revista estradas n° 16
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Revista técnica sobre rodovias, publicada pela Sociedade dos Técnicos Universitários do DAER/RS - SUDAER e pela Sociedade dos Engenheiros Civis do DAER/RS - SECDAER.TRANSCRIPT
1Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
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editorial
www.sudaer.com.br
10 anos! No meio dos veículos impressos alcançar 10 números já é uma vitória. Chegar aos
10 anos de existência é uma conquista e motivo de orgulho, não só para nós que fazemos
a Revista Estradas, mas para todos os engenheiros, técnicos e funcionários do DAER, em
especial, e, também, todos aqueles que colocam o seu conhecimento, a sua dedicação e o
seu esforço, para oferecer à sociedade um infraestrutura rodoviária de qualidade.
Quando lançamos o primeiro número tínhamos a convicção de que a Revista Estradas
surgia para oferecer ao meio rodoviário um instrumento que lhe fazia muita falta: um
canal de comunicação para que o conhecimento e a informação circulassem entre as
instituições, órgãos públicos, empresas e profissionais da área. Um meio para que obras e
trabalhos realizados, pesquisas em desenvolvimento ou concluídas, inovações tecnológicas
fossem compartilhadas, debatidas e assimiladas, integrando esses diversos segmentos e
contribuindo para o crescimento e a qualificação do setor rodoviário.
Assim, a Revista Estradas cresceu e chegou ao seu décimo aniversário. Temos a
convicção de que todo o esforço valeu a pena, pois ela se consolidou, cumpriu seus
objetivos com correção, ética e idealismo. Alcançou o reconhecimento no meio rodoviário e o
respeito de seus leitores e colaboradores. Fez isso a partir da dedicação e comprometimento
dos membros das Comissões Editoriais que se sucederam ao longo desses anos, do apoio
das diretorias da SUDAER e SECDAER, da parceria de seus anunciantes e da colaboração
de todos aqueles que nos prestigiaram enviando seus trabalhos e artigos, compartilhando
seu conhecimento.
O espaço é pequeno para nominar todos aqueles que doaram seu tempo, seu talento
e sua dedicação à Revista Estradas. Assim, lembrando aquela que foi a idealizadora
da Revista e sua maior incentivadora e defensora, a engenheira Sayene Paranhos Dias,
homenageamos e agradecemos a todos. Embora não esteja mais fisicamente entre nós, essa
conquista também é dela. E seu exemplo e entusiasmo é nosso combustível para seguir
mantendo esta estrada aberta e em condições de tráfego.
A lembrança da trajetória e a comemoração das conquistas, no entanto, não nos
fazem esquecer o futuro. Ao completarmos uma década de promoção e divulgação do setor
rodoviário em seu estado da arte, queremos, neste número, debater as perspectivas para a
infraestrutura de transportes na próxima década e que papel os diversos segmentos, que
compõem o setor, deverão desempenhar para fortalecê-lo e valorizá-lo.
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REVISTA ESTRADASISSN 1807-426X
Ano 10 - N° 16 - dezembro 11
Publicação da Sociedade dos Técnicos
Universitários do DAER/ Sociedade dos
Engenheiros Civis do DAER
Av. Borges de Medeiros, 1555 - Prédio Anexo
CEP 90110-150 - Porto Alegre - RS
(51) 3210.5076
SUDAERPRESIDENTEEng. Carlos Alexandre Pinto Toniolo
VICE-PRESIDENTEEng. Aldo Luiz Grassi
SECRETÁRIOEng. Janete Colombo
TESOUREIROEng. Alexandre José Garcia Sório
SECDAERPRESIDENTEEng. Jorge Henrique Vieira Fernandes
VICE-PRESIDENTEEng. Dalton Freitas Garcia
SECRETÁRIOEng. Diná Fernandes
TESOUREIROEng. Raul Carlos Py de Hires
IDEALIZADORAEng. Sayene Paranhos Dias
COMISSÃO EDITORIALEng. Bibiana Cardoso Fogaça
Eng. Christine Tessele Nodari
Eng. Jayme Tonon
Eng. José Augusto de Oliveira
Eng. José Octávio Guimarães Rodrigues
Eng. Marlova Grazziotin Johnston
Eng. Tatiana Gomes Tedesco
JORNALISTA RESPONSÁVELFrancisco Canabarro
Mtb 8569
DIAGRAMAÇÃO E FINALIZAÇÃOJean Grivot
COMERCIALIZAÇÃOPadda Comunicação
(51) 3475.8812 / 7811.9666
sumário
Mensagens dos PresidentesSECDAER 4 SUDAER 6
Ponto de Vista Perspectivas para a infraestrutura de transportes na próxima década 10Segurança viária: o desafio multidisciplinar de uma década menos intuitiva 12Ferrovias 16Transportes e Sustentabilidade: tendência ou modismo? 20Transporte hidroviário no Rio Grande do Sul 26
EntrevistaEng. Luis Antonio LindauA contribuição do transporte para uma cidade mais sustentável. Repensando o espaço urbano. 28
ArtigosReminiscências do DAER-RS e da Revista Estradas (2001) e perspectivas de infraestrutura de transporte e mobilidade urbana (2011/2020) 34
Avaliações da estabilidade e do desempenho de sistemas de proteção de taludes rodoviários em uma encosta litorânea instrumentada 40
Análise estatística de resultados do Indicador da Qualidade dos Pavimentos (IQP) 48
Avaliação do pavimento de concreto em diversas ruas de Curitiba 54
Trabalhos TécnicosO Gerenciamento Ativo de Tráfego e suas possibilidades de aplicação no Brasil 60
Análise da capacidade e nível de serviço em rodovias rurais de pista simples 68
Equipamentos e TecnologiaMicronivelamento em Pavimento de Concreto 76
Resgate HistóricoA Ponte do Guaíba 78
Agenda 83
As informações, os conceitos e as opiniões emitidos nos textos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.
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m 15 de Setembro deste ano, a SECDAER completou
25 anos de existência. Entre as suas finalidades, a
SECDAER foi criada para representar e lutar pela defesa
da valorização e do interesse profissional/funcional de
seus associados, perante os poderes públicos, autoridades
administrativas e judiciais, em qualquer instância e visar
sempre os interesses de toda classe, da comunidade e
do público em geral. Diante de objetivos tão relevantes,
desejamos longa vida a esta entidade e agradecemos a
colaboração de todos os membros ativos e inativos ao
longo de mais de duas décadas .
Estivemos a frente da SECDAER na primeira gestão
com mandato de dois anos – condição imposta pela
alteração estatutária ocorrida na associação. Entendemos
que este período se constituiu numa das fases mais
turbulentas dentro do Departamento Autônomo de Estradas
de Rodagem.
No início de 2010, a queda da Ponte sobre o Rio Jacuí
escancarou as nossas fragilidades na área de conservação
de obras de arte. O DAER possui cerca de 1000 obras
sob sua responsabilidade e o espetáculo de mídia fazia
parecer que todas estavam à beira do colapso. Enquanto
era construída a nova estrutura, procedia-se à perícia
pelo Instituto Geral de Perícias do Estado de RGS e o
inquérito, que apurava as circunstâncias em que ocorrera
o tombamento da estrutura, presidido pela Delegacia de
Polícia Civil de Agudo. O relatório final do inquérito não
apontou nenhuma responsabilidade aos técnicos do DAER
pela tragédia.
Ao longo daquele ano, inúmeros contratos de
conservação de rodovias e construção de novos trechos
eram assinados. Neste sentido, podemos falar o mesmo
quanto às assinaturas de convênios com os municípios.
E naquele momento, através da elaboração da
“Proposta de Melhoria e Modernização do DAER” em 2008,
já havíamos assinalado a ausência de uma estrutura mínima
de fiscalização destes contratos nas Superintendências
Regionais. A falta de pessoal e equipamentos é uma
verdade incontestável dentro do DAER. Tal situação é
fruto do pensamento daqueles que acreditam num Estado
mínimo e que se regozijam de suas ações pródigas ao
esfacelamento do setor público. Aqui não falaremos da
degradação das máquinas ... afinal de contas, estas , nós
posicionamos em qualquer canto ...
Agora, em 2011, fomos surpreendidos pela criação de
uma Força Tarefa agindo dentro do DAER. Não bastando
o constrangimento gerado junto aos servidores, sua ação
coloca sob suspeição o trabalho de longos anos dos
técnicos, que mesmo em condições adversas quanto
aos salários, pessoal e equipamentos, planejamento e
Construindo casas ou pontes, igrejas ou hospitais, pintando, curando doentes, voando ou varrendo as ruas, fazendo política ou amor, morrendo e, porque não, matando, a vida importa somente pela doação que se faz dela, pelo sentido e pela direção.
Geraldo Vandré *
Engº Jorge Henrique Vieira Fernandes Presidente da Sociedade dos Engenheiros Civis do DAER
*Texto extraído da obra Canto Geral, Março de 1968, EMI-ODEON S.A .
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disponibilidade de recursos, nunca se furtaram de suas
responsabilidades.
Sobre esta questão, a SECDAER apóia a apuração
das eventuais ou pontuais irregularidades, no entanto,
entende que o bom resultado das atividades realizadas
pela Força Tarefa não deva se restringir somente à entrega
de um relatório e sim, a junção de esforços por parte dos
integrantes da mesma e do Departamento para coibir a
repetição das inconformidades.
A questão a ser respondida é:
“ Como podemos atuar e desempenhar nossas funções
com as condições atuais ? Qual o caminho ? ”
De qualquer forma, um número considerável de
experientes profissionais continuará exercendo suas
atividades dentro do Departamento nos próximos anos. Sendo
assim, aguardamos um chamamento do Governo do Estado
do RGS para participar da remodelação proposta ao DAER,
conforme notícias veiculadas na imprensa que tratam da
contratação de uma consultora para a elaboração de estudos
a respeito do assunto. Não somos contra as mudanças, no
entanto, é legítimo sermos agentes ativos e participativos
neste processo. Trata-se de um direito que nós temos, assim
como, um dever junto à sociedade que defendemos e com
aqueles profissionais que nos sucederão!
Por outro lado, cumpre-nos destacar neste período,
a visão difundida dentro do Fórum de Infraestrutura
das Entidades de Engenharia que coloca o DAER como
instituição de Estado , distante das inserções políticas
eventuais, dotado de uma gestão com viés de longo prazo
e fundamentada no mérito de nosso qualificado corpo
funcional, seguindo um Plano Rodoviário atualizado com
força de lei.
Dito isso, abordaremos a pertinência do tema
proposto pela Revista Estradas nº 16 “Perspectivas para
a Infraestrutura de transportes 2011-2020”. São aspectos
notórios de fácil percepção, o crescimento atual da economia
no Brasil e o aumento da necessidade de investimentos
em obras de infraestrutura, em função de dois eventos
programados nesta década: a Copa do Mundo de 2014 e os
Jogos Olímpicos de 2016. No tocante às rodovias, em razão
destes empreendimentos, entendemos que o estado precário
de conservação e a manutenção dos trechos existentes
aliados aos custos dos pedágios, constituem-se em
elementos chaves a serem inevitavelmente debatidos dentro
da logística de transportes.
Por fim, em relação à citação inicial de Geraldo
Vandré, acreditamos que aquelas palavras simbolizam
nossa escolha pela Engenharia Civil e pela missão assumida
dentro do DAER, PELO SENTIDO E PELA DIREÇÃO!!!
Saudações Rodoviárias,
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ste ano de 2011 traz contornos muito especiais para
nossas associações. A SUDAER completou 50 anos
de existência em 15 de abril, tendo surgido como a
Sociedade dos Engenheiros do DAER – SEDAER. Veio
depois a associação dos engenheiros civis, hoje com seus
25 anos, da qual o Jorge Fernandes nos traz suas palavras
nesta seção. Em 2001, surge a REVISTA ESTRADAS,
pelo que comemoramos seus 10 anos de existência.
Nossa Revista foi idealizada para ampliar os horizontes
e buscar sustentabilidade na sua publicação, pois
outro veículo da nossa entidade, o Boletim da SUDAER
(depois contando com o apoio também da SECDAER),
não poderia ser mantido com a qualidade exigida de uma
publicação técnica só com recursos próprios. A idéia
sempre foi de ocupar o espaço deixado pelos Boletins do
DAER, publicação oficial da instituição que deixou de ser
editado, visando ser um veículo para trazer informações
para os nossos associados e levar ao meio rodoviário aquilo
que é produzido no DAER em termos de engenharia e
gestão rodoviária.
Por isso, através da Revista Estradas nº 16 e em nome
dos associados e integrantes dos Conselhos Deliberativo
e Fiscal, cumprimentamos a todos aqueles visionários
que perceberam que a melhor coisa a fazer era unir
esforços pela manutenção da prestação de bons serviços
à sociedade gaúcha pelo DAER, com a valorização do
quadro de servidores em todos os níveis e da engenharia
rodoviária do estado, pautando sua atuação pela técnica e
planejamento de longo prazo, assim como a todos os que os
sucederam, empunharam as mesmas bandeiras e conduziram
as entidades até aqui. Àqueles que integraram as Comissões
Editoriais da Revista ao longo desses 10 anos, e àqueles que
iniciaram a publicação do Boletim, nossos cumprimentos
especiais pelo trabalho realizado, sempre num crescente,
exigindo um trabalho minucioso de idealização, seleção de
matérias e elaboração de cada edição. Ao nosso jornalista
Francisco, incansável na busca de parceiros e muitas vezes
fazendo o “meio de campo” entre a comissão editorial
e as Juntas Executivas da SUDAER e SECDAER, nossos
cumprimentos e agradecimento pelo trabalho realizado.
Cumprimentos e agradecimentos aos nossos parceiros que
acreditaram todo este tempo na Revista, apresentando seus
trabalhos e artigos que só enriqueceram nosso veículo, bem
como aos anunciantes que se apresentam para o mercado
e ajudam na efetivação de cada edição. Quem puder reler a
edição nº 12, alusiva ao aniversário de 70 Anos do DAER,
encontrará no texto “A força de um movimento”, de autoria do
associado e ex-Diretor-Geral Élio Seganfredo, um breve resumo
dos motivos que levaram à criação da então SEDAER. Percebe-
se que ainda hoje as motivações daquela época são atuais.
No tocante às atividades desenvolvidas pelas
associações, fazemos um resgate do que foi trabalhado
desde 2008, quando na Revista nº 13 os então Presidentes
Ana Paula e Toralles, referiram a nossa mobilização na luta
contra a alteração da lei nº 11.090 no tocante à formação
exigida do ocupante do cargo de Diretor-Geral, e a elaboração
do trabalho “Proposta de Melhoria e Modernização do
DAER”. Em 2009 continuamos mobilizados, juntamente
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Engº Carlos Alexandre Pinto Toniolo Presidente da Sociedade dos Técnicos Universitários do DAER
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com o SISDAER, contribuindo na elaboração do plano
de reestruturação administrativa do Departamento e
do plano de cargos e salários. Foram muitas propostas,
discussões, reuniões, assembléias, planilhas de salários e
repercussão financeira, expectativas frustradas, risco de
reajustes ridículos na faixa de 3 a 4%, prazos longínquos
para implementação das tabelas finais, reuniões no
GAE quase no fim do prazo, enfim, diversas alternativas
de encaminhamento que culminaram em projetos com
resultados possíveis no momento, especialmente pela maior
recuperação dos vencimentos do nível médio, ainda que
o nível superior ficasse com o básico abaixo do mínimo
profissional. A necessidade de encaminhamento dos projetos
para a Assembléia Legislativa e sua aprovação nos levou a
fazer visitas à Casa Civil, aos líderes de bancadas e outros
deputados para informar da urgência dos projetos e o apoio
dos servidores, visando aprová-los antes do início do período
eleitoral, sem o que não receberíamos reajustes em 2010. E
conseguimos o reajuste em uma parcela no próprio mês de
abril e a GPR parcial até a sua regulamentação. No dia da
votação, a participação dos técnicos e servidores do DAER
foi decisiva, lotando as galerias do plenário da AL. E o ano
seguiu com a implantação da nova estrutura administrativa,
em especial das novas Diretorias e Superintendências na
sede, mas outro governo terminou sem que fosse concluído o
Regimento Interno, que daria forma ao restante da estrutura
administrativa. Sem ele, continuamos com boa parte dos
problemas apontados em 2008.
Mas o ano de 2011 nos guardava um “tsunami” de
denúncias de irregularidades e também de um governo contra
o outro, num claro “terceiro tempo da eleição para o governo
do Estado”, com críticas que atingiam diretamente o corpo
técnico do Departamento. Lembramos que somente depois
das entidades publicarem um apedido na Zero Hora de 05
de abril (ver nota nesta página) é que o tom das críticas
diminuiu, especialmente quanto à generalização de até
então. Mas veio o relatório da Força-tarefa e o que se viu foi
a falta de orientação para os técnicos de como atuar frente
ao documento, vendo-se colegas envolvidos em processos
judiciais sem qualquer sindicância ou manifestação ou
defesa prévia. Em junho, um grupo de 27 técnicos se
reuniu e teve audiências com o Diretor-Geral e o Secretário
de Infraestrutura, aos quais novamente se apresentou o
trabalho com as propostas para o Departamento e pedimos
orientações. O tempo passou e nova mobilização ocorreu em
agosto, desta feita com encaminhamento de um Manifesto
(ver o teor do mesmo no quadro) no dia 23 à direção do
DAER, à SEINFRA, à Casa Civil, ao Governador do Estado,
a diversos outros órgãos do Estado, à Assembléia Legislativa
e a diversas entidades e imprensa, como nosso “grito de
socorro”! Dia 30, ante a falta de informações, protocolamos
novos ofícios e, na segunda quinzena de setembro,
novamente oficiamos os escalões superiores clamando por
orientações. Ao final do mês houve alterações nos titulares da
DG e outras três diretorias, decorrendo um tempo natural de
ajustes das novas equipes, o que nos deixou até o momento
sem uma posição oficial quanto aos nossos ofícios.
Por outro lado, uma das ações propostas em 2008, já
provisoriamente atendida com os contratos emergenciais,
se concretiza com a realização do concurso público para
reposição de pessoal, com provas realizadas em novembro.
É um passo importante, tanto pelo tempo passado desde
o último, como pela condição mais favorável de atração de
interessados, com a atualização havida nos vencimentos, mas
que se mostrará insuficiente em curto prazo, em virtude das
aposentadorias ocorridas nestes últimos anos. Alertamos para
a necessidade de mais nomeações neste concurso além das
vagas indicadas, ou a realização de novo certame em breve.
Mas não podemos ficar parados. Precisamos deixar
as divergências de lado, olhar para um mesmo horizonte
e continuar buscando nossa valorização profissional e
melhores condições para o DAER desempenhar os serviços
exigidos pela sociedade gaúcha que, como há 74 anos atrás,
motivou a criação do Departamento para ser a alavanca do
desenvolvimento do Estado. Várias carreiras do executivo
e outros poderes estão reivindicando reposições salariais.
Temos que voltar à busca de um básico compatível com o
mínimo profissional e uma maior diferença entre os níveis de
progressão horizontal (as letras), de modo a tornar a carreira
mais atrativa durante seu desenvolvimento, entre outras coisas.
Para finalizar, ao chegar ao fim de mais uma gestão
na Presidência, que muito me honrou ser indicado pelos
colegas, gostaria de agradecer àqueles que participaram
das Juntas Executivas pelo apoio, bem como aos membros
dos Conselhos Deliberativos e Fiscais de cada gestão pelo
suporte nas decisões tomadas pela entidade. Aos novos
integrantes que assumirão no próximo ano, os votos de um
trabalho profícuo, com a certeza de que muito ainda há que
se caminhar nas estradas do DAER. Aos nossos dirigentes do
DAER, SEINFRA e Governo do Estado, que aceitem nossa
parceria na reorganização do DAER e consigam os recursos
necessários à plena recuperação desta importante autarquia
para o Estado do Rio Grande do Sul. Que tenham todos um
feliz e abençoado Natal e um ano novo com muita saúde.
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Prezados,
Nós, técnicos do DAER, através das nossas associações SUDAER e SECDAER, há mais de dez
anos vimos discutindo a atuação do nosso Departamento, culminando em 2008 com a elaboração
de uma “Proposta de Melhoria e Modernização do DAER”, na qual foi realizado um diagnóstico
minucioso da situação do Departamento, identificando os problemas e deficiências operacionais, hoje
apontados pela Força Tarefa e que, até o momento, pouco foi considerado.
As deficiências operacionais e de procedimentos persistem e muitas delas se agravaram, como
a imensa carência de pessoal e de equipamentos, a falta de definição de diretrizes na condução da
política rodoviária do Estado, ausência de planejamento das ações do DAER a curto, médio e longo
prazo, ausência, desde 1998, de Regimento Interno compatível com a estrutura vigente, falta da
definição de procedimentos operacionais e administrativos, não cumprimento dos cronogramas das
obras e serviços, por falta de regularidade na disponibilização de recursos. Dentro deste cenário não
contamos com as condições mínimas de trabalho necessárias para o desenvolvimento das atividades
exercidas em cada um dos setores que compõem este Departamento.
Em face do exposto, inúmeras vezes somos demandados pelo Ministério Público a executar
atividades que competem ao DAER para as quais não dispomos das condições operacionais e
administrativas suficientes e necessárias para realizá-las, sendo chamados a responder por situações
cujas soluções, muitas vezes, não estão ao nosso alcance.
Entendemos que o bom resultado das atividades realizadas pela Força Tarefa não deva se
restringir somente a entrega de um relatório e sim, a junção de esforços por parte dos integrantes da
Força Tarefa e do Departamento para buscar a solução para esta situação.
A questão a ser respondida é:
“Como podemos atuar e desempenhar nossas funções com as condições atuais? Qual o
caminho?”
Enquanto não obtivermos estas respostas e, em conjunto, definirmos como este Departamento
deve atuar, nós técnicos do DAER abaixo assinados, julgamos que está inviável a continuidade das
nossas atividades dentro do cenário que ora se apresenta.
Este é nosso “grito de socorro”, para que as instâncias superiores do setor rodoviário do Estado do
Rio Grande do Sul se conscientizem da situação de crise institucional que estamos vivenciando, haja
vista os apontamentos da Força Tarefa e Comissão Processante e seus desdobramentos.
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Jantar anual marca as comemorações dos 50 anos da Sudaer e 25 anos da Secdaer.
SECDAER e SUDAERPRESIDENTE
Jorge Henrique Vieira FernandesVICE-PRESIDENTE
Dalton Freitas Garcia PRESIDENTE
Carlos Alexandre Pinto TonioloVICE-PRESIDENTE
Aldo Luiz Grassi
COMISSÃO ORGANIZADORAEdelweis Zandona
Vera Lucia JungAna Paula Cardoso
Lia MartinazzoJanete Colombo
Aldo GrassiCarlos Toniolo
Jorge Henrique FernandesAlexandre Sório
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Brasil é o quinto maior país do mundo em área, cerca de 8,5 milhões de km².
Para atender as grandes distâncias do país é necessária uma boa infraestrutura de
transportes. O Brasil conta com quase dois milhões de quilômetros de rodovias, cerca
de 4.000 aeroportos (34 internacionais), 37 grandes portos, 50.000 quilômetros de
hidrovias e cerca de 30.000 quilômetros de ferrovias. Entre todas essas opções, a
forma mais utilizada pelos brasileiros para o transporte ainda são as estradas. A malha
rodoviária brasileira comporta uma frota de aproximadamente 60 milhões de veículos
(entre carros, caminhões, ônibus, etc.), segundo dados do Denatran/2009.
O quadro atual da estrutura de transportes de cargas brasileiro tem apresentado
importantes limitações à expansão e ao crescimento econômico do País. Essa
situação não é um problema atual, há vários anos o transporte de cargas brasileiro
vem apresentando sintomas que apontam para graves problemas de deterioração,
decorrentes da falta de investimentos, pelo menos nas duas últimas décadas. Os
problemas estruturais comprometem a eficiência operacional, tornando-se um
entrave ao desenvolvimento econômico e social do país.
O Brasil acaba desperdiçando bilhões de reais, devido aos acidentes, aos roubos
de carga, às ineficiências operacionais e energéticas. Como causas principais,
no setor de transporte, estão as enormes deficiências de regulação, as políticas
governamentais de investimento e, também, a distorção da matriz de transporte,
acarretando em significativa perda econômica e de competitividade.
O uso inadequado dos modais gerou uma enorme dependência do modal
rodoviário, que acaba suprindo lacunas dos demais modais, porém apresenta uma frota
ultrapassada e as rodovias em condições precárias. A malha ferroviária existente, em
boa parte construída no início do século passado, sofre resquícios de falhas no processo
Perspectivas para a infraestrutura de transportes na próxima década
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da recente privatização que a impede de impulsos maiores. A
participação do modal hidroviário é praticamente inexistente.
Uma das causas deste cenário é a limitação na capacidade
de planejamento setorial e de execução do governo, pela
progressiva deterioração da qualidade da administração pública.
Contribuíram para isto a politização de instâncias diretamente
envolvidas na implementação dos investimentos, a exemplo do
Dnit e Companhias Docas, e a falta (ou alocação ineficiente)
de recursos para requalificação e atualização dos quadros
públicos. Também a ausência ou fragilidade de marcos legais
e regulatórios capazes de dar segurança jurídica e assegurar a
estabilidade e a transparência das regras.
Em transportes, os investimentos públicos definharam ao
esbarrarem na escassez de recursos, falta de projetos e limitada
capacidade de execução. Nas ferrovias, desde o final da década
de 1990, esses investimentos têm sido marginais, apesar de sua
importância para a expansão do modal, da remoção das invasões
da faixa de domínio e a da construção de contornos críticos.
Ainda assim, a privatização da RFFSA deu grande impulso ao
investimento privado e levou ao aumento da capacidade de
transporte ferroviário.
No caso dos portos, a natureza incompleta das
reformas, a ambiguidade do poder regulatório e a
politização das Companhias Docas, no conjunto conspiraram
para limitar fortemente o valor, o âmbito e mesmo a eficácia
dos investimentos privados em anos recentes.
No caso de rodovias, o setor público permanece na
liderança, com aportes orçamentários crescentes, embora
ainda bastante tímidos em relação às necessidades. O
sucesso do processo de concessões, retomado em 2007,
indica que os investimentos públicos serão direcionados
para as rodovias que não suportam o regime de concessões,
principalmente pela baixa intensidade do tráfego. Em todos
os casos, o planejamento de Estado – ausente nos últimos
anos e reconhecido como essencial para a otimização da
participação de cada modal em uma nova logística de
transportes – terá de ser organizado, as agências reforçadas,
assim como será fundamental a despolitização radical das
instâncias de execução.
Ao completar seu décimo ano de existência, a Revista
Estradas quer trazer este tema ao debate. Os textos a
seguir procuram apresentar algumas visões de profissionais
renomados do setor sobre passado, presente e futuro da
infraestrutura de transportes em seus vários aspectos, modais
e contextos. O objetivo é promover a reflexão e a crítica, na
busca de caminhos que tragam ao país uma infraestrutura
de transportes moderna, eficiente e capaz de promover o
desenvolvimento econômico e social que todos desejam.
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conceito associado à qualidade de um sistema de transportes é percebido de forma
heterogênea entre seus usuários, mas pode ser de maneira geral, atribuído a uma
combinação dos atributos custo, rapidez e segurança. Os profissionais envolvidos
com o planejamento de transportes almejam o equilíbrio entre essas características
procurando, sob a ótica da mobilidade, maximizar seu desempenho operacional
garantindo, entretanto, um nível aceitável de segurança viária. Alcançar esse
equilíbrio tem se mostrado um desafio desde o primeiro acidente de trânsito com
vítima fatal ocorrido ainda no século XIX, entre 1886 e 1896.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (2008), os acidentes de
trânsito produzem anualmente mais de um milhão de vítimas fatais além de 50
milhões de pessoas feridas em todo o mundo. No Brasil, apesar de divergências
entre fontes, aponta-se um número em torno de 37.000 vítimas fatais em
decorrência de acidentes de trânsito em 2005. O IPEA - Instituto de Pesquisa
Econômica e Aplicada (2006) (sub)estima que os custos totais dos acidentes
ocorridos em um período de um ano no Brasil ultrapassam R$ 20 bilhões de reais.
De maneira geral, esses indicadores de desempenho da segurança viária (DSV) vêm
justificando dezenas de estudos, programas e outras ações governamentais como a
recém instituída “década de ação pela segurança viária” pela ONU (2011) de 2011
a 2020, cujo objetivo geral é estabilizar, ou mesmo reverter, o número de vítimas
fatais através de ações em níveis regionais, nacionais e mundial.
Apesar da problemática descrita e do esforço visível no sentido de redução dos
acidentes de trânsito, observa-se, de forma angustiante, que os resultados são quase
sempre efêmeros e insignificantes. Uma premissa importante para o avanço nessa
área é, ao invés considerar o problema como sem solução, “um efeito colateral da
motorização”, admitir que exista uma lacuna entre o estágio atual de conhecimento
sistematizado sobre o fenômeno (segurança viária) e o nível necessário para a
obtenção de resultados concretos. Investigar os motivos dessa discrepância parece
Segurança viária: o desafio multidisciplinar de uma década menos intuitiva
Flávio Cunto, Ph.D.Universidade Federal do Ceará
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então uma abordagem promissora na busca por métodos de
análise do DSV mais objetivos e confiáveis.
O objetivo deste artigo é apresentar uma breve discussão
sobre os principais desafios metodológicos observados nas
análises de segurança viária das últimas décadas e como
avanços nas técnicas de aquisição de dados veiculares e
modelagem microscópica do tráfego podem contribuir para a
avaliação do DSV nos próximos anos.
ACIDENTES DE TRÂNSITO COMO MEDIDA DE DESEMPENHO
De maneira geral duas questões fundamentais são
abordadas nas análises de segurança viária: (i) Quais são
os locais com os maiores riscos de colisões que justifiquem
intervenções de engenharia de segurança viária (análise
de pontos críticos)?; (ii) Quais são as intervenções que
produzirão a maior redução no risco de acidentes em
relação ao investimento necessário para a introdução de tal
melhoria (estudos do tipo “antes” e “depois”)?
Essas análises têm sido fortemente baseadas em bancos
de dados contendo séries históricas de acidentes de trânsito
além de informações sobre características do veículo, da
via e do meio ambiente. Apesar de ser a manifestação
mais explícita da (in)segurança viária, adotar os acidentes
de trânsito como única medida de desempenho incorpora
uma série de desafios metodológicos que dificultam a
confirmação de forma científica (não intuitiva) de relações de
causa e efeito que expliquem o DSV em função de atributos
físicos e operacionais das entidades viárias.
De acordo com Hauer (2002), os pesquisadores
por motivos operacionais e éticos não podem desenhar
experimentos onde variáveis são deliberadamente alteradas
para verificar sua influência na frequência de acidentes
(estudos observacionais). Acidentes de trânsito são
considerados ainda como fenômenos aleatórios raros,
e, além disso, quando analisado de forma isolada, um
acidente normalmente decorre de uma cadeia complexa
única de eventos temporais dependentes e sobre os quais
se sabe pouco. Essas características, associadas à baixa
qualidade dos bancos de dados, levam à ocorrência de
uma série de problemas como a dispersão excessiva
dos dados (variância maior que a média), o fenômeno
de regressão à média e colinearidade entre variáveis de
modelos estatísticos (Hauer, 2002). Além disso, Davis
(2004) ressalta que as possíveis relações observadas em
um nível agregado, seja temporal (vários acidentes em um
mesmo local), seja espacial (interseções ou segmentos
com atributos similares), podem não ser válidas para um
determinado acidente de forma isolada (falácia ecológica).
Os trabalhos mais recentes sobre a modelagem
estatística da segurança viária procuram impor um controle
mais rigoroso sobre os fatores de confusão (variáveis
colineares), além de lidar com a presença de tendências
temporais e representar melhor a variabilidade encontrada
nos acidentes de trânsito (Elvik e Vaa, 2004). Nesse
sentido, a calibração de modelos de previsão de acidentes
(MPA) ou funções de desempenho de segurança viária têm
sido alvo de pesquisas em várias jurisdições (Hauer et al.,
1988, Bélanger, 1994).
Os MPA, que possuem estrutura compatível com os
modelos lineares generalizados, estimam o número de
acidentes de trânsito em um grupo de entidades a partir de
variáveis que reflitam a exposição veicular e outros atributos
físicos e operacionais das vias. Os valores estimados pelos
MPA (grupo de interseções ou segmentos viários) são,
então, combinados com a informação histórica de uma
entidade específica utilizando princípios da estatística
bayesiana. O resultado obtido é uma estimativa menos
viesada do número esperado de acidentes de trânsito
de uma entidade. A primeira edição do Highway Safety
Manual (AASHTO, 2010) dedica parte considerável de seu
conteúdo à justificação, aos preceitos e ao desenvolvimento
dos MPA em todas as etapas do planejamento estratégico,
tático e operacional dos sistemas de transportes.
REVISITANDO A TÉCNICA DE ANÁLISE DOS CONFLITOS DE TRÁFEGO
Perkins e Harris, no final da década de 60, começaram a
delinear as bases para o desenvolvimento de uma técnica que
utiliza situações de risco entre veículos que não culminaram
em acidentes, chamados de conflitos de tráfego. A ideia era
utilizar um evento bem mais frequente do que os acidentes,
tornando análises estatísticas mais precisas e confiáveis.
A técnica evoluiu de forma diferente em vários países,
entretanto, na Suécia, Hydén (1987) foi responsável por
grande parte de sua sistematização ao introduzir o conceito de
continuum de segurança viária. Dentro desse novo paradigma
o conceito de segurança passa a ser visto como uma sequência
de eventos cronologicamente dependentes que variam desde
passagens sem distúrbio até a ocorrência de acidentes.
Indicadores de conflitos de tráfego foram então definidos
a partir de medidas de proximidade espaçotemporal entre
veículos como o tempo para a colisão (TTC), tempo para o
acidente (TA), dentre outros (Hydén, 1987; Archer, 2005).
Infelizmente a consolidação dessa técnica esbarrou em duas
questões fundamentais:
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a) Como estimar de forma precisa os indicadores de
conflito em estudos de campo?
b) Qual a relação entre esses indicadores e outros mais
objetivos como os acidentes de trânsito?
Recentemente, uma versão mais moderna dessa
técnica vem sendo desenvolvida com ferramentas de
visão computacional e algoritmos avançados de detecção
de trajetórias veiculares. A detecção semiautomática de
indicadores de conflitos veiculares foi apresentada para
interseções não semaforizadas no trabalho de Archer
(2005) e para rotatórias por Guido et al. (2009). A
metodologia compreende basicamente a aquisição dos dados
(filmagem), as correções angulares e os ajustes de escala na
imagem obtida, o estabelecimento de linhas virtuais em
pontos estratégicos para extração das trajetórias veiculares
e a estimação dos indicadores de conflito. A Figura 01
apresenta uma visão geral do experimento descrito no
trabalho de Guido e seus colaboradores.
Saunier e Sayed (2007) apresentam uma proposta
de análise automática de conflitos veiculares com base
em filmagens veiculares utilizando modelos de Markov. Na
metodologia proposta, as trajetórias veiculares são extraídas
individualmente e comparadas entre si de forma automática
após a calibração inicial de um algoritmo de detecção de
conflitos. Apesar de a metodologia ter sido testada em uma
amostra relativamente pequena (10 conflitos de tráfego), os
resultados indicam a potencialidade da dessa ferramenta na
detecção automática de conflitos veiculares.
A SIMULAÇÃO MICROSCÓPICA EM ESTUDOS DE SEGURANÇA VIÁRIA
A simulação microscópica tem sido investigada
recentemente como plataforma de análise do desempenho
da segurança viária em virtude da evolução das técnicas
de modelagem do comportamento humano no processo de
Figura 1 Esquema de detecção semi-automática de trajetórias e conflitos veiculares (Fonte: Guido et al, 2009).
Figura 2 Esquema conceitual do processo de condução, turbulência e interações veiculares (adaptado de Cunto, 2008)
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condução veicular e da maior disponibilidade de informações
desagregadas sobre o fluxo de veículos ao longo de uma
corrente de tráfego (Gettman e Head, 2003; Archer, 2005;
Cunto e Saccomanno, 2010).
Assim como na técnica de análise de conflitos de tráfego,
a medida de desempenho é obtida através de interações
veiculares cuja severidade é representada por indicadores
proxy como o TTC, a taxa de desaceleração para evitar a
colisão (DRAC) e o índice de potencial para acidentes (CPI).
Cunto (2008) apresenta uma estrutura conceitual que
permite a utilização da microssimulação como plataforma
em estudos de segurança viária através do conceito de
turbulência e interações veiculares (Figura 02).
Alguns dos componentes exógenos na Figura 2, como
as características dos condutores, as condições de tráfego
e a geometria, correspondem aos dados de entrada dos
microssimuladores. O processo de condução é representado
pelos algoritmos de carro seguidor (car following),
aceitação de brecha (gap acceptance) e mudança de faixas
(lane change) presentes nos pacotes de simulação. Os
fatores ambientais por sua vez são obtidos pela calibração
de atributos como velocidade média e brecha em função
das condições ambientais experimentadas.
A informação de saída no modelo proposto é o nível
de turbulência obtido para uma determinada intervenção
de engenharia. A medida objetiva da turbulência é a
quantidade e a severidade das interações veiculares, ou
seja, a exposição temporal de um veículo a uma situação
em que exista uma trajetória conflitante, seja por um
veículo líder desacelerando (colisão traseira), mudando de
faixa (colisão lateral), seja por um veículo aceitando uma
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brecha insegura na via secundária (colisão transversal).
Apesar do potencial para o uso da microssimulação
em estudos de segurança viária, a consolidação dessa
ferramenta necessita ainda de modelos microscópicos mais
representativos do comportamento humano no processo de
condução e de metodologias de calibração e validação dos
Referências bibliográficas
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não obstante o considerável número de iniciativas para a redução da acidentalidade viária nas diversas jurisdições, os
resultados alcançados são quase sempre pouco significantes e raramente conseguem perdurar de forma consistente. Uma
reflexão sobre as metodologias de avaliação e previsão do desempenho da segurança viária utilizadas nas últimas décadas
mostra-se essencial para o desenvolvimento de novas ferramentas que permitam uma abordagem mais racional, quantitativa e
consequentemente mais completa sobre o fenômeno da segurança viária.
Dentre os caminhos mais promissores da pesquisa em segurança viária nos próximos anos ressaltam-se os avanços na
modelagem estatística dos acidentes de trânsito através da estatística Bayesiana, a utilização de metodologias de visão
computacional e os algoritmos avançados de detecção de trajetórias veiculares no aperfeiçoamento da técnica de conflitos de
tráfego e o emprego da simulação microscópica na estimação do desempenho da segurança viária.
parâmetros dos modelos utilizando os indicadores proxy
de segurança viária. Assim como na técnica de análise
dos conflitos de tráfego, faz-se necessária uma validação
dos indicadores obtidos com situações “observáveis” no
campo que possam refletir o nível de segurança em um
determinado local.
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ANTECEDENTES
Os recursos destinados aos investimentos em infraestrutura de transportes no Brasil, até
a Constituição Federal de 1988, eram provenientes do Imposto Único sobre Combustíveis e
Lubrificantes e tinham percentuais relativamente altos, em relação ao PIB, em valores que
atingiram em torno de 1,8 % em 1975 a 0,8 % em 1987.
Com a proibição constitucional da vinculação de impostos, os valores necessários à
construção e à manutenção dos modais ligados à área de transportes tiveram que concorrer
com os demais investimentos do País no Orçamento Geral da União (OGU). Esse fato
ocasionou uma diminuição drástica dos investimentos no setor, atingindo em 2002-03 um dos
menores índices da história (0,2% do PIB).
Essa situação somente foi revertida com a edição da Lei nº 10.336, de 19 de dezembro
de 2001, que criou a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), da qual
parte da arrecadação foi destinada aos projetos de logística de transportes. A partir de 2003 os
recursos disponibilizados voltaram a atingir de 0,4% a 0,6% do PIB.
Esses baixos níveis de investimento em infraestrutura geraram problemas em todos os
modais, ocasionando ineficiências, custos adicionais e acidentes. O Governo começou, então,
um programa de desestatização, que envolveu o pedagiamento das rodovias federais e a
concessão da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA).
A Rede Ferroviária Federal S.A. foi incluída no Programa Nacional de Desestatização
(PND), em 10 de março de 1992, por meio do Decreto nº 473. Isso representou um marco
histórico para o PND, tendo em vista que, com a inclusão do primeiro setor de serviço público,
além de o programa entrar em uma nova fase, significava a expectativa de superar importante
gargalo para o crescimento econômico do País na área de infraestrutura. Com essa medida, o
Governo Federal estaria estimulando a iniciativa privada a fazer investimentos num setor que,
dada a escassez de recursos públicos, se deteriorava a passos largos. Em 1998, foi realizada
uma licitação e as ferrovias brasileiras foram concedidas a empresas privadas por um prazo
de 25 anos, prorrogáveis por idêntico período. Esses contratos trataram somente de carga,
ignorando totalmente o transporte de passageiros.
Ferrovias Eng Daniel Lena Souto
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A CONCESSÃO
As ferrovias do Estado estão concedidas hoje
à America Latina Logística (ALL). O contrato de
concessão, no entanto, como todos os realizados na
ocasião foi mal concebido, pois fez praticamente
apenas duas exigências: aumento da meta de produção
e diminuição do número de acidentes. Não há cláusula
prevendo investimentos em infraestrutura para aumento
de capacidade ou para a solução de gargalos.
Como a ALL é uma empresa que atua nos estados
do sul, a sua estratégia operacional é a de aumentar
sua produção em trechos com grande demanda e
abandonar os trechos restantes. Essa política, tem
gerado reclamações dos governos de todos os estados e
dos usuários da ferrovia, pois essa atitude não só tem
prejudicado o escoamento da produção como tem causado
o aumento do custo para os produtores, a deterioração
da malha rodoviária e o aumento no número e da
gravidade dos acidentes rodoviários. A transferência das
cargas, antes transportadas por ferrovia, para as rodovias
tem provocado um aumento sensível na poluição com
prejuízos incomparáveis ao meio ambiente.
Os aspectos positivos da concessão foram os
investimentos realizados no aumento da força de tração,
com a aquisição de locomotivas recuperadas, aquisição de
novos vagões e aumento da capacidade de armazenagem
em alguns entroncamentos, visando à intermodalidade.
Outro ponto positivo foi a modernização das
comunicações, que hoje se realizam através de satélite,
quando, antigamente, se realizavam por linha física.
O principal aspecto negativo da concessão, é a
falta de investimento na infraestrutura, não sendo
agregado durante esse período nenhum dos avanços
tecnológicos que vemos nas modernas ferrovias de
outros países, principalmente os da Europa e Ásia, nem
foram melhorados ou eliminados quaisquer dos gargalos
logísticos sempre apontados.
No Rio Grande do Sul, a malha concedida foi de
3.259 km, sendo, hoje, utilizados plenamente apenas
1.952km, ou seja, 60% da mesma.
A fiscalização da Agencia Nacional de Transportes
Terrestres (ANTT) é ineficiente, o que tem provocado uma
série enorme de reclamações públicas das comunidades
abandonadas. O Ministério Público Federal tem acionado
constantemente a Justiça, objetivando obrigar a
concessionária a cumprir o contrato, que não permite o
abandono imotivado dos ramais concedidos.
NOVO MARCO REGULATÓRIO
A ANTT realizou recentemente um estudo sobre
as concessões ferroviárias, o qual aponta as seguintes
conclusões:
o esforço de produção ferroviária é dirigido a uma única
mercadoria, produzida por uma única empresa;
a movimentação em TU apresenta evolução inferior ao
PIB, tanto em carga própria, quanto de terceiros;
a carga própria cresceu 72,4%, mais que o dobro do
PIB, enquanto a carga de terceiros cresceu 33,1%,
praticamente o mesmo do PIB;
a carga própria é 51,1% da produção total, que
corresponde ao minério de ferro da Vale;
a partir de 2007, a evolução acumulada do PIB é superior
à movimentação da carga ferroviária;
a tarifa sobre a carga de terceiros variou 117,6% no
produto médio, superior ao total do setor.
EVOLUÇÃO DA MALHA FERROVIÁRIA NO ESTADO
A Agência Reguladora (ANTT), observando que a produção
ferroviária estava favorecendo grandes empresas sócias das
concessionárias, em detrimento dos outros usuários, resolveu
modificar os contratos existentes e criar um novo marco
regulatório para o setor. Para tanto, editou três resoluções
que estabelecem novas regras do setor ferroviário, pois a
ociosidade da malha atinge 62%, determinando que os 12
contratos existentes sejam revistos.
Dessa maneira, no próximo ano, já deverá haver
modificações importantes nas concessões, o que, por certo,
provocará uma reconquista de trechos ferroviários abandonados
e um aumento na produção ferroviária do País.
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O FUTURO : O RESGATE DA FERROVIA?
A partir de 2005, o Governo brasileiro começou a
mudar a sua política de transportes para o País, quando
reiniciou a reativação do Planejamento no Ministério dos
Transportes, que havia sido extinto juntamente com o
órgão responsável pela sua execução, o GEIPOT.
Esse planejamento resultou na elaboração do
Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT)
baseado em princípios e diretrizes orientadores de uma
política para o setor e que objetiva corrigir as distorções
apontadas na logística brasileira e na sua matriz de
transporte fortemente dominada pelo transporte rodoviário
(o rodoviário representa 58%, o ferroviário, 25%, o
aquaviário, 13%; e o aéreo e o dutoviário, 4%).
As obras e investimentos projetados pelo PNLT até o
horizonte de 2025, procuram:
atender à demanda do crescimento interno e
comércio exterior;
reduzir os níveis de ineficiência quanto a custos,
tempos de viagem e acidentes;
estruturar corredores para escoamento da produção;
estimular a maior participação dos modos
hidroviário e ferroviário, com melhor utilização da
intermodalidade;
apoiar o desenvolvimento da indústria do turismo;
consolidar a ligação do Brasil com os países
limítrofes, fortalecendo a integração da América
Latina.
Além de organizar os Investimentos nos Vetores
Logísticos, o PNLT dá ênfase aos modais ferroviário e
hidroviário e pretende servir de diretriz para elaboração do PPA
e, por consequência, do Orçamento Geral da União (OGU).
No resumo abaixo apresentado, aparecem os
investimentos necessários à logística de transportes do
País, relacionados por período e por modal. O exame
da planilha mostra um aumento significativo nos
investimentos do setor ferroviário, atingindo no final da
projeção, 51,63%, contra 23,98% do rodoviário e 13,39%
dos portos.
Pelo Planejamento elaborado, no horizonte de 20
anos, será possível equilibrar e racionalizar a Matriz de
Transportes do País (o rodoviário será de 30%; o ferroviário,
de 35%; e o aquaviário, de 29%).
pont
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A segunda medida tomada pelo Governo Federal foi,
ao se dar conta de que dificilmente a iniciativa privada
iria investir no aumento da malha ferroviária do país e
considerando a necessidade de que a mesma fosse expandida
para novas fronteiras agrícolas e realizasse as obras
previstas no PNLT, modificar a sua política em relação à
desestatização, criando, em 17/09/2008, pela Lei nº 11.772,
a Engenharia, Construções e Ferrovia S.A. (VALEC).
Essa nova empresa, que é vinculada ao Ministério dos
Transportes e tem por objeto a construção e a exploração da
infraestrutura ferroviária do País, recebeu a concessão de
9.700km de novas ferrovias, envolvendo as regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste.
Atualmente, a Valec está construindo 5.680km de
ferrovias novas a seguir relacionadas: Açailândia a Palmas –
720km, Palmas a Estrela D’Oeste – 1.480km, Oeste-Leste
BA – 1.490, Transnordestina – 1.728km e Alto Araguaia a
Rondonópolis – 262km.
Além disso, o Ministério dos Transportes está com
3.687km de novas ferrovias em estudo e outros 6.522km em
avaliação. Dentre os trechos que estão em estudo, destaca-se o
de Panorama (SP) a Porto do Rio Grande (RS), com 1.590km,
correspondendo à extensão sul da ferrovia norte-sul que é de
grande interesse dos estados da Região Sul.
Essas novas ferrovias estão trazendo para o País um grande
avanço tecnológico, com bitola larga (1,60m), dormentes de
concreto, fixação elástica, trilhos soldados e sistema operacional
com controle via satélite. Abaixo, vemos a foto de um trecho.
PERÍODO MODO DE TRANSPORTE RECURSO (MILHARES DE REAIS)
PARTICIPAÇÃO MODAL NO TOTAL DE INVESTIMENTOS
2008-2011
AEROPORTUÁRIO 5.248.326
TOTAL NO PERÍODO
109.204.304
FERROVIÁRIO 33.752.072
HIDROVIÁRIO 3.825.381
PORTUÁRIO 17.894.178
RODOVIÁRIO 46.844.347
OUTROS 1.640.000
2012-2015
AEROPORTUÁRIO 4.010.390
TOTAL NO PERÍODO
84.309.774
FERROVIÁRIO 53.056.942
HIDROVIÁRIO 7.124.932
PORTUÁRIO 8.123.177
RODOVIÁRIO 10.443.393
OUTROS 1.550.940
APÓS 2015
AEROPORTUÁRIO 3.762.960
TOTAL NO PERÍODO
97.294.202
FERROVIÁRIO 63.327.062
HIDROVIÁRIO 4.833.977
PORTUÁRIO 12.915.500
RODOVIÁRIO 12.440.135
OUTROS 14.568.000
TOTAL MODAL
AEROPORTUÁRIO 13.021.676 4,48
FERROVIÁRIO 150.136.076 51,63
HIDROVIÁRIO 15.784.290 5,43
PORTUÁRIO 38.932.855 13,39
RODOVIÁRIO 69.727.875 23,98
OUTROS 3.205.508 1,10
TOTAL BRASIL 290.808.280 100
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As principais modificações serão:
altera o perfil das atuais concessões, aproximando-se do
modelo padrão europeu e lembrando o rodoviário;
disciplina o uso da capacidade ociosa e a realização de
investimentos de expansão;
institui o Operador Ferroviário, que poderá levar
seus vagões e locomotivas para onde houver carga,
independentemente da malha. As metas globais da
concessão serão estabelecidas por trecho. O trecho que
não tiver meta será oferecido a outro interessado;
cria a figura do usuário dependente e usuário investidor;
estabelece Metas de produção e de segurança por trechos.
TRENS DE PASSAGEIROS
Além do Trem de Alta Velocidade (TAV), que está em vias
de ser construido entre Rio de Janeiro e Campinas, o governo
já está planejando os estudos de viabilidade dos trechos:
São Paulo (S.P.) – Curitiba (PR);
Campinas (SP) – Triângulo Mineiro (MG);
Campinas (SP) – Belo Horizonte (MG);
visando à conexão dos principais centros urbanos do País,
proporcionando melhorias de mobilidade, conforto, tempo
e segurança.
Em conclusão, as ações e as obras previstas para o setor
ferroviário nos próximos anos, irão alterar profundamente o
transporte ferroviário no País, no que correspondente tanto
às cargas como aos passageiros, atualizando as ferrovias
tecnologicamente, aproximando-as do desenvolvimento dos
países que estão investindo no setor.
No Rio Grande do Sul, a expectativa é de que a
construção da nova ferrovia, que ligará o Porto de Rio
Grande ao resto do País, inicie no sentido sul-norte,
permitindo, assim, a agregação dos trechos já consolidados
imediatamente à sua matriz de transportes.
Deve-se lutar, ainda, para que seja incluída nos
estudos do Ministério dos Transportes, a ligação por Trem
de Alta Velocidade (TAV) entre Curitiba e Porto Alegre,
permitindo, assim, a integração do Estado à malha de alta
velocidade do país.
Por sua vez, na elaboração do seu orçamento do Plano de
Aceleração do Crescimento (PAC), já se nota uma preocupação
da alocação de recursos para o modal ferroviário, conforme se
constata na previsão preliminar de investimentos do PAC 2:
Os R$ 46 bilhões previstos para a ferrovia serão
destinados a expansão de 4.696km, ao estudo de 2.985kmde
novas linhas e aos estudos de mais 1.991km de Trens de Alta
Velocidade (TAV), no País.
A RETOMADA DOS RAMAIS ABANDONADOS: NOVO MARCO REGULATÓRIO
Os investimentos em novas linhas irão aumentar
radicalmente a participação ferroviária na matriz de transportes,
mas a necessidade de serem restabelecidos ramais abandonados
pelas concessionárias e sua melhoria tecnológica é também
relevante para a logística do país.
No novo marco regulatório criado pela ANTT, foram
editadas três resoluções que estabelecem novas regras para
o setor ferroviário, pois a ociosidade da malha atinge 62%,
determinando que os doze contratos existentes sejam revistos.
EIXOS 2011-2014 PÓS 2014 TOTAL
RODOVIAS 48,4 2,0 50,4
FERROVIAS 43,9 2,1 46,0
PORTOS 4,8 0,3 5,1
HIDROVIAS 2,6 0,1 2,7
AEROPORTOS 3,0 - 3,0
EQUIPAMENTOS
PARA ESTRADAS
VICINAIS
1,8 - 1,8
TOTAL 104,5 4,5 109,0
PREVISÃO PRELIMINAR DE INVESTIMENTO
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título deste texto levanta uma dúvida: a preocupação com a sustentabilidade veio para
ficar ou passará como todas as modas passam?
Marx ensinou sobre a possibilidade de o sólido se desfazer no ar; a vida nos mostra
que o que era bom e útil até pouco tempo, em poucas décadas torna-se ruim e inútil.
Pensamentos, objetos, relações vão tornando-se obsoletos com o passar do tempo;
então, por que a relação dos transportes com o meio ambiente se sustentaria com o
suceder das gerações?
Tentemos responder, se é que é possível responder alguma coisa para o futuro em
tempos em que ele, para o bem e para o mal, é cada vez mais incerto.
Falaremos no passado, como se erros e acertos das duas ou três últimas décadas
tivessem sido superados. Esse período é muito curto para produzir novas atitudes que
substituam as que estavam erradas. Outra observação é que qualquer revisão histórica
desvinculada de seu contexto é inequivocamente incompleta, seus resultados serão
incompletos, o que, do ponto de vista contemporâneo está errado podia estar certo no
passado, mesmo recente.
Os sistemas de transportes (meios, vias terminais e complementos) eram encarados,
projetados e operados como se não existisse mais nada além deles. Não fazia parte das
preocupações dos projetistas das ferrovias, por exemplo, saber como as cargas chegariam
aos vagões, como deles sairiam e onde seriam depositadas. Os responsáveis pelos
transportes urbanos eram motivados pela eficiência operacional do que planejavam.
Questões como ruído, poluição, acidentes eram acessórias, não cabia a eles resolvê-las, o
êxito de suas soluções estava associado ao aumento de velocidade.
Os problemas causados pelas soluções dos problemas antigos passavam a exigir novas
soluções, sempre parametrizadas nos referenciais. Resultado: nada era resolvido ao longo
Transportes e Sustentabilidade: tendência ou modismo?
José Carlos Mello
O homem, dito sapiens, é o único animal capaz de destruir irremediavelmente seu próprio habitat, que é a nossa frágil biosfera, mas, também, é o único com habilidade para reverter esse processo que ele próprio deflagrou. - Arnold Toynbee.
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prazo. A degradação das cidades aumentava com a pretensão
de resolver a questão da fluidez do trânsito, uma única variável
numa equação com múltiplas incógnitas.
O que essas pessoas, muitas vezes bem intencionadas,
fizeram foi produzir as cidades sul-americanas modernas:
desprovidas de transportes de massa e de integração intermodal,
poluídas, barulhentas, faveladas, sem saneamento básico, com
toda a sorte de carências bem conhecidas de todos.
Resta especular o que ocorrerá daqui para a frente, mesmo
correndo o risco de cometer graves erros, ao tentar imaginar
um futuro cada vez mais incerto, não devemos esquecer que
hoje vivemos cercados por aparelhos que não existiam há 10
anos e que, em mais 10 anos, os computadores serão mais
inteligentes que os humanos.
A sustentabilidade deve ser não apenas em relação ao meio
ambiente, no sentido mais amplo, mas, também, em relação
à opinião das pessoas e dos tomadores de decisão. Projetos
sustentáveis de transportes que venham a ser mal sucedidos
frustrarão usuários, formadores de opinião, eleitores e eleitos.
Ideias boas podem ser sepultadas. O círculo vicioso do
relacionamento precário entre os transportes e aqueles a quem
eles devem servir não será rompido. Lembrando o passado,
ainda que recente, não mais que 20 ou 30 anos, tentaremos
enxergar o futuro.
TRANSPORTES URBANOS
O pensamento dominante entre as a décadas de 50 e
70 era tornar mais fácil a circulação dos automóveis em
detrimento dos ônibus. Alguns técnicos e prefeitos entenderam
que somente realizando obras no sistema viário provocariam
melhoria no trânsito.
Essas melhorias atraiam mais carros para as novas vias,
que, em pouco tempo, estavam congestionadas. Não foi difícil
perceber que a solução para um bom convívio entre os veículos
e a população requeria outras soluções.
Os olhares voltaram-se para os transportes por
ônibus, que, em muitas cidades, ganharam prioridade nos
investimentos. Foi a época das faixas exclusivas para o
transporte coletivo — os resultados foram bons. No Brasil,
apesar do seu sucesso, essa solução foi descontinuada
em várias cidades e, em outras, passou ser gerenciada
com negligência. Poucas administrações municipais as
mantiveram e as ampliaram. Teriam saído da moda?
Deve-se observar que, em países de baixa maturidade
política, continuar projetos do antecessor pode desqualificar
o novo governo, que pode ser taxado de “continuísta”,
principalmente se for de oposição ao anterior. Não há país
na América Latina que não exiba obras inacabadas —
grandiosos monumentos ao atraso. Essas demonstrações de
subdesenvolvimento estão sendo lentamente ultrapassadas.
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Elas acarretam desperdício de recursos públicos e expõem a
incúria administrativa.
Algo de bom restou desses erros e acertos: todos
aprenderam que a prioridade deve ser dada à fluidez do
transporte coletivo. É melhor para os eleitores, é desse modo
que os políticos veem as pessoas, priorizar a circulação de
ônibus com 80 passageiros em detrimento dos carros, que, na
maioria das vezes, levam apenas seu motorista.
TRANSPORTES EM ÁREAS RURAIS
A circulação de cargas e de passageiros é realizada,
e assim deverá ser nas próximas décadas, por caminhões
e ônibus.
As ferrovias devem ser voltadas ao transporte de
mercadorias e implantadas onde as condições de demanda,
topográficas e geológicas possibilitem construções a custos
razoáveis. Ultrapassar montanhas, regiões pantanosas
ou selvas onde as florestas se misturam com as águas
requereria gastos tão elevados que inviabilizariam a solução.
As rodovias, naturalmente, devem ser de melhor
qualidade do que as predominantes nos países sul-
americanos, mesmo nos mais ricos. Uma vez implantadas,
devem ser conservadas e operadas de modo a aumentar sua
vida útil — não o que ocorre.
As ferrovias brasileiras, todas estatais até o final do
século passado, foram privatizadas quando já demonstravam
total incapacidade de servir a economia: 90% da sua
carga eram minério de ferro e produtos siderúrgicos, pouca
utilidade apresentava aos demais setores da economia. A
privatização promoveu, em prazo curto, a recuperação do
sistema e da indústria de material ferroviário.
O milagre foi produzido pela nova gestão técnica,
que substituiu as famigeradas indicações políticas,
pela incorporação de novos clientes e pelo aumento de
investimentos que, entre 2000 e 2008, passaram de R$
673 milhões para R$ 4.610 milhões. O volume transportado
no mesmo período passou de 288 para 532 milhões de
toneladas. A produção de vagões saltou de 96 em 1996 para
7.349 em 2005.
TRANSPORTE INTERMODAL
Há muito pouco tempo, predominava a idéia de
que os sistemas de transportes se bastavam para realizar
suas operações. As escolas de engenharia formavam técnicos
em rodovias, ferrovias, portos, vias navegáveis, jamais em
transportes. Os currículos não abordavam as limitações de
cada sistema nem a necessidade de complementação de
suas operações.
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Atualmente, o pensamento dominante é que os sistemas de
transportes não são concorrentes, são complementares, o que
representa um enorme avanço no planejamento dos transportes.
É provável que esse modo de pensar se consolide, se aperfeiçoe
e não sofra retrocessos.
Cada sistema de transporte possui características que o
torna mais adequado a certas cargas, em tipo e volume, às
características geográficas, topográficas e econômicas do país.
As ferrovias, por exemplo, são essenciais para o transporte
de grandes volumes cargas de baixo valor específico como
grãos e minérios. Elas são muito eficientes em trajetos planos
ou aplainados por obras caras: pontes, viadutos e túneis.
Apresentam baixo rendimento nas subidas, até em declives
médios, e são impensáveis para cargas de alto valor específico,
como produtos eletrônicos.
Por outro lado, é profundamente antieconômico levar cargas
típicas ferroviárias por caminhões, como ocorre no Brasil. Na
Região Centro-Oeste, grande produtora de soja, o escoamento
das safras desse grão por caminhões custa US$ 40 por tonelada.
Em distâncias de transportes semelhantes nos Estados Unidos,
o mesmo grão transportado por ferrovias e embarcações fluviais,
gasta US$ 10 por tonelada escoada.
São incontáveis os exemplos do uso inadequado dos
transportes. Não deve ser esquecido que o prazo de maturação
dos projetos é diferente. São necessários poucos anos para
transformar uma região remota em produtora de grãos, e são
precisos muitos anos para construir as ferrovias necessárias e
prover os rios de condições de navegabilidade.
Durante anos, o Governo dificultou as operações intermodais
através de leis e regras obsoletas. No final dos anos 90, entrou
em vigor uma legislação que, entre outras coisas, criou a figura
do agente intermodal e a possibilidade de toda operação de
transporte de carga ser realizada com um único conhecimento.
LOGÍSTICA
Conhecida nas artes da guerra há centenas de anos, foi
só na década de 1950 que ela passou interessar o mundo
econômico, chegando ao nosso meio há menos de 30 anos.
O que é a logística? Podemos conceituá-la como sendo o
uso integrado e harmônico entre os transportes e os meios de
regulagem das demandas: armazenagem, controle de estoques,
operações intermodais e tudo o mais que diga respeito ao
melhor escoamento das cargas. A logística busca reduzir os
custos envolvidos da origem ao destino das safras, bem como
evitar perdas de produção.
Cada país tem seus custos logísticos: elevados nos países
organizados, mais altos nos razoavelmente governados, e
elevadíssimos nos países caóticos. Nestes últimos, é impossível
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o uso de terras férteis por impossibilidades de transportar a
produção, seja do que for, a custos razoáveis.
Nos Estados Unidos, admite-se que os custos
provenientes de perdas ao longo da cadeia logística
representem 12% da produção, sendo que 70% são devidos
aos transportes. A partir dessa constatação, não será difícil
estimar o que ocorre em cantos do mundo não tão bem
servidos por transportes, armazéns e silos.
As operações logísticas tornaram-se tão comuns nas
últimas décadas que elas têm sido usadas como sinônimo de
“transportes”, ainda que não sejam. Esse modo de encarar o
escoamento da produção é mais amplo que o de integração
intermodal, vai além, à medida que acrescenta mais
elementos às cadeias produtivas.
TRANSPORTES E A NATUREZA
A preocupação com o meio ambiente natural — fauna,
flora, fontes de água — era rigorosamente zero. Os projetos
de transportes, também os de geração de energia e irrigação,
tinham prioridade sobre tudo; uma espécie de licença para
matar, derrubar, invadir, secar rios, lagos e mangues.
Há poucas décadas, não mais que três, começaram a
ocorrer reações a esse tipo de atitude. Para isso, contribuíram
a globalização e o fim da maioria das ditaduras ocidentais e
do leste europeu. A ideia dominante passou a ser de que o
nosso mundo pode acabar antes da nova era do gelo.
Muitas dessas reações envolvem ações radicais, como se
os humanos pudessem passar sem energia, voltar aos tempos
primitivos, ou viver como os Amishs da Pensilvânia. O difícil
não é seguir o rumo da ortodoxia, o difícil é encontrar o meio
termo que permita compatibilizar as necessidades humanas e
preservar os elementos naturais essenciais à vida no planeta.
Daí surgiu o conceito de “desenvolvimento sustentável”,
posto, pela primeira vez, em relatório das Nações Unidas nos
anos 80.
A ideia contida nesse conceito é a de que devemos
utilizar os recursos naturais de modo que as próximas
gerações possam fazê-lo. Recursos exauríveis, como os
combustíveis fósseis, encontrarão na tecnologia seus
substitutos; os essenciais e irrecuperáveis por mau uso —
florestas, nascentes, oceanos, terras agrícolas — deverão ser
manejados de modo a continuarem sendo úteis no futuro.
A história comprova que todo radicalismo provoca
reações de igual intensidade na direção oposta e acaba por
desmoralizar a causa defendida, por melhor que ela seja.
O papel do que abraçam as causas ambientais deveria
ser combater pecados contra a natureza, mas apontando
alternativas que permitam o convívio equilibrado entre os
projetos que geram conforto e empregos com a preservação do
meio ambiente. Isso é possível.
É de se observar que as distorções nesses movimentos,
às vezes, se distanciam muito das realidades locais. É mais
comum encontrar na Alemanha defensores de distantes
florestas topicais que da sua floresta Negra, bastante destruída
pelas chuvas ácidas das usinas a carvão, e, no Brasil, há
mais preocupação com o uso da energia nuclear na Europa e
no Japão, que com a falta de esgotos no país, o paraíso dos
coliformes fecais. Sem deixar de se preocupar com o global,
não custa dar alguma atenção ao local.
Causas defendidas com radicalismo frequentemente
desmoralizam boas ideias, criando inimigos em vez de
aumentar o número de aliados. No Brasil, já se observam
algumas reações contra o “ecoxiitismo”; leis ambientais
começam a ser “flexibilizadas” pelos órgãos ambientais,
o que não é bom. Isso é feito para combater o radicalismo
que encurrala a sociedade, pretendendo que ela não se
desloque nem utilize energia elétrica. No fundo, é o uso
velha recomendação bíblica: “olho por olho” — o mal sendo
combatido pelo mal.
Não se deve “flexibilizar” o uso das leis, deve-se modificá-
las quando não atendem ao interesse da população. É
reconhecida a superposição de direitos e deveres da União,
estados e municípios na questão ambiental. Os governantes
reconhecem isso como um entrave a ser removido, no entanto,
o projeto de lei para delimitar o campo de ação de cada esfera
de poder repousa no Congresso, sem que nem o legislativo nem
o executivo se preocupem com sua tramitação.
De qualquer modo, não deverá haver retrocessos na
questão dos transportes e do meio ambiente. Devemos
entender o atual momento como de busca de um ponto de
equilíbrio. Ele deverá ser encontrado.
GLOBALIZAÇÃO
Essa deverá ser a marca mais forte e de difícil remoção
que será legada às próximas gerações. Ela poderá ser
entendida como o ato final, o parto de uma longa gestação,
que iniciou na era das descobertas, seguida pela ocupação
do novo mundo, pelo colonialismo na África e na Ásia, pela
revolução industrial, pelas duas grandes guerras do século
passado, pela guerra fria, pela introdução da economia de
mercado na China, pelo fim da guerra fria, pelo surgimento das
novas economias emergentes e assim por diante; é impossível
relacionar tudo que moldou o mundo atual, mesmo limitando a
busca a apenas cinco séculos.
O fenômeno, mal iniciado, está criando novos conceitos:
soberania compartilhada, defesa unificada, uma moeda servindo a
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vários países, mercados comuns, redes sociais, universalização
das informações e a revolução mais abrangente da história
humana: a internet e o repúdio às ditaduras.
É claro que nem tudo é bom no mundo global. O
fenômeno mais marcante é a interligação das economias
nacionais, conectadas nos ciclos tanto de prosperidade
quanto de depressão. Há países que entram nos tempos
ruins sem desejar, ficam aprisionados às crises alheias e
delas só saem de mãos dadas. Disso, escapam apenas as
economias de países miseráveis e aquelas que optaram por
se voltar para si mesmas, se isolar do resto do mundo e
produzir suas próprias mazelas.
Nos transportes, observamos o fim das sempre
ineficientes reservas de mercado na navegação marítima e
no transporte aéreo. São tempos de mares e céus abertos,
liberdades tarifárias, beneficiando os usuários e modificando
antigos conceitos de segurança nacional que alimentavam
dispendiosas guerras frias locais.
Um exemplo bizarro, visível até hoje, um museu de
tempos longínquos, é o sistema ferroviário do Estado do Rio
Grande do Sul, planejado, desde os tempos do Império, para
deslocar tropas para a Argentina em caso de conflito armado
— essa foi, por décadas, a principal hipótese de guerra dos
dois países —, e não do interior do Estado para os portos. No
momento, o lógico seria tentar integrar os sistemas ferroviários
dos dois países.
Se, no auge da guerra fria, os gasodutos soviéticos foram
direcionados à Europa, o que não deve ser esperado hoje em
integração dos transportes entre o oeste e o leste da Europa?
A globalização veio para ficar. As decisões serão cada vez
mais conjuntas e menos isoladas, exceto nas porções mais
atrasadas do planeta, dominadas por superstições e conceitos
ultrapassados de nacionalismo.
TENDÊNCIA OU MODISMO?
O conceito de sustentabilidade surgiu em relação ao
meio ambiente, mas o que se observa é sua extensão a todos
os setores da sociedade. Projetos baseados em artifícios,
sem bases sólidas, em algum momento ruirão. Esses frutos
da imprevidência, da falta de visão estratégica e de planos
que tracem cenários que permitam ver o futuro, em algum
momento, perecerão. A queda acontecerá quanto for atingido
o limite de competência, comum nas empresas familiares, ou
quando ocorrerem mudanças radicais na sociedade. Exemplo
recente ocorreu no Brasil, com a falência das três empresas
aéreas que dominaram o mercado por mais de quatro décadas.
Elas admitiam que os parâmetros nos quais suas
existências se baseavam eram imutáveis. Quais eram esses
parâmetros? Citaremos apenas alguns: proibição de novas
empresas no mercado; cartel abençoado pelo poder concedente;
tarifas fixadas em função dos seus custos; certeza que nunca
iriam à falência, pois se tratava de uma reserva estratégica
em caso de guerra; acordos bilaterais que impediam a maior
presença de empresas estrangeiras; monopólio da bandeira
brasileira; ausência de transparência nas relações entre as
empresas e os órgãos do Governo. Quem perdia? A população
brasileira; o uso dos aviões era restrito aos membros do Governo,
das pessoas jurídicas e das altas classes de renda.
O transporte aéreo brasileiro amesquinhou-se, não
guardando relação entre o PIB, o número de habitantes e a
quantidade de passageiros transportados. O cartel e o monopólio
apresentavam elevado endividamento, uso de aeronaves obsoletas
e antieconômicas, parâmetros operacionais baixíssimos, excesso
de funcionários e incapacidade gerencial, ao ponto de entrarem no
século XXI ignorando o uso da internet na gestão da empresa, nas
operações aéreas e no relacionamento com os usuários.
Nesse meio tempo, o mundo mudava, tendo surgido o Código
do Consumidor, o combate às reservas de mercado, aos cartéis e
aos monopólios, acordos mais flexíveis com outros países, liberdade
tarifária. Resultado: apareceu uma empresa com parâmetros
operacionais modernos, e o sólido se desfez no ar. Em 10 anos, o
número de passageiros transportados dobrou e as tarifas caíram,
em média, 40%.
Será possível responder a questão posta no título desse
trabalho com reduzida margem de erro? Os projetos sustentáveis de
transportes derrotarão os insustentáveis? Com a mesma cautela que
as cartomantes fazem suas previsões, cuidando para não perderem
a credibilidade e o cliente, vamos tentar ver o futuro na nossa
embaçada bola de cristal.
Do exposto, dá para encarar o futuro dos transportes no
Brasil com otimismo. Eles serão planejados e operados dentro de
parâmetros compatíveis com o que se passa no mundo. O difícil
será recuperar o imenso atraso em relação ao que já deveria
estar pronto e que sequer foi projetado; esperar que os homens
públicos voltem a se motivar a servir ao país e não a seus interesses
pessoais, familiares e grupais, que a política atraia pessoas
de bem, como ocorria no passado; e que os juízes comecem a
entender que eles devem contribuir com o progresso e não ser
uma âncora presa ao passado, aguardando os anos para darem
suas sentenças e vendo crimes prescreverem, notadamente os
daqueles com foro privilegiado, os brasileiros que não são iguais
aos demais, como se prega há mais de 200 anos. As inseguranças
e as omissões jurídicas são o que mais elevam custos, afastam os
empreendedores e dificultam a sustentabilidade.
Como sempre, há senões em qualquer planejamento. No
caso, devem ser observados os longos prazos de maturação e
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a necessidade de pesados investimentos, o que limitaria a
participação do setor privado em projetos de transportes, mesmo
as parcerias público-privadas, que são lucrativas em muitos
projetos, mas pouco atraentes nos de transportes, devido ao longo
prazo de maturação dos projetos, aos elevados investimentos
iniciais e às incertezas que podem ocorrer ao longo da vida útil
dos projetos, com sucessivas mudanças de governos, ou seja, dos
sócios, mudando regras estabelecidas e contratos e deixando o
investidor sem ter a quem recorrer.
O caminho natural é o da concessão com regras bem
estabelecidas em editais e contratos, limitando a participação
estatal a desapropriações e investimentos que tornem atraentes
alguns projetos com grandes inversões iniciais, como os dos
transportes urbanos sobre trilhos.
O papel dos empresários é perseguir o lucro, para não
acabarem falidos.
O maior problema brasileiro é que a poupança interna
está muito distante da dos países asiáticos, notadamente
da China. No Brasil, os gastos públicos impostos pela
Constituição de 1988, e aumentados com vigor por
sucessivos governos, inviabilizam poupanças públicas
elevadas. A cada orçamento, os gastos aumentam mais que
os investimentos — não é difícil fazer as contas e prever
quando eles se aproximarão de zero. Outro entrave relevante
é degradação progressiva da administração pública: os
piores, em nome da governabilidade, têm sido escolhidos
para gerir as atividades públicas.
Alguns países vizinhos não possuem, ou perderam, a
credibilidade para atrair o capital externo. O Brasil atrai
devido à madura política fiscal praticada e pelas altas taxas
de juros pagas. O investidor, antes de boas remunerações,
quer regras estáveis e respeito aos contratos — poucos países
oferecem esses requisitos tão simples.
Não havendo poupança interna nem investimentos
estrangeiros, o subdesenvolvimento persistirá por muito
tempo. Para sempre? Quem sabe? A resposta é que a
sustentabilidade dos projetos de transportes está mais para
tendência que para modismo, ainda que um longo caminho
tenha que ser percorrido pelos entes públicos.
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exame da matriz de transportes do Rio Grande do Sul nos
mostra uma concentração muito grande no transporte
rodoviário (85,3%) seguido do ferroviário (8,80%) e do
hidroviário (3,6%).
Esta distorção tem preocupado os sucessivos governos
que passam pelo Palácio Piratini, pois a situação apontada
tem prejudicado o escoamento da produção do estado,
aumentado o custo das mercadorias para os produtores, bem
como vem acelerando a deteriorização da malha rodoviária
e causando um aumento no número e na gravidade dos
acidentes rodoviários. Esta concentração no modal rodoviário
tem causado, também, um aumento sensível na poluição com
prejuízos insanáveis ao meio ambiente.
Nos anos recentes, a partir de 2005, foram contratados
estudos visando propor ações e investimentos necessários
a incentivar o uso dos modais ferroviário e hidroviário, dos
quais destacamos o RUMOS2015, que apresentou um Plano
de Logística para oestado e o MASTERPLAN, realizado
através de Convênio com o Governo da Holanda e tratou
especificadamente da modalidade aquaviária.
Com as ações e investimentos propostos no
RUMOS2015, deveria o estado alterara participação do
modal hidroviário na sua matriz de transportes, crescendo
constantemente até atingir 15% em 2015.
Por sua vez, o MASTERPLAN, que pretende atingir o
mesmo objetivo, é mais pragmático nas ações propostas.
Os diagnósticos apresentados por ambos estudos,
apontam que a rede hidroviária gaúcha possui instalações
apropriadas para navegação interior em termos de calado e
navegabilidade, havendo apenas limitações nas dragagens de
Transporte hidroviário no Rio Grande do Sul
alguns canais e na sua sinalização, bem como na proibição
da navegação noturna de cargas perigosas.
Mas o fator que mais tem influenciado na baixa utilização
do modal hidroviário, é a intermodalidade. Sabidamente o
transporte é um elo crucial na cadeia logística dos produtos
e pode representar uma parcela significativa do valor final
das mercadorias. Isso é especialmente significativo no caso
do Rio Grande do Sul que está geograficamente afastado do
centro do país e tem uma economia vinculada a exportação
dependente de insumos oriundos de outros estados.
Uma das principais alternativas para aumentar a
competitividade e estimular o crescimento do Estado
é a redução dos custos logísticos. Isso pode ser obtido
através do incremento da intermodalidade no transporte
das cargas. No entanto, o transporte de mercadorias
integrando mais de uma modalidade não é usado em
toda potencialidade no estado. Uma série de aspectos
relacionados com infraestrutura das redes e terminais, bem
como questões operacionais e gerenciais limitam até agora
o transporte multimodal principalmente a situações em
que seu uso é compulsório.
Também é constatável que não é percebida pela
indústria o papel de organismos governamentais (incluindo
a autoridade portuária) como facilitador e incentivador desse
setor de transporte, notadamente a intermodalidade.
Observa-se hoje, que o maior fluxo de carga consiste do
transporte de fertilizantes no sentido Rio Grande - Interior,
e de soja, derivados e combustíveis no sentido Interior –
Rio Grande. Além destes produtos, o transporte hidroviário
é utilizado por empresas que estão localizadas junto as
Eng. Daniel Lena Souto
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margens dos rios, como o Polo Petroquímico e a indústria de
celulose, antiga Aracruz, em Guaíba.
Uma característica do estado, é que produção e o
consumo industrial estão largamente concentrados na área
metropolitana de Porto Alegre, aproximadamentea 150 km
em torno da cidade. Este fato gera óbices para utilização de
outros modais que não o rodoviário, pois a intermodalidade
neste caso, apresenta um custo significativo considerando a
pequena distância ao Porto do Rio Grande.
Uma análise do desenvolvimento do modal nos últimos
dez anos nos mostra que as políticas até agora realizadas,
como a redução de alguns gargalos logísticos e legais
institucionais, não provocou uma maior participação do
mesmo na matriz de transportes do estado. O aumento
na quantidade de novas embarcações agregadas a
frota circulante no estado, e a melhoria na sinalização,
balizamento e na operação de descarga no Porto de Rio
Grande, embora tenha ocasionado um pequeno aumento no
total da carga transportada anualmente, não se reflete no
percentual da matriz, tendo em vista o aumento significativo
da produção gaúcha.
Foram implantados alguns avanços tecnológicos nas
embarcações novas incluídas na frota da Navegação Aliança
e no sistema de comunicação e navegação com a utilização
do GPS. A infraestrutura pouco evoluiu nas questões
de sinalização e balizamento, bem como não houve a
implantação nova carta náutica.
Apesar de o transporte hidroviário interior no Rio Grande
do Sul estar passando por uma fase de pouca competitividade
em relação a outras modalidades, principalmente a
rodoviária, suas perspectivas futuras são boas. Mas, para isso
é necessário que se implante uma infra-estrutura compatível
com os moldes internacionais, se promova a capacitação
da mão-de-obra envolvida, e se defina uma estrutura de
governança e gestão que permita a efetiva integração
intermodal, dentro de um padrão de competitividade e de
custos adequado.
O caminho para o futuro aponta que o principal fator
que influenciará no aumento da participação hidroviária no
transporte do estado, passa pela localização da produção e
áreas industriais junto a rios e canais.
Entre as Diretrizes Estratégicas apresentadas pela
Agenda 2020, se nota a ênfase dada a este fator:
Envolvimento/comprometimento dos municípios
hidroviários;
Levantamento dos territórios marginais aos rios e
avaliação dos impactos ambientais e socioeconômicos;
Criação de um modelo de financiamento continuado
(com linhas de crédito exclusivas para a região da Bacia
do Sudeste);
Fomento para instalação às margens das hidrovias de
empreendimentos;
Criação de consórcios de municípios para atrair
investimentos;
Delegação ao Estado para autorizar a instalação de
empreendimentos às margens dos rios e canais.
Além destas medidas de localização, que evitarão a ponta
rodoviária, há necessidade de implantação de sistema que
permita o tráfego hidroviário em quaisquer circunstâncias
climáticas nas 24 horas do dia e devem ser diminuídas ou
adequadas as exigências em normatização das embarcações.
Existem dois investimentos previstos que influenciarão
nos próximos anos no aumento na produção hidroviária:
O primeiro é a previsão de aumento da produção de
celulose em Guaíba, que utilizará grandemente o modal
hidroviário na sua cadeia logística. Será instalado um porto
em Rio Pardo, que concentrará a produção de madeira da
região que posteriormente será transportada para Guaíba
através de barcaças. O ciclo se completará com o escoamento
da produção de celulose de Guaíba, para o porto que será
construído em São José do Norte, também por este modal.
O segundo é a construção da hidrovia do MERCOSUL,
programa financiado pelo governo federal, que pretende
ligar a Lagoa Mirim ao Porto de Estrela, incentivando o
escoamento da produção daquela região, edo Uruguai para o
norte do país.
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28
As cidades são pensadas para atender aos automóveis. Como se equaciona esse problema?
Se grande parte da população continua usando o transporte coletivo, particularmente o sobre pneus que
predomina no Brasil, por que nossas cidades são pensadas para o carro, para oferecer cada vez mais espaço
para o carro que é um veiculo muito ineficiente no uso do espaço? Em algumas cidades onde avançam as
obras para a Copa e Olimpíadas, e onde desapropriações são necessárias para abrir novas avenidas, alguns
chegam a atribuir o ônus das desapropriações aos corredores de ônibus. Então quem está pagando o ônus da
desapropriação é o BRT. É muito injusto, um carro ocupa muito espaço e transporta pouca gente e quando se
precisa de uma faixa a mais ou alargar uma avenida o culpado é o transporte coletivo.
Nós já passamos da fase em que se dizia que engarrafamento era bom, pois era sinal de progresso, mas
de qualquer forma, quem anda de automóvel ainda quer mais espaço. Os dados mostram que a motorização
vai crescer bastante, que o Brasil tem hoje por volta de 150 carros para cada 1000 habitantes. A EMBARQ
Brasil montou uma relação entre PIB per capita e a frota por mil habitantes para algumas capitais brasileiras.
Chamando a atenção que é a frota registrada, e que boa parte dessa frota nunca sai dos registros. Essa
relação mostra que Porto Alegre ocupa a terceira posição, na ordem dos 350, só ficando abaixo de São
Paulo não considerando o fenômeno de Curitiba, que apresenta uma distorção nos números por apresentar
ter impostos mais baixos e assim contar com veículos de outras cidades registrados em Curitiba. Como a
incidência dos carros nas cidades já aumentou desde 2006, devemos contar hoje com aproximadamente 400
carros por mil habitantes nas grandes cidades. Estamos, mais ou menos, com a média nacional portuguesa
mas com grande espaço ainda para crescer. O Brasil vai se motorizar muito nas periferias de suas grandes
cidades. E, por exemplo, a frota de Gravataí, Cachoeirinha e Alvorada vão acabar circulando em Porto Alegre.
É possível que a frota de carros duplique nos próximos anos. Ou seja, nós temos um desafio enorme pela
frente, que é como acomodar mais um carro para cada carro que já existe na cidade. Difícil dizer quando isso
vai acontecer, mas estamos caminhando para isso, a tendência é essa.
A contribuição do transporte para uma cidade mais sustentável. Repensando o espaço urbano.
¹Luis Antonio Lindau é Eng Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, PhD em Transportes - University of Southampton, pós-doutorado pela University College London. Atualmente é professor associado III da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, consultor ad-hoc da CAPES, CNPq e FAPERGS. Sócio fundador da ANPET, ex-presidente, ex-diretor, membro do conselho consultivo. É membro de Comite de Países em Desenvolvimento do TRB, pesquisador associado do
WRI e diretor presidente da EMBARQ Brasil.
Todas as imagens provém do entrevistado sendo em maior parte de sua autoria. As fontes dos dados e informações constam das imagens.
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Entrevista Luis Antonio Lindau¹
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Como arrumar espaço para acomodar mais esses veículos?
Esse é o cenário. Vão aparecer mais carros, os carros
vão ser mais utilizados e vai cair a demanda pelo transporte
coletivo. Deixando como está, vai cair o número de usuários
do transporte coletivo, esse é o quadro, digamos, dramático,
que temos nas áreas urbanas. Então, vai aumentar o
congestionamento, que deve contribuir para a perda de
competividade e para uma estagnação econômica nas
grandes cidades.
A questão que se impõe é: qual a capacidade de uma
faixa com três metros e meio de largura, a largura típica de
uma faixa de trânsito? Com carros estacionados a capacidade
é zero, ninguém anda. Com carros andando, dá mais ou
menos 1350 pessoas por hora. Destinada a ciclistas,
baseando-se na experiência do leste asiático, se consegue
3,3 vezes mais pessoas, cerca de 4500 pessoas por hora.
Com pedestres, usando também as teorias de circulação
em calçadas, chega-se a 13500, 10 vezes mais. O mesmo
usando BRT. Ou seja, precisa-se de 10 vezes mais faixas ou
de espaço para o automóvel do que se precisa para pedestres
ou para ônibus de alta capacidade. É um uso muito irracional
do espaço da superfície.
Com a preocupação com o meio ambiente, com as emissões, se
esperava que o carro perdesse espaço?
Uma consideração que se fazia era: será que no futuro
os veículos serão menores, imaginava-se isso no passado,
que surgiriam veículos menores, menos poluentes. É uma
questão que temos que pensar, a indústria está trabalhando
“Vão aparecer mais carros, os carros vão ser mais utilizados e vai cair a demanda pelo transporte coletivo. Deixando como está, vai cair o número de usuários do transporte coletivo, esse é o quadro, digamos, dramático, que temos nas áreas urbanas.”
para fazer carros limpos, ou carros “verdes”, como se quiser
chamar. A indústria automobilística está indo para esse
lado. Mas, o conceito do automóvel não mudou em nada. O
automóvel, com porta-malas, levando várias pessoas, com
espaço, resultou de um processo de 100 anos evolução. Por
que o automóvel elétrico com baterias deveria se parecer
com a poltrona da sala com rodas? A indústria, de certa
forma, lava as mãos dizendo “meus carros são limpos e o
problema do congestionamento não é o nosso problema,
é problema das cidades, dos estados, do setor publico e
do próprio mercado”. Quer dizer, o mercado, e em última
palavra, a sociedade, vai ter de descobrir uma forma de
Efeito do automóvel na evolução humana.
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consertar isso, daqui a pouco o nível de congestionamento
será tão alto que alguma coisa precisará ser feita.
Estamos caminhando para essa situação que eu chamaria
de congestionamento limpo. Baixas emissões, ar bem mais
limpo, mas ninguém anda. Isso não é mobilidade sustentável,
ao reduzir emissões atendendemos somente uma dimensão
da sustentabilidade nos transportes.
Além disso, a dependência do automóvel gera outros
problemas. A Organização Mundial da Saúde, no ano
passado, começou a se interessar pela relação transporte
privado/sedentarismo/problemas de saúde. As pessoas
precisam caminhar todos os dias e o carro não ajuda, nos
tornamos dependentes dele para tudo.
Outra questão que tem sido bastante debatida é o
aumento da frota de motocicletas e seu reflexo no tráfego.
Antes do novo código de trânsito a moto tinha um espaço
de circulação equivalente ao de um carro, ela tinha que se
comportar como o carro. Antes do novo código de transito,
o percentual de motos que circulava nas nossas cidades era
baixo. Com o veto ao artigo 56 do novo código de transito, as
motos ficaram liberadas para andar entre os carros. Então,
o trânsito não anda, mas as motos sim. Em função disso as
vendas de motos cresceram abruptamente. Em relação a
1997 houve um aumento de 461% na venda de motocicletas
contra 139% na venda de carros. Os carros até sofreram com
a depressão econômica nos anos 2000, houve queda nas
vendas, as motos não.
E a migração para as motos gera um problema
adicional. Por que alguém que largou o transporte coletivo
pela moto vai voltaria ao transporte coletivo. Essa é
a maior dificuldade, trazer usuários da moto de volta
para o transporte coletivo. A moto apresenta um custo
de desembolso bem inferior ao carro e ônibus para um
mesmo percurso. Por outro lado, a moto apresenta o maior
custo social O que pesa para a sociedade, é a morte, é o
hospital, é o custo de tratamento, todas essas questões.
Como o novo código influenciou na segurança viária?
O que aconteceu com as mortes no trânsito depois
do novo código? Houve uma queda e números absolutos,
depois voltou a crescer de novo. Essa queda pode ser
computada a varias coisas, os motoristas temiam a
pontuação na carteira e houve, no início, uma maior
fiscalização. Mas, o mais impressionante é o gráfico
que revela a evolução histórica das mortes no trânsito e
apresenta uma tendência para o futuro. Mortos por motos
cresceram muito mais que usuários de carros, pedestres
e ciclistas. Estamos falando de 10 mil mortos por ano,
sendo que 67% das vitimas usam a moto como modo de
transporte. Não estamos falando apenas em motoboys,
estamos falando também daqueles ex-usuários do
transporte coletivo.
REPENSANDO O ESPAÇO URBANO
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Qual a solução para este problema?
Não é uma solução fácil a das motos, essa discussão
acontece em várias partes do mundo e não se encontrou
ainda uma solução. A solução deve passar, inclusive, por
melhorar o transporte coletivo sem aumentar a tarifa e
lhe dar agilidade, torná-lo mais atraente para o usuário.
Os dois pontos principais de reclamação do usuário são
o tempo e o custo. Designando faixas viárias para o uso
exclusivo do ônibus, o sistema não precisaria frotas tão
grandes. O congestionamento tem um efeito estimado no
custo do transporte coletivo da ordem de 30%. Ou seja,
tirando o ônibus do congestionamento já reduziria em 30%
o custo da tarifa, já que o usuário do transporte coletivo
acaba tendo que pagar toda conta. Aliás, esta é outra
discussão, por que o usuário tem que pagar toda a tarifa
do transporte coletivo? Existe solução para isso, a nossa
sociedade ainda vai clamar por aquilo que já aconteceu no
mundo desenvolvido.
Então, qual seria a contribuição do transporte para uma cidade
mais sustentável?
Acredito que essa contribuição esteja baseada em
quatro pilares: o desestímulo ao uso do carro, a melhoria do
transporte coletivo, o estimulo ao transporte não motorizado
e a integração do uso do solo com o transporte.
Desestimular o uso do caro não é simplesmente
proibir o uso. Infelizmente é a experiência que temos no
Brasil, em São Paulo, que de certa forma é semelhante
a de outras grandes cidades da América Latina, como
a Cidade do México, Bogotá e Santiago. Essas cidades
implantaram um sistema chamado de pico e placa, em que
no horário de pico há a proibição de circulação de carros
com determinados números de placa. Isso não dá para usar
mais. Verificou-se que aumentou a frota de carros nessas
cidades, as pessoas aumentaram suas frotas domésticas,
para ter uma alternativa de placa para usar. Ora, na medida
em que você tem mais veículos em casa, outros que antes
não dirigiam pensam: “já que estão parados nesses dias,
por que eu não posso usar?” Ou seja, o sistema pico e placa
criou um potencial problema maior ainda, porque na medida
em que desmanchando esse sistema se teria mais carros
circulando nas áreas urbanas.
REPENSANDO O ESPAÇO URBANO
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A medida correta é a taxação do congestionamento, uma medida que está
sendo implantada em cidades do mundo todo. Começou em Cingapura nos anos
70, está em Londres e Estocolmo, entre outras. Ou seja, a cobrança de um valor
para circular em determinadas ruas ou em determinados horários. O sistema
mais evoluído é o de Cingapura, porque carros pagam de acordo com o grau de
congestionamento das vias. Os gestores da mobilidade de Cingapura especificam
a velocidade que as vias devem ter e conforme essa velocidade vai aumentando
ou diminuindo eles vão ajustando o valor da taxa, de tal forma que se tem como
resultado essa velocidade pretendida e se evitam os congestionamentos.
Nós precisamos descobrir formas de sair do congestionamento e melhorar
o transporte coletivo. Temos a solução do metrô que é bastante cara para
implantar e operar e que acaba requerendo décadas para que tenhamos uma
rede. São Paulo ainda está longe de ter uma rede metroviária condizente com
o tamanho da cidade. Já se pensou em colocar o ônibus debaixo do solo, em
túneis, o que depende muito do tipo de combustível a ser usado. Mas, também
é preciso se fazer um túnel, o que também o torna bastante caro. Além disso, o
ônibus é tipicamente o nosso veículo de transporte coletivo da superfície. Com
o BRT ele se apresenta muito mais competitivo em termos de capacidade de
transporte e desempenho do que os VLT, então ele reina na superfície. Também
temos a discussão do que fazer acima da superfície. Ônibus em vias elevadas
são muito intrusivos visualmente. Em via elevada operam os people movers que
vem sendo gradativamente implantados em conexões aeroportuárias. Dentro
desse quadro referencial, o ônibus continua muito atraente na superfície, apenas
precisamos melhorar as suas condições de circulação.
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“ O congestionamento tem um efeito estimado no custo do transporte coletivo da ordem de 30%. Ou seja, tirando o ônibus do congestionamento já reduziria em 30% o custo da tarifa, já que o usuário do transporte coletivo acaba tendo que pagar toda conta. Aliás, esta é outra discussão, por que o usuário tem que pagar toda a tarifa do transporte coletivo? ”
REPENSANDO O ESPAÇO URBANO BOGOTÁ - COLÔMBIA
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O estímulo ao transporte não motorizado passa por
designar aos pedestres e às bicicletas, um espaço digno na
superfície viária. Gosto dessas duas imagens, uma de Bogotá
e outra de Nova Iorque, que mostram como as grandes
cidades estão inovando no resgate do espaço público.
Precisamos inverter as prioridades atuais e devolver o espaço
do carro para a população.
O quarto pilar da mobilidade sustentável contempla a
integração uso do solo com o transporte. Ao se implantar um
sistema de transportes de capacidade elevada, seja metrô ou
BRT, precisamos adensar a cidade no entorno das paradas
e grandes terminais, para fazer o maior uso dos recursos
investidos. Com esses sistemas de grande capacidade, tem
que vir junto um grande projeto de reformulação da cidade,
dos seus índices construtivos, bem como a instalação de
serviços e comércio.
Precisamos romper os paradigmas atuais do asfaltamento
das vias em áreas de menor renda. Algo que tipicamente
se faz no Brasil é asfaltar uma via de ponta a ponta, sem
consolidar calçadas e ciclovias. Se asfalta tudo, “vamos
asfaltar por que ali passa ônibus”. Depois temos as pessoas
obrigadas a caminhar sobre esse asfalto, porque afinal
as calçadas nunca foram tratadas. E também crianças
brincando na superfície asfaltada. Com o processo tradicional
de asfaltamento levamos junto os acidentes e as mortes.
Necessitamos consolidar espaços urbanos e não vias urbanas.
Voltando a questão do tempo e do custo do transporte coletivo.
A taxação do congestionamento poderia ser uma maneira de
financiar o transporte público, subsidiar a tarifa?
Financiaria o transporte coletivo e, assim, desoneraria o
bolso do usuário. Seria uma medida justa de transferência
de renda, de subsídio cruzado. De certa forma é o que nós
temos hoje com a tarifa única urbana, quando os usuários
de trechos curtos pagam parte do custo dos usuários de
trechos longos. O grande problema é forma como se dá essa
transferência de renda. Em muito casos acaba o usuário de
menor renda subsidiando os isentos, idosos, estudantes. Via
de regra o isento é alguém que poderia pagar. Quem sabe
se, taxando o congestionamento urbano, não conseguiríamos
recursos para implantar e operar um transporte coletivo
muito melhor?
O valor da passagem está chegando num ponto crítico
no Brasil. Já temos a tarifa mais elevada da America
Latina mas o nosso ônibus está cada vez mais preso no
congestionamento. Assim precisamos de mais veículos para
ofertar o mesmo serviço. A isso chamamos de espiral da
morte, ou seja, estamos chegando num ponto em que o preço
da passagem não cobre os custos do serviço e não há como
aumentar mais, pois perderemos usuários. Aumentando a
passagem, incentivamos a migração para a moto e até para o
carro barato. Temos que reverter logo isso, e a melhor e mais
justa saída passa pela taxação do congestionamento. Essa
é uma discussão ainda complicada nas esferas técnicas e
políticas.brasileiras. Apesar do usuário do carro ser minoria
quando comparado ao conjunto que usa o transporte coletivo,
sem falar nos pedestres, de estarmos presos cada vez mais
em congestionamentos que se alastram no tempo e no
espaço, existem ainda barreiras para discutir esse tema no
nosso país. Porém, a taxação das externalidades pelo custo
marginal e a inversão desses recursos no transporte coletivo é
algo que apresenta uma lógica muito interessante. Sinto que
em algum momento vamos ter que encarar essa discussão, e
que esse momento está cada vez mais próximo.
REPENSANDO O ESPAÇO URBANO NOVA IORQUE - EUA
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ui nomeada no serviço público federal, em 28 de outubro de 2008, para o cargo de
especialista em infraestrutura sênior, na área transportes, especialidade rodoviário e
urbano, por meio de concurso público do Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão, após 22 anos de atuação como servidora pública no Estado do Rio Grande
do Sul, na área de infraestrutura aeroportuária e rodoviária. Atualmente, estou lotada
na Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana (SNTMU/SEMOB) do
Ministério das Cidades, em Brasília/DF.
No Estado, atuei, de 1997 a 2003 no Departamento Autônomo de Estradas de
Rodagem (DAER-RS), na Equipe de Economia Rodoviária da Divisão de Planejamento,
cedida da Secretaria dos Transportes, atual Secretaria de Infraestrutura e Logística.
Em 2001, no DAER, como sócia da SUDAER e da SECDAER, após a publicação
na Revista Estradas do resumo da minha Dissertação de Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em Engenharia de Produção (modalidade profissionalizante, área
de concentração: Sistemas de Transportes e Logística) da Escola de Engenharia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), intitulada Custos da Infraestrutura
Rodoviária – Análise e Sistematização, elaborada sob orientação do Prof. Dr. Luiz Afonso
dos Santos Senna, fui convidada pela Eng. Sayene Paranhos Dias, para fazer parte da
Comissão Editorial da Revista Estradas, experiência que foi muito gratificante e mais
uma das diversas oportunidades que a Eng. Sayene me proporcionou.
Também atribuo à Eng. Sayene e à Eng. Marilene Ragagnin a indicação para
participação no Curso de Pós-Graduação em Engenharia de Produção – Transportes
na UFRGS.
As oportunidades do Mestrado e na Comissão Editorial da Revista Estradas
possibilitaram, além da ampliação dos meus conhecimentos, interagir com importantes
grupos, como os integrantes multidisciplinares da Comissão Editorial, os professores,
os acadêmicos, os profissionais de empresas tanto privadas quanto públicas, de várias
áreas de transportes, o que gerou trocas de informações muito produtivas.
Reminiscências do DAER-RS e da Revista Estradas (2001) e perspectivas de infraestrutura de transporte e mobilidade urbana (2011/2020)
Lucia Gonçalves PedrozoEngenheira Civil/Mestre em Engenharia/Especialista em Infraestrutura Sênior do Ministério das Cidades
[email protected] ou [email protected]
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Da Comissão Editorial da Revista, ficaram inúmeras
lembranças. Destaco a reportagem técnica Preços dos Materiais
Asfálticos – As Novas Tecnologias são a Solução?, da qual
muito me orgulho, desenvolvida em conjunto com o Jornalista
Francisco Canabarro, em 2003. Por sugestão da Comissão
Editorial, e, principalmente do Eng. Joel Silveira e do Eng.
José A. de Oliveira, que trabalhavam, à época, no Centro de
Pesquisas Rodoviárias do DAER-RS, tendo em vista o excessivo
aumento dos materiais asfálticos na época, e, considerando
a minha experiência em custos, formatou-se a reportagem,
na qual entrevistamos técnicos da área. Foram entrevistados
técnicos da Ipiranga Asfaltos, Petrobrás Distribuidora,
Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de
Asfalto, Gerência de Produtos Especiais da empresa Petróleo
Brasileiro S.A. e, para nossa surpresa o principal destaque dos
entrevistados foi no sentido de tentar amenizar o problema
através de utilização de novas tecnologias.
Técnicos altamente qualificados, que acompanhavam
o que acontecia no mundo ressaltaram e descreveram
novidades tecnológicas na área de pavimentação, inclusive,
propuseram programas nacionais de recuperação de rodovias.
Em visita a Porto Alegre, deparei-me com a chamada
da Revista, com o tema Perspectivas Para a Infraestrutura
de Transporte – 2011-20, incluindo os transportes públicos
(metrôs, BRTs, etc). Decidi escrever este artigo sobre
investimentos em transporte e mobilidade urbana como forma
de reconhecimento e prestando homenagem à Eng. Sayene
Paranhos Dias, falecida em 05/10/2009, pois ela sempre
foi fundamental para a existência da Revista Estradas e sua
preservação – vejo que escolheu pessoas competentes para dar
continuidade - e pela importância da Sayene em nossas vidas.
As perspectivas para a infraestrutura de transportes no
período 2011-20, na área de transporte e mobilidade urbana,
são positivas, visto o expressivo aporte de recursos para a área.
O Ministério das Cidades atua nas áreas de Habitação,
Saneamento, Programas Urbanos e Transporte e Mobilidade
Urbana. Já a Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade
Urbana (SeMOB) foi instituída no Ministério das Cidades com a
finalidade de formular e implementar a política de mobilidade
urbana sustentável, entendida como “[...] a reunião das políticas
de transporte e de circulação, e integrada com a política de
desenvolvimento urbano, com a finalidade de proporcionar o
acesso amplo e democrático ao espaço urbano, priorizando os
modos de transporte coletivo e os não-motorizados, de forma
segura, socialmente inclusiva e sustentável”.
A necessidade de implantação de melhorias na
infraestrutura de mobilidade urbana nas cidades-sede da
Copa do Mundo de 2014 e o ingresso da área no Programa de
Aceleração do Crescimento do Governo Federal possibilitaram
que mais recursos fossem direcionados para a área de
infraestrutura urbana.
Os recursos de financiamento do Programa de
Infraestrutura de Transporte e da Mobilidade Urbana – Pró-
Transporte foram ampliados de R$ 1 bilhão, em 2009, para R$
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8 bilhões, em 2010. O Programa tem como gestor da aplicação
o Ministério das Cidades, sob a responsabilidade da Secretaria
Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana e como agente
operador, a Caixa Econômica Federal. Os recursos são do Fundo
de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
O Pró-Transporte tem por objetivo financiar, para os
setores público e privado, a implantação de sistemas de
infraestrutura de transporte coletivo urbano e à mobilidade
urbana, contribuindo na promoção do desenvolvimento
físico-territorial, econômico e social, da melhoria da
qualidade de vida e da preservação do meio ambiente.
Apoia o financiamento de implantação, ampliação
de infraestrutura de sistemas de transporte coletivo,
incluindo, além das obras civis, a possibilidade de
aquisição de veículos dos sistemas de transporte sobre
trilhos, pneus e hidroviário. Possibilita construção
de terminais, bicicletários, abrigos de pontos de
parada, equipamentos e sistemas de informática e/ou
telecomunicações que otimizem a integração, o controle e
a modernização do sistema de transporte público coletivo
urbano, incluindo a possibilidade de financiar estudos e
projetos de concepção, desde que incluídos no escopo da
proposta de implementação.
Os proponentes que podem demandar recursos são
os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, os órgãos
públicos gestores e as respectivas concessionárias ou
permissionárias do transporte público coletivo urbano, bem
como as Sociedades de Propósitos Específicos (SPE).
Foram definidos 55 projetos de mobilidade urbana
associados à Copa do Mundo de 2014 nas 12 cidades-
sede do evento. Em todos os casos, foi destacado que
as obras incorporassem os preceitos de acessibilidade e
mobilidade urbana, de forma a promover a inclusão social
das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
Nos meses de maio, junho e agosto de 2010, foram
publicadas no Diário Oficial da União, pelo Ministério
das Cidades, como gestor da aplicação, as seleções de
54 projetos na área de mobilidade urbana nas cidades
de Belo Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza,
Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Salvador e São
Paulo, conforme apresentado na Tabela 1.
É importante salientar que, das 12 cidades-
sede, escolhidas pela FIFA, cada uma possui mais de
uma modalidade de projeto, em contratos diferentes,
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perfazendo o total de 55 projetos, incluindo o Rio de
Janeiro. Algumas obras são de responsabilidade dos
Estados, e outras, dos municípios.
As obras são de implantação de corredores exclusivos
para transporte coletivo, Bus Rapid Transit (BRT), Veículo
Leve sobre Trilhos (VLT), implantação e readequação de
vias, estações, terminais e sistemas de monitoramento de
controle de tráfego.
Entende-se por BRT, o sistema de transporte de ônibus
de alta qualidade, que realiza mobilidade urbana rápida
e eficiente e com custo adequado, através da provisão de
infraestrutura segregada com prioridade de passagem,
operação rápida e frequente e excelência em marketing e
serviço ao usuário.
Tem, ainda, como principais características: poucas
linhas, com alta frequência e terminais de integração;
estações especiais, com acesso em nível entre a plataforma
e o veículo; embarque e desembarque rápidos, com ampla
capacidade para demanda de passageiros ao longo do
corredor; cobrança tarifária na entrada das estações; locação
no principal eixo de desenvolvimento da cidade, atuando
sob o Sistema Tronco Alimentador com Rede Integrada.
Com exceção do contrato do projeto de mobilidade
urbana associado à Copa do Mundo de 2014 do Rio de
Janeiro, que foi assinado pela Prefeitura Municipal do
Rio de Janeiro com o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), com recursos do Fundo
de Amparo ao Trabalhador (FAT) do programa Projetos
Estruturadores de Transporte Urbano, os demais foram pelo
Pró-Transporte.
A Matriz de Responsabilidades é o documento que
consolida os compromissos firmados pelos Governos
Federal, Estaduais e Municipais, e também por clubes de
futebol, destacando os papéis assumidos pelos envolvidos
na liberação de recursos e na execução de cada uma das
ações. Envolve obras em estádios, aeroportos, portos,
mobilidade urbana entre outras.
A coordenação do Comitê Gestor para definir, aprovar
e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das
Ações do Governo brasileiro para a realização da Copa do
Mundo FIFA 2014 é do Ministério do Esporte.
Os valores dos projetos de mobilidade urbana
referentes à Copa do Mundo FIFA 2014 estão apresentados
na Tabela 1 a seguir.
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TABELA 1 Resumo dos projetos de mobilidade urbana associados à Copa do Mundo FIFA 2014 no Brasil
Fonte: Matriz de Responsabilidade e publicações no Diário Oficial da União em 2010 e 2011 - Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana -
SNTMU/SeMOB - Ministério das Cidades (Dados atualizados até Agosto/2011)
Além desses recursos, foram alocados, em 2010, R$
3 bilhões para o Programa de Aceleração do Crescimento
2 (PAC 2), eixo Pavimentação e Qualificação de Vias
Urbanas. Foram selecionadas propostas perfazendo o total
de R$ 2,4 bilhões.
Adicionalmente, lançado em fevereiro de 2011, na
segunda etapa do PAC, o Governo Federal definiu o PAC
Mobilidade Grandes Cidades, visando apoiar projetos de
mobilidade urbana, tendo como público alvo os municípios
com população superior a 700.000 habitantes. O PAC
Mobilidade Grandes Cidades dispõe de recursos plurianuais
no valor de R$ 12 bilhões para financiamento de R$ 6
bilhões de recursos do Tesouro-Orçamento Geral da União.
Tem por objetivo requalificar e implantar sistemas
estruturantes de transporte público coletivo, visando à
ampliação da capacidade e promovendo a integração
intermodal, física e tarifária do sistema de mobilidade nos
grandes centros urbanos.
Permite obras de melhorias na infraestrutura existente
e implantação nova de infraestrutura de sistema de
transporte público coletivo urbano e equipamentos visando
integração, controle e modernização dos sistemas de
transportes públicos coletivos.
Atualmente, as propostas estão em análise, com
previsão de divulgação da seleção antes do final do ano.
Nesse caso, há previsão de seleção de sistemas de média
e alta capacidades e, diferentemente dos projetos de
mobilidade urbana associados à Copa do Mundo FIFA
2014, prevê a implantação de metrôs, além de BRTs,
corredores, VLTs.
A demanda foi bem superior aos recursos
disponibilizados, revelando a necessidade de destinação
de recursos para o setor. Assim, o valor de investimentos
em mobilidade urbana disponibilizados pelo Governo
Federal, incluindo a contrapartida dos entes federados
para os projetos associados à Copa do Mundo de 2014, é
de R$ 11,923 bilhões, e a disponibilidade de recursos a
serem selecionados no PAC Mobilidade Grandes Cidades
é de R$ 18 bilhões. Preveem-se recursos superiores a R$
30 bilhões na área de transporte e de mobilidade urbana,
conforme demonstrado no Quadro 1.
CIDADE-SEDE Nº DE PROJETOS PRINCIPAIS PROJETOS VALOR TOTAL INVESTIMENTO(R$ MILHÕES)
VALOR FINANCIAMENTO(R$ MILHÕES)
BELO HORIZONTE 8 BRT E CORREDOR 1.466 1.023
BRASÍLIA 1 VLT 380 361
CUIABÁ 3 BRT E CORREDOR 489 455
CURITIBA 9BRT, MONITORAMENTO E
CORREDOR464 441
CURITIBA 7 VLT, CORREDOR E BRT 562 410
MANAUS 2 MONOTRILHO E BRT 1.716 800
NATAL 2 CORREDOR 441 361
PORTO ALEGRE 10BRT, MONITORAMENTO E
CORREDOR480 427
RECIFE 5 BRT E CORREDOR 885 678
RIO DE JANEIRO 1 BRT 1.610 1.190
SALVADOR 1 BRT 570 542
SÃO PAULO 1 MONOTRILHO 2.860 1.082
TOTAL 50 11.923 7.769
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QUADRO 1 Resumo do Total de Recursos Federais para Mobilidade Urbana
A Constituição Federal de 1988
atribui ao município a incumbência
de principal ente federativo para o
exercício das atividades relacionadas
ao planejamento e à gestão do espaço
urbano. O artigo 30 da Constituição
enumera as competências do município
que evidenciam essa importância.
Aos Estados e à União, cabem
competências secundárias, sendo
que especificamente à União, de
acordo com o inciso XX do artigo 21,
compete a instituição de diretrizes para
o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e
transportes urbanos.
Como conseqüência dessa
distribuição de competências,
as ações e a política do Governo
Federal, ou seja, da União, na área
de mobilidade urbana, possuem um
caráter predominantemente indutor,
mas importante.
Esse caráter de atuação da
União, estabelecido na Constituição,
meramente indutor, faz com que, para
a infraestrutura de mobilidade urbana
efetivamente ser implantada, se torne
necessário que os entes federados
sejam estruturados, institucionalmente
e tecnicamente, na área de mobilidade
urbana, pois irão executar as
artig
os
obras, seja por meio de contrato
de financiamento, seja, no caso de
recursos do Orçamento Geral da União,
por meio de contratos de repasse.
A estrutura deve ser suficiente
para conceber os projetos de sistemas
de média e alta capacidades,
licitar e executar por meio da
empresa vencedora da licitação o
empreendimento propriamente dito.
Os entes federados, em poucos locais,
contam com estrutura suficiente para a
viabilização de obras de vulto nas suas
respectivas atuações geográficas.
As críticas da mídia com relação
ao início e aos atrasos nas obras são
frequentes; porém, a sua complexidade,
as diversas variáveis envolvidas na
implantação de infraestrutura urbana,
entre elas as grandes necessidades de
desapropriações, em áreas com grande
valorização imobiliária e de liberações
ambientais intrincadas, fazem com que
as dificuldades sejam grandes.
Os órgãos de controle, no seu
papel, questionam os procedimentos.
A falta de investimentos no setor
por longos anos fez com que não se
tivessem disponíveis projetos com
nível de confiabilidade suficiente
para uma imediata retomada de
empreendimentos na área.
Os vultosos investimentos
disponibilizados atualmente no setor
podem fazer com que se restabeleça
e se torne corriqueira a execução de
obras de infraestrutura de sistemas de
infraestruturas de transporte coletivo,
melhorando a mobilidade urbana e
tornando os deslocamentos mais fáceis.
As políticas públicas de incentivo
à melhoria da mobilidade urbana, o
estímulo ao transporte coletivo, em
detrimento do transporte individual,
bem como ao transporte não-
motorizado e as implantações de
sistemas de infraestrutura na área
devem contribuir para as reduções
de emissões de gases de efeito
estufa (GEEs) e os locais (GELs), que
influenciam diretamente nas mudanças
do clima.
Os projetos e termos de referência
devem prever soluções de redução de
emissões gases de efeito estufa e local,
poluição visual e sonora, minimizando
as externalidades negativas.
Entendo que a ação deve ser
conjunta, com muito esforço e
comprometimento de cada uma das
partes, para viabilizar a execução de
obras de infraestrutura de mobilidade
urbana que realmente venham a
contribuir para a sua melhoria nos
PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO - PAC 2 - MOBILIDADE GRANDES CIDADES
VALOR (EM BILHÕES) VALOR CONTRAPARTIDA ESTIMADA DE 5%
FINANCIAMENTO R$ 12 BILHÕES R$ 0,60 BILHÕES
OGU R$ 6 BILHÕES -
PROJETOS ASSOCIADOS À COPA DO MUNDO FIFA 2014
VALOR FINANCIAMENTO VALOR INVESTIMENTO (INCLUINDO CONTRAPARTIDA)
FINANCIAMENTO R$ 7,76 BILHÕES R$ 11,92 BILHÕES
TOTAL GERAL
VALOR FINANCIAMENTO/REPASSE VALOR TOTAL (INCLUINDO CONTRAPARTIDA)
TOTAL GERAL R$ 25,76 BILHÕES R$ 30,52 BILHÕES
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grandes centros, até porque merece
destaque no contexto internacional o
grande volume de recursos nessa área.
Nesse sentido, a regulamentação
da Mobilidade Urbana pode ser
reforçada com a aprovação do Projeto
de Lei Consolidado - PLC 166/2010,
que dispõe sobre a Política Nacional
da Mobilidade Urbana, bem como
sobre os instrumentos necessários à
sua implementação, definindo o Marco
Regulatório da Mobilidade Urbana.
Os projetos de infraestrutura e os
termos de referência para aquisição de
equipamentos devem prever soluções
que atendam à legislação que dispõe
sobre acessibilidade universal no
ambiente urbano e acessibilidade no
transporte coletivo de passageiros:
Leis n°10.048, de 8 de novembro
de 2000, e n°10.098, de 19 de
dezembro de 2000, Decreto n°5.296,
de 2 de dezembro de 2004, e às
normas da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT) – NBR nº
9050/2004, NBR nº 14.022/2006 e
NBR nº15.570/2008.
Além disso, os projetos
devem ter compatibilidade com as
legislações municipal, estadual e
federal de preservação ambiental,
de tombamento e de preservação do
patrimônio cultural, histórico, artístico,
paisagístico ou arqueológico das
áreas de intervenção e seu respectivo
entorno, prevendo melhorias no
tratamento urbanístico da área de
intervenção, baseados nos conceitos
da mobilidade urbana sustentável,
garantindo a segurança e melhoria
da qualidade de vida da população
beneficiada e não somente os aspectos
específicos relacionados à circulação
viária e ao sistema de transportes.
E especial atenção tem que ser
dada à frota de veículos dos sistemas
de transporte coletivo, em especial
no que se refere à acessibilidade e à
sustentabilidade.
Pretendi, neste artigo, mostrar as
perspectivas de investimentos na área
de transporte e da mobilidade urbana no
Governo Federal para os próximos anos.
Informo que os valores
apresentados são de domínio público,
visto já constarem em publicações no
Diário Oficial da União, e referem-se
à situação atualizada até setembro
de 2011. As revisões da matriz de
responsabilidade em andamento não
foram consideradas.
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O presente artigo descreve as etapas iniciais de um projeto de pesquisa que foca as encostas situadas no Morro do Boi, em Balneário Camboriú-SC (Pista Sul da BR-101). Propõe-se o desenvolvimento de uma modelagem digital do terreno, gerando-se mapas geológicos, de declividades, de uso e ocupação do solo e de fatores de segurança. O projeto contemplará ainda a investigação de pontos de interesse no local (entre os km 140 e 141) através de sondagens geofísicas e coleta de amostras para avaliação de parâmetros em laboratório, obtendo-se assim informações mais detalhadas sobre o comportamento do terreno em estudo. Nesses locais, a encosta será modelada computacionalmente com abordagens determinística e probabilística. A instalação de instrumentos permitirá validar o modelo estabelecido e acompanhar o desempenho das soluções de estabilização executadas no local. O conhecimento gerado no trabalho buscará também subsidiar análises de risco geotécnico e decisões de engenharia em locais com condições geológicas semelhantes às do estudo de caso objeto da pesquisa.
artig
os
Avaliações da estabilidade e do desempenho de sistemas de proteção de taludes rodoviários em uma encosta litorânea instrumentada
Alessander KormannUniversidade Federal do Paraná
Liamara SestremUniversidade Federal do Paraná
Sergio AsakawaOHL Brasil
implantação de rodovias, que consistem em obras lineares de
grande extensão, pode envolver diferentes regiões ao longo
de seu traçado, com características específicas em termos de
relevo, vegetação, geologia, geotecnia e condições climáticas.
No Brasil, as rodovias instaladas ao longo da Serra do
Mar assumem particular interesse, não apenas em função
de seu papel na interligação de importantes centros urbanos
e industriais, mas também devido aos desafios que as
condições naturais presentes trazem à sua construção e
operação. Os maciços da Serra do Mar são compostos por
solos de origem coluvionar e residual, cujo comportamento
é bastante influenciado por agentes ambientais, dentre eles
a ação da precipitação pluviométrica, com processos de
movimentação do solo sendo observados com frequência.
À medida que diversas rodovias estão implantadas nesse
meio sujeito a uma dinâmica complexa, assume particular
importância o estudo de metodologias de avaliação de
segurança e a consequente adoção de técnicas de engenharia
eficazes, buscando-se maximizar o conforto dos usuários e
minimizar custos de manutenção.
Estudos relacionados à segurança de taludes em áreas
costeiras brasileiras têm sido realizados, podendo-se ter
uma ideia geral dos tipos de movimentos de massa mais
importantes. Acidentes de grande monta, acarretando perdas
ambientais, financeiras e humanas significativas ocorreram e
ainda representam desafios concretos à operação segura de
rodovias no País.
Com base nesse contexto, iniciou-se, em março de
2011, uma pesquisa da Autopista Litoral Sul que possui
o objetivo de aumentar o nível de segurança na operação
de rodovias situadas em áreas da Serra do Mar sujeitas a
escorregamentos, investigando-se os fenômenos naturais
envolvidos e a adequação de soluções tecnológicas para
a estabilização das encostas. Para tal, o estudo foca um
caso na BR-101, no maciço conhecido como Morro do Boi
(Balneário Camboriú-SC).
A pesquisa busca alavancar um maior entendimento
das condicionantes presentes, no intuito de se reduzir
os riscos da ocorrência de acidentes futuros em locais
de geologia semelhante. Para tanto, serão aperfeiçoadas
as informações referentes a parâmetros de resistência e
deformabilidade dos solos residuais e coluvionares locais,
que são típicos dos encontrados em outras rodovias situadas
na Serra do Mar. O estudo dará ênfase ao desempenho de
soluções de estabilização, em particular ao uso combinado
de ancoragens passivas e telas de proteção para a contenção
de massas coluvionares e/ou de tálus. A adequação desse
tipo de intervenção será avaliada através de instrumentação
geotécnica e ambiental, sendo as informações geradas
analisadas em modelos computacionais que simularão o
A
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41Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
comportamento dos taludes e das
técnicas de estabilização.
O presente artigo descreve
condições geológico-geotécnicas
presentes no Morro do Boi e as estapas
iniciais dos estudos.
ENCOSTAS DA SERRA DO MAR: CONTEXTO GEOLÓGICO E GEOTÉCNICO
O continente sul-americano
constitui-se em toda a sua borda pelas
Serras do Mar e da Mantiqueira. A Serra
do Mar estende-se do Rio de Janeiro
ao norte de Santa Catarina, formando
um conjunto de escarpas escalonadas
com cerca de 1000 km de extensão
(ALMEIDA, 1998). Esses terrenos,
que se originaram através de processos
geológicos e geomorfológicos diversos,
constituem-se por maciços terrosos,
rochosos ou mistos (solo e rocha) e vêm
passando por modificações antrópicas
tais como cortes, desmatamentos e
introdução de cargas (SILVA, 2005).
Os solos residuais, dada sua
gênese ligada à intemperização in situ,
sem a ação de qualquer agente de
transporte, resultam de intemperismo
químico e caracterizam-se pela
minerologia variada e alto índice de
vazios. Tais processos de intemperismo
relacionam-se a fatores como: clima
(precipitações, temperatura, umidade
do ar, evaporação e regime de
ventos), agentes biológicos (vegetais
e animais), composição da rocha
matriz, relevo e tempo decorrido desde
sua formação. Um fator relevante no
comportamento desses materiais é o
tipo de rocha de origem, que afeta a
composição mineralógica do solo e,
consequentemente, a granulometria
e a plasticidade do mesmo (VAZ,
1996). A importância disso pode
ser exemplificada com a ocorrência
dos argilo-minerais conhecidos
como esmectitas, que podem levar
ao desenvolvimento de superfícies
de ruptura com baixa resistência ao
cisalhamento residual (VAUGHAN,
1988 apud DENARDIN, 2005).
Lacerda e Sandroni (1985)
definem os solos coluvionares como
sendo depósitos compostos por blocos
e/ou grãos de qualquer dimensão,
transportados por gravidade e
acumulados no sopé ou à pequena
distância de taludes mais íngremes
ou escarpas rochosas. Originam-se
em encostas de formações geológicas
diversas, caracterizando-se como
materiais com grande variabilidade
de textura, comportamento mecânico
dúctil-plástico sem pico definido e com
rede de fluxo bem estabelecida nos
períodos chuvosos. Quando situados
acima do nível freático, estão sujeitos
ainda à ação de processos físico-
químicos e biológicos complexos,
podendo-se citar a lixiviação de sílica
e bases, bem como de argilo-minerais,
que se movem das camadas mais altas
para as camadas mais profundas,
resultando em uma superfície com solo
rico em óxidos hidratados de ferro e
alumínio (MASSAD, 2003).
Lacerda (2002) e Rodriguez
(2005) associam a formação dos solos
coluvionares ao seu modo de ruptura.
Quando se originam de movimentos
lentos e contínuos, caracterizam-
se por acrescentar apenas alguns
centímetros à camada superficial
da encosta em cada evento. Tais
movimentos tendem a se acelerar
após períodos de chuvas intensas,
acentuando o processo de infiltração
de água e, consequentemente,
causando aumentos significativos de
poropressão. Tem-se ainda eventos
onde uma porção do solo residual
escorrega e se deposita sobre a própria
encosta, originando uma nova camada
de material de grande espessura em
um único episódio.
Os processos de movimentos de
massa ocorrem por uma combinação
de fatores/condicionantes, estando,
portanto o seu entendimento
relacionado a uma combinação de
variáveis climáticas, geológicas,
antrópicas, geotécnicas, pedológicas
e geomorfológicas, que atuam
simultaneamente na formação desses
processos (SESTINI, 1999). Dentre
eles, a intensidade e frequência das
precipitações interferem de maneira
significativa na instabilidade das
encostas: chuvas de longa duração
caracterizam infiltrações contínuas,
responsáveis pela saturação do solo
e pela consequente redução de
sua resistência ao cisalhamento,
resultando em uma superfície
com pontos de fraqueza favoráveis
à ocorrência de deslizamentos.
Precipitações intensas e de
curta duração, entretanto, estão
frequentemente mais relacionadas
a processos de erosividade e à
consequente transporte de material.
A presença de fraturas (tectônicas
ou resultantes de alívio de pressão)
pode representar importantes pontos
de descontinuidade e de menor
resistência, constituindo-se em
caminhos preferenciais à erosão e aos
movimentos de massa. Muitas destas
continuidades são formadas pelo alívio
de tensões, podendo-se encontrar
intemperizadas, o que favorece
processos de deslizamento (WOLLE
apud SESTINI, 1999).
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artig
os
O CASO DO MORRO DO BOI (BALNEÁRIO CAMBORIÚ-SC)
O maciço do Morro do Boi está inserido na porção
sudeste do Município de Balneário Camboriú, entre as
coordenadas S 27° 05’ 00” e S 26° 58’ 00”; O 48° 37’
00” e O 48° 34’ 00” (Figuras 1 e 2), compreendendo
as praias de Laranjeiras, Taquarinhas, Taquaras, Pinho,
Estaleiro, Estaleirinho e os bairros Barra e Nova Esperança.
É delimitado, a leste, pelo oceano Atlântico; a noroeste,
pela presença de escarpas e morros do Complexo Cristalino;
a nordeste, pela BR-101; e, ao sul, pelo Município de
Itapema (TORRES, 2004).
Ao longo da extensão da BR-101 que intercepta o
Morro do Boi, o maciço alcança cerca de 160m de altitude.
Entre os quilômetros 140+700m e 140+950m, que são
pontos de interesse para a pesquisa, devido às soluções
de contenção ali instaladas, o terreno apresenta desníveis
de até 40m, sendo que a declividade média da estrutura
de corte executada por ocasião da construção da rodovia
se situa entre 1,0V:1,5H e 1,0V:2,0H. O histórico dessas
encostas é caracterizado pela ocorrência de processos de
Figura 1 Localização do Morro do Boi. Figura 2 Morro do Boi – Vista Geral entre Balneário Camboriú e Itapema.
movimentação, com o consequente acúmulo de detritos
sobre a rodovia e interrupção de tráfego. Em particular,
foram registradas rupturas em novembro de 2008, em
decorrência das precipitações pluviométricas de extrema
intensidade que ocorreram no Estado de Santa Catarina
naquele mês.
Estudos geotécnicos desenvolvidos contemplaram a
necessidade de se estabilizar o colúvio e os detritos em
sua posição remanescente. Tal decisão ateve-se à premissa
de minimizar transtornos aos usuários da rodovia, pois
uma alternativa simples sob uma ótica geotécnica poderia
envolver a remoção de centenas de metros cúbicos de solo/
rocha, intervenção que foi descartada, devido aos impactos
que acarretaria ao tráfego. Assim, convergiu-se para a
adoção de uma solução que, além de contemplar sistemas
de drenagem e contenção com muros de concreto, envolve o
uso de um sistema combinado de ancoragens passivas e tela
metálica específica (GEOBRUGG, 2011) para a contenção
de material instável.
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Figura 2 Morro do Boi – Vista Geral entre Balneário Camboriú e Itapema.
INVESTIGAÇÕES GEOTÉCNICAS E PROJETO DE SOLUÇÕES DE ESTABILIZAÇÃO
De maneira a subsidiar o desenvolvimento de projetos de
contenção para as encostas dos quilômetros 140+700m e
140+950m, conforme histórico descrito no item precedente,
as ações conduzidas envolveram a realização de algumas
campanhas de investigações geotécnicas.
No km 140+700m, foram realizadas três sondagens à
percussão (SP-01 e seus deslocamentos SP-01A e SP-01B),
quatro ensaios penetrométricos dinâmicos leves (do tipo
DPL) e cinco sondagens mistas. Os dados das sondagens
à percussão permitiram identificar uma camada de solo
residual de migmatito com espessura da ordem de 3,0m,
representado por fácies silto-areno-argilosas, com índices
NSPT variando entre 16 e 27 golpes (G4U ENGENHARIA,
2010a). Informações sobre o solo abaixo dessa camada foram
obtidas com equipamento rotativo através de sondagens
mistas (SM-01, SM-02, SM-03, SM-04 e SM-05), onde se
pôde identificar uma espessura média de 6,0m de solo a
montante da ruptura (SM-02, SM-03 e SM-04) e de 3,0m
Figura 3 Perfil geológico-geotécnico interpretado - km 140+700 m.
no local da ruptura (SM-01 e SM-05) (G4U ENGENHARIA,
2010a). Nessa etapa, o N.A. foi encontrado em todas as
sondagens, variando entre 3,5m e 6,7m de profundidade.
No contexto da presente pesquisa, as investigações
disponíveis foram interpretadas no sentido de se delinear
um perfil geológico-geotécnico com vistas à definição de um
conjunto de instrumentos/sensores a serem instalados no
km 140+700m (Figura 3), o qual será descrito no item 5.
Deve-se notar que a presença sistemática de blocos de rocha
torna difícil uma delimitação clara de camadas na massa
de colúvio/tálus, devendo-se considerar o perfil em questão
apenas como orientativo, até que informações obtidas ao
longo do estudo permitam refinar o modelo geológico-
geotécnico da área.
No km 140+950m, o levantamento planialtimétrico
identificou um desnível da ordem de 30m e declividade
média do talude situada entre 1V:1,5H e 1V:2,0H. A
campanha de investigação compreendeu quatro sondagens à
percussão (SP-03 e SP-04 com seus deslocamentos SP-03A
e SP-04A), alguns ensaios DPL e nove sondagens mistas
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os
(SM-01, SM-02, SM-03, SM-04, SM-05, SM-06, SM-07,
SM-08 e SM-09). Os resultados das sondagens identificaram
condições semelhantes àquelas do km 140+700m, diferindo
apenas nos índices NSPT, os quais variaram entre 9 e 45
golpes. A análise das sondagens mistas mostrou pontos
com espessura de solo da ordem de 3,0m, sendo que as
sondagens SM-04 e SM-06 indicaram 8,1m e 5,6m de solo
respectivamente. Destaca-se que esses dois furos estão
localizados a montante da crista de ruptura. O N.A. foi
encontrado em apenas três sondagens (SM-04, SM-08 e
SM-09), variando entre 2,0m e 3,7m de profundidade (G4U
ENGENHARIA, 2010b).
Para a execução do trabalho científico proposto, as
informações do subsolo serão complementadas com coletas
de amostras/ensaios laboratoriais, descrição de materiais
atravessados em perfurações para a instalação de ancoragens/
instrumentos e, em particular, levantamentos geofísicos.
Isso permitirá um melhor entendimento da estratigrafia, das
condicionantes ambientais, do comportamento geotécnico
Figura 5 Seção típica do sistema de tela metálica e ancoragens passivas (G4U ENGENHARIA, 2010a).
do subsolo e, consequentemente, dos processos de
movimentação de massa.
As soluções de contenção concebidas para os
quilômetros 140+700m e 140+950m propuseram estabilizar
o terreno utilizando uma solução de grampos com tela
metálica (G4U ENGENHARIA 2010a, G4U ENGENHARIA
2010b, GEOBRUGG 2011). Nesse sistema, uma malha de
aço é posicionada junto ao material instável, de forma que as
deformações do material sejam controladas pela flexibilidade
da tela metálica e seus esforços sejam redistribuídos para
grampos chumbados no maciço rochoso. A estrutura possui
ainda uma placa de fixação posicionada na cabeça dos
grampos, de maneira a se evitar o efeito de puncionamento
provocado pela concentração de esforços. As Figuras 4 e 5
detalham a solução proposta.
Por ocasião da elaboração do presente artigo,
a execução das obras de estabilização descritas já se
encontrava contratada pela concessionária, com seu início
previsto no curto prazo.
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Figura 4 Vista frontal do sistema de contenção com tela metálica (G4U ENGENHARIA, 2010a).
PLANO DE INSTRUMENTAÇÃO
Ao longo da pesquisa, o desempenho do sistema de
estabilização descrito no item precedente será monitorado na
encosta do km 140 + 700m da BR-101. O desenvolvimento
de um plano de instrumentação, realizado no contexto
do presente estudo, teve como critérios aspectos tanto
geológico-geotécnicos como hidrológicos, com sensores
sendo selecionados de maneira a identificar variações de
poropressões, deslocamentos da massa de solo e deformações
do sistema de contenção.
Tais instrumentos podem ser classificados de acordo com
seus objetivos principais:
medição das cargas nos grampos ao longo da massa
de solo reforçada, com a utilização de extensômetros
elétricos (strain gages) e células de carga;
medição dos esforços e deslocamentos da tela metálica,
com a utilização de crackmeters para leitura de
deslocamentos;
medição do comportamento geotécnico da encosta,
com a utilização de piezômetros (leituras de
poropressões positivas), inclinômetros (deslocamentos)
e tensiômetros (leituras de poropressões negativas);
medição de precipitação pluviométrica mediante a
utilização de pluviógrafo.
A distribuição dos instrumentos pode ser observada
na Figura 6 (seção) e na Figura 7 (planta). A definição
dos sensores, bem como das profundidades em que os
mesmos serão instalados, baseou-se nas informações das
sondagens existentes nos furos mais próximos.
Para a instrumentação geotécnica, serão instalados
inclinômetros em dois pontos da encosta. Esses
instrumentos deverão ficar embutidos 3,0m em
rocha sã, visando-se garantir uma boa ancoragem e,
consequentemente, um referencial estático para as leituras
de deslocamentos.
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artig
os
A instrumentação geotécnica compreenderá também
a instalação de piezômetros elétricos de corda vibrante
(GEOKON, 2011). Esses instrumentos serão instalados
em dois pontos da encosta, sendo que, em cada posição,
a leitura será realizada em três profundidades distintas
(2,5m, 5,0m e 6,8m). Prevê-se, ainda, a instalação de um
piezômetro do tipo Casagrande, com o objetivo de comparar
leituras obtidas nos equipamentos automatizados. Com o
arranjo de piezômetros, pretende-se obter leituras no centro
da camada de solo, na interface da camada de solo/rocha
alterada e no contato da rocha alterada com a rocha sã.
Outra característica que será monitorada na encosta
consistirá na sucção das camadas superficiais e não
saturadas do solo. Esse monitoramento será realizado
através da instalação de tensiômetros em três posições
distintas. Em dois desses pontos, serão instalados dois
sensores (profundidades de 1,0m 2,0m), e, no terceiro,
serão instalados quatro sensores, nas profundidades de
0,5m, 1,0m, 2,0m e 3,0m.
Está prevista, ainda, a utilização de um pluviógrafo para
monitoramento detalhado das precipitações pluviométricas.
Esse tipo de instrumento tem a vantagem de registrar os
dados ao longo do tempo, ou seja, não apenas o volume
precipitado em milímetros por dia ou por episódio de
Figura 6 Plano de instrumentação do km 140 + 700 m – seção típica.
Figura 7 Plano de instrumentação – planta.
chuva, mas, sim, a intensidade com que determinada
precipitação aconteceu.
Para a instrumentação dos grampos, serão utilizadas
células de carga, posicionadas entre a cabeça da ancoragem
e a tela de contenção. Estão previstas quatro células de
carga (GEOKON, 2011). O dispositivo selecionado consiste
em um cilindro de aço de alta resistência, com 3-6 sensores
de corda vibrante que permitem monitorar as tensões de
compressão. O projeto prevê, ainda, a instrumentação de
quatro chumbadores (ancoragens passivas), com strain
gages ao longo de seu comprimento: um sensor na porção
central da camada de solo, um no contato entre a camada
de solo e a camada de rocha alterada, um no contato entre
a camada de rocha alterada e rocha sã e, por fim, um sensor
na parte do grampo que ficará embutido em rocha sã.
Com o intuito de monitorar o comportamento da
tela metálica, serão instalados ainda instrumentos
denominados crackmeters. Esses sensores medem o
movimento (deslocamento) através de articulações e
poderão identificar solicitações na malha de aço que
compõe o sistema de contenção. A instalação dos mesmos
deverá dar-se em seis pontos da encosta, com um
posicionamento em pares, objetivando-se o monitoramento
em duas direções ortogonais.
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Figura 7 Plano de instrumentação – planta.
CONCLUSÕES
No presente artigo, o contexto desafiador da encostas
da Serra do Mar foi discutido descrevendo-se o contexto da
pesquisa em curso e resumindo-se o desenvolvimento dos
estudos, os quais foram iniciados em março de 2011.
O levantamento das informações disponíveis até
o momento reforça a necessidade de se aprofundar o
entendimento das condicionantes geológico-geotécnicas
presentes no maciço do Morro do Boi, com a avaliação de
parâmetros de resistência e deformabilidade do solo local.
Deve-se observar que etapas subsequentes do projeto
contemplam o desenvolvimento de um modelo digital do
terreno, com a geração de mapas geológicos, de declividades,
de uso e ocupação do solo e de fatores de segurança.
Os dados existentes (sondagens mistas) serão
complementados através de métodos geofísicos, os quais
possibilitam investigar maciços com um ganho de escala,
melhorando-se o entendimento da estratigrafia e das
descontinuidades do embasamento rochoso, com ênfase
na distribuição espacial dos materiais e das transições que
ocorrem em profundidade.
As investigações envolverão, ainda, a realização
de ensaios laboratoriais, com ensaios de cisalhamento
direto com reversão múltipla e triaxiais. Os mesmos serão
Referências ALMEIDA, F. F. M.; CARNEIRO, C. D.R.. Origem e evolução da Serra do Mar. Revista Brasileira de Geociências. 1998.DENARDIN, A. P.. Estudo do comportamento mecânico de um solo saprolítico de basalto de teutônia, RS. Porto Alegre, 2005. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.GEOBRUGG (2011). TECCO ® - Slope Stabilization. Geobrugg AG Protection Systems. GEOKON (2011). Products. Geokon, Incorporated. G4U ENGENHARIA (2010a). MC-07-101-SC-140-7-C05-001. Projeto de Contenção – Memória de Cálculo da Contenção de Estrutura de Corte no km 140+700 da Rodovia BR-101/SC. G4U ENGENHARIA (2010b). MC-07-101-SC-140-9-C05-001. Projeto de Contenção – Memória de Cálculo da Contenção de Estrutura de Corte no km 140+950 da Rodovia BR-101/SC. LACERDA, W. A. & SANDRONI, S. S.. Movimentos de massas coluviais. Mesa Redonda sobre aspectos geotécnicos de taludes. Rio de Janeiro, 1985. ABMS, Clube de Engenharia, pp.III-1 a III-19.LACERDA, W. A.. Comportamento geotécnico de massas coluviais. III Simpósio de prática de Engenharia da Região Sul, GEOSUL. Joinville, 2002. ABMS. p.219-231.MASSAD, F.. Obras de terra – Curso Básico de Geotecnia. São Paulo, 2003. Oficina de Textos.RODRIGUEZ, T. T.. Proposta de classificação geotécnica para colúvios brasileiros. Rio de Janeiro, 2005. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.SESTINI, M. F.. Variáveis geomorfológicas no estudo de deslizamentos em Caraguatatuba – SP utilizando imagens TM_LANDSAT e SIG. São José dos Campos , 1999. Dissertação (Mestrado). UNPE, 1999. 140p. – (INPE-7511-TDI/724).SILVA, A. L.. Deslizamentos nos morros do brejo da Guabiraba, Recife/PE: Uma visão para desenvolvimento local sustentável. Recife, 2005. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Ciência da Administração de Pernambuco.TORRES, R. R.. Caracterização espacial e as principais implicações ambientais das atividades de exploração do granito entre os anos de 2000 e 2004, na porção Sudeste do município de Balneário Camboriú. Itajaí, 2004. Monografia (Graduação). Graduação em Engenharia Ambiental da Universidade do Vale do Itajaí.VAZ, L. F. Classificação genética dos solos e dos horizontes de alteração de rochas em regiões tropicais. Revista Solos e Rochas, São Paulo, n.2/v.19, p. 117-136, ABMS/ABGE, 1996.
conduzidos sob circunstâncias variadas de tensões efetivas,
podendo fornecer subsídios importantes do comportamento
tensão-deformação e da resistência ao cisalhamento, com
vistas a análises computacionais.
Será realizada uma retroanálise das rupturas já
ocorridas, utilizando-se modelos determinísticos. Isso
possibilitará a reavaliação de parâmetros de resistência do
talude e a comparação com os dados obtidos nos ensaios
de resistência em laboratório. Análises determinísticas
de fatores de segurança do talude serão realizadas em
diferentes cenários (flutuação do nível do lençol freático,
fluxo subterrâneo saturado e diferentes parâmetros de
resistência das camadas).
Os dados a serem monitorados com a instrumentação
aqui descrita permitirão avaliar o desempenho do sistema
de contenção utilizado nos quilômetros 140+700m e
140+950m da BR-101, incluindo a identificação de
eventuais vantagens e desvantagens do uso desse método na
mitigação de movimentos de massa. Por fim, será possível
realizar uma análise crítica da metodologia utilizada na
avaliação do tipo de maciço em questão, objetivado-se
consolidar diretrizes práticas para a aplicação em outras
encostas de interesse.
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os
A qualidade de serviços de pavimentação é frequentemente avaliada a partir do grau de compactação das camadas executadas. Para os revestimentos asfálticos não é diferente, sendo que esse parâmetro é obtido pela razão entre a densidade de campo e a de projeto. Este artigo apresenta os resultados de medições com o indicador da qualidade dos pavimentos (IQP), também conhecido como densímetro não nuclear, com o objetivo de avaliar os resultados obtidos estatisticamente e propor correções a partir dos dados de saída do equipamento. Foram realizadas análises de variância (Anova), a fim de verificar a influência do valor relativo da água (H2O) e da temperatura (T) nas densidades obtidas. Foi observado que ambos os parâmetros influenciam os resultados, tendo sido proposta uma correção a partir de um ajuste polinomial do terceiro grau para H2O e linear para T. Com o procedimento proposto, as densidades tornam-se menos dispersas, facilitando a sua interpretação.
Análise estatística de resultados do Indicador da Qualidade dos Pavimentos (IQP)
Rodrigo Malysz, Valter de Oliveira Bochi e Liz Helena Costa Varella
Engenheiros Civis – Ecoplan Engenharia Ltda.
qualidade de serviços de pavimentação é frequentemente avaliada a partir do grau de
compactação das camadas executadas. Para os revestimentos asfálticos não é diferente,
sendo que esse parâmetro é obtido pela razão entre a densidade de campo e a de
projeto. A densidade de campo pode ser medida ou estimada de diversas formas, como:
extração de corpos de prova e ensaios de laboratório, utilização de densímetro nuclear
ou densímetro não nuclear. Como o densímetro nuclear apresenta muitas restrições de
uso e requer mão de obra especializada, os demais métodos mostram-se mais práticos e
atrativos. Além disso, no estudo de Micaelo et al. (2006), foi observada maior dispersão
nos resultados com o densímetro nuclear em relação ao não nuclear.
Neste estudo, são apresentados resultados de um levantamento com o densímetro
não nuclear, ou Indicador da Qualidade dos Pavimentos (IQP), em uma rodovia
pavimentada federal, integrante do programa Crema 1ª etapa, de jurisdição do
DNIT. São apresentados também os procedimentos e os resultados de calibração. Os
resultados obtidos são analisados estatisticamente, utilizando-se ferramentas como:
estatística descritiva, testes de hipóteses, regressões e análise de variância.
Este artigo tem o objetivo geral de apresentar e interpretar os resultados obtidos
em um levantamento com o IQP. Para isso, os trabalhos foram conduzidos de forma a
atender os seguintes objetivos específicos:
apresentar a calibração do IQP para a mistura asfáltica avaliada;
apresentar os resultados de campo;
avaliar estatisticamente os resultados obtidos;
propor uma correção dos resultados.
A
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METODOLOGIA
Este item descreve o densímetro não nuclear utilizado para a obtenção dos dados deste artigo e a estatística utilizada nas
análises. Destaca-se aqui a observação de Nascimento et al. (2009), segundo a qual não devem ser realizadas comparações
ponto a ponto entre o IQP e os resultados das pesagens hidrostáticas dos corpos de prova. O equipamento só dá bons resultados
quando analisados estatisticamente.
O Indicador da Qualidade dos Pavimentos
O equipamento denominado Indicador da Qualidade dos Pavimentos, também conhecido como densímetro não nuclear, é
um equipamento destinado à obtenção de medidas indiretas da densidade de misturas asfálticas. A Figura 1(a) apresenta uma
fotografia do equipamento. O equipamento emite ondas que formam um campo elétrico, captado pelos componentes eletrônicos
conforme o esquema da Figura 1(b). A intensidade do campo captado pelos sensores é função da constante dielétrica do
material medido.
Figura 1 (a) equipamento indicador da qualidade dos pavimentos e (b) esquema de funcionamento
O equipamento apresenta elevada
variabilidade nos resultados, de acordo
com a composição do material que
está sendo medido. Para diminuir essa
variabilidade, o manual do usuário
recomenda que, antes de iniciar uma
campanha de medição, seja feita uma
calibração, comparando as leituras do
IQP com a densidade de corpos de
prova extraídos.
Figura 2 Posicionamento das leituras para a calibração do IQP
Para a calibração, devem ser
marcados na pista, longitudinalmente,
cinco pontos espaçados de 1m,
preferencialmente na trilha de roda.
Em cada ponto, devem ser feitas cinco
leituras com o densímetro, denominadas
1.0, 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 2.0, 2.1,
2.2, 2.3, 2.4, 3.0, ..., 5.4. A Figura 2
apresenta um esquema da calibração,
com a localização e a denominação dos
pontos. No centro das leituras 1.0, 2.0,
3.0, 4.0 e 5.0, devem ser extraídos os
corpos de prova para a determinação da
densidade em laboratório, conforme o
DNER-ME 117/94.
Esse procedimento gera um
coeficiente de calibração k, conforme a
equação 1. As leituras do levantamento
com o IQP devem ser multiplicadas por
esse coeficiente.
Onde:- k é o coeficiente de calibração- DIQP é a densidade medida pelo equipamento- DCP é a densidade dos corpos de prova extraídos
(a) (b)
k = DCP
DIQP
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Os dados de saída fornecidos pelo IQP são: (i) densidade
do material asfáltico, (ii) valor relativo da água (H2O) e (iii)
temperatura da superfície (T). Observa-se que o equipamento
é popularmente conhecido como densímetro, entretanto o
parâmetro de saída é, de fato, a massa específica aparente da
mistura asfáltica, apresentada em kg/m³ ou lb/ft³. Segundo
TransTech (2003), o equipamento apresenta o resultado da
medição compensando internamente as variações do H2O e T.
No entanto, foram observadas algumas tendências de variação
em função desses parâmetros, conforme será apresentado e
analisado no item 3.
Regressão múltipla, testes de hipóteses e análises de variância
No item anterior, foram definidas e apresentadas as
quatro variáveis envolvidas na interpretação dos resultados,
a saber: (i) a densidade dos corpos de prova extraídos
(DCP), a densidade medida pelo equipamento (DIQP), o valor
relativo da água (H2O) e a temperatura da superfície (T).
Neste item, são apresentadas as ferramentas estatísticas
utilizadas para a análise da interdependência dessas
variáveis, sendo que o resultado do levantamento é a DIQP,
a qual será considerada a variável dependente, e as demais
serão as variáveis independentes.
Para a interpretação da calibração, conforme o esquema
da Figura 2, é utilizada apenas uma estatística descritiva
básica, calculando-se as médias para cada ponto e
comparando com os resultados do corpo de prova.
Para a verificação da influência do H2O e da T nos
resultados do IQP, é proposta uma análise de variância
(Anova) dos resultados de regressão múltipla. A regressão
múltipla, ou a múltiplas variáveis, é a obtenção de uma
equação que represente comportamento dos parâmetros.
Genericamente, a regressão múltipla pode ser representada
pela equação 2. Para iniciar a análise, deve ser proposto
um teste de hipóteses. Para este caso, são definidas duas
hipóteses: a hipótese nula (H0) e a hipótese alternativa
(H1). Segundo Hines et al. (2006), a rejeição da hipótese
nula é considerada uma conclusão estatisticamente forte,
e a aceitação é considerada uma conclusão fraca. Sendo
assim, as hipóteses devem ser formuladas de forma que as
conclusões obtidas sejam estatisticamente consistentes.
A ferramenta que testa a hipótese formulada é a
análise de variância. O procedimento verifica se as variáveis
independentes têm influência na variável dependente. O
resultado final do procedimento é o F0 , calculado como a
relação entre a média quadrática dos tratamentos (níveis da
variável independente) e a média quadrática dos erros (dentro
de cada tratamento). A rejeição ou a aceitação da hipótese
testada é feita comparando-se F0 com a distribuição F para o
nível de significância desejado. Os procedimentos utilizados
para análise de variância em planilhas eletrônicas são descritos
detalhadamente por Lapponi (2005).
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
O Indicador da Qualidade dos Pavimentos destaca-se
pela praticidade na sua utilização. Uma vez calibrado para
a utilização com a mistura asfáltica que se deseja avaliar,
as medições podem ser realizadas com produtividade muito
elevada.
Levantamento de campo
O levantamento de campo inicia com a calibração do
equipamento para utilização com a mistura asfáltica em
análise. Sendo assim, foram feitas as medições com o IQP,
conforme o esquema apresentado na Figura 2, e extraídos
corpos de prova nos pontos 1.0, 2.0, 3.0, 4.0 e 5.0. Os
resultados obtidos permitem a determinação do coeficiente de
calibração k, conforme o Quadro 1, na página seguinte.
Os dados utilizados neste artigo foram obtidos em
levantamento no qual as medidas foram obtidas a cada 100m.
O levantamento foi realizado em uma rodovia que sofreu
intervenções de fresagem e recomposição com 4cm de concreto
betuminoso usinado a quente (CBUQ). Observa-se que não
foram realizadas medições entre os km 28+000 e 69+200, uma
vez que esse trecho foi alvo apenas de um rejuvenescimento
com microrrevestimento asfáltico. Os resultados obtidos, já
multiplicados pelo coeficiente de calibração, são apresentados
graficamente na Figura 3, na qual é observada a elevada
dispersão dos resultados. O Quadro 2, por sua vez, apresenta
uma estatística descritiva dos resultados obtidos. Observa-se
que o grau de compactação varia entre 87,6% e 109,0%,
correspondendo a uma amplitude de 21,4%.
Onde:- y é a variável dependente- βj são os coeficientes de regressão de ordem j em que 0 ≤ j ≤ k- xj são as variáveis independentes de ordem j em que 0 ≤ j ≤ k
y = β0 + β1.x1+ β2.x2+ ... + βk.xk
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Quadro 1 – Determinação do coeficiente de calibração
Figura 3 – Resultados obtidos com o IQP
Quadro 2 – Estatística descritiva dos dados de campo
PONTO H2O T (°C) DIQP GCIQP (%) GCIQP,med (%) GCCP,med (%) k
1.1 32,4 26,8 2,060 87,9
87,5 98,6 1,13
1.2 31,3 27,2 2,054 87,7
1.3 30,8 27,0 2,031 86,7
1.4 30,0 26,3 2,065 88,1
1.5 30,5 26,5 2,037 86,9
2.1 31,1 25,7 2,043 87,2
87,4 98,9 1,13
2.2 31,9 26,3 2,047 87,4
2.3 33,2 26,6 2,051 87,5
2.4 32,2 25,0 2,072 88,4
2.5 30,1 25,2 2,029 86,6
3.1 32,6 26,3 2,075 88,6
87,6 98,7 1,13
3.2 31,2 26,3 2,042 87,2
3.3 31,9 27,0 2,058 87,8
3.4 31,2 26,8 2,055 87,7
3.5 29,9 26,7 2,033 86,8
4.1 33,0 26,2 2,072 88,4
88,4 99,0 1,12
4.2 33,8 26,4 2,085 89,0
4.3 33,2 26,6 2,060 87,9
4.4 31,8 26,3 2,059 87,9
4.5 35,0 26,1 2,080 88,8
5.1 32,8 25,9 2,077 88,6
88,6 99,0 1,12
5.2 32,7 25,8 2,111 90,1
5.3 34,1 25,4 2,099 89,6
5.4 30,8 25,7 2,044 87,2
5.5 31,7 25,4 2,052 87,6
MÉDIA 32,0 26,2 2,1 87,9 87,9 98,8 1,12
DISCRIMINAÇÃO H2O T (°C) DIQP GCIQP (%)
MÍNIMO 3,9 11,2 2,052 87,6
MÉDIA - DESVIO PADRÃO 17,9 15,9 2,182 93,1
MÉDIA 24,7 21,7 2,257 96,3
MÉDIA DESVIO PADRÃO 31,4 27,6 2,332 99,5
MÁXIMO 39,5 36,1 2,554 109,0
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artig
osAnálise de variância
Os resultados do levantamento são apresentados pelo IQP como uma massa específica aparente. As Figuras 4(a) e 4(b) apresentam
DIQP em função de H2O e T respectivamente, a fim de verificar a existência de alguma tendência e, eventualmente, propor uma correção. As
tendências obtidas são apresentadas pelas equações 3 e 4, cujos coeficientes de determinação (R²) foram respectivamente 0,7634 e 0,0761.
Observa-se, na Figura 4(a), uma tendência claramente
curva, que inicialmente foi tratada como potencial e
exponencial, porém os ajustes não foram eficientes. A curva
que melhor se ajustou aos dados foi uma polinomial do terceiro
grau. O procedimento, além de quantificar a influência do H2O
nos resultados, permite identificar pontos espúrios.
A influência de T nos resultados não é tão marcante, e
os resultados são consideravelmente dispersos. Ainda assim,
é possível identificar visualmente alguma influência, pela
declividade da reta ajustada. Também se observa que, a partir
da temperatura de aproximadamente 30°C, DIQP torna-se
ligeiramente mais elevada e mais dispersa.
A verificação da influência de H2O e T em DIQP foi feita
pela análise de variância da hipótese nula. A hipótese nula
deve ser formulada de modo a se obter uma conclusão
estatisticamente forte, conforme apresentado no item 2.2.
Se a hipótese nula for definida como o parâmetro (H2O ou
T) influencia os resultados do IQP, então a sua aceitação é
considerada como uma conclusão estatisticamente fraca. Como
a expectativa é de que os parâmetros, de fato, influenciam
os resultados, é mais atrativo propor o teste de hipóteses,
considerando os parâmetros da equação 2 da seguinte forma:
• H0: β1 = β2 = ... = βk = 0;
• H1: βj ≠ 0 para pelo menos um j
Figura 4 Densidades: (a) em função de H2O e (b) em função da temperatura
Proposição de fatores de correção para os resultados
Observa-se que o coeficiente de calibração foi obtido
em condições de H2O e T de 32°C (adimensional) e 26°C
respectivamente. Portanto, o coeficiente de calibração é
suficiente para a interpretação dos resultados. Caso as
condições do levantamento não forem sempre essas, o que
ocorre com muita frequência, o levantamento necessita de
uma nova correção, como mostram as tendências das Figuras
4(a) e 4(b).
Quadro 3 Anova para o parâmetro H2O
Quadro 4 Anova para o parâmetro T
Onde:- DIQP é a densidade medida pelo equipamento- H2O é o valor relativo da água- T é a temperatura da superfície asfáltica
A Anova para o H2O é apresentada no Quadro 3, no qual
se verifica que F0 = 776,4. Para a verificação da hipótese
nula, esse valor deve ser comparado com F0,001,3,722 = 3,78.
Nesse caso, a hipótese nula é rejeitada, com uma conclusão
estatisticamente forte e, portanto, conclui-se que H2O influencia
os resultados do IQP. O Quadro 4 apresenta os resultados
obtidos para T, com F0 = 59,66, também rejeita a hipótese
nula, quando comparada com F0,001,1,724 = 6,63, e a conclusão
estatisticamente forte é que o parâmetro influencia os
resultados. O fato de haver muitos graus de liberdade (gl) para
os resíduos torna o resultado mais representativo.
(a) (b)
DIQP = 5.10-6.H2O3-2.10-5.H2O2+0,0023.H2O+1,8806
DIQP = 0,0032.T + 1,9385
DISCRIMINAÇÃO GL SQ MQ F0
TRATAMENTOS 3 3,134542 1,044847 776,4
RESÍDUO 722 0,971561 0,001346
TOTAL 725 4,106102
DISCRIMINAÇÃO GL SQ MQ F0
TRATAMENTOS 1 0,312576 0,312576 59,66
RESÍDUO 724 3,793527 0,00524
TOTAL 725 4,106102
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53Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
Onde:- CH2O é a correção devida ao valor relativo da água- CT é a correção devida à temperatura da superfície asfáltica- H2O é o valor relativo da água- T é a temperatura da superfície asfáltica
Figura 5 Correções para DIQP: (a) em função de H2O e (b) em função da temperatura
Trata-se de corrigir os valores de campo para a condição
de H2O e T médios da campanha de calibração. Para propor as
correções, foi calculada a diferença de densidade entre cada
ponto e o valor de referencia adotado, tanto para H2O quanto
A correção pelo H2O foi proposta a partir de uma equação
polinomial do terceiro grau, que mostrou um ajuste bastante
satisfatório aos resultados. Para a amplitude de H2O observada no
levantamento, foram obtidas correções de densidade entre -0,47
e +0,21, que representam, respectivamente, 20,1% e 9,0% em
relação à densidade de projeto.
A correção pela T foi proposta a partir de uma equação
linear, que mostrou um ajuste apenas razoável aos resultados
e pode requerer uma análise mais detalhada, eventualmente
com uma amplitude maior de temperaturas. Para a amplitude
de T observada no levantamento, foram obtidas correções de
Figura 6 Resultados obtidos do IQP com correção
CH2O = -5.10-6.H2O3+2.10-5.H2O2-0,0023.H2O+0,217
CT = 0,0032.T + 0,0832
ReferênciasDNER-ME 117/94 – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem. Método de Ensaio. Mistura Betuminosa – Determinação da Densidade Aparente. Hines, William W.; Montgomery, Doluglas C.; Goldsman, David M.; Borror, Connie M. (2006). Probabilidade e Estatística na Engenharia. Rio de Janeiro, LTC 4ª edição. Tradução de Vera Regina Lima de Farias e Flores. Revisão Técnica de Ana Maria Lima de Farias.Lapponi, J. C. (2005). Estatística Usando Excel. Rio de Janeiro, Elsevier: 4ª edição.Micaelo, Rui; Ribeiro, Jaime; Azevedo; M. Conceição M. (2006). A Influência dos Parâmetros da Compactação na Qualidade Final de Misturas Betuminosas. V Jornadas Luso-Brasileiras de Pavimentos: Políticas e Tecnologias. Recife/PE.Nascimento, Luis Alberto Herrmann do; Chacur, Marcos; Rocha, Sérgio Murilo Nunes; Fritzen, Marcos Antônio (2009). Uso do Densímetro Eletromagnético no Acompanhamento das Pistas Experimentais da Cidade Universitária do Rio de Janeiro. IV Simpósio Internacional de Avaliação de Pavimentos e Projetos de Reforço. Fortaleza/CE.TransTech (2003). Indicador da Qualidade dos Pavimentos. Manual do Operador.
CONCLUSÕES
Os resultados do IQP mostraram-se bastante dispersos e, somente com a calibração sugerida pelo manual de usuário,
a interpretação dos seus resultados fica prejudicada. Nessas circunstâncias, são necessárias outras correções, a partir dos
parâmetros de saída do equipamento. As correções propostas diminuem a dispersão dos resultados e permitem conclusões
mais efetivas.
As análises estatísticas mostraram uma influência marcante do Valor Relativo da Água (H2O) nos resultados e uma
influência mais discreta da temperatura (T). Isso se reflete na proposição das correções dos resultados. Ainda assim, as
análises de variâncias mostraram influência significativa para ambos os parâmetros nos resultados obtidos.
densidade entre -0,08 e +0,08, ambas representando 3,4% em
relação à densidade de projeto. Assim, verificam-se correções
consideravelmente menores em função da T do que em relação à
H2O.
Os resultados do levantamento multiplicados pelo coeficiente
de calibração e corrigidos pelas equações 4 e 5 são apresentados
na Figura 6. Observa-se que o grau de compactação varia entre
93,2% e 107,7%, correspondendo a uma amplitude de 14,5%,
sensivelmente inferior à amplitude observada na Figura 3.
para T, o que resultou nos gráficos das figuras 5(a) e 5(b) e
nas equações 4 e 5. A correção proposta ocorre somando-se o
resultado das equações 4 e 5 à densidade já multiplicada pelo
coeficiente de calibração.
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54
artig
os
Uma solução que está sendo utilizada para a pavimentação de vias urbanas ou rodoviárias, com consistente e constante crescimento, é o pavimento de concreto de cimento Portland. A bibliografia sobre pavimentação faz referência ao pavimento de concreto demonstrando as vantagens de durabilidade e o baixo custo de manutenção ao longo de sua vida útil. Neste momento pelo qual o Brasil passa, em que os investimentos na recuperação e na ampliação da infraestrutura estão viabilizando grandes empreendimentos, é de fundamental importância considerar esse tipo de pavimentação como opção viável, tanto técnica como economicamente. Assim sendo, este trabalho contribui para a análise do desempenho e da qualidade desse tipo de pavimento em diversas ruas da cidade de Curitiba. O pavimento de concreto está sendo executado em Curitiba desde 1996, com uma extensão aproximada de 60km, com larguras variadas. Para levantamento das condições atuais das diversas ruas com pavimento de concreto, foram utilizadas as normas técnicas e o Manual de Pavimentos Rígidos do Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (DNIT). O objetivo deste trabalho é apresentar o desempenho e a qualidade do pavimento de concreto das diversas ruas de Curitiba, os resultados obtidos com a aplicação das diversas normas do DNIT, dentre elas o Índice de Condição do Pavimento (ICP).
Avaliação do pavimento de concreto em diversas ruas de Curitiba
Carlos Roberto Giublin
Engenheiro Civil, Mestre em Construção Civil, CRG Engenharia Ltda,
e-mail: [email protected]
Alex Maschio
Engenheiro Civil, Associação Brasileira de Cimento Portland,
e-mail: [email protected]
Cleverson Boeno Moro
Engenheiro Civil, Associação Brasileira de Cimento Portland,
e-mail: [email protected]
Fernando Papisch Druck
Engenheiro Civil, Associação Brasileira de Cimento Portland,
e-mail: [email protected]
uso de pavimentos rígidos com superfície de concreto de cimento Portland
vem apresentando um consistente e constante crescimento no Brasil. É uma
solução que pode ser utilizada em vias urbanas e rodoviárias, bem como em
pátios de caminhões e aeronaves, terminais de contêineres, dentre outros.
De uso corrente em países como EUA, Alemanha, Bélgica e em
diversos países da América Central e do Sul, o pavimento de concreto tem-
se mostrado competitivo principalmente em vias de tráfego alto e pesado.
Em muitas cidades do Brasil, que tem sistema coletivo baseado em linhas
de ônibus expressas, com tráfego segregado e canalizado, o pavimento de
concreto está sendo aplicado em grande quantidade, principalmente pelas
vantagens de alta durabilidade, baixa manutenção, menor espessura de
escavação, maior segurança na frenagem e menor consumo de iluminação
pública ao longo da sua vida útil (CARVALHO, 1998). Em tempos em que
os investimentos na recuperação e na ampliação da infraestrutura do País
são propagados, é de fundamental importância considerar esse tipo de
pavimentação como uma opção viável, tanto técnica como economicamente.
Com as vantagens acima descritas, esse pavimento ganha destaque
em projetos de urbanização de algumas regiões do País, como, por exemplo,
na cidade de Curitiba, onde os corredores de ônibus e as vias com tráfego
pesado estão recebendo esse tipo de pavimentação desde 1996.
Assim sendo, este trabalho contribui para a análise do desempenho
e da qualidade dos pavimentos de concreto executados em Curitiba ao longo
desta última década, utilizando as Normas do Departamento Nacional de
Infraestrutura Terrestre (DNIT). Ressalta-se que a vida útil de projeto dos
pavimentos de concreto é de 20 anos e que muitas vias em Curitiba já se
encontram com a metade da vida útil projetada.
O
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55Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
Os pavimentos de concreto das ruas listadas na
Tabela 1, executados em diversos períodos, na cidade de
Curitiba, foram avaliados por engenheiro experiente, de
acordo com as orientações das Normas do DNIT, no início
de 2011.
Tabela 1 Relação das avenidas e ruas avaliadas
Tabela 2 – Espessuras das sub-bases e placas de concreto
PAVIMENTOS DE CONCRETO EM CURITIBA
O crescente aumento da frota de veículos nas grandes
cidades está criando problemas estruturais ao tráfego,
principalmente pela dificuldade de ampliação das vias.
Outro fator que tem dificultado o tráfego são as constantes
interrupções das vias para manutenção do pavimento. A cidade
de Curitiba não foge à regra, e, por isso, está investindo uma
parcela significativa de recursos em melhoria das suas vias
urbanas, com uso de várias alternativas de pavimentação.
No transporte coletivo, onde Curitiba se destaca
nacionalmente pelas inovações e pela competência, o seu
maior problema é manter as suas vias segregadas, chamadas
de canaletas expressas de ônibus, em perfeitas condições
de tráfego, em contraponto ao aumento da população que
utiliza esse meio de transporte e de outro ponto importante
que é o tempo de viagem dos ônibus. Nesse cenário,
buscando alternativas mais duráveis, iniciou-se, em 1996, o
desenvolvimento de projetos em pavimentos de concreto. Com
uma extensão executada em pavimento de concreto com mais
de 60km, Curitiba destaca-se, de novo, no Brasil como uma
das que mais utiliza essa tecnologia nas suas vias urbanas.
As características principais do pavimento de
concreto são as seguintes: vida útil maior que 20 anos,
custos baixos de manutenção, menores espessuras de
escavação, maior segurança nas frenagens e menor consumo
de iluminação pública. Os estudos comparativos com
alternativas, levando-se em consideração não apenas o custo
inicial, mas também a vida útil, os custos de manutenção e
a operação da via, mostram que a solução de pavimento em
concreto simples com barras de transferência é competitiva
em tráfego pesado e canalizado.
Os pavimentos de concreto executados em Curitiba
normalmente são projetados utilizando o Método de Cálculo
da Portland Cement Association (PCA), versão de 1984,
quando foi introduzida a analise de erosão das sub-bases
(PITTA, 1992). A Tabela 2 apresenta as diversas espessuras
das sub-bases e das placas de concreto das avenidas e ruas
contempladas neste estudo.
Na Avenida Afonso Camargo, foi projetado o pavimento
de concreto utilizando-se a técnica de Whitetopping-
inlay, onde a placa de concreto é colocada sobre o
material remanescente da escavação e da regularização
do pavimento asfáltico existente. Nesse caso, escava-se o
pavimento existente na espessura da placa de concreto,
e o material remanescente substitui a necessidade de
colocação de uma sub-base.
AVENIDA/RUA EXTENSÃO (M) EXECUÇÃO EM USO (ANOS)
RUA PRESIDENTE FARIA 560 1996 15
AV. WENCESLAU BRÁZ 435 1998 13
AV DAS INDÚSTRIAS 1.100 2000 11
RUA ANNE FRANK 1.100 2000 11
RUA TEM. ANTONIO MARQUES 775 2000 11
AV. AFONSO CAMARGO 4.000 2000 11
AV. MASCARENHAS DE MORAIS 1.900 2006 5
AV. SANTA BERNADETHE 1.750 2006 5
AVENIDA/RUAESPESSURA (CM)
SUB-BASE PLACA
RUA PRESIDENTE FARIA 10 23
AV. WENCESLAU BRÁZ 10 22
AV DAS INDÚSTRIAS 10 22
RUA ANNE FRANK 10 22
RUA TEM. ANTONIO MARQUES 10 23
AV. AFONSO CAMARGO - 25
AV. MASCARENHAS DE MORAIS 10 23
AV. SANTA BERNADETHE 10 24
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56
artig
os
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DE PAVIMENTOS DE CONCRETO
Diversos métodos são utilizados para avaliação de pavimentos. Para o estudo em questão, definiu-se pela escolha de um
índice de qualidade associado aos defeitos, podendo ser um dos seguintes:
Índice de serventia atual (ISA)
Serventia é definida como sendo a medida da qualidade de um pavimento, em um dado instante de sua vida de serviço,
atendendo ao tráfego misto, com suavidade e conforto de rolamento, em qualquer condição climática, na opinião dos usuários.
Dessa definição, são extraídos dois elementos fundamentais: a serventia é uma variável no tempo para uma seção de pavimento
e trata-se de um índice que pode ser avaliado subjetivamente, com base na opinião dos usuários.
O uso desse parâmetro para medição da condição do pavimento remonta aos experimentos da AASHTO Road Test,
planejado nos anos 50. Seu grande valor como índice reside exatamente em refletir a opinião dos usuários quanto ao estado
de um pavimento. Mais ainda, deve ser tomado como um critério de ruptura, que, além de expressar o conforto percebido pelo
usuário, realiza a importante ponte de relações existentes entre o estado do pavimento e os custos operacionais dos veículos.
Índice do Perfilógrafo Califórnia
A irregularidade longitudinal do pavimento é um índice relacionado ao conforto de rodagem do pavimento e deve ser
determinado pela utilização e pela operação do Perfilógrafo em cada faixa de tráfego a ser inspecionada. Como parâmetro da
condição da superfície, deve resultar o Índice de Perfil (IP), cuja unidade é fornecida em mm/km. No Brasil, tem-se utilizado o
Perfilógrafo tipo Califórnia. O equipamento deve ser deslocado longitudinalmente sobre o pavimento, à velocidade máxima de
5 km/h, para minimizar saltos. A superfície avaliada é considerada apropriada, no que tange a essa avaliação, quando o valor
de IP não ultrapassar 240 mm/km. Os perfis dos pavimentos são obtidos a 90cm de cada borda do pavimento ou de cada junta
longitudinal e, paralelamente a elas, ou seja, nas trilhas de rodas interna e externa de cada faixa de tráfego. O levantamento
deve ser realizado em todas as faixas de tráfego e nas duas trilhas de roda.
Índice Internacional de Irregularidade (IRI)
O índice proposto pelo Banco Mundial é chamado International Roughness Index (IRI), ou Índice Internacional de
Irregularidade. Trata-se de um padrão de medida relacionado àqueles fornecidos pelos sistemas medidores de irregularidade
tipo resposta, sendo definido como o índice entre o somatório dos deslocamentos na suspensão de um veículo dividido pela
distância percorrida pelo veículo durante o teste, sendo expresso nas unidades m/km ou mm/m. O equipamento normalmente
utilizado no Brasil para esse levantamento consiste em um medidor de irregularidade do tipo resposta, modelo Maysmeter, em
conjunto com o coletor de dados/microprocessador Rough Rider, instalados em um veículo.
Quociente de Irregularidade (QI)
Trata-se de um índice representativo da irregularidade da superfície do pavimento. É expresso na unidade de “contagens
por km”. Como indicação geral, no Brasil, os pavimentos recém construídos apresentam valores de QI próximos de 30
contagens/km; valores maiores que 60 contagens/km, por outro lado, são indicadores de necessidade de reabilitação. O QI é
semelhante ao IRI em relação ao objetivo, à finalidade e à maneira de obtenção. Porém as unidades são diferentes, sendo o QI
em cont./km, e o IRI em m/km.
Pode-se correlacionar o QI com o IRI através da seguinte fórmula: QI = 13 x IRI
Índice de Condição do Pavimento (ICP)
Este método é especifico para pavimentos de concreto. A inspeção visual de pavimentos consiste no preenchimento de
ficha de inspeção contendo os diferentes tipos de defeitos de pavimentos de concreto para a posterior determinação do Índice
de Condição do Pavimento (ICP). O ICP é a medida da condição funcional do pavimento, capaz de fornecer informações para
a verificação das condições da via (avenidas, rodovias, pátios, etc.) e para o estabelecimento de políticas de manutenção,
prevenção e recuperação. O ICP pode ser quantificado através de uma escala que varia de 0 a 100, onde a quantidade 100
representa uma excelente condição do pavimento.
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AVALIAÇÃO DOS PAVIMENTOS DE CONCRETO
Dos métodos avaliados, o Índice de Condição do
Pavimento foi escolhido para avaliação de condição estrutural
do pavimento de concreto por ser um parâmetro voltado para
defeitos característicos de placas de concreto, por não ter
restrições para aplicação e também por ser recomendado pelo
DNIT. Em três estudos recentes, foram realizadas as inspeções
e a determinação dos Índices de Condição do Pavimento para
os pavimentos de concreto das estações-tubo da Avenida Sete
de Setembro, da Av. Iguaçu e da Avenida dos Trabalhadores
em Curitiba, obtendo-se resultados que validam a escolha
desse método de avaliação (GIUBLIN, 2007; GIUBLIN, 2010;
SOUZA, 2011).
O ICP é um parâmetro definidor da condição de
superfície de pavimento de concreto baseado em metodologia
desenvolvida pelo U.S. Army Construction Engineering
Research Laboratory (CERL). A norma brasileira outorgada pelo
DNIT que define a avaliação objetiva do estado de conservação
de pavimentos de concreto é a DNIT 062/2004 — PRO.
Segundo essa norma, a avaliação objetiva é a “[...] avaliação
da condição estrutural do pavimento baseada na determinação
do ICP (Índice de Condição do Pavimento)”. Esse índice
é definido como a “[...] medida da condição estrutural do
pavimento, capaz de fornecer ao engenheiro de pavimentação
informações para a verificação das condições da rodovia e
para o estabelecimento de políticas de manutenção, prevenção
e de recuperação”. A avaliação objetiva é constituída pela
análise dos dados obtidos na inspeção visual, cálculo dos
ICP, atribuição dos conceitos (varia, de modo crescente, de
“Destruído” até “Excelente”), análise do cadastro documental
(quando houver acesso a esse) e emissão do laudo final.
A escala de avaliação do ICP está representada
na Tabela 3.
Tabela 3 – Faixas dos Índices de Condições do Pavimento
A Norma DNIT 061/2004 – TER define os termos
técnicos empregados para caracterizar os defeitos que
aparecem nos pavimentos de concreto, sendo eles:
alçamento de placas;
fissura de canto;
placa dividida;
escalonamento ou degrau de juntas;
falha nas selagens das juntas;
desnível pavimento de concreto - acostamento;
fissuras lineares;
grandes reparos;
pequenos reparos;
desgaste superficial;
bombeamento nas juntas transversais e longitudinais;
quebras localizadas;
passagem de nível;
rendilhado e escamação da superfície do concreto;
fissuras de retração plástica;
esborcinamento ou quebra de canto;
esborcinamento de juntas;
placa bailarina;
assentamento;
buracos.
A mesma norma define defeito como a anomalia observada
no pavimento, decorrente de problemas na fundação, de má
execução ou de uso do pavimento. Podem-se adicionar a essa
definição os projetos mal dimensionados e o uso de tecnologia e
de equipamentos inadequados.
De acordo com o Manual de Pavimentos Rígidos do
DNIT — IPR-714/2005, a inspeção do pavimento de concreto,
para levantamento dos defeitos e de seus respectivos graus de
severidade deve ser feita com uma criteriosa avaliação das suas
condições atuais, especialmente do seu ICP. Esse procedimento
deve ser conforme as diretrizes da Norma DNIT 062/2004-PRO
— Avaliação Objetiva de Pavimentos Rígidos.
A amostragem das placas para inspeção deve
ser definida de acordo com as orientações da Norma DNIT
060/2004-PRO, mas, no estudo em questão, por opção dos
autores, foi definido que a amostragem seria de 100% das placas
dos trechos avaliados.
FAIXA DE ICP
0 10 DESTRUÍDO
11 25 MUITO RUIM
26 40 RUIM
41 55 RAZOÁVEL
56 70 BOM
71 85 MUITO BOM
86 100 EXCELENTE
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TIPOS DE DEFEITO1 ALÇAMENTO DE PLACAS 7 FISSURAS LINEARES 13 PASSAGEM DE NÍVEL
2 FISSURA DE CANTO 8 GRANDES REPAROS 14 RENDILHADO DE ESCAMAÇÃO
3 PLACA DIVIDIDA 9 PEQUENOS REPAROS 15 FISSURAS DE RETRAÇÃO PLÁSTICA
4 DEGRAU DE JUNTA 10 DESGASTE SUPERFICIAL 16 QUEBRA DE CANTO
5 DEFEITO DE SELAGEM DAS JUNTAS 11 BOMBEAMENTO 17 ESBORCINAMENTO DE JUNTAS
6 DESNÍVEL PAVIMENTO ACOSTAMENTO 12 QUEBRAS LOCALIZADAS 18 PLACA BAILARINA
FICHA DE INSPEÇÃO DE PAVIMENTO RÍGIDOCÁLCULO DO ÍNDICE DE CONDIÇÃO DO PAVIMENTO (ICP)
PAVIMENTO/ PRESIDENTE AFONSO CAMARGO EXTENSÃO: 4000 m
COMPRIMENTO: DATA: 02/12/2010
ID PLACA A B C D E F TIPOS DE DEFEITOS
GRAU DE SEVERIDADE
N° DE PLACAS AFETADAS
% PLACAS AFETADAS
VALOR DEDUZÍVEL
1 5 B17 B
5 B17 B
5 M 10 50,0% 4,0
9 B 4 20,0% 1,0
17 B 2 10,0% 2,0
2 5 M9 B
5 M9 B
3 5 M 5 M
4 5 M 5 M
5 - - - -
6 - - - -
7 - - - -
8 5 B9 B
5 B9 B
9 - - - -
INTERVALO DE PLACAS: 1 A - 10 B
10 - - - -
SUBTRECHO:
VALOR DEDUZÍVEL TOTAL: 7,0
VALOR DEDUZÍVEL CORRIGIDO: 7,0
ICP 93,0 CONCEITO EXCELENTE
As seguintes fases fizeram parte da avaliação objetiva de
pavimentos rígidos:
inspeção dos pavimentos de concreto;
análise dos dados obtidos em inspeção;
cálculo dos ICP´s;
atribuição de conceitos; e
emissão de laudos.
CÁLCULO DO ICP – RESULTADOS DAS AVALIAÇÕES
Seguindo as diretrizes apontadas pela Norma, foram
elaboradas Fichas de Inspeção para cada intervalo de 20 placas,
dentro de seus respectivos subtrechos, obtendo-se, para cada
uma dessas fichas, um valor de ICP. Na figura 2, apresenta-se
um exemplo de ficha resumo, com os valores finais da avaliação
da Rua Anne Frank.
A Tabela 4 apresenta os resultados das avaliações das ruas,
com os Índices de Condição do Pavimento e os conceitos que
cada rua obteve.
Figura 1 Modelo de ficha de inspeção de campo
artig
os
A inspeção dos pavimentos de concreto, com objetivo
de avaliar as condições dos pavimentos dos diversos
trechos que fazem parte do objeto deste estudo, foi
realizada no início de 2011.
Os dados obtidos nas inspeções visuais de campo
foram registrados em Fichas de Inspeção de cada amostra.
Informações complementares foram acrescentadas caso a
caso. A figura 1 apresenta um modelo de Ficha de Inspeção,
em concordância com a norma DNIT 062/2004- PRO.
Tabela 4 Resultados das avaliações das ruas – ICP e conceitos
AVENIDA/RUAICP
VALOR CONCEITO
RUA PRESIDENTE FARIA 91,7 EXCELENTE
AV. WENCESLAU BRÁZ 93,4 EXCELENTE
AV DAS INDÚSTRIAS 92,4 EXCELENTE
RUA ANNE FRANK 87,8 EXCELENTE
RUA TEM. ANTONIO MARQUES 90,4 EXCELENTE
AV. AFONSO CAMARGO 94,2 EXCELENTE
AV. MASCARENHAS DE MORAIS 90,8 EXCELENTE
AV. SANTA BERNADETHE 95,7 EXCELENTE
Tabela 4 – Resultados das avaliações das ruas - ICPs e conceitos
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59Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
N° SUBTRECHO COMP. (m) INTERVALO DE PLACAS N° DE PLACAS ICP CONCEITO1 AV. MARECHAL FLORIANO - RUA ANNE FRANK 50 1A - 10B 20 88,0 EXCELENTE
2 AV. MARECHAL FLORIANO - RUA ANNE FRANK 50 11A - 20B 20 68,0 BOM
3 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 21A - 30B 20 58,0 BOM
4 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 31A - 40B 20 78,0 MUITO BOM
5 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 41A - 50B 20 84,0 MUITO BOM
6 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 51A - 60B 20 90,0 EXCELENTE
7 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 61A - 70B 20 93,5 EXCELENTE
8 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 71A - 80B 20 83,0 MUITO BOM
9 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 81A - 90B 20 95,0 EXCELENTE
10 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 91A - 100B 20 85,0 EXCELENTE
11 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 101A - 110B 20 79,0 MUITO BOM
12 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 111A - 120B 20 95,5 EXCELENTE
13 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 121A - 130B 20 95,0 EXCELENTE
14 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 131A - 140B 20 98,0 EXCELENTE
15 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 141A - 150B 20 89,0 EXCELENTE
16 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 151A - 160B 20 92,5 EXCELENTE
17 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 161A - 170B 20 77,0 MUITO BOM
18 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 171A - 180B 20 89,0 EXCELENTE
19 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 181A - 190B 20 99,0 EXCELENTE
20 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 191A - 200B 20 98,0 EXCELENTE
21 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 201A - 210B 20 98,0 EXCELENTE
22 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 211A - 220B 20 100,0 EXCELENTE
23 RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS 50 221A - 230B 20 86,5 EXCELENTE
QUADRO RESUMO DE INSPEÇÃO DE PAVIMENTO RÍGIDOCÁLCULO DO ÍNDICE DE CONDIÇÃO DO PAVIMENTO (ICP) ICP = MÉDIO 87,8 CONCEITO
MÉDIO EXCELENTE
PAVIMENTO: RUA ANNE FRANK MEDIDA (m): VARIÁVEL EXTENSÃO: 1100 m N° DE PLACAS: 460
TRECHO: AV. MARECHAL FLORIANO - RUA MAESTRO CARLOS FRANK DATA: 10/03/2011 N° DE SUBTRECHOS: 23
ANÁLISE ESTATISTICA DOS VALORES DE ICP
x = MEDIA 87,78
s = DESVIO PADRÃO 10,51
n = 68 DIST. NORMAL 95% DE CONFIANÇA z = 1,96
ICP (LIMITE INFERIOR) = x - z . s 67,19
CONCLUSÃO SUBTRECHO INTERVALO DE PLACAS ICP
DOS 23 SUBTRECHOS INSPECIONADOS, 1 SUBTRECHO APRESENTOU VALOR DE ICP ABAIXO DO LIMITE INFERIOR
RUA ANNE FRANK - RUA MAESTRO CARLOS FRANK 21A - 30B 58,00
Figura 2 Modelo da ficha resumo da avaliação da Rua Anne Frank
CONCLUSÃO
A aplicação da normatização atualmente vigente mostrou-se adequada para a execução deste estudo, pois utiliza
parâmetros e definições coerentes e de fácil entendimento e utilização. O método utilizado mostrou-se satisfatório, pois é
especifico para pavimentos de concreto e de fácil aplicação na avaliação das ruas.
Apresentando valores de ICP superiores a 87, todos os trechos foram classificados como excelentes. Considerando
a vida útil de 20 anos para os pavimentos de concreto, o uso ininterrupto dos diversos trechos estudados e a quase nula
manutenção realizada até o momento da avaliação, pode-se afirmar que a opção adotada pela Prefeitura de Curitiba, quando da
implantação desse tipo de pavimento, foi acertada pelos seguintes pontos:
manutenção muito pequena até o momento;
vida útil do pavimento está sendo confirmada, com tendência de atender as especificações dos projetos;
diminuição das interrupções do tráfego, com pouco ou quase nenhum transtorno aos usuários;
diminuição dos custos de reconstrução de pavimentos, pela durabilidade apresentada pelos pavimentos de concreto
avaliados.
ReferênciasCARVALHO, M.D.. Vantagens e competitividade dos pavimentos rígidos. Pós-Congresso Purdue sobre Projeto, Avaliação, Desempenho e Reabilitação Estrutural dos Pavimentos de Concreto. São Paulo, São Paulo, 1998.DNIT 060/2004 – PRO. Pavimento rígido – Inspeção visual. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.DNIT 061/2004 – TER. Pavimento rígido – Defeitos - Terminologia. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.DNIT 062/2004 – PRO. Pavimento rígido – Avaliação objetiva. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.DNIT 063/2004 – PRO. Pavimento rígido – Avaliação subjetiva. Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2004. DNIT. Manual de pavimentos rígidos. 2ª Edição. DNIT. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.GIUBLIN, C.R., et al.. Inspeção e determinação do índice de Condição do Pavimento (ICP) para o pavimento rígido de concreto das estações-tubo da Avenida Sete de Setembro em Curitiba. 3º Encontro de Engenharia e Tecnologia dos Campos Gerais, Ponta Grossa, Paraná, 2007.GIUBLIN, C.R., et al.. Avaliação do Pavimento de Concreto da Avenida Iguaçu em Curitiba. 52º Congresso Brasileiro do Concreto – IBRACON, Fortaleza, Ceará, 2010.PITTA, M.R.. ET-97 Estudo Técnico de Dimensionamento de pavimentos rodoviários e urbanos de concreto pelo método da PCA/84, ABCP, São Paulo, São Paulo, 1992.SOUZA, J.M., et al.. Determinação do índice de condição do pavimento da avenida dos trabalhadores em Curitiba, TCC- trabalho de final do curso de Patologias em Obras Civis, Instituto IDD, Curitiba, Paraná, 2011.
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60
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O Gerenciamento Ativo de Tráfego e suas possibilidades de aplicação no Brasil
Haroldo Mata Engenheiro Civil, Coordenador da Unidade Regional do Rio Grande
do Sul – Agência Nacional de Transportes Terrestres (URRS/ANTT). [email protected]
Lélio Brito Engenheiro Civil, PhD, Consultor em Tecnologia de Transportes –
Prime Engenharia e Consultoria LTDA [email protected]
Eduardo Bergmann Engenheiro Civil, Especialista em Regulamentação – Unidade
Regional do Rio Grande do Sul – Agência Nacional de Transportes Terrestres (URRS/ANTT) [email protected]
Thiago Vitorello Engenheiro Civil, MSc, Diretor de Engenharia e Operações –
Concessionária da Rodovia Osório-Porto Alegre (Triunfo|CONCEPA) [email protected]
Gerenciamento Ativo de Tráfego (GAT), também
conhecido por faixas gerenciadas ou faixas
inteligentes, é um sistema que permite a melhoria
da fluidez do tráfego com redução dos níveis de
congestionamento, permitindo a incorporação do
acostamento externo como faixa de rolamento.
O GAT, ou Active Traffic Management (ATM),
já foi implantado em diversos países, incluindo
Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Holanda.
O sistema consiste essencialmente de um conjunto
de dispositivos automatizados que criam, com
ajuda de intervenção de um centro de controle de
operações, um ambiente controlado de velocidade e
disponibilidade das faixas em função da ocupação da
via. Exemplos como a rodovia britânica M42 sugerem
um aumento dos níveis de segurança e redução
do tempo de viagem com a implantação do GAT.
Entre os benefícios dessa tecnologia, o aumento de
capacidade sem incorporação de novas faixas de
rolamento é extremamente atrativo e mostra-se com
um grande potencial de aplicação no Brasil. Neste
artigo, são descritos em maior detalhe o uso dessa
ferramenta, os resultados obtidos na experiência
britânica, bem como as possibilidades de aplicação
de um sistema de GAT no Brasil.
OALTERNATIVAS DE MELHORIAS DE TRÁFEGO
O desenvolvimento econômico dos países está
grandemente associado ao desenvolvimento da sua
malha rodoviária. Nos dias de hoje, disponibilidade
de rotas, tempo de viagem e condições de conforto
e segurança são itens essenciais à engenharia de
tráfego, que vem crescentemente sendo desafiada
com os atuais índices de crescimento de demanda.
Notadamente, em países como o Brasil, onde a
malha rodoviária ainda carece de um grande aporte
de recursos para ampliação do modal rodoviário,
os principais investimentos estão voltados às
novas rodovias, às duplicações, às ampliações e às
restaurações de rodovias existentes.
No entanto, há uma premente necessidade
de se atentar às rodovias com alto volume de
tráfego, para as quais tais soluções tradicionais
podem, muitas vezes, não estar disponíveis,
ou mesmo não serem economicamente
interessantes.
Há várias alternativas sendo empregadas
mundo afora para melhorar o escoamento de
rodovias saturadas, aproveitando técnicas
alternativas que utilizam o patrimônio rodoviário
existente de uma maneira otimizada. Alguns
exemplos podem ser citados.
A opção pela unidirecionalidade do fluxo de
pistas de sentidos prioritariamente opostos em
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61Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
horários restritos já é bastante conhecida.
Essa opção, normalmente voltada ao
trânsito urbano, certamente apresenta
benefícios, mas, indiscutivelmente,
também acarreta transtornos à
mobilidade da região. Para um
âmbito rodoviário, a operacionalização
é extremamente complicada,
principalmente se o objetivo é o uso
contínuo, tornando-se até mesmo
inviável.
Já num horizonte menos usual no
País, está o uso da restrição de faixas.
Há aquelas em que apenas veículos
de alta ocupação podem trafegar
— usualmente chamadas de Faixas
de Veículos de Elevada Ocupação,
ou High Occupancy Vehicle Lanes
(HOV) —, ou também as chamadas
Vias Expressas Locais. Estas últimas
representam um arranjo de faixas
que disponibilizam, em uma mesma
pista, algumas faixas para entrada e
saída, e outras cujo acesso é restrito
para promover a melhoria de fluidez
naquele segmento.
Outro interessante exemplo
de melhoria de mobilidade pelo
uso de gerenciamento operacional
de via é o exemplo do Pedágio de
Congestionamento (Congestion
Charge), implantado em Londres, em
2003, ou ainda as Zonas de Baixa
Emissão — Low Emission Zones
(LEZ) —, operadas desde 2008,
que representam a segmentação
do tráfego por zonas a partir da
atribuição de uma sobretaxação para
uso daquelas áreas.
Sob a ótica das rodovias de
elevado volume de tráfego, ou
autopistas (freeways, motorways,
autobahns, etc.), algumas dessas
soluções nem sempre estão
disponíveis, ou apresentam baixo
potencial de sucesso. Nesse contexto,
a concepção do Gerenciamento Ativo
de Tráfego concatena os tradicionais
elementos da engenharia de tráfego —
Engenharia, Fiscalização e Educação
(EEE), ou Engineering, Enforcement
& Education —, que, associados
ao fator Motivação — ou quarto
“E” (Encouragement) —, formam o
sistema que, nos dias de hoje, parece
estar mais talhado à solução de vias
congestionadas de elevado volume de
tráfego rodoviário.
O conceito fundamental utilizado
pelo GAT pode ser, sob certo aspecto,
comparado ao avanço da velocidade
de acesso à internet. Com o uso de
diferentes técnicas de empacotamento
dos dados sob a mesma infraestrutura
— cabeamento estruturado de
telefonia —, foi possível que, nos
últimos 20 anos, a capacidade de
transmissão de dados fosse aumentada
em mais de 100.000 vezes.
De forma semelhante, uma
distribuição mais ordenada dos
veículos entre as faixas disponíveis,
com a velocidade média permitida
pela ocupação da via naquele
momento, permitirá por si só um
aumento de capacidade. Como o fluxo
passa num regime mais ordenado, e
a velocidade de tráfego é mais baixa
(normalmente caindo de 15% a 30%
da velocidade máxima), atinge-se um
menor distanciamento seguro dos
veículos, possibilitando, também,
o uso do acostamento como faixa
de rolamento. A Figura 1 ilustra o
conceito de Gerenciamento Ativo
de Tráfego. A partir dos elementos
fundamentais da engenharia de
tráfego, é possível organizar o fluxo
de veículos numa rodovia e, com
isso, permitir o uso de acostamento
— elementos estes que culminam,
portanto, num direto aumento da
capacidade da via.
Figura 1 Conceito de Gerenciamento Ativo de Tráfego – O escoamento de fluxo organizado promove um ambiente seguro e com maior capacidade
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O CASO DA RODOVIA M42 – ENTORNO DE BIRMINGHAM
O GAT foi introduzido nas rodovias
britânicas como um importante resultado
da busca de soluções alternativas. Não só
a concepção do sistema teve como alvo a
redução nos níveis de congestionamento,
mas também visou a uma série de outras
melhorias que trariam como benefícios o
mesmo resultado, quais sejam: redução
no tempo de atendimento aos acidentes,
mais rápida desobstrução de pista,
aumento da confiabilidade dos tempos
de viagem e melhoria nos níveis de
segurança das rodovias.
Com o sucesso dos projetos de
rodovias controladas — cuja diferença,
essencialmente para as ditas rodovias
gerenciadas, é o uso do acostamento
como faixa de rolamento nestas
últimas —, a exemplo da M25, o
Governo britânico iniciou, em 2002,
os estudos para implantação de uma
rodovia inteligente. A rodovia orbital de
Londres (M25), com uso do controle de
velocidade variável, chegou a registrar
196.000 veículos em suas apenas quatro
faixas de rolamento — uma capacidade
expressiva para uma rodovia com esse
número de faixas.
A ideia foi de, então, estender o
conhecimento do controle de limite
de velocidade variável empregado na
M25 para embasar o desenvolvimento
do projeto de GAT, que viria a ser
implantando, em 2005, na rodovia M42,
nos arredores de Birmingham, elevando,
assim, o conceito de rodovia controlada
para rodovia gerenciada.
Com um intenso fluxo de veículos e
entorno de uma área conurbada, a M42
atende também um dos aeroportos de
maior tráfego da Europa — Birmingham
International Airport — e um centro de
exibição nacional (NEC) também no
entorno. Devido ao elevado custo da
terra naquela localidade, associado às
dificuldades operacionais de se executar
um alargamento de pista, a opção do uso
do acostamento como faixa de rolamento
foi a mais atrativa opção.
A Figura 2 mostra o regime
operacional do GAT nessa rodovia. O
projeto foi iniciado em 2002, mas,
apenas em dezembro de 2005, iniciou-se
o controle da rodovia com implantação
do limite de velocidade variável
mandatório (LVVM), porém sem o uso
do acostamento. Nove meses depois,
passou-se a utilizar o acostamento como
faixa de rolamento apenas quando o GAT
foi ativado, usualmente nas horas de
pico, a uma velocidade máxima de 80
km/h (50mph). O uso do acostamento
pode ser chamado de “acostamento
dinâmico”. Aproximadamente um
ano e meio após, com o sucesso do
acostamento dinâmico e do GAT, elevou-
se a velocidade máxima durante o seu
funcionamento para 96 km/h (60mph).
Atenta-se ao fato de que, no Reino
Unido, há dois limites de velocidade:
112 km/h (70mph) para veículos
classificados como leve e 96 km/h
(60mph) para os veículos de carga.
Figura 2 Regime Operacional do Sistema de Gerenciamento Ativo de Tráfego na M42 – Abertura ao tráfego com 3 faixas e limite de velocidade variável em Setembro de 2006.
Figura 3 Infraestrutura instalada para o GAT na M42 em uma situação com o sistema ativo
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A Figura 3 ilustra a rodovia M42
com o sistema de GAT ativo. Entre os
principais elementos necessários para
a implantação do sistema, podem ser
citados: pórticos com espaçamento
aproximado de 500m, com painéis
de mensagem variável e painéis e
sinalização da velocidade em força;
analisadores de tráfego (MIDAS);
circuito fechado de televisão; refúgios
para paradas de emergência; etc.
Todo o sistema possui um sofisticado
centro de controle operacional, que
auxilia sistemas computadorizados a
fazerem o ligamento e o desligamento
do GAT, bem como o controle da
velocidade variável em função do nível
de ocupação da via.
administração das rodovias naquele
país, relatou as melhorias relativas
ao impacto ambiental gerado, com
observação de uma sensível melhora
dos níveis de ruído e poluição. Já em
relação aos índices de acidentes com
vítimas, houve uma redução de 50%,
baseados em dados estatísticos para
um período de três anos. Salienta-se
que, para o mesmo período, não houve
registro de nenhum acidente com
vítima fatal ou lesão. A Figura 4 ilustra
o cenário de acidentes observados na
Inglaterra e na M42, antes e após a
implantação do sistema.
No que se refere à capacidade da
via, foi observado um aumento médio
de 7% a 9% para o GAT ativo com
velocidade de 80 km/h e de até 13%
com o uso do acostamento dinâmico
de 96 km/h, sem qualquer prejuízo à
segurança do usuário. Já em relação à
redução no tempo de viagem, esta foi
de 24% na direção norte da rodovia e
9% na direção sul. O Quadro 1 resume
os vários aspectos observados com o
novo sistema implantado.
Benefícios observados com o GAT na M42
Inúmeros foram os benefícios
observados em aproximadamente seis
anos de operação do GAT na M42. A
Highways Agency (HA), agência do
Governo britânico responsável pela
Quadro 1 Benefícios observados com o GAT na M42 em função de vários aspectos
Figura 4 Acidentes com vítimas observados nas rodovias britânicas com detalhe da M42
POSSÍVEIS APLICAÇÕES NO BRASIL
Diante do exposto, verifica-
se que pode haver consideráveis
ganhos de capacidade em rodovias
congestionadas através de
intervenções de natureza operacional,
sem necessidade de se recorrer
à sua ampliação física, apenas
racionalizando e organizando melhor o
uso do espaço disponível.
Inúmeras rodovias brasileiras
poderiam beneficiar-se dessa nova
e importante ferramenta, capaz
de melhorar a fluidez e a própria
segurança do tráfego; especialmente
aquelas próximas dos grandes centros
urbanos, sujeitas a importantes
variações nos fluxos de veículos, quer
sejam ao longo do dia, quer sejam
em períodos sazonais ao longo do
ano. Dentre elas, podem ser citados o
Rodoanel de São Paulo, a via Dutra, a
ponte Rio-Niterói, as rodovias Anchieta
e Imigrantes, a BR-101 na área da
grande Florianópolis, etc.
ASPECTOS AMBIENTAIS ASPECTOS DE SEGURANÇA ASPECTOS OPERACIONAIS
REDUÇÃO DA EMISSÃO DE CO EM 4%REDUÇÃO EM 50% DO ÍNDICE DE ACIDENTES COM
VÍTIMAS AUMENTO DE CAPACIDADE MÉDIA DE 7 A 9% COM USO
DO ACOSTAMENTO DINÂMICO A 80KM/H
REDUÇÃO DE CO2 EM 4%SEM REGISTRO DE VÍTIMAS FATAIS NUM PERÍODO DE
TRÊS ANOSAUMENTO ADICIONAL DE 4% COM USO DO
ACOSTAMENTO DINÂMICO A 96KM/H
REDUÇÃO DOS ÓXIDOS DE NITROGÊNIO EM 5% SENSAÇÃO DOS MOTORISTAS DE RODOVIA MAIS SEGURARESPEITO À VELOCIDADE FISCALIZADA EM MÉDIA DE
97% (80 KM/H) E 93% (96KM/H)
REDUÇÃO DO CONSUMO DE COMBUSTÍVEL EM 4%REDUÇÃO NO TEMPO DE VIAGEM DE 22% (SENTIDO
NORTE) E 9% (SENTIDO SUL)
REDUÇÃO DOS NÍVEIS DE RUÍDO ENTRE 1,8dB E 2,4dB.REDUÇÃO DA VARIABILIDADE DO TEMPO DE VIAGEM
DE 22%
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O Caso da BR-290/RS no Trecho entre Osório (km0) e o Pedágio de Santo Antônio da Patrulha (km20) - Freeway
Um exemplo ainda mais próximo de avançados níveis de congestionamentos
sazonais, é o da BR-290, no trecho Freeway, durante os retornos de verão
do litoral. São bastante conhecidos dos gaúchos os elevados níveis de
congestionamento, que forçam os usuários da via a procurarem soluções
alternativas ao seu retorno, devido ao expressivo aumento de duração da viagem
até a Capital, Porto Alegre.
Há uma série de características disponíveis na Freeway que sugerem
que a implantação de um gerenciamento ativo de tráfego poderá beneficiar
expressivamente a redução desses congestionamentos. Assim, já se encontram
em fase avançada os estudos para implantação de um segmento piloto na
BR-290-Freeway. A Figura 5 ilustra o trecho da BR-290/RS sob concessão da
Concessionária da Rodovia Osório-Porto Alegre (Concepa), com detalhe da área
proposta para implantação do GAT.
A disponibilidade de acostamentos tanto interno quanto externo e a existência
de refúgios ao longo de todo o trecho remetem essa rodovia a um cenário bastante
propício a implantação do GAT. Em adição, o segmento já é monitorando por
um centro de controle de operações, bem como já dispõe de cabeamento de
fibra ótica e CFTV em uma grande parte de sua extensão, facilitando, assim, a
instalação das novas tecnologias necessárias e da ampliação da existente.
A implantação do GAT foi proposta
para o segmento compreendido entre
o km 0 e km 20 da Freeway pelos
seguintes motivos: trata-se de trecho
com elevadíssimos picos de tráfego
num curto espaço de tempo na época
de verão, o que não justificaria a
construção de uma quarta faixa apenas
para atendimento dessa demanda
sazonal; o referido segmento, nos
horários de retorno para Porto Alegre
em época de veraneio, recebe os
fluxos da Estrada do Mar, da RS-040
Tramandaí-Osório em pista dupla e da
BR 101 Torres-Osório, também em
pista dupla; parte do fluxo da Estrada
do Mar também ingressa na Freeway
através do novo acesso disponibilizado
no km 5 da rodovia.
Todas essas correntes de tráfego
demandam uma extensão razoável
para se acomodarem nas três faixas
disponíveis da autoestrada, gerando
um fluxo turbilhonado que se estende
até a praça de pedágio do km 19. A
Figura 6 ilustra o nível de ocupação do
segmento em questão para o dia 30 de
janeiro de 2011 (domingo).
Dessa forma, esse segmento
apresenta as condições ideais para a
implantação do Gerenciamento Ativo de
Tráfego, por possuir as características
que permitem a aplicação integral dos
benefícios que essa ferramenta pode
proporcionar, a saber: a incorporação
física do acostamento durante os
horários de pico, proporcionando um
total de quatro faixas de rolamento
— ampliação em 25% da capacidade
teórica de escoamento, além da
organização do fluxo de veículos,
que pode aumentar a capacidade de
escoamento em até 15% em média,
além de contribuir para a redução de
acidentes.
Figura 5 Trecho da BR-290/RS com detalhe da área proposta para implantação do GAT – km0 ao km20 da rodovia.
Figura 6 Retorno a Porto Alegre – segmento entre os km 0 e km 20–verão de 2011
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65Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
Dentre as características notáveis do segmento
compreendido entre os km 0 e 20 da freeway que favorece
a implantação de um sistema de gerenciamento ativo de
tráfego, podem-se notar:
geometria adequada, com curvas de grandes raios,
intertangentes longas e relevo plano;
acostamentos externos com 3m de largura e internos
com 2m, mais refúgios ao longo da rodovia;
fluxo sazonal, facilitando a implantação de
infraestrutura para um projeto-piloto;
baixo nível de criticidade durante o inverno;
possibilidade de processo gradual;
controladores de fluxo;
interatividade com órgãos fiscalizadores;
radiovia;
rodovia classe 0, com poucos acessos;
site, blog e Twitter;
fibra ótica instalada com CFTV e PMVs;
CCO e call boxes instalados.
A Figura 7(a) evidencia também o maior número de
atendimentos nesse segmento. Como discutido anteriormente,
o fluxo de entrada da BR-101 em conjunto com a entrada da
Estrada do Mar no km1, bem como a entrada alternativa no
km5, acaba por tomar alguns vários quilômetros, até que os
motoristas se adaptem ao novo fluxo. A Figura 7(b) mostra
que grande parte dos acidentes ocorridos concentra-se nas
saídas de pista, como colisões traseiras e quedas de motos —
muitos são favorecidos pelos congestionamentos registrados.
Trafegam, em média, na Freeway, entre Osório e Porto
Alegre, 350.000 veículos por feriado, chegando a 217.000
veículos por final de semana. Nas condições atuais, com três
faixas, a ocupação da via tangencia a sua capacidade teórica
ao final dos domingos de retorno do litoral (Figura 7c).
Figura 7 (a) Atendimentos por trecho, (b) Tipos de Acidente (c) fluxo médio de retorno aos domingos na Freeway (Janeiro/2011)
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Figura 9 Projeção do funcionamento do GAT em ação
Figura 8 Esquemático da rodovia antes e depois da implantação do GAT na Freeway
O PROJETO-PILOTO PROPOSTO NA FREEWAY
Considerando-se esse cenário, a Concepa vem
desenvolvendo, em parceria com a Agência Nacional de
Transportes Terrestres, um estudo para implantação de um
projeto-piloto do sistema de Gerenciamento Ativo de Tráfego
A primeira etapa do estudo refere-se à infraestrutura
necessária, bem como à delimitação da tecnologia a ser
desenvolvida. Apesar de parte dessa infraestrutura já estar
disponível, há necessidade de uma adequação da quantidade e
posicionamento.
Para que se promova um ambiente controlado, é
necessário que sejam instalados pórticos a distâncias
inferiores a 1km, de maneira a se manter o princípio da
“intervisibilidade”. Ao se passar por um pórtico, é necessário
que outro já possa ser avistado. Assim, o espaçamento entre
eles é variável, em função das condições geométricas da via.
Usualmente, ficam espaçados ao redor de 500m a 800m.
Como demonstrado na Figura 3, esses pórticos permitem
a instalação dos placares que indicam a condição de
funcionamento do GAT. Neles, ficam instalados os sensores de
fiscalização eletrônica de velocidade, os placares informando
a velocidade máxima em força, a disponibilidade das faixas,
sobretudo do acostamento, e os Painéis de Mensagem Variável
(PMV) que fornecem indicações aos motoristas. A Figura 8
mostra um esquema da rodovia antes e depois da implantação
do sistema. A Figura 9 ilustra o sistema em ação, demonstrado
as diferentes etapas do seu funcionamento.
(a) (b)
(c) (d)
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67Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
REFERÊNCIAS Freeman, Mike & Driver, Neil Taylor (2007). Reaction to Active Traffic Management (ATM). Transport & Travel Research Ltd. Janeiro 2007. UK.HCG HRG - Highways Consultancy Group/Highways Research Group (2009). ATM Monitoring and Evaluation. Toolkit Report. Setembro 2009. Highways Agency – UK.HCG HRG - Highways Consultancy Group/Highways Research Group (2009). M42 ATM Monitoring and Evaluation Ramp Metering Evaluation Report. Setembro 2009. Highways Agency – UK.HCG HRG - Highways Consultancy Group/Highways Research Group (2009). M42 ATM Monitoring and Evaluation 4-Lane Variable Mandatory Speed Limits HSR60 6 Month Operation Report. Agosto 2009. Highways Agency – UK.Highways Agency. Department of Transportation. Interim Advice Note 111/09 (2009). Managed Motorways implementation guidance – Hard shoulder running. Novembro 2009. Highways Agency – UK.Highways Agency. Department of Transportation. Interim Advice Note 112/08 (2008). Managed Motorway Implementation Guidance. Through Junction Hard Shoulder Running. Junho 2009. Highways Agency – UK.Jones, J.; Knopp, M.; Kay, F.; Doctor, M.; Howard, C.; Laragan, G.; Rosenow, J.; Struve, B.; Thrasher, B. and Young, E. (2010). Freeway Geometric Design for Active Traffic Management in Europe. The International Technology Scanning Program. U.S. Department of Transportation, FHWA, AASHTO & NCHRP. Outubro 2010.Mott MacDonald & Highways Agency (2009). M42 ATM Monitoring and Evaluation Project Summary Report. Novembro 2009. Highways Agency – UK.Mouchel Co. (2011). Birmingham Box Managed Motorways Phase 1 & 2. Phase 2 Hard Shoulder Running As-Built Safety Report. 718217/WS02/S03/DOC/026. Fevereiro 2011. UK.
PRINCIPAIS DESAFIOS E CONCLUSÃO
O Gerenciamento Ativo de Tráfego evidencia-se hoje como uma das ferramentas
mais completas disponíveis em termos de operação rodoviária. Sua avançada
tecnologia, no entanto, requer que as etapas de sua implantação sejam investigadas
antecipadamente, em detalhe, para melhores resultados.
As experiências internacionais com o GAT são motivadoras. Com o cenário
brasileiro inspirando grande crescimento econômico nos anos em frente, o uso
dessa poderosa ferramenta de operação rodoviária é promissor também no Brasil.
Seu potencial de oportunizar o uso dos acostamentos com o benefício de gerir uma
operação ágil e segura é atrativo.
O GAT pode vir a ser uma importante ferramenta para uso em rodovias
congestionadas, especialmente nas proximidades dos grandes centros urbanos do
País. Entretanto sua introdução nas rodovias brasileiras deve ser feita de forma
cautelosa, tendo em vista as peculiaridades da nossa frota, dos nossos motoristas e
da nossa infraestrutura.
Finalmente, a grande interdisciplinaridade do assunto demanda uma
liaison entre os diversos órgãos e departamentos envolvidos. A educação dos
usuários sobre o sistema e a inovação em termos de legislação serão grandes
desafios a serem trabalhados, mas que certamente serão frutíferos para a tecnologia
rodoviária nacional.
O estudo, já em estágio avançado de conceituação, necessitará também
passar por um embrionamento tecnológico, para desenvolvimento das tecnologias
necessárias ainda não disponíveis no Brasil, bem como de estudos aprofundados
da operação da via. Para tanto, estão sendo programadas extensas campanhas de
coleta de dados durante o verão 2011-2012, com vistas à implantação do projeto-
piloto para o verão 2012-2013.
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Análise da capacidade e nível de serviço em rodovias rurais de pista simples
Juliana Dias WutkeProfessora MSc. no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC)
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC) da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
e-mail: [email protected]
Lenise Grando GoldnerProfessora Dra. do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PPGEC)
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
e-mail: [email protected]
A análise da capacidade e do nível de serviço de uma rodovia é de extrema importância para sua gestão. Através dela, é possível quantificar o grau de suficiência da rodovia para acomodar e escoar os volumes de tráfego previstos em condições aceitáveis. Nesse contexto, este artigo contribui com o tema em questão através de uma apurada revisão dos métodos para avaliação da capacidade e do nível de serviço em rodovias rurais de pista simples, que vem sendo desenvolvidos e aplicados por diversos países. Com base nessa pesquisa, um modelo é proposto. Tal modelo vem sendo desenvolvido em ambiente Sistema de Informação Geográfica (SIG), mostrando-se uma ferramenta útil em estudos de capacidade e nível de serviço.
malha rodoviária em um país é de fundamental importância
econômica e social, pois favorece seu desenvolvimento e sua
integração. No Brasil, conforme dados do Plano Nacional de
Logística e Transportes (PNLT), o modal rodoviário é responsável
por 58% da matriz brasileira de transporte de cargas e mais de
90% da matriz de transporte de passageiros (PNLT, 2007).
Conforme a Rede Rodoviária do Plano Nacional de Viação
(PNV), as rodovias de pista simples representaram 94,58% dos
217.833,2km de rodovias pavimentadas em todo Brasil, o que
demonstra sua importância para a economia nacional (DNIT,
2009). As rodovias de pista simples são definidas pelo HCM-
2000 (TRB, 2000) como sendo rodovias formadas por duas
faixas de tráfego, uma em cada sentido, sem separação central
entre faixas.
Assim como no Brasil, em diversos países a maior parte
da malha rodoviária é composta por rodovias de pista simples.
Nos Estados Unidos, elas representam 80% de todas as
rodovias rurais pavimentadas e transportam cerca de 30% de
todo o tráfego do País (Yu, 2006). Na Alemanha, as rodovias
de pista simples representam 90% da malha rodoviária (Brilon;
Weiser, 2006).
A capacidade de uma rodovia é expressa pelo número
máximo de veículos que pode passar por um determinado
trecho de via durante um período de tempo estipulado (TRB,
2000). Sua importância dá-se em quantificar o grau de
suficiência da rodovia para acomodar e escoar os volumes
de tráfego previstos em condições aceitáveis. O conceito de
nível de serviço possibilita a avaliação da qualidade do serviço
oferecido, desde um volume de trânsito quase nulo até o
volume máximo ou capacidade da via. Através dessa análise,
é possível determinar as condições atuais da malha e ainda
estimar a capacidade necessária para atender às demandas
futuras. Além disso, a crescente consciência pública para
problemas ligados à infraestrutura e à segurança do transporte
rodoviário, bem como ao conforto na condução, criou uma
atmosfera na qual o usuário percebe a viabilidade do serviço
como um direito, exercendo uma comparação permanente
entre a percepção da qualidade do serviço oferecido e o
que é esperado ou desejado. Isso significa que, atualmente,
as estradas não podem mais ser consideradas como única
prerrogativa dos gestores, mas também dos usuários e do bem
coletivo (Colonna et al., 2008).
O objetivo deste artigo é realizar uma revisão sobre
os principais métodos de análise de capacidade e nível
de serviço em rodovias de pistas simples existentes, e
complementarmente realizar uma análise crítica dos mesmos.
Além disso, tem o intuito de apresentar de maneira sucinta
o modelo para análise de capacidade e nível de serviço em
ambiente Sistema de Informação Geográfica (SIG), que
vem sendo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em
Engenharia Civil (PPGEC) da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC).
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69Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
MÉTODOS PARA ANÁLISE DA CAPACIDADE E NÍVEL DE SERVIÇO
Nível de serviço global (GLS): experiência italiana
Colonna et al. (2008) descrevem um
modelo para avaliação do desempenho
de rodovias, o nível de serviço global. O
método apresenta índices de qualidade
para análise de rodovias interurbanas.
Para cada indicador, é associado um
único parâmetro numérico (entre 0 e
1), para avaliar a qualidade do serviço
de cada segmento da rodovia. O
procedimento é baseado em um conceito
fundamental: a qualidade do serviço
rodoviário é a soma das categorias que
podem ser atribuídas a uma totalidade de
qualidades básicas, cada uma tendo uma
importância diferente na avaliação global.
A partir do processo analítico hierárquico,
denominado Analytical Hierarchic Process
(AHP), são atribuídos pesos e valores
numéricos para cada segmento da rodovia
examinada. A manutenção da rodovia é
realizada em função dessa avaliação da
qualidade.
Segundo Colonna et al. (2008), para
a avaliação de desempenho das rodovias,
seis grupos compõem o nível de serviço
global: segurança (S), tempo de viagem
(T), serviços (R), meio ambiente (A),
condições de tráfego (Q) e conforto (C).
No total, são 54 parâmetros indicadores,
e o grupo de maior destaque é o de
segurança, com 36 parâmetros. A análise
é realizada, inicialmente, por segmento de
rodovia e atribuição de valores para cada
parâmetro. Então, é obtido um índice para
cada segmento (GLSn), e, a partir deste,
obtém-se o nível de serviço global da
rodovia (GLSroad), conforme a Equação 1:
Onde:GLSn : nível de serviço global do segmento n;Ln : extensão do segmento n;Lroad : extensão da rodovia;
Durante os estudos, Colonna
et al. (2008) atribuíram um valor
máximo do GLS relacionado a cada
tipo de rodovia, conforme apresentado
na Tabela 1. Para se ter uma visão
global da qualidade do serviço
oferecido por uma infraestrutura
rodoviária, foi introduzido o conceito
de eficiência do GLS (hGLS), dado pela
Equação 2.
Tabela 1 Valor máximo do GLS segundo os tipos de rodovia
Fonte: Colonna et al, 2008.
Tabela 2 Escala de eficiência do nível de serviço Global
(i) k indica o tipo de rodovia (classificação)
Fonte: Colonna et al, 2008.
Onde:GLS é igual ao valor real do GLS;GLSmax é igual ao valor do GLS máximo que é possível para aquele tipo de rodovia.
A escala de eficiência do GLS
(hGLS) varia de A a G, conforme
observado na Tabela 2. Dependendo
da função da rodovia, o seu nível
de serviço global pode variar de um
valor máximo teórico (correspondente
à presença de todos os serviços
possíveis, caracterizada pela máxima
eficiência, de cada ponto de vista),
para um valor mínimo aceitável
(capaz de garantir, pelo menos,
funcionalidades essenciais).
Colonna et al. (2008),
desenvolveram um software para
ser visualizado em plataforma SIG.
Para testar o método desenvolvido,
foi realizado um estudo de caso
nos arredores da cidade de Bari,
na Itália. O estudo-piloto incluiu
rodovias de vários tipos: principais,
secundárias e locais, totalizando
108,15km. Em ambiente SIG, é
possível visualizar os valores do nível
de serviço global numa escala de
cores, onde GLS melhores aparecem
em verde, e, conforme o GLS vai
diminuindo, as cores passam para
amarelo, laranja até chegar ao pior
nível, na cor vermelha.
Estimativa de Índice de congestionamento (CI) em segmento de rodovia: experiência norte-americana
Zhang e Lomax (2006)
apresentam um procedimento baseado
em SIG para estimar o índice de
congestionamento para trechos de
rodovias em nível. O método atribui
como entrada volumes de tráfego
determinados por modelos de
demanda de viagens regionais, calcula
o índice de congestionamento para
cada trecho da rodovia e apresenta os
resultados de duas formas distintas.
Uma delas é o resumo estatístico de
valores de níveis de congestionamento
em trechos agregados por tipo de
área e por classes funcionais de
rodovias. A outra é uma síntese visual
com mapas em que trechos da rede
na área de estudo são agrupados
TIPOS DE RODOVIA GLSmax
RODOVIÁRIA PRINCIPAL (TRÂNSITO FLUINDO E FUNÇÕES)
1,00
RODOVIA MÉDIA (FUNÇÃO DE DISTRIBUIÇÃO)
0,90
RODOVIA SECUNDÁRIA (FUNÇÃO DE PENETRAÇÃO)
0,70
RODOVIA LOCAL (FUNÇÃO DE ACESSO)
0,40
NÍVEL DE EFICIÊNCIA hGLS
K(1) = GLS EFICIÊNCIA
A 0,85 < HGLS < 1,00
B 0,67 < HGLS < 0,85
C 0,50 < HGLS < 0,67
D 0,30 < HGLS < 0,50
E 0,20 < HGLS < 0,30
F 0,13 < HGLS < 0,20
G HGLS < 0,13
GLSn . Ln
Lroad
GLSroad = ∑n
hGLS = GLS
GLSmax
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e sombreados por cinco níveis de
congestionamento indicado pelo CI.
Conforme a formulação de Zhang e
Lomax (2006), o cálculo do índice
de congestionamento é dado pela
Equação 3:
Onde:tc é igual ao tempo de viagem estimado sob a condição congestionada;td é igual tempo de viagem adicional devido ao atraso resultante do congestionamento;tf é igual ao tempo de viagem na velocidade de fluxo livre;r é igual ao benefício de redução no tempo de viagem (%), resultante das diversas práticas locais de melhorias técnicas do congestionamento.
O método de estimativa de
índice de congestionamento
proposto por Zhang e Lomax (2006)
foi implementado em plataforma
SIG, onde é possível a geração de
mapas, tabelas e outras formas de
apresentação. O usuário pode gerar
mapas temáticos para visualizar a
distribuição espacial dos trechos de
rodovia congestionados na área de
estudo, destacar o congestionamento
através de pontos coloridos em
locais específicos, ou descrever
níveis médios de congestionamento
como indicado pelos índices de
congestionamentos, através de
diferentes métodos de agregação de
dados, como, por exemplo, por classe
funcional da rodovia, por tipo de área
e por hora do dia.
Análise da capacidade e nível de serviço segundo o Highway Capacity Manual (HCM)
O HCM é um manual do Transportation Research Board (TRB) que fornece
procedimentos para estimativa da capacidade e do nível de serviço para diversos
componentes do sistema viário. Sua primeira edição foi publicada nos Estados
Unidos, em 1950. Ao todo, foram publicadas cinco edições completas do
HCM: 1950, 1965, 1985, 2000 e 2010 (TRB, 2010). Embora tenha sido
desenvolvido para aplicação nos Estados Unidos, o manual é utilizado em
diversos países, principalmente naqueles que ainda não possuem um manual de
capacidade nacional, como o Brasil.
O nível de serviço é uma medida de qualidade operacional em uma
rodovia de pista simples e é representado por letras de “A” a “F”, sendo que
“A” representa o melhor nível de serviço, “E” representa a operação próxima da
capacidade e “F” significa rodovia congestionada. Conforme TRB (2000), em
rodovias de pista simples, o nível de serviço “F” ocorre quando o fluxo excede a
capacidade, ou seja, quando for maior que 3.200 cpe/h (carros de passeio por
hora) somando-se as duas direções; ou 1.700 cpe/h, numa única direção.
Segundo o HCM-2000, para a análise operacional de rodovias de pista
simples, dois parâmetros refletem adequadamente a satisfação dos motoristas
em relação à qualidade da operação (TRB, 2000):
a velocidade média de percurso ATS (do inglês, average travel speed), ou seja,
a razão entre a distância de um segmento de rodovia e o tempo médio de
percurso dos veículos nesse trecho; e
a porcentagem de tempo viajando em pelotão PTSF (percent time spent
following), ou seja, o percentual de tempo em que os veículos trafegam
em pelotões numa rodovia, aguardando por uma oportunidade de realizar
manobras de ultrapassagem sobre os veículos mais lentos.
Os níveis de serviço são distintos para as duas classes de rodovias. Nas
rodovias Classe I, os motoristas têm a expectativa de viajar em altas velocidades,
na Classe II não. Para as rodovias Classe I, as medidas de desempenho
consideradas são PTSF e ATS. Para as rodovias Classe II, o nível de serviço é
dado somente a partir de PTSF, como pode ser observado na Tabela 3.
Tabela 3 Critério de nível de serviço para rodovias de pista simples Classes I e II
Nota: O nível de serviço F se aplica-se sempre que o fluxo exceder a capacidade.
Fonte: TRB, 2000.
NÍVEIS DE SERVIÇOCLASSE I CLASSE II
PTSF (%) ATS (km/h) PTSF (%)
A ≤ 35 > 90 ≤ 40
B > 35 – 50 > 80 – 90 > 40 – 55
C > 50 – 65 > 70 – 80 > 55 – 70
D > 65 – 80 > 60 – 70 > 70 – 85
E > 80 ≤ 60 > 85
CI = =tc
tf
tf + td . (1-r)
tf
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Onde:ATS é igual à velocidade média de percurso (km/h);FFS é igual à velocidade de fluxo livre observada ou estimada (km/h);vp é igual ao fluxo equivalente para ambos os sentidos de tráfego (cp/h);fnp é igual ao fator de ajuste para a porcentagem de trechos com ultrapassagem proibida.
Onde:PTSF é igual à porcentagem de tempo trafegando em pelotão (%);BPTSF é igual à porcentagem de tempo básico trafegando em pelotão (%); (Equação 6)fd/np é igual ao fator de ajuste para o efeito combinado da distribuição direcional do tráfego e da porcentagem de zonas de ultrapassagem proibida
Onde:BPTSF é igual à porcentagem de tempo básico trafegando em pelotão;vp é igual ao fluxo equivalente (cp/h).
Considerando a análise bidirecional
de rodovias de pista simples, são
apresentadas as equações para a
determinação da velocidade média
de percurso (Equação 4) e para
a determinação da porcentagem
de tempo trafegando em pelotão
(Equações 5 e 6):
Para a aplicação das equações
citadas, são necessários alguns ajustes,
pois o método foi desenvolvido baseado
em condições básicas de geometria e
tráfego, que diferem de local para local.
Adaptação do HCM-2000 para rodovias de pista simples brasileiras
O Highway Manual Capacity é
uma referência básica para a análise
da qualidade de serviço em rodovias
em todo o mundo. Entretanto, para
a elaboração dos procedimentos
descritos no HCM, os dados coletados
foram de rodovias norte-americanas
e canadenses, o que sugere que os
parâmetros desses procedimentos
devem ser adaptados para outros
países, quando as características do
tráfego, dos veículos e das rodovias
forem diferentes. No Brasil, o HCM
vem sendo utilizado ao longo dos anos,
com pouca ou nenhuma adaptação,
para a análise da capacidade e do
nível de serviço de rodovias. É o caso,
inclusive do órgão responsável pelas
rodovias nacionais, o DNIT. Isso pode
ser constatado na publicação Manual
de Estudos de Tráfego (DNIT, 2006),
que reúne informações e procedimentos
necessários para diversos estudos de
tráfego, com base no HCM.
Alguns países já
desenvolveram adaptações próprias,
como o HBS2001, manual equivalente
ao HCM, desenvolvido na Alemanha
(Brilon; Weiser, 2006). No Brasil, os
estudos para adaptação do HCM são
recentes, podendo ser destacados
dois trabalhos voltados especialmente
para rodovias rurais de pista simples.
No primeiro estudo, Egami (2006)
apresenta uma adaptação do
procedimento para análise do nível
de serviço e da capacidade proposto
pelo HCM-2000 para rodovias de
pista simples no Brasil. A adaptação
consistiu em obter novos valores para
os fatores de ajuste utilizados no
HCM2000. Para tal, foram realizados
estudos com simulação de tráfego,
calibrados através de algoritmo
genético para representar uma rodovia
típica do Brasil. Mon-Ma (2008)
também apresenta uma adaptação
do processo de estimativa do nível
de serviço de segmentos de pista
simples, neste caso, incluindo faixas
adicionais. Para tal estudo, foram
consideradas as condições de tráfego
típicas do Estado de São Paulo. Para
obter novos valores dos parâmetros
para os fatores de ajuste, Mon-Ma
(2008) também utilizou um modelo de
simulação calibrado com um algoritmo
genético. As adaptações do método
incluem modificações nas relações
fundamentais para análise bidirecional,
que são “fluxo versus velocidade” e
“fluxo versus porcentagem de tempo
trafegando em pelotão”. Um resumo
das modificações propostas podem ser
observadas no Quadro 1.
Quadro 1 Medidas de desempenho fundamentais para a análise do nível de serviço em rodovias de pista simples
MÉTODO/ADAPTAÇÃO VELOCIDADE MÉDIA DE PERCURSO (ATS) % TEMPO BÁSICO TRAFEGANDO EM PELOTÃO (BPTSF)
HCM-2000 ATS = FFS - 0,0125 . V BPTSF = 100 ( 1 - e - 0,000879 v )
ADAPTAÇÃO EGAMI (2006) ATS = FFS - 0,0119 . V BPTSF = 100 ( 1 - e - 0,000520 v )
ADAPTAÇÃO MON-MA (2008) ATS = FFS - 0,0098 . V BPTSF = 100 ( 1 - e - 0,0011 v )
ATS = FFS - 0,0125 . vp - fnp
PTSF = BPTSF + fd/np
BPTSF = 100(1-e-0,000879vp)
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Highway Manual Capacity HCM-2010
A mais recente edição do Manual
é o HCM-2010, que apresenta
mudanças significativas para a análise
da capacidade e do nível de serviço
em rodovias de pista simples. Nessa
versão, foi incluída a análise do nível
de serviço para viagens de bicicletas
ANÁLISE CRÍTICA
Entre os métodos analisados, o
que se pode observar é que todos,
a princípio, segmentam a rodovia
em trechos com características
geométricas e funcionais semelhantes
(trechos homogêneos) para análise
da capacidade e do nível de serviço.
Somente um dos métodos, o do nível
de serviço global (GLS), é que, ao final
da análise, sugere agregar os trechos
e definir um nível de serviço para a
rodovia como um todo.
Com relação ao principal
parâmetro ou variável de análise
para o nível de serviço, os métodos
apresentados diferem entre si. O
método do HCM-2000 considera como
principais parâmetros a velocidade
média de percurso e a porcentagem de
tempo viajando em pelotão. O método
de índice de congestionamento (CI)
destaca o parâmetro do tempo de
viagem em situação congestionada
comparado com o tempo de viagem em
condição de fluxo livre. Já o método do
nível de serviço global não destaca um
parâmetro principal, pois atribui 54
parâmetros indicadores com diferentes
pesos, divididos em seis grupos, com
destaque para o grupo composto com
parâmetros indicadores de segurança,
Com base nas novas simulações,
os fatores de ajustes que sofreram
alterações foram: fator de ajuste
para o efeito de rampas (fG); fator de
ajuste para veículos pesados (fHV);
fator de ajuste para porcentagem
de zonas de ultrapassagem proibida
(fnp); e fator de ajuste para o efeito
combinado da distribuição direcional
do tráfego e da porcentagem de
zonas de ultrapassagem proibida
(fd/np). Tanto Egami (2006) como
Mon-Ma (2008) calcularam o
fator de pico horário (PHF), que
resultou em valores idênticos aos
sugeridos pelo HCM. Ambos estudos
comprovam que as adaptações
propostas fornecem estimativas mais
adequadas e realistas do nível de
serviço para rodovias brasileiras, do
que estimativas com o HCM-2000
tradicional.
realizadas em rodovias rurais de pista
simples. Além disso, a análise do nível
de serviço para veículos automotores
do HCM-2010 também conta com
modificações. As rodovias agora são
classificadas em três classes. Além
das Classes I e II, foi adicionada a
Classe III. As rodovias Classe I servem
como principais rotas entre cidades;
as Classe II são rotas de acesso a
outras rodovias, ou rotas turísticas e
recreacionais; e as rodovias Classe III
passam por trechos desenvolvidos,
cruzando cidades ou áreas
recreacionais (TRB, 2010). O nível
de serviço é definido em função da
classe da rodovia, conforme apresenta
a Tabela 4. Os principais parâmetros
para análise do nível de serviço em
cada classe de rodovia são:
Classe I - percentual do tempo em
espera para ultrapassar (PTSF) +
velocidade média de viagem (ATS);
Classe II - percentual do tempo em
espera para ultrapassar (PTSF);
Classe III - percentual da
velocidade de fluxo livre (PFFS).
Representa a capacidade dos
veículos viajarem próximo da
velocidade limite determinada.
Tabela 4 Critério de nível de serviço para rodovias de pista simples Classe I, II e III
Fonte: TRB, 2010.
NÍVEIS DE SERVIÇOCLASSE I CLASSE II CLASSE II
PTSF (%) ATS (mi/h) PTSF (%) PFFS (%)
A ≤ 35 > 55 ≤ 40 >91,7
B > 35 – 50 > 50 – 55 > 40 – 55 > 83,3 – 91,7
C > 50 – 65 > 45 – 50 > 55 – 70 > 75,0 – 83,3
D > 65 – 80 > 40 – 45 > 70 – 85 > 66,7 – 75,0
E > 80 ≤ 40 > 85 ≤ 66,7
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que possui o maior números de
indicadores (36 no total).
A escolha do melhor método
vai depender das condições locais e
principalmente da disponibilidade
e da viabilidade para a coleta das
informações de tráfego e de geometria
necessárias. Pois quanto mais
parâmetros analisados e dados coletados
houver, maior pode ser o nível de
detalhamento da análise. É notório que
isso implica elevados custos, que nem
sempre os gestores de rodovias estão em
condições de assumir.
No Brasil, não existe um método
de análise de capacidade e nível
de serviço definido como padrão,
cada órgão gestor estabelece sua
metodologia, normalmente com base
em estudos de outros países. Nos
últimos anos, vêm sendo desenvolvidos
estudos de adaptações de métodos
já conceituados para a realidade
brasileira. É o caso das adaptações das
equações e fatores de ajuste do HCM-
2000, desenvolvidas para o Estado
de São Paulo (Egami, 2006; Mon-
Ma, 2008). Através de tais estudos
e adaptações, foi possível avaliar e
comparar as peculiaridades entre os
sistemas rodoviário norte-americano e
o brasileiro. As diferenças vão desde
os tipos de veículos utilizados, até o
comportamento dos motoristas. Essa
análise mais específica reflete-se em
resultados mais adequados e próximos
da realidade brasileira.
Outro ponto que merece destaque
são as implementações dos métodos
para análise do nível de serviço
em plataforma SIG. Um sistema
de informação geográfica oferece
inúmeras vantagens com relação à
visualização da rede viária como um
todo, facilitando sobremaneira a análise
crítica e conjunta da malha viária de
transporte. Esse tipo de tecnologia
aparece empregada somente em dois
dos métodos apresentados, o método
de nível de serviço global (GLS) e o
método de índice de congestionamento
(CI). Tendo em vista tal necessidade,
vem sendo desenvolvido um modelo
para estudos de capacidade e nível de
serviço implementado em um sistema
de informação geográfica. O modelo
é baseado no método HCM e em suas
adaptações para a realidade brasileira e
é descrito na sequência.
MODELO PROPOSTO PARA ESTUDO DE CAPACIDADE E NÍVEL DE SERVIÇO (SIG-NS)
O Sistema de Informação
Geográfica para Nível de Serviço
(SIG-NS) é um modelo que serve de
apoio para estudos de capacidade e
nível de serviço em rodovias rurais de
pista simples. É implementado em um
Sistema de Informação Geográfica,
onde é possível armazenar, recuperar,
transformar e visualizar dados gráficos
e alfanuméricos da malha rodoviária.
O sistema é baseado no método
desenvolvido pelo HCM e contempla
três tipos de análise da capacidade e
nível de serviço:
análise segundo o HCM-2000
(TRB, 2000);
análise segundo as adaptações
do HCM-2000 para rodovias
brasileiras realizadas por Egami
(2006);
análise segundo o HCM-2010
(TRB, 2010).
Dessa maneira, o SIG-NS oferece
a praticidade de se obter resultados
comparativos entre os métodos
HCM-2000 e HCM-2010, além das
adaptações brasileiras para o HCM-
2000. A análise da capacidade e do
nível de serviço em rodovias de pista
simples pode ser obtida de modo
rápido e prático, com visualizações
em mapas temáticos, por trechos
de rodovias, facilitando muito a
análise crítica. O desenvolvimento
do modelo em plataforma SIG tem
o objetivo de auxiliar o processo
de planejamento e tomada de
decisão para gestores do sistema de
transporte rodoviário, já que propicia
uma visualização ampla através de
mapas temáticos e não somente
planilhas de dados. A plataforma
de desenvolvimento do modelo é
implementada em linguagem de
programação JAVA. Para a elaboração
e a organização do banco de dados,
é utilizada a biblioteca PostgreSQL.
A visualização é realizada no sistema
de informação geográfica open source
(código aberto) Quantum GIS, que
oferece suporte para dados gráficos e
alfanuméricos.
O modelo proposto é capaz de
realizar análises de capacidade
e nível de serviço de rodovias
de pista simples, com base em
informações georreferenciadas,
gerando relatórios de saída com
informações de operação e qualidade
do tráfego. Além disso, podem ser
disponibilizados mapas temáticos
da malha rodoviária, ilustrando, com
diferentes cores, a escala de níveis
de serviço oferecido em cada trecho
homogêneo das rodovias analisadas.
A Figura 1 apresenta um exemplo de
aplicação do SIG-NS para as rodovias
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CONCLUSÕES
Tendo em vista a importância do nível de serviço oferecido pelas rodovias e desejado pelos usuários, foram expostos alguns
dos principais métodos de análise da capacidade e do nível de serviço. É percebido que cada um oferece suas particularidades
e que a opção pelo melhor método vai depender das condições técnicas e financeiras para coletas de dados de tráfego e da
geometria da malha viária que cada órgão gestor possui para rodovias rurais de pista simples. Um método que possui muitos
parâmetros vai exigir um maior detalhamento na coleta de dados, o que implicará um custo maior, que nem sempre poderá ser
assumido pelo órgão gestor. Quanto mais precisa e detalhada for a coleta de informações, mais precisa e próxima da realidade
será a análise. É necessário saber equilibrar, da melhor maneira possível, o nível de precisão da análise e o custo dispendido
com a mesma. Em países em desenvolvimento, que não possuem investimentos constantes em infraestrutura rodoviária,
como é o caso do Brasil, é recomendável a utilização de métodos que necessitem de coleta de dados menos frequentes, onde
possam ser utilizados dados estimados ou padronizados em função das características geométricas e funcionais das rodovias.
Em decorrência disso, o método HCM vem sendo utilizado há muitos anos por inúmeros órgãos rodoviários brasileiros. Para
uma análise mais precisa, é necessário um maior investimento em pesquisas para uma completa adequação do HCM para as
condições e características típicas brasileiras, a exemplo do que foi realizado por Egami (2006) e Mon-Ma (2008) para as
rodovias do Estado de São Paulo. Ainda assim, é mais que necessária uma junção de esforços tanto do meio acadêmico como
dos órgãos gestores para melhorar este cenário.
do Estado de Santa Catarina. Vale ressaltar que o trabalho
ainda está em fase de desenvolvimento e que os resultados
apresentados são parciais.
A partir do modelo desenvolvido, pretende-se fornecer
subsídios para resolver questões como a determinação
da qualidade de operação de rodovias de pista simples,
oferecendo uma visão da real capacidade de operação
do sistema rodoviário, tendo em vista a implantação de
melhorias físicas e operacionais da malha. Sendo assim,
pretende-se contribuir com uma nova forma de percepção
para o planejamento, a gestão e a operação rodoviária por
parte dos órgãos gestores e demais agentes envolvidos.
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75Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
AGRADECIMENTO
As autoras agradecem ao Departamento Estadual de Infraestrutura (DEINFRA) de Santa
Catarina, pelo fornecimento de informações de tráfego das rodovias estaduais para fins de
pesquisa. Agradecem também ao Eng.º Dr. Alexandre Hering Coelho, pela programação do
SIG-NS e pelas discussões técnicas enriquecedoras.
REFERÊNCIAS
Brilon, W. e Weiser, F. (2006) Two-Lane Rural Highways – the German Experience. Transportation Research Board, The 85th Annual Meeting. Washington, D.C., USA.Colonna, P.; V. Ranieri e S. d’Amoja (2008) The Modern Vision Of The Performance Assessment Of The Roads: The Global Level of Service (GLS) as a Tool for its Determination. Transportation Research Board, The 87th Annual Meeting. Washington, D.C., USA.DNIT (2006) Manual de estudos de tráfego. Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes. Diretoria de Planejamento e Pesquisa. Coordenação Geral de Estudos e Pesquisa. Instituto de Pesquisas Rodoviárias. Rio de Janeiro/RJ Brasil. 384 p. (IPR. Publ., 723). 2006.DNIT (2009) Rede Rodoviária do PNV – Divisão em Trechos 2009. Ministério dos Transportes. Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes. Diretoria de Planejamento e Pesquisa. Coordenação de Planejamento. Brasília/DF Brasil. 371 p. 2009.Egami, C. Y. (2006) Adaptação do HCM-2000 para determinação do nível de serviço em rodovias de pista simples sem faixas adicionais no Brasil. Tese de Doutorado. Escola de Engenharia de São Carlos. Universidade de São Paulo. São Carlos, 2006.
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equi
pam
ento
s e
tecn
olog
ia
Micronivelamento em pavimento de concreto, também conhecido como cepilhamento
no Brasil, ou Grinding como é conhecido nos EUA, é uma técnica de restauração do
pavimento de concreto que permite a correção de irregularidades e melhora a macro
textura da superfície de rolamento do pavimento, em conseqüência aumenta a vida útil
deste e as condições operacionais, proporcionando conforto e segurança aos usuários.
Em obras de implantação de rodovias de pavimento rígido, a execução do Grinding
é essencial para adequar a superfície de rolamento ao Índice de Perfil (IP) conforme
determina a Norma DNIT 049/2009 ES – Pavimento Rígido – Execução de pavimento
rígido com equipamento de forma-deslizante - Especificação de Serviço. Nos pavimentos
existentes, o Grinding geralmente é utilizado em conjunto com outras técnicas de
reabilitação de pavimentos de concreto, recuperando a capacidade funcional e estrutural
do pavimento. No caso de reparo da capacidade estrutural do pavimento, os reparos
profundos e estabilização de lajes devem ser executados antes do micronivelamento.
Algumas vantagens da execução do Grinding são:
Fornece uma superfície sem irregularidades onde o conforto muitas vezes é tão
bom ou melhor do que em um pavimento novo;
Aumento significativo da aderência, pneu pavimento, reduzindo o potencial de
aquaplanagem de veículos e o efeito spray, aumentando assim a segurança ;
Melhora da macro textura da superfície, reduzindo o ruído;
Não afeta significativamente a resistência do pavimento;
Pode ser aplicado de forma pontual, porém recomenda-se executar ao longo de
toda faixa de rolamento.
Micronivelamento em Pavimento de Concreto
O
Eng. Alexandre Machado CorreaPaulifresa Fresagem Reciclagem
EQUIPAMENTO PC5000
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77Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
O EQUIPAMENTO E A EXECUÇÃO DO SERVIÇO
O equipamento de Grinding utiliza discos diamantados,
montados em um cilindro em uma máquina dirigível,
auto-propelida que é projetada especificamente para este
serviço. Os três aspectos mais importantes do equipamento
são o peso da máquina, a potência disponível e os discos
utilizados.
Durante a execução, as rodas da frente do equipamento
passarão pelo pavimento ainda com falhas, que depois será
micronivelado pelos discos, já as rodas traseiras seguem pelo
bom caminho deixado pelo cilindro de corte.
As máquinas mais novas, apresentam cilindros de corte
com até 1200mm. A textura desejada é produzida usando um
espaçamento de 164 a 194 discos por metro.
Na execução do serviço, o equipamento utiliza água
para resfriar os discos, que juntamente com o material
resultante da raspagem gera uma lama de cimento e pó
de pedra. Esta lama é continuamente retirada através de
um sistema de vácuo do equipamento que a leva até o
caminhão reservatório, com capacidade de até 30m³. Este
processo permite que a pista seja liberada imediatamente
após a execução do serviço, sem necessidade de limpeza
complementar.
O Grinding é executado sempre longitudinal (paralelo ao
eixo da via), deve iniciar e terminar na linha normal à linha
central do pavimento e ser realizado continuamente ao longo
de uma faixa de rolamento para obter melhor qualidade de
rolamento, resistência à derrapagem e aparência uniformes.
DESEMPENHO
Estudos recentes realizados nos Estados Unidos,
mostram uma extensão da vida útil dos pavimentos onde o
Grinding foi realizado. Uma possível explicação é a redução
da carga dinâmica, ou impacto, sobre o pavimento. O
carregamento dinâmico é criado através do trabalho das
suspensões dos veículos, principalmente de cargas, e é
maior do que seu carregamento estático (peso do veículo). Ao
proporcionar uma superfície lisa, o grinding reduz os limites
da carga dinâmica, prolongando a vida útil do pavimento.
Considerando que a resistência do concreto ao longo de
sua vida útil é significativamente maior que a resistência
do projeto, pode-se desconsiderar a pequena redução da
espessura durante a sua vida útil.
O mesmo estudo, mostra que 98% das superfícies
microniveladas, duram até 8 anos antes de exigir outra
reabilitação e que pavimentos já tiveram até três intervenções
de Grinding sem relatar quaisquer problemas.
É importante reconhecer que o Grinding soluciona
apenas problemas funcionais do pavimento. Se o pavimento
existente é estruturalmente deficiente, o Grinding deve ser
executado após a utilização de outras técnicas de restauração
de pavimentos de concreto.
Referênciashttp://www.fhwa.dot.gov/pavement/concrete/diamond.cfmhttp://www.igga.net
EQUIPAMENTO PC5000
Discos diamantados montados no cilindro do equipamento.
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resg
ate
hist
óric
o
A Ponte do Guaíba
onte do Guaíba, como é conhecida a primeira das quatro pontes que compõem a
Travessia Régis Bittencourt, foi inaugurada em 28 de dezembro de 1958 e tornou-se
um dos símbolos de Porto Alegre. A Ponte é a concretização da ousadia e do avanço
tecnológico do projeto, para a época. Único na América Latina, o vão móvel foi utilizado
em função do tráfego de petroleiros que sobem o rio Gravataí até o terminal da Petrobrás
e, posteriormente, também para a passagem dos navios que se dirigem ao Pólo
Petroquímico de Triunfo.
Foi a maior obra de engenharia feita no país até então e a primeira ponte do
Brasil a ser realizada em concreto protendido - que em vez de usar ferros, como o
concreto armado, usa aços especiais que comprimem o concreto, permitindo vãos
maiores. A visão dos seus dos projetistas fez com que fosse construída já com o dobro
da capacidade de tráfego, demandando oito anos de trabalho. O então DNER delegou
ao DAER a administração da obra, cujos trabalhos ficaram a cargo da construtora
porto-alegrense Azevedo, Bastian e Castilhos. Três mil e quinhentos trabalhadores
participaram da obra.
Na década de 40 a travessia entre Porto Alegre e Guaíba era feita por balsas com
capacidade para 22 automóveis ou nove ônibus. Com um único acesso e complicadas
manobras de atracação, as balsas levavam uma hora e meia, em média, para fazer um
percurso de pouco mais de 5km. Ao longo do tempo, o movimento foi aumentando e no
início da década de 50 seis barcas transportavam cerca de 246 mil veículos e 827 mil
passageiros ao ano. O sistema se mostrava esgotado.
Já em 1948 se buscava soluções para solucionar o crescente problema de
congestionamento. A primeira solução apresentada foi um túnel sob o Guaíba, ligando
a ponta do Gasômetro à ilha da Pintada. A ideia gerou tanta discussão e polêmica que
uma comissão foi criada pelo DAER para estudar e comparar alternativas. O trabalho
da comissão foi apresentado e debatido na Sociedade de Engenharia. O debate era
acompanhado pela sociedade local através dos jornais.
Evidentemente a primeira solução estudada foi a melhoria e ampliação do sistema
de balsas. No entanto, tendo em vista as diretrizes do Plano Rodoviário Nacional, a
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79Revista Estradas N°16 | Dezembro 2011
travessia a seco foi priorizada. Três
alternativas se destacaram. Uma ponte
na Vila Assunção, com um pilar na ilha
do presídio; a ideia já citada de um
túnel ou ponte na ponta do Gasômetro
e a ponte sobre o delta do Jacuí.
A solução sobre o delta acabou
sendo a escolhida. Cinco empresas
participaram de uma concorrência
pública internacional em 1953. Foram
apresentados doze anteprojetos e
uma variante. As concorrentes eram:
A Sociedade Técnica de Engenharia
e Representações S.A.; a Société de
Grands Travaux de Marseille, a Azevedo
Bastian e Castilhos S.A., a Campenon
Bernard, Estudos e Obras S.A. e a
Companhia Construtora Nacional.
A vencedora foi a Azevedo Bastian
e Castilhos com um projeto do escritório
de engenharia Leonhardt und Andrä de
Stuttgart, Alemanha. O projeto inicial
previa mais de 2000m de viadutos, uma
ponte sobre o canal de navegação do
Guaíba, com 777m de comprimento e
um vão móvel de 50m, com capacidade
de elevação de 40m. Uma ponte de
344m sobre o Furado Grande; outra
de 774m sobre o Saco da Alemoa e
uma ponte sobre o canal do Jacuí com
1.756m, vão livre de 50m e altura de
20m para a navegação.
Um minucioso estudo do delta foi
encomendado ao laboratório francês
Laboratoire Dauphinois D’Hydraulique
para analisar o comportamento das
águas na presença das fundações da
ponte. Os franceses chegaram a montar
uma maquete reproduzindo todo o
sistema do Delta e simularam diversas
situações de cheias.
As obras de arte da travessia
foram projetadas em concreto armado
protendido pelos engenheiros alemães
Fritz Leonhardt, W. Andrä e W. Baur.
O vão móvel foi projetado em aço
pela J. Gollnow & Sohn, também da
Alemanha. O sistema de elevação
foi projetado pela AEG – Allgemeine
Elektricitäts-Gesellschaft.
O momento nacionalista vivido
pelo país, no governo de Getúlio
Vargas, e a proibição pela Cacex da
importação de aço, protegendo a
nascente indústria siderúrgica nacional,
levou a nacionalização do projeto com
a Companhia Brasileira de Construção
Fichet, Schwartz-Haumont, de São
Paulo, adaptando o projeto de acordo
com o projeto original em parceria com
a Siemens do Brasil, que importou da
Alemanha os sistemas eletrônicos de
controle, sem similares no Brasil. A
plataforma de aço do vão móvel ficou
a cargo da Companhia Siderúrgica
Nacional, de Volta Redonda.
O engenheiro Lélio Araújo,
iniciando sua carreira no DAER na
época, trabalhou na equipe que
acompanhou e fiscalizou a execução
da obra, lembra que a siderúrgica
de Volta Redonda enviou um de
seus engenheiros à Alemanha para
garantir que o aço tivesse as mesmas
características do aço alemão.
O vão móvel é composto pela
estrutura de aço e quatro torres, que
exigiram um cuidadoso projeto para
combinar o concreto armado comum com
o concreto protendido. Da mesma forma
que foi preciso um delicado e preciso
trabalho para coincidir a altura das vigas
metálicas com as vigas de concreto
protendido dos demais vãos. As bases
das torres abrigam os compartimentos
para as máquinas que içam a ponte.
Dentro das torres correm os contrapesos
que auxiliam no trabalho de erguer as
460 toneladas da plataforma de 57,54m
de comprimento e 18,30m de largura,
através do sistema de cabos e polias, até
uma altura de 23m.
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o
HISTÓRIAS DA CONSTRUÇÃO
O Engenheiro Lélio Soares Araújo lembra de algumas histórias curiosas e
interessantes da construção da Ponte.
O vão móvel foi montado juntando-se as partes metálicas com rebites. O
engenheiro Lélio lembra: “O pessoal de Volta Redonda trouxe duas equipes
de rebitadores. Eram especialistas no assunto. Verdadeiros craques. O rebite
é aquela peça pequena, aquecido a mil graus, eles conheciam a temperatura
pela cor. Eles tinham uma espécie de pequenos fornos, onde colocavam os
rebites e iam tirando com um tipo de garfo e jogavam lá para cima e outro
cara pegava com uma caneca, já encostava no furo e outro colocava com um
martelete. Eram verdadeiros artistas.”
Momentos de tensão também ocorreram. “A inauguração foi marcada
para o dia 28 de dezembro e o vão móvel não ficava pronto. Foi trazido
um eletricista da Alemanha para fazer a montagem de todo o circuito
elétrico da ponte, só que na hora de testar o içamento não funcionou. O
Alemão enlouqueceu. Queria passar o natal com a família na Alemanha.
Ficou dois ou três dias revisando todo o sistema até que se descobriu que
havia um erro no desenho dos esquemas de uma ligação. Descoberto o
erro, passamos ao teste. O problema foi encontrar um voluntário para subir
junto com o vão móvel. Acabei sendo eu o piloto de provas. Ainda bem
que tudo correu sem problemas.”
Outro problema que causou preocupação foi o rompimento dos cabos
de protensão. Não se descobria a causa, então se acionou o Instituto
Tecnológico do Rio Grande do Sul: “Levamos ao professor Werner Grundig
que realizou uma série de testes e acabou descobrindo que o problema ela a
liberação de hidrogênio liberado por uma massa sulfurosa fundida empregada
no tratamento da superfície dos cabos. A descoberta do Grundig acabou
solucionando um mistério ocorrido na Alemanha. Eles haviam tido o mesmo
problema com algumas bobinas de cabos e não tinham ideia do porque. É
que os cabos tinham ficado armazenados próximos a uma fábrica de enxofre.”
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o
O FUTURO
Passadas mais cinquenta anos a Ponte teve de ser adaptada a
uma nova realidade, o aumento da frota e do fluxo de veículos e o
seu papel estratégico para a ligação com a metade sul do estado,
o porto de Rio Grande e os países do Mercosul, aumentaram ainda
mais a sua importância. Hoje se discute se ela ainda atende às
necessidades de fluidez do tráfego, os custos do tempo de espera
gerado pelos içamentos e o temor de panes que isolem a metade sul.
Uma nova ponte para o Guaíba está no foco das discussões.
No final da década de 90 a ponte foi assumida pela
concessionária da BR-290 e passou por uma profunda reforma,
com a substituição dos cabos, roldanas e motores que promovem o
içamento do vão. Os cabos originais foram substituídos por quatro
conjuntos de 4 cabos cada, assim cada torre possui um conjunto de
16 cabos, o que trouxe maior segurança para o sistema.
A Ponte passou por dois episódios que abalaram sua estrutura.
Na década de 70 um navio bateu em um dos pilares e em 2008 uma
embarcação atingiu a viga inferior. A embarcação atrasou sua saída
e chegou ao canal quando o nível da água havia subido. Acabou
colidindo com a viga e causando seu empenamento. A Concepa
trabalha atualmente para restabelecer o balanceamento da ponte e
garantir a confiabilidade do sistema.
Quanto á questão do tempo de espera dos içamentos a Concepa
gestiona junto às autoridades a homologação do canal do Jacuí,
uma vez que 25% das embarcações que passam pela Ponte do
Guaíba podem passar pela ponte do canal do Jacuí. Este canal não
era utilizado, pois durante a construção da travessia um vão caiu e
causou sua obstrução. Uma das obrigações contratuais da concessão
foi desobstruir o canal. Isso foi feito. Só que para utilização do canal
é preciso haver a homologação.
O tempo de operação do vão não se restringe ao tempo de
subida e descida. Envolve também o tempo de passagem da
embarcação e a liberação da pista. O içamento e a descida do
vão demoram em torno de seis minutos. Se você contar o tempo
de operação, que inclui parar os veículos e a passagem das
embarcações esse tempo sobe para 30 minutos até mesmo uma
hora, dependendo do número de embarcações.
Esses fatores contribuem para a necessidade de uma rota
alternativa. A Concepa tem um projeto já com estudos bastante
adiantados para uma nova ponte, que estava ligado á renovação da
concessão. Com o anúncio do Governo Federal de que a nova ponte
fará parte da nova licitação das concessões, essa questão continuará
em aberto.
No entanto, mesmo com uma nova ponte, a Ponte do Guaíba
continuará existindo, até o fim de sua vida útil, lembrando, com as
subidas e descidas do vão móvel, a competência técnica, a ousadia
e a capacidade de criar e superar desafios da engenharia rodoviária e
seus profissionais.
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janeiro22-26
TRB 91st Annual MeetingWashington - EUA www.trb.org
26-27 Transforming Transportation 2012 Washington - EUA
21-24
Public–Private Partnerships (PPP) DaysGenebra - Suíç[email protected]
11-14
2nd Annual Road Planning, Design and Construction
Doha - Qatarwww.iqpc.com
27-30
Intertraffic 2012
Amsterdam - Holanda www.amsterdam.intertraffic.com
2-4
Brazil Road Expo 2012 e 6° CONINFRA
São Paulo, SP - Brasilwww.brazilroadexpo.com.br - andit.org.br
19-21Hillhead International Quarrying and Recycling Show Buxton, próximo a Manchester - Inglaterra [email protected]
22-27
Conference on Advanced Systems for Public Transport
Santiago - Chilewww.caspt.org/registration
fevereiro
março
abril
2012
2012
2012
2012
julhojunho
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1 2
3
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