apostila betel - sociologia da religião

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2011Instituto Bblico Betel Brasileiro

Introduo a sociologia da religio

Professor:Pr. Josias Mourahttp://josiasmoura.wordpress.com

Curso de Sociologia da religio

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Sumrio1) 2) 3) 4) Introduo ............................................................................................................................................................. 2 Religio ................................................................................................................................................................. 3 Senso religioso ...................................................................................................................................................... 4 Paradigmas ............................................................................................................................................................ 4 Qual a importncia das pressuposies de uma sociedade? ......................................................................................... 6 Qual a diferena entre o homem comum e o cientista?................................................................................................ 6 A verdade cientfica x verdade religiosa ..................................................................................................................... 7 Algumas consideraes sobre os sistemas de crenas dos individuos .......................................................................... 7 5) Por uma anlise sociolgica: O Simbolismo Religioso............................................................................................ 8 A finalidade do simbolismo religioso ......................................................................................................................... 8 A vida religiosa e o simbolismo ................................................................................................................................. 8 6) O mtodo de investigao da sociologia ................................................................................................................. 9 O Mtodo e os Mtodos ............................................................................................................................................. 9 Mtodo Histrico (promovido por Boas) ...................................................................................................................10 Mtodo Comparativo (empregado por Tylor) ............................................................................................................10 Mtodo Monogrfico (criado por Le Play) ................................................................................................................10 Mtodo Esttico (planejado por Quetelet) .................................................................................................................10 Mtodo Tipolgico (aplicado por Max Weber) ..........................................................................................................11 Mtodo Funcionalista (utilizado por Malinowski) .....................................................................................................11 Mtodo Estruturalista (desenvolvido por Lvi-Strauss)..............................................................................................11 7) 8) 9) 10) 11) 12) 13) 14) Sociologia da Religio em Hume ..........................................................................................................................12 A sociologia da Religio em Durkheim .................................................................................................................13 Weber e a Religio ...............................................................................................................................................14 O que Weber mostra em relao a religio?...............................................................................................................14 O cristo em uma sociedade no-crist .............................................................................................................16 A lei mosaica e os profetas ...............................................................................................................................18 Jesus e os apstolos .........................................................................................................................................24 Religio no brasil.............................................................................................................................................25 OS FILSOFOS MODERNOS E A RELIGIO..............................................................................................33

OS PROFETAS........................................................................................................................................................19

A religiosidade atual .................................................................................................................................................30 a. Rousseau ..............................................................................................................................................................33 b. Durkheim - As formas elementares da vida religiosa .............................................................................................34 c. Karl Marx .............................................................................................................................................................35 15) 16) 17) 18) 19) BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................................37 ANEXO I - Ritos corporais entre os Sonacirema .............................................................................................40 ANEXO II -Distribuio das crenas em 2000..................................................................................................45 ANEXO III -Desencantamento do Mundo ........................................................................................................47 Informaes acerca do professor ......................................................................................................................52

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Sociologia da religio1) IntroduoSociologia da religio busca explicar as relaes mtuas entre religio e sociedade. Os estudos fundamentam-se na dimenso social da religio (a religio uma instituio social) e na dimenso religiosa da sociedade (os indivduos que compem a sociedade so seres religiosos e praticam rituais revestidos de sacralidade). WACH, (1990, p. 11, 205) diz que a sociologia da religio estuda a inter-relao da religio com a sociedade, e as formas de interao que ocorrem de uma com a outra, e d como bsica para a sociologia da religio a hiptese de que os impulsos, as idias e as instituies religiosas influenciam as formas sociais e, por sua vez, so por elas influenciados, alm de receberem o influxo da organizao social e da estratificao. J NOTTINGHAM, entende que o socilogo da religio ocupa-se dela como um aspecto do comportamento de grupo e estuda os papis que a religio tem desempenhado atravs dos tempos. So campos de pesquisa da sociologia da religio: a) Influncias gerais do grupo sobre a religio; b) Funes dos rituais nas sociedades; c) Tipologias de organizaes religiosas e de respostas religiosas ao mundo ou a ordem social; d) Influncias diretas ou indiretas dos sistemas ideais religiosos na sociedade e seus componentes ou elementos (como classes, grupos de nacionalidades, grupos tnicos) e da sociedade nos sistemas ideais; e) Anlise especfica de nmeros de seitas religiosas e movimentos tais como mormonismo e testemunhas de Jeov; f) Interao de entidades religiosas significativas em mbito local ou de comunidade; g) Avaliaes conscientes ocasionais, feitas por porta-vozes para grupos religiosos mais importantes, das circunstncias sociais nas quais os grupos se encontram.

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Esta relao est incompleta e seus itens aparecem por isso menos especificamente sugeridos do que poderiam ser, mas o carter geral dos interesses da sociologia da religio aparece, assim, razoavelmente bem indicados. Considerando que religio diz respeito a todos os homens, devemos, antes de mais nada, proceder a um auto-exame.

2) ReligioAo longo de milhares de anos, a religio tem evidenciado um importante papel na vivncia dos seres humanos. Apesar da universalidade que caracteriza o fenmeno religioso, de uma forma ou outra, a religio marca presena em todas as sociedades humanas, influenciando a forma como vemos e reagimos ao meio que nos rodeia. No existe uma definio de religio genericamente aceita, a sua concepo varia naturalmente de sociedade para sociedade, cultura para cultura. No obstante a isto, pode-se enumerar algumas das principais caractersticas "comuns" ou "partilhadas" entre todas as religies: Tradicionalmente, as diferentes religies evidenciam um sistema de crenas no sobrenatural, envolvendo majoritariamente Deuses ou divindades. Implicam igualmente um conjunto de smbolos; sentimentos e prticas religiosas. Paralelamente, a religio apresenta-se como um fenmeno social e no apenas individual. O referido atributo de fenmeno social atribudo religio perpetua-se atravs das cerimnias habituais, que decorrem predominantemente em locais de culto indicados para tal: igrejas, templos ou santurios. Resumidamente, apresentam-se os principais indicadores comuns s vrias religies, que contribuem para uma melhor compreenso do fenmeno religioso: - A tendncia para a sacralizao de determinados locais; - A forte interao com o divino; - A exposio de grandes narrativas que explicam, legitimam e fundamentam o comeo do mundo e sua existncia.

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3) Senso religiosoO homem tem como dado emergente em seu comportamento o que, como tendncia, atinge toda a sua atividade a interrogao sobre tudo o que realiza: Que sentido tem tudo? Como escreve o telogo italiano Luigi Giussani: O fator religioso representa a natureza do nosso eu enquanto se exprime em certas perguntas: Qual o significado ltimo da existncia? Por que existem a dor, a morte? Por que, no fundo, vale a pena viver? Ou, a partir de outro ponto de vista: De que e para que feita a realidade? O senso religioso coloca-se dentro da realidade do nosso eu ao nvel dessas perguntas: coincide com aquele compromisso radical do nosso eu com a vida, que se mostra nessas perguntas. (Giussani, 2000, p.71). O senso religioso surge em nossa conscincia atravs de perguntas nascidas no encontro com a filosofia, a arte e toda a realidade circundante. Ele proporciona ao homem uma abertura na busca de uma resposta totalizante. Dessa forma, segundo Giussani, que o senso religioso define o eu: o lugar da natureza onde afirmado o significado do todo. (Giussani, op.cit., p.74). O senso religioso , pois, o mpeto que move o homem rumo busca da exigncia primordial da razo humana: a do significado.

4) ParadigmasParadigma (do grego Pardeigma) literalmente modelo, a representao de um padro a ser seguido. um pressuposto filosfico, matriz, ou seja, uma teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo cientfico; uma realizao cientfica com mtodos e valores que so concebidos como modelo; uma referncia inicial como base de modelo para estudos e pesquisas. A palavra paradigma geralmente utilizada no contexto de mudana de paradigmas, ou seja, a mudana de um conjunto de idias bsicas generalizadas e compartilhadas sobre a maneira de funcionar do mundo para novas possibilidades de entendimento do real, mudando-se ou ampliando-se o entendimento convencional do real. Esta palavra foi popularizada pelo fsico Thomas Kuhn em seu livro A Estrutura das Revolues Cientficas, publicado em 1962. Os paradigmas funcionam como uma lente colorida atravs da qual ela enxerga o mundo.

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Para evitar que existam tantas lentes ou percepes diferentes de uma mesma realidade quanto o nmero de pessoas existentes sobre a terra que existem os paradigmas, que so lentes padronizadas atravs das quais se olha para uma mesma realidade. Paradigmas so os filtros de percepo que criam a nossa realidade subjetiva. Apenas poderemos ver (entenda-se "perceber") o mundo de outra forma se modificarmos nossos paradigmas. Conjuntos de crenas ou verdades relacionadas entre si so chamados de paradigmas. Podemos falar do paradigma espiritual, por exemplo. Vrus e bactrias como causas de doenas outro paradigma, distinto da medicina psicossomtica. A medicina oriental h milnios tem em seu paradigma uma energia vital, chamada de prana ou chi (entre outros nomes), que no est presente no paradigma ocidental, exceto em medicinas e terapias alternativas. Paradigmas e crenas podem subsistir por sculos. O Sol girou em torno da Terra por 1.400 anos. A Fsica at o incio do sculo tinha as leis de Newton como um de seus principais paradigmas. Com a Teoria da Relatividade, esse passou a ser um caso especial de outro paradigma. E continua mudando; no livro Universo Elegante, Brian Greene diz por exemplo que "A sugesto de que o nosso universo poderia ter mais de trs dimenses pode parecer suprflua, bizarra ou mstica. Na realidade, contudo, ela concreta, e perfeitamente plausvel". Crenas e verdades dificilmente subsistem por si s; normalmente elas esto agrupadas, sustentando umas s outras. Por exemplo, acreditar em Jesus Cristo est vinculado a acreditar em coisas espirituais, podendo estar associado tambm crena na existncia do diabo e de outros mundos ou dimenses. Acreditar no diabo envolve tambm acreditar que nossas escolhas podem ser influenciadas por fatores externos e ocultos. Mudar um paradigma pode ser difcil, j que em geral est enraizado nas profundezas do inconsciente e por vezes no sujeito a questionamento ou atualizao por feedback. Mesmo no meio cientfico isto ocorre: o prprio Einstein, que revolucionou os paradigmas da Fsica, teve dificuldades em aceitar a revoluo seguinte, a da Mecnica Quntica. Max Planck (citado por Stanislav Grof no livro Alm do Crebro) disse que "uma nova verdade cientfica triunfa no porque convena seus oponentes fazendoos ver a luz, mas porque eles eventualmente morrem, e uma nova gerao cresce familiarizando-se com ela". Robert Dilts, no livro Crenas, conta que curou o cncer de sua me trabalhando durante quatro dias mudando crenas limitantes e resolvendo conflitos.

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Lewis Munford observa que "Cada transformao do homem... apia-se numa nova base ideolgica e metafsica (= viso de mundo); ou melhor, sobre as comoes e intuies mais profundas, cuja expresso racionalizada assume a forma de uma teoria ou viso de cosmos, homem e natureza" (cit. in Harman, 1989). Qual a importncia das pressuposies de uma sociedade? Cada sociedade existente ou que j existiu tinha por base - o que lhe d ou davam suas caractersticas prprias - alguns pressupostos comuns, compartilhados a toda a sua populao, ou uma parcela significativa dela, na forma de um conjunto de premissas bsicas que do identidade uma forma de ser no mundo. Estas pressuposies bsicas so formadoras do pensamento coletivo e constituem um conjunto de referenciais tericos (ainda que tacitamente vigentes) e que estabelecem em linhas gerais quem somos, em que tipo de universo estamos, e o que importante ou no para ns (ou que pensamos ser para ns). Muitas destas pressuposies so visveis na constituio de instituies e costumes culturais (por exemplo, na diviso tripartite dos poderes no Estado moderno, elaborao e criao feitas pelo Iluminismo), padres de pensamento e sistemas de valores vigentes na sociedade, e so to aceitas, como lugar comum, que so ensinadas de modo indireto pelo contexto social em que se vive, ou/e to assimiladas e introjetadas que passam a ser encaradas (caso se pensam nelas), como o bvio (por exemplo, a competitividade das pessoas refletindo a das empresas que, por sua vez, refletem a "natural" competitividade animal - que realmente tem bem pouco da feroz competitividade refletida do homem,etc) e dificilmente so questionados. Qual a diferena entre o homem comum e o cientista? A diferena entre o homem comum e o cientista est em que este ltimo geralmente adota - e isto ainda mais real na cincia moderna - um conjunto de pressupostos que o fazem explicar os fenmenos de uma maneira apropriada a certos critrios aceitos como sendo cientficos, critrios estes que em muitas cincias apresentam um aspecto reducionista, ou seja, explicado a partir da reduo de fenmenos complexos a certos elementos ou acontecimentos elementares. o cientificismo. A sociologia, e seu mtodo cartesiano, j obteve no meio cientfico o amplo reconhecimento da academia como de extrema eficcia para se atingir uma "verdadeira" compreenso da natureza, e, portanto, considerada por muitos cientistas como apta a substituir as

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cristalizadas religies dogmticas funcionamento do mundo. A verdade cientfica x verdade religiosa

na

explicao

da

origem

e

A possibilidade de descobrir todas as leis naturais do mundo, seguindo o exemplo bem sucedido as leis do movimento de Newton, por meio de procedimentos de experimentao, deduo e induo, por terem sido bem sucedidos na biologia e na medicina (embora em parte), havia estimulado uma euforia racionalista e acabando por adquirir "parte da sacralidade que antes pertencia s explicaes religiosas: a de descobrir e apontar aos homens o caminho em direo verdade. A cincia j no parecia uma forma particular e especializada de saber, mas a nica capaz de explicar a vida, abolir e suplantar as crenas religiosas e at mesmo as discusses ticas. Supunha-se que, utilizando-se adequadamente os mtodos de investigao, a verdade se descortinaria diante dos cientistas - os novos 'magos' da civilizao -, quaisquer que fossem suas opinies pessoais, seus valores ticos sobre o bem e o mal, o certo e o errado (CRISTINA COSTA, Sociologia, p. 41 Ed. Moderna, 1999). Algumas consideraes sobre os sistemas de crenas dos individuos "O sistema total de crenas de uma pessoa consiste num conjunto de crenas e expectativas - expressas ou no, implcitas e explcitas, conscientes e inconscientes - que ela aceita como verdadeiras com relao ao mundo em que vive. "Esse sistema de crenas no precisa ter consistncia lgica; na verdade, provavelmente nunca a tenha. Pode ser dividido em compartimentos contendo crenas logicamente contraditrias e no contraditrias. Inconscientemente, a pessoa rechaa os sinais que possam revelar tal contradio interior. Observem que essa deciso de no se tornar conscientemente cnscio de algo inconsciente. Ns optamos, como tambm acreditamos inconscientemente (...) A forma como percebemos a realidade fortemente influenciada por crenas, adquiridas do meio, de forma inconsciente. Os fenmenos de recusa e de resistncia na psicoterapia ilustram a intensidade com que tendemos a no ver coisas que ameaam imagens profundamente enraizadas, conflitantes com crenas bastante conservadoras. Pesquisas demonstram reiteradamente que nossas percepes e verificaes da realidade so influenciadas muito mais do que geralmente se acredita, por crenas, atitudes e outros processos mentais, sem o que, grande parte desses processos inconsciente.

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"Essa influncia de crenas sobre a percepo se intensifica quando um grande nmero de pessoas acredita na mesma coisa. Os antroplogos culturais documentaram em detalhe de que modo pessoas que crescem em culturas diferentes percebem com clareza realidades diferentes". Willis Harman, 1994. Os Grandes Paradigmas na histria da humanidade: Misticismo (mitologia), Animismo, politesmo, democracia, monotesmo, feudalismo, Estadismo, capitalismo, socialismo, modernidade, iluminismo Os Grandes Paradigmas na histria do cristianismo: monoteismo, dogmatismo, trindade, catolicismo, sacerdcio universal, missionarismo, biblicismo, empirismo, pentecostalismo, neo-pentecostalismo.

5) Por uma anlise sociolgica: O Simbolismo ReligiosoIndependentemente do tipo de comunicao, os smbolos tm outras modalidades de influncia sobre a vida social, principalmente porque servem para concretizar, tornar visuais e palpveis realidades abstratas, mentais ou morais, da sociedade. A finalidade do simbolismo religioso O simbolismo religioso tem como fim ligar o homem a uma ordem supranatural ou sobrenatural. Mas pode sustentar-se que o simbolismo religioso no deixa de ser profundamente social. O simbolismo religioso alimenta-se do contexto social, que exprime realidades sociais, que tem alcance e consequncias sociais. Assim, serve para distinguir os fiis dos no-fiis, o clero dos fiis, os lugares sagrados dos lugares profanos, os objetos puros dos impuros, etc. Configura desse modo a prpria textura da sociedade, para construir hierarquias. Seja pelo vesturio, por ritos, sacramentos, sinais invisveis, a religio rica em smbolos que dividem para melhor reunir (Rocher, 1989). A vida religiosa e o simbolismo A prpria vida religiosa quase, universalmente, uma prtica social, em que a solidariedade mstica tem um papel central, detendo grande diversidade de smbolos para se exteriorizar e desenvolver. Por exemplo, a constituio de comunidades humanas geograficamente identificveis; as cerimnias que apelam participao dos assistentes, como as oferendas, os sacrifcios, comunhes fsicas; outras cerimnias como os ritos de iniciao, as cerimnias do casamento, os ritos fnebres, etc. Tudo isso caracteriza a vida religiosa de um individuo em sua comunidade.

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Se a religio dotada de smbolos diversos, porque faz referncia a um universo invisvel, inacessvel diretamente, devendo portanto seguir a vida simblica para manterem o homem em contato com esse universo. A sociedade e a sua complexa organizao, no poderiam existir e perpetuar-se, tal como a religio, sem o contributo multiforme do simbolismo, tanto pela participao ou identificao que ele favorece como pela comunicao de que instrumento (Rocher, 1989). Pode-se dizer, ento, que os smbolos servem: Para ligar os atores sociais entre si, por intermdio dos diversos meios de comunicao que pem ao seu servio; servem igualmente para ligar os modelos aos valores, de que so a expresso mais concreta e mais diretamente observvel; por ltimo, os smbolos recriam incessantemente a participao e a identificao das pessoas e dos grupos s coletividades e estabelecem constantemente as solidariedades necessrias vida social. Por intermdio dos smbolos, o universo ideal de valores passa para a realidade, torna-se, simultaneamente, visibilidade e crena social.

6) O mtodo de investigao da sociologiaPara elaborar seus estudos, a Sociologia faz uso de mtodos (conjunto de regras teis investigao). Os mtodos especficos das cincia sociais, inicialmente, podem desarmonizar-se na confuso dos termos "mtodo" e "mtodos". O Mtodo e os Mtodos Schopenhauer, citado por Madaleine Grawitz, diz que, "dessa forma, a tarefa no contemplar o que ningum ainda contemplou, mas meditar, como ningum ainda meditou, sobre o que todo mundo tem diante dos olhos". Definio um tanto abstrata primeira vista. Ora, quando E. M. Lakatos cita Caldern, em sua definio de mtodo, tambm diz que o mtodo " um conjunto de regras teis para a integrao, um procedimento cuidadosamente elaborado, visando provocar respostas na natureza e na sociedade, e, paulatinamente, descobrir sua lgica e leis". "Cada cincia", completa Lakatos, "possui um conjunto de mtodos." O que se constata, tambm de imediato, que o "mtodo" no o mesmo que os "mtodos". O mtodo, em si, apresenta-se como um tratado

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de maior abrangncia, em se tratando de abstrao mais elevada, dos fenmenos naturais e sociais. Com isso observa-se o mtodo de abordagem, que podemos analisar nas seguinte divises: Mtodo Indutivo, Dedutivo, Hipottico-dedutivo e Dialtico. Mtodo Histrico (promovido por Boas) A sociedade, com suas formas de vida social, instituies e costumes originados no passado. "O mtodo histrico consiste em investigar acontecimentos, processos e instituies do passado para verificar a sua influncia na sociedade de hoje." Ex. Os patriarcas A rvore genealgica Os mitos, tradies e valores primeiros Mtodo Comparativo (empregado por Tylor) Usado tanto para comparao de grupos no presente, no passado, ou entre os existentes e os do passado, quanto entre sociedades de iguais ou de diferentes estgios de desenvolvimento. Ex. A So Paulo de 1960 e a de hoje Colonizao portuguesa e espanhola na Amrica Latina Classes sociais na poca colonial e atualmente Mtodo Monogrfico (criado por Le Play) Consiste no estudo de determinados indivduos, profisses, condies, instituies, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalizaes. Ex. SCHALKWIJK, Frans Leonard. Igreja e Estado no Brasil Holands 16301654. Ed. Vida Nova, S. Paulo, 2a ed. 1989 FERREIRA, Edijce Martins. A Bblia e o Bisturi. Misso Presbiteriana no Brasil, Recife - PE, 1976 Mtodo Esttico (planejado por Quetelet) Os processos estticos permitem obter, de conjuntos complexos, representaes simples e constatar se essas verificaes simplificadas tm

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relaes entre si. Assim, o mtodo esttico significa reduo de fenmenos sociolgicos, polticos, econmicos etc. a termos quantitativos e a manipulao estatstica, que permite comprovar as relaes dos fenmenos entre si, e obter generalizaes sobre sua natureza, ocorrncia ou significado. Ex. Verificar o nmero de filhos com a condio social. O nvel econmico entre os estudantes universitrios. Mtodo Tipolgico (aplicado por Max Weber) Possui algumas semelhanas com o mtodo comparativo. Entrementes, detm-se na observao dos tipos diferentes de cidades e governos (do passado e do presente) para, a partir da, criar o tipo ideal. Ex. Estudo de todos os tipos de governo democrtico, do presente e do passado, para estabelecer as caractersticas tpicas ideais da democracia. S podem ser objeto de estudo do mtodo tipolgico os fenmenos que se prestam a uma diviso, a uma dicotomia de "tipo" e de "no-tipo". Os prprios estudos efetuados por Weber demonstram essa caracterstica: - "cidade" __ "outros tipos de povoamento"; - "capitalismo" __ "outros tipos de estrutura scio-econmica; - "organizao burocrtica" __ "organizao no-burocrtica". Mtodo Funcionalista (utilizado por Malinowski) , a rigor, mais um mtodo de interpretao do que de investigao. Estuda a sociedade do ponto de vista da funo de suas unidades, isto , como um sistema organizado de atividades. Ex. Anlise das principais diferenciaes de funes que devem existir num pequeno grupo isolado, para que o mesmo sobreviva. Averiguao da funo dos usos e costumes no sentido de assegurar a identidade cultural do grupo. Mtodo Estruturalista (desenvolvido por Lvi-Strauss) O mtodo parte da investigao de um fenmeno concreto, eleva-se, a seguir, ao nvel abstrato, por intermdio da constituio de um modelo que represente o objeto de estudo, retornando por fim ao concreto, dessa vez

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como uma realidade estruturada e relacionada com a experincia do sujeito social. Dessa forma, o mtodo caminha do concreto para o abstrato e viceversa, dispondo, na segunda etapa, de um modelo para analisar a realidade concreta dos diversos fenmenos. Ex. Estudo das relaes sociais (um casamento, por exemplo) e a posio que estas determinam para os indivduos e os grupos, com a finalidade de construir um modelo que passa a retratar a estrutura social onde ocorre tais relaes. Alm dessa variedade de mtodos, a Sociologia arma-se de tcnicas variadas. Vejamos: 1) Documental: livros, revistas, jornais... 2) Sociometria: relaes interpessoais, liderana... 3) Histria de vida: dados completos sobre algum. 4) Entrevista: encontro entre entrevistador e entrevistado. 4.1) Dirigida (quando segue um roteiro). 4.2) No dirigida ou livre (quando leva o entrevistado a expor suas prprias idias). 5) Questionrio: dados obtidos a partir de uma srie de perguntas (sem contato do entrevistado com o entrevistador). 6) Formulrio: semelhante ao anterior; s que o investigador encarregase de anotar as respostas do investigado s perguntas anteriormente formuladas. Podem ser: a) sitemtica; b) participante 7) Cartogrfica: quando se usam mapas, cartas, desenhos, grficos, tabelas e outros, para tornar expressivos dados complexos.

7) Sociologia da Religio em HumeDavid Hume ficou conhecido sobretudo pelas contribuies na filosofia. Mas no menos dignas de destaque so as observaes na anlise da religio. Pode falar-se de idias pioneiras para a sociologia da religio, que ficam patentes na obra de 1757: The Natural History of Religion. Hume rejeita a ideia de uma evoluo linear desde o politesmo para o monotesmo como um sumrio da evoluo histrica dos ltimos 2.000 anos. Na verdade, Hume acredita que o que a histria mostra antes um oscilar irracional entre politesmo e monotesmo. Chama-lhe um "flux and reflux" (fluxo e refluxo, um oscilar) entre as duas opes. Nas palavras de Hume: "a mente humana mostra uma tendncia maravilhosa para oscilar entre diferentes tipos de religio: eleva-se do

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politesmo para o monotesmo para voltar a afundar-se na idolatria". Como Gellner afirma, esta oscilao no o resultado de qualquer racionalidade, mas sim com os "mecanismos do medo, incerteza, da superioridade e inferioridade". Os povos que adoram vrios deuses com poderes limitados podem facilmente conceber um Deus com um poder mais extenso, ainda mais digno de venerao do que os outros. "Neste processo, os homens chegam ao estgio de um s Deus como ser infinito, a partir do qual nenhum progresso possvel". Esse Deus nico, todo poderoso, porm igualmente um Deus distante e de difcil acesso para o comum dos mortais (sobretudo se estes so analfabetos - e na Europa da Idade Mdia, a esmagadora maioria da populao era analfabeta). O contacto direto com as escrituras sagradas na Idade Mdia permanecia um privilgio de uma casta limitada - o clero. A maioria do povo comum, analfabeto, sente-se impossibilitado de aceder a Deus por via "direta". Neste momento, torna-se visvel um princpio psicolgico que caminha numa direo contrria. Esse princpio psicolgico a idia de que os homens vivem em busca da proteo, do apoio. Torna-se necessria a figura de intermedirios perante o comum dos mortais e o Deus todo poderoso. Uma funo para os santos, relquias,... "Estes semi-deuses e intermedirios, que so vistos pelos homens como parentes e lhes parecem menos distantes, so objeto da adorao e assim, a idolatria est de volta..." Mas mais uma vez, o pndulo tem de retornar. Como Gellner afirma, em breve, "o Panteo torna a encher-se". Hume: " medida que estas diferentes formas de idolatria dia por dia descem s formas cada vez mais baixas e ordinrias, acabam por se auto-destruir e as horrveis formas de idolatria vo acabar por provocar um retorno e um desejo de regresso ao monotesmo... Por isso (entre os judeus e os muulmanos) que h proibio de figuras humanas na pintura e mesmo na escultura, porque eles receiam que a carne seja fraca e que acabe por se deixar levar para a idolatria". Hume mostra exemplos desta evoluo: a luta de Jeov contra os Bealim de Cana, da Reforma contra o Papado, e do Islo contra as tendncias pluralistas (ver sufismo).

8) A sociologia da Religio em DurkheimDurkheim um autor que estudou a religio em sociedades pequenas, considerando a religio como uma coisa social ( Dea, 1969).

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Para o autor, na questo religiosa h uma preocupao bsica que a diferena entre sagrado e profano. Durkheim bem explcito ao afirmar que: o sagrado e o profano foram sempre e por toda a parte concebidos pelo esprito humano como gneros separados, como dois mundos entre os quais nada h em comum () uma vez que a noo de sagrado no pensamento dos homens, sempre e por toda a parte separada da noo do profano () mas o aspecto caracterstico do fenmeno religioso o fato de que ele pressupe uma diviso e bipartida do universo conhecido e conhecvel em dois gneros que compreendem tudo o que existe, mas que se excluem radicalmente. As coisas sagradas so aquelas que os interditos protegem e isolam; as coisas profanas, aquelas s quais esses interditos se aplicam e que devem permanecer distancia das primeiras. Ou seja, para Durkheim, h uma natural superioridade do sagrado em relao ao profano (Durkheim, 1990). possvel constatar que a participao na ordem sagrada, como o caso dos rituais ou cerimnias, do um prestgio social especial, ilustrando uma das funes sociais da religio, que pode ser definida como um sistema unificado de crenas e de prticas relativas s coisas sagradas. Estas unificam o povo numa comunidade moral (igreja), um compartilhar coletivo de crenas, que por sua vez, essencial ao desenvolvimento da religio. Dessa forma, o ritual pode ser considerado um mecanismo para reforar a integrao social. Durkheim conclui que a funo substancial da religio a criao, o reforo e manuteno da solidariedade social. Enquanto persistir a sociedade, persistir a religio (Timasheff. 1971).

9) Weber e a ReligioWeber concentrou a sua ateno nas religies ditas mundiais, aquelas que atraram um grande nmero de crentes e que afetaram, em grande medida, o curso global da histria. Teve em ateno a relao entre a religio e as mudanas sociais, acreditava que os movimentos inspirados na religio podiam produzir grandes transformaes sociais, dando o exemplo do Protestantismo. O que Weber mostra em relao a religio? Para Weber, as concepes religiosas eram cruciais e originrias das sociedades humanas, pois o homem, como tal, sempre esteve procura de sentido e de significado para a sua existncia; no simplesmente de ajustamento emocional, mas de segurana cognitiva ao enfrentar

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problemas de sofrimento e morte ( Dea, 1969). Procura-se na religio signos de transcendncia e de esperana. Assim, Weber estava preocupado em destacar a integrao racional dos sistemas religiosos mundiais e no apenas o calvinista (objeto especial dos seus estudos), como resposta aos problemas bsicos da condio humana: contingncia, impotncia e escassez. Weber mostra que as religies, ao criar respostas a tais problemas respostas que se tornam parte da cultura estabelecida e das estruturas institucionais de uma sociedade , influem de maneira mais ntima nas atitudes prticas dos homens com relao s vrias atividades da vida diria ( Dea, 1969). Com isto, Weber considerava que, ao problema humano do sentido e significao existencial, a religio, de maneira eficaz, oferecia uma resposta final. Por conseguinte, como j afirmamos, ela torna-se, pela forma institucional que assume, um fator causal na determinao da ao. No caso especfico do protestantismo, a sua fora vista como indispensvel (mas no a nica) para o surgimento do fenmeno da modernidade ocidental, com seus valores inerentes de individualismo, liberdade, democracia, progresso, entre outros. Portanto, segundo a teoria de Weber, religio uma das fontes causadoras de mudanas sociais. Para ele, o processo de racionalizao religiosa ou de desencantamento do mundo culminou no calvinismo do sculo XVII e em muitos outros movimentos, chamados por ele de seitas. Desse momento em diante, procurou-se assegurar a salvao (temporal e eterna) no por meio de ritos, ou por uma fuga mstica do mundo ou por uma asctica transcendente, mas acreditando-se no mundo pelo trabalho, pela profisso, pela insero. Portanto, segundo Weber, o capitalismo definido pela existncia de empresas cujo objetivo produzir o maior lucro possvel e cujo meio a organizao racional do trabalho e da produo. a unio do desejo de lucro e da disciplina racional que constitui historicamente o trao singular do capitalismo ocidental. Weber quis demonstrar que a conduta dos homens nas diversas sociedades s pode ser compreendida dentro do quadro da concepo geral que esses homens tm da existncia. Os dogmas religiosos e sua interpretao so partes integrantes dessa viso do mundo; preciso entend-los para compreender a conduta dos indivduos e dos grupos, nomeadamente o seu comportamento econmico. Por outro lado, Weber quis provar que as concepes religiosas so, efetivamente, um determinante da conduta econmica e, em consequncia, uma das causas das transformaes econmicas das

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sociedades (Aron, 1999). Dessa forma, o capitalismo estaria motivado e animado por uma viso de mundo especfica de um tipo de protestantismo que na sua ao social favoreceu a formao do regime capitalista.

10) O cristo em uma sociedade no-cristVivemos em uma sociedade de indivduos alienados. Como cristos, temos o dever de atuar como participantes da histria de transformao deste sistema pervertido; no podemos nos acomodar a margem histrica. Devemos ser atuantes, participantes (militantes) do projeto de Deus para este mundo. Um projeto de invocao, arrebatamento e construo. Esse o desafio que o cristo, comprometido em "trazer o reino de Deus" (Mt 6.10), tem sua frente, alm de um piedoso exerccio de espiritualidade integral. Observemos trs textos do Gnesis: Sete tambm teve um filho, a quem deu o nome de Enos. Este foi o primeiro a invocar o nome de Jav. (4.26), Enoque andou com Deus e desapareceu, porque Deus o arrebatou. (5.24). Ento Deus disse a No: 'Para mim chegou o fim de todos os homens, porque a terra est cheia de violncia por causa deles. Vou destru-los junto com a terra. Faa para voc uma arca de madeira resinosa... (6.13-14) No pretendemos fazer uma exposio biogrfica (o que nos levaria utilizao do Mtodo Monogrfico, de Le Play). Desses trs personagens ilustres do relato histrico, pretendemos apresentar trs mensagens que ecoam na Histria Sagrada. Pretendemos mesmo profetizar trs desafios, requisitos para vivenciar, individual e coletivamente, uma espiritualidade integral, ou seja, uma vida de comunho com Deus e com os homens, que integre a orao, o xtase e o trabalho; que abranja a horizontalidade e a verticalidade do indivduo social; que v ter com Deus, mas que assista aos homens. Em resumo, podemos simplificar a significao desses trs atos litrgicos e poltico-econmico-social, dizendo: A invocao, significa chamar Deus para perto de ns. O arrebatamento, significa ser levado ou absorvido (absorto) por Deus. A construo, significa trabalhar na contramo do caos social. Que invocao? A invocao um chamado veemente, um apelo que implora, uma splica, uma prece... De modo que, para ouvirmos as mensagens que evocam da invocao, preciso, pelo menos, trs posturas de escuta: saber quem est invocando; onde o suplicante est invocando; quem o suplicante est invocando.

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Quem invoca? O Texto Sagrado parece sugerir que, depois da morte de Abel, ningum invocava mais o Senhor. At o dilogo entre Caim e Deus iniciado pelo prprio Deus: "Caim: onde est teu irmo?" (Gn 4.8). Os homens casavam-se, trabalhavam, desenvolviam seus talentos sem invocar Deus; viviam - semelhante aos dias de hoje - um atesmo prtico. Foi Enos quem, depois desse perodo de silncio (escurido) espiritual, primeiramente invocou a Deus. Diz o Texto Sagrado que "este foi o primeiro a invocar o nome de Jav" (Gn 4.26). O nome de Enos significa "fraco", "debilitado". Isto nos sugere que a invocao est para os fracos, para aqueles que pedem socorro, que suplicam auxlio; pois sabem que so impotentes. A invocao no est para os "fortes", ou pelo menos para os que se acham "fortes", pois vivem como se no dependessem de Deus (e dizem que Deus apenas uma "muleta" aos fracos), so auto-suficientes. o pecado originrio da insubordinao. Onde Enos invoca o nome de Jav? Foi na cidade de Caim que Enos invocou o nome do Senhor. Foi em um ambiente ateisante que Enos invocou a Jav; num local que, pelo que o Texto indica, ningum clamava a Deus. Geralmente, invocamos ao Senhor num ambiente religioso e num local "propcio" para invocar a Deus. O que Enos ensina que Deus precisa ser invocado no em "um", mas "no" ambiente que precisa de Deus. O ambiente secularizado e catico. A cidade, alm de amplamente secularizada, era uma fbrica de atesmo e, tambm, uma habitao social edificada sob uma maldio; pois o seu construtor, Caim, carregava uma maldio consigo. Em Gnesis 4.11-12, lemos: "E agora maldito s tu desde a terra que abriu a boca para receber de tua mo o sangue do teu irmo". Era uma cidade construda sob os fundamentos da auto-suficincia (Deus no convidado para participar da sua edificao); da violncia (Lameque mata um jovem por ter pisado no seu p: Gn 4.23); do machismo (duas mulheres para ser subserviente a Lameque); do homicdio (Caim mata Abel); da hostilidade e impunidade (Lameque havia matado dois e ainda estava impune); da religio ritualstica ("Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor": Gn 4.3); da rivalidade e competio (a disputa de Caim com seu irmo); do progresso tecnolgico e cultural (no eram nmades, mas pastores - Revoluo Pastoril; trabalhavam com o ferro fundido; Revoluo Metalrgica; os instrumentos musicais foram criados...). O caos social e humano era maquilado com os avanos tecnolgicos e com as atividades culturais. Quando descrevemos a comunidade de Caim, parece at que estamos descrevendo a nossa sociedade capitalista psmoderna; as nuanas so quase imperceptveis. Invocar a Deus na sociedade de Caim era desejar subvert-la, pois isto significa aproximar a realidade de Deus para que ela substitusse a realidade humana - o mesmo sentido se aplica hoje nossa sociedade e ao nosso desejo. Neste sentido, invocar

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significa orar que "... venha o teu Reino, seja feita a tua vontade". Assim, invocar significa gritar a plenos pulmes: "Maranata!" ("Ora vem, Senhor Jesus!"- E isto requer um preo alto da nossa parte). Invocar tambm significa aproximar o projeto de Deus, o seu senhorio sobre tudo e todos. "Jesus Cristo o Senhor!" Essa declarao perturbou, abalou e contrariou a Csar, no Imprio Romano; contrariou o papado, no imprio salvacionista; e deve contrariar o "senhor" Mercado Global, no Imprio Capitalista Ps-moderno. Desta forma, invocar a Deus deixa de ser meramente uma expresso religiosa, passa a ser uma profecia, um vaticnio contra uma sociedade ateisante. Logo, significa "no obedecer aos homens, mas a Deus" (At 5.1-40). Significa trazer o Evangelho para uma realidade supra-evanglica. Individualismo-Comunitarismo; Consumismo-Partilha; Egosmo-Fraternidade; Narcisismo-Elogio de outras belezas; HedonismoServio; Violncia-Paz.

11) A lei mosaica e os profetasA LEI MOSAICA (apenas no declogo) est registrada nos livros de x (20.3-17), Dt (5.7-21) e em passagens do Novo Testamento; como em Mt 5.17-48; 15.5,19; 19.8-9; 22.34-40; 23.1; Lc 18.18-30 etc. Os processos restritivos da lei no tinham apenas fins metafsicos, mas sociais. a) O Sabat (x 20.8-11) b) Educao familiar (v. 12 comp. com Dt 5.16; Mt 15.4; Mc 7.10; Lc 18.20; Ef 6.2) c) Proibio ao homicdio ("assassinar", v. 13 comp. com Dt 5.17; Mt 5.21; Rm 13.9) d) Fidelidade conjugal (v. 15 comp. com Dt 5.18; Mt 5.27; Lc 18.20; Rm 13.9; Tg 2.11; havia uma lei severa para os que cometiam o adultrio: Lv 2.10-12, comentar com Jo 8.1-11) e) Proibio ao roubo (v.15 comp.c/ Dt 5.19; Lv 19.11-13; Is 61.8; Mt 19.18; Ef 4.28; comentar x 22.1-15 com Lc 19.8-10) f) Fidelidade ao prximo (v. 16 comentar com Dt 17.6). O Didach (catecismo dos primeiros cristos), no final do captulo IV, diz: "Deteste a hipocrisia e tudo o que no seja agradvel ao Senhor. No viole os mandamentos do Senhor. Guarde o que voc recebeu, sem nada acrescentar ou tirar" (IV.12-13) e, j no cap. V, ensinado o caminho da vida pelo caminho da morte, diz: O caminho da morte este: Em primeiro lugar, mau e cheio de maldies: homicdios, adultrios, paixes, fornicaes, roubos, idolatrias, prticas mgicas, feitiarias, rapinas, falsos testemunhos,

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hipocrisias, duplicidade de corao, fraude, orgulho, maldade, arrogncia, avareza, conversa obscena, cime, insolncia, altivez, ostentao e ausncia de temor de Deus. Por esse caminho andam os perseguidores dos bons, os inimigos da verdade, os amantes da mentira, os que ignoram a recompensa da justia... (V.1-2a). Os primeiros cristos procuravam observar a lei mediante a dependncia da graa. Vale lembrar que a lei no se resume aos Dez Mandamentos, mas est contida neles. Os pormenores esto espalhados por todo o Pentateuco. Os fariseus, escribas e doutores da lei, com o passar do tempo, a tornaram bem maior - o que veementemente criticado pelo Senhor Jesus (veremos isto mais adiante). A lei, portanto, tem trs aspectos: Restritivo (por regras, Rm 7.7), Punitivo (aplicao da justa justia, Rm 7.814; 6.23) e Demonstrativo (evidncia graa, Rm 5.20) OS PROFETAS Antes de tudo procuremos uma primeira compreenso global do fenmeno proftico do A.T. onde Abrao j apresentado como profeta (Gn 20.7). A tradio deuteronmica depois exaltou Moiss como o maior profeta de Israel (Dt 34.10), como porta-voz de Deus, intrprete da vontade divina, mediador entre Deus e o povo, guia carismtico excepcional do povo de Israel. De tal modo se fez Moiss o paradigma teolgico do verdadeiro profeta, fosse o que fosse que tenha sido do ponto de vista meramente "histrico" da possibilidade de realizar o que fez: quem a ele se adapta autntico profeta. A funo e a misso dos profetas "cannicos" so, portanto, pensadas sobre o modelo mosaico elaborado pela teologia deuteronmica. Por volta do fim do sc. II a.C., o tradutor grego de Ben Sirac quer sugerir continuidade entre Moiss e os outros profetas e escreve que Josu foi "sucessor de Moiss no ofcio proftico" (Eclesistico 46.1) (mas o hebraico usa "servo de Moiss"). Aqui nasce a tradio judaica que visualiza a srie dos profetas como a histria da sucesso proftica de Moiss. Porm foi, antes ainda, a teologia deuteronmica que traou o modelo mosaico da figura ideal do profeta. Na realidade, do ponto de vista histrico, no se pode assumir como critrio de pesquisa a "definio" de profeta proposta pela tradio deuteronmica, que tenta reconduzir sistematicamente qualquer figura proftica a ser imagem de Moiss. O profetismo bblico no fenmeno simples e homogneo, mas apresenta grande variedade de formas, de pessoas, de mensagens, de estilo, de sensibilidade e cultura. Cada profeta traz consigo na sua atividade toda sua personalidade. Cada poca tem problemas, exigncias, mentalidades

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diferentes e cada profeta homem de seu tempo, com certa cultura, ou educao religiosa. Em suma, o fenmeno proftico comparvel a grande mosaico constitudo de muitas pedras de cores e desenhos, forma e colocao diferentes! Os nomes mais comumente usados em hebraico para designar os profetas so: Nab, hozeh, ro'eh. Trs termos que podemos considerar, a grosso modo, sinnimos. a) Nab (profeta) foi usado de modo amplo para indicar os antigos profetas extasiados, depois serviu para designar os profetas clssicos, quer verdadeiros, quer falsos; b) hozeh (visionrio) usado de preferncia para os profetas da corte, isto , aquele tipo de funcionrio do rei que dava respostas, orculos, predies ao seu soberano (quase sempre prevendo coisas favorveis); c) ro'eh (vidente) era, pelo contrrio, o ttulo que mais comumente o povo atribua ao profeta. Uma pesquisa interessante sobre a 'funo' do profeta a publicada por Petersen, 1981. Ele julga inadequada a categoria de 'ofcio' para definir os profetas e a sua misso. 'Ofcio', com efeito, aplicado pelos socilogos a um tipo de papel que se encontra numa estrutura legal ou racional da autoridade; mas no se adapta aos profetas. Petersen, para compreender os profetas, adota o conceito de role enactment (representao de papis) desenvolvido pela psicologia social de T. Sarbin1, o qual contempla oito graus de envolvimento que vo do no-envolvimento e da 'representao' casual at ao xtase e morte. Petersen mostra como o envolvimento proftico do eu pode acontecer nos quatro graus intermedirios: ritual acting (ao ritual), engrossed action (ao absorvente), na qual "o eu est plenamente integrado na atuao do papel", hypnotic role taking (assuno hipntica do papel) e histrionic neurosis (neurose histrinica). O papel indicado por hozeh e nabi no diferente. Melhor, estes dois termos so dois ttulos sociopolticos, usados com referncia a indivduos que desenvolvem idntico papel fundamental. Trata-se do papel "the central morality prophet" (profeta da moralidade central), profeta que regularmente legitima ou sanciona os valores e as estruturas centrais da sociedade e que venera divindade de qualidade moral elevada, divindade considerada como central na ordem social. Este papel era articulado de modo diferente em Jud e em Israel e por isso designado com diferentes ttulos-de-papel: 'nab' no1

T. Sarbin. Narrative psychology: The Storied nature of human conduct. New York: Praeger. Shapiro, L. & Hudson, J. 1991

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Norte e 'hozeh' no Sul. Gad e Ams so justamente chamados 'hozeh' enquanto Osias justamente chamado 'nab'. O papel proftico da moralidade entre duas sociedades distintas, Jud e Israel, cada uma das quais tinha seu universo simblico. Uma variedade considervel, portanto, est presente na profecia israelita: variedade no envolvimento da conduta com o qual o papel proftico era realizado e variedade no nmero dos papis que constituam o fenmeno que ns chamamos sinteticamente como profecia israelita. Isto que unifica estas vrias formas de atividade e de ideologia proftica no uma nica sociedade nem uma nica conduta teolgica. O que nos permite falar de profecia israelita, de preferncia, que estes desenvolvem um papel ao servio do nico Deus, IHWH, porm pensado, como era, de vrios modos" (pp. 98-99). O nosso termo 'profeta' deriva da traduo grega dos LXX. Mas propriamente o grego 'prophtes' no traduz nenhum vocbulo hebraico; um ttulo novo. Significa falar (da raiz 'femi') 'pro', isto , em nome de outro e diante da comunidade ou de uma pessoa; a preposio grega 'pro' poderia iniciar tambm o aspecto de predio do futuro. O profeta fala em nome de Deus diante da comunidade ou de um particular e pode tambm predizer o futuro. "O Senhor no faz nada sem revelar o seu projeto aos seus servos, os profetas. O leo ruge: quem no tem medo? O Senhor fala: quem no profetizaria?" (Am 3.7-8). Os profetas so testemunhas porque tiveram experincia fascinante de Deus e estavam livremente conscientes para o chamado de Deus. Eles testemunham no tanto a sua f e sua experincia, mas o Deus que suscitou a experincia da f neles. O profeta atinge todos os lugares pblicos da vida socioeconmica, poltica e religiosa. O profeta contesta a sociedade israelita na qual vive com acusao muito grave. De fato grassavam os ladres, os assassinos, as violncias de qualquer gnero, prepotncia, luxo descarado e arrogante diante da misria, explorao etc. Todo o livro de Ams contestao de injustia que corrompem a sociedade; assim tambm Miquias nos trs primeiros captulos e Isaas 1-3. Por que os profetas intervm desta forma, amide e solidariamente na 'questo social'? Eles no so reformadores sociais, nem agitadores classistas, nem sindicalistas, nem revolucionrios. Eles no tm a inteno de 'tomar o poder' prometendo que faro justia. So testemunhas que fazem valer o que 'viram': a justia de Deus, que no quer a violncia e a injustia. Os profetas entram na questo poltica contestando a atividade dos reis (cf., por ex., Is 7: o conflito com o rei Acaz; Ams e a condenao de Jeroboo) e a sua poltica. Como exigir do poder poltico a atuao de sociedade fraterna, igualitria, livre e pacfica? O poder poltico se baseia na

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luta, no exerccio, na astcia diplomtica, nas alianas, cria classes diferentes no seio da sociedade, instituindo quem comanda e tem 'meios' e quem no tem 'meios' e obedece. Outra arena na qual os profetas apresentam o seu pblico testemunho-contestao a religiosa. Condenam um culto desligado da vida e vinculada com injustias e malvadezas. Como diz Isaas, Deus no pode suportar 'delito e solenidade' (1.13), isto , a conjuno de liturgia e injustia, orao e violncia. Numa sociedade, como a israelita, na qual o culto se tornou 'sistema' socialmente organizado e ao qual estava ligada a sorte econmica e social de pessoas influentes, a contestao proftica soava como grito revolucionrio. Os funcionrios do culto conjugavam com desenvoltura mstica e interesses econmicos, separaes sagradas e desinibio gerencial, envolvendo tambm o povo no 'sistema das necessidades'. A 'necessidade' de segurana, de proteo e de paz interior estava ligada a pretenses culturais. A contestao proftica feita em nome de Deus: "Procurai-me e vivereis! No vos dirijais a Betel, no andeis a Guilgal, no passeis por Bersabia" (Am 5.4-5). Betel, Guilgal e Bersabia eram famosos santurios onde o culto pblico alcanava o pice da suntuosidade e da aberrao. Os profetas testemunham o Deus que deseja ser procurado e reconhecido como infinita capacidade de ddiva e no o Deus do qual nos sentimos reconhecidos e desejados por nossos prprios mritos, antes que julgados e medidos pelas nossas ofertas e as nossas obras. Nos ltimos anos, muitos estudiosos recorreram teoria dos papis, sociologia do conhecimento, teoria do reference-group etc., para tentar delinear a situao social do profeta. As perguntas propostas so deste tipo: qual era o grupo social que sustentava o profeta?; de qual classe social eram recrutados os profetas?; at que ponto o profeta legitima ou contesta o seu ambiente?; at que ponto o profeta era condicionado por seu fator social?; qual era a atitude do profeta para com as instituies, sacerdcio e monarquia? Quem quer que conhea um pouco a literatura proftica pode logo compreender a dificuldade em responder a semelhantes dvidas, dada a escassez de informaes das quais dispomos para reconstituir o ambiente social dos profetas. No sabemos quase nada sobre a situao social dos chamados profetas 'estticos' ou peripatticos, como o annimo homem de Deus de Jud (I Rs 13). De Samuel, Elias e Eliseu, no estamos em condies de conhecer com preciso o status social; provavelmente provinham de famlia camponesa, mas no podemos dizer nada alm disto. Apresentaremos brevemente alguns estudos relativos a esta temtica sociolgica.

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Importa, antes de mais nada, mencionar Max Weber (1864-1920), que exerceu ampla influncia sobre os estudiosos que o seguiram. Traando um quadro de vrias noes de autoridade, Weber reconhece trs tipos: tradicional, burocrtica, proftica. A autoridade proftica implica a capacidade de liderana atraente e sedutora, que somente o carisma confere. O profeta no faz valer o seu carisma no interior das instituies tradicionais (por exemplo, a famlia), mas opera como indivduo histrico. Para Weber, 1980, p.296: "os profetas pr-exlicos, de Ams at Jeremiais e Ezequiel, eram sobretudo demagogos polticos e, por vezes panfletrios (...) publicamente". "Quisessem ou no, os profetas agiam de fato segundo as idias dos conventculos polticos de servio, que se combatiam furiosamente sobre o cenrio poltico de Israel, e ao mesmo tempo eram propugnadores de determinada poltica externa e, portanto, considerados como filiados a uma delas" (P. 274). Mas "como na poltica externa, assim na poltica interna, as posies tomadas pelos profetas, por mais pronunciadas que fossem, no tinham motivaes primrias de carter poltico ou sociopoltico" (p. 277). Os profetas so de "origem camponesa. No se diz nunca que provinham com predominncia de classes proletrias ou tambm privilegiados s negativamente ou privados de cultura. Muito menos a posio que eles assumem em matria de tica social nunca determinada pela sua genealogia pessoal. Esta, com efeito, era totalmente homognea a despeito das muitas condies sociais desiguais" (p. 277) "As tomadas de posies polticas dos profetas eram puramente religiosas, motivadas pela relao de Jav com Israel, porm, consideradas, no plano poltico, tinham carter totalmente utopstico" (p. 314). Definir o profeta como 'autoridade carismtica' , segundo Weber, entend-lo com um ideal-typus. O ideal-typus serve como esquema para sintetizar grande massa de elementos numa figura unitria. Entender o profeta como ideal-typus no significa, pois, que todas as caractersticas da profecia israelita se encontram necessariamente em todos os profetas. Recordemos, enfim, a definio de carisma dada por Weber: " qualidade extraordinria (...) atribuda a uma pessoa. Portanto, esta considerada como dotada de foras e propriedades sobrenaturais ou sobre-humanas, ou ao menos excepcionais de modo especfico, no acessvel aos outros, ou ento como enviada por Deus ou como revestida de valor exemplar e, por conseguinte, como guia" (Weber, 1974, 239). O conhecido socilogo americano Berger, 1963, p.940-950 dedicou aguado exame concepo weberiana do profetismo, considerando ilegtima a excluso dos profetas da participao das estruturas da autoridade tradicional e burocrtica. Berger nota justamente que Weber dependia da

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cincia exegtica do seu tempo (por exemplo, com relao idia dos profetas como fundadores do monotesmo tico) e sublinha a conexo dos profetas com o culto. A nfase da conexo com o culto, feita por Berger, parece-me excessiva; todavia, parece-me tambm verdadeiro que os profetas no foram indivduos isolados, sem algum vnculo com instituies israelitas. O profeta homem de muitas relaes: com a corte do rei (por exemplo, no caso de Elias, Nat, Isaas e Jeremias); com o auditrio ao qual se dirigem (reis, chefes, ancios, sacerdotes, profetas, juizes, gente do povo). No existiam argumentos comprobatrios para sustentar que os profetas de Israel exerceram autoridade carismtica, criando em torno de si 'grupos' de discpulos. Deste modo, no parece que se possa admitir 'profisso' proftica como a dos sacerdotes.2

12) Jesus e os apstolosJESUS Os evangelhos e os demais livros que compem o Novo Testamento esto repletos de aes (movimentos) sociais. O Senhor Jesus no era, meramente, um mestre nas palavras, mas tambm na ao. Assim como o texto de I Co 10.1-11, que o texto onde Paulo diz que "tudo isto (a morte do povo israelita no deserto) ocorreu para servir de exemplo, e foram registrados para avisar-nos" (v. 11), as coisas ensinadas e praticadas por Jesus so exemplos a serem seguidos pelos seus discpulos. Como fez o Mestre, assim devem fazer os seus discpulos. Observemos alguns exemplos scio/espirituais que Jesus nos deixou: a) exemplo de humildade e amor ao prximo (Jo 13.1-9); b) exemplo de benevolncia (I Pe 2.18-21); c) exemplo de preocupao com os famintos e doentes (Mt 25.31-46); d) exemplo de auxlio aos invlidos (Mt 8.5-13; 9.27-31; Lc 18.35-43 etc.); e) exemplo de ateno e cuidado com as crianas e vivas (Mt 19.13-15; Lc 7.12; 8.52; Lc 18.15-17 etc.). Observe ainda estas lies e exemplos: Os dois julgamentos (Mt 25.31-46); O Sermo no Monte (Mt 5.6-7); O jovem rico (Lc 18.18-30; Mt 19.16-22, Mc 10.17-22); A alimentao dos 4.000 (Mt 15.32-39; Mc 8.1-9); O rico e Lzaro (Lc 16.19-31); Jesus e a samaritana (Jo 4.1-42); O credor incompassivo (Mt 18.23-35). Muitos outros exemplos poderiam ser citados. Observemos agora outros exemplos encontrados na vida dos cristos primitivos e nas cartas apostlicas. OS APSTOLOS2

Para um estudo m ais amplo sobre a posio social dos profetas o livro de Robert Wilson, Profecia e Sociedade no Antigo Israel, Ed. Paulinas, So Paulo, 1992. Ele utiliza os resultados de modernos antroplogos e socilogos que indagaram sobre o fenmeno 'proftico' nas sociedades modernas, para compreender melhor a dimenso social do fenm enos no Israel antigo.

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O Cristianismo no , e nem pode ser, uma religio apenas de palavras, mas de ao e amor; de f e obras; de ternura e luta contra as opresses do sistema que escraviza os homens: no pecado, no amor fingido, na ignorncia das coisas e do projeto de Deus. So exemplos disso: O evangelho integral de Joo Batista (Lc 3.7-14); A questo da f e das obras (Tg 2.14-26); A condenao aos ricos opressores (Tg 5.1-6); O po para o faminto (At 11.2730; I Co 16.1-4; A questo do salrio (I Co 9.6-14); A questo do casamento (I Co 5.1-13; 7.1-40; 9.5; Rm 15.25-27; Gl 2.10; Dt 24-25; Mt 5.31-32; 19.1-10). De modo direto, a famlia um retrato falado da sociedade. E os escritos dos apstolos revelam isto claramente. Vejamos: Divrcio - I Co 7.11; Mc 10.11; Ml 2.10-16; Mt 5.31-32; I Co 7.11; Famlia - Gn 2.18; Sl 68.6; Gl 6.10; Ef 2.19.

13) Religio no brasilO Brasil um pas religiosamente diverso, com tendncia de tolerncia e mobilidade entre as religies. A populao brasileira majoritariamente crist (89%), sendo sua maior parte catlica. Herana da colonizao portuguesa, o catolicismo foi a religio oficial do Estado at a Constituio Republicana de 1891, que instituiu o Estado laico. A mo-de-obra escrava, vinda principalmente da frica, trouxe suas prprias prticas religiosas, que sobreviveram opresso dos colonizadores, dando origem s religies afro-brasileiras. Na segunda metade do sculo XIX, comea a ser divulgado o espiritismo no Brasil, que hoje o pas com maior nmero de espritas no mundo. Nas ltimas dcadas, as religies protestantes tm crescido rapidamente em nmero de adeptos, alcanando atualmente uma parcela significativa da populao. Do mesmo modo, aumenta o percentual daqueles que declaram no ter religio, grupo superado em nmero apenas pelos catlicos nominais e evanglicos. Muitos praticantes das religies afro-brasileiras, assim como alguns simpatizantes do espiritismo, tambm se denominam "catlicos", e seguem alguns ritos da Igreja Catlica. Esse tipo de tolerncia com o sincretismo um trao histrico peculiar da religiosidade no pas. Seguem as descries das principais correntes religiosas brasileiras, ordenadas pela porcentagem de integrantes de acordo com o recenseamento demogrfico do IBGE em 2000. Catolicismo - A principal religio do Brasil, desde o sculo XVI, tem sido o catolicismo romano. Ela foi introduzida por missionrios que acompanharam os exploradores e colonizadores portugueses nas terras do pas recmdescoberto. O Brasil considerado o maior pas do mundo em nmero de catlicos nominais, com 73,8% da populao brasileira declarando-se

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catlica, de acordo com o IBGE. Porm, sua hegemonia deve ser relativizada devido ao grande sincretismo religioso existente no pas. No transcorrer do sculo XX, foi perceptvel uma diminuio no interesse pelas formas tradicionais de religiosidade no pas. Um reflexo disso o aparecimento de grande nmero de pessoas que se intitulam catlicos no-praticantes. Estima-se que apenas 20% dos brasileiros sejam catlicos praticantes. Atualmente, pesquisas mostram que o nmero de catlicos parou de cair no Brasil depois de mais de 130 anos de queda. ( http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL30391-5598,00.html) A Renovao Carismtica Catlica (RCC) chegou ao Brasil no comeo dos anos 1970, e ganhou fora em meados dos anos 1990. O movimento busca dar uma nova abordagem evangelizao e renovar algumas prticas do misticismo catlico, incentivando uma experincia pessoal com Deus atravs do Esprito Santo. Assemelha-se em certos aspectos s Igrejas Pentecostais, como no uso dos dons do Esprito Santo, na adoo de posturas que poderiam ser rotuladas como fundamentalistas e numa maior rejeio ao sincretismo religioso por parte de seus integrantes. Protestantismo - O Protestantismo o segundo maior segmento religioso do Brasil com, aproximadamente, 19,2 milhes de pessoas (15,4% da populao), segundo o ltimo Censo do IBGE, em 2000. O protestantismo caracteriza-se pela grande diversidade denominacional, livre interpretao da Bblia, e nenhuma instituio, conclio ou conveno geral que agregue e represente os protestantes como um todo. Cada denominao religiosa protestante tem plena autonomia administrativa e eclesistica em relao as outras igrejas congneres, porm todas fazem parte de um mesmo movimento religioso interno ao cristianismo, que comeou com a Reforma Protestante de Martinho Lutero em 1517. A maioria das denominaes religiosas protestantes mantm relaes fraternais umas com as outras. As primeiras igrejas chegaram ao Brasil quando, com a vinda da famlia real portuguesa para o Brasil e a abertura dos portos a naes amigas por meio do Tratado de Comrcio e Navegao, comerciantes ingleses estabeleceram a Igreja Anglicana no pas, em 1811. Seguiu-se a implantao de outras igrejas de imigrao: alemes trouxeram a Igreja Luterana, em 1824, e tambm a Igreja Adventista, em 1890, e imigrantes americanos trouxeram as Igrejas Batista e Metodista. Os missionrios Robert Kalley e Ashbel Green Simonton trouxeram as Igrejas Congregacional (em 1855) e Presbiteriana (em 1859), respectivamente, estas voltadas ao pblico brasileiro. Em 1911, o Brasil receberia o pentecostalismo, com a chegada da Congregao Crist no Brasil e da Assembleia de Deus. A partir de 1950, o

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pentecostalismo transformou-se com a influncia de movimentos de cura divina que geraram diferentes denominaes, tais como a Igreja "O Brasil Para Cristo" e a Igreja do Evangelho Quadrangular. Nessa poca, algumas denominaes protestantes que eram tradicionais adicionaram o fervor pentecostal, como exemplo, a Conveno Batista Nacional e as igrejas da conveno Presbiteriana Renovada surgida a partir da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e Igreja Crist Maranata e tambm a Igreja Crist Presbiteriana surgidas da Igreja Presbiteriana do Brasil Na dcada de 1970, surgiu o movimento neopentecostal, com igrejas mais secularizadas, padres morais menos rgidos, e nfase na teologia da prosperidade, como a Igreja Universal do Reino de Deus. A partir dos anos 1980, surgiram igrejas neopentecostais com foco nas classes mdia e alta, trazendo um discurso ainda mais liberal quanto aos costumes e menos nfase nas manifestaes pentecostais. Dentre essas igrejas se destacam a Igreja Renascer em Cristo e a Igreja Evanglica Cristo Vive. Nas ltimas dcadas, o protestantismo vem ganhando muitos adeptos, sendo o segmento religioso com maior ndice de crescimento. A maioria das igrejas protestantes esto presentes: no Rio Grande do Sul (descendentes de alemes, que trouxeram a Igreja Luterana, maior grupo religioso da Alemanha at os dias de hoje), nas grandes capitais do sudeste, como So Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte (onde as igrejas Batistas e Presbiterianas tm grande espao), Goinia e Braslia (onde a igreja Sara Nossa Terra tm grande percentual da populao). No-religiosos - De acordo com o ltimo Censo realizado pelo IBGE, por volta de 13 milhes de brasileiros (7,4% da populao total) consideram-se ateus, agnsticos ou declaram acreditar em um Deus sem estarem filiados a alguma religio especfica. Cabe salientar que o IBGE, rgo oficial de pesquisas, no pergunta quem de fato ateu, quem agnstico, e quem apenas no segue alguma religio preestabelecida, embora conserve a sua f em algo transcendental, denominando todos estes grupos pelo termo "sem religio". Entretanto, uma pesquisa com dados do perodo entre 2000 e 2003 mostra que o nmero de pessoas sem-religio caiu de pouco mais de 7% em 2000 para aproximadamente 5% em 2003 no Brasil.3 Atualmente, apenas os ditos catlicos e evanglicos superam em nmero os no-religiosos. Em comparao, estima-se que a mdia mundial de no-religiosos de 23,5% da populao total.43

Nmero estimado de no-religiosos na populao mundial: Fonte: Zuckerman, Phil. "Atheism: Contemporary Rates and Patterns", in The Cambridge Companion to Atheism, Cambridge University Press: Cambridge, UK (2005). Citado no site www.Adherents.com. 4 IBGE, Populao residente, por sexo e situao do domiclio, segundo a religio, Censo Demogrfico 2000. Algumas linhas da tabela, com a marca "(total)", so subtotais de linhas subseqentes, que so mais claras e indicadas por um ponto () esquerda. As crenas e grupos de crenas esto organizadas por ordem decrescente de crentes.

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Espiritismo - O espiritismo uma das religies que tem crescido no Brasil. Em 2000, o Brasil concentrava 2,3 milhes de espritas. Em 2005, estimava-se a existncia de 10 milhes de espritas no mundo inteiro. Desse total, aproximadamente 3 milhes vivem no Brasil, fazendo dessa a maior nao esprita do planeta. Estima-se, porm, que o nmero de simpatizantes do espiritismo no Brasil gire em torno de 20 milhes. Como doutrina filosfica, o espiritismo foi sistematizado pelo pedagogo francs Allan Kardec em O Livro dos Espritos, publicado em 1857. No Brasil, contudo, houve uma forte ressignificao das idias espritas, que foram carregadas de um vis muito mais religioso do que o existente na Europa. Foi dentro dessa perspectiva que o espiritismo foi amplamente divulgado no Brasil, ainda na segunda metade do sculo XIX, atraindo principalmente a classe mdia. Em setembro de 1865, em Salvador, Bahia, foi criado o "Grupo Familiar do Espiritismo", o primeiro Centro Esprita Brasileiro. Em 1873, fundou-se a "Sociedade de Estudos Espritas", com o lema "Sem caridade no h salvao; sem caridade no h verdadeiro esprita". Esse grupo dedicou-se a traduzir para o portugus as obras de Kardec, como "O Livro dos Espritos", "O Livro dos Mdiuns", "O Evangelho Segundo o Espiritismo", "O Cu e o Inferno" e "A Gnese". Foi nesse contexto que Adolfo Bezerra de Menezes aderiu doutrina esprita, tornando-se um dos maiores expoentes do espiritismo do pas. Bezerra de Menezes foi presidente da Federao Esprita Brasileira (FEB) por duas gestes. A FEB foi fundada em janeiro de 1884, pelo Sr. Elias da Silva, com a finalidade de unificar o pensamento esprita no Brasil. No dia 2 de abril de 1910, nasceu Francisco Cndido Xavier, conhecido simplesmente como Chico Xavier. Aos 5 anos de idade, Chico afirmou conversar com o esprito de sua me. Humanitrio, o mdium foi indicado duas vezes ao prmio Nobel da Paz. Responsvel direto pelo grande nmero de adeptos que a religio conseguiu no Brasil, Chico Xavier reconhecido mundialmente pela comunidade esprita. Os mais de 400 livros psicografados por ele foram traduzidos em inmeras lnguas. Chico Xavier morreu em 30 de junho de 2002. Religies afro-brasileiras - Com a vinda dos escravizados para o Brasil, seus costumes deram origem a diversas religies, tais como o candombl, que tem milhes de seguidores, principalmente entre a populao negra, descendente de africanos. Esto concentradas em maior nmero nos grandes centros urbanos do Norte, como Par e Maranho, no Nordeste, Salvador, Recife, Piau e Alagoas, no sudeste, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e So Paulo, e no Rio Grande do Sul. Um dos aspectos mais interessantes das religies de matriz africana a conduta no proselitista, alm claro uma maior tolerncia com o diferente (fato no encontrado na maioria dos

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segmentos religiosos) As chamadas Religies Afro-Brasileiras: o candombl que dividido em vrias naes, o batuque, o Xang do Recife e o Xamb foram trazidas originalmente pelos escravos que cultuavam seu Deus, e as divindades chamadas Orixs, Voduns ou inkices com cantos e danas trazidos da frica. Estas religies foram perseguidas, e acredita-se terem o poder para o bem e o mal. Hoje so consideradas como religies legais no pas, mas mesmo assim, muitos de seus seguidores preferem dizer que so "catlicos" para evitar algum tipo de discriminao, principalmente na rea profissional. Porm, aos poucos, vo sendo mais bem compreendidos. Nas prticas atuais, os seguidores da umbanda deixam oferendas de alimentos, velas e flores em lugares pblicos para os espritos. Os terreiros de candombl so discretos da vista geral, exceto em festas famosas, tais como a Festa de Iemanj em todo o litoral brasileiro e Festa do Bonfim na Bahia. Estas religies esto em todo o pas. O Brasil bastante conhecido pelos ritmos alegres de sua msica, como o Samba e a conhecida como MPB (msica popular brasileira). Isto pode relacionar-se ao fato de que os antigos proprietrios de escravos no Brasil permitiam que seus escravos continuassem sua tradio de tocar tambores (ao contrrio dos proprietrios de escravos dos Estados Unidos que temiam o uso dos tambores para comunicaes). Religio brasileira - Diferente do candombl, que a religio sobrevivente da frica ocidental, h tambm a Umbanda, que representa o sincretismo religioso entre o catolicismo, espiritismo, o xamanismo brasileiro e os orixs africanos. A Umbanda considerado por muitos uma religio nascida no Brasil em 15 de novembro de 1908 no Rio de Janeiro. Embora existam relatos de outras datas e locais de manifestao desta religio antes e durante este perodo seus adeptos aceitam esta data como o incio histrico da mesma. Neopaganismo - Comeam a se difundir entre os brasileiros, atualmente, as religies neo-pags, como a Wicca e o Neo-druidismo. Isto ocorre principalmente em Braslia e nas capitais da Regio Sudeste. Xamanismo - Do estado da Bahia para o norte h tambm prticas diferentes tais como Pajelana, Catimb, Jurema, Tambor-de-Mina e Terec com fortes elementos indgenas. Em 2004, a Comisso Nacional Anti-Drogas (CONAD), atual rgo do Ministrio da Justia brasileiro, aps dezoito anos de espera da comunidade daimista, reconhece a legitimidade do uso religioso da ayahuasca e a legalidade de sua prtica no culto do Santo Daime. Variao da afiliao religiosa por grupo:

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Em porcentagem da populao Religio Catolicismo Protestantismo Sem religio Espiritismo Religies afro-brasileiras Outras religies 1970 1980 1991 2000 91,8 89,0 83,3 73,9 5,2 0,8 6,6 1,6 0,7 0,6 1,3 9,0 4,7 1,1 0,4 1,4 15,6 7,4 1,3 0,3 1,8

Fonte: Recenseamentos demogrficos do IBGE de 1970, 1980, 1991, 2000. Livro 'Atlas da filiaco religiosa e indicadores sociais no Brasil'. Mais detalhes no Anexo II. A religiosidade atual Em um artigo do ensasta e diplomata Srgio Paulo Rouanet, na Folha de SP de 19 de maio de 2004, com o ttulo A volta de Deus, encontramos um dos temas centrais da dcada de noventa, e que se mantm atual nessa primeira dcada do novo sculo, o sculo XXI. Rouanet o sintetiza logo na entrada do texto: No chega a ser uma novidade que estamos assistindo desde algum tempo a um certo reencantamento do mundo, isto , a uma inverso daquele processo que Max Weber considerava tpico da modernidade e que tnhamos nos habituado a ver como definitivo: a secularizao. De fato, h como discordar de Rouanet? No todo do artigo quase que no, mas em certos detalhes importantes que levam razo do texto, sim. A primeira discordncia em relao ao que ele chama de "reencantamento do mundo"; a segunda discordncia em relao ao modo como ele v as simpatias de Rorty e Habermas em relao religio. difcil ver um "reencantamento do mundo", se levamos a srio que tal enunciado seria o contrrio da noo de "desencantamento do mundo" de Max Weber. Pois Weber no disse que o mundo moderno se desencantava, no sentido de que perdia sua religiosidade; mas ele disse que o mundo se desencantava uma vez que perdia sua magia. Religio e magia no so a mesma coisa. Ou seja, um homem moderno pode ser religioso e, no entanto, pode muito bem no acreditar que o boto que ele aperta para acender a luz faa qualquer mgica ao se produzir luz, ainda que ele no saiba qualquer

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fsica para explicar o surgimento da luz ali na lmpada acima de sua cabea. Ou seja, o homem moderno passa a viver com a idia de que h explicaes racionais e cientficas para tudo, ou quase tudo, e ento pouca coisa lhe mete medo ou o espanta. Isso o "desencantamento do mundo" de Weber. Se assim , nenhum religioso de hoje, no Ocidente ou no Oriente, por mais fantico que seja, igual a qualquer pr-moderno (na acepo de Weber), que poderia dar um salto de susto se algum, com um "clique", fizesse luz num quarto. No passa pela cabea de nenhum oriental ou ocidental mais ou menos escolarizado, ou at mesmo analfabeto, achar que os deuses comandam a luz que se faz em um quarto. Nenhum dos fanticos que estiveram assassinando novaiorquinos no "11 de Setembro" acreditava que os avies iriam, sozinhos, explodir as torres - eles sabiam muito bem que eles que tinham de fazer isso. No h mgica. O que h, na cabea deles, que o inimigo inimigo por ser inimigo da vontade de seu deus. Mas todos eles sabem que o mundo natural natural, e sob ele, todos ns seguimos as leis da causalidade. Por isso, um tanto complicado achar que h algum em clima de reencantamento, como diz Rouanet. O que Rouanet acredita que sejam as posies de Habermas e Rorty no tem tanta ligao com o que citado no contedo do seu artigo. No h nenhuma volta religio, por parte desses filsofos, por conta do fato de termos nos ltimos anos um crescimento do nmero de igrejas e fiis no mundo todo, em diversas formas de religio. Ou seja, o que os filsofos dizem com simpatia religiosidade, no tem a ver com o fato do crescimento da religio no mundo, para o bem ou para o mal. Habermas, hoje como ontem, acredita que energias religiosas fazem parte do mundo moderno, mas que a religio tem de viver sob as regras democrticas modernas, e as igrejas devem se submeter vida estatal. Rouanet cita isso, mas acredita que isso seria um passo diferente se Habermas ainda fosse um socilogo marxista, que simplesmente deveria fazer a apologia do laicismo. Ora, mas Habermas nunca fez a simples apologia do laicismo, exatamente por compreender que no "mundo da vida" caberiam mais elementos que o laicismo. Rouanet fora Habermas a ficar simptico religio de um modo estranho, como se, algum dia, a prpria teoria de Habermas no j tivesse sido tomada por vrias correntes religiosas. Sabemos que o foi; inclusive a Teologia da Libertao a adotou, para fomentar o que seria uma sociedade democrtica, e talvez at socialista, com a religiosidade cultivada pelos cidados de tais sociedades. O mesmo se d com Rorty. Este filsofo, como Rouanet nota, diz que prefere Jesus-homem, pregando o amor, do que Jesus-Deus, pregando a verdade. Ora, est certo, e Rouanet parece compreender isso. Mas ele estranha tal comportamento. Qual a razo do estranhamento? isso que fica

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difcil de entender. Pois a tradio do pragmatismo coloca a idia de que jamais deveramos pedir a extino da religio, e teramos sim de compreender que ela um dos pontos de vista em uma sociedade plural - era isso que dizia William James. isso que, agora, fica claro com o livro The future of religion, com ensaios de Rorty e Gianni Vattimo. publicado pelo telogo Zabala. Posso dizer, ento, baseado em Rorty, que os argumentos de Jesus, muitas vezes, so argumentos antes de um filsofo pragmtico que de um pregador religioso. Por exemplo, o caso do amor aos semelhantes. Num mundo onde o romanismo e o culto do forte e viril entravam em colapso, no seria bem til ser doce, perdoar, tentar ajudar o outro? Muito mais til. Roma no podia mais dar suas regras para todos, no podia mais ajudar todos, e as pessoas estavam precisando se ajudar mutuamente. Cada palavra de Jesus, ento, era bastante til - o homem que passasse a usar a linguagem de Jesus se adaptava melhor s necessidades do futuro do que os que usavam, ainda, a linguagem de Csar. Mas Rouanet, foradamente, esquecendo da tradio filosfica de Rorty, escreve um trecho ininteligvel para mim: No sei se Rorty leu "A Missa de um Ateu", de Balzac, mas a concluso do seu discurso poderia ter como ttulo "A Profecia de um Ateu". Seu atesmo soa estranhamente religioso. Sua utopia se parece nos mnimos pormenores com uma utopia messinica, e, para no deixar dvida, faz questo de usar, para descrev-la, o adjetivo "sagrado". Qual a razo pela qual Rorty usa "sagrado"? No a razo pela qual Rouanet acredita. Sagrado, em Rorty, no tem conotao mstica, mas tem conotao prtica: energias religiosas e energias utpicas so energias privadas - fazem parte do campo do sagrado de cada um de ns, aquele campo no qual colocamos tudo sob uma aura (quase que num sentido benjaminiano do termo). Essas energias fazem com que alguns se dediquem pintura e outros se dediquem orao. So as prticas privadas do homem quando da sua auto-construo individual no so as partes pblicas desse homem, quando ele se pe como cidado e busca a justia social. Vou agora para o problema do ttulo do artigo de Rouanet: h de fato uma volta de Deus? No creio. No no sentido de uma crena muito diferente da que sempre houve. O que h um aumento do nmero de pessoas que escolheram ter como comunidade no s a parquia criada pelas repblicas ou estados constitucionais, mas tambm as parquias criadas por grupos de crenas associadas ao desejo de ajuda-mtua. isso que faz com que as pessoas procurem a religio: lugar para socializao. Escolas, partidos, ?rotaris?, clubes e assim por diante no so espaos de socializao completos - so espaos de socializao excludentes. As igrejas so espaos includentes de socializao. Ningum procura nica e exclusivamente "ajuda divina" quando vai a uma igreja, quando se matricula numa religio. A maioria das pessoas procura amigos, pessoas para uma palavra amiga, pessoas com

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quem compartilhar idias, crenas e, quase sempre, casamentos, negcios, namoros, trocas de favores, etc. Trocam-se tambm, nas igrejas, solides. Se "Deus" o "mediador" entre a minha vontade de no estar sozinho e a vontade do outro de escapar da solido, certo que "Deus", aqui, aparece como uma crena tipicamente religiosa - no sentido etimolgico original da palavra religio, de re-ligare, de convvio. Quem que no quer ter, perto de sua casa, amigos que se renem para orar e que, em certos momentos, podem funcionar na criao de uma sociedade de ajuda-mtua? Os imigrantes italianos fizeram muitas sociedades de ajuda-mtua, quando se viram desesperados em um Brasil inspito no comeo do sculo XX. As igrejas funcionam assim, as seitas possuem esse carter em todo o mundo, mesmo as mais autoritrias e que exigem os maiores sofrimentos de seus membros. Rouanet parece ter, de tanto estudar o iluminismo, deixado de notar o que move as pessoas para a religio. No fundo, ele est embasbacado com o fato do crescimento da religio no mundo. Mas Habermas e Rorty no esto.

14) OS FILSOFOS MODERNOS E A RELIGIOa. Rousseau Conclui seu "Contrato social" com um captulo sobre religio. Para comear, Rousseau claramente no hostil religio como tal, mas tem srias restries contra pelo menos trs tipos de religio. Rousseau distingue a "religio do homem" e a "religio do cidado". A religio do homem que pode ser hierarquizada ou individual, organizada e multinacional. No incentivadora do patriotismo, mas compete com o estado pela lealdade dos cidados. Este o caso do Catolicismo, para Rousseau. "Tudo que destri a unidade social no tem valor" diz ele. Os indivduos podem pensar que a conscincia exige desobedincia ao estado, e eles teriam uma hierarquia organizada para apoi-los e organizar resistncia. O exemplo de religio do homem no hierarquizada o cristianismo do evangelho. informal e no hierarquizada, centrada na moral e na adorao a Deus. Esta , com certeza, para Rousseau, a religio em que ele nasceu e foi batizado, o calvinismo. De incio Rousseau nos diz que esta forma de religio no somente santa e sublime, mas tambm verdadeira. Mas a considera ruim para o Estado. Cristandade no deste mundo e por isso tira do cidado o amor pela vida na terra. "O Cristianismo uma religio totalmente espiritual, preocupada somente com as coisas do cu; a ptria do cristo no deste mundo". Como consequncia os cristos esto muito desligados do mundo real para lutar contra a tirania domstica. Alm disso, os cristos fazem maus soldados,

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novamente porque eles no so deste mundo. Eles no iro lutar com a paixo e patriotismo que um exrcito mortfero requer. Do ponto de vista do estado, e este o aspecto que mais interessa a Rousseau, a religio nacional ou religio civil a prefervel. Ele diz que ela rene adorao divina a um amor da Lei, e que, em fazendo a ptria o objeto da adorao do cidado, ela ensina que o servio do estado o servio do Deus tutelar. A religio do cidado o que na sua poca chamava-se tambm religio civil. a religio de um pas, uma religio nacional. Esta ensina o amor ao pas, obedincia ao estado, e virtudes marciais. A religio do imprio romano seu exemplo. No entanto, pelo fato mesmo de que serve ao Estado, a religio civil ser manipulada segundo certos interesses, e por isso, diz Rousseau, "ela est baseada no erro e mentiras, engana os homens, e os faz crdulos e supersticiosos". E diz mais: a religio nacional, ou civil, faz o povo "sedento de sangue e intolerante". Rousseau apresenta ento sua proposta. Deveria ser concedida tolerncia a todas as religies, e cada uma delas conceder tolerncia s demais. Mas ele quer a pena de banimento para todos que aceitarem doutrinas religiosas "no expressamente como dogmas religiosos, mas como expresso de conscincia social". O Estado no deveria estabelecer uma religio, mas deveria usar a lei para banir qualquer religio que seja socialmente prejudicial. Para que fosse legal, uma religio teria que limitar-se a ensinar "A existncia de uma divindade onipotente, inteligente, benevolente que prev e prov; uma vida aps a morte; a felicidade do justo; a punio dos pecadores; a sacralidade do contrato social e da lei". O fato de que o estado possa banir a religio considerada antisocial deriva do princpio de supremacia da vontade geral (que existe antes da fundao do Estado) vontade da maioria (que se manifesta depois de constitudo o Estado), ou seja, se todos querem o bem estar social, e se uma maioria deseja uma religio que vai contra essa primeira vontade, essa maioria ter que ser reprimida pelo governo. Refugiado em Neuchatel, ele escreveu Lettres ecrites de la Montagne (Amsterdam, 1762), no qual, com referncia constituio de Genebra, ele advogava a liberdade de religio contra a Igreja e a polcia. A parte mais admirvel nisto o credo do vigrio da Saboia, Profession de foi du vicaire savoyard, no qual, em uma frase feliz, Rousseau mostra uma natural e verdadeira susceptibilidade para a religio e para Deus, cuja omnipotncia e grandeza so, para ele, publicamente renovadas cada dia. b. Durkheim - As formas elementares da vida religiosa Ele tem como objetivo: elaborar uma teoria geral da religio, com base na anlise da instituio religiosa mais simples e mais primitiva (Totemismo). Para isso, usa o mtodo de definir o fenmeno, refutar as teorias diferentes

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das suas, demonstrar a natureza essencialmente social da religio. Durkheim refuta o animismo, a f em espritos, e o naturismo onde os homens adorariam as foras naturais transfiguradas. Tambm critica a Religio da Humanidade de Auguste Comte, pois a religio uma criao coletiva e no individual. Para Durkheim a essncia da religio a diviso do mundo em fenmenos sagrados ou profanos. O sagrado se compe de um conjunto de coisas, de crenas e de ritos, o conjunto dessas crenas e desses ritos constitui uma religio. Para que haja o sagrado preciso que os homens faam a diferena entre o que profano e cotidiano, e o que diferente e, portanto, sagrado. Eles tm conscincia de que h alguma coisa, uma fora, que supera a sua individualidade, a sociedade anterior a cada um dos indivduos e que sobrevive a eles. A religio a transfigurao da sociedade, atravs da adorao do totem ou Deus os homens sempre adoraram a realidade coletiva: Os interesses religiosos no passam da forma simblica de interesses sociais e morais. c. Karl Marx Em suas teses sobre Feuerbach (1854) Marx o critica e vai mais longe em sua explicao so