revista nº2 da exedra

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Nº 2 - 2009

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Número 2 da Revista Científica Exedra

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Page 1: Revista Nº2 da Exedra

Nº 2 - 2009

Page 2: Revista Nº2 da Exedra

Corpo Editorial

DirectorRui Manuel Sousa Mendes

Conselho CientíficoAna Maria Sarmento Coelho - Educação/FormaçãoMaria Cláudia Perdigão Andrade - Comunicação e Ciências EmpresariaisPedro Balaus Custódio - Artes e Humanidades

Comissão editorialAgostinho Franklin Carvalho

Margarida Paiva Oliveira (CDI) Carla Matos Dias (CDI) José Pacheco (CIC/NDSIM)

Produçãoedição online - José Pacheco (CIC/NDSIM) - Carla Matos Dias (CDI) logo - Agostinho Franklim Carvalho/Pedro Coutinho

projecto gráfico - Agostinho Franklim Carvalho/José Pacheco

Ficha TécnicaEXEDRA: Revista Científica

Publicação electrónica semestral da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra

Periodicidade: Semestral

ISSN 1646-9526 versão impressa

CopyrightA reprodução de artigos, gráficos ou fotografias da Revista EXEDRA só é permitida com autorização escrita do Director.

Contactos e endereço para correspondência e envio de artigos:EXEDRA: Revista Científica

Escola Superior de Educação de Coimbra

Praça Heróis do Ultramar

3000-329 Coimbra - Portugal

Tel: +351 239793120 - Fax: +351 239 401461

[email protected]

www.exedrajournal.com

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Editorial

Catarina Isabel Carvalho Neves / Maria do Rosário Moura PinheiroA qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos: adaptação e validação do Quality of Relationships Inventory (QRI) numa amostra de estudantes do ensino superior

Fernando Sadio RamosEducação para a cidadania e Direitos do Homem

Helena Ralha-SimõesModelos de formação: pluralidade ou dogmatismo

Fernando Martins / M. A. Facas VicenteGeometric illustrations of the conjugacy principle

Carla Patrão / Dina SoeiroE-aulas na ESEC: muito para além das aulas

Ricardo José Espírito Santo de MeloDesportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual

Sílvia Maria Rodrigues da Cruz ParreiralPerspectivas de formação e acção dos profissionais da educação para a promoção do bem-estar nos contextos educativos

Vera do ValeDo tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

Pedro Balaus CustódioAnálise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico: alguns princípios orientadores

Cláudia Andrade / Marisa MatiasGender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees

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Missão e Objectivos

A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC)

assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa

entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas

através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e

elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional.

A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios.

Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta.

A revista Exedra publica números genéricos com numeração sequencial de acordo com a sua periodicidade semestral e números temáticos extra-numeração.

Forma e preparação de manuscritos

Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol, francês e inglês no formato

Word, em Arial, corpo de letra 12, com duplo espaço, não devendo ultrapassar as 40

páginas A4 (3 cm de margem). As notas, de fim de página, em Arial 10 com um espaço

entre linhas, deverão figurar no final do trabalho. As figuras (em formato jpg, png, ou

gif) no corpo do texto devem aparecer em numeração árabe pela ordem de apresentação

do texto, com título curto na parte inferior e, a negrito, em Arial 10. Os quadros deverão

ser incluídos no corpo do texto com título curto na parte superior, a negrito, em Arial 10,

espaço simples e no mesmo formato das figuras.

Os artigos devem ter um título conciso, ser acompanhados de um resumo de

1000 caracteres, incluindo espaços, em Arial 10, espaço duplo, em português e em

inglês, acompanhados das respectivas palavras-chave (4 a 6). Os artigos devem ainda

ser acompanhados da identificação do (s) autor (es) (nome, morada, mail e filiação

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exedra • nº 2 • 2009

institucional).

Na primeira página do artigo (capa) deverão constar o título do artigo, o(s) nome(s)

do(s) autor(es) (excluindo graus académicos), a filiação institucional, a morada e o mail.

Deve também ser indicada em qual das áreas científicas da revista o manuscrito se insere:

Educação/Formação, Artes e Humanidades ou Comunicação e Ciências Empresarias.

Referências bibliográficas

A lista de referências bibliográficas deverá ser incluída no final do texto, em Arial

10. No caso de mais de três autores devem ser todos indicados (não utilizar a expressão

“et al”). A lista deverá ser organizada por ordem alfabética dos apelidos dos autores

obedecendo ao formato dos seguintes exemplos:

a) Livro: Bandura, A. (1977). Social learning theory. Oxford: Prentice-Hall.

b) Referências de artigos on-line: Kuhn, P.S. (1987). Alternative paradigms.

Journal of Teaching, 34 (3), 7-56. Consultado em Janeiro 2005, htpp://www.apa.org/

journals/kuhn.html

c) Capítulo de livro: Hughes, D. & Galinsky, E. (1988). Balancing work and family

lives: research and corporate applications. In A. E. Gottfried & A. W. Gottfried (Eds),

Maternal employment and children’s development (pp. 233-268). New York: Plenum.

d) Artigo: Hoyt, K. B. (1988). The changing workforce: a review of projections from

1986 to 2000. The Career Development Quarterly, 37, 31-38.

Para esclarecer os casos não considerados nestes exemplos, os autores deverão

consultar as normas de publicação da American Psychological Association (APA), última

versão.

Citações

As citações deverão ser apresentadas com indicação de autor, data e localização

(página).

Submissão de artigos para publicação

A submissão de artigos para a EXEDRA deverá ser efectuada via e-mail, anexando o

ficheiro contendo o manuscrito em processador de texto Microsoft Word (*.doc) com as

figuras e quadros numeradas de acordo com o formato solicitado

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exedra • nº 2 • 2009

editorial

Publicamos hoje o nº 2 de 2009 da Revista Exedra. A edição, composta por artigos

originais, inclui resultados de diferentes trabalhos e de linhas de investigação em curso,

dentro e fora da Escola Superior de Educação de Coimbra.

Com efeito, este número comprova dois princípios que convém realçar. O primeiro

diz respeito à vocação editorial muito heterogénea que marca esta publicação. Ela

reflecte a multiplicidade de áreas de estudo, ensino e investigação que caracterizam a

Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra e a enriquecem do

ponto de vista pedagógico e científico.

O segundo relaciona-se com uma linha de orientação editorial, em visível crescimento

e definição, que se pretende amplamente aberta ao exterior, ou seja, à colaboração de

outras instituições, centros de investigação, autores e/ou investigadores externos.

Na realidade, este nº 2 contém quatro artigos oriundos de outras instituições de ensino

superior nacionais. Este facto atesta, pois, não só o carácter eclético desta publicação

como, também, a capacidade de veicular, cada vez mais, os produtos de análise e de

investigação das comunidades científicas que trabalham em distintos domínios.

Este último aspecto constitui, aliás, um desígnio e uma prioridade de relevo desta

revista e será, nos próximos números, ainda mais notório.

A terminar esta brevíssima apresentação, deixo uma nota de agradecimento a toda a

equipa da Exedra que esteve sob a minha coordenação ao longo destes meses iniciais da

(ainda) tão jovem publicação científica.

Por imperiosas razões funcionais, cesso, com este segundo número, o meu trabalho

à frente da direcção da revista.

Todavia, não cessam aqui as minhas responsabilidades que, na qualidade de Presidente

da ESEC, me farão acompanhar, de muito perto e com acrescido interesse e motivação,

todo o longo trabalho que a Exedra tem pela frente.

Rui Manuel Sousa Mendes

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Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o

A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos: adaptação e validação do Quality of Relationships Inventory (QRI) numa amostra de estudantes do ensino superior

Catarina Isabel Carvalho Neves

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra

Maria do Rosário Moura Pinheiro

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação - Universidade de Coimbra

Resumo

Este estudo apresenta o Inventário da Qualidade dos Relacionamentos Interpessoais - versão amigo, um instrumento composto por 24 itens distribuídos por 3 factores que explicam 45.96% da variância total e que avaliam as dimensões de Suporte (α=.84), Conflito (α=.88) e Profundidade (α=.84). Nos 255 estudantes do ensino superior o Suporte e a Profundidade no relacionamento com o melhor amigo correlacionam-se positivamente com as medidas gerais de suporte social e negativamente com a solidão.

Palavras-chave

Suporte social, Percepção do suporte social, Qualidade do relacionamento interpessoal, Relacionamento específico, Relações de amizade.

Abstract

This study presents the Inventory of the Quality of the Interpersonal Relationships - friend’s version, an instrument constituted by 24 items distributed by 3 factors which explain 45.96% of the total variance and evaluate the dimensions of support (α=. 84), conflict (α=. 88) and depth (α=. 84). In the 255 university students inquired, support and depth in the relationship with their best friend positively correlates with general measures of social support and negatively correlates with loneliness.

Key-Words

Social support, Perception of the social support, Quality of the interpersonal relationship, Specific relationship, Relations of friendship.

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exedra • nº 2 • 2009

Introdução

As origens históricas do conceito de suporte social remontam ao início dos anos

70 e desde então inúmeros autores dedicam os trabalhos conceptuais e empíricos aos

benefícios e prejuízos dos relacionamentos interpessoais (Pinheiro, 2003). A importância

dos processos relacionais na etiologia de algumas doenças, em especial as relacionadas

com o stresse, foi referida por Cassel (1974; 1976) e Caplan (1974) introduziu a noção

de sistema social remetendo para a assistência e fornecimento de recursos. A dimensão

emocional do suporte social surgiu com Cobb (1976), que define suporte social como

“informação que conduz o sujeito a acreditar que ele é amado e que as pessoas se preocupam com

ele; informação que leva o indivíduo a acreditar que é apreciado e que tem valor; informação

que conduza o sujeito a acreditar que pertence a uma rede de comunicação e de obrigações

mútuas” (Ribeiro, 1999, p. 547).

Weiss (1974) concebe o suporte social como uma apreciação subjectiva das provisões

sociais, isto é, dimensões ou funções possíveis das relações interpessoais, que podem

funcionar como benefícios quando os indivíduos as percepcionam como disponíveis

nos relacionamentos. O autor considerou seis provisões sociais: vinculação, que diz

respeito a um sentido de proximidade emocional e de segurança dadas pelas relações

interpessoais; integração social, que representa o sentido de pertença a um grupo que

partilha ou tem em comum um conjunto de interesses ou actividades; reforço do valor,

que traduz o reconhecimento dos outros face à nossa competência, aptidões e valores;

aliança, refere-se à garantia, à certeza de que se pode contar com os outros para nos

darem uma real assistência na resolução de um problema; orientação, referente a uma

função de informação e aconselhamento; por último, a oportunidade de cuidar, que

traduz o sentido da responsabilidade pelo bem-estar de outra pessoa.

House, em 1981, influenciado por autores como Cassel, Caplan e Cobb, refere-se ao

suporte social como uma transacção interpessoal que envolve um ou mais aspectos como

apoio emocional, ajuda instrumental, informação acerca do meio e feedback acerca de

si.

No domínio da Psicologia Comunitária os anos 70 foram marcados por investigações

que referiram existir benefícios na saúde do indivíduo quando os profissionais de saúde

e de outras áreas assistenciais prestam suporte emocional (Auerbach & Kilmann, 1977;

Whitcher & Fisher, 1979, citados por Sarason, Sarason & Pierce, 1990, p. 10-11).

Neste domínio, existem alguns estudos portugueses comparativos realizados

com doentes psiquiátricos (Ornelas, 1989, 1996, 1997) e com sujeitos portadores de

deficiência física adquirida (Oliveira, 1998). Este último autor baseia-se nas concepções

psicodinâmicas de vinculação e do suporte social para caracterizar o suporte comunitário

e a integração em redes, caracterizar o suporte familiar recebido, o locus de controlo na

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Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

recuperação e a percepção do suporte social.

Os autores Sarason e Sarason (1985; citados por Pinheiro, 2003, p. 213) definem

percepção do suporte social como a convicção individual de que é possível receber

ajuda ou empatia quando se necessita e referem, ainda, ser possível conhecer o grau

de satisfação individual com o suporte percebido como disponível. Na opinião daqueles

autores, a diferenciação entre o suporte social percebido e suporte social efectivamente

recebido foi o progresso qualitativo na literatura do conceito, havendo dados empíricos

que mostram uma maior consistência na associação entre saúde e bem-estar com a

percepção do suporte social do que com o suporte social objectivamente recebido pelo

indivíduo.

Em 1990, Sarason, Pierce e Sarason reconceptualizaram a percepção do suporte

social como uma característica estável em relação ao suporte social e a tendência para

interpretar comportamentos como sendo de suporte, designando-a por sentido da

aceitação (sense of acceptance). A percepção do suporte social é então considerada uma

característica da personalidade que se manterá estável com o tempo, mesmo durante

períodos de transição desenvolvimentista (Lakey & Cassady, 1990; Sarason et al., 1986,

1994, referidos por Pinheiro, 2003, p. 217). Entre as fontes mais relevantes de aceitação

a literatura referencia a mãe, o pai, outros familiares e os amigos (Broock, Sarason,

Sanghvi & Gurung, 1998; Pinheiro & Ferreira, 2005; Figueiredo, Maia & Pinheiro,

2004; Figueiredo, 2006). No contexto português uma investigação sobre o papel do

suporte social dos pais, amigos e colegas, enquanto conjunto de benefícios emocionais,

instrumentais, informativos na adaptação do estudante ao ensino superior (Pinheiro,

2003), revelou que níveis superiores de bem-estar psicológico (satisfação com a vida,

equilíbrio emocional, estabilidade afectiva, felicidade e optimismo) estão associados a

estudantes que se sentem mais incondicionalmente aceites, protegidos e valorizados pelos

amigos e pela mãe (Pinheiro, 2003; Pinheiro & Ferreira, 2005). Ainda se identificou que

o bem-estar social no relacionamento com os colegas (satisfação com os colegas de ano,

nas áreas da cooperação e entretenimento, resolução de problemas pessoais, tolerância e

intimidade) está associado a estudantes que se sentem mais incondicionalmente aceites,

protegidos e valorizados pelos amigos, que possuem grupo restrito de colegas de curso e

grupo regular de amigos, que fruem de níveis elevados de satisfação das provisões sociais

e que são do género masculino.

A partir dos anos 90, com o contributo de investigadores como Irwin Sarason,

Barbara Sarason, Carolyn Cutrona e Daniel Russell, o suporte social afirmou-se como

construto multidimensional podendo ser avaliado com objectividade científica mediante

a aplicação de instrumentos de medida psicossocial.

Com o objectivo de avaliar a composição da rede de suporte social percebida como

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exedra • nº 2 • 2009

disponível e o nível de satisfação associado, em 1983, Sarason, Levine, Basham e Sarason

construíram o Social Support Questionnaire (SSQ), um dos instrumentos de avaliação do

suporte social mais utilizados.

O Interpersonal Support Evaluation List (ISEL) desenvolvido por Cohen, Mermelstein,

Kamark e Hoberman (1985) e o Social Provisions Scale (SPS) de Cutrona e Russell (1987)

surgiram na investigação também como instrumentos de medida global do suporte

social.

Para Pierce, Sarason e Sarason (1991) as investigações realizadas no âmbito do

suporte social, utilizando instrumentos de medida como os acabados de referir, mostram

que os sujeitos elaboram crenças sobre a percepção do apoio e suporte emocional prestado

por outros indivíduos, sem contextualização e sem referência a um relacionamento

específico.

A literatura mostra que as investigações em torno da percepção do suporte social e da

avaliação da sua satisfação surgem fortemente associadas a determinadas características

da personalidade, nomeadamente à extroversão (Sarason & Sarason, 1983; Pinheiro,

2003; Pinheiro & Ferreira, 2002), às competências sociais (Sarason et al, 1987) à

motivação para o contacto social (Hill, 1997; Pinheiro, 2003) e ao optimismo (Brock et

al, 1998 citados por Pinheiro, 2003, p.211). Os autores acrescentam que esses estudos

evidenciam a importância das características da personalidade (Cohen et al, 1985;

Cutrona & Russell, 1987; Sarason et al, 1987) desenvolvidas no processo de vinculação

com os pais durante a infância (Sarason, Sarason & Shearin, 1986).

A solidão é outra variável bastante correlacionada negativamente com a percepção

do suporte social (Sarason, Sarason, Hacker & Basham, 1985; Pinheiro, 2003; Pinheiro &

Ferreira, 2002; Neves, 2006; Neves & Pinheiro, 2006), pois, os sujeitos com baixo suporte

social avaliavam-se como mais isolados, perturbados e sós. Para Pierce et al (1991), da

teoria da percepção do suporte social derivam duas hipóteses, por um lado, a percepção

do suporte social dirigido a um relacionamento específico é diferente da percepção do

suporte social em geral, por outro, a medida de cada construto contribui para a previsão

da solidão.

Na sequência do refinamento de natureza conceptual e avaliativa do suporte social,

em 1990, Sarason, Sarason e Pierce propuseram o modelo interacional-cognitivo do

suporte social que realça o papel dos aspectos situacionais, intrapessoais e interpessoais

nos processos do suporte social. Os aspectos situacionais dizem respeito às características

do meio em que ocorre a relação de suporte, os aspectos intrapessoais referem-se à

capacidade de o sujeito perceber um determinado comportamento como suporte social

e, por último, os aspectos interpessoais estão relacionados com as expectativas que o

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Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

indivíduo desenvolve em relação a um determinado relacionamento específico e em que

medida esse relacionamento é fonte de suporte, de conflito e/ou de profundidade. Este

último aspecto está relacionado com o grau de importância e segurança que o sujeito

atribui ao relacionamento. O contexto interpessoal do suporte social assume que um

determinado relacionamento importante na vida do indivíduo tanto pode ser fonte de

suporte como de conflito (Pierce, 1994).

É com base no modelo interacional-cognitivo do suporte social, mais especificamente

no contexto interpessoal do suporte social que Pierce, Sarason e Sarason (1991)

desenvolveram o Quality of Relationships Inventory (QRI) para avaliar a percepção do

suporte, do conflito e da profundidade num relacionamento específico.

Em 2006, Neves e Pinheiro encetaram uma investigação com o objectivo de adaptar

e validar a versão portuguesa do QRI para o relacionamento específico com a mãe,

o pai, o/a amigo/a e o par amoroso. A pesquisa culminou com a adaptação de quatro

escalas que permitem medir a percepção do suporte, do conflito e da profundidade no

relacionamento com a mãe, o pai, o/a amigo/a e o/a namorado/a. Qualquer um dos

instrumentos pode ser aplicado em contexto clínico, educacional, organizacional e em

contexto de investigação (Neves, 2006).

Neste trabalho apresenta-se o estudo da validade e da fidelidade do instrumento para

o relacionamento com o/a amigo/a.

Metodologia

Amostra

A versão traduzida do QRI, à qual os sujeitos responderam pensando em

relacionamentos específicos com a mãe, o pai, um/a amigo/a e o/a namorado/a ou

cônjuge, foi aplicada numa amostra constituída por 255 estudantes da Escola Superior de

Educação de Coimbra, maioritariamente do género feminino (n=121; 79.1%), solteiros

(n=146; 96.7%) e com idades compreendidas entre os 19 e os 28 anos de idade (m=21.78;

dp=2.19).

Os indivíduos que responderam aos questionários frequentavam os cursos de

Ensino Básico – 1º Ciclo (n=48; 18.8%), de Animação Socioeducativa (n=42; 16.5%),

de Comunicação Social (n=32; 12.5%), de Professores de Educação Musical do Ensino

Básico (n=31; 12.2%), de Comunicação Organizacional (n=29; 11.4%), de Educação de

Infância (n=22; 8.6%), de Comunicação e Design Multimédia (n=17; 6.7%), de Ensino

Básico – variante de educação física (n=17; 6.7%), de Teatro e Educação (n=9; 3.5%) e de

Ensino Básico – variante de educação visual e tecnológica (n=8; 3.1%).

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exedra • nº 2 • 2009

Relativamente ao ano do curso, 104 (40.8%) dos inquiridos frequentavam o 2º ano do

respectivo curso, 97 (38%) estudavam no 3º ano e os restantes 54 (21.2%) no 4º ano.

Instrumentos

A versão original do Quality of Relationships Inventory (QRI)

Com base no contexto interpessoal do Modelo Interacional-Cognitivo do Suporte

Social, proposto por Sarason, Pierce e Sarason (1990), os mesmos autores, em 1991,

desenvolveram o Quality of Relationships Inventory (QRI) para avaliar a percepção do

suporte, do conflito e da profundidade sentida pelo indivíduo num relacionamento

específico.

O QRI desenvolvido por Pierce et al (1991) pretende avaliar, num relacionamento

específico (mãe, pai, amigo/a), a percepção do suporte social em relação a um determinado

apoiante (exemplo do item 1- Até que ponto pode aconselhar-se com esta pessoa sobre

diversos problemas?); a percepção da profundidade e importância desse relacionamento

(exemplo do item 11- Na sua vida, até que ponto este relacionamento é importante?);

a percepção desse relacionamento como fonte de conflito e ambivalência (exemplo do

item 23- Com que frequência esta pessoa o/a faz sentir zangado/a?).

Os inquiridos responderam aos questionários tendo em conta apoiantes específicos,

nomeadamente, a mãe, o pai e quatro amigos cujo relacionamento, embora não tivesse

que ser necessariamente positivo, devesse ser importante na vida do sujeito.

O QRI é composto por 25 itens distribuídos por três subescalas, cujas respostas são

seleccionadas numa escala de tipo Likert com quatro níveis: (1) Not at all, (2) A little, (3)

Quite a bit, (4) Very Much.

Os autores procederam à análise factorial utilizando o método de “Maximum

Likelihood” com rotação oblíqua, pois, segundo Pierce et al (1991), estudos anteriores

identificaram correlações moderadas a fortes entre as dimensões depth e support (Hirsch,

1979; Pierce, Sarason & Sarason, 1988; citados por Pierce et al, 1991, p. 1030). Deste

procedimento resultaram três factores. De entre os itens que saturaram em cada factor

foram seleccionados aqueles que possuíam loadings superiores a .40, originando uma

versão final do QRI composta por 25 itens: 12 na subescala QRI conflit, 7 na subescala

QRI support e 6 na QRI depth.

Na investigação efectuada por Pierce et al (1991), o estudo da fidelidade numa

amostra de 210 sujeitos revelou coeficientes de alpha de Cronbach satisfatórios nas três

subescalas QRI support, conflict e depth respondidas, respectivamente, em relação à mãe

(.83, .88 e .83), em relação ao pai (.88, .88 e .86) e em relação ao amigo/a (.85, .91 e

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Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

.84).

No que diz respeito às correlações entre as subescalas, para o mesmo apoiante

encontraram-se associações entre moderadas a fortes. Por exemplo, na escala respondida

em relação à mãe, os resultados obtidos na QRI support revelaram-se positivos e

fortemente associados com a QRI depth (r=.726, p≤.001), por sua vez, apresentaram-

se negativos e moderadamente associados com a QRI conflict (r=-.437, p≤.001). A

leitura destes dados indica que, quando o sujeito percebe um relacionamento específico

como fonte de suporte social, esse é igualmente percebido como importante e fonte de

segurança e de bem-estar.

A subescala QRI support respondida em relação à mãe e ao pai correlacionaram-

se de forma expressiva (r=.507, p≤.001), a associação destas com a mesma subescala,

respondida em relação ao amigo/a, apresenta correlações muito baixas, respectivamente,

r=.227e r=.193; p≤.001. Estes dados indicam que, de facto, o sujeito realiza diferentes

percepções dos relacionamentos em função do parceiro dessa relação.

A validade convergente e divergente do QRI foi analisada através de correlações com

o Parental Bonding Instrument (PBI; Parker, Tupling & Brown, 1979), a Social Provisions

Scale (SPS; Cutrona &Russell; 1987), o Social Support Questionnaire (Short-Form) (SSQ6;

Sarason, Sarason, Sharin & Pierce, 1987) e a UCLA Loneliness Scale (Russell, Peplau &

Cutrona, 1980).

As correlações obtidas entre as subescalas do QRI e as subescalas do PBI indicam o

poder discriminativo do QRI em função do relacionamento específico. Pierce et al (1991)

obtiveram fortes correlações entre as subescalas QRI suport e PBI care para o mesmo

relacionamento específico (Mãe: r=.741, p≤.001; Pai: r=.668, p≤.001) e correlações

moderadas quando associaram subescalas direccionadas para diferentes relacionamentos

(QRI suport Pai e PBI care Mãe r=.406, p≤.001; QRI suport mãe e PBI care pai r=.380,

p≤.001).

Para as três categorias dos relacionamentos em estudo, mãe, pai e amigo/a, as

subescalas do QRI suport e depth correlacionaram-se positivamente com as duas medidas

gerais do suporte social - Escala de Provisões Sociais (SPS) e a dimensão número do

Questionário de Suporte Social (SSQ6) - e negativamente com a Escala de Solidão (ES).

A versão portuguesa do Quality of Relationships Inventory (QRI)

Para obter a versão portuguesa do QRI aplicou-se o método de tradução-retroversão

(Hill & Hill, 2000) que envolveu três passos.

O questionário foi traduzido para português por duas pessoas, ambas portuguesas,

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exedra • nº 2 • 2009

uma com conhecimentos profundos do inglês e outra com conhecimentos do inglês

americano, investigadora com experiência na tradução de questionários americanos.

Respeitando o objectivo deste passo, os tradutores preocuparam-se em alcançar uma

tradução que, simultaneamente, estimasse o texto original e prezasse também “a sintaxe,

a gramática e as subtilezas da língua portuguesa” (Hill & Hill, 2000, p. 81).

Seguiu-se a retroversão do instrumento por uma terceira pessoa com conhecimentos

de nível superior nas línguas portuguesa e inglesa.

Por último, os investigadores compararam a versão original do questionário em

inglês com a versão inglesa obtida pelo terceiro indivíduo e solicitaram esclarecimentos

junto dos tradutores envolvidos, sempre que consideraram necessário.

Num momento seguinte, o questionário foi aplicado a 16 estudantes do ensino

superior com o objectivo de verificar a adequação e perceptibilidade das instruções e

de refinar a tradução. Solicitou-se aos estudantes que, logo após o preenchimento do

questionário, dissessem quais as dúvidas que tiveram na interpretação das instruções e

durante a resposta aos itens. Apenas o item 2 foi apontado, por alguns estudantes, como

fonte de hesitações no momento da resposta.

Assim, a tradução dos itens do Quality of Relationships Inventory, denominada na

versão portuguesa por Inventário da Qualidade dos Relacionamentos Interpessoais (IQRI),

manteve a estrutura do instrumento original, sendo composto por 25 itens, a serem

respondidos numa escala de tipo Likert com quatro níveis: (1) Nunca ou Nada, (2) Poucas

vezes ou Pouco, (3) Bastantes vezes ou Bastante, (4) Sempre ou Muito.

Instrumentos usados no estudo da validade externa

Escala de Provisões Sociais (SPS)

A Social Provisions Scale (SPS) (Cutrona & Russell, 1987) foi traduzida e adaptada

para a população portuguesa por Pinheiro e Ferreira (2001), para medir a percepção de

seis provisões sociais.

A escala é composta por 24 itens distribuídos por seis dimensões, cada uma constituída

por dois itens de conteúdo positivo e dois de conteúdo negativo, avaliados através de uma

escala de tipo Likert com quatro níveis de resposta, desde discordo muito (1) a concordo

muito (4) e conducentes à obtenção de seis scores parciais e um score global.

Em 2003, os estudos realizados por Pinheiro na adaptação à população portuguesa

evidenciaram as características psicométricas do instrumento. No que concerne à

consistência interna, o índice de alpha de Cronbach de 0.91 foi o mais elevado obtido para

a escala total do SPS. Para as subescalas, os índices de alpha de Cronbach foram menos

Page 17: Revista Nº2 da Exedra

17

Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

satisfatórios variando entre .58 e .82 nas dimensões, respectivamente, Oportunidade de

Cuidar e Aliança (Pinheiro, 2003, p. 291).

No estudo da validade do instrumento a autora realizou diversas análises factoriais

exploratórias sem alcançar resultados satisfatórios, então Pinheiro (2003) prosseguiu

com a análise dos itens das subescalas propostas por Russell e Cutrona (1987).

Perante os resultados alcançados, Pinheiro recomenda a utilização do “total da Escala

de Provisões Sociais, como medida global das provisões socais” (2003, p. 294).

Questionário de Suporte Social (SSQ6)

O Social Support Questionnaire (Short-Form) ou SSQ6 (Sarason, Sarason, Sharin &

Pierce, 1987), versão reduzida do Social Support Questionnaire ou SSQ (Sarason et al.,

1983), foi traduzido e adaptado para a população portuguesa por Pinheiro e Ferreira

(2002).

O SSQ6 é um instrumento de medida do suporte social composto por 6 itens, cada

um possuindo duas partes. Formulado na interrogativa, a primeira parte do item avalia

o número de pessoas que o sujeito percebe como disponíveis para apoiarem numa

determinada situação, podendo mencionar o número máximo de nove pessoas, o sujeito

pode ainda optar pela resposta “ninguém”. A segunda parte do item estima, através de

uma escala de tipo Likert com seis pontos desde muito insatisfeito (1) a muito satisfeito

(6), o grau de satisfação com a globalidade do suporte percebido pelo indivíduo.

Obtêm-se scores parciais dividindo a soma das pontuações nos itens por seis, os valores

médios obtidos são designados por índice numérico (SSQ6N) e índice de satisfação

(SSQ6S) (Sarason et al., 1983; Sarason et al., 1987).

De acordo com a investigação dos autores Pinheiro e Ferreira (2001; 2002), o

instrumento revelou níveis de consistência interna satisfatórios, com índices alpha de

Cronbach de .92 e .90 para a dimensão SSQ6Número e de .89, .90 para a dimensão

SSQ6Satisfação.

Construído para medir o suporte social como reflexo da percepção individual de se

ser amado, valorizado e aceite na relação com os outros (Pinheiro, 2003; Pinheiro &

Ferreira, 2001; Sarason et al, 1987), a bidimensionalidade do SSQ6, obtida na análise

factorial em componentes principais realizada pelos autores americanos e portugueses,

permite avaliar dois aspectos da percepção do suporte social, designadamente a percepção

da disponibilidade das entidades de suporte (SSQ6N) e a percepção da satisfação com o

suporte (SSQ6S) (Pinheiro & Ferreira, 2002).

Page 18: Revista Nº2 da Exedra

18

exedra • nº 2 • 2009

Escala de Solidão (ES)

A Escala de Solidão (ES) da UCLA, criada por Russell e seus colaboradores (Russell,

Peplau & Ferguson, 1978; Russell, Peplau & Cutrona, 1980; Cutrona, 1982) para avaliar

a solidão, foi adaptada para a população portuguesa em 1989 por Neto. De acordo com o

autor, a escala “revelou-se altamente fidedigna e válida quer na avaliação da solidão quer na

discriminação entre solidão e outros construtos relacionados” (Neto, 1999, p.59).

A versão portuguesa da ES comporta 18 itens (9 itens positivos e 9 negativos)

avaliados numa escala Likert de 4 pontos (nunca, raramente, algumas vezes e muitas

vezes), cujo score global corresponde ao grau de solidão sentida pelo sujeito.

Relativamente aos índices de consistência interna da escala, junto das amostras

portuguesas de estudantes universitários, os valores de alfa obtidos foram muito

satisfatórios balanceando entre .87 e .89 (Neto, 1999; Pinheiro, 2003).

Procedimentos

Com a autorização do Conselho Directivo da Escola Superior de Educação do

Instituto Politécnico de Coimbra, os instrumentos foram aplicados aos estudantes

durante os meses de Fevereiro e Março de 2006, nas salas de aula. A aplicação dos

questionários foi realizada pelo investigador que informou sobre os objectivos do estudo,

a confidencialidade das respostas, a voluntariedade no preenchimento e disponibilizou-

se para esclarecer dúvidas.

Por os questionários serem de leitura óptica, cuja preparação implicou o recurso ao

programa informático Cardfiff TELEform, solicitou-se aos estudantes que assinalassem

visivelmente as respostas.

Mediante o uso do programa SPSS 14.0 para Windows procedeu-se ao tratamento

estatístico dos dados da amostra.

Resultados

Iniciou-se o estudo estatístico com a análise da dispersão das respostas em cada

item e verificou-se que, apesar de não se obter a variância máxima dos resultados,

encontraram-se os quatro níveis da escala em diferentes graus.

De acordo com os autores dos estudos originais do instrumento, para o estudo da

dimensionalidade do IQRI procedemos ao cálculo da análise factorial forçada a três

factores, utilizando o método de Maximum Likelihood com rotação oblíqua.

Para a escala do IQRI em relação ao relacionamento com o/a amigo/a, os índices de Kaiser-

Page 19: Revista Nº2 da Exedra

19

Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

Meyer-Olkin (.890) e do Bartlett’s Test of Sphericity (Chi-Square=2513,98; df=300; p≤.001) revelaram-se adequados à prossecução da análise factorial.

Para as dimensões teóricas em causa, a solução forçada de três factores explicou

44.36% da variância total, tendo o factor 1 contribuído com 23.42%, o factor 2 com

17.13% e o factor 3 com 3.81% da variância (Quadro1).

Analisando o Quadro 1 encontramos no primeiro factor os itens 1, 3, 5, 15, 18, 22

e 25 cujas saturações variam entre .84 (item 18) e .31 (item 15); no factor 2 saturaram

onze itens (4, 6, 7, 9, 14, 19, 20, 21, 23, 24 e 25) com valores oscilantes entre .88 (item

20) e .45 (item 25); por último, no factor 3 organizaram-se os restantes itens (2. 10, 11,

12, 13, 16 e 17) com saturações elevadas oscilantes entre -.82 (item 10) e -.44 (item 12).

O item 2 saturou no factor com um valor muito baixo (-.19), pelo que se optou pela sua

exclusão. Esta decisão foi reforçada pela análise da consistência interna do factor 3 cujo

valor de alpha de Cronbach se elevou a .84 após a extracção do item 2.

Quadro 1 – Análise factorial do IQRI Amigo pelo método Maximum Likelihood,

rotação oblíqua forçada a 3 factores (25 itens)

Item F1 F2 F3

18Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ouvir quando você está bastante zangado/a com outra pessoa?

.84

3Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar quando tem um problema?

.67

5Até que ponto pode contar com esta pessoa para lhe dar uma opinião honesta, mesmo que não queira ouvir essa opinião?

.67

1Até que ponto pode aconselhar-se com esta pessoa sobre diversos problemas?

.61

8No caso de um membro muito próximo da sua família falecer, até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar?

.60

22Até que ponto pode verdadeiramente contar com esta pessoa para o/a distrair das suas preocupações quando está sob stresse?

.60

15Se quisesse sair esta noite e fazer algo, quão convicto/a está de que esta pessoa estaria disposta a sair consigo?

.31

Factor 1: Suporte; Valor próprio = 5.85; Variância explicada = 23.42%

20 Até que ponto esta pessoa o/a consegue pôr zangado/a? .88

23 Com que frequência esta pessoa o/a faz sentir zangado/a? .81

4 Até que ponto é que esta pessoa o/a consegue pôr chateado/a? .75

21 Até que ponto discute com esta pessoa? .73

19 O quanto é que deseja que esta pessoa mude? .63

24Com que frequência esta pessoa tenta controlar ou influenciar a sua vida?

.58

6 O quanto é que esta pessoa o/a consegue fazer sentir culpado/a? .58

Page 20: Revista Nº2 da Exedra

20

exedra • nº 2 • 2009

7 Até que ponto tem de “ceder” nesta relação? .55

9 Até que ponto é que esta pessoa deseja que você mude? .55

14 Quão crítica é esta pessoa em relação a si? .48

25 Nesta relação, até que ponto você dá mais do que recebe? .45

Factor 2: Conflito; Valor próprio = 4.28; Variância explicada = 17.13%

10 Quão positivo é o papel desta pessoa na sua vida? -.82

11 Na sua vida, até que ponto este relacionamento é importante? -.76

13Até que ponto sentiria a falta desta pessoa se os dois não se pudessem ver ou falar durante 1 mês?

-.61

16 Até que ponto se sente responsável pelo bem-estar desta pessoa? -.52

17 O quanto é que depende desta pessoa? -.50

12Quão próximo será o relacionamento com esta pessoa daqui a 10 anos?

-.44

2Com que frequência se esforça para evitar conflitos com esta pessoa?

-.19

Factor 3: Profundidade; Valor próprio = .95; Variância explicada = 3.81%

Submeteu-se, novamente, os restantes 24 itens a uma análise factorial mediante o

método Maximum Likelihood com rotação oblíqua, cuja solução obtida explica 45.96% da

variância (Quadro 2).

O factor 1 apresenta um eigenvalue de 5.82, explica 24.23% da variância e é composto

pelos itens 1, 3, 5, 8, 15, 18 e 22 (pertencentes originalmente à subescala de Suporte)

com valores satisfatórios oscilando entre .32 (item 15) e .84 (item 18). Com um eigenvalue

de 4.27, o factor 2 explica 17.80% da variância e nele saturaram os itens 4, 6, 7, 9, 14, 19,

20, 21, 23, 24 e 25 (no QRI original estes itens constituíam a subescala de Conflito) com

valores oscilantes entre .45 (item 25) e .87 (item 20). Explicando 3,93% da variância e

com um eigenvalue de .94, o factor 3 reúne os itens 10, 11, 12, 13, 16 e 17 com saturações

entre -.45 (item 12) e -.84 (item 10), interpretáveis como subescala de Profundidade

(Quadro 2).

Page 21: Revista Nº2 da Exedra

21

Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

Quadro 2 – Análise factorial do IQRI Amigo pelo método Maximum Likelihood,

rotação oblíqua forçada a 3 factores (24 itens)

Item F1 F2 F3

18Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ouvir quando você está bastante zangado/a com outra pessoa?

.84

5Até que ponto pode contar com esta pessoa para lhe dar uma opinião honesta, mesmo que não queira ouvir essa opinião?

.67

3Até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar quando tem um problema?

.66

1Até que ponto pode aconselhar-se com esta pessoa sobre diversos problemas?

.61

22Até que ponto pode verdadeiramente contar com esta pessoa para o/a distrair das suas preocupações quando está sob stresse?

.60

8No caso de um membro muito próximo da sua família falecer, até que ponto pode contar com esta pessoa para o/a ajudar?

.58

15Se quisesse sair esta noite e fazer algo, quão convicto/a está de que esta pessoa estaria disposta a sair consigo?

.32

Factor 1: Suporte; Valor próprio = 5.82; Variância explicada = 24.23%

20 Até que ponto esta pessoa o/a consegue pôr zangado/a? .87

23 Com que frequência esta pessoa o/a faz sentir zangado/a? .81

4Até que ponto é que esta pessoa o/a consegue pôr chateado/a?

.75

21 Até que ponto discute com esta pessoa? .74

19 O quanto é que deseja que esta pessoa mude? .63

6O quanto é que esta pessoa o/a consegue fazer sentir culpado/a?

.57

24Com que frequência esta pessoa tenta controlar ou influenciar a sua vida?

.57

7 Até que ponto tem de “ceder” nesta relação? .56

9 Até que ponto é que esta pessoa deseja que você mude? .55

14 Quão crítica é esta pessoa em relação a si? .48

25 Nesta relação, até que ponto você dá mais do que recebe? .45

Factor 2: Conflito; Valor próprio = 4.27; Variância explicada = 17.80%

10 Quão positivo é o papel desta pessoa na sua vida? -.84

11Na sua vida, até que ponto este relacionamento é importante?

-.78

13Até que ponto sentiria a falta desta pessoa se os dois não se pudessem ver ou falar durante 1 mês?

-.62

Page 22: Revista Nº2 da Exedra

22

exedra • nº 2 • 2009

16Até que ponto se sente responsável pelo bem-estar desta pessoa?

-.52

17 O quanto é que depende desta pessoa? -.50

12Quão próximo será o relacionamento com esta pessoa daqui a 10 anos?

-.45

Factor 3: Profundidade; Valor próprio = .94; Variância explicada = 3.93%

Para analisar a fidelidade dos resultados do IQRI bem como a capacidade

discriminativa dos itens recorreu-se ao método da consistência interna, obtendo-se as

estatísticas alpha de Cronbach, média e desvio-padrão de cada item, e as correlações

entre cada item e o respectivo score da dimensão a que pertence.

Pela análise do Quadro 3 verifica-se que nas três subescalas as correlações dos itens

com o total da respectiva dimensão revelaram valores muito adequados entre .32 (item

15) e .77 (item 20), todos superiores a .30 (Cronbach, 1984), o que confirma o poder

discriminatório dos itens.

A consistência interna das subescalas revelam índices alpha muito satisfatórios

na ordem dos .84 na dimensão Suporte, .88 na dimensão Conflito e .84 na dimensão

Profundidade.

Importa deter a atenção no item 15 que saturou na dimensão de Suporte. Como se

verifica no Quadro 3 a extracção do item apenas elevaria o alpha de Cronbach da dimensão

de .84 para .85. Atendendo ao conteúdo do item privilegiou-se a sua preservação para

futuras análises.

Page 23: Revista Nº2 da Exedra

23

Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

Quadro 3 - Médias, desvios-padrão, correlações corrigidas dos itens e coeficiente

alfa de Cronbach do IQRI Amigo

Subescala Item M DP

r

com exclusão do

item

α

com exclusão do

item

Suporte

1 3.53 .60 .61 .80

3 3.54 .58 .69 .79

5 3.55 .62 .55 .81

8 3.60 .60 .61 .80

15 3.37 .72 .32 .85

18 3.52 .63 .70 .79

22 3.48 .58 .64 .80

Total 24.60 3.06 α=.84

Conflito

4 1.88 .65 .64 .86

6 1.82 .67 .55 .87

7 1.97 .70 .55 .87

9 1.70 .61 .56 .87

14 2.32 .72 .46 .88

19 1.70 .63 .61 .87

20 1.82 .67 .77 .86

21 1.72 .62 .66 .86

23 1.65 .60 .73 .86

24 1.51 .65 .54 .87

25 1.87 .72 .44 .88

Total 19.96 4.87 α=.88

Profundidade

10 3.48 .63 .71 .78

11 3.52 .56 .68 .79

12 3.24 .65 .60 .80

13 3.09 .81 .68 .78

16 2.87 .72 .50 .82

17 2.28 .79 .51 .82

Total 18.48 3.07 α =.84

Page 24: Revista Nº2 da Exedra

24

exedra • nº 2 • 2009

Conforme mostra o Quadro 5, no relacionamento com o/a amigo/a os resultados

dos estudos correlacionais confirmam a forte associação entre as subescalas do IQRI

suporte e profundidade (r=.63, p≤.01). A correlação dessas mesmas subescalas com a

IQRI conflito são negativas e com valores sem significância estatística (r=-.12; r=-.07).

Os resultados do estudo da validade convergente e divergente do IQRI apresentam-

se através da análise das correlações com duas medidas de suporte social (SPS global e

SSQ6N) e uma de solidão (ES).

Relativamente aos estudo psicométrico das medidas de suporte social, os índices de consistência interna da SPS global (α=.90) e do SSQ6 número (α=.92) para a amostra em estudo são muito satisfatórios. A escala de solidão apresenta, igualmente, muito boa consistência interna (α=.89) (Quadro 4).

Quadro 4 – Estatística descritiva e índices de consistência interna da SPS Global, do

SSQ6N e da ES

Instrumentos de medida Nº de itens M DP αEscala de Provisões Sociais (SPS) Global 24 84.85 7.75 .90Questionário de Suporte Social (SSQ6) – Número

6 28.53 11.15 .92

Escala de Solidão (ES) 18 30.25 7.18 .89

No que diz respeito ao estudo da validade convergente, foram encontradas correlações

positivas entre as subescalas IQRI suporte e IQRI profundidade com o resultado global

da SPS (respectivamente, r=.41, p≤.01; r=.29, p≤.01) e com a percepção do número de

pessoas que disponibilizam suporte social (SSQ6N) (respectivamente, r=.23, p≤.01; r=.15,

p≤.05). Assim, e à semelhança dos resultados obtidos pelos autores da escala original, a

maiores níveis de suporte social e de profundidade no relacionamento com o/a amigo/a

correspondem maiores níveis de percepção do suporte social em geral (Quadro 5). Os

índices de correlação encontrados, apesar de significativos, não foram muito elevados o

que confirma a hipótese teórica de Pierce et al (1991) que considera que a percepção do

suporte social num relacionamento específico é diferente da percepção do suporte social

em geral.

Ainda analisando o Quadro 5 verificamos que as dimensões do IQRI suporte e

profundidade se correlacionam negativamente com a solidão (respectivamente, r=-

.37, p≤.01; r=-.24, p≤.01), significando que se sentem mais sós os indivíduos cujos

relacionamentos com os/as amigos/as se caracterizam por baixos níveis de profundidade

e de suporte social.

Page 25: Revista Nº2 da Exedra

25

Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

Quadro 5 – Correlações entre as subescalas do IQRI, SPS Global, SSQ6N e a ES

IQRI

Suporte

IQRI

Conflito

IQRI

Profundidade

SPS

Global

SSQ6

NúmeroES

IQRI Suporte 1 -.12 .63** .41** .23** -.37**

IQRI Conflito 1 -.07 -.30** -.07 .25**

IQRI

Profundidade1 .29** .15* -.24**

SPS Global 1 .28** -.75**

SSQ6 Número 1 -.35**

ES 1

*p≤.05; ** p≤.01

Na literatura, a variável género é muitas vezes aplicada ao estudo do suporte social.

Assim, procedeu-se ao estudo da qualidade dos relacionamentos interpessoais em função

do género. Nas subescalas do IQRI as raparigas têm pontuações mais elevadas que os

rapazes, com diferença significativa nas subescalas de suporte (t=.037; p=.044) e de

profundidade (t=.769; p=.001). Nas relações de amizade, as raparigas percebem mais

suporte e profundidade do que os rapazes (Quadro 6).

Quadro 6 – Médias, desvios-padrão e Teste t de Student em função do género

Género Masculino Género FemininoN M DP N M DP t p

IQRI Suporte 58 23.31 3.49 189 24.84 2.88 .037 .044

IQRI Conflito 56 19.53 4.70 178 20.09 4.92 .644 .444

IQRI

Profundidade55 17.29 3.24 187 18.83 2.93 .769 .001

*p≤.05; ** p≤.01

Da análise do Quadro 7 verifica-se que, quanto maior for a percepção do suporte

social na relação com os/as amigo/as, maior é a profundidade desses relacionamentos,

os valores das correlações são mais expressivas nos rapazes (r=.68; p≤.01) do que nas

raparigas (r=.60; p≤.01).

Page 26: Revista Nº2 da Exedra

26

exedra • nº 2 • 2009

Quadro 7 – Correlações entre as subescalas do IQRI, por género

Género Masculino Género Feminino

S C P S C P

IQRI Suporte 1 .03 .68** 1 -.18* .60**

IQRI Conflito 1 .02 1 -.12

IQRI Profundidade

1 1

*p≤.05; ** p≤.01

No que diz respeito às correlações entre as subescalas do IQRI com as medidas de

percepção de suporte social geral e a solidão (Quadro 8), verifica-se que nas raparigas a

qualidade dos relacionamentos interpessoais se associam moderadamente com os níveis

de solidão. Quanto maior o conflito percebido pelas raparigas nos seus relacionamentos

com o/a amigo/a maior o nível de solidão (r=.30; p≤.01). Por sua vez, quanto maior a

percepção do suporte social e da profundidade nas relações de amizade menor o nível de

solidão (r=-.43; p≤.01, r=-.30; p≤.01).

Relativamente à percepção de suporte social global, nas raparigas a qualidade dos

relacionamentos de amizade associa-se à satisfação das necessidades relacionais (Quadro

8). A relação entre a percepção do suporte social no relacionamento com o/a amigo/a e a

percepção do suporte disponível é mais forte nos rapazes (r=.34; p≤.05).

Quadro 8 – Correlações entre as subescalas do IQRI e a SPS Global, a SSQ6N e a ES,

por género

SPS Global SSQ6N ES

M F M F M F

IQRI Suporte .30* .47** .34* .20** -.23 -.43**

IQRI Conflito -.08 -.35** .13 -.13 .09 .30**

IQRI

Profundidade.31* .30** .18 .15* -.12 -.30**

*p≤.05; ** p≤.01

Page 27: Revista Nº2 da Exedra

27

Catarina Neves & Maria Pinheiro • A qualidade dos relacionamentos interpessoais com os amigos

Discussão

Este trabalho apresenta os estudos realizados na adaptação e validação da versão

portuguesa do Quality of Relationships Inventory (QRI) (Pierce, Sarason & Sarason, 1991)

no relacionamento com o/a amigo/a.

Os resultados alcançados atribuem boas qualidades psicométricas, no que diz respeito

à validade e fidelidade do Inventário da Qualidade dos Relacionamentos Interpessoais

(IQRI) para o relacionamento em causa.

No estudo das correlações entre as subescalas do IQRI verifica-se uma forte associação

entre as subescalas do IQRI suporte e profundidade, tal sugere que, quanto mais íntima

for a relação com o/a amigo/a maior é a percepção do suporte social.

Ainda no relacionamento com o/a amigo/a registou-se o valor médio mais baixo

de conflito (m=19.96; dp=4.87), ficando abaixo do ponto intermédio da escala. Este

resultado pode interpretar-se em duas perspectivas: no momento do preenchimento do

IQRI o estudante pode ter pensado no relacionamento com um amigo que seja importante

na sua vida mas com quem não tenha conflitos (nas instruções do IQRI pedia-se ao

estudante para pensar no relacionamento com um amigo considerado como importante

na sua vida, embora esse relacionamento não tivesse de ser necessariamente positivo);

os conflitos entre amigos podem estar relacionados com aspectos que não são avaliados

por essa subescala. É possível consideramos a hipótese de que as relações com os amigos,

quando pautadas por conflitos, podem ser excluídas da rede relacional.

Os estudos em torno da validade convergente e divergente do IQRI, à semelhança

dos pressupostos teóricos de Pierce, Sarason e Sarason (1991), revelaram relações

significativas e positivas com as três medidas de suporte social geral e associações

significativas e negativas com a medida de solidão. Pode afirmar-se que as correlações

negativas entre o score global da solidão e as medidas da percepção do suporte social

mostraram que, quanto mais sozinho se sente o indivíduo menor é o suporte social por si

percepcionado. As correlações negativas entre a solidão e as dimensões do IQRI suporte

e IQRI profundidade transpareceram o sentimento de isolamento dos indivíduos cujos

relacionamentos com os/as amigos/as se caracterizam por baixos níveis de profundidade

e de suporte social. Pelo contrário, as correlações positivas obtidas entre as medidas

de conflito e de solidão revelaram que, no relacionamento com o/a amigo/a, a maiores

níveis de conflito correspondem mais elevados níveis de solidão. As correlações positivas

entre as medidas de suporte e profundidade do IQRI e as medidas do SSQ6N revelaram

que, quanto mais qualidade no relacionamento com o/a amigo/a o indivíduo sentir maior

é o suporte social percebido.

Para compreender a qualidade do relacionamento interpessoal é importante conhecer

Page 28: Revista Nº2 da Exedra

28

exedra • nº 2 • 2009

o grau de satisfação nessa relação. Para tal, a introdução de uma questão sobre o grau

de satisfação sentido na relação específica poderá ser uma variável a incluir em futuras

investigações.

Os estudos de diferença de género realizados corroboram o pressuposto de que os

rapazes e raparigas diferem nas medidas de percepção de suporte social geral e específico

em cada relacionamento. Nas relações de amizade as raparigas percebem mais suporte

social e profundidade, a qualidade dos seus relacionamentos interpessoais relaciona-se

mais à solidão e à satisfação das necessidades relacionais. Nos rapazes, a percepção de

suporte social na relação de amizade correlaciona-se mais fortemente com a percepção

do suporte disponível. Tal foi mencionado na literatura por Bell (1981), referindo que nas

relações de amizade as raparigas valorizam mais a intimidade e a confiança, os rapazes

dão maior relevo à sociabilidade.

Assim, os resultados alcançados neste trabalho, no âmbito das relações de amizade,

incentivam à continuidade dos estudos da qualidade dos relacionamentos interpessoais

em função da variável género.

A adaptação do IQRI para a população portuguesa é o contributo fundamental para

o estudo do contexto interpessoal do suporte social no relacionamento do indivíduo com

alguém em específico.

Bibliografia

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Caplan, G. (1974). Support systems and community mental health. New York: Behavioral

Publications.

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exedra • nº 2 • 2009

Correspondência

Catarina Isabel Carvalho Neves

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra

Praça Heróis do Ultramar – Solum,

3030-329 Coimbra, Portugal

[email protected]

Maria do Rosário Moura Pinheiro

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

Rua do Colégio Novo, Apartado 6153,

3001-802 Coimbra

[email protected]

Page 33: Revista Nº2 da Exedra

33

Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem

e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o

Educação para a cidadania e Direitos do Homem

Fernando Sadio Ramos

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo

O texto que se segue efectua a apresentação de diversas componentes do Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem que vem sendo realizado na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra desde 2002. Abarca este texto os projectos realizados (ou em curso) desde 2006, dando conta das suas características principais e resultados mais relevantes.

Palavras-chave

Educação, Educação com as artes, Educação intercultural, Educação para a cidadania, Direitos do Homem

Abstract

This paper presents several components of the Project on Citizenship and Human Rights Education which is being held at the Escola Superior de Educação of the Instituto Politécnico de Coimbra since 2002. It refers to the projects completed or in course since 2006, showing their main features and most relevant results.

Key-Words

Education, Education with arts, Intercultural education, Human Rights, Citizenship education

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34

exedra • nº 2 • 2009

Introdução

No texto que se segue procederemos à apresentação de duas componentes do

Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem que vimos realizando na

Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra. Este teve o seu início

em 2002, permitindo o desenvolvimento de inúmeras iniciativas e trabalhos de que

demos conta em trabalhos anteriores (Ramos, 2005a; 2005b). Integram-no diversas

componentes, das quais assumem um papel particularmente relevante – pela dimensão

internacional, investigadores e instituições participantes, assim como pelos meios

envolvidos – os Projectos Encontro de Primavera® e Di.C.A.D.E. – Diferencias Culturales

y Atención a la Diversidad en la Escuela: Desarrollo de la Socialización mediante actividades

de expresión artística. Este tem já em curso o seu seguimento, o Projecto Estamentos

Educativos y Diferencias Culturales del Alumnado: Diseño de Actividades para el Fomento de

la Socialización (E.E.D.C.A.).

Ambos os Projectos decorrem desde 2006, associando na sua organização e realização

docentes, investigadores, artistas e alunos da Escola Superior de Educação do Instituto

Politécnico de Coimbra, do Grupo de Investigación HUM-742 D.E.Di.C.A. – Desarrollo

Educativo de las Didácticas en la Comunidad Andaluza, da Universidade de Granada

(Espanha) e do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts.

Comportam estes projectos trabalhos de investigação, projectos de desenvolvimento

curricular, congressos internacionais de partilha de resultados de investigação,

experiências pedagógicas e trabalhos teóricos, os quais se traduzem nas correspondentes

publicações.

Têm esses trabalhos como núcleo essencial a Educação Intercultural, para a

Cidadania e Direitos do Homem, tomando como pressupostos essenciais, em primeiro

lugar, o entendimento da Educação como formação integral1 da Pessoa (entendida esta

como intersubjectividade originária) em todas as suas dimensões e, em segundo lugar,

a afirmação do papel significativo que as Humanidades e a Artes desempenham nessa

formação. A utilização da Filosofia, Música, Artes Plásticas, Literatura e Teatro tem

lugar de destaque nas propostas educativas e pedagógicas, mas também se verifica a

abertura a novas formas de expressão artística nas quais o recurso às novas tecnologias

predomina.

O projecto Encontro de Primavera® assume-se como o processo de produção, encontro

e partilha dos resultados da investigação e da docência por parte, tanto dos membros

do grupo de trabalho mais restrito, como dos convidados que se lhe juntam e permitem

alargar o alcance dos trabalhos a desenrolar. A sua designação a partir da ideia de encontro

decorre do primeiro pressuposto afirmado anteriormente, o da intersubjectividade da

Pessoa.

Page 35: Revista Nº2 da Exedra

35

Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem

O suporte financeiro e logístico tem origem, predominantemente, na Universidade

de Granada e na Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta de Andaluzía,

mas também em outras fontes, como o CIMA – Centre for Intercultural Music Arts, o

Instituto Politécnico de Coimbra e a sua Escola Superior de Educação, assim como da

Fundação para a Ciência e Tecnologia.

O Encontro de Primavera® 2

O Projecto Encontro de Primavera® tem como linhas estratégicas fundamentais a

promoção da Educação Intercultural, para a Cidadania e Direitos do Homem, numa

perspectiva de Educação Integral, para a qual as Artes, as Humanidades e a Educação

com as Artes assumem, consequentemente, um papel de relevo. Subjaz ao mesmo uma

Filosofia da Formação e da Educação que assume uma concepção de Pessoa como

intersubjectividade originária (Ramos, 2007b; 2003), da qual nasce a ideia de encontro.

Consubstancia-se numa reunião internacional anual, em que o tema articulador do

trabalho realizado anteriormente se apresenta e desenvolve, lançando-se o respectivo

livro.

Música, Artes Plásticas, Teatro e Dança, no campo das Artes, Filosofia, Literatura

(de línguas Modernas e Clássicas)3, no campo das Humanidades, constituem o eixo em

redor do qual se articula um conjunto de vontades que vêem a defesa do humano no

Homem como uma tarefa urgente do tempo presente, configuradora de uma praxis de

resistência humanista em tempos de ditadura positivista, tecnocrática4 e capitalista (Gil,

2009). Direitos do Homem e Democracia perfilam-se como conquistas árduas e frágeis,

advindas no decurso da História em resultado da praxis humana, e que dependem

estreitamente da Memória5 e do exercício atento da Liberdade e da Razão crítica para

que aquilo por que existem – a realização polifónica da Dignidade do Homem – não seja

um sonho apagado pelas forças que se lhe opõem. Esta ideia apresenta-se como uma

injunção particularmente relevante no tempo presente, uma vez que assistimos, de forma

global e universal, a um ataque feroz às realizações da Dignidade do Homem, repetindo

– a uma escala maior e inédita – as fases de desenvolvimento do ovo da serpente que

levou as sociedades europeias do século XX a defrontarem-se com o Totalitarismo, que o

revisionismo actual, de pendor economicista e de um cientismo serôdio e rançoso, tenta

reabilitar6.

Na medida em que a Formação e a Educação são um meio privilegiado de promover

a humanização do Homem, a defesa do ponto de vista referido anteriormente assume-

se como um modo de desenvolver a missão daquelas, conferindo-lhes o sentido de

Libertação que deve presidir à acção formativa e educativa.

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36

exedra • nº 2 • 2009

Como tal, o Projecto Encontro de Primavera® desenvolve-se a partir de uma opção de

praxis política, entendida como uma inevitabilidade, necessária e inerente à condição

de pertença essencial do Homem à Comunidade humana, desde a inaugural pólis grega

até à comunidade contemporânea intercultural e de dimensão cosmopolita que vamos

construindo gradualmente.

A ideia de Primavera surge enquanto símbolo e promessa de futuro, essencial para

estruturar a praxis transformadora do ser no dever-ser por que a Liberdade do Homem

anseia e do qual é condição de possibilidade.

A primeira edição do Encontro de Primavera® (2006) estruturou-se a partir da noção

básica que articula os Direitos Humanos e a panóplia dos seus valores configuradores

– a Dignidade do Homem – que declinámos então de forma plural na expressão com

que o designámos: Dignidade Humana em Polifonia, e que dá igualmente título ao livro

correspondente aos trabalhos realizados (Reis; Ramos, 2007) e que saiu na colecção

Práticas – Conhecimento – Pensamento, n.º 12, do Instituto Politécnico de Coimbra. Com

ela, pretendemos dar conta do humano do Homem, articulando duas ideias essenciais.

A primeira, a de “Dignidade Humana”, enquanto valor essencial fundante e

estruturador daquilo a que se chama “Direitos do Homem”. A segunda, “(em) Polifonia”,

com a qual procurámos traduzir a diversidade e riqueza do Homem, das quais a

Música se pode assumir como um símbolo maior, prenhe de significações e respectivas

interpretações, consonantes ou conflituantes.

Correspondeu essa realização a um momento no desenvolvimento de um trabalho de

Educação Ética, Axiológica e Cidadã, de substrato filosófico, mediante o qual se procura

concretizar ao nível do Ensino Superior, em geral, e da Formação Inicial, Contínua e

Especializada de Professores, Educadores e Animadores, em particular, a formação

pessoal e social dos alunos, dotando-os de meios com os quais a possam promover

igualmente junto dos seus futuros educandos e aprendizes (Ramos, 2008a; 2008b).

Correspondeu, igualmente, a uma etapa de um já relativamente longo e frutífero

caminho de cooperação internacional da Escola Superior de Educação do Instituto

Politécnico de Coimbra com o Grupo de Investigación HUM – 742 D.E.Di.C.A, da

Universidade de Granada.

Correspondeu, ainda, a um encontro entre docentes e investigadores para quem as

dimensões artística e humanística do Currículo são assumidas como essenciais para a

promoção integral da Pessoa do Educando e como potenciadoras do desenvolvimento de

competências comunicativas interculturais.

Para a segunda edição, escolhemos a temática da Educação para a Cidadania Europeia

com as Artes. Na linha defendida pelo Conselho da Europa em relação à interculturalidade

Page 37: Revista Nº2 da Exedra

37

Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem

(Perotti, 1994), a Arte, e em particular a Música, constitui um fundamento e um meio a

privilegiar na comunicação entre as culturas e os povos. Por muito que sejamos tentados

a afirmar a impossibilidade da poesia após Auschwitz (Theodor Adorno), ou da ineficácia

do belo perante o hediondo (Erwin Chargaff), devemos sempre retomar a ideia de Michel

Serres de que só a beleza nos pode salvar (Barlowen, 2009: 386).

A escolha desse lema assentou no seguinte conjunto de pressupostos, que passamos

a explicitar.

Partimos do entendimento da Cidadania Europeia como um constructo práxico, em

que unidade e diversidade, identidade e alteridade se cruzam e articulam de modo plural

e complexo, de acordo com as três dimensões temporais da historicidade humana. A

complexidade e a diversidade são uma constante historial do ser-europeu, presentes

nos três vectores temporais que estruturam a historicidade do Homem. Do passado,

destacamos a síntese histórica que se produziu desde a aurora inaugural na Grécia

Clássica, passando pela Roma republicana e imperial, pela Medievalidade Cristã e o

Iluminismo Moderno, inaugurador da Contemporaneidade. Razão (Filosófica, Artística

e Científica7), Cidadania, Direito, Formação e Educação, Pessoa e Direitos do Homem,

constituem aquisições maiores do percurso civilizacional Europeu.

O presente histórico surge como instância práxica de construção de uma ideia

de Europa, que apela a partir do futuro novo à herança histórica identitária que é

permanentemente desafiada a reconstituir-se para que esse futuro inédito advenha. A

organização inter-governamental Conselho da Europa, a construção da Comunidade

Europeia do Carvão e do Aço, depois da Comunidade Económica Europeia, a mudança

desta para Comunidade Europeia e agora União Europeia8, a presença da forma particular

de alteridade constituída pelas populações migrantes, seus descendentes europeus e

respectivas culturas e costumes, a mobilidade das pessoas, a influência dos media, etc.,

constituem-se como elementos com que a praxis se confronta em ordem a elaborar essa

identidade de modo plural e intersubjectivo. Nessa identidade essencialmente múltipla,

assume-se como fundamental uma herança Humanista e geradora de uma cultura cujo

núcleo essencial se pode consubstanciar na noção, perenemente in fieri, de Direitos do

Homem (André, 2005; Pereira, 2003).

Desvelar tal complexidade exige uma linguagem ela mesma geradora de significados

sempre novos e não subsumíveis univocamente, de modo redutor e fechado. Ao mesmo

tempo, fiel à matriz da racionalidade da realidade e do Ser legada na palavra Lógos

(Heidegger, 1984: 294-341; 1988; 1980a: 71-157; 1980b: 124-199) pela civilização Grega

Clássica, essa linguagem deve também prestar-se à análise e à reflexão, possibilitando

a discussão e produção de novos sentidos e significados. Vemos estas características de

modo eminente na Arte e suas diversas manifestações e respectivas linguagens, sobre o

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exedra • nº 2 • 2009

pano de fundo da ideia da Arte como um elemento decisivo na humanização do Homem,

em simbiose com a Cultura Humanística.

Deste Encontro editou-se o livro Educação para a Cidadania Europeia com as Artes

(Ramos, 2007c), o qual contou com financiamento da Universidade de Granada e do

CIMA – Centre for Intercultural Music Arts.

O III Encontro de Primavera® apontou para a questão do Diálogo e da Civilização,

possibilitados pela Arte, em geral, e a Música, em particular. Levou como lema Música.

Arte. Diálogo. Civilização, o qual se manteve no título do livro correspondente aos

trabalhos apresentados (Ortiz Molina, 2008). Correspondeu a um notável passo em

frente em termos da sua dimensão e processo de internacionalização, pois passou a estar

associado à realização da Bienal Internacional, Simpósio & Festival do CIMA – Centre for

Intercultural Music Arts (no caso vertente, a X edição da mesma)9.

Dando esta dimensão ao Projecto Encontro de Primavera®, o lema apresentado aos

participantes colocou a questão da Educação, da Educação com as Artes e da Educação

Intercultural, para a Cidadania e Direitos do Homem em termos de Civilização, oposta

à barbárie de uma sociedade da qual aquelas, e o respectivo objecto e fundamento – a

Dignidade do Homem –, estejam ausentes ou – pior ainda –, sejam aviltadas, espezinhadas

e banidas.

O valor da iniciativa foi reconhecido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia

concedendo-lhe financiamento para a sua realização e publicação do livro, no que se

associou à Universidade de Granada e ao CIMA – Centre for Intercultural Music Arts. Foi

também editado um catálogo correspondente a duas exposições de Arte Contemporânea

em que o Encontro e a Bienal se concretizaram igualmente (Ortiz Molina; Rúbio; Ramos,

2008); este último contou ainda com o apoio financeiro da Escola Superior de Educação

do Instituto Politécnico de Coimbra, além das instituições referidas atrás.

A IV edição do Encontro de Primavera® realizou-se na Facultad de Ciencias de la

Educación da Universidade de Granada. Tratou-se de um desenvolvimento natural

e esperado do Projecto e um momento assinalável da sua internacionalização, já que

o mesmo esteve desde o seu início vinculado a uma estreita cooperação da Escola

Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra com aquela Universidade,

através do Grupo de Investigación D.E.Di.C.A., como se referiu anteriomente. A

vertente relacionada com a investigação mereceu a tónica e daí o seu título: Investigación

en Educación y Derechos Humanos: Aportaciones de diferentes Grupos de Investigación. A

Junta de Andaluzia, por intermédio da Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa,

reconheceu o mérito do evento atribuindo-lhe o respectivo financiamento. Os trabalhos

do mesmo foram publicados em livro, com o título Investigación en Educación y Derechos

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39

Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem

Humanos (Ortiz Molina, 2009), com financiamento da Consejería de Ciencia, Innovación

y Empresa da Junta de Andalucía, da Universidade de Granada e do CIMA – Centre for

Intercultural Music Arts.

Fruto das sinergias criadas aquando da III edição do Encontro de Primavera®, revelou-

se como pertinente a realização de um projecto que se desenvolveu acentuando o

Diálogo e a Comunicação Intercultural assim como a Educação com as Artes a partir da

ideia de Diferença. Procurámos, no mesmo, pôr em relevo as potencialidades residentes

no discurso e na prática artísticos, assim como na Educação com as Artes, para se

proceder ao desenvolvimento integral e à humanização da Pessoa. O trabalho assente

nesta perspectiva assume que a Educação deve permitir às Pessoas a descoberta da sua

capacidade de ver e expressar o Mundo segundo o seu modo único e irrepetível de ser

Pessoa e procura colocar em questão a estreiteza do Currículo vigente nas nossas escolas,

na medida em que o mesmo nunca proporcionou o devido lugar à Educação com as Artes.

Na situação presente do nosso País, essa mesma estreiteza passou a revestir um carácter

incoerente, insólito e grotesco com medidas políticas que vão no sentido de tornar a

Educação com as Artes numa mera ocupação de tempos livres e de guarda de alunos. A

tal se reduziu e perverteu o currículo definido no âmbito da Gestão Flexível do Currículo

e respectivo Decreto-Lei regulador (6/2001, de 18 de Janeiro) (Alonso; Peralta; Alaiz,

2001). Recusar isso e afirmar o valor da Educação com as Artes foi a ideia fundamental e

que teve como resultado final o livro Diálogo e Comunicação Intercultural. A Educação com

as Artes (Ramos, 2009), que – tal como o livro anterior – obteve o seu financiamento junto

da Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta de Andalucía, da Universidade

de Granada e do CIMA – Centre for Intercultural Music Arts.

O ano de 2010 viu a V edição do Encontro, simultaneamente com a XI Bienal do

CIMA. Teve lugar entre 6 e 9 de Abril, na Facultad de Educación y Humanidades de

Melilla (Universidade de Granada). Seguiu a mesma linha de realizar o evento nesta

Universidade de modo a prosseguir a cooperação originária e fundante do mesmo, assim

como o desenvolvimento do seu processo de internacionalização. A temática, predefinida

já no III Encontro10, foi a seguinte: Arte e Ciência: Criação e Responsabilidade (Ortiz Molina,

2010 a; 2010b). Propusemos aos participantes o desafio de pensar a relação, articulação,

vizinhança e diferenças entre aquelas formas de produzir Mundo e Homem, enquanto

ambas se pautam – autonomamente – pelos conceitos de Criação e de Responsabilidade.

As publicações correspondentes tiveram o apoio da Consejería de Ciencia, Innovación

y Empresa da Junta de Andalucía, da Universidade de Granada e do CIMA – Centre for

Intercultural Music Arts.

Como Projecto, o Encontro de Primavera® polariza-se pelo futuro. Assim, passamos

a referir as realizações que se encontram em preparação e que continuam a projectá-lo

Page 40: Revista Nº2 da Exedra

40

exedra • nº 2 • 2009

ainda mais em termos internacionais.

Dos eventos que estão em preparação, o primeiro a realizar-se é o Encontro de 2011,

o VI, que decorrerá, desta vez, em Málaga, no Centro Cívico da Diputación Provincial

de Málaga. Subordinar-se-á ao tema Tendiendo puentes hacia la interculturalidad. Nesse

sentido, várias reuniões de trabalho têm tido lugar, ao longo do último ano, as quais

culminaram na realização de um encontro internacional entre alguns dos elementos

que integram a sua comissão científica e organizadora, que decorreu em Coimbra.

Subordinado ao tema de 2011, traduzido para Português – Lançando Pontes para

a Interculturalidade – teve lugar nos dias 17 e 18 de Julho de 2009 e dele saíram as

linhas fundamentais da realização do congresso de 2011. Seguiram-se-lhe reuniões

efectuadas em Málaga (Outubro de 2009), Évora (Dezembro de 2009), Granada

(Fevereiro de 2010) e Melilla (Abril de 2010). O mérito da iniciativa já foi reconhecido

pela Diputación Provincial de Málaga, com o correspondente financiamento. O primeiro

livro correspondente ao Encontro foi publicado simultaneamente em Portugal e em

Espanha, sendo subsidiado pela Consejería de Ciencia, Innovación y Empresa da Junta

de Andalucía e pela Universidade de Granada (Ramos, 2010a; 2010b). Em preparação,

encontra-se o segundo livro a editar com esse Encontro, Puentes hacia la Interculturalidad

e um CD Rom com outros trabalhos a apresentar no evento.

Em 2012, o VII Encontro de Primavera® e o XII SIEMAI – Simpósio Internacional

Educação Música Artes Interculturais® (refundação ibérica do CIMA – Centre for

Intercultural Music Arts) regressam a Portugal e decorrerão em Vila Nova de Foz-Côa.

Subordinar-se-ão ao lema Arte e Cultura Populares e encontra-se numa fase adiantada de

preparação, com destaque para as reuniões de discussão e debate de textos a apresentar

no evento por parte de membros da Comissão Organizadora e Científica e na publicação

de artigos em revistas especializadas Espanholas.

Ceuta acolherá o VIII Encontro de Primavera® e o XIII SIEMAI – Simpósio

Internacional Educação Música Artes Interculturais®, que terá lugar em 2014 sob o lema

Educación, Música y Arte desde la(s) Frontera(s). A preparação do evento já começou,

criando-se a respectiva Comissão Organizadora, tanto a nível internacional como local, e

que desenvolve já os primeiros trabalhos.

Educação intercultural

Neste âmbito particular do Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do

Homem, referir-nos-emos em seguida a dois Projectos de Investigação, Desenvolvimento

e Inovação do Grupo D.E.Di.C.A..

O primeiro, é o Projecto Di.C.A.D.E. – Diferencias Culturales y Atención a la Diversidad

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Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem

en la Escuela: Desarrollo de la Socialización mediante Actividades de Expresión Artística.

Este começou como um Projecto de I+D+I do Vice-Rectorado de Investigación y Tercer

Ciclo da Universidade de Granada. Decorreu ao longo dos anos de 2006 e 2007, gerando

como produto final a obra homónima: Diferencias Culturales y Atención a la Diversidad

en la Escuela: Desarrollo de la Socialización mediante Actividades de Expresión Artística

(Di.C.A.D.E.) (Ortiz Molina, 2007).

Além dos contributos de ordem teórica e fundamental, empírica e pedagógica

proporcionados pelos investigadores participantes, conta com um trabalho de

Desenvolvimento Curricular realizado por alunas do curso de Teatro e Educação da

Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra (Vaz; Cúrdia, 2007),

já que as linhas de investigação dos Projectos do Grupo D.E.Di.C.A. se desenvolvem

igualmente a nível da docência efectuada pelos seus membros.

Assim, a nível da fundamentação teórica do Projecto, contamos com os seguintes

trabalhos:

a) Subsídios para uma Filosofia da Formação de um ponto de vista intersubjectivo;b) Fundamentação Psicológica da Didáctica da Educação Artística e Musical.

Seguem-se dois estudos empíricos:

i) Estudo Empírico do Projecto sobre as Diferenças Culturais e Atenção à Diversidade no Contexto Escolar;

ii) Culturas em Contacto no Âmbito Escolar: Investigação Educativa sobre o Fomento de Habilidades Linguísticas e da Socialização através da Expressão Musical.

As consequentes propostas de actividades pedagógicas incluem:

α) Os Habitantes da Rua Pentagrama;β) O Agrupamento Instrumental de Percussão na Escola, Elemento de Socialização dos

Alunos.γ) Experiências Educativas para a Socialização: Música e Pintura, uma Relação

Interdisciplinar.δ) Como se faz Cor-de-Laranja. Um Projecto de Desenvolvimento Curricular no Âmbito da

Expressão Dramática.

Com base neste trabalho inicial, a temática do projecto continuou a assumir-se como

ideia articuladora da docência da unidade curricular de Teoria e Desenvolvimento do

Currículo das licenciaturas de Teatro e Educação e de Professores de Educação Musical

do Ensino Básico, assim como de um projecto de investigação-intervenção da licenciatura

em Animação Socioeducativa daquela instituição, o qual foi igualmente publicado:

– Quando as luzes se apagam, acendem-se consciências? Animação Socioeducativa e Cinema – Perspectivas conjuntas (Silva, 2007).

O trabalho efectuado com o projecto Di.C.A.D.E. deu origem a novo projecto que se

encontra já em realização e cujo livro deverá ser editado no início de 2010.

Tem este projecto como título Estamentos Educativos y Diferencias Culturales del

Alumnado: Diseño de Actividades para el Fomento de la Socialización (E.E.D.C.A.).

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exedra • nº 2 • 2009

A sua concretização comporta uma investigação empírica e pedagógica, assim como

os produtos pedagógicos elaborados no decurso do projecto e da docência.

Três componentes integram-no, em consequência.

Uma, relativa a projectos de desenvolvimento curricular de âmbito educativo formal

e comunitário, elaborados por alunos de licenciaturas da Escola Superior de Educação do

Instituto Politécnico de Coimbra. Trata-se de dois trabalhos correspondentes a projectos

realizados entretanto e que se encontram em fase final de preparação da publicação.

Outra, diz respeito à investigação realizada por meio de um inquérito por questionário

sobre percepções da alteridade que conduzimos simultaneamente em Espanha e em

Portugal. Utiliza-se um protocolo de entrevistas semi-estruturadas que são aplicadas aos

diversos sectores da Comunidade Educativa. O protocolo já foi validado em anteriores

projectos de I+D+I realizados pelo Grupo D.E.Di.C.A. (Ortiz Molina, 2005). Dirige-

se o inquérito aos níveis de educação básica e secundária, e tem como pressuposto de

base a crescente necessidade de lidar com a diversidade e a diferença nas sociedades

contemporâneas, em particular nos contextos educativos e sociais das escolas. O

inquérito já foi realizado, encontrando-se a decorrer a fase de tratamento e análise dos

dados obtidos.

Em terceiro lugar, e uma vez terminada a fase da investigação e obtidas as conclusões

da mesma, passar-se-á à elaboração de propostas de actividades destinadas a promover a

socialização nas escolas e agrupamentos dos níveis de educação estudados.

Apresentado o relatório do projecto ao organismo financiador – o Vice Rectorado de

Política Científica e Investigación da Universidade de Granada, seguir-se-á a preparação

do livro e respectiva publicação, como referimos.

Conclusão

O Projecto de Educação para a Cidadania e Direitos do Homem de que apresentámos

aqui duas das suas diversas vertentes tem como fundamento filosófico a ideia de que

a Educação não é uma realidade social neutra ou uma ferramenta social utilizável

meramente de forma técnica.

Vemo-la, antes, como uma instância de transformação social e política, que

entendemos como uma prática de libertação (P. Freire), logo comportando um projecto

de Homem, de Sociedade e de Mundo e os correspondentes valores. Nesse sentido, a

Educação nunca é axiologicamente neutra e a tarefa do Educador deve começar pela

explicitação do projecto de Homem, de Sociedade e de Mundo que a sua acção vai

realizar. Deste modo, podemos confrontar criticamente os diferentes modelos educativos

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Fernando Sadio Ramos • Educação para a cidadania e Direitos do Homem

e respectivas possibilidades, evitando a maior tentação que se coloca aos Poderes que

utilizam a Educação: a endoutrinação e a propaganda.

Esta perspectiva parece-nos particularmente pertinente no nosso tempo, em que

o fechamento de possibilidades da praxis e o império do pensamento único são um

ingrediente assinalável da realidade educativa, social e política.

O desenvolvimento de uma cidadania crítica, mobilizando nesse projecto os

contributos inestimáveis e cada vez mais exigíveis das Humanidades e das Artes,

aparece-nos assim como um imperativo ético e político susceptível de dar à Educação

uma densidade ontológica assinalável e de potenciar o seu sentido crítico, transformador

e construtor da Liberdade.

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Notas1 - Muitas são as variações deste tema, mas refira-se a formulação pristina do tema em Coménio, na Didáctica Magna, e a ideia das escolas como Oficinas de Humanidade (Cap. X e XI), a sua encarnação na obra e prática de Henri Pestalozzi (com destaque para os institutos de Berthoud e de Yverdon) e a assumpção da ideia na Lei de Bases do Sistema Educativo Portuguesa (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, e pela Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto, art. 1.º, n.º 2).2 - Retomamos aqui, ampliando-o, o conteúdo de “O Projecto Encontro de Primavera” (Ramos, 2007). 3 - A sequência desta enumeração não implica que não tenhamos a Literatura e a Filosofia incluídas, igualmente e segundo a idiossincrasia de cada uma, no campo da Arte, no sentido mais pleno desta, o de criação de Mundo.4 - Insistimos na ideia de poder, destacando a sua brutalidade (R. Pannikar, in Barlowen, 2009). Daí não termos referido desde logo o tecnomilenarismo (Régis Debray, in Barlowen, 2009) que confere a este exercício brutal do poder uma intenção purificadora, nomeadamente, na figura do Homem Novo desta ideologia, o Homem Avaliado, controlado, obediente e, um dia amante da servidão (Gil, 2009).5 - A Memória e o Testemunho são essenciais para a Liberdade, como nos ensinam, entre outros, Primo Levi ou Elie Wiesel. O seu desprezo marca, todavia, o projecto tecnocrático de Homem Novo, e faz parte da organização capitalista do trabalho e da sociedade. Daí, a pertinência da expressão United States of Amnesia, de Carlos Fuentes, e das críticas de Erwin Chargaff à “cultura” dos Estados Unidos (Barlowen, 2009).6 - Daí a importância de dar voz aos que denunciam este estado de coisas e se demarcam do Pensamento Único vigente na actualidade, como o faz a obra de C. v. Barloewen referida na nota anterior (Barlowen, 2009).7 - Ciência científica e sábia, não ciência tecnológica.8 - Sendo o comércio o meio por excelência de aproximar os indivíduos e as comunidades, desenvolvendo-se em consequência relações de intercâmbio que supõem o conhecimento do Outro e a Paz, entende-se a profundidade da visão dos impulsionadores da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e da Comunidade Económica Europeia, Jean Monnet e Robert Schuman. Já a deriva imperial a que assistimos, reeditando algo que evoca remotamente o Império Carolíngeo, não é de todo tranquilizadora e deixa muito a desejar em termos de democracia. Mas este é outro

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exedra • nº 2 • 2009

assunto e outro combate.9 - O CIMA – Centro para as Artes e Músicas Interculturais é uma Organização não-lucrativa Britânica que esteve sedeada, até Maio de 2004, no Institute of Education da Universidade de Londres. Foi criado em 1989, respondendo aos anseios de compositores e artistas que queriam explorar novas dimensões na Música conciliando e integrando elementos de culturas diferentes.Em Novembro de 2004, após a morte de R. M. Kwami, seu principal mentor e responsável, e mediante solicitação do seu Secretário à época, G. F. Welch, iniciou-se o processo de transferência do movimento para Espanha, sob a responsabilidade da Professora M.ª A. Ortiz Molina, da Universidad de Granada. Directora do Grupo de Investigación HUM-742 D.E.Di.C.A. – Desarrollo Educativo de las Didácticas en la Comunidad Andaluza, radicado no Departamento de Didáctica da Expressão Musical, Plástica e Corporal da Facultad de Ciencias de la Educación daquela Universidade, tem a mesma procedido à dinamização da principal iniciativa em que se concretiza o CIMA, a sua Bienal. Efectivamente, o CIMA orienta a sua acção predominantemente no sentido de realizar um encontro intitulado Bienal Internacional, Simpósio e Festival do CIMA. Como indica o seu nome, realizava-se de dois em dois anos, tendo tido a sua primeira edição em 1990. O Institute of Education da University of London acolheu oito edições da Bienal. A Bienal foi organizada até 2004 pelo Institute of Education da Universidade de Londres. Por sua vez, a de 2006 teve lugar em Granada, na Faculdade de Ciências da Educação da respectiva Universidade. A cooperação entre a Escola Superior de Educação de Coimbra e o D.E.Di.C.A., que se desenvolveu a partir de questões relacionadas com a Educação Intercultural, para a Cidadania e Direitos Humanos, levou à associação, em 2008, da Bienal do CIMA e do Encontro de Primavera®. Em Abril de 2010, deu-se um passo importante do desenvolvimento do CIMA, criando-se o SIEMAI – Simpósio Internacional Educação Música Artes Interculturais®, de que a primeira realização ocorrerá em Vila Nova de Foz-Côa, em 2012.10 - No sentido de prepararmos o terreno para esse desenvolvimento, tivemos como Conferência inaugural, em 2008, um contributo intitulado “Arte e Ciência como Criação”, proferida por Maria Luísa Veiga.

Correspondência

Fernando Sadio Ramos

Grupo de Investigación HUM-742 D.E.Di.C.A.

Desarrollo Educativo de las Didácticas en la Comunidad Andaluza,

Universidade de Granada

[email protected]

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Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo

e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o

Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo

Helena Ralha-Simões

Escola Superior de Educação e Comunicação - Universidade do Algarve

Resumo

A escolha de modelos de excelência é uma questão crucial no actual contexto da preparação de professores, problematizando questões antigas sobre as metas do poder político, que define o que é e deve ser um professor ideal. Por esse motivo, é essencial encontrar estratégias que equacionem os factores contraditórios subjacentes, nomeadamente, situando historicamente as soluções e as interrogações sobre o que deve ser a formação de professores, por oposição à mera opção por um modelo único e totalitário.

Palavras-chave

Modelos de formação, Competência, Desenvolvimento do professor, Profissionalidade

Abstract

The search for models that insure that teacher education will produce excellent professionals is a crucial issue nowadays and re-put ancient questions concerning the milestones stipulated by the political power which defines what an ideal teacher is. Therefore, we must find strategies that accept the contradictory nature of the factors wrapped in what defines “to be a teacher”. A historical overview helps to situate this issue, excluding an exclusive and totalitarian model for teacher education.

Key-words

Teacher education models, Competence, Teacher development, Professional development

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exedra • nº 2 • 2009

Introdução

A procura de um modelo ideal para formar professores que consiga prevenir e resolver

a maior parte das dificuldades com que estes se vão confrontar não é um propósito

recente, não sendo por isso de estranhar que esteja mais uma vez na ordem do dia. De

facto, com as sucessivas reformas dos ensinos básicos e secundário, com a alteração da

Lei de Bases do Sistema Educativo e em resultado dos condicionalismos introduzidos,

na sequência da Declaração de Bolonha, é necessário perspectivar criticamente as

políticas educativas que actualmente condicionam a formação de professores. Ora, a

uniformização introduzida defronta-nos com importantes dúvidas inerentes à adopção

de modelos únicos, como solução atractiva, mas equívoca, apesar dos seus eventuais

objectivos meritórios.

De facto, a adopção de perspectivas assentes em modelos restritivos, se bem que

talvez aliciante pela sua facilidade de regulação através das directrizes da política

educativa, encerra todavia muitos perigos, sobretudo se as disposições tomadas forem

insuficientemente reflectidas e não tiverem em consideração as alternativas sugeridas a

partir da criação das Escolas Superiores de Educação.

A tentação fácil em optar por um hipotético modelo “perfeito” para ensinar ou para

formar um professor, na esperança de que essa opção possa ser a solução dos principais

problemas educativos, não passa de uma ilusão; trata-se, efectivamente, de uma questão

demasiado complexa para que essa simples escolha permita uma adequada preparação

académica e profissional dos docentes, mesmo que traduzida em decisões legislativas

categóricas e claras.

Por outro lado, o desenvolvimento do professor que se caracteriza, entre outros

aspectos, pelo domínio cada vez maior, em profundidade e abrangência, de múltiplos

modelos de ensino – embora alguns considerem preferível o contrário, isto é utilizar

bem um único modelo – implica privilegiar o conhecimento de hipóteses alternativas, a

fim de ser possível seleccionar convenientemente, numa dada situação, as que melhor

permitam promover uma educação adequada.

Com efeito, o domínio de um único modelo dificilmente poderá dar conta da

multiplicidade de problemas com que se defronta o professor, em qualquer nível de

ensino, dada a dinâmica da intervenção envolvida no processo educativo, que inclui não

só os objectivos propostos e a natureza das tarefas definidas para os concretizar, mas

também o próprio educador e os alunos, que não podem ser vistos isoladamente dos

contextos sociais, familiares e escolares que os enquadram.

A própria qualificação de “adequado” quando aplicada à utilização de um modelo –

quer no quadro da intervenção educativa, em geral, quer da formação de professores, em

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Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo

particular – supõe sempre que coloquemos também, previamente, interrogações como as

seguintes: “adequado relativamente a quê?”, “adequado relativamente a que objectivos”

ou “adequado relativamente a quem?”

Na verdade, nenhuma estratégia educativa pode ser correctamente avaliada fora

do contexto, sendo sempre necessário saber quando, onde, para quê e para quem foi

enunciada e de que modo se propõe que seja levada à prática. É exemplo da complexidade

desta questão a circunstância de diversas formas de ensino eficaz poderem resultar

da opção por modelos diferentes, ao mesmo tempo que não é incomum que práticas

inspiradas num mesmo modelo assumam graus de adequação muito díspares.

Além disso, no âmbito da preparação académica e profissional de docentes, espera-se

que os modelos de formação assegurem a adequação do papel do professor, constituindo-

se como instrumentos construtores de uma capacitação pedagógica estratégica,

relativamente a um modo de intervenção em que está subjacente a necessidade de, em

qualquer situação educativa, se conseguir rentabilizar ao máximo as potencialidades

dos educandos. Por esse motivo, os diferentes contextos e modos de aprendizagem que

são determinados por diversos factores, nomeadamente pelas características individuais

dos intervenientes, implicam modos de ensino diferenciados e influenciam também,

necessariamente, o grau de adequação dos modelos de ensino que o professor tem

disponíveis para serem utilizados.

1. Os modelos de ensino e a sua utilização flexível na intervenção educativa

Joyce e Weil (1980) que, no início do seu livro clássico sobre os modelos de ensino,

preconizavam a utilização de modelos alternativos como um meio do professor obstar aos

perigos do dogmatismo, sublinham que a própria selecção do modelo apropriado a um

determinado contexto não é fácil nem linear. Na verdade, uma vez que os modelos não

são mais do que um dos muitos configuradores dos dados e das circunstâncias em que

se desenrola o processo educativo, é indispensável saber em que termos, com que meios,

com base em que objectivos e relativamente a que indivíduos é apreciada a adequação de

cada um desses modelos.

Estes autores, ao definirem modelo de ensino como um conjunto de linhas-mestras

que permitem delinear actividades e enquadramentos educativos, procuram fundamentar

este enunciado na especificação dos modos de ensino e de aprendizagem, através dos

quais se procura conduzir à consecução de certos objectivos, com base em fundamentos

teóricos e metodológicos que explicitem a lógica interna da sua aplicação.

Tais modelos correspondem, assim, a noções diferentes de aprendizagem que

permitem aos alunos adquirir conhecimentos, capacidades e valores específicos que podem

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exedra • nº 2 • 2009

ser agrupados consoante o modo como os indivíduos aprendem. Dado que, no quadro

desta intervenção, não é possível abordar todos eles, optámos por seguir a classificação

de Joyce, Weil e Calhoun (2003) que descrevem quatro tipos de modelos de ensino:

processamento de informação, desenvolvimento pessoal, sistemas comportamentais e

interacção social.

Os modelos de processamento de informação variam de uma focalização vaga na

memorização de conhecimentos a formas específicas de raciocínio indutivo, assentes

em múltiplos quadros conceptuais que focam o processamento da informação com base

na metacognição, nos processos de pensamento individual invocados pelas teorias da

aprendizagem, nos conceitos principais das disciplinas académicas e nas estratégias

conceptuais formuladas de acordo com as teorias do desenvolvimento intelectual.

Incluem a construção de conceitos, o raciocínio indutivo, o treino através da pesquisa,

os organizadores estruturados, a memorização e a pesquisa científica.

Os modelos de desenvolvimento pessoal focam as aprendizagens dos alunos como algo

conseguido a partir das experiências pessoais na situação de aprendizagem, valorizando

contextos e relações e procurando incentivar as relações interpessoais, a auto-imagem e

a auto-responsabilização, nomeadamente através do ensino não-directivo, do incentivo

da criatividade, do treino da reflexão consciente e do processo de aconselhamento em

encontros na sala de aula.

Os modelos comportamentais aplicam princípios do condicionamento operante a

situações de ensino estruturadas, recorrendo a estratégias para modificar comportamentos

observáveis em situação educativa, manipulando as condições em que estes ocorrem,

através da utilização dos reforços adequados, socorrendo-se designadamente do domínio

faseado das aprendizagens, do ensino dirigido, da aprendizagem do auto-controle, da

aprendizagem de competências e do desenvolvimento de conceitos, bem como do treino

da assertividade.

Por último, os modelos de interacção social, com destaque para a aprendizagem

cooperativa, presumem que tarefas desta natureza promovem a aprendizagem, dado que

a sociedade tem um papel determinante na educação enquanto modo de perpetuar uma

ordem social democrática. Incluem a utilização de grupos de investigação, o desempenho

de papéis, a pesquisa de estudo de caso, a identificação de situações exemplares, a

pesquisa em ciências sociais e o treino de laboratório.

Ora, de acordo com Joyce, Weil e Calhoun (2003), uma razão para não nos limitarmos

a um único modelo – por muito abrangente e bem estruturado que à primeira vista nos

possa parecer – prende-se com o facto de nenhum modelo de ensino ter sido delineado

para ser aplicado a todos os tipos de abordagem educativa. Com efeito, a propensão à

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Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo

utilização flexível e articulada de modelos de ensino na prática educativa, por oposição à

obediência ortodoxa a um único modelo, tem de ser concebida num quadro abrangente

que, obviamente, não pode ser configurado numa perspectiva exclusivista.

2. A evolução das perspectivas sobre os modelos de formação

Se alargarmos a reflexão sobre a utilização de modelos à formação de professores,

verificamos que, também a este nível, não dispomos actualmente de um único que se

possa considerar como o mais satisfatório. Qualquer tentativa para restringir o universo

formativo, formulando decisões limitativas da liberdade, da abrangência e da diversidade,

resulta necessariamente num empobrecimento conceptual que comprometerá não só a

prática profissional mas também o próprio processo de maturação epistemológica dos

saberes relativos à intervenção educativa.

Além disso, os modelos de formação não são estáticos nem absolutos, surgindo e

desenvolvendo-se indissociavelmente do modo como os professores constroiem e

mobilizam os saberes que são ensinados. Este enfoque é ele próprio susceptível de ser

delineado segundo diferentes ângulos que podem ser situados historicamente (Monteiro,

2001; Nunes, 2001).

Traçando um breve quadro evolutivo a partir do século XX, verificamos que até ao

período logo após a segunda guerra mundial a pesquisa sobre o ensino e os professores

pouco se desenvolveu, privilegiando-se a focalização sobre o aluno em detrimento do

professor que começou a ser valorizado apenas no final deste período, mas somente

enquanto variável cujo efeito é secundário na aprendizagem. Deste ponto de vista, a

preparação do professor deveria proporcionar sobretudo uma sistematização dos

principais conhecimentos de cuja transmissão seria responsável, aceitando-se embora a

necessidade de um reduzido domínio das ciências da educação, de uma forma pragmática

e pouco aprofundada, apenas como facilitador da prática educativa (Monteiro, 2001;

Pérez-Goméz, 1992).

Na década seguinte, a partir de uma posição centrada no professor, concebe-se a

profissão docente como um “ofício sem saberes” que inclui perspectivas que valorizam a

vocação, o talento, a intuição, a experiência, a cultura ou o conhecimento dos conteúdos

a ensinar. Nesta linha, as principais concepções sobre a formação procuravam associar

a eficácia educativa a certas características pessoais dos professores na convicção de que

a identificação desses atributos estaria relacionada com um adequado desempenho dos

alunos. (Gauthier, 1998, cit. in Monteiro, 2001; Ralha-Simões, 1994).

As crises sociais e culturais do final da década de sessenta, com o consequente pôr

em causa dos paradigmas aceites, ocasionaram que a escola e os professores começassem

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exedra • nº 2 • 2009

a revelar certa incapacidade em dar resposta aos novos desafios que se lhe colocavam.

Consequentemente, tais exigências, decorrentes da necessidade de compreender a

complexidade dos factores económicos e sociais, obrigaram a aceitar que era preciso

enveredar por diferentes alternativas, a fim de equacionar os problemas com que se

defrontava a educação. Estas perspectivas, introduzidas por enfoques de natureza

psicossociológica, privilegiaram a ideia da influência do meio social como variável

interveniente nos resultados do processo de ensino-aprendizagem.

A par das anteriores reflexões críticas, sob a influência das concepções behavioristas,

surge uma proliferação de estudos que procuravam dar respostas sobre as melhores

formas de ensinar, numa orientação de tipo “processo-produto” que pretendia entender

o desempenho, a eficácia e a eficiência do professor e a sua relação com as aprendizagens

do aluno.

Nesta altura, confundia-se ainda a escolha de determinados modelos de ensino com

a capacidade demonstrada para uma adequada utilização em termos dos resultados

dos alunos. Esta tendência – aprofundada através da investigação sobre os processos

de aprendizagem, sob influência da corrente comportamentalista – vai dar lugar ao

interesse em identificar a eficiência do professor e a eficácia do ensino, mediante o

estabelecimento de uma correlação entre as performances e as diferenças no que concerne

à aprendizagem. (Medley, 1987; Ralha-Simões, 1994).

Deste ponto de vista, presumia-se que competia ao professor dominar certas técnicas

e assegurar uma transmissão eficaz e eficiente de saberes produzidos por outros e não

construídos ou sequer reconstruídos por ele próprio, saberes esses ligados às áreas a que

se reportavam os conhecimentos a leccionar. Passava-se, assim, da concepção da profissão

docente enquanto ofício sem saberes para outra em que imperava a manipulação de

saberes sem ofício (Gauthier 1998, cit. in Monteiro, 2001).

As tendências já referidas que valorizavam os factores contextuais permitiram que,

no final da década, fosse introduzido um novo enfoque da realidade, perspectivando

uma dimensão ecológica como factor essencial da compreensão da situação educativa

e assumindo que é importante valorizar o que professores e alunos entendem ser

o significado das suas acções e o modo como são influenciados por realidades mais

abrangentes, a partir dos diversos sistemas que configuram a situação de ensino-

aprendizagem e os seus protagonistas.

As questões principais deixaram de ser apenas articuladas em torno da maior ou

menor eficiência ou eficácia do ensino, abrindo-se caminho para a problematização ou

para a crítica do próprio processo educativo. O contexto da sala de aula passou, portanto,

a ser encarado na sua complexidade e abrangência, com referência a sistemas mais

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53

Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo

amplos, como a família, a comunidade e o próprio sistema educativo, assumindo-se a

escola como um ecossistema particularizado, histórica, social e culturalmente situado,

aspectos que condicionaram, obviamente, todo o processo de formação de professores

(Borges, 2001; Bronfenbrenner, 1979; Heck & Williams, 1984).

3. Novas concepções de formação: o professor competente como construtor de

conhecimentos

A partir da década de oitenta, surge uma nova perspectiva sobre a formação,

procurando compreender o que os professores sabem, seja esse um saber teórico ligado

com procedimentos ou conteúdos ou um saber construído na, pela e através da acção

eminentemente prática, embora mediada pela metacognição (Alarcão, 1991; Pérez-

Goméz, 1992; Schön, 1995).

Nesta linha, assiste-se a uma importante mudança de focalização, passando-se para

a investigação sobre os saberes dos professores, sendo estes entendidos como saberes

especializados. Além de cumprir um papel estratégico na formação de professores,

o estabelecimento de saberes próprios ligados com a construção do conhecimento

pedagógico permitiria identificar um núcleo de saberes específicos que caracterizariam

a profissão docente (Simões & Ralha-Simões, 1999).

Desenvolveu-se, assim, um novo campo de pesquisa sobre o conjunto de

conhecimentos, habilidades e atitudes, de que um professor precisa de ser detentor, uma

vez que, a partir deste novo enfoque, se podem extrair importantes ilações no sentido

de formular reformas neste âmbito. Efectivamente, o quadro de referência da nova

formação de professores passa a ser os saberes relativos à acção, os docentes experientes

e eficazes e as respectivas práticas profissionais, mais do que os conteúdos, as disciplinas

e os dados da pesquisa em educação (Borges & Tardif, 2001, Monteiro, 2001).

Considerando essencial o esclarecimento da compreensão cognitiva dos conteúdos

dos assuntos ensinados e da relação entre estes conteúdos e o ensino propriamente dito,

Shulman (1986, 1987) identifica três tipos de conhecimento que os docentes deveriam

possuir: o conhecimento do conteúdo da matéria a ensinar, o conhecimento do conteúdo

pedagógico e o conhecimento curricular. Várias focalizações desta problemática vão

dar origem a pesquisas sobre os saberes dos docentes que contribuem para dar voz aos

professores, com base naquilo que estes sabem, no modo como pensam e agem, bem

como nos significados que constroem pessoalmente sobre o seu ensino e sobre os seus

saberes profissionais (Borges, 2001; Monteiro, 2001).

Não obstante as resistências manifestadas pelos dirigentes responsáveis pelas

políticas educativas, pelos formadores e mesmo pelos próprios professores, relativamente

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54

exedra • nº 2 • 2009

à implementação de modelos fundamentados nestas novas tendências, verifica-se que

estas remetem para a constatação de que a prática docente é considerada como um lugar

de produção de saberes, havendo que redefinir o seu enquadramento mediante um meta-

modelo que, nesse sentido, articule as diversas perspectivas.

É nessa medida que Medley (1987) define a capacidade potencial para ensinar como

um aspecto essencial para avaliar a competência educativa no exercício da profissão,

sendo as potencialidades do futuro professor para se revelar competente resultantes da

conjugação dos efeitos dos modelos de ensino a que esteve exposto com as características

pessoais pré-existentes ao processo de formação. Assim, não podemos esquecer que esta

dimensão é um caso particular da flexibilidade que o indivíduo necessita ter para se adequar

às circunstâncias, não podendo ser dissociada do funcionamento progressivamente mais

complexo que caracteriza o desenvolvimento humano em geral, designadamente ao nível

cognitivo, afectivo, motivacional e axiológico (Ralha-Simões, 1994).

Por esse motivo, Simões (1996, cit. in Bizarro & Braga, 2005) defende que a

competência não depende apenas de eventuais conhecimentos e técnicas, mas tem a ver

sobretudo com o modo como o professor organiza e integra as suas capacidades, além

da forma como, numa situação específica, opta por agir de uma determinada maneira.

Neste enquadramento, as dimensões ligadas com a pessoalidade e a interpessoalidade

assumem-se como um instrumento relevante da eficácia de qualquer intenvenção

educativa, pois é uma certa pessoa, num certo contexto e em interacção com outros,

que utiliza determinados saberes e os reconstrói com os alunos, sejam quais forem os

modelos adoptados (Simões & Ralha-Simões, 1997; Tavares, 1997).

2. Perspectivas actuais: profissionalidade e desenvolvimento do professor

Actualmente, o interesse pelos saberes docentes tem vindo a assumir uma importância

crescente, ocupando um lugar central nas pesquisas em educação e constituindo

um suporte sólido para a reflexão que fundamenta muitas das questões relativas à

problemática da formação de professores.

Reposicionam-se, assim, interrogações sobre o que sabem os professores, sobre quais

os saberes que estão na base da sua profissão, problematizando-se onde são adquiridos e

qual a sua relação com os saberes disciplinares.

A resposta a qualquer destas questões constitui um importante campo de estudo

que urge desenvolver, tendo em conta que ela implica a participação dos principais

protagonistas da profissionalidade docente, isto é, os professores (Borges, 2001).

Ora, a diversidade de abordagens que interferem nas concepções sobre a intervenção

Page 55: Revista Nº2 da Exedra

55

Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo

educativa não permite descurar que o professor é um ser integral que constrói uma certa

identidade no seu percurso de vida, a qual engloba, entre outros aspectos, a esfera da

preparação e da intervenção profissional.

A este propósito, Nóvoa (1989, cit. in Bizarro & Braga, 2005), refere que precisamos

sobretudo de um professor transcultural, o qual, para além de um excelente domínio

de saberes e saberes-fazer, consiga efectivamente estar atento e compreender os novos

contextos ecológicos, o que exige construir novos modos de conceber a profissão.

Assim, para fazer face a esta necessidade emergente, é preciso que os modelos

formativos contribuam para uma nova apreensão da realidade, através da qual os

professores aprendam a pensar por si-próprios e a pensar sobre o mundo, conhecendo-se

como adultos em desenvolvimento e dando provas de uma adequada maturidade pessoal

e interpessoal.

No mesmo sentido, Simões (1996) defende que não basta assegurar que os professores

sejam detentores de eventuais conhecimentos e técnicas; é necessário incentivar os

processos através dos quais estes organizam e integram as suas próprias capacidades

como pessoas e como profissionais, de tal forma que, numa situação educativa específica,

consigam optar por agir de modo complexo e diversificado, fazendo face, adequadamente,

às necessidades inerentes a cada situação.

Demarcando-se de uma concepção baseada numa óptica de racionalidade técnica,

muito dependente dos resultados dos alunos e da aquisição de um somatório de

comportamentos educativos, o conceito de profissionalidade surge na confluência

do desenvolvimento pessoal e profissional, referindo-se à construção de uma nova

identidade, forjada desde o início da formação, em que estes dois vectores se vão

especificando mutuamente, constituindo um conjunto de estruturas internas que servem

de referencial para o professor se posicionar face à intervenção educativa, no quadro das

quais a experiência individual vai adquirindo significado.

Esta perspectiva, transcende aspectos da acção educativa observável, tanto mais que,

por um lado, envolve dimensões conscientes e inconscientes da personalidade e, por

outro, é indissociável de uma visão ecológica que integre a construção do conhecimento

pedagógico, evidenciando-se, assim, a emergência de uma orientação centrada na pessoa

do professor (Ralha-Simões, 2002).

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56

exedra • nº 2 • 2009

Conclusões

Como foi sublinhado ao longo do texto, se entendermos a formação como um

processo que permite a cada professor interagir eficazmente com os outros e modificar os

contextos em que se encontra, através de uma capacidade global – por vezes denominada

competência – cuja integração possibilita diferentes índices de desempenho, torna-se,

assim, óbvio que um modelo formativo exclusivista dificilmente pode dar conta destas

exigências, sendo necessário apelar a modelos alternativos que coloquem os profissionais,

desde a formação inicial, em confronto com diferentes perspectivas, aumentando a sua

tolerância à ambiguidade e estimulando-os a evitar o raciocínio linear.

Deste ponto de vista, é indispensável sublinhar a necessidade de privilegiar as

dimensões pessoal e profissional do desenvolvimento, pois que estas permitem verificar

se o grau de maturidade de cada professor é compatível com as exigências que se lhe

colocam, designadamente no que concerne à possibilidade de funcionar não só ao

nível do real mas também do possível, formulando hipóteses em termos abstractos e

concretizando-as através dos seus saberes profissionais.

Neste sentido, é necessário dar lugar à contradição e à complexidade e contribuir

para incentivar a profissionalidade docente através de um processo formativo em que

o principal objectivo é proporcionar a todos os indivíduos um enquadramento propício

à auto-descoberta, ao surgimento do espírito crítico e da capacidade de reflexão, de

modo a contribuir para a redefinição de uma emergente identidade profissional, em que

tornar-se professor se inscreve num percurso progressivo baseado no desenvolvimento

psicológico humano (Kohlberg & Mayer, 1972, Ralha-Simões, 1994, 2002).

Neste contexto, impõe-se a necessidade de uma estratégia plural conducente a modelos

alternativos que, em oposição a um modelo de formação único e exclusivo, permitam

equacionar esta problemática, não só através de uma escolha criteriosa dos conteúdos

curriculares e das metodologias e instrumentos que lhes irão servir de suporte, assumindo

a importância de perspectivas que não se restrinjam a privilegiar estes factores, uma vez

que o professor não é apenas aquele que ensina ou que aprendeu a ensinar, mas quem

conduz o aluno e a si-próprio a níveis de desenvolvimento humano, progressivamente

mais complexos e flexíveis, dos quais depende uma adequada interacção interpessoal, no

quadro de uma sociedade solidária e aberta aos desafios do nosso tempo (Ralha-Simões

& Simões, 1991).

Page 57: Revista Nº2 da Exedra

57

Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo

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Page 59: Revista Nº2 da Exedra

59

Helena Ralha-Simões • Modelos de formação: pluralidade ou dogmatismo

Correspondência

Helena Ralha-Simões

Universidade do Algarve – Escola Superior de Educação e Comunicação.

Campus da Penha

8005-117 Faro

[email protected]

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exedra • nº 2 • 2009

Page 61: Revista Nº2 da Exedra

61

Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle

e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o

Geometric illustrations of the conjugacy principle

Fernando Martins

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

M. A. Facas Vicente

Department of Mathematics - University of Coimbra

Abstract

In this paper, we illustrate the use of the conjugacy principle in several geometric transformations: translations, reflections and rotations. Our context are the real spaces 2 3 and � � . The main role is played by matrices, as it is to be expected. The referred to transformations are fundamental when studying motion questions in the Mechanics, Computer Graphics, Robotics, Computer Games, etc.. Our didactical goals are focused on the acquisition and development of spatial abilities, in order to get a better perception, interpretation and forecasting of the geometrical transformations in our physical world.

Key-words

Didactics of mathematics, Geometry, Conjugacy principle, Translation, Reflection, Rotation

Resumo

Neste artigo, mostramos a utilização do princípio da conjugação na resolução de problemas usando as transformações geométricas: translações, reflexões e rotações. O nosso contexto são os espaços reais 2 3 e � � . Nesta abordagem, a teoria de matrizes, tal como esperado, desempenha um papel preponderante. As transformações geométricas referidas anteriormente são fundamentais no estudo de problemas relativos a movimento, presentes, por exemplo, em Mecânica, Computação Gráfica, Robótica e Jogos. Temos como objectivos de ordem didáctica a aquisição e desenvolvimento de capacidades espaciais, proporcionando desta forma meios de percepcionar o mundo físico e de interpretar, modificar e antecipar transformações relativamente aos objectos.

Palavras-chave

Didáctica da matemática, Geometria, Princípio da conjugação, Translação, Reflexão, Rotação

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exedra • nº 2 • 2009

1. Introduction

The world is essentially geometric and, therefore, the study of geometry increases

its understanding.

The notion of transformation – which adds a dynamical perspective to geometry – is

a tool to study and organize geometrical concepts. The ability to understand and solve

problems in geometry is greater when geometric transformations are used. In this sense,

we can say that geometric transformations foster the increase of the ability of spatial

perception.

In geometry, there are some problems that either can not be solved by direct

application of geometric transformations or the achievement of their solutions may

become a very difficult task. The conjugacy principle helps us to find a solution to

some of these hard problems. This principle [5, vol II, p.374] can be summarized by the

following: in order to solve a difficult problem A, we obtain and solve an easier one T, by using

a transformation S and its inverse1S −

. Furthermore, the relation A=STS-1 linking A and

T is called conjugacy; it is an equivalence relation.

The plan of this paper is as follows: in Section 2 we materialize the conjugacy principle

using translations; in Section 3, to deal with reflections and rotations, the conjugacy

principle is again used.

Some abuse of notation is patent in this paper: we use the sign “:=” to identify

these situations. We consider an orthonormal referential ( ){ } 1 2 3; , ,O e e e and – under

the umbrella of adequate isomorphisms – we write points and vectors in several ways,

according to our needs in each moment.

2. Translation

A translation consists in moving every point in a constant distance in a specified

direction. It is one of the rigid motions (other rigid motions include rotation and

reflection). A translation can also be interpreted as the addition of a constant vector to

each point, or as the shifting of the origin of the coordinate system.

In a more physical approach, the translation means the motion of an object or figure

from a point to another point, along a given direction and always parallel to itself. In the

mathematics literature it is mentioned that the translation is associated to a vector, this

being a mathematical object defined by a direction, orientation and length.

In a great deal of situations we observe translation motions, for instance the earth

motion, the motion of a rolling stair, a chair lift or a lift.

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63

Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle

Undergraduate Science and Engineering students at Universities (classic and

technical) are expected to deal with distance problems in space geometry – which we

include in the category of best approximation problems – using cross, × , and dot, •, products of vectors. Usually textbooks just present formulas for distances. Not much

insistence is put on exhibiting the foot of the perpendicular. When using the conjugacy

principle, we consider a translation t (which is a non linear application) defined by

3 3:

v

t

x x v

→ +

� �

where, of course, we have

( ) ( )−

−=

1

v vt t .

In this section, we state and prove the results we are going to use, by constructing

the solutions, instead of simply enunciating them, and then particularizing the results

known in Approximation Theory. In this constructive approach we present the foot of

the perpendicular in terms of dot and cross products of vectors. For computing the dot

product, •, and the cross product, ×, we use matrix computations.

Given two vectors ( )1 2 3, ,u u u u=

and ( )1 2 3, ,v v v v=

,

we have [6, p.155] [ ]1

1 2 3 2

3

vu v u u u v

v

• =

and 3 2 1

3 1 2

2 1 3

00

0

u u vu v u u v

u u v

− × = − −

.

In this section we are going to show the role of the translation, associated to the

conjugacy principle, by considering two situations:

(i) the best approximation on the line l to an exterior point P;(ii) the best approximation pair of two skew lines l

1 and l

2.

2.1. The best approximation from a point to a line

The best approximation on the line l to an external point P is the foot S, onto the line

l, of the perpendicular that passes through the point P.

In the next result, we establish a formula for the foot of the perpendicular, in terms

of the cross product.

Proposition 1 Let l be a line, which passes through the point =

:M m and is parallel

to the vector u , given by ( )× − =

0u x m . Let =

:P p

be a point such that ∉P l. Then the foot of the perpendicular S is given by the formula: ×

= −

2 ,u rS pu

with

( )= × − r u m p .

Page 64: Revista Nº2 da Exedra

64

exedra • nº 2 • 2009

Proof: We have a pair ( ),P l formed by a point =

:P p and a

line l with equation ( )× − =

0u x m such that ∉P l . We have to displace the line l to

the origin and, for that purpose, we perform the translation = − = − = −

: :MO O M M m .

So, the pair ( )', 'P l enters into consideration, where = − = = −

' : 'P P M p p m, and

= × =

' : ' 0l u x .

We have =( , ) ( ', ')d P l d P l , as distance is invariant under translations [3].

We look for the foot =

' : 'S s of the perpendicular drawn from the point 'P onto the

line 'l .

We build this proof in two steps:

consider a plane p through the point 'P and perpendicular to the line 'l : p is given

by • =

' ' 0P X u ;

intersect the constructed plane p and the line 'l , thus obtaining the foot ', ' 'S S l p= ∩

; we have, successively:

( )( ) ( )aa a

=× = ∈ − • = − • =• =

� '' 0

or or ' 0' ' 0' ' 0

X uu xu p u

X P uP X u

, thus getting

Page 65: Revista Nº2 da Exedra

65

Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle

a•

=•

'p u

u u.

So, we get the foot of the perpendicular

( ) ( )

( ) ( ) ( ) ( )( )

( )

• •• •= = = + − = + −

• • • •

− • − • −− • + •= − = −

• •

× −× − ×= − = − −

' '' '' : ' ' ' '

' '' '' '

''

u p u p u up u p uS s u p u p pu u u u u u u u

u p u p u uu p u p u up p

u u u u

u uu u pp p m

u u

( )( ) ( )( )× − × × −= − −

2 .p m u u m p

p mu u u

After being performed the reverse translation = − = OM M O m , we obtain the foot

of the perpendicular

( )( )× × −= + = + = −

2' : 'u u m p

S S M s m pu

.

In the case where the line l passes through the origin of the coordinates we have the

following result.

Corollary 1 Let l0 be a line [containing the origin O and which is parallel to the vector

u ]

given by × =

0u x and =

:P p be a point such that ∉ 0P l . Then the foot of the perpendicular

S is given by the formula ×= −

2 u rS pu

, with = × r p u .

2.2. The best approximation of two skew lines

In this section we present a process to determine the pair ( )1 2,S S of points ∈1 1S l and

∈2 2S l that are closest to each one. The key idea is that we invoke twice the distance from

a point to a line through the origin. We have two translation movements: each line has,

once, to be displaced to the origin. Afterwards, two corresponding reverse translations

have to be done, as well. The feet of the perpendiculars (one foot on each line) depend

on parameters. The vector whose extremities are the feet of the perpendiculars also

depends on these parameters.

Let us consider the skew lines l1 and l

2 given, respectively, by ( )× − =

0u x p ,

Page 66: Revista Nº2 da Exedra

66

exedra • nº 2 • 2009

( )× − =

0v x q , with =

:P p and =

:Q q .

We look for the foot of the perpendicular S1, onto l

1, and the foot of the

perpendicular S2, onto l

2.

Then we form a vector which achieves the distance between the two lines, for

example

1 2S S . The distance is given by =

1 2 1 2( , )d l l S S .

We may follow the next steps.

(a) Translation of the line l1 to the origin.

We translate the pair ( )1 2,l l , so obtaining the pair ( )′ ′1 2,l l , where

Figure 2: The pair ( )1 2,l l turns into the pair ( )1 2,l l′ ′ .

( )′ ′= × = = × − =

1 2: ' 0, : ' ' 0l u x l v x q , with = −

'q q p. We take the current point, b b′ ∈ �2 ( ),Q , on the line ′2l , which is

( )b b b b b′ ′= − + − + − + =

2 1 1 1 2 2 2 3 3 3 2( ) , , : ( )Q q p v q p v q p v q . Our problem, now, is to

determine the distance, ( )b′ ′2 1( ),d Q l , between the point b′2 ( )Q and the line ′1l .

Applying Corollary 1, we have b′1( )S , the foot of the perpendicular onto the line ′1l ,

1 2 2( ) ( ) u rS qu

b b×′ ′= −

, with b′= ×

2 ( )r q u .

Page 67: Revista Nº2 da Exedra

67

Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle

Figure 3: The pair ( )1 2,l l turns into the pair ( )1 2,l l′′ ′′ .

(b) Translation of line l2 to the origin.

We do another translation of the pair( )1 2,l l , so obtaining the pair ( )′′ ′′1 2,l l where

( )′′ ′′= × = = × − =

2 1: ' 0, : '' '' 0l v x l u x q , with = −

''p p q .

The current point of line ′′1l is

( )a a a a a a′′ ′′= − + − + − + = ∈

�1 1 1 1 2 2 2 3 3 3 1( ) , , : ( ),P p q u p q u p q u p , and, applying

again Corollary 1, we obtain the foot, b′′2 ( )S , of the perpendicular onto the line ′′2l ,

a a×′′ ′′= −

2 1 2( ) ( ) v rS pv

, with a′′= ×

1( )r p v .

(c) Doing the reverse translations.

Turning back to the original pair( )1 2,l l , we have

1 - b b′= +1 1( ) ( )S S P , onto the line l

1;

2 - a a′′= +2 2( ) ( )S S Q , onto the line l

2;

3 - a a′′= +2( ) ( )P P Q , onto the line l

1;

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68

exedra • nº 2 • 2009

4 - b b′= +2( ) ( )Q Q P , onto the line l

2.

The relations (1), (2), (3) and (4) form a system with six equations and two unknowns

, a b . This system is consistent, by geometrical reasons. Solving this system, we get

* and *a a b b= = .

(d) Final step.

Once we have the needed concretization, *and *a b , of the parameters

Figure 4: The best approximation pair (S1, S

2).

and a b , we obtain the feet of the perpendicular 1 1 2 2( *) and ( *).b a= =S S S S

Just for verification of the numerical results, we have, due to geometrical

considerations, 1 2( *) and ( *)a b= =S P S Q .

Page 69: Revista Nº2 da Exedra

69

Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle

2.2.1. Algorithm

Now, let us present the four steps procedure.

1) Find the foot 1 ( )S b of the perpendicular drawn from the line l2 onto the line l1:

(i) Perform the translation associated to the vector PO

of the lines l1 and l

2, so

obtaining, respectively, the lines 1′l and 2′l ;

(ii) Find the current point, 2 ( )Q b′ , of the line 2′l ;

(iii) Obtain the foot 1 ( )S b′ of the perpendicular drawn from the point 2 2( ) : ( )Q qb b′ ′=

onto the line ′1l , using the formula

b b×′ ′= −

1 2 2( ) ( ) ,u rS qu with 2 ( )r q ub′= ×

;

(iv) Find 1 ( )S b and ( )Q b doing the inverse of the translation associated to the vector

PO

, i. e., 1 1( ) ( )S S Pb b′= + and 2( ) ( )Q Q Pb b′= + .

2) Find the foot 2 ( )S a of the perpendicular drawn from the line l1 onto the line l2:

(i) Perform the translation associated to the vector QO

of the lines l1 and l

2, so

obtaining, respectively, the lines 1′′l and 2′′l ;

(ii) Find the current point, 1 ( )a′′P , of the line 1′′l ;

(iii) Obtain the foot 2 ( )S a′′ of the perpendicular drawn from the point 1 1( ) : ( )a a′′ ′′=

P p

onto the line 2′′l , using the formula a a×′′ ′′= −

2 1 2( ) ( ) v rS pv

, with 1( )r p va′′= ×

;

(iv)Find 2 ( )S a and ( )P a doing the inverse of the translation associated to the vector

QO

, i. e., 2 2( ) ( )S S Qa a′′= + and 1( ) ( )a a′′= +P P Q .

3) Solve, for a and b , the system 1

2

( ) ( )( ) ( )

S PS Q

b a

a b

= =

.

4) Finally, find the feet S1 and S2 of the perpendiculars by entering the values of a

and b , obtained in 3), into 1 ( )S b and 2 ( )S a .

Next we prove an interesting geometrical criterium [4, p. 151] for the skewness of

two lines in 3� .

Proposition 2 The lines 1 1 1:= × =

l a x b and 2 2 2:= × =

l a x b are skew if and only if

1 2 0× ≠ a a and 1 2 2 1 0• + • ≠

a b a b .

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70

exedra • nº 2 • 2009

Proof.

By hypothesis, the lines l1 and l

2 are skew. So, × ≠

1 2 0a a and ( , ) ≠1 2 0d l l .

Let us write the lines in the following form:

: : , , (1)

: : , . (2)

a a a

a a a

×= = − + = = + ∈

×= = − + = = + ∈

1 11 1 1 1 1 1 12

1

2 22 2 2 2 2 2 22

2

a bl x a x M a

a

a bl x a x M a

a

We have ( ) ( )( , )

− • ×=

×

2 1 1 2

1 2 2

1 2

m m a ad l l

a a

[6, p. 177], where :=

1 1m M and :=

2 2m M .

From ( , ) ≠1 2 0d l l and × ≠

1 2 0a a , follows ( ) ( ) .− • × ≠

2 1 1 2 0m m a a Hence,

( ) ( ) ( ) ( ) ( ) ( )

( ) ( ) ( ) ( )

( )( )

− • × ≠ ⇔ − × • × + × • × ≠

⇔ × • × + × • × ≠

⇔ − • +

2 1 1 2 2 2 1 2 1 1 1 22 2

2 1

2 2 2 1 1 1 1 22 2

2 1

2 2

2 2 1 1 12 2

2 1

1 10 0

1 1 0

1 1

m m a a a b a a a b a aa a

a b a a a b a aa a

a b a a ba a

( )( ).

• ≠

⇔ • + • ≠

2

1 2 2 1

0

0

a

a b a b

By hypothesis, we have × ≠

1 2 0a a and • + • ≠

1 2 2 1 0a b a b . The lines l1 and l

2 are

not parallel, since to × ≠

1 2 0a a . From the relations (1) and (2), we get = ×

1 1 1b a m and

= ×

2 2 2b a m .

Hence, ( ) ( )• + • ≠ ⇔ • × + • × ≠

1 2 2 1 1 2 2 2 1 10 0a b a b a a m a a m . As

( ) ( ) ( ) ( )( ) ( ) ( ) ( ) ,

• × + • × ≠ ⇔ • × + • × ≠

⇔ • × − • × ≠ ⇔ − • × ≠

1 2 2 2 1 1 2 1 2 1 2 1

2 1 2 1 1 2 2 1 1 2

0 0

0 0

a a m a a m m a a m a a

m a a m a a m m a a

we have 1 2( , ) 0≠d l l . As a consequence, the lines l1 and l

2 are skew.

Page 71: Revista Nº2 da Exedra

71

Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle

Remark 1 In the proof of the Proposition 2 we used two tools: vector divisions [1,

pp.34-35] and the identity ( ) ( ) • •× • × =

• •

r v u v

r u v wr w u w

[1, p.41].

3. Rotations and reflections

Mathematically, a rotation is a rigid body movement which, unlike a translation,

keeps a point fixed. This definition applies to rotations within both two and three

dimensions (in a plane and in space, respectively). A 2-dimensional object rotates around

a center (or point) of rotation. A rotation in 3-dimensional space keeps an entire line

fixed, i.e. a rotation in 3-dimensional space is a rotation around an axis. A reflection is

a map that transforms an object into its mirror image.

3.1. Rotation and reflection in 2-dimensional space

First of all, we will treat the problem of a 2-dimensional rotation and reflection.

Usually, the effect of a rotation can be obtained using a rotation matrix. For an angle

2-dimensional positive rotation (the positive side of the axis moves towards the positive

side of the axis), the generic point is transformed into P'=(x',y'), such that [6, p.277]

.

A reflection relatively to the line of equation y=x tan θ, transforms the point P=(x,y)

into P’=(x’,y’), such that

.

The above reflection matrix can be obtained using the conjugacy principle. In this

case, we consider a transformation that is given by a rotation in 2-dimensional space

R_α, defined by

Page 72: Revista Nº2 da Exedra

72

exedra • nº 2 • 2009

where , and, of course, we have (R_α )^(-1)=R_((-α) ).

So, first we do a rotation R_((-θ) ) with angle –θ, then reflecting about the OX axis

and, finally, rotating R_θ with angle θ. So, the above reflection matrix can be given by

the following product of matrices [6, p.293]

.

3.2. Rotation in 3-dimensional space

A rotation in the 3-dimensional space (around an axis) can be described by a (real

and orthogonal) rotation matrix

,

where the unit vectors , and form the basis of the new (rotated) system of

axis. In particular, when the axis of rotation are the coordinate axis, we have the three

basic rotation matrices (respectively around the OX, OY and OZ axis):

, and

.

The direction of the rotation is determined by the right-hand rule: RX rotates the

y-axis towards the z-axis, RY rotates the z-axis towards the x-axis, and R

Z rotates the

x-axis towards the y-axis.

It can be proven that any general rotation [2, pp. 64-66] around any axis can be

Page 73: Revista Nº2 da Exedra

73

Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle

obtained by three consecutive elementary rotations around the three coordinate axis.

3.3. Rotation of an object around a line in 3-dimensional space using the conjugacy

principle

Let us consider a 3-dimensional orthogonal and direct referential OXYZ with origin

O and basis . We pretend to rotate, by an angle Y, an object A around a line,

, , which is defined by a point Q=(xQ,y

Q,z

Q ) and a direction

given by the unit vector =(u1,u2,u3 ), .

The process we use does appeal the conjugacy principle in the following way. First we

construct a new appropriated referential associated with the line and write the line and

the object in the new referential, then we perform an elementary rotation of the object

and, finally, reverse the previous transformation, writing the rotated object in the initial

system of axis.

In this case, for using the conjugacy principle, we consider the following

transformation, consisting in a change of basis of the 3-dimensional coordinate system

(described by a rotation matrix ) and a change of origin of coordinates (defined by a

translation vector ):

,where .

Without the loss of generality, we consider that the origin of the new (orthogonal

and also direct) referential is located at the point Q of the line L and the new z-axis

has the direction of the vector . So, if (X,Y,Z) are the coordinates of any point of the

space in the initial referential, the correspondent ones (X´,Y´,Z´) in the new referential

QX´Y´Z´ are given by

, (3)

with the orthogonal matrix (because is the matrix of transformation between two

direct and orthogonal systems of axis: M-1 = MT ) defined, for example, by

Page 74: Revista Nº2 da Exedra

74

exedra • nº 2 • 2009

,

with, without the loss of generality(1), , where X stands for

the usual cross product in , and .

Obviously, in QX´Y´Z´, the line has equation

, .

Now, let be a generic point of the object A with coordinates

XP, Y

P, Z

P, with respect to OXYZ and with coordinates

with respect to QX´Y´Z´, given by equation (3), [P and P´ represent the same point in

two different referentials]. The result of the rotation of P around the line L is a point

whose coordinates in OXYZ we are looking for. In QX´Y´Z´, the

same rotated point is given by the elementary rotation about

the QZ´ axis:

.

The legitimacy of the above rotation is due to the fact that is an invariant (its sign

and amplitude do not depend on the chosen referential).

Finally, we perform the reverse transformation, in order to obtain the coordinates of

. Those are given by applying the inverse relation of the initially used:

.

Naturally, the previous process can be applied to all the defining points of the object

A, in order to obtain its transformation by the pretended rotation.

Page 75: Revista Nº2 da Exedra

75

Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle

O

X

Y

Z

'Y

'XQ

'Z

l

C

D

30C 30Dg

u

Figure 5: The effect of a rotation on a line segment.

More details of the change of coordinate system can be found in [2, pp. 59-64].

3.4. Example

We illustrate the described method by the following example. Let us consider a

line , , and a line segment [CD] defined by

of length . We want to obtain the image

by a positive rotation of amplitude 30 degrees around the line .

The new system of axis is obtained by a translation of the origin defined by the vector

and by a rotation matrix M which third column is the unit vector

, the first column is and the second column is

. In QX´Y´Z´, the points C and D have coordinates C´ and

D´, given by

and, by replacing the vector .

Page 76: Revista Nº2 da Exedra

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exedra • nº 2 • 2009

In the new referential, the line is naturally defined by

. Now, we perform the positive rotation of amplitude 30 degrees around the line

, defined by the matrix

and we obtain the points and

. Finally, we perform the reverse change of system of coordinates,

transforming , respectively. So, we obtain

and, substituting, in the above relation, we get

.

The image by the rotation around the line of the line segment

with, just for control, length , as expected.

4. Final remarks and conclusions

By invoking the conjugacy principle when dealing with geometric transformations, we

are able to solve problems of some complexity. Solving problems in the way presented in

this paper, spatial abilities are acquired and developed. Such abilities are very important

and fundamental towards the perception and understanding of day to day phenomena.

In this manner, we strengthen both the mathematical reasoning and the geometrical

thinking, so fundamental to the art of problem solving.

In this paper, we showed the application of the conjugacy principle in several

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77

Fernando Martins & M. A. Facas Vicente • Geometric illustrations of the conjugacy principle

problems in geometry. There are also some interesting cases which were not tackled,

such as the reflection in a plane in the ordinary space. Another interesting approach

would be to establish some relation between the elementary rotations and the rotations

through the Euler angles using the conjugacy principle. We hope that these problems

might constitute a challenging problem for the reader.

Bibliography

Alves, A. S. (1988). Mecânica geral. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação

Científica.

Alves, A. S. (1996). Metrologia geométrica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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Fenn, R. (2001). Geometry. London: Springer.

Melzak, Z. A. (2007). Companion to concrete mathematics – two volumes bound as one. New

York: Dover Publications [Vol. I published in 1973 and Vol. II published in 1976

by J. Wiley].

Vitória, J. & Lima, T. P. (1998). Álgebra linear. Lisboa: Universidade Aberta.

Notas

1) If is collinear with , i.e. or , then change for .

CorrespondenceFernando MartinsEscola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar, Solum, 3030-329 Coimbra, Portugal. Project supported by Instituto de Telecomunicações, Pólo de Coimbra, Delegação da Covilhã, Portugal. [email protected]

M. A. Facas VicenteDepartment of Mathematics - University of Coimbra Apartado 3008, 3001-454 Coimbra, Portugal. Project supported by INESC-C---Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores–Coimbra, Rua Antero de Quental, 199, 3000-033 Coimbra, [email protected]

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Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas

e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o

E-aulas na ESEC: muito para além das aulas

Carla Patrão

Dina Soeiro

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo

A aprendizagem acontece muito para além das aulas. Numa lógica à Bolonhesa, de tutoria, orientação, a utilização de um sistema de gestão da aprendizagem através da Internet possibilita um acompanhamento para além de limites de horários, espaços presenciais, formais, distâncias. Por isso, neste artigo, mais do que promovermos o Moodle, daremos voz a quem o utiliza e a quem dele precisa para falar do que é o E-aulas, das suas potencialidades pedagógicas por explorar, do que tem muito mais para oferecer do que apenas ser um distribuidor de conteúdos, que pode ser um promotor de contextos de desenvolvimento pessoal, social e até organizacional.

Palavras-chave

Aprendizagem, Ensino superior, Potencialidades pedagógicas, Moodle

Abstract

Learning happens beyond classes and in a Bologna Convention locus of tutoring and orientation, using a learning management system based on the Internet allows follow-up beyond schedule limits, presential spaces, formality and distance. This is why in this article we wish to do more than to promote Moodle, by giving voice to those using it and needing it, to talk about E-aulas, its pedagogical potentialities to explore, about what it has to offer, much more than a plain content distributor, as a promoter of contexts of personal, social and organizational development.

Key-words

Learning, Higher education, Pedagogical potentialities, Moodle

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exedra • nº 2 • 2009

1. O e-aulas na ESEC

O E-aulas é um ambiente de aprendizagem virtual sócio-construtivista, ao serviço

dos estudantes e professores da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), que

funciona como complemento à formação presencial, cujo objectivo é melhorar a qualidade

da aprendizagem. É suportado pela plataforma Moodle que oferece potencialidades

pedagógicas exploradas e largamente reconhecidas por instituições de educação

portuguesas e estrangeiras de prestígio, como, por exemplo, a Open University. Para

além da qualidade pedagógica que apresenta, este sistema de gestão da aprendizagem

tem a grande vantagem de ser gratuito.

O Moodle já existia na ESEC através do espaço e-Comunicar, desde 2005, para apoiar

com sucesso os estudantes das licenciaturas de Comunicação e, mais tarde, de Animação

Socioeducativa. Alguns docentes estavam curiosos, queriam saber o que era e como

funcionava, solicitando informalmente formação e a possibilidade de o utilizar como

um meio complementar de gestão do processo de aprendizagem. Então o e-Comunicar

cresceu e deu lugar ao E-aulas, disponível para os docentes que o quisessem aproveitar.

Para apoiar a sua utilização, organizaram-se dois workshops, que permitiram a 30

docentes conhecer a plataforma, discutir as suas potencialidades pedagógicas, analisar

experiências da sua utilização na ESEC, criar as disciplinas no sistema e começar a

explorar. Observámos que existiu entre-ajuda neste processo, que foi uma forma de

também partilhar dificuldades e experiências pedagógicas, independentemente das

áreas e disciplinas. Foi uma oportunidade dos docentes abrirem as portas das suas

metodologias aos colegas.

Todavia, nem todos os professores que fizeram esta formação estão a usar e-aulas, e

há alguns que estão a utilizar e não participaram nos workshops. Alguns docentes tiveram

outras formações na ESEC, como no Projecto Formação Pedagógica para o Ensino Superior,

já dominavam por experiências anteriores ou foram descobrindo à medida que usavam e

foram aprendendo com os colegas que já utilizavam.

Actualmente a plataforma é usada em mais de 100 disciplinas, de 16 cursos,

apoiando cerca de 2750 utilizadores, professores, alunos e ex-alunos, desde o ano

lectivo 2007/2008. O E-aulas é um espaço de apoio aos estudantes das licenciaturas e

mestrados, que possibilita o seu funcionamento em regime misto, presencial e virtual,

ou seja, blended-learning (b-learning).

Desde o início do E-aulas que procuramos descrever, compreender e avaliar o processo

de adesão e adaptação dos utilizadores, o uso desta plataforma e o seu contributo para a

qualidade da formação e para a mudança pedagógica, a partir da percepção dos docentes

e estudantes, bem como da observação contínua e análise crítica da evolução do processo.

Identificar as dificuldades que encontraram, as limitações e as vantagens, recolher

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81

Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas

sugestões e definir estratégias para melhorar o E-aulas e a sua utilização pedagógica

também são nosso objectivo. Porque se assume esta intencionalidade de transformação

pedagógica, a investigação-acção participativa parece-nos um tipo de metodologia

coerente com os objectivos propostos. A metodologia deste trabalho é essencialmente

qualitativa, baseada na observação e na análise de conteúdo de entrevistas, questionários,

dados da plataforma, como fóruns e estatísticas. Acompanhámos os professores de

diferentes áreas científicas e estudantes utilizadores de vários cursos e especificidades,

como trabalhadores-estudantes, estudantes surdos, alguns dos quais entrevistámos

várias vezes num percurso de formação desde licenciatura a mestrado, e em momentos-

chave como estágios e desenvolvimento de projectos de investigação.

Já é o terceiro ano lectivo e estamos a observar que, apesar do número de utilizadores,

do número de turmas, cursos e docentes ter crescido, a sua utilização fica aquém do

possível e do desejável, daí que o objectivo deste artigo seja mostrar as potencialidades

pedagógicas não exploradas, recorrendo sobretudo à voz, perspectiva e contributos dos

próprios utilizadores.

2. Potencialidades pedagógicas a explorar

Alguns professores aproveitaram o Moodle como uma boa oportunidade para mudar

as metodologias pedagógicas, tornando as suas disciplinas mais abertas à participação dos

estudantes, outros utilizaram a plataforma apenas como uma ferramenta de distribuição

de conteúdos e de recolha de trabalhos.

Para os professores, a perspectiva sobre a utilização pedagógica do Moodle é mais

optimista do que a dos estudantes, embora a destes seja positiva também, é mais crítica,

menos entusiástica. No entanto, vai ao encontro das conclusões de uma análise de

estudos portugueses sobre o ensino superior, onde Alarcão e Gil (2004) se referem a

investigações sobre as iniciativas de e-learning e afirmam que, em geral, os estudantes

avaliam positivamente esta modalidade, sobretudo os trabalhadores-estudantes. A

relação dos estudantes com as tecnologias é de familiaridade. Alguns deles tiveram até

experiências prévias de utilização de plataformas de aprendizagem. A relação com a

tecnologia é positiva, contudo como uma das professoras afirma “não é uma relação de

entusiasmo ou de paixão”, mas necessária.

A tecnologia deve estar ao serviço da aprendizagem, para de forma coerente

responder às necessidades e aproveitar as potencialidades dos contextos de formação.

“A tecnologia é uma ferramenta, a ferramenta só por si não faz nada” (Silva, 1998, p. 134).

Por isso, não adianta ter uma plataforma excelente se não for bem utilizada. Uma

tecnologia adequada não garante, por si só, o êxito da aprendizagem. Deve subordinar-se

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exedra • nº 2 • 2009

a tecnologia aos objectivos educativos, escolher a tecnologia que seja necessária, fiável,

segura e acessível aos aprendentes (Mehrotra, Hollister e McGahey, 2001) e utilizá-la

bem pedagogicamente.

Adverte um professor, “os docentes têm de ter formação e condições para usarem

este sistema que exige grande disponibilidade física e mental”. Reconhece outro:

“qualquer ferramenta que facilite a processo de ensino aprendizagem deve ser utilizada.

No entanto, tem de haver vontade e tem de se adequar à natureza e aos objectivos da

unidade curricular”. Os docentes consideram vantajosa a generalização do E-aulas na

ESEC, mas avisam que é necessário serem apoiados para trabalharem em b-learning, com

formação pedagógica sistemática, contínua, com condições, em termos de organização,

meios e recursos, para que essa aposta seja responsabilizadora e partilhada. Os

estudantes concordam que os professores devem rentabilizar para a aprendizagem as

potencialidades da plataforma, como confirma esta estudante de mestrado que sugere

a “consciencialização dos docentes para a utilização desta ferramenta e a possibilidade

dos alunos trocarem apontamentos e ideias, discutindo temas leccionados. Um

workshop onde pudéssemos aprender a utilizar todas as ferramentas do E-aulas.”; e um

estudante de Comunicação e Design Multimédia (CDM): “considero bastante urgente

a sensibilização por parte de todos os professores em utilizar este tipo de plataforma

e ao mesmo tempo dar formação para que possam manter tudo organizado”. Assim, é

fundamental haver uma estrutura de apoio, ao serviço dos docentes e dos estudantes,

que ajude a rentabilizar a utilização da plataforma, quer do ponto de vista tecnológico,

quer do pedagógico.

Em b-learning, como a formação presencial é complementada com o contexto virtual

de aprendizagem, a carga de trabalho dos estudantes e do professor deve ser distribuída

de forma equilibrada, não deve significar uma adição, mas uma complementaridade. O

contexto virtual deve apoiar, não complicar a aprendizagem. Em b-learning, assim como

em e-learning, uma boa gestão do tempo e das actividades formativas é essencial.

Neste sentido, Ramos (2004) chama a atenção para a necessidade de encontrar formas

dignas de contabilização deste trabalho dos docentes como forma de reconhecimento

adequado do esforço dos professores que se empenham na inovação e de encorajamento

da adesão de novos docentes. O êxito e a qualidade desta modalidade dependem sobretudo

da motivação dos professores, mas esta não chega, é necessário que seja também objecto

do investimento das instituições. Esta mudança no sentido da inovação pedagógica só

é possível com a adesão e participação de todos os elementos (Simão, Santos e Costa,

2003).

Referindo-se à relação entre o Moodle e a pedagogia, diz um professor: “deve haver

uma união, de facto, tendo como padrinho o Processo de Bolonha… mas para ser

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83

Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas

minimamente eficaz, exige um divórcio com a visão do passado, (professores com muitas

turmas, muitas unidades curriculares, com trabalhos académicos em mãos, sem tempo

para pensar com os alunos) corre-se o risco de baixar a qualidade das aprendizagens,

se se ficar apenas pelo folclore e não houver mais condições para se trabalhar no novo

paradigma…”.

2.1. Muito mais do que um repositório de conteúdos

No primeiro ano de utilização, a plataforma era recurso de poucos docentes, mas

no segundo ano de vida do e-aulas, os professores que já utilizavam com uma ou

duas disciplinas depois generalizaram a todas e o número de professores utilizadores

duplicou.

Uma docente de Comunicação Organizacional (CO) justifica o início da sua actividade

“com todas as cadeiras de todos os géneros, desde o início deste ano lectivo por achar que

o Moodle é muito mais interessante, menos “depósito” de conteúdos, mais interactivo.”

Todavia, pensamos que a razão que levou a este aumento de adesão não se deveu às

vantagens do Moodle, mas ao facto da plataforma MyESECweb, de gestão de conteúdos,

construída para utilização generalizada na Escola não estar operacional no início desse

ano lectivo e alguns professores, para disponibilizarem os materiais de apoio, recorreram

ao e-aulas. Como uma estudante de CDM justifica: “comecei a utilizar o e-aulas assim

que os professores nos indicaram... A utilização apenas é feita para ver que trabalhos

temos que fazer, as datas de entrega e material de apoio. Não utilizamos muito mais,

pode-se dizer que mal usufruímos do fórum...é mais utilizado como apenas uma espécie

de e-mail”. Uma professora corrobora: “para os estudantes funciona apenas como local

onde retiram materiais de apoio e onde colocam trabalhos de casa. E outra docente

confirma: “os alunos limitam-se a fazer o download dos materiais de apoio e a entregar

trabalhos”.

Sobre esta utilização pobre do E-aulas, justifica uma docente, “provavelmente será

por coabitarem dois sistemas de disponibilização de informações e por ser o Moodle o

menos escolhido, que a presença do Moodle ainda não impôs as suas vantagens”. Como

repara um estudante de CDM: “um pouco confuso ao início. Mais uma plataforma que

vem confundir ainda mais os estudantes que não sabem onde ir buscar os documentos

necessários.” Tal como diz outro colega seu: “penso que a plataforma Myesec e a E-aulas

“atropelam-se” uma à outra, pois ambas podem ter a informação referente à disciplina,

ambas podem disponibilizar material de apoio, etc. Considero a plataforma myESEC com

maior usabilidade do que o E-aulas, apenas com um inconveniente que é o de não se

poder submeter tópicos”.

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exedra • nº 2 • 2009

De facto, existem três plataformas na ESEC: para além do Moodle no E-aulas, temos

o MyESECweb para materiais de apoio e a Secretaria Virtual para sumários e notas,

todavia só no E-aulas os estudantes podem ser produtores de conteúdos e interagir. Nas

outras duas, são apenas consumidores, numa lógica de “concepção bancária de educação”

que Freire (2006) critica, pois esta limita a educação a um acto de depósito, na qual o

aprendente, passivamente, recebe esse depósito.

O E-aulas é usado maioritariamente para colocar materiais de apoio.

Independentemente do Moodle ser potencialmente mais rico, a utilização deste foi

sobretudo a mesma que davam à MyESECweb.

Exemplo disso, são os mais de 1200 recursos lá disponíveis. Apesar de terem sido

criadas 29 salas de conversação e mais de 200 fóruns, alguns deles nunca estiveram

activos, o que sugere que, apesar do Moodle ser, para os estudantes e professores, uma

ferramenta interessante para a comunicação e interactividade, as suas potencialidades

não são rentabilizadas, como reconhece uma professora: “tenho a noção de não usar

todas as possibilidades do Moodle mas as que uso são acessíveis”.

Em relação à utilização da plataforma, diz uma estudante: “de um modo geral correu

muito bem, apesar de inicialmente haver algumas dificuldades. Importa salientar o apoio

constante da professora.” Todavia um estudante de CDM adverte: “Existem professores

que organizam os conteúdos melhor que outros, facilitando bastante ou não a tarefa por

parte do aluno”. Para os alunos, o mais fácil é ir lá buscar ou deixar documentos, utilizar

a plataforma apenas como um repositório de conteúdos.

Em relação às dificuldades, afirma uma estudante de CDM, “depois de ir explorando

(às vezes mal) é que nos fomos habituando às ferramentas.” Outro colega de CDM refere

que “o layout por vezes é confuso e a informação não está instantaneamente acessível”,

isto pode dever-se à estratégia de alguns professores que por entre mensagens de fóruns

vão anexando materiais de apoio, para assim “obrigar” os estudantes a irem aos fóruns

e participarem nas discussões. E, para os estudantes, dá menos trabalho a encontrar

se os materiais estiverem dispostos todos numa secção, sobretudo se o professor deixa

os materiais todos logo nos primeiros dias. Assim, os alunos só precisam de lá ir uma

vez e perdem-se todas as outras possibilidades. Por isso, afirma uma professora: “há

necessidade do docente desenvolver estratégias que permitam aos alunos perceber os

benefícios do uso”.

O E-aulas facilita as tarefas dos professores, sobretudo na partilha de conteúdos, na

organização dos materiais de apoio, quer produzidos pelos docentes, quer construídos

pelos estudantes, no uso de incentivos aos alunos e feedback mais eficaz. Uma professora

afirma: “tem ainda a vantagem de guardar a memória de uma cadeira, quer os conteúdos

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Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas

que disponibilizei quer os trabalhos feitos pelos alunos”.

Para os professores, o E-aulas possibilita “um contacto mais assíduo e mais eficaz com

os/as estudantes”. Mudou a criação de materiais de apoio, tornou-os mais acessíveis, a

qualquer hora, em qualquer lugar, mas também às bolsas dos estudantes, porque gastam

menos em fotocópias. Os trabalhos são recebidos e organizados mais facilmente e a

avaliação contínua ganha com toda esta proximidade. Sublinham ainda a vantagem de

criar um espaço próprio e mais interactivo para cada turma, onde a relação estudante(s)-

professor sai beneficiada.

Um trabalhador-estudante de ASE afirma que o E-aulas mudou a formação: “sem

dúvida, a mudança deve-se ao facto de poder dar continuidade à minha formação em casa,

e de ter sempre acessível a documentação facultada pelos docentes.” Outro estudante

de ASE confirma: “de certa forma mudou um pouco. No aspecto de se poder aceder a

informações em tempo rápido e quando o aluno pode… novas formas de aprender que têm

as suas vantagens”. Opinião contrária tem um estudante de CDM, também trabalhador-

estudante: “se mudou a formação, acho que não, pois a formação será sempre a mesma,

mas tenho a certeza que facilitou o contacto entre aluno e professor, pois construiu uma

ponte para a entrega de trabalhos e a consulta de diverso tipo de material”, tal como

outra colega de Turismo, que responde: “não muito, os professores não utilizam muito

essa plataforma”.

Já a estudante do mestrado tem outra perspectiva: “permitiu um acesso mais

rápido à informação e, por sua vez, a troca de experiências. Para além disto, é uma

ferramenta, que, actualmente, utilizo no emprego, e foi uma mais-valia para a minha

contratação.” Que vem dar razão a uma sua afirmação feita no ano anterior, enquanto

finalista de licenciatura: “A utilização da plataforma E-aulas foi uma experiência de

bastante importância. Por um lado, o E-aulas permitiu-me iniciar e desenvolver os

meus conhecimentos e competências no domínio de plataformas e-learning, até agora

quase nulo. Se tivermos em conta que para a nova etapa que se aproxima, no meu caso

o mercado de trabalho, a utilização desta ferramenta é uma mais-valia, então, cada vez

mais é de aproveitar a possibilidade de utilização que nos deram. Aliás, uma vez que

estamos a pagar propinas é de valor aproveitar tudo o que a escola nos pode oferecer.”

Os estudantes consideram que o E-aulas apoiou e complementou a formação presencial

e por isso reivindicam a generalização do E-aulas a outras disciplinas.

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exedra • nº 2 • 2009

2.2. Diversidade na sua aplicação

A ESEC tem cursos de natureza muito diversa e a utilização do E-aulas é também

espelho dessa diversidade. Assim, há cursos que estão a utilizar muito mais do que

outros. Contudo, a natureza das próprias disciplinas e cursos não é determinante para

a dimensão da utilização do E-aulas, embora seja um factor a considerar, como na

licenciatura em Teatro e Educação que utiliza pouco e em Arte e Design que nem sequer

usa. Esta dimensão depende mais do envolvimento e entusiasmo dos professores, que vão

contribuindo para motivar outros colegas. Exemplo disso, as licenciaturas em Animação

Socioeducativa (ASE) e Comunicação Organizacional são os cursos que utilizam mais,

sendo que, curiosamente, a licenciatura em Comunicação e Design Multimédia é dos

cursos que utiliza menos.

A plataforma também está a ser utilizada no Mestrado em Educação Musical do

Ensino Básico e no Mestrado de Educação de Adultos e Desenvolvimento Local, com

disciplinas partilhadas por vários docentes, e neste caso, o E-aulas facilita o trabalho em

equipa.

O processo de interacção, à luz do paradigma construtivista, seria promotor de

construção dialógica do conhecimento. É da interacção que nasce o conhecimento.

Todavia, grande parte dos alunos não são muito participativos e só utilizam a plataforma

quando têm uma tarefa estipulada e um prazo a cumprir. Desculpam-se com a falta

de tempo, com o excesso de trabalhos noutras disciplinas ou com a dificuldade em

acederem a um computador, tal como confirma um estudante de ASE: “a participação

foi pouca devido ao pouco tempo disponível, e na dificuldade de acesso à Internet”. Diz

também uma estudante de CDM “se não fosse obrigatório entregar trabalhos através da

plataforma posso dizer que nem a utilizava”. Aqui está um testemunho que exemplifica

a resistência geral das turmas de CDM à utilização da plataforma, o que é uma surpresa,

uma vez que as tecnologias são uma ferramenta essencial e familiar neste curso. Esta

aluna explica: “E é uma óptima ferramenta para estudantes-trabalhadores ou alunos

que residam longe da faculdade. Mas também não vi mais nenhum lado bom da sua

utilização. O professor continuava a ser o professor (a receber trabalhos e avaliá-los) e

o aluno continuava a ser aluno (a entregar trabalhos) e através do E-aulas era como se

tivéssemos um professor virtual, aquele que nem fala! Em vez de nos fazer comunicar

mais até parece que cortou as relações, porque nem comentários “ouvíamos””.

Este silêncio do professor cala todas as possibilidades que este recurso oferece. Por

isso, um trabalhador-estudante finalista de ASE refere a necessidade de um “compromisso

de ambas as partes de consultar e de acompanhar o que se vai sucedendo no E-aulas”.

O professor é sobretudo um facilitador, animador, moderador. Exige que ele dê feedback

rápido. Importa, pois, definir com os estudantes um prazo realista e razoável para esse

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Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas

feedback (normalmente entre 24 a 48 horas), para que eles não estejam à espera de

feedback imediato, mas também não desesperem ou desanimem. É, de facto, importante

que o professor dinamize o espaço formativo. Se os estudantes sentirem que o professor

não se envolve, também não participam. Para motivar os estudantes e para valorizar

a sua participação, é também necessário avaliá-la. Contar para nota é um incentivo à

participação.

No que diz respeito às dinâmicas de interacção no E-aulas entre estudantes, chamamos

a atenção para o que diz uma estudante de CDM: ”Expondo certos trabalhos e trocando

comentários com o professor à vista de todos faz, muitas vezes, com que essa pessoa seja

deixada de parte ou ela pode ouvir comentários como “´tás a engraxar?”. Num mundo

adulto ainda se pode ver muita criancice. O E-aulas pode ser uma boa ferramenta mas

há maus utilizadores.”

A utilização da plataforma, segundo os docentes, foi variável, dependendo dos

estudantes, das turmas e cursos. “A experiência foi bastante positiva, a todos os níveis.

Contudo, a turma do 3º ano do Curso de ASE, foi bastante mais participativa do que

a turma do 2º ano da mesma disciplina, do mesmo curso. Terá a ver com uma maior

maturidade académica e científica que mais um ano de trabalho confere?”, interroga-

se um docente. Pensamos que esta é uma variável a considerar, mas também há outras

como a novidade e o entusiasmo dos estudantes do 1.º ano.

Na nossa experiência observámos que o e-aulas facilita a integração dos trabalhadores-

estudantes nas turmas, uma vez que a sua frequência às aulas é muitas vezes comprometida

por causa da sua situação. Apesar de muitas vezes não se encontrarem nas aulas, estão

juntos no E-aulas, e aí, até podem trabalhar de forma colaborativa, por exemplo, em

wikis, workshops. Um professor sugere uma estratégia criativa: fóruns aos quais chamou

“café”, que são espaços informais, de conversa livre, que contribuem para fortalecer a

relação entre estudantes e até com o professor.

Sobre a relação estudantes-professor, conta uma estudante de CDM: “conheço casos

em que melhorou a relação aluno-professor na medida em que o aluno era tímido e

prefere comentar através da Net em vez de expor as dúvidas na aula.” Todavia os

estudantes referem a importância da relação presencial, da qual não abdicam. Apesar

de Joyes (2000), nas suas investigações, concluir que os estudantes consideraram que

o feedback face-a-face não trouxe vantagens significativas para a sua aprendizagem, a

falta de contacto presencial é naturalmente uma limitação dos sistemas de gestão da

aprendizagem através da Internet.

A plataforma tem aproximado os alunos, em especial aqueles que estão ausentes

da escola. A distância é superada no caso dos trabalhadores-estudantes, dos alunos do

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exedra • nº 2 • 2009

programa Erasmus e estagiários. Um professor reconhece: “É uma mais valia quando

aliada à presencial – fundamental nalgumas etapas”, como os estágios e projectos de

investigação.

O trabalho de orientação de estágios pode ser facilitado através da plataforma,

porque mantém um contacto mais próximo e sistemático com os alunos. O glossário

de termos técnicos pode ser uma ferramenta preciosa para os alunos, que enfrentam o

novo desafio do mercado de trabalho. O blog também é uma ferramenta interessante,

assim como o portfolio, que sendo personalizado, poderá cumprir uma função académica

de acompanhamento e avaliação, mas também profissional. A utilização constante do

fórum, por parte dos alunos, permite aos orientadores o acompanhamento assíduo do

trabalho desenvolvido diariamente. Os fóruns e os chats, permitem ainda resolver todas

as dúvidas, de forma imediata. Para além do relato do trabalho realizado, os alunos

podem partilhar as experiências, os anseios e as expectativas em relação ao mercado de

trabalho.

Como explica, uma trabalhadora-estudante de ASE: “Temos a oportunidade de

ter o nosso Professor ou Professora do outro lado, a tirar as nossas dúvidas, a dar-nos

alento (que é tão importante!!!), a dar-nos sugestões,… enfim uma série de coisas que

só quem trabalha, estuda e quer ser alguém na vida é que dá valor e importância a esta

Plataforma.”

Simão, Santos e Costa (2003) advertem que as instituições não podem ignorar a

necessidade de acolhimento ajustado a novos públicos, numa perspectiva de «educação

e formação ao longo da vida», e nesse sentido, acolhendo os estudantes maiores de 23

anos, predominantemente trabalhadores, a ESEC tem de oferecer soluções alternativas

e flexíveis. O uso pedagógico do e-aulas é uma solução, especialmente eficaz para os

estudantes-trabalhadores, porque o b-learning permite a flexibilidade e autonomia.

Contudo, no que diz respeito aos estudantes adultos não tradicionais, tem de se ter

algum cuidado, porque pode existir “um desfasamento geracional em relação às novas

tecnologias” (Correia e Mesquita, 2006, p. 96) o que implicará disponibilizar formação e

apoio específico.

Outra questão a ter em consideração é que os alunos revelam preocupações com a

exposição pública da plataforma, isso é notório nas participações dos fóruns que têm

uma escrita mais cuidada, dada a vinculação do discurso escrito. Parece ser esse o motivo

pelo qual alguns alunos não participam muito nos fóruns.

No caso dos estudantes surdos, embora a ferramenta lhes possa ser útil se for bem

explorada pedagogicamente, a maioria não está à vontade para participar, uma vez que

não querem expor aos colegas (sejam eles surdos ou ouvintes) e até aos professores as

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Carla Patrão & Dina Soeiro • E-aulas na ESEC: muito para além das aulas

dificuldades na escrita, pois preferem comunicar gestualizando apenas. A utilização de

vídeo iria ao encontro deste desejo, todavia, sem abdicar da exigência da escrita que é

essencial, ainda mais porque têm dificuldades.

2.3 - Perspectivas diferentes, contributos diferentes, mas complementares

Para melhorar o e-aulas, os docentes sugerem tornar a plataforma visualmente

mais apelativa, tal como os estudantes. Como sugestões, uma estudante de

CDM propõe: “deveriam deixar textos de apoio ou de acordo com os temas

abordados na aula, (deixar resumos já é pedir demais mas também ajudava),

podiam deixar links para sites de interesse, realizações de workshops que

tenham conhecimento, nomes de livros interessantes... Quanto ao E-aulas em

si, penso que o layout deveria melhorar um pouco, pois ao fim de uns minutos já temos

vontade de abandonar o sítio.” Todos os estudantes de CDM referem que era necessário

melhorar o layout, o que nos indica mais um factor que possa justificar a resistência dos

estudantes de CDM na utilização da plataforma.

É interessante verificar que as perspectivas dos estudantes sobre o E-aulas dependem

das suas áreas, destacando os de CDM que chamam a atenção sobretudo para a necessidade

de melhorar o layout e os de ASE que valorizam as potencialidades de interacção, partilha

e colaboração. Por isso, propomos que os estudantes pudessem trabalhar em projectos

que melhorassem o E-aulas e a sua utilização, tornando a plataforma também fruto do seu

investimento reconhecido academicamente. Os de CDM poderiam trabalhar o layout e os

de ASE a exploração das potencialidades de interacção, partilha e colaboração. Podiam

até trabalhar em conjunto, com projectos de vários cursos, de forma interdisciplinar.

Conclusão

Partimos da ideia de que muito para além das aulas, o E-aulas é um espaço de múltiplos

contextos de aprendizagem que nasceu e continua a crescer pelo empenhamento dos

professores e pelas dinâmicas que os estudantes lhe conferem. E tal como as aulas são

muitos diferentes ou muito iguais, também no E-aulas se pode limitar a reproduzir ou

pode inovar. E é a inovação pedagógica, a criatividade e o envolvimento dos que aprendem

através do E-aulas, estudantes e professores, que responde aos desafios que todos os dias

no ensino superior abraçamos.

O MyESECweb é uma plataforma que gere conteúdos, poder exclusivo do professor

e o estudante apenas consome, não contribui, não transforma, enquanto que o Moodle

permite que os estudantes consigam gerir a aprendizagem, participem na construção dos

contextos dessa aprendizagem.

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O Moodle é normalmente utilizado em contexto pedagógico, mas a nossa proposta

ultrapassa esta dimensão, apesar de ser para nós a mais importante, por isso lhe dedicámos

o artigo. Todavia não queríamos deixar de apontar algumas pistas para rentabilizar o

Moodle também do ponto de vista organizacional.

Assim, sugerimos que o Moodle seja também um contexto de comunicação e

proximidade institucional que, naturalmente, contribui para a qualidade da formação.

Explorar não só as potencialidades pedagógicas, mas também as de comunicação e

de interacção úteis aos professores, ao seu trabalho de interdisciplinaridade e até ao

trabalho organizacional e de gestão, uma vez que a escola se encontra num processo

de reorganização, no qual foram criados departamentos. A utilização do Moodle pode

permitir a comunicação intra e inter-departamentos. Cada departamento pode ter o seu

espaço e nele comunicar através de fóruns, salas de conversação, partilhar documentação

e ficheiros, notificar as actualizações, desenvolver propostas, criar documentos em

colaboração através dos wikis, construir bases de dados, realizar referendos e criar um

histórico. Com estas possibilidades a organização do trabalho pode ser mais aberta,

transparente, democrática e participativa.

Caminhamos para plataformas que gerem comunidades, ao mesmo tempo que

possibilitam a colaboração e participação, permitem a personalização, ou seja,

a adequação dos conteúdos ao perfil do utilizador, o que, por exemplo, pode ser

importante para ir ao encontro do estilo de aprendizagem do estudante. Deste ponto de

vista, as ferramentas colaborativas da WEB 2.O podem ser muito úteis do ponto de vista

pedagógico e organizacional numa instituição de Ensino Superior.

Bibliografia

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Educação, A sociedade da informação na escola (pp. 133-139). Lisboa: Ministério

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Simão, V., Santos, S., & Costa, A. (2003). Ensino superior: uma visão para a próxima década.

Lisboa: Gradiva.

Correspondência

Escola Superior de Educação

Praça Heróis do Ultramar – Solum,

3030-329 Coimbra, Portugal

Carla Patrão

[email protected],

Dina Soeiro

[email protected]

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exedra • nº 2 • 2009

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Ricardo Melo • Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual

e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o

Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual

Ricardo José Espírito Santo de Melo

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo

Este artigo tem como principal objectivo realizar uma reflexão crítica em torno do conceito de “Desportos de Natureza”. Explicaremos a necessidade de estabelecer o debate teórico sobre este conceito, tendo em conta a indispensabilidade de delimitar o campo de análise de investigações científicas que tenham estas actividades como objecto de estudo. De seguida, procuraremos responder aos principais desafios teóricos que nos são levantados relativamente a esta questão conceptual: a) Poderão estas práticas corporais desenvolvidas em meio natural ser consideradas desportos?; b) Como enquadrar numa só definição um conjunto de termos que sugerem a prática de actividades distintas em meio natural?; c) Qual o significado de Natureza na perspectiva das práticas corporais em meio natural? Apresentamos, por fim, , uma proposta conceptual fundamentada, que permite uma definição integrada das actividades que o conceito de Desportos de Natureza abrange.

Palavras-chave

Desportos de Natureza, Desporto, Natureza, Lazer

Abstract

The aim of this article is to perform a critical reflection about the concept of Nature Sports. We will start by explaining the need to establish the theoretical debate about this concept, keeping in mind the requirement for limiting the field of analysis of the scientific research developed with these activities as main subject. Next, we will try to answer to the main theoretical challenges which are raised upon this conceptual question: a) Can these body practices in natural environment be considered as sports?; b) How can we include, in only one definition, the group of terms suggesting the practice of distinct activities in the natural environment?; c) What is the meaning of Nature in the perspective of the body practices in the natural environment? In the end we will present a reasoned conceptual propose, which allows an integrated definition of the activities that the concept of Nature Sports enclose.

Key-words

Nature sports, Sport, Nature, Leisure

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1. Notas iniciais sobre as práticas corporais em meio natural

O desporto é hoje considerado como um dos maiores e mais importantes fenómenos

sociais. Por um lado (…) tem sido influenciado pela dinâmica social, a partir da comunicação

global iniciada, fundamentalmente com as novas tecnologias, por outro, o próprio desporto,

numa espécie de regresso ao passado, começou também a influenciar a própria sociedade, não

só a partir dos padrões de moda que impõe, como também pelos estilos de vida que organiza

para a sociedade actual, sobretudo naquilo que diz respeito à gestão do tempo livre (Pires,

1995: p. 29).

De certa forma, novos hábitos e valores associados ao desporto surgem a partir da

campanha internacional lançada pelo Conselho da Europa em 1966, denominada por

“Desporto para Todos”, consolidado mais tarde pela Carta Europeia do Desporto (1992),

cujo enunciado expõe e define a prática desportiva como um direito fundamental de

todos os cidadãos. Este documento torna-se, aliás, num instrumento político-ideológico

e um marco extremamente importante neste movimento, que origina o desenvolvimento

de um novo paradigma, especialmente na Europa, e que torna o desporto, para além da

vertente competitiva, num espaço de satisfação das novas necessidades sociais, de fuga à

rotina, de procura da evasão, da aventura e do risco (Marivoet, 2002; Gomes, 2008).

Associado à crescente democratização da prática desportiva operada por este

movimento, mas também através do aumento das preocupações com a sustentabilidade

do planeta, têm sido gerados novos hábitos e comportamentos de consumo (Dias, Melo &

Júnior, 2007), o aumento significativo da prática de actividade física desportiva, associada

quer à valorização do tempo de lazer, quer à busca de actividades de ar livre (Costa,

2007) e o crescimento, valorização e difusão dos desportos praticados na natureza (Dias,

Melo & Júnior, 2007). Estas actividades praticadas em contacto com a natureza estão

a consolidar-se desde há 30 anos como um dos grupos mais sólidos e com mais futuro

no âmbito da nova cultura corporal (Bétran & Bétran, 1995a), pois cada vez existe uma

maior necessidade de contacto com a natureza, de procura de sensações e emoções numa

sociedade demasiado rotineira e controlada, de procura de novos estados de consciência

numa sociedade dessacralizada e laica, e um novo modo de viver o tempo livre (Miranda,

Lacasa & Muro 1995).

A crescente procura deste tipo de actividades desportivas apresenta, também,

novos desafios à investigação na tentativa de explicar este fenómeno nas suas diversas

dimensões (Dias, Melo & Júnior, 2007), reflectindo-se no aumento considerável de

trabalhos de índole académico realizados no âmbito deste tema. Todavia estes têm, no

entanto, levantado alguns problemas aquando da delimitação conceptual do seu campo

de investigação, pois têm proliferando diversos termos distintos entre si, cada qual com

um conjunto de pressupostos teóricos subjacentes, e que, geralmente, não têm sido alvos

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Ricardo Melo • Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual

de atenção (Dias, 2007).

Algumas reflexões e conclusões desenvolvidas no campo desportivo aplicam-se,

também, a estas novas modalidades, embora tenham vindo a introduzir, simultaneamente,

novos problemas e desafios a essas teorizações, das quais se destacam os problemas

conceptuais. De facto, concordamos com Dias & Júnior (2006) quando afirmam que as

problemáticas conceptuais dos desportos, quer seja nas suas novas adjectivações, quer

seja nas definições sociais e academicamente estabelecidas, mostram que esta discussão

é insuficiente, ainda mais quando nos referimos às recentes práticas realizadas na

natureza, cujo tempo e esforço dedicados têm sido insuficientes para a sua compreensão.

Acresce, a isso, o carácter eminentemente polissémico, inerente ao próprio conceito de

desporto. Procuraremos assim, ao longo deste artigo, reflectir sobre as práticas corporais

realizadas na Natureza, tentando clarificar e defini-las conceptualmente.

2. Desportos de Natureza: um problema conceptual

Ao iniciarmos o debate em torno desta problemática conceptual teremos que

considerar algumas dificuldades que nos apresenta a sua delimitação teórica. Em

primeiro, as práticas corporais em meio natural, pelo carácter de ruptura que assumem

em relação aos desportos tradicionais, pelas motivações, modelos, objectivos, condições

e espaços bastante distintos, levam ao questionamento da utilização do termo desporto

para as definir. As próprias ambiguidades e contradições do conceito de desporto

dificultam a definição deste campo, impedindo uma aceitação de um fenómeno que

compõe uma mesma categoria de análise (Dias, Melo & Júnior, 2007). Neste sentido

parece-nos claro que, antes de podermos afirmar que estas actividades se possam inserir

no campo desportivo, seja importante começarmos por debater o próprio conceito de

desporto, para estabelecer as categorias conceptuais a serem analisadas. Gustavo Pires

(1994: p. 43) refere-nos que é (…) absolutamente necessário sermos possuidores de uma

ideia esclarecida sobre aquilo que entendemos por desporto, na medida em que o cumprimento

deste objectivo, facilita-nos, em qualquer momento, a compreensão da problemática da

organização e gestão das práticas desportiva, bem como do seu processo de planeamento (…),

ao que acrescentamos também, a uma melhor compreensão do campo de análise em

investigações e estudos científicos.

As actividades desportivas são referidas por alguns autores, na linha de pensamento

de Jean Marie-Brohm (1976), que de forma intransigente e sem a pluralidade de

manifestações que se devem admitir, como actividades corporais de movimento com um

carácter de competição, guiada pelos princípios do rendimento e pelas características

formais e ocupacionais do campo desportivo, conduzem ao risco de tornar o desporto

uma reprodução fiel do mundo do trabalho, eliminando por completo os elementos

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exedra • nº 2 • 2009

lúdicos, onde não seriam claramente enquadráveis as práticas corporais que ocorrem

em meio natural.

O Desporto deve ser entendido como um fenómeno social mais amplo que acompanha

os novos valores e tendências da sociedade, não significando que se deva negar a ideia

de competição no desporto, mas sim, não menosprezar o seu carácter lúdico (Dias, Melo

& Júnior, 2007).

Pelo contrário, também não podemos incorrer no erro de reduzir a compreensão

das práticas corporais em meio natural numa vertente de carácter exclusivamente

cooperativista, oposto à competição, pois o carácter competitivo está presente, pelo

deslocamento do elemento competitivo com o adversário para si mesmo, pelos desafios

pessoais que se colocam, ou para o próprio meio ambiente, pelo carácter imprevisível e

pelos obstáculos que encerra. O desporto não pode ser considerado uma prática cultural

com sentido unívoco e compartimentado, por um lado como uma manifestação do

espectáculo e do rendimento, ou por outro, como uma expressão do lazer e do lúdico, ou

seja, não existe um desporto exclusivamente competitivo ou unicamente cooperativista.

Na nossa opinião, deveremos compreender o fenómeno desportivo como uma

visão multidimensional que nos permita entender a complexidade dos vários aspectos

que a compõem, tendo em conta as questões económicas, pedagógicas, culturais,

organizacionais e políticas, tal como o Modelo Pentadimensional de Geometria Variável.

Este modelo considera o conceito de desporto como uma estrutura aberta, de acordo com

as diversas componentes de cinco elementos (jogo, movimento, agonística, instituição,

projecto) considerados de forma a que cada um deles, de acordo com a geometria

conveniente, por si, e em conjunto, possam interagir de acordo com os objectivos que se

pretendem atingir, as metodologias a empregar e os destinatários a considerar. Tal como

afirma Pires (1994: p. 60), (…) só assim o desporto está ao serviço das pessoas e não estas ao

serviço do desporto.

Para definir o conceito de desporto podemos, ainda, salientar o contributo dado

pela Carta Europeia do Desporto (1992: p. 3) que o define como (…) todas as formas de

actividades físicas que, através de uma participação organizada ou não, têm por objectivo a

expressão ou o melhoramento da condição física e psíquica, o desenvolvimento das relações

sociais ou a obtenção de resultados na competição a todos os níveis. Entendemos assim

que, tal como Pires (1994: p. 60), (…) na realidade, o desporto é uno mas não é unicitário,

pois pode ser desenvolvido através de uma enorme e inesgotável multiplicidade de práticas

desportivas, de acordo com a vontade, os gostos e os desejos de cada um.

Desta forma, discordamos daqueles que denominam as práticas corporais em meio

natural de outra designação que não a de desporto pois, de acordo com Dias, Melo &

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Ricardo Melo • Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual

Júnior (2007), podemos classificá-las e enquadrá-las claramente nesse campo, como

uma sub-cultura deste fenómeno, integrando uma área desportiva mais ampla, ainda

que cada modalidade específica possa ser apreendida de forma diferente, mas sempre

com referências comuns.

Esclarecidas e fundamentadas as dimensões do desporto que actualmente se admitem

e que nos levam a considerar tais práticas desportivas de natureza como modalidades

desportivas, dois problemas conceptuais importam explorar. Por um lado, considerar

a existência de diversos termos utilizados que denominam um conjunto de actividades

como o montanhismo, o “surf”, o parapente e a canoagem, cada qual com um conjunto

de pressupostos teóricos distintos (Dias, 2007) e, por outro lado, considerar um conceito

que permita abranger uma diversidade de modalidades tão díspares.

Justificando esta problemática, Dias & Júnior (2006: p. 141) referem que os

termos utilizados para designar e caracterizar essas práticas são difusos, imprecisos e

pouco consensuais, pois, (…) a dificuldade de se elaborar um conceito que possa definir e

caracterizar com alguma precisão essas práticas acaba por criar uma dificuldade adicional

para as suas investigações (…). De facto, é frequente serem apresentados muitos conceitos

para designar um mesmo objecto de estudo.

Diversas propostas têm sido apresentadas na tentativa definir as práticas corporais

em meio natural, das quais salientamos:

1) Actividades de ar livre – “Plein Air”: esta proposta surgiu na segunda metade

do século XIX, tendo como principal ideia a actividade física em meio natural,

num ambiente saudável (Bessy & Mouton, 2004);

2) Movimentos Naturalista de Hébert e Escutista de Baden-Powell: estes movimentos

surgem no final do século XIX e início do século XX, respectivamente. O pilar

básico destes movimentos é a defesa do retorno à natureza como forma de

contrariar a decadência moral e física dos europeus, em contraste com o

vigor dos povos de outros continentes (Vigarello, 1983; Sobral, 1985; Bessy &

Mouton, 2004).

3) Desportos Californianos: esta designação deve-se à origem geográfica e cultural

destes desportos, que surgem nos anos 60, do século XX, na Califónia - EUA;

mas também devido à sua “estrutura motriz” e a uma “estilo” particular das

práticas: surf, windsurf, voo-livre, skate-board, freesbe, etc. (Pociello, 1986).

Estes desportos são encarados como uma filosofia pacifista e ecologista, onde

os praticantes procuram uma harmonia com a natureza, através de uma prática

livre e emocional, que se opõe à perspectiva competitiva (Pociello, 1986;

Vigarello, 1986; Bessy & Mouton, 2004).

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98

exedra • nº 2 • 2009

4) Actividades de Ar Livre e Exploração: preconizado por Araújo (1983), esta

designação surge em Portugal, no início da década de oitenta, sob a ideia de

um conjunto de actividades que estabelecem o contacto entre o indivíduo, a

natureza e os seus elementos naturais.

5) Actividades Físicas de Natureza – “Activités Physiques de Plein Nature”: esta

proposta surge entre a década de oitenta e noventa, através do desenvolvimento

de actividades com o objectivo de progredir (com ou sem engenho) na natureza,

estando presente um risco relativo, associado à incerteza do meio (Bessy &

Mouton, 2004). Nesta perspectiva, o praticante não pretende integra-se no

meio, sendo este apenas o local de prática das actividades (Moreira, 2007).

6) Desportos de Aventura – “Adventure”/”Aventure”: esta denominação engloba as

actividades físicas, praticadas em meio natural, que respeitam um conjunto de

regras e são praticadas com o constante aparecimento de situações imprevistas

(Vanloubbeeck, 2000) e conotados com um forte sentido de risco e incerteza

(Betrán, 2003).

7) Desportos Radicais: esta designação abrange as modalidades que configuram uma

grande descarga de adrenalina, na tentativa de alcançar objectivos exigentes

aos quais estão, normalmente, associados factores de risco. Estas práticas

estão relacionadas com habilidades “radicais” que dependem de engenhos (e.g.

prancha de “surf”, tábua de “snowboard”, etc.), que permitem utilizar a força

da gravidade para proporcionar o maior número de soluções possíveis, e que

possam superar as forças da natureza: o ar, o solo e a água (Tomlinson, 1997).

8) Desportos Extremos – “Extreme Sports”: este termo foi generalizado a partir

dos anos 80, associado às actividades relacionadas com feitos grandiosos,

excessivos ou imoderados, que são levadas ao extremo para atingir os limites

(Le Scanff, 2000).

9) Desportos de deslize – “Sports de Gliss”: são as actividades que recorrem à utilização

das energias da natureza como um meio de propulsão, que proporciona o

deslizamento na água no ar ou na terra (Lacroix, 1985; Pociello, 1986).

Betrán & Betrán (1995b) apresentam um termo e uma sigla para designar estas

práticas: Actividades Físicas de Aventura na Natureza (AFAN). Tais práticas referem-

se segundo os autores, a actividades que se fundamentam no deslizamento sobre

superfícies naturais, nas quais o equilíbrio dinâmico para evitar as quedas e a velocidade

de deslocamento, aproveitando as energias da natureza (eólica, da ondas, das marés, dos

cursos fluviais ou a força da gravidade), constituem os diversos níveis de risco controlado

nos quais a aventura se baseia. Desta definição fica claro que algumas das actividades que

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99

Ricardo Melo • Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual

consideramos enquadráveis neste tipo de práticas, ficam de fora deste conceito, como o

caso da escalada, do pedestrianismo e do montanhismo (Villaverde, 2007).

De todas estas definições destacamos as suas diferenciações semânticas, pois, apesar

de procurarem expressar um significado semelhante, poderão apresentar significados

distintos (Dias, 2007). Debruçando-nos sobre a análise conceptual dos diversos termos

utilizados, e de acordo um estudo elaborado por Dias (2007) sobre a nomenclatura

utilizada pelos praticantes deste tipo de actividades, quando convidados a comentar

o termo Desportos Radicais, os praticantes de montanhismo referem que este termo

contraria a posição assumida pelos montanhistas, pois na sua opinião, esta modalidade

assumiria o carácter de competição desportiva como qualquer outra, com vencedores,

perdedores, prémios e recordes, criando um conjunto de crenças e valores (competição,

regulamentação, comercialização, etc.) que contraria a perspectiva tradicional e as

convicções hegemónicas estabelecidas entre a sua comunidade.

Por outro lado, o termo Desportos de Aventura assume um carácter vinculativo

a termos como o risco e o perigo. Considerando esta perspectiva, alguns praticantes,

citados por Dias (2007), negam este termo contrapondo que os riscos existem em todas

as modalidades desportivas, e que a taxa de acidentes em modalidades desportivas

tradicionais é bastante superior. A exposição ao risco é inerente aos locais de prática de

tais desportos, pela sua exposição às intempéries da natureza, decorrendo daí a aventura

e o risco que se procura, consumando-se no enfrentar dos desafios naturais, tais como

eles se apresentam, e, tal como Dias (2007), consideramos uma redundância encarar tais

práticas de aventura.

O termo Desportos de Natureza surge, de acordo com Bessy & Mouton (2004), só no

final do século vinte, associado ao aparecimento de novos espaços desportivos na natureza

e ao aumento do número de praticantes que, consequentemente, proporcionaram uma

maior organização, estruturação e segurança das práticas. Estamos, assim, perante um

processo de urbanização da natureza e de naturalização da cidade (Moreira, 2007).

A relação com a natureza é de facto o elo fundamental que caracteriza os praticantes

destas modalidades numa espécie de imaginário de retorno à natureza, na busca da

liberdade e integração na e com a natureza. Estas modalidades estabelecem relações

com temas como a natureza e a ecologia, pois entre os praticantes e a imagem pública

surge a ideia de associar estas práticas à preservação da natureza e ao ambientalismo.

Desta forma, a natureza contempla as características de aventura e de risco, dimensões

definidas pelos praticantes como os principais factores de motivação para a prática

(Dias, 2007). Associado ao termo desporto, optamos por utilizar o termo natureza para

designar as práticas corporais que decorrem em meio natural, pois entendemos que é

aquele que poderá delimitar todas as suas dimensões, agrupando numa só definição este

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100

exedra • nº 2 • 2009

conjunto de modalidades desportivas.

A natureza é apresentada como uma proposta que pretende envolver o desporto

como uma prática que estabelece relações intersubjectivas com os praticantes, com a

finalidade de eles poderem extrair prazer dessa interacção, e na medida em que a própria

natureza é apontada como uma das suas motivações principais, onde os seus simbolismos

são permeados por uma espécie de mitologia do reencontro com a natureza selvagem.

A relação com a natureza poderá ter, na opinião de Moreira (2007), duas vertentes:

a) uma de interesse ecológico, com a descoberta, identificação, análise do envolvimento

natural, tendo como objectivo a conservação e o equilíbrio da mesma e; b) a actividade

física, onde o confronto com a natureza e a sua exploração é efectuada através do

domínio de diferentes técnicas.

Em relação ao termo natureza, utilizado para designar estas práticas, não poderemos

deixar de considerar, pelo menos, as seguintes dimensões: 1) o seu maior ou menor

grau de aventura pela exposição aos riscos objectivos, consoante o local de prática; 2) a

modalidade praticada e o grau de experiência dos praticantes; 3) o carácter ecologista

que está presente nestas modalidades e; 4) as características de evasão presentes na

maioria das modalidades, a procura da emoção, a fuga à rotina e ao stress do dia a dia.

Os espaços ao ar livre em contacto com a Natureza são, de facto, o cenário comum a

estas práticas, normalmente em zonas rurais ou em áreas protegidas, próximas dos locais

habituais de residência ou em locais mais afastados, onde se tenha a necessidade de

realizar deslocações turísticas. Tais práticas associadas ao lazer, assumem-se como um

potencial factor de desenvolvimento do turismo, constituindo uma das modalidades do

Turismo de Natureza e um dos 10 produtos estratégicos do turismo em Portugal (PENT,

2006) e é, muitas das vezes, um dos principais garantes de sustentabilidade, em especial

nas zonas rurais deprimidas.

As práticas de Desportos de Natureza actuam, em especial no âmbito do lazer turístico,

como um agente de mudança, trazendo inúmeros impactos às condições económicas

regionais, às instituições sociais e à qualidade ambiental (Mings & Chulikpongse, 1994).

Estes impactos resultam de um processo complexo de interacção entre os praticantes e

os destinos de prática, incluindo as comunidades receptoras, e resultam das diferenças

sociais, económicas e culturais entre a população residente e os praticantes (WTO, 1993).

Por vezes, tipos similares de práticas podem originar impactos diferentes. A extensão

destes impactos depende não só da quantidade, mas também do tipo de praticantes que

se deslocam a esse destino (Mathieson & Wall, 1996) e da natureza das sociedades em

que ocorrem (Rushmann, 1999).

O desenvolvimento dos Desportos de Natureza, com um carácter sustentável, é um

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Ricardo Melo • Desportos de Natureza: reflexões sobre a sua definição conceptual

processo com tripla acção (WTO, 1993): i) a sustentabilidade sociocultural, que permite

que o controle e a gestão dos recursos disponíveis sejam efectivados localmente pelas

populações autóctones, de acordo com os traços culturais e os padrões valorativos

de referência; ii) a sustentabilidade ecológica, que garante a adequação entre o

desenvolvimento e a preservação ambiental e; iii) a sustentabilidade económica, que

permite a eficiência económica sem ameaçar o crescimento futuro.

De acordo com Brito (2004: 122), (…) a relação entre as três dimensões é conseguida,

através da garantia de preservação ambiental, atribuindo autonomia às comunidades

locais, respeitando a cultura e os valores de origem, reforçando a identidade comunitária,

salvaguardando o desenvolvimento económico mediante a gestão dos recursos disponíveis,

assegurando a sua utilização pelas gerações futuras.

3. Desportos de Natureza: uma definição para as práticas corporais em meio natural

Após esta reflexão pretendemos assim designar as práticas corporais que decorrem

em meio natural como “Desportos de Natureza”. Para a compreensão deste conceito

em muito contribuiu a definição estabelecida pela legislação em vigor que considera

actividades de Desportos de Natureza como todas as que sejam praticadas em contacto

directo com a natureza e que, pelas suas características, possam ser praticadas de forma não

nociva para a conservação da natureza (Decreto-Lei n.º 47/99, de 16 de Fevereiro, Alterado

pelo Decreto-Lei n.º 56/2002, de 11 de Março), e aquelas cuja prática aproxima o homem

da natureza de uma forma saudável e seja enquadrável na gestão das áreas protegidas e numa

política de desenvolvimento sustentável. Constituem actividades e serviços de desporto

de natureza as iniciativas ou projectos que integrem: pedestrianismo, montanhismo,

orientação, escalada, rappel, espeleologia, balonismo, parapente, asa delta sem motor,

bicicleta todo o terreno (BTT), hipismo, canoagem, remo, vela, surf, windsurf, mergulho,

rafting, hidrospeed, e outros desportos e actividades de lazer cuja prática não se mostre

nociva para a conservação da natureza (Decreto-Regulamentar nº 18/99, de 27 de

Agosto).

Face à reflexão apresentada, propomos que a definição de Desportos de

Natureza considere que estes sejam:

- todas as actividades físicas e corporais que se realizam em contacto directo

com a natureza, apresentando um formato organizado ou não, que tenham

por objectivo a expressão ou o melhoramento da condição física e psíquica,

o desenvolvimento das relações sociais, o intuito de recreação e lazer ou a

obtenção de resultados na competição a todos os níveis, e que contribuam

para a sustentabilidade do desenvolvimento local, nas dimensões ambiental,

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exedra • nº 2 • 2009

económica e sociocultural.

Esta nossa definição e este debate conceptual não terminam aqui. A necessidade de

aprofundamento da nossa reflexão causada por uma limitação temporal, mas também

pela necessidade de uma plural confrontação ideológica que contribuirá, por certo, para

a construção de novas dimensões de análise deste novo fenómeno desportivo em tão

vertiginosa e acelerada mudança.

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Correspondência

Ricardo José Espírito Santo de Melo

Escola Superior de Educação Coimbra

Praça Heróis do Ultramar – Solum,

3030-329 Coimbra, Portugal

[email protected]

Page 105: Revista Nº2 da Exedra

105

Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o

Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação para a promoção do bem-estar nos contextos educativos

Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo

A violência em contexto escolar e os problemas a ela associados afectando o desempenho escolar e o relacionamento e integração social, alertam-nos para a necessidade da formação em educação facultar a aquisição e desenvolvimento de competências facilitadoras de ambientes harmoniosos e de sã convivência entre os membros da comunidade educativa. Os profissionais da educação, pela posição privilegiada que ocupam no sistema educativo, devem reflectir e questionar constantemente a realidade social e educativa que constituem, para, assim, melhor se reverem enquanto membros activos de mudança e desenvolvimento.

Palavras–chave

Formação em educação, Sociologia do actor, Violência escolar, Bem-estar escolar, Sentido do trabalho escolar

Abstract

School violence and associated phenomena which affect school performance and social integration/relationships alert to the need of teacher training to allow acquisition and development of skills to facilitate a harmonious environment and healthy relationship among educational community members. Education professionals, due to their privileged position in the educational system, analysing and questioning educational and social reality they are part of, can see themselves as active members of change and development.

Key-Words

Teacher training, Sociology of the actor, School violence, School well-being, Feeling of school work

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106

exedra • nº 2 • 2009

“Há formas de pensar, falar, agir, que nos ajudam a estar bem connosco e com o mundo. Outras que provocam e efeito contrário ...”

(Mª José Costa Félix, 2002)

Introdução

A violência, não sendo um fenómeno novo nem tão pouco recente, tem suscitado

grande interesse, pela forma como se manifesta nas nossas vidas, pela maneira como

agora nos é apresentada e pelo modo como nós a vivenciamos. Diariamente as notícias

sucedem-se, ao mesmo tempo que aumenta a preocupação da opinião pública e dos

responsáveis ao mais alto nível. A esta escalada de preocupação alia-se um generalizado

sentimento de insegurança, que parece estar a tornar-se num fenómeno, que

aparentemente se apresenta pela singularidade de momentos, mas que se tem tornado

numa verdadeira “bola de neve”.

Revendo a literatura sobre esta temática, verificamos como é que o conceito de

violência se tem revelado, remetendo-nos para domínios muito variados e para uma

grande diversidade de perspectivas. No entanto, comum a todas elas é o recurso à força

para atingir o outro na sua integridade física e/ou psicológica.

Etimologicamente, a palavra violência deriva do latim vis, que significa força. Neste

sentido, a violência é uma forma particular da força – “a forma forte da força” (Dufrenne,

1976 citado por Fisher, 1992, p.18) – que se caracteriza muitas vezes pelo recurso a meios

físicos para atingir outrem ou para atingir os seus objectivos à custa de outrem. Além

disso, ela pode exercer-se de forma directa ou indirecta e comportar vários graus: matar,

ferir ou simplesmente ameaçar e assentar em níveis diversos como a fé, a liberdade ou

a integridade física1.

A violência em contexto escolar, por sua vez, ocorrendo essencialmente entre

crianças e jovens, assume redobrada preocupação. Entre outras, à escola são conferidas

as funções de educar para normas e valores de relação e de respeito pelo outro -

“outro” pessoa e “outro” materializado nos bens e propriedades alheias. No entanto,

os preocupantes episódios de violência e os sentimentos de insegurança em alunos,

professores e auxiliares de acção educativa justificam a crescente necessidade de tornar

este problema num objecto de estudo, reconhecido nas palavras de Carra & Sicot (1997,

p. 61) como “problema social”, na sua global dimensão.

Face às mudanças da vida moderna, as instituições que compõem a sociedade

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107

Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

contemporânea, entre elas a escola, devem compreender e aceitar os desafios que a nova

realidade lhes coloca. E, a formação de professores e educadores, não se alheando de

toda esta metaforfose que, a vários níveis e nos diferentes sectores, se tem manifestado

e caracterizado a actual sociedade, designada da globalização e interdependência, do

conhecimento e inovação, deve contemplar (tanto na formação inicial como na contínua)

um alargado conhecimento da realidade das nossas escolas.

Nas palavras de Augusto Cury (2004, p.62) “Educar é ser um artesão da personalidade,

um poeta da inteligência, um semeador de ideias”, no entanto deparamo-nos, cada vez mais,

com uma realidade que não mais descreve a educação, e o acto de educar daquela forma

honírica. De facto, “somos cada vez mais criadores e vítimas de um sistema social que valoriza

o ter e não o ser, a estética e não o conteúdo, o consumo e não as ideias” (Idem, 2004, p. 67).

E constatamos que a violência é uma característica social dominante, que se manifesta,

cada vez mais, nos mais diversos contextos sociais (ruas, meios de comunicação social,

em casa, na escola ...) constituindo, por isso, uma preocupação para toda a comunidade

e para a comunidade educativa em especial.

A opinião pública tem-se manifestado mais atenta relativamente a este fenómeno

social, que se tem revelado cada vez mais complexo e com consequências, por vezes

graves, ao nível de um ajustamento social, emocional e escolar, de grande parte das

nossas crianças e adolescentes. Reparamos no largo destaque que a imprensa falada

e escrita por vezes lhe confere, nas medidas administrativas2 e pedagógicas3 que são

tomadas pelo Ministério da Educação e pelas escolas, na frequência com que ocorrem os

chamados conselhos disciplinares, no policiamento da escola, nos protocolos especiais

de segurança celebrados entre os Ministérios da Educação e da Administração Interna4,

no reforço das estruturas físicas de protecção em torno da escola e, noutro plano, na

organização de encontros, seminários, conferências, acções de formação e iniciativas

congéneres que se vão realizando, um pouco por todo o lado, tendo este tema como

referência5.

Assim, propomo-nos aqui alertar para a necessidade de nos consciencializarmos da

responsabilidade dos educadores em geral (e não apenas dos profissionais mas também

da família e doutros membros da comunidade) em todo o processo de mudança de

atitudes e de comportamentos, levando a que todos os alunos se desenvolvam equilibrada

e saudavelmente, assegurando, em simultâneo, um ambiente harmonioso e de sã

convivência entre todos os membros da comunidade educativa.

Neste texto, após apresentarmos o elenco das várias razões que justificam esta nossa

reflexão, avançamos, num segundo ponto, com algumas clarificações, que consideramos

importantes, quanto ao conceito de violência escolar. De seguida exploramos de que

forma a escola pode ser um factor de risco de violência nas crianças e adolescentes e

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108

exedra • nº 2 • 2009

terminamos com algumas implicações que, reflexões deste tipo podem ter a nível

político-educacional e pedagógico.

1. Porquê reflectir sobre a violência escolar?

De entre as razões possíveis de enumerar, sublinhamos, antes de mais, a relevância

em se ter cada vez mais oportunidades de análise e discussão para, passando a prestar

mais atenção, sermos efectivamente capazes de querer agir no sentido de gerar uma

humanidade mais saudável.

Mas, várias outras razões são relevantes de considerar.

Primeiramente, salientamos alguns motivos de ordem clínica. E podemos referir que

a violência na escola anda associada a fenómenos como o medo, insegurança, ameaça e

intimidação, humilhação, perseguição, provocação, solidão, baixo auto-conceito, e tem

repercussões mais ou menos graves no desenvolvimento pessoal, social e académico

das crianças e adolescentes, bem como no surgimento de problemas de relacionamento

e de integração social futuros. Saber como agir é o que os professores e educadores

ambicionam os quais, pela posição privilegiada que ocupam no sistema educativo,

necessitam de estar munidos de saberes e saberes-fazer que possibilitem a acção mais

adequada e eficaz na resolução (minorando e/ou prevenindo) de tais problemas.

Relembrando que nem tudo se aprende nos livros, manuais ou compêndios e nem

sempre as directrizes emanadas do poder central se adequam e se podem aplicar às

realidades locais. Consideramos que um bom profissional não pode contar apenas com

a formação adquirida (ou por adquirir) para superar os seus problemas mas deve estar

em constante aquisição de novos saberes (formação contínua/permanente), procurando

estar sempre atento para analisar, reflectir e questionar a própria realidade social e

educativa de que faz parte para, assim, melhor se rever nela enquanto membro activo de

mudança e desenvolvimento.

Em segundo, sublinhamos razões de ordem científica, e alegamo-las porque, por

um lado, continuamos a não conhecer muito bem a realidade das nossas escolas e, por

outro lado, no nosso país, são escassos os estudos sobre os seus problemas e exíguos os

instrumentos adaptados, válidos e fidedignos, destinados a medi-los. Desconhecendo-se,

também a existência de meios de prevenção e intervenção, bem como de resultados em

relação a experiências de grande fôlego que tenham sido levadas a cabo nesse sentido6.

Apenas podemos referir que, em Portugal, existem duas abordagens diferentes na

investigação sobre a violência na escola. Na primeira, enquadram-se os estudos sobre

a indisciplina, tomando como objecto as diferentes situações e comportamentos (sejam

violentos ou não) que não estão em conformidade com as regras de carácter escolar e

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109

Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

social vigentes em cada escola (Estrela, 1992; Amado, 1989, 2000; Freire, 1995; Veiga,

1995, 2007; Parreiral, 2003; Veiga Simão, Freire & Sousa Ferreira, 2004). Na segunda

abordagem, foca-se a violência como um fenómeno específico, realçando o seu carácter

social e psicológico (Costa & Vale, 1998; Pereira, Almeida, Valente & Mendonça, 1996;

Pereira, 2002; Carvalhosa, Lima & Matos, 2001; Carvalhosa & Matos, 2004, 2005; Seixas,

2006).

Além disso, são várias as restrições que podemos encontrar nos estudos portugueses

sobre os problemas da violência entre colegas. Encontramos limitações decorrentes da

natureza da amostra, não permitindo o levantamento da situação em todos os níveis de

escolaridade, centrando-se ou no primeiro e segundo ciclos ou só no terceiro ciclo e no

secundário. E, limitações de natureza conceptual7 e metodológica8, que têm implicações

directas na operacionalização dos comportamentos avaliados, tornando muitas vezes

difíceis as análises comparativas com estudos de outros países.

Por isso, relembramos os cuidados a ter na interpretação dos resultados que os

diversos estudos portugueses têm apresentado. Cuidados em termos comparativos, por

questões de natureza conceptual e metodológica e em termos explicativos, pela exigência

de uma leitura abrangente e multifacetada desses mesmos resultados.

Por fim, referimos algumas razões de ordem pedagógica que, por sua vez, também

justificam esta nossa reflexão. Entre tais razões alertamos, mais uma vez (e nunca é demais)

para a necessidade de se conhecer melhor as nossas escolas, bem como os problemas

que as caracterizam; chamamos à atenção dos profissionais da educação em geral

(professores e educadores) para que tomem maior consciência da sua responsabilidade

em todo o processo activo de mudança de atitudes e de comportamentos, contribuindo

para que todos os alunos se desenvolvam equilibrada e saudavelmente, assegurando, em

simultâneo, um ambiente harmonioso e de sã convivência entre todos os membros da

comunidade educativa.

Sabendo o quanto é, muitas vezes, difícil avaliar os comportamentos ocorridos na

escola, perceber o seu significado e, principalmente, questionar as suas motivações,

não podemos deixar de questionar (a nós próprios e à própria escola) sobre a situação

que actualmente se vive nos contextos escolares. Ou seja, não podemos deixar que a

dificuldade nos mova para uma leitura sistematicamente acusatória das crianças e

jovens, esquecendo qualquer tentativa de compreensão do problema.

Perante tal necessidade e tendo presente o panorama que se tem vindo a assistir nas

nossas escolas, pareceu-nos pertinente a realização deste texto, uma vez que o bem-estar

e o desenvolvimento de um ambiente de tolerância e de apoio afectivo dentro das nossas

escolas poderão ser metas ainda a atingir.

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exedra • nº 2 • 2009

Assim, julgamos haver casos que mereçam uma atenção e um enquadramento especial,

bem como um acompanhamento a cargo de profissionais especializados, no entanto,

esses não parecem reflectir a maioria das situações ocorridas nas escolas portuguesas. É

a pensar na maioria das situações que apontamos a importância e necessidade urgentes

de uma atitude diferente, que passa, antes de mais, por uma leitura mais alargada das

situações e pelo recurso a uma metodologia e instrumentos mais eficazes.

Agindo desse modo, seremos capazes de desenvolver uma abordagem global do

problema da violência/segurança nas escolas considerando não apenas o contexto em

que ocorre e a especificidade de cada escola, mas também a sua globalidade. Onde

a solução do problema tem de ser pensada a diferentes níveis, desde o individual ao

comunitário, passando pelos vários vectores ou sistemas intermédios e incluindo as

relações entre eles. Isso ajudar-nos-á a compreender melhor o interesse actual pela

abordagem multissistémica no tratamento do comportamento anti-social e violento dos

jovens (Henggeler; Schornwald; Borduin; Rowland & Cunningham, 1998).

Relativamente a isso, e à semelhança de Mooij (1997), podemos identificar o que

consideramos serem duas abordagens gerais do problema da violência na escola: a

primeira, designada de “tratamento e prevenção dos comportamentos anti-sociais dos

alunos”, que engloba acções directas por parte dos membros da comunidade escolar

e também acções desenvolvidas pela escola, no âmbito do seu funcionamento e que

incluí a actuação nas situações concretas; a segunda, orientada para a “promoção dos

comportamentos sociais positivos dos alunos”, tem como principal alvo os alunos

considerados mais frágeis, ou seja, potenciais vítimas, embora também englobe todo o

tipo de actuações desenvolvidas pela escola, incluindo o aproveitamento do espaço da

sala de aula e as intervenções baseadas no currículo.

Concretizar tais orientações gerais de intervenção, pode conduzir a uma grande

variedade de estratégias e de acções, mais ou menos localizadas no tempo e desenvolvidas,

e implementadas por um maior ou menor número de intervenientes.

O tipo de intervenção depende, não só das determinantes contextuais já referidas, da

especificidade das situações de violência em si mesmas, da própria política de ensino em

vigor, do estado da investigação neste domínio, e, consequentemente, do conhecimento

concreto existente sobre o fenómeno em questão. São estes factores que se encontram

na base da determinação de prioridades e da adequação das orientações e estratégias

apontadas, na procura de uma maior eficácia, seja “curativa” seja preventiva.

2. Algumas clarificações quanto ao conceito de violência escolar

A existência de um alargado conjunto de situações que designamos globalmente

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111

Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

por violência na escola tem dado origem, nos anos mais recentes, a diversos debates

públicos e a numerosas referências nos meios de comunicação social. Paralelamente

temos assistido a um aumento significativo do sentimento de insegurança no seio das

comunidades educativas e à crescente exigência de tomada de medidas políticas e

disciplinares mais severas. A proliferação destas concepções de senso comum aumentou

no obscurecimento da problemática em análise, passando-se de um quadro em que

raramente se falava de violência, sendo por vezes utilizada a noção de indisciplina, para

o seu uso generalizado e indistinto. Gerou-se, então, um conjunto de equívocos que

achamos importante referir.

Um primeiro elemento diz respeito ao carácter desviante que é atribuído ao

fenómeno. Na argumentação presente nessas concepções, as situações violentas

constituiriam, no essencial, a expressão de personalidade patológicas, individuais ou

colectivas, ou portadoras de quadros culturais e de valores delinquentes. Tais concepções

escondem/ocultam que a violência, nas mais variadas formas, pode ser hoje considerada

um elemento estrutural das sociedades industrializadas ocidentais, já que se encontra

presente de forma persistente no seu quotidiano (violência intrafamiliar, delinquência

e criminalidade, guerra, violência no desporto, nos media, etc…). A violência na escola,

com as suas especificidades, faz parte integrante desse fenómeno, e não será facilmente

compreendida se ignorarmos os laços que ligam ambas.

Em segundo lugar, trata-se de questionar o alegado carácter recente do fenómeno.

De facto, não se pode dizer que seja um fenómeno novo, já que as situações de violência

na escola possuem uma longa história. As praxes violentas na Universidade de Coimbra

já no século XIX; o uso da palmatória, elemento ainda hoje presente no imaginário

educativo dos portugueses; as cargas da polícia de choque durante o Estado Novo; a

violência política entre grupos de estudantes após o 25 de Abril; entre outros, constituem

elementos históricos que nos ajudam a relativizar os discursos sobre a irrupção súbita

de uma epidemia de violência nas escolas. Assim sendo, se a violência não constitui um

facto novo nas escolas, quais as razões para que se difunda numa parte significativa

da comunidade educativa, de forma por vezes intensa, um sentimento de forte

insegurança?

Uma parte da resposta poderá ser encontrada nas alterações profundas que se

produziram na estrutura, métodos e públicos dos sistemas educativos. Se a massificação

trouxe consigo um conjunto de consequências genericamente analisadas na literatura

sociológica, já no que diz respeito à violência na escola importa analisar algumas

particularidades desse processo.

No caso português, o início efectivo da massificação do acesso à escola coincidiu com

a democratização política, facto que resultou em contextos escolares mais conflituais

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exedra • nº 2 • 2009

e no acesso a níveis de escolarização cada vez mais elevados de grupos sociais deles

até aí afastados. A diversificação dos públicos escolares, originalmente como resultado

da massificação, posteriormente devida aos processos migratórios de variados tipos,

que têm contribuído para transformar a sociedade portuguesa, traduziu-se ainda pelo

desencadear de situações conflituais no sistema educativo, resultantes da manutenção

de métodos organizacionais e pedagógicos típicos da escola de elites; e resultantes do

acréscimo da presença na escola de grupos portadores de quadros culturais e valores

conflituais com os dominantes na instituição escolar.

De uma escola cujos objectivos se limitavam, para a maioria da população, a uma

educação circunscrita nos objectivos e no tempo, passou-se para uma escolaridade

em alargamento progressivo9. A transição de um modelo de escola de elites para um

de massas trouxe consigo alterações no papel e estatuto dos professores. A defesa da

democratização do acesso à escolarização foi acompanhada por movimentos que

defendiam processos educativos menos autoritários, em que a participação dos alunos

passou a ser incentivada. Este processo não se fez sem dificuldades, criando-se a ideia de

desorganização e perca de autoridade dos docentes.

Em terceiro lugar, podemos falar de um fenómeno de naturalização das situações

violentas, já que é frequente confrontarmo-nos com o argumento de que o sentimento

de insegurança e a exposição à violência (delitos e incivilidades) se verificam, sobretudo,

em escolas inseridas em contextos sociais desfavorecidos. As conclusões de algumas

investigações já realizadas permitem-nos questionar estas concepções (Debarbieux,

Dupuch & Montoya 1997; Sebastião, 2001; Debarbieux, 2007). É que, ainda que o

sentimento de insegurança e/ou os delitos e incivilidades possam ser mais frequentes

nas escolas integradas em meios sociais mais desfavorecidas, nada nos pode levar a

concluir que os alunos destas escolas são “por natureza” mais violentos. O que pode

ajudar a explicar esta situação de “maior violência” é o facto de em escolas de meios

desfavorecidos se tornar mais evidente o contraste/confronto entre quadros culturais e

organizacionais da escola e as heranças culturais e trajectórias escolares dos alunos. A

aceitação de que os alunos de meios sociais mais desfavorecidos são “por natureza” “mais

violentos”, permite justificar uma outra noção, de senso comum, que perspectiva a escola

como sendo incapaz de desenvolver estratégias face à violência, sendo esta vista como

algo inevitável face ao contexto social em que se insere. O que surge como uma ameaça

incontrolável – por essa razão indutora do aumento do sentimento de insegurança – é

o seu carácter anómico. Este tipo de violência surge sem qualquer razão aparente, sem

reivindicações particulares nem objectivos visíveis, tornando-se assim diferente daquela

que em outros momentos históricos era associada às chamadas classes perigosas, embora

não menos perturbadora.

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Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

Por último, verificamos que, apesar das mudanças radicais introduzidas com a

democratização política da sociedade portuguesa, variadas pesquisas têm mostrado, nas

últimas décadas, a permanência e importância de um vasto conjunto de factores de inércia

do sistema educativo, e a sua centralidade na reprodução de desigualdades estruturais no

acesso à escolaridade por parte das crianças oriundas de grupos sociais desfavorecidos.

Um núcleo muito importante de elementos centrais do processo educativo quotidiano

resistiu à sua transformação – modelos de gestão e hierarquização interna; organização

das turmas e elaboração dos horários; construção de projectos educativos alargados e

avaliados na sua eficácia; modelos de trabalho docente; promoção de mecanismos de

aprendizagem e acesso ao saber por parte dos alunos com dificuldades de aprendizagem;

actualização científica e pedagógica dos docentes como elemento central da qualidade

do ensino --, facto que tem posto em causa a efectiva democratização dos processos

de aprendizagem, conduzindo, muitas vezes, e como iremos ver de seguida, a situações

preditoras de violência.

3. A escola como factor de risco de violência nas crianças e adolescentes

Alguns autores tem referido factores de vária ordem - ambientel, familiar, cognitivo-

social, de personalidade – possíveis de favorecerem o desenvolvimento da agressividade

na infância e na adolescência (Ramirez, 2001; Fonseca, 2002, 2003; Seixas, 2006), entre

os quais salientamos os factores ligados à escola.

A escola constitui um espaço privilegiado para o estabelecimento de numerosas

relações interpessoais positivas e/ou negativas, longe da supervisão e controlo das

famílias. Aí se fazem, muitas vezes, os primeiros contactos com grupos de indivíduos da

mesma idade ou um pouco mais velhos, que funcionam como substitutos da família no

processo de socialização da criança e do jovem.

Vários estudos demonstram que o sistema escolar pode exercer, de várias maneiras, a

sua influência sobre o comportamento anti-social dos jovens: através das características

e das experiências dos alunos, as quais podem ser anteriores à entrada para a escola;

através das características e da actuação dos professores; através do ambiente e da cultura

que se respira em cada escola; e através do tipo de comunidade em que a escola se situa

ou a área geográfica a que pertence (Pereira, 2002; Amado & Freire, 2002; Seixas, 2006;

Veiga, 2007; Rodriguez, 2007). Uma parte considerável dessas investigações tem incidido

sobre as características (ou variáveis) dos alunos em contexto escolar e a sua relação com

o comportamento anti-social ou com a delinquência juvenil. Nesse âmbito, tem merecido

particular destaque a questão das dificuldades de aprendizagem dos alunos.

Numa revisão de literatura sobre o tema, Maguin & Loeber (1996, citados por

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Fonseca, 2003, p.17) verificaram que o fraco rendimento escolar aparece associado

com a idade do começo, a frequência e a gravidade do comportamento anti-social.

Numa pesquisa em curso na região de Coimbra, obteve-se um efeito claro do insucesso

escolar e das dificuldades de aprendizagem no comportamento anti-social referido pelos

próprios jovens (self report). Em particular verificou-se aí que os alunos que já tinham

uma repetência no 2º ano de escolaridade apresentavam, quatro anos mais tarde, níveis

de comportamento anti-social mais elevados do que os seus colegas não-repetentes

(Fonseca; Simões & Formosinho, 2000).

Além das dificuldades de aprendizagem e do insucesso escolar, outras características

dos alunos podem contribuir para explicar os comportamentos anti-sociais dos

adolescentes. É o caso das atitudes negativas, da ausência de vinculação ou da falta

de empenho na escola. No essencial, defende-se que o respeito das normas sociais

depende antes de mais de uma vinculação (forte) aos pais, professores e escola. A falta

de vinculação a essas figuras ou instituições dificultará a interiorização das normas e

valores sociais, bem como o desenvolvimento de sentimentos de empatia relativamente

às outras pessoas (Fonseca, 2002).

Ou seja, tem-se concluído que as atitudes negativas e em especial a fraca vinculação

à escola andam associadas ao comportamento anti-social e à delinquência.

Perante tais dados, parecem justificados os programas de combate à delinquência

que visam aumentar o sucesso escolar e o interesse ou motivação dos alunos (e dos seus

pais) pela escola (Fonseca, 2003; Alexander, 2007). Do mesmo modo, é de esperar que

as escolas com uma política bem definida de combate ao absentismo dos alunos possam

contribuir para uma maior redução da delinquência juvenil e dos comportamentos anti-

sociais em geral.

Em síntese, há indicações de que numerosas características e experiências dos

alunos podem ajudar a explicar as diferenças entre várias escolas que respeita aos

comportamentos anti-sociais (Alberto; Fonseca; Albuquerque; Ferreira & Rebelo, 2003).

Embora em menor número, alguns investigadores têm-se preocupado também em

saber se a escola exercerá um efeito específico para além do efeito dos alunos ou para além

da comunidade em que se situam. Ou seja, a maneira como as escolas estão organizadas

e funcionam também afectará o comportamento anti-social (e pró-social) dos alunos ou,

ao contrário, serão as diferenças frequentemente observadas entre escolas no domínio da

delinquência explicadas simplesmente pelas características que aqueles trazem consigo,

inicialmente, quando entram para a escola? (Ramirez, 2001; Rodriguez, 2007)

Resultados de investigações têm mostrado que há diferenças entre as escolas a

nível da delinquência e que essas diferenças não podem ser explicadas simplesmente

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Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

por variáveis de natureza individual (Q I, competências verbais) que os alunos trazem

consigo quando entram para a escola. Pelo contrário, tais diferenças estão relacionadas

com o funcionamento da escola, enquanto instituições sociais. Em particular, verifica-

se que as escolas com menos delinquência, melhor rendimento, menos absentismo e

com menos problemas de disciplina são as escolas com bom ethos, ou seja, escolas com

padrões de exigência elevados, as escolas em que os professores fornecem aos alunos

bons modelos de conduta e onde os alunos são reforçados positivamente, as escolas que

inculcam o sentido de responsabilidade, as escolas com regras bem definidas para toda

a gente e que, de modo geral, têm boas condições e onde as aulas são bem preparadas e

administradas (Ramirez, 2001; Rodriguez, 2007).

Alguns estudos têm prestado grande atenção a aspectos muito específicos da

escola: a existência de bandos ou culturas delinquentes entre os alunos, a distribuição

ou concentração dos alunos problemáticos em turmas especiais, o envolvimento das

famílias nas actividades da escola, os modelos pedagógicos (mais ou menos directivos)

utilizados, a formação dos professores ou o desenvolvimento de uma cultura ou sentido

de “comunidade” na própria escola. (Sebastião, 2001; Veiga, 2002, 2007). Qualquer

destes aspectos parece desempenhar um papel importante no (bom) funcionamento

escolar dos alunos e na prevenção ou redução do seu comportamento anti-social e

também da delinquência. De facto, vários estudos têm posto em evidência que programas

de intervenção centrados nas regras da escola, no controlo dos comportamentos ou

disciplina e nos prémios reservados aos comportamento positivos na sala de aula levaram

à redução dos comportamentos anti-sociais (Gottfredson, 2001, citado por Fonseca,

2003, p.20). A escola é, pois, uma instituição que, pela maneira como está organizada

e funciona, pode promover o desenvolvimento social ou delinquente dos seus alunos10.

Assim, diversos factores da escola podem afectar negativamente o desempenho escolar

dos alunos, originar conflitos com colegas e professores, aumentar os riscos de abandono

escolar, facilitar o aparecimento de uma cultura desviante e consequente envolvimento

na delinquência juvenil, dificultar a entrada no mundo do trabalho e reproduzir outras

manifestações de inadaptação social (Gottfredson, 2001, citado por Fonseca, 2003,

p.21).

Naturalmente as implicações destes estudos para a intervenção são consideráveis,

deslocando o centro das atenções do aluno para a própria instituição escolar. De referir o

número crescente de programas de intervenção baseados na escola sobretudo a nível de

prevenção (Fonseca; Simões; Rebelo; Ferreira & Cardos, 1995; Gottfredson, 2001, 2002,

citado por Fonseca, 2003, p.22; Costa & Vale, 1998; Pereira, 2002).

Um destes programas foi levado a cabo por Hawkins e colaboradores (1991, 1992,

citados por Fonseca, 2003, p.22) em Seattle nos EUA e envolveu várias centenas de alunos

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exedra • nº 2 • 2009

do primeiro ano de várias escolas distribuídos por um grupo experimental e por um grupo

de controlo. O tratamento dado às turmas do grupo experimental era destinado não só

aos alunos, mas também aos pais e aos professores e incluía uma componente importante

de treino de competências. Por exemplo, treinar os pais para reconhecer e reforçar os

comportamentos adequados dos alunos, treinar os professores para organizar bem as

aulas e a disciplina na sala, bem como a ensinar aos alunos competências de resolução

de problemas, utilização apropriada de reforços, etc. Esse treino era ministrado tanto em

casa como na escola. O objectivo era desenvolver e fortalecer a vinculação dos alunos à

escola e à sociedade em geral, na expectativa de que esse vínculo os protegesse das suas

tendências anti-sociais.

Os resultados mostraram que, 18 meses após o fim do programa, os alunos do grupo

experimental eram classificados pelos professores como significativamente menos

agressivos do que os do grupo de controlo. Mas este efeito aparecia apenas no grupo

de rapazes. Além disso, verificou-se que, quatro anos mais tarde, os alunos do grupo

experimental se envolviam menos frequentemente em actividades delinquentes ou no

consumo de droga.

Em Portugal, à excepção de alguns casos pontuais, de algumas experiências de

intervenção e de foro mais preventivo dos comportamentos anti-sociais, em crianças

e jovens em contexto escolar, que têm sido levadas a cabo a nível de escola, poucos

resultados têm sido divulgados. Esta situação deve-se ao facto de, este ser um campo

de análise que em Portugal está agora a começar a conquistar algum terreno a nível da

investigação.

Nos trabalhos que têm sido realizados e publicados sobre o problema da violência nas

escolas, faz-se referência, apenas, a indicações a ter em conta para a implementação de

programas de intervenção e/ou prevenção, como é o caso do trabalho desenvolvido por

Costa & Vale (1998) que, de modo geral, aponta para a necessidade de levar a cabo uma

intervenção bem sucedida e pensada, em função de três níveis relevantes. O primeiro,

diz respeito a cada escola em particular, sendo esta concebida como um contexto (físico,

psicológico e social), com uma vida muito própria e povoada de membros que na sua

diversidade dão uma identidade a esse contexto, que partilham. Assim, a identificação

com esse espaço partilhado deve ser o primeiro passo a dar. Isso passa, por exemplo,

pela distribuição das turmas pelas salas, de modo que cada sala seja sempre ocupada

pela mesma turma; pelo envolvimento dos alunos na definição de regras e na tomada

de decisões respeitantes à vida escolar. O segundo, prende-se com as relações escola-

família e com o envolvimento dos pais na vida escolar. Sendo membros integrantes deste

contexto, podem criar uma forma de reforçar e credibilizar as actuações no seio da escola,

evitando inconsistências que desautorizem qualquer atitude vinda da escola. O terceiro

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Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

nível centra-se nos professores e funcionários, que deverão ser considerados, aquando da

ocorrência de qualquer intervenção, em resposta às suas necessidades e rentabilizando o

seu papel privilegiado no contacto com os aluno, englobando-se aqui, modalidades tais

como a consultadoria ou a formação, bem como outras estratégias desenvolvidas em

função de situações particulares.

Podemos também referir o estudo levado a cabo por Pereira (2002)11 que apresenta

um programa de intervenção que foi aplicado em duas escolas, uma do 1º ciclo (223

alunos, com idades compreendidas entre os 6 e os 14 anos, distribuídos por 12 turmas)

e outra do 2º ciclo (520 alunos, com idades entre os 9 e os 17 anos, distribuídos por 22

turmas), com o objectivo de reduzir as práticas agressivas. Este programa foi definido a

nível do Projecto Educativo e apresentou características próprias em conformidade com

cada escola, sendo uma proposta que centra a intervenção em três linhas coordenadoras:

a) sensibilização/formação da comunidade educativa; b) melhoramento e diversificação

dos espaços e c) atendimento aos alunos.

Para efeitos de comparação dos resultados obtidos foram avaliadas duas escolas de

controlo, respectivamente do 1º e 2º ciclos, em dois momentos, com um intervalo de

dois anos, os mesmos em que foi implementado o programa nas escolas de intervenção

e usando a mesma metodologia. A autora procurou perceber como é que as escolas

evoluíram da primeira para a segunda avaliação, tendo como referência as escolas de

controlo. Isto é, avaliou qual a tendência registada nas práticas agressivas, dois anos mais

tarde, e o que é que as escolas aproveitaram com a intervenção. Os resultados mostraram

ter havido um sucesso moderado da intervenção, não expresso na redução da vitimação

e da agressão, mas na contenção e na prevenção do aparecimento de novos casos.

Para além destes trabalhos aqui referidos, em Portugal não são conhecidas outras

propostas, nem mesmo outros resultados (positivo ou não) da implementação de medidas

interventivas ou preventivas da violência, entre colegas nas escolas.

4. Possíveis implicações deste tipo de reflexões

Pela necessidade de uma reorganização do modo de funcionamento e da gestão das

escolas, implementando eficazmente medidas de acção, intervenção e prevenção contra

todos aqueles problemas que, na verdade, não se podem ignorar porque persistem no

nosso sistema educativo, pensamos relevante referir algumas implicações politico-

educacionais que, o desenvolvimento de reflexões deste género podem desencadear.

Por outro lado, sendo necessário fomentarem-se formas práticas de, no dia a dia,

no contexto escolar, e de forma continuada, intervir prevenindo situações concretas

de violência, agressão e intimidação entre colegas (resolver problemas já existentes e

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exedra • nº 2 • 2009

prevenir futuros agravamentos), consideramos também importante nomear algumas

implicações pedagógicas.

4.1. Implicações político-educacionais

De um vasto número de factores possíveis de considerar, advogamos, primeiramente,

uma revisão legislativa no sentido de, respeitando os direitos constitucionais de

todos e induzindo um enquadramento e um valor educativo às medidas de natureza

disciplinar, combater a deriva burocrática e administrativista, permitindo actuações

rápidas e adequadas em caso de transgressão e reforçando nelas o papel do professor,

permitindo-lhe reconquistar algumas das características e mesmo alguns “poderes”

(sociais, profissionais, científicos) que o caracterizavam anteriormente. Embora

estas preocupações estejam contempladas no conjunto de disposições legais em vigor

(expostas no Decreto Lei nº 270/98 e na Lei nº 30/2002), o certo é que, segundo nos

diz Rebelo (2000), o “procedimento disciplinar” destinado a implementar as “medidas

educativas disciplinares” para a “correcção do comportamento perturbador e o reforço

da formação cívica e democrática dos alunos ...”, continua a demonstrar-se ineficaz e

algo inoperante.

Embora o sistema de recrutamento e de colocação de professores contemple já a

permanência dos professores na mesma escola, pelo menos durante três anos, o facto é

que, e em segundo lugar, os professores continuam a estar sujeitos a um certo nomadismo

profissional (que lhes exige uma grande capacidade de saber gerir o cansaço físico e

psicológico que se repercute a nível pessoal, social, afectivo, emocional e profissional)

que não lhes permite satisfazer as necessidades das escolas e das comunidades educativas

em geral.

Em terceiro, e relativamente à formação inicial de professores, importa promover o

desenvolvimento de competências profissionais, pessoais e sociais, através de um plano

curricular específico, que permita a aquisição de noções teóricas e práticas necessárias

à detecção, gestão e resolução de problemas de comportamento, tais como a indisciplina

e a violência interpessoal, que podem estar (normalmente estão) na base de outros

problemas que surgem durante os anos escolares ou, posteriormente, na juventude e

adultez (v.g. problemas de relacionamento social).

O professor (nomeadamente do 1º CEB) tem a responsabilidade acrescida de promover

nas crianças, o mais cedo possível, valores e princípios importantes no relacionamento

interpessoal saudável, prevenindo situações futuras graves. Tem a possibilidade de levar

a cabo importantes programas integradores de mudança, pela sua posição central na

escola. Mas deverá ter a consciência de que não está sozinho e deve manter um trabalho

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Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

de equipa, em que o Conselho de Turma (que inclui a presença dos delegados de pais

e dos alunos) é o espaço próprio para identificar e resolver larga parte dos problemas.

Colaboração de técnicos treinados/formados (v.g. animadores socioeducativos, psicólogos

escolares, assistentes sociais) que possibilitam meios para que o professor no seu dia

a dia, consiga resolver determinadas situações menos fáceis e saiba a quem recorrer

quando necessário.

Mas, Imprescindível é que os professores e educadores enraízem a ideia de que,

perante determinados problemas, a atitude a tomar é consciencializar-se de que lhes

deve dar toda a atenção possível.

Em quarto, e ainda no plano da organização escolar, salientamos o facto de, uma

escola que apela à colaboração na tomada de decisões estratégicas, para a qualidade

do ambiente interpessoal, respeitando as esferas de competência de cada um (v.g.

Associações de Pais, Associação de Estudantes, representação sindical ou profissional

dos docentes e não docentes e outros parceiros), está mais preparada para lidar com os

problemas.

Uma escola que tem um regulamento interno claro, que responsabiliza cada um pelas

consequências dos seus actos e pelo espírito que deve à comunidade a que pertence, e

que também evidencia e premeia os contributos, mesmo que pequenos, porque valoriza

cada um por tudo o que acrescenta a si próprio e à comunidade a que pertence, é uma

escola mais bem preparada para a educação.

A maior aposta, não apenas na formação inicial dos professores/educadores, mas

também na formação contínua ao longo da sua vida enquanto profissionais da educação,

permite um espírito de maior profissionalismo, que deve ser também promovido nos

professores.

Em quinto, consideramos todos aqueles alunos que se caracterizam por um percurso

escolar de insucesso, desmotivação, faltas às aulas, comportamento indisciplinado e

que, dada a obrigatoriedade escolar, têm de lá permanecer. De facto, apesar das várias

iniciativas em curso, e dos seus resultados positivos, pensamos ser ainda necessário

continuar a propor vias de formação que valorizem mais as diferentes potencialidades

oficinais, laboratoriais, artísticas, desportivas e, inclusivamente, profissionalizantes, dos

alunos, despertando-os para as suas vontades, gostos e necessidades fazendo com que se

possam rever e se sintam valorizados e reconhecidos pela escola. Aprendendo a criar, a

produzir e, acima de tudo, a tirar mais partido da sua passagem pela escola, tornando-se,

inclusivamente, mais capazes de lhe atribuir um outro sentido, o que não acontece nos

moldes actuais da escolaridade obrigatória.

Em sexto lugar, também referimos a importância de, nas escolas, haver mais

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equipamentos, mais espaços renovados e de qualidade e uma adequada dotação do

pessoal não docente, bem como uma reorganização dos espaços escolares que poderá

ajudar a um melhor controlo de movimentos e actividades dos alunos. Tanto que é nos

recreios que ocorre o maior número de episódios de violência entre colegas.

Reconhecemos, então, que todos estes factores, tornar-se-iam mais positivos na

criação de ambientes de trabalho mais harmoniosos e no aumento do amor-próprio e

de amor ao bem comum. E, concluindo este primeiro leque de implicações percebemos

que, por um lado, a aplicação plena de um regime de gestão escolar, com o reforço da

liderança e das margens de liberdade de cada escola na gestão do currículo, ajudará e

estará na base de um bom clima de relações interpessoais saudáveis e harmoniosas; por

outro lado, a criação e a prática de políticas claras de anti-violência proporcionam o

desenvolvimento de um clima de escola saudável e positivo.

4.2. Implicações pedagógicas

Este tipo de implicações resulta do conjunto de situações que no dia a dia e nos

contextos concretos das salas de aula, corredores, recreios, etc..., requerem uma acção

mais ou menos imediata, por parte dos professores, auxiliares e administrativos.

Assim, em primeiro, salientamos que é essencial que as escolas deixem de mostrar

desconhecimento voluntário e involuntário da realidade e falta de investimento no

estudo da questão da violência no seu contexto. Só assim é possível avançar com modelos

de acção prática, com estratégias adequadas, capazes de superar todas as questões que

lhes estão ligadas.

Chamamos a atenção para a importância em ver a escola, cada vez mais, como

um objecto de estudo, considerando a possibilidade do seu papel de moderador ou de

desencadeador de fenómenos de violência. Aqui reconhece-se que é fundamental que

se desenvolva e promova um ethos de escola e uma organização que repudie a violência,

implicando, como já referimos, um clima e uma política de anti-violência claramente

definidas.

Em segundo, apelamos a que os planos curriculares reservem algum espaço para

a execução de projectos e actividades do agrado dos alunos que contemplem os seus

interesses, gostos e ambições. Levando-os a que se sintam emocionalmente mais ligados

à escola e portanto, menos dispostos a envolverem-se em comportamentos negativos ou

anti-sociais. Com o reforço das ideias, valores e princípios que conduzam a um mais fácil

acolhimento deles, por parte dos alunos, passando a ser tidos em conta nas avaliações e

percepções do seu dia a dia.

Em terceiro, a necessidade de se abordarem as questões da violência na escola,

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121

Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

entre colegas, contra professores e funcionários, contra a propriedade da escola, etc.

quer de forma natural ou espontânea, quer por meio de medidas curriculares pensadas,

organizadas e lavadas a cabo nesse sentido.

Considerar, portanto, nos currículos escolares a discussão do problema da violência

e das estratégias a adoptar, promovendo uma maior comunicação (entre colegas,

alunos e professores, professores e pais) e uma convivência mais saudável nas escolas,

é proporcionar aos alunos estratégias e formas de pensar o problema, prevenindo ou

minimizando situações problemáticas.

Concluindo salientamos, que qualquer que seja a estratégia adoptada e qualquer que

seja o método a seguir, as escolas e os professores, em conjunto com todas as instâncias,

possivelmente implicadas, devem ter em conta alguns princípios fundamentais:

1º - focar a atenção na resolução do/dos problema(s) (deixando de os evitar e deixando de

pensar que esse é um problema que apenas diz respeito aos outros), sem punições e sem

atribuir culpas a alguém, pois isso poderia avivar a chama da violência;

2º - encorajar as próprias crianças e adolescentes a propor soluções possíveis para o

problema que as afecta (ou seja, em que estão envolvidas), enquanto vítimas ou

agressores;

3º - promover e usar formas de comunicação assertivas, mais do que agressivas ou mesmo

passivas;

4º - assegurar outras iniciativas ou acções imediatas a curto prazo, para resolver o problema

a longo prazo e de forma mais duradoura.

Conclusão

Terminando esta nossa reflexão queremos apenas salientar alguns pontos. Antes de

mais é fundamental conhecer exaustivamente a realidade das nossas escolas, só assim

podemos pensar em formas de agir perante situações que se apresentam com uma certa

incidência e que afectam um número considerável de crianças e adolescentes, com

repercussões académicas, psicológicas e sociais. E, neste âmbito a informação fornecida

pelos próprios alunos pode ser de importância primordial (Parreiral, 2003).

De seguida referimos que não cabe somente à escola (embora esta tenha um papel

importante e interesse primordial) o papel de implementar mudanças nos comportamentos

e nas atitudes das crianças e adolescentes, relativamente à vitimação, agressão e

intimidação. Tratando-se de um fenómeno complexo que necessita de acções mais

eficazes, requer uma acção multivariada com o contributo de diferentes intervenientes

no processo educativo – uma rede alargada de parceiros locais (organizações para jovens,

serviços de cuidados de saúde, polícia, autarquias, tribunais,...) que, em cooperação com

a escola e com a família permite educar, formar e socializar as crianças, adolescentes e

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exedra • nº 2 • 2009

jovens, e lutar contra a violência na escola.

Conscientes das dificuldades práticas, resultantes de diferentes interesses, objectivos

e/ou métodos de trabalho, de diferentes tradições e mesmo de alguns preconceitos

que têm de ser superados para viabilizar a cooperação de forma regular, referimos a

necessidade de uma legislação que defina claramente onde se deve agir, a quem compete

essa acção e qual o melhor modo de conseguir resultados válidos.

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Notas:

1 Desde o início do século XX que o comportamento agressivo tem sido estudado e tem recebido diversas interpretações teóricas. Entre elas podemos assinalar pelo menos três concepções do ser humano determinado, quer por factores biológicos (v.g. considerando a agressão como um acto instintivo – Lorenz, 1966), quer pela estrutura psicológica e emocional da sua personalidade (v.g. a agressão como uma pulsão de destruição dirigida para o exterior contra outrem – Freud, 1924; a agressão como uma reacção instrumental à frustração – Dollard, Dodo, Miller, Mower & Sears, 1939; e agressão enquanto resultante de diferentes formas de activações emocionais), quer ainda pela aprendizagem e a modelação social (um comportamento agressivo aprende-se como os outros comportamentos sociais, na medida em que ele pode ser objecto de um apoio social ou reforço positivo (aprendizagem instrumental) e de uma valorização da imagem de si (aprendizagem social, porque determinada pela relação a um modelo social que valoriza a conduta agressiva) – Bandura, Ross & Ross, 1961.(Cfr. Fischer, 1992).

2 Entre tais medidas referimos a Lei nº 30/2002 relativa à revisão do Estatuto do

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Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

Aluno, reforçando a autoridade dos órgãos de gestão das escolas e dos professores na tomada de medidas disciplinares de carácter educativo. Implicando a desburocratização dos procedimentos associados à gestão da indisciplina, que são hoje largamente codificados, desvalorizados da autoridade do professor, comprometendo a eficiência educativa. Além disso também reforça a responsabilidade das famílias pela assiduidade e participação efectiva dos alunos na escolaridade obrigatória.

3 A este nível destacamos a edição pelo Ministério da Educação e pela Direcção-Geral da Inovação e de Desenvolvimento Curricular, em Dezembro de 2007, do Módulo Curricular Cidadania e Segurança, que deve ser obrigatoriamente inserido no 5º ano de escolaridade, preferencialmente na área de Formação Cívica, visando assegurar a todas as crianças, num determinado momento do seu percurso escolar, o contacto com as temáticas básicas da segurança e da não violência. Além disso, consideramos também a criação de programas como a escola a tempo inteiro e a ocupação plena dos tempos escolares, a Educação para a Cidadania, a Educação para a Saúde, o Desporto Escolar, entre outros, visando proporcionar às escolas instrumentos de prevenção e plena integração dos alunos no projecto escola.

4 Aqui mencionamos o Programa Escola Segura, cujo regulamento foi aprovado pelo Despacho nº 25650/2006, o Decreto-Lei nº 117/2009 referente à criação do Gabinete Coordenador da Segurança Escolar que, em articulação com o Observatório da Segurança na Escola e com o Programa Escola Segura, concebe, coordena e executa as medidas de segurança no interior das escolas e no perímetro interior da vedação, incluindo a formação de pessoal docente e não docente

5 Podemos considerar que o problema da violência em contexto escolar é mundial e, como prova disso referimos:

a) o 1º Colóquio Mundial sobre Violência Escolar ocorrido em Março de 2001, na sede

da UNESCO, em Paris e que reuniu a participação de investigadores de mais de 26

países europeus, americanos (norte e sul), asiáticos, africanos e do médio oriente e foi

organizado por Eric Debarbieux, sociólogo francês.

b) a 1ª Conferência Mundial sobre a Violência na Escola realizada em 2001, em

Paris. O sucesso representado pela reunião de investigadores e profissionais de 27

países, levou às conferências do Québec (2003) e Bordéus (2005). Esta última acolheu

participantes oriundos de 35 países dos hemisférios norte e sul. Estas conferências

internacionais são o resultado duma federação de investigadores oriundos de

áreas tão diversas como a Psicologia, Sociologia, Ciências da Educação, Criminologia,

etc. A continuidade das Conferências ilustra também o sucesso desta federação.

c) por sua vez, a 4.ª Conferência Mundial sobre “Violência na Escola e Políticas Públicas”,

organizada pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa

e o Instituto de Apoio à Criança, em colaboração com o Observatório Europeu e

Internacional da Violência Escolar, teve lugar nos dias 23, 24 e 25 de Junho de 2008, na

Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

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6 Excepção é o estudo de Pereira, Almeida, Valente & Mendonça, 1996, inserido no projecto: “O projecto bullying – a agressividade entre crianças no espaço escolar, onde foram inquiridos 6.197 alunos com idades entre os 6 e os 17 anos e que teve como principais objectivos diagnosticar os níveis de agressão e de vitimação; perceber a influência de factores determinantes das práticas de agressão e vitimação (nível de ensino, sexo, posição social dos alunos) e identificar os tipos de agressões sofridas e os locais onde ocorrem.

Outra excepção é o Inquérito Escola, Família e Amigos (Sampaio, 1996), no âmbito do Programa de Promoção e Educação para a Saúde, que teve como principal objectivo conhecer o que pensavam e sentiam os adolescentes portugueses integrados no Sistema Educativo, onde foram inquiridos 10.095 alunos, com idades entre os 13 e 19 anos a frequentarem o 8º, 9º, 10º e 11º anos de escolaridade. Pela extensão da amostra e pelo seu carácter nacional, o estudo revelou-se importante para o melhor conhecimento da população que frequenta as escolas portuguesas, no que diz respeito, não só a variáveis demográficas, mas também à sua vivência pessoal, de modo generalizado, e à vivência escolar, de modo particular.

Outro trabalho realizado em Portugal foi o de Costa & Vale (1998), essencialmente de carácter exploratório, incidiu numa amostra nacional de 142 escolas dos 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, num total de 4925 alunos, distribuídos pelos 8º e 11º anos de escolaridade. E teve como objectivos caracterizar e compreender os factores envolvidos da génese e manutenção do que é considerado violência nas escolas portuguesas.

Por fim referimos os estudos de Carvalhos, Lima & Matos (2001) e Matos & Carvalhosa (2004, 2005) que, com amostras nacionais representativas nos mostram que, nas escolas portuguesas, existem taxas elevadas de comportamentos de Bullying, fenómenos que continuam a ser, muitas vezes, despercebidos na sua verdadeira extensão e expressão.

7 Limitações que se prendem com uma certa dificuldade em definir o objecto de estudo, uma vez que não é fácil diferenciar os vários conceitos possíveis de estar numa mesma área de estudo (comportamento agressivo, violência, ameaça e intimidação, comportamento disruptivo ou outros).

8 Dificuldades resultantes de uma certa confusão de conceitos (mesmo a nível do senso comum), da difícil transformação desses conceitos em unidades observáveis e da consequente dificuldade na recolha de dados.

9 Concretizada com o sucessivo alargamento da escolaridade obrigatória que passou de 4 para 6 anos de escolaridade e, mais tarde para 9 anos, com obrigatoriedade de frequência da escola até aos 15 anos de idade, passando a ser a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de 14 de Outubro) que estabelece o novo quadro geral do sistema

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Silvia Parreiral • Perspectivas de formação e acção dos profissionais da educação ...

de ensino português. Além disso, no passado dia 23 de Abril de 2009, foi aprovada em Conselho de Ministros uma proposta de lei que consagra o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos e a idade de frequência de instituições de ensino ou formação até aos 18 anos, bem como a universalidade e gratuitidade da educação pré-escolar para crianças com 5 anos de idade.

10 Numa síntese da literatura recente sobre esse tópico, Gottfredson (2001, citado por Fonseca, 2003, p.21) conclui que as escolas com mais problemas de insucesso e/ou com mais problemas de comportamento ou indisciplina se caracterizam, entre outras coisas, por regras pouco claras, injustas e sem consistência na sua aplicação; respostas ambíguas ou contraditórias às transgressões; descoordenação das reacções a essas transgressões por parte dos professores; desinteresse dos docentes face à indisciplina; percepção das regras como injustas pelos professores; falta de cooperação entre o corpo administrativo e o corpo docente bem como certas características de natureza mais estrutural, tais como grandes dimensões da escola; ratio professor/alunos; e falta de recursos materiais e educativos .

11 Este estudo decorreu de um projecto português que tem vindo a estudar os comportamentos agressivos no meio escolar (Pereira; Almeida; Valente & Mendonça 1996), integrado num projecto bilateral, Portugal/Reino Unido, que em Portugal assumiu a designação de “Projecto bulling, a agressividade entre crianças no espaço escolar”, o qual já foi referido nesta dissertação.

Correspondência

Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral

Escola Superior de Educação de Coimbra

Praça Heróis do Ultramar – Solum

3030-329 Coimbra, Portugal

[email protected]

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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

e d u c a ç ã o / f o r m a ç ã o

Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

Vera do Vale

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo

A educação de infância surge como uma importante estratégia de prevenção ao ajudar as crianças a desenvolver com segurança as suas competências sociais e emocionais. Por seu lado os educadores devem estar conscientes da importância da competência social e dos comportamentos interpessoais como requisito essencial para uma boa adaptação da criança, tanto no presente, como no seu desenvolvimento futuro.

Este artigo desenvolve-se em torno da reflexão acerca do desenvolvimento das competências sociais e emocionais das crianças em idade pré-escolar.

Palavras-chave

Competência emocional, Competência social, Educação de infância

Abstract

In this article, we present a reflection about the development of social and emotional competence in preschool age. Research provides extant evidence of the relation between social competence, mental health and academic success. The interpersonal contributors and the relational context in which socialization takes place is also considered. Finally, extant information is detailed on the modeling, contingency and teaching mechanisms of socialization of emotions.

Key-words

Emotional competence, Social competence, Early childhood education

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exedra • nº 2 • 2009

1. A Educação socio-emocional no jardim de infância

A instituição Escola tem tido a seu cargo a tarefa de desenvolver nas crianças mais

novas competências ao nível da leitura, da escrita e da matemática. Mas é também missão

da escola preparar as crianças para desempenharem com sucesso os múltiplos papéis que

as esperam no futuro. Com esta carga acrescida, a escola tem que alargar o seu âmbito

de esforços para incluir outra gama de competências, como seja ajudar as crianças a

desenvolverem atitudes pessoais, valores, competências interpessoais que sirvam, então,

de sustentáculo para os papéis que elas irão ter que assumir: serem estudantes, colegas,

amigos, membros de uma comunidade, pais. De entre estas competências prefiguram-se

as competências socio-emocionais.

Saarni (1999, p. 57) define a competência emocional como a “demonstração da

eficácia pessoal nos relacionamentos sociais que evocam emoção”. Esta definição

desmistifica um pouco a complexidade da competência emocional, e fala da eficácia

pessoal aplicada aos relacionamentos sociais, como sendo a capacidade de alcançar um

resultado desejado. Quando a eficácia pessoal é aplicada aos relacionamentos sociais, a

pessoa pode, ao mesmo tempo que reage emocionalmente, aplicar os seus conhecimentos

e a sua significação sobre as emoções. Fica assim implícito que as reacções emocionais

estão imbuídas de um significado social: “a competência emocional é inseparável do

contexto cultural” (Saarni, op. cit, p. 58). Toda a nossa relação social influencia as nossas

emoções e, por sua vez, as nossas emoções influenciam os nossos relacionamentos.

Saarni defende ainda que como a competência emocional está ligada a conceitos como

compaixão, autocontrolo, justiça e senso de reciprocidade, também não se pode separar

competência emocional do senso moral.

A principal tarefa que se impõe a uma criança que entra no jardim de infância é

precisamente a competência emocional para gerir as suas emoções que, por sua vez, se

encontra directamente relacionada com as interacções sociais, as quais são fundamentais

para o aumento da capacidade de relacionamento com os outros (Saarni, 1990).

Para maximizar a competência social é necessário perscrutar cuidadosamente

como é que a competência emocional permite à criança mobilizar recursos pessoais e

ambientais, para se relacionar com os seus pares. Sabe-se que, se uma criança mostrar

determinados padrões de expressividade ela é provavelmente mais pró-social do que

outra que esteja sempre triste ou zangada, pois provavelmente esta estará mais sozinha.

As crianças que percebem melhor as emoções têm mais relações positivas nas suas

interacções com pares. Os que percebem as emoções dos outros, interagem com mais

sucesso, quando um amigo se magoa ou está zangado. A criança que consegue falar das

suas emoções é também melhor a negociar as disputas entre os seus pares (Denham,

1998). Esta percepção emocional ajuda a criança a reagir adequadamente, e a capacidade

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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

de regular as emoções ajuda-a a ter mais sucesso junto dos pares.

A educação pré-escolar surge, então, como uma importante estratégia de prevenção

para ajudar as crianças a desenvolverem com segurança as suas competências sociais e

emocionais. Estas competências incluem a auto-consciência, o controlo dos impulsos, a

empatia, a escolha de perspectiva, a cooperação, a resolução de conflitos, e tornam-se

ferramentas-chave quando a criança na adolescência tem que fazer face a apelos, por

exemplo, ao uso de substâncias ou à violência.

Analisando alguns dos programas dedicados à educação socio-emocional (Bisquerra,

2000; Goleman, 1997; Vallés & Vallés, 2000) encontrámos objectivos gerais recorrentes

que agrupámos em cinco categorias:

1. Auto-consciência emocional: adquirir um melhor conhecimento das próprias emoções, reconhecer as diferenças entre sentimentos e acções e compreender as causas dos sentimentos;

2. Gestão das emoções: desenvolver habilidades para controlar as próprias emoções, prevenir os efeitos prejudiciais das emoções negativas (por exemplo, melhorar a capacidade para expressar verbalmente a ira sem lutar), desenvolver habilidades de resistência à frustração, desenvolver habilidades para gerar emoções positivas;

3. Controlar produtivamente as emoções: desenvolver habilidades de auto-motivação, maior capacidade de concentração nas tarefas e maiores responsabilidades, desenvolver a capacidade de saber esperar por recompensas a longo prazo em detrimento de recompensas imediatas;

4. Empatia: desenvolver a capacidade de aceitar a perspectiva do outro, desenvolver sentimentos de empatia e sensibilidade com os outros, e desenvolver a capacidade de escuta;

5. Gerir relacionamentos: desenvolver competências para resolver conflitos e negociar acordos, desenvolver a capacidade de cooperação, de partilha e de ajuda.

Todos estes objectivos têm como convergência o aumento das capacidades sociais

e de relações inter e intrapessoais satisfatórias, melhor adaptação escolar, social e

familiar, bem como a diminuição de pensamentos auto-destrutivos e violentos, o que

ajuda a construir uma boa auto-estima na criança. Assim, a educação socio-emocional

toma a forma de prevenção primária para uma conduta anti-social, tentando minimizar

a vulnerabilidade às disfunções.

Mas uma questão se impõe: É a educação emocional mais uma área de conteúdo a

somar às já existentes na educação pré-escolar? Apesar de termos tido acesso a vários

programas de educação emocional, que se encontram implementados sobretudo nos

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exedra • nº 2 • 2009

EUA, e com ganhos positivos em termos de resultados, defendemos que os conteúdos da

educação emocional devem ser integrados, de forma transversal, nas práticas curriculares

para a educação pré-escolar. Se a educação socio-emocional é vista como um processo

contínuo e permanente, não pode ser determinado um horário durante a semana para

ensinar às crianças a gestão emocional. Até porque no seio de um grupo de crianças,

as emoções são transmitidas tanto do adulto para a criança, como da criança para o

adulto, como de criança para criança. Muitos educadores não se dão conta, por vezes,

dos sinais aos quais as crianças são mais susceptíveis, muito menos das circunstâncias

que provocam respostas emocionais nas crianças. O próprio ambiente físico (estrutura

da sala, mobiliário, luz, acústica, ventilação) pode estimular emoções de prazer ou de

raiva. O mesmo se passa em termos da atmosfera da sala, do tom de voz do educador,

do barulho, do tamanho do grupo, das informações ou das pistas visuais que o educador

transmite.

Por outro lado, as crianças acreditam que o educador sente aquilo que demonstra e

é no seu comportamento que elas se vão concentrar. Até ao período da adolescência as

crianças não compreendem situações emocionais complexas, nem tão pouco percebem

as explicações que se possam dar sobre determinadas intenções que não são visivelmente

explícitas. É na primeira infância que as crianças aprendem a rotular as emoções, mas só

muito mais tarde aprendem a distinguir as manifestações emocionais comportamentais.

Se alguém assume um tom de voz assustador, a criança interpreta isso como uma emoção

de raiva, por mais explicações que se possa dar em contrário.

Também as investigações longitudinais que têm vindo a ser feitas demonstram que

existe uma relação entre a competência social na infância e o posterior desenvolvimento

psicológico e académico. As relações interpessoais são a mais importante fonte de

gratificação e prazer para a maioria das pessoas de todas as idades, traduzindo-se em

solidão e angústia a incapacidade de iniciar e manter essas relações (Ladd, 1990, citado

por Katz & MacClellan, 1997).

2. O educador e o desenvolvimento de competências socio-emocionais na criança

É fundamental que os currículos destinados à educação pré-escolar contemplem

o desenvolvimento das competências socio-emocionais e que os educadores se

consciencializem da sua importância vital e criem um ambiente propício à sua

implementação.

O desenvolvimento de competências socio-emocionais no pré-escolar é vital para as

crianças por várias ordens de razões: 1º porque é na infância que as crianças se encontram

mais permeáveis a este tipo de aprendizagens; 2º porque as crianças passam muito do

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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

seu tempo diário em contextos de atendimento à infância; 3º porque os educadores

podem evitar problemas de comportamento antes de eles aparecerem e estimular, assim,

o crescimento social saudável das crianças, mesmo daquelas com menor habilidade ao

nível do desenvolvimento social.

Um bom programa ao nível do desenvolvimento das competências sociais deve

permitir às crianças um alto grau de liberdade, ao mesmo tempo que mantém um certo

controlo por parte do educador (Marison, 1990, citado por Spodek & Saracho, 1998),

pois a forma de disciplina usada com a criança influencia o tipo de pessoa em que

ela se vai tornar. Os educadores que sistematicamente colocam limites às crianças e

dizem como elas se devem comportar, sem explicarem o porquê desse comportamento,

transmitem unicamente que o bom comportamento radica na aceitação das ordens e da

autoridade. Por outro lado, as crianças a quem não são postos limites podem ser levadas

a pensar que apenas os seus desejos determinam o que é o comportamento adequado.

“O desenvolvimento de um comportamento disciplinado requer o uso de habilidades

intelectuais” (Spodek & Saracho, 1998, p. 157). Por outras palavras, as crianças devem

usar as competências cognitivas para perceber o mundo social, ter consciência dos

padrões sociais aceitáveis e do seu uso nas diferentes situações. Só assim se podem

desenvolver como indivíduos autónomos e conscientes das liberdades e dos limites.

Os autores citados apontam, mesmo, algumas directrizes que os educadores de

infância devem observar numa abordagem disciplinar baseada no uso da razão. Assim,

é importante que as crianças saibam que comportamentos são esperados delas. Um

comportamento inadequado pode resultar do desconhecimento da regra, pelo que as

instruções a dar à criança devem ser claras e repetidas em vários contextos, para que ela

as perceba. Depois, e não menos importante, as crianças necessitam saber o porquê dessas

regras, mesmo que não as percebam na sua totalidade e de imediato. É também necessário

que as crianças possam ter oportunidades de observar e praticar o comportamento

adequado pois, como referimos, esta faixa etária é permeável à aprendizagem por

imitação. Outra das directrizes apontada alerta para o facto de as crianças não serem

adultos, o que, sendo embora óbvio, não é muitas vezes suficientemente considerado

pelos educadores, que tendem a esperar da criança comportamentos que ultrapassam as

suas possibilidades. Na verdade, os educadores devem desenvolver expectativas razoáveis

quanto ao comportamento das crianças, e também não esperar que elas se portem

adequadamente o tempo todo. Os educadores, por seu turno, devem ser coerentes no

seu próprio comportamento, pois transmitem, mesmo inconscientemente, mensagens

às crianças sobre o que é aceitável ou não.

Holtz (1972, citado por Spodek & Saracho, 1998) refere três tipos de disciplina que

pode ser encontrada pela criança: disciplina da natureza, em que as crianças aprendem

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como as coisas funcionam; disciplina da sociedade, em que as crianças aprendem como

os adultos se comportam nos ambientes sociais; e disciplina coerciva, que é imposta

pelos adultos para proteger as crianças das consequências dos seus actos que ainda não

podem antecipar.

3. Implementação de uma disciplina positiva

A problemática apresentada leva-nos à questão de saber qual deve ser a actuação

do educador numa perspectiva de disciplina positiva. O estilo e a actuação do educador

devem pautar-se pela sua forma de agir e pela sua moral, em consonância com as

estratégias de gestão de comportamento por si implementadas. Entende-se aqui a moral

como o sentimento que o educador tem sobre a sua dedicação profissional, baseado

na percepção que tem de si mesmo e na sua capacidade de organização (Washington &

Watson, 1976).

Posada e Pires (2001) definem o “professor positivo” como alguém que espera que os

seus alunos consigam altos objectivos, proporcionando-lhes oportunidades significativas

para resolverem os seus próprios conflitos e levando-os a reconhecer as suas condutas

positivas. Gardner (1993) acrescenta que os professores deveriam tomar consciência que

o ponto de partida para o processo de aprendizagem não deve ser tanto o currículo, mas

sim a experiência e a complexidade das estruturas conceptuais que os alunos trazem

para a sala de aula.

Um estudo levado a cabo por Stipek, Daniels, Galguzzo e Milburn (1992, citados

por Formosinho, Katz, MacClellan & Lino, 1996), em que analisaram programas com

crianças pobres e de classe média, permitiu classificar esses programas com base em

duas dimensões: clima social positivo e directividade do professor. Os dados deste estudo

mostraram que os programas com cotações mais elevadas na directividade do professor

são aqueles que têm mais baixas cotações no clima social positivo, sugerindo que a

tónica colocada nas aprendizagens académicas e na directividade do professor parece

impedir um clima social positivo. Por outras palavras, quanto maior for a ênfase posta na

instrução académica, menor será a ênfase nas relações sociais positivas entre professores

e crianças.

Grande parte dos estudos efectuados nesta área apela para a importância do

estilo de interacção do professor, pois o estilo de interacção faz-se sentir ao nível do

desenvolvimento e das várias aprendizagens da criança.

Na verdade, para implementar uma disciplina positiva é fundamental que o

educador se questione acerca das suas práticas educativas, do seu sentido de autoridade,

da sua segurança e capacidade de gerir e controlar problemas de comportamento na

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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

sua sala, e que reflicta, inclusivamente, sobre a sua auto-estima. É importante que o

educador procure criar uma atmosfera educativa positiva, pois a criança constrói a

sua personalidade através da imitação e das vivências que lhe são proporcionadas. “O

ambiente positivo tem o seu enfoque no nível de coesão da relação entre o educador

e a criança” (Rutter, Maughm, Mortimor, Ouston & Smith, 1979, citados por Posada

& Pires, 2001, p. 201). O educador é, assim, o modelo por excelência no contexto de

jardim de infância, sendo muitas vezes a segunda figura de vinculação. Logo, o ambiente

é um factor por excelência, para que a criança se sinta bem consigo própria, seja aceite

e estabeleça relações de empatia com os outros, o que contribuirá decisivamente para a

consolidação de uma auto-estima positiva. Assumindo uma postura flexível e dialogante,

ajudando as crianças a exprimirem as suas emoções, dando relevância às opiniões das

próprias crianças e fomentando momentos de partilha de vivências e experiências, o

educador estará a contribuir para a maturação da criança e para a construção do seu

controlo interno.

3.1. Atitudes do educador positivo

Para Posada e Pires (2001), o educador positivo é aquele que compreende e aceita

as razões que a criança manifesta através do seu comportamento sem as sancionar, mas

fazendo com que a criança entenda, se for caso disso, que a sua forma de agir não foi a

mais correcta. Deve ter uma atitude de orientador, indicando o caminho a seguir, mas

respeitando a liberdade de cada um, tendo a consciência que é também um modelo para

as crianças, mas não no sentido de imposição de condutas. É no entanto fundamental

estabelecer limites à liberdade, ajudando a criança a desenvolver a capacidade de se

colocar no papel do outro. Esta atitude em concreto permite à criança desenvolver a

sua consciência social. Saber esperar é uma das regras vitais, tanto do ponto de vista

cognitivo como emocional. A espera facilita o pensamento e a reflexão, além de promover

a interiorização dos sentimentos e a sua adequada exteriorização.

O educador, na opinião dos mesmos autores (op. cit.) deve ter uma atitude positiva

na interacção com as crianças, não fomentando a crítica, evitando as acusações e todo

o tipo de comportamento vexatório ou que, de alguma forma, possa contribuir para a

sinalização individual de uma criança, quer seja de forma directa, mediante insultos

ou humilhações frente ao grupo, quer de forma dissimulada, através de linguagem não

verbal. Mantendo uma atitude positiva, o educador pode contribuir para que as crianças

desenvolvam uma imagem positiva de si próprias, estimulando uma atitude cooperativa

entre elas. É ainda fundamental que o educador apresente alternativas às suas negações,

além das possíveis explicações, pois ensina também às crianças quando dizer “não”.

Um dos objectivos fundamentais que preside à actuação do educador prende-se com

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exedra • nº 2 • 2009

a promoção da motivação intrínseca. É crucial que, desde cedo, se fomente na criança

a capacidade de tomar decisões e assumir as consequências das decisões tomadas. É

necessário criar um clima emocional adequado que permita que as crianças exprimam

as suas emoções, ajudando-as também a expressá-las, pois daí deriva uma melhor

compreensão das crianças, uma melhor integração do grupo, uma melhor predisposição

para a aprendizagem, uma maior harmonia ao nível do sistema de relacionamentos,

um crescimento da auto-estima e o bem-estar geral. É necessário que o educador seja

sempre claro e mostre firmeza (não confundir com rigidez) e decisão na transmissão de

mensagens, e prepare as crianças para as transições que ocorrem ao longo da actividade

educativa, promovendo também momentos de busca e descoberta por parte das crianças,

pois, desta forma, está a contribuir para a autonomia e independência das crianças como

pessoas e como alunos que têm ainda que percorrer uma longa vida académica.

4. Os problemas emocionais e o comportamento anti-social

4.1. As dificuldades sociais

Como já referimos, a aceitação e a popularidade parecem jogar um papel importante

na socialização infantil. As capacidades sociais proporcionam às crianças uma forma

de dar e receber recompensas sociais positivas, as quais vão, por sua vez, aumentar a

interacção social.

Um leque variado de estudos tem vindo a demonstrar, no entanto, que há crianças

que não conseguem atingir uma competência satisfatória nas suas relações sociais, ou

porque não adquiriram competências ou porque simplesmente não as conseguem usar

com confiança, o que as vai tornar socialmente retraídas ou mesmo rejeitadas.

Um estudo levado a cabo por Corsaro (1985, citado por Katz & MacClellan, 1997)

concluiu que no jardim de infância uma grande percentagem da interacção social que

as crianças estabelecem entre si diz respeito à tentativa de entrar em grupos de jogos

apelando a que a criança faça, assim, uso das suas capacidades de participação e sucesso

social. Há, no entanto, outros comportamentos ligados com a capacidade social e com

a aceitação, como o dar atenção aos outros, o solicitar informações, ou até o contribuir

para uma discussão em grupo (Bierman & Furman, 1984; Coie & Krehbiel, 1984; Gottman

& Schuler, 1976; Mize & Ladd, 1990; todos citados por Katz & MacClellan, op. cit.).

Algumas crianças entram no jardim de infância desprovidas deste repertório de

capacidades e vão sentir grandes dificuldades. Por vezes, a causa pode encontrar-

se ao nível do controlo dos impulsos, que ainda é feita deficientemente, o que leva a

que não sejam bem sucedidas nas interacções respeitantes à resolução de conflitos.

Outras crianças desconhecem, ou não experienciaram ainda, interacções sociais com

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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

pares. Há crianças que têm o seu primeiro relacionamento com outras crianças só no

jardim de infância, e que por isso desconhecem estas estratégias. No entanto, outras há

que apesar de já terem adquirido determinadas capacidades sociais não as usam com

confiança a fim de serem bem sucedidas. Mas a causa pode ficar a dever-se, também, à

falta de capacidade para exprimirem os seus sentimentos e desejos ou à dificuldade em

explicar as razões das suas preferências. Por fim, há crianças que são tão dependentes do

adulto que interrompem constantemente qualquer brincadeira para pedir ajuda (Katz &

MacClellan, op. cit.).

Todas estas causas podem repercutir-se no comportamento da criança, e encontramos

crianças que sistematicamente se recusam a cumprir rotinas ou que rejeitam normas do

jardim de infância. Estes comportamentos não cooperativos, podem, no entanto, ter uma

explicação que pode ser exterior à vida no jardim de infância, sintoma de que existe uma

perturbação emocional, ou podem derivar de um desajuste entre a própria criança e a

instituição pré-escolar.

Mas outras razões poderemos elencar como estando directamente ligadas com a

forma de organização e gestão do processo educativo que se desenvolve dentro do jardim

de infância. Senão vejamos. O próprio clima que aí é vivido, quer seja autoritário, quer

seja permissivo, pode levar a comportamentos pouco colaborativos das crianças ou até a

manifestações de problemas sociais entre elas. O ambiente pode ser mesmo considerado

como um segundo educador. Montessori (1964, citada por Katz & MacClellan, op. cit.)

defendia que se devia preparar o ambiente, pois as crianças respondem em função

do meio que as rodeia, o que pode ter importantes efeitos no seu desenvolvimento

intelectual, social e espiritual. Barker (n.d., citado por Posada & Pires, 2001), um dos

pioneiros da psicologia ambiental, refere que os ambientes são “sinomórficos”, assumem

a personalidade das pessoas que os constroem, pelo que o clima afecta as condutas dos

sujeitos. O mesmo se passará em relação às normas. Se a criança não tiver participado na

sua discussão e elaboração, elas poderão não ter qualquer significado para ela, podendo

ocasionar a manifestação de comportamentos disruptivos. As próprias actividades podem

não ter qualquer relevância para a criança, podendo ser tão rotineiras que não despertam

qualquer interesse, ou estarem tão desfasadas do seu nível de desenvolvimento que

geram perturbações. As transições entre as actividades podem ainda não ser perceptíveis,

gerando confusão. Outro factor pode estar ligado à falta de respeito pelas diferenças

individuais, nomeadamente no que se refere às crianças que necessitam de mais tempo

para realizar as tarefas. Mas, o facto de surgirem dificuldades sociais na sala pode também

indiciar que as crianças são novas demais para passarem um tão grande número de horas

num contexto onde existem mais crianças. Caberá ao educador procurar minimizar o

stress que as crianças possam sentir quando estão em grupos de pares durante muito

tempo (Katz & MacClellan, 1997).

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A investigação sugere ainda que com a idade não melhora a falta de competência social

de muitas crianças. As crianças não assertivas mantêm os seus défices de habilidades

sociais na vida adulta. Michelson, Sugai, Wood e Kazdin (1997) falam em dois tipos

de défices sociais. Por um lado, temos as crianças passivas, com um comportamento

tímido, isolado e quase letárgico, que não estabelecem interacção com os companheiros,

podendo essas respostas passivas provocar sentimentos de insuficiência, depressão e

incompetência, resultando num baixo nível social. Ora parece provado que a popularidade

está associada ao êxito escolar, bem como ao desenvolvimento cognitivo e emocional

(Hartup, 1970). Vários estudos, analisados por Gottman, Gonso e Rasmussen (1975,

citados por Michelson, Sugai, Wood, & Kazdin 1997), levaram à conclusão de que havia

uma estreita relação entre a popularidade e o posterior funcionamento na vida adulta,

sendo as crianças pouco populares as que mais recorriam ao apoio psiquiátrico na vida

adulta. Encontra-se, assim, uma correlação entre o comportamento passivo e processos

de má adaptação na vida futura. No outro extremo dos défices sociais, encontram-se as

crianças que apresentam um comportamento dirigido ao exterior e que são, tipicamente,

agressivas e não cooperativas. Estas crianças fracassam quando tentam demonstrar

capacidades sociais para levar a cabo interacções sociais efectivas. Comportam-se de

uma forma que é reprovada pelos outros, e que conduz à humilhação e à baixa auto-

estima. Estas crianças apresentam dificuldades escolares, obtendo níveis mais baixos do

que os colegas, manifestando, na vida adulta, uma maior incidência de comportamento

anti-social.

4.2. O comportamento anti-social

O comportamento anti-social é entendido como um padrão de violações dos direitos

dos outros ou das normas de uma determinada sociedade (Fonseca, 2001). Vários estudos

longitudinais apontam para uma continuidade intergeracional dos comportamentos

anti-sociais e algumas das explicações que têm sido avançadas estão ligadas com a

modelação de comportamentos, influência genética, atitudes dos pais em relação a esses

comportamentos e influências do meio partilhado.

As consequências negativas do comportamento anti-social da criança não se

expressam na sua vida futura apenas sob a forma de agressividade, delinquência ou

criminalidade. Elas podem tomar formas mais diversificadas, como o abuso físico dos

filhos e dos cônjuges, a instabilidade no emprego, o abuso de drogas, a propensão

para acidentes, a promiscuidade sexual, entre outras. Zoccolillo (1992, citado por

Fonseca, 2001) verificou que uma grande percentagem de indivíduos com distúrbios

de comportamento na infância apresentava, mais tarde, problemas de adaptação social,

como sejam as dificuldades de relacionamento interpessoal, de adaptação ao trabalho e

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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

conflitos na família. Já Gluek e Glueck (1950) haviam verificado, através de um estudo

longitudinal, o comportamento anti-social na criança se revelava um bom preditor do seu

estatuto educacional, económico, profissional e familiar 18 anos mais tarde. Constata-

se, assim, que a ideia generalizada de que o comportamento anti-social é um fenómeno

típico da adolescência e se resolve com o tempo, não é tão linear quanto isso.

Estes estudos permitiram também chegar à conclusão de que há vários factores que,

de modo directo ou indirecto, contribuem para o aparecimento e a continuidade dos

problemas anti-sociais. Fonseca (2001) apresenta-os classificados em três categorias:

factores individuais (micro-sistemas); factores psicossociais (mesosistema) e factores da

comunidade ou sócio-culturais (exosistema).

Iremos, resumidamente, fazer alusão a estas três categorias, que têm estado, de

alguma forma, presentes ao longo deste artigo.

4.2.1. Factores individuais

Durante muito tempo a tónica foi posta nos factores de ordem social e cultural, mas

actualmente, fruto das recentes investigações, regista-se uma viragem para os factores

de natureza individual, os quais apresentam uma imensa diversidade que tem levado a

várias propostas de classificação. Nas últimas décadas, os factores que têm suscitado

mais investigações têm sido o temperamento, a hiperactividade, e a idade precoce dos

primeiros comportamentos anti-sociais.

No que se refere ao temperamento, Caspi (2000), baseando-se em estudos

longitudinais de Dunedin, chegou à conclusão que, comparadas com colegas sem

problemas de temperamento, as crianças com temperamento difícil tinham 2.9 vezes

mais probabilidades de terem um diagnóstico de personalidade anti-social, 2.2 vezes mais

a probabilidade de se tornarem criminosos reincidentes e 4.5 vezes mais a probabilidade

de serem condenados por crimes violentos. Entre as características ou dimensões do

temperamento que se encontram associadas a futuros problemas do comportamento

encontram-se a emocionalidade, a resistência ao controlo, a fraca auto-regulação e a

impulsividade (Sanson & Prior, citados por Fonseca, 2001).

No que se refere à hiperactividade, a posição dominante aponta para que ela constitui

um dos factores de risco mais importantes do comportamento anti-social. Satterfield

(1987) verificou que um grupo de crianças diagnosticadas como hiperactivas apresentava

mais tarde, aos 17 anos, taxas significativamente mais elevadas de comportamento anti-

social do que indivíduos de um grupo de controlo normal. Moffitt (1990) verificou que

a hiperactividade aparecia associada às formas mais graves de comportamento anti-

social.

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Quanto aos problemas de cognição social, existe também um conjunto de

investigações recentes que mostram que os indivíduos agressivos se diferenciam dos seus

pares bem adaptados na maneira como processam e utilizam a informação relativa às

outras pessoas, pois têm tendência, por exemplo, na fase de codificação, a terem mais

sensibilidade aos sinais de agressão, na interpretação, a atribuírem intenções hostis, na

procura de eventuais respostas, acesso mais fácil a respostas agressivas, na escolha de

um determinado tipo de respostas, consideram como aceitável uma resposta anti-social

e finalmente, na execução dessa resposta, a incapacidade de utilizar respostas verbais

e problemas de auto-controlo (Fonseca, 2001). Mas, as diferenças não se reportam só à

fase inicial do processamento de informação, pois estes indivíduos também apresentam

um repertório reduzido de estratégias de resolução de conflitos.

No que se refere à idade precoce do aparecimento dos primeiros comportamentos

anti-sociais, os estudos apontam para que se trata de um bom preditor da continuidade

desses comportamentos através da infância e adolescência. Loeber e Southamer

(1986, citados por Fonseca, 2001) referem como preditores da delinquência juvenil os

distúrbios de comportamento da criança e White, Moffitt, Earls, Robins, e Silva (1990)

verificaram que os problemas avaliados pelos pais, entre os 3 e os 5 anos, discriminavam

bem os indivíduos delinquentes aos 11 anos. Com base nos estudos realizados nesta área,

foi proposta uma classificação dos comportamentos anti-sociais que aponta para duas

categorias: uma com início precoce, com comportamentos mais graves e mais resistentes

à intervenção, e outra de início tardio ou durante a adolescência (Hinshaw et al. 1993;

Moffitt; 1993, citados por Fonseca, 2001).

4.2.2. Factores psicossociais

No campo dos factores psicossociais têm tomado particular relevo as variáveis ligadas

à família, à escola e aos colegas.

Na família, as características que têm sido identificadas prendem-se com o baixo

nível económico, o baixo nível escolar dos pais, os lares desfeitos, a falta de competências

educativas dos pais, a hostilidade, os estilos coercivos, conflitos no casal, modelos

criminosos na família, e a psicopatologia dos pais, entre outros. Contudo, desta panóplia

de variáveis as que se têm revelado mais determinantes têm sido a falta de competências

parentais, as interacções hostis e coercivas com a utilização inconsistente de prémios

e castigos, as falhas de comunicação entre pais e filhos e a existência de modelos anti-

sociais na família (Fonseca, 2001).

Outra das variáveis que tem sido objecto de bastantes estudos é a escola. Rutter e

colaboradores (1979, citados por Fonseca, op. cit.) mostraram que a escola, através do

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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

seu funcionamento, contribui efectivamente para a ocorrência de comportamentos anti-

sociais no aluno. Vários aspectos têm sido considerados responsáveis pelo despoletar de

comportamentos anti-sociais, desde o recurso a estratégias pedagógicas e disciplinares

demasiado coercivas ou demasiado laxistas face aos alunos, baixas expectativas em

relação aos progressos dos alunos, até à falta de motivação dos professores.

A influência dos colegas é outro dos factores psicossociais que tem influência no

agravamento dos comportamentos anti-sociais. No entanto, a questão que se coloca é a de

saber se de facto há uma influência dos pares delinquentes na origem do comportamento

anti-social, ou se em primeiro lugar os indivíduos procuram colegas delinquentes de

acordo com as suas próprias tendências. Thornberry (1993, 1998, citado por Fonseca,

op. cit.) mostrou que a entrada num gang aumenta efectivamente a probabilidade de

cometer actos delinquentes, e o seu abandono leva à diminuição do crime violento. Esta

influência do grupo pode exercer-se através de um aumento na auto-estima, partilha de

valores anti-sociais, pressão dos colegas, conquista de um estatuto superior dentro do

grupo ou benefícios da actividade do grupo.

4.2.3. Factores sociais e culturais

Os factores sociais e culturais mais referidos na literatura são a pobreza, a violência,

o desemprego, a insegurança na comunidade e de uma forma geral a desorganização

social na comunidade. Na verdade, encontram-se taxas mais elevadas de comportamento

anti-social nas zonas desfavorecidas das grandes cidades, particularmente quando há

falta de coesão e controlo social (Sampson et al.,1997, citados por Fonseca, op. cit.).

Outro factor sócio-cultural, que tem originado muitos estudos nas últimas décadas, tem

sido a influência dos mass média, sobretudo da televisão. Huesman e Eron (1984, citado

por Fonseca, op. cit.) mostraram a existência de um efeito estatisticamente significativo,

ainda que modesto, da violência filmada no aumento do comportamento anti-social e do

crime.

5. A prevenção dos problemas emocionais

Quando as emoções não se expressam, não se dominam, ou não se adequam às

situações, podem aparecer as disfunções. As disfunções emocionais infantis revelam-se

quando uma criança demonstra falta de adequação das suas reacções face às situações ou

quando faz má interpretação das emoções dos outros.

Os pais são quem melhor pode ajudar a prevenir (expressão latina “prevenire”, que

significa “antes de vir”) os problemas emocionais. São os pais que estabelecem mais

estreitamente relações afectivas com a criança e, presumivelmente, são quem melhor

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a conhece, e nos primeiros anos de vida são também quem passa mais tempo com ela.

A teoria de vinculação de Bowlby (1982) situa-se precisamente à volta da importância

destas relações precoces, assim como do papel que as mesmas desempenham no

desenvolvimento posterior da criança. Um estudo efectuado por Soares (1996) procurou

constatar se havia concordância entre o estilo de vinculação da mãe e a representação

sobre ele que o filho ou filha tinham na adolescência. A autora concluiu existir uma

concordância na representação da vinculação mãe-filho “a representação segura da

mãe pode constituir em si mesma uma referência ou uma base segura a partir da qual

o(a) filho(a) pode organizar internamente as suas experiências de vinculação de modo

seguro” (Soares, op. cit., p. 304).

Qualquer pessoa que mantenha este tipo de relação pode assumir também, e com

êxito, o papel preventivo. Estamo-nos a referir aos educadores de infância, que na maior

parte das vezes são a segunda figura de vinculação das crianças. Sabemos que o que

caracteriza a vinculação é o comportamento que promove uma proximidade ou um

contacto da criança com uma ou mais figuras a que ela se encontra vinculada (Ainsworth

et al., 1978, citado por Moreira, 2001) e que lhe transmitem segurança. Classicamente, a

função social e emocional era atribuída aos pais, e aos professores a função intelectual.

Hoje em dia essas fronteiras encontram-se diluídas, e pais e educadores entram por

vezes em conflito no que diz respeito aos sistemas de valores. Uma prevenção que

realmente previna fundamenta-se numa educação emocional adequada, precoce e

concertada entre pais e educadores. Deve acabar-se com o mito de que é muito pequeno

para aprender, tem tempo, e ainda está longe de qualquer situação problemática, pois como

já vimos anteriormente, o desenvolvimento emocional é fortemente influenciado pelos

primeiros anos de vida, sendo precisamente nas etapas mais precoces que se inicia toda

a organização em relação ao ambiente que rodeia o bebé e da qual vão depender as

organizações posteriores.

Por outro lado, muitas vezes só se reconhece a necessidade de intervir quando a

criança começa a apresentar comportamentos desajustados. Uma investigação levada a

cabo por Kochanska (1987, citado por Barrio, 2002) mostrou que mães que iniciaram a

educação emocional dos seus filhos entre os 15 e 30 meses, tiveram mais êxito na gestão

da raiva, do que as que apenas iniciaram essa educação entre os 30 e os 42 meses, usando

as mesmas técnicas.

Outro ponto fundamental a ter em conta, e reforçando a ideia que temos vindo a

expor ao longo deste artigo, é o de que a vida emocional da criança é o trampolim de

integração no mundo, visto que a sua evolução emocional é muito mais precoce do que a

sua maturação mental: “as razões do coração são as únicas que uma criança abaixo dos

seis anos entende verdadeiramente” (Barrio, op. cit. p. 173).

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Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

De acordo com Denham (1998), a educação emocional fundamenta-se em três pilares:

os modelos, o treino de competências e a adequação às contingências.

4.1. Os modelos

Até aos seis anos de idade o método de aprendizagem mais forte é a imitação. A

criança copia as acções que observa. Não serve de nada dar conselhos verbais de auto

controlo a uma criança, se os adultos de referência na sua frente são agressivos, não

respeitam as normas ou impõem a sua vontade arbitrariamente e perdem o controlo

facilmente. A criança imitará o que vê, em vez de seguir o que escutou. O mesmo se passa

quando se pede à criança, gritando, que deixe de gritar. Prevalecerá sempre a acção em

detrimento do conteúdo verbal. Mas, se solicitarmos ideias e informação às crianças,

poderemos modelar nelas um estilo interactivo de relacionamento com os outros, e a

busca activa de soluções para os problemas.

“Os modelos emocionais proporcionam à criança uma gestalt ou forma de

entendimento da situação que configura as tendências de acção” (Barrio, 2002, p. 175).

Por outras palavras, os modelos emocionais configuram-se como guiões que orientam

o comportamento, por isso, pais e educadores têm que ter presente o modelo que estão

a transmitir e o modelo que são, uma vez que a modelação é uma forma poderosa de

aprendizagem.

5.2. O treino de competências

Além de aprender por imitação, a criança aprende também por repetição da acção.

O treino de competências está principalmente a cargo dos pais e traduz-se em coisas tão

simples como dar nome às emoções, expressá-las e controlá-las e assumir as regras de

comportamento que são aceitáveis pela sociedade de referência.

As etiquetas verbais, ou rótulos, começam a adquirir-se através de pequenas

conversas com a criança. Brown e Dunn (1991, citados por Barrio, 2002) afirmam que

as primeiras conversas emocionais entre mães e filhos se situam, em média, por volta

dos 18 a 36 meses de idade e incluem questões tão simples como perguntar-lhes por

que estão tristes ou zangados. A conversação entre o adulto e a criança além de gerar

hábitos de comunicação em torno destes problemas, ajuda a criança a generalizar a

conduta a outras situações, e evita a acumulação de tensões e mal entendidos que pode

desencadear violência.

Outro aspecto que se torna relevante para ensinar as crianças a gerir as suas emoções

é ensiná-las a lidarem com a frustração. Todos temos consciência que, no mundo

ocidentalizado onde vivemos, a maioria das crianças pode realizar quase todos os seus

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desejos, mas também é verdade que à medida que a criança cresce essa realização

torna-se mais difícil. Se a criança foi adquirindo hábitos de não-frustração é portadora

de níveis baixos de frustração, o que se pode tornar intolerável. Assim, deve-se treinar

precocemente competências de resistência à frustração, para que a criança possa pôr

em marcha mecanismos de resistência, que lhe irão permitir fazer face às adversidades,

sem recorrer, por exemplo, a substâncias aditivas para o seu alívio. Patterson et al.

(1992, citados por Barrio, op. cit.) recomendam que para gerir e controlar as emoções

das crianças se usem estratégias como imposição de uma disciplina consistente, uso de

reforços positivos e aquisição de habilidades de resolução de problemas.

5.3. Adequação às contingências

O que a autora (Denham, 1998) quer dizer com a adequação às contingências é que

qualquer conduta produz determinadas consequências, quer positivas, quer negativas,

e que se torna fundamental que, quer os pais, quer os educadores, saibam manejar

adequadamente essas consequências de modo a que a criança aprenda a manter e

consolidar as que podem trazer-lhe benefício e a extinguir as que não são benéficas.

Quando uma criança tem uma conduta inconveniente, como insultar ou bater, isto

deve ter para ela um certo “custo” de resposta, como por exemplo uma consequência.

Mas esta consequência tem que ser bem escolhida, sempre que possível decidida

previamente com a criança, para que se consiga ter algum resultado. Se a consequência

não é adequada à conduta, além de não surtir efeito, pode levar à revolta.

Conclusão

Em jeito de conclusão podemos reconhecer que é fundamental o educador ser

disponível e responsivo face às necessidades de todas as crianças da sua sala. Quando o

educador responde de forma consistente a uma criança ele está a ajudá-la a desenvolver

pontos de vista alternativos face aos relacionamentos. Quando o educador é confiável e

responsivo ensina às crianças que a experiência emocional não precisa de ser opressiva,

pode ser controlada e com o tempo as crianças aprenderão a gerir as suas emoções com

pouca ou até nenhuma ajuda.

Também a prevenção não pode ser vista como um conjunto de estratégias que se

implementam de um momento para o outro, em módulos pré-fabricados, prontos a

usar e de tamanho único, e que, no final, como por magia, fazem com que todos os

factores de risco se diluam. Uma verdadeira prevenção deve ser transversal e ecológica

e deve começar na primeira infância, senão em vez de tecermos corremos o risco de só

remendarmos. Para atingir estes objectivos é necessário que os currículos de formação

Page 145: Revista Nº2 da Exedra

145

Vera Vale • Do tecer ao remendar: os fios da competência socio-emocional

dos educadores incluam o desenvolvimento de competências socio-emocionais, para

que eles possam providenciar métodos e estratégias apropriados para a socialização

emocional.

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Correspondência

Vera do Vale

Escola Superior de Educação de Coimbra

Praça Heróis de Ultramar-Solum,

3030-329 Coimbra

[email protected]

Page 147: Revista Nº2 da Exedra

147

Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

a r t e s e h u m a n i d a d e s

Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico: alguns princípios orientadores

Pedro Balaus Custódio

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo

Os manuais escolares constituem hoje um lugar de referência no panorama dos materiais didácticos. Todavia, eles não são instrumentos exclusivos de ensino-aprendizagem e, como tal, os professores de todos os graus de ensino, sentem cada vez mais a necessidade de produzir materiais originais, de acordo com a especificidade das turmas em que leccionam, dos alunos a quem se dirigem e da rede de conteúdos e de competências que pretendem desenvolver.

Esta reflexão, breve a preambular, tece algumas linhas de orientação capazes de guiar os professores dos 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico na produção de materiais didácticos de Português.

Palavras-chave

Materiais didácticos, Manuais escolares, Ensino do português

Abstract

Nowadays, school handbooks are a reference in the overview of didactic materials. However, they are not the only instruments of the teaching-learning process and, frequently, the teachers of all the education degrees feel that it is very important to produce original materials, related to the kind of groups where they teach, according to the pupils with they work and also connected with the table of contents and abilities that they plan to reach. We intend to detail, briefly, some aspects that could guide the teachers in the production of didactic materials for 1st and 2nd Cycles of Basic Education.

Key-words

Didactic materials, School handbooks, Portuguese teaching

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exedra • nº 2 • 2009

1. Conceito de material didáctico

Genericamente, a história dos materiais didácticos remonta à própria história do

livro e ao surgimento dos materiais impressos. Em Portugal, está por fazer uma história

do material didáctico e, qualquer que seja o rumo desse trabalho no âmbito específico do

Português, ele passará de modo obrigatório pelo indispensável papel das gramáticas e

pelas cartilhas de leitura que deram forma ao ensino da Língua por mais de um século.

Os capítulos recentes da história destes materiais serão preenchidos, necessariamente,

pelos manuais escolares que, enquanto instrumentos de recontextualização pedagógica se

assumem como protagonistas no sistema de ensino-aprendizagem. São estas ferramentas

de trabalho que têm hoje uma maior projecção nas actividades quotidianas dentro e fora

da sala de aula, e em contexto multidisciplinar.

A sua importância é de tal forma decisiva que, entre nós, por exemplo, o Ministério

da Educação produziu legislação específica no sentido de acreditar as entidades que

avaliam os manuais escolares e de certificar estes utensílios pedagógicos.

A Lei n.º 47/2006 de 28 de Agosto, bem como outros diplomas posteriores, definem

o regime de avaliação e adopção dos manuais escolares dos ensinos Básico e Secundário,

com o objectivo de garantir a sua qualidade científica e pedagógica nos estabelecimentos

de ensino e de assegurar a sua conformidade com as finalidades e conteúdos do currículo

nacional e dos programas ou orientações em vigor. Em última instância, estas medidas de

análise e de certificação visam testar a adequabilidade destes instrumentos e promover,

de forma rigorosa e contextualizada, o sucesso educativo nas matérias para as quais

estão destinados.

Esse enquadramento traduz-se num conjunto de regras que normativizam o processo

de acreditação, e inclui uma moldura legal, prazos, critérios de validação, procedimentos

de candidatura e formulários. Esta avaliação e certificação de manuais escolares, que

pode ser prévia e/ou direccionada a textos já adoptados e em utilização nas escolas,

implica a adopção de metodologias que permitam operacionalizar um determinado

conjunto de procedimentos.

As preocupações em torno da regulação da qualidade dos produtos pedagógicos

denotam a indisfarçável centralidade que estes instrumentos de navegação didáctica

assumem no seio das actividades de aprendizagem. Também por essa razão, existem hoje

importantes linhas de investigação que se debruçam sobre os papéis, funções e estatutos

dos manuais escolares no sistema de ensino. Em Portugal, para além de inúmeros estudos

pontuais, é de realçar o trabalho rigoroso e sistemático levado a cabo pelo Instituto de

Educação e Psicologia da Universidade do Minho sobre todas as questões que orbitam

a esfera dos manuais escolares e, especificamente, as que dizem respeito ao ensino do

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149

Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

Português.

O conceito de material didáctico tenderá, naturalmente, a evoluir e a acompanhar

os novos dispositivos de ensino e os recursos que a Escola disponibiliza e, sobretudo,

a integrar os contributos que as T.I.C estão prontas a dar-lhe. Um material didáctico

será, cada vez mais, um produto destinado ao ensino-aprendizagem, elaborado de acordo

com princípios, critérios e finalidades que visam a facilitação e a eficácia pedagógica

de conteúdos e a aquisição de novas competências. É também compreensível que as

fronteiras deste conceito se dilatem, substancialmente, sendo consensual que a noção

de material didáctico se aplique, cada vez mais, a um conjunto alargado de suportes,

recursos e dispositivos capazes de mediar as actividades de ensino-aprendizagem.

2. Os manuais escolares: um suporte de conhecimentos

Por entre a quantiosa produção teórica respeitante aos manuais escolares, é obrigatório

destacar-se o nome de Choppin (1992) cujos estudos sobre esta matéria, estabelecem

quatro dimensões principais, à luz das quais se podem analisar estes produtos.

A primeira dimensão é enquanto produto de consumo, dependente das políticas

educativas, da evolução demográfica e da capacidade de produção e difusão das

empresas, dos contextos económicos, políticos e legislativos; a segunda, como suporte de

conhecimentos escolares, emanados de um programa oficial, uma vez que ele se constitui

como fiel depositário de «connaissances et des techniques dont la societé juge l’acquisition

nécessaire a la perpétuation de ses valeurs et qu’elle souhaite en conséquence transmettre

aux jeunes générations».

Uma terceira perspectiva diz respeito ao manual enquanto veículo ideológico e

cultural, que transmite um sistema de valores, uma ideologia e uma cultura determinada

e, finalmente, uma quarta dimensão, enquanto instrumento pedagógico, o qual se

apresenta «(...) dans son élaboration comme dans son emploi, inséparable des conditions

et des méthodes de l’enseignement de son temps» (pp. 18-20).

Esta concepção do livro escolar enquanto dispositivo pedagógico central no processo

de escolarização (Magalhães, 1999) está patente em vários documentos que regulam as

suas funções. A própria Lei de Bases do Sistema Educativo, no artº 41º-2, confere-lhe o

relevante estatuto de «recurso educativo privilegiado».

Ora, o documento emanado pelo Ministério da Educação e que contém os critérios

de apreciação/planos de análise dos manuais escolares portugueses1, integra alguns

dos princípios enunciados por Choppin (1992), nomeadamente quanto à organização,

método, informação e comunicação. De facto, critérios como por exemplo: “2- Desenvolve

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exedra • nº 2 • 2009

uma metodologia facilitadora e enriquecedora das aprendizagens; 3- Estimula a autonomia

e a criatividade; 4- Motiva para o saber e estimula o recurso a outras fontes de conhecimento

e a outros materiais didácticos; 6- Contempla sugestões de experiências de aprendizagem

diversificadas, nomeadamente de actividades de carácter prático/experimental; 7- Propõe

actividades adequadas ao desenvolvimento de projectos interdisciplinares”, vão ao encontro

da primeira dimensão enunciada por Choppin (1992), uma vez que pressupõe que este

produto de consumo é orientado por políticas educativas definidas previamente, e onde

se incluem os próprios conceitos de educação, de ensino-aprendizagem, de metodologia

de trabalho, de valoração das componentes práticas e do envolvimento em projectos

interdisciplinares.

Por outro lado, aspectos respeitantes à Informação, tais como: “1- Adequa-se ao

desenvolvimento das competências definidas no Currículo do respectivo ano e/ou nível de

escolaridade; 5- Promove a educação para a cidadania; ou 6- Não apresenta discriminações

relativas a sexos, etnias, religiões, deficiências...”, apelam visivelmente à terceira dimensão

ou seja, àquela que diz respeito ao manual enquanto veículo de um sistema de valores, de

uma ideologia e de uma cultura.

A análise destes materiais didácticos obedece, como é observável, a distintos

critérios previamente definidos e considerados fundamentais. Por essa razão, uma parte

substancial dos estudos produzidos neste âmbito tenta compreender como interagem

esses materiais específicos, enquanto principal recurso didáctico, junto de quem com

ele mais de perto trabalha: professores e alunos e, ainda, enquanto veículos com uma

determinada função e intencionalidade educativa.

Na realidade, este é um dos materiais didácticos de maior duplicidade, uma vez que é

válido para alunos e para professores, cumprindo assim diferentes objectivos, consoante

se trate do ponto de vista de um e/ou de outro.

3. A produção de outros materiais didácticos de Português

Todavia, a noção de material didáctico não se deve circunscrever nem reduzir ao

manual escolar. A maioria dos professores do Ensino Básico vai sempre mais além e

sente, cada vez mais, a necessidade de produzir novos materiais que traduzem de forma

reflectida e consistente as suas exigências didácticas. Infelizmente, o ritmo de trabalho

a que os professores estão hoje sujeitos e as solicitações de uma escola a tempo inteiro,

retiram-lhes o tempo indispensável para desenvolverem materiais mais consentâneos

com as suas experiências lectivas.2 Alguns estudos sobre a utilização dos livros escolares

revelam-nos que muitos docentes, perante a impossibilidade de produzirem materiais

originais, recorrem, amiúde, a outros manuais para além do adoptado pela escola, numa

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151

Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

espiral interminável de reprodução de práticas e de rotinas pedagógicas.

Não obstante essas limitações, há um número crescente de professores que insiste

em produzir os seus próprios materiais. Ora, é no seguimento dessa preocupação que

gostaria de enunciar, concisamente, alguns critérios adicionais e/ou específicos no

tocante à produção de materiais escolares de Português para o Ensino Básico.

As pistas a seguir enunciadas são, pois, resultantes do manejo de materiais didácticos

destinados aos 1º e 2º ciclos do Ensino Básico e devem, portanto, ser perspectivadas neste

âmbito mais restrito. Estas propostas constituem, tão-somente, uma sinopse preambular,

estando, pois, incompletas quer quanto à estrutura, quer quanto à composição.

Eis, pois, alguns princípios básicos que julgo serem indispensáveis à produção de

materiais escolares de Português, entendendo-se por material o vasto conjunto de

recursos disponibilizados aos alunos, (para além do manual escolar, dos dicionários,

prontuários, gramáticas, etc.), e onde se contam as fichas de trabalho, os guiões de

leitura, as actividades de compreensão de texto, de interpretação, de análise, de resumo,

de reconto, e outras que povoam as práticas didácticas quotidianas dos professores destes

ciclos de ensino.

Por razões de coerência, e seguindo de perto a divisão adoptada pelo Ministério da

Educação para os livros escolares, sugiro a seguinte tripartição dos critérios, em:

A – Estrutura e opções didácticas

B – Conteúdo

C – Forma

Assim, cada um destes domínios que compõem o material didáctico contém

internamente um conjunto de critérios que importa cumprir no momento da selecção

das pistas de trabalho e das opções didácticas: São eles, entre outros, os seguintes:

A – Estrutura e opções didácticas

Estrutura da unidade;1)

Conexões explícitas ao: Programa de Português; ao 2) corpus representativo de leituras da Literatura para a Infância e Juventude; ao Plano Nacional de Leitura;

Selecção e/ou adopção de procedimentos didácticos facilitadores de: critérios 3) de progressão; coerência da rede de conteúdos;

Natureza das actividades de incidência prática e/ou conceptual: desenvolvimento 4)

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exedra • nº 2 • 2009

de estratégias de compreensão / análise / inferência / activação de conhecimentos / antecipação de conteúdos / pesquisa de conteúdos / tratamento, selecção e organização da informação, reprodução, produção, mobilização de conhecimentos prévios, localização, recolha, selecção, interpretação, etc.

Identificação das fontes de autoria do texto; obra; casa editora; integridade 5) do texto (versão completa vs. adaptações); uso contextualizado de glossário; adequação do texto ao tema da unidade;

Objectivos específicos do material: ligação e/ou cruzamento entre as actividades 6) propostas e as finalidades a atingir;

B – Conteúdo

1) Equilíbrio dos domínios nucleares da disciplina e desenvolvimento das competências

de:

Compreensão do oral; •

Expressão do Oral; •

Leitura, •

Escrita; •

Conhecimento explícito da língua;•

2) Tipos e actividades de leitura e de escrita; géneros textuais;

2) Desenvolvimento da consciência linguística dos alunos;

3) Informações biográficas e bibliográficas;

4) Cotejo das experiências pessoais dos alunos com o universo textual;

5) Estímulo à autonomia, criatividade e recurso a estratégias de

interdisciplinaridade;

6) Intertextualidade;

C – Forma

Correcção didáctica das actividades e tarefas: modos de formulação de •questões; competências envolvidas nas perguntas; riqueza das sugestões de compreensão de texto; natureza das propostas relacionadas com o CEL;

Correcção linguística dos enunciados;•

Clareza, concisão e adequação das perguntas, tarefas e propostas de •trabalho;

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Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

As linhas de análise aqui expostas não assumem, obviamente, um carácter cumulativo,

uma vez que a distinta natureza de cada um dos materiais didácticos depende dos

objectivos, das competências a desenvolver e dos desempenhos que se pretendem atingir

com as actividades sugeridas. Assim, nenhum material didáctico poderá ser tão compósito

que englobe todas as sugestões e/ou opções metodológicas e conteúdos à disposição do

professor.

Uma das principais tarefas de quem elabora um material didáctico principia por

uma selecção rigorosa e contextualizada dos aspectos que, de acordo com as finalidades,

devem presidir à sua produção. Só desse modo se garante que esse recurso reúne um

conjunto significativo de características que o tornam apelativo, estruturado, funcional

e, sobretudo, adequado às exigências da unidade didáctica em estudo numa determinada

etapa das aprendizagens.

Assim, e quanto à Estrutura e opções didácticas, considera-se que nenhuma

actividade elaborada pelo professor se deve abster de preocupações respeitantes à ligação

ao Programa da disciplina e ao corpus de leitura consignado pelo mesmo.

Este aspecto, embora consensual, não está isento de algumas imprecisões uma vez

que, por vezes, os professores (por razões distintas) elaboram alguns materiais tendo

como campo de referência outros já existentes, emulando a sua estrutura sem, todavia,

prestarem atenção mais detalhada ao documento orientador que regula e orienta as

práticas: o Programa de Português. Este dado é tanto mais relevante quanto sabemos

os perigos em que a navegação pedagógica incorre quando o trabalho de orientação é

realizado através da aproximação exclusiva aos manuais e do afastamento das linhas

programáticas, como referem Zabalza (1992) e Aran (1996).3

É por essa razão que a produção de qualquer material de Português está sempre

dependente da consulta prévia do documento matricial que estabelece as competências,

os objectivos e os conteúdos para determinado ano de ensino.

É ainda essencial que o professor se deixe conduzir por critérios de elevada qualidade

na selecção dos textos que servem de suporte aos materiais didácticos, devendo escolher,

sempre que as finalidades assim o exijam, enunciados representativos da literatura para

a infância e juventude e outros textos de reconhecido mérito literário, por entre a vasta

oferta de clássicos portugueses e/ou estrangeiros. Parte substancial dessa tarefa está

hoje bastante facilitada pela base de dados disponibilizada pelo Plano Nacional de Leitura

que, sem dúvida alguma, constitui uma acervo valioso e imprescindível a professores,

alunos e encarregados de educação.

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exedra • nº 2 • 2009

De igual modo, parece-me relevante que o professor principie por um trabalho de

planificação, ainda que básica e sucinta, permitindo assim que o material produzido

siga orientações precisas relativamente às metodologias de estudo e de trabalho, aos

procedimentos didácticos que põe em jogo, como é o caso, por exemplo, de critérios de

progressão nas actividades de compreensão de texto, de interpretação, de desenvolvimento

das competências e/ou de conhecimento explícito da língua, de coerência e de adequação

dos conteúdos declarativos em causa, e mesmo da tipologia das actividades sugeridas,

quer se trate de inferências, de conclusões, de comentários, de interpretação, de análise,

de reprodução, etc.

Outro aspecto primordial que durante muitos anos foi, não raro, negligenciado (por

desconhecimento e/ou descuido ou, ainda, por pretensa comodidade didáctica) diz

respeito a questões de identificação de autoria dos textos transcritos, e à sua integridade,

por vezes muito truncada e/ou adaptada. Esse desvirtuamento, para além de fragilizar

a integridade textual, adultera também os níveis de compreensão dos enunciados e

estrangula a sua coesão interna, retirando-lhe e/ou comprometendo, tantas vezes de

modo severo, as suas identidade e/ou estrutura e intencionalidade comunicativa. Essas

amputações contribuem ainda para a opacidade dos esquemas narrativos e estruturais

que os textos encenam e inviabilizam, consequentemente, a construção de sentidos por

parte dos alunos.

Esta inquietação está hoje, aliás, manifestamente presente nos Programas de Português

do Ensino Básico que, sobre esta matéria, aconselham o uso de versões integrais4,

desaconselham as adaptações e prescrevem critérios de rigor na adopção, escolha e

selecção de textos de autor.

Creio ainda que muitos textos, sejam eles ponto de partida ou de chegada para as

actividades desenvolvidas, carecem por vezes de pequenos glossários que devem ser

encarados pelos professores como preciosos auxiliares didácticos não apenas do seu

trabalho mas, sobretudo, do desenvolvimento e enriquecimento lexical dos alunos, em

especial junto das faixas etárias mais jovens.

Esta opção metodológica não invalida outros procedimentos de trabalho igualmente

legítimos, como é o caso da consulta de dicionários, de prontuários, e/ou a realização

de outras tarefas que envolvam maiores componentes de pesquisa de informação, como

por exemplo, o uso das tecnologias de informação e de comunicação. Mais uma vez,

essas decisões didácticas estão nas mãos do professor e devem ser tomadas em função das

finalidades e das metodologias que melhor servem o material em causa.

Por último, e ainda sobre este aspecto, importa salientar que a harmonização interna

do próprio material ganha também com a adequação do tema do texto à unidade e/ou ao

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155

Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

conteúdo em apreço. Convém, portanto, (salvo excepções noutro sentido) um assinalável

padrão de coerência entre os temas do texto, as actividades propostas, as sugestões

temáticas no domínio da produção escrita, de modo a que se efectivem realmente as

aprendizagens essenciais. Só dessa forma o professor terá garantias de que as actividades

que propõe estão em sintonia com os descritores de desempenho previstos e em

alinhamento com as competências que pretende fomentar com os referidos exercícios.

No que toca ao plano do Conteúdo, merece redobrada atenção o equilíbrio das

competências nucleares da disciplina que constituem, por assim dizer, as traves-mestras

de todas as actividades de ensino-aprendizagem: a Compreensão do oral; a Expressão do

Oral; a Leitura, a Escrita e o Conhecimento explícito da língua.

Com a finalidade de produzir materiais de estrutura e composição diversificadas

convém que o professor enriqueça as propostas, lançando mão de actividades diversas e

pertencentes a domínios e competências distintas, possibilitando, assim, o enriquecimento

das tarefas que os alunos levam a cabo.

Outro lugar de destaque vai para os tipos de actividades que os materiais solicitam,

nomeadamente as de leitura e de escrita que devem assumir uma inquestionável

centralidade, primando pelo justo equilíbrio e concorrendo para o desenvolvimento da

consciência linguística dos alunos e para o reforço das estratégias de enriquecimento

vocabular, entre outras finalidades.

Julgo ser também relevante nestes dois ciclos de ensino a familiarização gradual com

aspectos (breves mas elucidativos) de natureza biobibliográfica dos autores em estudo,

bem como de sugestões de outros textos e/ou obras por eles produzidos. Este hábito,

simples e didacticamente apurado, incutirá nos alunos, de modo gradual, a noção de

património literário e cultural - um valor de referência capital em qualquer sistema de

ensino.

Por fim, importa mencionar ainda um outro critério de presença obrigatória e que

diz respeito à autonomia dos alunos. Visando esse objectivo, os professores devem

incentivar a realização de tarefas que apelem à criatividade, ao cotejo do mundo do aluno

com as referências textuais e, obrigatoriamente, ao cruzamento com outros saberes

disciplinares.5

Esse desígnio, de que o Programa de Português faz particular eco, comporta uma

opção didáctica de enorme rentabilidade, uma vez que permite um alargamento de

competências que ultrapassam, significativamente, a rede de conteúdos e de desempenhos

no âmbito do Português.

É conveniente, pois, que o professor habitue os seus alunos a actividades de índole

comparativa, a tarefas que envolvam raciocínios lógicos mais elaborados, a empreitadas

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exedra • nº 2 • 2009

de crescente complexidade intertextual, dando assim os primeiros passos para um

trabalho que conhecerá outras etapas nos ciclos de ensino seguintes.

No plano da Forma, convém realçar o cuidado e o rigor que devem presidir

à elaboração destes materiais e onde pontificam, certamente, o aperfeiçoamento

didáctico das tarefas, a correcção linguística dos enunciados, a precisão terminológica,

a objectividade, a concisão e a clareza das questões formuladas, a ausência de sentidos

dúbios, de formulações equívocas, e outras imprecisões que afectam a comunicação

pedagógica e podem comprometer seriamente a nitidez dos materiais escritos.

Nunca poderemos perder de vista que há diferentes competências que estão envolvidas

em cada uma das perguntas e que elas se traduzem numa pluralidade de registos que

importa respeitar, como é o caso das que tocam a compreensão de texto, a produção

escrita ou o desenvolvimento de conhecimento explícito da língua.

A terminar, convém ressalvar três aspectos importantes: o primeiro é que as sugestões

aqui enunciadas devem ser tidas como meros contributos para a produção de materiais

didácticos e, sobretudo, como pontos de partida para estudos mais aprofundados que

tipifiquem, num registo de maior detalhe, as componentes necessárias à organização,

elaboração e produção destes utensílios.

A especificidade, os objectivos e as competências envolvidas em cada um deles ditarão,

sem dúvida, o modo como são estruturados. O próprio género textual condicionará os

respectivos estudos e abordagens, bem como a maturidade de leitura e de escrita dos

alunos a que se destinam os referidos materiais.

A segunda ressalva diz respeito à avaliação. Como se conclui destas palavras, excluí

intencionalmente destas considerações os efeitos e os propósitos que muitos dos materiais

cumprem neste aspecto. É consabido que uma parte substancial destes instrumentos visa

finalidades respeitantes à avaliação das aprendizagens, quer em modelos formativos, quer

finais e, desse modo, fornecem dados cruciais a professores e a alunos sobre a aquisição

e desenvolvimento de competências e de desempenhos. Todavia, e dada a especificidade

dessas metas e atendendo ao facto dessa componente envolver considerações que orbitam

outras esferas de análise - que fogem ao âmbito restrito destas reflexões - optei por não

as ponderar neste sucinto artigo.

Por último, não foram contempladas as preocupações com aspectos gráficos dos

materiais, nomeadamente o uso de ilustrações que, neste ciclo de ensino, se reveste de

particular importância. As apreciações sobre a natureza e as funções desses componentes,

apesar de relevantes, desbordavam também os limites estreitos desta breve análise.

A finalizar, convém destacar que, cada vez mais, a produção de materiais didácticos será

uma prioridade em todos os níveis de escolaridade, e no Básico em particular, não só pela

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157

Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

eficácia que eles podem trazer ao ensino-aprendizagem, mas também pela possibilidade

de personalização que confere às estratégias e tarefas didácticas do professor.

A estrutura, composição e opções metodológicas adoptadas nos materiais conhecerá

sempre remodelações constantes, não só pela multiplicidade de literacias envolvidas

actualmente no ensino mas, também, pelas potencialidades dos novos suportes

electrónicos, como é o caso do software educativo que, a breve trecho poderá revolucionar

a forma como encaramos e produzimos materiais escolares.

Numa época em que se começam a dar os primeiros passos nos manuais em linha6,

a produção de materiais didácticos enveredará por novos caminhos e abraçará desafios

que, como habitualmente, deverão ser percorridos quer por alunos, quer por professores.

Ora, ambos os intervenientes no processo educativo constituem parte interessada e são,

em simultâneo, os que mais podem beneficiar com a rentabilidade destes recursos de

estudo e de aprendizagem.

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Zabalza, M. (1992). Planificação e desenvolvimento curricular na escola. Porto: Asa.

(Notas)

1Vd. Grelha do Ministério da Educação

1) Organização e Método

Apresenta uma organização coerente e funcional, estruturada na perspectiva •do aluno;

Desenvolve uma metodologia facilitadora e enriquecedora das •aprendizagens;

Estimula a autonomia e a criatividade;•

Motiva para o saber e estimula o recurso a outras fontes de conhecimento e •a outros

materiais didácticos;•

Permite percursos pedagógicos diversificados;•

Contempla sugestões de experiências de aprendizagem diversificadas, •nomeadamente

de actividades de carácter prático/experimental;•

Propõe actividades adequadas ao desenvolvimento de projectos •interdisciplinares.

2) Informação

Adequa-se ao desenvolvimento das competências definidas no Currículo do •respectivo

Page 159: Revista Nº2 da Exedra

159

Pedro Balaus Custódio • Análise e produção de materiais didácticos de português no ensino básico

ano e/ou nível de escolaridade;•

Responde aos objectivos e conteúdos do Programa/Orientações •Curriculares;

Fornece informação correcta, actualizada, relevante e adequada aos alunos •a que se

destina;•

Explicita as aprendizagens essenciais;•

Promove a educação para a cidadania;•

Não apresenta discriminações relativas a sexos, etnias, religiões, deficiências, •...

3) Comunicação

A concepção e a organização gráfica (Caracteres tipográficos, cores, •destaques,

espaços, títulos e subtítulos, etc.) do manual facilitam a sua utilização e •motivam o

aluno para a aprendizagem;•

Os textos são claros, rigorosos e adequados ao nível de ensino e à diversidade •dos

alunos a que se destinam;•

Os diferentes tipos de ilustrações (Fotografias, desenhos, mapas, gráficos, •esquemas,

etc.) são correctos, pertinentes e relacionam-se adequadamente com o •texto.

4) Características materiais

Apresenta robustez suficiente para resistir à normal utilização;•

O formato, as dimensões e o peso do manual (ou de cada um dos seus •volumes) são

adequados ao nível etário do aluno;•

Permite a reutilização.•

2 Cf. Apple (2002): “(...) o trabalho da classe docente está a tornar-se, cada vez mais,

naquilo que os estudiosos do processo laboral denominam intensificado. Cada vez mais

obrigações a cumprir, cada vez menos tempo para o fazer. Deste modo, existem poucas

hipóteses para além de escolher material já preparado (...).

Page 160: Revista Nº2 da Exedra

160

exedra • nº 2 • 2009

3 Este aspecto tem sido frequentemente referido em estudos sobre os manuais

escolares, como é o caso, por exemplo, de Zabalza (1992) que concluiu que, quando

planificam, os professores não trabalham directamente com os programas mas sim com

os manuais. São eles que procedem à estruturação das aulas.

Aran (1996) afirma mesmo que «se estima que los libros de texto llegan a condicionar

de manera importante el tipo de enseñanza que se realiza, ya que muchos enseñantes lo

utilizan de manear cerrada, sometiéndose al currículum específico que se refleja

en él, tanto en lo que se refiere a los contenidos de aprendizaje como a la manera de

enseñarlos» (p. 35).

4 Ministério da Educação, (2009), Programas de Português do Ensino Básico.

Lisboa:M.E., pp.62.

5 idem, pp. 68-69: “Os professores deverão aproveitar as outras áreas para, numa

perspectiva transversal, trabalhar a língua portuguesa. Os enunciados matemáticos, os

textos expositivos da área de estudo do meio, entre outros, são exemplos excelentes para

desenvolver competências de leitura e escrita”.

6 Veja-se a iniciativa recente do grupo editorial Leya que desafiou os professores

a participarem na elaboração de quatro manuais escolares através de um portal na

Internet. O projecto, designado «Manual Escolar 2.0» visa a criação em linha de quatro

livros escolares que serão editados para o ano lectivo 2010/2011, com o contributo dos

professores. No portal www.manualescolar2.0.sebenta.pt estão disponíveis quatro áreas

distintas correspondentes aos manuais escolares de Matemática, Ciências da Natureza,

História e Geografia de Portugal, todos do 5º ano de escolaridade, e Português, do 7º

ano.

Correspondência

Pedro Balaus

Escola Superior de Educação de Coimbra,

Praça Heróis do Ultramar – Solum

3030-329 Coimbra

[email protected]

Page 161: Revista Nº2 da Exedra

161

Cláudia Andrade • Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees

c o m u n i c a ç ã o e c i ê n c i a s e m p r e s a r i a i s

Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees

Cláudia Andrade

College of Education - Polytechnic Institute of Coimbra

Marisa Matias

Faculty of Psychology and Education - University of Porto

Abstract

Challenging the assumption that work and family are incompatible, a growing body of studies focuses the positive relationships between these two roles. The present research is an exploratory study aimed at examining whether work characteristics (flexible supervision, job-loss risk and work satisfaction) are associated with work-family facilitation (WFF) and enable positive family outcomes (couple constructive problem solving and lower levels of family stress). Using data from the EU FamWork Project (Portuguese Employees N = 306), this study examined work-family facilitation models in male and female full-time employees with young children.

Results indicated that flexible supervision has a direct effect on work-family facilitation and job security has an indirect effect (via work satisfaction) on work-family facilitation, only for female employees. Results also offered support for the relation between work-family facilitation and positive familial outcomes (couple constructive problem solving and lower levels of family stress) for women. Men´s model was very modest and only flexible supervision was a predictor of work-to-family facilitation. Furthermore, no relations between work-to-family facilitation and positive individual outcomes were found in men´s group. Gender variations in the models suggest the importance of this variable for future work-to-family facilitation research agenda.

Key-Words

Work-to-family facilitation, Gender, Employees

Sumário

Apesar da maioria dos estudos sobre as relações trabalho-família centrar a sua análise nas interferências negativas entre o papel profissional e o papel familiar, cada vez mais estudos têm vindo a focar os aspectos positivos que podem advir da participação nas duas esferas. Este estudo, de carácter exploratório, procura analisar em que medida os aspectos associados ao papel profissional (flexibilidade na supervisão, ameaça de perda de emprego e satisfação profissional) contribuem para a ocorrência da facilitação trabalho-família. Procura-se também analisar em que medida a facilitação trabalho-família tem

Page 162: Revista Nº2 da Exedra

162

exedra • nº 2 • 2009

um impacto no indivíduo ao nível do exercício do seu papel familiar (capacidade de resolução construtiva de problemas no casal e redução do stress familiar). Partindo dos dados da amostra portuguesa (n=306, profissionais a tempo inteiro com filhos em idade escolar) do Projecto Europeu Famwork este estudo analisou, separadamente para homens e mulheres, os modelos de facilitação trabalho-família.

Os resultados indicam que tanto para homens como para mulheres, a flexibilidade na supervisão tem um efeito directo na facilitação trabalho-família e que a ameaça de perda de emprego tem um efeito indirecto (via satisfação profissional), embora apenas para o grupo feminino. Os resultados também apoiam a relação entre a facilitação trabalho-família e efeitos positivos ao nível familiar, mas apenas para o grupo feminino. O modelo masculino apresenta resultados bastante modestos: por um lado, a flexibilidade na supervisão é o único antecedente da facilitação trabalho-família; por outro lado, a facilitação não está associada a qualquer efeito nas variáveis familiares. Não obstante, as variações em função do género nos modelos de facilitação trabalho-família reforçam a importância de se considerar esta variável na investigação sobre as relações positivas entre papéis profissionais e familiares.

Palavras-Chave

Facilitação trabalho-família, Género, Trabalhadores

Conceptual background

Work and family represent two of the most central roles of an adult life. Therefore,

work-family relations have been identified as a priority area of research with direct links

with both policies and practice (Gutek, Searle & Klepa, 1991; Grzywacz & Marks, 2000).

The ability to balance work and family life is related with work and non-work demands,

with the availability of resources to deal with this balance and with the flexibility of these

two areas of life. Research, in recent years, has suggested that work-family relations may

be moderated by factors associated to “family friendly” workplaces as well as strategies

used by individuals to cope with work and non-work demands.

The most frequently used concept to describe the interface between work and family

is work-family conflict or negative spillover. In fact, work-family literature has been

dominated by the role strain perspective. This perspective assumes that the demands

from different and separate domains compete with each other in terms of time, physical

energy, and psychological resources (Greenhaus & Beutell, 1985). In this line of reasoning,

spillover literature often focus on negative work-to-family spillover, such as the transfer

of bad moods, low energy and fatigue from the work environment to the family (work-

to-family spillover) or, in turn, examines negative family-to-work spillover, where

family problems interfere with work performance (Frone, Russel & Cooper, 1992; Frone,

Page 163: Revista Nº2 da Exedra

163

Cláudia Andrade • Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees

Yardley & Markel, 1997). However, spillover is not necessarily a negative phenomenon.

A growing body of studies is focusing on the positive relationships between paid work

and family life, challenging the assumption that these roles are irreconcilable.

These studies suggest that work and family domains may enhance one another and

lead to positive outcomes, especially if one domain provides resources such as social

support and skills that can be used to address demands in the other domain (Sieber, 1974;

Tompson & Werner, 1997). This process has been labelled as work-family facilitation

(Frone, 2003). Work-family facilitation highlights the role of experiences, skills and

opportunities driven or developed at workplace that enhance home life (Frone, 2003;

Grzywacz & Marks, 2000; Voydanoff, 2004). Grzywacz & Marks´ (2000) model of work-

family facilitation is grounded on ecology theory (Brofenbrenner, 2005), which states that

facilitation occurs due to both contexts and individual characteristics. As far as context

is concerned, Grzywacz & Butler (2005) found that work-family facilitation is enabled

by environmental resources, more precisely by individual’s work arrangements. Thus,

family friendly policies and supervisor support at workplace can promote organizational

resources such as time, flexibility and recognition of family needs, as well as psychological

resources such as self-acceptance (Grzywacz & Butler, 2005). Therefore, in line with Hill

(2005), both a general supportive organizational environment and supervisor support

may increase the amount of resources available for positive spillover between work and

family. Despite work-family research primary focus on contextual and environmental

factors, individual differences in the way people balance work and family cannot be

ignored (Parasuraman & Greenhaus 2002). Namely, satisfaction with work performance

is a key variable in the analysis of work and family relations. Work satisfaction is

commonly typified as an outcome of the spillover process. However, individuals who

are satisfied with their professional role perceive it as meaningful for their self esteem

and may, therefore, assign resources from this role to the family. Moreover, individuals

satisfied with their professional role may feel positively energized and transfer more

often their skills and humour in a positive way to the family role.

In sum, both contextual and individual factors play a role in the work-family

facilitation process. This exploratory study aims to test the influence of the organizational

contextual factors such as flexible supervision and individual factors, such as work

satisfaction and perception of work strain, in the prediction of work-family facilitation.

Moreover, work-family facilitation will be considered as a mediator variable between

work and family variables. Therefore, outcomes associated to the family role are also

considered, such as constructive problem solving and perception of family stress.

Page 164: Revista Nº2 da Exedra

164

exedra • nº 2 • 2009

Gender influences

Work and family are two domains with strong gender connotations. Thus, men

and women may perceive and react differently to the work-family interface. Gender

role ideology often assigns family responsibilities to women and ascribe men to the

breadwinner role. Nevertheless, work to family negative spillover is usually stated as a

women’s concern. Women’s wide integration in the labor market carried them more role

overload, since they are expected to add their family responsibilities to their professional

role. As a result, it is more difficult for them, than for men, to reconcile work and family

life (Milkie & Peltola, 1999). These gender differences on inter-role conflict may also

be expected regarding facilitation. However, studies focused on gender differences in

the work-family facilitation process are scarce and present inconsistent findings: some

studies find that women perceive more inter-role positive transfers than men (Aryee,

Srinivas & Tan, 2005; Grzywacz & Marks, 2000; Grzywacz, Almeida & McDonald,

2002; Marshall & Barnett, 1993) and others do not find any gender differences (Hill,

2005; Kirchmeyer, 1992). Additionally, some other studies have found that workplace

resources are related to work-family facilitation for both, men and women (Grzywacz &

Butler, 2005). To sum up, the differential impact of gender on work-to-family facilitation

process is not well established.

In our theoretical model (Figure 1), based on Voydanoff’s (2004a) approach, work

variables are expected to have indirect effects on individual outcomes and a direct effect

on the perception of work- to-family facilitation. Thus, our aim is to test whether work

characteristics (flexible supervision and job security) and work satisfaction are associated

with work-family facilitation (WFF) and if WFF enables positive family outcomes (couple

constructive problem solving and lower levels of family stress).

Page 165: Revista Nº2 da Exedra

165

Cláudia Andrade • Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees

Figure 1: Theoretical model to be tested

We consider gender as a social category that may have effects on work-family

facilitation. Thus separated models for men and women will be tested.

Each hypothesized relationship is represented by an arrow in the model and the

direction of the relationship is shown by the sign. The entire model is one system, and the

path coefficients will show the relative strength and significance of each hypothesized

relationship.

Method

Sample and procedure

The sample is composed of Portuguese dual-earner couples that took part in ‘‘FamWork

- Family Life and Professional Work: Conflict and Synergy,’’ an European Research Project

carried out between 2003 – 2005 2.

Several criteria were set up prior to recruiting the couples: (1) both partners should

be willing to participate in the study, (2) both partners should be living together, (3) both

partners should work at least 15 hours per week, (4) the partners should have at least

one child in the age of one to five, and (5) the oldest child in the family should not be

older than 12 years.

Respondents filled in a questionnaire at their homes and delivered it directly

or by e-mail to the research team. The sample used in this study is composed by 306

individuals, with a mean age of 35 years and a relationship mean duration of 12 years.

The maximum number of children is 4 (just one case) and the modal number is 2. The

modal level of education was an university degree (67,8%). Individuals work, in average,

49 hours per week, including overtime and commuting time. Men work in average more

9 hours than women.

Measures 3

Work to family facilitation (WFF) is the extent to which an individual’s participation

in the family life is made easier by the skills, experiences, affects and opportunities

gained through the participation in the professional role. It was assessed using Grzywacz

& Marks (2000) 3 items scale: a) “The things you do at work help you deal with personal

and practical issues at home.”; b) “The things you do at work make you a more interesting

person at home.”; c) “The skills you use on your job are useful for things you have to do

at home” (α=.58). The subject has to rate each item on a 5-point rating scale.

Page 166: Revista Nº2 da Exedra

166

exedra • nº 2 • 2009

Constructive problem solving refers to a positive style of marital conflict resolution.

The participants are given a list of behaviour patterns and are asked to estimate how

their partner is behaving in conflict laden situations. The scale is composed by 4 items

assessed in a 6 point rating scale ranging from “never” to “ever”. (sample item: “He is

negotiating and makes compromises”) (α=.64).

Family stress reflects strains associated to the familial role, namely regarding

parent-child relationship. The scale is composed by 4 items on a 6-point rating scale

with the two end poles “ever” and “very often”. (sample item: “Difficulties in coming to

terms with each other”) (α=.69).

Work satisfaction reports to positive experiences in the participants’ work life. It

is composed by 3 items on a 6-point rating scale ranging from “not at all applicable”

to “absolutely applicable” (sample item: “My professional work adds to my personal

fulfilment.”) (α=.84).

Flexible supervision addresses how individuals perceive their workplace as family

friendly with a focus on the supervisor support. The scale includes 3 items on a 6-point

rating scale with the two end poles “not at all applicable“ and “absolutely applicable“.

(sample item: “My supervisor is considerate and understanding concerning my family

situation (e.g. when splitting up work or vacations times, etc.)”) (α=.82).

Job-loss risk is assessed by an item that refers to the degree of work strain associated

to the threat of loosing the job.

Results

Descriptive analyses

Descriptive analyses and significant differences between the groups according to

gender are presented in Table 1.

Men and women differ in their level of work satisfaction (F(1,305)=6,78; p<.01) and

in their perception of family stress (F(1,305)=10,53; p< .01). Men feel more satisfied

with their professional role while women perceive themselves as being more burdened

with family strains. There were no gender differences in the degree of work-family

facilitation. It is interesting to note that the majority of the individuals in our sample do

not perceive a higher level of facilitation between their work and their family role (mean

value, for both men and women, is below scale midpoint - mean <3).

The remaining variables, flexible supervision, perception of job-loss risk, and

constructive problem solving do not present any significant difference according to

gender.

Page 167: Revista Nº2 da Exedra

167

Cláudia Andrade • Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees

Table 1: Descriptive statistics for all variables

Women (n=153) Men (n=153) Total sample (306)

Variables M SD M SD M SD1. Work satisfaction** 4,25 1,01 4,54 0,96 4,40 1,002. Flexible supervision 3,30 1,42 3,32 1,40 3,31 1,413. Job-loss risk 1,86 1,31 2,13 1,47 1,99 1,404. Work-family facilitation 2,43 0,81 2,53 0,82 2,48 0,825. Couple problem solving 3,65 0,98 3,63 0,90 3,64 0,946. Family stress** 3,17 0,94 2,83 0,84 3,00 0,91

Note: ** p<.01

Path analyses

The software AMOS (version 7.0) was used to estimate the causal model as a

saturated design with all early variables modelled (flexible supervision, job-loss risk

and work satisfaction) as having effect on all variables found on the second stage of

the model (work-family facilitation, couple problem-solving and family stress) (see

Figure 1). All measurement and structural parameters were estimated using maximum

likelihood method. The fit of the hypothesized theoretical model to the observed data

was tested with four indices, including the chi-square statistic (χ 2), the goodness-of-fit

index (GFI); the adjusted goodness-of-fit index (AGFI); the comparative fitness index

(CFI) and the root mean square error of approximation (RMSEA). The results indicate

that the overall model fit indexes are satisfactory (table 2).

Table 2: Fit indices for Women´s and Men´s models of work to family facilitation

χ 2 /df p GFI AGFI CFI RMSEA

Model

Men 1.581 .136 .97 .94 .87 .06

Women 1.418 .165 .97 .94 .91 .05

Note: χ 2/df, chi-square/degrees of freedom ratio; GFI, goodness of fit index; AGFI, adjusted goodness-of-fit index; CFI, comparative fit index; RMSEA, root mean square error of approximation.

Page 168: Revista Nº2 da Exedra

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exedra • nº 2 • 2009

Both men’s and women’s models fit the data well (χ 2 /df value is considered as

good) and the indices of adjustment are also satisfactory.

Men’s model clearly separates the work and family domain. Thus, WFF did not

showed a mediation effect between work and family, contrarily to what was expected.

Furthermore, only two direct paths were found between flexible supervision and work

satisfaction and flexible supervision and WFF.

In women’s model, flexible supervision has a direct influence on WFF and low job-

loss risk has an indirect effect on WFF through work satisfaction. Additionally, it was

found a direct effect of WFF on couple constructive problem solving which, in turn, has

a direct effect on family stress. For women’s model, the WFF hypothesized meditational

effect was found.

Discussion and implications

This exploratory study, aimed to have a better understanding about work-family

facilitation by analyzing how work experiences facilitate family performance among

Portuguese employees and to compare this experience in men and women.

A first remark must be drawn about the small prevalence of work-family facilitation

in our sample. It seems that individuals do not perceive their work as a facilitator of

their family performance. In fact, family and work issues addressed at a policy level have

mainly focused on the minimization of negative influences that one domain can exert in

the other. As a consequence, there has been a limited focus on factors that can promote

positive relations between work and family. Thus, this preliminary result points out that

work-family policies and programs should address more how work can benefit family

life and foster more supportive and positive work environments.

The finding that flexible supervision contributed to work-to-family facilitation and

to work satisfaction is consistent with previous research (Grzywacz & Marks, 2000; Hill,

2005). Supervisory support is positively related to work-family facilitation because it

enhances a family supportive work environment or culture (Kossek and Ozeki, 1998). As

a consequence, it might help individuals cope better with family issues (Voydanoff, 2004).

If we take into account that women are the major responsible for childcare and family

tasks, it may help explain why this resource (supervisor support) was only relevant for

them. In fact, women are usually the ones that have to cope with the majority of family

responsibilities (the mediation effect of work-to-family facilitation was only found for

the women’s model).

Page 169: Revista Nº2 da Exedra

169

Cláudia Andrade • Marisa Matias • Gender differences in work-to-family facilitation in portuguese employees

Another environmental feature of the workplace was the strain associated to the

threat of losing the job that showed a negative path to work satisfaction. In fact, it seems

that the more women perceive their job is at stake, the less satisfaction they derive from

it. This result can be easily understood if we consider that being emerged in an insecure

work environment impacts individual’s sense of personal fulfilment and, therefore

reduces work satisfaction. Surprisingly, this result was only found for women. Somehow

it seems that women are more sensitive to the risk of losing their jobs. Statistically, when

it comes to unemployment, women tend to lose their jobs more often than men and tend

to be in that situation for a longer time (women have higher long term unemployment

rates than men) (Guerreiro & Abrantes, 2007). In spite of this fact, a methodological

reason should also be considered. The work-family facilitation scale presented a low

reliability coefficient that could have limited its power to assess the facilitation process

on men.

Women’s model showed a direct effect of work-family facilitation and familial

outcomes. Furthermore, work family facilitation had a direct effect in positive conflict

resolution styles which, in turn, buffered the family stress levels. Following Edwards &

Rothbard (2000), we could argue that positive moods (like work satisfaction) enhance

cognitive functioning, increase task activity, and promote positive interactions with

others, each of which facilitates role performance. Furthermore, this relationship can

be explained via the main processes of self-concept formation, where occupational

achievements enable favorable appraisals from others that can impact positively in the

couple dynamics (Gecas, & Seff, 1990). Nevertheless, since work-family facilitation and

familial characteristics were not related in the men’s subsample, it remains unknown

whether these work experiences can be gained by Portuguese men and how they affect

their individual and family performance. The result that work-family facilitation was a

mediator variable only for women seems to suggest that men tend to segment their role

engagements more than women. Women’s work force participation does not imply that

they are less involved with their family. In fact, it is often expected that they are able to

integrate work and family participation. As a consequence the process of transferring

resources from work to the family may be more easily done by women than by men.

Despite its exploratory nature some limitations of this study should be mentioned.

The associations between the predictors and work-family facilitation were not very

strong, may be due to a low reliability coefficient of the work-family facilitation scale.

According to Hill (2005), measures of work-family facilitation are not as well developed

or tested as the ones for work-family conflict. Thus, an obvious research implication is

the need to develop strong measures of work-family facilitation.

Conceptually, while the present study included only work characteristics as predictors

Page 170: Revista Nº2 da Exedra

170

exedra • nº 2 • 2009

of work-family facilitation, there are a number of other variables that could influence

this process, namely family related ones. Work-family relations can, indeed, benefit

from a sense of fulfilment with the familial roles. In fact, most of the analyses focused

on the work domain tend to ignore outside forces or extra-organizational factors that

can have an impact on the performance of the professional role. Moreover, individual,

familial and organizational outcome variables such as well-being, marriage satisfaction,

satisfaction with the parental role, organizational commitment and performance should

also be considered. Hence, future research is encouraged to test a more complete

model, namely using data from EU FamWork Project. Finally, in-person semi-structured

interviews may help investigate how men think about their workplace arrangements in

order to have a better understanding of the unpredicted results.

In spite of these limitations, the goal of this study was to test whether work

characteristics’ were associated with work-family facilitation and if facilitation worked as

a mediating variable between the work and family sphere. The results found, encourage

future research using larger samples and bidirectional models of influence in order to

have a better knowledge of this process.

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Notes

An early version of this paper was presented in the 1) Conference of the Institute of Work Psychology, Work, Well-being and Performance: New Perspectives for the Modern Workplace, University of Sheffield, 19-20 of June 2008, Sheffield, UK,

with a grant support from ESEC. This grant is gratefully acknowledged.

EU Famwork Project2) was developed within a consortium of 9 European countries (Austria, Belgium, Finland, France, Germany, Italy, Portugal, Switzerland, The Netherlands).

All measures were developed by 3) EU Famwork Research Teams, unless referred otherwise.

Correspondência

Claudia Andrade

Escola Superior de Educação de Coimbra,

Praça Heróis do Ultramar – Solum

3030-329 Coimbra, Portugal

[email protected]

Marisa Matias

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

Dr. Manuel Pereira da Silva,

4200-392 Porto, Portugal

[email protected]

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Nº 2 - 2009