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2015 SOCIOLOGIA GERAL E DA RELIGIÃO Prof. Gesiel Anacleto

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Page 1: Sociologia geral e da religião - UNIASSELVI

2015

Sociologia geral e da religião

Prof. Gesiel Anacleto

Page 2: Sociologia geral e da religião - UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2015

Elaboração:

Prof. Gesiel Anacleto

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

306.6

A532s Anacleto, Gesiel

Sociologia geral e da religião /Gesiel Anacleto. Indaial : UNIASSELVI, 2015.

233 p. : il.

ISBN 978-85-7830-917-6

1. Sociologia e religião. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

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III

apreSentação

Olá, caro(a) acadêmico(a)!

Seja bem-vindo(a) à disciplina de Sociologia Geral e da Religião.

Nossa proposta nesta disciplina é ter uma visão geral da sociologia, dos principais temas sociológicos e também discorrer um pouco sobre o fenômeno religioso a partir de uma perspectiva sociológica. Este é um trabalho que representa um desafio, pois a religião é um fenômeno amplo e que merece muita atenção para que formulemos juízos de valores sobre as diferentes religiões. É importante que sua leitura do conteúdo deste Caderno de Estudos seja crítica e reflexiva, pois acreditamos que cada pessoa é capaz de, a partir de uma visão crítica, contribuir positivamente para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.

Este caderno está dividido em três unidades de estudo.

Na Unidade 1 iremos nos debruçar um pouco na Sociologia Geral. Inicialmente discorreremos sobre o desenvolvimento histórico da sociologia perpassando sobre as mudanças ocorridas em decorrência do advento da modernidade e a origem da sociologia como ciência. No sentido de possibilitar uma visão geral da sociologia iremos estudar brevemente os sociólogos clássicos e para finalizar abordaremos a sociologia no Brasil.

Na Unidade 2 vamos discorrer sobre Os Principais Temas da Sociologia. A estrutura social da qual fazemos parte é muito complexa, portanto, é fundamental que escolhas os temas principais que nos darão uma visão geral da sociedade. Nesse sentido, nessa unidade, iremos conhecer os conceitos de cultura, sociedade e indivíduo. Em seguida, trataremos de buscar compreender como está estruturada a sociedade e as instituições que dela fazem parte. Por fim, iremos discorrer sobre os grupos sociais que formam a sociedade no sentido de diferenciá-los sem excluí-los.

Na Unidade 3 iremos nos dedicar a conhecer um pouco mais sobre A Sociologia da Religião. Trataremos de conhecer um pouco mais sobre os sociólogos da religião e suas contribuições para o entendimento do fenômeno religioso. Como a religião é vista na sociedade atual. Faremos ainda uma abordagem sobre o pluralismo religioso e a religiosidade brasileira no sentido de compreender o papel de cada religião na sociedade, enfatizando que as diferenças não devem ser motivos de discórdia e conflito.

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IV

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

Esperamos que esta disciplina venha a contribuir para sua formação acadêmica e humana, pois qualquer conhecimento destituído de uma aplicação para a vida se torna irrelevante diante da própria existência humana. Por isso desejamos a você um excelente aprendizado e ótimo aproveitamento.

Bons estudos e muito sucesso!

UNI

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VII

UNIDADE 1 – SOCIOLOGIA GERAL ................................................................................................ 1

TÓPICO 1 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIOLOGIA ...................................................... 31 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 32 O QUE É SOCIOLOGIA ...................................................................................................................... 33 O OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA ................................................................................. 6LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 7RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 9AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 10

TÓPICO 2 – ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA ...................................................................................... 111 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 112 MODERNIDADE.................................................................................................................................. 113 A REFORMA PROTESTANTE ........................................................................................................... 134 O RENASCIMENTO CULTURAL .................................................................................................... 145 O ILUMINISMO ................................................................................................................................... 166 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL ......................................................................................................... 177 A REVOLUÇÃO FRANCESA ............................................................................................................. 198 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO ........................................................................................ 21 8.1 AUGUSTO COMTE E A FÍSICA SOCIAL .................................................................................... 249 HERBERT SPENCER............................................................................................................................ 26

9.1 SPENCER E A TEORIA DO DARWINISMO SOCIAL ............................................................... 27LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 29RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 32AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 33

TÓPICO 3 – A SOCIOLOGIA CLÁSSICA ......................................................................................... 351 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 352 ÉMILE DURKHEIM ............................................................................................................................. 36

2.1 O FATO SOCIAL .............................................................................................................................. 373 MAX WEBER ......................................................................................................................................... 39 3.1 A AÇÃO SOCIAL............................................................................................................................. 404 KARL MARX ......................................................................................................................................... 42

4.1 MATERIALISMO DIALÉTICO ...................................................................................................... 434.2 MATERIALISMO HISTÓRICO ...................................................................................................... 444.3 INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA .............................................................................. 45

RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 47AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 48

TÓPICO 4 – A SOCIOLOGIA BRASILEIRA ..................................................................................... 491 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 492 FLORESTAN FERNANDES................................................................................................................ 49

2.1 FLORESTAN FERNANDES E A SOCIOLOGIA CRÍTICA NO BRASIL ................................. 52

Sumário

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VIII

3 DARCY RIBEIRO ................................................................................................................................. 553.1 O POVO BRASILEIRO .................................................................................................................... 56

4 GILBERTO FREYRE ............................................................................................................................. 594.1 O PROCESSO CIVILIZADOR NO BRASIL ................................................................................. 61

4.1.1 Casa-Grande e Senzala ........................................................................................................... 614.1.2 Sobrados e Mocambos............................................................................................................ 64

5 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA ............................................................................................... 675.1 RAÍZES DO BRASIL ........................................................................................................................ 68

LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 70RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 73AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 74

UNIDADE 2 – PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA ............................................................... 75

TÓPICO 1 – A CULTURA, A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO ....................................................... 771 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 772 A CULTURA ........................................................................................................................................... 783 O INDIVÍDUO COMO PRODUTO SOCIAL ................................................................................. 814 O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO ................................................................................................ 82LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 87RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 89AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 90

TÓPICO 2 – ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL ............................................................... 911 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 912 FUNCIONALISMO: SISTEMAS SOCIAIS .................................................................................... 923 O GRUPO PRIMÁRIO E O GRUPO SECUNDÁRIO ................................................................... 964 FAMÍLIA, PARENTESCO E MATRIMÔNIO ................................................................................. 985 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL ............................................................................................................ 101

5.1 OS ESTAMENTOS E AS CASTAS SOCIAIS ................................................................................ 1026 STATUS E PAPEL SOCIAL ................................................................................................................. 108LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 112RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 114AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 115

TÓPICO 3 – AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS ........................................................................................ 1171 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1172 INSTITUIÇÕES ECONÔMICAS ...................................................................................................... 1173 AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS ....................................................................................................... 1234 EDUCAÇÃO .......................................................................................................................................... 125LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 128RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 133AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 134

TÓPICO 4 – CONTROLE SOCIAL E GLOBALIZAÇÃO ................................................................ 1351 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1352 O CONTROLE SOCIAL ...................................................................................................................... 1353 O COMPORTAMENTO DIVERGENTE E A DESORGANIZAÇÃO SOCIAL ........................ 1374 A GLOBALIZAÇÃO ............................................................................................................................. 141RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 145AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 146

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IX

UNIDADE 3 – SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO .................................................................................. 147

TÓPICO 1 – OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO .................. 1491 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1492 DURKHEIM E AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA ................................... 150

2.1 O QUE É RELIGIÃO PARA DURKHEIM .................................................................................... 1512.2 O TOTEMISMO COMO FORMA DE EXPLICAR A RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E SOCIEDADE ..................................................................................................................................... 156

3 WEBER E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO ................................................................................... 1614 BOURDIEU E O CAMPO RELIGIOSO ........................................................................................... 166

4.1 O CAMPO RELIGIOSO .................................................................................................................. 171LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 173RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 177AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 179

TÓPICO 2 – A RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL...................................................................... 1811 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1812 A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL ........................ 1823 A CRENÇA NA SOCIEDADE SECULARIZADA .......................................................................... 184LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 187RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 192AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 193

TÓPICO 3 – PLURALISMO E DIVERSIDADE RELIGIOSA ......................................................... 1951 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1952 O PLURALISMO RELIGIOSO .......................................................................................................... 1963 DIVERSIDADE RELIGIOSA ............................................................................................................. 1974 COMPROMISSO DE PAZ GLOBAL ................................................................................................ 1995 DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO ........................................................................................................ 203LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 205RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 208AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 209

TÓPICO 4 – UM RETRATO DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA............................................... 2111 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 2112 O CATOLICISMO ................................................................................................................................ 2123 O PROTESTANTISMO BRASILEIRO ............................................................................................. 214

3.1 O PENTECOSTALISMO ................................................................................................................. 2164 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS ................................................................................................... 219RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................ 224AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 225REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 227

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UNIDADE 1

SOCIOLOGIA GERAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• conhecer a origem e o desenvolvimento da sociologia;

• avaliar as mudanças sociais e o desenvolvimento das primeiras concep-ções sociológicas;

• conhecer os principais clássicos da sociologia;

• situar o pensamento de cada teórico frente à realidade social vivenciada;

• conhecer a sociologia brasileira e seus principais representantes

Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer dos estudos, você encontrará atividades que o(a) ajudarão a fixar os conteúdos estudados.

TÓPICO 1 – A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIOLOGIA

TÓPICO 2 – ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA

TÓPICO 3 – A SOCIOLOGIA CLÁSSICA

TÓPICO 4 – SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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TÓPICO 1UNIDADE 1

A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIOLOGIA

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico, neste primeiro tópico estaremos abordando de uma maneira geral o surgimento e o desenvolvimento da sociologia. Por mais que a disciplina de sociologia seja algo recente, as discussões em torno dos fenômenos sociais são muito antigas, pois remontam à Grécia clássica. Compreender o desenvolvimento da história da humanidade é um fator determinante para compreendermos a sociologia, pois não está desvinculada das transformações históricas pelas quais a humanidade passou e vem passando, como bem sabemos.

Inicialmente, as discussões sobre as questões relativas à vida em sociedade eram feitas no campo da filosofia política. Todavia, com o passar do tempo, viu-se a necessidade de estabelecer uma disciplina específica para o estudo da sociedade e das relações sociais. A partir do surgimento da sociologia ficou estabelecido que seu campo ou objeto de pesquisa seria a sociedade e as relações que nela acontecem.

Vamos então iniciar nossos estudos sobre a origem e o desenvolvimento desta tão importante disciplina. Mãos à obra!

2 O QUE É SOCIOLOGIA

A partir do instante em que os seres humanos foram formando as comunidades como uma maneira de sobreviver, ao mesmo tempo em que esse ajuntamento facilitava a luta por sobrevivência, outros problemas foram surgindo, em decorrência das relações existentes nestes grupos. Nesse sentido, foi necessário que se criassem mecanismos que regulamentassem a vida em sociedade, para que a mesma permanecesse em harmonia e todos viessem a gozar de uma vida estável e feliz. A organização social surgiu devido às necessidades do grupo. À medida que os grupos foram crescendo, as relações foram se tornando mais complexas. Nesse momento começam a surgir as primeiras instituições, e dentre elas podemos destacar o Estado, que serve como mediador nas relações sociais, econômicas e políticas da sociedade.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

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A sociologia como ciência veio surgir apenas no século XIX, mas as discussões sociológicas são anteriores ao nascimento de Cristo. A ciência que se ocupava das discussões sociais, até então, era a filosofia política. De acordo com Sell (2002, p. 29),

Ao longo de sua história, a filosofia política teve dois momentos fundamentais. O primeiro está ligado ao mundo grego e ao surgimento das teorias políticas de Platão (427 a-347 a.C.) e Aristóteles (348-322 a.C.). O segundo está ligado ao início da era moderna e é representado pelas teorias do contrato social de Hobbes (1588-1689), Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-1778).

Platão e Aristóteles fazem parte de um importante período da filosofia política clássica, que tinha como objeto de estudo a pólis grega, que eram as cidades-estados independentes, que tinham seus próprios governos e tinham autonomia para criar suas leis. Nesse período, as questões de ordem política se tornaram o centro das discussões filosóficas. Um exemplo disso é a importante obra de Platão, a República.

Dentre os temas discutidos nos diálogos da obra de Platão está o da justiça, pois esta é, sem dúvida, a questão que mais incomoda a vida em sociedade, pois a injustiça é um fator determinante no surgimento de revoltas populares e violência. Se observarmos, veremos que ao longo da história os grupos de pessoas lutaram por justiça, ou por aquilo que acreditam ser justo. Na República nós percebemos os diferentes conceitos apresentados pelos interlocutores de Sócrates e as concepções divergentes sobre o mesmo tema.

Tanto as obras de Platão como as de Aristóteles contribuíram para a estruturação da filosofia e cultura helenista, lembrando que o helenismo foi um período cuja principal característica é a ênfase dada à ciência e ao conhecimento.

NOTA

O conceito de Helenismo foi usado pela primeira vez pelo historiador alemão Johann Gustav Droysen (1808-1884) para caracterizar o processo de expansão da cultura helênica, isto é, grega, para outras regiões do mundo antigo após a morte do Imperador Alexandre, O Grande.FONTE: Disponível em: <http://www.historiadomundo.com.br/idade-antiga/helenismo.htm>. Acesso em: 18 maio 2015.

O segundo momento da filosofia política está ligado ao início da modernidade, e seus principais representantes foram Hobbes, Locke e Rousseau.

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TÓPICO 1 | A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIOLOGIA

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Se na filosofia política clássica o objeto de estudo era a pólis, na filosofia política moderna o objeto de estudo será o Estado. Hobbes, em sua obra Leviatã, defendeu a tese de que o Estado deveria ser a instituição principal na regulamentação das relações sociais. Locke defendia a ideia de que o poder não reside no Estado, mas na população. Ele não estava com isso diminuindo o poder do Estado, mas defendia que o próprio Estado precisava se sujeitar às leis naturais e civis. Dentre outras coisas, defendia a separação entre a Igreja e o Estado. Rousseau, em seu Contrato Social, reflete sobre como é possível criar uma sociedade mais justa e igual. Em sua opinião, o homem nasce livre, mas a sociedade o acorrenta. De acordo com Strauss e Crospey (2013, p. 502), “Rousseau é republicano; é republicano porque acredita que os homens são livres e iguais por natureza. Só uma sociedade civil, que é um reflexo dessa natureza, pode ter esperança de fazer felizes os homens”.

Segundo Sell (2002, p. 29), “O surgimento da sociologia no século XIX representa uma terceira onda na história do pensamento social”. Esta terceira onda da história do pensamento social foi denominada por Comte de Sociologia.

A sociologia consiste numa área importante das ciências humanas, ao lado da antropologia, história e geografia, que estudam a sociedade em seus diversos aspectos, e pode ser definida como o

Estudo científico das relações sociais, das formas de associação, destacando-se os caracteres gerais comuns a todas as classes de fenômenos sociais, fenômenos que se produzem nas relações de grupos entre seres humanos. Estuda o homem e o meio humano em suas interações recíprocas. A sociologia não é normativa, nem emite juízos de valor sobre os tipos de associação e relações estudadas, pois baseia-se em estudos objetivos que melhor podem revelar a verdadeira natureza dos fenômenos sociais. A Sociologia, desta forma, é o estudo e o conhecimento da realidade social. (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 25).

Desde os primórdios da história da humanidade o homem vem estabelecendo relações, como forma de sobreviver e superar os desafios impostos pela natureza. À medida que o tempo vai passando, essas relações vão se tornando mais complexas e os homens vão sentindo a necessidade de se organizarem para desenvolver estratégias de sobrevivência, cada vez mais eficientes, que garantam o bem-estar de todos.

Não é função da sociologia emitir juízos de valor sobre os fatos históricos e sociais, pois este julgamento compete às instituições criadas para isso. Para Weber (1994, apud SELL, 2002, p. 180), “sociologia significa uma ciência que pretende compreender interpretativamente a ação social e assim explicá-la em seu curso e seus efeitos”. A função principal da sociologia é estudar objetivamente os fatos através de métodos científicos, procurando fugir das análises subjetivas características do

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

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senso comum. É importante ressaltar que a sociologia não consiste num conjunto de afirmações baseadas no senso comum, pois “enquanto o senso comum apresenta ideias familiares e não testadas, a sociologia, utilizando o método científico, apresenta ideias fundamentadas que podem ser permanentemente verificadas”. (DIAS, 2011, p. 16). O fato de a sociologia utilizar métodos científicos em suas pesquisas é o que lhe confere o status de ciência.

3 O OBJETO DE ESTUDO DA SOCIOLOGIA

O objeto de estudo da sociologia é basicamente a vida em sociedade, os fenômenos sociais. Enquanto a psicologia, por exemplo, estuda o ser humano em seu aspecto particular, a sociologia estuda os grupos sociais. Consiste num estudo mais amplo e crítico, sobretudo aquilo que diz respeito à vida social dos indivíduos.

De acordo com Lakatos e Marconi (2006, p. 26), “compete, portanto, à sociologia o estudo do homem e do universo sociocultural como um todo, analisando as inter-relações entre os diversos fenômenos sociais”. Tal estudo é por natureza complexo, pois seu campo de ação está relacionado a tudo aquilo que diz respeito à vida social. Por este motivo é que a sociologia está dividida em várias áreas básicas, como, por exemplo, a sociologia sistemática, sociologia descritiva, sociologia comparada, sociologia diferencial, sociologia aplicada e sociologia geral ou teórica.

A palavra sociedade é um termo muito utilizado quando estudamos sociologia. Nesse sentido, podemos nos perguntar o que é sociedade do ponto de vista sociológico? De acordo com Chinoy (1967, p. 55),

A sociedade, portanto, é antes de tudo o grupo dentro do qual os homens vivem uma vida comum total, uma organização limitada a um propósito ou a propósitos específicos. Desse ponto de vista, uma sociedade consiste em indivíduos não apenas aparentados uns com os outros, mas também em grupos interligados (sic) e justapostos.

A sociedade é composta de indivíduos que pensam de maneiras diferentes, possuem hábitos, costumes e crenças diferentes. No entanto, mesmo sendo tão diferentes, as pessoas possuem relações sociais com os diversos grupos, pois que estes estão ligados ou interligados de diversas maneiras, alguns estão ligados aos outros por laços familiares, outros pela crença em uma religião comum, outros ainda por uma ideologia política ou por relações econômicas etc. Isso significa que o indivíduo que está inserido em uma sociedade possui relações com os demais, sejam elas espontâneas ou não.

Vamos usar um exemplo de interligação no campo econômico. Um eletricista que pertence ao segmento religioso adventista e guarda o sábado, mas tem relações econômicas com um ateu. O ateu não considera o sábado um dia sagrado e não vê problema algum em trabalhar no sábado. No entanto, ao contratar

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TÓPICO 1 | A EVOLUÇÃO HISTÓRICA E A SOCIOLOGIA

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os serviços deste eletricista, sabe que não poderá contar com ele no sábado para consertar algum problema elétrico, apenas depois das seis da tarde. Observe que aqui há um caso em que os indivíduos estão ligados por laços econômicos, mas quando se trata de religião, possuem uma visão completamente diferente.

Essa interação social entre os indivíduos com valores e ideias diferentes é possível quando a sociedade está organizada no sentido de que as diferentes crenças, valores, concepções de mundo são respeitadas. Em algumas sociedades isso ainda não é possível, pois há sociedades em que uma determinada religião é dominante e, portanto, todos devem se submeter às suas crenças, mesmo que isso seja contra sua vontade.

A sociologia toma esses elementos e fenômenos sociais como objeto de estudo no sentido de compreender a dinâmica da sociedade. Busca, por meio de seus métodos, superar as concepções baseadas no senso comum e compreender cientificamente o comportamento humano e suas relações com os demais indivíduos ou grupos. Esses conhecimentos elaborados pelos estudos sociológicos, dentre outras coisas, servem aos governos para desenvolverem políticas públicas mais eficientes no sentido de combater as desigualdades sociais, econômicas e culturais.

LEITURA COMPLEMENTAR

SOCIEDADE

Sociedade é um tipo especial de sistema social que, como todos os sistemas sociais, distingue-se por suas características culturais, estruturais e demográficas/ecológicas. Especificamente, é um sistema definido por um território geográfico (que poderá ou não coincidir com as fronteiras de nações-estados), dentro do qual uma população compartilha de uma cultura e estilo de vida comuns, em condições de autonomia, independência e autossuficiência relativas. É necessário especificar “relativa”, porque se trata de questões de grau no mundo moderno, de sociedades interdependentes. É seguro dizer, no entanto, que elas figuram entre os mais autônomos e independentes de todos os sistemas sociais.

Outra característica distintiva das sociedades é que tendem a ser o maior sistema com o qual os indivíduos se identificam como membros. É improvável, por exemplo, que japoneses, americanos ou britânicos pensem em si mesmos como pertencendo a alguma entidade social reconhecível maior do que, respectivamente, o Japão, os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha. Mas ainda isso pode ser uma questão de grau, na medida em que confederações de nações tornam-se mais comuns. Unificando-se a Europa, como ora acontece, é concebível que pessoas comecem a pensar nesse continente de uma maneira antes reservada às nações-estado. Como tal, a Europa pode começar a adquirir as características de uma sociedade.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

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Sociedade é um conceito fundamental em sociologia, porque é nesse nível que são criados e organizados os elementos mais importantes da vida social. Virtualmente, todos os sistemas sociais de que participamos – da família e religião às ocupações e aos esportes – são, de certa maneira, subsistemas de uma sociedade que define seu caráter básico. Até mesmo grupos subversivos e revolucionários operam e se definem principalmente em relação à sociedade e suas instituições.

No entanto, importante como sejam, não devemos imputar-lhes características que não possuem. Esse fato é bem evidente na prática comum de falar em sociedades como se elas fossem pessoas, capazes de pensar, sentir, querer, necessitar e agir. Como sistema social, ela é em grande parte abstrata, mesmo que possa ser experimentada como tendo realidade concreta.

FONTE: JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico você viu que:

• A sociologia é uma disciplina recente, mas as discussões sobre os fenômenos sociais remontam à filosofia clássica grega.

• O objeto de estudo da sociologia é basicamente a vida em sociedade, os fenômenos sociais.

• A sociedade é composta de indivíduos que pensam de maneiras diferentes, possuem hábitos, costumes e crenças diferentes.

• Busca por meio de seus métodos superar as concepções baseadas no senso

comum.

Page 20: Sociologia geral e da religião - UNIASSELVI

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1 De que maneira você compreende a sociologia enquanto ciência que estuda as relações sociais?

2 De acordo com os estudos realizados, sabemos que a filosofia política, por muito tempo, ocupou o lugar da sociologia nos assuntos que diziam respeito à vida em sociedade. Nesse sentido, analise as sentenças a seguir e assinale V para as verdadeiras e F para as falsas:

( ) Para explicar a sociedade, Locke escreveu uma importante obra, Leviatã, na qual ele entende que o Estado deveria ser a instituição principal na regulamentação das relações sociais.

( ) Para Rousseau, o homem nasce livre, mas a sociedade o acorrenta.( ) Os principais representantes do segundo momento da filosofia política

foram Hobbes, Locke e Rousseau.

Agora, assinale a sequência CORRETA:

a) ( ) F – V – F. b) ( ) V – V – F.c) ( ) F – V – V.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

ADVENTO DA SOCIEDADE MODERNA E A

CONSTITUIÇÃO DA SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

A modernidade é um período da história humana que causou muitas rupturas em relação ao sistema medieval. Tais rupturas foram sentidas nas instituições sociais mais comuns, como é o caso da família, a religião e o Estado. Para entendermos o que foi a modernidade, inicialmente iremos tratar de entender seu conceito.

Na essência deste período estão as mudanças. Lembrando que essas mudanças acontecem nas mais diversas áreas da vida humana, seja na política, na economia, nas artes, na filosofia, na religião e na vida social.

Juntamente com essas mudanças vieram os desafios, as questões que precisavam de respostas, os problemas que precisavam de solução e as decisões que precisavam de uma justificativa. Em meio a este turbilhão de acontecimentos e mudanças, surge a sociologia como ciência para compreender e explicar pelo menos uma parte destas mudanças, ou seja, aquelas que dizem respeito à vida social e às relações sociais.

Nosso objetivo neste tópico é conhecer o cenário em que se deu o surgimento da sociologia como ciência. A seguir, veremos alguns fatos históricos importantes que antecederam o surgimento da sociologia. Portanto, te convido a trilhar por esta fascinante jornada!

2 MODERNIDADE

O período que antecede a modernidade é um momento da história humana marcado pelo obscurantismo, misticismo e ignorância. Infelizmente, a religião, neste caso o cristianismo, foi usado como um instrumento de domínio por parte da Igreja Católica, para controlar a vida das pessoas. No entanto, o poder absoluto da Igreja teve seu auge, mas começou a dar sinais de que estava se fragmentando

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devido às intensas disputas políticas internas. Como consequência, o poder da Igreja enfraquece e os pensadores começam a questionar tudo aquilo que era tomado como verdade absoluta. Surge uma nova fase da história humana: a modernidade, que pode ser entendida de diversas maneiras. Segundo Abbagnano (2012, p. 791-792), a modernidade é interpretada de diferentes formas pelos pensadores:

a) a de Weber, que identifica o Moderno com a época da racionalização técnico-científica e com o consequente “desencantamento do mundo”;b) a da Escola de Frankfurt, que vê no Moderno a manifestação extrema da dialética suicida que caracteriza a civilização “burguesa”;c) a de Heidegger, que vê no Moderno a época do niilismo e da tecnologia planetária;d) a de Löwith, que reconhece no Moderno uma espécie de cópia secularizada da escatologia hebraico-cristã;e) a de Blumenberg, que, em oposição a Weber e Löwith, identifica no Moderno não uma obra de mundanização de valores religiosos, mas o efeito da “autoafirmação humana” contra “o absolutismo teológico”, negando a existência de uma linha de continuidade entre escatologia e ideia de progresso;f) a de Habermas, que identifica o Moderno com a “tradição iluminista da civilização ocidental” e com sua luta a favor da emancipação humana.

Não está em questão aqui qual a concepção mais correta sobre a modernidade. O que temos que observar é que cada teórico observa algum aspecto que possa explicar os acontecimentos deste período e a maneira como isso afetou a vida das pessoas. O que é possível perceber claramente é que o conhecimento científico é um elemento fundamental da modernidade. A sociologia surge com a finalidade de entender e explicar os problemas decorrentes deste novo cenário que se configurava nas cidades europeias. Todavia, vale ressaltar que a sociologia surge como disciplina somente em meados do século XIX, com a consolidação do capitalismo.

A modernidade, dentre outras coisas, é marcada por revoluções, ou seja, movimentos que surgiram no meio do povo e que foram capazes de reconfigurar a estrutura social europeia. De acordo com Sell (2002, p. 20),

As revoluções Industrial e Francesa e o Iluminismo iniciaram um movimento de transição entre os períodos históricos da Idade Média e da Idade Contemporânea. A Idade Moderna alterou definitivamente os aspectos culturais, políticos e econômicos da sociedade e deu início à estruturação do mundo no qual vivemos hoje.

As duas revoluções e o Iluminismo carregam em seu bojo elementos desencadeantes de reações sociais tanto positivas quanto negativas, que afetaram diretamente a estrutura social vigente. Isso significa dizer que a história da humanidade nunca mais seria a mesma. O modo de pensar, viver e agir seguirá outro curso, se emancipando do estilo de vida medieval.

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De acordo com Sell (2002, p. 21), “o conjunto de transformações geradas pela Revolução Industrial, Revolução Francesa e pelo Iluminismo precisava ser explicado e compreendido pela razão humana. Eles geravam a sensação de que o mundo estava em ‘crise’ e de que algo precisava ser feito”.

Esse conjunto de mudanças mexeu profundamente com a ordem social, política, cultural e econômica comum na Idade Média. O futuro era algo incerto, novos valores vão sendo assimilados pela sociedade. Se por um lado há otimismo e esperança, por outro lado as pessoas se deparam com as dificuldades inerentes desta nova realidade. O progresso será experimentado de maneira diferente pelas pessoas, pois, dependendo das condições de cada um, o progresso poderia ser símbolo de realização para alguns, enquanto para outros se tornava símbolo de exploração e sofrimento.

3 A REFORMA PROTESTANTE

O surgimento da sociologia teve influência de várias áreas da vida humana, entre elas podemos destacar os campos filosófico, político, econômico, cultural, e não podemos esquecer-nos do campo religioso.

A Idade Média é caracterizada pela autoridade da Igreja Católica nos diversos campos da vida humana. Nesse sentido, a vida social da Idade Medieval era orientada pelas determinações da Igreja, pois, por meio dos dogmas, a sociedade concebia a ideia de justiça, princípios de comportamento e das relações sociais.

A ideia predominante da Idade Média é a de que o ser humano deveria prezar por seu relacionamento com Deus devendo obediência irrestrita aos dogmas da Igreja Católica. Era pregada uma anulação do indivíduo em detrimento da Igreja e de Deus. Tal ideia criou uma sociedade cativa à vontade da Igreja Católica e sujeita aos desmandos de um clero inescrupuloso, com raras exceções. Sem contar o fato da cobrança de indulgências para a absolvição do pecado, responsável pelo enriquecimento da Igreja. Tal prática dava grande poder sobre a vida do indivíduo, pois sem os sacramentos não haveria perdão dos pecados, e, por outro lado, o dinheiro arrecadado com a venda de indulgências aumentava o poder econômico da Igreja.

A Reforma Protestante foi um passo importante para as mudanças que se iniciaram no século XVI, pois a partir de então a luta pela liberdade e não reconhecimento do poder da Igreja Católica possibilitou avanços importantes em diversas áreas, inclusive na constituição da sociedade.

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Um aspecto que teve peso significativo para a mudança cultural das pessoas foi o acesso às escrituras, ou seja, para Lutero cada cristão tem o direito de ler a Bíblia e buscar compreendê-la. O simples fato de os indivíduos terem acesso à leitura possibilitou uma mudança estrutural na sociedade medieval, pois abriu o caminho para que as pessoas tivessem acesso à informação e se tornassem mais participativos da vida social.

Os reformadores desejavam e expressavam isso em seus ensinamentos, que as pessoas tivessem uma conduta cristã que agradasse a Deus, mas precisavam estar introduzidas no mundo social como seres vocacionados por Deus para serem prósperos e influentes onde estivessem. Isso é possível perceber na vida do político William Wilberforce no século XVIII, quando liderou o movimento abolicionista do tráfico de negros. Suas convicções religiosas o levaram a abraçar a causa abolicionista travando uma dura batalha no Parlamento britânico que culminou com a aprovação do Ato Contra o Comércio de Escravos, em 1807.

Observe que a Reforma Protestante foi um fato histórico fundamental para as mudanças que viriam depois. Isso se deve ao fato de que com a Reforma se percebeu a fragilidade da Igreja Católica, que não foi capaz de conter um reformador e suas ideias de igualdade, pois para Lutero não poderia haver distinção entre os filhos de Deus, qualquer pessoa pode se achegar a Deus sem a necessidade de um mediador humano, este é o princípio do sacerdócio universal, ponto fundamental da Reforma Protestante.

4 O RENASCIMENTO CULTURAL

A produção artística e científica surgida na Europa nos séculos XV e XVI produziu mudanças no estilo de vida das pessoas. Um exemplo disso foram as viagens marítimas, que culminaram com a chegada dos europeus em outros continentes, desencadeando uma euforia muito grande, pois agora o homem acreditava ser capaz de mudar as coisas e criar o seu próprio destino. A visão teocêntrica dá lugar a uma visão antropocêntrica, onde o homem é capaz de intervir diretamente nos destinos da história do mundo.

Uma das imagens mais populares do Renascimento é a obra de Leonardo da Vinci, a Mona Lisa. Por que esta obra chama tanto a atenção? Discuta com seus colegas sobre essa pergunta.

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FIGURA 1 - MONA LISA

FONTE: Disponível em: <http://www.suapesquisa.com/renascimento/>. Acesso em: 17 abr. 2015.

De acordo com Moraes (1993, p. 164), “na verdade não existe um Renascimento, mas inúmeras experiências renascentistas que se manifestaram de diferentes formas naquele período. Esses novos valores renascentistas atingiriam todas as áreas do conhecimento humano, em quase toda a Europa”. O Renascimento cultural se opunha diretamente à Igreja Católica, que até então ditava as regras de vida espiritual, social, econômica e política da Europa. Isso não significa dizer que o homem renascentista ignorava por completo as questões religiosas, pelo contrário, o que vemos é a Reforma Protestante que revigorou a fé de muitas pessoas. A questão é que o homem moderno não aceitava mais o grau acentuado de interferência da Igreja Católica em assuntos que não lhe diziam respeito. O homem desejava andar por sua própria conta, não tendo que dar satisfação a uma instituição religiosa sobre sua conduta ou opções.

O ponto principal do Renascimento cultural consiste no fato de que se acreditava que o homem é capaz de criar, mudar, destruir, ou seja, a razão humana deveria estar acima de qualquer dogma ou instituição. O mundo e a sociedade não devem ser coisas estáticas, pois, de acordo com os renascentistas, o homem é capaz de criar o seu próprio mundo.

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Conforme Silva e Silva (2009, p. 359), “o contexto histórico do Renascimento está associado à crise do Feudalismo e ao surgimento do Capitalismo na Europa ocidental no século XIV. Essa crise histórica se manifestou tanto no campo econômico, político e social, quanto no intelectual e cultural”. Este cenário, que estava se desenhando na Europa, foi uma oportunidade para algumas classes de pessoas se posicionarem contrárias, principalmente à Igreja Católica, que estava sofrendo sérios problemas em decorrência da corrupção do clero. O Renascimento foi, acima de tudo, uma nova concepção de mundo concebida pela classe burguesa que estava em ascensão.

5 O ILUMINISMO

O Iluminismo é um movimento de caráter global, no sentido de que envolve diversas áreas da vida humana. Este movimento pregava o uso da razão como o elemento-chave para as mudanças necessárias que melhorariam a vida das pessoas, tirando-as das trevas da ignorância. Tal movimento promoveu mudanças importantes nas áreas política, social e econômica.

Uma das características principais do Iluminismo era o constante debate das ideias. As verdades passam a ser questionadas pelos pensadores. Na figura a seguir você pode observar um grupo de pessoas debatendo sobre algum assunto. Converse com seus colegas sobre qual seria o assunto mais debatido pelas pessoas neste período. Você arriscaria algum palpite?

FIGURA 2 - DEBATE PÚBLICO

FONTE: Disponível em: <http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/41/artigo158650-2.asp>. Acesso em: 17 abr. 2015.

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“O Iluminismo surgiu, então, ao mesmo tempo como uma tradição filosófica militante de crítica e também de fundamentação de novas propostas e valores baseados nas ideias de que a humanidade caminharia no sentido do progresso, da liberdade e da busca da felicidade”. (MORAES, 1993, p. 200). A vida terrena passa a ser valorizada a partir desta concepção, pois o homem é visto como agente indispensável para o progresso da humanidade. O conhecimento científico é profundamente valorizado, pois seria este o caminho para melhorar a vida das pessoas. Os dogmas religiosos vão gradativamente sendo substituídos por um pensamento crítico e inovador, que possa formular teorias capazes de explicar os fenômenos naturais e sociais.

Até aqui nós podemos observar que a humanidade estava caminhando para um conjunto de mudanças que aconteceriam de maneira efetiva naquilo que denominamos de modernidade. A mentalidade do homem moderno deixa de ser teocêntrica e o ser humano passa a ter lugar de destaque no mundo, o que ficou conhecido como antropocentrismo, onde o homem é o centro do universo. Essa é uma mudança radical em relação àquilo que perdurou por toda a Idade Média, de que todas as respostas estavam em Deus e tudo convergia para Ele. O homem moderno começa a buscar realização aqui na Terra e não mais em um paraíso na eternidade. Tais ideias mudaram o comportamento humano em relação à vida e a tudo o que lhe diz respeito.

6 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

O conjunto de mudanças que ocorreram na Europa nos séculos XVIII e XIX é denominado de Revolução Industrial. Nesse período as máquinas a vapor ganharam importância fundamental para o aumento da produção, tornando-se símbolo dessa era de elevada produtividade e consumo. Na figura a seguir você poderá observar como eram os interiores das fábricas de tecidos na Inglaterra.

FIGURA 3 - REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

FONTE: Disponível em: <http://www.sohistoria.com.br/resumos/revolucaoindustrial.php>. Acesso em: 17 abr. 2015.

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Para aumentar a produção e o lucro, a burguesia industrial buscou alternativas que melhorassem a produtividade e, consequentemente, a lucratividade de suas indústrias. A Inglaterra foi a pioneira nesta nova fase da economia ocidental, pois o fato de seu território dispor de grandes reservas de carvão mineral e minérios de ferro deu aos ingleses as condições necessárias para impulsionar o desenvolvimento e a produção industrial.

O desenvolvimento de técnicas de produção não consiste num aspecto exclusivo da Revolução Industrial do século XVIII, o que diferencia a indústria deste período é o fato de que

A indústria moderna, para existir, precisa de alguns pré-requisitos: a utilização de utensílios e máquinas que substituem o trabalho pesado do homem; o aumento do número de pessoas empregadas nas fábricas; a automação das etapas de produção; a divisão e especialização do trabalho, entre outras coisas. (SILVA; SILVA, 2009, p. 371).

É possível perceber que as relações sociais foram alteradas profundamente a partir do momento em que a indústria passou a ser o elemento-chave na formação das cidades. Tal situação alterou a estrutura da sociedade, estabelecendo aspectos totalmente novos nas relações sociais. O próprio consumo dos produtos industrializados aumentou, pois as pessoas que trabalhavam nas indústrias também eram consumidoras. Em decorrência do aumento do mercado consumidor foi necessário investir cada vez mais em métodos produtivos mais eficientes, nesse sentido iniciou um forte investimento para o desenvolvimento tecnológico das indústrias.

Outro aspecto importante foi que a Revolução Industrial aumentou o contingente populacional das cidades, a consequência imediata foi o êxodo rural intenso e a elevada oferta de mão de obra que, por sua vez, ocasionou a desvalorização do trabalhador e o aumento da exploração, pois os operários se submetiam a jornadas de trabalho extenuantes por um salário muito pequeno. Em decorrência disso houve o aumento da violência, prostituição e casos de suicídio nas cidades. O crescimento das cidades inicialmente não foi planejado, consistiu num crescimento desordenado, o que ocasionou os problemas já citados.

Em meio a este novo cenário iniciaram-se as discussões sobre a sociedade de maneira mais específica, ou seja, era necessário desenvolver uma ciência social para estudar a sociedade que estava emergindo da Revolução Industrial. Os problemas sociais precisavam ser discutidos de maneira mais específica, papel que a sociologia assumiu por ocasião de seu surgimento.

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DICAS

SUGESTÃO DE FILME

Durante o século XIX, no transcorrer da Revolução Industrial, os trabalhadores franceses eram explorados pela aristocracia burguesa, dona do capital e dos meios de produção, que dava aos seus empregados condições miseráveis para desenvolver suas atividades produtivas. Em uma cidade francesa, os trabalhadores de uma grande mineradora decidem realizar uma greve e se rebelam contra seus chefes, causando o caos. Esse filme é baseado na importante obra de Émile Zola, que viveu entre os mineradores por três meses para conhecer a realidade vivenciada nas minas de carvão. O filme está disponível no Youtube, em: <https://www.youtube.com/watch?v=6GPAlH4I9ug>.

7 A REVOLUÇÃO FRANCESA

O descontentamento provocado pela divisão da sociedade francesa em três estados (clero, nobreza e povo) gerou uma onda de descontentamento por parte do terceiro estado (o povo), porque este arcava com a custa dos demais, ou seja, trabalhava para pagar a conta. Nesta época a população francesa estava enfrentando problemas com o clima, secas e/ou inundações. Tais fatores mexiam profundamente com a economia francesa, pelo fato de a metade da população trabalhar no campo. Altos impostos, somados aos problemas econômicos e uma série de outras desigualdades sociais, tornaram-se um campo fértil para o germe de uma revolução que estourou em 1789.

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FIGURA 4 - REVOLUÇÃO FRANCESA

FONTE: Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/revolucao-francesa/>. Acesso em: 17 abr. 2015.

O absolutismo na França não condizia com os ideais de liberdade pregados pelos pensadores iluministas franceses. Tais ideais tinham despertado o sentimento de revolta em vários países do mundo, como é caso dos Estados Unidos, e também da Conjuração Mineira, em Minas Gerais, em que seus representantes, influenciados pelos ideais iluministas franceses, lutavam contra a tirania de seus governantes ou países colonizadores. Enquanto que países alcançavam sua independência a partir dos ideais franceses, o povo francês, contudo, permanecia apático frente à exploração da nobreza, do governo e do clero.

De acordo com Silva e Silva (2009, p. 371), “a Revolução Francesa não foi apenas mais um evento que abalou as estruturas do Antigo Regime, mas um fato de consequências mais fundamentais para a contemporaneidade do que qualquer outro, visto que foi uma revolução social de massa”. O ideal da Revolução Francesa consistia no anseio por liberdade, igualdade e fraternidade. A busca por uma sociedade igualitária, livre e fraterna despertou nos franceses um sentimento de inconformismo diante daquilo que vinham enfrentando ao longo de sua história. Nesse sentido, “a Revolução Francesa não foi uma revolução comum, mas foi uma revolução que sacudiu as instituições vigentes e propôs novas instituições e valores ao mundo” (SILVA; SILVA, 2009, p. 367). Se, por um lado, a Revolução Industrial teve um forte impacto sobre o campo econômico, a Revolução Francesa teve um impacto mais abrangente, pois seus efeitos são sentidos nas mais diversas áreas da vida humana. Naturalmente, este evento marca o início das discussões sobre os direitos universais do homem.

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8 AUGUSTO COMTE E O POSITIVISMO

Augusto Comte (1798-1857) foi um filósofo francês, nascido em Montpellier, França. É conhecido como o criador da corrente de pensamento denominada “Positivismo”. Comte realizou seus primeiros estudos em sua cidade natal.

Em Paris, ingressou na Escola Politécnica, mas com o fechamento temporário desta, retornou a Montpellier para continuar seus estudos na Faculdade de Medicina. Em 1817 retomou os estudos em Paris, até ser expulso da Escola Politécnica. No mesmo ano, tornou-se secretário do socialista Saint-Simon, quem o apresentou à intelectualidade francesa. Nessa época, começou a escrever o livro “Curso de Filosofia Positiva”, que seria uma filosofia das ciências. De um lado, originou uma classificação das ciências, por ordem de complexidade; de outro, formulou a Lei dos Três Estados, que é o alicerce fundamental de sua obra. Em 1826, Comte foi internado em uma clínica de saúde mental para tratar de problemas psiquiátricos. Já no ano de 1832, voltou à Escola Politécnica para lecionar, mas saiu em 1844 por não obter cátedra. Em 1848 o pensador francês criou uma “Sociedade Positivista”, que obteve muitos seguidores. Comte faleceu em Paris, França, no dia 5 de setembro de 1857.

FONTE: Disponível em: <http://www.estudopratico.com.br/biografia-de-auguste-comte/>. Acesso em: 28 abr. 2015.

FIGURA 5 - AUGUSTO COMTE

FONTE: Disponível em: <http://www.estudopratico.com.br/biografia-de-auguste-comte/>. Acesso em: 6 abr. 2015.

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QUADRO 1 – OS TRÊS ESTADOS DA HUMANIDADE

TEOLÓGICO METAFÍSICO POSITIVO

• FetichismoCulto de objetos materiais.Magias.Místico.• PoliteístaPresença de vários deuses para explicar e justificar a natureza das coisas.• Monoteísta Substituição da legião de deuses por um único Deus.Período em que se fazem algumas abstrações.

Reunião de todas as forças numa só, chamada natureza.

Explicação da realidade por abstrações racionais.

Autodestrutível, levando o homem ao terceiro estado, que é o positivo.

Científico: conhecimento da realidade e das suas explicações, através da observação e da experimentação, buscando leis científicas que regem a natureza das causas das coisas.• Matemática • Astronomia• Física• Química• Biologia• SociologiaIgreja Positiva.

FONTE: OLIVEIRA, 1999, p. 20

O pensamento de Comte é profundamente influenciado pelas ideias de Henri de Saint-Simon, do qual se tornou discípulo. Saint-Simon pregava a tese de que o sistema católico-feudal entraria em decadência. A Teologia seria substituída pela ciência e pela indústria, onde os nobres, padres e soldados que serviam aos interesses das classes dominantes e dos Estados dariam lugar às figuras dos engenheiros, dos donos de indústrias e operários. Este seria um novo estágio, em que a indústria seria guiada pela ciência, modificando profundamente a vida social.

Sob a influência destas ideias e das mudanças que vinham ocorrendo na sociedade, Augusto Comte começa a desenvolver pesquisas no sentido de compreender as dinâmicas dessa nova sociedade. De acordo com Oliveira (1999, p. 19),

O criador da Sociologia e do Positivismo, aos exaustivos estudos da estática e da dinâmica sociais, termos emprestados da Física para poder explicar os fenômenos sociais, acreditava ser possível criar uma sociedade-modelo, tendo o amor como princípio, a ordem como base e o progresso como fim.

A humanidade, de acordo com o pensamento de Comte, teria passado por três estados no que se refere à sua concepção de mundo e da vida: o estado teológico, o estado metafísico e o positivo. Estes três estados pelos quais a humanidade passou significam, na verdade, os três estágios do conhecimento científico. Essa teoria de Comte tenta explicar o desenvolvimento das concepções intelectuais da humanidade.

A seguir você poderá observar um resumo da ideia comtiana dos três estágios ou estados.

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A organização da sociedade, para Comte, é de responsabilidade dos industriais e dos sábios, sendo que o primeiro grupo é possuidor do poder material e o segundo grupo possui o poder espiritual. (OLIVEIRA, 1999).

Para Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 42), “No estado teológico, o espírito humano [...] apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias existentes no universo”. Neste estado as explicações partem da ideia de que há deuses (posteriormente surge a ideia de um único Deus – monoteísmo) que regem os destinos do universo, ou seja, Deus está presente em tudo e tudo o que acontece parte da vontade Dele.

O segundo estado da humanidade, denominado de metafísico, é entendido como o momento em que se conhecem os fenômenos a partir das causas primeiras. Nesse sentido, Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 42) escreveu que:

No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que uma simples modificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidos como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste, então, em determinar para cada um uma entidade correspondente.

Neste segundo estado os fenômenos são explicados a partir de forças ocultas, a ideia da existência de um Deus, que rege todas as coisas, vai dando lugar a explicações menos místicas. Em termos simples, significa dizer que os agentes sobrenaturais dão lugar a forças ocultas. As fundamentações deste estado são mais racionais que o primeiro, mas ainda têm o caráter metafísico, porque não são demonstráveis experimentalmente.

No terceiro e último estágio, o positivo, a filosofia é substituída pelo conhecimento científico. Nesse sentido, Comte (1978, apud SELL, 2002, p. 43) afirma que,

Enfim, no estágio positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter as noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso do bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude.

Nesse estágio o espírito humano renuncia a procura pelos fins últimos, ou seja, abandona a busca de respostas para os últimos ‘por quês’. O ser humano, ao abandonar as respostas religiosas, busca, por meio do conhecimento científico, compreender as leis que regem os fenômenos, no sentido de prever qual deve ser o próximo passo a ser dado para se antecipar ao que irá acontecer. É o estado da capacidade humana, porque consegue superar todas as especulações metafísicas e constrói um conhecimento resultante da verificação e comprovação.

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8.1 AUGUSTO COMTE E A FÍSICA SOCIAL

No pensamento de Comte a sociologia ganha o status de ciência suprema, pois ele a concebe como uma física social com rigorosos critérios de pesquisa. Sobre isso, Augusto Comte (1989, apud SELL, 2002, p. 45) disse:

Entendo a Física Social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, considerados com o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos às leis naturais invariáveis, cuja descoberta é o objetivo especial de suas pesquisas [...]. O espírito dessa ciência consiste, sobretudo, em ver, no estudo aprofundado do passado, a verdadeira explicação do presente e a manifestação geral do futuro.

Comte defendia a ideia da objetividade no estudo da sociedade, pois

acreditava que tanto os fenômenos sociais quanto os fenômenos físicos possuíam uma origem natural e, portanto, seguiam uma ordem natural de funcionamento. Nesse sentido, a ciência social deveria obedecer a critérios objetivos de investigação da mesma maneira que a física, a matemática e outras ciências exatas seguem para chegar às suas conclusões.

Ao se referir a Comte, os sociólogos Lakatos e Marconi (2006, p. 45) dizem que “este pensador francês lutava para que, em todos os ramos de estudos, se obedecesse à preocupação da máxima objetividade”. Essa deve ser a característica elementar da sociologia enquanto ciência, pois a objetividade científica fortalece a credibilidade teórica dos argumentos elaborados. Por este motivo, “defendia o ponto de vista de somente serem válidas as análises das sociedades quando feitas com verdadeiro espírito científico, com objetividade e com ausência de metas preconcebidas, próprios das ciências em geral”. (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 45). A física social consiste exatamente na objetividade dos fenômenos observados e não na subjetividade do observador.

Segundo Comte (1983, apud SUPERTI, 2015, p. 2),

O caráter fundamental da filosofia é tomar todos os fenômenos como sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta precisa e cuja redução ao menor número possível constituem o objetivo de todos os nossos esforços, considerando como absolutamente inacessível e vazia de sentido para nós a investigação das chamadas causas, sejam as primeiras, sejam as finais.

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Comte entendia que a evolução da sociedade estava sujeita a leis naturais que não poderiam ser modificadas pela intervenção humana. Nada é por acaso, tudo o que acontece na sociedade obedece às leis naturais; nesse sentido, o desenvolvimento da sociedade não pode ser impedido, pois qualquer resistência é inútil, os fenômenos possuem causas que precisam ser observadas no sentido de compreendê-las, mas sem a possibilidade de intervenção. Seu pensamento resulta numa compreensão determinista em que nada poderá parar o avanço científico. Os passos do progresso humano estão encadeados uns aos outros, isso significa dizer que os fenômenos sociais não são isolados, tudo está interligado, e precisam ser estudados a partir das causas que os mantêm ligados.

A evolução social é vista por Comte como estando sujeita a leis naturais que não podem ser modificadas pela natureza humana, cabendo à física social, pois, alertar para a inutilidade da resistência ao desenvolvimento que, afinal, é inevitável, podendo, ao mesmo tempo, mitigar ou acelerar artificialmente tal desenvolvimento [...]. E, fiel a tal perspectiva, ele recusa a noção de acaso: tudo está interligado, todo fenômeno pode ser estudado a partir de causas precisas que o motivaram. (SOUZA, 2008, p. 140)

Observe que esta evolução social não é resultado do acaso, segue um conjunto de leis, que, se forem compreendidas devidamente, possibilitam que o homem conheça, de certa maneira, qual será o próximo fenômeno a ser desencadeado por aquele que o precede.

A base do sistema de pesquisa positivista é a observação, pois de acordo com Suassuna (1999, SOUZA apud 2008, p. 139), “O objeto da sociologia são os fatos sociais observáveis, aqueles objetos que não podem ser observados sistematicamente, dentro de um exercício metódico, não podem ser objeto da sociologia”. Assim como a astronomia elabora suas teorias a partir daquilo que é possível observar, a sociologia deve ocupar-se dos fatos que sejam passíveis de observação, pois do contrário, na visão de Comte, a sociologia deixaria de ser uma ciência e se tornaria um conhecimento baseado no senso comum.

O estado positivo somente seria alcançado em decorrência da evolução social da humanidade. O conhecimento científico possibilitaria que a humanidade chegasse neste estado. O que podemos perceber na teoria de Comte é sua visão determinista da história da humanidade, não havendo espaço para o acaso, e que a natureza humana pouco pode fazer para mudar o curso do progresso científico da humanidade. O ser humano está fadado a adequar-se ao progresso científico sem a possibilidade de escolher um retrocesso como forma de escapar de tal estágio da humanidade.

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IMPORTANTE

O positivismo teve fortes influências no Brasil, tendo como sua representação máxima o emprego da frase positivista “Ordem e Progresso”, extraída da fórmula máxima do Positivismo: "O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim", em plena bandeira brasileira. A frase tenta passar a imagem de que cada coisa em seu devido lugar conduziria para a perfeita orientação ética da vida social.Embora o positivismo tenha tido grande aceitação na Europa e também em outros países, como o Brasil, e talvez seja a base do pensamento da sociologia, as ideias de Comte foram duramente criticadas pela tradição sociológica e filosófica marxista, com destaque para a Escola de Frankfurt.

FONTE: Disponível em: <http://www.brasilescola.com/sociologia/positivismo.htm>. Acesso em: 18 maio 2015.

9 HERBERT SPENCER

Herbert Spencer, nascido em 27 de abril de 1820 em Derby, morreu em 8 de dezembro de 1903, em Londres, é um filósofo inglês e sociólogo. Defende, em 1857, uma filosofia evolutiva. A evolução é uma transição gradual do homogêneo para o heterogêneo e contraditório consistente. Um fenômeno evoluindo no sentido de aumentar a diferenciação e integração. Vindo de uma família de radicais, muito cedo se interessou em questões políticas. É por isso que ele se juntou a muitas associações. Tornou-se membro da Anti-Corn Law League, fundada por Richard Cobden. Se ele ficou conhecido como um sociólogo, no entanto, praticou os caminhos de ferro na profissão de engenharia.

Colaborador na The Economist, ele escreveu muitas obras originais, incluindo a Estática Social. [...] Seu grande trabalho consistiu em desenvolver os Princípios da Sociologia.

Ao longo de sua vida, Spencer era um inimigo da guerra e do imperialismo, é por isso que ele se opôs à Guerra Hispano-Americana de 1898 e tentou fundar uma Liga contra a agressão.

FONTE: Disponível em: <http://elmaxilab.com/definicao-abc/letra-h/herbert-spencer.php>. Acesso em: 28 abr. 2015.

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FIGURA 6 - HERBERT SPENCER

FONTE: Disponível em: <http://global.britannica.com/EBchecked/topic/559249/Herbert-Spencer>. Acesso em: 7 abr. 2015.

Diferentemente de muitos outros pensadores, seus livros ficaram muito conhecidos em seu tempo, tornando-se verdadeiros best-sellers, pois de acordo com estimativas, Spencer foi o único filósofo a ter vendido mais de um milhão de cópias enquanto ainda vivia. Isso definitivamente mostra o alcance de suas ideias.

Uma de suas teses é a de que a sociedade se desenvolve de maneira muito semelhante à evolução natural, tal ideia ficou conhecida como a teoria do darwinismo social, assunto sobre o qual iremos discorrer a seguir.

9.1 SPENCER E A TEORIA DO DARWINISMO SOCIAL

O capitalismo criou um cenário desafiador para a sobrevivência. Assim como a natureza exige que os que desejam sobreviver desenvolvam mecanismos que lhes deem condições para vencer as intempéries, na sociedade capitalista vai imperar a lei do mais forte, daquele que recebeu melhor formação, herança, ou posição social. O mundo político, econômico e social assemelha-se, na visão de Spencer, ao mundo natural, os fenômenos se repetem. Para explicar os fenômenos sociais, Spencer aplicou as ideias das ciências naturais à sociologia. Sua teoria é elaborada a partir das ideias de Charles Darwin.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

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Segundo a concepção desse pensador, a sociedade assemelha-se a um organismo biológico, sendo o crescimento caracterizado pelo aumento da massa; o processo de crescimento dá origem à complexidade da estrutura; aparece nítida interdependência entre as partes; tanto a vida em sociedade como a do organismo biológico são muito mais longas que a de qualquer de suas partes ou unidades. (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 47).

A teoria de Spencer tem gerado muitas controvérsias e debates. Alguns argumentam que tal teoria contribuiu ao longo da história para justificar a existência dos regimes opressores, pois se na evolução natural o mais forte subjuga e se sobrepõe ao mais débil, logo, no desenvolvimento da sociedade seria aceitável que isso ocorresse e fosse encarado como um processo natural. Talvez a maneira mais correta de ver a teoria de Spencer não seja partindo do princípio de que ele tentou justificar a exploração e o domínio, mas tentou explicar o funcionamento da sociedade constituída destes elementos.

Para muitos, Spencer concebe a ideia de dominação e a exploração como algo natural. Seria realmente isso o que Spencer tinha em mente ao desenvolver tal teoria? Para refletir um pouco sobre essa questão podemos observar, por exemplo, o que Spencer diz sobre o direito das mulheres.

Portanto, se homens e mulheres são considerados seriamente como membros independentes da sociedade e cada um deles tem que fazer o melhor para si próprio(a), disso se deduz que não se pode estabelecer limitações equitativas às mulheres com respeito a ocupações, profissões ou outras carreiras que possam querer seguir. Devem ter igual liberdade para se preparar e igual liberdade para se beneficiar dessa informação e habilidades que adquirirem. (1978, apud RICHARDS, 2015, p. 1).

A ideia de igualdade entre homem e mulher encontrava muita resistência em uma sociedade predominantemente machista. Spencer acreditava que uma sociedade experimentaria o verdadeiro desenvolvimento se as pessoas fossem livres no sentido de desenvolver suas potencialidades. Com a colocação citada acima é possível perceber que Spencer não entendia a dominação masculina sobre a feminina como algo natural, o princípio da igualdade pode ser visto de maneira muito clara em tal afirmação.

Os homens, ao longo da história, foram naturalmente criando mecanismos de controle e os governos foram se estabelecendo naturalmente em decorrência da necessidade que as comunidades tinham de se organizar. Sobre o governo, Spencer faz uma observação muito importante:

Então, para que querem um governo? Não para regular o comércio, não é para educar o povo, não é para ensinar a religião, não é para administrar a caridade, não é para construir rodovias ou ferrovias, senão simplesmente para defender os direitos naturais do homem: para proteger a pessoa e a propriedade, para impedir as agressões dos poderosos aos mais fracos, em uma palavra, para administrar a justiça. Essa é missão natural e original de um governo. Não se pretende que faça menos: não deveríamos permiti-lo a fazer mais. (1981, apud RICHARDS, 2015, p. 1).

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Podemos observar que a função principal do governo, na visão de Spencer, é salvaguardar os direitos dos mais fracos. Em sua argumentação é possível perceber que os mais fracos não podem ser deixados à mercê do destino, pois cabe ao Estado o dever de administrar a aplicação da justiça.

O que se pode observar na sociedade são as políticas de dominação muito comuns, mas não podem ser encaradas como naturais. É dever da sociedade se organizar no sentido de garantir direitos iguais a todas as pessoas. Não é natural que alguns sejam explorados para que outros sejam bem-sucedidos, isso é uma invenção da sociedade que se utiliza da força e do poder para garantir seus privilégios. A construção de uma sociedade justa resulta de uma mobilização coletiva no sentido de garantir justiça e dignidade a todos, sem distinção de gênero, raça ou classe social.

LEITURA COMPLEMENTAR

A SOCIOLOGIA COMO TEORIA DA MODERNIDADE

A sociologia não é a única ciência social envolvida com a compreensão da vida social moderna. Ao longo deste período, praticamente toda a reflexão sobre a ordem política, econômica e cultural procurou adaptar-se ao surgimento da ciência. Aplicando o método científico ao estudo destes diferentes aspectos da vida social, os estudiosos fundaram as principais disciplinas que tratam do homem em sociedade. Entre as principais ciências humanas e sociais (às vezes também chamadas de humanidades) existentes atualmente, convém lembrar especialmente:

1. História: embora a história, como forma de conhecimento, já possa ser localizada na Grécia com os textos de Heródoto e Tucídides, no século XIX autores como Leopoldo Ranke (1795-1886) e Friedrich Meinecke (1862-1954) buscaram adaptar a pesquisa histórica aos métodos da ciência, fundando, assim, a “ciência da história”.

2. Economia: os primeiros autores a tratar da produção de bens e mercadorias de forma científica foram Adam Smith (1723-1790) e David Ricardo (1772-1823), ao longo dos séculos XVIII e XIX.

3. Ciência política: a aplicação dos métodos científicos para um estudo empírico da política começa apenas no final do século XX, com Gaetano Mosca (1856-1941) e Vilfredo Pareto (1848-1923).

4. Antropologia cultural: o estudo das chamadas “sociedades primitivas” ou “sociedades tribais” também começa nos séculos XIX e XX, com autores como Edward Taylor (1832-1917) e Franz Boas (1858-1942), prosseguindo, após, com as pesquisas de Malinowsky (1882-1942), Radcliffe-Brown (1881-1955) e Levi-Strauss (1908), entre outros.

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A lista acima mereceria ainda ser ampliada, incorporando-se a ela disciplinas como o direito, a psicologia, a psicologia social, a pedagogia e outras mais. Mas, se em relação ao uso do método científico, a sociologia se iguala ao conjunto das ciências sociais e humanas, em que medida ela se diferencia de cada uma delas? Seguindo a argumentação de Jürgen Habermas, podemos perceber que o marco distintivo da sociologia é o fato de ela não ter se fixado em apenas uma das dimensões da vida social moderna, como fazem as outras ciências, como a economia (que trata da produção de bens), a ciência política (que trata do poder) ou a antropologia (que trata da cultura). Habermas procura ilustrar isto através do seguinte esquema:

Economia(Ciência econômica)

Política(Ciência política)

Cultura(Antropologia) Comunidade societal

É o próprio Habermas (1987, p. 20) que explica que:

Naturalmente, não faltaram tentativas de converter também a sociologia em uma ciência especializada na investigação social. Todavia, não é casualidade, ao contrário, é um sintoma, o fato de que os grandes teóricos da sociedade (...) provenham da sociologia. A sociologia foi a única ciência social que manteve sua relação com os problemas da sociedade global.

Portanto, ao contrário das suas vizinhas, a sociologia não se especializou em apenas um aspecto da vida social, seja ela a economia, a política ou a cultura. Seu objetivo é compreender a vida social de forma global, buscando explicar a sociedade como um todo. Neste sentido, podemos dizer que a sociologia é uma “teoria da sociedade”.

Porém, mais do que explicar as formas de sociedades e suas variações ao longo da história (tarefa que coube, especialmente, à antropologia cultural), a sociologia concentrou-se primordialmente no estudo da organização social moderna. Para nos ajudar a explicar este ponto, vamos recorrer às reflexões de Anthony Giddens (1991). Este autor assinala que a sociologia nasce da consciência de que o tipo de sociedade que se forma na era moderna é marcado por profundas descontinuidades em relação às sociedades que existiam antes. Para Giddens (1991, p. 15-16), as “descontinuidades” da ordem social moderna em relação às ordens sociais tradicionais devem-se principalmente ao fato de que a sociedade moderna é marcada pela ideia de “mudança”. Inovações e transformações sempre existiram em todas as sociedades, mas no mundo moderno a mudança apresenta características que a distinguem de outras eras sociais. Isto tem a ver com três fatores:

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• Ritmo da mudança: aqui estamos tratando do fator tempo. Na modernidade, mudança torna-se sempre maior, mais rápida e intensa. Ser “moderno” é estar em constante transformação e atualização. Na modernidade, a inovação prevalece sobre a tradição. Isto difere das sociedades tradicionais, marcadas pela força das convenções e pela ideia de que a vida social deve permanecer, na medida do possível, inalterada. Nas sociedades tradicionais, tradição prevalece sobre a inovação.

• Escopo da mudança: aqui estamos tratando do fator espaço. Na modernidade, as transformações sociais não apenas se aceleram no tempo, mas também se expandem no espaço. As inovações econômicas, políticas e culturais próprias do mundo moderno passam a atingir virtualmente toda a superfície do planeta. Em outros termos, a modernidade possui um alcance.

• Natureza da mudança: por fim, Giddens assinala, ainda, que o mundo moderno criou instituições sociais novas, que praticamente não existiam em outras sociedades. Basta pensar em fenômenos sociais como o Estado-Nação, artefatos tecnológicos e o trabalho assalariado, por exemplo. Assim, pela sua própria “natureza”, a ordem social moderna está em profunda descontinuidade com os tipos de sociedade pré-modernas.

É por estas razões que a sociologia pode ser considerada como uma ciência social cujo objeto de estudo é a sociedade moderna. Em outros termos, a sociologia é uma teoria da modernidade.

FONTE: SELL, Carlos Eduardo. Sociologia clássica. 4. ed. Itajaí: Ed. UNIVALI, 2002.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você viu que:

• A modernidade é o período da história em que as mudanças ocorreram nas diversas áreas da vida humana.

• A sociologia surge com a finalidade de entender, explicar os problemas decorrentes do cenário industrial que se configurava nas cidades europeias.

• A Reforma Protestante foi um passo muito importante para as mudanças que se iniciaram no século XVI, pois a partir de então a luta pela liberdade e não reconhecimento do poder da Igreja Católica possibilitou avanços importantes em diversas áreas, inclusive na constituição da sociedade.

• O ponto principal do Renascimento cultural consiste no fato de que se acreditava que o homem é capaz de criar, mudar, destruir, ou seja, a razão humana deveria estar acima de qualquer dogma ou instituição.

• O Iluminismo pregava o uso da razão como o elemento-chave para as mudanças necessárias que melhorariam a vida das pessoas, tirando-as das trevas da ignorância.

• O conjunto de mudanças que ocorreram na Europa nos séculos XVIII e XIX é denominado de Revolução Industrial.

• O ideal da Revolução Francesa consistia no anseio por liberdade, igualdade e fraternidade.

• Augusto Comte é considerado o pai da sociologia, pois foi ele quem criou o termo e contribuiu de maneira efetiva para que a sociologia fosse reconhecida como ciência.

• No pensamento de Comte a sociologia ganha o status de ciência suprema, pois ele a concebe como uma física social com rigorosos critérios de pesquisa.

• Para explicar os fenômenos sociais, Spencer aplicou as ideias das ciências naturais

à sociologia. Sua teoria é elaborada a partir das ideias de Charles Darwin.

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1 A Europa passou por um longo tempo sob o controle da Igreja Católica e dos reis absolutistas, pois eram eles que determinavam os rumos da política, da economia e da religião. Para contrapor tal controle, surgiu o Iluminismo. Nesse sentido, descreva as principais características do Iluminismo.

2 Para contextualizar o desenvolvimento histórico e social da humanidade, Comte cria a teoria dos três estágios ou estados. Sobre essa teoria, analise as sentenças a seguir:

I- No estado teológico as explicações partem da ideia de que há deuses (posteriormente surge a ideia de um único Deus – monoteísmo) que regem os destinos do universo.

II- No estado metafísico a explicação da realidade é feita por abstrações racionais.

III- No terceiro e último estágio, o positivo, a filosofia é responsável por elaborar conceitos absolutos.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As afirmativas II e III estão corretas.b) ( ) Apenas a afirmativa II está correta. c) ( ) As afirmativas I e II estão corretas.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 3

A SOCIOLOGIA CLÁSSICA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

A sociologia clássica recebe este nome porque os pensadores deste período desenvolveram teorias que estruturaram o pensamento sociológico. Esses autores são considerados os clássicos porque suas obras e seus métodos de análise sociológica servem de base para o desenvolvimento da sociologia posterior.

Como toda ciência, a sociologia também precisava estabelecer seus métodos de análise da sociedade, pois os métodos adotados são os responsáveis por credenciar ou descredenciar uma teoria como sendo científica. Nesse sentido, a preocupação dos sociólogos clássicos foi a tentativa de desenvolver métodos de análise sociológica que dessem conta de responder aos diversos questionamentos e conferissem a suas teorias o status de científicas.

Para tanto, cada pensador desenvolveu seu método de análise ou aperfeiçoou os que já existiam. O que temos que ressaltar é que não há um método sociológico conclusivo e absoluto, mas cada método possui sua importância no estudo da sociedade e que, à medida que o tempo vai passando, os métodos podem ser revistos e aperfeiçoados na mesma dinâmica das mudanças sociais.

Inicialmente, falaremos da importante contribuição de Durkheim, cuja teoria tem como objeto os fatos sociais. Ele influenciou de maneira decisiva o desenvolvimento da sociologia científica. Na sequência, vamos discoarrer sobre a ação social em Weber e, por fim, faremos uma breve análise dos principais conceitos desenvolvidos por Marx.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

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2 ÉMILE DURKHEIM

Émile Durkheim (1858-1917) nasceu na região de Lorraine, na França, no dia 15 de abril de 1858. Descendente de família judia, estudou filosofia na Escola Normal Superior de Paris. O fato de Durkheim não ter seguido os preceitos da cultura judaica pode ter influenciado o teor de seus estudos e suas preocupações religiosas, preferindo analisá-las desde o ponto de vista social. Estudou as teorias de Auguste Comte e Herbert Spencer, o que fez com que conferisse uma matriz científica às suas teorias.

Émile Durkheim foi professor de Ciências Sociais e Pedagogia na Universidade de Bordeaux. Em 1902, é nomeado professor de Sociologia e Pedagogia na Sorbonne. Formou grande número de discípulos, que por sua vez forneceram contribuições à pesquisa sociológica. A teoria dos fatos sociais de Durkheim influiu decisivamente sobre o desenvolvimento da Sociologia Científica. Durkheim morreu no dia 15 de novembro de 1917. Seus restos mortais encontram-se no cemitério de Montparnasse, em Paris.

FONTE: Disponível em: <http://www.e-biografias.net/emile_durkheim/>. Acesso em: 28 abr. 2015.

FIGURA 7 - ÉMILE DURKHEIM

FONTE: Disponível em: <http://www.joseferreira.com.br/blogs/sociologia/guia-de-autores-e-obras/emile-durkheim/>. Acesso em: 7 abr. 2015.

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TÓPICO 3 | A SOCIOLOGIA CLÁSSICA

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2.1 O FATO SOCIAL

É um tanto difícil resumir as contribuições de Durkheim para a sociologia, visto que seu pensamento e suas obras causaram um profundo impacto no campo das Ciências Sociais, pois de acordo com Lakatos e Marconi (2006, p. 67-68),

Ele formulou, com firmeza e convicção, uma assertiva que fortemente repercutiu nas interpretações sociológicas. Qualificou, com efeito, o fato social como uma “coisa”, e preconizou que, para estudá-lo, fossem aplicados os métodos e processos, isto é, os recursos experimentais empregados nas ciências exatas. Para a explicação do fato social havia a necessidade, segundo ele, de investigação das causas sociais e não meramente históricas, psicológicas e biológicas.

Ao estabelecer o fato social como objeto de suas pesquisas, foi necessário aplicar métodos criteriosos de análise para obter conclusões objetivas. Para alcançar o que desejava com suas pesquisas, aplicou recursos que eram comumente aplicados nas ciências exatas. Que recursos eram estes? Em seu livro As Regras do Método Sociológico, Durkheim estabelece as regras que devem ser seguidas na análise dos fenômenos sociais, para isso ele estabelece as seguintes regras: a primeira regra consiste em observar os fatos sociais como ‘coisas’; a segunda regra consiste em definir seu objeto de estudo a partir do método de pesquisa que o sociólogo irá utilizar; a terceira regra consiste em abandonar as noções e juízos preconcebidos. Essas regras são fundamentais para uma análise objetiva dos fenômenos e uma conclusão científica das pesquisas.

Sobre o que significa um fato social, Durkheim (2007, p. 13) escreve: “É fato toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou, ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma experiência própria, independente das manifestações individuais que possa ter”. Neste fragmento já é possível perceber as três características dos fatos sociais, que analisaremos cada uma em particular.

A primeira característica do fato social é a exterioridade, que segundo Durkheim (2007, p. 1-2),

Quando desempenho minha tarefa de irmão, de marido ou de cidadão, quando executo os compromissos que assumi, eu cumpro deveres que estão definidos, fora de mim e de meus atos, no direito e nos costumes. Ainda que eles estejam de acordo com meus sentimentos próprios e que eu sinta interiormente a realidade deles, esta não deixa de ser objetiva; pois não fui eu que os fiz, mas os recebi por educação.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

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A exterioridade dos fatos sociais baseia-se na concepção durkheimiana de consciência coletiva, pois segundo Durkheim (1978, apud SELL, 2002, p. 134), “estamos, pois, em presença de modos de agir, de pensar e de sentir que apresentam a notável propriedade de existir fora das consciências individuais”. Isso significa dizer que existem hábitos, maneiras de pensar, sentir e agir que são comuns na maioria dos membros de uma determinada sociedade. Esses elementos são heranças que as pessoas vão perpetuando ao longo do tempo, transmitindo às novas gerações, tornando-as comuns a qualquer pessoa que nasce nessa sociedade, tende a se conformar a elas. Nesse sentido, essas maneiras de pensar, agir e sentir são exteriores aos indivíduos, mas estes assimilam tais maneiras para ser parte do grupo social. O indivíduo que não segue esse rumo geralmente é visto como rebelde, insubordinado etc.

A segunda característica do fato social é a coerção. A coercitividade consiste

na imposição dos costumes e tradições sociais. Sobre isso, Durkheim (1978, apud SELL, 2002, p. 134) diz que “não somente estes tipos de conduta ou de pensamento são exteriores ao indivíduo, como são dotados dum poder imperativo e coercitivo em virtude do qual se lhes impõe, quer ele queira ou não”. As regras ou normas sociais, além de serem exteriores ao indivíduo, as mesmas exercem um poder coercitivo sobre a pessoa no sentido de determinar seu comportamento social.

A terceira característica do fato social é a generalidade, que é entendida por Durkheim como estando presente em quase toda a sociedade. Os fatos sociais são gerais porque não existem para um único indivíduo, são coletivos, ou seja, existem para todo um grupo, e o simples fato de o indivíduo pertencer a este grupo torna necessário que ele se adéque a determinados costumes

DICAS

Sugestão de Leitura:

Esta é uma obra clássica da sociologia, pois se trata de uma obra fundamental para compreendermos a sociedade contemporânea. Durkheim estabelece métodos sociológicos e as principais regras adotadas no estudo dos fenômenos sociais, estabelece também os objetivos da sociologia enquanto ciência. Boa leitura!

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TÓPICO 3 | A SOCIOLOGIA CLÁSSICA

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A seguir, leia um trecho do texto de Durkheim sobre como devem ser tratados os fatos sociais:

Os fatos sociais devem ser tratados como coisas – eis a proposição fundamental de nosso método, e a que mais tem provocado contradições. [...] Com efeito, não afirmamos que os fatos sociais sejam coisas materiais, e sim que constituem coisas ao mesmo título que as coisas materiais, embora de maneira diferente.

Com efeito, o que é coisa? A coisa opõe-se à ideia, como se opõe entre si tudo o que conhecemos a partir do exterior e tudo o que conhecemos a partir do interior. É coisa todo objeto de conhecimento que a inteligência não penetra de maneira natural, tudo aquilo de que não podemos formular uma noção adequada por simples processo de análise mental, tudo o que o espírito não pode chegar a compreender, senão sob a condição de sair de si mesmo, por meio da observação e da experimentação, passando progressivamente dos caracteres mais exteriores e mais imediatamente acessíveis para os menos visíveis e mais profundos. Tratar de fatos de uma certa ordem como coisas não é, pois, classificá-lo nesta ou naquela categoria do real; é observar, com relação a eles, certa atitude mental. Seu estudo deve ser abordado a partir do princípio de que se ignora completamente o que são, e de que suas propriedades características, assim como as causas desconhecidas de que estas dependem, não podem ser descobertas nem mesmo pela mais atenta das introspecções.

FONTE: TOMAZI, Nelson Dacio (Coord.). Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual Editora, 1993, p. 24-25.

3 MAX WEBER

Max Weber (1864-1920) nasceu em Erfurt, Turíngia, Alemanha, no dia 21 de abril de 1864. Foi nomeado professor de economia da Universidade de Heidelberg. Entre 1900 e 1918, ficou afastado do magistério em consequência de um colapso nervoso. No período que ficou afastado, colaborou em diversos jornais alemães e realizou diversas pesquisas.

Max Weber é considerado um dos fundadores da sociologia moderna, ao lado de Comte, Marx e Durkheim. Suas obras principais são “Economia e Sociedade” e “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. Nesse último livro, o sociólogo realizou importante estudo sobre como a religião, especialmente o protestantismo nos EUA, foi um fator importante para a consolidação do capitalismo. Max Weber morreu em Munique, vítima de pneumonia, no dia 14 de junho de 1920.

FONTE: Disponível em: <http://www.e-biografias.net/max_weber/>. Acesso em: 28 abr. 2015.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

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FIGURA 8 - MAX WEBER

FONTE: Disponível em: <http://www.versobooks.com/authors/1229-max-weber>. Acesso em: 7 abr. 2015.

Sua contribuição para a sociologia é de indiscutível grandeza, pois seu pensamento continua atual e serve como fonte de pesquisa fundamental para a interpretação e compreensão do mundo moderno. Dentre os mais diversos assuntos abordados em suas obras, nesta ocasião iremos discorrer um pouco sobre a ação social.

3.1 A AÇÃO SOCIAL

A teoria sociológica de Weber desloca-se em direção ao sujeito no sentido de compreender a realidade social, pois compreendia o indivíduo como o fundamento da sociedade, visto que as interseções sociais, os grupos e instituições são resultados das atividades e motivações individuais. De acordo com Sell (2002, p. 172),

Ao contrário de Comte e Durkheim, que construíram suas teorias sociológicas com base no primado do objeto, Weber vai orientar toda sua produção sociológica com base no primado do sujeito. A ideia de que o indivíduo é o elemento fundante na explicação da realidade social atravessa a produção epistemológica e metodológica de Weber, operando uma verdadeira revolução nas ciências sociais. Deste modo, Weber inaugurou na sociologia um novo caminho de interpretação da realidade social: a teoria sociológica compreensiva.

Nesse sentido, para compreender a sociedade e as instituições sociais, é necessário voltar a pesquisa para aquilo que é a raiz, neste caso o indivíduo, pois sem ele não há sociedade ou qualquer outro tipo de instituição.

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TÓPICO 3 | A SOCIOLOGIA CLÁSSICA

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Max Weber entende que a ação social deve ser o objeto de estudo da sociologia. Nesse sentido, Weber define a ação social da seguinte maneira:

a) Ação: é um comportamento [...] sempre que na medida em que o agente ou os agentes o relacionem com um sentido subjetivo.b) Ação social: significa uma ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou pelos agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso. (1994, apud SELL, 2002, p. 181, grifos do autor).

Isso significa dizer que para Weber a ação social “seria a conduta humana, pública ou não, a que o agente atribui significado subjetivo; acentua a importância de ser a ação social uma espécie de conduta que envolve significado para o próprio agente” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 73). A questão que devemos levantar para compreender a ação social consiste em saber qual a motivação que leva os indivíduos a agirem da maneira que agem? Nas relações sociais as ações individuais são desencadeadas pelas ações dos outros. Uma questão simples para ilustrarmos nossa discussão é quando perguntarmos qual a motivação que levou um indivíduo a entrar em uma universidade com uma arma e atirar em seus colegas de faculdade? Isso é uma ação social desencadeada por alguma motivação. Qual seria? O que o indivíduo quis mostrar com isso? Qual o objetivo desta ação? O que significava para ele? Outra questão no estudo da ação social é: por que o indivíduo cumpre as regras estabelecidas na sociedade? Se existem aqueles que quebram as normas, por outro lado, outros encontram motivos para obedecer cada regra social. Nesse sentido, vamos falar um pouco sobre os tipos de ação social especificamente.

A ação tradicional é “aquela determinada por um costume ou um hábito arraigado” (TOMAZI, 1993, p. 20). Esse tipo de ação tem um caráter que podemos considerar irracional, pois os hábitos arraigados no indivíduo condicionam suas ações e são capazes de cometer as mais terríveis atrocidades, como é o caso dos homens-bomba, ou, obedecer sem questionar as leis mesmo que estas sejam injustas.

A ação afetiva entende-se por “aquela determinada por afetos ou estados sentimentais”. (TOMAZI, 1993, p. 20). Quando o indivíduo é submetido a determinadas circunstâncias, cada um reage de maneira diferente; no caso da ação afetiva, sua reação pende para a irracionalidade, pois permite que sua ação seja resultado de uma emoção imediata. Um exemplo disso são as agressões ou homicídios por pessoas que depois se arrependem profundamente porque deixaram que sua ira cegasse a razão e diante de um desafeto partem para a agressão, mesmo não sendo uma pessoa agressiva. Outro exemplo disso é quando uma mãe ou pai, ao ver seu filho se afogando, se atiram na água para tentar salvá-lo mesmo que não saibam nadar, neste caso é comum morrerem juntamente com o filho. São ações associadas ao campo afetivo do indivíduo.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

A ação racional com relação a valores é “determinada pela crença consciente num valor considerado importante, independentemente do êxito desse valor na realidade” (TOMAZI, 1993, p. 20). É o tipo de ação em que o indivíduo se orienta pelos princípios e valores sociais. A honestidade, por exemplo, nem sempre traz benefícios diretos para o indivíduo, mas suas ações neste caso são pautadas naquilo que ele considera um valor para o grupo social do qual faz parte. Nesse sentido, os valores sociais, e não a vontade individual, pesam mais sobre as escolhas do sujeito.

Por fim, a ação racional com relação a fins é “determinada pelo cálculo racional que coloca fins e organiza os meios necessários” (TOMAZI, 1993, p. 20). Neste tipo de ação o indivíduo estabelece quais os fins a serem alcançados e define a partir daí os meios para os fins. Para chegar ao fim almejado, o indivíduo deve escolher os meios disponíveis e escolhe aquele que considera mais conveniente para seus propósitos.

O texto a seguir é um fragmento daquilo que Max Weber define como ação social:

A ação social (incluindo tolerância ou omissão) orienta-se pela ação dos outros, que podem ser passadas, presentes ou esperadas como futuras (vingança por ataques anteriores, réplica a ataques presentes, medidas de defesa diante de ataques futuros). Os “outros” podem ser individualizados e conhecidos ou então uma pluralidade de indivíduos indeterminados e completamente desconhecidos (o “dinheiro”, por exemplo, significa um bem – de troca – que o agente admite no comércio porque sua ação está orientada pela expectativa de que os outros muitos, embora indeterminados e desconhecidos, estarão dispostos também a aceitá-lo, por sua vez numa troca futura).

[...] Nem toda espécie de contato entre os homens é de caráter social; mas somente uma ação, com sentido próprio, dirigida para a ação dos outros. O choque de dois ciclistas, por exemplo, é um simples evento como um fenômeno natural. Por outro lado, haveria ação social na tentativa dos ciclistas se desviarem, ou na briga ou consideração amistosa subsequente ao choque.

FONTE: TOMAZI, Nelson Dacio (Coord.). Iniciação à sociologia. São Paulo: Atual Editora, 1993, p. 24-25.

4 KARL MARX

Karl Marx (1818-1883) foi um filósofo e revolucionário alemão. Criou as bases da doutrina comunista, onde criticou o capitalismo. Sua filosofia exerceu influência em várias áreas do conhecimento, tais como Sociologia, Política, Direito, Teologia, Filosofia, Economia, entre outras. Karl Marx (1818-1883) nasceu em Trèves, cidade ao sul da Prússia Renana, na fronteira da França, no dia 5 de maio de 1818. Filho de Herschel Marx, advogado e conselheiro da justiça, descendente de judeu, era perseguido pelo governo absolutista de Frederico Guilherme III.

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TÓPICO 3 | A SOCIOLOGIA CLÁSSICA

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Em 1835 concluiu o curso ginasial no Liceu Friedrich Wilhelm. Ainda nesse ano e boa parte de 1836, Karl estudou Direito, História, Filosofia, Arte e Literatura na Universidade de Bonn.

Karl Heinrich Marx morreu em Londres, no dia 14 de março de 1883, em consequência de uma bronquite e de problemas respiratórios.

FONTE: Disponível em: <http://www.e-biografias.net/karl_marx/>. Acesso em: 28 abr. 2015.

FIGURA 9 - KARL MARX

FONTE: Disponível em: <http://www.rollingstone.com/music/news/marx-was-right-five-surprising-ways-karl-marx-predicted-2014-20140130>. Acesso em: 7 abr. 2015.

As obras de Marx têm sido consideradas fundamentais para compreender a dinâmica do capitalismo e seus efeitos sobre a sociedade. Seu pensamento é tema de debates acalorados na atualidade entre aqueles que defendem suas teorias e os que a rejeitam. Independente de ser partidário ou não do pensamento de Marx, o que todos têm que admitir é que sua obra é indispensável para compreendermos as mudanças causadas pelo capitalismo na estruturação da sociedade atual.

4.1 MATERIALISMO DIALÉTICO

O materialismo pode ser entendido como “um método para compreender a vida social que se fundamenta na ideia de todos os aspectos da vida humana – biológicos, psicológicos, sociais, históricos etc. – que possuem uma base material originária da reprodução humana e da produção econômica de bens e serviços”. (JOHNSON, 1997, p. 139-140). Nesse sentido, o materialismo entende que a ação humana é que determina os rumos da história e que o mundo, no sentido social, histórico, político e econômico, resulta diretamente da ação do ser humano. Portanto, o materialismo rejeita qualquer possibilidade de uma intervenção divina ou sobrenatural no desenrolar da história humana.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

Quando nos referimos ao materialismo dialético de Marx, precisamos saber que esta definição foi dada pelos pensadores marxistas e não pelo próprio Marx; em segundo lugar, a fonte que deu origem a este conceito foi o filósofo alemão Georg Hegel. A dialética de Hegel consiste na tese de que “a história é o movimento do Espírito (ou ideia) que sai de si mesmo e retorna a si mesmo” (SELL, 2002, p. 65). Marx não rejeita o método filosófico hegeliano, mas se propõe a colocar as coisas em seu devido lugar, por considerar sua teoria mística demais. Para tanto, “isso se resolveria alterando o fundamento do método dialético. No lugar do ‘pensamento’ seria necessário colocar a ‘matéria’” (SELL, 2002, p. 67). Foi dessa maneira que surgiu o materialismo dialético de Karl Marx. Diferentemente da metafísica, que busca compreender os fenômenos isoladamente, a dialética é a busca pela compreensão do fenômeno em sua conexão com outros fenômenos que o circundam e o condicionam. Para Marx, a história do mundo é uma continuidade onde nada acontece por acaso, pois tudo segue uma ordem que está condicionada ao que antecede. No entanto, temos que entender que na essência de todos os fenômenos há as contradições, que na verdade são aquilo que denominamos de contrários, sendo assim a dialética é a síntese dos contrários ou contradições.

A dialética é processo aonde as coisas existentes vão dando lugar às outras em um processo contínuo, pois isso explica o fato de a realidade estar em constante transformação. Para exemplificar isso, Hegel usa uma metáfora onde a semente tem que morrer para que a flor venha a existir e, consequentemente, a flor deve morrer para que o fruto possa existir, pois “para Hegel, a realidade está em contínua transformação, porque todo ser é intrinsecamente contraditório, ou seja, sua existência contém em si sua própria negação” (SELL, 2002, p. 64).

O materialismo dialético entende que a realidade existe independente da vontade do homem. Isso significa dizer que é a matéria que cria a consciência e não o contrário, pois é ação humana material e concreta que cria a história, tal coisa não está predeterminada em um mundo ideal, visto que o homem se relaciona, cria e desenvolve mecanismos para satisfazer suas necessidades. Nesse sentido, o homem cria seu próprio mundo e escreve sua própria história.

4.2 MATERIALISMO HISTÓRICO

O materialismo histórico é outro método importante para a compreensão da sociedade e também para o desenvolvimento das ações do homem na história. Para Stálin (1938, p. 1), “O materialismo histórico é a aplicação dos princípios de materialismo dialético ao estudo da vida social, aos fenômenos da vida da sociedade, ao estudo desta e de sua história”. Por meio deste método é possível conhecer as particularidades de cada sociedade, sua estrutura e funcionamento. A partir do que estudamos sobre o materialismo dialético, entendemos que a sociedade é resultado de um processo contínuo de transformações que são desencadeadas pelas contradições que nela existem. Nesse sentido, o materialismo histórico permite conhecer a realidade de cada sociedade, os elementos responsáveis pelas mudanças, as contradições históricas que desencadeiam tais mudanças.

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TÓPICO 3 | A SOCIOLOGIA CLÁSSICA

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Em Marx, a história não é fruto do Espírito Absoluto, como em Hegel, mas é fruto do trabalho humano. São os homens, interagindo para satisfazer suas necessidades, que desencadeiam o processo histórico. É com base neste pressuposto geral que Marx se propôs a estudar a sociedade. (SELL, 2002, p. 77)

Observe que o materialismo histórico é o método que busca compreender a sociedade a partir do todo, pois se acredita que os fenômenos não são isolados, logo, os fenômenos são responsáveis por desencadear novas mudanças e esse processo é contínuo na história. Por meio deste método se busca compreender as mudanças e quais os elementos que as provocam para que se possa intervir na história. Outro ponto importante a ser considerado é que são as necessidades do homem que desencadeiam o processo histórico. Isso significa dizer que o elemento principal da história está relacionado diretamente ao trabalho, pois por meio dele o homem transforma a natureza e a vida como um todo. Nesse sentido, podemos pensar a história como a evolução dos meios de produção, no qual o homem trabalha para satisfazer suas necessidades. De que maneira isso acontece? As necessidades tanto podem surgir naturalmente como podem ser criadas. Necessidades naturais são aquelas relacionadas diretamente à sobrevivência do indivíduo, como é o caso da alimentação. Todavia, existem as necessidades criadas, são aquelas que estão relacionadas ao lazer e outras coisas do gênero. Para suprir essas necessidades surgiram as diferentes profissões e meios de produção. Para as necessidades de alimento temos a indústria alimentícia, para o lazer temos a indústria do entretenimento e assim por diante.

4.3 INFRAESTRUTURA E SUPERESTRUTURA

A vida social pode ser dividida em dois níveis. Segundo Lakatos e Marconi (2006, p. 48),

Para Marx, a sociedade divide-se em infraestrutura e supraestrutura. A infraestrutura é a estrutura econômica, formada das relações de produção e as forças produtivas. A supraestrutura divide-se em dois níveis: o primeiro, a estrutura jurídico-política, é formada pelas normas e leis que correspondem à sistematização das relações já existentes; o segundo, a estrutura ideológica (filosofia, arte, religião etc.), justificativa do real, é formada por um conjunto de ideias de determinada classe social que, através de sua ideologia, defende seus interesses.

Falamos anteriormente sobre a necessidade de o homem produzir bens necessários à sua própria sobrevivência. A infraestrutura se refere exatamente sobre a estrutura econômica da sociedade, pois através do trabalho o homem cria a vida social. As relações sociais e tudo aquilo que acontece na sociedade têm início com o trabalho, pois é através do trabalho que o homem transforma a natureza e reproduz sua existência.

De acordo com Sell (2002, p. 78), o método utilizado por Marx em sua análise sociológica pode ser apresentado da seguinte maneira:

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

QUADRO 2 - ANÁLISE SOCIOLÓGICA DE MARX

Superestrutura política(Superestrutura jurídica e política)

Superestrutura ideológica(Formas sociais determinadas de consciência)

Infraestrutura = forças produtivas + relações de produção(Estrutura econômica da Sociedade)

FONTE: SELL, Carlos Eduardo. Sociologia clássica. 4. ed. Itajaí: Ed. UNIVALI, 2002.

Segundo Marx (1994, apud SELL, 2002, p. 79),

O trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza [...]. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza.

No entendimento de Marx, o trabalho é a base da sociedade, pois sem a produção de capital não há relações sociais e não há a superestrutura, pois os sistemas políticos, econômicos e ideológicos são resultados diretos da produção de riquezas.

Nas relações de produção a sociedade está dividida em duas classes principais: os donos do capital e dos meios de produção e os não proprietários dos meios de produção. Os donos dos meios de produção formam e controlam de certa maneira a superestrutura que compreende os seguintes elementos de uma sociedade: o poder político, as instituições jurídicas, sociais e religiosas, a cultura, as ideologias e o próprio Estado. Importante dizer que a superestrutura depende da infraestrutura, pois a primeira assenta suas bases sobre a segunda, mas a superestrutura também influencia a infraestrutura. No entanto, podemos perguntar de que maneira essa influência acontece? A superestrutura pode ser entendida como um instrumento, criado pela classe dominante, para dominar a classe mais pobre e os trabalhadores, ou seja, as massas. Essa dominação acontece por meio das leis criadas pelos indivíduos que fazem parte da superestrutura e através das ideologias disseminadas pelos donos do capital. A ideologia é um importante instrumento de domínio, pois à medida que as mesmas vão sendo disseminadas, são capazes de influenciar a maneira de ser e agir das pessoas.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você viu que:

• Durkheim estabeleceu o fato social como objeto de suas pesquisas.

• A primeira característica do fato social é a exterioridade.

• A segunda característica do fato social é a coerção, a coercitividade consiste na imposição dos costumes e tradições sociais.

• A terceira característica do fato social é a generalidade que é entendida por Durkheim como estando presente em quase toda a sociedade.

• A teoria sociológica de Weber desloca-se em direção ao sujeito no sentido de compreender a realidade social.

• Weber entende que a ação social deve ser o objeto de estudo da sociologia.

• Karl Marx criou as bases da doutrina comunista, onde criticou o capitalismo.

• O materialismo dialético entende que a realidade existe independente da vontade do homem.

• O materialismo histórico é o método que busca compreender a sociedade a partir do todo, pois se acredita que os fenômenos não são isolados, logo, os fenômenos são responsáveis por desencadear novas mudanças e esse processo é contínuo na história.

• A infraestrutura se refere exatamente sobre a estrutura econômica da sociedade, pois através do trabalho o homem cria a vida social.

• A superestrutura pode ser entendida como um instrumento, criado pela classe

dominante, para dominar a classe mais pobre e os trabalhadores.

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1 Os autores da sociologia clássica foram responsáveis pelo desenvolvimento de teorias que se tornaram base para os estudos sociológicos subsequentes. Nesse sentido, associe a teoria com seu autor:

I- Max Weber. ( ) Materialismo Dialético e Histórico.II- Émile Durkheim. ( ) O fato social.III- Karl Marx. ( ) A ação social.

Agora assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) III – II – I. b) ( ) II – I – III.c) ( ) III – I – II.

2 Compreender os fatos sociais é um passo importante para compreendermos o comportamento social dos indivíduos. Nesse sentido, analise as sentenças a seguir e assinale V para as verdadeiras e F para as falsas:

( ) A coercitividade consiste no fato de que apesar de as regras ou normas sociais serem exteriores ao indivíduo, as mesmas exercem um poder coercitivo sobre a pessoa.

( ) A exterioridade dos fatos sociais baseia-se na concepção durkheimiana de consciência individual.

( ) A generalidade dos fatos sociais é entendida a partir da ideia de que não existem para um único indivíduo, são coletivos, ou seja, existem para todo um grupo.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) F – V – V.b) ( ) V – F – V.c) ( ) V – F – F.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4

A SOCIOLOGIA BRASILEIRA

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é um país relativamente populoso e com características culturais complexas. Sua colonização conferiu uma configuração singular nos aspectos sociais, culturais, políticos e religiosos, que por sua vez o tornam uma sociedade singular, exigindo uma análise sociológica muito particular no sentido de compreender suas estruturas e funcionamento de suas instituições.

Neste tópico estudaremos sobre alguns dos principais sociólogos brasileiros, enfatizando suas principais contribuições para o entendimento da sociedade brasileira nos aspectos políticos, econômicos e culturais. A maneira como cada sociólogo analisa a sociedade brasileira nos dá uma importante noção de como ela foi formada e nos auxilia no entendimento dos diversos problemas que ela enfrenta. Não está em questão aqui qual contribuição é a mais importante, a questão fundamental é conhecermos a maneira como cada sociólogo compreendeu a sociedade brasileira e as particularidades de seu pensamento.

2 FLORESTAN FERNANDES

Florestan Fernandes (22/7/1920 - 10/8/1995) nasce na cidade de São Paulo, de origem pobre, estuda com dificuldade e destaca-se pela disciplina e esforço. Torna-se professor da Universidade de São Paulo (USP) na década de 40, sendo afastado pelo regime militar em 1969. A partir daí passa a lecionar em universidades do Canadá e dos Estados Unidos. Denuncia a marginalização do negro na sociedade na tese A Integração do Negro nas Sociedades de Classe (1964). Dedica-se, também, ao estudo das sociedades indígenas, da educação e da modernização, além da análise crítica da sociologia. Aborda o processo

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

revolucionário latino-americano em Capitalismo Dependente e Classes Sociais na América Latina (1973). Em 1975 escreve A Revolução Burguesa no Brasil, sobre as classes dominantes do país e sua resistência às mudanças históricas. Volta ao Brasil em 1977, passa a lecionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), a partir de 1979, retornando à USP em 1986. É considerado o fundador da sociologia crítica no Brasil. Além da atividade acadêmica, destaca-se pela militância política de esquerda, elegendo-se deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 1986, para a Assembleia Nacional Constituinte, e em 1990. Morre em São Paulo.

FONTE: Disponível em: <http://www.sohistoria.com.br/biografias/florestan/>. Acesso em: 22 abr. 2015.

Florestan Fernandes não foi apenas um teórico social, foi acima de tudo um militante socialista. As privações e aflições que sofreu enquanto criança o moldaram para representar as classes desassistidas pelo Estado e reclamar políticas públicas mais eficientes que fossem capazes de amenizar as desigualdades sociais e outros problemas inerentes à sociedade brasileira.

FIGURA 10 - FLORESTAN FERNANDES

FONTE: Disponível em: <http://roteirosliterarios.com.br/wp-content/uploads/2016/11/florestan1.jpg>. Acesso em: 14 agos. 2017.

Tendo sua experiência pessoal como fonte de inspiração para o desenvolvimento de seu trabalho enquanto sociólogo, ele descreve este período de sua vida de maneira muito marcante. Veja por você mesmo o que ele diz sobre sua infância quando teve que trabalhar como um adulto para ganhar a vida:

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TÓPICO 4 | A SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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E penetrei, pelas vias da experiência concreta, no conhecimento do que é a convivência humana e na sociedade em uma cidade na qual não prevalecia a ordem das bicadas, mas a relação de presa pela qual o homem se alimenta do homem, do mesmo modo que o tubarão come a sardinha ou o gavião devora os animais de pequeno porte. A criança estava perdida nesse mundo hostil e tinha de voltar-se para dentro de si mesma para procurar nas técnicas do corpo e nos ardis dos fracos os meios de autodefesa para a sobrevivência. Eu não estava sozinho. Havia minha mãe. Porém a soma de duas fraquezas não compõe uma força. Éramos varridos pela tempestade da vida e o que nos salvou foi o nosso orgulho selvagem, que deitava as raízes na constituição agreste do mundo do rústico, imperante nas pequenas aldeias do norte de Portugal, onde as pessoas se medeiam com o lobo e se defendem a pau do animal ou de outro ser humano. (FERNANDES, 1994 apud CAMACHO, 2015, p. 71).

O conhecimento dos problemas sociais para Florestan não veio inicialmente dos livros e nem de um breve estágio nas periferias, pelo contrário, seu estágio precedeu a formação teórica, suas experiências pessoais serviram como fundamento para o desenvolvimento de seus conceitos mais importantes relativos às ciências humanas.

DICAS

Para conhecer um pouco mais sobre este importante pensador brasileiro, assista ao vídeo “Florestan Fernandes: o Mestre”, produzido pela TV Câmara e que está disponível no Youtube: <https://www.youtube.com/watch?v=iJxJd0jXuWw>

Devido à complexidade do pensamento de Florestan Fernandes, é muito difícil dizer qual foi sua principal contribuição para a sociologia. Seus escritos abordam os mais diversos assuntos. Na sociologia os principais temas de interesse de Fernandes foram a “análise crítica do capitalismo dependente no contexto do capitalismo monopolista, relações sociais, estrutura de classes da sociedade brasileira, Estado, ideologia e papel do intelectual nos embates sociais e políticos” (FERREIRA, 2001, p. 101, grifos do autor).

Sua obra A organização social dos Tupinambá é considerada um clássico da sociologia brasileira, por dar uma resposta a uma questão quase impossível de ser respondida, que neste caso foi a relação da organização social dos Tupinambás com as guerras que se davam entre os mesmos. Os tupinambás eram um povo indígena que habitava a costa brasileira por volta do século XVI. A grande contribuição consiste no fato de que essa tribo havia sido extinta há muito tempo e havia poucas informações sobre seu modo de vida. Florestan Fernandes impressionou

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

os intelectuais da época devido ao trabalho primoroso e inédito acerca deste assunto. Outra obra tão importante quanto a que foi citada é A integração do negro na sociedade de classes, na qual trata a questão da adaptação do negro aos moldes da sociedade de trabalho livre. Logo após a Abolição da escravidão, o negro encontrará dificuldades em se adaptar à sua nova condição de homem livre, pois carrega ainda o drama vivenciado como escravo em uma condição de opressão e degradante no aspecto moral, cultural e social.

2.1 FLORESTAN FERNANDES E A SOCIOLOGIA CRÍTICA NO BRASIL

De acordo com Ianni (1996, p. 26), “Florestan Fernandes é o fundador da sociologia crítica no Brasil. Toda a sua produção intelectual está impregnada de um estilo de reflexão que questiona a realidade social e o pensamento”. Desde a colonização do Brasil, as classes dominantes sempre foram as responsáveis pelos rumos da política, da economia e, por que não dizer, da própria cultura do país. O próprio povo brasileiro procurou se adequar ao perfil elitizado das classes mais abastadas do país. A sociologia crítica se propõe a reavaliar os elementos que formam a sociedade brasileira no sentido de questionar o porquê as coisas são ou devem ser assim. Sua principal preocupação era entender o capitalismo brasileiro a partir da experiência daqueles que se encontravam excluídos do processo. Para Florestan, a sociologia não era apenas mais uma maneira de ver o mundo, a sociologia tinha um status muito mais importante, pois era uma profissão e o sociólogo era um profissional das ciências sociais.

Quando Fernandes passou a ocupar o posto de substituto de seu orientador Roger Bastide, colocou em prática o seu desejo de desenvolver uma sociologia brasileira, pois esta posição era considerada privilegiada, porque lhe dava autonomia para dar passos importantes na área das ciências humanas. Sobre tal intenção ele faz o seguinte comentário:

Converti essa cadeira em um pião para atingir fins que são inatingíveis ao professor e ao investigador isolados. Como D’Artagnan ao chegar a Paris, eu estava disposto a lutar com qualquer um que dissesse que nós não somos capazes de impor a nossa marca à sociologia. Ao antigo símbolo de made in France eu pretendia opor o feito no Brasil. Não estava em busca de uma estreita sociologia brasileira. Pretendia, isso sim, implantar e firmar padrões de trabalho que nos permitissem alcançar o nosso modo de pensar sociologicamente a nossa contribuição à sociologia. Os fatos iriam mostrar que isso era possível, que eu não forjava uma pura utopia profissional. [...] O nosso esforço não pode nem deve ser isolado do que fizeram outros sociólogos brasileiros. Contudo, ele foi encarado, aqui e no exterior, como um índice de autonomia intelectual e de capacidade criadora independente. O que fomentou o mito da escola paulista de sociologia e nos conferiu um prestígio que sobreviveu ao expurgo que sofremos. (FERNANDES, 1994 apud CAMACHO, 2015, p. 73)

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TÓPICO 4 | A SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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Tal intenção foi bem-sucedida, pois a sociologia nunca mais será a mesma depois das suas contribuições e do incalculável número de seguidores de suas ideias. Suas obras conferem à sociologia brasileira uma identidade que até então não tinha. Segundo Camacho (2015, p. 59), a obra de Florestan Fernandes

carrega a marca e um estilo de reflexão questionadora da realidade social e das formas tradicionais de pensamento. As suas pesquisas sobre as relações raciais no Brasil, mais especificamente entre brancos e negros, levantam questões sobre a dinâmica da sociedade e suas tendências, criticando as interpretações existentes.

Sua atitude se apresenta como uma não conformação para as explicações sociológicas existentes sobre a estrutura social no Brasil. A postura questionadora frente à realidade social e das formas tradicionais de pensamento foi fundamental para o desenvolvimento da sociologia crítica brasileira, pois a maneira como tratou as questões relativas à sociedade brasileira partiu da singularidade da mesma. Quando se trata, por exemplo, de uma pesquisa sobre as condições dos negros no Brasil, o método utilizado não é apenas colocar o negro como objeto da pesquisa, mas trouxe o negro para fazer parte do debate, passando da condição de mero objeto de pesquisa para ser sujeito.

Por mais profundo e abrangente que sejam as obras de Florestan Fernandes, vale ressaltar que seu pensamento está voltado para os problemas da sociedade brasileira, sua preocupação era conhecer, pesquisar e apontar saídas efetivas para problemas crônicos do Brasil.

Convém lembrar que ele se empenhou em fundar uma sociologia brasileira, uma explicação sociológica enraizada nas peculiaridades históricas da sociedade brasileira e, portanto, uma sociologia de envergadura clássica, fundada no real histórico, e não numa mera sociologia colonizada, baseada na importação de esquemas e conceitos abstratos (e nem sempre com sentido), como vai se tornando moda hoje em dia. (MARTINS, 1996 apud CAMACHO, 2015, p. 70).

Seu objetivo é contribuir para a transformação da sociedade capitalista, que no seu entender é responsável pela divisão da sociedade em classes. Ao se posicionar ao lado dos que estavam embaixo (como sempre mencionava devido ao fato de ter pertencido à classe dos excluídos), procurava apontar um caminho para que houvesse mudanças sociais no sentido de amenizar o impacto negativo do capitalismo na sociedade brasileira. Era um marxista declarado, se tornou um socialista militante, pois acreditava que as mudanças sociais são possíveis quando a sociedade se mobiliza em busca de ideais libertários. Nesse sentido, era necessário que os indivíduos conhecessem as relações sociais que norteiam a sociedade, pois somente assim o indivíduo poderá se posicionar frente às questões relativas à sua condição social e econômica.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

Florestan Fernandes era um profundo conhecedor da sociedade brasileira e dos problemas mais comuns enfrentados por essas pessoas. Em sua abordagem sociológica ele se coloca do lado dos dominados, sua percepção não parte de quem assiste de cima, mas de quem vive no estrato inferior. Seu esquema tinha como finalidade apontar um caminho para encontrar soluções concretas para os problemas reais que não podem mais ser ignorados por nenhuma das classes, nem a dos oprimidos nem a dos dominantes. O exemplo disso é sua luta pela melhoria na educação pública e gratuita, pois teve participação direta e efetiva na discussão da Lei de Diretrizes e Bases enquanto foi deputado federal, juntamente com outros defensores aguerridos desta bandeira que se constitui um desafio não superado pela educação brasileira, que precisa avançar muito em relação à qualificação do ensino público no Brasil. Em seu trabalho na elaboração da Constituição de 1988, Florestan se destaca na defesa da educação pública de qualidade e na valorização dos professores.

Para entendermos a importância da educação pública gratuita e de qualidade, vamos exemplificar, no sentido de esclarecer, porque tal situação é um ponto que aumenta as desigualdades sociais. Em relação à educação é comum os filhos de famílias de classe média estudarem em escolas particulares e poderem concorrer a bolsas de estudos no exterior, qualificando-se melhor do que aqueles que aqui permanecem. Quando esses indivíduos retornam ao mercado de trabalho brasileiro são capazes de conquistar os empregos com os melhores salários, pois receberam uma melhor formação que os preparou para disputar as melhores posições nas empresas e no serviço público. Esse é um problema cíclico, onde as classes marginalizadas geralmente não conseguem soltar-se dos grilhões da pobreza e do atraso dos quais são vítimas. É partindo desta problemática que Florestan Fernandes irá defender aguerridamente a bandeira da educação pública gratuita e de qualidade, desde o Ensino Fundamental até o Ensino Superior. Isso, por si só, é um passo importante no sentido de promover justiça social e igualdade entre as pessoas, pois se todo brasileiro receber uma boa formação, terá condições de disputar as vagas no mercado de trabalho e as bolsas de estudo internacionais ofertadas pelo governo.

A dependência política, cultural e econômica da qual a sociedade brasileira foi vítima por um longo período de sua história tem sido a causa do atraso que o país vive nas mais diversas áreas. Quem sofre profundamente com esses problemas são os operários, a classe pobre, os negros, indígenas e os trabalhadores rurais, que pagam o preço caro por essa dependência externa. As economias hegemônicas controlam, exploram, expropriam e se apropriam das economias dependentes, determinando como deve ser sua política econômica. Tal fato incide diretamente sobre a massa de trabalhadores, pois são eles que trabalham para manter esse sistema exploratório. Nesse sentido, a revolução social está entre os temas de maior interesse de Florestan Fernandes, pois acreditava que, para que houvesse mudança neste sistema explorador e opressor, seria necessária uma verdadeira revolução no campo educacional e social.

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A sociologia crítica de Florestan Fernandes se propõe a estudar efetivamente os problemas sociais brasileiros. Ele considerava que uma reflexão crítica dos problemas do Brasil e sua origem promoveriam mudanças na mentalidade dos oprimidos, isso naturalmente os levaria ao inconformismo diante da exploração da qual são vítimas e, consequentemente, as mudanças viriam de baixo para cima. Tal movimento seria fundamental para a reestruturação do Estado e da sociedade brasileira.

3 DARCY RIBEIRO

Nasceu em 26 de outubro de 1922 em Montes Claros, Minas Gerais. Depois de abandonar o curso de Medicina, matriculou-se, em 1944, na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Entre 1947 e 1957 trabalhou com o Marechal Rondon no Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Contratado por Anísio Teixeira, assumiu, em 1957, a direção da Divisão de Estudos Sociais do Ministério de Educação e Cultura. Tornou-se um "discípulo" de Anísio Teixeira na defesa da escola pública e juntos influenciaram o processo de elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961. Foi o primeiro reitor da Universidade de Brasília e ministro da Educação e Cultura do governo João Goulart. Após o golpe de 1964, exilou-se no Uruguai, Venezuela, Peru, Chile, entre outros países. Com a anistia, em 1979, associou-se a Leonel Brizola, para reorganizar o velho Partido Trabalhista Brasileiro. Em 1982, como vice-governador do Rio de Janeiro e coordenador do Programa Especial de Educação, criou os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs) e as Casas da Criança, que integravam o atendimento de saúde e educação a crianças de zero a seis anos. Em 1986 assumiu a Secretaria de Desenvolvimento Social de Minas Gerais, na tentativa frustrada de implantar os CIEPs. Como senador, em 1990, foi relator do anteprojeto aprovado da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), que passou a ser conhecida como Lei Darcy Ribeiro. No segundo mandato de Leonel Brizola no Rio de Janeiro, coordenou o 2° Programa Especial de Educação, chegando à marca de 500 CIEPs, escolas públicas de tempo integral. Autor de diversos livros, faleceu em 17 de fevereiro de 1997.

Educador, sociólogo, etnólogo, poeta, romancista, antropólogo, político: o multitalentoso Darcy Ribeiro deixou um legado sem parâmetros no pensamento brasileiro.

FONTE: Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_b_darcy_ribeiro.htm>. Acesso em: 22 abr. 2015.

A contribuição de Darcy Ribeiro para as ciências humanas no Brasil é incalculável. Nosso objetivo neste estudo é ressaltar apenas um dos aspectos de seu trabalho, que culminou com a importante obra O Povo Brasileiro, que nos auxiliará a compreender um pouco de seu pensamento.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

FIGURA 11 - DARCY RIBEIRO

FONTE: Disponível em: <http://www.nosrevista.com.br/2009/12/29/8683/>. Acesso em: 7 abr. 2015.

3.1 O POVO BRASILEIRO

Seus estudos sobre a evolução das civilizações apresentam um novo campo analítico, no qual se pode identificar o povo brasileiro a partir de uma peculiar revalorização. Assim, nos seus escritos há muito claramente definida a consciência de que o Brasil se constitui de um povo em construção. (RIBEIRO, 1995).

Na visão de Darcy Ribeiro, a mistura de raças fez nascer um povo totalmente novo, que é o povo brasileiro. Sobre isso ele escreveu:

Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiça, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos. Também novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam. Povo novo ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular de organização socioeconômica, fundada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros. (1995, p. 19)

Podemos observar que os brasileiros não são os nativos que aqui estavam por ocasião da chegada dos portugueses, na visão de Ribeiro o povo brasileiro é a mistura racial e cultural que culminou com o surgimento de um povo totalmente novo em relação aos demais povos conhecidos até então. Tal miscigenação fez surgir um povo com características singulares na sua maneira de ser e na maneira como a estrutura social está organizada. No entanto, o povo brasileiro carrega algo do velho.

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Velho, porém, porque se viabiliza como um proletariado externo. Quer dizer, como um implante ultramarino da expansão europeia (sic) que não existe para si mesmo, mas para gerar lucros exportáveis pelo exercício da função de provedor colonial de bens para o mercado mundial, através do desgaste da população que recruta no país ou importa. (RIBEIRO, 1995, p. 20).

Mesmo sendo um povo com características singulares, o povo brasileiro não deixa de possuir elementos que de certa maneira o mantêm ligado ao velho mundo. Esse aspecto do velho no novo povo é principalmente de caráter econômico, pois o povo da colônia servia para produzir riquezas para a metrópole europeia, visto que os meios de produção estavam concentrados nas mãos dos portugueses e outros imigrantes europeus. Nesse sentido, o povo deveria buscar sua emancipação, não apenas cultural, mas econômica e política, para determinar as ações mais convenientes para toda a sociedade e não para um pequeno grupo de proprietários protegidos pela coroa portuguesa e posteriormente pelo próprio Estado brasileiro.

Algo que se faz necessário ressaltar é o fato de que esta mistura de povos do qual é formado o povo brasileiro não resultou em um povo multiétnico, pois “apesar de sobreviverem na fisionomia somática e no espírito dos brasileiros os signos de sua múltipla ancestralidade, não se diferenciaram em antagônicas minorias raciais, culturais ou regionais, vinculadas a lealdades étnicas próprias e disputantes de autonomia frente à nação”. (RIBEIRO, 1995, p. 20). As diferentes origens do povo brasileiro não têm sido motivo para problemas de ordem étnicos, com raras exceções.

Não se pode se iludir e pensar que o povo brasileiro se constitui em uma uniformidade absoluta, pois, para Ribeiro (1995, p. 21),

Essa unidade étnica básica não significa, porém, nenhuma uniformidade, mesmo porque atuaram sobre ela três forças diversificadoras. A ecológica, fazendo surgir paisagens humanas distintas onde as condições de meio ambiente obrigaram a adaptações regionais. A econômica, criando formas diferenciadas de produção, que conduziram a especializações funcionais e aos seus correspondentes gêneros de vida. E, por último, a imigração, que introduziu, nesse magma, novos contingentes humanos, principalmente europeus, árabes e japoneses. Mas já o encontrando formado e capaz de absorvê‐los e abrasileirá‐los, apenas estrangeirou alguns brasileiros ao gerar diferenciações nas áreas ou nos estratos sociais onde os imigrantes mais se concentraram.

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Isso é um ponto-chave para compreendermos as diferenças regionais do povo brasileiro, pois no Brasil não podemos conceber a ideia de que há uma cultura superior a outra. A cultura, os hábitos e tradições de cada região do país estão diretamente vinculados aos fatores ecológicos, econômicos e imigrações. É muito comum as pessoas olharem a cultura nordestina, por exemplo, com as lentes da cultura sulista. A sociologia, ao fazer um estudo de uma cultura, deve fazê-lo com objetividade, pois do contrário é comum se fazer juízos de valor sobre determinados fenômenos sociais e culturais. Isso foi muito comum com a chegada dos imigrantes europeus, que trouxeram uma cultura que consideravam superior ou mais avançada em relação àquilo que havia no Brasil. Tanto os primeiros colonizadores quanto os demais imigrantes que vieram depois trouxeram sua cultura, e os que aqui estavam foram aos poucos assimilando a cultura europeia.

No entanto, vale ressaltar que, apesar das diferenças regionais, o povo brasileiro possui mais coisas em comum do que aquilo que os diferencia. Qual foi o fator que serviu como ponto de aproximação e uniformização do povo brasileiro? Segundo Ribeiro (1995, p. 21),

A urbanização, apesar de criar muitos modos citadinos de ser, contribuiu para ainda mais uniformizar os brasileiros no plano cultural, sem, contudo, borrar suas diferenças. A industrialização, enquanto gênero de vida que cria suas próprias paisagens humanas, plasmou ilhas fabris em suas regiões. As novas formas de comunicação de massa estão funcionando ativamente como difusoras e uniformizadoras de novas formas e estilos culturais.

Este é um fato muito interessante observado por Ribeiro, pois a vida urbana e a industrialização é que determinam, de certa maneira, o comportamento do indivíduo. O fato de pertencer à coletividade de uma indústria, onde o comportamento é regrado por uma série de diretrizes que visam um comportamento padrão para atingir os objetivos da produção, acaba por refletir na vida do indivíduo social fora da indústria. Os meios de comunicação contribuem fortemente para a uniformização do povo, pois através de seus projetos artísticos, elementos culturais novos passam a fazer parte da vida particular das pessoas. Um exemplo disso são os estilos musicais, as roupas e o consumo de determinados produtos específicos, as grandes marcas de refrigerante são elementos que uniformizam as escolhas pessoais dos indivíduos. A construção do povo brasileiro está diretamente associada a esses elementos uniformizadores, que apesar de haver elementos que nos diferenciam, existem muitos outros que nos aproximam.

A grande contribuição de Darcy Ribeiro consiste em desenvolver uma pesquisa que se propôs esclarecer os elementos que nos possibilitem ver na diversidade cultural brasileira uma etnia nacional. No entanto, a ideia de uma etnia nacional não significa que no Brasil não há contradições, muito pelo contrário, existem disparidades e injustiças que precisam ser reparadas a fim de que o povo brasileiro tenha dignidade, usufrua de direitos iguais. Somente assim veremos um Brasil que deu certo, como sempre foi o desejo de Ribeiro.

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DICAS

Para conhecer e compreender ainda mais o pensamento de Darcy Ribeiro, sugerimos que você assista ao vídeo “O povo brasileiro, por Darcy Ribeiro”, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=eqlcHGj4f7k>.

4 GILBERTO FREYRE

Antropólogo, historiador, escritor e pintor, Gilberto de Mello Freyre foi também um dos mais importantes sociólogos do século XX. Nos Estados Unidos tornou-se bacharel em Artes Liberais pela Universidade de Baylor e obteve grau de mestre pela Universidade de Columbia. Retornando ao Brasil, tornou-se o redator-chefe do jornal Diário de Pernambuco. Foi professor de Sociologia em universidades do Brasil e dos Estados Unidos. Com sua obra Casa-Grande & Senzala traduziu a pluralidade étnica e cultural brasileira. Escreveu, entre outras obras, Sobrados e Mocambos, Nordeste, Um Engenheiro Francês no Brasil e Problemas Brasileiros de Antropologia. Recebeu o título de Doutor honoris causa pelas Universidades de Columbia, Baylor, Oxford, Sorbonne, Munique, Salamanca, e homenagens dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra, de Portugal, da Espanha, entre outras. Recebeu também o título de Sir Cavaleiro do Império Britânico, pela Rainha Elizabeth II da Inglaterra; recebeu o Prêmio Internacional La Madoninna e o Prêmio Aspen pelo que há de original, excepcional e de valor permanente em sua obra. Foi eleito, por aclamação, Membro da Academia Pernambucana de Letras, ocupando a cadeira n° 23. Nasceu em 15 de março de 1900, em Recife, Pernambuco, e morreu em 18 de julho de 1987.

FONTE: Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bibliotecas/bibliotecas _bairro/bibliotecas_a_l/gilbertofreire/index.php?p=5253>. Acesso em: 22 abr. 2015.

A vida deste pensador brasileiro constitui um marco para as ciências sociais em nosso país, pois seu vigor intelectual e o grande volume de suas obras tornaram a sociedade brasileira em objeto de estudo em várias partes do mundo, pois são uma tentativa de explicar a singularidade da formação social no Brasil, assunto que veremos adiante.

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FIGURA 12 - GILBERTO FREYRE

FONTE: Disponível em: <http://nossabrasilidade.com.br/tag/gilberto-freyre/>. Acesso em: 7 abr. 2015.

Apesar de ter sido reconhecido internacionalmente, em decorrência das importantes pesquisas que desenvolveu, Gilberto Freyre não quis trabalhar fora do Brasil, mesmo sendo-lhe oferecidas cátedras em importantes universidades do mundo. Sendo a sociedade brasileira seu objeto de pesquisa, nada melhor permanecer no seio dela para compreendê-la melhor.

A vida e a obra de Gilberto Freyre podem ser definidas de várias maneiras, pois depende da análise que cada um faz daquilo que este pensador produziu. De acordo com Rodrigues (2003, p. 56),

Freyre é um dos mais complexos e contraditórios (e difícil) dos pensadores brasileiros. Tal constatação justifica a imensa produção sociológica acerca de sua obra. A vitalidade de seu pensamento parece estimular vários debates ao longo dos últimos 50 anos. É o autor mais moderno do pensamento social, o que nos faz sugerir a hipótese de que, ao invés de perder atualidade, sua obra torna-se cada vez mais atual e contemporânea. A compreensão de sua obra é difícil. Há enorme disparidade nela. Diferentemente da maioria dos pensadores, que ao final de suas carreiras dão coerência e unidade às suas obras, e escrevem os melhores livros, Freyre escreveu seus melhores livros ainda jovem, na década de 1930, Casa-Grande e Senzala e Sobrados e Mocambos. Sua obra de juventude foi aberta, propositiva e hipotética. Ao nosso ver, o jovem sociólogo tem mais a nos dizer do que o sociólogo maduro.

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Tal complexidade do pensamento de Freyre tem despertado interesse crescente pelo conteúdo de suas obras, que são por natureza provocadoras de uma reflexão crítica e atual acerca dos problemas enfrentados pela sociedade brasileira. De acordo com Rodrigues (2003, p. 55), “O pensamento de Gilberto Freyre pode ser entendido como uma sociologia da absorção da modernidade no Brasil”. Suas obras possibilitam ao leitor e ao pesquisador compreender o processo de modernização da sociedade brasileira, pois a modernidade aconteceu no Brasil tardiamente em relação à Europa. Esse atraso no processo de modernização da sociedade brasileira é resultado do isolamento imposto pela coroa portuguesa à sua colônia, o Brasil. Entre 1820 e 1870 o setor primário (produção de açúcar, algodão e fumo) era o responsável pela maior parte das exportações. Após 1830, quando a produção de café ultrapassa a produção de açúcar, a mão de obra utilizada ainda era a escrava. Observe que o país continuava dependendo de uma economia agrária cuja mão de obra era escrava, ou seja, uma parcela da população que pouca diferença fazia no mercado de consumo. Essa situação, somada aos diversos problemas que o Brasil enfrentava na área econômica, atrasava o processo de modernização do Brasil. As obras de Gilberto Freyre nos dão uma ideia clara de como a sociedade brasileira se modernizou e de que forma isso influenciou na vida social dos brasileiros.

4.1 O PROCESSO CIVILIZADOR NO BRASIL

Para compreendermos o processo civilizador brasileiro é necessário que nos voltemos um pouco sobre as obras de Gilberto Freyre. As obras de Freyre que formam uma trilogia sobre o processo civilizador são: Casa-Grande e Senzala, Sobrados e Mocambos e Ordem e Progresso. A seguir discorreremos um pouco sobre a ideia central das duas primeiras obras citadas, no sentido de entender um pouco mais sobre o pensamento de Freyre em relação à colonização e às mudanças ocorridas na sociedade brasileira.

4.1.1 Casa-Grande e Senzala

A obra Casa-Grande e Senzala foi a tese de mestrado de Freyre e foi publicada em 1933, ganhando repercussão mundial e que posteriormente tornou-se referência para os estudos sociológicos sobre a formação da sociedade brasileira. Seu estudo consiste numa análise sobre a colonização portuguesa, descreve a formação familiar brasileira e o patriarcado, enfatiza também a miscigenação étnica como um traço da cultura brasileira.

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É importante ressaltar que a obra Casa-Grande e Senzala é questionada por muitos historiadores, devido à perspectiva da qual é realizada a abordagem sobre o processo de colonização e as raízes do povo brasileiro. Isso se dá pelo fato de Gilberto Freyre ter nascido em uma família tradicional (na Casa-Grande), ter estudado fora do país e ter tido condições que a maioria absoluta da população jamais imaginava. O fato de não ter nascido em uma família de escravos de classe inferior (na Senzala) faz com que sua abordagem ganhe um ar romântico, em que o português é o desbravador e que esse povo maravilhoso, que é o povo brasileiro, seja de certa maneira resultado de uma miscigenação natural sem tanta violência. Tal abordagem é uma tentativa de amenizar as agruras que a maior parte do povo brasileiro sofreu durante a colonização. De qualquer maneira, esta obra é uma importante fonte de informações de uma perspectiva da classe dominante.

Inicialmente, precisamos considerar que a escravidão no Brasil é vista de maneira diferente em relação aos demais países da América. Segundo Freyre (1969, apud RODRIGUES, 2003, p. 57),

A verdade seria outra: a forma menos cruel de escravidão desenvolvida pelos portugueses no Brasil parece ter sido o resultado de seu contato com os escravocratas maometanos, conhecidos pela maneira familial como tratavam seus escravos, pelo motivo muito mais concretamente sociológico do que abstratamente étnico de sua concepção doméstica da escravidão ter sido diversa da industrial, pré-industrial e até anti-industrial (sic). Sabemos que os portugueses, apesar de intensamente cristãos – mais que isso até, campeões da causa do cristianismo contra a causa do Islã -, imitaram os árabes, os mouros, os maometanos em certas técnicas e em certos costumes, assimilando deles inúmeros valores culturais. A concepção maometana da escravidão, como sistema doméstico ligado à organização da família, inclusive às atividades domésticas, sem ter decisivamente dominada por um propósito econômico-industrial, foi um dos valores mouros ou maometanos que os portugueses aplicaram à colonização predominantemente, mas não exclusivamente, cristão do Brasil.

Observe que na visão de Freyre o escravo não era tido como uma ferramenta de trabalho com objetivo de ganhos econômicos a partir de seu trabalho. Sua utilidade estava ligada à vida familiar de seus proprietários, ou seja, o escravo servia aos interesses domésticos. Aqui, é possível percebermos a ideia de uma sociedade patriarcal onde o senhor era responsável por sua família e por todos os que estavam sob seu domínio. A família patriarcal, sem dúvida, era a base familiar da sociedade brasileira durante o período colonial, mas a ideia de que o escravo era protegido contra os abusos das classes dominantes é utopia, pois estes estavam à mercê da vontade e dos seus donos e da sua família direta (filhos, esposa). A ideia de harmonia existente na relação entre o senhor e o escravo é um mito, pois o escravo estava aqui contra sua vontade, portanto, sua sujeição e a boa relação que procurava ter com o senhor não eram resultado de consideração (salvo algumas exceções), eram resultado de não se ter outra saída a não ser submeter-se à vontade de seu senhor. A casa-grande possuía muita importância para a estrutura do país, pois era a residência, sede administrativa do engenho e o lugar em que o senhor exercia seu poder e domínio sobre aqueles que estavam sob seu comando.

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Segundo Schwarcz (2010, p. 13),

Casa-Grande & Senzala representa, assim, uma tentativa de sintetizar o Brasil, sob o signo da “diferença” reconhecida em alguns aspectos: a mestiçagem que de biológica se faz cultural, o caráter plástico da assimilação e a privacidade das relações. O Brasil seria um “caso único” e daria um exemplo de originalidade como uma “civilização nos trópicos”. O país não representaria mais a decadência, mas antes a saída para um mundo marcado por divisões e conflitos.

A miscigenação na visão de Freyre foi o ponto em que as diferenças raciais foram de certa maneira postas de lado, pois a assimilação cultural e biológica das raças deu origem ao povo brasileiro, pois “a miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que de outro modo se teria conservado enorme entre a casa-grande e a mata tropical; entre a casa-grande e a senzala” (FREYRE, 2004, p. 33). Tal visão é duramente criticada pelos comentadores de suas obras, pois Freyre desconsidera que essa miscigenação foi marcada por intensos conflitos entre as diferentes raças e culturas. A miscigenação não foi algo romântico e consentido pelos negros e indígenas, mas foi imposta à força, rompendo as tradições passadas destes povos e impondo os costumes e tradições europeias.

Ainda sobre a miscigenação, Freyre (2004, p. 160) escreveu:

Híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se constitui mais harmoniosamente quanto às relações de raça: dentro de um ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo de aproveitamento dos valores e experiências dos povos atrasados pelo adiantado; no máximo de contemporização da cultura adventícia com a nativa, a do conquistador com a do conquistado. Organizou-se uma sociedade cristã na superestrutura, com a mulher indígena, recém-batizada, por esposa e mãe de família; e servindo-se em sua economia e vida doméstica de muitas tradições, experiências e utensílios da gente autóctone.

Essa sociedade híbrida descrita por Freyre é resultado de uma união entre o colonizador e o colonizado, onde cada um destes absorve alguns costumes um do outro num processo de aculturação. Observe, porém, que o autor diferencia o colonizador do colonizado utilizando o termo “atrasado” para o colonizado e “adiantado” para o colonizador. Novamente é possível perceber a ideia de superioridade do colonizador presente no pensamento de Freyre. Contudo, vale ressaltar que os portugueses se valeram dos conhecimentos indígenas como uma forma de viverem melhor nas terras brasileiras. Nisso podemos perceber que a cultura não era uma questão de ser uma sociedade adiantada ou atrasada, a questão é que a cultura dos nativos brasileiros resultava das necessidades naturais existentes em seu habitat.

Nesta obra Freyre não deixa de discorrer sobre os indígenas, e a maneira

como aborda o assunto demonstra uma visão etnocêntrica, onde considera os nativos como uma raça inferior e atrasada.

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De modo que não é o encontro de uma cultura exuberante de maturidade com outra já adolescente, que aqui se verifica; a colonização europeia vem surpreender nesta parte da América quase que bandos de crianças grandes; uma cultura verde e incipiente; ainda na primeira dentição; sem os ossos nem o desenvolvimento nem a resistência das grandes semicivilizações americanas. (FREYRE, 2004, p. 158, grifos do autor).

Vale ressaltar que Casa-Grande e Senzala é uma obra que resultou de uma vasta e monumental pesquisa. Apesar de o ponto de vista de Gilberto Freyre ser influenciado por sua posição social, não é por isso que a obra perde seu valor, muito pelo contrário, tal obra deve ser tomada como uma importante fonte de pesquisa para quem desejar conhecer mais sobre a formação da sociedade brasileira.

O período que contempla a narrativa da Casa-Grande e Senzala é de uma sociedade patriarcal rural. Ferreira (1995, p. 57) descreve como era a sociedade patriarcal da seguinte maneira:

A família patriarcal foi a base da sociedade nascida na região do açúcar. As famílias viviam isoladas na zona rural; eram raros os contatos sociais.

Eram características da família patriarcal:• poder absoluto do pai de família;• submissão da mulher;• casamentos sem escolha e sem amor, muitas vezes entre membros da mesma família (a escolha era feita pelos pais dos noivos);• número elevado de filhos – o primogênito era o único herdeiro da propriedade;• religiosidade marcante – em quase toda família havia um padre; em toda casa-grande havia uma capela;• imposição paterna de uma profissão para os filhos;• educação somente para os homens (as mulheres recebiam apenas as primeiras noções de escrita e aritmética e educação para o lar).

Os senhores de engenho possuíam autoridade absoluta sobre seus familiares, sobre os agregados e os escravos de suas propriedades. A influência desses homens atingia até mesmo a vila próxima ao engenho.

Isso nos dá a ideia de como aconteciam as relações sociais na sociedade colonial brasileira. A figura do senhor do engenho como dominador e do qual os demais possuem certo temor, configura uma sociedade marcada pela dominação masculina que determina os rumos da vida de todos aqueles que estão sob seu comando.

4.1.2 Sobrados e Mocambos

Interessante perceber que a obra anterior faz referência a dois tipos de moradia do período colonial brasileiro. A casa-grande era a residência do senhor do engenho, enquanto que a senzala era uma espécie de alojamento onde residiam os escravos. Na obra Sobrados e Mocambos, Freyre volta novamente a se referir a dois tipos de habitação. Os sobrados eram construções com dois pisos e eram as

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residências dos senhores nas cidades, enquanto que os mocambos (ou mucambos) eram as residências das camadas mais pobres da sociedade brasileira. A posse ou a vida nessas diferentes residências demonstrava a maneira como a sociedade estava constituída e quais as características sociais, culturais e econômicas dos residentes de cada uma destas habitações.

A seguir você poderá observar a estrutura de uma casa-grande e um sobrado do período colonial. Estamos falando de duas construções que caracterizaram a vida social do povo brasileiro. Observe as figuras e discuta com seus colegas sobre as características de cada uma e como você acha que eram as relações sociais nestes ambientes. Lembrando que na casa-grande a estrutura familiar era patriarcal, na segunda figura o que caracteriza tal período é a reeuropeização da sociedade brasileira.

FIGURA 13 - ENGENHO MASSANGANA EM CABO DE SANTO AGOSTINHO-PE

FONTE: Disponível em: <http://www.portaldocabo.com.br/turismo/historico/engenho-massangana>. Acesso em: 26 abr. 2015.

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FIGURA 14 - SOBRADO DE MADALENA, RECIFE

FONTE: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Sobrado_(arquitetura)#/media/File:Sobrado madalena.jpg>. Acesso em: 26 abr. 2015.

De acordo com Souza (2008, p. 9), “enquanto Casa-Grande & Senzala se constitui como uma narrativa sobre a formação da cultura colonial e da aristocracia rural durante os séculos XVI a XVIII, Sobrados e mocambos é uma obra sobre a formação cultural da vida urbana do Brasil no século XIX”. Sobrados e mocambos eram as construções urbanas onde a vida começava a florescer em meados do século XIX, trazendo mudanças significativas nas relações sociais e familiares da sociedade brasileira. Esse processo levaria ao que Freyre chama de reeuropeização dos costumes e estilo de vida, pois

A reeuropeização significaria, para Freyre, o momento em que os aspectos feudais e extraeuropeus que caracterizaram a vida social da colônia fossem extraídos de nossa sociedade, substituídos pelos novos padrões culturais apresentados por esses “homens superiores”, como eram conhecidos os europeus do Norte. Tão superiores que, no entender de Gilberto Freyre, esses “mártires louros” venceram inclusive a batalha travada no Brasil contra os trópicos e contra a febre amarela. (SOUZA, 2008, p. 10).

Essa reeuropeização ocorreu com a chegada dos imigrantes vindos da Inglaterra, França, Itália e Alemanha. Em decorrência disso, a sociedade brasileira, que já possuía características muito próprias, foi gradativamente abandonando algumas de suas tradições e costumes e logo começou a imitar os recém-chegados, por considera-los como possuidores de uma cultura superior mais sofisticada. Sobre isso, Freyre (1961, apud SOUZA, 2008, p. 10) afirma que “o brasileiro do século XIX foi abandonando muitos dos seus hábitos tradicionais [...] para adotar as maneiras, os estilos e o trem de vida da nova camada de europeus que foram se estabelecendo nas nossas cidades”. O estilo de vida da casa-grande e da senzala foi dando lugar a um estilo de vida mais requintado, onde o mestiço e o pobre buscavam imitar o modo de vida europeu de caráter mais refinado e comedido dos sobrados. O impacto dessa imitação dos modos europeus alterou profundamente a vida do povo brasileiro,

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pois aquele modo natural de viver foi substituído por um comportamento artificial, marcado pelas regras de etiqueta que alteraram a maneira do brasileiro se vestir, comer e andar. Não somente nesse aspecto, mas devemos considerar as mudanças ocorridas na estrutura familiar, pois a promiscuidade sexual e a poligamia da casa-grande deram lugar a uma vida mais controlada, principalmente nos sobrados, onde as relações monogâmicas eram mais valorizadas e consideradas como ideal.

Sobrados e mocambos mostra a mudança do estilo de vida colonial brasileira para a imitação de um comportamento burguês bem diferente da realidade da maioria da população brasileira, que por mais que tentasse imitar o estilo de vida europeu, tal imitação era restrita a uns poucos que tinham condições de viver nos sobrados e se vestir à moda europeia. Quanto às questões relativas ao comportamento moral dos indivíduos, houve mudança no sentido de que as pessoas tivessem um comportamento que demonstrasse civilidade no trato com o outro e consigo mesmo. Importante ressaltar que o ideal de civilidade estava na capacidade de imitar o modo de vida europeu, esta foi uma ideia que perdurou por todo o século XIX.

5 SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA

Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Jornalista, sociólogo e historiador brasileiro nascido em São Paulo, um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX, que tentou interpretar o Brasil, sua estrutura social e política, a partir das raízes históricas nacionais. Antes de se tornar historiador, foi jornalista e tornou-se amigo dos principais representantes do Modernismo, como Mário de Andrade e Oswald de Andrade, e passou a escrever em revistas ligadas ao movimento. Além disso, trabalhou em agências de notícias internacionais e diversos órgãos da imprensa brasileira, como o Jornal do Brasil e a Folha de S. Paulo, durante muitos anos de sua vida. Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro (1921) e participou ativamente do Movimento Modernista (1922). Formou-se em Direito (1925), pela extinta Universidade do Brasil, mas continuou exercendo o jornalismo e chegou a ser correspondente internacional dos Diários Associados, na Europa. Entrou em contato com o movimento modernista europeu, conheceu a obra do sociólogo alemão Max Weber e presenciou a ascensão do nazismo na Alemanha. De volta ao Brasil (1936), passou a ensinar História Moderna e Contemporânea na então Universidade do Distrito Federal e publicou o seu clássico Raízes do Brasil (1936). Prestigiado internacionalmente, foi para a Itália (1952) e fez parte da cadeira de Estudos Brasileiros na Universidade de Roma, durante dois anos. Tornou-se catedrático de História da Civilização Brasileira, USP (1958), onde permaneceu até se aposentar como professor (1969). Foi casado com Maria Amélia Alvim Buarque de Holanda, a Memélia, com quem teve sete filhos: Heloísa Maria, Sérgio, Álvaro Augusto, Francisco, Maria do Carmo, Ana Maria e Maria Cristina, e faleceu na cidade de São Paulo. Dentre as suas obras merecem ainda destaque Cobra de Vidro (1934), Monções (1945) e Visão do Paraíso (1958).

FONTE: Disponível em: <http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/SergBHol.html>. Acesso em: 22 abr. 2015.

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FIGURA 15 - SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA

FONTE: Disponível em: <http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/o_jeitinho_do_homem_cordial.html>. Acesso em: 7 abr. 2015.

A contribuição de Sérgio Buarque é inquestionável, pois suas obras são de grande valor para compreendermos o processo de formação da sociedade brasileira desde a colonização. Embora suas obras tenham sido escritas em meados da metade do século XX, suas reflexões constituem importante fonte de consulta para os estudiosos das ciências humanas do século XXI. Devido à amplitude de seu pensamento, neste caderno faremos uma breve análise de seu livro Raízes do Brasil, o qual é considerado verdadeiro clássico da sociologia no Brasil.

5.1 RAÍZES DO BRASIL

A obra Raízes do Brasil é considerada o trabalho mais conhecido de Sérgio Buarque de Holanda, pois faz uma abordagem acerca dos aspectos fundamentais da história e da cultura brasileira. O ponto principal que Sérgio Buarque discute nesta obra é o choque entre a tradição e a modernidade na sociedade brasileira. No sentido de compreender isso e esclarecer alguns pontos importantes desta relação (tradição e modernidade), o autor busca nas raízes da nossa sociedade uma maneira de explicar o atraso social existente no Brasil, e ainda, propõe possíveis soluções para o país superar tal retrocesso.

As raízes da sociedade brasileira têm sua origem na colonização ibérica, pois está associada socialmente, culturalmente e politicamente à colonização portuguesa, portanto, para compreendermos o Brasil do século XX era necessário voltar-se para o passado e compreender o processo de colonização, e principalmente aqueles que iniciaram este processo, neste caso, os portugueses. Segundo Leenhardt (2015, p. 1),

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“Sérgio Buarque de Holanda baseia sua obra Raízes do Brasil sobre uma forte hipótese: os portugueses eram os mais bem preparados para efetuar a conquista dos trópicos em benefício da civilização, do que eles tinham consciência”. Um dos capítulos de seu livro irá discorrer sobre a figura do homem aventureiro e do trabalhador. Os portugueses eram os aventureiros, estavam dispostos a se entregar ao acaso para alcançar seus objetivos políticos e econômicos. O fato de possuírem esta característica aventureira os tornava preparados para os desafios que as novas descobertas lhes trariam, e por este motivo é que as colonizações portuguesas se diferem das demais.

No entanto, é necessário ressaltar que para Buarque a herança de uma tradição ibérica, somada à absorção das instituições portuguesas, consiste em verdadeiros entraves à modernização da sociedade brasileira. Por que isso consistia em um obstáculo a ser superado? As instituições portuguesas têm uma historicidade própria, divergindo diretamente da estrutura social do Brasil, pois tais instituições são incompatíveis com o ideal democrático moderno tão necessário para o desenvolvimento da nossa sociedade. As instituições portuguesas são de caráter centralizador de exploração, totalmente contrárias aos ideais democráticos de igualdade e liberdade fundamentais para o desenvolvimento pleno de um país.

Os problemas do Brasil tiveram sua origem em Portugal, pois a colônia portuguesa herdou inúmeros problemas comuns na vida metropolitana, isso de certa forma explica o atraso de nosso país em relação a países como Estados Unidos e Austrália, que possuem basicamente a mesma idade que o Brasil.

Um ponto importante a ser destacado nesta obra é o conceito de “homem cordial”. Tal conceito não se refere ao homem benevolente com que o povo brasileiro é caracterizado de maneira romântica. Holanda escreveu, no início do capítulo que trata do assunto, dizendo que “O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo” (HOLANDA, 1995, p. 141). O povo brasileiro estende à vida pública aquilo que ele é na vida privada, tal atitude demonstra certa irracionalidade frente às exigências da vida social. O público e o privado devem ser separados, pois do contrário perde-se a noção de civilidade, visto que a postura de homem público é carregada de elementos diferentes da vida em família. O homem público precisa avaliar suas ações sob os critérios da vida social e não da vida familiar. Sobre isso Holanda (1995, p. 151) escreveu o seguinte:

A vida íntima do brasileiro nem é bastante coesa, nem bastante disciplinada, para envolver sua personalidade, integrando-a, como peça consciente, no conjunto social. Ele é livre, pois, para se abandonar a todo repertório de ideias, gestos e formas que encontre em seu caminho, assimilando-os frequentemente sem maiores dificuldades.

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Essa postura frente à vida social não é vista de maneira positiva, pois o homem é um ser social e seu comportamento na vida pública deve ser pautado na racionalidade. A vida social exige que o indivíduo tenha uma postura ética frente às normas que regem a sociedade. A falta desta postura ética na sociedade brasileira é vista frequentemente quando um político, por exemplo, coloca seus amigos ou parentes em cargos de confiança mesmo sem que estes estejam preparados para tal função. O homem cordial é aquele que não sabe separar o público do privado, e na visão de Holanda isso tem sido um fator de atraso para o desenvolvimento do Brasil.

DICAS

SUGESTÃO DE LEITURA:

Esta é considerada uma das obras fundadoras da moderna historiografia e das ciências sociais brasileiras. Neste livro estão pontuadas algumas das mazelas de nossa vida social, política e afetiva, entre elas a incapacidade secular para separar o espaço público do privado. É uma excelente leitura para se compreender o atual cenário da sociedade brasileira no sentido de conhecer as raízes dos problemas atuais. Boa leitura!

LEITURA COMPLEMENTAR

RAÍZES DO BRASIL

Sérgio Buarque de Holanda

2 TRABALHO & AVENTURA

Pioneiros da conquista do trópico para a civilização, tiveram os portugueses, nessa proeza, sua maior missão histórica. E sem embargo de tudo quanto se possa alegar contra sua obra, forçoso é reconhecer que foram não somente os portadores efetivos como os portadores naturais dessa missão. Nenhum outro povo do Velho Mundo achou-se tão bem armado para se aventurar à exploração regular e intensa das terras próximas à linha equinocial, onde os homens depressa degeneram, segundo o conceito generalizado na era quinhentista, e onde - dizia um viajante francês do tempo - “la chaleur si véhémente de l’air leur tire dehors La

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TÓPICO 4 | A SOCIOLOGIA BRASILEIRA

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chaleur naturelle et la dissipe; et par ainsi sont chaulds seulement par dehors et froids en dedans”, ao contrário do que sucede aos outros, os habitantes das terras frias, os quais “ont la chaleur naturelle serrée et constrainte dedans par le froid extérieur qui les rend ainsi robustes et vaillans, car la force et faculté de toutes les parties du corps dépend de cette naturelle chaleur” .

Essa exploração dos trópicos não se processou, em verdade, por um empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade construtora e enérgica: fez-se, antes, com desleixo e certo abandono.

Dir-se-ia mesmo que se fez apesar de seus autores. E o reconhecimento desse fato não constitui menoscabo à grandeza do esforço português. Se o julgarmos conforme os critérios morais e políticos hoje dominantes, nele encontraremos muitas e sérias falhas. Nenhuma, porém, que leve com justiça à opinião extravagante defendida por um número não pequeno de detratores da ação dos portugueses no Brasil, muitos dos quais optariam, de bom grado, e confessadamente, pelo triunfo da experiência de colonização holandesa, convictos de que nos teria levado a melhores e mais gloriosos rumos. Mas, antes de abordar esse tema, é preferível encarar certo aspecto, que parece singularmente instrutivo, das determinantes psicologias do movimento de expansão colonial portuguesa pelas terras de nossa América.

Nas formas de vida coletiva podem assinalar-se dois princípios que se combatem e regulam diversamente as atividades dos homens.

Esses dois princípios encarnam-se nos tipos do aventureiro e do trabalhador. Já nas sociedades rudimentares manifestam-se eles, segundo sua predominância, na distinção fundamental entre os povos caçadores ou coletores e os povos lavradores. Para uns, o objeto final, a mira de todo esforço, o ponto de chegada, assume relevância tão capital, que chega a dispensar, por secundários, quase supérfluos, todos os processos intermediários. Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore.

Esse tipo humano ignora as fronteiras. No mundo tudo se apresenta a ele em generosa amplitude e, onde quer que se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos, sabe transformar esse obstáculo em trampolim. Vive dos espaços ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes distantes.

O trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar. O esforço lento, pouco compensador e persistente, que, no entanto, mede todas as possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do insignificante, tem sentido bem nítido para ele. Seu campo visual é naturalmente restrito. A parte maior do que o todo.

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UNIDADE 1 | SOCIOLOGIA GERAL

Existe uma ética do trabalho, como existe uma ética da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro – audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo.

Por outro lado, as energias e esforços que se dirigem a uma recompensa imediata são enaltecidos pelos aventureiros; as energias que visam à estabilidade, à paz, à segurança pessoal e os esforços sem perspectiva de rápido proveito material passam, ao contrário, por viciosos e desprezíveis para eles. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho do que o ideal do trabalhador.

Entre esses dois tipos não há, em verdade, tanto uma oposição absoluta como uma incompreensão radical. Ambos participam, em maior ou menor grau, de múltiplas combinações e é claro que, em estado puro, nem o aventureiro, nem o trabalhador possuem existência real fora do mundo das ideias. Mas também não há dúvida de que os dois conceitos nos ajudam a situar e a melhor ordenar nosso conhecimento dos homens e dos conjuntos sociais. E é precisamente nessa extensão superindividual que eles assumem importância inestimável para o estudo da formação e evolução das sociedades.

FONTE: Disponível em: <http://www.histeo.dec.ufms.br/textos/textos3/D%20-%20Raizes%20do%20 Brasil%20-%20Sergio%20Buarque%20de%20Holanda%20-%20(Trecho%2002).doc>. Acesso em: 30 abr. 2015.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico você viu que:

• Florestan Fernandes é o fundador da sociologia crítica no Brasil.

• As obras de Florestan Fernandes estão voltadas para os problemas da sociedade brasileira.

• Na visão de Darcy Ribeiro, a mistura de raças fez nascer um povo totalmente novo, que é o povo brasileiro.

• A grande contribuição de Darcy Ribeiro consiste em desenvolver uma pesquisa que se propôs esclarecer os elementos que nos possibilitem ver na diversidade cultural brasileira uma etnia nacional.

• O pensamento de Freyre tem despertado interesse crescente pelo conteúdo de suas obras, que são por natureza provocadoras para uma reflexão crítica e atual acerca dos problemas enfrentados pela sociedade brasileira.

• As obras de Freyre que formam uma trilogia sobre o processo civilizador são: Casa-Grande e Senzala, Sobrados e Mocambos e Ordem e Progresso.

• A obra Casa-Grande e Senzala consiste numa análise sobre a colonização portuguesa, descreve a formação familiar brasileira e o patriarcado, enfatiza também a miscigenação étnica como um traço da cultura brasileira.

• Sobrados e mocambos é uma obra sobre a formação cultural da vida urbana do Brasil no século XIX.

• A obra Raízes do Brasil é considerada o trabalho mais conhecido de Sérgio Buarque de Holanda, pois traz uma abordagem dos aspectos fundamentais da história e da cultura brasileira.

• As raízes da sociedade brasileira têm sua origem na colonização ibérica, pois

ela está associada socialmente, culturalmente e politicamente à colonização portuguesa.

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AUTOATIVIDADE

1 Gilberto Freyre desenvolveu uma obra muito vasta, que aborda diversos aspectos da vida social brasileira. Sobre sua obra Casa-Grande e Senzala, analise as sentenças a seguir e assinale V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Esta obra deve ser considerada uma fonte histórica, todavia, no aspecto sociológico deve ser ignorada, pelo fato de Gilberto Freyre ter nascido em uma família abastada e fazer parte da elite pernambucana, nesse sentido sua visão social é completamente distorcida.

( ) Ao abordar a questão da miscigenação, Freyre entende que foi o ponto em que as diferenças raciais foram de certa maneira postas de lado, pois a assimilação cultural e biológica das raças deu origem ao povo brasileiro.

( ) Nesta obra Freyre faz uma análise sobre a colonização portuguesa, descreve a formação familiar brasileira e o patriarcado, enfatiza também a miscigenação étnica como um traço da cultura brasileira.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – V.b) ( ) V – V – F. c) ( ) F – V – V.

2 As contribuições de Darcy Ribeiro para as ciências humanas no Brasil são incalculáveis. No entanto, descreva qual foi a principal contribuição deste pensador para a sociologia brasileira.

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UNIDADE 2

PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• conhecer os conceitos de cultura, sociedade e indivíduo;

• compreender a organização social;

• avaliar o significado das instituições sociais para a vida em sociedade;

• avaliar a necessidade das normas sociais como elemento de controle social;

• conhecer o processo da globalização e os efeitos sobre a vida dos indivíduos.

Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer dos estudos, você encontrará atividades que o(a) ajudarão a fixar os conteúdos estudados.

TÓPICO 1 – A CULTURA, A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO

TÓPICO 2 – ORGANIZAÇÃO SOCIAL

TÓPICO 3 – AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS

TÓPICO 4 – CONTROLE SOCIAL E GLOBALIZAÇÃO

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TÓPICO 1

A CULTURA, A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

O ser humano está em um constante processo de adaptação às mudanças culturais que ocorrem na sociedade. Tanto a cultura quanto a sociedade nasceram da necessidade que o homem tem para sobreviver. Nesse sentido é correto afirmar que a organização social é produto da necessidade humana de formar uma estrutura capaz de estreitar as relações entre os indivíduos promovendo a interação e integração.

O fato de um indivíduo ter que viver em sociedade e se relacionar com diferentes pessoas, instituições e organizações tem sido motivo de constantes conflitos com o outro e consigo mesmo. Nesse sentido, buscarmos compreender o sentido da cultura e da sociedade é fundamental para a construção do EU, ou seja, o indivíduo é construído a partir do ambiente social e cultural do qual ele faz parte.

Nosso objetivo neste tópico é compreender as diferentes concepções de cultura, avaliar a influência do contexto social sobre a socialização e formação do indivíduo na esfera coletiva. Ressaltamos que não será possível aprofundar muito sobre os assuntos, mas esse deve ser o ponto de partida para maiores e mais profundas reflexões sobre os assuntos que serão aqui abordados.

Dito isto, convido você para discorrermos um pouco mais pelos caminhos da sociologia na tentativa de compreendermos a relação entre cultura, sociedade e indivíduo. Mãos à obra!

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

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2 A CULTURA

É comum ouvirmos as pessoas falarem que determinada pessoa possui cultura e outra não. Geralmente o termo cultura no senso comum está associado ao grau de formação e especialização de um indivíduo ou o quanto ele conhece das coisas. A cultura pode ser definida como “aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, direito, costume e outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (TYLOR, 1871 apud DIAS, 2009, p. 52). Podemos observar que a cultura tem um sentido mais global, pois envolve diversas áreas da vida e da sociedade.

A cultura pode ser caracterizada:

a) Ela se manifesta por meio de tudo aquilo que produz o ser para satisfazer às suas necessidades e viver em sociedade. A fim de satisfazer as necessidades de alimentação, criam-se animais domésticos, plantam-se sementes, produzem-se utensílios (garfo, faca, prato); a necessidade de abrigo traduz-se na produção de vestimentas, casas etc.b) É a cultura que estabelece os limites no qual se desenvolve toda a ação social. Assim, podemos afirmar que, para cada tipo de cultura, pode-se desenvolver uma determinada ação social relacionada. A ação social é sempre gerada a partir dos limites impostos por determinada cultura. Uma sociedade pode ser mais ou menos tolerante ao adultério. As pessoas são mais ou menos efusivas ao se cumprimentarem. O almoço pode ser uma situação em que as pessoas conversam animadamente ou ser um momento em que impera o silêncio etc.c) A cultura é construída e compartilhada pelos membros de uma determinada coletividade. Um grupo social compartilha entre seus membros os mesmos hábitos, costumes, atitudes etc. que caracterizam aquela cultura em particular. Assim, cada membro vai ser identificado como integrante de tal ou qual cultura pelos traços que apresenta e que constituem um conjunto culturalmente identificado. São compartilhados, de um modo geral, os hábitos de vestir, a alimentação, as normas de cortesia, o significado dos gestos etc.d) Toda cultura apresenta elementos tangíveis e não tangíveis. Os elementos tangíveis são mais fáceis de serem identificados, como a tecnologia, as ferramentas, os instrumentos de trabalho, as máquinas, as construções etc. Os elementos não tangíveis podem não ser percebidos de imediato, pois se constituem, na mente dos indivíduos, como os valores, a ideologia, as crenças, os mitos, os símbolos, as normas ritualizadas nos costumes etc.e) A cultura se manifesta por meio de diversos sistemas (valores, normas, ideologias etc.) que influenciam decisivamente a personalidade do indivíduo, determinando seu comportamento, sua forma de pensar, de sentir e de atuar no sistema ao qual pertence. (DIAS, 2010, p. 67-68)

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TÓPICO 1 | A CULTURA, A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO

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Você observou como a cultura é algo profundamente complexo? O Brasil, por exemplo, é um país multicultural. Existem muitos elementos culturais que unem o povo brasileiro, mas existem inúmeros outros elementos que tornam grupos sociais distintos uns dos outros. Um exemplo disso é quando comparamos a cultura do Sul com a do Norte brasileiro. Nas imagens a seguir você pode perceber algumas diferenças culturais entre o Nordeste e o Sul do Brasil. Na primeira imagem você pode observar um desfile típico da Oktoberfest, tradicional festa alemã na cidade de Blumenau. Na segunda figura podemos observar as tradicionais e populares festas de São João no Nordeste brasileiro.

FIGURA 16 - OKTOBERFEST

FONTE: Disponível em: <http://www.mundoeducacao.com/geografia/cultura-regiao-sul.htm>. Acesso em: 16 jun. 2015.

FIGURA 17 - FESTA DE SÃO JOÃO

FONTE: Disponível em: <http://amaivos.uol.com.br/amaivos2015/?pg=noticias&cod_canal=41&cod_noticia=21451>. Acesso em: 16 jun. 2015.

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Todas as pessoas possuem cultura, não se podendo definir uma cultura como sendo superior ou inferior a outra. Ao discorrermos sobre a cultura, precisamos estar atentos para a questão do relativismo cultural, pois “A cultura de uma sociedade pode diferir profundamente de outra, o que é sagrado para uma pode ser repugnante ou repulsivo para outra” (DIAS, 2009, p. 51). A sociologia, ao estudar a cultura de um determinado grupo, procura fazer isso de maneira objetiva, ou seja, analisar os fenômenos em si sem a pretensão de elaborar qualquer juízo de valor, pois, como afirma Costa (2005, p. 15),

Essa ideia da relação existente entre as culturas humanas e as condições de vida de cada agrupamento mostra que as diferenças entre elas não são de qualidade nem de nível: as diferenças culturais devem-se às circunstâncias que as cercam, plenas de necessidades e obstáculos a serem ultrapassados e de tradições herdadas do passado.

Cada povo tem uma cosmovisão que consiste na maneira subjetiva de ver e compreender o mundo. É a partir desta compreensão de mundo que os grupos humanos desenvolvem seus valores, tradições, hábitos, rituais etc.

IMPORTANTE

Cosmovisão. As pessoas percebem o mundo de maneiras diferentes porque constroem pressupostos diferentes da realidade. Por exemplo, a maioria dos ocidentais afirma que há um mundo real, além deles, feito de matéria inanimada. No entanto, os habitantes do sul e do sudeste da Ásia acreditam que esse mundo exterior realmente não existe; é uma ilusão da mente. Os povos tribais ao redor do mundo veem a terra como um organismo vivo com o qual devem relacionar-se. FONTE: HIEBERT, Paul G. O evangelho e a diversidade das culturas. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 45.

Por que é importante conhecer as diferentes culturas? De acordo com Dias (2010, p. 62), “O entendimento do significado da cultura, da relatividade dos hábitos, costumes e valores poderá tornar o ser humano mais tolerante”. Ao observar a cultura do outro você irá perceber que, da mesma maneira que você valoriza a sua cultura, o outro nutre o mesmo sentimento em relação à sua própria cultura.

A origem da cultura está no fato de o ser humano acumular e transmitir suas experiências para as gerações futuras. “Assim, a cultura deve ser compreendida como algo inerente aos seres humanos. Não há cultura fora dos humanos” (DIAS, 2010, p. 64). A transmissão da cultura é o meio pelo qual o ser humano cria condições para a socialização dos indivíduos que vão se inserindo no grupo social.

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TÓPICO 1 | A CULTURA, A SOCIEDADE E O INDIVÍDUO

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Essa transmissão pode ocorrer de duas maneiras: os meios informais e os meios formais. Quando o indivíduo nasce e estabelece os primeiros contatos sociais, ele vai aprendendo, através da convivência com sua família ou amigos, os elementos culturais que fazem parte da vida dessas pessoas. A transmissão formal ocorre em um espaço destinado especificamente para essa finalidade, como é o caso das escolas. Este assunto será retomado mais adiante, quando falarmos da educação.

3 O INDIVÍDUO COMO PRODUTO SOCIAL

A sociedade precede o indivíduo e quando este chega ao mundo se depara com um ambiente formado em vários aspectos. Para interagir com o grupo, o indivíduo passa pelo processo de socialização, que tem como finalidade inseri-lo ao grupo por meio da assimilação da cultura já existente. De acordo com Linton (apud CHINOY, 1967, p. 116),

Por mais desagradável que seja essa compreensão para os egoístas, pouquíssimos indivíduos podem ser considerados como algo mais do que incidentes nas histórias da vida das sociedades a que pertencem. Faz muito tempo que nossa espécie alcançou o ponto em que grupos organizados substituíram os membros individuais como unidades funcionais na luta pela sobrevivência.

Isso significa dizer que em grande parte o comportamento individual é fruto direto do comportamento do grupo social ao qual o indivíduo pertence. A conformação às regras sociais é elemento indispensável para o processo de socialização, pois, do contrário, o indivíduo tende a viver de maneira solitária, a menos que tenha influência o bastante para alterar o comportamento do grupo a partir de suas preferências individuais.

Ao nascer, o indivíduo precisa dos cuidados de alguém para a sua sobrevivência. Por mais que possua algumas habilidades instintivas, o ser humano vai precisar de elementos presentes na cultura para sobreviver, e estes elementos são encontrados na cultura de cada povo, pois cada um desenvolveu técnicas de sobrevivência que vão sendo passadas para as gerações futuras, no sentido de preservar a espécie.

O indivíduo, em seus múltiplos contatos, não está imune a mudanças decorrentes de suas experiências. Quando nos referimos ao indivíduo como produto social, estamos afirmando que a sociedade o transcende, ou seja, está acima dele. A sociedade é capaz de moldar o ser humano segundo as suas necessidades. Uma das maneiras de moldar o ser humano é através da educação formal. Existem outros mecanismos que moldam o comportamento individual, um deles é a mídia, que influencia o indivíduo em relação ao que ele irá consumir, em quem irá votar etc.

A imagem a seguir deve nos levar a refletir um pouco sobre alguns hábitos comuns em nossa vida:

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FIGURA 18 - O QUE SOU?

FONTE: Disponível em: <http://misturaentreamigos.blogspot.com.br/2010/11/o-poder-do-merchandising.html>. Acesso em: 4 jun. 2015.

O ser humano precisa ter bom senso para refletir sobre quais elementos culturais são positivos ou não para a sua existência. A cultura do consumismo se instalou na sociedade de tal forma que o indivíduo é visto e respeitado a partir daquilo que ele possui ou pode consumir. Tal cultura tem formado e tem lapidado o comportamento de muitas pessoas, tornando-as cada vez mais materialistas e egoístas, incapazes de pensar no outro, na sociedade e no meio ambiente.

4 O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO

Para Galliano (1981, p. 303), “A aquisição da cultura é socialização”. Lembre-se de que no início deste tópico falamos um pouco sobre a cultura e que a mesma é constituída de vários elementos que compõem uma sociedade, desde elementos materiais e até imateriais, padrões de comportamento, hábitos, crenças, costumes etc. A aquisição destes elementos e a adaptação ao meio é denominada de socialização, pois é o processo em que o indivíduo vai assimilando gradativamente os hábitos e costumes que são característicos dos grupos sociais.

Observe a figura a seguir e reflita sobre o processo de socialização dos indivíduos que estão nascendo no século XXI. Que impacto o meio social atual terá sobre a formação do indivíduo?

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FIGURA 19 - SOCIALIZAÇÃO NO SÉCULO XXI

FONTE: Disponível em: <https://profbrunoborges.wordpress.com/>. Acesso em: 4 jun. 2015.

De acordo com Dias (2009, p. 74), “podemos definir socialização como sendo a aquisição das maneiras de agir, pensar e sentir próprias dos grupos, da sociedade ou da civilização em que o indivíduo vive. Esse processo tem início no momento em que nasce, continua ao longo de toda a sua vida e só acaba quando a pessoa morre”. Através da socialização o ser humano se integra com o grupo em que nasceu e isso acontece quando o indivíduo participa da vida em sociedade, assimilando todas as principais características do grupo social. Nesse sentido, podemos afirmar que o homem é um ser social, ou seja, isso implica dizer que,

Sendo um ser social, o indivíduo é produto de um sistema complexo de interações que, de um modo ou de outro, ocorre com toda a humanidade, e mais particularmente na sociedade da qual faz parte. Ao se relacionar com outros no processo de socialização, vai adquirindo hábitos e costumes que vão se agregando aos poucos em sua personalidade individual e tornando-o cada vez mais identificado com uma personalidade social cada vez mais difusa, conforme se ampliam as interações dentro de uma perspectiva global. Entre esses dois extremos – o indivíduo isolado e aquele profundamente integrado e interagindo de modo intenso com um número infindável de outras pessoas – há uma gama imensa de possibilidades. (DIAS, 2010, p. 109).

Ao socializar-se o indivíduo adere gradativamente às características do grupo que vão se tornando parte de sua personalidade individual.

Por personalidade se entende aquele conjunto de características psicológicas de um indivíduo que influenciam em sua maneira de agir, sentir e pensar. Cada pessoa é única em sua maneira de ser, mas sua personalidade sofre influência direta do meio em que vive. A integração e interação com o grupo possibilita que ele agregue elementos e comportamentos que influenciarão na estrutura de sua personalidade,

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influenciando diretamente em suas escolhas, ações e na maneira de pensar sobre sua condição existencial. É comum encontrarmos pessoas que para sentirem-se parte de um grupo adotam costumes, formas de se vestir, lugares para frequentar no sentido de se parecer com as pessoas que fazem parte daquele grupo social. Isso acontece em diversos grupos, sejam religiosos, torcidas organizadas, grupos de motoqueiros etc.

Um dos meios pelo qual ocorre a socialização é aquilo que chamamos de interação. Quando falamos de interação social, estamos dizendo que há uma influência recíproca entre os indivíduos, pois “quando duas ou mais pessoas estão em contato entre si e estabelecem uma comunicação, ocorre uma ação recíproca entre elas, isto é, suas ideias, sentimentos ou atitudes provocarão reações umas nas outras, acontecendo uma modificação do comportamento de todos” (DIAS, 2010, p. 109). Essa influência recíproca entre as pessoas envolvidas é responsável pela formação da personalidade de cada indivíduo. Nesse sentido, a formação da personalidade de uma pessoa tem início em seus primeiros anos de vida, e à medida que o tempo vai passando ela vai sendo estruturada, herdando características das pessoas envolvidas nesse processo. A primeira influência que o indivíduo recebe é geralmente dos pais ou pessoas responsáveis por sua criação. Nesse período inicial a criança irá herdar algumas características da personalidade que irá carregar para o resto de sua vida.

DICAS

Este é um filme francês baseado no livro de Jean Itard e dirigido por François Truffaut. É um drama baseado em fatos reais que conta a história de um menino selvagem que fica sob os cuidados de um médico psiquiatra que será responsável por sua educação e socialização. Na expectativa de um eventual fracasso diante das dificuldades de socialização encontradas, o menino surpreende e obtém bons resultados em decorrência dos tratamentos que recebe. É um excelente filme, vale a pena assistir!

Este filme está disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K6GZPuxuBTU>.

O processo de formação da personalidade de um indivíduo é complexo e gradativo, lembrando que é exclusivo de cada indivíduo. No entanto, Dias (2010, p. 117) aponta: “Os fatores que influenciam o desenvolvimento da personalidade são: a) a herança biológica; b) o ambiente físico; c) a cultura da qual o indivíduo participa; d) a história de vida do indivíduo ou sua experiência biológica e psicossocial únicas”. O aspecto biológico reside no fato de como cada indivíduo busca suprir suas necessidades, pois nessa busca cada ser humano desenvolve uma maneira particular de atender suas necessidades básicas. O ambiente físico é outro fator de influência na formação

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FIGURA 20 - A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

FONTE: Disponível em: <http://www.sitedecuriosidades.com/curiosidade/a-formacao-da-personalidade-de-um-individuo.html>. Acesso em: 10 jun. 2015.

A socialização é também um processo pelo qual o indivíduo é orientado a conformar-se com a ordem vigente. Para a existência na sociedade há a necessidade de certa regularidade do comportamento humano, pois possibilita antecipar e prever alguns acontecimentos. A conformação não consiste exatamente na perda da individualidade, mas na maneira que a sociedade encontrou para se organizar. Nesse sentido, “o indivíduo assimila as coações internas, que estimulam a conformidade, no processo de socialização, que nas sociedades modernas se verifica principalmente no interior da família, no grupo de iguais e na escola” (CHINOY, 1967, p. 626). A assimilação dessas coações internas tem uma relação direta com os anseios de cada pessoa. Um determinado pai sabe que seu filho gosta muito de jogar bola, nesse sentido ele estabelece que para jogar bola com os colegas da rua o filho terá que realizar as tarefas domésticas, sob pena de ficar de castigo e não poder jogar bola com os colegas. A criança almeja jogar bola, para tanto ela realiza as tarefas domésticas estabelecidas como condição. Isso é uma forma de controle em que o indivíduo se conforma com vistas aos benefícios de tal conformação. Quem tem o controle está munido de elementos que lhe dão condições de agir assim. Em relação ao Estado, por exemplo, os indivíduos têm de se conformar às exigências, leis, obrigações do Estado, para terem alguns direitos garantidos. Observe que a socialização no sentido comum é a conformação ao sistema vigente.

da personalidade, pois se uma criança é criada em um ambiente físico agressivo e violento, isso, por sua vez, influenciará na maneira como essa pessoa irá lidar diante das situações de ameaça. O ambiente cultural é outro fator de influência, pois se o indivíduo é criado em um ambiente cultural machista, tal elemento irá influenciar diretamente na maneira como irá lidar com as mulheres. Por fim, as experiências biológica e psicossocial se constituem em outro fator de suma importância na formação da personalidade, visto que a experiência de vida do indivíduo desde seu nascimento é única. Podem ser comparadas a outras em alguns aspectos, mas tanto a constituição biológica quanto a formação psicológica de cada um farão que os indivíduos reajam de maneiras diferentes frente aos mesmos problemas.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

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O filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard coloca a existência como possibilidade, ou seja, o processo de socialização é o período em que o indivíduo terá que conviver constantemente com as possibilidades do vir a ser. Sobre a existência como possibilidade não podemos deixar de falar do início da existência, com o nascimento do indivíduo. Ao nascer, o ser humano nasce com a possibilidade de vir a ser. Para esclarecer tal ideia, Fatone (1973 apud PEREIRA; FILHO, 2015, p. 88) escreve que:

Uma criança que acaba de nascer é um homem. Uma definição tradicional diz que o homem é um animal racional, suponhamos que essa criança morra imediatamente, logo depois de nascer. Diremos que morreu um homem. Mas em que sentido podemos dizer que morreu um animal? Essa criança que morreu logo depois de nascer é um animal? Onde estava sua racionalidade? Que tinha essa criança mais que um animal qualquer que tivesse morrido logo após morrer e do qual não dizemos que é um animal? Somente sua possibilidade. A criança que acaba de morrer era um animal racional não porque o fosse, senão porque sua possibilidade era essa: a de ser um animal racional.

Podemos observar que ao nascer não há como dizer que este ser humano é isso ou aquilo. O ser isso ou aquilo está diretamente associado com cada fase da sua vida. A existência como possibilidade indica que o indivíduo vai sendo construído e se construindo a partir de suas experiências. A existência é permeada de constantes decisões e na medida em que o indivíduo vai envelhecendo, suas decisões vão se tornando cada vez mais complexas. Quando criança, grande parte das decisões é tomada pelos pais ou responsáveis. O indivíduo, em sua grande maioria, quando está sob os cuidados de alguém, anseia pela liberdade de decidir. Todavia, quando é livre para escolher, irá se deparar com a angústia de ter que decidir constantemente diante das possibilidades. A socialização é o meio pelo qual o indivíduo é preparado e se prepara para viver de maneira independente em seu grupo social.

Para concluir o assunto, vamos ver o que escreve Chinoy (1967, p. 626):

No decurso da socialização, o indivíduo também aprende a ser sensível aos juízos e expectativas dos outros, que servem, direta e continuamente, como instrumentos de controle social. Assim como o respeito próprio vem a depender da maneira pela qual os outros reagem ao comportamento de uma pessoa, assim, as antecipações de aprovação e desaprovação influem naquilo que se faz, e a aprovação ou a crítica reforça – ou inibe – a probabilidade de uma ação semelhante no futuro.

A socialização é o processo pelo qual o indivíduo aprende a viver e conviver com o outro. Não é algo estanque, pois é um processo que dura toda a vida, nenhum indivíduo pode se considerar pronto e acabado em algum momento de sua vida. O indivíduo está em construção contínua, ou seja, em processo constante de socialização, com novas experiências e novas realidades sociais.

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IMPORTANTE

SOCIALIZAÇÃO

Socialização é o processo através do qual os indivíduos são preparados para participar dos sistemas sociais. Incluídos neste conceito há alguma compreensão de SÍMBOLOS e sistemas de ideias, LINGUAGEM e as relações que constituem os sistemas sociais. De modo geral, não somos socializados para compreender os sistemas como sistemas, nem para analisar como eles realmente funcionam e suas consequências. Em vez disso, viemos a compreendê-los como realidade que aceitamos como natural, que simplesmente é o que parece ser. Em outras palavras, o que em geral não é incluído é qualquer tipo de conscientização sociológica do que é aquilo de que participamos e como estamos dele participando.

Embora seja mais comumente associada ao desenvolvimento da criança, a socialização é um processo de vida inteira que ocorre à medida que pessoas adquirem novos papéis e se ajustam à perda de outros mais antigos. Quando casam, por exemplo, indivíduos passam por um longo período de socialização, como acontece, mais uma vez, quando têm filhos. A socialização prossegue enquanto os filhos crescem e se tornam mais independentes, fato este inevitável e que exige que os pais reformulem seus papéis em relação a eles. Na velhice, os papéis podem realmente se inverter, se os pais se tornarem inválidos e dependentes de cuidados dos filhos.

Da perspectiva de indivíduos, socialização é um processo mediante o qual criamos um self social e senso de apego a sistemas sociais, através da nossa participação nos mesmos. Da perspectiva dos sistemas sociais, a socialização é necessária para que o sistema continue e funcione eficazmente, uma vez que todos eles dependem de indivíduos motivados e preparados para desempenhar os vários papéis que abrange.

Tem havido alguma controvérsia na sociologia sobre o poder da socialização de moldar os sentimentos, pensamentos, aparência e comportamento das pessoas. Embora todas as pessoas tenham que ser socializadas até certo ponto, se querem participar da vida social, há uma variação enorme na maneira como isso realmente acontece e nos resultados que produz. Em sociedades complexas, isso se deve em parte à variedade de experiências que as pessoas encontram em famílias, escolas, ocupações e comunidades. Mas, em todas elas, deve-se também ao fato de que os indivíduos não são passivos e que desempenham um papel importante em sua própria socialização, na medida em que respondem de várias maneiras às pressões e influências sociais.

FONTE: JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

LEITURA COMPLEMENTAR

CULTURA

O indivíduo, enquanto ser particular e social, desenvolve-se em um contexto multicultural, em que temos regras, padrões, crenças, valores, identidades muito diferenciadas. Assim, a cultura torna-se um processo de “intercâmbio” entre indivíduos, grupos e sociedades.

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A partir do momento em que faz uso da linguagem, o indivíduo se encontra em um processo cultural, que, por meio de símbolos, reproduz o contexto cultural que vivencia. Strey (2002) aponta que o indivíduo tanto cria como mantém a sua cultura presente na sociedade. Cada sociedade humana tem a sua própria cultura, característica expressa e identificada pelo comportamento do indivíduo. Segundo Strey (2002, p. 58), “o homem é também um animal, mas um animal que difere dos outros por ser cultural”. Para ele, a cultura refere-se ao conjunto de hábitos, regras sociais, intuições, tipos de relacionamento interpessoal de um determinado grupo, aprendidos no contexto das atividades grupais.

Assim, não podemos considerar a cultura como algo isolado, mas como um conjunto integrado de características comportamentais aprendidas. Essas características são manifestadas pelos sujeitos de uma sociedade e compartilhadas por todos. Com isso, a cultura refere-se ao modo de vida total de um grupo humano, compreendendo seus elementos naturais, não naturais e ideológicos. Segundo Ramos (2003, p. 265), “as culturas penetram o indivíduo [...] da mesma forma que as instituições sociais determinam estruturas psicológicas [...] o homem pensa e age dentro do seu ciclo de cultura”.

Partindo desses princípios, devemos considerar o indivíduo como sujeito ativo no contexto cultural. Ele tem a liberdade de tomar decisões, por meio de novas interpretações. Ele recebe a informação e constrói, criativa e coletivamente, um processo cultural voltado à época histórica atual que vivencia. Ele mesmo constrói suas regras, por meio das atividades coletivas, podendo alterá-las, da mesma forma que é afetado por elas. Podemos considerar a cultura como uma herança social, que é transmitida por ensinamento a cada nova geração.

Portanto, devemos conhecer a realidade cultural do indivíduo para compreender suas práticas, costumes, concepções e as transformações que ocorrem na sua vida. E é nessa realidade sociocultural que o indivíduo se socializa. Sua personalidade, suas atitudes, opiniões se formam a partir dessas relações socioculturais em que controla e planeja suas próprias atividades.

Assim, Savoia (1989, p. 55) garante que “o processo de socialização consiste em uma aprendizagem social, através da qual aprendemos comportamentos sociais considerados adequados ou não e que motivam os membros da própria sociedade a nos elogiar ou a nos punir”. Daí a necessidade de estudarmos os agentes socializados do processo de socialização.

FONTE: Disponível em: <http://www.unitins.br/BibliotecaMidia/Files/Documento/BM_633856684394224298apostila_aula_2.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2015.

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RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico você viu que:

• A cultura se manifesta por meio de tudo aquilo que produz o ser para satisfazer as suas necessidades e viver em sociedade.

• É a cultura que estabelece os limites nos quais se desenvolve toda a ação social.

• A cultura é construída e compartilhada pelos membros de uma determinada coletividade.

• Toda cultura apresenta elementos tangíveis e não tangíveis.

• A cultura se manifesta por meio de diversos sistemas (valores, normas, ideologias etc.).

• Todas as pessoas possuem cultura, não se podendo definir uma cultura como sendo superior ou inferior a outra.

• A sociedade precede o indivíduo e quando este chega ao mundo se depara com um ambiente formado em vários aspectos.

• A sociedade é capaz de moldar o ser humano segundo as suas necessidades.

• Através da socialização, o ser humano se integra com o grupo em que nasceu.

• Ao socializar-se, o indivíduo adere gradativamente às características do grupo que vão se tornando parte de sua personalidade individual.

• A socialização é também um processo pelo qual o indivíduo é orientado a conformar-se com a ordem vigente.

• A socialização é processo pelo qual o indivíduo aprende a viver e conviver com o outro.

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AUTOATIVIDADE

1 Sabemos que todas as pessoas têm cultura, pois ela é inerente à própria existência humana. Nesse sentido, descreva o que é cultura e como se origina.

2 O indivíduo é um produto social, pois desde seu nascimento passa a assimilar elementos culturais que darão forma à sua personalidade. Partindo deste pressuposto, assinale V para as alternativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) A educação formal é uma das maneiras que existe na sociedade para moldar o ser humano.

( ) O ser humano está acima da sociedade, pois sua personalidade não é influenciada pelos hábitos e costumes sociais.

( ) Conformar-se com as regras sociais não faz parte do processo de socialização, pois os indivíduos nascem livres.

( ) O ser humano é moldado pela sociedade a partir de suas necessidades.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – V – F.b) ( ) V – F – F – V.c) ( ) F – F – V – V.d) ( ) F – V – V – V.

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TÓPICO 2

ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

A sociedade em que vivemos não está estruturada por um acaso, isso é resultado da necessidade de organização para a continuidade e sobrevivência da raça humana. No sentido de garantir que os indivíduos vivam em harmonia e sobrevivam aos desafios que a natureza impõe, a sociedade foi se organizando e estabelecendo normas de conduta e comportamento para garantir a ordem social.

Quando o termo estrutura é utilizado na sociologia, o que se tem em mente é que a sociedade é formada de vários elementos que dependem uns dos outros e que esta dependência é responsável por desenvolver uma relação solidária capaz de manter o todo em pleno funcionamento. A fragmentação destes elementos pode desencadear a desestruturação social, ruindo com aquilo que mantém a sociedade organizada e funcionando.

No sentido de compreender a estrutura e a organização social, os pesquisadores do campo sociológico foram desenvolvendo suas concepções com o objetivo de compreender como isso acontece e em que caminho se está trilhando. Tal compreensão é importante, pois a educação, a política e os indivíduos podem se beneficiar destas informações e desenvolver políticas públicas, tomar consciência das fragilidades, dos problemas, dos avanços e outras informações relevantes que garantam a estabilidade e harmonia entre as pessoas e instituições que fazem parte de um todo complexo que é a sociedade.

Gostaríamos de ressaltar que os conteúdos que serão aqui tratados consistem em pontos de vista sobre a sociedade e não uma verdade inquestionável. Nosso estudo consiste numa tentativa de conduzir você a buscar um aprofundamento maior.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

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2 FUNCIONALISMO: SISTEMAS SOCIAIS

A pesquisa sociológica é a tentativa de encontrar respostas aos “por quês” que são tão comuns no estudo das sociedades. Na busca por respostas a várias questões relativas à vida social, foram sendo desenvolvidas algumas teorias na tentativa de explicar o funcionamento da sociedade. Nesse sentido, surge o funcionalismo ou análise funcional como uma tentativa de compreender as funções das instituições sociais e as consequências dessas instituições na organização social. Nesse sentido, “A análise das funções de instituições e estruturas sociais em relação à sociedade como um todo tem sido amiúde associada a esforços para identificar e delinear os requisitos funcionais que precisam ser satisfeitos para que uma sociedade [...] persista e sobreviva” (CHINOY, 1967, p. 147). Assim como em qualquer teoria, existem os elementos considerados negativos, bem como os positivos.

Um fator muito interessante que se deve levar em consideração sobre o funcionalismo é que,

De acordo com a escola funcionalista, as diversas sociedades não deveriam ser comparadas umas com as outras, mas estudadas em si mesmas de forma particular e isolada. Cada sociedade constitui uma totalidade integrada e composta de partes interdependentes e complementares, tendo a sociedade por função satisfazer as necessidades essenciais dos seus integrantes. Um traço cultural, dessa maneira, só pode ser entendido no contexto da cultura à qual pertence e não em relação a outra qualquer. A função que o traço ou costume desempenha é que justifica sua existência e sua permanência. Sua alteração vai depender, também, não de um desenvolvimento evolutivo, mas da perda de sua função, razão de sua existência. (COSTA, 2005, p. 143).

O modelo estrutural-funcionalista é a continuação do funcionalismo. Apesar das críticas, tem resistido ao tempo e se mostrado valioso no sentido de solucionar alguns problemas da sociologia.

John Rex sintetizou essa contribuição em cinco pontos:

1º O funcionalismo valorizou as determinantes sociais em relação às determinantes individuais do comportamento humano.2º Estabeleceu uma distinção importante entre as explicações da vida social, dadas a partir dos motivos dos indivíduos e as explicações dadas a partir das exigências da própria vida social.3º Em consequência, afastou da Sociologia as especulações a respeito dos motivos humanos individuais. O funcionalismo relativo de Merton, contudo, reintroduz essa preocupação pelos motivos dos agentes individuais, embora sem se descuidar das determinantes sociais.4º Procurou excluir da Sociologia os juízos de valor, ao tentar estabelecer fatores objetivamente determináveis, em lugar de fatores puramente subjetivos, embora sem se descuidar das determinantes sociais.5º Conseguiu demonstrar que as atividades sociais não têm apenas consequências imediatas e isoladas, mas também sistemáticas em longo prazo. (GALLIANO, 1981, p. 68).

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TÓPICO 2 | ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

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Essas contribuições dadas pelo modelo funcionalista têm sido de grande valor, mesmo que sejam passivas de equívocos e críticas. É a partir do modelo funcionalista que iremos estudar a sociedade como um sistema social.

Inicialmente, vamos buscar uma definição para o que vem a ser um sistema social. De acordo com Johnson (1997, p. 209),

Um sistema social é qualquer conjunto interdependente de elementos culturais e estruturais que podem ser considerados uma unidade dele. As ‘partes’ que constituem o sistema social podem ser quase de qualquer tamanho ou complexidade, pequenas e simples como um símbolo (tal como a palavra ‘símbolo’) ou uma posição em uma relação social (como ‘amigo’); e tão grandes e complexas como sociedades inteiras ou grupos de sociedades. Casamentos, times de basquete, lojas de departamento, amizades, consultórios médicos, exércitos, empresas, governos, as Nações Unidas, a economia mundial, por menores e informais ou vastas e complicadas como sejam, podem todas ser consideradas sistemas sociais.

O sistema social é caracterizado pela pluralidade de indivíduos que estabelecem relações sociais com base em normas comuns de relacionamento e convívio. Um sistema é constituído de vários elementos interconectados. Atualmente, vivemos em um universo cada vez mais interconectado, tornando as relações cada vez mais complexas, pois uma ação individual desencadeia uma reação muitas vezes mais abrangente do que podemos imaginar. No entanto, o surgimento e o desenvolvimento de um sistema social são decorrentes das necessidades humanas. À medida que o tempo vai passando, os sistemas sociais vão mudando suas estruturas para atender aos desafios que surgem constantemente.

FIGURA 21 - SISTEMA SOCIAL

FONTE: Disponível em: <http://marianaplorenzo.com/2011/04/11/o-enfoque-comportamental-na-administracao/>. Acesso em: 11 jun. 2015.

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Segundo Parsons (apud LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 156, grifos do original), os sistemas sociais devem lidar com e resolver quatro problemas básicos:

a. adaptação: a acomodação do sistema às exigências reais do ambiente, junto com a transformação ativa da situação externa;b. conquista de objetivos: a definição dos objetivos e a mobilização de recursos para atingi-los;c. integração: estabelecer e organizar as relações entre as unidades do sistema, coordenando-as e unificando-as em uma só entidade;d. latência: a manutenção dos padrões motivacionais e culturais do sistema.

Observe que cada sistema social possui características particulares, pois cada sistema é parte de um todo maior. Nesse sentido, cada sistema precisa desenvolver mecanismos para se adaptar às mudanças que ocorrem na esfera global. Vamos tomar como exemplo o casamento como sistema social. Este sistema teve que se adaptar às mudanças que ocorreram em outros sistemas, por exemplo, o econômico, que teve forte influência sobre o primeiro. As mudanças econômicas exigiram que a mulher fosse para o mercado de trabalho e conquistasse sua independência. Atualmente a mulher não fica casada com alguém porque tem medo de ficar desamparada. Dessa forma, as relações dentro do casamento mudaram, pois a mulher fica com o marido porque quer e não mais porque depende dele. Evidentemente que isso se refere, principalmente, a pessoas que vivem em zonas urbanas de países desenvolvidos ou emergentes.

Um sistema social existe por objetivos diversos. Dessa maneira, ao estabelecer seus objetivos, os componentes de sistema são instigados e mobilizados a atingir tais objetivos. Uma empresa, por exemplo, tem metas a serem alcançadas. Nesse sentido, deve mobilizar os envolvidos para a concretização dessas metas necessárias para a sobrevivência deste sistema social.

A integração dos envolvidos se constitui em outra preocupação importante de um sistema social, pois se deve trabalhar continuamente pela integração dos envolvidos. O que fortalece um sistema social é a interconexão dos envolvidos, pois a partir do momento em que esta interconexão sofre algum tipo de dano, o sistema social se desintegra.

A existência de um sistema social depende de um elemento fundamental: a motivação. Sendo assim, o sistema social deve trabalhar constantemente para manter os integrantes desse sistema motivados, ou seja, cada indivíduo que faz parte desse sistema precisa encontrar motivos para fazer parte dele e lutar pela sua continuidade.

Talvez você esteja se perguntando: qual a estrutura de um sistema social? De acordo com Lakatos e Marconi (2006, p. 156),

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TÓPICO 2 | ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

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A estrutura de um sistema social inclui:a. subgrupos de vários tipos, interligados por normas relacionais;b. funções de vários tipos, dentro de um sistema maior e de subgrupos. Cada sistema de função está também ligado a outros, através de normas relacionais;c. normas reguladoras que governam os subgrupos e as funções;d. valores culturais.

Podemos observar que a estrutura de um sistema social se assenta sobre um conjunto de normas e funções. As funções devem ser desempenhadas dentro das normas, pois as normas são criadas com o objetivo de dar maior estabilidade ao sistema. Isso faz com que os grupos ou pessoas envolvidas pautem suas ações a partir de um parâmetro estabelecido pelos envolvidos ou por quem governa o sistema social.

O conceito de sistema social é amplo e ao longo da história da sociologia foram sendo desenvolvidos diferentes modelos e concepções. A seguir, iremos discorrer sobre três importantes modelos de estudos dos sistemas sociais.

O modelo mecânico entende que as mesmas leis que governam a natureza são as que regem os sistemas sociais. De acordo com Galliano (1981, p. 148),

A atração que as explicações extraídas da Física e também da Química exercem sobre os sociólogos é compreensível. Afinal, as extraordinárias conquistas dessas disciplinas na época moderna, tanto no plano teórico como no prático, conferem um grande prestígio aos físicos e químicos aos olhos dos demais cientistas.

Este modelo vê o homem como uma máquina onde as relações sociais se ajustam mecanicamente para atender às exigências inerentes à vida em sociedade. No entanto, não podem ser aplicadas ao estudo da sociologia ou às leis da física e da química de maneira ingênua, pois os fenômenos sociais não podem ser traduzidos em linguagem matemática sem encontrar enormes dificuldades.

O modelo orgânico “é o que utiliza como imagem geral da sociedade o organismo vivo, particularmente o corpo humano” (GALLIANO, 1981, p. 149). Esse modelo não é historicamente novo, pois desde a Grécia clássica, passando pelos ensinamentos do apóstolo Paulo até alguns sociólogos modernos, tem sido utilizado para explicar determinados fenômenos e comportamentos sociais. Herbert Spencer se utilizou dessa teoria organicista para explicar a maneira como os diferentes elementos da sociedade se integravam no sentido de formarem uma organização social. Durkheim faz uso desse modelo como base para sua sociologia, pois cada indivíduo ou instituição está integrado na sociedade, o que permite que ela se organize e garanta sua continuidade. Assim como um organismo vivo pode desenvolver determinadas patologias que precisam de intervenção, a sociedade, da mesma forma, desenvolve patologias que fogem da normalidade e que necessitam de intervenção de pessoas ou instituições qualificadas para garantir a ‘saúde’ social. A principal característica deste modelo é a ênfase na interdependência entre os que fazem parte da sociedade.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

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O modelo de processo “encara a sociedade como uma interação complexa, multifacetada e fluida de graus e intensidades, amplamente variáveis de associação e dissociação” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 159). Os indivíduos estão basicamente associados numa estrutura no sentido de atingir seus interesses. As coisas mudam frequentemente, variando as formas de relacionamentos, pois as mudanças ocorrem em decorrência das demandas. Portanto, a estrutura social é passível de mudanças, porque está em um processo de ajustamento contínuo. Não há, portanto, uma estrutura social fixa, pronta e inalterável, muito pelo contrário, a sociedade está em processo de construção e desenvolvimento contínuo.

3 O GRUPO PRIMÁRIO E O GRUPO SECUNDÁRIO

No decorrer da vida, cada pessoa estabelece relações sociais com diferentes pessoas. As relações se diferem em relação ao grau e à intensidade. O grau e a intensidade das relações dependem naturalmente de qual grupo ao qual os indivíduos pertencem. A partir de agora iremos discorrer um pouco sobre os grupos primário e secundário. O sociólogo norte-americano Charles H. Cooley (apud CHINOY, 1967, p. 177) define os termos grupos primários e secundários como:

[...] os caracterizados por íntima associação e cooperação face a face. São primários em diversos sentidos, mas principalmente por serem fundamentais na formação da natureza e dos ideais sociais do indivíduo. Psicologicamente, o resultado da associação íntima é uma fusão de individualidade num todo comum, de sorte que o próprio eu da pessoa, ao menos para muitos propósitos, é a vida comum e o propósito comum do grupo. Talvez a maneira mais simples de descrever essa totalidade seja dizer que se trata de um ‘nós’; envolva a espécie de solidariedade e identificação mútua para a qual ‘nós’ é uma expressão natural. A pessoa vive no sentimento do todo e encontra os principais objetivos de sua vontade nesse sentimento.

Não se deve supor que a unidade do grupo primário seja uma unidade de simples harmonia e amor. É sempre uma unidade diferenciada e habitualmente competidora, que justifica a autoafirmação e várias paixões apropriadas; mas essas paixões são socializadas pela solidariedade e caem ou tendem a cair sob a disciplina de um espírito comum. O indivíduo será ambicioso, mas o principal objeto de sua ambição será um lugar desejado no pensamento dos outros, e ele será fiel a padrões comuns de serviço e lealdade.

O grupo primário é de fundamental importância para o indivíduo, pois é nele que a pessoa estabelece contatos mais próximos e diretos, as relações sociais neste grupo são por natureza mais íntimas, fortes e de caráter solidário. Neste grupo destaca-se a família, pois é nela que o ser humano desenvolve as primeiras noções de laços afetivos de confiança, partilha, respeito e solidariedade. Além da família, existem os grupos primários que são de certa maneira passageiros, como é o caso dos primeiros amigos que fizemos na rua ou no prédio onde moramos enquanto éramos crianças. O tempo passou e cada um teve que seguir seu caminho, estabelecendo relações com outras pessoas.

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TÓPICO 2 | ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

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FIGURA 22 - GRUPO SOCIAL PRIMÁRIO: AMIGOS

FONTE: Disponível em: <http://moblog.whmsoft.net/related_search.php?keyword=Grupo+Social+Primario+La+Familia&language=spanish&depth=3>. Acesso em: 10 jun. 2015.

O grupo secundário possui como característica a relação interpessoal, onde existe uma troca de interesses entre os envolvidos. Os relacionamentos nos grupos secundários são mais racionais e menos emocionais, pois a base do relacionamento é a reciprocidade, no sentido de atender aos interesses uns dos outros. Nesses grupos as relações são em grande parte superficiais, temporárias e anônimas, como é caso das relações no ambiente de trabalho ou em uma sala de aula, onde os indivíduos conversam, cooperam uns com os outros, têm objetivos em comum, mas não passa disso.

A seguir, você poderá observar as principais diferenças entre as relações primárias e secundárias:

QUADRO 3 - DIFERENÇAS ENTRE RELAÇÕES PRIMÁRIAS E SECUNDÁRIAS

CONDIÇÕESFÍSICAS

CARACTERÍSTICAS SOCIAIS

EXEMPLOS DE RELAÇÕES

EXEMPLOS DE GRUPOS

PRIM

ÁRI

A Proximidade física

Exiguidade do grupo

Duração prolongada da

relação

Identificação dos fins

A relação é um fim em si mesma – avaliação intrínseca

da relação

A relação é pessoal – avaliação intrínseca de outra

pessoa

A relação é completa – completo conhecimento de

outra pessoa

Marido – mulherPai – filho

Amigo – Amigo

Professor – aluno (escolas de Ensino

Fundamental)

Família

Grupo de brinquedosGrupo de

amigos

Aldeia ou vizinhança

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

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A relação é espontânea – sentimento de liberdade

e espontaneidade, funcionamento dos controles

informais

SEC

UN

RIA

Distância física

Grande número de pessoas

Pouca duração da relação

Disparidade dos fins

Avaliação intrínseca da relação

Avaliação extrínseca de outra pessoa

Conhecimento especializado e limitado de outra pessoa

Sentimento de constrangimento externo

Funcionamento dos controles formais

Presidente da República –

eleitores

Papa – fiéis

Oficial de Estado-Maior – soldado

Vendedor – freguês

Estado

Igreja

Forças armadas

Federação e Confederação de

Trabalhadores

FONTE: LAKATOS; MARCONI (2006, p. 127)

No quadro acima é possível perceber quais as instituições que pertencem aos grupos primários e secundários e que tipo de relações os indivíduos estabelecem com elas. Tal compreensão é fundamental para compreendermos as relações que o indivíduo estabelece ao longo da sua vida com os indivíduos dos diferentes grupos e, ainda, qual a importância de cada grupo na vivência diária de cada pessoa. É possível observarmos que existe uma interligação entre os dois grupos e que de certa maneira um não existe sem o outro, embora haja a preponderância de um sobre o outro em determinadas situações.

4 FAMÍLIA, PARENTESCO E MATRIMÔNIO

Na medida em que a sociedade foi evoluindo e as relações sociais foram se tornando mais complexas, houve a necessidade de elaborar normas de comportamento social, ou seja, os costumes, hábitos e tradições foram institucionalizados, criaram-se conjuntos de normas aceitas pela maioria ou por quem tinha o poder de deliberação sobre o comportamento do indivíduo.

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TÓPICO 2 | ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

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Essas normas geralmente se referem a obrigações, proibições, direitos e deveres dos indivíduos. A finalidade dessas normas é criar harmonia e estabilidade nas relações entre os componentes de uma determinada sociedade. Segundo Galliano (1981, p. 294),

A existência de instituições, tanto como normas reguladoras quanto como esferas institucionais básicas, é algo que se considera inerente à própria natureza da sociedade. As instituições constituem parte da definição essencial da sociedade e são concomitantes à própria existência de qualquer vida social ordenada.

A família como instituição social é importante para a organização da sociedade, pois segundo Galliano (1981, p. 293): “A primeira das esferas institucionais mais importantes é a família e o parentesco. Ela está baseada na regulação das relações pró-criativas e biológicas entre os indivíduos de uma sociedade, e na socialização inicial dos novos membros de cada geração”. É dever da família criar condições e orientar o indivíduo em seu processo de integração e interação com o grupo social do qual faz parte. É dever da família criar condições para o desenvolvimento saudável dos indivíduos, pois cabe ao Estado prover um ambiente seguro para que o indivíduo se desenvolva socialmente. E em relação à educação, é de competência do Estado prover educação científica de qualidade, ficando sob a responsabilidade da família a educação moral, pois isto está claro no artigo 12 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, a que o Brasil aderiu, e que diz que “os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções” (CADH, 1969, p. 1). Isso significa dizer que é prerrogativa da família preparar as crianças para uma vida social pautada no respeito pelo outro, exercendo dignamente seus direitos e cumprindo seus deveres.

Por que a família é considerada como instituição fundamental na vida do ser humano? De acordo com Lakatos e Marconi (2006, p. 171), “A família, em geral, é considerada o fundamento básico e universal das sociedades, por se encontrar em todos os grupamentos humanos, embora variem as estruturas e o funcionamento”. Independente da estrutura familiar ou da natureza da mesma, é a família o fundamento da sociedade. Quando se faz referência à família como fundamento da sociedade, podemos perceber que sua existência é indispensável para a formação social do indivíduo. No seio familiar o indivíduo terá as primeiras noções de hierarquia, interação, participação, vivência num mesmo espaço, a convivência com o outro. Essas noções influenciarão diretamente em seu comportamento no meio social mais amplo, como é o caso da escola, da vizinhança, na faculdade, no trabalho e na constituição de uma nova família.

Dentre diferentes formações de famílias, vamos destacar apenas três. A família elementar ou nuclear é aquela formada pelo homem, a mulher e os filhos gerados ou adotivos, é monogâmica e está presente em quase todas as sociedades. A família extensa é aquela ligada por laços consanguíneos que podem abranger duas ou mais famílias nucleares, estão ligadas entre si por obrigações, compromissos e direitos mútuos. A família composta é resultante da união de três ou mais cônjuges e os filhos, é muito comum em sociedades poligâmicas.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

100

UNI

O site da Câmara dos Deputados fez a seguinte enquete: “Você concorda com a definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher, prevista no projeto que cria o Estatuto da Família?” Dos 8.123.286 votos, 52,30% responderam “Sim”, 47,38% responderam “Não” e 0,32% responderam “Não tenho opinião formada”.

FONTE: Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/enquetes/?wicket:interface=:0:1> Acesso em: 17 jun. 2015.

O indivíduo nasce com elos preestabelecidos. A primeira ligação é com seus pais. Em seguida vem a ligação com o parentesco, que são as pessoas que possuem alguma ligação com ele através do sangue. “O sistema de parentesco, segundo Murdock, refere-se a um sistema estrutural de relações, no qual os indivíduos encontram-se unidos entre si por um complexo interligado de laços ramificados” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 178). O surgimento de laços de parentesco pode ser decorrente da afinidade, isto é, quando um indivíduo escolhe casar com alguém, naturalmente que os familiares de ambos se tornam parentes. A consanguinidade é o fator biológico, pois caracteriza o parentesco de pais e filhos. E, por fim, existem os fictícios ou pseudoparentes, sendo que nesse tipo de relação podemos destacar os filhos ou pais adotivos.

Segundo Mair (1970, apud LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 174), matrimônio é “uma união entre um homem e uma mulher de modo que as crianças nascidas desta sejam reconhecidas como frutos legítimos de ambos os pais”. O matrimônio é responsável por criar novas relações sociais, isso significa dizer que um casamento tem várias funções sociais, sejam elas de procriação e manutenção da espécie, e até alianças entre grupos.

Os casamentos, em grande parte das sociedades, vêm acompanhados de uma série de regras que contêm os direitos e deveres tanto do homem quanto da mulher e até sobre como deve ser esta união, que permitem ou restringem os tipos de união conjugal. Podemos citar como exemplo a endogamia, em que o indivíduo deve escolher seu cônjuge que esteja dentro de seu grupo - melhor explicando, que sejam parentes. A exogamia exige que seja escolhido um cônjuge que esteja fora de seu grupo de parentesco ou que sejam parentes distantes.

O casamento ainda pode ser monogâmico, entre um homem e uma mulher. O casamento poligâmico consiste na união de três ou mais pessoas. A poligamia ainda pode apresentar três modelos: a poliandria, que é a união entre uma mulher com dois homens ou mais; a polignia, que é o casamento entre um homem e duas mulheres ou mais; e o casamento grupal, que é a união entre vários homens e várias mulheres.

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TÓPICO 2 | ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

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5 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL

A questão do estudo da estratificação social é um tema muito discutido na literatura sociológica. Quando falamos de estratificação social, estamos nos referindo à divisão da sociedade em classes, pois a palavra estratificação vem de estrato, que significa camadas. A sociedade está dividida em classes sociais, marcada pela desigualdade dos indivíduos em relação ao acesso a oportunidades sociais, ressaltando que não existem sociedades totalmente igualitárias e puras.

Segundo Johnson (1997, p. 95), “Estratificação é o processo social através do qual vantagens e recursos, tais como riqueza, poder e prestígio, são distribuídos sistemática e desigualmente nas ou entre as sociedades. A estratificação difere da simples desigualdade, porque ela é sistemática”. Essa definição é importante para diferenciarmos a estratificação da simples desigualdade, pois a desigualdade geralmente está associada a questões econômicas, enquanto que a estratificação, além de estar associada a questões econômicas, está associada a questões ainda mais complexas.

Para o sociólogo russo Pitirim Sorokin, a estratificação social pode ser classificada em três tipos fundamentais: estratificação econômica, estratificação política e estratificação profissional. (LAKATOS; MARCONI, 2006).

A estratificação econômica consiste no fato de que “a desigualdade da situação econômica ou financeira dos indivíduos dá origem a uma divisão em ricos e pobres” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 243). Tal estratificação leva as pessoas a serem tratadas com base em suas posses; nesse sentido, a estratificação econômica consiste num elemento que reforça cada vez mais a injustiça social.

A estratificação política consiste na “distribuição não uniforme de poder, de autoridade (dirigentes e dirigidos), de prestígio, de honrarias e de títulos. Essa estratificação ocorre independentemente da constituição particular da sociedade ou da inexistência dela” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 244). Este tipo de estratificação é grave, pois é um tipo institucionalizado, onde as próprias leis criadas por quem está no poder reforçam a desigualdade em relação ao poder de intervenção nos casos de injustiça, que são tão comuns no Brasil. Um exemplo disso é a questão do ‘foro privilegiado’. Este é um privilégio que as autoridades políticas têm de receber um tipo de julgamento diferente dos demais brasileiros. Isso atenta contra a democracia, pois cria camadas diferenciadas de pessoas que recebem tratamento diferenciado por pertencerem à classe política. Sobre o ‘foro privilegiado’, leia a frase da figura a seguir e discuta com seus colegas o que cada um pensa sobre o assunto.

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FIGURA 23- FORO PRIVILEGIADO

FONTE: Disponível em: <http://delegadodepoliciama.blogspot.com.br/2012/08/caso-decio-sa-e-investigacao-de.html>. Acesso em: 21 jun. 2015.

Por fim, temos a estratificação profissional, que é decorrente do processo de industrialização, pois as profissões possuem valores diferentes dependendo do contexto, portanto a cultura, religião, consumo, necessidade são elementos que influenciam na valoração de determinadas profissões. Nesse sentido, dentre o prestígio atribuído pela sociedade a determinada profissão existe ainda o fator econômico, geralmente o valor de uma determinada profissão está associado aos salários pagos a estes profissionais. Vale ressaltar, porém, que ao se atribuir o valor econômico a determinada profissão não é o mesmo que o valor social da mesma. Um exemplo disso é a importância dos profissionais da educação, o professor, que possui um valor fundamental para a formação da sociedade, mas o valor econômico atribuído à sua profissão passa longe de sua importância para o desenvolvimento de uma nação.

5.1 OS ESTAMENTOS E AS CASTAS SOCIAIS

Há pelos menos duas maneiras básicas de estratificar a sociedade. A primeira delas é denominada de estamentos. Uma sociedade estamental não é tão fechada quanto uma sociedade de castas, mas não tão aberta quanto uma sociedade de classes sociais. No modelo de sociedade estamental os indivíduos que nasciam nos estamentos mais baixos estavam condenados a morrer nesta condição, com raríssimas exceções. Tal sociedade era característica do feudalismo, pois dificilmente um camponês se tornaria um senhor feudal. De acordo com Dias (2010, p. 192),

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outro conceito formulado por Weber é o de ‘estamento’. De acordo com ele, o estamento é formado por quem compartilha uma situação estamental, definida como um privilegiamento típico, positivo ou negativo, quanto à consideração social com base: no modo de vida; no modo formal de educação (aprendizagem empírica ou racional); e no prestígio obtido hereditariamente ou profissionalmente.

Na figura a seguir você pode observar como estava constituída a sociedade estamental no feudalismo.

FIGURA 24 - SOCIEDADE ESTAMENTAL FEUDAL

FONTE: Disponível em: <https://portaldoestudante.wordpress.com/tag/estamental/>. Acesso em: 24 jun. 2015.

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IMPORTANTE

Feudalismo é um conceito histórico construído com o intuito de servir de ferramenta teórica para o estudo de determinado período da formação do Ocidente. Ou seja, refere-se especificamente ao sistema político, econômico e social da Europa medieval.

FONTE: SILVA, Kalina V. Dicionário de conceitos históricos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2009, p. 150.

Galliano (1981, p. 231) compara as diferenças de estamento entre o feudalismo e o capitalismo. Veja:

Feudalismo

Na Europa, não houve apenas um, mas vários feudalismos. Mas em todos eles é possível constatar a existência de uma estrutura comum, dotada das seguintes características:

1º alocação autoritária do trabalho – No feudalismo, a hierarquia de ocupações era sancionada por Deus. Cada homem, por sua vez, tinha de executar as tarefas próprias de sua ocupação, à qual seria chamado por vocação, não podendo abandoná-la. Com o fim da ordem medieval, os indivíduos ficaram formalmente livres para se ocupar com o que desejassem.

2º estamentos legalmente sancionados – Trata-se de uma característica diretamente ligada à anterior. Um indivíduo não poderia sair de seu estamento, e este era regido por normas que definiam rigidamente a posição do indivíduo dentro da sociedade, seus privilégios e obrigações. A abolição dos estamentos legalmente sancionados tornou possível que os homens participassem de um mercado de trabalho competitivo.

3º produção para o consumo local – A economia feudal era orientada para o consumo local. Uma família de camponeses produzia diretamente ou adquiria no comércio local todos os meios necessários à sua subsistência. Com o desenvolvimento dos mercados e a expansão de uma economia monetária, o mecanismo de preços tornou-se o elo entre o produtor e o consumidor, distantes um do outro em termos geográficos.

4º caráter personalizado de dominação – Os laços pessoais de fidelidade e servidão eram a base da estrutura da sociedade feudal. Assim, as relações de subordinação e dominação, tanto no âmbito da comunidade senhorial como de grupos maiores, resultavam num sistema de relações pessoais. Isso é totalmente incompatível com um sistema baseado em princípios impessoais de mercado, que supõe igualdade de oportunidades, ao menos formalmente.

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5º fusão dos poderes “político” e “econômico” – A decadência da ordem feudal foi acompanhada e promovida pela separação de suas esferas institucionais que originalmente se confundiam: de um lado, o comércio e a indústria, ou seja, o poder “econômico”; e de outro, o Estado, ou seja, o poder “político”. No feudo, os dois poderes se fundiam na figura do senhor feudal.

6º caráter fundamentalmente agrário – O feudalismo estava necessariamente ligado ao campo. Seu declínio está relacionado com o crescimento das cidades, as quais, por sua vez, tinham sua existência baseada nas atividades de comércio e manufatura.

Capitalismo

Admitindo-se que o conceito de classe só se realiza plenamente no capitalismo, pode-se distinguir nele quatro características básicas:

1º agrupamento em larga escala – Por serem resultantes do desenvolvimento do mercado, as classes supõem uma ruptura do sistema social e econômico baseado na produção para consumo de uma comunidade local autossuficiente. As classes são, portanto, agrupamentos em larga escala.

2º agregado de indivíduos – Por esta característica, entende-se que as classes não são grupos sociais no sentido corrente, isto é, agrupamentos com limites claramente definíveis. Muitas vezes é difícil precisar se um indivíduo participa ou não de uma dada classe social, e a questão pode ser absolutamente irrelevante do ponto de vista teórico.

3º relações de tipo contratual – O surgimento das classes pressupõe que as relações predominantes na sociedade deixem de ser personalizadas para se tornarem impessoais, ou seja, de tipo contratual. Ao contrário das obrigações pessoais do servo para com o senhor feudal, as obrigações do trabalhador assalariado para com o capitalista são sempre claramente delimitadas e condicionadas na forma de um contrato de compra e venda de mercadoria especial, que é a força de trabalho.

4º abertura – As classes sociais são “abertas”, ao menos nominalmente, no sentido de que a filiação a elas não é determinada por uma posição herdada, nem garantida por costumes ou leis.

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A partir da leitura do texto, podemos compreender que o estamento na sociedade feudal está vinculado diretamente ao contexto da vida rural, pois a condição de senhor de terras dava ao senhor feudal o poder de impedir a mobilidade social natural. O estamento feudal era sancionado pela falsa ideia de que Deus deu a cada indivíduo uma vocação e se a vocação dada foi a de agricultor, este jamais deveria buscar ser um cavaleiro, pois tal atitude caracterizava uma rebelião aos desígnios de Deus. O fator místico era utilizado como instrumento de dominação. Outro fator importante na sociedade estamental feudal é o fato de que tanto o poder político quanto o poder econômico estavam centralizados nas mãos do senhor feudal. Tal poder lhe conferia autoridade absoluta sobre a vida das pessoas que estavam sob sua responsabilidade. Esse sistema fazia com que filho de camponês, salvo raras exceções, continuasse camponês e assim sucessivamente, bem como os filhos dos senhores feudais se tornavam donos de terras e, consequentemente, senhores de seus feudos.

O que diferencia as classes sociais do capitalismo do estamento feudal? A primeira diferença que pode ser observada no sistema de produção é o agrupamento em larga escala, pois, com o advento da industrialização, as funções produtivas se tornaram muito diversificadas e visam atender não apenas à demanda de consumo local, mas estão voltadas também para a exportação para regiões geográficas muito distantes. Nesse sentido, há um número muito grande de pessoas que desempenham funções iguais ou diferentes, mas com a mesma finalidade: a produção em larga escala, não mais apenas para a subsistência. Outro elemento importante é que na sociedade industrial o indivíduo vende sua força de trabalho ao dono do capital por um salário definido, a relação é contratual, não há o estabelecimento de uma aliança de fidelidade entre ambos, o que se exige é o cumprimento daquilo que foi estabelecido no contrato que norteia suas relações.

Nesse sentido, vale ressaltar que, por mais que houve mudanças entre o estamento feudal e as classes sociais na sociedade industrial, o princípio que rege as relações é o mesmo: aqueles que detêm o capital e aqueles que detêm a força produtiva. Sabemos que houve muitos avanços sociais nos últimos anos, mas o poder econômico ainda é instrumento de controle e dominação. Será possível quebrar essa dominação quando houver distribuição equitativa de riquezas.

A divisão da sociedade em castas é outra questão que merece atenção. De acordo com Johnson (1997, p. 32), “Uma casta é uma categoria rígida, na qual pessoas nascem sem possibilidades de mudança. Em um sistema de estratificação e desigualdade, a distribuição de recompensas e recursos é organizada em torno das castas”. No sistema de castas a vida da pessoa é determinada desde seu nascimento até sua morte, isso significa dizer que essas determinações envolvem desde onde os indivíduos de uma casta devem morar, com quem devem casar e qual profissão devem exercer. A liberdade individual é cerceada em detrimento da condição de nascimento.

A sociedade de castas mais conhecida atualmente é a indiana. Na figura a seguir você pode observar a divisão da sociedade de castas na Índia.

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FIGURA 25 - SOCIEDADE DE CASTAS NA ÍNDIA

FONTE: Disponível em: <http://www.fcnoticias.com.br/india-resumo-historia-cultura-religiao-dinheiro/>. Acesso em: 24 jun. 2015.

É necessário ressaltar que existem milhares de castas na Índia, mas estão divididas nestes quatro grupos que são as castas originais. Os brâmanes atualmente são os responsáveis pela instrução, são eles que realizam os rituais hindus e têm acesso aos textos sagrados. Os xátrias são os que ocupam os cargos políticos e cuidam da defesa militar de seu país. A casta dos vaicias (ou vaishas) é constituída pelos comerciantes e responsáveis pelas atividades agrícolas. Os sudras, por sua vez, são artífices e desempenham atividades de fabricantes.

Abaixo de todas essas castas estão os párias ou dalits, que são os intocáveis, pois segundo a tradição, estes se originaram da poeira em que o deus Brahma pisou. Vivem numa posição extremamente desconfortável, pois são considerados impuros e são destinados a desempenhar as piores atividades, como limpar esgotos, banheiros e recolher o lixo. Os párias não se encaixam em nenhuma casta, nesse sentido, socialmente não possuem nenhum direito, apesar do sistema ser considerado ilegal desde a independência da Índia em 1950. A condição dos párias é de extrema humilhação e exclusão, pois não podem sentar-se à mesa com pessoas de outras classes e não podem usar os mesmos talheres. É classe de pessoas onde se concentra o maior número de analfabetos, pois mesmo que o governo crie programas de incentivo para essas pessoas, elas são discriminadas nas escolas que frequentam e, consequentemente, abandonam os estudos. É uma vida muito difícil, que reflete o poder de uma cultura baseada no misticismo e que ignora o valor da vida humana em detrimento de crenças supersticiosas.

Para compreendermos como funciona a sociedade de castas na Índia, Kingsley Davis apresenta as seguintes tendências:

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a. participação hereditária na casta: a criança, desde o nascimento, pertence ao mesmo nível dos pais;b. participação atribuída por toda a vida: com exceção de casos de degradação (rebaixamento), uma pessoa não pode modificar sua casta; seus esforços pessoais e sua demonstração de capacidade em nada influirão em sua participação em determinada casta, aquela em que nasceu;c. casamento endogâmico: a escolha do cônjuge deve ser feita exclusivamente no seio da casta;d. o contato com outras castas é limitado: através de restrições no que se refere ao convívio, relações pessoais e associação, e ao consumo de alimentos preparados por outros;e. identificação do indivíduo com a casta: pelo nome, comum a todos os membros da mesma casta, pela submissão aos costumes peculiares a ela e pela obediência às leis que a regem;f. a profissão ou a ocupação caracterizam a casta: além disso, ou ao lado desse fator, apresenta uma unidade, baseada também numa origem tribal ou racial comum, adesão a uma seita religiosa ou qualquer outra peculiaridade comum;g. cada casta possui um grau de prestígio próprio, estabelecido em relação às outras castas. (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 247-248, grifos do original).

Johnson (1997, p. 33) ressalta uma questão importante no sistema de castas da Índia:

De acordo com o sistema indiano de castas, codificado na religião hinduísta, pessoas podem passar de uma casta para outra em várias vidas, através do processo de reencarnação. Essa movimentação depende de desempenho bem-sucedido na atual posição de casta, o que significa que o sistema proporciona um forte incentivo para obrigar à aceitação do próprio sistema e de suas desigualdades.

Os critérios utilizados para formar os grupos sociais são de natureza religiosa e hereditária. Nesse sentido, a mobilidade social não depende das condições econômicas dos indivíduos, como acontece geralmente em outras sociedades. A mudança de uma casta para outra acontecerá em outra vida, no entanto, isso dependerá daquilo que o indivíduo faz nessa vida. Infelizmente, tal crença reforça a aceitação da condição miserável e de humilhação que muitas pessoas nessa sociedade vivem, pois a não aceitação de tal situação poderá determinar maior humilhação na futura encarnação.

O sistema de castas indiano reforça ainda mais as desigualdades sociais e legitima a opressão e a humilhação pública por parte dos que pertencem às classes superiores em relação às inferiores.

6 STATUS E PAPEL SOCIAL

O status pode ser entendido como “o lugar ou posição que a pessoa ocupa na estrutura social, de acordo com o julgamento coletivo ou consenso de opinião do grupo. Portanto, o status é a posição em função dos valores sociais correntes na

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sociedade” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 94). O status surge em decorrência da organização social, pois nos primeiros agrupamentos humanos, determinadas funções eram tidas em maior prestígio pela sociedade e a estas era atribuído um grau de importância maior que lhes conferia privilégios, deveres e obrigações que eram sustentados pelas normas coletivas. Nesse sentido, o status tinha um reconhecimento legal, ou seja, tinha uma sustentação jurídica para os privilégios, obrigações ou deveres dos indivíduos que possuíam um determinado status na sociedade da qual faziam parte.

O status pode ser legal ou social. De acordo com Lakatos e Marconi (2006, p. 95),

Status legal é uma posição caracterizada por direitos (reivindicações pessoais apoiadas por normas) e obrigações (deveres prescritos por normas), capacidades e incapacidades, reconhecidos pública e juridicamente, importantes para a posição e as funções na sociedade. Os direitos e obrigações do status legal consistem no comportamento legalmente sancionado.

Um exemplo de status legal é o de policial. Tal status é reconhecido juridicamente e ao ocupar esse status o indivíduo possui obrigações, deveres e privilégios reconhecidos pelo Estado, que endossa suas ações dentro da legalidade. Ao ocupar esse status, o indivíduo terá que se comportar de acordo com os preceitos jurídicos estabelecidos que regem sua conduta. Caso isso não aconteça, o mesmo poderá perder o status de policial em decorrência do descumprimento dos preceitos norteadores de sua conduta.

O status social independe do reconhecimento jurídico, pois “abrange características da posição que não são determinadas por meios legais. É o comportamento socialmente esperado e/ou aprovado, de ocupante do status, assim como o comportamento adequado dos outros em relação a ele” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 95). A principal diferença entre o status social e o legal é que o social é mais amplo, pois mesmo que a lei não obrigue, por exemplo, o marido a amar sua esposa, no entanto espera-se que o mesmo a ame, pois isso é considerado socialmente positivo. O status social está relacionado às expectativas da sociedade em relação aos indivíduos que ocupam determinado status. Existem também status sociais que, apesar de não terem reconhecimento jurídico, para sociedade são de grande importância. Neste caso podemos citar o status de amigo, mesmo não sendo reconhecido juridicamente, pois juridicamente não há regras sobre como deve ser o comportamento dos amigos. A amizade é resultado de identidade e conveniência, ou seja, as pessoas ocupam o status de amigos em relação a nós em decorrência de elementos que nos aproximam, como, por exemplo, gostar de música, jogar futebol, andar de bicicleta etc.

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O status é obtido pelos indivíduos de duas maneiras: atribuído e adquirido. “O status atribuído independe da capacidade do indivíduo, é lhe atribuído mesmo contra sua vontade, em virtude de seu nascimento” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 98). Este é o tipo de status concedido por ocasião do nascimento ou antes de nascer, por exemplo, a cor, o sexo, a etnia etc. são elementos que definem o status de um indivíduo, e em sua maioria esse status é permanente.

O status atribuído também pode ser denominado de status alcançado, pois é uma posição social que se adquire no decorrer da vida, pois “O status adquirido é aquele que o indivíduo conseguiu pelo próprio esforço, de sua escolha, capacidade ou habilidade ao longo de toda a vida” (DIAS, 2010, p. 123). O status de pai ou de mãe é adquirido, pois é uma escolha ter filhos ou não. Bem como o status de chefe de uma empresa também é adquirido. No entanto, entre estes dois status de pai/mãe ou chefe é necessário considerar o fato de que, uma vez que o indivíduo adquire o status de pai ou mãe, ele jamais deixará de ocupar este status, nesse sentido ele se torna permanente. O status de chefe existe enquanto ele for chefe, pois a qualquer momento ele pode perder ou renunciar a este status.

O quadro a seguir sintetiza a diferença entre status atribuído e adquirido:

QUADRO 4 - CARACTERÍSTICAS DE STATUS ATRIBUÍDO E STATUS ADQUIRIDO

Status atribuído Status adquirido

O indivíduo o possui independente de sua vontade.

O indivíduo o adquire ao longo de sua vida, por esforço, escolha, capacidade ou habilidade.

Exemplos: sexo, idade, filho, irmão, etnia, raça, nacionalidade, parentesco etc.

Exemplo: pai, mãe, delegado, professor, médico, goleiro, juiz, advogado, cantor,

escritor etc.

FONTE: DIAS (2010, p. 122)

O papel social está associado diretamente ao status, pois “status é a posição socialmente identificada; papel é o padrão de comportamento esperado e exigido de pessoas que ocupam determinados status” (CHINOY, 1971 apud LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 103). Isso significa dizer que o indivíduo, ao ocupar o status de pai, por exemplo, espera-se que o mesmo tenha atitudes socialmente aceitas que sejam condizentes com o status ocupado, pois “um ‘papel social’ é um conjunto de direitos, obrigações e expectativas culturalmente definidos que acompanham um status na sociedade” (DIAS, 2010, p. 124).

Ao longo da vida, uma pessoa ocupa diferentes status simultaneamente, bem como papéis sociais. O processo de socialização, dentre outros objetivos, consiste em orientar o indivíduo no sentido de que ele venha a desempenhar corretamente seus papéis sociais, ou seja, que ele haja na sociedade de acordo com o status que ocupa.

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TÓPICO 2 | ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

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IMPORTANTE

ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL EM MAX WEBER

Weber utiliza três dimensões da sociedade para identificar as desigualdades nela existentes: a econômica, a social e a política, que estão relacionadas com três componentes analiticamente distintos de estratificação: classe (riqueza e renda), status (prestígio) e poder [...]. A posição de uma pessoa em um sistema de estratificação refletiria um pouco da combinação de sua classe, de seu status e de seu poder. Ao mesmo tempo, essas três dimensões de estratificação poderiam operar um pouco independentemente umas das outras, determinando igualmente a posição de uma pessoa.

De acordo com Weber, há três sistemas, ou três ordens de estratificação em qualquer sociedade: a ordem econômica, a ordem social e a ordem política (ou legal). Cada uma dessas apresenta sua própria hierarquia, muito embora existam relações entre elas. Como exemplo: um indivíduo em uma classe social elevada (ordem econômica) facilita sua permanência em uma camada de grande prestígio (ordem social) ou seu acesso a um cargo político importante (ordem política), podendo ocorrer o mesmo na ordem inversa.

Chama de ‘classe’ “a todo grupo de pessoas que se encontra em igual situação de classe”, e a situação de cada uma é definida por ele como “a oportunidade típica de 1) abastecimento de bens, 2) posição de vida externa, 3) destino pessoal, que resulta, dentro de determinada ordem econômica, da extensão e natureza do poder de disposição (ou falta deste) sobre bens ou qualificação de serviço e da natureza de sua aplicabilidade para a obtenção de rendas ou outras receitas”. (WEBER, 1991, p. 199)

Diferentemente de Marx, que conceituou classe social como determinada pelas relações sociais de produção (como na sociedade capitalista, em que os proprietários dos meios de produção formam a classe social dominante – burguesia – e aqueles que não detêm o controle dos meios de produção, possuindo somente sua força de trabalho, constituem a classe social dominada proletariado), Max Weber afirmava que as classes sociais se estratificam segundo o interesse econômico, em função de suas relações de produção e aquisição de bens. A diferenciação econômica, segundo Weber, é representada, portanto, pelos rendimentos, bens e serviços que o indivíduo possui ou dispõe. As classes sociais estão diretamente relacionadas com o mercado e com as possibilidades de acesso que os grupos na sociedade possuem a este.

O tipo de estratificação que corresponde ao status e baseia-se no prestígio é a contribuição mais importante de Max Weber no estudo da hierarquia social. Baseia-se na ‘honra social’. O prestígio e a honra não podem ser avaliados objetivamente, como o podem a posse de bens e a riqueza econômica: são objeto de opiniões pessoais e fundamentam-se no consenso estabelecido em uma determinada sociedade. Uma pessoa terá apenas o prestígio que a sociedade lhe quiser reconhecer. Desse modo, a hierarquia com base no status firma-se em critérios aceitos de prestígio social em uma determinada coletividade.

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Os grupos de status podem ser facilmente reconhecidos segundo seu modo de vida, costumes, instrução, prestígio do nascimento ou da profissão. As pessoas que pertencem à mesma camada de status têm a tendência de frequentar os mesmos lugares e conviver com certa frequência, estão quase sempre nos mesmos clubes, nos mesmos bairros, nas mesmas áreas de lazer e de compras, e seus filhos estudam em escolas semelhantes. Os clubes sociais existentes em qualquer cidade expressam com clareza essa tendência: se, ao perguntarmos a vários membros de uma comunidade a hierarquia de status dos clubes sociais (excluindo-se os exclusivamente esportivos), veremos que todos apresentam uma hierarquia igual, ou muito semelhante, estabelecendo-se certo consenso. Além disso, o prestígio social está ligado a comportamentos definidos, como: a maneira de falar, de gastar, de ler, de comprar, de se comportar em sociedade.

Além das classes sociais e dos grupos de status, Max Weber distinguia um terceiro tipo de estratificação social, com base no poder político. Do ponto de vista político, a diferenciação se dá pela distribuição do poder entre os grupos e partidos políticos e também no interior destes. ‘Partido político’, do ponto de vista de Weber, é uma associação cuja adesão é voluntária e que visa assegurar o poder a um grupo de dirigentes, a fim de obter vantagens materiais para seus membros. O poder político, de modo geral, está institucionalizado.

Os partidos políticos podem representar interesses determinados pelas outras ordens de estratificação, a econômica e a social, mas não coincidem totalmente com as classes sociais ou grupos de status. Esta terceira forma de estratificação, a política, com base nos partidos políticos, não é muito clara e, por isso, pouco empregada; ocorre uma hierarquia entre os partidos políticos, sendo bastante evidente a posição que ocupa aquele que detém mais poder institucionalizado (o controle do Executivo federal) e aqueles que somente ocupam o poder nas pequenas cidades. No interior dos partidos políticos encontramos uma outra hierarquia de poder, que começa no topo, com o líder do partido, e vai até o militante de base.

FONTE: DIAS (2010, p. 191-192)

LEITURA COMPLEMENTAR

DALITS AINDA DISCRIMINADOS NA ÍNDIA

Nova Délhi - O ato de limpeza e purificação de um templo hindu em homenagem ao deus Shiva virou caso de polícia há duas semanas. Motivo: recebeu a visita de uma fiel dalit (antigamente chamados de “intocáveis”).

Pramila Mallick, integrante do primeiro escalão do governo da região de Orissa, não imaginava que sua prece e suas oferendas ao deus hindu Shiva fossem causar tanta polêmica e virar um escândalo. Assim que ela deixou o local, os sacerdotes brâmanes, da mais alta casta, fecharam as portas do templo, jogaram fora todas as oferendas dadas pela dalit, mudaram as vestes dos ídolos que ela tocou e lavaram o chão que ela pisou.

A discriminação por castas é proibida desde 1955, mas, na prática, continua. Rajni Tilak, ativista dalit, explica que as leis mudaram, mas a mentalidade dos indianos não acompanhou essa mudança. Segundo a ativista, há um esforço político para acabar com a discriminação, e financeiramente os dalits começam a avançar, mas o preconceito é muito arraigado e é mais difícil de ser eliminado na esfera social.

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TÓPICO 2 | ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

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Quase um em cinco indianos pertence ao grupo dos “intocáveis”. Eles somam cerca de 170 milhões de pessoas, ou 16% da população indiana, bem mais do que os chamados indianos de castas altas (que não passam de 8%). A maioria da população é formada por indianos de castas intermediárias. “Há muitos casos de dalits agredidos em vilarejos do interior porque estão vestindo roupas novas e modernas”.

Histórias de amor (como a que a novela Caminho das Índias mostra) frequentemente acabam em tragédia.

Um exemplo que ficou conhecido em todo o país foi a história de Surjit Singh, um garoto dalit de 16 anos, trucidado em meados do ano passado no vilarejo de Una, no Estado de Himachal Pradesh. Ele foi espancado por um professor porque escreveu um poema de amor para uma menina de casta alta. Muito machucado, no dia seguinte ele foi espancado de novo pela família da menina e acabou morrendo.

Os ativistas, em defesa dos dalits, alertam que os casos de violência que têm se tornado mais comuns ultimamente são a reação das castas altas à ascensão dos “intocáveis”. Os exemplos nos seus arquivos de casos de agressões são inúmeros.

A festa de casamento do casal dalit Rekha e Harkesh, no ano passado, acabou nas páginas dos jornais pelo motivo errado. O cortejo da festa desfilava pelas ruas do distrito de Ballabhgarh, no Estado de Haryana, com vários carros e até uma carruagem puxada por um cavalo. Bem ao estilo tradicional dos casamentos indianos. Mas por ser um casamento de dalits, e o noivo ter ousado seguir o cortejo levado por um cavalo, que simboliza poder e riqueza, a festa acabou em pancadaria: um grupo de indianos de castas altas os atacou com pedaços de pau.

Na noite de 16 de junho de 2008, Sahebrao Jondhale voltava para casa com sua caminhonete Tata Sumo quando foi obrigado a parar por um grupo de homens que jogaram querosene e atearam fogo no veículo. Jondhale – que vivia no vilarejo de Karanjala, no Estado de Maharashtra – tinha comprado a caminhonete com o dinheiro que havia economizado em 15 anos de trabalho na maior metrópole da Índia, Mumbai. Segundo seus familiares, o crime foi encomendado por pessoas de castas altas do vilarejo, que se sentiam ofendidas ao verem um dalit ganhando mais dinheiro do que eles.

Ganpatrao Bhise, da ONG Samajik Nyaya Andolan, de defesa dos dalits, diz que esse tipo de crime é cada vez mais comum e a polícia frequentemente alega que se trata de “disputa de bens”.

FONTE: Disponível: <http://www.gazetadopovo.com.br/mundo/dalitsainda-discriminados-na-india-begsx0r49woph4ekumszwqwjy>. Acesso em: 25 jun. 2015.

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RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico você viu que:

• O sistema social é caracterizado pela pluralidade de indivíduos que estabelecem relações sociais com base em normas comuns de relacionamento e convívio.

• O funcionalismo ou análise funcional é uma tentativa de compreender as funções das instituições sociais e quais são as consequências dessas instituições na organização social.

• Os sistemas sociais devem lidar com e resolver quatro problemas básicos:

adaptação, conquista de objetivos, integração e latência.

• Existem três modelos de estudos dos sistemas sociais: modelo mecânico, modelo orgânico e modelo de processo.

• O grupo primário é de fundamental importância para o indivíduo, pois é nele que a pessoa estabelece contatos mais próximos e diretos, as relações sociais neste grupo são por natureza mais íntimas, fortes e de caráter solidário.

• O grupo secundário possui como característica a relação interpessoal, onde existe troca de interesses entre os indivíduos.

• A família, como instituição social, é importante para a organização da sociedade.

• Independente da estrutura familiar ou a natureza da mesma, é a família o fundamento da sociedade.

• Dentre as formações de família destacamos três: família elementar ou nuclear, família extensa e família composta.

• A estratificação social pode ser classificada em três tipos fundamentais: estratificação econômica, estratificação política e estratificação profissional.

• Há pelo menos duas maneiras básicas de estratificar a sociedade: os estamentos e as castas.

• O status é o lugar ou posição que a pessoa ocupa da estrutura social

• Um papel social é um conjunto de direitos, obrigações e expectativas culturalmente definidos que acompanham um status na sociedade.

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AUTOATIVIDADE

1 Os sistemas sociais têm como finalidade lidar e resolver quatro problemas básicos em nossa sociedade. Quais são estes problemas e o que significa cada um em particular?

2 O conceito de sistema social é bastante amplo, e para explicar a complexidade deste conceito foram desenvolvidos diferentes modelos. Nesse sentido, associe os itens utilizando o código a seguir:

I- Modelo mecânico.II- Modelo orgânico.III- Modelo de processo.

( ) Neste modelo a interdependência é característica principal daqueles que fazem parte da sociedade.

( ) De acordo com este modelo, as mesmas leis que governam a natureza são as que regem os sistemas sociais.

( ) Neste modelo não há uma estrutura fixa, pois a sociedade está em constante desenvolvimento e construção.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) I – II – III.b) ( ) II – I – III.c) ( ) III – I – II.d) ( ) I – III – II.

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TÓPICO 3

AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

A origem das instituições está na própria sociedade, pois consiste numa maneira de a sociedade se organizar. A estrutura denominada de instituição social tem por função controlar o funcionamento da sociedade lidando diretamente com os problemas comuns à vida coletiva.

Para Johnson (1997, p. 130), “uma instituição é um conjunto duradouro de ideias sobre como atingir metas reconhecidamente importantes na sociedade”. Nesse sentido, toda e qualquer sociedade possui algum tipo de instituição, pois a família, a economia e a religião são instituições presentes de uma forma ou de outra em todos os tipos de sociedade.

Compreender a origem e o processo de desenvolvimento das instituições é fundamental para compreendermos nossa própria vida e como podemos construir nossa história a partir do contexto social do qual fazemos parte. Portanto, nesse tópico analisaremos algumas destas instituições sociais presentes em nossa sociedade e que de alguma maneira influenciam a vida de cada indivíduo, seja esta influência positiva ou negativa.

2 INSTITUIÇÕES ECONÔMICAS

As relações comerciais e financeiras não são coisas recentes, pois desde muito cedo na história o ser humano começou a atribuir valor ao que produzia. À medida que o tempo foi passando, as relações comerciais foram se tornando cada vez mais complexas e houve o surgimento das instituições econômicas, ou seja, estruturas sociais organizadas que se especializaram no cuidado com a produção de mercadorias e a distribuição daquilo que era produzido. As instituições econômicas surgiram para atender tanto as necessidades naturais do ser humano, bem como as necessidades criadas pelo mesmo.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

As próprias necessidades, todavia, não são simples exigências biológicas. Os homens passaram a desejar tipos particulares de alimentos e materiais específicos para fazer roupas e construir abrigo; aprenderam a ambicionar muitas outras coisas além das que exige a sua subsistência: ornamentos, implementos e equipamentos variados. Os desejos dos homens, assim como suas necessidades, provocam-lhes os esforços; e os desejos se expandem rapidamente, passando dos simples requisitos de sobrevivência a uma quantidade de outros artigos. Refletindo os valores da cultura, estes últimos podem ir desde as exigências relativamente limitadas do selvagem caçador de cabeças ou do camponês primitivo, preocupados com pouca coisa além do essencial, até os anseios aparentemente infinitos de um norte-americano moderno, continuamente estimulado por um maciço aparelho de persuasão a comprar, a possuir, a fruir, a gastar. (CHINOY, 1967, p. 411).

Observe que há diferença entre necessidades naturais e as necessidades criadas. Nesse sentido, a criação de novas necessidades desencadeou uma produção cada vez mais diversificada para o consumo. Para dar conta de atender a essas necessidades, os seres humanos tiveram que se organizar, ou seja, criar uma série de mecanismos, regras, leis etc. para dar conta das demandas de produção, distribuição e consumo cada vez mais complexos e que exigiam cada vez mais daqueles envolvidos neste processo.

Se as instituições econômicas surgiram em decorrência das necessidades humanas, a primeira questão que precisamos responder é: o que são as instituições econômicas em si? De acordo com Dias (2010, p. 300):

A instituição econômica, do ponto de vista da sociologia, é estudada como uma instituição social, destacando-se a estrutura dos papéis e o status que a formam. Assim, consideramos a instituição econômica como um sistema social e cultural diretamente relacionado com a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços.

Como falamos anteriormente, as instituições visam organizar as relações sociais e lidar com os problemas inerentes à vida em coletividade. As instituições econômicas visam regular as relações existentes no campo econômico. Um exemplo disso diz respeito ao trabalho. Para o desenvolvimento das atividades produtivas, sejam elas de bens de consumo ou de serviço, é necessário que se estabeleçam regras para o seu funcionamento. A primeira questão com que temos que lidar diz respeito à divisão do trabalho. Essa divisão pode acontecer levando em consideração vários elementos presentes nas sociedades. O trabalho pode ser dividido por sexo, idade, classe social ou habilidades especiais. Esta divisão visa atender satisfatoriamente às necessidades de produção.

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TÓPICO 3 | AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS

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Qual a função das instituições econômicas? Dias (2010, p. 300) nos responde dizendo que “uma das principais funções da instituição econômica é prover os meios necessários de sobrevivência para os membros de uma determinada sociedade. Sua estrutura está baseada nas funções de produção, distribuição e consumo de bens e serviços”. No processo produtivo, dois elementos são importantes: os recursos naturais disponíveis e o capital (finanças e meios de produção). Esses dois elementos associados ao trabalho, neste caso, a mão de obra, resultarão nos bens de consumo.

Os bens, após serem produzidos, entram na fase de distribuição, que “objetiva tornar acessíveis os bens e serviços aos consumidores. [...] é efetivada por um sistema de trocas em que há equivalência de valor sobre aquilo que está sendo comercializado” (DIAS, 2010, p. 300). Tal prática era muito comum em comunidades mais primitivas e ainda é em algumas comunidades isoladas e até mesmo em alguns segmentos do comércio atual. No entanto, a maneira mais comum é a utilização da moeda, pois “nas economias mais desenvolvidas, o padrão básico de valor é determinado pelo dinheiro, que, por si só, não tem valor, mas que foi convencionado como tal” (DIAS, 2010, p. 300).

O consumo consiste em um fator essencial das instituições econômicas, pois que finalidade ou propósito teriam as indústrias em produzir e distribuir se não houvesse consumo? “Afinal, tudo é produzido e distribuído objetivando o consumo. O atendimento da demanda na produção de bens e serviços é essencial. Se não há demanda pode haver um acúmulo de bens, o que gerará problemas de excesso de produção” (DIAS, 2010, p. 300). Diante disso, nos deparamos com a delicada questão acerca do consumo daquilo que é essencial e daquilo que é supérfluo. Algo que precisa ser ressaltado é o fato de que a demanda de consumo é, muitas vezes, criada pelas empresas de publicidade e propaganda, pois sempre devemos nos perguntar se tudo o que consumimos realmente necessitamos para nossa sobrevivência.

Observe que em tese a função das instituições econômicas é prover os meios necessários para a sobrevivência, mas sabemos que na atual conjuntura as instituições econômicas estão desenvolvendo atividades que vão muito além dessas necessidades. Isso deve ser analisado e considerado, dentre outras coisas, em seus aspectos negativos. O aspecto negativo é que há uma sobrecarga da extração de elementos da natureza para atender a uma demanda cada vez maior de consumo de produtos supérfluos. Esses recursos naturais estão se tornando cada vez mais escassos, gerando um impacto ambiental muito negativo e comprometendo o bem-estar das futuras gerações.

Observe a figura a seguir e discuta com seus colegas sobre: Qual a influência das instituições econômicas sobre a vida particular de cada indivíduo? O que consumimos realmente precisamos ou compramos apenas por que está na promoção?

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

FIGURA 26 - CONSUMISMO

FONTE: Disponível em: <http://administracaoesucesso.com/2014/09/27/a-insustentabilidade-do-consumismo/>. Acesso em: 29 jun. 2015.

A sociedade contemporânea precisa repensar seus padrões de consumo, pois estamos de alguma maneira colaborando para o esgotamento dos recursos naturais de nosso planeta. Essas questões precisam ser debatidas pelo poder público, nas escolas, nas famílias, nas igrejas etc., pois isso diz respeito a todos nós. Sem um consumo consciente, as pessoas passam de consumidores para consumistas. O consumidor consome o necessário, enquanto o consumista compra muito além da satisfação de suas necessidades de sobrevivência.

Consumismo é doença?Quando o ato de comprar está vinculado diretamente à ansiedade e à satisfação, podemos dizer que se trata de uma compulsão. Em alguns casos, isso pode representar grandes perdas em termos de relacionamento interpessoal e qualidade de vida. Para que seja considerado doentio, o consumismo precisa representar uma parcela significativa da vida e dos pensamentos da pessoa, de forma que sua saúde emocional, psicológica ou mesmo social e financeira esteja abalada. Nesses casos, a cisão entre necessidade e motivação da compra é completa, ou seja, a pessoa definitivamente não precisa e, muitas vezes, nem se dá conta do que está comprando.FONTE: Disponível em: http://www.brasilescola.com/psicologia/consumismo.htm. Acesso em: 12 jul. 2015.

ATENCAO

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TÓPICO 3 | AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS

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Atualmente existem duas estruturas socioeconômicas principais: o socialismo e o capitalismo. São denominadas estruturas socioeconômicas devido ao impacto que esses modelos têm sobre a ordem econômica e social da vida em sociedade.

O modelo econômico capitalista “é organizado em torno do conceito de capital e da propriedade e controle dos meios de produção por indivíduos que empregam trabalhadores para produzir bens e serviços em troca de salário” (JOHNSON, 1997, p. 29-30). Nesse sistema temos os trabalhadores que vendem sua força de trabalho aos donos dos meios de produção por um determinado salário. A partir do trabalho alheio, os donos do capital obtêm grandes lucros que vão se concentrando cada vez mais nas mãos de poucas pessoas, neste caso os donos do capital e dos meios de produção. Infelizmente, ao mesmo tempo em que o capitalismo se configura como um sistema socioeconômico em que as pessoas são livres para vender sua força de trabalho a quem quiserem, também tem sido responsável pelo aumento significativo das desigualdades sociais no mundo inteiro.

O socialismo pode ser definido como “Sistema em que os meios de produção são de propriedade coletiva, isto é, pertencentes e geridos pelo Estado. Este é que representa a coletividade e, assim, o capital das empresas não é de propriedade privada” (LAKATOS, MARCONI, 2006, p. 213). Não é a abolição completa da propriedade privada, pois cada indivíduo pode ter posses, como casa ou carros, o que muda são os meios de produção, ou seja, esses deixam de ser propriedade privada e passam a ser controlados pelo Estado. O objetivo deste modelo é que todos os indivíduos desfrutem do resultado de seu trabalho igualitariamente. Isso significa que em tese não haveria mais classes sociais, as diferenças entre as pessoas deixam de existir.

Gostaria de frisar que não é nossa intenção discutir aqui as possibilidades ou fragilidades de cada modelo econômico, pois se você buscar na internet ou na literatura disponível sobre o assunto, será possível encontrar os mais diferentes posicionamentos sobre o tema.

Voltemos a falar um pouco mais sobre trabalho e condição dos trabalhadores na atualidade. O trabalho faz parte da vida humana, pois ele é fundamental para a sobrevivência e os seres humanos tentam, de alguma maneira, desenvolver alguma atividade ao longo da vida que pode ser definida como trabalho. No entanto, o trabalho nem sempre é visto como algo positivo e prazeroso, pois em muitos casos as pessoas não gostam do que fazem, mas sentem-se obrigadas a fazer para garantir sua sobrevivência. A questão de como o trabalho é visto difere de uma sociedade para outra no decorrer da história. A origem da palavra trabalho nos remete às maneiras como o trabalho é visto pelas pessoas, pois “na antiga Roma, os cidadãos viviam em uma condição de não trabalho. Os únicos indivíduos que eram submetidos ao tripalium, instrumento romano de tortura com três pontas, eram os presos e os escravos. Do latim tripalium originou-se a palavra ‘trabalho’”. (DIAS, 2010, p. 303). Observe que trabalho em seu sentido original nos remete à ideia de sofrimento, aquilo que nos causa dor e desprazer.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

O trabalho pode ser analisado a partir de suas condições. A primeira se trata da condição objetiva, que consiste no “modo como ele se organiza e como está dividida a sua realização, qual é sua complexidade, como é supervisionado, como sua rotina se apresenta, a quais pressões está submetido, e quais suas recompensas e castigos” (DIAS, 2010, p. 303). O trabalho não está organizado ou estruturado em torno do trabalhador (condição subjetiva), mas está estruturado em torno dos interesses das indústrias. Nesse sentido, essa estrutura está voltada para a produtividade e a lucratividade das corporações que empregam pessoas. Para que isso seja possível são impostas ao trabalhador metas a serem alcançadas nas quais já estão implícitas de certa maneira as recompensas e os castigos. Um exemplo disso são os Programas de Participação nos Lucros, que vêm acompanhados de uma série de metas e critérios para que o trabalhador receba certa recompensa por seu esforço; ou, caso as metas não sejam atendidas, o trabalhador é punido com a perda na participação nos lucros da indústria.

Existe ainda a condição subjetiva do trabalho, que consiste na “satisfação pessoal em sua realização, se o efetuamos prazerosamente ou não, e o compromisso que temos com sua realização” (DIAS, 2010, p. 303). O trabalhador, ao desenvolver suas atividades, não está destituído de suas emoções, sentimentos e desejos. Nesse sentido, é necessário que o indivíduo encontre motivos para desenvolver suas atividades que vão além do fato de receber um salário. Por falta de prazer e satisfação naquilo que as pessoas desenvolvem, um número cada vez maior tem se afastado do trabalho em decorrência de problemas emocionais.

IMPORTANTE

Estresse e depressão. Conhecidas como o mal do século, essas são a terceira causa de afastamento no trabalho no Grande ABC, só perdem para as causas físicas e lesões por esforços repetitivos, como LER e DORT. Entre 2011 e 2012 foram concedidos 4.235 afastamentos por depressão e estresse na região, revela levantamento do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) a pedido do Diário. A pesquisa mostra que 3.992 auxílios-doença ocorreram por depressão. No mesmo período foram liberados 564 benefícios por estresse.FONTE: Disponível em: <http://www.dgabc.com.br/Noticia/98023/regiao-registra-4-235-trabalhadores-afastados-por-depressao-e-estresse>. Acesso em: 2 jul. 2015.

Ao estudar as relações de trabalho e emprego é possível verificar a complexidade do assunto.

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TÓPICO 3 | AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS

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Para se desenvolver, aumentar as suas capacidades produtivas, os seus recursos de competências, as suas forças de reação à concorrência econômica e técnica de mercado, a empresa teve sempre de contar com a vitalidade do conjunto humano dos seus trabalhadores. Mas um agregado de indivíduos é sempre mais complexo do que a simples adição dos seus recursos. Com o tempo, surgem estruturas de grupo, nascem relações entre essas forças e as regulações coletivas tornam-se indispensáveis à gestão desses conjuntos humanos de produção. Uma estrutura social articula assim os fatores de produção e condiciona os esforços de desenvolvimento que a empresa deve fazer para sobreviver num ambiente movediço. (SAINSAULIEU, 2001, p. 15).

Observe que no caso das indústrias, os funcionários não são apenas um agrupamento humano, são muito mais que isso, são uma coletividade que precisa conviver com certa harmonia para atingir os objetivos da empresa. Um funcionário possui múltiplas relações dentro de uma empresa: relação com outros funcionários, relação com seus chefes, relação com o produto, com o ambiente etc.

Para que um grupo de operários ou funcionários desenvolva seu trabalho dentro de uma organização, as ações precisam ser planejadas. Neste caso são muito comuns nas organizações aqueles que planejam e os que executam. A relação entre planejamento e execução precisa estar alinhada para que os objetivos estabelecidos sejam alcançados.

Quanto às relações entre funcionários e organização, é comum a presença dos sindicatos, que cuidam para que os direitos dos trabalhadores sejam garantidos. O sindicalismo é um movimento importante para que os trabalhadores tenham para onde correr quando entendem que seus direitos estão sendo vilipendiados.

3 AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS

A grande questão que sempre desencadeou conflitos, rebeliões, guerras e muitas mortes ao longo da história diz respeito à divisão do poder. Com o decorrer do tempo, as comunidades foram se organizando e definindo as instituições que exerceriam o poder legítimo sobre a vida coletiva e individual. Nasceram as instituições políticas, que “se ocupam da distribuição do poder na sociedade” (BOTTOMORE, 1981, p. 150). Nesse sentido, precisamos primeiro responder: De onde vem o poder na sociedade? É imprescindível que façamos uma distinção entre sociedade civil e sociedade política. Na sociedade civil nós temos duas instituições políticas diferentes, o povo e a nação. Por outro lado, na sociedade política temos duas outras instituições políticas, Estado e Governo.

Portanto, os órgãos considerados como legítimos no exercício da autoridade são: o Estado e o Governo. O Estado é quem “exerce autoridade sobre seu povo, por meio de um governo supremo, dentro de um território delimitado, com direito exclusivo para a regulamentação da força” (LAKATOS, MARCONI, 2006, p. 188). O Estado é uma instituição permanente que, de acordo com Weil (1990, p. 185), “é a organização racional e razoável (moral) da comunidade; não se lhe pode atribuir

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

outro objetivo senão a subsistência como organização consciente da comunidade histórica da qual ele é organização, comunidade que é o que é exatamente nesta forma de organização”. Compete ao Estado manter a sociedade organizada, garantir a soberania e promover o bem-estar social, pois sua autoridade é reconhecida pela comunidade. A subsistência da comunidade é garantida pela presença do Estado em forma de leis e no uso da força, quando necessário, para manter a ordem e o cumprimento da lei que rege a vida social coletiva.

O governo é uma instituição política transitória que é responsável por administrar o Estado nas diversas questões que são de sua competência, como é o caso da saúde, segurança pública, educação etc. O governo gerencia temporariamente essas áreas tomando decisões com base na ideologia que orienta os responsáveis por dirigir os rumos da sociedade civil. As formas de governo são diversas, pois um governo pode ser democrático, ditatorial, monárquico ou oligárquico. Cada uma dessas formas de governo possui suas peculiaridades e são passíveis de conflitos de interesses. A democracia é a forma de governo que melhor atende à distribuição equitativa do poder, pois “é um sistema político em que o povo exerce a soberania por meio de seus representantes eleitos, com a existência de um Parlamento e de um Judiciário independentes” (DIAS, 2010, p. 284).

Observe a figura a seguir e discuta com seus colegas sobre: qual a importância do povo para a sustentação do governo? Quem são os responsáveis indiretos pelos problemas de corrupção enfrentados em nosso país?

FIGURA 27 - O PODER DO POVO

FONTE: Disponível em: <http://www.radiopiratininga.com.br/acordasaojose/esse-tal-de-governo/>. Acesso em: 2 jul. 2015.

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O povo é constituído pelos “agrupamentos humanos com cultura semelhante: língua, religião, tradições etc., implicando certa homogeneidade e desenvolvimento de fortes laços de solidariedade entre si. Assim, podemos falar em povo judeu, cigano, armênio, curdo, xavante ou brasileiro” (DIAS, 2010, p. 290). Isso significa dizer que em um mesmo país podem existir diferentes povos, pois o que une um povo são os laços culturais, por este motivo as pessoas de um mesmo povo estando distantes territorialmente, todavia, permanecem próximas culturalmente, como é o caso dos ciganos.

O termo nação “é denominação de um povo ao se fixar em uma determinada área geográfica e adquirir certo grau de organização, mantendo-se unido por uma história e cultura comuns pela consciência de que constituem uma unidade cultural” (DIAS, 2010, p. 291). Uma nação pode ser formada por vários povos, pois o que define uma nação são o espaço territorial ocupado e as leis comuns que regem a vida de todos os indivíduos que ocupam este mesmo espaço.

DICAS

Se você deseja se aprofundar mais nos temas da sociologia, sugerimos a leitura do livro “Introdução à sociologia”, do professor Reinaldo Dias. Este livro é um excelente manual para compreendermos a sociedade atual em seus mais diversos aspectos.

4 EDUCAÇÃO

Vivemos em um tempo em que muito se fala em educação. Essa é uma preocupação que deve ser prioridade na agenda pública. Mas sabemos que em nosso país, quando se trata de educação, os governos estão deixando muito a desejar. Talvez você possa estar se perguntando: por que a educação é tão importante? Por que devem ser investidos mais recursos em educação?

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

O sistema educacional é um dos mais importantes instrumentos de socialização nas sociedades modernas. Por meio desse sistema é possível formar o caráter de um povo e inculcar valores que podem ser assumidos pelos indivíduos como característicos da cultura, incorporando-os ao estereótipo que eles têm de si mesmos. (DIAS, 2010, p. 274).

Observe que o sistema tem uma função socializadora fundamental na formação do caráter coletivo de um povo. Os valores culturais são inculcados na mente e no dia a dia dos indivíduos por meio de um trabalho sério e dedicado por parte daqueles que estão envolvidos no processo educacional. Através da educação formal, as novas gerações vão sendo instruídas em relação à vida em sociedade e as habilidades necessárias para desempenhar seus papéis sociais.

Se a educação cumpre a função de instrumento de socialização, ela também se constitui em uma necessidade humana para a sobrevivência, pois de acordo com Lakatos e Marconi (2006, p. 221), “todo grupo, para sua sobrevivência, necessita que as novas gerações tomem ciência do acervo de conhecimentos, normas, valores, ideias, ideologias, procedimentos, folkways e mores, tradições, enfim, sua herança cultural”. Caso as novas gerações não sejam adequadamente instruídas acerca dos conhecimentos científicos e os valores sociais construídos ao longo da história, a sobrevivência da sociedade está em risco.

Os conhecimentos, as normas, valores etc., que fazem parte da educação de um povo podem ser passados às futuras gerações de duas maneiras: “deixar a cargo de grupos, tais como família e parentesco, amigos, vizinhança, comunidade, a necessária transmissão para a criança desse acervo, ou formar organizações específicas voltadas a essa tarefa” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 221). A primeira maneira de transmissão é denominada de informal, o conhecimento não é sistematizado, pois é resultante da vivência diária com as pessoas do grupo. A segunda maneira de transmissão é denominada de formal, obedece a um currículo preestabelecido e é encontrada geralmente nas instituições especializadas para isso. A educação formal pode acontecer tanto por instituições da iniciativa privada quanto da iniciativa pública, até porque o direito à educação é uma cláusula pétrea da Constituição Brasileira, pois é dever do Estado garantir educação de qualidade a todos os brasileiros.

A educação é uma instituição social que vem ganhando cada vez mais importância à medida que as relações sociais vão se tornando cada vez mais complexas, pois ela surge da necessidade do homem se aperfeiçoar no sentido de acompanhar as mudanças que ocorrem em todos os segmentos da sociedade. No início das civilizações não havia a necessidade de o ser humano se aplicar aos estudos, pois bastava desenvolver algum ofício para ocupar seu lugar na economia da sociedade. Geralmente, os ofícios eram passados de pai para filho sem a preocupação de desenvolver outra habilidade para competir no mercado de trabalho. Não precisamos ir muito longe na história para constatarmos isso, pois há alguns anos os filhos de agricultores aprendiam o ofício com o pai e permaneciam no campo por várias gerações. No entanto, com a crescente urbanização, o mercado de trabalho vem se tornando cada vez mais competitivo, exigindo dos indivíduos aperfeiçoamento constante para poder disputar as melhores e mais bem remuneradas vagas no mercado.

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TÓPICO 3 | AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS

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Seguindo essa linha de pensamento, atribuímos outra função à educação: preparar os indivíduos para desempenhar seu papel profissional.

De um modo geral, as diferentes ocupações e profissões são aprendidas no sistema educacional. O melhor desempenho das ocupações e profissões se dá quando o indivíduo aprende como exercer o papel que lhe é atribuído pelo sistema, o que é mais bem feito pelas instituições educacionais formais. (DIAS, 2010, p. 275-276).

O ensino formal visa preparar os indivíduos para uma atuação qualificada no exercício de seu papel profissional. A sociedade espera que os profissionais sejam bem formados e preparados para atender às demandas da sociedade. O tempo de permanência em uma instituição educacional vai depender da complexidade de cada profissão, pois em decorrência da complexidade de uma profissão, como a de médico, que lida diretamente com a vida das pessoas, o tempo de preparo para qualificar um profissional nesta área consequentemente é maior.

DICAS

FILME: ESCRITORES DA LIBERDADE

Uma jovem professora, ao chegar em uma escola de um bairro pobre, se depara com situações inesperadas, pois a escola está corrompida pela agressividade e violência. Os alunos se mostram rebeldes e sem vontade de aprender, e há entre eles uma constante tensão racial. Para contornar essa situação, a professora Gruwell (Hilary Swank) lança mão de métodos diferentes de ensino. Gradativamente os alunos vão retomando a confiança em si mesmos, aceitando mais o conhecimento e reconhecendo valores como a tolerância e o respeito ao próximo. Este filme retrata o impacto positivo da educação para a formação social e moral dos indivíduos. Vale a pena assistir!

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

IMPORTANTE

A EDUCAÇÃO NO BRASIL

A história da educação no Brasil pode contribuir de algum modo para explicar alguns aspectos da estrutura educacional brasileira atual. O ensino, de um modo geral, teve ao longo de sua história um caráter bastante elitista. A administração colonial portuguesa tratava a educação primária com muito descaso. De início, ela estava nas mãos dos jesuítas. Após a expulsão desses de todas as coroas de domínio de Portugal, em 1759, o governo se encarregou da educação de maneira bastante secundária. Não há dados sobre a alfabetização no período colonial. Porém, se verificarmos que, em 1872, meio século após a Independência, apenas 16% da população era alfabetizada, podemos ter uma ideia da situação naquela época (CARVALHO, 2002).

No período do Brasil Colônia somente os membros mais abastados das elites enviavam seus filhos para estudar em universidades. Em contraste com a Espanha, Portugal nunca permitiu a criação de universidades em sua colônia. No final do período colonial, havia pelo menos 23 universidades na América Espanhola, três delas no México. Em torno de 150 mil pessoas se formaram nessas universidades. Somente a Universidade do México formou 39.367 estudantes. No Brasil, escolas superiores só foram admitidas após a chegada da corte, em 1808 (CARVALHO, 2002).

Os reflexos dessa herança colonial são sentidos até hoje na pouca valorização da educação como instrumento de ascensão social. A educação é substituída por outros mecanismos herdados das administrações patrimoniais da colônia e do Império, que se centram no tráfico de influência como forma de adquirir prestígio e, consequentemente, galgar posições da hierarquia de status. Daí a grande importância dos cargos públicos, que são procurados não só pela estabilidade no cargo, mas também pelas possibilidades que oferecem dado o ingresso do indivíduo na estrutura de poder.

FONTE: DIAS (2010, p. 280-281)

LEITURA COMPLEMENTAR

PARTICIPAÇÃO POPULAR

Alexandre Amaral Gavronski

A participação popular é a soberania do povo em ação, sua expressão concreta é o efetivo exercício do poder político pelo seu titular. Como tal, é inerente e indispensável à democracia contemporânea.

Em uma breve retrospectiva histórica destinada a melhor compreender sua função na organização política atual, bem como sua inserção no modelo contemporâneo de Estado, cumpre referir que foi após a Segunda Guerra Mundial que a participação popular ganhou crescente relevo. Os abusos cometidos pelos regimes totalitários e os horrores da guerra empreendida para barrar a ameaça

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TÓPICO 3 | AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS

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contra a humanidade que eles representavam fizeram com que os Estados-membros da recém-criada Organização das Nações Unidas percebessem a absoluta incompatibilidade daqueles regimes com a proteção e efetivação dos direitos humanos fundamentais e puseram em destaque as inúmeras vantagens da democracia para alcançar tal desiderato. Como resultado dessa percepção, no ano de 1948, esses Estados, ao proclamarem em Assembleia Geral a Declaração Universal dos Direitos do Homem, consignaram que “Todo o homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos” (art. 21, item I). Nesse contexto, a participação popular é a “tomada de parte” do(s) cidadão(s) no governo de seu país e funda-se na percepção de que por meio dela melhor se protegem e efetivam os direitos fundamentais; de que ela é o instrumento mais adequado para se assegurar proteção e a efetivação desses direitos.

Foram necessários 40 anos para que o Brasil assimilasse completamente o alcance de tal disposição. Apenas em 1988, não por acaso, também depois de um regime de força, fez-se constar, pela primeira vez em um texto constitucional brasileiro, que a República Federativa do Brasil se constitui em um Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput) e que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (parágrafo único do art. 1º).

A participação popular é da essência do conceito de Estado Democrático de Direito, assumindo-se como principal elemento distintivo deste último em relação aos modelos que o precederam: o Estado (Liberal) de Direito, mais preocupado com a limitação e repartição do poder político e com a vinculação do próprio Estado à lei do que com a titularidade desse poder ou legitimidade popular de seu exercício; e, mais recentemente, o Estado Social de Direito, voltado à construção da igualdade material por meio da efetividade de direitos sociais, mas indiferente aos meios pelos quais se alcançaria esse fim. A participação popular acresceu ao modelo liberal de Estado de Direito a preocupação com legitimidade do exercício do poder, impondo a superação da mera exigência de formal legalidade, vale dizer conformidade a uma lei editada por representantes de uma pequena parcela da população com direito a voto, para preocupar-se com a ampliação do direito de sufrágio a toda a população. Ao modelo social, ela acrescentou novos meios (participativos) para a busca de soluções capazes de assegurar proteção e efetividade aos direitos fundamentais, em especial os sociais, fazendo o povo protagonista desse processo. Constituía-se, desse modo, o Estado Democrático de Direito, mantidas as limitações do poder conquistadas com o Estado Liberal de Direito e a preocupação com a igualdade material (efetividade dos direitos sociais) própria do Estado Social, mas acrescidas de uma ampliação da participação do povo na escolha de seus representantes (sufrágio universal) e de um papel dele mais ativo no exercício do poder, em busca da igualdade material.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

Sob a perspectiva até aqui esboçada, a participação popular pode se expressar tanto pela via indireta (através do sufrágio universal, elegendo-se pelo voto representantes para em nome do povo exercerem o poder político), quanto pela direta (participação ativa no exercício do poder), caracterizando, respectivamente, a democracia representativa e a democracia participativa. É este o posicionamento de José Afonso da Silva, quando coloca o princípio da participação e da soberania populares como os conformadores do regime democrático (2002, p. 131).

Entretanto, em uma acepção mais específica, a participação popular refere-se tão somente à democracia participativa, servindo de incremento à democracia representativa. Sinônimo, sob essa perspectiva, de participação da comunidade ou da população, a expressão participação popular denomina o exercício direto do poder pelo povo, de forma individual ou coletiva (por meio de associações, por exemplo), ou, nas precisas palavras de Brito (1992, p. 119): “o povo assumindo-se enquanto instância deliberativa”. A participação, assim, incrementa a legitimidade do exercício do poder, na medida em que contribui para submeter o Estado às reais necessidades e aos interesses do povo e se apresenta como alternativa ao mero exercício formal da democracia.

O poder, como observa Moreira Neto (1992), por imperativos de organização interna, tende a concentrar-se nas instituições do Estado e divide-se em funções (legislativa, administrativa e judiciária). Entretanto, é legítimo, e cada vez mais necessário para que o Estado não se desvirtue de sua finalidade precípua (atender da melhor maneira possível às necessidades da sociedade), que o povo reserve para si, individual ou coletivamente, meios de exercício direto do poder do qual é o titular originário. Tais meios concretizam a participação popular que, sob esse enfoque, pode-se definir como as “modalidades de expressão da vontade individual e coletiva da sociedade aptas a interferir, formal ou informalmente, nos processos de poder do Estado, especificamente em suas expressões legislativa, administrativa e judicial” (MOREIRA NETO, 1992, p. 62). Apresenta-se, assim, como uma espécie de reserva de poder da cidadania oponível ao Estado.

Sendo a Constituição o estatuto que disciplina a organização fundamental do Estado e distribui o exercício do poder, é natural que ela preveja, nos seus termos, meios de participação popular, como, aliás, prevê a parte final do parágrafo único do art. 1º antes transcrito. Interessa referir, por conseguinte, as hipóteses previstas constitucionalmente de participação popular na organização política brasileira, de modo a melhor assimilar o seu alcance.

As hipóteses mais referidas pela doutrina especializada são as relativas à função legislativa: a iniciativa popular, o plebiscito e o referendo, previstas nos incisos do art. 14 da Constituição e reguladas, a primeira, pela própria Constituição (art. 61, §2º), e todas as três pela Lei 9.709/98. Recentemente, decidiu o povo brasileiro, por meio de referendo, não proibir o comércio de armas no país. Em 1999, foi aprovada pelo Congresso Nacional a primeira lei resultante de iniciativa popular: Lei nº 9.840, que ficou conhecida como “lei anticorrupção” ao incluir o art. 41-A na Lei das Eleições (9.504/97); em 2005, outra lei de iniciativa popular aprovada: a de nº 11.124, que instituiu o Sistema e o Fundo Nacional de

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TÓPICO 3 | AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS

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Habitação de Interesse Social. No ano de 1993, um plebiscito popular previsto no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias decidiu manter o sistema presidencialista e a forma republicana de governo, rejeitando a adoção do parlamentarismo e a volta da monarquia constitucional (art. 2º).

A participação popular na função judiciária se expressa em toda sua plenitude no tribunal do júri, composto por sete cidadãos escolhidos aleatoriamente dentre a população do local do crime (Cód. de Proc. Penal, art. 439-496) e ao qual a Constituição (CF, art. 5º, XXXVIII) conferiu competência para julgar soberanamente os crimes dolosos (com consciência e vontade do agente de praticar a ação) contra a vida. A ação popular, para a qual é legitimado qualquer cidadão (CF, art. 5º, LXXIII), e a ação civil pública, especialmente quando proposta por associações civis ou sindicatos (CF, art. 129, III e §1º c/c art. 5º da Lei 7347/85), ao objetivarem corrigir atos do poder público que atentam contra direitos coletivos ou obrigá-lo a atuar quando se omite diante da lei que reconhece esses direitos, servem igualmente de exemplos de participação popular na função judiciária.

Na função administrativa ou executiva, restou evidente a especial preocupação do constituinte em assegurar participação popular na gestão das políticas públicas responsáveis pela implementação dos direitos sociais. Não sem razão, dado que há uma especial preocupação do Estado Democrático de Direito com a efetivação desses direitos (nos termos do preâmbulo constitucional) e, como já afirmado, porque servir de instrumento para adequar a atuação do Estado às principais e reais necessidades da população, constitui uma das principais virtudes da participação popular. É por isso que esta foi consagrada em três dispositivos da Ordem Social na Constituição: art. 194 (gestão democrática quadripartite da seguridade social), art. 198, III (participação da comunidade como diretriz do Sistema Único de Saúde - SUS) e art. 204, II (participação da população na formulação das políticas e no controle das ações de assistência social em todos os níveis), e raramente aparece em outros títulos da Constituição. Das previsões constitucionais citadas, merece especial referência o art. 198, III. Não apenas porque é aquela que melhor regulamentação e efetividade alcançou, dado que a Lei 8.142/90, ao disciplinar os conselhos de saúde, condicionou o repasse de verbas federais à sua instituição (art. 4º, II) e assegurou caráter deliberativo às suas decisões (art. 1º, § 2º), mas também pelo status constitucional alcançado por esses conselhos (art. 77, § 3º, do ADCT) e, principalmente, pela forma democrático-participativa como foi concebida a participação da comunidade como diretriz do SUS. Todo o regramento constitucional desse sistema foi desenvolvido a partir das conclusões da 8ª Conferência Nacional de Saúde (GAVRONSKI, 2003, p. 30-41), realizada em 1986 com a participação de cerca de cinco mil pessoas, incluindo profissionais e usuários, mil dos quais com direito a voto. Dentre as conclusões quanto à reformulação do Sistema Nacional de Saúde, constou que ele deveria “reger-se pelos princípios da participação da população na formulação da política, no planejamento, na gestão, na execução e na avaliação das ações de saúde”, no intuito de se “garantir transparência às atividades desenvolvidas pelo setor e a adoção de políticas de saúde que respondessem efetivamente à complexidade do perfil sociossanitário da população brasileira”.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

A todos esses meios constitucionalizados de participação popular podem-se acrescer aqueloutros construídos espontaneamente por legítima pressão do povo ou concessão espontânea dos poderes constituídos, merecendo destaque os orçamentos participativos instituídos inicialmente em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e hoje implantados em vários outros municípios do país. Ainda que essas formas de participação não estejam previstas explicitamente no texto constitucional, omissão que apenas pode ser objetada para retirar a impositividade de sua observância, nunca para questionar-lhes a validade, pois são inerentes ao Estado Democrático de Direito, constata-se que, instituídas como conquistas de um processo de avanço democrático, tendem a ser mais aplicadas e efetivas que algumas das formas consagradas na Constituição.

As virtudes da participação popular são muitas. Àquela já percebida no processo pré-constituinte da 8ª Conferência Nacional de Saúde, antes referida, de adequar a atuação do Estado às reais necessidades da população interessada, podem-se acrescentar aquelas identificadas por Dennis Thompson (apud MOREIRA NETO, 1992, p. 66) em trabalho intitulado “The Democratic Citizen”:

a) assegurar que interesses espúrios não prevalecerão; b) cuidar para que nenhum interesse seja excluído de consideração no processo político; c) desenvolver a percepção e o conhecimento político dos cidadãos; d) desenvolver a legitimidade da decisão; e, e) realizar mais amplamente os membros da coletividade.

Na verdade, impende reconhecer que o futuro da democracia passa, necessariamente, pela consolidação e pelo incremento da participação popular. Como pontifica Norberto Bobbio (2002, p. 68), hoje o “indicador de desenvolvimento democrático não pode ser mais o número de pessoas que têm o direito de votar, mas o número de locais, diferentes dos locais políticos, nos quais se exerce o direto de voto”, “não mais o número de ‘quem’ vota, mas o de ‘onde’ vota”, tomando-se o voto, em ressalva do próprio autor, como o ato típico e mais comum do participar, mas sem limitar a participação ao voto.

FONTE: Disponível em: <http://escola.mpu.mp.br/dicionario/tiki-index.php?page=Participa%C3%A7%C3%A3o+popular>. Acesso em: 13 jul. 2015.

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RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico você viu que:

• As instituições econômicas surgiram para atender tanto as necessidades naturais do ser humano, bem como as necessidades criadas pelo mesmo.

• As instituições econômicas visam regular as relações existentes no campo econômico.

• A estrutura das instituições econômicas está baseada nas funções de produção, distribuição e consumo de bens e serviços.

• Atualmente existem duas estruturas socioeconômicas principais: o socialismo e o capitalismo.

• O trabalho faz parte da vida humana, pois ele é fundamental para a sobrevivência e os seres humanos tentam, de alguma maneira, desenvolver alguma atividade ao longo da vida que pode ser definida como trabalho.

• O trabalho pode ser analisado a partir de suas condições: condição objetiva e condição subjetiva.

• As instituições políticas se ocupam da distribuição do poder na sociedade.

• O Estado é uma instituição permanente, enquanto que o governo é uma instituição política transitória.

• O sistema educacional tem uma função socializadora fundamental na formação do caráter coletivo de um povo.

• O ensino formal visa preparar os indivíduos para uma atuação qualificada no exercício de seu papel profissional.

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1 Desde muito cedo na história da humanidade, os indivíduos começaram a desenvolver relações comerciais. Na medida em que estas relações foram se intensificando e se tornando mais complexas, houve o surgimento das instituições econômicas. Partindo deste pressuposto, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) As instituições econômicas existem para atender tanto as necessidades naturais quanto as necessidades que foram criadas pelos mesmos.

( ) O trabalho não é regulado pelas instituições econômicas, pois isso compete apenas ao campo político.

( ) A sobrevivência das pessoas não é função das instituições econômicas, isso é um dever do Estado.

( ) No campo econômico as relações são reguladas pelas instituições econômicas.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F – F.b) ( ) F – F – F – V.c) ( ) V – V – F – V.d) ( ) V – F – F – V.

2 O trabalho faz parte da vida humana, pois através dele o indivíduo sobrevive, seja produzindo para outros em troca de um salário, seja para si mesmo na produção de produtos para suas necessidades. O trabalho pode ser analisado a partir de suas condições, dentre elas a condição objetiva. Nesse sentido, assinale a afirmativa CORRETA:

a) ( ) Na condição objetiva o trabalho não está organizado em torno do trabalhador, mas estruturado em torno dos interesses da indústria.

b) ( ) Na condição objetiva existe uma preocupação muito grande por parte da indústria em desenvolver uma estrutura de produção centrada no trabalhador.

c) ( ) Na condição objetiva leva-se em consideração a satisfação profissional do trabalhador.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 4

CONTROLE SOCIAL E GLOBALIZAÇÃO

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Você já parou para pensar se em nossa sociedade não existissem leis? O que seria se as pessoas fizessem o que bem entendessem e não houvesse uma punição para ações que prejudicassem outras pessoas? O que seria das nossas ruas se as pessoas andassem em seus carros na velocidade que bem entendessem? O que seria dos trabalhadores se não houvesse leis que regulassem as relações de trabalho?

A partir dessas questões nós podemos perceber que a sobrevivência de um grupo/sociedade depende de como ela se organiza e como mantém esta organização. As normas sociais não são coisas recentes, já nas sociedades mais antigas foram sendo desenvolvidas normas de comportamento no sentido de garantir a justiça. Um exemplo disso é o Código de Hamurábi, uma compilação de 282 leis da antiga Babilônia (atual Iraque), sendo composto por volta de 1772 a.C.

Neste tópico nós iremos ver que, ao nascer, o indivíduo passa a fazer parte de um grupo em que já existem normas estabelecidas e que no decorrer de sua vida ele terá que se adequar a essas normas ou propor mudanças de maneira democrática e conciliadora. Nesse sentido, vamos verificar como cada indivíduo é afetado pelas leis e de que maneira pode lidar com tudo aquilo que exerce controle sobre a sua vida.

2 O CONTROLE SOCIAL

Na vida em sociedade é comum nos depararmos com uma série de normas e regras que normatizam o comportamento social. Para que possamos viver em coletividade é necessário que venhamos a assimilar essas regras e obedecê-las, pois, do contrário, o indivíduo sofre determinadas sanções e punições em decorrência do descumprimento das regras aceitas pela maioria. Essas normas têm a finalidade de controlar, de certa maneira, algumas ações dos indivíduos, pois a convivência em sociedade só é possível mediante a observância de determinadas regras que visam proteger os interesses de cada indivíduo.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

As normas sociais não nascem por acaso, pelo contrário, as normas estão baseadas em valores que a sociedade julga fundamentais para seu funcionamento e para que seus membros convivam sem maiores problemas. São obrigações sociais às quais o indivíduo está sujeito ao longo de toda a sua vida, e são tão fortes quando estabelecidas e interiorizadas, que o controle é autoexercido.

As normas nascem da necessidade de se manter a harmonia no convívio social entre as pessoas. Podemos usar como exemplo as placas de “Não Fume” nos ambientes fechados. Sabemos que o cigarro é causador de doenças e, portanto, a inalação da sua fumaça deve ser evitada. Em um ambiente fechado, onde os indivíduos dividem o mesmo espaço, é necessário respeitar um princípio natural que é o de poder respirar em um ambiente sem fumaça. Se a fumaça é causadora de doenças que atentam contra a vida, que é um bem maior, logo, qualquer ação que prejudique a saúde de alguém é considerada negativa. Para inibir tais ações é necessária a criação de normas de controle. Observe que a regra de não fumar em um ambiente fechado está pautada em um valor supremo que é a vida humana. Se pararmos para analisar, veremos como as normas têm uma origem complexa e que estão enraizadas em valores sociais.

De acordo com Dias (2009, p. 143), “A expressão controle social se refere a técnicas, estratégias e esforços para regular o comportamento humano em qualquer sociedade”. O controle social consiste em uma série de mecanismos que visam manter a ordem social. Para que esta ordem seja mantida, os indivíduos são disciplinados e orientados a seguir um conjunto de prescrições denominadas de normas ou leis. Nesse sentido, o indivíduo deverá se conformar àquilo que está estabelecido e aceito, pois do contrário terá que encabeçar movimentos em busca da alteração de determinadas regras que ele ou mais pessoas consideram prejudiciais ou irrelevantes para a sociedade. Sobre o comportamento divergente falaremos logo em seguida.

É fundamental sabermos que “Uma sociedade exerce controle social sobre seus membros de três modos principais: a socialização, a pressão do grupo, e através de sanções” (DIAS, 2009, p. 143). No processo de socialização, tanto a família quanto a escola, os amigos e a sociedade como um todo vão incutindo na mente do indivíduo normas consideradas moralmente aceitas. A família geralmente é a instituição que incute as primeiras noções de certo e errado na mente do indivíduo, mas essas normas incutidas pela família consistem em um reflexo das normas que estão presentes na sociedade. A partir disso o indivíduo vai desenvolvendo comportamentos que se adéquam às exigências de seus pais, amigos, parentes etc. Um segundo modo de exercer controle social sobre o indivíduo é proveniente de seus grupos sociais. Um exemplo disso são os grupos religiosos, nos quais o indivíduo tem que seguir determinados preceitos para ser parte do grupo, pois do contrário poderá ser excluído. Um terceiro modo é as sanções que o indivíduo sofre quando não cumpre determinada regra. As sanções podem ser aplicadas pelo Estado ou pela família, pelo grupo social etc. Podemos usar como exemplo quando um aluno comete algum tipo de infração na escola: o Estado, na pessoa da diretora, suspende o aluno por dois dias e os pais suspendem o uso do computador por uma semana como forma de punição. Observe que cada instituição tem uma maneira de aplicar algum tipo de sanção ao indivíduo que descumpre as normas.

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TÓPICO 4 | CONTROLE SOCIAL E GLOBALIZAÇÃO

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3 O COMPORTAMENTO DIVERGENTE E A DESORGANIZAÇÃO SOCIAL

O comportamento divergente é caracterizado por atitudes que fogem às regras convencionais aceitas pela sociedade ou legitimadas pelo Estado. Este é um ponto que gera muitas discussões, pois entra em questão o que é moral ou imoral e até que ponto ou circunstâncias um determinado comportamento pode ser tolerado ou não.

O comportamento divergente vai desde os pecadilhos sem importância da maioria das pessoas até o incesto, o assassínio e a traição. Inclui ações diversíssimas, como excentricidades, que apenas divertem ou irritam, a apática negligência de responsabilidades convencionais, as violações dos regulamentos burocráticos, o desafio disfarçado dos mores sexuais, a delinquência e o crime. (CHINOY, 1967, p. 644, grifo do original).

É possível perceber dois níveis de impacto do comportamento divergente: o primeiro nível é mais particular, pois diz respeito às preferências, opiniões e opções de cada indivíduo e, de certa maneira, tem pouco ou quase nenhum impacto sobre a vida de outros indivíduos; o segundo nível afeta outros indivíduos rompendo com seus direitos e liberdades. Nesse sentido, é preciso pensar que a principal função dos mecanismos de controle social visa a integridade das pessoas em sua vida particular/coletiva. Ter uma opinião divergente não é motivo de condenação, pois não existe em nossa Constituição, por exemplo, crime de opinião. Todavia, ter atitudes divergentes que colocam em risco a ordem social é ato que precisa ser repensado e, em muitos casos, ser reprimido pelas instituições legítimas responsáveis pela manutenção da ordem pública.

A origem do comportamento divergente pode ser atribuída a vários fatores, dentre eles podemos destacar a experiência social particular de cada indivíduo. Um exemplo disso é aquela pessoa que na infância sofreu abusos sexuais, castigos físicos excessivos, entre outros traumas, que podem vir, na vida jovem ou adulta, desencadear comportamentos que divergem daquilo que é convencionalmente aceito pela sociedade, ou seja, aquilo que é considerado normal. Sabemos que os traumas da infância, como ser criado em uma família violenta, não definem quem será o indivíduo, mas influenciam na formação de sua personalidade e caráter, pois de acordo com Chinoy (1967, p. 645):

A análise das fontes psicológicas do desvio e de suas raízes na biografia de cada pessoa é não só necessária, mas também apropriada à compreensão de casos individuais. Todo assassino ou delinquente, todo excêntrico ou todo homem que se mostra contrário à organização tem uma história particular relevante para seus atos.

Conhecer a biografia de um indivíduo delinquente não é tentar justificar suas ações, de forma alguma, mas nos ajuda a explicar tais comportamentos, pois sabemos que os indivíduos não são neutros quanto ao seu passado, mas isso não cabe estudar aqui, pois é assunto para a psicologia.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

O comportamento divergente está associado ao status, pois sabemos que as condições sociais de um indivíduo influenciam na maneira como lhe é imputado algum tipo de culpa ou infração. Um exemplo disso é quando um pobre furta um relógio em uma relojoaria, é ladrão; quando um rico ou de classe média comete o mesmo delito, este é caracterizado como sendo cleptomaníaco, ou seja, uma pessoa que furta não por necessidade, mas para satisfazer um desejo. Ambas as situações são furto, mas a maneira como o fato é interpretado é que vai dizer qual comportamento é divergente. No primeiro caso, o indivíduo é vagabundo, enquanto que no segundo caso o indivíduo tem distúrbio psicológico. Não estamos aqui dizendo que não existem indivíduos cleptomaníacos, a questão que levantamos é em relação ao tratamento que cada um recebe pela sociedade quando comete o mesmo ato. Não é por acaso que Kai Erikson (apud CHINOY, 1967, p. 645) escreveu: “O comportamento que qualifica um homem para a prisão pode qualificar outro para a santificação, visto que a qualidade do ato em si depende muitíssimo das circunstâncias em que foi praticado e do humor das pessoas que o presenciaram”. Infelizmente, muitas injustiças são cometidas em nossa sociedade quando não se busca avaliar profundamente cada caso em particular. Outro exemplo é quando um jovem pobre é pego com uma quantidade de maconha, é tido como traficante. No entanto, quando um jovem de classe média alta é pego com a mesma quantidade de maconha, é considerado usuário. Observe que o mesmo crime pode ser tratado de maneira diferente com base no status que a pessoa ocupa. Sabemos que essas situações citadas não são regras, são exceções, mas nessas ‘exceções’ é que se cometem muitas injustiças.

A figura a seguir reflete um pouco daquilo que estamos falando. Você acha que isso acontece com que frequência em nosso país? O que é necessário para mudar isso?

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TÓPICO 4 | CONTROLE SOCIAL E GLOBALIZAÇÃO

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FIGURA 28 - STATUS E JUSTIÇA

FONTE: Disponível em: <http://pescadordebits.com.br/ditado-popular/>. Acesso em: 13 jul. 2015.

As regras sociais existem para manter a sociedade organizada. Quando há um descontrole na manutenção, aplicação e observância dessas normas, a sociedade passa a enfrentar um quadro de desorganização social. É importante ressaltarmos que há uma tendência natural para a divergência. A cultura não é estática, portanto, as regras que nascem sob influência dos valores culturais de uma sociedade estarão sujeitas a mudanças na medida em que a cultura ou condições econômicas e políticas vão sofrendo alterações. Segundo Chinoy (1967, p. 646):

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

A desorganização social é um conceito inclusivo, que abrange fenômenos variados, como o conflito de papéis, o conflito cultural, a disjunção entre meios e fins socialmente sancionados, e outras espécies de incongruências ou contradições. Os grupos ou indivíduos mais expostos às pressões geradas por essas formas de desorganização apresentam maiores probabilidades de ignorar ou infringir as normas sociais. Suas reações dependem dos valores, expectativas e dificuldades criadas por suas circunstâncias.

Em nossa sociedade é condenável pela maior parte das pessoas se apropriar indevidamente de alguma coisa de outra pessoa, pois tal atitude é caracterizada como roubo ou furto. Em uma sociedade de pleno emprego, o furto ou roubo é tido como inaceitável pela maioria das pessoas. No entanto, esses valores podem ganhar menor importância em uma sociedade em que a maior parte das pessoas está desempregada e vive em situação de miséria. Um pai de família que rouba para sustentar seus filhos é tido como delinquente por uma parcela da população, enquanto que, para outros, sua atitude é justificada por um bem maior: sustentar seus filhos. Observe que os mais suscetíveis a infringir algumas regras são os indivíduos expostos às pressões decorrentes da desorganização social. Essas infrações são decorrentes das necessidades que os mesmos enfrentam. Qual pai estaria tranquilo sabendo que seus filhos precisam se alimentar e o mesmo não tem condições de lhes prover o alimento? Nessas situações de desordem é que os crimes são cometidos em maior número. Nesse sentido, “A desorganização social assume, por vezes, a forma de normas e valores incoerentes ou contraditórios, que parecem exigir diferentes espécies de conduta na mesma situação” (CHINOY, 1967, p. 646).

Determinadas circunstâncias na vida do indivíduo fazem com ele entre em conflito com seus papéis sociais. Por exemplo, uma mãe que ocupa o papel de diretora de uma escola em que seu filho estuda. Digamos que num determinado dia seu filho se envolve em uma briga e espanca seu colega de sala. Como deverá agir esta diretora/mãe? Nesta situação ela é, ao mesmo tempo, diretora e mãe. Como mãe, a tendência é que ela proteja seu filho, mas como diretora deve estabelecer algum tipo de punição. Observe que se ela agir como mãe em relação aos encaminhamentos necessários para as atitudes de seu filho, poderá frustrar os demais alunos, professores e os pais da criança que foi agredida. No entanto, ao agir como diretora e dar os encaminhamentos para a situação de acordo com o agravo cometido, sem considerar o papel de mãe, irá frustrar seu filho, pois não o protegeu quando precisava. Esta é uma situação em que a pessoa se encontra sob forte tensão, ao ter que tomar uma decisão pelo fato de ter que lidar com “valores concorrentes de papéis incompatíveis, que o indivíduo pode desempenhar simultaneamente” (CHINOY, 1967, p. 648). Como mãe deve proteger, como diretora deve aplicar a regra.

A disjunção entre a cultura e a estrutura social consiste na principal fonte de comportamento divergente, pois, segundo Chinoy (1967, p. 649),

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Talvez de maior importância do que o conflito de papéis ou de culturas como fonte de comportamento divergente seja a disjunção não raro encontrada entre a cultura (normas e valores) e a estrutura social (sistema organizado de papéis e status que definem as relações entre grupos e indivíduos).

Se de um lado temos os valores culturais que norteiam a conduta do indivíduo, por outro temos a estrutura social da qual o indivíduo faz parte. Em muitos casos os valores e as normas são o oposto daquilo que a estrutura social exige do indivíduo. Um exemplo disso é a honestidade. Até que ponto o indivíduo consegue se manter plenamente honesto em uma estrutura social extremamente corrompida? Sabemos que não são raros os casos de políticos que votam a favor de um projeto que é contrário à sua ideologia, aos seus valores, pois do contrário não terá seus projetos aprovados pelos demais colegas do Parlamento. Neste exemplo podemos observar claramente a disjunção entre os valores de um indivíduo e a estrutura social do qual faz parte.

4 A GLOBALIZAÇÃO

Globalização tem sido um termo muito recorrente no dia a dia das pessoas, pois esse processo de integração internacional econômica e cultural tem afetado quase todas as pessoas do planeta, seja de maneira direta ou indireta, de acordo com Jonhson (1997, p. 117):

A globalização é um processo no qual a vida social nas sociedades é cada vez mais afetada por influências internacionais com origem em praticamente tudo, de laços políticos e de comércio exterior à música, estilos de vestir e meios de comunicação de massa comuns a vários países.

A globalização afeta as mais diversas áreas da vida em sociedade. Atualmente, encontramos produtos dos mais diferentes lugares do mundo disponíveis em pequenos ou grandes estabelecimentos comerciais próximos de nossos lares. As compras, pela internet, de produtos diretamente dos países produtores estão cada vez mais comuns. Os meios de transporte cada vez mais velozes e seguros têm levado inúmeras pessoas a visitar outros países e terem contatos com culturas diferentes. A arte, a música, a moda, os hábitos, alimentação etc., estão se tornando universais. Isso tudo é efeito da globalização.

A globalização, segundo Rattner (1995, apud LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 328), “iniciou-se no pós-guerra, com a expansão acelerada e ininterrupta da internacionalização da economia, configurada pelo crescimento do comércio e dos investimentos externos”. Embora saibamos que as relações comerciais e culturais não são recentes, todavia o pós-guerra marca um novo momento nessas relações, pois houve um grande aumento nas relações econômicas, tecnológicas

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

e culturais. “Pode-se, então, dizer que a globalização equivale a um conjunto de transformações na ordem econômica, política, social, tecnológica, social, cultural, religiosa e educativa, que ocorre no mundo, nos últimos anos” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 329). Observe que o alcance do processo globalizador é muito extenso, não deixando para trás nenhuma área da vida humana.

No campo econômico houve uma profunda mudança no processo produtivo. Com a concorrência global, as indústrias tiverem que investir em alta tecnologia para competir no mercado internacional. Isso, por sua vez, criou uma exigência maior em relação à qualificação da mão de obra. Os profissionais estão sendo cada vez mais cobrados por qualidade e produtividade. Por outro lado, as empresas estão fazendo de tudo para diminuir o custo da produção, reduzem os ganhos para poderem vender seus produtos a um preço menor e vencer na concorrência. A reestruturação necessária para que as empresas possam permanecer no páreo tem levado ao fechamento de muitos postos de trabalho, pois muitos trabalhadores estão sendo substituídos por robôs.

No campo político existem vários fatores que causam preocupação, dentre eles podemos destacar “o poder tecnológico e de processamento de informações, que abrange ações dos Estados e sociedades; não só atravessa fronteiras, como também exerce influência de um país para outro” (LAKATOS; MARCONI, 2006, p. 331). Podemos usar como exemplo o que ocorreu em 2013, o vazamento de informações de que a Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos espionava líderes e pessoas importantes de vários países do mundo. Este fato gerou uma instabilidade diplomática bastante delicada, pois tal ação fere diretamente a soberania de um país.

DICAS

Baseado numa história real, o filme conta o drama do novato no FBI Eric O'Neill (Ryan Phillippe), que entra num jogo de poder com seu chefe, Robert Hanssen (Chris Cooper). Hanssen é suspeito de vender segredos norte-americanos aos russos.

É um excelente filme para compreendermos o grande interesse por informações estratégicas de outros países, pois tais informações servem para várias finalidades: guerra, economia, política, ciência etc. Vale a pena assistir. Bom filme!

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TÓPICO 4 | CONTROLE SOCIAL E GLOBALIZAÇÃO

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No campo tecnológico temos visto uma evolução cada vez mais rápida nos meios de transporte e da informação, que são fundamentais para as relações comerciais. Outrossim, as tecnologias da informação têm invadido o mercado de consumo. Hoje, basta apenas que a pessoa tenha um celular com acesso à internet e ela estará acompanhando qualquer evento que acontece no mundo em tempo real. A interação virtual cada vez mais rápida e mais eficiente tem alterado profundamente o comportamento das pessoas.

No campo social, as desigualdades sociais têm aumentado acentuadamente devido à má distribuição de renda e à exploração dos trabalhadores por parte das grandes corporações. Em relação ao campo cultural, as mudanças também podem ser percebidas, pois os valores estão sendo relativizados. É possível perceber uma padronização de determinados comportamentos e a cultura do consumismo tem ganhado cada vez mais força. No campo religioso são perceptíveis as mudanças no perfil teológico de muitas igrejas no Brasil e no mundo. Todas as religiões estão passando por mudanças em decorrência da globalização, pois o acesso a novas informações tem levado muitos a questionarem os dogmas religiosos pelo mundo afora. O campo educacional tem sofrido influências de diversos lados. O acesso dos alunos às novas tecnologias tem alterado o perfil das salas de aula. A escola não é o único lugar em que se pode encontrar informação e conhecimento. Os alunos estão cada vez mais familiarizados com as tecnologias da informação, portanto, a escola terá que lidar com esta nova realidade e aprimorar seus métodos de ensino para atender estes alunos hiperconectados.

O indivíduo do século XXI está enfrentando mudanças constantes, profundas e intensas. Isso consiste em um desafio muito grande para aqueles que trabalham com pessoas diariamente, muitas delas sentem-se intimidadas diante do cenário atual. Nesse sentido, é importante que gestores, professores, líderes, padres, pastores, políticos etc., desenvolvam mecanismos e programas que deem segurança aos indivíduos que se sentem despreparados frente a essa nova realidade.

Observe a figura a seguir e discuta com seus colegas sobre quem são as pessoas beneficiadas pela globalização.

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UNIDADE 2 | PRINCIPAIS TEMAS DA SOCIOLOGIA

FIGURA 29 - ISSO É GLOBALIZAÇÃO?

FONTE: Disponível em: <http://mestrewilsoncorreia.blogspot.com.br/2014/11/roteiro-2-ano-neoliberalismo.html>. Acesso em: 9 jul. 2015.

Se por um lado estamos tendo acesso às tecnologias da informação, ao conhecimento e outros benefícios da globalização, infelizmente, o que temos visto também é o aumento significativo das desigualdades sociais, exploração, instabilidade econômica e um jogo de poder entre as principais potências econômicas por maior espaço e controle dos mercados consumidores. É um cenário um tanto sombrio, em que será necessário repensar as ações dos indivíduos em todas as esferas do poder político e econômico. Nesse sentido, é necessário repensarmos de que maneira podemos contribuir com nossas atividades profissionais, religiosas ou sociais para criarmos uma sociedade mais justa e mais solidária.

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RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico você viu que:

• As normas nascem da necessidade de se manter a harmonia e o convívio social entre as pessoas.

• O controle social consiste em uma série de mecanismos que visam manter a ordem social. Para que esta ordem seja mantida, os indivíduos são disciplinados e orientados a seguir um conjunto de prescrições denominadas de normas ou leis.

• A sociedade exerce controle social sobre seus membros de três modos principais: a socialização, a pressão do grupo, e através de sanções.

• O comportamento divergente é caracterizado por atitudes que fogem às regras convencionais aceitas pela sociedade e legitimadas pelo Estado.

• A origem do comportamento divergente pode ser atribuída a vários fatores, dentre eles podemos destacar a experiência social particular de cada indivíduo.

• O comportamento divergente está associado ao status, pois sabemos que as condições sociais de um indivíduo influenciam na maneira como lhe é imputado algum tipo de culpa ou infração.

• De acordo com Jonhson (1997, p. 117), “A globalização é um processo no qual a

vida social nas sociedades é cada vez mais afetada por influências internacionais com origem em praticamente tudo, de laços políticos e de comércio exterior à música, estilos de vestir e meios de comunicação de massa comuns a vários países”.

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1 A vida em sociedade é regida por um conjunto de regras que são aceitas pela maioria. Partindo deste pressuposto, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas:

( ) A regras sociais surgiram com a finalidade de manter a sociedade organizada.

( ) Os valores culturais de uma sociedade influenciam para o surgimento das regras sociais.

( ) Uma sociedade é de fato livre quando todas as regras são abolidas, pois cada ser humano é consciente de seus deveres.

( ) As regras podem mudar de acordo com as mudanças que ocorrem na sociedade.

Agra, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – F – V – V.b) ( ) V – V – F – V.c) ( ) F – V – F – V.d) ( ) F – V – V – V.

2 Com o advento da globalização, as tecnologias da informação passaram a fazer parte de um número cada vez maior de pessoas. O campo educacional também sentiu essa influência e desencadeou uma série de mudanças. Partindo desse pressuposto, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O perfil das salas de aula tem sofrido mudanças, pois muitos alunos estão tendo acesso a um mundo de informações através da internet.

b) ( ) Apesar da disseminação das tecnologias da informação, a escola é o único lugar onde se deve buscar conhecimento.

c) ( ) Os métodos clássicos de ensino não devem sofrer alterações com a chegada das tecnologias da informação.

AUTOATIVIDADE

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UNIDADE 3

SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• conhecer os elementos comuns a todas as religiões a partir da análise do totemismo;

• conhecer os diferentes movimentos religiosos contemporâneos;

• compreender o impacto da secularização na religião;

• analisar as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade e o posicionamen-to da religião frente a estas mudanças;

• avaliar a importância do diálogo entre as religiões para a manutenção da paz;

• conhecer o quadro atual da religiosidade brasileira.

Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer dos estudos você encontrará atividades que o(a) ajudarão a fixar os conteúdos estudados.

TÓPICO 1 – OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

TÓPICO 2 – A RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL TÓPICO 3 – PLURALISMO E DIVERSIDADE RELIGIOSA

TÓPICO 4 – UM RETRATO DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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TÓPICO 1

OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA

RELIGIÃO

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Vários teóricos desenvolveram pesquisas e escreveram sobre a religião. Se fôssemos enumerar todos eles, faltaria espaço para discorrer minimamente sobre aquilo que produziram. Nesse sentido, optamos por discorrer sobre o pensamento de pelo menos três que consideramos importantes para o nosso estudo.

Num primeiro momento iremos voltar nossa atenção para a sociologia da religião de Émile Durkheim, pois suas obras se tornaram fontes importantes de pesquisa para quem deseja compreender a origem e o desenvolvimento do fenômeno religioso.

Na sociologia da religião weberiana iremos observar o enfoque terreno da religião, ou seja, Weber faz uma análise religiosa de maneira mais racionalista, pois acredita que o crente vive mais o aspecto terreno da religião, visto que suas preces geralmente estão voltadas para uma intervenção divina aqui e agora.

Na sociologia da religião de Bourdieu iremos discorrer sobre alguns conceitos elementares para compreender seu pensamento no âmbito religioso, e em seguida trataremos de um conceito fundamental, que é o campo religioso.

Dito isto, convido você para a leitura de mais uma unidade que consideramos fundamental para nosso estudo.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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2 DURKHEIM E AS FORMAS ELEMENTARES DA VIDA RELIGIOSA

O sociólogo Émile Durkheim desenvolveu pesquisas no campo da religião que se tornaram fundamentais para a compreensão deste fenômeno. Sua obra “As Formas Elementares da Vida Religiosa” é um tratado no qual ele expõe sua teoria da religião. Nesse sentido, para compreendermos um pouco dessa teoria vamos ter como base esta obra.

DICAS

DICA DE LEITURA:

A obra intitulada As formas elementares da vida religiosa foi publicada em 1912, faz parte do conjunto dos grandes textos fundadores da antropologia religiosa. Neste livro, Émile Durkheim faz uma análise rigorosa das formas de religiosidade que se manifestam através dos rituais e sistemas de crenças arcaicas. Durkheim se revela, sobretudo, como um filósofo inspirado cujas afirmações demonstram uma grande acuidade intelectual e mantêm uma impressionante atualidade.

A sociologia da religião foi de profundo interesse para Durkheim. Tal fascínio pela religião lhe rendeu muitas críticas ao longo da história, inclusive por seus companheiros de trabalho, todavia, ele foi responsável por estudar um campo até então pouco explorado em seu aspecto sociológico.

A questão fundamental levantada por Durkheim é que não há como desvincular a sociedade das práticas religiosas, pois, para ele, a sociedade é “antes de tudo um conjunto de ideias, de crenças, de sentimentos de todos os tipos que se realizam por meio de indivíduos, e na primeira fila dessas ideias encontra-se o ideal moral, que é sua principal razão de ser” (apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 171). A relação estabelecida entre os indivíduos de uma sociedade não é resultado exclusivo dos aspectos físicos de um determinado espaço geográfico. Para Durkheim, a sociedade está fundada no ideal moral, isso significa dizer que o conjunto de crenças e valores é que mantém uma sociedade coesa. Portanto, a religião se constitui em um fundamento social, porque no seio dela é que são reafirmados tais valores e crenças.

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TÓPICO 1 | OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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2.1 O QUE É RELIGIÃO PARA DURKHEIM

O primeiro e grande desafio que Durkheim enfrentou foi dar uma definição do que é religião. Para que fosse possível defini-la, ele faz uma investigação em busca de uma religião que considerava a mais primitiva para captar a essência da vida religiosa, ou seja, era necessário voltar às origens da religião para conceituá-la. Mas o que caracteriza um sistema religioso como sendo primitivo? O sociólogo responde da seguinte maneira:

Dizemos de um sistema religioso que ele é o mais primitivo que nos seja dado a observação quando preenche as seguintes condições: em primeiro lugar, é preciso que ele se encontre em sociedades cuja organização não seja ultrapassada por nenhuma outra em simplicidade; além do mais, é preciso que seja possível explicá-la sem fazer intervir nenhum elemento tomado de empréstimo a uma sociedade anterior. (DURKHEIM apud WEISS, 2012, p. 98).

Ao estudar um sistema religioso em seu estado mais simples e primitivo, seria possível extrair os elementos essenciais da religião em seu conjunto de crenças, rituais e práticas. Essa análise possibilita conhecer a religião em seu aspecto mais puro possível, pois com o decorrer do tempo e o contato com outros povos, as religiões vão gradativamente absorvendo elementos culturais e sociais, dando origem ao sincretismo religioso, ou seja, resultam da fusão de diferentes credos, tradições, rituais religiosos que formam uma nova religião.

Nessa busca pelos elementos comuns às religiões, Durkheim descarta o sobrenatural, o mistério ou até mesmo o divino como elementos fundamentais da prática religiosa. O mistério, por exemplo, é um conceito que está presente nas religiões que sofreram algum tipo de modificação e influência do meio, pois:

Essa ideia de mistério, presente tardiamente na história das religiões, é totalmente estranha às religiões das sociedades tradicionais que, ao contrário, vivem em um mundo de evidências. [...] A ideia de mistério tem lugar apenas nas sociedades em que emergiu a ideia de uma ordem natural das coisas regidas por leis: nesse caso, apenas o acontecimento inexplicável se torna mistério (HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 180-181).

Ainda sobre este assunto, Durkheim (apud HERVIEU-LÉGER E WILLAIME, 2009, p. 181) escreve que “É a ciência e não a religião que ensinou aos homens que as coisas são complexas e difíceis”. Com isso Durkheim está dizendo que é necessário chegar ao cerne da religião, ou seja, captar aquilo que é comum e essencial em todas as religiões, pois aquilo que diz respeito ao sobrenatural, divino ou misterioso ocupa um papel secundário em grande parte dos ritos e práticas religiosas. Observe que se busca eliminar os elementos que foram sendo introduzidos ao longo da história nas religiões no sentido de conhecer a religião em seu aspecto mais simples. Vale ressaltar que o termo primitivo ou simples não significa a diminuição da importância de uma determinada religião, busca-se apenas compreendê-la em sua origem.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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Outro método adotado na pesquisa foi o de separar os elementos que compõem o todo da religião. Nesse sentido, os elementos devem ser considerados particularmente, pois de acordo com Hervieu-Léger e Willaime (2009, p. 181), “Para enfrentar corretamente o problema da definição da religião, é preciso primeiro afastar o projeto de apreender a natureza da religião em seu conjunto, como se ela formasse uma espécie de ‘entidade invisível’. Ora, ‘a religião é um todo formado de partes’”. Este é um procedimento metodológico fundamental para se chegar a uma definição mais objetiva de religião. Foi necessário separar a religião em partes no sentido de encontrar elementos que são comuns em todas elas, ou seja, “caracterizar os fenômenos elementares dos quais toda religião resulta”. (DURKHEIM apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 182). Uma religião é composta de vários elementos: ritos, crenças, práticas, cerimônias etc., que possuem um significado particular em cada uma, mas em sua essência há algo que torna tais elementos semelhantes em todas as religiões, pois cada elemento possui um significado e uma função.

Após um período de estudos sobre os mais diferentes aspectos das religiões, o sociólogo concluiu que “Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles a que ela aderem”. (DURKHEIM, apud WEISS, 2012, p. 106). Observe que a religião é caracterizada como um sistema solidário, ou seja, um conjunto de elementos integrados baseados no consenso coletivo. A religião, antes de ter um caráter divino ou sobrenatural, possui um caráter social, pois consiste na coesão do grupo em torno de determinadas crenças, rituais, valores etc., ou seja, a religião resulta daquilo que é aceito pelo grupo de crentes, sem essa coesão em torno dos elementos que caracterizam as religiões, as mesmas deixariam de existir. A religião existe quando indivíduos se unem e aceitam tais e tais coisas como sagradas, tais e tais práticas como sendo moralmente corretas ou não. Para Durkheim, a igreja, ou seja, o grupo é o que distingue a religião da magia, pois de acordo com ele, a igreja é “uma sociedade cujos membros estão unidos por representarem de uma mesma maneira o mundo sagrado e por traduzirem essa representação comum em práticas comuns” (DURKHEIM apud WEISS, 2012, p. 105).

Após postular a religião nestes termos é possível observar que o fenômeno religioso se assenta sobre duas categorias fundamentais, que podem ser classificadas em crenças e ritos. A primeira categoria, as crenças, são “representações que exprimem a natureza das coisas sagradas, as virtudes e os poderes que lhes são atribuídos, sua história, suas relações umas com as outras e com as coisas profanas (DURKHEIM apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 182). A segunda categoria, os ritos, consistem em “regras de conduta que prescrevem como o homem deve se comportar com as coisas sagradas” (DURKHEIM apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 182). Nesse sentido, essas categorias estarão presentes em qualquer religião do mundo, pois é isso que constitui sua essência.

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TÓPICO 1 | OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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Na definição dada por Durkheim podemos considerar alguns aspectos relevantes para a compreensão da religião. Primeiramente, é o caráter coletivo, pois a religião é formada por indivíduos que aderem a um determinado conjunto de crenças e práticas consideradas sagradas. O segundo elemento tem um caráter unificador, pois os indivíduos se unem em torno de crenças, valores e rituais comuns que dão um caráter de unidade para o grupo.

Outro aspecto importante no processo de definição de religião é o fato de Durkheim não se deixar influenciar pelas concepções animistas ou naturalistas da religião. O termo animismo foi utilizado “para indicar a crença difundida entre os povos primitivos de que as coisas naturais são todas animadas; daí a tendência explicar os acontecimentos pela força ou princípios animados” (ABBAGNANO, 2012, p. 65). Consiste num tipo de crença presente nas religiões primitivas, mas que persistem nos dias de hoje, pois determinadas religiões acreditam que os espíritos podem se manifestar por meio de objetos, pessoas ou lugares específicos. Os animistas divinizam estrelas, o Sol, as plantas, os animais etc., pois acreditam que o universo é uma presença viva. No entanto, “Essa perspectiva, defendida por Tylor e Spencer, tem como principal defeito reduzir a religião a um conjunto de representações alucinatórias, a um tecido de ilusões sem nenhum fundamento objetivo” (HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 184).

A concepção naturalista vai contra a concepção animista, pois se esta atribui tudo aquilo que acontece no universo às forças sobrenaturais, o naturalismo, por sua vez, irá se opor à ideia de sobrenatural por acreditar que o universo é regido por leis naturais.

O naturalismo não é contrário à ideia da existência da alma, contanto que a alma seja considerada parte da natureza, seja a alma material ou imaterial, e não é feito qualquer apelo ao sobrenatural. A natureza pode ser material ou imaterial, sem ser transcendente. Presumivelmente, a natureza contém todas as coisas que conhecemos: temporais, espaciais, morais, religiosas, científicas e práticas. A natureza seria a nossa última palavra. Tudo quanto podemos chegar a experimentar faz parte da natureza e encontra-se na natureza (CHAMPLIN, 2004, p. 457).

Se por um lado temos a explicação animista que tende a atribuir a origem da religião na natureza humana, por outro, a explicação naturalista atribui a origem das representações religiosas no próprio universo.

Por esse motivo, elas se condenam a reduzir essas representações à expressão de um sonho ou à interpretação delirante dos fenômenos cósmicos, deixando escapar, ao mesmo tempo, a relação que as ideias religiosas mantêm com a realidade vivida dos homens, ou seja, com a realidade social (HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 185).

Será esta realidade social a fonte da dicotomia desenvolvida por Durkheim acerca do sagrado e do profano, pois de acordo com ele:

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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Uma vez que nem o homem nem a natureza têm, por si mesmos, um caráter sagrado, isso se deve ao fato de que eles o têm a partir de outra fonte. Fora do indivíduo humano e fora do mundo físico, deve, portanto, haver alguma outra realidade em relação à qual essa espécie de delírio que é de fato, em certo sentido, toda religião, toma uma significação e um valor objetivo. Em outras palavras, para além do que chamamos de naturalismo e animismo, deve haver um outro culto, mais fundamental e mais primitivo, do qual os primeiros são provavelmente apenas formas derivadas ou aspectos particulares (DURKHEIM apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 185).

O sagrado e o profano fazem oposição entre si, pois o sagrado é aquilo que está acima do comum, está associado a objetos, eventos e rituais específicos. O sagrado não é o universo, a natureza, o céu ou um espírito, o sagrado é resultado do valor que o homem atribui às coisas. A questão que se deve refletir é: de onde se origina a ideia do sagrado?

As coisas sagradas são aquelas cuja representação é elaborada pela sociedade; ela abarca toda espécie de estados coletivos, de tradições e de emoções comuns [...]. As coisas profanas, pelo contrário, são aquelas que cada um de nós constrói com dados dos seus sentidos e de sua experiência pessoal (DURKHEIM apud ROLIM, 1996, p. 35).

Observe que o sagrado é uma representação das coisas construída coletivamente. Consiste naquilo que se afasta do natural e corriqueiro, pois o sagrado nos remete ao extraordinário, para aquilo que é transcendente e metafísico, foge da normalidade. O profano é o lógico, explicável, testável e aceito racionalmente, enquanto que o sagrado apela para a fé, as emoções. Isso parece ser uma explicação simplista, mas não é. O sagrado é uma construção complexa em que as religiões explicam os fenômenos com base em suas crenças.

Outra maneira de distinguir o sagrado do profano é colocada por Durkheim da seguinte forma:

O sagrado se distingue do profano por uma diferença, não de grandeza, mas de qualidade... A linha divisória que separa estes dois mundos decorre de que são de natureza diferente: e esta dualidade não é senão expressão objetiva da que existe em nossas representações (DURKHEIM, 1898 apud ROLIM, 1996, p. 36).

O profano não possui significado emocional na mesma medida em que o sagrado. Um exemplo disso é quando as pessoas estão fazendo uma refeição comum em seu dia a dia e quando estão participando de uma refeição de caráter sagrado. A maneira como as pessoas se comportam ou reagem diante de cada refeição determina o significado emocional que o sagrado e o profano têm sobre o indivíduo. Em uma refeição comum (profana) as pessoas geralmente se comportam de maneira natural, enquanto que em uma refeição que faz parte de um ritual, por exemplo, a maneira como as pessoas se comportam é diferenciada devido ao significado emocional que o sagrado tem para os crentes, pois o sagrado é “o traço distintivo do pensamento religioso” (DURKHEIM apud CHINOY, 1967, p. 491).

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TÓPICO 1 | OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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Na figura a seguir nós temos um exemplo de ritual sagrado conhecido como Ritual Kuarup. Alguém que desconhece os rituais das tribos do Alto Xingu considera isso apenas uma luta, todavia, este ritual consiste em um momento importante para dar fim à lamentação pelos parentes que morreram.

FIGURA 30 - A LUTA HUKA-HUKA

FONTE: Disponível em: <https://fansaranduarakuaa.wordpress.com/2014/11/17/ritual-kuarup/>. Acesso em: 4 ago. 2015.

Outro aspecto fundamental para compreendermos a religião em Durkheim é a diferença que estabelece entre magia e religião. De acordo com Chinoy (1967, p. 496-497):

As metas da religião são transcendentais – a salvação, a absolvição dos pecados, a unidade com Deus – ou de caráter geral: a saúde, a vida longa, a riqueza. As finalidades da magia são específicas e imediatas: a recuperação da saúde, uma boa colheita, um empreendimento comercial bem-sucedido, o amor reciprocado, a morte de um inimigo. A religião minora as incertezas do homem, emprestando significado a seus atos ou estabelecendo suas relações com o divino. A magia alcança o mesmo resultado proporcionando um estratagema que se supõe capaz de atingir metas concretas.

Mesmo que a religião e a magia se encontrem frequentemente entrelaçadas é possível perceber que ambas desempenham papéis diferentes na vida do crente. Essa diferenciação foi sendo construída no decorrer da história da religião, pois somente nas sociedades mais modernas é que é possível perceber o distanciamento entre ambas. Nas sociedades mais modernas a religião vem ganhando um caráter mais formal e reconhecimento do Estado, enquanto que a magia é vista como rituais menos racionais que não se enquadram na mentalidade das sociedades atuais.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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2.2 O TOTEMISMO COMO FORMA DE EXPLICAR A RELAÇÃO ENTRE RELIGIÃO E SOCIEDADE

A grande questão levantada por Durkheim é que a religião é fruto das relações sociais. Para explicar isso ele vai recorrer ao totemismo, pois de acordo com os estudiosos, esta é a religião mais antiga da história humana, e, portanto, ao recorrer a ela Durkheim está em busca daquilo que considera a essência das religiões, ou seja, algo primitivo e simples que não tenha sido transformado pelas mudanças históricas da humanidade ou sofrido qualquer influência de outras religiões.

Primeiramente precisamos saber claramente o que é o totemismo. Sobre esta forma de religião, Allan G. Johnson nos diz o seguinte:

A religião totêmica (ou totemismo) é uma forma de instituição religiosa organizada em torno da crença comum em objetos sagrados, denominados tótens. Émile Durkheim analisou religiões totêmicas e chegou à conclusão de que elas, na verdade, são maneiras de as pessoas adorarem sua própria sociedade, atribuindo poder sobrenatural aos tótens a ela associados. Os tótens são considerados representações dos elementos sagrados da própria sociedade, e não divindades externas.

Os tótens podem assumir formas diferentes, mas, de modo geral, consistem em objetos naturais, como plantas ou animais. São vistos com grande temor e reverência, uma vez que se acredita que qualquer comportamento impróprio em relação a eles – tais como tocá-los, olhá-los ou, no caso de tótens vivos, ofendê-los ou matá-los – acarretará consequências desastrosas.

FONTE: JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997, p. 197.

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TÓPICO 1 | OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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FIGURA 31 - TOTEM

FONTE: Disponível em: <https://lanaveva.wordpress.com/2010/04/27/totem-amerindios-simbolos-religiosos-y-heraldicos/>. Acesso em: 21 jul. 2015.

Um princípio elementar no estudo das religiões é se colocar abertamente frente às religiões, sem considerar o fato de serem boas ou más; verdadeiras ou falsas. É necessária uma postura objetiva frente àquilo que se está estudando. Nesse sentido, escreve Durkheim (apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 186), “Consideramos como axioma que as crenças religiosas, por mais estranhas que sejam na aparência, têm sua verdade que é preciso descobrir”. No entanto, essa verdade contida nas religiões só é possível descobrir se o pesquisador se colocar na posição de crente, ou seja, enxergar a religião de dentro dela e não apenas como um observador externo que inviabiliza o conhecimento de sua essência.

Essa postura foi adotada por Durkheim ao estudar a religiosidade das tribos australianas. Qual o motivo que levou Durkheim a buscar no totemismo o fundamento para compreender a religião? O primeiro passo foi descobrir o que é o totem, que segundo o sociólogo “o totem é antes de tudo um símbolo, a explicação material de alguma coisa” (DURKHEIM apud WEISS, 2012, p. 111). A questão a ser descoberta é: que outra coisa que o totem representa, ou seja, que outra coisa confere ao totem a sacralidade?

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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O totemismo é a religião não de tais animais, ou de tais homens, ou de tais imagens, e sim de uma espécie de força anônima e impessoal, que se encontra em cada um desses seres, sem todavia se confundir com nenhum deles. Ninguém a possui inteiramente, e todos dela participam. Ela é de tal modo independente dos indivíduos particulares em que ela se encarna, que ela tanto os precede como os ultrapassa. (...) Tomando o termo em um sentido muito amplo, poderíamos dizer que ela é o deus que cada culto totêmico adora. Apenas é um deus impessoal, sem nome, sem história, imanente ao mundo, difuso em uma inumerável multidão de coisas. (DURKHEIM apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 188).

O totemismo nos dá a ideia de uma religião em que não há um ponto fixo sobre o qual se assentam as crenças e práticas. Isso significa dizer que o totem representa um clã. O totem se torna um referencial para a criação de normas, rituais e tabus, pois a tribo que adota determinado objeto, animal ou planta cria uma identidade com o totem. Um exemplo disso é o clã Binaliib da etnia Konkomba de Gana, na África, que se identificou com o leopardo. Essa identificação com o leopardo gerou o desenvolvimento de um comportamento e práticas que sinalizam esta relação, pois de acordo com Lidório (2015, p. 1), o clã Binaliib,

sente-se histórica e socialmente ligado ao leopardo, fazendo com que o clã receba seu nome, compartilhe seu território de caça, creia que há uma explicação mística de tempos recuados para esta integração e sente-se ‘misturado’ ao perfil daquele animal, crendo que experimenta e compartilha sua força, resistência e velocidade.

Outra questão importante nesta relação é o surgimento dos tabus e normas em decorrência do respeito ao totem.

A partir desta ligação totêmica surgem tabus e normas. Por vezes leis. No caso Konkomba, o clã Binaliib não poderá caçar ou comer um leopardo. Não poderá também partilhar das mesmas presas que ele ou transitar com muita liberdade em seu território de caça. No caso extremo de ataques de leopardo de forma constante em uma área Binaliib, pede-se a um membro de outro clã que possa caçá-lo. As habilidades do leopardo são valorizadas entre os Binaliib. A velocidade e força são valores ensinados para as crianças como associados ao totem crendo que, aqueles que desenvolverem tais habilidades possuirão maior associação com o animal. Os velhos utilizavam a expressão ndjotiib (irmãos de sangue) quando se referiam aos leopardos. (LIDÓRIO, 2015, p. 1).

Observe que a cultura desta tribo mistura-se às características do totem e vai sendo perpetuada por meio dos ritos, das crenças e da educação. Os membros do clã que possuem as características físicas que mais se assemelham ao totem possuem com ele uma relação espiritual mais profunda.

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TÓPICO 1 | OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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Na religião totêmica a sociedade se funde ao divino. Se observarmos o totemismo, veremos que os indivíduos buscam uma identificação com determinadas características do totem. Essa identificação cria uma relação mística que resulta em comportamentos adotados pela maior parte ou todo o clã. A partir disso a sociedade e o totem se fundem onde a consciência coletiva é constituída a partir dos valores do totem.

A força religiosa é tão somente o sentimento que a coletividade inspira a seus membros, mas projetado fora das consciências que o experimentam, e objetivado. Para se objetivar, ele se fixa sobre um objeto que se torna, desse modo, sagrado; mas qualquer objeto pode desempenhar esse papel (DURKHEIM apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 190).

O sagrado é, nesse sentido, o ponto de convergência para onde os indivíduos direcionam suas consciências. É o elemento unificador das diferentes pessoas que compõem a sociedade.

O totem não possui força coercitiva no sentido de obrigar os membros do clã a adotarem tal e tal comportamento. A força do totem é consolidada pelo clã, pois este é o responsável por coagir os membros a aderir a determinadas práticas, rituais e crenças. Nesse sentido, em relação ao totem:

O clã toma nome e a ele dedica seus rituais, considerando que uma força misteriosa anime o simulacro totêmico, considerado capaz de punir toda violação. Como a planta ou o animal que desempenha funções totêmicas não tem por si particulares potencialidades, devemos pensar que o totem seja essencialmente um símbolo, que representa ao mesmo tempo a divindade e o clã. O totem e o clã se identificam, justamente como a religião e a sociedade. (CIPRIANI, 2007, p.103).

Esse é um aspecto comum nas religiões, onde não são os deuses ou espíritos que punem ou recompensam os homens, mas o grupo é responsável por isso. Isso significa dizer que é responsabilidade do coletivo aplicar aquilo que é atribuído à divindade. Um exemplo disso são as religiões onde o adultério é considerado um pecado passivo de pena de morte porque um deus assim o determinou. O castigo não é aplicado pela divindade, mas pela comunidade de fiéis que acredita que a divindade assim o quer. A vontade da divindade ou dos espíritos é concretizada por meio da coletividade. Nesse sentido, “a descrição durkheimiana do poder que a sociedade exerce sobre os indivíduos incita, em último caso, a considerar esta como uma entidade quase que personificada e dotada de vontade própria” (HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 190). A vontade atribuída à divindade é colocada em prática pela sociedade, pelo clã, pela tribo etc. Destarte, “A sociedade [...] torna-se objeto de crença, de culto por, em si própria, ter qualquer coisa de sagrado. O crente depende de algo com natureza diferente da sua e que lhe é superior; o indivíduo social tem a mesma relação com a sociedade. Pela religião, o crente adora a sociedade transfigurada” (COSTA, 2009, p. 48).

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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Tal poder exercido pela sociedade sobre o indivíduo desempenha dois papéis. O primeiro papel que a sociedade desempenha na vida do indivíduo:

Diz respeito à sua autoridade moral, que faz com que os indivíduos respeitem suas prescrições, sem questionar a utilidade ou a adequação das mesmas. O indivíduo obedece porque é preciso obedecer, porque percebe que é uma força superior que lhe ordena, mesmo que não identifique a origem real dessa força (WEISS, 2012, p. 112).

A religião consiste em obedecer às leis, e os fiéis as obedecem porque acreditam que é assim que deve ser. A sociedade está acima do indivíduo e este deve atentar para a vontade coletiva. Mesmo nas sociedades em que a presença da religião tem pouca influência existe o princípio do respeito àquilo que é coletivo. Essa ideia tem origem na religião, pois dentre suas características devemos destacar o aspecto coletivo de suas crenças, ritos e práticas. O princípio que estabelece a sociedade anterior e acima do indivíduo nasceu no seio da religião. O segundo papel da sociedade sobre o indivíduo:

É o de reconfortar o indivíduo, assim como um deus, ao qual recorrem seus fiéis nos momentos de fraqueza. Isso acontece porque a sociedade é uma potência moral, ela reúne as forças não apenas dos indivíduos de um dado momento histórico, mas ela perpetua ideias e sentimentos que perduram séculos. Um pouco mais especificamente, é nos momentos em que o indivíduo participa de alguma atividade coletiva que ele sente essa força, sente como se algo viesse a seu encontro para reacender seus ânimos. Esse é um importante papel desempenhado pelos ritos, que, enquanto prática social, fazem com que os indivíduos percebam que são diferentes quando estão reunidos para celebrar seus valores comuns (WEISS, 2012, p. 112-113).

As instituições sociais, dentre outras coisas, têm a finalidade de amparar os indivíduos. Assim como as pessoas recorrem à divindade, ao transcendente na busca por conforto espiritual, é na sociedade que o indivíduo busca amparar suas necessidades emocionais, físicas e sociais. Outro aspecto importante no reconforto que a sociedade proporciona ao indivíduo consiste no fato de que ela permite que o indivíduo sinta-se parte de um todo. Não um todo que lhe rouba sua individualidade, mas ele é parte de um coletivo em que suas características individuais servem de alguma maneira aos interesses sociais. Este aproveitamento do indivíduo para atividades coletivas também é recorrente no âmbito religioso, pois nos rituais é muito comum o envolvimento dos indivíduos.

Observe que há um entrelaçamento entre a vida religiosa e a vida social. A conclusão a que Durkheim chega após suas pesquisas para dar uma definição de religião é a seguinte:

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Agora podemos compreender melhor porque nos foi impossível definir a religião pela ideia de personalidades míticas, deuses ou espíritos. [...] O que encontramos na origem e na base do pensamento religioso não são objetos ou seres determinados e distintos, que possuam por si mesmos um caráter sagrado; são, ao contrário, poderes indefinidos, forças anônimas, mais ou menos numerosas conforme as sociedades, por vezes até reconduzidas à unidade e cuja impersonalidade é estreitamente comparável à das forças físicas, cujas manifestações são estudadas pelas ciências da natureza. Quanto às coisas sagradas particulares, elas são apenas formas individualizadas desse princípio essencial (apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 189).

A base da vida religiosa é a sociedade, pois o sagrado, os poderes, o mítico estão associados a cada sociedade em particular. As crenças, os ritos e as práticas religiosas estão associados diretamente à vida coletiva que é a origem da vida social. Mesmo com o advento da modernidade, a religião vem gradativamente sofrendo algumas alterações, mas ainda é perceptível a relação existente entre a vida social e a essência da vida religiosa. O campo religioso foi uma fonte importante para o desenvolvimento da teoria sociológica de Durkheim.

3 WEBER E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

Para Weber, a religião cumpre um papel aqui e agora, pois ele escreve que “as formas mais elementares do comportamento motivado por fatores religiosos ou mágicos estão orientadas para o mundo cá embaixo” (apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 83). Na visão de Weber, o discurso religioso não consiste apenas ou diretamente naquilo que espera o fiel no além, antes de tudo refere-se ao mundo cá embaixo. No sentido de tornar isso mais claro, o sociólogo escreve que:

Os diversos bens de salvação (Heilsguter), prometidos e propostos pelas religiões, não devem de modo algum ser considerados pelo pesquisador empírico como estando relacionados somente, ou até prioritariamente ao ‘além’. [...] os bens da salvação propostos por todas as religiões, primitivas ou civilizadas (kultiviert), proféticas ou não, relacionam-se em primeiro lugar, com muito peso, a este mundo presente: saúde, longa vida, riqueza – tais eram as promessas das religiões chinesa, védica, do zoroastrismo, judaísmo antigo, islamismo, assim como as religiões fenícia, egípcia, babilônica e germânica antiga, e tais eram também as promessas feitas aos leigos piedosos pelo hinduísmo e pelo budismo. Apenas o virtuose religioso – [asceta], monge, sufi, derviche – visava a um bem de salvação ‘extramundano’, comparado com os bens concretamente terrestres (...). (WEBER apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 84).

A religião em Weber é de certa forma racionalista, pois a prática está pautada em coisas concretas que podem ser vivenciadas aqui neste mundo. Isso significa dizer que o fiel pode e deve experimentar os benefícios da vida religiosa no decorrer da sua vida e não apenas com vistas no além. Nesse sentido, é possível compreender, por exemplo, a função das orações, pois por meio delas o indivíduo

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busca de alguma maneira entrar em sintonia com o divino a fim de pedir alguma coisa para sua vida aqui, ou agradecer por alguma prece atendida. Desta maneira, entendemos também que o comportamento ético do crente não visa apenas o além, mas tem sua relação com o aqui e o agora.

A racionalização do mundo é outro aspecto importante na sociologia da religião de Weber, pois de acordo com Hervieu-Léger e Willaime (2009, p. 105):

Uma oposição fundamental atravessa a sociologia weberiana das religiões, ou seja, a que existe entre religião mágica e religião ética, sendo que a eticização da religião foi um dos grandes vetores de sua racionalização. E é porque Weber discerne um vasto processo de desmagificação do mundo (Entzauberung der Welt), iniciado a partir do próprio interior das religiões, que ele atribui uma grande importância ao papel desempenhado por certas expressões religiosas na racionalização do mundo.

Para explicar este processo Weber faz referência à magia praticada pelos asiáticos, pois considera que essas práticas impediam que os asiáticos desenvolvessem uma visão racional do mundo. A magia era o meio pelo qual as pessoas buscavam entrar em contado com forças ocultas presentes no universo. Através de rituais, feitiços e orações, invocavam alguma força para agir em prol daqueles que assim o desejavam. O mago é o responsável por conduzir os rituais e proferir conjuros a fim de mover as forças ocultas, espíritos ou deuses nos quais se acreditam. O profeta é o que sucede o mago, que sendo portador do carisma, ou seja, o portador de dom divino para o bem da comunidade. Para Weber, “são as profecias que chegaram a sair do mundo da magia (Entzauberung der Welt) e que, por isso mesmo, criaram as bases de nossa ciência moderna, da técnica e do capitalismo” (apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 106). O profeta introduz uma nova maneira de praticar a religião, pois ele transmite o mandamento divino e proclama ao povo que sejam obedecidas as prescrições contidas na lei. A religião deixa de ser mágica, e os indivíduos depositam sua fé exclusivamente na intervenção dos deuses, e passa a ter um aspecto ético e comportamental, pois as profecias são racionais no entendimento de Weber. Por que Weber considera o profetismo como algo racional? Sobre isso ele diz que o profetismo “cria uma orientação sistemática de conduta de vida em torno de uma escala de valores tomada em sua definição interna, de modo que o mundo aparece então, para o olhar dessa orientação, como um material que é preciso modelar conforme a norma ética” (WEBER apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 107). O cristianismo abraçou boa parte da ética judaica contida na Torá, e isso naturalmente conduz os crentes a um comportamento social rigoroso prezando por uma conduta que agrade a Deus e ao próximo. Nesse sentido, as bênçãos, a saúde, a riqueza e a prosperidade não resultam de poderes mágicos, mas são resultados de esforço, dedicação, trabalho, boa administração dos bens etc. Em muitas partes da Torá existem orientações claras sobre condutas necessárias para que o povo tenha boa saúde. Observe então que a saúde não está associada à intervenção dos deuses, mas é resultado direto da conduta do indivíduo.

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FIGURA 32 - RITUAIS DE MAGIA

FONTE: Disponível em: <http://ordemesoterica.blogspot.com.br/>. Acesso em: 6 ago. 2015.

A ética protestante é outro tema recorrente na sociologia da religião de Max Weber. A ideia de ética desenvolvida por Weber na obra “Ética Protestante e o espírito do capitalismo” se refere ao aspecto prático, nas ações diárias dos indivíduos. De acordo com Hervieu-Léger e Willaime (2009, p. 111):

O ethos é um sistema de disposições que imprimem uma orientação determinada à ação, que a estruturam em uma verdadeira conduta de vida (Lebensfuhrung). Não se trata, por outro lado, de qualquer ética protestante, mas de uma ética precisa, situada historicamente: a ética puritana, de inspiração calvinista, que se desenvolveu particularmente no protestantismo anglo-saxão. O puritanismo definiu um estilo religioso, um comportamento, uma mentalidade.

O puritanismo consistiu em um movimento de caráter religioso e político na Inglaterra no século XVI, que apesar de serem perseguidos, suas pregações e estilo de vida tiveram um profundo impacto sobre a sociedade inglesa e posteriormente na sociedade norte-americana. As doutrinas puritanas eram baseadas no calvinismo e pregavam princípios morais rígidos e formas de adoração simples e seus preceitos se baseavam no cristianismo puro. Devido às perseguições sofridas pela Dinastia dos Stuarts, muitos deles migraram para a América do Norte em busca de segurança. Levaram consigo este estilo de vida rígido e disciplinado, aplicando ao seu dia a dia um comportamento ético enraizado na ética cristã.

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FIGURA 33 - FAMÍLIA PURITANA

FONTE: Disponível em: <http://www.mulherespiedosas.com.br/a-mentalidade-peregrina-dos-puritanos-por-dr-joel-beeke/>. Acesso em: 6 ago. 2015.

O capitalismo é anterior ao protestantismo, devemos deixar claro que Weber não atribui o surgimento do capitalismo aos puritanos ou protestantes, o que fica evidente na ética protestante e o espírito do capitalismo é que houve um casamento entre a ética protestante e o capitalismo. Isso significa dizer que a ética protestante impulsionou o desenvolvimento deste sistema econômico.

A racionalidade da ética religiosa foi fator determinante para o desenvolvimento do capitalismo, pois o indivíduo entregava-se de corpo e alma ao trabalho e à produção de riquezas. Todavia, mesmo em meio a esse comportamento racional, há certa irracionalidade nesta entrega ao trabalho, pois se a vida acontece aqui e agora, seria irracional acumular riquezas e não desfrutá-las. Essa irracionalização é responsável pela racionalização do sistema econômico. O ascetismo religioso era uma prática muito comum para aqueles que desejavam se retirar do convívio social e viver uma vida separada, devotada a Deus e ao trabalho. Após a Reforma, este ascetismo não acontece mais em um mosteiro, mas a vocação passa a ser uma forma de ascetismo onde o fiel entrega-se com devoção no exercício de suas funções. Nesse sentido, a Reforma:

Não situa mais a perfeição espiritual e o ideal cristão na retirada do mundo sob forma da ascese monástica, mas o situa no mundo, ao valorizar a moral e religiosamente a realização de seus deveres na sociedade. É nesse sentido que a Reforma fez do trabalho o lugar da efetivação do dever cristão. Daí essa concepção da profissão como vocação, bem expressa pelo termo alemão Beruf. (HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 116).

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Essa não foi a intenção dos reformadores, mas foi consequência do próprio movimento em si, pois as doutrinas calvinistas da predestinação e o fato de que o homem não é capaz de obter a salvação por seus méritos ensinam, portanto, que os crentes deviam viver e agir como santos no mundo para a maior glória de Deus. Pelo fato de apenas Deus conhecer o destino dos homens (os salvos e os não salvos), o indivíduo deveria se comportar e viver como um escolhido. Destarte, o sucesso do crente em relação ao que ele desempenhava neste mundo não lhe garantia a salvação, mas consistia em um sinal evidente de que este crente era um escolhido por Deus para a salvação, pois “Considerar-se como escolhido constituía um dever, e uma insuficiente confiança em si mesmo era a prova de uma fé insuficiente. O trabalho sem descanso em uma profissão constituía o melhor modo de chegar a essa confiança em si mesmo e de adquirir a certeza da graça” (HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 117).

O puritanismo é marcado por uma fé prática, pois diferentemente dos monges, os puritanos aplicavam os princípios divinos à vida diária, pois “o Deus do calvinismo exigia não boas obras isoladas, mas uma vida inteira de boas obras erigidas como sistema, uma vida santa” (WEBER apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 117). O mundo era o campo de aperfeiçoamento espiritual do puritano, pois seu engajamento em suas tarefas demonstra seu grau de espiritualidade.

A ética protestante não apenas favoreceu o acúmulo de capital, fator essencial para o desenvolvimento do capitalismo, mas outro fator não menos importante nesta relação é o de que “ela o favoreceu também pela confiança que esses crentes virtuosos e convictos inspiravam” (HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 118). Entre os puritanos havia um profundo sentimento de honrar seus compromissos de pagamento de dívidas e respeitar os preços combinados. Tais fatores favoreciam as relações comerciais, pois havia interesse em comercializar com eles devido à estabilidade e garantias decorrentes de tal comportamento.

As teorias de Weber sofreram duras críticas ao longo da história, pois havia casos, por exemplo, de centros comerciais de predominância católica em que houve um desenvolvimento comercial significativo, e em outras regiões, de maioria protestante, onde o desenvolvimento aconteceu tardiamente. Tais casos merecem um estudo particular no sentido de compreender quais fatores influenciaram para que não estivessem de acordo com a teoria de Weber.

Poderíamos discorrer sobre outros elementos importantes da sociologia da religião de Max Weber, mas para efeito de estudo e compreensão geral, acreditamos que o que vimos até aqui auxiliará você a compreender a relação entre a economia e a religião, entre o capitalismo e o protestantismo.

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DICAS

DICA DE LEITURA:

Nesta obra, considerada um dos mais influentes estudos teóricos escritos no século 20, Weber coloca a influência da Reforma Protestante, em especial o calvinismo, como um dos fatores que contribuíram para o desenvolvimento capitalista de alguns países. No protestantismo o trabalho diário era tido como uma forma de glorificar a Deus e isso, por sua vez, consistiu em um fator que impulsionou profundamente o desenvolvimento do sistema capitalista. A leitura deste livro é fundamental para compreendermos a importância do comportamento dos protestantes e sua relação com a produção e administração das riquezas. Boa leitura!

4 BOURDIEU E O CAMPO RELIGIOSO

Pierre Bourdieu nasceu em 1930 no vilarejo de Denguin, no sudoeste da França. Fez os estudos básicos num internato em Pau, experiência que deixou nele profundas marcas negativas. Em 1951 ingressou na Faculdade de Letras, em Paris, e na Escola Normal Superior. Três anos depois, graduou-se em filosofia. Prestou serviço militar na Argélia (então colônia francesa), onde retomou a carreira acadêmica e escreveu o primeiro livro, sobre a sociedade cabila. De volta à França, assumiu a função de assistente do filósofo Raymond Aron (1905-1983) na Faculdade de Letras de Paris e, simultaneamente, filiou-se ao Centro Europeu de Sociologia, do qual veio a ser secretário-geral.

Bourdieu publicou mais de 300 títulos, entre livros e artigos. Fundou as publicações Actes de la Recherche en Sciences Sociales e Liber. Em 1982, propôs a criação de uma "sociologia da sociologia" em sua aula inaugural no Collège de France, levando esse objetivo em frente nos anos seguintes. Quando morreu de câncer, em 2002, foi tema de longos perfis na imprensa europeia. Um ano antes, um documentário sobre ele, Sociologia É um Esporte de Combate, havia sido um sucesso inesperado nos cinemas da França. Entre seus livros mais conhecidos estão A Distinção (1979), que trata dos julgamentos estéticos como distinção de classe, Sobre a Televisão (1996) e Contrafogos (1998), a respeito do discurso do chamado neoliberalismo.

FONTE: Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/formacao/pierre-bourdieu-428147.shtml?page=3>. Acesso em: 7 ago. 2015.

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FIGURA 34 - PIERRE BOURDIEU

FONTE: Disponível em: <http://vivendocidade.com/tag/pierre-bourdieu>. Acesso em: 7 ago. 2015.

Na visão de Bourdieu, o mundo social deve ser compreendido a partir de três conceitos elementares: campo, habitus e capital.

O conceito de campo é um dos conceitos centrais na obra de Pierre Bourdieu e é definido como um espaço estruturado de posições onde dominantes e dominados lutam pela manutenção e pela obtenção de determinados postos. Dotados de mecanismos próprios, os campos possuem propriedades que lhes são particulares, existindo os mais variados tipos, como o campo da moda, o da religião, o da política, o da literatura, o das artes e o da ciência (ARAÚJO; ALVES; CRUZ, 2009, p. 35).

Cada indivíduo busca uma posição no espaço social que é definido por Bourdieu como campo, que em sua concepção é o espaço no qual se desenrolam as relações de poder. O campo está estruturado a partir de uma distribuição desigual de capital simbólico. O que significa esse capital simbólico? Para Bourdieu (1990, p. 51), o capital simbólico é a “forma de que se revestem as diferentes espécies de capital quando percebidas e reconhecidas como legítimas”. A posse do capital simbólico reconhecido é o que determina a posição a ser ocupada pelo agente social. Um exemplo disso é o campo científico, em que os cientistas possuem um capital científico que determina suas posições neste campo. Sobre a teoria dos campos iremos voltar a ela mais adiante, quando tratarmos do campo religioso.

Outro conceito fundamental na sociologia bourdieuziana é com relação ao habitus, que consiste em:

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Um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas (BOURDIEU apud SETTON, 2002, p. 62).

O conceito de hábitos é entendido neste sentido como a dimensão do agente capaz de interagir com a realidade social, o sujeito não é apenas uma determinação da realidade social e nem aquele que determina, mas as relações do sujeito com outros sujeitos é que consistem no princípio gerador das nossas práticas. O sujeito é ativo, isso significa dizer que, mesmo que ele internalize as representações da estrutura social, o sujeito é agente porque age sobre elas. Suas ações não consistem apenas em um reflexo da estrutura social, pois o sujeito é capaz de agir de maneira autônoma. O habitus consiste então na base para nossas ações e condutas, mas não como fator determinante que nos condiciona a ações inconscientes sem considerar os aspectos singulares da personalidade de cada sujeito.

Outro conceito, não menos importante, desenvolvido por Bourdieu é o conceito de capital. De acordo com Socha (2015, p. 1):

Ampliando a concepção marxista, Bourdieu entende por esse termo não apenas o acúmulo de bens e riquezas econômicas, mas todo recurso ou poder que se manifesta em uma atividade social. Assim, além do capital econômico (renda, salários, imóveis), é decisivo para o sociólogo a compreensão de capital cultural (saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos), capital social (relações sociais que podem ser convertidas em recursos de dominação). Em resumo, refere-se a um capital simbólico (aquilo que chamamos prestígio ou honra e que permite identificar os agentes no espaço social). Ou seja, desigualdades sociais não decorreriam somente de desigualdades econômicas, mas também dos entraves causados, por exemplo, pelo déficit de capital cultural no acesso a bens simbólicos.

O capital, num sentido mais comum, é tudo aquilo que pode ser usado para produzir alguma riqueza. Neste sentido o capital é o dinheiro, as ferramentas, as máquinas que podem ser utilizadas para produzir algum produto para ser vendido e produzir novas riquezas. No entanto, o conhecimento, a cultura, a informação também são formas de capital que podem ser utilizadas como ferramentas para obter lucros em algum tipo de relação.

A posição dos indivíduos no campo, seja ele social, político, econômico ou religioso, depende da posse de algum tipo de capital. Nesse sentido, Bourdieu faz a diferença entre capital econômico, cultural, social e simbólico.

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O capital econômico, ou seja, a posse de diferentes fatores, como dinheiro, terra, máquinas, ferramentas etc., pode ser ampliado de acordo com as estratégias que cada um estabelece para fazer os investimentos necessários para a ampliação deste capital. O capital econômico confere, a quem o possui, posições importantes nos diversos campos, pois a posse de riqueza é uma forma de exercer poder sobre aqueles que não a possuem. É comum as pessoas de posse de um elevado capital econômico praticarem injustiças e permanecerem impunes, pois o poder econômico, em muitos casos, lhes garante certa imunidade diante das instituições responsáveis pela aplicação da justiça. É contra este tipo de injustiça e dominação que Bourdieu se posiciona de maneira contrária.

FIGURA 35 - CAPITAL ECONÔMICO

FONTE: Disponível em: <http://mafarricovermelho.blogspot.com.br/2014/08/estudo-mostra-que-quatro-grandes-grupos.html>. Acesso em: 11 ago. 2015.

O capital cultural “consiste de ideias e conhecimentos que as pessoas usam quando participam da vida social” (BOURDIEU apud JOHNSON, 1997, p. 29). O capital cultural é acumulado no decorrer da vida em decorrência das experiências vivenciadas pelo sujeito e de seu contexto cultural. Uma criança, por exemplo, que nasce em uma família com acesso a informações, onde os pais são diplomados, que têm condições de levar a criança a museus, viagens internacionais e acesso a literaturas diversas, tende a possuir um capital cultural muito superior em relação a uma criança em que os pais são semianalfabetos, nunca saíram da cidade onde moram, não têm condições de possibilitar acesso à informação, literatura e arte. Tal situação tende a fortalecer as desigualdades sociais, pois o capital cultural é uma porta de entrada para a obtenção das melhores profissões e empregos e, consequentemente, a obtenção de um maior capital econômico.

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[O capital social é] o conjunto dos recursos reais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento mútuos, ou, em outros termos, à vinculação a um grupo, como o conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros e por eles mesmos), mas também que são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 1998, p. 67).

O capital social consiste na rede de relacionamentos que o agente social possui. Por que isso é considerado um capital? Um conjunto de relacionamentos sociais possui uma importância muito grande para a ampliação, por exemplo, do capital econômico. O indivíduo que possui uma extensa rede de relacionamentos pode tirar proveito disso, por exemplo, quando está em busca de mercado para vender seus produtos ou se deseja mudar de emprego. O aumento do capital social depende da maneira como o agente social lida com sua posição nos grupos e redes de relacionamento aos quais pertence.

O capital simbólico – outro nome da distinção – não é outra coisa senão o capital, qualquer que seja a sua espécie, quando percebido por um agente dotado de categorias de percepção resultantes da incorporação da estrutura da sua distribuição, quer dizer, quando conhecido e reconhecido como algo de óbvio (BORDIEU, 2003, p. 145).

O capital simbólico consiste no prestígio que o agente social possui frente aos demais. Está relacionado à maneira como ele e suas ações são interpretadas pelos demais. No capital simbólico o indivíduo se destaca dos demais por uma virtude que lhe é atribuída. Podemos usar como exemplo um jogador de futebol famoso. Quando ele chega a um determinado local, as pessoas querem tirar fotos e ter autógrafos, não por conta do salário que os jogadores recebem, mas acima disso está o fato de ele ser famoso, ou seja, ter prestígio em decorrência de uma habilidade que o distingue dos demais.

Como ingrediente natural do capital simbólico, temos o poder simbólico, que nada mais é do que “um poder que aquele que lhe está sujeito dá àquele que o exerce, um crédito com que ele o credita, um fide, uma auctoritas, que lhe confia pondo nele a sua confiança. É um poder que existe porque aquele que lhe está sujeito crê que ele existe” (BOURDIEU, 2003, p. 177). Observe que o poder simbólico está associado, de certa maneira, ao carisma de quem o possui, pois a confiança atribuída a um determinado sujeito se dá a partir de suas ações. Esse tipo de poder está relacionado diretamente com o tempo e o espaço em que os indivíduos vivem e convivem. A realidade do poder simbólico está na mente daquele que atribui ou confia no outro lhe dando crédito. Esse tipo de poder é resultado da capacidade de manipular, influenciar as pessoas a partir de algum atributo que lhe confira autoridade. Em síntese, o poder simbólico é o poder de fazer crer.

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4.1 O CAMPO RELIGIOSO

No início falamos sobre o conceito de campo que é tema central da sociologia da religião. É central porque no campo, enquanto espaço social, é onde acontecem as relações entre dominantes e dominados, no sentido de manter suas posições nesse espaço. A partir de agora iremos discorrer, brevemente, sobre o conceito de campo religioso. De acordo com Costa (2009, p. 79):

A sociologia da religião é, para Pierre Bourdieu, a sociologia do campo religioso. Esse campo é, assim, apreendido enquanto estrutura, isto é, relevando de posições e de relações entre posições. O cristianismo, mais especificamente a Igreja Católica, é o objeto central do campo religioso em Bourdieu.

Para desenvolver sua teoria do campo religioso, Bourdieu lança mão dos clássicos, em maior medida, dos conceitos de Max Weber, tais como sacerdote, profeta, mago e leigo. A partir desses conceitos Bourdieu busca compreender a dinâmica existente no campo religioso e as disputas que nele existem.

Um exemplo de tensão existente no campo religioso é aquele que existe entre o sacerdote e o profeta, pois de acordo com Bourdieu (2004, p. 120), o sacerdote seria “mandatário de um corpo sacerdotal que, enquanto tal, é detentor do monopólio de manipulação legítima dos bens de salvação e que delega a seus membros, tenham eles carisma ou não, o direito de gerir o sagrado”. Este procura reproduzir as condições de campo em que os bens de salvação por ele oferecidos são os únicos legítimos. A distribuição do capital religioso é responsável por determinar qual a posição que o agente social irá ocupar neste espaço social. Nesse sentido, a posse de um maior capital determinará a importância e influência que o agente social irá ter sobre os demais neste espaço. No caso do sacerdote católico, por exemplo, que é reconhecido como autoridade religiosa pelo Estado, sua posição no campo religioso terá maior influência do que a posição de um mago que é reconhecido apenas por aquelas pessoas que o procuram em decorrência de alguma necessidade. Desta forma é comum que haja uma disputa entre estes agentes sociais por uma posição cada vez mais influente no campo religioso.

Outro agente social no campo religioso é o profeta. Este é, portanto, o homem das situações extraordinárias, pois ele questiona o poder religioso instituído, segundo Bourdieu (1992, p. 39) “O profeta, ao contrário, é o agente religioso que, em situações extraordinárias, de crise, ou a partir de grupos marginais, produz por seu discurso ou sua prática uma nova concepção religiosa”. O profeta não é um agente social com características extraordinárias, mas é o agente religioso que participa rivalizando com os demais agentes em uma situação extraordinária. Nesse sentido, a atuação do profeta se restringe a uma situação de crise onde a situação clama pela sua atuação. Desta maneira, “enquanto a crise não tiver encontrado seu profeta, os esquemas com os quais se pensa o mundo invertido continuam sendo produto do mundo a ser derrubado” (BOURDIEU, 1974, p. 77). O profeta é o arauto de um novo rumo diante da crise, inflama os leigos rumo às mudanças. Sua voz, ao ser ouvida pelos demais, consequentemente sua posição, ganha maior importância no espaço social.

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O mago ou feiticeiro são pessoas que fazem parte da religiosidade popular e que são na verdade religiosos autônomos, isto é, não estão vinculados a uma religião institucionalizada. O mago se apropria, de certa maneira, aos bens simbólicos que são produzidos pelos sacerdotes e profetas e aplica isso no atendimento das demandas imediatas de sua clientela. Em decorrência disso, o mago ou feiticeiro é um agente social combatido pelo profeta e sacerdote, pois este ameaça suas posições no campo religioso. Outra questão importante a ser considerada é o fato de que:

Os interesses mágicos distinguem-se dos interesses propriamente religiosos pelo seu caráter parcial e imediato, e cada vez mais frequente quando se passa aos pontos mais baixos na hierarquia social, fazendo-se presentes, sobretudo, nas classes populares e, mais particularmente, entre os camponeses cujo destino é estreitamente ligado à natureza, dependendo em ampla medida de processos orgânicos e de acontecimentos naturais e pouco disponíveis, do ponto de vista econômico, a uma sistematização racional (BOURDIEU apud MEDRADO, 2014, p. 1).

Aos leigos é a quem se destina a produção religiosa. No campo religioso, o clero produz os bens religiosos e os leigos compram estes bens. Isso se dá por vários meios, desde as ofertas, dízimos, consumo de objetos sagrados, livros, músicas, pregações etc. A produção destes bens é feita por pessoas especializadas e é mantida pelos leigos. Uma igreja, por exemplo, não se declara como uma empresa que vende salvação, mas é sabido que a mesma comercializa os bens relacionados à salvação.

O monopólio dos bens religiosos é uma disputa constante entre os agentes envolvidos, pois cada um quer manter sua posição neste campo. Para que se tenha o monopólio religioso é fundamental que as crenças e valores de uma religião/igreja sejam assimilados por um número cada vez maior de pessoas ou de indivíduos que possuam capital econômico para manter as instituições religiosas.

Um aspecto importante a ser considerado é o fato de que as religiões, em sua grande maioria, fazem alusão ao transcendente, ao absoluto e ao sobrenatural, todavia, na prática sua política é terrena. A religião, portanto, tende a ser cada vez mais especializada, pois precisa de agentes especializados que atendam às demandas necessárias para exercer o monopólio no campo religioso. Bourdieu coloca este assunto da seguinte maneira:

As diferentes formações sociais podem ser distribuídas em função do grau de desenvolvimento e de diferenciação de seu aparelho religioso, isto é, das instâncias objetivamente incumbidas de assegurar a produção, a reprodução, a conservação e a difusão dos bens religiosos, segundo sua distância em relação a dois polos extremos, o autoconsumo religioso, de um lado, e a monopolização completa da produção religiosa por especialistas, de outro lado. (BOURDIEU, 1992, p. 40).

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TÓPICO 1 | OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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A crítica de Bourdieu à religião consiste no fato de que esta contribui para que haja desigualdades quando se posiciona como detentora dos bens religiosos e especializa seu clero ao ponto de criar uma grande distância entre o sacerdote e o leigo. Tal posicionamento tem desencadeado muitos conflitos no campo religioso entre os agentes envolvidos. A religião deve servir aos interesses da comunidade, desenvolver ações que atendam as pessoas em suas necessidades. A igreja não pode ser uma instituição para si, mas acima de tudo, deve ser uma instituição para o outro, para a sociedade.

LEITURA COMPLEMENTAR

RELIGIÃO E MODERNIDADE: PERSPECTIVAS DA SOCIOLOGIA CLÁSSICA

Roberta Bivar Carneiro Campos (UFPE) Eduardo Henrique Araújo de Gusmão (UFCG)

No âmbito das discussões empreendidas pelos clássicos do pensamento social moderno, a temática da origem e dos efeitos da modernidade assume um papel fundamental. Se pensarmos na primeira geração de intelectuais identificados como sociólogos e os situarmos no contexto europeu do século XIX, constatamos que viviam numa época onde era necessário ter uma consciência das enormes mudanças trazidas pelo século XVIII e do seu impacto na sociedade.

O deslocamento de grandes populações campesinas para a cidade, por exemplo, gerou uma concentração de pessoas no espaço urbano cujo grau de intensidade nunca havia sido experimentado. A transição de um momento em que se cultivava a terra no campo para uma outra situação marcada pela produção mecanizada das fábricas introduziu estas populações em novos espaços de trabalho. Novas tecnologias que pertenciam a uma nova época foram geradas. A experiência humana do trabalho assumiu uma nova forma e uma nova aplicação. Neste processo, as pessoas renovaram o entendimento acerca de como a sociedade, como uma unidade deveria ser regulada, ou seja, as velhas elites deveriam dar lugar aos novos mestres que surgiam.

As instituições que ao longo da história haviam se petrificado em decorrência da repetição de padrões tradicionais, sofreram um colapso diante das pressões que a adaptação ao ritmo acelerado das mudanças exigia. A sociedade europeia entrava num estágio de desenvolvimento sem precedentes. Uma palavra era suficiente para descrevê-lo: modernidade.

Nas análises que foram desenvolvidas com o intuito de compreender este momento da história, e cujo enfoque assumiu direcionamentos sociológicos, o fenômeno religioso ocupa um lugar privilegiado. Basta lembrarmos os estudos desenvolvidos por Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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As suas teorias não consideraram a crença e o comportamento religioso, mesmo diante das pressões impostas pela modernidade, como hábitos humanos marginais. Apesar de estes intelectuais divergirem quanto às suas previsões acerca da trajetória futura das ideias e instituições religiosas, cada um guardava a convicção de que a análise da modernidade não podia deixar de considerar a importância da religião como um modelo e uma motivação para a ação humana.

Para Marx, a religião seria a principal forma de falsa consciência, ao evitar que as classes trabalhadoras de cada período histórico reconhecessem seus próprios interesses na revolta contra a classe proprietária. A religião constituiria um dos elementos, talvez o mais importante, da ideologia dominante, este conjunto de crenças que permeia a consciência da sociedade e que mantém os interesses da classe dirigente, fazendo com que a ordem social seja algo natural e inevitável. Na introdução de sua Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, o mencionado autor colocava:

Religious suffering is, at one and the same time, the expression of real suffering and a protest against real suffering. Religion is the sigh of the oppressed creature, the heart of a heartless world, and the soul of soulless conditions. It is the opium of the people (MARX, 1977, p. 45).

Se tomarmos como exemplo os estudos de Max Weber, percebemos que a relação entre religião e modernidade traz consigo preocupações a respeito das origens da racionalidade moderna. Para este autor, a religião teria sido, por intermédio do Protestantismo da Reforma, o fenômeno social responsável pela erradicação dos elementos mágicos que compunham a realidade social europeia, no período anterior à modernidade. Para além de um processo de racionalização religiosa, este movimento traria consigo as condições internas necessárias para o aparecimento e a consolidação do capitalismo no Ocidente. Duas passagens da obra deste autor salientam esta relação. Em sua Sociologia da Religião, Weber afirma:

A criação de uma ética capitalista somente foi obra – ainda que não intencionada – do ascetismo intramundano do protestantismo, o qual abriu precisamente aos elementos mais piedosos e eticamente mais rigoristas o caminho à vida dos negócios e lhes apontava, sobretudo, o êxito nessa área como fruto de uma condução da vida racional (WEBER, 1998, p. 391-392).

Nas últimas páginas d’A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, ao tratar da relação entre ascese cristã e capitalismo, Weber coloca:

Um dos elementos componentes do espírito capitalista moderno, e não só deste, mas da própria cultura moderna: a conduta de vida racional fundada na ideia de profissão como vocação, nasceu – como queria demonstrar essa exposição – do espírito da ascese cristã (WEBER, 2004, p. 164).

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TÓPICO 1 | OS PENSADORES CLÁSSICOS E A SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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Este processo de racionalização religiosa, ao eliminar progressivamente os elementos mágicos da religião, empreenderia para Weber uma jornada de racionalização em duas frentes: por um lado, a racionalização teórica, que confere um sentido unitário e coerente para o mundo, e por outro a racionalização prática, que orienta e informa aos agentes a sua conduta ética cotidiana.

Nas análises de Émile Durkheim, o problema da religião na sociedade moderna está relacionado com as preocupações deste autor acerca das consequências morais da modernização sofrida pelas sociedades europeias no início do século XX. O mencionado autor preocupava-se com as ameaças que poderiam advir da possibilidade de um individualismo amoral e descontrolado para a sociedade e o bem-estar coletivo.

Conforme as suas análises, o fenômeno religioso constituiria, na sociedade moderna, uma força vital e unificadora. A religião exerceria uma espécie de função conciliadora entre os interesses da sociedade no bem-estar coletivo e as crescentes demandas individuais por autodeterminação. Nesse sentido, para Durkheim, mais importante do que se preocupar com o desaparecimento da religião diante das forças da modernidade, seria compreender a capacidade deste fenômeno em se transformar e adaptar-se à nova época. A questão fundamental para este autor dizia respeito assim ao novo formato assumido pela religião em um continente como a Europa, que vivenciava uma época pós-tradicional e industrializada.

Seria no fenômeno denominado de “culto ao indivíduo” ou “religião da humanidade” que Durkheim visualizaria formas de religiosidade mais adequadas para a sociedade europeia contemporânea. Devido ao fato de a sociedade moderna se movimentar em direção a uma organização social geradora de uma solidariedade orgânica, o social e o religioso deixariam de ser sinônimos, e a religião passaria a englobar uma porção cada vez menor da vida social. Esta tendência está exposta no texto A Divisão do Trabalho Social, da seguinte forma:

Originalmente, ela se estende a tudo; tudo o que é social é religioso, as duas palavras são sinônimos. Depois, pouco a pouco, as funções políticas, econômicas e científicas se emancipam da função religiosa, constituem-se à parte e adquirem um caráter temporal cada vez mais acentuado. Deus, se é que podemos nos exprimir assim, que antes estava presente em todas as relações humanas, retira-se progressivamente delas; ele abandona o mundo aos homens e a suas disputas (DURKHEIM, 1995, p. 151-152).

Conforme o autor, em sociedades como aquelas da Europa Ocidental, a religião continuaria presente por intermédio de uma moralidade que atribuía ao indivíduo uma dignidade única. É também em A Divisão do Trabalho Social que Durkheim expõe este movimento, ao dizer:

À medida que todas as outras crenças e todas as outras práticas assumem um caráter cada vez menos religioso, o indivíduo torna-se objeto de uma espécie de religião. Temos pela dignidade da pessoa um culto que, como todo culto forte, já tem suas superstições (DURKHEIM, 1995, p. 155).

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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Para Durkheim, o aspecto de sacralidade e dignidade atribuído ao indivíduo estaria situado num processo evolutivo de longa duração. Por intermédio de uma criação e uma recriação contínua de si mesma, a sociedade desenvolvera novos ideais coletivos que expressavam uma consciência com novas aspirações. Neste contexto, a pessoa humana tornara-se o repositório definitivo para os ideais transcendentes da sociedade.

O que o mencionado autor testemunhava em seu tempo era a última fase da evolução do fenômeno religioso, definida como “moderna” por Robert Bellah em seu ensaio Religious Evolution. A modernidade, de acordo com Bellah, transformaria a vida social num fenômeno de infinitas possibilidades, e neste contexto, o homem seria responsável pela escolha de seu simbolismo.

Portanto, o que as análises dos clássicos do pensamento social moderno deixam claro é que, se na aurora do homem Deus estava presente em cada relação humana, na Europa do início do século XX a tendência que se apresentava era a de sua retirada, o que tornava o mundo um legado da humanidade e de seus conflitos, e a religião um fenômeno do âmbito privado.

FONTE: CAMPOS, Roberta B. C.; GUSMÃO, Eduardo H. A. Religião em movimento: relações entre religião e modernidade. Disponível em: <http://webcache.googleusercontent.com/search?q= cache:YD7GkzRx02QJ:ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/campos/article/download/19139/14699+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 24 jul. 2015.

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Neste tópico vimos que:

• Para Durkheim, ao estudar um sistema religioso em seu estado mais simples e primitivo seria possível extrair os elementos essenciais da religião em seu conjunto de crenças, rituais e práticas.

• Na busca pelos elementos comuns às religiões Durkheim descarta o sobrenatural, o mistério ou até mesmo o divino como elementos fundamentais da prática religiosa.

• Para Durkheim, “Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles a que ela aderem”. (DURKHEIM, apud WEISS, 2012, p.106).

• Um aspecto importante no processo de definição de religião é o fato de Durkheim não se deixar influenciar pelas concepções animistas ou naturalistas da religião.

• O animismo consiste num tipo de crença presente nas religiões primitivas, mas que persistem nos dias de hoje, pois determinadas religiões acreditam que os espíritos podem se manifestar por meio de objetos, pessoas ou lugares específicos.

• A concepção naturalista vai contra a concepção animista, pois se esta atribui tudo aquilo que acontece no universo às forças sobrenaturais, o naturalismo, por sua vez, irá se opor à ideia de sobrenatural por acreditar que o universo é regido por leis naturais.

• O sagrado não é o universo, a natureza, o céu ou um espírito, o sagrado é resultado do valor que o homem atribui às coisas.

• O profano não possui significado emocional na mesma medida em que o sagrado.

• A grande questão levantada por Durkheim é que a religião é fruto das relações sociais. Para explicar isso ele vai recorrer ao totemismo, pois de acordo com os estudiosos, esta é a religião mais antiga da história humana.

• Para Weber, a religião cumpre um papel aqui e agora, pois ele escreve que “as formas mais elementares do comportamento motivado por fatores religiosos ou mágicos estão orientadas para o mundo cá embaixo” (apud HERVIEU-LÉGER; WILLAIME, 2009, p. 83).

• A religião em Weber é de certa forma racionalista, pois a prática está pautada em coisas concretas que podem ser vivenciadas aqui neste mundo.

RESUMO DO TÓPICO 1

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• A ética protestante é outro tema recorrente na sociologia da religião de Max Weber.

• Na visão de Bourdieu, o mundo social deve ser compreendido a partir de três conceitos elementares: campo, habitus e capital.

• A sociologia da religião é, para Pierre Bourdieu, a sociologia do campo religioso. Esse campo é, assim, apreendido enquanto estrutura, isto é, relevando de posições e de relações entre posições.

• A crítica de Bourdieu à religião consiste no fato de que esta contribui para que haja

desigualdades quando se posiciona como detentora dos bens religiosos e especializa seu clero ao ponto de criar uma grande distância entre o sacerdote e o leigo.

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1 A contribuição de Durkheim para a sociologia da religião se constitui base fundamental para a compreensão do fenômeno religioso. Sobre suas contribuições para a sociologia da religião, analise as seguintes sentenças:

I- Ao estudar a religião em seu estado mais simples possível é a possibilidade de conhecer a religião em seu estado mais puro possível.

II- Na busca pelos elementos comuns às religiões, Durkheim se apega aos elementos sobrenaturais como forma de definir a religião.

III- Quando Durkheim utiliza o termo religião simples, ele está rebaixando a religião a uma instituição de menor importância para a sociedade.

IV- Para Durkheim, a religião consiste em um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas.b) ( ) Apenas a afirmativa II está correta. c) ( ) As afirmativas I e III estão corretas.d) ( ) As afirmativas II, III e IV estão corretas.

2 Na sociologia da religião de Weber, a religião tem peso importante em relação àquilo que acontece no mundo terreno, pois influencia as diversas áreas da vida humana. Partindo desse pressuposto, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) Para Weber, o protestantismo é anterior ao capitalismo, pois é a mola propulsora para o surgimento do acúmulo do capital.

( ) Para Weber, a religião cumpre um papel aqui e agora, ou seja, possui um caráter terreno.

( ) Na sociologia da religião de Weber é possível perceber que a racionalidade da ética religiosa foi fator determinante para o desenvolvimento do capitalismo.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – V – V .b) ( ) V – F – V.c) ( ) V – V – F.d) ( ) F – V – F .

3 Bourdieu entende que o mundo social deve ser compreendido a partir de três conceitos elementares: campo, habitus e capital. Descreva com suas palavras o que é habitus na sociologia de Bourdieu.

AUTOATIVIDADE

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TÓPICO 2

A RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

O volume e a intensidade das mudanças pelas quais nossa sociedade vem passando nos últimos anos têm levado muitas pessoas a questionarem se a religião ainda terá espaço na vida das pessoas. Por mais que a ciência tenha fornecido respostas, todavia o homem contemporâneo ainda se depara com questões existenciais que ainda lhe incomodam e a ciência não foi capaz de dar uma resposta satisfatória para esses anseios.

Nesse cenário pós-moderno a religião tem enfrentado uma avalanche de desafios, e estes têm empurrado as religiões a se reinventarem e saírem em busca de uma integração com a sociedade globalizada, consumista e secularizada.

Neste tópico nosso estudo estará voltado para a discussão de algumas questões pertinentes à presença da religião na sociedade atual. Diante das muitas mudanças que vêm ocorrendo, nos mais variados campos da vida humana, será que a religião perdeu sua importância? Diante do processo de secularização de nossa sociedade, como a religião deve se posicionar? A religião é capaz de influenciar a vida social dos crentes?

Essas e outras questões servirão como ponto de partida para nossa reflexão neste tópico. Portanto, convido você para a leitura e uma reflexão sobre os assuntos aqui tratados. Quero lembrar que esse material não pretende ser uma resposta definitiva para as questões aqui tratadas, mas consiste em um ponto de partida para a reflexão, e ainda gostaria de ressaltar que você é livre para questionar e discordar dos assuntos abordados neste material de estudo.

Mãos à obra, boa leitura e boa reflexão!

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

2 A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL

A sociedade contemporânea tem sido marcada por mudanças intensas e cada vez mais profundas. Estas mudanças afetam os mais diferentes aspectos da vida humana. Dentre estes aspectos não podemos deixar de fora a religião. Diante disso, podemos nos perguntar: qual a importância da religião na atual conjuntura?

Antes de respondermos a esta questão, vamos buscar uma definição simples de religião. De acordo com Durkheim (1973 apud DIAS, 2010, p. 258), a religião é “um sistema unificado de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, isto é, a coisas colocadas à parte e proibidas, crenças e práticas que unem em uma comunidade moral única todos os que a adotam”. Observe que nesta definição há uma palavra que salta aos olhos: crença. O ser humano, por natureza, acredita em coisas. Por exemplo, o ser humano acredita que o Sol brilha, que a água mata a sede, que fazer atividades físicas é um hábito saudável. Crer faz parte da vida. No entanto, é importante ressaltar que as crenças vão desde coisas simples, como as que citei, bem como coisas mais complexas, como crer na existência de Deus, na punição para os maus, ou em vida após a morte. A religião unifica diversas crenças no sentido de fornecer respostas aos mais profundos anseios do ser humano.

IMPORTANTE

A seguir nós temos duas definições de religião, sendo que a primeira é uma definição sociológica e a segunda é uma definição eclética. Leia e reflita sobre o sentido de cada uma dessas definições.

1. Tal como todas as instituições sociais, a religião é definida sociologicamente pelas funções que desempenha em sistemas sociais. De modo geral, é um arranjo social construído para prover uma maneira compartilhada, coletiva, de lidar com aspectos desconhecidos e incognoscíveis da vida humana, com os mistérios da vida, morte e existência, e com dolorosos dilemas que surgem no processo de tomar decisões de natureza moral. Como tal, a religião fornece não só respostas a duradouros problemas e perguntas humanos, mas forma também uma das bases da coesão e da solidariedade sociais. FONTE: JOHNSON, Allan G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1997, p. 196.

2. É o reconhecimento da existência de algum poder superior, invisível; é uma atitude de reverente dependência a esse poder, na conduta da vida; e manifesta-se por meio de atos especiais, como ritos, orações, atos de misericórdia etc., como expressões peculiares e como meios de cultivo da atitude religiosa.

FONTE: CHAMPLIN, Russell N. Enciclopédia de Bíblia Teologia e Filosofia. v. 5, 7. ed. São Paulo: Hagnos, 2004, p. 638.

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TÓPICO 2 | A RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL

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A importância da religião depende da perspectiva de cada indivíduo, pois há aqueles que não se preocupam com as questões transcendentais, bem como existem aqueles indivíduos que até possuem uma preocupação excessiva em relação ao mundo espiritual.

Mas quando consideramos o aspecto racional da religião, podemos perceber que a mesma desempenha um papel importante na conduta do indivíduo na sociedade. Um exemplo disso foi o que vimos sobre a ética protestante em relação ao desenvolvimento do capitalismo, pois o comportamento dos fiéis protestantes teve forte impacto sobre o campo econômico.

Na atualidade, o fenômeno religioso vem ganhando importância no estudo da sociologia, pois muitos comportamentos relacionados ao campo cultural, social e econômico têm sido influenciados em grande parte pela religião. A religião fornece um conjunto de crenças e valores que influenciam na maneira como as pessoas lidam com as situações da vida. As pessoas buscam na religião um sentido para a vida e em decorrência disso abraçam os valores nela contidos que trarão para seu dia a dia. Observe que a religião não é algo desvinculado da vida das pessoas, pelo contrário, é algo que está presente em sua vida diária e influencia em suas preferências e escolhas.

As mudanças em relação ao fato de como as pessoas estão percebendo a religião mudou significativamente nas últimas décadas.

Françoise Champion e Danièle Hervieu-Léger apresentam o seu famoso De l’Émotion em Religion contando o que dizia, no fim dos anos 80, Michel Serres: quando, na década de 70, ele queria fazer os alunos rir, falava-lhes de religião; quando os queria interessados, falava-lhes de política. Na virada para os anos 90, acontecia o oposto: fazia-os rir quando lhes falava de política e punha-os atentos quando lhes falava de religião (COSTA, 2009, p. 9).

No início desta unidade nós observamos que a religião está na base da vida social e a ela se funde de forma natural. Na contemporaneidade não há como ignorar o papel da religião na vida social. É urgente que se tenha um conhecimento cada vez mais objetivo do fenômeno religioso a fim de se construir uma sociedade que aprenda a respeitar a pluralidade religiosa e o papel que cada religião desempenha na sociedade.

No gráfico a seguir podemos perceber que o mundo é religioso.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

GRÁFICO 1 - RELIGIÕES NO MUNDO

FONTE: Disponível em: <http://profkarinensinoreligioso.blogspot.com.br/2013/07/distribuicao-das-religioes-no-mundo.html>. Acesso em: 13 ago. 2015.

Mesmo em um mundo que passou por tantas mudanças, grande parte das pessoas possui algum tipo de religião ou acredita na existência de um ser superior. A seguir, trataremos sobre o que é ser religioso numa sociedade secularizada.

3 A CRENÇA NA SOCIEDADE SECULARIZADA

Crer é o princípio básico da vida religiosa. Toda religião possui um conjunto de crenças que devem ser assimiladas por aquele que professa uma determinada religião. Todavia, sabemos que a sociedade atual é marcada por avanços científicos que proporcionam descobertas que se chocam diretamente com as crenças religiosas de muitas pessoas. Como encarar esses fatos? Como se manter religioso frente a esse quadro de mudanças?

Este processo de mudanças de paradigmas é denominado de secularização, que segundo Johnson (1997, p. 202), “é o processo de mudança social através do qual a influência da religião e do pensamento religioso sobre as pessoas declina, à medida que é substituída por outras maneiras de explicar a realidade e regular a vida social”. Em sociedades secularizadas os escritos sagrados foram perdendo gradativamente a influência na vida dos indivíduos, tendo que ser revistos e readaptados à realidade do contexto atual. A prática religiosa se tornou mais racional, ou seja, aquilo que antes era atribuído a fatores espirituais, atualmente se explica por meios científicos. Um exemplo disso são as pessoas com depressão,

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TÓPICO 2 | A RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL

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pois anteriormente os problemas psicológicos eram atribuídos à presença de um espírito do mal que atormentava a pessoa; atualmente, em muitos casos, os líderes religiosos incentivam as pessoas a procurarem um tratamento especializado com psicólogos treinados para receberem atendimento profissional.

Atualmente, diferentemente das religiões primitivas, está havendo uma separação cada vez maior entre a vida religiosa e a vida social. Seguindo essa linha de pensamento, Gauchet (apud COSTA, 2009, p. 106) coloca a situação dizendo: “Eis o mistério do mundo em que vivemos: por mais religiosos que sejam os indivíduos, a sociedade que eles formam permanece ateia nos seus princípios e nos seus mecanismos”. Isso retrata uma religião cujo assentimento é apenas intelectual, mas está divorciada da vida prática do indivíduo. E na sequência o mesmo autor diz que “pode-se conceber, no limite, uma sociedade [organizada] para além do religioso, onde a fé se torna uma opção sem influência nem alcance na definição da organização coletiva”.

A secularização não é a perda da crença, mas consiste na perda da influência religiosa sobre a estrutura social. Isso significa dizer que a religião tem pouca influência sobre as escolhas profissionais, culturais ou políticas dos indivíduos. Desta forma, “a religião só deve intervir na vida pública ou na política se convertida em ideologia, em valores sociais” (COSTA, 2009, p. 108). Um exemplo disso é a Teologia da Libertação, que é considerado um movimento acima das denominações e partidos políticos, pois seu objetivo é difundir os ensinos de Cristo no sentido de promover a justiça social. É um movimento ideológico, pois engloba várias correntes de pensamento. É religião se integrando aos problemas sociais e apontando soluções práticas a fim de solucioná-los.

FIGURA 36 - TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

FONTE: Disponível em: <http://cleofas.com.br/presidente-do-celam-a-teologia-da-libertacao-esta-muito-velha-ou-mesmo-morta/>. Acesso em: 13 ago. 2015.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

Por um longo tempo as religiões determinaram os rumos de nações inteiras. Havia uma mistura entre poder político e poder religioso, ou seja, não se sabia o que era sagrado e o que era profano, pois os líderes religiosos tinham grande poder de influência sobre as decisões do Estado. Com o surgimento do Estado laico, a religião e o Estado estão separados, isso significa que os assuntos de ordem religiosa dizem respeito à vida privada de cada indivíduo. Num Estado laico não há uma religião oficial, mas isso não significa que o Estado é ateu e nem um Estado inimigo da religião. A religião ocupa seu devido lugar na esfera pública, sem, portanto, gerir nas decisões políticas do Estado. Desta forma, todas as religiões devem ser respeitadas e convidadas a participar das discussões políticas como representantes da sociedade civil organizada.

Quando se fala de Estado laico é comum ouvir muitos pronunciamentos que geram mais confusão do que esclarecimentos. O Estado laico não consiste em uma sociedade sem religião, pelo contrário, compete ao Estado criar leis e ações que incentivem a boa convivência entre as pessoas dos diferentes credos e combata eficazmente os crimes de intolerância religiosa. Deve permitir que as pessoas tenham garantidas sua liberdade de crença ou não crença sem que com isso sejam discriminadas por qualquer grupo religioso ou não religioso. O Brasil é um Estado laico, mas a Constituição garante a liberdade de culto.

A partir do surgimento do Estado laico, as religiões “são organizadas por normas precisas, válidas apenas no seu interior e capazes de gerir as relações sociais aí desenvolvidas” (SILVANO apud COSTA, 2009, p. 108). Desta forma, a religião que pretenda influenciar de alguma maneira a sociedade secularizada deve encontrar meios de desenvolver projetos que venham ao encontro das necessidades das comunidades nas quais está inserida, pois do contrário permanecerão fechadas em si mesmas reproduzindo suas crenças e valores na vida de seus fiéis, sem dar um sentido prático para sua existência. Diante disso, “a secularização, como processo, pode, por si, dar vida a novos modos de ser religioso. É claro que, se a religião for despojada de suas formas exteriores, ela termina por permitir, exatamente porque mudam as ‘regras do jogo’, novos modos de viver a experiência do sagrado” (ACQUAVIVA apud CIPRIANI, 2007, p. 225).

Diante do que falamos, não podemos fugir da seguinte questão: o que tem levado à secularização da sociedade? Por que está havendo um declínio na prática religiosa em alguns países? A resposta para estas questões não é tarefa fácil, mas o que podemos dizer é que a secularização faz parte de um processo de mudança de paradigmas pelo qual a sociedade vem passando. Um exemplo disso é o avanço da ciência em busca de respostas para os mais variados dilemas da existência humana. Destarte, muitas pessoas têm voltado suas atenções para as propostas e soluções que a ciência oferece, e não mais para as respostas oferecidas pelas religiões. Este tem sido um processo de rupturas com as concepções religiosas estruturadas, mas que tem sido afetado pelas novas concepções de mundo e da vida.

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TÓPICO 2 | A RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL

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LEITURA COMPLEMENTAR

ENSINO RELIGIOSO E ESTADO LAICO: UMA LIÇÃO DE TOLERÂNCIA

Marília De Franceschi Neto Domingos

1. Conceito de laicidade

Um dos primeiros conceitos a ser discutido é o de laicidade. Essa discussão é necessária quando se coloca a questão: “como ensinar religião ou falar de religião em um Estado laico?”

A laicidade é um dos princípios dos Estados modernos, como, por exemplo, o Brasil. Mas o termo carrega significados bem mais fortes do que o mero fato de ser um preceito. Atribui-se o início das discussões sobre o assunto ao Estado francês, que já em 1880 – notadamente com as leis escolares – institucionaliza este princípio. Considerada mesmo como uma “exceção francesa” pelos críticos, Bauberot prefere apresentá-la como uma “invenção francesa e realidade exportável cujos elementos podemos encontrar em outros lugares” (BAUBEROT, 1997, p. 2089). A laicidade francesa deu-se através de uma construção histórica de mais de um século e hoje se encontra difundida em diversos países, sem jamais ter suscitado tantos debates como naquele país, em especial no campo da educação.

Fruto da separação entre Estado e Igreja, onde esta é excluída do poder político e administrativo e, em particular, do ensino, o Estado laico nasceu de um longo processo de laicização, de uma emancipação e construção progressiva, através de um afastamento dos dogmas, do clero e, sobretudo, do poder da Igreja Católica, ganhando vulto sob o influxo da Reforma Protestante, da filosofia de Rousseau, do Iluminismo, apenas para citar alguns exemplos.

Pode-se dizer que a origem da palavra laico ou leigo remonta à Antiguidade e refere-se ao que não é clerical, ao que pertence ao povo cristão como tal – e não à hierarquia católica – e ao que é próprio do mundo secular, por oposição ao que é eclesiástico. Contudo, é bastante difícil situar e datar com precisão o aparecimento do Estado laico.

A ideia de separação entre governo e Igreja pode ser vista na antiguidade greco-romana. No século V, o Papa Gelase I propôs a doutrina dos dois gládios, que visava separar o poder temporal do poder espiritual. Alguns vão mais atrás e atribuem esta ideia de separação à frase bíblica “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

Três filósofos iniciaram as discussões sobre a laicidade: Descartes, Condorcet e Comte. O primeiro vai traçar os primeiros caminhos da ideia de separação, através do “Discurso do Método” (1638) e dos “Princípios de Filosofia” (1644). Descartes aponta o fato de que há domínios que escapam à razão humana, domínios diante dos quais a razão inclina-se. Para ele, a revelação não é contraditória às realidades racionais; a liberdade de pensamento deve ser respeitada e a interpretação dos textos sagrados é possível através da utilização da razão.

Condorcet, ao distinguir educação e ensino, distingue também a ordem da razão da ordem dos valores. Para ele, a moral é concebida como uma ciência. Compete à família dar a educação e à escola promover o ensino ou instrução. Para ele, a pergunta é clara: “Como se pode instruir e converter ao mesmo tempo?” Ou, ainda, “a religião não é uma questão de consciência e de cada Igreja?” Assim, a separação entre a escola e a religião, ou o princípio da laicidade na escola, aparece pela primeira vez. Condorcet (1791) foi o primeiro a explicitar uma concepção laica de educação, no seu documento “Cinco memórias sobre a instrução pública”.

Comte foi a fonte que guiou os republicanos a partir de 1860, defendendo a idade positiva, a idade da ciência, que assegura a ordem e o progresso da humanidade. Ele propõe que a religião de um Deus transcendente seja substituída pela religião da humanidade.

Uma primeira instituição leiga apareceu já em 1792, na França, com a instituição dos atos civis, aqueles ligados à vida do cidadão e que passam a ser regidos pelo Estado, tendo como elemento central o casamento (BAUBEROT, 1997, p. 2089). Aparecem então o batismo civil (registro de nascimento), o casamento civil, o enterro civil (registro de óbito). Enfim, os atos da vida dos indivíduos deixam de ser regulados pela Igreja e registrados nos livros das paróquias, passando a ser realizados em instituições públicas e registrados em livros de registro civil.

Mas será Jules Ferry, principal fundador da escola laica, que a partir de 1879 envidará todos os esforços para arrancar as crianças da influência da igreja. Como ministro da Instrução Pública e de Belas Artes, à época ele nomeará protestantes espiritualistas liberais, como Ferdinand Buisson, Félix Pécaut, Jules Steig, dentre outros, para colocar essa escola laica em funcionamento. Ferry vai propor uma moral laica, ou independente das igrejas, possibilidade por ele considerada viável.

A palavra laicidade foi formada no século XIX, a partir do adjetivo laïc (leigo, aquele que não pertence ao clero). O termo deriva do grego laos, que significa povo. Este termo vai aparecer em 1871, quando será associado ao ensino público francês e seu surgimento será assinalado pelo Novo Dicionário de Pedagogia e de instrução primária, de autoria de Ferdinand Buisson, publicado em 1887.

No verbete laicidade, contido nesse dicionário, Buisson nos informa que:

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TÓPICO 2 | A RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL

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A Revolução Francesa fez aparecer pela primeira vez com clareza a ideia de Estado laico, de Estado neutro entre todos os cultos, independente de todos os clérigos, liberado de toda concepção teológica. [...] Apesar das reações, apesar de tantos retornos diretos ao antigo regime, apesar de quase um século de oscilações e de hesitações políticas, o princípio sobreviveu: a grande ideia, a noção fundamental do Estado Laico, quer dizer, a delimitação profunda entre o temporal e o espiritual entrou nos costumes de maneira a não mais sair (apud DOMINGOS, 2008, p.157).

A criação desse verbete no dicionário visava diminuir a confusão entre os termos laicidade e laicismo, sendo que este último refere-se ao anticlericarismo. O laicismo é a doutrina que proclama o afastamento total e absoluto das instituições sociopolíticas, culturais e educativas de toda influência da Igreja. Não foi um movimento ou escola de pensamento. O laicismo reclama uma autonomia face à religião e uma exclusão das igrejas do exercício do poder político e administrativo e, em particular, da organização do ensino público. Se o laicismo é antirreligioso, a laicidade é baseada no respeito ao princípio da separação do poder público e administrativo do Estado e do poder religioso.

O termo laicidade aparece para marcar a continuidade da história em um período de crise, uma história construída durante o século XIX, uma história de incessante secularização, na qual Estado e Igreja vão progressivamente separando-se e aonde esta vai gradativamente sendo excluída da administração, da política, da justiça e, finalmente, da escola. Esse processo de separação vai culminar com a lei de 1905, de separação da Igreja e do Estado e, posteriormente, vai se tornar preceito constitucional (Constituições Francesas de 1946 e 1958). Diz o preâmbulo dessas constituições: “A França é uma República indivisível, laica, democrática e social. Ela assegura a igualdade diante da lei de todos os cidadãos sem distinção de origem, de raça ou de religião. Ela respeita todas as crenças” (República Francesa, Constituição de 1958).

Será a influência francesa que irá marcar a história da laicidade no Brasil. Se desde 1882, no Brasil, Ruy Barbosa sugeriu a liberdade de ensino, o ensino laico e a obrigatoriedade da instrução, será apenas em 1889 que a primeira grande reforma educacional promovida por Benjamin Constant, então ministro da Instrução, Correios e Telégrafos, colocará estes princípios em prática.

Os princípios da liberdade, laicidade e gratuidade da escola primária serão os norteadores dessa reforma. O princípio da neutralidade religiosa escolar, ou seja, da laicidade, será introduzido na sociedade brasileira. Mal compreendido desde esta época, o ensino laico será acusado de antirreligioso, ateu, laicista. Será a Constituição de 1891, a primeira Constituição republicana, que legislará sobre a separação entre Igreja e Estado, liberdade de culto e reconhecimento da diversidade religiosa.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

Se hoje isso nos parece evidente, na época foi um grande avanço, tendo em vista que na Constituição Imperial, de 1824, além de a religião católica ser declarada “Religião do Império” (art. 5º), as outras religiões somente eram permitidas “com seu culto doméstico ou particular em casas para isso destinadas, sem forma [sic] alguma exterior de templo”.

Estas restrições tinham repercussão em diversos aspectos da vida social, sendo algumas profissões, cargos públicos e atividades reservadas aos católicos e restritas para os não católicos.

Devemos lembrar que uma das razões que levou Jules Ferry a propor as diversas leis sobre a laicidade na escola, enquanto ocupou o cargo de ministro da Instrução Pública na França, entre 1870 e 1882, foi o fato de que não católicos não poderiam assumir postos de professor no Estado. Também Condorcet (1994), ao propor a retirada da Igreja do controle da escola, lutava mais pelo direito de não católicos de terem liberdade de exercício profissional do que propriamente contra a religião.

Este também foi o espírito da reforma brasileira. Ora, resta-nos então voltar ao ponto inicial: o conceito de laicidade. O princípio da laicidade é, ao mesmo tempo, o de afastamento da religião do domínio político e administrativo do Estado, e do respeito ao direito de cada cidadão de ter ou não ter uma convicção religiosa e de professá-la. Tem como ideal a igualdade na diversidade, o respeito às particularidades e a exclusão dos antagonismos.

Por igualdade na diversidade, entende-se o igual respeito a todas as religiões e àqueles que não professam nenhuma religião. O mesmo princípio se refere ao respeito às particularidades. A exclusão dos antagonismos reflete não apenas o respeito, mas principalmente a tolerância ao outro, suas crenças e práticas.

A laicidade une de forma indissociável a liberdade de consciência, fundada sobre a autonomia individual, ao princípio de igualdade entre os homens. É a garantia da liberdade de pensamento do homem-cidadão dentro de uma comunidade política, a garantia da liberdade de espírito e da liberdade do próprio homem (MENASSEYRE, 2003). É por esta razão que a declaração dos Direitos do Homem, da Revolução Francesa (1789), já afirmava dentre seus princípios: “ninguém pode ser perseguido por suas opiniões, mesmo religiosas”.

Mais do que a recusa do controle religioso sobre a vida pública, o que a laicidade implica, necessariamente, é o reconhecimento do pluralismo religioso, a possibilidade de o indivíduo viver sem religião e a neutralidade do Estado, que não privilegia nenhuma crença, religião ou instituição religiosa. A este respeito, o artigo 72 da Constituição brasileira de 1891 já se posicionava: ao mesmo tempo em que reafirmava a liberdade religiosa (§ 3º), o Estado se eximia de todo financiamento dos cultos (§ 5º).

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TÓPICO 2 | A RELIGIÃO NA SOCIEDADE ATUAL

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Assim, Estado laico é aquele onde o direito do cidadão de ter ou não ter religião é respeitado e que assegura a “liberdade de consciência”. As únicas restrições feitas a esse direito referem-se à manutenção da ordem pública. Esse direito é assegurado pelo artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião”. A laicidade alia, então, a liberdade de consciência fundada sobre a autonomia individual e ao princípio da igualdade entre os homens. É a garantia da liberdade de pensamento do homem dentro de uma comunidade política, a garantia de liberdade de espírito, a garantia da liberdade do próprio homem.

A laicidade não exclui, no entanto, as religiões e suas manifestações públicas, nem o ensino religioso, muito menos deve interferir nas convicções pessoais daqueles que optam por não professar nenhuma religião. A laicidade garante também aos cidadãos que nenhuma religião, crença ou igreja poderá cercear os direitos do Estado ou apropriar-se dele para seus interesses. Esta separação entre Igreja e Estado é que garante a “pacificação” entre as diversas crenças religiosas, uma vez que não privilegia nenhuma delas. Assim, podemos apontar três princípios contidos no princípio da laicidade: a neutralidade do Estado, a liberdade religiosa e o respeito ao pluralismo.

FONTE: DOMINGOS, Marília De Franceschi Neto. Ensino Religioso e Estado Laico: uma lição de tolerância. Disponível em: <http://www.pucsp.br/rever/rv3_2009/t_domingos.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2015.

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Neste tópico vimos que:

• A sociedade contemporânea tem sido marcada por mudanças intensas e cada vez mais profundas. Estas mudanças afetam os mais diferentes aspectos da vida humana.

• A importância da religião depende da perspectiva de cada indivíduo.

• Na atualidade o fenômeno religioso vem ganhando importância no estudo da sociologia, pois muitos comportamentos relacionados ao campo cultural, social e econômico têm sido influenciados em grande parte pela religião.

• Em sociedades secularizadas os escritos sagrados foram perdendo gradativamente a influência na vida dos indivíduos, tendo que ser revistos e readaptados à realidade do contexto atual.

• A secularização não é a perda da crença, mas consiste na perda da influência religiosa sobre a estrutura social. Isso significa dizer que a religião tem pouca influência sobre as escolhas profissionais, culturais ou políticas dos indivíduos.

• O Estado laico não consiste em uma sociedade sem religião, pelo contrário,

compete ao Estado criar leis e ações que incentivem a boa convivência entre as pessoas dos diferentes credos e combatam eficazmente os crimes de intolerância religiosa.

RESUMO DO TÓPICO 2

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AUTOATIVIDADE

1 A sociedade vem passando por mudanças estruturais profundas. Todavia, a religião é um fenômeno muito presente no dia a dia de muitas pessoas. Sobre a religião na sociedade contemporânea, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A religião fornece um conjunto de crenças e valores, mas em nada influencia na maneira como as pessoas lidam com as situações da vida.

( ) Após tantas mudanças sociais que ocorrem na humanidade, a religião perdeu sua importância na área da sociologia.

( ) Na atualidade, a importância da religião depende da perspectiva de cada indivíduo.

( ) O fenômeno religioso tem ganhado espaço na sociologia pelo fato de muitos comportamentos sociais terem sido influenciados pela religião.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) V – V – F – V.b) ( ) F – V – V – F. c) ( ) F – F – V – V. d) ( ) F – V – V – V.

2 Nossa sociedade encontra-se em uma mudança de paradigmas que é denominada de secularização. Defina, com suas palavras, o que é secularização.

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TÓPICO 3

PLURALISMO E DIVERSIDADE RELIGIOSA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

A religião não está restrita às questões espirituais, pois a vida em seus diversos aspectos é influenciada pelas diferentes concepções religiosas. Desde os primórdios o ser humano procura estabelecer algum tipo de contato com o transcendente através de rituais, práticas, crenças etc. A maneira como isso acontece é diversificada, pois cada povo busca esta relação a partir de sua cultura, tradições e costumes.

É urgente que se faça uma reflexão constante sobre a diversidade religiosa no sentido de criar uma cultura de tolerância e respeito entre as diversas religiões do planeta. Felizmente existem alguns movimentos importantes no sentido de criar essa cultura da tolerância e respeito para com aqueles que não comungam a mesma fé e as mesmas crenças.

Neste tópico veremos a importância e a necessidade do diálogo entre as pessoas das diferentes religiões, com a finalidade de estabelecer uma relação de alteridade, pois este é o único caminho para a construção de uma sociedade global mais justa, fraterna e solidária.

Caro(a) acadêmico(a), reflita profundamente sobre os assuntos que serão aqui tratados e de que maneira poderá aplicar os conhecimentos adquiridos na sociedade da qual você faz parte. Sabemos que pouco vale um conhecimento que não tenha uma aplicação prática ao dia a dia das pessoas. Que este tópico possa, de alguma maneira, despertar você para trabalhar por uma sociedade melhor!

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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2 O PLURALISMO RELIGIOSO

No decorrer da história humana, a religião sempre teve um papel importante na estrutura política, econômica e cultural de um povo. Nesse sentido, a religião tem um importante significado social. Com relação à religiosidade ocidental durante a Idade Média, a visão predominante era teocêntrica (Deus é o centro do universo), e isso fazia com que os homens buscassem na religião a resposta para as mais diversas questões. Com o advento do Iluminismo e a ascensão da racionalidade, a visão do universo se tornou antropocêntrica, ou seja, o homem é o centro do universo e este é capaz de encontrar respostas para as diversas questões que antes estavam restritas ao campo religioso, a partir de métodos científicos.

Essa mudança possibilitou que as religiões fossem niveladas no sentido de encontrar sua importância na sociedade moderna. Para os estudiosos da religião, não existia uma religião superior ou inferior, verdadeira ou falsa, boa ou má. Havia concepções religiosas diferentes, mas que em sua essência visavam conduzir os homens a estabelecer uma relação com o transcendente. A religião deixa de ser uma obrigação e passa a ser uma opção, ou seja, em grande parte das sociedades o homem escolhe ser religioso ou não. Sua escolha é pautada na subjetividade, pois a escolha da religião visa atender a seus interesses ou necessidades.

Desta forma, nasce aquilo que denominamos de pluralismo religioso. O pluralismo religioso é diferente de diversidade religiosa, pois no caso do pluralismo não existe uma religião melhor que a outra. Isso significa dizer que, neste caso, toda e qualquer religião é verdadeira, a única diferença é a maneira como cada uma se relaciona com a divindade.

IMPORTANTE

Pluralismo é um conceito que defende a ideia de que a diversidade social e política é benéfica para a sociedade e que os grupos sociais, sejam religiosos, profissionais ou de minorias étnicas, devem desfrutar de autonomia. O pluralismo asseguraria assim que o poder nas democracias liberais fosse exercido de forma distribuída, devido à pressão de uma variedade de grupos com diferentes interesses ideológicos e econômicos, evitando assim a dominação por uma elite e a formação de oligarquias. Apesar do pluralismo ter se consolidado como uma visão da ciência política no início do século XX a partir de um grupo de pensadores na Inglaterra, as raízes dessa ideia já apareciam nas preocupações com a questão da tolerância das diferenças nos trabalhos filosóficos de John Locke, John Milton e Immanuel Kant, entre outros filósofos. Ideias dos pensadores comunitaristas, como Charles Taylor e Michael Walzer, e o pensamento de Jürgen Habermas, que rejeitam o individualismo defendido pelo liberalismo, têm sustentado os principais conceitos do pluralismo contemporâneo. Do ponto de vista do poder político, os pluralistas acreditam que alguns aspectos negativos da sociedade industrial moderna podem ser superados com a descentralização administrativa e econômica.

FONTE: Disponível em: <http://pessoas.hsw.uol.com.br/pluralismo.htm>. Acesso em: 17 ago. 2015.

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TÓPICO 3 | PLURALISMO E DIVERSIDADE RELIGIOSA

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No tópico anterior falamos sobre o processo de secularização da sociedade. O pluralismo religioso tem contribuído para o aceleramento deste processo, pois:

Para Peter Berger, o pluralismo religioso possui um caráter secularizador por multiplicar o número de estruturas de plausibilidade, por relativizar o conteúdo dos discursos religiosos concorrentes, tornando-os privados, e em razão disso gerando ceticismo e descrença. Por outro lado, pesquisadores americanos interpretam o pluralismo religioso como evidência da fraqueza da religião a partir da modernidade e constatam que a participação religiosa é mais alta onde um número proporcionalmente maior de empresas religiosas competem. (BIANCO, 2015, p. 7).

Desta forma, as religiões têm que se adaptar à nova realidade da sociedade moderna, pois numa sociedade pluralista não há uma religião hegemônica. Isso leva as religiões a ter que oferecer serviços diferenciados e cada vez mais especializados, pois as demais religiões são vistas como concorrentes no mercado da fé. Portanto, aquela que oferecer o melhor serviço aos seus fiéis tende a crescer e conquistar cada vez mais crentes. Isso nos leva a questionar: por que as pessoas ainda procuram a religião na conjuntura atual?

3 DIVERSIDADE RELIGIOSA

A diversidade religiosa se difere do pluralismo. Grande parte das religiões possui elementos que se aproximam. Um exemplo disso é a maneira como as religiões lidam com o amor. Em sua grande maioria, as religiões incentivam o amor ao próximo e a prática de boas ações que visem o bem da comunidade. Este é um elemento de aproximação entre os diferentes credos religiosos. A diversidade religiosa se concentra nas diferenças que existem entre as religiões. Então, quando tratamos de pluralismo e diversidade, estamos falando de elementos de aproximação entre as religiões e de elementos de diferenciação das mesmas.

Nesse sentido, o Estado deve garantir o respeito à diversidade religiosa. O artigo 5º da Constituição Federal brasileira diz que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (BRASIL, 1988). Observe que a função do Estado consiste em garantir na forma da lei que as diversas práticas religiosas sejam respeitadas.

Em meio à diversidade religiosa é comum que haja diferentes pontos de vista sobre os mesmos assuntos. Nesse sentido, é importante ressaltar que a discordância religiosa deve ter seu devido espaço na convivência entre as pessoas, pois cada indivíduo ou grupo possui maneiras diferenciadas de conceber, por exemplo, a ideia da divindade e a maneira de se relacionar com ela. As práticas religiosas devem ser garantidas desde que as mesmas não atentem contra a integridade física e moral das pessoas.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

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Nos últimos anos têm ocorrido mudanças significativas no perfil religioso de nosso país. No gráfico a seguir nós temos um exemplo disso.

GRÁFICO 2 - QUADRO RELIGIOSO DO BRASIL

FONTE: Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-ibge-e-a-religiao-%E2%80%93-cristaos-sao-868-do-brasil-catolicos-caem-para-646-evangelicos-ja-sao-222/>. Acesso em: 18 ago. 2015.

Essa mudança está vinculada diretamente a um fator: a presença das igrejas evangélicas nas periferias e a lentidão da Igreja Católica em chegar lá. Com relação à presença das igrejas no espaço geográfico, Eustáquio Diniz (apud AZEVEDO, 2012, p. 1) afirma que “As evangélicas pegaram fiéis onde a Igreja Católica não tinha se preparado para arregimentar a nova população, e adaptaram a mensagem para diversos públicos”. As igrejas evangélicas estão presentes nas periferias e desenvolvem um trabalho assistencialista que naturalmente atrai pessoas para o rebanho. Ainda sobre isso, Cesar Jacob (apud AZEVEDO, 2012, p. 1) diz que “houve uma mudança na distribuição espacial das pessoas. A Igreja Católica é como um transatlântico, que demora muito para mudar um pouquinho a rota, devido ao tamanho de sua estrutura burocrática. Já os evangélicos são como pequenas embarcações”. A burocracia no interior da Igreja Católica foi determinante para a lentidão da ocupação dos diferentes espaços. Isso naturalmente levou ao crescimento do número de evangélicos no Brasil.

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TÓPICO 3 | PLURALISMO E DIVERSIDADE RELIGIOSA

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IMPORTANTE

As 10 maiores religiões do BrasilOs resultados do Censo Demográfico 2010 do IBGE mostram o crescimento da diversidade dos grupos religiosos no Brasil. A proporção de católicos seguiu a tendência de redução observada nas duas décadas anteriores, embora tenha permanecido majoritária. Em paralelo, consolidou-se o crescimento da população evangélica, que passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010. Confira as dez religiões com mais adeptos no Brasil:

Católica: 123.972.524 de adeptos (65% da população brasileira)Evangélica: 42.275.440 (22,2%)Espírita: 3.848.876 (2%)Testemunhas de Jeová: 1.393.208 (0,7%)Umbanda: 407.331 (0,2%)Budismo: 243.966 (0,13%)Candomblé: 167.363 (0,09%)Novas Religiões Orientais: 155.951 (0,08%)Judaísmo: 107.329 (0,06%)Tradições Esotéricas: 74.013 (0,04%)

FONTE: Disponível em: <http://lista10.org/diversos/as-10-maiores-religioes-do-brasil/>. Acesso em: 18 ago. 2015.

Este é um quadro geral da atual situação religiosa no Brasil. É um quadro que mostra a diversidade, ressaltando que existem pelo menos duas religiões predominantes. É possível observar uma mudança gradativa na preferência das pessoas em relação a qual religião seguir. Sabemos do importante papel dos líderes religiosos para a manutenção da paz entre as pessoas, pois cabe a eles a tarefa de instruir seus fiéis no sentido de respeitar a diversidade, mesmo discordando do outro.

4 COMPROMISSO DE PAZ GLOBAL

O documento denominado “Compromisso com a Paz Global” foi assinado em agosto de 2000 por mais de 500 líderes religiosos de diversas religiões e de várias partes do mundo. Em reunião da sede das Nações Unidas na cidade de Nova York para “A cúpula do Milênio de Líderes Religiosos e Espirituais para a Paz Mundial”, discutiram, entre outros assuntos, a necessidade da cooperação entre as diversas religiões para a diminuição da pobreza, da intolerância e das guerras. No entanto, o principal objetivo do documento vai no sentido de desenvolver estratégias para a garantia da paz mundial, pois muitos conflitos que existem no mundo e que ceifam a vida de milhares de pessoas possuem motivações religiosas.

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A seguir você lerá o que está contemplado no referido documento:

Compromisso com a Paz Global

A humanidade se encontra em uma conjuntura crítica na história, que clama por forte liderança moral e espiritual para ajudar a definir uma nova direção para a sociedade. Nós, como líderes religiosos e espirituais, reconhecemos nossa especial responsabilidade para o bem-estar da família humana e paz na Terra.

Desde que as Nações Unidas e as religiões do mundo têm uma preocupação comum para a dignidade humana, justiça e paz.

Desde que nós aceitamos que os homens e mulheres são iguais em todos os aspectos da vida e crianças são a esperança do futuro.

Desde que religiões têm contribuído para a paz do mundo, mas também têm sido usadas para criar divisão e alimentar hostilidades.

Desde que nosso mundo é infestado por violência, guerra e destruição, que são algumas vezes perpetuadas em nome da religião.

Desde que conflito armado é uma tragédia horrível para as vidas humanas arruinadas e perdidas, para um mundo mais amplo, e para o futuro das nossas tradições religiosas e espirituais.

Desde que nenhum indivíduo, grupo ou nação pode viver mais como um microcosmo isolado no nosso mundo interdependente, mas quase todos podem perceber que cada ação nossa tem um impacto em outros e na comunidade global emergente.

Desde que em um mundo interdependente, paz requer consenso nos valores fundamentais da ética.

Desde que não pode haver paz real até que todos grupos e comunidades tomem conhecimento da diversidade cultural e religiosa da família humana em um espírito de mútuo respeito e compreensão.

Desde que a construção de paz requer uma atitude de reverência à vida, liberdade e justiça, à erradicação da pobreza, e à proteção do meio ambiente para gerações presentes e futuras.

Desde que uma cultura de paz deve ser estruturada sobre o cultivo da dimensão maioral da paz, a qual é uma herança das tradições religiosas e espirituais.

Desde que as tradições religiosas e espirituais são uma fonte central de realização para uma vida melhor para a família humana e toda a vida na Terra.

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Sob a luz do acima mencionado, e com uma visão à execução dos nossos deveres à família humana, nós declaramos nosso compromisso e determinação:

1. Colaborar com as Nações Unidas e todos homens e mulheres de boa vontade, localmente, regionalmente e globalmente, na busca de paz em todas suas dimensões.

2. Guiar a humanidade através da palavra e ação em um compromisso renovado a valores éticos e espirituais, os quais incluem um profundo senso de respeito por toda a vida e para a dignidade inerente de cada pessoa, e direito de viver em um mundo livre de violência.

3. Administrar e resolver não violentamente os conflitos gerados por diferenças religiosas e étnicas e para condenar toda a violência cometida em nome da religião enquanto tentam remover as raízes da violência.

4. Apelar a todas as comunidades religiosas e étnicas, e a grupos nacionais para que respeitem o direito de liberdade religiosa, para procurar reconciliação, e para engajar um perdão mútuo e cura.

5. Despertar em todos os indivíduos e comunidades um senso de responsabilidade compartilhada para o bem-estar da família humana como um todo e um reconhecimento de que todos os seres humanos - independente de religião, raça, sexo e origem étnica - têm o direito à educação, plano de saúde e uma oportunidade de alcançar uma forma de vida segura e sustentável.

6. Promover a distribuição justa de riqueza entre e dentro das nações, erradicando pobreza e revertendo a atual tendência através de um distanciamento menor entre ricos e pobres.

7. Educar nossas comunidades da necessidade urgente do cuidado dos sistemas ecológicos da Terra, e todas as formas de vida, e apoiar esforços para conseguir proteção e restauração ambiental integral a todos os planejamentos e atividades de desenvolvimento.

8. Desenvolver e promover uma campanha de reflorestamento como meio concreto de restauração ambiental, pedindo a outros que se juntem a nós em programas regionais de plantio de árvores.

9. Unir as Nações Unidas na chamada por todos os Estados-nação para um trabalho pela abolição de armas nucleares de destruição em massa para segurança e garantia da vida nesse planeta.

10. Combater aquelas práticas e aplicações de tecnologia comerciais que degradam o meio ambiente e a qualidade de vida humana.

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11. Praticar e promover em nossas comunidades os valores de verdadeira dimensão de paz, incluindo especialmente estudo, oração, meditação, um senso de sagrado, humildade, amor, compaixão, tolerância e espírito de serviço, que são fundamentais para a criação de uma sociedade pacífica.

Nós, como líderes religiosos e espirituais, juramos nosso compromisso ao trabalho em conjunto para a promoção de condições interiores e exteriores que cultivem paz e administração não violenta e resolução de conflito. Nós apelamos aos seguidores de todas as tradições religiosas e à comunidade humana como um todo para cooperar na construção de sociedades pacíficas, buscar um entendimento mútuo através do diálogo onde existem diferenças, resguardar de violência, praticar compaixão e manter a dignidade de toda a vida.

Bawa Jain, Secretário-Geral da Cúpula do Milênio sobre a Paz dos Líderes Religiosos e Espirituais.

Pela primeira vez na história, líderes religiosos e espirituais das grandes tradições religiosas e de todas as regiões do mundo se reuniram nas Nações Unidas e se comprometeram a trabalhar pela paz. Eles assinaram esse "Compromisso pela Paz Global" e resolveram se unir para definir os problemas de conflito, pobreza e meio ambiente.

Entre as religiões representadas nessa Cúpula estavam:

Baha`i, Budismo, Cristianismo, Confucionismo, Hinduísmo, Povos Indígenas, Islamismo, Jainismo, Judaísmo, Shintoísmo, Taoísmo, Zoroastrianismo.

FONTE: Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/bibpaz/textos/cupula_paz.html>. Acesso em: 17 ago. 2015.

Atualmente, os conflitos religiosos em algumas partes do mundo têm sido verdadeiros flagelos para muitas sociedades. É urgente uma ação efetiva por parte das lideranças religiosas no sentido de conter o avanço do fundamentalismo e intolerância religiosa. Um exemplo disso é o avanço das milícias do Estado Islâmico que tem instaurado o terror em diversos países e tem sido uma ameaça à paz global, pois há muitas pessoas se juntando às fileiras militares deste grupo terrorista.

Sabemos que as guerras servem a muitos interesses. Desde os que vendem armas até aqueles que desejam impor sua ideologia religiosa desrespeitando por completo a liberdade individual. O momento em que vivemos é delicado do ponto de vista da intolerância religiosa. É urgente a necessidade de ações que venham socorrer aquelas pessoas que estão impotentes diante das barbáries cometidas pelos extremistas religiosos.

Leia a frase a seguir e discuta com seus colegas sobre o seu sentido.

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FIGURA 37 - TOLERÂNCIA

FONTE: Disponível em: <http://emjmh.blogspot.com/2014_09_01_archive.html>. Acesso em: 17 ago. 2015.

A existência de uma sociedade tolerante e pacífica perpassa pela formação humana. Isso significa dizer que uma sociedade justa e tolerante se constrói. A assinatura deste documento foi um passo importante e necessário para a elaboração e desenvolvimento de ações concretas para a manutenção da paz entre os povos.

5 DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

O diálogo inter-religioso visa estabelecer uma relação de respeito e mutualidade entre as diferentes religiões. Esta iniciativa consiste em um importante fundamento para a construção de uma sociedade mais tolerante e pacífica. Quando falamos em diálogo inter-religioso, temos que ter em mente que isso significa que as ideias estão em movimento, ou seja, todos os envolvidos têm o direito de falar e serem ouvidos. O diálogo só é possível quando as partes envolvidas estiverem dispostas a cooperar umas com as outras, pois do contrário a comunicação é interrompida e inviabiliza qualquer possibilidade de avanço no sentido do estabelecimento da paz global.

O diálogo autêntico traduz um encontro de interlocutores pontuado pela dinâmica da alteridade, do intercâmbio e reciprocidade. É no processo dialogal que os interlocutores vivem e celebram o reconhecimento de sua individualidade e liberdade, estando ao mesmo tempo disponibilizados para o enriquecimento da alteridade. O ser humano é um nó de relações, não podendo ser compreendido de forma destacada do outro com o qual se comunica. O diálogo constitui, assim, uma dimensão integral de toda a vida humana. É na relação com o tu que o sujeito constrói e aperfeiçoa a sua identidade. Como assinala Martin Buber, ‘o homem se torna EU na relação com o TU’ (TEIXEIRA, 2015, p. 3).

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A necessidade de se colocar no lugar do outro é fator determinante para o sucesso do diálogo inter-religioso, pois a alteridade é a capacidade de sentir o que o outro sente, se identificar com os problemas que o outro enfrenta e buscar uma solução que traga benefícios para todos os envolvidos. O isolamento ideológico, muito comum em grande parte das religiões, não permite que as pessoas conheçam o que há de bom nas outras religiões. Isso naturalmente leva as pessoas a desenvolverem uma visão distorcida acerca da religiosidade alheia.

FIGURA 38 - DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO

FONTE: Disponível em: <http://www.comitatoatlantico.it/it/studi/inter-religious-dialogue-the-way-to-peace-in-the-middle-east/>. Acesso em: 17 ago. 2015.

O diálogo inter-religioso é uma saída para os conflitos religiosos que existem atualmente. É um movimento que gera esperança frente ao extremismo religioso que corrói a possibilidade de harmonia entre as diferentes religiões. Para Hans Küng (apud CRUZ, 2007, p. 1): “Não haverá paz entre as nações sem a paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem o diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões se não se investigam os fundamentos das religiões”. O diálogo inter-religioso possibilitará que as religiões tenham um conhecimento que vai além das fronteiras de seus credos. É a investigação dos fundamentos das religiões que permitirá que se conheçam as motivações por trás das ações. Tal investigação é indispensável para que haja uma conciliação das diferentes ideias.

É necessário compreender que o diálogo inter-religioso não é o abandono de suas crenças ou até mesmo trair os ensinamentos dos antepassados. Segundo Teixeira (2015, p. 4), “O diálogo inter-religioso implica partilha de vida, experiência e conhecimento. Ele acontece entre as pessoas que estão enraizadas e compromissadas com sua fé específica, mas igualmente disponíveis ao aprendizado da diferença”. Este diálogo demonstra a virtude de considerar que o outro também tem algo a

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dizer e a ensinar, consiste numa atitude corajosa de humildade e disposição em abrir sua mente e coração para o diferente. Ninguém é superior a ninguém, pois todos têm algo a ensinar ao outro. Este sentimento é fundamental para reconhecer que cada ser humano possui limites e que na relação com outro é possível ampliar estes limites dando lugar a uma compreensão mais plural da vida e da existência.

Não há como a sociedade fugir do fato de que a vida social está intrinsecamente ligada às religiões. É dever de cada indivíduo trabalhar ao máximo para que as diferenças religiosas não sejam fatores de discriminação, exclusão e conflito. É importante que cada líder político, pai, mãe, líder religioso etc., desenvolva uma mentalidade aberta e disposta a dialogar com o outro independente de sua religiosidade. Uma sociedade fragmentada em grupos distintos em conflito é uma forte ameaça à vida.

LEITURA COMPLEMENTAR

PROFESSOR DE RELIGIÃO INDICA O CONHECIMENTO DA PRÓPRIA FÉ E DA FÉ DO OUTRO PARA QUE HAJA COMPREENSÃO E RESPEITO

RECÍPROCO

Jéssica Marçal

Na recente viagem ao Sri Lanka, Papa Francisco reiterou o respeito da Igreja Católica por outras religiões, ao participar de um encontro inter-religioso no dia 13 de janeiro. A temática do respeito entre as várias crenças religiosas volta a ter destaque nesta quarta-feira, 21, quando se celebra o Dia Mundial das Religiões e, no Brasil, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.

Ao falar para vários líderes religiosos no Sri Lanka, Francisco destacou que ninguém precisa abandonar sua identidade étnica ou religiosa para viver em harmonia com seu irmão e, para que o diálogo seja eficaz, é importante que cada parte tenha suas convicções.

O professor de religião da Faculdade Canção Nova, Denis Duarte, indica o mesmo caminho, ressaltando a necessidade de, em primeiro lugar, a pessoa conhecer muito bem a fé que professa. Segundo ele, os conflitos por questões religiosas – seja entre nações ou na vida cotidiana – se devem, em muitos casos, à falta desse conhecimento.

“Muitas vezes o fiel não conhece bem a sua própria denominação religiosa. Ele não tem identidade religiosa suficiente sequer para falar da sua própria religião”.

O segundo passo indicado por Denis é conhecer pelo menos o básico das outras religiões com as quais se tem contato. Essa é uma condição para que haja compreensão e respeito em relação à vida do outro.

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“Para que eu possa respeitar a opção do outro e conviver bem com ele, entendendo que a religião, em ambos os casos, tem esse interesse: ligar o fiel a um plano sobrenatural para que este mundo natural se torne melhor”. Segundo explica o professor, a definição etimológica para a palavra “religião” é esta: ligar ou religar a pessoa que está no plano terrestre a um plano sobrenatural, ou celeste ou transcendente.

O homem e o transcendente

O homem tem várias dimensões na vida humana: a do trabalho, da cultura, do intelecto, social e várias outras que se manifestam ao mesmo tempo. Para a antropologia religiosa e as religiões em si, existe a dimensão religiosa, que também é uma necessidade humana.

O professor explica com uma comparação: assim como é preciso cuidar do corpo e da mente, para manter as dimensões física e psicológica, respectivamente, deve-se cuidar também da dimensão religiosa. Ele destaca ainda que as várias dimensões não agem sozinhas, mas estão interligadas.

“Preciso do meu intelecto para trabalhar, eu preciso do meu corpo para desenvolver o trabalho, então são dimensões que estão ligadas entre si. Assim, entre elas está ligada também a dimensão religiosa. Daí se entende como uma necessidade humana que também precisa ser cultivada, porque se não vai faltar algo que pode prejudicar, inclusive, as outras dimensões vividas pelo homem”.

O caso dos ateus

Denis explica que o ateu não acredita na existência da divindade, da transcendência e tudo se resume ao plano natural, ao plano terrestre. Essa pessoa acredita viver bem neste mundo sem precisar cultivar uma dimensão religiosa porque ela nem acredita que existe essa dimensão.

“Ela não tem relação alguma com o transcendente, porque ela não acredita que exista e que seja necessária essa relação”, diz o professor, fazendo a ressalva: “Para a antropologia religiosa e para as religiões, essa relação é necessária. […] Uma coisa é aquilo em que o ateu crê e a maneira como ele vive. Outra coisa é o que as religiões e algumas áreas do conhecimento religioso acreditam e o modo como enxergam o ateu”.

O que une as religiões

Cristianismo, islamismo e judaísmo são as três grandes religiões monoteístas. Entre as maiores religiões mundiais, estão também o hinduísmo e o budismo. Embora diferentes em muitos aspectos, todas elas são chamadas de “religião”, o que já é uma característica comum, segundo o professor.

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“Tem que existir algo entre elas para que eu consiga colocá-las todas em um mesmo ‘pacote’ e chamá-las de religiões”.

Denis explica que, partindo da definição de que religião é o ‘re-ligar’ ou ‘ligar’ uma pessoa do plano natural ao plano sobrenatural, é preciso que exista um caminho. E a religião é quem indica essa direção.

“Esse é o ponto comum entre as religiões. Para que ela seja de fato chamada de religião ela tem que propor esse caminho”. Como exemplo, o professor cita o cristianismo, em que o caminho proposto é o próprio Jesus.

FONTE: Disponível: <http://noticias.cancaonova.com/dia-mundial-da-religiao-conheca-meios-para-existencia-pacifica/>. Acesso em: 17 ago. 2015.

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Neste tópico vimos que:

• O pluralismo religioso é diferente de diversidade religiosa, pois no caso do pluralismo não existe uma religião melhor que a outra.

• A diversidade religiosa se concentra nas diferenças que existem entre as religiões. Então, quando tratamos de pluralismo e diversidade estamos falando de elementos de aproximação entre as religiões e de elementos de diferenciação das mesmas.

• O documento denominado “Compromisso com a Paz Global” tem como principal objetivo desenvolver estratégias para a garantia da paz mundial.

• O diálogo inter-religioso visa estabelecer uma relação de respeito e mutualidade entre as diferentes religiões.

• O diálogo inter-religioso é uma saída para os conflitos religiosos que existem

atualmente. É um movimento que gera esperança frente ao extremismo religioso que corrói a possibilidade de harmonia entre as diferentes religiões.

RESUMO DO TÓPICO 3

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AUTOATIVIDADE

1 Vivemos em um período histórico muito importante no campo religioso, pois há uma busca pelo diálogo entre as religiões. Descreva o que é o diálogo inter-religioso e qual sua finalidade?

2 O Brasil é uma nação diversa e plural, ou seja, abriga diferentes etnias, credos, raças e religiões. Nesse sentido, descreva qual a diferença entre diversidade e pluralismo religioso.

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TÓPICO 4

UM RETRATO DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

O cenário religioso brasileiro mudou muito de 40 anos para cá. Desde a chegada dos imigrantes portugueses e os primeiros católicos ao Brasil até a expansão do movimento pentecostal, nosso país passou por inúmeras mudanças nas áreas política, econômica e cultural.

Neste tópico iremos perceber que, por mais que haja diferenças entre as diferentes práticas religiosas, cada uma delas tem dado sua contribuição para a formação social brasileira. Num Estado democrático de direito é assegurada a liberdade religiosa. Portanto, veremos como cada uma das principais religiões iniciou e se desenvolveu em nosso território.

Nosso objetivo é conhecer o atual cenário da religiosidade no Brasil a fim de compreender a importância de cada segmento religioso para os grupos e trabalhar para que haja tolerância e harmonia entre as diferentes concepções religiosas, lembrando sempre que a religiosidade faz parte do processo de construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.

Não se pode ignorar o fenômeno religioso no Brasil, portanto, se faz necessário ter uma breve compreensão para não estigmatizarmos o outro e agir de maneira insensata frente à religiosidade alheia. Neste caso, cabe lembrarmos que antes de julgarmos a atitude de alguém, precisamos conhecer as razões que levaram o indivíduo a agir de tal maneira. Com a religião não é diferente, existe uma motivação para a prática religiosa que vai muito além de nossa compreensão.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

2 O CATOLICISMO

O catolicismo ainda hoje é a maior denominação religiosa do Brasil. Chegou em nosso país ainda no período pré-colonial, que vai de 1500 a 1530. Os missionários que vieram juntamente com os colonizadores foram os responsáveis por introduzir a religião nas terras recém-descobertas. Desde então o catolicismo vem desempenhando importante papel na sociedade brasileira, deixando sua marca em diversas áreas. Exemplo disso, podemos citar as universidades católicas, que no ano de 2012, “dentre as 20 melhores universidades do ano no setor privado, nove são católicas, sendo que as pontifícias como a PUC-Rio, PUC-MG, PUC-PR, PUC-RS são as que ocupam os quatro primeiros lugares, no que se refere aos cursos avaliados e estrelados” (SIQUEIRA, 2015, p. 1). Isso naturalmente demonstra a importância e a influência do catolicismo na área educacional, pois ainda existem muitas escolas de Ensino Fundamental e Médio que são administrados pela Igreja Católica.

FIGURA 39 - PUC RIO DE JANEIRO

FONTE: Disponível em: <http://forum.jogos.uol.com.br/posteee-fotoo-da-suaa-facuuu-ouu-escolaaaaa_t_2908822?page=3>. Acesso em: 24 ago. 2015.

Poderíamos citar muitas outras instituições que são administradas pela Igreja Católica, como é o caso dos hospitais, asilos, orfanatos etc., e que têm importância vital para a sociedade. Por ser a instituição religiosa mais antiga e importante do país, as instituições sob seu comando foram se consolidando ao longo do tempo e prestaram serviços à sociedade brasileira de valor imensurável.

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Evidentemente que temos que considerar o fato de esta ser a igreja mais rica e, portanto, é natural que dê um retorno à sociedade no sentido de prestar assistência aos que necessitam. A igreja é uma instituição religiosa, mas não pode se eximir de sua responsabilidade social, até porque esta é uma das orientações bíblicas quando se fala de cristianismo.

No decorrer da história do Brasil, a Igreja Católica participou de momentos importantes, seja no campo educacional, cultural ou político. Como um exemplo de participação no campo político, destacamos o apoio dado aos militares em 1964. Este apoio devia-se basicamente ao fato de considerarem que o comunismo era uma ameaça ao Brasil, pois se tratava de uma ideologia política ateísta. No entanto, este apoio não durou muito tempo, pois assim que iniciaram os atos violentos por parte dos militares, a Igreja Católica começou a ter outra postura em relação ao regime militar.

O catolicismo foi hegemônico até meados da década de 80. No ano de 1970, “os católicos declarados eram exatamente 91,8% da população brasileira” (PIERUCCI, 2004, p. 13). Esse quadro passou por significativas mudanças, tanto que “o Censo de 2000 mostraria que a proporção de brasileiros católicos declarados havia caído para 73,8%” (PIERUCCI, 2004, p. 13). Observe que gradativamente o catolicismo no Brasil vem perdendo sua hegemonia e a sociedade brasileira vem sendo reconfigurada em termos de religião, pois afeta toda a estrutura social do Estado brasileiro.

Isso demonstra uma mudança muito positiva, conforme Pierucci (2004, p. 15):

O país está se transformando, de verdade, numa sociedade livre, com uma cultura cada vez mais plural. A depender só do Estado brasileiro, hoje se respira no país liberdade religiosa a plenos pulmões, como nunca – e não só de direito, de jure, como no início da vida republicana, mas também de facto.

Esse processo é bom para a democracia, pois num Estado democrático compete a cada indivíduo escolher sua religião ou não religião. Sabemos do importante papel que a religião desempenha no processo de socialização dos indivíduos, mas, acima de tudo, deve ser salvaguardada sua autonomia e a liberdade de escolha de cada pessoa. Uma religião não deve jamais prender as pessoas, mas dar a elas a oportunidade de fazer suas escolhas com maturidade no sentido de serem sujeitos de sua própria história e fruto de suas escolhas pessoais, individuais e independentes.

O que explica este declínio do catolicismo no Brasil? Este declínio está diretamente associado à secularização da sociedade brasileira. Atualmente existem inúmeras instituições que foram ocupando os espaços da Igreja Católica, dentre elas novos movimentos religiosos com um viés mais progressista. Outra questão muito importante é colocada por Rosado-Nunes (2004, p. 23) em relação ao papel da Igreja, segundo ele:

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Mudou o papel da Igreja, uma vez que a sociedade civil constituiu órgãos próprios de expressão e de mediação com o Estado – como sindicatos, partidos e movimentos sociais –, se reorganizando e ganhando força. A Igreja refluiu para um âmbito menos ‘público’ e mais ‘religioso’. Seus agentes qualificados – padres, bispos e teólogos – deixaram de frequentar as páginas dos jornais ao lado de personalidades políticas para opinar sobre os rumos da sociedade civil junto ao Estado. A função de porta-voz da sociedade, necessária em tempos ditatoriais, deixou de sê-lo.

Isso significa dizer que a sociedade civil se tornou mais independente em relação ao papel da Igreja. Outras instituições se tornaram a ponte entre a sociedade civil e o poder público e são utilizadas como meios para atingir os objetivos coletivos. Desta forma, podemos pensar que na medida em que as instituições civis se consolidam, o poder e influência da Igreja tende a diminuir.

3 O PROTESTANTISMO BRASILEIRO

A presença dos protestantes no Brasil remonta ao período colonial. É importante destacar que a chegada deste segmento da religião cristã se deu em dois momentos importantes. O primeiro momento ocorre por ocasião da chegada dos franceses à Baía de Guanabara. Isso ocorreu porque o comandante da expedição francesa, o vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon, escreveu ao reformador João Calvino solicitando que este enviasse pastores e colonos para fazerem parte da formação de sua colônia. Infelizmente, pouco tempo depois Villegaignon se desentendeu com os calvinistas e entrou em confronto com os mesmos devido às opiniões diferentes acerca dos sacramentos. Pouco tempo depois, os colonos protestantes embarcaram em um navio rumo à França, mas o navio naufragou, sobrando apenas cinco colonos que retornaram à colônia, mas tiveram um fim bastante trágico.

O segundo grupo de protestantes chegou ao Brasil por volta de 1630, nas cidades de Olinda e Recife. Esta região, comandada por Maurício de Nassau, experimentou um momento de muita prosperidade e liberdade religiosa, pois Nassau se mostrou um excelente administrador durante os sete anos (1637-1644) em que governou o Nordeste brasileiro. Os protestantes fundaram várias igrejas e desenvolveram trabalhos missionários intensos entre os indígenas. No entanto, em 1654, os portugueses conseguiram expulsar os holandeses e judeus do Nordeste. Após essa expulsão violenta dos protestantes das terras brasileiras, somente no século XIX o Brasil começa a receber imigrantes protestantes em suas terras.

De acordo com Mendonça (2004, p. 49), “poderemos dividir a história do protestantismo no Brasil em três categorias: protestantismo de invasão, de imigração e de conversão ou missão”. O protestantismo de invasão aconteceu no século XVI, quando ainda estava no início e buscava seu espaço nas novas colônias. O protestantismo de imigração ocorreu no século XIX, quando o Brasil abre as portas para a entrada de imigrantes vindos das diversas regiões da Europa. Quando o Brasil se torna independente, no ano de 1822, surge a necessidade de atrair imigrantes europeus para as terras brasileiras. Em decorrência disso, nasce

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TÓPICO 4 | UM RETRATO DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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também uma maior liberdade religiosa, muito embora o catolicismo continuasse sendo a religião oficial do Brasil por mais alguns anos. Por fim, o protestantismo de missão também inicia no século XIX, quando houve a entrada de muitos missionários estrangeiros em terras brasileiras, cuja missão era converter as pessoas ao protestantismo. Várias denominações protestantes desenvolveram trabalhos missionários no Brasil, mas a primeira denominação a iniciar estes trabalhos foi a Igreja Metodista Episcopal, em 1935.

O protestantismo no Brasil tem papel importante para a formação da sociedade brasileira. Mas será que existe um protestantismo brasileiro? O professor Antônio Mendonça (2005, p. 51) responde a esta questão da seguinte maneira:

Talvez a pergunta mais adequada seja esta: podemos falar em protestantismo brasileiro? Ou seria melhor falar em ‘protestantismo no Brasil’ precisamente quando a referência recai sobre as igrejas acima mencionadas? Embora seja certo que as religiões universais, como são as protestantes, sempre assimilam ou mantêm traços das culturas locais, como me é permitido falar em catolicismo brasileiro, por exemplo, o protestantismo que chegou ao Brasil jamais se identificou com a cultura brasileira. Continua sendo um protestantismo norte-americano com suas matrizes denominacionais e dependência teológica. Por isso, prefiro falar em ‘protestantismo no Brasil’ e não em protestantismo brasileiro.

Isso significa dizer que o protestantismo no Brasil consistiu em grande parte na implantação de um estilo de vida dos missionários que para aqui vieram, pois “a estrutura religiosa, as preocupações e os conteúdos das prédicas pastorais voltavam-se, basicamente, para a mãe-pátria, ou melhor, eram cópias do modelo partilhado anteriormente” (SILVA, 1996, p. 132).

O desejo de educar/civilizar quem aqui estava era a base da evangelização

protestante, pois “o protestante é um indivíduo que professa uma religião individual, de consciência, que se inspira na interpretação direta e pessoal da Bíblia, pauta suas ações na ética racional do trabalho e na moral burguesa vitoriana” (MENDONÇA, 2005, p. 52). Esse se tornou o estilo de vida de muitas comunidades protestantes que se voltaram para uma vida dedicada principalmente ao trabalho. O comportamento individual é pautado na ética e não simplesmente na possibilidade de uma intervenção sobrenatural na vida individual ou coletiva. O indivíduo tem responsabilidade diante da sociedade e deve responder por seus atos, não atribuindo suas ações apenas a forças externas ou espirituais. O protestantismo é de certa maneira secularizador, pois dá lugar à racionalidade, e o comportamento individual é pautado em sua consciência para consigo, para com o outro e para com a sociedade.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

É importante ressaltar que as igrejas luteranas estavam mais preocupadas com suas comunidades. De acordo com Silva (1996, p. 132), “só a partir da década de 60 a Igreja Evangélica de Confissão Luterana passou a ter uma preocupação efetiva com as questões pertinentes à realidade brasileira, ocorrendo o mesmo com os episcopais e anglicanos”. É possível que essa mudança de postura em relação à sociedade brasileira tenha mudado em decorrência do movimento pentecostal brasileiro que se intensificou a partir da década de 50, atraindo milhares de pessoas. O movimento pentecostal irá mudar a estrutura e o comportamento da sociedade brasileira, pois consiste em um movimento mais aberto às diversas camadas sociais da população e as diferentes etnias ou raças.

3.1 O PENTECOSTALISMO

O movimento pentecostal é o fenômeno religioso mais importante do século XX, pois se espalhou rapidamente pelo mundo, chegando aos cinco continentes. O pentecostalismo é uma extensão do movimento protestante e chega ao Brasil em meados de 1910, através de dois missionários suecos: Daniel Berg e Gunnar Vingren, que tiveram contato com o movimento pentecostal nos Estados Unidos. Este movimento evangélico se afasta em alguns aspectos do protestantismo tradicional, mas a doutrina é basicamente a mesma.

A ênfase do pentecostalismo é na doutrina do batismo com o Espírito Santo e os dons espirituais. O movimento pentecostal não é unificado, pois as igrejas pentecostais são independentes e divergem em alguns pontos das doutrinas pentecostais. Este movimento teve início por volta de 1901 nos Estados Unidos e rapidamente se estendeu para outros países por meio dos missionários que se dirigiram a outras terras para pregarem o evangelho.

No movimento pentecostal negro a santificação fazia parte da luta política de resistência à dominação econômica dos brancos e da força cultural negra, expressas em símbolos, ritmos e canções. As suas canções de libertação negra (negro spirituals) eram consideradas revelação divina. Os brancos pentecostais foram se separando dos negros pelo ano de 1908 (WULFHORST, 1995, p. 7).

Observe que o movimento pentecostal tem uma ligação muito forte com a história de sofrimento dos negros e pobres. Partindo disso é possível compreender porque o pentecostalismo tem forte apelo às expressões carregadas de emoção. Nos cultos pentecostais é possível perceber uma maior entrega ao momento da adoração. Os cultos são a oportunidade do fiel se derramar diante de Deus no sentido de que este lhe traga paz e contentamento diante dos desafios e sofrimentos inerentes à existência humana. Esta é uma herança do pentecostalismo negro, pois nestes cultos há grande liberdade para que o fiel expresse os sentimentos mais profundos através de orações e canções.

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Outra questão importante é a maneira como o pentecostalismo se desenvolve entre os negros e brancos, pois de acordo com Wulfhorst (1995, p. 8):

Enquanto que para os pentecostais negros Cristo era um Cristo negro dos pobres e oprimidos, também em sua dimensão política, os pentecostais brancos se limitaram à experiência religiosa unicamente voltada para o sagrado, separando a prática religiosa da missão sociopolítica. É nesse pentecostalismo dos brancos nos Estados Unidos que encontramos o berço do pentecostalismo brasileiro.

Veja que o pentecostalismo é um movimento religioso associado à realidade de cada crente. Enquanto o negro americano tinha que lidar com a discriminação e pobreza, o pentecostalismo branco vivia outra realidade. Por este motivo, o pentecostalismo entre os brancos volta-se intensamente para uma vida dedicada a Deus em busca da santificação e com práticas missionárias, pois as congregações de brancos tinham condições de enviar missionários para diversas partes do mundo, como é o caso da vinda de muitos deles para o Brasil. Devido esse número elevado de missionários brancos que vieram dos Estados Unidos para o Brasil, o pentecostalismo brasileiro irá carregar forte influência deste.

O crescimento dos movimentos religiosos de inspiração pentecostal na América Latina, subcontinente tradicionalmente católico, é um dos fenômenos culturais mais surpreendentes da atualidade. De um contingente que se apresentava como uma subcultura avessa à exposição pública e autoenclausurada, hoje sua presença se destaca não apenas no que diz respeito ao contingente numérico, mas principalmente por sua visibilidade nos meios de comunicação de massa (SOUZA; MAGALHÃES, 2002, p. 1).

No início, o pentecostalismo enfrentou forte resistência tanto das igrejas protestantes tradicionais como da própria Igreja Católica, ao ponto de sofrerem perseguições. Aos poucos o movimento foi ganhando força e o número de pentecostais foi aumentando. Pessoas de diferentes classes sociais foram aderindo ao movimento ao ponto de este marcar presença em diversas áreas da sociedade brasileira. Aos poucos foram sendo comprados espaços nas programações radiofônicas e televisivas com o intuito de pregar o evangelho ao maior número possível de pessoas. O número de políticos evangélicos vem crescendo gradativamente nas esferas municipais, estudais e federais. A sociedade brasileira teve que aprender a conviver com os “crentes”.

Não há como negar que o pentecostalismo teve forte influência na sociedade brasileira desde sua chegada ao Brasil. As pessoas que aderem a este movimento passam a ter um comportamento centralizado na Bíblia. Prezam pela disciplina e a prática das virtudes cristãs como sendo esta a vontade de Deus e entendem que devem agir com integridade, pois suas vidas devem produzir o fruto do Espírito Santo. Os pentecostais fundaram vários centros de recuperação para dependentes químicos, orfanatos, escolas e projetos de atendimento às pessoas carentes.

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UNIDADE 3 | SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO

Diante do que falamos até aqui, podemos estar nos perguntando: qual o impacto do pentecostalismo na sociedade brasileira? No texto a seguir o professor Ricardo Mariano responde à questão “Quais as principais transformações que o pentecostalismo promoveu no cenário religioso e social brasileiro?”, da seguinte maneira:

Ao longo dos últimos cem anos, a expansão pentecostal no país contribuiu para transformar o campo religioso brasileiro, para consolidar o pluralismo religioso e para constituir um mercado religioso competitivo no país. O avanço pentecostal no Brasil contribuiu para intensificar o declínio numérico da Igreja Católica e da Umbanda e para "pentecostalizar" parte do protestantismo histórico e do próprio catolicismo. O chamado "avanço das seitas" pentecostais, nos termos do Papa João Paulo II, e a formação do pluralismo religioso levaram a religião hegemônica a rever sua prédica e suas estratégias institucionais e a reavaliar sua relação com as demais religiões presentes em solo nacional, em detrimento do ecumenismo. O crescente evangelismo eletrônico pentecostal tem tido significativo impacto no mercado de comunicação de massa, sobretudo em função das iniciativas empresariais nessa área por parte da Igreja Universal e, em menor grau, da Internacional da Graça de Deus e da Renascer em Cristo, entre outras. Sua atuação tem se ampliado igualmente nos mercados editorial e fonográfico. O ativismo pentecostal na política partidária, por sua vez, tornou-se um elemento constitutivo da democracia brasileira nas últimas três décadas. A cada eleição, seus líderes pastorais, com raras exceções, procuram transformar seus rebanhos religiosos em rebanhos eleitorais, visando ampliar seu poder político, defender valores cristãos tradicionalistas e seus interesses institucionais na esfera pública stricto sensu. Tratam, portanto, de instrumentalizar a política partidária, justificando o ativismo político como recurso para defender suas bandeiras religiosas e corporativas. Por consequência, a cada eleição, esses religiosos se veem mais e mais instrumentalizados eleitoralmente por partidos e candidatos de todas as colorações ideológicas. Suas miríades de templos e pequenas congregações passaram a integrar o cenário urbano das cidades brasileiras, sobretudo de suas periferias.

FONTE: O pentecostalismo no Brasil, cem anos depois. Uma religião dos pobres. Disponível em: <http://portal.metodista.br/fateo/materiais-de-apoio/artigos/o-pentecostalismo-no-brasil-cem-anos-depois-uma-religiao-dos-pobres>. Acesso em: 27 ago. 2015.

Perceba que o movimento pentecostal, mesmo não sendo unificado em torno de uma única denominação, tem demonstrado forte presença nos mais diversos segmentos da sociedade brasileira. Tal inserção cada vez maior de políticos evangélicos tem fomentado o debate sobre o Estado laico. É importante lembrar que a participação política é garantida a qualquer cidadão que esteja em dia com o Estado e isso se aplica a evangélicos, ateus, umbandistas, espíritas, agnósticos e cada pessoa tem o direito de representar e defender a bandeira do grupo a que pertence, sem que por isso seja discriminado.

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TÓPICO 4 | UM RETRATO DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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4 RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

As duas principais religiões afro-brasileiras são a umbanda e o candomblé. De acordo com Jensen (2015, p. 1):

As religiões afro-brasileiras constituem um fenômeno relativamente recente na história religiosa do Brasil. Por exemplo, o primeiro terreiro de Candomblé, que é localizado no Nordeste, mais precisamente na Bahia, é geralmente situado no ano de 1830. Estas novas religiões apareceram primeiro na periferia urbana brasileira, onde os escravos tinham maior liberdade de movimento e eram capazes de se organizar em nações.

As religiões afro-brasileiras têm um fundo histórico muito importante, pois suas raízes remontam à chegada dos escravos em terras brasileiras, todo sofrimento que passaram na condição de escravos. Foi por meio das expressões religiosas que puderam preservar suas crenças no novo mundo e manter suas tradições. Embora tendo sofrido forte influência de outras culturas e do catolicismo, os negros conseguiram manter a essência da religiosidade africana.

A fim de compreendermos um pouco mais sobre a história do candomblé,

leiamos o texto a seguir, escrito por Edimar Araújo.

CANDOMBLÉ – ORIGEM, SIGNIFICADO E FUNCIONAMENTO

O termo candomblé tem origem banta, tendo como raiz o quimbundo kiamdomb ou quicongo ndombe, ambos significando “negro”, tornaram-se sinônimo e referência genérica de diferentes expressões de religiosidade de matriz africana, exceção feita à Umbanda, cuja origem intensamente sincrética a situa em outra categoria de estudo e observação. Segundo Nei Lopes, sambista, compositor popular, escritor e estudioso das culturas africanas, o candomblé é o “nome genérico com que, no Brasil, se designam o culto aos orixás jeje-nagôs e algumas formas derivadas, manifestas em diversas ‘nações’. Por extensão, celebração, festa dessa tradição, xirê; comunidade-terreiro onde se realizam essas festas. A modalidade original consiste em um sistema religioso autônomo e específico que ganhou forma e se desenvolveu no Brasil, a partir da Bahia, com base em diversas tradições religiosas de origem africana, notadamente da região do golfo da Guiné”.

Nesta religião afro-brasileira são feitas homenagens aos antepassados com festas, comidas e os objetos que os representam. As divindades homenageadas nos rituais dos terreiros são antepassados queridos que foram importantes para a existência dos adeptos do candomblé no presente. Nesta religião acredita-se nas energias e durante as homenagens são feitos pedidos de revitalização das energias destes antepassados nos praticantes do candomblé. Assim acontece o transe da incorporação da energia das divindades celebradas nas pessoas que são iniciadas e fazem parte de famílias do terreiro.

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Simbolicamente, a representação da energia em movimento é feita pelas danças circulares. Para tudo se dança nas culturas de base africana, tanto na alegria, como na tristeza, uma vez que a dança tem o feitio de teatro que pode contar histórias e narrar mitos. Por isso, as divindades ancestrais homenageadas são representadas com seus trajes e símbolos da sua época. Por exemplo, em uma festa de Yabás, a filha de Oxum, no geral, é vestida, paramentada com trajes amarelos e dourados, usa pulseiras douradas e leva um espelho em uma das mãos. As cores das roupas, as pulseiras e o espelho são os símbolos deste orixá que representam a beleza, prosperidade e a vaidade que geralmente fazem parte da mitologia sobre Oxum. Assim, esta tradição se reproduz e ganha força na religião do candomblé.

Para as sociedades africanas de culto aos orixás existe apenas um ser supremo, criador de tudo o que existe. É como uma mãe sem limites em sua bondade. Para essas sociedades existem apenas o céu e a terra, e todas as pessoas quando morrem vão para o céu. Na visão africana, não existe, como na europeia, o inferno ou outro lugar. Desta maneira, para os africanos que cultuam os orixás todos os seres estão salvos, em função da grande bondade da criação. Neste olhar, também não é aceita a presença de outros seres que competiriam com a força criadora, por isto não existe a figura do diabo ou satanás.

A religião do Candomblé trabalha os problemas da vida na Terra, da felicidade dos seres e da preservação das forças da natureza neste mundo. Neste sentido, são religiões terrenas preocupadas com a conexão entre o passado, presente e futuro dos seres da natureza na Terra.

FONTE: Disponível em: <http://www.afreaka.com.br/notas/candomble-origem-significado-e-funcionamento/>. Acesso em: 26 ago. 2015.

A partir do texto acima é possível perceber que o candomblé é uma religião anímica e totêmica. Primeiramente, é anímica porque cultua a natureza, pois acredita-se nas energias que existem na natureza e incorporam nas pessoas iniciadas, levando-as a entrar em um estado de transe. Em segundo lugar, é totêmica porque cultua personagens importantes e queridos do passado daquela tribo que merecem ser homenageados nos rituais.

O fato de o catolicismo ser a religião oficial do Império por ocasião da chegada dos negros ao Brasil, estes tiveram que adaptar suas crenças e rituais ao culto católico. Nesse sentido, por exemplo, identificavam seus deuses com os santos católicos como uma maneira de disfarçar seu culto. Desta forma, quando oravam em sua língua para Santa Bárbara, na verdade estavam cultuando Iansã (um Orixá feminino). Quando dirigiam suas preces a Nossa Senhora da Conceição, estavam falando com Iemanjá (a rainha do mar e mãe de todos os orixás). A este processo denominamos de sincretismo religioso, que consiste na fusão de diferentes doutrinas para o surgimento de uma nova.

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TÓPICO 4 | UM RETRATO DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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A umbanda é outra religião afro-brasileira muito importante, com forte presença em alguns estados brasileiros. No texto a seguir iremos conhecer um pouco sobre a umbanda lendo um trecho da obra de Jostein Gaarder, “O Livro das Religiões”.

UMBANDA, A "RELIGIÃO BRASILEIRA”

A umbanda surgiu na década de 1920, no Rio de Janeiro. E quando em seguida começou a aparecer aqui e ali, nas décadas de 30 e 40, desde logo se propagando no tecido urbano do Brasil, pelas cidades mais desenvolvidas da região mais desenvolvida, o Sudeste, especialmente na cidade mais visível do Brasil — o Rio de Janeiro, então Capital Federal, a umbanda se comportou como uma "religião universal".

Não tardaria que ela, mais do que se comportar, passasse a se pensar dessa forma, a assumir-se como uma religião aberta a todos os brasileiros e não circunscrita apenas aos afrodescendentes. Desde o início a umbanda se mostrou visivelmente multiétnica, com uma forte presença de brancos em seus quadros, mesmo entre os pais-de-santo. Além disso, ela se destaca no grupo dos cultos afro-brasileiros por ter menor apego às "raízes", as marcas africanas originais. A umbanda prefere pensar suas raízes como sendo "brasileiras", não "africanas". É afro, sim, mas é afro-brasileira. Ela não só dispensou de seus rituais o uso de idiomas africanos (o iorubá, o jejê e as línguas bantas, todas línguas litúrgicas nos diferentes candomblés), como evita os sacrifícios de sangue e os processos iniciáticos demorados e caros, comuns no candomblé.

Apresentando-se como uma "mistura", um mix bem brasileiro de ingredientes reinterpretados como autóctones e, além do mais, de braços abertos "para todos", sem falar dessa visada de alcance nacional, dessa pitada de nacionalismo que ela carrega em si, a umbanda — sobretudo depois que se tornou conhecida dos intelectuais, artistas, acadêmicos e estudiosos em geral — tem sido reiteradamente identificada como sendo, ela, a religião brasileira por excelência.

Nascida no Brasil, a umbanda pode ser chamada de religião brasileira, primeiro por esse fato, mas a umbanda também pode ser dita "religião brasileira" porque é a resultante de um encontro histórico único, que só se deu no Brasil: o encontro cultural de diversas crenças e tradições religiosas africanas com as formas populares de catolicismo, mais o sincretismo hindu-cristão trazido pelo espiritismo kardecista de origem europeia. Eis aí a umbanda, um sincretismo religioso originalmente brasileiro.

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Daí talvez sua enorme facilidade em atrair, com os serviços mágicos que oferece, uma clientela vastíssima, que extrapola de longe o número dos adeptos umbandistas propriamente ditos, uma clientela que, além de maciça, é diversificada ao extremo quanto às classes sociais. Esse fato fica evidente nas grandes manifestações religiosas que os umbandistas promovem nas datas de seus principais orixás, algumas dessas datas celebradas nas grandes festas profanas. A mais famosa é a noite do réveillon, efusivamente comemorada nas praias brasileiras com oferendas (flores brancas, velas acesas, vidros de perfume, espelhos) levadas até o mar por milhões de pessoas vestidas de branco — para a Grande Mãe Iemanjá, o poderoso orixá dos mares e oceanos. Odoyá!

FONTE: GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 324-325. Disponível em: <http://ir.nmu.org.ua/bitstream/handle/123456789/143146/99c47c08f92d99f1794d7bf298846a7d.pdf?sequence=1>. Acesso em: 26 ago. 2015.

A umbanda é naturalmente uma religião que expressa de maneira muito singular uma das principais características da sociedade brasileira: a miscigenação. A abertura para uma fé multicultural tem sido o traço marcante da umbanda, pois dela fazem parte pessoas de diferentes classes sociais, etnias e crenças. Por mais que ela carregue diversos elementos da cultura africana, todavia não são estes elementos que a definem, pois a marca da umbanda é o sincretismo religioso, assim “como na narrativa católica, o mito umbandista aponta para uma representação miscigenada, embasada na tríade: negro, índio e branco, onde não falta, em alguns aspectos, a ascendência do último elemento” (ISAIA, 2015, p. 117).

O surgimento da umbanda está associado ao fato de se ter uma religião que fosse genuinamente brasileira, ou seja, que tivesse relação direta com nossa história e emergisse dela como expressão da identidade cultural brasileira. Nesse sentido, o surgimento da religião é descrito da seguinte maneira por um dos dirigentes umbandistas, José Álvares Pessoa (apud ISAIA, 2015, p. 119), da seguinte maneira:

Há uns quarenta anos mais ou menos, aproveitando a enorme aceitação dos fenômenos espíritas por parte dos brasileiros, entidades que presidem o destino espiritual da raça resolveram levar avante a árdua tarefa de lhes dar uma religião que fosse genuinamente brasileira. Porque, filho de três raças – a branca, a negra e a índia – não era justo que coubesse ao brasileiro, como imposição, uma religião 100% importada, fosse ela qual fosse, e que não reunisse os anseios das três raças a que pertence. A religião que lhes estava destinada deveria ser uma religião eclética [...].

Podemos observar que há uma ênfase no caráter miscigenado, onde há uma mistura das raças em torno de uma mesma religião. Nesse sentido, a umbanda consiste em elemento de aproximação das diversas raças, etnias e classes em torno de um culto comum. A umbanda é uma religião voltada para a maior parte da população brasileira.

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TÓPICO 4 | UM RETRATO DA RELIGIOSIDADE BRASILEIRA

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De acordo com Prandi (apud SOUZA, 2012, p. 6), “A umbanda caracterizou-se por cultuar figuras nacionais associadas à natureza, à marginalidade, à condição subalterna em relação ao padrão branco ocidental”. As figuras cultuadas na umbanda representam o ser humano frente à exploração e as mazelas sociais ocorridas no período da colonização e escravidão. O culto foge do padrão europeu e perpassa a realidade de quem aqui viveu, onde a única coisa que poderiam se agarrar frente à exploração colonial era a fé. Esta fé que lhes proporcionava momentos de deleite para o espírito que habitava um corpo sofrido e castigado.

A presença da umbanda, e sua defesa frente ao Estado, contribuiu para a construção de uma sociedade pluralista. Na busca pelo reconhecimento por parte da sociedade e do Estado, a umbanda teve que enfrentar muitos desafios no sentido de garantir seu direito e espaço de culto como qualquer outra religião, sem sofrer discriminação. O Decreto-lei nº 12.644, de 16 de maio de 2012, oficializa o dia 15 de novembro como Dia da Umbanda no país.

A diversidade religiosa brasileira é fruto da formação étnica e cultural de nossa sociedade. Cada religião, com seus rituais e crenças, tem um papel importante na vida deste povo. Povo que ainda sofre devido à exploração de uma classe política que ignora a situação difícil que muitas pessoas vivem no dia a dia. O importante é que a religião tem unido pessoas, independente da classe social, em torno das crenças e na busca por uma sociedade mais solidária que semeie a paz e o amor entre os diferentes. No entanto, é importante ressaltar que é dever de cada cidadão trabalhar para que não haja intolerância religiosa e que cada um exerça seu direito de crer e cultuar de acordo com sua consciência.

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Neste tópico vimos que:

• O catolicismo ainda hoje é a maior denominação religiosa do Brasil. Chegou a nosso país ainda no período pré-colonial, que vai de 1500 a 1530.

• No decorrer da história do Brasil, a Igreja Católica participou de momentos importantes, seja no campo educacional, cultural ou político.

• A presença dos protestantes no Brasil remonta ao período colonial.

• De acordo com Mendonça (2004, p. 49), “poderemos dividir a história do protestantismo no Brasil em três categorias: protestantismo de invasão, de imigração e de conversão ou missão”.

• O movimento pentecostal é o fenômeno religioso mais importante do século XX, pois se espalhou rapidamente pelo mundo, chegando aos cinco continentes.

• A ênfase do pentecostalismo é na doutrina do batismo com o Espírito Santo e os dons espirituais.

• Aos poucos o movimento foi ganhando força e o número de pentecostais foi aumentando. Pessoas de diferentes classes sociais foram aderindo ao movimento ao ponto de este marcar presença em diversas áreas da sociedade brasileira.

• As duas principais religiões afro-brasileiras são a umbanda e o candomblé.

• As religiões afro-brasileiras têm um fundo histórico muito importante, pois suas raízes remontam à chegada dos escravos em terras brasileiras e todo o sofrimento que passaram na condição de escravos.

• A umbanda é naturalmente uma religião que expressa de maneira muito singular

uma das principais características da sociedade brasileira: a miscigenação.

RESUMO DO TÓPICO 4

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AUTOATIVIDADE

1 O pentecostalismo foi o movimento religioso que mais cresceu nos últimos anos no Brasil e hoje está presente nas mais diversas áreas da sociedade brasileira. Sobre as características deste movimento, assinale V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas.

( ) O pentecostalismo não é um movimento unificado, pois as igrejas pentecostais são independentes e divergem em alguns pontos das doutrinas pentecostais.

( ) O pentecostalismo entre os brancos volta-se para viver uma vida voltada intensamente para Deus em busca da santificação e grande dedicação à obra missionária.

( ) O pentecostalismo, ao chegar ao Brasil, teve ampla aceitação por parte das igrejas protestantes tradicionais.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:

a) ( ) F – V – F.b) ( ) V – V – F. c) ( ) V – F – F.d) ( ) F – V – V.

2 As duas principais religiões afro-brasileiras são a umbanda e o candomblé. Mesmo que ambas tenham alguns elementos de aproximação, todavia se diferem por algumas características particulares. Sobre as características de cada religião afro-brasileira, analise as seguintes sentenças:

I- O candomblé é uma religião que cultua/homenageia a natureza e os espíritos dos antepassados.

II- O candomblé é uma religião genuinamente brasileira, pois nasceu no Brasil e carrega consigo elementos da nossa cultura.

III- A umbanda é a expressão da cultura africana e seus cultos são em línguas dos escravos que aqui chegaram no período colonial.

IV- A umbanda é resultado de um sincretismo religioso e caracteriza-se por ser multiétnica, abraçando pessoas de todas as raças e classes sociais.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) As afirmativas I e IV estão corretas. b) ( ) Apenas a afirmativa III está correta.c) ( ) As afirmativas III e IV estão corretas. d) ( ) As afirmativas II e III estão corretas.

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ANOTAÇÕES

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