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Resistência Antimicrobiana (RAM) Um risco no trabalho Trabalhadores e trabalhadoras da cadeia alimentar em risco de contrair doenças e infecções RAM Trabalhadores agrícolas: executam trabalho com animais de granja/produtos de origem animal – carne, aves, produtos lácteos, leite, ovos, mel Trabalhadores aquícolas: executam trabalho e manuseio de peixes, moluscos, crustáceos - em estanques, lagos, rios, áreas úmidas e águas costeiras ou em alto mar Trabalhadores de abate de carnes vermelhas e de aves de criação: executam trabalho e manuseio da ossada, da carne crua e/ou das vísceras. Trabalhadores de transporte /distribuição: executam trabalho e manuseio de produtos alimentares crus de origem animal Trabalhadores do varejo: executam trabalho e manuseio de alimentos contaminados e embalados, contato com carne crua. Trabalhadores da preparação da comida: trabalham na cozinha de restaurantes e no catering. Grupo Profissional de Trabalhadores Agrícolas e Divisão Carne da UITA O que é a resistência aos antimicrobianos (RAM)? A RAM é a capacidade de resistência dos microrganismos aos tratamentos antimicrobianos, por exemplo, no caso das infecções por bactérias. Estas se tornam resistentes aos antibióticos e podem se converter em novos microrganismos, dessa vez ultrarresistentes, cujos tratamentos aplicados nas pessoas não dão resultados. Toda e qualquer utilização de antibióticos pode causar RAM. Entretanto, é principalmente preocupante quando o uso é inadequado e incontrolado. De fato, por gerar RAM, o uso de antibióticos na produção de alimentos de origem animal é considerado inapropriado, pois expõe os seres humanos à essas infecções altamente perigosas. E, como as bactérias resistentes aos medicamentos estão presentes na cadeia alimentar da granja à mesa, os trabalhadores de granjas e abatedouros estão em grave risco de exposição aos microrganismos ultrarresistentes que em alguns casos chegam a resistir a 12 antibióticos. Soma-se a isso o fato de os trabalhadores poderem ser também portadores destes perigosos micróbios, contaminando seus lares, família e comunidade. Grande parte de nossa informação sobre resistência aos antibióticos na agricultura e no processamento de carne provém de nossos estudos sobre infecção por MRSA. MRSA é a sigla em inglês para a bactéria Staphylococcus aureus resistente à meticilina, isto é, resistente a vários antibióticos de importância, inclusive a penicilina. O Staphylococcus aureus pode causar infecções cutâneas, mas também se espalham pela corrente sanguínea e infectam órgãos distantes. As feridas na pele aumentam o risco de contrair infecções por via sanguínea, e as condições de trabalho nos abatedouros aumenta tanto o risco de cortes na pele como de exposição ao Staphylococcus aureus. Se você se infectar, os antibióticos habituais não funcionarão, porque os micróbios continuarão sofrendo mudanças por terem desenvolvido resistência aos antibióticos. Portanto, o predomínio da utilização e da má utilização de antibióticos, no setor da produção de carne vermelha e de ave, coloca os trabalhadores na primeira linha de risco. Tanto a taxa de doenças como a de mortalidade cresceram devido às infecções RAM. As bactérias RAM E-coli, Staphylococcus, salmonela e campylobacter são todas elas patógenos presentes na cadeia alimentar, colocando os trabalhadores e as trabalhadoras em situação de risco. As bactérias que podem resistir à ação dos antibióticos fazem com que os tratamentos habituais sejam ineficazes e que as infecções perdurem, pondo a pessoa infectada em risco de vida, aumentando o perigo da propagação e do contágio de outras pessoas. É importante destacar que a existência de bactérias RAM na produção, abatedouro, processamento e preparação de alimentos, é consequência das condições em que os animais destinados à produção de alimentos são criados. Os trabalhadores e as trabalhadoras não são os responsáveis pela existência do RAM.

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Resistência Antimicrobiana (RAM) Um risco no trabalho

Trabalhadores e trabalhadoras da cadeia alimentar em risco de contrair doenças e infecções RAM

Trabalhadores agrícolas: executam trabalho com animais de granja/produtos de origem animal – carne, aves, produtos lácteos, leite, ovos, mel

Trabalhadores aquícolas: executam trabalho e manuseio de peixes, moluscos, crustáceos - em estanques, lagos, rios, áreas úmidas e águas costeiras ou em alto mar

Trabalhadores de abate de carnes vermelhas e de aves de criação: executam trabalho e manuseio da ossada, da carne crua e/ou das vísceras.

Trabalhadores de transporte /distribuição: executam trabalho e manuseio de produtos alimentares crus de origem animal

Trabalhadores do varejo: executam trabalho e manuseio de alimentos contaminados e embalados, contato com carne crua.

Trabalhadores da preparação da comida: trabalham na cozinha de restaurantes e no catering.

Grupo Profissional

de Trabalhadores

Agrícolas e Divisão

Carne da UITA

O que é a resistência aos antimicrobianos (RAM)?A RAM é a capacidade de resistência dos microrganismos aos tratamentos antimicrobianos, por exemplo, no caso das infecções por bactérias. Estas se tornam resistentes aos antibióticos e podem se converter em novos microrganismos, dessa vez ultrarresistentes, cujos tratamentos aplicados nas pessoas não dão resultados.

Toda e qualquer utilização de antibióticos pode causar RAM. Entretanto, é principalmente preocupante quando o uso é inadequado e incontrolado. De fato, por gerar RAM, o uso de antibióticos na produção de alimentos de origem animal é considerado inapropriado, pois expõe os seres humanos à essas infecções altamente perigosas.

E, como as bactérias resistentes aos medicamentos estão presentes na cadeia alimentar da granja à mesa, os trabalhadores de granjas e abatedouros estão em grave risco de exposição aos microrganismos ultrarresistentes que em alguns casos chegam a resistir a 12 antibióticos. Soma-se a isso o fato de os trabalhadores poderem ser também portadores destes perigosos micróbios, contaminando seus lares, família e comunidade.

Grande parte de nossa informação sobre resistência aos antibióticos na agricultura e no processamento de carne provém de nossos estudos sobre infecção por MRSA. MRSA é a sigla em inglês para a bactéria Staphylococcus aureus resistente à meticilina, isto é, resistente a vários antibióticos de importância, inclusive a penicilina.

O Staphylococcus aureus pode causar infecções cutâneas, mas também se espalham pela corrente sanguínea e infectam órgãos distantes. As feridas na pele aumentam o risco de contrair infecções por via sanguínea, e as condições de trabalho nos abatedouros aumenta tanto o risco de cortes na pele como de exposição ao Staphylococcus aureus. Se você se infectar, os antibióticos habituais não funcionarão, porque os micróbios continuarão sofrendo mudanças por terem desenvolvido resistência aos antibióticos.

Portanto, o predomínio da utilização e da má utilização de antibióticos, no setor da produção de carne vermelha e de ave, coloca os trabalhadores na primeira linha de risco. Tanto a taxa de doenças como a de mortalidade cresceram devido às infecções RAM.

As bactérias RAM E-coli, Staphylococcus, salmonela e campylobacter são todas elas patógenos presentes na cadeia alimentar, colocando os trabalhadores e as trabalhadoras em situação de risco.

As bactérias que podem resistir à ação dos antibióticos fazem com que os tratamentos habituais sejam ineficazes e que as infecções perdurem, pondo a pessoa infectada em risco de vida, aumentando o perigo da propagação e do contágio de outras pessoas.

É importante destacar que a existência de bactérias RAM na produção, abatedouro, processamento e preparação de alimentos, é consequência das condições em que os animais destinados à produção de alimentos são criados. Os trabalhadores e as trabalhadoras não são os responsáveis pela existência do RAM.

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A magnitude do problemaNos últimos 5 anos, gerou-se um crescente alarme em toda a comunidade sanitária internacional com relação às doenças resistentes aos fármacos, já que representam uma grave ameaça para a saúde pública.

A menos que mundialmente sejam adotadas medidas em comum acordo entre todos os países, a Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê a morte de milhões de pessoas por infecções comuns que, durante mais de oitenta anos, foram tratadas com antibióticos, e com sucesso.

Todos os anos, nos Estados Unidos, 2 milhões de pessoas se veem infectadas com bactérias resistentes aos antimicrobianos, destas 23 mil falecem. A taxa de mortalidade é similar à da Europa. A utilização de menor quantidade de antibióticos da que destrói os micróbios (subterapêutico) com propósitos desnecessários, como

O risco para os trabalhadores A saúde e a segurança dos trabalhadores têm sido quase completamente ignoradas na luta global para conter a RAM. A resistência antimicrobiana, em especial a resistência aos antibióticos, é um risco vinculado ao lugar de trabalho, e os sindicatos devem agir rápido pelo reconhecimento do risco e em prol de medidas que o reduzam, visando a garantir que os trabalhadores tenham cobertura em matéria de tratamentos médicos e perda de renda.

Os trabalhadores empregados na criação de suínos ou de aves de criação podem estar expostos repetidamente a agentes patógenos RAM. Se a exposição é continua e causa infecção, a repetição do tratamento pode provocar que os agentes patógenos desenvolvam maior resistência aos antibióticos. Isto significa que a única esperança de o trabalhador com uma infecção RAM receber um tratamento efetivo seja deixar de trabalhar no lugar contaminado.

Os trabalhadores do setor processamento de carne e aves correm o risco de contrair doenças infecciosas RAM ao manipular ossadas, ferramentas de trabalho ou produtos feitos com carne crua contaminados.

O risco de contrair uma doença RAM aumenta em grande medida quando um trabalhador sofreu uma laceração, corte ou ferida cutânea (até mesmo a mais insignificante) porque muitos micróbios portadores de doenças só podem ingressar no corpo através da lesão na pele. Entretanto, outras doenças RAM podem se propagar por inalação ou ingestão.

Além do risco para si mesmos, os trabalhadores podem, sem saber, ser “portadores” de micróbios patógenos, transmitindo-os para outras pessoas. Estes portadores não ficam doentes nem mostram sintomas de doenças microbianas, mas os agentes patógenos originários de animais ou de ossadas são um risco para seus companheiros de trabalho, suas famílias e amigos.

Com frequência, culpa-se o trabalhador/a pela propagação do contágio através de suas doenças, mãos sem lavar, feridas abertas e roupa contaminada. Entretanto, a exposição ao risco se deve a um ambiente de trabalho inseguro e insalubre. Se por um lado é importante lavar as mãos com regularidade e dar atendimento imediato aos cortes e lacerações, a culpa não deve recair no trabalhador, que passa a ser visto como quem carece de higiene pessoal. O fato é que é o local de trabalho que contamina o trabalhador, e não o trabalhador quem contamina o local de trabalho, visto que o ambiente de trabalho oferece condições insalubres.

Além disso, nas plantas de tratamento de carnes e aves de criação rara vez existem suficientes instalações de banheiros ou duchas. O acesso pode estar limitado e com pouco tempo para a higiene pessoal, protocolos fundamentais para evitar a propagação de agentes patógenos.

Urge haver esforços constantes para conter este grave risco presente no ambiente de trabalho

e minimizar seu impacto potencial sobre a saúde dos trabalhadores.

A disponibilidade e adequada utilização de equipamento de proteção pessoal, mudanças nos processos de trabalho e a redução da velocidade das linhas nas

plantas de tratamento de carnes e aves são algumas das medidas que podem

reduzir o risco de infecções RAM.

Os bons sistemas de saúde e segurança contam com uma forte participação dos trabalhadores/

as na aprendizagem e intercâmbio de conhecimentos e incluem o direito a negociar sobre a segurança do trabalho.

Estes riscos presentes no local de trabalho, seja na criação de animais ou na linha de tratamento de carnes, constituem uma ilustração gráfica da intrínseca relação entre a segurança do trabalhador/a e a inocuidade de nossos alimentos.

estimular o crescimento, assim como a aplicação sistemática para a prevenção de doenças na criação intensiva de aves e de gado contribui para o aparecimento na cadeia alimentar de agentes patógenos resistentes a múltiplos fármacos.

Apesar dos esforços realizados em alguns países para reduzir a utilização de antibióticos na criação de gado, ave e peixe, a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) estima que seu uso poderia aumentar para dois terços, de 2010 a 2030.

As infecções podem surgir a partir de cortes ou lesões cutâneas ocorridas nos estabelecimentos de criação, abatedouro ou processamento, ou por respirarem ar contaminado em espaços confinados, onde as aves ou outros animais são criados.

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Quando há doenças RAM na cadeia alimentar, é necessária a ação urgente de empregadores e de agências reguladoras para proteger os trabalhadores e as trabalhadoras:• As agências reguladoras devem reconhecer

que a incidência de patógenos resistentes aos antimicrobianos é uma doença vinculada ao trabalho.

• É fundamental utilizar especialistas em saúde e segurança conjuntamente com comitês e representantes de segurança e saúde eleitos, para avaliar o risco de infecção por RAM nos lugares de trabalho. Todo risco requer a adoção de boas práticas de gestão para proteger os trabalhadores/as da ameaça contida nos agentes patógenos RAM.

• Notificar rapidamente a empresa e seu correspondente sindicato sobre todos os cortes e lacerações, bem como tratá-los e cobri-los para impedir o risco de infecção por RAM.

• Lavar a roupa de uso externo dos trabalhadores diariamente e por meio de uma lavanderia. A roupa potencialmente contaminada deverá ser lavada a uma temperatura não menor a 70° Celsius e não deverá ser lavada no domicílio do trabalhador. Desinfetar diariamente as botas de trabalho, assim que o trabalhador sair do local de trabalho.

• Proporcionar e inspecionar com regularidade o equipamento adequado de proteção pessoal (EPP). Os trabalhadores devem ser capacitados no uso correto do equipamento.

• Proporcionar a remuneração correspondente ao tempo gasto pelo trabalhador nas atividades de capacitação necessárias.

• Examinar com regularidade os trabalhadores e as suas famílias para detectar doenças resistentes aos fármacos. Qualquer tratamento necessário será pago pelo empregador.

• É obrigatório notificar as agências reguladoras e os representantes sindicais, quando aparecem patógenos RAM em plantas de tratamento e em estabelecimentos agropecuários.

• Proporcionar capacitação sobre doenças RAM, em especial sobre infecções bacterianas, sobre como os trabalhadores/as podem proteger-se a si mesmos e a todos nós que comemos os alimentos que eles produzem.

Em estabelecimentos agropecuários• Limpar e desinfetar as botas – descartar os forros dos

sapatos.

• Retirar a roupa de trabalho antes de deixar o estabelecimento.

• Lavar muito bem as mãos com água quente e sabão.

• Secar as mãos com uma toalha de papel.

• Quando as mãos estiverem completamente secas, desinfetá-las com um antisséptico e esfregá-las por pelo menos 30 segundos.

• Sempre tomar banho antes de ir para a casa.

• Trocar-se e colocar roupa limpa guardada em um espaço fechado.

• Evitar colocar artigos pessoais, como celulares, em áreas de criação de animais ou de aves de criação.

Em plantas de tratamento de carnes e aves• Diminuir a velocidade das linhas para reduzir o

número de lacerações e melhorar a capacidade de manter as superfícies limpas de matéria contaminada. Os instrumentos afiados, bordes e ossos de animais possivelmente contaminados podem infectar o trabalhador/a.

• Proporcionar instalações adequadas para lavar as mãos, e que incluam sabão e desinfetante.

• Disponibilizar duchas para utilização diária no final do turno de trabalho.

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M A S , A Aç ãO h u M A n A E S Tá p i O R A n d O A R A M .. .

Gestão do risco no lugar de trabalho O principal objetivo na luta por um lugar de trabalho seguro é eliminar o risco. A uiTA exorta as reguladoras a proibirem o uso desnecessário de doses subterapêuticas de antibióticos na criação de gado e de aves de criação. Estes medicamentos só deverão ser utilizados com moderação em animais doentes e sob a supervisão de um veterinário.

A uiTA exorta as reguladoras a reconhecerem a transmissão de agentes patógenos resistentes aos fármacos como uma doença vinculada ao trabalho, que requer acesso a um adequado atendimento médico e a proteção à renda do trabalhador.

A organização internacional do trabalho (OiT) deve formar parte do grupo de coordenação interinstitucional da Onu, criado para enfrentar a ameaça das infecções por RAM para a saúde mundial.

email: [email protected] www.iuf.orgIUF MEAT DIVISION

A Resistência Antimicrobiana (RAM) é a resistência aos medicamentos que combatem infecções causadas pelos micróbios.

É um fenômeno natural: os micróbios evoluem para desenvolver resistência aos medicamentos sempre que são expostos aos mesmos.

InfEcçõEs REsIstEntEs AOs fáRMAcOs

... por causa do uso indevido ou excessivo de fármacos antimicrobianos no cuidado da saúde e na criação de animais.

Baseado no World Bank Group

Os locais de trabalho inseguros produzem alimentos inseguros.

Não podemos proteger a integridade dos alimentos que consumimos sem proteger os trabalhadores/as que os produzem.