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Saussure (1857-1913)

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Saussure(1857-1913)

Saussure é o pai da lingüística moderna. Teve uma enorme influência não só na semiologia e na

antropologia das últimas décadas, mas os seus conceitos foram utilizados em vários campos,

como a sociolingüística (Meillet e Sommerfelt), a estilística genebrina (Bally), a lingüística

psicológica (Sechehaye), os funcionalistas (Frei e Martinet), os institucionalistas italianos (Devoto e

Nencioni), os fonologistas e estruturalistas de Praga (Karcevskij, Trubeckoj e Jakobson), a

lingüística matemática (Mandelbrot e Herdan), a semântica (Hullmann, Prieto, Trier e Lyons), a psicolingüística (Bresson e Osgoop), a história

(Pagliaro e Coseriu), bem como Bloomfield, Hjelmslev e a escola glossemática e Chomsky.

Saussure nasceu em Genebra, na Suíça, em 1857. Especializando-se inicialmente no grupo lingüístico indo-europeu, Saussure, em vida, publicou apenas o livro Trabalho

Sobre o Sistema Primitivo das Vogais Indo-Européias (1879) e

sua tese de doutoramento, intitulada Sobre o Emprego do Genitivo Absoluto em Sânscrito

(1880).

No entanto, sua obra mais importante, o Curso de Lingüística Geral (CLG), só foi

publicado postumamente em 1916, graças aos esforços de dois discípulos

(Charles Bally e Albert Séchehaye), que recolheram anotações de aulas dadas

pelo mestre entre 1906 e 1911. Ao que tudo indica, Saussure teria deixado de publicar o Curso devido à inquietação que suas idéias poderiam provocar,

como já ocorrera, até certo ponto, entre os participantes de suas aulas.

O CLG só adquiriu importância histórica a partir de 1960, basicamente em função de

dois fatores: a perda da influência dos lingüistas alemães e a ascensão dos

lingüistas suíços e russos, e o artigo de Greimas, de 1956: “a atualidade do

saussurismo”. Nesse artigo, comenta Greimas: “eu mostrava que a lingüística era invocada por toda a parte: Merleau-Ponty em

filosofia, Lévi-Strauss em antropologia, Barthes na literatura, Lacan na psicanálise,

mas que nada acontecia na lingüística propriamente dita, e que seria tempo,

portanto, para repor Ferdinand de Saussure em seu justo lugar”.

No CLG, Saussure traça o plano da construção de uma semiologia geral que

integre todas as disciplinas que se interessam pela vida dos signos no seio da

vida social: "Pode-se conceber uma ciência que estuda a vida dos

sinais no quadro da vida social; ela poderia ser parte da psicologia social e,

conseqüentemente, da psicologia geral; nós a chamaremos de semiologia (do grego

semeion, 'sinal')".

O objetivo dessa ciência está em nos "dizer em que consistem os sinais, que leis os regulam". Entretanto, os sinais não são

apenas os lingüísticos. Por isso, a semiologia diz respeito a outros sistemas

de sinais, como os ritos simbólicos, o alfabeto dos surdomudos, as formas de cortesia, os sinais militares, a própria

moda, os sinais visuais marítimos e assim por diante. Desse modo, a língua é um

sistema semiológico especial, ainda que privilegiado.

"A lingüística é apenas uma parte dessa ciência geral". É na realização desse

ambicioso programa que se inscreve o projeto estruturalista, reagrupando em

torno de um mesmo paradigma todas as ciências do signo. É esse impulso que irá fazer da lingüística a ciência-piloto, no centro do projeto, com a força de um método que pode prevalecer-se de

resultados; ela vai apresentar-se como o cadinho, o lugar de mistura de todas as

ciências humanas.

Para se entender a importância de Saussure, é preciso conhecer os cortes que

ele operou. O primeiro corte é entre a língua (langue) e a fala (parole). A língua é uma ‘instituição social’, ao passo que a fala

é um ato individual. Enquanto instituição social, a língua é um sistema organizado de

sinais que exprimem idéias. A lingüística tem por tarefa estudar as regras deste

sistema organizado (da língua, e não da fala).

Distanciando-se dos seus antecessores gramáticos que

prescreviam as leis do bem dizer, dos filólogos que comentavam os textos,

dos historiadores que comparavam as línguas, Saussure acaba por distinguir a lingüística interna das lingüísticas

externas.

“A lingüística externa pode acumular pormenor sobre pormenor sem se sentir

apertada nas garras de um sistema. Cada autor, por exemplo, agrupará como

entender os fatos relativos à expansão duma língua fora do seu território; se se procuram os fatores que criaram uma

língua literária, face aos dialetos, poder-se-á utilizar sempre a simples enumeração

(...)”

“Na lingüística interna, tudo se passa doutro modo; a língua é um sistema que não conhece a sua própria ordem. Uma

comparação com o jogo de xadrez fá-lo-á sentir melhor. Aí é relativamente fácil

distinguir o que é interno do que é externo: o fato de ter passado da Pérsia para a

Europa é de ordem externa; pelo contrário é interno tudo o que diz respeito ao

sistema e às regras. Se eu substituir as peças de madeira por peças de marfim, a

mudança é indiferente para o sistema; mas se eu diminuir ou aumentar o número de

peças, esta mudança atinge profundamente a ‘gramática’do jogo”.

Pode-se perceber daí como a ‘lingüística interna’, que estuda as regras pelas quais uma língua se organiza e produz sentido, está na origem da lingüística estrutural. Mantendo a comparação com o jogo de

xadrez, podemos dizer que: - a lingüística externa (histórica) estudará a difusão do jogo de xadrez de país em país;- a lingüística externa (filológica) estudará

os diferentes aspectos e materiais das peças;

- a lingüística interna (estrutural) estudará as regras que fazem com

que o jogo de xadrez se organize de maneira diferente do jogo das damas. Podemos acrescentar as combinações

que estas regras necessariamente engendram.

Restam as habilidades táticas e a maneira de jogar numa determinada partida.

Saussure diria que esta última é a ordem da fala concreta de cada um, que ela

deriva da psicologia.

Estabelecem-se, assim, dois níveis no estudo da linguagem: um, essencial,

explica o próprio Saussure, "tem por objeto a língua, que é social em sua essência e

independente do indivíduo", outro, "secundário, tem por objeto a parte

individual da linguagem, isto é, a fala". Essa doutrina dos níveis, pedra de toque do

estruturalismo, sintetiza-se na dicotomia língua/fala. O objeto da Lingüística, então, passa a ser o estudo da língua enquanto

sistema, e não da fala.

A prioridade da lingüística interna sobre a externa pode ser expressa pela

preponderância que Saussure atribui à sincronia em relação à diacronia. Ele propõe que a pesquisa lingüística seja

descritiva ou sincrônica, e não evolutiva ou diacrônica. Essa dicotomia sincronia/diacronia tem como conseqüência a divisão da ciência da linguagem em duas partes: por um lado, a

Lingüística sincrônica (ou estática ou descritiva), que estuda a constituição da

língua, seus sons, suas palavras, sua gramática, suas regras, etc. num dado

momento; por outro, a Lingüística diacrônica (ou evolutiva ou histórica), que estuda as

transformações produzidas na língua através do tempo.

No Curso, Saussure associa a esses dois tipos de interpretação um sistema de eixos: um

eixo referente à simultaneidade (sincronia) e outro correspondente à sucessividade

(diacronia). Saussure nega não só a primazia do primeiro

eixo sobre o segundo (primazia essa que, antes dele, era admitida sem mais), mas considera evidente o primado do aspecto

sincrônico sobre o outro, pois, para a grande maioria das pessoas que falam, aquele

aspecto é a única e verdadeira realidade. Além disso, rejeita toda e qualquer

possibilidade de estudar simultaneamente as relações no tempo e no sistema. Para ele, "a

oposição entre os dois pontos de vista (sincrônico e diacrônico) é absoluta e não

admite compromisso".

Às dualidades língua/fala e sincronia/diacronia, acrescenta-se uma

terceira dicotomia constituída pelo signo lingüístico, que apresenta um duplo aspecto: um perceptível, audível, o

significante; o outro, contido no anterior, produto dele: o significado. O significante

é de ordem material – sons, gestos, imagens, objetos, etc.

O significado não é a coisa propriamente dita, mas a representação mental da coisa,

“a idéia”.

Saussure preferiu o termo signo (com o seu duplo aspecto de significante e

significado) ao termo símbolo, porque, no caso do signo, a relação entre o

significante e o significado é contratual ou arbitrária. É arbitrário que eu use o termo “irmã”, “soeur” ou “sister” para descrever

um familiar. Mas no símbolo, a relação entre o significante e o significado é

natural e motivada. Por ex.: água, símbolo de pureza, de renovação, de vida...

Para Saussure, as onomatopéias existentes não constituem acervo suficientemente

rico para destruir a tese da arbitrariedade do signo. Esse caráter arbitrário comanda a

noção de "sistema", sendo, portanto, o núcleo das oposições língua/fala, sincronia/ diacronia. Nesse sentido, pode-se afirmar que o signo lingüístico encobre duas faces

da mesma moeda (significante/significado).

Desta forma, a língua se fecha sobre si mesma. O signo só envolve, portanto, a

relação entre o significante (imagem acústica) e o significado (conceito), com

exclusão do referente. A função referencial, também chamada de denotação, é

portanto reprimida.

Considerando a língua como um sistema, Saussure realça a

importância das relações que ocorrem entre grupos associativos em dois

níveis no interior da própria língua: 1) as relações sintagmáticas (contigüidade) e as relações

paradigmáticas (similaridade).

Pelas relações sintagmáticas, todo elemento da língua está em relação com outros, formando cadeias de enunciados,

falados ou escritos. Tais relações em cadeia formam-se in praesentia,

constituindo os sintagmas, ou seja, unidades maiores que agrupam outras

menores. Os grupos associativos in praesentia na cadeia constituem, na

terminologia de Saussure, o eixo sintagmático.

Pelas relações paradigmáticas, existem grupos associativos in absentia, isto é, as

classes de unidades disponíveis na memória. Nesse sentido, cada elemento lingüístico provoca imagens de outros elementos, tanto na pessoa que fala,

quanto na que ouve. A palavra "ensino", por exemplo, desperta associações como "ensinar", '"educação", "aprendizagem", etc. Saussure chama a essas associações de "relações in absentia", pois elas vêm à

tona na ausência dos signos evocados. Cada uma dessas classes de unidades, que

formam as relações in absentia constitui aquilo que o autor chama eixo

paradigmático.

Sintagma: a mula transporta lenha. Paradigma: mula/burro/cavalo/boi.

Sintagma Proximidade Deslocamento

Metonímia

Paradigma Semelhança Condensação

Metáfora

Proximidade (contágio):Magia contagiosa. Lei do contágio: coisas

que estiveram em contato ainda continuam ligadas e influenciando-se mesmo após ele

ter sido rompido. Forma mais simples: identidade da parte e do todo. A parte vale

pelo todo. Rituais: os dentes, o cordão umbulical, os alimentos, os cabelos

cortados. Cuspideiras. O próprio nome.

Semelhança: Magia Homeopática. Lei da semelhança: o semelhante produz

o semelhante, os efeitos se assemelham a suas causas. Para se produzir determinado efeito, basta imitá-lo. Na prática, ambas se

mesclam, visto ambas estabelecerem que as coisas atuam entre si à distância mediante uma atração secreta, uma simpatia oculta.

Pois de início vemos que as ações simpáticas (miméticas) à distância não foram

consideradas suficientes por si. Imaginam-se eflúvios que se desprendem dos corpos,

imagens mágicas que viajam, laços que ligam o encantador e sua ação, cordas, correntes;

até a alma do mago parte para executar o ato que ele acaba de produzir.

Deste modo, tende-se a conceber a similaridade como contigüidade. A

imagem está para a coisa assim como a parte está para o todo. A lei só é

verdadeira se, nas partes, nas coisas em contato, e no todo, circula e reside a

mesma essência que os torna semelhantes.

Exemplos: vodu, bonecas para gravidez de mulheres estéreis. Os índios pipiles e a cópula antes da semeadura; a

sombra e o reflexo. Os basuto e os crocodilos que comiam o reflexo na água.

Frazer e o mito de narciso. Os retratos.

Para Freud, o inconsciente é regido pelo processo primário (energia livre), que flui por condensação (semelhança) e deslocamento

(proximidade). A condensação, conforme diz Freud na

Interpretação dos Sonhos, pode efetuar-se por diferentes meios: um elemento (tema, pessoa,

etc.) é conservado apenas porque está presente por diversas vezes em diferentes

pensamentos do sonho (‘ponto nodal’ ou de interseção); diversos elementos podem ser

reunidos numa unidade desarmônica (personagem compósita, por exemplo); ou, ainda, a condensação de diversas imagens pode chegar a esbater os traços que não

coincidem, para manter e reforçar apenas o ou os traços comuns.

O deslocamento indica o fato de a acentuação, o interesse, a intensidade de uma representação ser susceptível de se soltar dela para passar a outras representações originariamente pouco intensas, ligadas à primeira por uma cadeia associativa. Esse fenômeno, particularmente visível na análise do sonho, encontra-se na

formação dos sintomas peiconeuróticos e, de um modo geral, em todas as formações do inconsciente. A teoria psicanalítica do

deslocamento apela para a hipótese econômica de uma energia de investimento susceptível de se desligar das representações e de deslizar por

caminhos associativos. O ‘livre’deslocamento desta energia é uma das características principais

do processo primário tal como ele rege o funcionamento do sistema inconsciente.

Condensação: a visão de si como um cadáver. Deslocamento: paralisia na

perna. Sonhos: desejar ir ao banheiro e não

poder fechar a porta. Os 24 cachorrinhos.

Metáfora: uso de palavra ou expressão em sentido figurado em que a significação

natural de uma palavra é substituída por outra, em virtude de relação de

semelhança subentendida: “Ela está na flor da idade’; ou a luz da inteligência. A

metáfora, diz Aristóteles, (...) ‘é um sinal de dons naturais, pois bem fazer metáforas

é bem perceber as semelhanças’.

A metonímia (etimologicamente: mudança de nome) é elaborada segundo um processo de

transferência de denominação, por meio do qual um objeto é designado por um termo diferente daquele que lhe é habitualmente próprio. Esta

transferência de denominação de um termo para um outro termo, contudo, só é possível com a ressalva de que existam certas condições de ligação entre os dois termos. Os dois termos

porém, come feito, estar ligados por uma relação de matéria a objeto e de continente a

conteúdo (por ex: beber um copo), ou de parte e todo (Uma vela no horizonte), ou numa relação de causa e efeito (a colheita, que é não só o ato

de colher como o efeito desta ação). A mútua imbricação entre esses dois elementos se dá em

virtude de uma relação de proximidade.

Notemos que Saussure nunca falou de ‘estrutura’. Contentou-se com o termo

sistema, que aparece 138 vezes no CLG, para designar as regras internas segundo as quais uma língua se organiza. O termo

‘estruturalismo’ foi empregado pela primeira vez por Jakobson, no I Congresso

Internacional de Lingüística (1928), em Haia.

Ao oferecer uma interpretação da língua que a coloca resolutamente do lado da

abstração para melhor a separar do empirismo e das considerações

psicologizantes, Saussure funda assim uma nova disciplina, autonomizada em relação às outras ciências humanas: a lingüística.

Uma vez estabelecidas as suas regras próprias, ela vai, por seu rigor, seu grau de formalização, arrastar em sua esteira todas

as outras disciplinas e fazê-las assimilar seu programa e seus métodos.