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Jeferson Fonseca de Moraes

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Livro “Dando a volta por cima – superando o câncer e outras dores pela fé” – Autor: Jeferson Fonseca de Moraes – Lançado em 14/06/2011 – Aracaju/SE – Brasil – by Editora CaLu

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Page 1: Dando a volta por cima  - Jeferson Fonseca de Moraes - by Editora CaLu

Jeferson Fonseca de Moraes

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eferson Fonseca de Moraes nasceu no dia 14 de novem-bro de 1945 em Pedra Mole,

então município de Campo do Brito, em Sergipe. Filho de Otacílio da Fonseca e Eunice Pereira da Fonseca, casado com Eliane Tavares Fonseca de Moraes, tem quatro filhos: Cristiane, Otávio, Viviane e Ítalo, este já falecido.

Nossa amizade de mais de quaren-ta anos me credencia a definir o autor como um homem de caráter impar, pela correção das suas atitudes e pela sua dedicação a família.

A grande afinidade com a mãe, Dona Eunice, traz a marca dela em sua personalidade, sempre sensível, dado a reflexões, mas destemido e respeitado pelos amigos. A excelência do exer-cício profissional depende em grande parte da vocação de cada um. O Ma-gistério e a Advocacia exigem não só dedicação, mas também domínio dos assuntos a serem tratados, e Jeferson reúne, como poucos, essas qualidades.

Professor de História e Advogado formado pela Universidade Federal de Sergipe, colou grau pela Faculdade de Direito em 08 de dezembro de 1968, e atuou como professor em vários colé-gios e faculdades da capital, como a Faculdade São Luís de França. Como Advogado foi Procurador do Estado de Sergipe, chegando a exercer as funções

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de Primeiro Diretor do Contencioso Fis-cal e Procurador Chefe de Assessoria, até a sua aposentadoria. Presidiu a Junta Comercial do Estado de Sergipe por quatro anos, e foi Secretário Geral do Tribunal de Contas de Sergipe, entre 1992 e 1994.

Foi Secretário Geral da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção de Ser-gipe, tendo, inclusive, desempenhado as funções de Vice-Presidente. Ainda na OAB/SE, foi membro de várias Co-missões, entre elas a de Execução e Fiscalização das provas escritas, do Concurso Público para provimento de cargos de Juiz Federal Substituto, 5a. Região. Participou, a convite da Fun-dação Alemã para o Desenvolvimento Internacional - DSE, do Seminário “Pla-nejamento e Desenvolvimento Urbano como Tarefa Municipal” realizado em Berlin – Alemanha, em maio de 1988.

Jeferson Fonseca de Moraes sem-pre se destacou na sua competente atuação como jurista, com sua qualida-de profissional e verve intelectual. Por isso não me surpreendeu como escri-tor memorialista que nos presenteia com um texto de leitura clara e de fácil compreensão, pois advém da sua alma, com objetivo único e nobre de ajudar as pessoas, que como ele, certamente, darão a volta por cima.

Heráclito Guimarães RollembergConselheiro aposentado do Tribunal de

Contas do Estado de Sergipe

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2011

1ª edição

Jeferson Fonseca de Moraes

Aracaju

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Copyright © 2011 - Jeferson Fonseca de Moraes

Todos os direiTos desTa edição reservados ao auTor.Proibida a reprodução total ou parcial. Poderá ser reproduzido texto, entre aspas, desde que haja expressa menção do nome do autor, título da obra, editora, edição, paginação e isBN. a violação

dos direitos do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Projeto GráficoCL editora Ltda.

diagramação e editoração eletrônicaCarlos alberto de souza - drT-MG 1599

Arte finalLúcia andrade - drT-se 1093

revisão:Professor antônio andrade de oliveira

Fotos:Capa: CL editora

Contra-capa: Professor Carlos Morais santos - (poeta português)

impressãoSercore Artes Gráficas

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Não posso deixar de mencionar a grande e especial colaboração que minha filha Cristiane deu para tornar esse livro uma realidade.

Cristiane é a escritora da família. ela consegue dar vida e emoção em tudo que escreve. Ler o que ela escreve é viver essas emoções tão bem interiorizadas e explicita-das. Cristiane tem a leveza dos anjos em tudo quanto escreve e faz.

No dia dos pais me presenteou com um mini-diário, particularizando do momento em que foi descoberto que eu estava com câncer no intestino, até às cinco cirurgias a que fui submetido.

o que ela escreveu para mim no dia dos pais foi ins-piração para tornar esse livro uma realidade. Cristiane liberou o escritor que dormia dentro de mim. a ela minha maior gratidão e o meu profundo amor.

Agradecimento especial

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a deus, o criador do universo, causa primária de to-das as coisas, que me deu a vida e a mantém com seus propósitos.

aos meus pais otacílio Fonseca e eunice Pereira da Fonseca, responsáveis pelo que sou.

A minha mulher, Eliane, aos meus filhos Cristiane, otávio, Ítalo (in memoriam) e viviane, razões maiores do meu viver...

aos meus netos, Ítalo Luiz, Jeferson Neto, Tatiane, otávio Filho e eliane Neta, que adocicam meus dias.

aos meus genros, Jorge Luiz e Ítalo Nielsen, e à minha nora Suzana, pelo carinho e atenção demonstrados durante a doença que me acometeu.

a tia Lia e à prima Miriam, pela dedicação sem prece-dentes, nos dias que passei na casa de minha mãe, depois de deixar o hospital, e em fase de recuperação física... enquanto eliane ia para o seu trabalho.

Agradecimentos

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À minha irmã sônia, que cresceu como se fosse minha filha, pela diferença de idade entre nós, e que ainda hoje a considero como tal dentro do meu coração, agradeço pelo afeto dos afetos que me dedica durante todos esses anos, demonstrado no dia a dia de minha vida.

agradeço aos meus médicos amigos: dr. Juvenal Torres, dra. Nelma Barbosa, meu anestesista dr. Jorge Gontran Torres, dra. Ângela silva, dr. Carlos Guima-rães, e aos demais citados nas páginas deste livro que tudo fizeram para que eu permanecesse vivo durante os meses que passei internado no Hospital são Lucas. aos amigos, pelo apoio e carinho quando vi a morte tão de perto e resolvi, com a fé em Nossa senhora de Fátima, ter esperanças e dar a volta por cima...

agradeço ao amigo fraterno Heráclito rollemberg pelo apoio recebido, e por sua lealdade nesses mais de 40 anos de amizade.

agradeço as lições de vida do amigo Pedro oswaldo Julião.

agradeço ainda a atenção e dedicação de minha co-laboradora Cláudia danielle dos santos, a “dani” que, nesses mais de 10 anos, tem sido paciente e leal comigo; como minha secretária, tornou-se uma fiel amiga, ajudan-do na digitação desse livro e dando inclusive sugestões ao seu texto.

aos amigos jornalistas Carlos alberto de souza e Lú-cia andrade, pela paciência e zêlo que tiveram em todo o processo de edição do livro, demonstrando amizade e carinho para com o autor.

Enfim, aos que fizeram parte da minha história de vida.

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dedico este Livro ao vice-Presidente da república, José alencar, por seu amor à vida e sua luta contra o câncer. seu exemplo tem encorajado a tantos em todo o País. vê-lo no noticiário da televisão, num quarto de hospital, foi motivo de novas esperanças para continuar vivo. Através da sua figura humana, homenageio a luta de todos aqueles que têm ou tiveram câncer e as suas famílias pelo carinho e solidariedade aos seus entes queridos...

dedico este livro a ele, e também a todos os pais e mães que passaram pelo sofrimento inigualável de ter perdido um filho, sendo esta perda a maior prova de todos os sofrimentos humanos...

Dedicatória

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SumárioPrefácio ........................................................................................ 19

algumas considerações ................................................. 21

Capítulo Idando a volta por cima .................................................. 23

Capítulo IIo poema de Cris ................................................................ 27

Capítulo IIIQuem sou .............................................................................. 30

Minha vida em aracaju ................................................... 39

Capítulo IViniciando minha trajetória ............................................... 50

Prefácio

Algumas considerações

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Capítulo VMeu grande amor ............................................................... 63

Capítulo VIComo me tornei social democrata .............................. 78

Capítulo VIIA perda de um filho .......................................................... 86

Capítulo VIII um grande susto ................................................................ .98

Capítulo IXa primeira cirurgia .......................................................... 103

Capítulo Xa segunda cirurgia ........................................................... 107

Capítulo XIa terceira cirurgia ............................................................ 112

Capítulo XII a quarta cirurgia .............................................................. 114

Capítulo XIII a quinta cirurgia .............................................................. 130

Capítulo XIVa perda de meu pai ......................................................... 136

Capítulo XVum novo recomeço ........................................................ 149

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Capítulo XVIIde Lisboa para Berlin .................................................... 190

Berlim dia 4 de outubro ............................................... 195 almoço no Kadewe ...................................................... 199

Capítulo XIIIde Berlin para Paris - dia 07/10/2010 ................. 208

almoço no Café de La Paix ........................................ 216 o Chateau de versailles ............................................... 218 Champs-Élysées à noite ............................................... 219 véspera do nosso retorno ........................................... 221

Capítulo XIXvoltando para o Brasil ................................................... 223

Capítulo XVIPortugal - a melhor das viagens após meu calvário ... 156

Chegando a Lisboa ....................................................... 158 indo a Fátima ................................................................ 163 o Mosteiro de alcobaça .............................................. 165 a morte de d. inês de Castro ..................................... 166 a viagem até Batalha de Nazaré ................................. 167 a cidade de Nazaré ....................................................... 168 um pouco do sul de Portugal .................................... 169 o Castelo de Palmela ................................................... 170 a cidade de sesimbra ................................................... 172 em setúbal ..................................................................... 172 Lisboa dia primeiro de outubro .................................. 181 a Praça do Comércio ................................................... 184 o monumento aos descobrimentos........................... 188 a Torre de Belém ......................................................... 189

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Capítulo XXuma nova viagem - salvador ...................................... 225

Capítulo XXIMeu aniversário ................................................................ 228

Capítulo XXIIo aniversário de d. eunice ......................................... 231

Capítulo XXIIINem copiar, nem rebelar, ser você mesmo .......... 236

Capítulo XXIVestrutura social dos anos 60 em sergipe ............. 241

Capítulo XXVuma história da Casa do estudante ........................ 251

Capítulo XXVIaguardando a sexta cirurgia. ...................................... 256

Capítulo XXVIIa gaivota e a contra-capa ............................................. 258

Referências Bibliográficas ................................................. 265Referências Bibliográficas

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Prefácio

Jeferson Fonseca de Moraes notabilizou-se no meio forense do estado como advogado. Nascido de família pobre, numa cidadezinha do sertão sergipano, viu sua família lutar bravamente para sobreviver, criar e educar os filhos.

sua mãe, professora dedicada ao ensino, fora vítima de perseguições políticas, transferida de uma cidade para outra, antes mesmo de se adaptar ao novo domicílio, e seu pai, pequeno comerciante, era obrigado a acompa-nhar sua esposa, até obter o cargo de serventuário da Justiça. exemplos de abnegação e coragem.

Nesse ambiente cresceu, estudou e diplomou-se pela antiga Faculdade de direito de sergipe. Foi como advo-gado que o conheci e passei a admirá-lo.

Por suas qualidades como estudioso do direito e ad-vogado, que sabe escrever como poucos, ao assumir o

Prefácio

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cargo de Procurador-Geral do estado, designei-o como meu assessor.

É, sem sombra de dúvidas, um vencedor. Homem de letras jurídicas, surpreende-nos, agora, como me-morialista.

o livro, a que me honra prefaciar, é de leitura fácil. escrito em linguagem amena e coloquial, prende o leitor do começo ao fim. É a narrativa de sua saga de jovem pobre, de sertanejo lutador, de advogado brilhante, de competente Procurador do estado.

O capítulo que aborda a trágica morte do seu filho, para sempre pranteada, porque “filho não nasceu para morrer antes dos pais”, é descrito de forma emocio-nante. Foi, também, muito sofrida a sua via crucis, no estóico enfrentamento do câncer, submetendo-se a cinco intervenções cirúrgicas.

Na sua luta para sobreviver ao terrível mal, a religio-sidade foi o seu bálsamo. Lega-nos, com a sua força, coragem e fé, importante lição de vida.

o capítulo em que descreveu suas andanças por Portugal, onde fora agradecer à virgem de Fátima a sua cura, bem como por Berlim e Paris, a passeio, revelam um observador arguto da cultura e da arte do velho mundo. deu, de fato, uma volta por cima.

Manuel Pascoal Nabuco D’ÁvilaDesembargador aposentado do Tribunal

de Justiça do Estado de Sergipe

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existe um provérbio latino que diz: “Habent sua fata libelli”, ou seja, os livros têm o seu destino.

e que destino melhor não teriam os escritos desse autor que o de trazerem uma palavra de conforto e, so-bretudo, de esperança para todos quantos, em suas vidas, se deparam com problemas cruciais?

Quer se trate de uma doença muito grave, uma grande dor moral, espiritual, enfim, uma experiência por demais significativa, a ponto de dar uma guinada radical em sua vida, tudo isso encontra eco no relato do autor desse livro.

sem pretensões literárias ou acadêmicas, mas num estilo simples, coloquial, despojado, o autor de “dando a volta por cima”, nos brinda com palavras de fé, uma fé concreta, vivenciada, experimentada, mostrando ao leitor o horizonte da esperança, qualquer que seja a situação existencial em que se encontre.

vale a pena conhecer esse relato de uma experiência humana cheia de sensibilidade, fé, esperança e amor.

Prof. Antônio Andrade de Oliveira

(Faculdade São Luís de França)

“Dando a volta por cima”

Algumas considerações

Algumasconsiderações

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Dando a volta por cimaDando a volta por cima

Capítulo I

Dando a Volta Por Cima

o título deste livro, “dando a volta por cima”, descre-ve a fé de um homem que foi atingido por uma doença quase sempre fatal no imaginário das pessoas. Quando se fala que alguém tem câncer, a primeira impressão que causa ao seu portador e às pessoas é que se está diante de um condenado à morte.

Foi com esse sentimento que recebi a notícia de que estava com um câncer no intestino, e que teria que ser operado imediatamente. isto aconteceu em dezembro de 2009. durante quase 03 meses, sofri com essa doen-ça e fiz cinco cirurgias, em menos de 90 dias, para sua extirpação, bem como para combater as intercorrências que advieram depois da primeira cirurgia, realizada em 02 de janeiro de 2010. Nesse livro, irei descrever a experiência pela qual passei, o sofrimento que vivi e

Capítulo1

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Jeferson Fonseca de MoraesJeferson Fonseca de Moraes

a esperança que a fé motiva a continuar vivendo, inde-pendentemente das dificuldades pelas quais passei.

Para tanto, estou transcrevendo a letra de uma música de autoria de Paulo vanzolini, escrita no ano de 1962, que foi interpretada naquele mesmo ano pelo cantor Noite ilustrada. Trata-se do samba “volta por cima”, que se tornou sucesso, naquele ano, em todo Brasil.

A propósito do significado da expressão “dar a volta por cima”, o dicionário aurélio registra: “dar a volta por cima. superar uma situação difícil: ‘ali onde eu cho-rei/ qualquer um chorava/ dar a volta por cima que eu dei/ quero ver quem dava”. Para expressar tudo quanto senti, transcrevo a letra da música do seu autor, Paulo vanzolini, “volta por cima”.

“ ChoreiNão procurei esconderTodos viram, fingiramPena de mim não precisavaali onde eu choreiQualquer um choravadar a volta por cima que eu deiQuero ver quem davaum homem de moralNão fica no chãoNem quer que mulherLhe venha dar a mãoreconhece a queda

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Dando a volta por cimaDando a volta por cima

e não desanimaLevanta, sacode a poeirae dá a volta por cima”.

diferentemente do que diz a letra dessa música, é importante a mão da mulher no contexto da doença, bem como o carinho da família durante o período do internamento do paciente no hospital, em sua luta para sobreviver.

essa mão de mulheres eu tive em eliane, esposa ama-da, nas minhas filhas, na minha mãe e na minha irmã, além de mulheres amigas, como dra. Nelma Barbosa e dra. angela silva, minhas médicas, dentre outras que cito no texto deste livro e que foram importantes para sacudir a poeira e dar a volta por cima. dar a volta por cima é estar vivo, e escrever este livro, depois de ter passado tudo quanto vocês lerão nestas páginas.

dar a volta por cima é sonhar em ver itinho, Gegê, Taty, Minho e Lilí, meus netos, correrem nos espaços de minha casa nos dias de domingo, acompanhados dos seus pais e de suas mães, que tomam cerveja na porta da cozinha, nos fundos da nossa casa, enquanto esperam o almoço da avó, feito por ela mesma, com todo amor, aquele macarrão com molho de tomate bem grosso e gostoso, com o frango cuja receita vem de gerações dos Provazzi, dos seus avós, lá da itália, e por mim acompa-nhado de um bom vinho.

É ver a família reunida, filhos, genros, nora, netos, às vezes, irmãos, irmã, minha mãe, tias, e primos, todos

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Capítulo1

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Jeferson Fonseca de Moraes

brincando, tirando onda um com o outro, os Corin-tianos fazendo piadas com os do Fluminense, os do Flamengo, Palmeiras, até contra o meu vasco, tudo não passa de grandes risos, e, ao fim da tarde todos se abra-çam, se beijam, e vão para suas casas, antes passando pelo shopping, para um café... Que alegria, ver que essa é a família que tenho,fruto do que aprendi com meus pais e eliane com os dela, e que estamos conseguindo transmitir aos nossos descendentes. irmão ajuda irmão, a família é sagrada, não se passa a perna em irmão, irmão é para ser tratado como se fosse filho... É isso que pedi a todos eles no leito do hospital, que se eu partisse, eles que cuidassem um do outro, assim eu me sentiria amado, onde quer que estivesse. Pedi que eles jurassem cumprir essa promessa, que não destruíssem tudo quanto havíamos construído, nossos afetos, nos-sos amores. Que envelhecessem juntos, como eu estou envelhecendo, com eliane...

Que se perdoassem mutuamente quando fossem tocados pela mágoa, porque o amor é o maior deter-gente contra os sentimentos inferiores que carregamos dentro de nós.

dar a volta por cima é ter esperanças de ver cres-cerem os netos, entrarem nas Faculdades, se tornarem boas pessoas e seguirem suas vidas: e exemplo que herdamos dos nossos ancestrais. acreditar em valores nobres e achar que nem tudo está perdido... É ter es-peranças, fé, muito amor para dar e receber...

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Quando estava internado no Hospital são Lucas, des-de o dia primeiro do ano, no dia 20 de janeiro de 2010 recebi um livro da minha filha Cristiane, escrito pelo médico americano, david servan-schreiber, que tinha como título “anticâncer”, onde ela escreveu um poema como dedicatória, que transcrevo, diante da sensibilidade que produziu no meu ser, o saber do conceito que minha filha me atribui no seu poema:

“ amado pai,Quando criançasua mão era segurançaQue conduzia meus passosPor todos os espaços.você era o super-heroi

Capítulo II

O poema de Cris

Capítulo2

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Jeferson Fonseca de MoraesJeferson Fonseca de Moraes

Que todo filho constrói.seu abraço era bacanaPorque era uma cabanade proteção e de carinhoTipo pássaro no ninho.Crescemos no seu exemploComo um religioso no templo.Seus cabelos ficaram brancosPelas cicatrizes dos anos,Pelas perdas irreparáveis,Como a dor dos miseráveisTalhando no seu coraçãoMarcas profunda então.Mas sua fé é seu lema.Tenha coragem, não temavocê é um guerreiroe seu paradeiroÉ na felicidadePasseando pela cidadeem paz consigoCom seus amigosJunto com a famíliavivendo a maravilhade amar e ser amado.”“Sua filha que te ama,Cristiane”.

Por essas e outras, por tanto amor recebido, é que tive a coragem do leão de lutar e enfrentar essa tenaz

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doença, sendo um sobrevivente… e dando muito valor a cada dia da vida, do nascer ao por do sol. Por isso, estou vivo, e, “catando milho”, estou escrevendo, página por pagina, este livro que retrata grande parte de minha vida.

Para dar início aos primeiros capítulos desse livro, comecei a pensar sobre tudo que tinha acontecido em minha vida, desde a infância até a fase atual. era como se eu tivesse fazendo um exame de consciência. No lei-to do hospital, revivi como se fosse um “filme” toda minha trajetória de vida, era como se eu quisesse saber se estava em dívida com alguma pessoa, para pedir des-culpas por qualquer coisa que eu pudesse ter feito de er-rado. e assim, caros leitores, capítulos e capítulos foram passando da história da minha vida, que aqui transcrevo com a maior fidelidade.

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Capítulo2

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Jeferson Fonseca de Moraes

Capítulo III

Quem sou...

eu tenho 64 anos (nasci no dia 9 de novembro de 1945) em Pedra Mole, estado de sergipe, na época um lugarejo, um pequenino povoado do município de Cam-po do Brito. os parentes de meu pai e de minha mãe também nasceram lá, ou nas cidades circunvizinhas. Pe-dra Mole não cresceu muito, mas hoje já se tornou cidade.

a família, tanto de um lado quanto de outro, eram pessoas que viviam da labuta da roça, na agricultura e no pequeno comércio. a mãe de meu pai, minha avó Marga-rida, tinha um pequeno sitio na “serra”, um pouco acima da povoação onde nasci. Mas era tão bonitinha minha cidade, mesmo tendo naquela época apenas duas ruas.

Hoje já cresceu, tem mais de duas ruas, paralelas umas às outras, tem uma agência de Banco, Fórum, com o nome de um filho da terra, que chegou a ser Ministro

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Dando a volta por cima

do superior Tribunal de Justiça, chamado José arnaldo da Fonseca. Bem merecida a homenagem! deixou a terra ainda jovem e foi para o rio de Janeiro estudar na casa de um parente, dr. Tito Livio. Zé arnaldo, na inti-midade, estudou direito, fez concurso para o Ministério Público Federal, galgou todos os postos de sua carreira, chegando, na vaga do Ministério Público, a ser nomeado como Ministro do sTJ. sua família era a mais importante de Pedra Mole, tanto que a rodovia que liga a cidade, hoje está completamente asfaltada e tem o nome do seu pai: rodovia José Lavres da Fonseca. a minha família, embora tenha o nome Fonseca, não é parente da do Ministro. somos os Fonseca do lado pobre. Quanto ao meu Moraes, ele veio do meu avô materno, valeriano Pereira de Moraes, ” seu veleu”.

Minha mãe casou-se com meu pai em Pedra Mole, à época um povoado, longe da sede do município; o transporte mais comum era o cavalo; não havia ou-tros meios de transporte onde eu nasci, tudo era muito difícil. então meus pais pediram a um compadre que negociava em Campo do Brito, nos dias de feira, que levasse os meus dados para fazer o meu registro de nas-cimento no Cartório. depois da feira, foi ao Cartório e verificou que tinha perdido o papel com meus dados, mesmo assim fui registrado, como nascido no dia 14 de novembro de 1945, quando na verdade nasci no dia 9 de novembro, e como não sabiam se o meu nome deveria ser Jeferson Pereira da Fonseca ou Jeferson Fonseca de Moraes, optaram por registrar com o segundo nome:

Capítulo3

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Jeferson Fonseca de Moraes

Fonseca, que era sobrenome de meu pai, e Moraes, que era do meu avô materno. Tudo bem, foi criado meu so-brenome por um erro do compadre que havia perdido o papel com meu nome no trajeto, surgindo os Fonseca de Moraes. É isso ai... está explicado porque sou Fon-seca de Moraes, enquanto minha irmã tem o seu nome correto, porque foi registrada diretamente por meus pais em ribeirópolis, onde minha mãe foi Professora, sendo o seu nome Josefa sônia Pereira da Fonseca. eu, embora advogado, nunca quis fazer a retificação desse erro, até porque eu amava muito meu avô materno “veleu”, que tinha como sonho ver o neto formado, e, para isso, com-prou terno novo e chapéu de baeta. entretanto, a vida não quis lhe permitir essa alegria, pois faleceu, meses antes, de doença de Chagas, aquela que é ocasionada pela picada de um besouro, durante a noite, enquanto as pessoas dormem, normalmente na zona rural, coisa de País de terceiro mundo, com casas não rebocadas, no interior do Brasil. Quando eu tinha um ano de idade, minha mãe foi transferida para outras povoações, porque, na época, era assim: a professora que não agradasse ao “chefe político” do lugarejo, era transferida para outro lugar.

Minha mãe, com a independência que sempre a ca-racterizou, bateu “as sete lacochias”, ditado popular para definir a diversidade de lugares para onde foi transferida por questões eminentemente políticas do local. era o chefe político querer dar palpite na escola dela, mandar, dar ordens, mas ela não aceitava. e aí tome transferência nas costas, era um correr mundo, fazer mudança em cima

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de caminhão. Os móveis já estavam surrados e danifi-cados de tantas mudanças em carrocerias de caminhão.

somente quando já homem feito, é que procurei retornar às minhas origens, ver a casa em que eu tinha nascido, no “oitão” da igreja, com uma porta e uma janela, muito pequena, grande porém, no coração dos meus. ali meu pai tinha uma pequena bodega, onde vendia gêneros de primeiras necessidades, e doces feitos por minha mãe.

de andança em andança, ela foi transferida para a cidade de ribeirópolis, fazendo amizade com a Família dos “Cearás”, políticos do Psd, liderados por Baltazar santos, que era líder na Cidade. Tempos depois, quando minha mãe já não mais morava lá, foi eleito, por várias oportunidades, deputado estadual, e, depois dele, dois dos seus filhos.

Quando “seu Baltazar” perdeu as eleições para a Prefeitura, e a udN venceu o pleito, e outro foi o Pre-feito eleito, ela foi transferida para Campo do Brito.

Tenho, contudo, poucas lembranças de ribeiró-polis, onde devo ter vivido até completar em torno de nove anos de idade. as minhas lembranças são do Cinema de “seu Zezé demétrio” e do campo de futebol. ah! como eu gostava de jogar bola no campo que havia na cidade onde minha mãe era professora. Minha roupa de criança era impecavelmente limpa e bem cuidada. depois das aulas, no grupo escolar, ela cuidava das coisas de casa. Eu era filho único, posto que minha irmã de nome Gicelma tinha falecido com

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Capítulo3

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Jeferson Fonseca de Moraes

um ano e quatro meses de idade, vitimada por uma doença que, à época, era chamada de “crupe”, hoje denominada difteria.

sônia nasceu ainda em ribeirópolis. após a morte de Gicelma, eu pedi que minha mãe lhe desse esse nome, que era o nome de uma revistinha, chamada de Gibí, existente naquela época, e que minha mãe comprava, para que eu tivesse interesse em aprender a ler.

Minha mãe dizia que teria somente dois filhos. Fui criado com austeridade, porém, com afeto. era um tempo em que ainda se usava a palmatória como meio de educar, quando se cometia alguma coisa considerada errada; dentro dos padrões, era algo nor-mal, comum. Nenhuma mágoa guardo de meus pais, naquele período.

Por isso, lembro-me de um gesto de minha mãe naquele campo de futebol, onde todos os amigos se encontravam. a molecada estava sentada em cima de minha roupa branca, que minha mãe havia lavado e passado a ” ferro de brasa”, com tanto cuidado, en-quanto eu jogava bola. ela deu um “psiu” que ouvi de longe, era reconhecível; meu coração disparou de medo, peguei minha roupa, vesti-me às pressas, e fui ao seu encontro. dali até a nossa casa reinou um silencio absoluto. Chegando em casa, ela mandou que eu fosse buscar uma bacia, enchesse de água e colocasse sal.

era a “salmoura da educação”. a próxima etapa foi pegar a tal da “professora”, como era chamada a “palmatória”, um objeto feita de madeira, com um cabo

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comprido, onde era segurada, e que servia para aplicar palmadas em cada uma das mãos.

disse-me, então: “já lhe avisei que, se lhe pegasse jogan-do futebol no campo, eu lhe daria umas palmadas com a palmatória. É o que vai acontecer”. e continuou dizendo: “eu sei aonde lhe bato, o mundo não! ele bate em qual-quer lugar”. Tomei seis bolos em cada mão e as coloquei dentro da bacia onde a salmoura já esperava, para evitar que inchasse. Era, com efeito, esse o antiinflamatório que toda a minha geração experimentou, como meio educativo.

os professores como minha mãe, além de exercer a arte de ensinar, também tinham o propósito da arte do educar.

Todos respeitavam os professores como se fossem mães e pais ao mesmo tempo. os próprios pais dos alunos davam tal autorização às professoras. elas era cultuadas na cidade onde ensinavam, um exemplo a ser seguido. Não era como hoje, em que os alunos até batem nos professores. dizemos nós que há um grande erro em tudo isso. os valores do passado, que serviram de sustentáculo para formar a sociedade atual, foram des-prezados, e não sabemos para onde os “novos valores” estarão nos conduzindo.

a medida corretiva aplicada no passado, que ao meu ver deu certo, no meu próprio caso e no de minha irmã, hoje não mais se aplica. aí em vez de cidadãos, o que nós estamos vendo é uma tristeza. o crack, a cocaína e outras drogas destruindo as famílias, e os filhos já não mais respeitam os pais, uma desgraça social... o estado querendo interferir e ocupar o lugar dos pais: uma

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tragédia. até porque o estado Brasileiro não é exemplo de nada e só se segue quem se admira...

Os pais não têm mais tempo para os filhos, nem auto-ridade; o trabalho como centro de tudo tem gerado um quase abandono desses filhos. Os pais estão substituindo algo insubstituível, a presença, o afeto, por presentes. os bens materiais passaram a ser a demonstração do afeto, porém, ao meu ver, o afeto é insubstituível, eis que o ser humano só forma valores através do amor. o homem é um buscador do amor, do nascimento à morte; nada o substitui.

Quando completei dez anos, tinha terminado o curso primário no Grupo escolar Comendador Calazans, na cidade de santa Luzia do itanhy. era uma escola pública, onde d. eunice era diretora e professora do quarto ano, que era o último ano do curso primário; por isso é que minha mãe me mandou estudar em aracaju. Fiquei na casa da tia Pureza, a mesma pessoa que a tinha educado; ela era irmã da mãe dela, minha avó Bertulina, que só sabia assinar o seu próprio nome e ler poucas coisas.

acho que minha avó materna foi uma das pessoas que mais me amou na vida. Quando eu já era advogado, ela passava sempre dias e mais dias em minha casa. dava-se muito bem com eliane, brincavam como duas crianças no quintal de nossa casa. Muitas vezes eu ia para estância, trabalhar, e, enquanto estava no fórum, advogando, ela me esperava no automóvel, um Fusca azul claro. Na volta para aracaju, eram conversas e mais conversas. Como eu amava minha avó!

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Lembro-me de certa feita, eu ainda era pequeno, quando minha mãe quis me dar uma “sova” de corda; nessa hora, dona Bertulina foi chegando em casa, eu corri para os seus braços acolhedores, pedindo asilo e abrigo. ela olhou para minha mãe, e foi dizendo, ”Nicí, você vai bater nele junto de mim? Não faça isso não, minha filha, senão quem vai apanhar é você. Ou você não mais respeita sua mãe? ”esse monólogo produziu seu resultado: Naquele dia não apanhei de corda. dona eunice foi dizendo: está bem, mãe. dessa vez, escapei.

Tive vontade de dar uma boa risada, mas não fiz por-que o custo seria muito alto; a próxima surra seria com juros e correção monetária...

Meu avô materno era um homem simples, que tinha uma pequena oficina mecânica em Pedra Mole, onde nascemos; ele era ferreiro, batia enxada e virava o “olho”, colocando-a na fornalha, como se chamava; era também uma espécie de mecânico, trabalhava ainda no vapor de “seu Lavres”, que era um descaroçador de algodão, existente naquela região.

Tempos depois, mudou-se para Campo de Brito, onde continuou seu oficio até seu falecimento ocasionado pelo mal de Chagas, uma doença que ataca o coração em de-corrência da picada de um inseto (o barbeiro), conforme acima mencionado.

Lembro-me de que meu avô materno era um homem de fala mansa, educado, falava baixo, era de estatura baixa, moreno claro, de olhos verdes azulados, e cabelo preto escorrido. Homem de muita coragem e respeitado por

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todos, não sei se pelo hábito de carregar no “bocapiu” (uma espécie de bolsa de palha) seu revolver 44, chamado de “Nagão”, e que ele nunca usou em toda sua vida...

Quando eu entrava de férias, a coisa que eu mais gostava na vida era ir passar uma temporada no sitio dos meus avós maternos. Brincar com os meninos dos vizinhos, comer muitas frutas, subir nas mangueiras e nos cajueiros, e ficar vendo minha avó com uma enxada limpando o feijão que crescia, ou apanhando café no cafezal que tinha em baixo de um grande cajueiro branco.

Quando meio dia chegava, ah que fome! comida feita em panelas de barro, feijão temperado com côco, muito quiabo, um aroma de dar inveja. e que prato! comia tudo; e a sobremesa, um doce de banana em rodinhas, que era chamado de “tanto aja”, como era gostoso, feito por mi-nha avó, com bananas bem maduras, produção do sitio.

No final da tarde, ficava sentado no alpendre, vendo a cancela ao longe, esperando a chegada de meu avô, que sempre trazia, além do pão quente para o café à noite, um pão que eu adorava, chamado naquela época de “Peito de Moça”; o nome era porque tinha uns bicos, em volta dele côco ralado e pincelado com mel, uma delícia, feito na Padaria de seu Juca. Todo dia eu ganhava um.

Meu avô, no alpendre da velha casa, depois do café, sentava-se comigo e contava histórias da “carochinha”. Falava sobre os planetas, sua influência nas plantações agrícolas, na seca ou nas chuvas. ele tinha um livro cha-mado “Lunário Perpétuo”, onde aprendia tudo isso. di-zia que quando o ano fosse regido pelo planeta saturno,

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tudo seria ruim, as relações entre as pessoas, a agricul-tura não produziria o suficiente, não haveria chuvas e tanto mais. E arrematava: meu filho, Saturno é deus da Justiça e inimigo da natureza humana. aprenda isso, e tenha cuidado sempre quando esse planeta for o regente de qualquer ano. está tudo aqui no Lunário Perpétuo...que era um almanaque, como se dizia na época.

Minha mãe sempre teve um espírito independente e valorizava a cultura. Não foi por acaso que escolhera o meu nome, Jeferson, que tinha sido o terceiro presidente dos estados unidos da américa, e o homem que havia ajudado a redigir a constituição americana.

Minha vida em AracajuPassei poucos meses na casa da tia Pureza, na avenida

João ribeiro n.º 1.323, bem perto do pé da ladeira, onde fica a Igreja de Santo Antônio, no Bairro onde Aracaju começou como cidade.

desde cedo aprendi a cortar lenha, tirando gravetos para acender o fogão a lenha que tinha na cozinha, para fazer o meu café da manhã antes de ir para a escola; não havia ainda fogão a gás, este só apareceu em sergipe muitos anos depois, pelas mãos de um grande empreen-dedor sergipano, que foi albino silva da Fonseca, dono da “sergipe Gás” e pai do meu colega e amigo, o Pro-curador do estado aerton silva da Fonseca. seu albino, como era chamado, nunca estudou, veio de itabaiana para aracaju andando pelas estradas. encontrou-se com

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uma Cigana que disse que ele seria muito rico e que morreria com x anos de idade.

a profecia se cumpriu: foi um dos homens mais ricos daquela época, dono de industria de panificação, distribuidora de gás de cozinha, água mineral, e tanto mais... Chegou ao senado como suplente de senador, e aí, conta-se que ele teria dito que seu primeiro discurso seria em alemão. o senado providenciou tradutores e toda parafernália para ouvir o senador de sergipe. Na hora marcada, seu albino começo a falar sobre seu com-padre e segurança pessoal conhecido por sua estatura de gigante, e por sua cor bem branca, investigador da Polícia, chamado de Alemão. Justificava que a fama de alemão não era aquela que o povo lhe atribuiu, ele era um homem bom, etc e tal. Como eu sou amigo fraterno de um dos filhos de Seu Albino, Aerton Silva, perguntei a ele se essa história do senado era verdadeira ou não; respondeu-me que era um desses folclores de sergipe.

eu estudava no educandário são Jorge, no centro da cidade, onde me preparava para fazer o exame de ad-missão ao ginásio do Colégio Tobias Barreto, o mesmo onde d. eunice tinha estudado. o educandário são Jorge ficava na Rua Santa Luzia n.º 232, sendo dirigido pela professora iralina almeida alves, mestra das melhores, que tinha sua origem na Cidade de Capela.

eu sempre ia para o Centro da Cidade estudar, an-dando a pé. uma vez ou outra, tinha um motorista do ônibus do santo antônio, que era amigo da minha tia, cha-mado “Pepita” que, ao me ver andando, parava o ônibus e

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me dava uma carona. ah! como eu gostava do Pepita!ao ser aprovado no exame de admissão, comecei a

estudar o ginásio, hoje nível médio, no Colégio Tobias Barreto, e passei a morar como interno no educandário são Jorge, que tinha internato àquela época. Todo salá-rio da professora eunice era para pagar o internato e a mensalidade do Colégio Tobias Barreto, que era dirigido pelo Professor alcebiades Melo vilas-Boas, um homem bom, e profundamente humano.

Ali havia um internato para os filhos dos abastados fazendeiros que moravam no interior, quando minha mãe estudou antes de mim.

Minha mãe resolveu que eu deveria ficar internado no educandário são Jorge, para melhor me preparar para o exame de admissão no Tobias; foi uma indicação do Professor alcebíades. Naquela época, para se entrar no ginásio, tinha que se fazer um exame como o vestibular dos dias de hoje.

Não sei como minha mãe conseguia pagar o meu in-ternato, e, posteriormente, o Colégio Tobias Barreto. o internato onde eu passei a morar custava algo em torno de mil e duzentos cruzeiros, e a mensalidade do Tobias, lembro-me bem, era trezentos e vinte cruzeiros.

essa soma dava mil quinhentos e vinte cruzeiros, fora as despesas com lavadeira, que cuidava das minhas rou-pas. Minha mãe ganhava como professora mil e cinquenta cruzeiros. o restante ela conseguia como costureira, profissão que exercia para toda aquela região, como o povoado Crasto até a cidade de indiaroba.

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Meu pai tinha como responsabilidade a manutenção da casa, com a alimentação de todos, energia elétrica, e tantas mais. Pobre de minha mãe, não ficava com nada. Muitas vezes fazia um “vale” na exatoria, para pagar mi-nhas despesas, evitando, com isso, que eu sofresse qualquer constrangimento por falta de pagamento do colégio.

sempre pagou tudo, dias antes do vencimento.dizia que quem não paga em dia seus compromissos,

não tem altivez!Fui criado com esses conceitos, que estão incrustados

na minha personalidade.a professora iralina era uma mulher preparada; diziam

que eu era o seu aluno preferido, só porque nos dias de sábado era escolhido, dentre todos, para ir a uma feirinha que havia na Praça da Bandeira, em companhia do seu marido, que todos nós chamávamos de “seu Joãozinho”. um santo homem.

Eu convivia com os seus filhos, Conrado, Everaldo e arivaldo, todos já homens feitos, trabalhando no co-mércio, até que foram morar em são Paulo.

Mantive com todos os melhores laços de amizade.dona iralina, de vez em quando, aplicava os castigos

merecidos, a exemplo de escrever 500 vezes no cader-no, a frase: “Preciso falar baixo para não incomodar os vizinhos” e sem sair do local, enquanto não terminasse a tarefa. É que a galera do internato estava jogando bola na rua, de manhã cedo e fazendo barulho, com certeza incomodando os vizinhos do internato.

entretanto, devo a ela muito de minha formação

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educacional e moral, e sempre a tive como uma segunda mãe, juntamente com sua irmã d. Gisélia.

Cresci morando em vários pensionatos, mas sempre visitava a velha professora, na rua santa Luzia. ela era meu banco: quando tinha qualquer dificuldade finan-ceira, no começo de minha vida, recém casado, era ali que eu batia.

um pouco antes de completar dezessete anos, mora-va na pensão de d. Nanoca, na Travessa José de Faro, n.º 79, onde era sua casa e hoje, no local, estão vários bancos. É bem ali perto do prédio antigo da assembléia Legislativa.

Lá moravam estudantes, funcionários públicos, tra-balhadores do comércio, e, dentre os moradores, fiz amizade com Manoel Muniz dantas Prado, que era sobrinho de um usineiro de nome dr. João dantas Prado. Este era dono de uma oficina mecânica que ficava na Rua Siriri, em Aracaju.

eu pedi a Muniz que me desse um emprego na oficina que era do seu tio e onde ele trabalhava como seu gerente.

ele disse que não podia me registrar, com carteira assinada, mas poderia me pagar pouco mais de um salário mínimo, e que eu poderia ir de carona com ele pela manhã, voltar para o almoço na pensão, retornar de igual forma pela tarde e pela noite.

Tornei-me o encarregado de organizar o escritório e do setor de compras de peças para a oficina, já que Dr. João Prado tinha uma frota de caminhões Mercedes-Benz

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que transportava açúcar para são Paulo e retornava com cargas diversas.

esses caminhões faziam a manutenção em sua pró-pria oficina, que tinha como seu mecânico principal o “Mestre edson”.

dizia a ele que estava estudando e que um dia seria advogado, ao que ele respondeu: “Não tenho qualquer dúvida”. e me perguntou: e se eu precisar dos seus ser-viços você vai me cobrar um preço bom? espere para ver, Mestre edson, disse-lhe eu.

agora, em 2009, minha secretária dani anunciou que tinha um cliente para ser atendido e que dizia ser meu amigo, mas que não me via há mais de 40 anos.

Eu fiquei a me perguntar, quem seria?e fui recebê-lo na recepção do meu escritório.era o Mestre edson. Muito velhinho, com sua esposa

e uma filha. Que alegria! Quantos abraços, quantas re-cordações. a sua esposa havia adquirido uma casa, por cessão de herança e eu fiz o respectivo inventário. Na hora de acertar os honorários, quando ele me perguntou quanto seria, eu lhe respondi: está esquecido, mestre ed-son, do que lhe disse quando fomos colegas de trabalho na oficina da Rua Siriri? O senhor não deve nada; não há honorários a pagar. entreguei o formal de partilha, e ele saiu com um grande riso. esses foram os melhores dos meus honorários de advogado.

Naquela época, o deputado José raymundo ribeiro, de Lagarto, o conhecido “Cabo Zé”, e seu irmão Juli-nho eram muito ricos, e resolveram entrar no comércio

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de automóveis, como concessionários da simca do Bra-sil. eu fui convidado para trabalhar nesse novo lugar; Zé ribeiro era amigo da minha família em santa Luzia do Itanhy, através de Ivanise, que era filha de D. Geni, a grande amiga de minha mãe. Por isso, fui ser o encarre-gado das chaves que os mecânicos utilizavam na oficina. o ano era mais ou menos 1962.

Havia um grande quadro negro, pregado na parede,com o desenho das chaves, que eram sustenta-das por dois pregos de cada lado. Quando o local no quadro estava vazio, era sinal de que algum mecânico, no final da tarde, não tinha devolvido a chave. Cabia a mim a cobrança ou então seria cobrado pelos donos, no sábado pela manhã, quando todos recebiam seus salários... eu só tinha duas escolhas:ou cobrava ou comprava outra chave.

Lá conheci o amigo Heráclito Rollemberg. Ele era filho de seu Toinho da Farmácia, de Laranjeiras, amigo de Zé ribeiro, trabalhava como tesoureiro do iaPM – instituto de aposentadoria dos Marítimos, e tinha um “dauphin-ne” de cor branca, que era um carrinho muito pequeno, fabricado pela renault. ele tinha comprado esse carro de segunda mão a Paulo vasconcelos, dono de uma loja de móveis e eletrodomésticos, chamada a diamante.

Heráclito levava seu carrinho para fazer revisão e ser apertado quase toda semana, na Oficina da Simca. Eu mandava lavar, e cuidar por um mecânico que era nosso amigo,e continua até os dias de hoje, é “Tonho da Cheve-ton”, muito conhecido em Aracaju, e que tem sua oficina

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no siqueira Campos. ele, ainda hoje, cuida da minha Mercedes, dia de sábado; uma vez por mês, vou lá para bater-papo com ele e com a esposa e filhos, e damos boas risadas, relembrando o tempo em que éramos muito mais pobres do que somos hoje. e, as lembran-ças do Bar de seu João, na esquina da avenida Pedro Calazans, na linha do trem, comendo na merenda das dez horas, pão doce com refresco ou caldo de cana, para pagar somente nos dias de sábado. Tudo ficava anotado numa caderneta, e ninguém “dava devo não”, todo mundo pagava certo. e quem era doido de não pagar, para ficar com nome sujo.

Que bons tempos, as pessoas tinham vergonha na cara. Todos éramos pobres, honestos e progredimos nas nossas vidas. Ficamos felizes com isso, e tristes, quando relembramos de Julinho ribeiro, nosso patrão na simca. Fomos seus empregados, tinha até hotel em Lagarto, dele ou de sua família e hoje sua situação não é mais como foi... Às vezes, nos encontramos no shopping, e eu relembro desse tempo, porém, com o cuidado para que ele não se sinta diminuído. digo que ele foi um bom patrão, coisas desse tipo.

Tonho da Cheveton agora resolveu estudar adminis-tração de empresas, na nossa Faculdade são Luís; fala da importância de estudar, mesmo já velho, e que isso é um exemplo para seus filhos. Conta-me sobre suas tocadas nas igrejas; ele é muito católico, tem um conjunto mu-sical, toca violão e guitarra nas missas. ele rezou muito por mim quando eu estava com câncer, e suas preces

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foram ouvidas. Quando eu estava doente no hospital, ele me visitava semanalmente, mais de um vez; é um dos meus bons amigos.

ele e eu tínhamos muito cuidado com o carrinho de Heráclito, de quem é também até hoje seu amigo.

Por isso me tornei amigo de Heráclito. ele adentrou na vida pública, como deputado estadual, por várias le-gislaturas, foi Prefeito de aracaju por seis anos; na época, o prefeito era nomeado pelo Governador.

Todos os seus amigos foram trabalhar na Prefeitura, a exemplo de Carlos rodrigues Porto da Cruz, Cícero veiga da rocha, Luiz antonio Barreto, eduardo Cabral Menezes, que foi seu secretário de assuntos jurídicos. Somente eu fiquei de fora porque quis. Na época, já era advogado de muitas empresas em sergipe, e já estava trabalhando no Juizado de menores, e casado com eliane.

Carlos Cruz indicou meu nome para substituir eduar-do Cabral, quando ele deixou de ser secretário municipal. Naquela ocasião eu já ganhava nas empresas muito mais do que ganharia se secretário do município fosse.

Continuamos, contudo, amigos, e mantemos essa ami-zade até os dias de hoje, lá se vão quase 50 anos. ele é meu grande companheiro de viagem. um amigo-irmão. E essa amizade foi estendida tanto aos seus filhos, como aos meus; sua esposa angélica é uma Lady, que postura, que exemplo de pessoa; somos como irmãos. É minha colega Procuradora do estado, embora já estejamos aposentados.

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Como já disse anteriormente, trabalhei aqui em ara-caju, na Concessionária da simca do Brasil, que foi uma subsidiária brasileira da simca francesa, fundada em 5 de maio de 1958 na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais.

A loja de Zé Ribeiro e Julinho ficava na Avenida João ribeiro, perto do posto esso, onde eu trabalhava.

eu queria estudar direito, fazer vestibular, mas pre-cisava trabalhar; eu já tinha guardado boa parte do que havia ganho naquela primeira oficina mecânica, onde trabalhei. Precisava guardar todas as sobras do dinheiro ganho. E isso fiz. Um dia disse a Zé Ribeiro que ia sair da simca e que não precisava se preocupar com indeniza-ção de direitos trabalhistas. ele já tinha sido muito bom comigo. agradeci, dei um tempo, e fui embora. Quem me substituiu foi Fernando Macedo, que depois, também fez Concurso, e se tornou Juiz de direito. eu já tinha guardado 100 mil cruzeiros, como poupança. Propus a d. Nanoca, pagar um ano de pensão adiantado, 60 mil cruzeiros, sem reajuste nesse período, cama, mesa, e banho, tudo junto; ela topou. Fiquei um ano me prepa-rando para o vestibular, sem trabalhar, e fui aprovado...

Muitas vezes, na siMCa (é isto mesmo, com M) substituí venâncio, um anão que trabalhava na bomba de gasolina; naquela época, o nome que se dava ao atual frentista era bombeiro. ele era bem pequenino, mas de uma alegria contagiante. Coloquei gasolina nos carros de muita gente considerada rica de aracaju, nessas opor-tunidades. um deles foi olimpinho, da família Campos, e dono de uma Construtora; meu amigo, e boa praça.

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Nunca deu importância ao dinheiro, acima das pesso-as, era um “bon vivant”. eu lhe dizia, enquanto abastecia seu automóvel: “espere, olimpinho, que um dia você vai ver, ainda vou ter um carro como esse..., ele respondia, e eu de carona com você...” o tempo passou e um dia eu fui advogado em um caso com ele que resolvemos amigavelmente. então perguntei: “e meus honorários olimpinho?” ele respondeu- “Quer receber duas vezes, eu já mandei para sua casa, quando você chegar lá verifi-que”. em casa me aguardava uma caixa de Wisky “old Parr”. assim era olimpinho, boa gente...

outra de olimpinho: ele estava muito gordo, precisa-va fazer exercícios físicos, por orientação do seu médico. ele, então, o que fez? Comprou um traje próprio e, de manhã cedo, chamava Carí, seu motorista de muitos anos, mandava vestir a roupa, e dizia - Carí fique correndo em volta da piscina, e eu fico aqui sentado. Lá para tantas, mandava Carí parar, dizendo: já estou cansado..., pode parar Carí. O exercício estava feito... Que figura era o olimpinho, irmão de minha colega Procuradora do es-tado, cunhado de Heráclito rollemberg. Foi quem mais gozou a vida em sergipe, daqueles de sua geração...

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Quando veio a revolução de 1964, já era estudante de direito, e, como pertencia ao grupo de esquerda, e havia feito um discurso na praça da estação rodoviária, em saudação ao famoso padre alípio, fui procurado pelos militares. aonde me escondi? Na casa de dona iralina, lembram-se que morei na casa dela?

Ali fiquei durante muitos dias, até que as coisas se acalmassem e viajei num “pau de arara”, caminhão coberto por una lona,que transportava os vendedores de produtos agrícolas e gaiolas de galinhas, que eram vendidas em aracaju, retornando a Campo do Brito no final da feira.Viajei com eles.

Meus avós maternos moravam em um sítio perto da cidade de Campo do Brito, e lá fiquei até que cessaram as prisões dos comunistas e de toda a estudantada de esquerda.

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Iniciando minha trajetória

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dessa vez escapei.O tempo passou, e ao final,quando da conclusão do

curso na Faculdade de direito de sergipe, em 1968, no dia 08 de dezembro, colei grau, sendo o escolhido por minha turma, para ser o orador da saudade.

Naquela época tinha eleição para a escolha do orador da saudade, que era um discurso proferido na Faculdade, na manhã da formatura, com todos os parentes e amigos presentes, inclusive os professores, enquanto o orador da turma era aquele que discursava no instituto histórico durante a colação de grau. João santana sobrinho foi eleito com maior quantidade de votos para ser o ora-dor da Turma, enquanto eu, que tive a segunda posição em relação aos votos, fui escolhido como o orador da saudade. os colegas estavam de Beca preta, como era da tradição, para ouvir a oração da saudade. Fiz um discurso, enaltecendo a democracia e recitei um credo a esse regime que nasceu na Grécia, considerando-o como a maior criação política do homem. Por isso, doze dias depois, fui preso pelas forças da revolução no 28 BC, o que oportunamente contarei.

João santana era professor de história de uma rede de escolas da CeNeG - Campanha Nacional de educan-dários Gratuitos. eu também era professor de História, lecionando na cidade de Barra dos Coqueiros, no Co-légio arnaldo dantas; atravessava o rio de barco ou canoa, chamada de Tototó, pelo barulho que fazia. em aracaju, no Colégio estadual de sergipe (o velho athe-neu), no atheneuzinho, na rua da Frente (atual av. ivo

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do Prado), na escola Normal, estes da rede pública, bem como no Colégio dom José Thomaz, e Walter Franco, da rede privada.

era ainda estudante de direito, quando fui convida-do para ser professor de história. dava aulas ainda no primeiro pré vestibular que houve em aracaju, o iseC – instituto sergipano de Cultura, fundado por Hunaldo alencar, grande professor de português, onde estudavam todos os filhos da alta sociedade, e também do povo, via bolsa, como o filho de “Seu Pedro Carroceiro”, um jovem que trabalhava como cobrador de uma transportadora, e à noite ia para o iseC.

ele dizia que, em sua casa, todos podiam adoecer, menos o burro, o animal que arrastava a carroça. era com ele que seu Pedro mantinha a família. esse jovem foi meu aluno, tornou-se advogado, tendo depois se tor-nado, por concurso, Juiz de direito. e não só isso, um grande Juiz, um grande magistrado, símbolo de honradez e de orgulho para seus amigos e admiradores; seu nome: dr. Walmir Teles do Nascimento, sendo hoje quase meu vizinho, pois mora na mesma rua.

desse tempo, estudando para o vestibular comigo, lembro-me de Jolinda Carvalho, filha de Seu Jó da Ser-raria, boa mesa na hora do lanche, de Carlos valdemar Resende Machado, filho do “rei do Côco”, ele é hoje Procurador do Ministério Público especial junto ao Tribunal de Contas do estado de sergipe.

Lembro-me ainda de Genny rodrigues schuster, colega muito estudiosa que se tornou Magistrada, sendo

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atualmente desembargadora do Tribunal de Justiça. sem-pre a vejo. É amiga-irmã de valmir Teles do Nascimento, e nos convidou para sua posse no Tribunal. Lá estava eu, de terno e bolsa de colostomia estufada e tudo, mas fui... não podia faltar à posse dessa Juíza de direito, que sempre foi um exemplo para todos os seus colegas de turma na Faculdade de direito.

voltando à minha prisão pelo exercito. estava indo para a cidade de itaporanga d’ajuda no carro do amigo e colega Benlício Barbalho (hoje juiz de direito aposen-tado do estado do espírito santo). Íamos tomar café na feira, num sábado pela manhã, onde comeríamos fígado de boi assado na brasa, com cuscuz de milho, manteiga da boa e café com leite, uma farra que fazía-mos de vez em quando.

eu havia morada com Benlício em sua casa, no Bairro industrial, em aracaju, quando ainda era estudante de direito, numa época de “vacas Magras”. ele era meu amigo, e por ser do interior da Bahia, passava férias na casa do meus pais em santa Luzia.

Mas esse fígado na brasa não foi dos melhores. No caminho nos deparamos com uma grande fila de carros parados na nossa frente, no acostamento da rodovia, quando apareceu um oficial do exército e perguntou o meu nome. Eu cheio de empáfia, como a maioria dos recém formados, enchi o peito e disse que era doutor Jeferson Fonseca de Moraes. ele consultou uma relação de nomes que se encontrava em sua mão, e disse: É o senhor mesmo um dos que estamos procurando. o senhor

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é comunista e, por isso, está sendo recolhido ao 28º Batalhão de Caçadores, que era o quartel do exército em aracaju.

deixei o carro do colega e embarquei num jipe verde cheio de metralhadoras e armas do exército.

Nunca senti tanto medo em minha vida; pensei que seria assassinado, pois, naquela época, já se comentava so-bre os muitos desaparecidos que tinham sido presos pela revolução de março de 1964 e não se sabia o paradeiro. os militares estavam no poder, e as garantias individuais, como o Habeas Corpus, de nada valiam.

ao chegar no 28º Batalhão de Caçadores, fui levado para a prisão, onde já se encontravam presos, os colegas de Faculdade, João augusto Gama, (que depois foi Pre-feito de aracaju, e hoje é um grande empresário como concessionário da volkswagen); Benedito Figueiredo, político, foi vice-governador do estado e deputado Federal; e Mário Jorge, o poeta que casou com Marinice, uma médica, que dele teve um filho a quem deu o nome de ernesto, em homenagem ao mito “Che Guevara”.

ela quase sempre levava o bebê a nos visitar na cadeia do 28 BC. Mario Jorge é irmão da líder sindical dos Professores em sergipe, a sempre aguerrida deputada estadual ana Lucia, integrante do PT, Partido dos Tra-balhadores, e que foi minha aluna e colega de eliane no pré-vestibular do iseC. uma idealista, boa pessoa e pura. ainda acredita que pode mudar o mundo... Havia na prisão tantos outros que fizeram parte da resistência democrática à ditadura militar, cujos nomes, como o do pessoal de suoF - sindicalistas da rede Ferroviária

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Federal, a idade já não me permite lembrar, mas fica o registro daqueles homens simples e fortes...

Foi uma festa quando cheguei no 28 BC; os amigos foram logo dizendo: só faltava você..., exultava Gama, brincalhão e gozador como sempre. Não gostei de dormir no chão, num colchão...

a cadeia durante o dia era uma festa, mas, ao cair da tarde, era de uma profunda tristeza. Foi aí que aprendi de fato a entender a expressão popular “ver o sol nascer quadrado”.

É verdade, o sol entra na cela e reflete na parede do cativeiro, um quadrado de luz...

Tentei fazer a minha primeira defesa junto ao coman-do militar, que à época era composto pelo Coronel italo diogo Tavares, comandante da guarnição federal em sergipe, do superintendente da Polícia Federal, doutor oswaldo albuquerque, pai do hoje Juiz de direito, dr. aldo albuquerque de Melo, e pelo Capitão dos Portos, Eduardo Pessoa. Ao final do meu depoimento diante dessa comissão, disse que não era comunista, nem subversivo, mas, apenas, um jovem que desejava um mundo melhor.

Perguntaram-me sobre Fidel Castro, se eu tinha qual-quer relação com Cuba, e eu respondi que o conhecia tanto quanto eles, através dos jornais e das emissoras de rádio. Perguntaram sobre a passeata de estudantes que se dirigiu das Faculdades até a Catedral, onde foi cele-brada um Missa em memória do estudante edson Luiz, morto com um tiro no restaurante Calabouço, no rio

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Jeferson Fonseca de Moraes

de Janeiro, e que se dizia ter sido disparado pelas forças de repressão.

Quando aconteceu essa passeata, eu era Presidente do Centro acadêmico silvio romero da Faculdade de direito e, na qualidade de líder estudantil, eu respondi que não houve qualquer ilegalidade naquela passeata e que ela foi pacífica.

Perguntaram qual o significado de um esparadrapo na boca dos estudantes em forma de um X e eu respondi que essa era uma livre manifestação de silêncio, e que o silêncio não poderia ser caracterizado como crime, porque não é manifestação contra quem quer que seja.

Perguntaram sobre minha participação na criação da universidade Federal de sergipe. expliquei que o MeC- Ministério da educação e Cultura, havia determinado, quando da pré-criação da uFs, que fosse instituída uma comissão para tratar dos seus estatutos e da sua natureza jurídica, como Autarquia ou Fundação, e que se fizesse uma eleição para a escolha de três estudantes para com-por essa comissão. disse ainda que eu tinha sido eleito por todos os estudantes para ser um dos integrantes dessa comissão.

expliquei que, nessa Comissão, havia duas correntes: uma queria que a universidade fosse uma autarquia - esse grupo era liderado pelos professores da faculdade de direito, que tinha à frente seu diretor, o Professor Gonçalo rollemberg Leite.

a outra corrente tinha como seu expoente máximo dom Luciano José Cabral duarte, professor da Faculdade

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de Filosofia e membro do Conselho Federal de Educação, que postulava uma universidade como Fundação. disse que ambos os professores eram muito respeitados em sergipe, como intelectuais.

a propósito da universidade Federal de sergipe, dom Luciano duarte tinha razão; ele sabia, como membro do Conselho Federal de educação, que a uFs só seria criada como Fundação, nunca como autarquia. aquela era a forma que o Governo Federal havia estabelecido como seriam as universidades Federais, e não abriam mão disso. outra corrente, liderada pelo Professor Gon-çalo rollemberg Leite, diretor da Faculdade de direito, defendia sua instituição como autarquia.

Ao final, a Faculdade de Direito, que era a única Federal existente no estado de sergipe, quedou-se à forma de fundação e passou também a integrar a nova universidade Federal de sergipe.

eu, portanto, integrei a primeira turma da univer-sidade Federal de sergipe, quando colei grau em 08 de dezembro de 1968.

Historicamente, participei do movimento de criação da nossa universidade Federal, sendo escolhido, em eleições livres, pelo voto dos estudantes de todas as Faculdades existentes até então em sergipe, como seu representante, integrando a Comissão que elaboraria o que viria a ser seus estatutos.

No campo da educação superior, sergipe deve muito a estes dois pensadores: professor Gonçalo rollemberg Leite e dom Luciano Cabral duarte.

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eu havia, quando estudante, sido eleito Presidente do Centro acadêmico silvio romero da Faculdade de direito; em eleições históricas, rachamos as esquerdas: eu, apoiado por Walter Franco, filho do Dr. Augusto Franco; este último, à época, era deputado Federal. do outro lado, contra mim estavam Wellington Man-gueira, João augusto Gama e toda a galera de que já não lembro o nome.

Clara Barreto, minha colega de turma, foi a outra candidata. disputa acirrada.

Certa feita, dr. augusto Franco deu uma “incerta” pela noite, lá pela Fabrica sergipe industrial, onde, no Mimeógrafo do Escritório, fazíamos panfletos para distribuir na Faculdade de direito. dr. augusto en-tão perguntou, com sua voz nasal, característica dos Francos: “Walter, esse papel que está sendo gasto é do escritório ou vocês compraram?” ao que ‘Waltinho’ respondeu rápido: é nosso, meu pai... dr. augusto foi embora, sem saber que estava bancando a campanha estudantil da Faculdade de direito. o papel era da Sergipe Industrial, sua fábrica de tecidos que ficava no Bairro do mesmo nome...

após o trabalho, fomos tomar umas cervejas na atalaia... e tudo bem. Ganhei as eleições. os colegas da chamada esquerda diziam que eu tinha passado para o lado da cana de açúcar. eu não passei para o lado de ninguém, continuei fiel a mim mesmo, aos meus prin-cípios. o que ocorre é que eleição se ganha com voto. Tanto naquela época, como agora. Também elegemos

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como Presidente do Centro acadêmico da Faculdade de direito, Josefa Paixão, jovem pobre, e funcionária pública. uma grande amiga. Foi Juíza de direito e desembarga-dora do Tribunal de Justiça de sergipe, estando, no mo-mento, aposentada. essa foi mais uma vitória na política estudantil. desse tempo só tenho boas recordações, ne-nhuma inimizade com aqueles que me fizeram oposição.

Nada mudou, as coisas continuam as mesmas; meus queridos amigos da chamada “esquerda”, que continuam dizendo as mesmas bobagens, mas gostam mesmo é de apreciar o que é bom, nada como um bate papo regado a um bom vinho ou a um bom wisky. ainda hoje, quando me encontro com essa turma, eles continuam resolven-do os problemas do mundo, e sempre degustando essas preciosidades.

interessante é que esses mesmos líderes do meu tempo, são empresários de sucesso, graças a deus. e hoje fazem exatamente o que eu fiz quando era jovem. o grande Governador Marcelo déda, expoente das es-querdas em sergipe, teve como seu aliado durante muito tempo, o ex-Governador albano Franco, irmão de Walter Franco, filho de Dr. Augusto. Eu não vejo nada demais nisso, mas, no meu tempo, isso foi considerado uma heresia pelas esquerdas. É assim mesmo, as esquerdas só se unem na cadeia, de fora, vários grupos, sempre discutindo entre si...

Déda está fazendo hoje o que eu fiz naquela época; caso contrário não ganharia as eleições... Qual a diferença de ontem para hoje?

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o bom é ganhar, o resto é discurso... Mas, todos são meus amigos. Wellington Mangueira, por exemplo, é um puro, homem bom. Quando eu fui Presidente da Junta Comercial de Sergipe, na época de grande inflação, e que a Fábrica de Cimento precisava registrar seus contratos para receber financiamento do Finor, (que era um programa do governo federal para investimentos no nordeste), eu dizia ao Contador da Fábrica: “diga que eu necessito de umas explicações, e que só seu advogado, dr. Wellington Mangueira pode me dar”.

e ai chegava Wellington, na maior pressa, para saber qual era a diligência a ser cumprida, pois os diretores da Fábrica de Cimento estavam preocupados que pudesse demorar a certidão do registro das alterações contratuais da empresa na Junta Comercial.

eu dava uma gargalhada e entregava a documentação toda pronta, com os carimbos devidos, tudo aprovado, pois estava dentro dos conformes, e dizia a Wellington, a quem continuo a querer muito bem: “meu amigo, você é comunista, mas precisa do sistema capitalista para sobre-viver, eu estou aqui para lhe prestigiar.

Mostre aos seus diretores que sem você as coisas não andam com a rapidez que eles precisam”. ainda hoje, Wellington, que embora continue comunista histórico, é também amigo de uma grande figura da política de Sergipe, o sempre querido “Zé Franco”, filho de “Seu Manelito Franco”, e sobrinho de dr. augusto Franco. Mas os fun-damentalistas ficam putos da vida, com essas relações...

Quando Zé Franco foi Prefeito de socorro, Wellington

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Mangueira foi seu secretário. Certa vez eu disse a Welling-ton: você viu, meu amigo, que eu estava certo? Que a dialética marxista estava errada? a síntese do capitalismo, pelas contradições internas, não é o comunismo, a ditadura do proletariado, mas uma social democracia, e ficamos a rir. Bons amigos... Quero bem a todos...

outra grande cabeça de sergipe, também meu amigo, o ex-Prefeito de estância, Manoel Pascoal Nabuco, da velha esquerda. Tinha sofrido muito, foi preso pelos militares, tomou cadeia na Bahia, sua advocacia caiu por terra, e muito mais. Tem, entretanto, uma grande mulher, izabel, que esteve sempre ao seu lado, nas horas mais difíceis de sua vida. Conheço tudo de perto; ele vivia na estância, onde advogava, lá e em toda a região.

Meu pai era Tabelião em santa Luzia do itanhy e lhe tinha muitas atenções.

Levava seus processos para sua casa: a forma que encontrava para ajudá-lo. amigo nosso e de minha fa-mília. e como cresceu! foi tudo em sergipe; tornou-se Promotor Público por concurso, foi meu chefe como Procurador Geral do estado (e indicado por ele, fui seu principal assessor), tendo chegado a ser desembargador, e Presidente do Tribunal de Justiça de sergipe. Como tal chegou a substituir o Governador do estado, em uma de suas viagens, se não me falha a memória.

Quando ainda era Promotor de Justiça (na época se podia ser secretário de estado, mesmo sendo membro do Ministério Público), provocando-lhe, perguntei: e aí, Pascoal? você, da velha esquerda, junto com João alves?

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João alves Filho era o Governador do estado, e tinha sido escolhido por dr. augusto Franco, depois de ter sido prefeito de aracaju.

- Pascoal deu uma gostosa risada e respondeu: - É isso mesmo amigo. Nós, da esquerda, precisamos

aderir à direita, para, dentro do sistema, poder fazer os avanços sociais que aspiramos para nossa geração, mas não conseguimos.

ele estava certo. Foi sempre o melhor por onde pas-sou, como gestor.

Transformou o Ministério Público de sergipe numa das maiores instituições, dando-lhe toda a estrutura que até hoje tem.

Quando foi Procurador Geral do estado, podemos dizer que a PGe pode ser analisada como antes e depois de Pascoal Nabuco.

Nenhum Procurador Geral daquela Casa fez tanto pela Classe dos Procuradores e pela instituição quanto Pascoal Nabuco, sem demérito para quem quer que seja.

Como desembargador foi notável, fez muito pelo Poder Judiciário e pelo povo pobre, criando as varas de Pequenas Causas, hoje chamados de Juizados especiais, que funcio-nam em prédios adequados e muito bem instalados.

Homens como Pascoal Nabuco nascem poucos... Goza hoje, bem merecida aposentadoria, e como escritor é um memorialista notável, adoro ler seus livros...

Não podia ser diferente: leitor do Padre antônio vieira e do Padre Manoel Bernardes, com eles aprendeu a arte de escrever, e muito bem...

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após a minha soltura pelos militares, fui saber se dr. Jorge Leite mantinha o convite que me houvera feito na casa dos meus pais, quando de uma festa dada por eles, para comemorar minha colação de grau em direito.

o convite era para que eu fosse advogado de suas empresas em estância, tendo em vista que ter sido preso, naquela época, era algo de muito ruim para qualquer um. as pessoas fugiam de ex-presos políticos; atravessavam a calçada para não cumprimentar e coisas dessa ordem. Porém, dr. Jorge me disse que esse fato não alterava o convite anteriormente feito.

em fevereiro de 1969, comecei a trabalhar nas suas empresas. Foi um gesto de coragem fazer isso naquele momento e faço questão de registrar esse fato por um princípio de gratidão.

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Meu grande amor

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de igual forma, procurei Hunaldo alencar, que era o dono do Pré vestibular do iseC, para saber se eu continuaria dando aula no seu curso, como professor de história, tendo em vista a minha prisão pelo exército. ele ponderou apenas que eu tivesse cuidado nas minhas aulas, pois, entre os alunos, estava a filha do Comandante do 28º BC.

Confundi uma jovem que morava no siqueira Cam-pos como sendo a filha do comandante. Entretanto, a filha, na verdade, era uma moça chamada Eliane, que estava fazendo cursinho preparatório para o vestibular de serviço social.

Começamos a nos olhar durante alguns meses, e eu sem saber que se tratava da filha do Coronel Italo Diogo Tavares, comandante do 28º BC, o mesmo homem que havia determinado a minha prisão.

Fui seu professor de história, nos apaixonamos des-de o primeiro dia que nos vimos. a vida é assim: dá muitas voltas...

Lembro-me de que, no dia em que a conheci, ela estava sentada no fundo da sala, na última cadeira, vestindo um blusa cacharel, canelada, com gola rolê, toda rosa, como se usava na época.

E os olhos, azuis, tão lindos que fizeram meu coração disparar como nunca dantes havia disparado…. Como o tempo passa rápido, lá se vão tantos anos…. Porém, seus olhos continuam tão encantadores quanto no dia em que a conheci.

Já estávamos há vários meses nos olhando, apenas de

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longe, olhos nos olhos, e nada mais, até que, num dia de sábado, nos encontramos na associação atlética de sergipe, que era um clube com sede na rua vila Cristina. ela estava na piscina do clube com biquine branco de fustão,o que era um avanço naquela época em que se usava apenas maiô. ela sempre foi muito bonita, alta, ca-belos compridos e castanhos, e uns olhos azuis, tão lindos quanto o azul do mar.

Conversamos durante toda a manhã... e à noite, con-forme combinado naquele dia, na borda da piscina, ir para sua casa, na rua de Campos, onde daríamos início ao nosso namoro.

Já à noite, na sua porta, quando estávamos a conversar, mais do que de repente, parou um automóvel aero-willis, preto, chapa branca, dele descendo o Coronel italo diogo Tavares, comandante do 28º BC.

eliane olhou para ele e pediu a benção. era seu pai !... estava fardado e se fazia acompanhar do seu ajudante

de ordens. ele respondeu a ela e olhou para mim, cum-primentando-me com um gesto com a cabeça e entrou para a casa do comando, que era a sua residência oficial.

Fiquei surpreso e até assustado ao saber que ele era o pai dela, pois não sabia a interpretação que poderia dar ao fato de me ver na sua porta, conversando com sua filha. Eu, um ex-preso político, cuja prisão havia sido determinada por ele.

Em minha cabeça revi todo o filme desse evento, e perguntei a mim mesmo o que ele poderia pensar, ao ver-me com sua filha.

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Namorar com eliane, naquela circunstância, era um grande desafio ao poder do próprio Coronel, pensei eu. e qual seria sua reação?

É preciso que se diga, pois os de hoje não sabem men-surar o significado desse fato naquela circunstância.

o pai de eliane era o representante da ditadura militar em sergipe, era reverenciado como tal pelo Governador, Prefeitos, deputados e senadores. Ninguém do mundo político de sergipe fazia alguma coisa sem consultá-lo. Qualquer candidatura a cargo eletivo, tinha que passar pelo crivo dos militares. Não havia ninguém valente em sergipe que desafiasse o Poder estabelecido naquele momento.

Hoje é que vejo tanta gente “corajosa”, dizendo inver-dades, inclusive escrevendo desrespeitosamente contra os mortos, posto que esses já não podem se defender. Quando eles eram vivos nada disseram.

eu disse a eliane que o namoro não iria dar certo, porque o pai dela não ia aceitar esse relacionamento, tendo em vista minha prisão.

ela ponderou que isso não era problema e que, a depen-der dela, nós devíamos continuar com o namoro... a paixão já estava instalada, e ela nos torna corajosos, e como...

o Coronel italo era um homem católico que fre-quentava as missas nos dias de domingo na Catedral Metropolitana, e, graças a isso, o bispo de aracaju, dom Távora, tornou-se pessoa do seu relacionamento. dom Távora chegou a ser mal visto pelos militares por ter sido o criador em sergipe de um programa radiofônico de educação de base para a alfabetização de adultos.

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Tínhamos, portanto, eu e o coronel, posturas políti-cas diferentes. Na época, eu era socialista. achava que o estado deveria ter o domínio dos meios de produção e a sociedade deveria ter uma distribuição de renda mais justa, igualitária, com melhores oportunidades para as classes sociais menos favorecidas. eu tinha estudado sempre em escola publica, em Grupo escolar do estado, onde minha mãe era professora. ressalvado o Colégio Tobias Barreto do professor alcebiades villas Boas, que era particular.

O curso de direito fiz na Faculdade de Direito de Ser-gipe, que ficava na antiga Rua da Frente, e era Federal. No último ano desse curso, ela passou a integrar a uni-versidade Federal de sergipe, nossa uFs, sendo a minha Turma, a de 1968, a primeira a concluir o curso de direito.

eu tinha conhecimento das pretensões dos socialistas utópicos, do marxismo, aprendido nos livros de econo-mia Política, de Henri Guiton, adotado na Faculdade de direito, pelo professor admirado por toda uma geração, que era silvério Leite Fontes. Grande Professor, com “P” maiúsculo, isso mesmo...

eu gostava dos movimentos estudantis, e deles era participante, fazendo discursos aqui e acolá. Para mim aquilo era na verdade uma grande festa que nos proje-tava no meio estudantil e na sociedade como um todo. entretanto, meu mundo pessoal estava circunscrito a sergipe, o meu horizonte, no máximo chegava a salvador. o resto do mundo eu só conhecia através dos livros de história. era crítico do capitalismo selvagem, aquele que

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explorava o homem pelo homem, mas, na verdade, sempre fui, sem saber, um social democrata, o que só descobri quando fui fazer um curso na alemanha, deixando para trás, desde 1988, toda aquela baboseira marxista que havia aprendido com os de minha geração. Meus professores conheciam as coisas do mundo pelos livros: eram Juízes, desembargadores, Procuradores, advogados de expressão e intelectuais; eram o que ha-via de melhor, profissionalmente, em suas respectivas áreas, porém, seus mundos, de fato, estavam restritos, no máximo, a uma parte do país. Poucas pessoas co-nheciam o dito primeiro mundo e seu desenvolvimento para contrapor-se ao marxismo, que era modismo entre os intelectuais.

era muito difícil naquela época alguém ir para o es-trangeiro, como se dizia. Houve, ao que sei, o Professor João Costa, que tinha ido estudar na França, morado em Paris. esse fato era um assombro para aqueles da minha geração.

Como eu gostava de escutar suas aulas no Colégio Tobias Barreto, principalmente quando falava da avenida mais famosa de Paris, a Champs-Élysées, do arco do Triunfo, e quando contava coisas sobre ela. Napoleão, a invasão dos nazistas, marchando com suas botas a passos de ganso, nessa grande e expressiva avenida, que sonhava um dia conhecê-la.

outra professora que foi estudar na França, ainda jovem, na área de direito penal, foi a professora Jussara Leal. Não me lembro, no momento, de mais ninguém. eu

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tinha grande admiração pelo saber desses professores. o direito apontava que todas as mazelas sociais tinha

como sua origem a sociedade; era o que rousseau en-sinava em sua obra, “o Contrato social”, dizendo que “o homem nasce bom, a sociedade o corrompe”. a linha socialista apontava que a sociedade era defeituosa por conta do capitalismo, posto que este detinha a “mais valia” que era a exploração que o capital fazia ao trabalho.

a mais valia enriquecia o capitalista e empobrecia o trabalhador. a síntese da dialética marxista apontava que o comunismo era a fase final do sistema político social e econômico a dominar o mundo.

outra corrente era a junção das coisas boas de um e de outro sistema, que só passei a conhecer de fato, pos-teriormente, no caso, a social democracia, com respeito à liberdade, aos direitos individuais, aos direitos adquiridos, à coisa julgada, ao ato jurídico perfeito, à valorização do talento, à competição na livre iniciativa, e a liberdade de imprensa, sendo regulada apenas pela Constituição do País, sua Lei Fundamental, sem quaisquer tentativas de amarras como acontece nas ditaduras.

e quem se julgar prejudicado por uma noticia publi-cada pela imprensa, bata às portas do Poder Judiciário, deduzindo sua pretensão indenizatória. É por aí, caso contrário, faremos do Brasil, uma venezuela, com um “Chaves e tudo”, e isso nós democratas não queremos. O bom é a alternância do Poder e ponto final.

essa é a social democracia, em que a maioria co-manda, mas os direitos das minorias são respeitados.

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acredito na propriedade privada, na livre concorrência como a melhor forma de compreensão da natureza humana. o estado não pode ser o senhor absoluto de todas as coisas, mesmo por eleições livres, posto que há direitos individuais que são impostergáveis, e nem sempre a maioria está certa: recordemos o que aconte-ceu na alemanha nazista com adolf Hitler, que chegou ao poder com o apoio maciço do povo alemão, que ficou cego com seus discursos e não percebia o grande genocídio que era praticado contra os Judeus.

defendo a tese de que o País deve ter um classe média forte, que é consumidora do produto interno bruto, fato que impede a existência de miseráveis, pois essa classe se torna partícipe do sistema de escolha do que vai comprar e aonde vai comprar, gerando a competição, que é a forma mais salutar das disputas, pelo valores individuais das pessoas, com distribuição de renda mais equitativa.

Com a queda do muro de Berlim e o esfacelamento da união das repúblicas socialistas soviéticas, no Leste europeu, o comunismo, como forma política e econô-mica de governo, deixou de existir, sobrando apenas na Coreia do Norte, o país mais fechado do mundo, e em Cuba. Nem a China é mais comunista; é uma ditadura de partido único, com características de um capitalismo selvagem, com salário mínimo inferior ao que ganham os operários brasileiros, nesses tempos do Luiz inácio...

entretanto, de lá para cá, as esquerdas da américa Latina fazem vista grossa a esse fato, e continuam a falar

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em esquerda e direita, expressões que não mais condizem com a realidade e enganam o povo, como se de esquerda fosse tudo quanto existisse de bom, enquanto de direita fosse tudo de ruim.

e só ver os exemplos de “bondade” do ditador Fidel Castro. esses intelectuais precisariam viajar para ver e conhecer o mundo externo; como não o fazem, continuam presos a um sindicalismo atrasado, a defender bandeiras contra as privatizações das ineficientes estatais, que são cabides de empregos para os membros dos Partidos Po-líticos que estiverem no poder, e assim por diante.

esse era o mundo em que eu vivi quando era estudan-te e, por pensar como pensava, fui preso em 1968 pelo exercito, em 20 de dezembro, e solto na véspera de natal daquele mesmo ano, no dia 24. Fiquei no 28 BC, preso, apenas quatro dias. e como foram longos esses dias...

o coronel Ítalo diogo Tavares, pai de eliane, a jovem com quem casei, em 28 de maio de l970, era homem de formação de caserna, e ainda jovem tenente foi para a itália lutar contra as tropas alemãs.

Participou ativamente da 2ª Guerra Mundial, entre os anos de 1944 a 1945, como combatente no Front, integrando o 6º ri de Caçapava/sP, onde servia, antes da Guerra, como tenente.

Perdeu vários amigos da sua turma de escola militar nesse conflito mundial. Além de ser um homem taciturno (pois falava pouco), não gostava de comentar nenhum assunto sobre a guerra. Às vezes, os filhos faziam per-guntas e ele mudava de assunto. Comentava-se, na família,

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que ele teria um diário em que fizera anotações sobre sua participação na 2ª Guerra Mundial na itália.

só tivemos conhecimento desse diário após o seu falecimento. Ele foi encontrado por seu filho Eduardo diogo Tavares, que é jornalista, e resolveu transformá-lo em um livro denominado “Nós vimos a cobra fumar – diário de um jovem tenente brasileiro na itália durante a ii Guerra Mundial”. após a leitura desse livro é que se vê com tanta clareza a atrocidade das guerras. o con-tido neste diário de guerra serviu de fonte como tese de mestrado em história do aluno Luciano Bastos Meron, da universidade Federal da Bahia.

o Tenente italo diogo Tavares, quando jovem, foi inclusive condecorado por sua participação em eventos de bravura durante a campanha na itália.

Fez todos os cursos do exército, dentre eles, o de maior significado na carreira de um Oficial Superior, que é o do Estado Maior do Exército, em que os Oficiais são preparados para serem comandantes militares.

recebeu no exército as seguintes medalhas: Cruz de Combate, Campanha expedicionária, Honra ao Mérito Militar, De Guerra, Aplicação e do Pacificador, conforme consta e se vê no texto do livro anteriormente citado.

o Coronel italo diogo Tavares foi um herói de guerra na itália, entre junho de 1944 e 1945. Participou da campanha em vários locais a exemplo de Montese, rochetto, san Paolo, san vitale, Casei Gerola, e tantos outros, retornando ao Brasil no final da Guerra.

entrou para reserva no posto de Coronel em 11 de

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novembro de 1976, sendo administrativamente promo-vido a General. viúvo de Theodósia Provasi, teve cinco filhos: Eliane, Edna, Elcio, Edson e Eduardo; Casou novamente em 07 de fevereiro de 1975, com a também viúva Maria eugênia Barrow, com quem não teve outros filhos. Em 1995, a convite do Governo da Itália, esteve naquele País, participando das comemorações dos 50 anos da libertação nazista.

Faleceu em 09 de maio de 2002, aos 79 anos de idade, no rio de Janeiro.

era um homem preparado intelectualmente e acredi-tava nos valores que defendia. Posso dizer que não sofri quaisquer maus-tratos ou torturas, quando estive preso no 28º BC, antes de conhecer eliane.

Nenhum dos companheiros, presos também na mesma oportunidade em que lá estive, fez qualquer comentário nesse sentido, na época do seu comando, entre 1968 a 1970.

o coronel italo era um homem duro, sisudo, rígido até; cumpria seus deveres como subordinado aos seus comandantes como manda a hierarquia do exército, e acreditava que estava fazendo o melhor pelo país, porém, jamais cometeu atrocidades contra seus presos políticos e eu fui um deles. Não se pode responsabilizá-lo pelo que ele não fez. estou a defendê-lo, porque morto ele já não pode fazê-lo, além do mais deixemos os mortos em paz...

Quando terminou o seu tempo de comandante da guarnição federal em sergipe, foi servir no Ministério do exército, em Brasília, e posteriormente, retornou ao rio

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de Janeiro, onde permaneceu com sua carreira militar.Tudo quanto ele adquiriu materialmente em sergipe,

durante o período em que aqui esteve, foi um veículo volkswagem, novo, financiado em 36 meses pelo GBO-EX – Grêmio Beneficente dos Oficiais do Exército. A casa onde residia no Rio de Janeiro, ficava na Rua Mariz e Barros, na Tijuca, que é um tradicional bairro de classe média na Zona Norte da cidade.

Ficava em uma vila, onde só tinha duas casas, sendo vizinho da igreja santa Terezinha, onde eu casei.

a casa havia sido adquirida com o soldo que este rece-bia através de sua mãe, que era sua Procuradora durante o tempo em que esteve na itália, no front de combate da 2ª Guerra.

Com esse dinheiro, quando ele voltou da guerra, com-prou essa casa, onde viveu e constituiu família.

era todo o seu patrimônio: um fusca e uma casa onde morava.

Quando sua esposa, d. doda, faleceu, no rio de Janeiro, no Hospital Central do exército, de Câncer de Pâncreas, ele servia como comandante de uma unidade do exército em Niterói, onde residia.

Eu e Eliane, na época só tínhamos dois filhos, Cris-tiane e otávio; estávamos lá para passar o Natal. Na madrugada da véspera de ano novo, acordamos com seus soluços, sofria muitas dores; eu a acompanhei numa ambulância até o Hospital Central do exército, onde ela ficou internada e viveu somente por mais dez dias. Ficou pele e osso: como é terrível o câncer!...

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o Coronel Ítalo fez o inventário, vendeu a casa, e dividiu o valor entre todos os seu cinco filhos.

um homem correto, que aprendi a respeitar e admirar, porque não enriqueceu no exército durante toda sua vida.

interessante é que não se vê um militar rico, dentre aqueles que viveram o período da chamada revolução de 31 de Março de 1964, bem como nenhum dos Presi-dentes da república originário dessa época.

Não estou, com isso, defendendo o período da dita-dura militar, em que houve supressão das garantias de liberdade individual e de imprensa. estou dizendo que hoje os políticos ficam muito ricos, quando chegam ao poder; claro que há exceções: cada um ponha sua própria carapuça.

É preciso relembrar os últimos escândalos nessa fase da democracia plena que estamos vivendo no Brasil. são tantos os escândalos, mas os governantes dizem que não sabem de nada... quando seus Ministros são apontados como integrando esquemas com o dinheiro público...

Quanto a esse período anterior à revolução de 1964, minha mãe, por exemplo, foi professora do MeB – Movimento de educação de Bases, em santa Luzia do itanhy, onde havia um rádio cativo, sintonizado somente na rádio Cultura, que transmitia, já naquela época, edu-cação à distância, via rádio.

os adultos eram alfabetizados por esse sistema e mi-nha mãe uma de suas professoras. esse movimento foi criado pelo Bispo de aracaju, dom José vicente Távora, um bom homem.

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Capítulo5

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eu já era, naquela época, funcionário público do estado como professor do atheneu e da escola Nor-mal. os estudantes de direito que mais se destacavam eram convidados para serem professores, a exemplo de José augusto siqueira, hoje advogado, e Byron, que é médico pediatra, grande profissional, e tantos outros.

voltando ao namoro com eliane, quero dizer que, dias depois do encontro com o Coronel na porta de sua casa, houve uma festa na Crase, o clube dos rádio amadores de sergipe, que funcionava na rua da Frente, próximo ao iate Clube.

eliane estaria lá com sua família e eu fui convidado por ela a participar da festa.

enfrentei a situação; dançamos a noite toda, uma be-leza; e, lá para as tantas, cansados, me dirigi à mesa onde o pai dela se encontrava com a mãe, presentes também o Governador do estado, Lourival Batista, com sua esposa, senhora Hildete Falcão.

o Coronel italo me convidou para sentar à mesa, junto a todos. Que felicidade! Bebi uma boa cerveja gelada, de graça, e comi bons tira-gostos...

a partir daí, passei a frequentar a casa de eliane, pas-sando junto com sua família os sábados e os domingos, com almoço e jantar, até quando o Coronel Ítalo foi transferido para o rio de Janeiro. Fiquei sozinho, cur-tindo uma enorme saudade.

À noite, passava em frente a casa do comando so-mente para relembrar os bons momentos que ali vivi.

No dia em que o Coronel Ítalo deixou o comando, toda

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tropa, com banda de música, estava no aeroporto de aracaju para se despedir do seu comandante. a família de eliane tinha passado a ser minha família. era na casa dela que eu, quase todas as noites, depois de dar aula no pré-vestibular e no Colégio estadual de sergipe, o antigo atheneu, ia fazer um lanche.

a família dela tinha me adotado. Meus pais moravam em santa Luzia do itanhy e a sua família vinha se tornan-do minha família. era na casa da rua de Campos, onde eu almoçava e jantava durante todos os fins de semana. Aos sábados era comum ficarmos juntos na Associação atlética (na rua vila Cristina), ou no Clube da aaBB, o Clube do Banco do Brasil. Cerveja gelada, comer ca-ranguejo, acarajé, e jogar muita conversa fora... era uma família estruturada e feliz.

Quanto a mim, como advogado e já Procurador de estado, exerci vários cargos públicos em sergipe. Fui Presidente da Junta Comercial(onde fui vogal anterior-mente), como representante da Federação da agricultura, nomeado pelo Governador augusto Franco.

Quando o Governador João alves Filho estava esco-lhendo, dentre os nomes dos vogais da Junta, um para ser seu Presidente, Pascoal Nabuco, que era o Chefe da Casa Civil do seu governo, ao ver meu nome, fez a indicação, que foi aceita pelo Governador e por sua esposa d. Maria do Carmo. aliás, ela tinha sido minha colega, contemporânea na velha Faculdade de direito. assim, é que fui nomeado Presidente da Junta Comer-cial de sergipe.

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Capítulo5

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em 1988, tive a oportunidade de, pela primeira, vez conhecer a europa. Naquela época, havia uma instituição em Brasília, denominada aBM – associação Brasileira dos Municípios, e Heráclito rollemberg era um dos seus diretores. ele indicou o meu nome para fazer um Curso sobre desenvolvimento na alemanha ocidental, especificamente em Berlim, que não era ainda Capital da alemanha, e em dusseldorf. o País estava dividido em duas partes: a alemanha ocidental, com a Capital em Bonn, que era democrata e capitalista, vivendo o estado de bem estar social, com o salário, mínimo na época, em torno de mil dólares, em marcos alemães, e, a alemanha oriental, que era comunista, com a capital em Berlim oriental, onde estavam as tropas russas.

a cidade de Berlim era dividida por um muro.

Capítulo VI

Como me tornei social democrata

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O conhecido “Muro de Berlim”. De um lado, ficava a alemanha ocidental, e do outro, a alemanha comunista.

o curso, com duração de 30 dias, era puxado. as aulas eram ministradas pela manhã e à tarde. os professores eram os expoentes da administração pública. Havia um profissionalismo muito grande no serviço público e um grande sistema de planejamento, seriedade e de muito trabalho.

Berlim ocidental fervilhava de gente em suas ruas e lojas de departamento. o marco alemão era uma mo-eda forte, e o progresso, evidente. a cidade, que havia sido praticamente destruída pelos bombardeios durante o final da segunda guerra mundial, estava restaurada, isto é, foi reconstruída nos mesmos moldes de sua arquitetura anterior. Tudo muito bonito, ressalvada a feiúra daquele muro cortando a cidade ao meio, por questões ideológicas. Pessoas amigas e parentes foram separados com aquele muro. Tudo era fechado a sete chaves como se diz.

enquanto isso, na parte ocidental, tudo era às claras. o Prefeito das Cidades exerciam as suas funções de “Burgo Mestre”, mas sem interferir nos projetos, que eram feitos pelos técnicos e que atendiam aos interesses dos municípios, posto que tudo tinha sido profunda-mente discutido pelos cidadãos, e por eles aprovado.

o Burgo Mestre só podia imprimir um caráter pes-soal à administração da Cidade, quando todo o projeto anteriormente fixado por antigas administrações fosse completamente realizado.

Capítulo6

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achei essa uma boa forma de administração. Naque-la época, visitei düsseldorf (também aportuguesada na forma de Dusseldórfia) depois de algum tempo em Berlim. uma cidade da alemanha, capital do estado (Bundesland) da renânia do Norte-vestfália (Nordrhein-Westfalen), localizada às margens do rio reno.

É uma grande metrópole, muito desenvolvida. visitei também a cidade de Wisbadenn, onde tomei conheci-mento do sistema de controle do transporte coletivo por computadores, já naquela época, onde, em uma grande sala, você podia ver através de câmaras de vídeos, o movimento dos ônibus, o controle da velocidade destes, através dos semáforos, para que o transito fluísse sem provocar atrasos para os passageiros.

Tudo funcionava milimetricamente bem. Como era diferente do meu País: ônibus velhos, tarifas caras, sem qualquer respeito ao cidadão. e aqui os intelectuais de esquerda, que nunca viajavam, que não conheciam o mundo, faziam discursos estatizantes, fora de moda no mundo desenvolvido.

e o que é pior; continuam com o mesmo discurso, defendem a ditadura cubana de Fidel Castro, mesmo quando esta mata grevistas de fome em suas prisões, e tais intelectuais covardemente se calam diante do mun-do. e assim vão enganando o povo com promessas vãs, e quando chegam ao poder, nada muda. os inimigos políticos de ontem são os aliados de hoje, tudo farinha do mesmo saco. o povo, inerte, assiste a tudo isso, num sono letárgico de ignorância.

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voltando a düsseldorf; é uma cidade independente (kreisfreie stadt) ou distrito urbano (stadtkreis), ou seja, possui estatuto de distrito (Kreis). É a nona maior do país e um importantíssimo centro econômico e cultural, fazendo parte da Megalópole renana,sendo muito maior que Wisbadenn.

voltamos depois a Berlim, para concluir o curso.em 1988, já era permitida uma visita a Berlim oriental.

Pegava-se um ônibus de turismo na avenida Kufurs-tendam (literalmente a avenida dos príncipes eleitores) diretamente para Berlim oriental. No “Charlie Point”, que era a fronteira, de um lado ficavam as tropas aliadas, e do outro lado, o exército russo. Naquele ponto, trocava-se a equipe dos guias de turismo, subindo no ônibus uma guia russa e um soldado com uma metralhadora apontada para todos os turistas, solicitando o passaporte .

esse quadro, para mim, foi decepcionante. Conhece-mos a Cidade sem sair do ônibus; descemos apenas em três oportunidades: na universidade de Humboldt, no Museu Greco-Romano e, no final, num grande praça para fazer um lanche ou postar um cartão para a família. era proibido qualquer contacto com o povo do local.

Não vi o povo nas ruas; as poucas pessoas que avistei estavam vestidas com o mesmo tipo de roupa, com a mesma tonalidade. Não pude conversar com ninguém. Comecei a sentir um verdadeiro pavor. os carros que circulavam eram velhos e soltavam muita fumaça. então pensei: não era isso o que eu desejava para meu País. Nes-se momento, deixei de ser socialista e passei a nutrir uma

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Capítulo6

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grande admiração pela alemanha ocidental, pela social democracia. No Brasil, tempos depois, também se apegou à social democracia o líder político Leonel Brizolla.

ao voltar para Berlim ocidental, naquele dia, fui à maior Loja de departamento da Cidade, conhecida Kadewe, onde subi ao 6º andar, sentei num dos seus restaurantes, degustei uma boa comida e tomei uma garrafa de Champanha, em comemoração à liberdade, e dei internamente, dentro de mim, mil vivas à democracia, a maior criação humana dos regimes políticos.

ao chegar a sergipe, de volta, falei na oaB, sobre o curso que havia feito na alemanha. Naquela época, pou-cas pessoas viajavam para a europa. era uma novidade. disse aos advogados que o Muro de Berlim era uma vergonha, um acinte à liberdade e à democracia, e que o Leste europeu era um atraso econômico e que aquilo não ia durar muito tempo. os marxistas, como eu fui, disseram que eu não havia compreendido a dialética, e que minha visão estava equivocada.

a minha visão era verdadeira, embora os velhos amigos da esquerda ortodoxa achassem que a dialética marxista prevaleceria e que a síntese dessa dialética seria o comunismo. o mundo futuro seria todo ele comunista.

estavam errados. Não compreenderam a natureza humana. o homem gosta de ter liberdade e ter seus próprios bens.

esse negócio do estado ser dono de tudo não estimula o progresso, nem o empreendedorismo; serve não ao povo, mas à camarilha que estiver no Poder...

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Em 1989 caiu o muro de Berlim; os alemães fizeram uma grande festa e o comunismo passou apenas a ser mais uma das páginas da história. eu estava certo. alguns da esquerda não compreenderam isso, mas as últimas eleições em sergipe juntaram todos aqueles a quem eu já tinha me juntado, quando fui Presidente do Centro acadêmico silvio romero da Faculdade de direito, há mais de 40 anos atrás.

a dialética de Marx estava errada; a síntese histórica não era a ditadura comunista mas, ao meu ver, a social democracia, que deve ser aprimorada nos moldes do que já acontece na alemanha, na dinamarca, suíça, suécia, Finlândia, entre outros Países...

Passei a dizer que o socialismo não tinha futuro: era um engodo populista para enganar o povo analfabeto, ou aqueles com pouco conhecimento.

Nem a China é mais comunista: é uma economia ca-pitalista de regime político ditatorial, de partido único, em que o povo não tem participação nas decisões do governo. salário mínimo menor do que o do Brasil. Porém, como tem uma grande população que precisa trabalhar para co-mer, a mão de obra é uma das mais baratas do mundo, o que torna os preços dos seus produtos, diante do mundo, sem possibilidade de competição.

as indústrias dos países vão quebrar, porque não podem competir com os produtos fabricados pelos chi-neses e vendidos em todo o mundo. o que se vê é que a China tem um superávit muito alto, necessitando, portan-to, de consumo interno, enquanto os países deficitários

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precisam fazer poupança, para poderem enfrentar o grande país asiático, consumindo os produtos fabricados no próprio país.

estamos deixando a China nos engolir; somos o que sempre fomos, fornecedores apenas de matéria prima e nada mais. Com essa matéria prima, ferro, aço, minerais dos mais diversos, os chineses produzem carros, máqui-nas, eletrônicos, e vendem aos países que forneceram a matéria prima, auferindo lucros extraordinários. Nos países asiáticos, nos últimos 30 anos, tem-se investido muito em educação, em tecnologia e em infraestrutura.

No Brasil, infelizmente, não se investe o suficiente, como se faz entre os asiáticos. aqui, por falta de inves-timento do governo, os ensinos fundamental e médio (primeiro e segundo grau) produzem alunos medíocres, que chegam ao curso superior muito mal preparados.

educar o povo, nem pensar. a educação é um poder, é informação, e, segundo a maioria dos políticos, não é bom um povo que pensa...

Hoje sou um homem velho, que aprendi todas essas coisas não somente nos livros, mas, também vivendo pessoalmente a experiência do acontecido na estrada da vida, como professor, advogado, e, posteriormente, como Procurador do estado, em especial, conhecendo países desenvolvidos da europa.

Pelas circunstâncias, graças à generosidade de minha irmã sônia, me tornei diretor-Presidente da Faculdade São Luís de França, onde tenho como sócios meus fi-lhos, Cristiane, viviane e otávio, que administram essa

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instituição contando com a ajuda dos genros Jorge Luiz Cabral Nunes e Ítalo Nielsen, este último em menor es-cala do que o primeiro, por outros afazeres de sua vida profissional, como advogado.

Mantenho ainda em funcionamento meu escritório de advocacia, escolhendo as causas à minha vontade. Hoje, apenas por diletantismo, ou quando algo de injusto me provoca.

Foi bom defender o direito de um nascituro, o feto ainda na barriga da mãe, sem personalidade jurídica, posto que essa só aparece com o nascimento com vida, porém o direito, desde o Código Civil de Clóvis Bevila-qua, sempre protegeu os direitos do nascituro.

a avó materna teve que custear as despesas da mãe com alimentação, em face da morte do pai dessa criança que estava por nascer e, ao iNss, por sentença judicial, o de pagar uma pensão a mãe da criança e ao próprio nascituro. era uma família pobre do Bairro rosa elze, no Município de são Cristóvão. Meus honorários foram pagos pelos céus...

vale lembrar aqui que eu não seria nada disso, se não fosse a educação austera de minha mãe. Meu pai era um homem bom, calmo e sensato, que teve a sabedoria de entregar a educação dos filhos a ela. Deu tudo certo.

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Casei com eliane no rio de Janeiro, em 28 de maio de 1970, conforme dito anteriormente. se o casamento fosse um contrato por tempo determinado, que tivesse que ser repetido a cada cinco anos, por exemplo, eu já o teria renovado por, pelo menos, oito vezes.

É claro que, em quarenta anos, qualquer casal tem seus altos e baixos; há percalços, bons e maus momentos, mas o amor vence tudo isso. É preciso apenas um pouco de mais paciência de um com o outro, pois uma separação, ressalvados os casos de afetação moral profunda que impeçam a vida em comum do casal, é possível de ser evitado, resolvendo-se positivamente a situação.

Caso contrário, tudo não passará de uma troca de endereços, e de mulheres ou de maridos apenas; eis que cada um leva seus defeitos na bagagem da vida.

Capítulo VII

A perda de um filho

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repetem sempre os mesmos erros e alguns chegam a casar 8 a nove vezes com mulheres diferentes. Não são felizes e deixam filhos infelizes... Essa é minha experiên-cia de vida, como pessoa e como advogado, em 40 anos de profissão, ouvindo pessoas que quiseram se separar.

evitei muitas separações, outras não pude evitar. eu, pessoalmente, achei melhor continuar com a mesma mulher. Com erros e acertos. estou casado há mais de 40 anos, e com ela tivemos quatro filhos.

Era final de fevereiro do ano 2.000. Um dia, meu filho Ítalo, que nós na família chamávamos de “ itinho ”, for-mado em direito e aprovado no exame da oaB - ordem dos advogados do Brasil, portanto, já podendo advogar comigo no escritório, disse que pretendia passar o Car-naval daquele ano em salvador, o que fazia sempre com a irmã viviane e com seu irmão otavio. Ficaria na casa do seu tio materno, eduardo, que é jornalista, e com a tia Nadia, sua esposa, muito queridos de todos nós.

Ítalo faria essa viagem com um amigo e duas amigas. Eu fiquei apreensivo, pois, anteriormente, havíamos feito uma viagem de carro, com ele dirigindo o veículo da mãe, e eu, no nosso, e percebi que ele estava cor-rendo muito. Na volta tive que fixar limites, passando a conduzir o “comboio”.

Ítalo era meio desligado... os irmãos brincavam muito com ele por isso, ao que ele respondia com um bonito sorriso. sempre que iam para o carnaval de salvador, era de ônibus, só a família.os tios jornalistas coloca-vam todos eles nos mais diversos blocos, em razão da

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amizade que gozam na Bahia, por conta de suas profissões. Dessa vez era tudo diferente. Sem irmãos, não ficaria

na casa dos tios e sim na dessas amigas,cujos pais mo-ravam em salvador. Fiquei apreensivo e uma profunda tristeza começou a se abater sobre mim.

um grande aperto no coração me angustiou naqueles dias; meu corpo sinalizava uma profunda tristeza. Mas o que eu podia fazer? ele era maior de idade, tinha 24 anos, advogado e tinha sua vida.

Fiz diversas ponderações sobre a viagem. disse que deveria ir de ônibus leito, porque era confortável e segu-ro. Que ele não precisaria de carro em salvador durante o carnaval, pois, inclusive, não tinha onde guardar, que seria até um trambolho.

Na semana da viagem, a tristeza aumentava cada dia mais; então ofereci a ele passagem de avião. Ficou de consultar os amigos sobre viajar de ônibus ou avião. de-cidiram que era mais divertido ir no carro dele, um Corsa novo, com som, era o máximo para aqueles “meninos” e para seus egos, suas liberdades, etc..etc..

Na Faculdade são Luís de França, onde eu era profes-sor de direito do Trabalho, no curso de administração de empresas, comentei, em sala de aula, com os alunos, a profunda tristeza que se abatia sobre mim e que, quando isso acontecia, normalmente era um presságio de algo ruim a acontecer...

Contei o fato, arrematando que eu ainda hoje sempre ouço as ponderações de d. eunice, minha mãe, mas que os tempos já são outros, e agora “os filhos já não ouvem

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mais seus pais!” e assim passou a semana até chegar o dia da viagem... É isso mesmo, o dia da grande viagem. era sábado pela manhã. acordei cedo, convidei todos a irem para nosso sitio são Francisco de assis, no cami-nho do Mosqueiro, lá para as bandas do Povoado são José, onde normalmente passava com a família o final de semana. Tínhamos lá uma casa simples, porém con-fortável, boa piscina de água sempre bem tratada pelo caseiro atomir, azul que só as cores do céu, quadra de esportes, cerveja gelada, bons tira gostos, a família toda junta, era uma maravilha.

Naquele sábado, 4 de março de 2.000, ninguém quis ir para o sitio. Fiquei mais apreensivo ainda. abri a porta do quarto de Ítalo e ele estava dormindo.

Fiz mais recomendações para que eliane dissesse a ele de minhas preocupações, que dirigisse com muito cuidado naquelas estradas e que não corresse muito. Tivesse cui-dado. e fui sozinho para o sitio. Tomei banho de piscina e uma dose de wisky. Não bebi mais nada. ao meio dia a mulher do caseiro, d. Maria, trouxe meu almoço; lembro-me como se fosse hoje: peixe frito, salada e arroz.

depois, liguei a televisão da sala, deitei no sofá, e adormeci. No final da tarde, acordei com o barulho de um carro que se aproximava de casa, quando adentrou otávio com um amigo dele, nosso conhecido, renatão.

estava lívido, pálido, quase verde, semblante pesado. eu lhe perguntei: “que notícia ruim você vem me trazer ?”

Meu pai houve um acidente de carro com Ítalo, na linha verde, próximo à cidade do Conde, pouco depois

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da divisa com a Bahia, e ele foi levado para um hospital em salvador; é o que eu sei.” ao que eu lhe disse: ‘era isso que eu queria evitar; recebi todos os sinais, de que uma tragédia estaria em curso, porém, os filhos não ou-vem mais seus pais, e, às vezes, pagam com a vida.

Nesse momento, se fez presente um grande silêncio. um vento forte adentrou a casa, rodopiou em minha volta, e eu senti como uma carícia em meu rosto.

olhei para otávio e disse: “ seu irmão acaba de morrer”... e lágrimas e mais lágrimas começaram a banhar meu

rosto. voltei com otávio para casa. durante o trajeto um mórbido silêncio entre nós. e como dar essa noticia a eliane?

ainda lembro de minha chegada em nossa casa. os vizinhos nas portas, eliane descendo as escadas da par-te superior e, ao saber da noticia, permaneceu calada. Abraçou-se comigo e ficamos juntos a chorar durante muito tempo.

Começamos a pensar no que fazer. viajar para salva-dor e ver em que hospital ele se encontrava. Meu coração dizia que ele não estava vivo. Fui para o aeroporto em busca de passagem para salvador. Já era noitinha quando chega ao aeroporto minha filha Cristiane, que tinha ido me buscar. ao ver-me, foi dizendo :“Meu pai, ai meu pai, dessa você não pôde nos proteger; não adianta ir para salvador, seu corpo se encontra no Hospital de Conde. Ítalo faleceu, meu pai, e, repetia sem parar que dessa vez eu não pude fazer nada...”

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Fomos para casa dar a notícia para a mãe. o que dizer a ela, como dizer, como acolher, como cuidar, como ir enfim, buscar o corpo, trazer para Aracaju, fazer sua liberação, providenciar carro fúnebre. eu não estava preparado para esse baque tão grande, tão sofrido. Como conduzir tudo isso...

“Não fomos criados para perder. a situação é pior ainda quando se trata de alguém que amamos. a morte é um labirinto e a nossa falta de conhecimento sobre ela nos aterroriza. somente o amor nos possibilita enxergar um caminho.”

“Ítalo faleceu aos 24 anos de idade em um acidente de carro ocorrido em 04 de março de 2.000. a imensa dor resultou nas palavras aqui contidas” (extraído do livro: O amor é imortal, de minha filha, Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes).

Transcrevo do seu livro a experiência vivida sobre a noticia da morte de Ítalo, porque representa o meu sentir e o de minha família, o mais profundo dos sentimentos, a maior de minhas dores.

“... Quando fomos surpreendidos pela notícia de que havia acontecido um acidente com meu irmão Ítalo, unimo-nos numa só angústia - o que teria acontecido? - só tínhamos disponível essa informação - de que havia acontecido um acidente de carro e que ele estaria num hospital em salvador, cidade para onde havia se deslo-cado em seu carro, acompanhado de mais 03 amigos, e que nunca chegaria com vida.

Meu pai e meu outro irmão otavio dirigiram-se ao

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aeroporto em busca de notícias. Não imaginavam que o destino já tinha traçado sua história, colocando-nos na travessia de dias muito difíceis. Por aquelas ‘coincidên-cias’ que sempre acontecem, naquele dia, 04 de março de 2000, àquela hora, mais ou menos 17h30 min, não havia voo para salvador. otávio já havia telefonado para nós, informando que havia esquecido sua carteira com seus documentos, antes mesmo de saber que não haveria como se deslocarem até a Bahia de avião. sendo assim, saí de casa com Jorginho, meu esposo, para levarmos os documentos do meu irmão.

ao sairmos de casa e entrarmos no carro, o melhor amigo de Ítalo de muitos anos, o sandro, que é vizinho da casa dos meus pais,chamou-nos. ele estava em frente à sua casa com a namorada e um outro amigo deles.

ao nos avistar, ele perguntou aonde iríamos. eu res-pondi que estávamos indo ao aeroporto,pois havia acon-tecido um acidente com Ítalo. a expressão do sandro, eu jamais vou esquecer! Aquela fisionomia me dizia algo que eu não queria ouvir. então, perguntei se ele sabia alguma coisa, se tinha alguma notícia. ele me olhou fundo nos olhos e balançou a cabeça, negando, transmitindo uma expressão de que mais nada poderia ser feito.

o que se passa na cabeça da gente, nestas horas, é impossível de ser narrado. uma mistura de increduli-dade e desespero toma conta dos nossos atos. eu dizia ‘n-ã-o, não acredito, é mentira, você está enganado’! e atônita chamei Jorginho para continuarmos o nosso roteiro e irmos até o aeroporto.

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a essa altura, Jorginho também já estava completa-mente atordoado. entrou no carro dizendo não acreditar que aquilo pudesse estar acontecendo. ao dobrarmos a esquina, gritei: - Pare! Pare o carro. vamos voltar e falar novamente com sandro. deve ter havido algum engano.

este é um momento que viria seguido de muitos ou-tros, em que não acreditamos na realidade, numa realida-de nova, provocada por uma brusca mudança no nosso cotidiano e na nossa vida. sabemos que um dia todos nos depararemos com a morte, mas, para nos pouparmos, sempre achamos que acontece com os outros e nunca com nós mesmos.

alguns dias depois, li num livro que, de impacto, sempre perguntamos o porquê disso acontecer conosco. Tornamo-nos tão egoístas em nosso sofrimento, que, com um pouco mais de consciência, a resposta aparece: e por que com os outros e não com você ?

Como já esperava, Sandro me confirmou a notícia. Pen-sei em como dar aquela notícia aos meus pais. seguimos para o aeroporto. ao nos aproximarmos, lá estavam meu pai e otávio, de pé, esperando-nos. eles nos aguardavam, inclusive retornariam para casa conosco, para dar tempo de pegar o voo que sairia mais tarde.

Meu pai entrou no carro pela porta traseira e sentou, enquanto Jorginho descia do carro e, abraçado a otávio, lhe transmitia a trágica notícia. ao ver minha agonia, meu pai me perguntou se eu tinha alguma novidade.

eu não tive coragem de encará-lo. disse, sem olhar, que tinha sim uma “novidade”. Pelo tom daquela resposta

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não precisei dizer mais nada. ele ainda me perguntou: - Ítalo morreu? E eu, chorando, confirmei. Nunca vou esquecer suas palavras, todo o sofrimento que continha naquelas palavras: - Ah meu filho, meu filho, quantas esperanças depositei em você, meu filho... Abriu a porta do carro e saiu chorando...

o que podemos fazer num momento desses ? o que podemos falar, expressar ? - só o vazio da nos-sa alma... vazio e sofrimento: duas palavras que nos acompanhariam.

Fizemos o caminho de volta em silêncio, cada um no seu choro solitário. Faltava dar a notícia a minha mãe e a minha irmã. ao chegarmos em casa, vivi estava com Nielsen, seu namorado, e foi logo perguntando o que tinha acontecido. respondi. ela desabou a chorar e foi amparada por ele. enquanto chegávamos à sala, minha mãe ia descendo rapidamente as escadas, quando meu pai foi logo falando, erguendo as mãos para o alto: - ‘nosso filho, nosso filho...’ Minha mãe, aos prantos, retornou e subiu para seu quarto... ficando com suas dores, ela que é muita calada, reservada, sofrendo.

Não sabíamos o que fazer, que decisão tomar, para onde ir. Meu pai sempre foi aquele que resolve tudo. Parecia uma criança perdida em sua aflição. Aquele problema, de certo, ele não poderia resolver. Nestas horas, é preciso encontrar forças para manter o mínimo de equilíbrio.

existem procedimentos a serem tomados, indepen-dentemente de qualquer coisa. Começamos a falar sobre

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o velório, onde e como seria e como proceder para ir pegar o corpo. Cada palavra, usada e dita por nós naque-le instante, parecia uma martelada na cabeça, para que pudéssemos admitir a realidade que nos cercava. Pouco a pouco, as pessoas vão chegando e telefonando. Passei a entender o adágio popular que diz que noticia ruim chega logo. realmente, uma rede de comunicação se formou sem que nenhum de nós fizesse absolutamente nada para isso acontecer. Liguei apenas para a família e pedi que fosse um avisando ao outro.

Emocionei-me muito com o telefonema que fiz, avi-sando a minha Tia sônia que, na semana seguinte, estaria esperando Ítalo em são Paulo. ela já havia, inclusive, comprado um carro zero para ele, pois iria passar mais ou menos um ano estudando, fazendo um curso de pós-graduação na usP - universidade de são Paulo, em direito Tributário.

ela gritava, exteriorizando sua dor. seu choro incon-tido era como o de uma mãe. e foi isso que sentimos por ela. um amor de mãe.

um futuro promissor... Meu pai tinha acabado de construir um escritório belíssimo para eles. eram tantos planos e projetos que se Ítalo fosse morrer aos cem anos, talvez não tivesse tempo de realizar todos eles.

Mas, como muito repetiu meu pai, a vida é insólita! Colocou-nos num pesadelo, tirou-nos da companhia uma pessoa muito querida e amada. Jogou-nos aos prantos nos intermináveis minutos que se passaram depois da tragédia.

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o corpo chegou somente no dia seguinte, bem cedo. Meu pai, otávio, sandro e o pai dele “seu Moringa” foram juntos atrás do corpo, e passaram a noite inteira para fazer isto. o corpo estava longe, em alagoinhas, há mais de trezentos quilômetros de casa.

Foi uma via crucis, pois, inicialmente, disseram que estaria num hospital próximo do local do acidente, mas, ao chegarem lá, já tinha sido encaminhado ao iML de alagoinhas. Meu pai não teve condições emocionais de fazer o reconhecimento e coube a otávio entrar no necrotério e reconhecer o corpo. Foi uma cena que ele define como inesquecível.

sem ele, meu pai não teria conseguido trazer o corpo de Ítalo, pois faltaram-lhe, inclusive, condições físicas para voltar dirigindo para casa. a morte se deu por traumatis-mo craniano, pois o carro capotou, e o teto pressionou a cabeça de Ítalo. Havia com ele duas amigas e um amigo. infelizmente, uma das meninas, a Cristiany, também fa-leceu, e a outra foi encaminhada às pressas para a uTi de um hospital em salvador, em coma. o amigo e mentor do passeio saiu praticamente sem nenhum arranhão...”.

retornando ao texto, digo eu. Faço aqui um desabafo de pai. A perda de um filho é a pior das dores. Durante 05 anos chorei às escondidas; quase todos os dias saía do escritório no meu carro, pela praia da rodovia sarney até o Mosqueiro, indo e vindo várias vezes até secar todas as lágrimas do meu sofrimento.

Meses depois, recebemos a grata notícia de que Cris-tiane estava grávida. era um menino! ao nascer, ela deu

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o nome do seu irmão Ítalo, que é um neto muito carinhoso conosco, me diz: “Bibibi (é assim que me chama), você é o amor grandão mais grandão de toda minha vida...”

É muito estranho tudo isso.É um presente, uma bênção dos céus,ter netos. Quando eu estava doente de câncer no hospital, ele telefonava diariamente, dizia que estava com muitas saudades e que papai do céu ia cuidar de mim, que eu não morresse porque ele preci-sava muito de mim.

depois de muitos dias sem me ver, combinou com a mãe e com a avó um dia em que eu pudesse ir a uma janela do hospital para que ele pudesse me ver de longe.

Foi tão grande o esforço que fiz, pois andar alguns passos depois de tantas cirurgias, e ter perdido 40 quilos do meu peso, era um sacrifício. Porém o meu desejo de vê-lo, de jogar um beijo, me fortaleceram e eu fiz isso.

Na hora combinada, fui cambaleando até a janela, tal era minha fraqueza física, e lá estava ele, com seus irmãos gêmeos Tatiana e Jeferson Neto, acenando as mãos e dizendo da saudade que estavam sentindo.

a energia desses anjos me fortaleceu, e, à noite dormi com o pensamento voltado para eles de que eu precisava sobreviver. Fiz uma prece a Nossa senhora de Fátima que me concedesse mais alguns anos de vida para poder vê-los crescer, e quando o meu dia tiver que chegar, que seja enquanto eu estiver dormindo, em paz, e gozando saúde.

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Capítulo7

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O ano de 2009 estava quase chegando ao seu final. Tudo tinha passado muito rápido, quando, de repente, fui acometido por uma diarréia que não passava. Fui ao médico, tomei remédios e nada. Só fiquei bom quando me ensinaram um chá caseiro, uma infusão de folhas de “Catinga de Porco”, muito usada no sertão de sergipe pelo povo pobre daquela região.

Tomei a infusão e foi “tiro e queda”, como se diz no interior.Fiquei bom e a diarréia foi embora em dois dias, tomando o chá nas refeições. eliane, minha esposa, pediu que eu fizesse um exame médico chamado Colonosco-pia, que vê todo o intestino. eu argumentei que não era necessário fazer esse exame porque não estava sentindo mais nada.

Nunca pensei que pudesse estar doente, não obstante,

Capítulo VIII

Um grande susto

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percebesse que meu cabelo estivesse bem fino, falho, e já tinha lido em algum lugar que isso denota algum problema de saúde. eu só estava pensando na próxima viagem para a europa. inicialmente, passaria uns dias em Portugal, visitaria a cidade de Fátima, onde demons-traria minha gratidão a Nossa senhora, de quem sou profundamente devoto, desde que lá estive com minha irmã sônia e senti profundas emoções...

a energia que se sente na “Cova da iria”, onde houve a aparição de Nossa senhora, é algo fantástico; tenho sentido as mais diversas e profundas emoções na vida, entretanto, o que se sente em Fátima é algo sobrenatural, que só quem sentiu guarda dentro de si para toda a vida esse sentimento.

outro planejado era onde passar o aniversário de 40 anos de nosso casamento, que seria celebrado no dia 28 de maio de 2009. Casamos nesse dia, no ano de 1970, na cidade do rio de Janeiro.

Prometi a eliane que passaria aonde ela quisesse a data dessa comemoração e ela escolheu retornar a Paris, onde vivemos bons momentos nesses anos.

seria algo muito bom, nesses 40 anos de vida em comum. Temos tido uma vida boa, tivemos quatro fi-lhos, temos cinco netos, não obstante o sofrimento que passamos com a morte do nosso filho Ítalo aos 24 anos de idade, em acidente de carro, na linha verde, indo para salvador, passar o Carnaval de 2000. Ítalo já era advogado e tinha um futuro promissor como tal.

entretanto, deus estabelece propósitos de vida que

Capítulo8

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nós, humanos, na nossa pequenez não compreendemos e não aceitamos, quando perdemos um ente querido, como aconteceu conosco, com a morte desse filho. Só o tempo é que nos ensina essa compreensão, com a aceitação daquilo que nós não podemos mudar, como a morte de um filho.

a comemoração dos 40 anos de nosso casamento teve que ser adiada para outra oportunidade, e nesse tempo tive que ter fé e lutar pela vida. eu estava com a pior das doenças, eu tinha câncer no intestino; tinha que ser operado imediatamente.

eu não percebia que estava doente, embora estivesse perdendo peso, e esse é um péssimo sinal. Como estava andando no Calçadão da Praia 13 de Julho, pelas manhãs, e tinha frequentado uma academia de educação Física, achava que estava fisicamente bem.

No final de dezembro, no dia 28, é que eu soube que estava com câncer, após receber uma cópia do resultado da biópsia do material colhido, quando fiz a Colonoscopia.

saí do Laboratório como um “Zumbí”, sem saber para onde ir, e pensava como dar essa notícia à minha mulher, aos meus filhos, amigos, e a minha mãe, já com 86 anos de idade e cuidando do meu pai, que tinha tido um avC e se encontrava paralitico numa cama há mais de três anos.

Pensei: já passei pelo maior sofrimento que um pai pode passar, que é perder um filho e ir buscar seu corpo em outro estado, dirigir a noite inteira e, no dia seguinte, sepultá-lo.

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E dar a uma mãe a notícia de que seu filho havia mor-rido num acidente de carro, como aconteceu comigo, é algo muito sofrido. ainda guardo na lembrança um começo de noite, num dia de sábado, chegando em casa para dar noticia a Eliane da morte do nosso filho, na companhia de nosso outro filho Otávio, que tinha ido ao nosso sitio me dar essa nefanda notícia.

eliane descia as escadas da parte superior de nossa casa, pausadamente, ao perceber que eu havia chegado. os meus olhos em lágrimas encontraram-se com os seus. ouviu a notícia paralisada, estática, denotando profundo sofrimento. e, tendo passado tudo isso, como dar a uma mãe, como a minha, a notícia de que seu filho era um “ condenado” à morte...

ah, as mães! recordo a expressão de profunda tristeza que se abateu sobre ela, ao receber a noticia que lhe dei; olhou para os céus, e rogou a deus sua proteção para o filho, dizendo: - “SENHOR, nós já somos velhos, leve-nos e deixe nosso filho viver, os seus filhos ainda precisam dele. Nós já vivemos muito...” e abraçando-me chorava copiosamente.

Nesse instante, fui invadido por um força interior que me dizia: “Consola tua mãe”... Nos abraçamos muito, eu, minha mãe e minha irmã, quando expressei: “Quem disse que eu vou morrer, lhe prometo que vou sobreviver. Nossa senhora de Fátima ainda vai me conceder muitos anos de vida, não chorem. Vocês, meus filhos, netos e eliane, são meus esteios, e eu vou sobreviver”.

Todavia, saí dali arrasado. Procurei, de plano, fazer logo

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Capítulo8

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meu testamento, deixando para eliane minha parte dis-ponível no patrimônio que havíamos construído nesses 40 anos de nossa vida comum, caso as coisas não dessem certo na cirurgia, ela que era casada comigo em regime de comunhão de bens e já era dona de metade do que possuíamos.

da outra metade que me pertencia eu dela podia ju-ridicamente dispor de 25%. Então, Eliane ficaria com 75% do patrimônio, e os outros 25%, era a legítima dos meus filhos, que seria dividido entre eles. Deixei Eliane também com inventariante, ou seja, cabia a ela a admi-nistração do patrimônio.

Como advogado vi muitas coisas, inclusive filhos, vendendo o único imóvel da família, deixando um dos pais sem ter onde morar.

Sei que meus filhos não seriam capazes de um ato dessa vilania contra a mãe, mas, mesmo assim, deixei fixado no testamento também o seu direito à habitação na nossa casa da rua Joventina alves, numero 275, en-quanto vida tiver.

Nunca fiz débitos, além daqueles costumeiramente usados com o meu cartão de crédito, e que mensalmente faço o pagamento ao receber os proventos de Procura-dor de estado de sergipe, como aposentado. ademais, ela é servidora do Poder Judiciário, tem nível superior (assistente social), já estando, inclusive, aguardando sua aposentadoria, que está próxima. Com efeito, no plano material, minha esposa não ficaria desamparada, caso eu não sobrevivesse à cirurgia que estava para fazer.

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a semana da cirurgia se aproximava, os documentos de internamento no Hospital são Lucas já haviam sido providenciados. Fui internado na manhã do primeiro dia de janeiro do ano de 2010, depois de passar por uma bateria de exames, desde os de sangue até os do coração, estando todos em ordem para autorizar a ci-rurgia no dia seguinte.

a operação foi realizada pelo Cirurgião doutor Ju-venal Torres, conceituado médico sergipano, com larga experiência em tais cirurgias, e pela dra. Nelma Barbosa, não menos competente e também conceituada no meio médico. a técnica utilizada foi a video-Laparoscopia.

a operação foi um sucesso; parecia que eu não tinha sido operado, todavia uma grande via crucis me aguar-dava. seis dias depois do evento veio o meu Calvário.

Capítulo IX

A primeira cirurgiaCapítulo

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durante os próximos 60 dias, vivi no Hospital são Lucas, quando era para passar no máximo 8 dias. os amigos já estavam perdendo as esperanças, eu emagreci em torno de 40 quilos.

estava muito magro. sob esse aspecto, o câncer é uma doença que destrói a auto-estima de qualquer um. Minha filha mais velha ficou encarregada de dar noticias aos amigos e parentes, ficando com meu telefone celular.

agora, graças a deus e à proteção de Nossa senhora de Fátima, já posso escrever essas linhas, para servir de consolo e coragem a tantos que estiverem vivendo a experiência que eu vivi. É preciso ter fé e esperança e acreditar na vida.

depois de passar por tanto sofrimento, no dia 08 de agosto desse ano da graça de 2010, já em minha casa, recebi de minha filha Cristiane, a escritora da família, um livreto onde ela registrou os fatos e as emoções vividas nesse período.

esse presente eu recebi no dia dos pais, cujo teor faço questão de transcrever:

“Querido Pai: este dia dos Pais é um dos mais im-portantes. É o primeiro depois de sua recuperação, da cura da doença que lhe acometeu. enquanto você esteve no hospital, durante quase três meses, escrevi o texto abaixo, como uma espécie de diário do seu quadro, que em vários momentos foi bastante crítico.

o meu objetivo em lhe escrever isso é para que você viva melhor daqui para frente. Que você reconheça a graça alcançada nesta segunda chance de sua vida. Que

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você não reclame das coisas nem das pessoas. Cada um tem o seu jeito de ser e o simples fato de aceitarmos as pessoas como elas são, já é um grande passo para con-vivermos melhor com elas”.

e, continuando, escreveu Cristiane:“No dia 28 de dezembro de 2009, recebemos a noti-

cia de que meu pai estava com um câncer localizado no intestino. Possivelmente através de pólipos que surgem e podem se transformar e se tornar cancerosos. são então chamados de adenocarcinomas, pois se originam da camada que recobre inteiramente o intestino grosso.

Foi o resultado de um exame que indicava uma sus-peita remota, daquelas que nunca esperamos confirma-ção. Meu pai está com 64 anos de idade e se cuida, não é negligente com sua saúde, está sempre às voltas com exames, consultas e laboratórios. Ponto positivo para se submeter a uma cirurgia desse porte com toda a con-fiança e otimismo necessários.

a própria médica, dra. Nelma Barbosa, é uma pes-soa considerada da família pelos seus laços de amizade de adolescência com minha Tia Sônia. Essa confiança profissional e pessoal é que foi imediatamente aferida por meu pai na decisão de fazer a cirurgia em aracaju mesmo. Foi assim um final de ano difícil, apreensivo.

o natal com melancolia natural da própria data e da incerteza do que estaria pela frente. a virada de ano sem nenhuma graça, juntos apenas por necessidade familiar de união, do congraçamento, da esperança no ano novo, e no amor de deus.

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Capítulo9

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a cirurgia estava marcada para o dia 2 de janeiro, portanto, no primeiro dia do ano novo meu pai já estava internado para os procedimentos pertinentes à véspera de qualquer cirurgia de grande porte.

Graças a deus foi programada por videolaparoscopia (cirurgia realizada através de pequenos orifícios na parede abdominal com o auxílio de uma câmara de vídeo e ins-trumentos especiais), o que diminuiria consideravelmente dores e problemas de pós-operatório.

Enquanto ele estava no centro cirúrgico, ficamos no quarto aguardando os acontecimentos. dei um pequeno cochilo no sofá e sonhei, ou sei lá o que, com a sala de cirurgia e com meu irmão Ítalo, que estava acompanhan-do tudo. vestido de branco, bem atrás da cabeça do meu pai, prestando atenção ao ocorrido. despertei ali-viada, mesmo tendo achado a fisionomia de Ítalo séria, preocupada...

a Cirurgia foi considerada um sucesso e ele acabou ficando um pouco mais de tempo na UTI apenas por precaução e por uma queda na sua pressão, também sob controle. a sua chegada após o quarto dia no hospital foi aguardada, até porque ele já estava impaciente, longe de todos e naquele ambiente tão pesado de uma uTi.

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Passou pela primeira noite bem, mas, na segunda noite, se queixou muito de dores abdominais. Tiraram o dreno para coletar urina e recomendaram que an-dasse um pouco para eliminar os gases do intestino. ele reclamou muito de dores, andou pouco, quase se arrastando, apoiado pelos braços de pessoas da família.

Pela noite, sem suportar tantas dores, foi encami-nhado às pressas para uma nova cirurgia, na dúvida de que a “costura” através de grampeadores mecânicos pudesse ter se soltado...

recebi à 1:30 da madrugada um telefonema de minha mãe, avisando sobre a situação. saí de casa tremendo, nunca tive tanto medo na minha vida. Cheguei ao hospital sem saber ao certo o que estava acontecen-do... ele já estava sendo operado. a cirurgia começou

Capítulo X

A segunda cirurgia Capítulo10

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às 21:00h, e terminou depois das quatro e meia da manhã.Havia complicações, foi diagnosticada a existência de

trombose no intestino e uma grande hemorragia interna. Parte do intestino, onde tinha ocorrido a primeira cirur-gia, estava completamente necrosado.

a cirurgia tinha sido realizada pelo mesmo dr. Juvenal Torres e dra. Nelma Barbosa. as notícias recebidas não eram boas, pois tiveram que fazer uma colostomia, ou seja, a exteriorização no abdome de uma parte do intes-tino grosso para eliminação de fezes, objetivando evitar uma possível infecção na cavidade abdominal.

saímos dali apreensivos, em pânico, sem compreender ao certo a real situação. Na uTi para onde ele foi levado, existem os horários previstos para visitas, e, às 10:30, minha mãe entrou para vê-lo.

Ficamos aguardando na sala de espera. Mais agonia. ele estava bem, se recuperando, porém, ainda entubado, mas acordado, consciente. enquanto isso, estávamos orando, com os corações aflitos, mas esperançosos de que sua recuperação aconteceria.

Hoje à tarde, dia oito de janeiro, minha mãe entrou para a visita na uTi. achou ele consciente de tudo e amedrontado, confiando apenas na presença da Dra. Nelma, dizendo: “ela salvou a minha vida”. Não tive coragem de entrar, estou morta por dentro, chorando a cada minuto, principalmente com a ideia do que está se passando na cabeça dele, lá dentro, tão sozinho...

deve estar com medo, apavorado, assustado! Minha tia entrou e ele disse que, se acaso morresse, para ela

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cuidar dos seus filhos (sua preocupação era em relação à Fa-culdade são Luís de França, que ela havia fundado e tempo depois doado gratuitamente para ele e filhos). Meu pai deve estar se sentindo um prisioneiro no corredor da morte...

Pedi em preces ao nosso Ítalo, que tão perto está de deus, que cuide dele, que ajude para curá-lo, para que ele se recupere logo, que saia dessa. vivi também resolveu vê-lo e saiu confortada, dizendo que ele estava melhor do que ela imaginava.

Não acreditei. Eu não confiava mais em ninguém! Tenho medo de ser uma melhora passageira, só para nos iludir. Nunca tive tanto pavor em minha vida. otávio, meu irmão, me deu um remédio dele, para me acalmar, e acho que fiquei mesmo mais calma.

ontem (dia 09/01/2010 ) foi um dos piores dias de nossas vidas. o quadro piorou muito. Fui levar Tasonha (como é chamada pelos sobrinhos) no aeroporto para retornar a são Paulo, e 40 minutos depois ela me ligou pedindo para buscá-la de volta.

Gelei... meu coração parecia que ia explodir. Pergun-tei se era alguma notícia ruim, para ela me dizer, não esconder nada. ela disse que o quadro dele havia pio-rado... voltamos para buscá-la no aeroporto, trêmulos, chorando, apavorados. Fomos direto para o hospital. ele apresentava hemorragia interna, estava com transfusão de sangue, os rins funcionando com estimulação e muita febre. dra. Nelma disse a minha tia: rezem.

Quando um médico manda que os parentes rezem, é porque as esperanças são poucas. Começamos uma

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corrente, pedindo que as pessoas mandassem energia positiva para que ele se recuperasse logo. Que a hemor-ragia fosse estagnada, essa era a meta naquele momento.

Meu pai, na uTi, escreveu um bilhete para Tasonha com duas instruções: a primeira, que fosse quebrada uma placa que ele havia mandado fazer e colocado no túmulo de meu irmão Ítalo no cemitério. era um Poema de Camões, chamado “aLMa MiNHa”, feito para sua amada, onde no final, ele roga a Deus que leve-o cedo dessa vida para ver o seu amor que tinha falecido...

Nessas instruções a minha tia, meu pai pedia que fosse quebrada essa placa do poema de Camões e os pedaços deixados lá mesmo no cemitério. Fomos eu, Jorginho, Gegê e minha avó cumprir a missão.

o segundo ponto também era curioso; ele dizia para que os médicos verificassem a taxa de eletrólitos de uma pessoa normal e que seguissem esse padrão com ele, que ele ficaria bom.

Tasonha mostrou o bilhete à Dra. Nelma, que ficou perplexa, pois havia expressões técnicas, conhecidas somente por médicos. Meu pai dizia que, em um deter-minado momento, viu e ouviu um médico idoso, com a cabeça branca e a barba comprida, que estava ao seu lado, e conversava com um grupo de jovens médicos sobre sua situação.

o que escreveu foi justamente o que ouviu. interes-sante que nunca houve no hospital nenhum médico com essas características.

Meu pai, dias depois, nos disse que foi aquele médico

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que ajudou a salvá-lo, pois suas recomendações foram seguidas pela dra. Nelma; tinha a aparência de um mé-dico já falecido que havia vivido no rio de Janeiro, no século passado, e era o dr. adolfo Bezerra de Menezes.

essas histórias, que sempre ouvimos falar que acon-tece em uTi e em casos de cirurgia onde o paciente tem experiências espirituais, nos deixaram estarrecidos... Tenho certeza que aconteceu também com ele, em relatos que saberemos melhor quando ele sair dessa fase tão difícil.

Pela noite, estávamos com nossas preces todas volta-das pela sua recuperação, e principalmente para que ele parasse de sangrar, pois essa hemorragia estava pondo a necessidade de ser colocada em pauta a realização de uma nova cirurgia, e isso não podia acontecer de jeito nenhum, seria fatal no quadro em que ele já apresentava de tamanha debilidade.

Graças a deus, hoje ele amanheceu em um quadro melhor, a hemorragia foi se estagnando e apesar de ainda estar recebendo sangue externo, apresentou uma melhora.

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Hoje, 23 de janeiro, mais uma intercorrência. amanhã nova cirurgia para retirada de uma coleção de secreção (pus) que está alojada no abdômen. Penso no que o uni-verso quer dizer com tudo isso.

É muito sofrimento. ele está muito magro, com uma febre que não cede. sinal de infecção. os médicos acre-ditam que, com essa retirada da secreção, o quadro dele vá melhorar definitivamente.

Fui avisada por dra. Nelma dessa situação logo pela manhã e desabei. Como ela me pediu segredo até o fim do dia, procurei disfarçar ao máximo, só contei para minha irmã viviane, tudo por recomendação médica.

o dr. Juvenal Torres queria conversar com o meu pai, com o resultado de uma ressonância magnética em mãos, comprovando as suspeitas que ele tinha e da necessidade

Capítulo XI

A terceira cirurgia

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de uma terceira cirurgia. estou totalmente desarmo-nizada. Não durmo, não me alimento, tenho tonturas, apagão de memória, não me concentro, não consigo fazer nada...

É uma espécie de torpor. Não vejo a hora de meu pai sair daquele hospital,de ir para sua casa e se recuperar de uma vez por todas.

a terceira cirurgia foi realizada com sucesso. Foi reti-rado do lado direito de sua costela um bolo de bactérias, que já estava empedrada; nunca vi tamanha resistência física de um homem como meu pai, aos 64 anos de idade. acho que é sua fé em Nossa senhora de Fátima.

ele está com uma melhor aparência, porém, mesmo após a terceira cirurgia, continua tendo picos de febre pela tarde que se estendem até a noite, mesmo tomando uma bateria de antibióticos diretamente na veia.

ele, na segunda cirurgia, teve retirado mais de 36cm do seu intestino grosso, que estava necrosado. aquela cirurgia salvou sua vida, pois ele teve peritonite aguda intensa, conforme relatório médico. uma boa notícia foi que ao exame de anatomia patológica da necrose de cólon abaixado com peritonite, não houve evidência da existência de malignidade nesse material, que foi enviado para biópsia, ou seja, não havia metástase.

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Capítulo XII

A quarta cirurgia

Não dá para acreditar: a febre continua, e meu pai sente que, possivelmente, o que foi retirado do lado esquerdo, uma coleção de bactérias, também exista no lado direito.

dr. Juvenal Torres pediu uma série de exames, con-cluindo que ainda havia uma coleção de bactérias no lado direito. Meu pai chegou a pensar que tivesse adquirido uma infecção hospitalar, porém, como o tratamento que ele recebia do hospital são Lucas fosse muito bom, não só por parte de todo corpo medico, enfermagem e direção, ele deixou de falar sobre isso.

Porém, nos dias de hoje, esse é um assunto sério que precisa ser discutido pela sociedade. É impossível, com a tecnologia que se tem hoje, que pessoas morram depois de cirurgias de alta complexidade, não da doença em si mesmo, mas por infecção hospitalar.

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a quarta cirurgia foi realizada, a pedido do dr. Juvenal Torres, por um jovem médico também muito competen-te, o Dr. Elisanio de Souza Cardoso, filho de um amigo do meu pai, que tem o mesmo nome e é neto do dr. Machado, que foi um dos grandes pediatras de sergipe no passado.

Meu pai também gostou muito desse médico; nas con-versas demonstrava segurança e competência e dizia que era um cirurgia simples, que inicialmente tentaria fazer uma sucção dessas bactérias, e, se estivessem compac-tas, seria necessário uma abertura maior na cirurgia para retirada “desse bolo”.

a cirurgia foi um sucesso: colocaram, inclusive, um dreno para retirada de qualquer secreção sanguínea, para se evitar uma infecção na cavidade abdominal.

dias depois dessa última cirurgia, meu pai apresentou um novo problema. agora era pulmonar. estava com pneumonia, possivelmente causada por tanto tempo deitado no leito”.

e explico de forma detalhada: dr. Juvenal havia pedi-do diversos exames e concluiu que ele estava com água nos pulmões, e que isso poderia trazer complicações respiratórias sérias.

Foi chamado por dr. Juvenal um cirurgião toráxico, para ver como solucionava aquela situação, porque meu pai poderia morrer afogado, com a água existente em seus pulmões. seu nome, dr. edson Franco Filho, que resolveu o problema com grande simplicidade e maestria absoluta. Fez uma punção para retirar a água dos pulmões.

Capítulo12

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Foi retirado do pulmão direito num recipiente apro-priado 750 ml de água e do esquerdo 450 ml.

Para a pneumonia propriamente dita, foi chamado o dr. saulo Maia. este médico,como os demais, cui-dou de mim com muito carinho, eu o apelidei de dr. deambular.

ele até hoje não sabe desse apelido.Quando de suas visitas dizia que eu precisava urgentemente deambular, que era vital para meus pulmões, além dos exercícios praticados pelos fisioterapeutas.

Eu fiquei muito tempo sem saber que diabo era “de-ambular.” só tempos depois, por curiosidade, perguntei à Dra. Nelma seu significado, e ela respondeu-me que deambular era a mesma coisa que andar.

ah! esses médicos com sua linguagem, não era mais fácil, simplesmente dizer que eu precisava andar... essa é uma brincadeira que faço com o querido dr. saulo Maia.

Outra grande figura humana foi a cardiologista Dra. Lúcia Britto. ela me atendia na uTi, não só com sua competência profissional mas, acima de tudo, com sua humanidade.

a uTi é algo que precisa ser repensada a nível huma-no. O paciente fica isolado do mundo e até de sua família. o tempo de visita é muito curto e isso faz muito mal. dra. Lucia Brito permitia que eliane me visitasse pela manhã, pela tarde e pela noite, por 10 minutos em cada expediente. ela não sabe como lhe sou grato por isso.

o conforto espiritual que isso produzia em mim era extraordinário. a família tem um grande papel afetivo

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nesses momentos da vida, e não pode ficar sem ver seus entes queridos.

retornando ao diário de Cristiane, disse ela. ”Hoje, é 17 de fevereiro e desde o dia primeiro de janeiro, meu pai continua internado no Hospital são Lucas... está sendo acompanhado pelos mesmos médicos, somando-se aos que lutam por sua vida, agora a doutora Ângela silva. Meu pai foi quem solicitou ao dr. Juvenal Torres que ela fosse chamada como sua infectologista.

Queria que dra. Ângela silva acompanhasse seu caso nessa área, uma vez que o problema agora é a infecção que persiste, com a presença de uma febre em menor intensidade, porém, como ele diz, a “febre é um aviso de que existe infecção”.

o quadro dele, no geral, é bom. deu um verdadeiro salto na qualidade do tratamento, mesmo ainda apresen-tando uma febrícola como chamam os médicos quando ela está pouco acima de 37 graus, que no caso dele, dá uma debilitada no seu humor. À tarde, ele se abateu, ficou depressivo, com essa temperatura nem podendo ser considerada uma febre, em tese. dra. Ângela silva é infectologista, com doutorado na usP, amiga de minha tia sônia e de toda equipe médica de meu pai; Por esses laços é que ela aceitou fazer esse acompanhamento, posto que, na condição de Professora da uFs e diretora do Curso de doutorado do Hospital universitário, seu tem-po é exíguo. ao que me parece, só presta atendimento aos pacientes no hospital universitário.

Não obstante, diariamente, pela manhã ela comparecia

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à enfermagem do hospital, acompanhando o relatório de tudo quanto acontecera com o meu pai no dia anterior, e, só depois dessa verificação fazia ou não prescrições de novos antibióticos no tratamento aplicado, visitando em seguida meu pai no seu apartamento.

Quando ela chega, meu pai faz uma festa, fica muito alegre, lhe diz que ela é também seu anjo da guarda, ao lado do dr. Juvenal e da dra. Nelma. Meu pai está muito confiante pela entrada dessa médica na equipe, alguém que ele já conhecia há muito tempo, por ter acompanhado meu irmão Ítalo em um problema que ele teve na ado-lescência, e ficou bom. Na época ela suspendeu todos os antibióticos para que o organismo de Ítalo reagisse normalmente.

sendo assim, os dias parecem iguais dentro do quarto, mas, apenas, aparentemente, pois é visível o seu progres-so e a sua evolução. Penso que ele deve ficar mais uma semana por lá, até por segurança, e ele próprio só quer ir para casa quando estiver bom, sem tanta necessidade de suporte médico e de enfermagem”.

Tanto Dr. Juvenal quanto a Dra. Nelma têm afirmado que não será necessária a aplicação de radioterapia ou quimioterapia, posto que, em decorrência dessas cirur-gias, em que grande parte do intestino grosso havia sido amputado, não havia qualquer sinal de que o câncer hou-vesse se disseminado por outras partes de corpo. essa era uma boa noticia.

diante disso, necessário se fazia, quando saísse do hospital, que se procurasse um oncologista.

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a equipe médica sugeriu o nome do dr. Nivaldo Farias vieira, da Clínica oncoHematos, em aracaju. acontece que dr. Nivaldo passa a maior parte do seu tempo, hoje, fora de sergipe. ele é um médico ainda jovem, malhava comigo na mesma academia, a Bioforma, quando eu estava sem saber que tinha câncer.

eu só soube que era ele, quando da primeira consulta, e graças à sua memória, que me lembrou desse fato. É um grande médico e profundamente humano. Foi Cris-tiane, minha filha, quem entrou em contato com ele, pela internet, via e-mail, ainda no dia 05 de fevereiro de 2010, enviando a seguinte mensagem:

- “dr. Nivaldo.Tomei conhecimento do seu trabalho através da dra.Nelma Barbosa,considerada da minha família pelos laços do coração, lhe escrevo na qualidade de filha. Meu pai recebeu um diagnóstico de câncer no intestino no finalzinho do ano passado.

dia 2 de janeiro deste ano foi feita a cirurgia videola-paroscópica, considerada um sucesso e acabou ficando um pouco mais de tempo na uTi apenas por precaução e por uma queda na sua pressão, também sob controle. a sua chegada após o quarto dia da cirurgia no aparta-mento do hospital foi aguardada. Passou pela primeira noite bem, mas na segunda noite se queixou muito de dores abdominais.

Tiraram o dreno para coletar urina e recomendaram que andasse um pouco para eliminar gases do intestino. ele reclamou muito de dores,andou pouco,quase se ar-rastando apoiado pelos braços. Pela noite, sem suportar

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Capítulo12

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tantas dores, foi encaminhado às pressas para nova cirurgia,na dúvida de que a “costura”através de gram-peadores mecânicos pudesse ter soltado…. a cirurgia terminou quase às 5 horas da madrugada com o diag-nóstico de trombose em parte do intestino. Ficou mal, teve hemorragia, o sangue da transfusão não coagulava, um horror!

depois de mais ou menos uma semana, meu pai saiu da uTi e foi para o quarto. No dia 23 de janeiro, mais uma intercorrência. uma insistente febre e nova cirurgia para retirada de uma “coleção” de bactérias alojada no intestino. dia 31 de janeiro recebeu alta do hospital. Não aguentava mais aquele quarto e aquela rotina.

Chegou em casa muito debilitado, com as pernas in-chadas, mas confiante que, a partir dali, seria uma nova caminhada. Ficou em recuperação lenta, mas progressiva. então iniciou-se novo processo de febre.

a febre, no caso dele, criou um pânico em todos. Mas, o organismo precisava se acostumar sem os antibióticos, então teríamos que aguardar um pouco. Contudo não houve regresso da situação e novamente os antibióticos foram prescritos.

Hoje faz 05 dias que ele saiu do hospital, a febre ainda persiste com o agravante de ter acusado no raio X que ele fez um acúmulo de nova coleção da bactérias, o que pode estar gerando mesmo a febre de novo. isso fez com que ele desanimasse. Ficou apático, abatido.

diante de tudo isso, gostaria de marcar com o senhor uma consulta para verificação da situação dele. Posso

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levar todos os exames para o senhor dar uma olhada. ele é Procurador do estado aposentado, tem 64 anos, muito ativo, o senhor vai gostar de conhecê-lo,mesmo estando nessas condições.Preciso muito de sua ajuda. o nome dele é Jeferson Fonseca de Moraes.sou Cristiane, sua filha mais velha”.

Quero consignar que no mesmo dia, à noite, dr. Nivaldo, gentilmente, respondeu ao e-mail de Cristiane, demonstrando, ao meu ver, que no mundo, nem tudo está perdido, e que ainda existem grandes médicos, como os que anteriormente me atenderam. essa foi a sua res-posta: “olá Cristiane, tenho muito interesse em ajudar o sr. Jeferson e a você. vamos ver como podemos fazer da melhor forma. agora estou em são Paulo, deverei dar uma aula amanhã cedinho sobre câncer de mama num congresso aqui. Nesta semana farei ambulatório na usP de ribeirão Preto-sP, e na segunda, terça e quarta. Na quinta volto a são Paulo e já teremos os feriados de carnaval. Logo em seguida irei a angola dar um aula sobre câncer de próstata.

Mesmo com essa agenda apertada eu gostaria de propor que ele passasse em consulta com um médico oncologista clínico da nossa equipe, dr. andré Peixoto, que é também especialista e trabalha juntamente comigo, e poderá me ajudar a não perdermos tempo nessa busca da melhor forma de ajudar e resolver o problema do sr. Jeferson.”

“após analisar o caso, o dr. andré terá uma reunião a distância comigo e discutiremos o caso de seu pai.

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Quero sugerir que você ligue para a secretária Cristiane ou Liliane no telefone 2105-9900, na segunda pela ma-nhã, e agende imediatamente consulta para que o dr. andré possa iniciar sua avaliação e possamos dar início as discussões a cerca do melhor tratamento a seguir.Que deus nós ajude nessa genuína empreitada pela sua mais pronta recuperação. Conte comigo e com toda nossa equipe! Nivaldo Farias vieira.”

digo eu,a equipe da oncoHematos é fantástica, Cris-tiane esteve na Clinica no dia 09 de fevereiro, e anima-da, passou o seguinte e-mail para o dr. Nivaldo vieira: “estive, conforme sua orientação, com dr. andré hoje pela manhã. Fiquei impressionada com a sua delicadeza, profissionalismo e dedicação. Me senti gente, valorizada, respeitada. Muito obrigada por ter se interessado no caso.

Por ainda estar com infecção e se encontrar no hos-pital, precisamos tratar disso agora. dra. Ângela o está acompanhando e já solicitou mudar parte da medicação que ele vinha tomando. a prioridade máxima agora é essa. se não der certo, estamos pensando em são Paulo, no sírio-Libanês. de qualquer forma, vamos precisar de indicações de médicos, a quem recorrer chegando lá. Grata mais uma vez Cristiane”.

vários e-mails foram trocados. Quero registrar a ética do dr. Nivaldo com a equipe médica que me operou. somente depois da quinta e última cirurgia, quando a parte cirúrgica estava concluída, ouvi do dr. Juvenal, e da dra. Nelma, o posicionamento destes de que eu deveria procurar um oncologista, indicando o nome do

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mesmo dr. Nivaldo vieira, mas eles achavam que eu estava curado do câncer e que não precisaria fazer ra-dioterapia nem quimioterapia.

dr. Nivaldo vieira, tempos depois, me recebeu na Clínica oncoHematos, em aracaju, e, analisando todos os meus exames, concluiu que eu não precisaria fazer Quimioterapia, como complementação do meu trata-mento, nem radioterapia.

entretanto, pesando os riscos dessa decisão, dr. Ni-valdo achava por bem que seria interessante ouvir outra opinião médica, mais experiente, no caso o do dr. Paulo Hoff, oncologista do hospital sírio-Libanês, e seu mestre.

No dia 19 de abril estive em são Paulo, com dr. Paulo Hoff, maior expressão da oncologia brasileira, inclusive, médico do vice-Presidente da república, José alencar. Fez uma análise de todos os exames que levei de sergipe, dizendo que a princípio concordava com o diagnóstico do dr. Nivaldo vieira, de que não precisaria de qui-mioterapia, mas, necessário seria fazer uma tomografia computadorizada, no próprio Sírio-Libanês, para fixar seu diagnóstico.

No dia seguinte, pela manhã, acompanhado de minha irmã sônia, compareci ao hospital para fazer a tomogra-fia. Dr. Paulo Hoff recebeu o resultado e confirmou que não havia necessidade de quimioterapia, pois não havia sinal de metástase. eu deveria ter o acompanhamento de dr. Nivaldo, em sergipe, fazendo a cada 03 meses um exame de sangue denominado Cea - antigeno Carcinoembriogênico, e, a cada 06 meses uma nova

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tomografia do abdômen. Isto deveria ocorrer durante os próximos 05 anos. estou fazendo esse acompanha-mento, e, graças a deus, está tudo bem. infelizmente, me tornei diabético. recebi tratamento no hospital da dra. adriana Prata, como endocrinologista, e quando saí do hospital ela se tornou minha medica particular. entretanto, ainda no hospital, num domingo, estava lendo o nosso Jornal da Cidade, e no Caderno de saú-de, havia um artigo escrito por um endocrinologista de são Paulo, coordenador do Centro de diabetes da Faculdade Paulista de Medicina, da universidade Fe-deral de são Paulo, sobre Neuropatia diabética, dr. Clemente rollim.

o artigo me interessou, eu tinha todos os sintomas descritos pelo médico paulista: parestesia nos dedos das mãos e dos pés – queimação, dormência, falta de sensibilidade, as vezes dor, e falta de firmeza nesses dedos. Pedi à dra. adriana Prata que solicitasse um exame para saber se eu estava com neuropatia diabética; falei com ela sobre o artigo que havia lido no jornal, e ela solicitou esse exame.

em aracaju, só existem dois aparelhos para fazer esse exame; um na Fundação são Lucas e outro no Consultório do dr. eduardo Luis de aquino Neves, que fica no Centro Médico Professor José Augusto Barreto. Tanto em um como no outro era necessário esperar 60 dias para fazer esse exame, mesmo Particular.

Como somos pequenos nessa área. optei pelo dr. eduardo. ele constatou, em minucioso exame, que eu

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era portador de polineuropatia sensitivo-motora crô-nica, com acometimento de fibras do sistema nervoso autônomo. em síntese, eu tinha neuropatia diabética. interessante é que eu tinha esses sintomas há muitos anos, e já havia procurado alguns médicos que disserem que esse era um problema de coluna; fiz fisioterapia, e nada de desaparecerem os sintomas.

Às vezes, acordava de madrugada com muita câimbras nos pés, outras vezes, nas pernas, e dores que eu chegava a gritar. Nessas horas, eu procurava tomar um banho quente; era a única forma que encontrava de passar a câimbra e as dores.

Procurei outros médicos, inclusive, com doutorado em neurologia, tomei uma série de remédios, todavia, os mesmos sintomas continuavam. Por isso, o meu inte-resse em saber se aquele era um problema que, embora atacasse os nervos, portanto neurológico, tinha origem na diabetes, sendo sua causa.

Para retornar à dra. adriana Prata, mesmo em consul-ta particular, ou seja, pagando a consulta, a fila de espera era de 60 dias. Diante disso, Dani, minha eficiente Se-cretária há mais de 10 anos, procurou saber na internet quem era aquele médico, que havia escrito um artigo sobre neuropatia diabética, conseguindo seus dados, inclusive telefone do seu consultório e até seu próprio celular. Como só ligava pela manhã, e o consultório não funcionava nesse horário, o que eu não sabia, tentei o celular, e fui atendido pelo próprio médico, no caso o dr. Clemente rolim.

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disse da minha situação, falei sobre o câncer, das dificuldades em Sergipe de marcar uma consulta com minha endocrinologista e outras coisa correlatas. era um dia de quinta feira. depois de toda a nossa conversa, ele disse que entrasse em contato com sua secretária para confirmar uma consulta, que de pronto ficou marcada para próxima segunda-feira.

Novamente viajei a são Paulo para minha consulta com dr. Clemente rolim, com hora marcada para as 17 horas. Na hora indicada, a sua secretaria me encami-nhou á sala de espera, e qual não foi a minha surpresa, ser recebido pessoalmente pelo dr. Clemente rolim, que abriu a porta do seu gabinete, e de forma educada, simpática e agradável, me cumprimentou, fazendo-me adentrar ao recinto. durante mais de uma hora e meia, fui clinicamente examinado de forma minuciosa. Leu o relatório que eu havia levado de aracaju, e achou o exame bem feito, tecendo elogios à conclusão. eu tinha mesmo neuropatia diabética. disse-me que essa é uma séria e silenciosa doença ainda pouco conhecida das pessoas, inclusive do mundo médico.

informou-me que essa doença pode afetar os mem-bros inferiores e superiores, e há casos em que pode levar o doente a ter seus membros amputados, se não houver um tratamento adequado. Lembrei-me de um amigo querido que mora na mesma rua que eu, o dr. Walmir Teles do Nascimento, Juiz de direito, grande magistrado, que teve que ser aposentado por invalidez; ficou cego de um olho, com dificuldades em outro,

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amputou dedos dos pés, e, sua doença não tenho dú-vida, é neuropatia diabética.

Depois que fiz minha primeira consulta com Dr. Cle-mente rollim, fui visitar o dr. Walmir, e levei uma caixa vazia do Thioctacid 600 Hr, que estava tomando para que ele consultasse o seu médico.

Dr. Clemente Rolim disse-me que eu ficaria curado, e que a melhora só se faria sentida depois de uns quatro meses do início do tratamento. o remédio que ia passar tinha origem na alemanha, mas que há poucos meses estava sendo fabricado no Brasil. Tratava-se do “ácido tiócito”de 600mg. seu nome comercial é Thioctacid 6oo Hr. esse remédio é tomado em jejum, no mínimo meia hora antes do café da manhã, com muita água, não pode ser tomado com leite, porque o cálcio anula seu efeito.

Passados um pouco mais de três meses do seu uso já comecei a sentir uma grande melhora. além dele, tomo pela manhã Prandin de 0,5 mg, faço controle da glicemia em jejum e duas horas depois das refeições, de forma alternada, repetindo a dose no almoço e no jantar, quando nesse último é acrescido o Glifage rX 500, e um remédio para colesterol, Crestor. dr. Cle-mente rolim acompanha meu tratamento pela internet, pois lhe forneço dados da minha glicemia, retornando ao seu consultório a cada três meses para revisão, oportunidade em que tenho feito diversos exames no Laboratório Fleury.

Como seria bom, se todos os médicos pudessem dar essa assistência aos seus pacientes...

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Na última consulta que tive com ele, antes de viajar para a europa, no mês de setembro desse ano, tivemos uma conversa sobre o uso de aspirina (aas - acido acetil salicílico), para evitar trombose. disse-lhe que no aero-porto de aracaju havia me encontrado com o dr. Teles, que era um grande cirurgião do coração, ex-aluno do professor adib Jatene, e grande personalidade no meu estado, que sugeriu que eu tomasse aspirina, mas que deveria consultar meu endocrinologista.

Na área de cirurgia do coração, ele indicava sempre aos pacientes dele o uso de aspirina, contra possível trombose. dr. Clemente rolim, ponderou que a aspirina é uma “faca de dois gumes”, e que, no Brasil só havia com 100 ml, sendo essa uma dose alta para o meu caso. a aspirina pode oca-sionar hemorragia, daí o cuidado com ela. Como eu estava indo para a alemanha, indicou que eu procurasse ver se encontrava “asPiriN ProTeCT 50 mg”, ou aas 50 mg.

eliane, minha esposa, toma o aspirin de 100 mg que nosso amigo Heráclito rollemberg, sempre traz quando viaja à alemanha.

Não encontrei o aspirin protect de 50 mg, todavia, encontrei Herzass – ratiopharfm 50mg. É a ass de 50 mg, que passei a tomar.

a única diferença é que o primeiro tem o protect, uma substância que envolve a cápsula do remédio, evitando que esta se dissolva no estômago, e sim, no duodeno.

diante disso, estou tomando, para evitar trombose, o Herzass de 50mg, após o almoço, em dias alternados, conforme indicado pelo dr. Clemente rolim.

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interessante que esse remédio com 100 tabletes, custa 2 euros e 60 cents, em Berlim, na alemanha, que é me-nos de R$ 6,00, pelo câmbio, quando fiz sua aquisição. É assim o primeiro mundo. No Brasil, os remédios estão por preços absurdos. ressalte-se que esse tratamento da diabetes com o dr. Clemente rolim só se deu após a minha quinta cirurgia, quando já estava de alta dos problemas do câncer no intestino.

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Capítulo12

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esclareço, novamente, na oportunidade, que todos esses dados sobre as cinco cirurgias às quais me submeti, só foram possíveis, com essa riqueza de detalhes, graças a um diário feito por minha filha Cristiane, durante o período em que estive doente.

É dela o que escrevo em seguida. “No dia 25 de março, portanto, dois meses e vinte e quatro dias após o internamento para fazer a primeira cirurgia, meu pai acabou submetendo-se a mais uma cirurgia, por incrível que possa parecer...

ele estava em casa, passava bem, quando, de repente, passou a sentir muitas dores abdominais, mais locali-zadas no lado direito, na parte superior do abdômen, e os médicos vinham suspeitando de vesícula, diante da grande carga de antibióticos que ele havia ingerido

Capítulo XIII

A quinta cirurgia

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em mais de 60 dias, durante todo o tempo em que esteve internado no hospital.

Fomos fazer uma ultrassonografia pela manhã, com ele se arrastando para conseguir chegar ao Consultório do dr. Juvenal Torres. era visível que alguma coisa deveria mesmo estar errada, pois ele mal conseguia se manter em pé.

A médica que fez o ultrasom ficou um tempão exa-minando meu pai; ela já tinha feito diversos exames nele anteriormente, durante o período do seu internamento hospitalar. Não dizia uma palavra, e, ao final, disse que a vesícula estava muito cristalizada, profundamente com-prometida, e que ela lamentava muito isso...

Nossa, foi muito difícil ouvir que a quinta cirurgia es-tava sendo pensada. retornamos para o consultório do Dr. Juvenal, que confirmou a necessidade de se operar meu pai naquele mesmo dia, pelo estado avançado de comprometimento da vesícula dele. era caso de urgência...!

dr. Juvenal ligou para um colega médico para receber meu pai na urgência do são Lucas; era uma sexta feira, e não havia apartamento disponível. então, começamos novamente aquele ritual de se procurar apartamento para internação e de todos os protocolos para se efetivar a cirurgia, que ficou então marcada para o início da noite daquele mesmo dia.

Até lá, meu pai ficou em uma sala que ele já conhecia, onde o dr. edson Franco havia retirado a água dos seus pulmões. Foi o máximo que se pôde conseguir, para ele não ficar nos corredores. A culpa desse caos na saúde

Capítulo13

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não é dos hospitais, que fazem o máximo. a responsabi-lidade é da falta de uma reforma tributária no meu País, pois a carga tributária é injusta e escorchante. até sobre a folha de pagamento, que é salário, no Brasil se paga imposto. um absurdo. Mas essa é outra questão. deixo apenas o registro e protesto.

Graças a Deus, ao final da tarde, foi disponibilizado um apartamento para ele ficar.

Às 18:00h foi levado para a sala de cirurgia. o dr. Juvenal Torres disse que iria tentar fazer a cirurgia da vesícula por videolaparoscopia, sem precisar outra vez abrir meu pai, como nas cirurgias convencionais.

essa cirurgia não foi simples; só a fé do meu pai e a perícia do dr. Juvenal Torres, contribuíram para o sucesso dela, pois a debilidade física do paciente era muito grande.

antes da cirurgia, meu pai disse ao dr. Juvenal que ele tivesse fé, e se houvesse qualquer dificuldade no ato cirúrgico, que ele orasse para Nossa senhora de Fátima, que ela aguçaria sua inteligência e sua sensibilidade para que tudo desse certo.

dr. Juvenal, ao posicionar o vídeolaparoscópico e acender a lâmpada que iluminaria internamente a ca-vidade do abdômen, percebeu que não poderia fazer a cirurgia por esse método, pois os órgãos internos estavam com aderência, como se estivessem colados uns aos outros, não permitindo que se enxergasse a cavidade abdominal onde estava localizada a vesícula; portanto, a cirurgia não poderia ser feita por aquele método.

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o cirurgião achava que meu pai não suportaria mais uma cirurgia convencional, em que seria aberta, mais uma vez, a cavidade do abdômen. Contou, posteriormente, ao meu pai, que se lembrou da recomendação que ele havia feito, em relação a Nossa senhora de Fátima.

diante disso, ele fez uma prece, e qual não foi a sua surpresa, ao colocar a lâmpada do aparelho em cima de um dos órgãos, com muito cuidado para que esse não se rompesse, ele descolou, assim como os demais órgãos foram se descolando, em um trabalho que durou 40 minutos, até que a cirurgia da vesícula propriamente dita pudesse ser feita, para que a cavidade do abdômen aparecesse e a lâmpada do vídeo pudesse clarear a vesí-cula, e a cirurgia ser realizada por esse método.

a vesícula estava necrosada, podre, e pingava uma secreção purulenta em cima do fígado. Fazer essa cirurgia com o sucesso que ela foi é a mesma coisa que fazer um gol de desempate aos 45 minutos do segundo tempo de um jogo de futebol, antes de o Juiz dar o apito final de encerramento da partida, digo eu.

Passados alguns dias, evidente era a sua recuperação, com um novo antibiótico caríssimo que dra. Ângela silva prescreveu, e que o hospital adquiriu de pronto, autorizado pela unimed, que é seu plano de saúde: Zyvox (linezolida) 600 mg intravenosa.

dez dias depois dessa cirurgia de retirada da sua ve-sícula, ele recebeu alta dada pela dra. Ângela silva. ela, entretanto, prescreveu o Zyvox em comprimidos, para ele utilizar em casa, e que sem esse remédio, que não é

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vendido nas farmácias, ele não poderia ter alta. além de ser muito caro, na época, em torno de r$ 1.400,00 uma caixa com 10 comprimidos, só poderia ser adquirido das distribuidoras de remédios, através da rede hospitalar.

Mais um vez, a direção do hospital são Lucas foi compreensiva e adquiriu esse remédio, que nós paga-mos ao hospital, considerando que ele já estava de alta, e ninguém pode sair de um hospital levando remédios. registro na oportunidade, a grandeza do gesto do dr. Maurício Todt, administrador do hospital são Lucas, pela atenção, pois, só através do hospital, esse remédio poderia ser adquirido. o remédio foi comprado de um distribuidor de Maceió, em alagoas, que o remeteu para aracaju, por via aérea, sendo recebido no aeroporto. só depois disso é que foi possível meu pai receber alta médica e retornar para casa com “esse santo remédio” o Zyvox”.

retomo a palavra para dizer que, de lá para cá, tudo continua bem; não tenho tido nenhuma intercorrência, apenas, continuo colostomizado, ou seja, uso uma bolsa externa no abdômen, por onde o intestino, ao seu bel prazer, sem qualquer controle de minha parte, despeja as fezes.

No início, essa parte era feita pela enfermagem. eu pe-dia que ninguém estivesse presente, ficava constrangido; porém, com o tempo, fui me acostumando, e prestando atenção como a limpeza era feita. Hoje eu mesmo sou quem faz essa limpeza, em casa ou nos sanitários dos shoppings, quando estou a passeio.

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Carrego comigo, uma pequena garrafa pet de água mineral, para fazer a limpeza.

Normalmente, uso o sanitário dos cadeirantes, dos portadores de necessidades especiais, que tem uma es-trutura melhor do que a dos banheiros comuns, e porque tenho privacidade.

esse fato não impede que eu leve uma vida normal, apenas fico de olho na bolsa, porque, na maioria das vezes, ela fica inflada dos gazes que saem do intestino, parecendo uma bola de sopro, como daquelas que são utilizadas em festa de aniversário dos meus netos.

vou ao sanitário e faço o esvaziamento, sem qualquer problema.

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Capítulo13

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Capítulo XIV

A perda do meu pai

Chamava-se otacílio da Fonseca e minha mãe foi para ele tudo na vida. sua conselheira, amiga, companheira, grande esposa acima de tudo, assim como sua professora, pois o alfabetizou e o incentivou a estudar.

em Pedra Mole, onde nasceu e se casou, ele era um modesto agricultor e tinha uma pequena casa comercial, que, na época, era chamada de “venda” ou “Bodega”, onde se vendiam secos e molhados.

Minha mãe era professora e, nas horas vagas, ralava cocos para fazer cocada e vender na bodega de meu pai, para ajudar nas despesas da família que estava nascendo.

Como disse anteriormente, nasci em Pedra Mole, e lá residimos até que completei 1 ano de idade.

de lá minha mãe foi transferida por motivos de política local, para diversos municípios do estado, inclusive, para

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ribeirópolis, onde meu pai tinha uma “banca” na feira. vendia charque, também chamada de jabá, e bacalhau, que vinha da Noruega em barricas de madeira.

ao ser transferida para santa Luzia do itanhy, fui sozi-nho com minha mãe, para esta cidade. Meu pai ficou em Campo do Brito, para vender a casa onde morávamos e a sua banca de negócio na feira da Cidade, onde estávamos depois de ser transferida de ribeirópolis.

Foi mais uma das perseguições políticas que sofremos, porque minha mãe tinha sido diretora do Grupo esco-lar e era amiga dos “Cearás” de ribeirópolis, que era do Psd – Partido social democrático, antagonista de udN – união democrática Nacional, o primeiro liderado em sergipe pelo senador Leite Neto, e o segundo por Lean-dro Maciel, que tinha sido eleito Governador do estado entre 1955 a 1959.

santa Luzia do itanhy foi a melhor terra para minha família. os chefes políticos da cidade eram da udN, e Geni Barbosa da silveira Lima, esposa de adelson silveira Lima, este um dos donos da usina Cedro, com os seus irmãos, se tornaram nossos maiores protetores.

Minha mãe, espírito nato de liderança, passou a cantar no coro da igreja, a fazer campanha de merenda escolar para os alunos do grupo Comendador Calazans, adquirin-do com os comerciantes da feira, realizada aos domingos, doações de legumes a carne, para fazer um grande sopão no grupo escolar. Por isso, fervilhava de meninos para se matricular no grupo, para poderem comer um prato de sopa… esse ainda é o meu país; é só ver o bolsa família.

Capítulo14

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Com isso, o número de matrículas cresceu muito, e esse fato chegou ao conhecimento de d. Geni, que procurou conhecer a nova professora, tornando-se, com o tempo, sua grande amiga, talvez, uma das maiores que minha mãe e meu pai tiveram na vida. Meus pais cultuam ainda hoje a memória desses bons amigos, já falecidos, mantendo com sua filha Ivanise, que tenho como se fosse minha irmã, um bom relacionamento, e os filhos desta, chamam minha mãe carinhosamente de “vovó eunice”.

essa família tornou-se protetora dos meus pais.o Governador Leandro Maciel chegou a transferir

minha mãe de santa Luzia para outra cidade, sem o co-nhecimento do pessoal da usina Cedro. d. eunice foi se despedir de d. Geny, montou no cavalo “sereno”, enorme, que tomou emprestado a Zé Correia, exator da Cidade, vestiu calça de homem, e uma saia por cima e foi sozinha, comunicar sua transferência para os “cafundós do Judas”, se não me falha a memória era para um povoado chamado Candeias ou Canindé do são Francisco. Quando d. Geny viu o decreto de transferência, ficou indignada e disse: Dr. Leandro não podia fazer isso comigo e com adelson.

Na oportunidade, d. Geny mandou chamar o mari-do, que se encontrava trabalhando na usina, e mostrou a este o decreto, perguntando se tinha conhecimento daquilo.

Pediu que o marido, no dia seguinte, viesse ao Palácio, em aracaju, exigir que aquela transferência fosse tornada

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sem efeito, e que minha mãe fosse nomeada diretora do Grupo escolar, sob pena de rompimento político. adel-son tinha uma verdadeira adoração por sua mulher, e de pronto lhe disse: amanhã pegarei o jipe e vou a palácio.

Adelson Silveira, como usineiro, era um dos finan-ciadores das campanhas políticas da udN e se sentiu desprestigiado pela atitude do Governador.

ao chegar ao Palácio e se fazer anunciar, o Gover-nador Leandro Maciel demonstrou contentamento e o convidou para almoçar, ao que ele respondeu que Geny estava muito aborrecida com ele, e lhe exibiu o decreto de exoneração, dizendo-lhe que este precisava ser anulado.

Leandro Maciel ponderou que minha mãe tinha liga-ções com os “Cearás” e que ele estava pedindo muito, ao que adelson respondeu: eu não tenho nada com isso. em santa Luzia, ela não nos faz qualquer oposição; ao contrário, se tornou muito amiga de Geny.

então, o recado de Geny para você é que não tem mais almoço naquela mesa enorme na usina Cedro e que, ou você atende o pedido dela, ou nós estaremos politicamen-te rompidos, e na próxima eleição não participarei dela.

Leandro Maciel mandou chamar o dr. João Marques Guimarães, que era Promotor de Justiça, mas que servia a todos os governos como chefe de gabinete, dizendo-lhe que fizesse um novo decreto, tornando sem efeito a transferência da professora eunice Fonseca, pois não ia perder a amizade de Geny e de adelson, nem o apoio político, e nem a comida saborosa do Cedro...

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depois disso, veio o segundo pedido de adelson. a nomeação da professora eunice Fonseca para diretora do Grupo escolar.

o que também foi atendido, e o almoço foi uma festa. Todos felizes.

dr. Leandro Maciel tornou-se amigo de minha família e, muitas vezes, quando vinha ou ia para sua “Fazenda sete Brejos”, em indiaroba, tomava o café da manhã ou da noite na casa dos meus pais.

essa amizade tem mais de 50 anos, perdurou sempre, sem que minha família deixasse de manter a amizade que tinha com os “Cearás”, sendo, inclusive, comadre do deputado estadual Baltazar santos, o chefe da família, madrinha de uma sua filha, Auxiliadora, que chegou a ser deputada estadual junto com seu irmão Baltazarino.

ainda hoje, mantemos amizade com os descendentes dessa família, sendo um deles o Promotor Público, José Gilson dos santos, o Juiz aposentado José rivaldo dos santos, e a desembargadora aparecida Gama.

dona Geni, que considerava minha família como se sua família fosse, dizia a todos que minha mãe era muito mais do que uma irmã. e chamava meu pai carinhosa-mente de “souza”, por uma história que esse tinha lhe contado envolvendo o nome desse personagem.

Meu pai descascava laranja de umbigo, que ela gostava demais, tirava a pele, e só aí as entregava num prato para serem saboreadas.

Nesse momento ela dizia: ah! souza como são boas essas laranjas. e perguntava de onde eram. Meu pai

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mandava comprar em arauá, porque, àquela altura, ela já era sua comadre.

Foi d. Geny quem conseguiu a nomeação do meu pai como Tabelião do Cartório de registro de imóveis de santa Luzia do itanhy. o titular já tinha mais de 70 anos, ia se aposentar compulsoriamente, e ela então viu a oportunidade de meu pai ter um emprego público, no qual foi aposentado também compulsoriamente, com proventos compatíveis, para nunca precisar financeira-mente de nenhum dos seus filhos.

ao contrário, muitas vezes, minha mãe, autorizada por ele, quando íamos fazer qualquer viagem para fora do Brasil, mandava o famoso “envelopinho” com dinheiro, para que nós pudéssemos comprar alguns dólares.

Graças a minha mãe, meu pai concluiu o curso médio, tendo exercido o cargo de tabelião da Cidade de santa Luzia do itanhy, aposentando-se como servidor do Tri-bunal de Justiça de sergipe, e faleceu quase aos 90 anos de idade, no dia 22 de julho de 2010.

era noite e eu tinha acabado de chegar de uma via-gem a são Paulo. retornava do médico, onde fui fazer alguns exames, depois que fui operado do câncer. estava no meio da madrugada, quando recebi um telefonema, avisando que meu pai acabava de falecer.

ele sofreu muito, passou mais de três anos numa cama, depois de ter um derrame cerebral. era cuidado com muito carinho e zelo por minha mãe, mesmo tendo ela 87 anos de idade, por minha tia Lia, com mais de 70 anos, e pela prima Miriam, que passou a morar na casa dos

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meus pais, desde o falecimento de sua mãe, a bondosa tia Lindaura. ela morava em Campo do Brito e, quando viva, rezava para mim o responsório de santo antonio, toda vez que eu estava em dificuldades e pedia a ela que solicitasse as bênçãos dos céus. ela era devota de santo antônio e frequentava a igreja de Campo de Brito, onde morava com sua filha Miriam, que ali tinha sido profes-sora, e onde se aposentou. era amiga do Padre raul, que tinha como filho, e de tantos outros, como Padre Gilson, que, quando estava na cidade, ia provar sua boa comida no almoço, ou a boa sobremesa que fazia.

uma boa alma, dividia o pouco que tinha com os que tinham menos do que ela. Não deixava sem almoço as pessoas pobres. ela mesma levava ao meio dia o prato já feito. Que deus a tenha...

voltando ao falecimento do meu pai, eu perguntei a mim mesmo o que dizer à minha mãe como consolo. ela acabava de perder o companheiro com quem estava casada há mais de 66 anos, e que tinha vivido todo esse tempo em função dele.

deus é bom; ele fala conosco através de ideias que chegam às nossas cabeças. Lembrei-me de uma passagem de um Livro de viktor e. Frankl, em “ em Busca de sentido”. ele era médico, foi professor de Neurologia e Psiquiatria na universidade de viena e também professor de Logoterapia na universidade da California.

Criador da chamada “terceira escola vienense de psicoterapia” (as duas primeiras são a da psicanálise de Freud e a da Psicologia individual de adler).

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um homem notável. ele era judeu austríaco e, por isso, foi preso em viena pelo Nazismo, em 1939, duran-te a segunda guerra mundial. Ficou preso em campos de concentração, como auschwitz, na Polônia, que nos faz lembrar horripilantes câmaras de gás, fornos crematórios e execuções em massa. Por mais de cinco anos fez trabalhos forçados, cavando buracos na terra, em pleno inverno, com a terra congelada, muitos graus abaixo de zero. seu livro é sobre esse período em que esteve preso, sua experiência adquirida nesses campos, e sua clínica depois da guerra. o caso que vou contar serviu-me de tema para consolar minha mãe.

era preciso, naquele momento, “converter nosso sofrimento numa conquista humana”, ensinava o te-rapeuta de viena. dizia ele “ quando já não somos ca-pazes de mudar uma situação - podemos pensar numa doença incurável, como um câncer que não se pode mais operar, somos desafiados a mudar a nós próprios. Quero citar um exemplo bem claro.

“Certa vez, um clínico geral de mais idade veio con-sultar-me por causa de uma depressão muito profunda. ele não conseguia superar a perda de sua mulher, que falecera fazia dois anos e a qual ele amara acima de tudo. Bem, como poderia eu ajudá-lo ?”

está na página 137, da 28 edição, de 2009: “Que poderia lhe dizer ? abstive-me de lhe dizer qualquer coisa e, ao invés, confrontei-o com a pergunta: “Que teria acontecido, doutor, se o senhor tivesse falecido primeiro e sua esposa tivesse que lhe sobreviver? “ah,

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disse ele, “isso teria sido terrível para ela; ela teria sofrido muito!” ao que retruquei: “ veja bem, doutor, ela foi poupada desse sofrimento e foi o senhor que a poupou dele, mas agora o senhor precisa pagar por isso, sobre-vivendo a ela e chorando sua morte”.

e continua o dr. victor Frankl, ‘’ele não disse uma palavra, apertou minha mão e calmamente deixou meu consultório”. e acrescenta, “sofrimento, de certo modo, deixa de ser sofrimento, no instante em que encontra um sentido, como o sentido de um sacrifício.”

e, continuando nos ensina: “o ser humano precisa sempre encontrar um sentido, até para o sofrimento. ‘essa é a razão por que o ser humano está pronto até a sofrer, sob a condição, é claro, de que seu sofrimento tenha um sentido.”

voltando à minha mãe, quando meu pai faleceu, eu a encontrei desesperada. ela estava em seu quarto, em casa, onde meu pai jazia inerte, e, ao beijar sua testa fria, experimentei e senti a mesma sensação que já conhecia quando beijei meu filho Ítalo, como se encontrava antes do seu sepultamento. apliquei com minha mãe aquela técnica.

abracei-a e disse-lhe: chore, minha mãe, chore a sua dor, a sua perda irreparável, chore pelo homem bom que foi meu pai. Chore todas as suas lágrimas, elas são merecidas... e, em seguida, lhe perguntei: imagine mi-nha mãe se eu aqui chegasse, e o quadro fosse outro; a senhora morta, deitada nessa cama, e o meu pai a olhar de longe, paralítico sem poder fazer nada. o que seria

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dele, e de nós, seus filhos? Como cuidar dele, Sônia morando em são Paulo, e eu enfrentando o câncer e estando colostomizado?

veja, minha mãe, como deus é bom. Meu pai foi pou-pado desse sofrimento de vê-la morta, e ele sem poder cuidar de si mesmo e da senhora. agora a senhora tem que se sacrificar por nós, por mim e por Sônia, sobrevi-vendo ao meu pai, pois nós precisamos muito da senhora.

sua vida tem sido sempre de sacrifício, inicialmente por seus irmãos, a maioria deles moraram em sua casa, ou foram pela senhora educados. depois, a senhora se sacrificou por mim, e por Sônia para que nós pudés-semos estudar nos melhores colégios de nossa época. seu salário sempre foi para nos educar e nos vestir. o seu ganho como professora era insuficiente, e a senhora costurava vestidos, camisas, “batendo num pedal de maquina” após o expediente do Grupo escolar até altas horas da noite, para que não nos faltasse nada.

aceite mais uma vez esse novo sacrifício, por todos nós. ela ouvia tudo isso calada, o choro foi diminuindo aos poucos, até que se calou e deu a volta por cima. das cinzas, como uma Fênix, renascia a velha matriarca; deixou o recinto do quarto, e, segundos depois, eu a ouvia dando os comandos pelo telefone, acertando com a osaf o sepultamento do meu pai. uma hora depois chegaram os funcionários, que vestiram meu pai comigo e com ela, dei o último nó na sua gravata, e ele foi vestido com o seu melhor terno. ela comandou tudo, chorava e soluçava de vez em quando, depois se recompunha.

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deu-me café, com os cuidados de sempre, dizendo que eu precisava me alimentar, em face de minha saúde, e, em seguida, acompanhamos o corpo do meu pai até onde ele foi velado. Nenhuma despesa a pagar por nós. ela já tinha providenciado tudo com antecedência, fazendo um Plano na empresa osaf, que cuidou do sepultamento em todos os detalhes. Minha irmã sônia só chegou bem próximo do sepultamento, por questões de passagem de avião, e, ao ver meu pai no caixão, ela que era sua filha preferida, e eu sabia disso, e isso nunca me incomodou, começou a chorar, sendo abraçada e consolada por nossa mãe. a guerreira, a velha matriarca, tinha sobrevivido e continuava no comando, sendo obedecida por todos nós. estava, mais uma vez, dando a volta por cima.

Meu pai foi sepultado no Jazigo por ele adquirido para a família no Cemitério da Cruz vermelha, onde tem esculpido no granito a seguinte frase: “Nossa Casa” Jazigo Perpetuo de propriedade de otacílio Fonseca e Família.” La já sepultei meu filho Ítalo, e agora sepultei meu pai. essas são dores, porém, a maior de todas é sepultar um jovem filho. Morreu com ele parte de mim, que venho tentando ressuscitar, por Eliane, pelos filhos, por minha irmã, por minha mãe e por mim mesmo, pois a vida continua e nós somos propósito da própria vida.

Quanto a minha irmã sônia Fonseca, ela é graduada em economia e em administração, sendo fundadora da Faculdade são Luís de França, em aracaju, e da Facul-dade Campos elíseos, em são Paulo. ao sair de sergipe por problemas de saúde, foi para são Paulo onde fez

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mestrado em orçamento público, na FGv, e, posterior-mente, fez doutorado na PuC/sP, e na universidade de Lisboa, em Portugal.

No seu doutorado, recebeu da Banca examinadora a nota máxima, quando defendeu a sua Tese sobre edu-cação: 10, com louvor.

Atualmente, minha irmã, que amo como minha filha mais velha, é professora doutora da Pontifícia univer-sidade Católica de são Paulo – PuC. Tenho profundo orgulho de ser seu irmão.

acho que nossa mãe, com 87 anos de idade, mas que continua sendo a nossa matriarca, deve dizer a si mesmo: “Eduquei bem. Venci o bom combate. Criei filhos e os dei ao mundo e deles me orgulho, como qualquer pai ou mãe deveria se orgulhar dos seus filhos”.

essa irmã nunca deixou de me estender a mão em todos os momentos de minha vida e sempre com gran-de generosidade. desde o mais doloroso deles, quando perdi meu filho Ítalo, como quando introduziu os meus filhos na Faculdade São Luís de França, tornando-os gratuitamente seus sócios.

e, por último, durante o meu calvário, quando o câncer de intestino me acometeu, ela deixou tudo em são Paulo e veio ficar em Aracaju junto comigo, sofrendo a minha dor, com minha mãe, com Eliane, com meus filhos e meus amigos.

agora, a única coisa que me faltava fazer na vida era escrever um livro, pois eu já tive filhos, netos, plantei árvores no sítio, amei e amo profundamente a todos eles, e, por isso, sou feliz.

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o objetivo deste livro é trazer esperança para as pes-soas que por ventura venham a passar pelo sofrimento que já passei, dizendo-lhes que não percam a esperança jamais, tenham fé, pois tudo na vida passa.

os capítulos retrataram esse calvário, a luta de minha família, dos amigos, dos médicos que cuidaram de mim, das pessoas que oraram a Deus, enfim de todos aqueles que me ajudaram a dar a voLTa Por CiMa.

Para que eu pudesse estar aqui escrevendo esse texto, minha gratidão a uma grande mulher, Eliane, companheira dessa viagem de longo curso, que tem sido minha vida...

Finalmente, minha profunda gratidão ao Criador do universo e a Nossa senhora de Fátima, minha protetora...

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aprendi a conviver com a CoLosToMia e me tornei especialista em fazer a sua limpeza durante várias vezes ao dia.

E voltando a Cristiane, essa filha amada que é a pri-meira dos meus quatro filhos e dona de uma sensibilidade à flor da pele. No dia dos pais, (08 de agosto de 2010), conforme já dito anteriormente, ela me escreveu um belo cartão, que finaliza dizendo: “Portanto, querido pai, você tem uma missão com você próprio em primeiro lugar.Viva melhor, se chateie menos, se aborreça menos ainda, dê mais risada e faça as pessoas que estão à sua volta felizes também. Você tem a obrigação de ser feliz. Com amor, Cristiane, 08/08/2010”. É isso aí, como dizem os jovens, estou procurando seguir essa orientação sábia dessa filha...

Tudo quanto Cristiane escreveu para mim está sendo

Capítulo XV

Um novo recomeço

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uma lição de vida, um novo aprendizado. Nunca se sabe tudo, temos sempre, diariamente, a cada minuto, algo mais a aprender. os pais precisam entender que não são somente eles que têm algo para ensinar aos filhos, simplesmente por terem mais experiências. Os filhos têm também muito a nos ensinar. Precisamos apenas estar atentos ao que eles nos ensinam.

Tenho tomado muitas lições de Cristiane. Foi ela, por exemplo, que me motivou a escrever este livro, fato consolidado em Lisboa, onde estive esse ano durante oito dias, no mês de setembro.

eu estava para ir à cidade de Fátima agradecer tudo quanto tenho recebido da vida, mormente essa última graça, superar o câncer pela fé...

em Lisboa, tomei conhecimento pela Televisão, ou-vindo o canal da rTP, do lançamento de um livro que, em poucos dias, já se encontrava em sua 2ª edição; ha-via sido escrito por um comediante português famoso, chamado aNTÓNio Feio, com assento agudo, e não circunflexo, como nós usamos.

É isso mesmo, Feio em Portugal é sobrenome. o livro tem como título o sugestivo nome: “aProveiTeM a vida” . seu autor diz na capa do livro o seguinte: “Não deixem nada por fazer, nem nada por dizer.” Lamenta-velmente, ele tinha câncer de pâncreas e não resistiu a essa voraz doença. Morreu em Lisboa no dia 29 de julho de 2010, aos 56 anos de idade, depois de ter travado uma longa luta contra o cancro, que é assim que os nossos patrícios portugueses chamam o câncer.

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em Portugal, antónio Feio, além de teatro, fez tele-visão e cinema. Li o seu Livro e nele também encontrei coragem para escrever meu primeiro livro, este contan-do a minha história, minha luta para superar o câncer e continuar vivendo normalmente, inclusive, com melhor qualidade de vida.

ele nos disse que, se pudesse voltar atrás, tentaria usufruir mais dos amigos, passaria mais tempo com os filhos,realizaria os seus sonhos de infância: ser músico,ter uma moto,ter um estúdio fotográfico, ter um carro Pors-che. e realizaria seus sonhos de adulto, à exemplo de ter filhos, ser avô, fazer espetáculos de sucesso e viajar.

Fala de seus amores não correspondidos, da doença, enfim, do que viveu e sofreu. Um livro profundamente humano e interessante de ser lido. Bom é o livro que nos ensina algo, a exemplo do que ele disse: “aprovei-tem a vida”.

esse livro que estou escrevendo é a página de um novo aprendizado,onde falo sobre cicatrizes fechadas, lembranças, memórias, auto-ajuda, coisas curadas através do tempo, através do “conhecendo a si mesmo”, lendo Gurdjieef, sua santidade o dalai-Lama, M. J.rayan, no Poder da Gratidão.

aprendendo a reconhecer e a celebrar o que há de bom na vida, as lições de viktor Frankl, as iniciações de Gélio albuquerque,os Grupos de Terapia com que con-vivi durante tantos anos, com a dra. Leda delmondes, em suas sessões de terapia, e com o nosso Chico Barreto, quando perdi meu filho Ítalo.

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Com meus pais, minha irmã, minha mulher eliane, com Heráclito, com Cícero veiga, que esconde sob aquela “capa fechada” a existência de um homem bom, que só se descobre com a convivência do dia-a-dia.

Com meu Grupo de amigos da Procuradoria Geral do estado, nos almoços das quintas feiras, que já dura quase 20 anos - aerton Menezes silva, José Garcez vieira Fi-lho, alcides vasconcelos, e o mais novo do grupo, said shoucair, este último meu ex-aluno no curso de direito. Com a paciência e a lealdade de dani, minha secretária há mais de 10 anos, e com tantos outros que a memória nesse momento em que escrevo, peca por não recordar.

a esses anônimos que continuam dormindo dentro de minha alma, pelas lições que me deram para que eu pudesse me tornar o que sou, a minha gratidão.

este livro tem as nuances das coisas da vida, do nada a reclamar do que não foi vivido e da realização dos meus sonhos.escrever este livro é um deles.

Para tanto, comprei num sábado (23/10/10) um No-tebook, adquiri um Modem para ter acesso à internet, deixando de ser um analfabeto digital, como era até começar escrever este livro.

eliane comprou um pequeno caderno onde anotei minhas primeiras aulas de informática que me foram ministradas por meu genro Jorginho, que é também, por adoção afetiva, um filho do coração.

ele é o marido de Cristiane. eu sempre tive na minha secretária daNi, meu braço direito nessa área de infor-mática, sempre ditei minhas petições no escritório de

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advocacia, e os recursos nos Tribunais pelas suas mãos, não me interessando por essas coisas de internet. Fiquei viciado em ter quem operasse o computador para mim.

Meu amigo fraterno, Heráclito rollemberg, que tem um pouco mais do que a minha idade, navega na inter-net e me desafiava sempre a fazer a mesma coisa, me dizia que eu não precisava de ninguém para fazer isso e que esse é um novo e fascinante mundo.

aqui, pois, estou; já não mais sou analfabeto digital, estou tendo essa acessibilidade aos 64 anos de idade. durmo sempre cedo; depois do Jornal Nacional, já estou me recolhendo ao meu quarto.

durmo normalmente até às quatro e meia da manhã, quando levanto e vou para o computador, onde digito o que o coração vem mandando até a hora do café da manhã, quando Cristiane aparece com Jorginho, para irmos andar no calçadão da Praia 13 de Julho. uma beleza... o vento, o sol da manhã a banhar o nosso cor-po com sua vitamina única, e os amigos que encontro para saldar nessa caminhada diária. retorno para casa renovado e vou direto namorar com o computador, isto é, escrever.

agora, não quero mais trabalhar pela manhã; tenho direito a esse aprazível ócio. outras vezes vou ao sítio são Francisco de assis, bater papo com meu amigo atomir, o caseiro. Já trabalha conosco há mais de 20 anos, desde que seus três filhos eram pequenos.

Hoje já são homens, jovens bons, bem educados por ele e por d. Maria, e trabalham na nossa querida

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Faculdade são Luís de França. dizem que empregado não gosta de patrão. Não é verdade. Quando Ítalo mor-reu, Atomir ficou doente. Tinha visto os meus filhos crescerem, chorava pelos cantos e junto comigo... ele e sua mulher, d. Maria, que é a rezadeira da região. são pessoas muito queridas de toda nossa família.

a casa do sítio está sempre limpa e bem cuidada, e a piscina, impecável. Faz gosto ver sua água. atomir é muito calado, fala pouco, e essa forma de cuidar do nosso sitio é a maneira que ele encontrou para dizer silenciosamente como gosta de todos nós.

Nesse meu recomeço, quero viajar, expressar meu amor pelas pessoas da família, pelos amigos, e tentar mostrar com atitudes que é preciso viver. a vida por si só é uma dádiva, um presente, uma graça. Nosso Planeta é lindo, em que parte do universo tem rios, mares, peixes, animais os mais variados, plantas, flores e pessoas para amar e serem amadas.

só na terra e nós, os humanos, não vemos isso. es-tamos, ao contrário, destruindo o planeta, pesteando os rios, pescando de forma predatória, acabando com as espécies que vivem nos mares, nos rios e em todos os lugares onde pomos as mãos, sem saber que o homem é parte de ecossistema que destruído, pode também destruir a si mesmo e às outras espécies, pois,todos dependem de todos, é uma grande cadeia a nos envol-ver, e nós perdemos essa consciência tão importante.

Nessa nova caminhada quero ver o mundo como ele é, ver o rio Tejo, andar por suas margens de mãos dadas

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com eliane (como fazíamos quando éramos namorados), sentir o cair da tarde, acompanhar os voos rasantes das Gaivotas, lembrar da leitura de Fernão Capelo Gaivota, ver o mundo com outros olhos... com a alma.

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depois de 7 horas de voo, num enorme avião da TaP, na Classe executiva, saindo de recife no dia 27 de setembro de 2010, finalmente chegamos a Lisboa às 09:00h da manhã do dia seguinte.

estou dizendo que viajamos na Classe executiva, não por vaidade, e sim, por segurança no plano de minha saúde, comodidade e conforto.

Já viajei tantas vezes na classe turística, que perdi a conta; achava um absurdo pagar quase quatro vezes mais pelo valor da passagem na Classe executiva. inclusive dizia que esta era o hotel 5 estrelas mais caro do mundo.

Com essa doença que eu tive, fiquei mais seletivo, mais cuidadoso, valorizando mais a vida. Fiquei sabendo de casos de pessoas que tiveram trombose, viajando de

Capítulo XVIPortugal - A melhor das

viagens após meu calvário

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avião, incomodadas pelas poltronas apertadas e sem espaço da classe turística.

alguns que chegaram a morrer em pleno voo,como foi o caso de d. Hildete Falcão Baptista,esposa do ex-governador Lourival Baptista. Como tenho 64 anos, e tive trombose no intestino,o que me levou a fazer a segunda cirurgia, fiquei com medo de viajar em poltrona apertada e sem espaço. ademais, já trabalhei muito e, por isso, faço jus a viajar em Classe executiva.

Por outro lado, como já disse anteriormente, sou co-lostomizado, uso, portanto, uma bolsa plástica colada no abdômen por onde atendo as necessidades fisiológicas e preciso fazer a limpeza desta bolsa toda vez que se faz necessário.seria um desconforto fazê-lo em um banheiro apertado e de uso de muitas pessoas, como é o caso dos banheiros da classe turística.

Na classe executiva, são menos pessoas utilizando o banheiro, e este é mais espaçoso e confortável. optar pela classe executiva, no meu estado físico, era mais uma questão de necessidade.

a classe executiva é boa demais! as poltronas bem largas e de couro macio ocasionam um conforto muito grande para quem vai ficar horas na mesma posição. Além do mais, o serviço de bordo é extraordinário.

Atravessamos o Atlântico bebendo um finíssimo vinho português que nos era servido à vontade. os ca-napés eram deliciosos. Finalmente, veio o jantar: pratos de porcelana, talheres finos, e um cardápio para que você pudesse escolher uma das três opções entre peixe,

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carne ou frango, elaborados pelo Chef de Cozinha vitor sobral .

“vítor sobral é um chef de cozinha português. Co-nhecido pela sua inimitável habilidade para modernizar os pratos mais tradicionais da cozinha portuguesa, não perdeu a ligação aos produtos, temperos e sabores tipi-camente lusitanos”. eu optei por comer um bacalhau. ah! como estava bom! e o vinho tinto, divino!

adormeci nos vapores de Baco, deus do vinho, e fui acordado, já na manhã do dia seguinte, 28 de setembro, pela aeromoça, que nos informava que estávamos a uma hora de Portugal e que nos preparássemos para tomar o café da manhã, que seria servido em seguida.

após uma rápida higienização, o café, e que café! Todos os pães saborosos, queijos dos mais diversos, e aquele que é meu preferido em Portugal, o queijo da serra estrela. Cremoso que só ele...

Às nove horas da manhã, fizemos o “aterramento” como chamam os portugueses a nossa aterrissagem, e o avião pousou no aeroporto de Lisboa.

Chegando a LisboaA capital de Portugal fica no estuário do Rio Tejo,

tem em torno de 550 mil habitantes, mais ou menos do tamanho de aracaju, mas a “Grande Lisboa” tem mais de 2 milhões de habitantes.

Parece muito com nossa salvador, na Bahia. destruí-da pelo terremoto de 1775, o centro da cidade, a Baixa, é quase todo do século Xviii, com ruas totalmente

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planejadas pelo Marquês de Pombal, Ministro do rei d. José i.

dizem que o Marquês de Pombal, após o terremoto, reagiu de maneira prática: “Cuidar dos vivos e sepultar os mortos.” Há registros de que morreram em torno de 15.000 pessoas. este fato aconteceu no dia primeiro de novembro de 1775. incêndios e grandes ondas vindo do rio Tejo, provocadas por um maremoto, inundaram a parte baixa da cidade. o Terreiro do Paço, hoje denomi-nado Praça do Comércio, um largo muito grande, bem em frente do rio Tejo, ficou completamente destruído.

Parte das muralhas do Castelo de são Jorge desabaram. o fogo surgiu quando as velas das igrejas (se comemora-va o “dia de Todos os santos”) foram derrubadas pelo tremor e ocasionaram o grande incêndio.

o fogo perdurou por 7 dias. o marquês de Pombal, de pronto, restaurou a ordem e iniciou a reconstrução planejada da cidade. Muitas pessoas que fugiram das chamas para o rio Tejo morreram afogadas. as melhores casas de Lisboa foram destruídas e, com elas, desapare-ceram ouro, jóias, mobiliário precioso, arquivos, livros e pinturas.

as perdas humanas e materiais foram incalculáveis.a Lisboa Moderna tem muitas recordações do ter-

remoto. o inovador plano de Pombal é bem visível ao visitante atual. o belo “ arco da rua augusta”, que se vê do “Terreiro do Paço”, só ficou pronto um século depois, em 1873. o velho Palácio real, ali localizado, o Paço da ribeira, do século Xvi, foi completamente

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Capítulo16

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destruído. a família real sobreviveu porque se encontrava no seu Palácio, em Belém.

Gosto de tudo em Lisboa, primeiro do povo portu-guês, por ser afável com os turistas brasileiros, a facilidade de comunicação pela língua, não obstante, quando eles falam rápido demais, fica difícil compreendê-los; mas é só pedir para falar pausadamente e tudo bem. eles apenas riem e explicam o que você quer saber. Quando chego em Lisboa, a depender do horário, vou almoçar ou jantar numa casa centenária, onde os Portugueses comem, e bem: é o restaurante “João do Grão”, que fica na Rua dos Correeiros,nº 220/226, no Bairro Ros-sio, bem perto do Hotel Mundial (quatro estrelas), onde fiquei hospedado com Eliane.

o percurso do aeroporto até o hotel durou aproxi-madamente 15 minutos. o táxi, uma Mercedes-Benz, o preço barato para os padrões da europa, oito euros.

O hotel, classificado como 4 estrelas, tem sua diária em torno de 140 euros e fica localizado na Praça Martim Moniz, no tradicional Bairro do rossio. situado no centro da cidade de Lisboa, na Baixa Pombalina, tendo o histórico Castelo de são Jorge como cenário, é a melhor localização para descobrir Lisboa, principalmente para quem visita a cidade pela primeira vez. É perto de tudo,fica bem no centro da cidade.

É um pulo para a Praça do rossio, onde, no centro, se vê a estátua de dom Pedro iv, que é o nosso dom Pedro i, que proclamou nossa independência em 1822. Com seus cafés e pastelarias,a mais famosa delas a Pastelaria suíça,

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e, do lado norte, o Teatro Nacional d. Maria ii,onde no seu frontão se destaca a estátua de Gil vicente, o criador do teatro português. essa agitada praça é ponto de eventos e de reuniões da cidade.

ao lado, em poucos passos, se chega à Praça da Figueira, desenhada durante a reconstrução feita por Pombal, para ser o principal mercado da cidade. aí foi erigida, no século XX, uma estátua de dom João i. Nessa área é tudo muito perto. Passando pelo lado do Teatro d. Maria ii, chega-se à Praça dos restauradores, que é uma grande praça contendo árvores centenárias, e que recebeu o nome dos que restauraram a independência portuguesa dos espanhóis.

No seu centro está um alto obelisco, erigido em 1886,que comemora a libertação do país do domínio espanhol (1580-1640). As figuras de bronze do pedestal representam a vitória, com uma palma e uma coroa e a liberdade. os nomes e datas nos lados do obelisco são os da batalha da Guerra da restauração.

do outro lado da praça dos restauradores, a menos de 100 metros, chega-se a “ rua das Portas de santo antão”, cheia de restaurantes de cada lado da rua, e, no meio dela, muitas esplanadas. são locais cobertos, com mesas e cadeiras, onde se come e se bebe, durante o dia e à noite, e por onde os turistas ficam a passear em grande profusão.

dali se pode ir para o restaurante João do Grão, na rua dos Correiros, onde o português come normalmente a um preço justo, e tomando um bom vinho.

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sempre que vou a Lisboa, como o tradicional Baca-lhau a João do Grão, e dessa vez, não foi diferente. ape-nas, por indicação de um português, degustei um vinho tinto chamado “Cardeal”. vale a pena degustá-lo. eliane optou por um Bacalhau com batatas ao murro, como é chamado seu prato. as batatas são cozidas inteiras e com casca, e recebem um pequeno esmagamento, por isso é que se diz: ao murro. as especialidades: o popular “bacalhau com grão de bico”, com “Batatas ao Murro”, entre outros, servindo ainda, carnes e peixes frescos os mais variados. Tudo muito saboroso e a um preço justo. Comi o bacalhau degustando um vinho tinto, indicado por um português que estava na mesa ao lado, e que me ofereceu uma taça, pois eu estava a beber outro. a indi-cação foi ótima, “vinho Cardeal”,bom tinto e ao preço de 16 euros, uma garrafa grande. uma delícia! deixei, pelo menos ali, de degustar o velho Marquês de Borba.

Sem olhar a hora , fizemos a digestão andando pe-las imediações, depois de sair do restaurante. ali, pelo centro antigo, percorremos a Praça do rossio, Praça da Figueira, passamos ao lado do elevador de santa Justa, construído em ferro forjado e que liga a Baixa ao Largo do Carmo, no Bairro alto.

Pelo dia andamos por toda a região da Baixa e da avenida: pela rua do ouro e pela rua da Prata, tão cosmopolitas quanto outras ruas européias famosas. É bom ver pessoas do mundo inteiro, andando e fazen-do compras naquela grande ebulição. a Baixa é ainda o centro comercial e fica localizada da imponente Praça

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do Comércio, junto ao rio Tejo, até o rossio. É só passar pelo Grande arco da rua augusta, e seguir em frente até a Praça do rossio e a Praça da Figueira. de dia uma tranquilidade, mas à noite não é aconselhável andar so-zinho, porque as ruas estão quase desertas.

Indo a FátimaNo Hotel Mundial, perguntei, na recepção, como

poderia ir, no dia seguinte, a Fátima. o recepcionista nos deu várias opções: ir de trem, pegando um comboio, como este é chamado em Portugal, bem próximo à esta-ção que fica na Praça do Rossio. A outra opção seria ir de carro. o hotel indicou um senhor português, de nome amadeu, que prestava esse serviço diariamente, levando hóspedes para a cidade de Fátima.

o preço era de 60 euros por pessoa. Muito simpático, o motorista nos levou em uma Mercedes-Benz, nova, série e-250, a diesel, os bancos de couro, confortabi-líssimos. No Brasil, só uma pessoa muito rica poderia ter um carro daquele, em razão dos impostos cobrados, mas, em Portugal, simplesmente, era um táxi, como em toda a europa. um dia o Brasil chegará lá... eu e eliane viajamos com duas senhoras de são Paulo que estavam fazendo turismo.

a viagem até Fátima durou menos de duas horas. Chegando lá, sempre gosto de ficar um pouco sozinho, comigo mesmo, sentindo as emoções do lugar. olhei de soslaio a igreja nova, mas meu interesse era pela Basílica, onde fica a imagem de Nossa Senhora de Fátima. Desci

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as escadarias e me dirigi ao centro da Praça onde está a imagem do sagrado Coração de Jesus, rodeado de flores; os peregrinos depositam sua orações e reco-lhem, em um chafariz, água de Fátima, que levam para suas casas, nos mais diversos países do mundo. É uma demonstração de fé.

Nesse local, relembrei quando ali estive com sônia, minha irmã. ela estava fazendo seu doutorado na uni-versidade de Lisboa. Não saíam de minha cabeça as emo-ções que ali senti, as palavras que ela disse ainda ecoam dentro de mim: “ Meu irmão, olhe para o firmamento, veja o tamanho do universo e sinta a nossa pequenez diante dele”. ao ouvir isso, fechei os olhos e naquele momento uma brisa beijou minha face, envolvendo todo o meu corpo, numa emoção que não posso descrever diante da sensação de felicidade profunda que invadiu meu ser. algo indescritível.

os santos descrevem estas emoções como sendo um estado de êxtase que numa vida poucos sentem. eu tive a graça de sentir essa profunda e inexplicável emoção. Por isso, sempre retorno a Fátima...

dali fui até a pequena Capela, como faço sempre, construída quando da primeira aparição de Nossa senhora de Fátima naquele local, em l917, aos pastorinhos, Lúcia, Jacinta e Francisco.

Peregrinos de várias partes do mundo estavam diante daquele santuário, assistindo à Missa. os monges, em preces, iam aos céus nos acordes do canto gregoriano, de grande beleza e sensibilidade. eu me deixei levar pelos

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seus acordes, e, profundamente emocionado, chorei a cântaros. ajoelhei-me para demonstrar a minha submis-são ao criador e à nossa mãe espiritual, representada na imagem ali exposta de Nossa senhora de Fátima.

depois fui até uma árvore, a azinheira grande, que fica ao lado da Capelinha das Aparições. Era sob a copa desta azinheira que os pastorinhos rezavam o terço, aguardando as aparições de Nossa senhora.

dalí, subi os degraus da Basílica. sentei nos seus ban-cos, fiz minhas preces e agradeci por estar vivo, graças à fé que tenho.

dentro da Basílica, visitei o túmulo dos três pastori-nhos, roguei a deus pelos seus espíritos, suas almas, e pelo bem que fizeram e fazem à humanidade sofredora. Durante mais de uma hora, chorei muito, e fiquei com-pletamente tomado das mais profundas emoções. Meu corpo ficava completamente arrepiado, algo diferente tocava meu ser o tempo todo.

Não sei como explicar tudo isso que eu estava sentin-do. As lágrimas eram de felicidade; fico profundamente alegre em Fátima. ao deixar o santuário, eu estava em estado de graça. voltarei sempre, enquanto vida eu tiver.

O Mosteiro de Alcobaçadepois de Fátima, fomos visitar a maior igreja de

Portugal: o Mosteiro de alcobaça, com arquitetura medieval. Fundada em 1153, está ligada ao nascimento da nação.

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Conta a história que d. afonso Henriques havia conquistado santarém aos Mouros, e, para comemorar a vitória, mandou construir esse Mosteiro, concluído em 1.223.

Esse mosteiro ficou famoso porque estão aí enterra-dos d. Pedro e o seu grande amor, d. inês de Castro, que foi assassinada.

os Túmulos de d. Pedro i (que não é o do Brasil) e de D. Inês de Castro ficam um em frente do outro.

dizem que d. Pedro i insistiu em que sua estátua ficasse voltada para a de D. Inês, para que a primeira coisa que visse, no Juízo Final, fosse sua amada.

A morte de D. Inês de Castrodizem que razões de estado obrigaram d. Pedro,

filho e herdeiro de D. Afonso IV, a casar com D. Cons-tança, infanta de Castela.

d. Pedro apaixonou-se por d. inês de Castro, dama de honra de d. Constança.

Morta d. Constança, d. Pedro foi viver com d. inês na cidade de Coimbra. Julgando perigosa a família desta, d. afonso iv mandou matá-la em 7 de janeiro de 1355. depois da morte de d. afonso iv, d. Pedro vingou-se de dois dos assassinos, ordenando que lhes arrancassem o coração. Afirmando ter sido casado em segredo com d. inês, exigiu que seu corpo fosse exu-mado e coroado e obrigou a Corte a ajoelhar-se perante ela e a beijar-lhe a mão.

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A viagem até Batalha e Nazaréem Batalha, visitamos o Mosteiro dominicano

de santa Maria da vitória. É uma obra-prima da arquitetura gótica. o Mosteiro celebra a vitória dos Portugueses sobre os Castelhanos na Batalha de al-jubarrota, em 1385. d. João i fez votos de construir uma magnífica igreja à Nossa Senhora, se vencesse a batalha. as forças de d. João eram inferiores numerica-mente, porém, comandadas por Nuno Àlvares Pereira, enfrentaram os Castelhanos perto de aljubarrota, a 3 km ao sul de Batalha.

Nesse convento está o túmulo de d. João i, iniciado em 1426, e do seu filho, o Infante D. Henrique, o Na-vegador, fundador da escola de sagres. No centro da Praça, ao lado do mosteiro, encontra-se a estátua do Condestável d. Nuno Álvares Pereira.

o Condestável era um nobre aristocrata escolhido pelo rei que empunhava a bandeira representativa do reino durante as batalhas. Quando a bandeira caía, era sinal de que aquela batalha tinha sido perdida. era o Condestável uma figura da maior importância nas batalhas. daí a sua estátua ao lado daquele mosteiro.

Na volta para o carro, que tinha ficado nos aguar-dando, comprei, numa banca de frutas frescas, ameixas brancas, pêssegos, peras, todas muito doces e maduras, colhidas naquele dia; uma delícia tal que o mel escorria pela boca, apascentando minha fome diabética até a hora do almoço.

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A cidade de Nazaréainda nesse mesmo dia, 28 de setembro, durante o

passeio, almoçamos na cidade de Nazaré, célebre pelas viúvas dos pescadores, que usam como vestimentas, até os dias de hoje, sete saias, todas pretas, como algo em memória dos seus maridos falecidos no mar. É uma tradição que se repete até os dias de hoje.

do alto de um penhasco ou falésia, por cima da ci-dade, se encontra a pequena ermida da Memória. de lá se vê a beleza da praia de Nazaré, na extensão do oceano atlântico.

Retornamos a Lisboa no final da tarde e nos dirigimos à Biblioteca Nacional,para tentar fazer uma pesquisa sobre um Livro de Teófilo Braga, a “História da Uni-versidade de Coimbra”.

Fomos até lá por indicação de um alfarrabista que havia nos dito que a obra era difícil e que deveria custar em torno de 500 euros, no seu original em 4 volumes.

É, portanto, obra rara. Não há, lamentavelmente, edição em português, publicada recentemente. a Biblio-teca Nacional fica no Bairro de Campo Maior, perto da universidade de Lisboa. Lá estivemos com sr. amadeu, nosso motorista, que nos fez chegar a uma funcionária da Biblioteca, a senhora Zélia Castro, que nos recebeu atenciosamente. dissemos que éramos brasileiros e que nossa filha Cristiane estava fazendo uma pesquisa sobre a universidade de Coimbra, e que gostaríamos de adquirir a obra de Teófilo Braga.

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Consultou o computador e nos disse que era obra rara, tinha 4 volumes. o primeiro volume tem 600 pá-ginas, o segundo, 846 páginas, o terceiro, 771 páginas, e o quarto tem 600 páginas. a obra totaliza 1.873 páginas.

informou que os 4 volumes estavam digitalizados e somente estariam disponíveis dessa forma. Não havia nenhuma possibilidade, no momento, da obra ser edi-tada. diante disso, explicou-me que poderia enviá-la para o Brasil a um custo de mais ou menos 40 euros, dentro de certo tempo, sem, entretanto, precisar, pois os aparelhos que fazem a digitalização não estavam em ordem.

Diante disso, fiz, em meu nome, um cadastro, para receber a obra digitalizada no Brasil. um Professor pesquisador, que se encontrava na Biblioteca Nacio-nal, pesquisou no Google e no site Gallica, para ver se encontrava a obra: “História da universidade de Coimbra,” de Teófilo Braga. Como não encontramos a obra, indicou o site www.wook.pt.

Um pouco do Sul de PortugalNo dia 29 de setembro saímos do Hotel Mundial, por

volta das 9:30h da manhã, tendo como motorista o sr. amadeu, para conhecer uma parte do sul de Portugal, pelo litoral. Na Mercedes-Benz, somente eu e minha esposa. Por essa viagem pagamos 160 euros, e só retor-namos a Lisboa por volta das 18:30 horas, ainda de dia.

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O Castelo de Palmela Conhecemos o Castelo de Palmela, com suas ruínas

romanas e mouras dos séculos X e Xi. Que vista!.. do alto onde fica o Castelo, vêem-se as planícies e a Serra da arrábida. “Foi bem defendida pelos mouros, assim chamados os Árabes na europa até o século Xii, quando o rei d. sancho ii o conquistou, em 1236”. dalí fomos almoçar na cidade de sesimbra. seu amadeu, é um guia turístico do melhor quilate. É poliglota e tem grande cul-tura. Como eu tinha lhe dito que iria para a alemanha no dia 3 de outubro, para a cidade de Berlim, ele começou a falar sobre a alemanha.

Disse-nos que tinha 65 anos, era casado, tinha filhos e que trabalhou por 12 anos naquele País. Fez uma comparação entre a alemanha e o estado de são Paulo, no Brasil. disse que, assim como são Paulo carrega o Brasil nas costas, a alemanha carrega economicamente, a europa. Falou da competência, seriedade, e de como é trabalhador o povo alemão, vive para trabalhar. disse ainda que os filhos são preparados para o estudo e para o trabalho, e quando ficam maiores de 18 anos, são mandados para o mundo, para viverem às suas próprias custas. Filho de alemão não tem moleza, como fazem os pais latinos.

disse que a gastronomia alemã não é boa como a portuguesa, e que os alemães comem mal. deu uma aula de finanças. Eu fiquei pensando, quando um motorista de taxi brasileiro alcançaria aquela cultura. Falou da sua

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admiração pelo Presidente Lula da silva, como nosso Presidente é chamado em toda europa, e teceu muitos elogios ao seu governo, em todos os planos, principal-mente no social. elogiou a social democracia e a econo-mia de mercado. Falou sobre a crise que está ocorrendo em Portugal, criticou o primeiro ministro José sócrates, por demorar em promover as reformas, e que o estado Português deveria economizar mais em suas despesas.

analisou o aumento dos impostos e a diminuição dos salários dos servidores públicos, em torno de 10%, inclusive dos magistrados e do ministério público, como estava sendo proposto naquela semana na assembléia Nacional pela nova lei do orçamento.

solicitei um aparte para lhe lembrar que as estradas de Portugal estavam excelentes, diferentemente de quando aqui estive pela primeira vez em 1988, e falei da maior ponte da europa, que é a vasco da Gama, que atravessa o rio Tejo, numa extensão de 17 quilômetros, e outros empreendimentos financiados pela comunidade europeia em Portugal. e que agora era a hora de pagar a conta. os políticos portugueses continuaram gastando muito mais do que a economia portuguesa podia suportar. disse que Portugal era um país pequeno, do tamanho do nosso estado de Pernambuco, e que não tinha uma economia pujante como a brasileira. a oitava economia do mundo. e dali partimos para almoçar num restaurante à beira mar na cidade de sesimbra, tudo administrado pelo senhor amadeu.

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A cidade de Sesimbrae a conversa prosseguia, até que ele pediu licença

e ligou do seu telemovel, (é assim que os Portugueses chamam o telefone celular), para um restaurante na orla da praia de sesimbra, reservando um mesa para mim e para eliane, e outra para ele.

Nunca vi tanto profissionalismo num guia de turis-mo. disse que o “restaurante Pedra alta” era um dos melhores restaurantes litorâneos da europa para se comer um bom peixe na brasa, indicando um robali-nho. depois do almoço, eu lhe disse que o preço tinha sido salgado - 100 euros, porém tinha valido a pena. escolhemos o peixe, o chamado “robalinho na Brasa”, com batatas cozidas, e um bom vinho, Marques de Borba. Com esse vinho, nos disse o português, não tem errada, ao perguntar que vinho tinha sido degustado. eliane tinha preferido como sempre a sua cerveja bem gelada.

Em Setúbaleu queria conhecer a Cidade de setúbal, onde nasceu

o poeta José Manuel Maria du Bocage, e visitar uma co-nhecida Cave de vinho, a JM da Fonseca, que alem de fabricar o conhecido vinho português Periquita, muito popular, vinho de supermercado, das terras do sado, também fabrica o famoso Moscatel de setúbal, um vinho doce de sobremesa, que se bebe, comendo o famoso Pastel de Belém.

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Já havíamos saboreado esse folheado com esse moscatel em Lisboa, na mais famosa casa que vende os pasteis de Belém, lá bem perto do Mosteiro dos Jerônimos. aprendi com os portugueses que esses pastéis se comem bebendo moscatel de setúbal. Queria, pois, conhecer a fonte e adquiri uma garrafa vintage para meu amigo desde os tempos da Procu-radoria Geral do estado, onde fomos colegas, e eu fui chefe de sua assessoria jurídica, o hoje desembargador roberto Porto do Tribunal de Justiça de sergipe. Não por ele ser seu apreciador, roberto é abstêmio, mas para ver o prazer do seu pai nessa degustação, dr. Lauro Porto, que tem suas origens familiares em Portugal, na Cidade do Porto, daí seu sobrenome.

eu sempre que ia à cidade do Porto, lembrava-me de roberto e do seu pai; por isso, ao visitar as caves na região do alto douro, eu procurava trazer um vinho do Porto vintage, o melhor de todos eles. Como não fui ao Porto esse ano, resolvi trazer o Moscatel de setúbal.

uma viagem dessa, eu e eliane, durante minha es-tadia, visitando todos esses lugares lindos do sul de Portugal, com motorista, numa Mercedes-Benz, custou 160 euros; não é caro, é acessível a qualquer turista de classe média. É o melhor lugar para se fazer compras, mais barato até do que na alemanha. a cidade mais cara é Paris, na França.

dessa vez, não foi possível ao dr. Lauro Porto sabo-rear esse moscatel, pois, quando eu presenteei seu filho, ele já estava doente e bem perto de completar seus 100

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anos. dias depois, estive no seu velório, no dia 31 de outubro de 2010, para levar meus sentimentos a roberto e aos seus familiares. sergipe tinha perdido um dos seus grandes filhos, médico humanitário, cepa que não mais se faz, madeira de lei... coisa difícil de se encontrar nos dias de hoje.

ah, como é bom andar a pé pelas ruas de Lisboa, sem a preocupação em ser assaltado, como ocorre, lamenta-velmente nas grandes cidades do nosso País. embora no hotel, nos dizem: ... “cuidado apenas nas imediações dos hotéis com os carteiristas”. É como eles chamam os “batedores de carteiras”. eu já havia tomado minhas providências no Brasil: dinheiro pouco no bolso da calça, naquele da frente. Mando aumentar sua profundidade lá na loja de “Zé da suprema”, onde sou freguês há mais de 50 anos, desde os tempos em que era sócio de silvio renato Garcez. Por isso tenho essa “folga”, de mandar aumentar esses bolsos quando compro calça nova para me proteger dos larápios durante a viagem...

Cristiane tinha encomendado que eu adquirisse em Lis-boa o livro a “História da universidade de Coimbra,”de Teófilo Braga. Durante vários dias, nas nossas andanças, buscamos em todas as livrarias que visitamos e nada de encontrar esse livro. a resposta era a mesma, não temos.

em uma delas, fomos indicados a procurar os “aL-FarraBisTas”, pensei,”que diabo de nome é esse, o que será isso? É que o português falando rápido, nós brasileiros, temos dificuldades de entender. E mui-to rápido nem pensar. então pedi que o livreiro,

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escrevesse o nome e o local em que encontraria esse tal de alfarrabista. Minha santa ignorância, a expressão vem do Árabe, alfarrábios, livros antigos, os nossos “seBos”, no Brasil.

indicou que eu deveria subir a ” rua das escadinhas do duque”. e tome subir escadinhas, centenas delas, mais de trinta alfarrabistas percorremos, ruas desde o começo do rossio, até chegar lá em cima no Largo do Chiado. É uma caminhada daquelas... É uma área fasci-nante de ruas empedradas adjacentes à rua do Carmo, é área de cafés e lojas elegantes que se estendem desde a Praça Luís de Camões até a rua do Carmo e à Baixa.

Já cansados, no Chiado, sentamos ao lado da estátua de bronze de Fernando Pessoa, o mais famoso poeta português do século XX. Numa mesa, sentado no ex-terior do café “a Brasileira”, ainda em arte nouveau, na rua Garret, degustamos aquele café...

essa rua é em homenagem ao escritor e poeta almeida Garret (1799-1854). essa palavra “Chiado”, é usada des-de 1567. várias são as suas versões, uma delas refere-se ao chiar das rodas das carroças que subiam as íngremes ruas. uma segunda refere-se à alcunha do poeta do século Xvi, antónio ribeiro”, o Chiado “.

No dia 30 de setembro, em Lisboa, resolvemos peram-bular pela cidade. rever o local da expo, uma zona de cais, degradada no passado,que foi transformada em uma área comercial, residencial e de turismo, muito bonita.

“o conhecido Parque das Nações, que é hoje um espaço vivo, dinâmico e multifuncional, é a marca da

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Lisboa contemporânea, um local onde os lisboetas se divertem, apreciam espetáculos, passeiam, praticam des-porto, fazem compras, trabalham e vivem, com qualidade de vida e em harmonia”.

“o “Parque das Nações” compreende a área onde se realizou a exposição Mundial de 1998. Trata-se de um grande espaço de fruição pública, que juntou a cidade e o rio, e que aproveitou, na perfeição, uma vasta frente ribeirinha, com uma vista magnífica sobre a outra mar-gem do rio e a Ponte vasco da Gama, a ponte mais longa da europa,até esses anos de 2010”.

inaugurada também em 1998, por ocasião da expo-sição mundial, trata-se da quinta ponte mais extensa do mundo, com 17 km de comprimento, dos quais 10 estão sobre as águas do rio Tejo.

“a eXPo 98 foi o marco que, há doze anos, trans-formou esta zona oriental da cidade num projeto com visão, ambicioso e multidisciplinar, que soube convocar e utilizar todas as áreas de atividade e conhecimento do país, reconvertendo uma importante parte da cidade, através da criação de um conceito novo e moderno de espaço urbano”.

Possui uma estação de trem, um agradável centro comercial, para além de um extenso complexo cultural, de lazer, residencial e de negócios.

vou sempre a esse local quando estou em Lisboa. resolvemos ir de Metrô, que os portugueses chamam de Metro, sem o acento circunflexo. Nos informamos na portaria do hotel como fazer para ir até o “Centro

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Comercial vasco da Gama”. eles chamam shopping, de Centro Comercial, e não deixa de ser. esse é o mais bonito, maior, e moderno de Portugal.

do Hotel, bem pertinho da Praça da Figueira, pega-mos o metro, na estação do rossio. Fomos pela linha verde e fizemos correspondência (mudamos de estação) com a linha vermelha até o final-linha oriente.

descemos na estação e já estávamos bem em frente ao vasco da Gama. um colosso de arquitetura e enge-nharia. o prédio parece uma grande caravela com sua vela enfurnada pelo vento, uma beleza de se ver, de se apreciar de longe.

Na europa, fazemos as coisas que nos dão na “telha” (cabeça); às vezes, almoçamos em restaurantes populares, na praça de alimentação dos centros comerciais, e outras vezes almoçamos em caros restaurantes.

Nesse dia, 30 de setembro, resolvemos almoçar em torno das 14 horas, num restaurante da praça da alimen-tação, não em self service, pois adoro ser servido, mas em um restaurante comum.

Não foi caro, 15 euros o casal. o prato bem servido: arroz, feijão preto, salada, mais 3 carnes (churrasco, cos-tela e coxa de frango). sobremesa, um melão doce, ou morangos enormes, mais doces impossível. uma delícia!

o café, tomamos em outro local apropriado, em torno de 3 euros. esta tem sido uma boa viagem; de outras vezes eu não tinha percebido essa tal felicidade tão pre-sente. depois do câncer, tenho valorizado muito mais as coisas simples, como sentar numa praça, ver seus jardins,

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o vento acariciar meu rosto, o voar das gaivotas, o pôr- do- sol, tudo isso tem um gostinho especial.

o tempo aqui tem passado muito rápido; acho que é a felicidade de estar vivo, mesmo com a bolsa de colos-tomia, esta ótima companheira. sem ela eu não estaria vivo. Quantos morreram, em épocas que lá se vão, por infecções, por falta dela... de três em três dias, faço sua troca por uma nova.

depois de passar grande parte do dia no vasco da Gama, resolvemos ver tudo aquilo juntos, inclusive o mar e o rio Tejo, fazendo um passeio de Teleférico.

eu e eliane parecíamos duas crianças, de mãos dadas, rindo e alegres, como dois namorados apaixonados, de-pois de 40 anos, como é bom, é demais...

Por que as pessoas de idade não fazem isso? e os jovens casais, porque não guardam dinheiro numa pou-pança para viajar a cada 3 anos, renovando a vida e o casamento? Porque deixar o casamento se esfrangalhar pelo cotidiano, pelo dia-dia da vida ácida?

depois do Teleférico, fomos ver o “oceanário de Lisboa”, uma beleza. Peixes marinhos de todos os tipos, tubarões gigantes nadam em paz ao lado de outros tipos de peixe, numa harmoniosa convivência. Para apreciar sua beleza, é preciso ficar cerca de três horas, sem pres-sa, num ócio igual ao dos baianos, sem qualquer outro objetivo senão viver aquele ambiente de profunda paz.

saímos dali mais conscientes de que nos mares se encontra a origem de tudo de bom que existe no nosso planeta terra. digo eu, que o homem é o pior ser da

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criação: tudo que pega, que toca, suas mãos destróem, pela ganância de ganhar dinheiro. Pensa que é eterno na terra, que daqui um dia não partirá e deixará tudo quanto construiu. a propósito, nessa viagem lembrei-me de um colega de turma, da faculdade de direito, muito pobre. ele nasceu em Propriá, e seu pai era pedreiro. Muito mais inteligente do que estudioso, todavia, obstinado.

estudamos juntos para o vestibular, e nos formamos na mesma turma. Bom amigo, éramos de esquerda, ele fundou a CaNeP - Campanha Nacional de empreendi-mentos Políticos. Queria fazer uma revolução, pensava.

a sede era na rua itaporanga, nos fundos do pré-dio onde durante muitos anos funcionou o Juizado de Menores. ele dormia e vivia ali, onde fazíamos nossas reuniões, pensando em mudar o país. Como éramos ingênuos, quase bobos!... assim são os idealistas. Mas, ficou demonstrado que forças maiores não permitiriam qualquer mudança nos destinos do país. de lá para cá mudou muito pouco. instituíram o programa social “Bolsa Família”, que de uma forma ou de outra sinaliza que, socialmente, as coisas não estão bem, como disse o Governador eduardo Campos, de Pernambuco, descen-dente direto do líder de minha geração, o ex-governador de Pernambuco, Miguel arraes, em entrevista nas páginas amarelas da revista veja, de 24/11/2010. Pelo menos os mais pobres têm um prato de comida, já que não te-mos estradas de qualidade, bons hospitais, nem acesso á saúde. Quem não tem um plano de saúde no Brasil está liquidado. esses planos também não estão bem

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e podem quebrar a qualquer hora; não sei se a receita está de acordo com as despesas deles, se não estiver é ruim para todos nós... Precisamos de maior plane-jamento em tudo, e aqui não se gosta de planejar, ao final somos o país do jeitinho brasileiro.

voltando ao colega veiga, tornou-se um grande advogado, ficou rico, deixou um patrimônio muito grande. Como eu, também passou pela dor de perder um filho e ter sido preso pela revolução de março. era simplório, andava num velho Maverik, um carro da Ford. Dias desses soube que um dos seus filhos pilotava um magistral audi, r8, um dos carros de luxo mais caros do mundo, e me perguntei porque seu pai também não fez isso, ninguém merecia mais do que o querido colega e amigo Manoel Messias veiga, andar num audi r8.

Cada um com suas escolhas, é o preço que se paga pelo livre arbítrio que temos... eu aos sábados e do-mingos gosto muito de pilotar minha Mercedes-Benz, C-280, seis cilindros, preta, com teto aberto recebendo o vento e o sol sobre mim. embora seu ano de fa-bricação seja 1995, ela é perfeita, nova, linda. É meu brinquedo... todos nós no fundo temos algo de criança, e que bom não perder essa pureza no fundo da alma, pois ser adulto, acaba com tudo... a gente deixa de ter a autenticidade e a pureza das crianças, que beleza... “deixai vir a mim as criancinhas, pois é delas o reino dos céus”, ensinou-nos o Mestre dos Mestres.

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Lisboa dia primeiro de outubroJá estava perto de nos despedir da cidade de Lisboa.

No dia 3 estaremos indo para Berlim, alemanha, mas essa será outra história.

Hoje resolvemos andar de ônibus, que os portugueses chamam de autocarro, especificamente o “Elétrico 28”, para passear por Lisboa até um final de linha; passamos pela baixa, pelo bairro alto, nas imediações do Castelo de São Jorge. Descemos na parada final em Ourique, um Bairro distante, bem em frente ao Cemitério.

visitamos suas ruas e alamedas bem cuidadas e lim-pas, suas árvores centenárias, e as obras de artes dos seus jazigos.

Sentamos em seus bancos e ficamos a apreciar o final de todos nós e a tirar lições daquele local. era preciso que os governantes meditassem uma vez por semana nos cemitérios para se tornarem mais humanos, melhores pessoas... menos vaidosos, retirando o rei que carregam na barriga, dedicando-se melhor ao povo... não tendo a política como profissão, como investimento, como um negócio, mas exercitando a cidadania para servir ao país, ao povo, em vez de serem servidos... Quando será que veremos um povo educado, culto, fazendo boas escolhas, e quando os bons políticos chegando no poder, não copiarem o modelo que estamos a ver constantemente no noticiário da imprensa. eu com 64 anos, não mais verei isso, nem meus netos tão pouco...

dali saí leve, livre e solto, como se diz. e como “quem

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Capítulo16

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tem boca vai a roma”, como diz no ditado popular, perguntei a um casal de idosos que autocar tomaríamos para descer no Centro Comercial amoreiras, o mais antigo shopping de Lisboa. era ali perto, do outro lado. embarcamos num micro ônibus, era o autocar nº 74.

Que beleza continua o “amoreiras”. eu tinha pas-sado por lá em l988. várias reformas ocorreram nesse meio tempo, e o velho shopping estava novo. sua ar-quitetura, na época, representou uma revolução, com muitos protestos, porque destoava das características colônias da cidade. Mas, passados todos esses anos, sua concepção é muito moderna.

resolvemos, perto das 2 horas da tarde, ir à Praça da alimentação; tudo muito cheio, escolhemos um restau-rante italiano. Comemos um bom Caneloni, que chegou fumegante. eu tomei, como sempre, um copo de vinho da casa, e eliane, sua tradicional cerveja, ao preço de 2 euros cada. o almoço, em torno de 15 euros o casal, tinha comida saborosa, farta, e por um bom preço. depois do almoço, fomos passear pelos andares do amoreiras.

estou sempre com meu caderno de anotações, es-crevendo minhas impressões sobre os lugares visitados, para depois transformá-las em páginas do livro que está começando a nascer. aproveito que eliane foi tomar um café, o que ela faz várias vezes no dia, para sentar e descansar um pouco, fazendo as tais anotações.

Foi no caminho para o “restaurante Tropi La Pizze-ria”, antes do almoço, que eu havia comprado o Livro “aproveitem a vida” de antónio Feio, a que já me referi

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em páginas anteriores. Olhei para a capa do livro, fiquei olhando para eliane, tomando tão prazerosamente seu café, e, naquele momento, lamentei a morte do autor português, que, com o seu livro, estava me motivando a escrever o meu.

e eu aqui estou, um sobrevivente, usufruindo a vida, graças a deus, e sob as bênçãos de Nossa senhora de Fáti-ma, minha protetora. Retornamos no final da tarde para o Hotel Mundial, e após uma ‘siesta’, fomos andar pela Praça da Figueira, no rossio, indo em direção à rua augusta até chegar às margens do rio Tejo. um lindo cair da tarde nos esperava, com seu belo pôr-do-sol, e com as gaivotas ao vento, dando seus voos rasantes, indo e vindo, subindo e descendo, seu voos mais altos, como deveria ser... Todas as vezes que vejo as gaivotas, lembro-me do livro Fernão Capelo Gaivota, de richard Bach. “o livro é uma alegoria sobre a importância de se buscar propósitos mais nobres para a vida. o autor usa uma gaivota como personagem principal. um pássaro que, diferente dos outros de sua espécie, não se preocupa apenas em conseguir comida. este está preocupado com a beleza de seu próprio voo, em aperfeiçoar sua técnica e executar o mais belo dos voos. uma metáfora sobre acreditar nos próprios sonhos e bus-car o que se quer, mesmo quando tudo parece conspirar contra isso”, quantas lições, quantas lembranças...

as gaivotas sempre me trazem o tema do conhece-te a ti mesmo. o auto-conhecimento é lento, sofrido muitas vezes, porém, profundamente libertador, pois sempre leva à paz interior.

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A Praça do Comérciodando as costas ao velho e lindo rio Tejo, estávamos

de volta. deixei para perceber sua beleza no retorno, assim como se degusta os diversos sabores e aromas de um bom vinho e o perfume da mulher amada. eis-me ali, no mesmo lugar por onde andava o escritor e poeta Fernando Pessoa, no seu “ Terreiro do Paço”.

Parei diante da estátua equestre do rei d. José i, um dos déspotas esclarecidos da europa. era um monarca absoluto, porém com ideias mais avançadas do que os demais do seu tempo; daí, a denominação que a história lhe deu de “déspota esclarecido”. Foi o homem que escolheu o Marquês de Pombal para ser seu Ministro mais importante, aquele que, efetivamente, governava Portugal. o espaço, enorme, tem o nome de Praça do Comércio ou Terreiro do Paço, porque ali, antes do grande terremoto, estava edificado o Paço ou Palácio do rei, daí o seu nome.

Na esquina com a rua da Prata, onde está localizado o “restaurante Martinho das arcadas”, fundado em 1782, e frequentado outrora pelo poeta Fernando Pessoa, existe em sua homenagem, uma estátua de bronze junto à mesa que ele ocupava. uma bela homenagem. Já estive nesse restaurante outras vezes com sônia minha irmã, quando ela morava em Lisboa, durante seu doutoramento.

Lá servem um prato de entrada, muito saboroso; é onde melhor se come ”ameijoas a Bulhões Pato”. É um marisco, parecido com nosso maçunim, bem pequeno,

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feito no azeite, com vinho branco, cebolinha e coentro.Come-se com pequenos pedaços de pão, que é enso-

pado nesse molho. Com um bom vinho, uma delícia. Mas, o restaurante ainda não estava aberto para os clientes, somente seu átrio, na parte externa, onde as pessoas bebem vinho, cerveja ou tomam um café, e conversam. eliane degustou um croquete empanado e folheado, e um copo de cerveja; eu optei por uma taça de vinho tinto.

Não deu para ficar mais tempo, saímos às 19:00 horas, porque a fumaça de cigarro de um casal de fumantes que lá estava tornou o ambiente insuportável, para mim e eliane, como não fumantes. Como ainda se fuma tanto na europa, é demais...

retornamos pelo arco da rua augusta, toda calçada de pedra portuguesa. Lá se vão tantos anos, e, nós aqui, porque não imitamos essas coisas boas e duradoras... Passamos pela Praça d. Pedro iv, o nosso d. Pedro i, já estávamos no rossio, contornamos o local, onde mui-tas vezes tomamos umas “Ginginhas”, paramos num monumento, onde, em 1503, centenas de Judeus foram sacrificados, mortos pela intolerância religiosa da Igreja Católica. dalí para o Hotel Mundial, um pulo; estou no nosso apartamento, no 5º andar, no número 544. descanso, enquanto degusto o resto de um vinho do alentejo, aqui no apartamento, um bom Marquês de Borba, fabricante, J. Portugal ramos.

ainda tenho diante de mim, a esperar, uma garrafa de “Cabeça de Burro”, reserva, safra de 2007, tinto da

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região do douro. Meu primeiro encontro com ele foi quando aqui estive em outra oportunidade com sônia. eu o comprei agora no supermercado Pão de açúcar (é isso mesmo, do Brasileiro abílio diniz), no Centro Comercial amoreiras. seu preço: 7 euros, menos de vinte reais. No Brasil, uma fortuna... principalmente nos restaurantes.

Imposto de importação, acrescido de ICMS, fica muito caro tomar bons vinhos no Brasil, mesmo os da argentina e do Chile, que são tão bons quantos os vinhos europeus. Eu me refiro aos Catena Zapata ou aos Montes Alpha. Não temos no Brasil bons tintos; deus nos deu um bom sol, noites frias no sul, mas faltou o terroir, as características do solo europeu, australiano ou da África do sul.

Bem que tentamos, lá belas bandas do rio Grande do sul, mas, fazer o que? Temos, entretanto, bons prossecos, tão bons quanto um italiano, contudo, graças ao teor de açúcar que eles têm e a minha diabetes, eu já não posso degustá-los, ressalvada uma taça, isso mesmo num ho-rário em que a glicemia estiver baixa.

Hoje é sábado, dia 02 de outubro, véspera de nossa viagem para a alemanha. resolvemos subir pela rua do Carmo e ir até o Chiado tomar um café na “Brasi-leira”, sentados juntos à estatua de bronze de Fernando Pessoa, onde Eliane tirou uma fotografia. Resolvemos almoçar no restaurante do 1º andar do Hotel Mundial, deixamos para jantar no belo restaurante do 8º andar pela noite. enquanto esperávamos o almoço tomei meia garrafa de vinho Marquês de Borba, um bom tinto do alentejo.

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vislumbrei de cima, pela janela um ônibus de turismo que chegava, especialmente preparado para pessoas es-peciais, cadeirantes, que estavam fazendo turismo. um ônibus enorme, que aqui chamam de autocarro, tendo elevador para essas pessoas. Pensei, quando isso será algo comum no Brasil?...

depois do almoço, na Praça da Figueira, tomamos o elétrico 15, e fomos em direção ao Mosteiro dos Jerônimos. É um monumento à riqueza da época dos descobrimentos. Foi encomendado por d. Manuel i, em torno do ano de 1.501, pouco depois do regresso de vasco da Gama das Índias.

sua construção foi financiada pelo “dinheiro da pimenta”, um imposto sobre as especiarias, pedras pre-ciosas e ouro. a execução do projeto foi obra de vários construtores, sendo diogo Boitaca o mais notável, tendo sido substituído por João de Castilho em 1516.

o mosteiro foi entregue à ordem dos Jerônimos até 1834, ano da dissolução das ordens religiosas em Portu-gal. É uma obra esplendorosa de se ver.

e aqui estamos no elétrico 15; converso com um se-nhor português e pergunto se está longe da pastelaria de Belém. Ele aponta uma grande fila que vimos de longe e diz: “é ali, veja a bicha dos gulosos”. É assim mesmo, os portugueses chama “fila” de “bicha”, e, camisa, de camisola. descemos do elétrico e entramos na grande bicha dos gulosos. a pastelaria de Belém é enorme, várias e várias são as suas grandes salas, com mesas e cadeiras em profusão, todas repletas de pessoas. outras tantas

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aguardam a hora de se deliciar em degustar os famosos “Pastéis de Belém”.

Funcionários vão indicando a mesa onde você deve se sentar. a depender do numero de pessoas, tudo é muito rápido e o serviço é bom. demorou pouco e fomos sentando, pedimos 03 pastéis de Belém, para cada um de nós, acompanhado do moscatel de setúbal. Que gula, não existe uma sobremesa mais gostosa, é algo esplendoroso. Não se pode ir a Lisboa e deixar de degustar esses saborosos pastéis de nata, como também são chamados em outros locais, pois de Belém, somente, os daquela pastelaria.

O monumento aos descobrimentosem seguida, resolvemos ir andando até o monu-

mento dos descobrimentos, inaugurado em 1960, para comemorar os 500 anos da morte de d. Henrique, o Navegador, que fica às margens do rio Tejo. É uma boa caminhada até lá pelas margens do rio. a construção é ainda da época do regime de ditadura de salazar. Tem 52 metros de altura e celebra os marinheiros, patronos reais e todos os que participaram do desenvolvimento, na época dos descobrimentos marítimos.

“o monumento tem a forma de uma caravela, com os escudos de Portugal nos lados e a espada da Casa real de avis sob a entrada. d. Henrique, o Navegador, ergue-se à proa, com uma caravela nas mãos. vêem-se tam-bém os heróis portugueses ligados aos descobrimentos,

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Os dados indicados no texto foram coletados ou transcritos do Livro Guia American Express - Portugal, edição setembro de 2004, conforme explicitado nas referências bibliográficas. ISBN 972-26-1377-4

como Pedro alvares Cabral, descobridor do Brasil; Fer-não de Magalhães, que atravessou o Oceano Pacífico em 1520; o poeta Camões, com um exemplar de os Lusíadas; na face ocidental, d. Manuel i e outros. ao norte do monumento, no chão, a enorme rosa dos ventos, uma oferta da república sul-africana”.

A Torre de Belémencomendada por d. Manuel i, a torre foi construída

em 1515-1523, como uma fortaleza, no meio do rio Tejo. era o ponto de partida dos navegadores dos descobrimen-tos. É uma obra de rara beleza e de uma grande engenharia, considerando sua construção dentro da água. Tudo muito bonito e bem conservado, uma beleza. era quase noite quando voltamos de Táxi para o hotel. Muito cansados, fisicamente, porém felizes, dessa boa caminhada de mais de 4 horas. À noite, voltamos ao restaurante João do Grão, eliane comeu bacalhau assado na brasa com batatas, e eu, sardinhas na brasa, acompanhado do vinho tinto cardeal, da região do dão. retornamos depois das 11 horas, indo à pé para o hotel, prontos para dormir.

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era um dia de domingo, 03/10/2010; saímos do hotel depois de tomar um café da manhã farto e gostoso. Na véspera do dia anterior, eliane já tinha feito as malas, pe-gamos um táxi Mercedes Benz, e fomos para o aeroporto.

a cidade de Lisboa amanhecera cinzenta, chovia a garoa, a temperatura nos termômetros das ruas marcava 18 graus. É como se Lisboa chorasse à nossa despedida e dissesse: volte mais vezes, gostamos de vós, como “cá” dizem eles. ah, como gosto de ti velha Cidade, dos teus castelos, de tuas ruelas apertadas, de suas largas avenidas, da Torre de Belém, de comer seus pastéis de nata, da sua comida, de passear de mãos dadas com eliane, eu aos quase 65 anos, e ela, ah, não se diz a idade das mu-lheres, mas posso afirmar que desde que lhe conheci, como seu professor de história, casamos, tivemos 4

Capítulo XVII

De Lisboa para Berlim

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filhos: Cristiane, Otávio, Ítalo, Viviane e 5 netos. Já se vão mais de 40 anos juntos.

essa viagem é a comemoração dos nossos 40 anos de casados; era para ser comemorado em 28 de maio de 2010, mas o câncer não deixou, por isso prorrogamos para esse tempo, muito melhor, mais valorizado, mais tudo...

Nosso destino era Berlim, na alemanha, com conexão no aeroporto de Frankfurt, o maior da europa; a cada minuto desce e sobe um avião das mais diversas partes do mundo. eu conhecia pouco aquele aeroporto; nas viagens anteriores, eu tinha a companhia de Heráclito rollemberg e angélica, que cuidavam de tudo. e “agora José?”, como diz a música... Como fazer a conexão na-quele aeroporto de vários andares, que mais parece uma cidade, sem falar inglês nem alemão?

Fomos à TaP. o voo seria operado pela Lufthansa, companhia aérea alemã. disse no balcão que tinha feito recente cirurgia de câncer do intestino, no mês de janeiro; estava colostomizado e precisava de ajuda para fazer a conexão no aeroporto de Frankfurt para Berlim, onde mudaria de avião, e que conhecia muito pouco aquele aeroporto.

Tomou-se nota de tudo que eu dizia. e, eu embarquei. ao chegar em Frankfurt, na porta do avião me esperava uma funcionária alemã com uma cadeira de rodas. dalí fui levado para o saguão, onde me esperava um carro elétrico, com capacidade para 4 pessoas.

o carrinho elétrico, com uma lâmpada giratória, indicava

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sua preferência no percurso e seguia sinalizando com sua lâmpada giratória laranja, pedindo passagem, com a motorista alemã dizendo algumas palavras de vez em quando. Até que chegamos no portão A-24, que ficava no sentido inverso de onde tínhamos desembarcado. No nosso cartão de embarque, dizia que o portão seria o a-11, às 16:35 horas, mas tudo tinha mudado: como saber, sem falar inglês e muito menos alemão?

Fomos entregues a outro funcionário no portão de embarque para Berlim, o que ocorreu às 5 horas da tarde, depois de 3 horas de voo de Lisboa até Frankfurt. uma hora depois estávamos em Berlim. Fomos recepcionados da mesma forma, levados até o local de pegar as malas, e depois a um táxi, fazendo o funcionário da companhia aérea todas as recomendações ao seu motorista, oportu-nidade em que exibiu o nome do Hotel Palace onde nós ficaríamos hospedados.

do aeroporto ao hotel não durou mais de 15 minutos. Nunca vi tamanha atenção a uma pessoa portadora de necessidades especiais, como a que me foi prestada nessa viagem, tanto em Portugal, quanto na alemanha.

O Hotel Palace fica na rua Budapeste (Budapester strasser nº 45), quase em frente ao Zoológico, e nos fundos do shopping europa Center. da porta de en-trada do hotel vê-se, ao longe, os restos dos escombros da famosa igreja da Memória, símbolo do bombardeio que sofreu Berlim, durante a segunda guerra mundial. ao entrar no Hotel Palace, vivi um sonho.

É um hotel 5 estrelas, muito luxuoso. em 1988, quando

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fiz um curso em Berlim, fiquei hospedado em um prédio do governo alemão, ali perto, e muitas vezes passei pela porta desse hotel. estavam sempre à sua entrada muitos carros de luxo, porém, um chamava a minha atenção pela sua beleza: era branco, grande e ostentava uma estrela de três pontas no seu capô.

era uma Mercedes-Benz: daqueles carros que eu só via nos filmes. Em Aracaju, naquela época, só tinha um, branco; veio da alemanha direto para um médico que tinha problemas físicos. o carro tinha sido importado diretamente para ele, e que burocracia. só o pessoal de embaixada é que tinha Mercedes-Benz. disse a mim mesmo: ainda ficarei hospedado um dia nesse hotel e terei uma Mercedes-Benz para meus passeios...

vinte e dois anos se passaram e ali estava eu realizando um dos meus sonhos; era hóspede daquele hotel e tinha na minha garagem em aracaju, uma Mercedes-Benz C-280, Preta.

em 1988, poucas pessoas de aracaju visitavam a euro-pa. somente as pessoas ricas, de famílias tradicionais. eu, quando lá estive pela primeira vez, levei tudo que tinha conseguido comprar com meu dinheiro: cinco mil dólares, que equivaliam a 20 mil marcos alemães. Fiquei 30 dias estudando na alemanha e 15 dias fazendo turismo, co-nhecendo amsterdã, na Holanda; Londres, na inglaterra, e Paris, capital da França. Fiquei hospedado em hotéis cuja diária não podia passar de 100 dólares. Consegui economi-zar quase 3 mil dólares, pois tinha mulher e filhos, e não sabia como encontraria as coisas ao retornar a aracaju.

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Naquela época não havia Cartões de Crédito, nem passagem aérea com pagamento parcelado, como agora. Lembrei que todos os integrantes do grupo eram pesso-as de vários estados do Brasil, viajando na classe turista, embora fossem deputados, prefeitos, senadores, governa-dores e presidentes de órgãos públicos de todo o Brasil.

ainda lembro quanto paguei por todos os trechos aéreos: 1.600 dólares. a hospedagem era por conta do Governo alemão, que ainda dava para cada um dos convidados a quantia de 600 marcos. era para os almoços de domingo, pois, nesse dia, o restaurante da Fundação alemã para o desenvolvimento internacio-nal, não funcionava.

da Fundação vínhamos, em grupo, depois das aulas, para a maior avenida de Berlim a Kurfursterdam, que ficava na Alemanha Ocidental. Berlim era cortada por um muro, como já dissemos anteriormente, dividindo a parte democrática da parte comunista. Nessa caminhada, que começava na Fundação, passávamos pela porta do Jardim Zoológico e pela porta do hotel Palace.

Hoje, 03 de setembro de 2010, aqui estamos como hospedes do apartamento 894, algo deslumbrante, amplo, luxuoso e confortável. a casa de banho, como é chamada por eles o banheiro, tem dois espaços separados como se fossem dois banheiros. Tudo muito limpo, nos mínimos detalhes, padrão germânico de qualidade absoluta. as torneiras douradas brilhantes.

a cama de casal é king size, enorme, com diversos tra-vesseiros de pluma de pena de ganso. excelente televisão,

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mini-bar, cofre no armário, um bom sofá, mesa de Centro, além de uma escrivaninha onde estou a fazer as anotações da minha viagem em um caderno que eliane comprou em Lisboa, para esse fim, quando lhe disse que pretendia escrever um livro sobre minha vida, registrando alegrias e tristezas.

Fui dormir logo, queria aproveita bem aquela noite, estava cansado. Tinha saído de Lisboa no início da ma-nhã e chegado no começo da noite em Berlim, depois de mais de 4 horas só de voo, além do tempo de espera nos aeroportos. Queria aproveitar bem os 170 euros da diária cobrada pelo hotel.

Mesmo com esse preço, o 5 estrelas é barato em relação a Paris. No Hotel California, um 4 estrelas - é verdade que é na rua Bari, pertinho da avenida Champs-Élysées - o preço é 270 euros, sem o café da manhã, que custa mais 50 euros. um absurdo em relação ao hotel da alemanha.

Berlim dia 4 de outubroah, o café da manhã no Hotel Palace é o que, literal-

mente, pode se chamar de um “café 5 estrelas”. valia os 50 euros cobrados além da diária.

Quanta comida boa!... carnes, peixes, ostras, sucos de todos os tipos, ovos pochê e mexidos, fiambres, linguiças, pães brancos e pretos, defumados dos mais variados, além da diversidade de salsichas. e também uma boa champanha gelada, que eu não dispensava. E, ao final,

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um farto bule com café fumegante e outro com um leite quente, como eu gosto, e sem açúcar. só na alemanha ou em Lisboa é que se toma um café tão farto e bom...

Claro que não comi tudo aquilo; porém, provei um pouquinho de cada coisa, para sentir o sabor. o intestino amigo aceitou numa boa aquelas guloseimas, me permitiu esses excessos, sem nada reclamar. a bolsa de colostomia brasileira se comportou muito bem, não deu qualquer trabalho. Que grande invenção, só quem usa é que sabe o seu valor. sem ela não se poderia sair de casa, passear, viajar, vir para a Europa, enfim, viver.

depois do café passeamos pela Kuffursterdamm, fizemos compras para os netos na Loja Karstadt, nessa rua principal que fervilha de gente. Na hora do almoço, lá para as 14:00 horas, fomos conhecer a nova estação ferroviária de Berlim que fica na parte leste da cidade, onde, no passado, era parte da alemanha oriental, antes da reunificação.

a New Hoffbanhoff (Nova estação de Trem) é um exagero de arquitetura, uma demonstração de grandeza do povo alemão. Lá tudo tem um sentido por trás da obra. almoçamos num restaurante, ao ar livre. Não estava muito frio, 20 graus, uma delícia. resolvi repetir o prato que já conhecia de outras viagens. eu tinha uma boa recorda-ção de uma certa vez em que degustei esse prato lá para os lados do Portão de Brandemburgo, perto do Prédio do reichstag, que é o local do parlamento alemão e foi ali também sede do Terceiro reich, instituído por adolf Hitler, esse louco que tanto mal fez a esse grande país.

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Às vezes, o bom orador, com técnica de comunicação, como ensinava seu ministro das comunicações Goebels, leva a população ao delírio, e o governante fica com tantos poderes que faz o que quer, e o povo, “cego”, ainda bate palmas.

Foi o que aconteceu na alemanha. Todas as ditaduras são abjetas, de direita, esquerda ou centro. No Brasil, a maioria dos intelectuais de esquerda não dizem uma palavra contra a ditadura de Fidel Castro, em Cuba, nem de Hugo Chaves, na venezuela. Minha admiração ao es-critor peruano, vargas Losa, prêmio Nobel da Paz, que rompeu ideologicamente com essa gente que se eterniza no poder. a democracia é ainda o melhor dos regimes pela alternância de Poder. Graças a deus, no Brasil, o povo é quem escolhe seu governante pelo voto direto. as coisas não são perfeitas, mas estamos no bom caminho... Lula, embora amigo desses ditadores, não se deixou levar pelo “Canto das sereias” de sua popularidade, e, como democrata, optou pela alternância do poder. Bom para ele e para o nosso País.

voltando ao almoço. o prato a ser degustado era um joelho de porco ao forno, tostado, o famoso “eisbein”. inimaginável que um prato com uma aparência tão gor-durosa possa esconder algo tão saboroso. ao separar-se a gordura, fica uma carne rósea, macia, e muito saborosa. o joelho de porco é servido com repolho e batatas cozi-das. estava uma delícia. aí deixei o vinho e degustamos uma bem gelada cerveja alemã, naquela grande caneca. Lá para as 16:00 horas, pegamos um táxi para a avenida

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alexanderplatz, nº 9, parando na famosa Galeria Kau-fhoff, onde me lembrei da encomenda do amigo delmo Aragão, uma caneta esferográfica Mont Blanc, mas não era das tradicionais, douradas; ele queria algo diferente.

Nesse momento, pedi que o amigo Heráclito rollem-berg, que se encontrava em Berlim junto com sua esposa angélica, a passeio, onde tínhamos combinado de nos encontrar naquele País que me ajudasse a escolher a caneta para delmo, que além de nosso amigo tinha sido seu secre-tário de obras, quando Heráclito foi Prefeito de aracaju.

a sua escolha recaiu numa clássica platinada, muito bonita, e pude com isso fazer algo pelo amigo de outras viagens a esse mesmo local, Boa compra, registro aqui seu pagamento pelo amigo tão logo recebeu a peça, pois em aracaju o preço é três vezes maior.

retornamos ao hotel exaustos, descansamos um pouco, e lá para as 21 horas fomos tomar uma sopa no restaurante do Europa Center, que fica no sub solo e a poucos metros do hotel. Fizemos a digestão passeando pela rua Budapester strass, em quase toda a sua exten-são. Quando estou muito cansado, ficou sem sono, e, de volta ao apartamento do hotel, abri uma garrafa de um vinho italiano, antes de dormir; era o remédio, um amarone della valpollicella Clássico, safra 2007. Nessa altura, eliane já dormia, enquanto eu fazia minhas anota-ções complementares daquele dia, e degustava essa uva passa, da cantina Negrar. o vinho tinha uma cor rubra intensa, de bom buquet e que evolui com notas de frutas vermelhas maduras.

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sabor agradavelmente seco, de boa estrutura e perso-nalidade, para carnes vermelhas e queijos curados. em companhia desse ‘Baco-deus do vinho, adormeci, só acordando, no outro dia, as 9 horas, para tomar o café da manhã. Fiz minha saudação ao universo, abracei-me mentalmente ao sol, recebi sua energia sacrossanta, tomei um bom banho, e preparei-me para o café.

ah, aquele café, como das outras vezes, não deixei de degustar minha taça de champanha, era um bom espu-mante alemão, pois o nome champanha, só é permitido para os espumantes de determinada região da França. Mas o alemão era tão bom quanto aquele. saímos a pas-sear e resolvemos almoçar na Loja de departamento, a nossa conhecidíssima Kadewe.

Almoço no KadeweTudo na alemanha é bom. esta é uma loja de de-

partamento considerada o templo do consumismo em Berlim. Fica na Kufürstendam, literalmente a avenida dos Príncipes eleitores. esse nome vem desde a idade Média, quando esses príncipes escolhiam o imperador do sacro império germânico-romano.

Fica essa avenida do outro lado do hotel, porém, pa-ralela. almoçamos no restaurante antipasti, no 6º andar, comemos uma lazanha de legumes (Lasagner Gemüse), e eliane teve a companhia de uma Cerveja Flashe Ka-deWe Pilsner. Pelo prato pagamos cada, 7,90 euros e a cerveja 3,9 euros. eu degustei uma taça de vinho tinto

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italiano Chianti Peppoli, ao custo de r$ 3,90 euros. o custo total do almoço foi 22,50 euros. Barato para os padrões da alemanha.

em nenhum lugar do mundo, nem na itália, se come uma lazanha como no restaurante antipasti, principal-mente à bolonhesa, ao sugo de molho de tomate, um bom pomodoro. será a próxima pedida. o restaurante parece um “Quiosque”redondo, com bancadas, e que tem em sua volta, cadeiras altas, onde você se senta quando há vagas. È uma grande rotatividade, é um entra e sai intenso de pessoas, sinal de boa comida e a um jus-to preço. No seu centro, o Chef, vestido a caráter, com aquele chapéu branco e alto, dá o tom na gastronomia, à semelhança de um maestro. em pouco tempo, os pratos vão saindo, para o prazer dos que têm essa oportunidade de comer ali...

Pela madrugada, as 03 horas da manhã, recebi um telefonema de aracaju, de uma sobrinha de minha co-madre Maria antonia, dando conta do falecimento do meu grande amigo e compadre Zé Tomaz.

Fiquei muito triste e não mais dormi até o dia seguinte.Pedi as minhas filhas que me representassem no veló-

rio e desse os nossos pêsames ao meu afilhado, a Maria Antonia e aos outros filhos. E que dissesse que eu me encontrava na alemanha, razão pela qual não poderia participar do sepultamento.

Notícia ruim não vem sozinha. após o café da manhã, dei a notícia a Heráclito, este já apresentava uma fisiono-mia triste e me disse: “eu não ia lhe dar uma notícia ruim

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que também me chegou nesta madrugada, mas, como você já me deu uma, vou lhe dar outra: faleceu João aragão, de infarto violento”.

a tristeza se somou, João aragão era também meu amigo. Lembro que quando eu estava no hospital, ele foi me visitar e não pôde me ver porque eu estava sem receber visitas por indicação médica. Tempos depois à visita que ele não pôde realizar, nos encontramos num dos shoppings de aracaju, ele com seu irmão delmo, que, ao me ver, abraçou-me com grande alegria e foi dizendo: “eu trouxe para você uma medalha de Nossa senhora de Fátima”, retirou do pescoço e colocou no meu. disse-me que gostaria de ter feito isso ainda no hospital, mas não teve essa oportunidade.

depois dessas notícias, telefonei para delmo em ara-caju, dando-lhe os meus pêsames. ele estava desolado, eu o consolei como ele me consolou quando estive doente. a vida é uma via de mão dupla: Passadas essas tristezas, a vida continua.

um dia resolvi abrir as cortinas do meu apartamento no Hotel em Berlim e percebi a existência de um prédio que tinha na sua cobertura um grande espaço de grama verde, cadeiras de sol, e uma piscina que adentrava para a parte interna do prédio.

eu estava diante de algo muito famoso em Berlim, e que no passado, foi motivo de comentário de algumas pessoas que fizeram aquele curso comigo em 1988. Tratava-se das “Thermen de Berliner”, ou seja, das Ter-mas de Berlim. uma casa de nudismo de todas as idades e

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sexos, pais com seus filhos, avós com seus netos, mari-dos com suas esposas, todos despidos tomando banho de sol e nadando na piscina. As termas ficam no último andar daquele prédio que se avista da janela do aparta-mento n.º 894 onde eu estava hospedado. e tudo isso, tanto de dia quanto de noite e na maior naturalidade.

ao que me consta, a piscina circunda a parte externa e interna de toda a cobertura daquele edifício. Como sergipano, essa cultura choca, de início; porém, depois de certo tempo, me acostumei e passei a ver o nudismo com naturalidade.

À noite, vez por outra, quando tínhamos comido frugalmente no almoço, escolhíamos um bom restau-rante para jantar. especialmente, em véspera de viagem para outro País.

Heráclito é conservador como eu, e escolheu jantar no “restaurante via Condotti” – rua Fasanenstrasse n.º 73, o que fazemos sempre nas despedidas em Berlim.

Fomos de táxi, com reserva feita por antecipação pelo hotel. Na europa, os bons restaurantes atendem somente com reserva, alguns deles com muita antece-dência. É um restaurante italiano da melhor qualidade. a comida é muito boa, e o preço lhe faz jus. Comemos, todos nós, uma massa – Tagliolini com Trufas. essa massa é aos quatro queijos, sendo preparada dentro de um grande queijo parmesão, enorme, uma grande roda, inteiro.

o Chef raspa esse queijo e dentro dele mesmo toca fogo no molho, flambando no vinho branco, para

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derreter o queijo parmesão, no preparo desse deslum-brante molho dos deuses.

em seguida, mistura tudo dentro desse queijo e serve nos pratos individualmente, colocando sobre a massa lascas de trufas que são raladas na hora. Trufas são uma espécie de batata que os cães especializados nisso fare-jam, nos bosques e florestas, e quando as encontram, são cavadas do solo. Seus donos ficam felizes porque é vendida a preço de ouro, literalmente falando. a depen-der da qualidade da trufa, ela é exportada para os grandes restaurantes da europa e do Mundo.

uma delícia, com a companhia daquele vinho Barolo. imperdível, de dar água na boca... ah, como é boa a vida! e os homens lhe dão tão pouca importância, guerras e mais guerras, bombas, terrorismo, quanta bobagem, precisamos ser mais fraternos.

Felizmente, no Brasil, graças à nossa grande mistura racial, não temos nada disso. o mundo teria que vir a são Paulo, visitar a rua 25 de março, árabes, judeus, libaneses, iraquianos, iranianos, brasileiros, todos juntos vivem seus negócios em paz, é o maior burburinho: o Brasil inteiro ali se encontra nas suas compras. Todos muito sabidos, mas, “tuti buona gente”, como dizem os italianos.

Já estava chegando a hora de deixar a alemanha. a viagem era no dia seguinte e eu precisava comprar uma lembrança para meu médico, dr. Juvenal Torres; ele me operou 5 vezes, salvou minha vida quando tive uma infecção generalizada no intestino, que ficou necrosado por causa de uma trombose que impedia a

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circulação do sangue na área. onde encontrar o que eu queria? Teria que ser algo simples, porém bom, como o próprio Juvenal. várias ideias se passaram pela minha cabeça, mas nessas horas, quem me salva é Hr.

e aí, amigo, estou pensando em comprar a mais bo-nita camisa que tiver na alemanha para Juvenal, o que é que você acha? Perguntei. ele responder: uma camisa para o homem que salvou sua vida, é muito pouco. deixe comigo, vamos na Kadewe, na área de jóias e relógios. e foi logo dizendo, vi um relógio dinamarquês bem fininho, pulseira de couro marrom, lindo que só... vejamos se você gosta, ou outra coisa que lhe agrade, menos uma camisa, brincou, e tirou muita onda comigo.

Fomos direto para a área das jóias. ele me conduzia sem dizer nada, eu já o conheço bem, são quase 50 anos de amizade, umas dez vezes viajando juntos com as famílias para a europa. Foi vendo ali, olhando aqui, sem dizer uma palavra, parou numa fina relojoaria. Calado, sem dizer nada. de repente demorou mais tempo num dos balcões. eu disse a mim mesmo: o relógio deve estar por aqui. Tenho que descobrir, pois era um jogo silencioso entre nós. então lhe perguntei: Que tal esse aqui?

eu tinha as características do relógio que ele já tinha me dito anteriormente quando lhe pedi sua sugestão, estava fácil. Na mosca, acertei. e o amigo, rindo, pe-diu ao funcionário da Loja que nos mostrasse a peça. uma beleza, pediu a opinião de eliane e angélica, e elas também concordaram. o presente de Juvenal

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estava comprado, um relógio da dinamarca, bem ao meu gosto e de todos que ali se encontravam. espero que ele goste.

ah, como gosto de Juvenal, como lhe quero bem. Quanta dedicação e atenções me deu e a toda a minha família, nos momentos do meu calvário. seu telefone celular sempre disponível, a qualquer hora do dia e da noite... saímos todos satisfeitos.

Fomos lá para as bandas da avenida alexanderplatz, em Berlin leste. rollemberg adora shopping, tinha descoberto um em uma de suas andanças, quando estávamos, certo dia, caminhando por lados dife-rentes. Um novo templo, o ‘Media Market”, fica na Grunersstrass nº 20, que beleza, e suas promoções, imperdíveis. eliane ganhou uma pequena maleta, daquelas que chamamos de “Cachorrinha”, que pode ser levada dentro do avião, com uma ou duas mudas de roupas, por segurança, caso a mala principal seja desviada. É bom sempre viajar com uma dessas, diz Hr. e lá fomos nós, de repente, sem sentir, já era hora do almoço: o nariz e o estômago, assinalavam que nós devíamos parar um pouco para comer.

a praça de alimentação estava bem ali. uma gran-de fila se fazia diante de um dos restaurantes. Era Mongol, seu nome “eaT GoBi”, um self-service. Gostei da comida. o preço também era bom. Na eu-ropa, restaurante com fila grande é sinal de comida boa e preço barato. aprendi essa lição com um basco, na primeira vez que estive em Madrid, na espanha, em

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1988, quando estava a andar por suas ruas, em volta ao velho hotel Carlos v, onde estava hospedado. de repente, em torno do meio dia, num dia de sábado, uma grande fila se formou e as pessoas saiam dali com uma caneca de cerveja na mão, e na outra um tira gosto, num papel.

era bacalhau fresco, fritado no azeite de oliva, o cheiro divino, e o sabor inesquecível. Ficamos a con-versar, quando ele me contou essa história da fila na porta dos bares e restaurantes. ele entrou no Bar e me trouxe um daqueles tira-gostos e um copo de cerveja. eu repeti a sua gentileza, fazendo a mesma coisa, e, lá para tantas ele me disse: esse é um costume do País Basco, como eles se chamam. se continuasse naquele costume, eu sairia dali no “Banguê”, como dizemos nós sergipanos, ou seja, carregado. e voltei para o hotel, me despedindo do novo amigo espanhol, que nunca mais vi, mas tenho dele essa boa lembrança. onde estiver desejo que seja feliz, com eu estou sendo.

À noite, jantamos na velha Kadewe, naquele mes-mo restaurante italiano, onde almoçávamos sempre. uma lazanha a bolonhesa ao molho pomodoro, e, para variar, uma taça de Chardonay. eliane, como de boa cepa de origem italiana, comeu um ravioli com espinafre, e bebeu sua cerveja tradicional, fazia caras e bocas, do prazer que a comida proporcionava.

voltamos a pé para o hotel, passamos no Hard rock Café, que é uma cadeia americana de restaurantes temáticos, com mais de 143 unidades espalhadas em

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36 países, cujo tema é o rock in roll. estava cheio de jovens. Compramos bonés e camisas para presentear os familiares, e saímos dali rindo, pois nossas idades não eram compatíveis com o som pesado do local e a juventude que se esbaldava.

ah como é boa a vida!

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a alemanha é muito boa para se fazer turismo, tem bons preços e muita segurança, mas estava na hora de deixá-la; saímos do hotel por volta das 9:00 horas da manhã. após o café tomei a minha taça de champanha em despedida e lá fomos nós para o aeroporto Berlin Tegell embarcar para Paris.

o taxi que nos levou ao aeroporto “Berlin Tegel” cobrou 17 euros; eu dei-lhe 20 euros e o restante ficou como gorjeta. Para liberar o carrinho da bagagem, pedi a eliane uma moeda de um euro, para ser colocada no receptáculo do próprio carrinho, e podermos colocar nossas malas. ela não tinha essa moeda; então, o taxista percebeu a minha aflição e rindo veio nos trazer a moeda de um euro. só mesmo na alemanha...

saímos de Berlim por volta das 12:30 horas, em direção

Capítulo XVIII

De Berlim para Paris - Dia 07/10/2010

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a Paris, num voo da air France, na Classe executiva, como em todos os nossos voos anteriores. Chegamos ao aeroporto Charlles de Gaulle, às 15:00 horas. o motorista de táxi descobriu logo que éramos brasileiros, por minhas conversas, e paguei caro por isso, mais 20 euros do que pagou o táxi de Heráclito.

ele pagou 50 euros, enquanto eu paguei 70 euros. o meu motorista, que usava barba, dizia ser o “Lula da silva Francês”, pela sua aparência. disse que gostava muito dos brasileiros, e tome conversa; percebi que estava pagando o preço aditivado, pois contornou pelas imediações da avenida Champs-Élysées, mais de uma vez. o francês me levou nessa conversa mole, mais 20 euros; eu achei até engraçado. Mas, isso não acontece na alemanha, lá tem seriedade...

estamos no outono, época em que as folhas das árvo-res caem, fenecem, as árvores se desnudam, as calçadas ficam cheias de folhas. O que me chamou atenção dessa vez em Paris foi a falta de limpeza nas ruas. Garrafas plásticas, dessas de água mineral, jogadas a esmo, pontas de cigarros no chão... Mas, Paris é Paris; por sua beleza vale a pena sempre visitar a cidade luz. Mesmo com seus preços escorchantes em relação a Portugal e à alemanha.

Em Paris, ficamos hospedados no Hotel Califórnia, um bom 4 estrelas, diária de 270 euros, mais o café da manhã por 50 euros, dá uma diária de 320 euros. É muito caro em relação a qualquer hotel desse padrão na europa.

esse é o preço que se paga por se ir a Paris. Lá tem turistas demais, por isso os preços são tão caros. estamos

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hospedados a menos de 80 metros de distância da mais famosa avenida do mundo, a Champs-Élysées, centro nervoso da cidade. Bem pertinho dali, fui logo matar as saudades de um dos meus prazeres naquela cidade: degustar um bom sorvete da Haagen-dazs. ah! que sorvete de chocolate, sabor indescritível. Lembrei-me da querida filha Cristiane, que é louca por chocolate; quem sabe, aqui um dia com Itinho, seu filho e meu primeiro neto, possamos saborear juntos essa guloseima...

Pelo horário eu pude tomar aquele sorvete, sentia que a glicemia estava baixa, já conheço bem meu corpo dia-bético, e dr. Clemente rolim, meu médico de diabetes de são Paulo, aconselhou-me que, ao sentir qualquer dos sintomas de uma hipoglicemia, que é tão grave quanto uma hiperglicemia, que tomasse um suco ou algo doce. Tenho um Cartão de Plástico, que carrego em minha carteira, dizendo que tenho diabetes, e que, caso esteja consciente, porém, com alteração de comportamento, tontura, sonolento, pálido e transpirando muito, devo tomar algo com açúcar e aguardar 15 minutos. Caso não me recupere ou esteja inconsciente, não me deem nada pela boca. Levem-me ao hospital mais próximo, pois posso entrar em coma.

e todos nós, como crianças, estávamos a saborear nossos sorvetes. Nunca dantes me senti tão feliz em Pa-ris. Que bom viajar com pessoas amigas e na companhia da mulher amada, porque antes eu não via essas coisas da forma como hoje as vejo... só após o câncer, é que pude perceber nas coisas simples sua beleza, como andar

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pelas ruas, sentir o vento no rosto, admirar as árvores, tomar um sorvete com os amigos, e assim por diante.

Também aprecio outras coisas, agora, com visão di-ferenciada, mais perceptiva: gosto de elogiar os garçons que nos servem, mandar recados de agradecimento aos Chefes de Cozinha, pela beleza e sabor dos pratos con-feccionados e servidos.

em Paris, nunca deixamos de jantar no restaurante Casa de Delfos; fica na Rua de La Tremoille, nº 10. Jantamos quase sempre a mesma comida, lazanha a bolonhesa, que sai do forno numa tigela refratária, própria, e assim vem à mesa.

o vinho é sempre o mesmo; o maitre, que nos co-nhece de muitos anos, já pergunta: É o “amarone della valpolicella Clássico da vinicola sartori? só varia a safra. Lembramos que aqui mesmo, em 23/09/2004, degustamos esse mesmo sartori, mas, em 2006, já não havia esse vinho na adega, e tomamos outro amarone de vinícula diversa, mas não era a mesma coisa, claro, eram diferentes. Cada garrafa de vinho tem sua história, o terroir, que é o solo, o ano, clima, com muito sol e pouca chuva e vice versa, a colheita, a fabricação, o carvalho Francês, o período que adormece em grandes tonéis, depois pequenos, e finalmente, nas garrafas. São tantas coisas, para, ao final, se ter um vinho bom, excelente, medíocre, ou ruim.

O vinho tem uma sofisticação que só com o tempo é que se vai aprendendo sobre ele, pouco a pouco. No começo, gostamos dos vinhos brancos meio doces, e só

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depois é que passamos para os secos, os muito secos, encorpados, com maior personalidade; e, ao final, os tintos que fazem bem ao nosso coração.

a nossa vida é semelhante aos vinhos. vivem-se vidas de todas as espécies, dependendo, apenas, das escolhas, das companhias, boas e ruins. a sabedoria está em saber escolher a companhia de um bom vinho, e a companhia de boas pessoas.

Às vezes, se adquire um vinho bom, de preço justo, para tomar-se uma taça no dia a dia. o vinho de eliane, quando ela não toma a costumeira cerveja é o “equus”, Cabernet sauvignon, do vale do Maipo, produzido no Chile; a safra de 2007 esta boa, e uma garrafa, em são Paulo, na distribuidora, chega em aracaju, por volta de cinquenta reais, posto que, como consumidor final, estou isento do pagamento do iCMs, já que a aquisição é para uso próprio, não é para ser negociado. Podemos com-prar bons vinhos para usar em nossa casa, em qualquer distribuidora do País.

agora, se for em uma Loja de vinhos que vende no varejo, em sergipe, o imposto é de mais de 27% sua incidência. Por isso que os vinhos ficam caros, e, nos restaurantes, proibitivos quase. Gosto dos vinhos do Chile, a exemplo do “Montes alpha”, do vale Colcha-gua; pode ser da uva cabernet sauvignon, carmenère, ou merlot. esta última é a uva que as mulheres gos-tam mais, é uma uva feminina, mais delicada, por isso produzindo vinhos menos encorpados.

os vinhos chilenos são tão bons quanto os europeus.

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um “MontesalphaM” é tão bom quanto o melhor dos Bordeaux. Por outro lado, os nossos hermanos argenti-nos estão fazendo bons vinhos tintos; a vinícola Catena Zapatta tem feito excelentes vinhos, a exemplo do an-gélica Zapata. dos Portugueses, temos de muitas uvas, a sua clássica é a Touriga Nacional.

Como já disse, saboreei aqueles já citados, em especial um esporão gran reserva. Para um momento especial, gosto do “Casa de santar”; é um Touriga Nacional, da região do dão, denominação controlada, e o da safra de 2001, que estou degustando somente agora em 2010; é encorpado, seu teor alcoólico como ocorre com os grandes vinhos é em torno de 14%. a vinícola Casa de santar, foi fundada em 1790, e essa uva é considerada como “ex–Libris”da viticultura portuguesa.

o vinho tem uma cor retinta, escura, bom equilíbrio na boca, taninos muito finos, e um final aveludado. Elegante e equilibrado. as últimas garrafas que adquiri em são Paulo chegaram às minhas mão por volta de cento e quarenta reais a garrafa. dá para beber de vez em quando.

Mas, voltando a Paris, ao restaurante Casa de delfos, hoje, 07/10/2010, o garçon que nos serve há tantos anos, e que conhece bastante o Heráclito, nos ofereceu um amarone da sartori, safra de 2005; estava uma delícia. Como éramos quatro pessoas, tomamos duas garrafas, valendo o seu preço 50 euros por garrafa.

retornamos ao Hotel Califórnia, com já disse, pertinho da avenida Champs-Élysées, a menos de 80 metros. o hotel é bom, quatro estrelas, mas o banheiro

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é tão apertado, que é impossível de se dizer, embora luxuoso. Coisa de francês. Fiquei fazendo minhas ano-tações no caderno sobre o meu dia em Paris, para servir posteriormente para escrever este livro.

Por isso, enquanto esperava as ideias aflorar, abri, antes de dormir, um vinho francês que eu tinha comprado pela tarde, um “domaine de Toque”, safra 2007, denominado Gigondas, com 14,5% de volume alcoólico. a região de Gigondas fica no Sul do vale do rio Rône, perto de orange e avignon. Não há sonífero melhor, e, além do mais, é saudável.

O restante da garrafa ficou aguardando a próxima degustação... acordei feliz; são 10 horas da manhã do dia 08/10/2010.

ao escrever estas linhas do diário, despeço-me, pois vou tomar o café da manhã num Bistrô da Champs-Élysées, e gastar menos de 10 euros de despesa.

o café no hotel é 25 euros por pessoa; é muito caro, em relação à nossa moeda, o real. essa tem sido uma viagem cara, mas estou feliz em poder fazê-la, principal-mente, depois de ter passado por tudo quanto passei.

Pagar 50 euros por casal por um café da manhã, além do mais fraco, como é aqui, pão e queijo e um pouco de suco, por algo em torno de r$ 125,oo (cento e vinte e cinco reais), por um café da manhã é muito caro; so-mente quando está chovendo é que tomamos esse café no hotel, por mera comodidade.

Hoje tomamos o café na rua, e muito gostoso. após o café, pegamos um táxi direto para a rua du Bac, onde

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fica a Igreja da Medalha Milagrosa; assistimos parte da missa que se realizava, e, em prece, agradeci a deus por estar vivo, fazendo tudo quanto estava a fazer...

interessante que, desde muito cedo, embora de família católica, (minha mãe tomava conta da igreja de santa Luzia, dom José Bezerra Coutinho, Bispo da estância, era meu padrinho de Crisma), no convívio com dona iralina, tomei conhecimento da doutrina de allan Kardec, li seus livros, e seu seguidor me tornei, frequentando semanalmente o “Centro espírita Paz dos sofredores”, com dona raimunda delmondes, mãe da doutora Leda Delmondes, com quem fiz análise por muitos anos e da qual me tornei amigo.

No hospital, recebi visita de todos os credos e reli-giões, orações de todos matizes, espíritas, católicos da irmandade do sagrado Coração de Jesus, evangélicos da igreja Quadrangular, todos apondo suas mãos em preces sobre mim. em Fátima, me tornei devoto de Nossa senhora... Hoje sou tudo isso, ecumênico; acei-to e respeito meus irmãos de todos os credos.

as religiões são caminhos, vertentes, ruelas diversi-ficadas, levando todos, porém, para a mesma cidadela, o mesmo local, a mesma pátria, onde se encontram as forças da natureza criadora de todas as coisas, que é deus. Não sabemos como ele é, não o tocamos ma-terialmente, mas sentimos sua presença em todas as coisas; ele é a grande energia do universo...

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Almoço no Café De La Paixo Café de la Paix é um dos mais famosos de Paris. dese-

nhado pelo mesmo Garnier, da Ópera Garnier, a decoração lembra uma época passada. a área da Ópera já foi o centro da sociedade em Paris. a elegância da época permanece. você não vai encontrar um café barato, mas ainda pode ser compensador, dado o seu ambiente.

esse restaurante é muito bom, além de ser muito an-tigo, da época da revolução Francesa, sempre me apraz degustar uma Taça de Champanha, antes do almoço. você pode tomar apenas uma taça e pagar pelo varejo; não precisa pagar uma garrafa inteira. Hoje, em razão da diabetes, tomo muito pouco esse espumante delicioso e brut, seco, e não o doce. em seguida, tomo no almoço meu “Prandin”, e tudo bem, mantenho a glicemia sob controle. Fica na “Boulevard des Capucines, nº 12, ao lado, pelos fundos da “opera de Paris” (operrá, como se pronuncia em francês).

É um almoço 5 estrelas. Gosto do “ossobuco”, que minha tia Lia, quando o degusta em são Paulo, na “Fa-miglia Mancini”, chama de “Carne frita Besta, músculo, com osso.”

É assim mesmo, comemos muito bem, inclusive, um bom “foie gras” (Fuá grãs) de entrada, divino. o vinho, um branco da alsácia: Gewurztraminer, o preferido de angélica rollemberg, pelo seu aroma e sabor.

após o almoço, fazer a digestão pelas imediações, andar até as “Galeries Lafayette” e a “Printemps”, duas

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das melhores e mais famosas lojas de compras em Paris. Depois de andar muito, no final da tarde, resolvemos pegar um Táxi. ah! um Táxi em Paris. Não é nada fácil. os franceses esnobam nessa hora; eles não têm proble-mas, há mais passageiros do que táxis; então pegam a quem quer, pela aparência, e com estrangeiros, muito mais difícil. diante disso, resolvemos ir à pé, andando da “opera” para o hotel, uma caminhada e tanto, muito longe...

Passamos nessa andança pela porta do mais famoso e caro Hotel de Paris, o RITZ, que fica na “Place Vandô-me”. No centro dessa praça, um grande obelisco, uma bela colunata; no seu topo, uma estátua de um homem de estatura média, para os Franceses um gigante, seu nome: Napoleão Bonaparte. esse grande monumento foi construído com o bronze derretido dos canhões da Batalha de austerlitz, onde Napoleão venceu austríacos, nas guerras napoleônicas, que dividiram a europa entre os que estavam a favor e contra Napoleão.

Nessa região da Place Vandôme, ficam as lojas das mais caras grifes do mundo. Fomos vendo suas vitrines, uma por uma, até que chegamos ao lado dos Jardins das Tulherias na “Rue Rivolí, que fica bem próxima da Praça da Concórdia, antigo Largo da Bastilha, aquela famosa prisão, que com sua queda, em 4 de julho de 1789, derru-bou a monarquia francesa. Já estávamos cansados. eliane pediu que eu conseguisse um táxi; ela não aguentava mais caminhar por toda avenida Champs-Élysées, até lá perto do “arco do Triunfo”, um pouco antes, até a rue de Barri, onde ficava nosso hotel.

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depois de muitos e muitos acenos de mãos,e apon-tando para eliane que se encontrava sentada num dos parapeitos existentes, finalmente, conseguimos um táxi...

No hotel, enquanto descansava um pouco, pois já era noite, fiquei lembrando do almoço no “Café de La Paix”, ah, o vinho branco da alsácia, domaine Wein-bach Faller, Clós de Capucins, 2007, Cuvee Theo, uva Gewurztraminer, uma delícia, embora, eu, quase não mais tome brancos em face da diabetes, entretanto, esse é o vinho da amiga angélica rollemberg e sempre o toma-mos ou no Café de La Paix ou na Maison de alsácia na Champs-Élysées. essa região da alsácia é meio alemã meio francesa. depois da primeira guerra mundial, foi incorporada ao território francês. Quando os alemães estavam vencendo a segunda guerra mundial incorpo-raram essa área ao território alemão. em suas ruas, nos dias de hoje,se vê seu respectivo nome em alemão e em francês. seu vinho branco é muito aromático e delicioso, sendo apropriado para se degustar com uma boa torta...

O Chateau de Versailles o Palácio de versalhes (em francês: Chateau de ver-

sailles) é um “chateau” real localizado na cidade de ver-salhes, uma aldeia rural à época de sua construção, mas atualmente um subúrbio de Paris. desde 1682, quando Luís Xiv se mudou de Paris, até a família real ser forçada a voltar à capital em 1789, a Corte de versalhes foi o centro do poder do antigo regime na França.

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segundo os livros “em 1660, de acordo com os po-deres reais dos conselheiros que governaram a França durante a menoridade de Luís Xiv, foi procurado um local próximo de Paris, mas suficientemente afastado dos tumultos e doenças da cidade apinhada. Paris crescera nas desordens da guerra civil entre as facções rivais de aristocratas, chamada de Fronde. o monarca queria um local onde pudesse organizar e controlar completamente um Governo da França por um governante absoluto. resolveu assentar no pavilhão de caça de versalhes, e, ao longo das décadas seguintes, expandiu-o até torná-lo no maior palácio do mundo.

versalhes é famoso não só pelo edifício, mas como sím-bolo da Monarquia absoluta, a qual Luís Xiv sustentou.

Considerado um dos maiores do mundo, o Palácio de versalhes possui 2.153 janelas, 67 escadas, 352 chaminés, 700 quartos, 1.250 lareiras e 700 hectares de parque. É um dos pontos turísticos mais visitados de França; soube que recebe em média oito milhões de turistas por ano. É dele a frase: “o estado sou eu.”

Construído pelo rei Luís Xiv, o “rei sol”, a partir de 1664, foi por mais de um século modelo de residência real na europa, e por muitas vezes foi copiado.

A Champs-Élysées à noiteÀs 19:00h do dia 10/10/2010, a avenida fervilhava

de gente andando de um lado a outro, sem parar; de todas as capitais europeias que conheço, nada é mais

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cosmopolita do que essa avenida. Ou seja, nela desfilam pessoas de todas as raças humanas, desde o arco do Triunfo até a praça da Concórdia; é um mar de gente.

as luzes acessas em sua extensão lhe deram o nome de Cidade Luz, pela sua beleza. dizem que Hitler de-terminou, no fim da guerra, a destruição de Paris, e teria ordenado a um seu general que incendiasse Paris. e perguntava pelo telefone: “Paris está em chamas?”, título inclusive, de um grande filme do passado. O gene-ral alemão não teve coragem de bombardear Paris, nem de incendiá-la. Teria cometido um gesto tresloucado, se tivesse obedecido ao louco alemão.

Como disse, é a maior cidade cosmopolita do mundo; você vê, passeando por sua grande avenida, brancos, pretos, asiáticos, ciganos, latinos, em grupos ou soli-tários, uma multidão de gente indo e vindo sem parar, uma beleza ver tanta gente e de todas as classes, pois o mundo inteiro quer ir ver Paris...

velhos, jovens, pessoas de gravata, sem gravata, de casacos para suportar o frio, todos elegantemente tra-jados ou não ali estão...

uns de boné, outros de chapéu, de bolsas a tira colo, fervilham nessa avenida, dá gosto de se ver.

Nunca vi tanta gente, estou sentado e a observar tudo isso, fazendo anotações na frente da FNaC, na galeria Claridge, aguardando eliane, que foi ver se encontra um game, um joguinho que nosso neto Ítalo acabou de pedir por telefone.

depois ela foi até a sefora (Loja de Perfumes) que está

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abarrotada de pessoas, nesse domingo, comprando per-fumes das mais diversas grifes.

resolvemos jantar comida chinesa, num restaurante muito antigo, perto do nosso hotel, “restaurante dra-gons elysées”, na rua de Barri. aqui estive pela primeira vez em 1988; nada mudou desde aquela época.

seu piso é de vidro sobre um grande aquário, e muito iluminado; as carpas das mais diversas cores nadam abai-xo dos nossos pés. você tem a sensação que está pisando nas carpas multicoloridas que nadam em profusão. são peixes ornamentais muito bonitos. Nesse ambiente você sente uma profunda paz enquanto olha esses peixes e saboreia uma boa comida chinesa.

Na segunda-feira, 11/10/2010, tomamos o café da ma-nhã na “Brioche Dorée”, fica perto do hotel, e na Avenida Champs-Élysées, 78, pagamos menos de 20 euros por casal. em outros dias íamos tomar café na mesma avenida, no outro lado, no “Le deauville”, é mais classuda que a outra.

E o almoço no restaurante “Chez André” que fica na rua Marbeuf, n.º 12; lá se come um bom peixe, o lingua-do, que eu degustei, enquanto eliane comeu um bacalhau fresco. Tudo muito delicioso a um preço de 72 euros.

Véspera do nosso retorno dia 12 de outubro de 2010, véspera de viagem, dia

de se fazer poucas coisas, pois é dia de arrumações de malas, que são várias. Por isso ficamos sempre em volta da Champs-Élysées.

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Capítulo18

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Tudo pronto, malas arrumadas, à noite fomos jantar no restaurante “Chez andré”. eu tinha me excedido nessa viagem, estava feliz, mas comi alguma coisa que não me fez bem, nem a mim nem a angélica rollemberg; estávamos meio ressabiados, tomando remédios, e eu só podia comer um peixinho e nada mais.

Hr degustou, para minha inveja, um “Chateau Mar-got”, solitário, brincando comigo, me chamando de guloso; agora, estava sem provar aquele grande vinho na despedida de Paris...

voltamos cedo para o hotel, e a nossa sorte foi que fui acertar na recepção as nossa contas, quando fomos infor-mados que, no dia seguinte, haveria uma grande greve nos transportes em Paris. só haveria Táxi para nos levar ao aeroporto de orly, entre as 6 e 7 horas da manhã.

o motorista que nos levou ao aeroporto de orly, que fica mais perto de Paris, muito mais do que o aeroporto Charlles de Gaulle, devidamente instruído pelo Hotel, nos deixou no local certo, bem perto da TaP, a compa-nhia aérea portuguesa para onde iríamos nos dirigir para embarcar para Lisboa e de lá para o Brasil, dessa vez no aeroporto de salvador.

Nosso voo, que era pela tarde, estava cancelado, tendo como causa a greve, mas, como eu me apresentei como sendo colostomizado, expondo meu abdômen, conse-guiram me embarcar num voo que sairia às 10:00 horas. uma beleza, recebi por isso, todas as atenções...

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em Lisboa, ainda no avião, fui informado que aguar-dasse que seria o último passageiro a desembarcar, e juntou-se à aeronave um pequeno caminhão, acoplando nela um elevador, que tinha dentro uma cadeira de rodas, e várias poltronas...

o espaço era grande; eliane foi colocada numa delas, e eu, numa cadeira de rodas, e levado até o interior do aeroporto, onde desembarcamos para fazer a conexão para o Brasil.

Como colostomizado, recebi todas as atenções, soli-dariedade, cuidados, e um profundo respeito por parte das pessoas em toda europa. digo isso para que outros como eu não tenham qualquer receio de fazer uma via-gem em situações como a que me encontro. Não tem qualquer problema, aproveitem a vida...

Capítulo XIX

Voltando para o Brasil

Capítulo19

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o voo de retorno foi ótimo, também na classe exe-cutiva, todas aquelas atenções anteriormente já indica-das foram acontecendo. saímos de Portugal pela tarde, e, ainda no dia 13 de outubro, à noitinha, chegamos a Salvador. Entretanto, tínhamos que ficar esperando no aeroporto de salvador muitas horas, considerando que nossa conexão para aracaju só aconteceria na madrugada do dia 14; é verdade, estávamos mesmo no Brasil.

o aeroporto de salvador, em relação a sua praça de ali-mentação, é muito fraco; não tem um bom restaurante, e só funciona até às 22:00 horas, em sistema de lanchonete. acho bem melhor viajar por recife; seu aeroporto, nesse aspecto é bem melhor: tem à disposição do passageiro um bom restaurante, onde você é servido a “La carte”, ficando melhor instalado, enquanto aguarda sua conexão para seu destino.

só chegamos em aracaju na madrugada do dia 14 de outubro, às duas horas da manhã, mortos de cansados...

Mas valeu a pena; repetiria tudo que fiz, novamente, com muita alegria...

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Capítulo XX

Uma nova viagem - Salvador

Três dias depois de ter chegado a aracaju, fomos informados por Nádia, mulher de eduardo, irmão de eliane, que ele tomaria posse como secretário de Co-municações do Município de salvador, na Bahia.

Pensamos com nossos botões: e porque não ir dar um abraço nele e na Nádia, considerando que no domingo, dia 18 de outubro era o aniversário dela? vamos fazer uma surpresa. Como não ficariam orgulhosos os pais de eduardo se fossem vivos...

Como ele não mais os têm, aqui estamos nós. Pegamos um avião e lá fomos para salvador. Ficamos hospedados do dia 17 ao dia 19, no Hotel Pestana Bahia; uma beleza de visão para a Bahia de Todos os santos, aquele “marzão de Deus”. E o cunhado e a mulher dele, como ficaram felizes. isso é que é o bom da vida, ser feliz e fazer os outros felizes.

Capítulo20

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em salvador fomos ao Palacete das artes, que fica instalado na antiga residência da família do Comendador Bernardo Martins Catharino, cons-trução histórica datada de 1912, visitar a exposição “rodin na Bahia”.

Trata-se da exposição de 62 obras do escultor francês auguste rodin, considerado o pai da es-cultura moderna. No jardim do palacete, existem quatro réplicas em bronze, muito bonitas. Na parte interna do palacete, na entrada da exposição, os vi-sitantes são recebidos por uma de suas obras mais famosas: o Beijo. retrata o afeto entre o homem e a mulher, numa expressão de sentimento que nos emociona e cativa.

estão expostas também partes importantes do estudo de sua obra, “Portas do inferno”, que o es-cultor deixou inacabado; porém, este estudo gerou uma derivação de uma das obras mais famosas e conhecidas de rodin: o Pensador.

Foi um dia muito bom. visitar esse lugar em com-panhia de pessoas tão queridas e desfrutar dessas esculturas tão notáveis.

retornamos a aracaju, não sem antes saborear o melhor bacalhau da Bahia num restaurante lá para os lados da Praia Jardim de alá. Me refiro ao Mundo do Bacalhau (Flat Jardim de alá) av. otávio Man-gabeira, 3471; lá você pode escolher a qualidade do seu bacalhau. Há pratos feitos com o tipo “saithe”, mais econômicos, e com o “Porto”, mais caro.

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À noite retornamos em voo para aracaju, sendo recebidos como sempre, por vivi e Ítalo. Nos fez muito bem termos ido à Bahia, espiritualmente fa-lando, além dos prazeres das companhias e de uma boa mesa.

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Capítulo20

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No dia nove de novembro, acordei cedo, olhei o reló-gio e eram duas horas da manhã; pensei: hoje completo 65 anos, sou um sobrevivente do câncer, mais um ano de vida. Graças a deus!

Meu corpo estava tremendo, as mãos frias; logo perce-bi que estava tendo uma hipoglicemia; o açúcar do meu sangue deve estar abaixo de 70. Fiz o teste glicêmico e constatei o fato. Lembrei-me de um antigo Professor da Faculdade de direito, silvério; ele era diabético, e carre-gava no bolso do seu paletó uma banana e biscoitos de sal. Fui na cozinha, comi uma banana com biscoito, e comecei a escrever páginas deste livro até o amanhecer.

Fiquei como criança, aguardando para receber “os parabéns”, primeiro de Eliane, e depois dos filhos, gen-ros, netos, e dos amigos. ah! adoro receber presentes,

Capítulo XXI

Meu aniversário

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camisas e bermudas... e esperar à noite para cortar o bolo e vendo todos eles à minha volta.

Como sempre, desde que meu filho Ítalo morreu, não tenho feito grandes comemorações. Comemoro o ani-versário de uma maneira muito simples, poucos amigos, filhos, genros e netos. Só a família.

interessante como ainda sinto a falta dele nessa data. Por mais que eu tente evitar pensar naquele momento de tristeza, eu sempre fico procurando-o pela sala, e muitas vezes, fecho os olhos e mentalmente nos abraçamos mui-to, trocando afetos mútuos, e nessas horas ouço dentro de mim uma música muito antiga de roberto Carlos, “e por isso estou aqui”, cuja letra transcrevo:

“ olha dentro dos meus olhosvê quanta tristeza de chorar por ti, por tiolha eu já não podia mais viver sozinhoe por isso eu estou aquide saudade eu chorei e até pensei que ia morrerJuro que eu não sabiaQue viver sem tieu não poderiaolha quero te dizer todo aquele prantoQue chorei por ti, por tiTinha uma saudade imensa de alguém que pensae morre por tide saudade eu chorei e até pensei que ia morrerJuro que eu não sabiaQue viver sem ti

Capítulo21

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eu não poderiaolha quero te dizer todo aquele prantoQue chorei por ti, por tiTinha uma saudade imensa de alguém que pensae morre por ti.”

Hoje não mais choro por ti de tristeza, meu filho; mui-tas vezes me pego ainda chorando de saudades. Como dói a saudade...

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Capítulo XXII

O aniversário de D. Eunice

Capítulo22

Foi na madrugada do meu aniversário que pensei: e por que não passar o aniversário de minha mãe com ela, em são Paulo, onde se encontra, passando uma tempo-rada, com minha irmã sônia, desde que meu pai faleceu?

Consultei eliane, que apenas ponderou que nós dessa vez deveríamos ficar hospedados num hotel que ficas-se na avenida Paulista, próximo ao Bairro Bela vista, onde minha irmã tem seu apartamento. argumentei que Sônia ia ficar chateada se nós não nos hospedássemos na casa dela, uma vez que isso nunca tinha acontecido. ao que ela retrucou, dizendo: você não está quebran-do paradigmas? e esse é um deles. Já tem muita gente no apartamento de sônia. e foi nominando: minha mãe, minha tia Lia, a prima Miriam. Nós não pode-mos tirar essas pessoas que nos são tão queridas de

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sua comodidade; seria egoísmo de nossa parte. a sen-satez venceu.

Faltava marcar as passagens de avião e escolher o hotel. Hoje está uma beleza; com a inflação controlada, você usa o Cartão de Crédito, e parcela tudo em quatro vezes, até o hotel. Foi o que fizemos. E assim, agora, como andarilhos, aproveitando a vida, lá fomos nós para são Paulo, passar o aniversário de minha mãe.

Ficamos hospedados no Hotel Caesar Business, na avenida Paulista, mais ou menos uma dez quadras do apartamento de minha irmã. Chegamos em são Paulo à noite; era dia 12 de novembro. Cansados, jantamos no hotel e fomos dormir...

Queríamos passar juntos alguns dias, voltar só no dia posterior ao aniversário de minha mãe. ela completa-ria 87 anos de idade no dia 15 de novembro. era seu primeiro aniversário, após o falecimento do meu pai. Minha irmã já tinha perguntado, anteriormente, se não daria para comparecer. Como eu queria fazer dessa vez uma surpresa, argumentei que as despesas da viagem à europa tinham me deixado de “caixa liso”, que o dinheiro estava curto, e coisas dessa natureza.

Minha irmã, compreensiva como sempre, lamentou, mas, concordou.

No dia 13 de novembro pela manhã, depois do café no hotel, lá para as 10:00 horas, fomos para o apar-tamento de minha irmã. Tocamos a campanhia, e eis que aparece minha Tia Lia à porta; que alegria, quanta surpresa, uma festa, logo depois “Mary Help”, é isso

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mesmo: a secretária Geral de minha irmã há uns 20 anos, pessoa da melhor qualidade humana, toma conta de minha irmã como ninguém, e cozinha bem... ela guarda com o maior cuidado meu Kit de limpeza da bolsa de colostomia, todo esterilizado, para quando eu vou àquela Cidade. Que pessoa boa, como gostamos dela...

aí perguntei: e minha mãe, onde está dona euni-ce? ela tinha saído com sônia para ir fazer compras no Hortifrutigrangeiro que tanto gosta, mas deve estar chegando. Combinei com todos que iria fazer uma surpresa, e fiquei num lugar que ela, ao chegar, não me veria...

de repente, a campanhia da cozinha toca; era dona eunice, cheia de compras, dando as ordens, a mesma de sempre. eu então me aproximei sorrateiramente, e fui lhe dizendo : “então, pensou que eu não viria passar seu aniversário com a senhora? ela exclamou:” Jefer-son, meu filho, aí meu Deus, que coisa boa você aqui” , e, caiu no choro, de felicidade, assim são as mães; em seguida, apareceu eliane, que foi abraçando-se com ela, que repetia, Nane, Nane, você também, que bom.”

esse é o melhor presente que eu poderia receber, ter vocês aqui, todos juntos... Chorava de felicidade. Foi aquela áurea de muita alegria e paz.

Depois de ficarmos um tempo juntos, resolvemos pegar um táxi, e ir à Faculdade Campos elyseos fazer a mesma surpresa à minha irmã; lá chegando foi uma festa, quanta felicidade...

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Capítulo22

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voltamos para o apartamento de sônia, todos jun-tos, onde “Mary Help” nos esperava com um grande banquete regado com um vinho Morandé, do Chile.

Foram três dias de muita alegria; comemoramos o aniversário de minha mãe, todos juntos... Tenho aprendido tanto depois dessa doença, que, às vezes, acho que ela foi uma benção, a forma que o universo encontrou para me ensinar coisas que eu não saberia como aprender, sem ter passado por tudo quanto sofri.

ah, no dia 13 de novembro fomos visitar o “Mer-cadão”; depois de reformado está uma beleza. Minha mãe, com quase 87 anos, nos acompanhava em tudo, andando como se fosse jovem, sem reclamar nada, toda feliz, minha irmã observando a cena vez por outra lhe dizia,” e cadê as dores d. eunice? Brincando. É isso mesmo, veja o que a presença do filho querido está produzindo; minha mãe toda sorrisos”, ao que ela retrucava: “Largue de ser ciumenta, meu amor pelos dois é igual”.

Fomos sentar no “ Hocca Bar”, fundado e funcio-nando desde 1952. as pessoas comendo os famosos pastéis de bacalhau, gigantes bolinhos desse mesmo peixe, e sanduiches de mortadela, tudo com Chope gelado, e refrigerantes diversos.

Minha mãe conseguiu uma mesa para nos sentarmos, uma batalha. A fila para comprar as coisas, com senha e tudo, parecia fila de banco, muito maior, mas, ao final, chega sônia, trazendo numa bandeja aquelas delícias, que todos comemos muito felizes.

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em seguida, fomos ao setor de frutas, comprar e comê-las, todas muito doces, limpas, e bem arrumadas, uma beleza, são Paulo é nossa europa.

dalí fomos andar pelos shoppings, bater perna, cada um mais bonito do que o outro, e, ao final, jan-tar no apartamento de sônia, tomar um bom vinho, ouvir uma boa música, e jogar conversa fora, com as amigas sandra, Professora da PuC/sP, sua irmã ana Pinto, seu marido Paulinho, pernambucanos de boa cepa, lá do recife, até a hora em que fui para o hotel levado por sônia.

No dia 15 de novembro, aniversário de minha mãe, como fazer as coisas, sem que tudo aquilo fosse visto por ela como uma festa? Meu pai tinha falecido a menos de 4 meses, ela ainda está vivendo seu luto, sua perda, sua profunda dor. Fala sempre nisso...

Tínhamos que compreender tudo isso; sandra, que tem origem portuguesa, fez um bacalhau à “Gomes de sá”, receita tradicional de sua família. sônia fez um bacalhau na Nata. Todos deliciosos.

Compareceram ao almoço, como convidados e que-ridos de todos nós, os dois irmãos, romildo, que os meninos de Cristiane, minha filha, chamam de tio Rô, e Chico, professor de matemática, com doutorado, de uma simplicidade franciscana. amigos de muitos anos... Foi um dia muito gostoso.

No dia 16 retornamos a aracaju, e aqui estamos.

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Capítulo22

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Nos idos dos ano de 1990, fui convidado para assistir uma palestra de um pensador sergipano que tinha retor-nado do rio de Janeiro, depois de viver muitos e muitos anos fora de sua terra natal. ele expunha em sua palestra assuntos dos quais aparentemente eu jamais tinha ouvido falar, mas, aos poucos fui vendo que os temas eram cor-riqueiros, relacionados a nossa vida diária. envolvente, cativante, ele usava a palavra de maneira natural, com fluidez, com um certo fascínio sobre a plateia, que a tudo ouvia atentamente, porque, na verdade ele estava falando sobre cada um de nós.

Nunca tinha visto alguém falar daquelas coisas da forma como ele falava. Já tinha ouvido muitos oradores brilhantes, expondo com maestria suas teses, mas aquele orador tinha algo de diferente; ele não falava das coisas

Capítulo XXIIINem copiar nem rebelar,

ser você mesmo

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comuns que ele tenha visto no mundo exterior, ele falava de outro mundo que eu não conhecia, do meu mundo interior. dizia verdades irrefutáveis, verdadeiros axiomas, tudo sobre as pessoas, a exemplo da inveja, ciúmes, rai-vas, da luta do Lobo e do Cordeiro que temos dentro de nós. da responsabilidade pelas nossas escolhas, nossas opções. Muitas delas sem volta, não obstante possam ocasionar profundo sofrimentos em si e nos outros. aqui se colhe o que se planta, e assim por diante. de repente, ouvindo o que ele dizia, passei a sentir em al-guns momentos uma profunda angústia e tristeza, e, em outros era como se respirasse uma nova lufada de um ar renovado, que entrava dentro de mim, provocando uma sensação de um grande bem estar. aqueles sentimentos, quando me abandonavam, instalavam no meu ser uma profunda paz interior.

assinalava que o ser humano, desde a mais tenra idade, buscava as atenções do seu pai e de sua mãe. e como não conseguia na maioria das vezes, mormente nos dias de hoje em que pais e mães não mais têm tempo para seus filhos, passava a tentar imitá-los, como forma de atrair suas atenções. É com se o filho dissesse : “Ei! eu sou igual a você, sua cópia, por isso me ame, porque, assim fazendo, estará amando a si mesmo”...

ora, como amar a si mesmo sem ter o conhecimento de si próprio?

Na maioria das vezes, o filho, quando não consegue chamar atenção por essa vertente, segue outro caminho: rebela-se. vai ser o contrário, completamente diferente

Capítulo23

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do caráter do seu pai e de sua mãe. o enfoque, contudo, é o mesmo: chamar atenção sobre si mesmo. o homem vive assim, perde a própria vida na busca das atenções do pai e da mãe. Quando, na verdade, o certo seria (é que existe, nesse campo essa expressão), nem copiar, nem rebelar-se contra a figura interna do pai e da mãe, mas ser ele mesmo, com virtudes e defeitos.

o conhecer a si mesmo é uma caminhada sofrida; você identificar e reconhecer seus próprios defeitos é para poucos. É mais fácil atribuir a culpa de tudo aos outros, ao pai, à mãe, aos amigos, aos inimigos, à família. E finalmente, quando não tem mais em quem por a culpa, põe na sociedade, que somos todos nós.

Fui atraído por essas questões. Passei a participar de reuniões e mais reuniões sobre esses assuntos, frequen-tando os mais diversos cursos em vários lugares do país, sobre o tema: “Conhece-te a ti mesmo”.

era desse mundo interior que o orador falava, das emoções humanas. era preciso saber cuidar delas, com muito cuidado, até de uma forma especial. essas emo-ções são faca de dois gumes, sendo que um deles corta, e como corta, corta profundamente, atinge muitas vezes as partes mais profundas do ser humano.

até então, tudo que eu tinha ouvido falar dizia que o homem nasce bom e que a sociedade é quem o cor-rompe. a culpa de tudo era da sociedade. Como é fácil atribuir ao outro sempre a responsabilidade pelo acontecimento humano. Os filhos não são mais respon-sáveis por nada, é sempre dos pais essa responsabilidade.

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esse sistema psico social vai criando uma isenção pes-soal de responsabilidade individual pelos próprios atos diante do outro. uma beleza, pode parecer; o outro é sempre o responsável por tudo. Ninguém é responsável pessoalmente por nada. Ao final. “Todos são culpados e ninguém tem culpa”. a culpa é sempre do outro, o outro é sempre o responsável, nós somos o que fizeram nossos pais, e eles são o resultado do que fizeram seus pais, e assim por diante, até os ancestrais, lá pelas calendas das nossas origens...

dizia o palestrante que a sociedade, nessa linha de raciocínio, seria uma sociedade de irresponsáveis, de doentes do psiquismo, que, como ninguém era respon-sável por nada, dentro de pouco tempo, valores antigos como “amar pai e mãe”, ”não fazer ao outro aquilo que não gostaria que fosse feito a você, estariam mortos”. Perorava sobre o livre arbítrio, afirmando que os valores de um passado recente, ensinados na última geração, aos poucos estavam sendo esquecidos, e que, na parte moral, isso seria de uma violência muito grande em que filhos perdendo o sentido de amar pai e mãe, poderia até chegar ao assassinato destes. o homem, chegando a isso, será porque todos aqueles valores já teriam sido perdidos.

o que o palestrante estava dizendo não era nada novo, pois sobre o que ele estava falando, muitos já tinham falado, inclusive, o Mestre dos Mestres: Jesus!

ele falava sobre as nossa escolhas pessoais como sendo de nossa responsabilidade individual e não dos outros. somos responsáveis pelos nossos próprios atos,

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Capítulo23

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pelas nossas escolhas, boas ou ruins, e assim por diante, era a sua “Teoria da identidade”. seu nome, Gélio albu-querque Bezerra. um grande amigo até os dias de hoje...

Com ele, dei meus primeiros passos por esse novo e fascinante caminho. e como viver depois de conhecer essas coisas, e como agir diferentemente, quando já se conhece um pouco de si mesmo?

É muito complicado, pois agora um tribunal está mais aguçado, e sempre cobrando, que é a sua consciência...

diante desses novos conhecimentos, deixei de ganhar dinheiro como advogado na área das separações de ca-sais, bem como em outros casos em que a ética pessoal não me permitia.

Primeiramente, no tempo dos desquites, e depois quando foi instituído no Brasil o divórcio.

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sobre esse tema, eu só fui compreender de fato a sua dimensão preconceituosa e racista, depois de viver na própria pele a segregação que esta estrutura impunha aos de minha geração.

aos 22 anos de idade, cheio de sonhos, e sem ter qualquer experiência da realidade das coisas da vida, o jovem daquela época era quase um inocente.

o sucesso naqueles tempos dependia do nascimento e do casamento. Nascer em berço de ouro ou casar-se com alguém rico. rico só casava com rico. Nem sempre os ricos estudavam. achavam que a fortuna não se acaba-ria nunca. No outro lado desse contexto social, havia os pobres. Para estes, a única forma de ascensão social era através dos estudos, isso eu aprendi com minha mãe. Pou-cos estudavam o nível superior. a Faculdade de direito

Capítulo XXIVA estrutura social

dos anos 60 em Sergipe

Capítulo24

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era um desses caminhos a ser percorrido para chegar-se ao sucesso. a velha faculdade de direito era pública, a única federal existente em sergipe, e o número de vagas era limitado a apenas 20 vagas. o concurso vestibular era muito concorrido.

diante desse quadro, era preciso se preparar, com muito estudo, para enfrentar o certame. Na minha épo-ca, não havia cursinhos de pré vestibular. Quem tinha interesse de entrar numa faculdade formava um grupo de estudos. Para isso deixei de trabalhar no comércio, e integrei um grupo de amigos para estudar e preparar-se para o vestibular durante quase um ano.

Todos do grupo foram aprovados. Como estudante de direito, as portas de um novo tipo de trabalho se fez para mim: ser professor de história em vários colégios da cidade, e assim sobreviver e pagar minhas contas pessoais, libertando meus pais dessa obrigação.

a formação em direito possibilitava aos que lá chega-vam a quebra da estrutura social então vigente nos anos 60. as mais importantes famílias de sergipe vinham das fazendas rurais e dela originou-se a sua aristocracia. o comércio produziu sua burguesia. os engenhos de cana de açúcar ou as fábricas de fiação e tecelagem, a chamada industria têxtil, sua burguesia industrial.

as mais importantes famílias desse tempo pelo poder econômico e político que tinham eram: Garcez, rollem-berg , Leite, Prado, Franco e sobral, dentre outras com a mesma raiz. eles também exerciam o poder político no estado. os governantes só saiam de uma destas hostes.

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sempre unidos por interesses pessoais dos seus res-pectivos grupos.

Não imaginava que nessas famílias a estrutura de poder era muito forte, daí os casamentos se davam qua-se sempre entre os membros dessas famílias: Fortuna chama fortuna, era o que se dizia. era muito difícil um casamento que não fosse dentre eles: primos com pri-mos e assim sucessivamente. raramente fora do núcleo dessas famílias.

as famílias ricas acertavam os casamentos, depen-dendo sempre da condição social, econômica e finan-ceira das partes envolvidas e de acordo com os seus interesses. os pais achavam que essa era a forma de proteger seus filhos e patrimônio. Dizia-se que o amor chegava com o tempo.

um dia, um jovem estudante de direito, mulato, pobre, e que sobrevivia como professor de história, dando aulas na rede pública e privada de aracaju, enamorou-se por uma jovem branca, bonita, e pertencente a uma dessas famílias tradicionais, cuja descendência tinha até nome de rua na cidade, embora já apresentasse sinais de decadência: já não eram ricos como foram.

a moça era considerada uma das mulheres mais boni-tas dentre as jovens daquela época. Tanto que era sem-pre convidada para participar de um famoso concurso nacional de beleza, para a escolha da mais bela do país: o Miss Brasil.

Cada estado da Federação escolhia em concorrido concurso qual a sua representante e a enviava ao certame

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Capítulo24

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nacional. era uma grande festa. Naquele ano, a namorada do jovem estudante de direito, com apenas 19 anos de idade, fora convidada para participar do Miss sergipe, embora não tenha aceitado o convite, em razão do rela-cionamento que já mantinha.

os jovens enamorados não contavam que, contra eles, estava o preconceito e a segregação racial, que não permitiriam a continuidade de um namoro como aquele.

sobre essa história tenho a dizer que a sociedade brasileira, tal qual como no passado, continua ainda hoje muito preconceituosa, quando se trata de casamento envolvendo pretos, mulatos e pardos, e pobres, com mulheres brancas e ricas, ressalvado na atualidade o caso dos jogadores de futebol ricos e pretos, que casam com mulheres brancas. imagine naquela época. o jovem es-tudante de direito não percebia que o mundo era assim.

os namorados, dois jovens, eram inocentes e cheios de sonhos. os apaixonados se humanizam, vêem sempre a possibilidade de transformar o sonho em realidade. Não analisam o contexto social e econômico em que vivem, nem suas regras de preconceito.

Mas havia a possibilidade de quebra dessa estrutura de poder, pensava o jovem estudante de direito.

a mãe da moça era considerada uma intelectual, pelo menos assim se dizia, poetisa, viúva, frequentava a alta roda daqueles quando declamava seus poemas, e coisas desse gênero. essa família, contudo, embora aparentasse uma coisa, não mais era rica, entrando em decadência depois da morte do seu varão. ele era um homem bom,

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vestia sempre um terno branco, e fumava charuto cubano quando eu o conheci. Morreu ainda moço.

o namoro foi crescendo, crescendo, o tempo passando, até que certo dia, a moça foi para o interior passar um final de semana com a irmã desta na casa da família do seu namorado.

uma certa tarde, estavam passeando de motocicleta (era um tipo de moto conhecida pelo nome de “vespa”) quando resolveram parar para ver a beleza de um pôr-do-sol em baixo de uma frondosa árvore.

Juras e mais juras foram trocadas, e como testemunha a pujança do verde da natureza e a força da juventude...!

Meses depois, os dois jovens se encontraram no Parque Teófilo Dantas, quando a moça lhe disse que algo tinha acontecido. Estava com a fisionomia apreensiva. De-monstrava medo. e ao encontro foi logo dizendo: acho que estou grávida. Lembra-se daquele nosso encontro embaixo da árvore?

abraçaram-se e riram muito. Como são inconsequentes os jovens.

e aí, perguntou: o que vamos fazer? ora, é simples: alugar uma casa, viver juntos, e ter o filho, essa foi a resposta do rapaz.

a única diferença entre nós, disse o jovem, é que eu sou pobre, e não sabia diante disso como reagiria a mãe da moça. ela, por outro lado, em relação a ele era rica, de família tradicional. Passariam dificuldades durante dois anos, até quando terminaria seu curso de direito, seria ad-vogado, e tudo melhoraria. assim pensava. Ledo engano!

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enquanto isso, o tempo foi passando, a barriga cres-cendo... algo teria que ser feito. a primeira providência seria avisar à mãe da moça.

E assim ficou combinado.Tudo daria certo, disse o jovem. até que uma noite, depois de um encontro, que se dava muito no jeep de um amigo que lhe emprestava seu veículo, esse era o motel daqueles tempos, resolvido ficou de ir falar com a mãe da sua noiva. Pedir permissão para o casamento, coisas dessa ordem. Qual não foi a surpresa do rapaz. a pureza interior, a honradez, ser trabalhador, integro, uma carreira pela frente, ter sentimentos, isso não tinha a menor importância naquela estrutura social. o jovem rapaz tinha dois defeitos intransponíveis: era pobre e mulato. a “poetisa”, ao tomar conhecimento dos fatos, foi logo dizendo: “Como você se atreve a entrar na minha casa, na sua condição social, para pedir minha filha em casamento? Ponha-se em seu lugar. Você não se enxerga, não vê a sua cor”, indagou.

Fez ameaças, disse que ia chamar seu irmão que era um médico famoso e que as coisas não ficariam assim. e concluiu: ponha-se para fora de minha casa. o rapaz saiu dali moralmente arrasado, liquidado, profundamente ferido em seus sentimentos. retornou ao Parque dos encontros onde um casal de amigos estavam aguar-dando os acontecimentos, em companhia da sua noiva. as alianças já tinham sido compradas e estavam sendo usadas por eles.

dali para a casa da avó da amiga todos partiram juntos. Não tinham para onde ir. Foram recebidos da melhor

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maneira pela avó da amiga comum. Porém todos estavam tristes, sem saber o que fazer. depois de muita conversa, ficou acertado que a jovem não retornaria para a casa de sua mãe, e que ficaria uns dias na casa onde se encon-travam, até tudo ser resolvido. decidiram casar, com o consentimento ou não da família da noiva.

Perto da meia noite, um carro parou na porta, dele desceu uma assistente social, professora da Faculdade de serviço social, que veio buscar a moça. dizia que a mãe dela estava arrependida com o que tinha dito anterior-mente e que concordaria com o casamento da filha, mas que não havia necessidade de um escândalo, etc e tal...!

depois de muitas ponderações, todos concordaram com a nova situação, e sua noiva voltou para casa de sua mãe.

dias depois, numa dessas tardes, a jovem disse que iria para salvador, passar uns dias com sua mãe, oportunida-de em que comprariam o enxoval para a criança que iria nascer. algumas economias foram disponibilizadas para essas despesas por parte do rapaz, e a viagem aconteceu.

dias depois recebeu uma carta, postada em salvador, dizendo que estava bem com a criança; contudo, o en-velope, não indicava o endereço da remetente.

os dias se passaram e como não mais recebia notícia, o jovem partiu para salvador para descobrir o que estava acontecendo. Buscas e mais buscas e nada de encontrar sua namorada. Percorrera diversas vezes a rua indicada no envelope, porém, sem indicar o número de onde estava hospedada. o dinheiro estava acabando e ele teve que voltar para aracaju.

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Notícias dela nunca mais soube. Muito tempo depois, por um amigo, tomou conhecimento que ela se encontra em são Paulo, com sua mãe...

Quase 3 anos se passaram até que, certo dia, a jovem apareceu e foi ao seu encontro, procurando justificar seu comportamento. Ao ser perguntada so-bre a criança, recebeu como resposta que não havia nenhuma criança.

até então vivera na casa de um tio, e que tinha feito tudo isso por pressão de sua mãe. Que não o tinha esquecido, e que queria reatar a relação e coisas dessa natureza.

Como resposta, lhe foi dito que tudo aquilo fazia parte de uma história que ficou no passado, e que es-tava tentando reconstruir sua vida afetiva com outra pessoa, e que a família desta moça o tinha acolhido, diversamente da sua.

o jovem já era advogado e continuava sendo pro-fessor. daquele encontro até hoje, muitos anos se pas-saram, e a vida continuou o seu fluxo...

o jovem advogado casou-se com outra pessoa, que se tornou o grande amor de sua vida, e com quem vive até hoje, passados mais de 40 anos.

Teve quatro filhos e vive feliz com sua família, já tendo inclusive 5 netos. seus genros, nenhum rico de bens materiais, porém milionários em caráter, vivem muito bem com suas filhas. A nora, de igual forma, também foi acolhida, como uma filha. Nunca interferiu na escolha dos amores dos seus filhos; havia aprendido a lição que a vida tinha lhe imposto.

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e o tempo foi passando, sempre deixando suas lições para aqueles que têm olhos de ver. até que, um dia de sá-bado, como fazia todos as semanas, foi à “Casa amarela”, que era um posto de lavagem de carros. um dos carros que tinha só era usado nos finais de semana, como acontece ainda hoje. estava lavado e impecavelmente polido para o passeio matinal. esse carro tinha sido comprado com parte do seguro recebido pela morte em acidente de carro do seu filho Ítalo. Quando vivo, ele dizia que um dia presentearia seu pai com um carro Mercedes-Benz, que ele tanto admirava, e que falava desde os tempos em que fez um curso na alemanha sobre administração.

de carro impecavelmente limpo, encontrava-se na rua ita-baiana com a avenida Barão de Maruim, quando teve que parar o veículo, pois o sinal de trânsito estava vermelho.

ao seu lado, um carro muito velho, com marcas de ferrugem, o que denotava a falta de cuidados do seu dono, também aguardava o sinal ficar verde. Dentro dele, sua motorista olhava interessadamente para a jóia que se encontrava a seu lado: um automóvel preto, Mercedes-Benz, modelo C-280, uma beleza, um dos carros mais bem cuidados de aracaju, carro de coleção.

Pensou o motorista da maquina alemã que podia se tratar de uma pessoa conhecida ou amiga e resolveu, por isso, baixar o vidro lateral, para ver quem era: Que surpre-sa! a motorista daquele velho e surrado automóvel não era nada mais, nada menos do que a expressão de uma senhora que ainda conservava os traços de arrogância,

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embora não mais fosse rica. Tinha gasto todos os seus bens, a riqueza havia acabado, contudo, continuava orgu-lhosa. a mulher era aquela mesma que tinha expulsado de sua casa aquele jovem que fora pedir a mão de sua filha em casamento porque esta estava grávida, esperan-do um seu filho. O único motivo: Ser pobre e mulato. Um filme passou por sua cabeça, reviveu os anos. Não foi aceito por sua condição social. os papéis tinham se invertido. Passados muitos anos, aquele jovem po-bre e mulato de então, que fora tão humilhado, agora, maduro, bem sucedido, dirigia em passeio matinal sua Mercedes-Benz.

ocupou altos cargos de sua carreira na administração pública do estado de sergipe, advogado, Professor, Procurador do estado aposentado e empresário no ramo da educação. Como o mundo dá voltas.

a velha senhora estava pobre. assim é a vida! É preciso ter paciência, sentar nas margens do rio da vida e esperar o correr de suas águas. o segredo do sucesso na vida para os pobres é só um: estudar sempre, cada vez mais.

aquele jovem dos idos dos anos 60 tinha se tornado um conhecido advogado e exercido vários e importantes cargos na administração pública do seu estado. estava aposentado, e tinha, como em tantas outras vezes de sua vida, mantido sua luta, sua fé, dando a volta Por Cima...

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Havia em aracaju, nos anos 1960, na rua são Cristo-vão, um abrigo conhecido como casa do estudante. Lá moravam vários estudantes das mais diversas faculdades e era mantida com dinheiro do governo federal. Certo dia, estava no meu quarto estudando, quando entrou esbaforido o colega da Faculdade de direito, Joaquim Gonçalves Neto (Quincas e também conhecido por Joaquim cabeça branca), que foi dizendo: Jeferson você tem que se esconder. aí em baixo, na entrada da Casa, está um Oficial do exercito à sua procura. Acho que para lhe prender. deixei conversando com ele, nosso colega João santana e Fernando dantas Lima (conhecido por Tesourinha), enquanto subi para lhe avisar. Fiquei com muito medo e sem saber o que fazer. Joaquim então su-geriu que eu subisse para o sótão, que era uma entrada

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Capítulo XXV

Uma história da Casa do Estudante

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que ficava no telhado do prédio. Colocamos uma mesa e em cima desta uma cadeira para subir e lá me esconder.

era o forro de cimento do último andar, áspero, com um pouco de brita aparente, lá fui me arrastando com a barriga no chão até chegar bem na frente do prédio para ver se via o veículo do exército que teria vindo me prender. Fiquei calado, o coração batia descontroladamen-te pelo evidente medo e preocupações. Nesse instante, pensava nos meus pais e no sofrimento que eles teriam com a minha prisão. Tudo estava em silêncio. de repente, ouvi um barulho; era como de botas no chão, e o arrastar de cadeiras. uma voz perguntava: onde está Jeferson ?

ele não está aqui não “seu Tenente”, dizia Joaquim. João Santana confirmava que eu tinha ido para a Facul-dade de direito, e assim por diante. então perguntou: e esse buraco aí no teto, o que tem lá em cima ?

Tesourinha foi logo dizendo que não sabiam, pois ninguém nunca teve a curiosidade de subir para ver. então o Tenente foi dizendo: sargento, vá lá em baixo e traga os soldados, e minha metralhadora. acho que “nesse mato tem coelho...

Minutos depois, grande barulho de pessoas, subindo as escadas que dava acesso à Casa do estudante. o te-nente então foi dizendo: vou subir no sótão e dar uma rajada de metralhadora. Contudo, antes disso, vou dar uma oportunidade dele se entregar, se estiver aí em cima, como eu acho.

Meu coração batia mais ainda em descompasso, ao ouvir toda aquele história. a revolução de 1964 estava

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em pleno vapor, e a notícia que corria é de que estavam prendendo muita gente. eu tinha feito uns discursos pela democracia e estava preocupado.

do meu esconderijo, de longe vi a cabeça de um homem que, ao meu ver, era o tenente que foi dizendo: vou dar uma rajada de metralhadora, é melhor você se entregar. Garanto sua integridade. Mando a tropa descer. aguar-darei que você se prepare para ser levado para o 28BC. Ninguém vai saber que você está sendo preso. eu sou do serviço secreto. estou paisano, você irá comigo para o quartel. e foi dizendo, sargento me dê a metralhadora. vou atirar, este é o último aviso. então respondi: eu me entrego, vou sair daqui e descer.

em baixo, um silêncio total. Todos os colegas, com a fisionomia de tristeza, acompanhavam minha prisão com o olhar. disse-me o tenente: Pode colocar numa sacola algumas roupas e coisas de sua higiene pessoal. Tem 10 minutos para isso. eu estava cego, não via nada. arrumei minha roupa e me preparei para descer as escadas, quando Tesourinha começou a rir e os demais colegas. era um trote. Não havia nenhum tenente do exército. desempe-nhava esse papel um jovem estudante mineiro que tinha ido pedir asilo na casa dos estudantes. ele era estudante e fugitivo das forças de repressão de Minas Gerais. ao chegar na Casa do estudante, Joaquim Gonçalves Neto e João santana sobrinho, juntamente com esmeraldino Casali, bolaram esse trote. Ao saber disso, fiquei furioso e parti para cima do pseudo tenente para brigar. os colegas não deixaram e foram justificando a brincadeira.

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Esse caso ficou nos anais da Casa do Estudante. Quem gostava de ouvir essa história era Thiers Gon-çalves de santana. ele era um grande amigo. Tinha sido “Bedel” (inspetor de alunos) e, posteriormente, pro-fessor de geografia do Colégio Tobias Barreto. Era da Cidade de Cedro de são João. de família pobre como eu, tinha estudado direito, e feito concurso para Juiz de direito. era Juiz de estância. Morava na rua Pacatuba, aqui em aracaju. Costumeiramente, nos dias de segunda feira pela noite, quando eu já era advogado, ia para sua casa, bater papo. Por lá sempre encontrava Maria Luiza Cruz, que era sua vizinha, e depois se tornou Promotora de Justiça, integrando o Ministério Público de sergipe. Era filha do velho professor Acrísio Cruz.

Também no bate papo costumeiro, seus ex-colegas de Faculdade, que também eram Juízes de direito: dr. Barreto Prado e dr. artur oscar de oliveira deda. ambos se tornaram desembargadores do Tribunal de Justiça do estado de sergipe, menos Thiers, o que foi uma pena. valor para tal não lhe faltava...

dona Cila, a esposa de Thiers, preparava sempre um café com biscoitos, como merenda nessas noites. Thiers morria de rir dessa minha história da prisão na Casa dos estudantes. Que tempos bons! Foi uma pena que Thiers não chegou a ser desembargador do Tribunal de Justiça de sergipe. Morreu antes, de um fulminante enfarte do coração, no meio da rua, em pleno passeio publico. Coisas da vida. dele, com quem trabalhei como Juiz, na Comarca de estância e em santa Luzia do

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Itanhy, posso afirmar: Thiers Gonçalves de Santana era um homem íntegro, um grande magistrado. um homem bom. Meu amigo.

Ainda hoje sou amigo dos seus filhos, e quando me encontro com dona Cila, fazemos uma festa com nossas lembranças...

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Capítulo25

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ontem, 24 de novembro de 2010, fui fazer uma con-sulta de rotina com o dr. Nivaldo vieira, meu oncologista em aracaju, por indicação do doutor Paulo Hoff, meu médico em são Paulo. isso se repete há cada três meses, oportunidade em que faço um exame de sangue deno-minado (Cea) – antígeno Carcinoembriogênico. esse exame serve para detectar a existência de células cance-rosas no organismo. Todos nós temos uma quantidade no organismo que é normal até 5,0 ng/ml. o resultado deste último exame deu 1,4; o que significa que estou dentro da normalidade.

os exames de sangue, a exemplo do hemograma completo, também apresentaram valores dentro da normalidade, inclusive, a creatina. amanhã estarei fa-zendo uma Tomografia Computadorizada do abdômen,

Capítulo XXVI

Aguardando a sexta cirurgia

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pelves e tórax, no Hospital são Lucas, para ver como está a região da cirurgia e outros órgãos próximos.

Tenho previsão para fazer uma nova cirurgia de re-composição do intestino, para o mês de fevereiro ou março de 2011, em aracaju, com os mesmos médicos que me operaram anteriormente. Tenho tomado diver-sos remédios para diabetes, e para evitar hemorragias e trombose, a exemplo do ass, como dito anteriormente.

Estou muito confiante que deixarei de usar a bolsa de colostomia e passarei a viver uma vida sem essas limita-ções que me acompanham.

Quero deixar registrado a todas as pessoas que já pas-saram pelo que eu passei, e pelas que poderão passar, que não percam a esperança, nem a fé. sejam felizes, porque tudo passa e, apesar de todo sofrimento, afinal, o mais valioso é ser feliz e dar a volta por cima...

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as gaivotas passaram a chamar minha atenção, quan-do comecei, nos idos de 1990, a frequentar palestras de auto-ajuda, levado por uma grande amiga que já buscava esse caminho, o do conhecer a si mesmo. o palestrante da noite era um pensador existencial da condição humana, que até então eu não conhecia: Gélio albuquerque Be-zerra, de quem me tornei amigo e seu advogado. aquela amiga não sabe como lhe sou grato, mas, pede-me sempre para manter seu nome no anonimato. Na época, pouco ou nada sabia de minha vida interior. decorrido algum tempo tive a oportunidade de ler o romance de richard Bach ,“Fernão Capelo Gaivota”, publicado originalmente nos estados unidos, em 1970, com o título de “Jonatham Livingston”, conforme pesquisa que fiz na internet sobre o romance. a história retrata a aprendizagem de

Capítulo XXVII

A gaivota e a contra-capa

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uma gaivota que era diferente das demais do seu grupo. Fernão Capelo Gaivota era o seu nome. Não se conformava em ter que perseguir os barcos de pescadores para se alimentar, com os restos da pesca que eram jogados da embarcação, como refugo. as gaivotas, de um modo geral, não fazem grandes voos, não conhecem o desfrutar da liberdade de voos a gran-des alturas, como fazem outros pássaros. vivem nas pedras, em colônias, perto dos barcos de pesca. esse é o seu quotidiano. Nada de diferente, de ousado fazem. entretanto, Fernão Capelo Gaivota não era assim... ele queria voar cada vez mais alto, conhecer outros lugares, coisas novas, aprender cada vez mais, seguir em busca de novas paragens, mesmo que nessa busca houvesse muitas quedas, sofrimento e asas quebradas. Fernão Capelo Gaivota era assim, não desistia nunca dos seus propósitos, mesmo que grandes adversidades ocorres-sem. aprendeu a voar cada vez mais alto, plainando acima do oceano, dos mares e dos rios. ele podia, com a sua visão cada vez mais treinada, perseguir os melhores cardumes, escolhendo os melhores peixes para matar a sua fome e para saciar o seu próprio prazer, como fazem as águias pescadoras.

depois de aprender tantas coisas, pensou: preciso voltar à minha antiga colônia para ensinar tudo que aprendi às minhas companheiras. as gaivotas, todavia, não quiseram aprender o que ele tentava ensinar. Não foi compreendido. a maioria o considerou louco e ter-minou sendo expulso pelos líderes de sua colônia. os

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homens são como as gaivotas, poucos querem apren-der sobre si mesmos. É preciso muita coragem para enxergar os próprios defeitos. Poucos sabem que o outro é como um espelho. aquilo que nos incomoda no outro é a revelação do que está presente em nós, como arrogância, onipotência, autoritarismo, vaidade, narcisismo, e assim por diante. É mais fácil apontar os defeitos dos outros do que ver e sentir o seu próprio defeito. Por essas e outras, é que guardo dentro de mim um Fernão Capelo Gaivota. a gaivota passou a ser um arquétipo, um símbolo que eu queria colocar neste livro. Pessoalmente já tinha visto o voar de muitas gaivotas, mas nenhuma tão bela quanto as de Portugal. Tanto as da cidade do Porto, quanto as que voam nas margens do rio Tejo, em Lisboa. elas sempre chamaram minha atenção. Procurei, entre os meus guardados, uma foto feita por mim, para que Carlos alberto e Lúcia an-drade, meus amigos e que cuidaram da diagramação deste livro e de sua coordenação editorial, pudessem inserir minha gaivota na contra-capa do livro, e não a encontrava.

então, certo dia, num site de Portugal, encontrei o que procurava: a foto de gaivotas, e, ao seu lado, um poema do poeta Português Carlos Morais dos santos, “Gaivota de abril”.

ora, aquilo teria sido uma coincidência ou uma provi-dencia dos céus?, como nos interrogou o colega e amigo fraterno, dr. José alcides vasconcelos Filho, Procura-dor do estado de sergipe, ainda na ativa, quando lhe

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contei o ocorrido. Tentei saber quem era o proprie-tário daquela bela fotografia. A internet realmente aproxima pessoas, e, ainda neófito no seu uso, passei um e-mail para o poeta e ensaista português, nos seguintes termos: “seguindo os mesmos passos do escritor português antónio Feio, autor do livro “aproveitem a vida”, estou realizando um prolongado tratamento para vencer um câncer no intestino. Para comemorar o sucesso do tratamento resolvi, também, escrever um livro de auto-ajuda, para levar um pouco de alento aos que sofrem do mesmo mal e já perderam a esperança. No livro faço referência aos bons momen-tos que passei em Portugal, meditando e apreciando o voo das gaivotas do rio Tejo. visitando o seu blog “culturaseafectoslusofonos.blogspot.com” encontrei a foto que gostaria de usar na contra-capa do meu livro, “dando a volta por Cima”. Gostaria de saber se a foto é de sua propriedade e, em caso afirmativo, saber de que forma poderia receber a sua autorização para usá-la, com o devido crédito, é claro.

A foto a que me refiro está ilustrando, no blog, o poema “Gaivota de abril”. Nome do arquivo: Gaivo-tas arrábida 5032.jpg. (...)

o poema é de uma beleza marcante. Canta as gai-votas do Tejo, a revolução dos Cravos, ocorrida em 25 de abril de 1974, uma reconquista da democracia, o desmoronamento do regime ditatorial herdado de salazar, e as novas esperanças do povo português de sair da crise econômica e financeira que está vivendo

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Portugal. só de um grande coração, como do poeta Carlos de Morais santos, é que poderia brotar esse jar-dim de sentimentos, que é o poema “Gaivota de abril”.

respondeu de pronto minha solicitação, autorizan-do, gentilmente, o uso da sua fotografia para ilustrar a contra-capa deste livro.

Fiquei duplamente agradecido: primeiro, pela libe-ração e, segundo, pela gentileza e presteza com que o nosso pedido foi analisado. esses fatos me indicaram que acabara de ganhar um novo amigo, que, aliás, será um dos primeiros a receber um exemplar deste livro.

eu e o poeta e ensaista temos muito em comum. ele também venceu um câncer e, a data do nosso ani-versário é a mesma: 14 de novembro. Há, ainda, outras coincidências: o sobrenome Morais (o dele com “i” e o meu com “e”), faz reflexões sobre “solidariedade e ajuda aos que sofrem e lutam contra essa terrível do-ença”. segundo o meu novo amigo, venceu o cancer “graças a boa ciência e aos bons cuidados médicos mas, como eles próprios atestaram, muito também por minha determinação positiva, por minha vontade de viver e acreditar que nós podemos usar as enormes energias positivas que possuímos para ajudar na luta da própria ciência médica”.

Na sua narrativa sobre a doença, um detalhe me chamou a atenção: a revelação do uso do chá de folhas da nossa graviola, como uma grande aliada comple-mentar no combate ao câncer, assim como o uso de cápsulas do pó dessas folhas.

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Enfim, tudo quanto me disse é de auto-ajuda para mim e para tantos. Quando visitar Lisboa, por certo visitarei o meu novo amigo no Bairro de algés, pertinho do rio Tejo. e, prazerosamente, veremos juntos os voos rasantes das gaivotas de Lisboa...

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BaCH, richard. Livro: FerNão CaPeLo GaivoTa – sinopse do Livro retirada do site: http://www.livrariadigital.com.br/ produto. php? prodid=370

FRANKL, Viktor E. EM BUSCA DE SENTIDO - um psicólogo no campo de concentração. 28ª edi-ção. 2009. editora sinodal. editora vozes. Tradu-zido por Walter o. schlupp e Carlos C. aveline. isBN (sinodal) 978-85-233-0886-5.isBN (vozes) 978-85-326-0626-6. Cdu 159.9:615. 851.

GUIA AMERICAN EXPRESS: PorTuGaL - res-TauraNTes. HisTÓria. MosTeiros. Praias. arTesaNaTo. Pousadas. Copyright 1997, 2004 dorling Kindersley Limited, Londres. Copyright da edição Portuguesa 1977, 2002 Livraria Civilização editora, 2003 dorling Kindersley-Civi-lização, editores, L. do Porto.dK ediTores@dk civilização.pt- isBN 972-26-1377-4.

Referências bibliográficas

Referênciasbibliográficas

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NUNES, Cristiane Tavares Fonseca de Moraes. Livro: “o amor é imortal – relato sobre a experiência de perda de um ente querido”. Conceito Comunicação integrada Ltda. 2003.

SERVAN-SCHREIBER, David. Anticâncer. Preve-nir e vencer usando defesas naturais. Tradução: rejane Janowitzer. Fontanar. rio de Janeiro: editora objetiva Ltda, 2008. CiP-BrasiL. Catalogação na Fonte. sindicato Nacional dos editores de Livros, rJ-s513a servan-schreiber, david. isBN 978-85-7302-898-0. Cdu:616.994, Cdu:616-006. o relato de um médico que lutou contra a doença e inventou uma nova maneira de viver.

TAVARES, Italo Diogo. Nós vimos a cobra fumar – diário de um jovem tenente brasileiro na itália du-rante a ii Guerra Mundial. organizado por eduardo Diogo Tavares. P&A Gráfica e Editora.

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Esta obra foi composta pela CL Editora e foram usadas as fontes Garamond, Birch Std e Zurich e impresso em Offset

pela Sercore Artes Gráficas, em papel Polén Soft.

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“Nessa nova caminhada quero ver o mundo como ele é, ver o Rio Tejo, andar por suas margens de mãos dadas com Eliane (como fazíamos quando éramos namorados), sentir o cair da tarde, acompanhar os voos rasantes das Gaivotas, lembrar da leitura de Fernão Capelo Gaivota, ver o mundo com outros olhos... com a alma”.

Jeferson Fonseca de Moraes

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