suplemento do jornal ponto final (macau) sobre os 40 anos da independência de cabo verde
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ponto final • SEG. 6 JUL, 2015
CABO VERDE 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA
UM EXEMPLO DEMOCRÁTICO
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15
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015II | PAÍS
Uma nação com a democracia no sangue“O cabo-verdiano aprendeu a amar a sua terra”, diz o jornalista e historiador José Vicente Lopes para justificar o sucesso de Cabo Verde, uma das nações mais democratas do mundo e menos corruptas de África.TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA
No 40º aniversário da independência da República de Cabo Verde, que se celebra a 5
de Julho, os cerca de 500 mil habitantes deste país formado por 10 ilhas, das quais nove são habitadas, bem podem mostrar-se orgulhosos. Cabo Verde está mesmo muito bem classificado em quase todos os rankings mundiais, colocando-se entre as nações mais democráticas do mundo e entre as menos corruptas, sendo considerado um modelo de transparência e de boa governação em África (ver caixa). Para culminar a lista de realizações, e como resultado desse mesmo desempenho, Cabo Verde saiu da lista das Nações Unidas de Países Menos Desenvolvidos (em 2007) e alcançou o estatuto de País de Rendimento Médio, designação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional que caracteriza os países com base nos níveis do PIB (produto interno bruto), ou do PIB per capita. Para o historiador e jornalista cabo-verdiano José Vicente Lopes, estabelecido na cidade da Praia, capital de Cabo Verde, estes resultados advêm sobretudo de “um certo empenho da classe política em fazer de Cabo Verde um caso especial”. “Acho que independentemente de quem governa, da cor politica, o cabo-verdiano aprendeu a amar a sua terra”, acrescenta ao PONTO FINAL numa conversa por telefone o autor de obras como “Aristides Pereira – Minha Vida, Minha História” (2012), “Tarrafal — Chão Bom: Memórias e Verdades” (2010) e “Os Bastidores da Independência” (1996). Para que Cabo Verde surja no topo de todas as tabelas de desempenho contribuíram os progressos na educação, na saúde, na redução da pobreza. O relatório “Perspectivas Económicas em África – 2015” (African Eonomic Outlook 2015) produzido pelo Banco Africano do Desenvolvimento, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) realça os avanços na educação e na saúde ao longo de mais de duas décadas. Em 2012, as taxas de alfabetização para os jovens com 15 anos e acima situou-se em 85,3 por cento, enquanto a taxa de conclusão do ensino secundário foi de 90 por cento em 2012. No sector da saúde, Cabo Verde mais do que duplicou a despesa total em saúde per capita, de 70 dólares norte-americanos em 2001 para 144 dólares norte-americanos em 2012, um aumento de recursos que teve reflexos na melhoria dos indicadores básicos de saúde, como a redução da mortalidade
e o aumento de esperança de vida. Mais: entre 2002 e 2007 o nível de pobreza em áreas urbanas caiu para metade, de 25 por cento para 13,2 por cento. Durante o mesmo período, a pobreza nas áreas rurais caiu de 51,1 por cento para 44,3 por cento. Apesar destas melhorias, a pobreza rural continua a ser o principal desafio para o governo.
BOLSAS DE POBREZA E TURISMO
A pobreza de Cabo Verde é sobretudo localizada, com os pobres concentrados em áreas rurais, onde há pouco turismo, que é a principal fonte de receitas e o motor do crescimento económico do país, juntamente com o investimento directo estrangeiro e a construção de infra-estruturas destinadas a esta indústria de acolhimento. O turismo em 2014 atingiu um quarto do total do PIB do país, segundo dados citados pela Lusa. Em 2012, Cabo Verde ultrapassou, pela primeira vez, a barreira do meio milhão de turistas (número que superou o total de habitantes no país). O grande salto deu-se a partir de 2009, com a construção de inúmeros empreendimentos turísticos. Cabo Verde acabaria por beneficiar, também, da crise
e da insegurança que assola o mercado norte-africano, de onde os turistas estão a ser desviados para mercados insulares, como é o caso de Cabo Verde.Os analistas cabo-verdianos reconhecem os bons resultados, mas alertam: Cabo Verde ainda não é o paraíso, persistindo problemas graves por resolver. A começar pelo desemprego: 16,4 por cento dos cabo-verdianos não tinham trabalho em 2014.“Cabo Verde não é um país onde abundem os recursos. O país tem uma relação forte com a União Europeia, que está em crise, e parte desta crise também é transferida para Cabo Verde. Por mais que Cabo Verde se desenvolva – e neste momento os seus níveis de crescimento são muito baixos – não consegue satisfazer a demanda que a cada dia cresce no mercado de trabalho”, lamenta José Vicente Lopes. Por outro lado, a inexistência de emprego “empurra muita gente para situações difíceis, não só de sobrevivência, como também pode resvalar para uma certa criminalidade urbana, que é um fenómeno que surgiu nos últimos anos em Cabo Verde e que decorre grandemente de uma ausência de perspectivas para as novas gerações”, acrescenta.
O crescimento do PIB per capita foi em média de 7,1 por cento entre 2005 e 2008, valores acima da mediana da África Subsariana e dos pequenos estados insulares, segundo o Banco Mundial. Todavia, a crise financeira global não poupou a economia cabo-verdiana muito dependente da Zona Euro. O crescimento desacelerou de 4 por cento em 2011 para 1,2 por cento em 2012, continuou a decrescer para 0,7 por cento em 2013, tudo devido à desaceleração do crescimento das exportações, à queda do investimento directo estrangeiro, à redução da ajuda pública ao desenvolvimento e ao decréscimo das remessas dos emigrantes cabo-verdianos, concentrados sobretudo nos Estados Unidos da América e na Europa, em países como Portugal, França, Holanda, Luxemburgo e Itália. Em 2014, o crescimento voltou a subir para 2 por cento, liderado pelo sector de construção.
CABO VERDE E INSEGURANÇA NO MAGREBE
No entender de José Vicente Lopes, o maior desafio de Cabo Verde continua a passar por “garantir os meios de sobrevivência da população”. “A nossa
economia vive muito do turismo, haverá outros sectores a desenvolver. Mas as coisas levam tempo a desenvolver, daí que há momentos em que temos a sensação de que estamos a marcar passo. Já não temos os níveis de ajuda internacional que tivemos no passado. Com a graduação de Cabo Verde como País de Rendimento Médio, cada vez mais o país precisa de encontrar os seus próprios meios de financiamento, isto num altura em que a nossa dívida pública já vai em 114 por cento do PIB [107,3 por cento do PIB em 2014, segundo o relatório Perspectivas Económicas em África]. A nossa margem de endividamento está muito reduzida e um país com as características de Cabo Verde não consegue ir simplesmente ao mercado pedir financiamento. Esse vai ser um dos dramas que nos espera a breve ou a médio trecho”, alerta Vicente Lopes.Em declarações à Lusa, o presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, afirmou haver “muitos aspectos ainda a melhorar”. O ambiente de negócios, um sistema fiscal “mais estimulante” para o investimento externo e dos emigrantes, “menor” burocracia na administração, que terá de ser “mais ágil e menos politizada”. “Esse é o grande desafio.
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 III
Sermos desenvolvidos significa uma democracia e um Estado de Direito modernos, um Estado que funcione bem, com instituições credíveis, que dêem confiança e segurança jurídica ao investidor”, disse, salientando que tal pode ser conseguido através de, por exemplo, um bom funcionamento da justiça, de um código do trabalho acessível e melhor acesso ao crédito. Jorge Carlos Fonseca sublinhou também a importância da “segurança física”. “Agora fala-se da insegurança em países do Magrebe. Têm de se criar condições para que Cabo Verde possa ser um destino alternativo para segmentos turísticos e isso é importante para que se torne competitivo”, concluiu.
CAIXA DE PANDORA DE PROBLEMAS
O golpe de Estado na Guiné-Bissau, a 14 de Novembro de 1980, é um dos momentos considerados por José Vicente Lopes como “marcantes” na história recente do país, quando João Bernardo “Nino” Vieira depôs o regime de Luís Cabral e pôs fim à unidade entre os dois Estados. Os primeiros anos de independência, até 1991, foram vividos num regime de partido único, primeiro com o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), até 1980, e depois, até à abertura política, com o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), uma cisão do PAIGC.Para Vicente Lopes, caso o projecto
de unidade entre os dois territórios tivesse avançado, teria sido como abrir “uma caixa de pandora de problemas”. “A Guiné durante muito tempo foi administrada a partir de Cabo Verde, havia entre esses dois territórios muitos elementos em comum, o próprio Amílcar Cabral, o principal mentor desta ideia, nasceu na Guiné mas era filho de cabo-
verdianos. Amílcar Cabral tinha uma ideia pan-africanista que o acompanhou durante muito tempo e foi com base nessa ideia que ele almejou a unidade orgânica entre os dois povos. Só que isto suscitava inúmeros problemas, desde logo provocava ressentimentos históricos entre os dois povos, havia também tabus de um lado e de outro. Enquanto Cabo
Verde era uma realidade mais cristã e ao mesmo tempo era uma sociedade mestiça, a Guiné era uma sociedade tipicamente africana, islamizada e também animista, e portanto havia diferenças culturais entre os dois povos. Tudo isso, por si só, era como abrir uma caixa de pandora de onde os problemas não iriam parar de se soltar”, diz.Vicente Lopes destaca igualmente a importância do estabelecimento da democracia. “As primeiras eleições multipartidárias em 1991 vieram marcar um novo momento na história dos cabo-verdianos, instituindo em Cabo Verde um sistema democrático, que perdura até hoje e é tido como um dos mais exemplares de África”, realça. A paz e a estabilidade política que marcaram o percurso do país desde a independência a 5 de Julho de 1975 não foram perturbadas com a realização em 1991 das primeiras eleições multipartidárias, marcadas pela derrota do PAICV e a vitória da oposição, o Movimento para a Democracia (MPD), que elegeu Carlos Veiga e António Mascarenhas para primeiro ministro e presidente, respectivamente. O PAICV só voltaria ao poder em 2001. Desde então tem havido uma alternância regular e pacífica do poder entre os dois grandes partidos políticos.As eleições mais recentes foram realizadas em 2011. O PAICV renovou a maioria absoluta ao eleger 37 dos 72 deputados em jogo nas eleições parlamentares de 6 de Fevereiro de 2011, mantendo-se José Maria Neves como primeiro ministro
(no cargo desde 2001), enquanto o MPD ganhou a presidência em Agosto de 2011, com a vitória do independente Jorge Carlos Fonseca, candidato apoiado pelo MPD e que sucedeu a Pedro Pires. Introduziu-se então uma nova lógica em que governo, maioria parlamentar e presidência deixaram de estar nas mãos de um mesmo partido para passar a haver uma partilha. A democracia está hoje consolidada em Cabo Verde, é um dado adquirido, “já está no sangue” dos cabo-verdianos. “Não acredito que haja alguém em Cabo Verde que aceite viver num outro regime que não seja democrático, e viver num regime democrático passa também por viver com liberdade de expressão, de opinião, liberdades essas que fazem parte do nosso ADN e do nosso modo de vida”, defende José Vicente Lopes. O intelectual Manuel Brito-Semedo fala de “uma identidade individual e nacional” ou a “expressão de uma cultura singular que caracteriza o cabo-verdiano e o distingue enquanto povo”. Já o diplomata e académico André Corsino Tolentino realça neste percurso bem sucedido da nação “as políticas dos diferentes governos cabo-verdianos, que nunca deixaram de considerar a educação como a prioridade número um”. “Por maiores que sejam as dificuldades, essa atitude colectiva de considerar a educação como a via mais segura de ascensão social, de ascensão colectiva, isso reflecte uma visão estratégica e civilizacional muito avançada”, conclui o antigo ministro da Educação.
CABO VERDE NO TOPO DOS RANKINGS INTERNACIONAISO arquipélago na costa ocidental de África, que agora comemora 40 anos de independência, é o país africano de língua portuguesa que melhor se tem classificado nos rankings mundiais.
Em 2015 Cabo Verde foi o terceiro país africano mais bem classificado no índice da liberdade de imprensa (2015 World Press Freedom Index, da organização Reporters Without Borders), a seguir à Namíbia e ao Gana, colocando-se na 36ª posição num total de 180 países analisados a nível mundial. Cabo Verde é também o país africano de língua portuguesa melhor colocado no índice de percepção da corrupção divulgado em Junho pela organização internacional Transparency International. Em 2015, o arquipélago surge como o segundo menos corrupto em África, sendo ultrapassado apenas pelo Botswana, e o 42º menos corrupto no mundo. Angola e Guiné-Bissau ficaram em 161º, Timor-Leste em 133º, Moçambique em 119º e São Tomé e Príncipe em 76º no ranking mundial. No contexto africano, o país melhor colocado é o Botswana, na 31ª posição. Em 2014, Cabo Verde foi o segundo mais bem classificado entre os países africanos no Índice Ibrahim de Governação Africana, tendo sido apenas ultrapassado pelas Maurícias. Na avaliação feita a 52 países africanos, Cabo Verde continua a ser o melhor entre os países de língua portuguesa, à frente de São Tomé e Príncipe (12º),
Moçambique (22º), Angola (44º) e Guiné-Bissau (48º). A Fundação Mo Ibrahim, homónima do milionário sudanês que a criou em 2006, apoia a boa governação e a liderança em África,
e elabora o Índice Ibrahim anualmente desde 2007.Também em 2014 Cabo Verde foi a quarta nação africana mais democrática de África, depois das Maurícias,
Botswana e África do Sul, e o 31º país mais democrático do mundo, à frente de Portugal, na 33ª posição, num total de 167 analisados, de acordo com o Índice de Democracia publicado pelo
The Economist Intelligence Unit. No ranking internacional, Timor-Leste surge em 46º, Moçambique em 107º, Angola em 133º e Guiné-Bissau em 159º. C.A.
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015IV | OPINIÃO
Cabo Verde: 40 anos a construir uma “Embaixada” através da cultura
Quando os cabo-verdianos assumiram o comando do país em Julho de 1975 herdaram da “administração colonial” fragmentos de terras banhados por um oceano de dúvidas. As cíclicas fomes dos anos 40, os extensos períodos de seca prolongada, o agreste panorama visual da troposfera e as montanhas imponentes de certas ilhas, com picos dramaticamente fotogénicos, tornaram o país num espaço de rara sinestesia, que congregava tão-somente o mar, o céu, as montanhas, as dunas e a alma de um povo. No meio deste cenário, apenas o homem, o vulcão, as intempéries da natureza e a ingratidão de um clima herdeiro das “brumas secas do Sahel” se desafiam. Isso fez com que, em Cabo Verde: a) nos “flagelados do vento leste” o homem aprendesse, com as cabras, a “comer pedras” e com o vento a “bailar na desgraça”; b) na erupção vulcânica de 1951 a população da Ilha do Fogo recebesse Orlando Ribeiro como o homem que viria “tapar o vulcão”; c) na Claridade os inconformados “homens das letras” captassem a dança entre o destino de “ter que partir” e a vontade de “querer ficar”; d) e no regresso de Eugénio Tavares se lembrasse que “si ca badu ca ta birado” (é preciso ir-se para se poder regressar). Na verdade, quem nunca experimentou o desafio de ter que partir, carregando as saudades, as mágoas, as cisões, as fracturas, as dúvidas e o “devir”, dificilmente terá uma ideia aproximada das fortalezas que se poderá recolher na concretização de um desejado regresso. A cultura cabo-verdiana, da música à literatura, das artes plásticas ao artesanato, da dança às tradições populares, ao longo das suas várias fases incorporou, pelo caminho, essas consonâncias e dissonâncias que se fizeram sentir no seio da sociedade
cabo-verdiana. Outrossim, torna-se evidente que, ao longo dos tempos, o homem cabo-verdiano, na falta de jazigos de subsolo e outras riquezas, assumiu a dimensão imaterial como a esfera da sua afirmação. Para isso, a alma do povo teria que ser maior do que extensão do território; as vozes das ilhas teriam que ecoar no mar e fazer-se ouvir nos quatro cantos do mundo, até “silenciar os silêncios”, iluminar as sombras e desvelar a identidade de um povo-ilhéu, atirado quase desesperadamente para o destino de “homem do mar”.Em 2015, altura em que se comemora os 40 anos da independência do país, não se pode esquecer, nem do ponto de partida, nem das bases sobre as quais se plantou os alicerces desta sociedade. Da independência aos nossos dias, muito caminho se fez e Cabo Verde cresceu a um ritmo que orgulha aqueles que assumiram os desafios da autodeterminação e surpreende os que, no “momento zero da independência”, o consideraram um país inviável. Os índices de desenvolvimento apontam claramente para terrenos positivos. Houve áreas que precisaram de fortes investimentos do Estado para que pudessem conhecer avanços consideráveis; da mesma forma registam-se sectores da vida social que, como cogumelos em épocas de chuvas, brotaram deste chão de forma quase espontânea. Olhando para sectores como a Educação, a Saúde ou as Infraestruturas, nota-se-lhes um grande crescimento, que, de resto, procura acompanhar a injecção financeira que se fez a nível do poder público. O combate a determinados índices, como os da mortalidade infantil, o analfabetismo, entre outros, fez com que os sucessivos governos que ocuparam a arena da política do país assumissem certos
compromissos, produzindo medidas de políticas destinadas a combater essas maleitas. Porém, o sector cultural não mereceu a mesma atenção. Ao longo das legislaturas que se seguiram no Pós-independência registou-se um fraco investimento do sector público no domínio da cultura, sendo que esta área assumiu o seu próprio desenvolvimento. Em 2015, o número de livros que se coloca nas livrarias não se compara, nem de perto e nem de longe, com o que se registava há quarenta anos atrás. O mesmo se poderá dizer em relação à música, ao teatro ou mesmo à dança. Os passos foram grandes, mesmo sem fortes investimentos dos poderes públicos, como aconteceu com as outras áreas, anteriormente referidas. A verdade é que Deus quis, os homens da cultura sonharam e as obras foram nascendo. E quando assim é o próprio homem acaba por perceber que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena” (Fernando Pessoa).Nos últimos quarenta anos, Cabo Verde assistiu a um desfile de grandes vultos da cultura, sendo que, muitos daqueles que implantaram, no centro do mundo, uma “Embaixada da Cultura Crioula” entraram e saíram de cena. No domínio da música, entre os que entraram e permaneceram e aqueles que saíram e deixaram uma obra construída, destacam-se grandes nomes como Cesária Évora, que cantou Cabo Verde lá onde houvesse uma única sensibilidade para a universalidade cultural. Porém, muitos outros nomes contribuíram para a construção deste edifício da “diplomacia cultural” que permanece no tempo: Maria Alice, Celina Pereira, Orlando Pantera, Titina, Bibinha Cabral, Codé di Dona, Ntóni denti d’Óru, Anu Nóbu, Nacia Gomi, Celina Pereira, Catchás, Manuel d’Novas, René Cabral, Manu Lima,
SILVINO ÉVORAJornalista e professor auxiliar de jornalismo
na Universidade de Cabo Verde
Chico Serra, Luís Morais, Morgadinho, Nhô Balta, Tututa Évora, Voginha, José Luís, Manuel de Candinho, são apenas nomes próprios de figuras emblemáticas que ocuparam um espaço de relevo na construção da cultura cabo-verdiana. Lá onde faltou um sério investimento dos poderes públicos houve homens e mulheres, de grande talento e firme convicção, que assumiram os desafios de construir a nação global, fazendo com que o país fosse mais do que alguns pontinhos colocados no mapa do mundo. A música assumiu, irremediavelmente, esse papel de agente promotor do país “fora de portas”. Outras áreas também se destacaram, reconhecidamente com menos projecção no universo global. Nomes como Tchalé Figueira, Kiki Lima ou Domingos Luísa ajudaram a projectar outros segmentos da vida cultural do país, como a pintura e a escultura. Pelos vários cantos do país houve homens e mulheres que, em grupo ou isolados, contribuíram para que o país fosse este mosaico cultural. A Cultura, entidade que mais tem projectado o nome do país além-fronteiras, foi empurrada para uma dimensão residual das políticas de investimento público. De qualquer forma, ela continuou vigorosa,
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 V
Crónica sobre um dia maior e melhor
Faço-vos uma advertência sobre o que pretendo escrever. Das marcas impagáveis na minha lembrança e, via disso, da minha forma de ser e estar perante o País, do ato inaugural da Independência Nacional de Cabo Verde. Nem Freud explicará o meu apego às ilhas (aos seus mínimos poros, às suas minudencias de ínsula, aos seus detalhes que fogem por vezes aos reparos) pelo fato de haver assistido (em tenra adolescência), no Estádio da Várzea, ao Nascimento da Pátria Amada.Dir-me-ão que a Nação já estava viva, perspetiva que me encanta e que me interpela ao mergulho da Hora Inicial, de Jorge Barbosa, ou um pouco mais tardiamente, porfias à parte, no caldeirão antropológico da Ribeira Grande de Santiago e no germinar, fenómeno esquecido pela ignara elite, da língua caboverdiana. Seja, ó doutos da terra, meus sabidos do tempo (ou será templo?), mas a Independência Nacional aconteceu a 5 de Julho de 1975. Ainda hoje, a voz firme do saudoso Abílio Duarte a proclamar a República de Cabo Verde e o redemoinho repentino, atribuído pelos esotéricos, como espírito balsâmico de Amílcar Cabral, o Grande Arquiteto da Libertação.Entrementes, o meu enfoque, de emocionado, será outro. E por onde começo? Louvando, lógico, as mudanças (mais nítidas nalguns períodos que noutros, mas sempre em crescendo) e que levaram o País gradativamente, de acentuado subdesenvolvimento, ao patamar de rendimento médio. Louvando, sobretudo, o fato de tais mudanças terem sido surpreendentes (já que as ilhas, de então a estes dias, não contarem com as tradicionais matérias-primas), pois tudo indicava aventureirismo e insucesso,
aliás explicitados por prognósticos fundamentados. Louvando, porque, termos chegado a este patamar foi a remar contra o fado que nos impunha a viabilidade como senão e o sucesso como inatingível.Direi que fomos, para além do que nos permitia a lógica e, apesar dos trancos e barrancos, não era crível para as testemunhas do ato de “subir nos céus a bandeira da luta” que hoje pudéssemos almejar horizontes de desenvolvimento mais sustentáveis e mais qualificados. Pus entre vírgulas e sem aspas os trancos e barrancos, já que fazem parte do pacote e, de resto, qual outro país, em assaz ordem mundial e crise internacional, não caminha exatamente assim? Até pela forma como estão hoje integrados, os países, salvas as exceções, têm avanços e recuos sistémicos. E Cabo Verde, em tal linha de conta, não tem a taxa do crescimento, do emprego, da pobreza e da dívida desejáveis, significando que há muito trabalho pela frente. E n t r e t a n t o , e s t a m i n h a seara, exatamente por haver testemunhado o emproar da bandeira, refletirá sempre a emoção profunda e consciente do meu olhar sobre Cabo Verde e o destino coletivo que ficou selado a partir de 5 de Julho de 1975. Destino que mais tarde produziu a Reconstrução Nacional e, em boa hora, a Democracia, gestas filhas da Soberania, faltando à trilogia a Prosperidade.Não se pense, neste novo tempo, a minha postura como unicamente encantada, alienada à crítica das situações de contingência. Claro que, em todo o nosso percurso histórico de quarenta anos, são evidente certas incongruências. Pressinto, em todos nós, sinais de inquietações
e de interrogações, ansiedades e perplexidades.O quotidiano, com os seus flagrantes, às vezes me abate de uma forma muito especial, pois sendo raro a exasperação, é indiscutível haver dias melhores que outros. E 5 de Julho, não me sobram, nem me ensombram dúvidas, é dia especial, maior e melhor que qualquer outro.Se me perguntassem, agora, sobre o significado da Independência Nacional, responderia que num momento como este, em que se jogam todas as cartas rumo ao Desenvolvimento Sustentável, nada como esta data para compreendermos o alcance dos nossos desafios e das nossas r e s p o n s a b i l i d a d e s , m i s s ã o que amiúde nos impõe, acerto prospetivo e nunca saudosista, o paradigma da gesta da Independência Nacional.O adolescente, que às vezes me revisita e não se aparta das suas lembranças, tal como outrora, agora não se faria rogado, perante novo hino e outra bandeira, mas mesma Pátria, gritar: Vem, Irmão. Viva Cabo Verde!
FILINTO ELÍSIOEscritor
resistente e persistente porque é das poucas coisas que o povo assume com propriedade, não esperando que o Estado trace as suas directrizes. Certamente que nem tudo é luz neste universo da cabo-verdianidade. A política que visava oficializar a Língua Cabo-verdiana, dando-a uma dignidade constitucional equivalente à Língua Portuguesa, perdeu fôlego com a saída do então Ministro Manuel Veiga do arco da governação. A mudança de rostos no Ministério da Cultura de Manuel Veiga para Mário Lúcio Sousa coincidiu com um câmbio de paradigma nas prioridades do referido ministério, sendo que as áreas das Letras e das Ciências, antes contempladas com o Grande Prémio Cidade Velha, foram completamente jogadas para um plano menor. Paralelamente ao desaparecimento do maior prémio cultural do país caíram também quase todos os incentivos à publicação. Daí que, homens e mulheres, resistentes e persistentes é que continuaram a fazer a literatura alimentada com suor e sangue. O inverso aconteceu com a área da música, que conheceu uma projecção gigantesca. A AME – Atlantic Music Expo – tornou-se numa das maiores feiras musicais do corredor atlântico, possibilitando ao Ministro da área o Prémio Womex 2014. Outras áreas da cultura cabo-verdiana, quais sejam o artesanato, as festas de romarias, a equitação, o cultivo da gastronomia local, o cinema, o audiovisual, o teatro, entre outras, têm sido feitas no cruzamento de vontades de quem as sustenta. Felizmente, nestes ramos, as almas não têm sido pequenas e, porque se corre por gosto, os caminhos não têm tido fim e os pulmões têm aguentado este atletismo cultural, na modalidade de resistência. Os próximos quarenta anos, quem os viver, sobre eles escreverá.
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015
“Conseguimos a partir de zero construir um país decente”Para André Corsino Tolentino, embaixador e antigo Ministro da Educação cabo-verdiano, a maior conquista do seu país depois da independência foi “a auto-estima e a convicção de que os cabo-verdianos são capazes”. “É nisso que consiste a verdadeira libertação”, diz. TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA
Macau não é território desconhecido
para André Corsino Tolentino, que por
cá andou noutros tempos a negociar
um acordo para a formação de estudantes
cabo-verdianos, numa altura em que “não
havia universidade em Cabo Verde”, que só
foi estabelecida em 2006. Alguns formaram-
se e regressaram e até já foram membros do
Governo. Outros “gostaram tanto” que acabaram
por estabelecer-se e prosseguir as suas vidas
em Macau, facto que não constitui motivo
para ressentimentos. “O importante é os cabo-
verdianos estarem felizes”, diz o intelectual
nascido em 1946, na Ilha de Santo Antão, mas
a viver na cidade da Praia, capital de Cabo
Verde. Antigo militante do Partido Africano
para a Independência da Guiné e Cabo Verde
(PAIGC), Corsino Tolentino foi responsável
nos anos 1960 pela mobilização de cabo-
verdianos na Bélgica, Holanda e França. Depois
da independência, proclamada a 5 de Julho de
1975, e durante o primeiro governo de Cabo
Verde liderado por Pedro Pires, sendo presidente
Aristides Pereira (que exerceu o cargo entre
1975 e 1991), Corsino Tolentino desempenhou
funções de secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros, ministro da Educação e embaixador
de Cabo Verde. Foi consultor do Banco Mundial
e promotor da Associação das Universidades
de Língua Portuguesa (AULP) e do Instituto
da África Ocidental (IAO), com sede na cidade
da Praia. Entre 2000 e 2006 foi director da
Fundação Calouste Gulbenkian. Doutorou-se
pela Universidade de Lisboa e é actualmente
administrador não executivo da Fundação
Amílcar Cabral. Em Outubro receberá o Prémio
Liderança 2015, com o qual acaba de ser
distinguido pela Universidade de Minnesota,
nos Estados Unidos da América. Entretanto, é
um dos promotores da Academia das Ciências e
Humanidades de Cabo Verde, para fortalecer a
sociedade civil e a democracia.
– Era inevitável que houvesse uma ruptura do
projecto de unidade entre Cabo Verde e a Guiné-
Bissau, que era o plano de Amílcar Cabral, o
mentor das independências dos dois territórios?
André Corsino Tolentino – Houve o projecto de
unidade entre a Guiné e Cabo Verde, esse sonho
funcionou muitíssimo bem até à libertação dos
dois povos. Mais tarde, não pudemos enfrentar
ou resolver vários problemas. Houve um golpe
de Estado em 1980, na Guiné-Bissau e um golpe
de Estado para nós era incompatível, a violência
para resolver os problemas políticos é algo a
evitar, portanto não conseguimos chegar a um
acordo sobre esta matéria, sobre a continuação
do PAIGC, que tinha deixado de existir na medida
em que se introduziu o factor violência para
resolver problemas políticos e acabámos por
assumir a nova realidade que era de não nos
atravessarmos no caminho um do outro. Nessa
realização positiva do sonho creio que Cabo
Verde foi altamente beneficiado com essa luta.
A Guiné, infelizmente, não conseguiu enfrentar
eficazmente vários problemas que foram
surgindo, mas se nos ativermos aos anos de 1973
e 1975, anos das respectivas independências
(a Guiné declarou unilateralmente a sua
independência a 24 de Setembro de 1973,
reconhecida por Portugal um ano depois, em
1974) veremos, creio, que o projecto funcionou
muito bem e para Cabo Verde levou a que
tivéssemos conseguido a independência nacional
sem que nem um tiro tivesse sido necessário, e
isto tem implicações imensas no futuro do país.
- Que influência teve o facto de o território ter
sido poupado à guerra?
A.C.T. – Teve consequências imensas, positivas,
creio que é impossível imaginarmos os
ressentimentos, os conflitos, os sentimentos de
desforra que surgem entre povos que tentam
resolver problemas através da guerra. A guerra
significa a morte, a destruição, e essas coisas não
terminam com o fim da dita guerra, prolongam-
se através de várias gerações. A circunstância
de não termos tido guerra em Cabo Verde foi,
provavelmente, a melhor coisa que nos poderia
ter acontecido nesse período de luta pela
independência. Isto é, termos conseguido evitar
esses ressentimentos, que se perpetuam geração
após geração. Nós poupámo-nos a isso. Não sei
como determinar o quanto influenciou o destino
de Cabo Verde, mas nós passámos, neste período
de 40 anos, de território mais inviável do império
português – porque era pobre em riquezas
naturais – para o país com maior avanço, do
ponto de vista político, social, cultural e humano.
Conseguimos a partir de quase zero construir um
país decente. E isso, em grande parte, deveu-se
a essa estratégia de luta no contexto da unidade
africana, que nos permitiu lutar na Guiné e em
Cabo Verde eficazmente contra o sistema colonial
português, e o termos conseguido isso sem
guerra no território foi provavelmente a melhor
coisa que nos poderia ter acontecido.
- Como foram os primeiros anos de
VI | POLÍTICA
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015
independência?
A.C.T – Hoje em dia é muito difícil explicar às
novas gerações as condições em que recebemos
o país. Eu era um jovem secretário de Estado
dos Negócios Estrangeiros, nessa altura o que
compensava era a energia e uma grande vontade
de provocar até milagres. É evidente que não
conseguimos os milagres, mas nós pensávamos
que éramos capazes de fazer até os milagres que
fossem necessários. E essa vontade, o patriotismo
generoso, orientado para a salvação colectiva, era
a melhor força com que podíamos contar, porque
não tínhamos experiência nem conhecimentos
de gestão de um país. Fomos aprendendo
no dia-a-dia, enfrentando as dificuldades.
Tínhamos um país que era duplamente pobre,
no sentido em que era, materialmente, um país
de grande escassez de recursos, com chuvas
raras e incertas, industrialização quase zero, uma
economia extremamente frágil. Mas, para além
desta miséria, que se traduzia em grandes fomes
nos períodos de seca, tínhamos interiorizado
essa pobreza, isto é, acreditávamos que “somos
pobres, vamos continuar pobres”. Creio que
a melhor coisa que nos aconteceu, depois de
conquistada a independência, foi essa libertação
do espírito, conseguimos sacudir esse espectro,
esse peso da miséria que nos acompanhava há
muitas gerações. A partir dessa libertação, dessa
tomada em mãos do nosso próprio futuro, nós
ousámos construir pouco a pouco, com a ajuda
dos outros, sempre. Sempre existimos nos outros,
que começam por ser o emigrante de uma ilha
para a outra, o emigrante nos Estados Unidos da
América, Europa, África. A partir do momento em
que acreditámos que era possível, organizámo-
nos com muita disciplina, muita capacidade de
trabalho, e fomos criando as coisas que eram
impensáveis na altura. Nós temos uma coisa que
é a auto-estima, a alegria de viver, a convicção de
que somos tão capazes quanto os outros, penso
que é nisso que consiste a verdadeira libertação.
- Cabo Verde continua a ser um país exportador
de mão-de-obra?
A.C.T. - Desde a criação de Cabo Verde no século XV,
no auge da expansão europeia e no cruzamento do
tráfico negreiro para as Caraíbas, as Américas, este
povo foi-se forjando, foi desenvolvendo a cultura
crioula, através desse processo muito complexo,
muito duro, muito difícil, mas isto vem de longe.
Num contexto colonial, não havendo recurso
naturais, houve uma atribuição a Cabo Verde de
uma espécie de especialização, tanto é que vamos
encontrar uma boa parte de cabo-verdianos na
administração da Guiné-Bissau, em Moçambique,
Angola, Timor, São Tomé. Havia uma espécie de
divisão de trabalho no império colonial português
que atribuía funções às diferentes colónias –
umas eram fornecedoras de matérias-primas
e às outras, como Cabo-Verde e Goa, coube a
circulação pelo império de alguma competência
administrativa e de gestão. Nós enquanto geração
da independência, filhos de uma terra que se
afirmava, em 1975 abrimo-nos ao mundo e
reequacionamos os nossos recursos e as nossas
necessidades, e procurámos novos mundos para
nos ajudarem a resolver os nossos problemas,
é uma questão civilizacional, de identidade
hoje em dia. Mas direi que ainda temos grandes
dificuldades em conseguirmos uma economia
exportadora, que possa exportar bens, serviços e
pessoas bem preparadas, bem qualificadas, ainda
não chegámos lá, ainda não exportamos quanto
devíamos.
- Em 1991 houve eleições multipartidárias e dá-
se uma mudança de partido no poder. O então
recém-criado Movimento para a Democracia
(MpD) assumiu as chefias do Estado e do
governo durante 10 anos, até 2001.
A.C.T – Nós fizemos o que pudemos nos primeiros
15 anos de país independente. Os regimes
democráticos não nascem do zero. Foi-se fazendo,
gerámos através da educação, da informação, da
abertura do regime, mesmo que de partido único.
Geraram-se novas necessidades e a organização
correspondente. E, em 1991, houve eleições
multipartidárias. Na altura, não imaginei que
fosse possível, mas foi e aprendemos a gerir uma
sociedade com abertura de espírito. Creio que o
país deu o passo que tinha que dar. Primeiro a
independência nacional, depois a consolidação
da soberania nacional, a organização do Estado
independente, o funcionamento mais ou menos
aceitável de um Estado de Direito – e depois
veio 1991, como resultado de um processo
gerado internamente com alguns complementos
externos, nomeadamente a queda do muro de
Berlim e do sistema soviético e a reformulação
das relações internacionais.
- Cabo Verde está entre as nações mais
democráticas do mundo.
A.C.T.- Creio que em Cabo Verde todos os cidadãos
razoavelmente informados concordarão que nós
conseguimos estabelecer um regime político
democrático tendo como base um Estado de
Direito que funciona, com altos e baixos, mas que
funciona.
– Uma vez consolidada a democracia, quais
são os principais desafios em termos de
desenvolvimento?
A.C.T. – Conseguimos a graduação de País
de Rendimento Médio – de facto ainda não
somos um país de rendimento médio, ainda
somos menos avançados em muitos aspectos.
Continuamos com grandes vulnerabilidades
e uma economia a dar sinais de uma fraqueza
estrutural, com um endividamento público
que é uma preocupação acrescida. Mas vamos
conseguindo a paz e atrair turistas que nos
ajudam a equilibrar as contas. Do ponto de vista
social, está comprovado que temos avançado
em termos de capital humano, com sistemas de
educação e saúde razoáveis, há uma espécie de
igualdade de oportunidades, mas que por vezes
é posta em causa pelas desigualdades inter-
regionais, ou entre ilhas, ou dentro da própria
ilha, mas que são possíveis de gerir. Do ponto
de vista cultural tem havido uma emergência
de afirmação através da língua, da música, da
pintura, do artesanato. O que me impressiona
mais nesta terra é a capacidade quase herdada
de lutar e quem luta muitas vezes consegue.
Por mais que se diga que a justiça é lenta, que
a polícia é ineficaz, que a ameaça dos tráficos
ilícitos é muito grande, a verdade é que, até
hoje, temos conseguido manter um clima de
paz. A paz é fundamental, porque permite a
utilização dos recursos de forma programada. Se
me pergunta o que é que funciona mal, estamos
num contexto de ameaças sérias, por causa do
terrorismo internacional, dos tráficos ilegais,
das desigualdades económicas.
– Qual o papel de Macau nas relações da China
com Cabo Verde?
A.C.T. – Ainda há bocadinho o antigo reitor da
Universidade de Cabo Verde, Paulino Fortes, disse-
me que vai estar seis meses em Macau a desenvolver
um projecto de investigação e de ensino. Macau
tem um papel muito importante como interface
na relação dos países da comunidade de língua
portuguesa e a China. Além disso, temos desde
os anos 1990 um acordo de formação de quadros
em Macau. Há uma tentativa de coordenação das
acções de cooperação da China com os países de
língua portuguesa e por outro lado há as relações
bilaterais, que dentro dos condicionalismos de
Macau – que não é uma região soberana, tem
especificidades e margens de manobra variáveis
– temos procurado desenvolver a melhor relação
possível. Aliás, o próprio presidente da República
de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, foi professor
na Universidade de Macau [antiga Universidade
da Ásia Oriental, entre 1989 e 1990]. Há já uma
certa tradição.
VII
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015VIII | ECONOMIA
Uns gabam-lhe a localização
estratégica entre África, a
Europa e as Américas. Outros
a robustez democrática e a solidez do
sistema político. Cabo Verde festejou
ontem 40 anos de independência com
motivos de sobra para sentir orgulho:
estudos e relatórios internacionais
apontam a pequena república insular
com um exemplo de estabilidade no
contexto africano. Fragmentado por
dez ilhas, com uma população de pouco
mais de meio milhão de habitantes, é
um país onde a democracia funciona,
onde a alternância política se tornou
uma realidade e onde o investimento
estrangeiro começa a frutificar, ainda
que a um ritmo bem mais lento do que
o desejado e com uma expressão bem
menos significativa do que a que as
China – Cabo Verde: uma relação à espera de acontecerA República Popular da China foi responsável por algumas das empreitadas mais significativas que viram a luz do dia em Cabo Verde ao longo das últimas décadas. Pequim foi responsável pela construção do novo Palácio do Governo, pelo edifício da Assembleia Nacional e até pela primeira barragem do arquipélago, mas o investimento privado tarda a materializar-se. O projecto do empresário David Chow para o ilhéu de Santa Maria é paradigmático, mas não é caso único.
TEXTO DE MARCO CARVALHO
autoridades da Praia idealizaram em
termos de desenvolvimento a curto e
médio prazo.
Mergulhado numa crise económica
de contornos indizíveis, Portugal
continua, ainda assim, a ser o maior
parceiro económico de Cabo Verde.
O país tem procurado abrir novos
mercados de importação e novos
parceiros de negócios – os milhões da
China são os mais apetecidos – mas
o reforço das ligações com Pequim,
com Brasília e, mais recentemente,
com Madrid não beliscaram a
primazia de Lisboa. Portugal foi em
2014 responsável por 43,8 por cento
das importações de Cabo Verde e por
14,7 por cento das exportações cabo-
verdianas.
De acordo com os dados oficiais
divulgados no início do ano pelas
autoridades da Praia, Cabo Verde foi
no ano passado o mais importante
mercado português per capita. O
arquipélago da “morabeza” foi em
2014 o 31º mercado externo português
na importação de bens, o 29º na
importação de serviços e o terceiro
principal mercado de Portugal entre
os países africanos de língua oficial
portuguesa, com um volume de
negócios superior ao que Lisboa
mantém com muitos países da própria
União Europeia.
Por ser tão significativo, o volume de
trocas comerciais entre Cabo Verde
e a antiga potência colonizadora
ajuda a estruturar a economia
cabo-verdiana, mas a Praia não faz
segredo sobre o investimento que lhe
interessa atrair: no início de Junho a
Ministra do Turismo, Investimentos
e Desenvolvimento Empresarial de
Cabo Verde, Leonesa Fortes, liderou
uma delegação que se reuniu em
Pequim com membros do Governo
Central e com empresários chineses
com o propósito de convencer
investidores do Continente a olhar
com outros olhos para o arquipélago.
PROJECTOS TARDAM A SAIR DO PAPEL
Cabo Verde não tem poupado
esforços, mas os resultados tardam
a aparecer, como explica Mário
Vicente. O delegado cabo-verdiano
no Fórum de Cooperação Económica
e Comercial entre a China e os Países
de Língua Portuguesa reconhece
que as perspectivas de investimento
envolvendo capitais chineses ainda
não passam disso mesmo: “Tanto
o Governo de Cabo Verde como
algumas organizações internacionais
ligadas ao comércio e ao investimento
consideram o sector do turismo como
um dos que maiores potencialidades
de crescimento apresenta e tem-nos
aconselhado o turismo como um
dos caminhos de desenvolvimento”,
explica o diplomata. “Ora este
investimento ainda não existe, de
facto. Existem alguns contactos, cujo
desenvolvimento está ainda numa fase
inicial de prospecção de mercado, de
troca de informações, de localização,
de dimensão, num processo que levará
o seu tempo. Quero acreditar que no
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 IX
futuro, não sei se a tão curto prazo
quanto isso, algo venha a acontecer”,
assume Mário Vicente.
O projecto de David Chow para
o ilhéu de Santa Maria, na orla
costeira da capital cabo-verdiana é
paradigmático, mas não é caso único.
O empresário reafirmou há um ano a
intenção do grupo Macau Legend de
investir mais de dois mil milhões de
patacas na construção de um resort
integrado na zona da Gâmboa. O
projecto – que prevê a edificação de
um complexo com casino, hotel, uma
marina e espaços de comércio, lazer
e recreação – envolve o investimento
de um montante equiparado a 15 por
cento do Produto Interno Bruto de
Cabo Verde, mas o arranque das obras,
previsto para o final do ano passado,
tarda a materializar-se. Apesar do
atraso, as autoridades da Praia contam
com o investimento do empresário
de Macau para alavancar a indústria
do turismo na zona da capital cabo-
verdiana: “As negociações têm
continuado e estão agora numa fase
muito mais interessante agora”, adianta
Mário Vicente. “Caso o projecto venha
a avançar, e continuamos a acreditar
que vai avançar, será definitivamente
um dos maiores projectos turísticos na
capital, com um impacto enormíssimo.
Impulsionará a criação de emprego,
a geração de receitas, a mudança
inclusive de todo o rosto da capital.
Seria um projecto, não diria vital, mas
de enorme importância para o país e
para o desenvolvimento económico
do país”, admite o representante de
Cabo Verde no Fórum Macau.
Na ilha da Boa Vista o cenário é
o mesmo, ainda que com outros
protagonistas. Há um ano, em
Junho de 2014, a empresa Qingdao
Jinyitong anunciou que tencionava
construir um oceanário, um hotel e
zonas residenciais na ilha, de forma a
atrair turistas europeus a Cabo Verde.
O interesse terá sido manifestado
no âmbito de uma visita que uma
delegação chinesa prestou à mais
turística das ilhas do arquipélago da
morabeza. Chefiada pelo próprio
presidente do grupo, Yang Jun, a
comitiva apresentou em detalhe
os projectos de investimento que
tenciona conduzir na orla marítima
da Boa Vista, prometeu mundos e
fundos, mas até ao momento o plano
ainda não saiu do papel: “Posso dizer-
lhe que os investimentos externos,
principalmente na área do turismo,
requerem muitas trocas de informação,
muitos estudos, em particular para os
primeiros investimentos chineses na
região. Os empresários chineses não
são dos maiores investidores neste
sector, em particular. As negociações,
as conversações e a troca de
informações continuam e quero crer
que vão continuar a avançar, mesmo
que não se possa adiantar um período
ou uma data para a sua concretização”,
reconhece Mário Vicente.
ENERGIAS RENOVÁVEIS: UMA APOSTA COM FUTURO
No início de Junho, aquando da visita
que efectuou a Pequim, Leonesa Fortes
esteve reunida com dirigentes do
Banco de Desenvolvimento da China
e com o Exibank, dois dos organismos
que lideram a lista dos maiores
financiadores dos investimentos
chineses feitos em África. A titular da
pasta do Turismo e do Investimento
apresentou às autoridades e entidades
chinesas com quem contactou as
potencialidades de Cabo Verde
em domínios como a economia
do mar, a aviação civil e o turismo,
discutindo ainda a possibilidade de
acções de cooperação numa área a
que o Governo da Praia dá crescente
importância, as energias renováveis.
Pobre em recursos naturais, Cabo
Verde olha com grande ambição para a
gestação de energias limpas. Até 2020,
as autoridades cabo-verdianas querem
garantir que 50 por cento da energia
consumida no país tenha por origem
a aposta em preceitos como a energia
solar ou a anergia eólica. O objectivo
de Cabo Verde é o de aumentar uma tal
proporção até aos 100 por cento num
período de 35 anos: “Este projecto
avança a bom ritmo. Neste momento
já estamos a vinte e tal, 30 por cento
e nos próximos quatro anos deverá
ser possível chegar aos tais cinquenta
por cento sem problemas de maior”,
garante, com orgulho, Mário Vicente.
Para alcançar os desígnios a que se
propõe, a Praia conta, no entanto,
com Pequim. O investimento feito
pela República Popular da China ao
longo da última década nas energias
renováveis ajudou a democratizar o
acesso às tecnologias de geração de
energia. Para um país com a dimensão
e as características de Cabo Verde, o
“know how” chinês pode fazer toda
a diferença, admite o delegado cabo-
verdiano no Fórum de Cooperação
Económica e Comercial entre a China
e os Países de Língua Portuguesa:
“Neste momento posso adiantar-lhe
que existem já algumas empresas
chinesas a posicionarem-se no
mercado e em Cabo Verde, em duas ou
três áreas das energias renováveis que
num futuro muito próximo podem
vir a ter frutos muito concretos no
processo de desenvolvimento deste
tipo de energia não só no arquipélago,
mas também na região”, sublinha
Mário Vicente. “Estamos a tentar atrair
interessados e o posicionamento
tem sido feito no sentido de atrair
investimentos para transformação
e reexportação de materiais em
domínios como a energia eólica ou
a energia solar, nomeadamente, que
regra geral têm maior potencial de
crescimento no mercado da sub-
região da costa ocidental africana”,
explica o diplomata.
A China foi, de resto, responsável
pela construção da primeira
barragem do arquipélago, ainda
que o empreendimento do Poilão,
no concelho de Santa Cruz, ilha
de Santiago, não tenha como
finalidade a geração de energia. O
empreendimento, construído pelo
consórcio Yun Da com dinheiros
estatais chineses, é a peça central de
um sistema de regadio que beneficiou
mais de uma centena e meia de
famílias do interior de Santiago.
Apesar do investimento privado
chinês tardar a consubstanciar-se,
Pequim tem sido ao longo das últimas
décadas um parceiro privilegiado
das autoridades cabo-verdianas na
modernização das infra-estruturas
públicas do arquipélago. Para além da
albufeira do Poilão, a China financiou
e construiu várias obras significativas:
a Assembleia Nacional, o Palácio
do Governo, a Biblioteca Nacional
de Cabo Verde e o novo Estádio
Nacional são alguns exemplos das
infra-estruturas que o Governo chinês
ajudou a erguer e a requalificar ao
longo dos últimos trinta anos.
O investimento, garante Mário
Vicente, é bem-vindo, ainda que os
desígnios do desenvolvimento passem
por projectos mais substanciais:
“São investimentos na estruturação
e desenvolvimento do país, com
um impacto económico numa
perspectiva mais de longo prazo. São
projectos públicos no âmbito da nossa
cooperação com a China. Existem
alguns exemplos nessa perspectiva,
mas como disse, não são projectos de
impacto imediato no desenvolvimento
económico, embora tenham a médio e
longo prazo os seus efeitos positivos”,
sustenta o diplomata.
Para a ilha de São Vicente chegou a estar
programado o tipo de investimento
que as autoridades da Praia identificam
como ideal: um projecto capaz de
gerar emprego, de criar riqueza e
de alavancar a competitividade
regional de Cabo Verde. Em 2013, a
“China Road & Bridge Corporation”
anunciou a intenção de construir
um porto de águas profundas e um
terminal de cruzeiros e de reabilitar os
estaleiros da Cabnave no Mindelo, no
âmbito de um projecto mais vasto de
reestruturação do sector naval cabo-
verdiano. O objectivo é construir em
São Vicente uma base complementar
de apoio às instalações logísticas que a
frota chinesa do Atlântico já possui nas
Canárias: “Las Palmas tem sido uma
base forte deles e nós continuamos
ainda, digamos, na perspectiva de ter
esse parceiro chinês, que é o mesmo
que está em Las Palmas. Contamos
com esse investimento no âmbito
do processo de desenvolvimento do
que chamamos o “Cluster do Mar”,
que passa essencialmente por essa
questão: pela reparação, construção
naval, processamento de peixe e
outros negócios afins”, admite Mário
Vicente, ainda que o projecto – à
imagem do que sucede com todos os
outros – ainda não se tenha erguido do
papel.
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015X | PESSOAS
Um país de futuroDão cartas em domínios como a ciência, o desporto, a política, a música, a literatura ou o mundo da moda. Tratam a bola por tu, rasgam as ondas sem medo, trilham com a mesma confiança as passerelles e os corredores de acesso ao poder. São cabo-verdianos e têm nas mãos as chaves do futuro. Dez casos de sucesso, num país com muito para oferecer.
Walter Tavares, BASQUETEBOLISTA
É uma história de sucesso com contornos incríveis. Walter Tavares vai tornar-se, numa questão de semanas, o primeiro atleta cabo-verdiano a jogar na maior liga mundial de basquetebol. O atleta, de 23 anos, assinou na semana passada um contrato com os Atlanta Hawks e deve estrear-se na próxima época na NBA.Com 2 metros e 20 centímetros de altura, Walter Tavares já tinha chamada a atenção dos Atlanta Hawks no “draft” realizado em 2014: na altura, o prodígio cabo-verdiano foi selecionado como 43ª escolha entre 77 candidatos. Walter Tavares foi descoberto há seis anos na ilha do Maio por um turista alemão, que o recomendou a uma espanhol residente nas Canárias. Até então – aos 17 anos – a mais nova coqueluche do desporto cabo-verdiano nunca tinha pegado numa bola de basquetebol.
Alírio Boaventura, CIENTISTA
Aluno da Universidade de Aveiro, Alírio Boaventura é um bom exemplo do empenho e da perseverança que os estudantes cabo-verdianos espalhados pelo mundo depositam na prossecução de uma carreira académica de excelência. Formado em engenharia electrotécnica, o jovem investigador cabo-verdiano, de 30 anos, foi distinguido pelo Institute of Electrical e Electronics Engineers com um “Graduate Fellowship” pelo trabalho desenvolvido no campo das micro-ondas. Natural de Santo Antão, Boaventura já tinha sido nomeado em 2011 para o “best student paper” no International Microwave Symposium e considerado, num outro certame internacional como “jovem investigador com grande potencial de investigação em identificação por radiofrequência”. Alírio Boaventura ingressou na Universidade de Aveiro com uma média de 19 valores, encontrando-se actualmente a concluir a tese de doutoramento.
Kevin Oliveira, FUTEBOLISTA
Diz quem sabe que é uma das maiores referências das equipas jovens do Sport Lisboa e Benfica. O talento e o espírito de entrega de Kevin Oliveira não deixaram os dirigentes encarnados indiferentes. O atleta, de 19 anos, foi um dos seis juniores com os quais o clube da Luz assinou no início do ano um contrato profissional. Nascido na ilha de São Vicente, o médio cabo-verdiano integrou a equipa do Sport Lisboa e Benfica que chegou, há um ano, ao encontro decisivo da UEFA Youth League na categoria de Sub-19. A formação encarnada, recorde-se, foi derrotada na final pelo Barcelona. As boas indicações dadas ao serviço das águias no Campeonato Nacional de Juniores valeram-lhe o prolongamento do vínculo com o clube da Luz até 2021 e a chamada à selecção nacional cabo-verdiana.
Nelson Freitas, MÚSICO
A nova música popular cabo-verdiana libertou-se dos grilhões da tradição musical das ilhas – da morna, das coladeras e do funaná – e reinventou-se ao abrigo da fusão de estilos como o R&B, o hip-hop e o zouk. Nascido na Holanda, mas com as raízes bem firmadas em Cabo Verde, Nelson Freitas é um dos mais conhecidos intérpretes da nova música cabo-verdiana. Com um estilo característico, o cantor, compositor e produtor canta em inglês e em crioulo. Com uma carreira que leva já mais de duas décadas e um grande base de fãs dentro e fora das fronteiras de Cabo Verde, Nelson Freitas integrou até 2005 o grupo Quatro Plus. Em 2006, lançou-se a solo, apresentando em Outubro do mesmo ano o seu primeiro álbum – “Magic” – em nome individual. “Elevate”, o seu mais recente trabalho discográfico, foi lançado em 2003. O disco contou com a colaboração de artistas e de produtores de países como Angola, a Holanda, a República Popular do Congo e Marrocos.
Janine Lélis, DEPUTADA
Janine Lélis é um caso sério na política cabo-verdiana. Jurista de formação, a deputada é vice-presidente do Movimento para a Democracia e ganhou grande projecção no âmbito da vida política de Cabo Verde depois de em 2011 ter sido escolhida pessoalmente pelo então líder do MpD, Carlos Veiga, para encabeçar a lista do partido no Círculo Eleitoral do Sal, um feudo tradicional do PAICV. Com um grande poder de oratória, Lélis não só derrotou Basílio Mosso Ramos – um peso pesado da política do arquipélago – como também conseguiu eleger Daniel Évora, o número dois da lista. Em Setembro do ano passado, a deputada – com ligações políticas à ilha de São Nicolau – foi eleita em Marrocos para o cargo de vice-presidente do Secretariado Executivo da União dos Jovens Parlamentares Africanos.
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 XI
Alécia Morais, MODELO
Em Fevereiro, Alécia Morais abriu o desfile da marca Tome na New York Fashion Week. Em Janeiro, a modelo cabo-verdiana já se tinha destacado nas passerelles de Paris, ao desfilar com lingerie da colecção “La Perla Atelier Haute Couture” ao lado de nomes sonantes como Naomi Campbell e Isabeli Fontana. Com apenas 17 anos e a vastidão das ilhas no olhar, Alécia Morais é uma das mais badaladas modelos africanas da actualidade. Nascida na pequena localidade de Ribeira das Patas, na ilha de Santo Antão, venceu em 2012 a primeira e única edição do Elite Model Look organizada até ao momento em Cabo Verde. A iniciativa catapultou a modelo, de 1,78 m, para o estrelato a nível internacional. Alécia Morais estreou-se em 2013 na semana da moda em Paris, tendo participado em vários desfiles e desfilado para a conceituada marca Louis Vuitton. No ano passado, antes de percorrer as passerelles de Nova Iorque, a jovem cabo-verdiana marcou presença, entre outros, nos desfiles de Londres e Milão.
Mitu Monteiro, KITESURFER
É dos mais conhecidos atletas de Cabo Verde além-fronteiras. Aos 32 anos, Mitu Monteiro é um condestável do mar: surfista, bodyboarder e kitesurfer, o atleta completou recentemente a primeira volta a Cabo Verde em kitesurf, mas não foi a façanha que o tornou um ídolo nas ilhas da morabeza. Oteniel Jorge Monteiro começou com o bodyboard, passou pelo surf e experimentou o windsurf, mas foi no kitesurf que se notabilizou. Mitu, que conhece como ninguém as ondas e os grãos de areia da ilha do Sal, compete a nível internacional desde os 17 anos e desde 2008 domina, quase sem rival, as lides mundiais do kitesurf. O kitefurfista cabo-verdiano ganhou o Campeonato do Mundo de Ondas e foi vice-campeão mundial por três ocasiões, mantendo-se desde há sete anos nos lugares cimeiros do ranking mundial da modalidade. Em 2012 abriu uma academia na costa leste da ilha do Sal, um dos melhores locais do mundo para a prática de kitesurf.
Janir Nuno da Cruz, ENGENHEIRO
Em 2013, acabado de se licenciar pela Universidade de Macau, Janir Nuno da Cruz foi notícia, ao vencer um concurso no campo da engenharia electrotécnica entre universidades das Regiões Administrativas Especiais de Macau e de Hong Kong. Sancionado pelo Instituto dos Engenheiros Electrotécnicos e Electrónicos – a mais cotada associação mundial do sector – o concurso regional foi ganho por Janir Cruz com um projecto de controlo de computadores através da mente. Natural de São Vicente, o jovem engenheiro, agora com 25 anos, apresentou depois o seu projecto num simpósio internacional na cidade chinesa de Dalian. Pensado para pessoas com dificuldades motoras, o sistema idealizado por Janir Cruz acabou por ser alvo de uma extensa apresentação na revista científica “Neurocomputing”. O jovem engenheiro encontra-se actualmente a concluir os estudos de doutoramento na Suiça.
José Luiz Tavares, POETA
Não é necessariamente jovem, nem desconhecido, mas a sua poesia continua a reverberar com a amplitude de uma promessa. Formado em Literatura e Filosofia, José Luiz Tavares fez-se conhecido dentro e fora das esparsas fronteiras de Cabo Verde através de uma obra poética erguida tendo por base poemas longos, com uma linguagem cuidada, onde se combinam o classicismo com imagens sentidas e inovadoras, cheias de riscos eficazmente resolvidos. Nascido em 1967 na ilha de Santiago, José Luiz Tavares venceu o Prémio Mário António de Poesia em 2004, com o seu primeiro livro “Paraíso Apagado por um trovão”. O poeta foi somando distinções desde então: a sua segunda obra, “Agreste Matéria Mundo”, foi contemplado com o Prémio Jorge Barbosa e em 2010 conquistou o Prémio de Lírica Cidade de Ourense com “As irrevogáveis trevas de Baldrick Lizandro”.
Elida Almeida, CANTORA
Cantora, guitarrista e autora, Elida Almeida é a voz que está a entusiasmar os amantes da música de Cabo Verde. Apesar de jovem, a artista canta com sentimento e a sua música reflecte já uma enorme experiência de vida. Entre Santa Cruz, na ilha de Santiago, onde nasceu em 1993, e a ilha do Maio, onde viveu depois da morte do pai, teve de lutar contra a pobreza, enfrentar uma gravidez precoce e garantir que levava os preceitos de uma boa educação a bom porto para poder apoiar a família. Descobriu o canto no grupo coral da igreja que frequentava e a música desde cedo se prefigurou como um refúgio. Descoberta por Djô da Silva, um dos maiores produtores cabo-verdianos da actualidade, Elida Almeida lançou no ano passado o seu primeiro trabalho discográfico “Ora doci ora margos” e, este ano, venceu o prémio Revelação nos Cabo Verde Music Awards.
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015
Se tivesse que traçar um retrato
da comunidade cabo-verdiana
em Macau, o que diria? Quantos
são e quem são os cabo-verdianos
radicados no território?
Daniel Pinto - Nós devemos ser cerca
de 40, 50. Falo dos que são mesmo
cabo-verdianos, dos que nasceram
em Cabo Verde. Se agregarmos os
descendentes o número, obviamente,
torna-se muito maior. Mas somos
mais ou menos uns cinquenta.
- É uma comunidade com um
vasto passado em Macau. É uma
comunidade enraizada e, de certa
forma, bem vista pelas autoridades
locais …
D.P. - Penso que sim. De há muitos
anos a esta parte, Cabo Verde e a
comunidade cabo-verdiana têm sido
sinónimos de competência e de saber-
estar e estas são duas facetas muito
importantes. É uma comunidade que
soube ganhar espaço na sociedade,
não só em termos sociais, mas também
em termos profissionais e culturais.
Estas características são mais-valias
dos cabo-verdianos onde quer que
eles estejam. Estamos a falar de
Macau, mas isto acontece um pouco
por todo o mundo. Nós somos um
povo de vazão, de sair. Esta é uma das
prorrogativas do povo cabo-verdiano.
- Os cabo-verdianos em Macau estão
bem integrados e não faltam exemplos
de cabo-verdianos na administração,
por exemplo …
D.P. - Temos cabo-verdianos na
educação, temos cabo-verdianos
nos serviços de saúde, temos cabo-
verdianos na advocacia, temos cabo-
verdianos no ensino superior, temos
cabo-verdianos a trabalhar para o
sector privado e temos uma excelente
leva de estudantes que estão a dar
cartas, seguindo o exemplo dos cabo-
verdianos que vieram para aqui
estudar e que acabaram por aqui
se radicar e casar. O cabo-verdiano
tem, digamos, a tendência para dar
continuidade aquilo que já foi feito ao
longo destes anos todos…
- Falava da vinda dos estudantes. Há
sempre uma parte que vem e que
acaba por ficar em Macau. Esta opção
“O cabo-verdiano nunca deixa de estar ligado à terra”São médicos, advogados, professores e estudantes de mérito reconhecido. Os cabo-verdianos de Macau são pouco mais de meia centena, mas estão entre as comunidades de expressão portuguesa mais antigas e mais visíveis do território. Respeitados pelo contributo dado em prol do desenvolvimento de Macau, não esquecem ainda assim o rincão de mundo que os viu nascer. A música e a gastronomia são expedientes que ajudam a manter a caboverdianidade viva à distância, mas “o apego à terra” manifesta-se quotidianamente de forma bem mais natural, pelo milagre da língua. Daniel Pinto, presidente da Associação de Amizade Macau-Cabo Verde, em entrevista.
TEXTO E FOTOS DE MARCO CARVALHO
permita uma renovação progressiva
da comunidade?
D.P. - Logicamente. Se reparar,
quando começaram a vir os primeiros
estudantes, praticamente todos
alcançaram grande sucesso. Alguns
voltaram para Cabo Verde: aliás, saiu
daqui um ministro, como saíram
elementos importantes para a
governação cabo-verdiana, que apesar
de não serem ministros, ocupam
cargos elevados. Aqueles que ficaram
cá conseguiram catapultar a carreira,
conseguiram chamar a si um lugar de
destaque na sociedade e acabaram
por se casar e por ficar aqui radicados.
Mas há uma sucessão de estudantes:
de quantos em quantos anos vem
uma leva de estudantes com grande
proveito em termos académicos,
sempre com grandes notas. Lembro-
me, por exemplo, de um estudante que
veio há cinco ou seis anos, o Janir Cruz
que se distinguiu como sendo um dos
melhores alunos de todos os tempos
na Universidade de Macau. O Janir já
fez um mestrado, ganhou um concurso
internacional no estrangeiro e está a
fazer o doutoramento na Suiça. É um
exemplo vivo de que a comunidade
está viva e há como que uma linha de
continuidade neste aspecto.
- Macau tem contribuído nesse
sentido, sobretudo na formação
de quadros. Cabo Verde é desde a
primeira hora membro do Fórum
Macau e as relações com o território e
com a República Popular da China são
cordiais, mas o investimento chinês
no arquipélago está longe de ser
significativo. Como é que se explica
esta questão? Pela insularidade?
D.P. - Sim, mas não só. Não é só a
questão da insularidade. Repare que
a distância que separa Macau de Cabo
Verde é uma distância incomensurável
e os chineses têm como ponto assente
conhecer bem, estudar, tomar o
pulso às condições. Só depois deste
processo é que investem timidamente:
vão apalpando terreno e só quando
tiverem a certeza absoluta de que
o investimento tem futuro é que
investem. Mas o grande problema de
Cabo Verde, ainda assim, é o facto de
ter um território divido por dez ilhas.
O facto de estar muito longe também
não ajuda. Eu não diria que seja má
vontade. O Fórum trabalha bem nesse
sentido, o Governo também trabalha
bem nesse sentido, mas nem sempre
é possível ter tudo sob controlo. Penso
que Cabo Verde faz o máximo para que
as estratégias sejam bem-sucedidas,
mas esta distância incomensurável
que lhe referia é um obstáculo
significativo às negociações e à forma
de se fazer negócio entre Cabo Verde
e Macau e Macau e Cabo Verde. Esse,
para mim, é o grande obstáculo.
- Um dos reparos que habitualmente
são feitos pelos países do Fórum
é a falta de divulgação, a falta de
conhecimento factual dos países
membros junto de potenciais
investidores chineses. Este
desconhecimento existe? Ou é um
mito diplomático? Macau conhece
XII | MACAU
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015
Cabo Verde?
D.P. - Já começa a conhecer melhor. Se
disseres Cabo Verde, assim mesmo, em
português as pessoas ficam confusas
e não sabem: levam para a África do
Sul, fazem perguntas sobre a África
do Sul e não sabem bem. Mas se se
referir ao país em cantonense, se
disser “Fat Dak Gok”, compreenderá
que há muitas pessoas que já têm
noção do que é Cabo Verde, onde
Cabo Verde fica. No entanto, a maior
parte dos residentes de Macau têm
ainda uma ideia muito pálida de onde
é Cabo Verde. Cabo Verde é um país
insular, é um país muito pequeno e é
preciso que aconteça algo de muito
extraordinário para que o mundo
olhe para o arquipélago. As coisas têm
mudado paulatinamente. O trabalho
do Fórum, da própria Associação, do
trabalho que tem sido feito em prol da
divulgação da cultura cabo-verdiana,
com o impulso dado pela própria ideia
de Lusofonia, as perspectivas têm
vindo a mudar e há muita gente que
sabe onde se situa Cabo Verde e aquilo
de que Cabo Verde é sinónimo. Este é
um processo que leva algum tempo.
- Como é que se vive a
caboverdianidade à distância? Como
é que se mantém o apego à terra?
D.P. - Vive-se como se vive nos outros
locais onde a saudade é permanente.
Apesar das distâncias serem enormes,
o cabo-verdiano nunca deixa de estar
ligado à terra. Periodicamente reúne-
se em eventos culturais, em eventos
gastronómicos e mata saudades
da terra, mas mesmo não havendo
a possibilidade das pessoas se
juntarem, o espírito da comunidade
está sempre aceso no cabo-verdiano,
independentemente de tudo o resto.
- Falava da gastronomia, mas
há também a música. Mesmo à
distância, a música ajuda a construir
a identidade de quem se afirma como
cabo-verdiano?
D.P. - Temos uma expressão em Cabo
Verde que é “ninar”. É como que um
acariciar. A música é como se fosse
um carinho para nós e apesar de nos
deixar com uma certa nostalgia, é uma
forma eficaz de matarmos saudades
da terra. Acontece com a música,
com a nossa gastronomia, mas são
coisas pontuais. Como lhe estava a
dizer, o espírito que temos em nós
de cabo-verdianidade, o espírito
pátrio nunca sai de nós, mesmo que
tenhamos outra nacionalidade ou
estejamos em outras latitudes. É um
sentimento que está enraizado em
nós e que mantemos: nós, cabo-
verdianos, quando nos encontramos,
falamos sempre em crioulo. Apesar do
português ser a língua oficial e ser algo
que respeitamos muito – já o Amílcar
Cabral dizia que foi a melhor herança
que o colonialismo nos deixou, foi
a língua portuguesa – nós fazemos
questão de, quase naturalmente,
falar crioulo. Não há outra forma de
matar saudades. Muitas vezes até
trocamos mensagens entre amigos
em crioulo. É uma forma também de
manifestarmos a nossa presença, de
reabilitarmos Cabo Verde em nós e
país extremamente novo, é um país
jovem. Não obstante essa juventude,
Cabo Verde já deu mostras de valor
e uma grande capacidade para a
reinvenção. Depois da independência,
e peço imensa desculpa, mas Portugal
e o colonialismo não nos deixaram
absolutamente nada: deixou-nos a
língua, muito orgulhosamente, mas nós
praticamente refizemos tudo. O que
nos valeu foi termos os nossos quadros:
se reparar o único país onde não houve
uma grande invasão de cubanos e de
soviéticos foi Cabo Verde. Obviamente
que o arquipélago ainda recebeu
alguns e ainda há uns poucos que por
lá continuam ou que por lá morreram,
mas depois notou-se que muitas
pessoas que estavam fora de Cabo
Verde, muitos cabo-verdianos tiveram
a preocupação de voltar para a terra e
no pós-independência ajudaram o país
a crescer. Nós tínhamos quadros na
engenharia e na medicina e em vários,
o que nos ajudou a erguer pela nossa
própria mão o país. Os cabo-verdianos
têm a fama de ser inteligentes,
mas eu creio que são antes de mais
perseverantes. Eu tinha um primo que
dizia: “Se calhar Deus deu-nos estas
ilhas áridas e estas paisagens lunares
para que tivéssemos força e ânimo para
as vencer”. Há lugares em Cabo Verde
onde não se vê uma erva, embora o solo
seja de uma riqueza extraordinária. Se
chove durante um dia inteiro, daí a uns
dias as montanhas estão todas verdes.
O problema é que a chuva nem sempre
vem. São estas vivências que ajudaram
a moldar o carácter do povo cabo-
verdiano.
- É um país com alguns desafios
de futuro. Há mais cabo-verdianos
espalhados pelo mundo do que em
Cabo Verde. A diáspora será sempre
uma questão para Cabo Verde?
D.P. - Cabo Verde vive muito do
rendimento dos cabo-verdianos na
diáspora. Para onde quer que vá, o
cabo-verdiano leva sempre consigo
um grande apego pela terra. Ele vai
trabalhar para Itália, mas o grande
objectivo dele é ganhar algum
dinheiro, investir em Cabo Verde, fazer
uma casinha em Cabo Verde e depois,
mais tarde, voltar a viver em Cabo
Verde. Quem diz Itália, diz França,
diz os Estados Unidos da América,
diz o Brasil ou diz Portugal. Qualquer
que seja o país para onde vá, o cabo-
verdiano tem sempre o objectivo de
ganhar alguma condição financeira e
depois voltar à terra. Eu não diria ficar
rico, mas criar alguma capacidade
para depois investir o dinheiro na
terra. Normalmente nunca investimos
dinheiro no estrangeiro. Ganhamos,
suámos muito, sempre com o intuito
de voltar à terra ou de, pelo menos,
investir lá, mesmo não voltando.
- Quais são os grandes trunfos de Cabo
Verde para os próximos quarenta
anos?
D.P. - Um dos trunfos é a educação.
Sendo um país pobre, sem grandes
recursos naturais, Cabo Verde sempre
esteve vocacionado para a educação.
Primeiro de tudo, importa erradicar o
analfabetismo em Cabo Verde. Este é
um ponto importante. Neste momento
temos várias universidades e há uma
preocupação premente com as novas
gerações, com a ideia de dotar os
cabo-verdianos com educação e com
uma cultura mais abrangente, para
que eles possam progredir. Há um
efeito de retorno: alguém que estuda,
que progride, que completa os estudos
superiores sente o dever de ajudar a
terra. O nosso principal objectivo diz
respeito a esta aposta na educação
e ao combate ao analfabetismo. No
contexto africano, Cabo Verde já dá
cartas a este nível: é o país com menos
analfabetos.
- Ao fim de quarenta anos, há
problemas que Cabo Verde tem
necessariamente de resolver para que
se possa afirmar cada vez mais como
um país de futuro?
D.P. - Cabo Verde tem uma história
curiosa. Nós vivemos muitos anos
sob a égide de um poder colonial e
no pós-independência tivemos uma
democracia que não era a melhor. Era
um regime extremamente musculado,
com alguma violência e tudo. Houve
um movimento um pouco repressivo,
mas que não deu origem a represálias
Era um regime de partido único, que
deu lugar ao multipartidarismo e
Cabo Verde, depois da democracia
musculado, conseguiu conduzir
uma espécie de lavar dos cestos:
tornou-se num país extremamente
inteligente, capaz e agora Cabo Verde
tem uma liberdade de expressão e de
movimentos extraordinárias. Podes
dizer o que quiseres, como quiseres,
que não és contestado, não és levado
à barra dos tribunais. Dizes aquilo
que quiseres. Há muita liberdade
de expressão e de pensamento. Isso,
digamos, é ilustrativo da inteligência
do povo cabo-verdiano. É disso que
precisamos no futuro: é consolidar
ainda mais a nossa democracia,
acabar com as bolsas de pobreza e de
analfabetismo que ainda persistem
e tentar criar condições para que
os nossos quadros se tornem cada
vez maiores e mais fortes. É por isso
que temos muitas pessoas a estudar
na diáspora, mas com o intuito de
voltarem para Cabo Verde.
- Os 40 anos são uma data festiva
também para quem está fora. Como é
que se vai assinalar esta efeméride em
Macau?
D.P. - Organizamos um jantar mas,
que por questões que nos ultrapassam
um pouco, foi quase como que uma
celebração íntima, entre amigos.
Fizemos um jantar para assinalar a
data, mas só com a comunidade cabo-
verdiana. Posteriormente teremos uma
exposição de fotografias e teremos o
lado gastronómico também, mas isto
ocorrerá mais lá para a frente. É uma
data especial, mas não vamos centrar
o programa de comemorações no 5
de Julho. Queremos celebrar esta data
ao longo do ano inteiro e promover
uma série de actividades. Uma delas,
de certeza, é um torneio de futebol, a
que já pusemos o nome de morabeza,
que acho que é um nome pomposo e
bonito, que diz tudo do nosso povo.
de mantermos vivo o apelo da pátria.
- Apesar do trabalho de uniformização
do crioulo estar ainda em progressão
e de existir uma grande discussão em
torno da norma que poderá vir a ser
adoptada, o crioulo é, por si só, um
estandarte de identidade?
D.P. - Logicamente que sim. O crioulo
é um estandarte de identidade. Não
há margem nenhuma para dúvidas.
O crioulo faz parte de nós. É a forma
como, muitas vezes, nos identificamos
e é a forma mais rápida e natural
de nos expressarmos. Vês um cabo-
verdiano e saúda-lo logicamente
com uma expressão crioula. É algo
automático. Mas levanta uma questão
curiosa quando fala da questão da
uniformização do crioulo. É uma
questão muito complicada, a meu
ver. Apesar de nós termos pessoas
com muita capacidade em Cabo Verde
e de os linguistas terem estudado
esta questão por muitos anos e de
a continuarem a estudar, no meu
entender esta tarefa é uma tarefa
hercúlea. Falamos de dez ilhas e
apesar do crioulo ter semelhanças,
falamos de dez crioulos diferentes.
Uniformizar o crioulo é uma coisa
extremamente complicada e mesmo
que se venha a uniformizar o crioulo,
eu penso que o nosso crioulo jamais
servirá como uma língua franca, que
é aquilo de que Cabo Verde precisa.
Para isso usa o português. No meu
entender, está fora de questão utilizar
o crioulo como língua de negócios: por
um lado é uma língua desconhecida,
é uma língua que mais ninguém fala
e que nos poderá interessar sobretudo
como instrumento de cultura. Como
língua de afirmação internacional está
condenada a não ser bem-sucedida. O
crioulo interessa a Cabo Verde como
padrão cultural, mas pouco mais.
Nesse sentido, merece a cem por cento
a minha reverência.
- A questão linguística é um dos
poucos focos de tensão que existem
em Cabo Verde. É um país pacificado,
com uma democracia robusta, com
boas perspectivas de futuro e que é
elogiado quase de forma unânime
pela comunidade internacional …
D.P. - Cabo Verde é muitas vezes
apontado como um bom exemplo,
não só no campo da educação, mas
também no aspecto da democracia,
que é uma das democracias mais
progressivas do mundo. Gozamos
desse privilégio e dessa fama. Há
pequenas quezílias, como dizia, entre
os linguistas porque quase nunca
chegam a acordo. Cada um puxa a
brasa para a sua sardinha porque
Cabo Verde é dividido em duas partes:
temos as ilhas do Barlavento e as ilhas
do Sotavento. Em termo linguísticos,
as ilhas estão na génese de crioulos
que, por um lado, se assemelham
um bocado, mas por outro lado dão
azo a alguma dispersão, embora nós
nos entendamos uns aos outros. Esta
é a grande discórdia. Padronizar,
uniformizar este crioulo tem sido
um desafio. Posso defender que uma
determinada expressão está correcta
se for pronunciada de determinada
forma, mas um linguista pode cuidar
que não. Ele vai beber das raízes da
norma da ilha que estudou e esta
dimensão está na origem de um
conflito que sempre se gerou e que
se vai continuar a gerar, parece-me.
Mesmo que se consiga uniformizar a
língua, não sei se alguma vez haverá
consenso ao redor desta matéria.
Acho que as pessoas, por razões
sentimentais, vão sempre puxar a
brasa à ilha a que pertencem.
- Para quem, como é o seu caso,
viveu mais de metade destes 40
anos de independência fora de Cabo
Verde, que significado tem esta data
redonda?
D.P. - Os quarenta anos de
independência são um marco
importantíssimo para qualquer
cabo-verdiano. Quarenta anos é uma
data histórica. É uma data redonda
que importa celebrar, mas gostava
ainda assim de sublinhar que com
quarenta anos, Cabo Verde está
ainda numa fase embrionária. É um
XIII
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015XIV | CULTURA
“Existe uma cultura fortíssima nas comunidades emigradas”
Celina Pereira, cantora, investigadora e divulgadora da tradição cultural cabo-verdiana, vive há 44 anos em Portugal mas, na verdade, nunca saiu de Cabo Verde.TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 XV
Oponto final
FELICITA A REPÚBLICA
DE CABO VERDE PELO SEU
40º ANIVERSÁRIO
Pela porta entreaberta no rés-do-chão de
um edifício histórico situado num dos mais
antigos e tradicionais bairros lisboetas,
Alfama, não longe da Rua dos Remédios, da Tasca
do Chico de Alfama e da Mesa de Frades – onde
cantam fadistas famosos – não é fado que se
ouve, mas sim uma morna cabo-verdiana.
Estamos no Tejo Bar e dentro da pequena sala de
paredes cobertas de fotos e desenhos rabiscados
há seis músicos, brancos, negros e mestiços
– entre eles alguns dos mais conceituados
intérpretes cabo-verdianos estabelecidos em
Portugal – que afinam notas nas suas violas e
cavaquinhos antes de avançarem para o ensaio
do concerto de domingo, que assinala os 40 anos
da independência de Cabo Verde.
O músico e compositor Jon Lus dá o tom com a sua
voz e cavaquinho e avança em crioulo, soltando
as primeiras notas de ‘Força di Cretcheu’ (‘Força
do meu amor’), com letra do poeta e compositor
cabo-verdiano Eugénio Tavares (1867 – 1930).
No pequeno bar, agora fechado para a clientela,
os músicos acertam ritmos, entre um gole de
cerveja, duas palavras em crioulo e uma dentada
em pedaços de queijo e enchidos, que lá foram
postos para afagar os estômagos.
Tal como estes músicos que há muito deixaram
as ilhas onde nasceram, seja Santo Antão, Boa
Vista ou São Vicente, há outros cabo-verdianos
que continuam a sair e a emigrar. Mas não é a
distância que os torna menos cabo-verdianos,
pelo contrário. Na diáspora, a comunidade
afirma-se culturalmente, através da música, da
dança, da culinária.
“Existe uma cultura fortíssima nas comunidades
emigradas, penso que a nossa grande mais-valia
é o enorme enraizamento que temos na nossa
cultura intrínseca”, explica Celina Pereira, diva
da morna que se dedica a pesquisar, recuperar
e divulgar a tradição musical cabo-verdiana e
da ilha da Boa Vista, sua terra natal e origem da
morna.
PENSAMENTO EM CABO VERDE
Celina Pereira foi também uma das estrelas
da serenata-concerto agendada para ontem,
esse mesmo espectáculo para o qual Jon Lus e
companheiros ensaiam no Tejo Bar, em Alfama.
O evento promovido pela organização Largo
Residências prometia juntar, pelo menos, 100
músicos e amantes de mornas numa “serenata
itinerante”, no bairro do Intendente, em Lisboa,
no dia em que se assinalavam os 40 anos da
independência de Cabo Verde.
“A aproximação do 5 de Julho significa sempre
momentos de grande ebulição”, comenta a
artista, que destaca a “evolução enorme” de Cabo
Verde nestes 40 anos. “Passámos da situação de
país colonizado para uma pátria independente
com grandes responsabilidades sociais, tem
havido um esforço enorme na luta contra o
analfabetismo, contra as secas e a pequenez do
país, que não tem recursos materiais”. A artista
prossegue enaltecendo as suas gentes. Afirma
que “a maior riqueza de Cabo Verde é o seu povo.
É um povo batalhador, feito de guerreiros e de
guerreiras”.
A viver em Portugal há 44 anos e com um percurso
musical que a tem levado a diversos pontos do
mundo (ainda falta dar um salto à China), Celina
sentiu que tinha de pesquisar mais sobre Cabo
Verde para descobrir a sua “essência”. “Aquilo que
eu tenho estado a fazer é investigar-me, procurar-
me como ser humano, onde estão as parcelas da
minha identidade? Elas não são só portuguesas,
não são só lusas, são de várias outras origens.”
Por isso, Celina nunca deixou de se relacionar
com o seu país. “Em termos íntimos nunca saí de
Cabo Verde, costumo dizer que fisicamente estou
fora do país, mas o meu espírito e pensamento
estão sempre em Cabo Verde.”
CABO-VERDIANOS REALIZAM-SE EMIGRANDO
Celina Pereira tem desenvolvido um trabalho
educativo com cabo-verdianos em Portugal que,
tal como ela, mantêm uma a ligação forte com
Cabo Verde. “O batuque está vivo, a tabanka
[procissão dançada] está viva, as pessoas dançam
funanás e mazurcas e fazem ‘kola son jon’ [festa
no dia de São João] todos os anos”, prossegue.
“Sou madrinha de um grupo de batuque, ‘Voz
d’África’, há mais de 20 anos, e essas mulheres
já passaram o testemunho às filhas e às netas,
já há segundas e terceiras gerações que recebem
a cultura das mães e das avós. É por ali que os
cabo-verdianos vão sobrevivendo como povo
com uma identidade, da qual fazem parte várias
coisas”, explica a artista. Por outro lado, é uma
comunidade que, em termos culturais, se afirma,
também, “comendo a sua cachupa, fazendo
o seu cuscuz, o seu peixe seco – há muitas
manifestações culturais na comunidade que para
mim são um espelho da resistência cultural cabo-
verdiana em termos de comunidade”, prossegue
Celina.
Na opinião da cantora, a passagem do testemunho
cultural não vai parar nunca, até porque a saída
de cabo-verdianos para a diáspora vai continuar.
“Cabo Verde é um país de emigração”, diz.
Não sendo emigrante, o jornalista e historiador
José Vicente Lopes acredita que “a emigração faz
parte do ADN do cabo-verdiano”. “Fomos sempre
uma nação que se lançou ao mundo. Cabo Verde é
o primeiro espaço africano a procurar o território
americano de forma livre. A emigração para os
Estados Unidos começou no século XVIII no
tempo da pesca da baleia. Raramente se encontra
um cabo-verdiano que não tenha um parente
emigrado. São poucas as pessoas, hoje, mesmo
com uma vida arrumada, que não admitem a
hipótese de emigrar. Pode ser que essa vontade de
emigrar seja menor do que no passado, mas ela
ainda existe, porque faz parte do nosso ADN”, diz
Vicente Lopes. E acrescenta: “Mais cedo ou mais
tarde Cabo Verde acaba por ser pequeno para
nós que aqui estamos. Por outro lado, na busca
da realização pessoal e até mesmo colectiva, há
pessoas que só se conseguem realizar emigrando”.
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015XVI | CULTURA
A independência das palavrasO artista cabo-verdiano Mito Elias recorda o nascimento de uma nação que comemora 40 anos de independência. As palavras, antes como agora, continuam a ser expressão de liberdade. Um projecto que busque o “paralelismo entre o patuá e o crioulo” de Cabo Verde continua nos planos do autor.TEXTO DE HÉLDER BEJA
Foram os Ornatos Violeta e a voz cavernosa de Vítor
Espadinha que nos cravaram na memória aqueles versos
que falam de palavras repetidas ao expoente máximo da
loucura, ora amargas, ora doces, a lembrarem-nos que o amor é
uma doença, sim, mas também que as palavras são esse revólver
sempre apontado à realidade, prontas a decidirem-lhe o destino.
Foi assim com Mito Elias e a independência de Cabo Verde.
Elias, que já passou duas vezes pelo território – última delas em
2012, para participar na primeira edição do Festival Literário
de Macau – tinha pouco mais de 10 anos quando Cabo Verde se
tornou independente. Recorda o “muito frenesim” daqueles dias
em que “havia sempre muitos comícios, saraus e manifestações”.
E as palavras. “De repente apareceram palavras que a gente
desconhecia: beaurau, ad-hoc, comité, proletário, imperialismo,
etc. Foi uma fase de muitas descobertas: Tabanka, Zeca Afonso,
Picasso, Chaplin...”
Natural da Praia, capital de Cabo Verde onde nasceu em 1965, Mito
Elias guarda imagens de um lugar que nos anos 1970 “não passava
de uma pequena aldeia”. Mas como o melhor dos viajantes à volta
do seu quarto, o menino cabo-verdiano encontrava ali todos os
caminhos. “Obviamente que a ideia que fazíamos de tudo era uma
imensidão, por ser o nosso centro do mundo”, conta.
IDEAL IMAGINÁRIO
Quando tinha oitos anos, Elias assistiu a uma episódio que o
marcou “para sempre”: “Eram mais ou menos seis da tarde, à
hora em que findava o expediente da função pública tocava o
hino português nos altifalantes da Rádio Clube e toda a gente
(o trânsito inclusive) teve de parar e ficar em sentido até o
hino acabar de tocar. Parecia uma parada militar destinada à
população civil.”
Mito Elias rememora episódios da vida em Cabo Verde
nesta entrevista por email dada ao PONTO FINAL. O ano de
1975 trouxe consigo “algum entusiasmo e muita apreensão
também”. Uma “grande euforia” atravessava o país em “todos
os domínios” e não faltaram “muitos exageros causados
pela cauda lamacenta da revolução, como diria Jaime de
Figueiredo”.
Elias e os irmãos eram os putos que viam a história acontecer.
“Tudo o que queríamos na vida era ser como os soldados das
FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo), ter aquelas
tatuagens de unidade e luta ou da estrela negra, ter um
colar com uma bala pendurada, uma t-shirt estampada com
Amílcar Cabral, a boina do Che Guevara e emblemas do PAIGC
(Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde).
Morávamos perto do quartel da cidade da Praia e a excitação
era militante.”
Quatro décadas volvidas, a excitação não será a mesma mas
Mito Elias orgulha-se de pertencer a um país “que, apesar da
sua pequenez e ausência de recursos materiais, conseguiu
granjear algum respeito junto ao continente Africano e junto
da comunidade internacional”. Os desafios continuam lá,
com o clima seco a ser um dos maiores, por ser “um problema
crónico”. Depois, há o narcotráfico, questão mais recente que
tem perturbado o país nos últimos 20 anos, e a desigualdade
entre classes, que aos olhos de Elias “está cada vez mais
agudizada”. Para o autor, “urge encontrar formas de colmatar
esse fosso” em Cabo Verde.
PATUÁ NÃO ESTÁ ESQUECIDO
Artista multifacetado, Mito Elias estudou no Ar.Co, em Lisboa,
entre 1989 e 1991, e é também desde essa altura que faz parte
da diáspora cabo-verdiana, agora em Melbourne, Austrália.
Ontem, mesmo muito longe de casa, não deixou passar em
claro o dia da independência do seu país. “A comunidade
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 XVII
TODOS OS NOMES DA CULTURA CABO-VERDIANA, SEGUNDO MITO ELIASArménio Vieira, Orlando Pantera, Mário Lúcio & Simentera, Princezito, Mayra Andrade, Ildo Lobo & Os Tubarões, Magra, Duka, Bulimundo, Ferro Gaita, Vasco Martins, Tchalê Figueira, José Luís Hopffer, Filinto Elísio, Totinho, Vera Duarte, Manuel di Candinho, Lura, João Branco, Dina Salústio, José Luiz Tavares, Bau, Ângelo Andrade, Finason, Sana Pepper’s, Abrãao Vicente, Celina Pereira, Luís Morais, Codé di Dona, Alex, Djim Djob & Kalú, Toy Vieira, Nancy Vieira, João Vário, Paul Pena, Dany Mariano, Alexandre Cunha, Alberto Catchaz, Xan, Boy Gè Mendes, Tey, Paulino Vieira, Albertino, Eurico Barros, Ney di Belinha, Vadú, Zezé & Zéca di Nha Reinalda, Kings, Voginha, Cesária Èvora, Binga de Castro, Remna, Mano Preto & Raiz di Polon, Leão Lopes, Titina, Paula Vasconcelos, Nha Nácia Gomi, Ricardo de Deus, Hernâni, Bento Oliveira, Antero Simas, Kassanaya, Djinho Barbosa, José Vicente Lopes, Misá, Horace Silver, Chico Serra, César Scofield, Corsino Fortes, Isa Pereira, Tazinho, Kaká Barbosa, Kim Alves, Ras JahKnow, Oswaldo Osório, Djunga di Biluka, Vadinho, Djinho Barbosa, Humbertona, Waldemar, Betú, Heavy H, Baltasar Lopes, Luísa Figueira, Nhô Roque, Travadinha, Manuel Clarinete, Manuel Figueira, Bela Duarte, KikiLima.
cabo-verdiana em Melbourne não passa de uma dezena de criaturas.
Apesar da fraca parcela, vamos ter uma pequena celebração, da qual
sou um dos organizadores. O certame já vai na sua 2ª edição, chama-se
‘Liberdadi’. Este encontro terá música ao vivo, Poesia, DJ Set, dança e
cachupa. Este encontro pretende também ser uma forma de congregação
lusófona em Melbourne”, explicava antecipadamente o artista.
No Festival Literário de Macau, em 2012, Elias apresentou-se como
performer e como artista visual, trazendo ao território ecos da poesia
e da vida de Arménio Vieira, vulto maior da literatura cabo-verdiana.
Por cá, fez também vários amigos e germinou ideias para futuros
projectos. “Sempre estive em contacto com os cabo-verdianos de
Macau, onde tenho muitos amigos. Gostaria de poder desenvolver no
futuro, conjuntamente com os cabo-verdianos de Macau, ou não, algum
trabalho que buscasse um paralelismo entre o patuá e o crioulo. As
sementes já estão lançadas, o poeta Adé já faz parte do lote de escritores
com o qual tenho trabalhado ultimamente. Só falta encontrar parcerias
para levar avante esta forma de Criolantus.”
O crioulo cabo-verdiano é uma das paixões assumidas de Mito Elias, que
o vê como um tesouro nacional. A sua preservação “está sobejamente
garantida”, visto que toda a população fala fluentemente o crioulo. Mais:
quase toda a produção musical é feita em crioulo. “A coisa só entra em
estado catatónico quando galga os patamares da literatura, por causa do
sentido ortográfico”, explica Elias.
Para o artista, “contrariamente àquilo que um renomado escritor cabo-
verdiano disse recentemente numa entrevista, Cabo Verde tem sido
conhecido no mundo é pelo seu crioulo”. “As pessoas sabem que fomos
colonizados pelos portugueses, mas têm uma certa noção de que a
música da Cize [Cesária Évora] que tanto gostam não é o português da
Amália ou do [António Carlos] Jobim. Há muita gente cantando os refrões
das músicas que a Cesária itinerou pelo mundo fora, eu já testemunhei
isso em diferentes esquinas do mundo”, refere com orgulho.
Mesmo com “alguns lobbies estrangeiros que tentam travar o consenso
ortográfico do cabo-verdiano, a língua vai granjeando a sua dinâmica
todos os dias”, garante Elias. Isso é visível nas redes sociais, no hip-
hop ou num simples SMS – e é também uma lufada de ar que agrada
ao artista, para quem “não há estado de alma mais redutor do que
sentirmo-nos reféns da nossa própria língua”.
Dentro de poucos dias Mito Elias ruma a Díli, em Timor-Leste, para
mais uma itinerância da “[RE]alphabetika”, um espectáculo de poesia
performática e vídeo instalação que surgiu como forma de assinalar
o 25º aniversário do lançamento da Sopinha de Alfabeto, revista que
fundou em Cabo Verde em 1985. Em “[RE]alphabetika”, Elias passeia
pela obra de vultos como Luís Morais, Ruy Belo, Amílcar Cabral, Boris
Vian, Corsino Fortes, Horace Silver, Jorge Barbosa, Alberto Pimenta,
Miles Davis, Cesária, Beatles e Bulimundo, entre outros.
O artista tem ainda dado alguma ênfase à pintura, estando agora
representado pela conceituada David Bromley Gallery. O grande foco de
trabalho, no entanto, tem sido o projecto de ‘street art’ que fará parte
do Big West Festival, em Melbourne. “SCRIPTA – Writings of the World”
consiste na recolha das várias formas caligráficas que são usadas em
West Melbourne, para a construção de um grande mapa-mundi. “Este
trabalho já está na fase de fermentação desde Setembro do ano passado
e será apresentado como produto final em Novembro deste ano”, conta.
Em Outubro deste ano, Elias apresentará outra proposta de poesia
performática, “Similitude”, no encontro West Writers. Sempre apegado
às palavras, o artista traçará desta feita um paralelismo entre o crioulo
de Cabo Verde e a língua vietnamita.
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015XVIII | HISTÓRIA
João Nobre de Oliveira nasceu na ilha de
Santo Antão há 60 anos. A sua família
tinha firmado raízes no arquipélago no fim
do século XVIII e parte da tribo lá permanece,
assim como muitos amigos. João sente-se
“cabo-verdiano e português”, fala crioulo,
saboreia os pratos da terra e aprecia a música
do arquipélago. Deixou as ilhas em 1977 para
estudar em Portugal. Licenciado em História,
Nobre de Oliveira tem-se dedicado ao percurso
socio-histórico das ilhas, sobretudo na fase
colonial. Em 1995 veio para Macau, onde se
fixou e se tornou mais um cabo-verdiano na
diáspora. A trabalhar no sistema de ensino
local, o historiador publicou em 1998 a mais
importante história da imprensa cabo-verdiana
(“A Imprensa em Cabo Verde, 1820-1975”,
Fundação Macau). Actualmente está a investigar
a genealogia das famílias cabo-verdianas.
- É autor da história da imprensa cabo-verdiana
no período colonial. Qual a importância
da imprensa entre o final do século XIX e o
princípio do século XX em Cabo Verde?
João Nobre de Oliveira - No século XIX, mais do
que para difundir notícias, a imprensa servia para
o debate de ideias. Naquela altura encontram-se
artigos de opinião em defesa dos interesses da
terra, dos problemas dos funcionários coloniais
em relação aos da metrópole, e muitos artigos
que atacam a política colonial da metrópole.
Eram jornais de pequena dimensão, que podem
ser comparados com a imprensa de língua
portuguesa de Macau, com um público muito
restrito, a debater problemas que dizem respeito
a essa comunidade.
- Nesta imprensa falava-se sobre a
independência?
J.N.O – Foi um grupo que surgiu no século XIX e
que foi activo na defesa dos interesses de Cabo
Verde, até o ponto de falarem abertamente de
uma possível independência. O que se encontra
nos artigos desta fase é a defesa dos interesses da
terra em oposição aos interesses da metrópole. O
jornalista Eugénio Tavares escreveu “portugueses
irmãos sim, portugueses escravos não”. Ou seja,
estes jornalistas defendiam que Portugal e Cabo
Verde podiam permanecer juntos se todos
fossem iguais, se não houvesse cidadãos de
primeira e de segunda. O José Lopes, em 1898-
1899, escreveu: “Sonharia antes de morrer ver a
minha terra independente”. Eles escreveram no
contexto da guerra da independência em Cuba,
quando as Filipinas também lutavam pela sua
independência e na África do Sul as províncias
do Traansval e do Orange estavam em guerra
com a Inglaterra.
- Esse grupo nativista do final do século XIX
precede o movimento de libertação a partir de
1950?
J.N.O - Precede, embora eles nunca tenham
pegado em armas. Um funcionário da altura
escreveu um artigo defendendo que era preciso
fazer como os filipinos e pegar em armas, mas
“Cabo Verde está inserido em vários espaços, em vários mundos”João Nobre de Oliveira está em Macau há 20 anos. Em entrevista ao PONTO FINAL, fala do passado e do presente do arquipélago onde nasceu e ao qual dedica o seu trabalho enquanto historiador. TEXTO E FOTOS DE ISADORA ATAÍDE
não se passou disso. Este grupo pretendia uma
luta política, foram os nativistas que lançaram
as ideias, as bases, do que mais tarde será o
movimento de libertação. Uma geração depois,
o jornalista Pedro Cardoso assinava como ‘Afro’,
o que é simbólico. Outro elemento do grupo
nativista foi o Juvenal Cabral, o pai do Amílcar
Cabral. Como se vê, as coisas não surgem por
acaso.
- Em Cabo Verde, os africanos eram
considerados cidadãos e tinham os mesmos
direitos dos europeus. Porém, na prática
havia discriminação. Como é que esta se
materializava?
J.N.O - Recordo um texto do José Lopes que dizia
que “os racistas são os de lá, não são os de cá”.
Se o funcionário português ficasse doente podia
retirar-se para a Europa, já um funcionário da
terra, um cabo-verdiano, não tinha esse direito.
Qualquer indivíduo que fosse transferido para
Cabo Verde da metrópole era colocado à frente
dos cabo-verdianos. Foi esse tipo de coisas que se
denunciou, além das práticas que prejudicavam
o comércio da colónia e favoreciam a metrópole.
Cabo Verde tem uma particularidade, o facto
de a colónia ter sido dirigida pelos naturais da
terra. Ter-se-á passado algo semelhante em Goa
e em Macau em certa fase, mas em Cabo Verde
sempre foi assim.
- Além da imprensa, quais as outras formas de
resistência ao colonialismo? Houve conflitos?
J.N.O. - Em relação aos conflitos, estes podiam
acontecer numa festa, num concurso público,
numa luta por um lugar. No entanto, pouco
a pouco registam-se vários conflitos. Por
exemplo, foi nomeado um administrador
português para a Ilha do Fogo e este não foi
aceite, porque a população estava acostumada
com administradores da terra. Este funcionário
nem pôde desembarcar, foi obrigado a regressar
no mesmo barco. Volta e meia havia revoltas,
podiam ser conflitos laborais, quando os
rendeiros se recusavam a pagar ao senhor. Então
este pedia ajuda ao governador, que enviava
a polícia, a qual obrigava os camponeses ao
trabalho – esta era uma forma de resistência
dos cabo-verdianos. Ou falar crioulo quando
era proibido, uma maneira de marcar terreno.
No princípio do Estado Novo ainda houve
alguma resistência, como a Revolta do Capitão
Ambrósio, em 1933, em São Vicente. Neste caso,
terá começado por falta de trabalho, o povo não
tinha dinheiro para comprar comida, passava
fome, e houve saques nas lojas.
- Como se dá a ligação entre Cabo Verde e a
Guiné-Bissau?
J.N.O. - A união de Cabo Verde e Guiné é o
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 XIX
sonho de Amílcar Cabral, mas como disse o
José Vicente Lopes (jornalista cabo-verdiano
contemporâneo) “o sonho de Cabral é o pesadelo
de muita gente”. Cabo-verdianos e guineenses
tiveram sempre uma relação de amor e ódio, no
início da colonização de Cabo Verde havia falta
de mão-de-obra, o que se resolveu buscando
escravos na costa africana. No século XIX,
as últimas fornadas de escravos vieram da
Guiné-Bissau e quem foi buscá-los foram os
cabo-verdianos. Outro elemento é que a Guiné
esteve na dependência do governo de Cabo
Verde durante muito tempo. O clima da Guiné
era mortífero para os europeus e por isso os
funcionários, os soldados e os polícias que iam
para a Guiné eram cabo-verdianos. Enquanto
os angolanos e os moçambicanos viam os
portugueses como os agentes do colonialismo,
os guineenses viam os cabo-verdianos, o que
continuou ao longo do século XX. Então, nos
Correios estava o Aristides Pereira, no BNU o
Abílio Duarte e na Agricultura o Amílcar Cabral
na década de 1950. Entre os seis fundadores do
PAIGC (Partido Africano para a Independência
da Guiné e de Cabo Verde) em 1956, cinco eram
cabo-verdianos.
- Em Cabo Verde não houve guerra. A população
apoiava o PAIGC e a independência?
J.N.O. – O partido e a luta tinham apoio,
sobretudo nos meios urbanos. No espaço rural
as pessoas estavam empenhadas em sobreviver à
miséria, digamos que este debate político ficava
mais entre os estudantes, os intelectuais, entre
as pessoas que ouviam a rádio Dakar do PAIGC.
Eu estava no liceu, volta e meia escutava a rádio,
eu sabia o que se passava, mas ainda era muito
novo. De vez em quando havia uns conflitos
na rua, no Mindelo. Lembro-me que de vez em
quando começava uma luta entre um soldado
e um cabo-verdiano, a qual se transformava
numa briga de rua, dois grupos com dezenas de
pessoas à pancada.
- Por que a união de Cabo Verde e Guiné-Bissau
no pós-independência não funcionou?
J.N.O. - O Nino Vieira, quando deu o golpe, disse
que tinha posto fim à unidade do cavalo com o
cavaleiro. O cavaleiro era o cabo-verdiano e o
cavalo era o guineense. Entre as razões do fim da
unidade, o passado histórico do qual já falamos;
outro aspecto foi o facto de o presidente da Guiné
ser um cabo-verdiano – o Luís Cabral era filho de
pai cabo-verdiano e mãe portuguesa – enquanto
no governo de Cabo Verde não havia um único
guineense. Em Cabo Verde, para o governo do
PAIGC se impor, houve alguma repressão, mas
não houve mortes, enquanto na Guiné houve
massacres para garantir a unidade política.
Não se fala abertamente sobre isso, mas era um
casamento forçado. Os guineenses sentiam-se
preteridos em relação aos cabo-verdianos, que
estavam tecnicamente mais preparados para
governar numa primeira fase.
- Os técnicos e profissionais coloniais não
abandonaram Cabo Verde no pós-transição?
J.N.O. – Não, porque a maioria era cabo-
verdiana. Enquanto nas outras colónias o
sistema administrativo foi desmantelado,
em Cabo Verde a administração continuou a
funcionar: a polícia, as escolas, os tribunais, o
sistema administrativo, as escolas. Ou seja, não
houve uma quebra na estrutura administrativa,
foi uma transição suave, com um processo
de substituição no qual a máquina estava lá e
continuou a funcionar.
- Quais os pontos positivos e negativos do
regime de partido único, da fase socialista?
J.N.O. - Comparando com o que aconteceu nos
demais países africanos de língua portuguesa,
podemos dizer que Cabo Verde teve uma
postura mais correcta. Primeiro, porque não se
desmantelou a máquina do Estado. Segundo,
porque nunca se assumiu uma posição socialista
propriamente dita. Cabo Verde não rompeu
com os países capitalistas, não podia cortar as
relações com este mundo porque os emigrantes
que enviavam recursos lá viviam. Os dirigentes
também não se envolveram na Guerra Fria,
seguiu-se uma política externa de boas relações
com ambas as partes. Por exemplo, não se
proibiu que os voos da África do Sul fizessem
escala na ilha do Sal, até porque esta era uma
fonte de renda. A violência foi suave em Cabo
Verde, dizia-se que não era uma ditadura, mas
uma ‘ditamole’. Em Cabo Verde não houve
nacionalização, a reforma agrária falhou em
Santo Antão e já não se tentou fazê-la em lugar
nenhum. Cabo Verde evoluiu muito em relação
ao tempo colonial, mas a nível económico
continua a ser uma dor de cabeça.
- Quais as possibilidades económicas de Cabo
Verde?
J.N.O. - Para já há o turismo, continuam as
remessas dos emigrantes, o que se produz é quase
nada. A produção agrícola é toda consumida
lá dentro, não há nada para exportar. A pesca
é outra miragem, porque é toda estrangeira.
A indústria pesqueira de Cabo Verde é apenas
junto à costa, o suficiente para abastecer o país.
Seria uma boa aposta, mas para isso é preciso
dinheiro.
- A posição privilegiada de Cabo Verde no
Atlântico tem sido aproveitada?
J.N.O. – Com o desenvolvimento tecnológico
perdeu-se parte da vantagem estratégica. Hoje a
África do Sul já não precisa fazer escalas na ilha
do Sal para abastecer e o aeroporto perdeu a sua
importância. O mesmo tinha acontecido com o
Porto Grande, na ilha de São Vicente. Quando
os barcos tinham de se abastecer de carvão
o porto era muito importante, com o avanço
tecnológico deixou de ser. Antigamente Cabo
Verde tinha importância como base militar para
controlar as passagens, mas com os satélites
já não há a mesma importância. O Governo de
Cabo Verde tem tarefas difíceis, tem desafios
inultrapassáveis que têm de ser ultrapassados.
- Cabo Verde define-se e depende da sua
diáspora. Como essa diáspora mantém a cabo-
verdianidade?
J.N.O. - Acho que não será uma característica só
dos cabo-verdianos, com outras comunidades
ou populações de imigrantes passa-se o mesmo.
Se há um número de imigrantes concentrados
num determinado sítio, a primeira geração vai
sempre preservar a língua e a cultura. A segunda
geração fica entre os dois países, o de origem
e o de acolhimento. A terceira geração resolve
esse problema, geralmente perde a língua e
a referência da terra. Acontece que os cabo-
verdianos imigram para os mesmos destinos
há muito tempo, Estados Unidos e Europa
sobretudo, e por isso os novos emigrantes
mantêm vivos os laços à terra. Daí que é possível
encontrar na América gente na quarta geração a
falar crioulo. Em Macau, porque o nosso número
é pequeno, somos obrigados a conviver e a nos
integrarmos. Se o número de pessoas é grande, é
possível formar um gueto.
- O que está a investigar actualmente?
J.N.O. - Estou a estudar a genealogia das famílias
cabo-verdianas, desde o final do século XVIII
ao XX. Já identifiquei mais de 200 famílias, com
pesquisa nos arquivos de Portugal e de Cabo
Verde. Com a internet, muito material de arquivo
está digitalizado e disponível on-line. Quero
saber quem eram as pessoas, quais as suas
relações de casamento e as suas profissões, é um
trabalho genealógico clássico. A característica
fundamental não é muito diferente do que se
passou no Brasil no século XIX, além do núcleo
principal com filhos legítimos, há outras mulheres
e outros filhos. A nível do casamento, procurava-
se evitar a divisão das terras para preservar a
herança, e os casamentos eram entre pessoas da
mesma classe. Todos se comportam da mesma
maneira, independentemente de serem europeus
ou africanos, e o que predominou foi a fusão
étnica entre os dois grupos.
- Como Cabo Verde se define, cultural e
geograficamente?
J.N.O. - Cabo Verde é uma espécie de Antilhas.
Quando se pensa em populações mestiças, estas
caracterizam-se por viverem em ilhas, por terem
um passado escravocrata, por serem cristãs e
por falarem crioulo de origem europeia. No caso
de África, temos os casos de Cabo Verde e São
Tomé e Príncipe. Saindo deste espaço, temos
as Antilhas – Jamaica, Martinica, Haiti… são
as mesmas características. O arquipélago de
Cabo Verde insere-se no espaço Atlântico. Cabo
Verde está inserido em vários espaços, em vários
mundos, mas não é um caso único. Cabo Verde
situa-se em África, mas também tem elementos
que o aproximam da Europa. Em relação ao seu
espaço cultural, insere-se melhor no Atlântico.
ponto final • SEG. 6 JUL, 2015
vc
Cabo Verde: Guia de Viagemde Tânia Sarmento
Praias paradisíacas, dunas douradas a perder de vista, montanhas verdejantes e… Verão o ano inteiro. Bem-vindo a Cabo Verde, o sorriso de África. Quer escolha os resorts de luxo do Sal e da Boavista, a animação do Mindelo, o vulcão do Fogo ou as montanhas de Santo Antão, em cada esquina ouvirá música, sentirá sempre a “morabeza”, o calor de um povo acolhedor. Durante meses uma jornalista e uma fotógrafa portuguesas percorreram as dez ilhas do arquipélago, descobriram os seus trilhos e praias, testaram hotéis, aprenderam a dançar e provaram os pratos típicos. Agora partilham connosco tudo o que viram no melhor e mais completo guia de Cabo Verde publicado em Portugal.
Diário de Viagem em Cabo Verde , Cape Verdean Sketchbookde Eduardo Salavisa
«Estes desenhos foram feitos num caderno, durante nove semanas, onde visitei as nove ilhas (habitadas) que constituem o arquipélago de Cabo-Verde. Todos eles me recordam, de uma maneira muito intensa, os momentos que aí passei...» Eduardo Salavisa
MITOgrafiasde Arménio Vieira
Arménio Vieira é uma das vozes mais expressivas de Cabo Verde. A sua poética aposta claramente em “salvar o pensamento” através da “metaforização do discurso”. MITOgrafias é um livro onde está bem vincada uma voz muito própria que em 2009 foi distinguida com um dos mais altos galardões literários de língua portuguesa, o Prémio Camões.
Do Monte Cara Vê-se o Mundode Germano Almeida
Dezenas de personagens – homens e mulheres, novos e velhos –, cada um com a sua história, todos aqui reunidos num extraordinário romance que é também um retrato de todos nós, sob o olhar complacente e divertido do Monte Cara, lá no alto, em frente à cidade – Mindelo, em Cabo Verde, cidade que é o verdadeiro herói deste romance de Germano Almeida.
Poesia Completa 1954-2004de Yolanda Morazzo
A obra de Yolanda Morazzo surpreendeu muitos dos seus conterrâneos e os estudiosos das literaturas africanas de língua portuguesa, pelo silêncio em que foi guardada, revelando-se em toda a sua pujança e qualidade, e constituindo um contributo precioso que muito dignifica a literatura de Cabo Verde e as belas letras de língua portuguesa.
Cabo Verde40 Anos de Vida como Nação IndependenteALGUNS DOS TÍTULOS DISPONÍVEIS NA LIVRARIA PORTUGUESA
Ó Mar de Túrbidas Vagasde Henrique Teixeira de Sousa
O romance descreve a história do Capitão Hilário Cardoso, tendo como pano de fundo uma travessia que ele faz no seu navio Nossa Senhora do Monte entre os Estados Unidos da América e Cabo Verde, passando pelas ilhas de S. Vicente e Brava. Durante toda a viagem, que durou dois meses, o capitão teve de lutar heroicamente para se manter fiel à esposa que o espera em S. Filipe, face às provocações persistentes de um linda passageira.
Quadros de Viagem de um DiplomataÁfrica - Senegal, Guiné, Cabo Verdede Luiz Gonzaga Ferreira
Pelas vicissitudes da sua longa e reconhecida carreira de diplomata, o autor viveu por dentro, como testemunha ou agente empenhado, histórias que fizeram a História do nosso tempo.
A participação da mulher na vida de Cabo Verdede Marisa Carvalho
Marisa de Carvalho é jornalista de imprensa desde 2001. Neste livro, desafia-nos a problematizar a condição feminina no Mundo Lusófono. O ponto de partida é Cabo Verde, país apresentado actualmente por diversos organismos internacionais como um exemplo de boa governação e de saudável crescimento económico. Ao mesmo tempo, a conjuntura histórica atribui a este arquipélago condicionantes específicas que tornam o país num estimulante elemento de análise, tais como uma população maioritariamente jovem e feminina.
Quanto Vale a Amizade? Kantu ki Amizadi Bale?, Versão Bilingue Português-Cabo-Verdianode Maria Lúcia Carvalhas, Raquel Pinheiro
Na história Quanto vale a amizade?, João e Maria convidam-nos a reflectir sobre a importância de se valorizar aquilo que se tem e realçam os valores da amizade e da cumplicidade como modo de estar na vida.
Batuku de Cabo Verdede Gláucia Nogueira
Em prosa e verso, em depoimentos, cantigas e relatos, esta obra traça a história do batuku ao longo dos últimos 200 anos. Mostra as mudanças que sofreu no decorrer do tempo enquanto música e dança e também as diferenças do seu estatuto na sociedade cabo-verdiana, conforme as épocas.
Cozinha de Cabo Verdede Maria de Lourdes Chantre
«Cozinha de Cabo Verde» é um livro que satisfaz a curiosidade e o apetite daqueles que já ouviram tantas vezes falar da cachupa, do xerém, da botchada, do friginato, do pirão ou do gigoti. As receitas são servidas com pequenos trechos de obras de autores cabo-verdianos que avivam memórias da terra.
Uma Aventura nas Ilhas de Cabo Verdede Ana Maria Magalhães, Isabel Alçada, Arlindo Fagundes
O grupo ganhou um concurso de televisão; o prémio é uma viagem a Cabo Verde. Quando partem só pensam em divertir-se, mas a bordo do avião viaja um rapaz que parece assustadíssimo. E assim que aterram na ilha do Sal escreve com um fósforo na pele do próprio braço: S.O.S. Para saberem o que se passa e poderem ajudar, têm que elidir a vigilância dos brutamontes italianos que não arredam pé e andam com o rapaz de uma ilha para outra.