista é encerrada.

Uma observação são as declarações que estão juntamente com um dos vídeos desta

entrevista: “Apresentador mostra seu animal de estimação a Josimar da Silva Melo, dono do

porco „Gabriel‟”. (JÔ..., 2010).

O próprio Josimar chama Gabriel de filho e demonstra respeito pelo animal. Ou seja,

a expressão dono não é usada de maneira correta. Como já mencionado, só se é dono de

alguma coisa, de algo que se tem posse e os animais não são propriedades. Outro item é como

colocaram entre aspas o nome do porco. A sociedade coloca nome em cães, gatos, enfim nos

animais de estimação tradicionais. Por que um porco não pode ter um nome, somente por ser

um animal diferente? Obviamente o ato de colocar nome aos animais é uma forma de

humanizar. No entanto, colocar entre aspas o nome de um animal de estimação é uma forma

pejorativa de colocar o texto.

As atitudes do apresentador refletem como ele vê os animais: como seres inferiores.

Consegue-se perceber isso na maneira como ele se refere aos porcos e com relação ao

Josimar. A redação do programa também reforça esta ideia ao expor no site a frase acima

demonstrando atitudes especistas.

Mesmo sendo características nos programas de talk shows possuírem a intervenção

do apresentador, e no caso deste programa uma pitada de humor, não justifica o

comportamento de Jô com o assunto. Se fosse uma pessoa que tivesse adotado uma criança

pobre e negra, por exemplo, e o apresentador agisse como agiu seria considerado racismo

Page 94: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

93

(esta troca citada no exemplo é referente a forma debochada e indiferente que o apresentador

aborda o assunto e que se fosse naquela situação um humano seria considerado racismo).

A atitude especista do apresentador, e consequentemente do programa também

aparece na entrevista que a atriz Adriana Birolli (que interpretou Isabel na novela Viver da

Vida) concedeu no dia 8 de junho de 2010. Adriana é escoteira desde criança e começa a

contar como foram suas experiências no escotismo.

Aos cinco minutos do vídeo (ATRIZ..., 2010), Adriana começa a contar como foi

matar uma galinha e dois coelhos em exercícios de sobrevivência. A atriz fala aos risos os

detalhes de como correu atrás do animal, o comportamento dele após a captura e a quase

frustrada matança da galinha. Adriana era adolescente e não sabia como matar o animal, então

ela conta rindo como foi este episódio. Já quanto aos coelhos ela (ainda aos risos juntamente

com o apresentador) comenta que é um pouco mais difícil, pois é um animal dócil. Enquanto

um animal é morto o outro esperava na cesta vendo toda a situação.

As declarações de Adriana chamam atenção para a falta de consideração que a atriz

demonstra pela vida do animal. Embora não sejam aqui avaliadas as questões quanto ao

consumo de animais na alimentação, vale ressaltar que a descrição da morte ilustra que não

foi meramente bem-estarista (que se preocupa em minimizar a dor do animal) aquela morte e

sim totalmente especista se preocupando apenas em como matar aquele bicho. As declarações

seguintes afirmam este comportamento de Adriana quando ela comenta que valeu a pena, já

que estava deliciosa (a galinha) e no caso dos coelhos que a carne estava meio dura porque o

animal ficou estressado.

A atriz fez questão de conta com detalhes essas mortes enquanto o apresentador

imitava galinhas e completava o momento com comentários especistas (comentários do tipo:

galinhas são burras...). Além disso, o apresentador usa novamente o exemplo de que

vegetarianos são cruéis (expressão usada na entrevista de Josimar).

Essa entrevista repercutiu em todo país, principalmente junto as pessoas que são

defensores da causa animal. O Programa do Jô não é ao vivo, ou seja, se a emissora

considerasse a entrevista ofensiva poderia não ter colocado no ar. No entanto, a Rede Globo

não fez isso e transmitiu esta entrevista especista. ONGs, sites de defesa animal noticiaram as

declarações como lamentável para o programa, para a atriz e para o escotismo. Fica claro

como uma entrevista como esta, meramente especista, atinge a sociedade, principalmente os

que gostam e protegem os animais. Este tipo de declaração só reafirma como a televisão

reforça as ideias do animal na sociedade.

Page 95: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

94

4.2 OS ANIMAIS NOS PROGRAMAS INFORMATIVOS

Assim como foram apresentados os programas da categoria de entretenimento, serão

também analisados os informativos. Como já mencionado anteriormente, estes programas tem

o objetivo de informar, pois possuem caráter jornalístico, e de prender a atenção do público

para manter a audiência. Os gêneros documentário e telejornalismo foram escolhidos para esta

análise já que possuem espaço diário e semanal nas emissoras.

4.2.1 Documentário

Neste item serão analisados dois documentários: um da Rede Record, o Câmera

Record, e outro da Rede Globo, Globo Repórter. O critério para escolha desses programas foi

o assunto tratado: animais de estimação. Embora exista um outro documentário que abordou

assuntos sobre a superação de animais que foram maltratados exibido em setembro na Record,

este não foi encontrado no site da emissora e em outros sites de vídeos para serem analisados.

O documentário exibido em 2009 (CONHEÇA..., 2010) pela Rede Record (no

Câmera Record) abordava histórias de abandono, crueldade contra os animais e pessoas que

se dedicavam para a causa animal de maneira diferente das abordagens tradicionais. De

maneira geral, os programas jornalísticos exibem conteúdos sensacionalistas que sempre caem

no lugar comum: animal e pet shop, animais como propriedade dos humanos, por exemplo.

Ao contrário das tradicionais reportagens e matérias que sempre mostram estes problemas de

forma leviana para os telespectadores, o documentário conseguiu mostrar a realidade da

situação, sem precisar recorrer a argumentos comuns (como afirmar que os animais são um

problema de saúde pública, ou mostrar as novas tendências da moda para o seu animal, por

exemplo).

Obviamente as cenas mostradas apelam para a emoção além de exibirem imagens

fortes com animais machucados e/ou maltratados. Esta técnica (de utilização dessas imagens)

auxilia na comoção dos que se identificam com a causa animal. Como abordado

anteriormente na revisão de literatura, a imagem é o diferencial da televisão e o meio explora

por completo este recurso. A forma como o conteúdo foi abordado, de maneira geral, é

positiva, já que não cria estereótipos e aponta os reais problemas do abandono e da crueldade

Page 96: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

95

sem esconder os reais causadores destes problemas. No entanto, o documentário ainda utiliza

a palavra dono diversas vezes. Pode-se afirmar que a abordagem deste conteúdo favoreceu a

causa já que divulgou as informações de maneira correta ilustrando com fontes bem

informadas.

O Globo Repórter exibido em 14 de maio de 2010 (GLOBO..., 2010b) fala sobre

histórias de animais de estimação. As histórias contadas não abordam somente a relação de

amor entre os homens e os animais, mas os bichos de estimação que fogem do comum como

um ganso e um macaco, por exemplo. Foram procuradas histórias inusitadas de animais que

convivem com os seres humanos.

Um dos vídeos mostrou a situação da macaca intérprete de Chico na novela Caras e

Bocas, exibida em 2009 pela Rede Globo. No entanto, esta parte não será analisada, pois trata

de um animal silvestre que vive num zoológico. Como já abordado anteriormente e tomando

como base a teoria abolicionista animal, lugar de animal silvestre é no seu habitat natural e

não numa vitrine para os humanos.

O documentário apresentou 10 histórias com temas bem diferentes: como a ovelha

que se comporta como um cachorro, a égua que amamenta um bezerro, uma galinha que

adotou filhotes de cães e um ganso que é muito companheiro do seu tutor. Todas têm o

destaque para o fato bizarro de serem histórias muito diferentes do cotidiano da maioria das

pessoas. Os animais têm destaque neste programa devido ao fato de possuírem histórias

inusitadas como animais de estimação.

Tem-se a impressão de superficialidade quanto aos conteúdos. São apresentadas

narrativas diferentes com personagens diversos, mas ao fim do documentário a sensação que

se tem é a mesma de quando se acaba de assistir a um telejornal: receberam-se muitas

informações, porém fica um fragmento muito pequeno de cada notícia, de cada história (no

caso deste programa).

É utilizada em todas as histórias a palavra dono. A narrativa, porém, em que fica

mais clara esta definição de dono é do macaco Chico (que na verdade é macaca) que vive

preso numa corrente com uma família. O animal pertence a uma dessas espécies pequenas e

durante toda gravação permanece acorrentado. A repórter afirma que a relação entre o animal

e a família é tão forte que a macaca é como se fosse uma filha. A própria família afirma esta

declaração, no entanto sabe-se que filhos não ficam acorrentados. Se o macaco pode fugir

ficando solto, então o correto é entrar em contato com os órgãos competentes para readequá-

lo à natureza. Porém, como um dos tutores afirma, a macaca foi comprada. Mesmo que a

compra tenha recebido autorização do IBAMA, por exemplo, o tutor pode avaliar se o animal

Page 97: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

96

é feliz ou não (ficando amarrado sempre não parece um bom destino para o bicho) e dar um

novo lar para ele.

Como apresentado no capítulo dois, para analisar este gênero é preciso comentar

sobre alguns aspectos, de acordo com Sacramento (2008, p. 14), devem ser analisados “a

construção ideológica da narrativa; as condições de produção; as relações com o cenário

midiático e o contexto sociocultural e político”.

Em ambos os vídeos percebe-se a presença da construção da ideologia da narrativa.

No caso da Record foram mostradas diversas situações do mesmo caso. Desde a captura da

imagem, as seleções dos entrevistados e das imagens que seriam exibidas formam um

conjunto homogêneo e isto é visto ao fim do documentário com a mensagem transmitida pelo

programa. No caso da Globo, a seleção do que foi ao ar teve o objetivo de contar histórias

diferentes sobre animais de estimação, sem aprofundar e ele foi alcançado.

Para produzir o documentário das duas emissoras percebe-se que não houve

problemas com imagens ruins ou produções de baixa qualidade. Ambas emissoras possuem

boas produções deste gênero e refletem isso nos vídeos exibidos. No entanto, a mensagem

transmitida não pode ser avaliada somente por qualidades técnicas, mas a abrangência e

profundidade do conteúdo.

O assunto abordado nos dois documentários não é um tema polêmico, então o

contexto político e a relação com a mídia não influencia muito no resultado. Como já falado,

parece que o documentário da Rede Globo é superficial. Porém, não se pode afirmar que foi

somente este documentário sobre os animais ou também se todos os vídeos são abordados da

mesma maneira. O objetivo deste trabalho não é abordar aprofundadamente este gênero.

Contudo, comparando com o documentário exibido pela outra emissora parece que o Globo

Repórter não quis detalhar o tema sobre os animais.

A diferença entre o documentário da Globo e da Record é a mensagem que

transmite: o conteúdo da Record parece mostrar realmente o assunto aprofundando os temas e

detalhando a problemática; já o documentário exibido pela Rede Globo tem-se a impressão

que o assunto é tratado com superficialidade mostrando diferentes histórias inusitadas.

Page 98: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

97

4.2.2 Telejornalismo

O telejornalismo possui missão importante nas emissoras. Como já abordado,

grandes emissoras investem pesado neste setor, pois demonstra a credibilidade que ela possui

junto ao público. Neste item serão analisados vídeos que se encaixam em determinado

assunto: o caso das puxadas em abril de 2010 que repercutiu em diversos canais locais de

Santa Catarina (neste caso excepcionalmente será analisado um vídeo também da TV Barriga

Verde, afiliada Band); reportagem produzida pelo Bom Dia Brasil que teve repercussão

nacional devido às suas declarações sobre os animais, em maio de 2010; e duas reportagens

que falam sobre o crescimento do mercado pet no país (uma da Record e uma da RBS TV).

Este gênero resume as principais informações do dia, escolhe um recorte que prende

mais a atenção do público e as notícias são veiculadas de forma mais resumida e clara. É

usado um modelo de telespectador, um estereótipo, para que um modelo de destinatário seja

construído.

A célebre sentença que afirma se o cão morder o homem não é notícia, mas se for ao

contrário é digna de manchete pode ser usada em alguns dos vídeos analisados. O

sensacionalismo, as informações veiculadas em forma de shows para chamar a atenção são os

assuntos preferidos das emissoras. O primeiro assunto a ser analisado faz parte deste caso. As

Puxadas de cavalos ocorrem em Pomerode, em Santa Catarina, e o animal tem que puxar

cargas de mais de duas toneladas. Vale ressaltar que mesmo os cavalos, neste caso, não serem

considerados animais de estimação e sim para a tração, o exemplo analisado é válido, pois

mostra a forma como a mídia regional noticiou o acontecimento referente aos animais. Como

mencionado em diversas matérias sobre este tema, a Puxada não é uma tradição do local, já

que foi inserida há algumas décadas como uma opção de lazer para e pelos moradores.

Diversas imagens divulgadas mostram como fica o corpo do animal e demonstram

também que esta é uma atividade que está no calendário de evento do município que incentiva

a crueldade com os animais. Em 2009 diversas ONGs e protetores se manifestaram contra esta

prática, no entanto, o poder público não fez nada para acabar com esta situação que é crime

perante a lei.

Em abril de 2010, contudo, ONGs foram ao local manifestar-se pacificamente contra

as Puxadas. As emissoras RBS TV, RIC SC e TV BV estiveram no local para fazer a

cobertura. Porém o que era para ser algo pacífico tornou-se uma prática de violência explícita

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98

contra os profissionais que estavam trabalhando e os manifestantes. Funcionários da TV BV

foram agredidos e a agressão filmada. A partir daí o assunto teve repercussão nacional.

As matérias divulgadas pelas emissoras chamam a atenção pelo conteúdo.

Obviamente que a agressão precisa ser informada, no entanto, percebe-se que os vídeos só

tiveram repercussão devido ao fato extraordinário (organizadores batendo nos profissionais e

manifestantes). O porquê da manifestação e as Puxadas em si são colocados em segundo

plano, dando destaque a agressão.

A reportagem divulgada pelo Estúdio Santa Catarina da RBS TV no dia 18 de abril

(ESTÚDIO..., 2010) mostra a informação no mesmo dia em que ocorreu. Na cabeça da

matéria, a apresentadora diz: “O que era para ser um protesto pacífico contra o uso de cavalos

numa competição para medir a força dos animais, chamada de Puxada, terminou em

pancadaria. Na disputa os animais puxam sacos de areia e o peso mínimo é de uma tonelada.

O caso aconteceu na tarde deste domingo em Pomerode, no vale do Itajaí”. (ESTÚDIO...,

2010).

Ao assistir uma matéria nem todos prestam atenção nas informações que estão sendo

passadas. Mesmo assim isso não é motivo para não apurar e prestar atenção no que vai ser

colocado na matéria. Na cabeça, a apresentadora dá a entender que a violência também partiu

dos manifestantes. O protesto foi pacífico, a violência partiu dos participantes do evento como

afirma mais adiante um dos organizadores. A classificação da competição como “para medir a

força dos animais” é algo a ser questionado também. A matéria quer parecer imparcial, mas

demonstra parcialidade nestes detalhes. Quem organiza o evento afirma que é para medir a

força dos animais, mas a própria atividade causa danos ao animal. O cavalo é usado para o

lazer daquelas pessoas e os animais saem machucados. Assim como a Farra do boi é um crime

de crueldade com os animais, as Puxadas também são. Responsabilizar a cultura, a tradição

em nome de uma crueldade não é justificativa. Em algumas culturas é tradição matar uma

mulher adúltera e sabe-se a repercussão que uma ação como esta tem. Ninguém tem o direito

de tirar a vida de outro ser. No entanto, a prática é justificável nesta sociedade quando a vida é

de um animal. Eles não são inferiores, nem superiores; os animais devem ter os mesmos

direitos que os homens (estes argumentos foram expostos na revisão de literatura).

A tradição especista das Puxadas é reafirmada pela matéria ao fazer uma cabeça

deste tipo, ao expor as declarações sarcásticas do organizador. Pode-se dizer que o conteúdo

desta matéria quis mostrar todos os lados, no entanto essa afirmação é questionada já que o

conteúdo das imagens mostradas, da cabeça do apresentador e do texto da repórter, levam a

entender diversas vezes que a culpa também foi dos manifestantes e dando um tom cultural a

Page 100: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

99

prática das Puxadas. Não precisa ser especialista em direitos dos animais para saber que as

Puxadas é um crime.

A equipe agredida foi da TV Barriga Verde e divulgou cenas do momento da

agressão em diversos programas da emissora. No Jornal da TV Barriga Verde

(AGRESSÃO..., 2010) foi divulgado no dia seguinte à confusão uma matéria sobre as

Puxadas. O foco desta é bem diferente da mostrada pela RBS: a agressão aos profissionais da

emissora. As cenas mostram o momento em que a equipe chega a Pomerode e os

manifestantes são agredidos pelos adeptos da prática das Puxadas. Esta matéria mostra que

tanto os manifestantes quanto os funcionários da TV BV são vítimas. No entanto, o real

motivo da manifestação e da crueldade não tem destaque. No início da matéria são mostrados

cavalos puxando as cargas e a repórter complementa dizendo que “os cavalos são induzidos a

puxar as cargas”. As imagens complementam mostrando pessoas ao lado dos cavalos

incentivando (dando tapas) nos animais para andar com o peso.

A matéria mais controversa, no entanto, é a divulgada pela RIC SC (JORNAL...,

2010b), no Jornal do Meio Dia. A repórter conta o que é a Puxada de cavalos (coberta com

imagens que ilustram a competição). Logo após um auxiliar de veterinário é entrevistado

afirmando que os cavalos são avaliados antes para ver se podem competir e depois, para

analisar se foram machucados. A seguir a repórter refere-se às Puxadas como brincadeira e

que fazem parte da tradição do município. Um entrevistado afirma “que é um divertimento

para a colonada que tem cavalos”. A repórter complementa com a seguinte frase: “Tudo corria

bem até que representantes de entidades de proteção aos animais fizeram um protesto que

acabou em confusão”. Em seguida mostra-se os manifestantes sendo agredidos e a repórter

falando o que os participantes do evento estão fazendo (jogando pedras, batendo nas pessoas).

A repórter continua com a descrição da violência sofrida pelos manifestantes e pelo

cinegrafista da TV BV, no entanto, parece outra matéria com o foco bem diferente do inicial.

O conteúdo deste material é controverso, pois a matéria inicia apoiando as Puxadas e

colocando a culpa nos manifestantes. As entrevistas do veterinário e do participante das

Puxadas comprovam o tom da matéria favorável à brincadeira (como a própria repórter

afirma). Antes da violência começar, a repórter ainda comenta que a confusão começou por

causa da manifestação, ou seja, a culpa é de quem estava protestando. No entanto, o protesto

era pacífico e quem começou a agressão foram os participantes (o que fica claro nas imagens).

Logo após, a matéria perde o seu foco falando da violência sofrida pelos manifestantes e pelo

profissional. Não há uma ligação entre os dois momentos e o foco muda.

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100

Referir-se a um ato de crueldade como brincadeira já reflete o que a matéria

pretendia. Animais não são brinquedos, não são para o divertimento. Acreditar que eles

servem para aquele tipo de brincadeira é uma atitude especista. Invertam o papel e coloquem

uma pessoa realizando tal ato: antigamente era comum ver pessoas se matando no Coliseu

para diversão de outras. A morte era comum naquele período. No entanto, o tempo mostrou

que matar pessoas por diversão não é moralmente correto, assim deixou-se de fazer. Aquela

era uma atitude especista já que negros, estrangeiros e outros tipos de pessoas que eram

consideradas inferiores eram jogadas na arena para serem mortas. No entanto, quanto aos

animais essa visão não mudou. Os animais são considerados como inferiores e assim podem

ser usados na diversão, na alimentação e no que o ser humano quiser.

De maneira geral, as três matérias mostram o mesmo ponto: o sensacionalismo

referente aos animais. Os bichos são notícias, geralmente, quando os assuntos abordados são

bizarros ou possuem algumas características pitorescas para chamar a atenção. Nos três casos

mostrados, a crueldade contra os animais não é sequer mencionada. Cada emissora teve um

foco diferente, no entanto, nenhuma delas mostrou o real motivo da manifestação, o porquê

daquela Puxada ser algo cruel.

Todas as matérias ilustram como o sensacionalismo teve destaque. Manifestações de

ONGs ocorrem diariamente, principalmente a favor dos animais. No entanto, quando um

grupo de pessoas se revolta contra os manifestantes é algo novo, algo diferente. Dessa vez o

homem mordeu o cachorro, então a matéria precisa ter destaque.

Outro assunto bem interessante refere-se ao problema do abandono de animais

(TELEJORNAL.., 2010). Em maio de 2010 o telejornal Bom Dia Brasil da Rede Globo de

Televisão divulgou uma matéria dizendo que a solução do abandono de animais é a eutanásia,

ou seja, matar os animais. No entanto, este vídeo não será analisado porque a Rede Globo de

Televisão tirou o vídeo do site e todas as outras páginas que comentaram sobre este triste

episódio no jornalismo brasileiro também estão com a página indisponível. A acadêmica viu o

vídeo quando passou na televisão e leu as críticas referentes a ele (Ver Anexo B a retratação

do Bom Dia Brasil disponível na internet de forma impressa). Vale ressaltar, que o vídeo

também afirmava que os animais abandonados são um problema de saúde pública. Este é um

exemplo de personalização, como mencionado na revisão bibliográfica. A personalização

tende a achar um culpado pelo problema, neste caso os animais são os culpados e a punição é

a morte. Dias depois o programa fez uma retratação sobre o assunto e conversou com uma das

diretoras da SUIPA que afirmou que a castração e a posse responsável e que são a solução.

Mesmo que o vídeo não esteja mais disponível vale ressaltar que matérias como essa ajudam

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no tratamento dado aos animais. Os animais não são propriedades que podem ser jogadas fora

e depois mortas. O animal tem vida, é um ser senciente e não se pode fazer o que quiser com

ele. Quando uma emissora permite que uma reportagem deste tipo vá ao ar, demonstra a falta

de respeito que possui para com os animais.

O próximo assunto a ser analisado é sobre o mercado pet. O crescimento do mercado

para animais de estimação tem ganhado destaque em diversos programas e telejornais do país.

Dessa forma serão analisados dois vídeos que abordam esta temática. O primeiro foi exibido

em 4 de agosto de 2010 pelo Jornal do Almoço, na RBS TV (JORNAL..., 2010a).

A apresentadora comenta na cabeça da reportagem sobre o crescimento desse mercado

e questiona “qual dono não quer o melhor para seu animal de estimação”. Como já comentado

diversas vezes neste estudo, a palavra dono acentua a idéia de propriedade e o animal não é. A

reportagem começa com imagens de secadores gigantes para cachorro num Pet shop cobrindo

o texto da repórter e o desconforto do animal. Ela usa novamente a palavra dono referindo-se

ao fato de que agora as pets shop também possuem SPA que são para os animais. Primeiro é

preciso contextualizar que a criação de SPA para animais de estimação leva em conta as

necessidades dos humanos que acreditam que os animais também gostarão daquele local.

Banho de ofurô, massagem entre outras coisas destinadas ao ser humano que compreende a

real necessidade desses itens. Os animais de estimação possuem suas próprias necessidades

diferentes das humanas e devem ser preservadas.

A repórter ainda afirma que o único problema desse crescimento é que faltam

profissionais para trabalhar na área. Há outros problemas como a descaracterização do animal

como bicho. No entanto, essa não é a preocupação da reportagem nem do mercado de Pets,

por isso não foi divulgado.

Ao fazer uma matéria sobre SPAs para os animais o veículo divulga este tipo de

trabalho e o mercado de pets que cresce a cada ano. No entanto, este mercado cresce visando

as necessidades dos homens que transferem as necessidades humanas para os bichos.

Exemplo é pintar as unhas dos animais, pintar os pelos, colocar perfumes.... Existe um

mercado que na verdade não é destinado ao conforto dos animais, mas o conforto do tutor que

gosta de ver o animal humanizado.

Assim, pode-se afirmar que o conteúdo divulgado nesta reportagem refere-se à

humanização dos animais e que o veículo apoia isso, do contrário não colocaria no ar o

conteúdo. A humanização dos animais pode ser comparada à animalização dos humanos, ou

seja, quando um humano é chamado e tratado como um animal ele está sendo tratado de

maneira errada perante os padrões sociais. Cada espécie se comporta de forma diferente da

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102

outra e possui necessidades. Tratar um cão ou um gato, por exemplo, de acordo com as

necessidades humanas pode acarretar maior número de abandono e maus-tratos. Isso corre

devido ao comportamento que o tutor espera que o animal tenha. Um bicho tem sua maneira

de brincar que pode ser destruindo calçados ou rasgando roupas, por exemplo. No entanto, as

pessoas esquecem as diferenças entre espécies e podem querer se livrar do animal, pois ele

não se comporta direito.

O segundo vídeo foi divulgado pelo Jornal da Record no dia 24 de abril de 2010

(ESTILISTAS..., 2010). Na cabeça novamente é usada a palavra “dono”. A relação que a

mídia possui com os animais deve ser vista primeiro pelo vocabulário utilizado. Não se fala

dono quando refere-se a mãe e filho, irmão e irmã e entre amigos. O diferencial desta

reportagem são dois eventos que ocorreram em São Paulo no dia e o jornal uniu os dois

assuntos mostrando que existe outro lado para o glamour. A primeira parte começa com a

seguinte frase: “o mundo fashion também é dos animais”. Decodificando a sentença: o mundo

fashion é dos tutores que querem humanizar os seus animais. Os animais surgem desfilando

modelos em couro, em pele e assinado por estilistas. Os animais não ligam para quem assinou

a roupa, na verdade os animais não usam roupas. Essa necessidade é dos companheiros que

cuidam dos bichos. Outro item que chama a atenção é o fato de roupas feitas da pele (couro e

pele) de outros animais. Se os animais pudessem falar eles repudiariam tal atitude assim como

os humanos não usam roupas humanas. Fazer um animal usar uma roupa com a pele de outro

bicho é total falta de respeito para com aquele bicho.

Outra peça apresentada é um casaco de pedras preciosas. Não é necessário pensar

muito para ver que algo está errado em um animal usando pedras preciosas. Qual a utilidade

para ele, ficar mais charmoso para os seus tutores? Novamente a divulgação do mercado pet

só estimula o consumo desses produtos que na realidade são destinados aos tutores. A

reportagem continua mostrando outros itens destinados aos animais: camas luxuosas, sais para

banhos, ofurô, creme de hidratação. Enquanto a reportagem segue, imagens mostram animais

na feira: alguns assustados e a maioria totalmente descaracterizado de ser um cão. Não se

defende aqui que os animais têm que estar sujos e desarrumados, mas alisar o pelo do bicho,

fazer penteados que agradam seus tutores e deixam os bichos mais parecidos com seres

humanos do que com sua própria natureza também não configura um tratamento adequado.

Finalizando essa primeira parte, uma veterinária é entrevistada falando que é um

pouco de exagero, pois as pessoas devem se preocupar com o conforto do animal. “Quanto

mais próximo a gente deixar o nosso animal da natureza dele, acaba sendo melhor para ele”.

A escolha dos entrevistados reflete a mensagem que se quer passar. Nesta reportagem, além

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103

do mercado destinado aos tutores dos pets, mostra outra preocupação com os animais e

percebe-se isso a partir da segunda parte da reportagem.

Ao contrário da reportagem divulgada pela RBS TV, A Rede Record priorizou

mostrar dois lados distintos em que os animais estão na sociedade: no glamour que os tutores

dedicam aos animais e no abandono em que diversos bichos vivem. “Do outro lado da cidade,

uma situação bem diferente. Esses animais, nem um lar conseguiram. Alguns até foram

vítimas de maus tratos. Mas aqui no centro de controle de zoonoses eles recebem uma nova

oportunidade”. A seguir, são mostradas imagens dos locais e história de animais adotados. O

repórter usa no seu texto palavras como “luxo” e “riqueza” que fazem referência à primeira

parte da reportagem. Porém, essas palavras são usadas para ilustrar que para ter um animal de

estimação não é necessário ter muito dinheiro e ter um lar luxuoso.

Esta segunda parte utiliza do apelo emocional para com os que se identificam com a

causa, mas vale ressaltar que este modelo de reportagem de certa forma valoriza os animais já

que mostra dois lados diferentes. Obviamente que as referências quanto ao mercado pet

deveriam ser revistas já que é a indústria pet uma das maiores contribuidoras para a

banalização do animal, ou seja, no aumento de animais abandonados e dos maus-tratos.

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5 CONCLUSÃO

A presente monografia teve como proposta analisar a forma como a televisão reforça

a ideia de que os animais são objetos. Esta afirmativa pode ser confirmada de acordo com os

programas que foram analisados. Assim, pode-se afirmar que a televisão mostra os animais

como propriedades pertencentes aos humanos. Isso pode ser observado principalmente no

vocabulário (donos, proprietários dos animais) utilizado em diferentes programas. Embora

alguns programas tentem mostrar a problemática do abandono de animais (como no Programa

da Eliana) ainda assim a forma como as informações são divulgadas demonstra características

especistas dos gêneros.

Vale ressaltar que o documentário exibido pelo Câmera Record pode ser um

começo da mudança que pode ocorrer no meio televisivo. A abordagem apresentada pelo

programa mostrou o assunto do abandono e dos maus-tratos de forma abrangente e

interessante. Talvez o gênero tenha mostrado outra forma de divulgar um assunto que já está

tão saturado pela mídia. E isso ocorre devido também à sensibilidade da equipe que compôs

aquele material. Ao contrário da Rede Record, o Globo Repórter apresentou um vídeo

interessante, mas comum, pois divulga histórias inusitadas do mundo animal.

Grande parte das pessoas não se dá conta que a maioria dos programas televisivos

são especistas devido ao próprio comportamento especista da TV e da sociedade. Como

abordado na revisão de literatura, os seres humanos já passaram por este mesmo julgamento

de homens serem inferiores a outros humanos. Um ser não pode ser julgado inferior por ser

pardo, negro, gay, mulher ou um animal. Os argumentos apresentados por pessoas que

defendiam a escravidão humana, por exemplo, são semelhantes aos que defendem a

escravidão animal.

O principal objetivo deste trabalho foi mostrar aos que trabalham no meio televisivo,

nos meios de comunicação e para a sociedade em geral que os animais têm direito à liberdade,

à vida e a serem livres, assim como os humanos. O fim da escravidão humana foi decretada

em 1888 no Brasil (embora ainda se saiba de situação de escravidão no país) e hoje sabe-se

que não é correto, não é moralmente válido tratar um ser humano como inferior somente por

que ele é diferente de você.

A televisão foi o meio escolhido para fazer esta análise devido ao seu alcance junto à

sociedade. Não é necessário saber ler, nem escrever para ver televisão. Ela é um meio que

informa entretendo. Por isso, a TV foi escolhida para mostrar como os animais são retratados.

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Como o próprio título desta pesquisa fala, a maneira como a televisão reforça a ideia de

que os animais são objetos, esta monografia demonstra que a TV não cria ideias, mas reflete

o que já existe na sociedade. Embora como também foi exposto, ela também cria novos

hábitos de costumes, mas o telespectador não recebe de forma homogênea e sim moldado de

acordo com sua herança cultural.

Quando uma informação é transmitida pela TV para grande parte das pessoas que

não entende sobre aquele tema (assuntos relacionados à economia, por exemplo) o que foi

veiculado é verdade. Assim quando alguém que não entende muito sobre os animais, as

problemáticas da venda de bichos e assiste a uma matéria falando que ter um poodle é a

última moda, esta pessoa pode gostar da ideia e comprar o animal por impulso. Claro que esta

é apenas uma hipótese e nem todos os telespectadores agem desta forma. Assim como as

novelas ditam modas, os telejornais e outros programas televisivos também podem estimular

consumos. Porém, os animais não são mercadorias para serem vendidas e devido ao caráter

especista dos programas televisivos isto, na maioria dos casos, não é mostrado.

As duas emissoras analisadas demonstraram atitudes especistas. Somente a Record

que apresentou duas formas diferentes de abordar o assunto sobre os animais (uma no

documentário e outra num vídeo do telejornal). Para que a televisão comece a respeitar os

animais como seres dignos de direitos e a vida é necessário que os profissionais mudem seus

conceitos. Estes profissionais fazem parte da sociedade e refletem o que existe nela. No

entanto, assim como esta pesquisa tem como base estudos sobre a causa animal e a

pesquisadora faz parte de um grupo que acredita no abolicionismo animal (embora seja uma

minoria comparado ao senso comum da maioria das pessoas), existem outras opiniões sobre

um mesmo tema. A minoria que defende os animais também deve ser ouvida nas questões

relacionadas aos bichos.

Assim como são pesquisados historiadores, cientistas para falar sobre algum assunto

tradicional, os temas relacionados sobre animais também devem ter mais informações

específicas sobre os bichos. Os programas televisivos sempre usam as mesmas fontes, as

mesmas abordagens para tratar os assuntos relacionados aos animais. A televisão tem esse

poder de divulgar o novo, então também pode mostrar uma nova abordagem relacionada ao

assunto dos animais que é mostrada nas teorias sobre abolicionismo animal.

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out. 2010.

Page 115: TCC em Jornalismo - Josiele Souza

114

ANEXO A – Declaração Universal dos Direitos dos Animais

1) Todos os animais têm o mesmo direito à vida.

2) Todos os animais têm direito ao respeito e à proteção do homem.

3) Nenhum animal deve ser maltratado.

4) Todos os animais selvagens têm o direito de viver livres no seu habitat.

5) O animal que o homem escolher para companheiro não deve ser nunca ser abandonado.

6) Nenhum animal deve ser usado em experiências que lhe causem dor.

7) Todo ato que põe em risco a vida de um animal é um crime contra a vida.

8) A poluição e a destruição do meio ambiente são considerados crimes contra os animais.

9) Os diretos dos animais devem ser defendidos por lei.

10) O homem deve ser educado desde a infância para observar, respeitar e compreender os

animais.

Preâmbulo:

Considerando que todo o animal possui direitos;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a

levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;

Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras

espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo;

Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a

perpetrar outros;

Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens

pelo seu semelhante;

Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a

respeitar e a amar os animais,

Proclama-se o seguinte:

Artigo 1º

Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.

Artigo 2º

1.Todo o animal tem o direito a ser respeitado.

2.O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los

violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais

3.Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.

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Artigo 3º

1.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2.Se for necessário

matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-

lhe angústia.

Artigo 4º

1.Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu

próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir.

2.toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.

Artigo 5º

1.Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do

homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que

são próprias da sua espécie.

2.Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com

fins mercantis é contrária a este direito.

Artigo 6º

1.Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de

vida conforme a sua longevidade natural.

2.O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

Artigo 7º

Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade

de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.

Artigo 8º

1.A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível

com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou

qualquer que seja a forma de experimentação.

2.As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas.

Artigo 9º

Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado

e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor.

Artigo 10º

1.Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem.

2.As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a

dignidade do animal.

Artigo 11º

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Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um

crime contra a vida.

Artigo 12º

1.Todo o ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um

genocídio, isto é, um crime contra a espécie.

2.A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.

Artigo 13º

1.O animal morto deve de ser tratado com respeito.

2.As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no cinema e na

televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal.

Artigo 14º

1.Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível

governamental.

2.Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.

Fonte: ASSOCIAÇÃO... (2010).

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ANEXO B – Retratação do telejornal Bom Dia Brasil, da Rede Globo, após sugerir

eutanásia aos animais abandonados

Edição do dia 06/05/2010

06/05/2010 08h15 - Atualizado em 06/05/2010 08h48

Contra abandondo, Suipa recomenda

castração de animais A vice-presidente da entidade diz que o ideal é educar a população, principalmente,

sobre a necessidade de castrar os bichos.

Na terça-feira, nós exibimos uma reportagem falando sobre o problema dos cães abandonados nas

grandes cidades. A repercussão foi grande e por isso a gente volta a falar do assunto para fazer alguns

esclarecimentos.

Nós fomos ouvir uma representante da Sociedade Protetora dos Animais (Suipa) para saber qual seria a

solução para os cães abandonadas. Ela defende a posse responsável de animais e campanhas de

castração.

O problema da superlotação de canis e abrigos de animais é grave e se repete em todo o país. É claro

que a eutanásia, a matança dos animais abandonados, não é solução para isso. É só mais uma crueldade.

Mas também não é possível defender as condições em que eles vivem e é essa solução que nós estamos

cobrando aqui: um modo digno de tratamento para eles. O fato é que a sociedade precisa, com urgência,

discutir o assunto. Vamos relembrar, então, a reportagem e saber o que disse a representante da Suipa.

A reportagem mostrou que o canil de São Paulo está lotado, mesmo fazendo campanhas de adoção.

Agora o Centro de Zoonoses só recolhe animais que ofereçam perigo, que foram atropelados ou que

sofreram maus tratos.

Em outras capitais, o problema se repete. No Rio de Janeiro, o abrigo da Sociedade União Internacional

Protetora dos Animais (Suipa) recebe de 30 a 40 animais por dia. Atualmente, abriga nove mil cães.

A sede da Sociedade Protetora dos Animais de Curitiba já abriga mais de mil cães, em um espaço

construído para receber apenas 400. No Recife, só no ano passado, o Centro de Vigilância Ambiental

recebeu mais de cinco mil cães e gatos. Metade foi sacrificada.

A vice-presidente da União Internacional Protetora dos Animais em São Paulo, Eleonora Mendes, diz

que a eutanásia não é a melhor saída para controlar o número de animais nas ruas. Segundo ela, o ideal

é educar a população, principalmente, sobre a necessidade de castrar os bichos.

“A população deve não abandonar os animais e ter uma consciência de que abandono é crime e elas

devem castrar os animais que elas possuem em suas casas e não deixar os animais nas ruas. Só que a

maioria da população não tem essa consciência. Mal sabe que existe uma lei para isso. Então precisa

investir fortemente. O governo tem que investir fortemente em campanhas populacionais e de

castração”, diz a vice-presidente da SUIPA/SP Eleonora Mendes.

Fonte: Contra... (2010).

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