suplemento do jornal ponto final (macau) sobre os 40 anos da independência de moçambique

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MOÇAMBIQUE 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA UM PAÍS ADULTO A PRECISAR DE CRESCER SUPLEMENTO ESPECIAL 25 junho, 2015

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Page 1: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

ponto final • QUI. 25 JUN, 2015

MOÇAMBIQUE 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA

UM PAÍS ADULTO A PRECISAR DE CRESCER

SUPLEMENTO ESPECIAL 25 junho, 2015

Page 2: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015II | REPORTAGEM III

Moçambique é uma das economias mais dinâmicas do mundo, que vai continuar a crescer à conta do carvão e do gás. Este desenvolvimento, todavia, não está a criar emprego e deixa de fora os mais pobres. Quarenta anos após a independência, mais de 80 por cento dos moçambicanos continua a viver com menos de dois dólares (16 patacas) por dia. TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA, EM MOÇAMBIQUE

Pobre país rico

novos onde se come pregos em bolo

do caco e espetadas de picanha. Não

faltam alternativas e opções na hora

de se beber um café e comer uma

tarte de castanha de caju, desde a

zona nobre da Avenida Julius Nyerere

e do Bairro da Sommerschiled, até à

área mais popular junto à Estátua de

Eduardo Mondlane, já quase à saída

da cidade.

Quem chega vai reparar que já

existem armazéns de roupa e marcas

de luxo, como a “Loja das Meias”,

inaugurada em Maio, próximo do

Jardim dos Namorados, com modelos

de Marc Jacobs, Dolce&Gabbana

ou do estilista moçambicano Taibo

Bacar. Ou como a loja da marca

alemã “Hugo Boss”, com porta aberta

na Avenida 25 de Setembro, na baixa

da cidade, em frente ao mercado

central.

Longe vão os tempos austeros

vividos logo a seguir à independência

– proclamada a 25 de Junho de

1975 – e os anos marcados pelo

idealismo e pela solidariedade

revolucionária. Havia “uma vontade

colectiva de mudar as coisas, era

quase como que um conceito

religioso do paraíso, colectivamente a

independência representava alcançar

o mundo perfeito”, descreve Carlos,

moçambicano, nascido em 1961,

actualmente empresário no sector da

construção.

Na altura, conta Carlos, as pessoas

organizavam-se nos grupos

dinamizadores: “Dávamos aulas

de alfabetização, fazíamos teatro,

discutíamos política, o capitalismo, o

marxismo-leninismo”, recorda.

A crise económica começa a fazer-se

sentir a partir de 1980, “passa a haver

falta de tudo”. Seguiram-se tempos

muito difíceis de escassez de bens,

em que nada havia para comprar nas

lojas de prateleiras vazias.

Muita coisa mudou a partir de 1987,

com a liberalização económica

iniciada em 1985, ainda no tempo

de Samora Machel, o primeiro

presidente de Moçambique,

“quando há uma tentativa de criar

uma economia privada”, prossegue

Carlos. A devastadora guerra civil

que durou 16 anos termina em 1992,

com o acordo geral de paz assinado

em Outubro de 1992, entre o então

presidente da República, Joaquim

Chissano, representante do Governo

liderado pelo partido no poder, a

Frente de Libertação de Moçambique

(Frelimo), e Afonso Dhlakama, lider

das forças da Resistência Nacional

Moçambicana (Renamo). O regime de

partido único liderado pela Frelimo,

que governava o país desde 1975, deu

lugar ao multipartidarismo. O país

tornou-se democrático e começou a

realizar eleições multipartidárias a

cada cinco anos.

ECONOMIA INFORMAL ENCHE BARRIGAS

Da época que Carlos descreve pouco

resta na memória de Pedro, na altura

uma criança. Hoje condutor de moto-

táxi – ou “tchopela”, como é conhecido

o veículo de três rodas –, Pedro vê

nas novas estruturas de betão que

se erguem na avenida Julius Nyerere

“sinais de desenvolvimento”.

A vida até nem corre mal ao moto-

taxista. Depois de cumprir dois

anos de serviço militar teve a sorte

de conseguiu um “biscate” como

condutor de tchopela. Começou a

juntar dinheiro e há três anos, com a

ajuda do irmão, acabou por investir

150 mil meticais – mais de 31 mil

patacas – no seu próprio “riquexó”

de fabrico indiano. Cada viagem custa

pelo menos 100 meticais (quase 30

patacas), 20 vezes mais do que o preço

do “chapa”, o transporte colectivo mais

usado na capital moçambicana, que

geralmente circula superlotado com

dezenas de passageiros. Ao fim de três

anos, Pedro já pagou o investimento

Flávio Quembo

EMPRESAS MOÇAMBICANAS QUEREM ENTRAR NOS PROJECTOS CHINESESAs pequenas e médias empresas moçambicanas querem ser incluídas nos projectos de investimento da China, diz Flávio Quembo, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários.

Na opinião de Flávio Quembo, presidente da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) existe espaço para as pequenas e médi-as empresas (PME) moçambicanas participarem dos investimentos que a China está a fazer em Moçambique. “Há muitas empresas chinesas a investir em Moçambique e essas empresas poderiam req-uerer serviços às pequenas e médias empresas locais”, sugere Quembo. No entanto, alerta o presidente da ANJE, é pre-

ciso estar consciente das limitações das PMEs locais: “Essa é também uma preocupação, não podemos só exigir essa abertura e oportuni-dade, sem garantir que as empresas locais ten-ham a capacidade”. Defende.Por outro lado, a China é um mercado que inter-essa a Moçambique para a aquisição de tecnolo-gia de baixo custo. “A China permite-nos conseguir máquinas e eq-uipamentos a preços democráticos para estabe-lecermos pequenas indústrias e conseguirmos

transformar os nossos recursos naturais”, afir-ma o presidente da associação.O interesse da ANJE foca-se em mercados como a China e o Japão: “A China fornece novo porque consegue fabricar por um preço democratizado, o Japão não nos oferece novo, mas é de boa qualidade, e nós podemos ter acesso a produtos de segunda mão. De uma maneira ou de outra precisamos de ter acesso à tecnologia”, afirma Quembo. O Japão já é fonte de carros em se-gunda mão a preços mais acessíveis. • C.A.

Quem hoje visita Maputo,

a capital de Moçambique,

vai notar que a cidade está

a renovar-se. Há grandes projectos

imobiliários em construção nas

partes alta e baixa da cidade, que

estão a ocupar espaços antes

habitados por casas de arquitectura

colonial, testemunhos de uma outra

época. As ruas e avenidas têm asfalto

recente, há cafés e restaurantes

> > >

Hoje condutor de moto-táxi – ou “tchopela”, como é conhecido o veículo de três rodas –, Pedro vê nas novas estruturas de betão que se erguem na avenida Julius Nyerere “sinais de desenvolvimento”.

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ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015

Um dos novos projectos com investimento, construção e gestão chinesas e grande visibilidade na cidade portuária da Beira, no centro do país, é o empreendimento de cinco estrelas “Beira Golden Peacock Resort - Hotel e Casino”. A unidade hoteleira foi inaugurada em Julho de 2014, com a presença do ex-presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza. O hotel tem 100 mil metros quadrados de área, dois quilómetros de extensão de praia, restaurantes, spa, discoteca e um casino: “Casino Marina Beira”, o primeiro estabelecimento do género a abrir no centro do país. A unidade disponibiliza 70 slot-machines, uma sala de jogo com mesas de Blackjack, Roleta e Pocker e ainda duas salas VIP para quem quiser arriscar apostas elevadas.O jogo em Moçambique era operado até agora por três monopólios: na cidade de Maputo pelo Casino Polana, na província de Maputo, no distrito da Namaacha, junto à fronteira com a Swazilândia pelo Sul Libombos e na cidade de Pemba, no norte do país, pelo Nautilus Hotel & Casino.A cidade capital da província de Sofala – a segunda mais importante do país – deseja reafirmar-se como “uma cidade de referência em termos de oportunidades de negócios e de investimento”, afirmou ao PONTO FINAL Daviz Simango, presidente do município da Beira. O porto da cidade é o ponto de escoamento do carvão que chega do couto mineiro de Moatize, na província de Tete, que a mineradora brasileira Vale está a operar desde 2011. Essa actividade está a movimentar a economia na Beira e a atrair novos investimentos, inclusive chineses.Há mais de 60 grandes empresas chinesas estabelecidas em Moçambique e algumas delas já começam a fazer investimentos em Sofala, confirmou recentemente o segundo secretário da embaixada chinesa em Moçambique, Wang Lipei, num encontro realizado na Beira.

HOTEL CINCO ESTRELAS “BOM MAS BARATO”

O novo empreendimento hoteleiro da Beira promove-se como “um hotel de cinco estrelas económico”. O slogan promocional não deixa dúvidas: “Nice but Cheap”, qualquer coisa como “Bom mas Barato”. O hotel, casino e spa pretende tornar-se “um local incontornável” para empresários em trânsito para o Zimbabwe, o Malawi e a Zâmbia.O projecto foi construído pela Sogecoa (Moçambique), uma subsidiária em África da empresa chinesa Anhui Foreign Economic Construction Corporation (EFECC), estabelecida em 1999. A companhia foi responsável por grandes obras em Moçambique como o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Centro de Conferências Joaquim Chissano, a reabilitação do aeroporto internacional de Maputo, a construção do estádio nacional do Zimpeto ou do edifício da operadora de telefonia móvel MCel, na Beira. A Sogecoa é hoje empresa líder do mercado da construção. Um dos seus próximos projectos é a reabilitação da estrada que liga a Beira a Machipanda, na fronteira com o Zimbabwe, numa extensão de 287 quilómetros.

Na Beira, a China vai também financiar a reabilitação e capacitação do porto. Em Setembro do ano passado um investimento de 120 milhões de dólares ficou acordado entre o Exim Bank da China e o Governo moçambicano para o efeito. Na sexta-feira, 19 de Junho, os governos moçambicano e chinês assinaram em Maputo um acordo geral para os próximos três anos, nos sectores económico, técnico e comercial, com um valor global dos investimentos chineses no país previsto de 5 mil milhões de dólares.O governo moçambicano anunciou recentemente em Macau que espera que a construção de infra-

estruturas continue a fazer-se com investimento da China, dada a sua capacidade de mobilização de fundos. Os projectos de infra-estruturas que o governo de Moçambique pretende desenvolver nos próximos cinco anos – incluindo pontes, estradas e barragens – têm um custo estimado de oito mil milhões de dólares. Do investimento efectuado em Moçambique nos últimos quatro ou cinco anos no sector das infra-estruturas cerca de “60 a 70 por cento tem sido executado por empresas chinesas”, afirmou na altura o vice-ministro das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos de Moçambique. • C. A.

IV | REPORTAGEM V

Na opinião de Egídio Vaz, investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (CEC), a abertura do país ao investimento chinês resulta da vontade do antigo presidente moçambicano, Armando Guebuza, de “diminuir o envolvimento dos doadores internacionais no orçamento de Estado” e “escapar à cartilha do Ocidente” sobre a boa governação. A ajuda internacional tem desempenhado um papel importante na recuperação económica e social de Moçambique, mas é tida como restritiva da capacidade dos políticos governarem de forma autónoma, uma vez que os doadores impõem critérios de boa governação, transparência no gasto público e respeito pelas regras da democracia para a concessão de ajuda.Egídio Vaz acredita que houve “uma viragem clara para o Oriente” durante os 10 anos de governação de Armando Guebuza, porque “os chineses não se intrometem na política doméstica” do país. O analista defende, no entanto, que é “possível conciliar as duas coisas: as boas relações com a China e o esforço do Estado ser responsabilizável, ser um governo sério, continuar a trabalhar para aperfeiçoar o seu desempenho e combater a corrupção”. Aliás, diz o analista, “a própria China tem exemplos claros, concretos e vibrantes de luta

contra a corrupção. Lá [na China] executa-se [a guerra contra a corrupção] sem contemplação. Ou seja, nós não podemos como moçambicanos deixarmo-nos seduzir pelo dinheiro fácil e deixar de aperfeiçoar o nosso quadro institucional para a boa governação”, sustenta.O analista critica fortemente a forma como foi aplicada a estratégia de Guebuza de “reduzir drasticamente a dependência externa e o poder do Ocidente sobre as decisões do país”. Egídio Vaz considera que o processo “não foi feito de forma sustentada”, mas sim recorrendo ao endividamento externo, nomeadamente chinês. Apesar de estar a aumentar a capacidade de se autofinanciar com recursos internos, a sustentabilidade financeira do Estado moçambicano ainda depende da ajuda externa prestada pelos doadores internacionais. O G19 reúne todos os parceiros de cooperação que prestam apoio geral ao orçamento do Estado moçambicano. O grupo é actualmente presidido por Portugal e inclui organizações como o Banco Mundial e a União Europeia entre os membros permanentes. O Japão é membro associado. A China não faz parte, preferindo distribuir ajuda bilateralmente. O G19 foi responsável por 1,9 mil milhões de dólares de ajuda em 2013. • C.A.

ENTRE A CHINA E O OCIDENTE O analista moçambicano Egídio Vaz diz que a viragem do país para a China foi uma escapatória à “cartilha do Ocidente” sobre boa governação. Mas, lembra que até a China está a dar exemplos “vibrantes” de luta contra a corrupção.

CASINO CHINÊS NO CENTRO DE MOÇAMBIQUE Um hotel casino com 10 hectares de área e dois quilómetros de extensão de praia é o investimento chinês que mais tem dado que falar na Beira, no centro do país.

de pagar despesas extra lá em casa.

Nos dias que correm, nos mercados

formais ou de rua não falta variedade

de alimentos para pôr na mesa, mas

as famílias têm de fazer aquilo que

chamam de “ginástica financeira” para

conseguirem alimentar-se com salários

mínimos na ordem dos 3100 meticais

mensais. É por este montante – 640

patacas – que se pauta a remuneração

mais baixa aplicada ao sector da

agricultura e silvicultura, segundo os

valores aprovados pelo novo Governo,

em Março de 2015.

O comércio informal prolifera

como forma de obter rendimento

complementar. Os restaurantes

ambulantes ou as refeições informais

são um dos negócios que se têm

revelado bastante rentáveis. À hora

de almoço, na alta da cidade, são

dezenas os carros que estacionam

nas esquinas: no interior as panelas

de arroz, frango, caril. No exterior,

as próprias cozinheiras a servirem

pratos por uma média de 50 meticais a

funcionários de escritórios e serviços.

Mais de 300 mil novos candidatos

a emprego entram no mercado de

trabalho todos os anos. No entanto,

Moçambique é caracterizado pela

elevada taxa de desemprego (22 por

cento) e sub-emprego (mais de 87 por

cento). A maioria da força de trabalho

dedica-se à agricultura de subsistência

e actividades informais. Hoje, “80 por

cento da actividade empresarial em

Moçambique é informal”, explica Flávio

Quembo, presidente da Associação

Nacional de Jovens Empresários

(ANJE). “Há uma predisposição para

as pessoas fazerem negócios por

necessidade e não por oportunidade.

Esses 80 por cento no sector informal

fazem negócio porque lhes foi vedada

qualquer outra oportunidade de se

inserirem economicamente. Fazem-

no por reacção, daí que tendem a

ter um crescimento limitado, não se

desenvolvem, não se estabelecem

Egídio Vaz

> > >

como empresas, porque começaram

o negócio apenas para comer e assim

vão continuar”, explica Quembo.

O baixo poder de compra dos

moçambicanos e a falta de capacidade

financeira são alguns dos factores que

limitam o crescimento dos pequenos

empresários.

MOVIDOS A CARVÃO, GÁS E DIAMANTES

Moçambique alterou o seu rumo

económico, sobretudo, com a

descoberta de enormes reservas de

carvão e gás, que atrairam a atenção

de grandes investidores estrangeiros.

O país é rico numa grande variedade

de recursos minerais, especialmente

gás natural (tem as segundas

maiores reservas mundiais), carvão,

petróleo, depósitos de areias

pesadas, ouro, cobre, titânio, grafite

e outros minerais em quantidades

significativas. Recentemente, foi

descoberto o primeiro depósito do

país de diamantes de qualidade e com

valor de mercado por uma empresa

australiana, a Mustang Resources.

Na última década, Moçambique –

com uma população de 25,8 milhões

– situou-se entre as 10 economias

mundiais com o crescimento mais

rápido, a uma média anual de 7,5 por

cento. As previsões para a próxima

década indicam que esse crescimento

vai continuar acelerado e a uma taxa

elevada. No relatório de avaliação

apresentado em Maio deste ano, o

Fundo Monetário Internacional (FMI)

deu nota positiva ao desempenho

económico de Moçambique, que

continua “robusto e mais forte do que

a maioria dos outros países da África

subsariana”. Para 2015, estima-se um

crescimento de 7 por cento.

Mas as agências de notação de risco

Fitch e Moody’s têm estado a lançar

alertas para uma possível descida nas

estimativas de crescimento. Em causa

está a queda nos preços do carvão e

do gás no mercado internacional e a

incerteza global sobre o financiamento

dos projectos de infra-estrutura,

inclusive devido à possibilidade de

a China também abrandar o seu

crescimento.

No entanto, a médio prazo,

“Moçambique deverá manter-se uma

das economias mais dinâmicas do

continente, com taxas de crescimento

médio de 8 por cento ao longo do

período entre 2016 e 2019”, prevê o

FMI. As primeiras exportações de

gás natural estão previstas para 2019.

China, Japão e Índia deverão ser os

“O desafio maior é a boa gestão dos recursos

financeiros, é garantir que os recursos

alocados sejam usados para os fins para os

quais estão destinados”, diz Egídio Vaz.

> > >

realizado e está a construir uma casa

para a família na Matola, cidade-

satélite de Maputo. Para quem se

consegue afirmar no competitivo

mundo da prestação de serviços de

transporte, conduzir tchopela é uma

forma de sair do desemprego ou

Page 4: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015

Em Abril deste ano, o novo presidente moçambicano, Filipe Nyusi, deu início às celebrações dos 40 anos de independência com o lançamento na província de Cabo Delgado, a norte do país, junto à fronteira com a Tanzânia, da “chama da unidade nacional”. Desde então a tocha da unidade tem vindo a passar de mão em mão, percorrendo as diversas províncias e distritos num apelo à união dos moçambicanos e à manutenção da paz no país. A tensão política e militar escalou em 2013 e 2014 com confrontos violentos entre as forças do Governo e elementos armados da Renamo, resultando em baixas militares e civis, deslocação da população e interrupção das actividades sócio-económicas, de acordo com o “African Economic Outlook 2015”. A discórdia relacionava-se com leis eleitorais percebidas como injustas, acusações de domínio do partido no Governo nas instituições do Estado e exclusão política e económica. A situação aliviou em Setembro de 2014, quando um acordo de paz foi assinado entre o presidente da República

cessante, Armando Guebuza, e o líder da Renamo, Afonso Dhlakama. O convénio previa um cessar-fogo, o desarmamento, uma nova lei eleitoral, a integração dos homens armados nas forças de segurança nacionais, a “despartidarização das instituições” e a redução da influência da Frelimo no Estado. A Frelimo ganhou as eleições de Outubro, com 144 assentos na Assembleia Nacional, perdendo 47 assentos para a Renamo. O maior partido da oposição aumentou a presença no parlamento de 51 para 89 assentos, enquanto o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) passou de 8 para 17 representantes. Os resultados foram aprovadas pelo Conselho Constitucional, mas tanto a Renamo como o MDM rejeitaram-nos, alegando fraude generalizada. Esta situação voltou a criar tensão política. No início do seu mandato, a 15 de Janeiro deste ano, o novo presidente da república, Filipe Nyu-si, avistou-se duas vezes com o líder da Renamo, Afonso Dhlakama, e também com o presidente do MDM, Daviz Simango, e representantes de vários partidos extraparlamentares. Depois dos encon-

tros entre o Presidente da República e o líder da oposição, a Renamo submeteu um ante-projeto de lei ao parla-mento, preconizando a criação das autarquias provinciais em seis regiões do país – Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa – mas a proposta foi rejeitada pela maioria da Frelimo. A c t u a l m e n t e , a Renamo continua a não reconhecer os resultados das eleições de Outubro e exige um acordo de partilha de poder que in-clui a criação de autarquias provinciais em todo o país e a gestão das seis regiões onde reclama vitória eleitoral, sob ameaça de tomar o poder à força. No Conselho Nacional da Renamo, realizado na primei-

ra quinzena de Junho, na cidade da Beira, província de Sofala, foi aprovada a criação de uma polícia e a redistribuição do efectivo militar da Renamo para responder a eventuais ataques do Governo. • C.A.

“A UNIDADE NACIONAL SÓ SE CONSEGUE ENVOLVENDO AS PESSOAS”Maria Ivone Soares, líder da bancada parlamentar da Renamo, lamenta que o parlamento moçambicano não consiga ser “o centro privilegiado de busca de consensos”.

“SITUAÇÃO POLÍTICA É FRÁGIL”Para Daviz Simango, presidente do município da Beira e líder do MDM, terceiro maior partido em Moçambique, a arrogância dos políticos fragiliza o processo de crescimento do país.

APELO À PAZ Moçambique completa 40 anos de independência a 25 de Junho com apelos à unidade nacional e à paz.

principais destinos.

VIVER COM MENOS DE 16 PATACAS POR DIA

O país está mais rico hoje, os

restaurantes da capital do país

enchem-se à sexta-feira à noite com

casais, grupos de amigos ou homens

de negócios para comer o afamado

camarão tigre de Moçambique (um

dos produtos mais exportados pelo

país), caranguejo ou um bife de vaca

a uma média de 700 meticais só pelo

prato – 145 patacas – ou 2000 por

uma refeição com vinho e sobremesa.

No entanto, os que podem pagar pelo

festim representam menos de 20 por

cento da população.

O crescimento registado não se está a

traduzir na melhoria das condições de

vida dos cidadãos mais pobres. Pelo

contrário, a riqueza está a concentrar-

se nas mãos de um grupo de pessoas

e o fosso entre ricos e pobres está a

aumentar.

Apesar dos progressos registados em

termos de qualidade de vida face aos

dias difíceis da década de 1980, o

país continua a sofrer de altos níveis

de pobreza e de vulnerabilidade.

Actualmente, 82 por cento dos

moçambicanos vivem com menos de

2 dólares norte-americanos por dia

(cerca de 16 patacas), e mais de metade

– 55 por cento – vive abaixo do limiar de

pobreza nacional fixada em 0,6 dólares

por dia (cerca de 5 patacas), indica o

relatório “Perspectivas Económicas em

África 2015” (African Economic Outlook

2015), divulgado pelo Banco Africano

de Desenvolvimento (BAD). No índice

de desenvolvimento humano (IDH) de

2014, compilado pelas Nações Unidas,

Moçambique surge na cauda da tabela,

ocupando a 178ª posição em 187 países.

A expansão da riqueza “está concentrada

nas infra-estruturas, nos mega-projetos

e no sector financeiro, que representam

menos de 20 por cento da população”,

disse recentemente o economista

António Francisco, coordenador do

grupo de investigação sobre Pobreza

e Protecção Social no Instituto de

Estudos Sociais e Económicos, em

Maputo, citado pela Lusa. Em 2009,

num estudo intitulado “A Relatividade

da Pobreza Absoluta e Segurança Social

em Moçambique”, António Francisco

calculou em 90 por cento o número de

moçambicanos a viver com menos de

2 dólares norte-americanos, que é um

dos limiares de pobreza de referência

internacional.

O “African Economic Outlook 2015”

alerta para o facto de o crescimento

económico não estar a criar empregos

“É preciso compreender que a situação política em Moçambique está frágil. Há a tendência para voltarmos para situações anteriores”, disse Daviz Simango, presidente do município da Beira, o segundo maior do país, e líder do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), o terceiro maior partido político em Moçambique.“Infelizmente, nós como moçambicanos não aprendemos isso. Lembro-me perfeitamente que quando se juntou os moçambicanos pela independência a ideia era lutar para que o país se tornasse independente, para que os moçambicanos, em processo democrático, pudessem depois fazer as suas opções. A democracia foi interdita em 1975 e começámos

com uma guerra civil em 1976. Houve um acordo de paz em 1992 e ficou tudo convencido que poderíamos abrir uma nova jornada de convivência. Mas, ainda persiste a arrogância, a exclusão, o provérbio de que ‘se não estás comigo então não és nosso’. Esta situação fragiliza o processo de crescimento de Moçambique”, disse o líder partidário, que tem ganho sucessivamente as eleições autárquicas desde 2003, mantendo-se como presidente do Conselho Municipal da Beira desde 2004. Daviz Simango é filho de Celina e Uria Simango, ex-vice-presidente da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), ambos supostamente mortos por alegada traição ao

Em conversa mantida com o Ponto Final, em Maputo, Maria Ivone Soares, líder da bancada parlamentar da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), principal partido da oposição, defendeu que a verdadeira reconciliação depende da inclusão das outras forças políticas no processo. “As pessoas quando estão envolvidas comprometem-se, apropriam-se das iniciativas, contribuem e avançam como um grupo, mas isto nunca aconteceu”. “A Frelimo continua a desenhar programas sem envolver as pessoas e depois diz que está a unir os moçambicanos”.No entender da deputada de 35 anos, sobrinha do líder da Renamo, Afonso Dhlakama, com assento na assembleia nacional moçambicana desde 2010, o parlamento não tem conseguido ser o centro privilegiado de busca ou de encontro de consensos. “Quando são questões fundamentais que mexem com a vida dos cidadãos os consensos são encontrados noutras mesas de diálogo, não na Assembleia da República e isso para mim é algo que me deixa extremamente chocada”, diz. Ivone Soares explica que isso se deve à “incapacidade do parlamento de puxar para si estas matérias que deveriam ser tratadas aqui”, no hemiciclo. Por isso, a Renamo buscou um espaço alternativo para o diálogo com o Governo. “Já vamos em mais de 100 rondas de diálogo, mas pela primeira vez estamos a discutir assuntos profundos, que na minha óptica deveriam estar a ser discutidos no parlamento, se o parlamento fosse um centro de discussão de ideias por excelência”.Essa ineficácia do hemiciclo enquanto espaço de debate de ideias deve-se à “arrogância do partido no Governo”, prossegue

Ivone Soares. O partido maioritário no parlamento, a Frelimo, “limita-se a chumbar todas as propostas da oposição, sem procurar entender ou oferecer uma contra-proposta”.Foi o caso do projecto de lei sobre o quadro institucional das autarquias provinciais. A deputada da Renamo defende que o seu partido e o candidato presidencial Afonso Dhlakama ganharam as eleições em todo o país, em 2014, mas que houve manipulação dos resultados de maneira a manter a Frelimo no poder. A proposta de criação de autarquias provinciais surge como a “solução pacífica” para a alegada fraude eleitoral. “O que nós pretendemos é exigir que, onde eles [partido no Governo] reconhecem que nós ganhamos, que nos deixem governar”. Por outro lado, a deputada – que advoga que a liberdade de expressão foi uma conquista da Renamo, que lutou “pela democracia e pela realização de eleições multipartidárias” - diz que esse direito está “ameaçado diariamente”. “Teoricamente nós dizemos o queremos, mas volta e meia há consequências. Sinto que há esta ameaça constante, mas nem por isso nos devemos acobardar ou ficar receosos de dizer o que pensamos, vamos continuar a falar cientes dos riscos que corremos”, garante. Para exemplificar esta situação, a deputada mencionou o caso do assassinato do constitucionalista e professor catedrático moçambicano, Gilles Cistac, baleado em Março de 2015, em Maputo. Ivone Soares critica a falta de empenho das autoridades moçambicanas na investigação daquela morte. Afonso Dhlakama, na altura, acusou a ala radical da Frelimo de matar o académico para “desmoralizar a Renamo”. Cistac foi uma figura central no debate sobre as regiões autónomas em Moçambique e a descentralização do poder. • C.A.

partido. O antigo membro da Renamo, fundou o MDM em 2009, depois de um desentendimento com o líder do maior partido da oposição, Afonso Dhlakama.Para a pacificação do país, o presidente do MDM gostaria que os dirigentes políticos abandonassem a arrogância e encetassem um diálogo leal que permita a reconstrução de Moçambique: “Temos de manter mais o diálogo, tem de ser um diálogo de facto, tem de haver cedências de todas as partes, para acabar com o conflito e essa sombra que está a pairar sobre Moçambique”, defende.Nas eleições gerais de 2014, o partido fundado em 2009 por Simango alargou a sua representação parlamentar, ao eleger 17 deputados num total de 250, mais nove dos que na anterior legislatura. O MDM lidera quatro municípios: a Beira, Nampula, Quelimane e Gurué. “A economia está nas mãos de um punhado de pessoas, e são pessoas claramente identificadas, porque estão ligadas ao regime do dia. Por outro lado, nota-se que não há políticas claras sobre como aproveitar os nossos recursos naturais (…). Isso vai dificultar a saída do país da situação em que está”. Para Daviz Simango, “este conflito também tem a ver com a exclusão que os moçambicanos vivem, atingimos níveis de exclusão inadmissíveis num Estado de direito, em que em alguns momentos a actividade política é vedada”.O autarca defende que a capacidade técnica, o mérito e o conhecimento devem sobrepor-se à afiliação partidária. “O país já tem 40 anos de independência, é preciso que os moçambicanos sejam mais abertos e acabar com a história de ‘partidarização’. Não se pode partidarizar as mentes, as pessoas, a economia, isso tudo pode ser evitado. Queremos uma forma de Estado independente, livre de amarras e influências políticas. O político concorre, ganha eleições, hoje está aqui, amanhã vai embora, mas as instituições ficam, o Estado fica, o conhecimento técnico das instituições fica, os funcionários ficam. É essa cultura que temos de cultivar no nosso país”. • C.A.

suficientes e recomenda um modelo de

crescimento inclusivo, a diversificação

da economia independente dos mega-

projectos e dos recursos naturais e a

melhoria da forma como são gastos

os dinheiros do erário público para

promover o desenvolvimento humano.

Para Egídio Vaz, investigador do

Centro de Estudos Interdisciplinares

de Comunicação (CEC), o factor

“corrupção” continua a ser um dos

maiores males do país: “Se, por um lado,

estamos a registar um bom crescimento

económico com tendências para

continuar, e por outro lado não estamos a

conseguir que este crescimento se revele

no desenvolvimento das populações,

é justamente porque temos problemas

sérios ao nível da boa governação, da

corrupção”, diz o analista. “O desafio

maior é a boa gestão dos recursos

financeiros, é garantir que os recursos

alocados sejam usados para os fins para

os quais estão destinados”, prossegue.

“Na ausência de uma boa governação,

presume-se que esses recursos vão ser

usados para outro tipo de coisas e não

em prol do desenvolvimento. Estamos a

falar aqui da corrupção.”

O novo presidente da república

de Moçambique, Filipe Nyusi,

comprometeu-se no seu discurso de

tomada de posse, a 15 de Janeiro, a

“melhorar as condições de vida do povo

moçambicano aumentando o emprego,

a produtividade, a competitividade

e criando riqueza para o alcance do

desenvolvimento inclusivo”. Para a

realização destes objectivos, Nyusi

afirmou ser “crucial” o empenho do país

na “consolidação do Estado de direito

democrático, na boa governação e na

descentralização”.

Na opinião de Egídio Vaz “o sucesso de

Nyusi vai residir na sua capacidade de

resiliência: ou ele subverte este sistema

para uma situação mais prestativa ou o

sistema engole-o e acomoda-o”.

VI | REPORTAGEM VII

Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi

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Page 5: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015VIII | ENTREVISTA IX

Greg Carr é o milionário

americano que nos anos de

1980 e 1990 fez fortuna com

o desenvolvimento e marketing de

serviços de voice-mail e Internet. A

partir de 2004, o filantropo colocou

de lado 40 milhões de dólares

norte-americanos para investir na

recuperação do Parque Nacional da

Gorongosa, onde hoje passa quase

metade do ano.

“Este é um parque espectacular e

com alguma ajuda poderá vir a ser

um dos melhores de África”, escreveu

quando visitou pela primeira vez a

área. O parque, situado no distrito de

Gorongosa, província de Sofala, com

entrada a 180 quilómetros da cidade

da Beira, tem quase 4 mil quilómetros

quadrados e já foi considerado um dos

“Gorongosa é uma experiência fantástica”O PONTO FINAL foi fazer um safari na Gorongosa e almoçou com Greg Carr no acampamento de Chitengo. O milionário e filantropo, presidente do projecto de restauração do Parque Nacional da Gorongosa, não tem dúvidas: o turismo é uma garantia de sustentabilidade para os parques naturais, cria empregos e motiva tanto os locais como os de fora a protegerem a vida selvagem.

melhores do mundo nos anos 1960 e

1970, com grandes concentração de

elefantes e de leões. Dezasseis anos

de guerra civil levaram, contudo,

ao extermínio de 90 por cento dos

animais. O número de elefantes caiu

de seis mil, em 1976, para apenas 100.

Os leões, cerca de 500 na altura, quase

desapareceram. Entre 2004 e 2007 a

Carr Foundation investiu mais de 10

milhões de dólares na reabilitação da

fauna da Gorongosa. Neste período

foram reintroduzidos búfalos e bois-

cavalos, entre outras espécies, e

começou o processo de restauro do

acampamento de Chitengo, ponto de

acolhimento dos visitantes. Seguiu-se

em 2008 a assinatura de um acordo por

20 anos entre a Carr Foundation – que

passou a designar-se por “Gorongosa

Restoration Project” - e o Governo de

Moçambique para a gestão conjunta

do parque, que prevê a restauração

do ecossistema, a criação de uma

indústria turística sustentável e o apoio

ao desenvolvimento socioeconómico

das 16 comunidades e cerca de 100 mil

pessoas que vivem na zona tampão

à volta da área protegida. Para Carr,

já não se trata de fazer dinheiro.

Trata-se, sim, de recuperar, proteger

e desenvolver a Gorongosa, com

projectos que ajudem a natureza e as

populações nela inseridas.

- Já passaram alguns anos desde

que empreendeu o projecto de

recuperação do parque. Está satisfeito

com os resultados?

Greg Carr (G.C.) – Até agora há três

coisas que fizemos que são muito

importantes. Em primeiro lugar a

conservação, com a criação de uma

força de “rangers” (fiscais ou guarda

florestais) para proteger os animais.

Contratamos localmente, treinamos os

rangers, damos-lhes bons empregos.

Fizemos a reintrodução de animais e

o número de animais está a aumentar,

por causa da proteção adicional. Estou

feliz com isso. Em segundo lugar,

estamos a trabalhar nas comunidades,

com o nosso atendimento de saúde,

educação, com projectos agrícolas.

Sinto-me feliz com estes programas,

que estão a melhorar as vidas de

milhares de pessoas. E, em terceiro

lugar, estou muito feliz e orgulhoso

com a ciência que fazemos aqui: temos

cientistas de todo o mundo. Temos

cientistas moçambicanos que estão a

estudar este ecossistema, que estão a

aprender coisas novas sobre ecologia

que não sabíamos, estão a publicar

artigos científicos, a identificar espécies

que são novas para a ciência e estas

lições de ecologia podem ser usadas

noutras partes do mundo. Quando

olho para os últimos oito anos, vejo

um grande crescimento no número

de animais, a criação de um centro de

pesquisa científica de classe mundial e

a intervenção em milhares e milhares

de famílias em todo o parque. Sinto-

me muito satisfeito em relação a

isso. Vamos fazer crescer todas estas

actividades ao longo dos próximos doze

anos. Tenho a certeza que o número de

animais vai dobrar e dobrar novamente.

Todos os nossos projectos vão crescer.

– Que tipo de projectos?

G.C. – Em 2016 teremos a marca de café

Gorongosa, que talvez possamos vir a

vender em Macau. Este projecto tem

vários objectivos. Primeiro, vai criar

empregos para 1000 famílias que irão

produzir o café e vão colhê-lo. Segundo,

consiste num método para restaurar a

floresta da Serra da Gorongosa, porque

plantamos e produzimos árvores de

café nativas, mas também plantamos

árvores para fazer sombra às plantas de

café, porque elas precisam de sombra.

Este é um exemplo de um projecto que

ajuda as pessoas e a floresta. Sentimo-

nos muito confiantes em relação ao

sucesso do nosso café. As árvores já

estão com um metro de altura, estamos

confiantes de que teremos um produto

muito bom, um café de origem local,

vindo de uma montanha especial,

crescendo naturalmente, orgânico. Há

uma grande quantidade de abelhas que

vivem na montanha que polinizam as

árvores, estou muito animado.

– Falou em Macau. Acha importante

trazer turismo da Ásia para a

Gorongosa?

G.C. - O único aspecto em que vamos

estar a investir muito nos próximos

anos é o turismo. O turismo gera

empregos para a população local,

constrói a economia regional. A

Gorongosa é uma experiência

fantástica. As pessoas estão a fazer

safaris, veem elefantes, leões, pássaros

e nós estamos a acrescentar actividades

turísticas. Pensamos que a Gorongosa

é uma experiência turística de classe

mundial, e vamos acrescentar mais

alojamentos. Espero que as pessoas

na China, em Macau, em Hong Kong

considerem vir à Gorongosa. Acho que

vão ter uma das melhores experiências

das suas vidas.

– Qual vai ser o futuro do parque

quando terminarem os 20 anos

de parceria com o Governo? Tem

expectativa de renovar o contrato?

G.C. - Sim, o nosso contrato tem um

prazo de renovação e suspeito que é

muito provável que renovemos. Há

mais de 99 por cento de probabilidades

de eu ficar a trabalhar aqui para o resto

da minha vida. Provavelmente outros

25 ou 30 anos. Não há nenhuma razão

para parar daqui a 12 anos. Toda a

gente está feliz.

- Quais as formas de sustentabilidade

do parque, para além do

financiamento a fundo perdido que

está a fazer?

G.C. - O turismo é a sustentabilidade

do parque. Há três coisas que o turismo

faz pelo Gorongosa: número um, cria

empregos para a população local;

número dois, quando as pessoas pagam

as taxas para entrarem no parque estão

a tornar o parque sustentável; número

três, quando as pessoas vêm aqui de

férias e passam a semana como turistas,

apaixonam-se pela natureza talvez mais

profundamente do que alguma vez

imaginaram. Então, vão para casa, onde

quer que seja, com um compromisso

renovado de “salvar a natureza”. Dessa

forma, a Gorongosa pode influenciar o

mundo inteiro e levá-las a proteger os

lugares em perigo. Às vezes as pessoas

tendem a esquecer esta terceira função

do turismo. Os turistas também vivem

uma experiência que lhes vai fazer

ver as coisas de outra forma e esses

benefícios são incalculáveis. Essa

experiência educa, inspira. A seguir,

muita gente vai transformar isso em

acções, vão voltar para casa e talvez se

tornem conservadores da natureza nos

seus países.

– O turismo é suficiente para sustentar

o parque?

G.C. - Também temos apoio dos

governos dos EUA e de Portugal.

Recebemos agora um donativo

importante da Irlanda e há indivíduos

e empresas que nos apoiam. Temos

muitos que nos ajudam e isso é

importante para que o parque não

dependa de apenas um doador como

eu. Queremos ter o maior número

possível de doadores para que o

projecto seja mais resiliente. Mesmo

daqui a 20 anos, mesmo que haja

muito turismo, a gerar muitas receitas,

acredito que vai haver indivíduos e

governos generosos a preocuparem-

se com a conservação, penso que uma

parte do orçamento do parque pode

vir de filantropia. Mas, se uma grande

parte das receitas vier do turismo

então isso é muito bom.

– Tem confiança no futuro do parque

a longo prazo?

G.C. - A coisa boa sobre Moçambique

é que o governo moçambicano

ama a Gorongosa. Este parque é da

propriedade do povo de Moçambique,

todos os moçambicanos amam a

Gorongosa, é o seu tesouro. Quando

me encontro com um funcionário do

Governo, na capital (Maputo), ele ou

ela, expressam sempre o seu apoio à

Gorongosa. É o símbolo da sua nação

e está situada no centro da sua nação,

ligando o norte ao sul. Acho que a

razão da Gorongosa estar a ser bem

sucedida não tem nada a ver comigo,

eu sou apenas uma pessoa. O parque

da Gorongosa está a ter sucesso porque

25 milhões de moçambicanos querem

ter um parque nacional e um parque

nacional é um dos melhores símbolos

da democracia e do igualitarismo,

porque este parque é de todos, todos

são bem-vindos. Acho que o governo

de Moçambique constitui um bom

exemplo para outras nações. Sabe

como valorizar um parque nacional.

– Os moçambicanos mais

desfavorecidos também têm acesso?

G.C. – Trazemos milhares de crianças

das localidades vizinhas que têm a

oportunidade de serem turistas, que

começam a aprender sobre o parque

e que se divertem. Nós pagamos

tudo, do orçamento do parque e

convidamos os professores das

escolas. Portanto, há uma tremenda

quantidade de moçambicanos que

começam a vir aqui e se você vier aqui

como um moçambicano, como um

turista normal, a taxa de entrada para

um adulto é de 100 meticais, menos de

três dólares [100 meticais para adultos,

50 para jovens e grátis as crianças].

Cobramos mais aos internacionais,

para que eles possam ajudar a

construir a economia desta nação [500

meticais para adultos, 250 os jovens e

grátis as crianças]. Mas, considerando

que é um parque nacional são umas

férias acessíveis. Você pode trazer a

sua tenda, a sua própria comida, pode

acampar, por isso não têm de ser umas

férias caras.

- A caça furtiva é um problema sério

em Moçambique...

G.C. - A lei em Moçambique protege

os animais dentro do parque nacional,

porque eles são herança e património

de todos os moçambicanos. Por isso,

se uma pessoa entra dentro do parque

e mata um animal de forma ilegal para

seu próprio benefício, ele está a tirar

a todo o povo moçambicano. Mas,

reconhecemos que as famílias que

vivem perto do parque nacional da

Gorongosa precisam de comer e é por

isso que temos um extenso programa

agrícola. Ajudamos todas as famílias

que vivam próximo deste parque.

Qualquer família que precise de ajuda

com a sua machamba receberá a nossa

ajuda, temos sementes, métodos

agrícolas. Por isso, se uma família diz

que está com fome, vamos ajudá-los

com a sua horta para que não tenham

que vir dentro do parque e levar um

animal selvagem. A caça furtiva pode

criar muito sofrimento aos animais:

os caçadores colocam armadilhas, o

animal pode ficar preso pela perna

ou pela cabeça e sofrer durante dias e

dias. Por isso nós actuamos de duas

maneiras: impomos a lei dentro do

parque e ajudamos as pessoas fora dele.

- A organização International Fund

for Animal Welfare (IFAW) indica

que a China tem sido um destino

significativo para o comércio ilegal

de marfim, acha que as mentalidades

podem vir a mudar?

G.C. – Tenho visto muitas boas

notícias ultimamente que dizem que

as pessoas na China estão a optar por

não comprar marfim, o que é muito

importante. Se você comprar marfim

para a sua casa como peça de arte o que

está a fazer é contribuir para o abate de

um elefante. Os elefantes são criaturas

belas: têm famílias, são inteligentes,

têm emoções, preocupam-se com o

outro. O comércio de marfim leva as

pessoas a disparar contra os elefantes

para os matar, cortar as suas presas e

é horrível. Quem compra marfim deve

entender que está a causar uma morte

dolorosa a um animal magnífico.

Tenho visto notícias recentemente que

dizem que há agora uma discussão

na China para parar com a compra

do marfim [A China comprometeu-se

em Maio a eliminar progressivamente

o comércio de marfim para travar

o negócio ilegal e a caça furtiva de

elefantes]. Aplaudo os chineses por

esta mudança de direcção e espero que

se torne num sentimento universal na

China. Os elefantes precisam de estar

vivos, não devemos comprar marfim.

Page 6: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015X | PERFIL XI

No quintal, é onde se instala a oficina, se constroem as peças escultóricas, que se que cobrem e desenham as paredes e os muros com peças de ferro velho. A casa do artista está sempre de portas abertas a quem chega: organizam-se convívios culturais, mostras de arte, cafés-concerto. Mabunda notabilizou-se com as máscaras, esculturas e, sobretudo, com as cadeiras ou “tronos” feitos com armas e munições utilizadas na guerra civil em Moçambique, que o artista recicla. Com método e paciência, Gonçalo Mabunda recria objectos que reflectem aquilo que os críticos vêm como “a história da violência e absurdo vivida durante os 16 anos de guerra civil em Moçambique, que isolou o país do mundo por um longo período”. A sua obra já esteve exposta um pouco por todo o mundo, incluindo Itália, França - no museu de arte moderna Centro Pompidou, em Paris -, Japão, Portugal e por aí fora. No currículo conta até com uma colaboração com a Fundação Bill Clinton, que lhe solicitou que concebesse o troféu dos Global Initiative Awards, os prémios da Fundação. Mabunda é, também, um dos artistas moçambicanos escolhidos para representar o país na 56.ª edição da Bienal de Veneza, que decorre nesta cidade do norte de Itália até Novembro. Em Maputo, Mabunda deixa-se fotografar pelo Ponto Final em frente do quadro que vai representar Moçambique em Paris, numa exposição colectiva dedicada ao tema “Energia”. A mostra reúne obras de artistas de todo os 54 países africanos. “A minha ideia sempre é reciclar. Fazer coisas em metal é dar vida e mostrar a vida daquilo que não conheço. Cada chapa tem a sua história, é isso que eu exploro”, esclarece. Gonçalo Mabunda escolhe a sua matéria-prima entre objectos apanhados na sucata. Volvidas mais de duas décadas sobre o fim da guerra, hoje o que o inspira é o dia-a-dia, para o qual olha com sentido crítico: “O que acontece é o que me inspira, o bem e o mal, tento perceber como é que a vida é, tento opinar”. Sobre o estado do país é especialmente implacável: “Hoje dizem que somos ricos mas o povo não tem, então o país não está melhor, para mim o país está melhor quando o povo tem, se a corrupção parar um bocadinho talvez melhore, mas cada dia que passa o país vicia-se, porque a corrupção está bem ramificada”, defende.O artista entrou no mundo das artes em 1992, como “estafeta” na Associação Núcleo de Arte de Maputo, instituição que tem sido a incubadora das gerações mais recentes de artistas em Moçambique. Ali começou a experimentar a pintura, usando restos de tinta que pintores como Malangatana e Miro lhe deixavam. Em 1995 participa num workshop com o artista sul-africano Andreies Botha, que lhe desperta o talento para novas formas de expressão. Faz um curso de escultura em metal na África do Sul e, a partir de 1997, começa a destacar-se.O seu percurso, garante, aconteceu “por sorte”. Começou por ver a sua obra reconhecida no estrangeiro e só depois é notado em Moçambique. Lamenta que não haja mais artistas moçambicanos com reconhecimento internacional: “Quando falam de arte é só Malangatana, e acabou. Mas tem [Estevão]Mucavele, que é um grande artista, tem o [Jacob] Macambo. É tudo complicado, eu sinto isso. Os meus colegas hoje falam de mim um bocadinho, mas eu não sou tudo, tem muitos. Devia ser de muitos que deveríamos estar a falar aqui, mas eles existem e estão cada vez mais fortes, apesar de faltarem as oportunidades”, remata, referindo-se aos muitos pintores, escultores moçambicanos com obra de grande qualidade, mas ainda amplamente desconhecidos.

Stella Mendonça, CANTORA DE ÓPERA

A ópera que vai colocar Moçambique na boca do mundoA soprano Stella Mendonça está a preparar “Terra Sonâmbula”, aquela que será a primeira ópera moçambicana. A ópera é uma parceria com os escritores Mia Couto, autor do livro que lhe dá origem, e Henning Mankell, que já escreveu o libreto.

TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA

“Terra Sonâmbula” é a primeira obra do escritor moçambicano Mia Couto, escrita no tempo da guerra civil. Publicado em 1992, o livro foi considerado em 2002 um dos melhores 12 romances africanos do século XX. O romance narra a viagem de um órfão e de um velho durante a guerra civil de Moçambique e ilustra temas como a descoberta da identidade nacional ou a capacidade de resiliência do homem perante uma situação difícil. Um dia ocorreu a Mia Couto e a Stella Mendonça transformar “Terra Sonâmbula” numa ópera. Ambos resolveram contactar Henning Mankell - criador do inspector Kurt Wallander, personagem fictícia de romances policiais, que desde 1986 vive parte do ano em Moçambique - para transformar o romance mais famoso de Moçambique no primeiro libreto do país. O libreto já está, entrretanto, escrito, mas a produção ainda se debate para encontrar os fundos necessários para levar a ópera a cena: “Temos o draft do libreto. Levou tempo a preparação, o investimento que fizemos até chegar ao libreto é enorme e o draft deste libreto, pela mão de Henning Mankell, tem um valor inestimável, mas depois de várias tentativas ainda estamos neste processo”, lamenta Stella Mendonça.Ao mesmo tempo, a cantora não tem pressa. “O Henning Mankell já me disse: ‘Stella, fazer uma ópera é como fazer um bom filme, pode durar 3, 4, 10 anos. E é verdade, quantas óperas não foram mexidas e remexidas e agora são intemporais? Nós não estamos com pressa, queremos que a maturação desse processo traga um bom resultado, que seja algo que fique durante séculos”. Stella Mendonça, a primeira cantora de ópera moçambicana, já produziu em 2002 aquela que foi a primeira ópera na história de Moçambique, a “Carmen” de Bizet. A cantora, que nasceu em Nampula e cresceu na Beira, cresceu no seio de uma família de nove irmãos. Em casa ouvia-se “Bach e Vivaldi, tocávamos piano, flauta, guitarra, tínhamos a tradição de tocar e cantar em família”.

A VOZ NÃO TEM COR

Stella nunca teve dúvidas quanto à sua vocação. Mas, o sonho só poderia ser cumprido no estrangeiro: “Eu dizia, eu hei-de ir a um país onde existem conservatórios e escolas de música. Esse era o meu diálogo com as minhas colegas, que se riam de mim. ‘Que sonho tão inacessível’, diziam. Mas a determinação de Stella foi mais forte, venceu e convenceu. Em meados de 1985, com 15 anos, saiu de Moçambique com a ajuda financeira de amigos dos pais, para estudar. Passou por França, Suíça, Espanha e Estados Unidos. No estrangeiro sofreu na pele o preconceito “por ser africana, por ser negra” e por pertencer a uma cultura desconhecida: “Ninguém conhecia Moçambique”. Moçambique, na altura, “era um país sem interesse, era um país em guerra”. Stella diz que “havia naquela altura, e talvez ainda haja, pessoas que pensam que a música clássica é só para europeus e que não faz parte da cultura africana”. “As pessoas que têm esse preconceito não perceberam nada do que é a arte, porque a arte ultrapassa a dimensão de onde você vem, de quem você é, vai para além disso tudo. A voz não tem cor”. Stella reconhece que, apesar de tudo, estudou em países onde essa barreira quase que não existe: “O que conta é a qualidade, o talento, o profissionalismo”.A vontade de ensinar jovens moçambicanos a cantar fez Stella lançar-se na abertura de uma escola de música, um dos projectos que a trouxeram de volta ao país, onde tem vindo regularmente desde os anos 1990. O país tem apenas duas cantores de ópera profissionais, Stella Mendonça e Sónia Mocumbi, a filha do ex-primeiro-ministro Pascoal Mocumbi. Ambas decidiram dedicar-se ao ensino para “oferecer uma plataforma de estudos que seja sólida antes dos jovens seguirem para a universidade”. Aguarda-se agora que os patrocinadores abram os cordões à bolsa para que chegue mais rapidamente o momento da estreia de Terra Sonâmbula, a ópera que Stella espera que possa vir a colocar Moçambique nas parangonas internacionais pelas melhores razões: a cultura.

Gonçalo Mabunda, ARTISTA PLÁSTICO

“A minha ideia sempre é reciclar”Gonçalo Mabunda tem 40 anos, os mesmos que Moçambique tem de independência. O artista plástico, conhecido pelas suas esculturas feitas com munições de guerra e sucata, é um dos criadores moçambicanos da nova geração com maior visibilidade internacional.

TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA

É na sua casa na avenida Karl Marx, no número 1834, em Maputo, com uma cerveja na mão, que Gonçalo Mabunda recebe o Ponto Final. O artista vive rodeado de obras de arte de outros moçambicanos, artistas, com quem trocou peças ou a quem comprou quadros, esculturas e fotografias, ou de quem recebeu esboços desenhados em guardanapos de restaurante: “Este é [Eugénio] Saranga, este é Titos Mabota, este é o fotógrafo Filipe Branquinho, este é Miro, já falecido, ofereceu-me há muito tempo”, explica.

Page 7: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015XII | LAZER XIII

ONDE FICAR

Acácia Inn Uma opção de alojamento central e acolhedora, com preços em conta por comparação com os hotéis da cidade. Inaugurada em Março.

Bed & BreakfastAV. FRANCISCO ORLANDO MAGUMBWE, AO LADO DA EMBAIXADA DO

VIETNAME.

ONDE COMERA cozinha moçambicana é rica e variada, a lista de lugares onde comer com qualidade é imensa e a escolha é difícil. Optámos por eleger um restaurante que abriu recentemente e que tem entre os sócios uma antiga residente de Macau, Marta Curto.

Restaurante Tree HouseAV. FRANCISCO ORLANDO MAGUMBWE,

NA ESQUINA COM A AV. 24 DE JULHO.

“Aqui fala-se português”

Marta Curto é uma dos quatro sócios que investiram na abertura do restaurante Tree House, em Maputo, em Abril de 2015. A jornalista, que viveu em Macau, e que se mudou para a capital moçambicana há seis anos, em Moçambique gosta particularmente “da liberdade, das oportunidades, dos salários mais altos do que em Portugal”. Além disso, “as pessoas são afáveis, o ritmo de trabalho é diferente”. Marta Curto realça ainda as vantagens do clima e o facto de que, em Moçambique, “fala-se português”.

ROTEIRO DE MAPUTO

ONDE VER, LER E OUVIR CULTURA

Fundação Fernando Leite CoutoAV. KIM IL SUNG, BAIRRO DA SOMMERSCHIELD

Organiza regularmente colóquios, saraus musicais, mostras de arte. Trabalhos do pintor moçambicano Naguib encontravam-se em exposição na altura em que foi feito este roteiro.

Continuar o trabalho de Fernando Leite Couto

A Fundação Fernando Leite Couto, inaugurada em Abril, é um projecto que resulta da vontade do escritor moçambicano Mia Couto e dos dois irmãos Fernando e Armando Jorge de homenagear o trabalho desenvolvido pelo pai. Jornalista, escritor, professor e editor, responsável pela editora moçambicana Ndjira, Fernando Leite Couto publicou autores como o próprio Mia Couto e Paulina Chiziane, entre outros.Segundo Fernando Couto (filho), em conversa com o Ponto Final, a instituição pretende continuar a obra do seu patrono, com enfoque na literatura e na arte.A Fundação Fernando Leite Couto organiza exposições de pintura, conferências, debates, colóquios sobre os mais variados temas relacionados com a cultura. A fundação tem também Internet-café e restaurante e espaço para leitura de livros e jornais.

Ver programação em: https://www.facebook.com/FernandoLeiteCouto/info

ONDE VER O PÔR-DO-SOL

Dhow Moçambique – Galeria de Arte e CaféRUA DE MARRACUENE,Nº4, (RUA JOSÉ MACAMO)

Hotel CardosoAV. DOS MÁRTIRES DE MUEDA

ONDE COMPRAR COISAS CHIQUES

Loja das MeiasAbriu em Maio, deverá a partir de Agosto abrir o espaço para eventos e esplanada com menu “gourmet”.Rua Chuindi, nº 45 (junto ao Jardim dos Namorados)

ONDE COMPRAR OBRAS DE ARTISTAS MOÇAMBICANOS E OUVIR MÚSICA AO VIVO

Associação Núcleo de Arte – Café e Galeria de Arte Trata-se de uma organização cultural para a promoção e desenvolvimento de artes plásticas a funcionar desde 1921, oferece espaço de atelier e de exposição aos artistas moçambicanos.MÚSICA AO VIVO AOS DOMINGOS.

RUA DA ARGÉLIA, Nº 194

UM MUSEU A VISITAR

Vale a pena espreitar o Museu dos Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM), que acaba de ser inaugurado no edifício centenário dos CFM, na baixa da cidade. Uma das atracções do museu é a história da primeira ligação ferroviária entre o país e a vizinha África do Sul, a chamada ligação entre Lourenço Marques (Maputo) e Transvaal, iniciada em 1895.

ONDE BEBER UM COPO À NOITE

Mau Mau Maria Restaurante e BarAV. MAO TSE TUNG, Nº 911

Bairro, Bistro e Mercado de IdeiasAV. JULIUS NYERERE, Nº 562

Bar Lounge 1908 Restaurante e BarESQUINA DA AV. SALVADOR ALLENDE COM

A AV. EDUARDO MONDLANE.

TRANSPORTES

Táxis e Tchopela (média de 200 meticais por viagem)Chapa ( 5 meticais)

Maputo é uma cidade com muita oferta cultural, gastronómica e de alojamento. Optámos por apresentar sugestões de lugares que abriram recentemente. Recomendam-se os locais do costume quando se trata de comprar arte moçambicana e artesanato africano.

ONDE COMPRAR ARTESANATO E CASTANHA DE CAJU

Nos lugares do costume:

FEIMA Feira de Artesanato, Flores e GastronomiaPARQUE DOS CONTINUADORES,

AV. ARMANDO TIVANE

Mercado Central de MaputoAv. 25 de Setembro

Mercado do PauPraça 25 de Junho

Oponto finalFELICITA

A REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

PELO SEU 40º ANIVERSÁRIO

Page 8: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015XIV | ENTREVISTA XV

O Aeroporto de Nacala, por exemplo,

quando poderá receber voos? Quando

é que o norte de Moçambique estará

capacitado nesse sentido?

R.C.M.- Em relação ao Aeroporto

de Nacala, está já praticamente

concluído. Vai começar a operar

dentro em breve. Contamos para este

grande desafio naturalmente com a

cooperação internacional, daí que

Moçambique tenha aberto as portas

para quem quiser, efectivamente,

cooperar. Moçambique propõe

vantagens e benefícios mútuos às

empresas e companhias que queiram

investir em Moçambique. Se esses

benefícios mútuos existirem, o

investimento é bem vindo. É por esta

razão que eu referia há um bocadinho

que é um grande desafio. Por um

lado temos estes recursos, estão lá

disponíveis, mas, por outro lado,

é preciso capacitar-mo-nos para

retirar benefícios destes recursos.

Moçambique não tem experiência e

por isso contamos com a cooperação

de todos.

- O contexto político – com a troca

de acusações entre o Governo e a

oposição – tem dificultado a atracção

de investimento?

R.C.M.- As instituições e a economia

têm funcionado com normalidade.

A estabilidade política está lá. Houve

sim, num passado recente, alguns

sinais de instabilidade, mas por via do

diálogo, conseguiu-se ultrapassar...

- Admite que para um país que quer

captar investimento, esta questão da

instabilidade política não ajuda …

R.C.M.- Não se tem mostrado difícil.

Temos vindo a captar investimento,

tanto que há grandes companhias na

prospecção de gás em Cabo Delgado,

as companhias de mineração de

carvão estão a funcionar normalmente,

continuamos a ter o benefício das

nossas praias e o turismo tem fluído com

naturalidade e com normalidade. A meu

ver, não se trata de uma instabilidade

que traga efeitos que possam repelir o

investimento. As instituições estão a

funcionar normalmente …

- Voltando à questão do gás

natural, a China é obviamente um

parceiro preferencial, tanto na

construção de infra-estruturas, como

eventualmente na exploração e, mais

tarde, na exportação da matéria-

prima, sendo um dos países do

mundo com maiores necessidades

energéticas. Já há algo estipulado a

este respeito entre Maputo e Pequim?

R.C.M.- A área do investimento nos

carbonetos, o gás particularmente,

está aberta. Eu sei que há companhias

chinesas interessadas e há mais

blocos a serem abertos, naturalmente

através de concurso. Cabe às empresas

chinesas também concorrer, mas

fui informado de que há empresas

interessadas na área do gás.

- E na área do turismo? Há potenciais

investidores da República Popular

“As portas parecem-me abertas para atrair mais investimento chinês”

- Quarenta anos após a independência,

em que passo estão as relações entre

Moçambique e Macau?

R.C.M.- Há uma empresa a construir

casas. Está a construir casas económicas

em Moçambique. Nós estámos muito

contentes com o rumo da cooperação.

Para além disso, Macau está a cooperar

com Moçambique na área da formação.

Está a dar formação em áreas como o

turismo, a finança ou a educação. Há

estudantes moçambicanos que estão a

completar os cursos nas universidade

de Macau. São várias as áreas cobertas

pela cooperação entre o nosso país e a

Região.

- A desaceleração da economia na

República Popular da China é algo

que o preocupa? É algo que pode

colocar em causa algum investimento

chinês em Moçambique?

R.C.M.- Penso que não. O investimento

em Moçambique, apesar das estatísticas

dizerem que nos últimos tempos

caiu significativamente em termos de

exportações, penso que, por aquilo que

estamos a assistir em Moçambique o

investimento decorre a muito bom ritmo

e não temos sentido até este momento

o facto de haver esta desaceleração na

China no que respeita ao investimento

da China em Moçambique.

- Acredita que é algo que pode vir a

acontecer no futuro?

R.C.M.- Eu acho que não. Moçambique

prefigura-se também como uma

oportunidade de forma a proporcionar

desenvolvimento que se calhar pode

ajudar a evitar essa desaceleração.

É um mercado novo, é um mercado

com muitas potencialidades, em que

o investimento chinês é bem vindo e

não acredito que isso venha a retrair

investimento em Moçambique.

- Do ponto de vista do investimento

de Macau? Existe investimento de

Macau em Moçambique nesta altura,

para além do que foi já anunciado …

R.C.M.- Existe sim. Existe uma

empresa de Macau a construir em

Moçambique na área da construção

de habitação. As primeiras casas serão

entregues, os primeiros investimentos

serão concluídos e entregues em

Outubro deste ano. Estou em crer que

mais empresários … Aliás , isso era o

que nós gostaríamos que acontecesse,

que mais empresários de Macau

investissem em Moçambique.

- Este investimento foi um

investimento dinamizado ao abrigo

dos contactos feitos no âmbito do

Fórum de Cooperação Económica e

Comercial entre a China e os Países de

Língua Portuguesa. Porque é que não

há mais empresas a investir por esta

via? Com o Fórum Macau servindo

como plataforma …

R.C.M.- Eu penso que se calhar tem de

se fazer um bocadinho mais ao nível

do Fórum Macau, no sentido de se

divulgar esta oportunidade, esta porta

que está criada para o investimento

entre Macau ou entre empresários

chineses ou macaenses nos países

de expressão portuguesa. Penso que

tem que haver um pouco mais de

divulgação. É a minha opinião pessoal.

Tem de haver mais divulgação, mais

massificação em termos de informação

junto do empresariado de Macau. É

necessário que os investidores vejam

países como Angola, Moçambique e

outros como uma oportunidade para

os seus investimentos...

- Os dois grandes trunfos de

Moçambique nesta altura em termos

de investimento são, por um lado, o

turismo e por outro o gás natural. A

exploração de gás, na zona norte de

Moçambique, ao largo da província

de Cabo Delgado, pode vir a ajudar

a revolucionar de forma substancial

as perspectivas económicas de

Moçambique?

R.C.M.- Nós acreditamos que sim.

O gás natural é para nós, e por um

lado, um factor de esperança para

o desenvolvimento económico de

Moçambique. Por outro lado é um

desafio, porque não basta termos

recursos: é preciso capacitar as

pessoas, é preciso criar infra-estruturas

, é preciso melhorar o aparato de

serviços. Enfim, o investimento é

uma área que precisa não só da parte

extractiva, mas também de aspectos

relacionados. Esse é o grande desafio

com o qual Moçambique se depara

neste momento: passa por se capacitar

para conseguir tirar vantagens

máximas destas oportunidades e

destes recursos de que dispõe.

- Este é um trabalho que terá que

ser feito a longo prazo. No norte do

país, ao nível das infra-estruturas,

Moçambique ainda está um

bocadinho atrás daquilo que seria

esperado. Há metas nesse sentido?

da China? Há interesse chinês para

investir na área do turismo nas

nove zonas que Moçambique quer

desenvolver?

R.C.M.- Nas zonas de que falávamos

não, porque são zonas abertas para

novos investimentos. Apraz-nos referir

que há empresas chinesas a investir na

área do turismo, por exemplo na área da

construção de hotéis. Em Maputo, em

algumas cidades da província de Tete,

há empresas chinesas que têm vindo

a construir novos hotéis. Portanto, as

portas parecem-me abertas para atrair

mais e mais investimento chinês.

- Este plano de exploração turística

de Moçambique … Neste momento,

Moçambique, curiosamente é um

dos destinos mais caros ao nível

do turismo balnear. Com os novos

investimentos, Moçambique vai

tornar-se um destino turístico para

todos os bolsos? Ou o objectivo é

captar turistas endinheirados?

R.C.M.- A ideia, naturalmente, é fazer

com que Moçambique se torne num

destino de turismo massivo, num

destino turístico para todo os bolsos.

Se calhar o que torna o turismo caro

em algumas zonas é, efectivamente,

a falta de infra-estruturas. Com a

conclusão do aeroporto de Nacala,

penso que chegar a Cabo Delgado –

vindo da Europa ou de qualquer parte

do mundo – vai-se tornar mais barato

e consequentemente vai ter influência

no pacote que qualquer cidadão terá

que pagar para visitar Moçambique …

- Quando é que o Governo

moçambicano vai avançar com este

programa para atrair investimento

para a área do turismo? Ou há já

contactos a serem feitos?

R.C.M.- Os contactos já estão a ser

feitos. O nosso Centro de Promoção

de Investimento tem vindo a divulgar

as oportunidades que há. O Governo

criou uma instituição que é o Fundo do

Turismo e o próprio Fundo Nacional

de Turismo tem vindo a catalisar a

questão do turismo como um dos

grandes recursos que Moçambique

tem para a sua economia...

- Dizia há pouco que o Fórum Macau

tem de se mostrar um pouco mais e

mostrar um pouco mais de trabalho.

O que é que poderá ser feito? Não é

de todo necessária a intervenção do

Fórum Macau para que o investimento

chinês seja feito em Moçambique.

O mais das vezes é feito em

circunstâncias bilaterais, por exemplo.

Em que é que o Fórum Macau pode ir

mais longe no seu entender?

R.C.M.- A meu ver, já está a fazer muito

trabalho. A abertura dos três centros

penso que é sintomática desse esforço

que está a ser feito pelo Fórum Macau,

mas é necessário que, não só o Fórum

Macau, aqui em Macau, mas os nossos

países também, divulguem um pouco

mais a existência deste Fórum, por

forma a que haja mais gente a participar,

haja mais gente a beneficiar e haja mais

gente a conhecer e a dar mais dinâmica

a Macau como plataforma para a

cooperação entre a China e os Países de

Língua Portuguesa …

No quadro do Fórum, já agora

que fala nisso, o primeiro projecto

financiado pelo Fundo de 100 mil

milhões, começou precisamente

por Moçambique, com investimento

chinês no Limpopo. Existem outros

projectos financiados por este fundo?

Ou financiados no âmbito do Fundo

China-África?

R.C.M.- A maior parte dos projectos

têm beneficiado de financiamento

a nível bilateral, mas em relação

ao Fundo de Macau, a informação

que tenho é que existe este

empreendimento da Charlestrong,

que é aqui de Macau e de plantio de

arroz no vale do Limpopo...

- Esse foi o primeiro …

R.C.M.- Sim, sim, sim...

- Financiado pelos dois fundos?

R.C.M.- Sim, financiado pelos dois

fundos.

- Não existe mais nenhum projecto

neste momento?

R.C.M.- Que eu tenha conhecimento,

não. Se existirem estão ainda em fase

de processo, mas como dizia, não

disponho de informação.

- Quarenta anos depois da

independência, uma iniciativa como

o Fórum Macau pode ajudar a derimir

problemas que ainda existiam

entre Portugal e Moçambique e os

países que estiveram sob a égide

do colonialismo português. Ou esta

questão faz já parte do passado?

R.C.M.- O Fórum Macau vem

juntar-nos, vem unir-nos cada

vez mais porque as relações entre

Moçambique e Portugal – não quero

falar, obviamente, pelos outros – é

excelente. Portugal é um dos maiores

investidores em Moçambique em

termos de interesses empresariais no

país. Temos vindo a receber quase

todos os dias pessoas, investidores

vindos de Portugal interessados em

investir na área da gastronomia e do

turismo. A meu ver, o Fórum Macau

vem catalisar estas boas relações que já

existem entre Portugal e Moçambique.

- Quatro décadas após a

independência, Moçambique é

um país de futuro? Ou, como se

mencionava há pouco, este fantasma

da instabilidade entre a FRELIMO

e a RENAMO pode colocar em risco

o futuro do país. Moçambique tem

sido nos últimos anos visto como

uma espécie de bom aluno da costa

oriental africana. Este fantasma que,

de vez em quando assoma, de alguma

instabilidade entre os dois maiores

partidos do país, pode colocar em

causa esta imagem?

R.C.M.- Está tudo a ser feito no sentido

deste empecilho nunca prejudicar,

nem retrair o investimento e por

isso é que o Governo se tem pautado

pelo diálogo. É um diálogo que já

vem decorrendo há alguns meses,

por forma a minimizar as diferenças

que existem. Mas a aposta é feita

no diálogo sem ter que se recorrer

à violência. Diferenças há muitas,

mas não há nenhuma diferença que

justifique a violência. É inconcebível.

O Governo vai fazer tudo o que estiver

ao seu alcance para que, através do

diálogo, se possam encontrar meios

termos, passe a expressão, no sentido

de afastar cada vez mais ou erradicar

de uma vez por todas a tendência de

recurso à violência para reivindicar

seja o que for.

As relações económicas e comerciais entre a República

Popular da China e Moçambique seguem de vento em popa. Quem o diz é Rafael Custódio Marques.

O diplomata, que lidera a representação de Moçambique

na RAEM, lembra que há investimento chinês em sectores

como o turismo, a agricultura ou a extracção de recursos minerais. O

investimento de Macau é pontual, mas significativo: uma empresa

do território está envolvida na construção de habitação

económica. Apesar da economia moçambicana estar em expansão e os investimentos estrangeiros se

multiplicarem, Rafael Custódio Marques deixa um recado.

O Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua

Portuguesa deve fazer mais para ajudar a divulgar Moçambique junto dos investidores chineses.

Page 9: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015XVI | MACAU XVII

Fugir dos temas políticos e

recordar os momentos felizes

é o que fazem os sócios

da Associação dos Amigos de

Moçambique (AAM) quando se

reúnem em Macau. “Falamos dos

bons momentos que passamos. Quer-

se esquecer o que foi mal, fugimos

das questões políticas e recordamos

os momentos felizes. Há uma certa

nostalgia”, assinala Helena Brandão,

57, presidente da AAM.

Moçambicana da Beira, no centro do

país, Helena deixou África em 1984,

“obrigada” a sair do país no contexto

da guerra civil entre o Governo e

a RENAMO (Resistência Nacional

Moçambicana), que reivindicava um

regime multipartidário.

Há quase 30 a viver em Macau, onde

se radicou em 1987, Helena não

perdeu os vínculos com Moçambique

e regularmente visita o país, onde

estão amigos e familiares. Quarenta

anos depois da independência, a

presidente da Associação dos Amigos

de Moçambique faz uma avaliação

“Fugimos das questões políticas e recordamos os momentos felizes”Divulgar a produção artística do país africano é o foco das actividades da Associação dos Amigos de Moçambique em Macau. Este ano a região recebe uma mostra sobre o Parque da Gorongosa.

TEXTO DE ISADORA ATAÍDE

positiva da trajectória da sua terra

natal. “As pessoas têm condições

de vida melhores, o sistema de

ensino melhorou: inclusive com

universidades, e há novas infra-

estruturas. É claro que há muito a

ser feito, porque a guerra impediu o

desenvolvimento normal do país”,

salienta.

Foi em 2006 que Helena se juntou

à Associação dos Amigos de

Moçambique, fundada em 1992.

Com mais de 80 sócios, a organização

estima que em Macau vivam mais

de 200 pessoas originárias de

Moçambique, além de uma população

moçambicana flutuante de cerca de

20 pessoas.

Reunir os que nasceram ou viveram

em Moçambique e os amigos do

país para manter os vínculos com o

passado e para divulgar as expressões

culturais moçambicanas é o objectivo

central do organismo que dirige:

“Nunca esquecemos da terra onde

nascemos, nos reunimos para não

deixar morrer as nossas memórias

e histórias. Mas também queremos

divulgar as expressões artísticas de

Moçambique, a música, a dança, o

teatro, a pintura”, sublinha Helena.

GORONGOSA EM MACAU

Carlos Barreto, “português nascido

em Nampula e criado em Lourenço

Marques”, deixou Moçambique um

ano depois da independência, em

1976. Em Macau há 29 anos, Carlos

ingressou na associação em 2005 e é

actualmente o seu vice-presidente:

“Já fizemos algumas actividades de

recolha de fundos em campanhas

para combater a malária e para ajudar

as vítimas da cheias. Mas o nosso foco

é cultura”.

Sem família em Moçambique, Carlos

tem regressado ao país desde 2007,

inclusive para conhecer artistas e

a produção cultural do país e para

trazer exposições para Macau.

O Parque da Gorongosa, uma reserva

natural protegida, situada no centro

de Moçambique, é o tema de uma das

próximas iniciativas da Associação

Um país que conquista pelo estômago Matapa, leite de coco, camarão tigre. Na orla do Índico, os sabores telúricos da cozinha africana misturaram-se com influências portuguesas e indianas. O resultado? Uma cozinha ecléctica, rica em pratos e sabores.

TEXTO DE MARCO CARVALHO

Independência de Moçambique não foi manchete em Macau

dos Amigos de Moçambique: “Vamos

contar a história do Parque, que

tem mais de 95 anos e que viveu

anos muito difíceis. Actualmente

há uma parceria entre o Governo

de Moçambique e uma fundação

americana, o parque está a ser

recuperado e os animais selvagens

estão a voltar”, explica Carlos. A

realizar-se de 13 a 29 de Novembro,

na Torre de Macau, “a exposição irá

reunir fotografias, filmes e livros sobre

a Gorongosa. Queremos mostrar que

o Parque está a ser recuperado e que

ele pertence às populações que vivem

na sua periferia”, explica o dirigente.

A organização do evento conta

com o apoio da Associação dos

Amigos de Moçambique em parceria

com a ATFPM (Associação dos

Trabalhadores da Função Pública

de Macau), do Parque Nacional da

Gorongosa, da Torre de Macau e do

Fórum para a Cooperação Económica

e Comercial entre a China e os Países

de Língua Portuguesa.

Este ano, a AMM participa ainda na

feira de cultura promovida pelo Fórum

Macau e no Festival da Lusofonia.

A participação em tais eventos

contribui para divulgar Moçambique

na China: “A comunidade chinesa

ainda conhece muito pouco sobre

Moçambique. Mas o trabalho do

Fórum Macau está a dar a conhecer o

país”, assinala Carlos.

Nas comemorações dos 40 anos da

independência, a AMM trouxe a

Macau o chef Carlos Graça, que até o

próximo dia 28 serve especialidades

moçambicanas – entre elas matapa

e frango à zambeziana – no Grande

Lapa (ver texto nestas páginas).

Se um dia lhe fosse dada a

oportunidade de cozinhar

para Xi Jinping, Carlos Khan

da Graça engalanava a mesa do todo

poderoso líder chinês com o melhor

que a gastronomia moçambicana tem

para oferecer. Em Macau pelo sexto

ano consecutivo para dar a conhecer

os ingredientes e os sabores com

português que à data se publicava em Macau, não deixava ainda assim de sublinhar a esperança manifestada pela delegação portuguesa de que, no final do processo de descolonização, a vontade do povo timorense seria respeitada. Almeida Santos, então ministro da Coordenação Interterritorial e membro da delegação chefiada por Vítor Alves, explicava que Macau tinha sido escolhido para local da cimeira, não apenas por ser próximo de Timor, mas por ser “um território capaz de propiciar uma atmosfera de paz”. Além disso, acrescentava, não havia um problema de descolonização em Macau, razão

pela qual a cidade podia “acompanhar de forma desapaixonada” a questão timorense. Entregue a manchete à cimeira, a Gazeta Macaense do dia 26 de Junho publicava na página 2 a notícia da proclamação da independência de Moçambique, destacando o facto da chefia do novo Estado ter sido assumida por Samora Machel. No discurso proferido no Estádio Nacional da Machava, onde uma forte chuvada atrasou em 15 minutos o arrear da bandeira portuguesa, Samora Machel prometeu que a Frelimo seria um instrumento revolucionário que conduziria Moçambique a uma

“democracia popular, com base no socialismo e no internacionalismo, destruindo o elitismo e seguindo uma nova política educacional, para revigorar a cultura moçambicana e criar uma mentalidade revolucionária entre o povo”. O líder da Frelimo garantiu também que Moçambique trabalharia para “uma paz verdadeira no mundo, apoiando o estabelecimento do Oceano Índico como zona de paz”, e respeitaria a Carta das Nações Unidas, “aliando-se ainda com as outras nações socialistas”.Vasco Gonçalves, então primeiro-ministro, chefiou a delegação portuguesa à cerimónia, também integrada por Melo Antunes, Mário Soares, Álvaro Cunhal e Otelo Saraiva Cunhal, entre outros dirigentes políticos e militares. Porta-voz da delegação junto da imprensa, Vasco Gonçalves comparava a Frelimo ao Movimento das Forças Armadas (MFA), pois ambos eram movimentos de libertação. “Nós próprios em Portugal também fomos colonizados”, dizia aos jornalistas o chefe do governo, que

não se esqueceu também de elogiar o processo de descolonização então em curso. “Desejamos firmemente enterrar o passado e cicatrizar as feridas”; “somos um pequeno país que neste aspecto da descolonização recebe lições de nenhum outro povo do mundo”.

FELICITAÇÕESDE PEQUIM E MACAU

Reproduzindo a informação avançada pela agências internacionais, a Gazeta Macaense salientava a ausência nas cerimónias da independência de representantes dos Estados Unidos, República Federal Alemã, França, Japão e África do Sul, por não terem sido convidados, ao mesmo tempo que, um tanto incongruentemente, noticiava sem comentários ter sido o Japão o primeiro país a reconhecer a nova nação de Moçambique independente.A República Popular da China apressou-se também a dar as boas vindas ao novo membro da comunidade

internacional. Num editorial publicado no Diário do Povo, no próprio dia 25, endereçavam-se “amistosas congratulações no renascimento de Moçambique” e dizia-se que a fundação do novo país provinha “do cano de uma espingarda”. O artigo apontava a luta da Frelimo como um exemplo a seguir por outros povos da África Austral que ainda não tinham conseguido libertar-se do jugo colonial – e informava que o primeiro-ministro Chou En Lai tinha enviado a Samora Machel uma mensagem de felicitações pela proclamação da independência.O mesmo fez em Macau o então Governador Garcia Leandro. Publicado pela Gazeta Macaense já no dia 27, o telegrama saído do Palácio da Praia Grande rezava o seguinte: “Data histórica oficialização independência Moçambique em nome população e governo Macau transmito Vexa. Melhores desejos felicidade para povo de Moçambique com votos de que o exemplo dado na descolonização seja também concretizado na formação

de um país próspero progressivo e democrático Apresento Vexa. Meus melhores cumprimentos”.E com a publicação destas linhas se esgotou na imprensa de Macau a cobertura noticiosa da independência de Moçambique, nesse já distante ano de 1975. Nos dias seguintes, a Gazeta Macaense voltaria as suas atenções para a crise política que então começava a acentuar-se em Macau, onde um grupo de oficiais conotados com sectores da esquerda revolucionária contestava abertamente a governação moderada de Garcia Leandro. Mas o “Verão Quente de 75” foi de curta duração em Macau. Menos de um mês depois, a Gazeta Macaense noticiava a partida para Lisboa do comandante Catarino Salgado, tido como líder dos contestatários. Restabelecido o consenso entre os militares, a vida política do território voltou rapidamente à normalidade, à data uma situação rara, senão única, no império português então a caminho do fim.

Há 40 anos, quando foi oficialmente proclamada a independência de Moçambique, era outra a então colónia portuguesa que fazia as primeiras páginas da imprensa de Macau. O major Vítor Alves, membro do Conselho da Revolução, chegava ao território para presidir a uma cimeira sobre o futuro de Timor-Leste, onde era suposto estarem representadas todas as forças políticas timorenses. O encontro acabou, no entanto, por ser boicotado pela Fretilin, por se opor à presença de uma delegação da Apodeti, partido que defendia a integração de Timor-Leste na Indonésia. A Gazeta Macaense, único jornal diário

que se urde o saber fazer culinário de

Moçambique, o cozinheiro acredita

que a gastronomia moçambicana tem

o que é necessário para se afirmar

a nível internacional como um dos

principais cartões de visita do país.

Fruto da fusão de sabores e de

circunstâncias históricas, a culinária

moçambicana é uma das mais ricas

e variadas da África subsariana. À

sombra das acácias, na orla do Índico,

às técnicas, costumes e ingredientes

locais somaram-se influências

portuguesas e indianas e é a mistura

da telúrica cozinha africana com as

subtilezas aromáticas da Índia e os

métodos importados de Portugal que

contribuem para a originalidade da

gastronomia de Moçambique: “Acho

que sabe que a comida moçambicana

não é uma entidade homogénea:

temos a comida tradicional e depois

temos uma fusão, que é a mistura

da portuguesa e da indiana. Temos

muita influência”, sublinha Carlos

Graça. “Tanto de um lado, como de

outro, são comidas muito gostosas,

muito apaladadas e nada melhor

que divulgarmos para as pessoas

conhecerem e para que tenha mais

aceitação. Eu acho que é um grande

trampolim e tem de haver essa ligação

constante, entre a parte gastronómica

e a parte cultural. Tem de haver esse

casamento para podermos divulgar

ao máximo as potencialidades dos

sabores de Moçambique”, defende o

cozinheiro.

Com uma extensa linha de costa, o

país é afamado pela frescura do peixe

e do marisco que se retira do Índico e

tornou-se, por exemplo, sinónimo de

camarão de qualidade. A riqueza e a

variedade da cozinha de Moçambique

não se fica, no entanto, apenas pelos

trunfos retirados ao mar. Fértil e

imaginativa, a gastronomia tradicional

moçambicana é também caracterizada

pela simplicidade dos ingredientes a

partir dos quais se estrutura: “Apesar

de haver uma grande variedade

gastronómica em Moçambique, os

hábitos são quase os mesmos. Deixe-

me dizer-lhe que de norte a sul, nós

utilizamos a matapa, que é a famosa

folha de mandioca pisada. No sul, a

matapa é cozinhada com o amendoim

pilado e no centro-norte já leva mais

o leite de coco. São essas as pequenas

diferenças. Depois o caril, o pó de

caril, que nós fazemos com coco, que

fazemos com marisco, que fazemos

de várias formas também é usado de

norte a sul do país”, exemplifica Carlos

Graça.

Se cozinhasse para Xi Jinping, a

matapa seria, de resto, um dos

ingredientes incontornáveis do menu

preparado pelo chef moçambicano.

Fácil de encontrar em Moçambique,

a folha de mandioca pisada é um

dos ingredientes mais emblemáticos

da culinária do país, considera o

cozinheiro: “Eu nunca deixaria de

colocar a matapa no menu”, admite

Carlos Graça. “Mas servia também o

frango à zambeziana, que é um frango

que tem um sabor muito especial e

muito característico e que é o frango

grelhado com leite de coco e que tem

um gosto muito característico. Temos

vários tipos de folhas. Utilizamos

vários tipos de folhas: desde derivados

de feijão, a folha da batata doce, a folha

da abóbora. São folhas que podem ser

confeccionadas de diversas formas e é

sempre muito bom”, explica.

No ano em que celebra três décadas

de carreira, Carlos Khan da Graça

assume de bom grado o estatuto de

embaixador gastronómico do país,

mas reconhece, ainda assim, que

divulgar fora de portas não basta. No

entender do cozinheiro, a gastronomia

moçambicana só se elevará ao estatuto

de indústria quando o seu potencial

económico for reconhecido pela

própria população de Moçambique:

“No meu entender, a gastronomia é por

si só uma experiência, mas acredito

que a gente ainda tenha que fazer,

em Moçambique, um bocado mais

em prol da divulgação do potencial

gastronómico do país. Não basta só

fazermos as semanas gastronómicas

fora. Neste momento, nós já temos

uma feira gastronómica mensal em

Maputo, mas temos de tentar fazer

esse tipo de feiras de norte a sul do

país, porque têm muita procura e têm

muita aceitação”, sublinha.

Com algumas das praias mais apetecidas

do mundo e uma diversidade natural

de fazer inveja, Moçambique tem na

variedade da sua oferta gastronómica

um outro trunfo para convencer quem

o visita. Para Carlos Khan da Graça,

os sabores e o saber fazer culinário

moçambicano justificam por si só uma

visita à pérola do Índico: “Três grandes

razões para visitar Moçambique?

Primeiro, a alimentação, que é a minha

área. O turismo. E depois, o calor

humano. Nós somos muito humildes,

muito calorentos. Gostamos muito de

receber pessoas, mesmo por vezes, sem

falar a mesma língua. O moçambicano

tenta sempre uma maneira de se

explicar e de se fazer entender com que

o visita”, remata o chefe.

Page 10: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

ponto final • QUI. 25 JUN, 2015 ponto final • QUI. 25 JUN, 2015XVIII | ENTREVISTA XIX

Sociólogo e antropólogo, Nuno Domingos estuda

o colonialismo português em África. Moçambique

– onde investiga o vinho colonial e o futebol – é

o seu objecto de estudo. Quarenta anos após

a independência, o investigador do Instituto

de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

considera que o projecto socialista melhorou

a vida da população africana, apesar dos seus

equívocos. Crítico das relações neocoloniais que

a Europa mantém com o continente, Domingos

aponta entre as reminiscências coloniais do

presente moçambicano as estruturas de classe

“absolutamente” desiguais .

PONTO FINAL - Quais as razões de Portugal para

a retomada do projecto colonial na segunda

metade do século XIX em Moçambique?

Nuno Domingos - A situação portuguesa em

Moçambique não deve ser compreendida

fora do contexto internacional da partilha de

África, do processo da Conferência de Berlim,

em 1884-85. A partir de então o colonialismo

português para África apresenta um projecto

mais sustentável, uma presença estatal mais

importante, a qual tinha começado sobretudo

com a presença militar, mas que depois teve

uma base administrativa mais forte. Nesta fase,

o colonialismo voltou-se também para a ciência,

para o reconhecimento dos rios, da fauna e da

flora, para a elaboração dos mapas, e, claro, para

o reconhecimento das populações. Todo esse

processo de ocupação data do final do século

XIX. Há uma explicação mais especificamente

portuguesa para tal processo, que tem a ver

com o nacionalismo e com a ideia de quem nem

tudo estava perdido depois da independência

do Brasil. África poderia ser o novo Brasil.

E havia questões materiais: África era uma

estrutura de oportunidades para a extracção de

matérias-primas, para a cobrança de impostos,

para a exploração do trabalho. Em África havia

oportunidades para a Igreja, para os militares,

havia um contexto de conquista que era bom

para um conjunto de interesses.

- Também em Moçambique havia “estados” e

reinos africanos com organização sociopolítica.

Houve resistência ao projecto colonial nesta fase?

N.D. - Houve resistência das populações. Havia

sistemas políticos africanos organizados. Em

Moçambique houve resistência sobretudo do

Reino de Gaza, e a sua conquista, com a captura

de Gungunhama, foi um grande momento do

colonialismo português. A retórica de Mouzinho

de Albuquerque e de António Eannes, dos heróis

coloniais, ainda é forte em Portugal. A narrativa

oficial imposta pelo colonialismo assumia que a

história começava com a chegada dos europeus,

como se África não fosse complexa nos seus

sistemas políticos e sociais. É fundamental

olhar para o colonialismo a partir do modo

como estes povos estavam organizados e como

o colonialismo vai modificar as suas estruturas,

privilegiando as organizações que contribuíram

para o esforço colonial e suprimindo aquelas

que resistiram, numa administração do tipo

indirecto.

colonial. As empresas privadas tinham a sua

polícia e também exerciam violência. Neste

cenário, houve um conjunto de lutas laborais,

algumas urbanas, outras rurais. A resistência

era complicada - embora tenha acontecido e

tenha sido constante – pelo contexto imperial

e colonial, com a matriz fascista do Estado

Novo, no qual não havia partidos políticos e os

sindicatos estavam controlados.

- Quais os antecedentes dos movimentos de

libertação?

N.D. – Há os motivos internos ao próprio

território moçambicano. Há o contexto

africano de descolonização. Há uma pressão

internacional sobre Portugal e a organização

de elites e partidos fora do país, as quais vão

ter apoios em África e no contexto mais geral

da Guerra fria, o que lhes permite apoios para

começar um movimento militar de resistência

ao regime. A dimensão internacional é muito

importante para explicar o processo, o que não

significa que não houvesse condições internas

e a expectativa da população de correr com os

portugueses.

- Em Portugal, alguns argumentam que foi um

erro não se ter realizado um referendo, uma

consulta à população sobre a independência ...

N.D. - É muito difícil tentar racionalizar um

processo que naquele momento tinha uma

dinâmica muito própria. No cenário do 25 de

Abril e das guerras de libertação, quem liderava

o processo percebeu que não havia outra

hipótese senão descolonizar. A situação a nível

militar e das populações era insustentável.

No caso de Moçambique, sabe-se hoje que

houve uma tentativa de se fazer um golpe, uma

independência branca, a qual teve apoios da

África do Sul e da Rodésia. Além do referendo,

também se fala que a transição poderia ter sido

mais lenta. São coisas que se dizem hoje e que

expressam uma certa nostalgia imperial, só

que na altura as coisas tinham uma dinâmica

própria, não me parece que fosse justificável a

realização de um referendo.

- Quarenta anos depois, que significado tem a

independência de Moçambique?

N.D. - O tempo alterou a nossa percepção desta

experiência. Os últimos 40 anos não foram

fáceis, com a guerra civil, e há um debate

sobre o que são os Estados em África, se eles se

aguentam sozinhos. Além disso, no período pós-

independência, as pessoas que tinham o capital

e a técnica abandonaram o país, o que foi uma

situação bastante complicada. A situação colonial

não era sustentável e é evidente que o projecto

pós-independência era mais interessante, mais

democrático, mais justo, tanto na produção

quanto nas relações sociais. Depois pode-se

discutir se havia conhecimento e capacidade

técnica para este projecto. Foram cometidos

erros, a aplicação de algumas receitas socialistas

não funcionaram.

- Que legado deixou, a experiência socialista de

Moçambique?

N.D. - É evidente que a população viveu muito

melhor, houve fomento da participação política.

Também houve tentações totalitárias e um conjunto

de coisas que não correram bem. Mas num conjunto

de aspectos importantes, a vida dos moçambicanos

melhorou. Porém, a guerra começou logo depois

e o conflito trouxe dificuldades produtivas. Se as

pessoas não têm as suas necessidades básicas

atendidas elas não podem viver bem, por mais que

o projecto seja bom.

- A transição para o multipartidarismo, na

década de 1990, modificou o cenário do país?

N.D. - Estamos sempre nestas duas linhas, a

olhar para a história de Moçambique a partir

da sua história interna e dos seus líderes, isso é

importante. Mas depois há os determinantes

externos. A presença de Moçambique numa

divisão social do trabalho e da produção tem de

ser analisada para se perceber o país. A relação

de Moçambique com instituições externas é

fundamental; ou seja, não depende apenas

da questão interna. O multipartidarismo não

terá solucionado parte dos problemas, porque

vem associado às dinâmicas internacionais, às

dependências económicas. Apesar de tudo, eu

acho que a democracia moçambicana tem bons

mecanismos, por exemplo, existe uma imprensa

a discutir os problemas.

- Tem realizado viagens de trabalho e estudo

a Moçambique? Qual a sua percepção das

reminiscências coloniais?

N.D. - Há reminiscências evidentes, nas quais

eu reparei pelo facto de ser branco, europeu e

português, coisas associadas mas com significado

diferente, o que só pode ser compreendido a luz

do passado colonial. Mas, neste processo de

liberalização da economia, o que mais se sente

é a reprodução das estruturas de poder. Por

exemplo, na organização urbana de Maputo. Vai

aos bairros periféricos e percebe que estes são

hoje o que foram há 50 anos. Há uma estrutura de

classes que se mantém absolutamente desigual,

como no contexto colonial. A estrutura mantém-

se, mas é formada por pessoas diferentes. Hoje

existe uma classe internacional europeia que

tem poder, que está a frente das empresas e

dos negócios e que ocupa bairros de classe alta,

Polana e Sommerschild. Também existe uma

elite africana que não existia antes, mas que

em termos estruturais ocupa o lugar que uma

elite branca ocupava antes da independência.

É uma nova classe média e alta, constituída por

moçambicanos, muito ligada ao aparelho de

Estado, que constituiu um poder em si mesmo e

que é ocupado por estas pessoas.

- Pensa que a Europa mantém uma relação

neocolonial com África?

N.D. - Podemos chamar neocolonial ou outra

coisa qualquer. Mas sim, e isso vê-se nesta elite

urbana estrangeira, das ONG’s, de um conjunto

de empresas e interesses europeus. Mas não só:

há americanos e asiáticos. África voltou a ser um

sítio interessante. O continente sempre esteve

dependente dos mercados de matérias-prima e

as suas dinâmicas de desenvolvimento sempre

estiveram vinculadas aos ritmos de exploração

das suas riquezas. Agora há um novo ciclo de

crescimento.

- As organizações que reúnem os países de língua

portuguesa têm sido muito criticadas pelo seu

fraco desempenho. Tal se deve a persistência dos

desentendimentos entre países?

N.D. – Neste tema há duas dimensões. Uma

delas é simbólica, de Portugal querer afirmar-se

como uma potência por ter sido a cabeça de um

império e porque a língua continua a ser falada,

uma grandeza que não existe em concreto.

Depois há a questão material, a ideia de que estas

relações são a base para se fazer negócios, uma

base institucional para os negócios. Mas estes

países precisam mesmo de Portugal? Não creio

que Brasil e Angola precisem de Portugal. Estes

fóruns de diplomacia económica, com base na

língua, têm limites para contar o que foi a história

do império colonial, porque não interessa a

ninguém voltar a falar sobre o colonialismo.

- Há muitos arquivos fechados e investigação

por ser feita sobre o período colonial em África.

Há interesse em aprofundar a pesquisa?

N.D. – Interesse há, a questão é para dizer o quê.

Em Portugal continua a existir um pensamento

imperial, nostálgico. Os estudos mostram que se

continua a acreditar que a experiência colonial

portuguesa foi única, excepcional, caracterizada

pela harmonia e que a violência foi marginal.

Esta ideia passou para o senso comum como

verdade, o que é dramático. Mesmo na cultura

popular, nas novelas e nos romances, essa ideia

continua, de uma África paradisíaca que foi

estragada pelas independências. É evidente

que muitos investigadores têm uma perspectiva

mais crítica e empírica, mais próxima do que

aconteceu. Mas, se queres criar laços que

permitam uma diplomacia económica, se

queres criar boas relações, o passado tem de ser

colocado entre parênteses.

“Não interessa a ninguém voltar a falar sobre o colonialismo”

Em entrevista ao PONTO FINAL o sociólogo Nuno Domingos revê o percurso colonial de Moçambique, as conquistas do período pós-independência e as marcas neocoloniais do presente.

TEXTO DE ISADORA ATAÍDE

- Quais as especificidades do colonialismo

português em Moçambique?

N.D. - O problema foi que Portugal tinha

dificuldades em ocupar o território como um

todo e administra-lo. Por isso, parte substancial

do país foi concessionada às companhias

majestáticas, o que mostrava a incapacidade

do Estado em administrar. Moçambique é o

lugar onde mais companhias apareceram, com

estatutos e funções diferentes, quase todas foram

constituídas no final do século XIX. A última foi

extinta em 1942, porque o Estado Novo passou

a dar prioridade à soberania e à centralização

da administração estatal. O colonialismo

português tinha uma grande dificuldade em

ordenar o território colonial devido as suas

próprias limitações em termos de recursos e

quadros e do seu perfil mercantilista, mais do

que capitalista. Tal não significa que não tenha

sido um colonialismo actuante no modo como

aplicou formas de trabalho forçado e como

desenvolveu um sistema fiscal para os indígenas,

o qual era uma das principais fontes de renda. Na

fase final, a partir dos anos 1950, foram aplicados

uma série de planos económicos e houve um

maior investimento estatal na construção de

infra-estruturas. Isso coincidiu com o fim do

poder colonial, com as guerras numa África em

processo de descolonização por todos os lados.

Para Portugal este é um colonialismo tardio.

- Quais os aspectos da política colonial que

foram decisivos nos conflitos entre europeus e

africanos?

N.D. - Durante as campanhas de ocupação os

conflitos tinham mais o aspecto de uma guerra

convencional. A partir do momento em que

se “pacifica” o território e até o período que

antecede as guerras de libertação, o que há são

conflitos nos locais de trabalho. São conflitos no

contexto de uma assimetria de poder enorme

entre colonizador e colonizado, europeu e

africano, branco e negro. Moçambique tinha a

sua capital na Ilha de Moçambique e apenas no

fim do século XIX a capital passou para Lourenço

Marques, actual Maputo. Essa passagem marca

o modo como a economia de Moçambique

transita do norte para o sul, o que se deve às

minas de ouro e diamantes na África do Sul, que

implicam a necessidade de um porto e de mão-

de-obra barata. O Estado colonial vai organizar

a cedência de trabalhadores e lucrar com isso.

Esta é uma das formas de violência colonial

mais evidente, além da utilização do trabalho

dentro de Moçambique, com práticas de

trabalho forçado. Os africanos eram obrigados

ao trabalho, disso dependia a sua presença

nos núcleos urbanos, disso dependia a sua

hipotética passagem ao estatuto do assimilado.

O trabalho tornou-se o grande elemento

a volta do qual se estruturou a sociedade

Page 11: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Moçambique

ponto final • QUI. 25 JUN, 2015

vc

Moçambique de Hoje / Mozambique Todayde Luís de AlmeidaCom um prefácio de Carlos Pinto Coelho, este álbum de Luís de Almeida é dedicado a todos os que de alguma forma vivem uma relação especial com Moçambique. Fruto de dez anos a calcorrear o país e de uma amizade intensa pelas suas gentes hospitaleiras, o trabalho do autor celebra a beleza natural deste lugar mágico. E fá-lo através das reminiscências do Moçambique de tempos idos numa janela aberta para os tempos de hoje.

Contributo para a boa Governança Democrática em África e Moçambiquede Serra de CarvalhoO objetivo deste ensaio é proporcionar um conjunto de reflexões (a estudantes, advogados, juristas, magistrados, sindicatos, polícia, partidos políticos, empresários, académicos, confissões religiosas, sociedade em geral, órgãos de soberania, entre outros) face aos desafios que se verificam na chamada sociedade híper moderna e híper consumista, trazidos pela globalização, o que faz com que, a certo momento, a dimensão temática continental (África-Moçambique) transcenda para a intercontinental e/ou global (Europa, Ásia e América), tornando o texto apreciável a todos os níveis.

Samora Machel - Atentado ou Acidente? PÁGINAS DESCONHECIDAS DAS RELAÇÕES SOVIETO-MOÇAMBICANASde José MilhazesQuando, em Outubro de 1986, o avião em que seguia Samora Machel, Presidente de Moçambique, se despenhou em território sul-africano, numa altura em que as relações entre Moçambique e a União Soviética esfriavam, logo foram aventadas as hipóteses de acidente ou atentado. Desde então que o mistério permanece por resolver. Com este livro, José Milhazes procura dar alguns contributos para a sua resolução, apresentando para o efeito documentos e depoimentos.

Gungunhana - O Último Rei de Moçambiquede Manuel Ricardo MirandaGungunhana, o gigante e temido rei de Moçambique, era o homem que todos queriam. Mouzinho de Albuquerque, o oficial da cavalaria portuguesa, ambicionava honra e fama. Ao iniciar a marcha até Chaimite tinha como missão capturar o régulo africano e submeter as populações locais ao poder da bandeira nacional. Sousa, senhor de possessões em terras moçambicanas, junta-se a Mouzinho de Albuquerque com um único e secreto objetivo: matar, com as suas próprias mãos, Gungunhana e vingar-se da traição da sua mulher Kali, que fugiu para se tornar amante do Leão de Gaza, como era conhecido. Já Pedro, braço direito do comandante português, tinha sede de aventura e descoberta. Talvez assim conseguisse esquecer um desgosto de amor que lhe atormentava a alma. O autor Manuel Ricardo Miranda transporta-nos, neste empolgante romance, para o universo africano dos finais do século XIX. E percebemos que África é um território com alma própria, mística, onde a realidade muitas vezes não é o que parece.

Terra Sonâmbulade Mia Couto“Terra Sonâmbula” foi considerado um dos doze melhores romances do século XX em África. Cruza elementos da cultura tradicional moçambicana com a própria história do país, realismo e magia, factos e símbolos, “Terra Sonâmbula” é, acima de tudo, um hino ao poder dos sonhos e da vida.

Obra Poéticade José CraveirinhaReúne-se aqui a primeira parte da obra poética de um dos grandes nomes da literatura moçambicana actual, com alguns dos poemas mais conhecidos do autor.

Moçambique40 Anos de Vida como Nação IndependenteALGUNS DOS TÍTULOS DISPONÍVEIS NA LIVRARIA PORTUGUESA

Niketche , Uma História de Poligamiade Paulina ChizianeRami, casada há vinte anos com Tony, um alto funcionário da polícia, de quem tem vários filhos, descobre que o partilha com várias mulheres, com as quais ele constituiu outras famílias. labirinto de emoções, de revelações, de contradições e perigosas ambiguidades. Poligamia e monogamia, que significado assumem? Cultura, institucionalização, hipocrisia, comodismo, convenção ou a condição natural de se ser humano, no quadro da inteligência e dos afectos? Niketche, dança de amor e erotismo, é um espelho em que nos vemos e revemos, mas no qual, seguramente, só alguns de nós admitirão reflectir-se.

Chorirode Ungulani Ba Ka KhosaHistória de um reino de um rei branco no vale do Zambeze no século XIX. Ungulani, munido de um saber histórico e etnográfico notável, parte para um relato emotivo e orgulhoso, elegia de um tempo feliz e formador da identidade moçambicana moderna.

A Canção de Zefanias Sforzade Luís Carlos Patraquim,Tendo como palco a cidade de Maputo, microcosmos do país que emerge com a proclamação da independência, esta é a estória de uma personagem improvável, tão improvável quanto possível, seus casos, sonhos e atribulações. O leitor perceberá que o excêntrico apelido e a particular idiossincrasia não são o melhor dos aliados num tempo e lugar em permanente ebulição.

Rio dos Bons Sinaisde Nelson SaúteEste Rio dos Bons Sinais é uma deambulação pela história recente de um país recém-chegado ao mundo e de gente que não se demarcou do estado de fantasma. Há, nestas histórias, mortos que não encontram a Morte, homens de luto perpétuo que apenas visitam a vida nas cerimónias fúnebres, jovens que amanhecem pendurados numa corda de sisal. Nelson Saúte lava, na própria escrita, as palavras: aqui se abrem rios de um outro tempo moçambicano e que nos fazem navegar por sonhos que são apenas o litoral da pesada realidade de um país que tem enorme dificuldade em se sonhar.

Contos Populares de Moçambiquede Margarida Pereira-Müller, Anna Bouza da CostaOs contos de tradição popular são como que a memória residual que transmite e interpreta os valores de uma comunidade. Os animais quase sempre antropomorfizados desempenham um papel fundamental. É assim que nos “Contos Populares de Moçambique” a esperteza dos pequenos vence os mais fortes (O coelho, o leão e a hiena, A hiena e o coelho), o poder do mágico liberta povoações do perigo (O caçador, o coelho e a raposa), a justiça distingue os bons dos trangressores (A hiena e a gazela, O macaco e o cágado ou O rato e o caçador).

Moçambiquede Helena CabeçadasEste é um livro sobre Moçambique e traduz o choque entre uma África imaginada e uma África vivida nos finais dos anos cinquenta do séc. XX. É também um livro sobre o fim da infância, numa cidade colonial, Lourenço Marques, então no seu apogeu. Pretende ser, ao mesmo tempo, uma homenagem ao trabalho desenvolvido pelos engenheiros da Missão Geográfica de Moçambique - um misto de cientistas e exploradores que, ao longo de décadas, nos confins do Império, procuravam conhecer o território e delimitar-lhe as fronteiras, com o máximo de rigor possível, em condições extremamente difíceis.

A Missão - O Diário de uma Médica em Moçambiquede Patrícia LopesEste livro relata a história de vida de uma finalista de Medicina que embarca sozinha para Moçambique para colaborar voluntariamente num orfanato, perto de Maputo. Mais tarde, aprende na pele como, no dizer do povo, “quando se chega ao oceano, as leis do rio deixam de servir”.

Photar Moçambiquede Paulo Alexandre«O paradoxo é este: às vezes, deixamos de ver por já termos visto.(...); Confirmei essa invisível cegueira quando me deparei com as fotografias de Paulo Alexandre. Que país era esse que era o meu e que eu nunca tinha visto antes? Que lugares eram aqueles, simultaneamente familiares e estranhos? Que gente era aquela tão inédita e tão nossa?(...) Posso dizer que conheço muitos dos Moçambiques que há dentro de Moçambique.(...) Mas eu nunca me compenetrei do quanto faltava ver. » Mia Couto

Arte em Moçambiquede Alda Costa«A autora traça uma panorâmica da situação e dos desenvolvimentos formais e conceptuais das artes visuais em Moçambique com enfoque para as práticas artísticas da modernidade. A partir de uma estratégia de pesquisa abrangente, realizada no país e em Portugal, constrói uma narrativa visando apreender diferentes vozes, visões e perspectivas de uma realidade complexa onde se cruzam diversas tradições e contextos culturais.

Sabores do ÍndicoRECEITAS DA COZINHA MOÇAMBICANAde Maria Fernanda SampaioSituado num ponto estratégico do oceano Índico, Moçambique recebeu ao longo dos tempos influências da Europa e da Índia que, mescladas com as próprias tradições e modos de fazer africanos, contribuíram para criar uma cultura rica e diversificada. A cozinha moçambicana reflecte isto ao mais alto grau, com um repositório riquíssimo de receitas da mais alta índole gastronómica.