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Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Cienfica da Faculdade São Luís de França 1

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Concepções - Revista Científica da Faculdade São Luís de França/FSLF - Ano 3 - Edição Nº 03 - Dezembro/2012 - ISSN - 1983-7569 - Aracaju/SE - Brasil

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Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 1

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As opiniões expressas nos artigos são da inteira responsabilidade dos seus autores. É permitida a reprodução de parte ou total dos artigos, somente para fins didáticos e para citação em obras de interesse científico, desde que seja citada a fonte, ficando proibida a reprodução para outros fins por qualquer meio impresso ou eletrônico.

GESTORES Jeferson Fonseca de Moraes

Diretor Presidente

Cristiane Tavares Fonseca de Moraes NunesDiretora Superintendente

Viviane Tavares Fonseca de MoraesDiretora Financeira

Otávio Tavares Fonseca de MoraesDiretor Jurídico

Jorge Luiz Cabral NunesGestor Administrativo e de Tecnologia

Andréa Santos RibeiroCoordenadora do Curso de Administração

Andréa Hermínia de Aguiar OliveiraCoordenadora do Curso de Pedagogia

Vilma Mota QuintelaCoordenadora do Curso de Letras

Ano III – Nº 03 – Dezembro / 2012 – ISSN 1983-7569

CONCEPÇÕES – Revista Científica da Faculdade São Luís de França editada pelo NUPEX - Núcleo de Pesquisa e Extensão. Publicação anual que se destina à divulgação da produção científica da comunidade acadêmica sob a coordenação de seu corpo editorial executivo e consultivo.

CONSELHO EDITORIALProfa. Dda. Andréa Hermínia de Aguiar Oliveira

Profa. Ma. Cristiane Tavares Fonseca de Moraes NunesProfa. Dra. Vilma Mota Quintela

MEMBROS DO NUPEX

Profa. Dda. Andréa Hermínia de Aguiar OliveiraProfa. Ma. Cristiane T. F. de Moraes Nunes

Profa. Dra. Vilma Mota QuintelaProfa. Andréa Santos Ribeiro

Prof. Me. Jorge Luiz Cabral Nunes

Projeto GráficoCL Comércio e Editora Ltda.

[email protected]

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA:Rua Laranjeiras, 1.838 - Getúlio Vargas

49.055-380 – Aracaju – SergipeTelefone: (79) 3214-6300

e-mail: [email protected]: www.fslf.com.br

CORPO CONSULTIVO Edson Diogo Tavares

Doutor em Desenvolvimento Sustentável (UNB, 2004). Professor da Faculdade São Luís de França.

Saumíneo da Silva NascimentoDoutor em Geografia (UFS, 2005). Professor da Faculdade São Luís de França.

Cid Seixas Fraga FilhoDoutor em Letras (USP, 1990). Professor da Faculdade São Luís de França.

Francisco José Brabo BezerraDoutor em Educação (UNICAMP, 2009). Professor da UniABC e colaborador da FSLF.

Sandra Maria P. MaginaDoutora em Educação Matemática (Universidade de Londres, 1994).

Pós-Doc em Educação pela Universidade de Lisboa (2006). Professora da UESC e colaboradora da FSLF.

Josefa Sônia Pereira da FonsecaDoutora em Educação (PUC/SP, 2007) com período sanduíche na Universidade de Lisboa.

Professora da UESC e colaboradora da FSLF.

Bibliotecária ResponsávelValdenice Ferreira Conceição

CRB – 5/1335

RevisãoProf. Antônio Andrade de Oliveira

Diagramação e Editoração EletrônicaLúcia Andrade

DRT/SE – 1.093

Jornalista ResponsávelCarlos Alberto de Souza

DRT/MG – 1.599

Impressão: Gráfica J. Andrade

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O ano de 2012 foi encerrado com um balanço alta-mente positivo para a FSLF. A melhor de todas as notícias foi a divulgação pelo MEC – Ministério da Educação, do IGC – Índice Geral de Cursos. Esse ín-

dice corresponde a uma nota que o MEC atribui às Instituições de Ensino Superior me-

diante avaliação que engloba cursos de graduação, rendimento dos

alunos, infraestrutura, organi-zação didático-pedagógica e corpo docente. A FSLF fi-cou com nota 4, numa esca-la em que a nota máxima é 5, sendo que, no nordeste, ne-nhuma instituição pública ou

privada, alcançou a nota má-xima. Ou seja, ficamos na fatia

dos 8,9% das instituições, no Brasil que obtiveram nota 4.

É um marco histórico e sabemos exatamente como alcançamos essa média. Todos os processos fo-ram revistos, os programas, os professores, a meto-dologia, enfim, a instituição traçou seu planejamento estratégico, pontuando alcançar essa nota como meta, como objetivo e como critério de se fazer justiça ao

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trabalho que é desenvolvido dentro da instituição e que precisava ser externado. Dessa forma, cumprimos a missão de ver consolidados os cursos existentes para daí, então, partir para a aquisição de novos cursos.

Durante o ano que passou vimos os eventos inter-nos se estruturando cada vez mais. Foi assim com a V Mostra de Iniciação Científica, que aconteceu no período de 21 a 23 de novembro e congregou as três áreas de atuação da Instituição, a saber: Administra-ção, Pedagogia e Letras. O evento bateu recorde das edições anteriores em quantidade de trabalhos apre-sentados, o que mostra uma cultura disseminada de pesquisa, fundamental para a formação do futuro profissional que está nascendo.

Aliada à Mostra de Iniciação Científica, na semana que a antecedeu, houve a Semana Acadêmica, onde cada curso elaborou um plano de ação para estimular a extensão universitária, com oficinas, cursos e pa-lestras. Os alunos puderam vivenciar atividades que possuem aderência à sua formação, sendo funda-mentais para o próprio processo da graduação e da sua profissionalização.

Portanto, finalizar o ano com mais uma edição da Revista Concepções é aferir a qualidade de um trabalho que é contínuo e é intenso. Um traba-lho muitas vezes comparado ao de um arte-são, que retira da matéria bruta uma obra de arte única, primorosa, sem igual.

Percebemos a cada edição um cres-cimento qualitativo, resultado que atribuímos a um somatório de es-forços de todos os envolvidos no processo. Portanto, a Revista Con-cepções torna-se, também, um portfólio para se conhecer um pouco do trabalho que é desenvolvi-do dentro de uma instituição que, tal qual um útero materno, acolhe, alimenta e entrega à sociedade uma vida repleta de possibilidades.

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S u m á r i o

Ano III - Edição Nº 03 Dezembro / 2012 ISSN 1983-7569

artigos

O discurso pedagógico como elemento disciplinador de condutas no âmbito das teorias educacionais entre os séculos XVI e XX

AndréA HermíniA de AguiAr OliveirA8

Da cana ao Petróleo: o “não-discurso” do trabalho delineado por meio da Petrobras no município de Carmópolis/SE

AndréA SAnTOS riBeirO17

A literatura infantil como processo deaquisição de linguagem

ClAriSSA mª BeZerrA dOS SAnTOS meSSiAS26

Ecos do suicídio napoesia Azevediana

iTÂniA mArA SAnTOS32A formação de professores de Francês no Estado de Sergipe: perspectivas e desafios frente à política pública

KATe COnSTAnTinO PinHeirO de AndrAde39

O coordenador pedagógico: desafios e perspectivas na educação básica na escola pública

mArCOS BATingA FerrO52

REvIStA CoNCEpçõESRevista Científica da

Faculdade São Luís de França

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4 Apresentação 16 Avaliação Faculdade São Luís de França: nota 4 do MEC

24 Entrevista Profa. Ma. Cristiane Tavares O milagre da multiplicação do tempo

46 Entrevista Prof. Dr. José Eduardo Franco Aspectos Culturais Brasil/Portugal

O ensino de lingua latina no Brasil setecentista: as reformas pombalinas e a escolarização do saber

SArA rOgériA SAnTOS BArBOSA 64

Desenvolvimento integral do gestor cultural: um processo em construção

TelmA mª delmOndeS F. SAnTAnA74

Particularidades do cordel como um fenômeno midiático popular

vilmA mOTA QuinTelA83

60 eventos Semana Acadêmica da FSLF O ato de educar como bandeira de igualdade

62 OPINIÃO Kátia Silvina Santos Gonçalves O Fazer Institucional Compartilhando ideias e consolidando sonhos

63 comemoração Dia do Administrador

94 nupex Normas para publicação de trabalhos na Revista Concepções - Revista Científica da Faculdade São Luís de França

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RESUMO

Este artigo objetiva efetivar uma revisão de literatura acerca do discurso pedagógico como elemento dis-ciplinador e modelador de condutas, no âmbito das teorias educacionais, mais especificamente aquelas produzidas entre os séculos XVI e XX. A discussão teó-rica abrange aspectos históricos, filosóficos, políticos e sociais, a partir da releitura de autores clássicos na área educacional. Pretende-se, a partir deste artigo, contribuir com a reflexão mais específica, acerca das transformações no discurso pedagógico, as quais de-terminaram novas formas de apreender e organizar a realidade, no período histórico em questão.

Palavras-chave: Discurso pedagógico. Elemento Dis-ciplinador. Teorias Educacionais. Era Moderna. Con-temporaneidade. Moralidade. Pedagogia Científica.

ABSTRACT

This article aims to carry out a literature review of pedagogic discourse as part disciplinarian and role model in the context of educational theories, specifically those produced between the sixteenth and twentieth centuries. The theoretical discussion covers historical, philosophical, political and social aspects, from the reading of classical authors in the educational area. It is intended, from this article, contribute to the discussion more specific about the changes in pedagogical discourse, which led to new ways of perceiving and organizing reality in the historical period in question.

Keywords: Pedagogical Discourse. Elementary discipline. Educational Theories. Modern Age. Contemporaneity. Morality. Scientific Pedagogy.

AndréA HermíniA de AguiAr OliveirA• Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Ser-

gipe, na Linha de Pesquisa Formação de Educadores, Saberes e Competências. Professora e coordenadora do curso de Pedagogia, da Faculdade São Luís de França.

(*) Artigo elaborado a partir das proposições da disciplina Teorias Educacionais, ministrada pelo Prof. Dr. Jorge Carvalho do Nascimento, do Doutorado em Educação, da Universidade Federal de Sergipe, no segundo semestre letivo de 2011.

Pedagogical discourse as an element of conduct disciplinarian under the educational theories between XVI and XX centuries

[email protected]

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IntroduçãoO discurso pedagógico é um princípio de apro-

priação de outros discursos que envolve a veiculação de normas e prescrições, o que normalmente é feito através do texto, seja ele falado ou escrito. A consti-tuição do discurso pedagógico acontece sempre que há transferência de textos de um contexto a outro. No âmbito das teorias educacionais, o discurso pedagógico emerge como elemento disciplinador e modelador de condutas, compatíveis com as exigências do contexto sócio-econômico-político-cultural em cada época. Sendo assim, pretendemos analisar esse processo de veiculação de ideias, modelos e normas pedagógicas, na passagem do período medieval ao moderno e deste à contemporaneidade.

A progressiva sistematização dos processos educa-tivos modificou a constituição do campo pedagógico, com a finalidade de preparar a criança e o jovem para a vida em uma sociedade em constante transformação. No corpo deste artigo, procuraremos refletir sobre algu-mas das principais contribuições de clássicos da teoria educacional, responsáveis pelo debate intelectual que animou o período.

1. O discurso pedagógico na era moderna

A partir do século XVI, a emergência do Estado Mo-derno acarreta a progressiva sistematização dos proces-sos educativos. Neste cenário, a constituição do campo pedagógico volta-se para a modelagem da criança e sua conseqüente adequação à sociedade.

Tal discurso ganha corpo a partir de diferentes te-orias, propagadas nesse período, com a finalidade de disciplinar condutas e civilizar os sujeitos, de acordo com a nova configuração social, na transição da era medieval para a era moderna. Situamos alguns elementos que caracterizaram o pensamento intelectual no período, a partir da releitura de autores clássicos na área educa-cional, como Erasmo, Maquiavel, Comenius e Rousseau.

A Civilidade Pueril, de Erasmo, é uma das primeiras manifestações da teoria educacional, que surge a partir da consolidação do Estado Moderno e representa uma reflexão sobre as possibilidades que o indivíduo tem para ser educado, as funções do processo educativo e o papel do estado como educador.

Em sua obra, Erasmo discorre sobre a educação, a vida, o desenvolvimento e a civilidade do menino, no pe-ríodo da infância à adolescência. Evidencia fundamentos que orientam a vida e o desenvolvimento do menino e do adolescente, além de prescrever elementos da arte de instruir a criança, especificamente no que se refere à aquisição de regras de civilidade.

Para ele, a instrução é concebida como tarefa pre-cípua; sendo assim, a fonte de toda a virtude reside numa educação diligente e aprimorada. A educação aperfeiçoa a natureza e consiste em arrancar o homem de sua condição de selvagem, e fazendo com que este possa tolerar seus semelhantes.

Nessa ótica, Erasmo ressalta a diversidade da missão educativa, o rigor da erudição e a sublimidade que encerra:

Em suma, árvores gigantes estão ocultas em minús-culas sementes. Que profusão de frutos, quando eles se desenvolvem. Toda aquela produção se perde a não ser que jogues a semente no sulco; que cuides do broto em via de enrijecimento; que o domes até com a enxertia. (ERASMO, s/d, p. 42).

Os conselhos/recomendações contidos na obra de Erasmo são de tamanha profundidade e sensibilidade que se eternizam ao longo da história, sendo úteis a um projeto de educação do ser humano, capaz de considerar não só a técnica ou um conjunto de conteúdos formais a serem transmitidos, mas sobretudo a instituição de uma espécie de sociabilidade ética, construída na experiência cotidiana de “tornar-se humano”.

Em O Príncipe, Maquiavel discorre sobre elementos ine-rentes ao regime monárquico. Ao descrever sua própria ex-periência no poder, seja como chanceler, ou como alguém que mantinha relações com tiranos depostos, ocupa-se em analisar acontecimentos ocorridos ao longo da história, de modo a compará-los à atualidade de seu tempo.

Na argumentação de Maquiavel, é possível identificar algumas concepções: de homem, como um ser vil, mas capaz de ações virtuosas; de tirania, como uma resposta prática a problemas de ordem prática; de política, como esfera autônoma da vida social; de príncipe, como chefe de Estado; de Estado, como poder central soberano que regula as relações entre os homens.

Entendendo-se as relações de poder como algo próprio das relações humanas, o exercício de poder consiste na busca por conciliar os interesses coletivos. A racionalização do exercício de poder é aprendida socialmente, embora o exercício de poder possa ser intuitivo. Essa racionalização envolve o desenvolvimento de habilidades especiais que Maquiavel descreve pormenorizadamente em O Príncipe.

Portanto alguém que se torne príncipe pelo favor do povo deve preservar sua amizade - o que será fácil, bastando para isso não o oprimir. Mas aquele que, com o apoio dos poderosos, se torne príncipe contra o povo deve antes de tudo tentar obter a simpatia popular - o que será fácil, bastando para isso protegê-lo. E, assim como os homens que re-cebem o bem de quem esperavam o mal se tornam ainda mais agradecidos a seu benfeitor, também o povo logo se torna mais agradecido a tal príncipe do que se ele tivesse sido entronizado por seus favores. (MAQUIAVEL, 2010, p.79).

> Andréa Hermínia de Aguiar Oliveira <

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A força se impõe quando o governante descobre a fragilidade do oponente e atua sobre essa fragilidade. De qualquer modo, a racionalização das relações de poder sempre exprime uma forma de violência. A diferença é que o Estado Moderno passa a deter o monopólio da violência, ou seja, ela é legítima desde que normatizada pelo Estado.

... um príncipe não deve temer as conjuras, quando tiver o povo a seu favor; porém, caso a população o odeie e seja sua inimiga haverá motivos para temer tudo e todos. Por isso, os Estados bem administra-dos e os príncipes sábios sempre dedicaram a má-xima diligência em não descontentar os poderosos, satisfazer o povo e mantê-lo contente – porque esta é uma das ocupações mais importantes de um príncipe. (MAQUIAVEL, 2010, p. 110).

A obra de Maquiavel se insurge como um dos tra-tados mais influentes no desenvolvimento da filosofia, da teoria e da ciência política. Não obstante constituir um estudo a respeito da organização estatal, as ideias desenvolvidas fazem com que prevaleça o papel do Príncipe. Para o autor, é a atuação do príncipe que modela a essência de seu principado. Sendo assim, aconselha-o sobre como manter seu governo da forma mais eficiente possível.

Tanto Erasmo quanto Maquiavel trazem uma refle-xão acerca do estado educador. A partir de Comenius delineiam-se propostas para que o estado efetivamente eduque. Sem abrir mão da fé como recurso explicativo, em Didática Magna, Comenius erige uma espécie de manual para formar o novo homem para integrar os quadros que o Estado Moderno necessitava, atendendo portanto às demandas de racionalização da sociedade pelo Estado.

Em sua obra, Comenius tratou da arte de ensinar tudo a todos. Sendo assim, propôs uma organização didá-tica que contemplasse o fundamento de todas as coisas, demonstrando sua verdade com exemplos paralelos e indicando um caminho fácil para o curso dos estudos.

Em resumo, uma vez que dos anos da infância e da educação depende todo o resto da vida, se os espíritos de todos não forem preparados desde então para todas as coisas de toda a vida, está tudo perdido. Portanto, assim como no útero materno se formam os mesmos membros para todo o ser que há de tornar-se homem, e para cada um se formam todos, as mãos, os pés, a língua, etc., em-bora nem todos venham a ser artesãos, corredores, escrivães e oradores, assim também, na escola, deve ensinar-se a todos todas aquelas coisas que dizem respeito ao homem, embora, mais tarde, umas venham a ser mais úteis a uns e outras a outros. (COMENIUS, 2006, p. 100).

Para ele, Didática significa a arte de ensinar e esta “não exige mais que uma disposição tecnicamente bem

feita do tempo, das coisas e do método”. (COMENIUS, 2006, p. 127). O autor entende por instrução o conhe-cimento pleno das coisas, das artes e das línguas; por costumes, não apenas a urbanidade exterior, mas a plena formação interior e exterior dos movimentos da alma; e por religião, a veneração interior, pela qual a alma humana se liga e se prende ao Ser supremo.

A obra de Comenius é um paradigma do saber sobre a educação da infância e juventude, tendo como locus privilegiado a escola. A Didática Magna apresenta as características fundamentais da escola moderna: a construção da infância moderna como forma de pe-dagogização dessa infância por meio da escolaridade formal; uma aliança entre a família e a escola, por meio da qual a criança vai se desprendendo da influência da primeira e adentrando o espaço escolar; uma forma de organização da transmissão dos saberes, baseada no método de instrução simultânea; e a construção de um status de educador, de mestre, reservado aos adultos, detentores de saberes legítimos. Constituiu-se assim em verdadeiro tratado de educação que, há mais de cinco séculos, já preconizava a essência da didática, no arranjo racional das condições/situações/contextos de aprendizagem.

Tanto Erasmo, quanto Maquiavel e Comenius tra-zem especulações pedagógicas que traduzem projetos de organização da sociedade. O projeto de todos par-ticiparem de tudo é da burguesia que lutava contra o poderio da aristocracia real.

Em certo sentido, diferentemente dos demais au-tores, Rousseau se contrapõe ao discurso da moderni-dade e propõe uma organização da sociedade em que o Estado não detenha o controle e este seja exercido pelas condições de felicidade, com a volta dos seres humanos ao seu estado natural.

Enquanto para os teóricos discutidos até aqui era necessário livrar os homens de seus instintos e domesticá-los, para Rousseau o caminho é exatamente o contrário: na volta ao estado natural o homem é mais feliz. Na liberdade regrada, preconizada por Rousseau, as regras são dadas pela natureza, pela condição natural do homem.

Em Emílio ou da Educação, Rousseau (1992) preco-niza seus princípios fundamentais da boa educação e da pedagogia. Apresenta perspectivas de recriar o homem natural dentro da sociedade, evidenciando o papel da educação como instrumento mais propício para essa recriação, ao prescrever elementos inerentes à forma-ção do homem para o convívio com seus semelhantes.

De acordo com Rousseau, a tirania, os desvios pela liberdade, o desrespeito às leis comuns são algumas consequências de vícios produzidos, principalmente na infância, por uma formação educativa degenerada, que transforma a natureza dos homens e lhe tira a li-berdade. Nesse sentido, educar o ser humano é o único

>>> Artigo

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caminho para que possa atingir a verdadeira liberdade. A educação deve aspirar não só a introduzir o saber para ações coletivas, mas a formar o coração, o espírito e a capacidade de julgamento. Educar, segundo Rousseau, consiste na aquisição de bons hábitos e disposições que devem ter prioridade sobre o conhecimento abstrato.

De acordo com Rousseau, o educador deve instruir com base nas motivações naturais do aluno, tendo em vista o contexto social em que ele se insere, com o intuito de ensiná-lo a viver e a aprender a exercer a liberdade. No dizer de Rousseau, “essencialmente, o mestre deve educar o aluno para ser um homem”.

Esse aspecto de humanidade, presente na obra de Rousseau, rompe com a pedagogia ortodoxa, ao prescrever muito mais do que uma mera transmissão de conteúdos pré-estabelecidos, preocupando-se com a educação da sensibilidade, com a formação do homem moral.

Se quereis pois suscitar e alimentar no coração de um jovem os primeiros movimentos da sensibilidade nascente, e voltar seu caráter para a piedade e a bondade, não façais ger-minar nele o orgulho, a vaidade, a inveja, pela enganosa imagem da felicidade dos homens; não mostreis primeiramente a seus olhos a pompa das cortes, o fausto dos palácios, a sedução dos espetáculos; não o passeeis pe-los círculos, em brilhantes assembléias, não lhe mostreis o exterior da grande sociedade, senão depois de tê-lo posto em condições de apreciá-la em si mesma. Mostrar-lhe o mundo antes que conheça os homens, não é formá-lo, é corrompê-lo; não é instruí-lo, é enganá-lo. (ROUSSEAU, 1992, p. 244).

Estão presentes no pensamento de Rousseau traços do movimento romântico que caracterizou a primeira metade do século XIX: a valorização dos sentimentos, em detrimento da razão intelectual, bem como da natureza mais autêntica do homem, em contraposição ao artificialismo da vida civilizada. Eis uma das grandes contribuições de Rousseau à pedagogia moderna: re-conhecer a necessidade do usufruto responsável das liberdades individuais, sem ferir o bem coletivo. Atra-vés desse exercício consciente da liberdade individual, no respeito à vontade geral, o homem recupera a sua humanidade. Um processo que se torna viável através da ação educativa.

2. A constituição do campo pedagógico contemporâneoOs discursos pedagógicos de intelectuais como

Verney, Condorcet, Locke e Pestalozzi, entre os séculos

XVIII e XIX, nos permite compreender aspectos da pe-dagogia contemporânea, por meio dos instrumentos científicos que estes preconizaram como mecanismos fundamentais no processo de produção e veiculação de saberes na escola.

Em meados do séc. XVIII, a obra de Verney introduziu o pensamento iluminista em Portugal. Teceu uma crítica ao aristotelismo e à pedagogia jesuítica, esboçando os primeiros rudimentos da ciência e da filosofia moderna na sua terra natal.

Ao se debruçar sobre os métodos de ensino da re-tórica e da poética, Verney critica compêndios empre-gados no ensino da Retórica e da Poética; discute suas concepções e importância, propondo novos métodos para seu ensino.

O autor define Retórica como arte de persuadir e a poesia como uma viva descrição das coisas que nela se tratam, destacando dois atributos essenciais que compõem o poeta: engenho e juízo. Notável não apenas pela sua concepção de retórica e poesia, mas sobretudo pelo rigor da sua crítica, através da qual associa essas duas vertentes, melhor dizendo, “artes” inerentes à comunicação humana.

Locke (1983) discorreu sobre o entendimento enquan-to faculdade discernente do homem. Investigou a origem das idéias e noções que norteiam o entendimento huma-no, elucidando o conhecimento dessas idéias, sua certeza, evidência e extensão, além de perscrutar a natureza e os fundamentos da fé, ou opinião, examinando as razões e graus do assentimento. Para ele, o entendimento é a fa-culdade mais nobre da alma, pois “...situa o homem acima dos outros seres vivos, e dá-lhe toda vantagem e domínio que tem sobre eles”. (LOCKE, 1983, p. 139)

Em seu Ensaio acerca do Entendimento Humano, Locke adota como temas centrais o pensamento e o conhecimento humano. No livro, ele afirma que todas as pessoas nascem sem saber absolutamente nada, ou seja, o conhecimento é construído através da experiên-cia. Nesse sentido, o autor dá destaque à racionalidade e nega as ideias inatas, pois para ele tudo provém da experiência sensível. Sendo assim, define o conheci-mento como resultado da ação e da reflexão sobre a experiência.

Condorcet (2008) pensa um modelo ideal de ins-trução pública republicana; investigando elementos inerentes à organização da instrução pública francesa, com base em preceitos científicos. Suas contribuições filosóficas acerca da instrução pública fortalecem a natureza democrática e republicana das instituições escolares, e reafirmam seu caráter laico, universal e gratuito, e definem sua especificidade, promovendo a liberdade e a igualdade.

Suas aspirações intelectuais se propõem formar um homem que exerce a sua razão e que é capaz de romper

> Andréa Hermínia de Aguiar Oliveira <

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todos os laços de dependência e, com isso, conquistar autonomia e desfrutar de todos os seus direitos.

Para tanto, destaca como princípios pedagógicos o prazer de aprender e a utilidade da instrução, bem como a valorização do interesse do aluno. O princípio funda-mental da educação é a formação de hábitos de uso da razão, da memória, enfim da inteligência, fundamentos da autonomia e a da liberdade diante de outros homens.

Para tecer uma crítica revolucionária a seu momen-to histórico, Condorcet (2008) antecipa noções positi-vistas que seriam sistematizadas um século mais tarde por Augusto Comte. Recorre ao método naturalista para explicar as relações humanas com uma intenção muito explícita: conferir cientificidade ao tratamento dos fenômenos sociais, livrando-os da interferência dos “interesses e paixões” das classes dominantes. Desse modo, o recurso ao cientificismo em Condorcet configura-se como um instrumento de luta político-ideológica-social. Trata-se de uma leitura fundamental na área de educação, uma vez que o autor trabalha os princípios básicos da escola pública burguesa: universal, gratuita, obrigatória e laica.

Ao se debruçar sobre a educação infantil no século XIX, Pestalozzi (2006) delineia uma proposta de educação fundada na experiência, com destaque para o papel da mulher/mãe enquanto educadora.

Para ele, a finalidade suprema da educação é o desenvolvimento da moralidade. A instituição é o fun-damento do conhecimento e, portanto, da instrução. A educação escolar é um complemento da educação doméstica e uma preparação para a educação dada pela vida. Pestalozzi concebe a educação moral como uma obra de amor e de fé que inspira na criança amor e respeito à “ordem” estabelecida pelo Criador.

Preconiza a primazia da educação sobre a instrução, e do “saber fazer” sobre o “fazer”, com o que elabora as bases da pedagogia ativa. Sua pedagogia foi criadora da escola popular em seu espírito social. Destacou a família como núcleo primordial, situando-a como alicerce das demais instituições sociais.

Enfatizou não só a importância da mãe em relação à educação de seu filho, mas também a força dos aspectos religiosos na educação infantil, da escola no papel de ensi-nar, da pedagogia ativa como possibilidade de desenvolver as potencialidades das crianças.

É indiscutível a relevância da pedagogia de Pestalo-zzi. Ele foi um homem do seu tempo que, pensando na educação e na criança, elaborou um método de ensino ativo, destacando o papel da mulher e da família. Não se pode perder de vista a relação que estabeleceu com seus contemporâneos, pois, na perspectiva do período em que ele viveu, deixou marcas na forma de pensar, observar, ponderar, criticar e escrever, as quais se eternizaram ao longo da história.

3. Pedagogia científica e construção da moralidade

As transformações inauguradas pelo discurso da pedagogia científica determinaram novas formas de conceber e prescrever a construção da conduta moral, via empresa educativa. A releitura de autores clássicos na área educacional, como Spencer, Durkheim, Herbart e Calkins contribui para a compreensão destas trans-formações e do cenário em que elas se desenrolaram.

Spencer (1886) buscou no evolucionismo darwi-niano elementos para explicar o funcionamento da sociedade. Seu positivismo pedagógico concorreu para a renovação da educação em bases científicas. Destacou o valor utilitário da educação e mostrou que os conhecimentos mais importantes são os que servem para a manutenção e o aprimoramento do indivíduo, da família e da sociedade em geral.

Na visão spenceriana, a educação consiste numa preparação completa do homem para a vida inteira, munindo-lhe com os conhecimentos necessários para a vida intelectual e social em todos os seus aspectos, com destaque para o valor da disciplina e de se aprender o sentido das coisas.

Ao discutir os preceitos de uma educação da mente, do corpo e da moralidade, Spencer (1886) delineia sua proposta de educação intelectual, moral e física, nos moldes de uma pedagogia científica. Para o autor, a fina-lidade mais importante da escola consiste na construção do caráter. A educação deve abarcar corpo e espírito, em conformidade com as leis da natureza e a ciência, possi-bilitando o desenvolvimento físico, intelectual e moral. A ciência é o ramo do saber em que se funda a realização dos progressos que tornam possível a vida civilizada.

Durkheim (1998) teorizou a educação a partir dos co-nhecimentos oriundos da sociologia, buscando estudar a noção de infância, alguns dos elementos da pedago-gia rousseauniana, as funções do ensino fundamental, médio e universitário, bem como o lugar da educação moral na vida dos povos.

Definiu a educação como “um fato social, uma socia-lização metódica por meio da qual a sociedade prepara no coração das crianças as condições de sua própria existência”. (1998, p. 8), alegando que a sociedade incute em nossa consciência a ideia de que existe uma disciplina interna e externa. Portanto, na perspectiva durkheimniana, a socialização é a aquisição de nosso “ser social” (o melhor de nós mesmos) em oposição ao “ser individual”, constituído por crenças religiosas, opiniões, práticas morais, tradições nacionais ou profissionais.

Para Durkheim (1998), a eficácia da educação vem da autoridade moral do educador. Autoridade se distingue do autoritarismo, e não provém de coerção por meio de recom-pensas ou punições, mas sobretudo do exemplo de se estar cumprindo as obrigações, o que não se opõe à liberdade.

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Sob o rigor do cientificismo, Durkheim (1998) revisita temas recorrentes da literatura pedagógica precedente, como a educação da infância, a dinâmica do sistema es-colar, a construção do caráter e da moral, conferindo-lhes um olhar sociológico. Na visão deste autor, pedagogia é a ciência da educação, unicamente se cumprir os re-quisitos de toda ciência: referir-se a fatos observáveis , que apresentem homogeneidade suficiente para serem classificados em uma categoria, e que sejam considera-dos pelo saber científico, independentemente do seu uso subseqüente.

Na análise deste autor, a pressão social impõe seu modelo educativo (finalidades e conteúdos) ao indivíduo, impedindo, de fato, sua pretensa liberdade. Um sistema educativo não pode prescindir das normas e costumes impostos pela sociedade, sob pena de privar seus alu-nos do convívio social mais amplo. Toda educação, seu conceito e função estão vinculados com o momento histórico-cultural de uma sociedade concreta, cuja abs-tração é impossível de fazer. Sendo assim, a educação só é eficaz na medida em que atende à sociedade em que se desenvolve e a seus costumes, elevados à cate-goria de norma pela consciência coletiva. Isto significa que a eficácia do sistema educativo, na perspectiva de Durkheim, só pode dar-se a partir de um conceito de educação extraído da sociologia.

Herbart (1983) também teorizou a educação a partir dos conhecimentos da pedagogia científica. A pedagogia herbartiana introduziu a necessidade de sistematização do ensino, de organização didática das aulas, sem per-der de vista a construção do comportamento moral via empresa educativa. Sem dúvida, um esforço rigoroso de teorização científica da educação que teve papel preponderante no campo pedagógico do século XIX.

Para ele, o governo das crianças trata de prevenir o mal, evitar a luta e impedir a colisão, em uma só palavra: estabelecer a ordem, mas sem permanecer indiferente à cultura da alma infantil.

Os fins futuros do discípulo se dividem em duas esferas: a dos fins puramente possíveis e a dos fins necessários. Sendo assim, os fins da educação se dividem em: fins de escolha e fins de moralidade. A educação moral tem, pois, por objetivo fazer com que as ideias de justiça e de bem, em todo seu rigor e pureza cheguem a ser os objetos propriamente ditos da vontade, e que se determine conforme elas o valor intrínseco, real do caráter, a essência profunda da moralidade. (HERBART, 1983, p. 50).

Para o autor, a instrução educativa consiste em educar a inteligência e a vontade do aluno, produzindo nele verdadeiros interesses. O interesse tem como ponto de partida os objetos e ocupações interessantes. Da riqueza de ambas nasce o interesse múltiplo. Produzir e apresentar convenientemente esta riqueza é o objeto da instrução, a qual continua e completa o trabalho

preliminar procedente da experiência e do trato social. O professor “há de preocupar-se, acima de tudo,

com a forma como se estabelece o círculo de ideias em seu discípulo, pois destas nascem os sentimentos e destes os princípios e modos de operar” (HERBART, 1983, p. 11). Assim, para o autor, não é possível dominar a educação se não se sabe estabelecer na alma infantil um grande círculo de ideias, cujas partes se encontram entrelaçadas intimamente com força suficiente para vencer os elementos desfavoráveis do meio, para ab-sorver os favoráveis e incorporá-los.

O manual pedagógico de Calkins (1886) busca orien-tar pais e professores em sua ação de ensinar. Propõe a educação dos sentidos e a cultura das faculdades perceptivas, bem como o estudo científico das coisas.

Durante o período da educação doméstica, todos os sentidos serão objeto cada qual da atenção que lhe é devida: tanto o olfato, o paladar e o tato, como a vista e o ouvido. Importa especialmente adestrarem-se em casa os sentidos do cheirar, gostar e apalpar; porquanto na escola mui limita-dos os ensejos para esse cultivo, consagrando-se aí principalmente os exercícios ao ouvido e à vista. (CALKINS, 1886, p. 14).

Desse modo, Calkins (1886) oferece instruções sobre a educação doméstica e o ensino escolar, apresentando exercícios para formar hábitos de pensar e dizer com desenvoltura e correção, além de evidenciar os princípios fundamentais e os passos inerentes às lições de coisas.

Convém que as primeiras lições da criança na escola sejam dadas em conversa e com a maior simplicidade, para despertar o espírito, desen-volver os hábitos de observação, e adestrar os alunos no emprego da linguagem. Esse trabalho prepará-los-á para um estudo mais preciso das formas, cores, números e palavras impressas. (CALKINS, 1886, p. 33).

Segundo Calkins (1886), a aprendizagem se dá pela atividade, pela exploração sensorial, pela experiência e pela observação. A percepção é a primeira fase da inteligência. O processo de aprendizagem consiste em perceber as coisas, transformar as imagens em ideias e estas em palavras. Neste sentido, o ensino deve partir do simples para o complexo, do concreto para o abstrato. Tais preceitos inspiraram um movimento posterior de renovação da escola, colocando o aluno como centro do processo de aprendizagem.

4. A pedagogia do século XXOs discursos pedagógicos de intelectuais como

Dewey, Montessori e Castro, entre os séculos XIX e XX, nos permite compreender aspectos da pedagogia

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científica, por meio dos mecanismos fundamentais da educação doméstica e escolar que estes preconizaram.

A obra Democracia e Educação, de John Dewey, balizou o campo filosófico e educacional do século XX. Partindo do princípio de que as ideias só adquirem sen-tido quando forjadas em situações práticas da vida, este filósofo, educador e ativista social viu na educação uma esfera privilegiada para a experimentação de noções filosóficas sobre o homem e o conhecimento. Ao discutir a multidimensionalidade da educação, enquanto tema essencial à existência humana, tratou não somente da pedagogia, mas também da psicologia, da filosofia e das ciências sociais.

Nesta obra, Dewey (2007) discutiu a relação entre democracia e educação, nos moldes do ideário da Escola Nova. Refletiu sobre o problema fulcral da escola con-temporânea – a inexistência de uma sociedade verdadei-ramente democrática - além de pensar o conhecimento e a ação moral enquanto reconstruções filosóficas na busca por uma sociedade democrática.

Para ele, somente na sociedade democrática os objetivos educacionais seriam efetivados para todos, tornando-se a educação um meio de desenvolvimento pessoal sem a imposição de finalidades externas ao pro-cesso educativo. Acrescenta ainda que uma sociedade democrática, em consonância com o seu ideal, admite a liberdade intelectual e o jogo de diversos interesses e aptidões em seus critérios educacionais.

Na análise deste autor, a democracia deve desenvol-ver uma teoria do conhecimento que veja o conhecimen-to como o método pelo qual uma experiência se torna útil para dar direção e significado a outra. Sendo assim, toda educação que desenvolve o poder de compartilhar efetivamente a vida social é moral. Ela forma um caráter que não apenas executa ações particulares socialmente necessárias, mas que participa do reajustamento con-tínuo, necessário ao desenvolvimento. O interesse em aprender com todos os contatos da vida é o interesse moral essencial.

Pela primeira vez, neste breve passeio pelas teorias educacionais, insurge-se a escrita feminina, na notável personalidade de Maria Montessori. A autora aborda períodos críticos do desenvolvimento infantil, dá muito valor às diferentes manifestações da inteligência da criança e não só ao raciocínio lógico-matemático ou a memória. Destaca ainda o movimento, a socialização e o papel central da criança em seu processo de apren-dizagem. Desvela a tarefa educativa, a missão dos pais e educadores e os direitos da criança, abrindo assim novos horizontes na compreensão e na valorização do ser criança.

Na perspectiva montessoriana, o conceito de educa-ção relaciona-se com o conceito de criança: um ser capaz de crescer por si próprio, diferente do adulto, dotado de

necessidades peculiares, original e único, que necessita de ajuda adequada e oportuna e é capaz de aprender naturalmente. Neste sentido, o processo educacional precisa ser uma ajuda à vida da criança, favorecendo seu desenvolvimento psíquico, e não uma mera imposição de que esta memorize ideias, fatos ou palavras.

De acordo com Montessori, a criança aprende pela experiência. Cabe à professora usar da intuição e da ob-servação para acompanhar esse processo, respeitando a sua livre atividade e experimentação. Quando participa ativamente da sua própria aprendizagem, o aluno sente-se respeitado. Por isso, na concepção montessoriana, a criança é quem escolhe a atividade que quer realizar e o modo como vai realizá-la.

A disciplina e a obediência são virtudes relacionadas com a vontade da criança. A disciplina não é algo externo, mas desenvolve-se a partir do seu interior: um sujeito livre e disciplinado é capaz de fazer suas próprias esco-lhas. A liberdade com responsabilidade leva a criança à independência, através de um trabalho cooperativo. Para que a criança se organize internamente, ela deve conviver em um ambiente organizado, onde seja respeitada. Do mesmo modo, deve ser respeitado o tempo necessário para a sua aprendizagem.

Através de suas análises, Castro (1976) busca uma validação empírica, do ponto de vista epistemológico, para a relação de causalidade entre educação e desen-volvimento econômico, colocando o método científico no cerne da questão. A ciência, como motor do progresso está diretamente relacionada à educação. Desse modo , problemas relativos à educação e ao ensino que estiveram relacionados durante séculos com o problema da cultura, passam a ser vistos também em sua relação com a política, a ciência e a economia.

Assim, o autor discute a natureza da associação entre educação e desenvolvimento econômico; examina criti-camente as inferências permitidas pelas comparações in-ternacionais, pelos perfis de idade-renda empregados nas análises de custo-benefício em educação e pelas funções de produção; além de se debruçar sobre os determinantes sócio-econômicos da educabilidade dos indivíduos. Para ele, “...a educabilidade é uma das questões mais impor-tantes na problemática da educação contemporânea; e a educabilidade parece ser explicada por diferenças nas características das famílias”. (CASTRO, 1976, p. 73).

A inteligência não é o único ingrediente do talento ou da habilidade. Os testes de inteligência avaliam a capacidade do indivíduo para operações simbólicas ou conceituais que cada vez mais assemelham-se àquelas exigidas pela escola e pela vida profissional em uma sociedade industrializada. Como um instrumento para avaliar o desempenho esperado de uma pessoa, é van-tajoso que o teste reflita a cultura em que o indivíduo vai operar.

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Em sua análise, o autor assevera quequalquer política educacional, verdadeiramente igualitária, terá que dar ênfase aos primeiros anos de escolaridade e, mais do que isso, tentar educar a criança antes que ela chegue à escola primária [...] apenas nos primeiros anos de vida, é ainda possível e economicamente viável influenciar o desenvolvimen-to cognitivo e a personalidade. (CASTRO, 1976, p. 81).

Desse modo, considera a educação formal apenas como um toque final, um complemento do efeito duradouro da educação informal adquirida em casa. Segundo ele, esta é que influencia o desenvolvimento emocional e inculca os valores e atitudes adequados à escolarização.

3. Considerações finaisO discurso da pedagogia contemporânea, a partir da

idade moderna, é um rompimento com todos os outros anteriores. O estado educador cria a escola e sanciona os saberes a serem aprendidos. Assim, o nascimento da Pedagogia Moderna volta-se para a organização útil da vida social. As antigas finalidades militares e religiosas são substituídas pela necessidade de preparo para gerir os negócios do Estado.

Entre os séculos XIX e XX, cada vez mais, a educação moral desprende-se de sua conotação religiosa, en-

CALKINS, N. A. Primeiras lições de coisas: manual de ensino elementar para uso dos pais e professores. Adaptação de Ruy Barbosa. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1886.

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HERBART, J. F. Pedagogia general derivada del fin de la edu-cacion. Tradução de Lourenzo Luzuriaga. Barcelona: Editorial Humanitas, 1983.

quanto a pedagogia adquire status de saber científico, cuja sistematização progressiva vai lançar as bases para o movimento de renovação da educação e da pedago-gia, consubstanciado pela instauração da Escola Nova, na primeira metade do século XX.

Vale ressaltar que as teorias aqui discutidas foram apresentadas nos moldes de uma proposta pedagógica. Não necessariamente enquanto retratos daquilo que foi vivido na realidade educacional à época, mas sobretudo enquanto sínteses daquilo que foi idealizado na mente de alguns de seus maiores pensadores. Trata-se, por-tanto, de um rico manancial através do qual é possível fazer uma incursão no imaginário sócio-político-cultural em que foram produzidos e disseminados esses dis-cursos, cujas disputas de poder estiveram no cerne da constituição do campo pedagógico contemporâneo.

Seja através da valorização da retórica, seja através da elaboração do texto pedagógico, é possível perce-ber o caráter disciplinador dos discursos produzidos e veiculados no campo educacional, com a finalidade de conformar práticas e modelar condutas compatíveis com as exigências da sociedade nesse período. Sendo assim, no cenário de transição do período medieval ao moderno e deste à contemporaneidade, os autores mencionados no corpo deste artigo podem ser enten-didos como verdadeiros intérpretes das necessidades sociais de seu tempo.

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> Andréa Hermínia de Aguiar Oliveira <

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O Ministério da Educação divulgou, dia 6 de de-zembro de 2012, os conceitos do Índice Geral de Cur-sos (IGC) referentes a 2011 de 2.136 universidades, faculdades e centros universitários, e os resultados dos Conceitos Preliminares de Curso (CPC) de 4.403 instituições, que incluem a nota do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) aplicado no ano passado. Como instituição particular, a Faculda-de São Luis de França foi a única do Estado a alcan-çar a nota 4, numa escala que vai de 1 a 5.

Em todo o Estado de Sergipe, considerando faculdades e universidades e Instituto Federal, apenas a Faculdade São Luis de França (FSLF) e a Universidade Federal de Sergipe (UFS) obtiveram nota 4 do MEC. Em todo o Nordeste existem 335 faculdades e apenas 11 delas conseguiram atingir nota 4. Isto significa que estando entre as 11, a FSLF passou a fazer parte de um seleto grupo de 3% das melhores faculdades localizadas na região. No Nordeste, nenhuma faculdade obteve nota aci-ma da Faculdade São Luís de França.

A Assessoria de Comunicação do MEC/ Inep ex-plica que os indicadores de qualidade do ensino superior levam em conta o Índice Geral de Cursos (IGC), além do Conceito Preliminar de Curso (CPC). O cálculo do IGC inclui a média ponderada dos conceitos preliminares de curso e os conceitos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que avaliam os programas de pós-graduação das instituições.

O Índice Geral de Cursos Avaliados da Ins-tituição (IGC) é um indicador que avalia as IES e é resultado da média ponderada dos Conceitos Preliminares de Curso (CPC), da Graduação e do conceito da Capes aplicado aos programas de Pós-graduação. O CPC avalia o rendimento dos alunos, infraestrutura, organização didático-pedagógica e corpo docente. Na nota do CPC, o desempenho dos estudantes conta 55% do total, enquanto a infraestrutura e organização didático-pedagógica representam 15% da nota e o corpo docente, 30%. Na nota dos docentes, a quantidade de doutores pesa 15% do total, já dedicação integral e mestres representam 7,5% da nota.

O IGC 2011 avaliou 2.136 universidades, facul-dades e centros universitários. Desse total, 50,6% tiveram conceito 3, considerado satisfatório. Da-dos divulgados pelo Ministério da Educação mos-tram ainda que 27% das IES brasileiras tiveram conceito insuficiente no IGC em 2011. Estes resul-tados compõem o primeiro ciclo completo dos in-dicadores de qualidade, evidenciando a evolução de 2008 a 2011, quando foram avaliados 18.346 cursos de 2.136 instituições.

O resultado do CPC 2011 considerou 4.403 universidades – sendo 2.642 públicas e 1.761 pri-vadas – além de 2.245 faculdades e 928 centros universitários. Atualmente, 53,9% das matrículas do ensino superior estão nas universidades, 30,9% nas faculdades e 13,7% nos centros universitários.

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RESUMO

Em geral, nas localidades onde a Petrobras instalou-se, ocorreram mudanças significativas no cotidiano dos atores que legitimam esse ce-nário. Em Carmópolis – SE, as transformações ocorridas no mundo do trabalho parecem estar enleadas ao “não-discurso”: ao tempo em que os atores validam a presença da estatal, também “lamentam” o escanteio do trabalho na agricul-tura. Diante da reestruturação do trabalho e de suas relações sociais, o estudo pretende enten-der o “não-discurso silenciado” dos atores so-ciais carmopolenses frente à complexidade das mudanças e à nova realidade do trabalho tra-zida pela Petrobras com o seu ouro-negro, que permanece com toda sua a tecnologia e poder, em espaços especificamente delimitados.

Palavras-chave: trabalho; não-discurso; Petro-bras; Carmópolis.

ABSTRACT

Of cane to petroleum: the “ no - speech” lineate work by Petrobras in the county of Carmópolis-Se. In general, in the locations where Petrobras settled, happened some substantial changes in the daily life of those who legitimized this scenery. In Carmópolis – SE, this changes occurred in the work world it seems been well ensnared to “ no – speech” : to the time that the actors validates the government presence, also “sorry” to the sideways of work in the agricul-ture. Due to the reorganization of work and yours socials relations, the study intends to understand the “ no – speech muted” of the social actors carmopo-lenses in face to the complexity of changes and the new reality of work brought by Petrobras with your black golden, that remains with all your technology and power, in spaces particulary delimited.

Keywords: no – work; speech; Petrobras; Car-mópolis

AndréA SAnTOS riBeirO• Coordenadora do Curso de Administração da FSLF; Mestre em sociologia.

[email protected]

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ApresentaçãoEstudar a questão do trabalho e sua relação com o

petróleo em espaços especificamente delimitados, a princípio, parece ser algo simplório. Entretanto, quan-do se observa mais atentamente as marcas impressas nessas localidades, percebemos uma complexidade gi-gante nessas relações, merecendo então, o olhar des-pretensioso e atento de um sociólogo, pois, em geral, nas localidades onde a Petrobras surgiu, ocorreram mudanças sociopolíticas, ambientais e, consequente-mente, econômicas1. Essas mudanças têm trazido uma situação de desigualdade social, evidenciando cada vez mais uma dinâmica marginalizadora e excludente. Continuando nesse pensamento, a PETROBRAS deixou marcas irreversíveis por onde passou, e ainda continua deixando; esses sinais são distintivos em todos os seto-res da economia, impactando as formas e as relações de trabalho do lugar, devido à ocorrência de diferentes gerações de tecnologia (VATIN, 1999).

Grosso modo, a Petrobras trouxe consigo o rompi-mento do trabalho material para dar lugar ao trabalho imaterial2; pois, a partir de então, ocorreu uma desor-ganização social tamanha na cidade que os moradores não tiveram mais “controle” sobre suas relações de trabalho.3 Essa ruptura nos reporta à descontinuidade entre o que se apresenta como o ‘novo’ e o que persiste como herança do ‘velho’ (GIDDENS, 1991). Porquanto a Petrobras influenciou notadamente na modelagem e construção de novas formas de relações de trabalho, foi concebido um novo sentido do trabalho, com novas qualificações da força de trabalho e outras formas de organização.

Seguindo essa linha de raciocínio, este artigo bus-ca apreender esse novo sentido do trabalho para os atores sociais de Carmópolis, refletindo e comparando

1 – Para um maior detalhamento dessas modificações, ver: PIQUET, Rosélia e SERRA, Rodrigo (orgs). Petróleo e região no Brasil: o desa-fio da abundância. Rio de Janeiro: Garamond, 2007, pp. 9-10. Ver também: PIQUET, Rosélia. (org) .Petróleo, royalties e região. Rio de Janeiro: Garamond, 2003, pp. 7-10.2 – Baseado em: AMORIM, Henrique. Trabalho imaterial: Marx e o debate contemporâneo. São Paulo: Annablume, 2009. Além de: LAZZARATO, Maurício; Negri, Antônio. Trabalho imaterial: Formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p. 7-90.3 – Aqui, o “controle” sobre as relações de trabalho está relacionado ao fato de que, antes da Petrobras chegar, os moradores trabalhavam na agricultura e na pecuária conseguindo pagar seu aluguel (quem não tinha casa própria), e comprar seus mantimentos, levando uma vida pacata, conforme constatam: SILVA, Mércia Dantas da Solo Rico, Povo Pobre: A Petrobras em Carmópolis-SE (1961-1966). Trabalho de Conclusão de Curso (graduação em história/UFS), 2003. E tam-bém: SANTOS, Andréa Ribeiro. Responsabilidade social e desenvol-vimento: intervenções da Petrobras em Carmópolis-Se (1990-2007). Dissertação de Mestrado, UFS, 2009. 112p.

sobre os tipos de mecanismos tácitos incorporados pelos trabalhadores em suas estruturas de relações sociais trabalhistas frente ao poder tecnológico do ‘ouro negro’ trazido pela estatal, eis aí, o ‘não-dis-curso’. Desse modo, inquieta-nos a leitura que os atores sociais de Carmópolis fazem da presença da estatal no lugar, pois o olhar desses atores não é um olhar provocante o suficiente, a ponto de dese-jar a retirada da mesma da cidade ou de reduzir a sua atuação que, ressaltemos, acentua as desigual-dades das relações sociais. Dada a importância da Petrobras na conjuntura sociopolítica e cultural do país e à sua presença no município, interessa nos apropriarmos da dinâmica cotidiana das relações sociais incorporadas e estruturadas implicitamente pelos trabalhadores.

Em Carmópolis4, a Petrobras chegou, em 1963, trazendo mudanças marcantes na vida diária da população, que até então não tinha muita expres-sividade na economia do Estado, apenas em alguns momentos experimentou a fama com suas lavouras de cana-de-açúcar, algodão e pastagens. O fato é que, em Carmópolis, a descoberta do ouro negro deixou os sergipanos cheios de orgulho, a popula-ção ficou cheia de esperança, a cidade foi invadida por gente de toda parte e classe, desde curiosos até funcionários da Empresa. (SANTOS, 2009)

[...] foi para lá que rumaram centenas de pes-soas, [...]. eram estudantes, trabalhadores e pessoas de todas as classes, demonstrando o seu grau de entusiasmo ante as ‘sensacionais’ revelações da realidade do petróleo sergipa-no feitas pelos técnicos da Petrobras. (SILVA, 2003, p. 24)

Seguindo essa linha de raciocínio, é pertinente ‘integrar’ a trajetória da Petrobras relacionando-a ao campo de estudo, pois sem dúvida, uma das grandes inovações descoberta pelo homem foi o pe-tróleo que superou em muito o carvão como nova energia motriz,5 para analisar como foram legitima-das as novas relações sociais de trabalho (trabalho do campo-cidade), diante do novo cenário produzido pela presença da Petrobras no município de Carmópolis. Nessa teia, podemos considerar que as relações de tra-balho no Brasil fogem ao esquema tradicional de sur-gimento da classe operária no mundo. Em nosso país,

4 – Logo adiante, quando delimitaremos o espaço de pesquisa fare-mos uma breve caracterização da cidade de Carmópolis.5 – Para um maior detalhamento, ver: MOURA, de Pedro e CARNEI-RO, Felisberto. Em busca do petróleo brasileiro. Ouro Preto: Funda-ção Gorceix, 1976.

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a classe operária surgiu de um forte incentivo do governo para o crescimento da industrialização6, e foi formada por camadas mais pobres da população in-cluindo mulheres, crianças e imigrantes7.

Essa aceleração do desenvolvimento tecnológico pro-vocou rupturas no mundo do trabalho, e nos faz enten-der que o loop da montanha-russa “caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensifi-cadas de inovação comercial, tecnológica e organizacio-nal.” (HARVEY, 1992, p. 140). Aqui está o lugar de trans-formação. Agora, estamos no ápice de uma mudança do homo faber, o qual desliza de um modelo de trabalho destinado à produção de bens para um tipo de mão-de-obra especializada, que requer habilidades de interação movida, sobretudo, por um espírito de equipe. Logo, o ponto nodal deste estudo é fazer a ponte entre este novo tipo de ator trabalhador no município – o poder tecnológico e financeiro da empresa – e, principalmente, identificar e interpretar o olhar que o trabalhador tem de sua relação de trabalho frente à empresa e que, por ‘algum’ motivo, silencia, não expressa.

O mundo do trabalho afeta e é afetado por pressões sociais, econômicas, políticas e culturais que ocorrem na sociedade, e uma sociedade globalizada neste momen-to. Quanto mais o trabalho se flexibiliza, mais o trabalha-dor torna-se submisso, instável.8 Nesse sentido, há um esforço coletivo de cientistas sociais em contribuir na construção de marcos de análise sociopolítica e cultural, a fim de descrever e comparar, de explicar e interpretar as dinâmicas das relações sociais de trabalho.

A literatura a respeito do mundo do trabalho e da indústria petrolífera é vasta, mas existe uma escassez de estudos desenvolvidos sobre a PETROBRAS e as transformações do mundo do trabalho em Carmópolis, sendo este estudo uma oportunidade de preencher tal lacuna e também de contribuir no sentido de contornar essa situação, também de trazer elementos que possam enriquecer o debate e o estudo, através da construção de

6 – Segundo: BAER, Werner. A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico do Brasil. 7ª. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Ge-túlio Vargas, 1988, pp. 309-310. Aqui o autor associa o surgimento da classe operária como sendo um fator para o crescimento ‘induzido’ da industrialização.7 – Conforme: CARDOSO, Ana Claúdia Moreira. Tempos de trabalho, tempos de não trabalho: disputas em torno da jornada do trabalha-dor. São Paulo: Annablume, 2009, pp. 93-123. A autora faz um resga-te comparativo a respeito do surgimento da classe operária no Brasil.8 – ANTUNES, Ricardo. Trabalho e precarização numa ordem neolibe-ral. Cap. 2. In: GENTILE, Pablo; FRIGOTTO, Gaudêncio (orgs). La Cui-dadania Negada. Políticas de exclusión em la educación y lê trabajo. Buenos Aires: CLACSO, 2001, P. 35-48.

condições comparativas para pesquisas futuras. Portanto, existe uma estrutura científica sólida sobre o assunto.

Em síntese, objetivamos com o artigo proposto apre-ender a dinâmica do mundo do trabalho em Carmópolis, com vistas a contribuir no debate teórico-político e cultu-ral sobre esse novo sentido do trabalho que se materiali-zou e naturalizou na vida de seus atores. Estamos movi-dos, fundamentalmente, pela convicção de que estudos como o proposto, podem colaborar, em alguma medida, no esforço dos próprios atores trabalhadores ou não, na superação das condições de subalternidade que experi-mentam e, no mesmo prisma, na estruturação de sociabi-lidades alternativas e processos democráticos ampliados.

Problematização do tema A produção teórica a respeito da categoria traba-

lho é bastante vasta e, ultimamente, tem se pautado nas mudanças ocorridas nas formas como o trabalho é organizado e produzido, além de tentar apreender es-ses impactos nas relações sociais e de trabalho. Como consequência disso, essa literatura é também bastante controversa. Nessa teia, é fato que o trabalho ocupa uma posição central da vida dos seres humanos, e que a nossa sociedade pode ser chamada de sociedade do trabalho, sendo o trabalho o princípio organizador das relações sociais9. Entretanto, pautarmo-nos nesse argu-mento parece um tanto contestável, pois “a sociedade do trabalho caducou: o trabalho não pode mais servir de fundamento à integração social” (GORZ, 2007, p. 75). Embora o trabalho10 dote o indivíduo de uma identidade, ele também provoca desigualdades sociais.

Nesse pensamento, os fundadores da sociologia do trabalho, Max, Weber e Durkheim, embora não utilizas-sem o termo, já anunciavam a sua seriedade para a so-ciologia: Max, via a divisão do trabalho como geradora do conflito de classes11; Durkheim compreendeu a divisão so-cial do trabalho como fonte de solidariedade, libertando as pessoas do isolamento, pois o trabalhador não fica res-trito à sua tarefa, mas percebe seus colaboradores agindo sobre os mesmos e sofrendo sua ação12. Weber, em sua racionalidade e objetividade, assevera que o trabalho

9 – A esse respeito consultar: SILVA, Josué Pereira da. Trabalho, cidadania e reconhecimento. São Paulo: Annablume, 2008. p. 22.10 – O Trabalho aqui representado refere-se ao trabalho assalariado nascido com o capitalismo industrial.11 – GRINT, Keith. Sociologia do trabalho. Lisboa: Instituto Piaget, 1998, cap. 3. GRESPAN, Jorge. Karl Max: a mercadoria. São Paulo: Ática, 2006.12 – RODRIGUES, José Albertino (org). Durkheim. São Paulo: Ática, 2005. E também: MUSSE, Ricardo. Émile Durkheim: fato social e divi-são do trabalho. São Paulo: Ática, 2007.

> Andréa Santos Ribeiro <

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resulta de um processo social em que as ações dos ato-res derivam de técnicas transmitidas por uma cultura do novo capitalismo.13

Ainda tomando em conta o sentido do trabalho para os clássicos, Offe (1989) assevera os argumentos acima afirmando que o trabalho é um fato sociológico e seu produto deve garantir a sobrevivência física de seus membros. O trabalho tornou-se uma categoria chave da sociologia para cientistas sociais quando foi separa-do de atividades e esferas sociais. Desse modo, os Clás-sicos da Sociologia estudam o trabalho cada um com visões diferentes. Em Weber, o trabalho é visto como a racionalidade técnica. Em Max, como o antagonismo entre proletariado e capitalistas. Durkheim enxergou o trabalho como integrador da sociedade.

O autor ainda afirma que ao longo do tempo o tra-balho vem se adequando, e com isso o seu significado vem tomando uma diversidade de corpus na socieda-de. Parafraseando, Antunes (2001) esclarece que, para superar sua própria crise, o capitalismo se metamor-foseia, adaptando-se ao longo dos anos com o taylo-rismo/fordismo, reestruturação flexível, para sobrevi-ver. Nesses termos, temos uma perspectiva dialógica – trabalho – capitalismo – tecnologia, que produz na sociedade e no trabalhador vários efeitos como desi-gualdade, exclusão, entre outros transtornos, pois na linguagem de Antunes (2001) a lógica do capitalismo contemporâneo é destrutiva, e o progresso tecnológico trouxe a crise do emprego assalariado. Ainda nesse es-pírito, Harvey (1992) trata da crise do fordismo conco-mitantemente à crise do capital, ou seja, o surgimento de um novo período em que o capitalismo assume a forma de “acumulação flexível”.

O contexto das novas tecnologias, além de afetar o emprego, provocou também mudanças nas relações de trabalho. Como bem explica Pochmanm (2001), os últimos trinta anos foram marcados por uma mudan-ça gradual e constante na organização do trabalho. As grandes empresas passaram a adotar novas estratégias de competitividade e produtividade, como desverticali-zação da produção e flexibilização produtiva, rumando para mudanças no conteúdo do trabalho.

Em Carmópolis, as mudanças nas relações de tra-balho, no conteúdo do trabalho, na qualificação para o trabalho, no significado do trabalho ocorreram subi-tamente quando a Petrobras chegou com toda a sua tecnologia. O poder da tecnologia trazida pela empresa

13 – WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo: edição de A. F. Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. E também: SOUZA, Jesse. Max Weber: a gênese do capitalismo mo-derno. São Paulo: Ática, 2006.

impactou a vida pública e privada do ator social carmo-polense (homem, mulher, negro, criança).

Ao longo dos anos, o mundo do trabalho sofreu inúmeras transformações, nas quais a força de traba-lho humana foi substituída pela evolução tecnológica, passou por processos de ressignificação, trazendo inú-meras consequências de “adaptação” aos trabalhado-res, principalmente o processo tecnológico que traz no seu bojo aspectos de liquidez, como coloca Sennett (2006), em que a modernidade parece apresentar-se de forma que nenhum fato permanece por muito tempo, e dentro dela as relações de trabalho. Nesse sentido, a tecnologia se apresenta como:

Aplicação sistemática de conhecimentos cientí-ficos avançados, em relação a um determinado nível de desenvolvimento econômico e sociocul-tural, com o fim de alcançar de modo eficaz e uniforme determinados resultados práticos no campo da produção, da distribuição, dos trans-portes, das comunicações, dos serviços, da edu-cação; é a racionalização, por esse caminho, do esforço laborativo ou da relação homem/nature-za (GALLINO, 2005, p.622).

Essa percepção a respeito da tecnologia aproxima-nos da ideia de que não dá para separar tecnologia de relação social, estando a mesma imbricada nas mu-danças das histórias dos atores que compõem o cená-rio do estudo. Essas mudanças redefiniram as formas de organização das relações de trabalho, destruindo e incorporando novas formas de sociabilidades e fazen-do emergir, progressivamente, um novo cenário social do mundo do trabalho.

Face às evidências apresentadas e, partindo do pressuposto de que o ‘não-discurso’ é o silêncio dos atores sociais silenciados pelo poder da tecnologia da Petrobras, alguns recortes são possíveis:

De que forma é tecida essa rede do não-discurso? Quais mecanismos são utilizados nesse não-discurso, e por quê? De que maneira o poder do ouro-negro conseguiu calar a voz de luta dos atores carmopolen-ses, filhos da cidade, a ponto de hoje estarem numa situação de exclusão no mercado de trabalho de sua própria localidade? É possível dar visibilidade a este silêncio?

Com base no que foi exposto, alguns eixos analíti-cos dialogam com a categoria trabalho no estudo do ‘não-discurso’ de atores sociais silenciados de Carmó-polis, após a chegada da Petrobras:

1. Tecnologia e poder – trata-se da tecnologia trazida pelo industrialismo e capitalismo, representando o poder burguês que consequentemente provoca de-sigualdades nas relações sociais de trabalho e tam-bém na sociedade.

>>> Artigo

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2. Transformações no mundo do trabalho - fazer uma apreensão das transformações ocorridas, a partir do advento do capitalismo, dando especial destaque às mudanças trazidas com o estado de bem-estar social. As reviravoltas do sistema produ-tivo mundial, desde a crise de 192914, do welfare state15, do taylorismo16 e do fordismo17, estiveram ligadas ao sistema fabril, logo, tínhamos a indústria como a peça principal da engrenagem da econo-mia. Porém, com as recentes remodelações do tra-balho (toyotismo18), podemos perceber que o tra-balhador é convocado para ter outra função dentro da empresa, ou seja, seu lugar de destaque dentro das relações produtivas será a de um indivíduo que interfira no desenvolvimento da empresa e seja ca-paz de identificar possíveis alterações de melhoria. Nesse sentido, o início de modelação desse agente passa pela escola, a qual pode facilitar a inserção do mesmo nas demandas das empresas.

3. Trabalho e cidadania - refere-se à cidadania rela-cionada ao trabalho assalariado, a partir do que al-gumas políticas públicas propõem. Nesse sentido, Giddens (2001) afirma que fatores como o recuo da guerra e o avanço do mercado global puseram em cheque a legitimidade do estado, sendo então necessário adotar-se políticas de cidadania, pois a democracia entrou em crise, cedendo lugar à de-mocratização.

4. Não-discurso: silêncio dos silenciados – é neces-sário apreender o silêncio dos atores sociais e a (res)significação do trabalho em Carmópolis, como também destacar a construção do não-discurso, ou seja, de que forma os trabalhadores ‘calam’ a voz, ‘acomodando-se’ ao poder do ouro-negro.

14 – Crise do sistema capitalista, provocando falências de fábricas e desemprego de milhares de pessoas.15 – Introdução do Estado para a regulação econômica com o intui-to de taxar o capital para proporcionar uma política pública em saú-de, educação, etc. Princípios defendidos por John Maynard Keynes (1883-1946).16 – Sistema de relações de trabalho que preconizava a transforma-ção do trabalhador em um indivíduo dócil e obediente, a partir de uma mecanização repetitiva do trabalho dos operários, com delimi-tação de tempo rígido para as tarefas. Método criado por Frederick W. Taylor (1856-1915).17 – A automação dominava o processo produtivo, precisando ape-nas de operários que seguissem o ritmo da máquina. Iniciado por Henry Ford (1886-1947).18 – O novo tipo de trabalhador pró-ativo, ou seja, atualmente as empresas procuram indivíduos com a capacidade de gerenciar as ati-vidades executadas.

5. Gênero e trabalho – comparar como ficou a identi-dade de trabalhadores e trabalhadoras no contex-to do município, depois que a estatal se instalou, dando um destaque especial à trajetória das mu-lheres.

6. Marcas do petróleo em Sergipe - fazer um resgate da trajetória do petróleo no estado de Sergipe, re-fletindo sobre suas consequências, particularmen-te para os trabalhadores em Carmópolis.

Acreditamos que, com as questões analíticas já esboçadas, seja possível alcançar uma apreensão da dinâmica das relações de trabalho na cidade de Car-mópolis e, por outro lado, captar importantes subsí-dios que podem contribuir no debate teórico sobre o mundo do trabalho.

Caracterização do campo de pesquisa19

O cenário ou campo empírico desta pesquisa está constituído no município de Carmópolis, situado na região leste do Estado de Sergipe. Carmópolis possui uma área de 45,5 km², que representa 0,21 % de todo o Estado. Tem limites geográficos com: General May-nard, Rosário do Catete, Japaratuba, e Pirambu.

O município recebeu inicialmente a denominação de Rancho, por volta de 1575, resultando de um sim-ples ponto de parada de feirantes que lá se reuniam para atravessar em grupo a antiga mata do Bonsuces-so, onde havia mocambos de escravos fugidos dos en-genhos da Cotinguiba, que com frequência atacavam os viajantes. Posteriormente, com a chegada dos pa-dres Carmelitas da Missão de Japaratuba, o município passou a chamar-se Carmo. Em 1894, passou à cate-goria de vila. Em 1921, a Vila do Carmo tornou-se Dis-trito da Paz do Carmo. A independência ocorreu em 16 de outubro de 1922. Por volta de 1938, o nome foi alterado para Carmópolis, que dista aproximadamen-te 47 km da capital de Sergipe, Aracaju, e possui, hoje, uma área de 45,92 km², com uma população de cerca de 11.000 habitantes.

Sua economia atual está em torno da extração do petróleo, do coco, da prestação de serviços e da pecu-ária com população estimada em onze mil habitantes. Até aproximadamente a década de 50, a agricultura e a pecuária fizeram parte da base econômica da cida-de. O seu solo é composto e rico em minerais, como por exemplo, o petróleo.

19 – Informações baseadas em minha dissertação de Mestrado em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe.

> Andréa Santos Ribeiro <

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Aos 15 de agosto de 1963, a história moderna de Carmópolis se inicia, verdadeiramente, quando a PE-TROBRAS identificou petróleo no subsolo da região, abrangendo os municípios de Japarutuba, Rosário do Catete, Santo Amaro das Brotas, General Maynard e Maruim. A produção inicial era de 100 barris/dia. O primeiro embarque de óleo, por ferrovia, para Ara-caju, Catu, Candeias e Madre de Deus ou Mataripe, data de fevereiro de 1965. Em 1967, foi construído o Oleoduto Carmópolis-Atalaia Velha, localizado quase à beira-mar, próximo ao aeroporto de Aracaju, elevan-do a produção diária para 10 mil barris/dia.

Antes da Petrobras se instalar no município, as pessoas trabalhavam na agricultura ou nas usinas, compravam o que precisavam no comércio local; quem não tinha casa própria pagava seu aluguel. Mas essa tranquilidade foi agitada com a descober-ta do ouro-negro. As usinas foram desapropriadas para o avanço da exploração do petróleo, o povo da cidade não conseguia comprar mantimentos porque os preços subiram muito, a oferta era me-nor que a procura e os funcionários da PETROBRAS podiam pagar muito mais caro pelos mantimentos. Moradores de aluguel eram expulsos de suas casas. Por conta disso:

[...] na disputa do aluguel de casas, por exemplo, os técnicos da empresa ofereciam trinta vezes o valor pago pelo morador, o que conseqüen-temente resultava na expulsão dos inquilinos, que sem ter onde morar, por vezes iam parar nas ruas. O mesmo aconteceu com os gêneros ali-mentícios, estes encareceram a tal ponto que se tornou inviável a sua aquisição por grande parte dos habitantes de Carmópolis. (MAGALHÃES, p. 62, apud SILVA, 223, p.44)

Ante o exposto, percebemos que o orgulho e a esperança deram lugar ao medo, a convicção do pro-gresso deu lugar à incerteza. Começou o êxodo rural, aumentou a população da cidade, cresceu a margina-lidade, as usinas de açúcar fecharam e aumentou con-sideravelmente a prostituição, além da degradação ambiental.

O desajuste foi tão grande que o prefeito da épo-ca, Ariosvaldo Ferreira de Souza, indignado com a situação em que a cidade se encontrava, procurou o Sergipe Jornal para pedir uma solução às autoridades governamentais, no sentido de que construíssem ca-sas populares entre outras providências. Observamos, então, uma mudança sociocultural significativa trazida pelo impacto da estatal, alterando os costumes locais. O centro urbano ficou supervalorizado, nascendo, en-tão, um novo perfil socioeconômico da população lo-cal, que passou a ter um poder aquisitivo baixíssimo,

além de não poder competir com os altos salários dos funcionários da PETROBRAS.

Hoje a cidade possui um potencial turístico muito bom, porém, pouco explorado. Tudo é ideologizado em torno do petróleo. A história de Carmópolis pode ser demarcada, ‘antes’ e ‘pós’ chegada da Petrobras. Carmópolis está integrada no contexto mundial e glo-bal, em virtude de ser detentora de uma das maiores riquezas na atualidade: o petróleo.

Reflexões finaisDiante da reestruturação do trabalho e de suas

relações sociais em Carmópolis, frente à complexi-dade das mudanças e à nova realidade trazida pela Petrobras com o seu ouro-negro, que permaneceu com toda sua tecnologia e poder, o artigo aspira às seguintes indagações:

• De que maneira as transformações ocorridas nas relações sociais de trabalho em Carmópolis, me-diante a instalação da Petrobras, produziram o ‘não-discurso’ dos trabalhadores, e os seus des-dobramentos sobre os atores sociais, filhos da cidade? Como apreender as dinâmicas particu-larizantes do ‘não-discurso’ delimitando, assim, a sua importância no atual contexto sociopolítico e cultural do município?

• Diante das mudanças ocorridas nas relações de trabalho, ocasionadas pela presença da Petro-bras, de que forma os trabalhadores de Carmó-polis vêm lidando com essas transformações?

• A partir do conhecimento da existência de Sindi-catos, ONG´S e até Associação de Moradores e de que essas Organizações são constituídas para de-fender os trabalhadores, qual o tipo de articula-ção adotada diante das novas formas de trabalho para preservar o emprego e proteger suas rela-ções?

• Perante o quase total abandono da agricultura em favor da extração do petróleo, como o ator social do município percebe esse fato?

• No entendimento de que a Petrobras, aonde che-ga, provoca crise de emprego em espaços delimi-tados, quais os nexos ‘lógicos’ entre emprego/de-semprego e extração do petróleo em Carmópolis, para compararmos se existe associação entre a chegada da estatal e algum tipo de forma exclu-dente de trabalho para os trabalhadores filhos da cidade?

• É notório que a Petrobras com a sua tecnologia influencia nos modos de trabalho, por isso, quais

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tipos de influência a Petrobras exerce sobre as relações de trabalho dos atores carmopolenses?

• Entendemos que existem avanços e diferenças de gênero desfavoráveis às mulheres tão co-muns ainda no mundo do trabalho como desi-gualdade, subordinação, dificuldade de inserção no mercado de trabalho e restrição de acesso à qualificação. Portanto, qual o papel conferido à

mulher nessa teia do não-discurso, frente à pre-sença da Petrobras, num diálogo com a catego-ria trabalho?

Enfim, acreditamos que as linhas norteadoras lança-das no curto espaço deste artigo sinalizam, com a com-patibilidade possível para este momento, caminhares vindouros num horizonte aberto do que se esboça como uma tábua de certezas.

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> Andréa Santos Ribeiro <

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Uma das características da Administração de Em-presas é a de formar administradores a partir do de-senvolvimento de habilidades e competências para construir um espírito de liderança no perfil deste pro-fissional. As Instituições de Ensino Superior possuem a formação do líder como um elemento a ser estudado dentro da disciplina Gestão de Pessoas, cujo capital humano é o que de maior valor existe dentro de uma organização.

A Faculdade São Luís de França dissemina, desde a sua fundação, que possui um projeto holístico, basea-do em valores humanos e, ao ensinar sobre liderança, acaba não fazendo menção a ela, mas, muitos visua-lizam na Diretora Superintendente, Cristiane Tavares, um exemplo da liderança marcante, que inspira seus liderados e guia seguidores dentro e fora do ambiente de trabalho.

A professora Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes é alguém que, primeiro, busca conhecer a si mes-ma. Sabe dos seus pontos fortes e fracos, oportunidades e ameaças, sobretudo conhece a instituição de ponta a ponta. Utiliza esses dados e transforma-os em informa-ções para ajudar nas tomadas de decisões. Isto contribui para apoiar o crescimento de todos a sua volta.

Nessa entrevista à Revista Concepções, ela fala de sua missão de vida, do milagre da multiplicação do tempo para ser esposa, cuidar dos filhos, dar aulas, di-rigir uma faculdade e ainda estudar. Fala ainda da res-ponsabilidade que assume, lidando diretamente com colaboradores, técnicos, professores e alunos, tendo que se dividir entre a amiga que afaga e a diretora que precisa comandar, sem ser uma déspota. Leia a entre-vista de Cristiane:

CrIstIANE tAVArEs:

multiplicaçãoO milagre da

do tempo

Entrevista

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Revista Concepções: Qual a sua missão de vida? E o que sua atuação profissional tem a ver com ela?

Cristiane: Quando nasci, recebi uma missão e me com-prometi em cumpri-la; ajudar as pessoas a perceberem a missão delas. Penso que o trabalho com a educação possi-bilita alcançar esse objetivo...

Revista Concepções; Algo que percebemos é a sua atuação multitarefa. Você acabou de concluir um segundo mestrado (em Educação na UFS, sendo que já tinha um em Administração), está planejando fazer doutorado, tem filhos em idade escolar, que demandam uma atenção maior, é professora, enfim, como conciliar tantos afazeres?

Cristiane: Não reclamo do tempo e nem digo que estou sem ele. Se você tiver disciplina e fizer uma boa gestão de tempo, dará conta de fazer tudo que se propõe. Há pessoas que passam o dia inteiro, dizendo “eu não tenho tempo”. Isso é desculpa e isso atrasa. Enquanto reclamam, o tem-po passa mesmo... Hoje você precisa encontrar tempo, in-clusive, para se qualificar continuamente. Por isso, minha qualificação profissional é questão de sobrevivência. Além do mais, como posso pedir aos outros que estudem se eu não estudo? Então, preciso pelo meu exemplo inspirar as pessoas. Quem quer ser professor, precisa estudar mais.

Revista Concepções: No ambiente de trabalho, a cul-tura organizacional é um elemento de suma importância para a produtividade. Como você avalia o clima na FSLF?

Revista Concepções: O líder de amanhã é um excelen-te coach. Como diz Jack Welch: “No futuro, pessoas que não forem coaches não serão promovidas. Gestores que forem coaches serão a regra”. O que é ser um líder coach?

Cristiane: Ao meu ver o líder coach é aquele que aperta o start. Os profissionais possuem um potencial e precisam apenas ser lembrados dessa potencialidade. Por exemplo, temos uma colaboradora excelente, dedicada e competen-te, mas que tinha um problema de explosão de sentimentos que estava prejudicando o seu desempenho. Eu disse que aquilo só podia ser TPM e que ela deveria cuidar daqui-lo, pois poderia perder o emprego por conta desse com-portamento desequilibrado muitas vezes. Foi mais fácil conscientizá-la que isso era um problema do que tirá-la da equipe por uma questão que qualquer mulher pode ou deve ter. Ou seja, a essência do coaching está em fornecer suporte para uma pessoa mudar da maneira que deseja, assim como auxiliar a seguir a direção desejada, logo, o Coach está focado em liberar o potencial e maximizar a performance dos indivíduos na vida pessoal e profissional.

Revista Concepções: O MEC divulgou recentemente os dados da avaliação do Ensino Superior no Brasil. A Fa-culdade São Luís de França ficou com nota 4 (numa escala que vai até 5), sendo uma das maiores notas do estado, juntamente com a Universidade Federal de Sergipe. A que atribui esse avanço?

Cristiane: Muito trabalho, muito empenho de todos. Temos uma metodologia que contempla a soma de outras, o que acaba não engessando o projeto político-pedagógico institucional: o corpo docente dedicado à instituição. Te-mos um perfil de aluno comprometido e que sabe das suas responsabilidades na hora de responder uma prova do ENA-DE. Melhoramos nossa Infraestrutura. Por fim, esse resul-tado é também fruto da dedicação de todo corpo técnico/administrativo. É difícil citar nomes, pois todos deram a sua contribuição. Não obstante todo esse resultado positivo, o MEC precisa melhorar muito esse processo, que é injusto com as instituições pequenas. A cobrança, em nível de cri-térios, é a mesma de uma universidade, o que por si só já é desproporcional.

Cristiane: É importante conhecer seus valores e viven-ciá-los. Peço desculpas quando cometo alguma falha e assu-mo a responsabilidade que me compete, mas todos devem responder pelos seus atos também. Esse negócio de se a coisa tá boa é a equipe e se está ruim é o gestor, tenho mi-nhas ressalvas... Todos estão no mesmo barco e cada um tem um remo na sua mão. Eu apenas estou à frente, mas tenho um remo também, como os demais. O clima é favo-recido pelo espírito de união, de equipe. Conheço as pesso-as que trabalham comigo, sei do perfil delas e o principal, tenho amor a cada uma delas pelo empenho que dedicam à instituição. Então, de volta, só recebo isso também: cari-nho e atenção. E quase ninguém fala de amor dentro de uma empresa. Pois aqui nós falamos. Existe um clima fraterno, porque somos fraternos. E isso não confunde nenhum papel. Minha autoridade jamais é confundida com autoritarismo.

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RESUMO

A linguagem é uma ferramenta mediadora entre as relações sociais da criança e o ambiente em que está inserida. A literatura infantil serve como instrumento para que sua linguagem seja amplificada de forma prazerosa e divertida. É através da literatura que a criança desperta outra relação com os diferentes tipos de sentimentos e visão de mundo. Dessa forma, a literatura infantil proporciona condições, através da mediação do educador, para o seu desenvolvimento intelectual e a formação de princípios e valores es-senciais para o convívio em sociedade. Através da análise da importância da literatura infantil por esse ângulo é imprescindível que o pedagogo insira em sua prática pedagógica o uso da literatura como fer-ramenta fundamental para a aquisição da linguagem.

Palavras- chave: Linguagem. Literatura Infantil. Prática Pedagógica. Pedagogia Científica.

ABSTRACT

Language is a tool mediating social relations be-tween the child and the environment in which it operates. Children’s literature serves as a tool for their language to be amplified so enjoyable and fun. It is through literature that the child awakens other relationship with the different types of fe-elings and worldview. Thus, children’s literature provides conditions, through the mediation of the educator, for their intellectual development and the formation of principles and values essen-tial to life in society. Through the analysis of the importance of children’s literature in this light it is imperative that the teacher enter into their peda-gogical practice the use of literature as a funda-mental tool for language acquisition.

Keywords: Language. Children’s Literature. Pe-dagogical Practice. Scientific Pedagogy.

(*) Trabalho de Conclusão de curso orientado pela Profa. Ma. Rita de Cassia Dias Leal.

Childhood literature as languageacquisitionprocess

ClAriSSA mAriA BeZerrA dOS SAnTOS meSSiAS• Acadêmica concludente do Curso de Pedagogia da Faculdade São Luís de França.

[email protected]

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1. IntroduçãoTodos nós sabemos da importância que a literatura

representa para o ser humano. Pesquisas feitas em todo o âmbito da educação nos revelam que as crianças que têm desde muito pequenas o contato com a literatura, são beneficiadas em todos os apsectos possíveis de suas vidas: elas apreendem melhor os conteúdos, elas pronunciam melhor as palavras e se relacionam melhor no meio social em que vivem. Através do contato com a literatura designada para as crianças de literatura in-fantil, estas desenvolvem a criatividade, a autonomia, a imaginação, ao passo em que constróem cultura, conhecimentos e firmam os seus valores.

O contato diário da criança com o mundo da escrita facilita, e muito, seu processo a alfabetização, já que o livro didático é um dos principais suportes que o edu-cador utiliza em sala de aula, para o aprendizado e para a fixação da linguagem escrita. A primeira relação que as crianças têm com a literatura infantil ocorre com as histórias dos contos de fadas e com as gravuras exibidas em gibis, contadas primordialmente pelos pais. É nesse momento que os pais devem intervir de forma positiva, pois nessa fase inicial elas adoram ouvir histórias que envolvem o mundo imaginário delas.

É através da literatura que a criança desperta uma nova relação com diferentes sentimentos e visões de mundo, adequando assim, condições para o seu desen-volvimento intelectual e a formação de princípios indivi-duais para mediar e codificar os próprios sentimentos e ações. Dialogando sobre esse assunto,Bettelheim (1980) afirma que a criança desenvolve, por meio da literatura, o potencial crítico e reflexivo. Acrescentaainda que, a partir do contato com um texto literário de qualidade, a criança é capaz de refletir, indagar, questionar, escutar outras opiniões, articular e reformular seu pensamento.

Com efeito, é pertinente que o professor inclua em sua prática pedagógica a literatura infantil e que ele disponha de informações que contribuam para o desen-volvimento da criança, estimulando-a a buscar diferentes caminhos para as resoluções de problemas. Para tanto, se faz necessário que o pedagogo saiba selecionar es-ses livros, para que a sua prática se torne mais eficaz e o hábito de ler não se torne uma tortura, mas um ato prazeroso e divertido.

Para Maria Helena Martins (1982), existem três níveis de leitura: o sensorial,que estaria ligado aos aspectos externos da leitura, o tato, o prazer do manuseio de um livro bem acabado, com ilustrações interessantes e planejamento gráfico caprichado; o emocional, aquele que incita a fantasia e libera emoções, e o racional, que, segundo a autora, está ligado ao plano intelectual da leitura. Tal concepção intelectual privilegia o texto es-crito, sendo que nela, seriam identificados os aspectos formais do texto literário.

Na análise da autora, o professor não deve tratar desses três níveis de forma separada, ao selecionar os livros de literatura infantil, pois para ela “o homem lê como em geral vive, num processo permanente de interação entre sensações, emoções e pensamentos” (MARTINS, 1982, p. 63). Sendo assim, o professor deve incluir em seu planejamento pedagógico livros que despertem o interesse do alunado, que conciliem os três níveis da leitura e que contribuam para a forma-ção da criança e de valores, que estão inclusos em sua personalidade, pois a literatura é um dos veículos mais eficazes para que se desenvolva de maneira sis-temática a linguagem.

Diante disso, este artigo tem como objetivo prin-cipal discutir a importância da literatura infantil no processo de aquisição da linguagem e seus aspectos na formação da personalidade humana, além de refletir sobre como o educador poderá utilizar a literatura em sala de aula, enquanto recurso para o desenvolvimen-to da linguagem da criança.

2. A Literatura Infantil: Aspectos Histórico-Sociais

A palavra literatura deriva do latim litterae, que faz re-ferência ao conjunto de conhecimentos e competências para escrever e ler bem. O conceito, segundo Wilhelm (2002), está relacionado com a arte da gramática, da retórica e da poética, porém a palavra literatura infantil, surgiu no continente europeu em meados do século XVIII, com Charles Perrault. A partir do surgimento des-se grande escritor é que a criança tornou-se o “centro das atenções”, fazendo-se necessária a criação de livros infantis direcionados para esse novo público de leitores. Esse divisor de águas marca o fim da inexistência de um sentimento bem delineado de infância. A infância passa a ser considerada como fase mais importante, pois o “ser criança” passa a ser concebido como base da vida adulta.

A criança era vista como um adulto em miniatura e devido ao grande fenômeno histórico conhecido como Revolução Industrial, as crianças pertencentes ao grupo da burguesia tinham por obrigação serem capacitadas e preparadas desde pequenas para poder enfrentar um mercado de trabalho extremamente competitivo que, devido à evolução do capitalismo, estava em crescente e rápida expansão.

Para Coelho(2000),Perrault foi um dos principais responsáveis pela difusão da literatura infantil, um dos gênios da literatura mundial. Considerado o “Pai da literatura infantil utilizou uma linguagem acessível às crianças, encantando com os seus contos de fadas crian-ças e adultos daquela época” (p.12). Ele introduziu de forma crítica a maneira com que a burguesia opressora se relacionava com a classe desprivilegiada

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A Gata Borralheira é o símbolo do personagem humilhado e maltratado. O Gato de Botas é o pícaro a tirar proveito da corrupção social. O Pe-queno Polegar é o anão astuto que vence gigantes bobos, ou seja, seus personagens se amam com os atributos da inteligência e da perspicácia para vencer a força bruta, o poderoso opressor. (COLL; TEBEROSKY, 2000, p.119-123)

Os contos de Perrault sempre traziam consigo em suas entrelinhas lições de personagens o que era certo e errado. Perrault aproveitou sua proximidade com o mundo infantil para as lendas folclóricas europeias daquela época. Sendo assim, conseguiu também encon-trar um veículo para disseminar a cultura do seu povo, através dos contos de fadas. É nesse contexto histórico, nessa modificação de olhares que surge a escola, para preservar e fazer a interação entre a criança e mundo.

Partindo para uma realidade mais próxima, o surgi-mento de textos para uma faixa etária específica no Brasil aconteceu já no finalzinho do século XIX, sendo que o Brasil ainda espelhava-se na literatura europeia. Alguns autores nacionais sentiram-se motivados a produzir uma literatura que se aproximasse da realidade brasileira, já que a realidade europeia diferenciava-se, e muito, da vivida aqui em nossa terra.Esse desenvolvimento da literatura infantil serviu de apoio para a formação de uma identidade extremamente nacional, já que aconteceu em um período de profundas mudanças no mercado mundial e o capitalismo estava cada vez mais se solidificando.

Um dos pontos de partida para a definição de iden-tidade cultural literária segue de acordo com o pensa-mento de Stuart Hall, segundo o qual:

A definição do caráter predominante de um povo é imprescindível para configurar o imaginário de identidade nacional, cuja percepção pressupõe formas de afiliação social e textual e se estabelece por narrativas sociais e literárias, que fornecem imagens, cenários, símbolos, historias e represen-tam o sentimento imaginário de uma realidade compartilhada e coexistente, que configura o alicerce da ideia de nação.(HALL, 2005 p. 45).

A literatura no Brasil pós-guerra é de cunho didático-moralista, marcada pelo tradicionalismo cultural e pelo moralismo religioso, conforme os preceitos cristãos. No entanto, com o surgimento do renomado gênio literário Monteiro Lobato, precursor de uma nova literatura des-tinada às crianças no Brasil, essas passam a ter espaço e mais “liberdade” para serem crianças, pois começam a ter voz, mesmo que as suas vozes venham da famosa boneca de pano Emília, personagem do Sítio do Pica- Pau Amarelo, trazendo uma linguagem mais inovadora, alegre e acessível, que passa a ver a criança como um ser em formação, refletindo sobre os problemas sociais

locais, apresentando características evolucionistas e uma preocupação notável com os problemas sociais vividos no Brasil.

Para Gregorin Filho (2009, p.27-30), Monteiro Lobato, dentre outros autores, era extremamente nacionalista e em suas obras ele descreve criticamente a maneira pela qual os detentores do poder tratavam a classe proletá-ria. Um forte exemplo do seu espírito nacionalista é o seu livro que se subtende de título infantil, “O Poço do Visconde”,mas que se trata de uma mensagem sublimi-nar a Getúlio Vargas, que, ao descobrir os poços de pe-tróleo no Brasil, criou vários obstáculos para a exploração nacional do petróleo, acusando o presidente de “não perfurar e não deixar que se perfure”. Essa declaração de Monteiro Lobato repercutiu tão seriamenteque ele foi preso em 1941.

A reflexão importante é que não existe produção de texto sem intenção, em tudo há uma intenção, seja de maneira voluntária ou não. Cada autor, em seu íntimo, ao escrever, transcreve nas linhas de seu texto seu signo cultural, suas ideologias, ecoando para o leitor seus va-lores e a sua forma de encarar a educação e a infância.

Cabe aos educadores selecionar adequadamente os livros de literatura infantil, para que os alunos sejam informados e formados como seres críticos e pensantes, podendo intervir na sociedade da qual participam.

3. A aquisição da linguagem oral: contribuição

da literatura infantil na sala de Aula

O homem como ser racional e único detentor deste privilégio delegado somente a ele, possui a capacidade de transmitir verbalmente suas ideias, emoções, valores e cultura através da linguagem, escrita, oral ou gestual para poder interagir no meio social em que está inserido. No que se refere à linguagem oral, objeto de estudo des-se artigo,Marcuschi (2001, p.18) descreve-a muito bem:

A fala (enquanto manifestação da prática oral) é adquirida. A mãe dá seu primeiro sorriso ao bebê. Mais do que decorrência de natural é a forma de uma inserção cultural e de socialização. Natural-mente em contextos informais do dia a dia e nas relações sociais e dialógicas que se instauram desde o momento em que há uma disposição biogenética, o aprendizado e uso de uma língua.

A linguagem escrita tornou-se um bem social impos-sível de se dispensar, é o signo da educação e alcança um valor social muitas vezes superior à oralidade e servindo muitas vezes como forma de discriminação. No entanto, a linguagem oral é adquirida e internalizada de forma natural em contextos informais, no dia-a-dia, na inte-ração mãe e filho, dentre outras situações, enquanto a

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escrita é adquirida formalmente, através das instituições de ensino.

É necessário que se entenda que a linguagem oral e a escrita são essenciais para a sociedade, e que jamais se deve criar qualquer tipo de confusão em relação aos seus papéis e muito menos discriminar seus usuários. Devemos refletir sobre a importância da oralidade e como a literatura infantil poderá auxiliar sua aquisição, já que nós nos redescobrimos como seres orais.

Para Piaget (1992, p.13), quando a criança nasce já traz consigo uma inteligência que fica guardada e só irá se desenvolver através dos estímulos externos adquiridos pelo meio em que ela vive. Tal inteligência desenvolve-se em duas etapas: afetiva e cognitiva, ambas trabalhando juntas e de forma simultânea. Segundo o autor, “co-nhecer é organizar, estruturar e explicar a realidade a partir daquilo que se vivencia nas experiências com os objetos do conhecimento”. Isto significa que após seu nascimento, a criança só irá construir conhecimento através da interação com os indivíduos inseridos no meio que a circunda.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, Oliveira (2002, p.148-149) clarifica mais ainda para nós educadores a importância do desenvolvimento da linguagem oral para a vida da criança e intensifica sua relevância para o convívio social e esclarece para nós educadores que a criança deve-se sentir motivada para tal. Tudo depende da interação do ambiente externo, para influenciar o desenvolvimento da linguagem oral. A necessidade de se comunicar manifesta-se no primeiro ano de vida, ou seja, tudo que a criança vivencia externamente será absorvido e internalizado.

O desenvolvimento da linguagem apóia-se em forte motivação para se comunicar verbalmente com outra pessoa, motivação parcialmente inata, mas enriquecida durante o primeiro ano de vida nas experiências interpessoais com a mãe, pai, irmãos e outros educadores.

Torna-se necessário ressaltar que o desenvolvimen-to de cada criança difere de uma para outra, pois cada indivíduo possui um ritmo próprio, levando-se sempre em consideração a história cultural de cada uma.

A aquisição da linguagem oral é um dos fatores determinantes na escola, pois a criança só irá produzir conhecimento a partir dessa linguagem. O educador, no decorrer do processo de aprendizagem, se expressa a todo momento, ao transmitir o conteúdo e o aluno interage com ele. Tudo isso só é permitido através do exercício da linguagem mediante o trabalho pedagógico apoiado nos livros e recursos didáticos.

Há três categorias que classificam a função dos livros no âmbito escolar: os didáticos, que são referência para a aprendizagem das atividades curriculares obrigatórias; os livros de apoio didático, utilizados com base para

aprofundamento dos diferentes tópicos das disciplinas isoladas, servindo para enriquecer a formação do aluno e os livros de literatura infantil, livros de pura ficção, nos quais a linguagem é genuinamente artística.

Observando os livros com esse olhar, o educador deverá utilizar aqueles pertencentes à leitura literária, como aliados para auxiliar o educando a desenvolver o seu lado afetivo e imaginário.

Antes de fazer uma reflexão sobre algumas possi-bilidades de inserção de atividades didáticas em sala de aula, precisamos repensar a maneira pela qual nos direcionamos à individualidade do outro. Para Gregorin Filho (2009, p.73): “É preciso entender que a criança é um individuo pertencente a um grupo social, é aprendiz da cultura desse grupo no qual está inserida e por isso possui individualidades pelas quais se difere do outro”. Portanto, através dessa compreensão, o educador deve ministrar suas aulas, com instrumentos que sirvam para dar prosseguimento ao seu aprendizado.

Dessa forma, ele poderá utilizar a literatura enquan-to fenômeno da linguagem advindo de experiências vivenciadas pelos autores, os quais interpretam a vida e as relações humanas de acordo com os elementos da sociedade, da história e da cultura em que estão inseridos. Para FILLHO (2009, p.74), isso implica “va-lorizar as relações existentes entre literatura, história e cultura, pois cada momento histórico e cada cultura criam uma estética própria, resultantes das interações que o homem vivencia em seu meio”.

O ambiente escolar, mais especificadamente a sala de aula, é um espaço onde se desenvolvem as primeiras relações do indivíduo com a sociedade. É um espaço responsável pelas primeiras lutas e pelas primeiras conquistas. Daí, a importância que o educador deve atribuir ao selecionar suas bibliografias para a prática pedagógica, pois se ele introduzir atividades sequencia-das, para que o aluno venha a exercitar e compreender que a evolução se dá em processo, ele se tornará um indivíduo capacitado e perseverante para enfrentar os desafios que virão a aparecer em sua vida. O mesmo que SORIANO (1975), afirma ao relacionar:

A literatura para a juventude é uma comunicação histórica (quer dizer localizada no tempo e no espaço) entre um locutor ou um escritor adulto (emissor) e um destinatário criança (receptor) que por definição, de algum modo, no decurso do período considerado, não dispõe senão de forma parcial da experiência do real e das estruturas linguísticas, intelectuais, afetivas e outras que caracterizam a idade adulta.

No processo de construção da identidade cultural de um povo, a literatura ocupa um lugar destacado, pois oferece para os leitores vários universos produzidos

> Clarissa Maria Bezerra dos Santos Messias <

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através das relações vivenciadas a partir da história, ou seja, desde os espaços ocupados e de que maneira esses espaços foram ocupados, até as transformações nas relações sociais e os símbolos produzidos na e por essa sociedade.

No mundo de hoje, permeado por novas tecno-logias e relações virtuais, onde cada vez mais o in-divíduo se distancia de uma interação palpável mais humana,dificilmente as pessoas se comunicam oral-mente. A linguagem deixa de ser oral e é substituída pela linguagem digital. É importante que a criança possa conhecer as relações de afetividade com o objeto livro e não só com os objetos “computador, vídeo game e similares”. Pois é através do traquejo com a linguagem escrita, que a sua linguagem oral será enriquecida.

O educador, ao dar relevância a esse fato, poderá criar métodos para fazer com que a criança crie víncu-los com os livros, para que ela desperte o sentimento de “amizade”, não esquecendo que a leitura também promove possibilidades de diversão que advém desse emocionante encontro com os livros.

Não é só de palavras que se constrói um livro. Existe um tipo de linguagem tão peculiar, direcionada para as crianças que ao ser exibida chama atenção até de nós adultos: a ilustração.

A ilustração é a linguagem não verbal, mais recor-rente nas obras de literatura infantil. As imagens falam com as crianças, ilustram situações nas quais muitas vezes elas se enxergam nelas, criando oportunidades de se manifestarem oralmente sobre o que estão ven-do, estimulando o uso da linguagem oral, mas também fazendo com que elas desenvolvam a compreensão do signo linguístico.

Nas atividades que estimulam a leitura, o educador deve iniciar o diálogo com o aluno sobre as relações das inúmeras linguagens que vêm a compor a obra literária, para que a criança saiba discriminar as diferentes lingua-gens que foram construídas a partir do contexto histórico em que ela está inserida.

Durante a prática pedagógica propriamente dita, o professor deve apresentar os textos escolhidos por ele e observar que textos agradarão a maioria; é aí que ele deve intervir.

A literatura para crianças não deve somente ser vista como objeto de estudo no curso de formação de profissionais da educação. Ela deve ser oferecida desde a base e vista como arte pelos profissionais da educação, proporcionando assim para os pequenos a oportunidade de desenvolver a sua linguagem oral, incutir a linguagem escrita para o alfabetizando, oferecendo a ele uma nova visão de mundo e o prazer pela arte.

Pela própria historicidade do gênero, não se deve descartar a literatura para crianças e jovens como um objeto de estudo ou ensino nos cursos de

formação de professores ou na área de programa de pós-graduação. Isto é, literatura para criança deve ser oferecida como arte e prazer, arte porque é o resultado de um fazer estético do(s) autor (es)e prazer porque o contato com a arte pode ser encarado desde a mais tenra idade como uma experiência ricamente prazerosa, capaz de nos envolver e trazer novas dimensões ao cotidiano. (GREGORIN FILHO, 2009, p.29)

Para alguns educadores, a literatura infantil é vista como um passatempo. Sua utilização em sala de aula é exercida somente para distrair as crianças, enquanto eles preparam outra atividade pedagógica. Contudo, é preciso mudar essa visão, pois a literatura infantil não é um passatempo e deve ser sempre estimulada e exerci-da com intencionalidade. Para tanto, o professor deve incluir em seu planejamento atividades que estimulem a leitura silenciosa e as “idas à biblioteca infantil”, seja no âmbito particular ou público.

Dentro do movimento conhecido como Escola Nova ou Escolanovismo, a biblioteca assume um lugar funda-mental na formação do indivíduo, pois é um espaço que, pela sua estrutura se interliga à sala de aula, sendo que nesse ambiente é possível que se encontre tanto livros de cunho investigativo, quanto livros de literatura infantil.

Para uma das maiores educadoras já existentes no Brasil, Cecília Meireles, ”As bibliotecas infantis corres-pondem a uma necessidade do nosso tempo, visto não existirem mais amas nem avós que se interessem pela doce profissão de contar histórias.” (MEIRELES, 1979, p.111). O seu acervo, além de apresentar um leque de informações, deve oferecer edições de livros infantis que estimulem o chamado Humanismo Infantil.

O leitor, ao se deparar com a biblioteca humanística, que traz em seu acervo uma concepção implícita de tempo irá estabelecer uma relação de tempo entre o tradicional coletivo e a cultura, sendo assim, depois da análise de uma determinada ideologia formatada em um determinado espaço de tempo, ele refletirá sobre tal leitura, construindo assim um pensamento crítico sobre o mesmo.

Nota-se a importância crucial de se valorizar, esti-mular e nunca deixar que desapareça a possibilidade de sempre ler os clássicos tradicionais infantis e fazer a relação com a contemporaneidade.

A literatura tradicional apresenta esta particulari-dade: sendo diversa em cada país, é a mesma no mundo todo. É que a mesma experiência humana sofre transformações regionais, sem por isso deixar de ser igual nos seus impulsos e idênticas nos seus resultados. Se cada um conhecer bem a herança tradicional do seu povo, é certo que se admirará com a semelhança que encontra, confrontando-a com a dos outros povos. (CORRÊA, 1997,p.13)

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Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 31

É possível fazer essa relação entre o tradicional, que é uma visão universal, para desenvolver a visão humanística do indivíduo, que diverge sempre no de-correr do tempo, que sofre transformações contínuas e nunca para.

A literatura infantil atrai a criança para um novo mundo, despertando a sua curiosidade, possibilitando o desenvolvimento exato dos seus sentidos, do seu lado emotivo e, principalmente, de sua linguagem oral. A magia envolvida escondida nas entrelinhas dos livros de literatura infantil estimula o pequeno e aten-cioso leitor, a descobrir a aprimorar a linguagem oral, desenvolvendo a capacidade de comunicação com o mundo em volta dele, concretizando assim o desejo de ler o texto escrito, ao viabilizar a transmissão do código linguístico, ou seja, o processo de alfabetiza-ção. O educador que de fato tem compromisso com a formação dos futuros leitores deverá sempre estar em constante busca do aprender, para apreender o conhecimento e contribuir para a formação de sujei-tos pensantes e críticos, pois conhecimento é poder.

Considerações finaisDesde o início dos tempos, o homem nutriu a ne-

cessidade de se comunicar, de se relacionar, de interagir através dos diferentes tipos de linguagem gestual ou através da linguagem verbal.

Refletindo sobre a importância crucial da utilização da literatura infantil como um dos instrumentos para o desenvolvimento da linguagem oral, a elaboração deste artigo pautou-se na análise de fontes bibliográficas para clarificar e informar a necessidade do educador incluir em sua prática pedagógica a literatura infantil de forma lúdica e prazerosa, pois a criança apreende melhor, se aprender brincando, tendo também acesso a uma lin-guagem mais acessível a ela.

Desse modo, o educador pode elaborar atividades de leitura diária, em momentos como “A hora da leitura”, para que o caminho entre o livro e os leitores se torne mais próximo.

Muitas vezes esse distanciamento é causado pelos processos constantes de escolarização, em que esse tipo de leitura e até mesmo de literatura estão inclusas no currículo escolar, muitas vezes associadas à obrigatorie-dade dos afazeres escolares, desprovidas de uma riqueza de sentido para a criança.

Assim, na perspectiva da prática pedagógica, os intelectuais docentes, mediadores dessa relação entre criança e literatura, devem diversificar seus métodos, principalmente o profissional da educação que trabalha nas séries iniciais, no sentido de que o livro seja aplicado em conjunto com um leque de atividades lúdicas, artís-ticas e, em especial, em práticas docentes que associem o ler e o escrever ao desenvolvimento do senso crítico, pois ensinar a pensar é também um dos eixos perten-centes à escola.

BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fadas. 3 ed. Bertand. Lisboa 1991.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2000.

COLL, César e TEBEROSKY, Ana. Aprendendo personagens: conteúdos e essências para o ensino fundamental. São Paulo: Ática, 2000.

CORRÊA, Luciana BorgerthVial. A escola, a criança e a literatura infantil. Tese de doutorado. Rio de Janeiro. Departamento de Letras. UFRJ, 1997.

GREGORIN FILHO, José Nicolau. Literatura Infantil: breve percurso histórico. concepção de infância e literatura infantil. Literatura infantil: múltiplas linguagens naformação de leito-res. 1 ed. .São Paulo: Melhoramentos,2009.

GRIMM, Wilhelm. Contos de Fadas. 4 ed. São Paulo: Editora Iluminuras Ltda, 2002.

Referências bibliográficas

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MARTINS, Maria Helena. O que é Leitura? São Paulo: Brasi-liense, 1982.

MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. 3a edição. São Paulo: Summus, 1979.

OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação Infantil: Fundamentos e Métodos. 1 ed. São Paulo:Cortez,2002.

PIAGET, Jean. (1992). O julgamento moral da criança. 7.ed. Paris, PUF. (Original publicado em 1932).

SORIANO, Marc. Guia para a educação infantil.3.ed. França: Flammarion, 1975.

HALL,Stuart.A identidade cultural na pós modernidade. Tra-dução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 5ed. Rio de Janeiro:DPCA,2005.

> Clarissa Maria Bezerra dos Santos Messias <

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(*) Trabalho de Conclusão de Curso orientado pela professora Dra. Vilma Mota Quintela. Professora do Curso de Letras da FSLF.

RESUMO O artigo em evidência consiste em analisar, por meio de um estudo analítico- interpretativo, a relação do eu-lírico com a ideia da morte, que se sobressai na obra Lira dos vinte anos (1853), livro póstumo de poemas de Álvares de Azevedo. Além dessa análise, objetiva-se aqui entender as manifestações do eu-lírico conotativas de uma possível tendência ou motivação suicida nos poemas que compõem o corpus em análise. Tal como se busca aqui ressaltar, o discurso do eu-lírico se caracteriza por um estado de espírito melancólico, permeado de angústia e de uma frustra-ção muito comovente, que se materializam na poesia do poeta a partir de um recorrente jogo metafórico. Nessa perspectiva, busca-se ressaltar como, nesse caso específico, o discurso lírico pressupõe uma possível tendência suicida, sugerida na escolha de imagens que evidenciam uma existência emocionalmente conflituosa. Enquadrados nesse viés de análise, os escritos de Álvares de Azevedo caracterizam-se pela paixão exarcebada, bem como pelo gosto satânico e pela ironia, acompanhados de certa culpa pela morte de sua irmã, idealizada em sua visão poética como uma figura angelical, pura e imaculada. Para elucidar me-lhor essas questões, é realizada, ao longo deste trabalho, uma reflexão com base em textos críticos, direta ou indiretamente relacionados à temática aqui enfocada, dentre esses: O que é Suicídio, de Roosevelt Cassorla (1985); Na Sala de aula (1986); Massaud Moisés História da literatura brasileira vol.1; estudos do crítico literário Antonio cândido Momentos decisivos da literatura (2009); e Ubiratan Machado, A vida literária no Brasil durante o ramantismo (2001).

Palavras–chave: Álvares de Azevedo; Suicídio; Poesia lírica; Romantismo brasileiro; Geração mal-do-século, Pessimismo

iTÂniA mArA SAnTOS• Formanda do Curso de Letras Português e suas respectivas literaturas da FSLF.

[email protected]

ABSTRACT This article aims to examine, through an ana-lytical and interpretive study, the relationship of self-lyrical with the idea of death, which stands in the book Lira dos vinte anos (1853), posthu-mous book of poems by Alvares de Azevedo. Besides thisanalysis, the objective is to under-stand the manifestations of self-lyric that connote a possible suicidal ideation (motives, characteris-tics) in the poemsthat make up the corpus of analy-sis. From this perspective, we seek to highlight how, in this particular case, the lyrical discourse that as-sumes a possiblesuicidal tendency of the poet, sug-gested by the choice of images that show an emo-tionally conflicted existence. To further eluci-date this proposal it will be made a review of the text that explored themes such as: “What is sui-cide”, by Roosevelt Cassorla (1985), “In the class-room” (1986). Encompassed in the analysis, his writings are characterized by exacerbated pas-sion, the taste forirony and the satanic, accompa-nied by guilt over the death of his sister, idealized in the vision of the poet as an pure and unsullied an-gelic figure. His speech is also characterized by a melancholy mood, permeated by anxiety and by a very moving frustration that manifests in his po-etry from the applicantmetaphorical game.

Keywords: Álvares de Azevedo; suicide; lyrical po-etry; brasilian romanticism, byronian generation; pessimism.

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IntroduçãoNesse trabalho, a noção de “dar a morte a si mesmo”

(FERREIRA, 2005) é explorada, com o intuito de ressaltar mecanismos poéticos que se traduzem, supostamente, como intenções e desejos suicidas, inconscientes ou não, explícitos ou metaforizados nos poemas: “Se eu morresse amanhã”, “Lembrança de morrer” e “12 de setembro”, que compõem a obra Lira dos vinte anos, de Álvares de Azevedo. Busca-se aqui ressaltar tais me-canismos, tomando-os como um tópico recorrente nas manifestações literárias do romantismo, especificamente na segunda geração romântica, conhecida também como geração mal-do-século. Nesse sentido, intenta-se o en-tendimento desses aspectos manifestos nos poemas eleitos, de modo a extrapolar conceituações simplistas de acordo com as quais atribui-se, indistintamente, tais comportamentos, sempre vestidos dos mesmos aspectos ou com as mesmas intenções, a maioria dos escritores dessa geração. Aqui, mais especificamente, busca-se pensar o suicídio como algo peculiar e inerente à vida do autor em enfoque.

Neste artigo, a inclinação suicida, ponto de partida à análise dos poemas selecionados, é lida como uma me-táfora do sujeito poético, instituída pelo ideal literário romântico. Como tal, essa tendência pode ser entendida como uma decorrência de certo social desejo de ruptura com o meio onde o poeta está inserido, qualificando-se, em linhas gerais, como mais um argumento para o es-capismo, tão comum às poesias dessa escola. Utiliza-se aqui o pensamento de Cassorla (1985, p.38) para refe-rendar as noções de suicídio supracitadas. Como ressalta o autor, “é evidente que atrás dessas motivações apa-rentes [...] existem conflitos, na maior parte, ou às vezes, totalmente inconscientes.”

Diante disso, nosso poeta, segundo Cândido (2009) constrói o drama em sua obra levando em conta as con-dições exteriores. Dessa forma, precisamente, esse dra-ma se apresenta como uma manifestação da sua natu-reza individual e contraditória, ao mesmo tempo frágil e poderosa. Tendo isso em vista, far-se-á importante res-saltar como o discurso poético do autor sugere uma pos-sível tendência suicida, sendo permeado de imagens que remetem à angústia de viver, à dúvida e a uma frustração pungente, que se resumem na declaração do tédio e no cansaço existencial precoce. A propósito, sintetiza Candi-do que tal cansaço e o desejo anormal do fim, próprios do chamado byronismo,

(...) assaltam com frequência a sua imaginação, atraída pela sensualidade e ao mesmo tempo dela afastada pelo escrúpulo moral e a imagem punitiva da mãe conduzindo a uma idealização que acarreta como contrapeso em muitas imagi-nações vivazes, a nostalgia do vicio e da revolta” (CÂNDIDO, 2009, p. 494).

Para a compreensão da proposta de análise antes explanada, faz-se necessário rememorar o contexto so-cial no qual se desenvolve e se insere essa produção, ou seja, o Romantismo. Quanto a isso, foram de grande re-levância trabalhos do crítico literário Antonio Cândido a esse respeito, dentre as quais Formação da literatura brasileira: Momentos decisivos (2009), em que o autor consolida sua visão acerca da formação literária brasi-leira, considerando apenas dois períodos como sendo fundamentais à instituição de nosso sistema literário. Embora, nessa obra, trate genericamente de assuntos referentes às escolas literárias em enfoque para isso ele esboça um estudo analítico, tendo em vista a correla-ção das produções literárias que expressam a binomia do poeta Álvares de Azevedo.

Para confirmar esta proposta, constatou-se no capí-tulo 12 “Avatares do egotismo” que, para se compreen-der a poesia dualista da segunda geração romântica, far-se-á necessário, antes de qualquer coisa, imaginar os po-etas desse tempo por trás das máscaras utilizadas para projetar os devaneios juvenis, especificamente Álvares de Azevedo. É notório em seus escritos e suas ideias que tiveram dimensões propiciadas pelas rodas boêmias in-formais que ocorriam em algumas cidades, um discurso explícito de um desejo intenso pela morte; morte essa que representa a saída pelos males da existência como forma de escapismo mediante a dor que o consome.

Para ressaltar o discurso suicida implícito na obra poética de Álvares de Azevedo, fez-se necessário re-correr a uma bibliografia sobre esse fenômeno psicos-social, que passou a despertar grande atenção nos sé-culos XVIII - XIX, quando se tornou frequente entre os jovens.1 Quanto a isso, tomou-se aqui, como ponto de partida, o livro de Roosevelt Cassorla, O que é suicídio (1985), no qual o autor faz uma síntese sobre o suicídio enquanto fenômeno social.

Além dos estudos supracitados, elegemos como pertinente à fundamentação teórica deste artigo, a História da literatura brasileira - vol.1 (2001), do críti-co Massaud Moisés, por sua contribuição à contextua-lização histórica do movimento romântico. Além disso, destacam-se, nesse trabalho, algumas considerações referentes às relações que se estabelecem entre a vida e a obra de Álvares de Azevedo, bem como à influên-cia literária sofrida pelo poeta, cujas composições são

1 – Para Durkheim, “chama-se suicídio todo caso de morte que resul-ta direta ou indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima e que ela sabia que produziria esse resultado”. (2000, p. 14 – grifo nosso)

> Itânia Mara Santos <

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reconhecidas pela exaltação da boemia, pelas extravagân-cias e pela propalada devassidão da sociedade epicuréia2.

O desejo de discorrer sobre possíveis ecos suicidas na obra do poeta Álvares de Azevedo, uma das figuras mais controvertidas na poesia brasileira, amante do conhaque e do charuto, que cultivou, com veemência a noite e a morte, eclode a partir da leitura da obra póstuma em estudo que teve sua primeira publicação em 1853. Enquadrando-se nessa perspectiva, seus escritos se caracterizam pela paixão exacerbada, pelo gosto pelo satânico e pela veia irônica, marcada pela frustração decorrente da impossibilidade de concreti-zação de um ideal que, enquanto tal, é humanamente inalcançável.3

Esse período estético é traduzido, de modo preciso, como um período artístico de ruptura no que concerne aos ideais classicistas, ou seja, anticlássico, que eclodiu, inicialmente, na Alemanha e na Inglaterra, entre o final do século XVIII e início do século XIX, sob resquícios da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. Diante desses acontecimentos, mais especificamente do ce-nário político brasileiro e português, temos a figura do imperador D.Pedro II que, ao assumir o império aos 14 anos de idade, embora ainda precoce, superou toda e qualquer perturbação à ordem pública; estabelecendo por sua vez, um código de ética que vigorou no país mais do que qualquer lei escrita (MACHADO, 2001).

Nesse ínterim, o Brasil já exportava produtos como algodão e café e importava produtos manufaturados da Inglaterra, que detinha o monopólio do comércio brasi-leiro em virtude do tratado de 1810, que compreendia na cobrança de taxas percentuais. Com a abolição do tráfico de escravos, a expansão da cultura cafeeira con-tribui para que surgisse a primeira estrada ferroviária, favorecendo desta forma para que a literatura ociden-tal chegasse ao Brasil, modificando o gosto das pessoas e, por conseguinte, o início da ocidentalização dos bra-sileiros. (MACHADO, 2001)

Buscando uma compreensão desse movimento ar-tístico em determinados países, rememoremos sua gê-nese na Alemanha, quando o romance epistolar O So-frimento do Jovem Werther (1774), de Goethe, de cunho autobiográfico, inicia o movimento. Este romance, que teria

2 – [...] Álvares de Azevedo e os seus companheiros trocam os motivos ingênuos em moda no período anterior pelo tédio, a desesperação e o satanismo. Substitui o amor-medo feminóide, pelo amor doentio, vicioso, fruto de neuroses [...]. [...] mas agem epicuristicamente mov-ido pela gulosa paixão da existência [...], encarna o próprio dilema romântico [...], que termina sempre de forma apocalíptica. (MOISÉS, 2001, p. 431)3 – “Eu vaguei pela vida sem conforto, | Esperei o meu anjo noite e dia | E o ideal não veio...”. Aqui, entendemos ideal como uma metáfo-ra que traduz o desejo nunca realizado de possuir a musa inspiradora.

marcado a geração conhecida como “mal-do-século”, trata da paixão dilaceradora, angustiante e não corres-pondida do jovem Werther, protagonista da obra, pela bela Charlotte. Esta, que, a princípio, está, socialmente, comprometida e, posteriormente, casa-se com Alberto, ceifando a esperança do jovem apaixonado que se suicida com um tiro na cabeça. Consuma-se, dessa forma, o sui-cídio como ideal estético. A popularidade dessa obra teria desencadeado uma série de suicídios, que resultaram na proibição da publicação do romance em determinados países europeus.

Atrelado ao processo de independência política, o Ro-mantismo brasileiro inicia-se com a obra Suspiros Poéticos e Saudades (1836), de Gonçalves Magalhães, que, aliado a outros poetas, produziu uma literatura de caráter naciona-lista, que demarcou a primeira geração romântica. A nova estética literária em vigor no Brasil foi dividida, em termos didáticos, em três fases distintas. A primeira geração se definiu pelo nacionalismo e pela prática do historicismo; a segunda, chamada geração “mal do século”, fortemente influenciada pelo byronismo, caracterizou-se pela exacer-bação do eu-lírico e pelo pessimismo existencial, além das recorrentes fugas da realidade, que se efetivam por meio do sonho e do desejo da morte; já a terceira geração, tam-bém conhecida como “condoreira”, voltou-se, preferen-cialmente, para os temas sociais. É na segunda geração, mais propriamente, que podemos situar o poeta Álvares de Azevedo, autor cuja obra se destaca neste artigo.

1. Alvarez de Azevedoe seu tempo

Nas primeiras décadas do século XIX, não se falava ainda em vida noturna, boêmia, os homens que se ar-riscavam em sair à noite eram de todo tipo: intelectu-ais, poetas, operários e tantos outros de agrupamentos sociais diversos –, ingeriam bebidas alcoólicas de baixo custo e frequentavam cabarés formados por mulheres escravas uma vez que somente por volta de 1840 os bordeis eram formados por mulheres mestiças e pos-teriormente tornou-se um lugar requintado. Somente após o aparecimento das faculdades de direito, os jo-vens estudantes que residem em repúblicas, longe de suas casas e sustentados pela família, dentre eles Ma-nuel Antonio Alvarez de Azevedo, irão propagar seus devaneios, fundando, juntamente com outros jovens de sua idade, a Sociedade Epicuréia 4.

4 – Um grupo criado em 1845, composto por boêmios universitários [...], se intitulava “Sociedade Epicuréia”. De acordo com as lendas, este grupo escandalizava as tradicionais famílias paulistanas ao pro-mover orgias nas necrópoles da cidade. Dizia-se que haviam em-briagado uma meretriz e a levaram secretamente para um cemitério, e consagraram-na como “Rainha dos Mortos”.

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Conforme é possível observar com base numa aná-lise prévia da obra em estudo, temos, em Álvares de Azevedo, um poeta que materializa, em seus poemas, a dualidade entre produção literária e biografismo. Em seus escritos ressaltam características contundentes da sociedade epicuréia, organização na qual se “interrompe a realidade para começar a fantasia” (MOISÉS, 2001). Da mesma forma, é possível perceber, a partir da leitura de sua biografia, certa correspondência entre os temas pre-sentes no seu discurso literário e sua vida social. Se, por um lado, o homem, enquanto ser sociável, procura se inserir dentro de parâmetros sociais estáveis, sentir-se aceito, desempenhar um papel social bem definido; se, com base nesses parâmetros, ele intenta viver com suas escolhas individuais sem a preocupação do olhar alheio, por outro, podemos compreender o suicídio como mais uma manifestação, entre outras, de um sentimento que ocorre a partir das rupturas dessas estabilidades.

Tendo isso em vista, é válido questionarmos: até que ponto o suicídio, ou a representação dele, é uma temática que emerge da subjetividade do próprio poe-ta – logo, dessas rupturas, ou, em vez disso, seria este apenas um ícone que se manifesta genericamente na poesia da geração mal-do-século5?

O Discurso suicida em Lira dos Vinte AnosSe Eu morresse amanhã1. Se eu morresse amanhã, viria ao menos2. Fechar meus olhos minha triste irmã;3. Minha mãe de saudades morreria4. Se eu morresse amanhã!

5. Quanta glória pressinto em meu futuro! 6. Que aurora de por vir e que manhã!7. Eu perdera Chorando essas coroas8. Se eu morresse amanhã!

9. Que sol! que céu azul! que doce n’alva10. Acorda a natureza mais Louçã!11. Não me batera tanto amor no peito12. Se eu morresse amanhã!

13. Mas essa dor da vida que devora14. A ânsia de glória, o dolorido afã...15. A dor no peito eumdecera ao menos16. Se eu morresse amanhã! (AZEVEDO, 2005)

5 – Essa problematização parte da informação que temos acerca da produção literária da poesia romântica e dos padrões estéticos e literários neoclássicos. Se HELLER (1982, p. 94) afirma: “interessa, sim, entender a presença do conhaque, do vinho em suas obras (já que a bebida tinha seu caráter boêmio e escapista). Qualquer byroni-ano que se prezasse havia de citá-los pelo menos (caso não bebesse), já que essas bebidas eram símbolos de um estado de espírito”; te-mos a noção de uma temática (vinho e conhaque) que surge a partir de Byron e é “reproduzida” por Álvares de Azevedo. Logo, temos a noção de reprodução ou retorno de “estruturas fixas”, tão exploradas pelo neoclassicismo.

Para começar nossa análise, cumpre destacar a estrutura estrófica do poema acima transcrito, com-posta de quatro quartetos distribuídos em dezesseis versos. Quanto à distribuição das rimas, na primeira e na segunda estrofe, o poema apresenta rimas ricas e interpoladas (abcb/abcb), enquanto na terceira e quarta estrofes, as rimas são mistas. Ao analisarmos o título, “Se eu morresse amanha”; percebe-se que o “se” aponta para uma condicionalidade que exemplifi-ca um fato que não se realizou, já o “eu” em destaque no título, antecipa a tendência a uma exacerbação do ego do poeta, marca recorrente da poesia a segun-da geração romântica. A palavra “morresse”, por sua vez, encontra-se no pretérito imperfeito do subjunti-vo, constituindo-se como uma suposição ou pressen-timento pessimista em relação à vida. Tais aspectos caracterizam um eu-lírico melancólico, obcecado pela morte, a qual quase sempre é expressa como um de-sejo ardente, porque a mesma, para o poeta, é vista como uma saída que afugenta os sofrimentos existen-ciais cotidianos.

Quanto ao nível léxico, a composição possui uma linguagem simples. Além disso, observam-se sinais gráficos como as reticências, as quais indicam a omis-são voluntária de algo que fica por ser dito pelo eu-lírico que silencia, deixando fluir a livre interpretação do leitor. Durante todo poema sobrepõe-se o pensa-mento negativo e autodestrutivo do eu-lirico, que se configura pela escolha de temas expressivos de uma visão pessimista do mundo.

Além de a morte ser uma constante no Romantis-mo, existe outro fator que é explorado implicitamen-te na construção do poema: a doença que acometia Álvares. O autor apresenta uma ideia de morte que se justifica pela liberação de seu sofrimento, que é apresentado como uma manifestação dessa doença. Logo, esse desejo de morte se expressa em termos que conotam, segundo a leitura aqui efetuada, dor física, ocasionada pela tuberculose, quando escreve: “A dor no peito emudecera ao menos...”. Para além dos signos que nos permitem vislumbrar a doença como motivo principal do poema, temos aí a recor-rência a temas relacionados ao seu entorno, que, nas palavras do poeta, se expressam da seguinte maneira: “Mas essa dor da vida que devora/ A ânsia de glória, o dolorido afã...”. Pensa-se que ao escrever o referido poema o poeta já estava acometido pela doença e enxerga parcialmente a glória futura.

Lembrança de morrer1. Quando em meu peito rebentar-se a fibra,2. Que o espírito enlaça à dor vivente,3. Não derramem por mim nem uma lágrima4. Em pálpebra demente.

> Itânia Mara Santos <

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5. E nem desfolhem na matéria impura 6. A flor do vale que adormece ao vento: 7. Não quero que uma nota de alegria 8. Se cale por meu triste passamento.

9. Eu deixo a vida como deixa o tédio 10. Do deserto, o poento caminheiro 11. Como as horas de um longo pesadelo12. Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

13. Como o desterro de minh’alma errante, 14. Onde o fogo insensato a consumia: 15. Só levo uma saudade - é desses tempos16. Que amorosa ilusão embelecia.

17. Só levo uma saudade - é dessas sombras 18. Que eu sentia velar nas noites minhas ... 19. De ti, ó minha mãe! pobre coitada 20. Que por minha tristeza te definhas!

21. De meu pai... de meus únicos amigos, 22. Poucos - bem poucos - e que não zombavam 23. Quando, em noites de febre endoudecido,24. Minhas pálidas crenças duvidavam.

25. Se uma lágrima as pálpebras me inunda, 26. Se um suspiro nos seios treme ainda, 27. É pela virgem que sonhei... que nunca28. Aos lábios me encostou a face linda!

29. Só tu à mocidade sonhadora 30. Do pálido poeta destes flores... 31. Se viveu, foi por ti! e de esperança 32. De na vida gozar dos teus amores.

33. Beijarei a verdade santa e nua, 34. Verei cristalizar-se o sonho amigo ... 35. Ó minha virgem dos errantes sonhos , 36. Filha do céu, eu vou amar contigo!

37. Descansem o meu leito solitário 38. Na floresta dos homens esquecida, 39. À sombra de uma cruz, e escrevam nela: 40. Foi poeta - sonhou - e amou na vida.

41. Sombras do vale, noites da montanha42. Que minha alma cantou e amava tanto,43. Protegei o meu corpo abandonado,44. E no silêncio derramai-lhe canto!

45. Mas quando preludia ave d’aurora46. E quando à meia-noite o céu repousa,47. Arvoredos do bosque, abri os ramos.48. Deixai a lua pratear-me a lousa! (AZEVEDO, 2005)

O poema é estruturado em doze estrofes com qua-tro versos cada, composto de nove travessões que co-notam uma interrupção do discurso e que destacam a sobreposição de ideias. Acerca de sua configuração grá-fica, observamos que as quatro reticências perceptíveis nos versos, caracterizam o fracionamento na sequên-

cia da fala. Já no tocante às figuras de caráter sonoro, constatamos que as rimas se apresentam alternadas (abcb) desde a primeira estrofe ate o último verso. No que tange à métrica, vimos que cada estrofe é dividida aleatoriamente em versos hendecassílabos. Quanto à escolha léxica, o eu-lírico propõe uma leitura de voca-bulário simples.

É recorrente a forma como o autor transpõe a in-versão sintática por meio do hipérbato, que aparece na terceira estrofe, causando assim um estranhamento “eu deixo a vida como deixa o tédio do deserto,o poen-te caminhoneiro” que, na ordem direta, que pode ser lido assim “Eu deixo a vida como o poento caminheiro deixa o tédio do deserto”. Na estrofe dezenove “De ti;ó minha mãe!pobre coitada”há um apostrofe, interpe-lação utilizada para expressar a emoção viva ao falar da mãe enquanto faz uso do paradoxo conforme verso trinta e três; e eufemismo na última estrofe, na qual relata com suaves expressões o desejo daquilo que pre-tende que esteja escrito em sua lápide quando a morte chegar: “Foi poeta, sonhou e amou na vida”.

Quanto ao aspecto semântico, observa-se um eu-lírico ansioso pela morte ao deixar transluzir nos versos um e dois “quando em meu peito rebentar-se a fibra,que o espírito enlaça a dor vivente”que o corpo sendo in-corruptível constitui-se como uma cadeia da alma, que a aprisiona; enquanto isso não acontece ele aguarda pela ocasião da liberdade que está por um fio. Aqui, en-contra-se um poeta que traz consigo na expectativa da morte uma possível premonição de que em pouquíssimo tempo ela será verídica, assim, conota-se uma possível despedida do mundo, constituindo-se uma percepção consciente de morte por parte do eu-lírico.

O poeta expressa uma gratidão às pessoas que ele supõe serem as mais importantes no âmbito de sua vida pessoal, configurada no apreço por seus “únicos amigos, poucos, bem poucos” e que não zombaram dele quando em noite de febre delirava; por seu pai; e por sua mãe, “pobre coitada, que por minha tristeza, te definhas”. Como se pode observar, o sentimento de gratidão aí manifesto conota uma possível despedida dessas pessoas.

Nesse poema, fica nítida a ideia de desdobramento do eu-lírico, quando percebemos o poeta descrevendo, através duma segunda perspectiva, o próprio funeral, que não se distancia de outros funerais. Daí o título do poema: “Lembrança de morrer”. Ao contrário do poema anterior, em que o poeta anseia por ela, neste, temos uma morte já consumada, outra perspectiva para o de-sejo de morte do amor. Isso fica evidente quando encon-tramos no poema, por exemplo, os desejos manifestos do eu-lírico acerca de seu enterro, como a vontade de que não levem flores ao enterro, não chorem, e quando ele estabelece diretrizes sobre a lápide de sua tumba.

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12 de setembro

I1. O sol oriental brilha nas nuvens,2. Mais docemente a viração murmura3. E mais doce no vale a primavera4. Saudosa e juvenil é toda em rosa...5. Como os ramos sem folhas6. Do pessegueiro em flor.7. Ergue-te, minha noiva, ó natureza!8. Somos sós – eu e tu: - acorda e canta9. No dia de meus anos!

II10. Debalde nos meus sonhos de ventura11. Tento alentar minha esperança morta12. E volto-me ao porvir...13. A minha alma só canta a sepultura14. E nem última ilusão beija e conforta15. Meu ardente dormir...

III16. Tenho febre... meu cérebro transborda.17. Eu morrerei mancebo, inda sonhando18. Da esperança o fulgor...19. Oh! cantemos ainda: a última corda20. Treme na lira... morrerei cantando21. O meu único amor!

IV22. Meu amor foi o sol que madrugava23. O canto matinal da cotovia24. E a rosa predileta...25. Fui um louco, meu Deus, quando tentava26. Descorado e febril nodoar na orgia27. Os sonhos de poeta...

V28. Meu amor foi a verde laranjeira29. Que ao luar orvalhoso entreabre as flores,30. Melhor que ao meio-dia,31. As campinas, a lua forasteira,32. Que triste, como eu sou, sonhando amores33. Se embebe de harmonia.

VI34. Meu amor!... foi a mãe que me alentava,35. Que viveu e esperou por minha vida36. E pranteia por mim...37. E a sombra solitária que eu sonhava38. Lânguida como vibração perdida39. De roto bandolim...

VII40. Eu vaguei pela vida sem conforto,41. Esperei o meu anjo noite e dia42. E o ideal não veio...43. Farto de vida, breve serei morto...44. Não poderei ao menos na agonia45. Descansar-lhe no seio...

VIII46. Passei como Don Juan entre as donzelas,47. Suspirei as canções mais doloridas48. E ninguém me escutou...!49. Oh! nunca à virgem flor das faces belas50. Sorvi o mel nas longas despedidas...51. Meu Deus! ninguém me amou!

IX52. Vivi na solidão!... odeio o mundo53. E no orgulho embucei meu rosto pálido54. Como um astro na treva...55. Senti a vida um lupanar imundo:56. Se acorda o triste profanado, esquálido57. – A morte fria o leva...

X58. E quantos vivos não caíram frios,59. Manchados de embriaguez da orgia em meio60. Nas infâmias do vício!61. E quantos morreram inda sombrios,62. Sem remorsos dos loucos devaneios...63. – Sentindo o precipício!...

XI64. Perdoa-lhes, meu Deus! o sol da vida65. Nas artérias ateia o sangue em lava66. E o cérebro varia...67. O século na vaga enfurecida68. Levou a geração que se acordava69. E nuta de agonia...

XII70. São tristes deste século os destinos!71. Seiva mortal as flores que despontam72. Infecta em seu abrir...73. E o cadafalso e a voz dos Girondino74. Não falam mais na glória e não apontam75. A aurora do porvir!

XIII76. Fora belo talvez, em pé, de novo,77. Como Byron surgir, ou na tormenta78. O herói de Waterloo...79. Com sua ideia iluminar um povo,80. Como o trovão nas nuvens que rebenta81. E o raio derramou!

XIV82. Fora belo talvez sentir no crânio83. A alma de Goethe e reunir na fibra,84. Byron, Homero e Dante;85. Sonhar-se num delírio momentâneo86. A alma da criação e o som que vibra87. A terra palpitante...

XV88. Mas ah! o viajor nos cemitérios89. Nessas nuas caveiras não escuta90. Vossas almas errantes,91. Do estandarte da sombra nos impérios92. A morte – como a torpe prostituta –93. Não distingue os amantes.

XVI94. Eu pobre sonhador... em terra inculta,95. Onde não fecundou-se uma semente,96. Convosco dormirei...97. E dentre nós a multidão estulta98. Não vos distinguirá a fronte ardente99. Do crânio que animei...

XVII100. Ó morte! a que mistério me destinas?101. Esse átomo de luz que inda me alenta,102. Quando o corpo morrer,103. Voltará amanhã... aziagas sinas!...104. Da terra sobre a face macilenta105. Esperar e sofrer?

XVIII106. Meu Deus, antes, meu Deus, que uma outra vida107. Com teu sopro eternal meu ser esmaga108. E minh’alma aniquila...109. A estrela de verão no céu perdida110. Também, às vezes, teu alento apaga111. Numa noite tranquila!... (AZEVEDO, 2005)

> Itânia Mara Santos <

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Nessa obra, escrita provavelmente em setembro, ob-serva-se outra maneira do poeta aproximar-se da morte. Aspectos de suma relevância são elucidados, a começar pelo título, que significa o dia do seu aniversário que co-notam uma possível expressão de sentimentos reprimi-dos, manifestados ao realizar uma breve análise sobre a vida. Já que nascimento e morte andam lado a lado, o eu-lírico intensifica seu canto à sepultura ao afirmar “Breve serei morto”.

O poema é composto de dezoito estrofes, sendo que na primeira os versos são livres com predominância de eneassílabos e decassílabos, enquanto da segunda es-trofe até à última, as rimas são alternadas, obedecendo ao esquema abc/abc. Há ainda nove travessões, vinte e um pontos de exclamação e apenas uma interrogação, visível no verso 80, quando o eu-lírico questiona seu des-tino, seu futuro, declarando assim seu amor pela nature-za (...), pelo sol (...) e por sua mãe.

Na segunda estrofe, o eu-lírico apropria-se do eufe-mismo, maneira encontrada de suavizar a ideia da mor-te, que é constante em seus poemas, pelo sono, embora nada lhe conforte, satisfaça ou lhe preencha; enquanto na estrofe seguinte, há uma inversão sintática na qual o eu-lírico constata que não morrerá velho para deixar de ter esperança; ao contrário, falecerá jovem, contrapon-do-se ao verso onze no qual alega que sua esperança já é morta; seus sonhos não se concretizam, seus ideais re-sultam em uma frustração e pungente agonia.

Para tanto anuncia na sétima estrofe quão efême-ra, banal foi sua existência no mundo, não logrou êxito, supondo assim, hipoteticamente, que aguardou por um ideal (mulher) que não veio, o que configura a ideia de que, para o eu-lírico, tanto o amor quanto a felicidade são inatingíveis. Ainda de efêmera e banal, o poeta compara a vida a um bordel, a morte a uma prostituta embriagada que não escolhe seus amantes. Assim ela se mostra, não seleciona para quem vai chegar nem quan-do, e até no dia de aniversário pode receber a visita dela, como deseja o poeta: “A minha alma só canta sepultura”.

2. À guisa de conclusãoNo percurso de análise do corpus que constitui esse

artigo, percebemos algumas manifestações do desejo de morte presentes na poesia de Álvares de Azevedo. A maneira como esse desejo se apresenta não pressupõe uma morte uniforme, nem o mesmo desejo justifica-a. Assim, temos um poeta que sofre as dores da tubercu-lose e traduz isso sob o desejo de deixar esse mundo. O mesmo se percebe morto em algum momento e con-fabula sobre seus desejos acerca de sua própria mor-te. No terceiro poema, notamos um eu-lírico reflexivo sobre sua existência, não dissociando a ideia de mor-te, que, se ele afirma chegar para todos, chega mais rapidamente para quem a busca. Ou seja, o desejo da morte é sugerido implicitamente em todos os poemas analisados, e, para cada um, fica evidente um motivo. Assim, existe uma relação de dessemelhança entre “Se eu morresse amanhã” e “Lembrança de morrer” quan-do o autor coloca em destaque a ideia de vida espiritual como metáfora para a libertação do sofrimento do cor-po (corpo = cárcere da alma/ corpo portador de doença = dor física).

No estudo aqui desenvolvido, buscou-se refletir so-bre eventos relacionados à vida do poeta Álvares de Azevedo, com o intuito de esclarecer certos aspectos característicos de sua produção poética, chegando-se a uma conclusão preliminar sobre as relações entre ficção e biografismo na obra do autor. Seguido esse percurso, restam-nos ainda diversas indagações, entre as quais a questão: serão os aspectos epicuristas observados na poesia azevediana resultado de uma vivência pessoal do poeta ou um produto meramente imaginoso de suas leituras? De qualquer forma, o estudo analítico aqui de-senvolvido nos encaminha à visão da morte como uma experiência estética privilegiada em sua obra, a qual, por sua vez, o aproxima da produção da segunda geração ro-mântica como um todo, da mesma forma que o particu-lariza no contexto dessa mesma geração.

AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos Coleção nossa literatura. São Paulo: Paulus, 2005.__________. Poemas malditos. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.AUGUSTO, Alberto Bento. Lira dos vinte anos/Álvares de Azevedo. São Paulo: Núcleo,1994.CÂNDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira. In.: Momen-tos decisivos da literatura. 12° ed. Rio de janeiro: Editora Ouro Sobre Azul, 2009. (p. 465 - 514)_________. Na sala de aula. 2° ed. São Paulo: Editora Ática, 1986.CASSORLA. Roosevelt M. S. O que é suicídio. São Paulo: Ed. Abril Cultural: Brasiliense1985.CAVALCANTE, Maria Imaculada. A presença do byronismo na pro-dução literária de Álvares de Azevedo. In.: RevLet – Revista Virtual de Letras. Campus Catalão/UFG: v. 1, n° 1, 2009.

Referências bibliográficas

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HELLER, Bárbara. Álvares de Azevedo: seleção de texto, notas, estu-dos biográficos, histórico e crítico. São Paulo: Abril Educação, 1982.

MACHADO, Ubiratan. A Vida Literária no Brasil durante o Roman-tismo. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2001.

MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira. vol.I - Das origens ao Romantismo. Edição Revista e Atualizada. Ed. Cultrix: São Paulo, 2001.

Sobre a Sociedade Epicuréia <http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/epicureia.htm>. Acesso em: 09 de junho de 2012.

>>> Artigo

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RESUMO

O artigo propõe-se a analisar a política pública de for-mação de professores trazendo questões específicas sobre a formação de professores de francês - língua estrangeira e os desafios da única instituição de ensino superior no Estado de Sergipe - Universidade Federal de Sergipe/UFS - responsável pela formação desses profissionais. Serão levantadas inicialmente questões sobre política pública na formação dos professores de francês - língua estrangeira no Brasil fazendo-se um apanhado histórico, seguida por algumas observações sobre os atuais desafios da formação dos docentes de francês - língua estrangeira no Estado de Sergipe frente à política educacional capitalista e às diretrizes pedagó-gicas adotadas pela instituição na formação docente.

Palavras-chave: Políticas públicas. Formação docente. Prática pedagógica.

RESUMÉ

L’article se propose d’examiner la politique publique de l’enseignant apportant des questions précises sur la formation des professeurs de français - langue étran-gère et les défis de la seule institution d’enseigne-ment supérieur dans l’État de Sergipe - Université Fé-dérale de Sergipe / UFS - responsable de la formation de ces professionnels. Ils seront portés d’abord sur les questions de politique publique dans la formation des professeurs de français - langue étrangère au Brésil. Il sera fait un resumé historique, suivi par quelques re-marques sur les défis actuels de la formation des en-seignants de français - langue étrangère dans l’Etat de Sergipe en face de la politique éducative capitaliste et des directives pédagogiques adoptées par l’institution dans la formation des enseignants.

Mots-clés: Politique publique. Formation des ensei-gnants. Pratique pédagogiqu

La formation des professeurs de français –langue étrangère dnas l’État de Sergipe : les perspectives et les défis de la politique publique

KATe COnSTAnTinO PinHeirO de AndrAde• Especialista em Didática e Metodologia do Ensino Superior pela Faculdade São Luís de França

(2012), graduada em Letras Português-Francês Licenciatura pela Universidade Federal de Sergi-pe (2009). Atualmente é professora de língua francesa - Aliança Francesa de Aracaju.

[email protected]

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1. IntroduçãoCom os novos padrões de produtividade e compe-

titividade advindos dos avanços tecnológicos, a edu-cação, como instrumento de desenvolvimento, está sendo encarada como uma redescoberta. De acordo com suas características sociais, políticas e históricas, inúmeros países promovem reformas em seus sistemas educacionais, tendo em vista preparar uma nova cida-dania que seja capaz de enfrentar a revolução que está ocorrendo no processo produtivo.Nos chamados países desenvolvidos, o conhecimento assume uma relevân-cia política maior quando comparado aos países em desenvolvimento.

Segundo Frigotto, “[...] vários países desenvolvidos buscaram ajustar os sistemas educativos e a utilização de outras estratégias empresariais, para fazer face às necessidades de um sistema produtivo que incorpora crescentemente a nova base tecnológica.” (FRIGOTTO, 1996, p.150). A formação cognitiva e social da popula-ção ganha então espaço nas pautas de negociação dos governos na busca da estruturação ajustável dos siste-mas educativos em face de um sistema produtivo que incorpora as novas bases tecnológicas. Já para Saviani, “o desenvolvimento material põe novas exigências no que se refere aos processos formativos, em geral, e à qualificação da força de trabalho, especificamente.” (SAVIANI, 2005, p. 242).

Em contrapartida, nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, sobretudo da América Latina, os debates políticos possuem os mesmos componentes, porém a importância dada à educação adquire valores ínfimos. No Brasil, exemplo de um país em desenvolvi-mento, a ausência de um sistema nacional de educação é um indicador da escassa importância dada à mesma. No caso brasileiro, não há uma adequação das políticas de ajuste econômico, que são emergenciais, às políticas de educação, que possuem objetivos de longo prazo. Em abril de 2010, quando da realização da Conferência Nacional de Educação (CONAE), reivindicou-se 10% do PIB para a educação, o Projeto de Lei n. 8.0351, de 2010, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020, atesta em sua meta “Ampliar progressivamente o investimento público em educação até atingir, no mínimo, o patamar de sete por cento do produto interno bruto do País”. Esse indicador de-monstra a escassez de recursos destinados à educação e consequentemente isso se reflete na formação dos professores.

1 – Aguardando Parecer na Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei n. 8.035, de 2010, do Poder Executivo, que “aprova o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 e dá outras providências” (PL803510). Projeto de Lei e outras proposições disponíveis em http://www.camara.gov.br

É mister afirmar a importância da questão da for-mação de professores e o presente estudo tem como objetivo analisar a política pública de formação de pro-fessores, trazendo questões específicas sobre a forma-ção de professores de francês – língua estrangeira e os desafios da única instituição de ensino superior no Es-tado de Sergipe - Universidade Federal de Sergipe/UFS - responsável pela formação desses profissionais. Serão levantadas inicialmente, questões sobre política públi-ca na formação dos professores de francês – língua es-trangeira no Brasil, fazendo-se um apanhado histórico de algumas leis, decretos e diretrizes que norteiam o tema, seguido por algumas observações sobre os atuais desafios da formação dos docentes de francês – língua estrangeira no Estado de Sergipe, frente à política edu-cacional capitalista e à prática pedagógica adotada.

É bem verdade que não se trata de uma questão nova, pois é objeto de alguns estudos, mas o debate aqui proposto sobre a formação de professores traz à tona novamente, e necessária se faz sua análise, na instância da relação entre educação e sociedade, entre educação e Estado, sendo este o aparelho representan-te da sociedade. A relação entre educação e sociedade e a formação do docente será analisada no contexto do modo capitalista de produção, segundo orientações de teóricos que veem o aparelho ideológico do Estado como um guardião da sociedade capitalista a serviço da classe dominante.

2. Desenvolvimento2.1 As políticas públicas na formação

dos professores de francês – língua es-trangeira no Brasil: apanhado histórico (do Brasil Colônia ao Brasil República)

A transmissão de conteúdos historicamente siste-matizados no território brasileiro começa no período colonial nos anos de 1549, quando da chegada dos padres jesuítas que tinham como tarefa a dominação dos indígenas. A atividade da Companhia de Jesus foi um reflexo da estratégia política elaborada por D. João III para a efetivação da colonização, transferindo aos indígenas os valores morais da civilização ociden-tal, na tentativa de, com isso, dinamizar a economia da metrópole portuguesa. Os primeiros professores brasileiros receberiam então uma formação baseada nos clássicos antigos, voltada aos padrões da socieda-de europeia cristã, que privilegiavam a retórica como marca da formação dos representantes da Companhia de Jesus. Como atesta Oliveira, “As línguas estrangeiras não eram ensinadas nesse período, porque seu ensino representava uma ameaça ao domínio português e à religião católica.” (OLIVEIRA, 2002, p. 09). A política de então via no ensino-aprendizagem de uma língua

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estrangeira uma ameaça ao aparelho de Estado colo-nial português e a França como a nação mais amea-çadora desses ideais.

A expulsão da Companhia de Jesus do Brasil em 1759 pelo Marquês de Pombal foi uma estratégia do Estado que começou a ver na educação jesuítica a cons-trução de cristãos a serviço da ordem religiosa e não a serviço dos interesses do Estado. O governo portu-guês erradicou a estrutura administrativa baseada na educação religiosa jesuítica, instituindo em seu lugar as chamadas Aulas Régias e a criação da escola pública. O Marquês de Pombal promoveu, então, uma reforma educacional e nos anos de 1788-1789 foi autorizada a realização de “aulas públicas de francês” na cidade do Rio de Janeiro durante o período de um ano (OLIVEI-RA, 1999, p. 23). É sabido também que no processo de seleção para os professores das Aulas Régias não era exigido do candidato diploma ou qualquer comprovan-te que o habilitasse para o cargo pretendido, sendo de responsabilidade do professor a instalação da escola em sua própria casa, a aquisição do material a ser uti-lizado em aula, bem como as demais despesas. A ava-liação de desempenho docente estava restrita somen-te à sua conduta pessoal que seria comprovada pelo pároco, pelo chefe de polícia e pelos pais dos alunos (CARDOSO, 2004, p. 188).

Com a chegada da família real portuguesa no Brasil, o ensino da língua francesa foi oficializado por meio do texto da Lei de 22 de junho de 18092. A maneira como esse ensino se deu na Corte brasileira foi, pois, um re-flexo da influência que a política francesa exercia sobre os demais Estados, ditando os modos de pensar. Há, então, uma submissão ao poder intelectual dos fran-ceses, à época, por parte da Corte brasileira e a língua francesa passa a ser adotada pela elite da Colônia como sinônimo de formação erudita. Com a Proclamação da Independência em 1822, foi elaborada a Lei de 15 de outubro de 1827 que trata das obrigações do Estado para com a educação. Na época, a instrução da popu-lação se deu, de fato, somente ao nível primário e o ensino secundário se deu somente em 02 de dezembro de 1837, com a criação do Colégio D. Pedro II, no Estado do Rio de Janeiro, como modelo para as demais esco-las de nível secundário espalhadas pelas províncias, os chamados Liceus.

No período imperial, entre os anos de 1841 e 1881, inúmeras reformas educacionais aconteceram e o ensino

2 – O decreto de 22 de junho de 1809, assinado pelo D. João VI, prín-cipe regente de Portugal, cria uma escola de língua francesa e outra de língua inglesa. In: OLIVEIRA, Luiz Eduardo Meneses de. A historio-grafia brasileira da literatura inglesa: uma história do ensino de inglês no Brasil (1809-1951). Unicamp, SP, 1999. (Dissertação de Mestrado), p. 23.

de francês, bem como das línguas modernas (inglês, alemão e italiano), se mantiveram com uma relativa importância no processo de formação erudita do povo brasileiro. Durante o período republicano, de 1890 a 1925, as reformas educacionais também continuaram a permear o sistema educacional brasileiro e destas resultou um quadro de declínio do ensino das línguas estrangeiras, tendo em vista que algumas medidas as excluíram de seu quadro curricular e em outras, houve uma redução do número de anos de estudos dedicados às línguas estrangeiras. Estas reformas na instrução pú-blica brasileira não levavam em consideração, contudo, as peculiaridades do país, com suas diferenças regio-nais, por exemplo, destacando-se no plano docente a sua insuficiência quantitativa e a sua baixa qualificação, o que demonstrava uma falta de realismo social para com a educação nacional.

Da Reforma Educacional de 1931 do Ministro Fran-cisco Campos, novas diretrizes ao ensino das línguas es-trangeiras modernas foram tomadas como da adoção de um novo método3, porém pouco foi posto em prá-tica, tendo em vista a falta de um corpo docente com formação adequada. Economicamente, o Brasil viveu nos anos 30 uma revolução no seu modo de produção4 e uma crise foi deflagrada pela ausência por parte do governo de uma política de sustentação do preço do café diante do mercado internacional. Politicamente, diversas crises sociais foram deflagradas a exemplo da classe média que crescia com o processo de urbaniza-ção e se conscientizava do seu grau de marginalidade em relação às demais camadas sociais. A escola assu-me, portanto, um novo papel nessa nova sociedade, no sentido de concretizar a formação instrumental do povo no então Estado burguês brasileiro.

Em 1942, foi promulgada mais uma reforma educa-cional assinada pelo Ministro Gustavo Capanema que transformou a década de 40 em anos de ouro para o ensino das línguas estrangeiras no Brasil. O ensino dos idiomas clássicos e modernos foi garantido no sistema educacional e uma nova metodologia para estes úl-timos foi instituída. Mais uma vez, por conta da insi-piente formação pedagógica dos professores de línguas que não alcançavam os objetivos5 propostos pelo novo método, a reforma, no que tange ao ensino de línguas es-trangeiras, não apresentou muitos frutos. Em pesquisa do

3 – O novo método em questão é o chamado Método Direto Intui-tivo que propõe o ensino da língua estrangeira na própria língua estrangeira. 4 – Modo de produção econômico baseado na agricultura cafeeira, oligárquica e latifundiária. 5 – O Método Direto propõe o desenvolvimento de habilidades lin-guísticas, bem como comunicativas e interculturais na formação de um sujeito reflexivo.

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Professor Renilson Santos Oliveira, ele atesta que existiam estabelecimentos que poderiam ser tomadas como “vitrinas pedagógicas” nas quais a nova metodo-logia era aplicada com sucesso, pois contava com pro-fessores de formação ímpar, porém, na realidade da es-cola pública, isso não se efetivou fugindo à regra raras exceções, como o Colégio Pedro II. À classe dominante, capaz de custear um ensino particular, as condições de aplicabilidade do método eram garantidas por conta da devida formação de seus professores, muito deles vin-dos do exterior. Objetivando a consolidação do Estado republicano, as ideias liberais de inspiração francesa passaram a permear a questão da instrução pública como “direito de todos e dever do Estado”, questão presente nos nossos dias na Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 19886.

No geral, o Estado brasileiro se consolidou e passou a pensar na sua inserção no desenvolvimento capitalista, na sua própria educação e, consequentemente, na sua política para formação de professores. A educação foi considerada peça fundamental para uma política de va-lorização humana, visando um projeto de modernização e integração nacional. Porém, a dualidade se instalou e se evidenciou na divisão entre o capital e o trabalho, entre o pensar e o fazer, entre a formação para o pensar e a formação para o fazer mecanizado. No momento de expansão industrial, novas questões sociais surgiram, o que nos faz pensar que o modo de produção capitalista se organiza para sua efetiva hegemonia, definindo também políticas sociais na figura do Estado para “amenizar” as interferências do capital. O Estado se organiza concebendo a educação, a escola e a formação de professores coeren-tes com a visão hegemônica instaurada. Uma crítica ao capital e à organização do Estado republicano é feita na medida em que o mesmo responsabiliza a educação pelo desenvolvimento nacional, porém atrelada aos interesses burgueses.

2.2 As políticas públicas na formação dos professores de

francês – língua estrangeira no Brasil: LDB de 1961, 1971 e 1996

O território brasileiro, com sua enorme dimensão ge-ográfica, caracterizado pela sua diversidade cultural, com-plexidade e heterogeneidade social nos exige pensar na formação do professor como um processo não linear.

6 – Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil, Capítulo III, Seção I, Artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Esta-do e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu prepa-ro para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”.

É necessário que a formação do docente seja cons-truída com base nessa grande diversidade cultural, nas peculiaridades regionais e nas especificidades da popu-lação e grupos atendidos pela escola. Novas teorias da aprendizagem, bem como novas metodologias come-çaram a impregnar o meio educacional e se tornaram recursos utilizados para as reformas da política educa-tiva. Essas teorias de ensino/aprendizagem, facilmen-te encontradas no discurso reformador, são utilizadas como retórica pelo Estado. Muitas formas de interven-ção da latente realidade têm sido tentadas em nível fe-deral, estadual e municipal, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais, Referencial Curricular para For-mação de Professores, Referencial Curricular Nacional, Ensino a Distância, entre outros. Apesar de todos esses recursos as deficiências na formação do professor da educação básica e média continuam sendo detectadas.

No âmbito legal, a garantia de formação inicial e continuada dos professores está presente na Lei de Di-retrizes e Bases - LDB - que foi sancionada em 20 de de-zembro de 1961 sob o registro de n. 4.024/61 que trata da formação do professor no Título VII, Cap. IV intitula-do “Da formação do magistério para o ensino primário e médio”. Com esta lei garantia-se, então, igual direito de ingresso no magistério primário oficial ou particular tanto quem possuísse diploma de regente de ensino primário, obtido em curso normal ginasial, como àque-le que concluísse o curso normal colegial. Esta postura indica que o tema da qualidade da educação escolar ainda não havia encontrado espaço nos projetos polí-tico-sociais que orientavam o Estado na determinação de necessidades educacionais e meios de atendê-las.

No ano de 1971, em pleno regime militar, outra LDB é instituída sob o registro de n. 5.692/71 prevalecendo, como na LDB anterior, a visão de uma educação como capital humano. Esta Lei reorganiza a educação brasi-leira aos moldes do golpe militar de 1964, reduzindo os anos de instrução e enfatizando a habilitação pro-fissional a do capital, havendo também um declínio no ensino das línguas estrangeiras. É abordada nessa Lei, conforme disposto em seu art. 29 os termos de reco-mendação da elevação do nível de titulação, sendo ain-da admitidos diferentes graus de preparação docente, inclusive a licenciatura curta, o que em si mesmo obscu-receria o delineamento da fundamentação científica do trabalho docente. Segundo Gaudêncio Frigotto “o apelo à valorização, em face à reestruturação econômica, do fator trabalho, da educação geral e formação polivalente foi enfatizado por organismos como OIT, já em meados da década de 70”.(FRIGOTTO, 1996, p. 149, 150).

Essa falta de obrigatoriedade do ensino de língua nas escolas pela LDB de 1961 como pela LDB de 1971 foi um retrocesso para o desenvolvimento do ensino de línguas estrangeiras no Brasil. Apesar de todos os

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setores da sociedade reconhecerem a importância do ensino de línguas estrangeiras, a política educacional não assegurou uma inserção de qualidade em nossas escolas. Em busca dessa qualidade, as classes privile-giadas sempre procuraram garantir a aprendizagem de línguas nas escolas de idiomas ou com professores par-ticulares, mas os menos favorecidos ficaram à margem dessa opção. Como atesta Frigotto “o fantástico pro-gresso técnico vem demarcado pela lógica privada da exclusão” (FRIGOTTO, 1996, p. 149).

Na década de 80, reformas educacionais continua-ram a ocorrer no Brasil. Oprimido por exigências do ca-pital e por uma educação que responda aos anseios do mercado de trabalho, uma leva de mudanças começa a acontecer no país. Essas mudanças caracterizam-se pela organização de movimentos de educadores e, pela discussão sobre a formação de professores. A Consti-tuição Federal de 1988 foi promulgada e incorporada em seus princípios a dimensão profissional da docên-cia, presente no art. 206, inciso V7, atestando, entre os princípios “a valorização dos profissionais do ensino”, denominação que nesse momento é utilizada em subs-tituição ao termo educador.

Logo em seguida, no ano de 1996, foi aprovada a LDB sob o n. 9.394/96. A obrigatoriedade da oferta de uma língua estrangeira é mantida na Nova LDB, porém a legislação não define a língua estrangeira a ser en-sinada, cabendo à comunidade escolar a sua escolha. Esse texto direciona, portanto, a adoção do inglês e, mais recentemente, do espanhol como línguas estran-geiras de ensino. A comunidade escolar, centrada na figura do diretor da escola, responsável pela escolha da língua estrangeira de ensino, afirma como necessidade linguística a adoção de línguas estrangeiras de países com influência econômica e geopolítica, reflexo da polí-tica neoliberal. Em contrapartida, como ponto positivo do texto da LDB de 1996, é feita referência ao docente como profissional da educação, entendido como for-mador de um ser unilateral e não mais como profissio-nal do ensino como o era anteriormente, denominação que remetia à formação tecnicista do indivíduo.

Porém, ao docente de língua francesa como língua estrangeira, não cabe a denominação dada pela LDB de 1996 de profissional da educação, pois seus conheci-mentos são “dispensáveis” pela comunidade escolar que se vê engolida pela influência geopolítica estadu-nidense, pelos organismos internacionais e por blocos

7 – Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil, Capítulo III, Seção I, Artigo 206, Inciso V: “valorização dos profissionais do en-sino, garantido, na forma da lei, plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico úni-co para todas as instituições mantidas pela União”.

econômicos como o MERCOSUL que atuam muitas ve-zes como financiadores da educação. De acordo com Roberto Leher, citado em obra de Lígia Márcia Martins e Newton Duarte (2010, p. 19), por “mais paradoxal que possa parecer, o Banco Mundial se converte no Minis-tério Mundial da Educação para os países periféricos, consagrando a dimensão estritamente instrumental da educação em face da nova dinâmica do capital”.

2.3 As políticas públicas na formação dos professores de francês – língua

estrangeira: realidade e prática peda-gógica no Estado de Sergipe

A diversificação do ensino de línguas estrangeiras proposta pela LDB de 96 não tem sido garantida e o dis-curso neoliberal de uma educação para o mercado de trabalho se mantém na justificativa da escolha do inglês e/ou espanhol como línguas estrangeiras de ensino e no desaparecimento gradativo do francês nas esco-las. Em pesquisa realizada no ano letivo de 1999 pelo Professor Oliveira, foi feito um registro de 15 (quinze) escolas estaduais da capital do Estado de Sergipe que ofereciam o ensino de língua francesa como língua estrangeira. No ano de 2001, em uma nova pesqui-sa, esse contingente foi reduzido para 10 (dez) insti-tuições. Passada uma década, verifica-se hoje apenas o número de 02 (duas) escolas estaduais em Aracaju que oferecem de forma precária o ensino de língua francesa. O CODAP - Colégio de Aplicação da Univer-sidade Federal de Sergipe, criado como laboratório para os alunos dos cursos de Letras Português-Francês Licenciatura, passa atualmente por sérios problemas estruturais no que tange à permanência de um ensino de língua francesa de qualidade, tendo em vista a re-dução pela metade de seu quadro docente no primei-ro semestre do ano de 2012.

A não inclusão da língua francesa como opção de língua estrangeira para o ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio, concurso que servirá a partir do ano 2012 como única forma de ingresso no ensino supe-rior, é hoje a justificativa maior dada pela comunidade acadêmica para a não inclusão do francês no currículo escolar. Atesta-se mais uma vez que a política do capital dita as regras na educação, uma vez que a formação do indivíduo nas mais diversas esferas não é o objetivo fim da escola e sim a inclusão desse indivíduo no merca-do de trabalho pois no “ [...] campo da educação e for-mação, o processo de subordinação busca efetivar-se mediante a delimitação dos conteúdos e da gestão do processo produtivo.” (FRIGOTTO, 1996, p.155).

A Universidade Federal de Sergipe – Campus de São Cristóvão é a única instituição de ensino superior do Es-tado de Sergipe com competência para a formação dos

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docentes em língua francesa. Atualmente são ofereci-das duas licenciaturas duplas: Letras Português- Fran-cês Licenciatura no turno matutino e Letras Português-Francês no turno noturno. O curso caminha na direção do sucateamento e é visível a redução de financiamen-tos por parte do governo federal, que direciona suas despesas em âmbitos diferentes dos da formação ini-cial e/ou continuada das licenciaturas, bem como a per-da de docentes, que são facilmente substituídos pelo exército - reserva de professores substitutos. Este ce-nário torna-se ainda mais crítico, pois o crescimento da produtividade do sistema público tem ocorrido com o aumento do contingente de alunos em sala de aula sem a reposição adequada do quadro funcional, material e físico da universidade. No curso de formação inicial de professores de língua francesa da Universidade Federal de Sergipe foi adotado até o semestre passado (2011.2) como referência básica o método “Forum – Méthode de Français” da Editora Hachette em seus 2 (dois) vo-lumes. Os princípios norteadores da elaboração desse método são os europeus, o que reflete mais uma vez uma formação que não leva em consideração os parâ-metros e necessidades regionais.

Os princípios metodológicos que nortearam a ela-boração do FORUM e que sustentam a abordagem pedagógica estão em linha com as atuais diretrizes didáticas no que diz respeito às competências de linguagem visadas e os objetivos comunicativos perseguidos. O método leva em consideração, em particular, as recomendações do Quadro Europeu de Referência comum do Conselho da Europa. (CAMPA, 2000, p.6).8

Mesmo teorizando para uma base de abordagem pedagógica construtivista (“démarche pédagogique-constructiviste”) bem como no trabalho com uma metodologia da descoberta (“méthodologie de décou-verte”), com conteúdos fundamentais (“des contenus-fondamentaux”), o método utilizado na formação do professor de língua francesa parte do princípio de que o indivíduo em processo de formação deve fazer uso de seus próprios conhecimentos de base desenvolvendo uma aptidão de aprendizagem autônoma que o permi-ta ir mais longe (“aller plus loin”), tão ao gosto das pe-dagogias do “aprender a aprender”. Segundo proposi-ções de Duarte (2003), em seu primeiro ensaio da obra

8 – Tradução livre sob minha responsabilidade: « Les principes métho-dologiques qui ont présidé à l’elaboration de FORUM et qui fondent la dé-marche pédagogique s’inscrivent dans la lignée des orientations didactiques actuelles pour ce qui est à la fois des compétences langagières visées et des objectifs communicatifs poursuivis. La méthode prend en compte, en parti-culier, les recommandations du Cadre européen commum de référence du Conseil de l“Europe.» (CAMPA, 2000, p.6)

Sociedade do Conhecimento ou Sociedade das Ilusões, o primeiro posicionamento valorativo no que tange às relações entre “as pedagogias do ‘aprender a apren-der’ e algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento” é a autonomia do aluno e sua críti-ca à hierarquia valorativa a essa autonomia.

O “aprender a aprender” aparece assim na sua forma mais crua, mostrando seu verdadeiro núcleo fundamental: trata-se de um lema que sintetiza uma concepção educacional voltada para a formação, nos indivíduos, da disposição para uma constante e infatigável adaptação à sociedade regida pelo capital. (DUARTE, 2003, p.11).

Segundo a “méthodologie de découverte”, o terceiro posicionamento valorativo de Duarte é posto em ques-tão pois aqui a educação funcional é valorizada pela construção do conhecimento baseada na necessidade do aluno. No que se refere “des contenus fondamen-taux”, observa-se o quarto ponto valorativo de Duarte, já que os conteúdos apresentados são os da civilização de hoje (“civilisation d’aujourd’hui”),construindo uma educação que acompanha a sociedade em processo de mudança.

3. ConclusãoO sucesso de uma proposta de formação de pro-

fessores dependerá da clareza dos seus objetivos, bem como do cumprimento de suas propostas. As ações de formação do professor não devem ser organizadas em uma única cartilha a ser seguida de norte a sul do país, mas devem atender às divergências regionais. O pro-fessor, no atual contexto, necessita para a construção de sujeitos sociais, muito mais do que um curso de formação inicial, que, como é sabido, se mostra insu-ficiente para desempenhar suas funções com eficiên-cia, mas de uma formação continuada que possibilite a profissionalização, o aperfeiçoamento constante bem como a reflexão sobre a prática pedagógica. A comunidade acadêmica deve trabalhar no sentido de aprofundar questões que direcionem para a formação de professores no que toca a resultados proveitosos na aprendizagem dos alunos, aprendizagem que cons-titui direito inalienável e reconhecida como condição para o exercício da plena cidadania.

É preciso pensar modelos de políticas públicas que transformem seus objetivos em realidade o mais rápi-do e eficazmente possível e que evitem a adoção de medidas com poucos resultados, políticas que desper-diçam o dinheiro público e que não oferecem resulta-dos significativos para a população. É notável que as políticas públicas do ensino superior no Brasil e mais

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especificamente no estado de Sergipe seguem as di-retrizes das políticas macroeconômicas no que tange à reestruturação da produção do conhecimento. Neste sentido, a política educacional tem ficado à sombra das decisões econômicas nos moldes das recomenda-ções dos organismos financeiros transnacionais. Gran-de parte das medidas públicas educacionais implan-tadas baseia-se em orientações vindas de organismos internacionais que colaboram no seu financiamento, principalmente em áreas tecnicistas como a engenha-ria e a medicina, correspondendo as nossas universi-dades aos novos desafios da chamada sociedade do conhecimento.

Os jovens que nelas se formam ainda estão, em grande parte, desprovidos de uma boa formação ar-tística e cultural bem como de domínio científico. Os

fundamentos macroeconômicos se sobrepõem à es-sência da educação como bem público e as iniciativas governamentais rezam a cartilha proposta pelos orga-nismos neoliberias que trabalham na oferta de uma educação como prestação de um serviço, tão ao gosto do capital.

Aos atores políticos e sociais caberia uma reação às investidas neoliberais no campo educacional para a garantia dos direitos sociais conquistados de maneira tão dura ao longo do processo de redemocratização do país. Diante disso, entende-se que pensar sobre a trajetória política da nossa escola e na formação dos agentes que nela atuam é requisito indispensável para que se possa chegar à implantação de reformas edu-cacionais que orientem a formação docente com vis-tas à implantação de um novo projeto social.

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> Kate Constantino Pinheiro de Andrade <

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o dia 01 de setembro de 2012, o professor Dr. José Eduardo Franco, da Universidade de Lisboa, visitou a sede da Faculdade São Luís de França, onde ministrou a palestra “Culturas em Negativo e a Modelação de Identidades”. O acadêmico português é historiador e poeta, especializado em História da Cultura, com Doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris em História e Civilização e Diretor do Centro de Literaturas e Culturas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Participaram do evento, além dos coordenadores dos cursos de graduação da FSLF, o prof. Wagner Lemos, que integrou o seminário à sua disciplina Literatura, Cultura e outras Artes, da Pós-Graduação em Letras – Língua Portuguesa e suas respectivas Literaturas. O Professor José Eduardo Franco, que veio a Aracaju a convite da Universidade Federal de Sergipe para participar, como palestrante, do Seminário “Culturas em negativo e a modelação de identidades: conspirações, e mitos”, promomovido pela UFS nos dias 29,30 e 31/08, concedeu uma entrevista à diretora da Faculdade São Luís de França, Cristiane Tavares (CT). A entrevista, no estilo perguntas e respostas, está aqui, na íntegra:

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Cristiane Tavares - Quais os projetos que fo-ram idealizados por ocasião da sua visita à UFS e à Faculdade São Luís?

José Eduardo Franco - A minha visita à UFS, como professor e inves-tigador convidado pelo Professor Luiz Eduardo Oliveira, constituiu uma experiência académica muito intensa, rica e gra-tificante. Encontrei um grupo de professores e estudantes de mestrado e doutoramento muito empenhados e interes-sados na pesquisa e na procura de um saber mais complexo, mais profundo e multidisciplinar. Por ini-

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ciativa do Prof. Luiz Eduardo, que tive o privilégio de acolher na minha Uni-versidade de Lisboa para acompanhar o seu projeto de pós-doutoramento, a minha visita à UFS para dar um curso intensivo sobre “Culturas em Negativo” foi também aproveitada para lançarmos instituições e projetos científicos fomen-tados na sequência de um acordo de cooperação firmado entre o meu Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa e a Universidade Federal de Sergipe. O primeiro e mais significativo ato que

realizei foi a participação na cerimónia de inauguração do Núcleo de Estudos de Cultura (NEC), fundado e dirigido pelo Professor Luiz Eduardo Oliveira que, em cooperação estreita com o meu centro, constituirá uma plataforma de agregação de pesquisadores qualificados para promover projeto inovadores no âmbitos das ciências humanas e sociais no Brasil. Nos encontros que tivemos com os grupos de professores e investiga-dores que já integram este laboratório de pesquisa discutimos projetos que darão nome e visibilidade a esta instituição. O primeiro grande projeto lançado é o Dicionário dos Antis: A cultura brasileira

em negativo, dirigido por Luiz Eduardo Oliveira, e contará com a cooperação da minha Universidade e da Universidade de São Paulo. Este projeto inovador permitirá estudar, compreender e des-construir estereótipos e mitos negativos resultantes de dinamismos e correntes de intolerância que marcaram a história da cultura brasileira ao longo dos séculos, permitindo mais tarde elaborar uma grande História da Cultura Brasileira em Negativo. Estabeleceu-se ainda o objetivo de se criar uma revista de referência, que se chamaria Letras Com Vida, recriando no Brasil uma revista prestigiada que já se edita no CLEPUL.

Na dinâmica Faculdade São Luís, onde tive a honra de proferir também uma palestra aos professores e alunos a convite da Professora Cristiane Tavares, surgiram também alguns possíveis pro-jetos de cooperação e intercâmbio com minha Universidade. Destacaria a ideia de preparar um Dicionário do Empreen-dedorismo e incentivar a preparação de teses de mestrado e doutoramento neste campo de ensino e pesquisa emergente, tão decisivo para o desenvolvimento de ambos os nossos países irmãos.

CT - No ano passado, o prof. Dr. Luiz Eduardo Oliveira (UFS) concluiu o pós- doutoramento na Universidade de Lisboa, sob a sua orientação. Quais as vantagens desse tipo de intercâmbio luso-brasileiro e como o senhor avalia essa experiência?

JEF - O Professor Luiz Eduardo Me-nezes de Oliveira realizou um excelente trabalho de pós-doutoramento na minha Universidade de Lisboa e adscrito ao meu Centro de Pesquisa. Os resultados estão à vista: redigiu uma obra inovadora sobre O mito da Inglaterra em Portugal, que vamos publicar, e a sua estada e partici-pação nos projetos de pesquisa do meu Centro permitiu-lhe trazer ideias novas para renovar e fomentar a investigação no UFS. A criação do Núcleo de Estu-

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>>> Entrevista | José Eduardo Franco

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dos Culturais que tivemos o privilégio de inaugurar, quando da minha visita a Aracaju, é um dos resultados mais significativos da experiência realizada pelo Professor Luiz Eduardo Oliveira no CLEPUL da Universidade de Lisboa. O intercâmbio universitário internacional é fundamental para a formação qualifi-cada de professores e investigadores e constitui um meio de trocar experiências

que permite revisão de práticas e métodos em ordem a aperfeiçoar o ensino e a investi-gação. O exemplo de Luiz Eduardo Oliveira é um dos mais bem sucedidos a este nível. Não só trouxe ideias e projetos novos para a sua universidade de origem, como também enriqueceu com o seu trabalho e talento a universidade onde foi acolhido. Escreveu um livro de referência para

compreender as relações entre Portugal e Inglaterra, contribuiu com uma in-vestigação nova para projetos em curso, como também co-fundou uma banda de investigação na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: a Banda Ai Deus e u é do CLEPUL. A experiência bem su-cedida que fiz com o Luiz Eduardo gostaria de continuar com outros universitários de Aracaju que queiram realizar doutora-mento ou pós-doutoramento em Lisboa.

CT - Como avalia a educação su-perior em Portugal, frente aos desafios da atual crise económica?

JEF - O ensino superior em Portugal tem sido objeto, nos últimos anos, de uma grande reforma e transformação, na sequência da decisão política de sua adaptação ao Acordo de Bolonha. Este acordo assinado no âmbito da União Europeia tinha em vista a criação de um espaço europeu normalizado de ensino superior, regido por parâmetros

equiparados em todos os países ade-rentes. Pretendia-se com esta reforma europeia equiparar os curriculos, facilitar o reconhecimento de graus, fomentar a mobilidade e intercâmbio universitário, diversificar a oferta de cursos e possibili-tar aos estudantes uma formação flexibi-lizada, diversificada e multiespecializada. Ao chamado Modelo de Bolonha subjaz uma utopia educativa assentada mais na valorização das escolhas dos alunos e na sua capacidade de aprender fazendo, investigando, experimentando, e menos na didática tradicional fundada mais na transmissão magistral do conhecimento pelos professores. O ideário educativo de Bolonha aposta decisivamente na responsabilização e no protagonismo do aluno para efeitos da construção do seu saber académico. Se, em tese, este modelo pareceu aos seus teóricos inte-ressante e moderno, na prática tem-se deparado com vários problemas e limites que a crise econômica de alguns países europeus, nomeadamente de Portugal, veio agravar. O modelo de Bolonha deveria implicar o maior investimento do Estado no Ensino Superior para que fosse possível a diminuição de alunos por turma, a criação de gabinetes de tutoria, com professores suficientes para acompa-nhar o trabalho individual de cada aluno, e recursos maiores para a investigação como componente essencial do processo de docência. A crise econômica veio condicionar fortemente o financiamento do ensino superior em Portugal e, como consequência, defraudar as expectativas criadas pela implantação do Acordo de Bolonha. Em meu entender e no entender da maioria dos meus colegas universitários urge rever o Modelo de Bolonha implantado, para que não se ponham em causa a qualidade exigida aos frutos do ensino superior.

CT - Recentemente, o senhor lançou uma obra monumental chamada de Ar-quivo Secreto do Vaticano, em 3 Vo-lumes. Nestas pesquisas, qual informação mais o surpreendeu?

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JEF - O Arquivo Secreto do Vaticano é o resultado consubstanciado em três grossos volumes de cerca de 14 anos de pesquisa naquele que é considerado um

dos arquivos mais ricos, mais secretos e mais famosos de todo do mundo. Este e outros proje-tos que tenho desenvolvido e promovido enquadra-se num ideário de pesquisa que visa revelar e disponibilizar edito-rialmente, em suporte de papel e em suporte digital, um conjunto imenso de fontes primárias da nossa história que ainda estão por explorar e se encontram quase incógnitos e pouco aces-síveis aos estudiosos. Trata-se de um trabalho paciente, muitas vezes invisível. É o árduo labor de trazer a lume novas fontes. A edição de novas fontes constitui matéria prima fundamental para a renovação e aprofundamento do conhecimento histórico. O Arquivo Secreto do Vaticano é um desses arquivos que tem mananciais caudalosos de do-cumentação que dizem respeito à história da maior parte dos países do mundo, com os quais a Igreja Católica teve e continua a ter relações. De fato, a opor-tunidade que tive de coordenar uma equipe de investigação neste Arquivo da Santa Sé, mui-tas vezes envolto em mistérios instigados por romances de muito sucesso como os de Dan Brown, permitiu-me constatar um dos aspetos mais caracte-

rísticos da Igreja Católica enquanto macro-organização multimilenar: o de sua política de recolha sistemática e intensiva de informação através dos seus canais espalhados pelos diferentes pontos do globo. Esta informação armazenada relativamente aos mais diferentes cam-

pos das sociedades humanas (religioso, político, cultural, mental, etc.) é um suporte importante para o governo da Igreja e para a sua atuação diplomática. É por isso que razão há naquele dito cor-rente que apresenta a Igreja como uma das instituições mais bem informadas. Talvez esta estratégia de cuidado com a acumulação de um imenso património de informação documentado seja um dos fatores explicativos da sua sobrevi-vência no tempo como instituição que tem permanecido e resistido, apesar dos contextos adversos e das conjunturas dramáticas (internas e externas) que têm abalado esta instituição. Os três volumes que editamos contêm o levantamento exaustivo e a sumarização dos documen-tos guardados no ASV pertencentes ao Fundo da Nunciatura de Lisboa relativos ao longo período da chamada Expansão Portuguesa nos diferentes cenário do globo: África, Oriente e América. O ter-ceiro volume é dedicado especificamente à documentação referente ao Brasil e contém informação preciosa para o conhecimento pormenorizado de fatos e acontecimentos que marcaram a história do Brasil, especialmente na virada do século XVIII para o século XIX.

CT - Muitas das suas pesquisas estão ancoradas no séc. XVIII, considerado um século de grandes transformações econô-micas, políticas e culturais. Como observar os desdobramentos desta época na história contemporânea?

JEF - O século XVIII é um século matricial para a compreensão da nossa história contemporânea. O Século das Luzes, como é também cognominado, foi um século inspirador de revoluções profundas nas sociedades da chamada Civilização Ocidental em vários planos. Destaco alguns mais significativos: no plano político, é o século onde se ergue poderosa e modeladora uma ideia de Estado-Nação como instituição todapo-

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derosa e onipresente que passa a tutelar todos os setores e dinamismos da vida organizada em sociedade. Nada se passa a poder fazer, a partir de então, que es-cape ao controle fiscalizador e legitima-dor do Estado. Para o efeito, reforça-se o aparelho administrativo e burocratiza-dor da vida pública, consolida-se uma estrutura de policiamento e estruturam-se os exércitos nacionais. No fundo, todo o território nacional ou nacionalizado passa a ter instituições que funcionam como uma rede tentacular que marca essa onipresença do Estado, desde a ad-ministração autárquica, passando pela rede de tribunais, dependentes da ca-deia hierárquica que tem como vértice o poder central do Estado e a sua cabeça, o Chefe de Estado, seja o Rei em regi-me de Monarquia, seja o Presidente em regime Republicano. Numa sociedade em processo acelerado de secularização e reivindicação de autonomia do poder temporal em relação ao teocrático poder espiritual, o Estado afirma-se, subjugando a igreja no que diz respeito ao temporal, libertando-se da sua tutela legitimadora.

No entanto, para se afirmar e consolidar como instituição, o Es-tado passa a exigir e a promover em torno de si uma espécie de cul-to político traduzido numa lealdade em for-ma de devoção da par-te dos súditos e mais tarde no liberalismo dos cidadãos. Emerge aquilo que podemos chamar uma religião de estado que se ma-nifesta em torno das novas ritualidades, de

juramentos de lealdade à nação confun-dida com o Estado, do culto da bandei-ra, do amor à pátria não até ao tributo da própria vida… Com a afirmação do Estado e da ideia de serviço público ou tutela pública dos grandes setores vi-tais da sociedade, afirma-se, no século

XVIII, o primeiro projeto de ensino es-tatal. Portugal e o Brasil, então irmana-dos, viveram uma experiência pioneira em relação à Europa, com a implanta-ção, por obra do Marquês de Pombal, da primeira rede estatal de ensino, na sequência da expulsão dos Jesuítas. Hoje em dia todos os estados têm o seu sistema público organizado de ensino e a educação faz parte das políticas prioritárias de qualquer governo con-temporâneo. Essa importância política dada à educação teve os seus alvores no século do Iluminismo. Muito mais haveria a salientar como obra daque-le grande século, como a proclamação do primado da racionalidade científica e o espírito de “Enciclopédia” com o ideário de universalização do conheci-mento, ou ainda o semear, a partir de França e da sua Revolução Francesa, do ideal dos direitos humanos procla-mados em 1789, dos ideais liberais que vão fazer derruir, no século seguinte, a sociedade ordenada pelo antigo regi-me da monarquia absoluta. É certo, todavia, que no Século das Luzes nem tudo foi luminoso. Como acontece nos séculos de grande transformação, ocorreram muitos dramas, muitos conflitos… O século XVIII é também o século das conspirações, das expul-sões, das guilhotinas… Não podemos escamotear esta dimensão janiforme, à maneira das duas faces metafóricas de janus, com que é constituída sempre a história: a face negra e a face lumino-sa. Aliás, como escreve Lucian Boia no seu livro sobre o Mito da Democracia, as nossas sociedades democráticas em que alegremente desfrutamos hoje a liberda-de de expressão e de pensamento estão fundadas nas suas origens constituintes em muito sangue, muita morte e em in-tolerâncias dolorosas. De algum modo, podemos considerar que o Século das Luzes foi o prelúdio de um mundo novo, o mundo dos valores democrá-ticos, da liberdade e da tolerância e da ideia de bem comum em que se funda a sociedade dos nossos dias.

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RESUMO

Face às mudanças no contexto no qual estamos in-seridos, influências são impressas no âmbito escolar, atribuindo a necessidade de transformações nas ações pedagógicas, para enfrentar as várias mudanças que ocorrem atualmente na sociedade: econômicas, políti-cas, sociais e ideológicas. Deste modo, os profissionais, que nela trabalham precisam estar cônscios de que os alunos devem ter uma formação cada vez mais exten-sa, promovendo o desenvolvimento das capacidades desses sujeitos.Partindo desse princípio, destacamos que a função do pedagogo na escola pública tem ênfa-se em três funções: administração escolar, supervisão e orientação pedagógica. O papel deste profissional atingiu a pequena dimensão, despertar a conscien-tização da necessidade do coordenador pedagógico no local que é seu de direito. A principal função da metodologia da pesquisa é definir caminhos e tornar concreta a possibilidade de compreender uma reali-dade, a partir de determinados procedimentos que norteiam a produção de dados e sua interpretação.

Palavras-chave: Coordenador Pedagógico, Escola, Ensino, Professor.

ABSTRACT

Face to the changes in the context in which we inserted, influences are printed in the school giving need for changes in pedagogical practices actions. The various changes currently taking place in society: economic, political, social, ideological. Thus, professionals who work there need to be aware that students must have a more extensive training, promoting the development of the capacities of these citizens. Based on this prin-ciple we emphasize that the role of the teacher in public school has an emphasis on three functions: school administration, supervision and pedagogi-cal orientation. The role of this professional hit the small dimension, raise awareness of the need for pedagogical coordinator in place that is rightfully yours. The main function of the research meth-odology is to define ways and make concrete the ability to understand a reality, from certain pro-cedures that guide the production of data and its interpretation.

Keywords: Educational Coordinator, School, Teaching, Theacher.

mArCOS BATingA ferrO• Professor Especialista em Didática da Metodologia do Ensino Superior da Faculdade

São Luís de França.

[email protected]

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1. IntroduçãoTem-se falado muito sobre o papel do coordenador

pedagógico. Questionamos afinal, por que ele é neces-sário? Quisera que a função de coordenar fosse sim-plesmente como diz o dicionário: dispor segundo certa ordem e método; organizar; arranjar; ligar.

Coordenação pressupõe, portanto, uma disponi-bilidade para transitar entre diferentes cenários e espaços, encontrando projetos diversos (às vezes antagônicos), construindo caminhos de aproxi-mação, negociação, diálogo e troca, entendendo os constituintes do grupo coordenado com pares legítimos institucionalmente e partícipes de um dado projeto político-pedagógico (...). Uma coor-denação que articula tempos de ação e tempos de espera, descortinando uma postura interdisciplinar de escuta, acolhimento, confronto, ruptura, diálo-go, proposições, avanços e recuos. (BATISTA, 2001 apud SANTANA, 2011, p.3).

O coordenador pedagógico, muito antes de ganhar esse status, já povoava o imaginário da escola sob as mais estranhas caricaturas. Portanto por está vinculada a esta imagem a coordenação pedagógica nas escolas brasileiras sofreu influência do modelo americano, im-plantado em plena ditadura. Assim, este profissional

“às vezes, atuava como fiscal, alguém que che-cava o que ocorria em sala de aula e normati-zava o que podia ou não ser feito. Pouco sabia de ensino e não conhecia os reais problemas da sala de aula e da instituição. Obviamente, não era bem aceito na sala dos professores como al-guém confiável para compartilhar experiências.” (AUGUSTO, 2011, Pg.1).

A imagem descrita do coordenador como um simples atendente, está totalmente defasada; nos tempos atuais o coordenador tem papel mais importante, além daque-le dado a ele. Tem a função de organizar e coordenar eventos, orientar os pais sobre a aprendizagem dos fi-lhos, assim como informar a comunidade sobre os feitos da escola. Em algumas ocasiões explica as dificuldades ou atos de agressividade de aprendizagem da turma.

Ele se faz necessário, já que ter apenas professor e aluno não é suficiente. “O coordenador eficiente cen-traliza as conquistas do grupo de professores e assegu-ra que as boas ideias tenham continuidade” (AUGUSTO, 2011, p. 1. I BID. p.1). A figura do coordenador pedagó-gico surgiu inicialmente da necessidade da presença de um profissional articulador, presença que se tornou tão imprescindível durante os conflitos nos interiores das reuniões nas regionais e nas escolas, devido à resistên-cia dos profissionais da educação em discutir os funda-mentos e propostas em objetivar o tempo e o espaço.

Clementi (apud Almeida, 2003, p.54), afirma que cabe ao coordenador “acompanhar o projeto pedagó-

gico, formar professores, partilhar suas ações, também é importante que compreenda as reais relações dessa posição”. Portanto, o seu campo de atuação na escola é amplo (diretor, professor, supervisor, orientador, con-sultor, não se limitando apenas a trabalhar na escola, pode também executar suas atividades em empresas públicas e privadas).

Para Heidrich (2009, p.1) o coordenador pedagógico tem a função de “fazer com que os professores se apri-morem na prática de sala de aula para que os alunos aprendam sempre. Para isso, ele só tem um caminho: realizar a formação continuada dos docentes da esco-la”. Assim sendo, esta postura voltada para uma forma-ção centrada na escola convoca para a organização do trabalho coletivo do docente, operando como interlo-cutor sobre as praticas em um contexto de trocas simé-tricas e acolhida para o ouvir e falar dos professores.

O coordenador distingue-se como articulador da consciência das dimensões políticas, humano-relacio-nais e técnicas da ação dos professores. Assim a escola se destaca quando afirma que a

“escola como locus de produção de conheci-mentos passa a ser valorizada e os professores asseguram-se como sujeitos que constróem co-nhecimentos e saberes, refletindo sobre a prática e assumindo o papel de transformadores da reali-dade”. Cunha (2006, p.1).

Quando se concentra na escola a formação continu-ada, a organização do trabalho será pautada no traba-lho coletivo do docente que irá eleger os profissionais que sejam articuladores e formadores centrados na re-flexão, partindo do contexto em que a formação conti-nuada propiciará aos professores e técnicos momentos de reflexão acerca da sua trajetória profissional, bem como de estudo dos referenciais teóricos, subsídios da prática por eles executados.

Neste contexto, Lima e Silva (2007, apud REDISS 2010, p.20) enfatiza que

Tendo a prática e o olhar de docente como refe-rência, o coordenador enfrenta o desafio de cons-truir seu novo perfil profissional e delimitar seu espaço de atuação. Sua contribuição para a me-lhoria da qualidade da escola e das condições de exercício profissional dos professores dependerá do sucesso alcançado nesta tarefa.

Para nossa análise serão utilizados dados coletados nos documentos escritos – livros, artigos, textos oficiais; a pesquisa representou o caminho trilhado na coorde-nação pedagógica na educação básica, refletindo-se nos discursos da formação continuada nos tópicos pro-duzidos. Por intermédio da formação continuada dos professores, a educação escolar a cada dia tornou-se

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mais importante para o cidadão, pois se torna impres-cindível formar indivíduos capazes de acompanhar as exigências do mundo globalizado.

Contudo, a formação continuada é um processo de construção crítico-reflexiva que visa melhorar o trabalho com novos conhecimentos, voltada para os professores atuantes e que, durante o seu percurso formativo inicial, não tiveram oportunidade de conta-to com abordagens teóricas ou metodológicas volta-das para o público.

Limitamo-nos neste artigo a falar sobre os desafios e perspectivas que os coordenadores pedagógicos so-frem no seu cotidiano, focando na formação continu-ada dos profissionais de educação. A principal carac-terística do professor será a de transpor as fronteiras escolares e participar da construção de muitas dessas competências nos profissionais que a sociedade espe-ra formar, auxiliando deste modo o coordenador em seu cotidiano.

2. O desafio do relacionamento interpessoal na coordenação pedagógica O papel exercido pelo coordenador pedagógico

nas instituições de ensino, seja ela pública ou privada, não é um papel nada fácil. Além de gerir os docentes no processo de formação continuada, se faz necessá-rio que este desenvolva um papel de observação das aulas dos professores, para que, desta maneira, possa levantar indicativos para as reuniões grupais, além do atendimento individual com cada profissional.

Mas o papel de um orientador pedagógico não está centrado somente nesses pontos; este profissio-nal tão importante na educação dos novos tempos tem de cuidar da sua formação, para que tenha maior respaldo teórico-metodológico. O coordenador peda-gógico enfrenta cotidianamente sérios obstáculos e desafios que impedem a realização do seu trabalho, tais como:

[...] o desvio de função; a ausência de identida-de; a falta de território próprio de atuação no ambiente escolar; o isolamento do trabalho; a convivência com uma rotina de trabalho buro-cratizada; a utilização da função na veiculação, imposição e defesa de projetos da Secretaria de Educação; a presença de traços autoritários e julgadores e a fragilidade de procedimentos para a realização de trabalhos coletivos. (FER-NANDES, 2004, 15).

Em consequência do desvio da função, o professor coordenador pedagógico se depara com inúmeras difi-culdades que definem sua identidade, seu território e

o seu espaço de atuação. Um destes maiores desafios são as disputas de poder e de território, ocorrendo em determinado momento com os próprios docentes, por se tratar de uma nova figura do dia-a-dia das es-colas. De certa forma este rompimento de uma rígida hierarquia de funções que historicamente existiu nas unidades escolares e que garantia a centralização do poder nas mãos do diretor é responsável pela dificul-dade do coordenador.

Neste contexto, Albuquerque, (2008, p.13), justifica que a

A educação escolar é cada dia mais importante para o cidadão, pois se torna imprescindível for-mar pessoas capazes de acompanhar as exigên-cias econômicas impostas por novos mercados que necessitam de mão-de-obra qualificada.

Outro fator discutido por Fernandes (2004, p.88) e que representa um desáfio ao Coordenador Peda-gógico é a sua relação com o coletivo, marcada pelas dificuldades encontradas pelos coordenadores para organizar e direcionar os encontros com os profes-sores. Não é tarefa fácil para este profissional extrair do professor para que ele assuma-se como aprendiz, e exercite a sua capacidade de aprender e criar com aguçada curiosidade, buscando estudo e cursos. En-tretanto, o mais desafiador é encontrar espaços na escola para refletir conjuntamente a prática, dúvidas, certezas e, talvez, as conclusões que dela retirou.

Alguns fatores são elementos decisivos para iden-tificar as dificuldades encontradas cotidianamente nas escolas, como o já citado acima desvio de função, a ausência de identidade, território e espaço de atua-ção no ambiente escolar, isolamento do trabalho coti-diano, deficiência na formação pedagógica, rotina de trabalho burocratizada, veiculação, imposição e defe-sa de projetos da Secretaria de Educação, presença de traços autoritários e obstáculos para a realização satisfatória de trabalhos coletivos.

Outro fator relacionado ao desafio do cotidiano do coordenador pedagógico é manter a relação entre este profissional e o corpo docente. Quando há uma parceria harmônica, este trabalho se constrói articu-ladamente entre professores e coordenação, “ação que permite tomada de decisões capazes de garantir o alcance das metas e a efetividade do processo para alcançá-las” (DALBEN, 2004. p.157).

Logo, ao mesmo tempo em que ocorre esse desafio no seu dia-a-dia, o coordenador se depara com lacunas no próprio sistema para fortalecer a escola como am-biente de discussão, ponderação para desenvolver tra-balhos coletivos de interesse de cada unidade escolar.

O educador como sujeito de sua própria aprendi-zagem, conhecedor de seu papel social e suas com-petências, poderá transformar a realidade por meio

>>> Artigo

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de suas ações, tornando-se visível em suas intenções e objetivos. É importante que coordenador e profes-sor encontrem espaços de interação entre o pessoal e profissional, desenvolvendo a dialética de ensinar e aprender.

3. O coordenador pedagógico e as perspectivas na tarefa de

formador de professoresDiscutir a questão da mudança e da transforma-

ção é, como toda proposta permeada por metas, ob-jetivos e passos que levam a um fim específico, que pode ser colocado como o processo de graduação propriamente dito do professor. Essa formação con-tribui suficientemente para que seus alunos cresçam como pessoas, e, principalmente, participem como cidadãos de pleno direito, de um mundo cada vez mais exigente.

Formação de educadores deve ser um dos princi-pais focos para a ação e investigação do profissional que tem a oportunidade de coordenar uma equipe de professores.O cotidiano desse educador na sala de aula traz para o coordenador pedagógico expe-riência necessária centrada na prática e no olhar de docente como referência, desta forma o profissional em coordenação enfrenta o desafio que é o de cons-truir seu novo perfil profissional e delimitar seu es-paço de atuação.

A sua melhoria para uma qualificação da escola e das condições do exercício profissional na formação dos professores dependerá do sucesso alcançado na execução desta tarefa. As perspectivas com relação a formador de professores são cada vez mais exigen-tes para o coordenador, já que ele é o epicentro que motivará e trará novas possibilidades em resgatar a intencionalidade da ação, possibilitando um novo sig-nificação do trabalho, desta forma superando a crise de sentido.

Na Formação Continuada é preciso que a formação dos professores seja pautada em situações equivalen-tes de ensino e aprendizagem e que tenha

Entre outros objetivos, propor novas meto-dologias e colocar os profissionais a par das discussões teóricas atuais, com a intenção de contribuir para as mudanças que se fazem ne-cessárias para a melhoria da ação pedagógica na escola e consequentemente da educação. É certo que conhecer novas teorias faz parte do processo de construção profissional, mas não basta, se estas não possibilitam ao professor relacioná-las com seu conhecimento prático construído no seu dia-a-dia (Perrenoud, 2000, apud Silva, 2009. p.45).

Assim a Formação Continuada de Professores apre-senta-se como uma área de conhecimento que cresce significativamente no Brasil, cuja figura do Coorde-nador Pedagógico surge como potencializador dessa constituição no contexto escolar, a partir da prática co-tidiana.

A formação de professores no Brasil foi alvo de significativos investimentos e omissões desde o po-der público até pelos mais interessados em educa-ção. Para Barbosa e Catani (2003) o objetivo da for-mação dos professores é formar docente reflexível para a educação centrada no aluno que envolva pos-sibilidades e contradições e que através desta dis-cussão haja modificações e que definam a figura de professor reflexivo.

O processo desencadeado com a formação do pro-fissional da educação traz novos questionamentos, que modifica a prática e desperta a vontade de apro-fundar e sistematizar os conhecimentos, com suportes referenciais que se consolidam desde a sua formação inicial, produzida a partir das estabelecidas relações sociais, que garantem de tal modo uma consciência política e social de seu papel profissional.

Para a coordenação pedagógica a formação con-tinuada significa momento de reflexão e avaliação do processo ensino-aprendizagem em que o profissional da educação discutirá e elaborará projetos para en-frentar as dificuldades dos alunos e as preocupações dos professores com as atividades voltadas para a re-alidade dos seus alunos.

Outra perspectiva almejada, citada por Lima e San-tos1, é a de que

O coordenador deve ser orientado a “Possibili-tar um referencial de conjunto para a caminhada pedagógica - aglutinar pessoas em torno de uma causa comum; [...] propiciar a racionalização dos esforços e recursos (eficiência e eficácia) uti-lizados para atingir fins essenciais do processo educacional; Ser um canal de participação efeti-va, superando as práticas autoritárias e/ou indi-vidualistas e ajudando a superar as imposições ou disputas de vontades individuais, na medida em que há um referencial construído e assumido coletivamente.

Perante a oportunidade de agir juntamente com o professor, o coordenador pedagógico busca auxiliá-lo a refletir e investigar a respeito do percurso e as consta-

1 – LIMA, Paulo Gomes; SANTOS, Sandra Mendes dos. O coordenador pedagógico na educação básica: desafios e perspectivas. Educere ET educare Revista de educação. Vol.1 nº 4 jul/dez 2007. Pg. 82.

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tações que faz quando se propõe a pesquisar a prá-tica pedagógica, a partir das observações da rea-lidade. A formação continuada do grupo na escola pública necessita de um ambiente favorável para ser exercida, pois ela não ocorre em espaços antidemo-cráticos e carentes de autonomia.

É por meio do Professor Coordenador Pedagó-gico que vão se instituindo tempos e espaços para que as discussões coletivas aconteçam. No dia-a-dia existem muitas oportunidades que devem ser aplicadas, como as reuniões pedagógicas, Centro de Estudos, Associação de Pais e Mestres e Conse-lhos de Classe.

Como destaca Reis (apud Pimenta, 2009), “A es-cola pública necessita de um profissional denomina-do que ultrapassa a sala de aula e a determina, confi-gura-se como essencial na busca de novas formas de organizar a escola para que esta seja eficientemente democrática”.

Deste modo para que haja uma necessidade de conscientização dos educadores é necessário

Acreditar na possibilidade de transformar a re-alidade e também acreditar na escola como um espaço adequado para isso, dado que, assim por meio de um movimento dialético de ruptu-ra e continuidade, poderá cumprir sua função inovadora. (ORSOLON, 2003, p. 18).

Segundo Fonseca (2010, p.4), a formação é per-manente e complexa. A identidade profissional do-cente é definida social e historicamente [...] não se nasce professor; torna-se professor. Claro que o edu-cador, agindo como sujeito de sua própria aprendi-zagem, conhecedor de seu papel social e suas com-petências, transformará a realidade através de suas ações, sendo competente e reflexivo

Alguns pesquisadores observam o posicionar dos professores de tal modo que se pode afirmar que

Os entrelugares que os formadores de profes-sores ocupam nas estruturas institucionais são evidências dos modos de produção de determi-nadas concepções, crenças, culturas e práticas de formação de professores formadores e de futuros professores [julgando que] o importan-te é o domínio do conteúdo da disciplina. (Bha-bha, 2005 apud Fonseca, 2010).

Ens (2010, p.164), afirma que a formação de professores utiliza-se de aspectos de conhecimento social, portanto, “essas representações sociais com-portam dimensões históricas, sociais e culturais, que se manifestam também a partir de ações experien-ciadas no cotidiano escolar”.

Essas dimensões podem ser notadas quando o professor atua como um investigador para desven-dar o que induzem as crianças a falarem certas coi-sas.Nota-se que a intenção é fazer com que o aluno busque seu próprio conhecimento por intermédio do saber escolar.

Esse tipo de ensino é uma forma de reflexão-na-ação que exige do professor uma capacidade de in-dividualizar, isto é, de prestar atenção a um aluno, mesmo numa turma de trinta, tendo a noção de seu grau de compreensão e das suas dificuldades. Schön (1992a, p.93, apud, SILVA, 2009, p.17).

Deste modo, podemos observar que, Algumas posturas e ações dos professores são constituídas num processo ao mesmo tempo social e intersubjetivo, que se desenvolve ao longo da vida nas relações grupais e comunitá-rias, delimitadas pelas condições do contexto sócio-político-cultural mais amplo, e é nessas interações que “se gestam as concepções de educação, de modos de ser, que se constituem em representações e valores que filtram os co-nhecimentos que lhes chegam”. (GATTI, 2003, p.192 apud ALMEIDA; AMBROSETTI).

É preciso salientar o contexto geral da sociedade, refletindo sobre o papel do coordenador pedagógico na escola pública e privada. Atualmente a situação da escola e da educação caracteriza-se por possuir setores mais resistentes, com determinadas conquis-tas democráticas, embora ainda careça de movimen-tos sociais cada vez mais fortes para a reivindicação de melhores condições de vida.

4. O coordenador como instrumento da

formação continuadaTendo como foco principal a importância da atu-

ação do coordenador pedagógico na formação conti-nuada do professor, esse estudo tem como expectati-va que suas práticas - do professor e do coordenador - permaneçam voltadas para a relação dialética entre a ciência e a construção do conhecimento escolar. Nes-te aspecto, o coordenador pedagógico deve incitar o professor a evocar a paixão de ensinar e aprender e o interesse em investigar e pesquisar a sua prática.

Assim, a necessidade de dar ao professor condi-ções de agir, pensar e significar a prática pedagógica, traz uma nova dimensão para o ambiente escolar, possibilitado pelo coordenador pedagógico. Sobre a prática pedagógica, a formação dos docentes é com-preendida por intermédio da linguagem Vigostskia-na, que traz um contexto centrado na evolução do sujeito que promove a aprendizagem em busca de

>>> Artigo

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 57

mudanças na sua forma de agir, decidir e para encon-trar um novo significado em sua didática.

Ao reconstruir uma nova concepção sobre tais relações [teoria e prática], eles [os professores] percebem que não se trata de denunciar ou de se auto punir por essas pseudo-incoerências; antes, trata-se de compreender como é que elas, professoras, no decurso de sua forma-ção intelectual e profissional, têm incorpora-do e traduzido em sua prática pedagógica os elementos que compõem as teorias por elas estudadas, e de que modo tais elementos são relativizados, tematizados e reconceitualizados ao se cruzarem com aqueles que procedem da experiência individual e coletiva, e que passam igualmente por um processo de reelaboração. (Silva, 2009, p.12).

O professor, quando fala a respeito de sua práti-ca, pode oferecer algumas informações e refletir so-bre o tipo de prática que realiza na sala de aula. Para o processo de formação para a docência é imperati-vo ter como núcleo de explicação, organicamente, a concepção da vida como um todo, isto é: pessoal e profissional.

O docente está habituado a esconder-se atrás de modelos rígidos que não correspondem à necessida-de do aluno, neste contexto. A formação continuada representa a produção de saberes de educadores e demais profissionais de Educação, tornando-se um exercício laboral, como uma prática formativa e ge-radora de oportunidades de crescimento pessoal e profissional, no âmbito dos espaços de trocas espon-tâneas e sistematizadas.

Nos dias atuais o comportamento dos alunos vem se modificando, a sociedade está em constante muta-ção, deste modo é preciso uma nova roupagem para as praticas pedagógicas. E é neste exato momento em que entra o papel do coordenador pedagógico, que virá discutir e questionar a teoria educacional aplicada, fazendo reflexões sobre a forma de apren-der e de ensinar. Observa-se que há uma distancia entre pratica e teoria, ou seja, os discursos aprimo-ram-se, mas a prática permanece quase intocável.

A educação continuada apregoa a concepção de conhecimento como resultado da práxis social e como tal, dispositivo fértil para elaboração de novos sistemas interpretativos sobre a realidade e sobre a experiência docente historicamente construída. Para Raposo e Maciel (2007, p.4)

[a] formação [de] docente representa um eixo importante na formação do professor, que, como tal, deve partir das questões educacio-nais, tornando-as objeto de investigação, e

analisá-las nas perspectivas dos conteúdos e métodos próprios de sua área, com foco no re-torno ao ponto de partida, que é, afinal, a prá-tica educativa.

Os professores iniciantes trazem novos significa-dos à formação teórico-acadêmica ao estarem em contato com a sala de aula real em pleno exercício do ofício, é neste momento que se deparam inúmeras situações conflituosas, inesperada e cotidiana.

Segundo Rocha e Tosta (2009, p.12) a educação é

Como tudo o mais que é humano e é criação de seres humanos – uma dimensão, uma esfera interativa e interligada a outras, um elo, uma trama (no bom sentido da palavra) na teia de símbolos e saberes, de sentidos e significados, como também de códigos, de instituições que configuram uma cultura, uma pluralidade inter-conectada (não raro, entre acordos e conflitos) de culturas e entre culturas, situadas em uma ou entre várias sociedades.

Assim, a teoria aplicada na formação contribuirá para a experiência vivenciada na sala de aula; toda-via, na medida em que seja esclarecida a situação em nível de desenvolvimento trará novos dados que emergiram em sua realidade que podem ser reforça-dos ou transformados.

A priori, o modelo de educação tradicional e tec-nicista é centrada nos princípios da transmissão e re-cepção de conhecimento com base em aquisição de habilidades tecno-instrumentais e metodológicas de condução do processo ensino-aprendizagem. Assim sendo, a formação continuada de professores conce-bida numa perspectiva de formação ao longo da vida, ou seja, como movimento de transformação e aqui-sição de saberes, enfrenta um novo tempo, capaz de transportar à renovação de técnicas pedagógicas. A educação seja ela continuada ou não permanece como uma necessidade imposta pela vida, devido ao seu próprio processo ininterrupto de mudanças.

Souza (2003, p.25) afirma que o processo de for-mação do professor

Pode desencadear o questionamento, que mo-difica a prática e desperta o desejo de apro-fundar e sistematizar os conhecimentos, tendo como suporte referenciais que vêm sendo con-solidados desde a sua formação inicial, produ-zida a partir das relações sociais estabelecidas, garantindo assim uma consciência política e so-cial de seu papel profissional.

A atualização profissional para o docente é uma necessidade imposta pelas mudanças de paradig-mas, no avanço tecnológico, nas novas descobertas

> Marcos Batinga Ferro <

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científicas e na evolução dos meios de comunica-ção. Não faz mais sentido o profissional pensar que, ao concluir sua formação escolar, estará acabado e pronto para atuar na sua profissão.

A formação continuada possibilita reflexividade e mudança nas práticas docentes, auxiliando os profes-sores a terem consciência das suas dificuldades, com-preendendo-as e elaborando formas de enfrentá-las. De fato, não é suficiente saber sobre as dificuldades da profissão, é preciso conjeturar sobre elas buscando soluções, mediante ações coletivas na construção e re-construção da identidade da escola como organização multicultural no sistema público de ensino.

5. Considerações finaisO coordenador pedagógico é de primordial im-

portância e, como tal, é peça fundamental no espaço escolar, busca integrar os envolvidos no processo en-sino-aprendizagem, conservando as relações interpes-soais de maneira saudável, valorizando a formação do professor e a sua, ampliando as habilidades para lidar com as diferenças, com a finalidade de ajudar efetiva-mente na construção de uma educação de qualidade. Formar é construir vínculos, estabelecer relações in-terligadas do homem com o objeto de conhecimento, pautados pelo respeito ao outro e do reconhecimento das diferenças entre os indivíduos.

Como ressalta Alves (apud Reis, 2008) “homens que através de sua ação transformadora se transformam”. É neste processo que os homens produzem conhecimen-tos, sejam os mais singelos, sejam os mais sofisticados, sejam aqueles que resolvem um problema cotidiano, sejam os que criam teorias explicativas. No processo de ensino-aprendizagem, é preciso que sejam exploradas metodologias que propiciem ao aluno a construção e problematização, argumentação, espírito crítico que fa-voreçam a sua criatividade.

A coordenação pedagógica tem atuado de forma distinta, devido o contexto na qual está inserida, en-

frentando desafios e efetivando possibilidades, pro-piciando o reconhecimento de suas contribuições de modo significativo em alguns espaços e, parcialmente, em outros. Ela tem buscado estratégias que permitam a concretização de sua função precípua no processo de Formação Continuada de Professores, auxiliando a qualificação dos professores em sua prática pedagógica cotidiana.

É dentro dessa perspectiva de inovação e de trans-formação que o Coordenador Pedagógico poderá cola-borar significativamente para o progresso e re-estrutu-ração das práticas pedagógicas de forma competente, reflexiva e crítica, provocando os educadores e profis-sionais da educação. Essa é a missão do Coordenador Pedagógico na Formação Continuada de Professores e deve ser também a nossa busca.

Considera-se que o papel de coordenador é ressal-tar, participar do planejamento, propor tarefas que vi-sam à ampliação e aprofundamento das reflexões do professor, buscando a configuração do seu papel profis-sional, em constante formação e da equipe em sua pro-posta pedagógica e curricular. O nosso objetivo maior é o de acompanhar e sugerir alternativas de como exer-cer a função de coordenação pedagógica nas escolas.

É importante saber como ocorre a orientação ao professor no processo de “observar” a sua própria aula, fazendo dela a sua pesquisa-ação; a valorização do registro e análise das observações para a reflexão da prática para que ela possa traduzir-se em resulta-dos significativos para o aluno; a discussão da trajetória do professor, acompanhando e estimular a buscar uma ação profissional competente; a motivação para tornar constante a reflexão sobre a prática.

Vale ressaltar que o principal objetivo do coorde-nador pedagógico com relação à formação continuada é romper com os paradigmas sobre a formação conti-nuada que homogeneízam suas identidades, tornan-do-os agentes passivos, ao invés de sujeitos ativos que participam ou atuam como eixos centrais no processo construtivo da identidade docente, discentes e insti-tucionais.

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>>> Artigo

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Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 59

> Marcos Batinga Ferro <

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60 Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França

Ao longo de sua trajetória, a Faculdade São Luís de França prima pela manutenção de pautar e alicerçar em suas práticas pedagógicas, um trabalho educati-

vo que desenvolva ações intrínsecas que validem em seus objetivos micro e macro, no tocante ao desenvolvimento individual e coletivo do alunado, uma confluência de informações e saberes, na premissa de conduzir o ato de educar como uma bandeira que compreende, na educa-ção, a legitimidade de igualdade.

A sociedade promulga a igualdade como fato e fator de transformação social, entretanto, para verdadeiramente existir a “igualdade”, o primeiro passo de acessibilidade

é a educação, não superficial, mas, pautada em valores e conhecimentos reais que viabilizem para o homem a inserção no mundo do trabalho.

A Instituição compreende neste ato de igualdade uma onda que transforma o homem em suas essências mais profundas, pois estas transformações interagem di-retamente com seus conceitos, suas características, suas prioridades e metas, transformando seus pensamentos em algo pungente, acessível, tangível, particularizado e exponencialmente empreendedor. Este olhar institucional é a condução necessária de intermediar no espaço acadê-mico novos olhares e novos saberes, acerca daquilo que

Semana Acadêmica - FSLF

A professora Rita de Cássia fez palestra sobre Educação Infantil

Roda de capoeiraGrupo de dança

>>> Eventos - FSLF

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 61

está posto como atual, como moderno e pós-moderno no mundo do trabalho.

Na era digital e da globalização, os mecanismos aplica-dos ao desenvolvimento do homem, como sujeito singular e, ao mesmo tempo, plural, norteiam a educação, os meios de comunicação, as redes sociais, as ferramentas e os instrumentos aplicados à prática educacional como ação conectiva na expectativa de encontrar e possibilitar na conectividade das ações educacionais algo extremamente empreendedor, pois neste ato de propagar a educação como algo que transforma e empreende, certamente será validado e valorado o significado de “igualdade”.

Assim, durante a Semana Acadêmica a dinamicidade do saber teve um novo condutor, ávido por erguer a flâ-mula do conhecimento, utilizando mecanismos escolhidos por ele como objeto de difusão do saber adquirido durante sua trajetória acadêmica. Este momento é viabilizado pela participação coexistente na interação do dueto professor/aluno, no sentido de empreender o conhecimento como ato validador para alcançar, esta “igualdade”.

As práticas pedagógicas presentes nas oficinas, no sarau, na exibição de pôster, na comunicação oral, na participação como ouvinte e, principalmente, como Ator Intelectual compactua para exportação do conhecimento presente em toda a comunidade acadêmica da Faculdade São Luís de França.

Diante destas referências ao ajuste do homem no sentido de igualdade, a instituição comunga com seus coordenadores de cursos e corpo docente uma vertente encadeada nas necessidades de conhecimentos exigidos e voltados ao cotidiano do trabalho.

Debate literário

Oficina de reciclagem

Participantes da Semana Acadêmica

62 Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França

>>> Opinião

Kátia Silvina Santos Gonçalves• Pedagoga, formada pela FSLF, pós-graduada em Didá-

tica e Metodologia do Ensino. Foi estagiária da insti-tuição e é coordenadora de eventos acadêmicos.

A educação para o trabalho é o desafio da contempo-raneidade para todos que buscam no espaço acadêmico um atestado de validação profissional para consolidação de seus sonhos, de suas metas e de seus traçados, na certeza da escolha do curso, da área de atuação e, prin-cipalmente, na escolha da instituição de ensino superior que, durante o transcorrer da graduação, irá subsidiar uma formação pautada na tríade da modernidade, que entrelaça as competências, as habilidades e as atitudes como diferencial no perfil do profissional moderno.

Estes valores, que são apresentados como essenciais na formação do homem, compreendem as expectativas presentes nos requisitos exigidos como perfil profissio-nal, entretanto, outras qualidades são desafiantes em todo universo do trabalho, principalmente aquela que compreende o ato de socializar-se e ser sociável como algo pungente e necessário ao encadeamento das ações inerentes ao cotidiano posto no ambiente de trabalho. Este desafio é cenário comum no universo acadêmico, visto que na academia comunga-se, como primordial, a interação entre os pares, na perspectiva de promover um ambiente salutar, que imprime dentro e fora do es-paço institucional um exercício de convivência.

Os valores individuais interagem com os valores co-letivos; partindo desta simbiose, surge no espaço de convivência uma ação interdisciplinar e transdisciplinar que permite e permeia o desfrutar de ambiente propicio à promoção de práticas salutares ao desenvolvimento do intelecto do homem como um todo. Este pormenor é a certeza do ser em detrimento do ter, o que favore-ce dentro da academia o despertar para novos olhares,

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 63

novas abordagens e, essencialmente, o atrelamento dos saberes individuais externos à academia como viés co-adjuvante no desenvolvimento e aperfeiçoamento, no sentido de pertencimento do acadêmico no espaço inte-lectual escolhido por ele como balizador e catalizador de suas ideias e dos seus sonhos.

O ato de fazer educação, enquanto espaço acadêmi-co, qualifica a instituição como mediadora na promoção de descortinar a inter-relação entre o saber popular e o saber acadêmico, promulgando entre eles uma relação de acertos e erros. Diversas ferramentas são oportuniza-das como matrizes para efetivação do trabalho coletivo e do trabalho individual, permitindo deste modo a relação funcional entre objetivos e avaliação, fato este que qua-lifica o pensamento operativo presente na assimilação e na acomodação como uma diretriz norteadora que, ao longo do curso, favorecerá o sentido real de aprofunda-mento nos conhecimentos e saberes necessários ao co-tidiano do trabalho.

Diante deste universo plural e da pluralidade de co-nhecimentos e saberes necessários à manutenção da correlação entre educação e trabalho, para formação individual do profissional concatenado com as deman-das postas no cenário da empregabilidade e a manu-tenção deste nesta parcela de intelectual operante, no sentido de agente proativo e cônscio da ação empreen-dedora como diferencial nas diversas áreas do saber e

do fazer profissional, são oportunizadas pela instituição ao longo do curso, práticas e atividades que fortalecem a sustentabilidade do Saber/Fazer como profissional competente.

Esta prerrogativa de validar o conhecimento é de-safiadora no ensino superior, pois, atrelar o ensino, a educação, os diversos conhecimentos, o uso das fer-ramentas e dos elementos da educação tecnológica, e a sustentabilidade e suas nuances, ao mercado pro-fissional e à globalização na pós-modernidade, bem como a manutenção das inter-relações e a socialização, como destaque relevante nos meios de atuação profis-sional, é equacionar lacunas entre o saber e o atuar. Estes reveses presentes na formação profissional re-dimensionam um olhar holístico dentro da academia, ocasionando, certamente, o anteparo do holismo como instrumento aglutinador de crescimento e desenvolvi-mento humano nas perspectivas de aprimorar o todo, facultando dentro do ambiente acadêmico um real es-paço de desenvolvimento humano para compartilhar ideias e validar sonhos.

Correlacionando todas essas variações do educar para o pleno exercício profissional a IES promoveu, de 19 a 23 de novembro de 2012, práticas educacionais necessárias à manutenção da Educação para o Traba-lho, inserindo neste contexto a V Mostra de Iniciação Cientifica, de 21 a 23 de novembro de 2012.

Cenário econômico e empreendedorismo foram temas de palestrasO dia 09 de setembro é destinado às comemorações do

dia do administrador. Como sempre acontece, a Faculdade São Luís de França mobiliza professores e alunos para participarem de palestras, com temáticas que abordam a atuação do admi-nistrador no mercado de trabalho. A FSLF destinou os dias 10 e 11 para debater assuntos como Empreendedorismo (através da incubadora de empresas, como uma iniciativa pioneira da instituição) tendo à frente o prof. Vitor Vaz. Durante o período

Dia do Administradorforam proferidas as palestras: “A administração financeira e o papel do administrador”, com o convidado e administrador Fabricio; “O cenário econômico atual e possíveis alternativas do administrador”, ministrada pelo prof. Jorge Nunes; e “Gestão de Negócios”, sob a ótica inteligente do prof. Fábio Azevedo. Os alunos se motivaram muito e o evento foi um sucesso de público e de comentários positivos, principalmente sobre a importância da data para o reconhecimento da profissão.

Prof. Jorge Nunes

> Opinião / Comemoração <

64 Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França

RESUMO Instituir aberturas de aulas régias para ensino de Gramática das Línguas Clássicas e Retórica, determinar, por concurso público, quem poderia ministrar tais disciplinas, estabelecer quais compêndios poderiam ser utilizados, dividir as horas do dia em aula ou tempo reservado para o estudo pode ser considerado como o início da escolarização pública das línguas no Brasil. Um dos aspectos que merece atenção, quando se pretende pesquisar a história do ensino das línguas no Brasil e sua configuração como disciplina escolar e acadêmica, é entender o que foram as reformas pombalinas da ins-trução pública, qual importância e repercussão tiveram na educação brasileira. Dentre os vários aspectos relacionados a tais reformas, a história do ensino de língua latina é o que norteia esse trabalho que, por sua vez, objetiva investigar como se deu a escolarização desse saber, quais instruções públicas foram indicadas para a prática do-cente e quais compêndios deveriam ser utilizados pelos professores e alunos, estabelecendo um novo corpus literário para o ensino dessa língua. O ensino de latim não era um exercício despretensioso, mas importante na formação do homem civilizado, e contribuía a ideia reformista do ensino de tal saber àqueles a quem esta-vam destinados os cargos burocráticos que exigiam qualificação literária, cujo domínio da língua era obrigatório, já que ficariam constantemente em contato com escritas administrativas, jurídicas ou escolásticas. Para a elaboração deste trabalho, foi feita análise das Instrucções públicas para professores régios, as orientações para os professores de gramática latina constantes nas Instruções Públicas para professores de Gramática Latina, Grega, Hebraica e de Retórica, promulgada conjuntamente ao Alvará Régio de 28 de junho de 1759 que extingue as escolas reguladas pelo método dos jesuítas, estabelecendo que a língua latina fosse ensinada a partir da vernacular.

Palavras-chave: Reformas Pombalinas. Instrucções Régias. Ensino de Língua Latina. Escolarização do Saber.

SArA rOgériA SAnTOS BArBOSA • Graduada em Letras pela Universidade Federal de Sergipe.Pós-graduada em Didática e Metodologia

do Ensino Superior pela Faculdade São Luís de França. Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Membro do Grupo de Pesquisa História do Ensino das Línguas no Brasil Tutora EAD de Teoria Literária I da UFS.

[email protected]

RESUMENEstablecer aberturas escuelas reales para la enseñanza de la gramática de las lenguas clásicas y la retórica, determinará, mediante concurso público, que podría enseñar esas disciplinas, establecen que los libros de texto podría ser utilizado para dividir las horas del día o tiempo de-dicado en clase para el estudio puede considerarse como el principio del lenguaje enseñanza pública en Brasil. Un aspecto que merece atención cuando se trata de investigar la historia de la enseñanza de idiomas en Brasil y su configuración como disciplina escolar y académico es comprender cuáles eran las reformas pombalinas de la educación pública, y la importancia que tuvo repercusiones en la educación brasileña. Entre los diversos aspectos relacionados con estas reformas, la historia de la enseñanza de la lengua latina es lo que guía este trabajo que, a su vez, tiene como objetivo investigar cómo fue la inscripción de este conocimiento, ¿qué instrucciones se dieron a la práctica de la enseñanza pública y lo que los libros de texto debe ser utilizado por profesores y alumnos, estableciendo un nuevo corpus literario para la enseñanza de este idioma. La en-señanza del latín no era un ejercicio modesto pero importante en la formación del hombre civilizado, y contribuyó a la idea reformista de la enseñanza de esta ciencia a los que estaban destinados cargos burocráticos que requiere calificación literaria, cuyo dominio de la lengua era obligatoria, ya que estaría constantemente en contacto con la administración por escrito, legal o escolar. Para la elaboración de este trabajo se realizó el análisis público de las Instrucciones para los docentes regal, guías para profesores de gramática latina que figura en las instrucciones de los maestros públicos gramática latina, griega, hebrea y la retórica, promulgada conjuntamente por Cédula Real el 28 de junio extinción de las escuelas regidas 1759 por el método de los jesuitas, que establece que el idioma se enseñaba latín de la lengua vernácula.

Palabras clave: Reformas Pombalinas. Instrucciones de Regal. Di-dáctica de la Lengua Latina. La escolarización del conocimiento.

Enseñanza de idiomas en América Brasil siglo XVIII: las reformas de Pombal y la escolarización de los conocimientos

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 65

IntroduçãoInstituir aberturas de aulas régias para ensino de

Gramática das Línguas Clássicas e Retórica, determinar, por concurso público, quem poderia ministrar tais dis-ciplinas, estabelecer quais compêndios poderiam ser utilizados, dividir as horas do dia em aula ou tempo reservado para o estudo pode ser considerado como o início da escolarização pública das línguas no Brasil. Um dos aspectos que merece atenção, quando se pretende pesquisar a história do ensino das línguas no Brasil e sua configuração como disciplina escolar e acadêmica, é entender o que foram as reformas pombalinas da ins-trução pública, qual a importância e repercussão tiveram na educação brasileira.

Dentre os vários aspectos relacionados a tais refor-mas, a história do ensino de língua latina é o que norteia esse trabalho que, por sua vez, objetiva investigar como se deu a escolarização desse saber, quais instruções públicas foram indicadas para a prática docente e quais compêndios deveriam ser utilizados pelos professores e alunos, estabelecendo um novo corpus literário para o ensino dessa língua. O ensino de latim não era um exer-cício despretensioso, mas importante na formação do homem civilizado, e contribuir para a ideia reformista do ensino de tal saber àqueles a quem estavam destinados os cargos burocráticos que exigiam qualificação literária, cujo domínio da língua era obrigatório, já que ficariam constantemente em contato com escritas administrati-vas, jurídicas ou escolásticas.

Para a elaboração deste trabalho, foi feita análise das Instrucções públicas para professores régios, as orienta-ções para os professores de gramática latina constantes nas Instruções Públicas para professores de Gramática Latina, Grega, Hebraica e de Retórica, promulgada con-juntamente ao Alvará Régio de 28 de junho de 1759 que extingue as escolas reguladas pelo método dos jesuítas, estabelecendo que a língua latina fosse ensinada a partir da vernacular. A fim de tornar o texto mais apresentável, ele foi dividido em três partes: na primeira – As Instrucções a serviço do Estado – foi feita a análise desse conjunto de normas enquanto instrumento de conduta dos profes-sores subordinados ao Estado, a partir do fim das aulas ministradas pelos jesuítas e aberturas de aulas regias sob a responsabilidade dos professores servidores públicos.

A segunda parte – As Instrucções e a mudança no ensino de Gramática Latina – trata da mudança do mé-todo de ensino, deixando de ser adotado aquele direto, mnemônico, preconizado pelos jesuítas, em que o ensino era todo dado em língua latina, por um menos cansativo, com menos regras e simplificado, o indireto, dado em língua vernacular. A terceira parte e última parte – As Instrucções e a escolarização da disciplina – diz respeito à escolarização do saber, do ensino de Humanidades, principalmente o de língua latina, língua de status, do

conhecimento, da ciência. Nesse momento, apresenta-mos a divisão de estudos propostas pelas Instrucções e as orientações para leitura e prática docente.

1. As Instrucções e a escolarização do saber

A primeira coisa a tratar acerca das Instrucções diz respeito a uma dúvida em relação à sua autoria e data de promulgação. Hilsdorf (2003), em seu levantamento acerca da Reforma dos Estudos Menores, elenca uma série de peças legislativas diretamente relacionadas ao ensino de línguas, expulsão dos Jesuítas e aberturas de aulas régias, informando que as Instrucções datam de 08 de novembro de 1759, mesma data informada por Andrade (1978). Silva (2006), por sua vez, afirma que elas foram promulgadas em período posterior ao Alvará de Reforma dos Estudos Menores, mas não indica a data. Todos eles, no entanto, são unânimes em afirmar que as Instrucções são a ideia de Pombal acerca do ensino. Em 2011, o Parlamento Português disponibilizou a legislação completa portuguesa, desde século XVII até o XX e nele consta cópia das Instrucções Públicas que deveriam ser observadas por todos os professores régios a partir ou-tubro de 1759, momento em que somente os licenciados poderiam dar aulas públicas e/ou particulares. Na última página do citado documento, há como indicação do local de origem o palácio de Nossa Senhora da Ajuda, a data de 28 de junho de 1759 e a autoria do Conde de Oeiras, Sebastião José de Carvalho e Melo (PORTUGAL, 2011), sendo portanto, promulgada na mesma data do Alvará, como sugere o próprio texto.

As Instrucções representam um conjunto de proce-dimentos que os professores régios deveriam adotar, ao tempo em que são também o reflexo do período ilustrado. Para Verdelho (1982), o texto deve ser ana-lisado não somente em seu conteúdo pragmático, mas sobretudo nas intenções nele contidas e seus aspectos estilísticos. Coaduna da mesma ideia Oliveira (2010b), quando trata da análise da legislação e como nela pode ser percebida a invenção da tradição, além, é claro, da presença marcante do discurso ilustrado:

O texto [das Instrucções] é marcado por uma certa solenidade, uma presunção de escrita feita para a história – em que se cuida da imagem como quem faz um monumento para que conste. Nesta linha, se deve entender o uso generoso de iniciais maiús-culas como hierarquizadores semânticos, sinais de engrandecimento e de solenidade. O estilo jussivo ou imperativo, que seria normal num texto desta natureza, um texto paralegal, encontra-se aqui sa-biamente modalizado. A ordem aparece emanada de uma entidade muito impessoalizada e revestida da autoridade da experiência (“Em todo o tempo

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de tem reconhecido...”) e do saber colectivo e da ciência (“Todos os Homens sabios uniformemente confessão que...”, “Todos os Doutos recõmen-dão...”, “Assentão os Homens mais eruditos que...”, “Não approvam os Homens instruidos nesta ma-teria o falar-se Latim nas Classes...”, “Os maiores Homens de todas as faculdades reconhecem...”). Não menos interessante é a figuração Retórica do texto, imagens e metáforas que têm por base evocações como “caminho”, “beber”, “raios da razão” e sobretudo a imagem do “edificio” que é um símil particularmente bem adequado à histó-ria e ao espaço político pombalino”. (VERDELHO, 1982, p. 16-17).

Como se disse, as Instrucções apresentaram um plano novo de ensino, indicando tempo de estudo, compêndios autorizados para uso nas aulas e fora delas, e princípios cristãos e civis. Elas estão divididas em orientações para os professores de Gramática Latina, com 23 parágrafos, para os professores de Grego e Hebraico, com dez pa-rágrafos e, por fim, orientações para os professores de Retórica, com 13 parágrafos. Percebemos que nelas as orientações levam em consideração a presença de professores de Língua Hebraica, enquanto que no Alvará as orientações não fazem qualquer menção a tais aulas.

A fim de observar pormenorizadamente as orienta-ções para professores de Gramática Latina, dividimos a análise em duas partes: a mudança no ensino de Latim e a escolarização da disciplina Língua Latina. A primeira parte – a mudança no ensino de Latim – trata do ponto crucial das reformas, a mudança no método de ensino e no cânone e a depreciação do ensino jesuítico. A segunda parte tratará das aulas de Gramática Latina e como a configuração proposta ratifica a presença da escolariza-ção já naquele momento, seja na consolidação de um cânone de gramáticas reformadas, na divisão do tempo de estudo ou mesmo no conjunto de conhecimentos a transmitir. Há, nas Instrucções, alguns escritos nas margens do texto. Não há como afirmar que tais obser-vações fazem parte do texto original, mas elas encerram questões interessantes, como algumas fontes de onde foram tirados os parágrafos, ou mesmo indicação de autores e obras.

2 As Instrucções e a mudança no ensino de Gramática Latina

No primeiro parágrafo das Instrucções para professo-res de Gramática Latina, é salientada a importância da educação para a conservação da fé cristã e da sociedade civil, sendo necessário, para o alcance de tão nobre fim, estabelecer princípios mais ajustados com a realidade e finalidades. A conservação da fé e da sociedade civil aparecerá mais pormenorizada no parágrafo XVIII, quan-

do é instruído aos professores que alimentem em seus alunos o zelo pela fé cristã, sendo passiveis, sempre que necessário, de conduzir aqueles estudantes às missas dominicais uma vez por mês, induzindo-os à confissão, devoção aos santos e participação nos ritos eucarísticos.

Quanto à sociedade civil, a lei mandava que os alunos fossem sempre orientados a cumprir suas obrigações como vassalos do soberano e homens cristãos, sendo obedientes ao rei e a Deus, para o benefício da pátria. Acerca dessa permanência da religião em Portugal, mesmo com a ilustração tendo como um dos princípios a laicização, Falcon (1993) e Carvalho (1978) já atestavam que tal separação não se percebia no Pombalismo.

Verdelho (1982, p. 17) aproveita o principio de conservação da fé cristã e da sociedade civil para ra-tificar a aprendizagem da Língua Latina na promoção da civilidade, por ser o meio de acesso do homem às ciências maiores – o Latim fazia parte dos conheci-mentos necessários e aferidos àqueles que desejassem ingressar nas universidades –, e da fé, sendo, inclusive, útil para a manutenção do equilíbrio monárquico, para que o homem, conhecedor da vontade de Deus e do direito natural, não se insurgisse contra a monarquia, pecado mortal, mantendo-se submisso à vontade de Deus na Terra:

Em todo o tempo se tem reconhecido por hum dos meyos indispensaveis para se conservarem a união Christãa e a Sociedade Civil, e para dar á virtude o seu justo valor, a boa educação, e ensino da mocidade. Para se conseguirem pois fins tão nobres, he certamente necessario estabelecer os principios mais accommodados, e que sirvão de base a hum tão recomendável edifício (Instrucções, §I, apud ANDRADE, 1978, p. 167).

Sendo o primeiro parágrafo de caráter abrangente, a partir do segundo as orientações são todas verticalizadas para a importância incontestável do ensino de Latim. Em uma breve reflexão, percebemos que a presença da Língua Latina é fator basilar de diferenciação entre o ensino chamado elementar e os estudos menores. Para Chervel (1992, p. 103), é “o latim, desde o início, que serve como única discriminação entre o primário”, ou Saberes Elementares, e os estudos de Humanidades, ou Menores. O método adotado neste ensino deveria ser breve e de tal sorte eficiente que possibilitasse aos alunos passarem a estudos mais avançados, como atesta o Alvará Régio.

Considerada como língua-sagrada por Anderson (2008), língua de cultura por Barros (1540) e Gândavo (1574), o Latim conservou seu status no ensino, mesmo não sendo mais a língua em que se daria a aprendizagem das Humanidades, mantendo-se como objeto principal das reformas dos Estudos Menores. Para Chervel e

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Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 67

Compère (1999, p. 162), o ensino de Latim atendia às necessidades de determinada camada social e estava diretamente relacionado ao poder, à autoridade, à buro-cracia estatal. Sendo tal ensino importante para o Estado português, fé cristã e a sociedade civil para a manutenção da governabilidade, tornar o ensino de Latim agradável era um dos princípios mais acertados:

Que hum destes principios veja a sciencia da Lingua Latina, he ponto averiguado, que não necessita de demonstração. Por isso o que há de importante nesta parte, he descobrir, e prescrever os meyos de se adquirir esta Scien-cia com brevidade, e por hum modo, que sirva de exercitar em que os que aprendem hum vivo desejo de passarem ás Sciencias maiores.Pelo que observarão exactamente os Profes-sores desta porção dos bons Estudos o que se determinar nesta Instrucção: A qual não poderão alterar em parte, ou em todo, sem especial faculdade de Sua Magestade (Instruc-ções, §II e §III, apud ANDRADE, 1978, p. 167).

Quanto ao método empregado pelos Jesuítas e de-pois contestado nas reformas, Verney (1746, p. 60-62) afirmou que para seus idealizadores, aquele método não feria a capacidade de aprendizagem dos alunos. Pelo contrário, exercitava-lhes a memória, podendo a ela recorrer sempre que houvesse necessidade. Utili-zando a mesma justificativa, o Barbadinho afirmou ser ela infantil e ridícula, já que os alunos nada entendiam, ou quase nada, daquilo que decoravam, e que não sendo em língua vulgar as explicações imprescindíveis ao entendimento do método utilizado, a dificuldade no ensino era certa. Para ele, o mundo carecia de boas notícias e de um bom método de ensino, como visto no passado, e os homens, ocupados que estavam, não se importaram com o ensino de Letras e Ciências, tampouco com a forma como estavam sendo ensinadas. Já para Sanches (1922, p. 174-175), o Latim era a porta de en-trada do jovem no mundo do conhecimento, que fosse dado somente àqueles que dele fizessem real proveito, concluindo que “a educação que se deve dar à nobreza e à fidalguia portuguesa deve proporcionar-se à neces-sidade e ao estado atual da sua pátria”. Ele, no entanto, não alude ao método, senão quando trata do ensino nas escolas militares, afirmando que as lições de Gramática deviam ser dadas na sua própria língua, a fim de escrever e compor com propriedade e elegância a Língua Latina, a Castelhana, a Francesa e a Inglesa.

Compreendemos ser o ensino pelo método direto o problema mais recorrente nas Instrucções, e não faltaram críticas por parte dos analisadores do período pombalino a esse aspecto. Carvalho (1978), Ferrér (1997) e Oliveira

(2010b) apontam convergências entre o que a legislação versava acerca do ensino do Latim pelo próprio Latim e o que dizia Verney no Verdadeiro Método de Estudar. Para Ferrér (1997, p. 55), a obra de Verney (1746) foi, sem dúvida, influência positiva na construção do projeto educacional pombalino, e sua análise acerca da educação lusitana e método de ensino gerou verdadeiro embate entre os Inacianos e os Oratorianos, o que rendeu não menos que quarenta livros em resposta à sua obra. Se para os educadores da Companhia, o ensino de Latim de-veria ser dado unicamente pelo idioma que se pretendia aprender, para Verney (1746) deveria ser em português. Para ele, o ensino indireto foi pensado e defendido in-clusive pelo maior representante da pedagogia jesuítica, o padre inaciano Manoel Álvares, mas mesmo a prática deste padre era incompatível com sua postura:

a gramática latina para os Portuguezes, deve ser em Portuguez. E isto parece quis dizer o P. Manoel Alvarez, na advertência que faz aos mestres, no-fim das-declinasoes dos-Verbos. aindaque ele praticase o contrario, do-que aconselha: pois deveria, nam ter dado o exem-plo, introduzindo uma Gramatica puramente Latina. A outra coisa que se-deve reprovar é, que obriguem os rapazes, a aprender trez sortes de regras: em verso, em proza Latina, e em proza Vulgar; como adverte bem o dito Padre. Isto, quando nam lhe-queiramos dar outro nome, é perder tempo, sem uitlidade, e com prejuízo grande: sem aver outra razam, que seguir um costume envelhecido, ainda-que prejudicial (VERNEY, 1746, p. 61).

Com base no que disse Verney (1746) acerca do en-sino de Gramática Latina, é certo pensar que o texto das Instrucções encontrou nele respaldo e certa identidade e reconhecimento. O parágrafo quarto inicia-se afir-mando que os homens sábios de Portugal reconheciam que o ensino de Latim não podia ser dado pelo método direto, mas o indireto ou Methodo Abreviado, para falar como a lei, fazendo uso da língua vernacular como ponte para aquisição da língua da cultura. O texto ainda indicava que fossem os compêndios reformados de Felix Mendes e Antonio Pereira utilizados nas aulas régias, e que o ensino transcorra de forma clara e fácil, para não desestimular os alunos:

Todos os Homens sabios uniformemente confessão que deve ser em vulgar o Methodo para aprender os preceitos da Grammatica; pois não há maior absurdo, que intentar aprender huma Lingua no mesmo idioma, que se ignora. Tambem assentão que o Methodo

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deve ser breve, claro, e facil, para não ator-mentar aos Estudantes com huma multidão de preceitos, que ainda em idades maiores causão confuzão. Por esta razão somente de-vem usar os professores do Methodo abrevia-do feito para uso das Escolas da Congregação do Oratorio, ou da Arte de Grammatica Latina reformada por Antonio Felix Mendes, que tem as referidas circunstancias (Instrucções, §IV, apud ANDRADE, 1978, p. 168).

O ensino facilitado, por assim dizer, não privava os mestres de demonstrar total entendimento do assunto, mas apontava para a utilidade do ensino. Percebemos uma seleção de adjetivos que ratificam a necessidade de tornar prático o ensino, a exemplo de ‘breve’, ‘claro’, ‘fácil’, ‘puro’, ‘simples’ e outros tantos que desquali-ficam o método alvarista, como ‘fastidioso’, ‘escuro’, ‘defeituoso’, ‘pernicioso’. Cremos que esse elenco de termos serve para deixar contundente a oposição real não somente ao método, mas à própria Companhia, aos compêndios e aos padres Inacianos. Fato é que, além de privar os alunos dos compêndios jesuíticos, as Instrucções e o Alvará Régio criavam também um cânone para os professores privando-os dos autores pertencentes àquela Ordem religiosa. Para eles, seriam a Minerva, de Francisco Sanches, a Gramática de Vossio, Scioppio, Port-Roial, Cellario, Dausquio, Aldo Manucio, Schurtzfleischio. Os três primeiros autores também foram citados por Verney (1746, p. 63) quanto ao ensi-no de gramática, sendo eles autoridades no assunto e imitados pelos grandes gramáticos que os prescederam. No parágrafo VIII, as Instrucções deixam claro que outros compêndios importantes poderiam ser também uteis ao ensino, mesmo não fazendo parte, naquele momento, do cânone reformado, mas a cautela ditava que mesmo aqueles deveriam seguir o Methodo Abreviado.

3. As Instrucções e a escolarização da disciplina

Vimos que o Alvará trazia a distribuição de profes-sores régios pela Corte, cidades, vilas e províncias do Reino de acordo com cada uma das línguas que faziam parte do ensino de Humanidades e necessidade do local. As Instrucções, por sua vez, versavam sobre como os professores e alunos fariam uso dessas aulas régias e do tempo destinado a cada uma delas. Os parágrafos de XI a XV tratavam do cuidado no ensino, com a prática de leitura por parte dos alunos, que deveria ser clara e pausada. Nos exercícios de escrita, dever-se-ia atentar para a ortografia, sendo indicado, inclusive, um com-pêndio de Luís Antonio Verney de ortografia latina. O

ensino deveria partir do entendimento da frase e termos das orações, análise de textos em prosa e somente ao final, quando os alunos estivessem familiarizados com a língua, seriam apresentados à poesia. Dado o progresso, os professores passariam a explicar as diferenças entre os estilos literários presentes nas poesias e nos textos em prosa. A prática dessas atividades se daria durante as aulas e seria desenvolvida em casa e em dias alter-nados, a fim de que o aluno não ficasse sobrecarregado, como na administração jesuítica. Com relação a isso, era proibida a prática de tomar de cor as lições, sendo substituídas, na prática, pelos diálogos, conforme se vê no parágrafo XVIII, das Instrucções.

Como se disse, não era permitido falar em Latim durante as aulas de Gramática Latina, pelo perigo que havia de “cahir em infinitos barbarismos, sem que aliás se tire utilidade alguma do uso do falar” (Instrucções, §IV, apud ANDRADE, 1978, p. 172). Mas, assim que os estudantes demonstrassem domínio da língua, poderiam os professores praticá-lo, passando exercícios orais com diálogos familiares ou histórias, que os discípulos deve-riam treinar em casa e passar a vista durante as aulas. Foram indicados, para este fim, a Colleção dos Dialogos, de Luís Vives, Colleção de palavras familiares Portu-guesas e Latinas e Novo Método da Gramática Latina, ambas de Antonio Pereira de Figueiredo, Exercicios de Língua Latina e Portugueza acerca de diversas cousas, organizados pela Congregação do Oratório.

Não vimos em nenhum dos parágrafos menção à avaliação desses alunos, fosse ela periódica ou esporádi-ca, senão aquela de Gramática Grega e de Retórica com vistas à confirmação da eficácia do Methodo Reduzido ao ingresso nos quatro cursos da Universidade de Coimbra, ou mesmo mudança de classe professor régio. Segundo Cardoso (2002, p. 220), a obrigatoriedade de se examinar a aprendizagem do aluno por meio de avaliação escolar somente se deu em 1832, setenta e três anos após a implantação de aulas públicas no Brasil.

Os quatro últimos parágrafos das Instruções para pro-fessores de Gramática Latina apontam para a escolariza-ção a que nos referimos anteriormente. Há a distribuição de horas de estudos em dias e turnos e o momento de folga dos alunos, sejam elas correspondentes aos dias santos, ao Natal, à Páscoa ou às férias. Quanto ao tempo destinado às aulas de Gramática Latina, seria durante três horas pela manhã e outro tanto à tarde; as folgas, feriados e férias seguiriam calendário pré-estabelecido e somente seriam aceitos alunos vindos de outras aulas régias se apresentassem atestação que não os detra-tasse. Acerca da distribuição de horas de cada aula, é possível afirmar que um aluno poderia ter todo o dia dedicado aos estudos e estar matriculado em aulas de gramáticas distintas, facultando-lhe frequentar aula à sua escolha, “podendo cursar apenas uma Cadeira ou Aula,

>>> Artigo

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 69

Quadro 3 – Plano de estudos reformado de Humanidades – línguas clássicas – de acordo com a Lei Geral dos Estudos Menores e Instrucções

Disciplina e distribuição de

professoresTempo de estudo Divisão de Assuntos Compêndios

Gramática Latina

Seriam abertas 01 ou 02 por Vila ou Província; 01 por bairro em Lisboa (entre 08 e 10, no total). Como não havia uma di-visão regular espacial em Lisboa, foram mandadas abrir as aulas e outras se-riam ofertadas de acordo com a necessidade.

Os alunos teriam 03 horas pela manhã e 03 horas pela tarde, diariamente. A ex-ceção ficava por conta das quintas-feiras santificadas, caso contrário, teriam aula também nesse dia.

As férias seriam todas tira-das no mês de setembro, incondicionalmente. Esse período poderia se modifi-cado com a autorização do Diretor Geral dos Estudos.

Todos os feriados religiosos foram mantidos para o bem da fé, como os 08 dias de folga natalina, a folga na Se-mana Santa e os 03 dias no Jubileu das Quarenta Horas (período de Quaresma).

Todo o ensino seria dado em língua portuguesa. Di-ferente da divisão do Ratio, os alunos não aprenderiam por classes, da Ínfima à Su-prema, mas veriam todos os assuntos vistos naquela divi-são, só que mais aligeirado.

Os assuntos iniciais eram nomes, verbos e partículas latinas, casos latinos e suas declinações.

Eles também aprendiam os termos e frases latinas, faziam leitura e tradução de obras em prosa, diferencia-ção estilística entre poesia e prosa e análise de poesias.

Por fim, compunham em La-tim e, comprovada a aquisi-ção da latina, partiam para a prática da oralidade através dos diálogos familiares.

Ortografia Latina (1747), Luiz Antonio Verney; Novo Me-thodo de Gramatica Latina (1752), Padre Antonio Pereira de Figueiredo; Arte da Gra-mática Latina (1737), Antonio Felix Mendes; Minerva (1587), Francisco Sanches.

Os professores poderiam fazer usos da Gramática Latina de qualquer um dos seguintes escritores: Vossio, Scioppio, Port-Roial, Heuzet; Collecção de sermões latinos (1752), Chompré.

Collecção de Diálogos, Luís Vi-ves; Collecção das palavras fa-miliares latinas e portuguesas, Antonio Pereira de Figueiredo. Essa obra substituiu a Prosódia de Bento Pereira

Exercícios da língua latina e portuguesa acerca de diver-sas cousas, Congregação do Oratório.

Gramática Grega

Seriam distribuídos 04 professores na Corte, 02 em Coimbra, 02 em Évora, 02 Porto, 01 por Cidades e Vilas cabeça de Comarca

Os alunos teriam 02 horas pela manhã e o mesmo tempo pela tarde, mais ½ hora de leitura de clássicos latinos. Da mesma forma que acontece com a Língua Latina, os alunos teriam folga as quintas-feiras santi-ficadas, férias em setembro, 08 dias de folga natalina, folga na Semana Santa, 03 dias de folga no Jubileu das Quarenta Horas (período de Quaresma). Pela divisão, é certo afirmar que os alunos teriam aulas de Latim e Grego concomitantemente.

Todo o ensino seria dado em língua portuguesa. As aulas teriam leitura oral clara e discreta, escrita de letras, sílabas e abreviatu-ras, aprenderiam as par-tes da gramática Grega: declinações, conjugações, composições. Aprendida essa primeira parte, fariam construção de texto, tra-dução do grego em Latim e em português e exercícios para prática da oralidade (diálogos familiares).

Gramática Grega de Port-Roial traduzida em português; Evangelho de Lucas; Atos dos apóstolos; Textos seleciona-dos de Heródoto, Xenofonte, Theofrasto; Clássicos de Ho-mero; Collecção de Patuza, organizada pela Academia Real de Napoles; Dicionário Manual, de Screvelio, para os alunos; Dicionário de Escapula e Thesouro de Carlos Estevão, para os professores; Methodo Grande, de Port-Roial.

Gramática Hebraica

Segue o recomendado para a Língua Grega

Segue o recomendado para a Língua Grega

Não há indicação de compêndios

Fonte: Este quadro foi criado a partir das informações contidas no Alvará Régio e Instrucções públicas para professores de línguas e Retórica pro-mulgados em 28 de junho de 1759 (PORTUGAL, 1830).

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70 Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França

Quadro 4 – Plano de estudos reformado de Humanidades – Retórica – de acordo com a Lei Geral dos Estudos Menores e Instrucções

Disciplina e distribuição de

professoresTempo de estudo Divisão de Assuntos Compêndios

Retórica

Foram distribuídos 04 professores para Lis-boa, 02 em Coimbra, 02 em Évora, 02 no Porto, 01 por Cidades e Vilas cabeça de Comarca

Não há nas Instrucções divisão de horas nem dias para esse ensino. Como podemos perceber na his-toriografia, havia escassez de professores para essa disciplina, mas cremos, mesmo que a falta de di-visão de tempo não estava atrelada a esse fator, mas à própria conformação do ensino e deveria fazer parte das aulas de gra-mática latina, já que em ambas vemos a análise de textos, a prática da oralidade não atrelada á capacidade mnemônica, mas ao entendimento dos textos clássicos.

As folgas seguiam a mesma ordem das línguas: folga as quintas-feiras santificadas, férias em setembro, 08 dias de folga natalina, folga na Semana Santa, 03 dias de folga no Jubileu das Quarenta Horas (período de Quaresma).

Ultimo dos ensinos de Hu-manidades. Deveria ser dado depois de comprova-do o progresso dos alunos na aquisição do Latim e concomitantemente a ele.

Os alunos aprenderiam composição de todos os gêneros, explicação dos au-tores exponenciais, como Cícero e Tito Lívio, faziam análise de textos, levando em consideração o estilo, a beleza e os defeitos, os discursos.

Alem disso, estudariam Elocução: estilos de cartas, diálogos, obras didáticas, declamações, crítica lite-rária, filologia, regras de poesia e eloquência e, por fim, exercício prático do púlpito, ou seja, falar em público.

Rhetorica (1674), Aristóte-les; Rhetorica (1732), Bispo Agostinho Valerio; Orações Selletas, Cícero; Instruções, Quintiliano; Textos de Vossio Rolin, Frei Luís de Granada

Fonte: Este quadro foi criado a partir das informações contidas no Alvará Régio e Instrucções públicas para professores de línguas e Retórica pro-mulgados em 28 de junho de 1759 (PORTUGAL, 1830).

ou mais de uma, de acordo com seus objetivos futuros” (CARDOSO, 2002, p. 206). Quanto às férias, não houve distinção entre as praticadas na Corte e as praticadas nas colônias, não sendo levadas em consideração as di-ferenças climáticas características dos territórios a que se destinavam tais orientações. A mudança praticada no tempo de aula e período de férias implicava em pe-nalidade contra o professor que assim procedesse. No entanto, segundo a mesma autora, em Portugal houve mudança no calendário de férias para não prejudicar a época de colheita agrícola (2002, p. 205).

As observações acerca do cumprimento do tempo de estudo, dias de folga e período dão conta de que deveriam ser aplicadas apenas nas aulas dos aos pro-fessores públicos, aqueles responsáveis pelas aulas. Os

professores particulares, parece-nos, estavam isentos de tais cumprimentos. Convém ratificar, neste momen-to, que fora das classes e escolas não seria concedido o direito de ensinar nem pública, nem particularmente, sem a aprovação e licença do Diretor Geral dos Estu-dos. Tal liberação seria adquirida após ser examinado por dois professores régios de gramática, apresentar requisitos de bons costumes, folha corrida passada pela polícia e clero, ciência, prudência, habilidades literárias, e domínio das gramáticas Latina, Grega e Hebraica (ANDRADE, 1978, p. 174). Vê-se que não havia distinção entre os professores que ministrariam aulas régias e os demais: todos que pretendiam lecionar se-riam examinados pela banca e licenciados pelo Diretor Geral dos Estudos.

>>> Artigo

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 71

A organização dos estudos estava diretamente rela-cionada ao calendário católico. Quanto à presença dos alunos, nenhum seria aceito nas aulas sem a anuência do Diretor Geral comprovada por autorização que afir-masse não ser desmerecido tê-lo em suas aulas. Caso fosse constatado que algum professor recebeu aluno transferido sem o conhecimento do Diretor Geral ou seus deputados, sofreria todas as sanções legais. Quan-to a isso, Andrade (1978, 61-62) relata que o próprio Diretor Geral havia se manifestado acerca das várias transferências sem autorização que vinham sendo prati-cadas na capitania de Pernambuco, e os professores que recebessem tais alunos, em sua maioria saída das aulas dos professores régios da Corte, deveriam ser impedidos de continuar exercendo a profissão.

Caso fosse percebido que algum aluno não se adap-tava às aulas régias ou sua conduta fosse incompatível com a moral e bons costumes, deveria ser punido exemplarmente e após isso entregue ao Diretor Geral para ser corrigido. O aluno que se encontrasse em tal situação seria considerado inábil para os estudos, devendo “buscar emprego proprio da sua condição, e talento: E evitando-se assim, que a classe perca a sua reputação pela negligencia, ou inércia dos que nella entrarem” (Instrucções, §XXII, apud ANDRADE, 1978, p. 174). Por fim, no último parágrafo, uma informação acerca da substituição dos professores por moléstia grave ou qualquer outra razão que os tirasse das aulas, sendo imediatamente indicado outro professor em seu lugar, de sorte que razão alguma parem os estudos régios:

Succedendo, que o Professor tenha moléstia grave, e de mais tempo, dará parte ao Director para lhe nomear substituto capaz, e habil para suprir a sua falta: De sorte, que por nenhum modo succeda pararem os Estudos (Instruc-ções, § XXIII, apud ANDRADE, 1978, p. 174).

As Instruções régias são notadamente um instrumen-to de efetivação das Reformas Pombalinas dos Estudos Menores. Se houve necessidade de as publicar, foi por-que a prática era totalmente divergente e aos professores foram delegadas normas de conduta e de ensino que seguissem a vontade do legislador para educação pública a serviço do Estado. A efetivação, no entanto, segundo nos informam Silva (2006), quando trata das aulas régias na Bahia, Andrade (1978) e Carvalho (1978), quando fazem a análise do período, levando em consideração as correspondências trocadas entre o Diretor Geral e seus deputados, Cardoso (2002), quando aborda os fundamentos e prática das aulas régias no Rio de Janeiro, no período compreendido entre 1759 e 1834, apontam para dificuldades de toda ordem, sendo minimizadas na segunda fase das reformas. No entanto, deixam clara a

importância das reformas para a educação portuguesa e brasileira e reforçam a continuidade de seus princípios, mesmo depois do afastamento de Pombal.

Considerações finaisO Marquês queria algo muito mais substancioso e

a referida Lei contribui para essa afirmativa, pois nela há indicação de que a hierarquia estabelecida entre os índios deveria ser considerada pública e intimamente por todos, principalmente pelos Diretores. Esse respei-to público aos índios e a tentativa de considerá-lo tão “homem” quanto o português poderia satisfazer a duas prerrogativas: agregar o índio ao projeto nacionalista, minando qualquer resistência às imposições postas e/ou que estavam por vir e provar que a saída da Com-panhia de Jesus não significaria orfandade aos nativos, que os portugueses estavam ali e seu apoio iria além do catequético.

Entendemos que a mudança do método, a composi-ção de novo cânone, a escolarização do ensino, ou qual-quer outro aspecto ligado à educação não seria realizado se não houvesse um profissional habilitado para tal fim. O ponto fulcral das reformas está na institucionalização da profissão docente, estabelecendo uma série de orienta-ções às quais os professores, então a serviço do Estado, estariam subordinados e seriam regidos, e a necessidade de comprovar conhecimentos e boa conduta. Como se disse, a prática não correspondeu necessariamente à teoria, posto que houvesse a necessidade de reformar o ensino em 1772, dada a percepção de que o primeiro momento não foi aquilo que o Estado havia planejado. Mesmo passando por mudanças, um aspecto continuou da mesma forma: a presença dos professores como sujeitos primordiais na execução da segunda fase das reformas da instrução pública.

A legislação pombalina significou a instituciona-lização da profissão docente, até então exercida por padres ou graduados em áreas diversas, exigindo para a obtenção da credencial de professor a aprovação em concurso público. Tal aprovação dava direito a lecionar sob a tutela do governo ou a ministrar aula particular; a extinção das escolas e classes jesuítas em todo território português e seus domínios, bem como a reformulação da Gramática Latina, que passou a ser ensinada em português. A proibição de aulas ministradas pelos re-ligiosos não significava a separação entre o Estado e a Igreja, mas o desejo de Pombal de retirar dos Jesuítas a influência exercida sobre os colonos. Era a aplicação do pensamento Iluminista que vigorava na Europa sendo introduzido em Portugal.

Diante das considerações apresentadas acerca da institucionalização da profissão docente ocorrida em meados do século XVIII, principalmente a forma de in-gresso nela, e como esse fator se apresentou nos anos

> Sara Rogéria Santos Barbosa <

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seguintes, percebemos o quanto se pode alcançar por força da lei. Não é justo afirmar que anteriormente às reformas pombalinas não havia preocupação com o tipo de pessoa que era responsável por ensinar os discípulos, mas fato é que após o Alvará Régio o Estado passou a ter controle sobre a educação e, mesmo que não tenha sido como se esperava, os professores acabaram sendo examinados antes de abrir aulas pelas vilas e províncias da Corte ou das colônias. Transformar a educação em estatal configurou um avanço no século XVIII e tal pro-cedimento, parece-nos, tinha resultados melhores que qualquer outro método, já que acabou resistindo ao pas-sar do tempo e a outras formas de ingresso na profissão.

As Instrucções para os professores aprovados em exame público foram divididas de acordo com aulas que foram abertas pelo Estado, Gramática Latina, Gramática Grega, Gramática Hebraica e Retórica, nomeadas de Humanidades. Para cada uma dessas ciências foram elen-cadas várias instruções, tanto de ordem pragmática do ensino, quanto de conduta dos sujeitos da educação. No entanto, nos detivemos apenas nas orientações para pro-fessores de Gramática Latina, nosso objeto de pesquisa. No decorrer da análise, foi possível estabelecer pontos

cruciais com a necessidade portuguesa de formar um Estado-Nação cujo povo honrasse ao rei e obedecesse a Deus. Prova é que logo no início há clara admoestação acerca da conservação da fé cristã e sociedade civil, conseguidas apenas pela civilidade, possível através do conhecimento das ciências.

Por sua vez, tal conhecimento só seria alcançado com a aquisição da Língua Latina. É um jogo de ideias que torna indissociável o projeto de ilustração portu-guesa da reforma do ensino. Percebemos também que a escolarização dos saberes já se fazia presente durante o período pombalino. Para tanto, utilizando os pressu-postos teóricos da historia da educação, principalmente aqueles utilizados neste trabalho e que falam acerca da disciplina escolar e escolarização, identificamos aspectos que comprovam tal processo naquele momento.

As reformas pombalinas significaram uma mudança importante no cenário português e brasileiro durante a segunda metade do século XVIII, sendo impossível não nos referirmos a elas quando analisamos a história da educação desses dois países, senão por considerar sua amplitude e importância, pelo menos para analisar sua eficácia e permanência no tempo..

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RESUMO

Este artigo se propôs a fazer uma abordagem em torno do gestor cultural, mais especificamente sobre os aspectos conceituais e práticos da sua formação, a partir de uma revisão bibliográfica e de uma perspectiva integrada do processo de formação no âmbito da gestão e da cultura. Nesse contexto, o propósito está em levantar al-gumas questões e conceitos sobre gestão como ferramenta administrativa e cultura no sentido mais amplo do termo para, a partir dessa refle-xão, apresentar diretrizes para a formação do gestor cultural. Neste artigo, concentramo-nos em um modelo de formação que possa dar con-ta das demandas desse novo perfil profissional que atua no universo contemporâneo e comple-xo como é o mundo da cultura, nas mais diver-sas expressões e manifestações.

Palavras-chave: gestor cultural, gestão, cultura, setor cultural, formação.

ABSTRACT

This article proposes to make an approach around the cultural manager, more spe-cifically on the conceptual and practical aspects of their training, from a literature review and an integrated view of the train-ing process in the management and culture . In this context the purpose is to raise some issues and concepts of management as ad-ministrative tool and culture in the broad-est sense of the term and, from this analysis provide guidelines for the formation of the cultural manager. In this article, we focus on a training model that can cope with the de-mands of this new professional profile that acts in contemporary universe and complex as the world of culture, in various expres-sions and manifestations.

Keywords: cultural manager, management, cul-ture, cultural sector, training.

TelmA mAriA delmOndeS f. SAnTAnA• Graduada em Administração, Consultora de Empresas e CEO do Instituto Saberes. Especialista

em Consultora Empresarial. Professora da FSLF.

[email protected]

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IntroduçãoA partir do momento em que tive contato com as

disciplinas do Curso de Gestão Cultural, percebi a im-portância da formação do Gestor Cultural no mundo contemporâneo e a nítida relação desses estudos com o processo de capacitação de gestores que venho de-senvolvendo ao longo da minha vida profissional, no sentido de desenvolver processos de transformação de indivíduos, grupos e organizações.

Este artigo é uma reflexão sobre o processo de formação do gestor cultural e sua profissionalização, diante dos inúmeros desafios que se impõem nessa ex-pansão do setor cultural brasileiro. Não há mais espa-ço para improvisação. A profissionalização na área da cultura vem sendo bastante debatida nos últimos anos, com impacto nas políticas públicas, principalmente da formação do gestor cultural.

Há uma preocupação, nos últimos anos, de formar profissionais para atender a demanda do mercado cul-tural, com conhecimentos de disciplinas administrati-vas, técnicas, de elaboração de projetos e capacitações para domínio das leis de incentivo cultural. Em face dessas inquietações, apresenta-se uma questão como objeto de estudo desse artigo: como desenvolver um modelo dinâmico de formação do gestor cultural de forma integrada para atuar com as diferentes dimen-sões do termo cultura, com um olhar sensível e exercer com competência o ofício da gestão no chamado setor cultural, gerando riqueza a partir do desenvolvimento de indivíduos, grupos e organizações?

Como estruturar um curso de formação do gestor cul-tural, seja de extensão, graduação ou de pós-graduação, que possibilite dar conta de tantas demandas, sem uma visão de desenvolvimento integral do profissional que vai atuar em um ambiente complexo, dinâmico e com exigên-cia de conhecimentos cada vez mais profundos?

A formação do gestor cultural pode ser considerada – e de fato o é – uma estratégia para a implementação de uma política cultural mais ampla, que carece de pro-fissionais com qualificação, com bagagem cultural e do-mínio de um repertório de habilidades que o credencie como um mediador, um articulador nas variadas áreas do conhecimento humano. Segundo Bendixen (Bendi-xen apud Hanson 2002, p.5), um gestor cultural é;

Um pioneiro social e um criador de esferas públi-cas e privadas relevantes e eficazes, destacando nessas atividades, a comunicação como habili-dade prevalente. A ênfase no seu treinamento é, ou deveria ser, em competência social, imagina-ção cultural e conhecimento das artes. Ele tam-bém deve ser capaz de usar as ferramentas de marketing, finanças, relações trabalhis-tas e contabilidade.

A própria Constituição Federal, no seu artigo 215, paragrafo terceiro, item III, estabeleceu a necessidade de “formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões” e mais recente-mente a Lei nº 12.343 de 21/12/2010, que instituiu o Plano Nacional de Cultura - PNC, os itens XI e XII res-pectivamente, reforçou o compromisso de qualificar a gestão na área cultural nos setores público e privado e profissionalizar e especializar os agentes e gestores culturais.

Nesse contexto, o desenvolvimento do gestor cul-tural vai além da preparação profissional para lidar com a cultura enquanto ‘negócio” na perspectiva mer-cadológica. É necessário adotar a perspectiva huma-nista e de desenvolvimento socioeconômico. Segundo Liliana Souza ( 2010, p.10) os gestores culturais são:

Atores que intervêm ou podem intervir, em sentido positivo ou negativo, na articulação das políticas sociais e culturais. Os gestores são uma variável dinâmica do território, que mudam e evoluem segundo o contexto e que representam um fator determinante de consolidação da inter-venção social e garantia democrática. Por outro lado, sua atuação será fortemente influenciada por fatores contextuais, o que aponta para a im-portância de adotar um olhar mais abrangente, que vá além de circunstâncias particularizadas e que busque uma perspectiva mais ampla, uni-versalista, alinhada aos direitos humanos.

Dennis Hanson enfatiza que um gestor cultural deve ter um envolvimento ativo nas artes e cultura seja como praticante, observador ou consumidor e ter uma tendência para a autorreflexão e para o desen-volvimento profissional continuado.

Hirch (1972, p. 641) considera que os “bens culturais são bens não materiais, direcionados a um público de consumidores para os quais geralmente têm uma fun-ção mais estética ou expressiva do que uma função utilitária”. Exige-se uma sensibilidade maior para lidar com questões do mundo cultural de forma diferencia-da uma vez que o valor de um bem cultural não se encerra no seu valor utilitário, mas sim no valor sim-bólico e na experiência subjetiva que provoca no con-sumidor de cultura.

Apesar da existência do fazer cultural em todos os tempos, o reconhecimento e valorização do espaço do gestor cultural no mundo do trabalho contemporâ-neo continua sendo uma luta diária por parte desses profissionais. A sua formação foi na maioria dos casos, construído por eles a partir dos desafios encontrados ao longo da sua trajetória lidando com questões cultu-rais, organizando eventos e muitas vezes atuando na cadeia produtiva cultural sem se dar conta da impor-tância do real papel do gestor cultural.

> Telma Maria Delmondes F. Santana <

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Portanto, integrar conceitos de gestão cultural aos conhecimentos de gestão que utilizo nos trabalhos de consultoria junto às organizações públicas e pri-vadas e ao conhecimento das artes em geral, possi-bilitou para mim um novo desenho para preparação de gestores culturais, além do desafio de oferecer alternativas para sua profissionalização.

Neste trabalho adotei um modelo de análise em duas dimensões: o entendimento da gestão como prática de natureza administrativa e essa prática na gestão da cultura e a formação do profissional como consumidor das artes, nas mais variadas ma-nifestações.

Para tanto, este artigo foi estruturado em três blocos, os quais foram expostos da seguinte forma:

O primeiro bloco é uma apresentação dos princi-pais enfoques teóricos selecionados e expõe tópicos sobre o entendimento do significado do termo ges-tão. No segundo bloco, aborda-se a importância da gestão na dimensão cultural e no terceiro bloco, o significado do termo cultura e do setor cultural.

O significado do termo Gestão

Em primeiro lugar, é importante conceituarmos o termo Gestão. As palavras sinalizam sempre algo, con-tém signos que indicam a sua origem, a sua raiz etimo-lógica. Na sua acepção literal, a palavra “gestão” tem origem em “ger”, a mesma raiz da palavra gestação, que significa fazer brotar, germinar, fazer nascer no sen-tido do processo por meio do qual se dá origem a algo, o que implica transformação. Do latim “gestio”, ges-tão também pode ser compreendida como “a ação de administrar ou dirigir”. Clemente Nóbrega (2004, p.15) afirmou que gestão é:

A disciplina que torna produtivos os saberes de vários campos do conhecimento. É por meio dela que as outras inovações produzem seus efeitos. Gestão começa com uma forma de mentalizar o mundo. Sempre que temos de tomar iniciativas para gerar um resultado precisamos de gestão.

Tudo o que implica administrar, organizar, coorde-nar para alcançar um propósito precisa de gestão. A gestão transforma conhecimentos em resultados. Re-sultados que podem segundo Motta (1994, p.26) “ser definidos, previstos, analisados e avaliados, mas que têm de ser alcançados através das pessoas e numa in-teração humana constante”.

Martinell (2001) defende a ideia de que gestão pede uma capacidade de definir objetivos e se apro-xima de certa criatividade na busca de alternativas e

inovação com especial atenção ao exterior e aos pro-cessos de seu contexto.

Quando se fala em resultado, se está falando de atingir objetivos, de alcançar um propósito. É o resul-tado que a gestão obtém na realidade que vai legiti-má-la, como ciência.

De uma perspectiva mais geral, pode ser entendi-da como um termo genérico que sugere de um lado, algo que pode ser tratado de modo científico, racional e de outro é visto como imprevisível, ambíguo, intuiti-vo e dependente das circunstâncias. A ciência da ges-tão é um processo de aprendizado das circunstâncias, de agir em função delas.

Martinell (2001) fala da gestão como uma ação complexa que nos distancia da estrita casualidade dos fatos e nos aproxima do conceito de política – enten-dida como opção.

Assim, a gestão é a arte de fazer escolhas e exi-ge a capacidade de fazer alguma coisa acontecer em contextos dinâmicos e específicos e isso envolve uma dose de criatividade na busca de alternativas e de ino-vação. A adoção de um modelo conceitual de gestão capacita o gestor a realizar o seu trabalho com base em referências que lhe permitem compreender a rea-lidade e tomar decisões. Modelo é a representação de uma realidade mais complexa e ajuda a entender um conjunto de premissas a respeito de determinados fe-nômenos. Um modelo é uma concepção teórica que o gestor precisar para dar conta da realidade. De acordo com Clemente Nóbrega, modelo é:

Um mecanismo mental que ele põe em mar-cha para prever quais causas produzem quais efeitos. Modelos de gestão variam consoante o tipo de organização, a empresa e os objetivos a atingir. Conforme a amplitude e natureza do seu objetivo distinguem-se pelo modelo e forma de aplicação (Nóbrega, 2004, p.15).

Dessa forma, entender o significado de gestão é um primeiro passo para se compreender a sua importância, quando o termo aparece relacionado à palavra cultural. Continuando o significado de gestão, Nóbrega comple-menta que “gestão é um ‘agir’ inspirado por uma ma-neira particular de mentalizar o mundo. Mesmo orga-nizações sem fins lucrativos e até pessoas, precisam de um modelo, de uma mentalidade gestão” (2004 p.15).

A importância da Gestão na Dimensão Cultural

A terminologia “Gestão Cultural” surgiu como uma área de atuação profissional na década de 1980, nos países íbero-americanos e os autores Zubíria, Trujillo e

>>> Artigo

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 77

Tabares, defendiam conceitos diferentes para o mes-mo termo, gerando conflitos e dificultando a sua com-preensão.

O primeiro conceito refere-se ao termo gestão cultural como uma nova denominação sem maiores impactos no setor cultural. O segundo conceito ques-tiona a utilização do termo gestão associado à cultu-ra em virtude da possibilidade de que a perspectiva econômica se sobressaia em demasia em relação à dimensão cultural. A terceira abordagem, reconhece que gestão cultural é o termo que mais se aproxima da realidade e contexto atual..

Pode-se afirmar que a gestão cultural sendo um novo campo de trabalho, nasce com a contradição que gera uma tensão dialética entre o que é praticado atu-almente no mercado e o que deve ser, caracterizan-do a profissão do gestor cultural como uma atividade de certo modo complexa em função dos desafios que tem pela frente.

Cunha (2007) fala que se deve considerar, portan-to, que a gestão cultural estabelece relações entre as questões artísticas e culturais associadas aos conheci-mentos sociológicos, antropológicos e políticos além da administração, economia, direito e comunicação, todos aplicáveis à esfera cultural.

Na última década, a relação da cultura como o modelo de desenvolvimento vem se estreitando a cada dia e se alterando em função das políticas im-plantadas. Refletir sobre o desenvolvimento é, por-tanto, o mais importante desafio intelectual dos anos vindouros (PNUD, 1997). É evidente que qual-quer modelo está em vias de transição e com a cultu-ra não é diferente.

Renato Ortiz (2007) fala que a noção de desenvolvi-mento pertence ao domínio da racionalidade e implica uma dimensão da sociedade na qual é possível atuar para transformar seja de uma forma ou de outra. Neste contexto, é evidente a relação entre cultura e desenvol-vimento e possibilita trabalhar temas relevantes para a sociedade. Kliksberg (2000, p.6) afirma que:

Todo o modelo está sofrendo seve-ras dificuldades por suas distâncias com os fatos, e as críticas proceden-tes de diversas origens se encaminha de um modo ou outro a recuperar a realidade tendo em vista produzir, em definitivo, políticas com melho-res oportunidades com respeito à meta finais.

A gestão da cultura implica uma valorização do in-tangível e do subjetivo (Martinell 2001) e para isso, é preciso entender os processos criativos e estabelecer

relações de cooperação com o mundo artístico e suas diversidades expressivas.

A busca de formação profissional mais qualificada surgiu em função do crescimento e da importância da área cultural no modelo de desenvolvimento e das re-lações sociais.

Mas qual é a essência da gestão cultural, o que se está gestando ao se fazer gestão cultural?

Maria Helena Cunha (2007) argumenta que o ges-tor cultural está sempre buscando um diálogo entre dois universos diferentes – o artístico e o da produção – sem impactar no processo criativo do artista. Uma das características do gestor cultural é justamente essa sensibilidade no campo das artes. E essa sensi-bilidade só é demonstrada quando o gestor cultural alarga seus horizontes nas múltiplas perspectivas, atu-ando para gerar resultados no cotidiano das organiza-ções e lidando com políticas, tecnologias e linguagens das diferentes manifestações culturais. De acordo com AVELAR (2010,p. 52), o gestor cultural é:

O profissional que administra grupos e instituições culturais, intermediando as relações dos artistas e dos demais profissionais da área com o Poder Público, as empresas patrocinadoras, os espaços culturais e o público consumidor de cultura; ou que desenvolve e administra atividades voltadas para a cultura em empresas privadas, órgãos públicos, organizações não governamentais e espaços culturais.

O êxito da gestão cultural depende em grande par-te da capacidade de mediação e de catalisação, capaz de gerar um processo de envolvimento e participação da sociedade no na forma de produzir cultura nas mais variadas expressões.

O significado do termo cultura e do setor cultural

Não há um conceito único e abrangente que defina cultura com significação precisa. Existe uma multipli-cidade de conceitos do termo e para fins do objeto de estudo desse artigo, utilizamos algumas abordagens.

O conceito de cultura com “um conjunto de carac-terísticas distintas, espirituais, materiais, intelectuais e afetivas que priorizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange além das artes e das letras, os modos, os sistemas de valores, as tradições e as cren-ças” foi reafirmado pela Conferência Mundial sobre Políticas Culturais, ocorrida no México (1982), promo-vido pela UNESCO.

Este conceito não integra o potencial da cultura enquanto elemento mobilizador de um setor econô-mico, o chamado setor cultural. Nas últimas décadas

> Telma Maria Delmondes F. Santana <

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do século vinte, a cultura aparece em toda a parte, não sendo mais considerada de interesse das pessoas cultas.

Na fala de Bourdieu (2001) a cultura permeia to-das as esferas e passa a ter importância e fazer parte da riqueza nacional, não apenas como consumo, mas como consumo produtivo, como um investimento na criação de um capital especificamente cultural.

Ao ser explorado como consumo produtivo, a cul-tura passa também a ser de dominação do poder e do capital econômico, transformando-se em um grande negócio, quando vista dessa forma. Segundo Yúdice (2004, p. 26), pode-se entender a cultura como:

“um recurso, como algo que é utilizado para fina-lidades diversas, sobretudo em expedientes que envolvem desenvolvimento econômico, promo-ção da cidadania e lutas por justiça social”. Isto porque, para além da grande circulação dos bens culturais nas sociedades modernas, a cultura é também utilizada como forma de fortalecer o te-cido social. Por isso no lugar de partir do conte-údo da cultura, conforme as visões tradicionais devemos partir de “uma abordagem da questão da cultura de nosso tempo, caracterizada como uma cultura de globalização acelerada, como um recurso.

Dessa forma, a cultura, está sempre mediada por conflitos de interesses em função do potencial de controle e dos resultados que poderá gerar a partir da sua gestão. Outra abordagem do termo cultura é o apresentado por Cavalcanti (2005, p. 30), como “uma trama de significados inerente à natureza coletiva da experiência humana”.

Diante desse quadro, conclui-se nessa primeira abordagem, que cultura é um termo amplo, genérico e reside justamente nessa abrangência a dificuldade em defini-la. A cultura traduz comportamentos e en-volve desde as relações materiais como as imateriais. Envolve crenças e valores que embasam todo um pro-cedimental social repleto de símbolos e significados, impactando na forma de relacionamento, de produ-ção e na maneira de enxergar o mundo.

Assim, com a amplitude de conceitos do termo cultura, é imprescindível que o gestor cultural esteja preparado para o exercício do diálogo em todos os ní-veis e construir pontes entre as diferentes percepções e identidades.

O grande desafio para o gestor cultural é pensar a cultura, compreender a sua função pública e os ideais de desenvolvimento humano.

Este é o pressuposto da reflexão de interesse que deve nortear as investigações teóricas a partir desse ponto do trabalho e demanda em sequência a com-preensão do que representa o setor cultural, ambien-te de atuação dos profissionais da cultura.

A cultura sempre foi tratada como patrimônio sim-bólico e como uma atividade econômica é recente na sociedade em que vivemos. Qual o conceito que se tem de setor cultural e qual é o papel desempenhado na contemporaneidade?

Nas últimas décadas, o setor cultural tem cresci-do de forma sem precedentes, gerando um mercado cultural importante para a atuação do gestor cultural e dos integrantes da cadeia produtiva em questão. O setor cultural contribui para a geração de emprego e renda em função das atividades artísticas, da indústria cultural e das atividades artesanais.

O documento Classificação Nacional de Ativida-des Econômicas (Cnae), delimitou o setor cultural em função das atividades econômicas relacionadas à in-dústria, ao comércio e serviços que tem uma relação direta e indireta com a cultura.

Na indústria, as atividades culturais que mais em-pregam são as atividades de edição, impressão de produtos gráficos e jornais, fabricação de artefatos de madeira, palha, cortiça e material trançado (ex-ceto móveis). No setor do comércio destacam-se as atividades de comércio varejista de livros, jornais e revistas; no comércio atacadista, artigos de escritório, papelaria, papel, papelão, livros, jornais e outras pu-blicações, além de computadores, equipamentos de telefonia e comunicação. No setor de serviços, des-tacam-se as instituições que oferecem cursos de qua-lificação profissional, treinamento e demais cursos, que incluem balé, música, artes, idiomas, entre outras atividades de ensino, de consultoria em software e de televisão, além de empresas de publicidade, foto-grafia, atividades cinematográficas e de vídeo, rádio e televisão, bibliotecas, arquivos, museus, patrimô-nios históricos e empresas ligadas ao lazer e diversão. Também fazem parte desse segmento, atividades de pesquisa e desenvolvimento, educação profissional e serviços prestados por empresas de telecomunicação e informática que, apesar de estarem relacionadas ao setor cultural, podem ser associadas a qualquer outra atividade econômica.

O setor da cultura é uma área de contínuo cres-cimento e com capacidade de desenvolvimento eco-nômico, humano e social de grandes proporções. De acordo com Miranda (2003, p.31), o mercado cultural “é norteado por critérios próprios, bastante específi-cos, exigindo resultados imediatos, como volume de público, repercussão na mídia e correlação entre in-vestimento e lucro”.

Em resumo, pode-se classificar o setor cultural, segundo o Cnae em indústrias de transformação, co-mércio, telecomunicações, atividades imobiliárias, aluguéis e serviços prestados às empresas, educação profissional e atividades de ensino e outros serviços coletivos, sociais e pessoais.

>>> Artigo

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Conforme se depreende através dos dados pesqui-sados, o setor cultural responde com a participação de 7% do PIB global, segundo estimativas do Banco Mundial, constituindo-se um setor estratégico que gera emprego e renda.

Por isso faz-se fundamental o desenvolvimento dos profissionais da cultura e principalmente do ges-tor cultural que atua como mediador de temas com-plexos de diferentes linguagens e manifestações artís-ticas, com a chamada indústria criativa, com proces-sos de comercialização e mais especificamente com as questões de direito, economia, comunicação e as tecnologias digitais, entre outras.

Reflexões sobre a formação do Gestor Cultural

na atualidadeO fortalecimento do setor cultural nas duas últi-

mas décadas provocou uma reflexão sobre a profis-sionalização do gestor cultural, em virtude das de-mandas das políticas públicas que impactam no setor, tornando-se um assunto estratégico que necessita de análise para sua efetivação.

Qualquer esforço pela melhoria da qualidade da formação do Gestor Cultural e suas deficiências de-pende do entendimento do que preocupa e do que incomoda nos tempos atuais. Entretanto, é preciso compreender em que contexto a realidade foi se de-lineando, quanto à oferta de políticas de capacitação oferecidas pelas instituições, órgãos e iniciativas par-ticulares, interessadas em reduzir o déficit de forma-ções, direcionadas ao aprendizado dos profissionais que atuam no setor.

De acordo com a tese sobre a Profissionalização da Organização da Cultura no Brasil: Uma análise da formação em produção, gestão cultural e políticas cul-turais, o autor afirma no seu resumo que:

A análise do contexto da sua formação merece um destaque que até então não foi dado, como peça importante para o desenvolvimento do setor. Para fundamentar essa análise desenvol-vemos um mapeamento que abrange de forma sistemática as mais diversas instituições que tra-balham na formação e qualificação em organiza-ção da cultura nos mais diferenciados níveis de aprimoramento (atividades presenciais e on-line de extensão, graduação, especialização, mestra-do, doutorado etc.) existentes na atualidade bra-sileira. (COSTA, 2011, p.8).

A partir das análises efetuadas no estudo em refe-rência, disponibilizado através do seu banco de dados on-line, foi possível se detectar as lacunas de deficiên-cia na oferta de formação de capacitação para o ges-

tor cultural e principalmente a maior delas, que é a carência de profissionais, com a formação acadêmica adequada, para ministrar as inúmeras disciplinas ne-cessárias para uma formação de qualidade.

Vale acrescentar que a falta de professores com formação acadêmica na área, favoreceu a proliferação de cursos na modalidade extensão (75,88%), que cum-prindo a sua finalidade, ser curso de extensão, ou seja cursos rápidos, com carga horária pequena, com ênfase na elaboração de projetos, captação de recursos e exe-cução de produtos e serviços culturais, não possibilitou o desenvolvimento de pesquisas e a produção de co-nhecimento, prática necessária à construção e fortale-cimento do profissional que pensa e atua como sujeito histórico, num ambiente de constantes mudanças.

Os cursos à distância representam 4,7% e apenas um quarto dos cursos faz exigência de entrega de tra-balhos de conclusão de curso, como prática metodoló-gica de aprendizado.

Outra questão importante para reflexão é a carên-cia de oferta na maior parte das regiões do país, so-mente privilegiando Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Belo Horizonte, que se apresentam com experiências exitosas de formação de seus profis-sionais, em nível de graduação e pós-graduação, com oferta regular.

Neste contexto de necessidades, situo a região nor-deste e especificamente o estado em que atuo profis-sionalmente, o Estado de Sergipe, como carente não somente de cursos de formação, mas principalmente da divulgação do que ocorre na área, pela pouca efi-ciência dos órgãos de cultura, seja na esfera estadual, como municipal.

Em Sergipe, os profissionais na área de gestão cul-tural descobriram a profissão também pela vivência cotidiana ao longo de sua trajetória, enveredando em determinadas áreas da cultura, mais pelas circunstân-cias, do que por escolha profissional.

O sociólogo Yúdice afirmou em uma entrevista dada ao pesquisador Durand (2002, p.59), quando provoca-do sobre as carências da administração cultural:

A primeira é a falta de infraestrutura que forme especialistas em administração cultural. Acho que as pessoas que entram nessa área na Amé-rica Latina entram por acidente: ninguém estuda para isso, exceto em alguns raros lugares; para estudos ambientais já existem cursos, mas para a cultura, não.

O que se depreende daí, é que a formação do gestor

cultural no Brasil tem sido contínua a partir de 1999, evoluindo na última década de forma contínua e gradu-al, confirmando que é uma profissão dos novos tempos e, portanto, em permanente processo de construção.

> Telma Maria Delmondes F. Santana <

80 Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França

É necessário, portanto, definir a partir das diretri-zes que já estão postas no âmbito nacional, através das políticas públicas culturais, um amplo programa de de-senvolvimento de gestores culturais, considerando as dimensões conceituais, técnicas e humanas, necessá-rias ao bom desempenho do profissional, para debelar o quadro de deficiências existentes. Além destes aspec-tos é preciso ampliar nas universidades, cursos para atender esse perfil de profissional e garantir além dos investimentos necessários, vagas para professores com esse novo perfil. CUNHA (2007, p.170) afirma que:

O autodidatismo não consegue responder a to-das as demandas do processo formativo que a complexificação do mercado cultural tem exigido dos seus profissionais, tampouco no ambiente estritamente acadêmico, pois não é suficiente-mente específico. Dessa forma, o gestor cultural foi compondo seu currículo específico a partir das necessidades de respostas profissionais que precisavam ser dadas ao mercado de trabalho.

Assim, é preciso refletir sobre o entendimento que os próprios profissionais possuem do significado e da importância da formação acadêmica como elemento que agrega valor e o valoriza, enquanto profissional da cultura, possibilitando a interlocução com outras áreas do conhecimento e com saberes que implicam no uni-verso da gestão.

A seguir, apresentamos algumas diretrizes para nor-tear e/ou confirmar a elaboração de conteúdos progra-máticos de cursos em todos os níveis, devendo haver tão somente, as adequações em função da exigência da modalidade, em que o curso se enquadra:

O desenvolvimento de gestores culturais deve orien-tar-se pela busca do equilíbrio entre a formação técnica, a formação humanística e a prática profissional, como instrumento de validação do processo formativo global;

A integração de saberes multidisciplinares na com-posição do curso, deve contribuir para o entendimento da complexidade e contradições da sociedade no seu atual estágio e visão das tendências e cenários que cer-tamente impactam na vida cotidiana e nos aspectos culturais;

O gestor cultural deve ser preparado para utilizar as novas tecnologias de acesso às redes sociais, como mecanismo de ampliação dos saberes e de interlocução com outras linguagens;

Alinhamento com a agenda política no seu âmbito de atuação, para atuar como elemento articulador entre os setores governamentais, privados e terceiro setor;

Aprendizado intenso de habilidades com instru-mentos de planejamento e gestão para lidar com os desafios do mundo do trabalho;

Apoiar e participar de estudos e desenvolvimento de pesquisas que façam do trabalho do gestor cultural um meio de acesso às oportunidades existentes;

O gestor cultural deve se qualificar para gestão da dimensão econômica com suporte necessário para o desenvolvimento dos projetos e iniciativas culturais;

Promover o desenvolvimento social por meio da cultura, ampliando o espírito crítico da sociedade e fazendo abordagens sociológicas, além da abordagem puramente mercadológica.

Fomentar através dos cursos, a apreciação da pro-dução cultural local como referencial na construção de projetos;

Incentivar durante o período de formação que o participante conheça o pensamento estético das artes em geral e tendências do cenário artístico;

Promover a diversidade cultural é valorizar as diver-sas manifestações culturais e promover a liberdade de expressão e emancipação social.

O entrecruzamento dos saberes estimula um cami-nho rico de possibilidades e de expectativas de apren-dizado, entregando de volta à sociedade, um capital intelectual com visão crítica, revigorado pelas reflexões e alimentado por novas utopias, ainda em construção, mas apto para cumprir com seu papel de gestor cultural na cadeia produtiva em que está inserido.

É importante salientar que uma das estratégias para a formação do gestor cultural é promover um alinha-mento de competências, necessárias ao seu desem-penho, a partir de um modelo conceitual. Um modelo conceitual é uma representação subjetiva e explicita a percepção sobre a realidade pretendida.

A seguir, apresenta-se um modelo conceitual de referência, como vetor para construção dos conteúdos programáticos das disciplinas constituintes de cursos de formação de gestores culturais, em conformidade com as diretrizes elencadas.

Modelo Conceitual - Formação do Gestor Cultural

Figura 1

FORMAÇÃO

>>> Artigo

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 81

O modelo apresenta uma intencionalidade operante que é a formação do Gestor Cultural no aspecto cogni-tivo, humanístico e de mercado, a partir da consciência de que o seu trabalho é uma forma de intervenção social, com carga valorativa para a sociedade.

Partindo dessa premissa, é recomendável que o gestor cultural, possa profissionalizar-se nas três abor-dagens apresentadas, incorporando as possibilidades de interdisciplinaridade, conforme se segue:

Temas - Educação em Gestãoa) Conceito de Gestão

b) Entendimento dos Instrumentos e Práticas de Gestão

c) Condução de Reuniões Produtivas

d) Administração de Agendas Compartilhadas

e) Delegação de Tarefas para indivíduos, grupos e organizações.

f) Planejamento Estratégico

g) Marketing Cultural

h) Organização Documental e dos Recursos In-formacionais

i) Liderança de Equipes, Negociação e adminis-tração de conflitos.

j) Indicadores de Resultados e de Impacto Social

Temas - Educação Humanísticaa) Educação em Valores Humanos

b) Educação para uma Cultura de Paz

c) Diálogo Intercultural

d) Fundamento éticos da Economia da Cultura

e) Teoria da Ação Comunicativa

f) Aprendizagem Participativa

g) Dinâmica da criação artística (panorama das artes)

h) As diversas manifestações culturais (diversi-dade cultural)

i) Consumo cultural x desenvolvimento susten-tável x cidadania

Temas - Competências Críticasa) Políticas Públicas Culturais

b) Organização do Sistema Cultural

c) Legislação e aspectos legais da Cultura

d) Incentivos, Patrocínios e Investimentos Cul-turais.

e) Elaboração de Projetos Culturais (etapas integradas)

f) Articulações e parcerias

g) Patrimônio, Equipamentos e Acervos Cultu-rais.

h) Produção Cultural (áreas e meios)

i) Ferramentas de Comunicação e redes sociais

j) Gestão Financeira e Balanço Social

k) Leitura de indicadores e pesquisas

A formação do gestor cultural nas três aborda-gens deve-se primordialmente ao perfil do profissio-nal. Se por um aspecto, ele é um técnico, por outro lado, ele é um gestor que necessita, para sua efetivi-dade, de relações, de convivência, de pertencimento à comunidade em que está inserido e que necessita atuar com elevado grau de responsabilidade e hu-manismo em função dos impactos dos projetos e das intervenções realizadas.

Considerações finaisA intenção desse artigo foi de mostrar que a for-

mação de gestores culturais precisa, além da atenção dos dirigentes das organizações públicas e privadas, vontade política e institucional para reconhecimento da profissão, sua expansão e profissionalização.

Sabemos que a decisão de se manter uma pers-pectiva objetiva da questão demanda uma mudança de postura dos governos federal, estadual e municipal no campo da cultura e das políticas públicas.

É importante salientar que instituições importantes no país já se mobilizaram e estão compondo um novo cenário para a profissionalização do gestor cultural. Não é uma tarefa fácil e é temerário fazer qualquer avaliação sem entender o contexto em que cada inicia-tiva surgiu, considerando as dimensões continentais do país e as condições para sua operacionalização.

Este artigo é mais uma contribuição, uma referên-cia para organizar as ideias a partir de uma visão de quem atuou ao longo da sua trajetória com instru-mentos de gestão e por circunstâncias, passou a mi-litar no espaço cultural, descobrindo novas possibili-dades de alavancar a carreira profissional e um novo sentido para a vida.

A valorização do gestor cultural passa também pela visão interdisciplinar da profissão e a construção

> Telma Maria Delmondes F. Santana <

82 Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França

de um perfil capaz de compreender as realidades e de inter-pretá-las, é imprescindível para uma atuação consequente.

Atualmente já existe um consenso sobre a cultura como vetor de desenvolvimento, e a educação conti-nuada desses profissionais poderá alavancar esse pro-cesso com competência, agindo como um agente de transformação no seu âmbito de atuação.

Conforme a Declaração Universal da Diversida-de Cultural, “a diversidade cultural amplia as pos-sibilidades de escolhas que se oferecem a todos; é uma das fontes do desenvolvimento, entendido não somente em termos de crescimento econômico, mas também como meio de acesso a uma existência inte-

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parar profissionais para gestão do negócio da cultura. Significa abrir caminhos para o exercício do diálogo, de uma ação comunicativa enquanto gestores de cultura no sentido mais transformador do termo.

Nesse sentido, o gestor cultural é também um edu-cador e o investimento na sua educação é uma exigên-cia inquestionável.

Finalizando essas reflexões, esperamos que através deste estudo, a formação do gestor cultural possa ser discutida mais amplamente em todos os âmbitos cultu-rais e acadêmicos.

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Referências bibliográficas

>>> Artigo

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 83

RESUMO

A reflexão aqui desenvolvida parte da noção do cordel como um sistema midiático popular, cuja formação teve como condição de possibilidade o processo de urbanização observado no Nor-deste, entre o final do século XIX e o início do século XX, do qual resultou, entre outras coisas, a popularização da imprensa. Tendo surgido como uma mídia impressa, o cordel traz como um traço constitutivo, desde a sua formação até a atualidade, respectivamente, o diálogo com as mais diversas mídias da contemporaneidade, tais como o jornal, o rádio, a televisão e a internet. Neste artigo, procura-se evidenciar esse diálo-go, que se faz notar no discurso, bem como no suporte material de apresentação do cordel, ao longo de sua história.

Palavras-chave: Literatura de cordel. Mídia. Sis-tema Midiático Popular.

ABSTRACT

The reflexion here developed stems from the no-tion of cordel as a popular media system whose formation had as condition of possibility the ur-banization process observed in the Northeastern part of the country, between the 19th and the beginning of the 20th centuries, from which time, among other things, the popularization of the press came as a result. Having appeared as print media cordel brings as its main feature, since its development up until our days, respectively, the dialogue with the most diversified contemporary media, such as the newspaper, the radio, the TV and the internet. In this article, we try to highlight that dialogue which is notable in the discourse, as well as on the material support where on cordel is presented along its history.

Keywords: Cordel’s Literature. Media. Popular Media System.

vilmA mOTA QuinTelA• Doutora em Teorias Críticas da Literatura e da Cultura - UFBA (2005) com Estágio na Universida-

de de Paris X. Mestre em Teoria e História Literária UNICAMP(1996). É coordenadora do Curso de Letras da Faculdade São Luís de França.

[email protected]

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IntroduçãoCompreender o cordel brasileiro como um siste-

ma cujas raízes se situam em práticas populares tradi-cionais, ou seja, não hegemônicas da sociedade, não implica, em absoluto, validar a noção ainda corrente do cordel como um produto de relações de produção cultural anacrônicas, isto é, deslocadas do contexto cul-tural global. Ao contrário disso, uma visada em pers-pectiva histórica permite observar que a existência do cordel como um sistema de produção “popular” sem-pre dependeu do diálogo dos seus produtores com as diversas mídias sociais disponibilizadas pela moderni-dade. Assim, ainda que não se confunda com o massi-vo, o cordel sempre agregou em seu discurso, em seu suporte e em seu sistema de divulgação mecanismos que lhe permitiram, ao longo dos anos, não apenas re-sistir, como também atender às injunções do mercado.

Com efeito, historicamente falando, o cordel, não deixa de ser um produto do processo de modernização e resistência que marcou, de formas distintas, setores hegemônicos e populares da atividade cultural brasileira. O processo expansionista, no influxo do qual nasceu o cordel brasileiro, o mesmo processo que deu ensejo ao estabelecimento de vias ferroviárias ligando o litoral ao agreste e ao desenvolvimento de uma imprensa popular no Nordeste, não se define, é claro, pela exclusão do tradicional. Ao contrário, tal processo se caracteriza pelas tensões decorrentes da intersecção de diferentes perspectivas históricas, resultando evidentemente do conflito, mas também do diálogo, da negociação entre forças tradicionais e modernizadoras.

Enquanto um sistema midiático popular, embora se constitua com base na lógica da oralidade e, em princípio, tenha servido, efetivamente, a esse domínio, o cordel teve como condição de possibilidade à sua formação a popularização da imprensa no estado de Pernambuco, entre finais do século XIX e início do século XX. Tal fe-nômeno tornou possível o acesso de poetas populares, migrados do agreste e do sertão nordestino, às técnicas de impressão.1 Desse encontro, efetivamente, surge o cordel no Nordeste como um sistema literário genuina-mente popular. Tendo surgido como uma mídia impressa, o cordel traz como um traço constitutivo, desde a sua formação até o presente, respectivamente, o diálogo com as mais diversas mídias da atualidade, tais como o jornal, o rádio, a televisão e a internet.

Isso explica por que o diálogo com essas mídias se encontra tão presente no discurso do cordel, manifestan-do-se, preferencialmente, na forma do chiste, sugestivo de um riso integrador, que não descarta a possibilidade

1 – Ver QUINTELA, V.M., 2006.

da convivência dos opostos. De tempos em tempos, a consolidação de uma tecnologia nova ou a introdução de um produto dela decorrente no mercado, como também a incorporação cultural de novos hábitos sociais dão ensejo a uma renovação temática dessa crítica. Um exemplo interessante disso foi o surgimento, na década de 1960, de uma série de cordéis em que se polemiza o fenômeno do “iê-iê-iê” e a sua difusão entre o público jovem. Iniciam a série: a Carta do Satanás a Roberto Carlos, de Enéias Tavares Santos, e O twist no inferno, de Antônio Teodoro dos Santos, ambas as composições publicadas pela editora Prelúdio, em 1966, em um só volume de grande sucesso editorial. A primeira dessas parodia um marco da indústria fonográfica brasileira, desenvolvendo-se nos seguintes termos:

Roberto Carlos cantandoEsse seu disco modernoAonde diz que alguém venhaAquecê-lo “ neste inverno”,E depois dele aquecido,“Tudo o mais vá pro inferno”. Há poucos dias, por isso,Uma carta recebeuQue o Satanás lhe mandouCom medo do disco seu,Vamos saber na missivaO que foi que ele escreveu: “Inferno, corte das trevas,Meu grande amigo Roberto, Eu vi o seu novo disco É muito bonito, é certo,Mas cumprindo a sua ordem, O mundo fica deserto.

(...)

Se para aqui vier tudo,Eu fico mais apertado,Pois o inferno já está Por demais superlotado, Você ganhando o dinheiroE eu ficando aqui lascado.

(...)

Nesse caso, a reativação de valores tradicio-nais nos domínios da cultura urbana, campo onde se dá a ascensão do ícone fonográfico, dá ensejo à formu-lação paródica, que relativiza o julgamento regulador dos costumes tomados como um mau efeito da mo-dernização. A paródia abre espaço à representação do diálogo entre os desiguais: o poeta popular envolvido em um processo de produção, em parte, artesanal, e o

>>> Artigo

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 85

ídolo emergente da indústria da canção. Por outro lado, a fatura paródica pressupõe a articulação da forma oral (expressa na forma poética herdada da cantoria serta-neja) com a escrita (representada pela recorrência ao gênero epistolar).

No que se refere à contradição “popular versus for-ças hegemônicas”, esse posicionamento crítico reflete condições discursivas bem distintas das observadas na crítica social surgida no início do século XX, voltada a questões de interesse local, presente na obra de Pacífi-co Pacato Cordeiro Manso (1865-1931) e Leandro Go-mes de Barros (1865-1918). Não obstante, também no caso desses autores, a crítica à atualidade então vigen-te pressupõe o embate produzido nas transversais da cultura, no ponto onde se cruzam valores tradicionais populares e forças modernizadoras hegemônicas. A tí-tulo de ilustração, detenho-me à Cançoneta dos morce-gos, de Leandro, publicada por volta de 1906, quando da expansão ferroviária em Pernambuco pela compa-nhia Great Western:

Essas linhas de ferro do norteEstão causando ligeira impressãoO inglez leva o cobre que háNão nos deixa ficar um tustão

E o Brasileiro se banha se não for no bolço também.

Além disso inda tem outra coizaO inglez não confia em alguémConductor, bagageiro e fiscalTodos são collectados no trem.

E levam o carimbo da companhia!...

Nesses trens só se ver o clamor;Empregados descalsos na linhaO que ganha só da muito malPara assucar, café e farinha.

E o aluguel da casa! Aonde fica? É mulheres atraz dos maridosÉ rapazes em busca de empregoConductores queixando-se ao ventoCollectores atraz de morcego. E quando acha já se sabe pontapé vadeia!... Maquinistas fedendo a fumaçaCom a lenha que vem do sertãoPois enquanto o trem queima cavacoO inglez está poupando o carvão.

E o trem correndo e pingando arame...

Guarda-freios com roupas em tiras. As botinas sem salto e sem bicoAssim mesmo o inglez ainda dizEsse povo da linha está rico.

Mas só tem o sebo da roupa...

Com cem réis de batata um almoçaDois tustões de feijão dá a janta Dois vinténs de farinha é a contaAssim mesmo inda o povo se espanta E inveja-lhe a vida!... Passa um trem onde há um partidoEle pode tirar uma cannaDois tustões de cará n´uma feiraÉ legume que dá p´ra semana.

Assim não seja enxuto! E o malvado do inglez quando o povoVai dizer-lhe que o ganho é mesquinhoElle diz mim não pode dá mais;Dá um bolo na mão do visinho!...

Diz o empregado já dei!... (sic)2

2 – Ver BARROS, 1977, p.197.

> Vilma Mota Quintela <

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Essa composição traz muitos aspectos que merecem ser destacados quando se trata de situar o cordel nas “fronteiras da cultura”, isto é, no fogo cruzado da luta social em que ele se inscreve como um discurso concor-rente. Já no título, a designação “cançoneta” aponta à autonomia do poema relativamente ao cânon poético sertanejo. Conforme observa Sebastião Nunes Batista, a canção teria sido introduzida no contexto da cantoria como uma modalidade de “poema impresso em folhas soltas ou volantes”3. Por outro lado, no início do século passado, a palavra “cançoneta” aparece relacionada a gêneros musicais populares urbanos, tais como o lundu e a modinha. Como sugere a nota explicativa que intro-duz a composição (“Para ser cantada com a música Dão Maluco gemendo na pua”), a “Cançoneta dos morce-gos” é uma paródia de uma canção satírica popularesca em voga na época em questão.

A crítica aí empreendida se destina à investida ca-pitalista que viabilizava a exploração comercial no Nor-deste com a construção de linhas ferroviárias ligando as principais capitais ao interior. Por meio da sátira, denunciam-se as condições em que se constituía o progresso comercial em Pernambuco, no início do sé-culo XX, em meio à exploração popular justificada pelo discurso progressista do empresário inglês. Ponto de venda privilegiado por Leandro, as estações de trem de Pernambuco, que viabilizaram a expansão comercial do cordel no Nordeste, também serviram de laboratório a uma série de folhetos em que se destaca a crítica aber-ta aos efeitos sociais decorrentes da exploração capita-lista na região.

As contradições próprias de um contexto de pro-dução marcado por grandes diferenças sócio-culturais ficam muito bem representadas nos cordéis sobre can-gaceiros. Quanto a essa produção, há que se distinguir os cordéis publicados durante a vigência do cangaço (surgidos concomitantemente à narrativa jornalística diária sobre o assunto), daqueles posteriores à desati-vação desse sistema político paralelo, ocorrida nos idos de 1930. Os primeiros constituem a crônica social po-pular do cangaço desenvolvida no Nordeste, em meio ao processo de modernização das relações de produ-ção. No segundo grupo destacam-se, genericamente falando, duas séries: uma cômica, em que se atualizam fórmulas anedóticas tradicionais recorrentes no cordel; e outra épico-romanesca, onde se fundem a ficção, o discurso oficial e a memória popular sobre o cangaço4.

3 – Ver BATISTA, 1982, p. 16. Como o anterior, o volume pertence a uma seqüência de estudos e antologias publicadas pela Fundação Casa de Rui Barbosa. 4 – Utilizo a expressão no sentido empregado por Bakhtin, que es-tabelece relações poéticas entre o romance moderno e os gêneros romanescos populares situados na Antiguidade e no Renascimento. Ver BAKHTIN, 1987 e 1990.

A série cômica tem como paradigma A chegada de Lampião no Inferno, de José Pacheco da Rocha (1890-1954), um dos maiores sucessos editoriais do gênero surgido nos anos de 1940 e ainda hoje reeditado. Di-ferentemente do que se observa no texto de José Pa-checo e em seus correspondentes, nos cordéis da série mais antiga, o dado histórico relativo ao conflito entre forças subversivas e poderes hegemônicos se configu-ra como elemento gerador do enunciado. O elemento cômico não aparece aí como a finalidade primordial do discurso, embora possa funcionar como um recurso à crítica. Por exemplo, em Os Decretos de Lampeão, de Francisco das Chagas Batista, publicado nos anos de 1920, o cômico serve como veículo a uma discreta ridi-cularização do statu quo. Começa o narrador:

Está preso Antonio SilvinoPorém ficou LampeãoGovernando pelas armasO nordestino sertão;E agora elle publicou,Dois Decretos que baixouDa sua legislação.

Diz o primeiro decretoNo seu artigo primeiro:- Todo e qualquer sertanejo,Negociante ou fazendeiro,Agricultor ou matuto,Tem que pagar o tributoQue deve ao cangaceiro.

Já nos idos de 1950, quando se observa a entroni-zação do cangaceiro pelo cinema5 e o cangaço figura na história oficial como um fato superado, opera-se no cordel uma visível mudança de foco no que diz respei-to à temática em questão. Tomemos como exemplo disso o romance Lampeão, o rei do cangaço (Prelúdio, 1ª ed. 1959), de Antônio Teodoro dos Santos (1916-?). Nesse cordel, particularmente, ressalta a complexidade da elaboração poética que repõe pela evocação lírica a memória oral do cangaço. O romance resulta do cruza-mento de estilos e vozes discursivas diversas, iniciando-se com a transcrição de uma toada sertaneja do ciclo de Lampião, seguida da fala do narrador:

5 – Lembremos, a propósito, do filme O Cangaceiro, de Lima Barreto (Vera Cruz, 1953), considerado o marco zero do “nordestern” (expres-são referente ao tratamento épico dado à temática nordestina por certa tendência da cinematografia brasileira desenvolvida nos anos de 1960). A propósito, ver CAETANO, 2005.

>>> Artigo

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 87

Canto de Guerra “O fuzil de Lampeão

É coberto de metáA bala que sai de dentroCantano “Mulé Rendá”

“Olé, mulé rendera...Olé mulé rendá...” Chorou por mim num fica Saluçou vai no borná!”

Nestes versos sertanejosEscritos por minha mãoBaseado nas memóriasDo cangaço no sertãoVou descrever o destinoDo capitão VirgulinoQue se chama Lampeão.

Cada pessoa, no mundoTem de cumprir seu destino:Um é rico e sossegadoOutro pobre e peregrinoErra outro passo a passoIgual ao rei do cangaçoO capitão Virgulino!

(...)

Configura-se nesse arranjo o contraste entre o re-gistro lingüístico regional, representado nas quadrinhas tradicionais que permeiam a narrativa, e o discurso do narrador, mais próximo do registro lingüístico padrão. Tal escolha estética evidencia o processo de atualização por que passou a narrativa tradicional, sobretudo, a partir da década de 1950, quando a indústria da cultura coloca em cena novos paradigmas a serem deglutidos e repos-tos no âmbito popular. Quanto a isso, importa assinalar a estrutura intertextual da composição, em que o lírico se articula com o épico e o dramático, estabelecendo-se uma conexão com a memória poética do cangaço a partir da técnica da montagem, introduzida pelo cinema. Uma predisposição estética semelhante a essa pode ser observada, por exemplo, em O Cangaceiro (1953), marco da cinematografia brasileira, premiado em Cannes como melhor filme de aventuras e melhor trilha sonora, na qual se destaca o tema “Mulher rendeira”, atribuído pela tradição popular a Lampião.6

6 – Filme de Lima Barreto (Vera Cruz, 1953), considerado o marco zero do “nordestern” (expressão referente ao tratamento épico dado à te-mática nordestina por certa tendência da cinematografia brasileira de-senvolvida, sobretudo, nos anos de 1960), prêmio de melhor filme de aventuras e de melhor trilha sonora no Festival de Cannes e sucesso de bilheteria no Brasil e no exterior. A propósito, ver CAETANO, 2005.

Nesse cordel, a ênfase nos aspectos sócio-culturais, relacionados ao contexto histórico em que se desenvol-veu o cangaço, indicia, entre outras coisas, a identifica-ção do autor com a demanda de uma época em que se observa o crescente interesse de certo público urbano escolarizado pela temática cultural nordestina. Isso se reflete em uma série de cordéis posteriores referentes ao cangaço e a temas afins, tal como o proselitismo religioso encarnado na figura de Antônio Conselheiro. Quanto a isso, há que se destacar os cordéis Maria Bo-nita, a mulher cangaço, também da autoria de Antônio Teodoro dos Santos, e Os Cabras de Lampião, de Ma-noel D’Almeida Filho, lançados pela editora Prelúdio, respectivamente, em 1963 e 1966, quando se vive, no Brasil, o auge da febre nordestern7.

Ao contrário do seu correspondente masculino, que encarna o papel do inimigo social, Maria Bonita representa o aspecto positivo do cangaço, reunindo em si características da musa que equilibram o caráter subversivo da virago. A aparição da heroína histórica na literatura de cordel - personagem ausente na produção

7 – Ver CAETANO, obra citada. Dessa época, são os filmes Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber Rocha, e uma série de produções liga-das ao fenômeno nordestern, dentre essas: Três Cabras de Lampião (1962), de Aurélio Teixeira; Maria Bonita, a rainha do cangaço (1968), de Miguel Borges; e A Morte Comanda o Cangaço (1960), Lampião, O Rei do Cangaço (1963), Os cangaceiros de Lampião (1967) e Coris-co, o Diabo Loiro (1969), de Carlos Coimbra. Na década de 1950, em que se destaca O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, surgiram ainda Lampião, o rei do cangaço (1954), de Fouad Anderaos; O Primo do cangaceiro (1955), de Mário Brasini; e Os Três cangaceiros (1959), de Victor Lima.

> Vilma Mota Quintela <

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anterior à década de 1950 - indica o sentido das atua-lizações operadas nesse contexto discursivo, pari passu com as mudanças que marcaram o contexto cultural bra-sileiro no decorrer do século passado. Essas atualizações, como se pode notar, vão além da renovação temática, compreendendo também o ethos8 do enunciador que se adequa às novas demandas do mercado. Exemplo disso é o cordel Os Cabras de Lampião, em que sobressai o ethos do especialista auto-didata, dirigindo-se a um público leigo:

Entre os fatos mais faladosPelas plagas do sertão,Temos as grandes façanhasDos cabras de LampiãoMostrando quadras da vidaDo famoso capitão.

Em diversas reportagensDe revistas e jornais,Com testemunhas idôneas,Contando fatos reais,Coligimos neste livroLances sensacionais.

(...)

Aqui, o experimentalismo estético, observado no cordel Lampião, o rei do cangaço, que se utiliza da téc-nica da montagem, dá lugar ao empenho didático do narrador no sentido de informar sobre a “era do ban-ditismo” no Nordeste, com base em “testemunhos idô-neos” registrados no noticiário histórico-jornalístico. Isto é, a memória do cangaço passa pelo domínio da escrita, ao qual o narrador adere ostensivamente, usando da referência histórica como dispositivo à legi-timação do seu discurso. Não obstante, nesse caso as-sim como nos casos anteriores, a matéria informativa passa pela ficcionalização, por meio do que os dados da memória popular se articulam, preenchendo os va-zios da história oficial.

A disposição dialógica presente, sem exceção, em todos os exemplos aqui mencionados, evidentemen-te, contradiz a ideia do cordel como um gênero anacrô-nico, oposto do culto e do moderno, associada a certo

8 – Uso a expressão no sentido empregado por D. Maingueneau, isto é, como “a construção de uma imagem de si no discurso”, a qual compreende o estilo, as crenças e as competências lingüísticas e inte-lectuais do enunciador expressas ou subentendidas no ato discursivo. Ao mesmo tempo, o ethos representa a disposição enunciativa, a qual define a tomada de posição do enunciador no discurso e marca a sua relação com um saber. Ver MAINGUENEAU 1995, 1981 e 1976.

estereótipo do popular tradicional. Ao contrário, a luta do popular com as forças hegemônicas, de tantas ma-neiras representadas no cordel, pressupõe, para além das relações de oposição, uma rede de intercâmbios, apropriações e condicionamentos recíprocos. A des-peito disso, não raro, quando se trata da literatura de cordel, incide-se na dicotomia popular/hegemônico, privilegiando-se as oposições tradicional x moderno e oralidade x cultura letrada.

Por exemplo, ainda contemporaneamente, algumas vozes se levantaram em defesa da “genuína tradição do povo”, contra as medidas modernizantes adotadas pela editora Prelúdio/Luzeiro, e por outras editoras do Sudesde, a partir da década de 1950. A crítica contrária à modernização, atualizada ao longo dos anos, incorre, invariavelmente, no mesmo ponto, qual seja, a inter-ferência no que concerne ao “linguajar do povo” e à forma de apresentação dos folhetos, que passaram a trazer como suporte capas coloridas em papel couchê ou similar, dentre outras inovações tecnológicas. Eis o que diz, por exemplo, um artigo sobre o assunto publicado em 1980:

A industrialização da literatura de cordel representa dois tipos de ameaça à so-brevivência dessa forma de cultura popular. A transformação da literatura de cordel em mais um segmento da indústria cultural, poderá, não só descaracterizar esse tipo de literatura, como também impedir o surgimento de novos trovadores.

Algumas editoras imprimem os cordéis em papel de melhor qualidade, sofisticando as capas que são impressas em policromia e, o que é mais grave, corrigindo os erros próprios do linguajar popular. Estão, enfim, transformando essas publicações em coisas acadêmicas, violen-tando as suas origens.9

Difunde-se, sobretudo, a partir dos anos de 1960, a ideia da estandardização como um fenômeno novo, sinalizador da morte iminente ou gradual da literatu-ra de cordel. A discussão se populariza via imprensa, chegando, na década de 1980 a provocar a reação de produtores ligados à editora paulistana, dentre esses o poeta Manoel D’Almeida Filho, na época, um dos autores de maior voga do cordel:

Não entendo a razão de alguns pesquisa-dores atuais, inclusive estrangeiros, afirmarem que o livro de Literatura de Cordel (título dado

9 – Cf. LEITE, 1980 (ver seção de periódicos).

>>> Artigo

Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 89

não sei por quem), só é autêntico com clichê de madeira e erros gráficos e ortográficos. Ora, esquecem esses senhores que João Martins de Athayde, no seu tempo, já primava pela perfeição da escrita, do trabalho gráfico e da roupagem que vestia o folheto. Será que os livros publicados por Athayde com clichês zincografa-dos e zincogravuras não são autênticos? 10

Evidencia-se, nessa polêmica, a contradição en-tre o diagnóstico apocalíptico desses pesquisadores e a disposição pragmática do poeta que fala como uma autoridade no assunto, baseado em sua experi-ência como produtor. O autor aponta, com bastante perspicácia, o dado atualizador como um elemento constitutivo do cordel. São exemplos disso as investi-das modernizantes efetivadas por Leandro Gomes de Barros, Pacífico Pacato Cordeiro Manso e Francisco das Chagas Batista, que usaram, largamente, na for-ma de apresentação dos folhetos, recursos gráficos popularizados pela imprensa pernambucana no iní-cio do século XX. Francisco das Chagas Batista, que foi livreiro e editor, particularmente, declarou que revisava a escrita de textos de seus colegas, quando a pedido dos autores.11 Além disso, dispôs de recur-sos comerciais próprios das editoras populares do Sudeste, tal como a propaganda editorial, divulgan-do, na capa de fundo dos folhetos, a relação das pu-blicações da casa organizadas em coleções.

Em todo caso, não há como negar que os alar-mes apocalípticos, especialmente, quando vindos de autoridades intelectuais estrangeiras, serviram para despertar o interesse universitário em torno da cantoria e da literatura de cordel nordestina, an-tes disso, apoiadas oficialmente por pesquisadores brasileiros ligados ao IBECC e à Comissão Nacional de Folclore12. Sem dúvida, no que concerne ao interes-se acadêmico-universitário pelo assunto, teve grande peso a campanha do brasilianista Raymond Cantel, na época, um dos principais divulgadores da literatura popular nordestina no exterior, a quem coube o mé-rito de introduzir o cordel como matéria acadêmica

10 – Cf. Em Questão: o novo cordel em quadrinhos. Domingo do Povo, Fortaleza, 3 de fevereiro de 1983, p. 13. Ver seção de periódi-cos, textos sem identificação de autoria.11 – Ver TERRA, 1983.12 – Há que se destacar quanto a isso o empenho da Comissão Nacio-nal de Folclore (CNF), fundada em 1947, tendo como secretário-geral o musicólogo Renato de Almeida, chefe do Serviço de Informações do Itamarati e secretário executivo do IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura), órgão nacional da UNESCO, fundado em 1946. Em 1955, a CNF, apoiou oficialmente o I Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros, realizado naquele ano em Salvador.

no Centro de Estudos Portugueses e Brasileiros da Sor-bonne Nouvelle, em Paris.

Muito embora não partilhasse da ideia da incom-patibilidade entre o cordel e os meios de comuni-cação modernos, atribuindo a crise dos produtores nordestinos na década de 1970, sobretudo, a causas econômicas, Cantel foi um dos mais persuasivos de-fensores da salvaguarda do cordel brasileiro, ampara-do na convicção do seu desaparecimento gradativo. Já no início da década de 1960, quando, a partir de uma pesquisa de campo no Nordeste, começa uma frutuosa jornada de estudos sobre a matéria, fica no-tória, em suas declarações à imprensa brasileira, a motivação arqueológica de sua investida intelectual. Diz Cantel:

(...) É perfeitamente desnecessário insistir na importância da preservação desse patrimônio cultural. Cada vez mais sofre ele o impacto dos novos meios estandardizados de divertimento e imaginação: o rádio, as revistas ilustradas, o cinema. O colapso dessa tradição centenária não terá lugar da noite para o dia, certamente, mas a transformação da mentalidade popular é fenômeno irreversível. Ainda assim é fenômeno complexo. Numa zona altamente urbanizada como São Paulo é que se localiza uma das maiores casas editoras desses folhetos, a “Prelúdio”. Não nego também que, nessa editora “popularesca” já se possa observar uma simbiose entre a ingenuidade e a sabedoria primitiva e um segundo estágio que po-deríamos chamar “suburbano”. Já em contradição com o primeiro. 13

Subentende-se aí a ideia evolucionista do cordel como uma linguagem e um meio de comunicação pri-mitivos, senão frontalmente ameaçados pelas leis do progresso material, condenados a uma descaracteriza-ção lenta e irreversível pelas forças modernizadoras em ação. Por outro lado, com esse discurso, legitima-se, de certa forma, a missão do intelectual e do estado como tutores do patrimônio cultural popular, recomendada pela UNESCO desde o final dos anos de 1940. Decerto, não por simples coincidência, já na década seguinte, se organizam, no Brasil, os primeiros conclaves envol-vendo cantadores e poetas de bancada, apoiados dire-tamente por intelectuais ligados à Comissão Nacional de Folclore14.

13 – Cf., na seção de periódicos, HOLANDA, 1964.14 – É o caso, por exemplo, de Manuel Cavalcanti Proença e Oríge-nes Lessa, dentre outros que estiveram à frente da divulgação, no Sudeste, via imprensa e colóquios institucionais, do I Congresso de Trovadores e Violeiros, realizado em 1955, em Salvador.

> Vilma Mota Quintela <

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Ainda no início da década de 1970, no rasto da repercussão acadêmica internacional do repente e do cordel, são ministrados cursos em grandes universi-dades brasileiras como a Universidade de São Paulo, que recebeu como professor convidado o brasilianista francês. Já em 1978, o cordel e o repente figuram, pela primeira vez, na Bienal do Livro, em São Paulo, sinali-zando esse evento o impacto dos estudos universitários sobre a matéria. O trabalho de resgate e de divulgação da literatura de cordel desenvolvido por estudiosos pertencentes a centros de pesquisa não universitários e, posteriormente, também por pesquisadores ligados a instituições universitárias, sem dúvida, surtiu efeitos visíveis no contexto de produção popular. Como se observa, contemporaneamente, mais do que nunca, a apologia do folclore tem composto o marketing em torno da literatura de cordel. A propósito, o surgimento de séries dedicadas a temas folclóricos, tal como a coleção “Lendas Brasileiras” lançada pela editora Tupynanquim de Fortaleza, em 2005, não deixa de ser um efeito mer-cadológico das investidas institucionais em nome da salvaguarda do folclore nacional.

Sem dúvida, no âmbito do cordel, quem melhor representou o tom missionário próprio de alguns desses intelectuais foi o poeta Rodolfo Coelho Caval-cante, já bastante conhecido desde a década de 1950 por sua luta em defesa da institucionalização da causa dos trovadores e violeiros nordestinos. No decorrer das três décadas seguintes, dedicou-se a outras ações afirmativas em defesa da poesia popular nordestina, tal como a divulgação do cordel em encontros universi-tários e em folhetos destinados ao público acadêmico.

A propósito, o diálogo com o público letrado e as forças político-culturais hegemônicas marcou de modo especial os congressos idealizados por Rodolfo. Pelo menos, é o que se pode deduzir da leitura de uma série de artigos publicados pelo autor em jornais de grande circulação na época e, sobretudo, no periódico A Voz do Trovador, por ele fundado, especialmente, para a divulgação do Congresso Nacional de Violei-ros e Trovadores de 1955.15 A esse respeito, é muito significativo o depoimento publicado na História do Primeiro Congresso Nacional de Trovadores e Violei-ros, publicada naquele mesmo ano. Conta o poeta:

Aproximadamente há cinco anos pas-sados mercava nas ruas de nossa capital os meus folhetos rimados e às vezes jornais de

15 – Destaca-se, nesse contexto, o Diário da Bahia, de Salvador, que, Durante o primeiro semestre de 1955, manteve, em apoio ao con-gresso, uma sessão intitula da « Falam os trovadores », na página diária do jornalista sergipano Virgílio Sobrinho. Nela, colaboraram os organizadores do congresso. Ver CURRAN, 1987.

modinhas, quando vi, na Praça do Terreiro, cerca de uma centena de intelectuais brasi-leiros na antiga sede da gloriosa Academia Baiana de Letras, realizando um conclave que era o III Congresso Brasileiro de Escritores. Depois de observar o que ali se tratava, vi uma intelectualidade procurando resolver os seus problemas dentro de um espírito fraternista e cheio de brasilidade, e, nisto, pensei no meu humilde setor de trovadores, setor este que até então vivia renegado, ao léu da sorte, sem nenhum amparo e estímulo por parte daqueles que bem o poderiam proteger. Mas, como poderia se olhar para os trovadores, quando esses nem ao menos existiam oficialmente, embora que centenas de trovadores e violeiros vivessem, como vivem, espalhados por esse gigante país afora? 16

Declaradamente motivado pela iniciativa da ABDE (Associação Brasileira de Escritores), cujos congressos reuniram intelectuais de diversas ten-dências políticas em torno do ideal da redemocra-tização, Rodolfo e seus colegas puseram em pauta, pelo menos, uma das questões debatidas nesses encontros, qual seja: a demanda relativa aos direi-tos autorais. Por outro lado, as teses defendidas pelos membros da ABDE pressupõem a valorização do popular em diversos planos da cultura, sendo a aproximação com o povo (aí tomado em oposição à intelectualidade representada no evento) um dos principais propósitos dessa empresa. É o que se de-clara no manifesto-proposta lançado em ocasião do I Congresso Brasileiro de Escritores, ocorrido em São Paulo, em 1945, no qual se articulam diversas propostas em defesa da democratização da cultura no país.17 Delineia-se aí o projeto democratizador desses intelectuais que elegeram a educação e a arte moderna como instrumentos à superação das defasagens diversas de um país marcado por fortes contrastes sócio-econômicos.

Contraditoriamente, o povo, aí definido em opo-sição ao intelectual, não figura, propriamente, como um parceiro ativo nesse processo, mas, antes, como o detentor de um saber que deveria servir, antes de mais nada, como matéria prima à produção intelec-tual com vistas à “criação de uma ordem social mais justa e mais humana”. A ideia da arte como lugar da

16 – Idem, p. 35.17 – Assinam o manifesto Fernando Azevedo, Carlos Lacerda, Antonio Candido, Astrojildo Pereira, dentre outros.

>>> Artigo

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transformação coletiva gerida por uma elite pensante que se autodefine como “criadora da cultura”, senão descarta, não chega a considerar a possibilidade de um sistema cultural que, em vez de ser o gestor do povo, seja o resultado da própria iniciativa popular. Tal noção não deixa de coadunar com o conceito grams-ciniano de povo como o “conjunto das classes subal-ternas e instrumentais”, ao qual não caberiam “concep-ções elaboradas, sistemáticas e politicamente organi-zadas e centralizadas em seu (ainda que contraditório) desenvolvimento”.

Diante do exposto, cabe, pois, indagar: não teria sido o I Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros, realizado dez anos depois do primeiro encontro da ABDE, uma expressiva tentativa popular a esse respei-to? É o que sugere a luta dos trovadores no sentido de tornar públicas as más condições por eles enfrentadas, como também de engajar poetas espalhados por todo o território brasileiro, usando para isso jornais de gran-de alcance e periódicos destinados, exclusivamente, à divulgação da causa. Tal como a ABDE, a ANTV (Associa-ção Nacional dos Trovadores e Violeiros), fundada em 1955 durante o I Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros (CNTV), se definiu como uma entidade nacio-nal de classe. Em depoimento a Mark Curran mais de vinte anos após o I Congresso da ANTV, Rodolfo assina-la o valor institucional da iniciativa:

No primeiro de julho, 180 congressis-tas, trovadores e violeiros, poetas populares desfilaram até o Campo Grande. Com faixas e a bandeira nacional. O que houve foram faixas, os poetas cantando o ‘ Hino dos Trova-dores ’ (...). O presidente Café Filho mandou um avião especial para Orígenes Lessa e toda a sua caravana (...) Eu não sei se foi um avião ou se foram as passagens. Eu sei que foi pelo presidente da República (...). 18

Sem dúvida, o empenho de pessoas ligadas a

instituições oficiais tais como a ABDE e a Comissão Nacional do Folclore (CNF), devidamente representa-das no I CNTV, foi decisivo ao processo de legitimação cultural do repente e da literatura de cordel a partir da década de 1950. Em contrapartida, o “movimento folclórico”19 - que se desenvolveu, programaticamen-te, entre 1947 e 1964, sob a responsabilidade da CNF, então presidida pelo musicólogo baiano Renato de Almeida, representante do Ministério das Relações Exteriores na UNESCO - teve os trovadores e violeiros engajados à ANTV como importantes aliados. Nessa

18 – Cf. CURRAN, 1980, p. 37.19 – A propósito, ver VILHENA, 1997.

época, o cordel desponta como veículo privilegiado à popularização da ideologia da unidade nacional, pe-dra angular do discurso político dominante na época.

Sobretudo a partir da década de 1970, o diálogo com a cultura hegemônica, desde sempre presente na literatura de cordel, passa, pois, por um processo de institucionalização, possibilitado pelo trânsito de mão dupla que se estabeleceu entre o cordel e instâncias oficiais da cultura. Concomitantemente a isso, tornam-se cada vez mais comuns o empenho didático da parte dos autores e editores especializados, como também folhetos direcionados a campanhas de instrução pública e à instrução escolar. Não se trata aqui, propriamente, de um processo de homogeneização ou de simples cooptação monológica, a partir do qual o autêntico se converteria em inautêntico, dissolvendo-se em meio às forças dominantes, mas antes ao processo de incorpo-ração e apropriação de que o cordel decorre como um produto da cultura. Tal aspecto, evidentemente, torna problemática a noção do popular tradicional como um estrato autêntico e autônomo, situado fora do campo de forças das relações de poder e da dominação cultu-ral. Como bem precisa Stuart Hall em suas “Notas sobre a desconstrução do popular”, as formas concretas de manifestação da cultura explicitam o equívoco impli-cado no conceito de tradição ou cultura popular como algo permanente, colocando em xeque os enfoques essencialistas, que, valorando a tradição por ela mesma, tratam-na anacronicamente, atribuindo-lhe valores fixos ou invariáveis.20 Ao invés disso, há que se pensar as tradições e o popular no campo de luta em que a cultura se efetiva, a partir das diversas possibilidades de apropriação, tornadas possíveis pelas condições históricas que se impõem.

Deduz-se daí que o problema da inscrição do po-pular na cultura não se resolve, simplesmente, com base na polarização autonomia versus cooptação ou “encapsulamente”, de acordo com a qual se postula a integridade ou, por outro lado, a descaracterização irremediável do popular. Ao contrário, a experiência nos mostra que a cultura, em qualquer estrato, se efetiva em um terreno mutável no qual as relações de domínio e subordinação se articulam. Em seu centro estão as relações de forças variáveis e irregulares que caracterizam a luta cultural, no decorrer da qual os valores se alteram, o moderno envelhece e as tradições se atualizam. Em meio a essa dinâmica cultural, os elementos da tradição se reorganizam para se articular a diferentes práticas e posições e adquirir um novo significado e relevância a partir da negocição contínua de sua inscrição na atualidade.

20 – Ver HALL, 1981. Traduzido para o português, o texto integra o livro Da diáspora: identidades e mediações culturais, de 2003).

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1. Cordéis Consultados por autores1:

Leandro Gomes de BarrosAntônio Silvino no Júri. Sem local e data, 16 p.. (FCRB)

Antônio Silvino, o rei dos cangaceiros. Recife: Rua do Alecrim 38 E, 16 p.. (FCRB)

Os Coletores da Great Western. A Cançoneta dos morcegos. Peleja de José do Braço com Isidoro Gavião. Recife: s/l, s/d, 16 p.. (FCRB)

Francisco das Chagas Batista

Os Decretos de Lampião. O Valente Vilela. Paraíba do Norte: F. C. Baptista Irmão, 1925, 15 p.. (FCRB)

O Interrogatorio de Antônio Silvino. Juazeiro do Norte: Lira/UFPB, 1981, 16 p.. (MF)

A História de Antônio Silvino. Recife: Imprensa Industrial, 1907, 47 p.. (FCRB)

A História de Antônio Silvino: novos crimes. A Formosa Guiomar (1° v.). Recife: Imprensa Industrial, 1908, 16 p.. (FCRB)

História completa de Lampião. F. C. Baptista Irmão, 1925, 30 p.. (FCRB)

O Marco de Lampião. F. C. Baptista Irmão, s/d, 4 p.. (FCRB)

Novas lutas de Antônio Silvino. Traição, vingança e per-dão (1° v.). Paraíba do Norte: Gonçalves Penna, 1911, 16 p.. (FCRB)

Os Revoltosos do Nordeste. Os Novos crimes de Lampião. Paraíba do Norte: F. C. Baptista Irmão, s/d, 15 p.. (FCRB)

A Vida de Antônio Silvino. Anatomia do homem. Cromo. Amor materno. Recife: Imprensa Industrial, 1904, 16 p.. (FCRB)

Pacífico Pacato Cordeiro Manso

O Tiroteio de Maceió: Zé Povo e os Maltinos. Maceió: s/n, 1912, 16 p.. (MF)

José Pacheco da Rocha

A chegada de Lampião no Inferno. S/i: Ed. prop. José Pacheco da Rocha, 1948, 16p..(MF)

1 – Siglas usadas: MF (Museu do Folclore), FCRB (Fundação Casa de Rui Barbosa, PEPLEP (Programa de Estudo e Pesquisa da Literatura Popular).

Referências bibliográficas

Manoel D’ Almeida Filho:

Os Cabras de Lampeão. S. Paulo: Prelúdio, 1966, 48 p.. (MF)

Chegada de Roberto Carlos no Céu. Como o Brasil salvará o mundo. S. Paulo: Prelúdio, s/d, 32 p..

Resposta de Roberto Carlos a Satanás. O Poder da cari-dade. S. Paulo: Prelúdio, s/d, 32 p..

Roberto Carlos no Inferno. S. Paulo: Prelúdio, s/d, 32 p..

Vida, vingança e morte de Corisco. S. Paulo: Luzeiro, 1986, 32 p..

A Volta de Lampião ao inferno. S. Paulo: Luzeiro, 1986, 32 p..

Zé Baiano, vida e morte. S. Paulo: Luzeiro, 1988, 32 p..

Rodolfo Coelho Cavalcante

História da 1ª Jornada da Literatura de Cordel em Cam-pinas- SP . Salvador: ed. do autor 1982. (PEPLEP)

Origem da literatura de cordel e a sua expressão de cul-tura nas letras do nosso país (para colégios e faculdades). Salvador: ed. do autor, 1984.

Minelvino Francisco Silva

Antônio Conselheiro e a guerra de Canudos. S. Paulo: Luzeiro, 1980, 32 p.. (MF)

História do Dia do Trovador e a Literatura de Cordel. Salvador: ed. do autor, 1978.

Eneas Tavares dos Santos

Carta do Satanás a Roberto Carlos (inclui O twist no inferno, de Antônio Teodoro dos Santos). São Paulo: Prelúdio, 1966.

Klévisson Viana:

O Negrinho do pastoreio. (Inclui O Folclore brasileiro, de Rouxinol do Rinaré). Fortaleza: Tupynanquim, 2003.

>>> Artigo

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2. Períódicos (Acervo do Museu do Folclore)

CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. Congresso dos Trovadores Populares do Brasil. O Tempo ( Suplemento literário ). Belo Horizonte: 25/03/1955.

CAVALCANTE, R. O 2° CNTV não pode ser adiado. O Trovador ( Órgão Cultural Trovadoresco) Ano XII, ago. 1960, Salvador, n° 78.

CAVALCANTE, Rodolfo. Regimento do 2° CNTV. O Tro-vador, idem.

HOLANDA, Gastão. A literatura de cordel foi o tema das pesquisas do professor Raymond Cantel, de Poitiers. Correio da Manhã. Rio: 19/09/1964.

LEITE, Marley Costa. A Volta do popular. O Popular. Goiânia: 26/03/1980.

LESSA, Orígenes. Fundada a Associação de Trovadores e Violeiros: « Mais uma lição que devemos a esses homens humildes. Imprensa Nacional. Rio de Janeiro: 13/07/1965.

(Sem ind. de autor). Congresso Nacional de Trovadores e Violeiros. Jornal da Bahia. Salvador: 30/08/1960.

3. Livros e capítulos de livros:

BARBERO, Jesús Martín. De Los Medios a las mediaciones (Comunicación, culture y hegemonía). Mexico: Editorial Gustavo Gili, 1987.

BARROS, Leandro Gomes. Antologia. V. 1. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1976.

BARROS, Leandro Gomes. Antologia. V. 2. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1977.

BARROS, Leandro Gomes. Antologia. V. 3. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980.

BATISTA, Sebastião Nunes. Poética popular do Nordeste. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa,1982.

CAETANO, Maria do Rosário (org.). O Nordestern no cinema brasileiro. São Paulo: Avathar, 2005.

CANCLINI, Nestor Garcia. As Culturas populares no Ca-pitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.

CHAGAS BAPTISTA, Francisco das. Antologia. Coleção Literatura de Cordel, Tomo IV. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa,1977.

CHAGAS BAPTISTA, Francisco das. Cantadores e poetas populares. Parahyba: Popular Editora, 1929.

CURRAN, Mark J. A presença de Rodolfo Coelho Caval-cante na moderna literatura de cordel. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1987.

GRAMSCI, Antonio. Literatura e vida nacional. 3a ed., São Paulo: Civilização Brasileira, 1986.

HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Liv Sovik (org); trad. Adelaine La Guardia Resende et al. Belo Horizonte: UFMG; Brasília: Repre-sentação da UNESCO no Brasil, 2003.

MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasilei-ra (1933-1974). 8a ed., São Paulo: Ática, 1994.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cultura e identidade nacional no Brasil do século XX. In: A República no Brasil /Ân-gela de Castro Gomes, Dulce Pandolfi, Verena Alberti (Coordenação); Américo Freire et alii. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; CPDOC, 2002.

ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacio-nal. São Paulo: Brasiliense, 1985.

QUINTELA, Vilma Mota. O Cordel no fogo cruzado da cultura. 2006, 226 p., Tese (Doutorado em Letras)- Universidade Federal da Bahia – UFBA, Salvador, 2006.

SOUZA, Liêdo Maranhão de. Classificação popular da literatura de cordel. Petrópolis: Vozes,1976.

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TERRA, Ruth Brito Lemos. Memória de luta: primórdios da literatura de folhetos do Nordeste (1893-1930). São Paulo: Global, 1983.

WANDERLEY, Eustórgio. Tipos populares do Recife antigo. 2a ed., Recife: Colégio Moderno, 1954.

Referências bibliográficas

> Vilma Mota Quintela <

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Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França 95

96 Ano III - Edição nº 03 | 2012 | CONCEPÇÕES - Revista Científica da Faculdade São Luís de França