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Revista 1º Trimestre 2011 - Jan. Fev. Mar

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REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ISSN 0102-1052

Publicação do Tribunal de Contas do Estado de Minas GeraisAv. Raja Gabaglia, 1.315 — LuxemburgoBelo Horizonte — MG — CEP: 30380-435

Revista: Edifício anexo — (0xx31) 3348-2142Endereço eletrônico: <[email protected]>

Site: <www.tce.mg.gov.br>

As matérias assinadas são de inteira responsabilidade de seus autores.

Solicita-se permuta. Exchange is invited. Pidese canje. On demande l’échange. Man bittet um Austausch. Si richiede lo scambio.

Projeto gráfico: Alysson Lisboa Neves — MTB/0177-MG — [email protected]

Foto da capa: “Paisagem submersa”, Bax, 40 X 50 cm, tinta acrílica sobre tela

Texto da primeira folha: Poema Ícaro infantil. BAX.

Excerto de: Das águas ao espírito. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2004.

Impressão e acabamento:Rona Editora Gráfica

FICHA CATALOGRÁFICA

Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Ano 1, n. 1 (dez. 1983- ). Belo Horizonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, 1983 -

Periodicidade irregular (1983-87) Publicação interrompida (1988-92) Periodicidade trimestral (1993- )

ISSN 0102-1052

1. Tribunal de Contas — Minas Gerais — Periódicos 2. Minas Gerais — Tribunal de Contas — Periódicos.

CDU 336.126.55(815.1)(05)

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS

CONSELHEIROSAntônio Carlos Doorgal de Andrada

Presidente

Adriene Barbosa de Faria AndradeVice-Presidente

Sebastião Helvecio Ramos de CastroCorregedor

Eduardo Carone CostaConselheiro

Elmo Braz Soares Conselheiro

Wanderley Geraldo de Ávila Conselheiro

Cláudio Couto TerrãoConselheiro

AUDITORESEdson Antônio Arger

Gilberto DinizLicurgo Joseph Mourão de Oliveira

Hamilton Antônio Coelho

PROCURADORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTASGlaydson Santo Soprani Massaria

Procurador-Geral

Maria Cecília Mendes BorgesProcuradora

Sara Meinberg Schmidt de Andrade Duarte Procuradora

COMPOSIÇÃO DO PLENO*

Conselheiro Antônio Carlos Doorgal de Andrada — PresidenteConselheira Adriene Barbosa de Faria Andrade — Vice-PresidenteConselheiro Sebastião Helvecio Ramos de Castro — Corregedor

Conselheiro Eduardo Carone CostaConselheiro Elmo Braz Soares

Conselheiro Wanderley Geraldo de ÁvilaConselheiro Cláudio Couto Terrão

*As reuniões do Tribunal Pleno ocorrem às quartas-feiras, 14h.

Diretor da Secretaria do Pleno: Alexandre Pires de LimaFones: (31) 3348-2204 [Diretoria]

(31) 3348-2128 [Apoio]

COMPOSIÇÃO DA PRIMEIRA CÂMARA*

Conselheira Adriene Barbosa de Faria Andrade — PresidenteConselheiro Wanderley Geraldo de Ávila

Conselheiro Cláudio Couto TerrãoAuditor Relator Edson Antônio Arger

Auditor Relator Licurgo Joseph Mourão de Oliveira

*As reuniões da Primeira Câmara ocorrem às terças-feiras, 14h30.

Diretor da Secretaria: Paulo Jorge Teixeira LimaFones: (31) 3348-2585 [Diretoria]

(31) 3348-2281 [Apoio]

COMPOSIÇÃO DA SEGUNDA CÂMARA*

Conselheiro Eduardo Carone Costa — PresidenteConselheiro Elmo Braz Soares

Conselheiro Sebastião Helvecio Ramos de CastroAuditor Relator Gilberto Diniz

Auditor Relator Hamilton Antônio Coelho

*As reuniões da Segunda Câmara ocorrem às quintas-feiras, 10h.

Diretora da Secretaria: Edna Cristina RibeiroFones: (31) 3348-2415 [Diretoria]

(31) 3348-2189 [Apoio]

CORPO INSTRUTIVO

SECRETARIA EXECUTIVA DO TRIBUNAL DE CONTAS Leonardo de Araújo Ferraz

Fone: (31) 3348-2348

SECRETARIA DA PRESIDÊNCIAJoeny Oliveira de Souza Furtado

Fone: (31) 3348-2342

SUPERINTENDÊNCIA DE ASSUNTOS INSTITUCIONAIS E DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL Cristina Márcia de Oliveira Mendonça

Fone: (31) 3348-2370

DIRETORIA DE CONTROLE EXTERNO DO ESTADO Valquíria de Sousa Pinheiro

Fone: (31) 3348-2223

DIRETORIA DE ASSUNTOS ESPECIAIS E DE ENGENHARIA E PERÍCIA Cristiana de Lemos Souza Prates

Fone: (31) 3348-2516

DIRETORIA DE CONTROLE EXTERNO DOS MUNICÍPIOS Marconi Augusto de Castro Braga

Fone: (31) 3348-2255

DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO Giovana Bonfante

Fone: (31) 3348-2101

DIRETORIA DE GESTÃO DE PESSOAS Elke Andrade Soares de Moura Silva

Fone: (31) 3348-2120

DIRETORIA DE PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E FINANÇAS Sandra Bezerra Gomes Fone: (31) 3348-2220

DIRETORIA DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Anna Flávia Lourenço Esteves Martins Bako

Fone: (31) 3348-2308

DIRETORIA DE JURISPRUDÊNCIA, ASSUNTOS TÉCNICOS E PUBLICAÇÕES Cláudia Costa de Araújo

Fone: (31) 3348-2423

DIRETORIA DA SECRETARIA DO PLENO Alexandre Pires de Lima

Fone: (31) 3348-2204

DIRETORIA DA ESCOLA DE CONTAS Gustavo Costa Nassif Fone: (31) 3348-2698

GABINETE DA PRESIDÊNCIA José Eduardo Lewer de Amorim

Chefe de Gabinete Fone: (31) 3348-2374

José Augusto de Oliveira Penna Naves Assessor

Fone: (31) 3348-2625

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

Revista do

Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

SECRETÁRIA / EDITORAJuliana Mara Marchesani

EQUIPE TÉCNICAAline Toledo Silva

Diego Felipe Silva Abreu de Melo Eliana Sanches Engler

Lívia Maria Barbosa SalgadoRegina Cássia Nunes da Silva

- REVISÃO -Leonor Duarte Fadini

Maria José De Araújo RiosMaria Lúcia Teixeira de Melo

- PESQUISA -Amanda Ribeiro CostaChristina Vilaça Brina

Revista Institucional do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais sob responsabilidade da Presidência da Instituição

9

Entr

evis

taREVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

Aspectos temáticos e estéticos da pintura de Bax*

Maria Cecília Guimarães Santos**

* Petrônio Bax — artista plástico e poeta nasceu em Carmópolis de Minas no ano de 1927, falecido no ano de 2009.

** Professora e membro do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Paisagístico de Divinópolis/MG, cursou Filosofia, Licenciatura Plena no Inesp/Uemg e disciplina isolada de Estética na Escola de Arquitetura da UFMG.

Bax é um artista onírico, simbólico e espiritualista. Seu encantamento com a natureza lembra o louvor de São Francisco de Assis, o cognominado “Poeta da Criação”. Como o Poverello de Assis, ele, o pintor e poeta, expressa louvor e se mostra um homem maravilhado e perplexo diante do mistério da criação.

Seus azuis profundos são os mistérios abissais dos mares que se elevam até os azuis das levezas celestiais. Ele nos mostra em suas “paisagens submersas e em suas planícies cósmicas” todo um figurativo feito de cidades barrocas, anjos e em destaque o seu avatar “Anjo Gabina”, e os peixes em cardumes, ora em constantes grupos de sete, numa referência a este número cheio de mistérios e interpretações, formado pelo quatro da materialidade (terra, água, fogo e ar) e o número três da divindade. E ainda as figuras do Cristo, da Virgem, o presépio, cenas da vida de Jesus, flores, animais marítimos, crianças brincando, cenas folclóricas, céu, estrelas, lua e sol hierofânicos, enfim, tudo se configura harmonicamente, e nos eleva à paz e à esperança.

Como um escafandrista e um cosmonauta, em seu “Barco do Pintor”, ele navega, ora nas profundezas dos mares, ora na amplidão dos céus, e afirma: “Estamos num barco — do mar cósmico — navegando na curva convexa, que tem Jesus como “mestre dos mares”, “mestre da verdade — da realidade transcendente — luz e guia dos caminhos reciclados — sabedoria sobrenatural — inteligência resplandecente”.

Para Bax a água é fonte de vida, a água é o primeiro espelho, a água é bebida. O leitmotiv do artista se expressa, basicamente, em quatro elementos que são: a água, o peixe, o espelho e o mistério. Ele disse que o homem é peixe e que, no útero materno, somos todos peixes.

Na Grécia antiga, Tales de Mileto já lembrava que “o princípio e substância das coisas é a água que é força ativa, vivente, animada, da qual todas as coisas promanam” e Anaximandro “supõe a geração espontânea dos seres vivos e a transformação dos peixes em homens”.

O escritor Márcio Almeida, estudioso da obra de Bax, em belo ensaio sobre a literatura do pintor, refere-se às hilogenias nas diversas culturas e povos.

Mas em Bax o peixe é Cristo: ICHTHYS, palavra grega que significa peixe e para os cristãos: Iesus, Christus,Theo, Ios, Sáuter — Jesus, Cristo, Deus, Filho, Salvador.

Bax pintou o Novo Testamento, em diversas cenas e passagens da vida de Jesus. O Cristo, do nascimento à ressurreição.

10

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIXO olhar do expectador, em suas obras, é direcionado para um ponto ascendente e central da

tela, uma característica formal que nos leva ao Bax religioso onde ora o sol, lua ou estrelas figuram o olho de Deus, O que tudo cria e tudo dirige.

As criações plásticas do pintor mineiro impregnam-se de uma pluralidade de direcionamentos de linhas, ora horizontais, ora inclinadas da direita para a esquerda, ora da esquerda para a direita, ainda mais emotivas, e todas dão movimento à cena assim como no olhar e no pensamento do espectador. Essas linhas trêmulas e finas consistem no contorno dos motivos e das figuras. O arquiteto Sylvio de Vasconcellos analisou essas linhas em Bax como manifestações de um forte lirismo, puro sentimento no artista. A poetisa Henriqueta Lisboa escreveu: “suas telas são habitadas de sombras, de tons carregados, azul ardente sempre mais profundo, verde-montanha, verde-negro, escarlate, rubro violento ora acobreado, ouro antigo tocado a cor de madeira [...] a luta pelo pictórico, pela palpitação do plástico em coisa vivente, movente e comovente [...]”

Na flora e fauna dançantes nos fundos dos mares, nos vasos de flores, há linhas que se movem para o alto, lembrando elementos da fecundação como falos e cardumes minúsculos, qual espermatozoides, na corrida para novas vidas. O sol como ideia teocêntrica, mas também objeto que pode levar à alusão de fecundação: o sol como óvulo e os pequenos cardumes como espermatozoides. Não deixa de ser um fenômeno divino.

Seu simbolismo é forte. O cavalo marinho é constante em suas pinturas assim como o caramujo com suas volutas barrocas, ambos em muitas culturas são símbolos do espiritualismo e da fecundação.

Há um Bax metafísico que mergulha no espelho e procura o profundo de si mesmo, a busca do ser e do mistério.

No seu poema “Névoa” assim pergunta: “O espiritual/ É uma névoa entremeada de luz/ Ou é luz que afasta a névoa?”

Novamente, o questionamento do que é o ser e onde está o espiritual.O poeta Osvaldo André de Mello diz, ao apresentar o livro “Som de um Caramujo”, que: “A espiritualidade é o núcleo de luz do poeta, ‘A sombra de Deus’ ”. O exercício da arte é o mesmo da busca pela espiritualidade”.

Encantado com a vida, reflexivo e sereno, Bax diz em seu livro “Espelho das Águas”: “Tanta beleza do Eterno Deus que é fonte do mistério, em todo momento em nossa visão derramada pelo seu mistério para nosso alumbramento”.

O teólogo Leonardo Boff diz: “[...] é próprio do ser humano experimentar sua profundidade. Auscultando a si mesmo, percebe que emergem de seu profundo apelo de amorização, de compaixão e de identificação com os outros e o grande Outro, que as tradições espirituais e religiosas chamaram de Deus”.

Bax foi um memorialista, registrou a sua história, os seus sonhos, a sua religiosidade e a sua identidade. Ele é um surrealista metafísico. As suas figuras oníricas, podemos dizer, são de um irreal/real admirável. A dimensão da sua obra começa na desambientação espaço/temporal de suas criações que o torna universal.

A filosofia, as religiões, a arte e cultura, enfim, tudo o que constitui a memória do passado ou a memória do futuro, que são os nossos sonhos, desejos e ideais, isso é o que nos humaniza. Bax foi profundamente humano e nos humaniza com a sua arte.

Excerto do texto de apresentação da mostra do artista realizada em 11/junho/2010 no Museu Histórico de Divinópolis/MG.

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX SUMÁRIO

Palavra do Presidente — a transição 13

Entrevista

Presidente da OAB/MG Luís Cláudio da Silva Chaves 23

Notícias

TCEMG empossa os novos dirigentes para o biênio 2011/2012 33Terrão toma posse como Conselheiro 34Sara Meinberg: nova Procuradora do Ministério Público de Contas 35Exposição de Bax no TCEMG 35TCEMG participa de congresso internacional no México 36

Doutrina

A fiscalização dos processos licitatórios na Administração PúblicaLicurgo Mourão Daniel Uchôa Costa Couto 39Discricionariedade administrativa e processo sancionatório: inconsistências normativas e possibilidades interpretativas em torno da Lei n. 8.666/93José Carlos Evangelista de AraújoAdriana Strasburg 59Apontamentos acerca da pré-compreensão e da compreensão nas Teorias Hermenêuticas de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer e suas implicações no ato de julgarDaniela Rezende de OliveiraRafael Soares Duarte de Moura 84A utilização (in)devida dos precedentes: uma reflexão para além do aspecto quantitativo da prestação jurisdicionalDalton Sausen 100

Direito Comparado

Las inversiones extranjeras en la Argentina: las cláusulas de los TBI, el silencio de los tribunales argentinos y la necesidad de un nuevo escenario de debateMariano Lucas Cordeiro 115

Pareceres e decisões

Contabilização dos recursos financeiros recebidos do FundebConsulta n. 838.061Relator: Conselheiro Eduardo Carone Costa 129Possibilidade de aquisição de bens imóveis pelos Poderes Executivo ou Legislativo com recursos repassados pelo Poder ExecutivoConsulta n. 837.547Relator: Conselheiro Eduardo Carone Costa 135Impossibilidade de o Município arcar com despesas de aluguel de imóveis e alimentação dos policiais civis e militaresConsulta n. 812.500Relator: Conselheiro Elmo Braz 141

Inclusão de receitas na base de cálculo para repasse do duodécimo às Câmaras Municipais Consulta n. 812.490Relator: Conselheiro Elmo Braz 145Aposentadoria especial para professor de carreira no exercício da direção, coordenação e assessoramento pedagógico em estabelecimento de educação básicaConsulta n. 715.673Relator: Conselheiro Antônio Carlos Andrada 150Irregularidade nas outorgas realizadas para exploração de serviço de táxiProcesso administrativo n. 717.185Relator: Conselheiro Antônio Carlos Andrada 155Impossibilidade de prestação de serviços públicos por Associações de Municípios com recursos públicosConsulta n. 791.229Relatora: Conselheira Adriene Andrade 169Possibilidade de cômputo de despesas com obras em imóvel de outro ente federativo para fins de cumprimento constitucional do percentual mínimo na educaçãoConsulta n. 833.257Relatora: Conselheira Adriene Andrade 175Possibilidade de sanar a inconstitucionalidade da fixação de subsídios diferenciados para vereadores na mesma legislaturaConsulta n. 832.355Relator: Conselheiro Sebastião Helvecio 179Impossibilidade de Autarquia Municipal doar ao Poder Executivo recursos financeiros provenientes de tarifas cobradas pela prestação de serviços de fornecimento de água e esgotoConsulta n. 838.537Relator: Conselheiro Sebastião Helvecio 184Conhecimento de Incidente de Uniformização de Jurisprudência busca dar maior estabilidade às decisões do TCE Incidente de Uniformização de Jurisprudência n. 760.875Relator: Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz 188Contratação de novo modelo de gestão de abastecimento da frota de veículos da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais é levada a termo Edital de Licitação n. 837.132Relator: Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz 208Emissão de parecer prévio pela rejeição das contas em virtude de abertura de créditos suplementares sem a devida autorização legalPrestação de Contas n. 730.067Relator: Auditor Licurgo Mourão 223Aprovação das contas prestadas pelo TJMGPrestação de Contas n. 685.831Relator: Auditor Hamilton Coelho 229Ministério Público de Contas aponta inconstitucionalidade nos Decretos Estaduais n. 44.786/08 e 44.787/08Procurador Cláudio Couto Terrão 234

Comentando a Jurisprudência

Viviane Ataide Giovannini 249

Estudo Técnico 269

Índices

Assunto 283Autor 298

Palavra doPresidente

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

15

PALAVRA DO PRESIDENTE— a transição —

ASSCO

M TCEM

G

Pronunciamento do Conselheiro Wanderley Ávila por

ocasião de sua despedida do cargo de Presidente do

Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em

08/02/2011

Há dois anos, assumi a Presidência desta Casa com a

nobre missão de conduzir o Tribunal de Contas do Estado

de Minas Gerais, tarefa na qual me empenhei, durante

todo este tempo, com absoluta dedicação.

A honra de desempenhar a função de Presidente foi

permeada por muitos desafios, como tantos outros já

enfrentados em minha vida.

E isso me faz voltar no tempo.

Permitam-me esta digressão...

Não poderia imaginar que as dificuldades e os desafios

pelos quais passei e que lapidaram a minha alma me

trariam até aqui.

Seu Vivico e D. Conceição, meus pais, foram os precursores

da minha jornada. Foram os valores deles emanados

que desenharam a bússola que norteou a minha

trajetória. Valores como a firmeza de caráter, honestidade e

perseverança formaram o sustentáculo das minhas escolhas.

Deles, a sede do conhecimento, aliada à semente

da humildade, é que me trazem, a todo momento, a

certeza de que ainda tenho muito a aprender.

Foi esse desejo de aprender que me afastou, ainda na

infância, da minha querida cidade de Várzea da Palma,

para estudar em Diamantina, depois em Belo Horizonte,

onde obtive minha primeira graduação, em Letras.

Algum tempo depois, residindo em Pirapora e atuando

como profissional da educação, eu percorria, todas

as noites, 320 kilômetros, até Montes Claros, rumo à

Unimontes — onde me tornei bacharel em Direito.

Na minha bagagem, muitas noites mal dormidas, sonhos

e esperanças.

Eleito Prefeito de Pirapora no ano de 1982, tive o meu

primeiro contato com o Tribunal de Contas, ao trazer

aqui as dúvidas, do dia a dia do Executivo.

Todos os anos, encaminhava a esta Corte a Prestação de

Contas do Município, como Prefeito Municipal. À época,

uma grande viagem, feita em uma Kombi, repleta de

documentos para serem entregues.

Mais tarde, como Deputado Estadual, a demanda

da sociedade pelo controle de qualidade

encurtou o meu caminho e me trouxe até a esta

Casa, como Conselheiro.

A engenharia de Deus e seus desígnios são perfeitos.

Dessa forma, as experiências vividas, o conhecimento

adquirido, fizeram-se necessários e motivaram todos os

atos que pratiquei à frente da Presidência deste Tribunal.

Acredito que toda a autoridade é confiada por Deus,

é missão da qual não podemos nos desonerar e a ELE

teremos que prestar contas.

Assim, procurei cumprir essa tarefa com iniciativas que

pudessem colaborar para o desenvolvimento desta Corte.

Com espírito colaborador, procurei dotar a Casa de

instrumentos necessários para o atendimento das

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

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REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

demandas da sociedade por um controle eficaz.

Todo o parque computacional do Tribunal foi

modernizado; quintuplicamos a nossa capacidade de

processamento, investimos na segurança da informação,

aprimoramos a metodologia de desenvolvimento de

sistemas, criamos uma “fábrica” de software para

aumentar a nossa capacidade de produção.

Necessário registrar que, hoje, existem na Casa 26 sistemas

em desenvolvimento e vários outros implantados. Entre

estes, destaco o Sistema de Apoio à Fiscalização Estadual

(SAFE); o Sistema Informatizado de Contas dos Municípios

(Sicom), que facilitará o envio de informações e permitirá

o acompanhamento sistemático e o controle preventivo

das contas municipais; e o Sistema de Fiscalização de

Obras Georeferenciadas (Geobras), que possibilitará a

fiscalização de obras por satélite.

A implementação do Diário Oficial de Contas (DOC)

que publica os atos administrativos, processuais e

de comunicação em geral, em substituição à versão

impressa publicada, gerou economia aos cofres públicos,

sendo uma medida de sustentabilidade ambiental ao

reduzir o uso de recursos naturais.

Examinamos, nesse biênio, o mesmo número de

prestações de contas municipais que apreciamos em nove

anos, reduzindo o estoque de processos e otimizando a

emissão dos pareceres prévios. Essa medida foi objeto

de Resolução desta Casa e é meta institucional.

Realizamos auditorias operacionais e auditorias em

projetos financiados pelo Banco Mundial, além de

pleitearmos, o já em curso, credenciamento desta

Corte para fiscalização de projeto financiado pelo Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Estamos acompanhando as obras que envolvem o projeto

da Copa do Mundo de 2014.

Desenvolvemos a Matriz de Risco, instrumento técnico

que norteará as nossas ações de controle.

Capacitamos o nosso corpo técnico e vamos iniciar o

redesenho de exame dos processos de auditoria, projeto

que envolverá toda a Casa nos próximos oito meses.

Readequamos a nossa estrutura física com obras nos dois

prédios para melhoria do espaço físico, e, em março,

estarão concluídas as obras das novas instalações da

Escola de Contas Professor Pedro Aleixo.

Ampliamos a estrutura física das instalações da Auditoria

e do Ministério Público de Contas.

Priorizamos o exercício da missão orientadora do Tribunal

com o desenvolvimento de ações pedagógicas, com vistas

ao aperfeiçoamento e à capacitação de todos aqueles que

cuidam da gestão pública. Destaca-se entre essas ações a

realização do 1º Encontro Técnico: “O Tribunal de Contas

e os Municípios” e a realização da Semana Orçamentária

que, em três dias de cursos e oficinas, reuniu 1.500

participantes, de todos os municípios mineiros.

Novo instrumento de consulta jurídica, em breve, estará

disponibilizado no portal do TCE. Trata-se da Biblioteca

Digital da Editora Fórum, que possui significativo conteúdo,

como revistas, artigos e obras de relevância, sendo permitido

30 acessos simultâneos por consulta. A ferramenta foi

adquirida no terceiro trimestre de 2010, e poderá auxiliar

nossos técnicos na fundamentação doutrinária, permitindo

o acesso a debates de juristas de renome.

A Administração Pública atual prima pela eficiência,

mas não se deve esquecer que o viés humanista é o

vetor a direcionar os nossos projetos, tanto assim, que

o planejamento estratégico implantado nesta Casa tem

como objetivo a promoção de ações voltadas para os

servidores e jurisdicionados.

Tudo isso reforça o compromisso deste Tribunal de ser

uma instituição de referência no controle e, posso afirmar

que estamos caminhando a passos largos nessa direção.

Nas palavras de Martin Luther King: “Suba o primeiro

degrau com fé. Não é necessário que você veja toda a

escada. Apenas que dê o primeiro passo, com fé.”

Concluo o meu trabalho à frente da Presidência

agradecendo a Deus pela oportunidade de concretizar

os meus sonhos e fazer jus à herança recebida de meus

pais, que constitui o alicerce em que me apóio.

Nessa caminhada, pude contar com o apoio inestimável

de toda a equipe que esteve ao meu lado, que me

incentivou, me apoiou e trabalhou com afinco, para que

bons resultados fossem alcançados.

Agradeço a todos os Diretores, Assessores, Coordenadores

e servidores deste Tribunal, pelo empenho com que se

dedicaram à minha gestão.

Nesse período, contei também com a parceria de diversas

instituições públicas, materializada em convênios e termos

de cooperação. O Tribunal de Contas da União, demais

Tribunais de Contas do país, Instituto Rui Barbosa, Atricon,

Controladoria-Geral da União, Receita Federal, Ministério

Público e Governo do Estado foram companheiros

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

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Pala

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do P

resi

dent

e

17

contumazes e, neste momento, não poderia deixar de

mencioná-los e manifestar o meu reconhecimento.

Senhor Governador, em nome desta Corte de Contas e dos

meus pares, agradeço a Vossa Excelência por abraçar a

causa do controle, por reconhecer as necessidades desta

Casa e consignar no orçamento os recursos necessários

para o seu funcionamento.

Sua competência, singularidade e mérito são atributos a

serem tomados como exemplo por toda a Administração

Pública mineira.

Esse é um Governo que honra as tradições mineiras ao

investir na transparência, no controle, na eficiência e na

eficácia da Gestão Pública.

Nessa relação de proximidade, sedimentamos muitas

amizades e entre elas gostaria de citar a do Dr. Clésio

Andrade, aqui representando o Senado Federal, que mais

do que homem público é um companheiro estimado,

solidário e amigo fiel de muitas lutas.

Ao estimado ex-governador e Senador Aécio Neves,

o nosso agradecimento pelo apoio inconteste a esta

Corte, e por nos fazer acreditar que o Estado de Minas

Gerais vem trabalhando para implantar uma nova forma

de administração, em que “deixe de existir a pretensa

incompatibilidade entre a boa gestão e a responsabilidade

administrativa.”

É hora também de manifestar o reconhecimento deste

Tribunal para com a Assembleia Legislativa de Minas

Gerais que, em estreita parceria, colaborou para os

avanços conquistados neste biênio.

Projetos de Lei encaminhados àquele Órgão foram

aprovados pelas deputadas e deputados que hoje tem

como Presidente o jovem, dinâmico, competente e

comprometido com a causa pública, Deputado Dinis

Pinheiro, cuja liderança inata marca sua trajetória desde

1995, quando assumiu o seu primeiro mandato naquela

Casa Legislativa, com apenas 28 anos.

Agradeço aos Auditores e Membros do Ministério Público

de Contas pela colaboração e pela dedicação ao

aprimoramento do controle.

Aos meus pares, Conselheiros desta Casa, manifesto a

minha gratidão pelo apoio, força e união em prol desta

Corte de Contas.

Ao passar a Presidência ao nobre Conselheiro Antônio

Andrada desejo que todas as bênçãos lhe sejam

derramadas por Deus e que em sua gestão muitas vitórias

sejam colhidas.

É o que desejo também à estimada Conselheira Vice-

Presidente Adriene Andrade e ao ilustre Conselheiro

Corregedor Sebastião Helvecio.

Assim, caros amigos, contem com o meu apoio e com a

minha amizade, pois aprendi nesse tempo, o valor da

união, porquanto ela significa força e, é sobre esse pilar

que esta instituição irá se aperfeiçoar.

Espero, com essa convicção, que todos nós,

Conselheiros, Auditores, Membros do Ministério

Público de Contas e servidores desta Casa, estejamos

sempre unidos, somando esforços, para fortalecer

esta Corte de Contas.

Por fim, agradeço à Mariza, minha querida esposa e

companheira de todos os momentos, às minhas filhas

Carolina e Juliana, Paula e meu genro Daniel, responsáveis

pela vinda de um anjo, meu neto, Benício, cujo sorriso

ilumina a minha alma, por aceitarem, com amor e carinho,

os momentos de ausência em face dos compromissos

inerentes à Presidência.

Como em um time de futebol, aliás, minha outra paixão,

o importante é a união da equipe, o incentivo mútuo que

contagia a todos, até mesmo a torcida. Vamos vestir essa

camisa, ter orgulho disso.

A nossa causa é nobre.

Que, com generosidade, possamos dedicar a ela, todos

os talentos de que somos dotados.

Que esta instituição, nascida do ideário de Rui Barbosa,

com o nosso trabalho, se torne cada vez mais conhecida

e reconhecida pela sociedade.

Quero, ao final, testemunhar que todas as experiências

aqui vividas me agregaram valores, foram inestimáveis, e

numa reflexão mais profunda, me fizeram olhar para trás

e compreender os caminhos que trilhei para aqui chegar.

Nas palavras de Saint–Exupéry: “Aqueles que passam

por nós, não vão sós. Deixam um pouco de si, levam um

pouco de nós.”

Que Deus continue a nos abençoar a todos nós.

Muito obrigado.

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

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Pronunciamento do Conselheiro Antônio Carlos Doorgal

de Andrada por ocasião de sua posse na Presidência

do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, em

08/02/2011

Cônscio dos desafios que se colocam à frente da Corte

de Contas do Estado para o cumprimento de sua missão

institucional, do relevante papel do controle dos atos

públicos como garantia da cidadania, com as inúmeras

responsabilidades da instituição como órgão constitucional

autônomo, devo confessar que é para mim grande honra

assumir a Presidência desta Casa. E o faço com muita

disposição para o trabalho, que haverei de desenvolver

em equipe, com prudência, mas firmeza e patriotismo —

valores muito caros aos mineiros no trato da coisa pública —,

sempre preocupado com as mudanças sociais que alimentam

os sonhos das gentes das Gerais. Saúdo e homenageio

a Conselheira Adriene Andrade, Vice-Presidente, e o

Conselheiro Sebastião Helvecio, Corregedor, que comigo

formarão a Mesa Diretora desta Casa no presente biênio,

e os convoco, sabendo de antemão da plena concordância

de ambos, a colaborar no que for necessário para assegurar

que o Tribunal de Contas de Minas Gerais continue a cumprir

seu mister constitucional.

Agradeço as simpáticas palavras do Procurador-Geral do

Ministério Público de Contas, Glaydson Massaria, e do

Auditor Hamilton Coelho, externando na oportunidade

minhas manifestações de apreço à Procuradora Maria

Cecília Mendes Borges e aos Auditores Gilberto Diniz,

Edson Arger e Licurgo Mourão.

Fiel às minhas raízes familiares, era natural que me

voltasse, ao me formar como bacharel em Direito, para a

Administração Pública e para as lides políticas. Vivi e fui

forjado no pacato ambiente do interior de Minas, tão rico

de sadias heranças culturais e sociais. Pude conhecer, ao

longo de minha jornada pública, as agruras dos gestores e

dos representantes do povo, sempre diante de problemas

sociais, numa luta diária para escolher prioridades,

premidos pela dura realidade da limitação dos instrumentos

governamentais e da insuficiência dos recursos disponíveis.

Nas montanhas de Minas, emanam dos campos alterosos

de Barbacena as primeiras lições que me conduziram à

vida pública, nos Poderes Legislativo e Executivo locais,

e que ainda hoje me inspiram. Em Belo Horizonte, dando

sequência à minha carreira, por dois mandatos consecutivos

desempenhei a atividade parlamentar na Assembleia

Legislativa do Estado, de cujo plenário obtive a indicação

para o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas. Aqui

na Corte de Contas exerci as funções de Presidente da 1ª

Câmara, de Corregedor e de Vice-Presidente. Foram cinco

anos de intenso aprendizado. Inicio agora minha gestão na

Presidência desta Casa com humildade, que jamais será

sinônimo de omissão, mas do desejo de sempre aprender

mais para poder contribuir mais em face das elevadas

finalidades que sempre hão de prevalecer no exame

das contas públicas. Essa tem sido, aliás, a postura por

mim adotada em todas as etapas da minha vida pública,

sobretudo neste plenário.

Muito mais do que uma era de mudanças, vivenciamos

uma nova época. Profundas alterações paradigmáticas

dominam nossos dias, próprias de um novo tempo que

se descortina, e, obviamente, com reflexos decisivos na

administração pública: enquanto em tempos passados os

governantes tinham como escopo a busca de equilíbrio na

estabilidade, a realidade atual, de elevada complexidade,

impõe às gestões públicas constantes incertezas e situações

provisórias, numa difícil e penosa — quase impossível —

construção de equilíbrio sociopolítico na instabilidade.

As complexidades atuais atormentam também a vida dos

Estados: se o Estado Republicano de direito democrático

— como o brasileiro — deve guiar-se pelo interesse

público, como conciliar essa exigência coletiva sem

desenvolver uma visão multidimensional que abarque

o pluralismo tão característico dos nossos dias? Como

conciliar as premências hodiernas com a necessidade de

promover a estabilidade dos atos públicos como legado às

gerações vindouras? Como defender o interesse público

onde afloram as diferenças negativas e a relativização

das verdades cria conceitos inseguros, provisórios e

mutáveis em demasia? É indiscutivelmente uma pesada

tarefa a que se apresenta diante de nós!

Diante de tantas transformações, também os órgãos de

controle devem reavaliar seus métodos e sistemática

de atuação. E esse é o grande desafio que está posto e

que precisa ser confrontado. As tradicionais análises

formais e burocratizadas não contemplam a realidade da

administração pública atual; são necessárias em muitos

casos, mas insuficientes na maioria deles. Os novos

modelos gerenciais imprimiram maior agilidade nas ações

públicas e as novas formas de parcerias estatais e privadas

têm determinado profundas alterações nos métodos

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tradicionais de controle. Esses novos modelos de gestão

requerem uma fiscalização sistêmica, com avaliação da

efetividade dos resultados obtidos pelas políticas públicas

adotadas com a identificação do interesse público

motivador delas. Uma fiscalização qualitativa e legítima

das políticas públicas precisa ir além do formalismo e das

burocratizantes tecnicidades simplificadoras do quadro

real. Na esteira dessa visão, chego mesmo a afirmar que

será necessária uma mudança de postura, de paradigma

que, sei, demandará grande esforço como tarefa que

exigirá tempo e perseverança. As sociedades sempre mais

abertas e mais informadas tornaram-se também mais

exigentes, demandantes de soluções mais abrangentes e

eficientes para seus problemas.

Excelentíssimo Governador Antonio Anastasia,

Caríssimo Presidente Conselheiro Wanderley Ávila,

Prezadas senhoras, prezados senhores,

Perdoem-me se inicio a minha alocução sobre tema tão

bem conhecido por todos. Mas nunca é demais revisar

conceitos sobre controle dos atos públicos, sobretudo

agora que os requisitos da transparência, da ética e do

combate à corrupção são lembrados à exaustão por todos

os setores da vida nacional. Os Tribunais de Contas, que

surgiram no Brasil ao acender das luzes da República, pela

decidida ação de Rui Barbosa, seguiram o modelo francês.

Na civilização ocidental, a demanda pelo controle dos atos

públicos confunde-se com a história do constitucionalismo,

da separação dos Poderes e da democracia. Confunde-se

com a luta pela limitação dos poderes absolutos dos reis

de antanho na conquista de espaços para a edificação do

Estado moderno e das liberdades dos povos. Após longa

trajetória de lutas, repleta de percalços, avanços e

recuos, o binômio controle e responsabilidade dita hoje a

face democrática e republicana dos Estados.

Na esteira deste processo civilizatório, a Constituição da

República de 1988 consolidou tais ideais entre nós dando

contornos claros à administração pública, exigindo a

observância dos princípios da legalidade, impessoalidade,

moralidade, publicidade, eficiência (art. 37, caput —

CR/88), legitimidade e economicidade (art. 70, caput —

CR/88) e, ainda, determinando que “qualquer pessoa física

ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade,

guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores

públicos” (art. 70, parágrafo único — CR/88) estará

obrigada a prestar contas. Audaciosa, a Carta de 1988

concebeu um conjunto de órgãos e instituições voltadas

para o controle da administração pública, com um rol

de atribuições sem precedentes na história do país, com

destaque para os Tribunais de Contas, o Ministério Público,

a Advocacia Pública e a Defensoria Pública. Sem prejuízo,

é claro, das prerrogativas dos controles parlamentar e

jurisdicional exercidos, respectivamente, pelos Poderes

Legislativo e Judiciário, também ampliadas pelo texto

constitucional. Acrescente-se, ainda, a determinação,

contida na Carta Magna, da criação de órgãos de controle

interno na administração pública, numa visão preventiva.

E, no decorrer da sua vigência, à medida que o Estado e

a sociedade brasileira avançaram no amadurecimento dos

princípios democráticos e republicanos, o fizeram também

sobre a gestão pública, o controle social exercido pelo

cidadão, pela mídia, pelos órgãos não governamentais,

pelas entidades civis e pelos movimentos sociais.

Esta Casa, que é produto da evolução pública e cívica

de Minas, vem refletindo os desdobramentos da nossa

história constitucional cujo cenário atual é de crescente

amadurecimento democrático. Assim, o Tribunal de

Contas de Minas Gerais vem consolidando a sua estrutura

funcional como órgão constitucionalmente autônomo,

vinculado à missão democrática do Parlamento. Nesse

processo, merecem destaques as profícuas parcerias com

o Governo do Estado, em pelo menos dois planos distintos

que se interligam pela natureza de suas interfaces: de

um lado, o decidido apoio operacional, instrumental,

financeiro e orçamentário, sem os quais as atividades-

meio não suportariam os encargos significativos da

missão constitucional do Tribunal; de outro, a disposição

para o diálogo, para a busca do aperfeiçoamento da

máquina pública, para o cumprimento das disposições

constitucionais e legais e para a defesa do bem público.

Minas Gerais apresenta-se hoje à Nação brasileira como

exemplo e modelo de gestão governamental.

O Governador Antonio Anastasia, respaldado pela imensa

maioria dos mineiros, é hoje o intérprete deste momento

histórico que Minas Gerais atravessa. Nos últimos oito anos,

sob a liderança do Governador Aécio Neves, S. Exa. foi o

principal expoente de uma arrojada equipe que modificou

o conceito de gestão pública, levando Minas a alcançar

índices econômicos e sociais até então considerados

quase impossíveis de serem atingidos. A sua reconhecida

capacidade intelectual, aliada ao amplo conhecimento

acadêmico e científico, alicerçados na vivência do contato

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rotineiro com a máquina governamental, não seriam

bastante para tamanha empreitada, não fosse a sua vocação,

o seu desprendimento e a sua dedicação disciplinada —

quase sacerdotal — para com as coisas públicas, sob sólida

formação humanística e cristã tão própria dos mineiros.

S. Exa., no mandato que se inicia, dará sequência a este

processo administrativo e evolutivo iniciado e conquistado

por Minas Gerais pela capacidade realizadora do então

Governador Aécio Neves, agora Senador da República, a

quem desejamos pleno êxito nas novas e nobres funções

que assume. Como o seu compromisso com Minas é

inquebrantável, sabemos que o seu sucesso será também

compartilhado com os mineiros que tanto o admiram.

Estimado Conselheiro-Presidente Wanderley Ávila,

A nossa amizade foi construída ainda nos ambientes

parlamentares e aqui se ampliou na convivência diária,

também com seus familiares. Ouvimos de V. Exa. louvável

explanação das providências administrativas dos dois

promissores anos em que o Tribunal de Contas esteve sob

seu comando, por isso não vou me ater a esses aspectos

de sua gestão. Quero ressaltar aqui, no entanto, a sua

preocupação permanente e o seu esforço na busca

do consenso, fortalecendo entre nós, Conselheiros, o

sentimento de equipe, bem próprio da sua personalidade

conciliadora. Essa sua atuação potencializou como nunca

diversos setores e aspectos da Instituição, com resultados

que merecem destaque, como o registro de mais de 50 mil

atos de aposentadoria, reforma e pensão.

À sua esposa D. Mariza, desejo dizer que o tempo retirado

do seu convívio pela dedicação à direção do Tribunal

será recompensado, de agora em diante, não só com a

presença mais constante ao seu lado e das filhas, genros

e netos, mas também com a sua merecida satisfação

interior pelo dever cumprido e a consciência tranquila

de mais uma etapa vencida, própria dos homens probos

comprometidos com as causas públicas.

No ano do seu 76º aniversário de criação, a Corte de Contas

mineira tem como legado uma longa folha de serviços

prestados a Minas, participando ativamente do processo de

modernização governamental vivenciado pelo Estado nos

últimos anos, zelando pela boa prática pública, adequada

ao atendimento do interesse da sociedade. Como 28º

Conselheiro a presidir a Instituição, tenho o privilégio

de tomar assento em cadeira já ocupada por figuras

exponenciais como José Maria de Alkimin, Odilon Behrens

e Vivaldi Moreira, entre tantas outras personalidades

que já presidiram esta Casa. Há cinco anos na função

de Conselheiro, pude acompanhar de perto a gestão dos

Presidentes Conselheiros Eduardo Carone, Elmo Braz e

Wanderley Ávila, a quem sucedo no cargo com muito orgulho

e satisfação. Nesse período, a tristeza abateu-se sobre a

Casa com o afastamento do Conselheiro Moura e Castro e a

perda da convivência gentil e amiga do saudoso Conselheiro

Simão Pedro. Na gestão do Conselheiro Presidente Eduardo

Carone observei o rigor técnico de suas ações, e na gestão

do Conselheiro Presidente Elmo Braz assisti ao seu empenho

no fortalecimento do papel pedagógico e preventivo da

Corte de Contas. Nesses cinco anos de atuação no Tribunal

pude acompanhar e participar de uma série de conquistas,

mudanças e transformações. A implantação do Ministério

Público de Contas, essencial ao funcionamento da

Instituição como defensor da ordem jurídica democrática

e dos interesses sociais, viabilizou a concretização de

determinação constitucional com a nomeação de um

membro de carreira para o cargo de Conselheiro, na pessoa

do Dr. Cláudio Terrão, recém-empossado na função. A

reformulação da atribuição dos Auditores, que passaram

a atuar nas Câmaras de Julgamento instruindo processos

e apresentando propostas de voto, representa outro passo

digno de expressiva referência. Marco que merece registro

foi a adoção da nova Lei Orgânica do Tribunal de Contas,

aprovada pela Assembleia Legislativa, que tem apoiado

decisivamente as principais reivindicações funcionais e

operacionais desta Corte de Contas, em plena sintonia com

os anseios de modernidade, eficiência e transparência dos

tempos atuais. Um novo Regimento Interno também foi

aprovado, como desdobramento da nova lei organizacional.

Pude, ainda, observar a excelência dos nossos quadros

funcionais e o seu potencial intelectual.

No rol das estruturas político-estatais de controle,

previstas na Constituição de 1988, as Cortes de Contas

têm uma potencialidade praticamente exclusiva e de

alta relevância: elas têm por mister o acompanhamento

ordinário, e também global, do conjunto de medidas

implantadas pelos governos. Ao exercitar o controle, as

Cortes de Contas têm a dimensão do todo das políticas

públicas em andamento, de suas respectivas articulações

e dos respectivos atos de suporte, podendo, a partir desse

enorme manancial de dados, retratar e projetar uma visão

para além do objeto de fiscalização. Aí está o diferencial:

mais do que a atribuição de fiscalizar atos isolados ou

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providências públicas específicas, as Cortes de Contas

são um enorme depositário de dados detalhados e de

informações globais, tendo em conta o conjunto de ações

do Poder Público. É essa característica ou potencialidade

que os Tribunais de Contas, como integrantes principais

do sistema de controle dos atos públicos, necessitam

trabalhar como opção preferencial de suas atividades.

Se os tempos atuais, com seus extraordinários avanços

tecnológicos, nos permitem transportar, simultaneamente

para incontáveis pontos ou lugares do planeta, uma

imensurável quantidade de dados e informações, e se

a cibernética, numa rapidez inimaginável, analisa tais

dados e disponibiliza resultados conforme o objetivo

formulado, então urge recrutar esse formidável

instrumental e adentrar no mundo cibernético com afinco

e determinação. Evoluindo no campo da informática,

buscando novas ferramentas, programas e sistemas, o

Tribunal de Contas poderá promover grande quantidade

de cruzamentos de dados, ofertando à sociedade, além

de um controle eficaz e resultados em menor espaço

de tempo, com maior agilidade, também uma enorme

gama de análises qualitativas, comparativas e projeções

acerca da administração pública.

Desta forma estaremos cumprindo nossa missão

constitucional de fiscalizar com zelo a administração

pública e também contribuiremos para o fortalecimento do

controle social, este sim, mais autêntico e legítimo porque

emanado da população que detém o poder soberano sobre

os agentes públicos. Quer dizer, quanto mais informações

analíticas o Tribunal de Contas disponibilizar à sociedade,

maior será a capacidade crítica dos cidadãos e das

organizações civis para julgar os governos e seus agentes,

com ampla transparência da máquina administrativa e das

políticas públicas adotadas. Nessa linha, externo o meu

desejo de impulsionar a gestão da informação como uma

das metas prioritárias do nosso mandato, com investimento

em recursos humanos e financeiros, e parcerias com

instituições renomadas no setor.

Verifica-se, de tudo isso, a importância dos Tribunais de

Contas como instrumento democrático e republicano que

deve ser fortalecido; seja na valorização do seu trabalho

de controle e análise como suporte crítico à sociedade

e ao exercício da cidadania, seja na construção de seu

conceito público e credibilidade de seus comandos

fiscalizatórios, que requerem esforços contínuos. Um

grande passo nesse sentido seria a aprovação, o quanto

antes, pelo Parlamento brasileiro, do Conselho Nacional

dos Tribunais de Contas, para promover o controle

externo da Instituição, a exemplo de outros órgãos

constitucionais e Poderes da República.

Minhas senhoras e meus senhores, vou terminar este

pronunciamento — que receio, já se alonga em demasia

— com algumas palavras de agradecimento:

Em primeiro lugar, deixo aqui minha manifestação

de reconhecimento aos meus pares, Conselheiros

que integram a Corte de Contas mineira, pela minha

eleição para a presidência da Instituição. Também aos

Auditores, Procuradores e funcionários da Casa, meus

agradecimentos pela simpática convivência e acolhida

nesses cinco anos de atividades.

Agradeço aos meus companheiros, deputados da

Assembleia Legislativa do Estado, pela frutuosa

convivência e pela minha indicação para esta Corte.

Ao governador Antonio Anastasia e ao senador Aécio

Neves, minha respeitosa saudação e minha reafirmação

de estima e consideração.

Ao povo mineiro, que por diversas vezes confiou-me

mandatos de representação popular, a gratidão de quem

se afastou das lides partidárias e políticas, mas que

permanece na vida pública como servidor público.

Reverencio meus queridos pais — Amália e Bonifácio

Andrada —, e abraço meus irmãos, tios, cunhados,

sobrinhos e demais familiares, com minha manifestação

de afeto imorredouro.

À minha esposa Paula, com carinho e desvelo, externo minha

gratidão pelo companheirismo e ilimitada generosidade.

Com meus filhos, Maria Carolina, Bonifácio José, Antonio

Carlos, Martim Francisco, José Bonifácio, Doorgal

Bonifácio e Lafayette Bonifácio, com especial afeto,

desejo compartilhar a alegria do início desta nova missão.

Agradeço a Deus pelas oportunidades que me vem

proporcionando e peço que suas bênçãos continuem

a iluminar todos quantos labutam na área pública, na

heroica tarefa de conduzir as cidadãs e os cidadãos na

edificação do bem comum e da paz social.

Muito obrigado a todos.

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ENTREVISTA Presidente da OAB/MG Luís Cláudio da Silva Chaves

O entrevistado da primeira edição da Revista do TCE de 2011 é o atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Minas Gerais (OAB/MG), Luís Cláudio da Silva Chaves. Graduado em direito pela Faculdade Milton Campos e mestre pela mesma instituição desde 1988, ocupou o cargo de Defensor Público até 1996.

Devotou grande parte de sua carreira à OAB/MG, onde ocupou diversos postos, como o de Assessor da Caixa de Assistência dos Advogados (CAA), Conselheiro Suplente, Conselheiro Titular, Presidente da Comissão de Exame da Ordem, Ouvidor Eleitoral, Diretor Tesoureiro e Vice Presidente. Com inegável demonstração de liderança, ele também fundou a Comissão OAB/Jovem, da qual foi presidente. Suas atividades, entretanto, não se restringiram à OAB, atuou também como professor na Universidade Fumec no biênio 2007-2008 e na Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas) de 1999 a 2009, onde se dedicou à função de coordenador da instituição. Atualmente, exerce o magistério na Escola Superior Dom Helder Câmara e na Faculdade de Direito Milton Campos. Autor de livros jurídicos e colunista do Portal Dom Total, é também palestrante em congressos, seminários e encontros jurídicos. O entrevistado trouxe à baila reflexões importantes sobre a atuação da OAB/MG, o ensino jurídico no estado de Minas Gerais e no Brasil, além de questões pontuais do direito, como o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, a concessão de aposentadoria e pensão aos ex-governadores e suas viúvas e a necessidade de reforma política. Com a palavra Luís Cláudio da Silva Chaves.

Revista do TCEMG

REVISTA — Em seu discurso de posse como Presidente da OAB/MG, V. Sa. mencionou sua preocupação com a morosidade na tramitação processual. Em entrevista concedida ao jornal Estado de São Paulo, publicada no dia 28/12/2010, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, defendeu o fim dos recursos ao STJ e ao STF. Propôs que as matérias sejam examinadas apenas como ações rescisórias. Segundo o Ministro, essa seria uma forma de diminuição das instâncias recursais, o que resultaria em uma maior celeridade na prestação jurisdicional. Em resposta a esta afirmação, o Presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, em entrevista ao Estadão em 30/12/2010,

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posicionou-se contra a redução da quantidade de recursos na Justiça, afirmando que esta alternativa significaria “tentar resolver o problema da morosidade da Justiça pelo efeito e não pela causa”. Qual é seu posicionamento a respeito dessa questão? Como V. Sa. avalia as contribuições para a agilidade do andamento processual presentes no anteprojeto do Novo Código de Processo Civil?

PRESIDENTE DA OAB/MG — O Recurso Especial e o Recurso Extraordinário são instrumentos legais de vinculação específica. A matéria fática de uma demanda transita em julgado nos tribunais regionais (dos estados). Não vejo, diante das dimensões territoriais do Brasil e da necessidade do controle legal constitucional e infraconstitucional, como extinguir os recursos ao STF e STJ. Até porque poucos são os recursos admitidos e analisados no mérito, considerando que a própria legislação impede a apreciação do RE quando ausente o requisito atinente à repercussão geral e do Resp nos casos em que se trata de matéria de fato. Há previsão ainda de penalidades quando da interposição de recursos protelatórios e litigância de má-fé. Devemos sim desburocratizar a tramitação dos feitos em instâncias recursais. Se o Tribunal a quo inadmite o Resp, a parte vai agravar e o Agravo de Instrumento será mais um recurso. Penso que uma solução seria extinguir o juízo de admissibilidade prévio no TJ.

Com relação ao projeto do novo CPC, entendo que a legislação deve planejar o futuro e prever a facilitação, pelos meios tecnológicos, para prática dos atos processuais. Considero algumas mudanças positivas tais como a extinção de alguns incidentes processuais (impugnação ao valor da causa, exceção de incompetência etc.) que poderão ser alegados em contestação. Todavia, entendo que a morosidade da justiça está muito mais associada à falta de estrutura. A dotação orçamentária do Poder Judiciário deveria ser maior. Temos quase 300 comarcas e inúmeros prédios espalhados. Em cada uma delas, desde a mais simples até a comarca de Belo Horizonte, encontramos várias deficiências: falta de pessoal (defensores públicos, serventuários e às vezes até promotores e juízes), não temos TRF em Minas, o acesso aos portadores de necessidades especiais deixa a desejar, a informatização ainda é sonho. Diria que o melhor da justiça está no esforço dos advogados (principalmente os dativos), juízes, promotores e serventuários que fazem o possível diante das dificuldades. Espero que a reforma plena dê condições aos operadores de direito para que possam trabalhar bem pelo jurisdicionado, razão do nosso empenho.

“Não vejo, diante das dimensões territoriais do Brasil e da necessidade do controle legal constitucional e infraconstitucional, como extinguir os recursos ao STF e STJ.”

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REVISTA — No mesmo discurso, V. Sa. afirmou que a unificação do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil é uma conquista que possibilita uma avaliação mais consistente das instituições de ensino superior de direito em Minas Gerais que passaram a ter um critério nacional de comparação. Considerando que a aprovação geral no último exame foi de aproximadamente 16%, gostaríamos de saber qual foi o desempenho das faculdades do Estado de Minas Gerais comparativamente às faculdades dos demais estados. E ainda, quando constatados resultados muito abaixo da média por parte de alunos de uma determinada instituição, qual a atuação da OAB, em conjunto com o MEC, para coibir a prática de ensino jurídico nessas faculdades deficitárias?

PRESIDENTE DA OAB/MG — Estamos divulgando o resultado por faculdades na próxima edição da revista Pela Ordem. Em relação ao plano federal, a Ordem dos Advogados de Minas Gerais obteve uma resposta satisfatória no exame, a despeito de notarmos a existência de um abismo entre as instituições de ensino do estado. Contudo, ressaltamos que o fato de ser permitido que os alunos do 9º e 10º período façam o exame implica a diminuição do percentual de aprovação, já que muitos candidatos ainda não estão preparados a contento. É necessário reconhecer que o MEC tem sido mais criterioso. Não admite, como no passado, que sejam abertas faculdades de direito sem condições mínimas de ensino. Com essa postura, evita-se que profissionais despreparados atuem no mercado. Por tais razões, defendo o Exame da Ordem como garantia de que o profissional está devidamente preparado para assistir o jurisdicionado e de que o Estado Democrático de Direito está sendo observado.

REVISTA — Recentemente, o Tribunal Regional Federal (TRF) concedeu liminar que possibilitava a inscrição de dois bacharéis em direito nos quadros da OAB sem necessidade de prévia aprovação no Exame de Ordem, por reputá-lo material e formalmente inconstitucional, em face da violação ao inciso XIII do art. 5º, ao caput do art. 205 e ao inciso IV do art. 84 da Constituição Federal. Em seguida, o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Cezar Peluso, suspendeu a execução da liminar do TRF até que o plenário do STF discuta a questão de forma definitiva. O Presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, já se posicionou favoravelmente à aplicação do Exame, entendendo que ele é um instrumento de defesa da sociedade, uma vez que há grande deficiência, por parte do MEC, na fiscalização das instituições de

“É necessário reconhecer que o MEC tem sido mais criterioso. Não admite, como no passado, que sejam abertas faculdades de direito sem condições mínimas de ensino. Com essa postura, evita-se que profissionais despreparados atuem no mercado.”

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ensino. Qual a posição de V. Sa. a respeito da constitucionalidade do Exame?

PRESIDENTE DA OAB/MG — Considero o Exame uma das garantias ao devido processo legal. Sem advogado não há justiça e ele é imprescindível à pacificação social. Mas o que a sociedade espera do advogado? O Supremo irá responder. Nós da OAB queremos um advogado preparado, consciente da importância de seus atos e manifestações na defesa das liberdades, da dignidade da pessoa humana e do estado democrático de direito. A advocacia lida com bens preciosos da humanidade, o patrimônio, a honra, a liberdade, o sentimento e a vida das pessoas. Assim, o exame desses profissionais deve ser sempre aperfeiçoado, pois não se trata de concurso, tampouco tem número de vagas limitado. Visa avaliar o raciocínio jurídico, o tirocínio e o conhecimento do código de ética necessários ao exercício de uma das mais belas vocações da humanidade. Orgulho-me de ser advogado e quero que a advocacia continue sendo motivo de orgulho para mim.

REVISTA — É sabido que a OAB tem como função precípua zelar pelas prerrogativas da advocacia e da cidadania. Neste primeiro ano de mandato, quais ações foram desenvolvidas e quais resultados foram alcançados nesse sentido? E para os próximos dois anos, o que V. Sa. tem planejado?

PRESIDENTE DA OAB/MG — Nesta seara, criamos de forma inédita a figura dos delegados de prerrogativas, trabalho exercido pela comissão de defesa e assistência do advogado na promoção de inúmeros atos em favor dos colegas. Dessa forma, conseguimos angariar várias vitórias no CNJ. Criamos também o plantão e o escritório de prerrogativas próximo ao fórum em BH. Estamos concluindo uma cartilha que será entregue aos advogados, pois a união da classe é fundamental na defesa de nossas prerrogativas. Nossa força está no compromisso dos 700.000 advogados e advogadas brasileiras.

No tocante à cidadania, lançamos um excelente projeto que tem despertado o interesse da sociedade: a OAB vai às Escolas. Promovemos, também, um trabalho de resgate da cidadania junto às comunidades carentes. A OAB não mede esforços para participar de todas as iniciativas de interesse da sociedade. Dessa forma, é difícil descrever, em poucas palavras, o trabalho das mais de 60 comissões em prol do cidadão. Começamos agora uma campanha por doação de sangue, juntamente com a Hemominas, por entendermos que o

“Nós da OAB queremos um advogado preparado, consciente da importância de seus atos e manifestações na defesa das liberdades, da dignidade da pessoa humana e do estado democrático de direito.”

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advogado poderá, agora, dedicar-se a esta causa nobre. O slogan da campanha é doe sangue tipo OAB.

REVISTA — A OAB Jovem foi uma criação pioneira da Seccional Mineira, da qual V. Sa. foi o primeiro presidente. Na solenidade de posse da Comissão OAB/Jovem em Minas Gerais, realizada no dia 26 de abril de 2010, V. Sa. salientou que a Comissão OAB Jovem/MG é uma das mais atuantes do país. Qual a importância desta comissão para o fortalecimento da OAB e para o incentivo à formação de novos advogados? A reivindicação pelo fim da cláusula de barreira que impede advogados, com menos de cinco anos de inscrição nos quadros da OAB, de participar eletivamente dos cargos de direção da Ordem ganhará maior apoio sob sua presidência?

PRESIDENTE DA OAB/MG — A OAB Jovem é maravilhosa. Nossa gestão tem a participação forte da juventude. É uma via de mão dupla, de um lado ganhamos com a força de trabalho e a dedicação desses jovens profissionais, do outro eles ganham com aprendizado e experiência. É uma receita de sucesso que mudou a OAB, democratizando-a. Agradeço ao Raimundinho, Raimundo Cândido Júnior, Presidente da OAB em quatro mandatos, que há muitos anos acreditou na ideia. Quanto à cláusula de barreira, há um compromisso dos diretores do Conselho Federal da OAB que apoiarão a redução de cinco para três anos, o que já representa uma vitória.

REVISTA — Tem sido amplamente noticiado que os estados brasileiros gastam pelo menos R$30,5 milhões por ano1 com aposentadorias e pensões para ex-governadores e suas viúvas. Com esse valor seria possível pagar uma aposentadoria de um salário mínimo para 4.993 pessoas. A OAB Federal está questionando a constitucionalidade do benefício no STF. Qual a opinião de V. Sa. sobre o assunto?

PRESIDENTE DA OAB/MG — Desde 2007 a OAB/MG manifestou-se contrariamente à concessão do benefício. Remetemos parecer e documentação a respeito ao Conselho Federal. Ressalto, a iniciativa do governador Antônio Anastasia, exemplo para toda nação, que encaminhou à Assembléia Legislativa projeto de lei que extingue o referido benefício. O presente e futuro farão justiça ao Governador. Em relação aos ex-governadores que já recebem o benefício, a questão jurídica que se impõe é se existe ou não direito adquirido ao 1 Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/863835-estados-gastam-r-30-mi-com-pensoes-a-

ex-governadores-e-viuvas.shtml>

“Nossa gestão tem a participação forte da juventude. É uma via de mão dupla, de um lado ganhamos com a força de trabalho e a dedicação desses jovens profissionais, do outro eles ganham com aprendizado e experiência. É uma receita de sucesso que mudou a OAB, democratizando-a.”

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percebimento, em especial àqueles que exerceram as funções antes de 1988. De qualquer forma Minas já ganhou com a discussão iniciada pela OAB. Agora vamos combater as ilegalidades nos municípios.

REVISTA — A OAB/MG está promovendo a “Campanha OAB Solidária” em prol das milhares vítimas das enchentes que assolaram a região serrana do Rio de Janeiro e o Sul de Minas. Consta no portal da Ordem que a diretoria e a Comissão de Apoio aos Movimentos Sociais estão mobilizando os advogados do Estado para contribuir com donativos. Nesse momento, em que diversos fatos jurídicos acontecem na vida de cidadãos brasileiros vitimados por catástrofe natural, a OAB, além de trabalhar para arrecadar donativos, presta algum tipo de assistência jurídica aos desamparados ou essa iniciativa cabe somente à Defensoria Pública?

PRESIDENTE DA OAB/MG — A Defensoria Pública é uma das mais importantes instituições do Estado. Aos Defensores cabe a assistência e assessoria jurídica aos necessitados. O fortalecimento e expansão da Defensoria é um de nossos sonhos. Lamentavelmente os defensores não estão em todas as comarcas. Nos lugares desprovidos da atuação da defensoria, a sociedade vale-se do defensor dativo que se inscreve em lista da OAB para atuar em favor dos desamparados. Não queremos ninguém sem amparo judicial por falta de recursos financeiros. É nosso compromisso constitucional. O Governo de Minas (AGE), a Defensoria Pública, o TJ/MG e a OAB/MG sabem da importância da matéria e buscam solução conjunta para pagamento dos dativos.

REVISTA — O Superior Tribunal de Justiça vinha entendendo que, em observância ao princípio da ampla defesa, seria indispensável a presença de advogado ou de defensor dativo para realizar a defesa de acusado em processo administrativo disciplinar, até mesmo na fase instrutória. Em sentido diametralmente oposto, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante n. 5, segundo a qual: “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. Qual o posicionamento de V. Sa. sobre a obrigatoriedade do advogado, na postulação perante a Administração Pública, em processos administrativos de forma geral?

PRESIDENTE DA OAB/MG — Sou favorável ao entendimento esposado pelo STJ ao longo da última década. O devido processo legal é garantia constitucional. Onde houver processo há obrigatoriedade do contraditório. Ninguém pode ser privado de seus direitos sem o devido

“A Defensoria Pública é uma das mais importantes instituições do Estado. Aos Defensores cabe a assistência e assessoria jurídica aos necessitados. O fortalecimento e expansão da Defensoria é um de nossos sonhos.”

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processo legal. Tal princípio constitucional só existirá com defesa técnica, por profissional habilitado. E a prática de tais atos é privativa de advogado. A decisão atual do STF enfraquece a própria justiça.

REVISTA — Em agosto de 2010, foi inaugurada a Sala dos Advogados na sede do Tribunal de Contas de Minas Gerais. Durante a inauguração, V. Sa. afirmou que a possibilidade de o advogado melhor acompanhar os seus atos profissionais nas instalações desta Corte de Contas contribuiria para aumentar a qualidade da prestação jurisdicional do Tribunal. A OAB/MG teria interesse em realizar outras ações no sentido de estreitar a relação com o TCEMG?

PRESIDENTE DA OAB/MG — Sim. A instalação da Sala “Conselheiro José Ferraz” é a presença da OAB, dos advogados e da cidadania no Tribunal de Contas. Além de atender aos advogados que militam no Tribunal, queremos realizar eventos conjuntos, divulgando o trabalho realizado e discutindo as questões jurídicas de competência do sodalício.

REVISTA — No dia 24/01/2011, o Presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, após reunião com o Vice-Presidente da República Michel Temer, concedeu entrevista na qual propugnou a implementação de reforma política com o fim do voto de legenda (esse mecanismo permitiu que vários parlamentares com pouquíssimos votos chegassem ao Congresso) e da figura do suplente no Senado Federal, pois segundo ele é preciso que “se respeite o voto da maioria e acabar com composições espúrias, que muitas vezes são feitas para indicação do suplente do senador”. Na oportunidade, Cavalcante defendeu o voto majoritário e afirmou que a OAB apresentará projeto de lei de iniciativa popular, tendo por base essas propostas. Qual a posição de V. Sa. a respeito?

PRESIDENTE DA OAB/MG — A reforma política é fundamental ao desenvolvimento do Brasil. Temos que limitar os gastos, fiscalizar mais, instituir o financiamento público de campanhas. É necessário dinheiro para se ganhar eleição e nem sempre o bom candidato tem como arrecadar fundos para sua campanha. A suplência de senador é inexplicável. Defendo até mesmo o voto facultativo. Política é igual futebol da seleção, todo mundo tem suas propostas e seu time. Portanto, não chegaremos a consenso em relação a vários tópicos, como por exemplo o voto distrital. Isso torna a reforma difícil. Para mim o mais importante agora é uma lei que vincule o aumento dos subsídios dos parlamentares ao aumento do salário mínimo.

“A reforma política é fundamental ao desenvolvimento do Brasil. Temos que limitar os gastos, fiscalizar mais, instituir o financiamento público de campanhas.”

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“A OAB teve participação decisiva na aprovação da lei de inviolabilidade dos escritórios de advocacia. Naquele momento a sociedade pôde perceber que ninguém está acima da Constituição.”

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REVISTA — O projeto Presidente Presente da OAB/MG, criado por V. Sa., para atendimento aos advogados da capital, toda última quarta-feira do mês, teve início no dia 26/01/2011, na Escola Superior de Advocacia da OAB/MG, com grande aceitação e procura. Qual a importância dessa maior aproximação entre a Presidência da Seccional mineira e os advogados?

PRESIDENTE DA OAB/MG — Meu propósito como presidente da OAB é atender aos pleitos e anseios da classe que me elegeu. Sei que não vou resolver todos os problemas da advocacia, em especial os que não dependem só da OAB. Todavia vou me esforçar para reivindicar soluções e ajudar nossa sofrida classe. Estou presidente e sou advogado. O primeiro dia do projeto foi excelente. Dos pedidos feitos consegui resolver, de plano, 50% deles. Os demais casos geraram ofícios a órgão jurisdicionais solicitando providências que poderão ser resolvidas em breve. Estou otimista. Em uma ocasião, um colega advogado compareceu à OAB somente para parabenizar a iniciativa. Como trabalhamos voluntariamente, o reconhecimento de um colega nos dá muita força.

REVISTA — Em face da espetacularização das ações policiais amplamente divulgadas pela mídia, ocorre, muitas vezes, ofensa a garantias dos cidadãos, como o direito à intimidade, honra e devido processo legal. Considerando que essas ações geram um veredicto social anterior ao trânsito em julgado do processo penal e dificultam a atuação do advogado, como V. Sa. avalia a atuação da OAB em prol da defesa dessas garantias?

PRESIDENTE DA OAB/MG — A OAB teve participação decisiva na aprovação da lei de inviolabilidade dos escritórios de advocacia. Naquele momento a sociedade pôde perceber que ninguém está acima da Constituição. Todos nós, operadores do direito, advogados, juízes, promotores e policiais, juramos a defesa intransigente da Carta Magna, portanto, cada um dentro de suas atribuições legais deve exercer seu mister respeitando a lei e os componentes das demais carreiras. Logo, a polícia deve respeitar o advogado e sua atuação em defesa do acusado. O leigo pode até prejulgar diante das informações passadas pela mídia. Nós não. A presunção de inocência deve nortear o jurista.

Por: Leonardo de Araújo Ferraz e Cláudia Costa de Araújo

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Na sessão plenária do dia 15 de dezembro de 2010 foram eleitos os novos dirigentes do TCEMG para um mandato de dois anos: Antônio Carlos Andrada, Adriene Andrade e Sebastião Helvecio, que assumiram, respectivamente, os cargos de Presidente, Vice-Presidente e Corregedor.

O Conselheiro Antônio Carlos Andrada, novo Presidente da Corte de Contas, graduou-se em Direito e se especializou em Direito Público pela PucMinas e em Controle da Administração Pública pela Universidade Gama Filho. Andrada também é mestre em Direito e Instituições Políticas pela Fumec e professor licenciado de Direito Constitucional e Ciência Política. Encontra-se nesta Corte há cinco anos e, no biênio 2009-2010, exerceu os cargos de Presidente da Primeira Câmara, Diretor-Geral da Revista do TCEMG, Coordernador da Comissão de Jurisprudência e Súmula e Vice-Presidente do Tribunal.

Adriene Andrade, primeira mulher a se tornar Conselheira no TCEMG, é bacharela em Direito pela Faculdade Milton Campos e já exerceu diversos cargos públicos importantes; entre eles

NOTÍCIASTCEMG empossa os novos dirigentes

para o biênio 2011/2012

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Deputado Federal, Bonifácio Andrada; Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais, Alceu Marques; Presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Dinis Pinheiro; Presidente do TCEMG, Antônio Carlos Andrada, Governador do Estado de Minas Gerais, Antônio Anastasia, na cerimônia de posse dos novos dirigentes do TCEMG

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destacam-se: Prefeita do Município de Três Pontas/MG (2001-2004), Presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Presidente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Três Pontas. Durante o biênio 2009-2010 ocupou o cargo de Corregedora deste Tribunal.

O novo Corregedor, Conselheiro Sebastião Helvecio, bacharelou-se em Medicina e em Direito. Em 2007, recebeu o título de doutor em Saúde Coletiva pela Uerj/UFJF. Seus principais cargos e feitos no setor público foram: Diretor-Geral do Instituto Mineiro de Assistência aos Municípios (Imam), Secretário de Estado da Saúde, signatário da lei que implantou a Fundação Hemominas no Estado de Minas (Lei Estadual n. 10.057/1989) e Vice-Prefeito de Juiz de Fora.

A posse dos novos dirigentes ocorreu no dia 8 de fevereiro de 2011, quando o ex-Presidente Conselheiro Wanderley Ávila proferiu um emocionado discurso de despedida da Presidência, fazendo um balanço de sua gestão.

Durante sua fala cumprimentou autoridades, amigos e servidores e agradeceu a colaboração de todos. Ao novo presidente, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Wanderley Ávila augurou uma profícua gestão, desejando o mesmo à Conselheira Adriene Andrade e ao Conselheiro Sebastião Helvecio, também empossados na mesma solenidade, na vice-presidência e corregedoria, respectivamente.

Terrão toma posse como ConselheiroCláudio Couto Terrão

tomou posse no dia 22 de dezembro de 2010, no cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Seu nome foi indicado pelo Governador do Estado Antonio Anastasia e aprovado pela Assembléia Legislativa.

Terrão, 42 anos, carioca, iniciou sua carreira profissional

como militar da Aeronáutica; mais tarde, após graduar-se em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ingressou no serviço público civil como Técnico do Tesouro Nacional. Em sua extensa carreira pública, já assumiu os cargos de: Auditor Tributário do Município do Recife, Auditor-Fiscal do Trabalho, Auditor-Fiscal da Previdência Social, Procurador do INSS, Procurador-Chefe em Pernambuco de Cobrança dos Grandes Devedores do INSS, Coordenador-Geral de Matéria Tributária da Procuradoria-Geral do INSS, Coordenador-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal (Advocacia-Geral da União), membro do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás e do Ministério Público de Contas do TCEMG.

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Da esquerda para a direita: Conselheiros Cláudio Couto Terrão, Sebastião Helvecio e Adriene Andrade

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Sara Meinberg Schmidt de Andrade Duarte foi empossada no cargo de Procuradora do Ministério Público de Contas, pelo Conselheiro Presidente Antônio Carlos Andrada, em solenidade que aconteceu no dia 10 de fevereiro de 2011, no Salão Nobre da Presidência. O evento foi prestigiado pela presença de conselheiros, auditores, procuradores do Ministério Público de Contas, diretores, outros servidores do Tribunal e de pessoas da família da nova procuradora.

Sara tem formação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e possui pós-graduação lato sensu Especialista em Poder Legislativo pela PucMinas. Atuou nesta Corte por quase dois anos

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Procuradora Sara Meinberg

Bax em seu ateliê

Sara Meinberg: nova Procuradora do Ministério Público de Contas

(1999–2000), no cargo efetivo de Técnico de Controle Externo. Posteriormente, tomou posse na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, investida no cargo efetivo de Analista do Legislativo. Entre as importantes atividades exercidas na Assembleia, destaca-se a sua participação na elaboração do Manual de Redação Parlamentar.

O TCEMG receberá, no mês de abril, exposição de obras do artista

mineiro Bax, homenageado nesta edição da Revista do TCEMG.

Bax nasceu em Carmópolis de Minas, em 11 de maio de 1927.

Estudou desenho e pintura com Guignard entre 1946 e 1951, em

Belo Horizonte. Foi o 1º Presidente do Diretório Acadêmico da Escola

Guignard. Obteve o 1º prêmio em escultura e o 2º, em pintura, no

X Salão Municipal de Belas Artes de Belo Horizonte. Foi membro

fundador da Academia de Letras de Divinópolis/MG. Seu nome figura

em diversos dicionários e enciclopédias de arte. Bax enveredou-

se também no campo literário, tendo publicado diversos livros de

poemas.

O salão Mestre de Piranga, espaço cultural deste Tribunal de

Exposição de Bax no TCEMG

Contas, receberá no período de 12 a 11/05/2011, de segunda a sexta, das 7 às 18:30 horas, mostra do acervo do artista, composto por diversos quadros e livros de intensa beleza e colorido.

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A convite da Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo, segunda maior instituição de ensino superior mexicana que congrega cerca de cinquenta e sete mil alunos, o Auditor Licurgo Mourão representou o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais no Tercer Congreso Internacional de Derecho Administrativo, realizado pela División de Estudios de Posgrado de la Facultad de Derecho y Ciencias Sociales, nos dias 4 e 5 de novembro de 2010, na cidade de Morelia, no México.

O evento reuniu acadêmicos e especialistas de reconhecido prestígio do Brasil, Argentina, Alemanha, do próprio México e de diversos outros países, quando foram debatidos temas como Direito Migratório, regulação econômica, Direito da Infraestrutura, energia e desenvolvimento sustentável, mudanças climáticas, licitações sustentáveis e controle público.

O Auditor Licurgo Mourão ministrou palestra intitulada: Cambio Climatico y Las Licitaciones Sustentables: El Desafio Ambiental para Los Órganos de Control Público, enfatizando experiências de controle empreendidas pelos tribunais de contas, no sentido de direcionar os recursos públicos para os esforços de preservação ambiental, por meio da aquisição sustentável de produtos e serviços pelo poder público.

No encerramento do congresso, o Secretário de Governo do Estado de Michoacán, Fidel Calderón Torreblanca, afirmou que os tempos atuais obrigam a geração de instrumentos jurídicos de direito público, adequados para superar contrastes sociais que levem à equidade de gênero, à redução do abismo entre pobreza e riqueza, ao fomento da infraestrutura, à garantia da segurança pública e à diminuição dos índices de desemprego, motivo pelo qual afirmou estar seguro de que, ao término desse congresso e como resultado de suas deliberações, serão estabelecidos padrões, princípios e normas que levem à formulação de responsabilidades concretas frente às demandas sociais.

TCEMG participa de congresso internacional no México

Prof. Rodrigo Figuerôa — México — Universidade Complutense de Madri; Prof. Mariano Cordero — Argentina — Universidade de Buenos Aires; Prof. Rodrigo Pironti — Brasil — Puc Minas; Prof. Klaus Messerschmidth — Alemanha — Universidad Humboldt de Berlim; Auditor do TCEMG Licurgo Mourão — Brasil; Prof. Santiago Carrillo — Argentina — Universidade de Buenos Aires

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Licurgo Mourão1

Daniel Uchôa Costa Couto2

Resumo: Este artigo discute aspectos qualitativos que visam à melhoria dos processos de auditoria de licitações públicas, à luz de novos paradigmas de controle inerentes à matriz de risco, seletividade e materialidade. Para tanto, demonstram-se as principais fragilidades relativas à prática licitatória, consubstanciadas na exposição dos achados de auditoria mais frequentes. Defende-se que o desenvolvimento de uma matriz de risco com base em tais achados poderá nortear o gerenciamento dos riscos da entidade, de modo a garantir que o exercício do controle, interno ou externo, se dê de forma mais econômica e efetiva, potencializando os esforços de auditagem com efetiva economia de recursos públicos, adotando metodologia aplicada em largo espectro pelo Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (Coso).

Palavras-chave: Controle. Licitação. Administração Pública. Auditoria. Matriz de risco. Seletividade.

Abstract: This paper discusses qualitative aspects aimed at improving audit procedures of public bidding in the light of new paradigms of control inherent in the risk matrix,

1 Auditor do Tribunal de Contas de Minas Gerais; mestre em Direito Econômico; pós-graduado em Direito Administrativo, Contabilidade Pública e Controladoria Governamental; bacharel em Direito e em Administração; ex-advogado, ex-auditor tributário e de contas públicas; palestrante e conferencista; vice-presidente sudeste da Associação Nacional dos Auditores (Ministros e Conselheiros Substitutos) dos Tribunais de Contas do Brasil. Professor convidado da Universidade San Nicolas de Hidalgo — Morélia-México, da Universidade Positivo — Paraná-Brasil, do Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas — Ciesa, da Escola de Administração Fazendária — Esaf (Minfaz), do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e da Escola de Contas Públicas; membro do Foro Mundial de Jóvenes Administrativistas com sede na Cidade do México; professor universitário e em cursos de capacitação e de pós-graduação nas áreas de Direito Administrativo, Financeiro e Econômico, Controle Externo, Responsabilidade Fiscal, Contabilidade Pública, Auditoria Governamental e Controle Gerencial. Palestrante, conferencista, autor e coautor de artigos técnicos e livros; coautor do trabalho técnico-científico ganhador do Prêmio Internacional conferido em 2009 pela Organización Latinoamericana y del Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Olacefs) no “XII Concurso Anual de Investigação Omar Lynch”.

2 Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Constitucional e em Direito Público. Técnico do Tribunal de Contas de Minas Gerais.

A fiscalização dos processos licitatórios na Administração Pública

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selectivity and objectivity. For this purpose, it is demonstrated the main weaknesses regarding bidding practices, materialized in the most frequent audit findings. It is defended that the development of a risk matrix based on these findings can guide the risk management of the risks of the entity so as to ensure that the internal or external control occurs more economically and effectively, increasing audit efforts with an effective saving of public resources, with the adoption of the methodology widely applied by the Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (Coso).

Keywords: Control. Bidding. Public Administration. Audit. Risk matrix. Selectivity.

1 Introdução

A atividade administrativa se encontra sujeita aos controles externo e interno. Este é efetuado pela própria Administração Pública, tendo em vista seu poder de autotutela, que se encontra consolidado nas Súmulas n. 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, que dispõem:

SÚMULA N. 346: A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PODE DECLARAR A NULIDADE DOS SEUS PRÓPRIOS ATOS.

SÚMULA N. 473: A ADMINISTRAÇÃO PODE ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS, QUANDO EIVADOS DE VÍCIOS QUE OS TORNAM ILEGAIS, PORQUE DELES NÃO SE ORIGINAM DIREITOS; OU REVOGÁ-LOS, POR MOTIVO DE CONVENIÊNCIA OU OPORTUNIDADE, RESPEITADOS OS DIREITOS ADQUIRIDOS, E RESSALVADA, EM TODOS OS CASOS, A APRECIAÇÃO JUDICIAL.

Faz-se mister observar que à autoridade competente incumbe zelar pela implantação do controle interno e por sua atuação de modo eficiente, permitindo não só controlar a execução da despesa, mas também otimizar a utilização dos recursos, com resultados para toda a Administração Pública, em respeito ao prescrito no art. 74, II, da Constituição da República/88 e art. 81 da Constituição Estadual Mineira/89.

Cabe ressaltar a importância da comissão de licitação no que se refere ao controle dos diversos procedimentos a serem realizados no curso do processo licitatório, cabendo-lhe zelar pela observância das normas aplicáveis, a fim de assegurar a lisura de tal processo.

Ao mesmo tempo, há o controle externo da licitação que é exercido por diferentes órgãos e pelos cidadãos. Nesse sentido, tal fiscalização pode ser desempenhada pelo Ministério Público, de acordo com o art. 129 da CR/88, pelo Poder Legislativo, que pode se valer, também, de comissão parlamentar de inquérito, pelos Tribunais de Contas, nos termos do art. 71 da CR/88, e pelo Poder Judiciário.

É importante a participação da sociedade para o controle da probidade dos procedimentos licitatórios, tendo o controle social sido expressamente previsto pelo legislador

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constitucional, conforme o art. 74, § 2º, aplicável a todos os demais Tribunais de Contas, a teor do art. 75, caput, da CR/88, in verbis:

Art. 74. [...]

[...]

§ 2º Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.

Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

2 Identificação das irregularidades

A identificação de fraudes em licitação exige que seja dada a devida observância à formalização do processo, mediante a análise do edital, dos documentos apresentados pelos concorrentes e de toda a documentação relativa aos procedimentos realizados, dispensando-se especial atenção às irregularidades detectadas, tais como a existência de documentos sem assinatura, não autenticados, idênticos de licitantes diversos, não observância de prazos etc.

Além disso, é necessário atentar para o contexto real do processo licitatório, isto é, verificar aspectos como a demonstração da necessidade de contratar por parte da autoridade administrativa, o valor do contrato em comparação com os valores de mercado, o cumprimento do objeto contratado.

Nesse sentido é a lição de Neusa Coutinho Affonso3 ao discorrer sobre os elementos que devem ser verificados para a detecção de fraudes em licitação, in verbis:

Constituem elementos essenciais na detecção de fraude, devendo constar da Matriz de Planejamento as questões de auditoria relativas a:

— a regularidade formal e real dos procedimentos licitatórios;

— a situação física e jurídica dos licitantes;

— os termos e valores firmados;

— a situação das obras; e

— a identificação dos responsáveis envolvidos.

Para tanto, é imprescindível a elaboração de um roteiro de verificações, abrangendo as entidades envolvidas, como se apresenta a seguir:

1 — NO ÓRGÃO REPASSADOR: identificar os convênios, objeto da análise, e levantar os valores repassados, as datas dos repasses, verificando a situação da prestação de contas.

2 — NO SIAFI E SIAPE: verificar a situação dos convênios e levantar o rol

3 INSTITUTO BRASILEIRO DE AUDITORIA DE OBRAS PÚBLICAS — IBRAOP. Fraude em licitações de obras públicas. Disponível em: <http://www.ibraop.org.br/site/media/encontro_tecnico/2004_mg/fraudes_licitacoes.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2010.

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dos gestores responsáveis (nome, CPF, endereço e período de gestão), certificando o registro da situação dos convênios e identificando os responsáveis e respectivos períodos de gestão.

3 — NA ENTIDADE INTERVENIENTE (Caixa Econômica Federal ou outro): solicitar contratos de repasse, cópia dos processos e relatórios de acompanhamento das obras, certificando o registro da situação dos convênios e identificando os responsáveis e respectivos períodos de gestão.

4 — NO ÓRGÃO EXECUTOR: a) analisar formalmente os procedimentos licitatórios, bem como a compatibilidade entre as datas e o local do recebimento dos convites, o domicílio das empresas convidadas, as datas do início da execução da obra e/ou data dos pagamentos, analisando a compatibilidade cronológica dos fatos; b) verificar os contratos firmados, listando os dados da empresa executante, bem como de seus sócios proprietários e representantes (realizar os mesmos procedimentos no caso de sub-rogação de contratos), confirmando o real executor da obra; c) listar, em planilha, os dados dos participantes das licitações, relativos a: nome das empresas participantes; endereço e área de atuação; composição acionária; data da constituição e do registro na Junta Comercial; identificação completa dos sócios proprietários e dos representantes legais (nome, CPF e endereço), apurando a existência de pessoas coincidentes nas sociedades; d) levantar a identificação completa dos membros da Comissão de Licitação e do responsável pelo Termo de Aceitação da Obra (nome, CPF, endereço), avaliando a sua participação em eventuais irregularidades apuradas; e) comparar os contratos com os projetos básicos e executivos e a situação física da obra, bem como os pagamentos efetuados, verificando a compatibilidade dos itens contratados com os executados e os preços de mercado destes à época da execução; f) listar os pagamentos efetuados e os beneficiários dos pagamentos, bem como os números dos cheques emitidos, agência bancária e conta-corrente, por beneficiário, e comparar com os extratos bancários, apurando se a movimentação financeira corresponde aos pagamentos efetuados.

5 — NOS ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS: solicitar cópias, de frente e verso, dos cheques relacionados, analisando a pertinência dos beneficiários e, ainda, possíveis endossos para outras empresas ou pessoas físicas.

6 — NA JUNTA COMERCIAL DO ESTADO: solicitar o extrato da situação jurídica das empresas listadas, com as alterações de sócios, de endereço e de área de atuação, verificando a regularidade de sua constituição e do funcionamento à época das licitações e execução das obras.

7 — NO DOMICÍLIO DAS EMPRESAS: visitar os endereços das empresas, indicados nos documentos apresentados nas licitações e na Junta Comercial (atentando para a possibilidade de mudança de endereços), e, em caso de inexistência física no local indicado, solicitar informações de moradores e fotografar os locais indicados como endereços, documentando a inexistência física ou incapacidade operacional das empresas.

8 — NAS RECEITAS FEDERAL, ESTADUAL OU MUNICIPAL: solicitar a data

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da inscrição das empresas nos respectivos cadastros e a situação de funcionamento, no período analisado, verificando a idoneidade das Notas Fiscais.

9 — NO LOCAL DAS OBRAS: identificar os reais executores das obras, o estágio de construção, o material empregado e a compatibilidade da execução com os projetos aprovados, apurando se a apresentação física corresponde aos pagamentos efetuados, aos termos contratuais e às cláusulas dos convênios.

10 — JUNTO AOS BENEFICIÁRIOS: fazer entrevistas sobre a utilização das obras, avaliando o cumprimento do objeto dos convênios.

Em relação à identificação de cartéis, conforme a cartilha “Combate a cartéis em licitações” do Ministério da Justiça, deve-se avaliar especialmente:

As propostas apresentadas possuem redação semelhante ou os mesmos erros e rasuras.

Certos fornecedores desistem, inesperadamente, de participar da licitação.

Há empresas que, apesar de qualificadas para a licitação, não costumam apresentar propostas a um determinado órgão, embora o façam para outro.

Existe um padrão claro de rodízio entre os vencedores das licitações.

Existe uma margem de preço estranha e pouco racional entre a proposta vencedora e as outras propostas.

Alguns licitantes apresentam preços muito diferentes nas diversas licitações que participam, apesar de o objeto e as características desses certames serem parecidos.

O valor das propostas se reduz significativamente quando um novo concorrente entra no processo (provavelmente não integrante do cartel).

Um determinado concorrente vence muitas licitações que possuem a mesma característica ou se referem a um tipo especial de contratação.

Existe um concorrente que sempre oferece propostas, apesar de nunca vencer as licitações.

Licitantes vencedores subcontratam concorrentes que participaram do certame.

Licitantes que teriam condições de participar isoladamente do certame apresentam propostas em consórcio.

De fato, a identificação de irregularidades mais comuns permite aos órgãos de controle, e também ao gestor, promover medidas saneadoras, de modo a prevenir a reincidência e apurar responsabilidades.

Em um procedimento de auditoria, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, ao longo do ano de 2009, observou as ocorrências mais reincidentes em processos de controle de licitações instauradas, levantadas em uma amostra de cinquenta procedimentos, entre elas, destacam-se as seguintes:

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Figura 1 — Irregularidades detectadas pelo TCEMG em 50 processos licitatórios em 2009

Fonte: Licurgo Mourão, Pregão Week. 2010 — Semana de Estudos Avançados sobre Pregão.

Percebe-se, na figura 1, que as áreas mais distantes do centro da figura foram as que mais necessitaram de atuação preventiva por parte do controle.

3 Procedimento após detectadas irregularidades em processos licitatórios

Os cidadãos e os licitantes, ao tomarem ciência de irregularidade em processo licitatório, poderão denunciá-la à Administração contratante e, também, aos demais órgãos de controle.

Há que se avaliar, sobretudo, a gravidade da falha detectada. Caso se trate de irregularidade formal que não coloque em xeque o caráter competitivo do certame, não havendo afronta aos princípios regentes do processo licitatório previstos no art. 3º da Lei n. 8.666/93, deve a Administração contratante proceder de forma a saná-la.

Por outro lado, caso a irregularidade verificada atente contra o interesse público, em virtude de afronta aos princípios da legalidade, da isonomia, da moralidade, do caráter competitivo, em especial, deverá o processo licitatório ser anulado e realizado outro, após a tomada das medidas necessárias para que a falha constatada não seja repetida.

A ocorrência de irregularidade que acarrete a nulidade do processo licitatório implica a nulidade dos atos ou contratos realizados e a responsabilidade de quem lhes tenha dado causa, de acordo com o art. 7º, § 6º, da Lei n. 8.666/93:

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Art. 7º As licitações para a execução de obras e para a prestação de

serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência:

I — projeto básico;

II — projeto executivo;

III — execução das obras e serviços.

[...]

§ 6º A infringência do disposto neste artigo implica a nulidade dos atos ou contratos realizados e a responsabilidade de quem lhes tenha dado causa.

4 Tipos de fraudes

De modo a evitar a ocorrência de fraudes em operações perpetradas por agentes internos ou externos, notadamente no que toca aos procedimentos licitatórios, os Poderes Públicos têm a obrigação constitucional de instituir sistema de controle interno para identificar situações de riscos, avaliar os impactos negativos dos riscos nos objetivos e propor ações para mitigar os eventos negativos.

Segundo a normatização adotada pela Intosai:4

[...] controle interno é um processo integrado efetuado pela direção e corpo de funcionários e é estruturado para enfrentar os riscos e fornecer razoável segurança de que na consecução da missão da entidade os seguintes objetivos gerais serão alcançados:

• execução ordenada, ética, econômica, eficiente e eficaz das operações;

• cumprimento das obrigações de accountability;

• cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis;

• salvaguarda dos recursos para evitar perdas, mau uso e dano (grifo nosso).

Sendo assim, temos que o controle interno é um processo integrado e dinâmico que se adapta continuamente às mudanças enfrentadas pela organização, devendo a Administração Pública manter sistema de controle interno integrado para assegurar que seus objetivos sejam atingidos.

Nesse sentido, a efetividade dos serviços prestados pelo Poder Público depende dos controles prévio, concomitante e a posteriori realizados pelos sistemas de controle interno, de modo a minimizar os riscos da atividade pública e atingir, de forma mais eficiente, seus objetivos institucionais, notadamente ao considerarmos que os atos administrativos, entre os quais os procedimentos licitatórios, submetem-se ao controle

4 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE ENTIDADES FISCALIZADORAS SUPERIORES. Diretrizes para as normas de controle interno do setor público. Tradução de Cristina Maria Cunha Guerreiro, Delanise Costa e Soraia de Oliveira Ruther. Salvador: Tribunal de Contas do Estado da Bahia, 2007, p. 19.

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institucional.

Importante destacar a inafastabilidade da implementação de sistema de controle

interno, por força de dispositivos constitucionais proeminentes encontrados na

Constituição da República de 1988, entre eles:

Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo

Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno

do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional

e patrimonial da União e das entidades da administração direta e

indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação

de subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso

Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno

de cada Poder.

Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de

forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I — avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução

dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II — comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência,

da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da

administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por

entidades de direito privado;

III — exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem

como dos direitos e haveres da União;

IV — apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de

qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas

da União, sob pena de responsabilidade solidária.

Como se constata, o controle interno é um meio de se garantir a efetividade da gestão pública.

Não sem razão, a unidade de controle interno, juntamente com as demais unidades (setor de

compras, ordenador de despesa, setor de licitação, setor de contabilidade, tesouraria etc.)

formam a rede de controle interno da entidade para a persecução do objetivo comum.

Destaque-se ainda que as normas de certificação da qualidade, tais como as da família ISO

9000, comumente vêm sendo adotadas por entidades privadas no seu processo de gestão dos

sistemas de controle da qualidade (sistemas similares àqueles de controles internos presentes

nas entidades públicas). Essas normas foram concebidas de acordo com o ciclo PDCA (do inglês

Plan, Do, Check, Act — Planejar, Executar, Verificar e Agir), conforme se demonstra:

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Figura 2 — Ciclo PDCA

Fonte: Figura elaborada pelos próprios autores.

Transpondo o conceito privado de modo a propiciar sua aplicação ao ambiente das entidades públicas, podemos conceituar os elementos constitutivos do ciclo da seguinte forma, ressaltando-se que a verificação a cargo dos órgãos de controle ocorreria no momento check — verificar, monitorar, assim:

• P — Planejar: constituir os objetivos e procedimentos cogentes para alcançar as metas, em concordância com a necessidade pública;

• D — Executar: realizar o que foi planejado;

• C — Verificar: monitorar e aferir se os procedimentos estão em conformidade com o planejamento, os fins públicos, a isonomia, a moralidade administrativa e outros princípios, de forma a demonstrar os resultados obtidos;

• A — Agir: constituir os procedimentos necessários para aperfeiçoar continuamente a performance do sistema de controle, podendo atuar sobre o plano de ação, passando pelas outras fases do ciclo.

Claro que a lisura e o objetivo do procedimento licitatório depende da observância dos procedimentos prescritos para as duas fases da licitação, quais sejam, a interna e a externa.

Deve, portanto, o controle interno agir preventivamente e ostensivamente, para garantir o estrito cumprimento dos fins do certame quanto à isonomia, à probidade administrativa, à publicidade, à economia e aos demais princípios licitatórios, conduzindo a Administração Pública à contratação mais vantajosa.

Forçosamente, chegar-se-á a conclusão de que as falhas nos procedimentos licitatórios, comumente detectadas em fiscalizações dos Tribunais de Contas, poderiam ser sanadas, ou, tomadas as devidas providências para anulação dos certames, caso os controles internos das entidades fossem efetivos.

Não se olvide que as Cortes de Contas podem, ao detectar irregularidades em procedimentos licitatórios, paralisar a licitação, aplicar sanções pecuniárias e determinar o ressarcimento por danos causados aos cofres públicos. Vejamos um panorama das principais ocorrências

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detectadas em amostra de 50 processos de controle de licitações instaurados no Tribunal de Contas de Minas Gerais ao longo do ano de 2009:

Quadro 1 — Principais ocorrências detectadas em licitações5

Infringências Ocorrências %

Ausência de publicação do extrato contratual (Art. 61, parágrafo único, da Lei 8.666/93)

35 70%

Descumprimento de prazos recursais (Art. 109, a e b, § 6º, no caso Convites)

32 64%

Ausência de projeto básico e orçamento em planilhas (Art. 7º, § 2º, I e II c/c 40, § 2º, I e II, da Lei 8.666/93)

26 52%

Ausência de pesquisa prévia de preços (Art. 43, IV, da Lei 8.666/93)

24 48%

Não obtenção do número mínimo de 3 licitantes (Convites — Art. 22, §§ 3º e 7º da Lei 8.666/93)

20 40%

Despesas realizadas sem licitação ou de forma fracionada (Arts. 2º c/c 23, I, a ou II, a e 23, §§ 1º e 2º c/c 24, I e II, da Lei 8.666/93)

18 36%

Inobservância de cláusulas essenciais em contratos (Art. 55 e incisos da Lei 8.666/93)

17 34%

Alterações contratuais em percentuais acima dos permitidos (Art. 65, § 1º, da Lei 8.666/93)

16 32%

Ausência de numeração de documentos do processo (Art. 38, caput, da Lei 8.666/93)

15 30%

Ausência de indicação do crédito orçamentário (Arts. 7º, § 2º, III (obras) e 14 (compras) c/c 38, caput, da Lei 8.666/93)

14 28%

5 Fonte: RAMOS, Jéferson M. et al. Principais achados de auditoria em licitações no TCEMG. Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br/alei8666eotcemg/PDF/Minicurso%20PRINCIPAIS%20ACHADOS%20DE%20AUDITORIA.pdf>.

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Conforme afirmamos,6 o Committe of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (Coso), órgão apolítico e autônomo, criado nos Estados Unidos para estudar causas de ocorrência de fraudes em relatórios financeiros/contábeis, desenvolveu, em conjunto com PricewaterhouseCoopers, uma ferramenta que tem se mostrado eficiente no gerenciamento dos riscos corporativos das organizações, denominada: Enterprise Risk Management — Integrated Framework (Matriz de Risco — Estrutura Integrada) conhecida como Coso II.

Impende salientar que o Coso considera que a metodologia de gerenciamento de riscos deve ser amplamente difundida, pela razão de propiciar benefícios em larga escala àqueles que a adotam. Para um bom gerenciamento de riscos corporativos, o Coso assim orienta:7

A premissa inerente ao gerenciamento de riscos corporativos é que toda organização existe para gerar valor às partes interessadas. Todas as organizações enfrentam incertezas, e o desafio de seus administradores é determinar até que ponto aceitar essa incerteza, assim como definir como essa incerteza pode interferir no esforço para gerar valor às partes interessadas. Incertezas representam riscos e oportunidades, com potencial para destruir ou agregar valor. O gerenciamento de riscos corporativos possibilita aos administradores tratar com eficácia as incertezas, bem como os riscos e as oportunidades a elas associados, a fim de melhorar a capacidade de gerar valor [...].

[...] O gerenciamento de riscos corporativos contribui para assegurar comunicação eficaz e o cumprimento de leis e regulamentos, bem como evitar danos à reputação da organização e suas consequências. Em suma, o gerenciamento de riscos corporativos ajuda a organização a atingir seus objetivos e a evitar os perigos e surpresas em seu percurso.

Claro que na gestão dos riscos corporativos a entidade deve estar em constante monitoramento realizado pelo próprio corpo de gerência, no sentido de avaliar, certificar e revisar a efetividade decorrente da estrutura de controle implementada para atingir os objetivos organizacionais. Trazendo tal metodologia para o gerenciamento dos procedimentos licitatórios, a ferramenta de controle interno do Coso pode ser de grande utilidade na gestão dos riscos, de forma a minimizar eventos indesejáveis resultantes de falhas e fraudes em processos licitatórios, a exemplo da constatações do Quadro 1. A concentração de esforços nas áreas mais críticas, a partir da fixação de uma matriz de risco, pode tornar o controle mais efetivo e oportuno.

Por sua vez, no setor público, os procedimentos licitatórios se encontram sujeitos a diversos tipos de fraude, destacando-se o direcionamento da licitação, que pode ocorrer entre os próprios licitantes ou com a participação de agente público envolvido na realização do certame; a prática de cartel e a ocorrência de licitações forjadas.

6 MOURÃO, Licurgo; VIANA FILHO, Gélzio Gonçalves. Matriz de risco, seletividade e materialidade: paradigmas qualitativos para a efetividade das entidades de fiscalizacão superiores. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 74, n. 1, p. 41-78, jan./mar. 2010.

7 COMMITTEE OF SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY COMMISSION. Gerenciamento de riscos corporativos — estrutura integrada. Disponível em: <http://www.coso.org/documents/COSO_ERM_ExecutiveSummary_Portuguese.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2009.

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A afronta ao caráter competitivo do processo licitatório traz consequências extremamente danosas para toda a sociedade. Nesse sentido, destaca-se trecho da cartilha “Combate a Cartéis em Licitações”8 editada pelo Ministério da Justiça, verbis:

Para que o Estado empregue seus recursos de maneira apropriada, suas compras precisam ser feitas pelo menor preço possível e sem favorecer qualquer empresa, respeitando-se elevados padrões de isonomia, qualidade e eficiência. Assim, é de fundamental importância que as licitações sejam transparentes e econômicas. Transparência e economicidade estão intimamente relacionadas à concorrência em uma licitação. Licitações com regras transparentes e amplamente conhecidas facilitam a participação de maior número de licitantes, e, se houver efetiva concorrência entre tais participantes, as contratações serão mais econômicas, em benefício do cidadão. Para o Estado, portanto, a efetiva competição entre as empresas nas licitações que promove é a verdadeira “alma do negócio”.

O Acórdão n. 2.140/2008 do Plenário do Tribunal de Contas da União menciona os dez principais tipos de irregularidades graves com indicativo de paralisação (IG-P), observadas nas obras fiscalizadas pelo TCU em 2008, conforme tabela abaixo:9

TIPO DE ACHADO Qtde IG-P

Sobrepreço e superfaturamento 48

Irregularidades graves no processo licitatório 14

Projeto básico/executivo deficiente ou inexistente 14

Alterações indevidas de projetos e especificações 11

Irregularidades graves na administração do contrato 8

Irregularidades graves concernentes ao aspecto ambiental 7

Sub-rogação/ subcontratação irregular de contrato 7

Descumprimento de deliberações do TCU 6

Restrição ao caráter competitivo da licitação 6

Medição / pagamento de serviços não realizados 5

8 BRASIL. Ministério da Justiça. Combate a cartéis em licitações. Disponível em: <www.mj.gov.br>. Acesso em: 15 nov. 2010.

9 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão n. 2.140/2008. Os dez principais tipos de irregularidades graves com indicativo de paralisação (IG-P). Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/951508.PDF>. Acesso em: 16 nov. 2010.

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Conforme recente notícia do sítio eletrônico da Controladoria-Geral da União (CGU),10 divulgada em 09/07/2010, as irregularidades em processos licitatórios foram novamente os problemas mais encontrados em municípios fiscalizados na 30ª edição do seu Programa de Fiscalização por Sorteio. A CGU registrou problemas com licitações em 57 (ou 95%) dos 60 municípios fiscalizados. As irregularidades envolveram, entre outros, dispensa indevida da licitação; uso de uma mesma licitação para contratar diversas obras; montagem irregular dos processos licitatórios e vínculos familiares entre licitantes e o Prefeito Municipal.

A respeito do cartel em licitações, entendido como um acordo, ainda que implícito entre concorrentes para, principalmente, fixação de preços ou quotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação, vale ressaltar, conforme a cartilha “Combate a cartéis em licitações” do Ministério da Justiça:

Cartéis são considerados a mais grave lesão à concorrência porque prejudicam seriamente os consumidores ao aumentar preços e restringir a oferta, tornando os bens e serviços mais caros ou indisponíveis. Ao artificialmente limitar a concorrência, os membros de um cartel também prejudicam a inovação, impedindo que novos produtos e processos produtivos surjam no mercado. Cartéis resultam em perda de bem-estar do consumidor e, a longo prazo, perda de competitividade da economia como um todo.

Segundo estimativas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10 e 20% comparado ao preço em um mercado competitivo, causando prejuízos de centenas de bilhões de reais aos consumidores anualmente.

Em licitações, os cartéis se manifestam, principalmente, nas seguintes formas:

a) Fixação de preços, na qual há um acordo firmado entre concorrentes para aumentar ou fixar preços e impedir que as propostas fiquem abaixo de um “preço base”.

b) Direcionamento privado da licitação, em que há a definição de quem irá vencer determinado certame ou uma série de processos licitatórios, bem como as condições nas quais essas licitações serão adjudicadas.

c) Divisão de mercado, representada pela divisão de um conjunto de licitações entre membros do cartel, que, assim, deixam de concorrer entre si em cada uma delas. Por exemplo, as empresas A, B e C fazem um acordo pelo qual a empresa A apenas participa de licitações na região Nordeste, a empresa B na região Sul e a empresa C na região Sudeste.

d) Supressão de propostas, modalidade na qual concorrentes que eram esperados na licitação não comparecem ou, comparecendo, retiram a proposta formulada, com intuito de favorecer um determinado licitante, previamente escolhido.

e) Apresentação de propostas pro forma, caracterizada quando alguns

10 BRASIL. Controladoria-Geral da União. Licitações fraudadas continuam liderando as irregularidades encontradas pela CGU em municípios. Disponível em: <http://www.portaltransparencia.gov.br/noticias/DetalheNoticia.asp?noticia=131>. Acesso em: 15 nov. 2010.

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concorrentes formulam propostas com preços muito altos para serem aceitos ou entregam propostas com vícios reconhecidamente desclassificatórios. O objetivo dessa conduta é, em regra, direcionar a licitação para um concorrente em especial.

f) Rodízio, acordo pelo qual os concorrentes alternam-se entre os vencedores de uma licitação específica. Por exemplo, as empresas A, B e C combinam que a primeira licitação será vencida pela empresa A, a segunda pela empresa B, a terceira pela empresa C e assim sucessivamente.

g) Subcontratação, pela qual concorrentes não participam das licitações ou desistem das suas propostas, a fim de serem subcontratados pelos vencedores. O vencedor da licitação a um preço supracompetitivo divide o sobrepreço com o subcontratado.

Por fim, no tocante à realização de obras públicas, destacam-se as irregularidades apuradas em 30 municípios do Estado de Minas Gerais, mediante fiscalização do Tribunal de Contas da União, com base na Decisão do Plenário n. 440/2002, em representação da Secex-MG sobre irregularidades denunciadas pela imprensa, nas quais foram apuradas fraudes em licitações e desvios de recursos federais em cerca de 80% dos convênios e contratos de repasse firmados.11 Vejamos:

— esquema de fraudes para desviar recursos públicos, envolvendo empresas, prefeitos municipais e comissões de licitação, ante à inexistência física ou à ausência de estrutura administrativa e/ou operacional de empresas participantes de licitações;

— liderança no esquema de fraudes;

— desvio de recursos, evidenciado pela transferência de numerários para entidades distintas das empresas contratadas para a execução dos serviços, configurado na emissão de cheques ao próprio município emitente ou à pessoa física do Prefeito e endossos apostos no verso dos cheques pelas empresas contratadas, em favor de empresas relacionadas com o esquema de fraude;

— conluio entre prefeitos, empresas e comissões de licitação, caracterizado pela montagem de processos licitatórios e pela similitude de modelos gráficos e estilos de preenchimento na quase totalidade das Notas de Empenho e Ordens de Serviço emitidas, inclusive, por prefeituras distintas;

— emissão de Notas Fiscais inidôneas ou irregulares;

— constituição forjada de empresas, ante a ausência de registro das empresas na Junta Comercial do Estado de Minas Gerais e montagem dos contratos de constituição de empresas e das propostas apresentadas por elas, em licitações;

— abandono de grande parte das obras, algumas sendo reiniciadas com pessoal contratado pelos municípios, sem qualquer vinculação com a empresa inicialmente contratada;

— realização de obras com materiais inferiores, tanto em qualidade quanto em quantidade, divergindo dos planos de trabalho e planilhas aprovados pelos órgãos repassadores;

11 INSTITUTO BRASILEIRO DE AUDITORIA DE OBRAS PÚBLICAS — IBRAOP. Fraude em licitações de obras públicas. Disponível em: <http://www.ibraop.org.br/site/media/encontro_tecnico/2004_mg/fraudes_licitacoes.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2010.

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— insuficiência no detalhamento do objeto por ocasião da aprovação de plano de trabalho e do projeto básico;

— contratos sem Anotação de Responsabilidade Técnica no Crea;

— aprovação pelos órgãos repassadores de prestações de contas relativas à execução de convênios que apresentaram irregularidades graves.

5 O pregão

Pode-se dizer que anteriormente ao advento do pregão, especialmente na forma eletrônica, as principais irregularidades estavam ligadas ao universo limitado de licitantes, o que favorecia o superfaturamento e o conluio, havendo em muitos casos, inclusive, a participação de servidores públicos.

A utilização do pregão, principalmente em sua forma eletrônica, dificulta a ocorrência de tais irregularidades. Todavia, não existe nenhuma modalidade licitatória que não se encontre sujeita a fraudes, sendo possível, mesmo no pregão eletrônico, a participação de licitantes mal intencionados que podem colocar em risco o caráter competitivo do certame. Consoante lição de Benedito de Tolosa Filho:12

A modalidade de licitação denominada pregão, que completará 10 anos em maio de 2010, pode ser considerada como o grande marco nas aquisições públicas da década, pois atingiu o seu principal objetivo, ou seja a redução significativa dos preços, sem levar em conta a extrema simplicidade processual.

Como afirmamos em nossa obra Pregão — uma nova modalidade de licitação, editora Forense, em sua 4ª edição que estará nas livrarias a partir de fevereiro/2010, hoje ele não é mais modalidade opcional para aquisição de bens e serviços de natureza comum, mas obrigatória em razão dos princípios constitucionais de moralidade e eficiência.

No entanto, temos observado um crescente número de licitantes, se é que assim podem ser considerados (o adequado seria meliantes), que têm tentado fraudar ou pelo menos frustrar a competitividade do certame.

Eles têm agido basicamente das seguintes formas:

a) participam da licitação, apresentam ofertas com valores baixos, mas são inabilitados por não reunirem condições de habilitação, pois na modalidade de pregão as fases são invertidas, colocando em dúvida a lisura da contratação;

b) procuram os prováveis licitantes antes do certame e tentam extorqui-los, exigindo determinada quantia para que se abstenham de participar, sob a ameaça de cotarem preços baixos para frustrar o certame.

Entretanto, pode-se dizer que o pregão eletrônico é a modalidade mais segura de licitação, em virtude do anonimato dos licitantes até o encerramento da sessão pública realizada pela internet, e mais célere. De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério do Planejamento,

12 TOLOSA FILHO, Benedito de. Fraude nos pregões. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2.398, 24 jan. 2010. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/14220>. Acesso em: 14 nov. 2010.

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são cerca de 17 dias para realizar uma aquisição por meio do mecanismo, enquanto uma concorrência, por exemplo, leva em média 120 dias para efetivar-se.13

A propósito, o governo federal economizou R$ 17,2 bilhões em compras públicas ao usar a modalidade de licitação pregão eletrônico entre 2005 e 2009, de acordo com informação divulgada no caderno Destaques, edição março-abril, publicado no sítio eletrônico da Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

O valor da economia, segundo o governo, é decorrente da diferença entre o preço de referência dos bens e serviços comuns licitados e o valor aceito e contratado pela Administração Pública.

Em 2009, o governo federal comprou, por meio de licitações, um total de R$ 49,7 bilhões. Dessa quantia, R$ 20,4 bilhões foram realizados via pregão eletrônico, modalidade atualmente mais utilizada. De acordo com o Ministério do Planejamento, o valor contratado por meio do pregão eletrônico passou de 4%, em 2003, para 55%, em 2009. Em número de processos de compras, o crescimento saltou de 5% para 86% no mesmo período.

Nesse mesmo ano, o governo afirma ter economizado R$ 5,5 bilhões com o uso do pregão eletrônico. Mais de 290 mil processos de compra foram realizados, sendo 34 mil por meio de pregão eletrônico. Os maiores compradores da União, entre administração federal direta, autarquias e fundações, são órgãos de Brasília, seguidos pelas instituições do governo federal localizadas no Rio de Janeiro.14

6 Seletividade e materialidade na detecção de fraudes

Claro que a detecção de fraudes implica o desenvolvimento de metodologias cada vez mais acuradas, de modo a potencializar sua eficácia, notadamente ao considerarmos as formas mais usuais mediante as quais são descobertas, conforme o gráfico abaixo:

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

Auditoria Externa

Coincidência

Denúncia Anônima

Investigação Especial

Informação de Funcionários

Informação de Terceiros

Auditoria Interna

Controles Internos

Outros

2%

8%

13%

22%

22%

29%

34%

51%

3%

Fonte: Relatório Fraudes no Brasil 2002 — KPMG

Como as fraudes são descobertas

13 CONTAS ABERTAS. Governo economiza R$ 17,2 bi com uso de pregão eletrônico. Disponível em: <http://contasabertas.uol.com.br/WebSite/Noticias/DetalheNoticias.aspx?Id=100>. Acesso em: 16 nov. 2010.

14 Ibidem. Acesso em: 16 nov. 2010.

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Como afirmamos,15 é vultoso o número de transações e processos instaurados a serem

controlados, sendo necessário o desenvolvimento de técnicas de auditoria específicas de

modo a dar vazão às demandas de apuração.

Nesse sentido, desenvolvemos uma metodologia própria que, posteriormente,

operacionalizada pelo Tribunal de Contas de Minas Gerais Por meio de um projeto de

otimização das ações referentes à análise e processamento das prestações de contas

anuais, estabelecido por meio da Resolução TCEMG n. 04/2009,16 que permitiu fosse

elaborada uma matriz de risco, com base nas frequências de irregularidades em contas

municipais, determinando-se em que áreas os esforços de fiscalização deveriam ser

realizados, evitando-se a dispersão de recursos materiais e humanos, com severos reflexos

na efetividade da Entidade de Fiscalização Superior estudada.

De tão exitosa, a metodologia empregada em 2009, a Olacefs (Organización Latino

Americana y del Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores) agraciou, pela primeira

vez em sua história, uma Corte de Contas estadual brasileira com o primeiro lugar no

XII Concurso Anual de Investigação Omar Lynch, pelo trabalho técnico-científico Matriz

de Risco, seletividade e materialidade: paradigmas qualitativos para a efetividade das

entidades de fiscalização superiores,17 reconhecendo a relevante contribuição para o

fortalecimento, em todo o mundo, do controle governamental.

Dessa forma, entende-se que a disseminação de técnicas que visem à maior efetividade

dos órgãos de controle, entre elas a da matriz de risco, permite direcionar os esforços de

fiscalização para as matérias de maior relevância em termos de movimentação de recursos

públicos. Como exemplo, vejam-se os processos de aquisições realizados em Minas Gerais18

no período de janeiro a novembro de 2009. Da análise dos números, chega-se à conclusão

que de um universo de quase 27 mil processos licitatórios instaurados, a análise de apenas

186 deles, na modalidade concorrência, permite auditar cerca de 50% de todo o valor de

despesa licitada, vejamos:

15 MOURÃO, Licurgo. Dez anos de gestão fiscal responsável: experiências para a efetividade do controle governamental como instrumento de responsabilidade fiscal. In: CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de (Coord.). Lei de responsabilidade fiscal: ensaios em comemoração aos 10 anos da Lei Complementar n. 101/00. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 231-285.

16 MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Resolução n. 04/2009. Institui o projeto de otimização das ações referentes à análise e processamento das prestações de contas anuais. Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br/IMG/Legislacao/legiscont/Resolucoes/2009/R04-09.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2009.

17 MOURÃO, Licurgo; VIANA FILHO, Gélzio G. Matriz de Risco, Seletividade e materialidade: paradigmas qualitativos para a efetividade das entidades de fiscalizacão superiores. Organización Latino Americana y del Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores: “XII Concurso Anual de Investigação Omar Lynch”. Disponível em <http://www.olacefs.net/uploaded/content/article/ 2041615571.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2009.

18 COMPANHIA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DO ESTADO DE MINAS — Prodemge. Armazém Siad — business objects. Disponível em: <https://www1.armazem.mg.gov.br/businessobjects/enterprise115/desktopmaps/InfoView/main/main.do?objId=0>. Acesso em: 12 nov. 2009.

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7 Conclusão

Vários fatores podem levar à ocorrência de fraudes em licitação, tais como o universo restrito de competidores e a cartelização. Além disso, deve-se atentar para os fatores que podem fazer com que determinado processo licitatório, em concreto, venha a ser objeto de fraude, como, por exemplo, a falta de estrutura e o despreparo dos servidores da Administração contratante e a inadequada elaboração do edital.

Dois pontos que deveriam ser repensados se referem à inversão das fases de habilitação e de julgamento de propostas e a adoção do pregão, especialmente em sua forma eletrônica, como modalidade básica a ser utilizada sempre que possível.

Em relação ao combate às infrações nas compras públicas, não basta a elaboração de normas, é fundamental o constante aperfeiçoamento dos mecanismos de controle e a efetiva observância das normas aplicáveis, notadamente por meio da introdução em nossas práticas de auditoria dos conceitos de matriz de risco, seletividade e materialidade.

Referências

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José Carlos Evangelista de Araújo1

Adriana Strasburg2

Resumo: Este ensaio procura compreender o processo licitatório no âmbito de um Estado Democrático de Direito, em especial aspectos do que se define por competência discricionária e seu controle. Busca analisar o regime jurídico estabelecido pela Constituição, bem como pelo legislador ordinário, no art. 87 da Lei n. 8.666/93, apontando problemas daí decorrentes. Propõe, para equacionamento dos problemas, uma interpretação do referido dispositivo, pelo Supremo Tribunal Federal, conforme a CF/88, concomitantemente à aplicação, pela Administração Pública, da teoria da redução da discricionariedade a zero, para fortalecimento desse Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Competência discricionária. Lei n. 8.666/93. Interpretação conforme a Constituição. Administração Pública. Teoria da redução da discricionariedade a zero.

Abstract: This essay intends to understand the bidding process under a Rechtsstaat concept, specially the aspects of discretionary power and its control. It aims to analyze the legal system established by the Federal Constitution of 1988, as well as by the ordinary legislator, in the article 87 of the Law n. 8.666/93, pointing at problems originated there. It proposes, in order to solve this issue, an interpretation of the device mentioned, by the Supreme Federal Court, in accordance with the Constitution, simultaneously with the enforcement, by the public administration, of the zero discretion theory, to strengthen this democratic rule of law.

1 Advogado. Graduado em Direito e mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Doutorando em Direito Administrativo (PUC/SP). Professor de Direito Administrativo e Internacional nas Faculdades de Campinas (Facamp), além de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos da área jurídica.

2 Advogada. Graduada em Direito pela Facamp e em Ciência Política pela Unicamp. Mestre em Economia do Trabalho, pela Unicamp e Doutora em Economia aplicada a Políticas Públicas de Trabalho, também pela Unicamp (Cesit).

Discricionariedade administrativa e processo sancionatório: inconsistências normativas e possibilidades interpretativas em torno da Lei n. 8.666/93

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Keywords: Discretionary power. Law 8.666/93. According interpretation. Public administration. Zero discretion theory

1 Introdução

Este artigo procura compreender aspectos do processo licitatório no âmbito de um Estado Democrático de Direito instituído por uma Constituição de tipo dirigente.3

Constituições políticas dessa natureza têm como característica uma significativa vinculação dos poderes a determinadas normas, visando à instituição de um estado de coisas a ser atingido. Trata-se de um padrão específico de normatividade introduzido pelas normas-princípio que, diversamente das normas-regra, não buscam disciplinar condutas, mas instituir tarefas a serem perseguidas sob condições fático-jurídicas postas (reserva do possível).

A existência de um sistema constitucional de tipo principiológico coloca na ordem do dia aspectos importantes daquilo que se define por competência discricionária4 e, nesse plano, parece-nos oportuno um debate acerca dessa competência, no campo do chamado devido processo legal substantivo (substantive due process), incluindo os parâmetros normativos que propiciam sua sindicância.

Buscamos então compreender tal universo confrontando o regime jurídico estabelecido pela CF/1988 com o desenvolvido pelo legislador na Lei Geral de Licitações (Lei n. 8.666/93),5 sob o aspecto das sanções reguladas no seu art. 87.

Contudo, iniciamos a discussão pelas particularidades que envolveram o reconhecimento de certo padrão de normatividade conferido às normas de estrutura principiológica, de simples instrumentos de integração e colmatação do ordenamento, no bojo dos princípios gerais, até sua definitiva incorporação à teoria geral da norma jurídica, com Dworkin e Alexy.6

Em seguida, passamos a uma rápida análise do programa constitucional, especialmente, dos princípios do caput do art. 37, buscando analisá-los não só a partir de sua moldura jurídico-normativa mais geral, mas aplicando-os especificamente ao processo licitatório. Nesse ponto pareceu-nos necessário retomar a discussão acerca do conteúdo da discricionariedade, limites e possibilidades de controle.

Procurando contribuir para o rompimento definitivo com uma lamentável tradição que, aferrada a uma concepção dogmática e estreita acerca do princípio da separação dos Poderes, tem conduzido a uma recusa ao controle dessa competência, nosso ensaio defende a averiguação do

3 ver CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra: Coimbra, 2001.

4 Buscamos evitar a expressão “poder discricionário” por a entendermos pouco apropriada.

5 Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Carta Política, instituindo normas para licitações e contratos da Administração Pública.

6 Graças às contribuições desses autores (i) os princípios passam a ser reconhecidos como “espécie” do gênero norma jurídica e (ii) diferenciam-se, com maior precisão, as características normativas, peculiaridades (validade e eficácia) e mecanismos de solução, quando de eventual conflito/colisão entre regras ou princípios.

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mérito a partir de parâmetros normativos colhidos da doutrina contemporânea7 que, pensamos, possibilitam a eficácia do controle da intersubjetividade presente na fundamentação das decisões administrativas.

Trata-se dos postulados normativos aplicativos, normas de 2º grau, que se aplicam à interpretação e concretização de outras normas, como se dá com os postulados da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade, no contexto do que se convencionou chamar por substantive due process.8

Por fim, apontamos as peculiaridades do regramento jurídico de direito público e os parâmetros constitucionais do procedimento licitatório, adentrando nos aspectos polêmicos que envolvem a aplicação de sanções ablativas do direito dos administrados (art. 87, Lei n. 8.666/93), que se mostram em desacordo com o sistema constitucional.

Ao definir mecanismos de natureza sancionatória, sem a tipificação das condutas ilícitas, entendemos que o legislador abriu nesse ponto enorme espaço para práticas de privilégio e/ou perseguição de interessados em licitar, em razão, por vezes, de conveniências políticas/pessoais, em escancarado ato de improbidade e flagrante contrariedade aos princípios constitucionais. É o que nos demonstra a análise da Relação de Apenados, publicada pelo TCE/SP.9

Nossa irresignação com este estado de coisas nos incita avançar no debate — para a consolidação de um efetivo Estado Democrático de Direito, pela consciência e práticas cidadãs — sugerindo uma via de controle que passe pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do referido dispositivo, na forma como vem sendo aplicado, e a promoção, em ato contínuo, de uma interpretação conforme a Constituição, pela qual a validade das decisões discricionárias estaria, no mínimo, condicionada à observância, pelo administrador, de dois fundamentos aplicativos: a) a teoria da fundamentação substancial e, b) a adoção da teoria da redução da discricionariedade a zero.

2 A normatividade dos princípios no âmbito da moderna teoria da norma jurídica.

Segundo Bonavides,10 o processo por meio do qual vieram os princípios a ter a sua normatividade reconhecida pode ser dividido em três etapas. Na primeira,11 eles habitariam uma esfera por inteiro abstrata da qual se deduzia uma normatividade basicamente nula (e duvidosa), em contraste com o reconhecimento da dimensão ético-valorativa (como ideia que inspira os postulados de justiça).12

7 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios — da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2006.

8 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais,1996.

9 Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.tce.sp.gov.br/publicacoes/apenados/apenados-proc-licitatorio.shtm>.

10 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 255-295.

11 Jusnaturalista.

12 O grande representante desta concepção teria sido Del Vecchio, para quem os princípios gerais do direito, como os evocados pelo art. 3º do Código Civil italiano de 1865, deveriam ser interpretados como princípios de direito natural, já que aqueles extraídos

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Para os positivistas, na segunda etapa, o ordenamento, em princípio, era pleno, e os princípios deduzidos do plexo normativo eram suficientes para responder aos casos mais inusitados. No entanto, talvez com o intuito de silenciar as críticas dos jusnaturalistas, passaram a admitir sua positivação no âmbito dos próprios códigos, regulamentando-os enquanto fonte normativa subsidiária, com o intuito de se criarem válvulas de segurança, garantidoras do reinado da lei.

Nessa condição ficava claro que não se admitia que possuíssem normatividade que lhes permitisse sobrepor-se ou anteceder-se à lei, mas somente poderiam ser dela extraídos ou introduzidos para se estender a eficácia e impedir-se um vazio normativo.

Na terceira etapa, tem-se o pós-positivismo,13 quando as Constituições, pós Segunda Guerra Mundial, teriam acentuado a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o qual assentaria o edifício jurídico dos novos sistemas. Assim, o reconhecimento da natureza normativa dos princípios passou a originar-se no âmbito das Cortes Internacionais14 e acabou por figurar no Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Econômica Europeia, em 1957.

Esse desenvolvimento teórico teria dado origem a uma nova hermenêutica em que se destacariam tendências axiológicas para as quais a compreensão do fenômeno constitucional mostrou-se cada vez mais atado à consideração dos valores e à fundamentação do ordenamento jurídico.

Conjugaria, sob essas bases, Lei e Direito. Vários foram os representantes desse desenvolvimento.15 Contudo, as contribuições mais expressivas são de V. Crisafulli, R. Dworkin, e R. Alexy que, associados à J. Esser, romperam com a tipologia proposta por Kelsen.

Uma vez fixados novos parâmetros por meio dos quais se busca compreender a dimensão normativa dos princípios, agora definido como espécie do gênero norma jurídica, restava elucidar a natureza e a função de cada uma dessas espécies.

De imediato, deixava-se para trás a indagação acerca da existência ou não de atributos normativos junto aos princípios — substituída pela indagação acerca da natureza e amplitude dessa mesma normatividade. Ou seja, se é uma espécie normativa, normatividade possui.

Coube a Dworkin e a Alexy o esclarecimento acerca das principais características/critérios para diferenciar princípios e regras. Para Dworkin, as regras seriam aplicadas à base do tudo ou nada (all or nothing). Ou seja, caso ocorram os fatos nela previstos, sendo válida, a resposta estará previamente configurada no enunciado, que deve ser aplicado sem maiores

dos textos legislativos seriam insuficientes para tornar pleno o ordenamento em face das lacunas. Tal crítica teria sido feita em 1921, quando já imperava na Europa a Escola Histórica do Direito, em via de substituição pelo período de hegemonia da tradição positivista.

13 Período correspondente às últimas décadas do século XX.

14 A exemplo do art. 38 do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional (1920), cuja dicção foi transposta, em 1945, para o art. 38, I, c, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça: “os princípios gerais do direito, reconhecidos pelas nações civilizadas, são aptos e idôneos para solverem controvérsias, ao lado dos tratados e costumes internacionais”.

15 J. Esser, Karl Larenz, e Grabitz.

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considerações. A ideia de tudo ou nada — ou a regra é válida e se aplica, ou não é válida, e não se aplica — seria, por sua vez, incompatível com o padrão de normatividade dos princípios, cujos parâmetros normativos estariam situados na dimensão do peso ou valor. Esta dimensão (peso, importância, valor) seria exclusiva dos princípios, estabelecendo-se aqui, segundo o autor, o critério mais seguro de distinção.

Neste sentido, se um determinado princípio for aplicado em um caso, e nele não prevalecer, nada obsta que noutras circunstâncias ele volte a ser utilizado e aceito nos termos inicialmente propostos. De igual, entre princípios, admite-se a possibilidade de que dois ou mais colidam, gerando um conflito que será resolvido em face do peso ou valor atribuído a cada um no âmbito daquele caso especificamente considerado. Assim, um deles poderá ser afastado ou ter a sua incidência reduzida no caso concreto. No entanto, todos continuarão igualmente válidos e eficazes no plano do ordenamento jurídico.

Diversamente, em um sistema de regras, não se pode dizer que uma é mais importante do que outra, de modo que, quando duas regras conflitam, não se admite a prevalência de uma em razão do seu peso. Aliás, o conflito sequer poderá existir, será aparente, já que, ou a regra é válida e se aplica, ou não se aplica por ser inválida. O conflito aparente de regras se resolve pelos critérios ou postulados de aplicação da especialidade, cronologia ou hierarquia. Por meio deles, apenas uma regra poderá ser admitida como válida e eficaz — a menos que o sistema tenha introduzido uma regra de exceção.

No caso dos princípios, dado que se relacionam no âmbito do peso ou valor, se busca uma harmonização, por meio dos postulados da ponderação de interesses e da concordância prática, entre outros. Ou seja, o conflito entre regras se resolve no plano da validade. A colisão de princípios, na dimensão da eficácia.

Alexy, ao desenvolver a sua teoria normativa material, elaborou uma concepção próxima da assinalada por Dworkin, articulando também as duas espécies (princípios e regras) no interior do gênero norma jurídica. Para ele, tanto regras como princípios seriam normas na medida em que se formulam com a ajuda de expressões deônticas fundamentais, tais como mandamento, permissão e proibição. Prescreve então que tanto princípios quanto regras constituem igualmente fundamentos para juízos concretos de dever, não obstante, constituírem espécies diversas. Neste sentido, os princípios seriam normas dotadas de um elevado grau de generalidade, ao contrário das regras, que não obstante serem também normas, possuem um baixo grau de generalidade.

Alexy afirma que a distinção entre regras e princípios não pode ser reduzida a uma distinção de grau, mas seria também de qualidade. Propõe um critério gradualista-qualitativo que possui como ponto determinante a compreensão dos princípios como mandados de otimização — âmbito no qual se distingue qualitativamente das regras.

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A principal característica dessas normas de otimização consistiria na possibilidade de serem cumpridas em graus variados, de forma que a medida de exceção imposta dependeria tanto das possibilidades fáticas quanto das jurídicas. As regras seriam normas que podem ser ou não cumpridas. Mas, se uma regra é válida, ter-se-ia que fazer exatamente o que nela está determinado, não se podendo ir além ou ficar aquém do estipulado.

Em razão dessas contribuições, o pensamento pós-positivista evoluiu paralelamente ao movimento de positivação dos princípios, no âmbito das Constituições na segunda metade do século XX.

Nesse itinerário, o processo de constitucionalização dos princípios teria sido também marcado por duas fases. Uma primeira, programática, na qual a normatividade reconhecida aos princípios teria sido mínima (quando os princípios foram afastados para um plano constitucional abstrato, sujeitos a um grau de aplicabilidade diferido) e uma segunda, não programática, caracterizada por um forte ímpeto de concreção e objetividade, na qual se buscou um grau máximo de normatividade (quando os princípios ocuparam um espaço de relevo, no qual se vislumbra a aplicação imediata, a dimensão objetiva e concretizadora, tudo ancorado em sua positividade expressa).

Contemporaneamente alguns doutrinadores, boa parte de origem alemã, começaram a apontar supostas limitações nas concepções e tipologias de Dworkin e Alexy acerca da teoria da norma jurídica. Entre nós, destacaríamos a proposta de Humberto Ávila,16 em um campo teórico referenciado por nomes como Claus-Wilhelm Canaris e Klaus Vogel.

Ávila chama atenção para a importância atribuída, nas últimas décadas, para a interpretação e a aplicação das normas constitucionais sobre como devemos conferir à construção de sentido e à delimitação da função desenvolvida a partir das normas que prescrevem fins a serem atingidos, como fundamento para a aplicação do ordenamento constitucional.

Refere-se à forma eufórica pela qual tais normas (princípios jurídicos) passaram a ser recebidas pela doutrina e jurisprudência de forma a se chegar a cunhar expressões do tipo Estado principiológico. Segundo o autor, um êxtase doutrinário que acabou por acarretar certos exageros e problemas teóricos que, ao final, contribuíram para inibir a própria efetividade do ordenamento, em especial a de elementos tidos por fundamentais.

De início Ávila situa a discussão no plano da distinção entre princípios e regras. Firma que, de um lado, elaboraram-se distinções que separam princípios de regras em virtude da estrutura e dos modos de aplicação e colisão, tomando como necessárias qualidades que seriam meramente contingentes nas referidas espécies normativas. Aprofundando, afirma que essas distinções exaltam a importância dos princípios de forma a apequenar a função das regras. As distinções teriam também atribuído aos princípios condição de normas que, por estarem relacionadas a valores, demandariam apreciação subjetiva do aplicador, sendo insuscetíveis de investigação 16 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2006.

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intersubjetivamente controlável. Neste sentido, afirma ser imprescindível a descoberta dos comportamentos a serem adotados para a concretização dos princípios, visto que, hoje, tal necessidade cedeu lugar a uma investigação circunscrita à mera proclamação, muitas vezes desesperada e inconsequente, sobre sua importância. Os princípios seriam reverenciados como bases ou pilares do ordenamento jurídico sem que isso agregue elementos que permitam melhor compreendê-los e aplicá-los. O autor critica a falta de clareza conceitual na manipulação das espécies normativas, não apenas pela utilização de distintas categorias como se sinônimas fossem — como a referência indiscriminada à expressão princípio referenciado como regra, axioma, postulado, ideia, medida, máxima ou critério, mas que esses distintos postulados seriam manipulados de idêntica forma, como se dá com a alusão acrítica à proporcionalidade, muitas vezes confundida com justa proporção, dever de razoabilidade, proibição de excesso, relação de equivalência, exigência de ponderação, dever de concordância prática ou mesmo com a própria proporcionalidade em sentido estrito.

Nesse aspecto, a contribuição mais importante de seu trabalho parece ser a maneira como busca simplificar a distinção entre as espécies normativas, demonstrando que a dissociação elementar decorre do fato de as regras possuírem uma dimensão imediatamente comportamental (devem prever um comportamento e a ele atribuir uma consequência jurídica) enquanto os princípios teriam uma dimensão eminentemente finalística (seriam normas cuja qualidade essencial reside na determinação da realização de um fim juridicamente relevante).17

Como consequência, os mecanismos de controle devem ser distintos, requerendo um instrumental conceitual mais sofisticado, que, até o momento, não havia recebido a atenção necessária, ainda que, de regra, enfrentado no terreno correto do princípio substancial do devido processo legal.

Mesmo reconhecendo que o importante não seria saber qual a denominação mais correta desse ou daquele princípio, mas sim o modo mais seguro de se garantir a sua aplicação e efetividade, Ávila alerta para o fato de que a aplicação do direito dependeria precisamente de processos 17 “As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência,

para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo como prescrevem o comportamento. As regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser cumprida. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas cuja promoção gradual depende dos efeitos decorrentes da adoção de comportamentos a ela necessários. Os princípios são normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, ao passo que característica dianteira das regras é a previsão do comportamento. As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto à justificação que exigem. A interpretação e a aplicação das regras exigem uma avaliação da correspondência entre a construção conceitual dos fatos e a construção conceitual da norma e da finalidade que lhe dá suporte. Ao passo que a interpretação e a aplicação dos princípios demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas posto como fim e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária. As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo como contribuem para a decisão. Os princípios consistem em normas primariamente complementares e, preliminarmente parciais, na medida em que, sobre abarcarem apenas parte dos aspectos relevantes para uma tomada de decisão, não têm a pretensão de gerar uma solução específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão. Já as regras, consistem em normas preliminarmente decisivas e abarcantes, na medida em que, a despeito da pretensão de abranger todos os aspectos para a tomada de decisão, têm a aspiração de gerar uma solução específica para o conflito entre razões” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 167-168).

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discursivos e institucionais sem os quais ele não se tornaria realidade. Neste sentido, a transformação de textos normativos em normas jurídicas dependeria da construção de conteúdos de sentido, em razão do dever de fundamentação que inicialmente os tornaria compreensíveis por aqueles que os manipulam. Assim não sendo, ficaria muito difícil a compreensão pelos destinatários, pela exigência de clareza e a previsibilidade do próprio direito (elementos que seriam indispensáveis ao princípio do Estado Democrático).

Em nossa opinião, uma compreensão acerca da normatividade dos princípios como apontada se mostra necessária para uma correta interpretação dos princípios constitucionais gerais da Administração Pública elencados no caput do art. 37 da CF/88. Tal importância se ressalta quando pensamos em sua aplicação sob contextos específicos, como seria o caso do processo licitatório.

Neste plano, a compreensão da normatividade, a partir da ideia de um estado de coisas a ser atingido, pode mitigar efeitos não desejados pelo Constituinte originário, mas infelizmente abertos quando da regulamentação da matéria pelo legislador ordinário.

Isto porque, a aparente aplicação automática de regras jurídicas, destituídas de ponderação teleológica ancorada na normatividade dos princípios pode acabar levando ao abuso de poder e ao desvio de finalidade.

3 O conteúdo da discricionariedade e os parâmetros normativos para o controle intersubjetivo dessa competência: os postulados normativos aplicativos

Na seara do Direito Administrativo, ao conceito de poder corresponde o de dever. Assim, os poderes que detém o administrador18 só se legitimam na exata medida dos deveres a ele atribuídos, no exercício da função administrativa, para a tutela do interesse coletivo.

A competência discricionária se contrapõe à vinculada19 e se liga ao deferimento à Administração de certo grau de liberdade e vontade na prática de determinados atos. Assim, diante do caso concreto, por vezes, permite-se um juízo de conveniência e oportunidade do conteúdo a ser editado por parte do administrador, visando uma melhor satisfação do interesse público.

Esse juízo se justifica em nome da necessidade de se lidar com as infinitas/distintas situações cotidianas, já que é sempre impossível ao legislador prevê-las em sua inteireza, e tampouco estabelecer normas despossuídas das características de abstração e generalidade.20

18 Os poderes administrativos, por via de regra, são classificados em vinculados ou discricionários, hierárquico, disciplinar e normativo ou regulamentar. Sobre o tema, v. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio.

19 É aquela conferida pela lei à Administração, de forma que, prévia e objetivamente, se sabe acerca do único comportamento que esta poderá ter diante de certas situações concretas, bem como dos requisitos necessários à formalização do ato, para o qual não concorre uma vontade subjetiva do administrador.

20 Nesse sentido, afirma Fionini que: “a discricionariedade é, então, a ferramenta jurídica que a ciência do direito entrega ao administrador para que a gestão dos interesses sociais se realize respondendo às necessidades de cada momento” (apud DI

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Mas a discricionariedade deve respeitar limites. Ou seja, é a lei que deixa ao administrador certo espaço de utilização dos critérios de oportunidade e conveniência, desde que sejam observados os contornos do ordenamento.

Assim, nem de longe o ato discricionário se confunde com poder puramente político, sendo decorrência lógica do princípio da legalidade, devendo, por isso, estar de acordo com os vetores axiológicos da Constituição e, ademais, ser manejado sempre e obrigatoriamente em referência ao caso concreto.

Segundo a doutrina, a liberdade do administrador para os atos não vinculados pode estar presente nas etapas de formação, na própria estrutura da norma jurídica,21 no momento da prática do ato, em seus elementos (sujeito, objeto, motivação,22 forma e finalidade)23 ou ainda na valoração dos fatos objetivos que se apresentam à administração.24

Questão a tratar, para que não se opere confusão, é a da distinção, pontuada por parte da doutrina,25 entre discricionariedade e interpretação, já que em ambas existe um trabalho intelectivo prévio, por parte da autoridade administrativa, na aplicação da lei aos casos concretos.

Na tarefa interpretativa, há uma escolha única que emana do ordenamento, a partir de um processo intelectivo lógico coerente com a totalidade orgânica. Sendo assim, não há espaço para inovação e a tarefa é apenas explicativa das valorações implícitas no sistema.

Na discricionariedade, há mais. É que, para além das tarefas interpretativa e integrativa, existe, de fato, um poder de escolha, uma capacidade de autodeterminação, segundo critérios administrativos, entre certo número de soluções igualmente válidas.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, p. 69).

21 Régis de Oliveira.

22 Sobre os pressupostos de direito e de fato do ato administrativo, v. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo, capítulo VI, item VII.

23 Maria Sylvia Zanella di Pietro esclarece que haverá discricionariedade quando: “1. a lei não definir o motivo, deixando-o ao inteiro critério da Administração; é o que ocorre na exoneração ex officio do funcionário nomeado para cargo de provimento em comissão (exoneração ad nutum); não há qualquer motivo na lei para justificar a prática do ato; em casos como esse, cabe à autoridade escolher o motivo (desde que legal) que a levará a praticar determinado ato; 2. a lei define o motivo utilizando noções vagas, vocábulos plurissignificativos que deixam à Administração a possibilidade de apreciação dos fatos concretos segundo critérios de valor que lhe são próprios; é o que ocorre quando a lei manda punir o servidor que praticar ‘falta grave’ ou ‘procedimento irregular’, sem definir em que consistem; ou quando exige, para o provimento de certos cargos, ‘notável saber’; enfim, sempre que a hipótese da norma se refere a conceito de valor, como ordem pública, moralidade administrativa, boa-fé, paz pública e tantas outras de uso frequente pelo legislador”.

24 “A realização do ato pressupõe, por outro lado, determinados antecedentes objetivos. A autoridade administrativa não age no vácuo, não atua arbitrariamente. Ela se movimenta em função de certas situações de fato ou de direito que determinam a sua iniciativa. A primeira etapa dinâmica do ato administrativo é, portanto, a constatação da existência dos motivos. Segue-se imediatamente, a apreciação do valor desses motivos, a fim de que possa a autoridade se orientar no tocante à necessidade de sua atuação e aos meios indicados para a obtenção de um resultado. É precisamente na sucessão dessas duas etapas que se insere o elemento discricionário. Ao passo que na verificação da existência material ou legal dos motivos não há senão o processo de apreensão da realidade, na sua valorização subjetiva-se a tramitação do ato administrativo. A existência ou não dos motivos é matéria de ordem objetiva: a sua observação imperfeita provocará um erro de fato ou de direito, sujeito ao controle de legalidade. A ponderação e a medida dos motivos, como causas determinantes da ação do administrador, correspondem a um processo psicológico, pertencente ao prisma discricionário” (TÁCITO, Caio, Temas de direito público: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 318-319).

25 A exemplo de Gaetano Azzariti, Emilio Betti e, entre nós, Maria Sylvia Zanella di Pietro.

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Mas qual o limite conferido ao administrador? Uma resposta adequada à indagação só se pode obter por meio de um estudo mais rigoroso dos chamados postulados normativos aplicativos da razoabilidade e da proporcionalidade.

Nesse sentido, contestando a doutrina em geral, que se refere à proporcionalidade e à razoabilidade ora como princípios, ora como regras, Humberto Ávila26 nos propõe essa nova categoria (postulados normativos aplicativos) que dissocia a equiparação entre razoabilidade e proporcionalidade.

Isso porque, a doutrina em geral entenderia a razoabilidade como um topos sem estrutura ou fundamento normativo, quando, em sua opinião, a tal conceito seria devida uma nobre dignidade dogmática. Da mesma forma, igualaria proibição de excesso e proporcionalidade em sentido estrito quando, em sua opinião, tais conceitos permitiriam espécies distintas de controle argumentativo. No entanto, operadas certas correções, acredita o autor que poderiam ser criadas as condições para incorporar a justiça no debate jurídico sem comprometer a racionalidade argumentativa.27

Essa questão (controle intersubjetivo da argumentação) é da maior importância, dado que os fundamentos jurídico-constitucionais que autorizam e requerem a intervenção da Administração, de forma a promoverem procedimentos administrativos, tais como o licitatório, assim como os mecanismos normativos que estabelecem seus limites, estão instituídos na forma de norma-princípio.

Assim, por exemplo, a acepção formal do princípio da igualdade (enquanto mera isonomia) contrapõe-se à sua acepção material e, dessa forma, adquire a natureza de parâmetro de controle para a sindicância dos procedimentos, que se dará no âmbito do chamado devido processo legal substancial.

Neste plano, não podemos deixar de reconhecer que impera uma significativa aleatoriedade e imprecisão conceitual no manuseio dos institutos que dificultam a avaliação da racionalidade argumentativa. Por isso entendemos oportuno descrever sinteticamente sua contribuição à dogmática da interpretação e aplicação das normas constitucionais, em especial as de natureza principiológica.

De saída, expomos o conceito de postulado normativo aplicativo, que não comporia o rol das espécies normativas propriamente ditas (regras e princípios), mas estaria situado em outra

26 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2006.

27 “Sua finalidade é clara, manter a distinção entre princípios e regras, mas estruturá-la sob fundamentos diversos dos comumente empregados pela doutrina. Demonstrar-se-á, de um lado, que os princípios não apenas explicitam valores, mas, indiretamente, estabelecem espécies precisas de comportamentos; e, de outro, que a instituição de condutas pelas regras também pode ser objeto de ponderação, embora o comportamento preliminarmente previsto dependa do preenchimento de algumas condições para ser superado. Com isso, ultrapassa-se tanto a mera exaltação de valores sem instituição de comportamentos quanto a automática aplicação de regras. Propõe-se um modelo de explicação das espécies normativas que, ademais de inserir uma ponderação estruturada no processo de aplicação, ainda inclui critérios materiais de justiça na argumentação, mediante a reconstrução analítica do uso concreto dos postulados normativos, especialmente da razoabilidade e da proporcionalidade. Tudo isso sem abandonar a capacidade de controle intersubjetivo da argumentação, que, normalmente, descamba para um caprichoso decisionismo” (op. cit., p. 25-26).

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dimensão e enquanto regras e princípios seriam espécies normativas de 1º grau, tais postulados constituiriam espécies de 2º grau.

Os princípios, como espécie normativa de 1º grau, constituem normas que estabelecem fins a serem buscados. Instituem, portanto, um dever de promover a realização de um estado de coisas.

A passagem de um plano (estabelecimento de fins e o dever de promovê-lo) para outro (modo de aplicação e controle da efetivação desse comando) implica superação do âmbito das normas para adentrar-se no terreno das metanormas. Teríamos aqui deveres situados em um 2º grau, cujo escopo seria o estabelecimento de uma estrutura para a aplicação de outras normas (princípios e regras).

Dessa forma, as metanormas permitiriam a verificação dos casos em que ocorre violação às normas cuja aplicação elas estruturam e, apenas elipticamente, admite Ávila, poder-se-ia afirmar que ocorre violação aos postulados da razoabilidade, proporcionalidade ou eficiência. Em sentido mais exato, violadas seriam as normas (princípios e regras) que deixaram de ser devidamente aplicadas.

Com isso se quer dizer que os postulados normativos situam-se em um plano distinto das normas cuja aplicação estruturam. A violação dos postulados consistiria na sua interpretação em desacordo com a estruturação.

Todavia, o qualificativo 2º grau não nos deve conduzir à conclusão de que tais postulados funcionariam como qualquer norma que fundamente a aplicação de outras normas, como ocorreria com os chamados sobreprincípios — tais como os do Estado de Direito ou do devido processo legal, visto que esses estariam situados no próprio plano das normas objeto de aplicação, e não no plano das normas que estruturam a aplicação de outras normas.

Ademais, os sobreprincípios atuariam como fundamento formal e material para a instituição e atribuição de sentido às normas hierarquicamente inferiores, diferentemente dos postulados normativos que funcionariam como estrutura previamente disposta para a aplicação de outras normas. Por isso Ávila entende que eles (enquanto deveres estruturantes de aplicação de outras normas) não poderiam ser considerados como princípios ou regras.28

28 “Como os postulados situam-se em um nível diverso do das normas objeto de aplicação, defini-los como princípios ou como regras contribuiria mais para confundir do que para esclarecer. Além disso, o funcionamento dos postulados difere muito do dos princípios e das regras. Com efeito, os princípios são definidos como normas imediatamente finalísticas, isto é, normas que impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela promoção. Diversamente, os postulados, de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro, não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, portanto, não se podem confundir princípio com postulados. As regras, a seu turno, são normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos ou atributivas de poder. Distintamente, os postulados não descrevem comportamentos, mas estruturam a aplicação de normas que o fazem. Mesmo que as regras fossem definidas como normas que prescrevem, proíbem ou permitem o que deve ser feito, devendo sua consequência ser implementada, mediante subsunção, caso a sua hipótese seja preenchida, como o fazem Dworkin e Alexy, ainda assim a complexidade dos postulados se afastaria desse modelo dual. A análise dos postulados de razoabilidade e de proporcionalidade, por exemplo, está longe de exigir do aplicador uma mera atividade subsuntiva. Eles demandam, em vez disso, a ordenação e a relação entre vários elementos (meio e fim, critério e medida, regra geral e caso individual), e não um mero exame de correspondência entre a hipótese normativa e os elementos de fato. A possibilidade de, no final, requerer uma aplicação integral não elimina o uso diverso na preparação da decisão. Também os princípios, ao final

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O autor reconhece que esse apartamento dos postulados normativos aplicativos (mesmo para os que o reconhecem) da categoria de regras e princípios é, para muitos, problemática. Para alguns seria, ao lado dos chamados deveres de otimização, uma forma específica de regras (eine besondere form regeln). Outros, adeptos de sua compreensão como princípios, reconheceriam que eles funcionam como máxima ou topos argumentativo, que mescla o caráter de regras e de princípios. Há também os que os enquadrariam, com sólida argumentação, na categoria de princípios distintos, denominados princípios de legitimação. Existiriam, por fim, aqueles que os definiriam como normas metódicas. No entanto a denominação é, em si, secundária, na medida em que o decisivo seria constatar e fundamentar sua diferente operacionalidade.

Os postulados normativos aplicativos diferenciar-se-iam dos princípios e das regras quanto ao nível e à função, cabendo-lhes o estabelecimento dos critérios de aplicação desses. Ao contrário dos princípios e das regras, que servem de comandos para determinar condutas obrigatórias, permitidas ou proibidas, bem como, condutas cuja adoção seria necessária para atingir certos fins, os postulados serviriam como parâmetros para a realização de outras normas, de modo que, em todos os casos de sua utilização, haveria necessariamente um raciocínio relativo à aplicação de outras normas do ordenamento jurídico.

Nesse sentido, por exemplo, no exame da razoabilidade-equivalência, analisa-se a norma que institui a intervenção ou exação com a finalidade de verificar se há equivalência entre sua dimensão e aquilo que ela visa punir ou financiar. No exame da proporcionalidade, investiga-se uma norma que institui intervenção ou exação para verificar se o princípio que justifica sua instituição seria promovido e em que medida os outros princípios serão restringidos. No exame da proibição de excesso analisar-se-ia a norma que institui a intervenção ou exação para comprovar se algum princípio fundamental não estaria sendo atingido em seu núcleo essencial.

Tais premissas são de grande valia quando da apreciação de litígios envolvendo o processo licitatório, visto que, com base em uma avaliação nelas fundamentada é que se colocará a questão referente à existência ou não de uma restrição excessiva de algum dos princípios fundamentais da administração pública.

Para Ávila, a definição de postulados como normas estruturantes da aplicação de princípios e regras requer a adoção de quatro procedimentos de investigação e análise para que se possa delimitar seu exato sentido no ordenamento. 1) a necessidade de levantamento de casos cuja solução tenha sido tomada com base em algum postulado — o que irá requerer: a) investigação da jurisprudência dos Tribunais em busca de decisões que tenham mencionado e utilizado de postulados; b) a obtenção da íntegra dos acórdãos; 2) análise da fundamentação das decisões para verificação dos elementos ordenados e a forma como foram relacionados — o que irá requerer: a) análise das decisões e verificação dos elementos/grandezas manipuladas; b) verificação das relações consideradas essenciais; 3) investigação das normas objeto de aplicação

do processo aplicativo, exigem o cumprimento integral. E a circunstância de todas as espécies normativas serem voltadas, em última instância, para o comportamento humano não elimina a importância de explicar os procedimentos completamente distintos que preparam e fundamentam sua descoberta” (op. cit., p. 123-124).

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e fundamentos para a escolha de determinada aplicação — o que irá requerer: a) verificação dos elementos/grandezas manipuladas; b) encontrar os motivos que levaram os julgadores a entender existentes ou inexistentes determinadas relações; 4) realização do percurso inverso: descoberta a estrutura exigida na aplicação do postulado, verificação da existência de outros casos que deveriam ter sido decididos com base nele — o que irá requerer: a) refazer a pesquisa jurisprudencial mediante a busca de outras palavras-chave; b) análise crítica das decisões, reconstruindo-as argumentativamente de acordo com o postulado em exame, de modo a evidenciar a falta ou o uso inadequado dela.

Ao final dessa reconstrução, analisando os dados recolhidos, Ávila nos propõe uma classificação para os postulados normativos aplicativos em espécies.

Inicialmente define todos como deveres estruturais, deveres que estabelecem uma vinculação entre elementos e que impõem determinada relação entre eles. Daí porque também os define como formais, visto que, dependem da conjugação de razões substanciais para a sua aplicação.

Mas ainda assim, alerta para o fato de que os postulados não funcionariam todos da mesma forma. Em parte seriam aplicados independentemente dos elementos objeto de relacionamento. Por exemplo, a ponderação, exige sopesamento de quaisquer elementos (bens, interesses, valores, direitos, princípios, razões) e não indicaria a maneira como deve ser procedido esse sopesamento. Os elementos e os critérios não lhe seriam específicos. Também a concordância prática funcionaria de modo semelhante, caracterizando-se como um postulado inespecífico, visto que, exige a harmonização entre elementos, mas não diz qual a espécie desses elementos. Nesse sentido, os elementos objeto de harmonização seriam indeterminados. Igualmente a proibição de excesso estabeleceria que a realização de um elemento não resultasse no aniquilamento do outro. No entanto, os elementos objeto de preservação mínima não são indicados. No mesmo sentido teríamos o postulado da otimização ao estabelecer que determinados elementos devam ser maximizados sem dizer quais e nem como.

Em situações como essas os postulados normativos exigiriam o relacionamento entre elementos, sem, contudo, especificar quais são os elementos e os critérios que devem orientar sua relação. Seriam postulados normativos de aplicação eminentemente formais, constituindo meras ideias gerais, despidas de critérios orientadores da aplicação. Exatamente por isso, Ávila os conceitua como postulados inespecíficos ou incondicionais.

Em contrapartida, o autor identifica outros postulados cuja aplicação requereria determinados elementos e sua orientação por intermédio de alguns critérios específicos. É o caso — de extrema importância para este trabalho — do postulado da igualdade.

Como pormenorizaremos mais adiante, diferentemente de como concebe Ávila neste particular, os postulados normativos de aplicação são princípios, e o princípio da igualdade, dada a sua peculiar especificação constitucional, nele se manifesta tanto como postulado normativo de

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aplicação (igualdade formal ou isonomia), como quanto preceito fundamental decorrente da Constituição (igualdade material/substancial). Mas, segundo o autor, enquanto postulado, a igualdade só é aplicável em um plano no qual tenhamos ao menos dois sujeitos perante algum critério discriminador vinculado a alguma finalidade, razão pela qual só se tornará aplicável na presença de elementos específicos, tais como sujeitos, critérios de discrimen, além de algum objetivo especificado.

Situação semelhante se daria com outros postulados, tais como da razoabilidade, operável apenas a partir da relação estabelecida entre um plano geral e outro individual, ou da proporcionalidade, cuja aplicação se vincula à existência de uma relação de causalidade entre meios e fins.

Em todos esses casos, de extraordinária importância, são os postulados normativos de aplicação que, por excelência, são utilizados no âmbito da jurisdição constitucional para efeitos de implementação do princípio substancial do devido processo legal.

Constituem aquilo que Ávila define como postulados específicos ou condicionais. Isso porque exigem o relacionamento entre elementos específicos como critérios que devem orientar a relação entre eles. Seriam eles também postulados normativos formais, todavia, relacionados a elementos com espécies determinadas.

Resumindo, alguns postulados aplicar-se-iam sem a necessidade de se pressupor a existência de critérios e elementos específicos. É o que acontece com a ponderação de bens, na qual se institui um método destinado à atribuição de um peso a elementos que se entrelaçam sem, contudo, fazer referência a pontos de vista materiais. Igualmente no caso de aplicação do postulado da concordância prática, exigir-se-ia a realização ao máximo de valores que necessariamente se imbricam. Ou ainda no caso do postulado da proibição de excesso, por meio do qual se veda a aplicação de uma norma jurídica que restrinja de tal forma um direito fundamental que acaba por lhe subtrair um mínimo de eficácia.

De outro lado, há aqueles postulados cuja aplicabilidade depende de determinadas condições. Como acabamos de demonstrar, seria o caso do postulado da igualdade, que deve estruturar a aplicação do direito quando existe uma relação jurídica entre dois sujeitos em função de certos elementos (critério de diferenciação e finalidade de distinção) e da relação entre eles (congruência do critério em razão do fim).

Em nossa opinião, o conceito de postulados normativos de aplicação, na estrutura e grau de detalhamento fornecidos por essa doutrina contemporânea se constitui em importantíssima contribuição teórica para o aperfeiçoamento do mecanismo de aplicação e controle de normas e outros atos estatais instituídos como decorrentes do desenvolvimento e concretização de princípios constitucionais. Ao mesmo tempo em que

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orientam e estruturam a sua aplicação, permitem um controle mais técnico e isento — ou ao menos intersubjetivamente controlável — da sua apreciação.

Possibilitam assim a superação de um modus operandi marcado por certo voluntarismo e arbitrariedade no uso dos conceitos que, não obstante o manejo já consagrado pela jurisprudência e doutrina, ainda não haviam logrado obter o grau de clareza e previsibilidade jurídica de que tanto necessitamos. Pensamos que sua aplicação na avaliação de procedimentos de licitação, quando colocadas sob o crivo do devido processo legal substancial, pode contribuir para um melhor equacionamento dos litígios que deles se originem.

4 As peculiaridades do regramento jurídico de Direito Público e os parâmetros constitucionais do procedimento licitatório

Normas de Direito Público são as que tratam da organização do Estado brasileiro na sua relação com os indivíduos (servidores, pessoas físicas e jurídicas), além da relação deste para com outros Estados. A especificidade dessas normas está no seu valor social diferenciado, conferido em função da necessidade de imposição de institutos destinados à persecução e realização do bem comum, de sorte que são os indivíduos coletivamente considerados o bem maior a ser tutelado.

Cabe a essas normas estabelecer mecanismos capazes de garantir o cumprimento dos direitos Constitucionais, por meio da submissão da Administração aos parâmetros norteadores de um Estado Democrático de Direito. Objetivam, assim, estabelecer uma rede de proteção, cerceando formas autoritárias de exercício do poder. Dois critérios são postos por esse regramento: o do sujeito e o do interesse.

Assim, o Direito Público é o que tem por sujeito o Estado. E ainda o que tutela uma classe de interesses de natureza diferenciada, sendo que a noção de interesse público deve ser extraída do conjunto do ordenamento, ou seja, da forma como determinados bens são tratados, segundo um interesse juridicamente distinto, excepcional, que os submete a um regime próprio quanto às obrigações, sanções, formas de contratação e responsabilidade etc.

É preciso lembrar também que o Estado pauta-se por fins mediatos e imediatos. Os mediatos (fins públicos) são aqueles que legitimam sua própria existência. Por isso detêm caráter de permanência, estando expressos nos princípios e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Já os imediatos, que definem o interesse público em sentido estrito, ligam-se às necessidades mais prementes, definidas e objetivadas por meio do exercício da função política, seja pela via da escolha eleitoral, seja pela atuação dos Poderes na implantação de seus programas.29

29 Por meio dos representantes eleitos, que se concretizam em leis ou em atos de governo em sentido estrito. Veja-se, por exemplo, art. 48 c/c art. 59, e art. 84, V, e 84, XXIII, da CF 1988.

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O que se tem, portanto, é que o interesse público inexiste fora do Estado Democrático

de Direito e se constitui como conceito indeterminado, abstrato e variável. Assim, não é

a Administração quem define o que é interesse público, mas este é formal e previamente

estipulado, quer pela aplicação de normas constitucionais, quer pela edição de leis

ou atos de governo em sentido estrito, pelos órgãos políticos competentes e na forma

constitucionalmente prevista.

Da constatação de que há um interesse público que não se confunde com a somatória dos

interesses individuais, mas antes, se identifica com esses, sendo a expressão de todo o corpo

social, surge o primeiro traço distintivo do regime jurídico-administrativo, que é a supremacia

sobre o interesse privado, a partir da qual o Estado assume posição privilegiada, que se

traduz em um poder-dever de zelar pela persecução e proteção do interesse, por meio da

instrumentação de seus órgãos, o que se traduz por privilégios e prerrogativas atribuídos por

lei à Administração.30

Da conjugação dos privilégios e prerrogativas, como expressão da supremacia do interesse

público, resulta a exigibilidade dos atos administrativos e a autotutela, que representa a

possibilidade de revogação dos próprios atos por manifestação unilateral, bem como decretação

de nulidade, quando viciados.

Mas o Estado não está apenas em posição privilegiada, mas também subordinada, já que

o segundo traço do regime jurídico-administrativo consiste na indisponibilidade quanto à

proteção e promoção do interesse público. É que, sendo esses, próprios da coletividade,

são insuscetíveis de apropriação pessoal, afastados da esfera de livre disposição da vontade

do administrador — estabelecidos como obrigação da função administrativa, nos termos da

finalidade disposta pelo ordenamento.

A supremacia do interesse público e sua indisponibilidade constituem peculiaridades

do regime jurídico de direito público próprias do regramento constitucional, sendo

parâmetros para discricionariedade. Submetem-se todas as pessoas de direito público

de capacidade política, bem como as entidades da administração indireta, à obediência

aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e da

licitação pública.

A licitação é um procedimento administrativo destinado a selecionar a proposta mais vantajosa

como expressão da realização desses princípios. Não se aceitam derrogações, salvo as

autorizadas, a exemplo da dispensa e inexigibilidade.

30 Por privilégios entende-se, por exemplo, o benefício de prazos processuais mais longos, além da presunção de veracidade e legitimidade dos atos administrativos. Por prerrogativas, que o Poder Público se encontra em posição autoridade relativamente aos particulares, o que permite a imposição de obrigações por ato unilateral, ou ainda, o direito de modificar, igualmente, relações já estabelecidas.

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Assim, o administrador está, a despeito da discricionariedade, vinculado a essa moldura, da publicação do edital à conclusão do contrato, nos desdobramentos do procedimento, de modo que, no âmbito de um Estado Democrático de Direito (dado o princípio da supremacia da Constituição), todo seu desenvolvimento deve respeitar esses postulados sob pena de invalidade.

A ampla margem de ação conferida à Administração em face das demandas e imperativos colocados por uma sociedade cada vez mais complexa, na qual se assiste à transição de um paradigma produtivo industrial para outro ora definido como pós-industrial,31 requer a contrapartida de uma ampla processualização dos mecanismos referentes à tomada de decisões. Segundo autores como Jürgen Habermas,32 o próprio fundamento de legitimidade dessa concepção de Estado prende-se à estrita observância dos procedimentos, por meio dos quais se limita a discricionariedade e, eventualmente, a arbitrariedade dos agentes.

Este é o contexto jurídico-normativo no interior do qual a CF/8833 impõe a necessidade de o legislador ordinário regular de forma genérica o processo administrativo (como o fez com a Lei n. 9.784/99, e Lei n. 10.177/9834) e de modo específico, certos procedimentos dotados de maior singularidade.

Compreendê-lo no interior da ordem jurídico-estatal contemporânea, bem como as questões de natureza constitucional envolvidas, é determinante para uma adequada tutela dos direitos e garantias fundamentais estabelecidos no texto constitucional.

5 Aspectos polêmicos da Lei n. 8.666/93: art. 87

A Lei n. 8.666/93, após tramitar no Congresso por praticamente dois anos, foi promulgada em 1993, para regulamentar o inciso XXI do art. 37 da CF.

O cenário que a viabilizou foi, de um lado, o crescimento considerável da colaboração entre o Estado e a iniciativa privada, operado a partir da implantação de um modelo de redução do aparato estatal, sobretudo, no início dos anos 90. De outro, a necessidade política de efetivação das garantias constitucionais na gestão da coisa pública.

As normas nela contidas representam, assim, o resultado de uma evolução histórica e o diploma contém regras e princípios, amoldados ao sistema Constitucional.

31 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

32 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia — entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

33 A CF/88 estabeleceu parâmetros gerais que caracterizam as peculiaridades do regime jurídico de direito público, tema especialmente afeto ao tema da licitação. Disciplinou questões referentes à competência para legislar (art. 22, XXVII), o regime geral para as fundações e autarquias (art. 37, XXI) e estabeleceu a necessidade de se instituir um regime específico para as empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias (art. 173, III).

34 No âmbito do Estado de São Paulo.

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Nessa legislação: a) ampliaram-se as responsabilizações pela inclusão de sanções de natureza penal; b) incluiu-se a previsão da participação popular nos procedimentos; c) algumas modalidades de licitação adquiriram maior complexidade; d) passou-se a privilegiar critérios de menor preço e redução no tempo de duração dos contratos, com vistas a obter-se uma maior eficiência; e) reduziu-se a possibilidade de contratação pela melhor técnica; f) especificaram-se regras de publicidade.

Todos, mecanismos que corresponderam a um aumento no grau de formalismo e no volume dos processos, com a consequente redução do espaço de discricionariedade.

A doutrina crítica argumentou que a aplicação da lei acabaria por gerar maiores custos para a máquina estatal, engessando o administrador na tomada de decisões, fato que comprometeria a eficiência na utilização dos recursos.

Contudo, com o foco voltado para a realização de outros princípios fundamentais (igualdade, publicidade, moralidade e dever de probidade), há muitos que entendem que, ao menos em tese, a lei possibilitou uma superação da tradição (de obtenção de serviços por meio de instrumentos jurídicos autoritários), promovendo-se um avanço em termos de efetivação do Estado Democrático de Direito.

Por certo que isto ocorreu. Mas, até que ponto e de que maneira a discricionariedade foi reduzida, adequando-se aos princípios constitucionais, especialmente os da isonomia, da proposta mais vantajosa e da eficiência? Em que medida o procedimento garante a indisponibilidade do interesse público?

O art. 87 se coloca como um ponto importante da questão porque, tal como hoje se encontra redigido,35 permite que o administrador ao seu juízo de conveniência e oportunidade, decida entre a aplicação das penalidades de suspensão ou declaração de inidoneidade, por exemplo. Isso porque não há norma que tipifique as condutas que seriam afetas à aplicação de cada uma dessas sanções.

Poderia se argumentar que a lei não necessitaria — ou não poderia — exaurir a previsão do tipo e dos pressupostos da sanção e que seria possível uma mera instituição da ilicitude e da sanção

35 “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I — advertência; II — multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III — suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV — declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

§ 1o Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.

§ 2o As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

§ 3o A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação”.

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em termos genéricos. Assim, o administrador, a partir dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como também no da culpabilidade, pautado, sobretudo, pela impessoalidade e sem desviar a atenção do interesse público teria amplas condições de editar o ato, segundo a gravidade e reprovabilidade da conduta, com mínimas possibilidades de cometer injustiças, que seriam apenas residuais, cabendo ao Judiciário corrigir os desvios.

Para Marçal Justen Filho, o artigo afigura-se inconstitucional36 e incompatível com a ordem jurídica, não sendo cabível e tampouco aceitável que o administrador possa dispor da faculdade de escolher, no caso concreto, qual a sanção cabível.37

E os dados colhidos da realidade de nossa administração — ao menos do Estado de São Paulo — demonstram que essa instituição (da ilicitude/sanção) em termos genéricos não implicou nem a superação da tradição (de obtenção de serviços por meio de instrumentos jurídicos autoritários), nem a redução do espaço de discricionariedade do administrador nos casos de aplicação de sanções aos prestadores/fornecedores de obras e serviços.

Embora a doutrina nos forneça instrumentos para tanto, pela manipulação de certos princípios, em especial, da isonomia, da razoabilidade e proporcionalidade, na prática, os mesmos não são aplicados, ainda que os atos administrativos sejam motivados e, portanto, se afigurem formalmente perfeitos.

É o que se pode ver dos dados extraídos da relação de apenados, publicada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

A tabela a seguir apresenta o percentual de penalidades impostas aos prestadores/fornecedores (de obras e serviços), em outubro de 2010, pelos distintos órgãos de administração pública do Estado de São Paulo.

Veja que a comparação entre os mesmos demonstra que não há qualquer equivalência na aplicação das penalidades de “suspensão do direito de licitar” (inciso III do art. 87) e de “declaração de inidoneidade” (inciso IV do art. 87). Assim é que as Secretarias e Serviços de Saúde e Educação, a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), as penitenciárias e o Ministério Público (MP), simplesmente não aplicam a declaração de inidoneidade.

Por outro lado, há órgãos, como a Unicamp38 ou o TJSP,39 que praticamente só se utilizam de tal espécie.

36 Por violação aos incisos XXXIX e XLVI do art. 5º da Constituição Federal.

37 Para o autor, a solução consistiria em exigir que, por meio de ato regulamentar ou no corpo do próprio edital, fossem estabelecidos pressupostos básicos delimitadores do sancionamento, sem o que se torna impossível a aplicação de qualquer das sanções previstas no artigo.

38 Universidade Estadual de Campinas.

39 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

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Percentual de aplicação de sanções por tipo de penalidade (art. 87, Lei n. 8.666/93) e por órgãos da Administração — São Paulo.

Art. 87, III(suspensão)

Art. 87, IV(declaração de inidoneidade)

Art. 7º, Lei n. 10.520/02* %

Unicamp 22,5 77,5 —

100,0

Municípios 69,2 29,9 0,9Depto. Água/esgoto 88,0 8,0 4,0FDE40 100,0 — —Serviços de saúde 100,0 — —Serv. transmissão de energia 85,7 — 14,3Penitenciária 100,0 — —TJSP 36,4 63,6 —Ministério Público 100,0 — —Cia. Metropolitana 100,0 — —Polícia Civil e Militar 80,0 20,0 —Outros 73,3 26,7 —

Considerando tratar-se basicamente do mesmo universo de fornecedores, era de se esperar certa uniformidade e não há como deixar de constatar, em contrapartida, que o administrador, ao menos no Estado de São Paulo, em geral, ignora haver gradação na aplicação dessas penalidades. Ou pior, por muitas vezes usa sua competência discricionária para escolher, segundo critérios subjetivos, quem pode ou não lhe prestar colaboração.40

Inclusive, como é o caso da Unicamp, em parecer lavrado pela Procuradoria, quando instada a franquear vista de processos licitatórios com declaração incidental de inidoneidade de fornecedor, a fim de se verificar a motivação do ato sancionatório, assim se manifesta:

em que pese a estrita finalidade acadêmica para obtenção de vistas dos autos dos processos sancionatórios, o fato é que a Universidade tem o dever de preservar os direitos dos fornecedores penalizados e mantendo em sigilo as informações, fatos e atos que ensejaram a penalidade. Assim sendo, considerando a necessidade de preservação de direitos individuais e do interesse público, não há possibilidade de atender o que foi pleiteado. É o parecer, sub censura.

Veja que nessa fundamentação, paradoxalmente, o verdadeiro interesse público de fiscalização da atuação da administração (pela verificação da motivação) por parte do administrado ou até mesmo para que se conheça de fato como se dá a atuação cotidiana da administração, cede ao suposto interesse público de preservar a intimidade de pessoas jurídicas (prestadoras de serviços ou fornecedora de obras).

E não se está aqui a exigir que todos os órgãos interpretem a lei exatamente da mesma maneira, ajustando milimetricamente a aplicação das sanções previstas a um universo predelimitado de condutas cuja previsão o legislador não fez constar. Mas não se pode ignorar, sobretudo levando-se em consideração a natureza patrimonialista que marcou a formação e a evolução do Estado brasileiro,41 que a aplicação indiscriminada de sanções ao talante do administrador de plantão pode dar azo a todo o tipo de perseguições e favorecimentos em contrariedade aos princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência.

40 Fundação para o Desenvolvimento da Educação.

41 FAORO, Raymundo. Os donos do poder — a formação do patronato político brasileiro. Rio de Janeiro: Globo, 1984.

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6 Fundamentação substancial e a adoção da teoria da redução da discricionariedade a zero

A situação tende a se tornar ainda mais embaraçosa na medida em que o Poder Judiciário, quando provocado, demonstra ainda forte tendência a renunciar à prática do controle da discricionariedade no âmbito do devido processo legal substancial. Manifesta-se muitas vezes de forma rasa quanto à observância da legalidade estrita, e afasta a possibilidade de adentrar no mérito da decisão.

Ora, ocorre que nem o administrador pode continuar aplicando sanções de conteúdo ablativo, típicas do chamado Direito Administrativo Repressivo ou Sancionador, a cujos conteúdos a doutrina majoritária42 vem exigindo o respeito aos princípios fundamentais do Direito Penal (sobretudo, legalidade, tipicidade estrita e culpabilidade), nem o Judiciário pode continuar ignorando o importante referencial do direito constitucional e administrativo contemporâneo de controle da discricionariedade no âmbito de um devido processo legal substantivo.

Nestes termos, apontamos uma solução possível dentro da técnica de controle da constitucionalidade pela interpretação conforme a Constituição.

Por esse meio, o Tribunal Constitucional limita as possibilidades interpretativas disponíveis aos aplicadores do direito, de forma a excluir as interpretações desconformes com o sistema constitucional.

Em nossa opinião, a interpretação conforme poderia ser utilizada, exigindo-se a observância estrita do princípio da fundamentação em todos os atos administrativos praticados no uso de competências discricionárias. Tal medida seria complementada pela adoção da chamada teoria da discricionariedade reduzida à zero, formulada no âmbito da doutrina alemã.

Não estamos a advogar apenas a obrigatoriedade da utilização por todos os poderes estatais do dever de fundamentar decisões pautadas em competências discricionárias.

O que de fato propomos é a adoção de uma concepção peculiar de fundamentação, conhecida como teoria da fundamentação substancial dos atos discricionários, que se dá a partir de uma distinção entre fundamentação meramente formal e fundamentação substancial.

Do dever de motivação expressa previsto genericamente não é possível esclarecer qual a extensão e profundidade dessa motivação. Discute-se então se toda fundamentação expressa pode ser considerada como suficiente do ponto de vista do conteúdo.

A questão, a saber, é se nos atos discricionários (que permitem a adoção de mais uma decisão perante o caso concreto), a motivação estritamente formal seria suficiente.

42 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. São Paulo: Dialética, 2005, p. 615.

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Respondê-la conduziria à consequência prática da possibilidade do exame do mérito (via razoabilidade e proporcionalidade), especialmente pelo Poder Judiciário (mas também pela própria administração, por via do via recurso hierárquico).

Conforme mencionado, tem sido característica da jurisprudência brasileira o afastamento do exame do mérito desses atos. Na prática, significa dizer que sua motivação é meramente formal, bastando à Administração apontar os dispositivos legais que lhe conferem a competência discricionária.

No entanto, se reconhecemos que a prática desses atos envolve problemas de motivação substancial (tese acima descrita, em conexão com os postulados normativos aplicativos da razoabilidade e/ou proporcionalidade), então a simples referência a dispositivos legais é insuficiente e, por isso, inválida.

Válida seria somente a motivação com descrição expressa (escrita) das razões da adoção de uma daquelas tantas consequências jurídicas possíveis.

Propõe-se aqui uma interpretação sistemática e teleológica do princípio da motivação com os princípios da razoabilidade e/ou proporcionalidade.

Tal fundamentação substancial propiciaria a elaboração de um mecanismo mais sofisticado de controle das decisões administrativas fundadas em competências discricionárias, e teria uma aplicação especialmente bem-vinda, em atos de natureza ablativa e penal.

Pela motivação substancial, o administrador estaria obrigado a tecer considerações mais profundas, não apenas acerca de questões ligadas à conveniência e oportunidade, mas à criação de parâmetros mais estáveis de orientação de suas decisões para casos semelhantes — constituindo-se assim critérios mais seguros para a orientação dos administrados que intentam contratar com a Administração.

Complementando o procedimento (fundamentação substancial), poderíamos aplicar a chamada teoria da discricionariedade reduzida a zero.

Trata-se de criação doutrinária e jurisprudencial alemã — mais recentemente recepcionada pela jurisprudência do Tribunal da União Europeia43 — destinada a solver o problema da adoção de padrões e critérios mínimos para o uso da discricionariedade.

No âmbito do nosso sistema constitucional, a adoção da teoria da redução da discricionariedade a zero teria por fundamento básico a aplicação do princípio da igualdade (no caso brasileiro: impessoalidade como igualdade, art. 37, caput, CF/88).

43 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Juridicidade, pluralidade normativa, democracia e controle social — reflexões sobre alguns rumos do Direito Público neste século. In: Fundamentos do Estado de Direito. ÁVILA, Humberto (Org.). São Paulo: Malheiros, 2005.

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Se toda a atividade administrativa está submetida ao princípio da igualdade, então disso não se exclui a discricionariedade administrativa.

Nestes termos, à medida que a Administração usa da discricionariedade, o princípio da igualdade exigirá que, nos próximos casos concretos assemelhados, a prática da discricionariedade seja também semelhante.

Isso significa que a discricionariedade vai sendo reduzida a zero porque a aplicação do princípio da igualdade vai vedar a discricionariedade dessemelhante frente a casos assemelhados.

A Administração Pública, à medida que desenvolve a práxis discricionária, produz sua própria vinculação a essa. A atividade discricionária se transformará pouco a pouco — por via da aplicação do princípio da igualdade — em atividade vinculada.

Por meio de um procedimento no qual se observem tais postulados, cremos ser possível uma solução mais adequada aos problemas graves que hoje envolvem a aplicação das sanções de suspensão e declaração de inidoneidade.

Parece-nos, então, que a solução advinda pela interpretação conforme a Constituição, realizada pelo STF, por meio da qual se vincula a aplicação dos dispositivos já referidos à técnica da fundamentação substancial e da redução da discricionariedade a zero poderiam ser até mais satisfatórias do que a mera tipificação estrita de condutas por manifestação legislativa — visto que essa não poderia ser nunca exaustiva, limitando-se a exemplificar algumas condutas, sem solução definitiva do problema.

A solução que propomos permite uma adaptação mais objetiva dos casos recorrentes em cada unidade administrativa, ao espírito do sistema constitucional, inspirado pelo princípio da igualdade e da impessoalidade.

Ademais, parece-nos também adequada aos postulados de nosso pacto federativo, evitando-se manifestação legislativa da União que, a pretexto de produzir normas gerais, acabe por produzir uma legislação dotada de grande especificidade, invadindo áreas de competência reservada a outros entes.

Pensamos, por fim, que o mecanismo poderá significar um avanço na consolidação de um novo patamar de moralidade e probidade administrativa no Brasil, reforçando os fundamentos do Estado Democrático de Direito e contribuindo para a consolidação de uma cultura de respeito à cidadania por parte da Administração Pública no âmbito de todos os poderes estatais.

Referências

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Daniela Rezende de Oliveira

Advogada. Bacharela e mestre em Direito pela UFMG e doutoranda em Direito pela UFMG.

Rafael Soares Duarte de Moura

Advogado. Bacharel em Direito pela UFMG e mestrando em Direito pela UFMG.

Resumo: O presente artigo objetiva analisar a pré-compreensão e a compreensão em Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer sob o prisma da hermenêutica jurídica, principalmente no que concerne ao ato de julgar, como atividade pretensamente imparcial.

Palavras-chave: Pré-compreensão. Hermenêutica jurídica. Compreensão virtuosa do Direito.

Abstract: This paper aims to analyze the pre-understanding and understanding of Martin Heidegger and Hans-Georg Gadamer hermeneutics theories under the point of legal interpretation, especially what concerns the act of judging as supposedly impartial activity.

Keywords: Pre-understanding. Legal hermeneutics. Virtuous understanding of the law.

1 Introdução

Heidegger inova o modo tradicional de se entender o que vem a ser Hermenêutica ao trazer para o campo das reflexões hermenêuticas a concepção de que as coisas do mundo não são passíveis de ser compreendidas a partir da apropriação intelectiva do homem por meio da visão dicotômica sujeito/objeto, mas, a partir da perspectiva de que as coisas são fenômenos que, independentemente do subjetivo humano, possuem a potencialidade de se apresentar como são.

Apontamentos acerca da pré-compreensão e da compreensão nas Teorias Hermenêuticas de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer e suas implicações no ato de julgar

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É nesse sentido que Falcão assinala que, em Heidegger, há o surgimento de uma nova perspectiva sobre a hermenêutica — bem diferente da perspectiva moderna/tradicional — em que o caráter normativo e metodológico é substituído por uma analítica filosófica, uma vez que a compreensão deve ser entendida como categoria fundante da existência humana; sendo essa perspectiva ontologicamente essencial a qualquer ato do ser.1

Com Heidegger, a hermenêutica passa a ser compreendida como fenomenologia da existência, pois, as coisas que servem como objeto de interpretação devem ser vistas e analisadas de acordo com as suas possibilidades de existir e de se manifestar por meio das alternativas que se dão em cada tempo histórico.

Necessário ressaltar que foi Heidegger quem primeiro demonstrou que o processo de compreensão é composto de preconceitos.

Apesar da enorme contribuição do pensamento de Heidegger para a hermenêutica, o surgimento da hermenêutica contemporânea é atribuído a Hans-Georg Gadamer. Isso porque, ao conduzir seus estudos para o que ficou conhecido como giro hermenêutico, Gadamer inaugurou a hermenêutica como hermenêutica filosófica.

Gadamer, com fundamento nas conclusões de Heidegger, se posiciona contra a concepção — típica da hermenêutica tradicional do século XIX — de que toda verdade é consequência lógica da aplicação de um método científico (clássico).

Segundo Gadamer, a hermenêutica é um campo da filosofia que, além de possuir um foco epistemológico, também estuda o fenômeno da compreensão por si mesmo — o que demonstra ser ele adepto da hermenêutica fenomenológica.

Dessa forma, notamos que Gadamer se preocupa não apenas com o fenômeno em tese, mas, também, com a operação intelectiva humana do compreender.

Interessante notar que, para Gadamer, a compreensão apresenta uma estrutura espiral, porque o intérprete não sai do movimento hermenêutico da mesma maneira como entrou. Assim é que a interpretação de um texto por parte do intérprete — trazendo para dentro da atividade interpretativa as suas impressões e pré-compreensões — obtém um resultado que precisa ser permanentemente reanalisado, uma vez que, com o passar do tempo, novos sentidos são dados ao texto. Esses novos sentidos superam e ultrapassam as pressuposições anteriores, pois, todo processo de compreensão continua dialeticamente a determinar-se e formar-se no outro.

Por outro lado, interessante observar que, para Gadamer, o método jamais será um modo exato para a aferição da verdade, mesmo porque a obtenção de uma verdade absoluta (correta, exata) é algo inviável para o ser humano — do ponto de vista das ciências do espírito. Assim é que, conforme acredita Gadamer, a hermenêutica está antes de qualquer método científico,

1 FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 176.

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e por isso, a verdade é discutível e para ser aferida depende, obrigatoriamente, da situação hermenêutica do intérprete que esteja aplicando o método.

Para Gadamer, ao realizar a sua tarefa interpretativa, o ser do intérprete jamais poderá se dissociar daquilo que se dá à interpretação, uma vez que o intérprete e o objeto analisado coexistem em um mesmo mundo, não podendo ser vistos como duas coisas isoladas. Partindo desse pressuposto, Gadamer demonstra que toda interpretação é o resultado de uma compreensão histórica e, é por isso que toda interpretação se situa na História — instaurando, pois, uma relação dialógica entre hermenêutica e história.

A obra hermenêutico-filosófica de Gadamer — especialmente, em seu livro Verdade e método — aborda as seguintes estruturas fundamentais da compreensão — todas interligadas entre si: pré-compreensão e preconceito; tradição; horizonte histórico, círculo hermenêutico, o diálogo e a linguística.

No presente trabalho, iremos fazer alguns apontamentos acerca da concepção de pré-compreensão e compreensão no pensamento hermenêutico de Heidegger e de Gadamer demonstrando o seu papel e importância para a atividade jurídico-hermenêutica.

2 A pré-compreensão e a compreensão na Teoria Hermenêutica de Heidegger e Gadamer

O presente capítulo tem como objetivo trazer breves reflexões acerca da pré-compreensão e da compreensão nas doutrinas dos hermeneutas Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, nas obras Ser e o tempo e Verdade e método, respectivamente.

De início, importante esclarecer que os estudos de Heidegger e de Gadamer nos remetem a um universo em que a reflexão hermenêutica está relacionada ao mundo da experiência — ou ainda, ao mundo da pré-compreensão — mundo em que nós somos e nos compreendemos como seres racionais a partir da estrutura prévia de sentido. Assim, é com base nessa estrutura prévia de sentido que somos capazes de compreender — ou, tentar compreender — as coisas do mundo que nos cerca.

É por meio da reflexão — ato de voltar a consciência, do espírito, sobre si mesmo — que a compreensão se conecta ao contexto vital da existência humana, de modo que o ato de compreender torna-se uma realidade existencial.

Ao analisar a obra Verdade e método, de Gadamer, percebemos que a interpretação não é uma questão de método, mas, algo que está intrinsecamente relacionado à existência daquele que interpreta (intérprete).

O novo paradigma hermenêutico trazido pelas doutrinas de Heidegger e Gadamer propicia o nascimento de uma nova hermenêutica — de uma nova maneira de compreender e interpretar

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— em que o processo interpretativo não deriva do correto e verdadeiro sentido absoluto do

texto, e sim, do minucioso exame das condições existenciais em que ocorre a compreensão.

Nos parágrafos seguintes a este, tentaremos sintetizar as principais reflexões de Heidegger e de

Gadamer acerca do fenômeno da pré-compreensão e da compreensão.

2.1 Martin Heidegger

Em Ser e o tempo, ao tentar encontrar o sentido do ser, Martin Heidegger constata que o ser só

pode ser delimitado a partir de seu sentido como ele mesmo. O sentido da compreensão do ser

é o objetivo central de todo o pensamento de Heidegger.

Segundo Mac Dowell, “desenvolver a questão do sentido do ser equivale a perguntar como é

possível a compreensão do ser, que constitui a própria essência do homem”.2

Portanto, o que Heidegger quer nos dizer é que as interpretações levadas a efeito pelas ciências

do espírito só podem ser consideradas suficientes se e enquanto estiverem calcadas em prévia

análise existencial.

No pensamento hermenêutico de Heidegger há uma ruptura com a teoria hermenêutica

desenvolvida por Dilthey. Este fato se dá em razão de a teoria de Heidegger não poder ser

considerada como uma teoria do conhecimento — tal qual a teoria de Dilthey, uma vez que não

se trata de definir um método para as ciências do espírito, e sim, de encontrar a explicação

fenomenológica da própria existência humana.

Assim é que, em Heidegger, a compreensão não constitui um ato cognitivo de um sujeito não envolvido com o mundo, mas uma dimensão essencial da existência, pois, a compreensão é antes um modo de estar do que um método científico.

Em uma hermenêutica assentada em pressupostos existenciais-ontológicos, a compreensão não está aprisionada em questões de subjetividade ou objetividade do sentido de alguma coisa que é dada ao intérprete, mas constitui-se em um agir mediador que elabora e potencializa as possibilidades no compreender,3 que em Heidegger é o ser de tal poder-ser.4

Na obra Ser e o tempo, Heidegger trata especificamente da análise existencial, tendo como

ponto central o conceito de Dasein, com o objetivo de fazer uma compreensão acerca do

sentido do Dasein e do ser desse ente — Dasein. Ainda, resta informar que, a hermenêutica é o

processo em que é possível a compreensão do Dasein, pois a compreensão não está relacionada

à questão do reencontro com o outro, mas à situação do Dasein no mundo. A hermenêutica

como dimensão da existência, antes de tudo, está voltada para o mundo do eu.2 MAC DOWEL, João Augusto A. Amazonas. A gênese da ontologia fundamental de Martin Heidegger: ensaio de caracterização do

modo de pensar de sein und zeit. São Paulo: Loyola, 1993, p. 180.

3 LAMEGO, José. Hermenêutica e jurisprudência: análise de uma “recepção”. Lisboa: Fragmentos, 1990, p. 91.

4 HEIDEGGER, Martin. Ser e o tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 207.

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É nesse sentido que Stein afirma que a compreensão constitui um elemento que integra o modo de ser-no-mundo, inserida na própria estrutura do ser humano.5

Megale afirma que o Dasein é preeminente sobre todos os demais entes, e nos revela que:

Ele compreende a si mesmo a partir da existência, entendida esta não como uma existência determinada, mas como possibilidade, isto é, o poder-ser-si mesmo do Dasein. É próprio do Dasein não formar um todo acabado. Isto é certo uma vez que na sua temporalidade e no seu estar sendo, que pressupõe uma imersão no mundo, o seu destino é a finitude.6

Na incansável busca por encontrar a determinação do ser, Heidegger termina por compreender que o ser, ao contrário do que os filósofos-hermeneutas acreditavam, não pode ser aprisionado em um conceito fechado — isto é, não se pode atribuir ao ser uma definição absoluta e exata — pois, o ser jamais pode ser concebido como algo dissociado do tempo de seu sentido.

Em Heidegger, o discurso aparece como local onde se dá a compreensão do ser. Desse modo é que Heidegger também se preocupa em analisar a linguagem uma vez que, ao falarmos do ser e do sentido do ser na correspondência histórica de sua verdade, observamos que há uma enorme gama de termos e gramática para dar significado e sentido ao ser. Assim, é possível verificar que a compreensão se elabora por meio da forma — que é a linguagem — e essa elaboração resulta na interpretação atribuída ao ser. Portanto, a interpretação se fundamenta existencialmente na compreensão, e é por isso que, no processo da compreensão e da interpretação, as palavras e seus correspondentes significados têm grande importância e assumem um papel primordial.

Nesse sentido, Salgado afirma que, na compreensão, o sujeito não se relaciona com o objeto como se fossem realidades separadas, e que, a relação entre sujeito e objeto se dá por meio de uma pré-compreensão originária, uma vez que nos posicionamos diante das coisas do mundo sabendo que elas já têm um significado, pois, já damos um certo significado a elas.7 Assim, assevera que:

A interpretação ou hermenêutica é o processo que vai da pré-compreensão à compreensão plena, mas observando de forma direta as coisas e não através de intermediários. A compreensão das coisas individuais presume a compreensão da totalidade de significados. Quando se vai ler um livro já se tem uma pré-compreensão desse livro, pois ele já se dá com significados. Por isso a estrutura da compreensão que envolve a pré-compreensão.8

Heidegger, por meio dessas reflexões, nos revela que o intérprete já possui uma pré-compreensão daquilo que está por interpretar, possuindo uma pré-disposição para utilizar determinados vocábulos e expressões ao desenvolver a atividade interpretativa.

5 STEIN, Ernildo. Aproximações sobre hermenêutica. Porto Alegre: Edipucis, 1996, p. 45.

6 MEGALE, Maria Helena Damasceno e Silva. Hermenêutica jurídica: interpretação das leis e dos contratos.Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 2001, p. 35.

7 SALGADO, Ricardo Henrique Carvalho. Hermenêutica filosófica e aplicação do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 69.

8 SALGADO, op. cit., p. 69.

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Nesse sentido, Heidegger afirma que:

A interpretação de algo como algo funda-se, essencialmente, numa posição prévia, visão prévia e concepção prévia. A interpretação nunca é a apreensão de um dado preliminar, isenta de pressuposições. Se a concreção da interpretação, no sentido da interpretação textual exata, se compraz em basear nisso em que está no texto, aquilo que, de imediato, apresenta como estando no texto nada mais é do que a opinião prévia, indiscutida e supostamente evidente do intérprete. Em todo princípio de interpretação ela se apresenta como sendo aquilo que a interpretação necessariamente já põe, ou seja, que é preliminarmente dado na posição prévia, visão prévia e concepção prévia.9

Megale nos ensina que, de acordo com Heidegger, “só interpretamos o que compreendemos previamente, conforme nossa faticidade, isto é, como ser no mundo, já circunscritos por objetos, vivendo em determinado estado de conexão com os outros.”10

Em Heidegger, a pré-compreensão do intérprete está estreitamente ligada a sua própria circunvisão e, a partir do momento em que se chega ao compreendido — aquilo que é revelado por meio da compreensão — o objeto se torna de tal modo acessível ao intérprete que é capaz de explicitar-se em si mesmo, constituindo a própria estrutura da explicitação do compreendido.

Por isso é que Heidegger diz que “o mundo já compreendido se interpreta”, visto que, toda interpretação se fundamenta na compreensão, pois, na medida que o compreender se explica, ele é interpretado, constituindo o interpretar, o desdobrar das próprias possibilidades.11

Destarte, segundo Heidegger, toda representação de um objeto que se tem à vista já é em si mesma uma compreensão e interpretação. Ressaltando-se que, compreensão e interpretação têm como ponto de partida uma estrutura prévia caracterizada — concepção prévia — que se remete e corresponde à circunvisão do intérprete.

É nesse sentido que, ao realizar a tarefa hermenêutica, o intérprete projeta necessariamente em sua atividade de conhecimento a sua própria personalidade. A pré-compreensão funciona como uma antecipação do resultado da compreensão, dando conta da determinação histórica e situacional do fenômeno da compreensão.12

Assim, segundo Heidegger, “toda interpretação se inicia com algo que já é ou que já se apresenta como previamente dado na concepção prévia.”13

Ciente que o homem constitui-se na junção dele mesmo com a sua vida, Heidegger nos demonstra que o resultado de um processo interpretativo sempre estará impregnado das impressões

9 HEIDEGGER, op. cit., p. 207.

10 MEGALE, op. cit., p. 35.

11 HEIDEGGER, op. cit., p. 205.

12 LAMEGO, op. cit., 1990, p. 135.

13 HEIDEGGER, op. cit., p. 207.

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prévias, da cultura, da religião, e dos princípios morais e preconceitos do intérprete. Assim, o intérprete ao desenvolver a atividade interpretativa irá fazê-lo a partir de sua circunvisão — da experiência existencial — pois, toda interpretação se inicia com a compreensão, e essa somente subsiste a partir de uma pré-compreensão.

Interessante que, com base na perspectiva de Heidegger, podemos concluir que a essência daquilo que se vai interpretar é a essência na perspectiva do intérprete; assim, podemos dizer que a própria essência da interpretação pode ser discutida, pois, a interpretação é resultado da fusão entre a essência do que se submete à interpretação e a visão prévia do intérprete sobre o que irá ser interpretado.

Portanto, é evidente que o ser do intérprete interfere no resultado do processo interpretativo, uma vez que a sua interpretação estará, necessariamente, associada à sua pré-compreensão daquilo que está por interpretar. Além disso, o próprio contexto social, histórico, linguístico e cultural do intérprete acabarão por interferir no resultado do processo interpretativo, visto que o ser do intérprete não pode ser dissociado do produto da sua própria interpretação.

Heidegger, na tentativa de dissecar a essência do ser, contribui de forma decisiva para os novos rumos tomados pela hermenêutica contemporânea, uma vez que nos conduz à conclusão de que não há interpretações definitivas e exatas, e que toda interpretação deve ser analisada à luz do tempo em que foram concebidas e levando-se em consideração as possíveis pré-compreensões do intérprete. E, nos revelando, ainda, que nós mesmos, ao lermos as interpretações de outros intérpretes, devemos ter em vista também as nossas pré-compreensões, o que irá resultar em uma nova possibilidade de interpretação.

Assim sendo, a compreensão, em Heidegger, se desenrola em meio a um conjunto de relações já interpretadas, em um todo relacional, que se faz indissociável da experiência existencial do intérprete que nunca estará desvinculado de seu tempo e de sua condição sócio-cultural.

2.1.1 A existência e a compreensão do Direito

A pré-compreensão heideggeriana do intérprete perpassa pela fenomenologia, na medida em que pretende chegar às coisas mesmas por meio do desvelamento do ser dos entes. Segundo Heidegger, conforme sustentado anteriormente, a interpretação só se dá se houver uma compreensão prévia, compreensão essa pautada pela análise fenomênica expressa como ser-no-mundo, que se encontra circundado por objetos, vivendo em determinado estado de conexão com os outros.14

O direito, dessa forma, se constrói por meio da vivência, ou seja, no mergulho existencial no mundo mesmo. O sentido de Direito se configura como de um dever ser autônomo em relação

14 HEIDEGGER, op. cit., p. 76.

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ao seu autor. Dessa forma, o sentido do Direito pode não mais ser aquele que se entendia por ocasião de sua vigência, ou de épocas intermediárias em sua trajetória. Da mesma forma que não se deve buscar nele a possível intenção de outrem.

Assim, o direito posto deve ter o sentido do dever ser descontextualizado, tendo em vista que todo texto não pretende alcançar um ser determinado, mas o poder ser como possibilidade de manifestação do ser.

2.2 Hans-Georg Gadamer

Hans-Georg Gadamer, por meio de sua obra Verdade e método, traz uma grandiosa contribuição para o desenvolvimento da hermenêutica contemporânea.

Inicialmente, vale destacar que, em Gadamer, a hermenêutica encontra seu solo realmente ontológico, uma vez que o desenvolvimento do fenômeno da linguagem é o que revela e transmite a experiência humana no mundo — dito de outra forma, é na linguagem que o homem representa o seu próprio ser no mundo. Este ser é aquele ser que só pode ser compreendido na linguagem.

Compartilhando das impressões de Heidegger, Gadamer entende que a atividade interpretativa se inicia sempre com “conceitos prévios que serão substituídos por outros mais adequados”.15 Assim, devemos entender que os preconceitos vão sendo paulatinamente afastados, dando lugar a conceitos mais adequados, em que os sentidos vão ser confirmados, se compatíveis com o texto; e, afastados, se forem insuficientes.

Assim é que, ao comentar sobre as diferenças de sua experiência hermenêutica em relação à de Heidegger — sobretudo, no que diz respeito à pré-estrutura da compreensão — adverte que:

Heidegger somente entra na problemática da hermenêutica e das críticas históricas com a finalidade ontológica de desenvolver, a partir delas, a pré-estrutura da compreensão. Já nós, pelo contrário, perseguimos a questão de como, uma vez liberada das inibições ontológicas do conceito de objetividade da ciência, a hermenêutica pôde fazer jus à historicidade da compreensão.16

Entretanto, Gadamer nos adverte que a atividade de compreender/interpretar17 não consiste em inserir no texto, de maneira direta e acrítica, nossos próprios hábitos linguísticos, mas, o que é exigido é tão somente “a abertura à opinião do outro ou à do

15 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução de F. P. Meurer. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 42.

16 GADAMER, op. cit., p. 400.

17 Gadamer não faz distinção entre compreensão e interpretação.

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texto.”18 Essa abertura à opinião do texto é exposta por Gadamer ao tratar da noção de alteridade do texto. Assim, diz Gadamer:

[...] quem quer compreender um texto, em princípio, tem que estar disposto a deixar que ele diga alguma coisa por si. Por isso, uma consciência formada hermeneuticamente tem que se mostrar receptiva, desde o princípio, para a alteridade do texto, Mas essa receptividade não pressupõe nem neutralidade em relação à coisa nem tampouco autoanulamento, mas inclui a apropriação das próprias opiniões prévias e preconceitos, apropriação que se destaca destes.19

Dessa forma, podemos verificar que o processo de interpretação pressupõe não apenas a inclusão das concepções prévias do intérprete — pré-compreensões — como também, exige que o intérprete se comunique e interaja com aquilo que está sendo interpretado. O intérprete, pois, deve permitir que o texto lhe diga algo por si, sem lhe impor sua pré-compreensão.

Para Gadamer, a compreensão tem como ponto de partida os preconceitos do intérprete (pré-juízos). Os pré-juízos são muito mais do que simples juízos individuais, mas constituem a realidade histórica do ser. E, sobre o que vem a ser esse preconceito, Gadamer nos esclarece que em si mesmo, preconceito (Vorurteil) quer dizer um juízo (Urteil) que se forma antes da prova definitiva de todos os momentos determinantes segundo a coisa”.20

A interpretação tem seu início com a elaboração de um projeto preliminar, pois, num primeiro instante, o intérprete capta o sentido imediato do texto, com base na conjugação de suas concepções prévias (visão prévia, posição prévia) com o que o texto lhe oferece, fazendo com que delineie um significado do todo.

Nesse sentido é que Gadamer assevera que não há compreensão que seja livre de todo preconceito “por mais que a vontade de nosso conhecimento tenha de estar sempre dirigida, no sentido de escapar ao conjunto dos nossos preconceitos”.21

Esses preconceitos — ou, pré-juízos — que estruturam e dão forma à compreensão, não são arbitrários, pois, segundo Gadamer, a compreensão somente é possível quando as opiniões prévias, com as quais ela tem seu início, não são arbitrárias.22 É por essa razão que Gadamer afirma que “faz sentido que o intérprete não se dirija aos textos diretamente, a partir da opinião prévia que lhe subjaz, mas que examine tais opiniões quanto a sua legitimidade, isto é, quanto a sua origem e validez.”23

18 GADAMER, op. cit., p. 404.

19 GADAMER, op. cit., p. 405.

20 GADAMER, op. cit., p. 407.

21 GADAMER, op. cit., p. 709.

22 GADAMER, op. cit., p. 403.

23 GADAMER, op. cit., p. 403.

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Entretanto, é necessário estar ciente quanto ao fato de que, quem se põe a interpretar pode incorrer em erros, em face da adoção de pressupostos que não encontram sustentação no texto. Sendo assim, o projeto preliminar será submetido à análise, o que possibilitará a elaboração de um novo projeto que, ao ser comparado com o anterior, elucidará cada vez mais o sentido do texto, mas que por sua vez, será submetido a reiteradas apreciações críticas em virtude da penetração mais profunda no texto do intérprete.

É exatamente aqui que se faz necessário abordar a noção de tradição, exposta por Gadamer, pois, conforme Oliveira:

Compreendemos e buscamos a verdade a partir das nossas expectativas de sentido que nos dirigem e provêm de nossa tradição específica. Essa tradição, porém, não está a nosso dispor: antes de estar sob nosso poder, nós é que estamos sujeitos a ela. Onde quer que compreendamos algo, nós o fazemos a partir do horizonte de uma tradição de sentido, que nos marca e precisamente torna essa compreensão possível.24

Conforme assevera Gadamer, o círculo hermenêutico não é de natureza formal, não sendo nem subjetivo e nem objetivo; ele tão somente descreve a compreensão como a interpretação do movimento da tradição e do movimento do intérprete. Em outras palavras, o círculo hermenêutico descreve a compreensão como sendo a dialética entre movimento da tradição e movimento do intérprete.25

Gadamer também esclarece que a relação entre intérprete e tradição é instaurada por ele mesmo enquanto compreende, no momento em que participa do acontecer da tradição, que é permanentemente determinada a partir dele mesmo. Portanto, a compreensão se dá no interior de um conjunto relacional manifestado na forma de transmissão da tradição por meio da linguagem. É por esse motivo que Gadamer entende o círculo hermenêutico como algo que revela um momento estrutural ontológico da compreensão.

Segundo Gadamer, toda interpretação pressupõe a inserção no processo de transmissão da tradição. E, esclarece, ainda, que o momento da pré-compreensão — anterior ao momento da compreensão — é um momento essencial do fenômeno hermenêutico e é impossível que o intérprete consiga se desvencilhar do círculo hermenêutico.

Ao tratar da tradição e do papel do horizonte histórico na tarefa hermenêutica, Gadamer quer nos demonstrar que o horizonte do presente não se forma à margem do passado, mesmo porque, não se pode falar em horizonte do presente por si mesmo, ou ainda, em horizontes históricos a serem ganhos. Antes disso, devemos sempre ter em mente que o ato de compreender deve ser sempre entendido como o processo de fusão desses horizontes — passado e presente — presumivelmente dados por si mesmos.26 Devemos ainda nos atentar para o fato de que, essa fusão de horizontes se apresenta 24 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática. São Paulo: Loyola, 1996, p. 228.

25 GADAMER, op. cit., p. 439.

26 GADAMER, op. cit., p. 457-458.

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constantemente na vigência da tradição, pois nela “o velho e o novo crescem sempre juntos para uma validez vital, sem que um e outro cheguem a se destacar explicitamente por si mesmos.” 27

Importa salientar, enfim, que Gadamer — em Verdade e método — não diferencia a interpretação da compreensão, pois, para ele, compreender é sempre interpretar. Conforme assinala Gadamer, a interpretação não pode ser considerada como “um ato posterior e oportunamente complementar à compreensão, porém, compreender é sempre interpretar e, por conseguinte, a interpretação é a forma explícita da compreensão.”28 E, mais interessante ainda, é o fato de que, compreender, interpretar e aplicar constituem um processo hermenêutico unitário29, uma vez que a atividade interpretativa se dá por meio de uma fusão de horizontes, porque a compreensão é sempre um processo de fusão de horizontes presumivelmente dados por si mesmos.

Desse modo, verificamos que compreender uma tradição significa projetar um horizonte histórico que dará ensejo ao surgimento de um novo horizonte presente. Assim, somente a partir da historicidade do intérprete é que é possível interpretar um texto histórico. E, realizar essa fusão de horizontes históricos é o que Gadamer denomina de “tarefa da consciência da história efeitual”, que deve ser entendida como a consciência de uma situação hermenêutica — ou seja, de uma situação em que nos encontramos em face da tradição que queremos compreender.

Vejamos, pois, a seguinte passagem, em que Gadamer trata da importância da tradição e da consciência histórica para a tarefa hermenêutica:

Todo o encontro com a tradição realizado com consciência histórica experimenta por si mesmo a relação de tensão entre texto e presente. A tarefa hermenêutica consiste em não ocultar esta tensão em uma assimilação ingênua, mas em desenvolvê-la conscientemente. Esta é a razão por que o comportamento hermenêutico está obrigado a projetar um horizonte que se distinga do presente. A consciência histórica é consciente de sua própria alteridade e por isso destaca o horizonte da tradição com respeito ao seu próprio. Mas, por outro lado, ela mesma não é, como já procuramos mostrar, senão uma espécie de superposição sobre uma tradição que continua atuante, e por isso ela recolhe em seguida o que acaba de destacar, com o fim de intermediar-se consigo mesma na unidade do horizonte histórico que alcança dessa maneira.

O projeto de um horizonte histórico é, portanto, só uma fase ou momento na realização da compreensão, não se prende na autoalienação de uma consciência passada, mas se recupera no próprio horizonte compreensivo do presente. Na realização da compreensão tem lugar uma verdadeira fusão horizôntica que, com o projeto do horizonte histórico, leva a cabo simultaneamente sua suspensão. Nós caracterizamos

27 GADAMER, op. cit., p. 457.

28 GADAMER, op. cit., p. 459.

29 Gadamer, acerca da unidade do processo de compreensão, interpretação e aplicação assinala que: “Nesse sentido nos vemos obrigados a dar um passo mais além da hermenêutica romântica, considerando como um processo unitário não somente a compreensão e interpretação, mas também a aplicação [...] a aplicação é um momento do processo hermenêutico, tão essencial e integrante como a compreensão e a interpretação” (op. cit., p. 460).

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a realização controlada dessa fusão com a tarefa da consciência histórico-efeitual. Enquanto que, na herança hermenêutica romântica, o positivismo estático-histórico ocultou essa tarefa, temos de dizer que o problema central da hermenêutica se estriba precisamente nela.

Necessário esclarecer que, segundo Gadamer, essa fusão de horizontes se dá por meio da interpretação, em que a atividade interpretativa implica a produção de um texto novo, que é obtido através da adição de sentido que é dada pelo intérprete dentro de uma concepção dialógica. Esse acréscimo de sentido feito pelo intérprete ao desenvolver a sua atividade é consequência da consciência da história efeitual do intérprete.

É por isso que, a hermenêutica deve dar atenção para o aspecto construtivista da história, uma vez que ao nos depararmos com um texto, não podemos apenas nos limitar a buscar a intenção do autor ou o significado originário de sua obra, mas devemos levar em consideração todos os eventos históricos vivenciados tanto pelo autor quanto pela intérprete da obra.

2.2.1 A decisão judicial e a pré-compreensão

Hans-Georg Gadamer, como visto anteriormente, parte do conceito de compreensão ao expor os traços da sua hermenêutica filosófica, em continuidade ao caminho trilhado por Heidegger.

O novo conceito faz parte da existência humana. A possibilidade da vida dá-se na medida em que o homem compreende e “todo compreender acaba sendo um compreender-se.” 30

O juiz, na busca pela compreensão de um caso concreto, irá trilhar um raciocínio e caminho hermenêutico distinto daquele trilhado visando uma solução para um problema físico ou matemático. Dessa forma, temos diferentes métodos, tanto no Direito como nas ciências físico-matemáticas. Conclui-se, dessa forma, que a compreensão do Direito, diferentemente de ser racional-finalista, está sujeita a normas próprias.

A compreensão, dessa forma, faz parte do existir humano, sendo o modo da existência do homem. Daí a constatação de que profissionais de áreas distintas partem da autocompreensão para a compreensão em uma dialética infindável, havendo, por parte de cada pessoa, a compreensão das suas possibilidades.

O ordenamento jurídico, mediante o reconhecimento do caráter preconceituoso do compreender, admite a opinião prévia, como forma de agir judicial, como, a título de exemplificação, a possibilidade de concessão de liminares, cautelas antecipadas e outros. O entendimento de que o preconceito não significa juízo falso, mas juízo prévio é de suma importância, mesmo porque, apesar de tratar-se de uma modalidade de assentimento incerto, provisório, tanto subjetivamente como objetivamente, não se apresenta como desprovido de valor e eficácia. Porém, deve-se ter em mente que, em sendo um modo de julgar provisório,

30 GADAMER, op. cit., §265, p. 394.

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é admissível desde que não seja tomado como juízo determinante em ultima ratio, antes de devidamente testado de forma racional.

Como salienta Mártin Perius Haeberlin:

o juiz que olvida a realidade e, na interpretação, absorve só a si mesmo, interpreta mal por agir como um Narciso que, cheio de si, afoga o sistema jurídico em lágrimas por lhe deixar vazio; todavia, numa sentença não menos verdadeira, o juiz que fica alheio à busca constante pela justiça e interpreta com a desculpa de preservar uma quimérica imparcialidade, interpreta mal porque a cada exegese corrupta do substancialismo axioprincipiológico do sistema jurídico deixa sua imagem semelhante àquela também narcísica do personagem de Oscar Wilde e vai distorcendo aos poucos a alma do Direito no retrato da Vida.31

Na verdade, todo o esforço empreendido para compreender e interpretar só faz sentido porque o intérprete precisa aplicar a norma jurídica ao caso concreto.

Por isso da afirmação Gadameriana, “compreender uma pergunta quer dizer perguntá-la. Compreender uma opinião quer dizer compreendê-la como resposta a uma pergunta”.32

Para Gadamer, a compreensão, a interpretação e a aplicação são consideradas um processo unitário.33

3 Conclusão

Ao analisarmos as teorias hermenêuticas de Heigegger e Gadamer — ainda que, de uma maneira breve, como a análise realizada neste trabalho — verificamos que o pensamento de ambos os filósofos traz grandiosas e profundas alterações no panorama hermenêutico mundial, uma vez que a hermenêutica, aqui, torna-se uma hermenêutica filosófica de cunho fenomenológico — uma vez que a hermenêutica, como dimensão da existência, antes de tudo está voltada para o mundo do eu. Assim, surge uma nova perspectiva para a hermenêutica, em que o caráter normativo da hermenêutica tradicional é substituído por uma analítica filosófica. Destacam-se, também os novos elementos trazidos para a hermenêutica, entre os quais citamos: a superação da dicotomia sujeito-objeto, ao descreverem a compreensão e a interpretação como algo que ocorre antes dessa dicotomia; a noção de pré-compreensão e compreensão; a inclusão dos preconceitos e dos pré-juízos como elementos inclusos e influentes no resultado da atividade interpretativa; a questão da fusão dos horizontes históricos existentes entre o momento histórico da obra e o momento histórico do intérprete; a descrição do círculo hermenêutico e; a ideia tradição e alteridade do texto.

31 HAEBERLIN, Mártin Perius. O juiz e a outra história: uma abordagem do princípio da imparcialidade a partir dos problemas de subsunção. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). v. 33, n. 104. Porto Alegre: Ajuris, dez. 2006.

32 Verdade e método, op. cit., §381, p. 552.

33 Idem, §313, p. 460.

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Desse modo, constatamos que tanto a hermenêutica heideggeriana quanto a hermenêutica gadameriana constituem em uma teoria hermenêutica filosófica e não científica; ontológica e não fenomenológica; existencial e não metodológica, pois o eixo central de suas teorias reside na estrutura da compreensão (e na influência da pré-compreensão sobre esta), e não na prescrição de processos e métodos para a compreensão.34 Em suas teorias, “a análise da compreensão encontra-se miscível ao exame da existência, por possibilitar que o ser se manifeste, autocompreenda-se e autorrevele-se.”35

Os filósofos inovam as concepções da hermenêutica tradicional também quando descrevem que o intérprete se aproxima do texto com seus pré-juízos e preconceitos e; em face do texto e de sua pré-compreensão, o intérprete elabora um sentido prévio, que constitui um projeto preliminar, no qual a tarefa da hermenêutica é a de dar permanente continuidade a esse projeto, o que ocorrerá à medida que o intérprete penetre e aprofunde-se no texto, inclusive, comunicando-se com ele (alteridade). Esta renovação é que constituirá a dinâmica do compreender e do interpretar, descrita por Heidegger e por Gadamer.

Destarte, depreende-se que, a hermenêutica — ao apresentar o resultado da atividade interpretativa — sempre apresentará uma verdade discutível, nunca uma verdade absoluta e exata, pois, haverá sempre a possibilidade de se alterar a interpretação e a compreensão feita de um texto. Assim, a verdade não constitui uma questão de método, e sim, de manifestação do ser e de sua des-ocultação perante o intérprete.

A interpretação — sobretudo em Gadamer — tem uma natureza construtiva, em face da impossibilidade de reprodução de um sentido. Sempre haverá a possibilidade de ocorrerem novas (ou ainda, mais adequadas) interpretações. Nunca haverá uma interpretação melhor ou superior a outra, pois, toda interpretação estará de acordo com a compreensão da época em que vive o intérprete (em consonância com o momento histórico em que a obra foi elaborada) e por fundamentar-se em seus preconceitos e pré-compreensões. Em outras palavras, a tradição acumulada e desenvolvida no processo histórico condiciona a compreensão de um texto. Por isso, as impressões, experiência e existência do intérprete, bem como o momento histórico em que a obra foi produzida, devem ser levadas em consideração no instante em que analisamos o resultado de uma interpretação.

Dessa forma, é indiscutível que — de acordo com o entendimento de Heidegger — o ser se revela na linguagem, pois, ela é “a morada do ser e nela habita o homem que é seu curador.”36 A linguagem, pois, deve ser vista como abertura para o mundo, como condição de possibilidade, como constituinte e constituidora do conhecimento.34 FERREIRA, Nazaré do Socorro Conte. Da interpretação à hermenêutica jurídica: uma leitura de Gadamer e Dworking. Porto

Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004, p. 33.

35 FERREIRA, op. cit., p. 33.

36 HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Tradução de Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães, 1985, p. 33.

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O juiz, no exercício da judicatura, mesmo que subjetivamente munido de convicções políticas, filosóficas, éticas etc., muitas das quais desenvolvidas no mais natural processo de desenvolvimento humano, deve, ao decidir o caso concreto de acordo com as leis vigentes à época, aplicar a lei mediante a imprescindível observância da proporcionalidade e do senso de justiça, permeados pela prudentia, visando, dessa forma, à harmonização entre a pré-compreensão do juiz ao caso concreto e o texto legal.

Nesse sentido, Perius Haeberlin afirma que:

A questão fundamental da aplicação da lei, sob o espectro da psicanálise, passa a ser, então, saber até onde o juiz que decide é o juiz da ‘história contada’ e em que momento entra em cena o poder de decisão de sua ‘outra história’. Vale dizer, se podemos delimitar o espaço de subjetivismo do intérprete que torna a sua decisão um reflexo de sua imagem. O viés da desconstrução psicanalítica da imparcialidade do juiz permite-nos dizer, enfim, que o juiz ‘da outra história’ deve aprender a contar a sua história e ser, com isto, o juiz do ego, que é o juiz da razoabilidade e do bom senso.37

O magistrado deve sempre desenvolver, como reflexo da mutação social e evolução dos costumes e padrões sociais, manifestar posição de abertura às novas argumentações, como reflexo das alterações legislativas e, consequentemente, das mudanças na interpretação das normas.

Referências

FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 2000.

FERREIRA, Nazaré do Socorro Conte. Da interpretação à hermenêutica jurídica: uma leitura de Gadamer e Dworking. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica.Tradução de F. P. Meurer. Petrópolis: Vozes, 1999.

HAEBERLIN, Mártin Perius. O juiz e a outra história: uma abordagem do princípio da imparcialidade a partir dos problemas de subsunção. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). v. 33, n. 104. Porto Alegre: Ajuris, dez. 2006.

HEIDEGGER, Martin. Ser e o tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis: Vozes, 1997.

HEIDEGGER, Martin. Carta sobre o humanismo. Tradução de Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães, 1985.

LAMEGO, José. Hermenêutica e jurisprudência; Análise de uma “recepção”. Lisboa: Fragmentos, 1990.

MAC DOWELL, João Augusto A. Amazonas. A gênese da ontologia fundamental de M. Heidegger: ensaio de caracterização do modo de pensar se sein und zeit. São Paulo: Loyola, 1993. 37 HAEBERLIN, Mártin Perius. O juiz e a outra história: uma abordagem do princípio da imparcialidade a partir dos problemas de

subsunção. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris). v. 33, n. 104. Porto Alegre: Ajuris, dez. 2006.

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MEGALE, Maria Helena Damasceno e Silva. Hermenêutica jurídica: interpretação das leis e dos contratos. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 2001.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta linguístico-pragmática. São Paulo: Loyola, 1996.

SALGADO, Ricardo Henrique Carvalho. Hermenêutica filosófica e aplicação do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

STEIN, Ernildo. Aproximações sobre hermenêutica. Porto Alegre: Edipucis, 1996.

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Dalton Sausen

Especialista em Processo Civil pela Universidade do Vale do

Rio dos Sinos. Mestrando em Direito Público pela Universidade

do Vale do Rio dos Sinos. Advogado.

Resumo: O presente estudo promove análise da utilização indevida dos precedentes no

Brasil, bem como investiga as possibilidades da hermenêutica filosófica para que eles

cumpram de fato com o seu papel de asseguração da integridade e coerência do direito.

Num primeiro momento, desata reflexão em relação à concepção do precedente como

ideal de um mundo jurídico homogeneizado, tendo em vista que o direito passou a ser

aquilo que os tribunais dizem que ele é. Em seguida, analisa a influência das práticas

de dedução, subsunção e indução incorporadas no cotidiano dos tribunais como possíveis

causas da utilização indevida dos precedentes, bem como a dificuldade das Cortes em lidar

com o universal e o particular. Por fim, trata das possibilidades da hermenêutica filosófica

para a adequada utilização dos precedentes.

Palavras-chave: Utilização indevida. Precedentes. Possibilidade. Hermenêutica filosófica.

Abstract: This paper makes an analysis on the misuse of judicial precedents in Brazil;

moreover, it investigates the possibilities of philosophic hermeneutics so that they fulfill

their role of ensuring the integrity and the coherence of Law. Initially, it proposes a

reflection on the conception of the precedent as an ideal of a homogenized juridical

world, having in mind that the Law has become what the Courts say it is. Afterwards,

it analysis the practices of deduction, subsunction and induction as incorporated in the

Courts everyday, as well as their difficulty to cope with the universal and the particular.

Finally, it addresses the possibilities of philosophic hermeneutics to the proper use of

judicial precedents.

Keywords: Misuse. Judicial precedents. Possibilities. Philosophic hermeutics.

A utilização (in)devida dos precedentes: uma reflexão para além do aspecto quantitativo da prestação jurisdicional

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1 Considerações iniciais

É possível que uma das facetas mais perceptíveis de uma certa crise da hermenêutica jurídica constitucional e processual brasileira esteja fulcrada justamente na forma como os precedentes são concebidos e utilizados pela dogmática jurídica. Evidentemente que esse não é um fenômeno apenas contemporâneo, porquanto é de longa data que se observa a dificuldade dos operadores do direito em lidar com os precedentes.1

Dessarte, a baixa compreensão do papel dos precedentes tem proporcionado (quase que exclusivamente) uma justiça de números e que conflui para a estandardização do direito, razão pela qual se faz necessário um novo olhar sobre o direito, olhar este voltado e comprometido também com as efetividades qualitativas da prestação jurisdicional.

Nesse sentido, é preciso refletir se o direito deve ser concebido como mera reprodução daquilo que os tribunais dizem que ele é, mediante aplicação dos precedentes de forma descontextualizada do caso concreto, olvidando-se das efetividades qualitativas em prol das quantitativas, ou o produto de uma construção que respeita a integridade, a coerência, a tradição e a pré-compreensão, premissas inarredáveis de uma hermenêutica filosófica trabalhada a partir da simbiose das teorias de Dworkin e Gadamer.2

Nesse contexto, importa observar não só as eventuais causas e possibilidades que resultam na utilização indevida dos precedentes no Brasil, mas, ainda, investigar as soluções/contribuições da hermenêutica filosófica para que os precedentes cumpram de fato com o seu papel de asseguração da integridade e coerência do direito. É a que se propõe o presente ensaio.

2 O precedente como ideal de um mundo jurídico homogeneizado

Indubitavelmente que todos os sistemas ocidentais modernos3 reconhecem a valia e a necessidade da utilização de precedentes para salvaguardar a coerência e integridade do direito,4 não sendo

1 Cf. STRECK, Lenio Luiz. Súmulas no direito brasileiro, eficácia, poder e função: a ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, passim.

2 A referência é à teoria desenvolvida por Lenio Luiz Streck que, segundo o próprio jurista, é fruto da simbiose entre as teorias de Gadamer e Dworkin, fundada na integridade e coerência do direito, na tradição e na pré-compreensão, com o acréscimo de que a resposta não é nem a única e nem a melhor, mas a resposta adequada à Constituição, tendo superado, a partir dela, o esquema metafísico sujeito-objeto e a filosofia da consciência em que deságuam as teorias argumentativo-discursivas. Apesar disso, esse jurista não desconsidera a importância das demais teorias, porquanto, como ele próprio refere, todas elas, de uma ou de outra forma, demonstraram preocupação em buscar respostas ao problema da crise paradigmática que atravessa o direito, assim como em relação aos direitos fundamentais (Cf. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 13-15, 573).

3 MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito: uma teoria da argumentação jurídica. Tradução de Conrado Hübner Mendes e Marcos Paulo Veríssimo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 339.

4 Nesse sentido MacCormick explicita que: “Num estado moderno, com muitos juízes e muitas Cortes, e uma hierarquia estruturada de recursos, as mesmas regras e soluções devem orientar a decisão independentemente do juiz do caso. Fidelidade ao Estado de Direito requer que se evite qualquer variação frívola no padrão decisório de um juiz ou corte para outro” (ibidem, p. 191).

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por acaso que Neil MacCormick desata as seguintes indagações a respeito deles:5

Por que advogados discutem tanto sobre precedentes? Por que leem as decisões passadas e tentam aplicá-las a problemas presentes? Por que Juízes pensam poder justificar decisões mostrando que elas são compatíveis com precedentes, ou pensam não poder justificar uma decisão porque ela contradiz um precedente firmado?

A questão, entretanto, não reside na importância, no destaque que os precedentes merecem em qualquer sistema jurídico, o que se afigura inegável, mas, sim, na forma como eles são utilizados, mormente quando se pretende por meio deles, tal como ocorre no direito pátrio, a homogeneização do pensamento jurídico, fazendo com que o direito venha a ser (quase que) exclusivamente aquilo que os tribunais dizem que ele é, reduzindo os operadores do direito a meros consumidores do direito produzido pelos pretórios.6

Nesse sentido, como assevera Lenio Streck,7 há um silêncio eloquente na doutrina em relação a esse fenômeno, mormente porque há uma conivência tácita com essas práticas de estandardização do direito promovidas pelos tribunais através da utilização indevida dos precedentes. Ora, o preço desse silêncio, enfim, da aceitação da homogeneização do pensamento jurídico, tem destinatários certos, ou seja, o próprio jurisdicionado, que vê solapado o seu direito com a supressão do caso concreto em face da desconsideração dos fatos em nome de uma justiça de números, e os operadores do direito, porque deliberadamente se submetem à doutrina dos tribunais, e, como consequência, não conseguem ver reconhecidas minimamente as especificidades do caso concreto, tudo passa a ser resolvido no atacado pela utilização de conceitos universalizantes.

Os juristas, na verdade, por se fazerem eles próprios meros consumidores do pensamento jurídico, mormente daquele emanado das Cortes Superiores, na medida em que passaram apenas a reproduzir súmulas e entendimentos jurisprudenciais, são acumuladores de sensações, “são colecionadores de coisas apenas num sentido secundário e derivativo”,8 descurando que as soluções herméticas e expeditas oferecidas pelos tribunais não podem ser concebidas como o Leito de Procusto, no qual é possível extirpar aquilo que não encontra consonância com a realidade dos autos.

Ora, se uma das grandes dificuldades enfrentadas pelo direito nos tempos hodiernos é, sem dúvida, a de como administrar os conflitos gerados pela alteridade da própria vida na sociedade, e, sobretudo, das diferenças verificadas no “experimento dos gozos diversos”,9 resultantes,

5 MACCORMICK, 2008, p. 191.

6 Cf. WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito II: a epistemologia jurídica da modernidade. Tradução de José Luis Bolzan. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 69.

7 STRECK, 2009, p. 326.

8 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 91.

9 MELMAN, Charles. O homem sem gravidade: gozar a qualquer preço. Tradução de Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2003, p. 95.

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evidentemente, do conflito de interesses, sobretudo em países de modernidade tardia como o Brasil,10 onde há um déficit acentuado na concretização da Constituição, mormente em face da inefetividade do Estado no cumprimento de seu papel constitucional de agente de promoção das políticas públicas e sociais, circunstância que, indubitavelmente, afeta diretamente o Poder Judiciário que, como se sabe, assumiu esse papel — deflagrando o que se convencionou denominar Crise do Poder Judiciário —, evidentemente que não se pode admitir a padronização das decisões, pela via da utilização indevida dos precedentes, como se houvesse uma medida certa obtida por uma fita métrica para resolver todos os casos.

Ao que parece, todo esse movimento de estandardização do direito guarda relação com o desejo de uma compreensão universal e homogênea da vida e de seus problemas, numa ideia aberta e franca do neoliberalismo, “núcleo da matriz ideológica dos processos de mundialização e globalização, tendentes ao pensamento único”,11 que pretendem reduzir o direito a “uma ciência exata, segundo os padrões epistemológicos das matemáticas.”12

Os precedentes, ao contrário do que se observa do “sentido comum teórico”13 dos operadores do direito, que os têm como premissas quase que absolutas, devem funcionar tão somente como possibilidades analógicas (e nunca vinculantes) para as novas decisões, pois, por óbvio, nenhum evento pode ser exatamente igual a outro. Além do que, os juízes, no caso os ministros das Cortes Superiores, não são legisladores, daí que as decisões por eles proferidas, que resultam em precedentes, não podem ser concebidas como algo superior à própria legislação produzida pelo Poder Legislativo,14 15 sob pena de produzir ranhuras na estrutura democrática.

Portanto, é preciso questionar e, sobretudo, produzir no lugar de reproduzir,16 sob pena de os operadores do direito assumirem, em definitivo, autênticos papéis de Abdulas.17

10 Conforme Lenio Luiz Streck, “No Brasil, a modernidade é tardia e arcaica. O que houve (há) é um simulacro de modernidade” (In: STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 43, 2005).

11 MORAIS DA ROSA, Alexandre; LINHARES, José Aroso. Diálogos com Law & Economics. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 7.

12 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Da função à estrutura. Revista de Processo. São Paulo, n. 158, p. 13, 2008.

13 Expressão cunhada por Warat, verbis: “Analisando, há alguns anos, estes mesmos problemas, para o caso específico da produção das verdades jurídicas ‘sentido comum teórico dos juristas’ ao sistema de produção da subjetividade que coloca os juristas na posição de meros consumidores dos modos instituídos da semiotização jurídica” (In: WARAT, 1995, p. 69).

14 MACCORMICK, 2008, p. 106, 192.

15 Nesse sentido, Cf. WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

16 Nesse sentido, oportunas as observações de Lenio Streck: “Que tempo vive(ncia)mos [...] A maior parte da produção doutrinária, com aspas e sem aspas, coloca-se como caudatária das decisões tribunalícias. Parcela considerável dos livros apenas reproduz o que o Judiciário diz sobre a lei. Esse ‘já dito’ é condensado/resumido em verbetes (ou, se quisermos ser mais sofisticados, ‘enunciados assertóricos’). Insisto: temos que redefinir o papel da doutrina. Nós podemos mais do que isso [...]! E temos que aprender a criticar as decisões dos tribunais, principalmente quando se tratar de decisões finais, daquelas que representam o ‘dizer final’. E temos que ser veementes. Caso contrário, podemos fechar os cursos de pós-graduação, as faculdades, etc. E parar de escrever sobre o direito. Afinal, se o direito é aquilo que o Judiciário diz que é, para que estudar? Para que pesquisar? Doutrina (r)? Para quê (m)? Vamos estudar apenas case-law [...]!” (STRECK, Lenio Luiz. O que é isto — decido conforme a minha consciência? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 79).

17 “[...] conto de Ítalo Calvino. Pela estória, Alá ditava o Corão para Maomé, que, por sua vez, ditava para Abdula, o escrivão. Em determinado momento Maomé deixou uma frase interrompida. Instintivamente, o escrivão Abdula sugeriu-lhe a conclusão. Distraído, Maomé aceitou como palavra divina o que dissera Abdula. Este fato escandalizou o escrivão, que abandonou o profeta e perdeu a fé. Abdula não era digno de falar em nome de Alá. [...]. Assim como o personagem Abdula não tinha consciência de

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Dessarte, se por um lado é preciso ser tolerante para assimilar que as respostas do Poder Judiciário não podem ser mais do que apenas razoáveis,18 de outra banda, não se pode admitir que elas sejam um ideal de um mundo jurídico em que se pretenda a homogeneização da vida e de seus problemas, daí que é preciso repensar a utilização dos precedentes no direito pátrio, a fim de que não sejam desprezadas em definitivo as efetividades qualitativas da prestação jurisdicional, razão pela qual importa investigar, o que será empreendido no item seguinte, a influência das práticas de dedução, subsunção e indução em relação à utilização indevida dos precedentes e a dificuldade dos tribunais em lidar com o universal e o particular.

3 Dedução, subsunção e indução como possíveis causas da utilização indevida dos precedentes e a dificuldade dos tribunais em lidar com o universal e o particular

É possível que uma das grandes chagas do direito brasileiro esteja calcada justamente nas práticas de dedução, subsunção e indução incorporadas no cotidiano dos tribunais. E os precedentes, evidentemente, não escaparam dessa rotina. Veja-se, por exemplo, que se o Supremo Tribunal Federal reconhece que determinada questão constitucional é dotada de repercussão geral no caso do recurso extraordinário, ou, ainda, se é reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça que determinado recurso especial encerra fundamento em idêntica questão de direito, enfim, um recurso repetitivo, é o que basta para que, doravante, todo e qualquer processo em que supostamente venha a se observar eventual similitude com esses precedentes seja resolvido da mesma maneira, só que, desta feita, por simples dedução/subsunção.

Por corolário lógico, nessas hipóteses, os fatos e as especificidades do caso concreto são exorcizados do processo, o que importa, em última análise, é que a questão de direito foi resolvida e isso permite, doravante, para outros casos, o julgamento por via da dedução. Dito de outro modo, conforme o entendimento prevalente na dogmática jurídica, os novos casos, obrigatoriamente, serão/deverão ser concebidos como iguais àquele que originou o precedente. Não há mais discussão de causas, o que se discute são teses jurídicas em que as soluções vêm desde logo elaboradas pelos discursos de fundamentação prévia,19 basta fazer deduções, subsunções ou, ainda, induções.

Como é sabido por quase todo acadêmico de direito, na esfera penal é frequentemente utilizado pelos doutrinadores um exemplo em que algum crime foi praticado por gêmeos siameses. No mais das vezes, a opção por esse exemplo demonstra uma posição arcaica ou esdrúxula do doutrinador, porquanto a vida real traz incontáveis exemplos que melhor serviriam para a transmissão do

seu poder (e de seu papel), os operadores jurídicos também não conhecem as suas possibilidades hermenêuticas de produção de sentido. Em sua imensa maioria, prisioneiros das armadilhas e dos grilhões engendrados pelo campo jurídico, sofrem dessa ‘síndrome de Abdula’. Consideram que sua missão e seu labor é o de — apenas — reproduzir os sentidos previamente dados/adjudicados/atribuídos por aqueles que possuem o skeptron, isto é, a fala autorizada!” (STRECK, 2005, p. 236-237).

18 SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição, direito material e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 140.

19 STRECK, 2010, p. 106.

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conhecimento jurídico. Entretanto, esse não é o caso do jusfilósofo Neil MacCormick,20 pois esse autor traz um exemplo de gêmeos siameses que não só se mostra producente, como também aponta para a impossibilidade de se aplicar de forma descomprometida os precedentes. O referido exemplo, ainda, possibilita demonstrar como os tribunais devem proceder com cautela quando pretendem a universalização a partir de uma razão particular em um caso particular, e, por fim, a contrario sensu, acaba por refutar, ao menos no que diz respeito à aplicação dos precedentes, a própria defesa que MacCormick faz do deducionismo.21 Vejamos.

O exemplo colacionado pelo referido autor ocorreu na Inglaterra no caso “Re A (children) (conjoined twins)” em que a Corte de Apelações teve que decidir em relação à cirurgia de separação das gêmeas siamesas Jodie e Mary. O problema fulcral, no caso, é que a única possibilidade de uma delas (Jodie) sobreviver poderia ser, fatalmente, o de provocar a morte da outra (Mary).

Para melhor compreensão, seguem colacionadas as palavras conclusivas do julgamento trazido por MacCormick: 22

Para evitar que se pense que esta decisão possa se tornar um precedente de dimensões mais amplas, de tal modo que um médico, tendo determinado que seu paciente não pode sobreviver, mate o paciente, é importante reafirmar as circunstâncias únicas para as quais este caso pode ser considerado um precedente. Elas consistem em que seja impossível preservar a vida de X sem acarretar a morte de Y, que Y, pelo só fato de se manter vivo, vá inevitavelmente ocasionar a morte de X em um espaço curto de tempo, e que X seja capaz de sobreviver independentemente mas Y seja incapaz de fazê-lo sob quaisquer circunstâncias (incluindo quaisquer formas de intervenção médica). Como eu disse no início do julgamento, este caso é bastante único.

Dessarte, e para efeito da questão enfocada no presente item, são preciosas as observações dessa decisão, porquanto demonstram que não é possível utilizar-se de precedentes sem a devida observação das circunstâncias fáticas, enfim das especificidades do caso concreto, circunstância que deflui, sobretudo, do seguinte trecho: “[...] é importante reafirmar as circunstâncias únicas para as quais este caso pode ser considerado um precedente.”23

Seguramente essa é a lição que deveria ser apreendida pelas cortes superiores brasileiras ao lidar com os precedentes, porquanto as circunstâncias de cada caso sempre serão únicas, pela razão óbvia de que os fatos nunca poderão ser exatamente iguais. Com tal assertiva, evidentemente, não se está a refutar a possibilidade da utilização dos precedentes, até porque eles são absolutamente importantes para a manutenção da coerência e integridade do direito. O que se pretende, em verdade, é salientar que não se mostra crível o julgamento por simples

20 Cf. MACCORMICK, 2008, p. 205.

21 Cf. MACCORMICK, 2008, p. 65 et seq.

22 Cf. MACCORMICK, 2008, p. 119.

23 MACCORMICK, 2008, p. 119.

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dedução/subsunção/indução, é preciso, sob pena de cercear o efetivo acesso à justiça, que sejam observadas as circunstâncias de cada caso, de modo que a universalização somente possa ser aceita quando isso for absolutamente possível.

Aliás, é o próprio MacCormick quem salienta, em página anterior a que foi colacionada a decisão supra, no subcapítulo Universalizando elementos particulares, que:

É certamente verdadeiro que qualquer universalização feita a partir de uma razão particular em um caso particular tem que ser aceita com uma certa cautela, porque diferentes circunstâncias podem sugerir exceções e qualificações que não haviam surgido à vista das circunstâncias do caso em consideração.24

E essa dificuldade em saber lidar com o universal e o particular (suspeita-se que de forma deliberada, haja vista a preocupação excessiva com a redução do número de processos na justiça brasileira) está presente na grande maioria das decisões proferidas pelos tribunais quando estão envolvidos precedentes, sobretudo após a inserção dos novos mecanismos da repercussão geral, súmulas vinculantes25 e recursos repetitivos.26 Em verdade, sem investigar as razões jurídicas que conformaram a criação do precedente, e muito menos as questões fáticas e a similitude fática, os tribunais passam a utilizá-lo para alcançar um sem número de outros processos. Em suma: os precedentes são considerados como significantes (elemento universal) e o caso particular como significado,27 tudo realizado pela via da dedução/subsunção.

Conforme antes asseverado, o exemplo dos gêmeos siameses trazido por MacCormick acaba por refutar a própria defesa por ele expendida em favor do deducionismo, ao menos no que se refere à aplicação dos precedentes, porquanto, segundo se dessume da advertência inserta no trecho do julgamento antes colacionado, as circunstâncias de cada caso sempre serão únicas, pela razão óbvia de que os fatos nunca poderão ser exatamente iguais, daí que não se pode estender a aplicação de um precedente a outros casos sem a devida identidade fática. Dessarte, é nesse ponto que reside o problema da defesa do deducionismo preconizada por MacCormick, pois ele concebe a ratio decidendi exclusivamente como uma questão de direito, abstraindo a questão de fato,28 29 por isso a aposta segura do referido jusfilósofo na dedução quando afirma, categoricamente, que o “raciocínio jurídico pode ser e é sempre em parte dedutivo”.30 Dito de outra forma, a defesa do deducionismo, tal como faz MacCormick,

24 Ibidem, p. 118.

25 Há de se observar, desde logo, que as súmulas não podem ser consideradas como precedente stricto sensu, tal como concebido pela dogmática jurídica. Nesse sentido: STRECK, Lenio Luiz. Súmulas Vinculantes em terrae brasilis: necessitamos de uma teoria para a elaboração de precedentes? Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 78, p. 287, 2009.

26 Introduzidos, os dois primeiros, pela Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004 e o terceiro pela Lei n. 11.672, de 8 de maio de 2008.

27 Ibidem, p. 315.

28 Nesse sentido: Ibidem, p. 292.

29 De acordo com Lenio Streck, “[...] pensa-se, cada vez mais, que, com a edição de uma súmula, o enunciado se autonomiza da faticidade que lhe deu origem. É como se, na própria common law, a ratio decidendi pudesse ser exclusivamente uma proposição de direito abstraída da questão de fato”. In: Ibidem, p. 301.

30 MACCORMICK, 2008, p. 100.

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somente se mostra crível se desconsiderados os fatos, pois então somente estarão em liça teses jurídicas. Isso, entretanto, levando-se em conta a impossibilidade da cisão fato-direito, seria uma profissão de fé na metafísica.

De qualquer sorte, a dificuldade reside justamente em conseguir desatar esse nó górdio, ou seja, de como não deixar que a utilização indevida dos precedentes, por meio de deduções, subsunções e induções descomprometidas com o caso concreto,31 conflua para a estandardização do direito. Esse é o ponto! Se, de um lado, há de fato preocupação com a obtenção de resultados quantitativos, o que obviamente se apresenta justo, por outro, não se pode descurar das efetividades qualitativas. Assim, a resolução dos processos, nos quais estão inseridos os direitos fundamentais e sociais dos cidadãos, não pode ter como premissa a filosofia de que é possível julgar um sem número de casos como se todos fossem idênticos, pois, como decorre do que foi antes explicitado, a vida naturalmente não é igual, vivemos sob a alteridade.

Dessa forma, o Estado Democrático de Direito não pode compactuar com a mera redução quantitativa dos processos, em detrimento das efetividades qualitativas. O sentido que pode sobressair dessa prática, não é outro senão o da simples estandardização do direito e, por conseguinte, da negação do efetivo acesso à justiça. A redução da complexidade — representada pela crise que assola o Poder Judiciário em face do número excessivo de ações e recursos — não pode implicar supressão da qualidade dos julgamentos pela aplicação descomprometida de precedentes. Dito de outra forma, a modernidade não quer e não pode significar falta de qualidade, não obstante as necessidades quantitativas. Modernizar sem excluir, esse é o grande desafio mundial atual,32 e aqui há um nó górdio que o Poder Judiciário e a dogmática jurídica precisam desatar, sob pena de perpetuar a estandardização do direito. Dessarte, e nesse sentido, passa-se à análise das possibilidades da hermenêutica filosófica para a utilização adequada dos precedentes.

4 A hermenêutica filosófica como condição de possibilidade para a utilização adequada dos precedentes

Talvez o grande cerne da discussão hermenêutica esteja em como alcançar a reposta correta em cada caso (resposta adequada à Constituição), após ter superado no primeiro caso o paradigma da subjetividade, sem cair em decisionismos, deduções, induções e subsunções.33 E esse, inegavelmente, como observado anteriormente, é também um dos principais problemas da utilização dos precedentes, porque num segundo momento, ou seja, após, respectivamente,

31 Nesse sentido: “[...], ao mesmo tempo em que não se pode impingir ao Supremo Tribunal Federal — e esse é um dos objetivos do novel instituto — o ônus de apreciar sempre as causas que contenham rigorosamente o mesmo fundamento, já rechaçado pela Corte um sem número de vezes, não se pode liberá-la, de tal forma, que fique dispensada de analisar a efetiva similitude do caso concreto com aquele que gerou o respectivo topoi, por simples e descomprometida dedução (SAUSEN, Dalton. A repercussão geral no recurso extraordinário — perspectiva hermenêutica. Porto Alegre: Dom Quixote, 2007, p. 78).

32 PINEAU, Gaston. O sentido do sentido. (NICOLESCU, Basarab et al. Educação e transdisciplinaridade. Tradução de Judite Vero, Maria F. de Mello e Amércio Sommerman. Brasília: Unesco, 2000, p. 52).

33 STRECK, 2009, p. 12.

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editada a súmula,34 reconhecida a repercussão geral e selecionado determinado recurso especial como representativo de fundamento em idêntica questão de direito, enfim, reconhecida a existência de um precedente, os próximos casos são resolvidos pela dogmática jurídica pela via da subjetividade, da dedução e subsunção, o que, nessas hipóteses, no mais das vezes, resulta na estandardização do direito.

Nesse desafio de como não cair em decisionismos, deduções e subsunções, após ter superado no primeiro caso o paradigma da subjetividade, é que a hermenêutica filosófica se apresenta mais consentânea com a exigência do direito pátrio no que se refere à aplicação dos precedentes, mormente se comparada com as teorias argumentativo-discursivas, na medida em que trabalha com a integridade e coerência do direito, respeitando a tradição e a pré-compreensão, e, por isso, acaba por superar o esquema metafísico sujeito-objeto, enfim a filosofia da consciência.35

Enquanto as teorias argumentativo-discursivas ainda estão assentadas em paradigmas metodológicos e mixagens teóricas, que se encaminham, no mais das vezes, para a filosofia da consciência, a hermenêutica filosófica superou a metodologia.36

Dessarte, como a hermenêutica filosófica não depende de qualquer metodologia, e, como dito, superou o esquema sujeito-objeto, trabalhando com a integridade, coerência, tradição e pré-compreensão do direito, a partir dela é possível não só lograr (ou ao menos tentar) a salvação das súmulas, repercussão geral e recursos repetitivos, mas possibilitar a utilização adequada dos precedentes, e, ainda, controlar a estandardização do direito. Tal possibilidade dessume-se do que vem preconizado pelo jurista Lenio Luiz Streck, em face da teoria por ele construída,37 a partir do que ele denomina de: mínimo é e grau de objetivação abrangente.

Não obstante a provável irreversibilidade do paradigma consubstanciado na adoção das súmulas para resolver casos futuros (de forma generalizada, com a desconsideração da especificidade do caso concreto, enfim, partindo de um grau zero de sentido), circunstância cada vez mais assentada na dogmática jurídica, a solução apontada por Lenio Streck, acima indicada e a seguir melhor detalhada, poderá ser estendida também aos institutos da Repercussão Geral e Recursos Repetitivos, porquanto recebem da dogmática jurídica, ao final, o mesmo tratamento que é conferido às sumulas, enfim, e de modo geral, aos precedentes.

Em cada decisão em que foi reconhecido um precedente, seja por meio da Repercussão Geral, Recurso Repetitivo ou Súmula, existe um mínimo é que cada futura aplicação terá de desvendar,

34 Com a ressalva de que a súmula não se afigura como um precedente stricto sensu, conforme antes explicitado.

35 Cf. STRECK, 2010, passim.

36 “A hermenêutica não é um método, mas sim uma filosofia transcendental. Ela é filosofia transcendental no sentido de que indica as condições gerais de possibilidade da compreensão do sentido. Enquanto tal, não prescreve nenhum método. Apenas diz, sob que pressupostos, se pode compreender algo no seu sentido. E visto não existir nada inacessível ao espírito interpretante, a hermenêutica tem caráter universal. A compreensão (não é método!) seja da ‘física’, da ‘religião’ ou da ‘economia’ decorre sob as mesmas condições transcendentais que a compreensão do ‘direito’” (KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. Tradução de António Ulisses Cortês. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, p. 67.

37 Cf. STRECK, 2009, p. 13-15, 573.

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como se fosse o “DNA” decorrente das inúmeras situações concretas que deram ensejo e conformaram a pré-compreensão do intérprete nos primeiros casos.38 Dito de outra forma, esse mínimo é representa a especificidade que irá diferenciar o caso em liça (ou não) da cadeia de julgamentos proferidos pelo Tribunal.39

Dessarte, é esse mínimo é que irá assegurar a coerência e a integridade do direito40 e permitir um grau de objetivação abrangente que proporcionará, não só o controle da estandardização do direito, frise-se, prática assentada nos pretórios, mas, por conseguinte, a aplicação adequada dos precedentes.

De acordo com o jurista Lenio Streck: 41

Para uma melhor compreensão do problema, há que se ter presente que um precedente (súmula ou acórdão que exprima a posição majoritária) é (também) um texto, ao qual deve ser atribuído um sentido, a partir do caso concreto sob análise. [...] É a especificidade que o diferencia (ou não) da cadeia decisional que vem sendo seguida pelo Tribunal. Consequentemente, haverá sempre um grau de generalização a ser extraído do núcleo da decisão, que fará a ligação hermenêutica (compromissos discursivos) com os casos posteriores que serão analisados em sua individualidade.

Esse grau de objetivação abrangente, que possibilitará a aplicação dos precedentes aos novos casos — sem o sacrifício do caso concreto e da perpetuação da estandardização do direito —, evidentemente que não poderá ser arbitrário, porquanto terá de observar a integridade e coerência do direito, asseguradas, sempre, pela fundamentação adequada. Esse texto compreendido na súmula, repercussão geral e recurso repetitivo, como se afigura consentâneo e óbvio com a teoria aqui expendida, não irá carregar o seu próprio significado (sentido), porquanto este será desvelado pela nova situação concreta.42 Dito de outro modo, é a especificidade desse novo caso apreciado que irá diferenciá-lo, ou não, da cadeia decisional adotada pelo Tribunal.43

Ainda, e nessa esteira, por absolutamente percuciente, necessário colacionar, mais uma vez, as próprias palavras do jurista Lenio Streck: 44

[...] o nível de generalização não pode ser transformado em uma categoria ou uma premissa, que, metafisicamente, pretenda ‘abranger’ a ‘substância’ dos casos jurídicos, em um retorno à metafísica clássica, obnubilando

38 STRECK, 2009, p. 345, 353.

39 Ibidem, p. 320.

40 “[...] uma aplicação integrativa e coerente do direito não deve, necessariamente, levar em conta o modo pelo qual um determinado tribunal ou como os outros tribunais do país vêm decidindo determinada matéria. A coerência assegura a igualdade, isto é, que os diversos casos terão a igual consideração por parte dos juízes. [...] Já a integridade significa rechaçar a tentação da arbitrariedade, que, no mais das vezes, é variante da discricionariedade” (ibidem, p. 319-320).

41 Ibidem, p. 320.

42 Ibidem, p. 321.

43 Ibidem, p. 320.

44 Ibidem, p. 321.

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a manifestação hermenêutica da especificidade do caso concreto que efetivamente molda o direito em discussão. É o caso da súmula vinculante, na qual estaria ‘condensada a substância’ (essência) de cada ‘coisa’ jurídica, como se as súmulas (um enunciado, pauta geral, etc) fossem ‘juízos assertórios’ e uma ‘proposição pudesse mostrar seu sentido’.

Apesar dessa possibilidade absolutamente viável para a adequada utilização dos precedentes, e, por consequência, de controle da estandardização do direito, o ideal vigente de uma justiça quantitativa praticado pela dogmática jurídica tem relegado, para se dizer o menos, soluções que estão comprometidas com a efetiva concreção dos direitos, tal como a preconizada por Lenio Streck, o que, indubitavelmente, há de se lamentar, porquanto permaneceremos inseridos no paradigma de uma justiça estandardizada que se mostra despreocupada com efetividades qualitativas.

Tal circunstância não passa despercebida por Lenio Streck, em seu Verdade e Consenso, quando explicita:45

[...] uma súmula, mais do que pretende qualquer outro texto jurídico, traz um ‘em si’ (um mínimo ‘é’) decorrente das inúmeras situações concretas que a ensejaram e que conformarão a compreensão do intérprete. Entretanto, isto que poderia ser um argumento a favor da súmula, acaba sendo o seu principal problema: a pré-compreensão decorrente da faticidade das singularidades das situações concretas é eliminada pelo esquema sujeito-objeto a partir da hipostasiação de uma supernorma, que passa a ‘sobreviver’ à revelia das próprias situações concretas que a ensejaram (de qualquer modo, na medida em que as situações concretas também ficaram escondidas nos julgamentos que engendraram o enunciado sumular, a possibilidade de se levar em conta as próximas singularidades diminui sobremodo). A súmula parte, assim, de um grau zero de significação, o que é anti-hermenêutico. Por isso, a soma de várias situações de ‘grau zero’ redundarão no estado de natureza hermenêutico.

A despeito dessa constatação escorreita, há de se acreditar na aplicação adequada dos precedentes e na superação do paradigma de estandardização do direito, sendo certo que as possibilidades aqui aventadas, a partir da teoria construída pelo jurista Lenio Luiz Steck, apresentam-se, sem dúvida, como caminhos a serem percorridos por quem está comprometido com um novo olhar sobre o direito, olhar este voltado para a hermenêutica de cariz filosófico, que permitirá a aplicação adequada dos precedentes no direito pátrio.

5 Considerações finais

O presente trabalho, em face da perspectiva de análise desenvolvida, buscou, num primeiro momento, sob o subtítulo “O precedente como ‘ideal’ de um mundo jurídico homogeneizado”, salientar que a utilização indevida dos precedentes tem proporcionado a homogeneização do pensamento jurídico, de modo que o direito passou a ser aquilo que os tribunais dizem que

45 Ibidem, p. 345.

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ele é. Nesse sentido, ficou explicitado que mesmo sendo necessário assimilar que as respostas oferecidas pelo Poder Judiciário não podem ser mais do que apenas razoáveis, não se pode admitir que elas venham a se configurar como um ideal de um mundo jurídico em que se pretenda a homogeneização da vida e de seus problemas, razão pela qual se impõe o repensar da utilização dos precedentes, a fim de que sejam observadas as efetividades qualitativas da prestação jurisdicional.

Em seguida, e tendo-se em conta esse ideal de homogeneização do pensamento jurídico, passou-se à análise da influência das práticas de dedução, subsunção e indução, incorporadas no cotidiano dos tribunais, como possíveis causas da utilização indevida dos precedentes e, ainda, da dificuldade dos pretórios em lidar com o universal e o particular. Para tanto, ficou explicitado, afora outros aspectos, que se impõe a observância pelas Cortes de que as circunstâncias de cada caso sempre serão únicas, de modo que os fatos nunca poderão ser exatamente iguais, razão pela qual não se mostra crível o julgamento por simples dedução/subsunção, com a consequente exorcização dos fatos e especificidades do caso concreto, sob pena de relegar o direito à mera discussão de teses jurídicas em que as soluções vêm concebidas por discursos prévios de fundamentação.

No que se refere à dificuldade dos pretórios em lidar com o universal e o particular, observou-se que isso é uma característica perceptível na grande maioria das decisões proferidas pelos tribunais quando estão envolvidos precedentes, haja vista a preocupação excessiva com as efetividades quantitativas da prestação jurisdicional. Em face disso, salientou-se que a redução da complexidade, representada pelo excesso de ações e recursos, não pode implicar na supressão da qualidade dos julgamentos pela aplicação descomprometida de precedentes, desafio que precisa ser superado pelo Poder Judiciário e pela dogmática jurídica, sob pena de perpetuar a estandardização do direito.

Por fim, o presente ensaio ocupou-se das possibilidades da hermenêutica filosófica, a partir da teoria construída pelo jurista Lenio Luiz Streck, fruto da simbiose das teorias de Dworkin e Gadamer, para a utilização adequada dos precedentes e, por consequência, para o controle da estandardização do direito.

A par disso, e tendo-se em conta a teoria construída pelo referido jurista, concluiu-se que em cada decisão em que foi reconhecido um precedente existe um “mínimo é” que cada futura aplicação terá de desvendar, como se fosse o “DNA” decorrente das inúmeras situações concretas que deram ensejo e conformaram a pré-compreensão do intérprete nos primeiros casos. Esse mínimo é, em suma, representa a especificidade que irá diferenciar o caso em liça (ou não) da cadeia de julgamentos proferidos pelo Tribunal, bem como irá assegurar a coerência e a integridade do direito e permitir um grau de objetivação abrangente que proporcionará, não só a aplicação adequada dos precedentes, mas, por conseguinte, o controle da estandardização do direito.

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Mariano Lucas Cordeiro

Profesor especialista en Derecho Administrativo por la Universidad Nacional de Buenos Aires (Argentina).

Resumen: Los Tratados Bilaterales de Protección Recíproca de Inversiones (en adelante TBI) han cumplido un rol fundamental para convalidar la confianza de los inversores extranjeros, en tanto han pretendido asegurarles a través de distintos medios la protección de las inversiones que realicen en la Argentina. A lo largo de este trabajo hemos referido los alcances de las distintas cláusulas que contienen los TBI suscriptos con la República de Italia y con el Reino de España. Así también, hemos analizado las alternativas previstas en dichos Acuerdos a fin de resolver las controversias suscitadas con motivos o en ocasión de las inversiones.

Palavras-clave: Tratado. Inversiones. Resarcimiento. Danõs. Perjuicios. Nacionalización. Expropiación. Repatriación. Solución. Controversias. Duración del proceso. Arbitraje internacional.

Resumo: Os Tratados Bilaterais de Proteção Recíproca de Investimentos (chamados de TBI) têm cumprido um papel fundamental para reforçar a confiança dos investidores estrangeiros. Para tanto se propuseram a assegurar-lhes, por meios distintos, a proteção dos investimentos que realizem na Argentina. Ao longo deste trabalho, citamos os alcances das diferentes cláusulas contidas nos TBIs subscritos com a Itália e com a Espanha. Assim também analisamos as alternativas previstas nesses acordos, a fim de resolver as controvérsias suscitadas por ocasião dos investimentos.

Palavras-chave: Tratado. Investimentos. Ressarcimento. Danos. Prejuízo. Nacionalização. Expropriação. Repatriação. Solução. Controvérsias. Duração do processo. Arbitragem internacional.

Las inversiones extranjeras en la Argentina: las cláusulas de los TBI, el silencio de los tribunales argentinos y la necesidad de un nuevo escenario de debate

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1 Introducción

Los Tratados Bilaterales de Protección Recíproca de Inversiones (en adelante TBI) han cumplido un rol fundamental para convalidar la confianza de los inversores extranjeros, en tanto han pretendido asegurarles a través de distintos medios la protección de las inversiones que realicen en la Argentina.

Precisamente en este trabajo se analizarán los aspectos más relevantes de los TBI suscriptos con los países de Italia y España y cómo se proyectan, en la práctica, algunas de sus disposiciones.

Por otra parte, efectuaremos una reseña de la jurisprudencia — tanto nacional como internacional — que sirvan de coordenadas que nos permitan augurar los rumbos en la protección de las inversiones extranjeras. En este cometido, analizaremos las diferentes causas que han llevado a los inversores a plantear sus controversias ante los tribunales arbitrales internacionales y propondremos una alternativa para la solución de las controversias.

2 El Tratado de Promoción y Protección de Inversiones suscripto con Italia y con España

En el mes de mayo de 1990 y en la ciudad de Buenos Aires, la República Argentina suscribió con la República Italiana un Acuerdo de Promoción y Protección de Inversiones que consta de 13 artículos y un Protocolo Adicional.

Este acuerdo fue aprobado por el Congreso de la Nación Argentina, mediante la Ley n. 24.122, sancionada el 26 de agosto de 1992.

Por su parte, en octubre de 1991 y en la misma ciudad, la Argentina suscribe un Acuerdo similar con el Reino de España que contiene 11 artículos y, también, un Protocolo Adicional.

Estos Tratados, como todos los TBI establecen la protección de las inversiones que realicen los inversores de un Estado Parte en el otro Estado Parte. En este sentido, ambos TBI definen el término inversión en forma amplia y enunciativa. Por ejemplo, el Acuerdo suscripto con Italia señala que es “todo aporte o bien invertido o reinvertido por personas físicas o jurídicas de una Parte Contratante en el territorio de la otra”, estableciendo además una lista no taxativa del alcance de la definición del término inversión.1

También contienen definiciones respecto a qué personas, físicas o jurídicas, serán consideradas inversores.

Antes de abordar la cuestión central de este estudio, resulta relevante reseñar — aunque sea brevemente — las principales cláusulas que contienen estos Tratados.

1 Art. 1 del TBI

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2.1 Trato justo y equitativo

Se establece la cláusula conocida como trato justo y equitativo la cual constituye el estándar general de tratamiento que ha sido desarrollado bajo la costumbre del derecho internacional,2 para las inversiones que realicen los inversores extranjeros de cada uno de los Estados Parte en el Estado Parte receptor de la inversión.

En tanto no existe una definición precisa acerca del contenido de este estándar básico, su inclusión en el TBI sirve no sólo como un estándar básico, sino también como un elemento auxiliar para la interpretación de específicas cláusulas de dichos tratados y de las posibles situaciones no previstas en ellos.

Dentro de esta cláusula también suele incluirse, como elementos integrantes del trato justo y equitativo, entre otros, el principio de la no discriminación, el estándar mínimo internacional y el deber de protección de la propiedad extranjera por parte del país receptor.3

2.2 Cláusula de Trato Nacional y Nación más favorecida

En virtud de la cláusula de Trato Nacional, los inversores extranjeros deben recibir igual tratamiento que los nacionales del país receptor de las inversiones.

Pero, además, estos TBI incluyen la cláusula de Nación más favorecida; por ejemplo, el acuerdo suscripto con el Reino de España — en sentido similar al firmado con Italia — dispone que en todas las materias regidas por el, este tratamiento no será menos favorable que el otorgado por cada Parte a las inversiones realizadas en su territorio por inversores de un tercer país.

De todas maneras, esta cláusula de NMF puede encontrar sus límites y excepciones, teniendo en cuenta la pertenencia de los Estados parte a Tratados de Libre Comercio, Mercado Común o Uniones Aduaneras. Ello es así, toda vez que, de lo contrario, la aplicación lisa y llana de este tipo de cláusulas implicaría la extensión automática de los beneficios acordados para los integrantes de aquellas formas de integración.

Además de las limitaciones antes referidas, la jurisprudencia arbitral del Ciadi también ha limitado, por vía interpretativa, el alcance de la cláusula de la NMF, tal como se explica en el capítulo siguiente.

2.3 Resarcimiento por daños y perjuicios

Ambos acuerdos también establecen que, en el caso de que los inversores de una de las Partes Contratantes sufriera pérdidas en sus inversiones en el territorio de la otra Parte por causa de

2 United Nations Center on Transactional Corporations and International Chamber of Commerce; Bilateral Investment Treaties, 1959-1991, p. 9.

3 Así, por ejemplo, el Tratado suscripto con Italia establece, en su artículo 2: 1. Cada Parte contratante promoverá la realización de inversiones en su territorio por inversotes de la otra parte contratante y admitirá tales inversiones de conformidad con su legislación. 2. Cada Parte contratante acordará siempre un trato equitativo y justo a las inversiones de inversores de la otra. Cada Parte Contratante se abstendrá de adoptar medidas injustificadas o discriminatorias que afecten la gestión, el mantenimiento, el goce, la transformación, la cesación y la liquidación de las inversiones realizadas en su territorio por los inversotes de la otra Parte Contratante.

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guerra o de otros conflictos armados, estados de emergencia u otros acontecimientos político-económicos o similares, la Parte Contratante en cuyo territorio se ha efectuado la inversión concederá en lo relativo a indemnizaciones un tratamiento no menos favorable del que otorgue a sus propios ciudadanos o personas jurídicas o a los inversores de un tercer Estado.

Cabría preguntarse si resultaba necesario establecer expresamente esta cláusula, habida cuenta la previsión de las anteriores ya aludidas, referidas al trato nacional y al de la NMF.

En este sentido, puede pensarse que esta previsión adquiere singular importancia en su última parte; es decir, cuando reconoce un tratamiento no menos favorable que el dado a los inversores de un tercer Estado. Esto es así, a poco de que se advierta que los efectos que pueden derivarse “por causa de guerra, estados de emergencia,4 o acontecimientos similares” suelen ser de zozobra e inestabilidad. Estos efectos, a su turno, suelen proyectarse directamente sobre todos los ciudadanos y las personas jurídicas que despliegan su actividad comercial en el territorio del país.

Por consiguiente, y sin perjuicio de las excepciones que puedan ocurrir,5 ninguna ventaja o beneficio — de cara a la inversión — puede presumirse que se derivará a los ciudadanos del Estado Parte donde ocurran los acontecimientos señalados en este artículo, sino más bien todo lo contrario.

2.4 Defensas contra la nacionalización o expropiación

Estos acuerdos también establecen una cláusula de protección respecto de aquellas medidas que, directa o indirectamente, impliquen la nacionalización o expropiación de las inversiones extranjeras o respecto de algunas medidas similares que tengan el mismo efecto o que limiten de alguna forma el derecho de propiedad de los inversores extranjeros.6

2.5 Repatriación de utilidades y de la inversión

Uno de los aspectos más importantes de ambos TBI se encuentra contemplado en las cláusulas referentes a la transferencia de pagos, ya que es fundamental para los inversores extranjeros contar con la posibilidad de repatriar libremente las ganancias derivadas de la inversión a sus países de origen.7

2.6 Solución de controversias

Ninguna de las cláusulas referidas tendría operatividad sin un adecuado sistema de solución de controversias que asegure a los inversores la pronta solución de un eventual conflicto derivado de una inversión protegida por los TBI.

4 Tan comúnmente permanentes en la Argentina.

5 Beneficios fiscales, exenciones tributarias, planes de financiación de pasivos, etc.

6 Ver arts. 5 de ambos Acuerdos.

7 Ver arts. 6 de ambos Acuerdos.

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De esta manera los Estados, con la firma de estos Tratados, han puesto a disposición de los inversores sistemas de solución de controversias que aseguren a éstos que aquéllas serán dirimidas rápidamente por un tribunal independiente e imparcial. Es ésta una de las piedras angulares de la protección de las inversiones y de la finalidad perseguida por los TBI.

En el caso de los TBI bajo examen, el sistema de solución de controversias se encuentra previsto en el artículo 8 — Acuerdo suscripto con Italia — y en el artículo 9 — Acuerdo suscripto con el Reino de España.

Los Acuerdos brindan la posibilidad de que la controversia sea dirimida por los tribunales locales o por un tribunal arbitral independiente. En principio, y según el texto de las cláusulas se advierte que se trata de un sistema obligatorio progresivo, antes que optativo. Esta solución se contrapone con la adoptada en otros TBI — vgr., el suscripto con EE.UU — que establece un procedimiento de elección de vías, en cuya virtud el inversor, luego de haber cumplido con la notificación de la controversia al Estado receptor de la inversión y vencido el plazo de negociaciones amistosas, puede someter la controversia, según su elección, a los tribunales locales (que implica la renuncia al fuero arbitral) o directamente al arbitraje.

En el caso de los TBI bajo estudio se establece, en primer lugar, que las partes deben intentar arribar a una solución por medio de consultas amistosas. Luego se establece que si esas consultas no aportan una solución (lo que indica la condición de requisito previo ineludible) la controversia podrá ser sometida a la jurisdicción administrativa o judicial competente de la Parte Contratante en cuyo territorio esté situada la inversión.

Es importante advertir que el término podrá empleado por la norma no necesariamente está reconociendo una opción; antes bien, y atento la progresividad destacada, señala la única vía posible a seguir: ello es así, sin perjuicio de lo que señalaremos más adelante.

Tal conclusión se encuentra reforzada si se tiene en cuenta que, ambos TBI establecen que si todavía subsistiera una controversia entre inversores y una Parte Contratante, luego de transcurridos 18 meses desde la notificación del comienzo del procedimiento ante las jurisdicciones nacionales, la controversia podrá ser sometida al arbitraje.

Esta regla que requiere que el inversor extranjero litigue ante los tribunales del país anfitrión con la opción de recurrir al arbitraje en el extranjero si después de 18 meses el asunto no ha sido resuelto por los mencionados tribunales ha sido denominada por los abogados internacionalistas argentinos como la cláusula Calvo débil ya que conservaba parcialmente el requisito de la doctrina Calvo de que los asuntos concernientes a las inversiones extranjeras debieran siempre ser tratados ante los tribunales del país anfitrión.

Sin embargo, la posibilidad de acudir al tribunal arbitral en caso de no haberse resuelto la controversia ya planteada, implicará el desistimiento de las actuaciones judiciales en curso.

Siendo esto así, pareciera que al acordarse estas cláusulas, no se han evaluado con precisión las reglas de procedimiento locales, por lo que resulta necesario efectuar una breve síntesis acerca de sus aspectos más relevantes.

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Dicho en otros términos, y en el caso de las inversiones realizadas en la Argentina: qué significa, en concreto, para el inversor extranjero someter previamente la controversia a los tribunales argentinos y qué consecuencias pueden derivarse del desistimiento de las acciones judiciales en curso.

Sin embargo, al repasar la jurisprudencia argentina vinculada con este tema, advertimos que los tribunales locales prácticamente no han sido llamados a intervenir en las disputas que surgieron entre el Gobierno y los inversores extranjeros,8 que resultaron ser los más afectados por los drásticos cambios legales acaecidos durante los primeros meses del 2002, como resultado del abandono del sistema de convertibilidad.

En efecto, en el caso de los servicios públicos, los cambios fueron significativos e involucraron:

1. un abandono de las tarifas en dólares comprometidas en los contratos de concesión o licencia;

2. la conversión obligatoria de los valores en dólares de dichas tarifas a la tasa de cambio anterior a la devaluación (la tasa de un peso por un dólar);

3. la prohibición de restablecer tarifas en dólares;

4. la imposición de nuevos estándares para calcular las tarifas, los que indujeron por primera vez claros objetivos políticos tales como la redistribución del ingreso;

5. la obligación de continuar proveyendo los servicios sin ninguna disminución en su calidad; y

6. la obligación de renegociar los términos y condiciones de los acuerdos existentes.

Sin embargo, y como apuntáramos, los tribunales de justicia argentinos han permanecido mayormente en silencio. No han concedido medidas cautelares a favor de las empresas de servicios públicos ni se registra ninguna decisión que otorgue una compensación o que invalide una medida gubernamental que haya producido daño a las empresas de servicios públicos. Por el contrario, sí ha existido una profusa actividad de tribunales arbitrales internacionales.

Si se tiene en cuenta que los tribunales sólo pueden actuar por pedido de parte interesada y si se repara en la obligatoriedad, prevista en el TBI, de someter previamente la controversia a los tribunales competentes locales, dos interrogantes surgen de manera evidente:

a. ¿Por qué los inversores no han solicitado la intervención de los tribunales locales argentinos?; y

b. ¿Cómo han podido someterse las controversias directamente ante los tribunales arbitrales internacionales sin haber, previamente, sometido la cuestión a los tribunales de la Argentina que era donde se encontraba ubicada la inversión?

3 El silencio de los tribunales argentinos — sus posibles causas.

En un sistema jurídico que busca adecuarse a los principios del Estado de Derecho, las partes privadas dañadas por la acción estatal normalmente buscarán una reparación ante los tribunales locales.

8 Nos referimos puntualmente al caso de los operadores de servicios públicos y sus accionistas.

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Sin embargo, como bien apuntara Mairal,9 puede que se vean disuadidas por diferentes razones: a) puede que consideren que las leyes locales no proveen la suficiente protección; b) puede que se piense que los tribunales carecen de independencia frente al Gobierno o que tiene prejuicios respecto de ciertas partes privadas; c) el acceso a los tribunales puede ser muy costoso; d) el tiempo necesario para obtener una reparación efectiva puede ser demasiado prolongado y; e) pueden estar disponibles otras alternativas de reparación legal.

3.1 La protección derivada del sistema legal local

Al analizar tanto el bloque normativo llamado a regir las relaciones entre los operadores de servicios públicos y el gobierno argentino, como así también los precedentes jurisprudenciales, no puede concluirse que los inversores no tengan el derecho a ser compensados por los daños sufridos por la implementación de las medidas de emergencia.

En efecto, aún en el marco de la llamada teoría del contrato administrativo — tradicionalmente seguida en la Argentina — como en el que admiten las medidas de emergencia — cuyos límites la jurisprudencia se ha encargado de delinear —, puede advertirse que los operadores de servicios públicos no se encuentran imposibilitados de reclamar una indemnización.

En virtud de ello, puede concluirse que no fue la falta de protección ofrecida por el derecho sustantivo lo que condujo a los inversores extranjeros a no recurrir a los tribunales argentinos.

3.2 Falta de independencia de los tribunales

Sin perjuicio de advertir que la mayoría de los presidentes ha tenido la posibilidad de elegir a todos o a la mayoría de los miembros de la CS al momento de acceder al poder o poco tiempo después de ello, vale destacar que la composición actual de la Corte, permite presumir una independencia cierta del poder político, teniendo en cuenta que se trata de personas de una alta reputación profesional a nivel local e internacional y ampliamente respetados en el entorno legal de la Argentina.10

3.3 Los costos del juicio

Iniciar una acción legal en la Argentina contra el Gobierno federal requiere el pago anticipado de una tasa de justicia equivalente al 3% del monto total del reclamo.11 En las acciones meramente declarativas el demandante debe estimar el monto de la controversia y pagar la tasa sobre la base de esa estimación. Últimamente se ha vuelto usual que los tribunales requieran a los demandantes que cuestionan la validez de una decisión gubernamental pero que no solicitan una compensación, que de todos modos estimen el valor económico del reclamo. El Gobierno puede cuestionar la estimación y requerir al tribunal que decida el monto sobre el cual la tasa judicial debiera ser calculada.

9 MAIRAL, Hector. El silencio de los tribunales argentinos, RPA, 2007-3, Bs. As., Argentina.

10 Incluso pueden señalarse críticas que algunos miembros del Máximo Tribunal han formulado a la prensa respecto de actitudes o situaciones que han tenido como protagonistas a altos funcionarios políticos (vgr. Jefe de Gabinete).

11 Ley n. 23.898.

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Esta barrera en el acceso a la justicia es considerada importante por algunos abogados del Gobierno, los que consideran un abuso del proceso legal a la posibilidad de demandar a un Gobierno por millones de dólares pagando solamente una tasa de unos pocos miles de dólares, como ocurre en los casos de arbitraje internacional.

La regla general sobre las costas legales es que el perdedor debe afrontar las costas legales del ganador. Ello incluye no solamente la tasa judicial (si no fue previamente abonada por el ganador) sino también los honorarios de los abogados de la parte ganadora y de los expertos designados por el tribunal. Todos estos honorarios son establecidos por el tribunal como un porcentaje del monto de la controversia dentro de los parámetros establecidos principalmente por la ley que rige el ejercicio de la profesión legal. En el caso de los abogados los honorarios pueden ser fijados entre el 14% y el 28% por el trabajo en los tribunales inferiores tanto de los abogados como de los procuradores. El trabajo de apelación ante las Cortes de Apelación y también ante las Corte Suprema es remunerado, por cada etapa de apelación, con una suma entre el 25% y el 35% de los honorarios fijados por el trabajo en los tribunales inferiores. Sin embargo, los honorarios totales concedidos por el trabajo ante los tribunales inferiores (que incluye a los abogados, procuradores y expertos designados por el tribunal) no pueden exceder del 25% del monto de la sentencia.

Sin perjuicio de lo señalado, vale destacar que las partes que puedan demostrar que no se encuentran en condiciones de afrontar las costas legales pueden requerir una dispensa de las mismas. Este es un procedimiento auxiliar — llamado beneficio de litigar sin gastos — que puede ser cuestionado por la otra parte en el litigio. Si el beneficio es concedido, no ha de pagarse la tasa judicial y no puede imponerse ningún monto de costas legales contra la parte que lo obtuvo. Normalmente una decisión acerca de la admisibilidad de este beneficio, incluyendo las apelaciones, requiere entre seis meses y un año. Como regla, este beneficio se extiende exclusivamente a las personas físicas. Excepcionalmente, las empresas que sean insolventes o casi insolventes pueden también obtener este beneficio.

Una parte puede iniciar una demanda alegando este beneficio y, de este modo, evitar el pago de la tasa de justicia al momento de iniciar el reclamo. Sin embargo, si el tribunal — de oficio o a pedido de la otra parte — rechaza el beneficio, la tasa de justicia debe entonces ser pagada por el demandante, ya que la misma se considera devengada por el inicio de la demanda y no pude ser evitada por un abandono posterior de la acción. El riesgo de pago de los gastos del litigio sólo puede evitarse si el demandante inicia su acción luego de que el beneficio haya sido concedido por el tribunal.

Para desistir de una acción pero no del derecho, conservando de este modo los derechos invocados en la acción, el demandante debe contar con el consentimiento de la parte demandada. El desistimiento no requiere el consentimiento de la parte demandada exclusivamente cuando incluye tanto la acción como los derechos reclamados.

En cualquier caso, a menos que se acuerde lo contrario con la parte demandada, si la parte que inicia una demanda judicial la retira luego de que se haya notificado a la parte demandada, debe

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de todos modos pagar todas las costas judiciales, incluyendo la tasa judicial y los honorarios de los abogados de la contraparte. Esto significa que la parte que retira la demanda es tratada como si hubiera perdido el caso a menos que el retiro se funde en un cambio de legislación o de los precedentes judiciales.

3.4 Duración del proceso

Los procesos judiciales ante los tribunales federales en materia contencioso administrativo pueden prolongarse por 10 o más años. Ello es el resultado de normas legales que requieren el agotamiento de la vía administrativa, de tener que atravesar tres instancias judiciales diferentes en los casos importantes y de un proceso administrativo y judicial para la ejecución e la sentencia que puede agregar dos años más hasta que la indemnización es cobrada por el demandante. Además, en dos ocasiones se han promulgado leyes que establecen que el pago de indemnizaciones en causas contra el Estado se efectivice mediante la entrega de bonos del Estado a 16 años.

Por otra parte, no es infrecuente que, en un caso complicado, lleve 20 años el obtener una decisión por parte de la Corte Suprema.

Este tipo de demoras implica, en la práctica, que la sentencia definitiva llega en un momento en el que los políticos que tomaron las medidas que son finalmente invalidadas por los tribunales, hace tiempo que han dejado sus cargos. Esto favorece tanto a los tribunales como a los políticos. A los primeros, porque pueden decidir de manera independiente de cualquier presión política, ya que los temas que pueden haber sido duramente discutidos cuando se tomaron las decisiones han sido ya olvidados, como también lo han sido quienes las tomaron. A los segundos, porque el costo de compensar cualquier daño que haya sido causado por sus decisiones recae sobre una administración diferente y no conduce a ningún tipo de crítica sobre sus acciones pasadas.

Ante este panorama, no resulta llamativo el silencio de los tribunales argentinos y la falta de inicio de las acciones judiciales por parte de los inversores extranjeros. Los factores costo y tiempo disuaden al más resuelto de los litigantes.

4 El sometimiento de las controversias al arbitraje internacional y la obligación de acudir previamente a los tribunales locales

En primer lugar, es necesario advertir que la Argentina no ha establecido ninguna regla especial con respecto a las acciones judiciales que alegan la violación de un tratado bilateral de inversión, por lo que deben iniciarse ante los tribunales locales para cumplir con el período de tiempo requerido por el TBI (18 meses).

De este modo, no hay reglas específicas que dispensen el agotamiento de los remedios administrativos en casos relativos a la violación de un tratado bilateral de inversión ni se ha establecido una acción sumaria para ellos. No existe un límite en relación con el monto de la tasa judicial u otras costas judiciales aplicables para los casos presentados bajo las

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disposiciones de un tratado, ni se ha establecido una excepción a la regla de que la parte que abandona el proceso es tratada como la parte perdedora a los efectos de la adjudicación de las costas legales para los casos en los que el demandante discontinúa la acción ante los tribunales argentinos luego de transcurrido el plazo establecido por el TBI y a los efectos de continuar con el caso de allí en adelante ante un tribunal arbitral internacional.

Por lo tanto, y teniendo en cuenta lo hasta aquí expuesto en cuanto al costo y demora que tienen los juicios en la Argentina y a la obligación de los inversores extranjeros italianos o españoles de someter — en forma previa a recurrir al arbitraje internacional — la controversia a los tribunales locales, pareciera que no se han evaluado las reglas de procedimiento locales; ello es así, toda vez que desistir de la acción luego de transcurridos 18 meses tiene serias consecuencias para quien desiste, a menos que se obtenga el consentimiento del país anfitrión para tal desistimiento, lo que no parece probable.

Sin embargo, la existencia de la Cláusula de Nación más Favorecida ha sido la válvula de escape de la obligación de someter previamente la controversia a los tribunales locales.

Así, los inversores que iniciaron demandas en el marco de los tratados con países de Europa han podido — en general con êxito — invocar el sistema del tratado con los Estados Unidos (de elección de vías) y, de este modo, evitar el requisito de iniciar la demanda ante los tribunales locales y esperar 18 meses para desistirla.

5 La interpretación efectuada por el Ciadi en las cuestiones de jurisdicción

En el caso Emilio Agustín Maffezini c/ Reino de España fallado el 25/01/2000 el Ciadi interpretó que la cláusula de Nación más Favorecida incluye el trato más favorable otorgado a los inversores de otro Estado en materia de procedimientos de solución de controversias.

De esta manera, el inversor que de acuerdo a su TBI deba agotar previamente los recursos internos, podrán utilizar el sistema de solución de controversias establecido por otros TBI que le permiten el sometimiento directo de la controversia al Ciadi, evitando, así, el engorroso y costoso agotamiento de los recursos ante los tribunales locales.

Sin embargo, el inversor deberá probar que el sistema de solución de controversias que intenta utilizar le otorga un trato más favorable a los inversores del tercer Estado que el otorgado a él de acuerdo a su TBI.

En este sentido, conviene analizar cuáles son los costos que implica el sometimiento de una controversia a la decisión del Ciadi.

En primer lugar, el inicio de un arbitraje en el extranjero no se encuentra sujeto al sistema de tasa judicial que prevalece en los tribunales argentinos. Si bien requieren anticipos para cubrir los costos del arbitraje, en demandas de cientos de millones de dólares, estos anticipos resultan pequeños comparados con lo que representaría una tasa porcentual del monto reclamado.

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Por otro lado, la mayor parte de las decisiones arbitrales no obligan a la parte perdedora a pagar los honorarios legales de los abogados de la parte ganadora y a menudo se dividen entre las partes, aunque de manera desigual en ocasiones, los costos comunes del arbitraje.12

De este modo, si bien el costo de los abogados internacionales puede ser alto, no existe riesgo de que una parte deba hacerse cargo de una factura por decenas de millones de dólares por gastos legales de la otra parte como ha ocurrido en algunos casos de litigio contra el Gobierno en Argentina.

En cuanto al tiempo, las decisiones sobre el fondo han tomado, en ocasiones, aproximadamente cuatro a cinco años en ser emitidas.13 Si bien en la mayoría de los casos la Argentina ha decidido apelar las decisiones tal y como se lo permite la legislación aplicable y esto puede llegar a agregar casi dos años más hasta el momento en que la decisión pueda ser ejecutable (asumiendo el rechazo de la apelación), el tiempo total es aproximadamente la mitad, si no menos, de lo que tomaría alcanzar una decisión final en Argentina.

Hasta el momento, y respecto de la Argentina, los inversores extranjeros parecen haber tenido razón al elegir estos foros para solucionar sus controversias con el Estado Argentino. Los demandantes han triunfado en la totalidad de todas las cuestiones jurisdiccionales planteadas.

Por último, valga destacar que si bien el Gobierno Argentino ha criticado la generalizada elección de esta alternativa, todavía no ha denunciado ninguno de los tratados bilaterales de inversión. Tal conducta, si bien no afectaría a las controversias ya existentes, pondría sobre aviso a futuros inversores extranjeros acerca de la protección que resultaría de la denuncia del tratado.

6 Conclusiones

A lo largo de este trabajo hemos referido los alcances de las distintas cláusulas que contienen los TBI suscriptos con la República de Italia y con el Reino de España. Así también, hemos analizado las alternativas previstas en dichos Acuerdos a fin de resolver las controversias suscitadas con motivos o en ocasión de las inversiones.

Sobre el punto, se han señalado los distintos sistemas previstos para la solución de los conflictos y las dificultades que debían afrontar los inversores extranjeros si optaban por someter las controversias ante los tribunales locales, indicando que tanto la demora en arribar a una decisión final cuanto el costo que representaba el litigio, se erigían en importantes obstáculos que, al fin y al cabo, disuadieron a los inversores de acudir a los jueces argentinos.

En tal sentido, se ha puesto en evidencia que ha sido la Cláusula Nación más Favorecida la vía invocada por los inversores para sortear las mismas disposiciones de los Acuerdos que establecían la obligación de acudir en primer lugar a los tribunales locales. También hemos referido que los tribunales arbitrales han considerado que las cuestiones jurisdiccionales

12 Ver, por ejemplo, caso “Siemens A.G. vs. República Argentina” del 06/02/2007.

13 Cuatro años en el caso CMS, 5 en el caso Siemens.

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quedan incluidas dentro de esta cláusula, debiendo el inversor acreditar que el sometimiento directo de la controversia ante sus estrados resulta más favorable que la jurisdicción local prevista en el tratado.

A modo de conclusión, parece importante reparar en dos cuestiones que, en nuestra opinión, resultan evidentes:

a. es más favorable someter la controversia ante el tribunal arbitral internacional, y:

b. se han soslayado las disposiciones de ambos Acuerdos que, expresamente, han querido que las controversias sean sometidas previamente ante los tribunales locales.

Ante ello, consideramos que una alternativa posible que permitiría evitar los inconvenientes que se derivan de someter la controversia ante los jueces locales, como así también que implique el cumplimiento del tratado, sería que el Congreso de la Nación sancionara una ley especial que creara tribunales especializados y con reglas procesales razonables, a la cual someter las controversias derivadas de la inversión.

Esta solución, por otra parte, resulta compatible con nuestro sistema constitucional y con el principio de jerarquía normativa; no advirtiendo que exista óbice legal para la existencia de este tipo de tribunales; sin perjuicio de su eventual inclusión en los tratados bilaterales.

De esta manera, creemos que se estaría dando pleno cumplimiento a las cláusulas pactadas en los TBI y otorgando suficientes garantías para los futuros inversores extranjeros.

Referências

Ley n. 24.122. Acuerdo de Promoción y Protección de Inversiones con la República Italiana. Firmado em: 22 maio 1990. Disponível em: <http://ar.vlex.com/vid/122-proteccion-inversiones-italiana-41489167#ixzz1EuToowcD>.

Acuerdo para la Promoción y Protección Recíprocas de Inversiones entre el Reino de España y la República Argentina. Firmado em: 03 out. 1991. Disponível em: <http://www.portalargentino.net/leyes/b911003a.htm>.

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EMENTA: Consulta — Prefeitura Municipal — Despesa com remuneração dos profissionais do magistério custeada com recurso financeiro do Fundeb — Impossibilidade de alocação contábil na conta Outros Serviços e Encargos/Pessoa Física/Outras Despesas Correntes — Classificação contábil na conta Pessoal e Encargos Sociais — Inclusão dos recursos recebidos pelo Fundeb na base de cálculo das despesas com pessoal do Município — Receita Corrente Líquida do exercício.

CONSULTA N. 838.061

[...] para determinação dos limites máximos da despesa total com pessoal, estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, é considerada a Receita Corrente Líquida (RCL) do exercício, incluídos os recursos recebidos em relação à citada distribuição do Fundeb do Estado a seus Municípios.

RELATOR: CONSELHEIRO EDUARDO CARONE COSTA

Contabilização dos recursos financeiros recebidos do Fundeb

RELATÓRIO

Cuidam os autos de consulta formulada pelo Sr. Adalberto Rodrigues da Fonseca, Prefeito Municipal de Cláudio, na qual questiona se “Poderia a administração municipal apropriar contabilmente do percentual de 60% dos recursos financeiros do Fundeb alocados pela União e pelo Estado-membro na rubrica 33.90.36 — outros serviços de terceiros — pessoa física, expurgando o valor resultante das despesas de pessoal do Município, para os efeitos do que dispõe o art. 20 da Lei Complementar Federal n. 101/2000?”

Alega o consulente que “tais gastos estão comprometendo exclusivamente a receita dos Municípios, para os efeitos do art. 20 da Lei Complementar Federal n. 101/2000, enquanto deveriam estar comprometendo cada ente federado na proporção de 60% do valor de sua alocação de recursos ao Fundeb” e que, “o percentual de 60% dos recursos financeiros de outros entes da federação — União e Estado-membro — destinados à implementação de seus deveres institucionais através da política pública do Estado, executada pela administração municipal, vinculada constitucionalmente a pagamento de pessoal que, não obstante contratados pelo Município, estão, também, a serviço do cumprimento de obrigação institucional daqueles entes não poderiam, a meu sentir, serem apropriados como gastos com pessoal exclusivamente dos municípios.” (sic)

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A fls. 05, determinei a remessa do processo à Diretoria de Controle Externo dos Municípios, que se manifestou a fls. 9-11, entendendo que a despesa com remuneração é despesa de pessoal, pertencente ao Grupo de Natureza de Despesa 1 — Pessoal e Encargos Sociais, e não pode ser apropriada no Grupo 3 — Outras Despesas Correntes. E, entendendo ainda, que não há que se falar em comprometimento exclusivamente da receita dos Municípios, para os efeitos do art. 20 da LRF e do seu expurgo, pois na determinação do limite da despesa com pessoal é considerada a Receita Corrente Líquida do exercício, em que estão incluídos os recursos recebidos do Fundeb.

A seu turno, a douta Auditoria, instada a emitir parecer conclusivo, nos termos do art. 213 da Resolução n. 12/2008 (Regimento Interno), por meio da manifestação do Dr. Licurgo Mourão, a fls. 13-19, propôs resposta à consulta, nos termos da fundamentação, no sentido de que “A Administração Municipal não pode apropriar contabilmente as despesas com remuneração dos profissionais do magistério custeadas com os 60% dos recursos financeiros do Fundeb na rubrica 33.90.36 — Outros Serviços e Encargos/Pessoa Física, relativa ao Grupo de Natureza de Despesa 3 — Outras Despesas Correntes, pois tais despesas pertencem ao Grupo de Natureza 1 — Pessoal e Encargos Sociais, conforme estabelece a Portaria Interministerial STN/SOF n. 163/2001, razão pela qual também não se permite expurgar tais valores de despesas com pessoal do Município para fins de verificação dos limites impostos pela LRF.

É o relatório.

PRELIMINAR

Do exame dos pressupostos de admissibilidade da presente consulta, ratifico o despacho a fls. 5-6 no qual se depreende que a autoridade consulente tem legitimidade para elaborá-la, em consonância com o art. 210, inciso I, do diploma regimental e por ter a matéria inegável repercussão financeira, contábil e orçamentária, restando preenchidos, portanto, os requisitos consignados no art. 212 do Regimento Interno.

MÉRITO

No mérito, respondo, em tese, à consulta, ressaltando, inicialmente, as disposições constitucionais acerca do ensino.

O art. 211 da Constituição Federal estabeleceu que os entes federados organizarão, em regime de colaboração, seus sistemas de ensino. O art. 212 dispôs que

A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

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Por sua vez, o art. 60 do ADCT da Constituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 14/1996, determinou que, nos 10 primeiros anos da promulgação daquela Emenda, os referidos entes destinarão não menos de 60% dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e ao desenvolvimento do ensino fundamental, com o objetivo de assegurar a universalização de seu atendimento e a remuneração condigna do magistério. Visando regulamentar esse dispositivo constitucional, foi instituído, por meio da Lei n. 9.424/1996, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento de Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).

Posteriormente, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 53/2006, foi dada nova redação ao art. 60 do ADCT, constituindo o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), in verbis:

Art. 60. Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições:

I — a distribuição dos recursos e de responsabilidades entre o Distrito Federal, os Estados e seus Municípios é assegurada mediante a criação, no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de natureza contábil;

II— os Fundos referidos no inciso I do caput deste artigo serão constituídos por 20% (vinte por cento) dos recursos a que se referem os incisos I, II e III do art. 155; o inciso II do caput do art. 157; os incisos II, III e IV do caput do art. 158; e as alíneas a e b do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, e distribuídos entre cada Estado e seus Municípios, proporcionalmente ao número de alunos das diversas etapas e modalidades da educação básica presencial, matriculados nas respectivas redes, nos respectivos âmbitos de atuação prioritária estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 211 da Constituição Federal;

[...]

XII — proporção não inferior a 60% (sessenta por cento) de cada Fundo referido no inciso I do caput deste artigo será destinada ao pagamento dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício.

O Fundeb foi regulamentado por meio da Lei n. 11.494, de 20 de junho de 2007. Trata-se de um fundo de natureza contábil, criado no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, sendo constituído com recursos captados desses entes e de seus Municípios, complementados com recursos da União, quando seu valor por aluno/ano não alcançar o mínimo definido nacionalmente. Enquanto os recursos do Fundef se destinavam apenas a investimentos no Ensino Fundamental, os recursos do Fundeb visam à educação básica, que inclui o ensino infantil, fundamental e médio,

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destinando-se ainda à educação de jovens e adultos. A distribuição dos recursos será baseada na proporção do número de alunos da educação básica presencial, efetivamente matriculados nas respectivas redes, apurado no censo escolar, e levará em conta as diferenças entre etapas, modalidades e tipos de estabelecimentos de ensino, tal como estipulado no art. 10 da Lei n. 11.494/2007.

Conforme o art. 11, da Instrução Normativa TC n. 13/2008, os recursos do Fundeb, incluída a complementação da União, quando for o caso, serão utilizados pelo Estado e pelos Municípios, no exercício financeiro em que lhes forem creditados, exclusivamente em ações consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino para a educação básica pública, assegurados, pelo menos, 60% para a remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública, nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei Federal n.11.494/07, observando-se os limites de despesas com pessoal fixados pela Lei Complementar n. 101/2000.

O pagamento das remunerações dos referidos profissionais constitui despesa pública com pessoal, que deve ser apropriada de acordo com a classificação de despesa estabelecida pela Portaria Interministerial n. 163/2001, da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), do Ministério da Fazenda, e da Secretaria de Orçamento Federal (SOF), do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Conforme definido na referida Portaria, a classificação da despesa orçamentária, segundo a sua natureza, compõe-se de:

I — Categoria Econômica;

II — Grupo de Natureza de Despesa; e

III — Elemento de Despesa.

O Grupo de Natureza de Despesa agrega despesas com as mesmas características quanto ao objeto de gastos, sendo: l — Pessoal e Encargos Sociais, 2 — Juros e Encargos da Dívida, 3 — Outras Despesas Correntes, 4 — Investimentos, 5 — Inversões Financeiras, 6 — Amortização da Dívida, 7 — Reserva do RPPS (Regime Próprio de Previdência Social) e 9 — Reserva de Contingência.

Desta forma, as despesas com pessoal devem ser apropriadas no Grupo 1, que agrega despesas orçamentárias de natureza remuneratória decorrente do efetivo exercício de cargo, emprego ou função de confiança, no setor público, do pagamento de proventos de aposentadorias, reformas e pensões, das obrigações trabalhistas, soldo, gratificações, adicionais, entre outras.

Quanto ao Grupo 3 — Outras Despesas Correntes, são agregadas despesas orçamentárias com aquisição de matérias de consumo, pagamento de diárias, contribuições, subvenções, auxílio-alimentação, auxílio-transporte, entre outras.

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Portanto, a pergunta do consulente acerca da possibilidade de apropriar contabilmente a despesa de pessoal do Fundeb na rubrica 3.3.90.36 — Outros Serviços de Terceiros — Pessoa Física, em que o segundo dígito 3 determina o Grupo “Outras Despesas Correntes”, deve ter resposta negativa, porque a característica do objeto de gasto remunerações exige que tal despesa seja classificada no Grupo 1 — Pessoal e Encargos Sociais. Assim a classificação correta é 3.1.90... e não 3.3.90....

Ressalte-se que as normas emitidas pela Secretaria do Tesouro Nacional visam à padronização dos procedimentos contábeis, de modo a proporcionar maior transparência às despesas públicas e a garantir a consolidação das Contas Públicas Nacionais exigida na Lei de Responsabilidade Fiscal. Portanto, deve ser observada a uniformização e a utilização da mesma classificação orçamentária, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para propiciar o levantamento e análise de informações em nível nacional.

Questiona, ainda, o consulente, se poderia expurgar o valor relativo ao percentual de 60% do Fundeb, das despesas de pessoal do Município, para os efeitos do que dispõe o art. 20 da Lei Complementar Federal n. 101/2000. Mais uma vez a resposta é negativa. A despesa de pessoal certamente deverá constar dos demonstrativos referentes ao ente que realizou o gasto. O consulente deseja expurgar a despesa de pessoal relativa ao Fundeb, entretanto, cabe lembrar que os recursos financeiros alocados pela União e pelo Estado acresceram a sua receita base de cálculo. Portanto, o percentual gasto foi compensado com os recursos repassados por aqueles entes. Ou seja, para a determinação dos limites máximos da despesa total com pessoal, estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, é considerada a Receita Corrente Líquida (RCL) do exercício, incluídos os recursos recebidos em relação à citada distribuição do Fundeb do Estado a seus Municípios.

Recorro, também, à orientação contida no Manual do Fundeb, elaborado pelo Ministério da Educação, que aborda a questão do limite mínimo obrigatório com remuneração de magistério em contraposição ao limite máximo legal com pagamento de pessoal, a seguir transcrito:

A legislação do Fundeb determina que o mínimo de 60% dos valores anuais transferidos à conta do Fundo seja destinado à remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício na educação básica. Já a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), principal instrumento regulador dos gastos do poder público no país, impõe critérios e limites gerais que exigem rigor e responsabilidade na gestão dos recursos públicos nas esferas federal, estadual e municipal, estabelecendo (art. 19, I e II) que o gasto máximo com pessoal não poderá ultrapassar 49% das receitas correntes líquidas nos estados e 54%, nos municípios.

Verifica-se que, no caso do Fundeb, é fixado limite mínimo (60% do Fundo) para fins de gastos com pessoal (magistério) e, no caso das receitas correntes líquidas, é fixado limite máximo (49% ou 54%) permitido de gastos gerais com pessoal. Trata-se

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de critérios em sentidos opostos, porém com objetivos e bases de cálculo distintas:

— o limite mínimo de 60% do Fundeb para remuneração do magistério obedece a comando constitucional e tem o objetivo de valorizar esse grupo de profissionais ante o enorme desafio de melhorar a qualidade da educação básica, e seu cálculo incide apenas sobre o total dos créditos realizados na conta específica do Fundo no decorrer do ano e se destina, exclusivamente, à cobertura da folha de pagamento dos profissionais do magistério em efetivo exercício no ensino fundamental público;

— o limite máximo de 49% (para estado e DF) e 54% (para município) obedece a comando infraconstitucional e tem o objetivo de limitar os gastos gerais com pessoal, e seu cálculo é realizado sobre o montante das Receitas Correntes Líquidas do respectivo ente governamental (inclusive a receita do Fundeb) verificadas no ano, e se destinam à cobertura da folha de pagamento de toda a administração pública, compreendendo todos os servidores (ativos, inativos e pensionistas, tanto civis quanto militares) do respectivo governo em todas as suas áreas de atuação.

A obrigação de estados, Distrito Federal e municípios destinarem o mínimo de 60% do Fundeb para fins de pagamento da remuneração do magistério emana da Constituição Federal, portanto fora do alcance de outro mandamento infraconstitucional que contenha regra distinta. A Lei de Responsabilidade Fiscal, ao estabelecer percentual máximo das receitas correntes líquidas para fins de cobertura dos gastos com pessoal, não estabelece mecanismo que comprometa o cumprimento definido em relação à utilização dos recursos do Fundeb. Trata-se de critérios legais, técnica e operacionalmente compatíveis, que devem ser rigorosamente observados pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios.

Isso posto, quanto ao questionamento acerca da possibilidade de expurgar o valor relativo ao percentual de 60% do Fundeb das despesas de pessoal do Município, entendo que não há amparo legal para a dedução pretendida pelo consulente.

Tecidas as considerações acima, concluo meu entendimento no seguinte sentido:

a. As despesas com remuneração de pessoal custeadas com recursos de transferências do Fundeb devem ser classificadas no Grupo de Natureza de Despesa 1 — Pessoal e Encargos Sociais, conforme classificação estabelecida pela Portaria Interministerial STN/SOF n. 163/2001;

b. Não há amparo legal para expurgar as despesas com remuneração de pessoal custeadas com recursos de transferências do Fundeb das despesas de pessoal do Município, para os efeitos do que dispõe o art. 20 da Lei Complementar n. 101/2000;

A consulta em epígrafe foi apreciada pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 23/02/11 presidida pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada; presentes o Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Wanderley Ávila, Conselheira Adriene Andrade, Conselheiro Sebastião Helvecio e Conselheiro Cláudio Terrão, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Eduardo Carone Costa.

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CONSULTA N. 837.547

Possibilidade de aquisição de bens imóveis pelos Poderes Executivo ou Legislativo com recursos repassados pelo Poder Executivo

Em regra, verifica-se que a aquisição de imóvel pela Câmara Municipal e pelo Poder Executivo Municipal opera-se, por meio de desapropriação. Todavia, caso a Câmara Municipal e a Prefeitura optem pelo contrato de compra e venda, o administrador deverá atentar para os requisitos da lei civil (bem, preço, consentimento e forma) e do regime jurídico-administrativo (processo administrativo, prévia avaliação, lei específica de iniciativa do Poder Executivo, demonstração do interesse público, observância do devido procedimento licitatório, ressalvado este último a hipótese do inciso X do art. 24 da Lei n. 8666/93.

RELATOR: CONSELHEIRO EDUARDO CARONE COSTA

RELATÓRIO

Cuidam os autos de consulta subscrita pelo Sr. Francisco Fagundes de Freitas, Prefeito Municipal de São José da Lapa, por meio da qual, em linhas gerais, indaga o seguinte:

1) Pode o Poder Legislativo Municipal, mediante recursos repassados pelo Poder Executivo, nos termos do art. 29-A da Constituição Federal, adquirir imóvel para construção de sua sede?

EMENTA: Consulta — Município — Aquisição de imóvel pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo, mediante recursos repassados pelo Poder Executivo — Possibilidade — Necessidade de lei específica de iniciativa do Poder Executivo — Conformidade da despesa com o Plano Plurianual — Previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias — Dotação orçamentária própria na Lei Orçamentária Anual — Cumprimento das exigências estabelecidas pela Lei n. 8.666/93 — Observância do limite constitucional previsto no art. 29-A da Constituição da República — Impossibilidade de registro de bem público em nome de Prefeitura ou Câmara Municipal — Registro pela pessoa jurídica de direito público correspondente, no caso, o Município — Necessidade de formalização da aquisição por meio de escritura pública e transcrição no Cartório de Registro de Imóveis.

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2) Em caso afirmativo, pergunta-se: É necessária uma lei específica autorizando a aquisição de tal imóvel para tal finalidade, ou basta a previsão no Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual?

3) Se necessária uma lei específica, a quem cabe a sua iniciativa: ao Poder Executivo ou ao Poder Legislativo?

4) Ao final da aquisição do referido imóvel, o mesmo será transcrito, no registro de imóveis, em nome do Município ou em nome do Poder Legislativo Municipal?

5) Para que o Poder Executivo Municipal possa adquirir um bem imóvel, é necessária uma lei específica autorizando a aquisição de tal imóvel, ou basta a previsão no Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual?

6) Ao final da aquisição do referido imóvel, o mesmo será transcrito no registro de imóveis, em nome do Município ou em nome do Poder Executivo Municipal?

Submetidos os autos à minha consideração, examinei os requisitos de admissibilidade e, em seguida, encaminhei a matéria à douta Auditoria que emitiu o parecer a fls. 11-18.

É o relatório.

PRELIMINAR

Da análise dos pressupostos de conhecimento da presente consulta, sobressai que a autoridade consulente tem legitimidade para apresentá-la que o seu objeto diz respeito à competência do Tribunal, em conformidade com as disposições dos arts. 210, inciso I, e 212 da Resolução TC n. 12/2008 (Regimento Interno).

Desta feita, preliminarmente, nos termos do art. 211 do diploma regimental, ratifico o despacho a fls. 7-8.

MÉRITO

Inicialmente observo que, como bem salientou o douto Auditor, Hamilton Coelho, em seu pronunciamento a fls. 11-18, este egrégio Tribunal já se manifestou em outras oportunidades acerca da necessidade de prévia avaliação legislativa para que os Municípios possam adquirir bens imóveis, consoante os pareceres exarados nas Consultas de n. 219, de 26/11/75; n. 12, de 31/05/85; n. 49, de 28/05/86; e n. 182, de 13/04/88.

Em sessão de 14/02/96, em resposta à Consulta de n. 250.171, esta Corte de Contas firmou o entendimento no sentido de que a autorização para compra de bem imóvel pelo Município poderia se dar “em lei especial ou por meio da Lei Orçamentária, observados os critérios definidos na legislação local, bem como na própria Lei Orgânica do Município”.

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Cumpre ressaltar, ainda, que já me pronunciei acerca desta questão, na Consulta n. 676.763, na sessão do dia 02/04/2003, oportunidade na qual emiti o seguinte entendimento:

Esta egrégia Corte já se manifestou em diversas assentadas, especialmente nas Consultas de n. 611.381, relatada pelo Exmo. Conselheiro Fued Dib na sessão do dia 29/09/1999; e n. 618.078, relatada pelo Exmo. Conselheiro José Ferraz na sessão do dia 25/10/2000, aprovadas por unanimidade.

Em ambas as consultas, o Plenário desta egrégia Corte estabeleceu que é possível a construção de sede própria para a Câmara Municipal por meio do Poder Legislativo, em virtude da autonomia administrativa e financeira dos Poderes. A primeira, porém, explicita determinadas condições, quais sejam, sua inclusão no Plano Plurianual — caso a obra ultrapasse um exercício financeiro, existência de dotação orçamentária própria na Lei Orçamentária e cumprimento da Lei Nacional de Licitações. Nesta, ficou ressaltado, também, que o controle interno do Poder Legislativo Municipal deve acompanhar e fiscalizar a execução da obra, até mesmo os atos do ordenador. A segunda consulta, por sua vez, versa que, nos termos da Lei Complementar n. 101/2000 — Lei de Responsabilidade Fiscal, a despesa pública deverá se conformar com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos no PPA e na Lei de Diretrizes Orçamentárias e, por último, ponderou ser desaconselhável a realização de obras pela própria Câmara Municipal, quando esta não possuir infraestrutura gerencial mínima.

A tais condições, entendo necessário acrescentar mais uma, surgida após o exame por esta egrégia Corte das consultas citadas, referente à necessidade de observância do limite das despesas totais do Poder Legislativo Municipal, fixado no art. 29-A da Constituição Federal pela Emenda n. 25, de 14/02/2000 em vigor a partir de 1° de janeiro de 2001 (grifos nossos).

Posteriormente, esta Corte de Contas firmou o entendimento acerca da possibilidade de aquisição de bens móveis e imóveis pela Câmara Municipal para uso próprio, desde que haja previsão orçamentária e prévio procedimento licitatório. É o que se infere da exegese exarada na Consulta n. 726.250, respondida na sessão de 16/05/07, de relatoria do Conselheiro Wanderley Ávila e da Consulta de n. 800.718, sessão de 02/09/09,de relatoria do Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, senão vejamos:

Consulta n. 726.250, relatada pelo Conselheiro Wanderley Ávila, na Sessão do dia 16/05/2007, verbis:

Para viabilizar o exercício de suas importantes atribuições, com a autonomia necessária ao munus que lhe é conferido, a Câmara deverá dispor de recursos consignados no Orçamento Municipal, exercendo, assim, sua autonomia financeira.

[...]

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Assim, em primeiro lugar, é preciso que haja previsão orçamentária, em programa próprio com vistas à estruturação material da Câmara, para acobertar as despesas com aquisição de móveis e imóveis para uso próprio do Legislativo.

Neste passo, atendendo ao comando constitucional, a teor do disposto no seu art. 165, § § 1° e 2°, anote-se, ainda, que tais aquisições devem constar no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município, visto que a aquisição de bens duráveis, inclui-se nas despesas de capital.

Além dos requisitos de natureza orçamentária, impõe-se acrescentar que a aquisição de bens imóveis, a título oneroso, por compra, permuta ou desapropriação, depende de requisitos de natureza administrativo-financeira, à luz da Lei n. 8.666/93.

No mesmo sentido, a Consulta de n. 800.718, do Relator Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, sessão de 02/09/09:

[...]

No tocante à segunda parte do questionamento, se a Câmara Municipal poderá adquirir terreno para a construção de sua sede, tal despesa de capital é possível, desde que haja previsão orçamentária, em programa próprio, e seja observada a Lei de Licitações,

[...]

Nesse sentido, o entendimento neste Tribunal passou a ser o de que a previsão nas leis orçamentárias seria suficiente à satisfação do princípio da legalidade.

A douta Auditoria trouxe à colação a doutrina pátria acerca da matéria, esclarecendo o entendimento de Hely Lopes Meirelles, Diógenes Gasparini, Toshio Mukai e José Nilo de Castro no sentido da necessidade de lei específica que autorize a compra do imóvel.

De um modo geral, toda aquisição onerosa de imóvel para o Município depende de lei autorizativa e de avaliação prévia, podendo dispensar concorrência se o bem escolhido for o único que convenha à Administração; quanto aos móveis e semoventes (animais) destinados ao consumo ou ao serviço público, sua aquisição dispensa autorização legislativa especial, por já subentendida na lei orçamentária ao conceder dotação própria (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo municipal. 15. ed., 2006, p. 334).

Ilustra o Auditor, ainda, o entendimento da Professora Odete Medauar para quem “a exigência de autorização legislativa depende da disciplina legal vigente para cada âmbito administrativo, sendo mais frequente em nível municipal”.

Ressalte-se, ainda, que conforme se extrai da clássica divisão da doutrina, a Câmara de Vereadores, órgão colegiado do Poder Legislativo Municipal, exerce, preponderantemente, função legislativa, nos termos da Constituição da República e da Lei Orgânica do Município, além da função deliberativa, fiscalizadora e julgadora (SILVA, José Afonso da. Direito constitucional. 23. ed., p. 627).

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Nesse sentido, em primeiro lugar, é preciso que haja previsão orçamentária em programa próprio, com vistas à estruturação material da Câmara, para acobertar as despesas com aquisição de bens móveis e imóveis para uso próprio do Legislativo.

Nesse passo, atendendo ao comando constitucional, a teor do disposto no seu art. 165, §§ 1º e 2º, da CR/88 tais aquisições devem constar do Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município, visto que a aquisição de bens duráveis, incluem-se nas despesas de capital.

Além dos requisitos de natureza orçamentária, impõe-se acrescentar que a aquisição de bens imóveis, a título oneroso, por compra, permuta ou desapropriação, depende de requisitos de natureza administrativo-financeira, à luz da Lei n. 8.666/93. Consoante se infere do art. 6º da citada lei, em princípio, toda compra ou locação de bens, quer móveis ou imóveis, está a depender de prévia licitação, salvo nas excepcionais hipóteses de dispensa ou inexigibilidade, previstas nos arts. 17, 24 e 25 da Lei de Licitações.

No caso de aquisição de imóvel, destaco a dispensabilidade tratada no inciso X do art. 24, quando as necessidades de sua instalação e localização para abrigar as atividades precípuas do órgão, condicionarem a sua escolha. Neste caso, há que se verificar a compatibilidade com o valor do mercado e a avaliação prévia.

Consultando a Lei Orgânica do Município de São José da Lapa observa-se que:

Art. 18. A aquisição de bem imóvel, a título oneroso, depende da avaliação prévia e de autorização legislativa.

[...]

Art. 92. Cabe à Câmara Municipal, com a sanção do prefeito, não exigida esta para o especificado no art. 93, dispor sobre todas as matérias de competência do Município, especificadamente:

[...]

XV — aquisição e alienação de bem imóvel do Município.

No mesmo sentido a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Ação Popular. Município. Aquisição de Terreno. Prévia autorização do Legislativo Municipal. Ausência. Violação do princípio da legalidade. Lei n. 4.717/67 (TJMG, 8ª Câmara Cível, Apelação n. 1.0105.98.003447-1/001, Rel. Des. Fernando Bráulio, publicado em 21/02/06).

Assim, não resta dúvida de que a aquisição de imóvel pelo Município em questão dependerá da necessária previsão na lei orçamentária anual, na lei de diretrizes orçamentárias, no plano plurianual e de autorização específica.

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Conclusão: de todo o exposto, respondo as questões formuladas na presente consulta nos seguintes termos:

a) Não há vedação para a compra de terreno e a construção de sede própria tanto pelo Poder Executivo Municipal quanto pela Câmara Municipal, desde que tal despesa esteja vinculada a programa governamental inserto no Plano Plurianual e esteja também prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias, devendo ainda existir dotação orçamentária própria na Lei Orçamentária Anual e serem cumpridas as exigências da Lei de Licitações, além de observado o limite constitucional estabelecido no art. 29-A da Constituição da República.

b) O registro de propriedade de um bem público, seja ele móvel ou imóvel, não poderá ser feito em nome de órgãos despersonalizados, como são a Prefeitura Municipal e a Câmara Municipal, mas tão somente em nome da pessoa jurídica de direito público correspondente, isto é, do Município;

c) A aquisição de bem imóvel deve ser formalizada por escritura pública, realizando-se, posteriormente, a devida transcrição no Cartório de Registro de Imóveis (art. 531, Código Civil).

d) Em regra, verifica-se que a aquisição de imóvel pela Câmara Municipal e pelo Poder Executivo Municipal opera-se, por meio de desapropriação. Todavia, caso a Câmara Municipal e a Prefeitura optem pelo contrato de compra e venda, o administrador deverá atentar para os requisitos da lei civil (bem, preço, consentimento e forma) e do regime jurídico-administrativo (processo administrativo, prévia avaliação, lei específica de iniciativa do Poder Executivo, demonstração do interesse público, observância do devido procedimento licitatório, ressalvado este último a hipótese do inciso X, do art. 24 da Lei n. 8666/93.

É o meu voto.

Registra-se ao final, que, em sendo aprovado, este pronunciamento deverá ter cópia encaminhada à Biblioteca desta Corte, responsável pelo gerenciamento do banco de dados que disponibiliza a pesquisa das consultas, para as providências cabíveis.

A consulta em epígrafe foi apreciada pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 24/11/10 dirigida pelo Conselheiro Presidente em Exercício, Antônio Carlos Andrada; presentes o Conselheiro Elmo Braz, o Conselheiro Sebastião Helvecio e o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade — com observações do Conselheiro Sebastião Helvecio —, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Eduardo Carone Costa. Impedido o Conselheiro Substituto Hamilton Coelho.

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[...] o pagamento de aluguel de casa residencial para Delegado de Polícia, Comandante de Destacamento e de outros membros da Polícia Militar é, sem sombra de dúvida, uma forma indireta de remuneração de servidores do Estado pelo Município, e não caracteriza, portanto, serviço ou obra de interesse para o desenvolvimento local a justificar e legitimar a celebração de convênio.

CONSULTA N. 812.500

Impossibilidade de o Município arcar com despesas de aluguel de imóveis e alimentação dos policiais civis e militares

RELATÓRIO

Tratam os autos de consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Guarda-Mor, nos seguintes termos:

Havendo necessidade, o Município poderá assumir despesas com aluguel de imóveis para abrigar policiais civis e militares?

Pode o Município arcar com despesas de alimentação para policiais civis e militares?

Havendo a possibilidade, como deverão ser enquadradas tais despesas na dotação orçamentária?

A Auditoria, por meio do Dr. Gilberto Diniz, manifestou-se a fls. 6-11, quando, em preliminar, opina pelo conhecimento da consulta e, no mérito responde negativamente às dúvidas do consulente.

É o relatório, em síntese.

EMENTA: Consulta — Município — Custeio de despesas com aluguel de imóveis e alimentação de policiais civis e militares por Município — Impossibilidade — Ofensa ao princípio da moralidade administrativa — Configuração de formas indiretas de remuneração de servidores públicos estaduais — Competência originária do Estado de Minas Gerais — Aplicação dos enunciados de Súmula n. 14 e 15 do TCEMG.

RELATOR: CONSELHEIRO ELMO BRAZ

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PRELIMINAR E MÉRITO

Presentes os pressupostos de admissibilidade tomo conhecimento da consulta.

No mérito, respondo a presente consulta, nos termos do bem lançado parecer da Auditoria, in verbis:

A matéria pode ser examinada sob dois enfoques: o da moralidade administrativa e o da legalidade estrita.

Sob o enfoque da moralidade administrativa, é de relevo lembrar que o Pleno deste Tribunal de Contas já enfrentou por diversas vezes o tema do pagamento habitual, pelos Municípios, de comodidades destinadas a policiais. O entendimento que tem prevalecido — e que, penso, deve prevalecer também neste caso — está muito bem expresso no voto condutor da resposta à Consulta n. 463.739, Sessão de 23/02/2000, proferido pelo então Relator, Conselheiro Eduardo Carone Costa, verbis:

O Município, não obstante dotado de autonomia política, administrativa e financeira, deve observar com rigor os princípios instituídos na Constituição da República e na própria Constituição do Estado.

Segundo prescreve o art. 37 da Carta Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/98:

‘A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: [...]’ (grifo nosso).

Ressai, à evidência, que o respeito ao princípio de moralidade administrativa, colocado no patamar constitucional mais alto, pressupõe observância de limites éticos e morais que sustentam a legitimidade do ato a ser praticado.

No caso específico, é indiscutível que o Município pode, no pleno exercício de sua autonomia, firmar convênios com outras pessoas jurídicas de direito público interno, com o propósito de estabelecer cooperação administrativa e técnica para a consecução do objetivo comum.

Todavia, essa competência para celebrar convênios não é absoluta; seu exercício pressupõe atendimento aos princípios enumerados no art. 37 da vigente Constituição da República.

No regime constitucional em vigor, em grande parte, foi resgatada, felizmente, a autonomia municipal, mas os princípios do art. 37 da Carta Magna não podem ser preteridos, de forma alguma.

Registre-se que o art. 181 da Constituição Mineira de 1989 estabelece em qual hipótese é permitida a participação do Município em convênio, visando à cooperação com a União e o Estado.

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Prudentemente, o Constituinte Mineiro reservou para o instrumento de cooperação matéria pertinente, exclusivamente, a serviços e obras de interesse para o desenvolvimento local.

A seu turno, não são discrepantes as disposições do art. 241 da vigente Constituição da República, acrescentadas pela Emenda Constitucional n. 19/98, prescrevendo para os convênios e consórcios entre os entes federados a gestão associada de serviços públicos, somente.

Ora, o pagamento de aluguel de casa residencial para Delegado de Polícia, Comandante de Destacamento e de outros membros da Polícia Militar é, sem sombra de dúvida,uma forma indireta de remuneração de servidores do Estado pelo Município, e não caracteriza, portanto, serviço ou obra de interesse para o desenvolvimento local a justificar e legitimar a celebração de convênio.

A propósito, ao interpretar a concessão de vantagem pecuniária a servidores de outras entidades, esta Corte consolidou as seguintes súmulas:

É vedada a concessão pelo Município de ajuda de custo ou de qualquer vantagem pecuniária a Delegado de Polícia, que é servidor do Estado e por ele remunerado. (Súmula n. 14 — publicada no Minas Gerais de 08/10/87, p. 37 e ratificação no Minas Gerais de 27/05/97, p. 21).

O pagamento frequente pelo Município de refeições para Policiais Civis ou Militares é irregular, por caracterizar uma forma indireta de remuneração ou ajuda de custo a servidores estaduais a que a municipalidade não está obrigada a custear (Súmula n. 15 — publicada no Minas Gerais de 10/10/87, p. 43 e ratificação no Minas Gerais de 27/05/97, p. 21).

No mesmo sentido, esta Corte manifestou-se na Consulta n. 463.739:

Não é aceitável que o Poder Público despenda recursos com a realização de despesa que consulta, exclusivamente, o interesse do particular, que recebe um estipêndio mensal, exatamente, para fazer face aos gastos com a sua sobrevivência e de sua família.

[...]

Assim, por não se ajustar ao princípio constitucional de moralidade administrativa, de observância indeclinável, o Município não poderá realizar despesa com o pagamento de aluguel de casa residencial para Delegado de Polícia, Comandante de Destacamento e membros da Polícia Militar, ainda que exista lei local, pois, nesse caso, o diploma será irremitentemente, inconstitucional (Consulta n. 463.739 — Tribunal Pleno, julgado em 23/02/2010).

Na linha dessa decisão, penso que realmente desatenderia ao princípio constitucional da moralidade administrativa o custeio habitual, pelos Municípios, de comodidades destinadas a policiais, nelas incluídos o aluguel de residências e o fornecimento de alimentação, explicitamente referidos pelo consulente.

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Passando já à análise da matéria sob o enfoque da legalidade estrita, lembro que a Lei Complementar n. 101/2000 estatui:

Art. 62. Os Municípios só contribuirão para o custeio de despesas de competência de outros entes da Federação se houver:

I — autorização na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual;

II — convênio, acordo, ajuste ou congênere, conforme sua legislação.

Percebe-se que o retrotranscrito dispositivo estabelece uma tríade de condições para que um Município venha a contribuir para o custeio de despesas originariamente da competência de outro ente federado: a) autorização na lei de diretrizes orçamentárias; b) autorização na lei orçamentária anual; c) convênio ou instrumento que lhe faça às vezes.

Ora, o custeio das despesas com pessoal das polícias civil e militar mineiras é da competência originária do Estado de Minas Gerais. Por isso, um Município qualquer que pretendesse contribuir para o custeio daquelas despesas teria de, além de estar autorizado pela LDO e pela LOA locais, celebrar convênio com o Estado de Minas Gerais.

Sucede que pelo menos dois dispositivos da legislação estadual impedem que o Estado de Minas Gerais mantenha ou venha a celebrar convênios contemplando aquele objeto: art. 15 da Lei n. 9.265/1986 e art. 12 da Lei n. 9.266/1986. Por quase idênticos textos, penso que a transcrição do último deles é suficiente para aquilatar os contornos da restrição:

Art. 12. Ficam extintos em 16 de março de 1987 os convênios e outras modalidades de ajuste em vigor e vedada, a partir da vigência desta Lei, a celebração e o aditamento de novos convênios ou ajustes, bem como as contratações a título de serviços de terceiros, que possam propiciar complementação de vencimento de servidor público, ocupante de cargo efetivo ou em comissão.

Há, assim, impedimento legal para o Estado de Minas Gerais manter ou celebrar convênio de que possa resultar a complementação de vencimento de seus servidores.

É de se concluir, pois, que a intenção de qualquer Município de contribuir para o custeio das despesas com pessoal das polícias civil e militar mineiras encontra obstáculo na vedação legal de o Estado de Minas Gerais celebrar convênio que tenha por objeto uma contribuição dessa natureza.

Registro, finalmente, que, na esteira das considerações feitas, descabe cogitar da forma de contabilização dos gastos com as comodidades que seriam ofertadas aos policiais civis e militares, tema do terceiro quesito proposto pelo consulente.

É o meu voto.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 22/09/10 dirigida pelo Conselheiro Presidente em Exercício, Antônio Carlos Andrada; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro Sebastião Helvecio, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Elmo Braz. Impedido o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz.

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CONSULTA N. 812.490

Inclusão de receitas na base de cálculo para repasse do duodécimo às Câmaras Municipais

EMENTA: Consulta — Município — Receitas — Repasse duodecimal às Câmaras Municipais — I. Serviços de água e esgoto, prestados por Autarquia. Efetivação mediante tarifas. Regime administrativo. Não enquadramento nas receitas tributárias. Não inclusão na base de cálculo para repasse do duodécimo à Câmara Municipal. II. Serviços de coleta de lixo, remoção e tratamento ou destinação de lixo e resíduos provenientes de imóveis, prestados por Autarquia. Efetivação mediante taxas. Regime tributário. Súmula Vinculante n. 19 do Supremo Tribunal Federal. Inclusão na base de cálculo para repasse do duodécimo às Câmaras Municipais. III. Juros e multa da dívida ativa tributária. Obrigação tributária. Inclusão na base de cálculo para repasse do duodécimo ao Poder Legislativo. — Procedimento para regularização de classificação das contas — Reclassificação — Ajustes contábeis — Exercício em curso — Retificação de relatórios bimestrais e quadrimestrais — Observância das Instruções Normativas n. 12/2008 e 04/2009 — Exercícios anteriores — Justificativa nos respectivos processos de prestação de contas — Ajustes financeiros — Repasses a mais ou a menos de duodécimos em exercícios anteriores — Acordo entre Executivo e Legislativo — Possibilidade de compensação entre parcelas a receber no exercício em curso.

[...] conclui que para fins do repasse constitucional de valores do Executivo ao Legislativo Municipal, os juros e multa da dívida ativa tributária devem ser incluídos na base de cálculo, pois configuram-se como receitas tributárias, uma vez que se subsumem ao conceito de obrigação tributária constante no art. 113, § 1º, do CTN.

RELATOR: CONSELHEIRO ELMO BRAZ

RELATÓRIO

Tratam os autos de consulta formulada pela Sra. Dilene Guimarães Dileu, Presidente da Câmara Municipal de Governador Valadares, com as seguintes indagações:

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1 — É possível que a legislação municipal institua taxa de fornecimento de água tratada, taxa de esgoto sanitário e taxa de coleta de resíduos sólidos, e ao serem efetivadas essas receitas por uma autarquia municipal, tais taxas serão consideradas tributos para fins da base de cálculo do duodécimo repassado ao Legislativo?

2 — Em que situação tais receitas seriam consideradas tarifas?

3 — Caso realmente forem consideradas taxas as receitas referentes ao fornecimento de água tratada, esgoto e lixo e tenham sido classificadas como receitas de serviços, não sendo consideradas tributos, como deverá ser o procedimento contábil para a regularização?

4 — Se perceber o Poder Legislativo, no primeiro bimestre de determinado exercício, que o valor das receitas decorrentes das taxas de água tratada, esgoto sanitário e coleta de resíduos sólidos, do ano anterior, não foram classificados em taxas, e sim, em Receitas de Serviços pelo Poder Executivo, deixará a Câmara Municipal de receber créditos dessa arrecadação tributária nos repasses do duodécimo, em virtude dessa classificação incorreta?

5 — Na mesma situação hipotética, qual o procedimento a ser adotado para que o Poder Executivo faça as correções contábeis, visto que já foram enviados ao egrégio Tribunal de Contas os relatórios bimestrais e quadrimestrais do exercício anterior, previstos em Lei de Responsabilidade Fiscal? Considerando a Súmula n. 473 do STF, poderá haver a retificação dos relatórios bimestrais e quadrimestrais?

6 — As receitas decorrentes das multas, juros e dívida ativa das taxas integrarão a base de cálculo do valor do duodécimo a ser repassado ao Poder Legislativo?

A consulta foi admitida em 24/02/2010, encaminhada à Auditoria, que se manifestou a fls. 6-16, concluindo que:

Questões 1 e 2: As taxas são tributos, sujeitas ao regime jurídico tributário (art. 145, inciso II, da Constituição da República e arts. 77-80 do Código Tributário Nacional), e as tarifas são preços públicos, sujeitas ao regime administrativo, de modo que apenas as taxas estão incluídas nas receitas que integram a base de cálculo para o repasse duodecimal às Câmaras.

Questões 3, 4 e 5: O procedimento contábil para a regularização da errônea classificação de taxas como tarifas e de tarifas como taxas é a reclassificação das contas, devendo também tal procedimento ser evidenciado em notas explicativas nas Demonstrações Contábeis. Quanto aos procedimentos para retificação das informações ou substituição de dados dos relatórios apresentados, deverá ser observada especialmente a Instrução Normativa n. 12/2008, que dispõe sobre a remessa a este Tribunal, pelos Municípios, dos Relatórios de Gestão Fiscal (RGF) e Resumido da Execução Orçamentária (RREO) e do Comparativo das Metas Bimestrais de Arrecadação, previstos na Lei Complementar n. 101/2000, por meio do Sistema Informatizado de Apoio ao Controle Externo (SIACE), modificada pela Instrução Normativa n. 04/2009.

Questão 6: Conforme entendimento deste Tribunal, registrado nas Consultas n. 638.980, 725.544, 727.098 e 735.581, o produto da cobrança da dívida ativa

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tributária é receita de tributos na sua essência e, assim sendo, deve compor a base de cálculo para o repasse de duodécimos ao Poder Legislativo.

É em síntese o relatório.

PRELIMINAR

Embora de uma análise preliminar possa ser extraído que se trata de caso concreto, consubstanciado em pedido de consultoria jurídica, a meu ver, a elucidação da consulta formulada é de relevante importância, além de que, é sobre matéria que tem repercussão financeira, contábil, orçamentária, operacional e patrimonial, adequando-se ao disposto no art. 76, inciso IX, da Constituição do Estado de Minas Gerais.

Em sendo assim, considero que, em tese, esta Corte deve esclarecer as dúvidas suscitadas, estabelecendo-se as diretrizes que poderão auxiliá-lo, bem como aos demais jurisdicionados, na condução de medidas e ações pertinentes à gestão administrativa.

Desse modo, presentes os requisitos de admissibilidade, consoante às disposições regimentais, conheço a presente consulta.

MÉRITO

De início, cumpre ressaltar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça que, em atenção à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, entendeu que o valor recolhido a título de prestação de serviço de água e esgoto de natureza autárquica é preço público (tarifa), e não taxa, ou seja, não tem natureza jurídica tributária, como podemos ver pelas ementas abaixo:

TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. COBRANÇA DA CONTRAPRESTAÇÃO PELO SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTO. NATUREZA AUTÁRQUICA DA CONCESSIONÁRIA. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO DAS NORMAS DO CÓDIGO CIVIL. 1. Na linha da jurisprudência do STF e do STJ, a 1ª Seção firmou entendimento no sentido de ‘a contraprestação cobrada por concessionárias de serviço público de água e esgoto detém natureza jurídica de tarifa ou preço público’ e de que, ‘definida a natureza jurídica da contraprestação, também definiu-se pela aplicação das normas do Código Civil’ (REsp 690.609/RS, Min. Eliana Calmon, DJe de 07/04/2008. STJ, REsp 928267/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 12/08/2009, DJe 21/08/2009) (grifo nosso).

EXECUÇÃO FISCAL. SERVIÇOS DE ÁGUA E ESGOTO. NATUREZA JURÍDICA DE TARIFA. AUTARQUIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DECRETO N. 20.910/32. I — ‘O Colendo STF já decidiu, reiteradamente, que a natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgoto, prestados por concessionária de serviço público, é de tarifa ou preço público, consubstanciando, assim,

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contraprestação de caráter não-tributário’ (REsp n. 740.967/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 28/04/06). II — STJ (REsp 1011512/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 03/04/2008, DJe 07/05/2008) (grifo nosso).

Salientamos, que em resposta à Consulta n. 727.090, no dia 25/11/2009, da relatoria do Conselheiro Antônio Andrada, ficou firmado, nos termos do mesmo entendimento dos Tribunais Superiores, que a remuneração dos serviços de água e esgoto sanitário ocorre por meio de tarifa e não de taxa, não sendo, portanto, considerados tributos.

Com relação aos serviços de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, a cobrança, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, conforme Súmula Vinculante n. 19, se faz mediante taxa, e não tarifa e, portanto, considerada tributo.

Considerando tais entendimentos, podemos concluir em relação às duas primeiras questões do consulente que:

1 — A cobrança de serviços de água e esgoto se efetiva por meio de tarifas, não possuindo caráter de tributo, portanto a remuneração não integra as receitas para efeito de repasse do duodécimo às Câmaras Municipais.

2 — A cobrança da coleta de lixo, remoção e tratamento ou destinação de lixo e resíduos provenientes de imóveis, nos termos da Súmula Vinculante n. 19, se faz mediante taxa, portanto de caráter tributário e integra a receita para efeito de repasse do duodécimo às Câmaras Municipais.

Quanto às questões sobre os ajustes financeiros decorrentes de repasses a mais ou a menos de duodécimos, em exercícios anteriores, esclarecemos que poderão ser efetivados sob acordo entre o Executivo e o Legislativo, admitindo-se, também, a compensação entre parcelas a receber no exercício em curso.

No que tange às questões relativas aos ajustes contábeis e/ou de substituição de dados dos Relatórios de Gestão Fiscal (RGF), do Resumido de Execução Orçamentária (RREO), e do Comparativo das Metas Bimestrais de Arrecadação, previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal n. 101/2000, a serem efetivados em razão de possível equívoco na conceituação e classificação das espécies, consignamos que só poderão, também, ocorrer no exercício em curso e nos termos das Instruções Normativas n. 12/2008 e 04/2009. Quanto aos exercícios anteriores, deverão ser justificados nos respectivos processos de prestação de contas.

Em relação à questão se as receitas decorrentes das multas, juros e dívida ativa das taxas integrarão a base de cálculo do valor do duodécimo a ser repassado para o Legislativo, temos a esclarecer que a Lei Geral do Direito Financeiro estabelece que a receita orçamentária é composta pelas receitas correntes mais receitas de capital, sendo que nas receitas correntes é que se incluem as chamadas receitas tributárias, compreendidas, segundo o mesmo dispositivo legal, pelos impostos, taxas e contribuições de melhoria.

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Por outro lado, a dívida ativa, assim como as multas, são classificadas como receitas diversas, ou seja, categoria distinta e autônoma de receitas correntes, mas no nível classificatório das receitas tributárias. Desta forma, ainda que orçamentariamente classificadas em categorias distintas, não se pode olvidar que a receita oriunda da dívida ativa tributária, bem como os juros e multa dela decorrentes, comungam com a receita tributária da mesma origem jurídica, qual seja, ambas decorrem de uma obrigação tributária.

Desta feita em resposta ao questionamento acerca da inclusão, ou não, dos juros e multa da dívida ativa tributária na base de cálculo do repasse ao Legislativo Municipal, conclui-se que:

1 — A identificação da receita tributária sob a ótica do Direito Financeiro, é restrita à sua classificação segundo critérios próprios do sistema orçamentário, que não deve ser confundida com a classificação jurídica de seus elementos;

2 — O crédito tributário decorre da obrigação tributária e tem a mesma natureza jurídica desta que, além do próprio tributo, tem por objeto o pagamento também das penas pecuniárias pertinentes;

3 — Para a caracterização da receita tributária, deve-se levar em consideração o conceito mais amplo de obrigação tributária (art. 113, CTN) e não o conceito restrito de tributo propriamente dito (art. 3º, CTN), pois não só o pagamento de tributos alimentam a receita tributária, mas sim o pagamento de créditos tributários em geral;

4 — A dívida ativa tributária constitui-se de créditos tributários inadimplidos, sendo que os juros e multas pertinentes são objeto de pagamento do próprio crédito e, consequentemente, integrantes também da própria dívida;

Assim se conclui que para fins do repasse constitucional de valores do Executivo ao Legislativo Municipal, os juros e multa da dívida ativa tributária devem ser incluídos na base de cálculo, pois configuram-se como receitas tributárias, uma vez que se subsumem ao conceito de obrigação tributária constante no art. 113, § 1º, do CTN.

Ressaltamos que este Tribunal de Contas tem o mesmo entendimento que está firmado nas Consultas n. 735.841 da relatoria do Conselheiro Wanderley Ávila e 638.980 da relatoria do Conselheiro Eduardo Carone que a esse respeito entendeu que “é induvidosa a conclusão de que o produto da cobrança da dívida ativa tributária, regularmente inscrita na repartição administrativa de origem, é receita de tributos na sua essência, e, assim sendo deve compor a base de cálculo em questão.”

É o parecer.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 27/10/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Elmo Braz. Impedido o Conselheiro Substituto Licurgo Mourão.

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RELATÓRIO

Tratam os autos de consulta formulada pelo Sr. Eduardo Felipe Machado, Superintendente do Instituto de Previdência Municipal de Pouso Alegre (Iprem), acerca da incidência da Lei n. 11.301/2006 no magistério municipal, nos seguintes termos:

Considerando, que a Lei Federal citada incluiu, para efeito de aposentadoria especial do professor, além dos que exercem atividade de docência, os de direção de unidade escolar, coordenação e assessoramento pedagógico;

Considerando, que a lei em comento, entrou em vigor na data de sua publicação (11/05/2006);

Aposentadoria especial para professor de carreira no exercício da direção, coordenação e assessoramento pedagógico em estabelecimento de educação básica

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CONSULTA N. 715.673

EMENTA: Consulta — Instituto de Previdência Municipal — Professor de carreira no exercício da direção, coordenação e assessoramento pedagógico em estabelecimento de educação básica — Possibilidade de concessão de aposentadoria especial, excluídos os especialistas em educação — Vigência da Lei n. 11.301/2006 — Inclusão de períodos de trabalho anteriores à vigência da lei no cômputo da aposentadoria.

A partir da edição da Lei n. 11.301/2006, seus destinatários poderão se valer da redução do tempo para aposentadoria previsto no § 5º do art. 40 da CR/88, contando para tanto, até mesmo o tempo laborado nessas funções anteriormente à vigência da lei.

RELATOR: CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

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O tempo até então exercido pelo pessoal incluído pela referida lei, até sua edição, será também contado com a redução prevista no parágrafo 5º do art. 40 da Constituição Federal?

A douta Auditoria manifestou-se a fls. 7-11.

É o relatório, em síntese.

PRELIMINAR

Preliminarmente, verifico, nos termos constantes da petição inicial, que o consulente é parte legítima para formular a presente consulta, e que o seu objeto refere-se a matéria relevante e de competência desta Corte, não versando sobre caso concreto. Logo, por estarem preenchidos os requisitos constantes nos arts. 210 e 212 do RITCEMG — Resolução n. 12/2008 conheço desta consulta.

Acolhida a preliminar, passo ao exame da questão suscitada, a qual responderei, em tese.

MÉRITO

Inicialmente cumpre assinalar que o § 5º do art. 40 da CR/88, com a redação dada pela EC n. 19/98, assim dispõe:

Art. 40.

[...]

§ 5º Os requisitos de idade e de tempo de contribuição serão reduzidos em 5 (cinco) anos em relação ao disposto no § 1º, III, a, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio.

Assim, importa salientar que a Lei n. 11.301/06 aventada pelo consulente, publicada em 11/05/2006, alterou dispositivos da Lei n. 9.394/96, que trata das Diretrizes e Bases da Educação. Um desses dispositivos modificados foi a redação do art. 67, § 2º, que passou a vigorar da seguinte forma:

Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no § 8º do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.

Nesse sentido, por meio da alteração supracitada, ficou ampliado o benefício da aposentadoria especial — estabelecida inicialmente apenas para os professores que exerciam funções de magistério em sala de aula — àqueles que desempenhavam

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atividades educativas, abrangendo, assim, as funções de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico.

Essa norma teve sua constitucionalidade questionada pela ADI n. 3.772 na medida em que, ao ampliar o rol dos legitimados a receber aposentadoria especial, rompeu com a sistemática anterior vigente. Isso porque, antes da edição da referida lei, o § 5º do art. 40, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional n. 20/98, conforme supracitado, estabeleceu que os requisitos de idade e tempo de contribuição seriam reduzidos em cinco anos para a concessão de aposentadoria voluntária, desde que preenchidos os demais requisitos, somente ao professor que comprovasse exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio, o que foi entendido, em um primeiro momento, de forma restritiva, aos professores que exercessem o magistério em sala de aula.

Nesses termos, insta reforçar, nesse ponto, que o termo magistério foi primeiramente entendido como o desempenho de atividade-fim, ou seja, ministrar aulas, como bem assinalou o Procurador-Geral da República ao arguir a inconstitucionalidade material da Lei Federal n. 11.301/2006. Daí a justificativa para a interpretação dada à palavra magistério, do art. 40, § 5º, da Constituição da República, permitir abarcar apenas os professores que estivessem no exercício em sala de aula.1

Entretanto, no julgamento da ADI n. 3.772, o excelso Pretório deu novos contornos à questão e, adotando uma interpretação da lei conforme a Constituição, entendeu como função de magistério não somente aquela exercida pelos professores em sala de aula, mas também a direção, coordenação e assessoramento pedagógico, desde que exercidos por professores de carreira, excluídos tão somente os especialistas em educação, nos termos do voto do Ministro Ricardo Lewandowski (Relator para o Acórdão) — publicada no DJU em 27/03/09, cuja ementa transcrevo abaixo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE MANEJADA CONTRA O ART. 1º DA LEI FEDERAL N. 11.301/2006, QUE ACRESCENTOU O § 2º AO ART. 67 DA LEI N. 9.394/1996. CARREIRA DE MAGISTÉRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL PARA OS EXERCENTES DE FUNÇÕES DE DIREÇÃO, COORDENAÇÃO E ASSESSORAMENTO PEDAGÓGICO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 40, § 4º, E 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE, COM INTERPRETAÇÃO CONFORME.

I — A função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em sala de aula, abrangendo também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar.

II — As funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico integram a carreira do magistério, desde que exercidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores de carreira, excluídos os especialistas em educação,

1 Nesse mesmo sentido, v. Súmula 726 do Supremo Tribunal Federal e ADI-MC 2253/ES, Rel. Min. Maurício Corrêa — STF.

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fazendo jus aqueles que as desempenham ao regime especial de aposentadoria estabelecido nos arts. 40, § 4º, e 201, § 1º, da Constituição Federal.

III — Ação direta julgada parcialmente procedente, com interpretação conforme, nos termos supra (STF — ADI N. 3.772/DF — Relator Originário: Ministro Carlos Ayres Britto; Relator para o Acórdão: Ministro Ricardo Lewandowski).

Em síntese, o Supremo Tribunal Federal, quando da apreciação da ADI n. 3.772/DF, endossou a ampliação do rol dos beneficiários legitimados à percepção de aposentadoria especial, até então concedida apenas a professor que comprovasse magistério exclusivo em sala de aula, para outras funções, desde que realizadas por professores de carreira.

Nesse cenário, partindo da premissa que a Lei n. 11.301/06 tem caráter de lei nacional, por alterar uma lei desse status, qual seja, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a declaração de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal vincula todos os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública federal, estadual e municipal,2 consoante expresso no art. 28, parágrafo único, da Lei Federal n. 9.868/99.

Logo, os municípios também deverão estender o benefício da aposentadoria especial aos professores no desempenho de atividades de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento, quando exercidas em estabelecimento de educação básica, excluídos apenas, conforme materializado na decisão do Supremo Tribunal Federal, os especialistas em educação.

A par então desse entendimento inconteste, em que não paira qualquer pecha de inconstitucionalidade da referida norma,3 o deslinde do questionamento aventado pelo consulente pode ser resumido a partir das seguintes ponderações:

a. Considerando os efeitos prospectivos da norma jurídica, o que, via de regra, a desonera de regular situações pretéritas à sua vigência, obviamente às aposentadorias concedidas e solicitadas em período anterior à vigência da norma jurídica supramencionada, não incidirá a redução de tempo para a aposentadoria, coadunando-se aqui com a máxima tempus regit actum.

b. De outro lado, para as aposentadorias solicitadas após a entrada em vigor do diploma normativo, qual seja, a Lei n. 11.301/2006, poderão os abrangidos pela norma — os ocupantes de funções de direção, coordenação e

2 Nesse mesmo diapasão a doutrina de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, assim dispõe: ‘A decisão de mérito em ação direta, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto é dotada de efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Direta e Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal’ (PAULO, VICENTE, 2008, p. 786) (grifo nosso).

3 No mesmo sentido, TJMG: EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA — SERVIDORA PÚBLICA — AFASTAMENTO PRELIMINAR — APOSENTADORIA ESPECIAL — CARGO DE DIREÇÃO — CÔMPUTO DO PERÍODO — LEI n. 11.301/2006 — CONCESSÃO DA SEGURANÇA. O período exercido por Servidora Pública Professora em cargo de Diretor deve ser computado para fins de APOSENTADORIA ESPECIAL, tendo ela direito ao afastamento preliminar, nos termos do que dispõe a LEI n. 11.301/2006, em seu art. 67, § 2º (MS n. 1.0000.06.441937-7/000, Rel. Des. Francisco Figueiredo, publicado em 16/03/2007) (grifo nosso).

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assessoramento pedagógico, desde que exercidas por professores de carreira — valerem-se da redução do tempo para obtenção da aposentadoria, devendo, para tanto, computar inclusive, períodos anteriores à data de entrada em vigor da lei mencionada dedicados ao magistério, nos contornos estabelecidos pela norma. Isso porque a legislação infraconstitucional unicamente estende o benefício para funções anteriormente não contempladas pela EC 19/98, não fixando qualquer marco temporal para a contagem do tempo a ser aproveitado para a aposentação, não se cogitando, portanto, em cisão desse interstício pelo advento da lei.

Nesse particular, volte-se a frisar, a norma adquire importância não para o aproveitamento de tempo nas funções por ela especificadas, mas sim para estabelecer quem faz jus à redução e quem não faz. Em outros termos, se a aposentadoria é anterior à lei, os que ocupavam aquelas funções disciplinadas na Lei n. 11.301/2006, não se valem da redução; se posterior à lei, a redução é incidente permitindo-se o cômputo de todo o tempo exercido na função de magistério, inclusive aquele anterior ao seu advento.

Nesse cenário, regulamentando a matéria no âmbito do Estado de Minas Gerais, a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão editou a Instrução Normativa SCAP/DCCTA n. 01/2009, por meio da qual fora fixado o marco temporal inicial de aplicação da redução dos cinco anos para concessão de aposentadoria especial para as funções de magistério a partir da data da lei, dentro da linha trabalhada neste parecer.

Conclusão: pelas razões elencadas, respondo o presente questionamento nos seguintes termos:

A partir da edição da Lei n. 11.301/2006, seus destinatários poderão se valer da redução do tempo para aposentadoria previsto no § 5º do art. 40 da CR/88, contando para tanto, até mesmo o tempo laborado nessas funções anteriormente à vigência da lei.

É o parecer que submeto à consideração de meus pares.

A consulta em epígrafe foi apreciada pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 27/10/10

presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa,

Conselheiro Elmo Braz, Conselheira Adriene Andrade e Conselheiro Substituto Licurgo

Mourão, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro

Antônio Carlos Andrada. Impedido o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz.

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Irregularidade nas outorgas realizadas para exploração de serviço de táxi*1

* Cumpre informar que, até o fechamento desta edição, a decisão proferida pelo Tribunal nos autos epigrafados não havia transitado em julgado.

RELATÓRIO

Os presentes autos foram constituídos a partir do relatório de inspeção extraordinária realizada na Prefeitura Municipal de Confins, objetivando examinar a execução temporária e condicional do serviço de táxi no referido Município, conforme Termo de Autorização n. 056/2006, protocolizado neste Tribunal sob o n. 184.801-1, bem como verificar se, após o vencimento do prazo constante no referido Termo, houve a formalização do procedimento licitatório.

Determinada a conversão dos autos em Processo Administrativo e a abertura de vista aos interessados, foi apresentada a defesa do Sr. João Batista da Silva, a fls. 415-432.

Em seguida, a fls. 437-438, o Sr. Celso Antônio da Silva, por meio de seu procurador, solicitou novo prazo para apresentação de alegações.

PROCESSO ADMINISTRATIVO N. 717.185

[...] considerando-se que a outorga para exploração de serviço de táxi deve ocorrer por meio de processo de licitação, nos termos do previsto no art. 1º c/c inciso IV do art. 2º e art. 40 da Lei Federal n. 8.987/95, bem como nos termos previstos pelo art. 175 da Constituição da República/1988, ante a ausência de documentação comprobatória da realização dos devidos procedimentos licitatórios, considero irregulares as outorgas aqui analisadas.

RELATOR: CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

EMENTA: Processo Administrativo — Município — Inspeção extraordinária: I. Outorga para exploração de serviço de táxi. Ausência de formalização do devido procedimento licitatório — Irregularidade. II.1 Outorga para exploração de serviço de táxi realizada mediante Dispensa de Licitação. Ausência de publicação na Imprensa Oficial do ato de retificação da dispensa — Irregularidade — Condição para eficácia dos atos. II.2 Assinatura de novos termos contratuais, embasados na dispensa de licitação anterior. Mesmos permissionários. Afronta ao art. 1° c/c inciso IV do art. 40 da Lei n. 8.987/97 e ao art. 175 da CR/88 — Irregularidade — Cominação de multas aos responsáveis.

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Concedido o prazo de 10 dias, o Sr. Celso Antônio da Silva apresentou sua defesa, conforme documentação a fls. 442-508.

As defesas foram objeto de reexame por parte do órgão técnico, a fls. 511-519. Em seguida, foi ouvido o Ministério Público de Contas, a fls. 522-523, em manifestação conclusiva.

É, em síntese, o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Quanto ao mérito, passo a analisar os seguintes apontamentos constantes dos autos:

1 Período examinado: 1997-2004

1.1 Outorgas para exploração do serviço de táxi realizadas sem a formalização de procedimento licitatório

Responsável: Sr. João Batista da Silva, Prefeito Municipal à época.

Apontamento

No período de 1997-2004, o Município de Confins conferiu 20 outorgas para exploração do serviço de táxi, mediante a Lei Municipal n. 040/97 e mais 20 permissões com base na Lei Municipal n. 121/99, sem precedência de licitação e sem formalização contratual, contrariando o art. 1º c/c IV do art. 2º e art. 40 da Lei Federal n. 8.987/95, bem como o art. 175 da Constituição da República/1988.

Defesa

Em relação às permissões de n. 1 a 20, elencadas a fls. 22 dos presentes autos, o defendente alegou a improcedência dos apontamentos da equipe técnica deste Tribunal de Contas,

tendo em vista que naquele período o Município de Confins fez licitação para outorga da exploração do serviço de táxi, conforme Lei Municipal 040/97, e todos os exploradores de serviço têm contrato firmado com a Prefeitura Municipal de Confins (táxi especial).

Alegou, ainda, que as referidas permissões foram aprovadas pelo Estado de Minas Gerais, por meio da Lei n. 15.775/2005.

Afirmou, também, que o órgão gerenciador do transporte de táxi na região metropolitana de Belo Horizonte é o DER, sendo que competiria ao gestor do Município de Confins, à época, enviar ao referido órgão as pastas correspondentes às permissões concedidas.

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Quanto às permissões baseadas na Lei Municipal n. 121/98, o defendente alega, da

mesma forma, a improcedência dos apontamentos da equipe técnica deste Tribunal

de Contas, uma vez que foi realizado o correspondente procedimento licitatório em

janeiro de 2004.

Ressaltou, contudo, que, na ocasião, 17 pessoas foram selecionadas por meio de

licitação e que as outras 3 permissões foram conferidas em caráter precário.

Informou, ainda, que conforme a Comunicação Interna de n. 004/06 da Prefeitura

de Confins, três permissões foram legalizadas pelo gestor à época, por meio de ato

administrativo, pelo período de 20 anos.

Análise

Da análise da defesa verifico que os documentos juntados aos autos referem-se

a um pedido de revisão da decisão da Comissão Especial de Licitação,

atinente ao Processo Licitatório n. 002/2003 realizado para a outorga de

“permissões de táxi” (fls. 417-423). Entre os referidos documentos, inclui-se

a cópia de uma decisão exarada em sede de mandado de segurança (Processo

n. 210.04.017915-7), impetrado por participantes do referido Processo

Licitatório n. 002/2003 (fls. 424-427). A mencionada decisão versa no sentido

de considerar improcedente a pretensão dos impetrantes, julgando razoável

a cláusula do edital, que obriga a comprovação do domicílio eleitoral do

licitante no Município de Confins.

Em que pese a documentação juntada aos autos, o defendente não apresentou

nenhum documento referente à formalização dos processos licitatórios, tanto

em relação ao mencionado procedimento n. 02/2003, quanto em relação ao

procedimento supostamente realizado em janeiro de 2004, não havendo, portanto,

qualquer comprovação da realização dos devidos processos licitatórios, de acordo

com as formalidades previstas pela Lei de Licitações.

Importa ressaltar, ainda, que a Lei n. 15.775/2005, que regulamenta o serviço

público de transporte individual de passageiros por táxi em região metropolitana,

em nenhum momento aprovou as outorgas elencadas a fls. 22 dos autos, ao contrário

do afirmado pelo defendente.

Dessa forma, considerando-se que a outorga para exploração de serviço de táxi

deve ocorrer por meio de processo de licitação, nos termos do previsto no art. 1º

c/c inciso IV do art. 2º e art. 40 da Lei Federal n. 8.987/95, bem como nos termos

previstos pelo art. 175 da Constituição da República/1988, ante a ausência de

documentação comprobatória da realização dos devidos procedimentos licitatórios,

considero irregulares as outorgas aqui analisadas.

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Conclusão: por todo o exposto, considero irregulares as outorgas para exploração do serviço de táxi ora analisadas, devido à ausência de procedimento licitatório, contrariando ao prescrito no art. 1º c/c inciso IV do art. 2º e art. 40 da Lei Federal n. 8.987/95, além do art. 175 da Constituição da República/1988.

2 Período examinado: 2005-2006

2.1 Outorgas para exploração do serviço de táxi realizadas mediante procedimento de Dispensa de Licitação irregularmente formalizado

Dispensa de Licitação n. 17/2005

Responsável: Sr. Celso Antônio da Silva, Prefeito Municipal à época.

Apontamento

Mediante o Processo de Dispensa de Licitação n. 17/2005, sob fundamento da urgência, com base no art. 24, inciso IV, da Lei Federal n. 8.666/93, a Administração contratou, em 04/03/2005, 130 permissionários pelo prazo de 180 dias. Constatou-se, porém, a ausência da publicação na Imprensa Oficial do ato de ratificação da dispensa de licitação para a contratação dos permissionários de táxi do Município, como condição para a eficácia dos atos, bem como não foram especificadas as razões da escolha dos prestadores dos serviços contratados, em inobservância ao que preceituam o caput e o inciso II do parágrafo único do art. 26 da Lei Federal n. 8.666/93.

2.2 Outorgas para exploração do serviço de táxi realizadas sem a formalização de procedimento licitatório

Responsável: Sr. Celso Antônio da Silva, Prefeito Municipal à época.

Apontamento

No encerramento da vigência do contrato firmado em 04/03/2005 (considerado no item 2.1) e, com base na própria dispensa de licitação realizada (Processo de Dispensa de Licitação n. 17/2005), a Administração firmou novos termos contratuais com os mesmos permissionários, por 150 dias, a partir de 30/08/2005 e, novamente, por 100 dias, a partir de 27/01 e 30/05/2006, em desacordo o art. 1º c/c inciso IV do art. 2º e art. 40, ambos da Lei Federal n. 8.987/95, bem como o art. 175 da Constituição da República/1988.

Defesa

O defendente, inicialmente, alegou que:

O ponto de maior relevância para a solução do presente caso, que trata de questão referente à seleção de taxistas, é o que se refere à natureza do serviço de táxi, sendo que há duas correntes: a primeira entende tratar-se de

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serviço público típico, sujeito a processo licitatório obrigatório; [...] a segunda corrente entende que o serviço de táxi é serviço particular sujeito ao controle público; esta corrente é dominante na jurisprudência (na verdade é uníssono o entendimento nos Tribunais), é pacífica na doutrina, e tem respaldo em nada menos que em decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal; todas as demais capitais do país adotam este entendimento.

Em seguida, posicionou-se no sentido defendido pela segunda corrente, ressaltando que “este entendimento não afasta a necessidade de observância estrita dos princípios constitucionais administrativos”.

Além disso, afirmou que sua defesa está limitada ao período iniciado em 01/01/2005 até a data da apresentação de sua documentação, tendo em vista que o período compreendido entre os anos de 1997 e 2004 estava sob a gestão de outra pessoa.

O defendente procurou discorrer sobre o contexto em que os fatos ocorreram, afirmando, primeiramente, que na gestão anterior ao seu mandato, o então prefeito procedeu a distribuição de 130 permissões do serviço de táxi sem a realização de qualquer procedimento administrativo. Afirmou, ainda, que havia denúncias sobre a falsificação de comprovantes de residência para o emplacamento dos carros.

Asseverou que tão logo tomou posse, o defendente cassou as permissões ilegais.

Acrescentou que, em razão de alterações na legislação municipal, para ampliação da frota de táxis, conforme as Leis n. 351, 352 e 356/2005, cujas cópias encontram-se a fls. 39-43 dos presentes autos, foi aberto um procedimento licitatório para a seleção, no qual constava entre suas cláusulas, a exigência de comprovação da residência no Município de Confins, tendo em vista que, ainda em outra ocasião, em sede de Mandado de Segurança, o magistrado da Comarca de Pedro Leopoldo decidiu pela licitude da cláusula em edital de licitação do serviço de táxi que restringisse a participação aos residentes no Município (fls. 465-468).

No entanto, afirmou que tal exigência foi amplamente questionada, inclusive por meio de decisões judiciais, levando a Administração a cancelar o procedimento licitatório.

Ainda contextualizando os fatos, o defendente ressaltou que o Governo do Estado de Minas Gerais havia decidido transferir os voos do Aeroporto da Pampulha para o Aeroporto de Confins, o que aumentou, sobremaneira, a demanda de táxi na cidade.

Em razão deste acontecimento, o defendente considerou que não havia mais tempo para a realização de procedimento licitatório. Contudo, embora tenha tentado contratar taxistas por meio de procedimento de dispensa de licitação, foi impedido por liminares judiciais, que consideraram não estar sendo observados os prazos licitatórios.

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Em seguida, realizou com sucesso o procedimento de dispensa de licitação, contratando diretamente os delegatários.

Após o referido procedimento de dispensa, o defendente alegou intentar novo processo licitatório, sendo novamente questionado quanto aos critérios de seleção e vícios do processo.

Assim, segundo o próprio defendente:

Neste ponto é que esta Administração tomou consciência de que o serviço de táxi não seria um serviço público típico, mas sim um serviço particular controlado pela Administração Pública, donde foi procedida a outorga de autorizações para exploração do serviço. Estas autorizações foram concedidas, precariamente, aos mesmos cidadãos que já haviam feito investimentos para a exploração do serviço e já estavam aptos para tanto; trata-se de questão de coerência, como se pode ver da mais perfunctória análise.

Afirmou, contudo, que seria da intenção da Administração proceder à outorga em caráter não precário das referidas autorizações, por meio de procedimento que garanta o atendimento aos princípios constitucionais e administrativos gerais pertinentes, mas que ainda há questionamentos sobre a possibilidade e legalidade da outorga de autorizações. Ressaltou, ainda, que o Ministério Público entende que se trata de serviço público típico e que já há processo administrativo instaurado junto à Procuradoria de Defesa do Patrimônio Municipal, sendo constantes os questionamentos por parte da Promotoria de Justiça local, conforme documentos juntados aos autos.

Assim, declarou que até que se findassem os questionamentos, a Administração ficaria impedida de dar seguimento ao processo de seleção de autorizatários, sob pena de ver os procedimentos interrompidos, por meio de ordens judiciais.

Quanto às irregularidades arguidas, o defendente alegou que:

O reconhecimento da natureza do táxi como serviço particular controlado/fiscalizado pela Administração constitui premissa que prejudica a discussão sobre eventuais falhas formais de processos licitatórios que, nesta altura, ficam esvaziados de importância procedimental, ou seja, como não se trata de serviço público não seria o caso de exigência de licitação, donde é impertinente a discussão sobre a dispensa de licitação. Se não era caso de licitação, não há que se falar em questionamentos sobre a dispensa de licitação.

Ressaltou que o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu que o serviço de táxi não é um serviço público típico.

O defendente afirmou, ainda, que qualquer outra interpretação seria prejudicial à própria municipalidade, além de inconstitucional, ilegal e antiética ante o princípio da prevalência do interesse público, pois não seria eficiente ou apropriada.

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Asseverou que interpretar o serviço de táxi como serviço público stricto sensu surgiu em 1995 na Prefeitura de Belo Horizonte.

A fim de discorrer sobre a natureza jurídica do serviço de táxi, o defendente citou lição de José dos Santos Carvalho Filho acerca da dificuldade de se definir com precisão os serviços públicos.

Além disso, alegou que quando se trata de serviços públicos, a encampação não é faculdade, mas obrigação. Assim, questionou como se poderia conceber a Prefeitura, proprietária de táxis, prestando o serviço através de servidores, no caso de deficiência da prestação por parte dos particulares.

Citou, ainda, diversas conceituações de serviço público, a exemplo de Marcelo Caetano, Fritz Fleiner, Di Pietro, entre outros, ressaltando que sempre se tem a figura do Estado prestando o serviço, seja direta ou indiretamente.

Apresentou citação de Hely Lopes Meirelles a respeito dos chamados serviços autorizados, os quais seriam “aqueles que não exigem execução pela própria Administração, nem pedem especialização na sua prestação ao público, como ocorre com os serviços de táxi [...]”.

Em seguida, abordou a questão do Estado Gerencial, decorrente da Emenda à Constituição n. 19/98, que intervém nas atividades econômicas de forma mínima, apenas incentivando e coibindo abusos, afirmando que interpretar a natureza jurídica do serviço de táxi como serviço público seria uma afronta aos princípios que norteiam o ordenamento jurídico pátrio.

O defendente afirmou que a essencialidade do serviço, por si só, não o torna um serviço público e que, em todas as demais cidades do país o táxi é considerado serviço particular fiscalizado pela Administração e que considerá-lo como serviço público teria apenas uma vantagem, qual seja submetê-lo à realização de procedimento licitatório, frente a uma série de desvantagens, dentre as quais enumerou:

1 — Aplicação da responsabilidade objetiva decorrente do risco da Administração, ou seja, o Município tornar-se-ia responsável por qualquer dano causado durante a execução do serviço;

2 — O serviço público está sujeito à encampação;

3 — O serviço público deve respeitar o princípio da modicidade, de modo que a remuneração pelo serviço prestado seja módica;

Em seguida, transcreveu excerto do voto do Relator Min. Carlos Velloso, em sede de julgamento do Recurso Extraordinário n. 355.444/RJ, em que afirma se tratar de “simples autorização ao invés de permissão, certo que a autorização não exige

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licitação” e do parecer do Procurador-Geral da República, à época, Prof. Geraldo Brindeiro, que defende:

quanto à alegação de violação ao art. 175 da Constituição Federal, não nos parece exigível o procedimento licitatório para a concessão de permissões aos taxistas, uma vez que o serviço de transporte executado por veículos de aluguel a taxímetro não se constitui atividade própria da Administração, nem pede especialização na sua prestação ao público.

Apesar do nomen juris de permissão para o exercício da atividade, trata-se, na verdade, de autorização de serviço público. A Administração para autorizar a prestação de um serviço público não essencial, mas de interesse coletivo, como é o caso dos táxis, pode dispensar a licitação, uma vez que a Constituição Federal somente exige o procedimento licitatório para a delegação de serviços públicos a particulares quando sob o regime da permissão e concessão.

Assim, conclui o defendente que o serviço de táxi não configura serviço público stricto sensu, não se aplicando, portanto, as normas do art. 175 da Constituição da República e as da Lei n. 8.666/93.

Da mesma forma, entendeu que resta comprovada a legalidade e legitimidade dos termos de outorga de “autorizações”, indicadas no item 2.2.3 do relatório técnico (item 2.2).

Além disso, o defendente se dispôs a prestar esclarecimentos complementares, informando que o dispositivo da Lei Orgânica Municipal tido como descumprido foi expressamente revogado, ante sua inconstitucionalidade.

Quanto ao apontamento referente ao fato de que os termos de outorga foram celebrados antes da homologação do resultado, alegou que os instrumentos foram celebrados em 04/03/2005, mesma data da homologação do resultado do procedimento, conforme dado do próprio relatório técnico a fls. 18.

Quanto à inobservância da regra do parágrafo único do art. 26 da Lei de Licitações, o defendente alegou que não procede a afirmação, tendo em vista que, conforme o documento a fls. 151 dos presentes autos, houve a manifestação sobre a razão da escolha.

Afirmou, ainda, que

é notória a dificuldade de se encontrarem, em caráter de extrema urgência, cento e trinta cidadãos dispostos a comprar um carro e desenvolver o serviço de táxi, mormente em face da pequena população do Município de Confins (5.600 habitantes, segundo o IBGE).

Citou trecho do entendimento de Marçal Justen Filho, que afirma que “não é possível inviabilizar a atividade administrativa para tutelar o princípio da isonomia”, para justificar que não haveria alternativa a se tomar, tendo em vista que os processos seletivos simplificados foram inviabilizados por decisões judiciais.

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Por fim, o defendente esclareceu que o Município estaria aguardando, tão somente, a manifestação final do Ministério Público, para que pudesse proceder ao devido processo seletivo do serviço de táxi.

Análise

Inicialmente, tal como elucidado no reexame técnico a fls. 517, quanto à natureza jurídica da exploração do serviço de táxi, importa ressaltar que o próprio Município de Confins, a exemplo da Lei Municipal n. 040/1997 (art. 1),1 a considera como serviço público, cuja concessão ou permissão deve se dar mediante realização de procedimento licitatório, nos moldes de sua Lei Orgânica (art. 101).2

Ademais, mostra-se necessário demonstrar que, ao contrário do esposado pelo defendente, o entendimento majoritário jurisprudencial não questiona a necessidade de realização de procedimento licitatório para a permissão de exploração do serviço de táxi.

Nesse sentido, versa a decisão do Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de Agravo Regimental no Recurso em Mandado de Segurança n. 26.455/DF, na sessão do dia 17 de junho de 2008:

ADMINISTRATIVO — RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA — LICITAÇÃO — PERMISSÃO DE TÁXI — AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO — INEXISTÊNCIA.

1. Inexiste o alegado direito líquido e certo; porquanto, não comporta dúvida alguma sobre a necessidade de licitação para permissão da atividade de prestação de transporte por taxímetro.

2. A atividade de prestação de transporte por taxímetro é um serviço público e, como tal, necessita, para ser delegado ao particular, licitação, nos moldes previstos na Lei n. 8.987/1995.

3. O art. 175, CF/1988, determina que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. A Lei n. 8.987/1995 também impõe a realização de licitação para a ocorrência de permissão. Os textos constitucional e legal não abrem margem a que se realize a outorga de permissão do serviço de transporte para a exploração de táxi, sem o prévio procedimento licitatório.

4. É um sofisma afirmar que a determinação de que se obrigue a Administração a outorgar não se choca com o art.175. Como salientado no parecer ministerial, “porque se trata de ato discricionário do Governador a escolha do momento oportuno para a distribuição das permissões, não podendo o Poder Judiciário

1 Art. 1º É de competência do Município a organização, administração e prestação direta ou sob o regime de concessão ou permissão do Serviço Público do Transporte Individual Remunerado de Passageiros — Táxi (grifo nosso).

2 Art. 101 Lei Municipal disporá sobre a organização, funcionamento e segurança dos serviços públicos de interesse local, prestados sob o regime de concessão, permissão ou autorização.§ 1º A concessão será feita mediante contrato, precedido de concorrência.§ 2º A permissão, sempre a título precário, será precedida de licitação, na forma da lei.[...]

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compeli-lo a cumprir essa tarefa nesse momento. E mais, ainda que optasse por fazê-la de imediato, não poderia simplesmente outorgar as permissões aos impetrantes, pois é imprescindível a realização do certame licitatório para a escolha do particular que irá explorar o serviço público”. Precedentes da Primeira e da Segunda Turmas.

5. Ainda que fossem aptos os recorrentes à titularidade do direito pleiteado, a natureza da ação de segurança exige prova pré-constituída e, conforme o juízo do TJDFT, essa não existe na espécie. (RMS 19.132/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 15.5.2006, p. 158) (grifo nosso).

Com a mesma acepção, versam as decisões: RMS 19.091/DF3 da relatoria do Min. Humberto Martins, AgRg 15.688/RJ4 da relatoria do Min. Francisco Falcão, e RMS 26.302/DF5 da relatoria do Min. Teori Albino Zavascki.

Destaca-se, ainda, a recente decisão do egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no reexame necessário em sede de apelação cível n. 1.0713.04.033010-0/002, da relatoria do Desembargador Edilson Fernandes, julgado na sessão do dia 23/02/2010:

No presente caso, não se pode olvidar que a permissão do serviço de transporte individual de passageiros (táxi) embora seja exercida por particulares, constitui serviço de interesse público e como tal se sujeita à fiscalização e autorização do Município, que, de um lado, deve garantir ao permissionário as condições para a efetiva prestação dos serviços, e, de outro, obriga este ao fiel cumprimento

3 ADMINISTRATIVO — MANDADO DE SEGURANÇA — LICITAÇÃO — PERMISSÃO TÁXI — AUSÊNCIA — DIREITO LÍQUIDO E CERTO — INEXISTÊNCIA.1. Inexiste o alegado direito líquido e certo, porquanto não comporta dúvida alguma sobre a necessidade de licitação para permissão da atividade de prestação de transporte por taxímetro.2. A atividade de prestação de transporte por taxímetro é um serviço público e, como tal, necessita, para ser delegado ao particular, licitação, nos moldes previstos na Lei n. 8.987/95.3. In casu, não se pôde delegar diretamente, sem licitação, a atividade de exploração de transporte por taxímetro sem licitação ao particular, como fez in casu, sendo nula a transferência assim realizada.4. Como muito bem pontuou o parecer do MPF: Com efeito, consoante o art. 175 da Constituição Federal/88, ‘incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos’. Na mesma esteira, a Lei de Regência das Concessões e Permissões (Lei n. 8.987/95) também impõe a realização de licitação para a ocorrência de permissão. Ora, a redação do art. 175 da CF/88 não abre espaço para a almejada permissão do serviço de transporte para a exploração de táxi SEM o prévio procedimento licitatório; ao contrário, a convalidação de tais permissões SEM observância das formalidades exigidas, pela Administração Pública (que, frise-se, deve compromisso maior com os princípios da legalidade, moralidade, publicidade, impessoalidade e eficiência), vem justamente de encontro à finalidade constitucional conferida ao regime da licitação pública, que visa propiciar igualdade de condições e oportunidades para todos os que querem contratar obras e serviços com a Administração, além de atuar como fator de transparência e moralidade dos negócios públicos.5. Precedentes: AROMS 15.688/RJ Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 20/10/2003 e REsp 623.197/MG Rel. Min. José Delgado, DJ 8/11/2004. Recurso ordinário improvido.

4 PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CANCELAMENTO DE PERMISSÕES PARA A EXPLORAÇÃO DE TRANSPORTE POR TAXI. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INDEFERIMENTO DA INICIAL DO MANDAMUS.I — O recurso não faz qualquer apreciação sobre os argumentos trazidos no acórdão recorrido, não atendendo aos preceitos insculpidos no art. 514 do CPC.II — Tanto a Constituição Federal (art. 175) quanto a Lei de Regência das Concessões e Permissões (Lei n. 8.987/1995) exigem a licitação como condição para a concessão e permissão de serviços públicos, não sendo suficiente a edição de uma norma local para afastar a exigência de certame prévio à permissão de serviço público. Assim, não há que se falar que a Lei n. 3.123/2000 é autoaplicável e que gerou direito líquido e certo aos que poderiam vir a ser beneficiados pela medida, incidindo, em tal hipótese, o óbice da Súmula 266 do STF.III — Agravo regimental improvido.

5 PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERMISSÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE INDIVIDUAL DE PASSAGEIROS OU BENS (TÁXI). LEI DISTRITAL n. 2.496/99. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

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das cláusulas contratuais, garantindo o transporte de qualidade e segurança à população.

Com efeito, a imprescindibilidade de prévio processo licitatório também se impõe para a hipótese de prestação de serviços de táxi, vez que, mesmo figurando atividade econômica franqueada à iniciativa privada, sujeita-se ao poder de polícia da Administração mediante autorização e fiscalização, o que caracteriza uma prestação de serviço público municipal, submetida, por isso, ao regime jurídico de Direito Público (Administrativo).

Ainda que não houvesse regulamentação do art. 175 da CF, visto cuidar de norma de eficácia limitada, ainda assim não seria possível admitir a permissão do serviço de transporte para a exploração de táxi sem o prévio procedimento licitatório, uma vez que o próprio texto afirma categoricamente que a permissão desse serviço será “sempre através de licitação”, cuja finalidade visa propiciar igualdade de condições e oportunidades para todos os que pretenderem contratar obras e serviços com a Administração, além de atuar como fator de transparência e moralidade dos negócios públicos.

Em caso idêntico ao que se examina, a egrégia 5ª Câmara Cível assim já concluiu:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO ADMINISTRATIVO. PERMISSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. TÁXI. OBRIGATORIEDADE DE PROCESSO LICITATÓRIO. Segundo o art. 22, XXVII, da Constituição, cabe à União estabelecer normas gerais de contratação administrativa, em todas as suas modalidades, o que inclui a concessão e a permissão para a prestação de serviços públicos, o que é reforçado pelo art. 175, parágrafo único, também da Constituição. A permissão para a prestação de serviços de transporte autônomo — táxi — deve ser precedida do processo licitatório, conforme determina a Constituição e, também, a Lei Federal n. Lei Federal n. 8.987/1995. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal de Justiça de Minas Gerais (RN n. 1.0610.05.010525-9/001, Relª Des(a) MARIA ELZA, j. 16/10/2008).

Forçoso admitir que tanto a Constituição Federal (art. 175) quanto a Lei das Concessões e Permissões (Lei n. 8.987/1995) exigem a licitação como condição para a concessão e permissão de serviços públicos, sendo até mesmo irrelevante a edição de uma norma local para afastar a exigência de certame prévio à permissão de serviço público’ (grifo nosso).

Da mesma forma, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.0000.08.488957-5/000,6 na sessão do dia 13/01/2010, o Desembargador Herculano Rodrigues destacou em seu voto:

A Constituição Mineira consagra em seu art. 13 os princípios da impessoalidade, moralidade e razoabilidade nas atividades da Poder Público, inscritos na Constituição da República, bem como em seus arts. 15 e 40, § 1º, a obrigatoriedade da licitação para a delegação ou contratação pela Administração de obra,

6 EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei do Município de Juiz de Fora. Permissão para a exploração de serviços de táxi. Encerramento do exercício da atividade pelo profissional. Hipótese prevista como de revogação da permissão. Revogação do dispositivo. Espaço para a comercialização da permissão com terceiros. Violação da disciplina constitucional sobre permissões de serviços públicos. Princípios da obrigatoriedade de licitação e da razoabilidade. Infringência. Representação acolhida. Lei declarada inconstitucional (grifo nosso).

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serviço, compra, alienação, concessão e permissão, em todas as modalidades — repetindo, nesse último caso, a comando do art. 175 da Constituição Federal.

Desse modelo, evidentemente, não pode fugir o ordenamento jurídico municipal, pelo princípio da simetria.

No caso em apreço, é bem verdade, a Lei n. 6.612/84, ao prever em seu art. 2º que a permissão para exploração do serviço de táxi seja outorgada a profissionais autônomos “mediante concurso público ou transferência, na forma da lei”, parece desbordar dos referidos comandos constitucionais.

Todavia, ainda que não tenha sido o referido dispositivo (ou outros da mesma Lei municipal) objeto desta ação direta, impõe-se a constatação da flagrante inconstitucionalidade material da supressão operada pela Lei n. 11.688/08, na medida em que a retirada do inciso VIII do art. 9º da Lei n. 6.612/84, que se harmoniza com a disciplina constitucional das permissões de serviço público — a exigir, sempre, a licitação —, conduz à consagração de uma manifesta inconstitucionalidade (grifo nosso).

Certamente, o posicionamento jurisprudencial ora apresentado, embora majoritário, não implica, necessariamente, unanimidade: há quem defenda tese contrária, o que é natural da dialética, a exemplo do parecer formulado pelo Procurador-Geral da República, à época, Prof. Geraldo Brindeiro, aludido no voto do ilustre Ministro Carlos Velloso, proferido no julgamento do RE 359.444/RJ, cujo excerto trouxe aos autos o defendente. Contudo, no caso em tela, mostra-se relevante destacar que o nobre Ministro foi vencido em seu voto, não representando, portanto, a decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, ao contrário do afirmado pelo defendente.

Dessa forma, procedendo à análise dos referidos atos de concessão de outorgas para exploração do serviço de táxi, realizados mediante procedimento de Dispensa de Licitação irregularmente formalizado, verifica-se que eles não foram realizados em consonância com a Lei n. 8.666/93.

A Lei de Licitações admite a contratação direta nas hipóteses previstas nos seus arts. 24 e 25. Contudo, as situações de dispensa ou inexigibilidade de licitação não denotam a desnecessidade de se observar as formalidades exigidas pela lei, nos termos do parágrafo único do art. 26.

Nesse sentido, explica Justen Filho:7

Tal como afirmado inúmeras vezes, é incorreto afirmar que a contratação direta exclui um ‘procedimento licitatório’. Os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação envolvem, na verdade, um procedimento especial e simplificado para seleção do contrato mais vantajoso para a Administração Pública. Há uma série ordenada de atos, colimando selecionar a melhor proposta e o contratante mais adequado. ‘Ausência de licitação’ não significa desnecessidade de observar formalidades prévias (tais como verificação da necessidade e conveniência da contratação, disponibilidade de recursos etc.). Devem ser observados os

7 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008, p. 366.

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princípios fundamentais da atividade administrativa, buscando selecionar a melhor contratação possível, segundo os princípios da licitação.

Assim, ante a não comprovação da publicação exigida no caput do art. 26 da Lei de Licitações, resta mantido o apontamento realizado pelo órgão técnico desta Corte de Contas. Ressalta-se que não se questiona a existência do despacho de ratificação, mas a sua publicação, o que não foi devidamente comprovado nos autos.

No entanto, tendo em vista constar no despacho de ratificação, homologação e adjudicação, a fls. 151, as razões de escolha dos permissionários, considerando a formação no curso ministrado pelo SET/Senat, entendo que não deve permanecer o apontamento referente à não observação do disposto no inciso II, parágrafo único, do art. 26 da Lei n. 8.666/93.

Por outro lado, a hipótese de contratação por dispensa de licitação prevista para os casos de emergência ou de calamidade pública, tal como dispõe o inciso IV do art. 24 da Lei de Licitações, é admitida pelo prazo máximo de 180 dias a contar da ocorrência de emergência ou calamidade, uma vez que pressupõe tratar-se de prazo suficiente para que a Administração providencie a licitação indispensável à continuação do serviço.

Importa ressaltar que esse prazo não foi respeitado no caso em pauta, bem como não houve, por parte da Administração, providências posteriores para realização de procedimentos de licitação para regularizar a situação do Município. Ao contrário, foram firmados novos termos contratuais com os mesmos permissionários, embasados no Processo de Dispensa de Licitação n. 17/2005, contrariando, portanto, o art. 1º c/c inciso IV do art. 2º e art. 40, todos da Lei Federal n. 8.987/95, bem como o art. 175 da Constituição da República/1988.

Conclusão: por todo o exposto, considero irregular o procedimento de dispensa de licitação, elencado no item 2.1, por contrariar o inciso IV do art. 24 e o caput do art. 26, ambos da Lei de Licitações; bem como considero irregulares os termos contratuais que se seguiram, elencados no item 2.2, por contrariarem o art. 1º c/c inciso IV do art. 2º e art. 40, ambos da Lei Federal n. 8.987/95, além do art. 175 da Constituição da República/1988.

VOTO

Pela irregularidade das outorgas para exploração de serviço de táxi, efetuadas sem a formalização de procedimento licitatório, bem como do procedimento de dispensa de licitação e dos termos contratuais dele decorrentes, conforme configurado nos autos, e, com fulcro no § 2º do art. 276 do RITCEMG c/c inciso II do art. 85 da Lei Complementar n. 102/2008, aplico multa ao Sr. João Batista da Silva, Prefeito do Município de Confins, no período de 1997 a 2004, no valor global de R$1.000,00,

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e ao Sr. Celso Antônio da Silva, Prefeito do Município de Confins, no período de 2004 a 2008, no valor global de R$2.000,00, sem prejuízo do encaminhamento dos autos ao Ministério Público de Contas para adoção das medidas legais cabíveis, pelos fundamentos ora discriminados:

— outorgas para exploração de serviço de táxi, realizadas sem a formalização de procedimento licitatório, elencadas no item 1.1: em razão da contrariedade ao prescrito no art. 1º c/c inciso IV do art. 2º e art. 40, todos da Lei Federal n. 8.987/95, além do art. 175 da Constituição da República/1988, aplico multa no valor de R$1.000,00, ao Sr. João Batista da Silva;

— Procedimento de Dispensa de Licitação n. 17/2005 irregularmente formalizado, enumerado no item 2.1: por contrariar o inciso IV do art. 24 e o caput do art. 26, ambos da Lei de Licitações, aplico multa no valor de R$ 1.000,00, ao Sr. Celso Antônio da Silva;

— termos contratuais decorrentes do procedimento de dispensa de licitação referente a outorgas para exploração de serviço de táxi, elencados no item 2.2: em razão da contrariedade ao prescrito no art. 1º c/c inciso IV do art. 2º e art. 40, todos da Lei Federal n. 8.987/95, além do art. 175 da Constituição da República/1988, aplico multa no valor de R$ 1.000,00, ao Sr. Celso Antônio da Silva.

Por derradeiro, caso os termos contratuais informados no item 2.2, decorrentes do Procedimento de Dispensa n. 17/2005, ainda estejam vigendo, voto, com fulcro no art. 49, § 2º, da Lei de Licitações, no sentido de que o atual gestor promova a anulação desses, fixando prazo de 15 dias para comunicação a esta Corte da medida adotada, advertindo-o de que o não cumprimento desta determinação ensejará a comunicação ao Poder Legislativo Municipal para que adote o comando previsto no § 1º do art. 71 da CR/88, sem prejuízo das sanções. Caso os referidos contratos não mais estejam em vigor, o fato deverá ser informado a este Tribunal, no mesmo prazo assinalado.

Cumpridas as disposições regimentais, arquivem-se os autos.

O processo administrativo em epígrafe foi apreciado pela Primeira Câmara na sessão do dia 07/12/10 presidida pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada; presentes a Conselheira Adriene Andrade e o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, a proposta de voto exarada pelo relator, Conselheiro Antônio Carlos Andrada.

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RELATÓRIO

Tratam os autos de consulta formulada pelo Sr. Neyval José de Andrade, Prefeito do Município de Conselheiro Pena e Presidente da Associação dos Municípios da Microrregião do Médio Rio Doce (Ardoce), nos seguintes termos:

1. É legal associações de municípios credenciar pessoas físicas (profissionais) e pessoas jurídicas (por exemplo: laboratórios) para prestar serviços da área de saúde à população dos municípios integrantes das associações de municípios?

2. Se positiva a resposta anterior, pode associações de municípios receber dos usuários o pagamento dos serviços credenciados e repassá-lo ao prestador de tais serviços?

3. Pode associações de municípios instituir taxa administrativa a ser cobrada dos usuários ou dos prestadores dos serviços credenciados?

CONSULTA N. 791.229

Assim, se uma associação de municípios disponibilizar serviços de saúde financiados pelo próprio usuário, sua atuação será regida pelo regime jurídico de direito privado, devendo, contudo, observar os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS) conforme previsto no art. 22 da Lei n. 8.080/90, Lei Orgânica da Saúde. Nessa hipótese, não competirá ao Tribunal de Contas manifestar-se sobre a legalidade de eventual credenciamento de prestadores de serviços de saúde, uma vez que não serão destinados recursos públicos para o financiamento das ações e dos serviços de saúde.

RELATORA: CONSELHEIRA ADRIENE ANDRADE

Impossibilidade de prestação de serviços públicos por Associações de Municípios com recursos públicos

EMENTA: Consulta — Município — Credenciamento de profissionais e de empresas para prestação de serviços de saúde por Associações de Municípios — Impossibilidade de utilização de recursos públicos como fonte de financiamento — Cooperação dos entes federados na prestação de serviços públicos mediante consórcios públicos.

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4. Pode os municípios associados pagar às associações de municípios o valor dos serviços credenciados e a taxa administrativa para que a associação pague os prestadores dos serviços credenciados?

A consulta foi distribuída à minha relatoria, conforme despacho do Sr. Conselheiro Presidente a fls. 4 e, em seguida, encaminhada ao Auditor Licurgo Mourão para emissão de parecer, com fulcro no inciso V do art. 54 do RITCEMG.

O ilustre Auditor opinou, preliminarmente, pelo conhecimento da consulta e, no mérito, pela impossibilidade do credenciamento de pessoas físicas ou jurídicas para a prestação de serviços na área de saúde pelas associações de municípios, bem como da instituição de taxa administrativa a ser cobrada dos usuários das ações e serviços de saúde, por falta de amparo na ordem jurídica pátria.

É o relatório, em síntese.

PRELIMINAR

Preliminarmente, conheço da presente consulta, por ser o signatário parte legítima, nos termos do inciso X do art. 210 do RITCEMG, para responder o primeiro e quarto quesitos, que tratam de matéria de competência deste Tribunal.

MÉRITO

Acolhida a preliminar, passo ao exame do primeiro e quarto quesitos formulados, para respondê-los em tese, tendo em vista tratar-se da utilização de recursos privados.

O consulente indaga sobre a possibilidade de associações de municípios realizarem o credenciamento de profissionais e de empresas para prestação de serviços de saúde à população dos municípios que as integram e sobre os recursos financeiros necessários para operacionalização desse sistema.

Primeiramente, necessário se faz tecer algumas considerações sobre o direito à saúde no ordenamento jurídico pátrio. Consoante o estabelecido no art. 196 da CR/88, a saúde é direito de todos e dever do Estado. Todavia, a execução de serviços públicos de saúde não é atividade privativa do Estado, uma vez que pode ser desenvolvida pela Administração Pública, diretamente ou por meio de terceiros, e por pessoa física ou jurídica de direito privado.

O entendimento desta Corte de Contas é no sentido de que é facultado à Administração Pública utilizar o sistema de credenciamento de prestadores de serviços, nas hipóteses em que não for possível promover a licitação em decorrência de inviabilidade de competição, desde que observados os princípios da isonomia, impessoalidade, publicidade e eficiência.

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Nesse sentido manifestou-se o saudoso Conselheiro José Ferraz nos autos n. 604.355, Processo Administrativo, in verbis:

O credenciamento prévio de prestadores de serviços médicos a ser ofertado é um procedimento administrativo legal e se configura quando determinado serviço público necessita ser prestado por uma pluralidade de contratos simultâneos, sem exceção. No entanto, tal procedimento tem que ser precedido de abertura para todos os interessados, deixando clara a possibilidade de contratação irrestrita de todos os prestadores de serviços, pessoas físicas ou jurídicas, que preencham as condições exigidas.

Note-se que no sistema de credenciamento, a Administração deverá contratar todos os interessados que preencham os requisitos estabelecidos no instrumento convocatório, facultando ao usuário a escolha do prestador de serviço que lhe aprouver.

Acerca do credenciamento de profissionais para atuar na área de saúde, o Conselheiro Moura e Castro teceu as seguintes observações nos autos do Processo n. 698.324:

O credenciamento [...] é uma espécie de contratação direta, de criação doutrinária, baseada na inexigibilidade de licitação, em que a Administração Pública estabelece o preço do serviço e dispõe-se a contratar todos os interessados que atendam a determinada qualificação, a exemplo da pré-qualificação para a concorrência pública prevista no art. 114 da Lei de Licitações. Nesse contexto, o usuário do serviço de saúde pública escolhe, dentre os credenciados, aquele cuja especialização melhor atenda à sua necessidade ou conveniência, sendo a remuneração paga pelo Poder público conforme tabela preestabelecida. Dessa forma, a Administração disponibiliza à população maior quantidade de profissionais, que serão remunerados apenas pelos serviços efetivamente prestados, sem estabelecer vínculos funcionais ou de trabalho.

Outrossim, o Conselheiro Antônio Carlos Andrada respondeu à Consulta autuada sob o n. 811.980 nestes termos:

O Município pode realizar sistema de credenciamento de consultas médicas, desde que precedido de procedimento formal de inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 5º, caput, c/c o parágrafo único do art. 26 da Lei n. 8.666/93.

Não obstante haver consenso acerca da possibilidade de a Administração Pública utilizar-se do sistema de credenciamento, em caso de inviabilidade de competição, necessário se faz perquirir se a atuação das associações de municípios na execução de ações e serviços de saúde encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio.

O regime jurídico dos serviços públicos no Brasil vem sofrendo muitas alterações nas últimas décadas, em busca de maior eficiência no desempenho das atividades do Estado. Nesse escopo, a Constituição da República de 1988 atribuiu a cada ente federativo determinadas competências, visando à descentralização administrativa.

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Consoante estabelecido no art. 23 da CR/88, a competência para cuidar da saúde é comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. As normas de cooperação entre os entes federados para execução desses serviços estão dispostas na Lei n. 8.080/90, que criou o Sistema Único de Saúde (SUS), responsável pela gestão das ações e serviços de saúde no País. Além de disciplinar a participação das três esferas governamentais no setor de saúde, o referido diploma legal, conhecido por Lei Orgânica da Saúde, prevê a constituição de consórcios municipais visando à conjunção de esforços no exercício de suas atribuições, in verbis:

Art. 10. Os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam.

A gestão associada, já prevista no art. 23 da CR/88, foi ampliada por meio da Emenda Constitucional n. 19/98, que alterou a redação do art. 241 da Constituição da República, atribuindo competência aos entes federativos para disciplinar por lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação, nestes termos:

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Em 2005, foi editada a Lei n. 11.107/05, que dispõe sobre as normas gerais para os consórcios públicos. De acordo com a mencionada lei, os consórcios podem adquirir personalidade jurídica de direito público ou de direito privado. O objeto do consórcio deverá ser sempre a prestação de serviços públicos, sem fins lucrativos. Todas as obrigações financeiras dos entes consorciados são estipuladas em um contrato paralelo ao contrato de consórcio, denominado contrato de rateio. Em se tratando de consórcio constituído para atuar na área de saúde, deverão ser observados os princípios, diretrizes e normas que regulam o SUS, conforme preconiza o § 3º do art. 1º do referido diploma legal.

O exame dos dispositivos constitucionais e da legislação infraconstitucional permite afirmar que a gestão associada de serviços públicos na área de saúde deve ser realizada por meio dos consórcios públicos, figura jurídica introduzida no ordenamento pátrio com o objetivo específico de possibilitar a cooperação dos entes federados na prestação de serviços públicos.

As associações de municípios, por seu turno, embora tenham características semelhantes às dos consórcios públicos, têm finalidade distinta, pois, enquanto os consórcios visam à prestação de serviços públicos, aquelas têm por finalidade maior a defesa dos interesses de seus associados.

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Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira, em obra dedicada aos consórcios públicos, assim se manifestam acerca das associações de municípios:

Tais entidades não formam consórcios, significando a reunião de Municípios em associações, de natureza privada, para fins de defesa de interesses dos Municípios filiados. Ausente está, nestas associações, o objetivo de realizar a gestão associada de serviços e praticar atividades de interesse comum.1

Além disso, elas podem receber recursos financeiros de fontes distintas, mesmo de entes privados, diferentemente do que ocorre com os consórcios, em que os entes consorciados somente repassam os recursos mediante contrato de rateio. Por isso, a atuação das associações de municípios no setor de saúde, por meio do sistema de credenciamento, a meu ver, não tem respaldo jurídico, visto que as associações de municípios não foram criadas sob as rédeas da Lei n. 11.107/05, que permite a união de entes federados unicamente para prestar serviços públicos adequados, utilizando os recursos públicos como fonte de financiamento.

Por outro lado, conforme anteriormente mencionado, nada impede que a associação dos municípios tenha o ingresso de recursos advindos de entes privados, em conformidade com o estabelecido no seu estatuto, instrumento jurídico destinado a disciplinar um empreendimento comum a vários associados, ou seja, o estatuto é que regulamenta os direitos e deveres dos associados e que dá viabilidade ao organismo que o elabora.

Assim, se uma associação de municípios disponibilizar serviços de saúde financiados pelo próprio usuário, sua atuação será regida pelo regime jurídico de direito privado, devendo, contudo, observar os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS) conforme previsto no art. 22 da Lei n. 8.080/90, Lei Orgânica da Saúde. Nessa hipótese, não competirá ao Tribunal de Contas manifestar-se sobre a legalidade de eventual credenciamento de prestadores de serviços de saúde, uma vez que não serão destinados recursos públicos para o financiamento das ações e dos serviços de saúde.

Assim, considerando que a CR/88 e a legislação infraconstitucional estabelecem que a gestão associada de serviços públicos, também na área de saúde, deve ser exercida pelos consórcios públicos, entendo que não compete às associações de municípios tal prática.

Conclusão: não compete às associações de municípios a prestação de serviços de saúde com financiamento público, tendo em vista que a legislação criou o consórcio público para o exercício de tal finalidade. Entretanto, nada impede que as associações de municípios prestem tais serviços com a utilização de recursos privados, sendo que, nesta hipótese, não compete ao Tribunal de Contas manifestar-se sobre a

1 MEDAUAR, Odete. OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Consórcios públicos — comentários à Lei 11.107/2005. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 80.

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legalidade de eventual credenciamento de prestadores de serviços de saúde, pois não envolve a utilização de financiamento público.

É o parecer que submeto à consideração dos Srs. Conselheiros.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 01/12/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheiro Sebastião Helvecio e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pela relatora, Conselheira Adriene Andrade.

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RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pela Sra. Marivone de Paiva Fernandes Borges, Secretária Municipal de Educação de Araguari, por meio da qual indaga se

existe legalidade para que uma Prefeitura construa, às suas expensas, por meio de convênio com o Estado três (03) salas de aula, dois (02) banheiros em prédio de ESCOLA ESTADUAL destinados ao atendimento de alunos da Educação Básica em tempo integral com o recurso mínimo obrigatório de 25% da arrecadação municipal, que é repassado para a Educação.

O processo foi instruído com o parecer do ilustre Auditor Gilberto Diniz, que opinou, em preliminar, pelo conhecimento da consulta e, no mérito, pela possibilidade da construção de salas de aula e banheiros em escola estadual, às expensas do Município, observadas as condições referidas na Consulta autuada

CONSULTA N. 833.257

[...] a própria Lei de Responsabilidade Fiscal, que instituiu normas de finanças públicas para todas as esferas do governo, visando o equilíbrio das contas públicas, procurou abrandar a rigidez de suas disposições, ao permitir que, havendo interesse público, os municípios realizem despesas atribuídas constitucionalmente a outros entes da Federação, desde que cumpram os requisitos estabelecidos em seu art. 62.

Possibilidade de cômputo de despesas com obras em imóvel de outro ente federativo para fins de cumprimento constitucional do percentual mínimo na educação

RELATORA: CONSELHEIRA ADRIENE ANDRADE

EMENTA: Consulta — Município — Assunção de despesas com a construção de banheiros e salas de aula em escola estadual com recursos municipais — Convênio — Possibilidade — Conveniência, oportunidade e interesse público local — Dotação orçamentária — Bilateralidade de direitos e obrigações — Observância dos requisitos do art. 62 da Lei Complementar n. 101/00 e do art. 116, § 1º, da Lei n. 8.666/93 — Cômputo das despesas como gastos com educação para alcance do percentual constitucional mínimo — Art. 70, II, da Lei Federal n. 9.394/96.

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sob o n. 777.729. Afirmou, ainda, o Auditor, que os recursos assim despendidos poderão ser computados “para alcance da aplicação mínima de 25% da receita resultante de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme inciso II do art. 5º da INTC n. 13/2008”, tendo em vista que atendem a demanda básica da educação.

É o relatório, em síntese.

PRELIMINAR

Preliminarmente, conheço da presente consulta, por ser a signatária parte legítima, nos termos do inciso VI do art. 210 do RITCEMG, e a matéria afeta à competência desta Corte.

MÉRITO

Acolhida a preliminar, passo ao exame do quesito formulado, para respondê-lo em tese.

Conforme determina o art. 214 do RITCEMG, cumpre salientar que a matéria relativa à execução de obra em imóvel de outro ente federativo já foi examinada no âmbito desta Corte na Consulta autuada sob o n. 777.729, de relatoria do Conselheiro Eduardo Carone, oportunidade em que o Pleno, por unanimidade, aprovou o parecer do relator.

Consoante registrado naqueles autos, para o deslinde da questão ora examinada, faz-se necessária a análise do art. 62 da Lei Complementar n. 101/2000, in verbis:

Art. 62. Os Municípios só contribuirão para o custeio de despesas de competência de outros entes da Federação se houver:

I — autorização na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual;

II — convênio, acordo, ajuste ou congênere, conforme sua legislação.

De acordo com a doutrina, esse dispositivo

deve ser interpretado como sendo uma autorização legislativa para a construção do federalismo cooperativo, pois é sobre a esfera municipal que recaem as maiores expectativas na prestação de serviços públicos que, em muitos casos, estão no âmbito de competência de outros entes da Federação.1

Note-se que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal, que instituiu normas de finanças públicas para todas as esferas do governo, visando o equilíbrio das contas públicas, procurou abrandar a rigidez de suas disposições, ao permitir

1 FIGUEIREDO, Carlos Maurício et al. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 275.

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que, havendo interesse público, os municípios realizem despesas atribuídas constitucionalmente a outros entes da Federação, desde que cumpram os requisitos estabelecidos em seu art. 62.

Assim sendo, a primeira parte da indagação deve ser respondida nos exatos termos da decisão proferida na Consulta autuada sob o n. 777.729, in litteris:

É possível que o gestor municipal assuma a execução de obra em imóvel não pertencente ao Município, devendo esse ato ser formalizado mediante convênio, desde que presentes a conveniência, a oportunidade, o interesse público local, a existência de dotação orçamentária, o estabelecimento da bilateralidade de direitos e obrigações e presentes os requisitos do artigo 62 da Lei Complementar 101/00 e do art. 116, § 1º, da Lei 8.666/93.

Para responder a segunda parte do questionamento, acerca da possibilidade de inclusão de tais despesas como gastos com a educação, necessário se faz examinar o art. 70 da Lei n. 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, in litteris:

Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:

[...]

II — aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino.

Em consonância com esse dispositivo legal, o inciso II do art. 5º da Instrução Normativa n. 13/2008 deste Tribunal, que regulamentou as disposições constitucionais e legais aplicáveis ao Estado e aos Municípios para o cumprimento do percentual mínimo de aplicação de recursos à educação, incluiu no rol das despesas com educação os gastos relativos à aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino.

Desse modo, considerando que a hipótese apresentada pela consulente, qual seja, a construção de salas de aula e banheiros em prédio de escola estadual para atendimento de alunos do ensino fundamental, enquadra-se na previsão legal ora mencionada, fica claro que tais despesas podem ser computadas como gastos com educação para alcance do percentual mínimo previsto no art. 212 da CR/88.

Conclusão: os municípios podem construir, às suas expensas, salas de aula e banheiros em escola estadual para atendimento de alunos da educação básica, desde que atendidos os requisitos elencados na resposta à Consulta autuada sob o n. 777.729. As despesas assim realizadas podem ser computadas para cumprimento dos limites constitucionais mínimos relativos aos gastos com educação.

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Assim, tenho por respondido o questionamento e, considerando que a primeira parte

da indagação foi objeto da Consulta autuada sob o n. 777.729, determino que seja

enviada à consulente cópia das respectivas notas taquigráficas.

É o parecer que submeto à consideração dos Senhores Conselheiros.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 01/12/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada e Conselheiro Sebastião Helvecio, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pela relatora, Conselheira Adriene Andrade. Impedido o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz.

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RELATÓRIO

Trata-se de Consulta protocolada neste Tribunal de Contas sob o n. 229357/02, em 08/03/2010, formulada pelo Presidente da Câmara Municipal de Cambuí, na qual se indaga, conforme fls. 4, diante do que foi decidido por este Plenário na Consulta n. 747.263,

[...] sendo que eventualmente alguma Casa de Leis possua valores diferenciados nos subsídios (entre Vereador e membros da Mesa Diretora), poderia o vereador, dentro da sua Legislatura modificá-los a menor

CONSULTA N. 832.355

EMENTA: Consulta — Câmara Municipal — Fixação de subsídios diferenciados para vereadores — Inconstitucionalidade — Possibilidade de correção na mesma legislatura apenas para restaurar a igualdade de subsídios — Redução dos valores pagos a maior até o patamar da menor remuneração paga aos vereadores — Impossibilidade de fixação de novos subsídios — Não configuração de violação ao princípio da anterioridade — Edição de lei ou resolução. ASSCOM TCEMG

Possibilidade de sanar a inconstitucionalidade da fixação de subsídios diferenciados para vereadores na mesma legislatura

[...] agarrar-se a uma pretensa rigidez da regra da anterioridade para a promoção da efetiva permanência de uma situação de reconhecida inconstitucionalidade é que me parece subverter a ordem jurídica e ferir a razoabilidade. Uma regra com objetivos claros de garantia da moralidade e da impessoalidade não pode ser utilizada como fundamento para se dar sobrevida a uma situação de inconstitucionalidade e de consequente dispêndio de recursos públicos sem base normativa sustentável. Essas situações, entendo, podem e merecem ser corrigidas o quanto antes.

RELATOR: CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO

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(atendendo à determinação desta Corte — igualando os subsídios entre todos os membros do Legislativo) ou este procedimento de redução ou eliminação das diferenças somente poderá ser feito no momento da fixação dos subsídios para o próximo quadriênio (mandato)? Qual a aplicabilidade do entendimento diante do efeito mencionado na publicação como ex nunc?

Em atendimento ao art. 214 do Regimento Interno, anoto que este Tribunal consolidou entendimento sobre a impossibilidade de fixação de subsídios diferenciados entre vereadores e aqueles que compõem as mesas diretoras de Câmaras Municipais, como lembrado pelo próprio consulente, na Consulta n. 747.263, relator Conselheiro Antônio Carlos Andrada, sessão de 17/06/2009.

PRELIMINAR

O consulente, Presidente da Câmara Municipal de Cambuí, Vereador Olímpio Cláudio de Brito, é legitimado à formulação de consulta a este Tribunal, nos termos do inciso I do art. 210 do Regimento Interno, e seus questionamentos preenchem, ainda, os requisitos de admissibilidade do seu art. 212 e encerram relevante repercussão jurídica, estando a resposta, assim, inserida no âmbito de competência desta Corte.

MÉRITO

O consulente questiona, diante do entendimento, recentemente exarado por este Tribunal, pela impossibilidade de haver diferença entre a remuneração de vereadores e a de vereadores componentes da Mesa Diretora da Câmara Municipal, se se poderia, em municípios que haja essa irregularidade, promover a correção, ainda nesta legislatura, com a redução dos valores pagos a maior.

O precedente citado — Consulta n. 747.263, relator eminente Conselheiro Antônio Carlos Andrada — foi aprovado por unanimidade, com os acréscimos do eminente Conselheiro Gilberto Diniz, que assim se pronunciou:

[...] não se pode exigir dos prestadores de contas e jurisdicionados em geral conduta estribada na nova interpretação dada à matéria antes que esta lhes tenha sido franqueada por meio de publicação ou disponibilização para consulta no site do Tribunal. A nova interpretação deve sempre ter efeito ex nunc e, no presente caso, deve prevalecer apenas para a próxima legislatura, no que tange à impossibilidade de estabelecer subsídio diferenciado para o presidente da câmara de vereadores, pois a fixação da remuneração dos edis deve obedecer ao princípio da anterioridade.

Essas considerações foram acatadas por este Plenário, à unanimidade, por ocasião do julgamento, integraram o parecer ofertado e, como se vê, constituem o

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posicionamento deste Tribunal: a isonomia de subsídios entre vereadores seria de observância obrigatória apenas quando da fixação da remuneração dos parlamentares para a próxima legislatura.

Entretanto, questiona o consulente se se poderia antecipar para essa legislatura o acolhimento do novo entendimento, efetivando-se a redução da remuneração de componentes de mesas diretoras aos patamares dos demais vereadores.

Em suma, entendo que a indagação refere-se a haver, ou não, óbice à tramitação e à aprovação de projeto de lei ou de resolução que tenha por objetivo resgatar a necessária isonomia de remuneração entre os vereadores, em Câmaras nas quais haja diferença, para que vigore na mesma legislatura.

O cerne desta consulta, portanto, reside em saber se, nestes hipotéticos casos, em que se buscaria atender, mais rapidamente, às recomendações do Tribunal, estar-se-ia violando o princípio da anterioridade.

A fixação dos subsídios dos vereadores deve seguir o regime instituído pela Constituição Cidadã, nos termos dos incisos VI e VII do art. 29, do art. 29-A, do art. 37, XI e 39, § 4º.

Esse regime de fixação das remunerações dos vereadores no país segue esses dispositivos constitucionais, que se destinam, inegavelmente, a que elas se estabeleçam mediante critérios decorrentes dos princípios da impessoalidade, da igualdade, da razoabilidade, da proporcionalidade e da moralidade.

Qualquer lei ou resolução que preveja remuneração que desborde desses parâmetros deve ser reputada inconstitucional e, pelos meios previstos na própria Constituição, retirada do ordenamento jurídico pelo Poder Judiciário.

Especificamente quanto à chamada “regra da legislatura” ou da anterioridade na fixação, o inciso VI do art. 29 diz que

o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica [...]

Essa regra, essencialmente, objetiva concretizar a observância dos princípios da impessoalidade e da moralidade na fixação da remuneração dos vereadores e tem assento constitucional desde a Carta de 1946, art. 47, § 2º, que mereceu a anotação de Sampaio Dória no sentido de que o escopo desse dispositivo é o de evitar que os legisladores “fixem a si mesmos remunerações”.1

1 Comentários à Constituição de 1946, v. 2 p. 251 apud STF: Recurso Extraordinário 62.594/SP — 1ª Turma, julgado em 21/08/1969 — RT 425/212.

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O Supremo Tribunal Federal2 já pronunciou que a regra tem por escopo, ainda, a

proteção contra desvios de poder, explicitando o Ministro Marco Aurélio que

A razão de ser de fixar-se ao término da legislatura em curso a nova remuneração está, justamente, em buscar-se a almejada equidistância, obstaculizando-se, assim, procedimento que implique legislar em causa própria ou em prejuízo daqueles de facção política contrária.

Colocada a ratio essendi do comando constitucional da “regra da legislatura” ou

da anterioridade, como se queira, entendo que a hipótese da consulta, ou seja,

a possibilidade de se corrigir a inconstitucionalidade na fixação de subsídios

diferenciados para vereadores componentes das Mesas, ainda no curso da legislatura

vigente, não lhe fere essa essência, por não incidir em nenhuma das premissas que

conduzem sua correta interpretação.

Entender o contrário, ou seja, agarrar-se a uma pretensa rigidez da regra da

anterioridade para a promoção da efetiva permanência de uma situação de

reconhecida inconstitucionalidade é que me parece subverter a ordem jurídica e

ferir a razoabilidade. Uma regra com objetivos claros de garantia da moralidade e

da impessoalidade não pode ser utilizada como fundamento para se dar sobrevida

a uma situação de inconstitucionalidade e de consequente dispêndio de recursos

públicos sem base normativa sustentável. Essas situações, entendo, podem e

merecem ser corrigidas o quanto antes.

Diante dessas considerações, parece-me possível a edição de lei ou de

resolução que corrija a situação de subsídios diferenciados entre os

vereadores, considerada inconstitucional por esta Casa na Consulta n.

747.263, para vigorar de imediato, na mesma legislatura, desde que o ato,

efetivamente e apenas, restaure a igualdade de vencimentos no âmbito

legislativo, eliminando os excessos reputados inconstitucionais, pela redução

da remuneração dos demais ao patamar do subsídio previsto para o vereador

que não integre a Mesa, o qual, não admite, em hipótese nenhuma, alteração

para uma mesma legislatura.

Assim, respondendo à questão, partindo-se das teses que prevalecem no âmbito

desta Casa, que reputam inconstitucional a fixação de subsídios diferenciados

para vereadores e reconhecem a regra da anterioridade, havendo interesse

do Poder Legislativo em restaurar a igualdade de remuneração de seus

membros no âmbito municipal, entendo ser a hipótese possível, desde que

seja rigorosamente observada a impossibilidade de se majorarem ou de se

reduzirem os subsídios, já oportunamente fixados para os vereadores que

detenham a menor remuneração.2 Recurso Extraordinário n. 213.524, Segunda Turma, julgado em 19/10/1999.

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Noutras palavras, nos termos da hipótese levantada, entendo que devem ser reduzidos os valores maiores até que cheguem ao valor previsto para a menor remuneração dos vereadores, sem que isso se traduza em nova fixação de subsídios.

Conclusão: diante do exposto, concluo pela possibilidade, em tese, de as Câmaras Municipais se adequarem ao que foi decidido por esta Casa na Consulta n. 747.263, mediante aprovação de lei ou de resolução, ainda nesta legislatura e para que nela vigore, a fim de que as remunerações dos membros do Poder Legislativo municipal se igualem, por redução, ao menor patamar, ou seja, ao dos vereadores que não detêm assento em Mesa.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 03/11/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, Conselheiro Substituto Hamilton Coelho e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Sebastião Helvecio.

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RELATÓRIO

Trata-se de Consulta protocolada neste Tribunal de Contas sob o n. 149.652/05, em 05/11/2010, formulada pelo Prefeito de Lambari, Marco Antônio Resende, na qual indaga, conforme fls. 01:

É possível uma autarquia municipal que tem como finalidade apenas o serviço de água e esgoto do município, onde se cobra taxas e tarifas da população para este fim, fazer uma doação ou repasse de recursos financeiros para o Executivo Municipal para fins sociais? Se sim, deveria haver autorização legislativa para tanto? Se sim, poderia ser usado em programas habitacionais?

Impossibilidade de Autarquia Municipal doar ao Poder Executivo recursos financeiros provenientes de tarifas cobradas pela prestação de serviços de fornecimento de água e esgoto

CONSULTA N. 838.537

[...] os valores arrecadados com tarifas pelo fornecimento dos serviços de água e esgoto estão sob um regime diferenciado no ordenamento jurídico pátrio, de modo a se atenderem os desideratos da política nacional de recursos hídricos e de saneamento básico, de competência da União, art. 21, XIX e XX da Constituição Cidadã. Desse modo, entendo que a legislação municipal não pode conter dispositivos que infrinjam as bases da política nacional fixada para o setor, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

RELATOR: CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO

EMENTA: Consulta — Autarquia municipal — Doação de recursos provenientes de tarifas cobradas pela prestação de serviços de fornecimento de água e esgoto — Poder Executivo — Execução de políticas sociais — Impossibilidade — Vedação da aplicação dos valores arrecadados à finalidade diversa daquela vinculada à manutenção e ao desenvolvimento das políticas estabelecidas — Aplicação dos incisos I a VIII do § 1º do art. 29 da Lei n. 11.445/07 — Eventuais excedentes financeiros — Promoção de redução das tarifas — Observância ao princípio da modicidade tarifária.

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Em atendimento ao art. 214 do Regimento Interno, anoto que não foram localizados pronunciamentos deste Plenário sobre a questão.

É o relatório.

PRELIMINAR

O consulente, Prefeito do Município de Lambari, é legitimado à formulação de consulta a este Tribunal, nos termos do inciso I do art. 210 do Regimento Interno, e seus questionamentos preenchem, ainda, os requisitos de admissibilidade do seu art. 212 e encerram relevante repercussão jurídica, financeira e orçamentária, estando a resposta, assim, inserida no âmbito de competência desta Corte de Contas.

MÉRITO

O consulente indaga sobre a possibilidade de autarquia municipal, criada para a gestão de sistema local de água e esgoto e que se financia pelo recebimento de tarifas pagas por seus usuários, doar, sob autorização legislativa, dinheiro ao Poder Executivo para a execução de políticas sociais a cargo da administração direta, notadamente em habitação.

A questão encontra resposta na Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamentando o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, na Lei n. 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico, bem como na Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal.

Na hipótese formulada, o Município, por meio de uma autarquia, presta os serviços de água e esgoto à população mediante o recebimento de tarifas diretamente dos usuários.

O regime de cobrança pelo uso de recursos hídricos está previsto no art. 19 e seguintes da Lei n. 9.433, de 8 de janeiro de 1997, o qual se funda 1) na valoração econômica da água, 2) na racionalização do seu uso e 3) no financiamento de programas e intervenções nos planos de recursos hídricos.

Por sua vez, o art. 22 da Lei n. 9.433/97 restringe a aplicação dos valores arrecadados em razão da utilização dos recursos hídricos, indicando que eles devem ser aplicados prioritariamente nas bacias hidrográficas correspondentes.

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A Lei n. 11.445/2007, nos incisos I a VIII do § 1º do art. 29, traz as diretrizes para a política tarifária em saneamento básico, dentre as quais se destacam: a prioridade para atendimento das funções essenciais relacionadas à saúde pública; a preocupação com a geração dos recursos necessários para investimentos nas metas e nos objetivos do próprio serviço e, ainda, a ampliação do acesso.

No que se refere à fixação das tarifas pela adequada prestação de serviços públicos, o art. 6º, § 2º, da Lei n. 8.987/95 impõe que devem elas estar condizentes com o princípio da modicidade.

Como se vê, a tarifa, em matéria de administração de recursos hídricos e de saneamento básico, é componente de alta complexidade, sendo a sua adequada estipulação imprescindível para a manutenção, expansão e consecução dos objetivos no setor. Entretanto, como anota Cláudio Smirne Diniz,1 a fixação dessas tarifas no Brasil vem sendo feita, muitas vezes, vale dizer, mediante critérios baseados na intuição política, “sobrepujando-se à racionalidade do sistema”.

Concluo, diante desse quadro, que os valores arrecadados com tarifas pelo fornecimento dos serviços de água e esgoto estão sob um regime diferenciado no ordenamento jurídico pátrio, de modo a se atenderem os desideratos da política nacional de recursos hídricos e de saneamento básico, de competência da União, art. 21, XIX e XX, da Constituição Cidadã. Desse modo, entendo que a legislação municipal não pode conter dispositivos que infrinjam as bases da política nacional fixada para o setor, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Noutros termos, como a política nacional sobre o tema define que os recursos auferidos com a cobrança pela utilização de recursos hídricos e pelos serviços de saneamento básico devem financiar a manutenção e o desenvolvimento de políticas para esse campo essencial à população, não podem eles ser utilizados para outras finalidades.

Mais adiante, mesmo que se admita, em termos hipotéticos, a existência de autarquia municipal ou concessionária que preste serviços de água e esgoto de forma absolutamente perfeita, de modo a que não se demandem novos investimentos, entendo que eventuais excedentes financeiros devam ser levados em consideração para a promoção de redução das tarifas, em atendimento ao princípio da modicidade tarifária, pelo que não poderiam, do mesmo modo, ser utilizados para outras finalidades.

1 DINIZ, Cláudio Smirne. Saneamento básico e regulação. Revista de Direito Público da Economia. Belo Horizonte. n. 27, p. 9-37, jul./set. 2009.

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Conclusão: diante do exposto, respondendo objetivamente à questão formulada, concluo pela impossibilidade da doação, ao Poder Executivo, de recursos provenientes de tarifas pertencentes a autarquia municipal incumbida da prestação de serviços públicos de fornecimento de água e esgoto, uma vez que esses recursos não podem ser utilizados para outras finalidades que não sejam as vinculadas à manutenção e ao desenvolvimento das políticas estabelecidas para o próprio setor.

É o parecer que submeto à apreciação deste colegiado.

A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 01/12/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada e Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Sebastião Helvecio.

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INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N. 760.875

ASSCOM TCEMG

EMENTA: Incidente de Uniformização de Jurisprudência — Município — Preliminar — Divergência entre os posicionamentos adotados pelo TCEMG em sede de consultas — Natureza jurídica híbrida das consultas — Caráter normativo e decisório — Inadequabilidade da adoção do critério cronológico para solução da antinomia — Insegurança e instabilidade jurídica — Necessidade de fortalecimento dos posicionamentos exarados em consultas — Proposta de modificação na tratativa conferida ao instituto — Conhecimento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência — Aplicação do princípio da adaptabilidade ou da elasticidade — Flexibilização do procedimento às particularidades da causa — Mérito — Repasse de recursos a escolas da rede pública municipal por meio de Caixas Escolares — Interpretação teleológica do art. 213 da Constituição da República — Contabilização dos recursos no percentual de gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino.

Conhecimento de Incidente de Uniformização de Jurisprudência busca dar maior estabilidade às decisões do TCE

[...] dentro da linha defendida neste voto, a consulta não é um ato normativo stricto sensu e sim um instituto que mescla atributos de diversas espécies, entre eles, o poder de vincular seus jurisdicionados. Trata-se, na verdade de um tertium gênero, como duas faces de uma mesma moeda, que agrega simultaneamente características de decisão e norma em sentido estrito, pois é fundamental que seus efeitos vinculem efetivamente os jurisdicionados, mas dentro de parâmetros e premissas adequadas que assegurem em especial a segurança jurídica e a estabilidade das relações.

RELATOR: CONSELHEIRO EM EXERCÍCIO GILBERTO DINIZ

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RELATÓRIO

Versam os autos sobre Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado em Sessão do Pleno do dia 20/08/08, pelo Exmo. Sr. Conselheiro Antônio Carlos Andrada, em face “da divergência estabelecida nas Consultas n. 715.528, de relatoria do Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, aprovada à unanimidade na sessão do Tribunal Pleno do dia 04/07/2007, e n. 706.002, de relatoria do Conselheiro Wanderley Ávila, aprovada à unanimidade na sessão do Tribunal Pleno do dia 02/04/2008”, tendo ambas por objeto a indagação sobre a possibilidade de os municípios repassarem recursos para caixas escolares da rede pública municipal de ensino e contabilizarem o valor repassado no percentual a ser gasto com manutenção e desenvolvimento do ensino.

Na Consulta de n. 715.528, do voto aprovado do Conselheiro Substituto Licurgo Mourão constou o seguinte entendimento, verbis:

Assim, respondo afirmativamente à questão formulada, desde que o repasse seja efetivado por meio de Caixas Escolares inseridas nas escolas de rede pública municipal dedicadas ao ensino fundamental ou à educação infantil, nos termos do art. 211, § 2º, da Constituição da República, ressaltando que a destinação dos recursos deverá ser autorizada por lei específica e atender às condições estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Por seu turno, o voto proferido pelo Conselheiro Wanderley Ávila, na Consulta n. 706.002, acolhido pelo Colegiado, consignou exegese em sentido contrário, in litteris:

Diante do exposto, respondo negativamente ao consulente, no sentido da impossibilidade de contabilização de recursos repassados pelo Poder Público a Caixas Escolares, para fins de comprovação do cumprimento do art. 212 da Constituição da República.

Distribuído o processo ao Exmo. Sr. Conselheiro Moura e Castro, em 12/09/08, foram os autos encaminhados ao Ministério Público de Contas, em 17/09/08, para manifestação, nos termos do inciso IX do art. 32 da Lei Complementar n. 102/2008, consoante despacho a fls. 20.

O órgão ministerial fez juntar o seu pronunciamento a fls. 21-24, vazado nos seguintes termos:

1 — a questão em exame centra-se numa antinomia jurídica própria a ser resolvida pelo critério cronológico, a teor do disposto na Lei de Introdução do Código Civil (LICC), art. 2º, § 1º, tendo em vista o caráter normativo dos pareceres emitidos nos processos de consulta deliberados pelo Tribunal Pleno desta Casa, in verbis:

Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

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§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

2 — a despeito da exigência contida no art. 216 do RITCEMG (Resolução n. 12/2008) de que: ‘Art. 216 — Considerar-se-á revogada ou reformada a tese, sempre que o Tribunal firmar nova interpretação acerca do mesmo objeto, devendo o parecer conter expressa remissão às consultas anteriores’, a norma legal emanada do art. 2º, § 1º, da LICC deve, sobre a norma regulamentar acima enunciada, prevalecer.

3 — Assim, conclui o órgão ministerial que:

a oposição de entendimento expressa nas Consultas n. 715.528, de 04/07/2007, e n. 706.002, de 02/04/2008 —, a despeito da consulta posterior não remetir, expressamente, à anterior —, não requer procedimento próprio para uniformização no âmbito deste Tribunal de Contas; ao contrário, deve configurar resolução de conflito de normas em que o critério cronológico deverá validar a Consulta n. 706.002, de data mais recente.

Após a manifestação supra, vieram os autos conclusos.

É o relatório.

PRELIMINAR

Em sede de preliminar, reputo essencial a análise do cabimento de incidente de uniformização de jurisprudência para o caso de divergência de orientação versada em consultas respondidas por esta Corte.

É que, não obstante o presente incidente ter sido suscitado e acolhido à luz do Regimento Interno anterior (Res. n. 10/96), considerando o comando estatuído no art. 389 da Resolução n. 12/2008, mister seja o exame dos processos em tramitação ajustado às disposições da Lei Complementar n. 102/2008 e do novo Regimento Interno. E, pela leitura combinada das normas constantes no parágrafo único do art. 210 e no art. 216 da Resolução n. 12/2008, não paira a menor dúvida quanto ao fato de que, essencialmente em face do caráter normativo da resposta à consulta, posicionamentos mais recentes revogam os anteriores, eis que evidenciam nova interpretação firmada pela Corte. Senão vejamos:

Art. 210. [...]

Parágrafo único. O parecer emitido sobre consulta tem caráter normativo e constitui prejulgamento de tese, mas não de fato ou de caso concreto, mas a orientação dada prevalecerá quando do exame do caso concreto correspondente.

Art. 216. Considerar-se-á revogada ou reformada a tese, sempre que o Tribunal firmar nova interpretação acerca do mesmo objeto, devendo o parecer conter expressa remissão às consultas anteriores (grifo nosso).

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Ademais, por força do disposto no art. 215 do supracitado diploma normativo, “as deliberações em processo de consulta serão aprovadas por maioria absoluta dos Conselheiros, incluído o Presidente do Tribunal”, e pelo que se depreende das notas taquigráficas que retratam a discussão e votação da matéria, dos seis Conselheiros que votaram em cada processo, quatro, ou seja, a maioria absoluta do Pleno, proferiram voto nos dois processos. Em outras palavras, votaram nas sessões de deliberação das duas consultas em apreço os Conselheiros Eduardo Carone Costa, Wanderley Ávila, Antônio Carlos Andrada e este Relator, o que denota, indubitavelmente, mudança de entendimento do Colegiado, uma vez que, ainda que os pareceres exarados não tivessem sido aprovados à unanimidade, como de fato o foram, o resultado seria o mesmo, sem que se esteja sopesando qual a melhor exegese, considerando a maioria absoluta dos mesmos Conselheiros votantes em ambos os casos.

Quanto à exigência constante no citado art. 216 de remissão expressa a consultas anteriores que consignem entendimento divergente, também não pode ser utilizada para que se afirme o prosseguimento deste incidente, haja vista que, por ocasião da decisão na consulta mais recente, prolatada em Sessão do Pleno do dia 02/04/08, referida exigência não existia, pois que somente passou a figurar no novo Regimento Interno, que trouxe regulamentação à matéria. Aliás, na Sessão do Pleno em que foi suscitado o incidente, a necessidade de regulamentação dos casos de conflito entre posicionamentos dissonantes em consultas foi registrada pelo Exmo. Sr. Conselheiro Antônio Carlos Andrada, como se vê a fls. 12-13 destes autos.

Por remate, calha ratificar posicionamento externado pelo Ministério Público de Contas, mencionado na primeira parte deste voto, que, reconhecendo o caráter normativo dos pareceres exarados nas consultas, por expressa previsão legal (§ 1º do art. 3º da Lei Complementar n. 102/08), registra sua sujeição à normativa da Lei de Introdução do Código Civil, cuja aplicação se estende a todo o Direito produzido, afigurando-se como norma geral aplicável a todas as áreas do Direito. E, reproduzindo teor do § 1º do art. 2º da aludida lei, deixa claro que a antinomia jurídica vislumbrada na hipótese deve ser solucionada pelo critério cronológico, isto é, a norma posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a norma anterior.

Isso tudo posto, não me parece cabível o presente Incidente de Uniformização de Jurisprudência.

VOTO

Por todas as razões expendidas, voto pelo não conhecimento do incidente de uniformização de jurisprudência sub examine, considerando envolver divergência

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em pareceres exarados em consultas, caso em que há previsão regimental expressa de solução da controvérsia pelo critério cronológico, consoante disposto no art. 216, devendo a tese firmada na apreciação da Consulta de n. 706.002 ser observada por ocasião da análise dos casos concretos que versem sobre a matéria.

Na sessão do dia 16/06/10, em preliminar, pediu vista dos autos o Conselheiro Antônio Carlos Andrada.

CONSELHEIRO ANTÔNIO CARLOS ANDRADA

Retorno de Vista

RELATÓRIO

Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência suscitado por mim, em Sessão do Pleno do dia 20/08/2008, em face da divergência estabelecida nas Consultas n. 715.528, de relatoria do Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, aprovada à unanimidade na sessão do Tribunal Pleno do dia 04/07/2007, e n. 706.002, de relatoria do Conselheiro Wanderley Ávila, aprovada à unanimidade na sessão do Tribunal Pleno do dia 02/04/2008, tendo ambas por objeto indagação sobre a possibilidade de os municípios repassarem recursos para caixas escolares da rede pública municipal de ensino e contabilizarem o valor repassado no percentual a ser gasto com manutenção e desenvolvimento do ensino.

Na Consulta n. 715.528, aprovou-se, à unanimidade, o seguinte entendimento em 04/07/2007:

Assim, respondo afirmativamente à questão formulada, desde que o repasse seja efetivado por meio de Caixas Escolares inseridas nas escolas da rede pública municipal dedicadas ao ensino fundamental ou à educação infantil, nos termos do art. 211, § 2º, da Constituição da República, ressaltando que a destinação dos recursos deverá ser autorizada por lei específica e atender às condições estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Já na Consulta n. 706.002, também aprovada à unanimidade em 02/04/2008 pelo Colegiado, consignou-se a seguinte tese:

Diante do exposto, respondo negativamente ao consulente, no sentido da impossibilidade de contabilização de recursos repassados pelo Poder Público

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a Caixas Escolares, para fins de comprovação do cumprimento do art. 212 da Constituição da República.

Distribuído o processo ao Exmo. Sr. Conselheiro Moura e Castro, em 12/09/2008, foram os autos encaminhados ao Ministério Público de Contas, em 17/09/2008, para manifestação, nos termos do inciso IX do art. 32 da Lei Complementar n. 102/2008, consoante despacho a fls. 20.

O órgão ministerial manifestou-se a fls. 21-24 e concluiu que a oposição de entendimento expressa nas Consultas n. 715.528, de 04/07/2007, e n. 706.002, de 02/04/2008, não requer procedimento próprio para uniformização de jurisprudência no âmbito deste Tribunal. Segundo o MP, tendo em vista o caráter normativo dos pareceres emitidos nos processos de consulta deliberados pelo Tribunal Pleno desta Casa, a oposição de entendimentos entre consultas deve configurar resolução de conflito de normas. No caso, para a ilustre representante do Ministério Público, o critério cronológico deverá validar a Consulta n. 706.002, de data mais recente.

Na sessão de 16/06/2010, o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz levou à deliberação do Tribunal Pleno o presente incidente e, em preliminar, votou pelo seu não conhecimento, considerando envolver divergência em pareceres exarados em consultas, caso em que há previsão regimental expressa de solução da controvérsia pelo critério cronológico, consoante disposto no art. 216. Desse modo, entendeu que a tese firmada na apreciação da Consulta n. 706.002 deve ser observada por ocasião da análise dos casos concretos que versem sobre a matéria.

Naquela sessão, expus minha preocupação sobre a natureza dos pareceres exarados em consulta na medida em que os contornos do seu caráter normativo necessitam ser melhor lapidados. Diante do que, naquela oportunidade, pedi vista dos autos para apresentar minha exposição de forma mais organizada.

É o relatório.

PRELIMINAR

Na sessão do dia 16/06/2010, a despeito de concordar em parte com os argumentos constantes do voto do eminente relator, Conselheiro Gilberto Diniz, ressaltei a necessidade da admissão desse incidente de uniformização e pedi vista para que pudesse expor meus argumentos de uma forma mais organizada. É o que agora me proponho a fazer:

Embora a Lei Orgânica desta Corte (LC n. 102/08) preveja no art. 3º, § 1º, o caráter normativo das consultas, bem como a dinâmica que este atributo lhe confere, agora expressa no art. 216 do Regimento Interno — que considera revogada ou reformada a tese, sempre que o Tribunal firmar nova interpretação acerca do mesmo objeto

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— considero importante observar que este novo regramento deve ser realizado tendo em conta a faticidade da aplicação do instituto nesta Corte, e em especial na sistemática anterior.

Sabe-se que por razões de disciplina interna, existe na Casa uma série de consultas que tratam de matéria de mesma natureza, com interpretações radicalmente divergentes. Esta disparidade de posicionamento, por vezes, decorreu da mudança natural de composição do Pleno. Em outras situações, no entanto, verificou-se que tal mudança aconteceu em um lapso temporal muito estreito, sem que se procedesse à devida acomodação dos entendimentos firmados, anteriormente e posteriormente.

Nesse particular, ressalto ainda Srs. Conselheiros, que mesmo recentemente, apesar do avanço no entendimento acerca da tratativa da matéria, observamos que a prática usual de decisões divergentes em consulta subsiste, como aliás apontei na sessão do dia 01/09/2010.

Nesses termos, é cediço que um Tribunal cujas orientações mudam frequentemente se enfraquece perante a sociedade. A diversidade de entendimento sobre um mesmo assunto traz enorme insegurança jurídica, rompendo com um dos pressupostos operacionais do Direito como ciência, que é exatamente assegurar a estabilidade das relações jurídicas constituídas.

A meu ver, neste momento, uma visão que adota a exegese literal do dispositivo — no sentido de conferir identidade entre consulta e norma em sentido estrito —, pode ser mais cômoda e simplista, mas nos custa um preço maior do que acolhermos este Incidente de Uniformização de Jurisprudência.

Como já havia afirmado na sessão em que o Conselheiro Relator trouxe os autos, estamos em um momento de transição para um novo modelo. No diploma anterior, e ao que parece, neste, não fica claro o regime jurídico afeto às consultas, razão pela qual, ao se pretender conferir pura e simplesmente um caráter normativo como mencionado, deixaremos nossos jurisdicionados desamparados, descurando-se do sentido teleológico de orientação desse instituto.

Afinal, qual seria a finalidade última desse caráter normativo das consultas senão o de educar, prevenir, esclarecer, direcionar e vincular os jurisdicionados a agir de determinada forma, adotar determinados comportamentos e condutas? É em consideração ao caráter pedagógico, em outros termos, normativo em sentido amplo, que penso em consolidarmos nossos entendimentos sobre os diversos assuntos cuja orientação é solicitada a esta Corte de Contas.

Ademais, a constante mudança de diretrizes conduz a uma atuação descompassada de nosso órgão técnico que, sem parâmetros, realiza informações técnicas, auditorias e

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inspeções, ou mesmo define as matrizes de fiscalização a serem adotadas, refletindo uma ausência de coesão na sua atuação e efetividade interna.

Imaginem uma inspeção extraordinária ou mesmo ordinária, que está em curso, em que os nossos inspetores estão no interior analisando determinados procedimentos com base em uma consulta ou em um entendimento que o Pleno estabeleceu. Eles estão lá fazendo todo o trabalho orientado por esta decisão. No curso dessa inspeção, o Tribunal muda de posição e o trabalho deles, focado em uma posição que já não é mais essa, mas, assim, de um dia para o outro, não dá tempo nem de o órgão técnico absorver o que o Tribunal Pleno decidiu e já está se emitindo uma nova. É isso que eu quero levantar, essa questão que nós precisamos tratar para dar mais coesão à Casa e também efetividade às próprias decisões que nós tomamos aqui, senão nós caminhamos em uma direção e os órgãos técnicos da casa caminham em outra. Não há sintonia. E isso, infelizmente, vem ocorrendo em alguns pontos.

Nesse cenário, não podemos permitir que em determinadas situações um órgão da Administração, seguindo orientações do Tribunal, realize dispêndios conforme orientado; entretanto, no momento de prestar as contas dos gastos efetuados, suas contas sejam consideradas irregulares por este mesmo Tribunal, em razão da mudança de entendimento quanto ao procedimento adotado.

A título ilustrativo, trago à ciência dos meus pares que, em 18/08/2010, esta Corte orientou seus jurisdicionados no sentido de que o subsídio do prefeito, vice-prefeito e secretário não precisam respeitar o princípio da anterioridade. No entanto, em consulta submetida à apreciação desta Corte em 26/05/2010, menos de três meses antes, houve orientação no sentido de que quanto a esses mesmos agentes, esse princípio seria de observância obrigatória.

Não estou entrando no mérito do que é certo, do que deveria ser ou não. Estou apenas mostrando que nós estamos sinalizando aos jurisdicionados, de uma maneira muito rápida, posicionamentos divergentes.

Outro exemplo que compartilho com os senhores é a divergência existente quanto ao instrumento necessário para instituição de valores a serem obtidos a título de décimo terceiro para vereadores. Em 30/06/2010, conforme decisão exarada nas Consultas de n. 732.004 e 803.574, os jurisdicionados foram vinculados ao entendimento de que para instituição e fixação do décimo terceiro, poderia o Legislativo valer-se tanto de lei quanto de resolução. No entanto, em 08/09/2010, após pouco mais de um mês, na decisão exarada na Consulta n. 800.657, foi decidido que o instrumento apto a fixar o décimo terceiro de vereadores seria somente lei. Já na sessão de 03/11/2010, cerca de um mês depois, na Consulta n. 833.223, o Pleno voltou ao entendimento anterior de que a instituição dos referidos valores poderiam ocorrer tanto por lei quanto por resolução.

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Vejam que no prazo de poucos meses esta Corte mudou drasticamente seu entendimento, o que prejudica de forma irreparável o caráter orientador desse instituto e ainda a atuação preventiva do Tribunal.

Considero que estamos evoluindo e aperfeiçoando nossas normas, que o novo Regimento busca refletir as reais demandas do caso; mas, no entanto, em função do exposto, devemos repensar o modelo das consultas e seus contornos, de forma que só a partir de uma posição consolidada, a cada evolução de entendimento, a consulta posterior possa revogar a precedente.

Com essas considerações, como afirmado, retomando os debates traçados efetivamente na questão do Incidente de Uniformização de Jurisprudência proposto, vale lembrar que em face do caráter normativo das consultas, na esteira do exposto pelo representante do Ministério Público e pela relatoria, o conflito envolvendo pareceres diferentes em sede de consulta seria típico caso de antinomia jurídica própria a ser resolvida pelo critério cronológico, a teor do disposto no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, independentemente de qualquer previsão expressa no Regimento Interno.

Entretanto, a prática adotada nesta Corte quanto ao instituto, na verdade, lhe confere um caráter singular, híbrido, que o aproxima sobremaneira de uma decisão, sem, entretanto, descurar de seu viés normativo. Explico-me melhor:

A lei é muito simples. Ela diz: pode fazer isso. Então está claro que pode. Vem a lei nova dizendo não pode, não pode. Já uma consulta é muito mais complexa do que isso, não é assim um simples comando. Ela traz várias considerações, vários aspectos, é um texto grande. Uma nova consulta pode contrariar a anterior em determinados aspectos, mas não no todo, e isso causa uma confusão. Que parte da consulta anterior está revogada, e que parte não está? É muito mais complexo do que uma lei. A lei é muito simples, as consultas não são assim.

Então entendo que não podemos tratar as consultas apenas com o critério normativo, como se fosse uma lei, que a consulta nova revoga a anterior, porque existem várias considerações em uma consulta que não foram abordadas na outra, e, como a conclusão de uma é contrária à outra, desconsidera a anterior, considera a seguinte. Ademais, e os aspectos da anterior que não foram abordados? Gera uma certa confusão.

Então, defendo, aqui, um tratamento híbrido às consultas, que não seja só normativo, mas também que se dê um valor diferenciado a elas.

1. De início, ressalto que esta Corte por diversas vezes conheceu de Incidentes de Uniformização de Jurisprudência tendo como objeto as respostas divergentes às consultas (Incidentes de n. 686.880, 687.192, 687.332 e 748.966) sem se levar em conta, por exemplo, o critério cronológico para resolver antinomias jurídicas.

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Ademais, a exegese Regimental é assente quanto à possibilidade da proposição de enunciado de súmula de jurisprudência, quando verificados mais de cinco decisões no mesmo sentido, incluindo nesses precedentes, as respostas às consultas, conforme interpretação do art. 217 do RITCEMG.

Portanto, inegável que estamos diante de uma situação, no mínimo, paradoxal: tendo em vista que “súmula” é “enunciado” de tribunais, no qual se sintetiza entendimento a respeito de determinada matéria, antecedido de decisões reiteradas em um mesmo sentido, como não reconhecer que as consultas, a despeito de seu caráter, em tese, normativo, compõem o nosso acervo jurisprudencial? Não seria um contradictio in terminis um instituto que teria caráter de norma servir de supedâneo para a elaboração de súmulas de jurisprudência?

2. Para além dessa questão de fundo, verificamos ainda que a consulta, tal como prevista no nosso Regimento, apresenta diferenças significativas em relação a um ato normativo propriamente dito, mesmo se compreendido em seu sentido amplo. Senão vejamos:

Primeiramente, a resposta à consulta se exterioriza sob a forma de parecer, cuja natureza jurídica é de ato administrativo que representa a manifestação opinativa de um órgão consultivo, expendendo sua apreciação técnica sobre o que lhe é submetido. Já o ato administrativo normativo, no entanto, complementa o mandamento de uma norma, disciplinando como as condutas futuras deverão ser praticadas, podendo se materializar nesta Corte sob a forma de resoluções, instruções normativas, portarias, etc.

Além da diferença de finalidade, outra peculiaridade inerente às consultas é a de que não lhe é assegurada qualquer publicidade para fins de divulgação de seu conteúdo, apesar de sua “normatividade” e de ser cediço a necessidade de publicação como condição de eficácia da norma. Assim, a consulta vincula os jurisdicionados, sem que eles sequer tenham ciência da sua introdução no ordenamento jurídico.

3. Sua tramitação nesta Casa também em muito se diferencia da de um ato normativo, dentre aqueles previstos em nosso Regimento.

Destarte, verifica-se que o art. 209 do Regimento Interno ao enumerar os atos normativos do Tribunal, não faz qualquer referência às consultas. De outro lado, o parágrafo único do art. 210 do mesmo diploma dispõe que “o parecer emitido sobre a consulta tem caráter normativo e constitui prejulgamento de tese, mas não de fato ou de caso concreto, mas a orientação dada prevalecerá quando do exame do caso concreto correspondente.”

Assim, e aqui dentro da linha defendida neste voto, a consulta não é um ato normativo stricto sensu e sim um instituto que mescla atributos de diversas espécies, entre

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eles, o poder de vincular seus jurisdicionados. Trata-se, na verdade de um tertium gênero, como duas faces de uma mesma moeda, que agrega simultaneamente características de decisão e norma em sentido estrito, pois é fundamental que seus efeitos efetivamente vinculem os jurisdicionados, mas dentro de parâmetros e premissas adequadas que assegurem em especial segurança jurídica e estabilidade das relações.

Com esses apontamentos, penso que devemos aplicar a norma legal e regimental de forma a melhor atender ao interesse público que, neste caso, consubstancia-se em traçar a diretriz do Tribunal sobre determinado tema, de forma a prevenir futuras irregularidades e a má gestão dos recursos públicos, e ainda, nortear os órgãos técnicos em seus pareceres de forma coerente.

Nesse panorama, entendo que devemos fortalecer os posicionamentos exarados em sede de consultas, também sua face normativa, para que sempre o último posicionamento desta Corte efetivamente reflita e represente aquilo que a Corte entenda por adequado acerca da matéria, mas com as cautelas necessárias à manutenção da higidez e do caráter híbrido do modelo, não dispensando até mesmo, a modulação dos efeitos da deliberação em sede de consulta.

Destarte, vislumbro um embrião de um novo modelo, em que os posicionamentos exarados em sede de consulta consolidando entendimento desta Corte não mais se prestem a gerar novos enunciados de súmula, mas sim passem a constituir Orientações Técnicas de Contas — OTCs —, ou mesmo prejulgados desta Corte, conforme arquétipo que estou a desenvolver conjuntamente com a Comissão de Jurisprudência e Súmula e que apresentarei oportunamente a esta Casa, mas em outra ocasião.

Aliás, neste momento, já fiz até encaminhar à Presidência o novo modelo que estou propondo.

Diante desse cenário, justifica-se, pois, o recebimento deste incidente, ainda que em caráter excepcional. Ressalta-se que hoje, mesmo no processo civil, caracterizado pela rigidez procedimental, ao ser pensado à luz da Constituição, não é mais possível se compadecer de uma situação jurídica complexa e sem procedimento adequado, simplesmente porque o modelo é rígido. Modernamente se tem sustentado que, não havendo procedimento legal adequado para a tutela do direito ou da parte, compete ao juiz providenciar esta operação, para compatibilizar o procedimento às garantias constitucionais, promovendo uma temperada ou condicionada flexibilização procedimental.

Na doutrina estrangeira essa flexibilização é chamada de Princípio da Adaptabilidade ou da Elasticidade, que consiste exatamente nesta ideia de flexibilizar o procedimento às particularidades da causa. Sabe-se que o processo administrativo é mais maleável

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que o processo judicial, razão pela qual a aplicação desses princípios tem maior espaço no âmbito administrativo.

Ademais, a evolução do Direito Processual em geral direciona a mecanismos que visam implementar um controle de causas repetitivas de forma a racionalizar a atuação dos Tribunais como um todo e, ainda, evitar deliberações contraditórias, que afetem o tratamento isonômico que devem ser conferidos aos jurisdicionados. Exemplos de institutos novos criados nos últimos cinco anos que refletem esse novo tipo de processo são as súmulas vinculantes, a possibilidade de julgamento liminar das causas repetitivas, a Repercussão Geral e os julgamentos por amostragem dos Recursos Extraordinários. A razão de ser desses institutos é remediar situações como a que nos deparamos com a sistemática das consultas ilustrada neste voto. Este Tribunal de Contas por ter 853 municípios sob sua jurisdição, deve estar em consonância com os avanços jurisprudenciais e doutrinários pátrios de forma a otimizar sua atuação. Assim, além do acolhimento deste incidente de uniformização, sugiro, em anexo, uma alteração na tratativa conferida às consultas.

Se o nosso Regimento permite o mais — a edição de súmulas tendo como precedentes consultas —, não vejo porque não permitir o menos, que respostas divergentes a consultas de mesmo teor possam ser objeto de Incidente de Uniformização de Jurisprudência. A meu ver, o mesmo instituto não pode ser tratado com dois pesos e duas medidas, especialmente tendo com pano de fundo o momento que passamos.

Assim, por todo o exposto, proponho:

1. o conhecimento do presente Incidente de Uniformização de Jurisprudência em consulta, haja vista a legitimidade das partes suscitantes/consulentes e por estar a matéria afeta à competência desta Corte de Contas, nos termos do art. 225 do nosso Regimento Interno;

2. uma questão de ordem a ser deliberada pelo Colegiado, com a urgência que o caso requer, que consiste na edição de uma resolução, cuja minuta já faço distribuir e que fica no aguardo de sugestões no prazo regimental, no sentido de permitir a tratativa mais equânime e adequada da matéria, de forma a proteger a segurança jurídica e a isonomia no que tange às orientações prolatadas em sede de consulta, fortalecendo os institutos e, em especial, seu aspecto normativo, independentemente do acolhimento deste Incidente de Uniformização de Jurisprudência. A questão do acolhimento é uma coisa, a questão de ordem é outra;

3. na eventualidade de não ser conhecido o presente incidente, a suspensão de plano da eficácia dos seguintes enunciados:

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— Enunciados de súmulas vigentes do TCEMG, cujo rol de precedentes contém consultas (total de 24 enunciados):

— Enunciados de Súmulas n. 08; 12; 13; 14; 21; 25; 31; 43; 44; 63; 68; 69; 71; 72; 73; 76; 81; 88; 90; 92; 94; 96; 99; 109.

— Enunciados de súmulas vigentes do TCEMG, cuja tese jurídica colide com pareceres exarados em consultas:

— Enunciado de Súmula n. 72 (Consulta n. 804.546, sessão de 18/08/2010);

— Enunciado de Súmula n. 91 (Consulta n. 804.546, sessão de 18/08/2010).

— Enunciados de súmulas vigentes no TCEMG, cujo mérito poderia ser modificado em virtude de decisão proferida em consulta:

— Enunciado de Súmula n. 63 (Consulta n. 752.708, sessão de 01/07/2009).

É o que tenho para o momento.

O que eu gostaria de fazer é uma abordagem com relação à proposição de resolução que está sendo encaminhada. O que se pretende é dar uma maior estabilidade às consultas. Então aquelas consultas novas que vierem passariam pelo crivo da Comissão de Jurisprudência e Súmula que informaria todos os julgados referentes àquele tema. Isso seria encaminhado a todos os Conselheiros com uma certa antecedência para que pudessem então entender o funcionamento passado sobre aquela matéria. A partir daí, se o relator entender que o posicionamento dele naquele caso é em consonância com o que já foi decidido, está resolvido. As informações estão nele, está apenas seguindo o que já foi decidido. Mas, havendo, então, um posicionamento divergente, todos os Conselheiros já teriam antecipadamente o conhecimento anterior para poder então entender o novo posicionamento do relator e poder avançar ou não, mas com conhecimento de causa mais profundo, mais meticuloso, no sentido de dar essa estabilidade às consultas.

Seria como se tivéssemos criando aqui o órgão técnico das consultas. As consultas, antes de vir ao Pleno, passariam por esse órgão que vai fazer uma análise e informar tudo a respeito de cada consulta, para embasar melhor o posicionamento da Casa.

Em linhas gerais, Sr. Presidente, é esse o meu voto e encaminhamento.

Na oportunidade, manifestaram-se o Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz e o Conselheiro Substituto Licurgo Mourão:

CONSELHEIRO EM EXERCÍCIO GILBERTO DINIZ:

Na qualidade de relator, gostaria de me manifestar antes de dar prosseguimento à votação.

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Embora eu não concorde com muita coisa, com muitos argumentos trazidos pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada, mas abstraindo-me desses pormenores de entendimentos, eu concordo com o norte verdadeiro que ele busca — que eu também busco — que é dar estabilidade às decisões do Tribunal, sobretudo nas consultas, porque essas mudanças de posicionamentos, como S. Exa. relatou, trazem instabilidade tanto para os jurisdicionados como para os próprios órgãos da Casa. Então, tendo em vista essa convergência de entendimento, vou retificar o meu voto e vou votar pelo conhecimento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência.

CONSELHEIRO SUBSTITUTO LICURGO MOURÃO:

Sr. Presidente, tenho um entendimento em relação à matéria e me socorro do princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual os atos processuais não dependem de forma previamente estabelecida em lei, salvo quando houver obviamente uma repercussão, que me parece que é o caso que traz o Conselheiro Antônio Carlos Andrada.

É bem verdade que a matéria de consulta nesta Casa há muito já vem requerendo uma melhor tratativa. E apenas para ilustrar, uma vez que no caso em concreto, o incidente foi em função de decisão havida em uma série de consultas, em que fui relator, sobre as caixas escolares, constatei numa análise muito superficial que fiz e que realmente neste caso em concreto esta Casa laborou em erro, quando da mudança de opinião, obviamente que não vou me imiscuir nos detalhes. Mas, apenas para citar, que na Consulta original, a de n. 715.528, assim foi afirmado sobre a situação dessas caixas escolares, é oportuno ressaltar, os comentários tecidos ao referido art. 62 da Lei de Diretrizes e Bases então vigentes no Parecer n. 8.253, de 9 de junho de 1992, da Procuradoria-Geral do Estado, como transcrito in verbis:

Ademais a administração para a execução do disposto no art. 62 da Lei 5.692/71 poderá decidir-se, e no Estado de Minas Gerais concretizam essa possibilidade pela instituição de Entidades privadas, que, sem integrarem a Administração Pública, possam ser constituídas e reguladas pela forma e por estatuto que melhor atendam ao interesse público.

Na Resolução n. 2.289/77, o Secretário de Estado da Educação instituiu a caixa escolar dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, determinando que tais entidades se organizassem sob a forma civil e que fossem reguladas por estatuto, cujo modelo integrava a resolução. E, naquela assentada, afirmei:

Sendo assim, Sr. Presidente, é possível depreender daí que as caixas escolares, embora se constituam em sociedade de personalidade jurídica de direito privado e, apesar de não integrarem a Administração Pública nos termos do art. 37 da Carta Federal, possuem características peculiares e específicas em relação às demais associações civis, no momento em que a função básica de tais instituições consistem exatamente — aqui gostaria de chamar atenção — em receber e gerenciar recursos financeiros da escola, recursos esses aplicados, não em instituições privadas, mas sim em escolas públicas, no caso, municipais.

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Tanto é verdade isso que se afirma, que as caixas escolares prestam contas, também, a este Tribunal, dos recursos repassados, no caso pelo ente da federação, Município, para que esses recursos, obviamente, sejam aplicados, como é o caso, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Então, partindo do pressuposto e do fato de que a escola pode ser gerida por essas caixas escolares e os recursos que estão sendo aplicados são recursos públicos, à época, e me parece que foi entendimento consolidado, tanto que a votação foi, à unanimidade, de reconhecer que esses recursos possam ser considerados como manutenção e desenvolvimento do ensino, uma vez que são recursos públicos.

Na decisão posterior, na Consulta de n. 706.002, o entendimento aqui foi no sentido de que isso não pode ser considerado como manutenção e desenvolvimento do ensino sob o argumento de que, me parece se constituiu um erro material, o Município não poderia repassar esses recursos à caixa escolar por ser entidade privada. Só que se esqueceu, pelo menos não foi devidamente esclarecido, com a devida vênia, que o recurso que está sendo repassado para a entidade privada, frise-se, para aplicação do recurso público na própria escola. Então, a caixa escolar simplesmente gerencia esses recursos, não em proveito próprio, mas sim em proveito da própria educação e desenvolvimento no ensino, no caso municipal.

Então, esse caso me parece bastante relevante ressaltar, porque reforça, sem dúvida nenhuma, o entendimento do Conselheiro Antônio Carlos Andrada que já havia, em momento posterior, partilhado dessa preocupação e que, de fato, mesmo em caráter excepcional, deva, sim, ser recebido o presente incidente de uniformização de jurisprudência para que esta Casa melhor encaminhe a matéria.

Na sessão do dia 10/11/10 foi aprovada a preliminar de conhecimento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência em epígrafe nos termos do voto-vista apresentado pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada.

CONSELHEIRO EM EXERCÍCIO GILBERTO DINIZ

Retorno dos autos para exame de mérito

RELATÓRIO

Trata-se de incidente de uniformização de jurisprudência, tendo em vista a constatação de divergência havida entre os pareceres exarados pelo Tribunal Pleno relativamente às Consultas n. 706.002 e n. 715.528, formuladas pelo Prefeito do

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Município de Pará de Minas e pela Secretária Municipal de Educação e Cultura do Município de Conselheiro Pena, respectivamente, ambas arguindo acerca da possibilidade de os Municípios repassarem recursos para Caixas Escolares da rede municipal de ensino e os contabilizarem no percentual de gastos com manutenção e desenvolvimento de ensino.

Na Consulta de n. 706.002, respondida por unanimidade na sessão de 02/04/08, o Pleno, na esteira do voto do relator, Conselheiro Wanderley Ávila, entendeu ser inviável a contabilização dos recursos repassados às Caixas Escolares da rede de ensino municipal no percentual previsto no art. 212 da Constituição da República, por desatender ao comando do art. 213.

Na Consulta n. 715.528, relatada pelo Conselheiro Substituto Licurgo Mourão na Sessão Plenária de 04/07/08, o Colegiado, ao contrário, respondeu positivamente à possibilidade de inclusão dos recursos nos 25% de gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino desde que efetivado por meio de Caixas Escolares inseridas nas escolas da rede pública municipal, dedicadas ao ensino fundamental ou à educação infantil, nos termos do § 2º do art. 211 da Constituição da República, mediante lei autorizativa específica e observadas as condições estabelecidas na Lei de Diretriz Orçamentária e na Lei de Responsabilidade Fiscal.

O presente incidente teve o exame da preliminar concluído na Sessão do Pleno do dia 10/11/10, quando se decidiu pelo cabimento de incidente de uniformização de jurisprudência em sede de consultas, depois do voto-vista apresentado pelo Conselheiro Antônio Carlos Andrada.

Vencida a preliminar, passo ao exame de mérito.

MÉRITO

Ambos os pareceres ensejadores do presente incidente de uniformização de jurisprudência enfrentaram a questão com percuciência, examinando os mesmos aspectos legais, porém com interpretações diferentes que levaram a entendimentos diametralmente opostos.

Dessa forma, confrontando os posicionamentos adotados, percebe-se nitidamente que, na consulta relatada pelo Conselheiro Wanderley Ávila, interpretou-se a hipótese questionada sob uma óptica conservadora, enquanto, no parecer emitido na consulta de relatoria do Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, buscou-se leitura mais flexível do texto constitucional.

Faço essa observação sem embargo de qualquer crítica ou rótulo às posições assumidas pelos respectivos relatores, eis que, no campo da interpretação legal, o

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que importa é a adequação do método adotado, seja ele tradicional ou hodierno. E, como é cediço, o método de interpretação mais recentemente desenvolvido não exclui a aplicação da sistemática anterior.

No cerne do tema, as conclusões diferem, essencialmente, quanto ao repasse de recursos financeiros às Caixas Escolares atender, ou não, ao comando contido no caput do art. 213 da Carta Federal de 1988, que determina que “os recursos públicos serão destinados às escolas públicas [...]”.

Em seu exame, o Conselheiro Wanderley Ávila considerou todos os aspectos que se relacionam à matéria e adotou interpretação restritiva do dispositivo em foco, expressando-se nos seguintes termos:

A razão que me move a considerar a impossibilidade de contabilizar tais despesas dentro do limite constitucional previsto no art. 212 da Constituição da República encontra fundamento no próprio Texto Constitucional que não abre espaço para o repasse de recursos públicos destinados à aplicação na manutenção e desenvolvimento do ensino a entidades privadas, salvo às escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação e que assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades. É o que se infere do disposto no art. 213 do Diploma Constitucional. E acrescento ao rol de exigências do art. 213, aquela estabelecida no art. 77 da Lei 9.394 (LDB), de 20/12/96, de fundamental importância para o exercício do controle: prestação de contas ao Poder Público dos recursos recebidos.

Ademais, o repasse dos recursos públicos destinados à educação deve ser efetivado ao órgão responsável pela educação do ente político, consoante intelecção do § 5º do art. 69 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

De igual modo, procedeu o Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, examinando os mesmos aspectos jurídicos, porém adotando interpretação teleológica, admitindo que os repasses de recursos financeiros à Caixa Escolar atendem à finalidade prevista na norma constitucional:

Sendo assim, Sr. Presidente, é possível depreender daí que as caixas escolares, embora se constituam em sociedades de personalidade jurídica de direito privado e apesar de não integrarem a Administração Pública, nos termos do art. 37 da Carta Federal, possuem características peculiares e específicas em relação às demais associações civis, no momento em que a função básica de tais instituições consiste exatamente em receber e gerenciar recursos financeiros da escola, recursos esses aplicados não em instituições privadas, mas, sim, em Escolas Públicas, no caso, municipais.

Dessa forma, entendo que os recursos públicos transferidos às Caixas Escolares cumprem devidamente as condições impostas pelo § 2º e caput do art. 212 da Constituição Federal, bem como pelo caput do art. 213.

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Dessa forma, o que se buscou interpretar no texto constitucional e que ora se estabelece como objeto da controvérsia é, em síntese, a relevância do modus operandi, ou a forma utilizada para atingir o cumprimento da aplicação do percentual orçamentário determinado no art. 212 da Lei Maior.

A dificuldade em resolver esse impasse, porém, reside no fato de não haver erro na eleição dos métodos de interpretação. Tanto o método positivista, mais conservador e restritivo, quanto o teleológico, mais amplo e extensivo, são aplicáveis e adequados e, portanto, aceitáveis na interpretação da norma constitucional de maneira geral. Como ensina Carlos Maximiliano, “o Direito Constitucional, o Administrativo e o Processual oferecem margem para todos os métodos, recursos e efeitos de hermenêutica” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961, p. 278).

É fato que os profissionais do Direito no Brasil padecem da inconstância dos institutos, que são criados e abandonados ao sabor do experimentalismo administrativo centralizado, embalado pelas ideologias dos que se revezam no poder. Ao invés de aprimorar o sistema existente e adequá-lo à nova ordem constitucional, criam-se recursos administrativos inteiramente novos, deixando “resquícios”, como as Caixas Escolares, que não são mais contempladas nas atuais normas de regência, mas que continuam existindo e operando, sobretudo nas localidades em que foram exitosas no seu propósito.

Nesse passo, importa observar que a conduta conservadora não tem o viés que se lhe convencionou atribuir, de ultrapassada, antiquada e retrógrada. Ela é, diferentemente do senso comum, aquela que opta pelo menor risco e pela comprovada eficácia. É necessário, principalmente quando se lida com dinheiro público, ter a certeza de que a sua aplicação alcançará o fim proposto.

Na interpretação esposada na Consulta de n. 706.002, o que impede a Administração de incluir os recursos repassados à Caixa Escolar no percentual contabilizado em gastos com a manutenção e desenvolvimento do ensino é, em última instância, o próprio princípio da legalidade, em face da inexistência de previsão legal para o manejo do investimento público em educação por meio de instituição de direito privado além das exceções previstas no art. 213, entre as quais a Caixa Escolar não tem assento.

A observância do princípio da legalidade, in casu, não é um dogma jurídico destituído de razão e significado, a ser observado cegamente. Ao contrário, ele é imposto pela Constituição da República para delimitar a conduta do administrador público e sujeitá-lo aos ditames da lei e ao que o legislador considerou para o atendimento das exigências do bem comum.

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Não obstante, a linha de raciocínio adotada na Consulta n. 715.528 não contém, por seu turno, a ideia de subversão desse caro princípio constitucional, porquanto as Caixas Escolares, apesar de dotadas de personalidade jurídica de direito privado, têm a sua criação e existência voltadas exclusivamente ao atendimento das escolas públicas e estão sujeitas às normas de direito público, que prescrevem exigências a serem observadas na administração e no gerenciamento de recursos públicos, como a prestação de contas e a realização de procedimento licitatório para as contratações.

Em que pese ser absolutamente correto que as Caixas Escolares não se confundem com as escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas, relacionadas no art. 213 da Lei Maior, também não há qualquer erro em afirmar que os recursos que lhes são repassados se destinem, necessariamente, à aplicação em escolas públicas. As Caixas Escolares foram idealizadas exatamente para viabilizar o repasse de recursos financeiros às escolas públicas, bem como possibilitar o manejo de receitas próprias eventualmente auferidas, tendo em vista que as escolas públicas são, em grande parte, meras unidades integrantes da Administração Direta que não têm personalidade jurídica própria e, por consequência, autonomia administrativa.

De outro lado, o comando contido no art. 213 da Carta Republicana, que determina que os recursos públicos sejam destinados às escolas públicas, não impede que isso se efetive por meio da Caixa Escolar, observando que esta nada mais é do que uma unidade executora das escolas públicas. Trata-se, em verdade, da forma estabelecida para viabilizar a chamada desconcentração administrativa sem promover alterações estruturais na Administração Direta, porquanto o diretor ou administrador da escola sequer dispõe de uma conta corrente bancária para depositar os recursos financeiros destinados à manutenção da unidade.

Outro importante aspecto destacado na Consulta n. 715.528 é a identificação clara da fonte dos recursos repassados à Caixa Escolar, restrita ao saldo das receitas tributárias próprias do Município, previsto no caput do art. 212 da Constituição da República, excluídos os valores relativos ao Fundeb.

A meu sentir, o simples fato de ser uma entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado não torna a Caixa Escolar propriamente uma “entidade privada”, mormente em se reconhecendo a obrigação de prestação de contas e de submissão a procedimentos licitatórios para as contratações, conforme manifestação desta Corte na Consulta n. 643.174, tal qual as sociedades de economia mista e as empresas públicas, que nada mais são do que as empresas governamentais com personalidade jurídica de direito privado.

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VOTO

Diante do exposto, proponho que o entendimento deste Colegiado seja unificado pelo reconhecimento de que os recursos repassados às Caixas Escolares possam ser contabilizados como gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino, nos termos do parecer emitido na Consulta n. 715.528, relatada pelo Conselheiro Substituto Licurgo Mourão na Sessão do Pleno de 04/07/08.

É como voto.

O Incidente de Uniformização de Jurisprudência em epígrafe foi apreciado pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 24/11/10 dirigida pelo Conselheiro Presidente em Exercício, Antônio Carlos Andrada; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheira Adriene Andrade, Conselheiro Sebastião Helvecio e Conselheiro Substituto Hamilton Coelho, que aprovaram, por unanimidade, o voto exarado pelo relator, Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz.

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Contratação de novo modelo de gestão de abastecimento da frota de veículos da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais é levada a termo*1

* Cumpre informar que, até o fechamento desta edição, a decisão proferida pelo Tribunal nos autos epigrafados não havia transitado em julgado.

[...] sanadas as irregularidades e considerando que a contratação decorrente do Edital n. 35-A/2010 resulta em novo modelo de gestão do abastecimento da frota de veículos, com o emprego de avançada tecnologia, agregando valor e economicidade ao serviço que será prestado, entendo que a licitação sob exame tem condições de ser levada a termo [...].

EDITAL DE LICITAÇÃO N. 837.132

RELATOR: CONSELHEIRO EM EXERCÍCIO GILBERTO DINIZ

EMENTA: Edital de licitação — Polícia Militar do Estado de Minas Gerais — Registro de Preços — Contratação de serviços de gerenciamento do abastecimento de frota de veículos — I. Irregularidades apontadas e devidamente sanadas pela Administração: a) Prazo para impugnação, solicitação de esclarecimentos ao pregoeiro em desconformidade com o Decreto Estadual n. 44.786/08. b) Alcance dos efeitos da declaração de inidoneidade em desacordo com a Lei n. 8.666/93. c) Formas de comprovação de regularidade perante o INSS estranhas às especificações legais. d) Inadequação da modalidade licitatória (pregão presencial) em relação à modalidade preferencial (pregão eletrônico) — II. Irregularidades inicialmente apontadas e devidamente justificadas pela Administração: a) Ausência de previsão, no edital, de valor estimado da contratação. Edital de Pregão. Obrigatoriedade quando do procedimento de contratação. b) Restrição à participação de empresas integrantes de grupo econômico. Aplicação, por analogia, do disposto no inciso IV do art. 33 da Lei n. 8.666/93, previsto para a participação de empresas em consórcio. c) Prazo de vigência do contrato em desconformidade com o disposto no caput do art. 57 da Lei n. 8.666/93. Serviços executados de forma contínua. Observância ao inciso II do art. 57 da Lei de Licitações. d) Licitação do objeto em lote único. Observância dos requisitos do §1º do art. 23 da Lei n. 8.666/93 — Ausência de Irregularidades — Intimação dos responsáveis para publicação de novo edital.

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RELATÓRIO

Trata-se do procedimento licitatório na modalidade Pregão Presencial Planejamento n. 35/2010, promovido pelo Estado de Minas Gerais, por intermédio da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), tendo por objeto o registro de preços para a contratação do serviço de gerenciamento do abastecimento da frota de veículos dos órgãos e entidades estaduais com a instalação de dispositivos eletrônicos nos veículos, postos e pontos de abastecimento e fornecimento de combustível, conforme especificações e condições gerais previstas no edital.

O edital foi encaminhado a esta Corte, em 10/06/10, pelo Tenente Coronel PM Filipe Luís de Oliveira Guimarães, Chefe do Centro de Motomecanização e Intendência (CMI), em atendimento à requisição do Conselheiro Presidente, nos termos do art. 260 c/c art. 263 do Regimento Interno, tendo em vista constar o próprio Tribunal de Contas como carona no certame, assim como diversos outros órgãos e entidades do Estado.

Em análise inicial do feito, a Primeira Câmara desta Corte referendou, em 16/06/10, decisão monocrática deste relator, que determinou a suspensão do certame em razão da irregularidade detectada no subitem 7.6.2 do edital que favorecia os fornecedores sediados no Estado, mediante a classificação das propostas, computando a isenção do ICMS na forma prevista no § 1º do art. 4º da Resolução Conjunta n. 3.458/03, da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag) e da Secretaria de Estado da Fazenda (SEF), em detrimento do princípio da isonomia, conforme já decidido pelo Tribunal Pleno na sessão de 24/02/10, em sede de incidente de inconstitucionalidade, nos autos da Denúncia n. 803.343.

Registra-se, por oportuno, que a liminar fora concedida, tendo sido examinada apenas a questão acima transcrita, haja vista a exiguidade de tempo para estudo de todos os aspectos do procedimento licitatório, o qual seria realizado em momento posterior.

Também por determinação da Primeira Câmara, foi carreada para os autos cópia de todo o procedimento licitatório, o qual foi submetido ao exame do órgão técnico e do Ministério Público de Contas.

Ainda no curso do exame técnico do instrumento convocatório foi revogado o certame e publicado novo edital, dessa feita sob o n. 35-A/2010, escoimado da irregularidade que demandou a sua suspensão. Contudo, outras irregularidades foram constatadas pelo órgão técnico e pelo Ministério Público de Contas, em razão das quais aquele Colegiado determinou, na sessão de 17/08/10, a citação dos responsáveis para que promovessem a correção do edital, no prazo de até 10 dias, ou apresentassem defesa, permanecendo, em qualquer caso, suspenso o processo de contratação, conforme decidido na sessão da Primeira Câmara em 16/06/10, abstendo-se a Polícia Militar de abrir os trabalhos designados às 9h30m do dia 18/08/10.

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Na ocasião, foi determinado também aos responsáveis, que encaminhassem cópia do ato de desfazimento do Edital n. 35/2010, devidamente motivado e publicado.

Em 19/08/10, deu entrada nesta Corte a petição, a fls. 821-833, acompanhada de documentos, na qual os responsáveis aquiesceram com a correção da maioria dos apontamentos, contestando, entretanto, os relativos ao prazo da contratação e ao valor estimado do contrato. E, em 20/08/10, protocolizaram expediente, juntando aos autos a revogação do Edital n. 35/2010 a fls. 987-994.

A peça de defesa foi submetida à apreciação do Ministério Público de Contas que se manifestou a fls. 958-984, suscitando questões que não haviam sido abordadas nos pareceres anteriores, o que ensejou a reabertura de vista aos responsáveis para exercício do contraditório.

Com a nova defesa juntada a fls. 1.002-1.015, retornei os autos ao Órgão Ministerial que produziu o parecer a fls. 1.018-1.036, vindo-me conclusos em seguida.

Em face da preliminar eriçada pelo douto Parquet, acolhida pela Primeira Câmara, na Sessão de 09/11/10, foi declinada ao Tribunal Pleno a competência para apreciar o processo pelo fato de o valor estimado da contratação ser superior a R$150.000.000,00, nos termos do inciso II do art. 35 da Lei Complementar n. 102/08 e do inciso II do art. 25 do Regimento Interno.

Em síntese, é o relatório.

PRELIMINAR

Cumpre, inicialmente, esclarecer que o Procurador do Ministério Público de Contas, Dr. Cláudio Couto Terrão, suscitou questão preliminar, arguindo a competência do Tribunal Pleno para apreciar o presente feito, tendo em vista que, embora o custo estimado da contratação não seja indicado no ato convocatório, a planilha enfeixada a fls. 361 estima a contratação em R$588.840.011,00.

A teor do disposto no inciso II do art. 35 da Lei Complementar n. 102/08 e no inciso II do art. 25 do Regimento Interno, é competência do Tribunal Pleno apreciar e julgar licitação cujo valor seja igual ou superior a cem vezes o limite estabelecido na alínea c do inciso I do art. 23 da Lei n. 8.666/93, ou seja, para valores superiores a R$150.000.000,00.

Embora se trate de licitação para registro de preços, o seu objetivo é se desdobrar em diversos contratos firmados diretamente entre os órgãos e entidades caronas e o vencedor do certame.

Assim, ainda que os contratos não alcancem individualmente o valor de alçada, entendo que compete ao Tribunal Pleno, tendo em vista a norma contida nos

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sobreditos dispositivos, deliberar sobre o procedimento licitatório em questão, impondo a análise do certame como um todo.

Nessa circunstância, torna-se incontroversa a competência do Tribunal Pleno para apreciar e julgar o presente feito.

Por essas razões, a Primeira Câmara acolheu, na sessão de ontem, 09/11/10, a preliminar suscitada pelo Ministério Público de Contas para submeter a este colegiado a apreciação e o julgamento do ato convocatório sob exame.

MÉRITO

Além da questão da isenção do ICMS, já superada com a revogação do Edital de Pregão n. 35/2010 e a publicação do Edital 35-A/2010, do qual foi retirada a cláusula que favorecia os fornecedores sediados em Minas Gerais, mediante a classificação das propostas, computando a isenção do ICMS, o órgão técnico e o Ministério Público levantaram as seguintes irregularidades no ato convocatório:

a. prazos para impugnação, solicitação de esclarecimentos e decisão do pregoeiro desalinhados com àqueles previstos no Decreto Estadual n. 44.786/08;

b. restrição dos efeitos da declaração de inidoneidade e da penalidade de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração Pública;

c. formas de comprovação de regularidade perante o INSS estranhas às especificações legais;

d. ausência de previsão, no edital, de valor estimado da contratação;

e. restrição à participação de empresas integrantes de grupo econômico;

f. prazo de vigência do contrato em desconformidade com o disposto no caput do art. 57 da Lei n. 8.666/93;

g. falta da adequada motivação para o não parcelamento do objeto (lote único);

h. inadequação da modalidade licitatória (pregão presencial) em relação à modalidade preferencial (pregão eletrônico).

No curso do processo, após a abertura de vista sobre o relatório técnico e o parecer do Órgão Ministerial, em suas manifestações a fls. 821-833 e fls. 1.002-1.015, os responsáveis aquiesceram em alguns dos apontamentos e procederam às devidas correções, conforme minuta do instrumento convocatório enfeixada a fls. 834-955, e contestaram outros, conforme passo a examinar.

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1 Efeitos da suspensão e declaração de inidoneidade

No exame do edital de origem, o órgão técnico observou que os subitens 4.2.2 e 4.2.3, mencionados adiante, estavam em desacordo com o comando dos incisos III e IV do art. 87 da Lei Federal n. 8.666/93, por estender o alcance das penalidades de suspensão temporária ao direito de licitar e de declaração de inidoneidade, causando restrição indevida à participação de empresas.

Essa questão, assim como outras, já foi apreciada pela Primeira Câmara na sessão de 17/08/10, mas entendo que deve ser novamente examinada pelo Pleno em face da declinação da competência.

Sem embargo ou divergência com a fundamentação exposta no relatório técnico, entendo que o apontamento não procede em relação ao subitem 4.2.2, uma vez que o texto editalício não contraria o comando da norma, conforme se lê:

4.2. Não poderão participar da presente licitação as empresas que:

[...]

4.2.2. Forem declaradas suspensas do direito de licitar e contratar junto a qualquer Órgão/Entidade da Administração Pública Estadual (grifo nosso).

Logo, não há restrição ao direito de participação no certame por extensão dos efeitos de penalidades aplicadas por outros entes da Federação, restando claro que o subitem 4.2.2 não extrapola os limites da norma de regência.

Por outro lado, no que diz respeito aos efeitos da declaração de inidoneidade, a verificação técnica procede, eis que não se limita à circunscrição da entidade federada que a decreta. O instrumento convocatório veda a participação no certame às empresas que:

4.2.3. Forem declaradas inidôneas para licitar junto a qualquer órgão/entidade da Administração direta ou indireta estadual (grifo nosso).

O Professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes assevera, a esse respeito, que “a norma do art. 87, da Lei 8.666/93, é de meridiana clareza: a declaração de inidoneidade abrange toda a Administração Pública; a suspensão, apenas a Administração” (Sistema de registro de preço e pregão, Belo Horizonte: Forum, p. 229).

Para que o subitem 4.2.3 também se harmonize com a mencionada norma, é necessário suprimir a referência à declaração de inidoneidade por “qualquer órgão/entidade da Administração direta ou indireta estadual”, substituindo-a pela restrição à participação das empresas que forem declaradas inidôneas para licitar ou contratar com a Administração Pública. Isso porque a declaração de inidoneidade é sanção de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme disposto no § 3º do art. 87 da Lei de Licitações.

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Segundo informaram os responsáveis, na peça a fls. 821-833, em atendimento às determinações deste Tribunal, o edital foi corrigido no item relativo ao impedimento para participação de empresas declaradas inidôneas (subitem 4.2.3).

Examinando as alterações promovidas na minuta enfeixada a fls. 834-955, quanto ao mencionado subitem, constato que o novo texto apresentado excluiu a limitação dos efeitos da declaração de inidoneidade à circunscrição da Administração estadual, passando a constar o impedimento para participar da licitação as empresas declaradas inidôneas para licitar perante a Administração Pública, ficando sanada a irregularidade.

2 Prazo para impugnação e solicitação de esclarecimento

O prazo previsto no subitem 3.1 para impugnação do edital e solicitação de esclarecimentos, conforme indicação do Ministério Público, também se encontra em desacordo com a norma legal. Assim diz referido subitem:

3.1. Qualquer pessoa poderá solicitar, por escrito ao Pregoeiro, esclarecimentos, providências ou impugnar o ato convocatório do Pregão, no máximo, em até 5 (cinco) dias úteis antes da data fixada para a realização da sessão pública.

Tal hipótese está prevista no Decreto Estadual n. 44.786/08, que prescreve:

Art. 11. Até o quinto dia após a publicação do aviso do edital, contado na forma do parágrafo único do art. 10, qualquer pessoa, inclusive licitante, poderá solicitar esclarecimentos ou impugnar o ato convocatório do pregão.

Vê-se que o edital, embora tenha concedido o prazo de cinco dias úteis para solicitação de esclarecimentos, providências e impugnação, tal qual a norma estadual, fixou a referência na data designada para a sessão do pregão, o que resulta em redução do prazo legal. Na prática, considerando-se o prazo mínimo de oito dias úteis, previsto no inciso V do art. 4º da Lei n. 10.520/02, entre a publicação do edital e a sessão do pregão, pelo critério do instrumento sob exame, restarão ao interessado apenas três dias para pedir esclarecimentos, providências ou para a impugnação, contrariando a norma estadual que prevê o prazo de cinco dias úteis.

Os responsáveis afirmam que o texto editalício havia adotado a redação dos §§ 1º e 2º do art. 41 da Lei n. 8.666/93, os quais estabelecem, para qualquer cidadão e para os licitantes, respectivamente, os prazos, para impugnar o edital, de cinco e dois dias úteis antes da data fixada para abertura dos envelopes de habilitação. A fim de atender à determinação desta Corte, o subitem 3.1 foi alterado, passando o prazo de cinco dias úteis, conferido aos cidadãos para promoverem a impugnação do edital, a fluir a partir da data de sua publicação, nos termos do Decreto Estadual n. 44.786/08.

Com a alteração do dispositivo, fica sanada a irregularidade.

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3 Comprovação da regularidade fiscal

Também padece de irregularidade o subitem 8.2.8 do instrumento convocatório, que prescreve forma de comprovação de regularidade perante o INSS diferente daquela prescrita pela Lei de Licitação.

O referido subitem permite que a regularidade fiscal seja assim comprovada:

8.2.8. Certificado de Situação Regular perante o Sistema de Seguridade Social (INSS), ou prova de garantia em juízo de valor suficiente para pagamento do débito, quando em litígio (grifamos);

A Lei n. 8.666/93 estabelece a forma de comprovar a regularidade fiscal:

Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em:

[...]

IV — prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei.

A forma de comprovação de regularidade para com a Seguridade Social está discriminada na Lei n. 8.212, de 24/06/91, que estabelece:

Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito (CND), fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos:

I — da empresa:

a) na contratação com o Poder Público e no recebimento de benefícios ou incentivo fiscal ou creditício concedido por ele;

[...]

A sobredita norma federal, portanto, é taxativa, não permitindo que se faça a comprovação de regularidade perante o INSS por outro meio, senão pela CND.

Os responsáveis informam que promoveram a alteração do subitem 8.2.8, excluindo a exigência não contemplada na Lei Geral das Licitações. Mediante a alteração promovida no texto editalício, fica sanada a irregularidade.

4 Vedação à participação de empresas de grupo econômico

Com relação à vedação de participação de grupo econômico, a questão foi apreciada pela Primeira Câmara, na sessão de 17/08/10, na qual não se vislumbrou a contrariedade ao comando da Lei Federal n. 8.666/93 indicada.

Sobre o tema, a unidade técnica entendeu indevida a restrição à participação de grupo econômico, prevista no subitem 4.5 do edital, que assim dispõe:

4.5. Não será permitida a participação, na licitação, de mais de uma empresa sob o controle de um mesmo grupo de pessoas, físicas ou jurídicas.

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De fato, como registrado no relatório técnico, a Lei n. 8.666/93 não prevê, especificamente, a possibilidade de inserir, no edital, restrição dessa natureza.

Como é corrente, contudo, o direito positivo não estabelece e nem disciplina todas as possibilidades de aplicação da lei, de modo que cabe ao aplicador do direito valer-se das técnicas de interpretação para chegar à conclusão sobre a forma de aplicá-la ao caso concreto.

A meu ver, a restrição contida no subitem 4.5 não inviabiliza a ampla competitividade almejada no certame, porquanto se harmoniza com a vedação contida no inciso IV do art. 33 da Lei n. 8.666/93, que impede a participação de uma empresa consorciada, na mesma licitação, por meio de mais de um consórcio ou isoladamente.

Logo, por analogia, não se pode admitir que várias empresas controladas pela mesma pessoa natural ou jurídica, participem da disputa, já que haveria, por parte de quem as controla, o conhecimento prévio das respectivas propostas.

O regime jurídico brasileiro não admite a formação de cartéis para controlar os preços de mercado, dispondo a Lei Antitruste brasileira, Lei n. 8.884, de 11/07/94, sobre a prevenção e repressão às infrações à ordem econômica, entre as quais figuram:

Art. 20. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

I — limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa;

II — dominar mercado relevante de bens ou serviços;

III — aumentar arbitrariamente os lucros;

IV — exercer de forma abusiva posição dominante.

Não se trata, evidentemente, de mera coincidência de acionistas, mas de efetivo controle societário, o que autoriza reconhecer a possibilidade de tal restrição, por analogia, ao disposto no inciso IV do art. 33 da Lei Geral das Licitações, previsto para a participação de empresas em consórcio. Correta, portanto, a previsão editalícia.

5 Pregão presencial X pregão eletrônico

O Ministério Público questionou a eleição do pregão presencial para o certame em tela, uma vez que o pregão eletrônico é a regra nessa modalidade de licitação e que a opção deveria ser plenamente motivada.

Na sessão havida em 17/08/10, a Primeira Câmara, adotando meu posicionamento, entendeu que a exigência de justificativa para a não escolha do pregão eletrônico, prescrita no § 1º do art. 2º do Decreto Estadual n. 44.786/08, não ensejava a suspensão do certame.

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De toda sorte, os responsáveis informaram, em sede de defesa, que adotarão o pregão eletrônico como modalidade licitatória, o que encerra a questão.

6 Das irregularidades impugnadas

Os responsáveis pelo certame discordaram dos apontamentos feitos pelo Ministério Público de Contas relativamente ao valor estimado da contratação, à licitação em lote único e ao prazo de duração dos contratos, os quais passo a examinar.

6.1 Ausência do valor estimado da contratação

O Órgão Ministerial, em sua primeira manifestação nos autos, a fls. 797-802, detectou a falta, no instrumento convocatório, da indicação do valor estimado do contrato.

Este foi um dos motivos que levou a Primeira Câmara, na sessão de 17/08/10, a manter a suspensão do certame, e porque a ausência de indicação desse valor conflitava diretamente com as exigências de comprovação da qualificação econômico-financeira, prescritas nos subitens 4.9.1.2.1 e 8.3.4, que determinam a apresentação, respectivamente, de capital social integralizado ou valor do patrimônio líquido mínimo correspondente a 10% e 5% sobre o valor estimado da contratação.

Por óbvio, para que os proponentes pudessem demonstrar sua capacitação econômico-financeira, seria indispensável que a Administração lhes fornecesse o valor estimado da contratação.

Os responsáveis, na peça a fls. 821-833, aduziram que o Decreto n. 44.786/08, que regulamenta a modalidade pregão no âmbito estadual, determina a incorporação das planilhas de preço estimado da contratação aos autos do procedimento licitatório para servir de referência no julgamento, mas desobriga a sua inclusão no edital, conforme prescreve a alínea e do inciso I do art. 6° do referido diploma.

Os defendentes afirmaram, também, que essa conduta é praticada pela Administração estadual, objetivando a obtenção de propostas com custos reais, sem indução de valores aos proponentes. E, para regularizar os subitens 4.9.1.2.1 e 8.3.4, elaboraram cláusula a ser acrescida ao ato convocatório, indicando aos licitantes a utilização do valor da proposta comercial para a comprovação dos percentuais do capital social integralizado e do valor do patrimônio líquido mínimo.

O Ministério Público, no parecer a fls. 1.018-1.036, entendeu, em síntese, que a omissão do valor estimado da contratação constitui ofensa ao princípio da publicidade, podendo ensejar repercussões negativas em relação à

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competitividade, prejudicando a transparência e, por conseguinte, o controle democrático dos atos da Administração.

Com efeito, o que reclama o Órgão Ministerial é da ausência, no edital, do valor estimado da contratação, que serve de base para a verificação de disponibilidade orçamentária, determinação da modalidade licitatória e parâmetro para exigências de garantias e capacitação econômico-financeira dos proponentes.

Já o que os defendentes justificaram é a omissão do orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários, cuja integração como anexo do instrumento convocatório é tratada no inciso II do § 2° do art. 40 da Lei n. 8.666/93.

A esse respeito, venho adotando o entendimento de que a ausência do orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários não determina, em regra, restrição ao caráter competitivo do certame. A informação contida em planilha, que se compõe da média dos preços unitários obtidos por consulta informal ao mercado, constitui instrumento indispensável à Administração para aferir a disponibilidade orçamentária, a adequação da modalidade licitatória e, durante o julgamento das propostas, a exequibilidade dos preços ofertados pelos proponentes.

Não há dúvida de que a planilha de quantitativos e preços unitários é essencial à Administração para a consecução do procedimento licitatório, o que não quer dizer que seja, em geral, indispensável aos licitantes para a formulação das propostas.

A meu ver, a obrigatoriedade da inclusão de tal planilha como anexo do instrumento convocatório é controversa. Em comentário ao art. 40 da Lei n. 8.666/93, o Professor Marçal Justen Filho afirma que “o § 2º arrola alguns casos de anexos exemplificativamente”. No entanto, no que diz respeito ao orçamento estimado, o doutrinador entende ser a sua divulgação obrigatória, inferindo que o tema tem íntima conexão com o chamado jogo de planilha, prática espúria que, segundo explica:

[...] consiste em formular preços mais elevados para quantitativos insuficientes e preços irrelevantes para quantitativos excessivos, previstos na planilha anexa ao edital. Isso redunda em um preço global reduzido, que pode assegurar a vitória ao licitante. Iniciada a execução, confirma-se a previsão realizada por ocasião da licitação. Logo é necessário modificação contratual para elevar os quantitativos dos itens que têm preços mais elevados e reduzir as quantidades dos itens que têm preço reduzidos. (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 400, 453).

O resultado dessa prática é a completa alteração das condições originalmente contratadas pela Administração com significativa majoração do preço global. Essa hipótese, contudo, somente ocorre em licitações de serviços cuja composição de

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preços seja complexa, como nas obras e serviços de engenharia e não nos certames para aquisição de bens, por mais complexa que seja a descrição do objeto. Esse o entendimento expressado pelo Professor Carlos Pinto Coelho Motta em comentários ao art. 40 da Lei Federal n. 8.666/93:

Com a alteração do art. 48 pela Lei 9.648/98, e especificamente com a redação dos §§ 1º e 2º, recoloca-se a tese dos indicadores matemáticos, com a fórmula baseada em médias aritméticas e percentuais, para determinar com maior precisão os limites de inexiquibilidade das propostas. Essa alternativa, entretanto, restringe-se a obras e serviços de engenharia.

[...]

No caso de compra, os critérios de aceitabilidade não apresentam maiores dificuldades, pois (como dissemos ao comentar os arts. 14 a 16) estão relacionados com a pesquisa confiável dos valores de mercado (Eficácia nas licitações e contratos, 10. ed. Belo Horizonte: Del Rey, p. 353-354).

É induvidoso, assim, que o orçamento estimado é instrumento obrigatório das licitações destinadas à contratação de obras e serviços de engenharia, o que constituiu, ab initio, objeto de crítica da doutrina especializada que identificou, nessa espécie, o foco principal da lei, apesar de ter sido editada como norma geral destinada a regulamentar todas as licitações.

In casu, em que pese à extensão que o objeto do contrato possa ter, especialmente o gerenciamento do consumo de combustíveis de cada veículo de todos os órgãos e entidades estaduais, a composição do custo dos serviços se revela extremamente singela, restringindo-se à cotação dos preços unitários de apenas quatro itens: gasolina, óleo diesel, álcool e taxa de administração.

Ressalta-se que, no caso específico das licitações na modalidade pregão, o inciso III do art. 3º da Lei n. 10.520/02, determina, exatamente, que o orçamento conste nos autos do procedimento de contratação, mas não obrigatoriamente no instrumento convocatório, assim como se infere do comando contido na alínea e do inciso I do art. 6° do Decreto Estadual n. 44.786/08, que institui o orçamento estimado como instrumento obrigatório e indispensável ao processo de contratação, mas permite à Administração reter as informações nele constantes somente para si.

Logo, a limitação do orçamento estimado nos autos do processo licitatório atende às normas de regência do pregão e em nada prejudica a competitividade e, por via de consequência, a participação dos interessados.

Quanto ao valor estimado da contratação, não se pode olvidar que o procedimento licitatório em tela se destina a firmar uma ata de registro de preços e não diretamente um ou vários contratos. Estes serão firmados entre os órgãos e entidades estaduais e o vencedor do certame ou beneficiário da ata de registro de preços.

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Portanto, o Pregão n. 35-A/2010 não possui dotação orçamentária específica, razão pela qual o instrumento convocatório prescindiu do valor estimado da contratação.

Quanto à sua referência para efeito de qualificação econômico-financeira, prevista nos subitens 4.9.1.2.1 e 8.3.4, entendo que a utilização dos percentuais sobre o valor da proposta, para comprovação do capital social integralizado e do valor do patrimônio líquido mínimo, sana a irregularidade sem comprometer o sigilo, considerando a característica típica da modalidade pregão, em que a abertura das propostas precede a fase de habilitação.

6.2 Motivação para o lote único

Em sua manifestação a fls. 958-984, o Órgão Ministerial arguiu a falta de adequada motivação para a licitação do objeto em lote único, considerando a possibilidade de fracioná-lo em dois lotes (fornecimento de combustível e gestão do abastecimento e resíduos dos postos) e a regra geral contida no § 1° do art. 23 da Lei n. 8.666/93.

Tendo em vista que essa questão não havia sido abordada nos pareceres anteriores, entendi necessária a reabertura de vista aos responsáveis a fim de evitar a nulidade do processo por cerceamento do direito de defesa.

Os responsáveis informaram que o planejamento da licitação foi precedido de amplo estudo sobre a estrutura interna da Administração Pública estadual, as práticas de mercado e as experiências inovadoras nos setores privado e público, discorrendo longamente sobre as vantagens do serviço de gerenciamento do abastecimento ser feito conjuntamente com o fornecimento de combustível, por meio de parcerias firmadas entre distribuidores de combustível, empresas de desenvolvimento de sistemas e postos revendedores. Segundo relataram, essa organização vigora no mercado há mais de 15 anos e vem proporcionando economia aos contratantes de 10% a 38%.

Além da economicidade, os defendentes informaram que o novo sistema absorverá a estrutura própria da Administração atualmente existente e a ampliará, instituindo sistema mais eficiente de controle do consumo de combustível da frota, o que somente se viabiliza pela contratação de um único fornecedor para todo o Estado.

Após a defesa, o douto Parquet admitiu que a licitação em lote único representa melhor opção de custo benefício para a satisfação das necessidades da Administração estadual, e que o instrumento convocatório preservou a ampla competitividade pela viabilidade de formação de consórcios entre empresas fornecedoras de combustível e de equipamentos e sistemas dedicados à gestão de consumo.

De fato, dos documentos que compõem a fase interna do procedimento licitatório sob exame, destaca-se a Nota Técnica SCRLP n. 056/2010, enfeixada a fls. 261-290, que contém a síntese do amplo estudo realizado e as justificativas para a

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contratação em lote único, concluindo que esse sistema possibilita maior redução dos custos de implantação da gestão do abastecimento do que o fracionamento em parcelas de serviços autônomos.

Diante das justificativas apresentadas, entendo terem sido respeitados os requisitos prescritos no § 1° do art. 23 da Lei Geral de Licitações, observando o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e a ampliação da competitividade sem perda da economia de escala.

6.3 Prazo de duração dos contratos

O Ministério Público, no seu parecer inicial, entendeu que o subitem 12.6.1 do edital, ao fixar a duração para os contratos decorrentes do registro de preço, pelo prazo de 60 meses, contrariou a norma contida no caput do art. 57 da Lei n. 8.666/93, que vincula a duração do contrato à vigência do respectivo crédito orçamentário.

A defesa ofereceu justificativa para a contratação pelo referido período com base em doutrina e em precedentes de consultas desta Corte, afirmando, primeiramente, que a contratação tem previsão no Plano Plurianual de Ação Governamental (PPAG), inserindo-se na exceção prevista no inciso I do art. 57 da Lei de Licitações.

Sustentou, também, ser possível a contratação por período superior a 12 meses com base no inciso II do art. 57 da citada lei, esclarecendo que o objeto do certame é a contratação de um serviço a ser prestado de forma contínua. Destacou, ainda, que a viabilidade econômica do modelo adotado somente é alcançada em contratações por longo período, no qual serão amortizados os custos não recorrentes do investimento, incorporados à remuneração dos serviços por meio da taxa de administração, que decresce na proporção do alongamento do prazo contratual.

Na sessão de 17/08/10, a Primeira Câmara apreciou a matéria, tendo considerado procedente o apontamento feito pelo Órgão Ministerial, por entender que a Lei n. 8.666/93 não permite à Administração firmar contrato por 60 meses, mas prorrogá-lo por períodos iguais e sucessivos até esse limite temporal.

Após a manifestação dos defendentes, a fls. 1.002-1.015, o Ministério Público, porém, se convenceu de que o serviço contratado, por suas características e peculiaridades, enseja a duração dos contratos por prazos superiores à vigência da dotação orçamentária, tendo em vista os benefícios econômicos que o longo prazo de duração contratual propiciará à Administração Pública, o que somente foi possível divisar após a apresentação da justificativa para a contratação em lote único.

O parecer ministerial deu destaque à singular formatação do sistema de abastecimento da frota dos órgãos e entidades da Administração estadual, que entendeu constituir

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serviço de execução continuada e que se subsume à norma de caráter excepcional contida no inciso II do art. 57 da Lei n. 8.666/93.

Ressaltou, ainda, por se tratar de contratação de serviço e não simples fornecimento, que a licitação em tela não atrai a aplicação do entendimento consolidado por esta Corte na Consulta n. 805.979, segundo o qual a duração dos contratos de fornecimento de combustível deve se limitar à vigência dos respectivos créditos orçamentários. Consigna, também, o parecer do Ministério Público, que o prazo contratual deve se compatibilizar com o período necessário à amortização dos custos das instalações indispensáveis à consecução do objeto, permitindo a redução das tarifas ou da taxa de administração a ser proposta pelos licitantes, semelhantemente ao que ocorre nas concessões regidas pela Lei n. 8.987/95, em que os custos dos investimentos realizados pela concessionária são amortizados ao longo do período da concessão, o que possibilita a redução das tarifas cobradas pelo serviço concedido.

De fato, na mesma linha de interpretação adotada pelo Órgão Ministerial em relação à contratação por lote único, é necessário observar, como já dito, que o legislador não pode prever todas as situações a serem regidas pela norma em abstrato.

As contratações que se desdobrarão da ata de registro de preços resultante do certame sob exame irão integrar um novo modelo de gestão do abastecimento da frota de veículos dos órgãos e entidades da Administração estadual, utilizando tecnologia avançada, impensável ao tempo da edição da Lei de Licitações, mas que irá agregar vantagens e economicidade ao serviço pretendido, como, a propósito, ficou demonstrado na Nota Técnica SCRLP n. 056/2010, acostada a fls. 261-290.

Não vejo, contudo, a possibilidade de acolher a primeira justificativa oferecida pelos defendentes para o prazo definido no subitem 12.6.1 do instrumento convocatório, adotando-se a regra do inciso I do art. 57 da Lei de Licitações, ou seja, para os projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual. Na verdade, a vigência do PPAG, como é cediço, alcança apenas 4 anos ou 48 meses e não os 60 meses previstos no edital.

A meu ver, o objeto do contrato melhor se enquadra na categoria de serviços executados de forma contínua, cuja regra do inciso II do mencionado artigo permite a vigência por até 60 meses.

Nesse passo, devo frisar que a interpretação gramatical da norma, a qual deve ser afastada, não permite que o Poder Público possa usufruir das vantagens que as modernas técnicas de gestão possibilitam, nem gozar da economicidade que proporcionam, conflitando, em última análise, com a própria finalidade da Lei Geral de Licitações, que é a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, conforme prescreve o seu art. 3°.

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Calha lembrar que, ao tempo da publicação da citada lei, e mesmo nos anos subsequentes, a instabilidade econômica não permitia prever as tendências do mercado por períodos mais alongados. Mesmo após consolidado o Plano Real e estabilizada a inflação em patamares, digamos, aceitáveis, a economia ainda sofreu reveses e ataques especulativos que impactaram as condições e os custos de execuções contratuais até o final do ano de 2002.

Diante do cenário econômico benfazejo, que permite antecipar a obtenção de vantagem econômica na contratação de serviço contínuo, pelo período máximo previsto no inciso II do art. 57 da Lei n. 8.666/93, ficará atendida a finalidade precípua da licitação, que é a obtenção de preços e condições mais vantajosas para a Administração.

Em face dessas considerações, e pelas particularidades do objeto da licitação sob exame, também revejo meu posicionamento inicial sobre a questão, e entendo, como regular, a duração dos contratos decorrentes do registro de preços, pelo prazo de 60 meses, nos termos do inciso II do art. 57 da mencionada lei.

Conclusão: diante do exposto, sanadas as irregularidades e considerando que a contratação decorrente do Edital n. 35-A/2010 resulta em novo modelo de gestão do abastecimento da frota de veículos, com o emprego de avançada tecnologia, agregando valor e economicidade ao serviço que será prestado, entendo que a licitação sob exame tem condições de ser levada a termo, devendo os responsáveis, o Ten-Cel. PM Filipe Luís de Oliveira Guimarães, Chefe do Centro de Motomecanização e Intendência (CMI) e o Major Warlei Oliveira Gomes, pregoeiro designado para o certame, serem intimados a promover a publicação do instrumento convocatório com as devidas alterações, carreando aos autos, sob pena de multa, cópia do ato retificado, após o que este processo será arquivado, nos termos do inciso IV do art. 176 do Regimento Interno.

Em que pese à regularidade do edital, com a promoção das medidas saneadoras, considerando a relevância da contratação em virtude do valor e do alcance dos seus efeitos sobre a Administração estadual, determino que a Diretoria Geral de Controle Externo proceda ao monitoramento do serviço de gerenciamento e abastecimento da frota de veículos, decorrente do procedimento licitatório versado nestes autos, objetivando a verificação dos resultados alcançados, em especial, quanto aos aspectos da eficiência e da economicidade.

O edital de licitação em epígrafe foi apreciado pelo Tribunal Pleno na sessão do dia 10/11/10 presidida pelo Conselheiro Wanderley Ávila; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Elmo Braz, Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Conselheiro Substituto Licurgo Mourão e Conselheiro Sebastião Helvecio, que aprovaram, por unanimidade, o voto exarado pelo relator, Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz.

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Emissão de parecer prévio pela rejeição das contas em virtude de abertura de créditos suplementares sem a devida autorização legal*

PRESTAÇÃO DE CONTAS N. 730.0671

*1 Cumpre informar que até o fechamento desta edição, a decisão proferida pelo Tribunal nos autos epigrafados não havia transitado em julgado.

EMENTA: Prestação de contas — Prefeitura Municipal — Abertura de créditos suplementares sem autorização legal — Empenho de despesa em valor superior ao da receita arrecadada — Dotação orçamentária insuficiente — Necessidade de lei específica para suplementação de dotação orçamentária — Afronta aos princípios do planejamento e da legalidade — CF/88, art. 167, V; Lei n. 4.320/64, arts. 42 e 59; Súmula TCEMG n. 77/88 — Afronta aos princípios do planejamento e da legalidade — Parecer prévio pela rejeição das contas.

Ora, mais que alterar a feição financeira da LOA,

permitir a alteração de dotações orçamentárias ao

arrepio do crivo do Poder Legislativo significa em

verdade subverter todo o sistema constitucional

de planejamento da execução das políticas

públicas [...]

RELATOR: AUDITOR LICURGO MOURÃO

ASSCOM TCEMG

RELATÓRIO

Versam os presentes autos sobre a Prestação de Contas da Prefeitura Municipal de Iturama, referente ao exercício de 2006, sob a responsabilidade do Sr. Valdecir Pichioni.

A certidão a fls. 166 informa que o interessado, citado, apresentou sua defesa, conforme documentação anexada a fls. 28-165, analisada pelo órgão técnico, a fls. 172-176.

O Ministério Público de Contas, a fls. 177-178, opinou pela emissão de parecer prévio pela rejeição das contas.

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Conforme pesquisa realizada no Sistema Gerencial de Administração de Processos (SGAP), em 06/10/10, localizou-se o processo de Inspeção Ordinária n. 747.187, relativo a controle interno, disponibilidades financeiras, despesas gerais, outras despesas de pessoal, ensino, Fundef, saúde, referente ao exercício de 2006, e repasses à Câmara e remuneração dos agentes políticos, exercícios de 2005 e 2006.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

No mérito, passa-se à exposição dos fundamentos do posicionamento adotado.

De acordo com o estudo do órgão técnico, a fls. 6-22, não constam irregularidades nos presentes autos quanto à abertura de créditos suplementares e especiais (art. 43 da Lei n. 4.320/64), ao empenho de despesas sem créditos concedidos (art. 59 da Lei n. 4.320/64), ao repasse de recursos ao Poder Legislativo (art. 29-A, I, da CR/88), à aplicação dos índices constitucionais relativos à saúde (art. 77, III, do ADCT) e ao ensino (art. 212 da CR/88) e quanto às despesas com pessoal (arts. 19 e 20 da Lei Complementar n. 101/00).

Uma vez que o parágrafo único do art. 1º da Decisão Normativa n. 02/2009, de 05/12/09, determina que os índices constitucionais relativos ao ensino e à saúde serão apreciados, exclusivamente, nos autos da prestação de contas, informa-se que os referidos índices, apresentados na Inspeção Ordinária n. 747.187, também obedeceram aos limites determinados na Constituição da República de 1988.

Créditos orçamentários e adicionais

O órgão técnico em seu exame inicial, a fls. 7, 18 e 19, apontou que o Município procedeu à abertura de créditos suplementares no valor de R$5.647.894,60, sem a devida cobertura legal, em desacordo com o disposto no art. 42 da Lei n. 4.320/64.

O defendente alegou, a fls. 28-30, que a Lei do Orçamento (Lei n. 3.494/05) autorizou o Município a realizar operações de crédito, abrir créditos adicionais/suplementares até o limite de 20% do montante das despesas fixadas, transpor, remanejar ou transferir recurso, dentro de uma mesma categoria de programa, e contingenciar parte das dotações.

Alegou ainda o defendente que não se pode afirmar que ocorreu qualquer irregularidade na abertura de créditos suplementares já que o Poder Executivo estava autorizado a suplementar o orçamento até R$13.200.000,00 e que os atos de simples transposição, remanejamento ou transferência de recursos, dentro de uma categoria de programação no total de R$11.296.876,02, não estava incluído no percentual de 20%.

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A fls. 173 e 174, o órgão técnico ratificou seu apontamento inicial, tendo em vista que a alegação apresentada pelo responsável não sanou a irregularidade no tocante à abertura de créditos suplementares, uma vez que não houve abertura de créditos autorizados por lei que não fosse a lei de orçamento. Asseverou ainda a unidade técnica, quanto ao remanejamento/transposição/transferência, que além de ser inconstitucional, pois em desacordo com o inciso VI do art. 167 da Constituição da República de 1988, também o Tribunal já exarou entendimento, através da Consulta n. 742.472, em Processo n. 730.067, em sessão de 07/05/08, no sentido de que deve ser efetuada a abertura desses créditos mediante lei específica.

Salienta-se que as autorizações para suplementar dotação orçamentária bem como as autorizações para a abertura de créditos especiais são procedimentos que alteram a lei orçamentária em sua estrutura interna. Desta forma, qualquer modificação ou alteração de uma lei só poderá ser feita mediante outra lei.

O orçamento público não pode ser compreendido apenas em sua feição financeira, mas sim como um sistema integrado de planejamento público, que envolve a elaboração do PPA, da LDO e da LOA, sendo que a esta última cabe fixar a despesa e prever a receita necessária à execução dos programas governamentais previstos no PPA de modo a alcançar as metas físicas e financeiras neles fixados.

Ora, mais que alterar a feição financeira da LOA, permitir a alteração de dotações orçamentárias ao arrepio do crivo do Poder Legislativo significa em verdade subverter todo o sistema constitucional de planejamento da execução das políticas públicas, uma vez que mediante anulações de dotações e/ou a inserção de dotações não previstas no orçamento original poderá ocorrer execução de despesas (mesmo que inferiores ao total da despesa autorizada) desvinculadas dos programas governamentais autorizados originariamente pelo Parlamento.

Destarte, não há dúvida quanto à obrigatoriedade de se exigir a prévia autorização legislativa para a abertura dos créditos adicionais (suplementar e especial). Da mesma forma, não há como atenuar a irregularidade, pois o simples fato de abrir créditos sem a cobertura legal já privilegia novas dotações desconhecidas pelo Poder Legislativo e desprestigia o planejamento que foi regularmente aprovado pelos legítimos representantes do povo. Mesmo que essas dotações não venham a ser utilizadas, em razão de eventuais anulações de dotações que, apesar de não aumentarem o total da despesa autorizada, alteram as feições do orçamento originalmente aprovado.

Observa-se que esta Casa entende como irregular a abertura de créditos suplementares e especiais sem cobertura legal, como dispõe a Súmula TCEMG n. 77/08, in verbis: “Os créditos suplementares e especiais abertos sem cobertura legal são irregulares e podem ensejar a responsabilização do gestor.”

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Em face do exposto, conclui-se que a abertura de créditos suplementares necessita de amparo legal, por determinação expressa do art. 167, V da Constituição da República de 1988, do art. 42 da Lei n. 4.320/64 e da Súmula TCEMG n. 77/08, ou seja, esses créditos deverão ser autorizados por lei e abertos por decretos.

Ressalta-se que a abertura de créditos suplementares sem amparo legal poderá configurar ato de improbidade administrativa (art. 11, I, c/c o art. 12, III, da Lei n. 8.429/92).

Diante do exposto, passo a propor.

PROPOSTA DE VOTO

Considerando, que consta a fls. 177 e 178, a manifestação do Ministério Público de Contas;

Considerando a otimização da análise, através da seletividade e da racionalidade, com fundamento nas normas gerais de auditoria pública da Organização Internacional de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Intosai), de modo a evidenciar as matérias relevantes e de maior materialidade;

Considerando o emprego da técnica de amostragem estatística para determinar a extensão do teste de auditoria de acordo com as normas brasileiras de contabilidade;

Considerando que não foi necessário restabelecer o contraditório nos presentes autos, nos termos do parágrafo único do art. 2º da Decisão Normativa n. 01/2010, de 26/02/10, em razão do cumprimento dos limites constitucionais relativos ao ensino e à saúde nesta prestação de contas e no Processo de Inspeção Ordinária n. 747.187;

Considerando ainda os precedentes desta Corte na apreciação dos processos de Prestação de Contas n. 678.970, n. 782.267 e n. 782.380, entre outros, referente à abertura de créditos suplementares sem cobertura legal;

Adoto o entendimento pela emissão de parecer prévio pela rejeição das contas, conforme art. 45, III, da LC n. 102/08, tendo em vista a abertura de créditos suplementares, no valor de R$5.647.894,60, sem a devida cobertura legal, em desacordo com os dispositivos legais e com a Súmula n. 77 deste Tribunal que configura falha grave de responsabilidade do gestor. Ainda, que sejam os autos encaminhados ao Ministério Público de Contas para as providências cabíveis, em razão do desatendimento ao art. 167, V, da CR/88 e ao art. 42 da n. Lei 4.320/64, além da possibilidade de configuração do disposto no art. 11, I, c/c o art. 12, III, da Lei n. 8.429/92.

Na sessão do dia 23/11/10, pediu vista dos autos o Auditor Hamilton Coelho.

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Retorno de VistaAUDITOR HAMILTON COELHO

RELATÓRIO

Versam os autos acerca da Prestação de Contas de responsabilidade do Sr. Valdecir Pichioni, Prefeito Municipal de Iturama, exercício de 2006, submetida à apreciação deste Colegiado na sessão do dia 23/11/10.

O Auditor Relator, Licurgo Mourão, vislumbrando falha grave na abertura de créditos suplementares sem a devida autorização legal, propôs a emissão de parecer prévio pela rejeição das contas.

O Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz acolheu a proposta de voto e, em seguida, o Auditor Hamilton Coelho pediu vista dos autos para averiguar a questão da execução dos créditos orçamentários.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Manuseando os autos, verifiquei que, de fato, o Município procedeu à abertura de créditos suplementares, sem autorização legal, no valor de R$5.647.894,60, prática cuja ilegalidade ressai do disposto no art. 42 da Lei n. 4.320/64. Ressalte-se que, tendo sido indicada como fonte de recursos a anulação de dotações, fica inviável a verificação da efetiva execução dos créditos em sede de prestação de contas. Verifiquei ainda que, apesar de a Lei Orçamentária Anual n. 3.494/05 ter previsto receita e fixado despesa no montante de R$66.000.000,00, o balanço orçamentário constante da prestação de contas apresentada indica que a receita arrecadada foi de R$55.783.785,70 e a despesa empenhada de R$57.782.655,41, configurando empenho em valor superior ao dos recursos disponíveis, prática que desafia as disposições contidas no art. 59 da Lei n. 4.320/64.

Nesse sentido, a pertinente lição de Afonso Gomes Aguiar:

A imposição do dispositivo tem por objetivo impedir que a Administração Pública assuma compromissos para os quais não tenha a cobertura financeira necessária, elevando suas despesas a um valor superior a sua receita realmente arrecadada, tornando, por certo, seu orçamento deficitário, porquanto fora de realidade e, ainda, em desacordo com o Princípio do Planejamento ao qual está o orçamento submisso, por força do Decreto-Lei n. 200/67 (arts. 6º, I, e 7º

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e art. 1º § 1º, LC n. 101/00) (Direito Financeiro: a Lei n. 4.320 comentada ao alcance de todos. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 303).

O mesmo autor observa que:

Apesar de o Orçamento Anual ser uma lei com vigência temporária de um ano, qualquer modificação ou alteração que ela venha a sofrer durante sua vigência só poderá ser operada por força de outra lei [...] como as autorizações para suplementar dotação orçamentária que se tornou insuficiente [...] são procedimentos que alteram a Lei de Orçamento Anual, essas autorizações só podem ser dadas pelo Poder Legislativo através de lei (idem, p. 302).

Assim, a despeito da insuficiência de elementos de convicção para quantificar, em sede de prestação de contas, a efetiva execução dos créditos adicionais viciados, pode-se concluir que tanto o princípio do planejamento quanto o da legalidade foram infringidos na gestão sob exame, na qual foi empenhada despesa em valor superior à receita arrecadada, configurando-se ofensa frontal ao disposto nos arts. 42 e 59 da Lei n. 4.320/64.

Conclusão: com tais considerações, acolho a proposta de voto do Exmo. Auditor Relator para rejeitar, em sede de parecer prévio, as contas ofertadas pelo Sr. Valdecir Pichioni, Prefeito Municipal de Iturama, relativas ao exercício de 2006.

É como voto.

A prestação de contas em epígrafe foi apreciada pela Primeira Câmara na sessão do dia 22/02/10 presidida pela Conselheira Adriene Andrade; presentes o Conselheiro Wanderley Ávila e o Conselheiro Cláudio Couto Terrão que aprovaram, por unanimidade, a proposta de voto exarada pelo relator, Auditor Licurgo Mourão.

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EMENTA: Prestação de contas — Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais — Prejudicial de ocorrência do instituto da prescrição suscitada pelo Ministério Público de Contas — Relativização da natureza dos processos em curso nas Cortes de Contas frente às suas peculiaridades — Primazia da busca pela verdade real — Ausência de regra específica atinente ao prazo prescricional aplicável às funções de controle externo — Impossibilidade de aplicação da prescrição aos processos em curso nos Tribunais de Contas*— Mérito — Inexistência de irregularidades — Aprovação das contas prestadas.1

* Entendimento não pacificado no Tribunal de Contas de Minas Gerais. Nesse sentido, ver decisão a fls. 224 da edição n. 4, v. 77, ano XXVIII.

RELATÓRIO

Tratam os autos da Prestação de Contas de responsabilidade do Sr. Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins, Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, exercício de 2003.

Após estudo, o órgão técnico elaborou o relatório a fls. 743-771 e 772-773.

Ante a consideração técnica de que os presentes autos não apresentam indício de irregularidade, deixei de proceder à abertura de vista ao gestor e determinei o encaminhamento do processo ao Ministério Público de Contas para emissão de parecer, nos termos do art. 153, regimental.

Aprovação das contas prestadas pelo TJMG

PRESTAÇÃO DE CONTAS N. 685.831

ASSCOM TCEMG

A lacuna legal quanto à prescrição é fenômeno observado em todas as Cortes de Contas do país. [...] Tal omissão não é casual, tendo em vista o caráter oficial da atividade dos Tribunais de Contas e a conformação específica dos processos por eles desenvolvidos, nos quais, embora se configure a polarização formal entre a Corte e o responsável, só ocorre a tutela de um interesse, o interesse público, consubstanciado no poder-dever de controle.

RELATOR: AUDITOR HAMILTON COELHO

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Instado a se manifestar, o Órgão Ministerial de Contas, a fls. 775-776, posicionou-se pela aplicação do prazo prescricional de cinco anos, em analogia com as normas de Direito Público, e extinção do processo com resolução de mérito.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe a Constituição da República:

Art. 37. [...]

§ 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Deflui do dispositivo transcrito a constatação de que a lei fixará o prazo para que o agente público seja condenado civil, penal ou administrativamente por atos lesivos ao erário, mas que sua eventual obrigação de restituir valores ao Estado poderá ser suscitada a qualquer tempo. Em outras palavras, um ato lesivo à Administração com dano quantificável ao erário estará sujeito tanto à ação punitiva, no prazo prescricional legal, quanto à ação reparatória, invulnerável ao perecimento temporal por força da ressalva constitucional.

Na mesma linha de raciocínio, uma prática ilícita cujo dano ao erário não seja passível de mensuração estará isenta de sanções tão logo decorrido o prazo prescricional.

É essa segunda hipótese que vem motivando intenso debate nesta Casa de Contas. Afinal, se não há ação imprescritível, a não ser para promover o ressarcimento ao erário, qual o sentido de processar indícios de irregularidades formais, sem dano quantificável ao patrimônio público, ocorridas há 5, 10 ou mais anos? Tratar-se-ia, efetivamente, de má alocação dos recursos da instituição, ao arrepio do princípio da economia processual.

Contudo, a dicotomia entre ações e provimentos de natureza condenatória e ressarcitória, clara no âmbito judicial, é relativizada pelas peculiaridades do processo de contas. Agindo de ofício, e sem estar adstrito aos termos de uma exordial, o juiz de contas pode, no curso do processo, deparar com indícios de irregularidades não previstas no escopo inicial do feito, promover a realização de diligências que incluem a coleta de novas provas ou ter contato com fatos novos a partir das próprias manifestações dos interessados e dos documentos por eles acostados.

E mais, no processo de contas, a verdade real, material ou substancial, ao contrário da verdade formal ou judicial, é o elemento fundamental que o controle externo

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persegue e visa atingir, pois aqui se maneia direito indisponível, que a Constituição da República considera essencial à sociedade.

Ora, impondo-se a morte prematura do processo de contas, será impossível buscar a verdade real e, consequentemente, examinar o mérito, averiguar e, principalmente, quantificar a existência de dano ao erário.

É inviável determinar, portanto, antes de concluída a instrução processual, se tal feito ensejará o ressarcimento de danos ao erário por parte dos responsáveis. O relatório de inspeção consigna as conclusões do exame de determinada aplicação de recursos públicos, podendo atestar a observância à legislação pertinente e a adoção de práticas eficazes na Administração Pública, bem como irregularidades. Não se confunde, assim, com os termos das petições iniciais das ações condenatórias ou de ressarcimento, que não só subsidiam o estabelecimento do juízo competente e do rito processual como também delimitam, rigorosamente, o provimento meritório.

Daí decorre, primordialmente, a impropriedade de estabelecer antecipadamente a natureza do provimento em que culminará o processo de contas. As decisões aqui prolatadas serão tão plúrimas quanto o espectro de atribuições reservado pela Carta Maior aos Tribunais de Contas, resguardado, obviamente, o direito de todos os jurisdicionados ao contraditório e à ampla defesa.

Visto que a natureza do provimento final do processo de contas não é totalmente previsível por ocasião do início do feito, a ponderação acerca da prescrição com base nos apontamentos da equipe de inspeção e/ou do órgão técnico se mostra precoce.

Vislumbro, ainda, outros fatores que, no momento, dificultam a aplicação do instituto da prescrição no âmbito do Tribunal de Contas, a começar pela ausência de previsão legal. A Lei Complementar n. 102/08 e o Regimento Interno vigente, recentemente aprovados, não fixaram prazo prescricional para a atuação desta Casa de Contas. Os Códigos de Processo Civil e Penal, cuja aplicação subsidiária é prevista em nosso Regimento, tampouco estabelecem prazos prescricionais, decorrência de sua natureza adjetiva. Analogamente, a Lei Estadual n. 14.184/02, citada no art. 379 da Resolução TCEMG n. 12/08, não trata do fenômeno da prescrição.

A lacuna legal quanto à prescrição é fenômeno observado em todas as Cortes de Contas do país. O jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes relata que “o tema já deveria estar sendo regulado nas respectivas leis orgânicas, mas, em pesquisa empreendida, nada foi encontrado”.1 Tal omissão não é casual, tendo em vista o caráter oficial da atividade dos Tribunais de Contas e a conformação específica dos

1 FERNANDES, Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 639.

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processos por eles desenvolvidos, nos quais, embora se configure a polarização formal entre a Corte e o responsável, só ocorre a tutela de um interesse, o interesse público, consubstanciado no poder-dever de controle.

Não bastasse, houve citação válida, ato que, nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil, importa em interrupção do prazo prescricional, que só se reinicia com o trânsito em julgado da decisão. Nesse sentido a instrutiva decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que traz lição do processualista Cândido Rangel Dinamarco:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS MODIFICATIVOS. CONTRADIÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO [...] 3. A citação válida em processo extinto, sem julgamento do mérito, excepcionando-se as causas de inação do autor (art. 267, incisos II e III, do CPC), interrompe a prescrição. Precedentes. [...] 8. Deveras, o prazo prescricional interrompido pela citação válida somente reinicia o seu curso após o trânsito em julgado do processo extinto sem julgamento do mérito. Tanto mais que, se assim não o fosse, a segunda ação também seria extinta por força da litispendência. 9. Neste sentido, a sábia lição de Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de Direito Processual Civil. v. 2, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 89), verbis: ‘423. Reinício da fluência do prazo prescricional. Detido o curso do prazo prescricional pela citação, ele não recomeça a fluir logo em seguida, como ocorre nos demais casos de interrupção da prescrição. A citação é uma causa interruptiva diferenciada: segundo o art. 202, par., do Código Civil, a prescrição interrompida por ela só se reinicia depois do último ato do processo para interromper — ou seja, a prescrição se interrompe no momento indicado pelo art. 219 do Código de Processo Civil e seu curso permanece impedido de fluir durante toda a litispendência (sendo extraordinários os casos de prescrição intercorrente, que só se configuram quando a longa paralisação do processo é fruto exclusivo da desídia do demandante). Tendo fim a litispendência pela extinção do processo, o prazo recomeça — e, como é natural às interrupções de prazo, quando a contagem volta a ser feita desconsidera-se o tempo passado antes da interrupção e começa-se novamente do zero (o dia em que o processo se considerar extinto será o dies a quo no novo prazo prescricional’ [...]. (EDcl no REsp 511.121/MG, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03/05/2005, DJ 30/05/2005, p. 214) (destaquei).

Vale notar: estabelecido que a contagem do prazo prescricional só se reinicia com o trânsito em julgado da decisão, a prescrição intercorrente, mencionada na decisão, só pode se referir ao processo de execução. Ademais, o excerto a atribui à inércia do “demandante”, figura que não encontra correspondente no processo de contas.

Convencido de que a natureza do provimento, no processo de contas, não pode ser estabelecida a priori, e em face da inexistência de previsão legal quanto à prescrição das ações de controle externo, além da citação válida dos responsáveis, afasto a prejudicial aventada pelo Ministério Público.

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MÉRITO

Os documentos gerados a partir das informações prestadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais foram examinados com base na INTC n. 07/02, alterada pela IN n. 02/03, desta Corte de Contas, tendo o órgão técnico concluído pela inexistência de irregularidade atribuível ao gestor, razão pela qual considero regulares as contas prestadas.

Conclusão: ante o exposto, manifesto-me, em proposta de voto, pela inaplicabilidade do instituto da prescrição aos processos de contas, e, fundamentado nos ditames do inciso I do art. 250 do Regimento Interno deste Tribunal, pela regularidade das contas de responsabilidade do Sr. Márcio Antônio Abreu Corrêa de Marins, Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, exercício de 2003.

Ademais, caberá à autoridade administrativa, que se encontrar à frente do TJMG, manter organizada, nos termos dos normativos baixados por este Tribunal, a documentação pertinente para fins de exercício do controle externo, em inspeção ou auditoria, incumbindo ao chefe do controle interno comunicar, sob pena de responsabilidade solidária, toda e qualquer falha de seu conhecimento, detectada na gestão pública ora examinada.

A prestação de contas em epígrafe foi apreciada pela Segunda Câmara na sessão do dia 22/07/10 dirigida pelo Conselheiro Presidente em Exercício, Elmo Braz; presentes o Conselheiro Sebastião Helvecio e o Conselheiro Substituto Gilberto Diniz, que aprovaram, por unanimidade, a proposta de voto exarada pelo relator, Auditor Hamilton Coelho.

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Excelentíssimo Senhor Relator,

1 Relatório

Tratam os autos de Edital de Licitação, referente ao Pregão Presencial para Registro de Preços, Planejamento n. 35-A/2010, encaminhado pela Polícia Militar de Minas Gerais em substituição ao Edital de Licitação — Pregão Presencial para Registro de Preços, Planejamento n. 35/2010, que havia sido enviado ao Tribunal de Contas em cumprimento à determinação do Exmo. Sr. Conselheiro Presidente da Corte de Contas, exarada a fls. 2 dos presentes autos.

O edital de licitação em tela tem como objeto

a contratação do serviço de gerenciamento do abastecimento da frota de veículos dos órgãos e entidades relacionados no Anexo II deste Edital, por meio da implantação, manutenção e administração de um sistema informatizado e integrado, com a instalação de dispositivo eletrônico nos veículos, postos próprios do Estado e pontos de abastecimento a serem instalados pelo fornecedor; a gestão dos equipamentos e resíduos nestes locais; bem como o fornecimento de combustível (gasolina comum, álcool comum hidratado e óleo diesel); conforme especificações e condições gerais de fornecimento e execução contidas neste Edital (grifo nosso).

Distribuído o processo à relatoria do Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz (fls. 134), o relator, em decisão monocrática, acostada a fls. 135-143, determinou

PROCURADORCLÁUDIO COUTO TERRÃO**

ASS

COM

TCE

MG

Ministério Público de Contas aponta inconstitucionalidade nos Decretos Estaduais n. 44.786/08 e 44.787/08*

* Parecer emitido pelo Ministério Público de Contas no Processo de Edital de Licitação n. 837.132 de relatoria do Conselheiro em Exercício Gilberto Diniz. Ver decisão a fls. 208-222.

** A partir de 22 de dezembro de 2010, passou a exercer o cargo de Conselheiro do Tribunal de Contas de Minas Gerais.

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liminarmente a suspensão do certame, bem como a intimação do pregoeiro e do ordenador de despesa para que comprovassem o cumprimento da determinação e juntassem aos autos cópia de todo o procedimento licitatório, inclusive da fase interna, sob pena de multa diária de R$2.000,00.

O Conselheiro Relator entendeu que o instrumento convocatório criou regra de preferência em afronta ao princípio da isonomia e frustração ao caráter competitivo do certame, ao estabelecer que a classificação das propostas, etapas de lances e o julgamento dos preços seriam realizados a partir dos preços resultantes da dedução do ICMS para os fornecedores mineiros.

A decisão monocrática foi referendada pela Primeira Câmara, na sessão do dia 16/06/2010 (fls. 146), tendo o ordenador de despesa juntado a documentação que se encontra colacionada a fls. 148-605.

Ressalte-se que não houve interposição de agravo por parte do jurisdicionado contra o mandado liminar.

Nos termos da decisão monocrática, o procedimento licitatório deveria ficar suspenso até que fosse realizado, em cognição exauriente, o exame completo e conclusivo de todo o instrumento convocatório, de tal sorte que o Tribunal de Contas pudesse determinar as alterações corretivas necessárias.

Em razão do despacho exarado a fls. 607, foram os autos encaminhados à Coordenadoria de Análise de Editais de Licitação, que concluiu pela existência das irregularidades a fls. 608-627.

Na sequência, o ordenador de despesa comunicou ao Tribunal de Contas a retificação do instrumento convocatório, solicitando autorização para a revogação do edital e reabertura do procedimento licitatório. Ainda, sem qualquer autorização ou decisão do Tribunal de Contas que reformasse a cautelar referendada, publicou novo edital de licitação sob o n. 35-A/2010, materialmente idêntico ao edital de licitação suspenso, marcando, inclusive, a sessão pública do pregão presencial para dia 18/08/2010, às 9h30min.

Diante da informação da publicação de novo edital para contratação de objeto idêntico, o relator determinou a juntada aos autos do novo instrumento convocatório e a sua posterior remessa ao Ministério Público de Contas para manifestação (fls. 672).

Por sua vez, entendendo que houve descumprimento da decisão cautelar e considerando a existência de outras irregularidades que poderiam comprometer a lisura do certame e gerar prejuízo ao erário, o Parquet requereu que fosse deferida a extensão dos efeitos da suspensão cautelar ao Pregão Presencial para Registro

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de Preços, Planejamento n. 35-A/2010, a fim de que o ordenador de despesa e o pregoeiro se abstivessem de realizar qualquer ato referente ao procedimento licitatório, até decisão definitiva do Tribunal acerca do certame (fls. 797-802).

Nesse sentido, em decisão monocrática acostada a fls. 804-817, o relator determinou a citação do pregoeiro e do ordenador de despesa para a correção do instrumento convocatório ou apresentação de defesa, devendo ainda encaminhar cópia do ato de desfazimento do Edital n. 35/2010, devidamente motivado e publicado.

A referida decisão foi referendada pela Primeira Câmara na sessão do dia 17/08/2010, conforme certidão a fls. 820.

Devidamente citado, o jurisdicionado apresentou defesa (fls. 821-833), encaminhou a documentação a fls. 834-955 e comprovou a anulação do Edital de Licitação referente ao Pregão Presencial para Registro de Preços, Planejamento n. 35/2010 (fls. 987-994).

Na oportunidade, informou a realização de alguns ajustes no edital a fim de atender às determinações do Tribunal de Contas e solicitou que fosse reconsiderada a decisão no que tange à vigência contratual e à ausência de valor estimado para a contratação.

Diante da manifestação do jurisdicionado, o relator determinou a remessa dos autos ao Ministério Público de Contas para o indispensável parecer, ocasião em que o Parquet opinou pela incompetência da Primeira Câmara para o exame da matéria, em razão do valor da contratação, bem como pela irregularidade do instrumento convocatório em virtude de diversos vícios, como se vê a fls. 958-984.

Diante disso, o relator reabriu prazo para que o jurisdicionado se manifestasse acerca das novas questões suscitadas pelo Parquet (fls. 985).

Em razão da manifestação do jurisdicionado a fls. 1.002-1.015, o relator em despacho exarado a fls. 1.017, determinou a remessa dos autos ao Ministério Público de Contas para emissão de parecer conclusivo.

É o relatório, no essencial. Passa-se à manifestação.

2 Preliminar

Pelas razões já aduzidas no parecer a fls. 958-984, o Ministério Público de Contas reitera, em preliminar, a incompetência da Primeira Câmara para o exame da matéria em tela, devendo o presente processo ser analisado e julgado pelo Tribunal Pleno.

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3 Fundamentação

Após análise conclusiva do procedimento licitatório, o Parquet constatou diversos vícios envolvendo o certame, todos apontados no parecer ministerial a fls. 958-984, quais sejam: a) restrição dos efeitos da penalidade de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração Pública; b) ausência de previsão no edital do valor estimado da contratação; c) prazo de vigência do contrato em desconformidade com as regras previstas no art. 57 da Lei de Licitações; d) inexistência de adequada motivação para o não parcelamento do objeto licitado; e) inadequação da modalidade licitatória adotada pela Administração (pregão presencial).

Na manifestação a fls. 1.002-1.015, o jurisdicionado afirma que em relação às alíneas a e e foram realizadas as necessárias alterações em atenção ao posicionamento do Órgão Ministerial. Assevera ainda que adotará o pregão em sua forma eletrônica como modalidade licitatória e que o item 4.2.2 do edital sofrerá alteração em sua redação para ampliar a abrangência dos efeitos da sanção de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração Pública, em consonância com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

No entanto, no que tange aos apontamentos constantes das alíneas b, c e d, o jurisdicionado apresentou justificativas para sua manutenção, às quais passamos a analisar.

3.1 Da licitação em lote único

Em relação ao não parcelamento do objeto licitado, o jurisdicionado afirma que o planejamento da licitação em tela “foi precedido de amplo estudo sobre a estrutura interna da Administração Pública Estadual, levando-se em consideração as práticas do mercado fornecedor e as experiências inovadoras nos setores privado e público” e, ainda, “a necessidade de o Estado melhorar os controles, estabelecer e acompanhar indicadores de desempenho, reduzir custos de aquisição e eliminar riscos de desvios nos abastecimentos de sua frota”.

Ressalta que o “estudo efetuado no mercado demonstrou que as soluções disponíveis associam o controle dos abastecimentos, via sistema de gestão, ao fornecimento de combustível, que pode ser feito em uma rede externa de postos ligada ao fornecedor ou na rede interna de postos do cliente” e que esses “elementos, a princípio, autônomos, são oferecidos de forma conjunta como um serviço de gerenciamento do abastecimento” (grifo no original).

Segundo o jurisdicionado, a contratação desse serviço “mostra-se como uma alternativa inovadora à aquisição direta de combustível, uma vez que, pelo sistema, é possível definir parâmetros de gestão” e “gerar relatórios gerenciais sobre a frota

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de veículos e identificar as tentativas de eventuais desvios de combustível e da utilização inadequada dos recursos destinados a esse fim”.

Assevera ainda que, há mais de 15 anos, o mercado organizou-se para oferecer esse serviço,

principalmente, de forma conjunta (sistema de gestão com o fornecimento do combustível em rede externa e/ou interna de postos) e através de um único fornecedor, resultante de parceria entre empresas que estão atreladas entre si, inclusive de forma exclusiva (grifo nosso).

Aduz que inúmeros são os benefícios oferecidos aos clientes pelos fornecedores que prestam serviços de gerenciamento do abastecimento, através de tais parcerias: redução no custo de aquisição de combustível; redução no custo de aquisição de sistema de gestão; amortização dos custos de instalação e manutenção do sistema com dispositivos ou cartões magnéticos ou microprocessados, bem como dos custos de instalação de novos pontos ou postos de abastecimento.

Na sequência, afirma que, em casos como o presente, em que o cliente é um alto consumidor e utiliza sua própria rede interna de postos de abastecimento, o fornecedor pode, também, disponibilizar novos pontos de abastecimento e que esses benefícios são oferecidos em função da quantidade de consumo estimado ou contratado e dos prazos de contratação, uma vez que se busca a fidelização do cliente em relação ao fornecedor, e que “estes custos serão diluídos no valor que será pago mensalmente pelo serviço de gerenciamento durante toda a vigência contratual” (grifo nosso).

Alega também que, embora existam empresas especializadas no desenvolvimento de sistemas de gestão, a licitação por lotes não se mostra atrativa na medida em que, além de a aquisição do sistema ter que ser feita à vista, perdem-se vários dos benefícios acima citados.

Ainda na hipótese de se adotar o fracionamento, salienta o risco de haver licitante vencedor para o lote de material (fornecimento) e não para o sistema; ou de se pagar um valor maior pelo serviço de gerenciamento; além do risco de execuções descasadas, na medida em que a falha na execução de um dos elementos do objeto impactaria todo o gerenciamento do abastecimento.

Afirma que em oito dos nove Estados em que foi verificada a contratação do serviço de gerenciamento do abastecimento, optou-se pelo lote único. E que o modelo adotado não representa uma imposição da Administração, mas a adoção de uma prática consolidada do mercado. Salienta que “apesar do dispêndio com a gestão do abastecimento via sistema ser bem inferior ao do fornecimento em si”, “é essa gestão que proporciona o controle responsável pela mitigação dos desvios e reduções nos gastos de combustível”.

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Por fim, assevera que a contratação em tela não busca a simples aquisição de combustível, mas o seu uso eficiente, visando atender os princípios da economicidade e eficiência.

Inicialmente, cabe ressaltar que toda tentativa do administrador público de modernizar e aprimorar a gestão administrativa deve ser vista como algo salutar para a Administração, sobretudo quando a medida visa reduzir custos, maximizar os benefícios e possibilitar um maior controle da máquina administrativa ou da execução dos contratos, seja pelo sistema de controle interno, seja pelo controle externo. Por outro lado, em se tratando de recursos públicos, a busca pela eficiência não pode ser feita com o extravasamento do ordenamento jurídico, razão pela qual, em princípio, o Parquet considerou a opção por um lote único como insuficientemente motivada.

Todavia, diante das razões apresentadas pela Administração, constata-se que o paradigma que se pretende adotar, de fato, representa um modelo que corresponde à atual realidade do mercado e das necessidades da Administração Pública brasileira, razão pela qual vem sendo utilizado em vários estados da Federação.

Pelas razões aduzidas, resta claro que a escolha da Administração pelo sistema de gerenciamento do fornecimento de combustível em lote único está técnica e economicamente justificada, uma vez que almeja: garantir maior eficiência do controle dos gastos com combustível, o que consequentemente acaba resultando em economia para a Administração; permitir que o Estado obtenha maior economia em virtude da redução no custo de aquisição de combustível (ganho de escala) e do sistema de gestão; além de propiciar a amortização dos custos de instalação e manutenção do sistema, bem como os de instalação de novos pontos ou postos de abastecimento (custos não recorrentes).

Nesse ponto, quadra estabelecer uma necessária uniformização conceitual. Em nossa fundamentação anterior sustentamos que não é relevante o rótulo dado ao objeto a ser contratado, mas a sua natureza jurídica específica, de tal sorte que vislumbramos a existência de ao menos duas prestações autônomas entre si. Por outro lado, não se pode perder de vista a realidade mercadológica que nos impõe cotidianamente novos produtos (contratos), derivados de composições e arranjos próprios da dinâmica do mercado. Nesse sentido, prestações outrora autônomas, ou mesmo contratos clássicos, acabam associados sob nova roupagem e essencialmente modificados pela própria composição, como se deu com o leasing ou arrendamento mercantil, que se originou da clássica composição locação mais compra e venda.

Embora o objeto do certame em comento (gerenciamento do fornecimento de combustível) seja composto por prestações autônomas entre si e, por conseguinte, de natureza divisível, diante das justificativas apresentadas, o Parquet compreende

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que, no caso concreto, houve adequada motivação da opção administrativa pela contratação do objeto concentrado em um único lote, uma vez que a composição, derivada da própria realidade mercadológica, passa a ter feição própria e diferenciadora, e não apenas um novo rótulo.

Por fim, cumpre ressaltar que apesar de o mercado apresentar um número reduzido de empresas parceiras ou previamente organizadas, algumas até mesmo em caráter exclusivo, especializadas no fornecimento do objeto que se pretende contratar (gerenciamento do fornecimento de combustível), a Administração preservou o caráter competitivo do certame, quando fez constar no instrumento convocatório a possibilidade de participação de empresas reunidas em consórcio, uma vez que dessa forma viabiliza a formação de novas parcerias entre empresas fornecedoras de combustível e as prestadoras do serviço de gestão, ainda que especificamente para o contrato.

3.2 Do prazo de vigência do contrato

Em relação ao prazo de vigência de 60 meses para os contratos decorrentes do procedimento licitatório sob análise, o jurisdicionado afirma que o sistema de gestão e o fornecimento de combustível “encontram-se modelados dentro de um serviço maior que é o de gerenciamento do abastecimento”.

Alega que “os custos de implantação e manutenção se reduzem de acordo com o prazo de contratação”, podendo o fornecedor, também, assumir alguns custos em razão da atratividade da contratação.

Ressalta que o estudo apresentado na Nota Técnica SCRLP n. 56/2010 demonstra que a taxa de administração cai substancialmente quando a contratação passa de 12 para 60 meses, e que esse estudo considerou apenas a redução do custo da gestão, sendo certo que o prazo maior poderá ocasionar a redução também dos preços do combustível.

Esclarece que

a contratação do objeto por 12 meses mostra-se inviável, uma vez que deverão ser instalados dispositivos eletrônicos nos mais de 19.000 veículos da frota dos órgãos/entidades participantes e nos 100 postos da rede interna da Administração estadual, disponibilizados 28 pontos de abastecimento, bem como efetuada a disponibilização e integração de sistemas, realização de treinamentos, etc (grifo nosso).

Afirma que o prazo para a implantação do sistema é de quatro meses, podendo ser prorrogado por mais dois meses e que, em razão disso, nenhuma empresa se disponibilizaria a celebrar contrato de 12 meses, na medida em que a metade da vigência contratual seria gasta para preparar a estrutura de gestão, ou, então, que as empresas participariam, porém apresentando propostas caras.

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Assevera, ainda, ser ineficiente a implantação do sistema a cada 12 meses. Segundo o jurisdicionado, o gerenciamento do abastecimento somente tem sentido se trouxer eficiência aos processos da Administração e se a economia decorrente dele for superior aos custos de sua prestação.

Por fim, afirma que a maioria das licitações semelhantes, realizadas por outros Estados, prevê contratações prorrogáveis por até 60 meses ou contratações com prazos superiores a 12 meses.

Acerca desse tópico, cumpre ressaltar que o posicionamento até então adotado pelo Parquet teve como base a posição anteriormente defendida de que as prestações a serem contratadas pela Administração deveriam ser parceladas por falta de justificativa razoável.

Todavia, essa perspectiva muda substancialmente ao se admitir a concentração do objeto licitado, ou seja, ao se considerar legítima a reunião das prestações autônomas em uma única prestação complexa, em face da adequada motivação trazida pelo Estado, na qual se justifica a alteração do paradigma até então adotado em virtude da economicidade e da eficiência a serem alcançadas pela implantação do novo modelo.

Nesse contexto, devemos ressaltar que a contratação pretendida pela Administração transfigura-se em nova realidade jurídica, de tal sorte que o foco passa a ser o gerenciamento do fornecimento. Ou seja, o que se pretende é a contratação de um serviço complexo, por meio do qual se mudará o modelo tradicional de compra de combustível, acrescendo a esse negócio jurídico (obrigação de dar) o controle sobre o próprio fornecimento.

Sob essa nova perspectiva, a incidência do inciso II do art. 57 da Lei de Licitações passa a ser evidente, uma vez que, sob essa singular formatação, estaremos diante de serviço público de execução continuada, subsumido, pois, a essa norma de caráter excepcional. Além disso, por não se tratar mais de prestação autônoma de simples fornecimento, também não se lhe aplicaria a tese consolidada pelo Tribunal de Contas mediante resposta à Consulta n. 805.979, na sessão de 25 de agosto de 2010, de que a validade do contrato de fornecimento de combustível deveria estar adstrita à vigência dos créditos orçamentários.

Diante desse específico quadro, subsumido em princípio ao regramento do art. 57, II, Lei n. 8.666/83, passa-se a analisar a pretensão do Estado de contratar pelo prazo preestabelecido de 60 meses, que coincide com o limite máximo previsto na norma, ao qual se poderia chegar por sucessivas prorrogações desse mesmo contrato.

Nesse ponto, quadra salientar que o fundamental é delinear adequadamente os contornos da aplicação do conteúdo teleológico da norma de caráter excepcional

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contida no art. 57, II, Lei n. 8.666/83, que é permitir contratações não adstritas à vigência dos créditos orçamentários, desde que haja vantagem para a Administração Pública. Nesse sentido, buscar a interpretação adequada da norma, para que ela cumpra efetivamente a sua finalidade, significa inseri-la entre dois extremos possíveis: o da interpretação restrita (literal) e o da interpretação ampla (excessivamente liberal).

De um lado, a interpretação literal ou excessivamente formalista desse dispositivo conduzirá certamente à impossibilidade de, em qualquer caso, ainda que haja vantagem para Administração, estabelecer-se um prazo inicial superior a 12 meses. De outro lado, uma interpretação excessivamente liberal da norma, permitindo em qualquer hipótese a estipulação de prazo inicial de até 60 meses, poderá levar a uma ampliação equivocada de seus limites e, por conseguinte, desviá-la de sua finalidade precípua: existência de vantagem a ser analisada e reconhecida, em princípio, no momento da renovação do contrato, uma vez que seu conteúdo normativo conatural é a possibilidade de sucessivas prorrogações até o limite de 60 meses, e não a previsão de prazos iniciais diferenciados ao arbítrio do administrador.

Entre esses dois extremos, compreende-se plenamente razoável que a norma estabelecida pelo inciso II do art. 57 da Lei de Licitações, conquanto imponha ao administrador, como regra geral, a avaliação da vantagem a posteriori não lhe retira a possibilidade de avaliá-la a priori e, nesses casos, estabelecer prazo inicial de até 60 meses.

Assim, o determinante para o estabelecimento de um prazo contratual diferenciado será sempre a existência de vantagem para a Administração, o que deverá estar adequadamente explicitado na motivação do ato administrativo. Em outras palavras, o suporte teleológico dessa norma confere à Administração a possibilidade de estabelecer prazos diferenciados (no máximo 60 meses) na contratação de serviços de execução continuada, notadamente para que sejam alcançados resultados mais eficientes e a um menor custo para a Administração.

Portanto, nos casos de contratação de serviços dessa natureza, entende-se perfeitamente possível o estabelecimento de prazo inicial superior a 12 meses, desde que plenamente justificável a priori a vantagem da contratação pelo prazo pretendido e desde que, em qualquer caso, eventual prorrogação não ultrapasse o limite de 60 meses.

Com efeito, considera-se evidenciada a priori a realização da finalidade normativa a ensejar o estabelecimento de prazos iniciais diferenciados, quando haja, por exemplo, expressiva mobilização por parte do futuro contratado (investimentos necessários para a produção do serviço em si), de tal sorte que a recuperação

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do valor desse investimento inicial não se concentre em apenas 12 meses, mas por todo o prazo do contrato, produzindo evidente economia para a Administração Pública, uma vez que nas renovações de contrato, em regra, não se deduz dos preços do serviço renovado o montante do custo de mobilização do prestador que já foi recuperado no curto prazo (12 meses).

A situação fática contextualizada nos aproxima, sob certa medida, da norma estabelecida para as concessões públicas (art. 18, I, c/c art. 23, I, da Lei n. 8.987/1995), em que a definição do prazo contratual dar-se-á em razão dos valores mobilizados para a exploração do serviço concedido. Ou seja, conforme a necessidade verificada pela Administração, o prazo contratual deverá ser compatibilizado com o período necessário para amortização dos investimentos, a fim de que os custos não recorrentes do investimento não desequilibrem as tarifas a serem cobradas.

Por isso, em razão dos grandes investimentos que deverão ser feitos pelo licitante vencedor e da própria lógica do mercado, que evidentemente impõe a recuperação do custo de toda mobilização durante a prestação do serviço, o prazo de vigência do contrato, conforme bem ressaltado pelo jurisdicionado, influenciará efetivamente na economia pretendida pela Administração, uma vez que a redução da despesa pública estará diretamente relacionada a um prazo maior para a recuperação da mobilização realizada pelo prestador.

Portanto, diante do substancioso estudo técnico apresentado para justificar a mudança de paradigma pretendido pelo Estado e, especialmente, diante das justificativas trazidas pela Administração no sentido de que, ao introduzir o modelo de gerenciamento do fornecimento de combustível, o Estado, além de aumentar significativamente a eficiência dos sistemas de controle do fornecimento, promoverá expressiva redução de custos, o Ministério Público de Contas entende que, no caso concreto, é legal a fixação do prazo contratual em 60 meses, fundamentando-se para tal em interpretação teleológica do art. 57, II, da Lei de Licitações, em face da identificação a priori da vantagem auferida pela Administração.

3.3 Da ausência de previsão no edital do valor estimado da contratação

Em relação à ausência de divulgação no instrumento convocatório do preço de referência, o jurisdicionado afirma tratar-se de prática institucionalizada pelo ordenamento jurídico mineiro, encontrando-se difundida em outros Estados e no Governo Federal, tendo sido já referendada pelo Tribunal de Contas da União no Acórdão n. 114/2007.

Alega que a legislação mineira faculta a divulgação da pesquisa de preços feita pela Administração com a finalidade de não influenciar a etapa de lances, pois, segundo

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ele, na prática, os preços decorrentes da pesquisa de mercado não se alinham aos preços reais de mercado.

Assevera que a divulgação do valor estimado no edital de licitação pode repercutir negativamente fazendo com que os interessados apresentem propostas próximas ao preço de referência, que passaria a atuar como teto da licitação.

Ressalta que a medida não restringe a competitividade do procedimento licitatório, por não possuir impacto nas regras de participação e habilitação do certame, bem como não prejudica o controle social, na medida em que, após a fase de julgamento, é possível ter conhecimento dos preços, podendo os interessados, até mesmo, solicitar vistas do processo.

Por fim, afirma que, embora deva ser ética a relação entre Administração e seus fornecedores, aquela deve adotar medidas que garantam a proposta mais vantajosa e restrinjam desvios de fornecedores que buscam a maximização do lucro de forma abusiva.

Em que pesem os argumentos apresentados pelo jurisdicionado, o Ministério Público de Contas mantém o entendimento apresentado no parecer a fls. 958-984, no sentido de considerar que o art. 6º, I, do Decreto n. 44.786/2008 e o art. 25, parágrafo único, do Decreto n. 44.787/2008, ambos do Estado de Minas Gerais, padecem do vício da inconstitucionalidade, por violarem o princípio da publicidade, previsto no art. 37, caput, da Constituição da República, segundo o qual:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].

Conforme ressaltado pelo Parquet naquela oportunidade, a publicidade é elemento essencial à transparência da Administração Pública. Nesse sentido, deve ser compreendida como uma das mais importantes formas de manifestação do princípio republicano e do princípio democrático, especialmente porquanto possibilita, em uma sociedade pluralista, com interesses muitas vezes contrapostos, a harmonização entre o universo público e o privado.

Em outras palavras, a ampla publicidade é essencial à concreção de uma multiplicidade de princípios estruturantes da Administração Pública, dentre eles o da ampla competitividade, da isonomia, da confiança, da segurança jurídica, da legitimidade do procedimento e do controle social, todos decorrentes de uma mesma matriz ética, minimamente exigível num Estado democrático e republicano.

Frise-se que a publicidade é princípio de natureza republicana, sendo o Estado Republicano aquele em que o agente público administra e gere a res publica, ou seja, a coisa pública. Dessa forma, pelo fato de o gestor administrar os bens e recursos

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que pertencem à sociedade, a transparência é um importante instrumento para garantir que essa sociedade exerça o controle sobre a gerência de seu patrimônio (interesse público primário).

Além do mais, na medida em que as pesquisas de mercado, realizadas na fase interna do procedimento, devem refletir a realidade pesquisada, de tal forma a projetar uma competição pautada em relação de confiança recíproca, tanto para a Administração Pública quanto para os possíveis concorrentes (princípio da eticidade), não há como se conceber que a divulgação do resultado obtido pela Administração venha a influenciar negativamente nas propostas dos licitantes.

Ressalte-se que, refletindo a realidade do mercado, a cotação de preços feita pela Administração serve também de parâmetro para analisar a adequabilidade da proposta, isto é, para avaliar se seu valor é excessivo ou inexequível.

Nesse contexto, o Parquet entende que a não divulgação do preço estimado da contratação (que — ressalte-se — deve ser pautado na pesquisa de preço realizada) pode potencializar os riscos de eventual lesão ao erário, na medida em que o sigilo, a contrario sensu, restringe a competitividade e o efetivo controle sobre os gastos públicos.

Adverte-se ainda que a mitigação da publicidade pode ensejar repercussões negativas em relação à competitividade, na medida em que a falta de transparência pode induzir potenciais licitantes a questionarem a credibilidade do certame, inclusive sob a especulação de pretenso favorecimento, o que poderá refletir na ampla participação.

Além disso, é evidente que a falta de transparência durante o certame prejudica o exercício do controle democrático, na proporção em que o controle deve ser realizado não apenas de forma repressiva, posteriormente à ocorrência da irregularidade, mas sobretudo de forma preventiva ou concomitante, com o objetivo de se evitar que irregularidades e desvios possam se concretizar.

Ademais, deve ser frisado que a Constituição da República permite a mitigação do princípio da publicidade somente se houver lei restritiva e apenas quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem, conforme reza seu o art. 5º, LX:

Art. 5º. [...]

LX — a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

Diante de todo o exposto, em que pese a argumentação traçada pelo jurisdicionado, o Ministério Público de Contas considera ilegítima a ausência de divulgação no edital da pesquisa de preços feita pela Administração em razão da inconstitucionalidade

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da parte final da alínea e do inciso I do art. 6º do Decreto n. 44.786/2008, bem como do § 1º do art. 25 do Decreto n. 44.787/2008.

Conclusão: por todos os motivos expostos, o Ministério Público de Contas OPINA preliminarmente pela incompetência da Primeira Câmara, reiterando o requerimento para que os autos sejam submetidos a julgamento pelo Tribunal Pleno.

No mérito, o Parquet opina pela regularidade do instrumento convocatório, salvo quanto à ausência de previsão no edital do valor estimado da contratação.

É o parecer.

Cláudio Couto Terrão Procurador do Ministério Público de Contas

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Comentando a Jurisprudência

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Viviane Ataide Giovannini

Bacharel em Direito pela Puc Minas. Técnica do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais.

Resumo: Entre as atividades constitucionalmente atribuídas ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG) estão as de julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por recursos públicos e de fixar responsabilidades a quem der causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que tenha resultado prejuízo ao erário do Estado ou dos Municípios. Nesse contexto e, sobretudo, diante da necessidade de se preservar o patrimônio que é de todos, instituiu-se a tomada de contas especial. O presente trabalho aborda este instituto de fiscalização e controle, sua definição e peculiaridades, qual o seu objetivo, como está na lei. Sob essa ótica, destaca a forma que o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais vem aplicando, nas tomadas de contas especiais, os pressupostos básicos para se atingir a eficiência no trato da coisa pública: os princípios da racionalização administrativa e da economia processual.

Palavras-chave: Tomada de contas especial. Valor do dano ao erário. Racionalização administrativa e economia processual.

Abstract: Among the activities constitutionally assigned to the Audit Court of the State of Minas Gerais are the judgment of accounts of public administrators and others responsible for public resources, and to hold them accountable for loss, misplacement or other irregularity that has resulted in loss to State or Municipal exchequer. In this context, and especially in need to guard the public heritage, it was set up the special audit process. This paper dicusses this institute of monitoring and control, its definition and peculiarities, and its goal, as determined in the law. This way, it will highlight how the Audit Court of the State of Minas Gerais has been apllying, in special audit process, the basic conditions for achieving efficiency in dealing with public resources: the principles of administrative rationalization and procedural economy.

Keywords: Special audit process. Value of damage to the public exchequer administrative rationalization and procedural economy.

Racionalização administrativa e economia processual nas tomadas de contas especiais, no âmbito do TCEMG

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1 A tomada de contas especial – conceituação e fundamentos normativos

1.1 O conceito embasado na Constituição Federal e a acepção doutrinária

A tomada de contas especial consiste em importante instrumento a cargo dos tribunais de contas, no exercício de suas atribuições constitucionais de julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos, que derem causa a perda, extravio ou outras irregularidades de que resulte dano ao erário.

Tal prerrogativa tem lastro no art. 71, inciso II, da Constituição Federal de 1988 que, no campo da União e, no que couber, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,1 estabelece:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

[...]

II — julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário.

Na consagrada acepção de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:

Tomada de contas especial é um processo excepcional de natureza administrativa que visa apurar responsabilidade por omissão ou irregularidade no dever de prestar contas ou por dano causado ao erário (FERNANDES, 2005, p. 31).

Para melhor conceituar a tomada de contas especial, deve-se considerar que esse meio de fiscalização e controle é instaurado como procedimento, com a preservação desta natureza jurídica em toda a sua instrução nos órgãos e entidades instauradores, somente adquirindo a forma de processo administrativo quando encaminhada ao tribunal de contas.

Nesse sentido, discorre o mesmo autor:

Tomada de contas é, na fase interna, um procedimento de caráter excepcional que visa determinar a regularidade na guarda e na aplicação de recursos públicos e, diante da irregularidade, na fase externa, um processo para julgamento da conduta dos agentes públicos (FERNANDES, 2005, p. 31-32).

A rigor, os processos de julgamento das contas nos tribunais de contas só assumem a natureza de processo a partir do seu ingresso na corte, na chamada fase externa. Antes dessa fase não apresenta partes ou litigantes, porque inexiste uma lide, mas somente uma unidade dos atos investigatórios rumo à verdade material.

No relatório final de uma comissão de tomada de contas especial, por exemplo, poderá essa firmar a irregularidade das contas, hipótese em que, após a manifestação do órgão de controle interno e da autoridade (ministro, secretário de Estado ou equivalente), serão os autos remetidos ao tribunal de contas,

1 Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.

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para julgamento. Precisamente nesse momento, a TCE assume a condição de processo, quando o órgão instrutivo, apreciando a apuração promovida pela comissão e os demais elementos dos autos, destacará os principais aspectos, passando diretamente, ou após a deliberação do colegiado das cortes de contas — plenário ou câmara —, para a manifestação do ministério público, que funciona em caráter especializado junto ao tribunal.

Nesse momento, presenciando a existência de indícios, formaliza-se a acusação, seguindo-se citação, defesa e julgamento pelo tribunal de contas (FERNANDES, 2003, p. 523).

1.2 A Constituição Estadual e as disposições normativas do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais sobre a tomada de contas especial

No âmbito do Estado de Minas Gerais, a tomada de contas especial possui também amparo constitucional, em decorrência do disposto no art. 76, incisos I e III, de sua Carta Magna, verbis:

Art. 76. O controle externo, a cargo da Assembleia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas, ao qual compete:

[...]

II — julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bem ou valor públicos, de órgão de qualquer dos Poderes ou de entidade da administração indireta, facultado valer-se de certificado de auditoria passado por profissional ou entidade habilitados na forma da lei e de notória idoneidade técnica;

III — fixar a responsabilidade de quem tiver dado causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que tenha resultado prejuízo ao Estado ou a entidade da administração indireta.

Em sintonia com a Constituição Mineira, a Lei Complementar n. 33/94, publicada em 28/06/1994 (Lei Orgânica do TCEMG, revogada pela Lei Complementar n. 102/2008), tratava especificamente da tomada de contas especial em seus arts. 40, 60 e 64, a seguir transcritos:

Art. 40. A autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração de tomada de contas especial para apuração dos fatos e quantificação do dano, quando caracterizadas:

I — a omissão do dever de prestar contas;

II — a falta de comprovação da aplicação de recursos repassados pelo Estado ou pelo Município, na forma do art. 61 desta lei;

III — a ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiro, bens ou valores públicos;

IV — a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao erário.

Parágrafo único. Não atendida a medida prevista no caput deste artigo, o Tribunal, de ofício, instaurará a tomada de contas, na forma regimental.

[...]

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Art. 60. Constatada a ocorrência de desfalque, peculato, desvio de bens ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, o Tribunal, sem prejuízo de comunicar o fato ao Ministério Público de Contas, ordenará, desde logo, a conversão do processo em tomada de contas especial (caput com redação dada pelo art. 10 da Lei Complementar n. 93, de 02/08/2006).

Parágrafo único. O processo de tomada de contas especial a que se refere este artigo tramitará em separado das respectivas contas anuais.

[...]

Art. 64. No apoio ao controle externo, os órgãos de controle interno deverão exercer, entre outras, as seguintes atividades:

[...]

III — alertar formalmente a autoridade administrativa competente para que instrua a tomada de contas especial, sempre que tiver conhecimento de qualquer das ocorrências referidas no art. 40 desta lei.

A regulamentação da Lei Complementar n. 33/94, mediante a Resolução TCEMG n. 10/96 (Regimento Interno do Tribunal, revogado pela Resolução TCEMG n. 12/2008), contemplou a tomada de contas especial; em seu art. 143, reforçou as situações em que sua instauração se fazia cabível,2 cuidando de sua instrução nos arts. 144 e 155, a seguir transcritos:

Art. 144. Os processos de tomada de contas especiais deverão conter, além dos documentos indicados em instrução normativa, cópia de relatório de comissão de sindicância ou de inquérito, quando for o caso, sem prejuízo de outras peças que permitam ajuizamento acerca da responsabilidade ou não pelo prejuízo verificado.

[...]

Art. 155. A tomada de contas especial instaurada pelo Tribunal será iniciada com a expedição de portaria do Presidente do Tribunal e obedecerá aos seguintes procedimentos:

I — os responsáveis serão citados pessoalmente, ou por edital, elaborado e conferido pela Secretaria, e na sua falta os herdeiros e sucessores e, se for o caso, o curador ou tutor, para que fiquem cientes da instauração do processo e possam prestar esclarecimentos necessários;

II — os exames, levantamentos e apuração das contas serão feitos pela Diretoria própria que tomará as providências devidas, podendo, inclusive, dirigir-se a qualquer órgão ou repartição em busca de dados e documentos;

2 Art. 143. A tomada de contas especial deverá ser imediatamente instaurada pela autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, objetivando apuração dos fatos e quantificação do dano, quando caracterizadas:

I — a omissão do dever de prestar contas;

II — a falta de comprovação da aplicação de recursos repassados pelo Estado ou pelo Município, na forma do art. 61 da Lei Orgânica;

III — a ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiro, bens ou valores públicos;

IV — a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao erário;

Parágrafo único. Não atendida a medida prevista no caput deste artigo, o Tribunal, de ofício, instaurará a tomada de contas, na forma estabelecida no art. 155 deste Regimento.

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III — a Diretoria poderá propor ao Tribunal a realização de perícias que, deferidas, serão realizadas sob a presidência de um Auditor, conforme distribuição;

IV — realizada a perícia, o Auditor remeterá o laudo à Diretoria, que poderá solicitar do Tribunal diligências complementares, inclusive nova perícia;

V — concluídos os trabalhos técnicos e periciais, a Diretoria elaborará minuciosa informação sobre todas as ocorrências processuais;

VI — recebida a informação da Diretoria, o Presidente fará a distribuição do processo a um Relator;

VII — o Relator mandará abrir vista ao interessado, na Secretaria, pelo prazo de 15 (quinze) dias para apresentação de defesa; em seguida, o processo será encaminhado à Auditoria e à Procuradoria;

VIII — após os pronunciamentos dos órgãos competentes, os autos serão conclusos ao Relator que terá 20 (vinte) dias para examinar o processo e pedir dia para julgamento.

Parágrafo único. O representante do Ministério Público será citado para acompanhar o processo.

Na Lei Complementar Estadual n. 102/2008 — atual Lei Orgânica do TCEMG — manteve-se a tomada de contas especial para a obtenção do ressarcimento de prejuízos causados ao erário estadual e municipais, a teor dos arts. 47 e 64:

Art. 47. A autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, adotará providências com vistas à instauração de tomada de contas especial para apuração dos fatos e quantificação do dano, quando caracterizadas:

I — omissão do dever de prestar contas;

II — falta de comprovação da aplicação de recursos repassados pelo Estado ou pelo Município;

III — ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiro, bens ou valores públicos;

IV — prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que possa resultar dano ao erário.

§ 1º No caso de não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o Tribunal determinará a instauração da tomada de contas especial, fixando prazo para cumprimento dessa decisão.

§ 2º Não atendida a determinação prevista no § 1º, o Tribunal, de ofício, instaurará a tomada de contas especial, sem prejuízo da aplicação das sanções previstas nesta Lei Complementar.

§ 3º Os elementos que integram a tomada de contas especial serão estabelecidos em ato normativo do Tribunal.

[...]

Art. 64. Ao proceder à fiscalização dos atos, contratos, convênios, acordos, ajustes e instrumentos congêneres, o Relator ou o Tribunal:

I — ordenará a instauração de tomada de contas especial, nos termos estabelecidos no Regimento Interno e em ato normativo próprio, caso seja

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constatado indício de desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário;

II — converterá o processo em tomada de contas especial, caso já esteja devidamente quantificado o dano e qualificado o responsável.

Nesse diapasão, o Regimento Interno atualmente em vigor — Resolução TCEMG n. 12/2008 — estatuiu:

Art. 241. Compete ao Tribunal julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens ou valores públicos, de órgão dos Poderes do Estado ou de Município ou de entidade da administração indireta estadual ou municipal, bem como do Ministério Público Estadual e, ainda, dos que tiverem dado causa a perda, extravio ou a outra irregularidade de que tenha resultado prejuízo ao erário.

Parágrafo único. Para o exercício da competência a que refere este artigo, considera-se:

[...]

V — tomada de contas especial, o procedimento instaurado pela autoridade administrativa competente ou pelo Tribunal, de ofício, para apuração dos fatos e quantificação do dano, quando caracterizadas as ocorrências previstas no art. 47 da Lei Complementar n. 102/2008.

[...]

Art. 245. A autoridade administrativa competente, esgotadas as medidas administrativas internas, deverá instaurar, sob pena de responsabilidade solidária, tomada de contas especial para apuração dos fatos, quantificação do dano e identificação dos responsáveis, quando caracterizadas as hipóteses previstas no art. 47 da Lei Complementar n. 102/2008.

§ 1º No caso de não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o Tribunal determinará a instauração de tomada de contas especial.

§ 2º Não atendida a determinação prevista no parágrafo anterior, o Tribunal, de ofício, instaurará a tomada de contas especial, sem prejuízo da aplicação das sanções legais cabíveis.

§ 3º Após ser protocolizado e autuado, o processo seguirá, imediatamente, ao Relator, que adotará as medidas cabíveis ou poderá determinar o encaminhamento dos autos à unidade técnica competente.

§ 4º Os procedimentos e elementos que integram a tomada de contas especial serão estabelecidos em ato normativo do Tribunal.

Art. 246. As medidas administrativas internas, com vistas ao ressarcimento ao erário, deverão ser adotadas em até 180 (cento e oitenta) dias, contados:

I — da data fixada para apresentação da prestação de contas, nos casos de omissão no dever de prestar contas e da falta de comprovação da aplicação de recursos repassados pelo Estado ou pelo Município;

II — da data do evento, quando conhecida, ou da data da ciência do fato, nos demais casos.

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Parágrafo único. A instrução do processo de tomada de contas especial deverá conter relatório circunstanciado acerca das medidas internas adotadas.

Art. 247. Não será instaurada a tomada de contas especial, caso ocorra o devido ressarcimento integral ao erário no prazo a que se refere o artigo anterior e esteja comprovada a boa fé dos responsáveis.

Parágrafo único. Considera-se como integral ressarcimento ao erário:

I — a completa restituição do valor do dano atualizado monetariamente; ou

II — em se tratando de bens, a respectiva reposição ou a restituição da importância equivalente aos preços de mercado, à época do efetivo recolhimento, levando-se em consideração o seu estado de conservação.

Art. 248. A tomada de contas especial será encaminhada ao Tribunal para julgamento se o dano ao erário for de valor igual ou superior à quantia fixada em decisão normativa.

§ 1º Se o dano for de valor inferior à quantia a que alude o caput deste artigo, ou se houver, no decorrer da tomada de contas especial, o devido ressarcimento ao erário junto ao órgão ou entidade instauradora, o fato deverá constar do relatório do órgão de controle interno que acompanha a respectiva tomada ou a prestação de contas anual da autoridade administrativa competente.

§ 2º As tomadas de contas especiais em tramitação no Tribunal, cujo dano ao erário seja inferior ao valor fixado, poderão ser arquivadas, sem cancelamento do débito, desde que ainda não tenha sido efetivada a citação dos responsáveis.

§ 3º Na hipótese do parágrafo anterior, o responsável poderá solicitar ao Relator o desarquivamento do processo para julgamento.

Art. 249. Os procedimentos de fiscalização do Tribunal serão convertidos em tomada de contas especial pelo Relator ou pelo Órgão Colegiado competente, caso já esteja devidamente quantificado o dano e identificado o responsável, procedendo-se à sua citação para que apresente defesa ou recolha a quantia devida pelo seu valor atualizado.

Parágrafo único. Os autos objeto da conversão em tomada de contas especial deverão ser encaminhados à unidade de Protocolo para registro da nova natureza, mantendo-se a relatoria e o número de protocolo originais.

Cumpre ressaltar que a Instrução Normativa TCEMG n. 01/2002, que dispõe sobre a tomada de contas especial, na Administração Direta e Indireta, Estadual e Municipal,3 cuidou de sua instauração, do procedimento no âmbito dos órgãos e entidades instauradores, dos elementos que devem instruí-la, de seu encaminhamento ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e da caracterização de responsabilidades nos casos de omissão da autoridade administrativa competente.4

3 Instrução Normativa TCEMG n. 01/2002, aprovada em Sessão Plenária de 9 de outubro de 2002, prevista no art. 144 da Resolução n. 10/96 e referenciada no art. 64, inciso I, da Lei Complementar Estadual n. 102/2008.

4 Instrução Normativa TCEMG n. 03/2005, publicada em 1º de junho de 2005, no parágrafo único do seu art. 1º, estabeleceu que a autoridade administrativa competente para instaurar a tomada de contas especial, nos casos de repasse de recursos mediante convênio, acordo, ajuste ou instrumento congênere, é o responsável pela entidade ou órgão repassador.

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Aquela instrução, além de sua importância normativa propriamente dita e por ser, ao mesmo tempo, específica e abrangente, deu o primeiro passo à efetiva aplicação da racionalização administrativa e da economia processual, em sede de tomada de contas especial, ao estabelecer a possibilidade de seu encaminhamento ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais juntamente com a prestação de contas anual — e não de forma autônoma —, quando o valor do dano fosse igual ou inferior ao estabelecido, anualmente, pela egrégia Corte. Nesses casos, o envio das tomadas de contas especiais ao Tribunal seria de forma simplificada, por meio de demonstrativo.5

Ressalte-se que, antes de se proceder à fixação deste valor de parâmetro, o Tribunal desenvolveu trabalhos de caráter pedagógico, como palestras e cursos de capacitação, junto aos órgãos e entidades da Administração Pública do Estado e dos Municípios, com o objetivo de orientar sobre a condução da fase interna da tomada de contas especial, nos termos da Instrução Normativa TCEMG n. 01/2002.

Foi mantida a regra do encaminhamento autônomo de todas as tomadas de contas especiais à Corte Mineira de Contas, independentemente do valor, para que fossem pontuadas as inconformidades no procedimento que comprometiam a apuração da verdade material6 dos fatos e o desenvolvimento válido e regular dos processos de Tomada de Contas Especial.7

Assim, publicou-se o Aviso TCEMG n. 05/20028 comunicando que todas as tomadas de contas especiais, uma vez instauradas, deveriam ter seus autos remetidos ao Tribunal, até que se fixasse anualmente, mediante resolução, um valor mínimo do dano que pudesse justificar sua tramitação e julgamento nesta Corte.

5 Instrução Normativa n. 01/2002: “Art. 10. Os autos da tomada de contas especial deverão ser encaminhados ao Tribunal para fins de julgamento:

I — dentro do prazo de 90 (noventa) dias, a contar de sua instauração, se o valor do dano, atualizado monetariamente e acrescido dos encargos legais, for superior ao valor a ser estabelecido anualmente por este Tribunal mediante resolução;

II — de forma simplificada, por meio de demonstrativo, juntamente com a prestação de contas anual, quando o valor do dano for igual ou inferior ao estabelecido na resolução a que se refere o inciso I, ou se, após instaurada a tomada de contas especial e antes do seu encaminhamento ao Tribunal, ocorrer:

a) mesmo que intempestivamente, a apresentação e aprovação da prestação de contas ou a regular comprovação da aplicação dos recursos;

b) a devolução do dinheiro, dos bens ou valores, ou o ressarcimento do dano.”

Art. 13. O Tribunal, a título de racionalização administrativa e economia processual, poderá determinar o arquivamento, sem julgamento de mérito, das tomadas de contas especiais apresentadas na forma do inciso II do art. 10, sem cancelamento do débito, a cujo pagamento continuará obrigado o devedor para que se lhe possa ser dada quitação.

6 Resolução n. 12/2008: “Art. 104. No âmbito do Tribunal, além dos princípios gerais que regem o processo civil e administrativo, deverão ser observados os princípios da oficialidade e da verdade material.”

7 O art. 176 da Resolução TCEMG n. 12/2008 prevê o arquivamento do processo por decisão terminativa, diante da ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo: “Art. 176. O processo será arquivado nos seguintes casos: [...] III — decisão terminativa por ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;”

A Resolução TCEMG n. 10/96 já previa, no art. 109, o trancamento de processos diante da impossibilidade de apuração dos fatos:

“Art. 109. As decisões em processos sujeitos ao julgamento do Tribunal são preliminares, terminativas e definitivas. [...] § 3º Terminativa é a decisão pela qual o Tribunal determinará o trancamento [...] de processos que [...] demonstrem impossibilidade de apuração de conteúdo econômico dos fatos neles considerados.”

8 Aviso n. 05/2002, expedido pela Presidência do TCEMG em 5 de novembro de 2002, e publicado no Minas Gerais em 6 de novembro de 2002: “[...] Até que seja editada a resolução de que trata o art. 10, I, da Instrução Normativa n. 01/2002, todas as tomadas de contas especiais que forem instauradas deverão ter seus autos remetidos a este Tribunal.”

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2 A tomada de contas especial — racionalização administrativa e economia processual no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais

2.1 Modus operandi da egrégia Corte antes do advento da Decisão Normativa n. 02/2010

É patente a afirmação da economicidade como critério definidor de competências dos órgãos julgadores, seja qual for a matéria — judicial ou administrativa. No dizer de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:

No direito judiciário, visando assegurar a racionalidade de procedimentos e efetivar o princípio da economia processual, foram estabelecidos vários procedimentos considerando o valor da causa envolvido no processo.

No âmbito dos tribunais de contas, porém, demorou a florescer parâmetros que zelassem pela economia processual.

Pela Constituição Federal Brasileira de 1988, um dos vetores da atuação do controle externo é a economicidade. Na medida em que os tribunais de contas têm por dever impor aos órgãos jurisdicionados o zelo pelo princípio, ficam moralmente vinculados a também efetivá-lo nos seus procedimentos.

Uma das formas mais inteligentes de operacionalizar o princípio é definir a competência em razão do valor para atuar no processo. Assim, o chamado valor de alçada, no processo judiciário, no âmbito das cortes de contas, é uma exigência inafastável (FERNANDES, 2003, p. 435-436).

Em consonância com essa premissa, considerando a premente necessidade de se adotar medidas de racionalização administrativa e economia processual, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais arquivou, sem o julgamento de mérito, vários processos de tomada de contas especial, com o objetivo de evitar que o custo da cobrança fosse superior ao valor do ressarcimento. Assim, facultava o art. 304 da Resolução n. 10/19969 e, atualmente, prevê o art. 177 da Resolução n. 12/2008.10

Transcrevo, a seguir, excertos de alguns votos que respaldaram arquivamentos de tomadas de contas especiais, tendo o valor do dano sido considerado inexpressivo por este egrégio Tribunal. Tratam-se de pronunciamentos que patenteiam a adoção destes princípios,

9 Art. 304. A título de racionalização administrativa e economia processual, e com o objetivo de evitar que o custo da cobrança seja superior ao valor do ressarcimento, o Tribunal poderá determinar, desde logo, o arquivamento do processo, sem cancelamento do débito, a cujo pagamento continuará obrigado o devedor, para que lhe possa ser dada quitação.

10 Art. 177. A título de racionalização administrativa e economia processual, e com o objetivo de evitar que o custo da cobrança seja superior ao valor devido, o Tribunal poderá determinar o arquivamento do processo, sem cancelamento do valor respectivo, a cujo pagamento continuará obrigado o devedor para lhe ser dada quitação.

§ 1º O valor devido será inscrito em cadastro de inadimplentes, mantido pelo Tribunal, dando-se ciência da inscrição ao devedor.

§ 2º O custo da cobrança a que se refere o caput deste artigo corresponderá ao valor de alçada estabelecido pela Advocacia-Geral do Estado para fins de execução.

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mesmo antes da fixação de um valos a partir do qual as tomadas de contas especiais deveriam ser encaminhadas a esta Corte para fins de julgamento:

1) Tomada de Contas n. 456.564. 4ª Câmara, sessão de 06/09/05. Relatoria do Conselheiro Moura e Castro.

Conselheiro Moura e Castro:

Versam os autos sobre tomada de contas relativa ao Convênio n. 882/93, celebrado em 03/11/93, entre a Secretaria de Estado de Assuntos Municipais e o Rotary Club de Barbacena, no valor de CR$15.000,00, objetivando a aquisição de gêneros alimentícios, cobertores e materiais escolares para a Creche Escola Santo Antônio, mantida pela entidade.

Preliminarmente, cumpre esclarecer que o convênio em questão deu entrada nesta Corte, protocolizado sob o n. 397.169, tendo sido arquivado sem exame de mérito pela Ordem de Serviço n. 01/97.

Consoante se infere do relatório emitido pela Secretaria e documentação pertinente, a fls. 3-8, a tomada de contas foi instaurada em razão de falhas identificadas na prestação de contas. Contudo, em que pese ter sido realizada vistoria in loco, não houve apuração satisfatória dos fatos.

Promovendo-se a atualização monetária com base na Tabela da Corregedoria-Geral de Justiça, válida para maio de 2005, verifica-se que o valor repassado equivale a R$266,94.

Dessa forma, entendo prejudicado o exame da matéria, bem como irrelevante a quantia envolvida que justifique a ação de ressarcimento.

VOTO: Pelo exposto, a título de racionalização administrativa e economia processual, previstas no art. 304 do Regimento Interno, e com o objetivo de evitar que o custo da cobrança seja superior ao valor do ressarcimento, determino o arquivamento dos autos.

[...]

Aprovado o voto do Conselheiro Relator, por unanimidade.

2) Tomada de Contas Especial n. 654.286. 4ª Câmara, sessão de 25/04/06. Relatoria do Conselheiro Moura e Castro.

Cuidam os autos da Tomada de Contas relativa ao convênio celebrado em 24/07/87 [...].

[...]

Impõe salientar, ainda, que o convênio em questão [...] foi arquivado pela Ordem de Serviço n. 01/97, sem exame de mérito e, promovendo-se a atualização monetária de seu valor com base na Tabela da Corregedoria-Geral de Justiça válida para março de 2006, verifica-se que o recurso repassado equivale a R$591,76.

Dessa forma, entendo irrelevante a quantia envolvida que justifique a ação de ressarcimento.

VOTO: Pelo exposto, a título de racionalização administrativa e economia processual, previstas no art. 304 do Regimento Interno, e com o objetivo

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de evitar que o custo da cobrança seja superior ao valor do ressarcimento, determino o arquivamento dos autos.

[...]

Aprovado o voto do Conselheiro Relator, por unanimidade.

3) Tomada de Contas Especial n. 704.317. 4ª Câmara, sessão de 11/04/06. Relatoria do Conselheiro Presidente Wanderley Ávila.

[...]

VOTO: Preceitua o inciso II do art. 10 da Instrução Normativa n. 01/2002, que dispõe sobre a tomada de contas especial no âmbito da administração direta e indireta, estadual e municipal, que a tomada poderá ser encaminhada para esta Casa de forma simplificada, por meio de demonstrativo, juntamente com a prestação de contas anual, quando o valor do dano for igual ou inferior ao estabelecido em resolução, ou se, após instaurada a Tomada de Contas Especial e antes do seu encaminhamento ao Tribunal, ocorrer, entre outras hipóteses, a devolução do dinheiro.

Estabelece também o art. 13 da citada instrução normativa, que o Tribunal, a título de racionalização administrativa e economia processual, poderá determinar o arquivamento, sem julgamento de mérito, das tomadas de contas especiais apresentadas na forma do inciso II do art. 10.

Cumpre registrar porém que, segundo pude verificar, esta Corte ainda não editou as resoluções encarregadas de estabelecer anualmente o valor de alçada, segundo o qual, de acordo com o inciso I do art. 10 da Instrução Normativa n. 01/2002, servirá para definir aquelas tomadas de contas que deverão vir ao Tribunal para julgamento. Após a edição da referida Instrução, foi publicado no Minas Gerais de 06/11/2002, da Presidência deste Tribunal, o Aviso n. 05/2002, que informava que, até que fosse editada a resolução de que trata o art. 10, I, da Instrução Normativa n. 01/2002, todas as tomadas de contas especiais que forem instauradas deveriam ter seus autos remetidos a este Tribunal.

Contudo, mesmo que não tenha sido estabelecido o valor que servirá de medida para definir aquelas tomadas que deverão ser remetidas ao Tribunal para julgamento, e, ainda que o aviso em questão esteja ainda em vigor, por falta de fixação por esta Corte do indigitado valor de alçada, sou de parecer que a racionalização administrativa e o princípio da economicidade não podem passar ao largo deste caso específico, em que se revela particularmente pequeno o valor do numerário repassado ao Município [...] R$72,00 em virtude do Convênio n. [...].

Considerando esse significativo argumento [...] voto pelo arquivamento de plano da tomada de contas em questão, sem análise de mérito.

[...]

Aprovado o voto do Conselheiro Relator, por unanimidade.

4) Tomada de Contas Especial n. 654.232. 4ª Câmara, sessão de 26/09/06. Relatoria do Conselheiro Moura e Castro.

[...] Promovendo-se a atualização monetária, com base na Tabela da

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Corregedoria-Geral de Justiça, válida para agosto de 2006, verifica-se que o valor repassado equivale a R$299,14.

Dessa forma, entendo prejudicado o exame da matéria, bem como irrelevante a quantia envolvida que justifique a ação de ressarcimento.

VOTO: Pelo exposto, a título de racionalização administrativa e economia processual previstas no art. 304 do Regimento Interno, e com o objetivo de evitar que o custo da cobrança seja superior ao valor do ressarcimento, determino o arquivamento dos autos.

[...]

Aprovado o voto do Conselheiro Relator, por unanimidade.

5) Tomada de Contas Especial n. 680.990. 4ª Câmara, sessão de 12/12/06. Relatoria do Conselheiro Moura e Castro.

[...] com vistas ao ressarcimento do dano causado ao erário que, atualizado pela tabela da Corregedoria-Geral de Justiça, em 10/04/03, corresponde ao valor de R$260,13, hoje equivalente a R$309,08.

Considerando que a Secretaria adotou as medidas necessárias à restituição dos valores devidos e, tendo em vista a pouca expressividade da quantia envolvida, entendendo desnecessário o prosseguimento do feito no âmbito desta Corte de Contas, motivo pelo qual deixei de ouvir a auditoria e a procuradoria.

VOTO: Pelo exposto, a título de racionalização administrativa e economia processual, previstas no art. 304 do Regimento Interno, e com o objetivo de evitar que o custo da cobrança seja superior ao valor do ressarcimento, determino o arquivamento dos autos.

[...]

Aprovado o voto do Conselheiro Relator, por unanimidade.

6) Tomada de Contas Especial n. 683.830; Relatório de Inspeção n. 601.596; Tomada de Contas n. 656.920; Prestação de Contas Municipal n. 660.026.

FUNDAMENTAÇÃO

[...]

Além da garantia da estabilização das relações jurídicas, os Tribunais de Contas devem buscar a eficiência administrativa, que pode ser mensurada, entre outras coisas, pela razoabilidade do tempo dedicado ao exame e julgamento dos processos e pelos resultados obtidos, considerando-se inclusive os recursos utilizados.

A efetividade e a celeridade são essenciais à boa gestão dos recursos públicos [...].

Fundamentado nessas premissas, foi editada por este Tribunal de Contas a Instrução Normativa n. 01/96, que determinou que a documentação referente aos contratos, convênios, licitações, entre outros, permanecessem nos respectivos órgãos para posterior fiscalização in loco, e não mais fossem encaminhados a esta Corte para exame formal.

[...]

Pelas razões apresentadas, para que o Tribunal de Contas exerça a função de

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controle externo, pautado na segurança jurídica e na eficiência da administração pública, torna-se inviável que o processo em tela tenha prosseguimento, sendo essencial que se proceda à racionalização administrativa. [...]

Partindo da premissa de que não restou constatado qualquer indício de dano ao erário, [...]; e ainda, tendo em vista os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da razoabilidade, da economicidade, da racionalidade administrativa, da eficiência, e da razoável duração dos processos, entendo que os autos devem ser arquivados, sem resolução de mérito.

VOTO: Diante do exposto, considerando que nos processos não há indícios de dano ao erário, e tendo em vista os princípios da proteção à confiança, da razoabilidade e da economicidade, a título de racionalidade administrativa, voto pelo arquivamento dos autos, sem resolução de mérito, nos termos do art. 176, inciso III c/c art. 177 do RITCEMG.

Cumpram-se as disposições regimentais.

Tribunal de Contas, em 09/11/2010

Conselheiro Antônio Carlos Andrada

Relator11

2.2 A Decisão Normativa n. 02/2010, publicada em 12/05/2010, sua importância e embasamento

O art. 10, incisos I e II, da Instrução Normativa n. 01/2002, bem como o art. 248 da Resolução TCEMG n. 12/2008, já referenciados neste trabalho, previram a fixação de um valor mínimo do dano, em sede de tomada de contas especial, para ensejar o envio autônomo do procedimento ao Tribunal de Contas. Essa fixação, entretanto, veio a ocorrer somente em 12/05/2010, com a publicação da Decisão Normativa TCEMG n. 02/2010.

Tal decisão fixou, para o exercício de 2010, em R$5.000,00 o valor a partir do qual a tomada de contas especial, instaurada com base no art. 47 da Lei Complementar n. 102/2008 e nos arts. 245-246 da Resolução n. 12/2008, deveria ser encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, para fins de julgamento.

Cabe aqui fazer referência ao estudo feito no ano de 2009 pela então Coordenadora da Área de Análise de Contratos, Convênios e Instrumentos Congêneres (CAC/DAC), Valéria Fernandes da Silva12, em que enfatizou a importância da fixação de um valor de alçada para o envio autônomo das tomadas de contas especiais ao tribunal de contas, compatível com a realidade fática do Estado e dos Municípios que o compõem e, sobretudo, com os fins de racionalização administrativa e de economia processual, tendo por base as tomadas de contas especiais encaminhadas a esta Corte no ano de 2008 e início de 2009.

11 Voto aprovado em sessão da Primeira Câmara do dia 09/11/10, conforme certidão expedida pela Coordenadoria de Área de Taquigrafia em 12/11/10.

12 Estudo intitulado Justificativa, apresentado ao Tribunal de Contas pela Diretoria de Análise Formal de Contas no ano de 2009.

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O Tribunal de Contas da União, mediante a da Instrução Normativa n. 56/2007,13 fixou em R$23.000,00 o valor mínimo do dano, atualizado monetariamente, para instaurar tomada de contas especial e encaminhá-la ao Tribunal, sob o fundamento de que “a recomposição de dano à administração pública federal deve pautar-se pelos princípios da racionalização administrativa e da economia processual, de modo a evitar que o custo da apuração e da cobrança seja superior ao valor da importância a ser ressarcida.”14

Nas esferas estaduais e distrital, dentre os tribunais de contas que estabeleceram, de acordo com as respectivas realidades, valores mínimos para o envio de tomadas de contas especiais, pode-se citar o de Santa Catarina (R$20.000,0015), o de Goiás (R$30.000,0016), o do Distrito Federal (R$25.000,0017) e do Maranhão (R$2.362,3018).

Entretanto, necessário acrescentar que nesses tribunais, à exceção do Tribunal de Contas da União, o valor mínimo fixado não dispensa os jurisdicionados de promoverem a instauração de tomada de contas especial e, em caso de apuração de dano, de procederem à inscrição e cobrança do débito. Tal fixação apenas os exime do encaminhamento individual dos procedimentos aos tribunais, para fins de julgamento que, por via de regra, ocorre conjuntamente com as contas anuais.19

Mas, em Minas Gerais, quais os critérios para a fixação do valor mínimo em R$5.000,00? É óbvio que não foi uma decisão lastreada em dados aleatórios. Em primeiro plano, cumpre destacar

13 Instrução Normativa TCU n. 56, de 05/12/2007, publicada no DOU em 11/12/2007 e em vigor a partir de 1º de janeiro de 2008. Ementa: “Dispõe sobre a instauração e organização de processo de tomada de contas especial e dá outras providências.” Enuncia, em seus arts. 5º e 11: “Art. 5º. A tomada de contas especial somente deve ser instaurada e encaminhada ao Tribunal quando o valor do dano, atualizado monetariamente, for igual ou superior à quantia fixada pelo Tribunal para esse efeito.” “Art. 11. Para os fins do disposto no art. 5º fica estabelecido o valor de R$23.0000,00 (vinte e três mil reais).”

14 Parte integrante do preâmbulo da Instrução Normativa TCU n. 56/2007.

15 Decisão Normativa n. TC-07/2009, de 16/12/2009. Ementa: “Fixa o valor de alçada da tomada de contas especial para o exercício de 2010.” Enuncia no art. 1º: “Fixar para o exercício de 2010 o valor de R$20.000,00 (vinte mil reais) a partir do qual a tomada de contas especial, prevista no art. 10, § 2º, da Lei Complementar n. 202, de 15 de dezembro de 2000, será imediatamente encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina para julgamento.”

16 Resolução do Tribunal de Contas do Estado de Goiás n. 1.341/2007, de 20/12/2007. Ementa: “Fixa, para o exercício de 2008, o valor a partir do qual a tomada de contas especial deve ser encaminhada ao Tribunal de Contas do Estado, para julgamento. “Art. 1º: Fixar, para o exercício de 2008, em R$30.000,00 (trinta mil reais), o valor a partir do qual o processo de tomada de contas especial, nos termos do § 2º do art. 8º da Lei Estadual n. 12.785/95, de 21 de dezembro de 1995, dos §§ 3º e 4º, do art. 184 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado, e do art. 5º da Resolução Normativa n. 011/2001, de 10 de outubro de 2001, deverá ser imediatamente encaminhado ao Tribunal de Contas do Estado de Goiás, após sua conclusão, para julgamento.”

17 Resolução do TCDF n. 181, publicada no DODF em 22/10/2007, p. 23. Ementa: “Fixa o valor a partir do qual a tomada de contas especial deverá ser encaminhada ao Tribunal de Contas do Distrito Federal.” Enuncia, em seu art. 1º: “É fixado em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) o valor do dano a partir do qual a respectiva tomada de contas especial prevista no art. 9º da Lei Complementar do DF n. 1, de 9 de maio de 1994, deverá ser encaminhada ao Tribunal de Contas do Distrito Federal, para julgamento.”

18 Instrução Normativa do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão n. 005, de 14/08/2002, publicada no DOE em 25/09/2002. Ementa: “Dispõe sobre a instauração e organização de processos de tomadas de contas especial e dá outras providências.” Enuncia no art. 6º: “A tomada de contas especial prevista no art. 3º desta Instrução Normativa será imediatamente encaminhada ao Tribunal se o valor do dano, atualizado monetariamente e acrescido dos encargos legais, for superior a R$ 2.362,30.

Parágrafo único. A quantia fixada no caput poderá ser alterada mediante Decisão Normativa. A fixação, no entanto, deverá ser fixada no ano para viger no ano civil seguinte.”

19 O art. 10, inciso II, da Instrução Normativa TCEMG n. 01/2002 prevê o envio ao tribunal de contas dos procedimentos de tomadas de contas especiais na forma simplificada, juntamente com a prestação de contas anual, quando o dano for de valor igual ou inferior ao estabelecido anualmente pelo mesmo tribunal.

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que o Cadastro Informativo de Inadimplência, em relação à Administração Pública do Estado de Minas Gerais (Cadin/MG), instituído pelo Decreto Estadual n. 44.694/2007, estabelece que apenas os débitos de pessoas físicas ou jurídicas, em relação ao Estado, superiores a R$5.000,00 serão obrigatoriamente inscritos pelo órgão credor.20 Acrescente-se que, de acordo com o mencionado estudo, realizado pela Coordenadora da CAC/DAC, das tomadas de contas especiais encaminhadas ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, no ano de 2008 até o início do 2º trimestre de 2009,21 aproximadamente 54,61% não resultaram na apuração de qualquer dano; 14,10% apuraram valores inferiores a R$5.000,00, e 31,29% apuraram valores superiores a R$5.000,00; em relação aos municípios, dos 32 processos de tomada de contas especial que deram entrada na Coordenadoria de Área de Análise de Contratos, Convênios e Instrumentos Congêneres (CAC/DAC), de 2008 a início de 2009, apenas 12 foram de valor superior a R$5.000,00; quanto às inspeções e auditorias convertidas em tomadas de contas especiais, estas representaram cerca de 40 processos cujos valores não foram quantificados.

Ressalta-se ainda que o valor de R$5.000,00, aplicável para o exercício de 2010, seria passível de alteração a cada ano subsequente, de acordo com a realidade de cada exercício financeiro.

3 Conclusão

Com a vigência da Decisão Normativa n. 02/2010, os órgãos e entidades não ficaram liberados da instauração das tomadas de contas especiais, quando estas versarem sobre danos inferiores a R$5.000,00, tampouco de encaminhá-las ao tribunal, que se fará in oportuno tempore, no bojo das prestações de contas anuais.

Nesse sentido, a fixação do valor de alçada, abaixo do qual as tomadas de contas especiais não serão imediatamente encaminhadas ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, para fins de julgamento autônomo, não significa absolutamente remitir o dano ao erário, tampouco favorecer a não recomposição do valor devido.

Os princípios de racionalização administrativa e de economia processual devem contribuir para apuração dos atos lesivos ao patrimônio público e o ressarcimento dos prejuízos causados ao mesmo, contrariamente à absurda hipótese de estímulo à impunidade para pequenos danos.

De tudo o que se infere das pesquisas e estudos que fundamentaram o presente trabalho, o que se abstrai, na essência, é a crescente priorização da economia processual e da racionalização administrativa nas atividades públicas. Não há espaço para discussões intermináveis. Não há

20 Decreto n. 44.694, de 28.12.2007, publicado no Minas Gerais em 29/12/2007: “Art. 3º Os valores a serem observados para fins de inscrição dos débitos de pessoas físicas ou jurídicas no Cadin/MG serão os seguintes:

I — iguais ou inferiores a R$5.000,00 (cinco mil reais), inscritos a critério do órgão credor; e

II — superiores a R$5.000,00 (cinco mil reais), inscrição obrigatória, sob pena de responsabilização pessoal do dirigente do órgão ou entidade responsável pela inscrição, nos termos do art. 12.”

21 Em 2008, foram autuados 284 processos de tomada de contas especial, 65 no 1º trimestre de 2009 e 65 no 2º trimestre de 2009, conforme o Anexo I do relatório de atividades anual de 2008 e dos relatórios de atividades dos 1º e 2º trimestres de 2009, respectivamente.

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que se empenhar tempo e recursos de forma inoportuna e dispendiosa, quando se é possível implementar medidas mais eficientes. O momento hoje é de soluções.

No trato da coisa pública, racionalizar significa otimizar, com sabedoria, discernimento, critério. A sociedade carece de respostas e cobra do Estado atitudes adequadas para que o interesse público seja, de fato, alcançado. Os atos espúrios e lesivos ao patrimônio de todos devem ser definitivamente banidos com medidas eficazes. A postura ética não deve ser vista como um diferencial da pessoa, mas como uma conduta constante, usual e rotineira.

Em todas as esferas de Poder — e não somente no Judiciário — a economia processual é fator determinante para a obtenção dos efeitos pretendidos. Qual o valor de uma decisão, por mais sábia, se quando proferida, não pode mais ser aplicada, porque seu objeto se perdeu nos meandros de um processo lento e complicado?

Resultados concretos dependem de ações voltadas ao bem coletivo e à incessante busca de soluções justas e razoáveis. Assim tem se conduzido este egrégio Tribunal, sobretudo em relação ao instituto processual especificamente afeto à restituição de bens, dinheiros e valores públicos: a tomada de contas especial.

Referências

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BRASIL. Tribunal de Contas da União. Instrução Normativa TCU n. 56, de 05 de dezembro de 2007. Dispõe sobre a instauração e organização do processo de tomada de contas especial e dá outras providências. Disponível em: <www.tcu.gov.br>. Acesso em: 14 fev. 2011.

DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Contas. Resolução n. 181/2007. publicada no DODF em 22 de outubro de 2007. Fixa o valor a partir do qual a tomada de contas especial deverá ser encaminhada ao Tribunal de Contas do Distrito Federal. DODF, 22 out. 2007. Disponível em: <www.tc.df.gov.br>. Acesso em: 14 fev. 2011.

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________. Instrução Normativa n. 01/2002, de 05 de novembro de 2002. Dispõe sobre a tomada de contas especial no âmbito da Administração Direta e Indireta, Estadual e Municipal. Disponível em: <www.tce.mg.gov.br>. Acesso em: 14 fev. 2011.

________. Instrução Normativa n. 03/2005, de 25 de maio de 2005. Acrescenta parágrafo único ao art. 2º da Instrução Normativa n. 01/2002, que dispõe sobre a tomada de contas

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especial no âmbito das Administrações Direta e Indireta, Estadual e Municipal. Disponível em: <www.tce.mg.gov.br>. Acesso em: 14 fev. 2011.

________. Lei Complementar n. 102, de 17 de janeiro de 2008. Belo Horizonte: Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 2008.

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SANTA CATARINA. Tribunal de Contas. Decisão Normativa n. TC-07/2009, de 16 de dezembro de 2009. Fixa o valor de alçada da tomada de contas especial para o exercício de 2010. Disponível em: <www.tce.sc.gov.br>. Acesso em: 14 fev 2011.

SILVA, Valéria Fernandes da. Justificativa; estudo das tomadas de contas especiais no TCEMG em 2008 e início de 2009. Belo Horizonte, TCEMG/Diretoria de Análise Formal de Contas, 2009.

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Violação aos princípios da publicidade e da transparência viciam Pregão Eletrônico*

* O entendimento esposado pelo órgão técnico neste relatório foi aoclhido pelo Tribunal.

Tratam os autos de representação formulada a esta Corte pela empresa Drive A Informática Ltda., em face do Procedimento Licitatório n. 50/2006, modalidade pregão eletrônico, tipo menor preço global, instaurado pela Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais, cujo objeto é a aquisição de notebooks. O valor do futuro contrato foi estimado em R$1.792.053,84, conforme termos de referência a fls. 223-224 dos autos.

O Exmo. Sr. Conselheiro Presidente recebeu a representação, determinando a sua autuação e distribuição, em caráter de urgência, para Conselheiro componente da 2ª Câmara, observadas as normas regimentais, conforme fls. 162.

Em seguida, a fls. 164-166, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator Antônio Carlos Andrada apresentou relatório, no qual determinou, “[...] antes de apresentar qualquer manifestação acerca do pedido liminar de suspensão do certame [...]” uma vez que os documentos acostados à representação são insuficientes para se proceder à análise das questões suscitadas, a conversão dos autos em diligência, nos termos do art. 68 do RITCEMG, para que o Sr. Fuad Noman, Secretário de Estado da Fazenda de Minas Gerais, e a pregoeira, Sra. Cláudia Ribeiro de Souza, no prazo de 48 horas, informassem a fase em que se encontrava o certame, bem como encaminhassem cópia relativa à formalização de todo o procedimento licitatório.

O Exmo. Sr. Conselheiro Relator recomendou, ainda, que se abstivessem de assinar o contrato referente ao processo licitatório em comento, caso ainda não o tivessem feito, sob pena de responsabilização, se apurada alguma irregularidade no certame. Advertiu, ainda, aos responsáveis, de que o não cumprimento da diligência importaria na aplicação de multa, no valor de R$5.000,00, nos termos do art. 236, inciso IV, do RITCEMG. Determinou, ainda, que os responsáveis fossem intimados por oficial instrutivo, sendo que, em seguida, retornassem os autos conclusos.

Em cumprimento ao despacho acima, o Sr. João Antônio Fleury Teixeira, Secretário Adjunto de Estado de Fazenda, e a Sra. Cláudia Ribeiro de Souza, pregoeira, encaminharam, por meio dos ofícios OF. SELF. GAB. SEC. n. 1.468/06 e OF. n. 598/2006/Diretoria de Compras, a fls. 170-171, a documentação referente ao procedimento licitatório subexame, acostada a fls. 172-656.

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Tendo em vista a documentação enviada, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator remeteu os autos a

esta Coordenadoria, a fls. 658-659, para que fosse realizado o exame técnico do edital, nos

termos do art. 222 do RITCEMG, no prazo de cinco dias. Determinou ainda que retornassem os

autos conclusos.

Na análise realizada a fls. 660-679, este órgão técnico constatou as seguintes irregularidades:

1) ausência de resposta aos questionamentos de ordem técnica; 2) ausência de publicação

de retificação do edital quanto às especificações do objeto; 3) excessivas especificações de

técnica especializada para aquisição de notebooks, objeto do certame, contidas no Anexo

I do Edital; 4) negativa do direito de recorrer; e 5) tratamento diferenciado aos licitantes.

Entendeu ainda que, como o objeto do certame trata-se de aquisição de notebooks,

exigindo-se especificações técnicas especializadas, os autos poderiam ser encaminhados

à Diretoria de Informática, para que fornecesse subsídios quanto à técnica exigida nas

exigências editalícias.

A fls. 681-682, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator determinou que os autos fossem enviados à

Diretoria de Informática para verificação da adequação dos notebooks adquiridos da empresa

Cimcorp Comércio Internacional em Informática S/A aos parâmetros constantes no Anexo I do

Edital, nos moldes suscitados pela representante, em sua exordial, até no que toca ao preço

praticado em função do valor de mercado.

Na análise a fls. 686-709, a Diretoria de Informática concluiu que:

a configuração adquirida está de pleno acordo com os parâmetros técnicos exigidos no procedimento licitatório. Quanto aos preços, comparamos a especificação técnica do edital com aquelas encontradas nos periódicos anexos e podemos informar que os notebooks com a configuração similar ou mais próxima existentes no mercado daquele tempo, estão também com valores compatíveis aos equipamentos adquiridos.

A fls. 711, o Exmo. Sr. Conselheiro Relator determinou a citação do Sr. Fuad Noman e da Sra.

Cláudia Ribeiro de Souza para que, no prazo de 15 dias, apresentassem as justificativas,

alegações ou documentos que entendessem pertinentes acerca dos apontamentos do relatório

técnico a fls. 660-678.

A Sra. Cláudia Ribeiro Souza apresentou esclarecimentos consubstanciados na petição,

protocolizada sob o n. 00285004/2009, a fls. 730-744 e juntou documentos a fls. 746-783.

O Sr. Fuad Jorge Nomam Filho, apresentou justificativas em petição, protocolizada sob o n.

02217232/2009, a fls. 785-798, e juntou documentos a fls. 799-895.

Observa-se que a fls. 877-888 consta o contrato celebrado entre a empresa vencedora

Cimcorp Comércio Internacional em Informática S/A e a Secretaria de Estado da Fazenda

em 23/11/2006.

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A fls. 897, o Sr. Conselheiro Relator exarou o seguinte despacho:

Em atendimento à abertura de vista, a Sra. Cláudia Ribeiro de Souza e o Sr. Fuad Noman apresentaram suas defesas a fls. 730 e 783 e 785 a 894, respectivamente. Encaminho os autos a essa coordenadoria para análise das defesas apresentadas.

Na análise realizada a fls. 898-903, este órgão técnico concluiu que

no presente certame, restou configurada a ausência de responsabilidade do Sr. Fuad Jorge Noman Filho, Secretário de Estado da Fazenda de Minas Gerais. Entende ainda, que a Sra. Helenice Machado Mendes Rutkowski, Diretora da Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças, à época, deve ser citada para apresentar defesa quanto aos apontamentos deste Órgão Técnico, a fls. 660-679.

A fls. 904, o Conselheiro Relator determinou que se citasse a Sra. Helenice Machado Mendes Rutkowski, Diretora da Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças, para que, no prazo de 15 dias, apresentasse as justificativas, alegações ou documentos que entendesse pertinentes acerca dos apontamentos constantes no relatório técnico, a fls. 660-678.

Em cumprimento ao despacho, a Sra. Helenice Machado Mendes Rutkowski apresentou defesa, a fls. 911-929, protocolizada sob o n. 0226063/2010.

A fls. 231, o Exmo. Conselheiro Antônio Carlos Andrada determinou o retorno dos autos a esta Coordenadoria para análise das defesas não apreciadas, a fls. 730-783; 785-894 e 911-929, e após isso, que os autos fossem encaminhados ao Ministério Público de Contas para emissão de parecer.

Tendo sido os presentes autos encaminhados a esta Coordenadoria, em cumprimento à determinação, passa-se ao exame de referidas defesas:

1 Ausência de resposta aos pedidos de esclarecimentos formulados

Entendeu este órgão técnico que aparentemente houve violação ao art. 9º do Decreto Estadual n. 42.408/02, bem como à cláusula 15.10 do Edital, pois apesar de terem sido formulados pedidos de esclarecimentos referentes ao instrumento convocatório, questionamentos de ordem técnica foram relegados para outro momento, sendo que se procedeu à sessão sem que estes fossem respondidos.

A pregoeira afirmou em sua defesa, a fls. 732, que foi necessário adequar as especificações do bem a ser adquirido às necessidades do órgão adquirente em vez de apresentar resposta aos esclarecimentos. Assim, o edital foi objeto de alteração devido às incorreções verificadas em razão dos questionamentos apresentados. Seguindo os preceitos legais, procedeu-se à publicação do aviso de retificação do pregão da mesma forma em que se deu a original,

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reabriu os prazos para envio das propostas e indicou o site onde se encontrava disponível a

íntegra do edital.

Em sua defesa, a fls. 919, a Diretora da Superintendência de Planejamento, Gestão e

Finanças alegou:

A publicação de novo edital revoga o edital anterior e por consequência, extirpa-se a obrigação legal de responder aos questionamentos a este referentes. Despicienda a indicação de alterações realizadas, vez que se trata de publicação integral de novo edital, e não somente de alterações ocorridas no edital.

Análise: na cópia da resposta da Administração Pública ao pedido de esclarecimento feito pelo

representante, a fls. 154, de 02/10/2006, observa-se que os questionamentos a serem analisados

pela área técnica foram reservados para serem encaminhados à licitante oportunamente.

Tendo em vista os questionamentos apresentados, foram realizadas novas adequações ao edital,

que foi republicado pela 3ª vez em 11/10/2009. Observa-se, a fls. 767, que a empresa, ora

representante, retirou o novo edital de licitação em 16/10/2009.

Ocorre que, apesar de reaberto o prazo para apresentação de novos questionamentos e para

o envio das propostas, dos documentos acostados aos autos, é possível verificar que diante do

novo edital a representante optou por não apresentar questionamento algum.

Assim, tendo em vista que o novo edital foi disponibilizado para os interessados, devidamente

publicado, conforme fls. 766, e que não foram apresentados questionamentos acerca das novas

especificações técnicas constantes no Anexo I, não há que se falar em ausência de resposta aos

pedidos de esclarecimentos formulados.

2 Ausência de publicação de retificação do edital quanto às especificações do objeto — violação aos princípios da publicidade e da ampla competitividade

Este órgão técnico entendeu, a fls. 669, que restou inobservado o art. 21, § 4º da Lei n. 8.666/93,

bem como o art. 5º da Lei Estadual n. 14.167/02, uma vez que as alterações procedidas no

Edital n. 50/2006 não foram publicadas, na forma dos dispositivos anteriormente citados, tendo

em vista que as mudanças procedidas, nas especificações do objeto, afetavam a formulação das

propostas.

A pregoeira afirmou que a resposta dos questionamentos foi encaminhada a todos os fornecedores

conforme se comprova pela cópia do e-mail, constante a fls. 166 do processo licitatório. Quanto

à retificação do edital, afirmou que foi dada a devida publicidade a todas as versões do edital

por meio de avisos publicados na Imprensa Oficial e em jornal de grande circulação.

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A Diretora da Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças alegou em sua defesa, a fls. 920, que ficou comprovado que o representante tomou conhecimento de todas as alterações do edital e consequentemente não sofreu qualquer prejuízo delas decorrente.

Análise: a fls. 166 do processo licitatório, correspondente a fls. 338 dos autos, verifica-se o encaminhamento da resposta do pedido de esclarecimento realizado pela licitante Cimcorp, ao e-mail da empresa representante.

Conforme salientado pela Administração Pública, alguns esclarecimentos resultaram nas retificações do edital, que possui três versões. Em que pese as publicações das retificações estarem comprovadas a fls. 161, 263, 264, 321, 407, 408, 765,766, o conteúdo da publicação está insuficiente, vez que não cita em qual ponto o edital sofre modificações. Da forma disposta na publicação, é possível entender que só foi alterada a data da realização do pregão, o que fere o princípio da publicidade.

O princípio da publicidade deve ser respeitado a fim de possibilitar aos interessados o conhecimento de todos os termos do edital. Este foi o entendimento da decisão proferida por esta Corte, na Representação n. 715.719, na sessão da Segunda Câmara do dia 07/08/2007:

Todavia, a Administração obriga-se a respeitar as regras que haja estabelecido previamente para disciplinar o certame. Em outras palavras, pode-se dizer que o teor do edital vincula necessariamente todo procedimento, pois constitui a lei interna da licitação, impondo rigorosa observância de suas disposições. Assim, os atos e decisões do procedimento, além de jungidos à lei, estarão vinculados ao instrumento convocatório. Qualquer alteração que porventura venha sofrer o instrumento convocatório obriga sua republicação, sob pena de aquebrantamento dos princípios da isonomia e da publicidade dos atos, e de tornar o processo nulo.

Neste sentido, entendo pertinente transcrever o disposto no art. 21, § 4º da Lei n. 8.666/93:

‘§ 4º Qualquer modificação no edital exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando, inquestionavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas.’

Frisa-se que o princípio da publicidade impõe a obrigatoriedade de publicação dos principais atos e instrumentos do procedimento, inclusive a motivação das decisões, possibilitando o conhecimento dos interessados e de todos os cidadãos. Cuide-se de oferecer transparência ao procedimento licitatório, onde é vedado o sigilo, exceto quanto ao conteúdo das propostas (Relator: Conselheiro Presidente em Exercício Antônio Carlos Andrada).

Observa-se que, apesar de ter sido publicada a retificação do edital de Pregão n. 50/2006, esta, porém, limitou-se a informar a nova data do referido pregão, não mencionando a retificação ocorrida na especificação técnica do objeto do edital. Entende-se que pode ser procedente a impugnação do representante, pois comparando-se as especificações técnicas, inferiu-se

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que houve modificação em seus itens, podendo ter comprometido a elaboração das propostas

técnica e comercial das licitantes. Assim, entende-se que não foi observado o princípio da

transparência e o princípio da publicidade dos atos administrativos, insculpido no art. 37,

CF/88, bem como no art. 9º, § 4º, da Lei 8.666/93, que determina a publicação de alterações,

no edital, que possam afetar a formulação das propostas.

3 Violação ao art. 3º, II, da Lei 10.520/02 — limitação da concorrência

A fls. 670, este órgão técnico entendeu que a Administração Pública, utilizando-

se da modalidade pregão para a aquisição de bens e serviços comuns, deveria ater-se,

principalmente, na compra mais econômica, segura e eficiente, conforme dispõe o art. 3º do

Decreto Estadual n. 42.408/02, não cabendo para esta modalidade de licitação exigências

excessivas quanto à técnica.

Em defesa, a pregoeira afirmou que todos os atos praticados tiveram como único objetivo

assegurar a participação do maior número possível de concorrentes sem prejuízo da

qualidade desejada para o equipamento. A Administração procedeu às alterações que

pudessem especificar as exigências técnicas do equipamento a ser adquirido e de forma a

proporcionar melhor entendimento às necessidades operacionais, como também, possibilitar

seu fornecimento pelo mercado nacional sem necessidade de importação. Afirmou, ainda,

que as especificações exigidas eram, inequivocadamente, usuais no mercado e foram fixadas

de forma objetiva e clara no instrumento convocatório.

A defesa apresentada pela Diretora da Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças

afirmou a fls. 917 que o objeto adquirido está de acordo com as necessidades do comprador,

acorde com as especificações editalícias e o preço é condizente com o praticado no mercado.

Análise: observa-se que, devido aos pedidos de esclarecimentos, a Administração Pública optou

por retificar as especificações técnicas do objeto da licitação a fim de dirimir dúvidas acerca

das exigências necessárias relativas ao equipamento licitado.

O representante se limitou a alegar que as especificações técnicas restringem a competitividade.

Não apontou qual exigência especificadamente faz com que o número de participantes diminua

ou qual característica restringe o objeto diferenciando-o daqueles disponíveis no mercado.

Conforme se observa a fls. 687-709, a Diretoria de Informática conseguiu identificar vários

notebooks com a configuração similar à exigida no objeto.

Assim, diante da necessidade de especificação solicitada nos pedidos de esclarecimentos e

ainda, diante da identificação dos equipamentos compatíveis com aquele do objeto do edital

feita pela Diretoria de Informática, entende este órgão técnico que a representação não merece

prosperar quanto à irregularidade apontada.

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4 Da negativa do direito de recorrer — ofensa ao art. 5º, LV, CF/88

Na análise a fls. 674 este órgão técnico entendeu que seria ilegal a negativa da Administração Pública em não receber o recurso interposto, tendo em vista que este foi tempestivo e motivado, conforme determina a legislação pertinente.

A pregoeira afirmou que as questões suscitadas pelo representante, no momento de manifestação da intenção de interposição de recurso, já haviam sido exaustivamente analisadas na sessão do certame. Afirmou que ao pregoeiro compete avaliar se a motivação e o motivo são ou não aceitáveis, e tendo em vista que a manifestação do representante era de caráter meramente protelatório, não havia fatos que justificassem a admissão do recurso.

A Diretora da Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças alegou que não se vislumbra qualquer resquício de ilegalidade, pois compete ao pregoeiro receber e julgar recurso interposto e, caso se constate infringência ao princípio de vinculação ao instrumento convocatório e/ou da isonomia, tem o poder-dever de desclassificar o licitante que desatendeu as exigências editalícias.

Análise: este órgão técnico verificou, ao examinar a cópia da Ata de realização do Pregão Eletrônico, a fls. 616-630, que ficou consignada a informação de que os fornecedores Drive A Informática Ltda. e Exccel.com Informática manifestaram a intenção de interpor recurso, que foi negada pelo pregoeiro.

Conforme legislação atual, declarado o vencedor do certame, qualquer licitante poderá interpor recurso contra ato ou decisão do pregoeiro que julgue ser ilegal e lhe tenha prejudicado. Para isso, a lei exige a manifestação imediata e motivada do licitante que pretende recorrer.

Compete ao pregoeiro a verificação do preenchimento dos pressupostos para a admissibilidade do recurso. No entanto, não cabe ao pregoeiro avaliar, no exercício de sua competência, se o erro ou a ilegalidade apontada é procedente e determinante para a modificação do ato impugnado. Essa análise envolve o próprio mérito da razão recursal e somente poder ser decidida pela autoridade superior.

Aqui cabe diferenciar motivo de motivação. Motivo é o acontecimento fático que autorizou ou determinou a realização do ato. Já motivação é a exposição desse fato e das justificativas de direito que ensejaram a prática do ato. Ao pregoeiro compete verificar a existência de motivo e não a procedência do mérito que envolve a motivação. O ato de análise da existência de motivação que ampara a intenção de recorrer se distingue do ato de julgamento do mérito dessas razões.

Ressalta-se que no caso dos autos, o recurso visava manifestação contra o desatendimento das exigências técnicas do equipamento ofertado pela vencedora e contra a desclassificação da empresa representante.

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O Tribunal de Contas da União registrou, no Acórdão n. 3.151/2006 — 2ª Câmara, a necessidade de o pregoeiro exercer o juízo de admissibilidade acerca das manifestações de intenção de recorrer que lhe são apresentadas. Ficou gravado no voto do Ministro Relator que:

a finalidade da norma é permitir ao pregoeiro afastar do certame licitatório aquelas manifestações de licitantes que, à primeira vista, revelam-se nitidamente protelatórias seja por ausência do interesse de agir, demonstrada pela falta da necessidade e da utilidade da via recursal, seja por ausência de requisitos extrínsecos como o da tempestividade.

Em outra oportunidade, no Acórdão n. 287/2008 — Plenário, o Tribunal de Contas da União apontou como irregularidade o

desrespeito, na fase recursal da licitação, aos princípios da ampla defesa e do contraditório assegurados constitucionalmente, uma vez que todas as intenções de interposição de recurso apresentadas pelas licitantes foram sumariamente denegadas, [...].

Como se vê, não é possível confundir o exercício do ato de exame de admissibilidade que incumbe ao pregoeiro exercer no momento da manifestação da intenção de recorrer pelos licitantes, com a prática do julgamento do mérito das razões recursais. E ainda, ressalta-se que o pregoeiro negou o direito de interposição de recurso das duas empresas que se manifestaram nesse sentido.

Assim, entende este órgão técnico que a negativa da Administração Pública em receber os recursos interpostos, uma vez que tempestivos e motivados, eivou de vício o certame. Os licitantes participantes têm direito fundamental, assegurado constitucionalmente, de interpor recurso, bastando que o faça na forma prevista em lei. Entende-se, ainda, que a pregoeira insurgiu em ilegalidade quando decidiu de plano o mérito da questão suscitada na interposição do recurso pelo licitante, ora representante.

5 Violação ao princípio da isonomia — tratamento diferenciado aos licitantes

Este órgão técnico, em parecer anterior, entendeu que houve afronta ao princípio da isonomia, durante a condução do certame, uma vez que a pregoeira agiu de maneira diferenciada para com os licitantes. Observou que a pregoeira atendeu à solicitação de impugnação da licitante Cimcorp, suspendendo a sessão para realização de diligência quanto ao produto ofertado e agiu de maneira diversa na apreciação da solicitação de impugnação do representante.

A pregoeira afirmou que, conforme se depreende da ata da sessão, a fls. 443-457 do processo licitatório, foram consideradas todas as alegações dos participantes em relação ao produto ofertado. E, ainda, afirmou que os documentos apresentados pela Cimcorp demonstraram o atendimento aos requisitos fixados no instrumento convocatório. Diferentemente da não conformidade do aparelho ofertado pelo representante, o fornecimento de adaptadores ao

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equipamento da Cimcorp atendeu ao edital, sem prejudicar sua usabilidade e o atendimento às necessidades para o qual estava sendo adquirido.

A Diretora da Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças alegou em sua defesa que para os equipamentos serem submetidos ao aceite técnico é condição sine qua non que tenham sido atendidos os requisitos do edital, fato este que inocorreu com os equipamentos da denunciante. Asseverou que os equipamentos são primeiramente aprovados com base na verificação da conformidade entre o edital e os documentos e informações prestadas pelo licitante. Uma vez aprovados, são submetidos ao aceite técnico. Assim, se os equipamentos do representante tivessem sido aprovados, teriam sido submetidos ao aceite técnico também.

Análise: da ata da sessão, a fls. 616-630, depreende-se:

Pregoeiro: 11:56:35 — A partir da análise dos documentos e da especificação técnica, consideramos o fornecedor habilitado.

[...]

Licitante: 11:57:39 — Sr. Pregoeiro, peço que verifique antes de considerar o vencedor pois o equipamento não atende, pois SXGA+wide não é o mesmo que WXGA.

[...]

Pregoeiro: 11:58:37 — Os técnicos estão analisando seu questionamento.

[...]

Pregoeiro: 11:59:33 — Senhores, para que possamos definir vou abrir diligência e retornaremos às 14:00 horas, ok?

[...]

Pregoeiro: 14:15:27 — Senhores Fornecedores, com base nas informações prestadas pela área técnica constata-se que o equipamento ofertado pelo fornecedor 4.314 realmente não atende aos requisitos do edital, a saber: monitor com tecnologia WXGA e relação de aspecto 16:10.

[...]

Pregoeiro: 14:16:30 — Por esta razão, declaro a proposta do fornecedor 4.314 reprovada no exame de aceitabilidade e, consequentemente, desclassificada.

[...]

Pregoeiro: 14:21:40 — Fornecedor 92.698, gentileza encaminhar a especificação do produto e demais documentos por meio do fax n. 3217-6411.

[...]

Representante: 15:28:23 — Sr. Pregoeiro, gostaria de atenção especial nos seguintes itens da proposta do licitante 92.698:

A) Item 3.4: Interface 802.11b/g integrada, com suporte a taxas de transferência de até 54Mbps. O fabricante possui interface 802.11 a/g, diferente do solicitado no edital.

B) Item 3.5: Solicitado saída S-vídeo, que no catálogo técnico não foi encontrada tal característica.

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C) Item 5.2: O teclado solicitado no edital é do tipo ABNT 2. Essa confirmação não pode ser obtida junto ao catálogo técnico retirado no site.

Pregoeiro: 15:30:02 — A saída S-vídeo foi encontrada na página 31 do catálogo.

Pregoeiro: 15:30:40 — A interface está na página 2.

[...]

Pregoeiro: 15:32:50 — Após análise dos documentos e especificações técnicas, declaro vencedor o proponente 92.698.

[...]

Pregoeiro: 15:33:57 — O aceite técnico compete à Secretaria e poderá ser acompanhado.

Representante: 15:34:28 — Sendo assim, poder-se-ia ter procedido da mesma forma e remetido o nosso equipamento para o aceite técnico.

[...]

Pregoeiro: 15:35:13 — As análises foram feitas da mesma forma. Contudo, os documentos não comprovaram o atendimento às especificações.

[...]

Representante: 15:37:26 — Se a proposta deles está sendo aceita baseada na possibilidade de aceite técnico existe uma prática diferenciada [...] por favor, esclareça-nos!

[...]

Pregoeiro: 15:37:54 — Os senhores não conseguiram comprovar o atendimento às especificações e foram dadas todas as oportunidades.

[...]

Pregoeiro: 15:39:10 — Conforme previsto no edital todos os equipamentos serão objeto de aceite técnico, além do teste de desempenho na amostra.

Cumpre-nos observar que primeiramente há a avaliação da especificação técnica, realizada pelo pregoeiro e pelos técnicos que participam da sessão. Após a constatação de que a especificação técnica da proposta cumpre as exigências do edital, e da aprovação da proposta do vencedor, é que a Secretaria procede ao aceite técnico e é realizado o teste de desempenho na amostra.

Entende-se que a condução dos trabalhos, em pregão eletrônico, é atribuição do pregoeiro, e que a ele cabe orientar os licitantes participantes, bem como decidir qual a melhor maneira de resolver fatos novos que venham a ocorrer durante a sessão eletrônica, de acordo com os interesses públicos e diretrizes da lei. Entretanto, cumpre-nos observar que o pregoeiro agiu com maior rigor ao apreciar a impugnação feita pela Cimcorp ao produto apresentado pela representante.

Além de paralisar a sessão para verificar a compatibilidade do produto da representante, a pregoeira justificou que referido produto não atendeu ao edital segundo informações prestadas pela área técnica. Quando da apreciação da impugnação da representante, que apontou três itens de desconformidade do produto ofertado pela Cimcorp, a pregoeira se limitou a informar

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a página do catálogo referente ao cumprimento de dois desses itens. E, declarou a Cimcorp vencedora sem justificar o atendimento aos pontos questionados pela representante. Assim, conclui-se que realmente existiu tratamento diferenciado quanto à avaliação da documentação da especificação técnica das licitantes.

A própria pregoeira afirma a fls. 743 que:

Por outro giro, os documentos apresentados pela empresa Cimcorp demonstraram o atendimento aos requisitos fixados no instrumento convocatório. Diferentemente da não conformidade do equipamento ofertado pela Representante, o atendimento aos requisitos 3.4 e 3.5 poderiam ser cumpridos mediante fornecimento de adaptadores, sem prejudicar a usabilidade do equipamento e o atendimento às necessidades para o qual estava sendo adquirido.

[...]

Além disso, não havia qualquer restrição no edital acerca da possibilidade de atendimento por meio de adaptadores.

Com relação ao requisito 3.5, como dito anteriormente, é um requisito que poderia ser atendido mediante oferta de um adaptador, o qual seria verificado quando do processo de aceite técnico do equipamento, pois se destina a conectar o notebook a um aparelho de TV ou Projetor Multimídia.

[...]

O Aceite Técnico era um procedimento previsto no edital, sendo aplicável a qualquer que fosse o vencedor. Contudo, os documentos apresentados na sessão pela Representante comprovaram não só o descumprimento do requisito 7.1 — ‘relação de aspecto 16:10 como a impossibilidade de adaptação do equipamento para uma possível avaliação na fase do Aceite Técnico.’

Em sua defesa, a pregoeira afirma que a possibilidade de atendimento do produto mediante a oferta de um adaptador seria verificada quando do aceite técnico do equipamento. Após, afirma que o produto ofertado pela representante não era apto à adaptação. Cumpre-nos observar que, para a utilização do equipamento ofertado pela Cimcorp foi necessário o uso de adaptadores. Assim, constata-se, mais uma vez, violação ao princípio da isonomia, tendo em vista que a compatibilidade de adaptador foi observada da seguinte forma: no equipamento da representante, durante a sessão; e no equipamento da Cimcorp, durante o aceite técnico.

6 Inadequação da proposta vencedora às especificações técnicas do edital

Em análise anterior este órgão técnico entendeu que os autos poderiam ser encaminhados à Diretoria de Informática desta Corte de Contas para que esta fornecesse subsídios quanto à exigência de especificações técnicas especializadas e verificasse se o equipamento fornecido pelo adjudicatário era condizente com as características técnicas necessárias à plena execução do objeto.

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A Administração Pública alegou que

os documentos apresentados pela licitante vencedora durante a sessão demonstraram à Pregoeira e equipe técnica de informática da SEF, envolvidas no certame, o atendimento aos requisitos fixados no edital, inclusive no que refere à viabilidade de eventuais adaptações não vedadas no edital.

Análise: quanto ao item em análise, a Diretoria de Informática concluiu que

chegamos à conclusão que a configuração adquirida está de pleno acordo com os parâmetros técnicos exigidos no processo licitatório. Quanto aos preços, comparamos a especificação técnica do edital com aquelas contratadas nos periódicos anexos e podemos informar que os notebooks com a configuração similar ou mais próxima existentes no mercado daquele tempo, estão também com valores compatíveis aos equipamentos adquiridos.

Portanto, não se vislumbra irregularidade quanto ao ponto em análise.

Conclusão: por todo o exposto, após a análise das defesas entende este órgão técnico, s.m.j., que o edital possui as seguintes irregularidades:

— ofensa ao princípio da transparência e o princípio da publicidade dos atos administrativos, insculpido no art. 37, CF/88, bem como no art. 9º, § 4º, da Lei n. 8.666/93, que determina a publicação de alterações, no edital, que possam afetar a formulação das propostas;

— negativa da Administração Pública em receber os recursos interpostos, uma vez que tempestivos e motivados;

— violação ao princípio da isonomia, tendo em vista o tratamento diferenciado aos licitantes quanto à avaliação da documentação acerca da especificação técnica das licitantes e à verificação de compatibilidade de adaptador.

Assim, considerando-se que foi atendido o princípio da ampla defesa, entende-se, s.m.j., que a denúncia pode ser julgada parcialmente procedente, tendo em vista as irregularidades apontadas acima, que ferem o princípio da legalidade e da isonomia.

Destaca-se, por fim, que as responsáveis pelas irregularidades apuradas são a Sra. Cláudia Ribeiro de Souza, pregoeira, e a Sra. Helenice Machado Mendes Ruthowski, Diretora da Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças.

À consideração superior,

CAEL/DAEEP, 10 de maio de 2010.

Karla da Costa Martins

Técnica do Tribunal de Contas

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Índices

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISoutubro | novembro | dezembro 2010 | v. 77 — n. 4 — ano XXVIII

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

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Administração pública

contratação

segurança privada, 1/2010, 79

temporária

aprendiz, 1/2010, 143

controle interno

deficiências, 2/2010, 209

Agente de saúde

seleção pública, 1/2010, 210

Agente político

conceito, 2/2010, 167; 3/2010, 77

despesa

combustível, 3/2010, 215

remuneração

fixação

princípio da anterioridade, 3/2010, 77

recomposição, 4/2010, 197

ver também Prefeito, Vice-Prefeito, Vereador, Secretário Municipal

ALEXY, Robert

crítica e interpretação, 4/2010, 94

Alienação

bens públicos, 2/2010, 147; 4/2010, 169, 202

Alistamento militar

despesas

recursos municipais, 1/2010, 138

ANDRADE, Carlos Drummond de

homenagem, 1/2010, 8

Aposentadoria

servidor público

complementação, 2/2010, 97

ÍNDICE DE ASSUNTO

REVISTAS DE 2010

Remete ao número da página

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especial, 4/2010, 214

proporcional

EC 41/03, 2/2010, 187

registro do ato

princípio da proteção da confiança, 3/2010, 121

Aprendiz

contratação temporária, 1/2010, 143

Associação sem fins lucrativos

subvenção social, 4/2010, 193

Ato administrativo

controle judicial, 3/2010, 69

convalidação

pagamento irregular, 3/2010, 29

impugnação

Argentina, 4/2010, 125

Ato normativo

inconstitucionalidade, 2/2010, 197; 4/2010, 182

Bens públicos

imóveis

concessão de uso, 4/2010, 202

doação, 4/2010, 202

móveis

alienação

receita, 2/2010, 147; 4/2010, 169

Bolsa de estudo

estudantes carentes

instituição privada

ensino superior, 1/2010, 192

Câmara Municipal

saldo em caixa

devolução antecipada

contabilidade central, 1/2010, 184

limite de despesas

EC n. 58/2009, 3/2010, 136

Cargo público

ver Concurso público

Cemig

edital de licitação

anulação, 4/2010, 277

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REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

287

Índi

ce d

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ssun

to R

evis

tas

2010

Chefe de gabinete

servidor público, 2/2010, 167

Concurso público

cargos, n. esp./2010, 176

exceção à criação de cargos por lei, n. esp./2010, 180

requisitos e exigências, n. esp./2010, 101, 182

controle externo

tribunal de contas, n. esp./2010, 68

desempate, n. esp./2010, 196

edital

disposições gerais, n. esp./2010, 174

normas, n. esp./2010, 29, 56

entrevista/temas diversos, n. esp./2010, 13

fase interna, n. esp./2010, 153

história, n. esp./2010, 68, 101

inscrição n. esp./2010, 158

estrangeiro, n. esp./2010, 165

período, n. esp./2010, 158

requisitos, n. esp./2010, 101

taxas, n. esp./2010, 159

vícios, n. esp./2010, 164

isonomia constitucional, n. esp./2010, 68

jurisprudência

STF, n. esp./2010, 215

STJ, n. esp./2010, 243

TCEMG, n. esp./2010, 151

legislação estadual/MG, n. esp./2010, 289

legislação federal, n. esp./2010, 273

nomeação, n. esp./2010, 200

direito subjetivo, n. esp./2010, 86

jurisprudência, n. esp./2010, 86, 200

legislação, n. esp./2010, 86

pessoa portadora de deficiência

reserva de vaga, 1/2010, 148; n. esp./2010, 43, 167

posse, n. esp./2010, 205

impedimento, n. esp./2010, 202

prova, n. esp./2010, 186

publicidade, n. esp./2010, 156

recursos, n. esp./2010, 194

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

288

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regime jurídico, n. esp./2010, 68, 101

resultado, n. esp./2010, 198

títulos, n. esp./2010, 56

proporcionalidade, n. esp./2010, 56

vagas, n. esp./2010, 174

validade, n. esp./2010, 199

Conselho

tribunais de contas, 4/2010, 36

Conselho Tutelar Municipal

membros

férias remuneradas, 2/2010, 162

Consórcio de empresas

licitação, 2/2010, 259

Constituição

estado democrático de direito

sociedades plurais, 4/2010, 111

Consulta

n. 727.090, 1/2010, 154

n. 748.042, 1/2010, 166

n. 751.530, 1/2010, 174

n. 764.324, 2/2010, 122

n. 768.044, 1/2010, 186

n. 774.962, 2/2010, 162

n. 780.944, 4/2010, 169

n. 783.090, 1/2010, 180

n. 783.098, 2/2010, 171

n. 790.436, 1/2010, 143

n. 793.762, 2/2010, 147

n. 794.728, 2/2010, 187

n. 797.154, 2/2010, 139

n. 801.069, 1/2010, 192

n. 803.574, 3/2010, 142

n. 809.069, 3/2010, 204

n. 809.485, 1/2010, 184

n. 809.491, 1/2010, 160

n. 809.494, 2/2010, 182

n. 810.007, 1/2010, 135

n. 810.915, 1/2010, 138

n. 811.245, 2/2010, 167

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2010

n. 811.256, 4/2010, 197

n.811.842, 4/2010, 193

n. 811.970, 3/2010, 136

n. 811.980, 3/2010, 174

n. 812.005, 3/2010, 180

n. 812.227, 3/2010, 184

n. 812.412, 4/2010, 160

n. 812.445, 3/2010, 188

n. 812.465, 4/2010, 218

n. 812.510, 4/2010, 173

n. 812.556, 3/2010, 208

n. 833.225, 3/2010, 139

n. 833.284, 3/2010, 198

n. 835.894, 4/2010, 202

n. 836.952, 4/2010, 208

n. 836.967, 4/2010, 214

Contrato

n. 133.611, 1/2010, 195

Contrato administrativo

Argentina, 4/2010, 125

nulidade absoluta

violação

contraditório, 4/2010, 187

prorrogação, 3/2010, 139

ver também Licitação

Contrato de serviço

ver Licitação — contratação

Contrato de trabalho por prazo determinado

jovem aprendiz, 1/2010, 143

Controlador

cargo de, 2/2010, 167

servidor público, 2/2010, 167

Convênio

n. 159.896, 4/2010, 224

n. 650.405, 4/2010, 149

secretaria estadual/ município

prestação de contas

não apresentação, 2/2010, 115

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Credenciamento

serviço médico

prefeitura municipal, 3/2010, 174

Crédito especial

abertura

recursos financeiros

indicação, 3/2010, 198

Crédito suplementar

abertura

recursos financeiros

regime previdenciário municipal, 1/2010, 160

Decisão judicial

técnica da ponderação, 4/2010, 94

Delegação com parâmetros

agência reguladora , 4/2010, 29

Democracia/Constitucionalismo

aplicação

direitos fundamentais, 4/2010, 111

Denúncia

n. 803.343, 2/2010, 197

DERRIDA, Jacques

crítica e interpretação, 4/2010, 94

Despesa de pessoal

servidor público

definição, 1/2010, 166

imposto de renda, 4/2010, 160

limite, 1/2010, 166

reajustamento salarial, 4/2010, 160

Direito de recorrer, 1/2010, 103

Direitos humanos

relação

sistema tributário, 1/2010, 119

Direitos sociais

proibição de retrocesso, 3/2010, 45

reserva do possível, 3/2010, 45; 4/2010, 39

Discricionariedade

administrativa, 3/2010, 69

técnica, 3/2010, 69

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2010

Edital de concurso público

n. 805.518, 1/2010, 148

Edital de licitação

função regulamentar, 2/2010, 39

Empenho

vias arquivadas, 1/2010, 160

Ensino

percentuais gastos

despesas de exercícios anteriores, 1/2010, 219

despesas inscritas em restos a pagar,1/2010, 219

ver também Fundeb

Entrevista

BARROSO, Luís Roberto, 2/2010, 13

CANOTILHO, José Joaquim Gomes, 4/2010, 21

CARVALHO, Kildare Gonçalves, 3/2010, 13

CARVALHO FILHO, José dos Santos, 4/2010, 29

MARQUES, Alceu José Torres, 1/2010, 21

SANTANA, Jair Eduardo, n. esp./2010, 13

Esgoto sanitário

tarifa

usuário de baixa renda, 1/2010, 154

Federalismo

Constituição/1988, 4/2010, 74

Fundeb

recursos financeiros

pagamento

abono, 1/2010, 174

férias-prêmio indenizadas, 2/2010, 139

reajuste de remuneração

período eleitoral, 1/2010, 174

serviços de assistência social, 1/2010, 180

Gestor público

falecimento

fiscalização

atos de gestão, 1/2010, 195; 4/2010, 257

Indústria de carne

licitação

habilitação, 3/2010, 267

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

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Isenção tributária

licitante

Minas Gerais

inconstitucionalidade do ato, 2/2010, 197

ISO

exigência de certificação

edital de licitação, 2/2010, 224

Isonomia constitucional

concurso público, n. esp./2020, 68

licitação

violação, 2/2010, 197

Lei de Responsabilidade Fiscal

ver Responsabilidade fiscal

Lei municipal

tranporte de passageiros

inconstitucionalidade, 4/2010, 182

Licença-maternidade

ver Servidor público

Licitação

aquisição

carnes

registro no CRMV, 3/2010, 267

materiais médico-hospitalares, 1/2010, 201

medicamentos, 1/2010, 201

ausência de, 2/2010, 209

consórcio de empresas

limitação do número, 2/2010, 259

contratação

publicidade e divulgação, 4/2010, 154

serviço de informática, 4/2010, 277

serviços gráficos, 4/2010, 277

show, 1/2010, 239

dispensa

despesa de pequeno valor

publicação, 3/2010, 180

regularidade fiscal

comprovação, 4/2010, 208

fracionamento, 3, 254

inexigibilidade

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2010

credenciamento

serviço médico, 3/2010, 174

notória especialização, 3/2010, 226

isenção tributária

anterior ao julgamento das propostas, 2/2010, 197

licitação estadual

inaplicabilidade

decreto federal, 4/2010, 277

qualificação econômico-financeira

exigências, 2/2010, 259; 3/2010, 126

qualificação técnica, 3/2010, 126; 4/2010, 277

regulamentação, 2/2010, 39

regularidade fiscal

documentação, 4/2010, 277

tipo técnica e preço

informática, 4/2010, 277

serviços gráficos, 4/2010, 277

veículo

locação

cadastro no DER/MG, 3/2010, 254

certificado de transporte rodoviário, 3/2010, 254

manutenção

certificação ISO, 2/2010, 224

produto nacional, 2/2010, 224

ver também Pregão, Sistema de registro de preços

LISBOA, Henriqueta

homenagem, 2/2010, 7

Locação

veículo automotor

licitação

fracionamento em lotes, 3/2010, 254

Magistério

piso salarial, 4/2010, 218

plano de carreira, 4/2010, 218

Matéria tributária

norma jurídica, 3/2010, 57

Matriz de risco

auditoria de municípios, 1/2010, 41

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Medicamento

aquisição

licitação, 1/2010, 201

Multa

coerção, 2/2010, 235

intransmissibilidade, 1/2010, 195; 4/2010, 257

Municipalismo, 4/2010, 74

Município

federalização, 4/2010, 74

Norma jurídica

matéria tributária

teoria egológica, 3/2010, 57

teoria de Kelsen, 3/2010, 57

ONU

pesquisa

sistema tributário e direitos humanos, 1/2010, 119

Oscip

parceria com município

serviço de saúde, 2/2010, 182

Organização Civil de Interesse Público

ver OSCIP

PALMÉRIO, Mário de Ascenção

homenagem, 3/2010, 7

Parecer prévio

competência, 4/2010, 51

conceito, 4/2010, 51

natureza, 4/2010, 51

transparência, 4/2010, 51

Pedido de Reexame

n. 768.754, 2/2010, 143

n. 769.640, 2/2010, 219

Plano de saúde

contratação

Câmara Municipal, 2/2010, 122

Poder judiciário

controle

atos discricionários, 3/2010, 69

Poder regulamentar, 2/2010, 39

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2010

Prefeito

atividade profissional privada, 3/2010, 184

remuneração

fixação

princípio da anterioridade, 3/2010, 77

Pregão

atos regulamentares, 2/2010, 39

Pregão presencial

único licitante

princípio da competitividade, 4/2010, 249

Prescrição

processo de controle externo, 4/2010, 149, 224

Prestação de contas municipal

n. 781.887, 4/2010, 244

n. 782.623, 2/2010, 135

aprovação

princípio da verdade material, 4/2010, 244

gestor falecido

julgamento das contas, 4/2010, 257

responsável

omissão, 2/2010, 115

prescrição, 4/2010, 149, 224

rejeição, 2/2010, 135

reforma da decisão

princípio da insignificância e razoabilidade, 2/2010, 219

uniformização posterior ao exame do ato, 2/2010, 143

técnica de análise seletiva, 1/2010, 41

Previdência social

regime próprio

normas, 2/2010, 97

Processo Administrativo

n. 697.917, 3/2010, 215

n. 701.613, 3/2010, 226

n. 701.635, 1/2010, 201

n. 712.342, 4/2010, 182

n. 715.980, 2/2010, 209

Procurador

cargo de, 2/2010, 167

servidor público, 2/2010, 167

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Procurador-Geral de Justiça — MG

entrevista, 1/2010, 21

Produto nacional

exigência

objeto licitado, 2/2010, 224

Professor

aposentadoria especial

mandato eletivo, 4/2010, 214

Professor de ensino fundamental

abono

período eleitoral, 1/2010, 174

remuneração

reajuste

período eleitoral, 1/2010, 174

Proibição de retrocesso social

ver Direitos sociais

Publicidade governamental

legislação

Argentina, 3/2010, 103

licitação, 4/2010, 154

Qualificação profissional

títulos

concurso público, n. esp./2010, 56

Rádio comunitária

subvenção social, 4/2010, 193

Recurso de Revisão

n. 734.672, 3/2010, 121

Recurso Ordinário

n. 796.118, 4/2010, 187

n. 812.449, 3/2010, 126

n. 837.515, 4/2010, 154

Recursos

justificação

direito de recorrer, 1/2010, 103

Reparação do dano

falecimento do gestor

responsabilidade, 4/2010, 257

Reserva do possível

ver Direitos sociais

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2010

Responsabilidade fiscal

controle, 2/2010, 77

Lei de Responsabilidade Fiscal

conceitos, 2/2010, 77

projeto de lei

Lei de Qualidade Fiscal, 2/2010, 77

Restos a pagar

contabilização, 1/2010, 219

Salário-educação

aplicação de recursos

merenda escolar, 1/2010, 186

história, 1/2010, 186

legislação, 1/2010, 186

Secretário municipal

remuneração

fixação

princípio da anterioridade, 3/2010, 77

Segurança privada

contratação

administração pública, 1/2010, 79

regime jurídico, 1/2010, 79

Serviço de saúde

iniciativa privada

complementação, 2/2010, 182; 3/2010, 204

percentuais gastos

despesas de exercícios anteriores, 1/2010, 219

despesas incluídas em restos a pagar, 1/2010, 219

Serviço público

acesso

legitimidade, n. esp./2010, 29

eficiência, n. esp./2010, 29

Serviço social escolar

recursos financeiros

Fundeb, 1/2010, 180

Servidor público

cargo de

chefe de gabinete, 2/2010, 167

controlador, 2/2010, 167

procurador, 2/2010, 167

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férias-prêmio

conversão em espécie, 4/2010, 169

licença-maternidade

prorrogação, 3/2010, 208

plano de saúde, 2/2010, 122

ver também Aposentadoria, Despesa de pessoal

Sistema de registro de preços

cotação

princípio da maior competitividade, 3/2010, 188

regulamentação, 2/2010, 39

Sistema eleitoral

entrevista

CARVALHO, Kildare Gonçalves, 3/2010, 13

Sistema tributário

relação

direitos sociais, 1/2010, 119

Terceirização

administração pública

atividades-fim, 2/2010, 171; 3/2010, 226

atividades-meio, 2/2010, 171

Tomada de Contas Especial

n. 737.734, 2/2010, 115

convênio

prestação de contas

não apresentação, 2/2010, 115

Transporte municipal de passageiro

competência legislativa, 4/2010, 182

Tribunal de Contas

auditoria de municípios

matriz de risco, 1/2010, 41

competência normativa, 2/2010, 235

controle externo

concurso público, n. esp./2010, 68

eficácia das decisões, 2/2010, 66; 235

multa coercitiva, 2/2010, 235

parecer prévio

competência, 4/2010, 51

Tribunal de Contas — Minas Gerais

ato normativo

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2010

apreciação da constitucionalidade, 2/2010, 197

concurso público

jurisprudência, n. esp./2010, 151

julgamento de contas

gestor falecido

multa coercitiva, 2/2010, 235

prescrição, 4/2010, 149, 224

Tribunal de Contas — Minas Gerais — Noticiário

Presidente

avaliação

exercício 2009, 1/2010, 15

exercício 2010, 4/2010, 13

VASCONCELOS, Agripa Ulisses de

homenagem, 4/2010, 7

Vereador

despesas

combustível, 1/2010, 135; 3/2010, 215; 4/2010, 169, 173

homenagens a familiares, 4/2010, 173

remuneração

EC 19/98

décimo terceiro salário, 3/2010, 142

recomposição, 4/2010, 169

Vice-Prefeito

remuneração

fixação

princípio da anterioridade, 3/2010, 77

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300300

ÍNDICE DE AUTOR

REVISTAS DE 2010

Remete ao número da página

ALMEIDA, Reuder Rodrigues Madureira de

Aplicação das astreintes no âmbito dos Tribunais de Contas, 2/2010, 235

ALVES, Henrique Napoleão

Direitos humanos, direito tributário e política fiscal: descrição da experiência dos órgãos das Nações Unidas — reflexões para o Brasil, 1/2010, 119

ANDRADA, Antônio Carlos Doorgal de

Consulta n. 727.090, 1/2010, 154

Consulta n. 793.762, 2/2010, 147

Consulta n. 803.574, 3/2010, 142

Consulta n. 809.491, 1/2010, 160

Consulta n. 811.980, 3/2010, 174

O parecer prévio como instrumento de transparência, controle social efortalecimento da cidadania, 4/2010, 51

Pedido de Reexame n. 768.754, 2/2010, 143

Processo Administrativo n. 712.342, 4/2010, 182

Recurso Ordinário n. 796.118, 4/2010, 187

ANDRADE, Adriene Barbosa de Faria

Consulta n. 774.962, 2/2010, 162

Consulta n. 748.042, 1/2010, 166

Consulta n. 751.530, 1/2010, 174

Consulta n. 811.245, 2/2010, 167

Consulta n. 811.256, 4/2010, 197

Consulta n. 811.842, 4/2010, 193

Consulta n. 812.005, 3/2010, 180

Consulta n. 812.227, 3/2010, 184

ARAÚJO, Florivaldo Dutra de

Concurso público e direito à nomeação: nem tanto ao mar, nem tanto à terra, n. esp./2010, 86

ÁVILA, Wanderley Geraldo de

Palavra do Presidente, 1/2010, 15; 4/2010, 13

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

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BAPTISTA, Isabelle de

A desconstrução da técnica da ponderação aplicável aos direitos fundamentais, proposto por Robert Alexy: uma reflexão a partir da filosofia de Jacques Derrida, 4/2010, 94

BARROS, Laura Correa deO parecer prévio como instrumento de transparência, controle social e fortalecimento da cidadania, 4/2010, 51 Restos a pagar, despesas de exercícios anteriores e fiscalização do cumprimento do percentual mínimo de aplicação de recursos públicos no ensino e na saúde, 1/2010, 219

BARROSO, Luís Roberto

Entrevista, 2/2010, 13

BERNIS, Yeda Prates

Agripa Vasconcelos – realidade e fantasia, 4/2010, 7

BORGES, Maria Cecília Mendes Irregularidades em Edital de Seleção Pública, 1/2010, 210

Princípio da competitividade e a participação de um só licitante em pregão presencial, 4/2010, 249

BRASIL. Leis etc.

Legislação federal: concursos públicos, n. esp./2010, 273

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça

Decisões: concursos públicos, n. esp./2010, 243

BRASIL. Supremo Tribunal Federal

Decisões: concursos públicos, n.esp./2010, 215

CANOTILHO, José Joaquim Gomes

Entrevista, 4/2010, 21

CARRILLO, Santiago R.La impugnación de actos administrativos en el procedimiento de selección del contratista en La República Argentina, 4/2010, 125

CARVALHO, Kildare Gonçalves

Entrevista, 3/2010, 13

CARVALHO, Rachel Campos Pereira deReserva de vagas na administração pública para as pessoas com deficiência: ação afirmativa e concurso público, n. esp./2010, 43

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de

Aspectos relevantes do concurso público, n.esp/2010, 101

CARVALHO FILHO, José dos Santos

Entrevista, 4/2010, 29

CASTRO, Sebastião Helvecio Ramos de

Consulta n. 783.090, 1/2010, 180

Consulta n. 783.098, 2/2010, 171

Consulta n. 809.485, 1/2010, 184

Consulta n. 809.494, 2/2010, 182

Consulta n. 812.445, 3/2010, 188

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REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

Consulta n. 833.284, 3/2010, 198

Consulta n. 835.894, 4/2010, 202

Consulta n. 836.952, 4/2010, 208

A legitimação da escolha das forças da ação administrativa, n. esp./2010, 29

COELHO, Hamilton Antônio

Irregularidades em licitação ensejam aplicação de multa e instauração de Tomada de Contas Especial para apurar eventual dano ao erário, 1/2010, 201

O papel dos Tribunais de Contas na busca da efetividade do controle externo, 2/2010, 66

Pedido de Reexame n. 769.640, 2/2010, 219

Prestação de Contas Municipal n. 781.887, 4/2010, 244

Processo Administrativo n. 701.613, 3/2010, 226

Processo Administrativo n. 701.635, 1/2010, 201

COSTA, Eduardo Carone

Consulta n. 764.324, 2/2010, 122

Consulta n. 810.007, 1/2010, 135

Consulta n. 810.915, 1/2010, 138

Consulta n. 812.412, 4/2010, 160

Convênio n. 650.405, 4/2010, 149

Prestação de Contas Municipal, n.781.887, 4/2010, 244

Recurso de Revisão n. 734.672, 3/2010, 121

Recurso Ordinário n. 812.449, 3/2010, 126

Recurso Ordinário n. 837.515, 4/2010, 154

Tomada de Contas Especial n. 737.734, 2/2010, 115

DINIZ, Gilberto

Consulta n. 768.044, 1/2010, 186

Consulta n. 794.728, 2/2010, 187

Consulta n. 801.069, 1/2010, 192

Consulta n. 809.069, 3/2010, 204

Consulta n. 812.465, 4/2010, 218

Consulta n. 812.556, 3/2010, 208

Consulta n. 836.967, 4/2010, 214

Denúncia n. 803.343, 2/2010, 197

FABRIZ, Daury Cesar

Federalismo, municipalismo e direitos humanos, 4/2010, 74

FERRAZ, Leonardo de Araújo

Breve ensaio sobre a convalidação legislativa de pagamentos irregulares efetuados pela Administração Pública, 3/2010, 29

REVISTA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAISjaneiro | fevereiro | março 2011 | v. 78 — n. 1 — ano XXIX

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FORTINI, Cristiana

Ponderações sobre a prova de títulos nos concursos públicos, n. esp./2010, 56

FUNGHI, Luís Henrique Baeta

Constituição e Democracia: um exercício de patriotismo constitucional, 4/2010, 111

GIFFONI, Luís

Mário Palmério – Minas até os confins, 3/2010, 7

JARDIM, Luanna de Freitas QueirozIrregularidades em edital de licitação: limitação no número de empresas consorciadas e cumulação de exigências para comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes, 2/2010, 259 Restrições à competitividade em edital de licitação para aquisição de carnes, 3/2010, 267

KAUKAL, Luisa Pinho RibeiroObrigatoriedade de se observar o princípio da anterioridade na fixação da remuneração dos agentes políticos municipais: análise do enunciado de Súmula n. 72 do TCEMG, 3/2010, 77

KELLES, Márcio Ferreira

10 anos da Lei de Responsabilidade Fiscal: da idealidade à efetividade , 2/2010, 77

MARCHESANI, Juliana Mara O falecimento do gestor público e a sua repercussão nos processos do Tribunal de Contas mineiro, 4/2010, 257

MARINS, ViniciusContratação de serviços de segurança privada pela administração pública: uma análise à luz da moderna privatização de poderes administrativos, 1/2010, 79

MARQUES, Alceu José Torres

Entrevista, 1/2010, 21

MARTINS, Karla da Costa

Irregularidades em edital de licitação, 4/2010, 277

Restrições à competitividade em edital de licitação para aquisição de carnes, 3/2010, 267

MASCARENHAS, Fernando VilelaBreve ensaio sobre a convalidação legislativa de pagamentos irregulares efetuados pela Administração Pública, 3/2010, 29

MASSARIA, Glaydson Santo SopraniLicitação para locação de veículos leves, utilitários e motocicletas: necessidade de parcelamento do objeto em lotes, 3/2010, 254

MINAS GERAIS. Leis etc.

Legislação estadual: concursos públicos, n. esp./2010, 289

MINAS GERAIS. Tribunal de Contas

Concursos públicos na jurisprudência do Tribunal de Contas, n.esp./2010, 151

MONTEIRO, Délia MaraComplementação dos proventos dos servidores públicos efetivos aposentados pelo Regime Geral de Previdência Social, 2/2010, 97

A legitimação da escolha das forças da ação administrativa, n. esp./2010, 29

MOTTA, Carlos Pinto Coelho

Os efeitos das regulamentações complementares na condução dos pregões, 2/2010, 39

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MOTTA, Fabrício

Direitos fundamentais e concurso público, n.esp/2010, 68

MOURÃO DE OLIVEIRA, Licurgo Joseph

Contrato n. 133.611, 1/2010, 195

Convênio n. 159.896, 4/2010, 224

Matriz de risco, seletividade e materialidade: paradigmas qualitativos para a efetividade das Entidades de Fiscalização Superiores, 1/2010, 41

Processo Administrativo n. 697.917, 3/2010, 215

Processo Administrativo n. 715.980, 2/2010, 209

OLIVEIRA, Paula Cristina Romano de

Obrigatoriedade de se observar o princípio da anterioridade na fixação da remuneração dos agentes políticos municipais: análise do enunciado de Súmula n. 72 do TCEMG, 3/2010, 77

PAZ, Caroline Lima

Obrigatoriedade de se observar o princípio da anterioridade na fixação da remuneração dos agentes políticos municipais: análise do enunciado de Súmula n. 72 do TCEMG, 3/2010, 77

ROCHA, Eduardo Morais da

A norma tributária e sua relação com a Teoria Egológica e a norma jurídica de Kelsen, 3/2010, 57

ROMANO, Olavo

Com Drummond, amar se aprende amando, 1/2010, 8

SALIM, Luciana Foureaux Miranda

Irregularidades na contratação de shows de bandas de música, 1/2010, 239

SANTANA, Jair Eduardo

Entrevista, n. esp./2010, 13

SANTOS, Marina França

Recurso: embaraço ou contributo para a realização da justiça?, 1/2010, 103

SANZ, Agustín A. M. García

El control judicial de la discrecionalidad en la asignación de pautas publicitarias del Estado en la Argentina, 3/2010, 103

SIQUEIRA, Julio Pinheiro Faro Homem de

Da reserva do possível e da proibição de retrocesso social, 3/2010, 45

SOARES, Elmo Braz

Consulta n. 780.944, 4/2010, 169

Consulta n. 790.436, 1/2010, 143

Consulta n. 797.154, 2/2010, 139

Consulta n. 811.970, 3/2010, 136

Consulta n. 812.510, 4/2010, 173

Consulta n. 833.225, 3/2010, 139

Edital de Concurso Público n. 805.518, 1/2010, 148

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Prestação de Contas Municipal n. 782.623, 2/2010, 135

SOARES, Roberta Moraes Raso Leite

Restrições à competitividade em edital de licitação para aquisição de carnes, 3/2010, 267

TERRÃO, Cláudio CoutoIlegalidades relativas a exigências de certificado ISO e de fabricação nacional do objeto licitado. Necessidade de intimação das empresas contratadas para manifestação acerca das irregularidades, 2/2010, 224Reserva de vagas na administração pública para as pessoas com deficiência: ação afirmativa e concurso público, n. esp./2010, 43

TORRES, Edgard Marcelo RochaO controle dos atos administrativos pelos tribunais diante da nova dimensão dos conceitos de discricionariedade técnica e discricionariedade administrativa, 3/2010, 69

VIANA FILHO, Gélzio GonçalvesMatriz de risco, seletividade e materialidade: paradigmas qualitativos para a efetividade dasEntidades de Fiscalização Superiores, 1/2010, 41

VIEIRA, Virginia Kirchmeyer

Ponderações sobre a prova de títulos nos concursos públicos, n. esp./2010, 56

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