revista b / janeiro 2009

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| 36 Quando Charles-Édouard Jeanneret projetou sua primeira casa, com 17 anos e meio, não poderia sonhar que um dia seria Le Corbusier, escritor, artista, pensador e mundialmente aclamado como o arquiteto mais influente do século XX. Nascido em La Chaux-de-Fonds, cidade suíça situada em uma região conhecida por seus relógios de pulso, Le Corbusier era cidadão do mundo. Suas andanças pelos cinco continentes foram de extrema importância para as muitas mudanças de pensamento pelas quais passou ao longo de seus quase 60 anos de carreira. A exposição Le Corbusier — The Art of Architecture traz ao público de Londres, até o dia 24 de maio, na Barbican Art Gallery, a oportunidade de conhecer vida e obra do homem que deixou um dos maiores legados da arquitetura moderna. A exposição começa pelos primeiros projetos de Le Corbusier, ainda Charles-Édouard, realizados quando ainda era aluno da École des Arts Décoratifs, na sua cidade natal, sob a tutela de seu primeiro — e segundo ele, único — mestre, Charles L’Eplattenier. Foi nesse período que as primeiras viagens aconteceram, abrindo os olhos do jovem Jeanneret para outras possibilidades de traços e formas. Souvenirs, cadernos de esboço, estudos de campo, fotos e vídeos mostram um pouco das impressões do arquiteto nessas expedições e o quanto marcaram sua trajetória. Um dos lugares que mais o influenciou foi Paris, para onde se mudou em 1917, aos 30 anos. Em 1920, junto com o poeta Paul Dermée, fundou a polêmica e avant-garde revista L’Esprit Nouveau e foi por conta dela que criou o codinome EM BUSCA DE POESIA LE CORBUSIER PHILIPS PAVILION AT THE WORLD’S FAIR, BRUSSELS 1958 | ©FLC/DACS, 2008 POR: MORENA MADUREIRA

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Matéria sobre exposição de Le Corbusier no Barbican, Londres

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Page 1: Revista B / janeiro 2009

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Quando Charles-Édouard Jeanneret projetou sua primeira casa, com 17 anos e meio, não poderia sonhar que um dia seria Le Corbusier, escritor, artista, pensador e mundialmente aclamado como o arquiteto mais influente do século XX. Nascido em La Chaux-de-Fonds, cidade suíça situada em uma região conhecida por seus relógios de pulso, Le Corbusier era cidadão do mundo. Suas andanças pelos cinco continentes foram de extrema importância para as muitas mudanças de pensamento pelas quais passou ao longo de seus quase 60 anos de carreira. A exposição Le Corbusier — The Art of Architecture traz ao público de Londres, até o dia 24 de maio, na Barbican Art Gallery, a oportunidade de conhecer vida e obra do homem que deixou um dos maiores legados da arquitetura moderna.

A exposição começa pelos primeiros projetos de Le Corbusier, ainda Charles-Édouard, realizados quando ainda era aluno da École des Arts Décoratifs, na sua cidade natal, sob a tutela de seu primeiro — e segundo ele, único — mestre, Charles L’Eplattenier. Foi nesse período que as primeiras viagens aconteceram, abrindo os olhos do jovem Jeanneret para outras possibilidades de traços e formas. Souvenirs, cadernos de esboço, estudos de campo, fotos e vídeos mostram um pouco das impressões do arquiteto nessas expedições e o quanto marcaram sua trajetória.

Um dos lugares que mais o influenciou foi Paris, para onde se mudou em 1917, aos 30 anos. Em 1920, junto com o poeta Paul Dermée, fundou a polêmica e avant-garde revista L’Esprit Nouveau e foi por conta dela que criou o codinome

EM BUSCA DE POESIA

LE CORBUSIER

PHILIPS PAVILION AT THE WORLD’S FAIR, BRUSSELS 1958 | ©FLC/DACS, 2008

POR: MORENA MADUREIRA

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Le Corbusier, uma mistura do sobrenome materno com a pa-lavra corvo (corbeau em francês). A publicação contava com renomados colaboradores e era palanque para as novas idéias que surgiam em arquitetura e planejamento urbano, tendo como personagem principal o homem moderno. E foi de um de seus polêmicos artigos que saiu a sua frase mais conhecida: “A casa é uma máquina de morar”.

Le Corbusier era um também urbanista visionário e suas idéias eram difíceis de conceber pelos padrões de sua época. Na exposição é possível conferir plantas e maquetes de alguns de seus ousados projetos, como o utópico plano para a Paris de 1925, que propunha a implantação de cinco arranha-céus no centro da cidade e o reordenamento do tráfego tendo o automóvel como referência. O ponto alto de sua carreira como urbanista, no entanto, só ocorreu nos anos 50, quando foi contratado para a reconstrução da cidade indiana de Chandi-garh, um dos destaques da exposição na galeria do Barbican. Fotos, plantas, maquetes, vídeos e até estudos para a tapeçaria a ser implantada em alguns dos prédios públicos projetados testemunham a minúcia do projeto da Brasília indiana.

Mas não é à toa que Charles-Édouard Jeanneret é considerado um dos grandes gênios do século XX. Além de arquiteto, urbanista, pintor e escritor, também foi responsável pela cria-ção de conceitos revolucionários no design de móveis, sempre orientados pelas necessidades do tal homem moderno.

E a exposição explora bem este campo da obra de Le Cor-busier, trazendo cadeiras, o armário modulado da marca Innovation (que, segundo propagandas da época, contava com soluções para a vida do século 20), além dos primeiros móveis feitos com tubos de aço.

Le Corbusier — The Art of Architecture também não deixa os clássicos de fora. Estão ali as Unidades de Habitação de Marselha — com uma cozinha original completa montada — a capela de Notre-Dame-du-Haut e suas formas marcada-mente orgânicas, a igreja Saint-Pierre de Firminy, concluída apenas em 2006, e o multimídia Pavilhão da Philips, infeliz-mente demolido após o fim do evento para o qual foi projeta-do. Além disso, estão expostas inúmeras plantas e maquetes de casas projetadas, como a Villa Savoye, nas quais é possível observar a aplicação das cinco características que, para Le Corbusier, definiam o conceito do que era ser moderno em arquitetura, entre elas os pilares como suporte da estrutura criando vãos livres abaixo das construções e o teto terraço.

A exposição é bem-sucedida ao mostrar as diferentes fases da carreira do grande arquiteto e suas respectivas fontes de inspiração. A maior delas, porém, Charles-Édouard Jeanneret explicou em uma entrevista à BBC, em 1959: “Minha pes-quisa é como meus sentimentos, direcionada para o principal valor da vida, a poesia. A poesia está no coração do homem e é a capacidade de se aprofundar na riqueza da natureza”.

EM 1929, LE CORBUSIER ATRAVESSOU O ATLÂNTICO

PARA SUA PRIMEIRA VISITA À AMÉRICA DO SUL. SUAS

IDÉIAS, NO ENTANTO, JÁ HAVIAM FEITO ESSA VIAGEM

E JÁ INFLUENCIAVAM O MODERNISMO BRASILEIRO.

DEPOIS DE PASSAR POR BUENOS AIRES, FOI AO RIO E

A SÃO PAULO PARA CONFERÊNCIAS E SE ENCANTOU

COM BELEZA DAS PAISAGENS. EM 1936, VOLTOU AO

PAÍS PARA CONSULTORIA NO PROJETO DA SEDE DO

MINISTÉRIO DA SAÚDE E EDUCAÇÃO, NO RIO, QUE

ESTAVA SENDO ELABORADO POR UM GRUPO DE

ILUSTRES — E PROGRESSISTAS — ARQUITETOS, BASE-

ADO EM PRECEITOS SEUS. MAIS DO QUE NINGUÉM,

O ENCONTRO CAUSOU FORTE IMPACTO NA CAR-

REIRA DO JOVEM OSCAR NIEMAYER, PERSONAGEM

FUNDAMENTAL NA INSERÇÃO DO BRASIL NO MAPA

DA ARQUI-TETURA MUNDIAL. ANOS DEPOIS, JUNTO

COM LÚCIO COSTA, NIEMAYER PROJETARIA BRASÍ-

LIA COM NOTÁVEL INFLUÊNCIA DE LE CORBUSIER, E

DEIXARIA ASSIM UMA MARCA ETERNA DO GRANDE

ARQUITETO DO SÉCULO 20 NO PAÍS.

LE CORBUSIER NO BRASIL

UNITÉ D’HABITATION DE MARSEILLE - ROOF VIEW 1946-52PHOTOGRAPH BY LUCIEN HERVÉ | ©FLC/DACS, 2008

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