suinocultura poluição: pesquisa evidencia o descaso nos...

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38 apenas uma das granjas analisadas faz o tratamento completo dos dejetos. A segunda fase da pesquisa priorizou o estudo dessa propriedade, localizada no município paulista de Salto e consi- derada modelo no estado. O objetivo foi analisar a água residuária no sistema de produção e de tratamento de efluen- tes e seu reuso no cultivo de pastagens agrícolas. FALTA LEGISLAÇÃO Como não existe ainda uma legisla- ção específica que trate dos efluentes da produção animal, a pesquisadora baseou-se em legislações mais gerais, como as do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e da US Environ- mental Protection Agency (Usepa, dos EUA), cujas regras valem principalmen- te para o tratamento de esgotos e efluen- tes industriais, bem menos tóxicos que os da produção animal. "E os efluentes de suínos chegam a ser 30 vezes mais poluentes que o doméstico" ressalta Edilaine. A partir dessas normas, o estudo estabeleceu limites quanto aos elemen- tos químicos, físicos e microbiológicos das amostras. "O efluente não pode, em hipótese alguma, ser lançado no rio, mas pode ser reutilizado como fertilizan- te sem causar danos maiores às plan- tas e ao solo, desde que passe por trata- mento", afirma a pesquisadora. Entretanto, Edilaine encontrou uma Um levantamento feito em 69 pro- priedades suinícolas do estado de São Paulo mostrou que 77% das granjas não possuem sistemas de tratamento de efluentes animais, também chamados de dejetos, que têm alto potencial polui- dor. Pela Legislação Ambiental (Lei nº 9.605/98), o produtor pode ser respon- sabilizado criminalmente por eventuais danos causados ao meio ambiente e à saúde dos homens e animais. As granjas foram contatadas por meio de questionários que buscavam infor- mações como número de animais, pro- dução, utilização, manejo e volume dos efluentes, além dos problemas e dificul- dades encontradas no manejo e sistema de aplicação destes. "As propriedades que não utilizam nenhum sistema de tratamento despejam os efluentes dire- tamente no solo, com o intuito de apro- veitá-lo como adubo orgânico", afirma a engenheira agrícola Edilaine Regina Pereira, autora da pesquisa, elaborada no Núcleo de Pesquisa em Ambiência (Nupea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). O estudo é fruto de uma tese de doutorado, defendida em março de 2006 e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A reutilização dos dejetos sem um plano técnico de manejo e tratamento pode causar a poluição de rios e riachos, reduzir o teor de oxigênio dissolvido na água, a morte de peixes, disseminação de patógenos, mau cheiro e contamina- ção de águas potáveis. Especialistas em produção animal afirmam que um suí- no, em média, equivale a 3,5 pessoas. Ou seja, uma granja com 600 porcos possui um poder poluente semelhante ao de um núcleo populacional de aproximadamen- te 2,1 mil pessoas. "Eu tenho plena certe- za que a grande maioria dos suinoculto- res desconhecem que os dejetos de suí- nos são altamente poluentes. Eu acho importante haver uma conscientização sobre a possibilidade do uso adequado dos dejetos de suínos", diz o professor da Esalq, Sérgio Nascimento Duarte. O estudo obteve o retorno efetivo de 22 granjas, sendo que as demais se recu- saram a enviar os dados solicitados. Das granjas que afirmaram possuir sis- temas de tratamento de dejetos, 6% usam o biodigestor, 6% lagoas de esta- bilização e 11% não revelaram o siste- ma utilizado. O levantamento mostrou ainda que S U I N O C U L T U R A por Michela de Paulo Poluição: pesquisa evidencia o descaso nos sistemas de tratamento de dejetos OS PRODUTORES COSTUMAM LANÇAR OS RESÍDUOS BRUTOS DIRETAMENTE NO SOLO, PARA APROVEITÁ-LOS COMO ADUBO. SEM TRATAMENTO, PORÉM, ESSES DEJETOS POLUEM O SOLO E A ÁGUA

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apenas uma das granjas analisadas fazo tratamento completo dos dejetos. Asegunda fase da pesquisa priorizou oestudo dessa propriedade, localizadano município paulista de Salto e consi-derada modelo no estado. O objetivo foianalisar a água residuária no sistemade produção e de tratamento de efluen-tes e seu reuso no cultivo de pastagensagrícolas.

FALTA LEGISLAÇÃOComo não existe ainda uma legisla-

ção específica que trate dos efluentesda produção animal, a pesquisadorabaseou-se em legislações mais gerais,como as do Conselho Nacional do MeioAmbiente (Conama) e da US Environ-mental Protection Agency (Usepa, dosEUA), cujas regras valem principalmen-te para o tratamento de esgotos e efluen-tes industriais, bem menos tóxicos queos da produção animal. "E os efluentesde suínos chegam a ser 30 vezes maispoluentes que o doméstico" ressaltaEdilaine.

A partir dessas normas, o estudoestabeleceu limites quanto aos elemen-tos químicos, físicos e microbiológicosdas amostras. "O efluente não pode, emhipótese alguma, ser lançado no rio,mas pode ser reutilizado como fertilizan-te sem causar danos maiores às plan-tas e ao solo, desde que passe por trata-mento", afirma a pesquisadora.

Entretanto, Edilaine encontrou uma

Um levantamento feito em 69 pro-priedades suinícolas do estado de SãoPaulo mostrou que 77% das granjas nãopossuem sistemas de tratamento deefluentes animais, também chamadosde dejetos, que têm alto potencial polui-dor. Pela Legislação Ambiental (Lei nº9.605/98), o produtor pode ser respon-sabilizado criminalmente por eventuaisdanos causados ao meio ambiente e àsaúde dos homens e animais.

As granjas foram contatadas por meiode questionários que buscavam infor-mações como número de animais, pro-dução, utilização, manejo e volume dosefluentes, além dos problemas e dificul-dades encontradas no manejo e sistemade aplicação destes. "As propriedadesque não utilizam nenhum sistema detratamento despejam os efluentes dire-tamente no solo, com o intuito de apro-veitá-lo como adubo orgânico", afirma aengenheira agrícola Edilaine ReginaPereira, autora da pesquisa, elaboradano Núcleo de Pesquisa em Ambiência(Nupea) da Escola Superior de AgriculturaLuiz de Queiroz (Esalq) da Universidadede São Paulo (USP). O estudo é fruto deuma tese de doutorado, defendida emmarço de 2006 e financiada pelaFundação de Amparo à Pesquisa doEstado de São Paulo (Fapesp).

A reutilização dos dejetos sem umplano técnico de manejo e tratamentopode causar a poluição de rios e riachos,reduzir o teor de oxigênio dissolvido na

água, a morte de peixes, disseminaçãode patógenos, mau cheiro e contamina-ção de águas potáveis. Especialistas emprodução animal afirmam que um suí-no, em média, equivale a 3,5 pessoas. Ouseja, uma granja com 600 porcos possuium poder poluente semelhante ao de umnúcleo populacional de aproximadamen-te 2,1 mil pessoas. "Eu tenho plena certe-za que a grande maioria dos suinoculto-res desconhecem que os dejetos de suí-nos são altamente poluentes. Eu achoimportante haver uma conscientizaçãosobre a possibilidade do uso adequadodos dejetos de suínos", diz o professor daEsalq, Sérgio Nascimento Duarte.

O estudo obteve o retorno efetivo de22 granjas, sendo que as demais se recu-saram a enviar os dados solicitados.Das granjas que afirmaram possuir sis-temas de tratamento de dejetos, 6%usam o biodigestor, 6% lagoas de esta-bilização e 11% não revelaram o siste-ma utilizado.

O levantamento mostrou ainda que

S U I N O C U L T U R A

por Michela de Paulo

Poluição: pesquisa evidencia o descasonos sistemas de tratamento de dejetos

OS PRODUTORES COSTUMAMLANÇAR OS RESÍDUOS BRUTOSDIRETAMENTE NO SOLO, PARA

APROVEITÁ-LOS COMO ADUBO. SEM TRATAMENTO,

PORÉM, ESSES DEJETOS POLUEM O SOLO E A ÁGUA

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Para o consultor de empresas e pro-fessor de direito e legislação ambien-tal, Luiz Carlos Aceti Júnior, em breveserá preciso contratar profissionaisespecializados não mais para consulto-rias preventivas mas, sim, para defesasem procedimentos administrativos ejudiciários em decorrência do impactoambiental. Mas, a falta de uma legisla-ção para os efluentes da produção ani-mal pode dificultar sua defesa proces-sual. "O meio rural poderia se unir mais,formando comitês ou grupos técnicospara, junto ao Conama, conselhos esta-

duais e até municipais, disseminar suasreivindicações e a necessidade da cria-ção de normas específicas para essemeio empresarial", afirma Júnior.

TECNOLOGIA DE BIODIGESTORESOs biodigestores são considerados

uma alternativa para o tratamento dosefluentes, mas ainda são pouco utiliza-dos devido ao preço alto e à dificuldadeem se reaproveitar todo o material resul-tante. O processo funciona através deum tanque protegido do contato com oar atmosférico, onde a matéria orgâni-ca contida nos efluentes é metaboliza-da por bactérias anaeróbias. Os subpro-dutos obtidos são: biogás, que é uma par-te sólida que decanta no fundo do tanque,e uma parte líquida que corresponde aoefluente tratado (biofertilizante). Masse o destino final dos subprodutos foremos corpos d'água, é necessário que o deje-to passe por um tratamento complemen-tar, como as lagoas de estabilização.

A Universidade Estadual de Maringá(UEM) pretende disponibilizar biodi-gestores ao pequeno produtor rural, porum custo inicial de aproximadamenteR$ 5 mil. O projeto, em fase experimen-tal, começou em agosto de 2005 e, nofim do mesmo ano, professores e alu-nos construíram o primeiro biodiges-tor de dejetos, que passou a operar noinício deste ano na fazenda de experi-mentos da universidade. O objetivo ago-ra é analisar o material resultante doprocesso de biodigestão nos períodosde verão, outono e inverno e a pesquisadeve ser concluída até agosto de 2006."O diferencial é o reaproveitamento daágua, o que significa que o meio ambien-te não receberá poluentes. Apesar dobenefício proporcionado pelo biodiges-tor não ser dinheiro em espécie as van-tagens são tão rentáveis quanto a comer-cialização de produtos", afirma o pro-fessor Rafael Soares de Oliveira, um dosenvolvidos no projeto.

"controvérsia" entre o nível de tratamen-to ambientalmente mais adequado e ométodo que o produtor considera van-tajoso economicamente. "O ideal seriaque o efluente passasse por lagoas de tra-tamento e, assim, perdesse grande par-te de seu potencial poluidor", explica apesquisadora, que acrescenta que deum lado está a necessidade do produ-tor de encontrar um destino para osefluentes produzidos pelo setor suiní-cola e, de outro, há a questão ambientalque impede ou limita a aplicação des-tes ao solo como fonte de adubação.

Paulo Rueda

DEJETO DE SUÍNO PRODUZ ENERGIA E CRÉDITO DE CARBONOO biogás, produzido pelos biodigestores, é originado do metano contido no dejeto de suíno.

Por sua vez, o metano é um dos gases causadores do efeito estufa e sua presença na atmosfera podeafetar a temperatura e o clima da Terra. Mas isso acontece, por exemplo, quando o excremento doanimal fica ao ar livre sem qualquer tipo de tratamento.

Além disso, o Protocolo de Kyoto determina que os países industrializados que não reduziremsuas emissões de gases causadores do efeito estufa terão de investir nos países em desenvolvi-mento adquirindo créditos de carbono. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comérciofirmou convênio com a Bolsa de Mercadorias e Futuro (BM&F) para a criação do Mercado Brasileirode Redução de Emissões. Com isso, o metro cúbico de biogás produzido na granja equivale a umcrédito de carbono nesse novo mercado. Os biodigestores são alternativas viáveis para empresasque pretendem criar projetos que desenvolvam mecanismos de desenvolvimento limpo (MDLs) coma intenção de vender créditos de carbono no mercado internacional. A Sadia, por exemplo, é aprimeira empresa do setor alimentício a ter aprovado seu projeto de MDL que prevê a instalaçãode biodigestores nas propriedades de seus fornecedores.

600 suínos poluem o mesmo que um núcleo populacional de aproximadamente 2,1 mil pessoas

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