saussure, ferdinand curso de linguistica geral

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CURSO DE .. , LINGUISTICA GERAL Organizado por CHARLES BALLY e ALBERT SECHEHAYE com a colabora~ao de ALBERT RIEDLINGER Pre facio a edi~ao brasileira: ISAAC NICOLAU SALUM (da Universid'ade de S. Paulo)

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Curso de Linguística Geral, Saussure. Adequado para estudantes e profissionais da área de linguagem.

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Page 1: Saussure, ferdinand   curso de linguistica geral

CURSO DE..,

LINGUISTICA GERALOrganizado por

CHARLES BALLY e ALBERT SECHEHAYE

com a colabora~ao deALBERT RIEDLINGER

Pre facio a edi~ao brasileira:ISAAC NICOLAU SALUM

(da Universid'ade de S. Paulo)

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c\ CdI'I

x

Qual e 0 objeto, ao mesmo tempo integral e concreto,da Lingiiistica? A questaoe particularmente dificil: veremosmais tarde por que. Limitemo-nos, aqui, a esclarecer a di-ficuldade.

Outras ciencias trabalham com objetos dados prh·iamen-te e que se podem considerar, em seguida, de varios pontos devista; em nosso campo, nada de semelhante ocorre. Alguempronuncia a palavra nu: urn observador superficial sera tenta-do aver nela urn objeto lingiiistico concreto; urn exame maisatento, porem, nos levara a encontrar no caso, uma apos outra,tres ou quatro coisas perfeitamente diferentes, con forme a ma-neira pela qual consideramos a palavra: como som, como ex-pressao duma ideia, Como correspondente ao latim nudum etc.Bern longe de dizer que 0 objeto precede 0 ponto de vista, diria-mos que e 0 ponto de vista que cria 0 objeto; alias, nada nosdiz de antemao que uma dessas maneiras de considerar 0 fa toem questao seja anterior ou superior as outras.

Alem disso, seja qual for a que se adote, 0 fenomeno lin-giiistico apresenta perpetuamente duas faces que se correspon-dem e das quais uma nao vale senao pela outra. Por exemplo:

1.9 As silabas que Se articulam sao impressoes acusticaspercebidas pelo ouvido, mas os sons nao existiriam sem os or-gaos vocais; assim, urn n existe somente pela correspondenciadesses dois aspectos. Nao se pode reduzir entao a lingua ao

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som, nem separar 0 som da articulac;;ao vocal; reciprocamente,nao se podem definir OS movimentos dos 6rgaos vocais se sefizer abstrac;;ao da impressa<? acustica (ver p. 49 55.).

2.Q Mas admitamos que 0 som seja uma coisa simples:e ele quem faz a linguagem? Nao, nao passa de instrumentodo pensamento e nao existe pOl' si mesmo. Surge dai uma novae temivel correspondencia: 0 som, unidade complexa acustico--vocal, forma pol' sua vez, com a ideia, uma unidade complexa,fisiol6gica e mental. E ainda mais:

3.Q A linguagem tern urn lado individual e urn lado social,sendo impossivel conceber urn sem 0 outro. Finalmente:

4.· A cad a instante, a linguagem implica ao mesmo tem-po urn sistema estabelecido e uma evoluc;;ao: a cada instante,ela e uma instituic;;ao atual e urn produto do passado. Parecefacil, a primeira vista,. distinguir entre. esses sist~mas e sua h~s-t6ria, entre aquilo que. ele ~ e_0 ~u~ fOl; na reahdade; ~ .relac;;aoque une ambas as COlsas e tao mtima que se faz dlflClI sepa-nfl-las. Seria a questao mais simples se se considerasse 0 feno-menD lingiiistico em suas origens; se, pOl' exemplo, comec;;assemospOX estudar a linguagem das cri~~c;;as? ~ao, pois e uma ideiabastante falsa crer que em matena de lmguagem 0 problemadas origens difira do das condic;;oes permanentes; nao se sairamais do circulo vicioso, entao.

Dessarte, qualquer que seja 0 lado pOl' que se aborda a ques-tao em nenhuma parte se nos oferece integral 0 objeto da Lingiiis-tic~. Sempre encont1'amos 0 dilema: ou nos aplicamos a urn ladoapenas de cada problema e nos arriscamos a nao pe!'ceber asdualidades assinaladas acima, ou, se estudarmos a lmguagemsob varios aspectos ao mesmo tempo, 0 objeto da Lingiiisticanos aparecera como urn aglomeradQ confuso de coisas heter6cli-tas sem liame entre si. Quando se procede assim, abre-se apo;ta a varias ciencias - Psicologia, Antropologia, Gramat~canormativa, Filologia etc. -, que separamos claramente da !:m-giiistica, mas que, pOl' culpa de urn metodo incorreto, podenamreivindicar a linguagem como urn de seus objetos.

Ha, segundo nos parece, uma soluc;;ao para todas essasdificuldades: Ii necessario colocar-se primeiramente no terrenoda lingua e toma-la como norma de todf!! -.!!!.-.outras..!!}a1nif.!.st!!..-

(oes da linguagem. De fa to, entre tantas dualidades, somen-te a lingua pa1'ece suscetivel duma definic;;ao autonoma e fo1'-nece urn ponto de apoio satisfatorio para 0 espirito.

M~s 0 que e a lingua? Para nos, ela nao se confunde coma linguagem; e somente uma parte determinada, essencial dela,indubitavelmente. E, ao mesmo tempo, urn produto social dafaculdade de ling~em e urn _conjunto de convenc;;oes necessa-lias, adotadas pelo corpQ~jaLp~ra per!IJitir 0 exercicio dessaf~l!Jdade !I0s individJ!os. Tomada em seu todo, a linguageme multiforme e heter6clita; a cavaleiro de diferentes dominios,ao mesmo tempo fisica, fisiologica e psiquica, ela pertence alemdisso ao dominio individual e ao dominio social; nao se deixaclassificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois nao sesabe como inferir sua unidade.

A lingua, ao contrario, e urn todo pOl' si e urn principio declassificac;;ao. Desde que the demos 0 p1'imeiro lugar entre osfatos da linguagem, introduzimos uma ordem natural num con-junto que nao se presta a nenhuma outra classificac;;ao.

A esse principio de classificac;;ao poder-se-ia objetar que 0

exercicio da linguagem repousa numa faculdade que nos e dadapela Natureza, ao passo que a lingua constitui algo adquiridoe convencional, que deve1'ia subordinar-se ao instinto naturalem vez de adiantar-se a ele.

Eis 0 que pode se responder.Inicialmente, nao esta provado que a func;;ao da lingua-

gem, tal como ela se manifesta quando falamos, seja inteira-mente natural, isto e: que nosso aparelho vocal tenha sidofeito para fala1', assim como nossas pernas para andar. Os lin-giiistas estao longe de concordar nesse ponto. Assim, paraWhitney, que considera a lingua uma instituic;;ao social da mes-ma especie que todas as out1'as, e pOl' acaso e pOl' simples ra-zoes de comodidade que nos se1'vimos do apa1'elho vocal comoinstrumento da lingua; os homens poderiam tambem tel' esco-lhido 0 gesto e empregar imagens v~suais em lugar de imagensacusticas. Sem duvida, esta tese e demasiado absoluta; a lin-gua nao e uma instituic;;ao social semelhante as outras em to-dos os pontos (vel' pp. 88 e 90) ; alem disso, Whitney vai longe de-mais quando diz que nossa escolha recaiu pol' acaso nos 6rgaos

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vocais; de certo modo, ja nos haviam sido impostas pela Na-tureza. No ponto essencial, poft?m, 0 lingiiista norte-americanonos parece ter razao:.<I: ling.':!~e uma c~mvensil~ e_a.:.nature ado signo convencional e. indife~:el!-t~~ A questao do aparelhovocal se reveJa, pois, secundaria no problema da linguagem.

Certa definic;ao do que se chama de linguagem articuladapoderia confirmar esta ideia. Em latim, articulus significa"membro, parte, subdivisao numa serie de coisas"; em mate-ria de linguagem, a articulac;ao pode designar nao so a divisaoda cadeia falada em silabas, como a subdivisao da cadeia designificac;oes em unidades significativas; e neste sentido que sediz em alemao gegliederte Sprache. Apegando-se a esta segun-da definic;ao, poder-se-ia dizer que nii,9~ _a Jinglillge..11LQue enatural ao homem, mas a faculdade ~~ consti!uir uma lingua,-vaJe-dizer:um -~gema _g~ signos_distintgs correspondentesicleias distin te.§.

Broca descobriu que a faculdade de falar se localiza naterceira circunvoluc;ao frontal esquerda; tambem nisso se apoia-ram alguns para atribuir a linguagem urn carater natural. Massabe-se que essa localizac;ao foi comprovada por tudo quanta serelaciona com a linguagem, inclusive a escrita, e essas verifica-'c;6es, unidas as observac;oes feitas sobre as diversas formas deafasia por lesao desses centros de localizac;ao, parecem indicar:1,9, que as perturbac;oes diversas da linguagem oral estao enca-deadas de muitos modos as da linguagem escrita; 2.9, que, emtodos os casos de afasia ou de agrafia, e atingida menos a facul-dade de proferir estes ou aqueles sons ou de trac;ar estes ouaqueles signos que a de evocar por urn instrumento, seja qualfOr, os signos duma linguagem regular. Tudo isso nos leva a crerque, acima desses diversos orgaos, existe uma faculdade maisgeral, a que comanda os signos e que seria a faculdade lin-giiistica por excelencia. E somos assim conduzidos a mesmaconclusao de antes.

Para atribuir a lingu~ 0 erimeiro lugar no estudo lla lin-guagem,_pode-se, enfim,. faz~r valer.....2'!Ig!1mento de q~fa-culda~e_ --= l!~~ral ou _nao - de aIticular palavraLnao Sl

exerce seI!ao com ajuda de instrumento criado e fornecid2.-pelacole~ida<!~; nao e, entao, ilusorio dizer que ~ jl lingU:;L;.qur-!az ~uni~de-Aa linguagem.

Para achar, no conjunto da linguagem, a esfera que corres-ponde a lingua, necessario se faz colocarmo-nos diante do ateindividual que permite reconstituir 0 circuito da fala. £ste atesupoe ~elo. men~s dois individuos; e 0 minimo exigivel paraque 0 ClrcUlto seja completo. Suponhamos, entao, duas pessoas,A e BJ que conversam.

Bo ponto de partida do circuito se situa no cerebro de umadelas, por exe~plo A, onde os fatos de consciencia, a que cha-tnare~o~. ;o~celtos, ~e acham associados as representac;oes dos sig-bos ImgUlstIcos ou Imagens acusticas que servem para exprimi--los. Suponhamos que urn dado conceito suscite no cerebroI.lma imagem acustica correspondente: e urn fenomeno inteira-tne~te psiquico, s~guido, por sua vez, de urn processo fisiol6gico:\...~cerebr? transmIte a~s 6rgaos da fonac;ao urn impulso correla-tlVO da ~magem.; depOls, as ondas sonoras Se propagam da bocade A a~e o.ouvldo de B: processo puramente fisico. Em segui-do., 0 ClrcUlto se prolonga em B numa ordem inversa: do ouvi-do ao cerebro, transmissao fisiologica da imagem acustica' nocerebro, associac;ao psiquica dessa imagem com 0 conceito' cor-l·esponde~te. Se BJ por sua vez, fala, esse novo ato seguira _de .seu cerebro ,ao de A - exatamente 0 mesmo curso do pri-lnelro e passara pelas. mesmas fases sucessivas, que representa-t'emos como segue:

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I' II" (I'flas pessoas, a lingua, reduzida a seu principio es-III d, I 1I111:l nomenclatura, vale dizer, uma lista de termos

I I 111111' pOlld m a outras tantas coisas. Por exemplo:I d I IIlH'('P a e critid.vel

III 1111111"111 ON asp ctos. SupoeIii, I t Illllpll'lamente feitas,

lillie' :\s palavras (ver,II, Illnis adian te (p.

I Ill) I t I I II cI n s diz se a pa-I dl Ii Itlll' za vocal ou

arbor pode serolt 11m ou outro11111 cia faz su-

I 11('1110 que uneI 11111,1 oisa cons-

11111 i "I" I II' 0 muito sim-" Ijlll I I I lH1l1 longe datl I.lltll t 11110, csta visao simplista pode aproximar-nos

Itl tlll 1111\ Inn lo-nos que a unidade lingiiistica e uma, tl 'It! I, 111I1 t Iliida da uniao de dais termos.

l!l s. a prop6sito do circuito da fa,la, que asno signa lingiiistico sao ambos psiquicos e

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estao unidos, em nosso cerebro, pOl' urn vinculo de associa~ao.Insistamos neste ponto.

o signa lingiiistico une nao uma coisa e uma palavra, m'!csurn conceito e uma imag~m acustica 1. Esta nao e 0 som ma-terial, coisa puramente fisica, mas a impressao (empreinte) psi-quica desse som, a representa~ao que dele nos da 0 testemunhode nossos sentidos; tal imagem e sensorial e, se chegamos a cha-ma-Ia "material", e somente neste sentido, e pOl' oposi~ao aooutro termo da associa~ao, 0 conceito, geralmente mais abstrato.

o carateI' psiquico de nossas imagens acusticas aparece cla-ramente quando observamos nossa propria linguagem. Semmovermos os labios nem a lingua, podemos falar conosco ourecital' mentalmente urn poema. E porque as palavras dalingua sao para nos imagens acusticas, cumpre evitar falar dos"fonemas" de que se compoem. Esse termo, que implica umaideia de a~ao vocal, nao pode convir senao a palavra falada,a realiza~ao da imagem interior no discurso. Com falar desons e de silabas de uma palavra, evita-se 0 mal-entendido, des-de que nos record emos tratar-se de imagem acustica.

o signa lingiiistico e, pois, uma entidade psiquica de duasfaces, que pode ser representada pela figura:

Esses dois elementos estao in-timamente unidos e urn reclama 0

outro. QueI' busquemos 0 sentidoda palavra latina arbor, ou a pa-lavra com que 0 latim designa 0

conceito "arvore", esti claro quesomente as vin.cula~oes consagra-das pela lingua nos parecem con-

abandonamos toda e qualquer outra queformes a realidade, esc possa imaginal'.

Esta defini~ao suscita uma importante questao de termino-logia. Chamamos signo a combina~ao do conceito e da ima-gem acustica: mas, no uso corrente, esse termo designa geral-mente a imagem acustica apenas, pOl' exemplo uma palavra(arbor etc.). Esquece-se que se chamamos a arbor signo, esomente porque exprime 0 conceito "arvore", de tal maneiraque a ideia da parte sensorial implica a do total.

A ambigiiidade desapareceria se desigmissemos as tres no-~6es aqui presentes pOl' nomes que se· relacionem entre si, aomesmo tempo que se op6em. Propomo-nos a conservar 0 termosig~o~._par,!desigl1ar 9 total, e a S).l~stit!oliL.t:o-n(l1i!~e ima ema_c!!.stlca re~ectivaII}e!lte pOl' sjgnzficado e slgnificante,. estesdois term os tern ~ v'!!ltagem de assinalar ~-oposic;;aoque os~F.ara, qu~entre g,-9uer do total de gue fazem part~. Quanto asign 0, se nos contentamos com ele, e porque nao sabemos pOl'que substitui-Io, visto nao nos sugerir a lingua usual nenhumoutro.

.0 signo~lingiiistico assim definido exibe duas caracteristi-cas yrimordiai~ Ao enuncia-Ias, vamos prop or os principiosmesmos de todo estudo desta ordem.

( 1) 0 termo de imagem acustica parecera, talvez, muito estreito,pois, ao lado da representas:ao dos sons de uma palavra, existe tambema de sua articulas:ao, a imagem muscular do ato fonatorio. Para F. deSaussure, porem, a lingua e essencialmente um deposito, uma coisa rece-bid a de fora (vel' p. 21). A imagem acustica e, pOl' excelencia, arepresentas:ao natural da palavra enquanto fato de lingua virtU'al, fora detoda realizas:ao pela fala. 0 aspecto motor pode, entao, fica I' subenten-dido ou, em todo caso, nao ocupar mais que um lugar subordinado emrelas:ao a imagem acustica (Org.).

o la 2-..qu~ ul!!;....Q.signiflcante ao significado e arbitrarioou entaQ, visto que ~!endemos Ror signo 0 total resuitanted~ associ.a~a.ode urn significante com urn gggificado, odemosdlzer malS slI!lple~1ent~ o_signa lin iiistico e arbitrariC!..

Assim, '!:. ideia de~ar" nao~sta ligada pOl' rela ao al u-ma interior a segiien5ia de ~ons m-a-r ..<lueIhe serve de si nifican-te; J)~deria ser re resentada i ualmerite hem pOl' outra sequencia,

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nao importa quat; como pro-ya,_temos l!.Sgiferen«as entre as lin~e a propria existencia de !i.l1guas diferent~: 0 significado dapalavra francesa boeu{ ("boi") tern pOl' significante b-o-f de urnlado da fronteira franco-germanica, e o-k-s (Ochs) do outro.

o principio da arbitrariedade do signa nao e contestadopOl' ninguem; as vezes, porem, e mais facil descobrir un:a ;e~-dade do que the assinalar 0 lugar que the cabe. 0 pnnClplOenunciado acima domina toda a lingiiistica da lingua; suasconseqiiencias sac inumeras. E verdade que nem todas apare-cern a primeira vista com igual evidencia; somente ao cabo

" A •de varias voltas e que as descobrimos e, com elas, a importancIaprimordial do principio.

Uma observa«ao de passagem: quando a Semiologia estiverorganizada, devera averiguar se os modos de expressao que ~ebaseiam em signos inteiramente naturais - como a .pant.omI-ma - the pertencem de direito. Supondo que a SemlOlog.la osacolha, seu principal objetivo nao deixara de ser 0 conJu~tode sistemas baseados na arbitrariedade do signo. Com efelto,todo meio de expressao aceito numa sociedade repousa emprincipio num habito coletivo ou, 0 que vem a dar na mesma,na conven«ao. Os signos de cortesia, pOl' exemplo, dotadosfreqiientemente de certa expressividade natural (lembremos

AOS

chineses, que saudam seu impe~ador prosternando-se n?ve vezesate 0 chao) nao estao menos fIxados pol' uma regra; e essa re-gra que obriga a emprega-los, nao seu valor intrinseco. P.ode--se, pois, dizer que os signos inteiramente arbitrar~os, r~ahza~melhor que os outros 0 ideal do procedimento semlologlco; eISporque a lingua, 0 mais completo e 0 mais difundido sistemade expressao, e tambem 0 mais caracteristico de todos; ne~sesentido, a Lingiiistica pode erigir-se em padrao de toda ~emlO-logia, se bem a lingua nao seja senao urn sistema partIcular.

Utilizou-se a palavra simbolo para designar o. sig;n.o lin-giiistico ou, mais exatamente, 0 que ~hamamos de slgmfIcante.Ha inconvenientes em admi!.i-Io~ustamente Ror causa do nos~oprimeiro rinci io. 0 si1!lbol<Ltem como cari!.cteristica_ naos~r' j~mais cOl!!ple.!!\mente arbitrario' ele na? ~s~a vazio,-.exi~teurn rudimento de vinculo natural enJ:re 92!ggIfIcante e 0 SIg-nificado. 0 simbolo~ justi«a-;-~ !>al'!!1«a,naQ Roderia ser suns-'tituido or-~m ~bjeto_qualq1.!l::r,-!lm carro, pOJ'~mpIQ.

~_Ralavra arbitrario reguer tambem uma observa ao. Naod_eve dar a ideia de que 0 significad!? dependa da livre t:sco-lha do que fala (ver-se-a, mais adiante, que nao esta ao akancedo lndividuo trocar-coisa alguma num sIgno, uma vez estejaele ~stabeleeido num grupo lingiiistico); queremos dizer - ueo significant~ivwtivad-.Q., istQ...~ arbitrario em Jel~«ao ao~gnificl!...c!Q,com 0 ual nao tern nenhum ~o natural na rea-lidade.

Assinalemos, para terminal', duas obje«oes que poderiamser feitas' a este primeiro principio:

1.9 0 contraditor se poderia apoiar nas onomatopeiaspara dizer que a escolha do significante nem sempre e arbitra-ria. Mas elas nao sao jamais elementos organicos de urn sis-tema lingiiistico. Seu numero, alem disso, e bem menor do quese cre. Palavras francesas como fouet ("chicote") ou glas ("dobrede sinos") podem impressionar certos ouvidos pOl' sua sonori-dade sugestiva; mas para vel' que nao tern tal carateI' desde aorigem, basta remontar as suas formas latinas (fouet derivadode fagus, "faia", glas = classicum); a qualidade de seus sonsatuais, ou melhor, aquela que se lhes atribui, e urn resultadofortuito da evolu«ao fonetica.

Quanto as onomatopeias autenticas (aquelas do tipo glu--glu, tic-tac etc.), nao apenas sao pouco numerosas, mas sua es-colha e ja, em certa medida, arbitraria, pois que nao passamde imita«ao aproximativa e ja meio convencional de certos rui-dos (compare-se 0 frances ouaoua e 0 alemao wauwau). Alemdisso, uma vez introduzidas na lingua, elas se engrenam maisou men os na evolu«ao fonetica, morfologica etc., que sofremas outras palavras (cf. pigeon, do latir vulgar p'ipio, derivadotambem de uma onomatopeia): prova evidente de que per-deram algo de seu carateI' primeiro para adquirir 0 do signa lin-giiistico em geral, que e imotivado.

2.9 As exclamafoes, bastante proximas das onomatopeias,ciao lugar a observa«oes analogas e nao constituem maior amea-«a para a nossa tese. E-se tentado a vel' nelas expressoes espon-taneas da realidade, como que ditadas pela natureza. Mas,para a maior parte delas, pode-se negar haja urn vinculo neces-sario entre 0 significado e 0 significante. Basta comparar duaslinguas, sob esse aspecto, para vcr 0 quanto tais expressOes va-

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riam de uma para, outra lingua (pOI' exemplo, ao frances aielcorresponde em aleivao au! e em portugues ail). Sabe-se tam-bem que muitas exclamac;6es comec;aram pOI' ser palavras comsentido determinado (d. diabo! " ou em frances, mordie'u =morte Dieu etc.).

Em resumo, as onoE1atepei~e as exclam~6e~9 de im-portancia secunda ria, e sua origem simb6lica e em parte~ntestavel.

o significante, sendo de natureza auditiva, desenvolve-seno tempo, unicamente, e tern as caracteristicas que toma dotempo: a) representa uma extensiio, e b) essa extenl-iio e men-suravel numa s6 dimensiio: e uma linha:

Este principio e evidente, mas parece que sempre se negli-genciou enuncia-lo, sem duvida porque foi considerado dema-siadamente simples; todavia, ele e fundamental e suas conse-qiiencias sao incalculaveis; sua importancia e igual a da pri-meira lei. Todo 0 mecanismo da lingua depende dele (vel'p. 142). POI' oposic;ao aoS significantes visuais (sinais mariti-mos etc.), que pod em ofereeel' complicac;6es simultaneas emvarias dimens6es, os significantes acusticos disp6em apenas dalinha do tempo; seus_element~s_ se apresentam_lJm ~p6s outrQ;

formam uma cadei~. Esse carateI' aparece imediatamente uan-do os repr~entamos pela escrita_e substituimos a sucessao dotempo pela linha es~acial dos signos graficoJi.

Em certos casos, isso nao aparece com destaque. Se, pOl'exemplo, acentuo uma silaba, parece que acumulo num s6 pon-to elementos significativos diferentes. Mas trata-se de uma ilu-sao: a silaba e seu acento constituem apenas um ato fonat6rio;nao existe dualidade no interior desse ato, mas somente oposi-c;6es diferentes com 0 que se acha a seu lado (vel', sabre is-to, a p. 151 s.).

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Eor outro lado, fora do discurso, as palavras que oferecellL~lgo_~e comum se associam na memoria e as~im se formam gru-

--E.0sdentro dos quais imperam relal;oes muito diversas. Assim<l:-.pa~vra francesa enseignement _ou a portuguesa ensino fanisurgir inconscientemente no espirito 1!.m~~ao de outras a-lavras (enseigner,- renseigner etc .. ou entao armement, change-m'efi:t: 'ou' ainda Mu?ation, apj/tentisslJ.g~) 2";( ~r urn lado ouPQr:.-outro, !odas tern alg9 de comum entre s~.

Ve-se que essas coordena"oes sao de uma especie bem dife-rente das primeiras. Elas nao tern por base a extensiio; sua sede~sta no cerebro; elas fazem parte desse tesouro interior que cqns-titui a lingua de cada individuo.: Chama-Ias-emos relafoesassociativas.

A reIa ao sinta matica existe in J!..raesentia· re ousaem doisou mais termos igualmente resentes numa serie efetiva. 1\0 con-tz:ario, a rela"ao associativa une termos in absentia numa seriemnemonica virtual. --

Desse duplo ponto de vista, uma unidade lingiiistiea e com-parivel a uma parte determinada de urn edificio, uma coluna,por exemplo; a coluna se acha, de urn lado, numa certa rela-<;aocom a arquitrave que a sustem; essa disposi"ao de duas un i-dades igualmente presentes no espa"o faz pensar na rela"ao sin-tagmatica; de outro lade, se a coluna e de ordem dorica, elaevoca a compara"ao mental com outras ordens (jonica, corin-tia etc.), que sao elementos nao presentes no espa"o: a rela"aoe associativa.

Cada uma dessas duas ordens de coordena"ao eXlge algu-mas observa"oes particulares.

RELAQ6ES SINT AGMATICAS E RELAQ6ESC ASSOCIATI/~AS

t> ,.).... L J I ;,

Assim, pois, num estado de lingua, tudo se baseia em rela-"oes; como funcionam elas?

As rela"oes e as diferen"as entre termos lingiiistico~ s~ de-senvolvem em duas esferas distintas, cada uma das quais e ge-radora de certa ordem de valores; a oposi"ao entre essas duasordens faz compreender melhor a natl;1r~za de cada uma. C?r-respondem a duas form as de nossa atlVldade mental, ambas m-dispensaveis para a vida da lingua. .

De urn lado, no discurso, os termos estabelecem ~tre s~ emvirtude de seu' encadean~ento, rela"oes baseadas ~o car~ter lmea;rda ling~a, que exclui a possibilidade de pronunc~aLdOiLeleme~~tos ao mesmo tempo (ver p. 85). tst~s se almham urn ~p

. b' - apOiamoutro na cadeia da fala: Tals com ma"oeJ;, qt,te s~. --na extensaQ, pogem ser chamadas de si:ztagmas 1. 0.-;.mtagm~se compoem sempre de duas ou m~is uDldades consecu~lvas (~o:exemplo: ,'e-ler, contra todos; a vtda humana; Deus e .bom, sfizer bom tempo, sairemos etc.). Colocad~~ smtagm~urn termo 1io adquire seu valor porgue se 0 oe ao gue 0 pre-c~de ou ao que ~ segue, ou a ambos.

Nossos exemplos da p. 142-dao ja a entender que a nO'<aode sintagma se aplica nao so as palavras, mas aos grupos depalavras, as unidades complexas de toda dimensao e de toda

( 1) E quase inudl observar que 0 estu~o ~os 5intagma5 nao ~econfunde com a 5intaxe a sfntaxe, como se vera adlante, p. 156 55., naoe' ma-is que uma parte d~sse estudo. (Org.)

(*) No caso da palavra portuguesa ensino ou en5inamento, as pa·lavras associadas seriio ensinar, e depois ar.:mamento, de5figuramento, etc.,e por Hm educl1fao, aprendizagett4. etc. (N. do T.),

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especie (palavras compostas, derivadas, membros de frase, frasesinteiras) .

Nao basta considerar a rela~ao que une entre si as diversaspartes de urn sintagma (por exemplo, contra e todos em contratodos, contra e mestre em contramestre); cum pre tambem le-var em conta a que liga 0 todo com as diversas partes(por exemplo: contra todos oposto, de urn lado, a ~ontra, e deoutro a tados, ou contramestre oposto, de urn lado, a contraede outro a mestre).

Poder-se-ia fazer aqui uma obje~ao. A frase e 0 tipo porexcelencia de sintagma. Mas ela pertence a fala e nao a lingua(ver p. 21); nao se segue que ci sintagma pertence a fala?Nao pensamos assim. E pr6prio da fala a liberdade dascombina~6es; cumpre, pois, perguntar se todos os sintagmas saoigualmente livres.

Ha, primeiramente, urn grande numero de express6es quepertencem a lingua; sao as frases feitas, nas quais 0 uso proibequalquer modifica~ao, mesmo quando seja possivel distinguir,pela, reflexao, as' partes significativas (d. frances: a quoi bon?allons done! etc.) 1. 0 mesmo, ainda que em menor grau, ocor-re com express6es como prendre la mouche, forcer la main aquelq'un, rompre une lance, ou ainda: auair mal a (la tete), aforce de (soin,s etc.), que vous ensemble? pas n' est besoinde. " etc. 2 cujo carater usual depende das particularidades desua significa~ao ou de sua sintaxe. :£sses torneios nao podem serimprovisados; sao fornecidos pela tradi~ao. Podem-se tambemcitar as palavras que, embora prestando-se perfeitamente a ana-lise, se caracterizam por alguma anomalia morfol6gica mantidaunicamente pela for~a de USQ (d. 0 frances ditticulte em com-para~ao com facilite etc.; mourrai em compara~ao com dot-mirai etc.) 3.

Mas isso nao e tudo: cum pre atribuir a lingua e nao afala todos os tipos de sintagmas construidos sobre form as regu-lares. Com efeito, como nao existe nada de abstrato na lingua,esses tipos s6 existem quando a lingua registrou urn numero su-ficientemente grande de especirries. Quando uma palavra comoo fro indecorable ou port. indeclinavel surge na fala (verp. 194), sup6e urn tipo determinado e este, por sua vez, sO epossivel pela lembran~a de urn numero suficiente de palavras se-melhantes pertencentes a lingua (imperdoavel, intaleravel, infa-tigtivel etc.). Sucede exatamente 0 mesmo c'om frases e gruposde palavras estabelecidos sobre padr6es regulares; combina~6escomo a terra gira, que te disse etc. respond em a tipos gerais, quetern, por sua vez, base na lingua sob a forma de recorda~6esconcretas.

Cumpre reconhecer, porem, que no dominio do sintagmanao ha l~mite categ6rico entre 0 fato de lingua, testemunho deusa coletIvo, e 0 fato de fala, que depende da liberdade indivi-dual. Num grande numero de casas, e dificil cIassificar umacombina~ao de unidades, porque ambos os fatores concorrerampara produzi-Ia e em propor~6es impossiveis de determinar.

§ 3. As RELAgOES ASSOCIATIVAS.

OS grupos formados por associa~ao mental nao se limitama. aproximar os termos que apresentem algo em comum; 0 espi-nto capta tambem a natureza das rela~6es que os unem em cadacaso e cria com isso tantas series associativas quantas rela~6esdiversas existam. Assim, em enseignement, enseigner, enseignonsetc. (ensino, ensinar, ensinemos), ha urn elemento comum a to-dos. os termos, 0 radical; todavia, a palavra enseignement (ouensmo) se pode achar implicada numa serie baseada em outroelemento comum, 0 sufixo (d. enseignement, armement, chan-geme~t etc.; ensinamento, armamento, desfiguramento etc.) '; aa~S?Cla~aOpod.e se fundar tambem apenas na analogia dos sig-mhcados (ensmo, instrufao, aprendizagem, educafiio etc.) ou,pelo contrario, na simples comunidade das imagens acusticas (porexemplo enseignement e justement, ou ensinamento e lento) 1.

( 1) Exemplos equivalentes em portugues sedam de que adianta?com que entllO, etc. (N. dos T.).

(2) Que correspondedam, por exemplo, em portugues, a expressoescomo estar de lua, forr;ar a mao, quebrar lanr;as (em defesa de algo),ter do (de alguem), a forr;a de (cuidados, etc.), nao se faz mister, darde mao a (alguma coisa), etc. (N. dos T.).

D) Exemplos equivalentes em portugues: dificuldade comparada comfacilidade, fard e poderei. (N. dos T.).

., (1) :E:ste ultimo caso e raro e pode passar por anormaI, pois 0 es-Pl1'1to descarta naturalmente as associa~6es capazes de perturbarem a in-

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Por conseguinte, existe tanto comunidade dupla do sentido e daforma como comunidade de forma ou de sentido somente. Umapalavra qualquer pode sempre evocar tudo quanto seja susceti-vel de ser-lhe associado de uma maneira ou de outra.

_~nql!anto_ urn sintagm~uscita em seguida a ideia de umaordem de sucessao e de urn numero determinado de eIe-IIl~tos, OS termos de uma familia associativa~ao se apr~-sentam nem em numero definido nem numa ordem deter-mil1ada. Se associarmos desej-oso, calor-oso, medr-oso, etc.,ser-nos-a impossivel dizer antecipadamente qual sera 0 numerode palavras sugeridas pela memoria ou a ordem em que apare-cerao. Urn term~ d~do e cOJ!lo0 cel!!ro de uma c~nste~ao,c ponto para onde convergem outros termos coordenados cujasoma e indefinida (ver a figura a seguir). -- -

Entretanto, desses doi~ caracteres da sene assoclatlva, or-e:Jemindeterminada e nU!Dero indefinido,-soment~ 0_ primeiroSe verifica sempre; 0 segundo pode fal~r. E 0 que acontecenum tipo caracteristico desse genero de agrupamento, os para·digmas de flexao. Em latim, em dominus, domini, domino etc.,temos certamente urn grupo associativo formado por urn elemen-to comurn, 0 terna nominal domin-; a serie, porem, nao e inde-finida como a de enseignement, changement etc.; 0 numero \d~sses casQ.se determinado, pelo contrario, ,sua sucessao n.ao esJ~, )ordenada eSI2ecialmente,-LLpor urn atoJuramente arbitrarioque 0 gramatico os agrupa de uma maneira e nao de outra;pa-ra -a: consCiencia de Quem fala, ~ nominativo nao e absolu-tamente 0 primeiro ·cas;)·da deciinac;ao, e os termos pooerao sur-gir nesta ou naquela ordem, conforme a ocasia~.

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teligencia do discurso; sua existencia, porem, e provada por uma cate-goria inferior de jogos de palavras que se funda em confusOes aburdasque podem resultar do homonimo puro e simples, como quando se dizem frances: "Les musiciens produisent les sons et les grainitiers lesvendent" [ou, em portugues, "Os muskos produzem as notas e os per-duIarios as gastam" ]. Cumpre distinguir este caso daqueIe em que umaassocia~ao, embora fortuita, se pode apoiar numa aproxima~ao de ideias(d. frances ergot: ergoter, alemao blau : durchbliiuen, "moer de pancadas");trata-se, no caso,· de uma interpreta~ao nova de um dos ter-mos do par; sac casos de etimologia popular (ver p. 202); 0 fato e in·teressante para a evolu~ao semantka, mas do ponto de vista sincronicocai simplesmente na categoria ensinar: ensino mencionada acima (Org.)