recepção de tratados internacionais de direitos humanos

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Rafael Perales de Aguiar RECEPÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS RESUMO O presente artigo trata a problemática da recepção dos tratados internacionais de Direitos Humanos no sistema jurídico pátrio, abordando as teorias doutrinárias de recepção de tratados internacionais e as posições do Supremo Tribunal Federal que variaram ao longo do tempo.Analisando, principalmente, a posição de parte da doutrina que considera materialmente constitucional todo tratado de direitos humanos que ampliem os direitos concedidos pela Carta Magna e, consequentemente, sua petrificação na ordem jurídica nacional. SUMÁRIO

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O presente artigo trata a problemática da recepção dos tratados internacionais de Direitos Humanos no sistema jurídico pátrio, abordando as teorias doutrinárias de recepção de tratados internacionais e as posições do Supremo Tribunal Federal que variaram ao longo do tempo.Analisando, principalmente, a posição de parte da doutrina que considera materialmente constitucional todo tratado de direitos humanos que ampliem os direitos concedidos pela Carta Magna e, consequentemente, sua petrificação na ordem jurídica nacional.

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Page 1: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Rafael Perales de Aguiar

RECEPÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS

HUMANOS

RESUMO

O presente artigo trata a problemática da recepção dos tratados internacionais de Direitos Humanos no sistema jurídico pátrio, abordando as teorias doutrinárias de recepção de tratados internacionais e as posições do Supremo Tribunal Federal que variaram ao longo do tempo.Analisando, principalmente, a posição de parte da doutrina que considera materialmente constitucional todo tratado de direitos humanos que ampliem os direitos concedidos pela Carta Magna e, consequentemente, sua petrificação na ordem jurídica nacional.

SUMÁRIO

Page 2: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

1 – INTRODUÇÃO

2 –TRATADOS INTERNACIONAIS

2.1 - Conceito

2.2 – Espécies de Tratados Internacionais

2.2 – Entrada em Vigor no Ordenamento Jurídico Pátrio

3 – TEORIAS DE RECEPÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

3.1 – Recepção como Lei Ordinária

3.2 – Recepção como Norma Supralegal

3.3 – Recepção como Norma Constitucional

3.4 – Recepção como Norma Supraconstitucional

4 – TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

4.1 – Conceito

4.2 – Meio de Aprovação para Entrada no Ordenamento Jurídico antes da

Emenda Constitucional de n°. 45

4.3 – Recepção no Ordenamento Jurídico antes da Emenda Constitucional

de n.° 45

5 – A QUESTÃO DA MATERIALIDADE CONSTITUCIONAL DOS

TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS

6 – MUDANÇA DE POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL APÓS

EMENDA CONSTITUCIONAL N.° 45

7 – O TRATADO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

Page 3: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

7.1 – Recepção do Tratado Antes do Julgamento do Recurso Extraordinário

466.343/SP

7.2 – Solução Atual do Supremo Tribunal Federal para o Conflito Entre

o Tratado e a Norma que Permitia a Prisão Civil por Dívidas

8 – A PRETIFICAÇÃO DAS NORMAS AMPLIATIVAS DE DIREITOS

HUMANOS CONSEQUENTE DE SUA CONSTITUCIONALIZAÇÃO

8.1 – Breve Histórico

8.2 – As Cláusulas Pétreas e as Constituições Federais

8.3 – As Cláusulas Pétreas na Constituição de 1988

8.4 - A Consequência da Constitucionalização dos Tratados Internacionais

de Direitos Humanos

9 – CONCLUSÃO

10 – BIBLIOGRAFIA

1 – INTRODUÇÃO

A recepção dos tratados internacionais no ordenamento jurídico pátrio é algo que vem

sendo constantemente alterado não só pelo Judiciário, mas também pelo legislador, em razão da

constante evolução do direito internacional.

O Brasil já adotou a teoria da supralegalidade para a recepção de todos os tratados

internacionais no sistema jurídico pátrio, o que significa que aos tratados eram conferidos um

“status” maior que ao atribuído a uma lei ordinária..

Page 4: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Porém, desde meados do século XX, a posição adotada pelo judiciário é a de que os

tratados devem ser recepcionados como mera lei ordinária, diga-se de passagem, muito em razão

da ditadura militar que estava instaurada no país e que levava à sub valoração dos tratados

internacionais, principalmente os atinentes à Direitos Humanos, já que no Brasil imperava o

desrespeito aos direitos civis fruto do regime militar..

Ocorre que, a promulgação da Constituição Federal de 1988, que deu início a uma nova

era de valoração e respeito aos Direitos Humanos, trazendo no parágrafo 2° do artigo 5² um texto

que por muito tempo gerou dúvidas quanto à recepção diferenciada que deveriam ter esses

tratados por tratarem de matérias constitucionais.

Diante desse problema, a Professora Doutora Flávia Piovesan desenvolveu uma tese de

doutorado abordando o tema., onde começou a defender que os Tratados Internacionais de

Direitos Humanos deveriam ser recebidos como normas constitucionais, exatamente em razão do

artigo 5°, parágrafo 2°, da Constituição, já que esse deixou claro que a Constituição não excluia

os direitos humanos ampliados por outras fontes do direito, adcionando-se a isso a

impossibilidade de retrocesso nos direitos sociais e individuais.

Tal posição defendida pela professora Flávia Piovesan, ainda trazia outra consequência

quando da entrada dos tratados internacionais de Direitos Humanos na ordem jurídica, qual seja

a petrificação desses, por tratarem exatamente de matéria disposta no rol do artigo 60, parágrafo

4°, IV, da Constituição.

A tese defendida pela professora foi ganhando respaldo doutrinário, porém ainda não foi

adotado pelo Supremo Tribunal Federal, que em decisão do plenário em dezembro de 2008,

discutindo o Tratado de San José da Costa Rica e a possibilidade de prisão civil por dívidas no

Brasil acabou por decidir pela volta da recepção dos tratados internacionais no sistema jurídico

como como normas supralegais.

Na mesma decisão o Supremo decidiu que os tratados internacionais de Direitos

Humanos poderiam adentrar no ordenamento jurídico como norma constitucional, quando

aprovadas na mesma sistemática de uma Emenda Constitucional, conforme dispõe a Constituição

Federal a partir de texto trazido pela Emenda Constitucional n.° 45.

Page 5: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Da análise dos pontos trazidos à tona é que se passa a desenvolver o presente trabalho, de

forma a aprofundá-los e explicá-los de maneira clara e objetiva esclarecendo todos os pontos a

respeito da receção de tratados internacionais, abordando principalmente os efeitos da histórica

decisão do Supremo Tribunal Federal, que sem dúvidas trouxe um grande avanço ao país não só

na área de Direitos Humanos como também na área de Direito Internacional.

2 – TRATADOS INTERNACIONAIS

2.1 – Conceito

Page 6: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Segundo o Professor Francisco Rezek1, os tratados internacionais são acordos de

vontades entre dois ou mais sujeitos de direito internacional para estipularem direitos e

obrigações entre si, conforme definição que segue:

“Um tratado internacional é um acordo resultante da convergência das

vontades de dois ou mais sujeitos de direito internacional, formalizada

num texto escrito, com o objetivo de produzir efeitos jurídicos no plano

internacional. Em outras palavras, o tratado é um meio pelo qual sujeitos

de direito internacional – principalmente os Estados Nacionais e as

organizações internacionais– estipulam direitos e obrigações entre si.“

Isso significa dizer que um tratado internacional é qualquer acordo entre pessoas jurídicas

de direito internacional, podendo ser bilateral ou multilateral – quando envolver mais de dois

sujeitos de direito internacional.

No entanto, esse conceito não é completo, pois é necessário definir quem são as pessoas

jurídicas de direito internacional.

As pessoas jurídicas de direito internacional são os Estados Nacionais e os órgãos ou

blocos por eles criados, aos quais eles atribuem personalidade. Essa definição é importante para

diferenciar organismos internacionais, que podem ser sujeitos em tratados internacionais, dos

organizações não-governamentais de expressão internacional, que mesmo tendo papel ativo no

mundo todo, não podem ser signatárias de tratados.

Os tratados internacionais são tão antigos quanto à formação das primeiras civilizações,

havendo registro seguro de tratados assinados 1300 a.C. (mil e trezentos anos antes de Cristo).

No passado o mais comum eram os tratados bilaterais, embora houvessem também os

multilaterais.

Os tratados internacionais baseiam-se desde o início em prncípios costumeiros, que

depois foram formalizados na Convenção de Viena, que dispõe exatamente sobre a criação

desses. Os prncípios mais importantes são o pacto “sunt servanda”, livre consentimento e boa-

fé. 1 Rezek, Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 10ª Edição. Editora Saraiva. 2007.

Page 7: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Tais prncípios analisados em conjunto definem que os signatários devem cumprir os

tratados assinados, sem escusas, pois as partes são soberanas e têm poder para não assinas o

mesmo.

Os tratados são comumente classificados quanto ao número de partes, quanto a natureza

do objeto e quanto ao procedimento.

Em relação ao número de partes os tratados podem ser divididos em bilaterais – com duas

partes – e multilaterais – mais de duas partes.

Já em relação à natureza do objeto podem ser normativas, quando resultam na criação de

normas válida para os entes signatários, ou contratuais, quando significam um negócio jurídico

firmado entre as partes.

Por fim, quanto ao procedimento podem ser simplificados ou tratado em sentido estrito.

No primeiro, a mera assinatura já obriga as partes, já no segundo, depende de processo

legislativo para a ratificação para começar a valer.

2.2 – Espécies de Tratados Internacionais

A terminologia tratado é uma forma genérica de se referir a todos os acordos entre

pessoas jurídicas de direito internacional. Mas existe o termo jurídico mais adequado para cada

tipo de tratado.

Convenção é o nome atribuídos aos tratados multilaterais que tratam dos grandes temas

do direito internacional e os princípios, tais quais:as relações internacionais. Um exemplo de

convenção são as Convenções de Genebra que dispõem sobre os direitos humanitários de civis e

soldados durante uma guerra.

Acordo é, geralmente, bilateral, mas pode ser multilateral, é usado para designar o

tratado internacional que geralmente põe fim a uma contenda.entre Estados. O acordo de Camp

David é um exemplo e tinha como objetivo negociar a paz entre Israel e Palestina.

Page 8: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Protocolo é o termo usado para designar um adendo a um tratado principal, ou seja, é um

tratado acessório. O Protocolo Adcional à Convenção Interamericana sobre Cartas Rogatórias é

um típico exemplo disso.

Memorando de Entendimento é o tratado sobre temas técnicos ou específicos, mas nem

sempre é assim. Um exemplo é o Memorando de Entendimento sobre Cooperação entre as

Academias Diplomáticas entre Brasil e Colômbia.

Concordata é o nome atribuído ao tratado firmado entre um Estado e a Santa Sé. A

Concordata de Bolonha é um exemplo de desse tipo de tratado.

Tratado, no Direito Internacional é usado para designar especialmente os atos solenes.

Um exemplo bem famoso ao Brasil é o Tratado de Assunção, que visa a constituição de um

mercado comum entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

Carta ou Constituição é o termo usado para designar os tratados internacionais que

criam organizações internacionais. A Carta da ONU 2é um exemplo desse tipo de tratado.

2.3 – Entrada emVigor no Ordenamento Jurídico Pátrio

Antes de verificar a entrado do Tratado Internacional no Ordenamento Jurídico é

necessário a verificação de sua validade.

Para serem considerados válidos os tratados internacionais devem seguir requisitos

básicos, quais sejam: a capacidade das pastes contratantes, habilitação dos agentes signatários,

consentimento mútuo, formalidade e licitude possibilidade do objeto.

A capacidade das partes, refere-se a personalidade juídica de direito internacional das

partes. Só os entes dotados dessa capacidade é que podem formular tratados internacionais. As 2 Organização das Nações Unidas, criada em 1945, após a Segunda Guerra Mundial. Hoje em dia todos os Estados internacionalmente reconhecidos são membros da ONU. Tem cinco objetivos: manter a paz mundial, proteger os Direitos Humanos, Promover o desenvolvimento econômico e social das Nações, estimular a autonomia dos povos dependentes e reforçar os laços entre todos os Estados soberanos.

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organizações internacionais só adquirem essa capacidade se dotada de personalidade pelos entes

que a criaram.

Quanto a habilitação dos agentes signatários refere-se a concessão de poderes para uma

pessoa ou grupo, representando o sujeito de direito internacional, negocie tratados em seu nome.

Tais poderes são conferidos por uma carta de plenos poderes. Os chefes de Estado e de Governo

estão dispensados de apresentação de cartas de plenos poderes. Os chefes de missões

diplomáticas e os chefes de missões diplomáticas estão dispensados de portarem tal carta para

firmarem tratados juntos ao Estado ou conferência em que estão acreditados.

O consentimento mútuo é condição essencial também, pois os sujeitos de Direito

Interncional são soberanos e devem deixar seu consentimento expresso.

Decorrente do requisito supra, vem o requisito da formalidade que designa que o

consentimento das partes devem ser expressos de modo formal. Assim, a forma do tratado é

obrigatoriamente escrita.

Já o requisito da licitude e possibilidade do objeto determinan que os tratados

internacionais devem observar as normas de direito internacional, como a Convenção de Viena e

a Carta da ONU.

Ultrapassados os requisitos de validade, passa-se a analise das fases do procedimento

para a celebração do Tratado.

As etapas do procedimento para a celebração de um tratado são as seguintes:negociação,

assinatura, procedimento legislativo interno, ratificação, promulgação, publicação e registro.

A negociação é a primeira etapa e é de competência do Poder Executivo, ao término

dessa fase é escrito o texto que foi consenso entre as partes.

A etapa seguinte é a assinatura que autentica o texto de consenso entre as partes e que vai

passar por procedimento de ratificação no tratado em sentido estrito, mas nos tratados de

procedimento simples já obriga as partes.

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O procedimento legislativo interno é a etapa na qual o texto do tratado é enviado para

aprovação do Poder Legislativo, que pode ratificá-lo ou não. Não há essa etapa no tratado de

procedimento simples.

A Ratificação, é a etapa subsequente que decorre da aprovação do Legislativo. É o ato

pelo qual uma das partes informa às outras que doravante se sente obrigada pelo Tratado.

Promulgação é a etapa seguinte na qual o chefe do Executivo atesta a existência de um

tratado e determina o seu cumprimento.

A publicação é a etapa seguinte a promulgação, onde o Estado publica o Tratado em um

veículo de imprensa oficial, onde informa a população da existência do mesmo, que passa a valer

para todos, sem escusa de desconhecimento.

O registro é a etapa final e deve ser efetuada junto à nação depositária do tratado, ou aos

organismos internacionais ou regionais responsáveis por depósito de tratados como a ONU.

3 – TEORIAS DE RECEPÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Há muitas teorias sobre como os tratados internacionais são recepcionados no

ordenamento jurídico brasileiro perante a Constiuição.

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A questão nunca foi pacífica na doutrina e jurisprudência no Brasil, mas a posição

jurisprudencial que vem sendo adotada no Brasil é a de que tais tratados são recepcionados como

leis ordinárias. No entanto, os tratados que dispõem sobre direitos humanos têm uma condição

especial quando entra no ordenamento jurídico recebendo a condição de norma supralegal,

quando aprovados antes da Emenda Constitucional n.° 45 e, quando aprovados depois de tal

emenda, seguindo o procedimento especial para reforma constitucional, eles são recebidos como

normas constitucionais.

3.1 – Recepção como Lei Ordinária

Essa teoria também é chamada de legalidade e é a dominante na jurisprudência brasileira.

Ela consiste em conceder o “status” de lei ordinária aos tratados internacionais que ingressem no

ordenamento jurídico pátrio.

Tal entendimento foi firmado a partir do histórico julgamento do Recurso Extraordinário

n.° 80004 em 1977. Confira-se ementa:

“EMENTA: - Convenção de Genebra – Lei uniforme sobre letras de câmbio e notas

promissórias – aval aposto a nota prmissória não registrada no prazo legal –

impossibilidade de ser o avalista acionado, mesmo pelas vias ordinárias. Validade do

Decreto-Lei n.° 427, de 22.01,1969.

Embora a Convenção de Genebre que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e

notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela

as leis do país, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do Dec-

Lei n.° 427/69, que instituiu o registro obrigatório de Nota Promissória em Repartição

Fazendária, sob pena de nulidade do título.

Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será ele se reconhecida a

nulidade do título cambiário que foi aposto.

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Recurso Extraordinário reconhecido e provido.”3

Essa teoria traz problemas para o Brasil, que em caso de lei ordinária posterior ao tratado,

pode retirar-lhe os efeitos, fazendo com que o país descumpra o pacto “Sunt Servanda”.

3.2 – Recepção como Norma Supralegal

Essa teoria não é a dominante no Brasil, mas a jurisprudência aplica ela para os Tratados

Internacionais de Direitos Humanos.

Nela consiste dar um “status” superior aos tratados do que às leis ordinárias, mas inferior

às normas constitucionais.

O Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente atribuir a esses tratados tal condição,

em julgamento, por votação unânime:no Recurso Extraordinário n.° 466.343, cujo o relator foi o

Senhor Ministro Cezar Peluso.

Esse julgamento teve importância histórica, pois ao discutir o Tratado de San José da

Costa Rica em face da lei ordinária que permitia a prisão civil do depositário infiel., acabou por

conceder ao primeiro um grau superior na hierarquia das normas, fazendo com que se

extinguisse a prisão civil por dívidas no caso de depositário infiel no Brasil.

Esse julgamento ainda trouxe votos que adotaram a teoria da recepção como norma

constitucional dos tratados de Direitos Humanos, que se pass a analisar.

3.3 – Recepção como Norma Constitucional

3 RE n.° 80004/Sergipe. Supremo Tribunal Federal. Relator Ministro Xavier de Albuquerque. Publicado no Diário de Justiça em 29.12.1977.

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A teoria da recepção de tratados internacionais como normas constitucionais ainda não

tem é maioria na jurisprudência brasileira no que se refere aos tratados anteriores à Emenda

Constitucional n.° 45, apesar de ser muito defendida pela doutrina, principalmente, na figura da

Professora Doutora Flávia Piovesan4.e do Professor Titular Celso Lafer5 quando se trata de

Direitos Humanos.

Essa teoria busca dar força aos tratados internacionais de Emendas à Constituição,

colocondo-os no topo da pirâmide da heirarquia das normas, evitando problemas de não

observância do pacto “sunt servanda”, já que os tratados não seriam contrariados por nenhuma

lei ordinária posterior. Nesse sentido, cumpre destacar trecho do livro do Eminente Jurista Celso

Lafer6:

“Com efeito, entendo que os tratados internacionais de direitos humanos anteriores à

Constituição de 1988, aos quais o Brasil aderiu e que foram validamente promulgados,

inserindo-se na ordem jurídica interna, têm a hierarquia de normas constitucionais, pois

foram como tais formalmente recepcionadas pelo parágrafo 2° do artigo 5° não só pela

referência nela contida aos tratados como também pelo dispositivo que afirma que os

direitos e garantias individuais não excluem outros decorrentes do regime e ds

princípios por ele adotados.”

Essa teoria foi defendida pelos ministros do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello,

Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie., que foram vencidos pela maioria do pleno do tribunal,

que concedeu apenas “status” supralegal aos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos

aprovados por maioria simples antes da Emenda Constitucional n.° 45.

4 Professora e Doutora em Direitos Humanos na faculdade de direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Defende a tese de que os Tratados Internacionais que dispõem sobre Direitos Humanos devem ter força de norma constitucional, já que o parágrafo 2° do artigo 5° da Constituição Federal, é claro ao estabelecer que não excluía normas de Direitos Humanos provenientes de outras fontes.

5 O Professor Celso Lafer é Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde leciona desde 1971. Obteve a livre-docência em Direito Internacional Público em 1977 e a titularidade da cadeira de Filosofia do Direito em 1988, ambas na Faculdade de Direito da USP. Foi ministro de Estado das Relações Exteriores (1992, 2001-2002) e Embaixador, Chefe da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas e à Organização Mundial do Comércio.

6 Lafer, Celso.A internacionalização dos Direitos Humanos. Constituição, Racismo e Relações Internacionais. Editora Manole. Primeira Edição. São Paulo. Páginas 16 e 17.

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Quanto aos tratados que dispõem sobre os direitos humanos e posteriores â Emenda

supra, não há celeuma sobre seu grau normativo, quando respeitado o procedimento do artigo 5°,

parágrafo 3°, da Constituição, que é exatamente o mesmo de uma Emenda Constitucional. Nesse

ponto tanto doutrina, quanto jurisprudência são unânimes ao conferir a esses o “status” de norma

constitucional.

3.4 – Recepção como Norma Supraconstitucional

Quanto a essa teoria, não há suporte legal e nem jurisprudencial no Brasil. Porém há

ilustres juristas nacionais que defendem a primazia dos tratados internacionais sobre a

Constituição, quando a matéria é de relevância para toda a humanidade, como é o caso dos

Direito Humano.

O maior expoente dessa teoria foi o Ilustre Jurista Celso de Albuquerque Mello7. Ele

defendia que uma vez inserida no ordenamento jurídico pátrio, o cunho da matéria de um

Tratado Internacional de Direito Humano é tão importante que jamais poderia ser alterado,

mesmo por Emenda Constitucional.

Em sua visão esse caráter de cláusula pétrea era suficiente para atribuir a tal tratado um

grau superior à da própria Constituição.

Essa teoria é comumente aceita na Europa, que viveu as atrocidades da Segunda Guerra

Mundial e tem a finalidade de evitar que com supostas premissas de direitos internos, países

desrespeitem direitos humanos.

Assim, por essa teoria, o Tratado Internacional de Direito Humano sobrevive a qualquer

alteração na ordem constitucional, sempre acima da própria Constituição, não permitindo que

governos autoritários os desrespeitem.

7 Professor Titular da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.Foi até sua morte um dos maiores expoentes nacionais no que concerne ao Direito Público Interncional.

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4 – TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Page 16: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

4.1 – Conceito

Como já visto os tratados internacionais são acordos, que por excelência são expressões

de concenso, entre dois ou mais sujeitos de direito internacional.

Os tratados estabelecem direitos e obrigações entre seus signatários. Eles podem versar

sobre os mais diversos assuntos, mas sem dúvidas os mais importantes são aqueles que versam

sobre os direitos humanos.

Dada a relevância de sua matéria dispõe de certa superioridade em face dos demais tanto

que gozam de certo destaque na Constituição de 1988, principalmente no que concerne ao artigo

5°, parágrafo 2°, da Carta Magna, pois ela, de forma inédita, dispôs que não excluía outros

direitos humanos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, bem como dos

provenientes de tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte.

Ou seja, ao não excluir os direitos advindos dos Tratado Internacionais sobre Direitos

Humanos, estava incluindo no seu rol de direitos e garantias individuais por ela garantidos.

Devido a sua natureza esses tratados ainda seguem alguns princípios do direito

internacional que servem apenas a si, além dos comuns a todos os outros, que em resumo

definem que os direitos humanos devem sempre avançar e nunca retroceder.

4.2 – Meio de Aprovação para Entrada no Ordenamento Jurídico antes da Emenda

Constitucional de n°. 45

Essa monografia já abodou de forma genérica como é que o tratado passa a vigorar no

ordenamento jurídico pátrio. Agora passa-se a analisar esse procedimento mais detidamente

abordando os pontos específicos que servem à aprovação do Tratado de Direito Humano e sua

entrada no sistema jurídico antes da Emenda Constitucional n.° 45.

Page 17: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Como é sabido a primeira etapa é a negociação, ela dever ser feita por agentes habilitados

para se pronunciar em nome dos sujeitos de direito internacional capazes, que são as partes

interessadas.

No caso de Tratados Internacionais de Direitos Humanos as negociações são comumente

multilaterais, pois visam estabelecer direitos para toda a humanidade.

Essa fase concluí-se com a elaboração do texto de consenso entre as partes interessadas.

A etapa posterior à negociação é a assinatura que também deve ser feita por um agente

habilitado, que geralmente são os chefes de Estado e de Governo. Mas pode ser feito por outros,

desde que a eles tenham sido entregue a carta de plenos poderes para tanto.

Depois da assinatura o Tratado Internacional de Direito Humano é enviado ao Congresso

Nacional pelo presidente da República – ele não é obrigado a enviar, mas só depois de aprovado

pelo Congresso é que o tratado pode produzir efeitos. O Congresso deve aprovar o texto com ou

sem ressalvas para que o Brasil possa se sentir obrigado pelo tratado. Antes da EC n.° 45 o

procedimento que se adotava era o mesmo para a aprovação de uma lei ordinária, qual seja:

votação por maioria simples em turno único em cada uma das casas do Congresso Nacional.

A ratificação, é a etapa subsequente. É o ato pelo qual uma das partes informa às outras

que doravante se sente obrigada pelo Tratado.

Após a ratificação o tratado deve ser submetido a promulgação pelo chefe do Executivo,

no caso do Brasil, a competência é do Presidente da República, que atesta a existência do tratado

e determina o seu cumprimento. O Presidente não é obrigado a promulgar o tratado, mas

enquanto não o fizer ele não produzirá efeitos no país, a despeito de as outras partes já o

considerarem válido no Brasil.

Posteriormente , o tratado deve ser publicado em um veículo de imprensa oficial, qual

seja, o Diário Oficial da União, onde a população é informada da existência do mesmo, que

passa a valer para todos, sem escusa de desconhecimento, em todo o território nacional.

A etapa final é o registro e deve ser efetuada junto à nação depositária do tratado, ou aos

organismos internacionais ou regionais responsáveis por depósito de tratados como: a

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Organização dos Estados Americanos ou Organização das Nações Unidas. O depositário é

escolhido na elaboração da redação final do tratado e tem o dever de informar todos os demais

signatários que o Brasil levou-o a registro e já está submetido aos termos do pacto.

4.3 – Recepção no Ordenamento Jurídico antes da Emenda Constitucional n.° 45

Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dada a relevância de sua matéria,

sempre causaram polêmica quando o assunto é a recepção deles no ordenamento jurídico.

Com relação aos tratados ratificados pelo Brasil antes da Emenda Constitucional n.° 45 a

problema é maior ainda e se intensificou com o advento da Constituição Federal de 1988, pois

em seu artigo 5°, parágrafo 2°, dispôs de forma clara que não excluía dela os direitos

individuais, que não estavam nela relacionados, mas que o estavam em outras fontes normativas

como os tratados internacionais.

Tal dispositivo levou os juristas nacionais a considerarem quatro teorias no que tange o

grau pelo qual tal tratado é recebido na pirâmide normativa brasileira, como: a concessão do

“status” de lei ordinária (legalidade), supralegal, norma constitucional ou norma

supraconstitucional.

A incidência de cada uma das teorias traz diferentes implicações no ordenamento

jurídico, principalmente no que concerne ao conflito de leis, já que a hierarquicamente superior

prevalece sobre a inferior.

A teoria que concebe que o Tratado Internacional de Direitos Humanos deve ser

recepcionado como lei ordinária era até pouco tempo atrás a que prevalecia no Supremo Tribunal

Federal.

A maior implicação dessa teoria era a de que em caso de conflito entre uma norma

ordinária e o tratado internacional é que a primeira poderia suspender os efeitos da segunda

quando superveniente a ela ou quando tratando do assunto de forma mais especializada, como

orienta a Lei de Introdução ao Código Civil.

Page 19: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Por conta disso, até novembro de 2008 (dois mil e oito) o Brasil ainda permitia a prisão

civil do depositário infiel, mesmo sendo signatário do Tratado de San José da Costa Rica, sem

ressalva alguma, que é claro ao estabelecer que a prisão civil só pode ocorrer em caso de

inadimplemento voluntário de alimentos, apenas porque existia dispositivo no artigo 4° do

Decreto-lei 911/69, com redação dada pela lei n.° 6.071/74, que permitia a prisão civil do

depositário infiel.

A situação mudou no julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários n.° 46.6343 e

349.703 e dos Habeas Corpus n.° 87.585 e 92.566, quando o Supremo Tribunal Federal passou a

considerar que os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, quando ratificados antes da

Emenda Constitucional n° 45, deveriam ser recebidos com o grau de norma supralegal no

ordenamento jurídico, o que acabou por encerrar o conflito de normas supracitadas, de forma a

extinguir a prisão civil do depositário infiel no país.

Confira-se ementa do acórdão proferido pelo pleno Supremo Tribunal Federal nessa

ocasião:

“Ementa: Prisão Civil. Depósito. Depositário infiel. Alienação Fiduciária. Decretação

da medida coercitiva. Inadimissibilidade absoluta. Insubsistência de previsão

constitucional e das normas subalternas. Interpretação do artigo 5°, inciso, LXVII e

parágrafos 1°, 2° e 3°, da C à luz do artigo 7°, parágrafo 7°, da Convenção Americana

de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido.

Julgamento conjunto do RE n.° 349.703 e dos HCs n.° 87.585 e n.° 92.566. É ilícita a

prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito.”8

Outrossim, é mister salientar que a posição do Supremo não é unânime, restando ainda

duas outras teorias na doutrina.

A teoria da recepção dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos como normas

constitucionais é defendida pela Professora Flávia Piovesan, pelo Professor Celso Lafer e por

quatro dos onze ministros do Supremo.

8 RE n.° 466.343/SP. Ministro Relator Cezar Peluso. Votação Unânime. Publicação no Diário Oficial em 05.06.2009.

Page 20: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Essa corrente de pensamento tem se expandido na doutrina e defende que o texto do

artigo 5°, parágrafo 2°, da Constituição Federal de 1988 inclui na esfera de materialidade

constitucional os Direitos Humanos.

Essa materialidade garante uma superioridade aos tratados em relação às demais normas,

ainda que não estejam formalmente na Carta Magna. A teoria tem ganhado espaço também na

jurisprudência, mas não é majoritária.

A outra teoria sobre o grau normativo pelo qual um tratado dessa natureza é recebido é o

da supraconstitucionalidade, que era capitaneado pelo Ilustre Jurista Professor Celso A. Mello,

que considerava, que uma vez recebidos no ordenamento jurídico, dada a sua importância, esses

tratados não poderiam ser alterados, mesmo que diante de uma completa alteração do sistema

normativo com o advento de uma nova Constituição, que não pode contrariar esses direitos

humanos, pois o princípio que os rege é o de que eles não podem retroceder, pelo contrário,

deve-se sempre buscar a expansão deles.

Essa teoria não ganhou relevância na jurisprudência, mas ainda sobrevive na doutrina,

sendo a dominante em muitos países europeus como a França.

5 – A QUESTÃO DA MATERIALIDADE CONSTITUCIONAL DOS TRATADOS DE

DIREITOS HUMANOS

Page 21: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

A grande questão que surge em relação à recepção dos Tratados Internacionais de

Direitos Humanos se deve justamente à sua materialidade.

Grande parte da doutrina considera que todas as normas que dispõem sobre Direitos

Humanos tratam na verdade de matéria que a Constituição se reservou o direito de dispor sobre.

Isso deve-se ao artigo 5° da Carta Magna, que dispôs em seu rol sobre os direitos humano e em

seu parágrafo 2° estabeleceu que aquele rol não era exaustivo.

Tal situaçãolevou a doutrina e a jurisprudência a tergiverações sobre o assunto do tipo se

as normas de Direitos Humanos integram o bloco da constitucionalidade, mesmo que não sejam

formalmente parta da Carta Magna.

Sobre isso já se manifestou o Professor Celso Lafer:

“...Explico-me observando que entendo, por força do parágrafo 2° do artigo 5°, que as normas destes tratados são materialmente constitucionais. Integram, como diria Bidart Campos, o bloco da constitucionalidade, ou seja, um conjunto normativo que contém disposições, princípios e valores que, no caso, em consonância com a Constituição de 1988, são materialmente constitucionais, ainda que estejam fora do texto da Constituição documental. O bloco de constitucionalidade é, assim, a somatória daquilo que se adciona à Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados. O bloco de constitucionalidade imprime vigor à força normativa da Constituição e é por isso parâmetro hermenêutico, de hierarquia superior, de integração, complementação e ampliação do universo dos direitos constitucionais previstos, além de critério de preenchimento de eventuais lacunas. Por essa razão, considero que os tratados internacionais de direitos humanos recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro a partir da vigência da Constituição de 1988 e a entreda em vigor da Emenda Constitucional n.° 45 não são meras leis ordinárias, pois têm hierarquia que advém de sua inserção no bloco de constitucionalidade...”9

Essa é a mesma opinião da Professora Flávia Piovesan que se refere ao artigo 5°,

parágrafo 2°, da Constituição de 1988, como o indutor de três grupos distintos de direitos

humanos, quais sejam: os direitos expressos na Constituição; os direitos implícitos, decorrentes

do regime e dos princípios adotados pela Carta Constitucionaol e; os direitos expressos em

tratados internacionais subscritos pelo Brasil.

Ou seja, o dispositivo citado incluiu no rol de direitos constitucionalmente protegidos,

aqules provenientes dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos.

9 Lafer, Celso. A internacionalização dos Direitos Humanos. Constituição, Racismo e Relações Internacionais. Editora Manole. Fl. 18. Primeira Edição. 2005. São Paulo.

Page 22: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Vale citar para tanto as palavras da Professora Flávia Piovesan, que explicam com clareza

quais os fundamentos dessa sua conclusão:

“...Essa conclusão advém de interpretação sistemática e teleológica do texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional A esse raciocínio se acrescentam o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais referentes a direitos e garantias fundamentais, o que justifica estender aos direitos enunciados em tratados o regime constitucional conferidos aos demais direitos e garantias fundamentais.Essa conclusão decorre também do processo de globalização, que propicia ou estimula a abertura da Constituiçãoà normação internacional – abertura que resulta na ampliação do “bloco de constitucionalidade”...”10

Em suma, é crescente a posição doutrinária no sentido de conceder aos tratados

internacionais que dispõem sobrei direitos humanos um aspecto de constitucionalidade em razão

de sua matéria. Tal posição vem ganhando inclusive força na jurisprudência, que cada vez mais

entende a importância desses direitos sobre os demais.

6 – MUDANÇA DE POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL APÓS EMENDA

CONSTITUCIONAL N.° 45

Como já visto, o Supremo Tribunal Federal recentemente mudou o posicionamente em

relação à recepção dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos no ordenamento jurídico

10

Piovesan, Flávia. Temas de Direitos Humanos. Editora Max Limonad. 1998.

Page 23: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

pátrio. Antes sua posição era pela concessão de um “status” de legalidade aos tratados desse

tipo. Contudo, passou a compreender que essa condição propiciava a sobrelevação desses

direitos em face de novas normas internas que pudessem ser contrárias a esses tratados e acabou

por concedê-los uma qualificação supralegal.

Porém, essa discussão em relação ao grau normativo de um tratado dessa natureza não

era novo. Tanto que, buscando solucionar os problemas relativos a essa recepção, o ministro

Celso de Mello, aproveitando-se das discussões parlamentares sobre a reforma do Poder

Judiciário, enviou à relatora do Projeto de Emenda Constitucional que viria a se tornar a Emenda

Constitucional n.° 45 uma proposta para a criação dos parágrafo 3°, para o artigo 5°, da

Constituição Federal.

A sugestão buscava eliminar de vez a discussão acerca da receptividade dos tratados

internacionais no ordenamento jurídico. A proposta feita pelo Ministro era a de que a Carta

Magna previsse expressamente que um tratado poderia ter o mesmo grau de uma emenda à

constituição se aprovada nas mesmas condições de uma.

Assim, foi feito e o parágrafo 3° foi adcionado ao artigo 5° da Constituição, passando a

exigir que para um tratado ter o “status” de Emenda Constitucional passasse pela aprovação em

dois turnos nas duas casas do Congresso Nacional, pelo quórum de três quintos.

No entanto, tal medida criou uma celeuma a respeito dos Tratados Internacionais de

Direitos Humanos aprovados antes da Emenda Constitucional n.° 45, que trouxe essa exigência

nova para que um tratado dessa natureza pudesse ter um grau de norma constitucional. Pois o

entendimento era unânime de que os tratados aprovados após a referida emenda pelo processo

exigido por ela, teriam o grau de norma constitucional.

Ou seja, a proposta sugerida pelo Ministro Celso de Mello não resolveu o problema

recepção dos tratados internacionais de direitos humanos aprovados antes da referida emenda.

A medida apenas serviu para dividir os tratados em dois grupos quanto à recepção dos

tratados internacionais que dispõem sobre direitos humanos: os aprovados antes ou depois da

emenda.

Page 24: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Quanto aos tratados aprovados antes da Emenda Constitucional n.°45 o Supremo

Tribunal Federal entendia que, por nãoterem respeitado o processo legislativo atinente as

emendas constitucionais, deveriam ser recepcionadas como normas de “status” legal.

Porém, como já visto anteriormente, esta situação mudou com o julgamento do Recurso

Extraordinário n° 466.343/SP. Em tal julgamento os ministros do Supremo entenderam que os

Tratados Internacionais de Direitos Humanos deveriam ser recebidos com um grau de

supralegalidade, mesmo havendo quatro que defendessem que os referidos tratados merecessem

um nível de uma norma constitucional, mesmo que não o fosse formalmente e, sim,

materialmente.

Essa decisão não foi unânime, pois quatro ministros votaram para a eleveção do estado

dos Tratados Internacionais de Direitos Humano em mais um grau, o que lhes daria a condição

de norma constituciona, o que configuraria um maior avanço nas matérias de Direitos Humanos

no Brasil.

Já os tratados aprovados pelo Brasil posteriormente á Emenda Constitucional n.° 45,

quando respeitando o processo legislativo do parágrafo 3° do artigo 5° da Carta Magna seriam,

nos termos de tal dispositivo, materialmente e formalmente constitucionais.

Ainda assim, haveria um problema em relação aos tratados que não fossem aprovados nas

condições supra. Nos termos da atual jurisprudência, tais tratados deveriam ser recepcionados

como os aprovados antes da emenda. Ou seja, deveriam receber o “status” de norma supralegal

como as outras.

De qualquer forma, ainda restaria a questão da materialidade constitucional dos tratados

que dispõem sobre direitos humanos que não respeitassem o processo legislativo de uma emenda

constitucional.

Para a doutrina capitaneada pelos professores Celso Lafer e Flávia Piovesan,

diferentemente da solução do Supremo, devido a essa materialidade desses tipos de tratados

internacionais, memso quando não respeitado o processo legislativo para aprovação de emendas

à constituição, ainda assim, mereceriam receber o grau de norma constitucional devido a sua

importância, que mais que um caráter nacional, tem um espírito internacional.

Page 25: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

7 – O TRATADO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

Page 26: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

O Tratado de San José da Costa Rica, também chamado de Convenção Americana de

Direitos Humanos, é um tratado internacional firmado entre os países membros da Organização

dos Estados Americanos (O.E.A.).

O referido tratado foi subscrito durante a Convenção Americana de Direitos Humanos em

22 de novembro de 1969, na cidade de San José na Costa Rica e entrou em vigor apenas em 18

de julho de 1978.

O mesmo só foi ratificado pelo Brasil em 09 de julho de 1992. O Brasil não foi um de

seus signatários, apenas aderiu ao tratado sem reservas.

O tratado ainda criou dois órgãos internacionais para garantir que os países respeitassem

os direitos por ela declarado, quais sejam: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a

Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem sede em Washington, capital dos

Estados Unidos da América, e forma a rede de proteção interamericana de direitos humanos. Ela

é formada por sete juristas que são eleitos por títulos e mérito pessoais, não sendo representantes

de nenhum governo, mas sim dos países que compõem a O.E.A.. O Brasil tem um representante

nessa comissão, qual seja, Paulo Sérgio Pinheiro.

Essa entidade tem a função de realizar estudos sobre as condições de respeito aos direitos

humanos nos países-membros da O.E.A., indicando soluções possíveis, bem como sugerir

possíveis emendas ao tratado. Ela pode funcionar como uma espécie de “parquet”, levando

denúncias de desrespeito do tratado por algum dos países que o ratificaram à Corte

Interamericana de Direitos Humanos, atuando como uma das partes no processo contra o país

que desrespeitou direitos humanos protegidos pela convenção

Já a Corte Interamericana de Direitos Humanos é o órgão judicante do sistema

interamericano de proteção aos direitos humanos. Tem sede em San José na Costa Rica.

Essa corte não exerce apenas função contenciosa, mas consultiva , podendo ser

consultada não só para resolver lide em casos de países-mebros que desrespeitem o Tratado de

San José, mas também para emitir parecer, quando consultados, para dizer se a lei de um país

está em acordo com o tratado.

Page 27: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

A corte é formada por sete juízes provenientes dos países-membros de elevada autoridade

moral e reconhecido saber jurídico nas matérias de direitos humanos.

O último representante brasileiro na Corte foi Antônio Augusto Cançado Trindade.

Atualmente o Brasil não tem representante nessa Corte.

O Tratado de San José da Costa Rica dispõe sobre direitos humanos e tem especial

importância no ordenamento jurídico nacional, já que um dos direitos por ele estipulados

provocou um grande dilema.

Isto se deu porque a Convenção Americana de Direitos Humanos no seu artigo 7°, entre

outros, dispôs em seu texto a proibição da prisão civil por dívidas que não tivessem natureza

alimentar.

Como é sabido, o ordenamento jurídico pátrio prevê a prisão civil do depositário infiel.

Então com sua ratificação, o tratado entrou em conflito com essa norma de forma direta, o que

levou inúmeros processos aos tribunais brasileiros, arguindo a impossibilidade de prisão por tal

razão.

7.1 – Recepção do Tratado Antes do Julgamento do Recurso Extraordinário

466.343/SP

Tal conflito de normas levou a debate sobre as teorias de recepção dos tratados

internacionais de Direitos Humanos, não só aos tribunais, como para a doutrina também.

Em um primeiro momento o Supremo Tribunal Federal manteve a posição que vinha

adotanto desde o julgamento do Recurso Extraordinário n.° 80.004/SE de 1977, que era a de

receber os tratados internacionais no ordenamento jurídico pátrio na mesma hierarquia de uma

norma legal, sem atentar à importância do conteúdo da Convenção Americana de Direitos

Humanos.

Page 28: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Essa posição do Supremo Tribunal Federal levava o Brasil a desrespeitar flagrantemente

o artigo 7° da Convenção Americana de Direitos Humanos, pois a lei especial n.° 4.728/65, com

texto regulado pelo Decreto-Lei n.° 911/69, permite a prisão civil na alienação fiduciária, pois o

adquirente se subsume na posição de depositário infiel, caso não pague a dívida e não apresente

o bem quando executado.

É importante salientar que o Brasil ratificou o Tratado de San José da Costa Rica sem

ressalva alguma. Ou seja, o Brasil estava passivo de ser submetido à Corte Interanmericana de

Direitos Humanos a qualquer momento em razão dessa posição defendida pelo Supremo.

A justificativa para essa posição é a Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 2°,

parágrafo 2°, que estabelece que a lei especial deve prevalecer sobre a geral, mesmo que a geral

seja posterior. No caso, a Convenção Americana de Direitos Humanos foi considerado uma

norma geral e, portanto, não prevalecia sobre a a lei de mercado de capitais, que era uma norma

especial que previa a prisão civil do depositário infiel.

Essa foi a posição adotada até recentemente pelo Supremo Tribunal Federal e não levava

em consideração o disposto no artigo 5°, parágrafo 2°, da Carta Magna.que para grande parte da

doutrina e até mesmo da jurisprudência em instâncias inferiores é um dispositivo que define

claramente que os tratados ampliativos dos Direitos Humanos constantes do rol constitucional,

não estavam excluídos da Constituição.

7.2 – Solução Atual do Supremo Tribunal Federal para o Conflito Entre o Tratado e

a Norma que Permitia a Prisão Civil por Dívidas

A teoria de receptividade de tratados internacionais anteriormente adotada pelo Supremo

Tribunal Federal, como já visto, gerou muito polêmica, por causa do conflito entre o Tratado de

San José da Costa Rica e a norma especial que regula o mercado de capitais no Brasil.

A par disso e consciente da crescente internacionalização dos direitos humanos, o

Supemo, depois de muitos anos, em decisão recente, julgando o Recurso Extraordinário n.°

Page 29: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

466.343/SP, por votação unânime solucionou o conflito de normas que já durava mais de uma

década.

A solução dada foi conceder ao Tratado de San José da Costa Rica um grau normativo

supralegal. Essa decisão colocou o referido tratado em posição hierarquica superior a lei que

regula o mercado de capitais no Brasil e que permitia a prisão do depositário infiel.

Isso acabou por extinguir a prisão civil por dívidas que não fossem de caráter alimentar,

colocando o Brasil em rota de respeito a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Ainda na sessão de julgamento do referido recurso, quatro ministros votaram pelo

constitucionalização dos tratados internacionais de Direitos Humanos, o que alinharia a

jurisprudência a uma corrente doutrinária ainda mais moderna., Qual seja a teoria defendida pela

Professora Flávia Piovesan, que se baseia no texto do parágrafo 2° do artigo 5° da Constituição

Federal.

8 – A PRETIFICAÇÃO DAS NORMAS AMPLIATIVAS DE DIREITOS HUMANOS

CONSEQUENTE DE SUA CONSTITUCIONALIZAÇÃO

Primeiramente, nesse tocante é necessário que se entenda o que é uma cláusula pétrea.

Para tanto, cabe fazer uma breve conceituação do referido instituto.

Page 30: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Essas cláusulas nada mais são do que a parte dura da Constituição. Constituem-se em

verdadeiras limitações materiais ao poder de reformar a Carta Magna. Isso não significa que as

matérias que são objeto cláusulas pétreas não sejam imutáveis, mas que elas não podem ser

objeto de qualquer tipo de emenda tendente a aboli ou reduzir os direitos por ela assegurados. No

entanto, são permitidas mudança no seu cerne que visem ampliar os direitos por ela assegurados.

Só são consideradas como cláusulas pétreas as que estão dentro do texto constitucional,

não sendo admitidas como tais as que estão de fora.

8.1. Breve Histórico

O primeiro registro de cláusulas pétreas em uma Constituição é a dos Estados Unidos da

América datada de 1787. O seu cerne imodificável fazia referência à imutabilidade da

representação paritária dos Estados-membros no Senado Federal.

O sucesso desse tipo de cláusula foi tão grande no mundo jurídico que logo se espalhou

por todo o mundo, chegando ao Brasil à época já da primeira Constituição do Estado até então

recém liberto.

Desde então fez-se sempre presente nas Cartas Magnas brasileiras, exceptuando-se a

Constituição de 1937, que não possuía nenhuma dessas cláusulas.

Muitos dos países que possuem Constituição escrita possuem esse tipo de cláusula

imodificável. Para efeitos de comparação pode-se citar o caso de Honduras, onde a reeleição é

vedada constitucionalmente e essa norma é inalterável.Inclusive, uma tentativa do Presidente

daquele país de convocar uma Assembléia Constituinte para alterar tal norma, levou a um golpe

de Estado promovido pelos militares e apoiado pelo Poder Judiciário daquela nação.

8.2. As cláusulas pétreas e as Constituições Federais

Page 31: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

As cláusulas pétreas não são novas no ordenamento jurídico brasileiro. Estão presentes

desde a primeira Constituição do Brasil como país independente. Apenas na Carta Magna de

1937 elas não estiveram presentes.

Na Constituição do império datada de 1824 não haviam clásulas pétreas expressas no

texto como na Carta atual. No entanto, o preâmbulo dizia em seu preâmbulo e nos artigos 4°, 99

e 116, que o Dom Pedro era o Imperador e Defensor perpétuo do Brasil e que governaria para

sempre. Portanto, pode-se dizer que o próprio poder de Dom Pedro era inalterável.

A Carta de 1891, a primeira da República do Brasil, já trouxe cláusulas pétreas expressas

em seu texto. Essas faziam referência à forma republicana e federativa de Estado, bem como a

representação paritária dos Estados no Senado Federal.

Já a Constituição de 1934, manteve basicamente as mesmas cláusulas pétreas da Carta

anterior. No entanto, não fez referência à representação paritária dos Estados no Senado Federal.

Na Constituição de 1937, a Carta do Estado Novo que foi outorgada por Getúlio Vargas,

não houve nenhuma previsão de claúsula péttrea. No entanto, a Carta Magna seguinte, de 1946,

que redemocratizou o Brasil, retomou a tradição das anteriores, prescrevendo que não seriam

admitidas normas tendentes a abolir a forma republicana e federativa de Estado.

A Consituição de 1967 e as mudanças de 1969, que muitas vezes é considerada uma nova

Carta Magna, ambas elaboradas sob o regime militar, mantiveram as mesmas cláusulas pétreas

da Carta de 1946.

A Constituição de 1988 inovou no tocante a materialidade das cláusulas pétreas e,

portanto merece um destaque para melhor análise dessas.

8.3. As cláusulas pétreas na Constituição de 1988

As cláusulas pétreas na Constituição de 1988 estão previstas no artigo 60, parágrafo 4° e

foram uma grande evolução nesse tema em relação às Cartaas Magnas anteriores que se

restringiam a petrificar, em sintese, apenas as normas constitucionais que faziam do Brasil uma

República na forma federativa.

Page 32: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Houve um enorme alargamento de direitos petrificados no ordenamento jurídico

nacional, pois o referido artigo extendeu a impossibilidade de mudança normativa tendente a

abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos

poderes e; os direitos e garantias individuais, como se verifica do texto do referido artigo:

“...Artigo60. A Constituição poderá ser emndada mediante proposta:

§4° - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais...”

Do referido texto, verifica-se de pronto que a Constituição de 1988 não tornou inalterável

a forma republicana de governo. Isto porque, a mesma foi submetida a um plebiscito, onde o

povo decidiu pela manutenção da República.

Outras mudanças materiais foram a questão do voto, separação de poderes e o mais

importante os direitos humanos também foram petrificados pela Constituição, ou seja, restou

vedada qualquer norma que tenda a diminuir ou extinguir direitos humanos expressos na

Constituição, que são os direitos e garantias individuais.

Há de se salientar que para serem consideradas cláusulas pétreas, as normas devem fazer

parte da Constituição. Assim, as nomas infraconstitucionais que dispõem sobre a materialidade

petrificada na Constituição não são imutáveis dentro do ordenamento jurídico.

8.4. A consequência da constitucionalização dos Tratados Internacionais de Direitos

Humanos

Como já visto, os tratados internacionais não são recebidos no ordenamento jurídico

como norma constitucional pela jurisprudência atual, com exceção dos Tratado de Direitos

Humanos, quando observado o procedimento da aprovação de uma emenda constitucional,

conforme o artgo 5°, § 3°, da Carta Magna.

Page 33: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Essa constitucionalização traz consequências sérias no ordenamento juridico interno, pois

direitos humanos são imutáveis quando inseridos na Constituição Federal, conforme artigo 60,

§4°, da Constituição.

Portanto, quando uma norma de Direitos Humanos proveniente de um tratado

internacional é inserida no ordenamento jurídico nacional com “status” de constitucional, ela é

imediatamente petrificada. O que significa dizer que ela não pode sofrer modificação que vise a

redução ou extinção do direito por ela assegurada.

Essa é a posição da Professora Flávia Piovesan. Confira-se:

“...A Constituição de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais de que o Brasil é parte, conferindo-lhes natureza de norma constitucional. Isto é, os direitos constantes nos tratados internacionais integram e complementam o catálogo de direitos constitucionalmente previsto, o que justifica estender a esses direitos o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantias fundamentais...”11

Esse trecho é claro na posição de que, as normas de direitos humanos, ainda que, apenas

materialmente constitucionais devem ter o mesmo grau de eficácia e hierarquia dos demais

direitos e garantias individuais fundamntais expressos na Constituição Federal.

Assim, o Brasil não pode se retirar do tratado apenas denunciando-o, pois a norma, ainda

assim, restaria enraizada na ordem constitucional. Só poderia ser alvo de emenda que objetivasse

a ampliação dos direitos assegurados pelo tratado internacional constitucionalizado e o

desrespeito a qualquer dos direitos previstos no tratado seria uma infração à ordem

constitucional.

Ainda aliado à petrificação das normas de direitos humanos provenientes de tratados

internacionais, se alia o principio de que os direitos humanos conquistados não podem recuar e,

sim, deve sempre avançar.

11

Piovesan, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Oonstitucional Internacional. Editora Saraiva. 8 ª Edição. 2007. Fl. 58.

Page 34: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

9 – CONCLUSÃO

Do exposto se denota que, a despeito de o Judiciário estar ampliando a influência do

direito internacional na ordem jurídica pátria, aumentando o “status” dos tratados internacionais

de simples lei ordinária, passando a lhes atribuir um papel supralegal, mas ainda

infraconstitucional, ainda está a quem do que muitos países avançados já alcançaram.

Porém, o passo dado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal foi tão significativo, que

acabou por extirpar do ordenamento jurídico uma aberração, qual seja, a possibilidade de prisão

civil do depositário infiel.

Page 35: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

Contudo, mais importante ainda é que o Supremo reconheceu a importância dos Tratados

Internacionais de Direitos Humanos, de forma que foi unânime o pronunciamento de que,

observado o procedimento de aprovação de Emenda Constitucional para o tratado desta natureza,

o mesmo passa a valer como norma constitucional.

Porém, apesar de se tratar de um avanço promovido pelo Judiciário, ainda assim, foi um

avanço tímido perto do que a doutrina vem admitindo, principalmente, apoiada nas idéias da

Professora Doutora Flávia Piovesan.

Vem ganhando cada vez mais peso na doutrina a idéia de que tratados internacionais dos

quais o Brasil seja signatário, quando dispõem sobre Direitos Humanos, são materialmente

constitucionais e, por tal razão, mesmo os aprovados antes da Emenda Constitucional 45 e com

procedimento mais simplificado, merecem o tratamento de normas constitucionais,

fundamentando-se essa teoria no texto do parágrafo 2° do artigo 5° da Constituição Federal, dado

o seu claro texto que estabelece que os direitos humanos que não estavam descritos na Carta

Magna não eram excluídos dela.

A constitucionalização dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ainda tem um

outro efeito, qual seja, transformar tais normas em cláusulas pétreas, pois como dispõe o artigo

60, parágrafo 4° da Constituição os direitos individuais não podem ser objeto de Emenda

Constitucional que tende a reduzí-los ou removê-los.

Ainda há que se avançar na questão de internacionalização dos direitos humanos, mas ao

menos pode-se celebrar que um passo foi dado nessa direção, bem como o fato de que já há

ministros no Supremo Tribunal Federal como Celso de Mello e Ellen Grace que patrocinam um

avanço ainda maior nessa direção, se alinhando à corrente doutrinária dos professores Celso

Lafer, Francisco Rezek e Flávia Piovesan.

Page 36: Recepção de tratados internacionais de direitos humanos

10 – BIBLIOGRAFIA

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Coimbra: Almedina, 2007.

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www.jusnavigandi.com.br

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Rezek, Francisco... Direito Internacional Público: Curso Elementar. 10ª.Edição. Saraiva. 2007

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