educacao e sociedade numa perspectiva sociologica

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    Erasto Fortes Mendona

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    Estado do Acre

    GovernadorJorge Viana

    Vice-GovernadorArnbio Marques

    Secretaria de Estado de Educao do AcreMaria Corra da Silva

    Coordenadora de Ensino Superior da SEEAMaria Jos Francisco Parreira

    Fundao Universidade de Braslia FUB/UnB

    ReitorTimothy Martin Mulholland

    Vice-ReitorEdgar Nobuo Mamiya

    Decano de Ensino e GraduaoMurilo Silva de Camargo

    Decano de Pesquisa e Ps-graduaoMrcio Martins Pimentel

    Faculdade de Educao FE/UnB

    DiretoraIns Maria M. Zanforlin Pires de Almeida

    Vice-DiretoraLaura Maria Coutinho

    Coordenadora Pedgogica

    Slvia Lcia SoaresCoordenador de InformticaTadeu Queiroz Maia

    Centro de Educao a Distncia CEAD/UnB

    DiretorProfessor PhD. Bernardo Kipnis

    Coordenadora ExecutivaJandira Wagner Costa

    Coordenadora Pedaggica

    Maria de Fatima Guerra de Sousa

    Gesto PedaggicaMaria Clia Cardoso Lima

    Gesto de ProduoBruno Silveira Duarte

    Design GrficoJoo Baptista de Miranda

    Equipe de RevisoBruno RochaDaniele Santos

    Fabiano ValeLeonardo MenezesRoberta Gomes

    Apoio LogsticoFernanda Freire Pinheiro

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    Conhecendo o Autor_______________ 4Introduo ________________________ 6

    Seo 1Construo da lente sociolgica__________________________9

    A Revoluo Industrial e o fenmeno do industrialismo____ 10

    Revoluo Industrial:

    novas formas de organizao da vida social______________12

    A Revoluo Francesa_________________________________ 13

    A Sociologia como resposta nova situao _____________ 15

    Os clssicos no surgimento da Sociologia _______________ 16

    Seo 2Duas grandes tendncias tericas no estudo da sociedade__29

    O funcionalismo______________________________________ 30

    O materialismo dialtico_______________________________32

    Duas grandes tendncias tericas no estudo da sociedade__33

    As duas tendncias tericas e suas aplicaes_____________36

    Seo 3Abordagens sociolgicas da educao___________________ 41

    A educao na concepo funcionalista:

    o registro conservador de Durkheim____________________ 42O liberalismo: a educao como

    fator de modernizao da sociedade_____________________45

    As abodagens marxistas da educao____________________52

    Althusser e a escola como aparelho ideolgico de estado___65

    Gramsci e a escola como escola da contra-ideologia________69

    Referncias ______________________ 74

    Sumrio

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    Conhecendo o autor

    Erasto Fortes Mendona

    Prezado(a) colega professor(a),

    Em Braslia, fui professor da rede pblica, atuando emescolas de ensino fundamental e no Curso de Magistrio da EscolaNormal da Ceilndia. Fui diretor eleito do Complexo Escolar A daCeilndia, onde coordenei a implantao de um projeto de gestodemocrtica.

    Atualmente, sou professor na Faculdade de Educaoda Universidade de Braslia, onde exero a docncia e desenvolvopesquisas e extenso vinculadas ao Ncleo de Pesquisa em Polti-cas e Gesto da Educao. Fui eleito diretor desta Faculdade, para o

    perodo 2002-2006, participei tambm do Curso de Pedagogia paraProfessores em Exerccio no Incio de Escolarizao PIE, desde oincio do projeto, em 2000.

    Agora, voc tem em mos um material que foi produzi-do para ser utilizado como mdulo de aprendizagem da disciplinaEducao e Sociedade numa Perspectiva Sociolgica.

    Como voc sabe, o objetivo maior deste curso a for-mao de professores habilitados para o magistrio em nvel mdio

    que atuam na Educao Infantil e no Ensino Fundamental da redepblica do Estado do Acre. Todos ns que estamos envolvidos comeste projeto esperamos que a sua formao em nvel superior cau-se um forte impacto na qualidade de ensino das escolas da rede p-blica. Entretanto, para que essa pretenso seja possvel, necessrioque os materiais utilizados sejam adequados e eficientes.

    Nesse sentido, dirijo-me especialmente a voc que acei-tou o desafio de participar deste esforo coletivo, para solicitar queaceite, tambm, ser co-autor desta obra. A sua colaborao em ter-mos de uma avaliao crtica deste material de estudo de funda-mental importncia para que seja possvel realizar a sua reviso e oseu aperfeioamento, tornando-o mais acessvel e apropriado aosnossos objetivos.

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    Portanto, ao estud-lo, faa-o com rigor, exercendo umaapreciao minuciosa de seu contedo. Sugira adaptaes, modi-ficaes, supresses, acrscimos. Suas sugestes, fruto de esforointelectual e de compromisso com a formao de professores, emespecial com a sua, seguramente daro uma nova qualidade a estematerial.

    Como autor desta proposta preliminar, agradeo o seuempenho.

    Erasto Fortes Mendona

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    Introduo

    Prezado(a) cursista,

    Voc est sendo convidado a comear conosco umaaventura: a de refletir sobre a educao que voc desenvolve noseu ambiente de trabalho. Pensar sobre a escola, sobre a dinmi-ca de sua sala de aula, sobre o seu trabalho como professor(a). Seu

    trabalho na escola parte de uma grande engrenagem. Muitos ou-tros professores atuam, como voc, na educao de crianas, ado-lescentes, jovens e adultos, em vrias escolas espalhadas por todoo Estado do Acre. O conjunto dessas escolas, somado estruturaque coordena e administra o que nelas ocorre forma o Sistema deEnsino Pblico. Esse sistema mantido com os recursos do povo eadministrado pelo governo eleito.

    Voc j parou para pensar na imensa rede de relaesque existe entre os diversos elementos que compem esse con-

    junto? Veja como so muitas essas relaes: voc com seus alunos;voc com os colegas professores, coordenadores, diretores, auxilia-res administrativos; os alunos entre eles mesmos; a direo com ospais; a escola com a associao de moradores ou com a igreja local;a Secretaria de Educao com a escola; a escola com o governo; etantas outras que poderiam ser apontadas.

    Outros professores, em diferentes locais de nosso pas,desenvolvem prticas profissionais semelhantes. Em cada um dosestados brasileiros, o conjunto das escolas e da estrutura que o ad-ministra forma, tambm, um sistema de ensino estadual. O mesmoocorre em nvel municipal. A soma de todas essas prticas espalha-das pelo pas constitui a educao escolar brasileira.

    Por outro lado, no podemos dizer que a educao serestringe ao processo desenvolvido na instituio escolar. Muitasprticas educacionais ocorrem fora da escola, estabelecendo di-versas outras relaes. A mais evidente talvez seja a educao queacontece no interior da famlia, ou seja, a que os pais ou respons-veis exercem sobre as geraes mais novas. Mas tambm podemosapontar as relaes pedaggicas que se passam em outros ambien-

    tes como a igreja, o partido poltico, a associao de classe, o sindi-cato, os meios de comunicao, etc.

    H muitas maneiras de olhar para essas diferentes re-laes. Neste fascculo, a nossa preocupao estar voltada para

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    oferecer a voc instrumentos que permitam construir uma visosociolgica sobre essas relaes, em especial sobre aquelas que en-volvem a escola. Em outras palavras, interessa-nos saber como sed a relao entre a educao e a sociedade, como esses dois fen-menos esto associados, um interferindo no outro. As diferentes so-ciedades instituem diferentes tipos de processos de educao, de-monstrando existir uma clara influncia da sociedade sobre como

    se desenvolve a prtica educativa.

    Por outro lado, a educao tambm exerce a sua influ-ncia sobre a sociedade. Nosso trabalho ser o de tentar desvendaressas influncias. Para isso, vamos examinar as reflexes que algunssocilogos e educadores j desenvolveram sobre o assunto. Essaspessoas, ao observarem, analisarem e produzirem estudos sobre aeducao, fizeram um trabalho intelectual que corresponde ao ttu-lo de nosso fascculo, isto , realizaram uma anlise da educao eda sociedade numa perspectiva sociolgica. Para produzir esse cor-po terico, esses estudiosos partiram de conhecimentos j elabora-

    dos e tentaram entender melhor o fenmeno da educao. Dessamaneira, foram produzindo, tambm, novos conhecimentos.

    O que propomos com este trabalho que voc cons-trua conosco um olhar sociolgico que o(a) torne capaz de enxer-gar a educao e a sua relao com a sociedade. Como se fssemosconstruindo uma lente especial uma lente sociolgica que, aocolocarmos em frente aos nossos olhos, nos permita enxergar talrelao.

    Vamos comear essa aventura?

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    Construo da lente

    sociolgica1Objetivo: descrever e explicar o funcionamento da sociedade;

    estabelecer um olhar sociolgico sobre a realidade.

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    Como j vimos, nosso objetivo inicial ser o de tentarconstruir uma viso, a mais aguada possvel, sobre as relaes exis-tentes entre a sociedade e a educao. Vamos comear procurandoentender como tem sido conceituada a prpria sociedade. Descre-ver e explicar o funcionamento da sociedade , hoje, a tarefa dossocilogos, mas envolve outros profissionais. Alm disso, impor-tante ressaltar que a preocupao mais atenta com a explicao da

    sociedade , seguramente, mais antiga que a prpria Sociologia, nacondio de cincia estabelecida e reconhecida academicamente.O surgimento de uma rea de conhecimento batizada com o nomede Sociologia, como veremos, relativamente recente.

    Vamos estabelecer, em primeiro lugar, o que pode sercompreendido como um olhar sociolgico. Voc deve concordarque existem diferentes maneiras de encarar a mesma realidade. Umartista pode ver razo para sua arte onde outros vem apenas ba-nalidades. A realidade que todos vem objetivamente a mesma.No muda. O que muda a maneira de ver.

    A realidade social tambm assim. Ela est a na nossafrente, podendo ser observada, analisada e explicada. A observaoda realidade social revela diferentes nuances, dependendo da ma-neira como a olhamos. Podemos olh-la com a pretenso de sim-plesmente contempl-la, admir-la, sem o propsito de entend-laem profundidade. Mas tambm possvel olhar a sociedade comateno mais aguada, buscando entender e explicar como ela edescrev-la com detalhes. Como j vimos, essa a tarefa da Socio-logia.

    A Sociologia tem pouco tempo de existncia. Suas ori-gens remontam ao sculo XVIII, quando grandes transformaeseconmicas e sociais ocorridas na Europa a partir de uma duplarevoluo a Industrial e a Francesa revelam problemas na es-trutura e na dinmica social at ento nunca vistos. Apesar de a pa-lavra Sociologia s aparecer algum tempo depois, so esses acon-tecimentos que desencadeiam uma preocupao mais atenta dealguns intelectuais.

    A Revoluo Industrial e o fenmeno do

    industrialismo

    O sistema capitalista de produo instaurado ao longoda Revoluo Industrial permitiu o surgimento de novas realidades.O controle das mquinas, das terras e do trabalho humano foi pou-co a pouco se concentrando nas mos do empresrio capitalista e, medida que esse sistema foi se consolidando, uma mudana ex-pressiva na organizao social pde ser verificada. Veja o que afir-

    ma o trecho de um livro que relata as mudanas ocorridas nessapoca:

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    O surgimento da sociedade industrial marca mudan-as muito fortes na organizao social. Um novo mundo nascia com

    o advento da indstria como elemento fundamental na produode bens materiais. Essa revoluo caracterizou-se pelas mudanasocorridas na Inglaterra a partir do final do sculo XVIII. Os historia-dores denominam esse perodo de Revoluo Industrial. A partirde meados do sculo XIX, esse desenvolvimento expandiu-se paraoutros pases. A expanso dessa nova forma de produo denomi-na-se industrializao. Em economia, esse termo significa a reuniodo capital, do trabalho e da tcnica com o objetivo de transformar,por meios mecanizados, as matrias da natureza em produtos paraserem consumidos em larga escala.

    Esse fenmeno produziu intensos processos migrat-rios das zonas rurais para as zonas urbanas, e o processo produtivopassou a ser organizado em grandes empresas, substituindo o tra-balho artesanal independente, caracterstico do perodo anterior. O

    solapamento dos costumes e das instituies existentes

    novas formas de organizao da vida social

    desagregao da sociedade feudal

    consolidao da sociedade capitalista

    contexto histrico

    Surgimento da Sociologia

    Cada avano com relao consolidao da sociedadecapitalista representava a desintegrao, o solapamentode costumes e instituies at ento existentes e a in-troduo de novas formas de organizar a vida social. Autilizao da mquina na produo no apenas destruiuo arteso independente, que possua um pedao de ter-ra, cultivado nos seus momentos livres. Este foi tambmsubmetido a uma severa disciplina, a novas formas de

    conduta e de relaes de trabalho, completamente dife-rentes das vividas anteriormente por ele (MARTINS, 1992,p. 12).

    Como voc pode observar, as mudanas ocorridas es-to relacionadas ao processo de desgaste do mundo feudal e conseqente consolidao da civilizao capitalista. A mecanizaoindustrial desviou os capitais da atividade comercial para a ativida-de industrial, provocando grandes mudanas de ordem econmicae social. Essas mudanas decorreram da degradao da sociedadefeudal e da implantao definitiva do capitalismo como forma de

    produo dos bens materiais. Poderamos resumir as circuntnciasque permitiram o surgimento da Sociologia com o seguinte qua-dro:

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    novo modo de produo trouxe, tambm, a perda de qualidade devida dos trabalhadores oriundos do meio rural. Os operrios eramsubmetidos a longas e durssimas jornadas de trabalho, sem direi-to a frias ou feriados, em troca de salrios que permitiam, quandomuito, sua subsistncia. As mulheres e as crianas no eram poupa-das desse regime de explorao, trabalhando at 12 horas segui-das.

    Revoluo Industrial: novas formas de

    organizao da vida social

    Como voc pode observar, a Revoluo Industrial e aposterior consolidao do industrialismo acarretaram mudanasdanosas para a maioria da populao, imprimindo novas formasde organizao da vida social. Podemos resumir essas mudanasassinalando-as no quadro abaixo:

    destruio do artesanato independente;

    implantao de manufatura e de atividade fabril;

    disciplina severa nas novas relaes de trabalho;

    urbanizao crescente;

    reordenao da sociedade rural;

    destruio da servido;

    desmantelamento da famlia patriarcal;

    migrao do campo para a cidade;

    trabalho de mulheres e crianas no mnimo 12 ho-ras, sem frias e sem feriados, por salrio de subsistncia.

    Mudanas dramticas ocorreram como conseqncia

    da introduo dessas novas formas de organizao da vida social. preciso chamar ateno para o fato de que o novo modo de pro-duo fez surgir duas novas classes sociais: a dos proprietrios dasmatrias-primas necessrias produo, das mquinas e do capital,denominada burguesia, e a dos trabalhadores assalariados, tam-bm denominada proletariado. Essa ltima substituiu os artesosindependentes, que foram perdendo sua funo at desaparece-rem quase completamente. No perodo anterior, predominava aforma artesanal de produo, na qual os artesos tinham a possedas ferramentas e das matrias-primas necessrias produo. No

    novo modelo, os trabalhadores assalariados perderam a posse dasferramentas e das mquinas, sendo donos to-somente da fora detrabalho, isto , da energia necessria para a realizao do trabalho.No lhes restaria nenhuma outra alternativa seno a de vender essafora de trabalho aos burgueses, em troca de um salrio que lhes

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    permitisse sobreviver. A Revoluo Industrial funda, assim, uma novaordem nas relaes de trabalho, fixando as bases do modo de pro-duo capitalista.

    A Revoluo Francesa

    O surgimento das classes burguesa e proletria foi umacondio fundamental para a ecloso da Revoluo Francesa. Essa,por sua vez, provocou conseqncias importantes para o nascimen-to da Sociologia como rea de conhecimento. A Revoluo Francesafoi um processo social e poltico que aboliu a monarquia e procla-mou a repblica, pondo fim ao perodo conhecido como Antigo Re-gime.

    No sculo XVIII, apesar de a burguesia ocupar uma posi-

    o de liderana na economia, tendo papel central nas atividades domodo de produo capitalista, seu prestgio social ainda era limita-do pela estrutura feudal. O crescimento demogrfico, em especial naregio urbana, a pequena produo agrcola e o encarecimento dospreos dos alimentos trouxeram graves problemas subsistncia dapopulao de baixa renda. Por outro lado, o Estado cobrava tributosaltssimos, buscando receita para pagar a desordem administrativa, amanuteno do luxo da corte de Versalhes e as batalhas nas quais aFrana se envolvia. Esses impostos prejudicavam, em grande medida,a produo capitalista. A burguesia, sentindo-se lesada, soube catali-

    sar as insatisfaes populares, ocupando a dianteira na liderana dosmovimentos por mudanas estruturais da sociedade. Nesse sentido, lcito afirmar que a burguesia assumiu uma posio revolucionria,ou seja, ela adotou uma posio de confronto com a ordem estabe-lecida, lutando por renovaes polticas, morais e sociais.

    A composio social na Frana dividia-se em classes quese denominavam estados. Do primeiro estado, participava a nobre-za, possuidora de privilgios de toda ordem, em especial os fiscais.A nobreza dividia-se em nobreza de sangue, de carter hereditrio,

    e nobreza de toga ou de robe, composta por burgueses que com-pravam seus ttulos de nobreza ou o obtinham por algum tipo demrito especial. O segundo estado era composto pelo clero, isentode toda e qualquer tributao. Tambm o clero era dividido em altoclero, composto pelos cardeais e bispos, de origem nobre, e baixoclero, composto pelos simples sacerdotes, de origem pobre. O ter-ceiro estado o povo sustentava com seus tributos os privilgiosdas outras classes. Essa classe era muito heterognea, dela fazendoparte a burguesia e as camadas populares. A burguesia era divididaem: alta burguesia, composta por banqueiros, industriais e grandescomerciantes; mdia burguesia, composta por funcionrios pblicose profissionais liberais; e baixa burguesia, composta pelos pequenoscomerciantes. Das camadas populares, participavam os artesos, osoperrios, os camponeses e os servos. Calcula-se que, de um total devinte e cinco milhes de habitantes da Frana, apenas quinhentos

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    mil pertenciam nobreza e ao clero. Os camponeses e servos so-mavam cerca de vinte milhes de pessoas. A burguesia, portanto,girava em torno de quatro milhes e meio de pessoas.

    As revoltas populares foram se tornando cada vez maisfreqentes, em funo da grave crise econmica que dominava aFrana. Por outro lado, a poltica externa francesa permitia que aconcorrncia de produtos ingleses praticamente inviabilizasse aproduo nacional, provocando falncias e desemprego crescente.As reformas propostas pelos prprios ministros das finanas, quepoderiam permitir alguma mudana nesse quadro de caos social eeconmico, eram impedidas pela aristocracia, que no admitia per-der seus privilgios, o que causava sucessivas demisses.

    Em maio de 1789, Lus XVI convencido pelo seu mi-nistro das finanas a convocar os Estados Gerais Assemblia comrepresentantes dos trs estados. A forma tradicional de votaonesse parlamento era: cada estado, um voto. Dessa maneira, a no-breza tinha confiana no controle que podia exercer, j que o clerocompartilhava os mesmos interesses. No entanto, os representan-tes do terceiro estado, premidos pelas dificuldades que a situaoeconmica e social lhes impunha, exigiram contar com um nmerode representantes compatvel e com votao individual. Contandocom o apoio do baixo clero e da nobreza togada, poderiam obter a

    maioria na assemblia, o que lhes permitiria control-la. Diante dosembates e dos choques que se sucederam, o rei tentou dissolvera assemblia, impedindo que os deputados entrassem na sala dassesses. Os representantes do terceiro estado, rebelados, declaram-se em permanente assemblia. Em 9 de julho, com o apoio de vriosrepresentantes do baixo clero, declarada a Assemblia NacionalConstituinte. Em 12 de julho, o povo, revoltado, inicia uma srie dedistrbios, em resposta s provocaes e s resistncias do rei. De-pois de invadir o Arsenal dos Invlidos em busca de armas, em 14 dejulho, o povo invade a fortaleza da Bastilha, uma priso real, smbolodo despotismo dos monarcas, onde estavam encarcerados os con-

    siderados inimigos da realeza.

    A assemblia aboliu o regime feudal e seus privilgiose decidiu pela elaborao de uma constituio, cuja introduo

    Informao interessante:

    As pessoas de maiores recursos usavam cales justosat os joelhos. As pessoas pobres, como os pequenos comercian-tes, os proletrios e os miserveis, usavam calas compridas. Essaspessoas eram conhecidas pelo termo sans-cullotes, que poderia sertraduzido por sem calo. Na Revoluo Francesa, o termo foi utili-zado para designar as pessoas com participao poltica ativa dasclasses populares e, mais tarde, a todos os agitadores, independen-te da classe social a que pertenciam.

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    contemplaria uma Declarao dos Direitos do Homem e do Cida-do, sintetizados pelos ideais que seriam os princpios da revolu-o: liberdade, igualdade e fraternidade. Em 1791, seria aprovada aprimeira constituio da Frana, estabelecendo como forma de go-verno a monarquia constitucional, composta pelo poder executivo(exercido pelo rei) pelo poder legislativo, exercido por deputadoseleitos e pelo poder judicirio.

    Ocorre, no entanto, que o voto que permitia a represen-tao dos deputados que compunham o poder legislativo era cen-sitrio, isto , baseado na renda individual, o que dava burguesiaum peso considervel. Alm disso, legislaes proibiriam a forma-o de associaes de trabalhadores e as greves. Dessa maneira, aburguesia separou-se do terceiro estado, transformando a Frananum Estado tipicamente burgus.

    Muitos outros acontecimentos se seguiram, inclusivea abolio da monarquia com a implantao de um regime repu-

    blicano e, posteriormente, de outro regime intitulado Consulado,centrado na figura do general Napoleo Bonaparte, que colaboroupara consolidar as conquistas revolucionrias burguesas.

    A Sociologia como resposta nova situ-

    ao

    Voc observou, por meio da leitura que acabamos defazer, que mudanas muito intensas sacudiram a Europa com a ex-ploso das revolues Industrial e Francesa. A passagem do mundofeudal para o mundo capitalista, do ponto de vista econmico e doponto de vista social, acarretou srias conseqncias para a organi-zao social, causando prejuzos terrveis s classes populares. Es-sas mudanas so ainda mais penosas quando entendemos que astransformaes apontadas como uma esperana de prosperidadee melhores condies de vida foram responsveis por tornar aindamais trgica a j difcil situao do povo.

    So essas trgicas mudanas, portanto, o motor da cria-

    o da Sociologia. As pssimas condies de vida dos trabalhadoresprovocaram revoltas freqentes. No era rara a ocorrncia de des-truio das mquinas das indstrias, as sabotagens no ambientede trabalho, os roubos e os crimes envolvendo trabalhadores. Esseconjunto de condies morais e materiais, essa atmosfera econ-mico-social, estimulou a crtica sociedade capitalista, a negaodas condies de trabalho e de vida impostas aos proletrios e aconstruo de idias socialistas, como uma alternativa aos gravesproblemas evidenciados com a nova situao.

    Tambm contriburam para o surgimento da Sociologiaas modificaes ocorridas no campo do pensamento filosfico. Des-de o sculo XVI, o mundo europeu vinha experimentando a crtica viso sobrenatural do mundo, tendo a teologia perdido, gradativa-mente, sua fora, em benefcio de uma explicao racional da exis-

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    tncia. A mudana das velhas formas de conhecimento do mundoparecem ter estado muito prximas do desejo de mudar a prpriasociedade. Os iluministas tiveram uma influncia muito forte sobrea classe burguesa, construindo um conjunto de idias favorveis spretenses sociais e econmicas dessa classe. Os fundamentos re-ligiosos, econmicos e sociais da sociedade feudal eram atacadoscom vigor pelos iluministas. Com os ataques aos privilgios da aris-

    tocracia e do clero, as restries impostas burguesia eram mostra-das com clareza e a sociedade e suas instituies combatidas comoinjustas e irracionais. Uma nova concepo de homem desponta,trazendo tona caractersticas at ento impensveis: o homem, in-dependente de sua classe ou condio social, considerado um serracional destinado liberdade e igualdade. As idias iluministasabriram a viso do cidado comum, permitindo-lhe ver a realidadecom uma liberdade que no lhe era concedida no mundo feudal.Observe o que nos aponta o seguinte texto:

    Vrios pensadores souberam catalisar essa modificaona maneira de pensar o homem e a sociedade, construindo umareflexo sistemtica sobre ambos e possibilitando a insero de umnovo campo de conhecimento no conjunto das cincias, em particu-lar das cincias sociais acadmicas. Aos poucos esse conhecimentosobre a sociedade vai se consolidando, at ser possvel cham-lo deSociologia, isto , a cincia da sociedade. Dentre os vrios estudio-sos que construram essa reflexo metdica sobre a sociedade, natentativa de descrev-la, explic-la e, at mesmo, de mud-la, vamos

    destacar alguns que deixaram suas marcas mais profundas.

    Os clssicos no surgimento da Sociolo-

    gia

    Saint-Simon (1760-1825)

    Claude Henri de Rouvroy, Conde de Saint-Simon, ape-

    sar de oriundo da nobreza, considerado um dos fundadores dosocialismo. A sua formao racionalista o fez abrir mo do ttuloaristocrtico em favor da igualdade entre os homens. Tendo apoia-do e vivido as aes da Revoluo Francesa, observa a sociedadeps-revolucionria em seu estado de perturbao, de desordem, de

    A sociedade justa, livre, igualitria e fraterna , para as Luzes,

    aquela que no ope obstculos ao olhar do cidado comum. a que, ao contrrio, proporciona uma visibilidade plena dosmecanismos de seu funcionamento. O sonho de Rousseau, autopia de que tantos revolucionrios participam, o de umasociedade transparente, sem as zonas obscuras onde o arb-trio escapasse ao olhar do cidado, olhar lmpido que flagrariaqualquer vestgio dos antigos privilgios da aristocracia. [...] Aedificao de uma nova ordem moral e poltica dependia deque a luz da razo e da justia, encarnada no olhar do cidado,iluminasse as regies sombrias onde se abrigam a ignorncia,a superstio religiosa, a mentira dos tiranos (MURICY, 1997, p.479).

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    instabilidade e anarquia. Essas relaes sociais instveis eram umproblema a ser enfrentado pelos pensadores sociais. Nesse sentido,o conhecimento da sociedade poderia e deveria permitir a restau-rao da ordem e da harmonia. O quadro abaixo pode ajud-lo(a) afixar melhor essas informaes.

    Saint-Simon tinha uma percepo otimista em relao sociedade, apesar de seu estado de desordem. Via no industria-lismo uma forma de produo de bens materiais capaz de gerarriquezas suficientes para contemplar as necessidades de todas aspessoas. Por isso, acreditava que a indstria mudaria completamen-te a vida social. Propunha a formao de uma sociedade em que

    no houvesse a explorao do homem pelo homem. A sociedadeimaginada por Saint-Simon no tinha ociosos e o governo deveriaser constitudo por trabalhadores, no qual se incluam no apenasos operrios, mas os industriais, os banqueiros e os comerciantes.Defendia o lucro dos capitalistas, desde que concordassem em as-sumir responsabilidades sociais. Por isso, ao prever um mundo deiguais, acreditando na possibilidade de uma transformao socialsem a luta entre as classes, Saint-Simon classificado como socia-lista utpico.

    De acordo com suas crenas e convices, o individua-lismo e a competio exagerada poderiam ser banidas da socieda-de. Bastaria que o capitalismo fosse regulado para que a tendncia explorao pudesse inexistir. Nesse sentido, ressalta o papel dosintelectuais, pensadores sociais, capazes de interpretar a organiza-o social propondo rumos ticos ao processo de industrializao.A cincia, de certa maneira, assume o papel anteriormente ocupa-do pela religio. Seu ltimo livro, O novo cristianismopregava umareligiosidade aliada racionalidade que caracterizara sua formaofilosfica. Essa nova religio, diferente do catolicismo e do protes-tantismo, deveria favorecer o aparecimento de um mundo mais jus-

    to, baseado no progresso advindo do industrialismo.

    As informaes sobre a viso otimista de Saint-Simonsobre o industrialismo e o papel dos pensadores sociais como elepodem ser resumidas da seguinte maneira:

    Sociedade francesa ps-revolucionria: perturbada em desordem em estado de anarquia

    PROBLEMAA SER

    ENFRENTADO

    RESTAURAODA

    ORDEM

    Sociologia

    Saint-Simon

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    Auguste Comte (1798-1857)

    Comte uma referncia importante para o surgimentoda Sociologia. Podemos, mesmo, afirmar que ele o pai da Socio-logia como campo de conhecimento estabelecido e sistemtico,tendo dado o nome para a nova cincia que sintetizaria todo o co-nhecimento possvel. Voc pode observar que Comte mais novo econtemporneo de Saint-Simon. Os dois chegaram a trabalhar jun-tos por um tempo. Comte foi secretrio geral de Saint-Simon, atque se desentenderam no campo intelectual e se separaram. No en-tanto, as motivaes que impeliram os dois pensadores a refletirem

    sobre a sociedade e sobre o papel do cientista so as mesmas, isto, a sociedade europia submetida ao caos, desordem e anar-quia, resultado da instabilidade econmica e social produzida peloindustrialismo e pela Revoluo Francesa.

    O desentendimento entre os dois pensadores demar-ca uma caracterstica importante no pensamento de Comte e quepode nos ajudar a compreender sua viso sobre a Sociologia. Saint-Simon pode ser entendido como um pensador progressista, emfuno de sua viso sobre a necessidade de um pacto entre as pes-soas, no sentido de uma sociedade mais justa. Esse aspecto parti-cular seria depois incorporado ao pensamento socialista. Comte, aocontrrio, foi um intelectual inteiramente conservador, sem ambi-gidades em relao defesa da nova sociedade que se instalara apartir do novo modo de produo capitalista.

    Comte percebera que as idias religiosas, que domi-naram o perodo feudal, cada vez mais iam perdendo sua condi-o de condutoras dos homens. Por outro lado, o Iluminismo, ummovimento filosfico que se caracterizara pelo confronto com oobscurantismo promovido pelo pensamento religioso e pelo esta-

    belecimento da confiana no progresso e na razo, pelo desafio tradio e autoridade, pelo incentivo liberdade de pensamento,tambm no era capaz de restaurar a ordem. A reorganizao dasociedade precisava de um pensamento menos negativo, que nopromovesse mais ainda a desintegrao social. Era necessrio res-

    Saint-Simon

    Crena na possibilidade de transformao social sem luta declasses.

    Pela eliminao

    do individualismo da competio da inuncia da propriedade privada

    Regulao do capitalismo: industriais + cientistas = elite capaz de trazer a harmonia

    social.

    Cincia retoma o papel da religio como reguladora social.

    SOCIALISTA UTPICO

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    Auguste Comte

    Motivao de sua reexo sociedade europia no caos

    social Intelectual inteiramente conservador Defensor sem ambigidade da nova sociedade capitalista Idias que perderam a fora de conduzir os homens:

    Idias religiosas

    Idias iluministas

    Necessidade de restabelecer a ORDEM no conhecimento e nasidias

    Ponto de partida Cincia Positiva (contestao ao negativismo

    iluminista) Palavras de ordem ORDEM, HARMONIA, EQUILBRIO

    tabelecer a ordem e, para isso, uma nova maneira de observar econhecer a realidade precisava ser instaurada. Tratava-se de subs-tituir a confiana na religio pela confiana nas regras da razo eda experincia humana. O quadro abaixo apresenta essas idias demaneira sinttica:

    A possibilidade de que a ordem fosse restabelecidaestaria ligada intimamente ao industrialismo. Como Saint-Simon,Comte acreditava que essa nova maneira de produzir os bens ma-teriais traria a abundncia que seria capaz de pr fim guerra entreas naes. A organizao cientfica da sociedade industrial seria ca-paz de levar justia social, porque cada indivduo poderia ocuparseu espao social, de acordo com sua capacidade. Dessa maneira, se

    a posio social era antes definida pelo nascimento, na sociedadedo trabalho a habilidade individual gradativamente determinaria aposio de cada um. Acreditava, ainda, que a idade industrial pos-sua suas prprias crenas positivas, que ele denominou religio dahumanidade. Essas crenas se estabeleceriam medida que a cin-cia fosse tomando o lugar da religio e destruindo as falsas crenaspor ela produzidas. O ponto de partida para o estabelecimentos deprincpios norteadores de um conhecimento capaz de restabelecera ordem a criao de uma cincia positiva. Uma cincia no ne-gativa como as idias iluministas que apenas contestava as institui-

    es. Um espao capaz de reorganizar a sociedade.

    Podemos observar que a preocupao com a ordem uma constante no pensamento de Comte. Mas, apesar de ser con-siderado um pensador conservador, importante distinguir seuconservadorismo daquele que propunha to-somente a restaura-o do regime feudal, demonstrando pouco caso com o progressoalcanado pela indstria. Por outro lado, Comte no pode ser con-siderado um apoiador dos revolucionrios, que defendiam o pro-gresso com a depreciao e o desprezo pela ordem. Um dos pontosimportantes de sua Sociologia est na tentativa de harmonizar or-dem e progresso.

    A idia de progresso na sociologia de Comte est liga-da evoluo e ao determinismo que conduz o esprito humano.

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    A idia de que a mudana social encaminha-se numa s direoj havia sido trabalhada por Saint-Simon, mas na obra de Comteque sua elaborao se d plenamente. Para ele, a humanidade, emsua caminhada para o progresso do esprito humano, passa por trsestgios: o teolgico, o metafsico e o positivo. Na primeira fase, ateolgica ou fictcia, os fenmenos so explicados pela intervenode foras sobrenaturais. Na segunda, a metafsica, abstrata ou fe-

    tichista, as explicaes so baseadas em abstraes, caracterizan-do-se por ser um modo de pensar espontneo do ser humano. Oesprito humano s encontra verdadeira coerncia quando atinge aterceira fase, a positiva ou cientfica, quando o positivismo se espa-lha para todos os campos da reflexo intelectual.

    As cincias reconhecidas so as que primeiro alcana-ram o estgio positivo. Nesse campo esto as cincias da natureza. Apretenso de Comte era fazer da Sociologia uma cincia naturalistada sociedade. Para que a Sociologia alcanasse o statusde cincia,era necessrio aplicar o mtodo positivo, baseado na observao,

    na experimentao e na formulao de leis explicativas, deixandode lado as explicaes teolgicas ou metafsicas. A nova cinciaproposta por Comte estuda as leis do desenvolvimento histrico dahumanidade. Fundamentada na observao e na comparao, uti-liza-se de mtodos consagrados das cincias naturais, em especialda Biologia. Tomando emprestadas da Fsica as dimenses de seuestudo, aplica na Sociologia as categorias centrais de esttica e di-nmica social. A esttica consistiria no estudo da estrutura da socie-dade e na anlise dos elementos que compem o consenso, ou seja,o que faz o conjunto dos indivduos e dos grupos uma s unidade

    social. A dinmica seria a descrio das etapas de desenvolvimentoda sociedade humana. A esttica permite destacar a ordem essen-cial da organizao social a partir da qual se pode compreender asua histria. a integrao dessas duas dimenses que possibilitaque se estabeleam a ordem e o progresso.

    Informao interessante:

    A expresso ordem e progresso lema do positivismo,

    figurando em suas bandeiras. Voc deve estar se perguntando seisso tem alguma coisa a ver com o lema de nossa bandeira nacional.Veja o que afirma Raymond Aron, em seu livro As etapas do pensa-mento sociolgico sobre esse assunto: A influncia do positivismono Brasil foi muito profunda; chegou a tornar-se a doutrina quaseoficial do Estado. Benjamin Constant, presidente da Repblica(*),promoveu a adoo da Enciclopdia das Cincias Positivas comobase para o programa de estudo das escolas oficiais. Em 1880 foifundado um Instituto do Apostolado e no ano seguinte era inaugu-rado no Rio de Janeiro um templo positivista, para celebrar o cul-to da Humanidade. A divisa Ordem e Progresso figura no pavilhobrasileiro, cujo verde , tambm, a cor das bandeiras positivistas.(ARON, 1987, p. 122). (*) O autor comete um engano ao afirmar que BenjaminConstant foi presidente da Repblica.

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    As idias de Comte em relao cincia positiva e, par-ticularmente, em relao Sociologia podem ser resumidas no es-quema abaixo:

    Ambio de Comte Fundar uma Cincia Naturalista da

    Sociedade Aplicao do mtodo do estudo da natureza

    observao, experimentao e comparao Busca de leis explicativas relaes invariveis de sucesso

    e semelhana que ligam os fatos

    cincia que sintetiza o conhecimento

    desvendar mistrios da sociedade

    orientar a formao do governo positivoSociologia positivista separada da Filosoa

    e da economia polticacriao de um objeto autnomo O SOCIAL

    Sociologia

    Auguste Comte

    mile Durkheim (1858-1917)

    Durkheim foi um dos principais fundadores da Socio-logia moderna, de modo particular da teoria funcionalista. outroautor preocupado com a ordem social, fazendo da Sociologia uminstrumento de compreenso da sociedade, no sentido da buscade sua harmonia e seu equilbrio. Como os autores citados anterior-mente, Durkheim tinha uma viso profundamente otimista da so-ciedade industrial. De certa maneira, esse ponto de vista orientousua obra no sentido de estabelecer uma alternativa s formulaessocialistas que dominaram sua poca. No considerando que asquestes econmicas fossem responsveis pela crise na sociedade,atribua aos problemas morais a causa dessas tenses. Os valoresmorais seriam capazes de guiar o comportamento dos indivduos,criando relaes estveis e duradouras. A falta desses valores levariaa sociedade anomia, uma espcie de doena social, e traria comoconseqncia uma intensa dificuldade para o seu bom funciona-mento.

    O fenmeno da diviso social do trabalho analisadopor Durkheim para propor que ele seja responsvel pela solidarie-dade entre os homens. Apesar de evidenciar a existncia de confli-tos no mundo industrial, acreditava que isso poderia ser explicadopela rapidez com que o processo de industrializao se implantarana Europa, no tendo havido tempo suficiente para se chegar a umponto de equilbrio.

    Durkheim teve a responsabilidade de dar forma So-

    ciologia como disciplina acadmica, fazendo-a ingressar na Univer-sidade. Lecionou na Universidade de Bordeaux at 1902, quandose transferiu para a Sorbonne. Um dos temas dominantes em suaobra a prevalncia do social sobre o indivduo. Uma tese que oacompanharia por toda a vida a de que o indivduo nasce da

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    sociedade e no a sociedade nasce do indivduo. O indivduo, aonascer, encontra a sociedade organizada em torno de valores, decostumes, de normas e regras que independeram de sua vontade,sendo transmitidas a ele de maneira impositiva, como condio desobrevivncia da prpria sociedade.

    Na condio de disciplina acadmica, Durkheim aplica o

    positivismo, analisando a sociedade como um fenmeno da nature-za. A preocupao metodolgica foi marcante em seu pensamento,tendo se preocupado em estabelecer claramente o objeto de estu-do e o mtodo de investigao apropriados. A funo da Sociologia o restabelecimento da ordem na sociedade, pela criao de hbi-tos e valores que visem ao seu bom funcionamento. Nesse sentido,considera que a estrutura social funciona como um organismo hu-mano, em que todas as partes so integradas, cada uma delas ser-vindo para sustentar o todo. Durkheim assinalou a importncia doconsenso como base da organizao social. Essa anlise funcionalda estrutura social, tomando emprestadas as noes desenvolvidas

    na Biologia, fez dele um dos pioneiros de um tipo de raciocnio me-todolgico que caracteriza o funcionalismo, sobre o qual falaremoscom mais detalhes adiante, e que exerceu importante influncia naSociologia.

    Podemos, ento, resumir as preocupaes de Durkheimque deram origem ao seu pensamento social e importncia atri-buda aos valores, de acordo com o quadro seguinte:

    Preocupao com a ordem social Preocupao com a Sociologia o estabelecimento de seu objeto de estudo de seu mtodo de investigao

    Fonte dos problemas no est nos fatos econmicos, mas na crisemoral

    guiam a conduta dos indivduos

    criam relaes estveis e duradourasentre os homens

    falta deles ANOMIA diculta o bom funcionamento

    da sociedade

    VALORESMORAIS

    mile Durkheim

    Igualmente, assim podemos sintetizar as funes da so-ciologia positivista durkheimiana:

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    mile Durkheim

    Restabelecer a sade da sociedade

    Criar novos hbitos e comportamentos bom

    funcionamento social

    Identicar problemas sociais

    Restaurar a normalidade social

    Sociologia POSITIVISMO

    Karl Marx (1818-1883)

    As idias de Marx exerceram forte influncia no campoda Sociologia. Podemos, mesmo, afirmar que o filsofo social erevolucionrio socialista que maior influncia exerceu sobre o pen-

    samento filosfico e a histria da humanidade. Para que essa influ-ncia seja melhor compreendida, importante conhecer um poucodo contexto em que viveu o autor. Nascido na Alemanha (Trier), deuma famlia de classe mdia, de uma linhagem de rabinos, tantodo lado paterno quanto do lado materno, viveu uma confortvelsituao econmica na juventude, tendo estudado nas universi-dades alems de Bonn e Berlim. Integrado ao curso de Direito, in-teressou-se pelo pensamento poltico de Saint-Simon. Em Berlim,integrando-se ao movimento dos Jovens Hegelianos, desenvolveintensa crtica ao cristianismo e oposio aos poderes ilimitados e

    absolutos do governo prussiano. Impedido de ingressar na carreiraacadmica, assume a direo do jornalA Gazeta Renana, financiadopor industriais. Os fortes artigos que publica sobre a questo econ-mica levam ao fechamento do jornal e Marx emigra para a Frana,onde toma contato com vrios grupos socialistas. Tendo se tornadocomunista, inicia a redao de suas idias que s foram publicadasem 1930 sob o ttulo de ManuscritosEconmicos e Filosficos,nosquais esboa uma compreenso humanista do comunismo, con-trastando a alienao do trabalho no capitalismo e a cooperao nasociedade comunista.

    Em Paris, inicia um trabalho de elaborao intelectualcom Friedrich Engels (1820-1903), que se estenderia por toda suavida. Transfere-se, com Engels, para Bruxelas, em virtude de sua ex-pulso de Paris, dedicando-se ao estudo aprofundado da Histria,quando concebe a teoria que ficaria conhecida como materialismohistrico. Nesse estudo, desenvolve a histria de diferentes modosde produo, prevendo o colapso do capitalismo e o triunfo do co-munismo. Essa obra, escrita em conjunto com Engels, seria conheci-da com o nome de Ideologia Aleme s seria publicada depois desua morte.

    Ao lado dessa intensa atividade intelectual, Marx par-ticipou da atividade poltica, ingressando na Liga Comunista, umaassociao de trabalhadores emigrantes alemes, sediada em Lon-dres. Tendo recebido a incumbncia de escrever um manifesto que

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    expressasse as idias centrais dessa liga, produz, novamente comEngels, o escrito denominado Manifesto Comunista, que influenciouprofundamente os movimentos organizados de proletrios.

    Depois de voltar a Paris e Alemanha, enfrentando fortecensura s suas idias, busca asilo em Londres, em 1849, onde viverat a sua morte. A intensa dificuldade econmica que Marx sofreu

    foi, em parte, aplacada pela generosidade de Engels que, com suafolgada condio de filho de industriais do ramo de algodo na In-glaterra, prov as necessidades bsicas do amigo.

    A grande obra intelectual de Marx se associa intensaparticipao em movimentos polticos de organizao dos traba-lhadores, sendo decisiva a sua atuao no estabelecimento da Asso-ciao Internacional dos Trabalhadores, em 1864, da qual se tornoulder. Em 1867, publica o primeiro volume de O Capital, um alentadoestudo do processo capitalista de produo. O segundo e o terceirovolumes s seriam publicados postumamente por Engels.

    Nos ltimos dez anos de vida, sofreu srios problemasde sade, o que diminuiu, sem no entanto interromper, sua ativida-de intelectual. A nfase atribuda Economia na compreenso dasociedade, alm de sua viso terica sobre as classes sociais, exer-ceram fortes influncias sobre a Sociologia. Sua maneira de abordara questo social tambm difere radicalmente dos autores anterior-mente citados, pois no tinha inteno de estabelecer fronteiras noconhecimento. Ao contrrio, sua vasta obra interliga conhecimentosde diversas reas, tais como a Economia, a Antropologia, a Poltica e

    a prpria Sociologia. Essa viso interdisciplinar produziu uma visooriginal sobre a sociedade.

    Em relao concepo de cincia, o autor ope-seaos postulados positivistas, afirmando que a cincia deve estar aservio do interesse de classe. O conhecimento da realidade socialseria uma ferramenta utilizada como instrumento poltico para suatransformao. Dessa maneira, longe de pregar a neutralidade pro-posta pelo positivismo, defende o engajamento do cientista nasmudanas sociais.

    interesse em fundar um conhecimento especco

    inteno de estabelecer fronteiras noconhecimento

    No existiu

    Karl Marx

    A Sociologia

    ANTROPOLOGIA ECONOMIA Sociologia

    EXPLICAO SOBRE A SOCIEDADE

    POLTICA DIREITO HISTRIA

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    As idias de Marx possibilitaram uma vertente da Socio-logia conhecida como Sociologia crtica, tendo como foco a anli-se das contradies do sistema capitalista de produo.

    SOCIALISMO

    SociologiaMARXISTA

    vocao crtica da Sociologia

    contradies do capitalismocomo foco central

    a servio do interesse de classe

    conhecimento da realidade socialinstrumento poltico de transformao

    CINCIA

    Karl Marx

    Max Weber (1864-1929)

    Weber foi um dos principais responsveis, na Sociologia,por dar a esse novo campo do conhecimento um statusde conhe-cimento cientfico. Estudou Direito, Cincia Econmica, Histria eFilosofia, tendo passado pelas universidades alems de Heidelberg,Estrarburgo, Gttingen e Berlim. Weber dividiu sua vida entre a ati-vidade intelectual e a participao na vida poltica da Alemanha.Nessa duplicidade est, alis, uma de suas principais preocupaes,tendo se esforado por distinguir a ao do cientista da ao dopoltico. Julgava que o conhecimento cientfico deveria ser inde-

    pendente, isento de julgamentos de valor sobre a realidade. Dessamaneira, o cientista no deveria fazer de seu trabalho de investi-gao uma plataforma para defesa de suas preferncias polticas.No que o cientista no pudesse t-las, mas deveria express-lascomo cidado poltico e no como cientista. Essa distino supeque o conhecimento cientfico possa estar envolto numa capa deneutralidade. Por isso, boa parte do esforo intelectual de Weber sedeu na busca de estabelecer as diferenas entre o cientista e o po-ltico. Enquanto o primeiro foi caracterizado como um homem doconhecimento, do saber, com capacidade de anlise isenta sobre a

    realidade, o segundo foi entendido como um homem de ao e decompromissos com a realidade.

    A obra de Weber muito variada. Raymon Aron, em seulivro Etapas do pensamento sociolgico, classifica-a em quatro cate-gorias: 1) os estudos sobre metodologia e filosofia da cincia; 2) asobras histricas, em que se incluem anlises sobre problemas eco-nmicos de sociedades antigas e de sua poca; 3) os trabalhos deSociologia da religio, em que se inclui o seu estudo talvez mais c-lebre intitulado A tica protestante e o esprito do capitalismo, ondeWeber reflete sobre as relaes entre as condies econmicas, assituaes sociais e as convices religiosas; 4) a sua obra-prima, otratado de Sociologia geral, que recebeu o ttulo de Economia e so-ciedade, publicado depois de sua morte.

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    Apesar de iniciar seus escritos sobre a Sociologia so-mente no final da vida, perodo em que foi acometido pela gripeespanhola, que dizimou parte da populao da Europa, as contri-buies bsicas para a formulao de suas concepes sobre essadisciplina j estavam basicamente prontas muito tempo antes. Suaatividade intelectual deu-se em ciclos de grande produo alterna-dos por perodos de menor produo. Experimentou uma fase de

    profunda crise psquica que durou cinco anos de 1897 a 1901 ,o que o afastou definitivamente da atividade docente, que pareciadetestar. Em 1903, tendo alcanado o ttulo de professor honorrioem Heidelberg, pde dispor de seu tempo livremente para pesqui-sar e dar corpo s suas idias.

    Refita

    Vale a pena pensar no significado da palavra prolet-rio. Na Roma antiga, proletrio era o cidado pobre, pertencente

    ltima classe do povo. A palavra proveniente do latim proletariue seu significado est associado a outra palavra prole , j quesua utilidade estava ligada apenas aos filhos que podia gerar, paraaumentar a quantidade de trabalhadores necessrios produofabril.

    Leia

    1. Voc pode aprofundar seus conhecimentos sobre o

    surgimento da Sociologia e obter maiores informaes a respeitodessa cincia, tomando contato com o seguinte livro:BRANDO, Carlos Rodrigues. O que Sociologia. So Paulo: Brasi-liense, 1981.

    2. Sobre a Revoluo Industrial, existe um livro que re-lata a maneira como a produo de bens materiais se desenvolveuna histria da humanidade. um livro de fcil apreenso, com im-portantes informaes e reflexes que podem ajud-lo(a) bastantea entender a evoluo da Economia e como essa evoluo interfe-

    riu na sociedade:

    HUBERMAN, Leo. Histria da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Zahar,1979.

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    Duas grandes

    tendncias tericas

    no estudo da

    sociedade

    2Objetivo: construir uma viso de mundo sobre as relaes existentes

    entre a sociedade e a educao.

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    Informao interessante:

    Agora ns j conhecemos as condies em que surgiua Sociologia e alguns de seus principais elaboradores iniciais. Ago-ra que temos esses elementos, podemos voltar ao nosso objetivoinicial, que o de tentar construir uma viso sobre as relaes exis-tentes entre a sociedade e a educao. Voc se lembra que tentva-

    mos construir um olhar sociolgico que nos permitisse observar arealidade, em especial a educao? Continuemos, ento, a construira nossa lente sociolgica, que nos permitir observar e analisar aeducao com mais acuidade.

    Podemos dizer que existem duas grandes tendncias,duas correntes tericas nas quais se encaixam as diferentes pro-posies explicativas sobre a realidade, que se aplicam, tambm, explicao sobre a sociedade. So duas maneiras diferentes de en-carar a realidade, tambm chamadas de cosmovises ou vises demundo. So duas formas de uma compreenso geral do universoque expressam a maneira como representada a realidade e que,em certo sentido, determinam o pensamento e as aes de quemas aceita e as defende. Vrios so os nomes atribudos a essas duasvises de mundo. Ns chamaremos, neste trabalho, a primeira defuncionalismo e a segunda de materialismo dialtico.

    O Funcionalismo

    O termo funcionalismo sugere a idia de funciona-mento ou de funo. De fato, o funcionalismo como viso de mun-do supe que a realidade est estruturada de uma forma especial,formando um sistema organizado em que tudo tem uma funo.Na Sociologia, aqueles que se filiam a essa maneira de pensar costu-mam comparar a estrutura social com o organismo biolgico. Dessamaneira, o mundo social todo organizado para o seu bom funcio-namento. Tudo tem a sua funo e o bom funcionamento de cadaparte colabora para o bom funcionamento do todo social. Os fatossociais seriam considerados e explicados pelas relaes sincroniza-das que tm com outros fatos sociais. Se os rgos ou elementosdo sistema funcionam de maneira integrada, ento o todo funcionade maneira apropriada. Cada elemento explicado pela sua funono processo global de manuteno e sobrevivncia equilibrada datotalidade do organismo. Como podemos verificar, a analogia org-nica da sociedade inspirada no funcionamento de um organismovivo.

    Voc deve se lembrar que o organismo vivo tem umatendncia para o equilbrio. Na biologia, esse fenmeno recebe onome de homeostase, isto , a tendncia estabilidade do meio

    interno do organismo. um mecanismo de auto-regulao de queos organismos vivos se utilizam para que o seu estado de equilbrioseja mantido. Na viso funcionalista de sociedade, haveria no ape-nas uma interdependncia entre as partes que a compem, mastambm um estado normal de equilbrio, da mesma maneira que

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    existe a sade no organismo. No entanto, para que essa auto-regu-lao funcione adequadamente, necessrio que cada elementoou rgo realize sua funo. Se isso no ocorrer, o organismo temsuas chances de sobrevivncia diminudas, podendo mesmo che-gar a morrer.

    Essas idias so aplicadas pelos funcionalistas na com-

    preenso da sociedade como estrutura em permanente equilbrio.Isso no significa dizer, no entanto, que tudo funciona a contentona sociedade. As evidncias esto a para dizer o contrrio. Esse fun-cionamento inadequado explicado da mesma maneira que o maufuncionamento do organismo vivo. Como uma disfuno. Assimcomo o organismo vivo experimenta doenas que devem e preci-sam ser curadas para que o restabelecimento do todo seja possvel,da mesma maneira a sociedade experimenta certas disfunes,como doenas sociais, que precisam ser tratadas e corrigidas paraque o equilbrio social possa existir.

    Ento, na vertente funcionalista da Sociologia, o pressu-posto de que tudo est organizado e funciona no sentido da bus-ca da harmonia. As coisas que funcionam so, em princpio, boas.Se no funcionam no so boas e, nesse caso, algo est errado, estdisfuncional, e precisa ser corrigido.

    O funcionalismo tem uma estreita ligao com o positi-vismo. Alguns chegam, mesmo, a denominar essa viso de mundode positivista-funcionalista. A palavra positivismo originria dolatimpositum, que o particpio passado do verbo pr, ou seja, pos-

    to, colocado. A realidade social, por essa perspectiva, o que estposto, o que est colocado, o que existe, o que est a.

    Dessa maneira, podemos dizer que a viso de mundofuncionalista aplicada ao estudo da sociedade parte de alguns pres-supostos, de algumas hipteses, de acordo com o quadro abaixo:

    Estabilidade: a sociedade um sistema relativamenteconstante.

    Equilbrio: a sociedade um sistema equilibrado deelementos.

    Funcionalismo: cada elemento contribui para ofuncionamento da sociedade.

    Consenso: a sociedade se mantm pelo consenso

    espontneo em torno de valores comuns.

    FuncionalismoHipteses

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    Essas hipteses e a forma como o funcionalismo est es-truturado permitem-nos assinalar algumas caractersticas prpriasdessa filosofia. Uma delas a viso extremamente otimista em rela-o sociedade. A realidade social a que est a colocada, posta

    positum e funciona tendencialmente para a harmonia, o equilbrioe a coeso. O processo social avaliado, ento, de maneira bastantetolerante. Uma conseqncia desse atributo a perspectiva con-

    servadora, ou seja, a sociedade tal como existe um sistema global-mente desejvel que precisa ser conservado. Por ltimo, o que fazercom aquilo que no funciona dentro da normalidade espervel?Como tratar os elementos disfuncionais, que no se enquadram naharmonia, no equilbrio? Esses elementos que atrapalham o bomfuncionamento do organismo social no podem ser desconheci-dos, pois a sua existncia uma questo de constatao. A idiafuncionalista supe que essas disfunes so acidentes de percursoque podem e devem ser corrigidos. No fazendo parte da lgica defuncionamento da sociedade necessrio que essas disfunes se-jam retificadas, reordenadas e reequilibradas, para que o organismo

    social volte a funcionar equilibradamente. A correo implica tornaro elemento disfuncional isento de erros, havendo a possibilidadede voltar ao bom caminho do equilbrio. Essas correes, longe depromoverem uma alterao substancial na estrutura da sociedade,j que o ponto de partida uma sociedade supostamente boa, ca-racterizam-se pela aplicao de reformas que visam a dar melhorforma aos elementos disfuncionais, melhorando e aprimorando asua capacidade de bem funcionar, para que o bom funcionamentodo corpo social esteja garantido.

    Otimismo: sociedade coesa e harmnica.

    Conservadorismo: se a sociedade positivamenteavaliada, ento deve-se conserv-la.

    Reformismo: a lgica de funcionamento da sociedade a harmonia. Os conitos so desvios que devem ser

    corrigidos, reformando a sociedade pontualmente na partedisfuncional.

    FuncionalismoCaractersticas

    O Materialismo Dialtico

    Voc pode observar que a expresso materialismo dia-ltico, para significar uma viso de mundo diferente do funcionalis-mo, j traz, em si mesma, a necessidade de compreenso das duaspalavras que a compem e que tm significados prprios, isto ,

    materialismo e dialtica. Vamos iniciar, portanto, tentando dar umanoo bsica sobre essas duas correntes de pensamento.

    Em sentido amplo, o materialismo afirma que a realida-de essencialmente material, ou depende da matria. Em sentido

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    mais restrito, afirma que a realidade humana assim o . As condi-es materiais seriam suficientes para explicar todos os fenmenos.A dialtica um dos conceitos filosficos mais antigos, complexose controversos. J os filsofos da Antigidade utilizavam-se de me-tforas que podem nos dar algumas noes de caractersticas im-portantes dessa maneira de ver o mundo. Na acepo moderna, adialtica considerada como modo de pensar as contradies da

    realidade e de compreend-la em permanente transformao. O fi-lsofo chamado Herclito de feso (540 a.C. a 480 a.C.), por exemplo,afirmava, utilizando-se de uma linguagem potica e dialtica, queo mundo e os homens so um permanente devir, isto , so umpermanente vir a ser, querendo dizer, com essa idia, que nem omundo nem o homem que nele habita esto prontos nem nuncaestaro, pois sempre esto tornando-se algo diferente do que an-teriormente eram. Essa metfora nos indica uma importante carac-terstica da dialtica, a da incompletude das coisas e da natureza,de uma permanente transformao. Em outra expresso sua , umhomem no toma banho duas vezes no mesmo rio, assinalando ou-

    tra marca dialtica, a do movimento, da permanente transformao,do dinamismo que caracteriza a natureza e os homens. Nessa pers-pectiva, mesmo que nos banhemos no mesmo lugar em momentosdiferentes, as guas do rio j no sero as mesmas e ns tambmno seremos, pois ambos j teremos mudado.

    Por fim, a idia de uma permanente contradio queexistiria em todas as coisas, manifestada pela frase os homens soe no so. Essa ltima caracterstica demarca uma importante di-ferena entre a lgica dialtica e a lgica formal, que praticamen-

    te moldou a maneira ocidental de pensar. Essa caracterstica a dacontradio. Na lgica formal, ela tratada como um dilema. Nessaperspectiva, os contrrios so concebidos como opostos que se ex-cluem, sendo impossvel a convivncia entre eles. Em nossa socie-dade, esses opostos so tratados geralmente como dicotomias dotipo claroescuro, verdadeirofalso, pobrezariqueza, masculinofeminino, bemmal, vidamorte, dentre tantas outras conhecidas.Por serem tratados como dicotomias, esses plos de contradio sexistem medida que o seu oposto inexiste. Assim, uma realidadeou boa ou m, ou clara ou escura, ou masculina ou feminina. No

    campo da educao, muitas dessas dicotomias so intensamenteaplicadas como valores que organizam o processo pedaggico, demodo especial a avaliao da aprendizagem, como as noes debem e mal, verdadeiro e falso, certo e errado.

    Duas grandes tendncias tericas no es-

    tudo da sociedade

    Pois bem, qual a novidade da dialtica na maneiracomo trata esses contrrios? a de consider-los no excludentes,mas explicativos um do outro. Assim, os contrrios no se excluem,mas se unem. Esse o sentido da frase de Herclito, ao afirmar queos homens so e no so ao mesmo tempo. Lembre-se da expres-

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    so do famoso personagem de Shakespeare que, com uma caveirana mo impunha-se a resolver um dilema, seguindo os princpiosda lgica formal: ser ou no ser, eis a questo. Fosse ele um perso-nagem dialtico, sua reflexo no seria excludente, mas se aproxi-maria de algo como ser e no ser ao mesmo tempo. Essa maneirade pensar considera que os opostos so partes de uma mesma rea-lidade, que s pode ser explicada pela compreenso da contradio

    que a encerra. Talvez a idia de pobreza e riqueza possa ajud-lo(a)a compreender melhor a lgica dialtica. Nesse caso, no h umarealidade isolada compreendida como pobreza e outra, tambmisolada, como riqueza. Na verdade, existe uma realidade social eeconmica que gera a pobreza e a riqueza como faces de uma mes-ma moeda, uma no existindo sem a outra.

    Refita

    Reflita um pouco sobre a sua prtica pedaggica e pen-se na maneira como sua escola est organizada para tratar questescomo masculino e feminino, bem e mal, certo e errado, verdadei-ro e falso, dentre outras contradies. Pense, por exemplo, como oerro tratado na avaliao da aprendizagem. Os professores costu-mam tom-lo como uma realidade acabada ou como parte de umarealidade mais complexa, em movimento, em permanente transfor-mao, na qual seu oposto, o acerto, a outra face?

    Pois bem. Agora que j temos uma noo sobre o ma-terialismo e sobre a dialtica, podemos continuar nossa reflexoconstruindo uma compreenso sobre a viso de mundo materia-lista dialtica, considerada a filosofia do marxismo. Como expres-so, foi utilizada pela primeira vez depois da morte de Marx (pro-vavelmente por Plekhanov, em 1891), mas as idias centrais dessafilosofia foram concebidas por Marx e, especialmente por Engels.O materialismo dialtico formou-se da juno de formas particula-res do materialismo e da dialtica, que se constituam como duasfilosofias burguesas: o materialismo mecanicista e a dialtica idea-

    lista. O materialismo mecanicista, que inspirou as idias iluministas, uma doutrina que reduz os fenmenos a seus processos mecni-cos, explicando-os por meio de mudanas puramente quantitativas.O idealismo uma doutrina que considera que o pensamento, aconscincia, as idias, a vontade so os dados primrios a partir dosquais se resolvem os problemas filosficos. A essncia do mundo,nesse sentido, no seria material.

    O cruzamento dessas duas filosofias foi realizado pelarefutao das caractersticas especiais de cada uma delas. Assim, o

    mecanicismo do materialismo rejeitado, da mesma maneira que oidealismo da dialtica o . Dessa forma, sobrevivem um materialis-mo e uma dialtica que se juntam para formar uma outra filosofia,uma outra viso de mundo, diferente das anteriores.

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    A unio da dialtica com o materialismo transformacada um deles. O materialismo do materialismo dialtico no re-ducionista. Defende que material e ideal so diferentes e dialetica-mente opostos, isto , convivem como oposies dentro de umamesma unidade, na qual a essncia material. A dialtica do mate-rialismo dialtico, por sua vez, no idealista. Afirma que a realidadeconcreta e objetiva essencialmente contraditria. O conflito dos

    contrrios o que faz essa realidade avanar num processo de pro-gressiva e constante transformao. Como filosofia do marxismo, aidia central da dialtica materialista a de que o mundo no umcomplexo de coisas acabadas, mas um conjunto de processos emconstante movimento e incessantes transformaes.

    A pretenso de Engels, exposta no livro Dialtica da na-tureza, a de constituir o materialismo dialtico como uma filosofianatural, que toma as descobertas das cincias especficas e constrigeneralizaes. Isso ocorreria, inclusive, com a cincia social do ma-terialismo histrico, ao qual nos referiremos mais tarde. As teoriza-

    es produzidas pelo materialismo dialtico so enunciadas comoleis gerais que regulam a natureza, a sociedade e o pensamento.Essas leis podem ser expressas da seguinte forma:

    Pelo princpio da totalidade, portanto, o princpio dascoisas no est na individualidade, mas em sua totalidade. As coisasse interpenetram, interagindo entre si e com o todo. Nesse senti-do, ao isolar um dado da realidade para estud-lo, o pesquisador oest privando de sentido, j que o seu entendimento s pode ser al-canado em relao ao todo do qual faz parte. J pelo princpio domovimento, o materialismo dialtico concebe que todas as coisasesto em permanente dinamismo. A realidade, e em especial a reali-dade social que nos interessa estudar, no uma entidade acabada,

    Dialtica MaterialistaPrincpios

    Princpio da totalidade: Tudo se relaciona. A natureza seapresenta como um todo coerente, onde objetos e fenmenosesto ligados entre si, condicionando-se reciprocamente.

    Princpio do movimento:Tudo se transforma. As coisas soo seu devir. O movimento qualidade inerente a todas as

    coisas. A negao da negao garante que cada sntese a

    tese de uma nova anttese, reproduzindo indenidamente o

    processo.

    Princpio da mudana qualitativa:O acmulo de elementosquantitativos, num dado momento, produz o qualitativamentenovo. A partir de certo limiar, d-se a passagem da quantidadepara a qualidade.

    Princpio da contradio universal:Unidade e luta doscontrrios. No interior de todas as coisas, coexistem forasopostas que tendem unidade e oposio. Os elementoscontraditrios coexistem numa realidade estruturada, um nopodendo existir sem o outro. Essa a essncia da dialtica.

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    mas em permanente transformao. Uma realidade negada peloseu oposto. Porm a negao no prevalece como tal, mas ambas,a realidade e a sua negao, so superadas por uma sntese, que chamada de negao da negao. Assim, a realidade pe-se empermanente movimento, j que essa sntese ser, tambm, provis-ria, pois ser negada pelo seu contrrio.

    O princpio da mudana qualitativa prev que as trans-formaes no se realizam sempre no mesmo ritmo. Pequenas mu-danas quantitativas podem gerar uma alterao qualitativa carac-terizada por transformaes radicais. Engels exemplificou essa leicom o fenmeno da gua colocada para ferver. O aumento grada-tivo na quantidade de graus de aquecimento acaba por chegar aum limite de temperatura, ao alcanar os cem graus centgrados,em que possvel observar uma alterao qualitativa no estado dagua. Podemos, ento, observar uma mudana que se caracterizapor um salto de qualidade, razo por que esse princpio tambmdenominado de lei dos saltos.

    Vejamos o que afirma o prprio Engels, ao analisar oprincpio dialtico em questo:

    O princpio da contradio universal, essncia da dial-tica materialista, supe que essas transformaes s podem ocorrerporque as foras opostas que residem em todas as coisas tendem unidade e oposio ao mesmo tempo. Esses elementos contradi-trios no existem de maneira independente, mas coexistem numa

    realidade mais ampla. Assim, a pobreza no existe sem o seu opostoque a riqueza, ou o proletariado no existe sem a burguesia.

    As duas tendncias tericas e suas apli-

    caes

    Como acabamos de ver, existem duas grandes tendn-cias na Sociologia o funcionalismo e o materialismo dialtico. Vocpercebeu que h caractersticas e nfases em cada uma delas que

    demarcam as suas diferenas e, seguramente, os seus usos.

    A primeira viso, a funcionalista, apresenta a realidade,e em especial a sociedade, como algo que est colocado, est posto(positum, da palavra positivismo), devendo ser conservado para ga-

    [...] vamos apelar para outro testemunho da mutao daquantidade em qualidade, a saber, Napoleo. Ele descre-ve o combate da cavalaria francesa, cavaleiros inferiores,mas disciplinados, contra os mamelucos, indiscutivel-mente a melhor cavalaria da poca no combate indivi-dual, porm indisciplinada: Dois mamelucos eram indis-

    cutivelmente superiores a trs franceses; 100 mamelucosequivaliam a 100 franceses; 300 franceses eram, em geral,superiores a 300 mamelucos, e 1000 franceses venciamsempre 1500 mamelucos (ENGELS, 1968, p. 119).

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    rantia do bom funcionamento do organismo social. Os grupos soabsolutos e fechados em si mesmos. No h nada que no tenha asua funo e esta, quando bem executada, assegura o bom funcio-namento do todo. O mundo , nessa perspectiva, todo organizado,tudo caminhando para a harmonia e para o equilbrio. Essa teoria foifortemente utilizada nos primrdios da Sociologia pela sua aproxi-mao com o positivismo e pela necessidade de alar a Sociologia

    ao statusde conhecimento cientfico. Essa tendncia terica serviu, eainda serve, como justificativa para a adoo de posturas conserva-doras em relao sociedade. Na verdade, podemos nos perguntarque grupos so beneficiados com essa teoria. A servio de qu e dequem esto os valores que garantiriam a coeso social harmoniosa?Evidentemente, so as camadas privilegiadas as beneficiadas comessas assertivas tericas, pois a elas interessa que tudo permaneacomo est, com a promoo de pequenas mudanas que no alte-rem a estrutura da sociedade, mas sejam apenas uma passagem deuma posio de equilbrio para outra. Para essas camadas sociaisas disfunes no justificam mudanas na estrutura da sociedade,

    mas apenas pequenas alteraes pontuais, localizadas, atingindosomente as partes da sociedade que esto disfuncionais.

    A segunda viso, a materialista dialtica, ao contrrio,promoveu a vocao crtica da Sociologia, que pressupe que tudoo que criado histrico e, portanto, no eterno. Assim comoapareceu, em funo de alguma circunstncia, pode desaparecer,em funo de outras circunstncias. A estrutura social, nessa pers-pectiva, transitria, propensa a mudanas que no sejam simples-mente arranjos de equilbrio, mas transformaes mais radicais,

    com redistribuio de poder. A sociedade no , aqui, consideradacomo um organismo em permanente equilbrio. Ao contrrio, en-tendida como um sistema de foras em desequilbrio e conflito per-manentes. Nessa viso, nada est pronto, mas em permanente esta-do de incompletude. Por isso, a mudana sempre possvel, tendoem vista que todas as coisas esto todo tempo se completando, seaperfeioando, superando a contradio interna. A manuteno dasociedade, nessa perspectiva terica, se d no pelo consenso es-pontneo de seus membros, mas pela coero que alguns exercemsobre os demais. A sociologia baseada nessa tendncia terica no

    considera os grupos absolutos, mas, ao contrrio, relativiza todas ascoisas, dando nfase caracterstica transitria do social. Aqui tam-bm podemos nos perguntar a quem pode interessar essa teoria,que grupos so beneficiados por ela. A histria da prpria constru-o do pensamento sociolgico nos d essa resposta, pois foi combase nessa tendncia terica que os movimentos de trabalhadorese a luta pela igualdade se apoiaram.

    Essas duas grandes tendncias geraram teorias sociol-gicas a elas subordinadas e muitas delas, por sua vez, promoveraminterpretaes sobre a relao entre a educao e a estrutura so-cial. Aplicaram, para usar nossa metfora inicial, lentes sociolgicasespeciais para melhor enxergar o fenmeno social da educao.Nosso trabalho, a partir de agora, ser o de identificar algumas dasprincipais anlises sociolgicas da educao. Uma pergunta bsica

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    estar por trs de todas essas reflexes: para que a sociedade orga-niza a educao e qual sua funo social? Vamos tentar responder aesse questionamento, analisando quatro diferentes interpretaessobre as relaes entre a educao e a sociedade. Esperamos que,ao final deste trabalho, voc tenha condies de analisar e de se po-sicionar quanto s diferentes concepes sobre a funo social daeducao e, em particular, da instituio escolar e do professor.

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    Abordagens

    sociolgicas da

    educao3Objetivo: identicar e analisar as diferentes concepes tericas sobre a

    funo social da educao.

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    Informao interessante:

    Ao iniciarmos essa nova etapa do nosso estudo, reco-mendamos que voc utilize como material de apoio o livro Escola,

    Estado e Sociedadede Brbara Freitag. Nesse livro, a autora fazuma anlise da educao no contexto da realidade brasileira a partirde um enfoque sociolgico. Para tornar isso possvel, a autora cons-

    tri, no primeiro captulo, um referencial terico onde so descritasas teorias mais conhecidas. Esse captulo denominado Quadroterico. A referncia completa da obra a seguinte:

    FREITAG, Brbara. Escola, estado e sociedade. So Paulo: Cortez,1979.

    A educao na concepo funcionalista:

    o registro conservador de Durkheim

    Os princpios apregoados pelo funcionalismo delineiamalgumas idias que podem nos ajudar a melhor compreender opapel social da educao para essa corrente terica. A sociedade,como vimos, concebida como uma estrutura baseada na ordem,no equilbrio. Como a nfase da teoria funcionalista a integrao, sob esse prisma que se forja a funo social da educao, isto ,como fenmeno social responsvel pela integrao, pela socializa-o, pela reproduo e manuteno dos valores da sociedade e, porconseqncia, pela manuteno do consenso entre os indivduos.

    Para Durkheim, o homem um ser originariamenteegosta, que necessita ser adaptado para a convivncia social. Exis-tiria em cada um de ns dois indivduos que no se separam mate-rialmente, mas que so bem distintos. Um o ser individual com-posto de todos os estados mentais que no se referem seno a nsmesmos e aos fatos de nossa vida pessoal; o outro o ser social um sistema de idias, de pensamentos, de sentimentos, de hbitose comportamentos que se referem ao grupo de que fazemos parte,e no nossa personalidade. Nesse campo estariam as prticas reli-giosas, as crenas morais, as tradies nacionais. Durkheim conside-

    ra que a sociedade o conjunto dos seres sociais e no o conjuntodos indivduos, ou seja, a sociedade formada pelo conjunto dosseres socializados e j adaptados s normas e valores de seu grupo.A hereditariedade se encarrega de transmitir os mecanismos instin-tivos que caracterizam o ser humano, mas no capaz de transmitiras aptides para a vida social. Essas aptides so transmitidas porum processo social de adaptao. Esse processo, para Durkheim, a educao.

    o homem egosta, a ser moldado pela sociedade, por-

    tanto, a matria-prima da educao, compreendida por Durkheimnum sentido muito mais amplo que a escolarizao. A educao,nessa perspectiva, no compreendida apenas como um processoque ocorre no interior da escola, mas em todo o contexto social.Para que exista educao, afirma Durkheim (1975), necessrio que

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    exista uma gerao de adultos e uma gerao de indivduos des-preparados para a vida social jovens, adolescentes e crianas eque a gerao adulta exera sobre a gerao jovem a sua influncia.A gerao jovem teria a flexibilidade necessria para receber dosmais velhos os ensinamentos que a vida social requer, internalizan-do os valores, as normas e as experincias das geraes mais velhase reproduzindo-as.

    A educao como um fenmeno sociolgico estuda-da por Durkheim, de maneira sistemtica, no livro Educao e So-ciologia(1975). Utilizando-se de um procedimento de anlise dasdefinies anteriormente existentes sobre educao, caracteriza-ascomo vagas e idealistas, no sentido de que indicam o que a edu-cao deve ser e no o que ela . Assentado nessa preocupao, oautor formula a sua prpria definio de educao:

    Durkheim

    Educao

    A educao a ao exercida pelas geraes adultas sobre as

    geraes que ainda no se encontrem preparadas para a vidasocial; tem por objetivo suscitar e desenvolver na criana certonmero de estados fsicos, intelectuais e morais reclamadospela sociedade poltica no seu conjunto e pelo meio social aque a criana particularmente se destina (DURKHEIM, 1975,

    p. 45).

    A educao , portanto, uma socializao metdica dasnovas geraes. Durkheim no considera a possibilidade da aoeducativa em movimento contrrio, isto , das geraes novas paraas geraes mais velhas, pois isso fugiria da essncia do fenmenosocial, isto , o de constituir, em cada elemento da gerao nova,o ser social. importante, tambm, ressaltar que a educao teriaa funo de uniformizar os indivduos, integrando-os sociedadepoltica no seu conjunto mas, ao mesmo tempo, teria a funo dediferenciar os indivduos, reforando a diviso social do trabalho e

    integrando-a ao meio particular ao qual est destinada.

    Outro dado importante na concepo de educao des-se autor o seu carter coercitivo, isto , o fato de que a educaose impe sobre os indivduos, independente de suas vontades in-dividuais. Durkheim afirma, mesmo, que os contedos do processoeducativo no dependem sequer da vontade individual de quemeduca. Veja o que diz o autor: uma iluso acreditar que podemoseducar nossos filhos como queremos. H costumes com que somosobrigados a nos conformar; se os desrespeitarmos, muito grave-mente, eles se vingaro de nossos filhos (DURKHEIM, 1975, p. 88).Ou seja, no h como escapar de certos valores da sociedade, poisfugir deles promover a inadaptao dos jovens e conden-los aosofrimento. Portanto, a caracterstica coercitiva do processo educa-tivo para benefcio do prprio indivduo.

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    O indivduo sofre o processo educacional mediatizadopela famlia e pelas instituies do Estado, inclusive as escolas e,como resultado, integra-se ao sistema social em que vive, solidari-zando-se com todos os seus membros. Os valores veiculados pelaeducao so internalizados e reproduzidos pelo indivduo que seeduca, perpetuando-os. Evidentemente que essas normas e valoressociais so dependentes do momento histrico em que se passa a

    educao, mas so sempre exteriores ao indivduo, independentesde sua vontade.

    Ao promover a adaptao dos indivduos aos valores enormas da sociedade ou, em outras palavras, ao socializar os indi-vduos, o processo coercitivo da educao transforma os seres in-dividuais e egostas em seres sociais e altrustas, em benefcio daprpria sociedade. Atingido o fim da educao, que o de formaros seres sociais, estaria constituda a prpria sociedade, j que ela, para Durkheim, o conjunto dos seres sociais. Nesse sentido, possvel afirmar que a educao um fator constitutivo da prpria

    sociedade. A educao para Durkheim um meio pelo qual a so-ciedade se perpetua, assegurando a continuidade da sociedade qual a educao serve. Algumas idias centrais no pensamento deDurkheim sobre o papel social da educao podem ser resumidasno quadro abaixo:

    Durkheim

    Homem ser egosta (a ser moldado pela sociedade)

    Educao:

    ao das geraes mais velhas sobre as mais novas;

    processo coercitivo;

    fator de manuteno da sociedade;

    transforma o ser egosta em ser social;

    fator constitutivo da sociedade.

    A despeito do grande valor de Durkheim, por ter en-frentado original e sistematicamente a reflexo sobre o papel so-cial da educao, abrindo o caminho para os estudos sociolgicosda educao, muitas so as deficincias que podem ser apontadasem sua teoria, todas elas, porm, compatveis com a sua viso demundo funcionalista. Em primeiro lugar, pelo seu carter extrema-mente conservador. Ao conceber a sociedade como um conjuntode seres sociais em harmonia e equilbrio, deixa de considerar osgrupos em conflito, em permanente luta pelo poder, que certamen-te tero influncia como parte da sociedade poltica que reclama

    os valores que a educao veicula, bem como do meio especial aque a criana particularmente se destina. A reduo do fenmenoda educao ao de uma gerao mais velha e madura sobreuma gerao mais nova e imatura praticamente dispensa coment-rios, quando se sabe que o indivduo no cessa nunca de aprender

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    e que a educao extrapolou a infncia e a adolescncia, atingindotambm jovens e adultos.

    Informao interessante:

    Seguindo essa mesma linha de pensamento funciona-

    lista, Talcott Parsons (1902-1979) outro autor que considera que opapel social da educao o de perpetuar os sistemas sociais, man-tendo-os em ordem e equilbrio. Diferencia-se de Durkheim quantoao aspecto coercitivo da educao, j que o autor considera quetanto a sociedade quanto os indivduos se beneficiam com o pro-cesso educativo. Voc pode recorrer ao texto Quadro Terico, jcitado, para ter maiores detalhes sobre a viso desse autor.

    O liberalismo: a educao como fator

    de modernizao da sociedadeUm dos sistemas de idias que maior influncia exerceu

    na educao pblica no Estado moderno foi o liberalismo. Dessacorrente poltica de pensamento vm os ideais ainda hoje perse-guidos em nosso pas em defesa de uma escola pblica, universal,gratuita, de qualidade, democrtica e laica. A doutrina liberal surgiua partir de idias elaboradas por pensadores da Inglaterra e da Fran-a, no perodo de ascenso da burguesia em seu confronto com aaristocracia ento vigente. Como j vimos, a burguesia conseguiuimpor seus pontos de vista e seus interesses, instalando formas no-vas da sociedade e o Estado se organizarem. O eixo principal dessasidias se assenta no desenvolvimento da liberdade individual e noprogresso da sociedade. Esses dois elementos atuaram de maneiraprofunda sobre as concepes de educao, tanto do ponto de vistaestritamente pedaggico quanto do ponto de vista de sua funosocial. No tocante aos procedimentos pedaggicos da educao es-colar, o confronto com a escola tradicional pde ganhar flego emfuno da importncia que passaram a ter os princpios do respeito individualidade do aluno, baseados na doutrina liberal. O movi-mento da chamada Escola Nova ou escolanovismo, personificado

    por John Dewey nos Estados Unidos e trazido para o Brasil pelasmos de um dos maiores educadores brasileiros, Ansio Teixeira, tal-vez marque um dos momentos mais fortes em que o liberalismoganhou corpo no campo da educao. Da mesma maneira, a edu-cao vista como um fator de progresso social e econmico tem assuas bases no pensamento liberal.

    Vamos, portanto, nesta parte de nosso trabalho, estudaras correntes sociolgicas da educao que tm seu apoio doutri-nrio no liberalismo. Autores como o prprio John Dewey ou como

    Karl Mannheim, por exemplo, conceberam a educao como umfator de modernizao social, especialmente em relao ao papelque pode desempenhar no aperfeioamento da democracia. Ou-tros, como Schultz e Becher, desenvolveram uma teoria com a qualprocuram demonstrar que a educao um fator de modernizao

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    Algumas idias podem ser consideradas como bsicase fundamentais para o desenvolvimento da doutrina liberal. Essasidias so princpios, pressupostos, valores mximos a partir dosquais todo o arcabouo doutrinrio constitudo. Esses princpiosso o individualismo, a liberdade, a propriedade, a igualdade e a de-mocracia.

    O princpio do individualismo considera que os indiv-duos tm um direito natural dignidade, proveniente de seu nas-cimento, independente de sua origem social ou econmica. O indi-vduo deve ser respeitado pela sociedade porque possui aptidese talentos prprios, devendo ter condies de desenvolv-los emseu prprio benefcio. O governo da sociedade no deve fazer maisque executar, garantir e defender o direito natural dos indivduos.Garantido esse direito, podem os indivduos atingir uma posiovantajosa ou no e, nesse sentido, competir por privilgios sociaise econmicos, alcanando o sucesso ou o fracasso em decorrnciato-somente de seu esforo e de sua capacidade pessoal e no das

    influncias da organizao pessoal. As diferenas existentes entreos indivduos na sociedade so uma conseqncia das diferenasnaturais e dessa capacidade de alcanar privilgios. Nesse sentido,o liberalismo no apenas aceita as diferenas entre as classes comofornece justificativa para legitim-las.

    O princpio da liberdade tambm bsico, chegandomesmo a estar na raiz do prprio nome liberalismo. Parte do pressu-posto de que o homem livre para alcanar vantagens em funode seus talentos individuais. A liberdade individual o fundamen-

    to de todas as demais liberdades econmica, religiosa, poltica. Ograu de liberdade individual est associado, tambm, diminuiodo poder do Estado. Quanto menos poder o Estado possuir, maiorser o grau de liberdade individual existente na sociedade.

    econmica. No entanto, para que possamos melhor compreenderos pontos de vista desses autores, vamos fazer uma breve inter-rupo para buscar informaes que nos ajudem a compreendero contexto em que surgem as idias liberais e seus principais pen-sadores. Para isso, vamos pedir auxlio a um estudo de Luiz AntnioCunha, denominado Educao e desenvolvimento social no Brasil, noqual o autor faz uma boa retrospectiva sobre as idias que quere-

    mos demarcar como referncia para nosso estudo.

    Leia

    Recomendamos que voc leia o primeiro captulo do li-

    vro acima referido, que se denomina A educao e a construo deuma sociedade aberta. A referncia completa da obra a seguinte:

    CUNHA, Luiz Antnio.Educao e desenvolvimento social no Brasil.

    Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

  • 5/28/2018 Educacao e Sociedade Numa Perspectiva Sociologica

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    O princpio da propriedade est ligado ao princpiodo individualismo como um direito natural. Por ser um dos direitosnaturais, o liberalismo nega a possibilidade de sua usurpao porqualquer agente poltico da sociedade. Ao Estado cabe a tarefa deproteger esse direito, no impedindo que os indivduos acumulemriquezas pelo seu prprio esforo. Os privilgios decorrentes donascimento so repudiados, sendo considerados legtimos apenas

    aqueles que forem alcanados pelo