revista em movimento nº2

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Disputa de Hegemonia no Mundo da Informação - TV Digital: entre o potencial e a política real - O movimento sindical e a distribuição de renda Ano I - Nº2 - Dezembro de 2008

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TV Digital: entre o potencial e a política real. O movimento sindical e a distribuição de renda

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Page 1: Revista Em Movimento nº2

Disputa de Hegemonia no Mundo da Informação

- TV Digital: entre o potencial e a política real- O movimento sindical e a distribuição de renda

Ano I - Nº2 - Dezembro de 2008

Page 2: Revista Em Movimento nº2

2 | EM MOVIMENTO

O jornal francês Le Monde Diplomatique traz experiência inédita

de imprensa independente: 51% das ações pertencem ao grupo

Le Monde e 49% aos leitores e à equipe que o produz.

Page 3: Revista Em Movimento nº2

O movimento sindical tem uma considerável

produção de conhecimento por meio de livros,

cartilhas, revistas, jornais, rádios e sites que

levam a informação a todos os cantos deste país. Re-

cursos, profissionais e demandas existem. Mas também

existem os guetos e as dificuldades de linguagem. Alguns

fazem do veículo um fim e não um meio, mas todos, sem

exceção, enfrentam o poder de grande grupos econômicos

e a revolução tecnológica que impõe um novo sistema de

comunicação. Em defesa do direito à informação busca-

se os caminhos alternativos e estimula-se a produção

independente.

Em Movimento traz nesta edição um breve retrato da luta

pela informação no Brasil, na América Latina e no mundo

como tema de capa. Matéria-prima das grandes dispu-

tas políticas, a informação é hoje um dos produtos mais

valiosos do planeta. Controlar os meios de comunicação

significa controlar a sociedade. Na disputa de mercado

desta poderosa indústria os movimentos populares vêm

perdendo espaço ou não conseguem fazer valer por muito

tempo suas conquistas. Este é um debate que não pode

mais ser adiado, que foi tema central do 8º Congresso

Nacional de Sindicato dos Engenheiros (8º Consenge),

realizado pela Fisenge e que permanece como luta prio-

ritária dos sindicatos filiados.

Nesta linha, capitaneados pelo escritor e militante da

luta pelo resgate da história do Brasil a partir do olhar

do trabalhador, Vito Giannotti, estudiosos e profissionais

da área vêm se reunindo em busca de saídas para, no

mínimo, chegarmos a um outro equilíbrio na correlação

de forças entre a chamada grande imprensa, o perigo da

informação única e os meios de comunicação alternativos.

Dentre eles, o jornalista Ignacio Ramonet, que o Núcleo

Piratininga de Comunicação trouxe ao Brasil represen-

tando o jornal francês Le Monde Diplomatique com sua

experiência inédita de imprensa independente: 51% das

ações pertencem ao grupo Le Monde e 49% aos leitores e

à equipe que o produz.

Parte deste debate Em Movimento reproduz nesta edi-

ção, lembrando que, na França, a grande imprensa está

concentrada nas mãos de grupos industriais e financeiros,

incluindo dois fabricantes de armas.

Carlos Bittencourt

Presidente da Fisenge

>>EDITORIAL<<

BATALHA MIDIÁTICA: BANDEIRA DE LUTA INTERNACIONAL

Page 4: Revista Em Movimento nº2

FEDERAÇÃO INTERESTADUAL DE SINDICATOS DE ENGENHEIROS

Diretoria Executiva

Presidente - Carlos Roberto Bittencourt (PR)

Vice-presidente - Vicente de Paulo Alves Lopes Trindade (MG)

Diretor Financeiro - Renato dos Santos Andrade (BA)

Secretário Geral - Clovis Francisco Nascimento Filho (RJ)

Relações Sindicais - Fernando Elias Vieira Jogaib (VR)

Diretor Executivo - Raul Otávio da Silva Pereira (MG)

Diretor Executivo - Eduardo Medeiros Piazera (SC)

Diretor Executivo - José Ezequiel Ramos (RO)

Diretor Executivo - Roberto Luiz de Carvalho Freire (PE)

Diretoria Executiva Suplente

José Carlos de Assis (ES)

Jorge Dotti Cesa (SC)

Ludmilla Martins Chagas (RO)

Agamenon Rodrigues Eufrásio de Oliveira (RJ)

Luiz Antônio Cosenza (RJ)

Márcia Ângela Nori (BA)

Ulisses Kaniak (PR)

Gilson Luiz Teixeira Néri (SE)

Clayton Paiva (RJ)

Conselho Fiscal

Marcus Fixel Hoffmann (VR)

Rogério do Nascimento Ramos (ES)

Tigernaque Pergentino de Sant’ana (SE)

Conselho Fiscal Suplente

Laurete Martins Alcântara Sato (MG)

Rolf Gustavo Meyer (PR)

Mauro de Carvalho Vasconcelos (BA)

Em Movimento é uma publicação da FISENGE

Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros.

Av. Rio Branco, 277 - 17º andar Centro - Rio de Janeiro - CEP 20040-009

Tel / Fax: (21) 2533-0836 / 2532-2775 [email protected]

www.fisenge.org.br

Produção: Espalhafato Comunicação.

Jornalista Responsável: Tania Coelho – Reg. Prof. 16.903.

Redação: Silvana Sá, Rodrigo Mariano e Mário Guerra.

Capa, Ilustrações e Programação Visual: Ricardo Bogéa.

Impressão: Grafittto; Tiragem: 7500.

© É permitida e estimulada a reprodução desde que citada a fonte.

Expediente

Sumário

CAPADisputa de hegemonia no mundo da informaçãoPág. 20

INTERNACIONALNo modelo de desenvolvimento com responsabilidade social engenharia é área estratégicaPág. 3

AGENDA 2009O movimento sindical e a distribuição de renda no BrasilPág. 6

ECONOMIAA marcha da insensatezPág. 11

TECNOLOGIATelevisão digital: entre o potencial e a política realPág. 14

CAMPANHAMovimento em defesa do pré-sal e da soberania nacionalPág. 18

DESENVOLVIMENTOPampulha, ocupação e adensamentoPág. 27

COMPROMISSOSistema CONFEA/CREAsreflexões, polêmicas e debatesPág. 29

ENTREVISTAHelmut WeissPág. 33

MEIO AMBIENTEO BRASIL NA ENCRUZILHADAPág. 35

Page 5: Revista Em Movimento nº2

EM MOVIMENTO | 3

>> INTERNACIONAL<<

A WEC 2008 – World Engineers’ Convention (Congresso Mundial

de Engenheiros), que acontece entre os dias 2 e 6 de dezembro de 2008, em Brasília, congrega profissionais da Engenharia de todo o mundo em torno de objetivos como a cooperação mútua entre as organizações de Engenharia e outras entidades e a contribuição da engenharia para o enfrentamento dos grandes desafios da humanidade. Com esta perspectiva, a 3ª edição da WEC, que traz como tema “Engenharia: ino-vação com responsabilidade social”, vem deixar claro o papel do Brasil na construção de respostas ao desafio de pensar o desenvolvimento com os olhos no cidadão e na justiça social.

A função da engenharia e da tecno-logia no novo cenário mundial; a contri-

buição de cada indivíduo na construção de um mundo mais justo e socialmente responsável; a contribuição da enge-nharia no alcance das Metas do Milênio da ONU; essas e outras questões devem ser centrais nas discussões da WEC 2008, como explica o engenheiro Paulo Bubach. “A humanidade está chegando ao limite do uso dos recursos naturais. A construção de uma nova sociedade baseada no conhecimento e que distri-bua mais equanimemente as riquezas exige o estabelecimento de novos para-digmas”, afirmou.

De acordo com Bubach, a engenha-ria sempre desempenhou papel central na produção. No entanto, o resultado da instauração do sistema capitalista é a concentração da riqueza e da ma-ximização de lucros, o que gera a co-

nhecida exclusão social. Nesta linha de raciocínio, a construção de sistemas mais justos de produção, distribuição e consumo é o desafio de toda a huma-nidade: “a engenharia pode contribuir neste processo fomentando um novo modelo de desenvolvimento sustentá-vel no qual as questões econômicas se-jam contrabalançadas com as questões sociais, ambientais e culturais”.

Segundo Bubach, a expectativa para os países da América Latina é que se discutam formas efetivas de contribui-ção da engenharia para a erradicação da fome e da miséria e o estabelecimento da justiça social “com condições dignas de vida para toda a população, contem-plando saneamento, habitação, trans-porte público, educação, saúde, empre-go e renda, segurança, lazer”, afirmou.

No modelo de desenvolvimento com

responsabilidade social engenharia

é área estratégica

A realidade dos países do Hemisfério Sul contribuiu para a seleção do tema do maior encontro de profissionais da engenharia e a escolha de Brasília, centro político nacional, não se deu por acaso.

Page 6: Revista Em Movimento nº2

4 | EM MOVIMENTO

Brasil: papel de destaque na área

tecnológica

A escolha de Brasília para sediar o evento não se deu por acaso, conforme esclarece o coordenador do Comitê de Programas da WEC 2008, Luiz Carlos Scavarda: “os engenheiros desejam ter uma participação mais ativa nas discus-sões políticas e Brasília é o centro polí-tico nacional”.

Além dessa visão política, a en-genharia passou a ter no Brasil papel fundamental no processo de desenvol-vimento econômico, colocando o país na condição de potência da América Latina no tocante ao desenvolvimento tecnológico, como explica Scavarda. “O Brasil é líder na área de engenharia entre os países em desenvolvimento. Isto é inquestionável. Os problemas que temos são comuns a todos os países que vivem no mesmo patamar social e econômico que o nosso”.

Para Scavarda esses problemas, majoritariamente de ordem estrutural, podem ser minimizados por meio de uma engenharia comprometida com a sociedade e com as desigualdades nela apresentadas. “Esta é a primeira vez que a WEC acontece no Hemisfério Sul e isso fez com que nos preocupássemos ainda mais em trabalhar a questão da responsabilidade social. Não há como

exemplo. É preciso repensar e adequar o desenvolvimento à realidade de cada país”, acrescentou o professor.

Em paralelo à WEC 2008 será reali-zada a ExpoWEC, exposição tecnológi-ca mundial, com o tema “Energia para o futuro”, na qual empresas e institui-ções brasileiras e internacionais mos-trarão suas potencialidades na geração de energias sustentáveis. O Brasil terá participação importante no evento.

Engenharia na agenda do governo

Para o presidente do Conselho Fe-deral de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), Marcos Túlio de Melo, a engenharia está inserida na agenda do governo. “Vivemos uma nova realidade. A profissão voltou a ser um mecanismo essencial para promo-ver a integração e reduzir as desigual-dades regionais”, afirmou. Esta visão é embasada pela atual política desenvol-vimentista do país, que aumentou a de-manda por profissionais da área.

O modelo de engenharia respon-sável, tema do congresso, faz parte da

retomada da engenharia como área es-tratégica para o país. Principalmente as organizações da sociedade civil exigem do governo, de entidades e empresas ações sustentáveis por entenderem que não há desenvolvimento sem o equilí-brio entre tecnologia e responsabilida-de social. “Hoje, a engenharia tem de estar preocupada com o meio ambiente, com a eficiência, eficácia e efetividade dos projetos, garantindo a solução dos problemas para a população” lembrou Marcos Túlio.

De acordo com o presidente do Confea, a WEC 2008 deverá ser o maior Congresso realizado nos últimos 20 anos. O que garante o sucesso é a atuação conjunta com diversos atores – nacionais e internacionais – como Federação Mundial de Organizações de Engenharia (WFEO/FMOI), Organiza-ção das Nações Unidas (ONU), Orga-nização das Nações Unidas para a Edu-cação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comér-cio (MDIC), Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica (Abipti) e Governo Federal. “É um evento que está sendo pensado desde a WEC 2004. Temos a certeza de que será um sucesso”, afirmou Marcos Túlio.

A parceria da WEC 2008 com ou-tros eventos que ocorrem paralelamen-te, como Convenção da União Paname-ricana de Associações de Engenheiros (Upadi), Convenção Mundial de En-genheiros Civis (WCE), II Congresso Mundial de Avaliações (Comav) e o II Encontro de Associações Profissionais de Engenheiros Civis dos Países de Língua Portuguesa e Castelhana, dão ainda mais força ao Brasil e à América Latina na questão do reconhecimento e da importância dos debates voltados para a realidade socioeconômica de cada nação.

Para Marcos Túlio este será o maior

encontro dos últimos vinte anos.

importar, simplesmente, os mesmos modelos de desenvolvimento econômi-co adotados pelos Estados Unidos, por

A engenharia sempre

desempenhou papel

central na produção e

na inovação com

responsabilidade social

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EM MOVIMENTO | 5

Grupos historicamente excluídos terão voz na WEC A exclusão de grupos como jovens, mulheres e negros pelo modelo de desenvolvimento econômico vigente também será foco do Congresso. Para discutir questões mais específicas desses segmentos, serão realizados, durante a WEC 2008, dois fóruns: o Fórum das Mulheres e o Fórum dos Estudantes e Jovens Engenheiros.

No dia 04 de dezembro acontecerá o Fórum dos Estu-dantes e Jovens Engenheiros. O objetivo do fórum é abrir espaço para debater questões como mercado de trabalho, formação ética e profissional. Também haverá discussões sobre o papel e o perfil do engenheiro, exigidos atualmen-te pelo mercado de trabalho. As palestras contemplarão os temas “Ética e Responsabilidade Social” e “Engenharia além das Fronteiras”.

A demanda dos profissionais de Engenharia, de acor-do com estudiosos, é estimulada pela realidade do mundo globalizado, que tem como mola propulsora o acelerado desenvolvimento tecnológico. O Fórum dos Estudantes e Jovens Engenheiros 2008 pretende realizar uma “rodada de estudantes”, na qual os representantes dos diferentes países poderão socializar e relatar experiências.

Mercado de trabalho será tema do Fórum de Estudantes

Também no dia 4 será realizado o Fórum da Mulher 2008, no qual será debatido o papel das mulheres na en-genharia e nas profissões tecnológicas. De forma cada vez mais contundente as mulheres conquistam espaço no mercado de trabalho, em profissões tradicionalmente mas-culinas. Em virtude dessa nova realidade, e considerando as desigualdades salariais ainda sofridas pelas mulheres, torna-se necessário debater a interação e inserção nesse mercado. O evento será dividido em três grandes temas: “Mulheres Engenheiras na Inovação e na Educação de En-genharia”, “Mulheres da Área Tecnológica e o Mercado de Trabalho” e “Mulheres Empreendedoras promovendo Tecnologia em Comunidades”. O engenheiro Tony Mar-joram, chefe do Departamento de Ciência na Engenharia da Unesco, participará do fórum debatendo as ações para a diminuição das desigualdades de gêneros no mundo.

Mulheres engenheiras conquistam seu espaço

Com o objetivo de discutir o papel do Brasil e da América Latina no cenário internacional, posição que vem tendo importância reconhecida especialmente na área econômica, a Fisenge realizará no dia 2 de dezem-bro, primeiro dia da World Engineers’ Convention (WEC 2008), o seminário “A Nova Geopolítica Mundial e a In-tegração da América Latina”.

A programação começa às 9h e tem previsão para ter-minar às 13h. O presidente da Fisenge, Carlos Roberto Bittencourt, será o mediador do debate programado para as 11h30.

O seminário será sediado no Centro de Convenções Ulisses Guimarães (SDC – Setor de Divulgação Cultural, Lote 5 – Eixo Monumental.

Programação:

9h - Integração da América Latina, com João Antô-nio Felício, Secretário de Relações Sindicais da CUT 9:40h - O Desenvolvimento dos BRIC´s no contexto da Nova Conjuntura Mundial, Com a economista Ceci Juruá, membro do projeto Outro Brasil – Laboratório de Políticas Públicas da UERJ.

10:20h - Sindicalismo na América Latina, com José Molina, Diretor Regional da UNI – Américas Panamá

11:30h - Debate

A FISENGE na WEC

>> INTERNACIONAL<<

Page 8: Revista Em Movimento nº2

6 | EM MOVIMENTO

A citação em epígrafe, do conheci-do economista brasileiro, resume

de forma magistral o que talvez seja o problema estrutural mais sério enfren-tado pela sociedade brasileira, além de também apontar o caminho na busca de uma solução. A persistência da perver-sidade distributiva no Brasil, conforme mostra Pochmann, independe das con-junturas e ciclos de desenvolvimento econômico, tendo atravessado os sécu-los e se tornado uma de nossas marcas registradas. E, está no campo político a saída para uma sociedade mais equâni-me e com melhor distribuição da rique-za produzida.

A estrutura de poder político e como ele é exercido no nosso país, sua excessiva concentração determinam a forma como a riqueza produzida é re-partida entre todas as camadas da po-pulação. Como uma decorrência natu-ral, qualquer solução que se apresente, passa, evidentemente, por políticas que para serem eficazes têm que distribuir poder e renda simultaneamente. E, é

neste sentido que o movimento sindi-cal brasileiro tem um importante papel a desempenhar na elaboração e imple-mentação de estratégias que visem dis-tribuir poder e renda.

Isto significa que ao movimento sindical brasileiro está reservado um papel diferente do chamado “tradeu-nionismo” clássico que caracterizou o movimento sindical em outros países, e que delimitou seu campo de atuação à luta corporativa, principalmente às reivindicações por melhores salários e melhores condições de trabalho. O movimento sindical brasileiro pode assumir para si missão de natureza eminentemente política de lutar pela distribuição do poder político para que possamos distribuir riqueza e renda de forma duradoura e sustentável.

O RETRATO DAS DESIGUALDADES

Para termos uma idéia do quadro das desigualdades no Brasil, podemos também recorrer ao mesmo artigo de Pochmann supracitado. Nele podemos ler que os “10% mais ricos da popula-ção impõem, historicamente, a ditadura da concentração, pois chegam a res-ponder por quase 75% de toda riqueza nacional. Enquanto os 90% mais po-bres ficam com apenas 25%. Indepen-dentemente dos padrões de desenvolvi-mento econômico pelos quais o Brasil passou”... E a concentração de renda continua a se acentuar. Nos últimos 30 anos, a participação do rendimento do trabalho na renda nacional caiu quase 12 pontos percentuais.

“A enorme concentração da renda e da riqueza é marca registrada do país. O motivo da perversão distributiva é a correspondente concentração do poder. E, na raiz deste fator, está a fragilidade da democracia brasileira. Em cinco séculos de história, não somamos mais de quarenta anos de regime democrático”.

Marcio Pochmann (Le Monde Diplomatique, no. 3, Outubro de 2007)

DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NO BRASILAgamenon R. E. OliveiraDiretor do SENGE/RJ

O MOVIMENTO SINDICAL E A

>>AGENDA 2009<<

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EM MOVIMENTO | 7

Se olharmos sob outro ponto de vista, o quadro ainda é mais dramá-tico. Sabe-se que o Brasil possui em torno de 60 milhões de famílias. Pois bem, 45% de toda a renda e riqueza gerada é apropriada por apenas 5 mil famílias. Uma verdadeira ignomínia e uma afronta sem paralelo com os setores mais pobres da população.

Mais recentemente, no quadro do processo de globalização e da cres-cente financeirização da economia, o padrão distributivo continuou inal-terado e a desigualdade aumentou. No período que vai de 1980 a 2000, com um crescimento medíocre da economia, a concentração da rique-za tornou-se geograficamente mais bem delimitada. As quatro cidades: S. Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, concentram quase 80% de todas as famílias ricas do país.

Concentração de poder político e má distribuição de riqueza conti-nuam de mãos dadas. O conservado-rismo político é a causa fundamental do descalabro na distribuição da ri-queza e renda. A quebra dessa asso-ciação perversa e pervertida reside no aprofundamento da democracia e na mudança da prática política por parte dos partidos e organizações do movimento social e que afinal leve à inclusão de milhões de brasileiros ao processo de decisão político.

AS LIMITAÇÕES HISTÓRICAS DO

MOVIMENTO SINDICAL

Nos primórdios de nossa industria-lização, o movimento sindical foi pro-fundamente influenciado pelas idéias anarquistas. Isto porque, com a vinda de grandes contingentes de emigran-tes europeus, eles também traziam em suas bagagens, notas, livros, jornais, e, principalmente, em suas cabeças, idéias anarquistas.

Este era um fenômeno que também acontecia em outros países, como na Ar-gentina e nos Estados Unidos, que rece-biam milhões de imigrantes espanhóis e italianos. Na visão anarquista, eram os sindicatos os instrumentos mais impor-tantes da organização dos trabalhado-res. Sua forma principal de atuação era a chamada “ação direta”, privilegiando as lutas espontâneas dos trabalhadores com o máximo de autonomia das orga-nizações. Recusavam a idéia de formar uma central sindical, mas admitiam que as confederações pudessem respeitar as decisões das bases. No confronto com a burguesia os anarquistas consideravam a greve geral como a melhor forma de enfrentamento. No caso limite, quando a greve geral era prorrogada por tempo indeterminado, ela poderia derrubar a própria burguesia.

Os anarquistas não admitiam a or-ganização partidária, pois, segundo eles, isto eliminava a autonomia dos trabalhadores e gerava novas formas de dominação e opressão.

Foi somente com a criação do Par-tido Comunista, em 1922, que a influ-ência anarquista diminui e assim uma nova visão política vai ganhando ter-reno e se estabelecendo no panorama das lutas dos trabalhadores. A partir de 1930, ou seja, do começo da era Var-gas, é a ideologia comunista que vai aos poucos substituindo e passando a hegemonizar o movimento operário brasileiro.

O período anarquista foi testemunha de inúmeros combates entre os traba-lhadores e o governo. É sintomático que na década de 20 o estado de sitio fosse tão freqüente e que isto tivesse como objetivo a adoção de medidas repres-sivas contra os trabalhadores, fazendo o movimento sindical perder fôlego. É muito importante também observar que é a partir dessa época que os governos começam a implementar medidas de controle sobre o movimento sindical e operário visando diretamente impedir as formas autônomas de organização dos trabalhadores, entre elas uma legis-lação feita sob medida com este fim.

Se no período anarco-sindicalista os trabalhadores não dispunham dos ins-trumentos organizativos mais adequa-dos para dar uma maior conseqüência

Page 10: Revista Em Movimento nº2

8 | EM MOVIMENTO

às suas lutas, no período seguinte o pa-norama muda de figura e o movimen-to sindical passa a ser controlado pelo estado.

Logo após assumir o poder em 1930, Vargas criou o Ministério dos Negócios do Trabalho, Indústria e Co-mércio. Pelo nome já se percebe a ideo-logia que estava por trás de sua criação. Muito cedo também se percebeu que o novo tipo de sindicato que advirá deste processo patrocinado pelo governo vi-sava defender a conciliação de classes e manter a harmonia entre capital e tra-balho. A palavra greve deveria ser ris-cada do dicionário dos trabalhadores. A nova legislação promulgada proibia as greves. Os estatutos dos sindicatos não podiam mais ser feitos pelos trabalha-dores e foi criado o “estatuto-padrão”, fornecido pelo Ministério do Traba-lho. Era o Ministério que distribuía o estatuto. Os interessados em criar um sindicato deveriam se dirigir ao Minis-tério, receber o documento e depois da fundação levar de volta o estatuto ao Ministério para carimbá-lo.

O estatuto era bem claro em termos de proibições: era proibido fazer políti-ca no sindicato; era proibido fazer gre-ve; era proibido criar uma central sindi-cal; era proibida a filiação do sindicato a qualquer entidade internacional. Se a diretoria do sindicato desobedecesse ao estatuto, o Ministério poderia cassá-la e decretar a intervenção no sindicato.

O Ministério reconhecia apenas um sindicato por categoria, o que garantia a unicidade por lei. O que o governo objetivava era asfixiar os sindicatos rebeldes, os anarquistas e comunistas e dessa forma fazer com que o sindicato oficial predominasse e por fim se impu-sesse sobre os outros.

O período do primeiro governo Var-gas, de 1930 a 1945, vai ser decisivo para as lutas posteriores do movimento sindical do país, principalmente pela aprovação, por parte do governo, de uma ampla legislação trabalhista. Ela, ao mesmo tempo em que reconhecia

certos direitos pelos quais os traba-lhadores lutaram tantos anos, também criava formas efetivas de controle so-bre as organizações sindicais. Este pe-ríodo também daria uma conformação política – que sobreviveria por muitas décadas – ao movimento sindical.

Os anos compreendidos entre 1945 e 1964, um interregno entre duas dita-duras, seria caracterizado por uma vi-vência democrática e grandes mobili-zações sindicais. O período posterior a 1964, de rompimento com a legalidade democrática e instauração da ditadura militar, é de dura e sangrenta repressão aos movimentos dos trabalhadores. Isto aconteceu sem que a estrutura sindical herdada sofresse qualquer alteração.

A QUEBRA DO

PARADIGMA

INFLACIONÁRIO E A

NOVA CONJUNTURA

Tendo se passado mais de uma década desde que foi implantado o primeiro plano de estabilização mo-netária, fruto em grande medida de uma nova conjuntura internacional, a chamada cultura inflacionária vai dando lugar a outra forma de encarar os ganhos salariais ou de outra natu-reza. Isto se refletiu de imediato no mundo do trabalho quando se perce-beu que os níveis salariais no Brasil eram extremamente baixos o que, de certa forma, era encoberto pelos acréscimos puramente numéricos ou escriturais e que maquiavam os salá-rios reais em sua verdadeira grandeza. A partir daí começa a ser incorporado nas pautas de reivindicação de todas as categorias um percentual represen-tando um ganho real.

A contrapartida dos patrões tem sido manter o velho paradigma ba-seado na antiga cultura inflacionária com o intuito de não conceder qual-quer tipo de ganho real. Isto desloca a luta por melhores salários para ou-tro patamar e significa uma impor-tante mudança na conjuntura sindi-cal do país.

E é exatamente este o momento mais propício para que os trabalha-dores tenham uma visão ampliada do problema salarial do Brasil e cons-truam um programa de ação e de luta com a finalidade não somente de ficarem restritos às negociações por categoria. Devem incluir a luta pelo aumento dos rendimentos dos salários no conjunto da produção da riqueza nacional. Ao restringirmos nosso campo de ação às negociações que somente ocorrem nas datas-base das diversas categorias profissionais, o máximo que alcançaremos serão

O movimento sindical

brasileiro pode assumir

para si missão de

natureza eminentemente

política: lutar pela

distribuição do poder

político para que

possamos distribuir

riqueza e renda de forma

duradoura e sustentável.

No inicio dos anos 70, na fase mais sinistra da ditadura, começam a ocorrer lutas pontuais e localizadas principal-mente nos locais de trabalho e a partir daí a se formar uma oposição sindical que iria mudar o panorama uma década depois. Ficou famosa a oposição sin-dical metalúrgica de S. Paulo. As gre-ves do final dos anos 70 e o chamado “Novo Sindicalismo” iriam fazer a crí-tica à estrutura corporativa herdada dos anos Vargas.

Page 11: Revista Em Movimento nº2

EM MOVIMENTO | 9

parcos aumentos por ganho real ou por produtividade, o que não deixa de ser uma grande conquista, mas a clas-se trabalhadora brasileira pode ousar alçar um vôo um pouco mais alto e de maior alcance ao empreender uma luta pelo aumento do patamar salarial geral. Mas para isto terá que construir programaticamente e no campo de batalha um embate de natureza emi-nentemente política, forjar novas ar-ticulações de caráter mais geral e se inserir definitivamente em um projeto diferente de país.

A CRISE ESTRUTURAL

DO CAPITALISMO

As novas formas de acumulação criadas recentemente pelo capita-lismo internacional, baseadas na desregulamentação generalizada, levaram o sistema a uma crise sem precedentes. Surgida no setor de fi-nanciamento imobiliário americano, como um rastilho de pólvora ela ra-pidamente se espalhou e derrubou as bolsas em todos os continentes, fez encolher o PIB americano e in-glês e ao que tudo indica lançará os países centrais em uma recessão sem precedentes.

Em momentos de crise, como sa-bemos, prevalece a velha política de

“socializar os prejuízos”. As brutais intervenções financeiras feitas pelos organismos de estado nos Estados Unidos, Europa e outros países le-vou à desmoralização das políticas neoliberais – até bem pouco tempo cantadas em verso e em prosa pelos seus arautos como a melhor forma de conduzir ao progresso e ao bem-estar. Evidentemente, isto cria uma dificuldade adicional à classe que vive do seu trabalho e é bem dife-rente de se implementar políticas distributivas em períodos de crise, recessão e desemprego. No entanto, no Brasil, como vimos, o problema da distribuição da riqueza gerada pelo trabalho é de natureza eminen-temente política. Neste sentido, o movimento sindical brasileiro terá que assumir cada vez mais um pro-tagonismo político e formas de luta diferentes do que ocorreu em outros países. Estamos “condenados” a se-guir um caminho original ou não so-breviveremos.

A saída da crise com toda certeza se fará após uma reformulação ge-ral do sistema financeiro com dimi-nuição significativa de seu tamanho em comparação com a economia em geral e a montagem de um novo sis-tema de regulamentação. A sempre falsa questão colocada pelos neoli-berais de contrapor mercado versus

estada está superada. Não existe mercado sem regulamentação esta-tal, como a própria crise está ai para demonstrar.

NOSSAS TAREFAS POLÍTICAS

Qualquer projeto distributivista deve ser constituído de medidas no campo político, econômico e sindical. Sem atribuir nenhuma ordem de preva-lência entre elas, ou mesmo de propor-mos um programa completo, muito me-nos uma plataforma político-sindical, podemos sugerir:

Nossas federações sindicais devem fazer uma ampla articulação envolven-do as centrais sindicais nesta luta.

Embora esteja um pouco fora do nosso dia-a-dia sindical, devemos lutar por um conjunto de reformas, princi-palmente aquelas acentuadamente de-cisivas na questão da distribuição de ri-queza e renda. Entre elas podemos citar a reforma agrária, uma reforma fiscal e tributária de cunho distributivo e uma reforma política que modifique em pro-fundidade os poderes executivo, legis-lativo e judiciário retirando do primei-ro a interferência sobre os outros.

Lutar pela democratização do es-tado no campo dos meios de comu-nicação e das empresas estatais como

>>AGENDA 2009<<

Page 12: Revista Em Movimento nº2

10 | EM MOVIMENTO

um processo mais amplo. Existe uma orientação neoliberal por parte do go-verno com relação às empresas estatais. A direção dessas empresas tem adota-do políticas voltadas para aumentos de salários variáveis e por mérito criando diferenciações entre os empregados ba-seadas no aumento da intensidade do trabalho e na adesão aos objetivos das direções das empresas.

No campo estritamente sindical lu-tar pela extinção das resoluções CCE-O9 e CCE-10 - que proíbe a isonomia de direitos dos trabalhadores no setor elétrico e descapitalização das estatais elétricas –, o que equivale a tirar oxi-gênio do DEST, instrumento burocráti-co e de cunho neoliberal do governo, elemento espúrio e indesejável nos pro-cessos negociais.

Lutar pela participação de 1/3 dos trabalhadores nos Conselhos de Admi-nistração das empresas estatais no pra-zo de 2 anos. Negociar com o gover-no o fim da utilização de vagas nesses Conselhos para aumento de salário de diretores de empresas ou como moeda de troca e barganha política, como vem ocorrendo de forma generalizada.

Reafirmar o princípio da livre nego-ciação entre as partes e lutar pela ado-ção no país da Convenção 87 da OIT.

Lutar por uma reforma sindical fun-dada na adesão voluntária, na represen-tatividade e na capacidade de negocia-ção dos sindicatos e de onde eles devam extrair sua sustentação financeira.

Lutar pelo fim do modelo neoliberal das agências reguladoras. Este modelo foi criado com a expectativa de priva-

tização generalizada o que felizmente não ocorreu. Além disso, ele se mostrou completamente ineficaz e inadequado à realidade brasileira.

Lutar pela mudança da prática po-lítica nos sindicatos, nos partidos e nos movimentos sociais. O fato da luta po-lítica no Brasil nos últimos anos ter se concentrado no plano institucional fez com que os sindicatos e principalmente os partidos políticos passassem a privi-legiar a luta pelos aparelhos, os nichos de poder e as formas de obter recursos financeiros para disputar eleições. Ins-titucionalizaram-se formas escusas de financiamento de campanhas e as cha-madas políticas do “toma lá- dá- cá”, legitimadoras da atual concentração de poder político.

CONCLUSÃO

O recente processo de mobilização do movimento sindical face à proposta do FNT (Fórum Nacional do Trabalho), visando uma reforma em profundidade das atuais estruturas sindicais, mostrou, mais uma vez, o atraso de enormes seg-mentos do movimento sindical brasilei-ro face a uma proposta que melhoraria significativamente sua representativi-dade, criando condições mais propícias para uma política de distribuição de renda como a imaginamos. Isto com-prova o quanto de distorção e inversão de valores a dependência do imposto sindical fez dessas organizações sindi-cais. No plano político isto parece ser o maior obstáculo a ser superado.

Também a chamada “mini-reforma

sindical”, legalizando as centrais sin-dicais existentes, se por um lado é um fator positivo, dando-lhes maior poder político e capacidade de mobilização dos trabalhadores em nível nacional, pode desencadear uma luta pelos be-nefícios que as novas centrais podem distribuir no seu interior com os volu-mosos aportes financeiros decorrentes da “reforma”.

Um projeto de distribuição mais eqüitativo de renda pressupõe uma transferência real de renda do capital para o trabalho e não uma mera re-distribuição de renda entre segmentos ou categorias de trabalhadores. Isto não encontra justificativas dentro do glossário neoliberal, mas tão somente dentro de uma nova visão de país ou um novo projeto de nação no qual é urgente que um novo perfil de renda seja alcançado.

BIBLIOGRAFIA:

[1] Pochmann, M., “O país dos de-siguais”, Le Monde Diplomatique Bra-sil, Outubro de 2007.

[2] Bacelar, T., “A máquina da de-sigualdade”, Le Monde Diplomatique Brasil, Novembro de 2007.

[3] Chesnais, F., “A lógica de uma crise anunciada”, Le Monde Diploma-tique Brasil, Novembro de 2007.

[4] Chesnais, F., “A Mundialização do Capital”, Xamã Editora, 1996.

[5] Lafay, G., “Comprendre la Mon-dialisation”, Economica, 1997.

[6] Chanteau, Jean-Pierre., “Pour un nouveau plein emploi”, Syros, 1997.

>>AGENDA 2009<<

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Escrever sobre a vulnerabilidade da economia brasileira era uma here-

sia há poucas semanas. Agora, quase se tornou desnecessário. Desabam as mis-tificações sobre as nossas blindagens. A fase aguda da crise mal começou e já ti-vemos de recorrer a um empréstimo de US$ 30 bilhões do Banco Central dos Estados Unidos (FED), que dispensou intermediários e passou a operar como emprestador de última instância a ban-cos centrais vulneráveis. Uma consulta a alguns números da economia brasilei-ra mostra por que entramos na primeira lista de países socorridos, junto com o México, a Coréia do Sul e Singapura.

Desde 2002, mais de 80% do que recebemos do exterior, na forma de sal-do comercial, foi enviado de volta para lá, na forma de remessas de serviços e rendas. O pequeno saldo remanescen-te fica longe de explicar o acúmulo de cerca de US$ 200 bilhões em reservas, alardeado como sinal de solidez. A maior parte dessas reservas foi forma-da com capital externo de curto prazo, atraído ao Brasil pelos juros altos e aqui distribuído em ativos dotados de eleva-

da liquidez. As reservas brasileiras são a contrapartida de um passivo líquido que, ao se mover, pode reduzi-las a pó. Enquanto o governo comemorava o “fim da dívida externa”, formava-se uma nova dívida muito mais perigosa.

Esse capital de curto prazo não planta um pé de alface. Ao contrário: ao entrar, valoriza o câmbio e contribui para fragilizar o sistema produtivo. Não faltaram advertências sobre isso. Mas a valorização cambial tinha aliados poderosos: ajudava o Banco Central a atingir as metas de inflação, aumenta-va as remessa de lucros das empresas multinacionais e permitia gigantescos ganhos aos especuladores. Passear com recursos pelo Brasil, remunerando-os com a nossa generosa taxa de juros, e remetê-los em seguida para fora, com-prando dólar barato, foi o melhor negó-cio do mundo nos últimos anos.

Enquanto isso a nossa pauta de exportações se empobrecia, concen-trando-se naqueles produtos em que temos grandes vantagens compara-tivas, as commodities. Todos sabem que, no longo prazo, isso é perigoso.

Porém, um dos subprodutos do ciclo especulativo foi justamente o aumento de preços dessas mercadorias de baixo valor agregado. Nossas exportações es-tagnaram em quantum, mas cresceram em valor, ocultando temporariamente o problema. Em paralelo, para que os exportadores brasileiros compensas-sem o câmbio ruim, o Banco Central os estimulou a entrar pesadamente na especulação com moedas. A bolha se disseminou. As advertências de que o arranjo tinha pés de barro foram siste-maticamente desqualificadas. Mesmo com a crise internacional se avoluman-do desde agosto de 2007, não adotamos salvaguardas.

Colheremos os resultados em 2009. As empresas que tiveram grandes per-das diminuirão investimentos. Com a queda nos preços das commodities, o saldo comercial ficará perto de zero. As remessas de recursos ao exterior au-mentarão, ampliando o déficit externo. O Banco Central adotará políticas re-cessivas, que provavelmente incluirão um novo choque de juros. Os prejuízos serão repassados ao Tesouro Nacional,

A marcha da

César Benjamin

INSENSATEZ

>>ECONOMIA<<

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contabilizados como déficit público, re-forçando o coro favorável a mais uma rodada de cortes em gastos essenciais, como se salários de professores e in-vestimentos em infra-estrutura fossem a causa da crise. É a marcha da insen-satez.

O FED deixará conosco US$ 30 bilhões até abril de 2009, para que possamos segurar a oscilação cambial e acalmar os mercados. O capital de curto prazo, com certeza, entendeu o recado: tem seis meses para ir embora sem maiores perdas. Depois, seja o que Deus quiser.

Enquanto isso...

Milhões de famílias norte-america-nas foram convencidas de que suas re-sidências não deviam ser consideradas lares, lugares de abrigo e convivência, mas sim ativos financeiros. Essa pato-logia sustentou mais uma pirâmide de operações especulativas que desabou. Nesse contexto, todos voltamos a de-fender a intervenção do Estado e a re-gulamentação. É um recomeço. Mas não se deve imaginar que seja um ca-minho fácil.

Há mais de vinte anos, Hyman Minsky advertia que os EUA haviam transitado para o que ele denominou “capitalismo administrador de dinhei-ro”. À frente do sistema não mais esta-vam capitães de indústria, mas gestores de ativos líquidos. Imersos em um am-biente excepcionalmente competitivo, avaliados a cada três meses por sua ca-pacidade de valorizar as carteiras que administram, esses gestores são intrin-secamente agressivos, inventivos e, no limite, inescrupulosos. Se não forem predadores competentes acabam sendo caçados.

A composição das carteiras se altera diariamente. Apostam em tudo – no va-lor relativo das moedas, nos preços de commodities, nas ações em bolsa, em variações infinitesimais das taxas de juros –, sempre operando em mercados

futuros, inexistentes. Criam sem parar novos “produtos” financeiros, cada vez mais complexos e opacos. Realizam transações que movimentam bilhões, mas que se concluem sem que haja entrega física de nenhum bem. Fazem muitas contas, mas elas não têm nada a ver com o cálculo econômico, em sentido tradicional, pois vivem em um mundo de soma zero. Mesmo assim, têm lucros extraordinários. No Brasil, são conhecidos pelo eufemismo de “in-vestidores internacionais”.

Voltaire dizia que o Sacro Império Romano não era sacro nem império nem romano. Os neoliberais nos dizem que um descuido gerou uma bolha es-peculativa que será corrigida com al-gumas resoluções do Banco Central. É o mesmo non sense. No andar de cima desse sistema, não há propriamente bolhas especulativas em um fluxo de investimentos. Há bolhas de investi-mento em um fluxo de especulação. Es-peculadores não são um corpo estranho na sociedade norte-americana. Fundos de pensão, fundos mútuos e outros in-vestidores institucionais predominam,

representando milhões de pessoas e alargando a base social da atividade rentista. Todos vivem muito acima de seus próprios recursos.

A imposição, ao mundo, dessa forma de gestão da riqueza ganhou um nome de fantasia: globalização. Exigiu a construção de um espaço financeiro homogêneo para além das fronteiras dos EUA. A finança tornou-se global, mas a moeda continuou na-cional, o dólar. Os países que se atre-laram a esse sistema volátil precisam proteger-se acumulando reservas, ou seja, esterilizando seus próprios recursos em títulos do Tesouro dos EUA. Financiados assim pelo mun-do, puderam os EUA nesta década, ao mesmo tempo, manter déficits estra-tosféricos, generalizar endividamen-tos, fazer guerras, cortar impostos e aumentar o consumo, tudo isso com um desempenho econômico rastejan-te, o mais baixo crescimento desde a Segunda Guerra Mundial. Essa incrí-vel combinação só é possível porque a gigantesca e crescente dívida “ex-terna” do país e os preços dos produ-

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tos que importa estão expressos na moeda que ele mesmo fabrica.

O capitalismo administrador de dinheiro é um sistema complexo, que criou raízes fundas na sociedade ame-ricana e na geopolítica do Estado. As-sociado ao padrão dólar, está se tornan-do completamente disfuncional para o mundo, mas não temos instituições capazes de conduzir uma transição or-denada. Esse é o dilema. O resto é con-versa para boi dormir.

Karl Marx manda lembranças

As economias modernas criaram um novo conceito de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso, mas de ampliar abstrações numéricas. Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso, os economistas chamam “comportamento racional”. Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez exige alguma sofisticação.

Quem refletiu mais profundamente sobre essa grande transformação foi Karl Marx. Em meados do século XIX, ele destacou três tendências da socieda-de que então desabrochava:

(a) ela seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercado-rias, fosse pelo aumento da capacidade de produzi-las, fosse pela transforma-ção de mais bens, materiais ou simbó-licos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria;

(b) ela seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o pla-neta;

(c) ela seria compelida a inventar permanentemente novos bens e novas necessidades; como as “necessidades do estômago” são poucas, esses novos bens e novas necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados

para a fantasia, que é ilimitada.Para aumentar a potência produtiva

e expandir o espaço da acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máxi-mo de populações no processo mercan-til, formaria um sistema-mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a cultura e as formas de sociabilidade. Nenhum obstáculo ex-terno a deteria.

Havia, porém, obstáculos internos, que seriam, sucessivamente, superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza abstrata, e pas-sar pela produção, organizando o traba-lho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim pode ressurgir ampliado, fechando o circuito. É um processo demorado e cheio de riscos.

Muito melhor é acumular capital sem retirá-lo da condição de riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro. Marx denominou D – D’ essa forma de acumulação e viu que ela teria peso crescente. À medida que passasse a predominar, a instabi-lidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema começaria a

esgotar-se: ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, o impulso à acumula-ção não mais seria um agente organiza-dor da sociedade.

Se não conseguisse se libertar des-sa engrenagem, a humanidade correria sérios riscos, pois sua potência técni-ca estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de fins humanos. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a servi-ço da civilização (abolindo-se os traba-lhos cansativos, mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a intensificação de con-flitos). Maior o poder criativo, maior o poder destrutivo.

O que estamos vendo não é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma mais pura, mais plena e mais essencial, com ampla predominância da acumulação D – D’. Abandonou as mediações de que necessitava no período anterior, quan-do contestações, internas e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu. Os resultados estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalis-mo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.

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Marcos Dantas*1

* Marcos Dantas é professor do Departa-

mento de Comunicação Social e coordena-

dor-adjunto do Instituto de Mídias Digitais,

ambos da PUC-Rio.

Se formos comparar os objetivos definidos no decreto 4.901, de no-

vembro de 2003, com os resultados ob-tidos cinco anos depois, na TV digital brasileira, será difícil não acusar um grande recuo do governo Lula dian-te de seus propósitos iniciais. Salvo o “Ginga” e, mesmo assim, ainda a con-cretizar-se, em tudo o mais o governo não deu um passo concreto no sentido de efetivar aqueles objetivos.

Façamos uma análise daquele de-creto. Seu artigo 1º, que define os ob-jetivos do que deveria ser o Sistema Brasileiro de TV Digital, diz em seus três primeiros itens:

- “promover a inclusão social, a diversidade cultural do país e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação;

- “propiciar a criação de rede uni-versal de educação a distância;

- “estimular a pesquisa e desen-volvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras e da indústria nacional relacionadas à tecnologia de informação e comunicação”.

Os itens seguintes referem-se à tran-sição do analógico para o digital e ao apoio às atuais emissoras, nessa tran-sição. O item 9 diz: “contribuir para a

entre o potencial e a política real

Televisão digital:

>>TECNOLOGIA<<

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convergência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicação”. Apenas o ítem 10, penúltimo dos 11 objetivos previstos nesse primeiro artigo, dirá: “aprimorar a qualidade de áudio, vídeo e serviços, considerando as atuais con-dições do parque instalado de recepto-res no Brasil”.

Hoje, é possível afirmar que, a ex-ceção deste item 10 e, parcialmente, do terceiro item (estímulo à P&D), o go-verno nada fez em relação aos demais itens, sobretudo em relação aos dois primeiros, de máxima importância so-cial e econômica.

Para que os objetivos do decreto 4.901 fossem atingidos, seria neces-sário modificar toda a concepção hoje dominante no Brasil a respeito do ne-gócio-televisão. E esta mudança seria viabilizada, assim se pensava, pelos novos recursos tecnológicos a serem introduzidos na TV pela digitalização. Mas, claro, a tecnologia por si só não faz nada. Quem faz são os agentes so-ciais, os agentes econômicos, os agen-tes políticos. Esperava-se que as poten-cialidades da tecnologia viessem a ser bem exploradas por esses agentes. O que se está vendo é que, exceto quanto à qualidade de áudio e vídeo, nada mais parece interessar aos principais atores envolvidos.

A tecnologia

A digitalização do sinal de trans-porte e recepção de televisão permite nela introduzir recursos de interativida-de, multiprogramação e multiserviços, hoje em dia totalmente ausentes desse negócio.

A interatividade pode ser local ou a distância. No primeiro caso, a emissora e o telespectador exploram a capacida-de de armazenamento da informação oferecida pelo aparelho receptor. Isso permite ao telespectador “pausar” o programa que está assistindo, “gravar” diferentes programas para assistir em outros horários (organizar a sua própria

“grade”), rever quadros já vistos minu-tos antes (rever os gols, por exemplo, enquanto a partida de futebol segue se desenrolando) etc. No segundo caso, o aparelho receptor tem que estar co-nectado a um canal de retorno, atra-vés do qual o espectador poderá en-viar mensagens para a emissora, pelas quais comprará algum produto visto em merchandising na novela, enviará mensagens para âncoras de telejornal, locutores esportivos, animadores de au-ditório, encomendará algum programa específico para assistir em horário mais conveniente (vídeo sob demanda) e, no limite, até se conectará à internet.

A multiprogramação resulta da pos-sibilidade de segmentação do canal. Também pode ser de dois tipos. Atra-vés de uma mesma banda de 6 MHz, a emissora pode enviar uma única programação ocupando, num mesmo instante, (quase) toda a largura de ban-da, como pode, sem perda acentuada ou perceptível de qualidade, reservar uma parcela dessa banda, para envio de elementos complementares à pro-gramação. Exemplo: numa transmis-são de futebol, pode oferecer imagens capturadas por diversas câmeras espa-lhadas à volta do campo, deixando que o espectador escolha a câmera, logo a “tomada”, de sua preferência. No en-tanto, através dessa mesma banda de 6 MHz, o detentor de canal pode, pura e simplesmente, segmentá-lo em quatro, cinco, até oito sub-canais (embora bai-xando a qualidade) pelos quais enviará número correspondente de programa-ções simultâneas. Para o espectador se-ria como se, onde havia um único canal de TV, passasse a existir quatro, cinco, até oito canais.

A possibilidade de multisserviços decorre das duas anteriores. Com inte-ratividade e multiprogramação, a emis-sora de TV não precisaria mais limitar o seu negócio à geração de som e ima-gem sustentada por publicidade paga. Pode-se tornar uma central de compras (telecompras), vendedora direta de pro-

gramação (vídeo sob demanda), prove-dora de acesso à internet e o que mais for possível.

No entanto, nada disso acontecerá apenas porque a tecnologia permite. É claro que, por um lado, existe um ne-gócio a ser sustentado lucrativamente. As emissoras de TV explorarão ou não essas possibilidades na medida em que nelas percebam viabilidade de lucros, ou não. Por outro lado, para além do lucro das emissoras, pode e deve existir o interesse da sociedade, representada por um governo e pelo Estado. A socie-dade pode entender que lhe interessa aproveitar essas possibilidades para melhorar as suas condições de trabalho e vida e, se assim entender, pode exigir que as emissoras venham a aproveitar essas possibilidades em benefício da população e do País. Por fim, em qual-quer situação, elas se resolvem no mar-co legal-normativo. Qualquer que seja o caminho futuro da TVD brasileira, ela carece de lei e regras que definam como aquelas possibilidades poderão ser implementadas, mesmo que apenas para servir ao lucro das emissoras.

Quadro legal

O espectro de freqüências é um bem público. O acesso e uso do espectro é regulado por lei. A lei é de... 1962. Até hoje, a televisão brasileira é regulamen-tada por uma lei adotada quando sequer existia a rede Globo! O Código Brasi-leiro de Comunicação, à sua época, foi uma lei extraordinária, graças à qual, inclusive, tornou-se possível a existên-cia da rede Globo e das demais grandes redes nacionais de televisão. Mas está totalmente ultrapassado, além de ter sido, ao longo do tempo, picotado das mais diversas formas, sobretudo pela Lei do Cabo (1996) e pela Lei Geral de Telecomunicação (1997).

Pelo Código, a emissora recebe a concessão de um canal de 6 MHz para, por ele, transmitir uma determinada programação. O Código associa canal

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a programação. O Código não prevê, nem podia, interatividade na televisão. A interatividade, pelo Código, pela Constituição e pela LGT, é propriedade dos sistemas de telecomunicações, logo de empresas que tenham licença (con-cessão ou autorização) para oferecerem serviços assim definidos. A radiodifu-são, na qual se insere a televisão, embo-ra seja um serviço de telecomunicação, o é de natureza específica, definida pela unidirecionalidade, pela recepção indi-ferenciada e aberta e, muito importante, pelo livre acesso: não se pode pagar, ao menos não diretamente, para se assistir a um programa de radiodifusão.

Definida como radiodifusão, no sentido do Código de 1962, a TVD po-derá explorar todas as suas potenciali-dades interativas, multiprogramadoras e de serviços? A dúvida é pertinente e a resposta será possivelmente negativa. A interatividade plena dependerá de acertos entre as emissoras e as opera-doras de telecomunicações. Não será necessariamente difícil, mas alguém pagará a conta... A multiprogramação, se definida como “escolha o seu assen-to”, talvez apenas dependa de interes-se publicitário (junto com o “assento”, viria um “banner”...). Mas se definida como “múltiplos canais”, terá um efei-to semelhante à multiplicação dos pães: a emissora recebeu um canal televisão e, de repente, se apresenta no mercado com quatro ou mais... Para resolver esse tipo de problema, na Europa decidiu-se separar geração de transmissão: o canal de transmissão é concedido, em todos os países europeus, a uma operadora exclusiva que presta serviços às diver-sas emissoras. A BBC britânica, por exemplo, não é mais detentora do canal de transmissão por onde veicula as suas sete programações simultâneas. Quan-tos aos serviços, as dúvidas são óbvias: só interessarão se pagos, mas o serviço de radiodifusão deve ser gratuito para o seu espectador.

Perceba-se que os problemas apon-tados relacionam-se a um dos pontos

do decreto 4.901: promover a conver-gência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicações. Na verdade, trata-se de enxergar um mundo no qual não mais falaremos de TV, ou de tele-comunicações, ou de informática, mas de um único universo de processamen-to e comunicação de informações, no qual o terminal de TV ou o “celular” ou o computador funcionará apenas como “porta de entrada” para o cidadão ou para o consumidor.

O marco legal brasileiro é do tempo em que as comunicações se subdivi-diam em radiodifusão e telecomunica-ções. Infelizmente, a Constituição con-sagrou essa divisão. As leis do Cabo e de Telecomunicações não a revogaram – e nem podiam! A radiodifusão, por-tanto, se apóia hoje numa tradição que tende a ser ultrapassada pela história e num marco legal não somente corroído pelo tempo, como sem sustentação so-cial ou econômica.

Os interesses

Mas aí entram em cenas os inte-resses sociais concretos. Ao longo do meio século de vigência do Código de 1962, consolidaram-se fortes interesses econômicos e políticos, incrustados na televisão e rádio brasileiras. O modelo de negócios da nossa TV é um modelo exitoso que articula as emissoras, seu caríssimo plantel humano, as agências de publicidade, os anunciantes. Está presente em 90% dos lares brasileiros e, com suas novelas, seus “big brothers”, seus programas dominicais de auditório, seus locutores esportivos, seus “jornais nacionais”, domina e molda o imagi-nário nacional. Além do mais, cerca de 150 deputados federais e senadores (sem falar dos estaduais) são proprietários de emissoras de TV ou rádio (apesar da proibição constitucional), tornando-os poderosa força política aliada dos in-teresses conectados àquele modelo de negócios (ver http://www.fndc.org.br/arquivos/DonosdaMidia.htm) .

Em todos os países de economia capitalista desenvolvida (consideremos que o Brasil está entre eles, mesmo que na rabeira...), a televisão aberta perdeu parcela substancial do seu mercado para a TV por assinatura ou para outros meios (internet, celular etc.). Nos EUA, o cabo ou o satélite estão presentes em 90% dos lares. Na maior parte dos paí-ses europeus, a TV aberta já quase de-sapareceu. Nos maiores, como Reino Unido ou França, ainda detém metade da audiência. Se estudamos a história de TV digital, verificamos que sua ori-gem remota se encontra num movimen-to de emissoras abertas estatais (NHK japonesa e BBC britânica) de defesa de seus mercados ante o avanço da TV paga, acreditando poder fazê-lo através da melhoria tecnológica (ver http://re-vista.ibict.br/liinc/index.php/liinc/arti-cle/viewFile/226/133). No Brasil, onde a TV por assinatura, por razões eco-nômicas e outras, vem se expandindo muito lentamente, as emissoras de TV aberta também passaram a enxergar a TVD como uma tecnologia de defesa, no nosso caso, preventiva, de seu hoje em dia ainda grande mercado. Acredi-tam que, com melhor imagem e som (décimo item dos objetivos previstos no decreto 4.901/03), conseguirão reter uma audiência que lhe poderá escapar na medida em que avance a TV paga e a inclusão digital.

Por isto, elas não têm interes-se na convergência tecnológica e empresarial. Para elas, um mode-lo legal que separa rigidamente radiodifusão e telecomunicações, representa uma barreira política e normativa à entrada, na casa das pessoas, de novos fornecedores de conteúdos e serviços. Apostam que conseguirão assegurar, no Brasil, a sobrevivência de um modelo de negócios oligopolista que, no mun-do digital, já está sendo superado ou, então, esperam ter algum tempo para, lentamente, se adaptarem às novas condições do mercado.

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Não se trata só de negócios

Mas não era esse o espírito que nor-teava o decreto 4.901. Seu objetivo se-ria, acreditava-se, impulsionar, de fato, uma ampla reforma democrática nas comunicações brasileiras, aproveitando a onda da TV digital. O sistema bra-sileiro de comunicações, estabelecido pelo Código de 1962, foi, para todos os efeitos – positivos (muitos) e negativos (vários) –, implantado pela ditadura militar. A Constituição de 1988, con-sagrou esses efeitos. A Lei do Cabo e a LGT introduziram, no sistema, onde possível e onde muito interessava, re-formas neo-liberais. A radiodifusão passou incólume por 25 anos de rede-mocratização, ficando à margem até das reformas neo-liberais.

O decreto, se cumprindo a risca, obrigaria o governo e outras instituições do Estado, a começar pelo Congresso, a redesenhar o marco legal, talvez até o constitucional, das comunicações bra-sileiras.

Quando o decreto falava em inclu-são social ou em educação a distância, falava em recuperar o caráter das co-municações enquanto serviço público. Se já está presente em quase todos os lares, a televisão, uma vez concluída a migração, poderia, através dos recursos digitais, vir a ser quase um computa-dor para uma enorme população que, hoje, ainda não tem acesso doméstico à telemática. Pensava-se que o governo fomentaria a disseminação de equipa-mentos conversores baratos, dotados dos principais recursos de TVD, vi-sando proporcionar a pais de família e

crianças pobres acesso a serviços públi-cos básicos ou a conteúdos educacio-nais interativos. Seria necessário uma ampla política pública nesse sentido, inclusive, para isso, mobilizando o Mi-nistério da Educação, o Ministério da Saúde, o Ministério da Cultura, outras áreas supostamente interessadas. Essa mobilização não ocorreu, salvo, um pouco, no primeiro ano após a edição do decreto. Desde que o senador Helio Costa (PMDB-MG), político sabida-mente ligado às grandes emissoras de TV, foi nomeado ministro, toda a mobi-lização que se estava ainda construindo em torno do decreto 4.901/03, foi rapi-damente desmontada.

Podia-se imaginar a criança, em casa, recebendo, pela TV, exercícios es-colares na forma de “objetos de apren-dizagem” (jargão dos educadores para simulações digitais de natureza didáti-ca). Ou a sua mãe, acompanhando, tam-bém através de um serviço público via algum “subcanal” da TV aberta, o de-sempenho escolar do filho; ou o seu avô buscando informações sobre aposenta-doria. Podia-se imaginar, sobretudo, a multiplicação de canais, permitindo a emergência, na TV aberta, de novas vozes, de produções independentes, de maiores espaços para a regionalização.

A tecnologia permite isso, mas não garante. Um dos poucos resultados po-sitivos atingidos pelo decreto, foram as pesquisas que levaram ao desenvol-vimento do middleware brasileiro de nome “Ginga”. O governo distribuiu R$ 70 milhões para centros de pesquisa desenvolverem vários módulos da TV digital. A PUC-Rio e a UFPb lograram criar um sistema operacional (midd-leware) que atendia a todas as expecta-

tivas do decreto, quanto à interativida-de, multiprogramação, multisserviços. O governo não teve como rejeitar esta criação brasileira e, atualmente, estão em curso discussões técnicas de deta-lhe que devem resultar na efetiva incor-poração do “Ginga” aos conversores ou receptores de TVD. Até agora, porém, os conversores e receptores que estão a venda, chegam às lojas sem “Ginga”.

Pelo decreto 5.820 de junho de 2006, o governo deu seqüência aos seus planos para a TV digital. Ou melhor, de-clarou a sua opção pelo sistema tecno-lógico japonês (ISDB), oficialmente a ser operado via “Ginga”, e estabeleceu o tempo e regras básicas de transição. A opção pelo sistema japonês, em si, não será nenhum problema, apesar de algumas vozes insistirem em polemizar essa escolha. O problema está na au-sência de definições políticas maiores. Sem uma nova legislação, a TVD só poderá ser mais do mesmo, não impor-ta com qual tecnologia básica. O Brasil terá perdido uma extraordinária oportu-nidade de, não apenas explorar todos os recursos que a digitalização proporcio-na, mas de reformar, nos fundamentos, o sistema de comunicação social eletrô-nica que, a rigor, herdamos da ditadura. Neste momento, segmentos da socieda-de brasileira começam a se mobilizar a favor da convocação da Conferência Nacional de Comunicações. Esta Con-ferência, se realizada, atingirá plena-mente seus objetivos se não se limitar a discutir apenas radiodifusão mas enten-der que, hoje, comunicações incorpora todo um novo universo de possibilida-des interativas e plurais, no qual a TVD pode figurar como a sua mais brilhante estrela.

>>TECNOLOGIA<<

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Entidades e movimentos sociais or-ganizaram um manifesto que foi

entregue ao presidente Luis Inácio Lula da Silva e à ministra da Casa Civil, Dil-ma Rousseff. O documento, que classi-fica a atual descoberta da camada pré-sal como de “extrema relevância para o futuro da sociedade brasileira”, traz reivindicações associadas ao controle da nova descoberta, à geração de rique-za e distribuição mais justa da renda gerada pelo pré-sal. Além disso, apon-ta para a necessidade da criação de um novo marco regulatório para impedir que grupos estrangeiros se beneficiem de nossa riqueza e exige a suspensão imediata de todas as rodadas de licita-ção para concessão de novas áreas de exploração por empresas privadas.

O documento é um abaixo-assinado. Toda a sociedade civil está convidada a participar do movimento em defesa do pré-sal. Para assinar, envie um e-mail com o assunto EU ASSINO O MANI-FESTO para [email protected].

Leia abaixo a íntegra da carta:

Considerando a extrema relevância do petróleo existente no chamado pré-sal para o futuro da sociedade brasileira, não somente pela sua riqueza intrín-seca, mas, principalmente, pelo poderoso instrumento de ação geopolítica que representa, as entidades abaixo assinadas apóiam e reivindicam junto a todas as instâncias de governo a adoção das seguintes medidas:

1. Manutenção da diretriz anunciada pelo Senhor Presidente da República no sentido de que o aproveitamento da riqueza do pré-sal seja feito estritamente segundo os seguintes pressupostos:

a) que seja usufruída por todos os brasileiros, desta e das próximas ge-rações;

b) que sejam priorizados os investimentos em educação, saúde e programas de enfrentamento às desigualdades sociais e de combate à pobreza;

c) que seja constituído um fundo soberano brasileiro, com finalidades, dentre outras, de financiar as exportações, de evitar a desindustrialização do País e de possibilitar a transferência de riqueza de uma para outra geração;

d) que seja proibida a exportação de petróleo em estado bruto, salvo em circunstâncias especiais, mediante aprovação expressa da autoridade legal competente;

e) que sejam implantadas políticas efetivas para o desenvolvimento da in-dústria nacional de equipamentos de aplicação na área petrolífera, em espe-cial a construção de plataformas.

MOVIMENTO EM DEFESA DO PRÉ-SAL

E DA SOBERANIA NACIONAL

>>CAMPANHA<<

Page 21: Revista Em Movimento nº2

EM MOVIMENTO | 19

2. Criação de Imposto a incidir sobre a exportação de petróleo e derivados.

3. Adoção imediata de providências com vista à alteração da Lei 9.478/97, de forma a criar um novo marco regulatório que restaure a efetividade do monopólio constitucional da União sobre a exploração e a produção de petróleo e de gás, a ser exercido com exclusividade pela Petrobrás.

4. No novo marco regulatório, os blocos do pré-sal ainda não concedidos devem ser entregues sem licitação à Petrobrás, porque esta é a melhor forma de se garantir muitas das diretrizes já declaradas, mas, para que tal objetivo aconteça, esta empresa deve ser, além de estatal, uma empresa pública, socialmente controlada. Neste novo modelo, não se estará entregando blocos para diversas empresas privadas, que seriam proprietárias do petróleo descoberto, o que significaria a transferência da riqueza pertencente ao povo para empresas, na sua maioria, estrangeiras.

5. Suspensão imediata de qualquer rodada de licitação para concessão de novas áreas de exploração pelo atual regime legal. Portanto, a décima rodada de leilões marcada pela ANP para dezembro próximo deve ser cancelada, assim como a oitava rodada não deve ser retomada.

6. Com relação aos blocos do pré-sal, os artigos da lei 9.478 que exigem cumprimento de prazos do concessionário, sob pena de ter a concessão cassada, devem ser cancelados, visando adequar a neces-sidade de investimentos da Petrobrás à sua capacidade de geração de recursos. Os contratos antigos da área do pré-sal devem ser aditados para que as cláusulas que exigem o citado cumprimento de prazos sejam também canceladas.

7. Promoção imediata de estudos para determinação das melhores alternativas para elevação, ao máxi-mo, da participação da União no capital total da Petrobrás e adoção das conseqüentes providências visan-do instaurar o caráter de empresa estatal pública. Neste sentido, uma alternativa seria aumentar o capital a ser integralizado pela União, com o uso das reservas mensuradas do pré-sal.

8. As ações da Petrobrás pertencentes a investidores privados no exterior devem ser recompradas pela União, para que a empresa readquira graus de liberdade em suas atitudes, de forma a poder atender às políticas públicas e não mais distribuir parcela de lucro para entes privados, sem possibilidade de usufruto social.

9. Os recursos adicionais, arrecadados com o aumento da produção de petróleo e com os impostos, devem ser aplicados em benefício da sociedade brasileira, não estando sujeitos a contingenciamento.

AEPET - Associação dos Engenheiros da Petrobras

ALMA - Associação de Moradores da Lauro Müller

CNQ-CUT - Confederação Nacional do Ramo Químico

CTB - Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

CUT Nacional - Central Única dos Trabalhadores

DIVA - Projeto Sócio-Cultural

FAM-RIO - Federação das Associações de Moradores no Município

do Rio de Janeiro

FISENGE - Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros

FNA - Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas

FUP - Federação Única dos Petroleiros

ILUMINA - Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor

Energético

MODECON - Movimento em Defesa da Economia Nacional

PCdoB - Partido Comunista do Brasil

SARJ - Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas no Rio de Janeiro

SENGE-MG - Sindicato dos Engenheiros no Estado de Minas

Gerais

SENGE-RJ - Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro

SENGE-SE - Sindicato dos Engenheiros no Estado de Sergipe

SINDIPETRO-MG - Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais

SINDIPETRO-PE/PB - Sindicato dos Petroleiros dos Estados de

Pernambuco e Paraíba

SINDIPETRO-RG - Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da

Destilação e Refinação de Petróleo do Rio Grande do Norte

SINDIPETRO-RJ - Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do

Petróleo no Estado do Rio de Janeiro

SINTUFRJ - Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universi-

dade Federal do Rio de Janeiro

VERDEJAR - Proteção Ambiental e Humanismo

ASSINARAM O DOCUMENTO ATÉ 21 DE NOVEMBRO:

Page 22: Revista Em Movimento nº2

20 | EM MOVIMENTO

Nas escolas, nos livros, em todo pro-grama de rádio ou televisão, em

novelas e filmes quase sempre se conta exclusivamente a história dos poderosos, dos grandes. Quase nunca se fala dos oprimidos e dos explorados. É um des-file de reis, imperadores, condes, barões do café, capitães da indústria, sem con-tar os generais, almirantes, brigadeiros, presidentes, senadores, deputados e até vereadores. Ou, por outro lado, artistas, poetas, dançarinas, cafetões, campeões do futebol e cantores.

Só uma categoria está ausente da História do Brasil: os trabalhadores. Do pedreiro ao engenheiro. Do canta-dor das feiras nordestinas ao cortador de cana de Ribeirão Preto. Do mecâni-co de uma montadora ao desenhista ou projetista. Do professor à merendeira. Do médico do INSS aos milhares de serventes de um hospital. Estes, suas

lutas, suas derrotas e vitórias não existem. É imensa a dificuldade de garimpar notícias destes milhões de construtores da história do nosso país que costumam ser esquecidos.

Com o livro História das lutas dos trabalhadores no Brasil quisemos dar uma visão panorâmica do movimento dos trabalhadores, com seus sindicatos, suas greves, suas conquistas e mos-trar que foi exatamente esta enorme classe trabalhadora, feita de milhões e milhões de anônimos, que construiu o país. Classe formada por pessoas que, infelizmente, desfrutam muito pouco da enorme riqueza que produziram e con-tinuam a produzir. Tomar consciência da nossa história, do papel de cada ho-mem e mulher nesta construção coleti-va, é o primeiro passo para se valorizar enquanto classe. A classe trabalhado-ra precisa ter orgulho de sua história,

caso sonhe em construir uma sociedade a serviço da maioria e não da minoria. Se os trabalhadores continuarem a achar, por exemplo, que o 13º Salário foi um presente do então presidente João Goulart, sempre se sentirão como uns pedintes à espera de uma migalha que caia do banquete dos governos e dos patrões. Se, ao contrário, souberem que a reivindicação do 13º foi uma das principais exigências durante mais de 20 anos, através de milhares de greves, en-tão a visão de si mesmos muda. Passará de pedinte à classe que exige e luta por seus direitos. E se souberem que na vés-pera do senhor João Goulart assinar o tal 13º, na Rua do Carmo em São Paulo, em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos, o DOPS ( Departamento de Ordem Políti-ca e Social) prendeu cinco mil grevistas que exigiam exatamente o 13º, então as coisas mudam de figura.

O escritor Vito Giannotti se prepara para lançar a edição atualizada de seu livro Histórias

das Lutas dos Trabalhadores no Brasil, no qual conta nossa história sob o ponto de vista dos

trabalhadores. Ao longo deste artigo Giannotti faz um breve balanço do movimento sindical,

avalia os principais desafios que os trabalhadores têm pela frente e destaca a importância

dos meios de comunicação para a formação política.

Vito GiannottiNúcleo Piratininga de Comunicação

Disputa de Hegemonia

no Mundo da Informação

>>CAPA<<

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EM MOVIMENTO | 21

Contestadores x colaboracionistas

No mundo todo há sindicatos cola-boracionistas e outros contestadores. Essa diferença sempre gerou tensão no sindicalismo. Marx, Engels, Rosa Luxemburgo, Lênin nunca tiveram ilusões de que os sindicatos automati-camente levariam à revolução, a uma sociedade socialista. Os trabalhadores precisariam lutar por seus interesses imediatos, nos sindicatos, e por seus interesses políticos mais gerais, atra-vés da luta ideológica e política geral, na sociedade. Mas, sempre existiram sindicatos que lutavam dentro da or-dem capitalista, procurando amenizar sua situação. São os que nós chama-mos de pelegos.

Os sindicatos conciliadores foram e são pró-patrões. São sindicatos a fa-vor do sistema e conseqüentemente a favor de conciliar com o governo que está no poder. No Brasil, todos os go-vernos estiveram inseridos no sistema capitalista. Isto é, governos controla-dos, dominados, a serviço dos patrões. Sempre houve sindicatos a favor da luta, da greve, do confronto e outros a favor de deixar pra lá. De conversar, de negociar e não mobilizar a massa trabalhadora. A bandeira principal da esquerda sindical sempre foi, ou de-veria ter sido, a independência e auto-nomia frente a qualquer governo, aos patrões e aos partidos. Sempre houve e sempre haverá sindicatos concilia-dores e outros contestadores da ordem estabelecida. A luta é ver quem leva mais gente atrás de si.

A crise do movimento sindicalEssa tomada de consciência tem in-

fluência direta na ação sindical hoje. Os trabalhadores vivem uma realidade sin-dical bem diferente da vivida nos últi-mos 30 anos. Não vamos falar dos anos de silêncio dos trabalhadores esmaga-dos pela Ditadura Militar, mas apenas nos debruçar sobre as décadas de 1980 e 1990. Na década de 1980 foi criada uma central sindical que, até o final dos anos 80, chegou a reunir quase todo o movimento sindical combativo. A CUT abrigava, praticamente, todos os que queriam lutar por melhores condições de vida e de trabalho e muitos que até pensavam em lutar por uma outra so-ciedade, uma sociedade socialista. Esta

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22 | EM MOVIMENTO

mento entre os trabalhadores. A unida-de não existe mais. Há uma pluralidade com propostas e práticas bastante con-traditórias.

Hoje, além da nova prática de con-ciliação de interesses de classes opos-tas, há uma dificuldade adicional. Os sindicatos, no Brasil, enfrentam o di-lema de como se comportar com um governo que a maioria dos trabalhado-res elegeu com muitas esperanças de melhoras. Qual a relação? Confronto ou conciliação? Ser um sindicato que defende os interesses dos trabalhado-res frente a qualquer governo ou se tornar um sindicato “chapa branca”? Afinal, como manter a autonomia e independência frente a um governo com um presidente e centenas de se-cretários, ministros, assessores que vieram das mesmas trincheiras sindi-cais? Esse dilema é um dos fatores da paralisia atual do movimento sindical.

A mudança só depende da esquerda

Está nas mãos dos trabalhadores a possibilidade de mudar o rumo da si-tuação atual. Ou seja, nas mãos dos sindicatos, movimentos sociais e parti-dos de esquerda. Para isso é preciso ter uma política voltada para a retomada das lutas e a retomada da perspectiva de confronto com esta sociedade que aí está. Não podemos ter nenhuma ilusão.

Esta sociedade não é feita para os tra-balhadores. Precisamos de outra. Isto significa, desde há dois séculos, uma sociedade socialista.

No entanto, não basta fazer discur-sos e ter um belíssimo programa revo-lucionário para mudar esta realidade. É preciso ter milhões de pessoas conven-cidas e dispostas a construir este novo. E para isso é preciso ter sindicatos que lutem, movimentos que reivindiquem e organizem o povo, partidos que apon-tem para esta outra sociedade. A tarefa, hoje, é criar mil tipos de organizações de massas para juntar os trabalhadores e avançar rumo ao objetivo.

Nisso assume um papel central a formação política de quadros e da mas-sa trabalhadora. É a reafirmação da cen-tralidade da propaganda, via centenas de jornais, programas de rádio, filmes, canais de televisão que hoje estão nas mãos dos que dominam a sociedade. É preciso tomar em nossas mãos estes instrumentos de divulgação e propa-ganda. Sem isso a Globo, a Record e as grandes agências de notícias interna-cionais continuarão a fazer a cabeça do nosso povo. E aí, não haverá nenhuma mudança séria.

Os sindicatos hoje têm a missão de defender com unhas e dentes todas as conquistas obtidas com cem anos de luta. O momento, devido à praga neoliberal que dominou o mundo, é de retirada de direitos. A filosofia neoliberal exige a “flexibilização”

“Comunicação e formação política são

irmãs gêmeas”.

foi a década de maior número de greves no país. Depois veio a década de 1990. A triste década da entrada em cena, no Brasil, do projeto neoliberal.

O desmoronamento das experiên-cias socialistas existentes, em fins da década de 80 e início de 90, contribuiu para o quadro de crise do movimento sindical. A União Soviética e o Leste Europeu se derreteram e isso deixou muitos militantes de esquerda desam-parados. É verdade que estes países já não tinham mais nada de comunista ou socialista há muito tempo. Alguns, sobretudo no Leste Europeu, nunca tiveram. Implantaram no máximo um “socialismo de quartel”. Mas, queren-do ou não, o fim daqueles regimes foi um fator de crise para a esquerda como um todo. E crise da esquerda é crise no sindicalismo, seja ele de tendência re-volucionária ou reformista.

Junto com o novo projeto político da direita houve o fenômeno da chama-da reestruturação produtiva. O movi-mento sindical se viu frente a novos e duríssimos desafios. A crise do desem-prego, as novas formas de organização da produção fizeram cair os índices de greves e de reivindicações em todas as categorias. Novas propostas políticas e especificamente político-sindicais apa-receram para enfrentar esses desafios. Hoje, no campo político em que havia só uma central combativa, quatro ou cinco propostas disputam entre si. Isso cria uma enorme confusão e desnortea-

Vito Giannotti

Page 25: Revista Em Movimento nº2

EM MOVIMENTO | 23

de todos os direitos. É isso que o ca-pital quer. O que os trabalhadores, todos, precisam fazer é exatamente o contrário. Por isso é necessário muita formação política. É preciso retomar e aprofundar a prática bá-sica do sindicalismo, que é investir fortemente na organização por local de trabalho.

Disputa de hegemoniaMuitos dirigentes sindicais e até jor-

nalistas da imprensa sindical não fazem uma ligação direta entre a comunicação e a formação dos trabalhadores. Não há ação sindical sem comunicação. Não há greves, arrastões, manifestações, protestos e qualquer tipo de outra ação sem que antes não tenhamos consegui-do convencer dez, cem, mil, dez mil, cem mil trabalhadores. Sem convenci-mento não vamos arrastar ninguém para a ação. E convencer é dialogar, é trocar idéias, é mostrar que precisa mudar e que é possível ganhar a luta. E isso é formação política.

Comunicação e formação política são irmãs gêmeas, univitelinas. A vida de um sindicato á a ação. Ação na defesa dos interesses imediatos e históricos dos trabalhadores. Sindicato existe para lutar, para se defender e avançar. Mas como vamos convencer as famosas massas a agir? Com muita, muita, muitíssima co-municação/formação. A comunicação, o tradicional jornal ou um moderno e-mail ou site são os instrumentos de formação das tais massas sem os quais não há quem se disponha a agir. Por isso continuo cada dia mais fanático pela comunicação. Uma comunicação politizada e politizan-te, Uma comunicação bonita, bem feita, com linguagem adequada ao seu público. Uma comunicação intensa, freqüente, ca-paz de disputar com a comunicação co-mercial/empresarial. Ou seja, com a co-municação burguesa que é diária, muito bonita e atrativa.

Desde 1989 a Internet existia ape-nas para os especialistas. Mas, a partir do anos 90, o conceito de comunicação sofreu uma verdadeira revolução com a criação de sistemas que facilitam o acesso à Internet. Aí aconteceu uma revolução semelhante à de Gutemberg. Antes de Gutemberg existiam 10 uni-versidades, depois da invenção da im-prensa nasceram centenas de univer-sidades. Antes, já se conhecia o livro, depois, se entende o livro. A leitura, privilégio de poucos, extremamente

caro, se popularizou e se disseminou. O que mudou com a Internet é semelhan-te, com um dado absolutamente novo no mundo da informação: a palavra, a imagem e a escrita, sinais utilizados para a comunicação completa, estão, pela primeira vez reunidos na Internet.

Até então, com o advento da mídia impressa, do rádio e da TV, as tecno-logias eram específicas e não se mes-clavam. O universo da escrita tem sua própria indústria, o som idem e cada segmento desenvolve suas próprias

MÍDIA DOS TRABALHADORES

E POLÍTICADo dia 19 ao dia 23 de novembro Vito Giannotti coordenou o 14° Curso do

Núcleo Piratininga de Comunicação, no Rio de Janeiro, com a participação de

cerca de 250 jornalistas, lideranças sindicais e estudantes que debateram, en-

tre outros temas, o acúmulo dos movimentos sociais na área de comunicação e

seu papel, no Brasil, de imprensa contra-hegemônica. Em Movimento destaca,

a seguir, um importante momento deste encontro: a apresentação do jornalis-

ta Ignacio Ramonet, do jornal francês Le Monde Diplomatique, que abordou

A Comunicação do Império e a Resistência dos Movimentos Sociais.

EM DEFESA DA INFORMAÇÃO E DO DEBATE

Ignacio RamonetLe Monde Diplomatique

>>CAPA<<

Page 26: Revista Em Movimento nº2

24 | EM MOVIMENTO

indústrias e culturas de massa. Com a Internet já não há diferença entre um som, um texto e uma imagem. Para a Internet ou para a revolução digital, um texto uma imagem e um som são sim-plesmente equações matemáticas. Não estamos tratando de uma tecnologia analógica e sim digital, que transforma equação em sinais. Desenhos animados digitais são resultados de equações.

Esta revolução suprimiu tecnolo-gicamente a diferença entre o som, a imagem e a palavra. Com isso, todas as empresas que se ocupavam de um des-tes setores, agora com a tecnologia, di-gital podem fazer texto imagem e som. Nos dez últimos anos desapareceram grandes empresa que só atuavam em um desses segmentos. Sucumbiram ao fenômeno da fusão e da concentração. Não que esses grupos midiáticos ante-riormente não existissem. O que muda é que agora eles são muito mais pode-rosos simplesmente porque podem con-trolar todos os setores: jornais, revistas, livros, dicionários, rádios, discos, con-certos, tv, cinema, fotografia, pesquisa e, também, a Internet.

inimaginável. A idéia de quem controla a comunicação e, consequentemente a sociedade, já foi tema de filme e livros e a história demonstra a ambição e a megalomania dos donos dos meios de comunicação que os colocam a servi-ço de seus interesses e negócios. Mas nem mesmo a ficção conseguiu criar o quadro que temos hoje em termos da perigosa manipulação da mídia, que cresceu de maneira astronômica com a revolução digital.

Tempo, informação, passividade

A informação sempre tem relação com o tempo, mas nesta nova conjun-tura conheceu uma absurda aceleração. Houve um tempo em que os pombos correios eram os meios de comunicação que mais rapidamente atravessavam o canal da Mancha, entre a Bélgica e a Inglaterra. Em 1797, a França soube da queda da Bastilha três semanas depois, com a informação avançando por todo o país como uma diligência puxada a cavalo, a 50 quilômetros por dia. A velocidade da informação sempre foi muito importante. Mas, hoje alcança-mos instantaneidade. O momento que se produz e que se recebe a informação é quase o mesmo. E essa instantaneida-de modifica as regras de funcionamento da indústria da informação. O papel do jornalista passa a ser secundário, ape-nas de comentarista. O jornalista é um analista de uma jornada da informação que se produz. Ele analisa, verifica se é verdadeira ou falsa e tem um pequeno tempo para estudar a informação antes de transmiti-la.

Em um sistema de instantaneidade esse tempo não existe. Na queda das três torres jornalistas e leitores viam e sabiam o mesmo. A informação instan-tânea supõe que ver é entender. E isso não é verdade. Ver não é entender. O sistema de instataneidade pela imagem é enganoso. A imagem é o único dos

três sinais de nosso sistema de comuni-cação que é analógico. A imagem des-ta garrafa se parece com a garrafa e a palavra não. Quando ouço a palavra ou quando leio tenho que fazer um esfor-ço de abstração. A imagem diz tudo e o que não é tão fácil de entender como a imagem se torna difícil. Esse sistema favorece e estimula, em muito, a passi-vidade do espectador.

Uma outra forma de censura

Sabemos que, ao contrário, buscar informar-se é uma atividade conscien-te, crítica, política, cidadã e, no entan-to, cada dia isso é mais difícil porque surgiu uma nova forma de censura. A maioria entende a censura como uma ação do poder contra a liberdade de expressão. Supomos que há uma au-toridade que filtra a informação e que essa é a prática dos governos autori-tários. Se não há governo autoritário não há censura. Mentira! Nos países democráticos a informação é demo-cratizada. Mentira! O Brasil é um país onde existe a democracia e a informa-ção não funciona bem. Assim também acontece nos EEUU, na França, na Itália e em muitos outros. São países democráticos, mas a informação não flui de maneira democrática.

Pensarmos que a censura é fruto de regimes autoritários é insuficiente por-que a censura se modificou completa-mente. A censura funciona quando su-prime a informação. A censura é uma prática geral dos sistemas de informa-ção, que nos permitem o acesso a tan-tas informações que não percebemos o que falta. Simplesmente não transmi-tem as informações e eu não me dou conta da informação que falta. Com a asfixia e a saturação creio que estou bem informado. Mas a grande verdade é que com esse volume de informação as empresas ocultam o que não têm in-teresse em divulgar. A censura mudou.

Grupos gigantes midiáticos apare-ceram com força nunca vista, com o objetivo não mais de controlar a comu-nicação de uma cidade, de um país, mas de um continente, do planeta. Um con-trole ideológico e cultural. Um poder

Nem mesmo a ficção

conseguiu criar o quadro

que temos hoje em termos

da perigosa manipulação

da mídia, que cresceu de

maneira astronômica com a

revolução digital.

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EM MOVIMENTO | 25

Recebemos muita informação e esta-mos mal informados.

Espaço legítimo da informação alternativa

Por isso existe e é fundamental pen-sar no espaço natural e legítimo para a informação alternativa. Contrariamente às aparências, a abundância de informa-ção é a repetição de uma mesma infor-mação. Estamos em um sistema que nos fornece poucas informações sobre as lutas sociais, muito pouco sobre os mo-vimentos que estão transformando a so-ciedade e que nos transmite informações deformadas sobre a luta dos trabalha-dores. E a grande maioria da população não se dá conta de que estas informações não circulam.

Nesta configuração há um outro fe-nômeno: antes da revolução digital tí-nhamos várias funções perfeitamente definidas no campo da comunicação. Tínhamos um universo com suas regras e modelos de funcionamento: radialis-tas, jornalistas, repórteres, publicitários, publicidade comercial e política; cultura de massa, com as telenovelas, o cine-ma, o humor e a música popular. Já no

A cada curso que Vito Giannotti rea-liza nos vários estados, os participantes acrescentam novas informações sobre a história dos trabalhadores do seu esta-do e pedem para que sejam incluídas na nova edição a ser lançada ainda em 2008. Infelizmente Giannotti não vai conseguir utilizar todas as vivências que lhe foram transmitidas, mas, na nova edição estão, resumidamente, os principais fatos que julgou essenciais para os trabalhadores que querem co-nhecer sua história.

São notícias vindas de portuários, de bancários, de ferroviários e, sobretudo, de todos os cantos do país. Em geral, a

universo da Internet, com a interativida-de, a possibilidade de tantos recursos e a revolução digital, o mundo da infor-mação se viu colonizado por métodos que não são próprios ao seu mundo. A investigação, a reportagem, a análise, a verificação, processos característicos do trabalho com a informação deram lugar a um outro sistema da cultura de mas-

A luta dos trabalhadores atualizadamaioria dos bons livros que tratam da história da classe trabalhadora fica cen-trada e, conseqüentemente restrita, ao eixo Rio-São Paulo. Sobretudo São Pau-lo. Como a industrialização se concen-trou mais nos Estados do Sul e Sudeste, muitas vezes, só se dá destaque ao que aconteceu nestas regiões. As contribui-ções, os adendos enviados por lutadores e atores sociais de todos os estados do país vão estimular a pesquisa e divul-gação da história dos trabalhadores de cada estado brasileiro.

colonizaram o jornalismo. Observamos que as informações têm que ser enten-didas pelo maior número possível de pessoas e com isso caiu muito o nível cultural do jornalismo.

Comércio de corações e mentes

Crescem em todo o mundo os proje-tos que oferecem informação gratuita. Na França, em Paris, o periódico diário de maior difusão é gratuito, repetindo as características citadas: nível cultural reduzido e pouca qualidade na informa-ção. Poderíamos dizer que é mais de-mocrática porque chega a todo mundo, mas os meios de comunicação não que-rem gastar muito dinheiro com gente e pequisas. A gratuidade faz com que a qualidade caia. A economia da comu-nicação não consiste em vender infor-mação às pessoas que pagam e recebem um benefício. Hoje em dia a maioria dos grupos de imprensa escrita quer chegar a um público muito amplo. Não se tra-ta de vender informação às pessoas e sim vender as pessoas aos anunciantes. Quanto mais leitores tenho mais caro vou vendê-los aos anunciantes.

sa. Vale o sensacional, o breve, o ágil, o maniqueísmo. O estereótipo da cultura de massa e os arquétipos da publicidade

A maioria dos grupos de imprensa escrita quer

chegar a um público muito amplo. Não se

trata de vender informação às pessoas

e sim vender as pessoas aos anunciantes. Quanto mais leitores tenho mais caro vou vendê-los aos

anunciantes.

>>CAPA<<

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26 | EM MOVIMENTO

É recorrente a pressão imobiliária sobre áreas planejadas para uma

baixa ocupação com intuito da recarga de reservatórios de água destinados seja ao consumo humano, geração de ener-gia elétrica ou controle de enchentes.

A super urbanização ocorrida no sé-culo XX obrigou-nos ao fornecimento de água por atacado e à construção de reservatórios próximos a grandes cen-tros que têm seus lagos sistematica-mente ameaçados.

Próximos às cidades com muita vi-sibilidade como Brasília-Lago Paranoá, ou São Paulo-Represa Billings e Guara-piranga, as ocupações, inviabilizadoras da qualidade da água ou da segurança do lago, permanentemente aparecem na mídia em matérias sobre fóruns, Ong’s, debates, artigos, reivindicações, etc. Sistematicamente, também, os assuntos submergem por interesses de loteado-res irregulares ou políticos com postu-

ras demagógicas à caça de votos. Represas de menores dimensões só

são visíveis nas calamidades.Acontece que represas são águas

correntes barradas com dinâmica de tal e comportamento de: “é pau, é pedra, é o fim do caminho”.

O Comitê Internacional de Grandes Barragens avalia em 50 anos aproxima-damente o prazo do seu assoreamento, não havendo monitoramento da sua bacia de contribuição, como também desaconselha a postura de acomodar o seu resultado dentro do próprio lago ou a seu montante.

Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a Represa Várzea das Flo-res, em Contagem, e a da Pampulha, em Belo Horizonte, são exemplos da ausência de firmeza na aplicação das posturas e leis e suas devidas fisca-lizações.

Na Várzea das Flores, poucos par-celamentos programados para terrenos de 5 mil metros quadrados com uma unidade habitacional por parcela, têm sido desrespeitados com visível com-prometimento da área de recarga do lago, como a qualidade da água conta-minada com esgotos e lixo.

A Represa da Pampulha, desde 1983, tem sido motivo de enfrentamen-tos de moradores, ambientalistas, vere-adores, Prefeitura, especuladores, etc.

Com deslumbrante patrimônio cul-tural em suas margens, tem sua orla e espelho d’água tombados pelos órgãos de Patrimônio Artístico Estadual e Fe-deral e numa faixa de 300 metros em torno do lago ainda se mantém o proje-to urbanístico previsto no Decreto-Lei de 18/01/1947. Nesta Lei, uma faixa de

PAMPULHA OCUPAÇÃO E ADENSAMENTO

>>DESENVOLVIMENTO<<

Suzana Meinberg Schmidt de Andrade*

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EM MOVIMENTO | 27

5OO metros (depois reduzida para 300 metros) teve parcelas de 1.000 metros quadrados, modelo de baixa ocupação com visível preocupação de manuten-ção da água.

A Represa da Pampulha tem uma bacia de contribuição de 97 km2, sendo 42 km2 no Município de Belo Horizon-te, e 55 km2, em Contagem.

O crescimento demográfico da Re-gião Metropolitana na década de 1960 trouxe pouco a pouco a ocupação da bacia tanto em loteamentos legais e pla-nejados, grandes ocupações industriais, abertura de estradas, todos desencadea-dores de grandes movimentos de terra, quanto ocupações irregulares protago-nistas de erosões e voçorocas.

Nos 55 km2 da Bacia da Pampulha localizados em Contagem, tivemos, a partir da década de 1970, a implantação de uma estrada federal (BR-040) dois parques industriais (Cinco e Cincão) um parque atacadista (Ceasa) e dois aterros sanitários.

Apenas um desses empreendimen-tos já teria causado danos suficientes.

A preocupação mundial com o meio ambiente é recente (1972) e no momen-to daquelas implantações, talvez consi-derações a esse respeito seriam vistas como diletantes. A busca pela indus-trialização e progresso relegava todas e quaisquer restrições ao ambiente local.

O “Milagre Brasileiro” e a “Tecno-logia tem Solução Para Tudo”, eram as filosofias do momento, mas hoje vive-mos realidade muito mais pragmática e social. Nas colocações atuais, “qual o passivo ambiental?, quanto vai custar? e quem vai pagar?” são as preocupa-ções da sociedade.

A partir desse ponto de vista a es-tabilização da ocupação da Bacia da Pampulha precisa ser mais técnica e responsável.

Por razões como: - Não só a Represa da Pampulha,

mas toda a Região exercem hoje no-vas funções. Inicialmente, apenas com a finalidade de abastecimento de água, depois, como contenedora de enchentes e no momento, toda a Região com uma vegetação original ou planejada, baixo nível altimétrico das atuais edificações e grandes espaços livres (aeroporto e o próprio lago) mantêm-na como único

fator de umidificação e retorno do ar refrigerado para Belo Horizonte.

- Nas edificações verticais, nas quais, para a utilização de subterrâneos com garagens e casas de máquinas, o uso da tecnologia de rebaixamento do lençol freático através de bombas de recalque seria absolutamente inadequa-do, por drenar permanentemente a água contribuinte da Represa e por abater construções já existentes, cujo projeto considerou as resistências de um solo cujo lençol freático foi elevado há 80 anos. O valor das Obras de Niemeyer, edificadas na década de 1940, é incal-culável. O simples esvaziamento da represa para a reforma do vertedouro causou trincas em muitas construções, havendo em alguns casos necessidade de reforço de fundação.

- Sobrecarregar bacias hidrográficas danificando-as, seja com sua poluição ou redução do volume de vazão, no sé-culo XXI, é ato criminoso. As oito sub-bacias do Ribeirão Pampulha são tribu-tárias da Bacia do Onça que é tributária da Bacia do Rio das Velhas que contri-bui de forma principal para o Rio São Francisco. O contribuinte brasileiro, no momento, paga uma conta altíssima contraída no passado, para revitalizar o Rio São Francisco. Faz-se necessá-rio maior controle de tudo, modificar posturas e valorizar a água em regiões urbanizadas, restabelecendo-se áreas livres, vegetação e fauna, ventilação do curso d’água, seu repeixamento e em áreas já degradadas estabelecer, como propõe o Professor Edézio Teixeira de

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Carvalho, assoreamentos induzidos para conter o principal.

- O desassoreamento da represa da Pampulha é imprescindível. Tecnolo-gias como a Dragagem a Longa Dis-tância (DLD) foram abandonadas por razões políticas. São muitas técnicas, muitas soluções e pouca vontade po-lítica. Porquê não fazer um Concurso Nacional de Idéias e Projetos? O Go-verno gasta com a formação de enge-nheiros mas não instiga os jovens a pensar e apresentar novas soluções.

- O estabelecimento de limites de-mográficos por capacidade de vazão de uma bacia, por quê não? O Pro-grama de Recuperação e Desenvol-vimento Ambiental da Bacia da Pam-pulha estimava, em 1997, em 324 mil habitantes a população residente na região. Valorização dos Comitês de Bacia com atribuições mais incisivas, fiscalizatórias, estimulando a partici-pação efetiva dos moradores de cada

sub-bacia seria de boa política para conscientização local com irradiação para outras comunidades. A pressão por mais permissividade de uso é feita por empresas e especuladores, mas é através do convencimento de proprie-tários, de uma possível valorização de seus imóveis que encontram apoio. Não contam que essa valorização é do terreno, “edificações desaparecem como valor e a super oferta atual os fará conviver com o tumulto de novas edificações, porém sem a obtenção do pretendido. A valorização só daqui a mais de 10 anos. O aumento demo-gráfico requer o aporte de serviços e de água e tem um custo programável, mas são os esgotamentos sanitário e pluvial incógnitas a perder de vista.

- Se cada família possuir um auto-móvel, o que é uma aspiração legíti-ma, a cada residência, um veículo. Ao verticalizar, multiplicamos geome-tricamente o aporte de veículos que desencadeiam o caos que ora se es-tabelece no Centro de Belo Horizon-

te. O solo da região não comporta, o traçado urbanístico é inadequado e a região mal servida de acessos. Basta observar situações de eventos, como jogos no Mineirão, shows, etc. Nin-guém chega e nem sai. Faltam alter-nativas de escape.

O planejamento, e não agenda legislativa, ainda permanece como a opção de qualidade, de redução de custos e de estabilidade.

A Pampulha foi planejada por seus criadores, teve sua revisão na Lei de Uso e Ocupação do Solo n° 7.166/96, de agosto de 1996, e sua normatização na aprovação da "ADE Pampulha", há menos de dois anos. São afoitas e imediatistas quaisquer modificações.

De mais a mais, no século XXI, a água vale tanto ou mais do que o chão.

* Suzana Meinberg Schmidt de Andrade

Arquiteta e Urbanista.

e-mail: [email protected]

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EM MOVIMENTO | 29

Não há como analisar de forma profunda o Sistema Confea/Cre-

as sem lembrarmos da história recente do país. Nosso Sistema é resultado de uma legislação marcada pelo período da ditadura militar. Este fato gerou desconfianças e críticas por profissio-nais e mesmo por setores empresariais, de que seríamos o retrato de um esque-ma cartorial e arrecadatório. Evidente-mente, há uma legislação que regula-menta o Sistema para ele agir dentro de parâmetros legais. Tais parâmetros, colocados para todo o país, não levam em conta as características regionais que diferem as atividades da Engenha-ria, da Arquitetura, da Agronomia e de todas as profissões do Sistema. Dessa forma, determinadas propostas, no to-cante à redução de custos da Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, por exemplo, nem sempre têm podido ser aplicadas, porque o Sistema não prevê mecanismos compensatórios para manter seu equilíbrio.

O autoritarismo deixou marcas no Sistema, tido por muitos como pouco democrático. Os poderes ain-da são muito concentrados nas mãos dos presidentes. Não que isso seja uma característica do Sistema Con-fea/Creas. Ao contrário, tal realidade permeia as instituições e a história da sociedade brasileira. Tanto que a população rejeitou o Parlamentaris-mo e, através de referendo, escolheu o Presidencialismo como forma de governo. O fato concreto, entretan-to, é que esse poder tão concentrado dos Presidentes do Sistema não vem sendo discutido suficientemente, po-dendo levar a distorções.

Resistência ao voto direto

Há algum tempo, não muito dis-tante, os presidentes eram indicados pelo voto indireto. Conselheiros elei-tos se reuniam no início do que seria o mandato e escolhiam, entre eles, o presidente que governaria durante três anos. Quando propusemos a mudança para o voto direto houve muita resis-tência, mas a Plenária do Rio de Ja-neiro, apesar de não encontrar amparo sob o ponto de vista legal, pois não existia, ainda, eleição direta, aprovou

Agostinho Guerreiro*

Sistema CONFEA/CREAs

REFLEXÕES, POLÊMICAS E DEBATES IMPORTANTES

>>COMPROMISSO<<

Os poderes ainda são muito concentrados nas mãos dos presi-dentes. Não que isso seja uma característica do Sistema Confea/Creas. Ao contrário, tal realidade permeia as instituições e a história da sociedade brasileira, que rejeitou o parlamentarismo e escolheu o presidencialismo como forma de governo.

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30 | EM MOVIMENTO

a realização de uma consulta aos pro-fissionais, e se comprometeu a respei-tar o resultado das urnas para a presi-dência do CREA-RJ. Naquela ocasião, o presidente deveria ser obrigatoria-mente um Conselheiro. Aquela foi a “eleição” mais concorrida de nosso Estado, com cerca de 20 mil eleitores, o que representava aproximadamente 18% dos profissionais em condições de votar. Foi um avanço muito grande. O engenheiro agrônomo Arciley Alves Pinheiro venceu e se tornou o primei-ro presidente eleito através de consulta direta aos profissionais, assumindo a presidência em 1985.

Assim como na legislação normal, na qual o legislador na maioria das vezes só incorpora à Lei aquilo que a realidade prática já mostrou que preci-sa ser incorporado, aconteceu também com a legislação do Sistema Confea/Creas. Ou seja, o legislador de qual-quer instância ou país está sempre atrás em relação à realidade. Somente a partir dessa consulta aos profissio-nais se começou a discutir seriamente a necessidade da votação direta, crian-do-se uma legislação específica. Isto representou um avanço democrático. Além disso, para ser hoje um presi-dente do Crea ou Confea, não existe mais a pré-condição de ser Conselhei-ro. O candidato precisa apenas ser um profissional em dia com suas obriga-ções junto ao Sistema, à sociedade, e ter o reconhecimento dos eleitores. Entretanto, o voto é facultativo, o que tem gerado desequilíbrios e problemas de representatividade.

A participação nas urnas é irrisória

Nosso Sistema é apresentado como o maior Sistema profissional do país e do mundo, mas também é o único, entre os grandes conselhos, que não utiliza o voto obrigatório na escolha dos seus presidentes. Para muitos, esta

é a principal característica que faz o Sistema Confea/Creas mais demo-crático que os demais. Isto presume que a Ordem dos Advogados do Bra-sil, o Conselho dos Administradores, dos Economistas, dos Médicos, dos Contabilistas, enfim, todos os demais Conselhos não são tão democráticos. Esta situação nos deixa com certa perplexidade. As outras organizações, que adotam o voto obrigatório para eleger seus representantes, não só optaram por essa metodologia como permanecem com ela. Essas entida-des conseguem, dessa forma, obter uma base eleitoral que alcança até 80% de seu eleitorado, transforman-do as eleições num acontecimento de grandes proporções, que mexe com, praticamente, todos os profissionais.

Na quase totalidade de nossas elei-ções não atingimos sequer 10% dos eleitores. A média nacional costuma girar em torno de 8%. É uma democra-cia que precisa ser discutida em cada estado e nacionalmente. Podemos utilizar mecanismos que estimulem e aumentem a participação nas urnas, no entanto, a prática tem mostrado grande rejeição dos profissionais ao Sistema, que se revela exatamente no dia da eleição. Esta é uma situação preocu-pante. Por que esta falta de compro-misso? A esmagadora maioria, já ao

optar antecipadamente por não com-parecer, mostra-se desinteressada pelo número e pelas propostas dos candida-tos, seu pensamento político, sua linha administrativa, as idéias que defende. Quando o voto é obrigatório, os pro-fissionais, sabendo que vão votar, pro-curam conhecer pelo menos quantos e quais são os candidatos e acabam efe-tivando sua participação no processo de constituição das direções de seus Conselhos.

Pelos resultados dos sistemas com voto obrigatório, a maioria das pes-soas, efetivamente, faz uma escolha. No nosso caso a pequena participação diminui a representatividade. E o ar-gumento de que o nosso Sistema é o mais democrático apenas porque adota o voto livre tem sido questionado. Ele

seria democrático, avaliam, se mesmo com o voto facultativo, obtivéssemos cerca de 70% / 80% de compareci-mento. Ainda que mal comparando, o voto livre dos americanos na eleição de Barack Obama, não impediu um comparecimento maciço dos eleitores daquele país. No nosso caso, há crí-ticas de certo imobilismo, uma certa inércia. Não se pode eleger culpados ou apontar responsáveis. O que exis-te é a responsabilidade coletiva de refletirmos melhor sobre o tema. Não é possível continuarmos convivendo

Mobilização do movimento Unidos pelo CREA-RJ permaneceu durante a apuração.

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EM MOVIMENTO | 31

passivamente com essa situação, de-pois de tantos anos de comparecimento inexpressivo às urnas!

Igualmente, é preciso refletir so-bre como enfrentar a concentração de poderes nas mãos do presidente. Não que deixemos de ser presidencialis-tas, mas poderíamos iniciar negocia-ções e debates sobre a melhor forma de exercitar o poder. Hoje os direto-res são eleitos anualmente, enquanto o presidente tem um mandato de três anos. Durante um único mandato o presidente, em caso extremo, pode ter três diretorias completamente di-ferentes, o que causa uma desconti-nuidade no processo administrativo. Isso pode contribuir para enfraquecer as diretorias e reforçar a imagem do presidente e seu poder real.

Renovar quadros e apostar na mudançaQuestões como estas, apesar de

relevantes não se resolvem no curto prazo. No entanto, mesmo assim, pa-rece conveniente não adiar este deba-te. Se hoje podemos ter um presiden-te eleito pelo voto direto que não é obrigado a ser um Conselheiro, isto não vale para um Diretor. Se esta situação, por um lado, tem pontos positivos, apresenta, também, pon-tos negativos. Um deles é o fato de

o profissional não poder votar num conjunto de pessoas com um mesmo programa e mandato de três anos. Sem deixar de reconhecer a impor-tância do presidente, é fundamental abrir espaço para novas lideranças. Eleger uma diretoria, ao invés de se eleger apenas o presidente, signifi-caria criar novos quadros de visi-bilidade no Sistema com diretorias mais estáveis e sem descontinuida-de. Hoje, o índice de reeleição de presidentes é altíssimo. No Confea/Creas é raro um presidente que não seja reeleito. Isso não é necessaria-mente negativo, mas com diretorias eleitas pelo voto direto poderíamos, talvez, formar e renovar quadros.

Eleições auto-sustentáveis

Outro ponto importante é o crono-grama eleitoral. Neste ano a eleição aconteceu dia 4 de junho e a posse efetiva só acontecerá em janeiro do próximo ano. A justificativa para o caso específico de 2008 foi que re-alizaríamos votação através das ur-nas eletrônicas. A dificuldade surgiu em função das eleições municipais, gerando a necessidade de antecipar nossa eleição. No entanto, as nego-

ciações regionais foram desequili-bradas: alguns TREs emprestaram as urnas, mas em cerca de dez estados importantes, como foi o caso do Rio de Janeiro, a votação não foi por urna eletrônica. Apesar de uma vitória fol-gada, vivenciamos angústias e nume-rosos problemas nesse longo espaço entre eleição e posse.

Em geral, se o presidente eleito não é da mesma situação do presiden-te em exercício viverá uma experiên-cia das mais delicadas. O presidente eleito tem o poder futuro, mas se não é de oposição, provavelmente estará à mercê de numerosas incursões, de boas ou más intenções do poder pre-sente. Um Presidente da República, Governador ou Prefeito que ganha as eleições ainda no primeiro turno tem uma transição de três meses e um pre-sidente do Crea precisa de sete meses para fazer a transição. Fica claro que o calendário eleitoral do Sistema Con-fea/Creas não pode ficar em função das eleições do Executivo. Se quiser-mos votar com urnas eletrônicas, pre-cisamos buscar mecanismos que nos garantam isso de forma transparente, mas sem prejuízos como estes. Não devemos depender de nenhum outro poder para estabelecer os nossos cro-nogramas políticos. Só assim a nossa democracia interna poderá ser auto-

Após vitória histórica, Agostinho fala pela primeira vez como presidente eleito no CREA-RJ.

>>COMPROMISSO<<

Cada estado é

praticamente uma célula

independente dentro

desse organismo que

chamamos de Sistema

Confea/Creas.

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32 | EM MOVIMENTO

sustentável.

Compensações regionais

Entre outras questões não menos importantes vale registrar as diferenças de arrecadação no Sistema Confea/Cre-as. Alguns Creas não têm no seu Estado uma dinâmica econômica que garanta um grau de arrecadação equivalente ao de Estados com uma dinâmica econô-mica elevada. Os dois principais ele-mentos de arrecadação do Crea são: a anuidade obrigatória, sem a qual o pro-fissional estaria exercendo ilegalmente sua profissão e a Anotação de Respon-sabilidade Técnica - ART. Em alguns Estados o número de profissionais não é muito elevado, o que induz a uma arrecadação pequena de anuidades. Quando há, igualmente, pequena dinâ-mica econômica, as ARTs também não existem em grande número. Há, dessa forma, uma disparidade em termos de potencial de arrecadação e de estabili-dade entre os diversos Creas, sem ha-ver mecanismos compensatórios. Cada estado é uma célula praticamente inde-pendente dentro desse organismo que chamamos de Sistema Confea/Creas.

Embora esse tema apareça de forma recorrente em reuniões ou encontros nacionais, não há ainda discussão que crie, na prática, um mecanismo com-pensatório. Por que não criamos um fundo de compensação no qual os es-tados mais ricos, mesmo mantendo o principal de sua arrecadação, possam destinar parte dos recursos para suporte dos estados que arrecadam menos? É

claro que o percentual desses recursos e como seria feita esta reserva precisa ser discutido amplamente sem açodamen-to e com tranqüilidade. O que chama a atenção é que faltam, ainda, mecanis-mos no sentido de dar sustentabilidade econômica para que o Confea/Creas funcione realmente como um sistema. A própria legislação serve de amarras e impede a vontade de muitos pode-rem ver esse tipo de problema melhor solucionado. O Confea tem programas de repasse que funcionam como polí-ticas de colaboração. São mecanismos que ajudam bastante – sobretudo em treinamentos, capacitações, encontros, publicações – mas que ainda enfrentam limitações legais e se revelam, confor-me alegam muitos profissionais, insufi-cientes. Esse assunto deve ser discutido mais aprofundadamente na busca de soluções concretas.

Relação com a sociedade e os profissionais

Podemos observar, em alguns luga-res, uma participação crescente do Sis-tema Confea/Creas nos grandes temas nacionais e regionais e nos debates com a sociedade. Houve um fortalecimento dessa relação. Mas, muitas vezes, em detrimento das instituições que fazem parte do próprio Conselho. É preciso, então, fortalecer as entidades que fa-zem parte dos Conselhos. Os Creas pre-cisam assumir a missão de valorizá-las, além de participar dos grandes debates nacionais de forma mais contundente.

O que os profissionais e a socieda-

de esperam do Sistema Confea-Creas, como organização renomada e de im-portância indiscutível é que ele defenda os profissionais da área e, mais do que tudo, a sociedade. Como o Conselho tem uma legislação restritiva, muitas vezes é mal interpretado. Por outro lado, o pensamento de que a Lei funciona como amarras é recorrente no Sistema. É como se o Crea não pudesse defender nenhum profissional, de maneira ne-nhuma, porque, pela lei, este papel é do sindicato e ponto final! Precisamos re-ver conceitos! Se utilizarmos a lei ape-nas como camisa de força, então nosso papel ficará muito limitado. Temos que usá-la para garantir o que nela está pre-visto, mas atuar para além disso. Fazer aquilo que o profissional e a sociedade esperam que façamos, sem confrontar a lei. Nosso papel é fiscalizar empresas e profissionais? Vamos fazê-lo. Mas de forma criativa, cumprindo nosso papel de ir alterando a prática, para alterar, no que couber, a lei.

A defesa da sociedade é a mais ób-via e consensual função do Sistema Confea-Creas. A fiscalização, a sua mais importante ferramenta!

Descobrir novos caminhos para fa-zer crescer o Sistema, conquistar ainda mais a admiração e o respeito dos pro-fissionais, empresas e sociedade, tornar nossas eleições uma grande festa demo-crática, com uma participação esmaga-dora, tudo isso é fundamental. Mas para chegar até isso precisamos urgentemen-te de reflexões, polêmicas e debates.

*Agostinho Guerreiro é engenheiro agrô-nomo e presidente eleito do CREA-RJ

A defesa da sociedade é a mais óbvia e consensual função do Sistema Confea-Creas. A fiscalização, a sua mais importante ferramenta! Descobrir novos caminhos para fazer

crescer o Sistema, conquistar ainda mais a admiração e o respeito dos profissionais, empresas e sociedade, tornar nossas eleições uma grande festa democrática, com uma

participação esmagadora, tudo isso é fundamental.

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EM MOVIMENTO | 33

>>ENTREVISTA<<

Helmut Weiss

“Estamos assistindo à fundação da

República Popular de Wall Street”.

Helmut Weiss nasceu em 1948, na Alemanha, e tem dois filhos

adotivos brasileiros. Em 1967, ainda na Universidade, entrou para o movimento sindical na então existente União dos Radialistas – RFFU. Como radialista militou em vários sindicatos que, gradativamente, foram optando pela fusão com outros. Foi eleito por várias vezes diretor regional do sindicato das mídias (IG Medien) até que este também se somou a outro para formar o Sindicato Geral dos Serviços – Vereinte Dienstleistungsgewerkschaft, ver.di. Nesta ocasião, começou a participar do LabourNet Germany, o site dos sindicatos de oposição e dos movimentos populares, um dos maiores portais sindicais de notícias da Europa, com mais de 300.000 leitores mensais. Helmut Weiss, que trabalha como intérprete e tradutor, mora em Dortmund, Alemanha, e estará no Brasil no próximo Fórum Social Mundial que acontecerá em Belém do Pará, de 27 de janeiro a 1˚ de fevereiro de 2009. Em entrevista ao vice-presidente da Fisenge, Vicente de Paulo Alves Lopes Trindade, Weiss propõe como caminho para os sindicatos profissionais um sindicalismo popular “que possa combinar a luta autônoma pelos direitos econômicos e políticos da própria base com as aspirações do povo”.

Apesar de a forma predominante de contratação dos engenheiros ser via salário, por características histó-ricas os engenheiros brasileiros são identificados como profissionais libe-rais, o que remete à idéia de pessoas que através de escritórios vivem da venda do trabalho especializado. Isso dificulta a ação dos sindicatos de en-genheiros. Como funciona na Europa o sindicalismo chamado “de quadros” e como é sua relação com os sindicatos de base?

A dificuldade em dar uma resposta curta está baseada no fato de que as condições são bem diferentes nos diversos países europeus. Sindicato de profissionais, seja de liberais ou de trabalhadores, era uma tradição em especial na Inglaterra, enquanto nos outros centros tradicionalmente industriais, como França, Itália, Alemanha ou Holanda, o sindicalismo de base sempre foi organizado por indústrias ou ramos econômicos. Hoje, muita coisa está mudando. Cresce o movimento mundial de fusão dos sindicatos. Na Alemanha, por exemplo, dentro da Federação Alemã de Sindicatos (Deutscher Gewerkschaftsbund – DGB) só existem tem sete sindicatos nacionais. Menciono isto brevemente para facilitar a compreensão de que na Europa não existe o sindicalismo de “quadros” – se

bem que o grau de organização em todos os países da Europa é bem baixo. O que, sem dúvida, existe é um número grande de organizações parasindicais, fora do movimento sindical. Mas aí as relações são mais de concorrência. Normalmente os sindicatos que organizam o maior número de engenheiros são os metalúrgicos ou os sindicatos do serviço público (água, energia, transporte).

Recentemente a democrata-cristã Confederação Mundial do Trabalho - CMT uniu-se à Confederação Inter-nacional das Organizações Sindicais Livres - CIOSL, que já representava o casamento da social-democracia euro-péia com o tradeunionismo dos EUA e fundaram a Confederação Sindical Internacional - CSI. Como é o funcio-namento desta entidade e qual o seu relacionamento com os sindicatos de quadros?

Para falar a verdade, sem rodeios, na minha opinião e experiência o que houve foi a reunião de duas entidades muito burocráticas. O resultado, então, só pode ser mais burocrático ainda. Funciona como funcionavam antes: se acham importantes quando são convidados a participar das discussões dos governos e entidades internacionais

Page 36: Revista Em Movimento nº2

34 | EM MOVIMENTO

e transnacionais. Não chegam a criticar nem o G8 – ou se chegam são críticas que levantam questões como a falta de normas sociais, por exemplo, nos tratados europeus – que nas poucas votações que aconteceram em alguns países sempre foram rejeitados, ou pela maioria ou por uma grande parte da população. E estão muito longe, mas muito longe mesmo, do trabalho diário dos sindicalistas, seja qual for o sindicato.

Existem na Europa outras orga-nizações sindicais de tendência mais à esquerda e que tenham representa-tividade?

Mais uma vez, a diferença é de país para país. Na Alemanha, francamente, não. Existe uma oposição sindical não unificada mais ou menos forte, mas quase sempre (quando não expulsos) dentro dos sindicatos da DGB. Já na França – onde a tradicional central do PCF, a CGT, virou social democrata tem a muito interessante, na minha opinião, Central dos Sindicatos SUD, que significa Solidariedade, Unidade, Democracia. Tem cerca de 100.000 filiados. Todas as centrais da França juntas não chegam a 2 milhões, sendo ainda a Federação Democrática do Trabalho – CFDT a maior, com pouco menos de um milhão. A CGT tem cerca de 600.000. Os sindicatos da SUD, pelas eleições de representantes de empresa são bem fortes entre os ferroviários (segundo lugar) e os correios (terceiro lugar) com sempre mais de 10 sindicatos disputando. Também têm alguma representatividade nas escolas, e estão crescendo na indústria química. Na Espanha, as Comisiones Obreras - CCOO têm história semelhante a da CGT na Franca. Além do CCOO tem a UGT, mais à direita e tem, conforme a tradição do país, duas centrais anarquistas – a CNT e a CGT Espana que também tem por volta dos 100.000 filiados e está crescendo na luta contra as privatizações especialmente no

setor da saúde. Tem, ainda, fruto de sua história, sindicatos regionais de diferentes visões políticas – e, às vezes, fortes, como a federação LAB no país Basco. Na Itália tem três grandes federações, e a CGIL está ainda mais à esquerda do que a CGT na França ou as CCOO na Espanha, mas está no meio das lutas partidárias e apoiou o governo de centro-esquerda que reestruturou a economia italiana com a avalanche dos contratos temporais. E tem nada mais nada menos do que três federações de sindicatos de base que têm representatividade especialmente no setor transporte e nas escolas.

apontar alternativas. Temo que vá ficar por isso mesmo. Têm dinheiro para guerras. Não só no Iraque. A Alemanha, por exemplo, tem soldados em 14 países e a sua propaganda das Forcas Armadas – Bundeswehr – mistura Cruz Vermelha, Escola de Formação profissional e Empresa de construção Têm também dinheiro para pagar o capital e para mais nada.

Qual sua avaliação sobre a par-ticipação da Federação Interestadu-al de Sindicatos de Engenheiros em uma confederação internacional?

A pergunta é de difícil resposta por-que é claro que o trabalho sindical tem as suas exigências concretas que, neste caso, não conheço. Só sei que em qual-quer alternativa eu preferiria dar ênfase em contatos diretos e, principalmente, no desenvolvimento das relações de luta. Outras medidas dependeriam das necessidades concretas. Muitos sabem que a CUT entrou na CIOSL para trans-formá-la e o balanço sobre o que mudou deve ser muito pessoal. Mas existem federações, como a do transporte, com muito trabalho de base, especialmente dos portuários europeus e dos químicos que atuam melhor do que os outros.

Qual a contribuição que um sin-dicato de quadros pode dar no atual momento político?

A contribuição de um sindicato progressista, de um sindicato organizado em vários ramos, na minha opinião, especialmente hoje em dia, tem que caminhar em busca de um sindicalismo popular. Um sindicalismo que possa combinar a luta autônoma pelos direitos econômicos e políticos da própria base com as aspirações do povo. Para dar um só exemplo do que estou falando – na luta sindical contra as privatizações tem o problema de que as empresas públicas normalmente são bem burocráticas. É preciso apontar para uma participação popular, trabalhadores e empregados, no futuro gerenciamento.

Hoje, muita coisa

está mudando.

Em todos

os países da

Europa cresce

o movimento

de fusão dos

sindicatos.

Como você avalia o atual mo-mento que passa o capitalismo mundial face às quebradeiras dos bancos e à intervenção do Estado na economia, contrariando os man-damentos capitalistas de não inter-venção no mercado?

Estamos assistindo à fundação da “República Popular de Wall Street“. Chego a afirmar que nada é mais importante hoje. Nem os sindicatos americanos (e como fariam?) nem os europeus estão fazendo “campanha“ de verdade contra a política classicamente burguesa – que uma grande parte do povo rejeita. Mas também não sabem

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EM MOVIMENTO | 35

Os dados alarman-

tes sobre a destruição de nossos Biomas mos-

tram que a visão economi-cista e quantitativa de cresci-

mento econômico está chegando a seu limite. A opção por um crescimen-

to com destruição de recursos naturais ou pelo desenvolvimento sustentável coloca o

Brasil numa encruzilhada.Os interesses econômicos imediatos dos pro-

dutores geram certamente reflexos positivos a curto

prazo nas ex-portações e no PIB. Mas ninguém contabiliza a perda em recursos naturais e biodi-versidade provocada pela pro-dução de soja, pecuária e extração de madeira.

Até agora, o que se viu foi o conflito entre uma visão economicista que sempre prioriza o econômico em detrimento do social, e uma visão híbrida que combinou um forte de-senvolvimento de projetos sociais com uma política

O BRASIL NA ENCRUZILHADA

Liszt Vieira e Renato Cader*

>>MEIO AMBIENTE<<

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36 | EM MOVIMENTO

macroeconômica que privilegiou a es-tabilidade e o combate à inflação.

Os economicistas, de direita e de es-querda, preocupam-se com a estagnação. Mas a defesa de interesses econômicos imediatos muitas vezes bloqueia a visão dos interesses nacionais a longo prazo. Certamente é o caso da exploração eco-nômica desenfreada de recursos naturais esgotáveis. O embate entre neoliberais e desenvolvimentistas ocupa o centro do poder, deixando em plano secundário o compromisso com o desenvolvimento sustentável.

Ao contrário do que apregoam os porta-vozes do mercado financeiro, a economia de mercado admite várias políticas econômicas, não apenas a neo-liberal. Keynes e Galbraith que o digam. Os países emergentes que mais cresce-ram nas últimas décadas não aplicaram medidas neo-liberais. É o caso da China, Coréia do Sul e Índia, onde o Estado de-sempenha um papel importante como in-dutor do desenvolvimento. Mas, muitas vezes – é bom não esquecer – destruindo seus recursos naturais não renováveis.

Na atual conjuntura, porém, vem se fortalecendo uma visão desenvolvimen-tista que prioriza investimento em infra-estrutura, sem maiores preocupações com impactos ambientais e sociais. Essa visão se choca com a perspectiva do de-senvolvimento sustentável que propõe crescimento com redistribuição de renda e proteção ao meio ambiente. Tenta-se criar a falsa idéia de que meio ambiente é entrave ao desenvolvimento, quando, na verdade, é sua condição.

Enquanto o século XX foi marcado pelo dilema CapitalismoXSocialismo, o século XXI enfrenta o desafio de conci-liar Meio Ambiente e Desenvolvimento. Se continuarmos destruindo os recursos naturais para produzir e crescer, estare-mos inviabilizando a sobrevivência das futuras gerações. Sem Desenvolvimento Sustentável, o crescimento é ilusório.

O economicismo predominante no mercado impulsiona a produção e expor-tação de soja, carne, madeira, minérios

etc. sem preocupação com o desmata-mento e destruição de recursos naturais. Em nome do presente, destroem o futu-ro. Há evidências de que a degradação florestal é um processo que tem se am-pliado nos últimos anos. O governo uti-liza dois grandes sistemas operacionais para identificar o comportamento do desmatamento: o DETER e o PRODES – são sistemas complementares com metodologias diferentes. Logo, não se deve analisar o desmatamento por meio exclusivo de um desses sistemas. Quan-do o governador do Mato Grosso fala em desmatamento utilizando apenas o PRODES como referência, pode estar equivocado. Se ele cruzar os dados com os apontados pelo DETER, verá que seu estado está virando “Mato Fino”.

Precisamos avançar muito no que diz respeito ao desenvolvimento de tec-nologias para o mapeamento de florestas degradadas. Faltam recursos orientados para melhorias na fiscalização e contro-le, qualificação dos profissionais e aqui-sição de novas tecnologias. A sustenta-bilidade de nossas florestas e os bens e serviços que elas produzem dependem de como esses recursos são gerenciados e como os diversos interesses afetarão esses ecossistemas.

É preciso que governos e empresas compreendam que a floresta em pé pode gerar maios benefícios que a abatida. A Lei de Gestão de Florestas Públicas, pu-blicada em março de 2006, traz a idéia de um modelo de gestão que prioriza o manejo comunitário, a criação de unida-des de conservação, com a perspectiva de valoração dos bens e serviços flores-tais, permitindo a concessão das flores-tas públicas com critérios ambientais. É nesse sentido que o governo deve cami-nhar, criando instrumentos que além de reforçar o controle e monitoramento das florestas estimule o uso sustentável das mesmas.

Todavia, os acontecimentos recen-tes têm demonstrado que a situação está alarmante e que não basta o governo criar novas metodologias de gestão e

novos instrumentos de controle. É pre-ciso, sobretudo, definir uma estratégia política responsável, que vise conciliar os diversos interesses econômicos com o uso sustentável dos recursos naturais no Brasil, o que envolve também fatores relacionados à ética, bom senso e à preo-cupação com as gerações futuras.

A apressada visão produtivista, her-deira da revolução industrial, não com-preende o abrangente olhar ecológico que incorpora a ética à economia. Esta é uma das grandes questões que ator-mentarão nosso século e que já produz efeitos trágicos ceifando a vida e dester-rando inúmeras populações que não têm como escapar dos cataclismas naturais decorrentes do aquecimento global.

A crise ecológica atual tem escala planetária e desaconselha “flexibilizar” a legislação e controle ambiental, como exige o setor produtivo. Ao contrário, o Estado e o Mercado devem ultrapas-sar os interesses conjunturais de curto prazo para buscar um modelo de de-senvolvimento a partir da perspectiva estratégica dos interesses nacionais de longo prazo.

*Liszt Vieira

Presidente do Jardim Botânico do Rio de

Janeiro e Professor da PUC-Rio

Renato Cader

Especialista em Políticas Públicas e

Gestão Governamental do Ministério do

Planejamento

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38 | EM MOVIMENTO