resumo - os maias

36
CARACTERÍSTICAS DO ULTRA-ROMANTISMO Tal como acontecera com o classicismo, também o romantismo sofreu uma evolução que, levada até às últimas consequências, assinala um forte desequilíbrio. Manifesta um predomínio da emoção, da exaltação do espírito, da melancolia que vai levar ao tédio da vida e, consequentemente, ao desejo da morte, ao fatalismo. A natureza é triste e vai até ao domínio do tétrico, do macabro, com fantasmas, sepulturas, ajustando-se assim ao estado de alma do poeta. Afirma-se o gosto pelo melodrama tão longe do equilíbrio do drama romântico. Assiste-se a um excesso de sentimentalismo, tornando-se as poesias maçadoras, enfadonhas, de horizontes muito limitados. Aqui e ali, sente-se uma certa religiosidade que está, muitas vezes, ligada à magia, à crença num regresso das almas a este mundo. O medievalismo conduz ao predomínio de uma poesia de carácter popular mais espontânea e de gosto arcaizante: as xácaras, os solaus, as trovas, as cantilenas. O vocabulário é rebuscado, com termos eruditos (cerúleo, purpúreo, hircano, gemebundo, carme…), mas pobre, com um acentuado preciosismo de linguagem encostada aos clássicos. A sintaxe é pobre, afectiva, de tipo feminino, com anacolutos, exclamações, reticências. Abundam as metáforas e a versificação monótona. A GERAÇÃO DE 70 O movimento romântico começa a esgotar-se. A tão apregoada «liberdade na arte» acabou por ser superada pelo exagerado sentimentalismo que deu origem ao ultra- romantismo. Em simultâneo, surge uma sociedade que se entrega mais intensamente ao gozo dos bens materiais, pelo que os valores espirituais, nomeadamente a religião e a arte, entram em crise. Renan, com o seu ateísmo, Michelet e o seu anticlericalismo, o socialismo de Proudhomme e o positivismo de Comte vão determinar, sem dúvida, a renovação que se opera na 2ª metade do séc. XIX. De salientar Alphonse Daudet e Zola, que cultivam o romance naturalista e Flaubert e Balzac, com o romance realista. Em Portugal, agitava-se o mesmo sentimento reformista porque, segundo Eça, «Coimbra vivia então (1860/65) uma grande actividade ou antes um grande tumulto mental». Diariamente, facilitados os meios de comunicação, os comboios despejavam no seio dessa  juventude o ideário que a França irradiava. Preparava-se a borrasca literária que havia de arejar as ideias. António Feliciano de Castilho encabeçava um grupo de novos poetas conservadores do romantismo, iniciando-se o confronto literário com Antero de Quental, seu antigo discípulo. Do lado de Castilho encontraremos, entre outros, Pinheiro Chagas e Camilo Castelo Branco, surgindo do lado de Quental, Teófilo Braga. A primeira manifestação importante desta rebeldia foi a Questão do Bom Senso e Bom Gosto . Um novo lirismo, mais de cariz crítico, social e humanitário, ergueu-se contra o velho gosto literário, mas também, mais amplamente, contra concepções políticas, históricas e filosóficas Foi acesa a contenda em que se escreveram algumas dezenas de panfletos. Esta é em traços gerais a polémica literária que ficou conhecida pelo nome de «Questão Coimbrã». Passados cinco anos, é feita nova tentativa para a entrada da escola realista entre nós. Em Lisboa, Antero, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Oliveira Martins e outros dão início às «Conferências do Casino Lisbonense».

Upload: falconet

Post on 10-Jul-2015

6.959 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Resumo da obra Os Maias

TRANSCRIPT

Page 1: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 1/36

 

CARACTERÍSTICAS DO ULTRA-ROMANTISMO

Tal como acontecera com o classicismo, também o romantismo sofreu uma evoluçãoque, levada até às últimas consequências, assinala um forte desequilíbrio.

Manifesta um predomínio da emoção, da exaltação do espírito, da melancolia que vai

levar ao tédio da vida e, consequentemente, ao desejo da morte, ao fatalismo.A natureza é triste e vai até ao domínio do tétrico, do macabro, com fantasmas,sepulturas, ajustando-se assim ao estado de alma do poeta. Afirma-se o gosto pelo melodramatão longe do equilíbrio do drama romântico.

Assiste-se a um excesso de sentimentalismo, tornando-se as poesias maçadoras,enfadonhas, de horizontes muito limitados.

Aqui e ali, sente-se uma certa religiosidade que está, muitas vezes, ligada à magia, àcrença num regresso das almas a este mundo.

O medievalismo conduz ao predomínio de uma poesia de carácter popular maisespontânea e de gosto arcaizante: as xácaras, os solaus, as trovas, as cantilenas.

O vocabulário é rebuscado, com termos eruditos (cerúleo, purpúreo, hircano,

gemebundo, carme…), mas pobre, com um acentuado preciosismo de linguagem encostadaaos clássicos.A sintaxe é pobre, afectiva, de tipo feminino, com anacolutos, exclamações,

reticências. Abundam as metáforas e a versificação monótona.

A GERAÇÃO DE 70

O movimento romântico começa a esgotar-se. A tão apregoada «liberdade na arte»acabou por ser superada pelo exagerado sentimentalismo que deu origem ao ultra-romantismo.

Em simultâneo, surge uma sociedade que se entrega mais intensamente ao gozo dos

bens materiais, pelo que os valores espirituais, nomeadamente a religião e a arte, entram emcrise.Renan, com o seu ateísmo, Michelet e o seu anticlericalismo, o socialismo de

Proudhomme e o positivismo de Comte vão determinar, sem dúvida, a renovação que se operana 2ª metade do séc. XIX. De salientar Alphonse Daudet e Zola, que cultivam o romancenaturalista e Flaubert e Balzac, com o romance realista.

Em Portugal, agitava-se o mesmo sentimento reformista porque, segundo Eça,«Coimbra vivia então (1860/65) uma grande actividade ou antes um grande tumulto mental».Diariamente, facilitados os meios de comunicação, os comboios despejavam no seio dessa

 juventude o ideário que a França irradiava.Preparava-se a borrasca literária que havia de arejar as ideias.

António Feliciano de Castilho encabeçava um grupo de novos poetas conservadores doromantismo, iniciando-se o confronto literário com Antero de Quental, seu antigo discípulo.Do lado de Castilho encontraremos, entre outros, Pinheiro Chagas e Camilo Castelo Branco,surgindo do lado de Quental, Teófilo Braga.

A primeira manifestação importante desta rebeldia foi a Questão do Bom Senso e Bom 

Gosto . Um novo lirismo, mais de cariz crítico, social e humanitário, ergueu-se contra o velhogosto literário, mas também, mais amplamente, contra concepções políticas, históricas efilosóficas

Foi acesa a contenda em que se escreveram algumas dezenas de panfletos. Esta é emtraços gerais a polémica literária que ficou conhecida pelo nome de «Questão Coimbrã».

Passados cinco anos, é feita nova tentativa para a entrada da escola realista entre nós.

Em Lisboa, Antero, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Oliveira Martins e outros dão inícioàs «Conferências do Casino Lisbonense».

Page 2: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 2/36

 

As «Conferências do Casino Lisbonense» foram uma série de conferências realizadasem Lisboa, na Primavera de 1871, pelo grupo do Cenáculo, formado por jovens escritores eintelectuais de vanguarda. A ideia das conferências surgiu na casa da Rua dos Prazeres onde oCenáculo se reunia então

Antero pronunciou a primeira conferência «Causas da Decadência dos Povos

Peninsulares nos Últimos Três Séculos, inteiramente demolidora: a imprensa, a instrução emPortugal eram inferiores. Realizaram-se mais três dentro do mesmo comportamento. Eça falousobre «O Realismo como nova expressão de Arte». E, segundo ele, o Realismo é:

«… a negação da arte pela arte; é a proscrição do convencimento, do enfático e dopiegas. É a abolição da retórica considerada como arte de promover a comoção usando ainchação do período, da epilepsia da palavra, da congestão dos tropos. É a análise com o fitoda verdade absoluta… é a anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta anossos próprios olhos, para condenar o que houver de mau na nossa sociedade…»

CARACTERÍSTICAS DO REALISMO

Estava, pois, definitivamente preparado o clima para a eclosão do realismo entre nós.Parte dos objectivos da escola vimo-los já enunciados, por Eça, na sua conferência do

Casino:

• «É a proscrição do convencional, do enfático, do piegas».Proclama uma literatura arejada, sã, positiva, com uma natureza soalheira, viva,matizada, aberta à observação e não propensa ao devaneio.

• «É a análise com o fito na verdade absoluta»O espírito analítico vai aguçar o trabalho do observador que, objectivamente, talcomo o analista no laboratório, se debruça sobre os factos a explicá-los, a tentar

encontrar as respectivas causas, substituindo o «eu» subjectivo (subjectivismo)pelo objectivo (objectivismo). A arte ao serviço da ciência, daí o naturalismo.

• «É a crítica do homem»É a arte que vai reformar, moralizando, quando põe a nu os podres de umasociedade que a arte dos clássicos e o sentimentalismo dos românticos tinhamdeixado camuflados. («Cacher l’imaginaire sous le réel« – Zola)

A afirmação do impessoalismo, da objectividade, da captação das impressões pelossentidos; daí a fuga do «eu».

A apetência pelo pormenor descritivo, com uma relevância especial ao empregodo adjectivo, da imagem, do concreto pelo abstracto.

A rejeição do trabalho inventivo.

REALISMO/NATURALISMO

A Europa do século XIX sofre profundas alterações a todos os níveis. As grandes

revoluções científicas, técnicas e industriais são acompanhadas por uma enorme agitação

social, em grande parte resultante da segunda fase da Revolução Industrial. O idealismo

romântico, em vez de solucionar os problemas, tinha-os agravado.

Page 3: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 3/36

 

Em 1857, surge, em França, Madame Bovary , de Gustave Flaubert, considerado o

primeiro romance realista da literatura universal. Dez anos depois, Emile Zola publica Thérèse 

Raquin , inaugurando o romance naturalista.

Eça de Queirós, na 4ª Conferência do Casino Lisbonense, afirma que «O Realismo é

uma reacção contra o Romantismo: O Romantismo era a apoteose do sentimento; - o Realismo

é a anatomia do carácter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos

 – para nos conhecermos, para que saibamos se somos verdadeiros ou falsos, para condenar o

que houver de mau na nossa sociedade».

REALISMO

O Realismo apresenta-se como uma doutrina filosófica e uma corrente estética e

literária que procura a conformação com a realidade. As suas características estão

intimamente ligadas ao momento histórico, reflectindo as novas descobertas científicas, as

evoluções tecnológicas e as ideias sociais, políticas e económicas da época.O Realismo preocupa-se com a verdade dos factos, a realidade concreta, a

explicação lógica dos comportamentos. Procura ver a realidade de forma objectiva e surge

como reacção ao idealismo e ao subjectivismo emocional românticos. Como movimento da

arte e da literatura, procura representar o mundo exterior de uma forma fidedigna, sem

interferência de reflexões intelectuais nem preconceitos, e volta para a análise das condições

políticas, económicas e sociais.

ROMANCE REALISTA

O romance realista é de carácter documental, procurando fazer o retrato de uma

época, dando conta dos espaços sociais, normalmente da burguesia. É isso que se observa em

Os Maias de Eça de Queirós e que se depreende desde o início com o subtítulo Episódios da 

Vida Romântica . Aí, através da comédia de costumes, procura observar diversos quadros

sociais e denunciar a corrupção, a frivolidade, a superficialidade, a ignorância e as

mentalidades retrógradas.

O romance realista surge orientado para a análise psicológica da sociedade,

criticando-a a partir do comportamento das personagens, nomeadamente das que se

consideram das classes dominantes, e procurando captar as condições mais miseráveis e

torpes da vida real.

NATURALISMO

O Naturalismo surge muito próximo do Realismo e chega a ser confundido com ele.

Mas, se tem semelhanças, também tem diferenças. O Naturalismo pode definir-se como uma

concepção filosófica que considera a Natureza como única realidade existente, recusando

explicações que transcendam as ciências naturais. Graças às teorias positivistas e

experimentais, passa a interessar-se pelo estudo analítico. Não lhe bastam os quadros

objectivos da realidade, mas analisa também as circunstâncias sociais que envolvem cada

personagem.

Page 4: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 4/36

 

Como num laboratório de ciências médico-biológicas, a obra naturalista procura

explicar as suas personagens através da análise aos problemas e doenças hereditárias, aos

antecedentes familiares, à sua educação, ao meio social em que foram criadas e em que

desempenham as suas actividades ou a sua posição económica.

ROMANCE NATURALISTA

O romance naturalista é, em geral, de carácter experimental e cientificista, um

romance de tese que se orienta para a análise social e valorização do colectivo. Procura

mostrar o indivíduo como produto de um conjunto de factores «naturais» - meio em que vive

e sobre o qual pode agir, momento e hereditariedade psicofisiológica – geradores de

comportamentos e situações específicas.

No romance experimental naturalista, a personalidade humana é determinada ou

configurada por forças instintivas naturais que não devem ser reprimidas.

A POLÉMICA LITERÁRIA EM OS MAIAS 

Em Os Maias , Eça consegue apresentar quadros que permitem uma visão daproblemática literária que envolveu ultra-românticos, realistas e naturalistas.

Um dos quadros mais representativos surge no capítulo VI, no episódio do jantar noHotel Central. Neste jantar, imaginado por João da Ega para homenagear o Cohen (marido dadivina Raquel), as personagens irão envolver-se em acesas discussões sobre temas diversos(política, economia, mulheres, Pátria, alma portuguesa, literatura, etc.).

No tema literatura, irão destacar-se Tomás de Alencar e João da Ega.Tomás de Alencar personifica o romantismo agonizante, que não vê com bons olhos o

realismo/ naturalismo por estes questionarem tudo aquilo que ele defende. Por isso, quandose refere ao naturalismo, Alencar prefere usar expressões como «excremento», «literaturalatrinária», «torpe maré».

«Para pôr um dique definitivo à torpe maré, como ele disse em plena Academia,escreveu dois folhetins cruéis; ninguém os leu… refugiou-se na moralidade como numa rochasólida… seria o paladino da Moral, o gendarme dos bons costumes…»

Ironicamente, quanto mais Alencar atacava o naturalismo/realismo, mais estes seimpunham.

Quanto ao João da Ega, profundo defensor do naturalismo, este não se cansa de atacaro romantismo piegas de Alencar acabando os dois por se agredirem um ao outro verbalmente,chegando por vezes a ameaças de agressões físicas.

João da Ega é uma personagem que, em certa medida, funciona como um reflexo dopróprio Eça. Ega apresenta semelhanças físicas, no cabelo, no bigode, na luneta, nas atitudesexcêntricas que assume e nas declarações provocatórias que faz. Até os nomes apresentamgrandes semelhanças: Eça/ Ega.

Assumindo um papel menos importante, encontramos Craft, que é apologista do ultra-romantismo:

«A arte era uma idealização… que se mostrasse os tipos superiores de umahumanidade aperfeiçoada, as formas mais belas do viver e do sentir.»

Relativamente a Carlos, a personagem principal, começa por desiludir o leitorassumindo uma posição ambígua, acabando por atacar o realismo devido «aos seus ares poucocientíficos».

Resta ainda dar conta da posição do narrador, que faz a defesa do naturalismo: «esseslivros poderosos e vivazes… esses estilos novos, tão preciosos e dúcteis…».

Page 5: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 5/36

 

Fica também clara, no decorrer desta discussão, a diferença entre o naturalismo e orealismo, conceitos que se confundem frequentemente.

O realismo preocupa-se com a apresentação da realidade, mostrando a realidade feia,tal como ela é, mas não faz um estudo profundo, não procura as causas fundamentais dosmales que afligem a sociedade portuguesa, nem aponta soluções para esses males sociais. É

pouco científico. É mais literário, tratando a questão com muita delicadeza, tal como umcavalheiro com as suas «luvas de pelica».O naturalismo vai mais longe. Não fica satisfeito apenas com a visão da realidade.

Exige uma análise profunda, procura as razões dos males sócias, faz um estudo aturado.Pretende ser científico e objectivo, resolvendo o que está doente/ podre, tal como umcirurgião que corta o cadáver, na mesa das autópsias, para determinar as causas da morte eprocurar a cura. Ao contrário do realismo, utiliza as «luvas de borracha do cirurgião».

A ESTRUTURA DA OBRA AO MAIAS 

A obra Os Maias, de Eça de Queirós, tem um título e um subtítulo

Em 1880, surgem Os Maias ou Episódios da Vida Romântica, obra que teria levado oitoanos a ser elaborada e que parece apresentar, em intenção, duas seduções queirosianas: aanálise pretensamente objectiva da vida portuguesa (na linha de Balzac) e a problemática doincesto.

Os Maias  serão simplesmente a história de uma família da alta burguesia lisboeta,história essa narrada essencialmente através de três gerações.

Não esquecendo, porém, o premente aviso de Eça, nova perspectiva se nos abre com osubtítulo: «Il na faut pás oblier que le roman a un sous-titre – Episódios da Vida Romântica ».

Consistirá então o livro numa série de «episódios», ou melhor, de quadros quetraduzem a «vida romântica» ou, na opinião do próprio autor, a vida como ela é pensada ecriada por uma sociedade saída do Constitucionalismo.

Os Maias  -> narrativa novelesca transmitindo as peripécias de uma série de geraçõesde Maias.

Episódios da Vida Romântica  -> narrativa de análise de costumes da vida lisboeta doséculo XIX.

Estas duas faces da obra não se opõem entre si, antes se interpenetram, formando umtodo.

ASPECTOS ESTRUTURAIS DECORRENTES DO TÍTULO

Os Maias 

1 – A história de três gerações

São tratadas, fundamentalmente, três gerações da família:a) Afonso da Maia – Absolutismo/ Liberalismo - abrange a época da reacção do

liberalismo ao absolutismo vigente; início do romantismob) Pedro da Maia – Regeneração - representativo da fase de instauração do

liberalismo e consequentes contradições internas; romantismoc) Carlos da maia – Regeneração - dominada pelo sentimento de decadência das

esperanças liberais; ultra-romantismo/ realismo

Page 6: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 6/36

 

Uma outra geração, cronologicamente anterior às mencionadas, apresentaimportância reduzida e função inteiramente explicativa. Trata-se do grupo constituído pelosantecessores de Afonso, simbolizando Caetano da Maia o absolutismo agonizante que preparao ataque vitorioso das ideias liberais.

A 1ª e 2ª gerações ocuparão dois capítulos incompletos, abrangendo a 3ª geração todo

o resto do livro. De facto, inicia-se o romance por um conjunto de dados introdutórios àhistória da época abrangida pela 3ª geração. É cortado o Cap. I pela história de Afonso que,continuando, cede, no Cap. II, à aventura de Pedro, para dar lugar5, a partir do Cap. III, àpersonagem Carlos.

Quer pelo espaço narrativo ocupado, quer pela problemática dela decorrente, é ahistória de Carlos o fulcro do romance: a vida de Carlos, cuja explicação total e profunda só épossível de ser atingida pelo reconhecimento dos seus antecedentes (Afonso e Pedro).

Contudo, Afonso não é apenas um antecedente brevemente mencionado, mas umapresença constante: a sua passagem de perspectivador da acção a perspectivado ou simplesespectador não é total.

2 – O processo evolutivo – EQUILÍBRIO/RUPTURA

A narrativa parece processar-se linearmente segunda a técnica de passagem de umestado de equilíbrio a um outro que implica a destruição da harmonia do primeiro.

1 – A vida de Caetano constitui um estado de perfeito equilíbrio, segundo os padrõesdo absolutismo vigente. Tal situação sofre uma ruptura pela adesão de Afonso às ideiasliberais.

2 – Com o regresso de Afonso a Benfica e o advento dos novos tempos, restaura-se aharmonia/ equilíbrio, que será novamente quebrado pela ligação de Pedro com Maria

Monforte (ruptura). A situação de estabilidade instala-se com a morte de Pedro e a ligaçãoafectiva entre Carlos e o avô (equilíbrio).

3 – Inicia-se, neste momento, o romance propriamente dito. A dada altura, a paixão deCarlos por Maria Eduarda vais constituir nova destruição do equilíbrio (ruptura), sendo esterecuperado no final da obra com a reintegração de Carlos numa vida monotonamente estável,posterior à morte de Afonso e à forçosa separação de Maria (equilíbrio).

A obra resume-se a esta constante passagem de um estado de equilíbrio a uma fase dedesequilíbrio, com posterior recuperação do primeiro.

É evidente que cada novo estádio de equilíbrio não é absolutamente idêntico ao

anterior que tinha sido destruído. Por outro lado, só na perspectiva de Afonso parece existir,de início, uma verdadeira recuperação a nível de personagem. Pedro é destruído no processoque visa a recuperação da harmonia. O mesmo se passa com Carlos que, através de umaevolução semelhante, se destrói psicologicamente.

Esta diferença parece estar ligada a uma oposição de temas, cuja intenção percorretoda a obra: razão/ sentimento. A oposição de Afonso, ainda que ligada a um exagerosentimental de pré-romântico é, contudo, de cariz fortemente racional. A força oposicional dePedro e Carlos é, contrariamente, de marca sentimental e recusa, na prática, uma razão que aspersonagens possam aceitar como teoricamente válida.

3 – Paralelismo estrutural entre Pedro e Carlos

No romance Os Maias, existem duas histórias que constituem a intriga secundária e aintriga principal.

Page 7: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 7/36

 

Intriga secundária – os amores infelizes de Pedro da Maia e de Maria MonforteIntriga secundária – os amores incestuosos de Carlos da Maria e de Maria Eduarda

Intriga secundária:

Pedro, único filho de Afonso e de Maria Eduarda Runa, apaixona-se fatalmente porMaria Monforte, mulher bela que aparece em Lisboa, acompanhada pelo pai, que enriqueceracom o tráfico de negros.

Contra a vontade de Afonso, Pedro casa com Maria Monforte e dela tem dois filhos,Maria Eduarda e Carlos Eduardo.

O casal vive faustosamente em Lisboa, no palacete de Arroios e, um dia, Pedro trazpara casa um belo príncipe italiano com quem Maria Monforte foge, levando consigo a filha,Maria Eduarda. Nesse mesmo dia, Pedro corre para o palacete de Benfica, reconcilia-se com opai, após quatro anos de separação, entrega-lhe o filho que Maria lhe deixara, e suicida-secobardemente.

O palacete é fechado e Afonso da maia parte com o neto para Santa Olávia.

Intriga principal:

E, 1875, Carlos Eduardo, após ter-se formado em Medicina, em Coimbra, vem vivercom o seu avô, Afonso da Maia, no Ramalhete, em Lisboa.

Carlos tenta concretizar os seus projectos profissionais, mas acaba por falhar todos osseus planos. Entretanto integra-se na elite da capital, frequentando espaços sociaisrequintados, onde priva com os importantes do Reino.

É no peristilo do Hotel Central, antes do jantar em honra do banqueiro Cohen, queCarlos, em companhia de Craft, observa a chegada de Maria Eduarda por quem se apaixona deimediato.

Depois de várias tentativas para conhecer pessoalmente Maria Eduarda, Carlos convivecom esta, envolvendo-se numa profunda paixão, plenamente correspondida.É na Toca, situada nos Olivais, comprada a Craft, que os dois apaixonados cometem

involuntariamente o incesto.O amor de Carlos por Maria Eduarda é tão forte que resiste ao facto de saber que ela

tivera um passado pouco recomendável, havendo mesmo uma filha – Rosicler. No entanto, afelicidade de Carlos será completamente destruída pelas revelações de uma carta de MariaMonforte, na qual Maria Eduarda é identificada como filha de Pedro da Maia (irmã de Carlos).

Apesar de conhecer a verdade, Carlos comete incesto de forma consciente e Afonsomorre de desgosto. Sentindo-se extremamente culpado e arrependido, Carlos separa-sedefinitivamente de Maria Eduarda, que parte para França.

Carlos viaja para o estrangeiro com o seu amigo Ega e fica a residir em Paris,regressando a Portugal apenas no ano de 1887.

RELAÇÃO ENTRE A INTRIGA SECUNDÁRIA E A INTRIGA PRINCIPAL

A intriga secundária é fundamental para o desenvolvimento da intriga principal.As consequências dos amores infelizes e trágicos de Pedro da Maia e de Maria

Monforte separam os dois irmãos, que crescem sem terem conhecimento da verdade. MariaEduarda desconhece a identidade do pai e pensa ter tido apenas uma irmã que morrera empequenina. Carlos acredita que a sua mãe e a sua irmã estavam mortas; assim lho disseraAfonso.

A intriga principal alicerça-se nos acontecimentos desse passado longínquo e nodesconhecimento da verdade, apresentando-se como consequência directa da intrigasecundária.

Page 8: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 8/36

 

SEMELHANÇAS ENTRE A INTRIGA SECUNDÁRIA E A INTRIGA PRINCIPAL

A história de Pedro é uma espécie de prefiguração de reduzidas dimensões doproblema de Carlos.

Pedro e Carlos:

- encontram-se ligados a Afonso;- são dominados pela sentimentalidade e pelo instinto;- são criatura fracas, facilmente dominadas pela inércia ou pela noção deca-

dente da vanidade de todo o esforço;- apanhados no clima irracional da paixão, acabam por sucumbir.

Pedro Carlos

1 - Vida dissoluta; - Vida dissoluta;

2 Encontro fortuito com Maria Monforte ->PAIXÃO

Encontro fortuito com Maria Eduarda ->PAIXÃO

3 Pedro procura encontro com MariaMonforte

Carlos procura encontro com Maria Eduarda

4 Encontro através de Alencar/ Melo Encontro através de Dâmaso (indirecto)

5 Elemento de Oposição: a negreira ->oposição real de Afonso

Elemento de oposição: a amante -> oposiçãopotencial de Afonso

6 Encontro e casamento Encontro e relações

7 Vida de casados: viagem ao estrangeiro,vida social em Arroios, nascimento dosfilhos

Vida de relações: viagem ao estrangeiro ecasamento adiados, vida social na Toca

8 Retardamento do encontro com Afonso Retardamento por causa de Afonso

9 Elemento desencadeador do drama: o

napolitano

Elemento desencadeador da tragédia:

Guimarães10 Infidelidade e fuga de Maria Monforte –

reacções de PedroDescoberta do incesto – reacções de Carlos

11 O DRAMA A IMINÊNCIA DA TRAGÉDIA

12 Regresso de Pedro ao Ramalhete,diálogo com Afonso e suicídio de Pedro

Encontro de Carlos com Afonso, mudo, semdiálogo e motivação para o suicídio de Carlos

13 Motivação para a morte de Afonso Morte de Afonso

A partir deste esquema fácil é verificar o paralelismo existente nas histórias de Pedro ede Carlos. Contudo, convém destacar algumas diferenças.

Pedro, senhor de uma força romanticamente pertinaz, assume até ao fim o seu papel –social e racionalmente fraco, emocionalmente entregue a todos os excessos.

Carlos, controlado, em parte, por uma educação positivista à inglesa, parece superarcom maior lucidez e frieza de ânimo o caos afectivo, embora talvez não totalmente (… Carlosficara ainda abalado… no fundo do seu coração permanecia, pesada e negra, a memória da“semana terrível”…»)

A história de Carlos repete, desenvolvendo-a em pormenores indiciais e informativos,a tragédia de Pedro, retirando-lhe, contudo, a força absurda e cega que conduz, sem desviosnem falsas esperanças, à destruição completa.

Page 9: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 9/36

 

A TRAGÉDIARasgos estruturais da tragédia em Os Maias 

1 – A personagem trágica

Carlos e Maria Eduarda destacam-se como figuras eleitas, pertencentes a uma elite,dotados de qualidades superiores, requintados, seres de excepção, não integrados numasociedade grosseira, limitada e suja. Carlos e Maria Eduarda elevam-se ao nível da tragédiaamorosa, definindo-se não como meros tipos sociais, mas como símbolos de uma fatalidadesuperior.

2 – A acção trágica (a fatalidade como motor de aproximação dos dois irmãos)

As duas personagens, figuras de excepção (como convém ao espírito clássico datragédia), são irresistivelmente levadas a um encontro e a uma união que afirmam asupremacia do sentimento, concebido segundo um padrão elevado e ideal.

Perante os obstáculos oferecidos por Afonso e respeitados pelos próprios amantes,assiste-se à intensificação das relações amorosas que atinge o auge da felicidade perfeita.Quando a união se torna perfeita, quando o sentimento se eleva ao ponto superior da

sua realização, desaba a catástrofe – depara-se-nos a tragédia.Carlos, ao tentar a recusa de uma verdade imposta pelo «implacável destino» concorre

para a sua completa realização – a efectivação de um incesto consciente.Classicamente, o aparecimento da tragédia não corta só o desenrolar harmonioso dos

acontecimentos, como também impede a reestruturação dos mesmos. A fatalidade aniquila apossibilidade de recuperação.

O desenlace fatal que, abruptamente, destrói o equilíbrio das personagens, vem sendoinsidiosamente preparado ao longo da acção. Diversos indícios são introduzidos de modo

discreto, ganhando todo o seu profundo significado apenas quando um pormenor do acaso seapresenta como claramente revelador.

3 – Indícios do destino

«… Andava lendo uma novela de que era heróis o último Stuart, o romanesco príncipeCarlos Eduardo; e, enamorada dele, das suas aventuras e desgraças, queria dar esse nome aseu filho… Carlos Eduardo da Maia! Um tal nome parecia-lhe conter o destino de amores efaçanhas…» (cap. II)

O próprio protagonista concebe um «romance, radiante e absurdo», fora das leis

humanas, condicionado pela força do destino:

«… um sopro de paixão, mais forte que as leis humanas, condicionado pela força dodestino…»

«… Carlinhos da minha alma, é inútil que ninguém ande à busca da “sua mulher”. Cadaum tem a “sua mulher”, e necessariamente tem de a encontrar. Tu está aqui, na Cruz dosQuatro Caminhos, ela talvez em Pequim: mas tu, aí a raspar o meu repes com o verniz dossapatos, e ela a orar no tempo de Confúcio, estais ambos insensivelmente, irresistivelmente,fatalmente, marchando um para o outro!...» (cap. VI)

«… Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela, e pareceu-lheperfeito, condizendo bem com a sua beleza serena. Maria Eduarda, Carlos Eduardo… Havia

Page 10: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 10/36

 

uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seusdestinos!» (cap. XI)

«Ega escutava-o, sem uma palavra, enterrado no fundo do sofá. Supusera umromancezinho, desses que nascem e morrem entre um beijo e um bocejo: e agora, só pelo

modo como Carlos falava daquele grande amor, sentia-o profundo, absorvente, eterno, e parabem ou para mal tornando-se daí, para sempre, o seu irreparável destino.» (cap. XII)

«Mas o velho pôs o dedo nos lábios, indicou Carlos lá dentro, que podia ouvir… Eafastou-se, todo dobrado sobre a bengala, vencido enfim por aquele implacável destino que,depois de o ter ferido na idade da força com a desgraça do filho – o esmagava ao fim davelhice com a desgraça do neto.» (cap. XVII)

Todos estes extractos apontam claramente o dedo subtil de uma entidadetranscendente a Carlos e Maria Eduarda que os aproxima e que os há-de destruir. E nesteaspecto a intriga escapa aos postulados dos cânones da estética naturalista que submetia

todos os processos a um feroz racionalismo.O Destino compraz-se, assiste, atento e ciumento, à felicidade do par amoroso e,quando nada o fazia prever, aparece abertamente, enviando o seu mensageiro na pessoa dosr. Guimarães.

4 – Indícios da tragédia

A intriga principal tem uma estrutura trágica, assemelhando-se o seu desenvolvimentoao de uma tragédia clássica. É fácil identificar nela os três momentos essenciais de umatragédia: a “peripécia” – mutação súbita dos acontecimentos, no seu contrário -, a“anagnórise” (reconhecimento) – a revelação de um dado novo -, e a “catástrofe” – desenlace

com morte.A peripécia verificou-se com as revelações de Guimarães a Ega sobre a identidade deMaria Eduarda; o reconhecimento, acarretado pelas revelações de Guimarães, muda asrelações entre Carlos e Maria Eduarda em relações incestuosas, provocando a catástrofeconsumada pela morte do avô e a separação definitiva dos dois amantes.

Que a intriga era trágica, já o vinham anunciando inúmeros presságios de desgraça.A primeira série de indícios, mais e vagos e gerais, será relacionada com a própria

família dos Maias, uma família perseguida pela fatalidade que, quase no início da obra éconsciencializada no medo supersticioso do procurador Vilaça, ao referir a lenda doRamalhete:

«… aludia a uma l enda 

 

, segundo a qual eram sempre fatais aos Maias as paredes doRamalhete…»

Pedro submete-se a esse destino trágico que o separa e o lança nos braços de MariaMonforte que, com a sua fuga, o conduz ao suicídio. O próprio Carlos, educado num ambientesaudável de positivismo, não escapa à influência da onda trágica que vem envolvendo afamília. Ega, ironizando, profetiza-lhe – tal com Don Juan – um fim trágico:

«… e há-de vir a acabar desgraçadamente como ele, numa tragédia infernal…»

«Ah, monsieur – exclamou a vasta ministra da Baviera, furiosa – méfieaz-vous… Vous

connaissez le proverbe; herreux au jeu…» (cap. VIII)

Page 11: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 11/36

 

O facto de Carlos ter ganho o prémio das apostas, nas Corridas de Cavalos, leva aministra da Baviera, com mau perder, a fazer referência ao ditado popular «Sorte ao jogo, azarao amor». Este provérbio deixa adivinhar que Carlos não será feliz nas relações amorosas, jáque teve sorte ao jogo.

«… sobre uma estante ao lado, cheio de partituras de músicas, de jornais abertos,pousava um vasto vaso do Japão onde murchavam três belos lírios brancos…» (cap. XI)

«Para perceber este caso, de um carácter nobre apanhado dentro de uma implacávelrede de fatalidades, seria necessário um espírito mais dúctil, mais mundano que o do avô… Ovelho Afonso era um bloco de granito: não se podiam esperar dele as subtis discriminações decasuísta moderno.» (cap. XV)

«Mas Maria Eduarda não gostou destes amarelos excessivos. Depois impressionou-se,ao reparar num painel antigo, defumado, ressaltando em negro do fundo de todo aquele oiro

 – onde apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro de um

prato de cobre. E para maior excentricidade, a um canto, de cima de uma coluna de carvalho,uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com ar de meditação sinistra, os seusdois olhos redondos e agoirentos…» (cap. XIII)

«- Há três anos, quando o sr. Afonso me encomendou aqui as primeiras obras, lembrei-lhe eu que, segundo uma antiga lenda, eram sempre fatais aos Maias as paredes doRamalhete. O sr. Afonso da Maia riu de agouros e lendas… Pois fatais foram!» (cap. XVII)

De facto, tudo parece condenar a ligação dos dois amantes: a sociedade, o pretensomarido de Maria Eduarda, a revelação da mentira, o «puritanismo» de Afonso e a própriaconsciência dos dois amantes.

Logo aquando de um dos primeiros encontros na Rua de S. Francisco, Maria Eduardaafirma ser portuguesa, mas recusa-se a falar do seu passado.Carlos encontra em Maria Eduarda semelhanças com o avô.

«Foi um encanto para Carlos quando Maria o associou às suas caridades, pedindo-lhepara ir ver a irmã da sua engomadeira, que tinha reumatismo, e o filho da srª Augusta, a velhado patamar, que estava tísico. Carlos cumpria esses encargos com o fervor de acçõesreligiosas. E nestas piedades achava-lhe semelhanças com o avô.» (cap. XI)

Ela, por sua vez, refere-se à parecença dele com a sua mãe. Maria Eduarda «nascera»em Viena; Carlos sabia da «morte» da mãe e da irmã também em Viena.

A propósito da «hipotética morte» da filha de Pedro e Maria Monforte, facilmente severifica que o leitor é induzido em erro e levado a pensar que essa criança morreu. Contudo, seo leitor estiver atento, facilmente chegará à conclusão de que a criança morta não é a filha deMaria Monforte e de Pedro, senão comparemos as descrições das respectivas crianças:

Filha de Pedro e Maria Monforte Filha de Maria Monforte, que morrera emLondres

«… linda bebé, muito gorda loura e cor derosa com os belos olhos negros dos Maias…»

«… adorável retrato de criança… um cabelode azeviche… palidez de nácar… olhosnegros…»

Page 12: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 12/36

 

A filha que morrera em Londres não poderia ser a filha de Pedro e Maria, porque essaera loura, enquanto a outra tinha cabelos negros, como se poderá verificar através dasexpressões em destaque.

É ainda extraordinária a semelhança existente entre Maria Monforte e Maria Eduarda,

parecendo que uma é a «cópia» da outra, o que irá de encontro à tese naturalista, igualmenteexplorada na obra. Essa semelhança poderá ser facilmente confirmada através do paralelismoque a seguir se apresenta. De salientar que, além das semelhanças físicas por demaisevidentes, o narrador foi ainda mais longe, tendo usado frequentemente expressões iguais (asque se encontram em destaque) ou sinonímicas.

Maria Monforte Maria Eduarda

«… senhora loura…» «… senhora alta, loura…»

«… cabelos louros, de um ouro fulvo…» «… Reflexos de cabelos de ouro…»

«… carnação de mármore…» «… linhas ricas de mármore antigo…»

«… magnífica criatura…» «… maravilhosamente bem feita…»«… resplandecente de jóias…» «… jóia exagerada de cocotte…»

«… vivia num ninho de sedas azul-ferrete…» «… luxo secreto e raro de rendas…»«… um monte de meias de seda…»

«… carnação ebúrnea…» «… carnação ebúrnea…»

«… Juno loura…» «… seus esplêndidos braços de Juno…»

«… testa curta e clássica…»«… perfil grave de estátua…»«… imortal e superior à Terra…»«… ideal de Renascença…»«… esplendor de uma Ceres…»

«… ar castro e forte…»«… imagem… de uma deusa…»«… brilhante deusa…»«… passo soberano de deusa…»

«… olhos maravilhosos…» «… negro profundo de dois olhos…»

De destacar ainda a importância dos nomes das personagens: Maria Eduarda Runa,Maria Eduarda e Carlos Eduardo.

«…Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela; e pareceu-lheperfeito, condizendo bem com a sua beleza e serenidade. Maria Eduarda, Carlos Eduardo…Havia uma similitude nos seus nomes. Quem sabe se não pressagiava a concordância dos seusdestinos…»

Recuando um pouco na história dos Maias, recordaremos a relação doentia entrePedro da Maia e a sua mãe Maria Eduarda Runa. Como consequência dessa relação doentianada mais natural do que Pedro querer prestar um tributo à falecida mãe e dar aos seus filhoso nome da avó (Eduarda). O próprio narrador vai mais longe adiantando a possibilidade de«concordância dos destinos» de Carlos e Eduarda.

As afinidades entre as duas personagens vão ao pormenor de ambas terem atribuído omesmo nome a duas cadelinhas que tiveram.

«… Carlos achava lindo este nome de Niniche. E era curioso, tinha tido uma galguinhaitaliana que se chamava Niniche…»

Page 13: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 13/36

 

Ao que parece, tudo se conjuga para aproximar as duas personagens de um modoabsolutamente inevitável, como se uma força misteriosa os atraísse irremediavelmente. Ouentão, talvez essa aproximação seja um indício da verdadeira identidade de Maria Eduarda.

O SUBTÍTULO – EPISÓDIOS DA VIDA ROMÂNTICAA CRÓNICA DE COSTUMES

OS FIGURANTES DE OS MAIAS 

Ao subtitular o seu romance, Eça apontou, desde logo, um objectivo de alcanceestrutural e social: a interligação da acção principal com uma sucessão de acontecimentos deâmbito social que proporcionam a radiografia da sociedade lisboeta e, por extensão, de

Portugal da segunda metade do século XIX.

Cruges:

Talento não

reconhecido

Rufino:

Oratória

«balofa»

Sousa Neto:

Administra-

cão Pública

Conde de

Gouvarinho:

Política

Dâmaso:

Corrupção/

Decadência

moral

Mulheres da

sociedade;

Mulher

portuguesa

Steinbroken/

filho do Sousa

Neto:

Diplomacia

Palma

«Cavalão»/

Neves:

Jornalismo

Cohen: Alta

Finança

Eusébio:

Educação

Portuguesa

Craft:

Aristocracia

Inglesa

Alencar/ Ega:

Literatura

Portuguesa

SOCIEDADE

PORTUGUE-

SA

Page 14: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 14/36

 

Os Maias  são, superficialmente, um fresco caricatural da sociedade portuguesa doséculo XIX em forma de crónica de costumes, com fortes características de romancefolhetinesco.

O aspecto maior da crónica de costumes é a crítica social corporizada em tipos sociais,representantes esteriotipados de mentalidades, estéticas, costumes, políticas, etc. Estes tipos

sociais movem-se no espaço citadino de Lisboa, porque esta é o microcosmos que representao macrocosmos: Portugal. Ega afirma: «Lisboa é Portugal».Ao longo do livro pululam personagens tipificadas às quais é atribuída uma função de

representantes de um grupo, profissão, defeito, ou tendência que o autor pretende esclarecer,satirizar, destruir, através da crítica. Estes «tipos» vão surgindo em cenas, quadros, esboços deacontecimentos que, embora relacionados com a linha narrativa da acção principal, dela seafastam, contribuindo para o aprofundamento e complexidade da obra. A apresentação dessaspersonagens não é feita de uma maneira línea.

Os Episódios da Vida Romântica  constituem «flagrantes» da vida portuguesa, ondeestão representados os defeitos caracterizadores da sociedade da segunda metade do séculoXIX, em múltiplos aspectos, através de figurantes.

Nos episódios observam-se as acções, as atitudes e os comportamentos doprotagonista da intriga principal – Carlos da Maia – e dos figurantes, representantes dediferentes aspectos da sociedade portuguesa da segunda metade do século XIX.

Trata-se de uma tela viva, onde se movimentam figuras da elite portuguesa,pertencentes a diversos sectores (Finanças, Política, Diplomacia, Administração Pública,Jornalismo, Literatura, Aristocracia).

O leitor é conduzido por Carlos da Maia aos diversos locais frequentados pelos maisimportantes do Reino e, através do seu olhar, acede ao retrato desse Portugal medíocre,apático, atrasado, provinciano em que, por vezes, situações e personagens atingem a categoriade caricatura.

O narrador critica, ironiza e deforma em excesso um ou vários traços caracterizadores

da Nação, exprimindo, deste modo, a necessidade urgente de reformar os hábitos, oscostumes e sobretudo a mentalidade de uma gente tão tacanha, tão limitada, tão ridícula.O romance Os Maias denuncia os vícios da Pátria para a qual Eça de Queirós olhava do

exterior. De facto, o afastamento de Portugal, por razões profissionais, possibilitava-lhe aanálise objectiva, por vezes impiedosa, de uma sociedade ridícula, decadente, tão distanciadada civilização estrangeira que ele tão bem conhecia.

EPISÓDIOS

Jantar no Hotel

Central

(cap. VI)

Corridas de

Cavalos no

Hipódromo

(Cap. X)

Chás e jantar

em casa do

Conde de

Gouvarinho

(cap.s X e XII)

No jornal A

Tarde

(cap. XV)

Sarau no

Teatro da

Trindade

(cap. XVI)

Passeio final

de Carlos e Ega

(cap. XVIII)

Page 15: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 15/36

 

OS EPISÓDIOS MAIS IMPORTANTES

1 - O EPISÓDIO DO JANTAR NO HOTEL CENTRAL (CAP. VI)

OBJECTIVOS:

- homenagear o banqueiro Jacob Cohen;- proporcionar a Carlos um primeiro contacto com o meio lisboeta;- apresentar a visão crítica de alguns problemas:- proporcionar a Carlos a visão de Maria Eduarda.

INTERVENIENTES:- João da Ega, promotor da homenagem e representante do Realismo/ Naturalismo;- Cohen, o homenageado, representante das Finanças;- Tomás de Alencar, o poeta ultra-romântico;- Dâmaso Salcede, o novo-rico, representante dos vícios do novo-riquismo burguês;- Carlos da Maia, o médico e o observador crítico;

- Craft, representante da cultura artística e britânica.

TEMAS DISCUTIDOS

A LITERATURA E A CRÍTICA LITERÁRIA

Tomás de Alencar:- opositor do Realismo/ Naturalismo;- Incoerente: condena no presente o que cantara no passado –o estudo dos vícios da sociedade;- Falso moralista: refugia-se na mora,, por não ter arma dedefesa: acha o realismo/ naturalismo i moral;

- Desfasado do seu tempo;- Defensor da crítica literária de natureza académica:preocupado com aspectos formais em detrimento da dimensãotemática; preocupado com o plágio.

João da Ega- Defensor do Realismo/Naturalismo;- Exagera, defendendo ocientificismo na literatura;- Não distingue Ciência e Literatura.

Carlos e Craft- Recusam o ultra-romantismo de Alencar;- Recusam o exagero de Ega;- Carlos acha intoleráveis os ares científicos do realismo;- Carlos defende que os caracteres se manifestam pela acção;- Craft defende a arte como idealização do que há de melhor nanatureza;

- Craft defende a arte pela arte

O narrador- Recusa o ultra-romantismo deAlencar;- Recusa a distorção do Naturalismocontido nas afirmações de Ega;- Afirma uma estética próxima deCraft: «estilos novos, tão preciosos e

tão dúcteis» - tendência parnasianaAS FINANÇAS

- O país tem absoluta necessidade dos empréstimos ao estrangeiro;- Cohen é calculista e cínico: tendo responsabilidades pelo cargo que desempenha, lava as mãos eafirma alegremente que o país vai direitinho para a bancarrota.

A HISTÓRIA E A POLÍTICA

João da Ega- Aplaude as afirmações de Cohen;- Delira com a bancarrota como determinante daagitação revolucionária;- Defende a invasão espanhola;

- Defende o afastamento violento da Monarquia;- Aplaude a instalação da República;

Tomás de Alencar- Teme a invasão espanhola: é um perigo para aindependência nacional;- Defende o romantismo político: uma repúblicagovernada por génios; a fraternização dos povos;

- Esquece o adormecimento geral do país.

Page 16: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 16/36

 

- A raça portuguesa é a mais covarde e miserávelda Europa;- «Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa não hánada.».

Jacob Cohen

- Há gente séria nas camadas políticas dirigentes;- Ega é um exagerado.

Dâmaso Salcede

- Se acontecesse a invasão espanhola, ele«raspava-se» para Paris;- Toda a gente fugiria como uma lebre.

CONCLUSÕES A TIRAR:

• Falta de personalidade;- Alencar muda de opinião quando Cohen o pretende;- Ega muda de opinião quando Cohen quer;- Dâmaso, cuja divisa é «Sou Forte», aponta o caminho fácil da fuga.

• Incoerência: Alencar e Ega chegam a vias de facto e, momentos depois, abraçam-se como se nada tivesse acontecido.

• Acima de tudo: a falta de cultura e de civismo domina as classes mais destacadas,salvo Carlos e Craft.

2 - AS CORRIDAS DE CAVALOS (CAP. X)

OBJECTIVOS:- Novo contacto de Carlos com a alta sociedade lisboeta, incluindo o próprio rei;- Visão panorâmica dessa sociedade (masculina e feminina) sob o olhar crítico de

Carlos;

- Tentativa frustrada de igualar Lisboa às capitais europeias, sobretudo Paris;- Cosmopolitismo (postiço) da sociedade;- Possibilidade de Carlos encontrar aquela figura feminina que viu à entrada do Hotel

Central.

AS CORRIDAS:- 1ª Corrida: a do prémio dos «Produtos»;- 2ª Corrida: a do Grande Prémio Nacional;- 3ª Corrida: a do Prémio de El-Rei;- 4ª Corrida: a do Prémio de Consolação.

VISÃO CARICATURAL:• O hipódromo parecia um palanque de arraial;

• As pessoas não sabiam ocupar os seus lugares;

• As senhoras traziam «vestidos sérios de missa»;

• O bufete tinha um aspecto nojento;

• A 1ª Corrida terminou numa cena de pancadaria;

• As 3ª e 4ª Corridas terminaram grotescamente.

CONCLUSÕES A TIRAR:

• Fracasso total dos objectivos das corridas;

• Radiografia perfeita do atraso da sociedade lisboeta;

• O verniz de civilização estalou completamente;• A sorte de Carlos, ganhando todas as apostas, é indício de futura desgraça.

Page 17: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 17/36

 

3 - O JANTAR DOS GOUVARINHOS

OBJECTIVOS:- Reunir a alta burguesia e aristocracia;- Reunir a camada dirigente do país;

- Radiografar a ignorância das classes dirigentes.

ALVOS VISADOS

CONDE DE GOUVARINHO:- Voltado para o passado;- Tem lapsos de memória;- Comenta muito desfavoravelmente asmulheres;- Revela uma visível falta de cultura;- Não acaba nenhum assunto;

- Não compreende a ironia sarcástica do Ega;- Vai ser ministro.

SOUSA NETO:- Acompanha as conversas sem intervir;- Desconhece o sociólogo Proudhon;- Defende a imitação do estrangeiro;- Não entra nas discussões;- Acata todas as opiniões alheias, mesmoabsurdas;

- defende a literatura de folhetins, de cordel;- É deputado.

CONCLUSÕES A TIRAR:

• Superficialidade dos juízos dos mais destacados funcionários do Estado;

• Incapacidade de diálogo por manifesta falta de cultura.

4 - A IMPRENSA (CAP. XV)

OBJECTIVOS:

- Passar em revista a situação do jornalismo nacional;- Confrontar o nível dos jornais com a situação do país.

JORNAIS ATINGIDOS

A «CORNETA DO DIABO»- O director é o Palma «Cavalão», um imoral;- A redacção é um antro de porcaria;- Publica um artigo contra Carlos mediantedinheiro;- Vende a tiragem do número do jornal onde

saíra o artigo;- Publica folhetinzinhos debaixo nível.

«A TARDE»- O director é o deputado Neves;- Recusa publicar a carta de retractação deDâmaso porque o confunde com um seucorreligionário;- Desfeito o engano, serve-se da mesma carta

como meio de vingança contra o inimigopolítico;- Só publica artigos ou textos dos seuscorreligionários políticos.

CONCLUSÕES A TIRAR:

• Baixo nível;

• A intriga suja;

• O compadrio político;

• Tais jornais, tal país.

Page 18: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 18/36

 

5 - O SARAU DA TRINDADE (CAP. XVI)

OBJECTIVOS:

- Ajudar as vítimas das inundações do Ribatejo;

- Apresentar um tema querido da sociedade lisboeta: a oratória;- Reunir novamente as várias camadas das classes mais destacadas, incluindo a famíliareal;

- Criticar o ultra-romantismo que encharcava o público;- Contrastar a festa com a tragédia

OS ORADORES

RUFINO:- O bacharel transmontano;- O tema do Anjo da Esmola;

- O desfasamento entre a realidade e odiscurso;- A falta de originalidade;- O recurso a lugares-comuns;- A retórica oca e balofa;- A aclamação por parte do público tocado noseu sentimentalismo.

ALENCAR:- O poeta ultra-romântico- O tema da Democracia Romântica;

- O desfasamento entre a realidade e odiscurso;- O excessivo lirismo carregado de conotaçõessociais;- A exploração do público seduzido porexcessos estéticos estereotipados;- A aclamação do público.

CONCLUSÕES A TIRAR:

• As classes dirigentes alheadas da realidade;

• Uma sociedade deformada pelos excessos líricos do Ultra-Romantismo;

• Tal oratória, tal país.

6 - O EPISÓDIO FINAL: O PASSEIO DE CARLOS E EGA (CAP. XVIII)

O último capítulo funciona como o epílogo do romance, dez anos depois de acabada aintriga. O passeio final de Carlos e Ega em Lisboa ocorre dez anos depois dos episódios atéagora analisados. É semelhante aos outros nos objectivos críticos e diferente porque tem umadimensão ideológica e o processo de representação é de carácter simbólico. Os espaçospercorridos estão impregnados de conotações históricas e ideológicas.

Os espaços percorridos por Carlos e Ega podem agrupar-se em três conjuntos: oprimeiro domina a estátua de Camões que, triste, evoca o passado glorioso da epopeia

portuguesa (anterior a 1580) e desperta um sentimento de nostalgia. Com efeito encontra-seperdida e envolvida por uma atmosfera de estagnação. No segundo, dominam aspectosligados a Portugal absolutista (anterior a 1820): é a parte antiga da cidade. Embora recusadoeste tempo pela perspectiva de Carlos, não deixa de manifestar uma autenticidade nacional,destruída pelo presente afrancesado e decadente. No terceiro domina o presente (o tempo daRegeneração, a partir de 1851), tempo da decadência, do fracasso da restauração, dadestruição. As tentativas de recuperação não mobilizaram o país, quer porque de alcancemuito restrito (caso do monumento dos Restauradores), quer porque imitações erradas demodelos culturais alheios (caso do francesismo).

O Ramalhete integra-se neste conjunto no sentido em que, atingido pela destruição epelo abandono, pode funcionar como sinédoque da cidade e do país, retirada a dimensão

individual.

Page 19: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 19/36

 

Em conclusão, o plano da crónica de costumes, que constitui o espaço social de Os Maias ,possibilitou um exame profundamente crítico da alta sociedade lisboeta da segunda metadedo século XIX. Este espaço social será também precioso para detectarmos algumascoordenadas da estética naturalista.

ENTRADA DAS PERSONAGENS EM CENA

À volta de cada uma das personagens-centro das gerações tratadas no livro desenha-se uma série de figuras representativas de classes, grupos sociais, tendências, vícios e virtudesnacionais.

Caetano da Maia Esposa; frei Jerónimo da Conceição; Fanny;primas Cunhas; brigadeiro Sena; D. Miguel…

Afonso da Maia Maria Eduarda Runa; absolutistas/ liberais;

Vilaça; condessa de Runa; abade; D. AnaSilveira; D. Eugénia; o doutor delegado;Carlos; Conde de Steinbroken; Marquês deSouselas; D. Diogo; Sequeira; Taveira…

Pedro da Maia Alencar; Taveira; Maria Monforte,napolitano…

Carlos da Maia Ega; Eusebiozinho; Condes de Gouvarinho;Cohen; Dâmaso; Teles da gama; Cruges; Craft;Taveira…

Estes tipos vão surgindo, lenta e naturalmente, em pequenas «cenas» que reflectem

aspectos da vida social, servindo o propósito crítico do autor.De uma maneira geral, as situações criadas obedecem à seguinte orientação comum:

- integração num ambiente de interior;- focalização sobre uma figura ou grupo relativamente homogéneo;- preestabelecimento da teoria ou princípio a discutir;- multiplicidade de pontos de vista, visando uma imagem o mais completa possível;- distribuição organizada de modo a permitir o tratamento de temas inerentes à

organização e vivência sociais: arte, literatura, política, desporto, jornalismo, educação…

Cada um destes temas vai-se consolidando ao longo da obra por diversos

aparecimentos, discretos em algumas cenas, atingindo por vezes uma maior grau dedesenvolvimento em determinado quadro que lhe parece ser destinado.

A TIPIFICAÇÃO DAS PERSONAGENS

Eça dá-nos tipos sociais (não individualidades), que requerem ser apresentados nosdiversos e particulares espaços sociais em que actuam. O escritor apresenta uma visão dasociedade do seu tempo, onde a classe burguesa ocupa um espaço predominante.

Por sua vez, esta composição global da sociedade portuguesa é limitada, uma vez quese centra apenas em Lisboa, ou quase só em Lisboa (resumo de todo o país).

Os vários quadros de representação social surgem como zonas de irradiação de um

núcleo espacial permanente: o Ramalhete, local de onde partem e onde regressam osprincipais elementos de uma elite intelectual.

Page 20: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 20/36

 

Verifica-se que:

- As personagens são apresentadas em estruturas sociais de grupo – jantares, soirées,bailes, chás, espectáculos – onde a participação dos seus frequentadores é particularmenteactiva e dialogante (domínio da caracterização indirecta);

- Tais reuniões têm um carácter acentuadamente convencional e mundano (menos oRamalhete) e as pessoas a elas assíduas, pela «toilette» de circunstância, pela palavra emedida, pela pose necessária, actuam mais de jeito de representação do que de expressãovital;

- Os locais onde os citados ajuntamentos se efectuam correspondem a áreas fechadas(até mesmo o hipódromo);

- As instituições, classes e grupos sociais da vida portuguesa do tempo vão sendocriticadas em quadros sucessivos, através de figuras típicas, representativas das mesmasinstituições, classes e grupos; para fechar a série, o autor organiza um quadro final maisamplo, onde se reúne um grande grupo de figurantes já apresentados individualmente nosquadros anteriores e que completam a panorâmica social (Sarau da Trindade);

- Eça dá-nos ainda um quadro geral de remate, o último, correspondente à descriçãoda cidade de Lisboa (país), feita quando da visita de Carlos a Lisboa, 10 anos depois da suainstalação para sempre em França. Este quadro serve de suporte à tese de Eça: concorrênciainoperante da acção de uma burguesia tacanha que governa mal e do ócio de uma elitediletante que se mostra incapaz de governar. O final da obra faz adivinhar um futuro que, tudoleva a crer, confirmará a degenerescência do presente, onde já nem se divisa a promessa deuma nova elite com planos de acção, de qualquer projecto de renovação para o país. Opessimismo desta visão final da sociedade portuguesa, que fecha Os Maias , corresponde emparte à falência dos ideais de intervenção da própria geração de 70.

- O caso do Eusebiozinho

Fatalmente predestinado a um fracasso existencial pelo autor que, de início, o concebecomo grotesca criatura – produto de um meio ignorante e malicioso -º, a personagem nãoescapa a estes limites. Como acontece à maior parte das personagens em Os Maias , o seufracasso afirma-se a dois níveis diferentes:

1 – No plano afectivo: recolhido às saias da mãe, considerando suprema ventura poderdormir com ela, sempre molengão e tristonho, cada na Régua e cedo fica viúvo, aparecefúnebre, macambúzio, procurando esconder as suas relações com uma prostituta espanhola;novamente casado é derreado pela mulher à pancada;

2 – No plano sócio-profossional: todos os projectos da personagem, ou melhor, asambições que outrem tivera por ele, estão igualmente condenadas ao fracasso. O prometidobacharel, o menino prodígio, de nariz sempre enfronhado nos livros, torna-se um relespolitiqueiro de baixa categoria, comprometendo a sua dignidade na questão suja do artigo da«Corneta do Diabo».

Eusebiozinho surge estaticamente em vários quadros ou através de referências brevese esporádicas do autor ou algumas das suas personagens. Não actua. Parece cumpri apenas afunção de antemão delineada de tipo-representante de erros hereditários e sociais.

A EDUCAÇÃO EM OS MAIAS 

Eusebiozinho, juntamente com Pedrinho e Carlos, serve para ilustrar a educação quese ministrava em Portugal nos finais do século XIX. De um lado, temos Eusébio e Pedro, que

Page 21: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 21/36

 

vão receber a educação tradicional portuguesa, do outro lado, temos Carlos, que recebe umaeducação moderna (britânica). A tese que se pretende provar é que a educação é um factordeterminante na formação/ deformação, no sucesso/ insucesso do indivíduo.

Educação Tradicional Portuguesa Educação moderna britânica

- baseia-se na memorização simples deconteúdos sem fins práticos;

- baseia-se na explicitação/ compreensão domundo que nos rodeia;

- estudam-se os autores clássicos; - estudam-se os autores actuais;

- estuda-se uma língua morta – o latim; - estuda-se uma língua viva – o inglês;

- educação religiosa austera; - educação religiosa ausente/ inexistente;

- super-protecção do indivíduo: anda ao coloda/s criada/s/ titi/ mamã; dormeacompanhado e com a lamparina acesa;sempre abafado em casacos e mantas; nãosai de casa; não se pratica qualqueractividade física;

- educação rígida: dorme sozinho e de luzapagada; adormece e acorda cedo e a horascertas; toma banhos de água fria; brinca narua, apanha sol/ chuva; corre, salta, rema, fazginástica; rigor na alimentação, a horas certase criteriosamente seleccionada;

- Inibe-se a vontade própria do indivíduo; - desenvolve-se o espírito crítico e deiniciativa;

- Inexistência da preocupação com a culturafísica;

- preocupação em desenvolver o indivíduofisicamente;

- os progenitores decidem qual o destino dacriança.

- a criança toma decisões sobre o seu futuro.

Mediante estes dois tipos de educação tão contrários, é lógico que as expectativas sãocompletamente diferentes. Em relação ao primeiro modelo (educação tradicional portuguesa),as expectativas são negativas. À partida, o indivíduo assim educado está condenado aofracasso, que é uma consequência praticamente inevitável. Daí se entender o resultado final

de Pedro (suicida-se) e de Eusébio (é obrigado a casar com uma mulher que lhe dá valentestareias).

Já em relação ao segundo modelo (educação moderna britânica), espera-se que oindivíduo alcance o sucesso desejado. Contudo, Carlos acaba também por fracassar. Todos osseus projectos caem por terra (abandona o consultório, abandona o laboratório, abandona oprojecto de escrever um livro sobre medicina, abandona o ideal de fazer alguma coisa paratirar o país da mediocridade a que estava votado).

Igualmente no plano afectivo o fracasso é total. Depois da tragédia que se abate sobrea família, Carlos desiste de viver e desiste de amar.

Carlos fracassa ainda como ser humano. O homem que surge, após a descoberta daverdade identidade de Maria Eduarda, é um ser fragilizado, sem dignidade, sem honra, um ser

monstruoso e repugnante. É pensando apenas em si, agindo de modo egoísta, que Carlosrevela brutalmente a seu avô a verdade sobre Maria Eduarda, sem pensar sequer nosofrimento daquele homem já bastante velho e maltratado pela vida.

Carlos é um homem que se deixa dominar completamente pelo coração, pelossentidos e pelas sensações, incapaz de enfrentar uma situação difícil. Não tem pejo em voltar acometer o incesto, mas já de uma forma perfeitamente consciente, e não uma vez, mas duas.Finalmente, é um cobarde, que foge para Santa Olávia, deixando a Ega a delicada missão derevelar toda a verdade a Maria Eduarda. É um heróis fraco e com «pés de barro».

Porque fracassa Carlos?Pedro fracassou por causa da educação, mas Carlos fracassou apesar da educação.Não podemos esquecer que Carlos é um português. A educação britânica não é

suficiente para o tornar diferente do resto dos portugueses. A verdade é que ele, devido á sua

Page 22: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 22/36

 

personalidade latina, ao típico sentimentalismo, ao espírito pouco prático, à alma romântica,ao gosto pelos «vocabulário mavioso» está condenado a ser mais um «vencido da vida».

A própria sociedade onde o indivíduo se insere é também responsável por essefracasso. Quem compreenderia Cruges, se ele compusesse uma ópera? Quem entenderia Ega,se ele escrevesse uma obra-prima? Quem seria capaz de entender Carlos, se ele fizesse um

estudo apurado sobre a medicina? NINGUÉM!Além disso, não se pode esquecer a força do destino, que parece perseguir a famíliados Maias e condena Carlos a um final trágico.

A LINGUAGEM SIMBÓLICA

O símbolo “é uma palavra, uma frase ou qualquer outra forma de expressãoà qual se associa um complexo de significados; neste sentido, considera-se que o símbolo temvalores diferentes dos daquilo que é simbolizado” (Harry Shaw, Dicionário de Termos 

Literários )

Em Os Maias , os símbolos estão presentes ao longo de toda a obra. Observemosalguns:

RAMALHETE

«O nome Ramalhete provinha de certo de um revestimento quadrado de azulejos (…)representando um grande ramo de girassóis» (cap. I)

Simbolismo: nobreza rural, ligação de família à terra

Quintal do Ramalhete:

1ª descrição: «um pobre quintal inculto, abandonado às ervas bravas com um cipreste,um cedro, uma cascatazinha seca, um tanque entulhado, e uma estátua de mármore (ondeMonsenhor reconheceu logo Vénus de Citereia) enegrecendo a um canto na lenta humidadedas ramagens silvestres» (cap.I)

2ª descrição: «seu quintalejo (…) tinha o ar simpático com os seus girassóis perfiladosao pé dos degraus do terraço, o cipreste e o cedro envelhecendo juntos como dois amigostristes, e a Vénus Citereia parecendo agora, no seu tom claro de estátua de parque, terchegado de Versalhes, do fundo do grande século… E desde que a água abundava acascatazinha era deliciosa (…) com os seus pedregulhos arranjados em despenhadeirobucólico» (cap.I)

3ª descrição: «em baixo o jardim, bem areado, limpo e frio na sua nudez de Inverno,tinha a melancolia de um retiro esquecido, que já ninguém ama, uma ferrugem verde dehumidade, cobria os grossos membros de Vénus Citereia; i cipreste e o cedro envelheciam

 juntos como dois amigos num ermo: e mais lento corria o prantozinho da cascata» (cap. XVIII)

Page 23: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 23/36

 

SIMBOLISMO 

QUINTAL

JARDIM

1ª descrição:

Tristeza

decadência

Decadência

2ª descrição:

Alegria

Recuperação

3ª descrição:

Morte

Esquecimento

VÉNUS

DE CITEREIA

1ª descrição:

Visão negativa da mulher

(Maria Monforte)

2ª descrição:

Visão positiva da mulher

(Maria Eduarda)

3ª descrição:

Corresponde à visão de

Carlos no último encontro

com Maria Eduarda

CIPRESTE

E CEDRO

1ª descrição:Valor intemporal da

amizade incorruptível

2ª descrição:

Valor intemporal daamizade incorruptível

3ª descrição:

Valor intemporal daamizade incorruptível

Page 24: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 24/36

 

Os móveis do escritório de Afonso

«Todos os móveis do escritório do avô desapareciam sob os largos sudários brancos.»(cap. XVIII)

Nos diversos símbolos destacados não é difícil lermos o percurso da família dos Maias.Desde o início, desabitado, quando Afonso vive no retiro de santa Olávia, o Ramalhete não temvida: em seguida, habitado, preparado para receber Carlos, torna-se símbolo da esperança eda vida: a estátua e a cascata transformam-se. É como que um renascimento; finalmente, atragédia bate-se sobre a família e eis a cascata chorando, esfiando as últimas gotas de água, aestátua coberta de ferrugem. Tudo aponta para um carácter funéreo, uma espécie decemitério areado e limpo, tendo como guardas o cipreste e o cedro – árvores que, pela sualongevidade, significam a vida e a morte. Foram testemunhas das várias gerações dos Maiasque se foram.

Os móveis do escritório de Afonso estão cobertos de panos brancos que são

comparados a mortalhas com que se envolvem os cadáveres. A morte instala-sedefinitivamente nesta família. E, se os Maias representarem Portugal, a morte instalou-seneste país.

TOCA«O melhor é baptizá-la definitivamente com o nome que nós lhe dávamos. Nós

chamávamos-lhe a Toca» (cap. XIII)«só o meter a chave devagar e com uma inútil cautela na fechadura daquela morada

discreta, foi para Carlos um prazer» (cap. XIII)«uma tarde, (…) experimentam ambos essa chave» (cap. XIV)«Era uma alcova recebendo a claridade de uma sal forrada de tapeçarias, onde

desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte» (cap. XIII)Simbolismo: relação incestuosa entre irmãos«painel antigo, defumado, ressaltando em negro do fundo de todo aquele oiro – onde

apenas se distinguia uma cabeça degolada, lívida, gelada no seu sangue, dentro de um pratode cobre.» (cap. XIII)

Simbolismo: sacrifício de Afonso devido à relação incestuosa dos netos«a um canto, de cima de uma coluna de carvalho uma enorme coruja empalhada

fixava no leito de amor, com um ar de meditação sinistra, os seus dois olhos redondos eagoirentos…» (cap. XIII)

Simbolismo: tragédia, infelicidade, morte.«o famoso armário, o “móvel divino” do Craft» (cap. XIII

«na base quatro guerreiros» (cap. XIII)«a peça superior era guardada aos quatro cantos pelos quatro evangelistas» (cap. XIII)«espigas, foices, cachos de uvas e rabiça de arados» (cap. XIII)

CASCATAZINHA

1ª descrição: ausência de

vida

2ª descrição: alegria

felicidade

3ª descrição: tristeza,

abandono, recordação

saudosa

Page 25: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 25/36

 

«dois faunos, recostados em simetria, indiferentes aos heróis e aos santos» )cap. XIII)«Mas o que mais agradou foram as faianças» (cap. III)«era ao centro um ídolo japonês de bronze, um deus bestial» (cap. XIII)

Toca é o nome dado à habitação de certos animais, o que, desde logo, parece

simbolizar o carácter animalesco deste relacionamento amoroso. Carlos introduz a chave noportão da Toca com todo o prazer, o que sugere não só o símbolo do poder, mas também o doprazer das relações incestuosas (símbolo fálico); da segunda vez que se alude à chave, os doisexperimentam-na. É evidente que a chave se torna símbolo da mútua aceitação e entrega.

Os aposentos de Maria simbolizam o carácter trágico da sua relação, a profanação dasleis humanas e cristãs, a sensualidade pagã excessiva.

Os guerreiros simbolizam a heroicidade, os evangelistas, a religião e os troféusagrícolas, o trabalho; qualidades que terão existido um dia nesta família (e em Portugal) e queagora estão completamente arredados.

Os dois faunos simbolizam os dois amantes numa atitude hedonista e desprezadora detudo e de todos.

O ídolo japonês remete para a sensualidade exótica, heterodoxa, bestial desta ligaçãoincestuosa.

AS CORES (dominantes)

Vermelho«ao lado de Maria com uma camélia escarlate na casada» (cap. I)«aquela sombrinha escarlate (…) quase o envolvia, parecia envolvê-lo todo. Como uma

larga mancha de sangue» (cap. I)«abria lentamente um grande leque negro pintado de flores vermelhas» (cap. XV)«todas as cadeiras forradas de repes vermelhos» (cap. XI)

«transparentes novos de um escarlate estridente» (cap. VI)

Vermelho – sensualidade, paixão, consanguinidade, transgressãoA cor vermelha tem um carácter duplo: ora feminina e nocturna, de poder centrípeto,

ora masculina e feminina, de poder centrífugo. Maria Monforte e Maria Eduarda sãoportadoras de um vermelho feminino, fogo que desencadeia a libido, despertando asensualidade à sua volta. Espalham também a morte. É que a paixão excessiva é destruidora.Provoca o suicídio de Pedro, a morte de Afonso e o desejo da morte em Carlos. Os olhosvermelhos do avô, caminhando para a morte, vararam Carlos de tal forma que este pensoudemoradamente na morte. 

Verde  – esperança, cor relacionada com a medicina, medicamentos; também poderepresentar o sexo femininoAmarelo – juventude, fertilidade; também pode anunciar declínio, abismo, morteDourado – poder, eternidade, amor, sabedoriaO tom amarelo e dourado está também omnipresente. O amarelo indica o carácter

ardente da paixão. É uma cor dupla: luz do ouro, de essência divina – e luz da terra, Verão eOutono. No primeiro caso, é a cor dos deuses, veículo do poder, da juventude e da eternidade;no segundo, é anunciadora da velhice, do Outono, da proximidade da morte. Morteclaramente prefigurada na cor negra, símbolo de uma paixão possessiva e destruidora. 

Negro

«seus olhos muito negros» (cap. III)«dois olhos maravilhosos irresistíveis» (cap. I)Negro – morte, tristeza, sofrimento

Page 26: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 26/36

 

Maria Monforte e Maria Eduarda, mãe e filha, conjugam estas três cores: cabelos deouro, olhos pretos e leque negro pintado de flores vermelhas, sombrinha escarlate. Elas são avida e a morte; o divino e o humano; a aparência e a realidade; a força que se torna fraqueza.

CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS

PERSONAGENS DA INTRIGA

Afonso da Maia«Afonso era um pouco baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes: e com a sua face

larga de nariz aquilino, a pele corada, quase vermelha, o cabelo branco todo cortado àescovinha, e a barba de neve aguda e longa» (cap. I)

Enquanto jovem, adere aos ideais do Liberalismo e é obrigado, pelo pai, a sair de casa.Instala-se em Inglaterra, em casa de uma tia e aí vive no meio do conforto. Falecido o pai, voltaa Lisboa e casa com Maria Eduarda Runa, filha do conde de Runa. Vive muito para o neto

Carlos. Já velho, passa o tempo em conversa com os amigos, lendo e emitindo juízos sobre anecessidade de renovação do país. Morre de uma apoplexia quando tem conhecimento dosamores incestuosos de seus netos, Carlos e Maria Eduarda.

É apresentado pelo narrador como o símbolo do velho Portugal, que contrasta com onovo Portugal – o da Regeneração -, cheio de defeitos.

Era nobre, rico, ateu, de ideologia liberal, preconceituoso, austero, simpático, afável,caridoso, culto.

Pedro da Maia«O Pedrinho (…) ficara pequenino e nervoso como Maria Eduarda (…) a sua linda face

oval de um trigueiro cálido, os dois olhos maravilhosos e irresistíveis, prontos sempre ahumedecer-se, faziam-no assemelhar a um belo árabe (…) Era em tudo um fraco; e esseabatimento contínuo de todo o seu ser resolvia-se a espaços em crises de melancolia negra,que o traziam dias e dias mudo, murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já velho. O seuúnico sentimento vivo, intenso, até aí, fora a paixão pela mãe» (cap. I)

É o prolongamento físico e temperamental da mãe. É vítima do meio baixo lisboeta ede uma educação retrógrada. Falha no casamento e falha como homem, suicidando-se.

Era instável, boémio, dado a crises de devoção.

Maria MonforteEra bela, loira, «de um oiro fulvo», tinha a «testa curta e clássica: os olhos

maravilhosos iluminavam-na toda», «carnação de mármore», «perfil grave d estátua»,elegante, esbelta, com toilettes excessivas «sempre decotada como em noites de gala»,«resplandescente de jóias» (cap. I)

É sensual e vítima da literatura romântica. É uma desconhecida em Lisboa, mas causasensação pela sua beleza e pelo seu luxo. Pedro apaixona-se por esta mulher, com quem casa.Foge com o napolitano Tancredo, levando consigo a filha Maria Eduarda e abandonando omarido e o filho. Morto Tancredo num duelo, leva uma vida dissipada e morre quase namiséria.

Era caprichosa, exigente, leviana e adúltera.

Carlos da Maia

«Era decerto um formoso e magnífico moço, alto, bem feito, de ombros largos, comuma testa de mármore sob os anéis dos cabelos pretos e os olhos dos Maia, aqueles olhosirresistíveis do pai, de um negro líquido, ternos como os dele e mais graves. Trazia a barba

Page 27: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 27/36

 

toda, muito fina, castanho-escura, rente na face, aguçada no queixo – o que lhe dava, com obonito bigode arqueado aos cantos da boca, uma fisionomia de belo cavaleiro da Renascença.»(cap. IV)

A narrativa, no que se refere a esta personagem, compreende as seguintes etapas: aépoca da formação de Carlos (cap. III), os seus estudos em Coimbra (cap. IV), a vida social em

Lisboa e a sua intriga (cap.s IV – XVII), o seu regresso a Lisboa, não para se reinstalar, mas paraa apresentação de significados simbólicos e ideológicos (cap. XVIII).Destacam-se, na sua personalidade, as características seguintes: homem viajado, culto,

de bom gosto, amante do luxo, cosmopolita, sensual, inteligente, diletante e dandy.Falhou em parte devido ao meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa,

fútil, sem estímulos – e em parte devido a aspectos hereditários – a fraqueza e a cobardia dopai, o egoísmo, a futilidade e o espírito boémio da mãe.

Maria Eduarda Maia«Era uma senhora alta, loira, com meio véu muito apertado e muito escuro que

realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea», «maravilhosamente bem feita, deixando atrás

de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar.» (cap. VI)Quem era esta «deusa»?Até aos 16 anos viveu num colégio perto de Tours. Viveu depois em Paris, com o

irlandês Mac Green, de que teve a filha Rosa: Morto Mac Green na guerra contra os alemães,conheceu o brasileiro Castro Gomes e, como esposa dele, chega a Lisboa. Esclarecida a suasituação de amante de Castro Gomes e não de esposa, Carlos apaixona-se por Maria Eduarda.Passam uma vida transitoriamente feliz. Guimarães destrói essa felicidade, apresentando osdocumentos da sua verdadeira identidade. Parte para Paris e acaba por casar com Mr. Trelain,casamento, segundo o ponto de vista de Carlos, de dois seres desiludidos. Pode dizer-se que évítima do meio pernicioso onde passa a infância, a adolescência e a juventude.

Culta, viajada, de bom gosto, mãe dedicada, caridosa, educada, sensual.

João da Ega«Figura esgrouvinhada e seca», com «os pêlos do bigode arrebitados», «nariz adunco,

um quadrado de vidro entalado no olho direito» (cap. IV)É a projecção literária de Eça de Queirós. É uma personagem contraditória: por um

lado, romântico e sentimental, por outro, progressista e crítica sarcástico do Portugal doConstitucionalismo. Diletante, concebe grandes projectos literários que nunca chega a realizar.Nos últimos capítulos, ocupa um papel de grande relevo no desenrolar da intriga. É a ela queGuimarães entrega o cofre com os dados biográficos de Maria Eduarda. É ele que procuraVilaça para lhe revelar a identidade de Maria Eduarda. Ele e Carlos revelam a novidade aAfonso. É ele que revela a verdade a Maria Eduarda. É ainda ele que a acompanha ao comboio

e se despede, quando ela parte definitivamente para Paris.Amigo íntimo de Carlos, estudante de Direito, original, ateu, demagogo, audaz,revolucionário, boémio, satânico, rebelde, sentimental.

PERSONAGENS DA CRÓNICA DE COSTUMES

EusebiozinhoEm criança: o morgadinho, uma «maravilha muito falada naqueles sítios» (Santa

Olávia), adoentado, macilento, «facezinha trombuda», «olhinhos vagos e azulados»,«perninhas bambas», «vestido de escocês», apático, molengão, passivo, subornável,melancólico. (cap. III)

Em adulto: «cabelo chato», «amarelado, despenteado, carregado de luto», «lunetaspretas» (cap. VIII)Viúvo, fúnebre, forreta, macambúzio.

Page 28: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 28/36

 

CraftBaixo, loiro, pele rosada e fresca, aparência fria, musculatura de atleta, vestido de

fraque, de educação britânica, modo calmo e plácido, excêntrico, viajado, rico, coleccionadorde obras de arte.

SteinbrokenVestido de modo britânico, «olhar azul claro e frio», «cabelos de loiro de espiga»Diplomata fino, grande entusiasta de Inglaterra, entendedor de vinhos, acrítico.

CrugesGrenha crespa, olhinhos piscos, nariz espetado, melancólico, tímido, reservado, músico

talentoso.

Conde de GouvarinhoAlto, de luneta de ouro, bigode encerado, pêra curta, «poseur», «um asno», «um

caloteiro», maçador, pequinhento, forreta, aborrecido, grosseiro, provinciano, voz lenta erotunda, desmemoriado, sem cultura histórica, deputado, pertencente ao Centro Progressista.

Condessa GouvarinhoTrinta e três anos, «cabelos cor de brasa, «pele de cetim», «pé fino e comprido»,

«arzinho de provocação e de ataque», «aroma de verbena», requintada, burguesa adúltera efrustrada.

DâmasoRapaz baixote, gordo, bochechudo, cabelo frisado, ar provinciano, vestido de modo

ridículo, exibicionista, vaidoso, cobarde e grosseiro na expressão linguística.

AlencarMuito alto, todo abotoado numa casaca preta, face escaveirada, nariz aquilino,

«longos, espessos, românticos bigodes grisalhos» (cap. VI), calvo na frente, grenha muito seca,dentes estragados, teatral «em toda a sua pessoa havia alguma coisa de antiquado, de artificiale de lúgubre» (cap. VI). Poeta ultra-romântico.

(Jacob) CohenBaixo, apurado, de olhos bonitos, suíças pretas e luzidias, mão com diamante, irónico,

irresponsável. Director do Banco Nacional.

Raquel CohenTrinta anos, alta, pálida, de saúde frágil, «cabelos negros ondeados, belos pesados», arlânguido, luneta de ouro presa por um fio de ouro, culta. Era considerada uma das primeirasda elite portuguesa.

Palma «Cavalão»Gordo, baixo, «sem pescoço», «com luneta de vidros grossos», «face larga, balofa e cor

de cidra», «face luzidia», «dedos moles e de unhas roídas» (cap. VIII), linguagem e modosgrosseiros, cobarde e materialista. Director do jornal Corneta do Diabo.

Neves

Palavroso, de grande vozeirão, grave, mal vestido, exibicionista, parcial, tendendioso,oportunista, admirador do Conde de Gouvarinho, deputado, director do jornal A Tarde.

Page 29: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 29/36

 

Sousa Neto«Três enormes corais no peitilho da camisa», ignorante, apático, arrogante. Oficial

superior da Instrução Pública.

O TEMPO

1 - TEMPO HISTÓRICO

A Regeneração abrange aproximadamente o terceiro quartel do século. Olevantamento militar de Saldanha, em 1851, impõe o Acto Adicional à Carta, que põe termo àdiscussão constitucional entre cartistas e setembristas. Em 1876, verifica-se uma grave criseeconómica e celebra-se o Pacto da Granja, que cria o Partido progressista, iniciando com orotativismo a fase final do regime monárquico constitucional.

Dentro deste intervalo decorre o período decisivo da construção dos caminhos-de-ferro e outros meios de transporte e comunicações, que produzem, como consequênciaimediata mais importante, a unificação do mercado interno português e a integração daagricultura no capitalismo para o que contribui a eliminação dos últimos morgadios em 1863.

Portugal continua sendo essencialmente «uma granja e um bando» mas, sob os pontos devista da organização financeira e da estrutura jurídica, aproveita a experiência dos países maisadiantados e prepara-se para a sua fase de industrialização capitalista, que principiará noúltimo quartel do século; o número de estabelecimentos bancários sobe de três para 51 entre1858 e 1875 e a formação de sociedades capitalistas anónimas, condicionada à autorizaçãogovernamental pelo código de 1833, torna-se livre desde 1867, existindo já 136 sociedadesdessas em 1875. Mantém-se o mesmo desequilíbrio entre o desenvolvimento do créditobancário e o fomento agrícola e industrial e, portanto, a tendência para a especulaçãodesenfreada que conduziu à crise de 1876 e ao descrédito do regime.

Mas enquanto a crise não estala, a época parece ser de regeneração, de progresso, demelhoramentos materiais. Aos conflitos de 1834-18521, entre a grande e a pequena

burguesia, segue-se uma acalmia e uma apatia política geral.No entanto, certas camadas da pequena burguesia, os jovens universitários, certasprofissões novas e orientadas para as coisas novas (engenheiros, tipógrafos) não deixam nuncade fazer sentir literária e doutrinamente um descontentamento que cresce e se define aolongo do período.

ROTEIRO DA EVOLUÇÃO POLÍTICO-PARTIDÁRIA

1851 • Triunfo da Regeneração

• Formação de dois partidos: um da ala direita (Regeneradores),outro da ala esquerda (Históricos ou Progressistas)

1851 a 1870 • Alternância destes dois partidos no poder (1º rotativismopartidário

1870 • Dissidência no Partido Histórico. Forma-se um novo partido: oPartido Reformista

1876 • Reformistas e Históricos fundem-se num novo partido Progressista(Pacto da Granja)

1876 • O Partido Progressista alterna no poder com o PartidoRegenerador (2º rotativismo partidário)

De 1876 atéao fim doséculo

• José Luciano de Castro, chefe dos Progressistas, e Hintze Ribeiroforma os políticos mais representativos deste período

Page 30: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 30/36

 

2 – TEMPO NARRATIVO (tempo da história ou cronológico de Os Maias) 

A obra abrange nada menos de quatro gerações, ou seja, desenrola-se desde fins doséculo XVIII, princípios do século XIX (Caetano e Afonso) até 1886 (Carlos). Os factos narradosocupam um período de cerca de 67 anos ( entre 1820 e 1887).

Em Os Maias há ainda a distinguir:

a) O tempo da novela;b) O tempo do romance.

A) O tempo da novela

Novela – rápido encadeamento de factos que sucedem uns aos outros num apressadofluir temporal. Encontramos exactamente este processo na primeira parte da obra (até ao cap.III, inclusive).

Uma vez integrado o leitor no cenário do Ramalhete reabitado, ele é conduzido a uma

rápida viagem no tempo. Em dois capítulos passam a juventude de Afonso, a paixão trágica dePedro e o nascimento do último varão da família dos Maias – Carlos. Em seguida, assiste-se aofluir da infância/ juventude de Carlos com a mesma rapidez. Só entramos definitivamente noromance, quando Afonso deixa Santa Olávia e Carlos regressa da sua viagem: «Chegara esseOutono de 1875…».

B) O tempo do romance

Tempo real – Do cap. IV até ao final, vamos encontrar um ano de poucos meses da vidade Carlos. No Outono de 1875, Carlos regressa a Lisboa, após uma linga viagem do fim de cursoe em Janeiro de 1877 Carlos parte definitivamente do Ramalhete.

Uma longa série de extensos capítulos para abarcar aproximadamente 15 meses(Outubro de 1776 a Janeiro de 1877): é a réplica que o romance dá à novela que se ocupa, emtrês capítulos, dos longos anos das três gerações.

3 – TEMPO PSICOLÓGICO

É o tempo subjectivo filtrado pelas vivências e pelas emoções das personagens.

«… É curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida aminha existência inteira!»

No universo do romance, o tempo por vezes demora, acompanhando o fluir dos dias, o

escorrer das horas, ou pára mesmo, asfixiado pelas múltiplas descrições, pelos diversoscomentários do narrador.No exemplo nota-se a capacidade de distorção íntima do tempo entre o tempo real

(um ano) e o tempo interior (existência inteira).O tempo psicológico é o tempo do sonho, da procura, do projecto, que afasta as

personagens do tempo real:- Carlos imagina uma idílica felicidade conjugal com Maria Eduarda;- Carlos imagina uma cena de ruptura após a visita de Castro Gomes;- Ega revive os momentos de intensidade amorosa passados com Raquel;- Afonso envelhecido pelos amores incestuosos dos netos;- etc.

II – O tempo de Episódios da Vida Romântica 

Page 31: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 31/36

 

Surge a época da 2ª metade do século XIX em que, desnorteados, os portugueses seolham, incapazes, perante a derrocada, na prática dos ideais de um liberalismo irrealista econstantemente deturpado.

Há crises políticas, os ministérios caem e logo novo elenco, tão igual e inútil como o

anterior, se organiza. Há discussões sobre reformas que não se realizam; belos projectos nuncaconcretizados.Novas vias de rumo não se parecem divisar e de tudo resta, símbolo trágico da

frustração que se aceita, um olhar resignado às relíquias bolorentas e sujas do velho Portugal,representado pelo decrépito casario apegado aos outeiros da Graça e da Penha.

A um nível profundo, não existe tempo, ou antes, este não funciona. Retomam-se asposições iniciais: perdidos na vida, os homens sem futuro, porque o presente, neste caso, maisnão é que o repisar mais profundo dos adiamentos do passado.

Pode-se afirmar que no último capítulo, voltamos a um «tempo parado», onde é feitaa caracterização de uma sociedade portuguesa frustrada, decadente e estagnada, onde «…nada mudara…».

A ideia de estagnação é reforçada pelo uso repetitivo do determinante demonstrativo«mesmo» («… mesma sentinela, mesmos reposteiros, mesmo ar, mesmas portas, mesmasombreiras…»). Após dez anos, tudo continuava igual: síntese da decadência e da inversão devalores.

Pior ainda do que este «tempo parado» é o «tempo corrosivo», que modifica oshomens e altera as coisas, provocando, na maior parte das vezes, alterações negativas:

- Dâmaso: «… barrigudo, nédio, mais pesado, de flor ao peito, mamando um grandecharuto, e pasmaceando, com o ar regaladamente embrutecido de um ruminante farto efeliz…»;

- No antigo consultório de Carlos «parecia existir um pequeno atelier de modistas…»;

- Eusebiozinho: «… parecia mais fúnebre, mais tísico, dando o braço a uma senhoramuito forte, muito corada…»;- Até os animais de tracção eram inferiores: «… fustigavam pilecas…»;- A estátua de Camões parece entristecer-se perante a decadência e estagnação do seu

povo: «… em torno da estátua triste de Camões…».

O ESPAÇO

1 – O Espaço Físico

São múltiplos os espaços físicos referidos em Os Maias  e muitos deles são

profundamente caracterizadosLisboa ocupa a centralidade da acção, ganhando uma representatividade superior aosoutros locais. Na verdade, é na capital que decorrem os acontecimentos fundamentais dasintrigas secundária e principal.

O conhecimento profundo de Eça de Queirós, relativamente à componente geográfico-arquitectónica de Lisboa, possibilita ao leitor reconhecer os traçados das ruas, as fachadas dosedifícios, os monumentos referidos, os hotéis e restaurantes nomeados (grande parte delesainda existem, como por exemplo, a Havaneza, o Teatro da Trindade, o Tavares, etc.).

Neste espaço central, observamos a movimentação das personagens, sendo Carlos,protagonista da intriga principal, quem nos conduz, ora para a Ruas de S. Francisco de Paula(Ramalhete), ora para a Baixa, para o Chiado, para o Aterro, locais frequentados pela elite da

época. Também acedemos frequentemente ao interior de espaços descritos com finopormenor, não sendo descurado elemento algum, de modo a captar-se a interacção entre o

Page 32: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 32/36

 

homem e o ambiente, concretizando uma regra da estética naturalista/realista (o meioinfluencia o homem, sendo um elemento determinante no seu carácter).

São ainda importantes na obra outros espaços físicos: os arredores de Lisboa (Olivais),Sintra, Santa Olávia, Coimbra bem como a referência a países estrangeiros.

É interessante notar as afinidades dos percursos dos elementos da família Maia.

personagem Lisboa SantaOlávia

Inglaterra Itália França/ Paris

Coimbra Europa Áustria

Afonso X X X

Pedro X X X X X

Carlos X X X X X X

MariaEduarda

X X X X

A análise do esquema permite concluir que todos os elementos da famíliafrequentaram Lisboa e outras cidades europeias.

Maria Eduarda nasce em Lisboa, vive na Europa, regressa à capital, por fim, radica-senos arredores de Orléans. Também Carlos ficará a viver em França (Paris). Os protagonistas daintriga principal não se adaptam à mediocridade e subdesenvolvimento do país.

Por uma análise, leve que seja, concluímos a existência duma grande variedade deespaços com predominância do espaço interior, o que está perfeitamente de acordo com ascaracterísticas da obra. Efectivamente, no romance realista, o cenário tende a funcionar comopano de fundo, fora das personagens, escrito como um universo, súmula de pormenores quepermitem reconstituir não só ambientes, mas até retratos físicos das personagens.

Em Os Maias , o espaço exterior abrange a província e a cidade: Santa Olávia, Benfica,Inglaterra, Lisboa, Sintra, Olivais, etc.

ESPAÇOS EXTERIORES

SANTA OLÁVIA • Infância e educação de Carlos

COIMBRA • Estudos de Carlos

• Primeiras aventuras amorosas

LISBOA:

• Baixa

• Aterro

• Campo Grande

• Olivais

• Vida social de Carlos

• Local onde passa a intriga principal

• Local privilegiado para a visão crítica dasociedade portuguesa da 2ª metade do séculoXIX

ESPAÇOS INTERIORES

O RAMALHETE • Salas de convívio e de lazer

• O escritório de Afonso tem «uma severacâmara de prelado»

• O quarto de Carlos tem um ar de «quarto debailarina»

• O jardim tem um valor simbólico

A VILA BALZAC • Reflecte a sensualidade de Ega

O CONSULTÓRIO DE CARLOS • Revela o dandismo de Carlos

• A predisposição para a sensualidade

A TOCA • Espaço carregado de simbolismo

• Revela amores ilícitosETC.

Page 33: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 33/36

 

É no espaço interior, porém, que desfila numa série de pormenores requintados deluxo que deixam transparecer o gosto aristocrático, burguês e cosmopolita de Carlos e dequem ele se rodeia, como reflexo de uma época e de um modo de vida:

«… entregou-lhe as quatro paredes do Ramalhete, para ele ali criar, exercendo o seugosto, um interior confortável, de luxo inteligente e sóbrio…»

«… pôs-lhe o nome de Paço de Celas, por causa de luxos então raros na Academia, umtapete na sala, poltronas de marroquin, panóplias de armas, e um escudeiro de libré…»

»… (consultório) Carlos mobilou-o com luxo. Numa antecâmara, guarnecida debanquets de marroquin, devia estacionar, à francesa, um criado de libré… papel verde deramagens prateadas, , as plantas em vasos de Ruão, quadros de muita cor, ricas poltronas…até um piano mostrava o seu teclado branco…»

«… um dos maiores cuidados dele, agora, era embelezar a Toca: nunca voltava deLisboa sem trazer alguma figurinha de Saxe, um marfim, uma faiança…»

2 – O Espaço Social

A ilusão da realidade é conseguida pela arte de individualizar os cenários exteriores,pela identificação toponímica de uma artéria, pelo rigor da numeração de um edifício ou deum andar, pela indicação precisa de um pormenor decorativo ou paisagístico.

O romance realista de carácter objectivo preocupa-se em localizar e caracterizargeograficamente o espaço onde as personagens actuam ou se movimentam. Tal espaço,observado sob uma análise rigorosa e pormenorizada, é determinante (à maneira de Taine –

para este escritor a raça, o meio físico e as condições do momento são as determinantes queexplicam o comportamento humano).Para criar no leitor a sensação de autenticidade da sua ficção, Eça utilizou o diálogo

natural e descreveu com perícia espaços (cénicos/ naturais, habitacionais e urbanos) ondedecorre a acção dos seus romances e onde as personagens se movimentam, relacionado-seintimamente com eles.

Episódios Ambiência Crítica

Hotel Central (cap.VI)

Alta sociedade lisboeta caracterizada por:• Ociosidade• Futilidade

• Valorização do estrangeiro

À literatura e à crítica literária:exageros do ultra-romantismo –Alencar; distorção das tesesnaturalistas – Ega; crítica literária –Ega/ Alencar (Craveiro)

Às finanças: irresponsabilidade eincompetência do director doBando Nacional – Cohen

À mentalidade retrógrada

Corrida de Cavalos(cap. X)

Alta sociedade lisboeta, caracterizadapor:

• Inadequação do espaço

• Feição provinciana• Falta de motivação• Contraste entre o ser e o

parecer

À imitação do estrangeiro

Ao provincianismo

Ao mau gosto e ao «postiço»

Page 34: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 34/36

 

• Inadequação doscomportamentos

Jantar em casa doConde deGouvarinho (cap.

XII)

Alta burguesia e aristocracia,caracterizada por:

• Futilidade

• ociosidade

À mediocridade mental

À ignorância

À falta de conhecimento sobre oestrangeiro

À incapacidade de diálogo dacamada dirigente do País

Jornal A Tarde 

(cap. XV)

Director de um jornal/ político/deputados da província, caracterizadospor:

• macrocefalia da capital emrelação à província

Ao jornalismo político, parcial etendencioso

Teatro da Trindade(cap. XVI)

Alta sociedade lisboeta caracterizada por:• superficialidade

• valores ultra-românticos• ignorância

Aos comportamentos postiços

À permanência dos valores ultra-românticos

Passeio de Carlos ede Ega (cap. XVIII)

Alta sociedade lisboeta, caracterizadapor:

• subdesenvolvimento• ociosidade• ridículo

À estagnação de Portugal

À falta de originalidade

À incapacidade de evoluir

3 – O Espaço Psicológico

Além do espaço físico de que, exteriormente se salienta Lisboa («Lisboa é Portugal»),devemos referenciar ainda o espaço psicológico, isto é, o espaço dos conflitos e daspreocupações íntimas, da imaginação e da memória, das recordações e dos sonhos.

É numa bebedeira e num acesso de idealismo que Ega revela o passado da mãe deCarlos que, nessa noite, «não pudera dormir com a ideia daquela mãe, tão outra do que lhetinham contado, fugindo nos braços de um desterrado…».

Ao constatar a catástrofe pela morte do avô, Carlos ficara defronte dele «… semchorar, perdido apenas no espanto daquele brusco fim! Imagens do avô, do avô vivo e forte,cachimbando ao centro do fogão, regando de manhã as roseiras, passavam-lhe na alma, emtropel, deixando-lha cada vez mais dorida e negra…».

É o espaço perspectivado pela subjectividade das personagens, por pensamentos, por

sonhos, etc.• Sonho – «Eram três horas quando se deitou. E apenas adormecera na escuridão

dos cortinados de seda, outra vez um belo dia de Inverno morria sem a aragem,banhado de cor-de-rosa: o banal peristilo do hotel alargava-se, claro ainda natarde; o escudeiro preto voltava, com a cadelinha nos braços, ; uma mulherpassava, com um casaco de veludo branco de Génova.» (cap. VI)

• Imaginação - «Agora já ela estava em Lisboa; e imaginava-a nas rendas do seu“peignoir”, com o cabelo enrolado à pressa…» (cap. VIII)

• Memória - «Imagens do avô, do avô vivo e forte, cachimbando ao canto do fogão,regando de manhã as roseiras, passava-lhe na alma em tropel…» (cap. XVIII)

• Reflexão - «Mas, tendo por um dia só dormido com ela, na plena consciência da

consanguinidade que os separava, poderia recomeçar a vida tranquilamente? (...)»(cap. XVII).

Page 35: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 35/36

 

Constituído pelas zonas da consciência da personagem, manifesta-se em momentos demaior densidade dramática. É sobretudo Carlos que desvenda os meandros da sua consciência,ocupando também Ega lugar de relevo.

CARLOS • Sonho de Carlos, no qual evoca a figura de Maria Eduarda (cap. VI)• Nova evocação de Maria Eduarda em Sintra (cap. VIII)

• Reflexões de Carlos sobre o parentesco que o liga a Maria Eduarda(cap. XVII)

• Visão do Ramalhete e do avô, após o incesto (cap. XVII)

• Contemplação de Afonso da Maia, morto, no jardim (cap. XVII)

EGA • Reflexões e inquietações após a descoberta da identidade de MariaEduarda (cap. XVI)

NARRADOR

Quanto à presença, o narrador de Os Maias  é heterodiegético; narra osacontecimentos na 3ª pessoa.

A focalização é de dois tipos: omnisciente e interna.A focalização omnisciente predomina nos primeiros capítulos: renovação do

Ramalhete; juventude de Afonso; educação de Pedro; suicídio de Pedro; formação de Carlosem Coimbra.

A partir do capítulo IV, predomina a focalização interna sob o ponto de vista dealgumas personagens, como Carlos e Ega, embora surja já no capítulo III sob a visão de Vilaçaquando visita Santa Olávia.

A focalização interna ganha particular significado com a visão de Carlos da maia que dáum contributo fundamental na construção das personagens Afonso da Maia, Ega e Maria

Eduarda.Pelos olhos críticos de Carlos são dados a conhecer grande parte dos espaços sociais

que a personagem passa a frequentar quando chega a Lisboa.A focalização interna de Ega ganha particular relevo nos episódios do Jornal A Tarde e

no sarau do Teatro da Trindade.

LINGUAGEM E ESTILO DE EÇA DE QUEIRÓS

- Discurso indirecto livre: encontramos constantemente ao longo da obra: «O poetasorria, passando os dedos com complacência pelos longos bigodes românticos, que a idadeembranquecera e o cigarro amarelara. Que diabo, algumas compensações havia de ter a

velhice!»Através do discurso indirecto livre, Eça consegue afastar a monotonia do paralelismo

do diálogo, como bem tornar mais ligeiros e amenos os monólogos interiores.

- O adjectivo: é, de todas as categorias gramaticais, a que usa com mais predilecção. Oadjectivo comunica cor, matiz, tonalidade à expressão. A adjectivação dupla é muito usada,caracterizando os objectos, exprimindo as duas faces da realidade: a objectiva e a subjectiva.Um dos atributos dá-nos a nota concreta e objectiva da coisa apercebida, geralmente um dadofísico, e o outro expressa a emoção concomitante que essa nota exprime. Da percepçãosensorial, parcial, passa-se a uma impressão valorativa.

- O advérbio: tem um carácter reversível como o adjectivo. A associação do advérbiocom o adjectivo surge frequentemente superlativando os atributos («magnificamente

Page 36: RESUMO - Os Maias

5/10/2018 RESUMO - Os Maias - slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/resumo-os-maias 36/36

 

negros»). O advérbio sue também em combinações (duplas e triplas) - «regaladamente,lividamente»; «constantemente, irresistivelmente, imoderadamente».

- O verbo: Eça revela um gosto particular pelo gerúndio, pelo pretérito imperfeito epela conjugação perifrástica, o que confere aos acontecimentos relatados o sentido de

duração, de continuidade - «… que esse fantasia andara medindo e dispondo…».

- Os estrangeirismos: observa-se a utilização de muitos estrangeirismos,particularmente os galicismos (da língua francesa) e os anglicanismos (da língua inglesa), o queacontece por duas razões: suprir a inexistência da palavra ou da construção ajustada na línguaportuguesa; servir os objectivos críticos do autor, ridicularizando a alta sociedade lisboeta,deslumbrada com a língua, a moda e os hábitos ingleses e franceses. (cachez-nez, robe-de-chambre, sportsman, etc.).

- A hipálage -«mãos nervosas das senhoras» (cap. X); «cerravam filas de cabeçasembebidas, enlevadas» (cap. XVI)

- Sinestesia: tal como a hipálage, relaciona-se com a forma impressionista do artistacaptar a realidade: «transparentes novos de um escarlate estridente» (cap. VI); «era um dia jáquente, azul.ferrete» (cap. X).

- A aliteração a ou harmonia imitativa: «… um rude trovão rolou, atroou a noite negra»(cap. I). A aliteração de r e t combina-se com a harmonia imitativa das vogais fortes ( o e u),para sugerir auditivamente o surdo retumbar do trovão.

- A ironia: tem uma representatividade muito grande, assumindo o papel de criticar:«…vendo naqueles jóqueis à desfilada, nos chapéus que se agitavam, brilhar civilização…» (cap.

X).

- Os diminutivos: largamente utilizado, ora para exprimir carinho (Carlinhos), ora numsentido irónico e pejorativo: «…com craniozinho calvo de sábio…» (cap. III)