entrevista marta laudaris foco do setor químico está na...

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E N T R E V I S T A 6 por Patrícia Mariuzzo Marta Laudaris A indústria química brasileira é compos- ta por uma diversidade de segmentos, como tintas e vernizes, sabões e deter- gentes, defensivos agrícolas, higiene pes- soal, perfumaria e cosméticos, adubos e fertilizantes, produtos farmacêuticos e produtos químicos para indústria. Desde sua criação em 1964, a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) acompanha o desempenho do setor, prin- cipalmente o segmento de produtos quí- micos industriais. Atualmente, segue de perto a implantação da nova política de regulamentação de produtos químicos da União Européia, que deve entrar em vigor no primeiro semestre de 2007 e recai sobre 5% das substâncias hoje comercializadas por indústrias brasilei- ras, que passarão a estar sujeitas à apro- vação para continuar no mercado. Nesta entrevista à revista Inovação Uniemp a gerente adjunta de assuntos técnicos da Abiquim, Marta Laudaris, aponta para a necessidade de uma mudança de com- portamento da sociedade. "Se antes a preocupação era com a fábrica, com a fumaça das chaminés, o foco hoje pas- sou para o produto químico, o que exige normas rígidas de controle ambiental", diz ela. O programa Atuação Responsável, lançado no Brasil em 1992, é um dos car- ros-chefe da atuação da Abiquim. Sua meta é a melhoria contínua nas áreas de segurança, saúde e meio ambiente das empresas associadas. A despeito dos altos preços do petróleo em 2006 e da valorização do real, as exportações da indústria química brasileira têm cres- cido ano a ano. Marta Laudaris relacio- na tal performance ao desaquecimen- to do mercado interno e à elevação dos preços dos produtos químicos no exte- rior. Ela fala, também, de inovação, nano- tecnologia e balanço energético, uma vez que o setor no Brasil é um dos gran- des usuários do gás boliviano como alter- nativa ao óleo combustível. A indústria química é altamente dependen- te do petróleo, seja como matéria-prima ou fonte de energia. É, também, um dos maiores usuários do gás boliviano. Como a indústria química brasileira tem agido frente ao impacto do aumento do preço do petróleo? Qual a estratégia em caso de desabastecimento de gás natural? Marta Laudaris A indústria química tem procurado, já há algum tempo, alter- nativas de suprimento de matérias-pri- mas, não só por conta do preço do petró- leo, mas principalmente por razões rela- tivas à disponibilidade de suprimento de nafta. Por esse motivo, foi criado um grupo de trabalho na Abiquim visando estudar a demanda de matérias-primas petroquímicas até o horizonte de 2015. Esse grupo estudou a nafta, os conden- sados de petróleo, o gás de refinaria e o aproveitamento das frações pesadas de petróleo. Há, inclusive, um projeto no Rio de Janeiro (Comperj) com essa fina- lidade. O uso do gás natural tem sido crescente pelo setor químico, não só em substituição ao óleo combustível, mas também como matéria-prima para petro- química (é o caso da Riopol, no Rio de Janeiro), produção de fertilizantes, meta- nol, oxo-álcoois, isocianatos etc. Numa eventual crise de desabastecimento, as empresas que utilizam o gás natural A GERENTE ADJUNTA DE ASSUNTOS TÉCNICOS DA ABIQUIM, MARTA LAUDARIS, APONTA PARA A NECESSIDADE DE UMA MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DA SOCIEDADE Foco do setor químico está na substituição de derivados do petróleo e no controle ambiental

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E N T R E V I S T A

6

por Patrícia Mariuzzo

M a r t a L a u d a r i s

A indústria química brasileira é compos-ta por uma diversidade de segmentos,como tintas e vernizes, sabões e deter-gentes, defensivos agrícolas, higiene pes-soal, perfumaria e cosméticos, adubos efertilizantes, produtos farmacêuticos eprodutos químicos para indústria. Desdesua criação em 1964, a AssociaçãoBrasileira da Indústria Química (Abiquim)acompanha o desempenho do setor, prin-cipalmente o segmento de produtos quí-micos industriais. Atualmente, segue deperto a implantação da nova política deregulamentação de produtos químicosda União Européia, que deve entrar emvigor no primeiro semestre de 2007 erecai sobre 5% das substâncias hojecomercializadas por indústrias brasilei-ras, que passarão a estar sujeitas à apro-vação para continuar no mercado. Nestaentrevista à revista Inovação Uniemp agerente adjunta de assuntos técnicos daAbiquim, Marta Laudaris, aponta para anecessidade de uma mudança de com-portamento da sociedade. "Se antes apreocupação era com a fábrica, com afumaça das chaminés, o foco hoje pas-sou para o produto químico, o que exigenormas rígidas de controle ambiental",diz ela. O programa Atuação Responsável,lançado no Brasil em 1992, é um dos car-

ros-chefe da atuação da Abiquim. Suameta é a melhoria contínua nas áreasde segurança, saúde e meio ambientedas empresas associadas. A despeitodos altos preços do petróleo em 2006 eda valorização do real, as exportaçõesda indústria química brasileira têm cres-cido ano a ano. Marta Laudaris relacio-na tal performance ao desaquecimen-to do mercado interno e à elevação dospreços dos produtos químicos no exte-rior. Ela fala, também, de inovação, nano-tecnologia e balanço energético, umavez que o setor no Brasil é um dos gran-des usuários do gás boliviano como alter-nativa ao óleo combustível.

A indústria química é altamente dependen-te do petróleo, seja como matéria-prima

ou fonte de energia. É, também, um dosmaiores usuários do gás boliviano. Comoa indústria química brasileira tem agidofrente ao impacto do aumento do preçodo petróleo? Qual a estratégia em caso dedesabastecimento de gás natural?

Marta Laudaris A indústria químicatem procurado, já há algum tempo, alter-nativas de suprimento de matérias-pri-mas, não só por conta do preço do petró-leo, mas principalmente por razões rela-tivas à disponibilidade de suprimentode nafta. Por esse motivo, foi criado umgrupo de trabalho na Abiquim visandoestudar a demanda de matérias-primaspetroquímicas até o horizonte de 2015.Esse grupo estudou a nafta, os conden-sados de petróleo, o gás de refinaria e oaproveitamento das frações pesadas depetróleo. Há, inclusive, um projeto noRio de Janeiro (Comperj) com essa fina-lidade. O uso do gás natural tem sidocrescente pelo setor químico, não só emsubstituição ao óleo combustível, mastambém como matéria-prima para petro-química (é o caso da Riopol, no Rio deJaneiro), produção de fertilizantes, meta-nol, oxo-álcoois, isocianatos etc. Numaeventual crise de desabastecimento, asempresas que utilizam o gás natural

A GERENTE ADJUNTA DE ASSUNTOS TÉCNICOS DA

ABIQUIM, MARTA LAUDARIS,APONTA PARA A NECESSIDADE

DE UMA MUDANÇADE COMPORTAMENTO

DA SOCIEDADE

Foco do setor químico está na substituição de derivados dopetróleo e no controle ambiental

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clima, extensão territorial, recursoshídricos, base científica e capacidadetecnológica para desenvolver equipa-mentos e materiais necessários. Umadas associadas da Abiquim já trabalhahá anos com o processo de transesteri-ficação de óleos vegetais, dando ori-gem ao já popular biodiesel. Não pode-mos esquecer do Proálcool, iniciativapioneira do Brasil e que só agora estásendo reconhecida e replicada emoutros países. O Proálcool, apesar dosproblemas encontrados ao longo de suatrajetória, foi um grande programamobilizador, envolvendo esforços tec-nológicos em diversas áreas. É hora dese valorizar as matérias-primas reno-váveis nacionais, com incentivos aoagronegócio, à pesquisa e à fabricaçãodos produtos químicos.

Mesmo com os preços do petróleo e coma valorização do real, as exportações daindústria química brasileira estão emcrescimento. A que a senhora atribuiessa performance? Como sustentar esseritmo?

Marta Laudaris O aumento das expor-tações está relacionado a dois fatoresprincipais. O primeiro é o desaqueci-mento do mercado interno, que provo-ca o direcionamento dos excedentes pro-duzidos ao mercado externo, uma vezque o setor opera com alta capacidadeinstalada. O segundo fator é o aumen-to dos preços internacionais dos produ-tos químicos resultando em um incre-mento em valor superior ao volume. Asustentação desse crescimento só pode-rá ser obtida com a implantação de novosinvestimentos em produção destinadaao mercado externo.

Na Abiquim existe uma iniciativa espe-cífica para aumentar as exportações no

como matéria-prima terão de reduzir aprodução de suas unidades, pois não hácomo substituir esse gás por um outroinsumo. No que diz respeito à utilizaçãodo gás natural como combustível, tam-bém há uma preocupação grande, pois,além dos custos para conversão de umacaldeira a gás para um outro combustí-vel, por exemplo, há a questão do prazopara essa troca e também problemasambientais relacionados à utilização doóleo combustível ou do GLP. A Abiquimestá acompanhando o assunto e partici-pando ativamente do grupo constituídono Ministério de Minas e Energia, quetem como objetivo elaborar um plano decontingenciamento para o país. Além dogrupo do governo, participamos de outro,constituído no âmbito da Federação dasIndústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),que também estuda o problema.

A pesquisa para a substituição do petró-leo como matéria-prima já obteve alguns

resultados promissores, com produtoslançados no mercado, como plásticosproduzidos a partir de biomassa. Queesforços a indústria química brasileiratem feito nessa direção?

Marta Laudaris O uso da biomassa paraa fabricação de produtos químicos éuma tendência mundial. A indústriaquímica brasileira, associada àAbiquim, já na crise do petróleo, ocor-rida nos anos 1980, tentou utilizar oálcool como combustível em seus for-nos e como matéria-prima para fabri-cação de fertilizantes e de petroquími-cos básicos. Porém, a queda do preçodo petróleo inviabilizou, economica-mente, tais esforços. Em 2004, aAbiquim, diante dos sinais de nova altado petróleo e gás natural, criou, acom-panhando a tendência mundial, aComissão de Produtos Químicos obti-dos a partir de matérias-primas reno-váveis. O Brasil possui condições excep-cionais para desenvolver tais produtos:

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setor de plásticos. A senhora pode falarum pouco desse programa e de seus resul-tados?

Marta Laudaris O Programa ExportPlastic (www.exportplastic.com.br) éuma parceria de toda a cadeia produti-va do plástico (Petrobras, centrais petro-químicas, empresas produtoras de resi-nas termoplásticas e empresas trans-formadoras de plásticos) e a Apex Brasil(Agência de Promoção de Exportaçõese Investimentos). O programa iniciousuas atividades em janeiro de 2004 econta, atualmente, com 110 empresasassociadas (transformadoras de pro-dutos plásticos) em 13 estados brasilei-ros. Além de disseminar a cultura expor-tadora, o Export Plastic tem como obje-tivo promover e implementar ações vol-tadas à abertura e sedimentação demercado no exterior, por meio de qua-lificação técnico-gerencial, da disponi-bilização de informações estratégico-comerciais e de serviços especializa-dos às empresas associadas do setorde transformados plásticos. Para essasatividades, o programa conta, em suasegunda fase — junho de 2006 a julhode 2007 — com R$ 9 milhões, dos quais47% são oriundos da APEX Brasil, 41%da cadeia produtiva e 12% das empre-sas transformadoras do plástico.

Apesar do crescimento nas exportações,o volume financeiro de importações deprodutos químicos é, em média, o dobrodo volume de exportações. Os produtosmais importados pelo Brasil são maté-rias-primas para fertilizantes cuja pro-dução corresponde a apenas 5% do fatu-ramento líquido da indústria químicabrasileira. Como amenizar tal déficit?

Quais as dependências que persistemnessa indústria?

Marta Laudaris O segmento de inter-mediários para fertilizantes contribuiem parte para o déficit brasileiro de pro-dutos químicos. A fabricação dessesprodutos não é suficiente para atendera demanda devido à falta de matérias-primas no país, principalmente de clo-reto de potássio, que representa maisde 40% do valor da importação de inter-mediários para fertilizantes. Além dis-so, a sazonalidade e a alternância dosperíodos de uso dos fertilizantes entreo Brasil e os países do hemisfério nor-te também contribuem para o déficitcomercial nesses produtos.

Como tem se dado a substituição deimportações? Com quais países o Brasiltem maior equilíbrio na relação impor-tação/exportação?

Marta Laudaris Não se pode dizer quehaja hoje uma política deliberada desubstituição de importações no setorquímico. Isto só é possível se a substi-tuição for competitiva, o que muitasvezes é dificultado pelas limitações dochamado custo-Brasil. A balança comer-cial de produtos químicos brasileira é, noseu todo, altamente deficitária. No anopassado, foram US$ 15,3 bilhões de impor-tações contra apenas US$ 7,4 bilhões deexportações. Em termos geográficos, abalança apresenta déficits com os paísesda América do Norte, Europa e Ásia esuperávit com países da América do Sul.

Que segmentos estão mais atrasados edependentes de mais P&D?

Marta Laudaris O Brasil está atrasadoem muitas áreas. Pode-se citar a produ-ção de fármacos para doenças negligen-ciadas, doenças tipicamente tropicais.O desenvolvimento de tais fármacos bene-ficiaria não só o Brasil, mas países afri-canos por exemplo. Outras áreas comdéficit de pesquisa são a de matérias-pri-mas renováveis e a utilização da biodiver-sidade brasileira na indústria química.

A preocupação com o meio ambiente temgerado novas barreiras comerciais comoo caso do Reach. Algumas vozes consi-deram as medidas um exagero com viésprotecionista, outros apóiam. Qual aposição da Abiquim?

Marta Laudaris Reach é a sigla em inglêspara as palavras Register, Evaluation,Authorization and Chemicals e se tor-nou a forma simplificada de denomina-ção da proposta de política para produ-tos químicos da União Européia, queserá estabelecida por meio de regula-mento. Pelas normas européias o regu-lamento é obrigatório em todos osEstados-membros. Como a política será

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aplicada sem distinção, fabricantes locaise exportadores serão submetidos às mes-mas regras. Por isso, em princípio, aOrganização Mundial do Comércio(OMC) não considera o Reach uma bar-reira comercial. O assunto é muito com-plexo, envolve uma mudança de compor-tamento da sociedade. Se antes a socie-dade se preocupava com a fumaça dachaminé, da fábrica, o foco hoje passoua ser a fabricação de produtos químicos.A exigência é que a produção siga nor-mas rígidas de controle ambiental, semdescuidar da saúde dos trabalhadoresenvolvidos e das pessoas que utilizamtais produtos. As associadas da Abiquim,signatárias do programa de AtuaçãoResponsável, assumem um compromis-so de melhoria contínua nas áreas desaúde, segurança e meio ambiente embusca da excelência. O compromisso daAbiquim com a sociedade é tornar esseprograma mais abrangente envolvendotoda a cadeia de valor, buscando minimi-zar os impactos de suas atividades. Umexemplo é o programa de avaliação detransportadores (Sassmaq-Sistema deAvaliação de Segurança, Saúde, MeioAmbiente e Qualidade), fortemente cal-

cado nos princípios do programa AtuaçãoResponsável. O transporte de produtosquímicos pelas indústrias associadas àAbiquim é obrigatoriamente feito portransportadoras avaliadas segundo oscritérios do Sassmaq.

Que tipo de inovação pode ser gerada naindústria química, a partir das medidascontidas no Reach?

Marta Laudaris O Reach é um ambicio-so programa de registro de substânciasquímicas envolvendo um processo deautorização. Mas as substâncias que,comprovadamente, tenham caracterís-ticas carcinogênicas, mutagênicas ouque causem danos à reprodução huma-na e que não tenham substitutos, deve-rão ter sua produção autorizada, de acor-do com determinados critérios do Reach.Esta autorização será renovada dentrodos períodos fixados no regulamento.Espera-se que a indústria busque subs-titutivos para essas substâncias, promo-vendo, desta forma, inovações. Pode-se vis-lumbrar aí uma oportunidade para oscentros de pesquisa no Brasil. As indús-trias químicas européias preocupadasem registrar todos os seus produtos, pode-rão, em um primeiro momento, não pen-sar nas inovações para substituição, opor-tunidade que não deve ser desprezadapela indústria e academia brasileiras.

Qual o perfil de nacionalização da indús-tria química brasileira? Quais os seg-mentos onde a empresa nacional é maiscompetitiva no mercado global?

Marta LaudarisNo segmento petroquí-mico predomina o capital nacional, embo-

ra grandes transnacionais também este-jam presentes. Em outras áreas hámaior presença de capital estrangeiro.O segmento petroquímico está tecno-logicamente preparado e atualizadopara ser competitivo no mercado inter-nacional, mas encontra limitaçõesdecorrentes de nosso péssimo sistematributário, do custo do capital, de defi-ciências na infra-estrutura do país e decustos de matérias-primas básicas comopetróleo e nafta petroquímica, que sãomais baixos em algumas outras regiõescom as quais teremos de competir cadavez mais.

Um dos vencedores do Prêmio Abiquim2005, na categoria pesquisador, foi oquímico da Unicamp Fernando Galem-beck que desenvolveu um novo pigmen-to branco para a indústria de tintas,já licenciado pela multinacional Bunge.A senhora acha que a regulamentaçãoda Lei 11.196 vai favorecer o crescimen-to de casos como esse na indústria quí-mica?

Marta Laudaris Acredito que a Lei vaiajudar a criar um ambiente mais favo-rável para parcerias. A indústria preci-sa conhecer o trabalho da universida-de que, por outro lado, precisa conhe-cer a demanda industrial. Há um papelimportante a ser exercido pelas agên-cias de inovação — como a Inova, daUnicamp — de forma a aumentar casosde sucesso. É necessário que haja umaconfiança mútua entre universidade eempresa, estabelecendo canais de comu-nicação, como por exemplo, esta opor-tunidade que nos está sendo concedidade nos manifestarmos como associa-ção empresarial.

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