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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

    CENTRO DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES.

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS SOCIAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS

    ANA BEATRIZ SILVA PESSOA

    RELIGIOSIDADE E PODER EM CEAR MIRIM/RN: O CASO MONSENHOR RUI MIRANDA.

    NATAL/RN

    2011

  • ANA BEATRIZ SILVA PESSOA

    RELIGIOSIDADE E PODER EM CEAR MIRIM/RN: O CASO MONSENHOR RUI MIRANDA.

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Cincias Sociais, rea de concentrao Dinmicas Sociais, Prticas Culturais e Representaes. Orientadora: Prof. Dra. Maria Lcia Bastos Alves.

    NATAL/RN 2011

  • Catalogao da Publicao na Fonte Universidade Federal do Rio Grande do Norte

    Biblioteca Setorial do Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes (CCHLA).

    Pessoa, Ana Beatriz Silva. Religiosidade e Poder em Cear-Mirim: o caso Monsenhor Rui Miranda. 2010 167f: Il. Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais) Universidade Federal do Rio Grande do

    Norte. Centro de Cincias Humanas, Letras e Artes. Programa de Ps-Graduaao em Cincias Sociais, Natal, 2011.

    Orientadora: Prof. Dr. Maria Lcia Bastos Alves. 1.Trajetria. 2. Relaes de Poder. 3. Representaes. 4. Religio Catlica. I. Alves, Maria Lcia. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo. RN/BSE-CCHLA CDU:379.85:57.017.9

  • ANA BEATRIZ SILVA PESSOA

    RELIGIOSIDADE E PODER EM CEAR MIRIM/RN: O CASO MONSENHOR RUI MIRANDA.

    Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos necessrios obteno do ttulo de Mestre em Cincias Sociais, rea de concentrao Dinmicas Sociais, Prticas Culturais e Representaes. Orientadora: Prof. Dra. Maria Lcia Bastos Alves.

    Data da aprovao: ______ de ___________________ de _________.

    ________________________________________________________

    Prof. Dra. Maria Lcia Bastos Alves UFRN Orientadora

    ________________________________________________________ Prof. Dra. Maria da Conceio Fraga UFRN

    Examinadora

    ________________________________________________________ Prof. Dr. Rodson Ricardo Sousa do Nascimento - UERN

    Examinador

    _________________________________________________________ Prof. Dr. Lore Fortes UFRN

    Examinadora

    NATAL/RN

    2011

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da

    Universidade Federal do Rio Grande do Norte que me proporcionou mais esta

    oportunidade de formao, encerrando com o mestrado uma histria que teve incio

    em 2004, quando ingressei na Graduao em Cincias Sociais dessa mesma

    Universidade.

    Durante essa histria, vrias pessoas participaram de maneira direta ou

    indireta de minha jornada. A essas pessoas devoto a minha mais sincera gratido e

    apreo, porm, gostaria de mencionar alguns nomes ainda mais especiais: Prof Dr.

    Lore Fortes, Prof Dr. Irene de Arajo, Prof Dr. Maria da Conceio Fraga, Prof

    Dr. Orivaldo Lopes Jr. e os secretrios Otnio Revoredo Costa, Jefferson Gustavo

    Lopes.

    Gostaria de agradecer ainda a Prof. Dra. Maria Lcia Bastos a ateno,

    presteza e solidariedade com que vem acompanhando minha trajetria acadmica

    desde a graduao. Na sua pessoa sempre encontrei, alm de uma orientadora de

    qualidade e comprometida com a formao de seus orientandos, uma profissional

    zelosa, integra e proativa. Agradeo pela infinita pacincia e pela perseverana, o

    que me impediram de desistir daquilo que se tornou o meu maior sofrimento e a

    minha mais sincera esperana. Por todos os momentos em que me lembrou das

    minhas capacidades, meu sinceros agradecimentos.

    Agradeo a Escola Interventor Ubaldo Bezerra de Melo, onde leciono, pela

    compreenso e apoio que sempre encontrei na pessoa de seus gestores e demais

    equipes de apoio. Sem a flexibilidade das minhas obrigaes no teria conseguido

    realizar este trabalho. Quero ainda agradecer aos amigos professores, sempre

    solcitos e solidrios com minhas dificuldades no andamento da pesquisa e sobre os

    progressos com a escrita do trabalho.

    A todas as pessoas que gentilmente cederam suas memrias e seu tempo

    precioso no corre-corre do dia-a-dia para me receber em seus lares, em seus locais

    de trabalho ou mesmo que me ofereceram seus depoimentos enquanto

    desempenhavam suas funes cotidianas. Agradeo a cada um de vocs que, com

    pacincia, afetividade e disposio me abriram um campo de pesquisa rico em

    detalhes.

  • Quero registrar um agradecimento especial a minha me, com quem dividi as

    fases mais complicadas dessa caminhada. As ausncias, o mau-humor, o

    temperamento inconstante, as aflies. Do jeito dela, da melhor maneira que

    conseguiu, sempre me apoiou.

    Agradeo aos anjos que Deus ps no meu caminho. Anjos sem asas, anjos

    que fizeram de cada momento um aprendizado, uma descoberta. Amigos que me

    escolheram, me adotaram, me puseram no colo. Amigos que amo, que me amam e

    que sem os quais no teria conseguido chegar at aqui. Considero mais que

    necessrio list-los aqui: Adriano Felipe, Franklin Soares, Ana Patrcia, Natlia

    Honrio, Thalita Costa, Melquisedeque Fernandes, Terezinha Albuquerque, Nicolas

    Leito, Francisco Morais, Humberto Pedro e Leandro Lacerda.

    Por fim, agradeo aquelas pessoas todas com quem dialoguei, discuti e que

    me foram to importantes na construo terica deste trabalho. As discusses em

    grupos, bases, cinemas, barzinhos e demais locais em que nos reunimos para

    debater o papel de ser pesquisador, as delcias e dores de ser bolsista Capes/Cnpq

    e, aps a graduao, conseguir provar para ns mesmos e para a academia que

    merecemos estar onde estamos agora. Meu muito obrigado!.

  • Essas doutrinas sem luz usam torturas e iras pregando suas mentiras tudo em nome de Jesus adorando dolo e cruz feitos pelas prprias mos obrigando seus irmos seguirem falsos destinos abominando os ensinos dos verdadeiros cristos. (...) So esses famigerados enrroles e mentirosos que se dizem milagrosos curam cegos e alejados doentes e endemniados mas milagres nem um faz os fanticos correm atrs dando toda crena a eles porm o assunto deles dinheiro e nada mais. (...) Este assalto moderno dos pastores de hoje em dia tem mentira, hipocrisia e ambio do inferno o filho do Pai Eterno depois vai lhes d o preo quando esses sem apreo lhes pedirem de mos postas Jesus vai virar-lhes as costas e dizer, no os conheo. (...)

    Vemos ricos potentados donos de prdio e manso jogando fora e no do um po aos necessitados mas ficam ajoelhados nos ps de dolo e de cruz uma vela sua luz beijando altar e sacrrio fazendo tudo ao contrrio dos ensino de Jesus. (...) Igrejas da cristandade cheias de mil fantasias porm so todas vazias de justia e de bondade a alta sociedade no ouve do pobre o choro festa e luxo seu tesouro nome, poltica e poder entre luxria e prazer seu Deus riqueza e ouro. Literatura de Cordel: As Falsas Religies 2008. (Autor Desconhecido).

  • RESUMO Esta dissertao um estudo de caso sobre a trajetria do Monsenhor Rui Miranda, padre irremovvel da Parquia de Nossa Senhora da Conceio, em CearMirim/RN. O objetivo do trabalho apresentar as aes poltico-religiosas realizadas pelo Monsenhor durante os 55 anos em que assumiu a administrao paroquial e demais cargos pblicos no municpio, exercendo poder e influncia sobre a comunidade, buscando evidenciar sua estreita relao com as altas camadas da sociedade, o que teria favorecido sua permanncia e relevncia para a populao da cidade. Para isso, relatou-se, por meio de entrevistas semiestruturadas, fotos e documentos, a conduta do Monsenhor frente aos diversos cargos de chefia que ocupou, atuando mutuamente entre o espao religioso e o espao poltico. Com isso, pretende-se apresentar os fatos que teriam, ao longo do tempo, tornado este lder religioso to importante para a histria do municpio. Palavras chave: Trajetria; Religio Catlica; Poder; Representaes.

  • ABSTRACT

    This dissertation is a case study on the trajectory of Monsignor Rui Miranda, Father of irremovable parish of Our Lady of the Conception in Cear-Mirim/RN. The objective is to present the political-religious actions taken by Monsignor during the 55 years he assumed the parish administration and other public office in the city, exerting power and influence on the community, seeking to highlight its close relationship with the high layers of society , which would have favored its permanence and relevance to the city's population. For this, it was reported, through semi-structured interviews, photos and documents, conduct of Monsignor forward to many leadership positions he held, acting mutually between the religious space and political space. With this, we intend to present the facts that would, over time, become this religious leader as important to the history of the city. Keywords - Keywords: Trajectory; Catholic Religion, Power; Representations.

  • RSUM Cette thse est une tude de cas sur la trajectoire de Mgr Rui Miranda, pre de la paroisse de Notre-Dame inamovibles de la Conception dans Cear-Mirim/RN. L'objectif est de prsenter les actions politico-religieuses prises par Mgr pendant les 55 ans qu'il assume l'administration paroissiale et d'autres fonctions publiques dans la ville, exercer un pouvoir et une influence sur la communaut, en cherchant mettre en vidence ses liens troits avec les hautes couches de la socit , ce qui aurait favoris sa permanence et de la pertinence de la population de la ville. Pour ce faire, il a t signal, par entretiens semi-structurs, des photos et des documents, la conduite de Mgr plaisir de nombreux postes de direction qu'il a occups, agissant mutuellement entre l'espace religieux et espace politique. Grce cela, nous avons l'intention de prsenter les faits qui, au fil du temps, ce chef religieux deviennent aussi importants pour l'histoire de la ville. Mots-cls - Mots-cls: Trajectoire; Religion Catholique, Power; reprsentations.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ASG Auxiliar de Servios Gerais

    CELAM Conselho Episcopal Latino - Americano

    CIC Colgio Imaculada Conceio

    CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil

    EUA Estados Unidos da Amrica

    FUNRURAL Fundo de Assistncia ao Trabalhador Rural

    GAAA Grupo de Apoio aos Alcolicos Annimos

    GRUJED Grupo de Jovens Encontro com Deus

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

    JUFRA Juventude Franciscana

    PASCOM Pastoral da Comunicao

    PJMP Pastoral da Juventude do Meio Popular

    PPP Projeto Poltico Pedaggico

    RMN Regio Metropolitana de Natal

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Mapa Poltico do Rio Grande do Norte ....................................................47

    Figura 2 - Grfico com as mudanas do contexto religioso na cidade de Cear-

    Mirim.........................................................................................................................88

  • LISTA DE FOTOGRAFIAS

    Foto 1 Inaugurao da Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceio 1901...........52

    Foto 2 Padre Rui presidindo o evento da 1 comunho (1960)..............................65

    Foto 3 - Monsenhor Walfredo Gurgel em Inaugurao da TELERN/ Cear-Mirim

    (1968).........................................................................................................................72

    Foto 4 - Igreja Matriz (1924).......................................................................................78

    Foto 5 Igreja Matriz (1989)......................................................................................78

    Foto 6 Igreja Matriz (2008)......................................................................................78

    Foto 7 Frei Damio de Bozzano na Semana Missionria (1967)............................83

    Foto 8 Educandrio Imaculada Conceio (1963)..................................................97

    Foto 9 Entrada do Abrigo (2010).............................................................................98

    Foto 10 Placa de informaes na frente do porto do Abrigo (2010).....................98

    Foto 11 Padre Francisco de Assis em celebrao da Festa da Padroeira (2007)110

    Foto 12 Festa da Padroeira de Cear Mirim, Nossa Senhora da Conceio

    (2008) ......................................................................................................................122

    Foto 13 - Monsenhor Rui Miranda assistindo a missa na lateral do altar (2008).....138

    Foto 14 Trailer de lanches colocado no jardim da casa paroquial (2008).............141

    Foto 14 Congregao do Corao de Jesus (2009).............................................148

    Foto 16 Grupo Musical Rouxinol (2009)................................................................148

    Foto 17 Posse do novo proco (2010)..................................................................152

    Foto 18 Celebrao de posse (2010) ...................................................................152

    Foto 19 - A atual governadora Rosalba Ciarlini em visita ao religioso mais antigo da

    cidade de Cear Mirim (2010) ..............................................................................153

  • SUMRIO INTRODUO...........................................................................................................16

    1.1 Pensando o tema..........................................................................................21

    1.1.1Situando o objeto..................................................................................22

    1.2 Caminhos terico metodolgicos..............................................................26

    1.3 Caminhos da pesquisa................................................................................41

    CAPTULO 1 A IMPORTNCIA DA RELIGIO CATLICA PARA A

    COMUNIDADE LOCAL.............................................................................................46

    1.1 Monsenhor Celso Cicco e os primeiros anos da parquia de Cear

    Mirim/RN............................................................................................................53

    1.2 Breve biografia e formao do Padre Rui Miranda na vida

    eclesistica........................................................................................................56

    1.3 Passagem do Padre Rui Miranda nas cidades de Arz/RN e Nsia

    Floresta/RN e sua chegada em Cear Mirim..................................................58

    1.3.1 O acolhimento da comunidade cear-mirinense para com o novo

    proco........................................................................................................66

    CAPTULO 02 RELIGIO E SOCIEDADE: rupturas e permanncias................75

    2.1 Parquia de Nossa Senhora da Conceio.................................................77

    2.2 Parquia de Nossa Senhora Do Livramento (Taip) e Parquia de Bom

    Jesus Dos Navegantes (Touros).......................................................................86

    2.3 Centro Pastoral Leci Cmara (Antigo Paroquial).........................................88

    2.4 Escola Estadual Monsenhor Celso Cicco (Antigo Ginsio Industrial de

    Cear - Mirim)....................................................................................................89

    2.5 FUNRURAL - Fundo de Assistncia ao Trabalhador Rural.........................94

    2.6 Educandrio Imaculada Conceio.............................................................95

    2.7 Casa de Caridade So Vicente de Paula (Abrigo dos Velhos)....................97

    CAPTULO 03 TEMPO DE MUDANAS: abertura do catolicismo tradicional

    para os movimentos carismticos........................................................................103

    3.1 Administrao paroquial: perspectivas......................................................107

    3.2 Perda da representatividade......................................................................123

  • 3.3 Crise no modelo de administrao paroquial.............................................127

    CAPTULO 4 FIM DA GESTO MONSENHOR RUI MIRANDA..........................133

    4.1 Arquidiocese metropolitana e os novos rumos da religio catlica no

    municpio..........................................................................................................136

    4.2 Chegada do novo administrador paroquial: Padre Bianor.........................146

    CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................154 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................159 ANEXOS..................................................................................................................166

  • 16

    1. INTRODUO

    Esta dissertao um estudo de caso sobre a trajetria do Monsenhor Rui

    Miranda, proco irremovvel da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceio,

    municpio de Cear Mirim, onde exerceu suas funes sacerdotais e

    administrativas por cinco dcadas. O objetivo do trabalho reconstituir a trajetria do

    Monsenhor Rui durante os anos em que foi proco da cidade de Cear Mirim

    estabelecendo sua importncia para a histrica local do municpio e sua relao com

    as lideranas polticas locais e estaduais, alm do apoio das camadas altas da

    sociedade para manuteno de sua influncia.

    Estudos sobre o catolicismo, seus membros e adeptos tm se multiplicado nos

    ltimos tempos, razo pela qual cresce o interesse de cientistas sociais e

    historiadores por questes envolvendo atores religiosos ou ligados a religio. A

    Igreja Catlica, enquanto uma instituio atuante, slida e influente junto a

    sociedade civil, resulta de um tradicionalismo que precisou flexibilizar-se e assim se

    viu obrigada a modernizar suas prticas e o seu culto de modo a garantir a

    permanncia de seus fiis nas Igrejas, tendo em vista o forte movimento

    pentecostalista1. Tal processo gerou uma reavaliao de suas polticas internas e

    externas que puderam ser percebidas por meio do movimento da renovao

    carismtica, aumento no nmero de grupos de jovens, de irmandades e da prpria

    adoo dos meios de comunicao como forma de expandir sua

    influncia.2(BONATO, 2007).

    Da mesma maneira que suas polticas de ao e atuao se modificaram,

    ______________________________________

    1. Os integrantes do movimento pentecostal, que nasceu nos Estados Unidos, em 1901, crem que o

    Esprito Santo continua a se manifestar nos dias de hoje, da mesma forma que em Pentecostes, na narrativa do Novo Testamento. O pentecostalismo chega ao Brasil em 1910, com a fundao da Congregao Crist no Brasil. Sobre o tema ver Roberto Mariano, Expanso Pentecostal no Brasil,2004.

    2.Tem sido crescente

    a elaborao de diversas comunicaes sobre religio e meios de comunicao,

    analisando a venda de objetos religiosos a promoo de grupos musicais, entre outros aspectos (ver PACE, 2009; REFKALEFSKY, PATRIOTA, ROCHA, 2006; FIEGENBAUNN, 2006).

  • 17

    tambm o seu corpo clerical passou por profundas mudanas, o que no significa

    dizer que alguns de seus padres, principalmente aqueles mais tradicionais e de

    regies mais afastadas das capitais, no tenham buscado retardar as

    transformaes trazidas pela modernidade. De modo geral a funo dos clrigos

    reformulada, com mudanas estruturais efetivamente colocadas em prtica j no

    perodo destinado a formao do clero nos seminrios, dando incio a uma viso

    mais social da religio3.

    Para conter o avano das igrejas evanglicas e a perda de fiis, os clrigos

    alm de investirem no domnio sobre a arte da homlia passaram a desenvolver um

    papel no s representativo das necessidades sociais, mas, sobretudo ativo, com

    campanhas direcionadas, em especial, unio da famlia e combate a fome e a

    violncia causadas pelas desigualdades sociais alm de temas de mbito regional e

    local que a comunidade enfrente. Da a criao de pastorais, que ficaram

    responsveis por dar maior flexibilidade, dinamismo e aceitabilidade das aes da

    igreja nas comunidades.

    Essa mudana de postura da Igreja intensifica o papel e a presena da religio

    catlica nas diversas camadas da sociedade, conciliando interesses dos mais

    diversos grupos polticos, elites locais e regionais, os proletrios e as camadas mais

    pobres, tendo seus membros como formadores da opinio pblica de modo ainda

    mais expressivo e por diversas vezes, interferindo mesmo no campo da vida privada

    de seus fiis, na conduo de aes pblicas e polticas.

    interessante lembrar que desde o perodo monrquico, a Igreja sempre

    esteve oficialmente submetida ao sistema do Padroado, no qual era de iniciativa do

    Estado nomeao de bispos e vigrios. Somente a partir de 1930 a Igreja

    reivindicou um lugar de destaque e influncia nas instituies do pas. Com a

    Constituio de 1934 firmou-se um pacto de colaborao entre a Igreja e o Estado

    que passou a atuar, politicamente, atravs da Liga Eleitoral Catlica, a qual

    _______________________________________

    3. A partir do Conclio Vaticano II, a Igreja Catlica estabelece uma conduta social mais efetiva, com

    base em eventos como a Campanha da Fraternidade, de modo a trazer os temas sociais para dentro da Igreja e de fazer essa mesma Igreja sair de seu templo e alcanar os fiis onde eles estejam. (BONATO, 2007).

  • 18

    recomendava aos eleitores o voto em candidatos de qualquer partido, desde que

    comprometidos com as reivindicaes catlicas. (LUSTOSA,1991).

    Na dcada de 1950 a Igreja Catlica procura ir ao encontro das aspiraes das

    camadas populares, numa ofensiva em diversas frentes, principalmente dos seus

    concorrentes: os pentecostais. Essa ao vem em resposta penetrao de um

    protestantismo agressivo, de um espiritismo popular e de uma maonaria que

    investia em aes sociais, pondo em risco a ampla influncia do catolicismo que no

    seu tradicionalismo se colocou distante das questes que afligiam o povo. A

    urgncia na necessidade de reverso desse quadro levou a criao da CNBB4 -

    Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil - em 1952, pois se fazia necessria a

    organizao de estratgias conjuntas que envolvessem as mais variadas regies do

    Brasil, em funo de suas particularidades de modo a atingir os interesses sociais.

    Ao mesmo tempo,

    a Igreja procurou aproximar-se do Estado e moralmente dos governantes no intuito de multiplicar as aes dos rgos oficiais em troca de total liberdade de movimentos em torno das instituies de ensino, de sade, de assistncia social. (LUSTOSA,1991, p.47).

    Com a criao da CNBB em 1952, e do CELAM - Conselho Episcopal Latino-

    Americano -, em 1955, foi crescendo a preocupao com um trabalho conjunto entre

    os bispos. A ao poltica da Igreja Catlica aumentou ainda mais a partir do

    Conclio Vaticano II (1962-1965).

    Essa nova configurao da Igreja Catlica, mais voltada s questes sociais,

    pode ser considerada um reflexo das proposies acordadas e discutidas no evento

    intitulado Conclio Vaticano II. Este Conclio tambm conhecido como XXI Conclio

    Ecumnico da Igreja Catlica, foi reunido em 25 de dezembro de 1961, por meio da

    promulgao da Bula Papal Humanae Salutis do ento Papa Joo XXIII, que deu

    incio aos trabalhos. Durante o Conclio foram realizadas quatro grandes reunies

    que resultaram na elaborao de diversos documentos sobre as novas funes dos

    _______________________________________

    4. Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi criada em 1952 para aprofundar o

    conhecimento da realidade pastoral no Brasil. Teve como principal incentivador Dom Helder Cmara. Para maiores informaes ver www.cnbb.org.br/historico.

  • 19

    padres para a unificao dos fiis e restabelecimento dos preceitos cristos, alm de

    buscar a prpria revitalizao da estrutura eclesial romana. As reunies e a

    divulgao de suas decises foram anunciadas em 8 de dezembro de 1965, tendo

    sido fechada pelo ento Papa Paulo VI. (BONATO, 2007).

    O Conclio Vaticano II discutiu e regulamentou uma srie de temas ligados a

    manuteno da crena e da unidade doutrinria catlica. O ponto central estava

    voltado para as estratgias que poderiam ser aplicadas no cotidiano das Igrejas de

    modo a gerar uma renovao das principais bases do cristianismo5, para manter a

    Igreja forte e unida. Seus membros discutiram pela defesa e salvaguarda da F e da

    doutrina catlicas, ameaadas por questes contemporneas de propores

    planetrias capazes de abalar a Igreja, tendo no Conclio um momento de

    elaborao de um projeto de restaurao da cristandade (BONATO, 2007).

    Neste contexto importante considerar que ao longo dos 55 anos de atuao

    do Monsenhor Rui Miranda, a Igreja Catlica passou por transformaes

    considerveis, no s no mundo, mas tambm no Brasil e, principalmente, no

    estado do Rio Grande do Norte. Os ventos da mudana ganharam consistncia com

    o papa Joo XXIII e a convocao do Conclio Vaticano II, que propunha o repensar

    do papel da Igreja e suas formas de participao na sociedade do sculo XX. As

    discusses possibilitaram tecer novas formas de eclesialidade, formar as

    Comunidades Eclesiais de Base, os Conselhos Paroquiais, os Conselhos

    Diocesanos de Pastoral, Assembleias Diocesanas e as Assembleias das Igrejas,

    preocupadas na abertura de um dilogo entre as aes regionais e as nacionais em

    torno da CNBB e da participao do leigo nas prticas religiosas.

    Ressalte-se, porm, que apesar dessa proposta inovadora que a CNBB trouxe,

    uma parte significativa do clero era formada por um bloco de clrigos de postura

    mais conservadora, como o caso do Monsenhor Rui na cidade de Cear Mirim/RN,

    onde representando a ala conservadora vai exercer influncia sobre os fiis. Essa

    sempre foi uma influncia consentida, onde a populao sentia-se confortada em ter

    _______________________________________

    5. As principais bases do cristianismo seriam a F, a preservao da Doutrina e a crena na

    ressurreio de Cristo, fatos que seriam responsveis pela manuteno da Igreja Catlica e de todo o povo catlico.(BONATO, 2007).

  • 20

    na comunidade uma figura capaz de conferir ordem, de resolver questes e de

    garantir a harmonia social. Por outro lado, as elites locais tomavam partido nessa

    relao para a assim imporem suas decises e convencerem a populao da

    necessidade dessas mesmas elites estarem a tanto tempo no centro do cenrio

    sociopoltico do municpio. Dessa maneira, conciliava os interesses entre os

    representantes polticos e os lderes populares, representados pelos blocos

    oligrquicos que tanto caracterizam o cenrio poltico da regio Nordeste.

    Assim, por meio de uma postura normalizadora, Monsenhor Rui conduzia as

    atividades religiosas na busca da manuteno de leigos sob suas orientaes,

    usando-se para esse intento, da f da populao e na crena incontestvel da

    verdade de seus representantes. Tal fato fortalecia as suas aes e garantia a

    concorrncia do mercado de bens simblicos (BOURDIEU, 1992). Nesse contexto,

    as articulaes estabelecidas com os diversos segmentos sociais entendidas aqui

    como os lderes polticos e as tradicionais famlias catlicas - ganham notoriedade,

    estando muito mais imersas no campo social do que no espiritual, uma vez que

    disputa pela concorrncia religiosa permeada por um elevado grau de

    conservadorismo, conferindo ao Monsenhor Rui certa posio eclesial e social de

    controle e influncia.

    Ao pensar a atuao do Monsenhor Rui Miranda, enquanto figura

    representativa da Igreja catlica local, no se pode perder de vista os aspectos

    conjunturais, especialmente no que diz respeito ao poder central que se encontra em

    Roma, isto na S Romana. Embora em cada diocese seu bispo tenha autonomia,

    pois ali o seu espao de governo, cada um deles deve obedincia ao Papa,

    considerado o primeiro entre os bispos, o smbolo da unidade que foi construda ao

    longo dos sculos. Portanto, as determinaes devem ser cumpridas, embora se

    adequando as realidades encontradas, o que foi flexibilizado no caso do Monsenhor

    Rui, em parte explicado pelo interesse da prpria Igreja em sua grande capacidade

    de ser ouvido e de exercer influncia sobre os fieis locais.

  • 21

    1.1 Pensando o tema.

    Pesquisas sobre o papel da Igreja Catlica e sua relao com a poltica no

    campo religioso tem levado muitos estudiosos dentro e fora da instituio religiosa a

    elaborao de trabalhos, congressos e eventos sobre a influncia dos clrigos no

    cenrio social brasileiro6.

    Para alm da influncia que o prprio campo religioso apresenta, os procos

    possuem caractersticas, traos e modos de agir que expandem sua interferncia no

    meio social e no campo poltico, a exemplo dos temas de debate que levaram as

    eleies a presidncia do Brasil em 2010, para o segundo turno, onde a batalha pelo

    voto se deu muito mais no campo tico-religioso do que propriamente no campo

    poltico7.

    Diante disso, esse trabalho se prope ao estudo da trajetria do Monsenhor

    Rui Miranda, na parquia de Nossa Senhora da Conceio, municpio de Cear

    Mirim/RN, por 55 anos (1955-2010), onde exerceu influncia poltico-religiosa,

    objetivando mostrar sua atuao junto sociedade local, na tentativa de construir

    uma idia de como sua representao e sua importncia so vistas pela

    comunidade. As pesquisas se concentraram na busca de relatos orais e escritos e

    da posterior anlise desses discursos. Houve ainda a realizao de levantamento

    bibliogrfico do tema, documentos, fotos e demais fontes, que sero mais bem

    detalhados no tpico relacionado aos caminhos metodolgicos.

    Para situar o leitor no universo religioso e social onde o Monsenhor Rui

    Miranda desenvolveu suas atividades pastorais por cinco dcadas, necessrio

    ______________________________________

    6. Como exemplo, podemos citar diversos trabalhos j publicados sobre a influencia e relao da

    Igreja Catlica para a constituio das sociedades Latino Americanas, apresentadas por autores como CEHILA (1986), Eduardo Hoornanert (1995), Jos Ramos Regidor (1996), Enrique Duseel (1987, 1992, 1997), Diego Omar Silveira (2007).

    7. Nas eleies presidenciais 2010 os debates polticos giraram em torno de aspectos tico-religiosos

    de modo a provocar discusses entre camadas especficas da sociedade, descaracterizando candidatos e debatendo temas privados em mbito pblico, levando a mobilizao de religies diferentes com o objetivo de esclarecer os fiis acerca do contedo dos debates.

  • 22

    contextualizlo dentro da prpria histria do municpio e da relao que este proco

    estabeleceu com a religio e as elites locais.

    1.1.1 Situando o objeto.

    A cidade de Cear Mirim foi uma das primeiras do Estado do Rio Grande do

    Norte a Municipalizar se, tendo nascido atrelada a antiga povoao do Guajiru e

    posterior Vila Briosa de Extremoz, para s ento ser elevada a categoria de cidade,

    o que ocorreu no ano de 1887. Situada na Zona da Mata, apresenta um solo frtil,

    com abundncia de gua potvel e extensas plancies que tanto favoreceram quanto

    foram algozes de ciclos de prosperidade e de declnio econmico no municpio, o

    que fez com que sua importncia diante da provncia do Rio Grande e,

    posteriormente do Estado do Rio Grande do Norte, oscilassem (AZEVEDO, 2007).

    Cear Mirim tem em seus limites as cidades de So Gonalo, Extremoz,

    Natal (leste), Taipu e Ielmo Marinho (Norte), Pureza (Oeste) e Barra de

    Maxaranguape (Sul). Apresenta uma populao de aproximadamente 80 mil

    habitantes, estando na posio de quinta maior cidade do estado do Rio Grande do

    Norte, sendo um dos nove mu1nicpios que compem a regio metropolitana8.

    Nos primeiros relatos acerca das origens do municpio possvel observar a

    presena e a importncia dos jesutas e depois, dos missionrios franciscanos, para

    o estabelecimento e fortalecimento de uma vocao catlica para a cidade. A

    construo da parquia local ocorre concomitante com o processo de emancipao

    poltica do municpio, em meados do sculo XX. Essa atuao da Igreja Catlica

    junto aos chefes locais foi uma constante durante todo o perodo colonial, imperial,

    chegando mesmo aos primeiros passos da Republica. (AZEVEDO, 2007).

    _______________________________________

    8. Regio Metropolitana de Natal (RMN), tambm conhecida como Grande Natal, rene 10 municpios (Natal, So Gonalo do Amarante, Parnamirim, Macaba, Extremoz, Monte Alegre, Nsia Floresta, So Jos de Mipib e Vera Cruz) do estado do Rio Grande do Norte formando a quarta maior aglomerao urbana da Regio Nordeste do Brasil, a 15 maior regio metropolitana do pas. (IBGE, 2009).

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Municpiohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Grande_do_Nortehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regio_metropolitanahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Regio_Nordeste_do_Brasilhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_regies_metropolitanas_do_Brasil_por_populao

  • 23

    No entanto, de maneira geral, essa cooperao no ultrapassava os limites

    do interesse particular de cada grupo, onde lderes polticos e religiosos no

    tomavam posio nas questes que no diziam respeito ao seu campo de atuao,

    exceto em ocasies e eventos oficiais pblicos. Entretanto, no apostolado do

    Monsenhor Rui Miranda esse cuidado em no ultrapassar a delimitao das esferas

    de ao foi tensa e tnue, como pde ser comprovado aps o recolhimento dos

    depoimentos e anlise dos fatos.

    Em meio a uma situao de semianalfabetismo incentivada pelos patres e

    vista com indiferena por aqueles que se diziam a voz do povo no governo, o

    discurso religioso no interior do Nordeste toma forma e uma fora muito grande,

    principalmente onde o baixo ndice educacional e de bem estar social eram mais

    graves. O padre visto como o homem da sabedoria divina e da sabedoria das leis,

    um homem de vastos conhecimentos, capaz de orientar as pessoas e ajud-las em

    grandes decises, tanto coletivas quanto pessoais, o que favorecia a consolidao

    de uma relao de dependia e obedincia dos fiis para com seus lderes religiosos

    locais, tendo-os como parentes, amigos muito queridos, pessoas de confiana.

    Dentro dessas organizaes desenvolveu-se firmemente um modelo de intervencionismo episcopal: os lideres eram escolhidos dentro da cpula, tomavam-se decises sem recorrer ao processo democrtico, s estruturas eram contguas as jurisdies territoriais da Igreja (que geralmente coincidiam com as configuraes do poder do Estado), enquanto clrigos, nomeados diretamente pelos bispos, presidiam s atividades leigas, a nvel local, como assistentes. (DELLA CAVA, 1976, p.23).

    Mesmo antes de sua chegada a cidade de Cear - Mirim, Monsenhor Rui

    contava com a fama de homem de poucas palavras, quieto, porm, de esprito forte

    e grande senso de liderana. Em viagens por cidades prximas a Cear Mirim,

    onde costumava visitar as parquias locais, diversas vezes perguntaram pelo

    Monsenhor Rui, sobre seu estado de sade, pelo seu modo de agir e de lidar com as

    pessoas. Nunca faltava a indagao: Ele continua com aquele jeito? Continua

    rgido? A contnua interpelao instigou a investigao sobre a trajetria do

    Monsenhor Rui Miranda durante sua vida sacerdotal, de onde teria vindo essa sua

    fama aparentemente de pessoa pouco simptica, em se tratando de um lder

  • 24

    religioso to antigo e conhecido, to respeitado e homenageado por colegas de

    sacerdcio e autoridades regionais. Afora estas questes internas, outro fator que

    motivou a escolha por este objeto de pesquisa prpria figura do Monsenhor Rui

    durante as missas dominicais, das quais participei desde criana at a juventude, a

    maneira como ele conduzia as questes relativas s demais religies e a poltica

    estadual e local, povoando o espao da missa com impresses e opinies pessoais

    que deixavam entrever seu posicionamento poltico, alm de colocar em evidncia a

    extenso da influncia de suas aes. Adotando posies polticas definidas, aliava-

    se as elites locais pela manuteno e conservao das disposies sociais.

    Estas mesmas aes fizeram do Monsenhor Rui um personagem importante na

    histria recente da cidade de Cear - Mirim, despertando opinies divergentes

    quanto a suas atitudes e, portanto, tornando-se objeto central desta dissertao de

    mestrado.

    A escolha por este objeto de anlise se explica pelo fato de ser o Monsenhor

    Rui um personagem importante da histria da cidade de Cear - Mirim, no s pelas

    aes e cargos que assumiu durante o exerccio do sacerdcio, mas sobretudo por

    ser um lder religioso de grande influncia local e regional que exerceu um

    sacerdcio to longo. O que faria um nico proco permanecer em uma mesma

    parquia por tantos anos? Ainda mais quando a permuta de procos entre as

    parquias prtica comum da poltica eclesial? Neste caso, e buscando uma

    resposta para a indagao anterior, o acmulo de dcadas pesou to

    consideravelmente para a adoo deste objeto e para a realizao desta pesquisa,

    quanto trajetria do proco presenciada pela populao local.

    As crianas e os jovens estiveram grande parte da gesto sacerdotal de

    Monsenhor Rui, esquecidas. As nicas atividades direcionadas a este pblico

    restringiam-se as reunies semanais de formao para a primeira comunho ou para

    o sacramento da crisma. Os grupos de jovens existentes eram apenas para aqueles

    que se engajassem em alguma Ordem ou Irmandade, servindo como preparao

    para o exerccio leigo de atividades pastorais, tudo muito centralizado e direcionado

    aos interesses da Igreja e do Monsenhor Rui.

  • 25

    A cada passo dentro do campo de pesquisa, mais e mais questes surgiam, o

    que at certo ponto dificultou a adoo de uma linha de anlise e de observao.

    Como j foi citado, durante todo o processo de investigao e escrita no foi

    possvel separar o homem publico (aquele que assumia cargos de confiana dentro

    de instituies pblicas) do religioso (o padre da parquia de Nossa Senhora da

    Conceio), ainda que essa preocupao no tenha nos sido colocada a princpio. O

    campo de atuao do Monsenhor Rui foi mesmo a Igreja Catlica e todos os demais

    espaos que se ligavam a ela, espaos de ao deste personagem de trajetria to

    relevante, que teve no sacerdcio o amparo e a legitimao necessrios conquista

    e manuteno do poder em diversos campos e setores da vida social.

    Dois aspectos importantes que chamaram a ateno e levaram a adoo do

    Monsenhor Rui como objeto de pesquisa foram, em primeiro lugar, o extenso

    perodo em que ele esteve a frente da parquia de Nossa Senhora da Conceio,

    em Cear Mirim, como nico administrador, dotado de influentes ligaes

    religiosas e polticas. Em segundo, a importncia de que a populao do municpio,

    as elites locais e a Arquidiocese de Natal. , pois, de suma importncia considerar a

    trajetria deste personagem no espao social e no campo histrico, que o revestiram

    de um grande poder poltico e religioso, que em diversas circunstncias materializou-

    se em poder de fato.

    Ainda que grande parte dos lderes religiosos sejam considerados como

    importantes no cenrio da vida social - enquanto representantes de uma instituio

    tradicional e influente -, no possuem a administrao sobre instituies pblicas

    importantes, capazes de exercer influncia e poder legtimo sobre os indivduos,

    como o caso de instituies econmicas, culturais e polticas. O acesso a diversos

    campos de poder, dos quais pode dispor, s foi possvel a clrigos que tiveram um

    maior envolvimento com o campo poltico, na qualidade de polticos de carreira. O

    caso Monsenhor Rui Miranda torna o campo de estudo ainda mais relevante quando

    se percebe que no houve envolvimento direto com a poltica, no que se refere a

    candidaturas prprias, mas que houve sim, o apoio velado a partidos e candidatos.

    Sua trajetria repleta de perodos de tenso, com interesses religiosos e

    sociopolticos conflitantes envolvendo inclusive fiis. Essa dinmica particular que

    pde ser observada na trajetria do Monsenhor Rui Miranda, no se alinha com a

  • 26

    ideia que, costumeiramente, se faz de um padre catlico, voltado aos interesses da

    sua religio, de estratgias para garantir a unidade dos fiis e a devida aplicao da

    doutrina, enquanto instituio de carter acolhedor e preocupada com o bem-estar

    da comunidade. Sua trajetria, muito particularizada, nem sempre punha em

    evidncia o interesse da comunidade, mas antes os interesses da elite poltica local

    e os seus prprios.

    1.2 Caminhos terico metodolgicos.

    Desde o inicio da pesquisa, foi utilizada a tcnica de observao sistemtica,

    que permitiu a coleta de diversas informaes durante as liturgias presididas pelos

    padres que auxiliaram Monsenhor Rui, nos ltimos anos, e nos que esto a frente da

    administrao da parquia atualmente.

    Como mtodo de investigao foi escolhido o estudo de caso, uma modalidade

    de pesquisa qualitativa (MATTOS, 2001), que apesar de ter um forte apelo descritivo

    no precisa limitar-se ao campo da pura descrio. Nele, o pesquisador no tem a

    inteno de estabelecer uma nova teoria capaz de intervir na realidade e sim,

    apresent-la como ela surge. Quando bem conduzido, o estudo de caso pode

    revelar um profundo alcance analtico, o que permite ao pesquisador ter vrias linhas

    de investigao das manifestaes referentes realidade. Tal procedimento permite

    considerar os atores sociais como dotados de uma atuao ativa e dinmica,

    capazes de realizar modificaes nas estruturas sociais, alm de considerar o

    carter revelador das relaes e interaes, de modo a possibilitar a reflexo sobre a

    ao de pesquisar.

    O objeto de pesquisa agora sujeito considerado como agncia humana imprescindvel no ato de fazer sentido das contradies sociais. (...) Assim, o sujeito, historicamente fazedor da ao social, contribui para significar o universo pesquisado exigindo uma constante reflexo e reestruturao do processo de questionamento do pesquisador. (MATTOS, 2001, p.67).

  • 27

    De modo geral, os estudos de caso objetivam a descoberta, favorecendo a

    percepo dos diversos elementos que se interpem a realidade, em busca de

    novas respostas; enfatiza uma anlise interpretativa contextual de modo a observar

    as manifestaes da realidade sob um prisma mais especfico, relacionando as

    aes e comportamentos dos diversos indivduos com a problemtica da questo a

    que esto submetidos. Assim, procura apresentar aquele caso da realidade da

    maneira mais completa possvel, deixando claro que a situao em estudo revela

    uma multiplicidade de fatos que se interligam e, em larga medida, definem a

    realidade estudada.

    Outro ponto que explica essa escolha metodolgica reside no fato de ter a

    disposio diversos caminhos a serem percorridos pela pesquisa, sem que

    necessariamente exista apenas uma nica perspectiva verdadeira. Tal leque de

    possibilidades resulta da diversidade de fontes que podem ser elencadas ao

    trabalho e da prpria linguagem utilizada, mais acessvel, presente nos escritos, na

    comunicao oral, fotografias e documentos.

    A pesquisa exploratria e a observao sistemtica deram-se durante todo o

    processo de construo do objeto, possibilitando a delimitao do campo e

    direcionando o trabalho para o campo do estudo de caso, o que propiciou uma

    melhor definio do problema.

    Apesar das eventuais crticas a metodologia do estudo de caso, diversos

    autores atestam sua eficcia por meio do tipo de questionamento que se faz ao

    objeto e pelo rigor cientfico com que o pesquisador conduz seus trabalhos. O

    estudo de caso (...) no uma tcnica especfica. um meio de organizar dados

    sociais preservando o carter unitrio do objeto social estudado. (GOODE;HATT,

    1969, p.422). De outro modo, Tull (1976, p.323) afirma que um estudo de caso

    refere-se a uma anlise intensiva de uma situao particular e Bonoma (1985,

    p.203) coloca que o estudo de caso uma descrio de uma situao gerencial.

    Yin (2002, p.23) afirma que o

    (...) estudo de caso uma inquietao emprica que investiga um fenmeno contemporneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenmeno e o contexto no claramente evidente e onde mltiplas fontes de evidncia so utilizadas.

  • 28

    Ainda segundo o autor, a escolha pelo uso do estudo de caso deve ser feita

    quando a situao se refere a eventos contemporneos, onde as aes importantes

    no podem ser manipuladas, mas onde possvel observar as manifestaes e

    realizar entrevistas. Apesar de apresentar diversos pontos em comum com o mtodo

    histrico, o estudo de caso se diferencia pela capacidade de lidar com uma

    completa variedade de evidncias documentos, artefatos, entrevistas e

    observaes. (YIN, 2002, p.19).

    Assim, o estudo de caso, como outros mtodos qualitativos til nas situaes

    em que o objeto a ser pesquisado amplo e complexo e nos fenmenos que no

    podem ser analisados fora do contexto no qual esto inseridos. (BONOMA, 1985).

    A pesquisa foi desenvolvida ao longo de dois anos, com a existncia de

    diversas etapas como coleta de dados, entrevistas semi-estruturadas (ANEXO 1),

    pesquisas em documentos oficiais, paroquiais e escritos em geral e reportagens

    jornalsticas, alm da reviso bibliogrfica sobre a histria da cidade e sua ligao

    com a religio catlica e seus lderes.

    Obstculos9 foram encontrados ao longo da pesquisa pelo fato do objeto

    central deste trabalho se encontrar presente no contexto sobre o qual atuou durante

    tantos anos, o que inibiu a fala de alguns entrevistados, chegando a quase

    inviabilizar o processo de coleta de informaes. Como sada a esse entrave, optou-

    se por manter os colaboradores no anonimato, com a adoo do sistema de nomes

    fictcios, cabendo s falas serem identificadas unicamente pelos nomes criados,

    porm, contendo a idade real dos entrevistados. A preservao da idade original foi

    considerada importante para situar o leitor quanto participao de cada

    entrevistado na trajetria do Monsenhor Rui, por se tratar de uma pesquisa que

    abarca um perodo cronolgico bastante longo. importante ressaltar que, em

    certos momentos, o implcito, falou to alto quanto a prpria palavra, sendo

    ______________________________________

    9. Ao se colocar e colocar suas formulaes em destaque num exerccio de auto-scio-anlise,

    Bourdieu procura mostrar a importncia de se avanar rumo a uma sociologia da sociologia, quer dizer, a uma sociologia do fazer sociolgico. Esse empreendimento, Bourdieu denominou de sociologia reflexiva que consiste em um exerccio de converso pessoal ao ofcio sociolgico, uma sociologia da sociologia. (BOURDIEU, 1989; BOURDIEU & WACQUANT, 1992).

  • 29

    necessrio a cada instante, anotar as reaes e manifestaes que foi possvel

    detectar. Relevante frisar, ainda, que nem sempre o Monsenhor Rui foi o foco

    principal desta pesquisa. De inicio ela havia sido direcionada ao estudo da

    religiosidade em Cear-Mirim, especificamente sobre os aspectos que haviam

    influenciado na slida configurao catlica no municpio.

    No entanto, logo com as primeiras entrevistas foram feitas, a figura do

    Monsenhor Rui se interps, tornando-se mais evidente que o objeto inicialmente

    proposto. Por ocasio da banca de qualificao dessa dissertao, a prpria banca

    insistiu na troca de objeto, onde o foco deveria voltar-se e concentrar-se em torno da

    trajetria do Monsenhor Rui Miranda.

    Tal deciso causou receio e preocupao, aja vista a influncia deste

    personagem e opinies to fervorosamente divergentes sobre sua trajetria e

    conduta. Era esperado um combate de ideias bem forte, com grupos a favor e contra

    o modelo de administrao imposto pelo proco. No havia tencionado trilhar um

    caminho to rduo, mas no pude me furtar s exigncias colocadas. Ainda com

    relao ao objeto, importante deixar claro a qualquer interessado que as opinies

    aqui relatadas referem-se aos dados fornecidos pelos entrevistados e so, em

    especial, com base nelas que o trabalho pde ser realizado, uma vez que o acesso

    a documentos e demais fontes foi dificultado em todos os mbitos pblico e privado

    buscados.

    O perodo de 55 anos foi, tambm, um grande fator de preocupao para as

    delimitaes do campo desta pesquisa. Data a trajetria que se apresentava no

    horizonte, no nos pareceu interessante recortar um perodo especifico, o que

    poderia prejudicar a pesquisa ou simplesmente torn-la incompleta. Contudo, era ao

    mesmo tempo evidente tambm que no conseguiramos abarcar todos os fatos

    minuciosamente, mas seria possvel construir um panorama claro dos fatos, sem

    comprometer a qualidade do trabalho.

    Foram realizadas cerca de vinte entrevistas com pessoas de diversos setores

    sociais e religiosos a que Monsenhor Rui Miranda esteve ligado, tendo ocupado

    cargos pblicos ou eclesiais, alm de conversas informais. Depois de colhidos os

    depoimentos, fez-se a transcrio das entrevistas que, de to detalhadas e ricas

  • 30

    tornaram densa a descrio dos fatos possibilitando, em certos eventos, conceber a

    realidade passada como algo quase palpvel, oferecendo um satisfatrio resgate

    dos acontecimentos. Essa riqueza de detalhes presente nas narrativas foi

    imprescindvel para estabelecer as conexes entre os tempos histricos e seus

    eventos com relao ao Monsenhor Rui sem, no entanto, gerar uma preocupao

    com uma cronologia exata. Como exemplo dessa riqueza possvel citar a

    descrio dos locais, das expresses, dos sentimentos que aparecem naquele

    momento e na crtica dos fatos ocorridos. Embora este no seja um trabalho de

    cunho etnogrfico, considerou-se importante registrar todas essas impresses

    durante a realizao das entrevistas para que essas informaes auxiliassem no

    resgate da trajetria do Monsenhor.

    Uma vez que a questo primordial deste trabalho se baseia na coleta de

    informaes sobre as principais aes que marcam a trajetria do Monsenhor Rui

    Miranda, compreendeu se necessrio explicar de que modo foi utilizado o conceito

    de ao aqui adotado.

    O paradigma da ao social pode ser concebido por diversas disciplinas das

    cincias humanas e, mais especificamente, para as cincias sociais, uma vez que

    possvel considerar que a prpria ao humana afetada por dois fatores que

    podem variar - os valores e os fins que Weber considera como sendo objetivos.

    Segundo Max Weber (2002, p. 11)

    Por ao se designar toda a conduta humana, cujos sujeitos veiculem a esta ao um sentido subjetivo. Tal comportamento pode ser mental ou exterior; poder consistir de ao ou de omisso no agir. O termo ao social ser reservado ao cuja inteno fomentada pelos indivduos se refere a conduta de outros, orientando-se de acordo com ela.

    A obra de Weber (1984) orientada por duas correntes de pensamento, a

    saber, a neokantiana e a nietzschiana, onde a categoria da ao social, embora

    complexa, pede uma anlise atenciosa a respeito dos aspectos concernentes

    vontade humana, aos anseios humanos, a razo (compreendida pela eleio de

    meios e fins) e, por fim, as motivaes humanas (entendidas como desprovidas de

  • 31

    racionalidade) relacionadas as tradies sociais. A fronteira entre uma ao com

    sentido e uma ao meramente reativa (...) extremamente tnue. Uma parte

    significativa de toda a conduta sociolgica relevante (...) flutua entre os dois.

    (WEBER, 2002, p.12).

    Ao elaborar o conceito de tipos ideais, Weber (1979) apresenta a sociologia

    compreensiva que servir de aparato metodolgico para a busca da interpretao

    do sentido da ao social, resumida no mtodo de interpretao, no qual se

    encontram reunidos os aspectos concernentes compreenso e explicao dos

    fatos sociais.

    Para fins de anlise sociolgica uma tal abordagem tem importncia porque serve primeiro como um ponto de partida conveniente para propsitos de demonstrao, bem como de orientao provisria.(...) Em segundo lugar, pode ser a nica maneira, sob certas circunstancias, de determinar exatamente que processos de ao social so necessrios para a nossa compreenso de forma a explicar um fenmeno particular. neste estgio que a tarefa real da sociologia, como ns a entendemos, comea.(WEBER, 2002, p.26-27).

    Ao formular os tipos ideais Weber (1979) possibilita o conhecimento e a

    compreenso dos aparatos ideolgicos que definem e justificam o carter racional

    do capitalismo ocidental, dissipando a nvoa que escondia as prticas e relaes

    dos indivduos no interior das instituies (teoria burocrtica, formas de dominao,

    manifestaes protestantes, etc).

    Para a compreenso desses fenmenos elaborou um esquema interpretativo

    baseado na possibilidade de neutralidade axiolgica10, objetivando a construo de

    uma cincia social sem pressupostos. Refletindo sobre o problema da ao

    desenvolveu o paradigma da ao social significativa, tendo por princpio as

    manifestaes do indivduo. Em meio a essa construo, props definir a sociologia

    como a cincia da ao social, formando a estruturao da ao em nveis com trs

    tipos principais: a ao diante de uma realidade concreta, a ao ancorada em

    _____________________________________

    10. Sobre este assunto ver Max Weber, Sobre as teorias das Cincias Sociais, Ed. Centauro, 2008.

  • 32

    regras determinadas e a ao em consequncia do entendimento informal das

    regras.

    Para esta pesquisa em particular, adotou-se a ao que se processa diante de

    uma realidade concreta, onde o individuo capaz de intervir de modo consciente

    valendo-se da sua posio em instituies de poder, o que, no entanto no invalida

    a ideia de que outros nveis subsistam mutuamente, com maior prevalncia deste ou

    daquele tipo de ao conforme a situao, mas sempre presentes e articuladas.

    Pode ser conveniente e mesmo inevitvel, tratar grupos sociais (...) como se fossem pessoas individuais com direitos e deveres e como os executores de uma conduta legalmente significativa. Mas para interpretaes sociologicamente compreensivas tais organizaes so o mero resultado da ao distinta de pessoas individuais. (WEBER, 2002, p.24).

    No que se refere anlise dos valores, Weber se fundamenta em Rickert

    (1943) com a inteno de diferenciar juzo de valor da relao de valor, o que

    possibilitou uma melhor demarcao dos limites e do campo de pesquisa nas

    Cincias Sociais. Em relao percepo do sentido da ao social Rickert (1943)

    argumenta que os indivduos so responsveis pela construo da sua prpria

    personalidade, definindo e decidindo sobre os rumos de sua vida, elegendo uma

    causa ou ideal no qual concentra seus esforos, semelhante a criao do valor

    elaborado por Weber no instante da deciso. Assim, Weber (2002) constri o

    conceito de ao social significativa fundada no indivduo, mas tendo a ampliao

    do conceito voltada s instituies como o Estado, empresa ou sociedade annima

    que se transformam em espaos onde a ao se processa.

    Ao tratar da ao social, Weber (1979) fez uso das formulaes sobre os tipos

    ideais desprovidos de sentido histrico, no entanto, firmemente concebido no que se

    refere construo dos conceitos, baseada no desencantamento do mundo e na

    busca e produo de um sentido. Estes modelos, quando adequados realidade,

    possibilitam a aplicao terica e prtica do mtodo. Em sua obra, Weber (1979)

    transfere o foco de pesquisa da razo universal para a contingncia histrica, na

    qual o sentido da historia varia em funo da ao preconizada pelo sujeito, o que

    deixa claro o infinito de valores presentes no universo para o homem escolher.

  • 33

    Os dados que aliceram as conceituaes da sociologia consistem essencialmente, embora no com exclusividade, dos mesmos processos relevantes da ao com quais trabalham os historiadores. Seus conceitos e generalizaes baseiam-se na premissa de que a sociologia reivindica dar uma contribuio explicao causal de alguns fenmenos histrica e culturalmente importantes. (WEBER, 2002, p.33).

    Ao construir um mtodo para interpretao da realidade social, Weber fez a

    juno da compreenso e da explicao, de onde emergiu a capacidade de

    desvendar o sentido inerente a cada ao. Para o autor, a definio do campo de

    pesquisa sociolgico deve ser eleita por meio das prprias formas sociais e no por

    meio dos contedos das manifestaes, o que gera a valorizao dos

    comportamentos e aes dos indivduos, sem necessariamente estar submetido a

    um conhecimento universal ou a presena de valores. (WEBER, 2002).

    Em Weber (1979), a sociologia se preocupa em entender a ao social,

    promovendo sua interpretao e explicao por meio das causas que se apresentam

    em seu desenvolvimento e efeitos. De acordo com Colliot-Thlene (1995) a

    compreenso da ao social vai alm da procura pelo elo que o exemplo causal

    pode oferecer, pois se constitui enquanto mtodo prprio da sociologia, de onde

    busca o sentido de sua denominao.

    A ao social (incluindo tanto a omisso quando a aquiescncia) pode ser orientada para as aes passadas, presentes ou futuras de outros. Assim pode ser causada por sentimentos de vingana de males do passado, defesa contra perigos do presente ou contra ataques futuros. Os outros podem ser indivduos conhecidos ou desconhecidos, ou podem constituir uma quantidade indefinida. (WEBER, 2002, p. 37).

    Assim, so consideradas como ao social aquelas aes que se orientam em

    relao aos outros indivduos, tornando-se social at o momento em que reflete a

    extenso em que os outros respeitam o controle de uma pessoa sobre os bens de

    que dispe.

    (...) se a conduta dos outros imitada porque moda, ou tradio, ou padro corrente, ou concedem prestgio social, ou por motivos semelhantes, ento temos uma relao de sentido, quer para a ao daqueles que esto sendo imitados, quer para o de terceiros, ou ainda ao de ambos. (WEBER, 2002, p. 39).

  • 34

    De mesmo modo o carter metodolgico adotado para esta pesquisa, onde a

    ao social dotada de sentido vista como um todo e seu sentido varia de acordo

    com a conduta adotada em cada evento especfico, no caso, em cada cargo ou

    posio de liderana ocupada pelo Monsenhor Rui Miranda no perodo de 55 anos.

    O segundo conceito chave adotado para esta pesquisa baseia-se na discusso

    sobre poder e as diversas caractersticas que este pode apresentar na viso de

    tericos clssicos das Cincias Sociais.

    (...) obriga os cientistas sociais a observar as novas formas pelas quais a sociedade, os grupos e os indivduos pensam a si mesmos e aos outros e como, a partir disso, o consenso e o conflito, as identidades sociais e individuais so mantidos, construdos ou transformados. (JUNQUEIRA, 2005, p.89).

    O poder um fenmeno cujo conceito tem sido bastante discutido no campo

    das Cincias Sociais, originando teorias que adotaram os mais diversos enfoques e

    objetivos, enriquecendo as discusses a respeito das relaes de poder. Do mesmo

    modo como foi apresentado o conceito de ao social, tambm ser discutido o

    conceito de poder e a partir da ser estabelecida a definio adotada.

    Em Weber (1984, p.43) a ideia de poder no possui sociologicamente uma

    estrutura fixa sendo, portanto, amorfa e suscetvel a uma srie de fatores que levam

    uma determinada pessoa a estar em posio de impor sua vontade, o que, neste

    caso, coloca o conceito de dominao como bem definido; a probabilidade de que

    uma ordem seja obedecida. Segundo o autor. (...) o poder a possibilidade de que

    um homem, ou um grupo de homens, realize sua vontade prpria numa ao

    comunitria, at mesmo contra a resistncia de outros que participam da ao.

    (WEBER,1984, p.211).

    Quando Weber procede anlise do poder nas estruturas sociais, d nfase

    ao uso da fora, algo comum s instituies polticas, diferente apenas na forma e

    na extenso com que empregada. Analisa as relaes de clientelismo e

    nepotismo, a influncia social, poltica e ideolgica exercida por aqueles que detm

    o poder poltico e econmico.

  • 35

    Considerando a sociedade como dividida em classes, o poder compreendido

    a partir da concepo de ordem jurdica, cuja organizao exerce influncia direta

    sobre a distribuio do poder econmico, ou de qualquer tipo, em dada comunidade.

    O poder econmico diferencia se do poder propriamente dito, podendo ser

    percebido enquanto causa e tendo como consequncia do poder j existente a

    dominao por outros motivos. Assim, para Weber (1984, p. 268), as classes tm

    sua oportunidade de dominar determinada pelo maior ou menos domnio do poder e

    pela disposio que podem fazer de habilidades e bens.

    Dentre os autores considerados como sendo da corrente crtica moderna a

    teoria weberiana de poder podemos destacar Lukes11 (1980). Partindo de uma viso

    unidimensional do poder, proposta por autores considerados pluralistas, e de uma

    viso bidimensional, caracterizada por ser uma crtica a primeira viso, Lukes

    elabora uma terceira viso do poder que permitiria uma anlise mais ampla e

    profunda das relaes de poder do que as outras duas vises, concentrando sua

    ateno nos mecanismos que so utilizados pelos grupos dominantes para conferir

    apoio e justificao a dominao material.

    As trs dimenses do poder apresentadas por Lukes (1980) apresentam

    aspectos como a disputa por interesses e a formao de grupos, acordos e alianas,

    evidenciando o carter simblico do poder e as formas como este atua (por meio da

    coero, influncia, autoridade formal, manipulao, etc), bem como a sua

    legitimao.

    No entanto, preciso que o poder seja analisado no somente enquanto um

    simples jogo de interesses, sendo simplesmente um instrumento de uma ao

    organizada. Para Weber (2002), imperativo uma observao mais cuidadosa das

    aes no verbais, dos fatos e atos involuntrios do cotidiano, paralelo a

    mtodos capazes de identificar confisses, significados, subjetividades, expondo as

    verdadeiras motivaes para os comportamentos individuais e coletivos, ou seja,

    evidenciando o espao simblico da vida humana.

    ______________________________________

    11. Para este autor, haveriam trs vises diferenciadas de poder, sendo que cada uma delas poderia

    ser caracterizada tendo como referncia a forma como encaram o conflito. Sobre o assunto ver LUKES, S., 1980. O poder: uma viso radical. Brasilia: Editora Universidade de Braslia.

  • 36

    Levando em considerao as ideias apresentadas at ento, a concepo de

    poder simblico elaborado por Bourdieu (2001a) parece congregar um grande

    nmero de aspectos sobre os sistemas de dominao que se espalham pela

    estrutura social. Com um enfoque diferenciado, alguns autores mudam o objeto de

    anlise da obteno e deteno do poder para observarem melhor o seu exerccio.

    Mesmo que, inicialmente, a religio se mostre como um sistema de smbolos

    fechado e autnomo cujo sentido e significado social estejam inscritos na

    hierarquia alegrica, o desvelar de sua conduta e a compreenso do seu discurso

    s encontrada na manifestao das lutas dos grupos de agentes que, por

    interesses materiais e simblicos, transmutam o campo religioso em um espao de

    conflito entre os diversos nichos de bens de salvao. (BOURDIEU, 2007).

    O trajeto de Bourdieu visa aliar o conhecimento da organizao interna do campo simblico cuja eficcia reside justamente na possibilidade de ordenar o mundo natural e social atravs de discurso, em mensagens e representaes, que no passam de alegorias que simulam a estrutura real de relaes sociais a uma percepo de sua funo ideolgica e poltica e legitimar uma ordem arbitrria se funda o sistema de dominao vigente. (MICELI, 2007, p.13).

    Segundo Bourdieu (2007) a organizao interna dos sistemas de classificao

    presentes na sociedade obedece a um modelo fornecido por esta mesma sociedade.

    E mesmo no conferindo o mesmo grau de autonomia a esses sistemas entende a

    sua funo simblica enquanto um espao dotado de linguagem e lgica prprias.

    No que se refere ao sentido e a funo pertinentes a uma dada instituio,

    estes se revelariam a partir do momento e sob a condio de considerar a sua

    manifestao na conscincia individual. Assim, no satisfatrio deter-se em uma

    apreenso externa do poder, objetivada, mas a uma apreenso subjetiva por meio

    da qual se incorpora a mesma realidade do ngulo em que se encontra o agente

    individual, capaz de vivenci-la em seu cotidiano.

    Portanto, Bourdieu (2007, p.23) afirma que

    o princpio da no conscincia impe (...) que se construa o sistema das relaes objetivas nas quais os indivduos se encontram inseridos e que se

  • 37

    exprimem de modo mais adequado na economia ou na morfologia dos grupos do que atravs das opinies e intenes manifestas dos sujeitos.

    Trata-se, desse modo, de realizar a reconstruo objetiva por parte do

    pesquisador, que constitui a apreenso ordenada do sistema de ideias do indivduo

    a partir do que ele lhe transmite por meio do discurso.

    Tomando esse discurso como mais um canal de transmisso das ideologias e

    espaos, por excelncia, de reproduo e reificao das estruturas dominantes,

    Bourdieu (1998) e Foucault (1979) se interligam no objetivo de trazer a tona uma

    nova forma de abordar as questes relacionadas ao poder e a dominao. Enquanto

    Foucault (1979) mostra a estreita ligao entre saberes e poderes e, por meio da

    elaborao do conceito de microfsica do poder12 concebe toda relao social como

    dotada de poder, Bourdieu (1998) direciona seu foco para as relaes de dominao

    como relaes simultaneamente estruturais e simblicas. Na sua concepo,

    entende que h uma distribuio desigual de capital entre os agentes da sociedade,

    o que resulta em posies diferentes para cada sujeito dentro do campo e diferentes

    possibilidades de ao.

    Existe uma dominao simblica, o que implica dizer que at ao nvel da mente

    os indivduos esto a merc do poder dos outros sujeitos. De modo geral, o poder

    em Bourdieu , sobretudo, um poder simblico, um poder que emana das

    classificaes que os homens mesmo criaram do mundo em que vivem. Essas

    ordenaes do social so encaradas como naturais e espontneas, tendo sua fora

    no reconhecimento prprio dos indivduos. Ao serem consideradas como verdades

    impem-se como um carter orientador das prticas, ao mesmo tempo em que

    disfara suas origens, a saber, o campo e seus interesses.

    Sendo assim, a fora dos discursos vem do no reconhecimento que gera uma

    ______________________________________

    12. O poder deve ser analisado como algo que circula, que funciona em cadeia. Nunca est localizado

    aqui ou ali, nunca est nas mos de alguns, nunca apropriado como riqueza ou bem. O poder funciona e se exerce em rede. Os indivduos, em suas malhas, exercem o poder e sofrem sua ao. Cada um de ns , no fundo, titular de um certo poder e, por isso, veicula o poder. Para mais informaes ver A Microfsica do poder, Michel Foucault, 1989.

  • 38

    conduta de aceitao dos sistemas de ideias formulados sobre a realidade como a

    verdade nica. Para que essa condio de dominao seja quebrada, Bourdieu

    (1998) prope a conscientizao sobre as condies de elaborao dos discursos e

    das ordenaes sociais, mostrando o carter dominador que torna o exerccio do

    poder invisvel. No , portanto, o fim da dominao, mas a tomada de conscincia

    sobre essa condio, o que possibilita a diminuio da sujeio.

    No caso especfico deste estudo, o Monsenhor Rui Miranda entendido como

    um padre mais ligado a uma ala conservadora da Igreja Catlica, capaz de construir

    discursos que levam ao reconhecimento de suas aes e conduta por meio da

    tradio, uma vez que tido pelos fiis como o portador da racionalidade do

    conhecimento por ser padre e estar ligado a instituio religiosa o que o torna apto

    ao exerccio desse poder. Com isto percebe-se que o fortalecimento do poder

    exercido pelo Monsenhor est imbricado a diversas estratgias poltico-religiosas

    levadas a efeito no somente pelo papado, como por governantes civis de regies

    onde o catolicismo representa um importante elemento unificador da sociedade e

    onde as elites locais fazem uso dessa unio para influenciar e manipular a

    sociedade, mantendo sua posio de dominao.

    (...) a autoridade propriamente religiosa e a fora temporal que as diferentes instncias religiosas podem mobilizar em sua luta, pela legitimidade religiosa depende diretamente do peso dos leigos por elas mobilizados na estrutura das relaes de fora entre as classes.(...) a estrutura das relaes objetivas entre as instncias que ocupam posies diferentes nas relaes de produo, reproduo e distribuio de bens religiosos, tende a reproduzir as estruturas das relaes de fora entre os grupos ou classes, embora sob a forma transfigurada e disfarada de um campo de relaes de fora entre instncias em luta pela manuteno ou pela subverso da ordem simblica. (BOURDIEU, 2001a, pp.70)

    Buscando um consenso para a discusso das diversas noes de poder e

    evidenciando a propenso pela adoo deste conceito, relacionado com as demais

    proposies citadas, apresenta-se os postulados do poder simblico de Pierre

    Bourdieu.

    Na tentativa de desvendar as relaes de poder presentes na realidade social,

    ou em um determinado campo, Bourdieu (2001b) se preocupou em revelar as

  • 39

    formas implcitas nas estratgias pelas quais as classes exercem dominao na

    sociedade capitalista, considerando que as classes dominantes no tem controle

    total e nem foram os dominados a se sujeitar. Assim, observa com ateno os

    fenmenos de percepo social, produo simblica e relaes informais de poder

    a partir dos conceitos que desenvolveu, a saber, a noo de hbitus, capital

    simblico e campo.

    Segundo Bourdieu (2001a) existe um poder simblico que capaz de

    beneficiar as classes dominantes por meio de um capital simblico, resultante de

    instituies e prticas que disseminam e reproduzem as estruturas de dominao,

    possibilitando o exerccio do poder. Dessa maneira, os smbolos servem enquanto

    elo de integrao social tornando possvel a obteno do consenso acerca da viso

    da realidade, contribuindo assim para a reproduo da ordem social vigente, o que

    em grande medida, e de forma direta, beneficia os grupos e indivduos que possuem

    maior capital simblico, com nfase no capital econmico. O poder simblico

    consiste, ento, nesse poder invisvel que s pode ser exercido com a cumplicidade

    daqueles que no querem saber que lhe esto sujeitos ou mesmo que o exercem.

    (BOURDIEU,2001a, p.7-8).

    Assim, Bourdieu (2001a) defende um modelo de anlise estrutural, capaz de

    compreender o funcionamento especfico das formas simblicas por meio do

    isolamento da estrutura da ao simblica. Seguindo este pensamento e a tradio

    estruturalista, a lngua, a cultura, o discurso ou o comportamento, funcionariam como

    instrumentos de mediao na explicao da relao existente entre o objeto

    simblico e o sentido, o que converge com a idia de ao social promovida por

    Weber (2002), uma vez que o resultado entre aspecto simblico e o sentido a ele

    atribudo depende da ao desempenhada. Segundo o autor.

    Este efeito ideolgico, produlo a cultura dominante dissimulando a funo de diviso na funo de comunicao: a cultura que une (intermedirio de comunicao) tambm a cultura que separa (instrumento de distino) e que legitima as distines compelindo todas as estruturas (designadas como subculturas) a definirem se pela sua distncia em relao a cultura dominante. (BOURDIEU, 2001a, p.11).

  • 40

    Com isso, as diversas classes e suas vertentes esto imersas em uma

    constante luta simblica pela possibilidade de impor a sua definio do mundo social

    em consonncia com seus interesses de grupo, formando o que o autor chama de

    campo das posies sociais. (BOURDIEU, 2001a).

    A religio, articulada como sistema simblico, funciona com um princpio de

    estruturao que constri a experincia ao mesmo tempo em que a expressa,

    exercendo um efeito de consagrao que se revela atravs de elementos coercitivos

    santificados, convertidos em limites legais, econmicos e polticos, que contribuem

    para a organizao da ordem simblica, realizando a mediao das aspiraes,

    ajustando as esperanas e as oportunidades pretendidas. Como atesta Bourdieu,

    A estrutura das relaes entre o campo religioso e o campo do poder comanda, em cada conjuntura, a configurao da estrutura das relaes constitutivas do campo religioso que cumpre a funo externa de legitimao da ordem estabelecida na medida em que a manuteno da ordem simblica contribui diretamente para a manuteno da ordem poltica, ao passo que a subverso simblica da ordem poltica s consegue afetar a ordem simblica quando se faz acompanhar por uma subverso poltica desta ordem. (BOURDIEU, 2001a, pp. 69)

    Pelo exposto, possvel compreender que as aes do Monsenhor Rui

    Miranda ganham expressividade por meio das relaes estabelecidas com as

    lideranas locais e com a comunidade dividem-se, basicamente, em setores que se

    articulam como foras conservadoras ou como foras progressistas, dependendo do

    objetivo a ser alcanado. O interessante que tais posturas conviveram dentro de

    uma mesma instituio religiosa, levando suas lideranas a adotarem muitas vezes

    discursos e prticas contraditrios.

    Nesse contexto, a noo de campo representaria um espao de foras imposto

    aos indivduos que nele se encontram e um campo de lutas, no qual os sujeitos se

    movimentam de acordo com os meios e fins de que dispe, delimitando suas

    posies, onde os leigos, os fiis e as elites se defrontaram mediados pela postura

    do Monsenhor Rui Miranda, que articulava as possibilidades e estratgias de luta,

    influenciando as aes e, consequentemente, os fins.

  • 41

    1.3 Caminhos da pesquisa.

    A busca por materiais impressos, realizao de revises bibliogrficas sobre o

    tema desta pesquisa em autores locais e tambm nos tericos que do

    embasamento as anlises teve inicio em 2008. Esta parte inicial de coleta de

    material e realizao das primeiras entrevistas pode ser considerada a parte mais

    rdua e a que demandou um maior emprego de foras por parte da pesquisadora,

    em vista da grande resistncia que os atores histricos tm de falar a respeito do

    Monsenhor Rui Miranda, provavelmente em virtude do forte simbolismo que a sua

    figura pblica envolve, alm de ser uma questo moral, em que as pessoas se

    abstm de falar por respeito a sua posio de padre catlico. importante ressaltar

    que, mesmo nos discursos mais extremados, havia sempre entre os entrevistados

    um respeito e uma cautela velada sobre as opinies proferidas sobre o Monsenhor

    Rui.

    A escolha dos entrevistados ocorreu mediante o prprio exerccio do

    Monsenhor durante o tempo de sacerdcio na Parquia de Cear - Mirim/RN. Como

    ocupou diversos cargos institucionais no municpio, foram procuradas para as

    entrevistas pessoas que pudessem comentar o perodo de gesto do Monsenhor em

    cada instituio onde ele esteve, nas quais tenha assumido cargo diretivo, buscando

    sempre evidenciar sua relao com as pessoas da comunidade e com seus colegas

    de trabalho uma maneira de, ao menos, esboar um perfil sobre sua personalidade.

    Este mtodo objetivou traar um panorama de sua atuao, buscando o resgate dos

    fatos presenciados e vividos pelas pessoas que estiveram ao seu lado ou sob sua

    chefia nos locais em que ele, alm de padre, assumia a responsabilidade de

    administrador. Tal empreitada torna-se imprescindvel diante da escassez de

    documentos, alm de conferir uma maior dinmica e detalhamento dos fatos.

    Foram realizadas diversas investidas para a tomada dos discursos, situao

    que veio a ser facilitada posteriormente com a interveno de amigos e colegas de

    trabalho, que serviram de elo entre a pesquisadora e os entrevistados. De incio,

    havia a expectativa de que a coleta de informaes e entrevistas seria facilitada pelo

    fato de a pesquisadora residir no municpio onde os trabalhos eram realizados. No

  • 42

    entanto, o campo se revelou muito fechado. O fato do Monsenhor Rui ainda residir

    na cidade, acabou por exercer uma forte presso sobre os depoentes e gerava neles

    o receio de estarem ofendendo sua pessoa.

    No levantamento bibliogrfico realizado para esta pesquisa, no foram

    encontrados registros de trabalhos que se referissem especificamente sobre ao

    Monsenhor Rui Miranda, tendo sido encontrado apenas trs livros de autores locais

    que, entre outras temticas, trabalhavam a questo religiosa em Cear Mirim,

    ainda assim, de modo muito superficial e apenas citando o Monsenhor de modo

    muito superficial, tendo como autores Guilherme Queiroz, Helicarla Morais e Caio

    Cesar Azevedo. As informaes e materiais mais atualizados, e ao mesmo tempo de

    difcil comprovao, se encontram espalhados pela internet em sites de notcias e

    entretenimento sobre o municpio ou em sites pessoais de personalidades cear-

    mirinenses, que costumam comentar os principais acontecimentos da cidade. Ainda

    assim, foram de fundamental importncia, na medida em que oportunizaram um

    conhecimento da produo escrita sobre a temtica em estudo, embora os

    historiadores locais no tenham se empenhado na documentao ou sistematizao

    de dados relacionados histria da Igreja Catlica em Cear - Mirim e em especial,

    na documentao dos principais eventos ocorridos no municpio no perodo

    compreendido por esta pesquisa. Todas as fotografias presentes neste trabalho

    foram retiradas de acervos digitais ou diretamente colhidas na internet, tendo sido

    devidamente referenciadas sempre que foi possvel a identificao de seu autor.

    Do incio ao fim das anlises, toda a problemtica da pesquisa foi se dando a

    conhecer pouco a pouco, a partir das leituras sobre o tema e das pesquisas

    exploratrias. O processo de elaborao escrita do trabalho demandou grandes

    esforos a comear pela delimitao do campo, escolha dos agentes a serem

    ouvidos, a escassa documentao local, aliada a uma certa poltica do silncio

    adotada por muitas pessoas em se tratando de divulgar informaes sobre o

    Monsenhor Rui, que pode ser visto como outro aspecto que dificultou o acesso as

    fontes documentais, em especial, aquelas relacionadas a processos judiciais e

    documentos cartoriais. Em alguns momentos, a pesquisa simplesmente no

    avanava. Isso acontecia pela carncia de documentos comprobatrios e pela

    impossibilidade de copiar os documentos existentes nos cartrios e mesmo no

  • 43

    arquivo paroquial e na Arquidiocese de Natal, sendo necessrio muitas vezes a

    transcrio de todo o documento ao qual se teve acesso.

    Aps um longo perodo de insistncia, onde o dialogo entre a pesquisadora e

    os entrevistados parecia no fluir, foi possvel ter acesso aos depoimentos destas

    pessoas que passaram a colaborar com suas falas para o resgate da trajetria do

    Monsenhor Rui, sob a condio de terem suas identidades preservadas. Para

    atender a esta demanda, foi adotado o sistema de nomes fictcios e de idade para a

    identificao dos depoentes. Durante as entrevistas foi possvel perceber a grande

    importncia que as pessoas sentem e expressam sobre a figura do Monsenhor Rui.

    Ele tido como parte importante da historia recente da cidade, seja pela vida

    sacerdotal, seja pela contribuio educacional ou pela carreira pblica de gestor.

    Foi feito um trabalho com entrevistas de natureza semiabertas/semi

    estruturadas (YIN, 1989), buscando apreender os relatos acerca da proximidade e

    da relao que cada interlocutor possua, ou havia possudo, com o Monsenhor Rui

    Miranda, descrevendo fatos e falas dele presenciados por estas mesmas pessoas,

    procurando atravs das falas perceber as conexes entre a ao e o seu sentido,

    entre suas aes no campo do sagrado e da vida social que fazem dele uma figura

    importante envolta em um campo simblico de poder que at os dias atuais influi na

    sociedade local.

    Durante todo o perodo da pesquisa buscou-se entrevistar o Monsenhor

    pessoalmente, mas no foi possvel, em parte pelo seu fragilizado estado de sade,

    depois pela perda quase total da fala, alm dos inmeros empecilhos colocados pela

    equipe da casa paroquial. Assim, de forma direta, o pronunciamento do Monsenhor

    Rui Miranda no pde ser colhido.

    Considerou-se importante ainda, apresentar algumas questes extras que

    influram diretamente neste trabalho de pesquisa. A maioria das entrevistas

    utilizadas nesta dissertao foram colhidas ainda no ano de 2008, tendo sido

    exaustivamente transcritas em suas peculiaridades. O texto sempre esteve em

    construo desde a primeira disciplina concluda no programa da Ps-Graduao,

    tendo j a incluso de diversos trechos escolhidos para compor as fontes de

    pesquisa. Por um infortnio sem precedentes, o computador porttil que continha as

  • 44

    gravaes e as transcries, alm dos dois primeiros captulos da dissertao, foi

    roubado. A ideia inicial foi abandonar tudo e desistir de concluir o projeto, uma vez

    que tinham ido, junto com o roubo todo o trabalho de um ano e meio de pesquisa.

    No haviam outras cpias. Foi preciso remontar o material com os esboos

    existentes em correios eletrnicos e por meio dos trechos das transcries j

    utilizadas. Algumas entrevistas puderam ser refeitas, outras no, causadas pelos

    mais diversos motivos: problemas de sade, mudana de residncia e bito, entre

    outros. Tais dificuldades quase inviabilizaram a pesquisa, deixando-a parada por um

    semestre inteiro. No entanto, com o apoio de professores e colaboradores o trabalho

    foi sendo novamente retomado, embora saibamos que alguns dados tenham se

    perdido para sempre.

    Para uma melhor compreenso da trajetria do Monsenhor Rui, durante os 55

    anos de proco da Igreja de Nossa Senhora da Conceio e sua influncia na

    cidade de Ceara Mirim/RN, dividimos sua trajetria em quatro momentos. A diviso

    do tempo nestes perodos importante numa pesquisa que trabalha com uma

    trajetria to longa e de aes to diversas, mostrando a complexidade do objeto e a

    importncia de sua anlise para estudos sociolgicos que enfocam o campo social e

    estrutural da religio.

    Os momentos, metodologicamente chamados de captulos, apresentam uma

    sequncia histrica, por esperar que este modelo seja mais adequado a

    compreenso da temtica em questo. No primeiro captulo, contextualiza-se a

    cidade de Cear Mirim e seu carter historicamente religioso, apresentando a

    passagem do Monsenhor pelas parquias que administrou, nos municpios de Ars e

    Nsia Floresta, antes de sua chegada a cidade, em 1956. Neste captulo foi

    abordada ainda a conjuntura religiosa que o padre encontrou: as caractersticas de

    seu antecessor - Monsenhor Celso Cicco - indo at o fim dos dez primeiros anos de

    sacerdcio, compreendendo o perodo de 1955 a 1965.

    O segundo captulo se refere aos cargos ocupados por ele na administrao

    pblica, enquanto funcionrio estadual e padre, no perodo de 1965 a 1995. Nesse

    captulo buscou-se entender as estratgias utilizadas pelo Monsenhor para

    direcionar as relaes que ficavam sob seu comando, ampliando sua influncia e

    sobre diversos campos da sociedade cear-mirinense. Apesar de se tratar de um

  • 45

    perodo de trinta anos, o respeito e preocupao com delimitao do foco no

    captulo propiciou um resgate conciso, porm eficiente da vida pblica do

    Monsenhor.

    O terceiro captulo esta relacionado aos primeiros sinais de mudana

    incentivadas pela Arquidiocese de Natal com relao ao modelo de administrao do

    Monsenhor, materializado pelo envio de padres auxiliares, com o objetivo claro de

    estabelecer novas relaes entre a religio e o povo, no perodo de 1997 a 2008,

    desenvolvendo atividades que levaram a uma reaproximao dos fiis locais com a

    religio catlica. Este perodo tambm caracterizado pelo incio do afastamento do

    Monsenhor Rui Miranda de suas atividades.

    O quarto e ltimo captulo esta relacionado ao seu perodo de forte decadncia,

    onde as aes praticadas durante os 55 anos de sua trajetria passam a ser

    discutidas publicamente, seu modo de conduzir a parquia vendo sendo

    questionado, o que acaba resultando no seu afastamento definitivo da administrao

    paroquial, num processo que tem incio em 2006 indo at 2010, quando a

    administrao repassada a um quadro de clrigos completamente novo, tendo no

    Padre Bianor a retomada do controle da Arquidiocese sobre a parquia do

    municpio.

    A pesquisa levou em conta as estratgias e as aes do Monsenhor Rui

    Miranda na cidade de Cear Mirim com o objetivo de compreender as

    especificidades culturais, os conflitos e as aproximaes que o Monsenhor realizou

    entre as esferas do poder eclesial e a populao, frente diversidade de interesses

    dos agentes sociais e polticos municipais. Com isso, pretende-se contribuir para

    uma melhor compreenso da histria da Parquia de Nossa da Conceio durante

    os 55 anos de gesto do Monsenhor Rui Miranda, a fim de possibilitar a ampliao

    de futuros debates acerca da religiosidade na formao social, cultural e histrica da

    cidade e das diversas relaes que a instituio pode estabelecer com as diversas

    esferas de atuao da