mercado seguranÇa privada visÃo sociologica e economica

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS FACULDADE DE CINCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA MESTRADO EM SOCIOLOGIA

O Mercado da Segurana PrivadaA construo de uma abordagem a partir da Sociologia Econmica

Autor. Flvio Srgio de Oliveira Vilar Orientadora. Profa. Dra. Dalva Maria Borges de Lima Dias de Souza

Goinia 2009 Flvio Srgio de Oliveira Vilar

O Mercado da Segurana PrivadaA construo de uma abordagem a partir da Sociologia Econmica

Goinia 2009

2

Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP) (GPT/BC/UFG)

V697m

Vilar, Flvio Srgio de Oliveira. O mercado da segurana privada a construo de uma abordagem a partir de uma sociologia econmica [manuscrito] / Flvio Srgio de Oliveira Vilar. 2009. 200 f. Orientadora: Prof. Dr. Dalva Maria Borges de Lima Dias de Souza.

Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Gois, Faculdade de Cincias Sociais, 2009.

Bibliografia:f.160187..Anexos.

1.SociologiaEconmica2.SeguranaPrivada3.Mercado I.Souza,DalvaMariaBorgesdeLimaDiasde.II.Universidade FederaldeGois,FaculdadedeCinciasSociaisIII.Ttulo. CDU:316.334.2

3

Flvio Srgio de Oliveira Vilar

O Mercado da Segurana Privada A construo de uma abordagem a partir da Sociologia EconmicaDissertao aprovada no dia 27 de Agosto de 2009 pela banca examinadora constituda pelos professores

Profa. Dra. Dalva Maria B. L. Dias de Souza/UFG Presidente da Banca Prof. Dr. Edmilson Lopes Jnior/ UFRN Prof. Dr. Pedro Clio/UFG

4

Flvio Srgio de Oliveira Vilar

O Mercado da Segurana Privada A construo de uma abordagem a partir da Sociologia Econmica

Dissertao

de

Mestrado

apresentada

ao

Programa de Ps-Graduao em Sociologia da Faculdade de Cincias Sociais, da Universidade Federal de Gois, como um dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Sociologia, sob orientao da Profa. Dra. Dalva Maria Borges de Lima Dias de Souza.

Goinia 20095

DedicatriaA memria dos Professores Milton Santos e Florestan Fernandes.

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Agradecimentos minha orientadora, professora Dra. Dalva Borges, pela liberdade dada para a conduo desta dissertao e pela pacincia. Aos professores e professoras do Mestrado em Sociologia, em especial a Francisco Chagas E. Rabelo e a Pedro Clio, pelas observaes e sugestes feitas durante as disciplinas que cursei com eles e principalmente na fase de qualificao. Ivonete de Cssia Barbosa, paixo da poca da minha militncia estudantil secundarista no incio dos anos 80 do sculo XX, que reencontrei quase 20 anos depois e que hoje minha companheira, comprometida para uma jornada de 20 anos com direito preferencial de renovao para mais 20 anos. Marisa Sousa Neres que conheci durante o curso e que hoje posso chamar de AMIGA. Valeu muitssimo a leitura, comentrios e sugestes de revises apresentadas ao trabalho em todas as suas etapas. A Carla Marchese por acreditar, incentivar e ajudar na reviso dos textos, alm das consultorias jurdicas. Aos meus chefes, ou melhor, companheiros e amigos de trabalho durante todo o perodo do curso (e antes, ainda como aluno especial), Fbio Tokarski, Isaura Lemos e Luprcio Machado Montenegro que permitiram que eu me ausentasse do trabalho para frequentar as aulas e demais atividades do curso e que ainda ajudaram em tudo que solicitei e que estava ao alcance. No fcil ter que cumprir uma jornada diria de trabalho e se dedicar a um curso de mestrado. fundamental a compreenso e apoio daqueles com quem voc exerce sua atividade profissional. Aos amigos e amigas que fiz durante o mestrado, em especial ao Alrio e ao Jean, com quem troquei mais ideias e bons papos.7

Aos amigos e camaradas Virgilio Alencar Santana, Apolinrio Rebelo, Jos Messias de Sousa, Fredo Ebling e Altamiro Borges, presentes ao longo da minha vida, e que de alguma maneira, por aes, palavras, compreenses e gestos, contriburam para que eu obtivesse xito neste trabalho. E mais, que colaboraram com a minha formao anterior ao mestrado, que foi decisiva para o discernimento das ideias que fervilham e seduzem no campo acadmico. A minha famlia, com o carinho especial a minha me, Dona Alice e a minha irm Smia. Universidade Federal de Gois, instituio que contribuiu de forma especial para minha formao profissional e humana. A todos e todas, muito obrigado.

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O simples nascer investe o indivduo de uma soma inalienvel de direitos, apenas pelo fato de ingressar na sociedade humana. Viver, tornar-se um ser no mundo, assumir, com os demais, uma herana moral, que faz de cada qual um portador de prerrogativas sociais. Direito a teto, comida, educao, sade, proteo contra o frio, chuva, as intempries; direito ao trabalho, justia, liberdade e a uma existncia digna.Milton Santos. O espao do cidado, 1996.

As classes burguesas cerram os olhos diante das duas realidades ou lanam-se ao combate para que elas se tornem possveis, pois lhes cabe esse triste papel de associar a anulao da revoluo nacional industrializao macia, acelerao do desenvolvimento capitalista e absoro das empresas multinacionais. O intelectual divergente, considerese ou no parte da burguesia, tem de seguir outro caminho. Para explicar-se, ele precisa comear pela verdade no uma parte da verdade, mas toda a verdade. Todavia, fazer isso no o mesmo que procurar uma justificao. Ao contrario, repor o intelectual no circuito das relaes e dos conflitos de classes, para poder descobrir como e por que numa sociedade capitalista dependente mesmo a intelligentsia crtica e militante importante, enquanto as foras de transformao ou de destruio dessa sociedade no chegam constituir-se e a operar revolucionariamente, engendrando ou uma ordem burguesa efetivamente democrtica ou uma transio para o socialismo. Por sua vez, de nada adiantaria uma retrica ultraradical, de condenao e expiao: o intelectual no cria o mundo no qual vive. Ele j faz muito quando consegue ajudar a compreend-lo e a explic-lo, como ponto de partida para a sua alterao real. Florestan Fernandes. A Sociologia no Brasil,1980.

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Resumo cada vez maior o interesse em entender a violncia

contempornea, bem como aperfeioar as medidas de segurana que devem ser adotadas para cont-la. Tambm grande o esforo para compreender o complexo processo redimensionamento do Estado, particularmente no tocante implantao de polticas pblicas de amplo alcance. E mais, entender o que tem levado setores estratgicos socialmente, em especial a segurana, at ento sob a responsabilidade do Estado, a conviver e at aceitar a tendncia de tornar-se dominada pelo mercado. O fenmeno da mercantilizao da segurana no novo, mas vem ocorrendo de maneira mais intensa a partir da dcada 1970 do sculo XX em vrios pases. O tema complexo. Assim, as causas, as consequncias e os significados da mercantilizao da segurana tm merecido uma especial ateno dos estudiosos. O conhecimento deste fenmeno deve contribuir para melhor perceber os vrios aspectos da sua dinmica social que tem grande relevncia do ponto de vista econmico, cultural e poltico. O caminho adotado foi o da construo de uma abordagem a partir da Sociologia Econmica, apoiada na contribuio principal de Max Weber, Karl Marx e de autores contemporneos. Palavras-chave: Sociologia econmica, Max Weber, mercado, segurana privada, violncia, Estado.

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AbstractThere is in contemporary societies an increasing interest in understanding violence as well as improving measures of security in order to contain it. An effort has been made to understand the complex process of the States dimensions specially those related to wide range public policies. The aim is to understand why socially strategic sectors, specially security, so far under State responsibility, is now being shared with the market and people even accept their tendency of being dominated by market. The phenomenon of commodification of security is not a new one but has taken place more intensely in the decade of 1970 in many countries. The subject is a complex one. The causes, consequences and meaning of commodification of security is attracting a deserved attention from scholars. The knowledge of this phenomenon must contribute to a better understanding of many aspects of its social dynamics that has great relevance from the economic, cultural and political view. This work adopts the approach of Economic Sociology, supported by the main contribution of Max Weber, Karl Marx and contemporary sociologists.

Keywords: Economic sociology, Max Weber, market, private security, violence, State.

11

SumrioIntroduo 17

Aspectos metodolgicos e tericos Captulo I. Estudos Sobre a Segurana Privada no Brasil

23 27

Captulo II. Entendendo a Sociologia Econmica

38

Preliminar Do distanciamento a aproximao Precursores Contribuio de Max Weber Autores da atualidade Sociologia Econmica no Brasil Possibilidades Captulo III. Compreendendo o Mercado

39 40 44 47 60 65 66 68

Para os economistas Para sociologia econmica Captulo IV. O Mercado da Segurana Privada

69 70 77

As origens O perodo feudal O objetivo econmico Uma nova face dos mercenrios Sob a gide da insegurana A segurana se torna negcio A trajetria da segurana privada propriamente12

78 80 81 84 85 86 88

No Brasil Tendncias da segurana privada Alguns nmeros Os aspectos fundamentais do mercado da segurana privada Consideraes Finais

89 91 92 96 150

Referncia Bibliogrfica

160

Bibliografia Apoio

173

Anexo

188

Projeto de Lei Estatuto da Segurana Privada Questes utilizadas na entrevista

190 199

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Figuras1. Faturamento mundial da segurana privada em 2004 2. Evoluo do faturamento da segurana privada no pas 93 96

3. Cursos obrigatrios oferecidos pelas escolas e centros de formao de vigilantes 106 4. Distribuio dos vigilantes orgnicos pelos setores econmicos em 2003 (em %) 5. Alguns cursos oferecidos 6. Nmero de vigilantes em atividade nas regies entre 2002 e 2005 7. Permanncia dos vigilantes no mesmo emprego entre 2001/03 (em %) 8. Nvel de escolaridade dos vigilantes no pas entre 2001 e 2003 (em %) 9. Principais contratantes dos servios de vigilncia em 2005 (em %) 10. rgos reguladores e cadeia da prestao de servios 11. Evoluo dos trabalhadores do sistema de segurana por setor 107 111 139 139 140 141 141 157

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Siglas Abcfav. Associao Brasileira dos Cursos de Formao de Vigilantes ABESE. Associao Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrnicos de Segurana Abrablin. Associao Brasileira de Blindagem Abrevis. Associao Brasileira das Empresas de Vigilncia e Segurana ABSEG. Associao Brasileira dos Profissionais de Segurana ABSO. Associao Brasileira de Segurana Orgnica ABTV. Associao Brasileira das Empresas de Transporte de Valores ABTV. Associao Brasileira das Empresas de Transportes de Valores ADESG. Associao dos Diplomados da Escola Superior de Guerra ASE. Analista de Segurana Empresarial ASIS. American Society for Industrial Security (Sociedade Americana de Segurana Industrial - EUA) CCASP. Comisso Consultiva para Assuntos da Segurana Privada CGCSP. Coordenao Geral de Controle de Segurana Privada CNB. Confederao Nacional dos Bancrios CNSP. Cadastro nacional de segurana privada. CNTV. Confederao Nacional dos Vigilantes e Prestadores e Servios CoESS. Confederation of Eupean Security Services (Confederao Europeia de Servios de Segurana Privada) Contraf. Confederao Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro CPP. Certified Protection Professional (Certificado Profissional de Proteo EUA) CV. Comisses de Vistoria DAPEX. Diviso de Anlise de Processos e Expedio de Documentos Delesp. Delegacias de Controle de Segurana Privada DELP. Diviso de Estudos, Legislao e Pareceres DICOF. Diviso de Controle Operacional de Fiscalizao DPF. Departamento de Polcia Federal E&S. Economia e Sociedade ee. Edio Eletrnica ESSEG. Estudo do Setor da Segurana Privada EUA. Estados Unidos da Amrica Febraban. Federao Brasileira de Bancos Fenavist. Federao Nacional das Empresas de Segurana e Transporte de Valores FIA. Fundao Instituto de Administrao FSP. Folha de So Paulo Ftravest. Federao Nacional dos Empregados em Empresas de Vigilncia, Segurana e Transportes de Valores. GESP. Gesto Eletrnica de Segurana Privada IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica IRB. Instituto de Resseguros do Brasil ISEG. Instituto Superior de Economia e Gesto NSE. Nova Sociologia Econmica15

PM. Policial Militar PMC. Private Military Companies (Companhias Militares Privadas) PNAD. Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicilio PUC-RS. Pontfice Universidade Catlica do Rio Grande do Sul RAIS. Relao Anual de Informaes Sociais SE. Sociologia Econmica Sesvesp. Sindicato das Empresas de Segurana Privada, Segurana Eletrnica, Servios de Escolta e Cursos de Formao do Estado de So Paulo Sindivalores/DF. Sindicato dos Empregados no Transporte de Valores e Similares do Distrito Federal Sisnasp. Sistema Nacional de Segurana Privada Socius. Centro de Investigao em Sociologia Econmica e das Organizaes (Portugal) TSE. Tcnico em Segurana Empresarial UE. Unio Europeia UFMG. Universidade Federal de Minas Gerais UFRGS. Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRJ. Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSC. Universidade Federal de Santa Catarina UFSCar. Universidade Federal de So Carlos UNB. Universidade de Braslia USP. Universidade de So Paulo

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Introduo

17

Introduo

cada vez mais ampla a literatura voltada para discutir e entender a violncia contempornea, bem como as medidas de segurana que devem ser adotadas para cont-la. Wieviorka (1997), por exemplo, indica que a violncia no a mesma de um perodo a outro e que as transformaes recentes, a partir dos anos 60 e 70 referindo-se ao sculo XX, so to considerveis que elas justificam explorar a ideia da chegada de uma nova era, e, assim, de um novo paradigma da violncia que caracteriza o mundo contemporneo. Na identificao dos novos significados da violncia, o socilogo francs indica que o Estado, que sempre esteve no centro dos debates relacionados violncia e consequentemente segurana, passa por mudanas

considerveis. J Adorno (1998), discutindo o livro Lei e Ordem de Ralph Dahrendorf (1987), aponta para a eroso da lei e da autoridade no mbito deste Estado em transformao. nesse contexto que ocorre e se manifesta com fora a polarizao segurana X insegurana, a partir do que afirma Castel (2005, p.09) em seu livro A insegurana social. O que ser protegido?[...] Uma sociedade de indivduos [a partir da ideia de Hobbes que levou ao extremo a dinmica da individualizao] no seria mais, propriamente falando, uma sociedade, mas um estado de natureza, isto , um estado sem lei, sem direito, sem constituio poltica e sem constituies sociais, exposto a uma concorrncia desenfreada dos indivduos entre si e guerra de todos contra todos. Seria, portanto, uma sociedade de insegurana total. Livres de todo regulamento coletivo, os indivduos vivem sob o signo da ameaa permanente, porque no detm em si mesmos, o poder de proteger e proteger-se. [...] Por conseguinte, fcil perceber que a necessidade de ser protegido possa ser o imperativo categrico que deveramos assumir a qualquer preo para poder viver em sociedade. Esta sociedade ser fundamentalmente uma sociedade de segurana porque segurana a condio primordial e absolutamente necessria para que indivduos, desligados das obrigaes-protees tradicionais, possam fazer sociedade.

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Ainda segundo Castel (Id) as sociedades modernas so construdas sobre o terreno da insegurana, porque so sociedades de indivduos que no encontram, nem em si mesmos, nem em seu entorno imediato, a capacidade de assegurar sua proteo. Ou seja.[...] essas sociedades esto ligadas promoo dos indivduos [o que gera uma contradio] elas tambm promovem sua vulnerabilidade, ao mesmo tempo em que o valorizam. [...] o sentimento de insegurana no exatamente proporcional aos perigos reais que ameaam a populao [...] o efeito de um desnvel entre uma expectativa socialmente construda de protees e as capacidades efetivas de uma determinada sociedade de coloc-las em prtica. [...] A insegurana, em suma, em grande parte, o reverso da medalha numa sociedade de segurana (Id).

Tambm grande o esforo para compreender o complexo processo de redimensionamento do Estado, particularmente no tocante implantao de polticas pblicas de amplo alcance. E mais, entender o que tem levado setores estratgicos socialmente, em especial a segurana, apontada por Wieviorka (1997), at ento sob a responsabilidade deste mesmo Estado, a conviver e at aceitar a tendncia de se tornarem dominados pelo mercado. O fenmeno da mercantilizao da segurana no novo, mas vem ocorrendo de maneira mais intensa a partir da dcada 1970 do sculo XX em vrios pases (Ocqueteau, 1997). So cada vez mais intensos os estudos e diagnsticos sobre o assunto e a divulgao de publicaes especializadas que analisam e debatem a sua importncia. O tema complexo e alvo de muita especulao pela mdia. Assim, as causas, as consequncias e os significados da mercantilizao da segurana tm merecido uma especial ateno dos estudiosos. O conhecimento deste fenmeno deve contribuir para melhor perceber os vrios aspectos da sua dinmica social que tem grande relevncia do ponto de vista econmico, cultural e poltico. Trata-se de uma temtica que, alm de envolver bilhes de reais (euros, dlares e outras moedas), diz respeito a cada cidado, direta ou indiretamente. A possvel omisso dos governos, e at mesmo o incentivo, vem permitindo e provavelmente at19

mesmo favorecendo que um servio socialmente estratgico para o pleno desenvolvimento da vida em sociedade, a segurana, principalmente na atualidade, ganhasse carter eminentemente mercantil, sendo influenciada fortemente e cada vez mais determinada pelo mercado. Trata-se em suma de uma pesquisa que buscou compreender o vis da segurana como mercadoria, os seus atributos gerais e peculiares, o processo histrico que a originou, e as suas caractersticas na atualidade e as relaes que o setor responsvel pela sua venda mantm com o Estado e com a sociedade em geral no Brasil. A dissertao conta com quatro captulos, alm desta apresentao, das consideraes finais e o anexo. O primeiro captulo o resultado de explorao da bibliografia existente visando apresentar o estado da arte. O segundo captulo Entendendo a Sociologia Econmica reservado a uma apresentao da disciplina; quando e porque surge; seus principais autores e obras de referncia. Neste item feita a indicao dos conceitos e das noes principais; apresentados os embates tericos e as diferenciaes tanto em relao economia ou a sociologia de maneira geral; e feito um destaque para a contribuio de Max Weber1. A atualidade da sociologia econmica tambm ressaltada, tanto no mbito internacional como no Brasil; alm de suas possibilidades futuras. J o terceiro captulo Compreendendo o Mercado visa resgatar e apresentar o debate sobre o que o mercado e a sua atualidade, diferenciando o entendimento dos economistas, pelo proposto pela sociologia econmica. O quarto captulo O Mercado da Segurana Privada destinado pesquisa, onde apresentada a problematizao e descrio do objeto. Nele encontra-se presente um breve histrico sobre o processo de mercantilizao da segurana; a sua situao na atualidade; a dimenso do processo deAo longo do texto, ao utilizarmos a expresso SE de Weber, estaremos reproduzindo o que vem sendo adotado pelos comentadores da obra weberiana, principalmente os utilizados neste trabalho, Steiner e Swedberg. Weber de fato utilizou a expresso teoria sociolgica da economia (ver E&S, volume I, captulo II, p.40).1

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mercantilizao da segurana no Brasil, alm de apresentar os atores e os agentes relacionados com o mercado da segurana, juntamente com o discurso adotado por esses atores e agentes. O destaque deste captulo diz respeito aos aspectos fundamentais que serviram de parmetro para a avaliao do mercado da segurana privada, seguindo a proposio sugerida por Rafael Marques (2003) em seu texto Os Trilhos da Nova Sociologia Econmica. Segundo o socilogo portugus, a existncia de um mercado especfico pode ser aferida pelos seguintes traos: diferenciao e

segmentao dos produtos oferecidos; profissionalizao dos agentes que conduzem oferta; existncia de uma estrutura de competio e de organizao identificvel e reconhecida; criao de uma retrica e de uma legitimidade comuns que se impem aos participantes e que (re) orientam as suas atividades; presena de uma regulao institucional normativa quer de tipo formal, quer de tipo informal; disponibilidade de mecanismos de controle e de sancionamento coletivo; diferenciao dos agentes envolvidos nos processos, com uma atribuio clara de papeis e competncias, mas tambm de posies estatutrias; definio de modalidades aceitveis de transaes; criao ativa de necessidades e desejos; criao de uma forma social de valorizao que hierarquize e regule as convenes entre bens e servios. Na parte destinada s Consideraes finais so expostas, a partir dos entendimentos da pesquisa, as indicaes das consequncias do desenvolvimento e crescimento do mercado da segurana privada no Brasil, levando em considerao o contexto em que o fenmeno se manifesta. O que fica claro que h uma transferncia de funes da segurana pblica para a iniciativa privada, com base em argumentos conhecidos como a incapacidade do Estado em deter o avano da criminalidade nos grandes centros urbanos; os relacionados ineficincia da segurana pblica e dos servios estatais de um modo geral, em termos de relao custo-benefcio; inoperncia concreta dos mecanismos protetores que o indivduo dispe contra os abusos do Estado em pases democrticos ou que almejam essa condio. Segundo esse argumento, seria mais fcil defender-se de vigilantes particulares, submetidos lei comum, que de policiais, promotores e juzes, acobertados pela corporao21

estatal. E por fim, os que apontam a existncia de uma disciplina rigorosa que o mercado impe sobre as empresas privadas de segurana e estas sobre o comportamento de seus agentes, em que omisso e abusos implicariam na perda de mercado, logo na perda de lucros; o que, portanto, os tornariam mais eficazes para coibir eventuais problemas existentes. E mais, embora ainda no apaream com clareza e evidncia os possveis efeitos antidemocrticos da segurana particular, o seu avano vai se tornando cada vez mais inevitvel. No s em funo do aumento do temor e da sensao de falncia ou insuficincia dos servios estatais, mas tambm da prpria dinmica capitalista que ao transformar segurana em mercadoria, gera novos grupos de interesse que pressionam pela manuteno e expanso do mercado. Tal situao, em seu pragmatismo, exigiria um Estado com recursos, legitimidade e vontade poltica, vale a pena dizer, com a mnima capacidade de resistncia aos lobbies, para manter sob controle a crescente indstria de segurana privada. uma posio muito otimista, sobretudo quando aplicada a pases com trajetria recente de regimes autoritrios, como o Brasil, cuja estrutura institucional e a tradio cultural de defesa da cidadania, ainda apresentam problemas gigantescos, com destaque para os sociais, dentre eles, a criminalidade urbana e a violncia no campo, alm de contar com descentralizao das unidades federativas em crise, bem como polcias herdadas do autoritarismo, que escapam ao controle da sociedade, quando no ao seu prprio controle interno. Neste diapaso, a multiplicao dos servios de segurana particular no pas poder representar uma ameaa especialmente perigosa para a garantia dos direitos humanos e para a efetivao dos direitos civis recm conquistados e ainda em fase de consolidao.22

Aspectos metodolgicos e tericos

O primeiro passo foi descobrir e explorar a bibliografia especfica existente sobre o tema. A insatisfao com o que encontramos nos impulsionou a buscar um novo caminho a ser trilhado. A abordagem escolhida para tratar do problema da mercantilizao da segurana foi o da Sociologia Econmica (SE), ou seja, a aplicao de ideias, conceitos e mtodos sociolgicos ao fenmeno, pois aparentemente, as ideias, as noes e os conceitos sobre o que o mercado e o seu papel so hegemonizados pela economia (Maki, 2000). A SE estuda, portanto, o setor econmico na sociedade, os fenmenos econmicos, a maneira pela qual influenciam a sociedade, constituindo-se em fenmenos economicamente condicionados, e o modo pelo qual a sociedade os influencia denominados de fenmenos economicamente relevantes. O apoio terico principal foi buscado no enfoque de Max Weber (2004) no tocante s categorias sociolgicas fundamentais da gesto econmica; alm de autores contemporneos de destaque na sociologia econmica, em especial Philippe Steiner e Richard Swedberg, cujas obras mais relevantes respectivamente, A sociologia econmica e Max Weber e a ideia de sociologia econmica, foram fundamentais para o entendimento sobre a SE. Em grau menor, mas com grande valor e mas destacado, lanamos mo do entendimento de Karl Marx (1985) sobre A mercadoria, nas consideraes finais feitas acerca do mercado da segurana privada. J para identificar e descrever as caractersticas principais do mercado da segurana privada foram fundamentais as informaes copiladas do 2 Estudo do Setor da Segurana Privada (ESSEG, 2005), organizado pela Federao Nacional das Empresas de Segurana e Transporte de Valores (Fenavist), divulgado em 2005. Trata-se de uma atualizao ampliada do primeiro estudo realizado em 2004. A primeira edio organizou os dados e as variveis importantes para a compreenso do que a segurana privada no pas, e buscou definir suas caractersticas bsicas: quem e quantos so; tamanho e peso socioeconmico; histrico e desafios. A segunda edio

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apresenta as diferenas existentes entre os setores, oferecendo de forma detalhada todas as atividades desenvolvidas e como elas se manifestam nas diversas regies e estados do pas. O 2 ESSEG utilizou como fontes, pesquisas de campo feitas por meio de questionrios aplicados junto s empresas, a partir de uma amostragem representativa das mesmas. Tambm lanou mo do banco de dados j disponvel e desenvolvido pela prpria Fenavist, alm de outros documentos e informaes disponibilizadas pela Confederao Mundial de Segurana Privada e suas entidades associadas. Os dados so de 2002 e 2004, bem como projees para o ano de 2005. Tambm trabalhou com a Pesquisa Anual de Servios do IBGE, alm de outros disponibilizados pela RAIS E CAGED. A pesquisa buscou ainda subsdios para o seu desenvolvimento em fontes documentais - livros, revistas, artigos, sites e outras fontes acessveis ao pblico em geral, produzidas pelo prprio mercado da segurana privada. Tais fontes foram utilizadas de forma sistematizada e estruturada para que fornecessem elementos para as anlises. Com relao s fontes secundrias, os cuidados necessrios foram adotados, a fim de poder assegurar a credibilidade e a pertinncia necessrias. Foram feitas ainda entrevistas durante o II Congresso Internacional de Segurana Privada (World Security Congress WSC) que aconteceu em Salvador Bahia, entre os dias 22 e 26 de outubro de 2007. O II WSC foi um importante evento que reuniu: executivos e presidentes de empresas de segurana; dirigentes de entidades nacionais e internacionais do setor; bem como representantes de rgos governamentais de segurana pblicos brasileiros e estrangeiros; contratantes nacionais e internacionais; fornecedores de equipamentos/insumos/ servios do pas e do exterior; empresas produtoras de equipamento de segurana nacionais e internacionais; integrantes de organismos reguladores; e representantes da comunidade acadmica.

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O II WSC foi importante porque possibilitou um conhecimento da segurana privada abordada em todas as suas tendncias de desenvolvimento, integraes envolvidas, inclusive no mundo globalizado, alm de permitir um contato com a Federao Mundial de Segurana (World Security Federation), entidade organizadora do evento e que representa as demais entidades e empresas do setor no mundo inteiro, com exceo dos Estados Unidos da Amrica. Em seus objetivos especficos, o II WSC visava atualizar conhecimentos e reciclar informaes de profissionais de segurana; divulgar a situao atual da segurana em diferentes regies do mundo e avaliar as novas tendncias; demonstrar as novas ferramentas que esto sendo utilizadas no mundo para aumento dos nveis de segurana pessoais e empresariais; aprimorar o gerenciamento dos sistemas de segurana empresarial;

disponibilizar maneiras de melhoria na gesto empresarial e operacionalizao da tcnica da segurana; contribuir para a confraternizao e para o intercmbio de ideias entre profissionais de segurana de diferentes localidades e culturas; possibilitar a unio de ideologias, favorecendo a adoo de tcnicas de segurana j testadas e aprovadas; estabelecer vnculos de comunicao entre as diversas entidades existentes no mundo; demonstrar a cooperao proveniente da iniciativa privada na consecuo dos objetivos de segurana geral da sociedade. Tendo em vista que houve correspondncia nas respostas apresentadas nas entrevistas, optou-se por utilizar apenas as respostas da entrevista feita com um dos membros fundadores da World Security Federation (WSF), que um empresrio com forte influncia dentro da atividade no Brasil, participando ativamente das atividades desenvolvidas pelas vrias entidades que congregam e organizam o setor, alm de ser diretor e representar a Fenavist junto ao Departamento de Polcia Federal (DPF), rgo que regulamenta e fiscaliza a atividade, sendo tambm o representante da Federao na Comisso Consultiva para Assuntos da Segurana Privada

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(CCASP), alm de ter participado de importantes eventos nacionais e internacionais do mercado da segurana privada, inclusive como palestrante. Na perspectiva que adotamos no trabalho, certamente no fugimos do que foi praticado em outros trabalhos apresentados. Valorizamos muito o discurso2 adotado pelos atores e agentes do mercado. Tambm lanamos mo de artigos e matrias de jornais, televisivas e materiais de divulgao panfletos, folders, cartilhas e vdeos, etc., procurando compreender o imaginrio construdo pela propaganda e o marketing relativo segurana privada.

Os discursos entendidos como [...] produtos culturais empricos criados por eventos comunicacionais (tais como anncios publicitrios, capas de revistas; programas televisivos e de rdio; entrevistas; textos jornalsticos; discursos polticos; cartilhas; organizao dos espaos de uma cidade, de reparties pblicas, de empresas ou de nossas casas entre outros). A anlise de discurso procura descrever, explicar e avaliar criticamente os processos de produo, circulao e consumo dos sentidos vinculados queles produtos da sociedade. Os produtos culturais so entidades como textos, como formas empricas do uso da linguagem verbal, oral ou escrita, e/ou de outros sistemas semiticos no interior de prticas sociais contextualizadas histrica e socialmente (Pinto, 1995, p.07).

2

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Captulo I Estudos Sobre a Segurana Privada no Brasil

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Este primeiro captulo apresenta uma viso geral dos estudos sobre o mercado da segurana privada desenvolvidos no Brasil. No campo acadmico, ainda so limitados e pouco divulgados. Foram encontrados apenas alguns estudos que abordam os vrios aspectos do processo de mercantilizao da segurana3, oriundos de vrias reas. So em sua maioria, dissertaes de mestrado e teses de doutorado, trabalhos de concluso de cursos de especializao, que foram desenvolvidos a partir de 1992 e com mais intensidade a partir do ano 2000. Tratam da regulamentao, da fiscalizao e do controle dos servios de segurana privada. Tambm abordado o impacto dos gastos pblicos sobre a criminalidade; a segurana e o monitoramento do cidado; a poltica institucional adotada pelo setor; a espacialidade do fenmeno, bem como a relao que existe entre o carter pblico e o privado da segurana; a avaliao da estrutura de governana; a situao da mo de obra empregada, etc. A dissertao de Rosana Heringer (1992) foi certamente uma das primeiras a abordar a temtica da segurana privada, ressaltando o papel da chamada sensao de insegurana no imaginrio coletivo brasileiro e destacando a relao entre este processo e a configurao do mercado de segurana privada como uma indstria da segurana privada alimentada pelo medo em nossa sociedade. A autora desenvolveu seu trabalho, apoiando-se basicamente na literatura at ento existente que apresentava elementos amplos e fragmentos da temtica. Alm disso, a autora promoveu um conjunto de entrevistas que subsidiaram as informaes utilizadas. As entrevistas foram diversificadas, abrangendo as manifestaes de autoridades ligadas rea de segurana pblica, lideranas do setor da segurana privada - tanto empresariais como de trabalhadores, alm de lderes polticos.

No site da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior - CAPES encontra-se o Portal Brasileiro de Informao Cientfica: www.periodicos.gov.br. Nele 163 instituies de ensino superior e de pesquisa do Pas divulgao sua produo, alm de permitir o acesso produo acadmica mundial. 28

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J o trabalho de Leonarda Musumeci (1998) foi realizado no mbito do projeto Diagnstico do Setor Servios no Brasil, organizado pelo Instituto de Estudos Aplicados IPEA, e constituiu-se em um Estudo de Caso divulgado como Texto de Discusso. Alm de uma ampla e variada releitura de trabalhos j existentes, foram utilizadas matrias de jornais da imprensa nacional. A autora visou fundamentalmente.Mapear o perfil e a evoluo dos servios privados de vigilncia e guarda no Brasil, a partir das informaes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD) referentes ao perodo 1985/95 [que contempla] consideraes que ultrapassam os problemas de estrutura, emprego e renda em servios [...] sobre uma atividade que diz respeito segurana, cidadania, e que colocam em jogo, de modo particularmente enftico, as relaes entre poder pblico e poder privado no atual estgio de desenvolvimento do pas [e focalizou] mais especificamente, as caractersticas do pessoal ocupado e dos postos de trabalho na atividade de vigilncia particular, comparando-as s de outros segmentos do setor servios e, sobretudo, aos servios pblicos de segurana, com base nas informaes geradas pela pesquisa domiciliar do IBGE (Id, 1998, p.09).

E Carlos Moraes Antunes (2001) na execuo do seu estudo, incluiu dados tericos obtidos por meio de reviso da literatura especializada referenciada, alm de dados obtidos por meio de levantamento documental e da sua prpria experincia acadmica, como fez questo de destacar, e ofereceu.Pressupostos tericos sobre a questo do papel complementar da Segurana Privada em relao Segurana Pblica, analisando conceitos, fatores envolvidos na gnese da violncia urbana, dispositivos legais, natureza e diferenas entre os dois tipos de Segurana. Destacou o papel da Segurana Pblica na produo da paz social, como um bem a ser usufrudo por todos os cidados, enquanto que a Segurana Privada limitada a determinadas reas e/ou grupos de pessoas. [Concluiu] que h necessidade de maior empenho das polticas pblicas na rea de Segurana Pblica, e que a Segurana Privada, tendo instruo especfica sobre seu modo de atuao, poder vir a ser considerada como complementar a Segurana Pblica (Id, 2001, p.vii).

O trabalho de Viviane Cubas (2002) abordou os motivos do aumento da criminalidade no Brasil, mais especificamente na megalpole paulistana, comentando sobre o medo da violncia que permeia todas as classes sociais, alm da crescente ineficincia poltica do Estado no tocante segurana

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pblica, o que tm provocado, segundo a autora, o aumento considervel da oferta por servios de segurana privada nos ltimos anos. Entre vrios aspectos, ela ressaltou que os vigilantes privados no esto submetidos a regras e limites em suas aes, assim como esto os policiais, tendo como justificativa o frgil controle do Estado sobre tais empresas que detm um poder de polcia na esfera privada. Assim, o objetivo do seu trabalho foi o de apresentar uma pesquisa sobre as empresas de segurana privada existentes em So Paulo, descrevendo a estrutura de funcionamento dessas empresas e identificando o que o Estado permite e quais os limites estabelecidos por ele para a atuao de tais empresas no mercado (Id, 2002, p.03). Para o seu desenvolvimento, foram levantados dados sobre os servios de segurana privada coletados junto ao Ministrio da Justia e da Polcia Federal, bem como ao Sindicato das Empresas de Segurana Privada Eletrnica; Cursos de Formao do Estado de So Paulo. Tambm houve levantamento da bibliografia pertinente, alm de material publicitrio obtido em feiras e outros eventos do setor. Informaes mais detalhadas foram coletadas por meio de entrevistas realizadas, tendo a autora as realizado, junto as quatro (04) maiores empresas de So Paulo [...] (id, p.09). A tese de Aryverton Fortes de Oliveira (2004) buscou identificar como empresas de vigilncia patrimonial privadas, legalmente constitudas, participam do sistema de prestao de servios, estabelecendo mecanismos de incentivo, controle, treinamento e busca de informao para a promoo da qualidade dos servios. Ele indicou que:Foram coletados dados secundrios sobre o setor e com base nos fundamentos Tericos da Nova Economia Institucional (NEI), foi aplicado questionrio amostra aleatria de empresas de segurana patrimonial na cidade de So Paulo. Essas informaes foram analisadas com maior profundidade por meio de dois mtodos multivariados, anlise de correspondncia e de conglomerados, para obter o perfil da segurana privada em So Paulo a partir do agrupamento das empresas com caractersticas semelhantes (Id, 2004, p.XIII).

Conclusivamente, Aryverton de Oliveira (2004) identificou uma grande diferena entre as empresas que atendem o setor pblico, priorizando o30

preo em detrimento da qualidade dos servios, e as empresas que atendem o setor privado, em que fatores de qualidade ganham destaque. O autor sugere, no caso do setor pblico, uma forma hbrida de atuao, ou seja, a contratao dos servios de segurana privada, mas com o monitoramento e o gerenciamento a cargo da prpria instituio contratante. Tambm foi identificado o trabalho de Miguel Donizete Gusmo Filho (2005) que buscou esclarecer o processo de construo de normas e fiscalizao exercida pelo Estado brasileiro sobre os servios privados de segurana, privilegiando tanto a criao de normas que uniformizariam o procedimento desses servios nacionalmente, como o papel estatal em promover a verificao do cumprimento dessas normas. Para cumprir seus objetivos, o autor dedicou-se recuperao da legislao federal desenvolvida no pas, desde o final da dcada de 60, procurando descrever em detalhes o desempenho estatal em normatizar e fiscalizar os servios. [Promoveu] uma investigao junto aos arquivos do Dirio Oficial, mantido pela Imprensa Nacional (Gusmo Filho, 2005, p.I). Vanessa Cortes (2005) visou compreender as implicaes do chamado bico, ou seja, o segundo emprego do policial da segurana pblica, em especial dos Policiais Militares do Estado do Rio de Janeiro. A autora identificou o bico como a ponta visvel de um iceberg que encobre uma srie de irregularidades perigosas, que tm provocado inclusive a morte de policiais. Sua pesquisa apontou a utilizao do bico como mecanismo de controle interno; o emprego da estrutura do Batalho Policial4 para vender o servio5; o uso da carteira ou insgnia de polcia para dar credibilidade ao trabalho, a defesa da manuteno da escala e a legitimao do bico por agentes de todos os nveis hierrquicos da estrutura da segurana pblica estadual, sem que isto busque legalizar a atividade.

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Sede do agrupamento policial em uma determinada regio. Referindo-se ao chamado bico.

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O trabalho contou com entrevistas com policiais militares, oficiais e praas, que se constituiram na principal fonte das informaes da pesquisa, alm da reviso bibliografia obrigatria e necessria sobre a temtica. Vanessa Cortes afirma que s assim foi possvel esclarecer alguns pontos que possibilitaram novas questes (id).A primeira contribuio foi acerca das justificativas morais utilizadas para explicar a busca de policiais em complementar o salrio atravs de servios privados de segurana at por aqueles que no faziam segurana privada. Assim, a segurana privada um modo honesto do policial manter um padro de vida da sua famlia, em oposio ao desvio de conduta e aos outros caminhos. Embora a categorizao de servio honesto esteja dissociada da discusso sobre a questo de este servio ser uma atividade legalmente vetada a policiais. Tampouco o discurso do servio honesto se desdobra na discusso sobre a legalizao da atividade (Cortes, 2005, p.08).

Andr Zanetic (2005) aponta em sua dissertao de mestrado, a partir de parmetros observados na literatura internacional, em documentos oficiais e nos dados relativos ao setor, a grande expanso dos servios particulares de segurana, verificada em diversos pases a partir de meados do sculo XX, e traz tona questes relativas responsabilidade do Estado sobre a segurana e sobre a necessidade de aprimoramento dos mecanismos de regulao e controle pelos rgos responsveis, sobretudo devido diversificao das demandas por esse tipo de servio, como as grandes empresas e os espaos privados abertos ao pblico - propriedades privadas em massa6, que representam hoje os principais consumidores dos servios de segurana. Assim seu trabalho.Faz uma anlise do marco regulatrio existente no Brasil localizando as implicaes relativas a algumas caractersticas mais problemticas, como o treinamento e qualificao dos profissionais, a disseminao das empresas clandestinas, o segundo emprego dos policiais como guardas privados, o uso de armas de fogo e a questo das sanes e da regulao de acesso empregadas na segurana privada (Zanetic, 2005, p.03).

O conceito usado para designar os grandes espaos privados abertos ao pblico, como os centros comerciais, os shopping-centers, cinemas e complexos esportivos, alm dos grandes condomnios residenciais nos subrbios dos centros urbanos. Shearing, Clifford D. & Stenning, P., apud Zanetic, 2005.

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Tambm discutindo a regulamentao, fiscalizao e controle do mercado da segurana privada, Carolina de Mattos Ricardo (2006), promoveu uma anlise de toda a estrutura de regulao existente sobre segurana privada no pas, bem como de suas lacunas. Sua pesquisa de mestrado estudou tambm os principais problemas vividos pelo setor: empresas clandestinas, participao de policiais e crimes cometidos durante a atividade de segurana privada. Por fim, foram apresentadas propostas para contribuir para o aperfeioamento da regulao sobre o setor. Segundo ela.Para o desenvolvimento deste estudo, foi realizado um amplo levantamento bibliogrfico sobre o tema, tanto na literatura estrangeira, predominantemente norte-americana e canadense, como na nacional, o que serviu para subsidiar a construo terica e a problematizao em torno da segurana privada ao longo de todo o trabalho. Foi tambm realizado um levantamento estatstico e da estrutura da Polcia Federal, a partir das informaes colhidas junto ao prprio Departamento da Polcia Federal, para auxiliar na anlise sobre o exerccio da fiscalizao e controle realizado sobre o setor no pas. Por fim, foram coletados casos emblemticos de irregularidades e ilegalidades divulgados na mdia impressa sobre segurana privada, para ilustrar os principais problemas encontrados e contribuir para a anlise dos mecanismos de regulao (Ricardo, 2006, p.10).

No campo da Administrao Pblica, Armando Lus do Nascimento (2006), apresenta um trabalho sobre uma questo especfica da segurana privada, no caso, a chamada segurana orgnica. Seu estudo buscou comparar essa modalidade de segurana em oito universidades federais, localizadas em quatro regies brasileiras, apresentando uma estrutura orgnica de formas diferenciadas. O autor indica que sua pesquisa deixou comprovada a necessidade de adoo de modelos de gesto flexveis e participativos, isto , menos hierrquicos e mais horizontais, que envolvam a participao de todos os usurios e demais interlocutores nas negociaes, decises e aes desenvolvidas, nas instituies de ensino. A investigao foi realizada de modo descritivo e explicativo do fenmeno da segurana, na medida em que foram caracterizadas as seguranas orgnicas das oito universidades federais, esclarecendo sua importncia e seu papel dentro da atual conjuntura de violncia. A pesquisa foi bibliogrfica e adotou a tcnica da anlise documental

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por ter sido balizada principalmente pela leitura da legislao que dispe sobre segurana, e por outras que tratam dos servidores tcnicos administrativos em educao das instituies federais de ensino, seus decretos e pareceres, alm de entrevistas de gestores da rea de segurana.O estudo verificou os critrios que prevaleciam na escolha de um modelo orgnico prprio ou terceirizado, feito pela administrao universitria. Outro objetivo verificado foi o papel complementar da segurana orgnica em relao segurana pblica, considerando a realidade das principais cidades brasileiras, onde se constata uma grande preocupao dos cidados com a segurana das pessoas e de seus patrimnios, face ao crescimento da violncia. Este sentimento de insegurana da populao perante a violncia e o fracasso do Estado em cumprir o seu papel previsto no art. 144, da Constituio Federal, de garantidor da segurana pblica, chegou s universidades federais (Nascimento, 2006, p.04).

Andr Loureiro (2006) apresentou uma Anlise econometrca do impacto dos gastos pblicos sobre a criminalidade no Brasil7. Assim, seu trabalho fundamentou-se em modelos econometrcos, e segundo o mesmo.Os resultados obtidos por mnimos quadrados generalizados MQG, com Efeitos Fixos e Primeiras Diferenas e posteriormente por mnimos quadrados em dois estgios MQ2E, sugerem que o modelo econmico pode construir de forma importante no entendimento dos determinantes do crime no Brasil. Observou-se que a concentrao de renda e a proxy para desorganizao social, proporo de lares uniparentais, afetam a criminalidade robusta e positivamente, na maioria das estimativas e das categorias de crimes analisados: homicdios, roubo, furto e sequestro. No entanto, variveis como nvel de pobreza, renda e nvel de educacional, apesar de estatisticamente significativas, se mostram ambguas, variando o sinal de seus efeitos de acordo com a modalidade de crime analisada. (Loureiro 2006, p.91)

A dissertao de Marta Kanashiro (2006) abordou a proliferao de mecanismos de vigilncia e controle na atualidade, e refletiu sobre as representaes e discursos associados insero das cmeras de monitoramento para segurana no cotidiano brasileiro. A partir de um estudo de7

Segundo Cerqueira & Lobo (2003, p.12): [...] importante registrar que existem diversas teorias que tentam explicar o comportamento criminoso. Entre elas, a teoria econmica da escolha racional de Gary Becker, que prope que o crime seja visto como uma atividade econmica, apesar de ilegal. Toda a estrutura do modelo baseada na hiptese da racionalidade do potencial ofensor, em que se pressupe que, agindo racionalmente, um indivduo cometer um crime se, e somente se, a utilidade esperada por ele exceder a utilidade que ele teria na alocao de seu tempo e demais recursos em atividades que sejam lcitas. Assim, alguns indivduos tornam-se criminosos, no porque suas motivaes bsicas so diferentes das de outros indivduos, mas porque seus custos e benefcios so diferentes. 34

caso realizado no Parque da Luz, na regio central da cidade de So Paulo do levantamento das proposies e normas legais que examinam o tema e do acompanhamento de publicaes e feiras do setor de segurana eletrnica, procurou fazer emergir tais discursos. A transformao da segurana em mercadoria e sua promoo por meio da ideia de preveno ou antecipao foram alguns dos aspectos percebidos pela autora na pesquisa como profundamente equacionados com essa prtica. Baseando-se em aspectos como esses, a autora argumentou que as cmeras de monitoramento participam de uma forma de exerccio do poder na atualidade, que focaliza fluxos e mobilidade em detrimento do indivduo. Para desenvolvimento do trabalho, Kanashiro (id) lanou mo de uma metodologia que possibilitou sinalizar uma trajetria da insero das cmeras de monitoramento da segurana no Estado de So Paulo, a partir do entrelaamento de discursos sobre o tema. O acompanhamento da abordagem da mdia de massa sobre a utilizao de cmeras tambm foi uma das estratgias utilizadas para capturar mais de um elemento para essa rede. O veculo mais focalizado para essa observao foi o jornal Folha de So Paulo, entre os anos de 1999 e 2005. Segundo ela.Para compreender melhor como esse fenmeno que tem se delineado no Brasil, realizou-se um levantamento das proposies legais e normas brasileiras, visando captar parte dos discursos que circulam sobre o tema, e fazer emergir um campo de tenses e arranjos que produzem a possibilidade do uso das cmeras como dispositivos de segurana. Com mesmo intuito, somou-se a esse levantamento: a pesquisa sobre a bibliografia especfica acerca da segurana privada no Brasil, entrevistas realizadas com empresrios e comerciantes desse setor, em 2002 e 2005 - durante visitas a feiras e exposies de segurana - e um levantamento de material publicitrio e jornalstico sobre cmeras e de jornais e revistas do setor. No se tratou, portanto, de analisar a cmera pelas instituies que a legitimam, nem de afirmar ou negar a necessidade e validade da cmera para a segurana, mas sim de procurar aprender quais as produes desse processo em curso a partir dos discursos colocados em cena. (Kanashiro, 2006, p.03)

O ltimo trabalho analisado, mas no menos importante, foi de Fernando da Cruz Coelho (2006), intitulado de Anlise da poltica institucional de segurana privada um estudo comparado. Tratou-se de uma pesquisa

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sobre o controle da segurana privada no Brasil, tomando como referencia a Lei n. 7.102/83, atualizada pelas Leis 8.863/94 e 9.017/958, com foco nas atividades do setor que utilizam armas de fogo, comparada com legislaes da Espanha, Portugal, Mxico e Argentina, nas quais se constata que as atividades de segurana privada desarmada so controladas originariamente e de forma distinta da segurana que utiliza arma de fogo, sendo certo que esta, para ocorrer, necessita de autorizao especial nos citados pases analisados. Nesses pases, foi estipulada a atividade de segurana que pode fazer uso de arma de fogo, sendo certo que a mesma tem de envolver situao de risco comprovado. O autor procurou demonstrar que a especializao e o profissionalismo existem no rgo responsvel pela fiscalizao do setor e enfatizou a dbia interpretao que o texto de Lei em vigor atualmente proporciona. Na opinio de Fernando Coelho (id), a legislao brasileira se encontra defasada e desatualizada com relao aos tipos de controle existente em nvel internacional, bem como, das necessidades e evoluo tecnolgica inserida no setor, sugerindo estudos para que se reformule a legislao atual, propondo o controle da segurana eletrnica, das atividades envolvendo a instalao e monitoramento de alarmes e cercas eltricas e Circuito Fechado de Televiso (CFTV), e ainda das investigaes particulares e demais atividades em que, a rigor, no se utiliza arma de fogo, e que, de forma pontual e clere, podem ser objeto de fiscalizao por parte de Estados e/ou Municpios. Defende inclusive a permanncia da Unio com a exclusividade do controle das atividades de segurana privada que utiliza arma de fogo em consonncia com a Lei Federal n. 10.826/039. A leitura de todo esse material, alm de possibilitar um entendimento do mercado da segurana privada, apontou a existncia de um mosaico em construo, com abordagens e explicaes, de um lado, oriundas do campo da8

Legislao que regula o funcionamento de empresas que lidam com a segurana privada no pas.9

Trata-se da Lei do Estatuto do Desarmamento.

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sociologia, da cincia poltica e da antropologia, e de outro, da economia e da administrao, mas sem dilogo. Tal constatao indicou a necessidade de uma nova abordagem, ou seja, da construo de uma ponte para viabilizar a unio dos aspectos sociolgicos e econmicos. o que teremos no captulo seguinte.

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Captulo II Entendendo a Sociologia Econmica

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Preliminar

Em seu Curso de Sociologia Econmica, Macedo indica.Um fenmeno surpreendente o florescimento atualmente de grande nmero de novas disciplinas no campo social, sugerindo as sociologias especiais no alargamento de perspectivas sobre as diversas zonas de realidade social. Ao lado da sociologia geral, despontam as sociologias da arte, religio, linguagem, educacional, econmica, poltica. Jurdica, e a sociologia aplicada administrao, medicina, ao esporte, ao trabalho (Macedo, 1987, p.69) (grifo meu).

Ainda segundo Macedo (Id), interessante distinguir o que seja sociologia geral, e, depois, a sociologia especial, distinguindo esta da chamada sociologia aplicada. A primeira definida como a cincia da interao social. Caberia a ela discutir os conceitos sociolgicos fundamentais, a metodologia adequada cincia social em face da peculiaridade do seu objeto, e proceder a relato histrico do desenvolvimento da sociologia. J a especial, concentra-se em pesquisas de reas ou zonas da realidade scio-cultural. Assim teramos, por exemplo: sociologia (interao) + normas coercveis, liderana (direito) = sociologia do direito; e sociologia + economia = sociologia econmica; etc. As sociologias especiais que mais se desenvolveram e alcanaram status curricular foram as seguintes: a) sociologia da religio; b) sociologia econmica; c) sociologia jurdica; d) sociologia da arte; e) sociologia da linguagem ou sociolingustica; f) sociologia poltica; g) sociologia da educao. A sociologia aplicada manifesta um vis mais tcnico, objetivando a transformao social com vistas utilizao de conhecimentos tericos para a soluo dos problemas cotidianos. Enquanto nas especiais no se deixa o campo sociolgico, nas aplicadas avana-se por outros campos do conhecimento. Geral, especial ou aplicada, o interesse fundamental deste trabalho, e da opo pela utilizao da abordagem da sociologia econmica, vai ao encontro do que se denomina de sociologia prtica.

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aquela que consegue ocupar espaos prprios no mercado de trabalho, que penetra no planejamento, na poltica, na organizao social, que se compromete com solues possveis de problemas, que se suja com o concreto da vida diria, que aparece como forma vivel de tratamento do dia-a-dia do cidado. Se no soubermos mostrar que problemas sociolgicos esto to prximos de ns como os econmicos e psicolgicos, porque j temos uma noo desnecessariamente hermtica e excessivamente terica (Demo, 1989, p.10).

Distanciamento e reaproximao Entender o chamado mundo econmico, sua lgica e aes, por meio de conhecimentos diversos, e em particular, pela tica sociolgica, nunca foi considerado estranho, nem mesmo para o mais simples e comum dos pensamentos. Coero, costume, crena, imitao ou obedincia so fenmenos sociais que h muito foram utilizados para explicar os mais variados comportamentos econmicos (Weber, 2002). No mundo acadmico, em particular, na origem das cincias sociais, e mais especificamente, na construo da sociologia como campo especfico do conhecimento, buscou-se compreender como as instituies e estruturas sociais participam do processo de conformao da diviso do trabalho e do movimento dos mercados. E ainda como a sociedade e os seus processos histricos levaram os homens a ampliarem e a diversificarem a organizao da produo e das trocas, no espao e no tempo. No por acaso, entre os autores clssicos e fundadores da sociologia econmica (SE) encontram-se Max Weber, mile Durkheim, Karl Marx e Georg Simmel, entre outros, como ser apresentado adiante. Paralelamente, a perspectiva institucional se faz presente j no nascimento da economia, tanto na escola clssica inglesa, cujas figuras de destaque so Adam Smith, David Ricardo, John Stuart Mill, e como na escola histrica alem de Wilhelm Roscher, Bruno Hildebrand e Karl Knies (Steiner, 2006). Dentre os economistas, a concepo mais ampla, de cunho histrico-social, que nesta perspectiva se dedicava apreciao dos fenmenos econmicos, sofreu significativo revs, ao final do sculo XIX, quando o pensamento neoclssico passou a hegemonizar os estudos. Nesse40

diapaso, passou a predominar um modelo de cincia abstrato formal, edificado exclusivamente na matemtica (Souza, 2003). J entre os socilogos, o distanciamento do debate e das anlises dos fenmenos econmicos se deu posteriormente, por volta de metade do sculo XX (Lakatos & Marconi, 1999). preciso ressalvar que nesse perodo, coincidentemente, Joseph Schumpeter e Maynard Keynes10 apresentam suas crticas ortodoxia do pensamento econmico neoclssico (Souza, id). O distanciamento entre sociologia e economia vai ocorrer com intensidade principalmente entre as dcadas de 1930 e 1970 do sculo XX, o que levou a teoria econmica ao estudo do comportamento individual racional, cabendo sociologia analisar os demais tipos de comportamento (como, por exemplo, a formao de preferncias) e, particularmente, compreender os motivos, sejam eles individuais ou sociais orientadores do comportamento econmico (Steiner, op.cit). Mas preciso ressalvar que durante a diminuio das abordagens apoiadas no encontro dos dois campos de conhecimento (economia e sociologia), os socilogos no abandonaram totalmente os temas econmicos. Aqueles assumidamente ou apenas inclinados s ideias marxistas, por exemplo, que tiveram intervenes de destaque durante essas dcadas, nas suas mais diversas clivagens, no descuidaram da relao entre economia e sociedade. Particularmente Karl Polanyi11, com o livro A grande transformao (originalmente de 1944), deu uma grande contribuio consolidao da SE. Ainda que com menor intensidade, socilogos de orientaes diferentes tambm contriburam. Neil Smelser (1968) escreveu A sociologia da vida econmica, onde j no prefcio, ao justificar seu trabalho, alega que os

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Joseph Schumpeter com The Theory of Economic Development: An Inquiry into Profits, Capital, Credit, Interest, and the Business Cycle, editado em 1934; e The General Theory of Emploiyment Interest and Money, de Maynard Keynes, publicado em 1936.

Para um conhecimento bsico sobre o autor, ver Polanyi e as mercadorias fictcias, in OLIVEIRA, Marcos Barbosa de (200?).

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economistas tratam apenas das relaes entre variveis econmicas, desconsiderando o contexto social, enquanto os socilogos, apesar de pesquisarem o comportamento econmico, no haviam elaborado ainda uma abordagem terica capaz de sistematizar os inmeros, porm dispersos, resultados parciais das pesquisas at ento realizadas (Smelser, 1968). Portanto, o que temos na atualidade uma Nova Sociologia Econmica (NSE), que representaria a retomada, a revitalizao e a atualizao, a partir da dcada de 1980 do sculo XX, da SE que surgiu no final do sculo no final do sculo XIX. Concisamente, a SE definida como a aplicao de ideias, conceitos e mtodos sociolgicos aos fenmenos econmicos, como por exemplo: mercados, empresas, lojas, sindicatos, entre outros, e assim por diante. A SE considera os fatos sociais e estuda os fatos econmicos. Sugere aos economistas e socilogos que estudem estes fatos, considerando sua dimenso de relao social, sem esquecer a chamada dimenso comportamental egosta, tida como questo central (Swedberg, 2004). Outros argumentos apoiam a ideia de que a SE um campo do conhecimento que pretende investigar os fenmenos econmicos, mas destacando que o seu objetivo mais especfico, analisar a construo social das relaes de mercado concebido de maneira ampla, alm de investigar a origem histrica e social dos fenmenos econmicos (Steiner, op.cit). A SE certamente dotada de contedos singulares e de limites prprios, tendo interesses nos estudos das atividades econmicas de produo, distribuio, troca e consumo de bens e servios incrustados em estruturas sociais e relaes sociais. Utiliza uma srie de abordagens, principalmente sobre o mercado de trabalho, a teoria das redes e a teoria das organizaes, recorrendo a postulados sociolgicos que integram o

institucionalismo, a cultura, a antropologia e a histria. O objeto cientfico da SE o resultado intrnseco de diferentes leituras e interpretaes, dirigidas ao mesmo objeto de observao (Ferreira, et alli, 1996).

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possvel afirmar que a SE, no tocante ao seu desenvolvimento, possui trs escolas que se destacaram. A alem que emerge entre 1890-1930, dos sculos XIX e XX. A francesa, tambm do mesmo perodo; e a estadunidense, mais recente, aps a segunda metade do sculo passado. As escolas europeias compartilham a nfase no papel das instituies econmicas e da dimenso cultural e simblica de tais fenmenos, alm do entendimento de que o mtodo a ser empregado deve ser o comparativo e o histrico. A diferena entre elas reside no objetivo dado disciplina. Os alemes pensam que a SE deve complementar a teoria econmica, cuja legitimidade no questionada. J os franceses, consideram a teoria econmica intil, pois edificada, segundo eles, em premissas no reais, e querem, portanto, substitula pela sociologia econmica (Raud-Mattedi, 2007). Na virada do sculo XIX para o sculo XX, uma das questes centrais do debate nas cincias sociais, com repercusso efetivamente social, era como justificar o comportamento do agente econmico e o carter esttico da anlise desse comportamento. Naquele momento, a economia poltica, seus principais autores e correntes de opinio, passaram a enfrentar uma situao desconfortvel no tocante ao debate e convencimento dos temas que tratavam e buscavam esclarecer. A SE se desenvolve justamente neste cenrio, como uma alternativa a hegemonia at ento estabelecida pela economia, e na busca dos elementos socializadores da prpria econmia, do mercado. E tambm como resposta s teorias da economia clssica e neoclssica sobre o homos economicus12 e a teoria da escolha racional, negando que as relaes sociais inseridas no mercado visassem exclusivamente a satisfao racional e utilitria de interesses individuais (Steiner, op.cit.).12

Segundo Juru (2000): O homo economicus ou o homem econmico uma fico, formulada segundo os procedimentos cientficos do sculo XIX que aconselhavam a fragmentao do objeto de pesquisa para fins de investigao analtica. Os economistas assumiram que o estudo das aes econmicas do homem poderia ser feito abstraindo-se as outras dimenses culturais do comportamento humano: dimenses morais, ticas, religiosas, polticas, etc, e concentraram seu interesse naquilo que eles identificaram como as duas funes elementares exercidas por todo e qualquer indivduo: o consumo e a produo. O homo economicus nada mais do que um pedao de ser humano, um fragmento, um resto, a sua parcela que apenas produz e consome segundo leis deduzidas da observao, cujo nico critrio de verdade apoiava-se na evidncia.

43

H

ainda

autores

com

posicionamentos

mais

favorveis

interdisciplinaridade, no caso especfico da relao entre sociologia e economia, particularmente alguns citados ao longo desta dissertao que apontam que o encontro de teorias e metodologias substantivas e diferenciadas, tende a favorecer melhor a interpretao da realidade, patrocinando anlises mais aperfeioadas. As questes que se apresentam nos limites das disciplinas, isoladamente, mostram a sinergia que pode ocorrer desta conjugao: construo social das instituies econmicas;

comportamento econmico e os valores; a economia moral e a tica nas instituies; o capital humano; os mercados de trabalho; as migraes; a reproduo social e o papel do Estado; a economia e as desigualdades sociais, etc. (Ferreira, et alli, 1996). Sem negar a interdisciplinaridade, h, porm, opinies que apontam:A Nova Sociologia Econmica tem sido uma das mais promissoras reaes produzidas dentro do campo da sociologia investida do imperialismo disciplinar da economia, ocorrida na dcada de 80. Nesse momento, quando o reaganismo e o thatcheterismo dominavam as paisagens polticas dos EUA e Inglaterra, o paradigma neoclssico hegemnico na economia parecia, enfim, ter conquistado legitimidade suficiente para ultrapassar o campo limitado das predies sobre o mercado e arvora-se de uma base epistemolgica capaz de produzir explicaes convincentes sobre temas at ento abordados prioritariamente pelos socilogos. Foi assim que os economistas passaram a abordar questes como as escolhas no casamento, as redefinies das taxas de natalidade ou a produo de movimentos sociais em determinadas setores da vida social (Lopes, Jr. 2002, p.39).

Precursores fato, independentemente sobre qual o papel a ser desempenhado pela SE, que na linha de frente da disciplina, no seu incio, esto simplesmente os principais nomes responsveis pela construo do estatuto cientifico da sociologia, como Max Weber, mile Durkheim, George Simmel, Vilfredo Pareto,

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Thorstein Veblen, Joseph Schumpeter e Karl Polanyi13. Todos eles, de uma maneira ou de outra, concebem a SE frente economia poltica. Nosso objetivo, aqui, no remontar minuciosamente a histria da SE, mas apenas registrar as principais contribuies dos tericos e de suas obras. Primeiramente, aqueles ligados origem da SE, e em seguida, os contemporneos, responsveis a partir dos anos de 1980, pela NSE. Entre os chamados clssicos, destacaremos a partir das leituras das obras de Steiner e Swedberg, sucintamente, as posies e contribuies de Pareto, Durkheim e principalmente, com maior destaque de Weber. Vilfredo Pareto indicou a necessidade de tornar mais complexo o estudo da economia. Para tanto, acrescentou em suas avaliaes, as dimenses caractersticas do social. Identificou que o comportamento humano procura o ganho mximo, referindo-se a teoria da escolha racional e ao estudo dos sistemas de interdependncia. Mas considerou limitada, simplista e exagerada a ideia que sups que o agente econmico age sempre conscientemente e orientado pelo conhecimento infinito que dispe das consequncias de suas aes. Para ele, a teoria econmica, baseada apenas em princpios matemticos, era esttica, passando a sugerir, portanto, que era preciso abordar a dinmica. Props ento uma hierarquia entre os diversos domnios da economia poltica. Primeiro a economia pura, mais abstrata; seguida e aperfeioada pela economia aplicada; para s ento, partir para a abordagem sociolgica. Ou seja, quanto mais complexo, mais satisfatria se tornava a explicao do fenmeno concreto, sendo fundamental a associao das teorias econmicas e sociolgicas. Para tanto, Pareto desenvolveu o mtodo das aproximaes sucessivas, j que, segundo ele, estudar o fenmeno em todas as suas dimenses seria impossvel, pois elas [as dimenses do fenmeno] eram (e continuam) infinitas. Assim, o mtodo cientfico permitiria escolhas eA maioria dos autores no inclui Karl Marx como um dos fundadores da Sociologia Econmica, mas todos consideram como fundamentais as suas contribuies.13

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aproximaes. A economia pura estudaria as propriedades de sistemas de interdependncia, criados pela presena de um grande nmero de agentes econmicos nos mercados, competindo ou no. J a economia aplicada, a segunda aproximao, admitiria que o homos oeconomicus, movido por motivos eminentemente econmicos, acatasse a existncia de paixes. Ou seja, seriam aceitas outras formas de ao. Por fim, viria a dimenso sociolgica, em funo de saberes especiais, levando em conta as vrias dimenses da vida social - religio, poltica, militar, sexual, etc., (apud Steiner, op.cit.). J Durkheim, como aponta Steiner (op.cit.), se empenhou em encontrar um modo de substituir a economia poltica. Tarefa essa que foi prosseguida por seus discpulos mais conhecidos e destacados: Franois Simiand, Marcel Mauss, Maurice Halbwachs. No enfoque durkheimiano e dos que continuaram sua obra, por exemplo, a existncia e o funcionamento do mercado no podem ser explicados sem que se fosse necessrio recorrer s instituies e as representaes sociais. Os durkheimianos passaram a ter interesse pela imbricao estreita existente entre os comportamentos egostas e os comportamentos baseados nas normas sociais, por exemplo: a justia nos contratos ou fixao dos salrios. A SE durkheimiana , portanto, institucionalista, na qual, de acordo com Steiner, a tnica da argumentao de Mauss, da a importncia dada ao fato social durkheimiano, que designa tanto arranjos sociais fundamentais, como uma constituio poltica; ou, por exemplo, quanto aos fenmenos como a moda ou os preconceitos, que esto permanentemente evoluindo. (apud Steiner, op.cit.). Neste ponto, interessante mencionar o resgate feito por Steiner (id, p.11-12) da opinio de Veblen que afirma: [...] as instituies so hbitos mentais predominantes. So modos muito difundidos de pensar as relaes particulares e as funes particulares do indivduo e da sociedade [...].

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Steiner (op.cit.) tambm lana mo das crticas de Simiand. Segundo aquele discpulo de Durkheim, os economistas romperam com os positivistas. Na sua tica, a teoria econmica estuda os comportamentos possveis e no os prprios fatos o que os homens deveriam fazer se fossem racionais. Ela [referindo-se a economia] elabora teorias capazes de dar conta dos fatos observveis. Identifica que a economia pura escolhe como objeto o estudo das consequncias do comportamento egosta racional, e se encarrega da descrio das diversas formas e consequncias desse comportamento, sem se preocupar com o meio social, histrico no qual esse comportamento se desenrola. Simiand, no entendimento de Steiner, considera que a SE deve agir diferente para demonstrar o comportamento egosta, associado s outras formas de comportamento. Ele estabelece quatro objetivos das aes egostas: manter o ganho nominal; manter o esforo; manter o ganho; diminuir o esforo. Considera ainda que a SE deva fazer parte das instituies e das representaes sociais dos agentes para estudar os comportamentos econmicos. Simiand destacado por Steiner (Id), tambm elaborou uma classificao dos fatos scio-econmicos a partir das instituies: a) os tipos de economia - por tamanho: familiar; urbana; regional; nacional; b) as formas de troca: com ou sem moeda; c) os regimes econmicos, um critrio jurdico: servido; artesanal; cooperativas; salrio; etc.; d) as modalidades econmicas: segundo um critrio tecnolgico. Contribuio de Max Weber Max Weber indiscutivelmente, entre os precursores (chamados comumente de clssicos), o que mais contribuiu para a fundamentao da SE. O seu trabalho buscou essencialmente completar a economia poltica e oferecer condies para que a histria fosse considerada. Apresentaremos a seguir, a contribuio de Weber para a SE, em seus aspectos mais gerais. A SE de Weber calcada nos seus trabalhos da juventude, que abordam os assuntos mais diversos, como a situao dos trabalhadores47

agrcolas alemes; as condies dos operrios; e os fenmenos das Bolsas de investimentos. (Freund, 2006). Mas Weber esboou claramente no volume I de Economia e Sociedade (E&S), uma de suas obras mais importante, como sociologia deve analisar os fenmenos scio-econmicos, inserindo uma dimenso social na anlise voltada para os interesses. Tal procedimento facilmente identificado no captulo 2 de E&S - categorias sociolgicas fundamentais da gesto econmica, onde so delineados os conceitos e as noes bsicas da sociologia econmica (Swedberg 2005). Mas antes de apresentar o seu entendimento sobre a SE, Weber assinala as diferenas entre a sociologia geral e a teoria econmica no captulo 1 de E&S - conceitos sociolgicos fundamentais. A partir da ideia de ao social, a sociologia weberiana pe em primeiro plano os motivos dos atores colocados em situao de interao, sinalizando que o socilogo, e o estudioso de maneira geral, deve se esforar para compreender estes motivos para explicar as ocorrncias sociais observadas. O pensamento de Weber implica na identificao das correspondncias conscientes ou inconfessveis entre os temas que parecem mais contraditrios. Segundo ele.Toda interpretao, como a cincia em geral, luta pela clareza e provas verificveis. Tal prova de compreenso ser ou de um carter racional, isto , lgico ou matemtico, ou de um carter emocionalmente emptico, artisticamente aprecivel. Pode-se suprir uma prova racional na esfera da ao por um claro domnio intelectual de tudo o que est dentro de seu pretendido contexto de sentido. A prova emptica na esfera da ao ser suprida por uma completa participao na conexo dos sentidos nela vivida. (Weber, 2002, p.12)

Na opinio de Freund (op.cit), Weber considera que nenhuma cincia tem condies de nos provar que a diversidade social atual superior de outra poca. O que ocorre apenas uma diferena: cremos em outros valores, diferentes daqueles em que acreditam nossos antepassados, mas ningum pode dizer que estes ltimos eram menos adeptos s suas condies do que ns s nossas, ou ento que eles tinham o sentimento de ser mais infelizes do que ns. Em suma ele rejeita todo o sistema que pretende identificar-se com o concreto e s aceita a elaborao de conceitos no sentido

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de se tornarem instrumento do conhecimento significativo do real. Assim, aponta que a sociologia histrica e sistemtica. Para Weber, a discusso existente, incentivada principalmente pelos economistas, entre racionalidade (objetividade) versus irracionalidade

(subjetividade), tem pouco significado em geral. A discriminao entre o racional e o irracional se faz em nome de certos valores que preferimos a outros, quando no fundo toda ideia de valor repousa sobre um momento subjetivo e irracional. Ou seja.[...] Certos processos e fenmenos sem sentido (isto , desprovidos de significado subjetivo) existem em todas as cincias da ao humana. Agem como estmulos, ou efeitos, e promovem ou inibem a conduta humana. Uma ao sem sentido no deve ser confundida com um comportamento inanimado ou no-humano. Todo artefato (por exemplo, uma mquina) adquire o sentido que lhe foi dado pela sua produo e uso, por parte da ao humana; tal sentido poder ser perfeitamente variado em seus propsitos. Mas, se no se referir a um sentido, o objeto permanece completamente inteligvel (Weber, 2002, p.15).

E mais, indica que o trao caracterstico e fundamental da racionalizao da civilizao ocidental consiste no fato de no ser ela limitada a um setor determinado ou privilegiado da atividade humana, pois penetra o conjunto da vida. Ela exerce uma ao permanente, desenvolvendo-se e ultrapassando-se sem cessar (Freund, op.cit).Em um sentido, a concepo que Weber tem da cincia comandada pela poltica; o que significa que multiplicidade e ao antagonismo dos valores e dos fins corresponde a multiplicidade e o antagonismo dos pontos de vista sob os quais se deixa explicar cientificamente. Apesar do rigor dos conceitos e das demonstraes, a cincia no est isenta da rivalidade entre hipteses e da competio entre teorias, cada uma fundamentando-se em certo nmero de fatos fidedignos e constatveis por vezes, muito bem escolhidos para as necessidades da causa, com excluso de outros fatos igualmente bem estabelecidos [Embora] Weber sempre tenha evitado reduzir suas interrogaes e suas explicaes a um ncleo central ou princpio nico [...] o conhecimento e a ao humana nunca se realizaram definitivamente, pois todo conhecimento requer outros conhecimentos, e toda ao, outras a aes. [...] Seja qual for o mtodo adotado, tudo o que possvel ordenar relativamente o real, nunca esgot-lo (Freund, op.cit, p.11-12).

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A partir do entendimento geral sobre cincia, Freund destaca o que Weber entende por economia no sentido mais prprio do termo, ou seja, [...] a relao humana que tem por base uma necessidade ou um complexo de necessidades que exigem satisfao, enquanto os meios e os atos capazes de proporcionar essa satisfao so limitados quer pela raridade, quer por uma penria, quer por uma indigncia dos recursos de aquisio [...] (id, p.112). A economia no exprime assim, somente uma relao humana, mas sim trabalho social. Neste sentido ela [economia] implica, alm disso, em uma relatividade significativa para as outras pessoas, que se manifesta no fato de que a aquisio ou o uso dos objetos desejados para satisfazer as necessidades do margem a uma atividade compreendendo, de um lado, uma explorao sob a forma da produo ou do trabalho organizado, e do outro, uma previso com vistas a garantir o atendimento das necessidades sob as formas da proviso, do ganho ou, mais geralmente, de um poder capaz de dispor de bens (id). Na opinio de Weber, a economia se deixa encarar sob dois pontos de vistas essenciais. O primeiro que visa o atendimento de necessidades prprias todos os bens possveis, desde a simples necessidade alimentar at a edificao religiosa. Mas preciso salientar que a necessidade econmica no , pois, necessariamente de ordem exclusivamente material, pois [...] as preces, as missas podem se tornar objeto de uma relao econmica se a administrao dos bens desejados supe pessoas qualificadas (sacerdotes) que preciso remunerar em espcie ou em natureza condio que introduz o limite caracterstico de que acabamos de falar [...] (Freund, op.cit, p.112-113). J o segundo aspecto, diz respeito ao trabalho e ao seu produto. Consiste na explorao da limitao dos bens e dos atos, para extrair um ganho ou uma vantagem capaz de garantir a livre disposio desses bens (id, p.112-113). Assim, a economia considerada como uma relao social desde que os participantes orientem seu comportamento segundo o sentido visado

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subjetivamente, com vistas a satisfazerem s necessidades ou a se entregarem a um trabalho que lhes permita adquirir os bens necessrios. O que nos leva ao entendimento de que os fenmenos culturais interagem com a sociologia econmica sob trs pontos de vista: aqueles que consistem de acontecimentos, normas e de instituies puramente

econmicas, como por exemplo, a bolsa de valores, os bancos, denominados de fenmenos propriamente econmicos; os que por outros aspectos, possam ser economicamente importantes, como as instituies religiosas; ou quando alguns de seus aspectos podem em certas condies adquirir uma significao econmica, j que produzem resultados que so importantes do ponto de vista econmico; e enfim, em razo da condicionalidade econmica de certas instituies e acontecimentos, como o gosto artstico de uma determinada poca. (id). O Estado, por exemplo, pode aparecer como instituio

propriamente econmica ao gerir as finanas pblicas ou as empresas nacionalizadas. Suas decises no-econmicas atinentes ao ensino, segurana pblica ou a organizao militar, entre outras, como a sade, podem ser condicionadas por motivos ou fatores econmicos. Ou seja, um fenmeno vai interessar a sociologia econmica, [...] se e at quando a curiosidade, determinada pela relao com os valores, se dirigir unicamente influncia que ele exerceu ou continua a exercer na luta pela existncia material [...] (Freund, op.cit, p.114). Na viso de Weber, no caso do fato econmico, a motivo da ao a satisfao das necessidades em situao de escassez. O desenrolar da ao marcado pelo carter pacfico da interao, o que exclui o emprego de violncia, legal ou no. A ao econmica pacfica pressupe, de um lado, que os atores respeitem mutuamente os direitos de propriedade e, de outro lado, que em razo da situao de interdependncia na qual se encontram os produtores e os indivduos que fazem as trocas uns e outros esperem que

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sejam levados em considerao os desejos que podem ser realizados expressamente. Weber prope algumas vertentes para o trabalho: a) anlise da estrutura das relaes econmicas presentes nos fenmenos; b) anlise da formao histrica dessas relaes; c) anlise de sua significao cultural. Consequentemente, est-se na presena das trs dimenses da SE: a) analtica; b) histrica; e c) cognitiva. A anlise prpria da SE exige que se enfatizem as instituies e as aes econmicas. Essas vertentes estaro presentes mais adiante quando forem apresentados e analisados os aspectos fundamentais do mercado da segurana privada. interessante registrar ainda a tipologia da ao de Weber, aplicada economia. So quatro os tipos: as tradicionais, consideradas rotineiras, as quais expressam a ideia que sempre foi assim; as afetivas, ou seja, impulsivas, que registram os afetos do momento, as emoes; as racionais, que so valorativas. Originais da ao; e tambm as racionais, que apontam um fim almejado, adaptadas. Weber vai mostrar como o comportamento econmico racional, suporte fundamental de toda a civilizao moderna, uma construo social especfica. Na SE de Weber, como na de Pareto ou na Simiand, a teoria da ao mobiliza vrias modalidades. Ontem, como hoje, tanto na teoria clssica, como na contempornea, a SE combina o comportamento guiado pelo interesse e o comportamento que depende das relaes existentes entre os atores (valores e normas, afetos, objetivos). A apresentao das diferenciaes indicadas por (Weber, 2004, p.03) entre sociologia, economia e a sociologia econmica, especificamente, iniciam-se com uma definio geral, de que [...] a sociologia (no sentido em que essa palavra extremamente ambgua usada aqui) uma cincia que se interessa pela compreenso interpretativa da ao social e por isso, por uma explanao causal de seu curso e consequncias [...]. O objetivo tornar clara a importncia atribuda ao agente, o que permitir o passo seguinte: fixar a52

premissa que um fenmeno social constitui-se por meio do significado que tem para o agente. E que agentes diferentes podem partilhar uma mesma interpretao deste significado (Swedberg, op.cit.). O fragmento, destacado do pensamento weberiano, permite concluir que a unidade bsica da sociologia para Weber o indivduo, ou mais precisamente, as aes sociais do indivduo, o que vai ao encontro da fundamentao da teoria econmica. A sociologia comea, portanto, com a anlise do indivduo e o significado que o mesmo atribui a seu comportamento, conhecido como individualismo metodolgico14. Ou seja, o indivduo movido por interesses, sejam eles materiais ou ideais. Os hbitos e as emoes tambm desempenham papel. Mas o que vai distinguir fundamentalmente a sociologia da teoria econmica o fato da ao do individuo tambm ser social. Segundo Weber, [...] a ao social somente na medida em que seu significado subjetivo leva em conta o comportamento dos outros, que, assim, orienta o seu curso (apud Swedberg, op.cit, p.47). Ou seja, a teoria econmica analisa a ao econmica em geral, e a sociologia analisa a ao econmica que tambm orientada, em termos de significado. Ao discutir a noo de interesse, Weber aponta os quatro principais tipos de ao social: a) tradicional (movida por hbito); b) afetiva (movida por emoes); c) racional com relao a valores (movida por interesses ideais); d) racional com relao a fins (instrumentalmente racional e movida por interesses materiais).

Segundo Conh (2001, p. 26), a noo de individualismo metodolgico na obra de Weber no se reduz a um simples alerta ou a um mero princpio da sociologia compreensiva em que o indivduo representa um limite superior. Para Weber o objeto da anlise sociolgica no pode ser definido como a sociedade, ou grupo social, ou mediante qualquer outro conceito com referncia coletiva, no entanto, claro que a sociologia trata de fenmenos coletivos, cuja existncia em momento algum negada. O que Weber sustenta que o ponto de partida da anlise sociolgica s pode ser dado pela ao de indivduos e que ela individualista quanto ao mtodo. Isso inteiramente coerente com a posio sempre sustentada por Weber, de que no estudo dos fenmenos sociais no se pode presumir a existncia j dada de estruturas sociais dotadas de um sentido intrnseco; vale dizer, em termos sociolgicos, de um sentido independente daqueles que os indivduos imprimem s suas aes.

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Em seguida, partindo da ao (social) individual, Weber torna mais complexo a discusso quando aborda as relaes sociais (dois ou mais indivduos interagem), um nmero repetido de aes (como no costume e no hbito) e vrios tipos de organizaes (a empresa, a Igreja, e o Estado) (Swedberg, op.cit.). O passo seguinte a apresentao de alguns dos conceitos sociolgicos gerais que so cruciais para a sociologia econmica: a) luta; b) concorrncia; c) relaes sociais abertas; d) relaes sociais fechadas; e) uniformidade determinada pelo interesse do indivduo, que sero explicadas adiante. Na busca pela identificao de outros conceitos relevantes na obra de Weber para a sociologia econmica, Swedberg apresenta o conceito ordem legtima e convenes. O primeiro diz respeito uma relao social [...] orientada por mximas determinveis [de comportamento]. Para uma ordem assim ter validade ou legitimidade, essas mximas devem, alm do mais, ser vivenciadas pelo agente como obrigatrias ou exemplares. J segundo conceito diz respeito a uma ordem em que os desvios do comportamento esperado so vistos com desaprovao. Weber aponta que convenes desse tipo podem existir no mercado, e tambm desempenham um papel chave na tica econmica (apud Swedberg, op.cit, p.49). No bojo desta discusso, Swedberg (op.cit, p.49) faz questo de esclarecer uma questo relacionada com a produo weberiana no campo da sociologia econmica.Afirmar que Weber construiu sua sociologia sobre fundamentos marginalistas (ou, pior ainda, que sua sociologia representa uma generalizao da economia marginalista) errneo e superficial. [Afinal] a noo de utilidade marginal no desempenha praticamente nenhum papel em sua sociologia geral, embora seja mencionada no contexto da ao social racional com relao a fins.

O que h de fato de diferente entre a sociologia e a teoria econmica so trs questes presente em E&S.

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1. A teoria econmica, ao contrrio da sociologia, s leva em conta o comportamento racional; 2. A teoria econmica, ao contrrio da sociologia, s leva em conta o comportamento com objetivos puramente econmicos; 3. A sociologia considera exclusivamente a ao social, ou seja, a ao que voltada para o comportamento dos outros (Swedberg, op.cit, p.49).

Alm das diferenciaes, Weber destaca as aproximaes. Para ele, o que une a sociologia e a teoria econmica est relacionado com a sua rea de estudo. A sociologia trata de uma diversidade muito maior de aes do que a teoria econmica, mas as duas tm um tipo de ao em comum, a ao racional com objetivos exclusivamente econmicos. Compreendendo que a relao entre a teoria econmica e a sociologia em geral mais complexa, Weber afirma que a ao econmica como tal no precisa ser ao social, para em seguida definir ao social econmica da seguinte forma.A ao econmica de um indivduo social somente quando leva em conta o comportamento de mais algum. Portanto, em termos muito gerais, torna-se social na medida em que o agente assume que outros vo respeitar seu controle real sobre os bens econmicos. Concretamente, uma ao social quando, por exemplo, em relao ao consumo do prprio agente, as necessidades futuras de outros so levadas em conta e isso se torna uma considerao que afeta a poupana do prprio agente. Ou num outro caso, a produo pode ser orientada pelas necessidades futuras de outras pessoas. (Weber apud Swedberg, op.cit, p.51).

Uma concluso que se impe, segundo Swedberg.Em certa medida, a sociologia e a teoria econmica se sobrepem e que essa sobreposio abrange o comportamento racional com objetivos exclusivamente econmicos ou, mais precisamente, o comportamento racional com objetivos exclusivamente econmicos que tambm orientado em relao a outros. Tambm fica claro que a teoria econmica lida tanto com a relao social quanto com a ao que no social (Swedberg, op.cit, p.52).

O que Weber indica que a racionalidade um tpico de interesse tanto da teoria econmica tanto quanto da sociologia, e que ambas usam tipos ideais e se baseiam no individualismo metodolgico.

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Weber assinala a existncia de uma diferena entre ao econmica e ao social, baseada fundamentalmente na questo do foco estreito e especfico da atividade da primeira. Parte ento de uma definio clssica sobre ao econmica que afirma [...] uma ao economicamente orientada quando de acordo com o seu significado subjetivo, preocupa-se com a satisfao do desejo por utilidade (Weber apud Swedberg, op.cit, p.53). Tais questes se tornaro evidentes na abordagem dos aspectos fundamentais do mercado da segurana privada, em particular nos itens: existncia de uma estrutura de competio e de organizao identificvel e reconhecida; disponibilidade de mecanismos de controle e de sancionamento coletivo; e definio de modalidades aceitveis de transaes. No captulo 2 de E&S, Weber comea com um esboo de definio de ao social econmica e passa a descrever formas complexas dessas aes: relaes econmicas; organizaes econmicas; e sistemas

econmicos. apresentada uma tipologia sociolgica, cuja distino se fundamenta por terem o carter de economia domstica (oekonomia), que diz respeito ao consumo e aparece primeiro na histria da humanidade ou de gerao de lucros (chrematistike) que visa expandir o controle sobre novas mercadorias e servios. Na primeira, forma caracterstica da Antiguidade, a produo para o prprio sustento, para o proprietrio e o seu entorno, e quando havia alguma sobra, era destinada ao mercado. J a segunda, que tem na empresa o seu oposto, a sua negao, inclinao exclusivamente para o mercado, buscando o lucro contnuo (Swedberg, id). Outras duas tipologias de ao econmica tambm so

apresentadas para ajudar a distinguir a oekonomia da chrematistike. Primeiramente, elas podem ser classificadas tanto como racionais ou tradicionais. Em seg