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    FUNDAO FACULDADE DE DIREITO DA BAHIACURSO DE ESPECIALIZAO EM CINCIAS CRIMINAIS

    FERNANDO AFONSO CARDOSO BORGES

    O TIRO DE COMPROMETIMENTO (DO SNIPER) NOGERENCIAMENTO DE CRISES:UMA ANLISE JURDICA EM FACE DO DIREITO PENAL BRASILEIRO.

    Salvador2009

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    FERNANDO AFONSO CARDOSO BORGES

    O TIRO DE COMPROMETIMENTO (DO SNIPER) NOGERENCIAMENTO DE CRISES:

    UMA ANLISE JURDICA EM FACE DO DIREITO PENAL BRASILEIRO.

    Monografia apresentada ao Curso de Especializaoem Cincias Criminais da Fundao Faculdade deDireito da UFBA, como requisito parcial paraobteno do ttulo de Especialista em CinciasCriminais.

    Orientador: Prof. Inocncio de Carvalho Santana(UEFS) Promotor de Justia do Estado da Bahia.

    Salvador2009

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    A

    Minha esposa, pelo carinho e apoio dispensado ao longo do perodo acadmico;

    Meus pais e famlia, pela confiana depositada em mim; e

    Colegas policiais militares, que sonham uma corporao mais independente, sria e

    profissional.

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    justo que o que justo seja seguido;

    necessrio que o que o mais forte seja seguido.

    A justia sem a fora impotente;

    A fora sem a justia tirnica.

    A justia sem fora contradita, porque sempre existem pessoas ms.

    A fora sem a justia acusada.

    preciso, pois, colocar juntas a justia e a fora e, para isso,

    Fazer com que aquilo que justo seja forte ou que o que forte seja justo.

    Blaise Pascal (1623-1662).

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    RESUMO

    BORGES, Fernando Afonso Cardoso. O tiro de comprometimento (do sniper) nogerenciamento de crises: uma anlise jurdica em face do Direito Penal Brasileiro. 95fl. 2009. Monografia de Concluso do Curso de Especializao em CinciasCriminais, Fundao Faculdade de Direito da Bahia - UFBA, Salvador-BA, 2009.

    A pesquisa, do tipo bibliogrfica, tem por fim analisar juridicamente, em sede de

    Direito Penal, os resultados hipotticos possveis da utilizao do Tiro deComprometimento (realizado pelo atirador de elite sniper) durante oGerenciamento de Crise, a partir do estudo de institutos penais relevantes ao tema,tais como: as excludentes da legtima defesa de terceiros e do estrito cumprimentodo dever legal, o erro na execuo, e a obedincia hierrquica. Isto, semdesconsiderar o quanto estabelecido em doutrina policial disciplinadora dogerenciamento de eventos crticos e da utilizao do disparo de preciso realizadopor atirador de elite componente de grupos especiais da polcia. A escolha dotema se deu em face da relevncia e necessidade de anlise jurdica acerca do tirode comprometimento, como alternativa ttica e extrema na soluo de um eventocrtico, ou seja, aquele em que existe risco de vida para pessoas tomadas comorefns. Em doutrina policial so poucos os trabalhos escritos em que se discute afundamentao jurdica deste uso de fora letal, bem como o tratamento a serdispensado aos resultados que possam advir do seu uso. Para tanto, a pesquisafora iniciada a partir da demonstrao da necessidade da fora policial para oEstado e a sociedade, atravs de uma fundamentao sociojurdica, destacandoalguns princpios que norteiam a atividade policial e sua localizao no poder depolcia administrativa. Expe o entendimento doutrinrio sobre os aspectos penaisrelevantes ao tema, tratados em captulo prprio. Da pesquisa conclui-se de comodeve ser tratado penalmente cada hiptese de desdobramento do tiro de precisorealizado pelo sniper. Neste contexto, se procurou demonstrar, no ordenamento

    jurdico e na jurisprudncia, os fundamentos legais que asseguram esta modalidadede soluo para os casos especficos de risco real ou iminente para a vida dosenvolvidos neste tipo de ocorrncia, com posicionamento particular a respeito dautilizao da fora letal (medida interventiva) pelos rgos policiais especializadosno Gerenciamento de Crises.

    Palavras-Chave: Gerenciamento de Crises. Tiro de Comprometimento. Atirador deElite (Sniper). Aspectos Penais.

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    CF/88 Constituio Federal de 1988.

    COE - Companhia de Operaes Especiais.

    CP Cdigo Penal.

    CPM Cdigo Penal Militar.

    CPP Cdigo Processo Penal.

    CPPM Cdigo de Processo Penal Militar.

    FBI - Federal Bureau Investigation.

    GATE Grupo de Aes Tticas Especiais.

    PMBA - Polcia Militar do Estado da Bahia.

    STF Supremo Tribunal Federal.

    STJ Superior Tribunal de Justia.

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    SUMRIO

    1. INTRODUO ......................................................................................... 09

    2. ESTADO E FORA POLICIAL ............................................................... 13

    2.1. NECESSIDADE SOCIAL DE SEGURANA E SUA PREVISOCONSTITUCIONAL ................................................................................. 16

    2.2.FORA POLICIAL E OS PRINC PIOS JUR DICOS INERENTES SUAATIVIDADE ............................................................................................. 18

    2.2.1. Princpio da dignidade da pessoa humana ............................................. 192.2.2. Princpio da legalidade ............................................................................ 21

    2.2.3. Princpio da proporcionalidade ................................................................ 23

    2.2.4. Princpio do uso adequado e progressivo da fora ................................. 24

    2.3. ATIVIDADE POLICIAL E PODER DE POLCIA ...................................... 26

    2.3.1. Conceito, fundamentos e caractersticas do poder de polcia ................. 27

    2.3.2. Atividade policial como forma de atuao do poder de polcia ............... 29

    3. DOUTRINA POLICIAL: DO GERENCIAMENTO DE CRISES E DOTIRO DE COMPROMETIMENTO DO SNIPER ....................................... 32

    3.1DO GERENCIAMENTO DE CRISES: DEFINIES,CARACTERSTICAS E ELEMENTOS OPERACIONAIS ........................ 33

    3.1.1. Crise ou evento crtico e suas caractersticas ......................................... 33

    3.1.2. Gerenciamento de crises: conceito e objetivos ....................................... 34

    3.1.3. Teatro de Operaes ............................................................................... 34

    3.1.4. Comandante do Teatro de Operaes .................................................... 35

    3.1.5. Negociador ............................................................................................... 363.1.6. Grupo ttico ............................................................................................. 37

    3.2. DO TIRO DE COMPROMETIMENTO DO SNIPER................................ 39

    3.2.1. Do Sniper................................................................................................. 40

    4.DOS ASPECTOS PENAIS QUE ENVOLVEM O TIRO DECOMPROMETIMENTO ........................................................................... 42

    4.1. DO CONCEITO DE CRIME ..................................................................... 42

    4.2. DO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL ............................... 45

    4.2.1. Do conflito aparente de deveres jurdicos ................................................ 48

    4.3. DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEG TIMA DEFESA (DE 51

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    TERCEIROS) ............................................................................................

    4.3.1. Dos bens suscetveis de defesa ............................................................... 53

    4.3.2. Requisitos legais para reconhecimento da legtima defesa..................... 54

    4.3.3. Do excesso doloso e culposo .................................................................. 594.4. DOS EFEITOS CIVIS DAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE ................... 61

    4.5. DO ERRO NA EXECUO ...................................................................... 62

    4.6. DA OBEDI NCIA HIER RQUICA E DA RESPONSABILIDADE PENALDO TIRO DE COMPROMETIMENTO ...................................................... 67

    5. ANLISE DOS CASOS HIPOTTICOS DE UTILIZAO DO TIRO DECOMPROMETIMENTO EM FACE DO DIREITO PENAL BRASILEIRO 71

    5.1. DISPARO AUTORIZADO QUE ATINGE APENAS O CAUSADOR DACRISE ....................................................................................................... 71

    5.2. DISPARO AUTORIZADO DIRIGIDO AO CAUSADOR DA CRISE, MASQUE ATINGE APENAS O REFM ........................................................... 73

    5.3. DISPARO AUTORIZADO DIRIGIDO AO CAUSADOR DA CRISE, QUEATINGE O CAUSADOR E O REFM ...................................................... 74

    5.4 DISPARO OCORRIDO EM MOMENTO INADEQUADO (NOOPORTUNO ........................................................................................... 77

    5.5 DISPARO NO AUTORIZADO ................................................................ 80

    5.6.DISPARO DIRIGIDO AO CAUSADOR DO EVENTO CR TICO, QUENO O ATINGE, MAS QUE PROVOCA REAO IMEDIATA CONTRAA VTIMA .................................................................................................. 82

    6. CONSIDERAES FINAIS ..................................................................... 85

    REFERNCIAS ................................................................................................... 91

    GLOSSRIO ....................................................................................................... 94

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    1. INTRODUO

    A atuao de grupos tticos ou de atiradores de elite comumente

    ocupa espao na mdia como alvo de especulaes das mais diversas possveis.

    Por vezes, os profissionais que compem tais grupos, militantes na rea de

    operaes especiais ou operaes tticas, so enaltecidos, diferenciados do

    restante dos agentes policiais, servindo at de inspirao para a indstria

    cinematogrfica (exemplo disso, o filme Tropa de Elite).

    Ocorre que na maioria das vezes em que a atuao de grupos

    especiais vira manchete, no no intuito de elogi-los, mas de question-los acerca

    dos mtodos empregados, geralmente de forma emprica, atravs de severas

    crticas, principalmente quando no se alcana sucesso pleno no gerenciamento de

    uma crise. Exemplo recente, fora o caso Elo, ocorrido na cidade de So Paulo, que

    estava sendo gerenciado pelo GATE (Grupo de Aes Tticas Especiais) da Polcia

    Militar do Estado.

    comum, em meio s crticas levantadas pela imprensa, no

    sensacionalismo que lhe peculiar nos casos de polcia, o questionamento acerca

    da no utilizao do tiro de comprometimento como medida possvel de

    neutralizao do tomador de refm (causador da crise), demonstrando inclusive

    filmagens que comprovam sua exposio e a possibilidade de ser atingido atravs

    de um tiro de preciso, executado por um dos atiradores de elite, presentes e

    posicionados estrategicamente nas proximidades do ponto crtico.

    As atividades policiais voltadas para atendimento de situaes de crise,dado o elevado risco de vida dos envolvidos, so de relevante visibilidade e

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    interesse social, e isto fomenta inmeras discusses na sociedade acerca dos

    mtodos e tcnicas empregadas pelas foras pblicas na soluo desses tipos de

    evento, que, diga-se de passagem, no corresponde a uma atividade rotineira de

    policiamento ostensivo.

    O gerenciamento de uma crise, como ser demonstrado adiante, trata-

    se de interveno policial extraordinria, em situaes em que o risco de vida dos

    envolvidos bastante elevada, necessitando assim, de uma atuao especializada

    por parte da fora pblica.

    A prpria sociedade exige do poder estatal e dos seus rgos, em

    especial da Polcia, a necessidade de constante evoluo e adequao aos ditames

    do Estado Democrtico de Direito. Ora, a atividade policial por sua natureza, uma

    atividade fiscalizadora e restritiva de direitos e liberdades individuais, da a

    importncia da qualificao e preparao cotidiana dos seus profissionais para

    provimento de uma fora policial mais humana e de atuao em conformidade com o

    Direito.

    Nesse contexto, ganha destaque o tiro de comprometimento, como

    alternativa ttica (medida extrema) de utilizao de fora letal durante ogerenciamento de um evento crtico, com vistas a solucionar a crise e por termo

    violncia perpetrada pelo tomador de refm (ns).

    Por ser este autor um oficial da Polcia Militar da Bahia, especializado

    profissionalmente na rea de Aes Tticas Especiais, e com participao em

    cursos e palestras de gerenciamento de crises, promovidos pela instituio,

    verificou-se a existncia de lacuna, na doutrina policial, de estudo e anlise jurdica

    da tcnica do tiro de comprometimento em face do Direito Penal brasileiro, um dosfatores que motivou o presente trabalho.

    Vale registrar, que a carncia de fundamentao jurdica encaixada

    doutrina policial, muitas vezes, acaba por causar uma espcie de insegurana na

    adoo do tiro de comprometimento como soluo de um evento crtico, sendo

    parcos os estudos acerca do tratamento jurdico a ser dispensado aos resultados

    hipotticos advindos de sua utilizao, e como se d a responsabilizao penal nos

    casos de erro na execuo do disparo.

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    Sendo assim, esta pesquisa tem por finalidade contribuir para a

    construo de uma fundamentao jurdica palpvel, para um emprego responsvel

    e humano da doutrina policial do tiro de comprometimento como alternativa ttica e

    legalmente respaldada para a soluo de eventos crticos, atenuando a insegurana

    do seu uso.

    Para tanto, antes de enveredarmos pelas tcnicas policiais que tratam

    do gerenciamento de crises e do tiro de comprometimento, bem como da anlise

    jurdica que se prope no presente trabalho, julgou-se importante, ab initio, uma

    breve fundamentao a respeito da necessidade da fora policial para o Estado e

    para a sociedade.

    Ainda no primeiro captulo, aps defendermos a necessidade da fora

    policial e demonstrarmos quem a monopoliza, destacamos alguns princpios

    jurdicos norteadores de sua atividade, enfocando em seguida os conceitos e

    aspectos que envolvem o poder de polcia e a polcia administrativa, e a relao

    destes com a atividade policial.

    No captulo seguinte, so reproduzidos os conceitos mais utilizados na

    doutrina policial, com nfase aos conceitos e princpios que regulam oGerenciamento de Crises e o Tiro de Comprometimento, tudo de acordo com as

    atuais tcnicas utilizadas pelas polcias brasileiras. Demonstrando ainda, as

    atribuies dos componentes do Teatro de Operaes, importantes para

    consecuo dos objetivos deste trabalho.

    Aps os esclarecimentos acerca dos componentes e tcnicas do

    gerenciamento de crise, tema afeito doutrina policial, chega-se exposio dos

    institutos de Direito Penal necessrios anlise dos resultados que podem advir douso do tiro de comprometimento.

    Dentre os aspectos penais importantes na discusso do tema,

    selecionamos as causas de justificao do estrito cumprimento do dever legal e da

    legtima defesa (de terceiros), o instituto do erro na execuo e a anlise da

    obedincia hierrquica na delimitao da responsabilidade penal dos agentes

    envolvidos na execuo do disparo de preciso.

    Em seguida, como fruto do raciocnio seguido ao longo da pesquisa

    que ora se apresenta, se d a anlise jurdica, em sede de Direito Penal, dos

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    resultados hipotticos e possveis da utilizao do tiro de comprometimento do

    sniper.

    E por fim, tem-se o encerramento do presente trabalho, com breves

    palavras a ttulo de concluso, em que se ressaltam os aspectos mais importantes

    levantados durante a pesquisa e a prpria legalidade ou no do disparo de preciso,

    momento em que ser ratificado o nosso posicionamento a respeito do tema.

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    2. ESTADO E FORA POLICIAL

    Neste captulo, antes de abordarmos sobre a importncia da fora

    policial na preservao da ordem pblica, e no conjunto de rgos necessrios

    manuteno do Estado Democrtico de Direito, vislumbramos que, didaticamente,

    interessante uma digresso sobre as relaes entre o Direito, Poder (Estado) e

    Sociedade.

    O ser humano como agente social tende a se exteriorizar por meio de

    relaes estabelecidas com os seus pares, necessitando da coexistncia social e da

    vida em sociedade como alimento da sua prpria existncia. O isolamento no a

    regra da vida humana, o comum se agregar. A solido, inclusive, pode ser causa

    de doenas emocionalmente depressivas altamente nocivas ao homem. Por isso,

    entende-se que o ser humano, em si, inclinado s relaes sociais.

    E para garantia da estabilidade social das relaes humanas, como um

    todo, surge a regulamentao dos direitos e deveres, pois, uma sociedade no

    existe sem direito, assim como este no subsiste sem aquela, necessariamente

    acabam se pressupondo um ao outro ubi societas ibi jus1 (RO, 1997).

    Nas lies de Ro (1997, p. 49), o direito equaciona a vida social,

    atribuindo aos seres humanos, que a constituem, uma reciprocidade de poderes, ou

    faculdades, e de deveres, ou obrigaes. Deveras, ao lado do direito,

    imprescindvel a figura do Estado, como mediador das relaes sociais.

    No controle dessas relaes, o Poder Pblico confere ao direito um

    carter de proteo-coero, o que significa que para toda proteo jurdica haver

    1 Expresso que significa: onde h sociedade, h direito.

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    uma interveno eventual e de fora correspondente, com vistas a manter a ordem

    social (RO, 1997).

    Esta proteo-coero, segundo o autor (1997, p. 50), representa a

    possibilidade do poder pblico intervir, com a fora, em defesa do direito ameaado,

    ou violado, a fim de manter, efetivamente, a vida em comum, na sociedade. Sem

    esta garantia a vida do direito e da prpria sociedade seriam mitigados pelo

    desrespeito s normas, como pela vontade dos mais fortes sobre os mais fracos.

    Contudo, tal interveno do poder pblico no deve ser ilimitada.

    Nesse diapaso, ressalta-se o modelo de Estado concebido por Kant, em que se

    enaltece a liberdade individual, e a convenincia de limitar a fora coercitiva do

    Estado atravs de freios constitucionais (lei maior), com vistas a coibir a ao

    totalitria duramente sentida em governos do tipo absolutistas.

    Para tanto, uma das medidas necessrias ordem democrtica a

    tripartio dos poderes (Executivo, Legislativo e Judicirio), constituindo um sistema

    de freios e contrapesos e conservando a autonomia e harmonia entre os mesmos,

    conforme idealizado na estrutura montesquiana, o que cria a possibilidade de

    controle dos excessos por ventura cometidos por um dos poderes.Mas de onde vem o poder do Estado? E como se do as relaes de

    poder na sociedade? Para entendimento das relaes de poder, imperioso que se

    observe a existncia, de um lado, de quem exerce o poder, e do outro, aquele sobre

    o qual o poder exercido, o que leva a defini-lo como um conjunto de relaes

    pelas quais indivduos ou grupos interferem na atividade de outros indivduos ou

    grupos (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 214).

    Nesta linha de pensamento, para que algum exera o poder, serpreciso dispor de fora. Embora seja comum interpretar dessa forma, no quer dizer

    que seja apenas fora fsica, coercitiva, ou o uso de violncia a fora em questo

    tem um significado maior, que transcende o mundo fsico. No Estado Democrtico

    de Direito, pode-se considerar como sendo o poder legitimado pela soberania

    popular, pela vontade do povo, que mune o poder pblico da fora de fazer

    prevalecer o interesse pblico sobre o particular (ARANHA; MARTINS, 2003).

    Sendo o poder estatal legtimo, apenas este se torna apto elaborao

    e aplicao das leis, recolhimento de tributos, e para dispor de uma fora armada.

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    Esta, importantssima, para a garantia da ordem interna e externa (servios

    monopolizados pelo Estado).

    Nesse sentido, Weber (citado por BOBBIO, 2000, p. 165), afirma que a

    fora fsica legtima o fio condutor de ao do sistema poltico, aquilo que lhe

    confere a sua particular qualidade e importncia e a sua coerncia como sistema.

    Dessa argumentao, extrai-se que apenas as autoridades polticas possuem o

    direito de utilizar a coero e de exigir obedincia com base nela, e que:

    no h grupo social organizado que tenha at agora podido consentirna desmonopolizao do poder coativo, evento que significaria nadamenos que o fim do Estado, e que, enquanto tal, constituiria umverdadeiro salto qualitativo para fora da histria, no reino sem tempo

    de utopia (BOBBIO, 2000, p. 166).Assim, pode-se afirmar que o poder que o Estado detm para

    interveno e controle social, de forma monopolizada, advm da soberania popular.

    um poder legitimado pelo povo com fim de sustentar a prpria coerncia da

    estrutura estatal. Mas, numa ordem democrtica de direito, por meio de qual rgo o

    Estado exerce a fora fsica necessria manuteno do poder legitimado pela

    soberania popular?

    No poderia ser outro, a no ser a polcia, brao armado do PoderPblico. Outrora, nos governos absolutistas, caracterizava-se pela natureza

    perseguidora, com atividades conduzidas sombra das vontades do soberano, mas,

    dado a influncia das idias jusnaturalistas e jusracionalistas, o Estado assume a

    condio de garantidor dos direitos individuais, com economia mais liberal, e,

    conseqentemente, as funes da fora policial passam a ser tipicamente de

    preveno de perigos e de manuteno da ordem e segurana (CANOTILHO,

    2003, p. 91).

    Feita esta introduo, passa-se a tratar da necessidade da fora

    policial para provimento da segurana pblica, desejo social que imperiosamente

    deve ser atendido pelo Estado, com fim de manuteno da ordem e da segurana

    na sociedade. Nesse sentido, o art. 144, da Constituio Federal, in verbis:

    A segurana pblica, dever do Estado, direito e responsabilidade detodos, exercida para a preservao da ordem pblica e daincolumidade das pessoas e do patrimnio, atravs dos seguintes

    rgos: I - polcia federal; II - polcia rodoviria federal; III - polciaferroviria federal; IV - polcias civis; V - polcias militares e corpos debombeiros militares. (CF/1988)

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    2.1. NECESSIDADE SOCIAL DE SEGURANA E SUA PREVISO

    CONSTITUCIONAL.

    cedio que a sociedade, desde sua tenra formao, bem como suas

    instituies, foram estruturadas em torno de princpios e valores que envolvem o

    desejo de segurana nas relaes sociais como um todo, inclusive, com avaliao

    de riscos, levando necessidade de uma ordem jurdica que garanta segurana s

    relaes estabelecidas (segurana jurdica).

    A segurana algo to importante para o desenvolvimento da

    sociedade que j no incio de seu texto, a Constituio Federal de 1988 destaca arelevncia no seu trato pelo poder constituinte, indicando-a como valor supremo de

    uma sociedade, seno vejamos:

    Ns, representantes do povo brasileiro, reunidos em AssembliaNacional Constituinte para instituir um Estado Democrtico,destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, aliberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdadee a justia como valores supremos de uma sociedade fraterna,pluralista e sem preconceitos, (...).

    O trato dispensado ao direito segurana no ficou restrito apenas aoprembulo, previsto no prprio bojo da Constituio como direito fundamental e

    social, in verbis:

    Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza,garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas ainviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, seguranae propriedade (...) (art. 5, caput, CF/88).

    So direitos sociais a educao, a sade, o trabalho, o lazer, asegurana, a previdncia social, a proteo maternidade e

    infncia, a assistncia aos desamparados, na forma destaConstituio. (art. 6, caput, CF/88).

    Ademais, a partir de uma leitura ampla do art. 144, pode-se concluir

    que nossa Constituio no atribuiu apenas ao Estado a responsabilidade pelo

    provimento da segurana pblica, ao contrrio, estendeu a todos, de forma solidria,

    tanto o direito como a responsabilidade desta. Lgico que, como assevera o

    dispositivo em questo, a prestao da segurana pblica dever do Estado,

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    contudo, no exclui a responsabilidade de todos os setores da sociedade e dos

    poderes constitudos (SOUZA, 2008, p. 27)2.

    por ser prprio da sociedade o receio e a necessidade de proteo,

    que a segurana pblica precisa ser garantida pelo Estado, o que levou nossa

    ordem constitucional a trat-la como direito fundamental e social de elevada

    importncia.

    Dentre os diversos rgos estatais que de uma forma ou de outra se

    preocupam com a segurana pblica, temos as instituies ou corporaes policiais

    discriminadas taxativamente no art. 144, da nossa carta constitucional, como

    responsveis pelo exerccio estatal da segurana com vistas preservao da

    ordem pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio.

    Para que o objetivo de preservao da ordem pblica e da

    incolumidade das pessoas e do patrimnio seja alcanado, a fora policial poder

    atuar tanto de forma preventiva como de forma repressiva, a depender do caso

    concreto.

    O que no se pode olvidar da sua existncia como mecanismo

    necessrio manuteno da ordem democrtica, pois difcil vislumbrar umademocracia sem a conteno e controle do crime, garantindo o respeito ordem

    jurdica constitucionalmente instalada. Assim, pode-se afirmar que a polcia e a

    sociedade so interdependentes. Os acontecimentos no campo de uma repercutem

    forosamente no da outra.

    Uma analogia interessante, lecionada no curso de Direitos Humanos3

    promovido pela Secretaria Nacional de Segurana Pblica (SENASP) para

    profissionais dessa rea, que: assim como no seio familiar, imperioso ainterveno do adulto para limitar e nortear moralmente a conduta dos jovens sob

    sua tutela ou guarda, em nvel macro (social), tambm necessrio a existncia de

    2 O autor entende que se pode inferir do art. 144, CF/88, que a enumerao dos rgos desegurana pblica (polcia federal, polcia rodoviria federal, polcia ferroviria federal, polcias civis,polcias militares e corpos de bombeiro militares) no taxativa, e que no se deve confundirsegurana pblica com instituies policiais. Concorda-se com ele, no sentido de considerar a

    instituio policial como uma das instituies responsveis pela segurana pblica dentro de um todo.3 Governo Federal. Ministrio da Justia. Programa Nacional de Segurana Pblica com Cidadania.Ensino a Distncia. Curso de Direitos Humanos desenvolvido pela DtCom Direct Company, 2005.Disponvel em:http://senaspead.ip.tv/default.asp. Acesso em: 21 out.2008.

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    uma instituio com a misso de conter e manter a ordem, de forma a limitar os

    desvios comportamentais que afrontem o Estado Democrtico de Direito.

    A polcia , portanto, uma espcie de superego social indispensvel

    em culturas urbanas, complexas e de interesses conflitantes, contendedora do bvio

    caos a que estaramos expostos na absurda hiptese de sua inexistncia4.

    Por isso no se conhece sociedade que se mantenha sem a existncia

    do poder de polcia. Cuidar da segurana pblica, da liberdade de ir e vir do cidado,

    que este no seja molestado ou saqueado, e da garantia de integridade fsica e

    moral de todos, dever do Estado (representado pela fora policial) e

    responsabilidade de todos, um pacto com o rol mais bsico dos direitos humanos, os

    quais devem ser garantidos sociedade em geral. com este fim, que a soberania

    popular confere ao Estado (fora policial) a funo para o uso da fora, quando

    necessrio e no atendimento do interesse pblico.

    2.2. FORA POLICIAL E OS PRINCPIOS JURDICOS INERENTES SUA

    ATIVIDADE.

    A fora policial, concebida no rol dos rgos pblicos discriminados

    constitucionalmente como responsveis pelo exerccio da preservao da ordem

    pblica, est inserida na estrutura administrativa do Estado, e como tal regida por

    normas e princpios de Direito Administrativo.

    O Direito Administrativo, ramo autnomo na Cincia Jurdica, rene um

    conjunto de normas que regem a Administrao Pblica e a conduta dos seusagentes. Possui princpios prprios, alguns estabelecidos de forma taxativa no caput

    do art. 37, da Constituio Federal (legalidade, moralidade, impessoalidade,

    publicidade e eficincia), e outros dispostos de forma implcita (a exemplo, os

    princpios da razoabilidade, proporcionalidade, da ampla defesa e do contraditrio,

    4 Concluso exposta no tpico Polcia e Superego Social do mdulo I do Curso de DireitosHumanos. Representa analogia da fora policial com o termo superego, que faz parte do aparelho

    psquico da psicanlise freudiana, juntamente com o ego(eu) e o id, e significa a censura das pulsesque a sociedade e a cultura impem ao id, impedindo-o de satisfazer plenamente os seus instintos edesejos, assim, tambm funciona a polcia, ao manter e controlar simbolicamente a ordem pblicaatravs da sua presena, ou censura.

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    http://pt.wikipedia.org/wiki/Aparelho_ps%C3%ADquicohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Aparelho_ps%C3%ADquicohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Freudhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Egohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Idhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Puls%C3%B5eshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Idhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Instintohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Desejohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Desejohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Instintohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Idhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Puls%C3%B5eshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Idhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Egohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Freudhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Aparelho_ps%C3%ADquicohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Aparelho_ps%C3%ADquico
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    segurana jurdica, motivao, supremacia do interesse pblico), mas que a doutrina

    majoritria os reconhece como necessrios atuao administrativa.

    Merece ainda relevante considerao, para efeitos do presente texto, o

    princpio da dignidade da pessoa humana, previsto na atual ordem democrtica

    como um dos fundamentos da Repblica Federativa do Brasil, bem como os

    princpios da interveno mnima, que molda a atuao punitiva do Estado como

    ultima ratio, e do uso progressivo da fora, como orientador dos meios de

    interveno da fora policial, que dever se dar de forma gradativa.

    notria a importncia que todos estes princpios assumem no cenrio

    da atividade administrativa policial do Poder Pblico, principalmente como

    limitadores da ao do Estado, que j foi muito sentida pelo povo brasileiro nos

    tempos do governo ditatorial.

    No entanto, por serem de maior relevncia, sero tratados a seguir

    apenas os princpios da dignidade da pessoa humana, da legalidade (ou reserva

    legal), da proporcionalidade, e do uso progressivo da fora, como princpios

    norteadores da atividade policial e necessrios discusso do tema que se ousa

    dissertar.

    2.2.1. Princpio da dignidade da pessoa humana.

    Previsto no art. 1, inciso III, da nossa Constituio Federal, como

    fundamento da Repblica Federativa5, o princpio da dignidade da pessoa humana,

    considerado ncleo basilar de todos os direitos fundamentais garantidosconstitucionalmente.

    Sarlet (2004, p. 106 e 107), ao discutir a eficcia dos direitos

    fundamentais, leciona que tanto os direitos positivados taxativamente, como os

    implcitos, guardam relao com os princpios fundamentais de nossa Carta Magna,

    dentre estes, a dignidade da pessoa humana, o qual constitui em suas palavras

    valor unificador de todos os direitos fundamentais, e assume funo legitimatria

    5 Forma de governo consolidada no Brasil com a primeira Constituio Republicana, de 1891.

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    no reconhecimento de direitos fundamentais dispostos de forma implcita no texto

    constitucional.

    Para ilustrao da dignidade da pessoa humana como valor supremo

    em nossa sociedade e no mundo jurdico, tem-se o seguinte julgado do STF:

    A durao prolongada, abusiva e irrazovel da priso cautelar dealgum ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade dapessoa humana, que representa - considerada a centralidadedesse princpio essencial (CF, art. 1, III) - significativo vetorinterpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspiratodo o ordenamento constitucional vigente em nosso Pas e quetraduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que seassenta, entre ns, a ordem republicana e democrtica consagradapelo sistema de direito constitucional positivo. Constituio Federal

    (Art. 5, incisos LIV e LXXVIII). EC 45/2004. Conveno Americanasobre Direitos Humanos (Art. 7, ns. 5 e 6). Doutrina.Jurisprudncia.6 (grifos nosso).

    Ora, em que pese a complexidade e dificuldade de um significado

    universal do que seja dignidade da pessoa humana, pois abarca um conjunto de

    valores, direitos e garantias que podem variar de acordo com determinada cultura ou

    religio, uma coisa certa: o Constituinte de 1988 a reconheceu como fundamento

    do Estado Democrtico de Direito, estabelecendo, assim, que o Estado que existe

    em funo da pessoa (SARLET, 2004, p. 110), no o contrrio.

    Vale ressaltar que so vrias as Constituies que consagram tal

    princpio como valor fundamental da ordem jurdica, e ao considerarem a dignidade

    da pessoa humana como princpio fundamental e de eficcia plena, partem da

    premissa de que, ao homem, basta a sua condio biolgica de ser humano para

    assumir a qualidade de titular de direitos e de um mnimo de dignidade, os quais

    devem ser respeitados, no apenas pelos seus pares, mas tambm pelo Estado. ,

    portanto, a dignidade, um atributo inerente natureza e condio da pessoa humana

    (SARLET, 2004).

    Entendimento este, que pode ser extrado do art. 1 da Declarao

    Universal dos Direitos do Homem: Todas as pessoas nascem livres e iguais em

    dignidade e em direitos. So dotadas de razo e conscincia e devem agir em

    relao umas s outras com esprito de fraternidade 7. Significa que toda pessoa j

    6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hbeas Corpusn 85.237, Rel. Min. Celso de Mello, julgamentoem 17.03.05, DJ de 29.04.05.7 Conforme PIOVESAN, Flvia. Direitos Humanos e o Direto Constitucional Internacional. 7 ed. rev.ampl. e atual. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 352.

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    nasce com dignidade e com garantia de isonomia entre os seres humanos, sendo

    defeso todo tratamento discriminatrio, arbitrrio, e todo tipo de perseguio por

    questes religiosas ou raciais.

    Falar sobre dignidade da pessoa humana num espao reduzido como

    este, bastante rduo, em face da dimenso e importncia do tema, mas, sem

    dvida, o pouco que fora abordado servir de base para a discusso proposta em

    torno das implicaes jurdicas que envolvem a adoo do tiro de comprometimento

    do sniper, como alternativa de soluo num evento crtico. Interveno estatal difcil

    de ser defendida na perspectiva do direito vida, liberdade e igualdade, que, nas

    lies de Sarlet (2004), correspondem s exigncias mais elementares da dignidade

    da pessoa humana. Contudo, poder ser tida como necessria e nica medida

    disponvel a ser adotada pelo Estado como soluo de uma crise, principalmente,

    quando est em jogo a vida de pessoas tomadas como refm, as quais merecem,

    sem dvida alguma, ter garantida sua dignidade e respeito.

    Quando se trata de interveno do Estado (fora policial), no se pode

    olvidar da exigncia de base legal e do respeito proporcionalidade na consecuo

    de seus atos administrativos. Imperativos decorrentes do princpio da dignidade da

    pessoa humana na limitao do Poder Pblico, na condio de requisitos

    necessrios para uma atuao repressiva do Estado, principalmente, quando

    ameaar ou ofender direitos e garantias individuais (SARLET, 2004). Da a

    importncia dos princpios da legalidade e da proporcionalidade, tratados a seguir.

    2.2.2.Princpio da legalidade.

    pacfico na doutrina o entendimento de que o princpio da legalidade

    serve de limitador da atuao estatal, significando que toda atividade administrativa

    do Estado deve ser autorizada por lei. Esse princpio, expressamente previsto no art.

    37, caput, da CF/88, considerado por Bandeira de Mello (2005, p. 89) como

    princpio basilar do regime jurdico-administrativo, e especfico do Estado

    Democrtico de Direito. Sua funo: submeter a Administrao Pblica aos ditames

    da ordem normativa.

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    Para o particular, o princpio da legalidade, da forma consubstanciada

    no art. 5, inciso II, da CF/88, ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer

    alguma coisa seno em virtude de lei, uma garantia de proteo contra possveis

    arbitrariedades do Poder Pblico, estabelecendo, assim, que a Administrao

    Pblica no poder impor ou proibir conduta alguma ao particular, salvo se

    determinado ou facultado por lei.

    Nesse sentido, so preciosas as lies de Meirelles:

    Na Administrao Pblica no h liberdade nem vontade pessoal.Enquanto na administrao particular lcito fazer tudo que a lei noprobe, na Administrao Pblica s permitido fazer o que a leiautoriza. A lei para o particular significa pode fazer assim; para o

    administrador pblico significa deve fazer assim (2001, P. 82).Em outras palavras, preleciona no mesmo sentido o constitucionalista

    Cunha Jnior, ao tratar do princpio da legalidade na Administrao Pblica:

    Sabe-se que, no mbito das relaes privadas, vige a idia de quetudo que no est proibido em lei est permitido. Nas relaespblicas, contudo, o princpio da legalidade envolve a idia de que aAdministrao Pblica s pode atuar quando autorizada ou permitidapela lei. A norma deve autorizar o agir e o no agir dos sujeitos daAdministrao Pblica, pois ela integralmente subserviente lei

    (2008, p. 861).O princpio da legalidade tambm assume papel importante no Direito

    Penal brasileiro. Insculpido no inciso XXXIX, do art. 5, da Constituio Federal,

    prescreve que: no h crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prvia

    cominao legal.

    Tal garantia constitucional esclarece que a lei a nica fonte, ou meio,

    para que o Estado possa proibir comportamentos sob ameaa de punio, ou

    mesmo, impor sanes, em caso de violao da norma penal. Dessa forma, esteprincpio atua como limitador do poder punitivo do Estado, exigindo-se para tanto

    reserva legal.

    Feitas tais ponderaes, fica claro que as foras policiais devem, de

    forma imperiosa, se curvar ao princpio da legalidade, tanto no desempenho de suas

    atividades administrativas, como no exerccio da preservao da ordem pblica e da

    incolumidade das pessoas e do patrimnio, principalmente, quando atuarem de

    forma repressiva, pois, estaro auxiliando o Estado em sua pretenso de punir oinfrator (so exemplos, casos de priso em flagrante e de inqurito policial).

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    2.2.3.Princpio da proporcionalidade.

    O princpio da proporcionalidade no Direito Administrativo tem porobjeto o controle e conteno dos atos, decises e condutas dos agentes pblicos,

    de sorte a limitar a ao destes ao que deve ser entendido por adequado e legal.

    Consiste, assim, em exigir do Poder Pblico que sua atuao no ocorra de forma

    abusiva (com excesso de poder ou desvio de poder), mas lastreada na necessidade,

    equilbrio e adequao ao interesse pblico (CARVALHO FILHO, 2006).

    Ainda de acordo com Carvalho Filho, o Poder Pblico age dentro do

    razovel e com proporcionalidade, quando este, ao intervir em atividades sob seucontrole, atua porque a situao reclama realmente a interveno, e esta deve

    processar-se com equilbrio, sem excessos e proporcionalmente ao fim a ser

    atingido (2006, p 30).

    Este entendimento, recepcionado na doutrina ptria, tem origem no

    direito alemo, o qual apresenta como fundamentos do princpio da

    proporcionalidade os seguintes elementos: 1) pertinncia, significando que uma

    interveno do Estado ser pertinente, quando o meio escolhido como ideal forrealmente capaz de atingir o fim colimado; 2) necessidade ou exigibilidade,

    implicando que a medida seja indispensvel para atingir o fim almejado ao

    considerar a indisponibilidade de outro meio menos gravoso, pois caso exista, este

    deve ser adotado; e 3) proporcionalidadestrictosensu, ou seja, na escolha do meio,

    as vantagens devem superar as desvantagens, devendo a escolha recair sobre o

    meio mais adequado e menos desproporcional (BONAVIDES, 2006, p. 396 p.

    398).Outra curiosidade apresentada nas lies do ilustre doutrinador

    Meirelles (2001, p. 86), em que o princpio da proporcionalidade, tambm pode ser

    chamado de princpio da proibio de excesso, o qual implica na obrigao do

    administrador aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar

    restries desnecessrias ou abusivas por parte da Administrao Pblica, com

    leso aos direitos fundamentais.

    Tomando por base as ponderaes ora apresentadas, no restam

    dvidas o quanto prudente a adoo do princpio da proporcionalidade no

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    desempenho das funes dos rgos policiais, principalmente, ao assumirem

    posturas repressivas no controle de ocorrncias delituosas, ou da prpria ordem

    pblica, em face da possibilidade material de restrio de direitos fundamentais.

    Seguindo tal raciocnio, conclui-se que, no uso da fora, a autoridade

    policial dever esgotar inicialmente as medidas menos ofensivas aos direitos e

    garantias fundamentais, utilizando a fora de forma gradativa, progressiva, at que

    se chegue ao uso da arma de fogo, a qual por prudncia deve ser tida como ltima

    medida a ser adotada pelo Estado na conteno de uma ao delituosa, mas que

    no deixa de ser uma alternativa legal, quando baseada na legtima defesa e

    guardada a devida proporcionalidade.

    2.2.4.Princpio do uso adequado e progressivo da fora.

    No mbito da doutrina policial, o princpio da proporcionalidade ganha

    um novo contorno, revestindo-se de aplicao prpria, especfica, gerando um novo

    princpio, decorrente deste, a que se denomina de uso progressivo da fora.8

    As foras policiais, como instituies (seja civil ou militar) responsveis

    pelo provimento da segurana pblica, sem dvida, devem primar pela aplicao da

    lei, mas tambm so obrigadas a intervir repressivamente nos casos em que esta

    seja violada. Trata-se de interveno exigida pela prpria sociedade e pela ordem

    normativa. Como exemplo de exigncia legal para que um policial aja de forma

    repressiva, tem-se o art. 301, do CPP, qualquer do povo poder e as autoridades

    policiais devero prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.

    Norma que impe aos agentes policiais a obrigao de agir frente a situaes de

    flagrante delito, como dever de ofcio, sob pena de responsabilidade criminal e

    administrativa em casos de omisso.

    O policial tem o dever de agir diante de flagrante delito, aplicando a

    fora quando o caso concreto assim exigir. No entanto, no se pode olvidar da

    8 Proposta de princpio desenvolvido a partir do estudo do uso progressivo da fora que, em doutrinapolicial, consiste na seleo adequada, e progressiva, de opes de fora pelo policial em resposta

    aos nveis de resistncia (agresso) perpetrada pelo infrator (ou suspeito) a ser contido. Comoopes de uso da fora disposio da autoridade, tm-se, desde a simples presena policial(ostensividade), em uma interveno, at a utilizao letal da arma de fogo, adotada apenas comoltimo recurso, depois de esgotado outros meios disponveis.

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    necessidade de gradao na atuao repressiva, esgotando inicialmente as

    possibilidades de negociao, persuaso e mediao, nas situaes em que estas

    sejam possveis, pois, s vezes, o policial no ter oportunidade de dialogar com o

    infrator, como exemplo, em casos de resistncia com uso de arma de fogo contra o

    agente policial, o que o levar adoo de postura mais ofensiva para defesa sua e

    de terceiros.

    Nesse diapaso, importante ter a conscincia que o papel da fora

    policial na sociedade assume importncia ainda maior na medida em que se

    reconhece a legitimidade para o uso da fora na soluo de conflitos, devendo sua

    atuao ser submissa ao escalonamento e ponderaes impostas por lei.

    O entendimento de que o uso da fora deve ocorrer de forma

    progressiva, pode ser extrado de alguns diplomas legais incidentes atuao

    policial. O Cdigo de Processo Penal, por exemplo, possui em seu bojo dois

    dispositivos que tratam do uso da fora, in verbis:

    Art. 284. No ser permitido o emprego de fora, salvo aindispensvel no caso de resistncia ou tentativa de fuga do preso.

    Art. 293. Se o executor do mandado verificar, com segurana, que o

    ru entrou ou se encontra em alguma casa, o morador ser intimadoa entreg-lo, vista da ordem de priso. Se no for obedecidoimediatamente, o executor convocar duas testemunhas e, sendodia, entrar a fora na casa, arrombando as portas, se preciso; sendonoite, o executor, depois da intimao ao morador, se no foratendido, far guardar todas as sadas, tornando a casaincomunicvel, e, logo que amanhea, arrombar as portas eefetuar a priso.

    Como visto acima, o uso da fora no regra, deve ser aplicada pelo

    policial quando indispensvel, necessria, ao cumprimento do dever, e na

    graduao adequada e proporcional resistncia encontrada.Como diz Tourinho Filho, a fora haver de ser empregada to

    somente nos limites necessrios para superar a oposio, o animus oppugnandi.

    Leciona ainda que outra hiptese de emprego da fora o caso de fuga do preso, e

    afirma que: se a Polcia vai prender algum e este corre, para tentar impedir a

    priso, pode o executor, inclusive, usar da fora necessria para evitar a fuga,

    disparando-lhe, por exemplo, um tiro na perna (2009, p. 614).

    O Cdigo de Processo Penal Militar outra fonte importante na

    delimitao do significado do uso adequado e proporcional da fora, e, ao disciplinar

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    o emprego desta, trouxe a baila hipteses no previstas na legislao processual

    comum. Seno vejamos:

    Emprego da fora

    Art. 234 - O emprego de fora s permitido quando indispensvel,no caso de desobedincia, resistncia ou tentativa de fuga. Sehouver resistncia da parte de terceiros, podero ser usados osmeios necessrios para venc-la ou para defesa do executor eauxiliares seus, inclusive a priso do ofensor. De tudo se lavrar autosubscrito pelo executor e por duas testemunhas.

    Emprego de algemas

    1 - O emprego de algemas deve ser evitado, desde que no hajaperigo de fuga ou de agresso da parte do preso, e de modo algumser permitido, nos presos a que se refere o art. 242.

    Uso de armas

    2 - O recurso ao uso de armas s se justifica quandoabsolutamente necessrio para vencer a resistncia ou proteger aincolumidade do executor da priso ou a de auxiliar seu. (grifosnosso).

    Depreende-se desses dispositivos que o uso da fora, e aqui se insere

    o emprego letal de arma de fogo, esto devidamente legitimados em nossa ordem

    normativa, mas com a responsabilidade de aplicao apenas em casos extremos,

    em que no haja outra forma de resoluo do conflito.Da o imperativo de estabelecer o uso adequado e proporcional da

    fora como um dos princpios norteadores da atividade policial, adotando as diversas

    formas de interveno com maior critrio e ponderao. Deveras, devem ser

    esgotadas, inicialmente, as medidas menos gravosas aos direitos e garantias

    fundamentais, para s assim, e como ultima ratio, apenas em casos extremos,

    recorrer-se ao uso letal da arma de fogo. o sentido de aplicao do uso adequado

    e progressivo da fora que se prope.

    2.3. ATIVIDADE POLICIAL E PODER DE POLCIA.

    Os rgos de segurana pblica, por comporem a estrutura da

    Administrao Pblica, e pela natureza das misses constitucionais que lhes so

    peculiares, em suas atividades, esto intimamente relacionados aos conceitos de

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    polcia administrativa e de segurana e o de poder de polcia, principalmente no

    desempenho de restrio de direitos individuais.

    E sendo a atividade de polcia um poder monopolizado pelo Estado,

    desta se vale para manter sob sua proteo o interesse pblico em detrimento do

    comportamento individual passvel de limitao.

    2.3.1. Conceito, fundamentos e atributos do poder de polcia.

    Tem-se no art. 78, do Cdigo Tributrio Nacional, o conceito legal de

    poder de polcia:

    Considera-se poder de polcia a atividade da administrao pblicaque, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regulaa prtica de ato ou absteno de fato, em razo de interesse pblicoconcernente segurana, higiene, ordem, aos costumes, disciplina da produo e do mercado, ao exerccio de atividadeseconmicas dependentes de concesso ou autorizao do PoderPblico, tranqilidade pblica ou ao respeito propriedade e aosdireitos individuais ou coletivos.

    Trata-se, assim, de prerrogativa do poder pblico que, calcada na lei,autoriza a Administrao Pblica a restringir o uso e o gozo de liberdade e da

    propriedade em favor do interesse da coletividade (CARVALHO FILHO, 2006, p.

    64).

    J Moreira Neto (2006, p. 395), refere-se ao poder de polcia como

    funo administrativa de polcia, mas, sem destoar da doutrina majoritria, tambm

    reconhece a necessidade de previso legal para que o Estado, atravs dos seus

    agentes, possa restringir ou condicionar o exerccio das liberdades e direitosfundamentais, dos particulares, em prol do interesse pblico.

    Destes conceitos depreendem-se como objetos do poder de polcia os

    bens e direitos individuais, os quais sofrem limites com um nico fim, a proteo do

    interesse coletivo, que obrigatoriamente deve estar previsto em lei.

    E no seriam outros, seno a lei e a prevalncia do interesse pblico

    sobre o particular, os fundamentos para o exerccio do poder de polcia. Pois, no

    considerado regra a interveno estatal que limita direitos e garantias individuais, a

    restrio e condicionamento das liberdades e da propriedade particular exceo, e

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    somente se d mediante reserva legal, assim est previsto no art. 5, inciso II, da

    CF/88.

    Nesse diapaso, Hely L. Meirelles, ao lecionar a respeito da razo e

    fundamento do poder de polcia, ensina que:

    A razodo poder de polcia o interesse social e o seu fundamentoest na supremacia geral que o Estado exerce em seu territriosobre todas as pessoas, bens e atividades, supremacia que serevela nos mandamentos constitucionais e nas normas deordem pblica, que a cada passo opem condicionamentos erestries aos direitos individuais em favor da coletividade,incumbindo ao Poder Pblico o seu policiamento administrativo. (grifonosso). (2001, p. 127)

    Vale ainda ressaltar, dado a dinmica caracterstica ao exerccio dopoder de polcia, que este possui atributos especficos que lhe so peculiares, quais

    sejam: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade.

    A discricionariedade deste poder traduz-se na opo legtima que a

    Administrao Pblica dispe na escolha da oportunidade e convenincia de exercer

    os atos de polcia, o que implica em escolher o momento mais adequado, o meio de

    atuao necessrio, e a sano pertinente ao caso concreto, com fim exclusivo de

    atingir o interesse pblico (MEIRELLES, 2001).

    Nas palavras de Meirelles, com toda razo, discricionariedadeno se

    confunde com arbitrariedade. A discricionariedade uma faculdade na escolha das

    hipteses de condutas previstas em lei, desta no podendo distanciar-se a

    Administrao Pblica, pois, contrariamente, correr o risco de incorrer em

    arbitrariedade, que o agir em excesso ou fora da lei (MEIRELLES, 2001, p. 128).

    Para Carvalho Filho, so formas de abuso, cometido pela

    Administrao Pblica, o excesso ou desvio de poder. Assim, se diz que houve

    excesso, quando o agente atua fora dos limites de sua competncia, e desvio, ao

    afastar-se do interesse pblico, embora atuando dentro da sua competncia (2006,

    p. 37).

    J a autoexecutoriedade, trata-se de prerrogativa que tem a

    Administrao Pblica de praticar e executar seus atos de polcia, por meios

    prprios, sem a necessidade de interveno do Poder Judicirio. Verificada a

    incidncia dos pressupostos legais que autorizam a conduta administrativa, a

    Administrao a executa de forma imediata e integral (CARVALHO FILHO, 2006).

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    Ora, no uso do poder de polcia, a Administrao Pblica no dispe de

    tempo para aprovao prvia de qualquer outro rgo ou Poder, h casos em que o

    interesse pblico visado pelo ato de polcia no pode esperar a burocracia

    administrativa, a atividade ilcita precisa ser obstada imediatamente por questes de

    ordem social e legal, sob pena de responsabilidade por omisso.

    Como ltimo atributo, a coercibilidade. Este traduz o grau de

    imperatividade de que reveste o ato de polcia. Implica na imposio coativa das

    decises e medidas adotadas pela Administrao Pblica, admitindo inclusive o

    emprego da fora nos casos de resistncia do administrado, dentro da legalidade e

    proporcionalidade, postulados norteadores da interveno estatal (MEIRELLES,

    2001).

    2.3.2. Atividade policial como forma de atuao do poder de polcia.

    A funo policial se constitui em espcie de atuao do Estado no

    exerccio do poder de polcia, na medida em que age na limitao de direitos e

    garantias individuais em prol do bem comum, do interesse pblico, fim ltimo

    perseguido pelo poder estatal.

    A princpio, cumpre especificar os tipos de atividade de polcia, que se

    divide em: polcia administrativa e polcia de segurana. Enquanto as atividades

    administrativas dizem respeito s limitaes impostas a bens jurdicos individuais ou

    coletivos, as atividades de segurana referem-se preservao da ordem pblica

    (atravs de policiamento ostensivo) ou, s atividades de polcia judiciria, de

    atuao repressiva (SILVA, 2007, p. 778).

    Di Pietro esclarece que as atividades de polcia administrativa so

    regidas pelas normas de Direito Administrativo, incidindo geralmente sobre bens,

    direitos ou atividades, ao passo que as atividades policiais de segurana so regidas

    pelo Direito Penal e Processual Penal, com incidncia sobre as pessoas (2008, p.

    109).

    Ao lecionar sobre a diferena entre polcia administrativa e judiciria,Bandeira de Mello conclui que:

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    O que efetivamente aparta polcia administrativa de polcia judiciria que a primeira se predispe unicamente a impedir ou paralisaratividades anti-sociais enquanto a segunda se preordena responsabilizao dos violadores da ordem jurdica. (2005, p. 771).

    Ademais, pode-se observar que a polcia administrativa atua por meiode rgos de fiscalizao, ou rgos inerentes Administrao Pblica, ao tempo

    que a polcia judiciria e de segurana atuam atravs de instituies ou corporaes,

    como o caso das polcias civil e militar. Nesse sentido, o entendimento de

    Meirelles: a polcia administrativa inerente e se difunde por toda a Administrao

    Pblica, enquanto as demais so privativas de determinados rgos (Polcias Civis)

    ou corporaes (Polcias Militares) (2001, p. 123).

    Em continuidade a esta distino, o presente trabalho no poderia sefurtar das preciosas lies de Carvalho Filho, ao lembrar que ambas as polcias (seja

    administrativa ou judiciria), em verdade, desenvolvem atividades de natureza

    administrativa, com procedimentos e responsabilidades voltadas ao atendimento do

    interesse pblico. Nas palavras do aludido autor:

    A Polcia Administrativa a atividade da Administrao que seexaure em si mesma, ou seja, inicia e se completa no mbito dafuno administrativa. O mesmo no ocorre com a Polcia Judiciria,

    que, embora seja atividade administrativa, prepara a atuao dafuno jurisdicional penal, o que faz regulada pelo Cdigo deProcesso Penal (arts 4 e seguintes) e executada por rgos desegurana (polcia civil ou militar), ao passo que a PolciaAdministrativa o por rgos administrativos de carter maisfiscalizador. (2006, p. 69).

    Tais consideraes so importantes para os fins deste trabalho, pois,

    assim, pode-se delimitar o que seja polcia de segurana (ostensiva), natureza

    jurdica da Polcia Militar, com atribuio constitucional de preservao da ordem

    pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio, de essncia preventiva(dada sua ostensividade), mas que muitas vezes acaba exercendo atividades de

    cunho repressivo ao se deparar com situaes de flagrante delito, o que leva

    adoo de medidas com vistas restaurao da ordem pblica e aplicao da lei.

    Definida a importncia da fora policial para a existncia do Estado e

    para atendimento do desejo de segurana da sociedade, os princpios jurdicos

    orientadores de sua atividade, e a delimitao do que seja polcia de segurana e o

    poder de polcia que lhe inerente, passa-se, neste momento, apresentao da

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    doutrina policial de gerenciamento de crises e do tiro de comprometimento do sniper,

    necessria anlise jurdica que este trabalho visa realizar.

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    3. DOUTRINA POLICIAL: DO GERENCIAMENTO DE CRISES E DO TIRO DE

    COMPROMETIMENTO DO SNIPER

    A construo da doutrina policial na seara do gerenciamento de crises

    tem por base a literatura policial norte-americana, utilizando-se de conceitos e

    princpios formulados pelo FBI (Federal Bureau of Investigation), que, inclusive,

    serviram como fonte inspiradora para o desenvolvimento dos diversos manuais de

    gerenciamento de crises hoje existentes no Brasil.

    Essa fundamentao terica, desenvolvida nos ltimos dez anos,

    objetivou uma melhor padronizao e evoluo das tcnicas policiais a serem

    adotadas nas intervenes de eventos crticos, com funo relevante no cenrio

    brasileiro, pois, at pouco tempo, no existiam parmetros de comportamento ou

    procedimentos recomendados para gerenciamento de ocorrncias de alto risco.

    Muitas ocorrncias com refns eram resolvidas na base do improviso, o

    que no mais se admite na atualidade. Da a importncia de profissionais de

    segurana pblica desenvolverem estudos nessa rea de conhecimento, visando

    proporcionar um uso mais adequado e legal das tcnicas policiais a partir da anlise

    de suas implicaes jurdicas, como prope o presente trabalho.

    Contudo, para se chegar anlise jurdica proposta tematicamente

    preciso apenas uma breve apresentao dos conceitos bsicos e fundamentos

    tcnicos que envolvem o tema do gerenciamento de crises e do tiro de

    comprometimento, tratados a seguir.

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    3.1. DO GERENCIAMENTO DE CRISES: DEFINIES, CARACTERSTICAS E

    ELEMENTOS OPERACIONAIS.

    3.1.1. Crise ou evento crtico e suas caractersticas.

    A Academia Nacional do FBI define crise como um evento ou situao

    crucial, que exige uma resposta especial da Polcia, a fim de assegurar uma soluo

    aceitvel.

    Merece destaque a expresso da polcia na definio acima, pois

    demonstra ser a Polcia o rgo responsvel para gerenciar e solucionar as

    situaes de crise, no sendo recomendado a utilizao de pessoas estranhas ao

    quadro policial do Poder Pblico no desempenho de tais funes.

    Segundo Wanderley M. de Souza (1995, p. 20), especialista e

    estudioso das tcnicas de gerenciamento de crises, inconcebvel o envolvimento

    de religiosos, psiclogos, elementos da mdia, advogados e outros como

    negociadores ou responsveis pela conduo e resoluo de crises, devido ao risco

    e imprevisibilidade decorrentes de tal interveno.

    O ilustre oficial da Polcia Militar de So Paulo, sintetiza como

    caractersticas especficas de uma crise: a imprevisibilidade; a compresso de

    tempo (urgncia); a ameaa de vida; e a necessidade de uma postura

    organizacional no rotineira, de planejamento analtico especial e consideraes

    legais especiais. (1995, p. 21).

    Dessa forma, cuida-se a crise de um evento de natureza crucial quedemanda um esforo especializado para sua correta soluo, exigindo da Polcia

    (Estado) adoo de medidas no rotineiras, face s peculiaridades e elevado risco

    de vida que envolve a ocorrncia.

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    3.1.2. Gerenciamento de crises: conceito e objetivos.

    Wanderley M. de Souza (1995, p. 23), mais uma vez, faz referncia aconceito proposto pela Academia Nacional do FBI, a qual adota a seguinte definio

    acerca do gerenciamento de crises: Gerenciamento de Crise o processo de

    identificar, obter e aplicar os recursos necessrios antecipao, preveno e

    resoluo de uma crise.

    Nas palavras de Marcelo Veigantes (2008, p. 38), o correto

    gerenciamento da crise que vai definir, na maior parte das vezes, o sucesso da

    operao. Nesta oportunidade, o autor acrescenta a importncia das instituiespoliciais proverem o estudo do gerenciamento de crises como disciplina obrigatria

    nos cursos de formao e especializao.

    Em fim, trata-se de uma cincia que deve lidar, geralmente sob parco

    tempo, com problemas de ordem pblica da maior complexidade, em momentos

    arriscados de sua evoluo, tendo sempre por meta, e como objetivos fundamentais,

    a preservao de vidase aplicao da lei.

    Esses dois objetivos esto dispostos numa ordem valorativa, em que o

    comando preservar vidas deve ser colocado, para os profissionais imbudos no

    processo de gerenciamento de evento crtico, acima da prpria aplicao da lei (DE

    SOUZA, 1995).

    A fuga negociada9 pode ser considerada exemplo prtico dessa

    hierarquia, vez que a aplicao da lei (dever de realizar a priso, ou a prpria

    persecuo penal) pode ser retardada, ao passo que a perda da vida de um refm

    irreversvel.

    3.1.3. Teatro de Operaes.

    O teatro de operaes, tambm denominado cena de ao ou

    permetro do local de crise, corresponde rea circundante do ponto crtico, e

    9 Hiptese em que se permite a fuga dos causadores da crise condicionada liberao das pessoasmantidas como refm. Tipo de soluo empregada em crise ocorrida nesta cidade de Feira deSantana, no caso Leonardo Pareja.

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    abrange um espao que deve ser isolado no intuito de se estabelecer o gabinete de

    gesto e gerenciamento, de onde sero deliberadas as aes policiais a serem

    adotadas.

    Na organizao da cena de ao de grande importncia a

    delimitao dos permetros de segurana, estabelecendo total isolamento e controle

    da rea de situao pela polcia, rgo que passa a ser o nico veculo de

    comunicao entre os protagonistas do evento e o mundo exterior, com acesso

    limitado s pessoas e autoridades envolvidas na soluo da crise, todos sob a

    coordenao do Comandante do Teatro de Operaes.

    3.1.4. Comandante do Teatro de Operaes.

    Trata-se da autoridade executiva, elemento operacional, que comanda

    e coordena todas as aes policiais no local do evento crtico. O teatro de operaes

    fica sob a sua responsabilidade. Assim, qualquer ao desenvolvida no mbito do

    teatro de operaes depender da anuncia expressa desse policial, que passa a

    ser a mais alta autoridade na rea em torno do ponto crtico (DE SOUZA, 1995, p.

    53).

    Existe a possibilidade do comandante da cena de ao, durante o

    processo, ser substitudo por outra autoridade policial10, por determinao ou poltica

    do escalo superior, contudo, vlido esclarecer que independente de quem venha

    assumir a dita funo, este dever ser respeitado e deter o poder de deciso no

    local da crise. Postulado que, nas lies Wanderley M. de Souza, tem como objetivo

    bvio trazer coeso e definio de autoridade no gerenciamento da crise, evitando-

    se a disperso de comando e a nefasta ocorrncia de cadeias de comando

    paralelas (1995, p. 54).

    Sendo o comandante do teatro de operaes a mais alta autoridade, e

    com poder hierrquico e funcional sobre todos os policiais envolvidos no processo

    de gerenciamento de crise, este que detm o poder decisrio para autorizar, ao

    10 Expresso utilizada em sentido lato, vez que o Comandante do Teatro de Operaes, em geral,ser um Oficial da Polcia Militar, e no um Delegado de Polcia autoridade policial stricto sensu.

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    atirador de preciso (sniper), a realizao do tiro de comprometimento a fim de

    neutralizar o perpetrador da crise ou tomador de refns.

    Malgrado este entendimento, no se pode olvidar da influncia que

    agentes polticos do Poder Executivo, ou mesmo do Legislativo, exercem na tomada

    de deciso por parte do comandante do permetro do local de crise, principalmente

    quando esta envolve pessoas da alta sociedade. Mas como este trabalho se

    restringe anlise jurdica do disparo de comprometimento, no pertinente que se

    aprofunde tal discusso.

    3.1.5. Negociador.

    o elemento operacional responsvel pelo processo de negociao

    estabelecido com o causador da crise. O papel fundamental do negociador, segundo

    Wanderley M. de Souza (1995, p. 56 e 57) o de servir de intermedirio entre os

    causadores do evento crtico e o comandante da cena de ao.

    O negociador, como intermedirio, no processo dialtico entre os

    protagonistas do gerenciamento de crises, serve de catalisador entre as exigncias

    dos causadores do evento crtico (tese) e a postura das autoridades (anttese), na

    busca de uma soluo aceitvel (sntese). Este personagem no possui poder de

    deciso, entretanto, assume importante funo de assessoramento do comandante

    do teatro de operaes, o auxiliando na tomada de decises (DE SOUZA, 1995).

    A tarefa de negociao, dada a sua primazia, no pode ser confiada a

    qualquer um. Dela ficar encarregado um policial especializado, com treinamentoespecfico, devendo ser uma pessoa criativa e tica, de dilogo fcil, e que assuma

    esta funo de forma voluntria.

    A negociao, em si, quase tudo no gerenciamento de crises.

    Costuma-se dizer que gerenciar uma crise negociar, negociar e negociar, e

    quando se esgotarem as possibilidades de negociao, tentar realiz-la mais uma

    vez (DE SOUZA, 1995, p. 55).

    Esta a poltica de ao policial adotada majoritariamente, no entanto,sabe-se que em alguns casos, uma vez esgotada as alternativas no letais de

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    soluo da crise, necessrio ser o emprego de fora letal como medida extrema, e

    esta dever ser empregada dentro da legalidade e proporcionalidade exigidas por

    lei. Da a relevncia do presente estudo. Pois, h casos em que retardar

    demasiadamente o uso de fora letal contra o infrator, poder ser fatal para a vtima.

    3.1.6. Grupo ttico.

    Alm do comandante da cena de ao e do negociador, existe um

    outro elemento operacional essencial para o gerenciamento de uma crise,

    denominado de grupo ttico ou time ttico, equivalente SWAT (Special Wapons

    and Tactics) da polcia americana.

    O grupo ttico, segundo o Manual de Aes Tticas da PMBA,

    composto basicamente por dois subgrupos: os franco-atiradores (Snipers), tambm

    chamados de atiradores de elite, e os atacantes (assalters), ou clula de assalto, a

    quem cabe a misso de invaso adentramento do ponto crtico e resgate dos

    refns (MAGALHES, 2003).

    O grupo comandado por um policial denominado chefe ou

    comandante do grupo ttico, o qual no deve ser confundido com o comandante do

    teatro de operaes, anteriormente tratado.

    Wanderley M. de Souza, com base na doutrina americana (SWAT), traz

    em sua obra, como fundamentos doutrinrios de um grupo ttico: (1) ser composto

    por uma frao pequena de policiais (5 a 10), fundada na hierarquia, na disciplina e

    na lealdade; (2) em que o recrutamento do efetivo feito na base do voluntariado,sendo a escolha pautada na conduta, coragem, experincia e especializao do

    policial candidato em situaes de crise; (3) seus componentes devem ser

    submetidos a treinamentos constantes e to assemelhados quanto possvel

    realidade, trabalhando em regime de dedicao exclusiva; (4) e que todos assumam

    o compromisso de matar(1995, p. 76 e 77).

    Purificao (apudVEIGANTES, 2008, p. 42), ao lecionar sobre grupo

    ttico, tambm faz referncia a este ltimo princpio, e assevera que um dos

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    fundamentos doutrinrios destes grupos o compromisso de matar, assumido por

    todos os seus integrantes.

    No entanto, este compromisso proposto pela doutrina norte americana

    e, inicialmente, reproduzido no Brasil, j foi e continua sendo alvo de severas crticas

    nas discusses que tratam a respeito do gerenciamento de crises. Pois, primeira

    vista, uma contradio clara: como pode ser admitido como fundamento de um

    grupo ttico, o compromisso de matar, se a preservao da vidae aplicao da lei

    so objetivos consagrados no gerenciamento de crises?

    Nesse diapaso, considerando o ordenamento jurdico ptrio, e com

    base nos princpios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, da

    proporcionalidade, e do uso adequado e progressivo da fora, inicialmente

    defendidos nesta pesquisa como orientadores da atividade policial, fcil a

    concluso de que fundamento dessa natureza no possui nenhum respaldo legal,

    configurando-se numa verdadeira aberrao da doutrina policial.

    O agente policial em operaes de alto risco, numa crise com refns,

    por exemplo, seja ele de grupo ttico ou no, deve respeito inconteste aos

    mandamentos constitucionais. O compromisso ou dever de matar, que pode sertratado, analogicamente, como dever de aplicao de pena de morte,

    particularmente, conduz o policial condio de carrasco, figura inexistente no

    direito penal ptrio.

    Destarte, a doutrina policial ao recepcionar tal princpio em seus

    manuais, demonstra desconhecimento e grande atraso frente aos direitos e

    garantias fundamentais consagrados constitucionalmente. notrio que a pena de

    morte no Brasil somente encontra suporte jurdico em tempo de guerra,oportunidade em que poder o militar infrator ser condenado a uma pena de morte,

    conforme previso do Cdigo Penal Militar agindo o executor em estrito

    cumprimento de dever legal.

    Os rgos policiais, taxativamente discriminados na Constituio ptria,

    possuem como Estado o dever de prestar uma segurana pblica eficaz com vistas

    preservao da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimnio, no sendo

    da melhor tcnica ou doutrina atribuir aos seus agentes o compromisso de matar,mesmo em situaes de alto risco.

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    Mais sensato seria lecionar que o policial (ou sniper) tem, na verdade,

    o dever de protegere defender a pessoa vtima de uma agresso humana injusta,

    atual ou iminente, conduta qualificada como legtima defesa de terceiros na

    legislao penal, no o compromisso de matar.

    3.2. DO TIRO DE COMPROMETIMENTO DO SNIPER.

    O Manual Bsico de Aes Tticas da PMBA (MAGALHES, 2003, p.

    13), assim como outros, prev como alternativas tticas a serem empregadas na

    soluo de uma crise: a negociao, o uso de tcnicas no letais, o tiro de

    comprometimentorealizado pelo atirador de preciso e a invaso ttica ou assalto

    por clula policial.

    Segundo Digenes V. D. Lucca (2002, p. 98), dentre as alternativas

    apresentadas, o tiro de comprometimento e a invaso por clula ttica, no processo

    de gerenciamento, so alternativas tticas de fundamental importncia para

    resoluo de crises envolvendo refns localizados. No entanto, sintetiza que a

    aplicao do tiro de preciso ou a invaso necessitam de uma avaliao minuciosa

    de todo o contexto da crise, devendo ser esgotado inicialmente as tcnicas no

    letais disponveis ao aparato policial. Isto, numa perspectiva de adequao e uso

    proporcional da fora.

    Embora a realizao do tiro de comprometimento parea uma atuao

    simples, em fim, s enquadrar o alvo e atirar, podendo ser realizado distncia

    sem necessidade de se expor, na realidade, bastante difcil e complexa sua

    execuo, principalmente quando existe mais de um seqestrador e a possibilidade

    de se atingir tambm o refm. Por isso, o atirador de elite costuma ser uma figura

    criticada em muitos eventos crticos, mesmo quando deixa de atuar concretamente.

    Por fim, a realizao desse disparo corresponde a uma alternativa que,

    quando adotada, deve ser infalvel, dado a imensa responsabilidade em hipteses

    de erro. So vidas que esto em risco, devendo ser um disparo comprometidocom o

    acerto e preciso. Da a denominao: tiro de comprometimento.

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    3.2.1. Do Sniper.

    Digenes V. D. Lucca, em sua pesquisa, revela que a origem dapalavra sniperse deu por um fato curioso:

    No perodo entre as duas grandes guerras mundiais, os americanosfaziam seus treinamentos militares em grandes campos abertos e, aorealizarem o tiro, notavam o vo rpido e irregular de uma pequenaave chamada sniper, que fugia espantada. Esse pequeno pssaroera um grande freqentador de linhas de tiro, devido ao seu alimentopreferido, uma planta gramnea, ser freqente naqueles lugares.Assim, muitos atiradores preferiam acertar o tiro no pssaro emmovimento, da surgiu o apelido sniper, ou seja, aquele que se

    dedica ao pssaro sniper. (2002, p. 100).Quanto ao conceito, nas lies de Marcelo Veigantes, sniper o

    policial que busca a melhor posio de viso e tiro, de tal maneira que, utilizando

    equipamentos pticos de aproximao, como lunetas e binculos, pode ver sem ser

    visto, servindo de elemento surpresa e como grande fonte de informaes para o

    Comandante do Teatro de Operaes, dado o equipamento ptico que dispe.

    (2008, p. 43).

    Ser um atirador de preciso vai alm da condio de ter equipamentosde ltima gerao (arma e luneta de pontaria), para realizar um disparo perfeito.

    Trata-se de uma funo de grande responsabilidade institucional, podendo ser alvo

    de severas crticas, em caso de erro, ou de fascnio social, quando a ao

    acertada. (LUCCA, 2002, p. 98)

    Uma distino digna de registro entre sniper militar e policial.

    Enquanto o primeiro desempenha sua funo em tempo de guerra imbudo do

    compromisso de matar, como regra, agindo com objetivo de causar baixa na tropainimiga, o sniper policial, diferentemente, empregado como alternativa ttica

    extrema num gerenciamento de evento crtico, com funes pautadas na

    possibilidade de garantir a proteo e defender vtimas de aes delituosas, e com

    ofcio de contribuir para a restaurao da ordem pblica.

    Dessa forma, o snipercorresponde ao policial a quem cabe a funo

    de atirador de preciso dentro do grupo ttico (ou grupo de operaes especiais),

    responsvel pela execuo do tiro de comprometimento, quando adotado comosoluo mais adequada para a crise.

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    Tambm de sua responsabilidade, o papel subsidirio de observao

    e colheita de informaes a respeito do ponto crtico (tais como, nmero de refns,

    de seqestradores, de armas, etc.) atravs dos equipamentos pticos que dispe,

    auxiliando assim o comandante do teatro de operaes com informaes precisas

    acerca de circunstncias que envolvem a crise. Funo muito mais comum que a

    prpria execuo do tiro de comprometimento.

    Outro ponto digno de registro quanto ao momento de execuo

    propriamente dita do tiro de comprometimento. Ficou esclarecido que o

    comandante do teatro de operaes a autoridade policial competente para autorizar

    e determinar a realizao do disparo, no entanto, uma vez autorizado, ser o

    atirador que possui o domnio do momento em que o tiro ser executado, dado as

    questes tcnicas inerentes sua realizao. Nesse diapaso, pode-se concluir que

    ambos, comandante e atirador possuem responsabilidades quanto realizao do

    tiro. Assunto que ser mais detalhado a frente, ao tratarmos da obedincia

    hierrquica e da responsabilidade penal no concurso dos atores envolvidos na

    execuo do tiro de comprometimento.

    Enfim, uma vez adotado como alternativa ttica de soluo de uma

    crise, sua execuo enseja o estudo de alguns aspectos jurdicos atinentes ao

    Direito Penal brasileiro, o que se passa a analisar no captulo seguinte.

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    4. DOS ASPECTOS PENAIS QUE ENVOLVEM O TIRO DE COMPROMETIMENTO

    Para discusso e enquadramento das hipteses de resultado da

    utilizao do tiro de comprometimento, necessrio se faz verificar os aspectos

    penais relevantes ao estudo desta medida, bem como a existncia ou no de

    respaldo legal e suas implicaes na legislao penal brasileira.

    Enfim, como o disparo tende a ser fatal, ocorrendo em tese o crime de

    homicdio, importante, para fins de evoluo da doutrina policial de gerenciamento

    de crises e desenvolvimento do tema proposto: delimitar as circunstncias que

    excluem a antijuridicidade da conduta; a quem se deve atribuir a responsabilidade

    penal pela execuo do disparo, dentre os protagonistas da cena de ao; e como

    incidir o instituto do erro na execuono caso concreto. Basicamente, objetivos a

    serem alcanados neste captulo aps analisarmos o conceito de crime.

    4.1. DO CONCEITO DE CRIME

    O conceito de crime ponto inicial para discusso das circunstncias

    que envolvem o tiro de comprometimento. Tem-se nas lies de Cludio Brando,

    que o Direito Penal, busca investigar o crime luz das normas, do dever-ser,

    utilizando para tanto o mtodo normativo. Assevera ainda que, como a norma uma

    unidade dialtica entre preceito e contedo, ela traduz-se numa frmula que

    expressa uma conduta (por exemplo, art. 121, do CP, Matar algum: Pena

    recluso, de seis a vinte anos), chamada de preceito, e, em seguida, prever uma

    sano. Quanto ao contedoda norma penal, este representado pelo bem jurdico

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    por ela tutelado com a norma proibitiva, no exemplo do homicdio: a preservao da

    vida. (BRANDO, 2007, p. 05 e 06)

    Considerado o contedo normativo como o bem jurdico tutelado pela

    norma penal, importante que se traga a definio do que seja bem jurdico. Ainda

    nas palavras de Cludio Brando (2007, p. 10), bem jurdicodeve ser definido como

    o valor tutelado pela norma penal, funcionando como um pressuposto

    imprescindvel para a existncia da sociedade. O autor conclui que, sendo o bem

    protegido a justificativa para as regras punitivas do Direito Penal, o crime pode ser

    definido, materialmente, como violao ou exposio a perigo do bem jurdico

    tutelado.

    Porm, na anlise jurdica almejada, tambm digno de registro, o

    conceito formal de crime, a partir do entendimento dos elementos que o compe:

    tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. Este conceito ficou a cargo da doutrina,

    vez que o legislador conceituou crimede sorte a relacion-lo to somente s penas

    cominadas (recluso e deteno), in verbis:

    considera-se crime a infrao penal que a lei comina pena derecluso ou de deteno, quer isoladamente, quer alternativa ou

    cumulativamente com a pena de multa. (art. 1, primeira parte).Considerando o conceito formal de crime tutelado pela doutrina, tem-se

    como primeiro elemento constitutivo a tipicidade, decorrente do Princpio da Reserva

    Legal ou da Legalidade (nullum crimen nulla poena sine lege), que se traduz numa

    relao de adequao entre a conduta humana e a norma penal incriminadora. A

    conduta uma vez tipificada entendida como contrria ao direito, antijurdica.

    (BITENCOURT, 2003)

    Ocorre que podem existir aes tpicas que, malgrado a adequaocom a norma penal, no se configuram crimes, no so antijurdicas. Isto decorre da

    previso de causas que justificam a conduta tpica, ou seja, excluem a

    antijuridicidade. Da, o segundo elemento do crime: a antijuridicidade. (CLUDIO

    BRANDO, 2007)

    Nas palavras de Rogrio Greco, a antijuridicidade corresponde

    relao de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o

    ordenamento jurdico (ilicitude formal) que cause leso, ou exponha a perigo deleso, um bem juridicamente protegido (ilicitude material). (2008, p. 99)

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    J para Cludio Brando, a antijuridicidade um juzo de valor

    negativo ou desvalor que qualifica o fato como contrrio ao Direito. Segundo o

    autor, um juzo de valor sobre a ao humana, que tambm feito ao analisar se

    um fato tpico ou no. (2007, p. 11)

    Do exposto, deduz-se que, para ser considerada crime, a conduta

    humana precisa ser tpica e antijurdica (teoria bipartid