revoluqao social a ayentura sociologica sou tambem particularmente grato a howard s. becker por me...

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A REVOLUgAO BURGUESA NO BRASIL Florestan Fernandes (2* Para chegar a conceituacao c "revolucao burguesa", Florest; formacao da economia e da s em que se iniciou a coloniza exercer melhor a critica da <_ a nossa )rocesso de tempos snao para j suas estruturas, submetidas a rigorosa analise. Hssa angulacao Ihe permite ver as singularidades brasileiras dos conceitos de- "revolucao burguesa", "burguesia" e "burgues", conceitos estes que nao podem ser aplicados no Brasil como simples transposicao academica. Capitulos como os que versam sobre o status colonial, as implicacoes sociais e economicas da Independencia e a formacao da ordem social competitiva estabelecem as condicoes e iluminam os estagios do desencadeamento historico da nossa "revolucao burguesa". Alto nivel de interesse ganham igualmente as paginas dedicadas ao exame dos prol>lemas da crise do poder burgues no Brasil, crise deflagrada pela passagem do capitalismo competitive ao capitalismo mcnopoHsta. Desdobra-se essa analise na abordagem do modelo autarquico-burgues de transformacao capitalista vigente no Brasil, e das contradicoes sociais e politicas geradas no interior da nova ordem. A SOCIOLOGIA NUMA ERA DE REVOLUQAO SOCIAL Florestan Fernandes (2. a ed., reorg. e ampl.) Este livro, que anarece sob organizacao relativamente diversa, em sua segunda edicao, reiine ensaios voltados para o tipo de conhecimento que o sociologo deve criar quando se procura atingir o desenvolvimento de acordo com os requisites da democratic. Escritos numa epoca em que narecia pacifico que os principals pafses da America Latina, o Brasil inclusive, possuiam condicoes para desencadear uma revolucao democratica "dentro da ordem", eles fccalizam as tarefas r,r£ticas da Sociologia e a interacao^dos panels que o scciologo deve desempenhar em sua dupla condicao de cientista e cidadaa. Apesar das aparencias, o livro nao perdeu sua atualidade. Suas principais ideias ainda estao de pe. Que estrategia devemos seguir, nas condicoes brasileiras, nara o desenvolvimento da ciencia? O que precisa fazer o sociologo, enquanto cientista, para converter o ccnhecimento sociologico em um conhecimento critico, litil ao "planejamento dentro da Uberdade"? A realidade que exigia o debate dessas ideias nao desapareceu. Ao contrario, ela se agravou, impondo que retomemos, de modo ainda mats intenso, o debate interrompido. Z A H A R A culture o service do progresso social «?H' •^ L } k iJi ^f > ^\ -^ "^ r-Y :JB *' ^.J -.. >«Jh»- **'fl (6.001,5 EDITORES idson de Oliveira Nunes (organizador) A Ayentura Sociologica Objetividade, Paixao, Improvise e Metodo na Pesquisa Social Z A H A de ciencias sociais EDITORES

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Page 1: REVOLUQAO SOCIAL A Ayentura Sociologica sou tambem particularmente grato a Howard S. Becker por me haver estimulado a intitula-lo como o intitule!. Alem disso, discuti diversos pontos

A REVOLUgAO BURGUESA NO BRASILFlorestan Fernandes (2*

Para chegar a conceituacao c"revolucao burguesa", Florest;formacao da economia e da sem que se iniciou a colonizaexercer melhor a critica da <_

a nossa)rocesso detempos

snao paraj suas

estruturas, submetidas a rigorosa analise. Hssa angulacao Ihe permitever as singularidades brasileiras dos conceitos de- "revolucao burguesa","burguesia" e "burgues", conceitos estes que nao podem ser aplicadosno Brasil como simples transposicao academica. Capitulos comoos que versam sobre o status colonial, as implicacoes sociais eeconomicas da Independencia e a formacao da ordem socialcompetitiva estabelecem as condicoes e iluminam os estagios dodesencadeamento historico da nossa "revolucao burguesa".Alto nivel de interesse ganham igualmente as paginas dedicadas aoexame dos prol>lemas da crise do poder burgues no Brasil, crisedeflagrada pela passagem do capitalismo competitive ao capitalismomcnopoHsta. Desdobra-se essa analise na abordagem do modeloautarquico-burgues de transformacao capitalista vigente no Brasil,e das contradicoes sociais e politicas geradas no interior da nova ordem.

A SOCIOLOGIA NUMA ERA DEREVOLUQAO SOCIAL

Florestan Fernandes (2.a ed., reorg. e ampl.)

Este livro, que anarece sob organizacao relativamente diversa, emsua segunda edicao, reiine ensaios voltados para o tipo de conhecimentoque o sociologo deve criar quando se procura atingir odesenvolvimento de acordo com os requisites da democratic. Escritosnuma epoca em que narecia pacifico que os principals pafses daAmerica Latina, o Brasil inclusive, possuiam condicoes paradesencadear uma revolucao democratica "dentro da ordem", elesfccalizam as tarefas r,r£ticas da Sociologia e a interacao^dos panelsque o scciologo deve desempenhar em sua dupla condicao decientista e cidadaa.

Apesar das aparencias, o livro nao perdeu sua atualidade. Suasprincipais ideias ainda estao de pe. Que estrategia devemos seguir,nas condicoes brasileiras, nara o desenvolvimento da ciencia?O que precisa fazer o sociologo, enquanto cientista, para convertero ccnhecimento sociologico em um conhecimento critico, litil ao"planejamento dentro da Uberdade"? A realidade que exigia o debatedessas ideias nao desapareceu. Ao contrario, ela se agravou,impondo que retomemos, de modo ainda mats intenso, o debateinterrompido.

Z A H A R

A culture o service do progresso social

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(6.001,5

EDITORES

idson de Oliveira Nunes(organizador)

A AyenturaSociologica

Objetividade, Paixao, Improvise eMetodo na Pesquisa Social

Z A H A

d e c i e n c i a s s o c i a i s

EDITORES

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Voce Quer Ir a Paris? Ou de como Passeia Entender de Dissemina^ao de Resultados

de Pesquisas de Ciencias Socials entrePolicy-Makers" *

ALEXANDRE DE S. C. BARROS

Este artigo descreve uma pesquisa ou, se preferir o leitor, con-ta a historia de uma pesquisa que envolveu um ano e um mes denegociacoes previas a sua realizagao e apeuas nove meses de reali-zagao, alem de tornar os autores entendidos em algo em que elesnunca haviam tido interesse antes. No piano institutional, estavamenvolvidas na negociacao e na realizacao da pesquisa quatro enti-dades: uma no Rio de Janeiro, duas em Nova York e uma emParis. Como se nao bastasse isso, havia um coordenador interna-cional (parte do tempo em Paris e parte do tempo em Nova York)e um pesquisador no Brasil.

* Sou particularmente grato a Maria Liicia de Oliveira, minha mulher,por me haver desestimulado a intitular este artigo como acabei de inti-tula-lo. Paralelamente, sou tambem particularmente grato a Howard S.Becker por me haver estimulado a intitula-lo como o intitule!. Alem disso,discuti diversos pontos deste artigo com essas duas pessoas e muito lucreicom tais discussoes; no entanto, a responsabilidade por seu conteudo etotalmente minha. A Maria Lucia sou tambem grato por revisoes domanuscrito. Este artigo, num certo sentido, se constitui numa continuacaonatural do argumento que iniciei em meu outro artigo, "Gulliver emLilliput ou a Imagem que os Cientistas Sociais Tern de si Mesmos", publi-cado como Introdufao a um volume intitulado Organizofao e Politico daPesquisa Social (Rio de Janeiro: Fundacao Getulio Vargas, 1975),

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ambos com ideias bem divergentes a respeito de diversos pon-tos do projeto.

Uma vez iniciada, a pesquisa envolveu uma equipe de trespessoas que entrevistaram 45 membros das elites politica e buro-cratica brasileira. Os resultados do projeto foram escritos num re-latorio mimeografado em que sao descritos com razoavel dose deexatidao os processos de tomada de decisao que levaram o governobrasileiro a eriar o Fundo de Garantia do Tempo de Servigo(FGTS) e o Programa de Integragao Social (PIS), decis5es estastomadas, respectivamente, durante a administracao Gastello Bian-co e durante a administragao Garrastazu Medici. 0 relatorio apre-senta tambem conclusoes a respeito de como circulam informacoesoriundas de pesquisas de Ciencias Sociais entre atores poL'ticos eburocraticos no Brasil.1

Parece muito, mas na realidade nao e, como o leitor vera len-do a historia.

O titulo do artigo e pouco ortodoxo, como tambem o e o ar-tigo. Quando Edson Nunes me convidou para colaborar com umartigo para este volume, eu decidi que nao escreveria um artigoconvencional de metodologia ou de tecnica de pesquisa. O tituloprovisorio do volume que ele me fomeceu, O Cotidiano da Pesquisa,me dizia que o artigo nao deveria ser algo que duplicasse livros demetodologia ou de tecnicas de pesquisa, pois estes existem em abun-dancia e ensinam metodologia muito melhor do que eu poderia fa-ze-lo, ja que nao sou metodologo. Desta forma, escrevi o artigoo mais "cotidiano" possivel, na tentativa de dar ao leitor uma ideiade algumas das coisas nao mencionadas nos manuals de pesquisaque a realizacao deste projeto implicou.

Adicionalmente a isto, o artigo reflete uma preocupa^ao mi-nha desde os tempos de estudante de graduacao, quando me fo-ram ensinadas poucas coisas uteis a respeito de pesquisa, e o poucoque me foi ensinado se provou de utilidade duvidosa na vida pro-fissional. Da maneira como metodologia me foi ensinada, sai dafaculdade, por um lado, com a impressao de que fazer uma pesqui-sa era uma tarefa quase impossivel, dadas as complicacoes meto-dologicas, os custos Bnanceiros e as complicacoes estatisticas; poroutro, acreditava que a pesquisa era fundamentalmente um proces-so individual de elaboragao do pesquisador, em que as coisas maisimportantes advinham da capacidade mental (fantasiosa ou nao)

1 Alexandre de S. C. Barros e Argelina M. C. Figueiredo, "The Crea-tion of Two Social Programs: The FGTS and the PIS — A Brazilian CaseStudy on the Dissemination and Use of Research for Governmental Po-licy-Making", Rio de Janeiro, 1975 (mimeografado).

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do pesquisador, e o mundo a ser pesquisado era irrelevante nosentido de que ele se comportaria de acordo com as minhas expec-tatlvas. As frustragoes dos primeiros anos de carreira foram gran-des, e tomou tempo aprender porque o mundo nao se comportavacomo os livros diziam que ele devia. Neste sentido, a tonica desteartigo e transmitir a nogao de que a vida real do pesquisador en-volve uma serie de complicacies das quais os livros nao falam eque podem ser muito desestimulantes.

For essas razoes, achei que devia apresentar ao leitor um tra-balho que fosse tao realista quanto possivel, no sentido de transmi-tir a imagem mais fiel possivel dos problemas nao metodologicosenvolvidos na realizagao de um projeto de pesquisa, problemas estesque podem "devorar" um projeto tornando-o mais um na lista deprojetos de pesquisa em Cieneias Sociais que nunca sao terminados.

A heterodoxia do artigo, a comecar pelo seu titulo, pode dar aimpressao de que ele e um artigo sobretudo — ou apenas — destina-do a "dizer que o rei esta nu". Num. certo sentido, ele (o rei) estanu, e ha muito tempo, mas isso nao torna a vida academica menosatraente nem menos excitante. Robert M. Hutchins disse uma vezque"depois de uma longa e penosa experiencia, ele havia chegadoa conclusao de que professores eram um pouco piores do que o co-mum das pessoas e que cientistas eram muito piores do que profes-sores. De urn certo ponto de vista, o que disse Hutchins e verda-de; no entanto isto nao torna a vida academica desinteressante deser vivida, desde que se esteja consciente de suas idiossincrasias, ee para algumas delas que o presente artigo pretende chamar aten-gao.

A maior parte dos livros de metodologia se parece aos livros deculinaria que sao utilizados por aspirantes a mestre-cuca. Se sesegue a receita a risca, maxim izam-se os problemas de coordenagaode tempos e movimentos; se nao se a segue, ha o risco de que as"pitadas" de fennento ou de qualquer outro ingrediente sejam ex-cessivas ou insuficientes. Resolvidos todos estes problemas — coisadificil para os aspirantes — as coisas acabam falhando porque en-tra uma corrente de vento no forno e o bolo fica "solado", assuntoe'ste da mais fundamental importancia do qual o livro nao seocupou.

Como os livros de culinaria, os manuais de pesquisa, por umlado, ensinam todos os ingredientes metodologicos e tecnicos semos quais o pesquisador tern a impressao ou de que sua pesquisanunca saira, ou de que, se sair, nao sera valida. Por outro, elesraramente informam a respeito dos outros problemas que sao tao

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perigosos quanto os enguicos jnetodologicos, mas a respeito dosquais os pesquisadores nunca sao avisados de antemao.

Um dos primeiros pontos que raramente e mencionado pelo&"manuais de pesquisa e que as pesquisas que eles recomendam emgeral custam dinheiro, e muito dinheiro. Alem disto, nunca ficaclaro nestes manuais quern vai pagar pela pesquisa, e quais os pro-blemas que dai podem decorrer. Uma das primeiras coisas, portan-ito, a respeito das quais e importante estar consciente e de que, naniaior parte dos casos, projetos de pesquisa tern, de uma forma oilde outra, que ajustar-se aos fundos disponiveis para a sua realiza-gao. Caso a pesquisa seja "aplicada", ha de haver alguem interestdc em saber o que o cientista social tern capacidade de informar;caso seja "pura", ha que haver algum "mecenas institucional" (oEstado, fundagoes, universidade, ou o que seja) que se interesse econfie no cientista social para dar a ele o meio de troca com o qualpodera comprar os servigos de que necessita para a realizacao dapesquisa. _

Em consequencia do primeiro ponto e que, como diz o ditadoingles, "quern paga a orquestra tern sempre o desejo de escolhera musica". Sem diivida, a instituicao que paga os custos da pes-quisa — especialmente no caso de pesquisa aplicada — quer teralgum controle sobre os tipos de resultado que deseja, e nao ha nadade anormal disto, mas e importante que o cientista social estejaconsciente do fato. O problema surge quando quern paga a pes-quisa quer exercer controle sobre o conteudo dos resultados, coisaque ocorre especialmente no caso de pesquisas orientadas para po-licy-making, quando os policy-makers muitas vezes contratam pesrquisas para justificar "cientificamente" decisoes que eles ja toma*ram.

Estes dois pontos trazem a baila um aspecto importante a res-peito de pescpiisa de Cieneias Sociais ainda pouco difundido noBrasil, qual seja o de que a pesquisa e uma atividade professional,coisa que quer dizer, neste contexto, que quern paga nao tern o di-reito de controlar nem o metodo de execugao, nem tampouco osresultados. Em outras palavras, e uma situagao semelhante a quese encontra entre cliente e medico, na qual o ultimo e pago paraprescrever o tratamento que Ibe parece mais adequado e ao pri-meiro cabe pagar, tratar-se e tentar ficar curado, coisa que nao querdizer que o cliente tenha controle sobre o que faz o medico pro-fissionalmente. Esta uatureza ambigua da relagao, entretanto, naoexclui que o medico mantenha o cliente tao informado quanto pos-sivel a respeito dos tratamentos que esta realizando. O mesmo valepara o processo de financiamento de pesquisa.

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Como Comegou a Historia

— Voce quer ir a Paris? — Foi esta a pergunta que me fez SimonSchwartzman em algum momento na segunda metade de 1973,quando trabalhavamos ambos na Fundagao Geulio Vargas.

— Bern, claro, mas de que se trata? Que e que eu tenhoque fazer?

— Recebi um convite para ir a uma conferencia e nao posso.Creio que voce gostaria de ir, e o tema tern algum interesse paravoee. Em principio, voce tern que escrever um paper sobre dissemi-nagao de informacoes de Ciencias Sociais entre policy-makers. Voudar a voce a documentagao que recebi e depois voce resolve.

Para encurtar a historia, fiz uma excelente viagem a Europae dois anos depois havia virado uma pessoa que entendia deste ex-druxulo assunto: "disseminacao de pesquisa". De la para ca japarticipei de outra reuniao internacional sobre o assunto, ja es-crevi — junto com Argelina Cheibub Figueiredo — um artigo, eja recebi cartas dos lugares mais inesperados a respeito do tema.

Achei que contar esta historia de como congou meu envol-vimento com o tema era importante, mas o assunto "deu panos paramanga" em casa, Minha mulher, que tambein e cientista social,me alertou que esta historia significaria me expor e que talvez viessea me "queimar" como oportunista. Confesso que hesitei. Discuti-mos o assunto e depois eu converse! com Howard Becker, que meencorajou fortemente a contar a historia, pois, afinal de contas,muitas das coisas que acontecem nas Ciencias Sociais (e nas nao-sociais tambem, diga-se de passagem) ocorrem desta maneira, emuitas pesquisas comegam de maneira semelhante.2

Retomando a historia, Simon me passou os documentos que elehavia recebido a respeito da reuniao. Li-os e verifiquei que nelase iria tratar de como as informacoes produzidas por cientistas so-ciais chegavam as maos de policy-makers governamentais. Comoeu tinha interesse pessoal em saber um pouco mais a respeito decomo se dava o processo de tomada de decisao no governo brasiloi-ro, me pareceu possivel acoplar os dois assuntos num so projeto.

2 Sobre as motivacces que levam cientistas sociais a escolherem umaespecialidade ou a fazer uma determJnada pesquisa, e muito ilustrativoler o irreverente "Dialogo com Howard S. Becker", no qual ele conta comoveio a fazer sua tese de mestrado sobre musicos profissionais, como setornou um cientista social especializado em ocupacoes e profissoes ecomo passou a estudar escolas de medicina, O diSlogo estd publicado emHoward S. Becker, Uma Teoria da Agao Coletiva (Rio de Janeiro: ZaharEditores, 1977), pp. 13-36.

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I

Preparei um paper propoucto um estudo dos processos que ha-viam levado as tomadas de decisao que criaram o FGTS e o PISMinha escolha recaiu nestas duas decisoes em particular nao por-que eu tivesse especial interesse nelas, mas por se tratarem de de-cisoes de grande magnitude, que, segundo eu presumia, teriam sidosuficientemente complexas para constituir uma boa "amostra" doprocesso decisorio. 0 paper propunha tambem a investigacao decomo havia ocorrido o processo de feitura e circulagao das pesquisasde Ciencias Sociais que teriam sido feitas anteriormente a tomadade decisao.

Durante a reuniao apareceu o primeiro problema nao ante-cipado, e que permaneceu na pesquisa ate que ela terminou. Mi-nha perspectiva era de que a producao e a cireulacao de infor-macoes de Ciencias Sociais entre atores politicos era um processoessencialmente definido por "vdridveis de ordem politica> ou seja,as pesquisas que circulavam entre politicos e burocratas £aziam-no,ou deixavam de faze-lo, nao pela sua qualidade academica intrinse-ca, mas sim porque havia caracteristicas politicas das pesquisas, deseus resultados ou dos pesquisadores nelas envolvidos que faziamcom que algumas pesquisas circulassem com mais intensidade oufacilidade e outras circulassem com menos. A perspectiva dos pa-trocinadores da reuniao (ou ao menos de parte deles) era de que oprocesso de circulacao de pesquisas era um processo essencialmentedependente das caracteristicas extrinsecas da pesquisa (forma, ta-manho, etc.), bem como dos canals "comunicacionais" que fossemutilizados para dissemina-la, ou seja, se se tentava faze-la chegar aospolicy-makers atraves de correio, pessoalmente, durante reunioes ci-entificas, etc.

Este primeiro problema que se colocou nunca e tratado nos li-vros de metodologia. Utilizando com alguma flexibilidade a lin-guagem de Thomas Kuhn, havia uma diferenca de "paradigmas"entre quern iria financiar a pesquisa e quern iria realiza-la. O meu"paradigma" era politico, enquanto o da organizacao era "comuni-cacional".3

Apesar desta diferenga, ficou decidido que a organizagao pa-trocinadora da reuniao (que nao dispunha de fundos proprios) seencarregaria de atuar como intermediaria no sentido de conseguir odinheiro necessario para a reaUzaQao do projeto. Voltei ao Brasile esperei mais ou menos ansiosamente que algo fosse resolvido dii-

3 Estou Utilizando mais ou menos livremente o conceito de paradigmascientificos discutido por Thomas Kuhn em seu livro The Structure ofScientific Revolutions (Chicago: University of Chicago Press, 1970).

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rante uns tres meses. Pouco a pouco, como nada acontecia, o assun-to foi esfriandq, as cartas rareavam e o dinheiro nao aparecia.

A reuniao de Paris foi em novembro de 1973. Entre o Natal eo Ano Novo de 1974 recebi um telegrama de New York que diziamais ou menos o seguinte: Money Available Stop Start ResearchImmediately Stop.

Desta forma, somente um ano e um mes depois da reuniao foique os fundos para a realizagao da pesquisa ficaram disponiveis.

Meti maos a obra e comecei a cuidar de contratar pessoal parainiciar o projeto. Havia, no entanto, uma preocupacao: eu iria co-megar o projeto em Janeiro de 1975 e em setembro do mesmo anoestava de viagem marcada para os Estados Unidos para terminarminha tese de doutorado, e isto era inadiavel. Assim, o projeto ti-nha que estar terminado antes da viagem, coisa que nao me davamais do que nove meses para terminar tudo. 0 problema era deorganizagao do tempo: dividir as tarefas de modo a ter tempo defazer tudo durante este perfodo e estar com o relatorio pronto antesde primeiro de setembro, se fosse possivel. Foi.

Em meados de Janeiro chegou ao Brasil o coordenador inter-nacional do projeto, que nao sabia qual era a moeda brasileira eimaginava que Copacabana fosse uma especie de "Promenade desAnglais" a moda do que existia na Riviera Francesa, cbeia deiates ancorados em frente da costa, com muitos turistas. Nao sei oque mais ele aehava do Brasil, mas a julgar por esta amostra,creio que sua imagem do pais devia ser bastante erronea. Assimmesmo, ele insistia comigo que as variaveis que definiam a dissemi-nacao de pesquisa no Brasil eram de ordem "comunicacional".

Assim sendo, voltou, durante sua estada, o problema de nos-sa diferenca de "paradigmas". Ele continuava a considerar (naoimporta o que eu tentasse dizer) os aspectos extrlnsecos da pesquisacombinados com os canais formais utilizados para sua dissemina-cao, enquanto eu continuava a dar importancia primordial as va-riaveis politicas. Alem disto, outro problema surgido nesta ocasiaoe, num certo sentido, relacionado com o problema dos "paradig-mas" era que eu estava preocupado com a disseminagao e com autilizacao (ou nao) dos resultados de pesquisa, enquanto para ele oproblemas cessava no momento em que a pesquisa fosse "lida". Asdiscussoes que nos permitiram chegar a uma posigao de conciliagaoforam longas e penosas, mas finalmente conseguimos, e saiu o ro-teiro de entrevistas a ser utilizado, o qual incorporava questoes rela-tivas aos dois "paradigmas".

De quebra, houve ainda o problema de que eu considerava oestudo a ser feito como urn estudo exploratorio, ao passo que ele de-

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sejava um survey. De minha perspective, na medida em que as de-cisoes do FGTS e do PIS haviam sido selecionadas como representa-tivas do processo, eu entendia que nao fazia sentido "eleger umaamostra". Era mais sensato entrevistar o universo dos atores en-volvidos nas duas decisoes, coisa que era fisica e financeiramentepossivel. Isto, no entanto, levantava um problema de carater me-todologico: na medida em que a participagao dos diversos atoreshavia sido diferente tanto em intensidade quanta em qualidadc,nem todos poderiam responder a todas as perguntas que seriamfeitas. Esta, portanto, foi outra opgao que foi necessario fazer, ouseja: se, num estudo exploratorio, era mais importante chegar a al-gumas percentagens corretas a respeito de poucas coisas, ou, alter-nativamente, se seria preferivel ter uma gama ampla, de respos-tas, ainda que menos precisas. Um livro de metodologia recomen-daria, sem diivida, a primeira alternativa; entretanto, minha esco-lha foi pela segunda, ja que, dado o baixo grau de conhecimento arespeito do processo de tomada de decisSes politicas no Brasil, na-quele momento pareceu-me mais importante e mais sensato teruma visao geral que pudesse, de uma forma ou de outra, vir aorientar outros pesquisadores, em vez de buscar um alto grau dede exatidao sobre quase nada. A escolha da forma como os dadosserao coletados, portanto, nao depende somente do desejo do pes-quisador, mas da quantidade de fundos disponiveis, do "estado daarte" num dado momento, e do que considera mais importantesaber. No caso especifico do projeto em questao, minha escolha foiprimordialmente motivada pelo que eu considerava mais relevan-te saber; no entanto, os altos custos de um survey, combinados como pouco tempo disponivel para sua realizacao, tambem contaram.

0 outro problema de magnitude maior a ser discutido naquelaocasiao, este de natureza eminentemente pratica, tinha a ver com aorganizagao financeira do projeto. A serem seguidos os canais "con-vencionais", seria assinado um convenio entre a Fundagao GetiilioVargas e a entidade que administraria o projeto em nome da enti-dade que o financiaria, intermediado pela entidade que coordena-va o projeto no piano internacional. Sugiro que o leitor releia pau-sadamente a ultima sentenca e tente visualizar a quantidade denegociagoes burocraticas, cartas, etc, que seriam envolvidas caso oprocedimento "convencional" fosse adotado. Sendo mais otimista, asolucao do problema tomaria dois meses; sendo mais pessimista,quatro a seis, e o projeto tinha que estar pronto em nove. A esco-lha feita foi por nao assinar um convenio, mas por contratar o pes-soal necessario diretamente atraves da instituicao administradorado convenio em Nova York. Se, por um lado, esta escolha permitiu

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que o projeto fosse iniciado em tempo util, por outro, os pagamen-tos de pessoal, ao longo de todo o projeto, sairam atrasados (masforam todos feitos), ja que o processamento das autorizagoes de pa-gamento era uma questao complicadissima envolvendo assinaturasde varias pessoas e mais o correio.

Nao e em todas as ocasioes que esta simplificagao da adminis-tragao financeira pode ser feita; no entanto, quando e possivel, estae uma escolha melhor, na medida em que minimizam-se negocia-$oes burocraticas, embora nem sempre se minimizem os tramites.

A Realizagao da Pesquisa

Tendo ja tratado todos esses assuntos, nenhum deles abrangido pelostextos convencionais de tecnicas de pesquisa, chegou a bora de co-megar a pesquisa propriamente dita. Como ja foi dito, o objetivoera duplo, resultante da combinacao dos dois "paradigmas". Haviaduas etapas fundamentals de coleta de dados, uma de carater do-cumental e outra envolvendo entrevistas com os atores participantesdo processo de tomada de decisao.

A parte documental foi a mais simples, pois bastou consultarjornais em arquivos, tarefa que foi bastaute facilitada pelo fato deque um dos membros da equipe era casado com uma pessoa quetrabalhava no departameuto de pesquisa de um dos principals jor-nais cariocas: os jornais estavam la, o acesso era facil, e um dosmembros da equipe ainda podia trabalbar perto de sua mulher. 0objetivo desta fase era levantar informagoes basicas a respeito dequem havia participado da decisao (e de quern, havia resistido aela) de modo a que se tivesse uma ideia initial a respeito do um-verso de pessoas^ a serem entrevistadas. Fago questao de frisar umaideia initial, pois posteriormente apareceriam outros atores impor-tantes nas decisoes cujos nomes nunca apareceram no jornalt e decuja participagao so viemos a saber por outros entrevistados. Emoutras palavras, os jornais nos deram a sala de visita da decisao,enquanto os outros entrevistados nos deram a "copa-e-cozinha".

Dada esta situagao, a proporgao que faziamos entrevistas nossouniyerso aumentava com o surgimento de novos atores de cujaparticipagao uao sabiamos auteriormente. Terminamos realizando45 entrevistas.

0 ordenamento da realizagao das entrevistas na fase inicial foiorientado no sentido de "mapear" a decisao de cirua para baixo,isto e, partimos dos atores publicamente identificados com as deci-soes (que eram politicamente tambem os mais importantes) e fo-mos "descendo" para os esca!5es mais baixos da tomada de decisao.

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Em termos dos tipos de entrevistados envolvidos, nosso uni-verso incluia, entre outros, dois ex-ministros de Estado (recem-no-meados embaixadores e de partida para seus postos no exterior aprazo curto), um ministro de Estado em exercicio da fungao, urnministro do Supremo Tribunal Federal, diversos senadores e depu-tados, e um grande numero de tecno-burocratas e representantes degrupos de interesse. Um dos fatos importantes era que a maiorparte dos individuos a serem entrevistados ja nao ocupava mais oscargos no exercicio dos quais haviam tornado as decisoes, Comose tratava de membros da elite, nao era dificil localiza-los, 0problema maior era conseguir o acesso para a entrevista, ou seja,conseguir que eles nos recebessem e concordassem em nos concederas entrevistas. Para isto, especialmente no caso dos atores mais im-portantes, foi fundamental que nos utilizassemos de "fiadores", istoe, de outros membros da elite que conseguissem marcar as entrevis-tas atraves do afiangamento de que eramos pesquisadores legitimose nao pessoas que iriam simplesmente tomar o tempo deles comperguntas idiotas. 0 sistema de "fiadores'* foi muito eficiente econsidero-o altamente recomendavel para quem tenha que eutre-vistar membros da elite. Outra coisa importante foi a utiUzagao dosproprios entrevistados com quem nos encontramos em primeirolugar como "fiadores" para outros entrevistadores com quem elestiubam relag5es politicas, pessoais, ou de negocios.

Apesar dos "fiadores", nao conseguimos entrevistar o minis-tro de Estado em exercicio, nem o ministro do Supremo TribunalFederal. 0 primeiro, por se encontrar fora do pais na ocasiao emque conseguimos o acesso, e o segundo por se haver excusado.Terminado o projeto, tenho certeza de que, se houvessemos entre-vistado estes dois atores, a importancia de suas respostas teria sidoapenas marginal, mas isto foi uma coisa que so viemos a salierquando o projeto estava quase pronto. De qualquer maneira, di-i-xamos claro no relatorio que nao haviamos podido entrevistar al-guns atores importantes cujas respostas poderiam ter sido impor-tantes.

Outro ponto a respeito das entrevistas tern a ver com o fatode que existe da parte dos pesquisadores um preconceito a respeitode atores politicos de elite que estejam ocupando, ou hajam oeupa-do, posigoes importantes em tempo recente. Em principle, tende-sea crer que tais atores serao 4tfechados" em termos de dar informa-§oes. Nossa experiencia foi contraria, ou seja, os atores mais impor-tantes tenderam a ser, em media, mais francos e mais informativosdo que os menos importantes. Ignore se esta afirmacao se aplica tam-bem a atores politicos que estejam ocupando posicoes importantes

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no momenta da entrevista, especialmente se a entrevista se relacio-na com algo que estes atores hajam feilo durante sua gestao na-quela posicao. De qualquer maneira, a licao que ficou de nossa ex-periencia foi de que so se vem a saber quao franco um entrevistadovai ser quando se o entrevista. Portanto, presumir que atores taisou quais nao virao a dar informacoes pode, por um lado, deisarde lado informacoes importantes e, por outro, expor o pesquisadora situacoes embaragosas quando seu trabalho for tornado pubHco:se houver inexatid5es, sempre pode um destes atores aparecer paracorrigi-las e alegar — com propriedade, diga-se de passagem —que suas respostas nao estao consignadas pelo simples fato de queninguem Ihe foi perguntar sobre o assunto.

A respeito da tecriica de entrevistar elites, ha um ponto parao qual Dexter chama atengao e que foi confirmado por nos.4 Elealerta o'pesquisador que vai entrevistar atores politicos de elite parao fato de que estes tipos de pessoas, em geral, nao compartilhamdas mesmas premissas dos pesquisadores, ou seja, nos, cientistassociais, teridemos a considerar a atividade politica como sendo mui-to mals sistematizada do que ela na realidade e, quando vivida porum politico ou tecno-burocrata. Para estes, a atividade politica e odia-a-dia e nao uma serie de preceitos, teorias e categorias analiti-cas. No caso' brasileiro, a maior parte destas pessoas desconbece oque a respeito delas escrevem cientistas" sbeiais em seus livros e arti-gos. Elas tendein a estar muito mais preocupadas com o que a res-peito delas escreve a imprensa. Desta forma, as premissas do cientis-ta social, ainda que possam ser corretas, nao sao parte do universode preocupagoes da maioria dos membros da elite politica. Se ocientista social insiste em centrar a entrevista (pu, simplesmente,iniciar a entrevista) "empurrando" suas premissas, ele corre orisco de aparecer aos olhos do entrevistado quer comb um pernos-tico, quer como um ingenuo, coisas que sem diivida prejudicam atarefa.

Cientes disto, optamos por iniciar as entrevistas pedindo aosentrevistadores que nos contassem a bistoria das decisoes segundohaviam sido vividas por eles.

Esta estrategia se provou produtiva. Os entrevistadores fica-vam muito mais a vontade, contavam historias e ilustravam seuepontos com outros casos comparaveis, fato que ajudava o pesquisa-dor a entender a ambience do processo politico. Somente depois dis-to — o que contribuiu muito para "quebrar o gelo" das entrevis-tas — e que entravamos em perguntas detalhadas.4 Lewis Anthony Dexter, Elite and Specialized Interviewing (Evanston:Northwestern University Press, 1970), especialmente pp. 5-7.

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Nossa primeira pergunta era: "Estamos investigando o pro-cesso de tomada de decisao que deu origem ao FGTS (ou PIS) esabemos que o senhor participou de tal ou qual maneira."

Esta pergunta, alem de dar liberdade ao entrevistado para queconte sua historia, tem tambem um outro elemento importante: opesquisador informa nela ao entrevistado que sabe que ele participoue como o fez. A importancia da colocagao do problema desta manei-ra reside no fato de que, se, por um lado, os atores politicos gos-tam de falar de suas experiencias, eles nao gostam de falar a pes-soas que estejam absplutamente "cruas" no assunto, pois se sentemperdendo tempo.6

As respostas recebidas a primeira pergunta (que, afinal decontas, era a que dava o "torn" e o "ritmo" do restante da entre-vista) variaram em duragao, mas foram, de maneira geral, maisamplas e mais extensas do que se houvessemos comegado por umapergunta (ou bateria de perguntas) que desse ao entrevistado aimpressao de que o estavamos "interrogando". Se, por um lado,esta forma de iniciar a entrevista nos dava informacoes mais abran-gentes, por outro existe o risco de que o entrevistador, caso nao te-nha "tarimba" de entrevista, venha a tornar-se repetitive pergun-tando ao entrevistado coisas que ele ja respondeu.

A adoeao desta estrategia, portanto, demanda a utilizagaoi decriterios por parte do entrevistador no sentido de "passar por cima"das perguntas que ja hajam sido respondidas.

No que diz respeito a "trabalhar" com as entrevistas na fasede elaboragao do_relatorio, a ado§ao desta estrategia tem vantagense desvantagens. Do lado das desvantagens, existem duas especial-mente serias. Primeiro, torna-se mais complicado "pescar" infor-magoes nas notas tomadas durante as entrevistas, sobretudo se fo-

5 Creio que existe, da parte de consideravel parcela da elite politicabrasileira uma atitude "colonial" a respeito de pesquisadores de CienciasSociais que faz coin" que estas pessoas concedam entrevistas com muitomais facilidade e deem - muito mais acesso a pesquisadores estrangeiros.sobretudo aqueles - oriundqs de papeis mais "desenvolvidos". Se por umlado isto e v^rdade, por, outro ha uma parcela de culpa da parte de al-guns dos pesquisadores brasileiros que tendem a ir para as entrevistas"muito crus", isto e," sem saber nada a respeito quer do tema quer doentrevistado, coisa qiie cria, por vezes, situacoes desagradaveis e embara-cosas, quando nao ofensivas, para com o entrevistado, Isto, sem falarna sensacao que tem o entrevistado de elite de estar perdendo tempo.Em uma ocasiao um jovem cientista social foi entrevistar o Senador Er-nani do Amaral Peixoto, ex-lider do Partido Social Democraticof atorpolftico atuante no primeiro piano do cenario politico brasileiro desdea decada de trinta e genro de Getulio Vargas, e perguntou-lhe se tinhaalgum parente que houvesse estado envolvido em politica!

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rem inuitas. na medida em que informacoes a respeito de teruassemelhantes aparecem em lugares diferentes nas varias entrevistas.Esta desvantagem e maximizada no caso de projetos onde quanti-ficacao e primordial, mas este nao era o caso do nosso projeto. Se-gundo, surge o problema de que muitas perguntas nao terao sidofeitas, coisa que deixa multos "brancos" aparentes na entrevista.A escolha ou nao desta estrategia depende dos objetivos do projeto.Do lado das vantagens, aparecem muito mais dados "de contexto"que auxiliam o pesquisador a entender o conjunto do processo d«tomada de decisoes, coisa que nao e o caso quando se segue urnroteiro rigido de pesquisa.

A adocao desta estrategia apresenta um outro problema, quetem a ver com o acesso que outros entrevistadores virao a ter aque-les mesmos entrevistados em futuras pesquisas. £ bastante comumem entrevistas pouco estruturadas com elite que os entrevistadosfacam comentarios ou deem informacoes e explicitamente mencio-nem que o estao fazendo em confianga, deixando claro que aquelasinformagoes estao sendo dadas apenas para facilitar o entendimentodo entrevistador, e nao para serem divulgadas. No caso da ocorren-cia desta situacao, cabe ao pestruisador respeitar a confidencialida-de da fonte, em primeiro lugar, por problemas eticos e, em segun-do, porque sua violagao pode vir fechar o acesso aquele ator paraoutros cientistas socials. Trata-se, portanto, nao so de um proble-ma etico, como tambem de um problema de preservar o interesse da"classe". Um ponto importante e que, no caso de ocorrencia des-tas situagoes, nada impede que o pesquisador tente encontrar amesma informaeao em outra fonte publica, ou mesmo em outraentrevista durante a qua! nao seja solicitada confidencialidade. Nocaso de o pesquisador conseguir a informagao de uma destas duasoutras fontes, cessa sua obrigagao de confidencialidade o respeito dofato com a primeira fonte que pediu confidencialidade.

Outro ponto importante a respeito de pesquisas relacionadascom o processo de policy-making se refere a necessidade de entre-vistar os atores poKticos "derrotados" no contexto de uma dadatomada de decisao, ou seja, aqueles atores que foram impedidosde participar da decisao embora quisessem te-lo feito, os que fo-ram eliminados no meio do processo, e os que tiveram suas suges-toes nao aceitas. Em muitos casos, as entrevistas destes persona-gens apresentarao um alto grau de amargura que, se, por um lado,pode diminuir a confiabilidade, por outro pode fornecer informa-£oes relevantes que nao hajam sido mencionadas pelos "vitoriosos".O confronto das entrevistas dos "vitoriosos" com os "derrotados"possivelmente dara ao pesquisador uma visao mais completa e maisequilibrada do processo.

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Finalmente, no que diz respeito ao problema de acesso para en-trevistas, nos utilizamos a estrategia de mandar uma carta antes daentrevista, solicitandc-a, e outra depois da entrevista, agradecen-do-a. Os dois tipos de cartas tem funcoes diferentes. No caso da car-ta solicitando a entrevista, especialmente nos casos em que nao seesta usando um "fiador", a maior parte dos entrevistados nuncarespondeu. E, inclusive, muito possivel, e ate mesmo muito prova-vel, que a maior parte deles nunca tenha sequer visto as cartas,pois elas nunca passaram da mesa de suas secretarias. Entretanto,o simples fato de que a carta haja sido mandada e que se possamenciona-la quando se telefona para marcar a entrevista ajuda mui-to, pois se o entrevistado viu a carta ja sabera do que se trata. Senao viu, dificilmente negara te-la recebido, pois isto dara a impres-sao de que ele nao cuida de sua correspondencia. Quanto a cartaagradecendo a entrevista, ela se coloca no piano da preservacaodoa "interesses de classe". Na medida em que o entrevistador epolido, aumenta a possibilidade de que, quando aquele ator sejacontactado por outro cientista social para uma entrevista, ele ten-da a estar mais predisposto a dar outra entrevista, devido a experi-encia anterior positiva. Uma carta de agradecimento de entrevista,portanto, e uma cortesia que custa pouco e beneficia a todos.

Ainda a respeito deste ponto, alguns entrevistados pedemque o entrevistador Ihes mande uma copia da entrevista para efei-tos de "conferir se esta tudo correto". No caso de ocorrer isto, eobrigagao do cientista social fornecer a copia pelas mesmas razoeseticas e de preservagao do "interesse de classe" mencionadas au-teriormente.

Depois dos Dados

A maioria dos livros de metodologia igualmente nunca diz oque vem depois dos dados no que se refere a parte nao metodolo-gica do processo, ou seja, a elaboragao do relatorio, livro ou artlgo.Howard Becker diz que um trabalho de Ciencias Socials so estapronto quando esta publicado.6 Neste ponto, a cultura academicabrasileira esta sofrendo modificacoes, felizmente. Ha alguns anos, medisse perceptivamente Amaury de Souza que, no Brasil, as pessoastendiam a publicar alguma coisa quando tinham cinqiienta anosde idade para confirmar um prestigio construido na base nao sesabe de que. Hoje em dia a situac.ao esta mudando: as pessoas jasabem que o prestigio se constroi mesmo e publicando, sendo criti-

6 Howard S. Becker, "Dialogo...", citado, p. 17.

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cado, e aperfeigoando e, portanto, e fundamental escrever e publi-car de alguma forma os resultados da pesquisa.

Creio que, em algum momento, todos nos tivemos a fantasiade que iriamos escrever "o livro da vida", e acabamos nao o fazendo nunca. Em materia de livros, as coisas sao como taloes de jogodo bicho: so vale o que esta escrito. Alem disso, como dizia o meusaudoso amigo Joao Ribeiro dos Santos, so se aprende a escreverescrevendo. Nao adianta montar o relatorio na cabega e nunca pas-sa-lo para o papel. Livros na cabeija das pessoas existem muitos,mas so se pode ler os que estao escritos. Esta e a parte de que voume ocupar nesta segao do artigo.

No caso do relatorio do projeto que aqui esta sendo discutido,fiz uma coisa aparentemente simples, mas que tern seus aspectospenosos: escrevi. Achava que o relatorio era perfeito. Depois, rece-bi criticas mais criticas, fiquei chateado, mas, afinal, passou. 0que ficou claro foi que o primeiro relatorio e o mais difieil, o se-gundo e mais facil, o terceiro, mais ainda, e assim por diante. Alemdisto, depois a gente cria calo para as criticas, nao no sentido denao aceita-las, mas no sentido de cousidera-las normais, "cavacos dooficio", por assim dizer.

No que diz respeito ao relatorio, uma vez que a gente seconvenga de que ele nao vai ser perfeito, ha duas outras coisasque ajudam. Primeiro, ter uma data para entregaj e, segundo, es-creve-lo no periodo mais curto de tempo possivel.

E importante lembrar que o fato de que se demore mais tem-po para escrever uma obra nao a fara necessariamente nem maisperfeita nem melhor, e acaba sendo mera desculpa para naoescrever. Alem disso, a existencia de uma data para entregar umrelatorio ou urn original obriga a gente a se envolver com a partemais penosa e menos excitante do processo de pesquisa, no meu en-tender. No caso do relatorio deste projeto, ele foi escrito em maisou menos dois meses. Dele foram tiradas 100 copias mimeografa-das e ate hoje ainda nao foi publicado sob forma de livro, emboraja tenha resultado num artigo substantive,7 bem como no preseuteartigo. Nao sei se ainda escreverei um livro a respeito do tema, coisaque depende de rever o relatorio original, mas, passado esse tempotodo, o espago que o assunto ocupa na cabeca vai diminuindo, e agente acaba nao fazendo. Assim sendo, quanto mais rapido se ter-

7 Alexandre de S. C. Barros e Axgelina M. C. Figueiredo, "Dissemi-nation and Use of Social Sciences Research Among and By Policy-Ma-kers: Findings of a Brazilian Case Study", Interciencia, volume 2, nti-mero 2, 1977.

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minar tudo, inclusive a publicagao, mais provavel e que o processoocorra e menos custoso psicologicamente.

Terminada a versao mimeografada, havia um problema serio:afinal de contas, um dos temas de nosso projeto era como se disse-minavam informagoes de Ciencias Sociais entre policy-makers, e uoshaviamos descoberto bastante coisas a respeito do assunto. Era horade por em pratica o que haviamos descoberto, na medida em quedisseminar a pesquisa era um processo diretamente relacionadocom seu conteudo substantivo. Nos haviamos descoberto tanto meiosquanto canals politicos e "comunicacionais" (e aqui dou a maoa palmatoria — mas so pela metade — ao coordenador internacio-nal do projeto) o/ue contribuiam para a melhor disseminagao dosresultados da pesquisa. Nao se chegou, por razoes economicas e deordem pratica, a implementar todas as conclusoes da pesquisa emtermos de disseminagao, mas ainda assim fizemos o que foi possi-vel.

Distribuimos entre muitos de nossos entrevistados copias dorelatorio, entregues pessoalmente ou atraves de "fiadores" ou in-termediarios que, por sua posi§ao politicamente estrategica, ajuda-vam a melhor disseminar os resultados (esta havia sido uma dasprincipals conclusoes do relatorio). Nao tivemos qualquer especiede feedback a respeito da pesquisa da parte de policy-makers. En-tretanto, isso de ha muito deixou de me assustar, pois uma dascoisas que tambem descobrimos e que, contrariamente aos acade-micos, que se manifestam sobre resultados de pesquisa, os policy-makers tendem a ficar calados, confirmando a observacao de Wan-derley Guilherme dos Santos de que o Brasil e um pais onde naose tern feedback.

Decisoes Criticas Nao-Antecipadas

Dentre as impressoes erradas que os livros de tecnicas de pes-quisa dao esta a de que, se o pesquisador estiver certo, a pesquisanao pode dar errado. 0 maximo de concessao que os livros fazemse refere as hipoteses do pesquisador. Segundo os textos, se as hi-poteses eram boas, a pesquisa vira a confirma*las; caso contrarioelas serao desconfirmadas. Afora isto, raramente os livros se preo-cupam em dar ao leitor uma visao das dezenas de coisas que podemdar errado na pesquisa, coisas estas de carater nao-metodologico,nao-tecnico e nao-epistemologico. Desta maneira, nunca os livrosmencionam casos de entrevistados que foram para o exterior, deverbas que acabam antes do fim da pesquisa, de datilografas quecortam o dedo, de computadores que quebram, de filhos que jo-gam todos os cartoes IBM pela janela, e coisas do genero, todas

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elas passiveis de acontecer. Neste sentido, e importante ter em men-te que nao basta fazer belos projetos, mas e importante fazer pes-quisas, ainda que nao tao belas, para nao se correr o risco de in-corporar a frustragao dos planejadores que fazem maguificos pia-nos (uma bela arte em si) mas que nunca se concretizam nemtampouco sao implementados. Estar atento para o fato de que pes-quisas sao sujeitas a acidentes, e estar preparado para eles, evitaque, quando eles ocorram, as energias da equipe passem a ser todasmobilizadas no sentido de tentar resolve-los, coisa que, em geral,tende a autofagicamente destruir um projeto.

Vou resumir nesta segao alguns dos temas ja mencionados an-teriormente e langar alguns outros novos a fim de dar uma ideiacompacta da quantidade de potenciais "acidentes" que podem setornar cumulativos, arruinando a pesquisa. A solugao destes pro-blemas pode, em muitas ocasioes, implicar na adogao de heterodo-xias_metodol6gicas que, se, por um lado, nao produzem as pesquisastao perfeitas que o pesquisador desejou, por outro fazem com quealguma pesquisa seja feita e que algo se agregue ao conhecimento.Em suma, trata-se de um problema de se se deixa tudo perder, ouse se tenta salvar os dedos, ainda que seja inevitavel que se vao osaneis. No caso do projeto em discussao os problemas foram os se-guintes:

1. O problema dos "paradigmas" — No fundo, ele signifi-cou apenas que o pesquisador queria fazer uma eoisa e o finan-ciador queria outra. Se o cientista social cede as pressoes do finan-ciador e abdica de fazer aquilo em que esta interessado, o resultadotende a ser desastroso, na medida em que termina por envolver-seem algo que nao Ihe interessa e que passara a ser tratado apenas bu-rocraticamente, no pior sentido do termo. Por outro lado, se o pes-quisador nao cede de maneira nenhuma, acaba por nao fazer a pes-quisa, quase sempre por falta de meios materials. De maneira geral,e possivel conciliar os interesses de ambos a fim de que o cientistasocial tenha o financiamento para coletar os dados correlates queIhe sao indispensaveis, bem como aqueles que sao indispensaveis aofinanciador. Desta forma, o pesquisador pode responder as pergun-tas do financiador e ter os dados para posteriormente trabalha-loscomo melhor Ihe interessar, do ponto de vista academico e intelec-tual.

2. 0 profalema da propriedade dos dados apos o termino dapesquisa — dependendo do financiador, este pode vir a ser umproblema importante. De maneira geral, financiadores "academi-eos" nao se important muito com isto; entretanto, financiadores de

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pesquisas do tipo "aplicado" tendem a ser mais "egoistas" em re-lagao aos dados. Da perspectiva do pesquisador, qualquer uma dasduas solugoes — que os dados pertengam a ele, ou que pertengamao financiador — e aeeitavel. No entanto, e importante que estcponto fique claro desde o inicio do projeto de modo a evitar mal-entendidos posteriores, pois e extremamente frustrante para umpesquisador ter que coletar uma montanha de dados, usar umaparcela deles num relatorio e nao poder utilizar-se do resto para seutrahalho academico.

3. 0 produto da pesquisa — Esta e outra area importante aser acordada entre financiador e pesquisador desde o inicio do tra-balho, ou seja, o que se espera que a pesquisa venha a produzircomo resultado final. Um relatorio verbal? Um sumario? Um Ion-go relatorio de tipo "academico"? Uma serie de sugestoes de poli-ticas? Um livro? Um relatorio confidencial? Alguns artigos? Qual-quer pesquisa pode produzir um desses outputs, ou uma combinagaodeles. A importancia deste ponto reside no fato de que se o assun-to de qual(o resultado final da pesquisa ficar acertado desde o ini-cio evitam-se problemas posteriores.

4. 0 problema de quando comegar o projeto em fungao dasdisponibilidades financeiras — Em muitas ocasioes, existe a tenta-gao de comegar um projeto antes de que as verbas estejam efetiva-mente liberadas. Esta tentagao pode vir tanto do pesquisador, queesta ansioso para comegar a investigar um assunto de seu interesse,quanta do lado do financiador, que deseja que um assunto "saia daestaca zero" para justificar sua posigao perante seu empregador; ouo que seja. Se a tentagao for do lado do pesquisador, e o que elepretender fazer nao envolver nada mais do que seu trabalho indi-vidual, nada impede que se adote esta alternativa, embora eu naoa ache uma boa ideia, pois contribui para a perpetuagao da imagemda pesquisa de Ciencias Sociais como uma atividade amadorislica.Entretanto, se o trabalho a ser envolvido for de terceiros, acho queo pesquisador nao deve, de forma alguma, iniciar o trabalho emfungao de verbas hipoteticas ou prometidas. Isto por duas razoes:uma, a razao profissional mencionada anteriormente, e outra, pelofato de que em muitas ocasioes as verbas acabam por nao se mate-rializarem e termina o pesquisador com uma equipe que ele naopode pagar ou com servigos contratados para o pagamento dos quaisnao ha numerario.

5 . 0 tamanho da equipe — Apesar de os livros dizerem quea pesquisa vai correr como a receita, ja vimos que isto nao e verda-de. Desta forma, e unportante que o pesquisador tenha uma certaflexibihdade na equipe — flexihilidade esta que deve refletir-se na

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proposta orcamentaria — no sentido de deixar claro ao financiadorque, segundo suas estimativas, a pesquisa deve custar xis cru-zeiros e envolver ipsilon mimero de pessoas, mas que e possivel quehaja aumentos ou diminuicpes em funcao do "comportamento domundo". Assim e bom, do lado orgamentario, ter um item "inespe-rados" ou "contingencias" e, do lado da composicao da equipe, naocontratar gente demais no inicio. Em outras palavras, a melhor al-ternativa e escalonar a contratacao da equipe e ver como vao fun-cionando as coisas. Se o pessoal for suficieute, ainda que em nume-ro inferior ao da proposta orcamentaria, tanto melhor; se nao for,ai entao contrate-se mais pessoal. Ainda neste ponto, se for umapesquisa que envolva diversas etapas, e interessante contratar pes-soas para etapas especificas pois, a proporgao que a pesquisa pro-gride, e possivel contratar alguns dos membros da equipe que sesaem melhor para continuar numa etapa posterior.

6. Relacionamento institucional — A maior parte das pes-quisa-s envolve pelo menos dois atores institucionais, um financia-dor e um "executor" — "administrador". Se o numero de institui-goes envolvidas puder ser mantido neste nivel, tanto melhor, poisminimizam-se negociagoes burocraticas e pequenos problemas quese multiplicam a proporgao que se somam entidades participantes,

- aumentando os custos financeiros e nao financeiros de administra-cao. Se isto nao for possivel, envolvam-se tantos atores quantosforem indispensdveis mas, neste caso, e importante estar preparadopara o aumento de contactos ao longo da realizagao da pesquisa,com o conseqiiente aumento de potenciais mal-entendidos.

7. Quando acaba o envolvimento do pesquisador com o pro-jeto? — Esta e uma pergunta muito mais importante do que pare-ce a primeira vista. For um lado, ela esta relacionada com as moti-vacoes iniciais da realizacao da pesquisa. Se vivessemos num mun-do de informaeao perfeita e gratuita, este nao seria um problema,pois sempre se poderia acoplar o financiador certo com o pesquisa-dor adequado. Entretanto, como ja foi visto, as coisas nao sao assim.Existem negociagoes e concessSes de parte a parte de modo a conse-guir uma area de eoincidencia entre os interesses do financiador eos do pesquisador. Este fato gera uma consequencia: o pesquisador,em muitas oeasioes, acaba, por seu envolvimento com um determi-nado projeto, virando um especialista numa area na qual ele jamaisiruaginou que viria a especializar-se. Sao muito mais comuns do quese pensa os casos de cientistas socials que se tornam especialistasnuma area porque uma vez se envolveram com um tema e depoiscnaram, de uma forma ou de outra, uma imagem publica de"experts" da qual nao mais conseguem desligar-se. Este resultado

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tende a ser inevitavel quando seu trabalho naquela area de conhe-cimento for publicado; a partir deste memento, seus contatos coma area deverao aumentar. Muito possivelmente, ele sera consultadopor indivfduos e instituigSes a respeito do tema, outros organismosoferecerao a ele financiamentos para continuar estudos naquelaarea, etc.

Da perspective do pesquisador, seu interesse pode cessar ounao, mas de qualquer maneira ele sera reconhecido publicamentecomo alguem que "enteude do assuuto" e se tornara, num certosentido, prisioneiro dos trabalhos que realizou.

Post-Scriptum

Relenilo o trabalho antes de encerra-lo, noto que nem todosos pontos em que toquei derivaram diretamente da experiencia como projeto de disseminagao, mas naturalmente incorporei, por assimdizer, a proporgao que o trabalho ia sendo escrito, experiencias deoutros projetos de pesqiiisa de que participei, alem daquele cujahistoria prometi contar. Nao acho que isso seja mau. Dado o obje-tivo do artigo, ao contrario, acho que e ate bom. Incorporei tantasexperiencias quantas me ocorreram a respeito do "cotidiano da pes-quisa", e acho que isso sera positive para o leitor.

Finalnaente, noto tambem que, em alguns pontos do artigo,fujo da promessa inicial de contar uma historia e assumo um tornde "dar conselhos", coisa que nao foi inicialmente planejada. Massaiu assim, e tambem nisso nada vejo de errado: tome o leitoros "conselhos" como tais, seguindo-os ou nao, dependendo de suadisposigao. No entanto, mais uma vez refirmo que tanto a his-toria (ou conjunto de historias, se se preferir) quanto os "conse-lhos" sao todos resultado de experiencias praticas — e uteis •— mui-tas delas dificilmente encontraveis em livros.

Hyde Park, Chicago, abril de 1977