tcc: wikipédia e jornalismo

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Igor de Braga Campos Wikipédia e Jornalismo: Ler o noticiário em uma enciclopédia? Orientador: Carlos D’Andréa Banca Examinadora:Geane Alzamora Nísio Teixeira Universidade Federal de Minas Gerais Departamento de Comunicação Social Belo Horizonte 2013

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Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social, UFMG - "Wikipédia e Jornalismo: Ler O Noticiário em uma Enciclopédia?", apresentado em dezembro de 2013.

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Page 1: TCC: Wikipédia e Jornalismo

Igor de Braga Campos

Wikipédia e Jornalismo: Ler o noticiário em uma enciclopédia?

Orientador: Carlos D’Andréa

Banca Examinadora:Geane Alzamora

Nísio Teixeira

Universidade Federal de Minas Gerais

Departamento de Comunicação Social

Belo Horizonte

2013

Page 2: TCC: Wikipédia e Jornalismo

Agradecimentos

Para Carlos e Geane, que me guiaram na realização desse trabalho.

Para Nísio, Anderson e Hélia, que me aturaram\mantiveram no curso enquanto eu não

acabava.

Para todos que me indicaram obras usadas como fonte nesse trabalho.

Para meus pais, as pessoas mais importantes na minha vida.

E para Marcela e Nazza, com quem compartilhei muitos altos e baixos desse curso e também

estão apresentando nesse semestre.

Page 3: TCC: Wikipédia e Jornalismo

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Sumário

1 - Introdução ................................................................................. 4

2 - Produção textual colaborativa na Wikipédia

2.1- Lógica colaborativa ....................................................... 6

2.2 - Sobre a Wikipédia ....................................................... 10

2.3. Eventos recentes na Wikipédia .................................... 15

3 - Sobre a noção de notícia na Wikipédia

3.1. Critérios de noticiabilidade no jornalismo ................... 19

3.2. A noticiabilidade na lógica colaborativa ...................... 22

3.3 A temporalidade da notícia na Wikipedia ..................... 26

4 - A noticiabilidade colaborativa sobre os fatos marcantes de 2011

4.1. Perspectiva metodológica ............................................ 32

4.2. Os terremotos no Japão e Haiti .................................... 34

4.3. Primavera Árabe........................................................... 37

4.4. Mortes ........................................................................... 44

5 - Conclusão ................................................................................ 49

Referências bibliográficas ............................................................ 52

Page 4: TCC: Wikipédia e Jornalismo

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Capítulo 1 - Introdução

“A essência do jornalismo está em uma combinação simples: o interesse de uma

coletividade em saber do mundo em que vive e a disposição de satisfazê-la, em certa medida,

por quem possa fazê-lo.”

Jânio de Freitas

Desde que o jornalismo se estabeleceu no século 19, foi ganhando espaço a ponto de

se tornar a principal fonte para que a população fosse informada dos eventos do mundo. Para

cumprir essa tarefa os meios de comunicação massivos passaram por muitas adaptações ao

longo dos anos, revisando técnicas e recursos para incorporar novidades que surgiam. Mas

em suma o jornalismo sempre manteve a mesma missão e trabalho, que seria buscar e apurar

informações para construir recortes dos acontecimentos contemporâneos chamados “notícias”.

O jornalismo se tornou a referência para o que acontecia na atualidade, enquanto os

dados históricos ficavam com as publicações de cunho mais científico, como as enciclopédias.

Porém os avanços tecnológicos, mais especificamente da informática, acabaram por diminuir

essa “delimitação”: uma época em que basta um computador e acesso à internet para

conseguir coletar e repassar informações de qualquer parte do mundo tornou possível um

projeto como a Wikipédia, uma enciclopédia online colaborativa em que amadores

conseguem redigir artigos sobre qualquer assunto (literalmente, visto os mais de 19 milhões

de artigos em mais de 260 línguas), seja o registro do conhecimento humano visto em

enciclopédias tradicionais (tópicos científicos como física e química, relato de eventos

históricos) à descrição de fatos recentes – a morte de uma pessoa leva a página da mesma a

ser editada para noticiar o fato, uma página sobre um terremoto ou atentado terrorista será

criada pouco após o incidente ter ocorrido. O enciclopédico conseguia adentrar o território do

jornalismo ao poder também descrever o que está ocorrendo na atualidade.

Os meios de comunicação em massa e a Wikipédia já fazem uso um da outra

normalmente – as notícias e reportagens se tornam referências nos artigos enciclopédicos, que

por sua vez providenciam material para mais textos jornalísticos. E quando ambos cobrem o

mesmo território, criam-se duas alternativas para se informar: notícia e reportagens sobre um

evento, ou um artigo enciclopédico, que apesar da constante mudança para agregar fatos

novos tenta ser um relato histórico.

Artigos da Wikipédia e notícias jornalísticas podem parecer dois tipos de textos que

exigem processos de redação muito diferentes, mas guardam algumas semelhanças

Page 5: TCC: Wikipédia e Jornalismo

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conceituais (pesquisa extensa, atribuição de dados, preferência por um texto compacto,

imparcial e compreensível para leigos, e constante revisão e refinamento) para atender o

mesmo propósito informativo. Inclusive o formato colaborativo das wikis e o jornalismo

convergem em um “projeto-irmão” da Wikipédia, o repositório de notícias WikiNotícias.

Tendo em vista esses fatos, o trabalho tem como intenção fazer uma comparação entre

a atividade jornalística e o projeto enciclopédico da Wikipédia, observando como a

enciclopédia faz a cobertura de eventos de grande impacto ao longo do ano de 2011: a

Primavera Árabe e as revoltas relacionadas, o terremoto no Japão, e as mortes de Steve Jobs e

Amy Winehouse. De artigos curtos feitos para garantir o registro do evento a longos e

detalhados textos que praticamente equivalem a uma reportagem, com direito a disputas sobre

o conteúdo e luta para conter a adição de informações falsas, as páginas da Wikipédia sobre a

atualidade acabam servindo como uma variante do webjornalismo, explorando as

potencialidades da web com a atualização contínua, organização dos fatos, e utilização de

recursos multimídia como imagens, vídeos e hiperligações. Além de observar a contínua

construção e o tratamento dos fatos, haverá uma análise das metodologias e ideologias vistas

no projeto enciclopédico e no jornalístico em busca de semelhanças e diferenças.

Page 6: TCC: Wikipédia e Jornalismo

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Capítulo 2 - Produção textual colaborativa na Wikipédia “O primeiro dever da pessoa culta é estar sempre pronta para reescrever a enciclopédia.”

Umberto Eco

2.1- Lógica colaborativa

Na década de 2000, ocorria uma popularização do acesso à internet, com a queda no

preço de aquisição dos equipamentos computacionais e dos serviços de acesso às redes de

computadores. Com maior público na web, ocorreu uma migração da indústria da informática

para a plataforma da internet, investindo em interfaces amigáveis para que o usuário tivesse

uma navegação e comunicação mais fácil. Ao se proporcionar tal aumento de poder e

influência dos usuários, (Lima Jr., 2011) se tornaram comuns websites em que o visitante não

só lia as informações como as submetiam, com o analista Tim O’Reilly cunhando o termo

“Web 2.0.” para descrever tais páginas mais baseadas pelo conteúdo gerado pelo usuário. A

internet que antes era tratada como um “novo canal de TV”, apenas transmitindo informação,

se tornava um meio mais participativo. (VAN VEELEN, 2008)

Do conteúdo mais simplório ao mais sofisticado, volume imenso de conteúdo na

internet era criado por pessoas que não tem expectativa de remuneração: qualquer um poderia

criar um blog para discutir seu assunto favorito, carregar vídeos caseiros no YouTube, e

interagir com internautas do mundo inteiro nas redes sociais. Ocorria uma quebra do

paradigma que estabelece distinções claras entre produtores, distribuidores e consumidores,

com o usuário podendo assumir qualquer um dos papéis simultaneamente: as ferramentas para

gerar e distribuir informações estão disponíveis para todos, e o contato online direto de um

usuário com o outro permite o compartilhamento sem limitações geográficas ou a necessidade

de uma empresa intermediária. A consequência básica foi uma multiplicação de conteúdo

publicado na internet em velocidade vertiginosa. (GABRIEL, 2010, p.78-80)

Embora o modelo da Web 2.0 facilite a produção individual, em alguns casos ocorre

uma mobilização para a criação em conjunto por uma inteligência coletiva, que foge das

ideias e conceitos tradicionais sobre produção de conteúdo. O modelo seguindo a lógica

colaborativa é evolutivo, com grandes comunidades podendo criar algo inédito ou fazer

mudanças em uma base de conhecimentos pré-existente, motivados por algo de interesse

comum ao invés de interesses corporativistas ou de mercado. Os grupos de usuários não

possuem uma hierarquia rígida como na produção industrial, mas uma organização mais

fluida e flexível, que se assemelha mais a uma comunidade social do que uma estrutura

Page 7: TCC: Wikipédia e Jornalismo

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governamental: todos tem o mesmo poder, com proeminência e respeito no projeto

dependendo de demonstrações de experiência ou conhecimento, e há uma ausência de

propriedade (que pode levar a manter conteúdo em segredo) permitindo a qualquer

participante observar e acessar de forma igualitária as etapas e o conteúdo do projeto.

(BRUNS, 2008, pp. 1-7; 19-20) A disparidade de uma comunidade ser constituída de

voluntários mundo afora que nunca se conheceram pessoalmente acaba sendo ignorada em

prol da intenção de se encontrar na internet para trocar ideias e compartilhar suas invenções.

(JOHNSON, 2009, p.42)

Tais redes colaborativas dependem de certos fatores para garantir a sua existência.

Uma é a presença de uma comunidade forte, que possua pessoas com maior conhecimento

que comentem e critiquem os desenvolvimentos do grupo, a exemplo dos autores e leitores de

textos acadêmicos. Outro é o fato dos benefícios de publicar os resultados do trabalho coletivo

serem maiores que os poderiam ser conquistados mantendo o conteúdo em segredo – a

vantagem competitiva advém não de manter suas inovações apenas consigo, mas em garantir

sua adoção por toda parte, inclusive na concorrência. (BRUNS, 2008, pp. 11-20) A hierarquia

de tais redes é baseada na conquista de reputação e prestígio em vez de poder, dinheiro e

autoridade, ainda que alguns voluntários usem a experiência colaborativa na expectativa de

que o aprendizado e ganho de reputação se traduza em possibilidades de empregos. Com uma

comunicação em todos níveis e decisões tomadas de baixo para cima, as comunidades acabam

por ser auto-organizáveis, direcionando todas as motivações para um objetivo compartilhado.

(JOHNSON, 2009, pp.41-6)

Esse modelo de inovações amplamente compartilhadas chegou a ser comum nos

primórdios da internet, quando o desenvolvimento de aplicações online era apenas um nicho

sem muitas ambições comerciais da ciência da computação – criando softwares que até hoje

sustentam a maior parte das páginas da web, como o servidor Apache e o programa de envio

de mensagens Sendmail. Ainda hoje, novos protocolos são adotados com mais facilidade

quando sua revelação é gratuita (vide o sucesso do formato MP3) e o formato se mantém

“open source” (literalmente “fonte aberta”, termo derivado do “código-fonte” dos softwares).

Eventualmente chegou a novos patamares que ultrapassam o mero desenvolvimento de

tecnologia de internet, com projetos de larga escala envolvendo inúmeros programadores

desafiando diretamente o trabalho das grandes corporações. (BRUNS, 2008, pp. 37-9)

A produtividade na lógica colaborativa depende do acúmulo de contribuições, então a

preocupação básica nesse sistema é um direcionamento para que todas as colaborações

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causem um impacto positivo. Um dos métodos é a subdivisão das tarefas beirando a

pulverização, permitindo que mesmo colaborações menores ou fora da produção em si –

como a manutenção da parte técnica do site – contribuam para o progresso. Em condições

adequadas, a produção colaborativa permite um avanço gradual em qualidade, e também

ultrapassar em velocidade o desenvolvimento no modelo tradicional. (BRUNS, 2008, pp. 15-

23) O’Reilly inclusive considerou que as empresas que melhor compreenderam as regras para

ter sucesso na nova plataforma online foram as abriram dados e serviços para uso alheio (e

também aproveitavam para usar o que era criado pelos usuários), e geravam aplicativos e

conteúdos construídos online ao invés de residir em computadores pessoais ou servidores.

O modelo de construção colaborativa não é exatamente o mais harmônico e produtivo

por mais que hajam exemplos bem sucedidos. O conceito de “inteligência coletiva” esbarra no

fato que diferenças entre os participantes costumam emergir, levando a tensões relacionais,

disputas conceituais e eventuais negociações para resolver o impasse. A cooperação e o

conflito não se opõem, e haver comunicação entre os editores não implica uma transmissão

inquestionável e um intercâmbio consensual. (D’ANDRÉA, p. 63-5, 68-9) Não bastasse o fato

de que muitas vezes o envolvimento exige adaptações e ajustes (encontrar horários

disponíveis para colaborar, adquirir os recursos necessários), como os participantes tem

motivações variadas nem todos podem ter o mesmo benefício ou sentimento de realização – e

quando todos decidem agir em prol de seus interesses individuais, acabam não beneficiando

ninguém. Além disso, enquanto na organização tradicional a divisão de tarefas e

responsabilidades leva à minimização da necessidade de comunicação com os outros

participantes, a construção colaborativa acaba exigindo o contato frequente, e a eficiência

pode ser reduzida ao desviar do trabalho para a resolução de conflitos. A união e engajamento

são cruciais, e uma ou duas desistências já acarretam em problemas como atrasos.

Adicionando o fato de que um grupo maior é ao mesmo tempo mais eficaz (visto que adesão

de uma “massa crítica” de usuários é necessária para o sucesso) e mais problemático (mais

vozes discordantes para satisfazer), e muitos potenciais problemas surgem no caminho de um

projeto colaborativo. (GRUDIN, 1994) Apesar disso, as tensões são agregadoras no processo

colaborativo, já que as discordâncias e negociações relacionadas resultam no aperfeiçoamento

das práticas e bens comuns para garantir a progressão do projeto e a prevenção de mais

disputas. (D’ANDRÉA, p. 68-9)

Um dos formatos de página que mais se beneficiaram da lógica colaborativa foi o

wiki, uma base de dados criada em 1995 que através de um editor de texto embutido nas

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páginas permite a qualquer internauta criar e editar os documentos contidos, e por ter um

código-básico mais fácil que linguagens como o HTML é perfeitamente acessível a leigos – o

que estimula principalmente a interconexão de páginas, já que para criar um hyperlink para

outra página da wiki não é necessário escrever uma tag complexa, basta apenas circundar o

título da página-destino com chaves (ex. [[Wiki]]). Tal formato é inerentemente aberto,

descartando a necessidade de conhecimento técnico ou permissão especial para editar

conteúdo, e colaborativo, expressando os interesses de um grupo com um interesse em

comum. Antes conhecido apenas por estudantes de informática e considerado um sinônimo

de anarquia criativa, na segunda metade da década de 2000 o software wiki se espalhou pela

internet em páginas sobre os mais variados tópicos. O grande responsável pela popularização

foi um website que revolucionaria o conceito de enciclopédia, a Wikipédia. (AYERS,

MATTHEWS, YATES, , 2008, p. 41-2)

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2.2 - Sobre a Wikipédia

Em 2000, o empresário Jimmy Wales e o filósofo Larry Sanger fundaram a Nupedia,

uma enciclopédia online gratuita que traria artigos escritos por especialistas, com intensa

revisão para garantir alto nível de conteúdo. O projeto já demonstrava adesão aos princípios

do código aberto, contando com o engajamento de acadêmicos que mesmo sem remuneração

poderiam conseguir reconhecimento através da exposição de seu trabalho na internet.

(FRAUENFELDER, 2000) Mas a equipe dedicada de colaboradores não preveniu a Nupedia

de sofrer com um processo criativo lento e improdutivo causado pelos altos padrões de

inclusão, e ao final do ano apenas 12 artigos haviam sido escritos. Eventualmente Sanger

sugeriu um site-irmão aberto para a criação popular baseado em um formato apresentado a ele

por um programador, o wiki. Wales aprovou a ideia, acreditando que tal projeto poderia atrair

contribuintes novos na Nupedia, e em Janeiro de 2001, entrava no ar a Wikipédia, que geraria

artigos enciclopédicos escritos por qualquer pessoa com vontade de colaborar na redação,

com tal conteúdo depois sendo transplantado para a Nupedia. (POE, 2006)

A ideia acabou indo na direção oposta, com a Wikipédia recebendo os artigos da

Nupedia quando esta acabou extinta em setembro de 2003, com apenas 24 artigos prontos e

74 ainda sendo revisados, em contraste aos mais de 100 mil artigos da Wikipédia na versão

inglesa. O sucesso da Wikipédia levou à internacionalização – em maio de 2001 já haviam

versões em mais treze idiomas, incluindo o português – e ao surgimento de sites derivados,

como o dicionário Wiktionary, o site de citações Wikiquote e o de livros gratuitos Wikibooks

– o que levou Wales a criar em 2003 a Fundação Wikimedia para coordenação geral de tais

projetos. (AYERS, MATTHEWS, YATES, 2008, pp.46-7)

O sucesso do projeto “alternativo” foi um triunfo da lógica colaborativa. A Nupedia

não crescia por exigir muito de seus colaboradores com seu processo de aprovação editorial

de sete passos, e o foco na criação de artigos completos sobre tópicos específicos (em

detrimento ao desenvolvimento paralelo de tópicos variados ou aperfeiçoar o que já estaria no

site). O grupo de especialistas era pequeno, e o contribuinte ainda era afastado do produto

final, reduzindo seu sentimento de envolvimento com o projeto. Por outro lado o formato

mais aberto da Wikipédia, permitindo a edição sem a necessidade do crivo direto dos donos, e

uma abordagem levantando a possibilidade da comunidade visitante ter a capacidade de

contribuir conteúdo útil para o projeto não importasse como (uma edição menor de correção

ortográfica ou transcrever o resultado de uma grande pesquisa tem validade igual) levou a um

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envolvimento do grande público, que logo queria dividir algum conhecimento ou habilidade

útil nesse projeto colaborativo. (BRUNS, 2008, pp. 103-5) Em 8 meses a Nupedia só tinha

apenas dois artigos completos online. (FRAUENFELDER, 2000) A Wikipédia ultrapassou a

marca dos mil artigos em apenas um mês e dois dias. (AYERS, MATTHEWS, YATES, , 2008,

pp. 46-7)

Hoje a Wikipédia é um dos 10 sites mais acessados no mundo, com 19 milhões de

artigos em mais de 260 línguas (com a maior versão sendo a inglesa, com 3,7 milhões; a

Wikipédia em português é a décima com 693 mil), e a adesão de milhares de colaboradores

(os usuários registrados chegam aos 16 milhões em inglês e 900 mil em português), também

conhecidos pelo termo “wikipedista”. A popularidade garante as contínuas doações que

mantém o projeto gratuito e sem anúncios – em 2009, a Fundação Wikimedia registrou receita

de mais de US$10 milhões – e a disseminação do formato wiki. Diversos serviços de

hospedagem para sites wiki surgiram a partir de 2004, quando Wales ajudou a criar a

WikiCities (hoje rebatizada Wikia, e abrigando mais de 200,000 sites, que vão de um

depositário de letras de música a enciclopédias sobre franquias de cinema, games e

quadrinhos). Frequentemente o website é discutido na mídia pela funcionalidade deste modelo

coletivo, e em quanto os artigos do site são confiáveis visto que a maior parte dos editores são

amadores. (AYERS, MATTHEWS, YATES, 2008, p. 46-7)

O aspecto mais controverso da Wikipédia é sua credibilidade como fonte informativa

visto que a maior parte dos participantes na missão de angariar “a soma de todo o

conhecimento humano” são anônimos. Esse foi o motivo para a saída de Larry Sanger do

projeto, já que ele se sentia desconfortável em ver que a “igualdade geral” não dava

prioridade às contribuições originadas por especialistas em alguma área científica. O ex-

editor-chefe da Encyclopedia Britannica, Bob McHenry, declarou que “não podia ver o que

estavam fazendo [no site] como uma enciclopédia”, dizendo que a Wikipédia era “no máximo

uma compilação da redação aleatória de várias pessoas na forma de artigos enciclopédicos,

mas sem o controle, autoridade ou consistência que sempre associei com a palavra

‘enciclopédia’”, com um processo que mais se assemelhava a um jogo online. McHenry

ressaltou como na Britannica ocasionalmente verbetes levavam anos para ter a qualidade que

os editores achavam adequada para a impressão, mas a divulgação instantânea da Wikipédia

traduz-se no que essencialmente é a publicação de rascunhos. (VAN VEELEN, 2008)

Andrew Keen, um dos maiores críticos da Web 2.0., usa a Wikipédia como um dos

principais indícios de como a democratização dos sites com conteúdo gerado pelos usuários

Page 12: TCC: Wikipédia e Jornalismo

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acaba gerando desinformação, superficialidade e ignorância, “solapando a verdade, azedando

o discurso cívico e depreciando a expertise, a experiência e o talento”. Keen acredita que o

fator mais depreciativo da Wikipédia é a falta do “gatekeeping” (termo derivado da palavra

inglesa para “porteiro”, significando o processo da filtragem de informação), visto que há

milhões de verbetes, “nenhum deles editado ou atentamente examinado quanto à sua

exatidão”, e o site tem mais visitantes que bastiões da informação como a Britannica ou a

CNN, “embora a Wikipédia não tenha nenhum repórter, nenhuma equipe editorial e nenhuma

experiência na coleta de notícias”. (KEEN, 2009, p.9-10, 19) . Segundo Keen, a verdade

depende do “gatekeeper” para ser determinada, e em um formato colaborativo a verdade se

torna personalizada e fragmentada - “assume-se que não há uma verdade, mas que cada um

tem sua verdade, e cada um sobrescreve a versão alheia da verdade com sua própria”.

McHenry concorda declarando que por mais que se faça uma correção, “não há uma garantia

que ela continuará na página amanhã”. O próprio Jimmy Wales admite que o site nunca será

100% preciso porque “o conhecimento humano não acredita nesse tipo de perfeição”. (VAN

VEELEN, 2008)

Uma das consequências da liberdade gerada pelos sites da “web 2.0.” é a submissão

sem o menor controle de qualidade, levando a uma necessidade de filtros e validação dos

conteúdos. No caso da Wikipédia, extensivas páginas listam suas políticas para evitar a

inclusão anárquica e não-enciclopédica de dados – motivadas pelos primeiros anos da

enciclopédia terem grandes manifestações disso, com usuários escrevendo páginas inúteis

como autobiografias. Critérios de notabilidade detalhados designam o que merece um artigo,

e uma página lista “o que a Wikipédia não é” (que incluem “repositório desordenado de

informações”, “guia ou manual”, e “blog ou rede social” para demonstrar que apesar da

aparente inconsistência e falta de organização, os objetivos informativos do projeto são

claros). Em contraste com um blog, em que todos dados são submetidos por uma única pessoa

e expressam a opinião apenas do autor, os artigos da Wikipédia são uma construção contínua e

coletiva em prol da neutralidade. (POE, 2006)

Tal neutralidade também diverge de outra característica das enciclopédias, que como

registro do conhecimento tem uma presunção positivista de que só existe uma verdade. No

caso da Wikipédia, a abordagem é construtivista, assumindo que sempre existem variados

pontos de vista, e estes mudam com o passar do tempo. Novos dados e descobertas alteram o

conteúdo enciclopédico não só no nível objetivo de atualizar as informações, como o

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subjetivo de que a reescrita tem de demonstrar como as novidades endossam teorias e

desmentem opiniões. (STIVILIA, 2008,p. 31)

Analisando o modelo colaborativo que constitui a Wikipédia, ele acaba sendo um

híbrido da “produção leve” (muitos colaboradores, cada um provendo adições mínimas ao

produto como um todo) e “produção pesada” (uma comunidade virtual forte que emprega o

máximo de tempo possível de seus voluntários). Há inúmeros editores eventuais, que

ocasionalmente nem se registram no site para acrescentar conteúdo, e alguns wikipedistas

mais engajados, com inúmeras contribuições, participação nos debates da comunidade e

muitas vezes a eventual ocupação de cargos administrativos do website. (D’ANDRÉA, 2011,

pp.65-68) O grupo de editores não tem uma única abordagem de regulamentação das

atividades – a descrição da estrutura de poder na Wikipédia diz que o projeto é sendo guiado

por “uma mistura de elementos anárquicos, despóticos, democráticos, republicanos,

meritocráticos, plutocráticos, tecnocráticos e burocráticos.” – e está sempre experimentando

métodos para que a comunidade se organize. (BRUNS, 2008, p. 140) Somado ao próprio

caráter heterogêneo da comunidade, não surpreende que nem sempre o processo de redação

de artigos seja harmônico. Os conflitos de interesses levam certos wikipedistas a descrever o

site como sendo um “campo de batalha de ideias”,1 o que é reforçado pela descrição de

atividades com termos bélicos como “guerra de edições” (dois ou mais usuários fazendo uma

contínua reversão das mudanças alheias para garantir a inclusão ou remoção de certos dados).

A principal disputa ideológica da comunidade envolve as discussões sobre que conteúdo

merece figurar na enciclopédia, com as filosofias sendo batizadas “Inclusionismo” (todo

conhecimento é válido) e “delecionismo” (cobertura seletiva, apoiando a eliminação de

artigos considerados desnecessários). (STIVILIA, 2008,2008, p. 16-17)

Assim, um dos recursos mais cruciais para garantir um direcionamento preciso em

torno do melhoramento é a existência de uma “página de discussão” atrelada a todos os

artigos da Wikipédia. Nesse espaço, editores podem discutir o artigo e o processo de redação

do mesmo, debatendo as discordâncias para decidir qual conteúdo permanecerá.

Adicionalmente, é feito um planejamento de reescrita, seja discutindo o texto já existente ou

listando o que ainda é necessário criar. (PENTZOLD, 2009, p. 257) Todo grupo social precisa

de mecanismos que permitam aos participantes reparar ou compensar suas falhas, por mais

informais que sejam, como forma de garantir que as regras sejam consideradas justas e

1 - http://meta.wikimedia.org/wiki/Battlefield_of_ideas

Page 14: TCC: Wikipédia e Jornalismo

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eficazes, e assim manter a fé da comunidade em continuar seguindo essas normas. As páginas

de discussão servem esse propósito já que os usuários tem um espaço livre para resolver

conflitos. Após a resolução do conflito, fortalece-se a cooperação, e, por conseguinte a

qualidade do texto. (JOHNSON, 2009, pp.129-133)

A maioria dos “Artigos Destacados” que a comunidade da Wikipédia considera entre

as melhores produções do site, possuem páginas de discussão bem desenvolvidas,

demonstrando que as melhores redações advém de um grupo bem organizado e bastante

interessado em construir um relato de boa qualidade. (STIVILIA, 2008,p. 19) A atividade

intensa e acompanhamento contínuo resultantes da discussão garantem que a comunidade

mantenha-se funcional e os artigos em bom estado. Mesmo as diferenças de engajamento dos

usuários não atrapalham, visto que a coesão e atividade da comunidade são favorecidos pela

construção geral do website ser mais dependente de um número menor de wikipedistas

realmente ativos – na Wikipédia em inglês, 50% das edições vem de 0,7% dos usuários, e

mais de 70% de todos os artigos foram escritos por apenas 1,8% dos wikipedistas.

(D’ANDRÉA, 2008)

Enciclopédias impressas já buscavam o hipertexto através de notas de rodapé e índices

que indicavam outros artigos a consultar. O formato online da Wikipédia explora o hipertexto

em todo seu potencial, com uma organização de dados diferente da mídia impressa, inclusive

de poder fragmentar a informação em vários artigos pequenos ao invés de um grande. O

escopo do website acaba indo além das enciclopédias de papel, sendo ao mesmo tempo

especializada e geral em contraste aos impressos servirem como guias apenas para

determinadas áreas de conhecimento. As conexões também ocorrem entre idiomas, com links

para as páginas sobre o tópico nas outras versões da Wikipédia. (AYERS, MATTHEWS,

YATES, 2008, p. 36-7)

Na produção de uma enciclopédia tradicional, o escopo do conteúdo registrado

acabava esbarrando em restrições do formato físico e do tempo que os especialistas poderiam

gastar na pesquisa e redação. Em meio às decisões sobre o que seria incluído, o foco

geralmente ficava no que o grupo editorial considerava as áreas básicas do conhecimento

humano, em detrimento a áreas da cultura popular. Utilizado um formato aberto e

colaborativo, a Wikipédia contornava as limitações, com a construção através de número

indefinido de voluntários podendo garantir que todas as áreas de conhecimento fossem

cobertas: uma hora gasta pela equipe da Encyclopedia Britannica pesquisando sobre Britney

Spears seria uma hora a menos para redigir sobre Santo Agostinho, mas a pulverização pode

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dividir os esforços e eliminar tal escassez de tempo. O foco diversificado da comunidade, em

que todos os wikipedistas podem servir como fontes de conhecimento - mesmo para tópicos

que seriam considerados frívolos nas enciclopédias de papel – faz o website poder aspirar em

providenciar uma cobertura igualmente ampla da mitologia ficcional do autor J. R. R. Tolkien

e dos acontecimentos na Inglaterra anglo-saxã. Cada um faz desenvolver artigos na área de

seu interesse, gerando um local que compila todos os interesses da humanidade, do vital ao

trivial. (BRUNS, 2008, p. 120-123) Outro ponto que o formato online colaborativo tem maior

eficácia é no controle de qualidade, que pode levar meses a anos em uma enciclopédia

impressa, mas na Wikipédia leva minutos visto que os mesmos usuários que leem podem criar

revisões para corrigir e complementar o conteúdo. (Stivilia, 2008, p. 33)

Com seu formato juntando as consagradas enciclopédias com as comunidades online

colaborativas, a Wikipédia logo atraiu internautas com conhecimento técnico que gostavam da

perspectiva baseada no software livre, bem como um público em geral atraído pela missão

enciclopédica. Consequências inesperadas demonstrando o poder responsivo das ferramentas

colaborativas acabaram ocorrendo, em especial a rápida atualização de páginas relatando

eventos atuais. (AYERS, MATTHEWS, YATES, 2008, p. 36-7)

2.3. Eventos recentes na Wikipédia

Assim como a internet mudou a interpretação do termo “informação”, também

acelerou o que pode ser considerado conteúdo enciclopédico, que antes era sinônimo de

pesquisas feitas sobre o passado, o “histórico”, mas com a Wikipédia esse passado acabou se

esticando para incluir até eventos que não terminaram de acontecer. (DEE, 2007). As políticas

de inclusão mais amplas da enciclopédia digital garantem artigos sobre eventos recentes,

beneficiados pelo ciclo editorial instantâneo do site. Em 1989, a Encyclopedia Britannica

estava na gráfica quando começou a reunificação alemã, forçando uma interrupção da

impressão e convocar redatores para rapidamente acrescentar os dados resultantes das

mudanças na ordem mundial. Na Wikipédia, basta enviar sua edição para atualizar a página e

a versão nova do artigo fica online na hora. (GLOSSERMAN, HILL, 2010) O site já foi

aclamado como uma fonte de notícias em si, visto que eventos conseguem artigos tão logo os

fatos são relatados nos meios de comunicação massivos, e graças à lógica colaborativa o

artigo pode crescer de uma simples discussão de uma linha para um detalhado relato de 50. O

artigo sobre o terremoto e tsunami na Indonésia em 2004, por exemplo, teve mais de 1000

edições em apenas 48 horas. A frequente edição pode levar à disputa entre contribuintes sobre

o conteúdo merecedor de inclusão no artigo, bem como atrair vândalos que apagam partes do

Page 16: TCC: Wikipédia e Jornalismo

16

artigo ou acrescentam informações falsas – a ponto de certos tópicos acabarem sendo

“protegidos” para bloquear a edição por usuários não registrados ou com poucas edições. O

formato também consegue algo que nos meios de comunicação tradicional é potencialmente

trabalhoso e caro: revisar e editar as informações já postadas. (FORD, 2011)

Enquanto no jornalismo diário geralmente só existe o hoje – o ontem é o passado

distante, o amanhã um futuro longínquo – buscando a notícia que fica pronta para a próxima

edição, a Wikipédia tenta evitar apenas o agora, com políticas ditando contra criar artigos

sobre um tópico apenas porque está no noticiário (a página ditando que “não há data final”

especifica que “a Wikipédia não é o WikiNotícias e não precisa levar furos para ninguém.”),2

ou dar peso indevido a fatos recentes (como longas seções dedicadas à eleições correntes na

página de um político, ou a um escândalo na página de um famoso), já que os artigos buscam

ser um relato duradouro e devem ser conteúdo escrito de forma equilibrada, especialmente em

uma perspectiva histórica (um dado que parecia importante pode se tornar irrelevante ou ser

desmentido alguns anos depois). A edição dos artigos é contínua e o consenso pode mudar

com o passar do tempo. (LIH, 2004, p.4)

A Wikipédia tem três diretrizes básicas de conteúdo: ter material baseado em dados,

conceitos e análises já publicados antes (“sem pesquisa inédita”) em fontes fiáveis que são

devidamente citadas (“verificabilidade”), e dar no texto um tratamento justo mesmo que seja

um tópico controverso (“ponto de vista neutro”). Apesar do jornalismo fugir de uma das

diretrizes ao reportar as descobertas feitas pelo redator da notícia, as outras políticas são muito

presentes. Lage (2001, p; 179) diz que jornalistas devem basear-se:

A. na reverência diante dos fatos e das verdades científicas;

B. no descompromisso com teorias e versões de fatos; e

C. no respeito às pessoas que, sendo fonte ou público, sustentam tais teorias e

versões.

Assim está claro como os textos requerem extenso trabalho de apuração e pesquisa, os

dados resultantes tem que ter sua fonte devidamente atribuída, e o relato deve não só evitar a

distorção dos fatos em prol de interesses pessoais, como tentar a neutralidade dando voz a

ambos os lados do evento relatado. Um movimento comunitário acaba implicitamente

aplicando os mesmos parâmetros das geradoras de notícias modernas – ater-se aos fatos,

atribuir fontes e manter equilíbrio. (LIH, 2004, p.4)

2 -http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:N%C3%A3o_h%C3%A1_data_final

Page 17: TCC: Wikipédia e Jornalismo

17

O universo das notícias é o das aparências do mundo, não perseguindo o conhecimento

essencial que é base dos estudos científicos e bases, mas apenas um recorte dos

acontecimentos da realidade. O que seria relevante para o público garante um espaço no

noticiário, com variados graus de profundidade já que o interesse jornalístico elimina dados

técnicos que só interessariam a especializados para uma maior abrangência do público ao qual

a notícia se destina. (LAGE, 2001) O Manual da Folha de S. Paulo declara (p.47) que “não

existe objetividade em jornalismo”, visto que decisões subjetivas guiam o jornalista na

escolha do assunto, redação e edição, mas ainda assim é necessário que o fato seja encarado

com “distanciamento e frieza” para que leve a um relato de fidelidade, reproduzindo “a forma,

as circunstâncias e as repercussões”.

A abordagem de Wikipédia também não busca ser uma apresentação do conhecimento

do mundo como as enciclopédias tradicionais, mas ilustrar representações de conhecimento,

por mais divergentes que sejam. O grupo editorial da enciclopédia faz um julgamento da

realidade para determinar o que é incluído na publicação, enquanto a política de neutralidade

da Wikipédia abre espaços para todos os pontos de vista que acabam sendo apresentados em

paralelo para a avaliação do usuário. Páginas detalhadas existem tanto para as teorias

consagradas comprovadas como tópicos especulativos e pseudocientíficos, com tanto

“Evolução” como “Design Inteligente” sendo Artigos Destacados. (BRUNS, 2008) Os artigos

da Wikipédia são considerados introduções concisas a um assunto na forma de um sumário

informativo, providenciando ao leitor as principais informações sobre o tópico e referências

externas que garantiriam aprofundamento. (STIVILIA, 2008,2008, p. 18) Uma notícia tem a

mesma linha, descrevendo um evento de forma que os que não estavam lá para presenciar

tenham ideia dos acontecimentos.

Ainda que a Wikipédia proíba a inclusão de informações inéditas e a proposta de ser

uma enciclopédia pressuponha certo distanciamento dos acontecimentos registrados no artigo

para consulta em longo prazo, o site relata alguns fatos novos no calor dos acontecimentos e,

com isso, assume um caráter jornalístico e passa a ter algumas das características dos sites

noticiosos, marcados por um fluxo contínuo de informações e por uma simplificação das

rotinas editoriais (D’ANDRÉA, 2009). Trata-se de “agregação em tempo real”, como afirmou

Mola Pantages, coordenadora de comunicação da Fundação Wikimedia, ao ressaltar a

curadoria de diferentes fontes de informação feita por pessoas (e não algoritmos) como um

dos grande méritos da Wikipédia. É fundamental observar que essa agregação baseia-se em

informações previamente publicadas, e não na apuração direta de informações novas. O

Page 18: TCC: Wikipédia e Jornalismo

18

registro de acontecimentos recentes em “tempo real” na Wikipédia pode ser marcado por

tensões entre os diferentes usuários. (D'ANDRÉA, 2008) Disputas e argumentações extensas

sobre abordagem e inclusões podem garantir páginas de discussão gigantescas sem

propriamente levar a um artigo de melhor qualidade. (STIVILIA, 2008,2008, p. 19) A página

sobre a política de neutralidade diz que é “uma exigência inegociável e absoluta de tudo que

fazemos”, ao criar artigos que “devem ser imparciais, ou seja, devem ser escritos em uma

forma com a qual ambos (ou todos) os lados envolvidos possam concordar com ele.”

Algumas das decisões em prol da neutralidade acabam sendo similares às das organizações

jornalísticas: a decisão da comunidade da Wikipédia de evitar o termo “terrorista” é similar a

uma das políticas da agência Reuters, ambas evitando caracterizações com juízos de valor.

(LIH, 2004, p. 4)

Se uma enciclopédia tradicional se assemelha ao jornalismo convencional por

providenciar uma síntese de variados pontos de vistas conforme um único autor ou grupo de

criadores, a Wikipédia parece o jornalismo colaborativo ao resumir em uma voz neutra algo

que foi construído através de uma abordagem de múltiplas perspectivas com a liberdade para

que todos os participantes acrescentem algo – desde que providencie uma referência provando

a veracidade dos dados. As políticas da Wikipédia determinam que o critério de inclusão é

“verificabilidade, não verdade”, algo impossível de se ver em uma enciclopédia tradicional, e

novamente se assemelhando ao jornalismo colaborativo em sua intenção de criar notícias a

partir de variados pontos de vista. (BRUNS, 2008, pp. 113-4)

Page 19: TCC: Wikipédia e Jornalismo

19

Capítulo 3 - Sobre a noção de notícia na Wikipédia

“O jornalismo é um rascunho grosseiro da história”

Philip Graham

3.1. Critérios de noticiabilidade no jornalismo

O conceito de notícia costuma variar por duas definições: fato social destacado em

função da sua atualidade, interesse e comunicabilidade; e compilação de fatos e eventos de

interesse ou importância para leitores do jornal que a publica. Ambas mostram que uma

informação é transcrita em uma notícia quando possui importância e interesse para o leitor, e

as que seriam mais relevantes são as que preenchem diversos fatores da importância para

despertar o interesse geral (trazem conflitos, ineditismo e apelo, como os escândalos políticos)

ou a comoção pública (improbabilidade e empatia, geralmente aliada a proeminência dos

envolvidos, como catástrofes naturais ou mortes trágicas de famosos), bem como servir de

utilidade pública (possuem apelo com o público e dependem da oportunidade em que são

publicadas para terem mais utilidade, como relatos de epidemias e novas leis). (SOUSA

PINTO, 2009, pp.60-61) O repórter por tabela serve como os olhos e os ouvidos do público,

garantindo que o espectador simbolicamente esteja por dentro do acontecimento – mesmo

aqueles em que provavelmente não teria permissão de acesso – ao acompanhar o relato

jornalístico. (LAGE, 2001, p.23) Diante da percepção de que não há espaço nos veículos

informativos para a publicação ou veiculação da infinidade de acontecimentos que ocorrem

no dia-a-dia, é necessário demarcar “valores-notícia” para determinar os eventos

“merecedores” de serem conhecidos pelo grande público.

A temporalidade da notícia é variável, conforme o meio e suas limitações de

divulgação. As restrições do tempo até contribuem para que instituições “geradoras de

acontecimentos” (empresas, políticos) encaixem suas realizações nos horários em que os

meios de comunicação possam cobrir os fatos. (SCHWINGEL, 2009, p. 142-145) No modelo

do jornal impresso, as notícias do dia anterior são consideradas informações satisfatoriamente

“frescas”. Rádio e televisão costumam divulgar notícias horas depois dos fatos – mesmo em

transmissões ao vivo precisa algum tempo para a equipe chegar ao local e começar a operar.

No modelo digital, a distância do tempo entre algo acontecer e ser propagado chega a

minutos, seja por amadores comentando os eventos em redes sociais ou profissionais

escrevendo suas notícias para sites.(GABRIEL, 2010, p. 90)

Page 20: TCC: Wikipédia e Jornalismo

20

Sempre o exercício do jornalismo esteve ligado aos avanços tecnológicos – o próprio

termo “imprensa” vem da máquina que imprime folhas. Das pequenas publicações feitas com

tipos móveis e utilizadas mais para fins políticos e mercantis, logo viriam os grandes jornais

informativos graças ao surgimento de inventos como a máquina de composição, a impressora

a vapor e o telégrafo, bem como novas plataformas para o jornalismo como rádio e televisão.

(LAGE, 2001, p.21-23) Cada dispositivo novo exigia adaptações para que ocorresse a mesma

unidade discursiva jornalística, não importasse o formato. (Seixas, 2009) Os avanços mais

recentes nos meios de comunicação em massa são relacionados à informática: já na década de

80 o computador chegava às redações, permitindo que o próprio repórter tivesse maior

controle sobre seus textos, reduzindo a importância de revisores e editores. (TRAVANCAS,

2011) A disseminação da internet e redes internas na década seguinte praticamente fez do

repórter o único responsável pelo texto, criando a pauta, escrevendo, editando e postando no

site do veículo noticioso sozinho – o que era ajudado pelo ritmo frenético exigido pelo

formato digital, com um fluxo contínuo de informações que tem de ser acrescentadas

praticamente na hora em que ocorrem. (LAGE, 2001)

A prioridade em meio à adequação da produção jornalística às especificidades

tecnológicas e novas condições organizacionais de funcionamento de sites e portais deixava

de ser grandes reportagens em prol de notas jornalísticas potencialmente contraditórias pelo

fato de que novos dados podem suplantar ou negar o que havia sido divulgado antes. O uso do

meio digital pelo jornalismo também colaborou para a descentralização não só da distribuição

- dando ao público acesso mais fácil à informação por poder acessá-la em diversos

mecanismos (computador, celular) e plataformas (textos, vídeos, áudios, com direito a

“versões atualizadas” de meios tradicionais como o podcast e a webtv) - como também a

produção da notícia, pela possibilidade de integração com o público que participaria da troca e

captura de informações. Era quebrado o conceito básico de que o produto jornalístico entrega

um pacote fechado de informações pela possibilidade de interagir com o público e também de

alterar ou adicionar dados com facilidade, tornando o jornalismo um processo contínuo onde a

informação está em constante movimento e atualização. (cf. D’ANDRÉA e RIBEIRO, 2010).

Uma consequência desse processo é a fragmentação do conteúdo jornalístico em

diversas páginas web, que passam a ser publicadas à medida que novas informações sobre um

acontecimento são apuradas ou recebidas pela equipe editorial. Atualmente, o limite da

velocidade operacional dos jornais em sincronizar e reduzir o tempo dos eventos ao tempo da

publicação dos informes é condicionado pela velocidade das agências no repasse dos serviços.

Page 21: TCC: Wikipédia e Jornalismo

21

Na lógica da instantaneidade e do fluxo contínuo de publicações, textos mais bem-acabados

muitas vezes dão lugar a sequências de notas jornalísticas que não configuram uma “suíte”,

inclusive por serem contraditórias entre si e sem uma articulação contextual suficiente para a

compreensão dos fatos pelo público, principalmente se consideradas potencialidades do

caráter hipertextual da internet. (D’ANDRÉA, 2009)

Não só a informação deixou de ser apenas ou principalmente um fator de acréscimo

cultural ou recreação para tornar-se essencial á vida das pessoas como agora as informações

ditas necessárias estavam muito além da capacidade de acesso individual do homem comum.

O progresso tecnológico cria diversos especialistas que aprendem a lidar com novas técnicas e

produtos (e o desenvolvimento científico ás vezes é tão veloz que em alguns meses lições se

tornam desatualizadas e superadas), mas tendem a ignorar o que se passa em outras

especialidades e áreas. Assim os veículos de comunicação conteriam as informações que

ajudariam as pessoas em suas decisões, com o jornalista virando um tradutor de variados

discursos e perspectivas para uma língua comum e simplificada, fácil de entender apesar de

não conter a precisão do jargão dos especialistas. As notícias também agregam o

processamento e seleção dos fatos que o repórter faz durante a pesquisa e apuração, de forma

que o produto final permita ao leitor orientar-se diante da realidade, fazendo julgamentos e

tomando suas decisões. (LAGE, 2001)

Visto que a informação chega a ser um valor de troca na sociedade moderna, é

frequente a “construção” de dados para alimentar os meios de comunicação, com

acontecimentos que parecem obedecer à “ordem natural dos fatos” sendo artifícios planejados

por agentes específicos (políticos, empresários, publicitários, assessores, marqueteiros, ou até

mesmo os próprios jornalistas) para responder ou criar uma demanda da sociedade. Apesar do

caráter “artificial”, não significa que seja menos verídico ou real, já que tais dados podem

causar influência na sociedade e assim se tornar objeto de reportagem e crítica. É necessário

um discernimento da parte do jornalista para distinguir fatos construídos de “notícias

plantadas” que podem não passar de rumores (mas ainda assim tem potencial para

consequências concretos: um boato da destituição do presidente do Banco Central pode causar

a queda da Bolsa de Valores). (PUBLIFOLHA, 2011, p. 24)

O jornalista se vê como um profissional que deve dar ao cliente o que ele precisa, não

o que ele quer – acima de tudo porque raramente ele está lá para cobrir o fato que o público

mais precisa saber. Criar uma notícia não só depende da disponibilidade das informações por

parte da fonte usada pelo repórter como do que a companhia que gere o veículo de

Page 22: TCC: Wikipédia e Jornalismo

22

comunicação quer publicar. Diversos fatores entram em cena, como a quantidade de espaço

que pode ser utilizado pela notícia, e o público potencial. Apesar de cada vez mais informação

ser produzida no mundo, o processo seletivo do “gatekeeping” restringe apenas a tópicos que

atendem interesses comerciais ou políticos da companhia de mídia e seus parceiros, tendo

uma representação parcial dos acontecimentos do mundo em prol do lucro. Por mais que os

jornalistas tenham boas intenções, nem sempre o corporativismo vai aprovar uma notícia

puramente pela relevância da informação para a audiência. (BRUNS, 2008, p. 71-3)

3.2. A noticiabilidade na lógica colaborativa

Pela própria natureza da web, em que não existem limitações físicas para mostrar e/ou

armazenar qualquer tipo de informação, uma infinidade de opções são oferecidas em acesso

permanente, e como oferta e demanda andam juntas, produtos com pouquíssima procura ou

disponibilidade são tão acessíveis quanto os mais populares. (SEIXAS, 2009) Assim, a

combinação da profusão de dados e a interatividade dos recursos digitais permitem a inserção

de usuários comuns na produção jornalística, mesmo sem aprendizado das teorias da área.

(SCHWINGEL, 2009, p. 142-3)

O “jornalismo cidadão” surgiu da mesma forma que os softwares “abertos” – e não por

coincidência ambos tem uma relação direta, emergindo na década de 2000 junto com a

popularização da internet, e com os programas utilizados pelos repórteres amadores tendo

sido desenvolvidos pelos programadores open source - para complementar os meios

tradicionais (no caso em vez da indústria de informática, os grandes grupos de comunicação),

e chegando a desafiar seu equivalente corporativo como fornecedor de notícias e inovações. O

ponto de partida para um jornalismo feito pelo público foram os protestos para a reunião da

World Trade Organization (WTO) em Seattle, em novembro de 1999: prevendo que a mídia

não cobriria as ações adequadamente ou de alguma forma, os ativistas angariaram fundos para

criar a Independent Media Center (Indymedia), registraram um website e montaram uma sala

de imprensa para transmitir os protestos ao vivo online. (BRUNS, 2008, p.69-70)

Produzir notícias através de um “jornalismo aberto” é igual aos softwares open source,

com usuários encontrando um tópico que os interessa e consideram relevante para a

comunidade, e eventualmente desenvolvendo uma história para publicar. A comunidade então

avaliará e discutirá a notícia, agregando novos dados para garantir uma cobertura mais ampla

dos dados, muitas vezes bem mais extensa do que a realizada pelos meios de comunicação

Page 23: TCC: Wikipédia e Jornalismo

23

tradicionais. Na contramão da imprensa de massa, em vez de “filtrar, depois publicar”, com o

editor limitando os dados a incluir, a produção de notícias pelo jornalismo cidadão é

“publicar, depois filtrar”, com a notícia sendo postada e então reforçada pelas contribuições

dos espectadores. Os participantes do jornalismo colaborativo pedem para não serem

comparados com repórteres e outros profissionais do ramo, mas as comunidades acabam

preenchendo o papel de informar e influenciar tanto quanto a imprensa tradicional. (BRUNS,

2008, p.74-6) Um dos preceitos da construção colaborativa é “Dados olhos suficientes, todos

os erros são triviais". Assim, quanto mais pessoas envolvidas na construção do texto, menos

problemas o produto final terá, e a revisão por uma comunidade pode ser tão precisa quanto a

feita por especialistas. Os “olhos” também se aplicam aos leitores no caso de comunidades

abertas à colaboração externa, visto que se nenhum visitante deseja alterar o conteúdo pode-se

concluir que o artigo tem qualidade técnica e informativa. (STIVILIA, 2008,2008, p. 22)

O foco do produtor independente acaba sendo na produção de textos midiáticos em

vez do consumo. E para o público que apenas lê, não há mais a dependência de receber um

relato “regurgitado” e retrabalhado por diversas mãos visto que a era da informação permite

conseguir o relato de variadas fontes, ás vezes até em primeira mão. A comunicação muda de

ser focada no transmissor – geralmente uma corporação tradicional com maior acesso aos

fatos – para se tornar uma rede espontânea oriunda de fontes no próprio público que recebe.

Porém a produção em si não é garantia de que haverá uma cobertura consistente e eficaz. O

grupo precisa permanecer focado nos seus objetivos primários, e muitas vezes agregam

processos e ferramentas para um melhor controle de qualidade. Ocasionalmente isso acaba

deixando veículos que seriam um jornalismo cidadão com restrições editoriais não muito

diferentes das do jornalismo tradicional. (BRUNS, 2008, p.70-3) Assim como um grupo bem

motivado e coordenado cria um produto de boa qualidade, conflitos ideológicos entre

participantes e a geração indiscriminada de artigos acabam minando a missão e o rendimento

do projeto, e subsequentemente exigindo mecanismos mais formais de coordenação e controle

para garantir eficácia. (STIVILIA, 2008,2008, p. 33)

Outro diferencial da produção em jornais colaborativos é como a notícia não é o

produto final, mas apenas um ponto de partida, que geraria discussão e permitiria uma

abordagem mais ampla da história ao ver os debates dos leitores. Em contraste ao noticiário

tradicional, com o produto jornalístico sendo uma unidade única contendo os fatos relevantes

que permitem ao leitor saber o básico sobre o assunto – e isso quando não ocorre uma redução

de espaço que pode reduzir a notícia a apenas uma manchete – em detrimento ao contexto e as

Page 24: TCC: Wikipédia e Jornalismo

24

conexões da história com outras notícias para maximizar o encaixe da notícia nos processos

industriais de produção e transmissão, as notícias criadas pela lógica colaborativa são mais

um processo em constante evolução que um produto finalizado. Ao invés de um jornalista

solitário tentando desvendar a verdade e podendo ser tolhido pelas restrições impostas pelo

sistema que publica suas notícias, o jornalista é apenas uma fração de uma comunidade unida

em esforço para revelar a verdade, todos em constante diálogo e deliberação para desenvolver

algo que a comunidade sabe que nunca estaria completo. O jornalista não é mais “dono da

notícia”, com a produção jornalística pela lógica colaborativa entrando no conceito open

source de propriedade coletiva. (BRUNS, 2008, pp. 81-3)

Jornalismo online não necessita de grandes qualificações para ser feito, e geralmente

os participantes buscam apenas o bem comum e ganhar uma boa reputação em seu

envolvimento ao invés de recompensas financeiras. A participação na criação de notícias sai

das mãos de especialistas profissionalizados para uma base de pessoas de variadas

qualificações, mais proeminentemente pessoas que apenas querem discutir um assunto de seu

interesse e usar seu conhecimento no mesmo de forma jornalística, mas também incluindo

visitantes que decidem comentar sobre o tópico. A qualidade da escrita pode não ser a mesma

da gerada pelos meios de comunicação massivos, porém o aumento da cobertura de um tópico

e incluir a participação social na difusão desse conhecimento acabam por sempre justificar

para os jornalistas amadores manter seu trabalho em atividade. A efetividade do sistema é

comprovada pelos conglomerados de mídia contratando blogueiros e expoentes do jornalismo

cidadão, quando não compram seus sites para fazer parte da rede de páginas do veículo de

comunicação. Nem sempre significa que os recém-profissionalizados são “vendidos” que

largaram o sistema, visto que muitos acabam difundindo os conceitos do jornalismo cidadão

para a sociedade, e estimulando as companhias a buscar o envolvimento do espectador no

processo da criação de notícias. (BRUNS, 2008, pp. 86-93)

O jornalismo participativo acaba sendo uma mudança drástica da mídia de massa

tradicional não só por sua abordagem de construção coletiva, mas por lidarem com o “vão

temporal de conhecimento” que separa os eventos recentes tratados nos noticiários e os fatos

históricos relatados em livros. Enciclopédias tradicionais serviam para esse fim, porém não

eram exatamente a forma mais acessível e funcional por serem publicadas anualmente a um

preço alto. Mesmo as enciclopédias digitais como a Britannica.com trabalhavam em ciclos de

seis meses a um ano. Blogs e wikis mudaram esse panorama ao permitirem uma destilação

das informações pouco após os eventos ocorrerem, e ainda possuírem hyperlinks que

Page 25: TCC: Wikipédia e Jornalismo

25

permitem o leitor explorar mais a fundo o conteúdo e se possível ser um colaborador. (LIH,

2004, p.5) O uso de mais pessoas para revisar é um recurso único do jornalismo participativo,

que acaba se beneficiando diretamente de ter mais leitores quando estes reagem criticando o

conteúdo ou contribuindo com material. Essa conexão próxima entre leitura e edição contribui

para uma evolução rápida do conhecimento, uma função ausente da metodologia tradicional

dos meios de comunicação. (BRUNS, 2008, p.75-6)

O modelo tradicional de jornalismo é fechado, isolado e potencialmente problemático

na era da informação: esperar para publicar torna a notícia ultrapassada ou impede o

consumidor de conseguir informações que podem ser úteis, e a falta de interação com o leitor

deixam falhas de comunicação serem muito mais fáceis de ocorrerem. Daí o formato wiki em

particular pode ser uma adição significativa para a redação de notícias. Os leitores e editores

tem acesso imediato à história, podem consultar um ao outro para conferir se os fatos

concordam com o que foi coletado e observado, reescrever seções incorretas ou

desatualizadas, e a coordenação entre vários escritores é facilitada pelo fato de todos estarem

trabalhando no mesmo texto. (D’ANDRÉA, 2009) Porém nesse caso é essencial que o editor

tenha a palavra final de distribuição, resolvendo os problemas de imprecisão e vandalismo

comuns em wikis, removendo contribuições disruptivas, e checando a veracidade dos dados e

qualidade da redação. (BRADSHAW, 2007) Tal controle de qualidade é importante para gerar

um conteúdo capaz de cumprir todos os seus propósitos, bem como a presença das políticas

para determinar os critérios de julgamento que todos os artigos devem cumprir. (STIVILIA,

2008, p. 26)

O jornalismo é um trabalho que depende da colaboração para confiança. O público

acredita nas notícias por assumir que o “aparato escondido” responsável pela produção

jornalística garante que as informações são corretas, das fontes confiáveis usadas pelo repórter

aos editores que checam por possíveis erros. Blogs já tinham revertido o conceito ao

conquistar a confiança através apenas dos receptores – leitores, usuários que comentam, e

links em outras páginas. Daí muitos jornalistas considerarem a Wikipédia uma fonte a evitar e

o formato wiki totalmente contra a integridade jornalística: se qualquer um muda a página na

hora que quiser, como confiar? (GLASER, 2004)

Page 26: TCC: Wikipédia e Jornalismo

26

3.3 A temporalidade da notícia na Wikipedia

Um dos itens da página “O que a Wikipédia Não é” 3 é “A Wikipédia não é um

Jornal”, especificando que a escrita dos artigos foge do estilo de redação jornalístico, o

website não é uma fonte primária, e não só os eventos recentes não merecem maior

importância que outros tópicos, como precisam encaixar nos critérios de notabilidade do

website para ser provado que tem importância histórica suficiente para merecer um artigo

enciclopédico a seu respeito.

A discrepância reforçada pelas políticas oficiais acaba não impedindo que artigos

sobre eventos recentes sempre figurem entre os mais visitados e editados de cada mês, e

ocasionalmente a duração da colaboração pode ser ajudada pelo tempo em que o tópico figura

no noticiário e consequentemente no imaginário popular – a gripe suína ficou dois meses

seguidos como artigo mais editado em 2009. (D’ANDRÉA, 2009, p.194) A construção

colaborativa chega a ultrapassar o jornalismo tradicional: minutos após as primeiras bombas

dos atentados de 2005 em Londres explodirem, já havia um artigo na Wikipédia sobre o

assunto, (FERRON, MASSA, 2011) e até hoje a atividade no verbete do atentado em 7 de

julho de 2005 detém o recorde do número de edições em apenas um dia, com 2,857 revisões

em 24 hours – ocasionalmente beirando 15 edições por minuto. 4

Uma das subpáginas sobre notabilidade da Wikipédia descreve as possíveis condições

em que um evento pode valer sua inclusão, e o escopo da cobertura jornalística cabe na

maioria desses fatores5:

Eventos são provavelmente notáveis se tem uma continua

significância histórica e atendem as políticas de notabilidade gerais, ou se tem

um efeito duradouro significativo.

Eventos também são provavelmente notáveis se tem impacto

muito difundido (nacional or internacional) e foram amplamente divulgados

em várias fontes, especialmente se foram reanalisados em seguida. (como

descrito abaixo)

3- http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:NOT#NEWS

4 -http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Wikipedia_records#Edits

5 -http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Notability_(events)#Inclusion_criteria

Page 27: TCC: Wikipédia e Jornalismo

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Eventos com menor cobertura ou escopo podem ou não ser

notáveis; a descrição abaixo providencia orientação para avaliar.

Eventos rotineiros do noticiário (incluindo a maior parte dos

crimes, acidentes, mortes, notícias políticas ou de celebridades, “chocantes”,

histórias sem valor duradouro, e fenômenos virais) – por mais trágico ou

amplamente relatado à época – geralmente não são notáveis a menos que algo

a mais dê um significado duradouro.

Ao contrário de um blog, no qual o texto é de total responsabilidade de um único

autor, nas wikis o texto é fruto de um trabalho conjunto dos colaboradores e a versão final do

material emerge de um consenso negociado pelos envolvidos, demonstrando a importância da

mediação exercida no processo. O formato já foi utilizado para pelo menos um site de cunho

jornalístico: o site-irmão da Wikipédia, WikiNotícias. Experimentos terceirizando textos

jornalísticos para os wikipedistas já foram efetuados pelo editor da Esquire A.J. Jacobs e o

repórter brasileiro Pedro Costa, que submeteram textos à comunidade da Wikipédia com a

liberdade de ajustes e correções. (D’ANDRÉA, 2009) Outros veículos comunicativos

resolveram explorar o potencial informativo do wiki com sites abastecidos com o

conhecimento dos leitores, geralmente de tópicos que não teriam espaço no noticiário regular:

a revista Wired abriu uma wiki com guias de “faça você mesmo”, e o jornal San Diego

Tribune uma enciclopédia para a cena musical da cidade. (BRADSHAW, 2007)

O conceito do formato wiki em tese é contra-intuitivo por não exigir credenciais dos

colaboradores e ainda não ter alguém que revise o conteúdo antes da publicação. Porém a

funcionalidade dos websites é indubitável, estimulando a interação social entre os editores ao

permitir que eles possam “seguir” artigos acompanhando alterações nos mesmos, reverem

mudanças individuais - nenhuma operação é permanentemente destrutiva já que todas as

revisões dos artigos são armazenadas, e reverter alterações maliciosas pode ser feito ao clique

de um botão - e discutir ações para o progresso em páginas especiais para esse fim. (LIH,

2004, p.4)

Mesmo que as políticas da Wikipédia sugiram o WikiNotícias para focar em conteúdo

noticioso, tal projeto sofre tanto de falta de colaboradores (em Abril de 2012, o WikiNotícias

em inglês passou 2 dias sem nada publicado, enquanto a versão portuguesa ficou 6 dias) como

de um consenso de como gerir o site (a ponto de colaboradores insatisfeitos da versão inglesa

se desligarem para criar um website similar, o OpenGlobe), enquanto multidões vem para a

Page 28: TCC: Wikipédia e Jornalismo

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enciclopédia querendo editar um único tópico que acabaram de ver no noticiário. (FORD,

2011) O próprio Wales admitiu que o conteúdo do WikiNotícias acaba sendo eclipsado, a

ponto de ser redundante, pelo escopo e importância do gigantesco site-irmão, (DEE, 2007) em

especial quando a cobertura do WikiNotícias acaba consistindo na redação de notícias a partir

dos dados já relatados pela mídia – algo que já é realizado nos artigos sobre eventos recentes

da Wikipédia, onde as contribuições também ajudam a construir uma base de conhecimentos

duradoura em vez de algo tão efêmero como uma notícia. (BRADSHAW, 2007)

Um acontecimento marcante gera na Wikipédia uma atividade de cobertura com

certos paralelos à do jornalismo tradicional. Ambos estão motivados a realizar uma coleta,

síntese e divulgação de informações neutras e confiáveis em tempo hábil e veloz. O

diferencial máximo do trabalho da Wikipédia é ser um trabalho social de construção do

conhecimento, com baixo custo de participação, atividades autônomas e integração da

contribuição coletiva. (KEEGAN, GERGLE, CONTRACTOR, 2011, p. 112) Artigos da

Wikipédia não querem substituir o trabalho dos especialistas, mas providenciar acesso do

público às informações em seus verbetes, com direito às referências e ligações externas que

guiam para onde pode se aprofundar no material discutido. (AYERS, MATTHEWS, YATES, ,

2004) O texto jornalístico é similar, providenciando tanto os dados quanto um caminho de

investigação para o público. (LAGE, 2001) Mesmo com a declaração nas políticas da

Wikipédia de que a escrita dos artigos não segue o estilo das técnicas de redação jornalísticas,

a prosa funcional e concisa está mais próxima do texto jornalístico do que o produzido por

historiadores, que normalmente agregam elementos da prosa literária para tornar seus relatos

de eventos passados mais engajantes. (ROSENWEIG, 2011) A própria guia com conselhos

para escrever artigos melhores declara que embora o estilo jornalístico não seja necessário,

“uma familiaridade com essa convenção pode ajudar no planejamento do estilo e layout de

um artigo”. 6

A construção dos relatos nos artigos da Wikipédia acaba diferindo de como um

jornalista compila, utilizando apenas a síntese e a agregação de dados já publicados em outras

fontes de informação ao invés da apuração direta de informações inéditas. (D’ANDRÉA,

2009) Um jornalista cria sucessivas histórias, possivelmente como relato primário após

consultar em primeira mão uma fonte com os dados - com direito a fazer reportagens focando

em determinados personagens da notícia, que chegam a ganhar espaço para relatos em

primeira pessoa. (SOUSA PINTO, 2009) Os prazos de fechamento implicam que os fatos

6 - http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Writing_better_articles#News_style

Page 29: TCC: Wikipédia e Jornalismo

29

relevantes – sejam “espontâneos” ou fruto de um cálculo oportunista de determinados agentes

sociais – precisam ser divulgados o mais rápido possível, mas sempre seguindo a objetividade

jornalística e o distanciamento crítico. Mesmo sem tempo de uma apuração completa, o fato

publicado deve ser rigorosamente checado, com o jornalista podendo estender sua

investigação aos dias seguintes se o fato for significativo suficiente. (PUBLIFOLHA, 2011,

pp. 22-25) Em paralelo, os wikipedistas fazem várias versões de uma mesma página

dependendo de já ter sido publicado um relato pronto sobre os acontecimentos em uma fonte

fiável – com o sério risco de defasagem ou contradição com outros veículos – e focando mais

em uma abordagem geral em detrimento a destacar narrativas pessoais (que violam o

princípio de neutralidade por dar peso indevido a uma determinada opinião).

Porém a redação é similar, com os meios de comunicação e os verbetes da

enciclopédia usando certa intuição na construção textual, selecionando o que seria relevante

para a inclusão e a melhor organização para as informações, sem deixar de lado a intenção de

um texto claro e compreensível para iniciados e leigos. A diferença é o grau de envolvimento

e a prioridade dada ao ato de resumir, já que os jornalistas podem enriquecer sua redação com

detalhes que comprovam a presença do autor no ambiente discutido, mas seriam considerados

desnecessários na prosa da Wikipédia - não muito diferente de como um redator com acesso

aos dados de um conflito militar será incapaz de produzir um texto tão engajante quanto um

repórter presente no campo de batalha. (LAGE, 2001) Os meios de comunicação podem usar

relatos inéditos, mas não descartam a importância da verificabilidade: manuais de jornalismo

destacam sobre atribuir a informação utilizada na reportagem, bem como apurar e checar os

dados antes que acabe desmentidos ou incompletos. É preciso evitar a reprodução de rumores,

não confiar completamente em pronunciamentos oficiais, confirmar os dados informados pela

fonte e se possível recolher mais de um relato para comparar. (SOUSA PINTO, 2009) O

Manual de Redação da Folha de S. Paulo inclusive nota (p. 26) que o repórter deve ser

cauteloso com informações captadas na internet, visto que “o simples fato de estarem

difundidas em um meio de alcance global não significa necessariamente que sejam

procedentes e verídicas.” As políticas da Wikipédia7 destacam como “qualquer pessoa pode

criar uma página de Internet e assim afirmar-se como um especialista numa determinada área

ou temática” e assim sites pessoais, blogs ou conteúdo gerado por usuários (wikis, páginas em

redes sociais, postagens em fóruns) são largamente vistos como impróprios em termos de

7 –

http://en.wikipedia.org/wiki/WP:IRS#Self-published_sources_.28online_and_paper.29

Page 30: TCC: Wikipédia e Jornalismo

30

servirem como fontes quando o autor não é alguém comprovadamente relevante na área

discutida ou um profissional do campo jornalístico.

O uso de meios digitais para todas as etapas da produção jornalística – apuração,

composição, edição, e circulação – criou o conceito de Jornalismo Digital em Bases de Dados,

com tais bases tendo diversas finalidades: indexar e classificar peças informativas, integrar

etapas do processo de produção jornalístico (composição, edição e disponibilização do

produto), ordenar e mediar os mecanismos de interação e colaboração informativa. Tal

formato jornalístico tem sete diferenciais: dinamicidade, automatização, inter-

relacionamento/hiperlinkagem, flexibilidade, densidade informativa, diversidade temática e

visualização. (BARBOSA, 2008) Todos estes estão presentes na Wikipédia, que cobre os mais

variados assuntos com o máximo de detalhamento possível, possui um formato intuitivo em

que todos podem editar e as alterações ficam online tão logo são submetidas (e diversas

tarefas repetitivas são executadas por ferramentas automáticas que vasculham artigos, os

“robôs”), e faz uso de recursos que garantem a ilustração do tópico com recursos multimídia

(imagens, textos e sons) e acesso fácil a artigos relacionados por hyperlinks.

Tanto o meio jornalístico quanto a Wikipédia são hierarquizados para coordenar

melhor as funções. Nos veículos de comunicação, os jornalistas se dividem em editorias de

assunto específico conforme seus interesses de cobertura. Apesar da redação de notícia

requerer o entendimento do que está sendo transmitido, um jornalista se especializar em uma

área de cobertura é um plano mais prático que um especialista aprender as técnicas

jornalísticas visto que mesmo as reportagens mais aprofundadas não necessitam ser espelhos

da realidade. (LAGE, 2001). Wikipedistas com interesses comuns também acabam criando

suas próprias subcomunidades na enciclopédia, os WikiProjetos, onde ocorrem discussões e

mobilizações para coordenar a edição de páginas em um mesmo tópico. O cânone de

conhecimento das enciclopédias tradicionais passa a ser dividido por variados grupos

informativos, que ainda assim não trabalham isoladamente visto que certos assuntos acabam

sendo uma “interseção” entre áreas diferentes. (BRUNS, 2008, pp. 116-7) Os jornalistas são

explicitamente divididos em categorias para a melhor coordenação produtiva (pauteiros,

redatores, diagramadores, editores), enquanto embora todos os wikipedistas sejam “Usuários”

com direito de edição que criam e alteram o conteúdo da mesma forma, o desejo de manter a

ordem criou determinadas figuras de autoridade para guiar a manutenção das páginas. Todos

os usuários com determinado tempo de registro e número de edição podem se candidatar ao

cargo de “administrador”, podendo reverter edições, proteger ou eliminar páginas, e bloquear

Page 31: TCC: Wikipédia e Jornalismo

31

usuários causando problemas na comunidade, enquanto “burocratas” ditam a respeito de

privilégios como administrador e robô. (BRUNS, 2008, pp.140-2)

A igualdade no geral de wikipedistas – reforçada pelo fato de todos acabam se

escondendo e mesclando atrás de nomes de usuário (e em casos extremos, números de IP do

computador utilizado, já que não é obrigatório ser registrado para editar) – reforçada pela

falta de remuneração ou recompensas físicas, torna uma classe que só contribui porque quer,

motivados por se sentirem eficazes e úteis em sua colaboração com o projeto.(JOHNSON,

2009) O jornalista também é uma classe que é mais motivada pelo afinidade à área de

Comunicação e o engajamento à “missão” de informar do que simplesmente a busca por fama

e fortuna (a ponto de serem comum a reclamação do salário ser baixo comparado à quão

extensiva é a jornada de trabalho), ao mesmo tempo em que evita um propósito messiânico de

mudar o mundo com suas notícias. (TRAVANCAS, 2011) Ambos só conseguem o

reconhecimento e promoções de seu serviço com trabalho duro.

Page 32: TCC: Wikipédia e Jornalismo

32

Capítulo 4 - A noticiabilidade colaborativa sobre os fatos marcantes de 2011

“Talvez a contribuição de histórias mais significativa ocorreu na Wikipédia, a enciclopédia

online. Horas depois da explosão, enquanto o número de mortos continuava a crescer, eles já

atualizavam seus registros de 7 de Julho. Lá, junto da absolvição póstuma de Joana D’Arc em

1456 e o OVNI de Roswell em 1947, estava um relato em tempo passado dos atentados. Em

termos da Internet, a crise em Londres já estava passando para a história.”

Jornal Metro

4.1. Perspectiva metodológica

Dada a proeminência da Wikipédia, ela se tornou um ponto de referência para

informações ligadas a acontecimentos inesperados e de alta divulgação. Tais eventos incluem

desastres naturais, acidentes, e conflitos políticos, e artigos nestes tópicos saturam as listas de

artigos com mais usuários, revisões e visitas do website em qualquer mês desde o

estabelecimento da Wikipédia. O projeto baseado na lógica colaborativa e permitir aos

usuários revisar e acrescentar novos dados conforme eles surgem é bem empregado para tratar

de emergências, com os artigos de desastres como o massacre na universidade Virginia Tech

em 2007 sendo considerados grandes exemplos de abrangência, confiabilidade e atualidade.

(KEEGAN, GERGLE, CONTRACTOR, 2011, p. 105)

A “sociologia dos desastres” estudou as comunidades altruístas que se formam após

tragédias de dano incerto e informação escassa, com a simpatia pelas vítimas cria laços

momentâneos entre pessoas que não se conhecem e passam a tentar criar a ordem a partir do

caos no local do desastre. A era digital contribuiu para que também surgissem tais

comunidades no meio online, seja meramente mandando mensagens de condolências ou se

mobilizando para buscar dados e enviar ajuda. A resposta da Wikipédia a grandes eventos

acaba sendo muito similar a essa mobilização social. Catástrofes como terremotos exigem a

reconstrução do evento bem como a incorporação de informações novas. Diversos editores

com variadas habilidades, conhecimento e motivações se juntam para construir a página-

relato do evento, que inclui desde veteranos da enciclopédia como editores de momento que

não voltam a editar a Wikipédia. Afinal, a integração de dados para fatos ainda presentes nos

noticiários acaba sendo uma grande oportunidade para internautas que apenas estão lendo o

artigo se estimularem a agregar dados novos. (KEEGAN, GERGLE, CONTRACTOR, 2011,

p. 106)

Page 33: TCC: Wikipédia e Jornalismo

33

A construção das páginas da Wikipédia acaba por ser um meio-termo entre o noticiário

e os depoimentos dos participantes em redes sociais. Em um exemplo da memória coletiva

sendo construída continuamente, diversos editores vão agregando variados acontecimentos

para serem condensados em uma única narrativa. (FERRON, MASSA, 2011) O texto

resultante acaba por expor a visão de pessoas que por mais díspares e dissonantes são unidas

pelo interesse em contribuir seu conhecimento e comoção pelo assunto. Tudo vem de um

processo de negociação, e como a evolução da escrita não é apagada - o sistema guarda todas

as revisões mesmo após a alteração de conteúdo, e a aba de discussão contém os debates do

processo de redação – conseguem-se todas as informações do desenvolvimento do artigo, do

conflito até o consenso. (PENTZOLD, 2009)

Por mais que o jornalista em tese faça seu trabalho sozinho, veículos comunicativos

sempre tentam manter os membros da equipe em contato uns com os outros, principalmente

ao realizar reuniões para o planejamento e edição final, para que a troca de ideias enriqueça o

produto. (PUBLIFOLHA, 2011, p. 19-21, 34-35) A página de discussão da Wikipédia cumpre

essas mesmas funções, abrindo espaço para o debate do que já está no artigo, exposição de

informações novas para determinar se merece inclusão, e o levantamento de tarefas a serem

cumpridas para a melhora da página.

Para as análises a seguir, os exemplos vem primariamente dos artigos na Wikipédia em

inglês, que possui um maior escopo de artigos e tráfego, garantindo mais editores envolvidos

na construção das páginas e engajamento de editores, condições favoráveis para o

desenvolvimento dos verbetes. 8

8 -Os websites utilizados para coleta de estatísticas como popularidade de edições estão

listados na página de referências bibliográficas.

Page 34: TCC: Wikipédia e Jornalismo

34

4.2. Os terremotos no Japão e Haiti: acontecimentos de magnitude

Em 12 de Janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7 ocorreu no Haiti, com seu

epicentro a 25 quilômetros da capital do país, Porto Príncipe. Ajudado pelos problemas de

infraestrutura da nação subdesenvolvida, o país foi devastado pelo abalo sísmico: cerca de 30

mil prédios foram destruídos, e o governo haitiano estimou um número de 330 mil mortos. Os

danos contribuíram para uma epidemia de cólera que se iniciou em outubro. 9

Um ano depois, em 11 de Março de 2011, um abalo sísmico ainda mais forte,

chegando a 9 na escala de magnitude de momento, ocorreu no Oceano Pacífico a 70 km a

oeste da região japonesa de Tohoku. Embora o terremoto em si tenha sido forte o suficiente

para causar a destruição de rodovias e linhas ferroviárias no Japão, os maiores danos foram

causados pelos tsunamis resultantes, com ondas que chegaram a 40 metros de altura e

entraram 40 km para dentro do país. Mais de 12 mil pessoas morreram, e prejuízos causados

pelos estragos chegavam a US$309 bilhões. Além disso, os danos sofridos por duas usinas

nucleares em Fukushima levaram a uma explosão, espalhando material radioativo e causando

faltas de energia e evacuações.

Relatos da Wikipédia sobre os dois eventos surgiram rapidamente. O artigo do

terremoto no Haiti foi criado em inglês às 22:33 UTC10

, pouco após as primeiras notícias – e

quarenta minutos após o evento em si, ás 21:59. O mesmo usuário que criou o artigo havia

dois minutos antes indicado o ocorrido para uma potencial inclusão em “Eventos Recentes”, e

o fato era relatado na página principal à 1:34 do dia seguinte. Em 24 horas o artigo tinha sido

editado 800 vezes, chegando a 2,745 palavras e 106 fontes e conseguindo 168 mil visitas à

página. (VARGAS, 2010) Já no evento de Tohoku, a Wikipédia em japonês foi a pioneira no

relato criando um artigo às 5:57 UTC, meros minutos após o terremoto de 6 minutos parar. A

versão inglesa fez sua página às 6:18 UTC, já contando com avisos de um potencial tsunami.

Onze minutos depois o artigo era indicado para Eventos Recentes, e até a promoção às 7:58

UTC, 12 editores haviam apoiado a promoção (contra apenas 4 na do Haiti). Nesses 90

minutos, o artigo já tinha 220 revisões por meio de 82 editores. Para fins de comparação,

apesar de a imprensa ter sido avisada do terremoto em minutos, o New York Times não tinha

9 - Conforme http://en.wikipedia.org/wiki/2010%E2%80%932013_Haiti_cholera_outbreak e

http://en.wikipedia.org/wiki/2010_Haiti_earthquake 10

- Tempo Universal Coordenado (Universal Time Coordinates), o equivalente ao horário de Greenwich. O

horário de Brasília é UTC -3.

Page 35: TCC: Wikipédia e Jornalismo

35

uma notícia sobre o terremoto até as 7:35 UTC. (KEEGAN, GERGLE, CONTRACTOR,

2011, p. 106)

Ambos os eventos atraíram muita colaboração enquanto as consequências estavam

frescas no noticiário. Em um mês os eventos no Japão renderam 4536 edições, enquanto os do

Haiti ficaram em 4131, e os artigos encabeçaram a lista de páginas mais editadas da

Wikipédia nos respectivos meses da tragédia. Verbetes relacionados também geraram muita

atividade, em especial páginas contendo tópicos específicos do desastre para reduzir o

tamanho do artigo principal – nas listas mensais dos vinte artigos mais editados entraram dois

sobre a resposta humanitária no país caribenho, e três páginas envolvendo o incidente nuclear

em Fukushima.

Mesmo artigos já existentes foram muito editados: o verbete sobre o Haiti estava entre

os mais alterados de janeiro de 2010 (o mesmo não ocorreu com o Japão, o que pode ser

interpretado tanto pelo escopo da tragédia – o evento caribenho gerou seções inteiras no artigo

do Haiti por causar pioras consideráveis em um país já muito pobre, mas apesar do drama no

Japão o verbete do país apenas incluiu breves menções ao terremoto e incidente nuclear nas

seções sobre história recente, geologia e tecnologia – como pelas implicações negativas do

formato aberto – constante vandalismo à página do Haiti levou administradores a proteger o

verbete para que só usuários registrados e com edições suficientes pudessem modificar o

conteúdo, algo que já estava instaurado na página do Japão desde 2010), e uma das vítimas

notáveis, a brasileira Zilda Arns, da Pastoral da Criança, teve sua morte inspirando um pico de

edições no artigo a seu respeito na Wikipédia lusófona (145 edições nos três dias que

seguiram o sismo, contra 59 desde a criação da página em 2009), acompanhando e

ocasionalmente ultrapassando a cobertura na mídia brasileira. (D’ANDRÉA, 2011) No caso

do Japão, 64 páginas incluídas na categoria dos incidentes – em sua maioria locais atingidos

pelo abalo sísmico – receberam em um mês 3792 edições por 1140 usuários, um número que

beirava quase a metade das mudanças no conjunto durante toda a década precedente (8074

revisões por 2997 editores entre Julho de 2001 e Março de 2011). (KEEGAN, GERGLE,

CONTRACTOR, 2011, p.107)

Page 36: TCC: Wikipédia e Jornalismo

36

A cobertura da Wikipédia foi muito além de simplesmente redigir o artigo sobre o

terremoto, com pessoas, locais e tópicos envolvidos no terremoto ganhando páginas próprias.

Além do artigo do terremoto e tsunami em Tohoku, 21 artigos relacionados foram criados

entre 11 de março e 4 de abril de 2011 à medida que os incidentes se desenrolavam, como

relatos dos acidentes nucleares, resposta humanitária, reações internacionais, efeitos da

radiação, evacuações, uma cronologia do evento, e uma lista de cidades afetadas. (KEEGAN,

GERGLE, CONTRACTOR, 2011, p. 107) Gerar artigos sobre o ocorrido Haiti foi uma

atividade mais intensa, comas mesmas 22 páginas sendo criadas em cinco dias, que incluíram

não só artigos diretamente envolvidos no evento - subtópicos como resposta internacional,

vítimas e uma cronologia dos esforços de resgate; locais e pessoas vitimados pelo terremoto

(incluindo a própria Zilda Arns, que não tinha artigo em inglês) – como páginas relacionadas

que só recebem tal atenção em eventos como este – uma grupo que ajudou o resgate com

imagens de satélite, duas falhas geológicas envolvidas no tremor e o último sismo de grande

impacto no Caribe, ocorrido em 1907 na Jamaica. Uma pesquisadora do Google, Krishna

Bharat, citou em um congresso de jornalistas que pelo modo como a comunidade relatou os

eventos no Haiti “a indústria poderia aprender muito com a Wikipédia." 11

A atenção dada ao assunto é paralela à presença no imaginário popular, e assim ocorre

uma expansão desenfreada, causada por editores agregando todos os dados possíveis que

surgiam no noticiário. Entre 11 e 15 de março, o foco em criar páginas sobre o terremoto e

tsunami em Tohoku eram equivalentes, mas quando o foco da imprensa foi para o risco de um

acidente nuclear na usina de Fukushima, logo a geração de novo conteúdo tomava a dianteira.

A atividade só começou a dissipar após os riscos voltarem a diminuir em 20 de março,

simultaneamente à volta da energia para geradores que controlaram o resfriamento do

material em fusão. (KEEGAN, GERGLE, CONTRACTOR, 2011, p. 107) O enfoque da mídia

na comoção internacional pelo desastre no Haiti e subsequentes ações de caridade incharam as

seções sobre reação internacional e vítimas a ponto de rapidamente necessitarem páginas

dedicadas (em 14 de janeiro, dois dias depois do terremoto, era criada uma página sobre a

reação internacional - logo rebatizada para “resposta humanitária”, e eventualmente

subdividida para separar as ações de governos, ONGs e empresas - e um dia depois uma

relacionada ás vítimas) e gerar conteúdos disputados. Um editor reclamou do enfoque em

vítimas estrangeiras quando a maioria dos mortos eram haitianos, e logo em seguida

reescreveu a seção para remover as listagens de desaparecidos. A ampla divulgação de ações

11

- http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Wikipedia_Signpost/2010-01-18/News_and_notes

Page 37: TCC: Wikipédia e Jornalismo

37

de apoio para a reconstrução do país pela internet levava a edições incluindo links para sites

de caridade (alguns dos quais eram removidos imediatamente sob acusações de spam) e uma

discussão sobre qual ativismo merecia ser incorporado ao corpo do texto.

Como o fluxo informativo não se interrompe enquanto os acontecimentos estão em

evidência, os wikipedistas tem de discutir o que incluir, remover conteúdos considerados

irrelevantes, e fazer trabalhos especializados para manter artigos atualizados e organizados.

Um editor da página sobre Tohoku criou uma predefinição que transcrevia nas páginas em que

era incluída o número de mortos e referências que levavam ao relato da polícia japonesa,

fazendo os usuários só atualizarem essa predefinição para manter o dado de fatalidades

atualizado – não era necessário alterar cada página que continha o número. (KEEGAN,

GERGLE, CONTRACTOR, 2011, p. 109) No artigo do Haiti muitas informações excessivas

e datadas foram reduzidas em prol da concisão, como “links externos” com sites de caridades

e blogs dos meios de comunicação.

O mundo online permitiu às pessoas descobrirem rápido sobre os problemas do

mundo, divulgá-los através das redes sociais e criar iniciativas para ajudar as vítimas. O

desenvolvimento das páginas da Wikipédia foi similar, dando enfoque ao que surgia sobre os

eventos enquanto se organizavam os dados para uma cobertura abrangente, fácil de ler e

fazendo algo que muitos meios de comunicação acabaram deixando para trás em meio à

urgência de ter algo para publicar: checando as fontes.

4.3. Primavera Árabe: eventos contínuos, edições em escalada

Em 17 de Dezembro de 2010, o vendedor tunisiano Mohammed Bouazizi, revoltado

com as autoridades locais terem confiscado seu carro de frutas alegando que seu negócio era

ilegal, ateou fogo em si próprio em frente ao prédio do governo de sua cidade. Essa

demonstração de revolta é considerada o estopim inicial de uma série de manifestações

clamando por democracia e melhores condições de vida no norte africano e Oriente Médio,

eventos que seriam unidos sob a alcunha de “Primavera Árabe”. O sucesso da intifada na

Tunísia, onde os protestos incitados pelo ocorrido com Bouazizi fortaleceram a ponto do

presidente Zine El Abidine Ben Ali fugir do país em 14 de Janeiro de 2011, levou a uma onda

de instabilidade na região que influenciou ações similares em Argélia, Jordânia, Egito e

Iêmen, culminando na deposição do presidente egípcio Hosni Mubarak e do iemenita Ali

Abdullah Saleh. Em meio ás rebeliões explodiram duas guerras civis, uma na Líbia que em

Page 38: TCC: Wikipédia e Jornalismo

38

agosto de 2011 derrubou o ditador Muammar al-Gaddafi – mais tarde executado pelas forças

rebeldes – e outra na Síria ainda em curso, com milhares de mortos e milhões de desalojados.

A internet teve papel forte na Primavera Árabe, com protestos sendo organizados pelo

Facebook, e os manifestantes usando seus celulares para se comunicarem uns com os outros e

também registrarem os eventos com vídeos e fotos. O egípcio Wael Ghonim, um executivo do

Google que foi um dos líderes na organização das manifestações em seu país, chegou a fazer

um paralelo com a “revolução do usuário” ao descrever os eventos como uma “Revolução

2.0”, e dizer que “nossa revolução é como a Wikipédia, todos estão contribuindo conteúdo e

não sabemos a identidade dos contribuintes”. A própria enciclopédia era abraçada pelos

participantes das revoltas, como prova de que o site era parte essencial de registrar e aprender

os eventos contemporâneos. Mais de 1200 voluntários contribuíram com textos e imagens dos

protestos no mundo árabe para compartilhar com o mundo seus dramas e experiências. O que

era efetivamente um trabalho jornalístico acabou até trazendo os meios de comunicação

tradicionais, com o canal Al-Jazeera providenciando vídeos de sua cobertura em Cairo. 12

A página da Wikipédia sobre os protestos na Tunísia, que eventualmente foram

apelidados pela imprensa internacional como “Revolução de Jasmim” (citando a flor-símbolo

da Tunísia; esse epíteto tornou-se o título do artigo na Wikipédia Lusófona) foi criada em 30

de Dezembro de 2010, dois dias após Ben Ali se pronunciar a respeito das manifestações cada

vez mais violentas, inspirando um artigo do The Guardian que até comparava os eventos aos

que em 1989 levaram à deposição do ditador romeno Nicolau Ceausescu. No mesmo dia já

era indicada para os Eventos Recentes, apesar que os acontecimentos só foram divulgados na

página principal em 2 de janeiro. Em apenas 2 dias, o artigo teve 27 edições, fechando 2010

com 909 palavras e 13 referências. Já se incluía uma associação com outros conflitos na

região, mencionando um conflito entre manifestantes e policiais no dia 28 de dezembro de

2010 na capital da vizinha Argélia (onde ao longo de 2010 já haviam ocorrido muitos

protestos contra o desemprego e falta de habitação, mas tiveram seu momento mais agressivo

após o conflito tunisiano).

A atividade continuou intensa ao longo de Janeiro de 2011, com 1050 edições por 216

usuários, qualificando o artigo entre os 10 mais movimentados do mês. A maioria das

alterações envolveu a atualização para incluir as novas ações populares e a reação

internacional aos eventos. O maior pico de revisões ocorreu quando a Tunísia era novamente

parte dos Eventos Recentes em 14 de Janeiro, dia em que Ben Ali fugiu para a Arábia Saudita.

12

- http://meta.wikimedia.org/wiki/Wikimedia_Foundation/Annual_Report/2010-2011/Revolution

Page 39: TCC: Wikipédia e Jornalismo

39

Atraiu-se também um fluxo de atenção para o artigo do ditador (a ponto de entrar entre as 20

mais ativas do mês e ser protegida por excesso de vandalismo) e a criação de uma página

sobre Bouazizi, que apesar de um editor indicar para possível deleção, acabou mantida por

considerarem que não era uma página criada meramente por recentismo, visto que o sacrifício

do vendedor tornou-o um mártir em seu país e acabou sendo uma referência nas outras nações

(o número de autoimolações nos protestos argelinos chegou a valer criação de artigo próprio).

A onda revolucionária instigava cidadãos insatisfeitos em outros países, valendo

inclusão na seção de “Instabilidade regional” na revolta “original” tunisiana e artigos

próprios, na maioria dos casos pouco depois da exposição dos eventos no noticiário. O artigo

sobre os protestos no primeiro país a seguir o exemplo tunisiano, a Argélia, surgiu em 10 de

janeiro, 24 horas depois de cinco dias de motins na maior parte das cidades da nação. Por

outro lado no mesmo dia em que os cidadãos de Egito e Iêmen realizavam um “Dia da

Revolta” (dias 25 e 27, respectivamente) com grande quantidade de pessoas na rua já eram

criados na Wikipédia inglesa páginas para relatar os acontecimentos. Eventualmente um

usuário sugeriu que as revoltas que vinham sendo listadas no artigo do movimento “original”

da Tunísia poderiam ir para um artigo próprio para constar que eram fenômenos interligados.

No mesmo dia já surgia uma página compilando as manifestações pela democracia e melhores

condições de vida que se iniciavam por vários países, que do título original “Protestos de

2010-11 no Mundo Árabe” precisou passar por várias renomeações até um nome que

satisfizesse toda a comunidade.

Sendo o título a parte que primeiro é vista pelo leitor, o nome de uma notícia ou de um

artigo da Wikipédia tem de ser um resumo satisfatório do conteúdo. As convenções da

Wikipédia consideram13

um bom nome de artigo como reconhecível, natural, preciso, conciso

e consistente, e no Manual da Folha todas essas características se veem na declaração de que

“os títulos devem ser, ao mesmo tempo capazes de tornar claro, em poucas palavras e em

ordem lógica, o objeto da notícia”. (p.36) Exercer esse caráter descritivo ao lidar com uma

sucessão de eventos que expandem seu escopo e impacto como as manifestações no mundo

árabe provou-se complicado. Os artigos de cada país tinham ajustar datas (os protestos da

Tunísia e Argélia começaram ainda em 2010, e em outros países os conflitos se estenderam

para 2012) e o termo descritivo do evento, para demonstrar que de “Protestos” os eventos já

se qualificariam como “Revolta” (“processo político-militar em que um grupo de indivíduos

decide não mais acatar ordens ou a autoridade de um poder constituído”), “Revolução”

13

- https://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Article_titles

Page 40: TCC: Wikipédia e Jornalismo

40

(“mudança fundamental no poder político ou na organização estrutural de uma sociedade”) ou

“Guerra Civil” (“guerra entre grupos organizados dentro do mesmo estado-

nação ou república”). Já a onda revolucionária era ainda mais problemática de resumir: o

nome precisava descrever sem ignorar tecnicalidades como a variação do grau de

engajamento e conflito em cada país, e o fato das manifestações se estenderem a locais que

apesar de islâmicos não eram árabes, como o Irã. Em Maio, uma votação aprovou a fixação

do artigo sob o título “Primavera Árabe”, um termo cunhado em janeiro por um cientista

político americano (alusão à Primavera de Praga, um período de liberalização política na

Checoslováquia em 1968) que era cada vez mais usado pelos meios de comunicação para

descrever todos os eventos no Oriente Médio e norte africano.

O destaque internacional para a Primavera Árabe ocorreu após os eventos no Egito,

com as multidões do “Dia da Revolta” – mais de 50 mil no centro de Cairo e 20 mil em outras

cidades egípcias – também aparecendo nos Eventos Recentes, e atraindo mais editores

interessados na atualização do artigo do que o incidente na Tunísia. Em apenas uma semana, o

artigo sobre os protestos foi o segundo mais editado de janeiro (atrás da página sobre um

tiroteio no Arizona), e no mês seguinte encabeçava a lista dos mais ativos – incluindo um pico

de edições após a renúncia de Mubarak no dia 11 de Fevereiro. Nos 45 dias após o “Dia da

Revolta”, o artigo da Revolução Egípcia recebeu 6,059 edições por 1,190 usuários diferentes,

uma média de 135 edições diárias, e a separação de tópicos para manter o artigo principal com

um tamanho razoável garantiu uma categoria para a revolução com 21 páginas, incluindo

“Resposta doméstica à Revolução Egípcia de 2011,” “Cronologia da Revolução Egípcia de

2011,” artigos sobre os grupos que articularam o Dia da Revolta, e a subcategoria “Pessoas da

Revolução Egípcia de 2011”, com 36 páginas. (FERRON, MASSA, 2011)

Outro país que atraiu um grande número de editores para redação do artigo sobre sua

incursão na onda de manifestações foi a Líbia, em especial pelas consequências trágicas – o

ditador Muammar al-Gaddafi tentou reprimir violentamente os protestos, e subsequentemente

o conflito escalou para uma guerra civil que exigiu intervenção militar da OTAN – e

mantendo a segunda página mais ativa em fevereiro e março de 2011 (atrás da revolução no

Egito e o terremoto no Japão, respectivamente). Depois de uma primeira tentativa de lançar

uma página sobre os eventos na Líbia no final de janeiro para relatar que um “Dia de Revolta”

estava sendo planejado para o mês seguinte – tornada um mero redirecionamento para a

subseção da Líbia na página da Primavera Árabe que já descrevia esse fato – o artigo

“Protestos líbios de 2011” foi criado em 16 de fevereiro, relatando os planos para os protestos

Page 41: TCC: Wikipédia e Jornalismo

41

no dia seguinte, as declarações de Gaddafi sobre estar pronto para contra-atacar, e o primeiro

ato rebelde: um protesto em Bengasi incitado pela prisão de um ativista. Após o Dia da

Revolta, muitos usuários surgiram para atualizar os relatos dos protestos e a retaliação

policial. A intensificação do conflito se refletiu com o momento de maior atividade: entre 21 e

23 de fevereiro, quando as revoltas chegaram à capital Trípoli, os rebeldes começavam a

tomar o controle de algumas cidades e Gaddafi se pronunciava na televisão enquanto enviava

bombardeios e mercenários, o artigo recebeu 1113 edições e duas páginas extras para listar a

reação internacional e os oficiais desertores.

A primeira seção sobre os artigos dos protestos em cada país era intitulada “Contexto”,

detalhando as condições locais antes do início do conflito e como servia de instigador para as

eventuais revoltas populares. Mesmo que as páginas não tenham a durabilidade limitada das

reportagens acabaram seguindo um preceito jornalístico:

“É importante partir do princípio que o leitor pode não conhecer, necessariamente,

fatos que precederam que precederam a notícia que se divulga. Assim, é preciso sempre

fornecer a ele contextos claros e uma perspectiva histórica do acontecimento.”

(PUBLIFOLHA, p. 29-30)

Mesmo que existissem páginas separadas para os locais, conceitos e pessoas

envolvidas nos conflitos, era necessária uma contextualização e análise para transmitir “um

sentimento de organização e coesão dos fatos que ele não tem ao consultar informações em

tempo real” (PUBLIFOLHA, p. 30) No caso da página da guerra civil na Líbia, isso levava a

disputas na página de discussão a respeito de uma possível parcialidade do artigo contra

Gaddafi. Alguns usuários reportavam que isso originava do fato de que os noticiários usados

como fonte não ignoravam o histórico negativo do ditador, já outro concluiu que o problema

era com a própria enciclopédia estar assumindo um caráter jornalístico:

Isso não é um problema de neutralidade. Esse é um problema com os bons e

velhos fatos. A Wikipédia não é um noticiário, e tentar ficar atualizado com os últimos

detalhes vai inevitavelmente introduzir erros. Se não é claro o que acontece (algo

bem comum em uma guerra), não devíamos estar reportando ações evento por

evento de fontes primárias. Parece que os grandões dos meios de comunicação nem

conseguem entender direito, e já começaram a espalhar um monte de propaganda

política. Mantenhamos o que temos certeza.

Tudo encaixa no que Lage declara (p. 24) sobre como “agentes humanos, como os

repórteres, tem sua própria tendenciosidade” e sua série de crenças e padrões “nem sempre se

adaptam à tarefa que executam e, principalmente, às intenções daqueles que estão

Page 42: TCC: Wikipédia e Jornalismo

42

representando, isto é, os leitores”. Para se lidar com a alta concentração e seletividade de fatos

e ideias em meio à dinâmica veloz dos acontecimentos, é preciso encontrar a melhor forma de

associar essas diversas condições, em vez de utilizá-las umas contra as outras.

(PUBLIFOLHA, p. 30) O tratamento dos fatos, por mais limitados que sejam, precisa ser

sólido na fundamentação, apuração e análise para que se cumpra a intenção de ser uma

representação da realidade – seja uma notícia ou um artigo enciclopédico.

Ao ler as páginas de discussão dos artigos ligados à Primavera Árabe, consegue-se

ver os momentos em que a redação enciclopédica beira o trabalho jornalístico. Fora ações

individuais, como um usuário iemenita avisando que postava suas fotos dos protestos

enquanto perguntava se poderia incluir seus relatos em primeira mão, o debate se assemelha à

edição de um noticiário impresso, “um processo dinâmico, organizado e coletivo que se

enriquece à medida que é discutido e desenvolve na prática os resultados”. (PUBLIFOLHA,

2011, p. 35) Na discussão do artigo sobre a Revolução Egípcia, subseções intituladas com

jargão da imprensa como “Breaking News” (Últimas Notícias) e “News Desk” (Redação)

relatavam o que era divulgado nos meios de comunicação sobre a revolta para analisar os

dados e incorporar as novidades no artigo, como que na revisão das notícias a serem incluídas

no jornal. Ocorria até um equivalente ao repórter-correspondente, que “está onde o leitor,

ouvinte, ou espectador não pode estar”, e cumprindo alguns propósitos – autonomia, operando

sem intervenção direta do contratante; habilidade social, interagindo com outros agentes;

reativo, percebendo o meio em que atua e respondendo aos padrões de mudança; e a

capacidade de tomar a iniciativa para cumprir sua tarefa – é considerado o melhor autor de

textos sobre conflitos, pois ao sentir o clima dos acontecimentos consegue melhor ordenação

das informações e julgamento do que seria relevante. (LAGE, 2001, p. 23-27) Este seria o

usuário “The Egyptian Liberal” (O Liberal Egípcio), criador do artigo e subsequentemente seu

editor mais ativo. Tal wikipedista demonstrava o engajamento pela causa falando sobre a

revolução em si e os rumos a serem tomados pelo artigo, (FERRON, MASSA, 2011) usando

seu conhecimento na condição de nativo do país da revolta para julgar certos dados ou fontes

como aceitáveis. The Egyptian Liberal até expressava insatisfação em não estar no Egito e

incapaz de retornar durante boa parte da revolta, reclamava de se sentir praticamente

escrevendo o artigo sozinho (como um repórter sobrecarregado), e pedia ajuda a outros

usuários antes que seu engajamento levasse a edições parciais – novamente vindo ao

problema do repórter que deve evitando a militância em prol da objetividade.

Page 43: TCC: Wikipédia e Jornalismo

43

Também se via o equivalente do projeto gráfico dos jornais, com wikipedistas

debatendo os nomes das seções e a hierarquização do artigo, e os adendos textuais (tabelas) e

visuais (mapas) que no jornalismo são referidos como “textos de apoio”. Textos de apoio são

cada vez mais usados no jornalismo pelo seu caráter “explicativo, didático e analítico” que

ajuda a complementar as informações do texto em um “mundo de especialização e

segmentação de interesses”. (PUBLIFOLHA, p. 23) As políticas da Wikipédia endossam essa

ideia declarando que os elementos gráficos extras ajudam a melhorar o conteúdo e facilitar a

leitura deixando os artigos mais “limpos”. O mais comum desses elementos no site é a

“infocaixa”, uma tabela de formato fixo colocada no canto superior direito do artigo que visa

apresentar um resumo com aspectos relevantes e facilitar a consulta de outros artigos

relacionados, (AYERS, MATTHEWS, YATES, , 2004) e traduz bem o que o Manual de

Redação da Folha declara (PUBLIFOLHA, p.32) sobre a informação visual ser “uma

possibilidade complementar e suplementar à informação textual”, que tem mais funções que

“arejar a página”, “valorizar a notícia” e “preencher eventuais vazios”. Apenas no artigo da

Primavera Árabe, existe uma infocaixa (que até tenta dar uma informação visual, com uma

montagem juntando fotos dos protestos em vários países), um mapa do mundo árabe

colorindo os países que embarcaram na onda revolucionária conforme o grau de impacto

(protestos, queda de governo), e uma tabela que expandia as informações listadas no mapa ao

detalhar datas de começo e fim dos protestos, resultados da ação popular e número de mortes

em cada país envolvido. Nas páginas de cada revolta podem se achar gráficos ressaltando

fatores causadores de conflito – a composição étnica da Síria, a pirâmide populacional do

Egito – e mapas que, no caso dos países que escalaram para a luta armada, ajudavam a dar

ideia das dimensões do conflito – ressaltar locais de batalhas, destacar regiões que estiveram

ou estão sob o controle de determinada facção.

Conflitos de importância internacional sempre atraem a atenção do público, e assim

merecem uma cobertura contínua dos acontecimentos por mais que existam desafios e

problemas inerentes em relatar esse tipo de fato. Assim a cobertura da Wikipédia para a

Primavera Árabe, divulgando eventos pouco após ocorrerem, com um julgamento extra para

determinar a validade dos dados e a colaboração de pessoas diretamente envolvidas nas

manifestações, mais a utilização de vários recursos complementares para reforço do conjunto

de informações, resultavam em artigos enciclopédicos abrangentes, atualizados e eficazes que

não deixava muito a desejar às grandes reportagens que os meios de comunicação escreveram

sobre os protestos e confrontos na África e Ásia.

Page 44: TCC: Wikipédia e Jornalismo

44

4.4. Mortes: alterando um artigo já existente

Eventos que geram grande comoção pública tem valor de notícia à medida que os

leitores passam a compartilhar de uma situação que lhes seria possível viver de alguma fora,

embora tenha acontecido com outras pessoas. Um exemplo disso envolve a morte de pessoas

conhecidas. (PUBLIFOLHA, p. 22) O problema é quando a abordagem do óbito entra em um

viés sensacionalista e exploratório. A simpatia humana por pessoas que sofrem uma perda

sempre existiu, e especialistas já analisaram o fato disso permitir uma experiência coletiva, de

união no sentimento de dor e perda. Mas em tempos mais recentes o interesse dos meios de

comunicação em fazer uma cobertura contínua dos eventos ligados a uma morte, bem como a

da população em lamentar um falecimento, chegou a níveis que beiravam o exagero, levando

a mídia britânica a cunhar os termos “mourning sickness” (“doença do luto”14

) e “grief porn”

(“pornografia da tristeza”) para descrever esses comportamentos. A reação à morte da

princesa Diana em 1997 é considerada um ponto determinante desse tipo de comoção popular,

que a internet ajudou a espalhar ao abrir espaço para pessoas comuns expressarem luto por

falecidos que nunca conheceram. A imprensa também aumentou o espaço dado a falecimentos

de destaque, relatando de forma quase voyeurística, estendendo a cobertura artificialmente e

manipulando as emoções do público em prol de mais audiência.

O impacto das mortes pode ser visto na Wikipédia quando se tem de atualizar a página

de um recém-falecido. As adições tem encaixar nas políticas oficiais para guiar a redação de

artigos biográficos – essencial no site pelo fato da maior categoria da Wikipédia é “Pessoas

vivas” – que demonstra o tom a ser seguido como uma frase do próprio Jimmy Wales: 15

“Estão envolvidas pessoas reais, que podem ser ofendidas por vossas palavras. Não somos

jornalismo de tabloide, somos uma enciclopédia.”

Mesmo com recém-falecidos, alerta-se para evitar material controverso ou

questionável que pode ter implicações negativas para família e amigos.16

Já usando o exemplo

das publicações sensacionalistas como um modelo a ser evitado, as políticas acabam ditando

por textos que não difamem ou exaltem demais a pessoa sendo discutida, e que não façam

alegações que não possam ser comprovadas:

“As biografias de pessoas vivas deviam ser escritas de forma responsável,

conservadora, e em um tom neutro e enciclopédico. Embora uma estratégia de

14

- O termo em inglês também faz um trocadilho com “morning sickness”, enjoo matinal. 15

-http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:Biografias_de_pessoas_vivas 16

- http://en.wikipedia.org/wiki/WP:BDP

Page 45: TCC: Wikipédia e Jornalismo

45

eventualismo possa ser aplicada noutras áreas, as biografias de pessoas vivas mal-escritas

deviam ser reduzidas a esboços ou simplesmente eliminadas. O artigo deve documentar, sem

tomar partido, o que fontes fiáveis independentes publicaram sobre o assunto e, em algumas

circunstâncias, o que o próprio sujeito possa ter publicado sobre si. O estilo de escrita deve ser

neutro e factual, evitando tanto a deficiência quanto o exagero. Biografias de pessoas vivas

não devem conter secções de curiosidades, mas, em vez disso, afirmações com fontes.”

Porém a utilização apenas de fatos atribuídos nem sempre consegue ser implementado

quando a “era da informação” facilita as pessoas a descobrirem e divulgarem dados, muitas

vezes antes dos meios de comunicação fazerem o mesmo. Uma suposta morte de uma figura

proeminente logo será discutida nas redes sociais antes de uma notícia confirmar o fato – e

após ser oficial, a população continuará sendo informada das circunstâncias do falecimento e

dados sobre a vida e legado da pessoa por meio da cobertura jornalística. O interesse popular

mantém o falecido como tópico de discussão, e no caso da Wikipédia, influencia fluxos de

edições para atualizar o artigo sobre o morto. Tal atividade repentina é um fato tão

proeminente que os maiores picos de visitas em artigos da Wikipédia são de celebridades

recém-falecidas, com mais de 1 milhão de visitas em apenas uma hora: a cantora americana

Whitney Houston (1963-2012), a cantora inglesa Amy Winehouse (1983-2011) e o empresário

americano Steve Jobs (1955-2011). 17

Apesar de liderar em popularidade, as edições no artigo

de Houston não tiveram o imediatismo característico de uma cobertura jornalística (a primeira

alteração para acrescentar a informação da morte foi postada mais de uma hora depois do

primeiro tweet de uma agência de notícias) e assim não serão analisados a seguir.

As notícias sobre a morte de Winehouse, ocorrida no dia 23 de julho, relatam que os

paramédicos entraram no apartamento da cantora em Londres para descobrir seu corpo

inconsciente ás 15:54. A BBC publicou uma notícia sobre o fato depois de 40 minutos, mas já

vinte minutos depois rumores se espalhavam no Twitter sobre o falecimento, e os tópicos mais

buscados no Google eram relacionados à suposta morte da cantora. O artigo de Winehouse viu

a primeira citação de sua morte ocorrer às 16:20, para ser revertido dois minutos depois com a

acusação de falta de fontes (inclusive o responsável pela exclusão acrescentou um pedido

escondido de não acrescentar nada sobre o falecimento a menos que uma fonte fiável tivesse

relatado o caso). Menos de vinte minutos depois, ás 16:39, com a morte já noticiada nos

jornais ingleses e alguns IPs aproveitando a ocasião para relatar o ocorrido vandalizando a

página, um administrador deixava a página como “semi-protegida”, restringindo a edição para

17

-http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Wikipedia_Signpost/2013-02-04/Special_report

Page 46: TCC: Wikipédia e Jornalismo

46

usuários registrados. Nos 30 dias após a morte da cantora, o artigo teve 919 edições, com as

851 ao longo de julho (apenas sete realizadas antes do óbito) suficientes para figurar o artigo

entre os dez mais alterados do mês e o terceiro em número de editores envolvidos (atrás de

um atentado na Noruega no dia anterior e seu responsável).

A inclusão rápida do acontecimento de óbito também ocorreu no artigo sobre Jobs,

com o acréscimo da morte ás 23:37 do dia 5 de outubro, apenas um minuto depois de um

tweet da Associated Press sobre o falecimento e três de um release da Business Wire (ambos

seguindo um comunicado da empresa de Jobs, a Apple, que substituiu sua página principal

por uma homenagem a seu fundador). Três minutos depois, as edições eram revertidas sob a

acusação de que faltavam fontes. Como nesse espaço de tempo obituários surgirem em

variadas publicações, as próximas inclusões da informação de morte foram aceitas mesmo que

uma citação só surgisse após cinco minutos (justamente o release da BW que acabou sendo o

primeiro relatório). Como o artigo de Jobs já era protegido desde setembro de 2010 por

constante vandalismo, nenhuma edição foi registrada por IPs, que ainda assim faziam pedidos

para inclusão de material na página de discussões. Essa restrição a apenas usuários

cadastrados não impediu a página de ser a que atraiu mais editores ao longo de outubro, com

454 realizando 1431 revisões – nenhuma precedendo o óbito. No dia 5 de novembro, se

contabilizavam 1505 edições em 30 dias.

Espelhando como no jornalismo a publicação de notícia sobre falecimento de

personagem não deve omitir a causa da morte, mas esta “só deve ser publicada se o jornal

estiver seguro a seu respeito”. (PUBLIFOLHA, 2011, p.86-7), ambos os artigos não quiseram

cair em conclusões apressadas mesmo com indícios de que hábitos e doenças precedentes

tiveram parte no óbito dos retratados. Embora a maior parte das notícias especulasse que

Winehouse tivesse morrido de overdose, visto seu histórico de consumo excessivo de drogas,

os wikipedistas envolvidos na página removiam inclusões desse boato por não considerarem

relatos definitivos. Mesmo que a luta de Jobs com um câncer de pâncreas tivesse sido bem

documentada na mídia, a falta de confirmação da conexão direta do tumor com a morte levava

a reversões – editores removiam frases atribuindo o falecimento à doença e inclusões do

artigo na categoria de “Mortes por câncer pancreático”. Outra disputa por falta de

confirmação envolveu o local de falecimento do inventor – notícias relataram Jobs “cercado

por sua família”, mas alguns wikipedistas consideravam vago demais para concluir que

faleceu em casa – enquanto não houvesse uma declaração definitiva em uma fonte fiável

(eventualmente o local e a causa mortis se resolveram com o boletim de óbito no dia 10).

Page 47: TCC: Wikipédia e Jornalismo

47

Tão logo uma celebridade morre, amigos expressam suas condolências à imprensa, e

os meios de comunicação também abrem espaço para declarações de outras figuras de

destaque que tiveram influência do falecido ou simplesmente se comoveram com os

acontecimentos. Winehouse e Jobs valeram muitas mensagens de luto na mídia, e em meio ao

desejo de expandir a cobertura da morte e eventos subsequentes tais declarações eram

incluídas nos artigos da Wikipédia, eventualmente causando desconforto na comunidade por

dar tanto espaço a esse sentimentalismo que só estava no artigo por causa do recentismo. A

contínua remoção da “seção de luto” na página de Winehouse chegou a beirar a quebra da

“regra das três reversões”, que prevê punições a editores que executem mais do que três

reversões em uma única página dentro de um período de 24 horas. Um editor acusou a

subseção de condolências de parecer "O Programa do Culto a Steve Jobs", e revisões cortaram

inicialmente as frases ditas por pessoas sem relação direta com Jobs, para em seguida eliminar

todas as declarações considerando-as desnecessárias. Outra disputa envolveu a inclusão de

uma imagem com o obituário de Jobs publicado no site da Apple, que foi eventualmente

deletada visto que a comunidade considerava não ser uma imagem “historicamente

relevante”, não se encaixando na política de conteúdo visual “relevante para o artigo em que

aparece, e significante e diretamente relacionado ao tópico do artigo”.18

A sociedade geralmente trata os mortos com reverência, expressado pelo ditado que

“Não se deve falar mal dos mortos” (derivado de um aforismo em latim, que data desde o

século 6 A.C.). Assim geralmente nos meios de comunicação os obituários e notícias sobre

mortes são elogiosos e costumam ignorar os aspectos mais controversos da vida do falecido.

(SCHWARTZMAN, 2001) O artigo da Wikipédia sobre Steve Jobs viu um exemplo disso em

uma desavença a respeito da imagem que encabeçava a página. Um editor trocou uma foto de

Jobs em 2010 por outra dele em 2007, declarando que considerava a alternativa “mais

respeitosa” com a imagem do inventor, por ilustrar um Jobs menos desgastado pela doença

que eventualmente o matou. Porém a mesma página inspirou uma discussão sobre se a

reverência estava presente em excesso, com críticas ao fato do artigo pular os aspectos mais

controversos de Jobs - a começar pela remoção de uma citação ao programador e ativista do

software livre Richard Stallman, que escreveu em seu blog sobre a influência negativa de Jobs

ao exercer pesado controle corporativo sobre o software e hardware do consumidor.

Eventualmente o artigo incorporou visões contrastantes aos obituários positivos, com

18

- https://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:IMAGE_RELEVANCE

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48

Stallman e um artigo do Los Angeles Times descrevendo como Jobs e a Apple eram hostis

contra jornalistas.

Já os editores do artigo de Winehouse tiveram de remover fatos de veracidade ou

relevância dúbia que emergiram na cobertura da morte da cantora, como um tabloide

publicando que Winehouse era “abertamente bissexual”. O que mais gerou discussão foi um

dado bastante discutido pelos noticiários: Winehouse morreu aos 27 anos, idade em que vários

outros músicos conhecidos também faleceram, dando origem a uma lenda urbana. Esse

factoide era incluído na seção sobre a morte de Winehouse, bem como um link para o artigo

do “Clube dos 27”. Embora essas menções tenham sido eliminadas por considerar um dado

insignificante, o maior impacto foi na página do Clube dos 27, que chegou a ser protegida em

meio a reversões e extensas discussões sobre se Winehouse merecia inclusão no artigo. A

página descrevia o conceito como “um grupo de artistas de rock influentes que morreram na

idade de 27”, levantando vários pontos de contenção, em especial Winehouse não ser do

gênero musical listado, e os editores não a considerarem uma artista com impacto comparável

aos membros mais célebres (Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt

Cobain), descrevendo como alguém que só estava em evidência pela morte recente. O próprio

caráter simbólico da lista era levantado, com os debates sobre mérito dos artistas sendo

rebatidos com o fato que o Clube não era um “hall da fama”, mas uma mera associação feita

pela cultura popular diante de um número de coincidências. Eventualmente o debate levou a

uma reescrita completa do artigo, removendo a divisão que punha os cinco casos mais

infames em destaque, e exigindo que a lista só incluísse casos que foram listados em fontes

notáveis como sendo parte do “fenômeno”.

Os editores da Wikipédia fizeram a atualização dos artigos de Jobs e Winehouse para

relatar os falecimentos praticamente ao mesmo tempo em que os meios de comunicação

descobriam e relatavam os óbitos. Além desse dinamismo, a redação colaborativa também

decidiu empregar um alto grau de julgamento e apuração para garantir que apenas os fatos

essenciais e confirmáveis ligados às mortes fossem incluídos nos artigos. Conclusões

apressadas sobre a causa mortis foram evitadas, e uma incursão ao sentimentalismo logo foi

removida por irrelevância. O jornalismo pode ocasionalmente explorar uma morte de maneira

excessiva e perturbadora, mas os wikipedistas provaram que às vezes a cobertura de uma

perda não precisa ser muito alongada para demonstrar o que ocorreu e fatos subsequentes de

um modo bastante informativo.

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49

Capítulo 5 - Conclusão

“Na era da mídia, todos eram famosos por 15 minutos. Na era da Wikipédia, todos podem ser

especialistas em cinco minutos.”

Stephen Colbert

Qualquer pessoa com acesso à internet pode exercer a função jornalística na Web 2.0,

que providencia várias plataformas para divulgar os relatos informativos gerados a partir das

descobertas, análises e relatos dos cidadãos comuns. Alguns sites com conteúdo gerado pelo

usuário ainda se destacam nesse âmbito ao estimular a criação coletiva, com as colaborações

de várias pessoas se complementando para resultar em páginas de grande precisão e

abrangência que não deixam muito a desejar aos noticiários tradicionais.

Uma comunidade produtiva só tem eficácia garantida quando todos estão engajados

em suas missões, e os possíveis conflitos de interesse gerados pela heterogeneidade do grupo

conseguem ser superados. Na internet isso já resultou em vários softwares e sites criados por

usuários que às vezes nunca se viram, mas mantinham a lógica colaborativa em pleno

funcionamento, deixando a tarefa coletiva ser a prioridade mesmo quando os interesses

individuais eram muito diferentes para cada participante. O jornalismo muitas vezes é uma

tarefa coletiva mesmo quando emerge do trabalho de um único repórter, já que editores

revisam a notícia e uma equipe de apoio colabora na construção e divulgação. Daí não haver

muito problema em reconhecer a missão jornalística nas ações de um grupo redigindo artigos

enciclopédicos.

Apesar da missão da Wikipédia envolver um trabalho informativo mais abrangente

que o realizado nos meios de comunicação, quando os artigos da enciclopédia digital

adentram os mesmos assuntos que estão sendo relatados no noticiário percebe-se como a

metodologia de redação segue os mesmos caminhos. Diante de um acontecimento que à

medida que se prolonga, se desdobra em novas consequências, os usuários da Wikipédia

tentam aproveitar as vantagens do formato aberto para atualizar os artigos ligados do evento

com as últimas informações disponíveis. E como a presença do assunto no noticiário mantém

o interesse do público, páginas sobre eventos recentes atraem grande volume de contribuintes,

mantendo o fluxo contínuo de novos dados.

Durante a construção de um artigo da Wikipédia ocorrem as mesmas dúvidas e

problemas que surgem no trabalho jornalístico: confiabilidade das fontes informativas, como

escrever o texto de forma totalmente neutra, os detalhes que merecem inclusão, e

apresentação para o público na escolha de título, imagens e materiais de apoio. Nas páginas de

Page 50: TCC: Wikipédia e Jornalismo

50

discussão dos artigos, os wikipedistas fazem suas “reuniões de pauta” levantando os serviços

a realizar no artigo e divulgar as últimas notícias sobre o tópico, e ao mesmo tempo a “edição

final” debatendo a inclusão ou remoção de conteúdo, já que ao contrário dos noticiários

tradicionais a redação da Wikipédia é um processo de publicação instantânea. Ao mesmo

tempo debater o material disputado garante que os participantes resolvam seus conflitos

ideológicos em torno dos rumos do artigo antes que os confrontos atrapalhem a produtividade

– afinal, a enciclopédia só funciona a partir da soma das realizações de todos, não importa

qual atividade determinado usuário priorize (geração de conteúdo, revisão ortográfica, exercer

as funções de controle e administração da comunidade).

Um artigo da Wikipédia tem a mesma missão do relato jornalístico, sintetizar dados

em uma nova narrativa mais condensada. A grande diferença reside nas políticas do site

advogarem contra a pesquisa inédita, significando que todo o texto depende de material já

publicado em outras fontes, ao invés dos relatos inéditos dos furos jornalísticos. Mesmo

assim, é possível ver como a agilidade dos wikipedistas consegue superar os profissionais de

comunicação, criando o artigo sobre o terremoto no Japão antes do primeiro relato no New

York Times, e a atualização das páginas de Amy Winehouse e Steve Jobs para falar das mortes

de ambos antecipando a divulgação na mídia. No caso da Primavera Árabe até haviam

“correspondentes” na forma de editores locais que carregavam suas fotos dos protestos e

conflitos e incluíam dados divulgados na imprensa local.

O exercício do jornalismo sempre teve de se adaptar às novas tecnologias de

comunicação, com a migração para o meio digital abrindo espaço para a inclusão de recursos

multimídia, mas também induzindo à exigência de escrever e publicar relatos sobre

acontecimentos tão logo eles ocorressem para se adequar ao ritmo frenético da Internet. Uma

notícia pronta virava uma sucessão de notas que se complementavam para dar uma ideia geral

– e a Wikipédia, além de já ser um projeto nessa linha, com as edições do artigo equivalendo à

publicação de “esboços sucessivos” que vão se complementando, também realiza a separação

de determinados tópicos em páginas próprias apesar do site não ter as restrições de espaço e

tempo da imprensa tradicional. Conteúdos como as cronologias que surgiam ao tentar manter

a atualização diária dos acontecimentos contínuos ligados aos terremotos e revoltas eram

migradas para um artigo próprio enquanto um resumo mais conciso permanecia no artigo

principal sobre o acontecimento. Mesmo páginas já existentes, como as dos países atingidos

pelos sismos e os líderes derrubados pelas revoluções, sofriam alterações para expressar como

os acontecimentos recentes já tinham mudado a história dos envolvidos.

Page 51: TCC: Wikipédia e Jornalismo

51

Diversos conflitos emergiram durante a elaboração dos artigos analisados nesse

trabalho, como era de se esperar em uma criação coletiva sem restrições para contribuir, e

assim envolvendo um grupo bastante variado. Debates até chegar a um consenso foram

necessários para alvos de discussão como o tom do texto, a abordagem de determinados

tópicos, a utilização de imagens e títulos que preenchessem as políticas do site e ainda

respeitassem determinadas tecnicalidades ligadas aos eventos, e se determinados conteúdos

eram inclusões válidas. Este último se deve ao fato de que a exploração de um evento pelo

jornalismo pode ter abordagens dissonantes com a missão enciclopédica da Wikipédia. Todos

os artigos acabaram esbarrando no problema da reação e comoção de figuras notáveis aos

acontecimentos receber muito espaço nos meios de comunicação – e enquanto a resposta

internacional a uma tragédia ou conflito até acaba por merecer separação em um artigo

próprio, mensagens de luto por uma celebridade falecida logo se tornam um detalhe

desnecessário em um relato histórico, forçando a exclusão das condolências menos relevantes.

A Wikipédia é considerada um destaque na “nova Internet” que o internauta comum,

além de consumir conteúdo, também o gera. A devoção da comunidade em desenvolver

páginas informativas sobre praticamente todo assunto logo credenciaram o site como uma

fonte de conhecimento, mesmo com a maior parte dos envolvidos com a redação dos artigos

sendo amadores. A enciclopédia digital até adentra o campo jornalístico pelo fato dos eventos

da atualidade também ganharem espaço no site. Embora os usuários não possam relatar

descobertas como um repórter, a dedicação destes, aliada às políticas em prol da qualidade

dos artigos, resulta em relatos históricos sobre acontecimentos repentinos e inacabados unindo

o “primeiro impacto” do noticiário e a densidade informativa da enciclopédia.

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Referências bibliográficas

Websites ligados à Wikipédia

Wikipédia (http://wikipedia.org/) – Artigos, histórico de edições, páginas de discussão

Wikirage (http://www.wikirage.com/top-edits/672) – Lista dos artigos mais editados por mês (número de

revisões)

Wikipedia Zeitgeist (http://stats.wikimedia.org/EN/TablesWikipediaEN.htm#zeitgeist) – Lista dos artigos mais

editados por mês (número de editores)

Wikipedia page history statistics (http://vs.aka-online.de/cgi-bin/wppagehiststat.pl) – Históricos de revisões,

analisando edições e contribuintes

Wikichanges (http://irlab.fe.up.pt/p/wikichanges/) – Gráficos a partir do histórico de edições

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