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SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA A PÉROLA ADORMECIDA DO ATLÂNTICO SUPLEMENTO ESPECIAL 13 de Julho de 2015 FOTO: CLÁUDIA ARANDA

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Page 1: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de São Tomé e Príncipe

ponto final • SEG. 13 JUL, 2015

SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA

A PÉROLA ADORMECIDA DO ATLÂNTICO

SUPLEMENTO ESPECIAL 13 de Julho de 2015 FO

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Page 2: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de São Tomé e Príncipe

ponto final • SEG. 13 JUL, 2015II | PAÍS

“A liberdade é uma conquista que ninguém consegue apagar”No 40º aniversário da independência de São Tomé e Príncipe, a liberdade continua a ser a conquista mais valorizada pelos “filhos da terra”, que olham para o futuro com a esperança de que o país entre definitivamente num novo ciclo de progresso e desenvolvimento, depois de restaurada a estabilidade política, nas legislativas de 2014.

TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA

Talvez seja o pragmatismo dos santomenses que tem permitido ao país e à população prosseguir

caminho, de forma pacífica, ao ritmo “leve-leve”, (expressão local que quer dizer “com calma”), apesar da instabilidade governativa que marcou os últimos 25 anos da vida política de São Tomé e Príncipe. O país obteve a independência a 12 de Julho de 1975 e introduziu a democracia e o multipartidarismo em 1990. As mudanças de governo e os golpes de Estado (falhados) aconteceram sem violência. Mas esta instabilidade governativa terá afectado o progresso do país. Na opinião de Edgar Neves, médico, antigo ministro da saúde santomense (2002), “a instabilidade governativa é um dos factores que levou à quebra de uma linha contínua no desenvolvimento económico do país”. “Pelas minhas contas, chegámos a ter governos que não chegavam a durar oito meses. Durante anos e anos, nunca um governo conseguiu fazer uma legislatura completa, foram todos interrompidos”, diz o médico, que fez parte do primeiro grupo de estudantes santomenses formados em Cuba. “Como não havia uma linha de continuidade das políticas, estávamos sempre a voltar à estaca zero. Esperemos que agora consigamos uma estabilidade, que se respeitem os mandatos eleitorais.” O médico admite haver “falta de uma cultura democrática” dentro da classe política. “Esta instabilidade deve-se a uma certa falta de preparação para a democracia, mas com o tempo vamos aprendendo.”A vitória do partido Acção Democrática Independente (ADI), liderado pelo agora primeiro-ministro Patrice Trovoada, nas eleições legislativas de 12 de Outubro de 2014, é vista pelos analistas como uma indicação clara do desejo da população em restaurar a estabilidade política num país onde nenhum governo concluiu o seu mandato desde 1990, quando a democracia multipartidária foi introduzida. O resultado também demonstra a vontade do eleitorado em criar um ambiente propício para restaurar a confiança dos investidores.Edgar Neves tem esperança que os políticos “se apercebam que esta instabilidade não leva a parte nenhuma, que só leva ao atraso e a um certo descrédito perante a comunidade internacional”.

UM NOVO CICLO NA VIDA DO PAÍS

Em declarações ao PONTO FINAL, Luís Amado, político português, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, afirma que, “havendo uma maioria confortável no

parlamento, de um partido, pela primeira vez, há de facto condições para prever um período de estabilidade e, portanto, um ciclo mais harmonioso de planeamento e de decisões em termos governativos, precisamente pela garantia que a situação politica oferece neste momento”. O partido de Patrice Trovoada, o ADI, obteve uma vitória decisiva ao conquistar 33 dos 55 lugares na Assembleia Nacional – quatro dos assentos foram ganhos por mulheres. O segundo partido mais votado foi o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP/PSD), o antigo partido único, que elegeu 16 deputados contra 21 na anterior legislatura. O novo governo substituiu a coligação que assumiu o poder em Dezembro de 2012, após o colapso do governo anterior, quando Patrice Trovoada e o seu governo foram derrubados por uma moção de censura.No entender de Luís Amado, as repetidas alterações nos governos, mais dois golpes de Estado falhados, em 1995 e em 2003, devem-se a “um vício que decorre da Constituição que, de alguma forma, tem sido responsável pela instabilidade governativa” ao longos das últimas décadas. “O facto de haver um presidente eleito e um primeiro ministro eleito, que nem sempre representam a mesma maioria e que geram, por isso mesmo, conflitos e atritos, tem provocado sucessivas mudanças na cabeça do governo e portanto pouca consistência e fraca coerência das políticas e das decisões que são tomadas com impacto no desenvolvimento do país”, diz o antigo governante, um profundo conhecedor da realidade de São Tomé

e Príncipe e que, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, impulsionou o apoio português à candidatura da ilha do Príncipe a reserva mundial da biosfera.Luís Amado aponta como factor positivo de transformação a “mudança de geração na elite política de São Tomé e Príncipe”. “Os partidos tradicionais de alguma forma perderam poder e influência e as suas elites também foram renovadas. Há, por isso, uma expectativa legítima de encarar o futuro do regime com outra tranquilidade”. “Estou convicto que São Tomé iniciou um ciclo novo, de desenvolvimento e de progresso, que tem como pressuposto fundamental a estabilidade governativa e uma maioria que sabe o que quer, que tem ideias para o país e que viu essas ideias serem sufragadas de uma forma contundente nas ultimas eleições”, conclui Luís Amado. As próximas eleições previstas para 2016 são presidenciais. O presidente incumbente de São Tomé e Príncipe é Manuel Pinto da Costa, que completará 79 anos em 2016.

À ESPERA DO PETRÓLEO

Uma das muitas promessas que continua por cumprir, no país que agora completa 40 anos de independência, é a da riqueza do petróleo. Os santomenses continuam à espera “dos frutos do ouro negro”. “Surgiu aquele indício, aquela promessa do petróleo, que veio deixar as pessoas mais ansiosas, mas o processo continua muito demorado, ainda é uma miragem, mas um dia esperamos que venha a ser parte da nossa economia”, diz o médico Edgar

Neves. Atrasos no início previsto da exploração do petróleo têm estado a adiar constantemente as perspectivas de riqueza com base neste recurso. A prospecção de petróleo no país foi iniciada em 1997 e as avaliações mais optimistas na época indicavam que a produção poderia ter início em 2002. O arranque da produção de petróleo encontra-se agora previsto para 2018/19, em vez de 2015, aumentando a pressão sobre as autoridades e gerando especulações sobre o futuro da extração de petróleo no país. Não obstante estes atrasos, o país já arrecadou, pelo menos, 60 milhões de dólares norte-americanos, entre 2003 e 2013, de acordo com o primeiro relatório da Iniciativa para a Transparência na Indústria Extractiva (ITIE) divulgado em Maio e citado pela agência de notícias santomense, STP Press. Um relatório de 2014 do banco português Caixa Geral de Depósitos sobre oportunidades e potencial de desenvolvimento de São Tomé estima que o país recebeu pelo menos 79 milhões de dólares entre 2005 e 2009, em bónus de assinatura, valor reforçado com a assinatura posterior de novos contratos de prospecção celebrados para a exploração do petróleo na zona conjunta de São Tomé e Príncipe e Nigéria, e na zona de exploração exclusiva de São Tomé e Príncipe. Enquanto o petróleo não chega, o país continua a debater-se com a forte dependência das ajudas externas. À falta do ouro negro, o governo regional da ilha do Príncipe decidiu mudar a sua prioridade de desenvolvimento para actividades não-

petrolíferas, nomeadamente agroturismo, pesca e agricultura. Em Janeiro de 2014, as autoridades aprovaram um orçamento geral de Estado de 159 milhões de dólares norte-americanos, com cerca de 93 por cento das despesas de capital a serem financiadas através de ajuda externa. Para 2015 o valor aprovado foi de 154 milhões de dólares norte-americanos, segundo dados citados pela STP Press, dos quais 94 milhões de dólares (61 por cento) são financiados sob a forma de donativos ou empréstimos do exterior.De acordo com o relatório “Perspectivas Económicas em África – 2015” (African Eonomic Outlook 2015) produzido pelo Banco Africano do Desenvolvimento, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o desempenho económico recente de São Tomé e Príncipe foi impulsionado fundamentalmente pelos sectores da agricultura, dos serviços – onde se inclui o turismo – e pela construção. A aceleração do crescimento para 4,9 por cento em 2014, face aos 4 por cento em 2013, parece todavia não ser suficiente para enfrentar o desafio do emprego. A taxa de desemprego manteve-se elevada, 13,6 por cento, afectando principalmente os jovens.

HÁ PROGRESSOS MAS A POBREZA PERSISTE

Nestes conturbados 40 anos de independência, a conquista da liberdade

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ponto final • SEG. 13 JUL, 2015 III

prevalece enquanto “valor inestimável alcançado”, conforme refere o jornalista Maximino Carlos, antigo director da Rádio e Televisão de São Tomé e Príncipe. “O facto de o país ter assumido a sua independência, os filhos da terra terem assumido o destino do país [é importante]. Depois essa liberdade foi consolidada em 1990, quando a maioria da população num referendo constitucional realizado nesse ano decidiu pela introdução de uma democracia multipartidária, e hoje temos uma nova constituição que permite a liberdade de expressão e a liberdade de pensamento, todas as garantias são dadas aos cidadãos num regime de Estado de direito. Acho que isto é fundamental.”“A liberdade foi uma conquista que ninguém consegue apagar”, acrescenta Edgar Neves, referindo-se aos anos 1990. O país fez progressos, mas muito limitados na redução da pobreza e na melhoria do desenvolvimento humano. Praticamente metade da população (49,6 por cento) continua a viver abaixo do limiar de pobreza e 15,9 das pessoas vivem uma situação de pobreza extrema – ou seja, com menos de um dólar norte-americano por dia (o Banco Mundial utiliza a referência de 1 dólar por dia por pessoa como o valor disponível para os alimentos necessários para repor os gastos energéticos) – em comparação com 53,8 por cento e 19,2 por cento, respectivamente, em 2001. Um estudo de 2011 realizado pelo governo, o PNUD e o Instituto Nacional de Estatística, constatou que a pobreza afecta principalmente as mulheres (71,3 por cento) e é mais prevalente em áreas rurais. Os desafios são crescentes devido à vulnerabilidade do país face às mudanças climáticas, como o aumento das temperaturas e uma diminuição simultânea das chuvas. Como país pequeno e insular que é, São Tomé e Príncipe está directamente exposto à subida dos níveis do mar, e as zonas costeiras estão a enfrentar problemas graves de erosão devido à exploração de aterros para materiais de construção. Enquanto isso, mais de 80 por cento da população depende da agricultura, pesca ou outras actividades directamente relacionadas com o sector primário. As zonas rurais ainda são confrontadas com vários desafios de inclusão, entre os quais o acesso ao saneamento, água potável, escolas e hospitais.Em todo o caso, Edgar Neves, que é também coordenador do projecto “Saúde para Todos”, do Instituto Marquês de Valle Flôr, apoiado pela cooperação portuguesa, faz questão de sublinhar os progressos alcançados na saúde. “Há uma redução dos índices da mortalidade, aumento da esperança média de vida, reduções dos índices de malária para níveis muito baixos, as taxas de imunização cresceram bastante, a acessibilidade aos serviços médicos é maior”, diz o médico.O país está na 144ª posição entre 186 países no Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD, acima da média dos países da África Subsaariana, em resultado dos avanços na educação e saúde. No sector da saúde, a execução de programas com o apoio de parceiros – nomeadamente Portugal – e a cooperação com Taiwan têm ajudado significativamente na redução da taxa de prevalência da malária e num recuo da mortalidade. A malária, que já foi a principal causa de morte no país, ocupa

agora a quarta posição. Na educação, na instrução primária, São Tomé é Príncipe está perto de atingir uma taxa de conclusão do ensino primário de 97 por cento. No entanto, a educação secundária não tem ainda cobertura universal, sendo a sua prestação restrita às áreas urbanas.

ATRACÇÃO PARA O TURISMO

Em 2014, o pequeno país foi incluído no pacote de “destinos de sonho” da CNN Travel. Os jornalistas deste canal de televisão norte-americano recomendavam São Tomé e Príncipe como o lugar ideal

COMO NÃO HAVIA UMA LINHA DE CONTINUIDADE DAS POLÍTICAS, ESTÁVAMOS SEMPRE A VOLTAR À ESTACA ZERO. ESPEREMOS QUE AGORA CONSIGAMOS UMA ESTABILIDADE, QUE SE RESPEITEM OS MANDATOS ELEITORAIS”, DIZ O MÉDICO EDGAR NEVES.

LUÍS AMADO APONTA COMO FACTOR POSITIVO DE TRANSFORMAÇÃO A “MUDANÇA DE GERAÇÃO NA ELITE POLÍTICA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE”. “OS PARTIDOS TRADICIONAIS DE ALGUMA FORMA PERDERAM PODER E INFLUÊNCIA E AS SUAS ELITES TAMBÉM FORAM RENOVADAS.”

O FACTO DE O PAÍS TER ASSUMIDO A SUA INDEPENDÊNCIA, OS FILHOS DA TERRA TEREM ASSUMIDO O DESTINO DO PAÍS [É IMPORTANTE]”, COMENTA MAXIMINO CARLOS.

2014, segundo dados da Direcção do Turismo de STP, enquanto em 2013 ainda menos visitantes, apenas 13.708, deram entrada naquele paraíso. Em 2014, além de turistas, São Tomé e Príncipe recebeu também 2.361 excursionistas, embarcados em navios “cruzeiro” que fizeram escala no porto de São Tomé, perfazendo um total de mais de 20 mil entradas. Ainda assim, bem feitas as contas, houve apenas 20 turistas por quilómetro quadrado que, distribuídos pelos 365 dias do ano, representam uma presença muito discreta.. Ou seja, o país é um paraíso deserto de gente com máquinas fotográficas ao pescoço e “selfie sticks”, ou o moderno monopé para telemóveis.Nem pode ser de outra maneira, na opinião do biólogo português, especialista em ambiente, António Domingos Abreu. O perito e conselheiro técnico do governo de São Tomé e Príncipe para a área da reserva da biosfera do Príncipe (ver entrevista) aconselha a que o turismo no país não seja guiado pelo desejo de atrair “massas”. Pelo contrário, deve ser orientado para um segmento de visitantes – sendo o Príncipe mais vocacionado para receber cientistas, estudantes, observadores de pássaros e outros – que escolhem o país para “vivenciar uma experiência que é singular” e que “não tem paralelo em mais nenhum lugar”. “Essa deve ser a tónica”, diz António Domingos Abreu. “Isto significa promover um turismo diferenciado, que é sustentável, porque não tem a pressão sobre os recursos naturais como o turismo de massas, que em termos de impactos torna-se insustentável em lugares tão pequenos e tão frágeis”, como é São Tomé e Príncipe. O pequeno território, situado no golfo da Guiné, concentra tudo o que a natureza lhe dá em apenas mil metros quadrados, distribuídos por uma série de ilhéus e duas ilhas maiores, vulcânicas, São Tomé, com 859 quilómetros quadrados e o Príncipe, com 142 quilómetros quadrados, onde vivem quase 187.356 pessoas, das quais 48 por cento são crianças e jovens até aos 17 anos (dados do Recenseamento Geral da População e Habitação de 2012). Uns 8 mil residem no Príncipe. A linha do equador passa por uma das ilhas do país (o ilhéu das Rolas), localizado no extremo sul de São Tomé.No entender do antigo governante português, Luís Amado, uma vez garantida a estabilidade governativa, pela primeira vez, em 25 anos, “o país tem agora condições para se tornar um centro de oferta de serviços bastante atractivo na região”. Isto porque “é um país, apesar de tudo, relativamente estável, com alguma instabilidade política ao longos dos anos, mas que tem tido condições para evitar conflitos, violência. É de facto um lugar de relativa estabilidade e de paz numa região muito atribulada, e portanto também tem esse valor que pode oferecer e que constitui um factor importante para o seu desenvolvimento”. Para além disso, “tem belezas naturais que são um potencial importante do ponto de vista turístico. Estão, neste momento, a ser cada vez mais objecto de interesse por investidores internacionais, e farão de São Tomé e Príncipe uma placa importante de serviços para toda aquela região ao longo dos próximos anos”. “Creio que é em torno destes valores que o país se valorizará do ponto de vista internacional”, conclui Luís Amado.

para umas férias “leve-leve”, ou seja, muito tranquilas. Consideravam o país um destino “seguro”, “pacífico”, onde “pouco há que fazer”, que “quase ninguém conhece”, passando totalmente incógnito na lista de destinos do turismo de massas, sendo essa faceta de “mundo perdido” e de “último pedaço de paraíso na terra”, que todos ignoram, a maior das vantagens daquele país ao largo da costa ocidental de África. De facto, apenas 18.187 turistas visitaram o arquipélago de Janeiro a Dezembro de

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ponto final • SEG. 13 JUL, 2015IV | HISTÓRIA

Batepá, a chacina que despertou São Tomé e PríncipeTEXTO DE MARCO CARVALHO

Massacre de Batepá, Guerra da Trindade,

Massacre de 1953 ou Guerra de Batepá.

Os fatídicos acontecimentos de 3 de

Fevereiro de 1953 são recordados em São Tomé

e Príncipe por várias designações, mas ninguém

escamoteia a sua importância: como nação

independente, São Tomé nasce a 12 de Julho

de 1975 – fez ontem 40 anos – mas o ponto de

viragem para o pequeno arquipélago equatorial

materializou-se mais de duas décadas antes,

numa trágica série de eventos desencadeada,

essencialmente, pela ferocidade das relações e

práticas laborais adoptadas nas roças de cacau e

de café da ilha. As vítimas de Batepá não quiseram

aceitar as condições dos contratos propostos

pelos patrões das roças e chicotearam mesmo

o filho do Conde Valle Flor, o maior proprietário

do arquipélago. Humilhado, o latifundiário

ofereceu uma pinha de banana pão em ouro e

uma avultada quantia em dinheiro para quem

conseguisse subjugar o povo de São Tomé.

Carlos Gorgulho, à época representante de Lisboa

no arquipélago, tomou os interesses de Valle Flor

pelos interesses da nação. Depois de utilizar a

diplomacia para tentar iludir a elite crioula da

altura, o governador organizou polícia e militares,

recorreu a milícias de funcionários e fazendeiros

e aos serviços dos imigrantes angolanos,

moçambicanos e cabo-verdianos que tinham

sido contratados para trabalhar na exploração do

cacau e do café.

A tensão que permeou o quotidiano do

arquipélago nas primeiras semanas de 1953

explodiu a 2 de Fevereiro, na actual cidade da

Trindade. Dirigido pelo alferes Amaral, um

contingente militar tentou recrutar à força

centenas de nativos para as plantações de café

e de cacau, e para as empreitadas públicas

dinamizadas por Gorgulho. A 3 de Fevereiro as

tropas portuguesas tinham perdido já o controlo

sobre os acontecimentos: a violência espalhou-se

pelas regiões vizinhas, com focos de resistência e

de insurreição nas zonas de Batepá, Folha Fede,

António Soares e Otótó.

O apocalipse deu-se, porém, na praia de

Fernão Dias, no noroeste da ilha de São Tomé.

Sobreviventes falam de dezenas de corpos

moribundos estendidos no areal, da espuma da

rebentação tingida de vermelho vivo. Sessenta

e três anos depois, São Tomé e Príncipe ainda

chora e procura honrar os que perderam a vida

durante os trágicos acontecimentos de Fevereiro

de 1953, mas Inês Nascimento Rodrigues defende

que a história dos acontecimentos de Batepá não

é tão aquilina e transparente como parece ser. O

massacre, cujas vítimas foram elevadas ao estatuto

de heróis e de mártires da causa santomense,

serve para que o país afirme “uma identidade

colectiva partilhada” e assinale o advento de

uma identidade nacional. A transformação de

Batepá em símbolo identitário oculta – adverte

em entrevista a jovem investigadora do Centro de

Estudos Sociais da Universidade de Coimbra – as

cisões e divisões internas que existiam entre a

própria população colonizada.

- Conhece como poucos a recta final do período

da colonização portuguesa em São Tomé e

Princípe. Há um antes e um depois de Batepá

na luta pela independência do país. O massacre

foi o momento circunstancial de ruptura, mas o

modelo colonialista patrocinado por Portugal

sempre teve incidências muito próprias no

arquipélago, através de manifestações como a

escravatura e a repressão. De que forma é que

o processo de descolonização em São Tomé se

distinguiu dos restantes territórios?

Inês Nascimento Rodrigues – Os mecanismos de

violência accionados pelo dito império colonial

português são diversos e estão presentes durante

todo o processo de colonização das ilhas. Os

trabalhadores contratados, por exemplo, eram

recrutados de Angola, Moçambique e Cabo

Verde, principalmente, e iam num regime de

quase escravatura trabalhar nas roças de São

Tomé e Príncipe. Aqui, eram alvo de uma dupla

marginalização, tanto pelos colonizadores,

como pelos nativos, que não estavam sujeitos

ao estatuto do indigenato. Numa sociedade

profundamente hierarquizada, a discriminação

acontecia não apenas baseada na cor da pele,

mas também em distinções de classe e estatuto

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ponto final • SEG. 13 JUL, 2015 V

entre a própria população colonizada, conforme

investigadores como Gerhard Seibert, Inocência

Mata ou Augusto Nascimento tinham já

apontado. Foi relativamente fácil, por isso, para

o governo português, instrumentalizar algumas

destas pessoas, tornando-as perpetradoras

durante o massacre de 1953. É bem evidente,

neste sentido, a vulnerabilidade a que indivíduos

expostos a um regime violento e aniquilador

de identidades se encontram sujeitos. Neste

caso, como noutros, o massacre vai adquirir um

estatuto central.

- Batepá marcou, ainda assim, um ponto de

viragem. O que mudou depois de 3 de Fevereiro

de 1953?

I.N.R. – Para não cairmos no erro de criar

essencialismos estratégicos, temos que olhar

para outros contextos com eventos semelhantes.

Angola, Guiné e Moçambique estiveram

envolvidos em processos de luta armada, Cabo

Verde tem o Tarrafal. São Tomé e Príncipe vai

encontrar, por conseguinte, nos eventos de 1953,

o seu mito fundador, que conta a nação e legitima

o partido no poder. A dimensão épica atribuída

ao massacre na narrativa nacionalista – é uma

história de vitória e não de derrota – surgiu de uma

necessidade política da altura, precisamente por

não haver luta armada. No entanto, é importante

questionar: quem surge representado? Quem

está ausente? Quem conta esta história? Ao serem

transformados numa narrativa legitimadora e

fundadora da nação, estes acontecimentos vão

permitir a reivindicação de uma consciência

política anterior à independência e servir para

veicular a imagem de um povo unido numa

identidade colectiva partilhada que, no entanto,

obscurece as cisões internas presentes no espaço

colonial. O massacre é, portanto, um lugar de

luta ideológica e de resistência, onde vítimas se

transformam em heróis. Neste sentido, o evento

é hoje celebrado nas ilhas e existem vários

momentos oficiais de comemoração pelo Estado,

principalmente na madrugada de 2 para 3 de

Fevereiro, sendo que o dia 3 – feriado nacional

– é conhecido como o “Dia dos Mártires da

Liberdade”.

- O massacre é sintomático do tratamento a

que os colonos e proprietários portugueses

submetiam o povo angolar e os santomenses?

Ou é um episódio esporádico e singular?

I.N.R. – O massacre não foi uma simples explosão

aniquiladora e isolada, mas o resultado de um

processo contínuo de violência, inserido num

contexto mais amplo, que produz muitas vítimas

– as vítimas do sistema colonial. Entre estas,

incluem-se não apenas os angolares e os forros

[descendentes de escravos alforriados, homens

e mulheres livres, nativos, “filhos da terra”] como

também os trabalhadores contratados. Ignorar

este facto, evitando, consequentemente, pensar

com seriedade nas circunstâncias políticas,

sociais, históricas e económicas que antecedem

e são, em larga medida, responsáveis pelos

acontecimentos de 1953 resulta num esquema

explicativo confortável para a sociedade, tanto

santomense como portuguesa, porque permite

não pensar em termos de responsabilidade

colectiva.

- Batepá catalisou o sentimento independentista,

mas a verdade é que o aparecimento de

movimentos de libertação no arquipélago é

tardio. Quatro décadas após a independência,

os estigmas do colonialismo já estão sanados?

Ou há ainda questões antigas a resolver com

Portugal?

I.N.R. – Há muitas heranças do colonialismo,

algumas muito difíceis de resolver no curto

espaço de tempo que sucede o reconhecimento

formal da independência de São Tomé e Príncipe,

a 12 de Julho de 1975. Nos discursos continua,

por exemplo, a imprimir-se com frequência

categorias coloniais que reproduzem hierarquias

sociais, relações de poder e silenciamentos vários.

Por outro lado, as experiências dos trabalhadores

contratados e seus descendentes – ainda hoje

relegados para o espaço socio-económico

marginal das roças – continuam a não ter o lugar

devido nas narrativas de fundação da nação.

Estes são alguns dos fantasmas do colonialismo

que, na minha opinião, ainda persistem no

arquipélago. Em Portugal, por sua vez, o evento

é praticamente desconhecido e o país parece

resistente em discutir um evento perturbador

da grande narrativa oficial que, na esteira de

Gilberto Freyre e do luso-tropicalismo, promove

o colonialismo português como tendo sido mais

harmonioso e pacífico que o levado a cabo por

outros países europeus.

- Mais de seis décadas após a chacina, que

memória persiste dos acontecimentos do

distrito de Mé-Zochi?

I.N.R. – Existem diversas e heterogéneas memórias

dos eventos de Fevereiro de 1953 e a própria

terminologia do evento é contestada. Apesar de

ter ficado conhecido como “Massacre de Batepá”,

há quem hoje discuta essa designação, por ter

havido vários epicentros do massacre que não

apenas o daquela localidade do distrito de Mé-

Zochi – como Uba Flor, Fernão Dias, entre outros.

“Guerra da Trindade”, “Guerra de 1953”, “Massacre

de Batepá” ou “Massacre de Fevereiro de 1953” são

terminologias que reflectem diferentes políticas

da memória. De acordo com Carlos Espírito

Santo, por exemplo, defensor do termo “guerra”

para designar os acontecimentos, “massacre”

foi escolhido por desacreditar Portugal e, por

consequência, ter mais força que “guerra” para

os fins da luta nacionalista. No que diz respeito

à memória que persiste, importa referir que a

memória pública e hegemónica do massacre

opta por sublinhar o heroísmo e sofrimento do

povo santomense às mãos do inimigo português

e, simultaneamente, apaga os actos de violência

cometidos, por um lado, pelos trabalhadores

contratados sobre os forros durante Batepá e,

por outro, pela elite nativa santomense, herdeira

dos “filhos da terra”, sobre os trabalhadores

contratados e seus descendentes. Há muitas

outras histórias, no entanto, que permanecem

ausentes das narrativas públicas e oficiais e são

estas dimensões fantasmáticas que vão, depois,

emergir e ser discutidas nas representações

artísticas do massacre. O mapeamento das

diferentes memórias dos acontecimentos de

1953 é, por isso, um exercício fundamental.

Enquanto factor de transformação, estas dão

espaço à produção de novas vozes, antes

ignoradas e, portanto, à criação de novos bancos

de memória(s). A pergunta que fica é: será

possível, a partir de memórias tão heterogéneas,

construir um futuro comum, partilhado e

desassombrado?

- A sua análise incidiu também sobre uma

perspectiva absolutamente singular em São

Tomé: muito daquilo que são as ânsias, as

angústias e a desilusão com que se debatem os

santomenses ganharam voz própria na literatura

e na poesia, numa escrita que se faz sobretudo

no feminino. Alda do Espírito Santo, Manuela

Margarido, Inocência Mata e Conceição Lima

cantam como ninguém as dores de crescimento

do país. São testemunhos incontornáveis. Há

forma de explicar esta prevalência?

I.N.R. – O factor de destaque não parece ser

tanto uma questão de prevalência de vozes

femininas mas a forma como autoras e autores

se ancoram diferentemente no massacre de 1953

para reforçar noções de pertença e exclusão,

produzindo diferentes configurações identitárias.

Encontrei, de facto, nalgumas destas escritoras,

uma ética de transmissão da(s) memória(s) que

se faz, principalmente, por via matrilinear. É pelas

mães, avós e tias que as novas gerações herdam as

memórias e os espectros, basilares na construção

das suas identidades. Em Conceição Lima, por

exemplo, são os fantasmas e memórias familiares

que, entre as mulheres, habitam no espaço dos

afectos, da infância e da “Casa”. Há, ainda, os

“fantasmas elementares”, daqueles que lutaram

pela independência dos seus países, como Alda

Espírito Santo, Kwame Nkrumah, Amílcar Cabral

e Patrice Lumumba, e hoje regressam desiludidos

por não verem as suas aspirações de liberdade

e justiça social concretizadas. São, de acordo

com Margarida Calafate Ribeiro, “fantasmas que

ficaram da luta de libertação que não cumpriu

os sonhos há muito dolorosamente esperados e

fantasmas das histórias de perdas que constitui

a sua identidade enquanto mulher negra

santomense” (in Literaturas Insulares. Cabo

Verde e S. Tomé e Príncipe, 2011: 202).

O MASSACRE NÃO FOI UMA SIMPLES EXPLOSÃO ANIQUILADORA E ISOLADA, MAS O RESULTADO DE UM PROCESSO CONTÍNUO DE VIOLÊNCIA, INSERIDO NUM CONTEXTO MAIS AMPLO, QUE PRODUZ MUITAS VÍTIMAS – AS VÍTIMAS DO SISTEMA COLONIAL.

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ponto final • SEG. 13 JUL, 2015

São Tomé e Príncipe “é uma terra com vocação para a qualidade”Há 20 anos, Claudio Corallo começou por recuperar uma variedade antiga de cacau perdida na floresta da ilha do Príncipe. Hoje dá trabalho a 300 são-tomenses a produzir o cacau e a fabricar um dos chocolates mais puros do mundo, 100 por cento “made in São Tomé e Príncipe”.TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA

É no “laboratório de chocolate” de Claudio Corallo que a magia acontece. Neste edifício antigo localizado em frente ao mar, no

cenário romântico e novecentista da cidade capital de São Tomé, o engenheiro agrónomo – com mais de 40 anos de experiência na produção de café e de chocolate, dos quais mais de 20 vividos em São Tomé e Príncipe – fabrica e mostra aos visitantes como apreciar “o melhor chocolate do mundo”. O processo “é de degustação como se faz nas provas de vinho”, explica Claudio Corallo, em conversa via Skype com o PONTO FINAL. Mas, atenção, não se trata de vir aqui só para “comer chocolates”, diz. “Nós informamos as pessoas, é um percurso para explicar cada sabor e, no final, as pessoas percebem o produto. O nosso não é um chocolate melhor do que os outros, é uma outra maneira de interpretar o cacau, mantendo vivo o fruto até à caixinha”, em que é embalado, prossegue Corallo.Há variedades de chocolate com pedacinhos de café torrado, há grãos de café torrado cobertos de chocolate, chocolate com cristais de açúcar, com gengibre cristalizado, casca de laranja, pimenta, flor de sal, favas de cacau torrado, cacau a 100 por cento, sem açúcar, para experimentar a verdadeira essência do chocolate puro, que não usa leite nem qualquer tipo de aditivos. “O cacau é produzido aqui, é calibrado, escolhido, descascado, transformado. Daqui sai o chocolate pronto para ser distribuído e consumido”, explica Corallo. A marca tem lojas e pontos de distribuição na Alemanha, Holanda, França, Itália, República Checa e Estados Unidos da América, entre outros. A empresa garante que as encomendas de chocolates são entregues tão longe quanto na China, Nova Zelândia, Brasil ou Timor-Leste. O transporte é feito por avião para garantir um acondicionamento perfeito. Ou seja, se o turista não vai a São Tomé, o chocolate vai ter com o turista, onde quer que ele esteja. “Vive em Macau?”, pergunta Corallo. “Então pode encomendar o chocolate para Macau no nosso website. Vem do nosso armazém que temos na Holanda. Para chegar a Singapura são três dias”, explica.

100 POR CENTO SÃO-TOMENSE

Desde os anos 1990 que Claudio Corallo desenvolve em São Tomé e Príncipe um projecto agrícola ecologicamente sustentado de produção de cacau e café. As plantações do Terreiro Velho, na ilha do Príncipe, e da Nova Moca, na ilha de São Tomé, dão hoje trabalho a cerca de 300 são-tomenses, que ganham um salário “três, quatro ou cinco vezes acima do ordenado médio”, que anda à volta dos 40 ou 50 euros mensais, esclarece o engenheiro agrónomo. O salário mínimo em 2011 subiu para um milhão de dobras (moeda local), equivalente a cerca de 40 euros (356 patacas).“Demonstrámos com a nossa equipa que podem

VI | NEGÓCIOS

atingir-se níveis altos de qualidade, somos considerados por muitos o número um em chocolate de cacau, em termos de qualidade. É uma coisa muito agradável, porque trabalhamos com uma equipa muito jovem e é um desafio impormo-nos no mercado mundial com um produto criado 100 por cento aqui em São Tomé e Príncipe”, diz Claudio Corallo. Mas é no campo que tudo começa. “A qualidade do cacau faz-se na plantação, tal como o vinho cresce na vinha”, sublinha o agrónomo. “Pode ter uma boa adega, mas se não tem uma boa vinha dificilmente tem um bom produto”, acrescenta.“A nossa história é única no mundo, não há nenhum país produtor de cacau a produzir chocolate com a qualidade do nosso. Há países produtores a fabricarem chocolate mas é um chocolate muito rudimentar, destinado ao mercado local. O nosso chocolate é um dos mais conhecidos no mundo. Este é um resultado de um trabalho sério e profissional”, prossegue.O projecto agrícola de Corallo tem conseguido ‘milagres’. Um deles é atrair os jovens a dedicarem-se ao trabalho no campo, algo quase inconcebível para alguns. “Conseguimos, pouco a pouco, melhorar de maneira a que as populações tenham um interesse na agricultura”. Hoje, as plantações atraem gente “que acredita, que vê, que gosta – os jovens estão contentes por participarem, porque saem no jornal, numa reportagem na televisão, na BBC, na National Geographic, vêem que o trabalho que fazemos é valorizado no mundo e ficam todos contentes, são jovens que cresceram profissionalmente na plantação e que estão orgulhosos do que estão a fazer”.

“NÃO QUEREMOS QUEIMAR A MADEIRA DO BARCO”

Claudio Corallo acreditou sempre que a “única maneira de criar produtos com qualidade é fazê-lo em harmonia com a natureza e com as pessoas que vivem no local”. Para Corallo “a agricultura que não seja eco-sustentável é um suicídio, é como ir num barco e queimar a madeira para cozer o peixe”, diz. “Proteger o ambiente não é uma utopia, ou um luxo, ou uma coisa romântica, é proteger o barco no qual estamos a navegar”, alerta.A agricultura que privilegia a protecção ambiental traduz-se, por exemplo, na não-utilização de adubos ou produtos tóxicos e na combinação de variedades de plantas. A filosofia de Cláudio Corallo é contrária à ideia de arrasar tudo para plantar de novo, técnica que deixa um rasto de desertificação. “Nós reintroduzimos árvores que já tinham desaparecido, abatidas para as construções e para o comércio da madeira, plantámos o cacau e o café, com uma distância grande entre eles, o ar circula. Porque esta é uma parte do organismo, que é a ilha, que faz parte de um organismo maior, que é o mundo. Temos de pensar neste conceito, que fazemos parte de um conjunto que é vivo, uma

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plantação não tem de ser um cancro na natureza”, defende Corallo. O engenheiro agrónomo começou por se especializar na produção de café e só depois se dedicou ao cacau. “Estudei agronomia tropical porque não queria ficar em Florença. Saí de Itália em 1974, tinha 23 anos, e fui para o antigo Zaire [actual República Democrática do Congo (RDC)], depois comecei a visitar a Bolívia, no início dos anos 1990, e São Tomé e Príncipe, a partir de 1992.” São Tomé e Príncipe começou por ser “um lugar seguro onde deixar a família, enquanto estava na plantação no Zaire, porque para ir de Kinshasa [capital da RDC] para a plantação, fazia 1650 quilómetros em canoa.” “Por isso nos primeiros anos vinha a São Tomé de férias, tive tempo para conhecer pouco a pouco”, conta.Foi através da experimentação e da vontade de compreender a essência do cacau que acabou por começar a fabricar chocolate. No início, desagradava-lhe “o sabor amargo do cacau”, que no seu entender “não era um amargo natural, mas sim um amargo por defeito”. Por isso, criou um laboratório para identificar a “origem do defeito do cacau”. “Neste laboratório, uma das operações era torrar, descascar e moer o cacau, fazer um chocolate de base. O objectivo não era fazer chocolate, nunca pensei na minha vida fazer chocolate.” Mas é ao chocolate que agora dedica a sua vida.Claudio Corallo é sobretudo um investigador, inventor, experimentalista, um curioso, persistente, que “gosta do que faz”. “Quando gosto do que faço, nasce uma coisa nova, por natureza faço por paixão, quando gosto já não cheira a trabalho, é uma coisa que se impregna totalmente”, explica, rindo. É, também, um perfeccionista: “Quando as coisas estão bem feitas há sempre maneira de melhorar, na confusão nada melhora”.

CACAU, PIMENTA E BAUNILHA

Há vários factores que contribuem para que este seja um chocolate tão especial, a começar pela sua “autenticidade”. “Nós trabalhamos com uma variedade antiga, enquanto no resto do mundo são usados híbridos, modernos, mais produtivos. Mas nós preferimos a qualidade”, explica Claudio Corallo, acrescentando que não faria sentido produzir chocolate com a mesma variedade da Costa de Marfim e que, em São Tomé e Príncipe, ficaria por um custo três vezes superior, devido às características e logística do país, pequeno, insular, sem indústria, onde os custos de produção e de transporte são enormes. Daí que, no entender de Corallo, São Tomé e Príncipe seja “uma terra que tem vocação para a qualidade” e não para a quantidade. “Não há outra possibilidade, não é só por ser uma terra pequena, mas porque tudo custa tanto. Nós temos que importar tudo, por isso o custo da mesma tonelada de cacau produzida no Brasil, aqui, é três, quatro, cinco vezes superior.”Claudio Corallo encontrou no Príncipe variedades antigas das plantas originalmente trazidas do Brasil. “Sempre trabalhei com as variedades antigas de altíssima qualidade, eu acredito, tenho essa vocação, prefiro trabalhar a altíssima qualidade, não sou um economista, a nossa gente trabalha bem, é super-bem paga, trabalha num regime de total liberdade, e vendemos qualidade”, garante.As plantações de hoje têm por base “as descendentes das primeiras árvores de cacau que aqui chegaram por volta de 1819”, e que são o sustentáculo principal da produção de cacau na plantação de Terreiro Velho, no Príncipe. Quando Claudio Corallo chegou a esta plantação, as plantas de cacau estavam dispersas no meio da floresta invasora. O terreno da floresta foi limpo e as árvores de sombra necessárias para o cacau e café

VII

foram replantadas. Ao dar-lhes ar e a quantidade certa de luz, as plantas de cacau ganharam um novo vigor. Agora, o agrónomo, em vez de pensar em aumentar a plantação, está antes a apostar na “diversificação”. “Estamos a fazer um grande trabalho com a pimenta, saiu já uma pimenta extraordinária. Provavelmente, o próximo passo vai ser trabalhar a baunilha que temos aqui em São Tomé, que pusemos na plantação há anos, para testar a planta que se adapta melhor.”O cacau é uma planta original da América Latina. No início do século XIX, na eminência da independência do Brasil, que aconteceu em 1822, e da perda do rendimento do cacau brasileiro, Portugal decidiu transportar as plantações para as pacíficas ilhas de São Tomé e Príncipe. No início do século XX, São Tomé e Príncipe chegou a ser o maior produtor mundial de cacau, com 43 mil toneladas exportadas.

FORMAÇÃO É A BASE DO TRABALHO

“Hoje estamos com uma produção de duas mil

toneladas por ano, no país inteiro. Há alguns anos foi de quatro mil, cinco mil.” Das duas mil toneladas, à volta de 20 toneladas saem das plantações de Corallo.Actualmente, o maior produtor mundial de cacau é a Costa do Marfim, com uma produção estimada em 1,74 milhões de toneladas em 2013/2014, segundo dados da Organização Internacional do Cacau. O Gana surge em segundo lugar, com 897 mil toneladas. Apesar de ter sido nas Américas que o cacau começou a ser produzido, há uns cinco mil anos, hoje é em África e na Ásia que se encontram os maiores produtores mundiais. A seguir à Costa do Marfim, encontram-se no “Top 10” o Gana, a Indonésia, Nigéria, Camarões – só depois surgem o Brasil, Ecuador, México e Peru.Em São Tomé e Príncipe as roças entraram em decadência e já eram uma amostra do que tinham sido no início do século XX quando o país se tornou independente, em 1975. Em 1977, dois anos após a independência, o Estado tentou reagrupar as roças em empresas públicas, sem sucesso. Realizou depois uma reforma agrária, distribuindo lotes aos trabalhadores. Mas muitos nunca cultivaram a terra.

O engenheiro agrónomo analisa de forma crítica o crescimento do país e a forma como foram sendo implementados os projectos de desenvolvimento. “É uma economia bastante artificial, porque mais de 90 por cento do orçamento de Estado são ajudas externas.” Para Corallo, “o crescimento tem de partir da população, tem de ser conforme os desejos da população e ajustado à vocação da gente, para crescer com o pé firme no chão”, diz. Corallo espera que São Tomé e Príncipe beneficie de ajudas que sirvam para “desenvolver uma economia sustentável”, de maneira a deixar de ser dependente desses apoios externos. Mas, frisa, para isso, é necessário “uma formação no mundo do trabalho”. “Para mim a formação da gente é a base do meu trabalho, passo a vida a formar o pessoal, e o resultado vê-se. Mas leva um tempão e aqui leva ainda mais tempo porque não há uma estrutura, o Estado está muito ausente e há poucas condições”, conclui.

Chocolates Claudio Corallo: www.claudiocorallo.com

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ponto final • SEG. 13 JUL, 2015VIII | AMBIENTE

A ilha que se libertou de 300 mil embalagens de plásticoHá três anos o Príncipe tornou-se na primeira reserva da biosfera do país. Desde então, a ilha já se livrou de 300 mil embalagens de plástico e o país tornou-se o primeiro em África com duas unidades hoteleiras a conseguirem a certificação “Biosphere Responsible Tourism”. O biólogo português e conselheiro ambiental do governo são-tomense, António Domingos Abreu, diz que há potencial para criar outras biosferas.

TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA

Completam-se agora três anos desde que a Reserva Mundial da Biosfera da Ilha do Príncipe foi aprovada pela UNESCO, a 12 de

Julho 2012, depois de um processo de candidatura apoiado pela cooperação portuguesa. Na altura, o Príncipe – uma das ilhas vulcânicas do Golfo da Guiné, além de São Tomé, Bioko ou Fernando Pó, e Annobón – passou a integrar uma rede mundial de áreas protegidas que são consideradas como laboratórios naturais privilegiados para testar diferentes modelos de desenvolvimento sustentável, que permitam conciliar a actividade humana com a preservação da biodiversidade. Ao fim de três anos já há resultados visíveis. No sector do turismo, actualmente, São Tomé e Príncipe é o primeiro país africano com duas unidades hoteleiras, uma em cada ilha, certificadas pelo sistema mais importante reconhecido pelas Nações Unidas em termos de turismo responsável. Em 2014 o resort do ilhéu Bom Bom tornou-se o primeiro

hotel do continente africano a obter a certificação “Biosphere Responsible Tourism”, atribuída pelo Instituto de Turismo Responsável (ITR), entidade internacional independente, membro do Conselho Global para o Turismo Sustentável (GSTC) e da Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas (UNWTO). Seis meses depois, em Dezembro de 2014, era a vez do OMALI Lodge Boutique Hotel, na ilha de São Tomé, se tornar no segundo hotel em África a obter a mesma certificação. Ambos os hotéis são administrados pela empresa HBD do sul-africano Mark Shuttleworth. Este milionário – que enriqueceu a vender software de segurança para comércio electrónico online e ganhou fama ao tornar-se o segundo turista a viajar no espaço, em 2002 – está a investir milhões em turismo sustentável. O PONTO FINAL conversou com o biólogo português, especialista em ambiente, António Domingos Abreu, que foi o coordenador científico

da candidatura do Príncipe e exerce funções como perito e conselheiro técnico do governo de São Tomé e Príncipe para a área da reserva da biosfera.

- Deve-se a quem a criação da reserva da biosfera?António Domingos Abreu – As autoridades locais e o povo do Príncipe assim o decidiram. Assumiram o compromisso e o desejo e o desafio de se constituírem como uma reserva mundial da biosfera dentro do programa da UNESCO. Ou seja, de se constituírem como um local que é muito representativo do ponto de vista dos sistemas naturais, mas também um lugar onde se ensaia e se estabelece um compromisso de tentar compatibilizar a conservação dos valores naturais com o seu uso sustentável, e fazer disso um instrumento catalisador do desenvolvimento das pessoas, integrando o ser-humano com a biosfera, que é o objectivo do programa. Houve um

processo de candidatura submetido à avaliação da UNESCO e, há três anos, o Príncipe foi aprovado em conselho de coordenação internacional da UNESCO como reserva internacional da biosfera.

- Passados três anos, há desenvolvimentos visíveis?A.D.A. – Sim. As reservas da biosfera, ao contrário de outros programas da UNESCO, não são um certificado apenas que reconhece um valor extraordinário, natural, cultural, patrimonial de um determinado sítio. Neste caso é um pouco mais do que isso, as reservas da biosfera são plataformas de demonstração de experiências de desenvolvimento e, nesse sentido, o Príncipe tem sido fantástico, em termos de modelo, porque lançou já projectos concretos e os resultados são visíveis. Por exemplo, o Príncipe assumiu através da sua biosfera o compromisso de limpar o plástico da ilha. O plástico é um problema ambiental, uma embalagem de plástico enquanto resíduo pode levar

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450 anos a degradar e através do projecto lançado pela biosfera foi possível fazer desaparecer o plástico todo da ilha. Conseguimos, em menos de um ano, fazer sair da ilha 300 mil embalagens de plástico, recolhidas pela população, através de um processo de troca de embalagens que estavam espalhados na natureza, por garrafas reutilizáveis que dão acesso a água potável, através de máquinas instaladas pela reserva da biosfera. Distribuímos quase 5 mil garrafas reutilizáveis, num universo de 8 mil pessoas. Outro exemplo foi a criação pela biosfera de um sistema de classificação de produtos, bens e serviços, produzidos numa lógica de boas práticas, de poupança de energia, de gestão eficiente da água, redução de resíduos e valorização de produtos da terra. Isso significa criar oportunidades de emprego, valorização económica e desenvolvimento. Estamos agora a definir um outro programa, que é o lançamento dos trilhos da reserva da biosfera. São itinerários que vão ser limpos, preparados para mostrar a natureza e os aspectos culturais, que vão gerar emprego, com a qualificação de guias locais. Eles é que vão oferecer esse serviço a um turismo que cada vez mais procura essas actividades. Mas não só. O Príncipe é um lugar escolhido como uma das cinco áreas-piloto, num projecto mundial da UNESCO, para seguimento das alterações climáticas e elaboração de estratégias locais de adaptação, porque estes sítios são muito pequenos, vulneráveis, muito expostos, e as medidas geradas em programas globais não respondem às necessidades locais. Foi lançado também um programa de captura zero de tartarugas, a comunidade assumiu o compromisso de que não há capturas de tartarugas marinhas. São exemplos de projectos dinamizados a partir da reserva da biosfera, que não é uma instituição em si, mas é uma plataforma de convergência dos actores locais.

- Quem é que financia as actividades da reserva?A.D.A. – O financiamento é feito pelo governo local do Príncipe, que alocou recursos humanos e materiais. Temos tido apoio através da UNESCO, não financiamento directo, porque a UNESCO não financia, mas promove e identifica estas reservas como sítios idóneos e atrai projectos como o da reciclagem, que foi o Ministério do Ambiente de Espanha que financiou em 50 por cento. Há um investidor internacional (o sul-africano Mark Shuttleworth e a sua empresa HBD) que também tem co-financiado e há a participação nas redes de reservas da biosfera insulares e costeiras, que tem vindo a fornecer meios financeiros para que a reserva desenvolva as suas actividades. Isto significa, também, que o programa da biosfera tem sido um factor de atracção de investimento e de cooperação, é para isso que serve. Mas há outras entidades locais e internacionais interessadas em colaborar.

- A ilha de São Tomé também pode ser uma reserva da biosfera?A.D.A. – A ilha do Príncipe é a única reserva e a primeira na República Democrática de São Tomé e Príncipe. Tem de haver vontade política no sentido de se criar mais uma ou outra reservas da biosfera no país. São Tomé tem esse potencial também, mas o potencial não chega, é preciso vontade, trabalho e decisão. Tem-se vindo a falar nessa possibilidade, de criar uma nova reserva da biosfera no país, até porque esta está a correr bem. Mais uma reserva seria um processo de afirmação internacional de São Tomé e Príncipe como um país sustentável.

- Como é que o turismo pode crescer sem provocar danos?ADA – O turismo é uma actividade socio-económica como outra qualquer, e que gera impactos, não é uma indústria inócua, basta pensar

que as necessidades de água para um turista, seja aqui ou em qualquer lado, são 40 vezes superiores às de um residente. O turismo em São Tomé e Príncipe deve ser pensado não numa lógica de números, de atracção de grandes massas, mas numa lógica de oferta de um produto diferenciado, de uma experiência, que tem de ter qualidade, com infra-estruturas adequadas, mas que tem de ser complementada com uma valorização daquilo que diferencia um destino pequeno. São Tomé e Príncipe é pequeno, não vai crescer, mas tem um potencial do ponto de vista turístico que, para ser competitivo com outros destinos mais desenvolvidos, deve enveredar pela qualidade. E a qualidade na indústria do turismo faz-se pela diferenciação. Neste caso, a diferenciação é a natureza, a cultura e as idiossincrasias locais. São Tomé e Príncipe tem essa felicidade de dispor de recursos naturais e também humanos, de uma história, um modo de estar, de receber, conviver, que é capaz de criar um produto com vantagens comparativas e competitivas num segmento tão sensível como é o do turismo.

- O governo são-tomense está alertado para esse tipo de turismo?A.D.A. – Creio que sim, os sinais que vemos, quer no Príncipe quer em São Tomé, vão nesse sentido. Recordo que São Tomé e Príncipe é o primeiro país africano que tem duas unidades hoteleiras, uma em cada ilha, certificadas pelo sistema mais importante reconhecido pelas Nações Unidas em termos de turismo responsável. O governo são-tomense assinou um protocolo com o Instituto de Turismo Responsável, que é a entidade que gere esse sistema, para procurar a colaboração e soluções, e promover o turismo sustentável, isto são sinais de alguma sensibilidade.

- Em termos climáticos, está a haver alterações nas chuvas?A.D.A. – Sim, hoje foi apresentado – fui eu que apresentei – o resultado de um estudo

sobre alterações climáticas em reservas da biosfera insulares e constata-se uma variação muito significativa na quantidade de água, uma alteração nas chuvas, uma variação na época. E isso tem impactos ao nível da agricultura e das florestas, porque a agricultura, sobretudo de pequena dimensão, é dependente da água fluvial, das chuvas, e quando há variações significa que o agricultor acaba por ter perdas económicas. É algo que se tem de ter em consideração, daí que o Príncipe, através da sua reserva, esteja a desenvolver – e beneficia de participar neste projecto – uma estratégia de adaptação às alterações climáticas, entre as quais o aumento de fenómenos extremos, tempestades na zona costeira e alteração no padrão de chuva, quer na quantidade, quer na época. Agora começa a chover umas semanas mais tarde, os períodos de seca começam a aumentar, há uma variação que não é compatível com o plantio, isso vai ser contemplado numa estratégia específica. Isto são consequências de fenómenos globais de alterações, para os quais um país tão pequeno como São Tomé e Príncipe não contribuiu mas a que está sujeito – sofre as consequências e isto requer soluções específicas e adaptadas à escala.

- Há boas práticas para contrariar as alterações climáticas?A.D.A. – Os esforços de silvicultura e manutenção da floresta ajudam muito, porque combatem a erosão, permitem maximizar a eficiência de captação natural da água, porque o terreno exposto, quando há uma tempestade, ou uma chuva intensa, acaba por permitir uma erosão maior e um escorrimento da água, que não se infiltra. O esforço em termos de reflorestação, de diminuição de intensidade do uso, nomeadamente de produção de carvão, são exemplos de medidas no terreno, em termos de adaptação. Há também formação de agricultores sobre práticas agrícolas em termos de melhor ordenamento e técnicas de plantação, que tenham em consideração a

tipografia, para minimizar estas situações.

- As plantações de cacau e café são indicadas?A.D.A. – São indicadas e são de alto valor acrescentado. Por exemplo, a plantação do Terreiro Velho, que é bem conhecida em termos de exportação para um mercado de nicho, tipo gourmet [do italiano Claudio Corallo], são plantações que precisam de uma floresta bem cuidada, porque são plantações de sombra.

- Há interesse em aumentar a produção de cacau?A.D.A. – Não sou especialista na área, mas acho que sim, porque houve um abrandar da produção após a descolonização, há 40 anos, houve uma destruição da capacidade produtiva. Mas, hoje, assiste-se a um regresso à terra, às produções e a uma melhor organização. Entretanto o país desenvolveu-se bastante e hoje tem competências que não tinha há 40 anos, sofreu um processo de reestruturação e de criação de um país, quase de raiz, mas com um passivo que se foi acumulando nos últimos anos e que agora se vê. Também com a ajuda de muita cooperação, mas com muito investimento local, existe essa recuperação. Significa que há ainda um potencial tremendo para se atingir, não estamos no limite.

- Está confiante em relação ao futuro?A.D.A. – Muito. Vejo cada vez mais pessoas empenhadas, comprometidas, motivadas e com uma visão muito interessante. No caso do Príncipe, hoje ouviu-se no discurso do presidente regional que a sustentabilidade e preservação dos recursos naturais são o motor do desenvolvimento, a par da criação de melhores condições de vida para a população. Se a visão é essa – obviamente com todas as dificuldades, lacunas e carências –, é uma questão de tempo e de trabalho. Mas estou muito confiante e muito honrado por estar a assistir e, de certa forma, a colaborar neste processo.

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ponto final • SEG. 13 JUL, 2015X | MACAU

São Tomé e Príncipe, segundo Vitorino TrovoadaDeixou a luxúria equatorial de São Tomé para trás na flor da idade e rumou a uma China gigantesca e misteriosa sobre a qual pouco ou nada conhecia. Vitorino Trovoada foi um dos estudantes que o governo de São Tomé enviou para Pequim, nos tempos em que as relações entre o gigante asiático e a o pequeno arquipélago africano se pautavam pela cooperação e pela concordância. Na capital chinesa, primeiro, e depois em Xangai aprendeu a falar, a ler e a escrever mandarim e a capacidade de adaptação foi meio caminho andado para conseguir concluir com sucesso a licenciatura em medicina. Vitorino Trovoada viu a China crescer e abrir-se ao mundo, assistiu ao regresso temeroso de Macau à soberania chinesa, mas nunca esqueceu os morros, as praias de areia fina e as águas mornas e cristalinas que banham o rincão de mundo onde nasceu. Apesar de em quase trinta anos, ter regressado a São Tomé e Príncipe por uma única vez, o médico acompanha com diligência o que se passa no seu país. Nos 40 anos de independência do arquipélago, Vitorino Trovoada faz uma leitura crítica de quatro décadas de soberania, mas – apesar de tudo – não tem dúvidas: São Tomé e Príncipe é um país de futuro.

DEPOIMENTOS RECOLHIDOS POR MARCO CARVALHO

O PASSADO

“Após a independência, como certamente saberá, tivemos um presidente, um partido, um Governo. Vivemos um período que se pode dizer de ditadura, em que havia um só partido, que era o MLSTP, que o foi o partido que conduziu São Tomé e Príncipe à libertação, com Manuel Pinto da Costa como presidente na altura. Nós adoptámos a tendência marxista, digamos assim, em que o presidente e os associados do presidente é que mandavam. Todas as vozes que fossem contra aquelas que vinham do outro lado, eram vistas como vozes inimigas, mesmo que essas vozes tivessem ideias

interessantes para o futuro do país. Esta postura determinou o futuro do nosso país, porque logo após a independência houve várias vozes que tinham opiniões contrárias relativamente ao que deveria ser o futuro do país. São Tomé sendo um arquipélago isolado, sem grandes condições de gerar riqueza, se tivéssemos aproveitado as oportunidades que nós tínhamos na altura, parece-me claro que o futuro de São Tomé e Príncipe teria sido muito diferente daquele que é hoje. Basta olhar para Cabo Verde, que na altura seguiu um modelo muito diferente do de São Tomé e Príncipe e hoje o resultado está à vista. São Tomé em termos de natureza, em termos de clima, em termos de áreas

como a pesca e os recursos marinhos é um país rico. Teríamos riqueza em São Tomé e Príncipe se ela tivesse sido bem encaminhada desde o início. O país seria, hoje, provavelmente muito diferente.”

O PRESENTE

“O Governo actual está muito bem apoiado, porque a Acção Democrática Independente – que é um partido muito forte em São Tomé e Príncipe – ganhou com maioria absoluta, circunstância que lhes dá uma força muito grande no Parlamento. Tudo o que eles quiserem aprovar, aprovam. Mesmo que Manuel Pinto da Costa não aceite,

ele não pode fazer nada, porque a A.D.I tem 33 deputados no parlamento, contra 22 da oposição toda. A oposição não é formado por um só partido: é o MLSTP, é o PCD e é a UDD. O Manuel Pinto da Costa neste momento não tem grande margem de manobra, mas sempre que ele vê uma oportunidade ele tenta, eventualmente, estragar as coisas, não é? Felizmente, temos o actual primeiro-ministro, que é o Patrice Trovoada, que é uma pessoa muito dinâmica, muito competente e é uma pessoa que não tem medo de dizer as coisas, que é coerente, que luta pelo bem do país – contrariamente a outros, que lutam pelos seus próprios interesses – e por isso, penso que

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estamos numa fase muito promissora para São Tomé e Príncipe.”

O FUTURO

“O maior desafio com que São Tomé se depara é a questão da auto-sustentabilidade. Não é nada agradável para um país viver com apoios que vêm, quase na totalidade, do exterior. É o maior desafio com que nos deparámos. Neste momento temos todas as condições para darmos o salto, para começar a explorar áreas que poderão estar na origem de grandes recursos. São Tomé e Príncipe tem um orçamento geral de Estado na ordem dos 150 milhões de dólares. Não é muito dinheiro para um país, mas lá está, não temos esse capital. Se conseguirmos explorar esse capital, esses aspectos que temos potencialidades para desenvolver, não precisaremos de petróleo para nada. O petróleo será mais um contributo, mas não será o mais importante. Eu penso que os próximos 40 anos serão promissores. Eu acredito que dentro de cinco ou dez anos poderemos, enfim, iniciar uma nova página no nosso desenvolvimento. Espero que o nosso orçamento geral de Estado possa vir a ser quase na totalidade auto-sustentado pelo país. Acredito que isso é possível, porque há sinais nesse sentido. Mesmo a comunidade internacional começa a mostrar outras perspectivas: uma coisa é dar apoios e outra é colaborar e investir. Tendo em conta que São Tomé e Príncipe está a caminhar para a estabilidade política, que é uma garantia de confiança para os parceiros, isso é uma forma de nós conseguirmos mais capitais para apoiar o nosso desenvolvimento, que é o que verdadeiramente importa.”

O PETRÓLEO

“A questão dos hidrocarbonetos não é a questão mais importante para São Tomé e Príncipe, contrariamente aquilo que se pensava, tendo em conta que temos outras fontes alternativas que, a curto prazo, poderão ser mais benéficas para São Tomé e Príncipe: falo do turismo, na construção de um entreposto de comércio na zona do Oeste africano, que é um zona que tem uma população de 300 milhões de pessoas. Apesar do país ser um arquipélago, temos uma localização propícia. Não podemos colocar o petróleo como uma prioridade, porque o petróleo também é um foco de conflitos e de interesses. Sabe como as coisas funcionam quando há muito interesse em jogo. Há também sempre muitos interesses instalados e há quem mobilize todos os meios que tem ao seu dispor para se poder apoderar dessa riqueza. Eu acho que São Tomé e Príncipe não deve olhar para o petróleo como alternativa para o desenvolvimento. Deve, sim, olhar para as outras áreas, que são o turismo, a pesca, a agricultura e eventualmente o mercado que existe no Oeste africano, que é um mercado gigantesco, tendo em conta que São Tomé e Príncipe tem uma população de apenas 200 mil pessoas. São Tomé deve apostar nessa área. É claro que se o petróleo chegar a ser explorado, talvez possa ser uma mais valia, mas não nos podemos centralizar na questão do petróleo, que é uma miragem.”

TAIWAN

“São Tomé e Príncipe só se associou a Taiwan porque estava num beco sem saída. São Tomé e Príncipe nunca se desligou da China. Foi a China que se desligou de São Tomé e Príncipe porque São Tomé foi à procura de apoios na Formosa, que foi quem se predispôs a apoiar o país num momento em que São Tomé e Príncipe passava por uma crise gravíssima. Sabe que sem dinheiro não se faz nada. Eu penso que na altura São Tomé só se aliou a Taiwan porque era o único

país onde poderia conseguir os montantes de que precisava à época para sobreviver. São Tomé sempre esteve ligado à China, só que no momento em que São Tomé pediu apoio a Taiwan e Taiwan pediu algo em troca – que foi o estabelecimento de relações diplomáticas com São Tomé – também fez com que a China rompesse com São Tomé e Princípe. São Tomé nunca rompeu com a China. São Tomé manteve as portas sempre abertas para a China. Nos últimos anos, consta que São Tomé tem tentado uma reaproximação à China. Sempre houve uma tentativa de normalizar relações. Tanto que no ano passado abriu uma representação comercial da China, da República Popular da China em São Tomé e Príncipe. Eles não podem dizer que abriram uma Embaixada, mas eu até penso que eles ocupam o lugar em que estava a embaixada da China. O espaço lá está sempre, mas a questão política é que não existe.”

A CHINA

“A China, portanto, apareceu na minha vida já lá vão quase 30 anos. Na altura a China era uma

incógnita para nós. Conhecia-mos muito pouco. Só se falava de Mao Tse Tung, kung-fu e karaté, aquelas coisas que os jovens na altura viam nos filmes que passavam por lá. Isso cativava e as pessoas ficavam interessadas em saber um pouco mais. Na altura não havia internet, não havia informação. Era um país fechado do qual pouco se sabia no exterior. Eu lembro-me perfeitamente quando sai de São Tomé e Príncipe, em 1986, de passagem por Portugal, alguém sabia que eu estava de partida para a China para estudar, e a pessoa ficou muito intrigada: via a China meio que como um enigma. Na altura as pessoas viam a China um pouco como o Japão, que era um país desenvolvido mas demasiado remoto.O desconhecimento era total. Os produtos da China vinham parar a São Tomé e Príncipe, aquelas coisas todas, e as poucos a ideia de viajar para a China foi-se tornando aliciante. Fez com que em 1986 eu tivesse optado por me aventurar pela China, se bem que tinha na altura outras oportunidades. Preferi a China porque via-a como um país apetecível.”

A SAUDADE

“São Tomé e Príncipe tem um povo acolhedor e que recebe bem porque as pessoas são abertas, são alegres, querem ajudar e este sentimento é um sentimento que difere muito de outras regiões em que, eventualmente, se coloca a questão do tribalismo, a questão de muitas guerras complicadas. Estas questões em São Tomé e Príncipe não existem. O país tem todos os trunfos possíveis e imaginários para se desenvolver e desenvolver-se bem porque é amigo dos seus visitantes, é amigo de todos. Não há problema nenhum com São Tomé e Príncipe e é um país que promete, pela sua localização também, pela sua beleza natural. São Tomé e Príncipe é um país verde, de um verde encantador, praias lindíssimas, de areia branca. O mar, a água é morna e transparente. É um destino espectacular. Em São Tomé e Príncipe não é necessário muito para se viver bem porque tem todas as condições para que quem lá vive tenha uma vida tranquila, pacífica. Quem lá vai não quer vir-se embora. É um país inebriante e muito acolhedor.”

FOTO

: CLÁ

UDIA

ARA

NDA

Page 12: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de São Tomé e Príncipe

ponto final • SEG. 13 JUL, 2015XII | MACAU

“Estou a pensar solicitar ao Fórum o estatuto de observador para São Tomé e Príncipe”TEXTO E FOTOS DE MARCO CARVALHO

É uma comunidade pequena e discreta,

mas com muitas histórias para contar.

Os santomenses radicados em Macau

não serão muito mais que os anos de

independência que o pequeno arquipélago

equatorial celebra por estes dias. Apesar

de diminuta, a comunidade – constituída

por médicos, arquitectos e engenheiros- é

das que melhor se integrou na realidade

do território. Dominam o mandarim,

aprenderam com alguma facilidade o

cantonense e deitaram âncora a Macau, ao

constituírem família localmente. Formado

em Engenharia Informática com aplicação às

telecomunicações, António Costa preside à

Associação de Amizade São Tomé e Príncipe-

Macau, China. Numa extensa entrevista, o

líder da comunidade santomense aborda com

olhar crítico os 40 anos de independência do

seu país, perspectiva o futuro do arquipélago

e analisa as relações entre o país onde nasceu

e a sua pátria adoptiva. A maior mágoa? Que

Pequim e São Tomé continuem de costas

voltadas.

- Quarenta anos da independência de São

Tomé e Príncipe. Quarenta anos que foram

40 anos muito distintos, com algumas

dificuldades, sobretudo inicialmente. Nesta

recta final com alguma esperança também,

por causa do petróleo e da eventualidade das

jazidas de petróleo poderem ou não a vir a

ser exploradas. A pergunta que eu lhe fazia:

um balanço destes 40 anos? Foram 40 anos

em que São Tomé e Príncipe se conseguiu

afirmar plenamente como nação?

António Costa – Antes de mais, muito

obrigado pela oportunidade para falar um

pouco sobre o meu país nesta ocasião em que

se comemoram os 40 anos da independência.

Se São Tomé e Príncipe já se pode afirmar ou

não como um país, em termos formais até é

verdade porque é uma nação independente:

foi desde logo reconhecido pelas Nações

Unidas, tem o seu próprio governo. Enfim,

em termos formais é um país independente.

Agora, o resto – do ponto de vista económico,

social e mesmo territorial, no aspecto do

desenvolvimento – fica muito aquém das

expectativas. É verdade que é um dos países

mais pequenos de África, mas mesmo assim

ainda falta muito para que se possa afirmar

como um país no sentido tradicional do

termo, com uma soberania que se possa

sentir por todos, digamos assim. Quarenta

anos de independência, 40 anos de imensos

problemas, 40 anos de imensos erros, 40

anos de governação deficiente, 40 anos de

luta pelo poder, que ainda, infelizmente, não

acabou. Quarenta anos de democracia, mas

mais no papel do que na realidade. Há muito

a melhorar do ponto de vista democrático e

nestes 40 anos o país sofreu, sobretudo, com a

falta de espírito democrático e de capacidade

democrática, quer dos dirigentes, quer dos

cidadãos em geral. Esperamos, ainda assim,

que a democracia possa ir além do papel. Não

basta a República ser Democrática. É preciso

que os cidadãos e que os dirigentes tenham

espírito democrático, sejam capazes de

respeitar a opinião dos outros, de dar margem

aos outros cidadãos para contribuírem para

Page 13: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de São Tomé e Príncipe

ponto final • SEG. 13 JUL, 2015 XIII

o país e por aí fora. No que diz respeito

ao aspecto económico, como já sabemos,

basta ler um pouco as informações que são

publicadas nos meios de comunicação social.

Persiste, de facto, a ideia de que o petróleo

vai salvar São Tomé e Príncipe e, de facto,

de acordo com o que se conhece, existem

vários blocos de petróleo, quer em São Tomé,

quer na fronteira com a Nigéria e à volta do

arquipélago. Tudo isso parece ser verdade,

mas as informações – apesar de tudo – não

são tão exaustivas como seria de esperar.

Existem aqui e ali informações de que esta

ou aquela companhia pretendem ou vão

explorar alguns desses blocos, mas em termos

concretos parece que nada aconteceu ainda.

- Assim sendo, que outra alternativa existiria

para que São Tomé pudesse, de certa forma,

dinamizar a sua economia? O turismo tem

sido apontado como uma alternativa. Poderá

sê-lo?

A.C. – Sem dúvida que, para além de outros

recursos, o turismo é um domínio que

São Tomé pode e deve explorar. Sei que

São Tomé tem vindo a promover as suas

potencialidades turísticas mas ainda de

forma muito deficiente. Há ainda muito a

fazer. Não basta ter paisagens bonitas, não

basta ter praias de areia branca e de água

cristalina, não basta ter uma ilha segura:

e de facto é segura, porque os níveis de

criminalidade são muito baixos. É preciso

também dar formação às pessoas, é preciso

criar leis para regular o turismo e para que

o país não se deixe embalar por tudo aquilo

que é mau em relação ao turismo. O turismo

parece ser, aparentemente, uma coisa boa,

mas quando é mal pensado, quando é mal

estruturado, sem leis, sem pessoas formadas,

sem organizações governamentais e não

governamentais no terreno, sem sinergias

adequadas para que tudo corra bem, em vez

de ser um bem que possa contribuir para o

desenvolvimento do país, pode ter efeitos

contrários. Ainda assim, o turismo só por

si também não chega: somos um país de

quase 200 mil habitantes, queremos de facto

desenvolver o turismo mas é preciso também

desenvolver várias outras áreas que existem.

Há pouco falávamos do petróleo, mas

também temos imensas roças ou terrenos

cultiváveis. Temos uma grande área fértil em

São Tomé e Príncipe, temos possibilidade

imensas na pesca, temos a possibilidade

de extrair do mar outros recursos. O país

bem organizado, com dirigentes realmente

democratas, que permitam que os outros

cidadãos consigam dar a sua contribuição

e com um governo estável, que é um factor

importante também, todos estes elementos

são cruciais para identificar quer as áreas que

há pouco mencionei, quer novas áreas que

possam contribuir para o desenvolvimento

de São Tomé e Príncipe.

- Falava da questão do reaproveitamento

das roças. As roças de São Tomé e da ilha do

Príncipe estiveram ligadas durante muitos

anos à produção de chocolate e a algum do

melhor chocolate do mundo, mas também a

um dos aspectos mais brutais da colonização

portuguesa, que é a questão da escravatura.

Ao fim de 40 anos de independência e mais

de 60 do massacre de Batepá ainda há feridas

abertas?

A.C. – Há pouca informação pormenorizada

sobre o assunto. Aqui e ali encontramos um ou

outro livro, escrito por um português ou por

um santomense que começou a estudar esta

questão. Aqui e ali temos um ou outro dado

de uma ou outra entrevista de alguém que

presenciou esse massacre, dos historiadores

que escrevem sobre São Tomé e Príncipe e

dos governadores e oficiais que na altura da

escravatura viveram em São Tomé. Há alguma

informação escrita. No entanto, não existe –

pelo menos que seja do meu conhecimento

– uma informação estruturada, bem

pensada e organizada quer sobre o tempo

da escravatura em São Tomé, quer sobre

os acontecimentos de 1953 ou ainda sobre

o que ainda hoje resta de possíveis feridas

não sanadas ou de possíveis elementos

que participaram nos acontecimentos de

1953, quer do lado português, quer do lado

santomense, quer do lado do povo. Ainda

não existe uma informação estruturada sobre

como é que isto tudo aconteceu. Ainda há

uns dias li algumas entrevistas de alguns

santomenses que participaram no Movimento

de Libertação de São Tomé e Príncipe e no

Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe

nos anos que antecederam a independência.

Estas informações não são, ainda assim,

completas: seria bom se os fundadores

desses movimentos pré-independência e os

representantes do lado oposto – ou seja das

posições portuguesas, da PIDE e de todo

um conjunto de um aparelho de estado

português que reprimia esses movimentos

– seria bom que eles viessem à ribalta e

escrevessem sobre o assunto, que era para

que pudéssemos perceber melhor se, de facto,

ainda existem algumas feridas por cicatrizar.

Como sabemos, até do lado português, faltam

informações: as pessoas ainda não querem

explicar tudo o que se passou e eu gostava

É VERDADE QUE [SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE] É UM DOS PAÍSES MAIS PEQUENOS DE ÁFRICA, MAS MESMO ASSIM AINDA FALTA MUITO PARA QUE SE POSSA AFIRMAR COMO UM PAÍS NO SENTIDO TRADICIONAL DO TERMO, COM UMA SOBERANIA QUE SE POSSA SENTIR POR TODOS, DIGAMOS ASSIM. QUARENTA ANOS DE INDEPENDÊNCIA, 40 ANOS DE IMENSOS PROBLEMAS, 40 ANOS DE IMENSOS ERROS, 40 ANOS DE GOVERNAÇÃO DEFICIENTE, 40 ANOS DE LUTA PELO PODER, QUE AINDA, INFELIZMENTE, NÃO ACABOU

- Sei que não se passa fome em São Tomé

e Príncipe, mas há ainda uma grande

desigualdade. A questão da pobreza é algo

que é ainda necessário resolver?

A.C. – É uma questão curiosa. É verdade que,

sendo um país pobre, devia haver muita gente

pobre e parece um contra-senso, mas não há

muita gente pobre, embora nos últimos dez

anos tenha começado a ser notória alguma

pobreza de rua, na capital. Em São Tomé

vêm-se miúdos que não têm trabalho ou

que não querem trabalhar, ou então que

foram abandonados pelos pais, que também

não têm os meios para os colocar na escola.

No entanto, em geral, São Tomé e Príncipe

é uma ilha cheia de recursos naturais e o

povo de São Tomé tem por hábito viver do

que retira das suas fazendas, das roças. É

relativamente fácil viver sem dinheiro. É

fácil viver normalmente, sem passar fome e

sem recorrer a uma economia de mercado.

Não existe o tipo de pobreza gritante que

existe noutros países. Existe pobreza, mas as

pessoas não passam fome, como acontece em

outras nações onde as pessoas não têm nada e

também não podem explorar os seus terrenos

e, portanto, não têm por hábito cultivar. Em

São Tomé isto não acontece.

- O multi-partidarismo trouxe mais

estabilidade a São Tomé e Príncipe. Ainda

assim temo um fenómeno curioso, que é

o facto de o primeiro presidente – que a

determinada altura adoptou uma postura

de certa forma ditatorial – ter sido reeleito e

estar de novo na presidência...

>>>

de saber porquê. Se calhar, o facto de não

quererem dar mais explicações ou o facto

de darem as explicações apenas pontuais

é sintomático de alguma coisa. Se calhar é

porque ainda existem algumas feridas...

Page 14: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de São Tomé e Príncipe

ponto final • SEG. 13 JUL, 2015XIV | MACAU

A.C. – Eu diria que é mais uma questão de

nostalgia do que propriamente uma questão

de capacidade do primeiro presidente gerir o

país de forma a que o país possa, enfim, dar

os primeiros passos. É preciso dizer que São

Tomé, apesar dos 40 anos de independência,

parece que tem dado passos para trás. Tem

dado alguns passos muito pequenos para a

frente, mas grandes passos para trás. Tivemos

15 anos de partido único, que é o partido do

actual presidente Manuel Pinto da Costa,

o MLSTP. Pinto da Costa esteve 15 anos na

presidência, de 1975 a 1990. A partir dos anos

90 saudamos o multi-partidarismo, mais

precisamente em 1991, em que o rival deste

presidente – ou melhor, um antigo colega no

âmbito da luta do Movimento de Libertação

de São Tomé e Príncipe, com quem Pinto

da Costa esteve de costas voltadas durante

mais de 15 anos – foi eleito em 1991. O

multi-partidarismo, que começou nesse ano

com Miguel Trovoada, não trouxe muito,

além do benefício formal de um país mais

democrático, por ser multi-partidário, mas

os benefícios não passaram disso: foi apenas

no papel que o país deixou de ser mono-

partidário, com um regime de partido único

e passou a ser multi-partidário. Os benefícios

que o país retirou do multi-partidarismo

são muito pouco, apesar de haver mais

liberdade e de as pessoas conseguirem

contribuir melhor para o seu país, com o seu

profissionalismo, com o seu trabalho. Mas,

fora isso, houve mais problemas, houve mais

intrigas políticas, houve mais situações de

falta de consenso que levaram a que muitos

dos projectos que os governos se propuseram

concretizar não avançassem, porque o multi-

partidarismo, em vez de ajudar, criou mais

obstáculos. Ao mesmo tempo, ao fim de 15

anos de partido único, o actual presidente

também não fez muito: limitou-se a gerir

o que havia. Pergunta-me: ‘Mas porque é

que, de repente, a pessoa que se limitou a

gerir o que havia no país volta outra vez a

ser presidente?’. A minha resposta, se calhar

ainda não muito informada, aponta para o

facto de, não havendo melhor candidato,

o povo ter escolhido aquele que conhece

melhor.

- Uma outra curiosidade, em termos

económicos, é o facto de grande parte do

dinheiro que chega a São Tomé ser resultante

da cooperação externa e da boa vontade de

países terceiros. Falávamos há pouco do

petróleo, na perspectiva de que o petróleo

pudesse, de certa forma, inverter esta

tendência. Ainda assim, São Tomé exibe esta

curiosidade, de certa forma até com alguma

coragem, porque reconhece Taiwan. É uma

opção arriscada? Olhando para aquilo que a

China conseguiu ao longo da última década,

um eventual reconhecimento de Pequim

poderia ter sido mais favorável a São Tomé?

A.C. – Em 1997, o governo de então decidiu

estabelecer relações com Taiwan. Quem

estava à frente dos destinos do país sabia

que quando um país que tem relações

diplomáticas com a China estabelece relações

com Taiwan, a China unilateralmente corta

relações diplomáticas com aquele país.

Foi o que aconteceu. Se a pergunta fosse

feita em 1997, ano em que o país estava,

do ponto de vista económico e do ponto de

vista do orçamento de estado, numa situação

muito precária, a resposta seria outra. Não

estou a dizer com isto que o governo fez

bem em estabelecer relações diplomáticas

com Taiwan. O que que quero dizer é que o

momento, em São Tomé e Príncipe, levou

a que o governo – independentemente das

outras coisas más que aconteceram com o

estabelecimento desta relação diplomática

– firmasse relações com um país, que era,

à época, um dos quatro dragões asiáticos.

Se calhar, na altura fazia algum sentido que

houvesse o estabelecimento de tais relações.

No entanto, sabe-se hoje que a ideia, apesar

de formalmente parecer boa, na prática não

teve os resultados esperados, porque tudo

o que foi prometido por Taiwan na prática

não chegou se chegou a materializar tal

como tinha sido prometido. Houve muitas

insuficiências e o governo – quer na altura,

quer os governos subsequentes – deviam ter

percebido que a China, precisamente a partir

de 1997 e até hoje, foi crescendo e cresceu

muito. Acho que o tempo para deixar de ter

relações com Taiwan e restabelecer relações

com a China já passou. Se calhar devíamos ter

deixado esta parceria para trás há dez anos.

- Mantém a esperança que São Tomé e

Príncipe possa vir, eventualmente, a olhar

para a China com outros olhos?

A.C. – Eu não só tenho esperança, como

acredito que brevemente isso vai acontecer.

Acredito por duas ou três razões. A primeira

delas é que a própria Taiwan está a reforçar

relações com a República Popular da China, o

que é um bom sinal do ponto de vista da Ásia.

Do ponto de vista das relações diplomáticas

entre São Tomé e Taiwan, e da perspectiva

SERIA BOM QUE O FÓRUM MACAU PUDESSE, AO MENOS, ACEITAR SÃO TOMÉ COMO OBSERVADOR E AÍ, SE CALHAR, UMA VEZ QUE O FÓRUM NÃO TEM CARIZ POLÍTICO E SE TRATA DE UM FÓRUM COMERCIAL, SERIA DE BOM TOM QUE AO MENOS HOUVESSE RELAÇÕES COMERCIAIS MAIS ESTREITAS COM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE, DE FORMA A PROPICIAR NOS PRÓXIMOS ANOS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS COM A CHINA.

com o novo governo, os sinais que existiam

há um ano começam a desvanecer-se. Eu

acredito, ainda assim, que as potencialidades

que a China de hoje oferece são, só por si,

suficientes para que o governo santomense

olhe para a China de hoje e perceba, que de

facto, não tem nada a perder em restabelecer

relações diplomáticas e continuar as relações

comerciais com Taiwan, que é o que, de

resto, muitos países fazem hoje em dia. Tal

não significa, obviamente, que a China vá

começar a encher os orçamentos de São

Tomé ou proporcionar ao país mais dinheiro.

Isso será, provavelmente, o resultado de

alguma negociação. Mas não deverá ser a

razão fundamental para que as relações

diplomáticas sejam restabelecidas.

- A China tem, ainda assim, apoiado a

construção de infra-estruturas em países

como a Guiné-Bissau e Cabo Verde. Este

investimento seria bem vindo em São Tomé?

A.C. – Seria muito bem vindo e aí faríamos

uma ligação com o Fórum Macau, que é a

plataforma que tem, enfim, dinamizado essas

relações com os países de língua portuguesa.

Infelizmente São Tomé não faz parte da

dinâmica do organismo. Eu estou a pensar

solicitar ao Fórum o estatuto de observador

para São Tomé e Príncipe. É uma situação

que está em estudo, ainda não há elementos

concretos para avançar, mas seria bom que

o Fórum Macau – apesar de tudo o que se

conhece sobre as relações entre São Tomé e

Taiwan – pudesse, ao menos, aceitar São Tomé

como observador e aí, se calhar, uma vez que

o Fórum não tem cariz político e se trata

>>>

de São Tomé poder vir a ter relações

diplomáticas com a China, acho que já houve

alguns sinais nesse sentido. Simplesmente,

como houve eleições em São Tomé e o

governo que neste momento está no poder

tem mais ligações comerciais com Taiwan

– foi o governo que em 1996 estabeleceu

as relações diplomáticas com a Formosa

– logo parece-me que, com essa viragem e

Page 15: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de São Tomé e Príncipe

ponto final • SEG. 13 JUL, 2015 XV

DURANTE A SEMANA QUE COMEÇOU NO SÁBADO, TEREMOS A SEDE DA ASSOCIAÇÃO ABERTA AO PÚBLICO DE MACAU: QUEM QUISER VISITAR A ASSOCIAÇÃO PARA CONHECER UM POUCO DA HISTÓRIA, PARA CONHECER UM POUCO DA CULTURA DE SÃO TOMÉ, TEMOS LÁ MUITAS COISAS PARA MOSTRAR E PARA EXPLICAR ÀS PESSOAS.

domingo. Durante a semana que começou no

sábado, teremos a sede da associação aberta

ao público de Macau: quem quiser visitar

a associação para conhecer um pouco da

história, para conhecer um pouco da cultura

de São Tomé, temos lá muitas coisas para

mostrar e para explicar às pessoas e para que

as pessoas vejam que, de facto, existe uma

associação em Macau, que está aberta ao

público de Macau e que tem na sua sede várias

mais-valias, como o artesanato e a pintura de

São Tomé e Príncipe, e que queremos mostrar

à população de Macau.

- No ano em que São Tomé e Príncipe celebra

40 anos, como é que imagina as próximas

quatro décadas do país? Com que trunfos

conta o arquipélago para se conseguir

afirmar?

A.C. – Do ponto de vista dos recursos naturais,

São Tomé tem todos os trunfos, desde os

recursos marinhos até recursos de outras

áreas como o turismo, a pesca, zonas férteis,

etc. O que realmente falta a São Tomé não

são os recursos naturais que o país até tem. O

que falta, sobretudo, é o espírito democrático

quer dos dirigentes, quer dos cidadãos em

geral. O trunfo será apostar mais na educação,

na formação: se nós conseguíssemos, nos

próximos cinco anos, formar ainda mais

quadros, melhorar o aspecto democrático,

quer dos dirigentes, quer das outras pessoas,

como de resto disse há um bocado, este

será o trunfo mais importante para que nos

próximos 40 anos possamos dar o tal salto

que nós desejamos. Sem formação, sem a

capacidade de realização e sem a capacidade

para acabar com – é uma palavra já gasta –

a corrupção, sem acabar com o clientelismo

e sem acabar com tudo aquilo que funciona

como força que trava todos os projectos

que os santomenses têm em vista, São Tomé

não terá a capacidade para se desenvolver.

Um exemplo: olhando para os problemas

dos diferentes governos de São Tomé e

Príncipe, conseguimos perceber que afinal os

programas do governo são quase todos muito

semelhantes, só que nenhum dos governos

consegue levar avante o programa. Porquê?

Eventualmente será porque ainda não existe

aquela consciência democrática para deixar

que as ideias que são boas funcionem, para

permitir que as ideias sejam realizáveis e

que sejam concretizadas na prática, que os

projectos cheguem ao fim. Resumindo, o

trunfo estará mais na aposta nas pessoas e,

tendo pessoas formadas e qualificadas, acho

que podemos dar o tal salto.

- Para que isso aconteça, que desafios é

necessário dirimir primeiro? Quais são

os grandes desafios com que São Tomé se

depara?

A.C. – O primeiro desafio é a energia.

Dependemos do exterior e precisamos de

construir e realizar três ou quatro grandes

empreendimentos. Para que isto aconteça

temos de criar três ou quatro pilares: o

primeiro seria a formação profissional, seria

a capacidade democrática dos dirigentes e

dos cidadãos. Esta é a primeira condição. O

segundo pilar seria resolver o problema da

energia, que passa por construir barragens

hidroeléctricas. O terceiro pilar seria

resolver o problema do aeroporto e do

porto. Falamos há vários anos sobre o porto

de águas profundas, falamos há vários anos

da construção de um aeroporto de grande

porte. Se nós conseguirmos, pelo menos,

concretizar estes quatro ou cinco projectos

de grande envergadura, chegaremos lá.

de um fórum comercial, seria de bom tom

que ao menos houvesse relações comerciais

mais estreitas com São Tomé e Príncipe, de

forma a propiciar nos próximos anos relações

diplomáticas com a China. No fundo é dizer o

seguinte: o facto de São Tomé e Príncipe não

ter relações diplomáticas com a China não

significa que não possa haver um reforço das

relações económicas e comerciais.

- Quem são os santomenses de Macau? A

comunidade é pequena, mas é, ainda assim,

uma comunidade dinâmica...

A.C. – É verdade. A comunidade santomense

em Macau tem, desde logo, uma associação

que funciona. Temos uma direcção eleita

de dois em dois anos, os vários membros

da associação trabalham em Macau, parte

desses membros estudaram na China, eu

incluído. Desenvolvemos várias actividades

durante o ano. A comunidade de São Tomé

é pequena. Não somos mais do que 40

indivíduos, contando também com os filhos e

com as esposas. Algumas até são locais.

- No seu caso, quando estudou na China,

estudou numa China completamente

diferente. Era uma China que não conhecia

esta pujança económica, que não conhecia

também este nível de abertura. O curso

superior que tirou, tirou-o totalmente em

chinês. Foi difícil adaptar-se a esta realidade?

Ou nem por isso?

A.C. – Dizer que não foi difícil é, no fundo, uma

mentira. Basta que lhe diga que se tratavam

de estudantes vindos de São Tomé e Príncipe,

passamos por Portugal e por França na altura

e chegamos à China Popular. Não sabíamos

sequer dizer bom dia em chinês. Portanto,

não houve nenhuma preparação prévia antes

de virmos para a China. Tudo começou aqui.

Quando chegámos não conseguimos falar

com ninguém. Falávamos por gestos e ainda

assim conseguimos comunicar. O primeiro

ano, de aprendizagem apenas da língua, foi

dificílimo, mas como não tínhamos mais

A.C. – Sim, surpreendeu. A China de há 15

anos era uma China diferente da China de

hoje e estamos a falar de 15 anos. Quinze

anos passam depressa. Há 15 anos a China

tinha algumas coisas e a abertura continuava

a ser difícil. Esta conversa de a China de há

10 ou 15 anos é uma conversa para vários

dias mas, resumindo, é evidente que me

surpreendeu. A rapidez do desenvolvimento,

a capacidade de realização e… Hoje vemos

que muitos países de língua portuguesa vêm

receber formação na China Continental – não

a formação universitária mas a formação

comercial, a formação do aparelho de Estado,

a formação dos dirigentes dos países de

língua portuguesa – , o que há 15, 20 anos

era praticamente impossível. Apenas em

algumas universidades isto acontecia. Hoje

já acontece. Esta questão, só por si, é um

sinal de um desenvolvimento que me parece

vertiginoso e é uma nova realidade, esta a que

estamos a assistir.

- Como é que um santomense mantém vivo o

apego à terra tão longe de casa?

A.C. – Confeccionando os pratos de São Tomé

na sede da nossa associação. Temos uma

sede que felizmente está apetrechada com

uma boa cozinha, com uma boa sala e com

quase tudo o que é preciso para confeccionar

pratos de São Tomé. Ficam a faltar certos

ingredientes, mas os santomenses quando

regressam à terra trazem alguns ingredientes

e nós aproveitamos esses ingredientes para

fazer pratos tradicionais. Como estamos a

comemorar os 40 anos de independência,

fizemos no fim-de-semana alguns pratos

tradicionais para os sócios na nossa sede.

Não tivemos e não teremos um jantar de gala

como tivemos nos anos anteriores. Este ano

tivemos apenas uma pequena cerimónia na

nossa sede, num evento mais íntimo, que

serviu para que se fizesse uma reflexão sobre

o país, sobre o desenvolvimento do país e

sobre o futuro de São Tomé e Príncipe. Foi o

que fizemos no sábado e foi o que fizemos no

nada para fazer e só tínhamos de estudar –

e na altura a comunicação com São Tomé e

Príncipe também não era fácil – concentrámo-

nos no estudo da língua e conseguimos fazer

o curso. Foi difícil o primeiro ano, também

foi difícil o primeiro ano de universidade

propriamente dita, porque na altura o único

dicionário que existia para fazer a ponte

connosco, era um dicionário de espanhol-

chinês e inglês-chinês. Ainda não havia

dicionários de português-chinês como hoje

os conhecemos. Por isso, sim, foi difícil, mas

conseguimos superar as dificuldades: houve

situações em que pessoalmente achei que

não iria conseguir, mas a partir do segundo

ano da universidade comecei a ganhar mais

confiança pessoal e comecei a achar que,

de facto, poderia acabar o curso, sempre em

chinês naturalmente.

- Surpreendeu-o a pujança da China, que tornou

nesta potência económica? Ou nem por isso?

Page 16: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de São Tomé e Príncipe

ponto final • SEG. 13 JUL, 2015

vc

Ilhas de Fogode Alain Corbel, Pedro Rosa Mendes

A reportagem - escrita, ilustrada - tem também por função desocultar. É esse o objectivo deste livro: ajudar a revelar de África, dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, uma realidade escondida, uma África que se move, feita de pessoas corajosas, com iniciativa, inteligência e imaginação, que em cada dia animam e participam em processos de resistência e de mudança. Ao longo de cerca de ano e meio, Pedro Rosa Mendes e Alian Corbel percorreram um roteiro de sítios, iniciativas, pessoas que nos cinco PALOP têm iniciativa, coragem, imaginação e todos os dias fazem com que o dia seguinte seja diferente do anterior, em muitas comunidades isoladas e fora de vistas ou nas periferias marginalizadas de muitas cidades. O resultado é um conjunto de histórias de pessoas que nos ajuda a entender o essencial do nosso mundo, a relatividade do nosso olhar e do nosso lugar.

A Dolorosa Raiz do Micondó de Conceição Lima

Nesta coletânea de 27 poemas da poetisa são-tomense Conceição Lima, o micondó, árvore considerada sagrada em diversas regiões da África, simboliza origem, casa, morada ancestral. A evocação de tais raízes é dolorosa devido a acontecimentos históricos, como a escravidão e a colonização, que imprimiram profundas feridas e rupturas na identidade nacional, e na própria poetisa, cujos antepassados foram levados à força para o arquipélago africano e mais tarde enviados para outras terras como escravos. Íntima, pessoal e sofrida, a poesia de Conceição Lima é também dotada de um lirismo e esteticismo sublimes.Conceição Lima nasceu em Santana, na ilha de São Tomé, em 1961. Estudou jornalismo em Portugal. É licenciada em Estudos Afro-Portugueses e Brasileiros pelo King’s College de Londres e mestre em Estudos Africanos, com especialização em Governos e Políticas em África, pela School of Oriental and African Studies (SOAS), de Londres. Foi durante vários anos jornalista e produtora dos Serviços de Língua Portuguesa da BBC. Presentemente é jornalista da TVS, Televisão São-Tomense.

Excerto E no mar foi recluso, escoltado caminhante De todo o mar apenas foi onda silente De marfim os dentes, imperscrutáveis os deuses Nenhuma trombeta amparou a mudez de sua voz sem doutrina.Com seu nome e sua língua morreram colinas A Ocidente se abriu uma vanguarda de tumbas que expande do desterro a metamorfose em novos hinos, outros abismos chamados ilhas.E nem estrela nem astro, nenhuma chama Da própria sombra foi a sombra que o amou quando impassível marchou a infernal engrenagem e o mundo emergiu - seu destino e sua casa.

Cabo Verde40 Anos de Vida como Nação IndependenteALGUNS DOS TÍTULOS DISPONÍVEIS NA LIVRARIA PORTUGUESA

O Amor Proibidode Orlando Piedade

Amor Proibido retrata a chegada dos portugueses, o povoamento das ilhas através do tráfico de escravos e os degredados provenientes da metrópole, bem como, a fundação das cidades de São Tomé e de Santo António. Retrata ainda a evolução económica, a criação de uma sociedade crioula complexa, diversificada e especialmente propensa às conflitualidades. Os escravos, os angolares, a vida dos foragidos, a vida nas roças, o papel das mulheres naquela sociedade, as mulheres casadas, o casamento e as ligações económico-sociais são aspectos também focados.

Os Meninos Judeus DesterradosDe Portugal para S. Tomé e Príncipe por ordem d’El-Rei D. João II em 1493de Orlando Piedade

Depois de O Amor Proibido o escritor Orlando Piedade leva-nos, novamente, até São Tomé e Príncipe para um novo romance baseado em factos verídicos. Tendo como pano de fundo a história de duas mil crianças com idades compreendidas entre os seis e oito anos, na sua maioria filhos de judeus castelhanos que fugiram à inquisição no reino de Castela, durante o reinado dos reis católicos. Retiradas aos pais e enviadas por ordem d’El-Rei D. João II para povoar as ilhas de São Tomé e Príncipe, no ano de mil quatrocentos e noventa e três, logo fase inicial do povoamento destas ilhas. Baseado numa rigorosa investigação histórica, este romance narra o percurso de uma criança de seis anos que sobrevive e vence contra todas as probabilidades.

Quem chama pela Fada do Galo PretoAventuras de um galo com dentesde Helena Osório

A partir de uma breve introdução sobre a lenda algo fantasiada do galo de Barcelos, representativo de Portugal (e até da Galiza, pelo milagre de Santiago de Compostela que se descreve), Helena Osório parte para os contos da fada dos dentes que se preocupa com a higiene oral dos mais novos. O galo acompanha a fada em todas as aventuras e ganha mesmo dentes para sentir a importância de os bem tratar e para poder ensinar às crianças e jovens o que fazer para prevenir cáries e outros problemas. Entretanto, algures em África, uma menina perde dentes de leite e chama pela fada para os trocar por ouro. Os três viajam até à terra do galo onde a menina entra pela primeira vez no consultório de um estomatologista e fica fascinada com um menino que tem cócegas nos dentes e se ri muito enquanto está a ser tratado.

Equadorde Miguel Sousa Tavares

Quando, em Dezembro de 1905, Luís Bernardo é chamado por El-Rei D.Carlos a Vila Viçosa, não imaginava o que o futuro lhe reservava. Não sabia que teria de trocar a sua vida despreocupada na sociedade cosmopolita de Lisboa por uma missão tão patriótica quanto arriscada na distante ilha de S. Tomé. Não esperava que o cargo de governador e a defesa da dignidade dos trabalhadores das roças o lançassem numa rede de conflitos de interesses com a metrópole. E não contava que a descoberta do amor lhe viesse a mudar a vida.Equador, o primeiro romance de Miguel Sousa Tavares, foi inicialmente publicado em 2003 e rapidamente se transformou num dos maiores best-sellers da literatura portuguesa, com mais de 300.000 exemplares vendidos em Portugal. Este livro tem, actualmente, traduções em inglês, holandês, espanhol, catalão, francês, italiano, alemão, grego, checo, servo-croata e bósnio, estando presente em mais de vinte países. Atingiu os tops de vendas no Brasil e venceu a 25ª edição do Prémio Literário Grinzane Cavour para o melhor romance estrangeiro editado em Itália. «Equador é mais interessante do que as pessoas possam imaginar. É muito clássico, a muitos títulos. Queirosiano e aquiliniano. É talvez o último romance do Império. Do nosso Império em chamas.» Eduardo Lourenço

Economia de S. Tomé e Príncipeentre o regime do partido único e o multipartidarismode Armindo Ceita Espírito Santo

Este livro analisa as mudanças estruturais de ordem política e económica que ocorreram em S. Tomé e Príncipe no período pós-independência. E defende que as reformas económicas introduzidas tanto no regime do partido único como no do multipartidarismo não conduziram à melhoria da situação económica do país. O resultado foi uma progressiva degradação das condições de vida das populações com a pobreza a atingir uma maior base social nos períodos mais recentes. Este ensaio propõe uma alternativa de desenvolvimento alicerçada em actividades de invisíveis, instituições eficientes e um modelo de desenvolvimento do tipo “gradualista”, em oposição ao paradigma dominante.