suplemento do jornal ponto final (macau) sobre os 40 anos da independência de cabo verde

20
CABO VERDE 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA UM EXEMPLO DEMOCRÁTICO SUPLEMENTO ESPECIAL 6 de Julho de 2015

Upload: helder-beja

Post on 22-Jul-2016

217 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

 

TRANSCRIPT

Page 1: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

CABO VERDE 40 ANOS DE INDEPENDÊNCIA

UM EXEMPLO DEMOCRÁTICO

SUPL

EMEN

TO E

SPEC

IAL

6 de

Jul

ho d

e 20

15

Page 2: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015II | PAÍS

Uma nação com a democracia no sangue“O cabo-verdiano aprendeu a amar a sua terra”, diz o jornalista e historiador José Vicente Lopes para justificar o sucesso de Cabo Verde, uma das nações mais democratas do mundo e menos corruptas de África.TEXTO E FOTOS DE CLÁUDIA ARANDA

No 40º aniversário da independência da República de Cabo Verde, que se celebra a 5

de Julho, os cerca de 500 mil habitantes deste país formado por 10 ilhas, das quais nove são habitadas, bem podem mostrar-se orgulhosos. Cabo Verde está mesmo muito bem classificado em quase todos os rankings mundiais, colocando-se entre as nações mais democráticas do mundo e entre as menos corruptas, sendo considerado um modelo de transparência e de boa governação em África (ver caixa). Para culminar a lista de realizações, e como resultado desse mesmo desempenho, Cabo Verde saiu da lista das Nações Unidas de Países Menos Desenvolvidos (em 2007) e alcançou o estatuto de País de Rendimento Médio, designação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional que caracteriza os países com base nos níveis do PIB (produto interno bruto), ou do PIB per capita. Para o historiador e jornalista cabo-verdiano José Vicente Lopes, estabelecido na cidade da Praia, capital de Cabo Verde, estes resultados advêm sobretudo de “um certo empenho da classe política em fazer de Cabo Verde um caso especial”. “Acho que independentemente de quem governa, da cor politica, o cabo-verdiano aprendeu a amar a sua terra”, acrescenta ao PONTO FINAL numa conversa por telefone o autor de obras como “Aristides Pereira – Minha Vida, Minha História” (2012), “Tarrafal — Chão Bom: Memórias e Verdades” (2010) e “Os Bastidores da Independência” (1996). Para que Cabo Verde surja no topo de todas as tabelas de desempenho contribuíram os progressos na educação, na saúde, na redução da pobreza. O relatório “Perspectivas Económicas em África – 2015” (African Eonomic Outlook 2015) produzido pelo Banco Africano do Desenvolvimento, Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) realça os avanços na educação e na saúde ao longo de mais de duas décadas. Em 2012, as taxas de alfabetização para os jovens com 15 anos e acima situou-se em 85,3 por cento, enquanto a taxa de conclusão do ensino secundário foi de 90 por cento em 2012. No sector da saúde, Cabo Verde mais do que duplicou a despesa total em saúde per capita, de 70 dólares norte-americanos em 2001 para 144 dólares norte-americanos em 2012, um aumento de recursos que teve reflexos na melhoria dos indicadores básicos de saúde, como a redução da mortalidade

e o aumento de esperança de vida. Mais: entre 2002 e 2007 o nível de pobreza em áreas urbanas caiu para metade, de 25 por cento para 13,2 por cento. Durante o mesmo período, a pobreza nas áreas rurais caiu de 51,1 por cento para 44,3 por cento. Apesar destas melhorias, a pobreza rural continua a ser o principal desafio para o governo.

BOLSAS DE POBREZA E TURISMO

A pobreza de Cabo Verde é sobretudo localizada, com os pobres concentrados em áreas rurais, onde há pouco turismo, que é a principal fonte de receitas e o motor do crescimento económico do país, juntamente com o investimento directo estrangeiro e a construção de infra-estruturas destinadas a esta indústria de acolhimento. O turismo em 2014 atingiu um quarto do total do PIB do país, segundo dados citados pela Lusa. Em 2012, Cabo Verde ultrapassou, pela primeira vez, a barreira do meio milhão de turistas (número que superou o total de habitantes no país). O grande salto deu-se a partir de 2009, com a construção de inúmeros empreendimentos turísticos. Cabo Verde acabaria por beneficiar, também, da crise

e da insegurança que assola o mercado norte-africano, de onde os turistas estão a ser desviados para mercados insulares, como é o caso de Cabo Verde.Os analistas cabo-verdianos reconhecem os bons resultados, mas alertam: Cabo Verde ainda não é o paraíso, persistindo problemas graves por resolver. A começar pelo desemprego: 16,4 por cento dos cabo-verdianos não tinham trabalho em 2014.“Cabo Verde não é um país onde abundem os recursos. O país tem uma relação forte com a União Europeia, que está em crise, e parte desta crise também é transferida para Cabo Verde. Por mais que Cabo Verde se desenvolva – e neste momento os seus níveis de crescimento são muito baixos – não consegue satisfazer a demanda que a cada dia cresce no mercado de trabalho”, lamenta José Vicente Lopes. Por outro lado, a inexistência de emprego “empurra muita gente para situações difíceis, não só de sobrevivência, como também pode resvalar para uma certa criminalidade urbana, que é um fenómeno que surgiu nos últimos anos em Cabo Verde e que decorre grandemente de uma ausência de perspectivas para as novas gerações”, acrescenta.

O crescimento do PIB per capita foi em média de 7,1 por cento entre 2005 e 2008, valores acima da mediana da África Subsariana e dos pequenos estados insulares, segundo o Banco Mundial. Todavia, a crise financeira global não poupou a economia cabo-verdiana muito dependente da Zona Euro. O crescimento desacelerou de 4 por cento em 2011 para 1,2 por cento em 2012, continuou a decrescer para 0,7 por cento em 2013, tudo devido à desaceleração do crescimento das exportações, à queda do investimento directo estrangeiro, à redução da ajuda pública ao desenvolvimento e ao decréscimo das remessas dos emigrantes cabo-verdianos, concentrados sobretudo nos Estados Unidos da América e na Europa, em países como Portugal, França, Holanda, Luxemburgo e Itália. Em 2014, o crescimento voltou a subir para 2 por cento, liderado pelo sector de construção.

CABO VERDE E INSEGURANÇA NO MAGREBE

No entender de José Vicente Lopes, o maior desafio de Cabo Verde continua a passar por “garantir os meios de sobrevivência da população”. “A nossa

economia vive muito do turismo, haverá outros sectores a desenvolver. Mas as coisas levam tempo a desenvolver, daí que há momentos em que temos a sensação de que estamos a marcar passo. Já não temos os níveis de ajuda internacional que tivemos no passado. Com a graduação de Cabo Verde como País de Rendimento Médio, cada vez mais o país precisa de encontrar os seus próprios meios de financiamento, isto num altura em que a nossa dívida pública já vai em 114 por cento do PIB [107,3 por cento do PIB em 2014, segundo o relatório Perspectivas Económicas em África]. A nossa margem de endividamento está muito reduzida e um país com as características de Cabo Verde não consegue ir simplesmente ao mercado pedir financiamento. Esse vai ser um dos dramas que nos espera a breve ou a médio trecho”, alerta Vicente Lopes.Em declarações à Lusa, o presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, afirmou haver “muitos aspectos ainda a melhorar”. O ambiente de negócios, um sistema fiscal “mais estimulante” para o investimento externo e dos emigrantes, “menor” burocracia na administração, que terá de ser “mais ágil e menos politizada”. “Esse é o grande desafio.

Page 3: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 III

Sermos desenvolvidos significa uma democracia e um Estado de Direito modernos, um Estado que funcione bem, com instituições credíveis, que dêem confiança e segurança jurídica ao investidor”, disse, salientando que tal pode ser conseguido através de, por exemplo, um bom funcionamento da justiça, de um código do trabalho acessível e melhor acesso ao crédito. Jorge Carlos Fonseca sublinhou também a importância da “segurança física”. “Agora fala-se da insegurança em países do Magrebe. Têm de se criar condições para que Cabo Verde possa ser um destino alternativo para segmentos turísticos e isso é importante para que se torne competitivo”, concluiu.

CAIXA DE PANDORA DE PROBLEMAS

O golpe de Estado na Guiné-Bissau, a 14 de Novembro de 1980, é um dos momentos considerados por José Vicente Lopes como “marcantes” na história recente do país, quando João Bernardo “Nino” Vieira depôs o regime de Luís Cabral e pôs fim à unidade entre os dois Estados. Os primeiros anos de independência, até 1991, foram vividos num regime de partido único, primeiro com o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), até 1980, e depois, até à abertura política, com o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), uma cisão do PAIGC.Para Vicente Lopes, caso o projecto

de unidade entre os dois territórios tivesse avançado, teria sido como abrir “uma caixa de pandora de problemas”. “A Guiné durante muito tempo foi administrada a partir de Cabo Verde, havia entre esses dois territórios muitos elementos em comum, o próprio Amílcar Cabral, o principal mentor desta ideia, nasceu na Guiné mas era filho de cabo-

verdianos. Amílcar Cabral tinha uma ideia pan-africanista que o acompanhou durante muito tempo e foi com base nessa ideia que ele almejou a unidade orgânica entre os dois povos. Só que isto suscitava inúmeros problemas, desde logo provocava ressentimentos históricos entre os dois povos, havia também tabus de um lado e de outro. Enquanto Cabo

Verde era uma realidade mais cristã e ao mesmo tempo era uma sociedade mestiça, a Guiné era uma sociedade tipicamente africana, islamizada e também animista, e portanto havia diferenças culturais entre os dois povos. Tudo isso, por si só, era como abrir uma caixa de pandora de onde os problemas não iriam parar de se soltar”, diz.Vicente Lopes destaca igualmente a importância do estabelecimento da democracia. “As primeiras eleições multipartidárias em 1991 vieram marcar um novo momento na história dos cabo-verdianos, instituindo em Cabo Verde um sistema democrático, que perdura até hoje e é tido como um dos mais exemplares de África”, realça. A paz e a estabilidade política que marcaram o percurso do país desde a independência a 5 de Julho de 1975 não foram perturbadas com a realização em 1991 das primeiras eleições multipartidárias, marcadas pela derrota do PAICV e a vitória da oposição, o Movimento para a Democracia (MPD), que elegeu Carlos Veiga e António Mascarenhas para primeiro ministro e presidente, respectivamente. O PAICV só voltaria ao poder em 2001. Desde então tem havido uma alternância regular e pacífica do poder entre os dois grandes partidos políticos.As eleições mais recentes foram realizadas em 2011. O PAICV renovou a maioria absoluta ao eleger 37 dos 72 deputados em jogo nas eleições parlamentares de 6 de Fevereiro de 2011, mantendo-se José Maria Neves como primeiro ministro

(no cargo desde 2001), enquanto o MPD ganhou a presidência em Agosto de 2011, com a vitória do independente Jorge Carlos Fonseca, candidato apoiado pelo MPD e que sucedeu a Pedro Pires. Introduziu-se então uma nova lógica em que governo, maioria parlamentar e presidência deixaram de estar nas mãos de um mesmo partido para passar a haver uma partilha. A democracia está hoje consolidada em Cabo Verde, é um dado adquirido, “já está no sangue” dos cabo-verdianos. “Não acredito que haja alguém em Cabo Verde que aceite viver num outro regime que não seja democrático, e viver num regime democrático passa também por viver com liberdade de expressão, de opinião, liberdades essas que fazem parte do nosso ADN e do nosso modo de vida”, defende José Vicente Lopes. O intelectual Manuel Brito-Semedo fala de “uma identidade individual e nacional” ou a “expressão de uma cultura singular que caracteriza o cabo-verdiano e o distingue enquanto povo”. Já o diplomata e académico André Corsino Tolentino realça neste percurso bem sucedido da nação “as políticas dos diferentes governos cabo-verdianos, que nunca deixaram de considerar a educação como a prioridade número um”. “Por maiores que sejam as dificuldades, essa atitude colectiva de considerar a educação como a via mais segura de ascensão social, de ascensão colectiva, isso reflecte uma visão estratégica e civilizacional muito avançada”, conclui o antigo ministro da Educação.

CABO VERDE NO TOPO DOS RANKINGS INTERNACIONAISO arquipélago na costa ocidental de África, que agora comemora 40 anos de independência, é o país africano de língua portuguesa que melhor se tem classificado nos rankings mundiais.

Em 2015 Cabo Verde foi o terceiro país africano mais bem classificado no índice da liberdade de imprensa (2015 World Press Freedom Index, da organização Reporters Without Borders), a seguir à Namíbia e ao Gana, colocando-se na 36ª posição num total de 180 países analisados a nível mundial. Cabo Verde é também o país africano de língua portuguesa melhor colocado no índice de percepção da corrupção divulgado em Junho pela organização internacional Transparency International. Em 2015, o arquipélago surge como o segundo menos corrupto em África, sendo ultrapassado apenas pelo Botswana, e o 42º menos corrupto no mundo. Angola e Guiné-Bissau ficaram em 161º, Timor-Leste em 133º, Moçambique em 119º e São Tomé e Príncipe em 76º no ranking mundial. No contexto africano, o país melhor colocado é o Botswana, na 31ª posição. Em 2014, Cabo Verde foi o segundo mais bem classificado entre os países africanos no Índice Ibrahim de Governação Africana, tendo sido apenas ultrapassado pelas Maurícias. Na avaliação feita a 52 países africanos, Cabo Verde continua a ser o melhor entre os países de língua portuguesa, à frente de São Tomé e Príncipe (12º),

Moçambique (22º), Angola (44º) e Guiné-Bissau (48º). A Fundação Mo Ibrahim, homónima do milionário sudanês que a criou em 2006, apoia a boa governação e a liderança em África,

e elabora o Índice Ibrahim anualmente desde 2007.Também em 2014 Cabo Verde foi a quarta nação africana mais democrática de África, depois das Maurícias,

Botswana e África do Sul, e o 31º país mais democrático do mundo, à frente de Portugal, na 33ª posição, num total de 167 analisados, de acordo com o Índice de Democracia publicado pelo

The Economist Intelligence Unit. No ranking internacional, Timor-Leste surge em 46º, Moçambique em 107º, Angola em 133º e Guiné-Bissau em 159º. C.A.

Page 4: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015IV | OPINIÃO

Cabo Verde: 40 anos a construir uma “Embaixada” através da cultura

Quando os cabo-verdianos assumiram o comando do país em Julho de 1975 herdaram da “administração colonial” fragmentos de terras banhados por um oceano de dúvidas. As cíclicas fomes dos anos 40, os extensos períodos de seca prolongada, o agreste panorama visual da troposfera e as montanhas imponentes de certas ilhas, com picos dramaticamente fotogénicos, tornaram o país num espaço de rara sinestesia, que congregava tão-somente o mar, o céu, as montanhas, as dunas e a alma de um povo. No meio deste cenário, apenas o homem, o vulcão, as intempéries da natureza e a ingratidão de um clima herdeiro das “brumas secas do Sahel” se desafiam. Isso fez com que, em Cabo Verde: a) nos “flagelados do vento leste” o homem aprendesse, com as cabras, a “comer pedras” e com o vento a “bailar na desgraça”; b) na erupção vulcânica de 1951 a população da Ilha do Fogo recebesse Orlando Ribeiro como o homem que viria “tapar o vulcão”; c) na Claridade os inconformados “homens das letras” captassem a dança entre o destino de “ter que partir” e a vontade de “querer ficar”; d) e no regresso de Eugénio Tavares se lembrasse que “si ca badu ca ta birado” (é preciso ir-se para se poder regressar). Na verdade, quem nunca experimentou o desafio de ter que partir, carregando as saudades, as mágoas, as cisões, as fracturas, as dúvidas e o “devir”, dificilmente terá uma ideia aproximada das fortalezas que se poderá recolher na concretização de um desejado regresso. A cultura cabo-verdiana, da música à literatura, das artes plásticas ao artesanato, da dança às tradições populares, ao longo das suas várias fases incorporou, pelo caminho, essas consonâncias e dissonâncias que se fizeram sentir no seio da sociedade

cabo-verdiana. Outrossim, torna-se evidente que, ao longo dos tempos, o homem cabo-verdiano, na falta de jazigos de subsolo e outras riquezas, assumiu a dimensão imaterial como a esfera da sua afirmação. Para isso, a alma do povo teria que ser maior do que extensão do território; as vozes das ilhas teriam que ecoar no mar e fazer-se ouvir nos quatro cantos do mundo, até “silenciar os silêncios”, iluminar as sombras e desvelar a identidade de um povo-ilhéu, atirado quase desesperadamente para o destino de “homem do mar”.Em 2015, altura em que se comemora os 40 anos da independência do país, não se pode esquecer, nem do ponto de partida, nem das bases sobre as quais se plantou os alicerces desta sociedade. Da independência aos nossos dias, muito caminho se fez e Cabo Verde cresceu a um ritmo que orgulha aqueles que assumiram os desafios da autodeterminação e surpreende os que, no “momento zero da independência”, o consideraram um país inviável. Os índices de desenvolvimento apontam claramente para terrenos positivos. Houve áreas que precisaram de fortes investimentos do Estado para que pudessem conhecer avanços consideráveis; da mesma forma registam-se sectores da vida social que, como cogumelos em épocas de chuvas, brotaram deste chão de forma quase espontânea. Olhando para sectores como a Educação, a Saúde ou as Infraestruturas, nota-se-lhes um grande crescimento, que, de resto, procura acompanhar a injecção financeira que se fez a nível do poder público. O combate a determinados índices, como os da mortalidade infantil, o analfabetismo, entre outros, fez com que os sucessivos governos que ocuparam a arena da política do país assumissem certos

compromissos, produzindo medidas de políticas destinadas a combater essas maleitas. Porém, o sector cultural não mereceu a mesma atenção. Ao longo das legislaturas que se seguiram no Pós-independência registou-se um fraco investimento do sector público no domínio da cultura, sendo que esta área assumiu o seu próprio desenvolvimento. Em 2015, o número de livros que se coloca nas livrarias não se compara, nem de perto e nem de longe, com o que se registava há quarenta anos atrás. O mesmo se poderá dizer em relação à música, ao teatro ou mesmo à dança. Os passos foram grandes, mesmo sem fortes investimentos dos poderes públicos, como aconteceu com as outras áreas, anteriormente referidas. A verdade é que Deus quis, os homens da cultura sonharam e as obras foram nascendo. E quando assim é o próprio homem acaba por perceber que “tudo vale a pena quando a alma não é pequena” (Fernando Pessoa).Nos últimos quarenta anos, Cabo Verde assistiu a um desfile de grandes vultos da cultura, sendo que, muitos daqueles que implantaram, no centro do mundo, uma “Embaixada da Cultura Crioula” entraram e saíram de cena. No domínio da música, entre os que entraram e permaneceram e aqueles que saíram e deixaram uma obra construída, destacam-se grandes nomes como Cesária Évora, que cantou Cabo Verde lá onde houvesse uma única sensibilidade para a universalidade cultural. Porém, muitos outros nomes contribuíram para a construção deste edifício da “diplomacia cultural” que permanece no tempo: Maria Alice, Celina Pereira, Orlando Pantera, Titina, Bibinha Cabral, Codé di Dona, Ntóni denti d’Óru, Anu Nóbu, Nacia Gomi, Celina Pereira, Catchás, Manuel d’Novas, René Cabral, Manu Lima,

SILVINO ÉVORAJornalista e professor auxiliar de jornalismo

na Universidade de Cabo Verde

Chico Serra, Luís Morais, Morgadinho, Nhô Balta, Tututa Évora, Voginha, José Luís, Manuel de Candinho, são apenas nomes próprios de figuras emblemáticas que ocuparam um espaço de relevo na construção da cultura cabo-verdiana. Lá onde faltou um sério investimento dos poderes públicos houve homens e mulheres, de grande talento e firme convicção, que assumiram os desafios de construir a nação global, fazendo com que o país fosse mais do que alguns pontinhos colocados no mapa do mundo. A música assumiu, irremediavelmente, esse papel de agente promotor do país “fora de portas”. Outras áreas também se destacaram, reconhecidamente com menos projecção no universo global. Nomes como Tchalé Figueira, Kiki Lima ou Domingos Luísa ajudaram a projectar outros segmentos da vida cultural do país, como a pintura e a escultura. Pelos vários cantos do país houve homens e mulheres que, em grupo ou isolados, contribuíram para que o país fosse este mosaico cultural. A Cultura, entidade que mais tem projectado o nome do país além-fronteiras, foi empurrada para uma dimensão residual das políticas de investimento público. De qualquer forma, ela continuou vigorosa,

Page 5: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 V

Crónica sobre um dia maior e melhor

Faço-vos uma advertência sobre o que pretendo escrever. Das marcas impagáveis na minha lembrança e, via disso, da minha forma de ser e estar perante o País, do ato inaugural da Independência Nacional de Cabo Verde. Nem Freud explicará o meu apego às ilhas (aos seus mínimos poros, às suas minudencias de ínsula, aos seus detalhes que fogem por vezes aos reparos) pelo fato de haver assistido (em tenra adolescência), no Estádio da Várzea, ao Nascimento da Pátria Amada.Dir-me-ão que a Nação já estava viva, perspetiva que me encanta e que me interpela ao mergulho da Hora Inicial, de Jorge Barbosa, ou um pouco mais tardiamente, porfias à parte, no caldeirão antropológico da Ribeira Grande de Santiago e no germinar, fenómeno esquecido pela ignara elite, da língua caboverdiana. Seja, ó doutos da terra, meus sabidos do tempo (ou será templo?), mas a Independência Nacional aconteceu a 5 de Julho de 1975. Ainda hoje, a voz firme do saudoso Abílio Duarte a proclamar a República de Cabo Verde e o redemoinho repentino, atribuído pelos esotéricos, como espírito balsâmico de Amílcar Cabral, o Grande Arquiteto da Libertação.Entrementes, o meu enfoque, de emocionado, será outro. E por onde começo? Louvando, lógico, as mudanças (mais nítidas nalguns períodos que noutros, mas sempre em crescendo) e que levaram o País gradativamente, de acentuado subdesenvolvimento, ao patamar de rendimento médio. Louvando, sobretudo, o fato de tais mudanças terem sido surpreendentes (já que as ilhas, de então a estes dias, não contarem com as tradicionais matérias-primas), pois tudo indicava aventureirismo e insucesso,

aliás explicitados por prognósticos fundamentados. Louvando, porque, termos chegado a este patamar foi a remar contra o fado que nos impunha a viabilidade como senão e o sucesso como inatingível.Direi que fomos, para além do que nos permitia a lógica e, apesar dos trancos e barrancos, não era crível para as testemunhas do ato de “subir nos céus a bandeira da luta” que hoje pudéssemos almejar horizontes de desenvolvimento mais sustentáveis e mais qualificados. Pus entre vírgulas e sem aspas os trancos e barrancos, já que fazem parte do pacote e, de resto, qual outro país, em assaz ordem mundial e crise internacional, não caminha exatamente assim? Até pela forma como estão hoje integrados, os países, salvas as exceções, têm avanços e recuos sistémicos. E Cabo Verde, em tal linha de conta, não tem a taxa do crescimento, do emprego, da pobreza e da dívida desejáveis, significando que há muito trabalho pela frente. E n t r e t a n t o , e s t a m i n h a seara, exatamente por haver testemunhado o emproar da bandeira, refletirá sempre a emoção profunda e consciente do meu olhar sobre Cabo Verde e o destino coletivo que ficou selado a partir de 5 de Julho de 1975. Destino que mais tarde produziu a Reconstrução Nacional e, em boa hora, a Democracia, gestas filhas da Soberania, faltando à trilogia a Prosperidade.Não se pense, neste novo tempo, a minha postura como unicamente encantada, alienada à crítica das situações de contingência. Claro que, em todo o nosso percurso histórico de quarenta anos, são evidente certas incongruências. Pressinto, em todos nós, sinais de inquietações

e de interrogações, ansiedades e perplexidades.O quotidiano, com os seus flagrantes, às vezes me abate de uma forma muito especial, pois sendo raro a exasperação, é indiscutível haver dias melhores que outros. E 5 de Julho, não me sobram, nem me ensombram dúvidas, é dia especial, maior e melhor que qualquer outro.Se me perguntassem, agora, sobre o significado da Independência Nacional, responderia que num momento como este, em que se jogam todas as cartas rumo ao Desenvolvimento Sustentável, nada como esta data para compreendermos o alcance dos nossos desafios e das nossas r e s p o n s a b i l i d a d e s , m i s s ã o que amiúde nos impõe, acerto prospetivo e nunca saudosista, o paradigma da gesta da Independência Nacional.O adolescente, que às vezes me revisita e não se aparta das suas lembranças, tal como outrora, agora não se faria rogado, perante novo hino e outra bandeira, mas mesma Pátria, gritar: Vem, Irmão. Viva Cabo Verde!

FILINTO ELÍSIOEscritor

resistente e persistente porque é das poucas coisas que o povo assume com propriedade, não esperando que o Estado trace as suas directrizes. Certamente que nem tudo é luz neste universo da cabo-verdianidade. A política que visava oficializar a Língua Cabo-verdiana, dando-a uma dignidade constitucional equivalente à Língua Portuguesa, perdeu fôlego com a saída do então Ministro Manuel Veiga do arco da governação. A mudança de rostos no Ministério da Cultura de Manuel Veiga para Mário Lúcio Sousa coincidiu com um câmbio de paradigma nas prioridades do referido ministério, sendo que as áreas das Letras e das Ciências, antes contempladas com o Grande Prémio Cidade Velha, foram completamente jogadas para um plano menor. Paralelamente ao desaparecimento do maior prémio cultural do país caíram também quase todos os incentivos à publicação. Daí que, homens e mulheres, resistentes e persistentes é que continuaram a fazer a literatura alimentada com suor e sangue. O inverso aconteceu com a área da música, que conheceu uma projecção gigantesca. A AME – Atlantic Music Expo – tornou-se numa das maiores feiras musicais do corredor atlântico, possibilitando ao Ministro da área o Prémio Womex 2014. Outras áreas da cultura cabo-verdiana, quais sejam o artesanato, as festas de romarias, a equitação, o cultivo da gastronomia local, o cinema, o audiovisual, o teatro, entre outras, têm sido feitas no cruzamento de vontades de quem as sustenta. Felizmente, nestes ramos, as almas não têm sido pequenas e, porque se corre por gosto, os caminhos não têm tido fim e os pulmões têm aguentado este atletismo cultural, na modalidade de resistência. Os próximos quarenta anos, quem os viver, sobre eles escreverá.

Page 6: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

“Conseguimos a partir de zero construir um país decente”Para André Corsino Tolentino, embaixador e antigo Ministro da Educação cabo-verdiano, a maior conquista do seu país depois da independência foi “a auto-estima e a convicção de que os cabo-verdianos são capazes”. “É nisso que consiste a verdadeira libertação”, diz. TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA

Macau não é território desconhecido

para André Corsino Tolentino, que por

cá andou noutros tempos a negociar

um acordo para a formação de estudantes

cabo-verdianos, numa altura em que “não

havia universidade em Cabo Verde”, que só

foi estabelecida em 2006. Alguns formaram-

se e regressaram e até já foram membros do

Governo. Outros “gostaram tanto” que acabaram

por estabelecer-se e prosseguir as suas vidas

em Macau, facto que não constitui motivo

para ressentimentos. “O importante é os cabo-

verdianos estarem felizes”, diz o intelectual

nascido em 1946, na Ilha de Santo Antão, mas

a viver na cidade da Praia, capital de Cabo

Verde. Antigo militante do Partido Africano

para a Independência da Guiné e Cabo Verde

(PAIGC), Corsino Tolentino foi responsável

nos anos 1960 pela mobilização de cabo-

verdianos na Bélgica, Holanda e França. Depois

da independência, proclamada a 5 de Julho de

1975, e durante o primeiro governo de Cabo

Verde liderado por Pedro Pires, sendo presidente

Aristides Pereira (que exerceu o cargo entre

1975 e 1991), Corsino Tolentino desempenhou

funções de secretário de Estado dos Negócios

Estrangeiros, ministro da Educação e embaixador

de Cabo Verde. Foi consultor do Banco Mundial

e promotor da Associação das Universidades

de Língua Portuguesa (AULP) e do Instituto

da África Ocidental (IAO), com sede na cidade

da Praia. Entre 2000 e 2006 foi director da

Fundação Calouste Gulbenkian. Doutorou-se

pela Universidade de Lisboa e é actualmente

administrador não executivo da Fundação

Amílcar Cabral. Em Outubro receberá o Prémio

Liderança 2015, com o qual acaba de ser

distinguido pela Universidade de Minnesota,

nos Estados Unidos da América. Entretanto, é

um dos promotores da Academia das Ciências e

Humanidades de Cabo Verde, para fortalecer a

sociedade civil e a democracia.

– Era inevitável que houvesse uma ruptura do

projecto de unidade entre Cabo Verde e a Guiné-

Bissau, que era o plano de Amílcar Cabral, o

mentor das independências dos dois territórios?

André Corsino Tolentino – Houve o projecto de

unidade entre a Guiné e Cabo Verde, esse sonho

funcionou muitíssimo bem até à libertação dos

dois povos. Mais tarde, não pudemos enfrentar

ou resolver vários problemas. Houve um golpe

de Estado em 1980, na Guiné-Bissau e um golpe

de Estado para nós era incompatível, a violência

para resolver os problemas políticos é algo a

evitar, portanto não conseguimos chegar a um

acordo sobre esta matéria, sobre a continuação

do PAIGC, que tinha deixado de existir na medida

em que se introduziu o factor violência para

resolver problemas políticos e acabámos por

assumir a nova realidade que era de não nos

atravessarmos no caminho um do outro. Nessa

realização positiva do sonho creio que Cabo

Verde foi altamente beneficiado com essa luta.

A Guiné, infelizmente, não conseguiu enfrentar

eficazmente vários problemas que foram

surgindo, mas se nos ativermos aos anos de 1973

e 1975, anos das respectivas independências

(a Guiné declarou unilateralmente a sua

independência a 24 de Setembro de 1973,

reconhecida por Portugal um ano depois, em

1974) veremos, creio, que o projecto funcionou

muito bem e para Cabo Verde levou a que

tivéssemos conseguido a independência nacional

sem que nem um tiro tivesse sido necessário, e

isto tem implicações imensas no futuro do país.

- Que influência teve o facto de o território ter

sido poupado à guerra?

A.C.T. – Teve consequências imensas, positivas,

creio que é impossível imaginarmos os

ressentimentos, os conflitos, os sentimentos de

desforra que surgem entre povos que tentam

resolver problemas através da guerra. A guerra

significa a morte, a destruição, e essas coisas não

terminam com o fim da dita guerra, prolongam-

se através de várias gerações. A circunstância

de não termos tido guerra em Cabo Verde foi,

provavelmente, a melhor coisa que nos poderia

ter acontecido nesse período de luta pela

independência. Isto é, termos conseguido evitar

esses ressentimentos, que se perpetuam geração

após geração. Nós poupámo-nos a isso. Não sei

como determinar o quanto influenciou o destino

de Cabo Verde, mas nós passámos, neste período

de 40 anos, de território mais inviável do império

português – porque era pobre em riquezas

naturais – para o país com maior avanço, do

ponto de vista político, social, cultural e humano.

Conseguimos a partir de quase zero construir um

país decente. E isso, em grande parte, deveu-se

a essa estratégia de luta no contexto da unidade

africana, que nos permitiu lutar na Guiné e em

Cabo Verde eficazmente contra o sistema colonial

português, e o termos conseguido isso sem

guerra no território foi provavelmente a melhor

coisa que nos poderia ter acontecido.

- Como foram os primeiros anos de

VI | POLÍTICA

Page 7: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

independência?

A.C.T – Hoje em dia é muito difícil explicar às

novas gerações as condições em que recebemos

o país. Eu era um jovem secretário de Estado

dos Negócios Estrangeiros, nessa altura o que

compensava era a energia e uma grande vontade

de provocar até milagres. É evidente que não

conseguimos os milagres, mas nós pensávamos

que éramos capazes de fazer até os milagres que

fossem necessários. E essa vontade, o patriotismo

generoso, orientado para a salvação colectiva, era

a melhor força com que podíamos contar, porque

não tínhamos experiência nem conhecimentos

de gestão de um país. Fomos aprendendo

no dia-a-dia, enfrentando as dificuldades.

Tínhamos um país que era duplamente pobre,

no sentido em que era, materialmente, um país

de grande escassez de recursos, com chuvas

raras e incertas, industrialização quase zero, uma

economia extremamente frágil. Mas, para além

desta miséria, que se traduzia em grandes fomes

nos períodos de seca, tínhamos interiorizado

essa pobreza, isto é, acreditávamos que “somos

pobres, vamos continuar pobres”. Creio que

a melhor coisa que nos aconteceu, depois de

conquistada a independência, foi essa libertação

do espírito, conseguimos sacudir esse espectro,

esse peso da miséria que nos acompanhava há

muitas gerações. A partir dessa libertação, dessa

tomada em mãos do nosso próprio futuro, nós

ousámos construir pouco a pouco, com a ajuda

dos outros, sempre. Sempre existimos nos outros,

que começam por ser o emigrante de uma ilha

para a outra, o emigrante nos Estados Unidos da

América, Europa, África. A partir do momento em

que acreditámos que era possível, organizámo-

nos com muita disciplina, muita capacidade de

trabalho, e fomos criando as coisas que eram

impensáveis na altura. Nós temos uma coisa que

é a auto-estima, a alegria de viver, a convicção de

que somos tão capazes quanto os outros, penso

que é nisso que consiste a verdadeira libertação.

- Cabo Verde continua a ser um país exportador

de mão-de-obra?

A.C.T. - Desde a criação de Cabo Verde no século XV,

no auge da expansão europeia e no cruzamento do

tráfico negreiro para as Caraíbas, as Américas, este

povo foi-se forjando, foi desenvolvendo a cultura

crioula, através desse processo muito complexo,

muito duro, muito difícil, mas isto vem de longe.

Num contexto colonial, não havendo recurso

naturais, houve uma atribuição a Cabo Verde de

uma espécie de especialização, tanto é que vamos

encontrar uma boa parte de cabo-verdianos na

administração da Guiné-Bissau, em Moçambique,

Angola, Timor, São Tomé. Havia uma espécie de

divisão de trabalho no império colonial português

que atribuía funções às diferentes colónias –

umas eram fornecedoras de matérias-primas

e às outras, como Cabo-Verde e Goa, coube a

circulação pelo império de alguma competência

administrativa e de gestão. Nós enquanto geração

da independência, filhos de uma terra que se

afirmava, em 1975 abrimo-nos ao mundo e

reequacionamos os nossos recursos e as nossas

necessidades, e procurámos novos mundos para

nos ajudarem a resolver os nossos problemas,

é uma questão civilizacional, de identidade

hoje em dia. Mas direi que ainda temos grandes

dificuldades em conseguirmos uma economia

exportadora, que possa exportar bens, serviços e

pessoas bem preparadas, bem qualificadas, ainda

não chegámos lá, ainda não exportamos quanto

devíamos.

- Em 1991 houve eleições multipartidárias e dá-

se uma mudança de partido no poder. O então

recém-criado Movimento para a Democracia

(MpD) assumiu as chefias do Estado e do

governo durante 10 anos, até 2001.

A.C.T – Nós fizemos o que pudemos nos primeiros

15 anos de país independente. Os regimes

democráticos não nascem do zero. Foi-se fazendo,

gerámos através da educação, da informação, da

abertura do regime, mesmo que de partido único.

Geraram-se novas necessidades e a organização

correspondente. E, em 1991, houve eleições

multipartidárias. Na altura, não imaginei que

fosse possível, mas foi e aprendemos a gerir uma

sociedade com abertura de espírito. Creio que o

país deu o passo que tinha que dar. Primeiro a

independência nacional, depois a consolidação

da soberania nacional, a organização do Estado

independente, o funcionamento mais ou menos

aceitável de um Estado de Direito – e depois

veio 1991, como resultado de um processo

gerado internamente com alguns complementos

externos, nomeadamente a queda do muro de

Berlim e do sistema soviético e a reformulação

das relações internacionais.

- Cabo Verde está entre as nações mais

democráticas do mundo.

A.C.T.- Creio que em Cabo Verde todos os cidadãos

razoavelmente informados concordarão que nós

conseguimos estabelecer um regime político

democrático tendo como base um Estado de

Direito que funciona, com altos e baixos, mas que

funciona.

– Uma vez consolidada a democracia, quais

são os principais desafios em termos de

desenvolvimento?

A.C.T. – Conseguimos a graduação de País

de Rendimento Médio – de facto ainda não

somos um país de rendimento médio, ainda

somos menos avançados em muitos aspectos.

Continuamos com grandes vulnerabilidades

e uma economia a dar sinais de uma fraqueza

estrutural, com um endividamento público

que é uma preocupação acrescida. Mas vamos

conseguindo a paz e atrair turistas que nos

ajudam a equilibrar as contas. Do ponto de vista

social, está comprovado que temos avançado

em termos de capital humano, com sistemas de

educação e saúde razoáveis, há uma espécie de

igualdade de oportunidades, mas que por vezes

é posta em causa pelas desigualdades inter-

regionais, ou entre ilhas, ou dentro da própria

ilha, mas que são possíveis de gerir. Do ponto

de vista cultural tem havido uma emergência

de afirmação através da língua, da música, da

pintura, do artesanato. O que me impressiona

mais nesta terra é a capacidade quase herdada

de lutar e quem luta muitas vezes consegue.

Por mais que se diga que a justiça é lenta, que

a polícia é ineficaz, que a ameaça dos tráficos

ilícitos é muito grande, a verdade é que, até

hoje, temos conseguido manter um clima de

paz. A paz é fundamental, porque permite a

utilização dos recursos de forma programada. Se

me pergunta o que é que funciona mal, estamos

num contexto de ameaças sérias, por causa do

terrorismo internacional, dos tráficos ilegais,

das desigualdades económicas.

– Qual o papel de Macau nas relações da China

com Cabo Verde?

A.C.T. – Ainda há bocadinho o antigo reitor da

Universidade de Cabo Verde, Paulino Fortes, disse-

me que vai estar seis meses em Macau a desenvolver

um projecto de investigação e de ensino. Macau

tem um papel muito importante como interface

na relação dos países da comunidade de língua

portuguesa e a China. Além disso, temos desde

os anos 1990 um acordo de formação de quadros

em Macau. Há uma tentativa de coordenação das

acções de cooperação da China com os países de

língua portuguesa e por outro lado há as relações

bilaterais, que dentro dos condicionalismos de

Macau – que não é uma região soberana, tem

especificidades e margens de manobra variáveis

– temos procurado desenvolver a melhor relação

possível. Aliás, o próprio presidente da República

de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, foi professor

na Universidade de Macau [antiga Universidade

da Ásia Oriental, entre 1989 e 1990]. Há já uma

certa tradição.

VII

Page 8: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015VIII | ECONOMIA

Uns gabam-lhe a localização

estratégica entre África, a

Europa e as Américas. Outros

a robustez democrática e a solidez do

sistema político. Cabo Verde festejou

ontem 40 anos de independência com

motivos de sobra para sentir orgulho:

estudos e relatórios internacionais

apontam a pequena república insular

com um exemplo de estabilidade no

contexto africano. Fragmentado por

dez ilhas, com uma população de pouco

mais de meio milhão de habitantes, é

um país onde a democracia funciona,

onde a alternância política se tornou

uma realidade e onde o investimento

estrangeiro começa a frutificar, ainda

que a um ritmo bem mais lento do que

o desejado e com uma expressão bem

menos significativa do que a que as

China – Cabo Verde: uma relação à espera de acontecerA República Popular da China foi responsável por algumas das empreitadas mais significativas que viram a luz do dia em Cabo Verde ao longo das últimas décadas. Pequim foi responsável pela construção do novo Palácio do Governo, pelo edifício da Assembleia Nacional e até pela primeira barragem do arquipélago, mas o investimento privado tarda a materializar-se. O projecto do empresário David Chow para o ilhéu de Santa Maria é paradigmático, mas não é caso único.

TEXTO DE MARCO CARVALHO

autoridades da Praia idealizaram em

termos de desenvolvimento a curto e

médio prazo.

Mergulhado numa crise económica

de contornos indizíveis, Portugal

continua, ainda assim, a ser o maior

parceiro económico de Cabo Verde.

O país tem procurado abrir novos

mercados de importação e novos

parceiros de negócios – os milhões da

China são os mais apetecidos – mas

o reforço das ligações com Pequim,

com Brasília e, mais recentemente,

com Madrid não beliscaram a

primazia de Lisboa. Portugal foi em

2014 responsável por 43,8 por cento

das importações de Cabo Verde e por

14,7 por cento das exportações cabo-

verdianas.

De acordo com os dados oficiais

divulgados no início do ano pelas

autoridades da Praia, Cabo Verde foi

no ano passado o mais importante

mercado português per capita. O

arquipélago da “morabeza” foi em

2014 o 31º mercado externo português

na importação de bens, o 29º na

importação de serviços e o terceiro

principal mercado de Portugal entre

os países africanos de língua oficial

portuguesa, com um volume de

negócios superior ao que Lisboa

mantém com muitos países da própria

União Europeia.

Por ser tão significativo, o volume de

trocas comerciais entre Cabo Verde

e a antiga potência colonizadora

ajuda a estruturar a economia

cabo-verdiana, mas a Praia não faz

segredo sobre o investimento que lhe

interessa atrair: no início de Junho a

Ministra do Turismo, Investimentos

e Desenvolvimento Empresarial de

Cabo Verde, Leonesa Fortes, liderou

uma delegação que se reuniu em

Pequim com membros do Governo

Central e com empresários chineses

com o propósito de convencer

investidores do Continente a olhar

com outros olhos para o arquipélago.

PROJECTOS TARDAM A SAIR DO PAPEL

Cabo Verde não tem poupado

esforços, mas os resultados tardam

a aparecer, como explica Mário

Vicente. O delegado cabo-verdiano

no Fórum de Cooperação Económica

e Comercial entre a China e os Países

de Língua Portuguesa reconhece

que as perspectivas de investimento

envolvendo capitais chineses ainda

não passam disso mesmo: “Tanto

o Governo de Cabo Verde como

algumas organizações internacionais

ligadas ao comércio e ao investimento

consideram o sector do turismo como

um dos que maiores potencialidades

de crescimento apresenta e tem-nos

aconselhado o turismo como um

dos caminhos de desenvolvimento”,

explica o diplomata. “Ora este

investimento ainda não existe, de

facto. Existem alguns contactos, cujo

desenvolvimento está ainda numa fase

inicial de prospecção de mercado, de

troca de informações, de localização,

de dimensão, num processo que levará

o seu tempo. Quero acreditar que no

Page 9: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 IX

futuro, não sei se a tão curto prazo

quanto isso, algo venha a acontecer”,

assume Mário Vicente.

O projecto de David Chow para

o ilhéu de Santa Maria, na orla

costeira da capital cabo-verdiana é

paradigmático, mas não é caso único.

O empresário reafirmou há um ano a

intenção do grupo Macau Legend de

investir mais de dois mil milhões de

patacas na construção de um resort

integrado na zona da Gâmboa. O

projecto – que prevê a edificação de

um complexo com casino, hotel, uma

marina e espaços de comércio, lazer

e recreação – envolve o investimento

de um montante equiparado a 15 por

cento do Produto Interno Bruto de

Cabo Verde, mas o arranque das obras,

previsto para o final do ano passado,

tarda a materializar-se. Apesar do

atraso, as autoridades da Praia contam

com o investimento do empresário

de Macau para alavancar a indústria

do turismo na zona da capital cabo-

verdiana: “As negociações têm

continuado e estão agora numa fase

muito mais interessante agora”, adianta

Mário Vicente. “Caso o projecto venha

a avançar, e continuamos a acreditar

que vai avançar, será definitivamente

um dos maiores projectos turísticos na

capital, com um impacto enormíssimo.

Impulsionará a criação de emprego,

a geração de receitas, a mudança

inclusive de todo o rosto da capital.

Seria um projecto, não diria vital, mas

de enorme importância para o país e

para o desenvolvimento económico

do país”, admite o representante de

Cabo Verde no Fórum Macau.

Na ilha da Boa Vista o cenário é

o mesmo, ainda que com outros

protagonistas. Há um ano, em

Junho de 2014, a empresa Qingdao

Jinyitong anunciou que tencionava

construir um oceanário, um hotel e

zonas residenciais na ilha, de forma a

atrair turistas europeus a Cabo Verde.

O interesse terá sido manifestado

no âmbito de uma visita que uma

delegação chinesa prestou à mais

turística das ilhas do arquipélago da

morabeza. Chefiada pelo próprio

presidente do grupo, Yang Jun, a

comitiva apresentou em detalhe

os projectos de investimento que

tenciona conduzir na orla marítima

da Boa Vista, prometeu mundos e

fundos, mas até ao momento o plano

ainda não saiu do papel: “Posso dizer-

lhe que os investimentos externos,

principalmente na área do turismo,

requerem muitas trocas de informação,

muitos estudos, em particular para os

primeiros investimentos chineses na

região. Os empresários chineses não

são dos maiores investidores neste

sector, em particular. As negociações,

as conversações e a troca de

informações continuam e quero crer

que vão continuar a avançar, mesmo

que não se possa adiantar um período

ou uma data para a sua concretização”,

reconhece Mário Vicente.

ENERGIAS RENOVÁVEIS: UMA APOSTA COM FUTURO

No início de Junho, aquando da visita

que efectuou a Pequim, Leonesa Fortes

esteve reunida com dirigentes do

Banco de Desenvolvimento da China

e com o Exibank, dois dos organismos

que lideram a lista dos maiores

financiadores dos investimentos

chineses feitos em África. A titular da

pasta do Turismo e do Investimento

apresentou às autoridades e entidades

chinesas com quem contactou as

potencialidades de Cabo Verde

em domínios como a economia

do mar, a aviação civil e o turismo,

discutindo ainda a possibilidade de

acções de cooperação numa área a

que o Governo da Praia dá crescente

importância, as energias renováveis.

Pobre em recursos naturais, Cabo

Verde olha com grande ambição para a

gestação de energias limpas. Até 2020,

as autoridades cabo-verdianas querem

garantir que 50 por cento da energia

consumida no país tenha por origem

a aposta em preceitos como a energia

solar ou a anergia eólica. O objectivo

de Cabo Verde é o de aumentar uma tal

proporção até aos 100 por cento num

período de 35 anos: “Este projecto

avança a bom ritmo. Neste momento

já estamos a vinte e tal, 30 por cento

e nos próximos quatro anos deverá

ser possível chegar aos tais cinquenta

por cento sem problemas de maior”,

garante, com orgulho, Mário Vicente.

Para alcançar os desígnios a que se

propõe, a Praia conta, no entanto,

com Pequim. O investimento feito

pela República Popular da China ao

longo da última década nas energias

renováveis ajudou a democratizar o

acesso às tecnologias de geração de

energia. Para um país com a dimensão

e as características de Cabo Verde, o

“know how” chinês pode fazer toda

a diferença, admite o delegado cabo-

verdiano no Fórum de Cooperação

Económica e Comercial entre a China

e os Países de Língua Portuguesa:

“Neste momento posso adiantar-lhe

que existem já algumas empresas

chinesas a posicionarem-se no

mercado e em Cabo Verde, em duas ou

três áreas das energias renováveis que

num futuro muito próximo podem

vir a ter frutos muito concretos no

processo de desenvolvimento deste

tipo de energia não só no arquipélago,

mas também na região”, sublinha

Mário Vicente. “Estamos a tentar atrair

interessados e o posicionamento

tem sido feito no sentido de atrair

investimentos para transformação

e reexportação de materiais em

domínios como a energia eólica ou

a energia solar, nomeadamente, que

regra geral têm maior potencial de

crescimento no mercado da sub-

região da costa ocidental africana”,

explica o diplomata.

A China foi, de resto, responsável

pela construção da primeira

barragem do arquipélago, ainda

que o empreendimento do Poilão,

no concelho de Santa Cruz, ilha

de Santiago, não tenha como

finalidade a geração de energia. O

empreendimento, construído pelo

consórcio Yun Da com dinheiros

estatais chineses, é a peça central de

um sistema de regadio que beneficiou

mais de uma centena e meia de

famílias do interior de Santiago.

Apesar do investimento privado

chinês tardar a consubstanciar-se,

Pequim tem sido ao longo das últimas

décadas um parceiro privilegiado

das autoridades cabo-verdianas na

modernização das infra-estruturas

públicas do arquipélago. Para além da

albufeira do Poilão, a China financiou

e construiu várias obras significativas:

a Assembleia Nacional, o Palácio

do Governo, a Biblioteca Nacional

de Cabo Verde e o novo Estádio

Nacional são alguns exemplos das

infra-estruturas que o Governo chinês

ajudou a erguer e a requalificar ao

longo dos últimos trinta anos.

O investimento, garante Mário

Vicente, é bem-vindo, ainda que os

desígnios do desenvolvimento passem

por projectos mais substanciais:

“São investimentos na estruturação

e desenvolvimento do país, com

um impacto económico numa

perspectiva mais de longo prazo. São

projectos públicos no âmbito da nossa

cooperação com a China. Existem

alguns exemplos nessa perspectiva,

mas como disse, não são projectos de

impacto imediato no desenvolvimento

económico, embora tenham a médio e

longo prazo os seus efeitos positivos”,

sustenta o diplomata.

Para a ilha de São Vicente chegou a estar

programado o tipo de investimento

que as autoridades da Praia identificam

como ideal: um projecto capaz de

gerar emprego, de criar riqueza e

de alavancar a competitividade

regional de Cabo Verde. Em 2013, a

“China Road & Bridge Corporation”

anunciou a intenção de construir

um porto de águas profundas e um

terminal de cruzeiros e de reabilitar os

estaleiros da Cabnave no Mindelo, no

âmbito de um projecto mais vasto de

reestruturação do sector naval cabo-

verdiano. O objectivo é construir em

São Vicente uma base complementar

de apoio às instalações logísticas que a

frota chinesa do Atlântico já possui nas

Canárias: “Las Palmas tem sido uma

base forte deles e nós continuamos

ainda, digamos, na perspectiva de ter

esse parceiro chinês, que é o mesmo

que está em Las Palmas. Contamos

com esse investimento no âmbito

do processo de desenvolvimento do

que chamamos o “Cluster do Mar”,

que passa essencialmente por essa

questão: pela reparação, construção

naval, processamento de peixe e

outros negócios afins”, admite Mário

Vicente, ainda que o projecto – à

imagem do que sucede com todos os

outros – ainda não se tenha erguido do

papel.

Page 10: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015X | PESSOAS

Um país de futuroDão cartas em domínios como a ciência, o desporto, a política, a música, a literatura ou o mundo da moda. Tratam a bola por tu, rasgam as ondas sem medo, trilham com a mesma confiança as passerelles e os corredores de acesso ao poder. São cabo-verdianos e têm nas mãos as chaves do futuro. Dez casos de sucesso, num país com muito para oferecer.

Walter Tavares, BASQUETEBOLISTA

É uma história de sucesso com contornos incríveis. Walter Tavares vai tornar-se, numa questão de semanas, o primeiro atleta cabo-verdiano a jogar na maior liga mundial de basquetebol. O atleta, de 23 anos, assinou na semana passada um contrato com os Atlanta Hawks e deve estrear-se na próxima época na NBA.Com 2 metros e 20 centímetros de altura, Walter Tavares já tinha chamada a atenção dos Atlanta Hawks no “draft” realizado em 2014: na altura, o prodígio cabo-verdiano foi selecionado como 43ª escolha entre 77 candidatos. Walter Tavares foi descoberto há seis anos na ilha do Maio por um turista alemão, que o recomendou a uma espanhol residente nas Canárias. Até então – aos 17 anos – a mais nova coqueluche do desporto cabo-verdiano nunca tinha pegado numa bola de basquetebol.

Alírio Boaventura, CIENTISTA

Aluno da Universidade de Aveiro, Alírio Boaventura é um bom exemplo do empenho e da perseverança que os estudantes cabo-verdianos espalhados pelo mundo depositam na prossecução de uma carreira académica de excelência. Formado em engenharia electrotécnica, o jovem investigador cabo-verdiano, de 30 anos, foi distinguido pelo Institute of Electrical e Electronics Engineers com um “Graduate Fellowship” pelo trabalho desenvolvido no campo das micro-ondas. Natural de Santo Antão, Boaventura já tinha sido nomeado em 2011 para o “best student paper” no International Microwave Symposium e considerado, num outro certame internacional como “jovem investigador com grande potencial de investigação em identificação por radiofrequência”. Alírio Boaventura ingressou na Universidade de Aveiro com uma média de 19 valores, encontrando-se actualmente a concluir a tese de doutoramento.

Kevin Oliveira, FUTEBOLISTA

Diz quem sabe que é uma das maiores referências das equipas jovens do Sport Lisboa e Benfica. O talento e o espírito de entrega de Kevin Oliveira não deixaram os dirigentes encarnados indiferentes. O atleta, de 19 anos, foi um dos seis juniores com os quais o clube da Luz assinou no início do ano um contrato profissional. Nascido na ilha de São Vicente, o médio cabo-verdiano integrou a equipa do Sport Lisboa e Benfica que chegou, há um ano, ao encontro decisivo da UEFA Youth League na categoria de Sub-19. A formação encarnada, recorde-se, foi derrotada na final pelo Barcelona. As boas indicações dadas ao serviço das águias no Campeonato Nacional de Juniores valeram-lhe o prolongamento do vínculo com o clube da Luz até 2021 e a chamada à selecção nacional cabo-verdiana.

Nelson Freitas, MÚSICO

A nova música popular cabo-verdiana libertou-se dos grilhões da tradição musical das ilhas – da morna, das coladeras e do funaná – e reinventou-se ao abrigo da fusão de estilos como o R&B, o hip-hop e o zouk. Nascido na Holanda, mas com as raízes bem firmadas em Cabo Verde, Nelson Freitas é um dos mais conhecidos intérpretes da nova música cabo-verdiana. Com um estilo característico, o cantor, compositor e produtor canta em inglês e em crioulo. Com uma carreira que leva já mais de duas décadas e um grande base de fãs dentro e fora das fronteiras de Cabo Verde, Nelson Freitas integrou até 2005 o grupo Quatro Plus. Em 2006, lançou-se a solo, apresentando em Outubro do mesmo ano o seu primeiro álbum – “Magic” – em nome individual. “Elevate”, o seu mais recente trabalho discográfico, foi lançado em 2003. O disco contou com a colaboração de artistas e de produtores de países como Angola, a Holanda, a República Popular do Congo e Marrocos.

Janine Lélis, DEPUTADA

Janine Lélis é um caso sério na política cabo-verdiana. Jurista de formação, a deputada é vice-presidente do Movimento para a Democracia e ganhou grande projecção no âmbito da vida política de Cabo Verde depois de em 2011 ter sido escolhida pessoalmente pelo então líder do MpD, Carlos Veiga, para encabeçar a lista do partido no Círculo Eleitoral do Sal, um feudo tradicional do PAICV. Com um grande poder de oratória, Lélis não só derrotou Basílio Mosso Ramos – um peso pesado da política do arquipélago – como também conseguiu eleger Daniel Évora, o número dois da lista. Em Setembro do ano passado, a deputada – com ligações políticas à ilha de São Nicolau – foi eleita em Marrocos para o cargo de vice-presidente do Secretariado Executivo da União dos Jovens Parlamentares Africanos.

Page 11: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 XI

Alécia Morais, MODELO

Em Fevereiro, Alécia Morais abriu o desfile da marca Tome na New York Fashion Week. Em Janeiro, a modelo cabo-verdiana já se tinha destacado nas passerelles de Paris, ao desfilar com lingerie da colecção “La Perla Atelier Haute Couture” ao lado de nomes sonantes como Naomi Campbell e Isabeli Fontana. Com apenas 17 anos e a vastidão das ilhas no olhar, Alécia Morais é uma das mais badaladas modelos africanas da actualidade. Nascida na pequena localidade de Ribeira das Patas, na ilha de Santo Antão, venceu em 2012 a primeira e única edição do Elite Model Look organizada até ao momento em Cabo Verde. A iniciativa catapultou a modelo, de 1,78 m, para o estrelato a nível internacional. Alécia Morais estreou-se em 2013 na semana da moda em Paris, tendo participado em vários desfiles e desfilado para a conceituada marca Louis Vuitton. No ano passado, antes de percorrer as passerelles de Nova Iorque, a jovem cabo-verdiana marcou presença, entre outros, nos desfiles de Londres e Milão.

Mitu Monteiro, KITESURFER

É dos mais conhecidos atletas de Cabo Verde além-fronteiras. Aos 32 anos, Mitu Monteiro é um condestável do mar: surfista, bodyboarder e kitesurfer, o atleta completou recentemente a primeira volta a Cabo Verde em kitesurf, mas não foi a façanha que o tornou um ídolo nas ilhas da morabeza. Oteniel Jorge Monteiro começou com o bodyboard, passou pelo surf e experimentou o windsurf, mas foi no kitesurf que se notabilizou. Mitu, que conhece como ninguém as ondas e os grãos de areia da ilha do Sal, compete a nível internacional desde os 17 anos e desde 2008 domina, quase sem rival, as lides mundiais do kitesurf. O kitefurfista cabo-verdiano ganhou o Campeonato do Mundo de Ondas e foi vice-campeão mundial por três ocasiões, mantendo-se desde há sete anos nos lugares cimeiros do ranking mundial da modalidade. Em 2012 abriu uma academia na costa leste da ilha do Sal, um dos melhores locais do mundo para a prática de kitesurf.

Janir Nuno da Cruz, ENGENHEIRO

Em 2013, acabado de se licenciar pela Universidade de Macau, Janir Nuno da Cruz foi notícia, ao vencer um concurso no campo da engenharia electrotécnica entre universidades das Regiões Administrativas Especiais de Macau e de Hong Kong. Sancionado pelo Instituto dos Engenheiros Electrotécnicos e Electrónicos – a mais cotada associação mundial do sector – o concurso regional foi ganho por Janir Cruz com um projecto de controlo de computadores através da mente. Natural de São Vicente, o jovem engenheiro, agora com 25 anos, apresentou depois o seu projecto num simpósio internacional na cidade chinesa de Dalian. Pensado para pessoas com dificuldades motoras, o sistema idealizado por Janir Cruz acabou por ser alvo de uma extensa apresentação na revista científica “Neurocomputing”. O jovem engenheiro encontra-se actualmente a concluir os estudos de doutoramento na Suiça.

José Luiz Tavares, POETA

Não é necessariamente jovem, nem desconhecido, mas a sua poesia continua a reverberar com a amplitude de uma promessa. Formado em Literatura e Filosofia, José Luiz Tavares fez-se conhecido dentro e fora das esparsas fronteiras de Cabo Verde através de uma obra poética erguida tendo por base poemas longos, com uma linguagem cuidada, onde se combinam o classicismo com imagens sentidas e inovadoras, cheias de riscos eficazmente resolvidos. Nascido em 1967 na ilha de Santiago, José Luiz Tavares venceu o Prémio Mário António de Poesia em 2004, com o seu primeiro livro “Paraíso Apagado por um trovão”. O poeta foi somando distinções desde então: a sua segunda obra, “Agreste Matéria Mundo”, foi contemplado com o Prémio Jorge Barbosa e em 2010 conquistou o Prémio de Lírica Cidade de Ourense com “As irrevogáveis trevas de Baldrick Lizandro”.

Elida Almeida, CANTORA

Cantora, guitarrista e autora, Elida Almeida é a voz que está a entusiasmar os amantes da música de Cabo Verde. Apesar de jovem, a artista canta com sentimento e a sua música reflecte já uma enorme experiência de vida. Entre Santa Cruz, na ilha de Santiago, onde nasceu em 1993, e a ilha do Maio, onde viveu depois da morte do pai, teve de lutar contra a pobreza, enfrentar uma gravidez precoce e garantir que levava os preceitos de uma boa educação a bom porto para poder apoiar a família. Descobriu o canto no grupo coral da igreja que frequentava e a música desde cedo se prefigurou como um refúgio. Descoberta por Djô da Silva, um dos maiores produtores cabo-verdianos da actualidade, Elida Almeida lançou no ano passado o seu primeiro trabalho discográfico “Ora doci ora margos” e, este ano, venceu o prémio Revelação nos Cabo Verde Music Awards.

Page 12: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

Se tivesse que traçar um retrato

da comunidade cabo-verdiana

em Macau, o que diria? Quantos

são e quem são os cabo-verdianos

radicados no território?

Daniel Pinto - Nós devemos ser cerca

de 40, 50. Falo dos que são mesmo

cabo-verdianos, dos que nasceram

em Cabo Verde. Se agregarmos os

descendentes o número, obviamente,

torna-se muito maior. Mas somos

mais ou menos uns cinquenta.

- É uma comunidade com um

vasto passado em Macau. É uma

comunidade enraizada e, de certa

forma, bem vista pelas autoridades

locais …

D.P. - Penso que sim. De há muitos

anos a esta parte, Cabo Verde e a

comunidade cabo-verdiana têm sido

sinónimos de competência e de saber-

estar e estas são duas facetas muito

importantes. É uma comunidade que

soube ganhar espaço na sociedade,

não só em termos sociais, mas também

em termos profissionais e culturais.

Estas características são mais-valias

dos cabo-verdianos onde quer que

eles estejam. Estamos a falar de

Macau, mas isto acontece um pouco

por todo o mundo. Nós somos um

povo de vazão, de sair. Esta é uma das

prorrogativas do povo cabo-verdiano.

- Os cabo-verdianos em Macau estão

bem integrados e não faltam exemplos

de cabo-verdianos na administração,

por exemplo …

D.P. - Temos cabo-verdianos na

educação, temos cabo-verdianos

nos serviços de saúde, temos cabo-

verdianos na advocacia, temos cabo-

verdianos no ensino superior, temos

cabo-verdianos a trabalhar para o

sector privado e temos uma excelente

leva de estudantes que estão a dar

cartas, seguindo o exemplo dos cabo-

verdianos que vieram para aqui

estudar e que acabaram por aqui

se radicar e casar. O cabo-verdiano

tem, digamos, a tendência para dar

continuidade aquilo que já foi feito ao

longo destes anos todos…

- Falava da vinda dos estudantes. Há

sempre uma parte que vem e que

acaba por ficar em Macau. Esta opção

“O cabo-verdiano nunca deixa de estar ligado à terra”São médicos, advogados, professores e estudantes de mérito reconhecido. Os cabo-verdianos de Macau são pouco mais de meia centena, mas estão entre as comunidades de expressão portuguesa mais antigas e mais visíveis do território. Respeitados pelo contributo dado em prol do desenvolvimento de Macau, não esquecem ainda assim o rincão de mundo que os viu nascer. A música e a gastronomia são expedientes que ajudam a manter a caboverdianidade viva à distância, mas “o apego à terra” manifesta-se quotidianamente de forma bem mais natural, pelo milagre da língua. Daniel Pinto, presidente da Associação de Amizade Macau-Cabo Verde, em entrevista.

TEXTO E FOTOS DE MARCO CARVALHO

permita uma renovação progressiva

da comunidade?

D.P. - Logicamente. Se reparar,

quando começaram a vir os primeiros

estudantes, praticamente todos

alcançaram grande sucesso. Alguns

voltaram para Cabo Verde: aliás, saiu

daqui um ministro, como saíram

elementos importantes para a

governação cabo-verdiana, que apesar

de não serem ministros, ocupam

cargos elevados. Aqueles que ficaram

cá conseguiram catapultar a carreira,

conseguiram chamar a si um lugar de

destaque na sociedade e acabaram

por se casar e por ficar aqui radicados.

Mas há uma sucessão de estudantes:

de quantos em quantos anos vem

uma leva de estudantes com grande

proveito em termos académicos,

sempre com grandes notas. Lembro-

me, por exemplo, de um estudante que

veio há cinco ou seis anos, o Janir Cruz

que se distinguiu como sendo um dos

melhores alunos de todos os tempos

na Universidade de Macau. O Janir já

fez um mestrado, ganhou um concurso

internacional no estrangeiro e está a

fazer o doutoramento na Suiça. É um

exemplo vivo de que a comunidade

está viva e há como que uma linha de

continuidade neste aspecto.

- Macau tem contribuído nesse

sentido, sobretudo na formação

de quadros. Cabo Verde é desde a

primeira hora membro do Fórum

Macau e as relações com o território e

com a República Popular da China são

cordiais, mas o investimento chinês

no arquipélago está longe de ser

significativo. Como é que se explica

esta questão? Pela insularidade?

D.P. - Sim, mas não só. Não é só a

questão da insularidade. Repare que

a distância que separa Macau de Cabo

Verde é uma distância incomensurável

e os chineses têm como ponto assente

conhecer bem, estudar, tomar o

pulso às condições. Só depois deste

processo é que investem timidamente:

vão apalpando terreno e só quando

tiverem a certeza absoluta de que

o investimento tem futuro é que

investem. Mas o grande problema de

Cabo Verde, ainda assim, é o facto de

ter um território divido por dez ilhas.

O facto de estar muito longe também

não ajuda. Eu não diria que seja má

vontade. O Fórum trabalha bem nesse

sentido, o Governo também trabalha

bem nesse sentido, mas nem sempre

é possível ter tudo sob controlo. Penso

que Cabo Verde faz o máximo para que

as estratégias sejam bem-sucedidas,

mas esta distância incomensurável

que lhe referia é um obstáculo

significativo às negociações e à forma

de se fazer negócio entre Cabo Verde

e Macau e Macau e Cabo Verde. Esse,

para mim, é o grande obstáculo.

- Um dos reparos que habitualmente

são feitos pelos países do Fórum

é a falta de divulgação, a falta de

conhecimento factual dos países

membros junto de potenciais

investidores chineses. Este

desconhecimento existe? Ou é um

mito diplomático? Macau conhece

XII | MACAU

Page 13: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

Cabo Verde?

D.P. - Já começa a conhecer melhor. Se

disseres Cabo Verde, assim mesmo, em

português as pessoas ficam confusas

e não sabem: levam para a África do

Sul, fazem perguntas sobre a África

do Sul e não sabem bem. Mas se se

referir ao país em cantonense, se

disser “Fat Dak Gok”, compreenderá

que há muitas pessoas que já têm

noção do que é Cabo Verde, onde

Cabo Verde fica. No entanto, a maior

parte dos residentes de Macau têm

ainda uma ideia muito pálida de onde

é Cabo Verde. Cabo Verde é um país

insular, é um país muito pequeno e é

preciso que aconteça algo de muito

extraordinário para que o mundo

olhe para o arquipélago. As coisas têm

mudado paulatinamente. O trabalho

do Fórum, da própria Associação, do

trabalho que tem sido feito em prol da

divulgação da cultura cabo-verdiana,

com o impulso dado pela própria ideia

de Lusofonia, as perspectivas têm

vindo a mudar e há muita gente que

sabe onde se situa Cabo Verde e aquilo

de que Cabo Verde é sinónimo. Este é

um processo que leva algum tempo.

- Como é que se vive a

caboverdianidade à distância? Como

é que se mantém o apego à terra?

D.P. - Vive-se como se vive nos outros

locais onde a saudade é permanente.

Apesar das distâncias serem enormes,

o cabo-verdiano nunca deixa de estar

ligado à terra. Periodicamente reúne-

se em eventos culturais, em eventos

gastronómicos e mata saudades

da terra, mas mesmo não havendo

a possibilidade das pessoas se

juntarem, o espírito da comunidade

está sempre aceso no cabo-verdiano,

independentemente de tudo o resto.

- Falava da gastronomia, mas

há também a música. Mesmo à

distância, a música ajuda a construir

a identidade de quem se afirma como

cabo-verdiano?

D.P. - Temos uma expressão em Cabo

Verde que é “ninar”. É como que um

acariciar. A música é como se fosse

um carinho para nós e apesar de nos

deixar com uma certa nostalgia, é uma

forma eficaz de matarmos saudades

da terra. Acontece com a música,

com a nossa gastronomia, mas são

coisas pontuais. Como lhe estava a

dizer, o espírito que temos em nós

de cabo-verdianidade, o espírito

pátrio nunca sai de nós, mesmo que

tenhamos outra nacionalidade ou

estejamos em outras latitudes. É um

sentimento que está enraizado em

nós e que mantemos: nós, cabo-

verdianos, quando nos encontramos,

falamos sempre em crioulo. Apesar do

português ser a língua oficial e ser algo

que respeitamos muito – já o Amílcar

Cabral dizia que foi a melhor herança

que o colonialismo nos deixou, foi

a língua portuguesa – nós fazemos

questão de, quase naturalmente,

falar crioulo. Não há outra forma de

matar saudades. Muitas vezes até

trocamos mensagens entre amigos

em crioulo. É uma forma também de

manifestarmos a nossa presença, de

reabilitarmos Cabo Verde em nós e

país extremamente novo, é um país

jovem. Não obstante essa juventude,

Cabo Verde já deu mostras de valor

e uma grande capacidade para a

reinvenção. Depois da independência,

e peço imensa desculpa, mas Portugal

e o colonialismo não nos deixaram

absolutamente nada: deixou-nos a

língua, muito orgulhosamente, mas nós

praticamente refizemos tudo. O que

nos valeu foi termos os nossos quadros:

se reparar o único país onde não houve

uma grande invasão de cubanos e de

soviéticos foi Cabo Verde. Obviamente

que o arquipélago ainda recebeu

alguns e ainda há uns poucos que por

lá continuam ou que por lá morreram,

mas depois notou-se que muitas

pessoas que estavam fora de Cabo

Verde, muitos cabo-verdianos tiveram

a preocupação de voltar para a terra e

no pós-independência ajudaram o país

a crescer. Nós tínhamos quadros na

engenharia e na medicina e em vários,

o que nos ajudou a erguer pela nossa

própria mão o país. Os cabo-verdianos

têm a fama de ser inteligentes,

mas eu creio que são antes de mais

perseverantes. Eu tinha um primo que

dizia: “Se calhar Deus deu-nos estas

ilhas áridas e estas paisagens lunares

para que tivéssemos força e ânimo para

as vencer”. Há lugares em Cabo Verde

onde não se vê uma erva, embora o solo

seja de uma riqueza extraordinária. Se

chove durante um dia inteiro, daí a uns

dias as montanhas estão todas verdes.

O problema é que a chuva nem sempre

vem. São estas vivências que ajudaram

a moldar o carácter do povo cabo-

verdiano.

- É um país com alguns desafios

de futuro. Há mais cabo-verdianos

espalhados pelo mundo do que em

Cabo Verde. A diáspora será sempre

uma questão para Cabo Verde?

D.P. - Cabo Verde vive muito do

rendimento dos cabo-verdianos na

diáspora. Para onde quer que vá, o

cabo-verdiano leva sempre consigo

um grande apego pela terra. Ele vai

trabalhar para Itália, mas o grande

objectivo dele é ganhar algum

dinheiro, investir em Cabo Verde, fazer

uma casinha em Cabo Verde e depois,

mais tarde, voltar a viver em Cabo

Verde. Quem diz Itália, diz França,

diz os Estados Unidos da América,

diz o Brasil ou diz Portugal. Qualquer

que seja o país para onde vá, o cabo-

verdiano tem sempre o objectivo de

ganhar alguma condição financeira e

depois voltar à terra. Eu não diria ficar

rico, mas criar alguma capacidade

para depois investir o dinheiro na

terra. Normalmente nunca investimos

dinheiro no estrangeiro. Ganhamos,

suámos muito, sempre com o intuito

de voltar à terra ou de, pelo menos,

investir lá, mesmo não voltando.

- Quais são os grandes trunfos de Cabo

Verde para os próximos quarenta

anos?

D.P. - Um dos trunfos é a educação.

Sendo um país pobre, sem grandes

recursos naturais, Cabo Verde sempre

esteve vocacionado para a educação.

Primeiro de tudo, importa erradicar o

analfabetismo em Cabo Verde. Este é

um ponto importante. Neste momento

temos várias universidades e há uma

preocupação premente com as novas

gerações, com a ideia de dotar os

cabo-verdianos com educação e com

uma cultura mais abrangente, para

que eles possam progredir. Há um

efeito de retorno: alguém que estuda,

que progride, que completa os estudos

superiores sente o dever de ajudar a

terra. O nosso principal objectivo diz

respeito a esta aposta na educação

e ao combate ao analfabetismo. No

contexto africano, Cabo Verde já dá

cartas a este nível: é o país com menos

analfabetos.

- Ao fim de quarenta anos, há

problemas que Cabo Verde tem

necessariamente de resolver para que

se possa afirmar cada vez mais como

um país de futuro?

D.P. - Cabo Verde tem uma história

curiosa. Nós vivemos muitos anos

sob a égide de um poder colonial e

no pós-independência tivemos uma

democracia que não era a melhor. Era

um regime extremamente musculado,

com alguma violência e tudo. Houve

um movimento um pouco repressivo,

mas que não deu origem a represálias

Era um regime de partido único, que

deu lugar ao multipartidarismo e

Cabo Verde, depois da democracia

musculado, conseguiu conduzir

uma espécie de lavar dos cestos:

tornou-se num país extremamente

inteligente, capaz e agora Cabo Verde

tem uma liberdade de expressão e de

movimentos extraordinárias. Podes

dizer o que quiseres, como quiseres,

que não és contestado, não és levado

à barra dos tribunais. Dizes aquilo

que quiseres. Há muita liberdade

de expressão e de pensamento. Isso,

digamos, é ilustrativo da inteligência

do povo cabo-verdiano. É disso que

precisamos no futuro: é consolidar

ainda mais a nossa democracia,

acabar com as bolsas de pobreza e de

analfabetismo que ainda persistem

e tentar criar condições para que

os nossos quadros se tornem cada

vez maiores e mais fortes. É por isso

que temos muitas pessoas a estudar

na diáspora, mas com o intuito de

voltarem para Cabo Verde.

- Os 40 anos são uma data festiva

também para quem está fora. Como é

que se vai assinalar esta efeméride em

Macau?

D.P. - Organizamos um jantar mas,

que por questões que nos ultrapassam

um pouco, foi quase como que uma

celebração íntima, entre amigos.

Fizemos um jantar para assinalar a

data, mas só com a comunidade cabo-

verdiana. Posteriormente teremos uma

exposição de fotografias e teremos o

lado gastronómico também, mas isto

ocorrerá mais lá para a frente. É uma

data especial, mas não vamos centrar

o programa de comemorações no 5

de Julho. Queremos celebrar esta data

ao longo do ano inteiro e promover

uma série de actividades. Uma delas,

de certeza, é um torneio de futebol, a

que já pusemos o nome de morabeza,

que acho que é um nome pomposo e

bonito, que diz tudo do nosso povo.

de mantermos vivo o apelo da pátria.

- Apesar do trabalho de uniformização

do crioulo estar ainda em progressão

e de existir uma grande discussão em

torno da norma que poderá vir a ser

adoptada, o crioulo é, por si só, um

estandarte de identidade?

D.P. - Logicamente que sim. O crioulo

é um estandarte de identidade. Não

há margem nenhuma para dúvidas.

O crioulo faz parte de nós. É a forma

como, muitas vezes, nos identificamos

e é a forma mais rápida e natural

de nos expressarmos. Vês um cabo-

verdiano e saúda-lo logicamente

com uma expressão crioula. É algo

automático. Mas levanta uma questão

curiosa quando fala da questão da

uniformização do crioulo. É uma

questão muito complicada, a meu

ver. Apesar de nós termos pessoas

com muita capacidade em Cabo Verde

e de os linguistas terem estudado

esta questão por muitos anos e de

a continuarem a estudar, no meu

entender esta tarefa é uma tarefa

hercúlea. Falamos de dez ilhas e

apesar do crioulo ter semelhanças,

falamos de dez crioulos diferentes.

Uniformizar o crioulo é uma coisa

extremamente complicada e mesmo

que se venha a uniformizar o crioulo,

eu penso que o nosso crioulo jamais

servirá como uma língua franca, que

é aquilo de que Cabo Verde precisa.

Para isso usa o português. No meu

entender, está fora de questão utilizar

o crioulo como língua de negócios: por

um lado é uma língua desconhecida,

é uma língua que mais ninguém fala

e que nos poderá interessar sobretudo

como instrumento de cultura. Como

língua de afirmação internacional está

condenada a não ser bem-sucedida. O

crioulo interessa a Cabo Verde como

padrão cultural, mas pouco mais.

Nesse sentido, merece a cem por cento

a minha reverência.

- A questão linguística é um dos

poucos focos de tensão que existem

em Cabo Verde. É um país pacificado,

com uma democracia robusta, com

boas perspectivas de futuro e que é

elogiado quase de forma unânime

pela comunidade internacional …

D.P. - Cabo Verde é muitas vezes

apontado como um bom exemplo,

não só no campo da educação, mas

também no aspecto da democracia,

que é uma das democracias mais

progressivas do mundo. Gozamos

desse privilégio e dessa fama. Há

pequenas quezílias, como dizia, entre

os linguistas porque quase nunca

chegam a acordo. Cada um puxa a

brasa para a sua sardinha porque

Cabo Verde é dividido em duas partes:

temos as ilhas do Barlavento e as ilhas

do Sotavento. Em termo linguísticos,

as ilhas estão na génese de crioulos

que, por um lado, se assemelham

um bocado, mas por outro lado dão

azo a alguma dispersão, embora nós

nos entendamos uns aos outros. Esta

é a grande discórdia. Padronizar,

uniformizar este crioulo tem sido

um desafio. Posso defender que uma

determinada expressão está correcta

se for pronunciada de determinada

forma, mas um linguista pode cuidar

que não. Ele vai beber das raízes da

norma da ilha que estudou e esta

dimensão está na origem de um

conflito que sempre se gerou e que

se vai continuar a gerar, parece-me.

Mesmo que se consiga uniformizar a

língua, não sei se alguma vez haverá

consenso ao redor desta matéria.

Acho que as pessoas, por razões

sentimentais, vão sempre puxar a

brasa à ilha a que pertencem.

- Para quem, como é o seu caso,

viveu mais de metade destes 40

anos de independência fora de Cabo

Verde, que significado tem esta data

redonda?

D.P. - Os quarenta anos de

independência são um marco

importantíssimo para qualquer

cabo-verdiano. Quarenta anos é uma

data histórica. É uma data redonda

que importa celebrar, mas gostava

ainda assim de sublinhar que com

quarenta anos, Cabo Verde está

ainda numa fase embrionária. É um

XIII

Page 14: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015XIV | CULTURA

“Existe uma cultura fortíssima nas comunidades emigradas”

Celina Pereira, cantora, investigadora e divulgadora da tradição cultural cabo-verdiana, vive há 44 anos em Portugal mas, na verdade, nunca saiu de Cabo Verde.TEXTO DE CLÁUDIA ARANDA

Page 15: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 XV

Oponto final

FELICITA A REPÚBLICA

DE CABO VERDE PELO SEU

40º ANIVERSÁRIO

Pela porta entreaberta no rés-do-chão de

um edifício histórico situado num dos mais

antigos e tradicionais bairros lisboetas,

Alfama, não longe da Rua dos Remédios, da Tasca

do Chico de Alfama e da Mesa de Frades – onde

cantam fadistas famosos – não é fado que se

ouve, mas sim uma morna cabo-verdiana.

Estamos no Tejo Bar e dentro da pequena sala de

paredes cobertas de fotos e desenhos rabiscados

há seis músicos, brancos, negros e mestiços

– entre eles alguns dos mais conceituados

intérpretes cabo-verdianos estabelecidos em

Portugal – que afinam notas nas suas violas e

cavaquinhos antes de avançarem para o ensaio

do concerto de domingo, que assinala os 40 anos

da independência de Cabo Verde.

O músico e compositor Jon Lus dá o tom com a sua

voz e cavaquinho e avança em crioulo, soltando

as primeiras notas de ‘Força di Cretcheu’ (‘Força

do meu amor’), com letra do poeta e compositor

cabo-verdiano Eugénio Tavares (1867 – 1930).

No pequeno bar, agora fechado para a clientela,

os músicos acertam ritmos, entre um gole de

cerveja, duas palavras em crioulo e uma dentada

em pedaços de queijo e enchidos, que lá foram

postos para afagar os estômagos.

Tal como estes músicos que há muito deixaram

as ilhas onde nasceram, seja Santo Antão, Boa

Vista ou São Vicente, há outros cabo-verdianos

que continuam a sair e a emigrar. Mas não é a

distância que os torna menos cabo-verdianos,

pelo contrário. Na diáspora, a comunidade

afirma-se culturalmente, através da música, da

dança, da culinária.

“Existe uma cultura fortíssima nas comunidades

emigradas, penso que a nossa grande mais-valia

é o enorme enraizamento que temos na nossa

cultura intrínseca”, explica Celina Pereira, diva

da morna que se dedica a pesquisar, recuperar

e divulgar a tradição musical cabo-verdiana e

da ilha da Boa Vista, sua terra natal e origem da

morna.

PENSAMENTO EM CABO VERDE

Celina Pereira foi também uma das estrelas

da serenata-concerto agendada para ontem,

esse mesmo espectáculo para o qual Jon Lus e

companheiros ensaiam no Tejo Bar, em Alfama.

O evento promovido pela organização Largo

Residências prometia juntar, pelo menos, 100

músicos e amantes de mornas numa “serenata

itinerante”, no bairro do Intendente, em Lisboa,

no dia em que se assinalavam os 40 anos da

independência de Cabo Verde.

“A aproximação do 5 de Julho significa sempre

momentos de grande ebulição”, comenta a

artista, que destaca a “evolução enorme” de Cabo

Verde nestes 40 anos. “Passámos da situação de

país colonizado para uma pátria independente

com grandes responsabilidades sociais, tem

havido um esforço enorme na luta contra o

analfabetismo, contra as secas e a pequenez do

país, que não tem recursos materiais”. A artista

prossegue enaltecendo as suas gentes. Afirma

que “a maior riqueza de Cabo Verde é o seu povo.

É um povo batalhador, feito de guerreiros e de

guerreiras”.

A viver em Portugal há 44 anos e com um percurso

musical que a tem levado a diversos pontos do

mundo (ainda falta dar um salto à China), Celina

sentiu que tinha de pesquisar mais sobre Cabo

Verde para descobrir a sua “essência”. “Aquilo que

eu tenho estado a fazer é investigar-me, procurar-

me como ser humano, onde estão as parcelas da

minha identidade? Elas não são só portuguesas,

não são só lusas, são de várias outras origens.”

Por isso, Celina nunca deixou de se relacionar

com o seu país. “Em termos íntimos nunca saí de

Cabo Verde, costumo dizer que fisicamente estou

fora do país, mas o meu espírito e pensamento

estão sempre em Cabo Verde.”

CABO-VERDIANOS REALIZAM-SE EMIGRANDO

Celina Pereira tem desenvolvido um trabalho

educativo com cabo-verdianos em Portugal que,

tal como ela, mantêm uma a ligação forte com

Cabo Verde. “O batuque está vivo, a tabanka

[procissão dançada] está viva, as pessoas dançam

funanás e mazurcas e fazem ‘kola son jon’ [festa

no dia de São João] todos os anos”, prossegue.

“Sou madrinha de um grupo de batuque, ‘Voz

d’África’, há mais de 20 anos, e essas mulheres

já passaram o testemunho às filhas e às netas,

já há segundas e terceiras gerações que recebem

a cultura das mães e das avós. É por ali que os

cabo-verdianos vão sobrevivendo como povo

com uma identidade, da qual fazem parte várias

coisas”, explica a artista. Por outro lado, é uma

comunidade que, em termos culturais, se afirma,

também, “comendo a sua cachupa, fazendo

o seu cuscuz, o seu peixe seco – há muitas

manifestações culturais na comunidade que para

mim são um espelho da resistência cultural cabo-

verdiana em termos de comunidade”, prossegue

Celina.

Na opinião da cantora, a passagem do testemunho

cultural não vai parar nunca, até porque a saída

de cabo-verdianos para a diáspora vai continuar.

“Cabo Verde é um país de emigração”, diz.

Não sendo emigrante, o jornalista e historiador

José Vicente Lopes acredita que “a emigração faz

parte do ADN do cabo-verdiano”. “Fomos sempre

uma nação que se lançou ao mundo. Cabo Verde é

o primeiro espaço africano a procurar o território

americano de forma livre. A emigração para os

Estados Unidos começou no século XVIII no

tempo da pesca da baleia. Raramente se encontra

um cabo-verdiano que não tenha um parente

emigrado. São poucas as pessoas, hoje, mesmo

com uma vida arrumada, que não admitem a

hipótese de emigrar. Pode ser que essa vontade de

emigrar seja menor do que no passado, mas ela

ainda existe, porque faz parte do nosso ADN”, diz

Vicente Lopes. E acrescenta: “Mais cedo ou mais

tarde Cabo Verde acaba por ser pequeno para

nós que aqui estamos. Por outro lado, na busca

da realização pessoal e até mesmo colectiva, há

pessoas que só se conseguem realizar emigrando”.

Page 16: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015XVI | CULTURA

A independência das palavrasO artista cabo-verdiano Mito Elias recorda o nascimento de uma nação que comemora 40 anos de independência. As palavras, antes como agora, continuam a ser expressão de liberdade. Um projecto que busque o “paralelismo entre o patuá e o crioulo” de Cabo Verde continua nos planos do autor.TEXTO DE HÉLDER BEJA

Foram os Ornatos Violeta e a voz cavernosa de Vítor

Espadinha que nos cravaram na memória aqueles versos

que falam de palavras repetidas ao expoente máximo da

loucura, ora amargas, ora doces, a lembrarem-nos que o amor é

uma doença, sim, mas também que as palavras são esse revólver

sempre apontado à realidade, prontas a decidirem-lhe o destino.

Foi assim com Mito Elias e a independência de Cabo Verde.

Elias, que já passou duas vezes pelo território – última delas em

2012, para participar na primeira edição do Festival Literário

de Macau – tinha pouco mais de 10 anos quando Cabo Verde se

tornou independente. Recorda o “muito frenesim” daqueles dias

em que “havia sempre muitos comícios, saraus e manifestações”.

E as palavras. “De repente apareceram palavras que a gente

desconhecia: beaurau, ad-hoc, comité, proletário, imperialismo,

etc. Foi uma fase de muitas descobertas: Tabanka, Zeca Afonso,

Picasso, Chaplin...”

Natural da Praia, capital de Cabo Verde onde nasceu em 1965, Mito

Elias guarda imagens de um lugar que nos anos 1970 “não passava

de uma pequena aldeia”. Mas como o melhor dos viajantes à volta

do seu quarto, o menino cabo-verdiano encontrava ali todos os

caminhos. “Obviamente que a ideia que fazíamos de tudo era uma

imensidão, por ser o nosso centro do mundo”, conta.

IDEAL IMAGINÁRIO

Quando tinha oitos anos, Elias assistiu a uma episódio que o

marcou “para sempre”: “Eram mais ou menos seis da tarde, à

hora em que findava o expediente da função pública tocava o

hino português nos altifalantes da Rádio Clube e toda a gente

(o trânsito inclusive) teve de parar e ficar em sentido até o

hino acabar de tocar. Parecia uma parada militar destinada à

população civil.”

Mito Elias rememora episódios da vida em Cabo Verde

nesta entrevista por email dada ao PONTO FINAL. O ano de

1975 trouxe consigo “algum entusiasmo e muita apreensão

também”. Uma “grande euforia” atravessava o país em “todos

os domínios” e não faltaram “muitos exageros causados

pela cauda lamacenta da revolução, como diria Jaime de

Figueiredo”.

Elias e os irmãos eram os putos que viam a história acontecer.

“Tudo o que queríamos na vida era ser como os soldados das

FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo), ter aquelas

tatuagens de unidade e luta ou da estrela negra, ter um

colar com uma bala pendurada, uma t-shirt estampada com

Amílcar Cabral, a boina do Che Guevara e emblemas do PAIGC

(Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde).

Morávamos perto do quartel da cidade da Praia e a excitação

era militante.”

Quatro décadas volvidas, a excitação não será a mesma mas

Mito Elias orgulha-se de pertencer a um país “que, apesar da

sua pequenez e ausência de recursos materiais, conseguiu

granjear algum respeito junto ao continente Africano e junto

da comunidade internacional”. Os desafios continuam lá,

com o clima seco a ser um dos maiores, por ser “um problema

crónico”. Depois, há o narcotráfico, questão mais recente que

tem perturbado o país nos últimos 20 anos, e a desigualdade

entre classes, que aos olhos de Elias “está cada vez mais

agudizada”. Para o autor, “urge encontrar formas de colmatar

esse fosso” em Cabo Verde.

PATUÁ NÃO ESTÁ ESQUECIDO

Artista multifacetado, Mito Elias estudou no Ar.Co, em Lisboa,

entre 1989 e 1991, e é também desde essa altura que faz parte

da diáspora cabo-verdiana, agora em Melbourne, Austrália.

Ontem, mesmo muito longe de casa, não deixou passar em

claro o dia da independência do seu país. “A comunidade

Page 17: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 XVII

TODOS OS NOMES DA CULTURA CABO-VERDIANA, SEGUNDO MITO ELIASArménio Vieira, Orlando Pantera, Mário Lúcio & Simentera, Princezito, Mayra Andrade, Ildo Lobo & Os Tubarões, Magra, Duka, Bulimundo, Ferro Gaita, Vasco Martins, Tchalê Figueira, José Luís Hopffer, Filinto Elísio, Totinho, Vera Duarte, Manuel di Candinho, Lura, João Branco, Dina Salústio, José Luiz Tavares, Bau, Ângelo Andrade, Finason, Sana Pepper’s, Abrãao Vicente, Celina Pereira, Luís Morais, Codé di Dona, Alex, Djim Djob & Kalú, Toy Vieira, Nancy Vieira, João Vário, Paul Pena, Dany Mariano, Alexandre Cunha, Alberto Catchaz, Xan, Boy Gè Mendes, Tey, Paulino Vieira, Albertino, Eurico Barros, Ney di Belinha, Vadú, Zezé & Zéca di Nha Reinalda, Kings, Voginha, Cesária Èvora, Binga de Castro, Remna, Mano Preto & Raiz di Polon, Leão Lopes, Titina, Paula Vasconcelos, Nha Nácia Gomi, Ricardo de Deus, Hernâni, Bento Oliveira, Antero Simas, Kassanaya, Djinho Barbosa, José Vicente Lopes, Misá, Horace Silver, Chico Serra, César Scofield, Corsino Fortes, Isa Pereira, Tazinho, Kaká Barbosa, Kim Alves, Ras JahKnow, Oswaldo Osório, Djunga di Biluka, Vadinho, Djinho Barbosa, Humbertona, Waldemar, Betú, Heavy H, Baltasar Lopes, Luísa Figueira, Nhô Roque, Travadinha, Manuel Clarinete, Manuel Figueira, Bela Duarte, KikiLima.

cabo-verdiana em Melbourne não passa de uma dezena de criaturas.

Apesar da fraca parcela, vamos ter uma pequena celebração, da qual

sou um dos organizadores. O certame já vai na sua 2ª edição, chama-se

‘Liberdadi’. Este encontro terá música ao vivo, Poesia, DJ Set, dança e

cachupa. Este encontro pretende também ser uma forma de congregação

lusófona em Melbourne”, explicava antecipadamente o artista.

No Festival Literário de Macau, em 2012, Elias apresentou-se como

performer e como artista visual, trazendo ao território ecos da poesia

e da vida de Arménio Vieira, vulto maior da literatura cabo-verdiana.

Por cá, fez também vários amigos e germinou ideias para futuros

projectos. “Sempre estive em contacto com os cabo-verdianos de

Macau, onde tenho muitos amigos. Gostaria de poder desenvolver no

futuro, conjuntamente com os cabo-verdianos de Macau, ou não, algum

trabalho que buscasse um paralelismo entre o patuá e o crioulo. As

sementes já estão lançadas, o poeta Adé já faz parte do lote de escritores

com o qual tenho trabalhado ultimamente. Só falta encontrar parcerias

para levar avante esta forma de Criolantus.”

O crioulo cabo-verdiano é uma das paixões assumidas de Mito Elias, que

o vê como um tesouro nacional. A sua preservação “está sobejamente

garantida”, visto que toda a população fala fluentemente o crioulo. Mais:

quase toda a produção musical é feita em crioulo. “A coisa só entra em

estado catatónico quando galga os patamares da literatura, por causa do

sentido ortográfico”, explica Elias.

Para o artista, “contrariamente àquilo que um renomado escritor cabo-

verdiano disse recentemente numa entrevista, Cabo Verde tem sido

conhecido no mundo é pelo seu crioulo”. “As pessoas sabem que fomos

colonizados pelos portugueses, mas têm uma certa noção de que a

música da Cize [Cesária Évora] que tanto gostam não é o português da

Amália ou do [António Carlos] Jobim. Há muita gente cantando os refrões

das músicas que a Cesária itinerou pelo mundo fora, eu já testemunhei

isso em diferentes esquinas do mundo”, refere com orgulho.

Mesmo com “alguns lobbies estrangeiros que tentam travar o consenso

ortográfico do cabo-verdiano, a língua vai granjeando a sua dinâmica

todos os dias”, garante Elias. Isso é visível nas redes sociais, no hip-

hop ou num simples SMS – e é também uma lufada de ar que agrada

ao artista, para quem “não há estado de alma mais redutor do que

sentirmo-nos reféns da nossa própria língua”.

Dentro de poucos dias Mito Elias ruma a Díli, em Timor-Leste, para

mais uma itinerância da “[RE]alphabetika”, um espectáculo de poesia

performática e vídeo instalação que surgiu como forma de assinalar

o 25º aniversário do lançamento da Sopinha de Alfabeto, revista que

fundou em Cabo Verde em 1985. Em “[RE]alphabetika”, Elias passeia

pela obra de vultos como Luís Morais, Ruy Belo, Amílcar Cabral, Boris

Vian, Corsino Fortes, Horace Silver, Jorge Barbosa, Alberto Pimenta,

Miles Davis, Cesária, Beatles e Bulimundo, entre outros.

O artista tem ainda dado alguma ênfase à pintura, estando agora

representado pela conceituada David Bromley Gallery. O grande foco de

trabalho, no entanto, tem sido o projecto de ‘street art’ que fará parte

do Big West Festival, em Melbourne. “SCRIPTA – Writings of the World”

consiste na recolha das várias formas caligráficas que são usadas em

West Melbourne, para a construção de um grande mapa-mundi. “Este

trabalho já está na fase de fermentação desde Setembro do ano passado

e será apresentado como produto final em Novembro deste ano”, conta.

Em Outubro deste ano, Elias apresentará outra proposta de poesia

performática, “Similitude”, no encontro West Writers. Sempre apegado

às palavras, o artista traçará desta feita um paralelismo entre o crioulo

de Cabo Verde e a língua vietnamita.

Page 18: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015XVIII | HISTÓRIA

João Nobre de Oliveira nasceu na ilha de

Santo Antão há 60 anos. A sua família

tinha firmado raízes no arquipélago no fim

do século XVIII e parte da tribo lá permanece,

assim como muitos amigos. João sente-se

“cabo-verdiano e português”, fala crioulo,

saboreia os pratos da terra e aprecia a música

do arquipélago. Deixou as ilhas em 1977 para

estudar em Portugal. Licenciado em História,

Nobre de Oliveira tem-se dedicado ao percurso

socio-histórico das ilhas, sobretudo na fase

colonial. Em 1995 veio para Macau, onde se

fixou e se tornou mais um cabo-verdiano na

diáspora. A trabalhar no sistema de ensino

local, o historiador publicou em 1998 a mais

importante história da imprensa cabo-verdiana

(“A Imprensa em Cabo Verde, 1820-1975”,

Fundação Macau). Actualmente está a investigar

a genealogia das famílias cabo-verdianas.

- É autor da história da imprensa cabo-verdiana

no período colonial. Qual a importância

da imprensa entre o final do século XIX e o

princípio do século XX em Cabo Verde?

João Nobre de Oliveira - No século XIX, mais do

que para difundir notícias, a imprensa servia para

o debate de ideias. Naquela altura encontram-se

artigos de opinião em defesa dos interesses da

terra, dos problemas dos funcionários coloniais

em relação aos da metrópole, e muitos artigos

que atacam a política colonial da metrópole.

Eram jornais de pequena dimensão, que podem

ser comparados com a imprensa de língua

portuguesa de Macau, com um público muito

restrito, a debater problemas que dizem respeito

a essa comunidade.

- Nesta imprensa falava-se sobre a

independência?

J.N.O – Foi um grupo que surgiu no século XIX e

que foi activo na defesa dos interesses de Cabo

Verde, até o ponto de falarem abertamente de

uma possível independência. O que se encontra

nos artigos desta fase é a defesa dos interesses da

terra em oposição aos interesses da metrópole. O

jornalista Eugénio Tavares escreveu “portugueses

irmãos sim, portugueses escravos não”. Ou seja,

estes jornalistas defendiam que Portugal e Cabo

Verde podiam permanecer juntos se todos

fossem iguais, se não houvesse cidadãos de

primeira e de segunda. O José Lopes, em 1898-

1899, escreveu: “Sonharia antes de morrer ver a

minha terra independente”. Eles escreveram no

contexto da guerra da independência em Cuba,

quando as Filipinas também lutavam pela sua

independência e na África do Sul as províncias

do Traansval e do Orange estavam em guerra

com a Inglaterra.

- Esse grupo nativista do final do século XIX

precede o movimento de libertação a partir de

1950?

J.N.O - Precede, embora eles nunca tenham

pegado em armas. Um funcionário da altura

escreveu um artigo defendendo que era preciso

fazer como os filipinos e pegar em armas, mas

“Cabo Verde está inserido em vários espaços, em vários mundos”João Nobre de Oliveira está em Macau há 20 anos. Em entrevista ao PONTO FINAL, fala do passado e do presente do arquipélago onde nasceu e ao qual dedica o seu trabalho enquanto historiador. TEXTO E FOTOS DE ISADORA ATAÍDE

não se passou disso. Este grupo pretendia uma

luta política, foram os nativistas que lançaram

as ideias, as bases, do que mais tarde será o

movimento de libertação. Uma geração depois,

o jornalista Pedro Cardoso assinava como ‘Afro’,

o que é simbólico. Outro elemento do grupo

nativista foi o Juvenal Cabral, o pai do Amílcar

Cabral. Como se vê, as coisas não surgem por

acaso.

- Em Cabo Verde, os africanos eram

considerados cidadãos e tinham os mesmos

direitos dos europeus. Porém, na prática

havia discriminação. Como é que esta se

materializava?

J.N.O - Recordo um texto do José Lopes que dizia

que “os racistas são os de lá, não são os de cá”.

Se o funcionário português ficasse doente podia

retirar-se para a Europa, já um funcionário da

terra, um cabo-verdiano, não tinha esse direito.

Qualquer indivíduo que fosse transferido para

Cabo Verde da metrópole era colocado à frente

dos cabo-verdianos. Foi esse tipo de coisas que se

denunciou, além das práticas que prejudicavam

o comércio da colónia e favoreciam a metrópole.

Cabo Verde tem uma particularidade, o facto

de a colónia ter sido dirigida pelos naturais da

terra. Ter-se-á passado algo semelhante em Goa

e em Macau em certa fase, mas em Cabo Verde

sempre foi assim.

- Além da imprensa, quais as outras formas de

resistência ao colonialismo? Houve conflitos?

J.N.O. - Em relação aos conflitos, estes podiam

acontecer numa festa, num concurso público,

numa luta por um lugar. No entanto, pouco

a pouco registam-se vários conflitos. Por

exemplo, foi nomeado um administrador

português para a Ilha do Fogo e este não foi

aceite, porque a população estava acostumada

com administradores da terra. Este funcionário

nem pôde desembarcar, foi obrigado a regressar

no mesmo barco. Volta e meia havia revoltas,

podiam ser conflitos laborais, quando os

rendeiros se recusavam a pagar ao senhor. Então

este pedia ajuda ao governador, que enviava

a polícia, a qual obrigava os camponeses ao

trabalho – esta era uma forma de resistência

dos cabo-verdianos. Ou falar crioulo quando

era proibido, uma maneira de marcar terreno.

No princípio do Estado Novo ainda houve

alguma resistência, como a Revolta do Capitão

Ambrósio, em 1933, em São Vicente. Neste caso,

terá começado por falta de trabalho, o povo não

tinha dinheiro para comprar comida, passava

fome, e houve saques nas lojas.

- Como se dá a ligação entre Cabo Verde e a

Guiné-Bissau?

J.N.O. - A união de Cabo Verde e Guiné é o

Page 19: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015 XIX

sonho de Amílcar Cabral, mas como disse o

José Vicente Lopes (jornalista cabo-verdiano

contemporâneo) “o sonho de Cabral é o pesadelo

de muita gente”. Cabo-verdianos e guineenses

tiveram sempre uma relação de amor e ódio, no

início da colonização de Cabo Verde havia falta

de mão-de-obra, o que se resolveu buscando

escravos na costa africana. No século XIX,

as últimas fornadas de escravos vieram da

Guiné-Bissau e quem foi buscá-los foram os

cabo-verdianos. Outro elemento é que a Guiné

esteve na dependência do governo de Cabo

Verde durante muito tempo. O clima da Guiné

era mortífero para os europeus e por isso os

funcionários, os soldados e os polícias que iam

para a Guiné eram cabo-verdianos. Enquanto

os angolanos e os moçambicanos viam os

portugueses como os agentes do colonialismo,

os guineenses viam os cabo-verdianos, o que

continuou ao longo do século XX. Então, nos

Correios estava o Aristides Pereira, no BNU o

Abílio Duarte e na Agricultura o Amílcar Cabral

na década de 1950. Entre os seis fundadores do

PAIGC (Partido Africano para a Independência

da Guiné e de Cabo Verde) em 1956, cinco eram

cabo-verdianos.

- Em Cabo Verde não houve guerra. A população

apoiava o PAIGC e a independência?

J.N.O. – O partido e a luta tinham apoio,

sobretudo nos meios urbanos. No espaço rural

as pessoas estavam empenhadas em sobreviver à

miséria, digamos que este debate político ficava

mais entre os estudantes, os intelectuais, entre

as pessoas que ouviam a rádio Dakar do PAIGC.

Eu estava no liceu, volta e meia escutava a rádio,

eu sabia o que se passava, mas ainda era muito

novo. De vez em quando havia uns conflitos

na rua, no Mindelo. Lembro-me que de vez em

quando começava uma luta entre um soldado

e um cabo-verdiano, a qual se transformava

numa briga de rua, dois grupos com dezenas de

pessoas à pancada.

- Por que a união de Cabo Verde e Guiné-Bissau

no pós-independência não funcionou?

J.N.O. - O Nino Vieira, quando deu o golpe, disse

que tinha posto fim à unidade do cavalo com o

cavaleiro. O cavaleiro era o cabo-verdiano e o

cavalo era o guineense. Entre as razões do fim da

unidade, o passado histórico do qual já falamos;

outro aspecto foi o facto de o presidente da Guiné

ser um cabo-verdiano – o Luís Cabral era filho de

pai cabo-verdiano e mãe portuguesa – enquanto

no governo de Cabo Verde não havia um único

guineense. Em Cabo Verde, para o governo do

PAIGC se impor, houve alguma repressão, mas

não houve mortes, enquanto na Guiné houve

massacres para garantir a unidade política.

Não se fala abertamente sobre isso, mas era um

casamento forçado. Os guineenses sentiam-se

preteridos em relação aos cabo-verdianos, que

estavam tecnicamente mais preparados para

governar numa primeira fase.

- Os técnicos e profissionais coloniais não

abandonaram Cabo Verde no pós-transição?

J.N.O. – Não, porque a maioria era cabo-

verdiana. Enquanto nas outras colónias o

sistema administrativo foi desmantelado,

em Cabo Verde a administração continuou a

funcionar: a polícia, as escolas, os tribunais, o

sistema administrativo, as escolas. Ou seja, não

houve uma quebra na estrutura administrativa,

foi uma transição suave, com um processo

de substituição no qual a máquina estava lá e

continuou a funcionar.

- Quais os pontos positivos e negativos do

regime de partido único, da fase socialista?

J.N.O. - Comparando com o que aconteceu nos

demais países africanos de língua portuguesa,

podemos dizer que Cabo Verde teve uma

postura mais correcta. Primeiro, porque não se

desmantelou a máquina do Estado. Segundo,

porque nunca se assumiu uma posição socialista

propriamente dita. Cabo Verde não rompeu

com os países capitalistas, não podia cortar as

relações com este mundo porque os emigrantes

que enviavam recursos lá viviam. Os dirigentes

também não se envolveram na Guerra Fria,

seguiu-se uma política externa de boas relações

com ambas as partes. Por exemplo, não se

proibiu que os voos da África do Sul fizessem

escala na ilha do Sal, até porque esta era uma

fonte de renda. A violência foi suave em Cabo

Verde, dizia-se que não era uma ditadura, mas

uma ‘ditamole’. Em Cabo Verde não houve

nacionalização, a reforma agrária falhou em

Santo Antão e já não se tentou fazê-la em lugar

nenhum. Cabo Verde evoluiu muito em relação

ao tempo colonial, mas a nível económico

continua a ser uma dor de cabeça.

- Quais as possibilidades económicas de Cabo

Verde?

J.N.O. - Para já há o turismo, continuam as

remessas dos emigrantes, o que se produz é quase

nada. A produção agrícola é toda consumida

lá dentro, não há nada para exportar. A pesca

é outra miragem, porque é toda estrangeira.

A indústria pesqueira de Cabo Verde é apenas

junto à costa, o suficiente para abastecer o país.

Seria uma boa aposta, mas para isso é preciso

dinheiro.

- A posição privilegiada de Cabo Verde no

Atlântico tem sido aproveitada?

J.N.O. – Com o desenvolvimento tecnológico

perdeu-se parte da vantagem estratégica. Hoje a

África do Sul já não precisa fazer escalas na ilha

do Sal para abastecer e o aeroporto perdeu a sua

importância. O mesmo tinha acontecido com o

Porto Grande, na ilha de São Vicente. Quando

os barcos tinham de se abastecer de carvão

o porto era muito importante, com o avanço

tecnológico deixou de ser. Antigamente Cabo

Verde tinha importância como base militar para

controlar as passagens, mas com os satélites

já não há a mesma importância. O Governo de

Cabo Verde tem tarefas difíceis, tem desafios

inultrapassáveis que têm de ser ultrapassados.

- Cabo Verde define-se e depende da sua

diáspora. Como essa diáspora mantém a cabo-

verdianidade?

J.N.O. - Acho que não será uma característica só

dos cabo-verdianos, com outras comunidades

ou populações de imigrantes passa-se o mesmo.

Se há um número de imigrantes concentrados

num determinado sítio, a primeira geração vai

sempre preservar a língua e a cultura. A segunda

geração fica entre os dois países, o de origem

e o de acolhimento. A terceira geração resolve

esse problema, geralmente perde a língua e

a referência da terra. Acontece que os cabo-

verdianos imigram para os mesmos destinos

há muito tempo, Estados Unidos e Europa

sobretudo, e por isso os novos emigrantes

mantêm vivos os laços à terra. Daí que é possível

encontrar na América gente na quarta geração a

falar crioulo. Em Macau, porque o nosso número

é pequeno, somos obrigados a conviver e a nos

integrarmos. Se o número de pessoas é grande, é

possível formar um gueto.

- O que está a investigar actualmente?

J.N.O. - Estou a estudar a genealogia das famílias

cabo-verdianas, desde o final do século XVIII

ao XX. Já identifiquei mais de 200 famílias, com

pesquisa nos arquivos de Portugal e de Cabo

Verde. Com a internet, muito material de arquivo

está digitalizado e disponível on-line. Quero

saber quem eram as pessoas, quais as suas

relações de casamento e as suas profissões, é um

trabalho genealógico clássico. A característica

fundamental não é muito diferente do que se

passou no Brasil no século XIX, além do núcleo

principal com filhos legítimos, há outras mulheres

e outros filhos. A nível do casamento, procurava-

se evitar a divisão das terras para preservar a

herança, e os casamentos eram entre pessoas da

mesma classe. Todos se comportam da mesma

maneira, independentemente de serem europeus

ou africanos, e o que predominou foi a fusão

étnica entre os dois grupos.

- Como Cabo Verde se define, cultural e

geograficamente?

J.N.O. - Cabo Verde é uma espécie de Antilhas.

Quando se pensa em populações mestiças, estas

caracterizam-se por viverem em ilhas, por terem

um passado escravocrata, por serem cristãs e

por falarem crioulo de origem europeia. No caso

de África, temos os casos de Cabo Verde e São

Tomé e Príncipe. Saindo deste espaço, temos

as Antilhas – Jamaica, Martinica, Haiti… são

as mesmas características. O arquipélago de

Cabo Verde insere-se no espaço Atlântico. Cabo

Verde está inserido em vários espaços, em vários

mundos, mas não é um caso único. Cabo Verde

situa-se em África, mas também tem elementos

que o aproximam da Europa. Em relação ao seu

espaço cultural, insere-se melhor no Atlântico.

Page 20: Suplemento do jornal Ponto Final (Macau) sobre os 40 anos da Independência de Cabo Verde

ponto final • SEG. 6 JUL, 2015

vc

Cabo Verde: Guia de Viagemde Tânia Sarmento

Praias paradisíacas, dunas douradas a perder de vista, montanhas verdejantes e… Verão o ano inteiro. Bem-vindo a Cabo Verde, o sorriso de África. Quer escolha os resorts de luxo do Sal e da Boavista, a animação do Mindelo, o vulcão do Fogo ou as montanhas de Santo Antão, em cada esquina ouvirá música, sentirá sempre a “morabeza”, o calor de um povo acolhedor. Durante meses uma jornalista e uma fotógrafa portuguesas percorreram as dez ilhas do arquipélago, descobriram os seus trilhos e praias, testaram hotéis, aprenderam a dançar e provaram os pratos típicos. Agora partilham connosco tudo o que viram no melhor e mais completo guia de Cabo Verde publicado em Portugal.

Diário de Viagem em Cabo Verde , Cape Verdean Sketchbookde Eduardo Salavisa

«Estes desenhos foram feitos num caderno, durante nove semanas, onde visitei as nove ilhas (habitadas) que constituem o arquipélago de Cabo-Verde. Todos eles me recordam, de uma maneira muito intensa, os momentos que aí passei...» Eduardo Salavisa

MITOgrafiasde Arménio Vieira

Arménio Vieira é uma das vozes mais expressivas de Cabo Verde. A sua poética aposta claramente em “salvar o pensamento” através da “metaforização do discurso”. MITOgrafias é um livro onde está bem vincada uma voz muito própria que em 2009 foi distinguida com um dos mais altos galardões literários de língua portuguesa, o Prémio Camões.

Do Monte Cara Vê-se o Mundode Germano Almeida

Dezenas de personagens – homens e mulheres, novos e velhos –, cada um com a sua história, todos aqui reunidos num extraordinário romance que é também um retrato de todos nós, sob o olhar complacente e divertido do Monte Cara, lá no alto, em frente à cidade – Mindelo, em Cabo Verde, cidade que é o verdadeiro herói deste romance de Germano Almeida.

Poesia Completa 1954-2004de Yolanda Morazzo

A obra de Yolanda Morazzo surpreendeu muitos dos seus conterrâneos e os estudiosos das literaturas africanas de língua portuguesa, pelo silêncio em que foi guardada, revelando-se em toda a sua pujança e qualidade, e constituindo um contributo precioso que muito dignifica a literatura de Cabo Verde e as belas letras de língua portuguesa.

Cabo Verde40 Anos de Vida como Nação IndependenteALGUNS DOS TÍTULOS DISPONÍVEIS NA LIVRARIA PORTUGUESA

Ó Mar de Túrbidas Vagasde Henrique Teixeira de Sousa

O romance descreve a história do Capitão Hilário Cardoso, tendo como pano de fundo uma travessia que ele faz no seu navio Nossa Senhora do Monte entre os Estados Unidos da América e Cabo Verde, passando pelas ilhas de S. Vicente e Brava. Durante toda a viagem, que durou dois meses, o capitão teve de lutar heroicamente para se manter fiel à esposa que o espera em S. Filipe, face às provocações persistentes de um linda passageira.

Quadros de Viagem de um DiplomataÁfrica - Senegal, Guiné, Cabo Verdede Luiz Gonzaga Ferreira

Pelas vicissitudes da sua longa e reconhecida carreira de diplomata, o autor viveu por dentro, como testemunha ou agente empenhado, histórias que fizeram a História do nosso tempo.

A participação da mulher na vida de Cabo Verdede Marisa Carvalho

Marisa de Carvalho é jornalista de imprensa desde 2001. Neste livro, desafia-nos a problematizar a condição feminina no Mundo Lusófono. O ponto de partida é Cabo Verde, país apresentado actualmente por diversos organismos internacionais como um exemplo de boa governação e de saudável crescimento económico. Ao mesmo tempo, a conjuntura histórica atribui a este arquipélago condicionantes específicas que tornam o país num estimulante elemento de análise, tais como uma população maioritariamente jovem e feminina.

Quanto Vale a Amizade? Kantu ki Amizadi Bale?, Versão Bilingue Português-Cabo-Verdianode Maria Lúcia Carvalhas, Raquel Pinheiro

Na história Quanto vale a amizade?, João e Maria convidam-nos a reflectir sobre a importância de se valorizar aquilo que se tem e realçam os valores da amizade e da cumplicidade como modo de estar na vida.

Batuku de Cabo Verdede Gláucia Nogueira

Em prosa e verso, em depoimentos, cantigas e relatos, esta obra traça a história do batuku ao longo dos últimos 200 anos. Mostra as mudanças que sofreu no decorrer do tempo enquanto música e dança e também as diferenças do seu estatuto na sociedade cabo-verdiana, conforme as épocas.

Cozinha de Cabo Verdede Maria de Lourdes Chantre

«Cozinha de Cabo Verde» é um livro que satisfaz a curiosidade e o apetite daqueles que já ouviram tantas vezes falar da cachupa, do xerém, da botchada, do friginato, do pirão ou do gigoti. As receitas são servidas com pequenos trechos de obras de autores cabo-verdianos que avivam memórias da terra.

Uma Aventura nas Ilhas de Cabo Verdede Ana Maria Magalhães, Isabel Alçada, Arlindo Fagundes

O grupo ganhou um concurso de televisão; o prémio é uma viagem a Cabo Verde. Quando partem só pensam em divertir-se, mas a bordo do avião viaja um rapaz que parece assustadíssimo. E assim que aterram na ilha do Sal escreve com um fósforo na pele do próprio braço: S.O.S. Para saberem o que se passa e poderem ajudar, têm que elidir a vigilância dos brutamontes italianos que não arredam pé e andam com o rapaz de uma ilha para outra.