bactérias super resistentes

2
72 GALILEU ESPECIAL VESTIBULAR 2009 O HÁBITO DE TOMARMOS ANTIBIÓTICOS ESTÁ CRIANDO ESPÉCIES MAIS FORTES E COM CAPACIDADE MAIOR DE MATAR BACTÉRIASSUPER- - RESISTENTES A NOSSA CULPA Cerca de 90 trilhões de micró- brios habitam os nossos corpos. Quando trabalham em harmonia, desempenham tarefas variadas e essenciais para o bom funciona- mento do nosso organismo, in- clusive o de combater aquelas bactérias rebeldes. Mas o uso inadvertido de antibióticos levou ao surgimento de uma nova gera- ção de bactérias malignas capazes de resistir a todas as armas. “É uma guerra sem fim”,diz o in- fectologista Moacyr Silva Júnior, do Hospital Albert Einstein. Ao passo que as bactérias estão se tor- nando cada vez mais resistentes aos antibióticos, a comunidade médica não para de pesquisar no- vas formas de combatê-las. “Há cada vez mais relatos de infecções causadas por microorganismos contra os quais anda não existem opções terapêuticas adequadas”, escreveu no ano passado o micro- bologista Christian Giske, do Hospital da Universidade Karolisnka, em Estocolmo. Mas nada de chamá-las de “su- per”. “O termo que costumamos usar é bactérias multirresistentes. O super dá a impressão de que elas são imbatíveis. E não são", afirma Moacyr Silva Júnior. Diferentemente do que pode- mos pensar, no campo de batalha não estão apenas médicos. Qualquer um pode ajudar a evitar que novas e potentes bactérias continuem a surgir. Uma delas é não tomar antibióticos a troco de nada.“Não adianta achar que tem uma infecção e sair se medican- do. É esse uso indiscriminado tanto dos hospitais quanto das pessoas que acaba criando bac- térias multirresistentes.” Atualmente estima-se que me- tade das prescrições de antibió- ticos seja desnecessária. No Brasil, onde os antibióticos são m janeiro deste ano, a história da modelo Mariana Bridi ocu- pou os principais noticiários do País. Com apenas 20 anos e uma car- reira aparentemente promissora pela frente, a jovem deu entrada no Hospital Estadual Dório Silva, no Espírito Santo, com queda na pressão arterial. Não demorou muito para que fosse diagnosti- cada uma infecção urinária. Nos 20 dias em que ficou in- ternada, a modelo lutou contra duas fortes bactérias: pseudomo- nas e estafilococos. Mas Mariana não resistiu e morreu de falência múltipla de órgãos. O caso chocou até especialistas, e a morte da modelo acabou le- vantando uma questão: o homem é capaz de vencer as bactérias de uma vez por todas? MEDICINA CIÊNCIA E SUPERFORTES Mutações genéticas tornam esses microorganismos mais potentes

Upload: marco-antonio-nunes

Post on 04-Jul-2015

174 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

7 2 G A L I L E U E S P E C I A L V E S T I B U L A R 2 0 0 9

O HÁBITO DE TOMARMOS ANTIBIÓTICOS ESTÁCRIANDO ESPÉCIES MAIS FORTES E COMCAPACIDADE MAIOR DE MATAR

BACTÉRIASSUPER--RESISTENTES

A NOSSA CULPACerca de 90 trilhões de micró-brios habitam os nossos corpos.Quando trabalham em harmonia,desempenham tarefas variadas eessenciais para o bom funciona-mento do nosso organismo, in-clusive o de combater aquelasbactérias rebeldes. Mas o usoinadvertido de antibióticos levouao surgimento de uma nova gera-ção de bactérias malignas capazesde resistir a todas as armas.“É uma guerra sem fim”, diz o in-fectologista Moacyr Silva Júnior,do Hospital Albert Einstein. Aopasso que as bactérias estão se tor-nando cada vez mais resistentesaos antibióticos, a comunidademédica não para de pesquisar no-vas formas de combatê-las. “Hácada vez mais relatos de infecçõescausadas por microorganismoscontra os quais anda não existemopções terapêuticas adequadas”,escreveu no ano passado o micro-bologista Christian Giske, doHospital da UniversidadeKarolisnka, em Estocolmo.

Mas nada de chamá-las de“su-per”. “O termo que costumamosusar é bactérias multirresistentes.O super dá a impressão de queelas são imbatíveis. E não são",afirma Moacyr Silva Júnior.

Diferentemente do que pode-mos pensar, no campo de batalhanão estão apenas médicos.Qualquer um pode ajudar a evitarque novas e potentes bactériascontinuem a surgir. Uma delas énão tomar antibióticos a troco denada.“Não adianta achar que temuma infecção e sair se medican-do. É esse uso indiscriminadotanto dos hospitais quanto daspessoas que acaba criando bac-térias multirresistentes.”

Atualmente estima-se que me-tade das prescrições de antibió-ticos seja desnecessária. NoBrasil, onde os antibióticos são

m janeiro deste ano,a história da modeloMariana Bridi ocu-pou os principaisnoticiários do País.

Com apenas 20 anos e uma car-reira aparentemente promissorapela frente, a jovem deu entradano Hospital Estadual Dório Silva,no Espírito Santo, com queda napressão arterial. Não demoroumuito para que fosse diagnosti-

cada uma infecção urinária.Nos 20 dias em que ficou in-

ternada, a modelo lutou contraduas fortes bactérias: pseudomo-nas e estafilococos. Mas Mariananão resistiu e morreu de falênciamúltipla de órgãos.

O caso chocou até especialistas,e a morte da modelo acabou le-vantando uma questão: o homemé capaz de vencer as bactérias deuma vez por todas?

MEDICINA CIÊNCIA

E

infecçõesderelatosmaisvezcadacausadas por microorganismoscontra os quais anda não existemopções terapêuticas adequadas”,escreveu no ano passado o micro-

doGiske,bologista Christian

SUPERFORTESMutações genéticas

tornam essesmicroorganismos

mais potentes

7ESPVCIENCIA.indd 72 6/5/2009 11:48:44

© Divulgação; Shutterstock G A L I L E U E S P E C I A L V E S T I B U L A R 2 0 0 9 7 3

90 TRILHÕESÉ o número de micróbiosque todos os humanospossuem no organismo.

5% do nossopeso é decorrente dosmicroorganismos quecarregamos. As bactériasque causam doençastambém entram nessaporcentagem.Por exemplo, se vocêpesa 60 quilos, seu corpocarrega 3 quilos só demicroorganismos.

Os números dassuperbactérias

G A L I L E U E S P E C I A L V E S T I B U L A R 2 0 0 9 7 3

vendidos sem receita, a situaçãopode ser ainda mais grave.

Tomar doses menores do que onecessário ou suspender o trata-mento precocemente também sãofatores que colaboram. Para tentarcombater esses costumes, a dire-tora médica do Laboratório deMicrobiologia do Hospital dasClínicas de São Paulo, Flávia Rossi,alerta para a responsabilidade decada um:“Quando uma pessoa to-ma um anti-inflamatório de formainadequada, o problema é dela.Quando faz isso com um antibió-tico, o problema é de todos nós”.

Mas como é que surge uma su-perbactéria? “É darwiniano, umaquestão de seleção”, diz SilvaJúnior. As bactérias vivem em es-tado latente, ou seja, hospedadasno corpo, mas sem causar mal al-

gum. Ao começar a tomar antibió-tico, sem realmente precisar ou deforma negligente, o medicamentomata apenas os organismos maisfracos e acaba deixando vivos osmais fortes. Isso faz com que elesse reproduzam e colonizem aque-le organismo hospedeiro.

Mas para que essas bactériassejam nocivas ao organismo elasprecisam que haja uma queda deimunidade. E essa ação pode nãoser necessariamente no organis-mo hospedeiro. As bactérias saemde uma pessoa e vão para outra.Paradoxalmente, os hospitais sãolocais propícios para isso. As pes-soas já chegam com a resistênciabaixa, e às vezes um procedimen-to invasivo, como uma sonda ouum cateter, acaba permitindo queelas entrem no organismo. SilvaJúnior também ressalta dois pro-blemas típicos em centenas dehospitais brasileiros: a superlota-ção e a falta de higiene.

Cerca de 80% dos casos de in-fecção hospitalar são causadospor bactérias endógenas, ou seja,aquelas que já estão no própriopaciente. Quando há pacientesmuito próximos um dos outros,aumentam as possibilidades deocorrer a infecção pelo ar. E mui-tas vezes os médicos não lavamas mãos entre uma visita e outra.Se um deles tem uma bactéria napele, por exemplo, isso pode serum fator de risco.

Ao interromper os antibió-ticos antes da hora ou ao

tomá-los em quantidadesmenores que as prescritas, omedicamento acaba matandosomente as bactérias mais“fracas” — ou aquelas quemantêm o equilíbrio doorganismo.

O paciente acha que jáapresentou melhora e não

percebe que as bactérias maisresistentes acabaram ficandono organismo.

Assim que a resistênciabaixa, essas bactérias

mais fortes começam a agir,causando infecções e outrasdoenças. Daí, nem sempre osantibióticos fazem efeito, umavez que esses microorganis-mos já se tornaram imunes àmedicação. Em alguns casos,pode até ser fatal.

COMO UMABACTÉRIAVIRA “SUPER”

2

1

3

5% microorganismos

VÁ FUNDO

PARA LER• Dr. Bactéria: um Guia para PassarSua Vida a Limpo, Roberto MartinsFigueiredo. Editora Globo

• Microbiologia Prática – Roteiro eManual: Bactérias e Fungos,Mariangela Cagnoni Ribeiro. Atheneu

PARA NAVEGAR• www.galileu.globo.com/vestibular2009

7ESPVCIENCIA.indd 73 6/5/2009 11:48:46