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38 Trilhas, Belém, v.1, n.2, p. 56-65, nov, 2000 Artigo A educação no período colonial: o sentido da educação na dominação das almas. * Jerusa da Silva Gonçalves Almeida* Gilson Ruy Monteiro Teixeira** RESUMO O presente estudo procura compreender o sentido do empreendimento colonial jesuítico, no seu aspecto educacional, enfocando a rápida difusão do ensino jesuítico no Brasil Colônia e o conteúdo cultural de que se faziam portadores os padres da Companhia de Jesus. Para tanto, realiza-se uma breve reflexão histórica acerca dos objetivos práticos da ação educacional jesuítica com a finalidade de suscitar uma discussão em torno da compreensão da educação como dominação das almas. PALAVRAS-CHAVE: Período colonial, educação brasileira, Companhia de Jesus, formação e dominação das almas, expulsão dos Jesuítas, cultura brasileira. INTRODUÇÃO O que significa fazer um exame do passado? Pensar a história exige, além de correlações refinadas, a maturação de um foco compreensível acerca do processo dinâmico que a própria história se encarrega de estabelecer; incluindo as capacidades de abstrair e concretizar, ao nos confrontar com um tempo e com um espaço que não nos é familiar, e uma vigilância constante para evitar o tão costumeiro presentismo. Afinal, ensinar a história afirmando que o presente é o que é, porque o passado foi desse ou daquele modo, parece não fazer mais sentido, quando nos propomos a admitir as diferenças, reconhecendo que tudo aquilo de que dispomos foi historicamente produzido, e como último desafio aos que se aventuram, neste país, a examinar o passado, não podemos deixar de destacar a necessidade de constante superação da formação precária que nós, brasileiros, em sua maioria, possui acerca da sua própria história. Nesse caso, as máquinas do tempo, possíveis apenas na ficção, seriam úteis, agora, para que pudéssemos examinar de perto, sem os riscos que esses fatos tão distantes apresentam ao pesquisador, a chamada educação no período colonial, desde a vinda da Companhia de Jesus ao Brasil em 1549, até a sua expulsão pelo marquês de Pombal em 1759. Embora o plano deste exame tenha por objetivo o desenvolvimento de um tema acerca da obra missionária, educativa e política, empreendida pelos jesuítas, torna-se necessário observar que a análise pormenorizada das condições da vida social na metrópole e na colônia, com todas as suas variáveis históricas, escapa ao âmbito deste estudo. Apenas pretendemos pensar a educação a partir do marco da história da educação no Brasil: o sistema educacional fundado pelos jesuítas. * Mestranda do Programa de Pós-graduação em educação: história, política, sociedade, da PUC/SP. Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. ** Mestrando do Programa de Pós-graduação em educação: história, política, sociedade da PUC/SP. Professor da Universidade da Amazônia – UNAMA.

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38 Trilhas, Belém, v.1, n.2, p. 56-65, nov, 2000

Artigo

A educação no período colonial:o sentido da educação na dominação das almas. *

Jerusa da Silva Gonçalves Almeida*Gilson Ruy Monteiro Teixeira**

RESUMOO presente estudo procura compreender o sentido

do empreendimento colonial jesuítico, no seu aspectoeducacional, enfocando a rápida difusão do ensino jesuíticono Brasil Colônia e o conteúdo cultural de que se faziamportadores os padres da Companhia de Jesus. Para tanto,realiza-se uma breve reflexão histórica acerca dos objetivospráticos da ação educacional jesuítica com a finalidade desuscitar uma discussão em torno da compreensão daeducação como dominação das almas.

PALAVRAS-CHAVE: Período colonial,educação brasileira, Companhia de Jesus,

formação e dominação das almas, expulsãodos Jesuítas, cultura brasileira.

INTRODUÇÃO

O que significa fazer um exame do passado?Pensar a história exige, além de correlaçõesrefinadas, a maturação de um foco compreensívelacerca do processo dinâmico que a própria históriase encarrega de estabelecer; incluindo ascapacidades de abstrair e concretizar, ao nosconfrontar com um tempo e com um espaço quenão nos é familiar, e uma vigilância constante paraevitar o tão costumeiro presentismo. Afinal, ensinara história afirmando que o presente é o que é,porque o passado foi desse ou daquele modo,parece não fazer mais sentido, quando nospropomos a admitir as diferenças, reconhecendoque tudo aquilo de que dispomos foi historicamenteproduzido, e como último desafio aos que seaventuram, neste país, a examinar o passado, nãopodemos deixar de destacar a necessidade deconstante superação da formação precária que nós,

brasileiros, em sua maioria, possui acerca da suaprópria história.

Nesse caso, as máquinas do tempo, possíveisapenas na ficção, seriam úteis, agora, para quepudéssemos examinar de perto, sem os riscos queesses fatos tão distantes apresentam aopesquisador, a chamada educação no períodocolonial, desde a vinda da Companhia de Jesus aoBrasil em 1549, até a sua expulsão pelo marquêsde Pombal em 1759.

Embora o plano deste exame tenha porobjetivo o desenvolvimento de um tema acerca daobra missionária, educativa e política, empreendidapelos jesuítas, torna-se necessário observar que aanálise pormenorizada das condições da vida socialna metrópole e na colônia, com todas as suasvariáveis históricas, escapa ao âmbito deste estudo.Apenas pretendemos pensar a educação a partirdo marco da história da educação no Brasil: osistema educacional fundado pelos jesuítas.

* Mestranda do Programa de Pós-graduação em educação: história, política, sociedade, da PUC/SP. Professora daUniversidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB.

** Mestrando do Programa de Pós-graduação em educação: história, política, sociedade da PUC/SP. Professor da Universidadeda Amazônia – UNAMA.

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Por se tratar de um estudo voltado para oprocesso educacional desenvolvido pelos jesuítas,achou-se de bem verificar o tempo de existênciada Companhia de Jesus no Brasil. Ficamosperplexos diante do poder de conquista destegrupo, que durante 210 anos não relegou suasfunções como dominadores espirituais, ancorandoa sua linha curricular de forma muito competente,por fazer maciço investimento na erudição de seusalunos. Seriam os padres jesuítas meroscontroladores das mentes de brancos, índios emestiços? Parece-nos que o controle das almasexigia extrema habilidade, pois era preciso,mediante o ensino, manter inabalável a estruturada sociedade nascente com a predominância deuma minoria dominante sobre um grande númerode escravos e agregados. No dizer de Sodré(1994):

O ensino jesuítico, por outro lado,conservado à margem, sem aprofundar asua atividade e sem preocupação outrassenão as do recrutamento de fiéis ou deservidores, tornava-se possível porque nãoperturbava a estrutura vigente,subordinava-se aos imperativos do meiosocial, marchava paralelo a ele. Suamarginalidade era a essência de que viviae se alimentava. (p. 17).

Contudo, a nossa inquietação nos leva aperguntar: de que lado estavam os jesuítas? Épossível pensar a história como um campo minadoinvadido por “mocinhos e bandidos”? Quem sabe,refletindo acerca das bases do ensino jesuítico,possamos entender um pouco melhor os motivosque tornam tão esgaçada a rede de relações queconstitui a nossa cultura.

Os dados históricos permitem-nos concluire supor que, subordinando-se aos imperativos domeio social, o sistema educacional dos jesuítas,“completamente alheio à realidade da vida dacolônia” (Romanelli, 1997, p. 35), pôdepermanecer inviolável, fortalecendo, assim, asfileiras de fiéis e servidores. O seu papelconservador possibilitou que culturas inteiras,como aquelas pertencentes às comunidadesprimitivas indígenas, fossem esmagadas, sendo

logo substituídas pela cultura alienada dos jesuítas.Mas, por que encarar o sistema educacionalimplantado pela Companhia de Jesus comopossuindo um conteúdo alienante? Antes deconsiderarmos de perto esta questão, é importanteobservar que os jesuítas, desde as suas origens,tomaram uma posição de vanguarda, em defesada Igreja, “ocupando uma posição proeminente naslutas que se travavam na Europa contra a Reformae o ‘modernismo’ que esta representava” (Werebe,1997, p. 21).

Cabe aqui, no entanto, analisar algumasconseqüências decorrentes da posição assumidapelos padres jesuítas. Como sabemos, a posiçãoda Companhia de Jesus sempre foi a derestauradora do dogma e da autoridade. Sendoassim, a repulsa às atividades inovadoras,trouxeram-nos alguns prejuízos, claramenteexpostos por Fernando de Azevedo (1997)

... O livre exame, o espírito de análise e decrítica, a paixão da pesquisa e o gosto daaventura intelectual, que apenasamanheciam na Europa, teriam, semdúvida, alargado o nosso horizonte mentale enriquecido, no campo filosófico, a nossacultura que ficou sem pensamento e semsubstância, quase exclusivamente limitadaàs letras. (p. 508).

Com a rápida difusão do ensino jesuítico,parece-nos que a sociedade colonial esteve, durantetodo o período de permanência da Companhia deJesus, no Brasil, afastada das atividades criadorasque se faziam presentes na Europa, reduzida,portanto, ao domínio intelectual dos jesuítas –padres avessos à liberdade e defensores daautoridade. Poderiam esses homens serem vistoscomo os inventores de um triste começo para ahistória da educação no Brasil? É necessáriodestacar, como já salientado nesta introdução, queo ensino ministrado por esses padres mostrava ser“uniforme e neutro” (Romanelli, 1997, p. 34).Desse modo, como encarar a Companhia de Jesus,cuja cultura, numa época em que florescia naEuropa idéias modernas, era de respeito à tradiçãoescolástica?

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É importante assinalar que “a ‘culturabrasileira’ não podia ser considerada ‘nacional’,pois tendia a espalhar sobre o conjunto do territórioe sobre todo o povo seu colorido europeu” (Sodré,1994, p. 15).

Deve-se ter em conta, por outro lado, que“a instrução em si não representava grande coisana construção da sociedade nascente” (Romanelli,1997, p 34). Sendo o “ensino destinado a formaruma cultura básica, livre e desinteressada, sempreocupações profissionais e igual, uniforme emtoda a extensão” (Azevedo citado por Sodré, 1994,p. 15), percebe-se, dessa forma, que os jesuítas,inclinados a satisfazer o ideal europeu, forneciam,exclusivamente, aos elementos das classesdominantes uma educação clássica. “E assim seiniciou a educação no Brasil, respondendo aosinteresses políticos da metrópole e aos objetivosreligiosos da Companhia de Jesus” (Werebe, 1997,p. 21). Não se trata, portanto, de uma simplesinvenção de um começo difícil para a história daeducação no Brasil.

Como se pode perceber, interessa-nos sabercom que propósito, a Companhia de Jesus veio aoBrasil, além de considerar os objetivos práticos dasua ação missionária. Outro desafio que emergedo nosso estudo diz respeito ao contato com o“estranhamento”, pois, como já salientado, épreciso ter coragem para ir a um tempo e umespaço que não nos é familiar. Nesse sentido,pretendemos, mediante reflexões acerca das muitasquestões levantadas neste texto, desenvolver comclareza o tema proposto.

EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DOMINAÇÃODAS ALMAS NO PERÍODO COLONIAL.

Grupo organizado, homens intrépidos,determinados, zelosos, soldados de Cristo – osjesuítas. Que sentido emprestaram à educação noBrasil? É o que passaremos a enfocar, daqui paraa frente. As dúvidas pairam sobre nossas cabeças.Sentimos fortemente a necessidade de pensar ahistória, contextualizando-a.

Nesse caso, não poderíamos deixar derecorrer, mais uma vez, a Fernando de Azevedo,pois na tentativa de organizar a leitura do Brasil ea leitura da educação em sua obra, A culturabrasileira, o autor construiu o paradigma daeducação brasileira. Ao fazer as primeirasconsiderações sobre o sentido da educaçãocolonial, Azevedo (1996) nos acrescenta:

Quando naquele ano seis jesuítas aportaramà Bahia com o primeiro governador-geralTomé de Souza, não tinha mais de nove anosde existência canônica a Companhia de Jesus(...) e que, apenas confirmada em 1540 porPaulo III, se dispersava, no continenteEuropeu, em missões de combate à heresiae, além dos mares, à propaganda da fé entreos incrédulos e à difusão do evangelho portodos os povos. (p. 495).

Interessante observar que antes de sua vindaao Brasil, os jesuítas ligados entre si e à IgrejaCatólica por uma disciplina extremamenterigorosa, já desbravavam terras à procura de novosseguidores. Parece-nos que a função militar desseshomens esteve todo tempo visível aos seus olhos.

Os fatos históricos apresentados porAzevedo ajuda-nos a entender que estamos lidandocom algo muito maior – o poder da Igreja.Observamos que a conversão e o combate à heresiaeram atividades específicas da Companhia de Jesus.Viviam a serviço da Igreja, divulgando seus dogmase dispostos a todos os sacrifícios. Neste caso, osdados apresentados na citação ajudam-nos acompreender a posição assumida pelos jesuítas,no período em que a reforma protestante passou aespalhar pela Europa o gosto pela independênciado espírito. Desse modo, a luta feroz da Companhiade Jesus contra a Reforma, deixa-nos uma pistabastante interessante.

Sobre essa base, o movimento protestante,longe de proibir o espírito crítico, o exigia, o que,sem dúvida, atingia frontalmente o poder da Igreja.A autoridade e a disciplina estavam sendo postosà prova pelo protestantismo; e o espírito daReforma corroía os pilares da verdade imposta pelaIgreja.

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Imaginamos, agora, um terreno pronto parao combate. Lembrando que não estamos entre obem e o mal, mas diante de um jogo de interessesestritamente político. Nesse sentido, ao comentaracerca das condições objetivas que favoreceram aação educativa dos jesuítas no Brasil, Romanelli(1997) faz um comentário bastante esclarecedor:

A segunda condição consistia no conteúdocultural de que se faziam portadores ospadres. Que conteúdo era esse? Era, antes detudo, a materialização do próprio espírito daContra-Reforma, que se caracterizousobretudo por uma enérgica reação contra opensamento crítico, que começa a despontarna Europa, por um apego a formasdogmáticas de pensamento, pelarevalorização da escolástica, como método ecomo filosofia, pela reafirmação daautoridade, quer da Igreja, quer dos antigos,enfim, pela prática de exercícios intelectuaiscom a finalidade de robustecer a memória ecapacitar o raciocínio para fazer comentáriosde textos. (p. 34).

Interessante como a autora nos ajuda aperceber o movimento histórico da época.Romanelli aponta a organização social da colônia(uma minoria de donos de terras e senhores deengenho sobre uma massa de escravos) e oconteúdo cultural de que se faziam portadores ospadres, como sendo as “molas propulsoras” parao rápido progresso da educação jesuítica no Brasil.

É lícito destacar que a alienação, sem dúvida,caracterizava o ensino jesuítico. A sua tendênciainternacionalista, inspirada por uma ideologiareligiosa católica, manteve-se, todo tempo, alheiaàs fronteiras políticas (Sodré, 1994). Conservadoà margem, servia simplesmente à ilustração dealguns espíritos ociosos (Romanelli, 1997).

Consideramos que correspondendo ao idealEuropeu da época, cujo interesse dirigia-se aformação do homem culto, os padres jesuítas nãovisavam a outra coisa a não ser formar letradoseruditos. No dizer de Sodré (1994),

... Daí os traços da cultura que elaboram, o seuteor desinteressado, a sua desvinculação coma realidade, a sua alienação quanto ao meio– transitando, finalmente, para uma sorte deerudição livresca, vazia, meramenteornamental, que satisfazia a vaidade doindivíduo, mas em nada concorria para acomunidade. (p. 17).

Refletindo as palavras do autor, asperspectivas de ordem cultural para o BrasilColônia não pareciam animadoras. O desinteressequase total pela ciência, forçosamente,caracterizou toda a educação na colônia. Ametrópole, por outro lado, reforçava essa realidadepor manter-se fechada ao espírito crítico e deanálise, à pesquisa e experimentação (Romanelli,1997).

Nesse sentido, o que contribuiu, na realidade,para que o começo da história da educação noBrasil fosse marcado pela descontextualização?Fernando de Azevedo (1996) faz um comentáriointeressante em sua obra, o qual, provavelmente,nos ajudará a refletir sobre o assunto:

... As diferenças de idéias e de processos deeducação, na América do Sul e na do Norte,provêm não só da diversidade detemperamentos dos povos que conquistarame colonizaram essas regiões, mas da oposiçãoentre duas concepções cristãs: a que semanteve fiel à ortodoxia católica e a queimplantou o cisma religioso, fixando-se nospaíses Europeus do Norte, enquanto os doSul, como Portugal e Espanha, seconservaram católicos. (p. 507).

Como vimos, Portugal e Espanhamantiveram-se católicos, o que significou paraesses países a não independência de espírito.Quanto à diversidade de temperamentos dos povoscolonizadores parece-nos que os nossosconquistadores não se preocupavam muito comos ditos processos da educação. Assim confirmaFernando de Azevedo (1996):

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O governo de um país como Portugal, ‘quese exauria em tentativas coloniaisdesproporcionadas com seus recursos emhomens e meios materiais’, tendiaforçosamente a concentrar todo seupensamento e todos os seus esforços naexploração e defesa das colônias: a educaçãonão lhe interessava senão como meio desubmissão e de domínio político, que maisfacilmente se podiam alcançar pelapropagação da fé, com a autoridade da Igrejae os freios da religião (p. 516).

Nesse sentido, é provável que os “Soldadosde Cristo” tenham servido como instrumentospoderosos nas mãos do governo português. Afinal,“o processo dito de ‘colonização’, sem dúvida,alinha numerosos aspectos predatórios, na suaexigência de produzir em grande escala” (Sodré,1994, p. 12).

Pelo que foi dito, a educação como meio desubmissão e domínio político, nos ajuda a começara entender a posição assumida pelos jesuítas, pelaIgreja e pelo governo português. Os primeiros, comseu espírito de autoridade e de disciplina, possuindouma incrível arma intelectual de domínio,representada por um ensino nitidamente dogmáticoe abstrato, exerceram um papel eminentementeconservador; a Igreja católica, ameaçada peloespírito crítico que rondava a Europa, pareciaempenhar-se, mediante o ensino jesuítico, pelareafirmação de sua autoridade; quanto ao governoportuguês, observamos que confiou à Companhiade Jesus, já famosa pela superioridade de suasescolas, uma larga obra de penetração e decolonização das terras de Portugal. Afinal, o seuprincipal interesse era o de exploração e defesadas colônias (Azevedo, 1996).

Em vista de tudo isso, entendemos que essesinteresses, na realidade, convergiam para um únicoobjetivo – a manutenção da ordem. Nesse sentido,a educação jesuítica refletia claramente o seucaráter elitista. Assim,

... Os padres, acabaram ministrando, emprincípio, educação elementar para apopulação índia (sic) e branca em geral (salvoas mulheres), educação média para oshomens de classe dominante, parte da qualcontinuou nos colégios preparando-se para oingresso na classe sacerdotal, e educaçãosuperior religiosa só para esta última.(Romanelli, 1997, p. 35).

De acordo com Fernando de Azevedo(1996), a educação de elite, com o ensino literáriode fundo clássico, tornou bastante influente osistema educacional da Companhia de Jesus.Segundo os interesses políticos quepredominavam, “a vocação dos jesuítas era outracertamente, não a educação popular primáriaprofissional, mas a educação das classes dirigentes”(Idem, p. 520).

Essas considerações nos levam a pensar quea educação no período colonial não visava àformação do povo. Pelo contrário, o povo foiexcluído do sistema educacional dos jesuítas. Aeducação de elite possuía seu público alvo, e serviacomo patamar de ascensão social. Afinal,

Já não era somente pela propriedade da terrae pelo número de escravos que se media aimportância ou se avaliava a situação socialdos colonos: os graus de bacharel e os demestre em artes passaram a exercer o papelde escada ou de elevador, na hierarquia socialda colônia (...) A universidade de Coimbrapassou a ter, por isso, um papel de grandeimportância na formação de nossas elitesculturais. (Azevedo, 1996, p. 512-513).

Na verdade, além de fortalecer a organizaçãosocial da época, por auxiliar na perpetuação deuma classe dominante, o sistema educacional dosjesuítas, alimentava uma “cultura intelectualtransplantada, alienada e alienante” (Romanelli,1997, p. 35).

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Desperta a nossa atenção, o fato de que oensino das ciências humanas, das letras e dasciências teológicas, nada acrescentavam derealmente substancial ao pensamento colonial. Pelocontrário, “toda a vida intelectual, no que toca aoestudo do mundo externo, ficou reduzida acomentários. Comentar os livros da antigüidade;comentar, sutilizar, comentar” (Azevedo, 1996, p.509).

O que dizer do espírito crítico e de análise,da pesquisa e da experimentação? Aos brasileirosda época colonial era apenas permitida a formaçãodo humanista e do filósofo. As forças da tradiçãoimperavam na metrópole e a educação ministradana colônia, refletia fortemente o seu espíritoconservador. O poder de influência dessamentalidade, oposta a liberdade de investigação, émuito bem expressa por Otaíza O. Romanelli(1997):

Foi ela, a educação dada pelos jesuítas,transformada em educação de classe, com ascaracterísticas que tão bem distinguiam aaristocracia rural brasileira, que atravessoutodo o período colonial e imperial e atingiuo período republicano, sem ter sofrido, emsuas bases, qualquer modificação estrutural,mesmo quando a demanda social de educaçãocomeçou a aumentar, atingindo as camadasmais baixas da população. (p. 35)

De fato, a educação jesuítica, com seusfundamentos clássicos, alcançou outros tempos econseguiu manter as suas bases praticamenteintactas. Não pretendemos abordar, com esteexame, questões relacionadas aos períodos imperiale republicano ou os fatores que contribuíram paraa permanência dos pressupostos do sistemaeducacional jesuítico na história da educaçãobrasileira. Mas, simplesmente, destacar o poder deinfluência da Companhia de Jesus que, submissa àautoridade da Igreja, fincou raízes profundas naformação do povo brasileiro.

Partindo desse princípio, poderíamosconsiderar os padres jesuítas os responsáveis pelodesenvolvimento de um sistema de educaçãoalienante para o Brasil? Esta questão, pretende nosconduzir mais uma vez a reflexões e a novas

questões acerca do tema escolhido para esteestudo.

O conceito de “civilização transplantada”poderá nos ajudar a desenvolver uma maiorcompreensão acerca da questão proposta, pois “oque se tem em vista, na cultura transplantada, é aimposição e a preservação de modelos culturaisimportados, sendo, pois, diminuta, umaminimização de suas funções” (Romanelli, 1997,p. 23).

O primeiro ponto a ser levado emconsideração é que com a “descoberta”, o Brasilsurge na história e se incorpora ao mercadomundial. Contudo, não havia antes, no nossoterritório, nada que interessasse ao Europeu; o quetornou necessária a criação de riquezas, à base demercadoria existente na troca (Sodré, 1994, p.28).Desse modo, convém não esquecer que

Os elementos destinados à empresa de‘colonização’, isto é, de ocupação produtiva –no caso do Brasil – provém do exterior, sãopara aqui transplantados, tanto os senhores –os que exploram o trabalho alheio – como ostrabalhadores – os escravos. (...) Assim, provémdo exterior tanto os elementos humanos comoos recursos materiais. (p. 4-5).

Nesse sentido, qual a relação existente entreuma produção transplantada, montada em grandeescala, e uma cultura transplantada? Ora, a últimatorna-se conseqüência da primeira. Desse modo,como já salientado neste estudo, “a ‘alienação’,inerente a qualquer transplante colonial,acrescentava-se, no ensino jesuítico, à ‘alienação’que lhe conferia o seu caráter internacional”(Xavier, 1992, p. 21).

Portanto, diante da questão, seria procedenterefletir acerca do comentário de Fernando deAzevedo (1996) sobre a obra civilizadora dosjesuítas. Para ele, essa obra jamais poderá sercompreendida se não situada na sua época. Torna-se necessário entender que, ao pensar a educação,não caberá ao examinador determinar a posiçãoassumida pelos personagens da história, mascompreender nitidamente as circunstâncias

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atenuantes de cada período. Ora, poderiam osjesuítas instituir bases contrárias à herançaescolástica e à cultura clássica na disseminação dasua obra educativa? A servidão à Igreja e a lutapelo poder, possibilitariam um começo para aeducação no Brasil, voltado à pesquisa e àexperimentação? Um outro comentário deFernando de Azevedo (1996) nos ajuda a resolverestas questões.

Para apreciar com justiça essa culturapadronizada, de tendência universalista e tipoclássico, transmitida pelo ensino jesuítico, épreciso que não se veja à luz da civilizaçãoatual, mas que, remontando aos séculos XVIe XVII, se examine e se meça pelos costumese ideais de então. (p. 502).

É importante compreender que o autor,mediante as considerações feitas, alerta-nos contrao presentismo e nos convida à “des-familiarização”histórica. Assim, não nos cabe encarar a históriacomo um campo de batalha, ou, nesse caso,responsabilizar a Companhia de Jesus pelo trágicocomeço da história da educação no Brasil. Porém,é possível nomeá-los como principais agentes deuma cultura transplantada. “Incontestavelmente,a influência da ação educacional dos jesuítas noBrasil ultrapassou os limites do período em queaqui estiveram. Essa ação marcou profundamentenossa cultura” (Werebe, 1997, p. 24).

As considerações que acabamos de tecerpodem ser melhor compreendidas, se entendermos,segundo Azevedo (1996), que os jesuítas forjaram,na unidade espiritual, a unidade política de umanova pátria. Pelo visto, a Companhia de Jesustrouxe-nos, além do elemento da Contra-Reforma,a unidade nacional, graças às redes de colégios emissões. “Foi, de fato, em grande parte pelainfluência dos padres que se preparou a base daunidade nacional na tríplice unidade de língua, dereligião e de cultura, em todo o território” (Idem,p. 521).

Analisando o fato, os padres jesuítas comoguias intelectuais e sociais na colônia, souberamcomo usar o tempo que dispuseram no Brasil.

Afinal, os dois séculos de permanência daCompanhia de Jesus foram utilizados para odesenvolvimento e a extensão do sistemaeducacional, pois, no século XVI, os jesuítaspossuíam, além de escolas e outros colégiosmenores, um total de onze colégios. No entanto,se acrescentarmos a estes, os seminários fundadosno século XVIII, alcançaremos dezesseteinstituições de ensino e cultura mantidas pelosjesuítas (Azevedo, 1996, p. 510).

Nesse contexto histórico, outra questão estáa merecer nossa atenção: como encarar uma obraeducativa que ao mesmo tempo que forja a unidadepolítica e lança as bases da educação popular,mantém como base da sua educação, uma culturaclássica, resistente ao “gosto da aventuraintelectual”? Deve-se atentar aqui para um fato degrande importância: as atividades dos padresjesuítas não foram apenas missionárias, mastambém educadoras e políticas.

Os interesses da religião ditavam os passosda Companhia de Jesus e, sem hesitar, os padresmarchavam destemidos para a concretização dosseus objetivos.

Para se ter idéia do plano que traziam e darapidez com que entraram em ação, bastalembrar (...) que ‘na Bahia enquanto sefundava a cidade de Salvador, quinze diasdepois de chegarem os jesuítas, jáfuncionavam uma escola de ler e escrever –início daquela sua política de instrução, queeles haviam de manter inalterável através dosséculos, de abrir uma escola onde quer queerigissem uma Igreja (Azevedo, 1996, p.497).

Contudo, uma de nossas maiorescontradições reside no fato de que a política deeducação, posta em ação pelos jesuítas, substituiua catequese por uma educação de elite, a qualtornou-se instrumento eficaz na construção dasestruturas do poder da colônia. “Casaram-se,assim, portanto, a grande propriedade, omandonismo e a cultura transplantada expandidapela ação pedagógica dos jesuítas” (Romanelli,1997, p. 36).

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É importante, mais uma vez, considerar quea cultura de elite criada pelos padres jesuítas eraartificial e universalista em sua essência. Segundoos autores lidos para este estudo, foi especialmentepor esse caráter artificial, distante da realidade davida na colônia, que o sistema educacional jesuíticointeiro apresentou as primeiras fissuras em seusalicerces de base intelectualista. “O ensino jesuítico,na opinião de seus adversários, envelhecera epetrificava em várias gerações e, anquilosando-senas formas mais antigas, já se mostrava incapaz deadaptar os seus métodos às necessidades novas”(Azevedo, 1996, p. 523).

Nesse contexto, as campanhas realizadas naEuropa, no século XVIII, não testemunhavam afavor dos jesuítas. Enquanto no Brasil Colônia, asobras educativas da Companhia haviam atingidoo seu ápice, as críticas na Europa atacavamfrontalmente o seu sistema educacional. Asuniversidades, os parlamentos, as autoridades civise eclesiásticas colocavam-se contrários à expansãoda obra. Mas por que motivo houve da parte dessasautoridades uma reação adversa à Companhia deJesus? Segundo Azevedo (1996):

Alegava-se por toda parte que a Companhiade Jesus, perdido o antigo espírito de seufundador, entrara em decadência, e que,dominada pela ambição do poder e deriquezas, procurava manejar os governoscomo um instrumento político, ao sabor desuas conveniências e contra os interessesnacionais (p. 522).

Ora, desde a sua chegada em 1549, aCompanhia de Jesus não servia como instrumentopolítico, lutando incansavelmente pela reafirmaçãodo poder da Igreja? Teriam sido os jesuítas“contaminados” pela sede de poder, claramenteevidenciada pela Igreja – sua tutora oficial?

São tantas as perguntas que o exame dopassado faz emergir, que nos sentimos ansiosospara desenvolver, como já mencionado naintrodução deste trabalho, um foco compreensível

acerca dos processos dinâmicos da história.Retornando aos fatos, observamos que,

Em Portugal, intervinham ainda, para tornarmais acirrada essa campanha tenaz, doiselementos de propaganda contra os jesuítas: omonopólio do ensino que eles exerciam desde1555, quando D. João III lhes confiou a direçãodo Colégio das Artes, e a miséria econômica eintelectual do reino, pela qual esses religiososeram apontados como os principais sacerdotes(Azevedo, 1996, p. 523).

Diante dessas considerações, entendemosque as acusações sofridas pelos jesuítas,apresentavam elementos políticos, que, semdúvida, embasaram as críticas referentes aomonopólio do ensino e a miséria econômica eintelectual do Reino. Podemos dizer, então, que“a principal razão que levou à expulsão dos jesuítasde Portugal e das colônias não estava, na verdade,ligada ao caráter religioso de suas atividades”(Werebe, 1997, p. 26)

A ação educativa, que antes havia sidoutilizada apenas como meio de submissão edomínio político, agora era vista como aresponsável pelo descompasso entre o governoportuguês e o resto da Europa, sendo os seusministros acusados como “bodes expiatórios”.Teriam sido justas tais acusações? Interessa-nossaber que a metrópole e a colônia, já não poderiamcontinuar à parte da agitação modernizadora queinvadia a Europa.

Desse modo, o Marquês de Pombal, “cujalinha de pensamento estava estritamente vinculadaao enciclopedismo” (Romanelli, 1997, p. 36)expulsou, em 1759, a Companhia de Jesus doReino e dos seus domínios. “Influenciado pelasidéias dos enciclopedistas franceses, Pombalpretendia modernizar o ensino, liberando-o daestreiteza e do obscurantismo que imprimiram osjesuítas” (Werebe, 19967, p. 26). Porém, a suapolítica radical não resultou numa reforma deensino. A história confirma este fato:

É, pois, toda a estrutura do ensino que entra

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em derrocada; a reforma pombalina, quedecorre de necessidades ligadas à expulsãodos jesuítas, não cria estrutura nova,limitando-se a prescrições gerais. Dela, noque afetou a colônia, a conseqüênciaostensiva esteve na fragmentação, nadispersão, que passa a constituir, no ensino,a característica maior, e é o antípoda daunidade que tanto marcara aquele a que osjesuítas haviam emprestado o seu nome.(Sodré, 1994, p. 28).

Apesar de imposta a necessidade demodernização, compreendemos que a reformapombalina, ao tomar medidas de transformaçãoradical, torna-se responsável pela falta deorganização de um novo sistema educacional noBrasil. Pois, “inúmeras foram as dificuldades daídecorrentes para o sistema educacional. Daexpulsão até as primeiras providências para asubstituição dos educadores e do sistema jesuítico,transcorreu um lapso de treze anos”. (Romanelli,1997, p. 36).

Este fato é, sem dúvida, surpreendente. Umlapso de treze anos, para que o sistema educacionaljesuítico pudesse ser substituído, deve ter causadouma grande confusão nos rumos da história daeducação no Brasil. “Em vez de um único sistema,passaram a existir escolas leigas e confessionais,mas todas seguindo os mesmos princípios herdadosdo passado” (Werebe, 1997, p. 26). Contudo, nareorganização do ensino, algumas medidas foramtomadas. Como podemos notar,

Suprimida, pois, a Companhia, e afastada doensino, o Estado, que não intervinha nagestão das escolas elementares e secundárias,tomou a seu cargo, por iniciativa de Pombal,a função educativa, que passou a exercer emcolaboração com a Igreja, aventurando-se aum largo plano de oficialização do ensino(Azevedo, 1996, p. 527).

Interessante que a Igreja, que antes tinha naCompanhia de Jesus o seu maior instrumento deconquista, após a reforma pombalina passa acolaborar com o Estado nas intervenções doensino. Pelo visto, a Igreja continuou empenhada

pela reafirmação do seu poder, desta vez atreladaao Estado. A educação, por outro lado, continuoucomo “pano de fundo” para este cenário político.Além disso, “a repercussão das reformaspombalinas no Brasil foram muito reduzidas e sefez indiretamente por intermédio da Universidadede Coimbra” (Werebe, 1997, p. 27).

Finalmente, o que realmente mudou na vidada colônia, após a expulsão dos jesuítas?

Com o financiamento e a administração acargo do governo metropolitano, queobviamente pouco se interessava em equipara colônia com o sistema educacional eficiente,a educação colonial ficou reduzida a algumaspoucas ‘Escolas e Aulas Régias’ (Xavier,1992, p. 22).

Nesse sentido, a história da educação noBrasil, após a reforma pombalina, continuoureduzida a segundo plano pelas classes dirigentes;e foi desse modo que “chegou à independênciadestituído de qualquer forma organizada deeducação escolar” (Ibidem). Importante salientarque desde o início da reorganização dos estudos,e do estabelecimento das aulas de primeiras letras,de gramática, latim e grego no Rio de Janeiro enas principais cidades das capitanias, em 1772,meio século já havia passado até a independênciaem 1822. O Brasil, no entanto, ainda se encontravasem qualquer forma organizada de educaçãoescolar. Afinal,

Não foi um sistema ou tipo pedagógico quese transformou ou se substituiu por outro, masuma organização escolar que se extinguiusem que essa destruição fosse acompanhadade medidas imediatas, bastante eficazes paralhe atenuar os efeitos ou reduzir a suaextensão (Azevedo, 1996, p. 524).

Em suma, a história da educação esteve,durante o período colonial, a serviço de interessesalheios ao sentido real da instrução, ou seja, o daformação integral do indivíduo. Mesmoconscientes do fato de estarmos reforçando umvelho conceito, sentimos a necessidade de torná-lo explícito neste estudo, pois, o início da história

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da educação no Brasil, revela-nos claramente osentido empregado pelos nossos conquistadores,ao ato de educar. Parece-nos que o domíniopolítico constituía a palavra de ordem e a submissãodos colonizados, a meta mais importante. Eis aquia educação como domínio de almas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo de todo este estudo, procuramosmostrar, segundo Romanelli (1997, p 19), que “aforma como se origina e evolui uma cultura definebem a evolução do processo educativo”. Ora,sendo a cultura “um fenômeno social querepresenta o nível alcançado pela sociedade emdeterminada etapa histórica: progresso, técnica,experiência de produção e de trabalho, instrução,educação, ciências, arte e instituições que lhescorrespondem” (Rosental e Iundi citado por Sodré,1994, p. 3-4), então, resolvemos, mediante asconsiderações postas neste trabalho, situar acultura brasileira em seu desenvolvimento.

Ao passo que avançávamos em nossasleituras, percebíamos que no campoespecificamente educativo, é ilusório pensar que,simplesmente, a partir do diagnóstico de seusproblemas, estaremos aptos para enfrentar esuperar as dificuldades presentes nas relações queconectam poder e cultura. Além do diagnósticopreciso, entendemos que o elemento fundamentalseja a vontade política daqueles envolvidosdiretamente na prática escolar. Não assumir nossolugar e responsabilidade nesse espaço, significaentregá-lo a forças que certamente irão moldá-lode acordo com seus próprios objetivos. Este nãoé, contudo, um processo fácil e simples, pelo fatode sermos herdeiros de uma história, cujos alicercessão profundamente de base autoritária e alheia aosinteresses da coletividade.

Como vimos, os interesses religiosos epolíticos da Companhia de Jesus, sem dúvida,moveram a ação educativa desses padres, queencontraram no ensino, um meio eficaz de

submissão e domínio. O sentido da educação,portanto, na “dominação das almas”, parece-nosbastante evidente, referindo-se a um sentido deeducação basicamente elitista. Isso porque essetipo de educação não visava à formação doindivíduo, mas privilegiava, mediante um conteúdoclássico, a ascensão social de um pequeno grupodominante. Portanto, é fundamental compreenderque,

As desigualdades econômicas e sociais serefletem no sistema educacional. Assim, ao ladode uma elite bem educada, formada em boasescolas, encontra-se uma população analfabetaou semi-analfabeta que não conseguiu ingressarno sistema escolar ou foi dele excluídaprecocemente (Werebe, 1997, p. 283).

Entretanto, a grande perspectiva quedevemos ter é a de poder examinar criticamente oque há nas entrelinhas da história da nossaeducação, no sentido de entender que tipo dedemocracia nós podemos, eventualmente, construircomo perspectiva futura.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira.6 ed. Rio de Janeiro/Brasília: UFRJ e UnB,1996.

ROMANELLI, Otaíza de O. História daeducação no Brasil. 19 ed. Petrópolis: Vozes,1997.

SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história daeducação brasileira. 17 ed. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 1994.

XAVIER, Maria Elizabete S. P. Poder político eeducação de elite. 3 ed. São Paulo: Cortez,1992.

WEREBE, Maria José G. Grandezas e misériasdo ensino no Brasil. 2 ed. São Paulo: Ática,1997.