psicologia existencial - rollo may

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ROLLO MAY ABRAHAM MASLOW, HERMAN FEIFEL, CARL ROGERS, GORDON ALLPORT EDITORA GLOBO . ... . . . . . . . . . . . . . . . .

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Abraham Maslow, Herman Feifel, Carl Rogers, Gordon Allport"A Psicologia Existencial" - diz Rollo May - "não é uma escola especial - isto é importante. O Existencialismo é uma atitude, uma abordagem dos seres humanos, não uma escola ou um grupo especial". Também não é um sistema de terapia, embora lhe dê subsídios relevantes. Não é um conjunto de técnicas, embora possa dar-lhes origem. É antes uma preocupação em compreender a estrutura do ser humano, e sua experiência, à qual deve, em maior ou menor grau, estar subordinada toda a técnica.

TRANSCRIPT

  • ROLLO MAY ABRAHAM MASLOW, HERMAN FEIFEL, CARL ROGERS, GORDON ALLPORT

    EDITORA GLOBO

    .... .

    . . . . . . . . . . . . . . .

  • ROLLO MAY ABRAHAM MASl.OW, HERMAN FBFEL. CARL ROGEAS, GORDON ALLPOAT

    "A Psicologia Existencial" - diz Rollo May -"no uma escola especial - isto importante. O Existencialismo uma atitude, uma abordagem dos seres humanos, no uma escola ou um grupo espe-cial". Tambm no um sistema de terapia, em-bora lhe d subsdios relevantes. No um conjun-to de tcnicas, embora possa dar-lhes origem. antes uma preocupao em compreender a estru-tura do ser humano, e sua experincia, qual deve, em maior ou menor grau, estar subordinada toda a tcnica.

    EDITORA GLOBO

  • PSICOLOGIA EXISTENCIAL

    Rollo May, um dos maiores psica-nalistas da atualidade. nos oferece na presente obra. atravs de artigos seus e dos conhecidos autores Abraham Maslow, Herman Feifel, Carl Rogers e Gordon Allport , um estudo de extrema relevncia sobre a Psicolog ia Existen-cial.

    ~ sal ientada por todos a contribui-o que a Filosofia da Existncia trou-xe para o surg imento de uma nova ati-tude no relacionamento teraputico. no s encarando o indivduo em termos de comportamento, mas tambm levanpo em conta sua experincia interior.

    No art igo " A Emergncia da Psi-cologia Exis encial" Rollo May, enfa-tizando o auxilio prestado ao terapeuta pela fenomenologia, insiste na necessi-dade de se estar aberto e atento s contribuies que as experincias hu-manas podem dar para uma reflexo so-bre os mtodos atualmente adotados na terapia. Discorre ainda sobre a im-portncia de se encontrar uma forma de psicologia central izada na relao conduta-experincia, sem excluir nem uma nem outra.

    Em " Psicolog ia Existencial - O Que H Nela Para Ns?" Maslow faz referncia s contribuies que os exis-tencialistas trouxeram Psicolog ia, em especial terapia . O artigo de Feite:I . "Morte - Varivel Relevante em Psi-cologia", anal isa as diversas atitudes do homem em relao morte, con-clu indo pela indispensabilidade de um

  • estudo mais profundo sobre o signifi-cado da mor1e, enquanto fato social e psicolgico. Rogers, no seu artigo " Duas Ten:lncias Divergentes", exa-mina a teoria geral da psicoterapia ba-seada na teoria da aprend izagem e tambm o ponto de vista existencial na Psicolog ia e na psicoterapia, chegando concluso de que " o encontro en-tre duas pessoas mais eficaz do que qualquer outra tcnica oriunda da teo-ri a da aprend izagem ou condicionamen-to humano".

    A parte final do livro contm co-mentrios de Allport sobre os assuntos tratados nos artigos anteriores e uma bibl iografia se lecionada de Psicolog ia Existenc ial e Fenomenolg ica, em que Joseph Lyons cita 218 livros e art igos de revistas relacionados com o tema.

    Pelo riovo enfoque dado ao exis-tencialismo dentro da Psicologia, esta uma obra de muita ut il idade para todos os que estudam a natureza hu-mana, tanto alunos de Psicologia e Educao como terapeutas , analistas e educadores em geral. A autoridade dos colaboradores, o interesse da matria e a farta bibl iografia so indcios se-guros de que Psicologia Existencial se constitui num trabalho srio e muito oportuno, merecedor de atento exame por parte dos leitores especial izados.

    Capa Jussara Gruber

    ISBN 85-250-0114-7

  • PSICOLOGIA EXISTENCIAL

  • CIP - Brasil. Catalogao-na-Fonte Cmara Brasileira do Li',(ro, SP

    May, Rollo. M42p Psicologia existencial I edio organizada por Rollo

    73-1025

    May; traduo e ensaio introdutrio de Ernani Pereira Xavier. -4. ed. - Rio de Janeiro : Globo, 1986.

    ISBN 85-250-0114-7

    Bibliografia

    1. Psicologia existencial

    CDD-150.192

    Ildices para o catlogo sistemtico: 1. Escolas existenciais : Psicologia 150.192 2. Psicologia existencial 150.192 3. Sistemas especulativos: Psicologia 150.192

  • Edio organizada por ROLLO MAY do Instituto William Alanson White de Psicanlise, Psiquiatria e Psicologia

    Traduo e Ensaio Introdutrio de ERNANI PEREIRA XAVIER

    4. Edio

    EDITORA GLOBO Porto Alegre Rio de Janeiro

  • T ftulo do original norte-americano E xistential psychology

    Copyright 1960 by The American Orthopsychiatric Assn., lnc. Copyri~t 1961 , 1969 by Random House, lnc.

    Nenhuma parte desta edio pode ser utilizada ou reproduzida - em qualquer meio ou forma, seja mecnico ou eletrnico, fotocpia, grava-o, etc. - nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados ou processos similares, sem a autorizao da editora.

    Direitos exclusivos desta edio em 1 ngua portuguesa EDITORA GLOBO S.A. Rua Sargento Slvio Hollenbach, 350 - Barros Filho Telefone (021) 372-5959 - Telex (021) 32844 CEP 21530 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

  • "Para cada pensador, a suprema autoridade deve ser sua prpria viso, atravs de seu prprio encontro com a realidade operante nos fatos - e a( que deve encontr-la!"

    William Ernest Hocking

    no ideal da cincia continua sendo o que era ao tem-po de Laplace: substituir todo o saber humano por um co-nhecimento completo dos tomos em movimento. ( . . . ) Este o mago da questo. a origem de todo o obscuran-tismo cientfico sob o qual estamos sofrendo hoje em dia. por isso que corrompemos o conceito do homem, redu-zindo-o a um autmato insenslvel, o.u a um feixe de apeti-tes. por isso que a cincia nos nega a possibilidade de reconhecermos a responsabilidade pessoal. por isso que a cincia pode ser invocada como suporte da violncia to-talitria. por isso que a cincia se tornou, como j disse

    - -antes, a maior fonte d sofismas peri osos de nossos dias. r.-:. ' - --

    "A questo : podemos nos livrar de todos estes ter-rveis absurdos sem nos desfazermos da orientao ben-fica que a cincia ainda nos oferece em outros aspectos? Penso que extremamente diffcil. { . . . ) Mas no ser sem-pre assim. Tempo vir em que esses esforos dispersos se combinaro em um movimento coerente de pensamento e ento o progresso se far rapidamente. ( . . . )"

    Michael Polanyi

  • SUMARIO

    11

    111

    IV

    V

    VI

    Rollo May: A Psicologia da Condio Humana Prefcio . segunda edio Prefcio primeira ed io

    O Surgimento da Psicologia Existencial ROLLO MAY

    Psicologia Existencial - O que h nela para ns? ABRAHAM H. MASLOW

    Morte - Varivel Relevante em Psicologia HERMAN FEIFEL

    Fundamentos Existenciais da Psicoterapia ROLLO MAY

    Duas Tendncias Divergentes CARL R. ROGERS

    Comentrios Sobre Captulos Anteriores GORDON W. ALLPORT

    Psicologia Fenomenolgica e Existencial: Bibliografia Escolhida JOSEPH L YONS

    XI xxv

    XXVll

    1

    57

    67

    83

    97

    107

    113

  • ROLLO MAV: A PSICOLOGIA DA CONDIO HUMANA

    Ernani Pereira Xavier

  • Teorias sobre a ansiedade humana s podem ser en-tendidas na medida em que cada uma delas pretende eluci-dar experincias do homem que viveu nessa fase particular do desenvolvimento da cultura. Pensadores cujas formula-es se tornaram importantes para o seu sculo e para os subseqentes so os que obtiveram xito, penetrando e articulando o significado e a direo dominantes do desen-volvimento do seu contexto cultural: Espinosa, no sculo XVII; Kierkegaard, no sculo XIX; Freud, no sculo XX, intercalados por nomes no menos ilustres, desde os Fil-sofos Ren.ascentistas, os Reformadores da Idade Mdia, at mais recentes celebridades como Giordano Bruno (queima-do pela "sagrada" Inquisio), Jacob Boheme, Paracelso, Descartes, Locke, Galileu, Newton e outros. Todos eles nos legaram pores muito valiosas de experincias peculiares de seu tempo. O prprio Freud poderia no ter contribu-do to validamente para nossa compreenso unitria do homem, no fosse ele motivado por seus antecessores com-parti menta listas do sculo XIX.

    Publicado originalmente no Correio do Povo, de Porto Alegre, em 7 de junho de 1975.

  • XIV

    Um gnio destacou-se no final do sculo passado, con-tudo, ao qual no se pode negar o ttulo, bem merecido, de um dos grandes psiclogos de todos os tempos. Seu ops-culo, Conceito da Angstia, 1844, mostra com veemncia a tentativa de superao da dicotomia raz~o-emoo, voltan-

    ........_ ----- --do as atenes para a realidade, a experinc1 imediata que est subjacente na subjetividade e na objetividade. Atacan-do especificamente o problema da ansiedade, Kierkegaard depara-se com um outro conceito profundamente contro-vertido, a liberdade humana, elemento essencial para a compreenso da experincia individual. Sustentou que a prpria liberdade envolve sempre uma ansiedade poten-cial, que ser proporcionalmente maior quanto mais pos-sibilidades criadoras tiver o homem. O homem ento ansioso por natureza, segundo Kierkegaard, colocando da seguinte maneira: "Eu di ria que ap~ender a conhecer a an-siedade uma aventura que todo e qualquer homem tem de enfrentar, ~e no quiser granjear sua perdio, por no ter conhecido a ansiedade ou por afundar sob ela. Portan-

    ~:u a~u~:isq~~;~~ann~:u :~~~!:a5s~' . 2~~:[:;~ \ a nossa melhor amiga" , afirma noutra oportunidade. Eis ( a mais profunda das maneiras de compreender a psicologia da condio humana.

    Outros intelectuais escreveram com profundo discer-nimento sobre a natureza humana, colocando luzes muito claras para o seu entendimento. "Eu sou a minha escolha", pronunciada de diversas maneiras por Sartre, reflete o dilema humano do homem moderno, angustiado face sua li berdade para saber que ele um ser determinado parado-xalmente. Sem dvida foi Sartre quem nos legou o enun-ciado mais extremo do Existencialismo moderno. Sartre, colocando a esco de ser do indivdu_p como princpio central da psicanlise, refuta tanto a libido de Freud, como a vontade do poder de Adler. da que a meta da psica-

  • XV .

    nlise existencial redescobrir o modo ori inal em ue cada homem esco ~o Su ser. E neste contexto que a psicoterapia deixa de serum tratamento, em sua acepo limitada, para ser um encontro essoa com sua r ria existncia.

    Com Gabriel Marcel, o existencialismo c~ntinua for-necendo bases ontolgicas Psicologia, psicanlise e a psicoterapia. Ele afirma que a fuga conscientizao de seu prprio ser do homem moderno ocidental carac eriza-se por uma ~ser e no por uma represso dos instintos.

    Rol/o May, um dos mais eminentes psicanalistas ame-ricanos contemporneos, levou muito a srio as lies de Adler, com quem estudou em Viena, mas se definiu, em-bora com certo ecletismo, na senda da psicanlise existen-cial, falando com voz alta sobre um novo humanismo na psicologia ocidental. Lidera, com admirvel segurana, nomes de projeo no meio psicanaltico americano, como Carl Rogers, Binswanger, Paul Tillich, Herman Feife/ e outros, no sendo menos importante Abraham Maslow, recentemente falecido.

    A tese central de Rollo May, no seu livro Psicologia e Dilema Humano, (um dentre seus 1 O livros j editados, dos quais 4 j traduzidos para a lngua portuguesa) de que o dilema decorre de uma capacidade singular no homem de ter conscincia simultnea de si como su"eit orno obeto. 110 processo de oscilao confere-me poten-

    cial idade - eu posso escolher entre uma coisa e outra, posso jogar todo o me peso de um lado ou de outro." E mais adiante: "A minha liberdade, em qualquer acepo genuna, no reside na minha capacidade de viver como 'sujeito puro' mas antes na minha capacidade de experi-mentar ambos os modos, de viver no relacionamento

  • XVI

    dialtico". "E podemos" - diz o Dr. May - "at dar aquele surpreendente passo final da conscincia, de um sujeito que sabe tambm ser um objeto: prever, no tempo futuro, nossa prpria morte - isto , 'Eu sei que em algum momento futuro deixarei de ser'".

    O dilema humano que foi expresso de muitas manei-ras por filsofos, artistas, telogos e at bilogos e cientis-tas de outras reas ilustrado pelo Dr. May em seus livros, sendo Goethe, Albert Camus e Kafka suas fontes mais caras.

    Contrariando o ponto de vista de Freud, afirma que o homem, embora psico gica e biologicamente determina-do, no ~prisioneiro do seu Rassado. A vida ser ento bem mais do que uma simpleS;;;tena ditada pelo passa-do, seja ele cultural ou biolgico. Embora no se considere adleriano, "luta pela perfeio", "esforo de socializao'' da psicologia individual compem grande parte da teoria e da prtica de Rol/o May.

    "Num perodo de transio, quando os antigos valo-res esto vazios e os costumes tradicionais deixam de ser viveis," - diz Rollo May - "os indivduos experimentam uma dificuldade particular em encontrar-se no seu mun-do". Tal como a busca do personagem central de Hamlet, procura or uma realidade pessoal numa sociedade onde a

    -- - - ----

    realidade coletiva no tem persistncia e significao : sua procura ela prpria identidade. Este sentir-se despido de significao mo ind1Vduo provoca uma ansiedade que, embora constitua apenas um aspecto da imagem que o homem contemporneo faz de si mesmo, um aspecto psicologicamente decisivo. Trata-se de uma evoluo cul-tural do problema da identidade. A existncia assume caracterstica de uma luta dramtica, no somente para encontrar, mas tambm para manter a identidade num

  • XVII

    mundo cada vez _ _m-is anonu:no, argumenta Rollo May. Assim os / emas com que nos defrontamos so iden ifi-cados pelas convulses culturais e histricas contempo-rneas da civilizao ocidental, convulses estas que tor-nam inevitvel que a imagem que o indivduo faz de si prprio seja grandemente abalada. E quando os indivduos sentem __a sua_J~_signi.ficncia ~o pessoas - apatia - ex-presso de e estad de conscincia d" nui.di eles tam-bm sofrem um abalo no seu sentido de responsabilidade E Rollo May estabelece assim o crculo vicioso da condi-o humana: !3 im o " te do ser resulta de uma ameaa ou de uma perqa, o que vem a converter-se em ansiedade1 esta r u ta em . regresso e apatia, da a hosti 1 i-dade, e esta huma alienao do homem em relao ao

    ornem: a despersonalizao, com todos os sintomas ca-ractersticos de nossa cultura. Da a origem psicolgica da experincia de vazio, a sensao de vcuo que se ob-serva ao nvel socia~ e individual do homem contempor-neo, conforme Rollo May escreve em O Homem Pro-cura de Si Mesmo, explicando que isso no deve ser toma-do no sentido de que as pessoas sejam vazias, desprovidas de potencialidade emocional. "A sensao de vazio pro-vm, em geral, da ~da inca a dade ara fazer ai o de eficaz a respeito da prpria vida e do mundo em que - - -- ~ vi emos convico pessoal de ser incapaz de ao, de dirigir a prpria vida, de modificar a atitude das pessoas em relao a si mesmo, ou de exercer influncia sobre o mundo que nos rodeia. Surge assim, continuam as justifi-cativas do autor, profunda sensao de des pero e futiJ.i... d e que a tantos aflige hoe em dia. ~ uma renncia ao

    ............,~- ao uerer pois a essoa per.ceb.e._ que..o que sente e deseja tem verda eir i gortncia. A apatia surge

    --.......

    como ~s da persona id de contra ans edade. A sub-1ssao o prxTmo passo. O homem "coletivizado" troca

    sua pr r a identidade or outra semelhana dos demais, para que ~o e destaque e sea alvejado. A originalidade e

  • XVIII

    a criatividade tendem a ser negadas por no serem pragma-ticamente teis, e a imagi nao tende a ser contornada. E no tendo os _valores pessoais consistncia, estes bu_scam validade externa atravs de ~mbolos, que na maioria das vezes no so escolhidos, so impostos, numa submisso cega a "autoridades annimas", no dizer de Erich Fromm.

    A sexualidade, segundo Rol/o May, uma rea em que a ansiedade se manifesta. Nos nossos dias o sexo freqentemente usado a servio da segurana. o modo mais acessvel de superar a apatia e o isolamento pessoais. Casamento cedo, a busca de um "par constante" so usa-dos a seniio da superao da ansiedade: seguran;a, sign i-ficao, tentativa de se tornar interessante como pessoa. Frustrado que o sexo como fator de afirmao, a com-panhia facilmente degenera em vazio e tdio, desde que ele tivesse sido "idealizado" com o e aplacar a ansie-

    ..._. ----........ - .. ----~e. E o uso do sexo a servio transforma-o num sintoma, e ele vai se impessoalizando: realizao sem envolvimento. Esta impessoalidade tem o efeito de valorizar a sensao sem sensibilidade, o intercurso sem intimidade, profunda-mente investigado em Eros e Represso.

    Na sua outra obra, Poder e Inocncia, Rollo May exa-mina exaustivamente outras alternativas para a ansiedade e sua -decorrente personalizao: violncia e poder. Poder d i-rei to do ser humano. fonte de auto-estima. a raiz da

    --convico d~-que ele significa alguma coisa como pessoa. A doena ~--._carncia de poder, a convico de que a

    -~ ----pessoa esta abaixq_ do hvmano e no tem ponto de refern-cia nQ_mu.!!_do. E o homem desprotegido pela ausncia de pcfer, busca compensao na violncia. E a Rollo May cita Winnicott: "Se a sociedade est em perigo no por causa da agressividade humana, mas por causa da repres-so da agressividade nos indivduos" salientando os preju -zos das presses sociais e a submisso dos valores realmente

  • XIX

    humanos. Admite diversas formas de poder, explorador, manipulador, competitivo, nutrcio e integrador e preten-de que a violncia ocorre quando a pessoa no pode ex-pressar sua necessidade de poder por vias normais.

    Rollo May discorda dos que afirmam que existem dois tipos de pessoas quanto s suas atitudes frente ao amor: os que amam movidos pelo amor e os que amam movidos pelo poder. Amor e poder no so foras opostas. Amor sem vontade fruto da apatia, no amor, sub-misso, importante tese de seu livro, cujo ttulo original em ingls, Love and Will, foi traduzido como Eros e Re-presso. E est ao lado de Martin Buber, num dos seus poemas, no livro, "A Believing Humanism", "No protes-tem, deixem o amor dof'1:linar". "Amor precisa de vont~de se quiser ser algo mais do que um sentimentalismo, e po-der recisa de amor a a desviar em dir e mera manipula o."

    Rollo May deixa claro que no um existencialista cu/tista, ao estilo do que numa poca foi o existencialismo europeu. Mostra possuir, antes de mais nada, uma atitude existencial, compatvel com sua experincia, e aplicvel no contexto americano. Assume a mesma posio de .ti usserl , criador do mtodo fenomenolgico (esforo para

    ' aceitar o fenmeno como dado), que faz com que descu-bramos e descrevamos o que a coisa como fenmeno. O que no quer necessariamente dizer eliminar a casualidade. Sua atitude diante do paciente mais tipo "o que ele quer dizer com isso?" do que "por que isto?", "qual a causa?". Condena a atitude clnica de quem se depara com o cliente vendo-o como um conjunto de cat o as dia nsti~

    - -- ... Descreve o processo terapeut1co como depararem-se duas pessoas num determinado espao, num universo, numa estrutura de relacionamentos significativos, com moti-vos diferentes de estarem aqui. Embora no possamos a

  • XX

    priori saber quais os motivos do cliente, podemos saber que algum propsito significativo est envolvido. A tenta-tiva de "participar", e o fato de que esta soluo ex isten-cial implica num perigoso risco, tez com que Paul Tillich a chamasse de "Cora em para Ser", dando ttulo a um de seus 1 ivros. ----- -

    A doena, segundo Rollo May, um mtodo que o indivduo "utiliza" para preservar o seu Eu. A neurose uma atitude de ajustamento que comporta em si mesma o.

    1 potencial criativo do indivduo. Os prprios sintomas neu-rticos, por mais que nos paream desintegradores, so e ress ara ereser:var a Uf'!.dade ind1vidual_: Este um relacionamento muito estreito entre desenvolvimento da conscincia e psicose. "A ansiedade e a culpa nunca so fenmenos totalmente negativos", diz Rollo May, e con-tinua : "A meta da psicoterapia no elimin-los (embora isto pudesse ser feito), mas ajudar o paciente a enfrent-los con$1'.rutivamente. A psicoterapia fornecer ao cliente um contexto que um universo humano, assim como um universo real, da prpria existncia como pessoa em rela-o com o terapeuta". - -

    Importante ao lidar com a ansiedade, tanto na terapia como na educao, diz Rollo May, no fornecer ao clien-te ou ao estudante o contedo dos valores (o que parece predominar na educao) e sim que o homem aprenda_o a o de avaliar. -- -

    Ainda se referindo terapia fenomenolgico-existen-cial, Rollo May diz que "estar apto a estabelecer um rela-cionam nto real com um outro ser humano que est pas-sando por um transe de profunda ansiedade o~ culpa pe em prova o - melhor dhuma-nidade que existe em todos ns".

  • XXI

    "Em momento histrico, quando a sociedade deixa de prover o indivduo com a adequada orientao, tanto psicolgica quanto tica," - comenta o Dr. Rollo May -"ele forado, s vezes, em desespero, a explorar profun-damente seu prprio ntimo para descobrir uma nova base de orientao e integrao. Foi esta necessidade que fez surgir a psicanlise e a nossa Psicologia Dinmica, com efei-to, e a ajuda ao indivduo para descobrir uma nova unidade

    - -em si mesmo a grande contribuio da Psicologia a partir de Freud. A satisfao desta necessidade do homem mo-derno, a de encontrar _o seu significado dentro de si mes-mo

  • SICOLOGI XISTENCIA.

  • Prefcio Primeira Edio

    Embora o enfoque existencial tenha sido o mais pro-eminente na psicologia e psiquiatria europias por duas dcadas, era praticamente desconhecido nos Estados Uni-dos at dois anos atrs. Desde ento, alguns de ns preo-cupamo-nos com o que possa se tomar demasiadamente popular em alguns setores, particularmente em revistas nacionais. Mas nos consolamos com o que disse Nietzs-che: "Os primeiros adeptos de um movimento no cons-tituem argumento contra ele' .

    Os trabalhos que seguem, com exceo da bibliogra-fia e algumas sees acrescentadas ao cap. I, foram apre-sentados no simpsio sobre psicologia existencial, na con-veno anual da Associao Americana de Psicologia, em Cincinnati, em setembro de 1959. Alguns desses traba-lhos s.o impressionistas e como tal foram planejados. O captulo de Maslow agradavelmente direto: o que existe na psicologia existencial para ns? O trabalho de Feifel

  • surgido como corretivos para a psi anlise ortodoxa. E realizou isto sem se tornar, em si uma escola separada. Mais firmemente que tudo, aliou-se a nova "Terceira Fora" em psicologia, a tal ponto que a maioria dos que se iniciam no campo falam de psicologia "existencial-hu-manstica , expresso composta.

    Mas as formas e os conceitos bsicos da psicologia existencial tm permanecido slidos e duradouros, en-quanto se alterou a superfcie. O embasamento nas ver-dades ltimas da natureza do homem tem sustentado este enfoque em po io firme o que explica o fato de que os trabalhos b 'sicos de Heidegger e Sartre Binswan-ger e Straus, so sempre importantes.

    Nesta edio revisada, reescrevi grande parte do cap. I. Mais foi acrescentado sobre \ 7illiam James, por exem-plo, cujos fundan1entos existenciais se tornaram mais claros durante os oito anos que passaram. Acrescentei tambm uma seo sobre novos terapeutas existenciais, como Laing e Ramirez, bem como uma discusso sobre as esperadas crticas deste enfoque da psicologia.

    Alm disso no tentamos apresentar um sistema bem elaborado, mas sim preservar o carter espontneo dos ensaios originais de Allport, Feife1, Maslow, Rogers e o meu prprio estudo do caso no cap. IV.

    Acredito que e te livro po sa ser til para o estu-dante que deseje obter diretamente o conhecimento do que a psicologia existencial.

    Rollo May

    Fevereiro de 1969.

  • l Prefcio Segunda Edio

    O campo da psicologia existencial tem se desenvol~ vido grandemente durante os oito anos que se segui am a primeira edio deste livro. A amplitude desta mudana pode ser avaliada pelo fato de que na edio primitiva foi possvel incluir 185 itens: uma lista quase exaustiva de publicaes em ingls, como foi indicado por nosso bigrafo Jo epb Lyons> "na qual os conceitos fenomeno-lgicos ou existenciais so aplicado explicitamente a t-picos no campo da psicologia". Para fazer o mesmo hoje, seriam exigidos cerca de 1 000 itens.

    O vocabulrio da psicologia existencial penetrou fir-me em nossa linguagem; "crise existencial ' agora uma expresso comum para significar o ponto crtico em psi-coterapia. Psicologia existencial no mais uma escola estrangeira, mas uma atitude que impregna quase todos os ramos de terapia na Amrica. Influenciou decisiva-mente a tendncia atual para a terapia ativa, terapia para a 'r~", e outras formas de terapia que tm

  • ilustra como este enfoque abre para a indagao psico-lgica, reas significativas, tais como as atitudes para com a morte, at ento notadas por sua ausncia em Psico-logia.

    Meu segundo captulo procura apresentar uma base estrutural na psicologia existencial para a Psicoterapia. O trabalho de Rogers discute, particularmente, a relao da psicologia existencial com a pesquisa emprica, e os comentrios de Allport referem-se a algumas das impli-caes globais de nos as indagaes.

    Nosso propsito no de dar uma sistemtica ou definitiva razo para a psicologia existencial - o que ainda no pode ser feito. E na medida em que pode ser foi feito nos primeiros trs captulos do volume Existen-ce. ( 33) * Nossa esperana que este livro possa servir como um estmulo para estudantes que estejam interes-sados no assunto, e que possa sugerir tpicos e ques-tes a serem procurados. Confiamos em que a bibliogra-fia possa ser uma ajuda para os estudantes que desejem ler mais a respeito de muitos problemas referentes ao as-sunto.

    Rollo May 1961 ,

    1

    Em todo o texto, as referncias entre parnteses re-metem bibliografia no fim do volume.

  • I

    O Surgimento da Psicologia Existencial

    ROLLO MAY

    Neste ensaio introdutrio, comearei existencialmen-te contando como e te enfoque terico pela primeira vez chamou-me a ateno. Depois, discutirei seu aparecimen-to no cenrio norte-americano, com especial re erncia a William James. Aps alguns esforos para definir minha terminologia, formularei algumas questes que muitos de ns tm feito em Psicologia durante alguns anos - in-dagaes que, segundo creio eu, clamam por um enfoque existencial. Apresentarei posteriormente algumas das no-vas formas de terapia existencial, particularmente na obra de Ephren Ramirez e Ronald Laing. Finalmente, considerarei algumas crticas deste enfoque acrescentan-do minha prpria o das dificuldades e problemas que a psicologia existencial est enfrentando hoje em dia.

    1

    H alguns anos atrs, enquanto trabalhava em meu

  • 2 Rollo May

    livro O significado da ansiedade, contra tuberculose e passei um ano e meio no leito, em um sanatrio. Naquele tempo, no havia remdios para a doena; e, enquanto esperava, hora aps hora, e dia aps dia, at o final de cada ms, para ver se o raio-X mostraria minha cavidade pulmonar tornando-se menor ou maior, tive tempo bas-tante para ponderar o significado da ansiedade - e su-ficientes dados de primeira mo em mim prprio e em meus companheiros enfermos.

    No decurso desta doena, estudei os dois nicos li-vros escritos at aquele momento sobre a ansiedade: O problema da ansiedade, de Freud, e O conceito de an-gstia, de Kierkegaard. Avaliei as formulaes de Freud - sua primeira teoria, de que a ansiedade o ressurgi-mento da libido reprimida, e sua segunda hiptese, de que a ansiedade ---are-ao do ego ~ea a da ~erda dQ. ob 'eto am~o. Kierkegaard, por outro lado, descreveu a ansiedade como a luta do ser vivo contra o no-ser -que eu estava, no momento, experimentando ao debater-me com a morte, ou com a perspectiva de tornar-me invlido para o resto da vida. Ele salientou que o verda-deiro terror na ansiedade no a morte em si mesma, mas o fato de que cada um de ns, dentro de si mesmo> est em ambos os lados da luta, que "a ansiedade um de e o uilo ue _.C_J_eme, uma antipatia simptica", como disse ele. Por isso, como uma "fora estranha que se apodera de um indivduo, e que ele, no entanto, no pode arrancar de si mesmo, nem tem vontade de faz-lo; so temores, mas, ao mesmo tempo _gue_ ~e_t~I!le,

    ~~ ~~- A ansiedade torna ento o indivduo impoten-te" .1

    O que me impressionou fortemente foi que K.ierke-gaard escrevia precisamente sobre o que meus compa-

    1 Da introduo de O conceito de angstia.

  • Psicologia existencial 3

    nheiros doentes e eu prprio e tvamo sofrendo. Freud, pelo contrrio, escrevia em nvel diferente, dando formu-laes dos mecanismos psquicos pelos quais se evidencia a ansiedade. Kierkegaard estava retratando o que dire-tamente experimentado pelos seres humanos em crise -especificamente, a crise da vida contra a morte que era completamente real para ns, pacientes. Kierkegaard es-crevia a respeito da crise que creio eu no em sua forma essencial, diferen as vrias cri es das essoas

    - -que recebem alta da tera ia, ou da crise que todos ns experimentamos de muitas diminutas formas, uma dzia de vezes ao dia, embora queiramos afugentar a perspecti-va final da morte para long~ nossas mentes. Freud escrevia no nvel tcnico, onde seu gnio era supremo; talvez ele soubesse, a respeito da ansiedade, mais do que qualquer outro at aquela poca. Kierkegaard, um gnio de categoria diferen e, escrevia em nvel existencial, on-tolgico; ele conhecia a ansiedade.

    Esta experincia proporcionou-me, numa profundi-dade que alcana muito alm de meras teorias ou con-ceitos e os faz parecer absurdamente uperficiais , uma apreciao do que os existenciali tas tm estado entando dizer. A peste, de Camus, Do sentimento trgico da vida, de Unamuno, As m oscas, de Sartre, A coragem de ser, de Tillich - todos esses livros jamais foram novamente apenas livros para mim. So representaes da luta do homem contemporneo com um mundo que est marcado por uma desarticulao to essencial quanto oi minha luta contra a tuberculose.

    Kierkegaard e r ud no representam uma dicoto-mia de valores ambo os pontos de vista so obviamente necessrios. Nosso problema real, antes de mais nada, nos apresentado por nos a ituao histrico-cultural. Ns, no mundo ocidental, somos os berd iros de quatro sculos de conquistas tcnicas de poder sobre a n atureza,

  • 4 Rollo May

    e agora sobre ns prprios; isto vem a ser nossa grandeza e, ao me mo tempo nosso maior perigo. Ns no e tamos em perigo de contestar a nfase tcnica ( da qual a tre-menda popularidade de Freud neste pas foi a prova. caso alguma prova fosse necessria). Mas, prefer nte-mente, ns reprimimos o contrrio, a conscincia de ser ou a conscincia ontolgica, se eu posso usar termos que estarei melhor discutindo e definindo ulteriormente. Uma conseqncia desta represso do sentimento de ser que a imagem que o homem moderno tem de si mesmo, bem como da sua prpria experincia e autoconceito como in-divduo responsvel tem igualmente se desintegrado.

    No me justifico ao admitir que encaro muito seria-mente os perigos desumanizantes na tendncia da cincia moderna de sobrepr o homem imagem da mquina imagem das tcnicas atravs das quais o estudamos. Esta tendncia no vem a ser culpa de quaisquer homens "perigosos", ou de escolas 'viciadas" antes, uma crise legada pela nossa situao histrica particular. Karl J as-pers tanto o psiquiatra, como o filsofo existencialista . assegura que ns estamos atualmente em processo de

    erder a autoconscincia e que ns podemos bem ser )l ------- ---------~ - -ltima idade do homem histrico. William Whyte, no seu livro Organiz.ation man adverte que os inimigos do ho-mem moderno podem revelar-se como sendo um grupo de terapeutas de aparncia inofensiva que ( ... ) e ta-riam fazendo o que pudessem para ajud-lo'. Ele se refere aqui a tendencia de usar as cincias sociais como suporte da tica social do perodo histrico de cada um e por isso, o processo de ajudar as pessoas pode realmente torn-las amoldadas com tendncia para a destruio da individualidade. Ns no podemos afastar, como in.inte-ligentes ou anticientficas, as precaues de tais homens a tentativa de fazer isso nos torna obscurantistas. Existe uma possibilidade real de que possamos estar ajudando o

  • Psicologia existencial

    indivduo a ajustar-se seu ser.

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    A questo existencialista alcana as razes da vida do homem e desafia-o exatamente a. Isto parcialmente responde por ambas as reaes, negativa e positiva, psicologia existencial e p lo fato de que cada grupo ou a favor ou contra a teoria - mas nunca neutro. "E: por isso que as pessoas mais suscetveis de serem afetadas por esta exposio, tal como "\iVilliam James, que ns vamos considerar em seguida, so as que experimentam algum resultado profundo em sua vida pessoal

    2

    Ns imediatamente percebemos um curioso para-doxo quando olhamos para o existencialismo e o cenrio norte-americano. Embora exista muita hostilidade latente e uma resistncia total, nos Estados Unidos, para com a psicologia existencial, e ~ te ao mesmo tempo uma pro--funda afinidade oculta entre este enfoque e o pensamen-to e carter americanos. Isto tanto vale para Psicologia quanto para outras reas.

    Vou citar aqui para nossa demonstra o, William James que ainda o maior e mais tpico psiclogo e fil of o norte-americano. "Ele foi o que chamaramo agora um existencialista , comenta Jacques Barzun sin-gelamente, em sua crtica a uma recente iografia e J ame . 2 E se eu pos o e ta e ecer uma correlao entre sua expenencia e a mi a ele tomou-se assim no r teoria, mas por severa experincia. Oprimido pela melan-colia, pela falta de sade e pela depresso - particular-

    2 ALl .EN, Gay Wil on. The life and work oj WiUicina. James. Viking Pres 1967. Allen tambm identifica James como um existencialista : ver p . 138 e 167.

  • 6 Rollo May

    mente entre os vinte e os quarenta anos - James fre-qentemente esteve na iminncia do suicdio; ele escreve seguidamente de seu anseio de que algum lhe desse uma razo para desejar viver quatro horas mais . Espe-

    cificamente, foi esta constante depresso que levou James - em toda sua vida um homem com enorme dificuldade de decidir qualquer coisa - a ser to preocupado com o problema da vontade No comeo de seus trinta anos, na Europa, ele "decidiu ', um dia, que valeria a pena a apos-ta de querer acreditar em liberdade. Ele escreveu ento em seu dirio: meu primeiro ato de vontade livre acre-ditar em vontade livre'. ~ Por isso ele agiu na crena de que o que interes a no que algum 'lhe d uma ra-zo ' mas que ele crie o significado de sua vida por um ato de vontade. Mais tarde, ele estava convencido - e como terapeuta considero esse julgamento clinicamente correto - de que sua soluo existencial para o problema da vontade tornou-o ca az de lidar com sua depres~o .. Est claro en1 sua biografia que, nesse ponto, ele come-ou uma vida animada e tremendamente frutfera, no obstante suas contnuas depresses e enfermidades. As-sim, ele poderia escrever, quase no fim de seu captulo sobre a vontade em Principles of psychology:

    O vasto mundo que nos cerca apresenta-nos toda a sorte de perguntas, e nos testa de uma infinidade de maneiras. ( ... ) Mas, a mais profunda pergunta que sempre feita, no admite r esposta seno o silencioso desligar da vontade e o apertar das cordas do nosso co-rao quando dizemos ' Sim ns queremos t-to mesmo assim!" ( ... ) Respondemos por consentimen os e no-consentimentos e no por palavras. O que admira que estas mudas respostas devam parecer nossos mais pro-fundos rgos de comunicao com a natureza das coi-

    ~ ibidem p. 168.

  • sicologia existencial 7

    sas! ( ... ) O que admira que a poro dele con1 que concordamos sej a a nica contribuio estritamente sin-gular e original que fazemos para o mundo! 4

    Uma das nfases dada pelos existencialistas, da qual James compartilhava, que se conhece fazendo. Se eu leio para voc uma frase "A verdade existe para o indi-vduo somente na medida em que ele a produz em atos'', voc bem poder pensar que eu a recolhi de um livro de James. Mas voc estar errado: porque foi escrita, quan-do James ainda engatinhava, por Soren Kierkegaard, o pai do e encalismo moder~; e a frase faz eco atravs do pragmatismo norte-americano. Ambos, James e Kierke-gaard, enfatizaram o imediatismo apaixonado da ex pe-rincia.

    Como j indiquei, James tambm acreditava, como Kierkegaard, na importncia da vontade, argumentando que voc jamais pode conhecer ou descobrir a verdade sentando-se desligadamente numa poltrona. Deciso e compromisso so, por si mesmos, condies prvias para a descoberta da verdade. Como Nietzsche e Schopenhauer, que o antecederam, James no acreditava que a episte-mologia fosse uma funo exclusivamente cognitiva, e que a volio estivesse envolvida em todo o ato de co-nhecimento. A epistemologia de James surpreendente-mente similar de Nietzsche na Vontade de potncia, onde Nietzsche sustenta que a verdade a maneira pela qual um grupo biolgico se realiza.

    As amistosas, mas inflamadas, discusses entre J a-mes e seu amigo Charles S. Peirce constituem um quadro fascinante da luta entre "existncia e essncia" - para apresentar uma das expresses controvertidas, em segui-

    4 JAMES, William. Principles of psychology. New York, Dover. Book II, p. 578-9.

  • 8 Rollo 1\-lay

    da. Muita ez Peirce censurou Jame pelo seu existen-cialismo, dizendo "seu universo in xato", e continuava "voc deve ter algum padro invarivel ou exatamen e certo .5 Ma James, destemido como sempre em pblico, sustentou em sua carta-resposta: O mundo real in-congruente, indeterminante, e os termos lgicos apenas marcam posies estticas em um fluxo que, em parte alguma, esttico". As ''relaes exatas formam um es-plndido esquema artificial de tabulao, no qual agar-ramos quaisquer elementos do fluxo existencial que a se possam fixar' .6 Fixar - sim, ao preo de abstra-los da realidade para propsitos de Lgica e Matemtica, o que bastante louvvel mas tambm artificialmente inter-rompe o fluxo contnuo.

    Noutro local, em seu livro Pragmatism, encontramos James respondendo a ambos, Peirce e seu prprio pai, a f1Uem ele amou profundamente, mas cujo monismo trans-cendental, relacionado com Swedenborg e com a escola Concord de filosofia, ele nunca pde tolerar. Escrevendo sobre as aes do homem, William James proclama: "Nossos atos ento criam a salvao do mundo, na me-dida em que abrem caminho para si mesmos, to rapi-damente quanto saltam para o vcuo? ( ... ) Aqui eu seguro o touro pelas aspas e, no obstante todos os ra-cionalistas e monistas juntos, de qualquer que possa ser o ramo, pergunto por que no?' 7

    Esta assero e a que eu citei acima fazem um curioso precursor da futura afirmao mais extrema de Jean-Paul Sartre "a existncia precede a essncia . 8 Esta

    s. 6 PERRY, Ralph Barton. The thought and characte, o/ William James. New York, Harper & Row, 1964. Brief ed.

    7 JAMES, William. Pragmatism. Cleveland, Meridian Books, 1955. p. 186.

    s -. Principles, op. cit. p. 576.

  • Psicologia existencial 9

    no a nica faceta de James, contudo. Ele reconhe-cido por historiadores da cincia como sendo o iniciador do empirismo americano em Psicologia. Existncia tam-bm exige essncia, sabia James. E a essncia - ao menos neste lado do paraso - exige que se tome real pelos esforos existenciais daqueles de ns que existem. Vivemos numa constante interao entre as duas. O hu-manismo de James e sua grande tolerncia, como ser humano, alm disso, permitiu-lhe levar a arte, a religio e a tica para dentro do seu pensamento, sem sacrificar sua integridade cientfica. Ele estava impressionado pela "vasta confuso florescente" da vida, e estava invetera-damente contrrio queles que reduzem a vida ao tama-nho de seus prprios pontos de vista limitados e estreitos. Ele no era - como qualquer um bom existencialista -anticientfico, mas acreditava que a cincia era feita para o hoJilem, e no o homem para a cincia. Depois de uma indulgente considerao do empirismo na cincia, James escreve:

    A cincia, contudo, deve ser constantemente adver-tida de que seus objetivos no so os nico-s, e que a ordem da causalidade uniforme de que ela se ocupa e que, portanto, est correta ao postular, pode estar envolta nu-ma ordem mais ampla, qual ela no tem absolutamente direitos.9

    Mas, a posio de James, como um "existencialista pioneiro", no chega a ser surpreendente, depois de tudo. Porque, quando ele voltou da Europa nos anos 1870, ele estava comprometido, tal como Kierkegaard trs d-cadas antes, para um ataque ao panracionalismo reinante de Hegel, que identificou a verdade com conceitos abstra-

    9 ibidem, p. 576.

  • 10 ollo May

    tos. Paul Tillich tem o seguinte a dizer sobre James, na sua histrica discusso da filosofia existencial:

    Como o filsofo americano William James ( ... ) os fil -sofos existenciais esto rejeitando a concluso do pensa-mento ''racionalista" que equipara a Realidade com o objeto do pensamento, com relaes ou "essncias", em favor da Realidade como o homem a experimenta ime-diatamente no seu viver real. Eles, conseqentemente, tomam seu lugar entre todos aqueles que tm considerado a imediata experincia do homem como mais completa-mente reveladora da natureza e caractersticas da Rea-lidade, do que a experincia cognitiva do homem.10

    'Tillich denomina James de filsofo; mas ele , na-turalmente, tambm um psiclogo. A confluncia destas duas disciplinas indica outro aspecto do ponto de vista existencial: ele lida com categorias psicolgicas - 'ex-perincia" "ansiedade" "vontade" e assim por diante -

    ' ' '

    mas preocupa-se em conhecer estes aspectos da vida do homem no nvel mais profundo da realidade ontolgica. Por isso, um erro pensar em psicologia existencial como uma ressurreio da velha "psicologia filosfica" do s-culo XIX. O ponto de vista existencial no um movi-mento retroativo a era primitiva da especulao, mas m esforo para entender o comportamento humano e sua experincia em termos de suposies que os sustentam - suposies que sustentam nossa cincia e nossa ima-gem do homem. E o esforo para compreender o homem como experimentador, como aquele a quem acontecem as experincias.

    Adrian van Kaam, ao criticar o trabalho do psiclogo alemo J. Llnschoten, descreve como William James, em

    10 ILLICH, Paul. Existentia philosophy. Journal of Hist. ldeas. 5 : 44-7, 1944.

  • Psicologia existencial 11

    sua busca de uma nova imagem do homem como uma base mais ampla para a Psicologia, foi diretamente con-duzido ao centro do desenvolvimento da fenomenologia. (Fenomenologia, o primeiro estgio no desenvolvimento da psicologia existencial, ser ilustrada e definida mais tarde.) A sntese de van Kaam to apropriada a nosso tpico que a citamos detalhadamente.11

    Um dos principais fenomenologistas existenciais eu-ropeus, J. Linschoten, escreveu um livro No caminho para uma fenomenologia, com o subttulo "A psicologia de William James". ( ... ) Na introduo deste livro, o dirio de Husserl citado por Linschoten, onde o pai da fenomenologia europia admite a influncia do pensamen-to deste eminente americano, James, sobre seu prprio pensamento.12

    O livro demonstra, numa bem documentada maneira, que a oculta inteno do pensamento de James foi reali-zada pela penetrao da nova conscincia cultural exis-

    11 KAAM, Adrian van. The impact of existential pheno-menology on the psychological literature of wester n Europe. Review of Existential Psychology and Ps11chyatry. 1 ( 1) : 62-91, 1961.

    12 'Embora eu fosse capaz de ler apenas algumas poucas coisas e muito pouco da psicologia de James", escreveu Husserl em seu dirio, "isto trouxe-me alguns lampejos. Vi como um homem corajoso e original no se deixou encadear por nenhu-ma tradio, mas esforou-se efetivamente em persistir e des-crever o que percebia. Esta influncia era importante para mim. ( ... ) " Mais tarde, Husserl mencionou James como sen-do o nico que percebeu o fenmeno chamado "horizonte' . Esses pontos foram colhidos no interessante livro chamado No caminho para uma psicologia fenomenolgica: a psicologia de WiUiam James, de Linschoten, traduzido para o ingls por Amedeo Gorki e publicado pela Duquesne University Press of Pittsburgh, em 1968.

  • 12 Rollo May

    tencial. James estava tateando na direo de uma nova fase vagamente sentida na histria do homem ocidental. Enraizado no perodo Vitoriano, ele expressou contnuo descontentamento com sua maneira exclusivamente uni-lateral de "existir" 13 no mundo. Linschoten conclui, no seu captulo final , que James estava no caminho de uma psicologia fenomenolgica antes de Buytendijk Merleau-Ponty e Straus, e j estava frente deles em sua preo-cupao para a integrao de uma psicologia objetivante dentro da estrutura da psicologia descritiva.

    A falta de sistematizao no trabalho de James ba-seia-se no insight de que a unidade do homem ~ a do mundo no so dependentes "de um mtodo racional", mas da unidade de mundo pr-racional, um mundo de experincia, a fonte original e integral das questes di-vergentes, que favorecem diferentes cincias e diferentes psicologia-s. Esta original fonte integral de todas as ma-neiras de ser no mundo o corpo, a origem de experi-ncia do mundo. Esta origem de experincia tem dois aspectos: o que a fonte da experincia e o que ex-perimentado por si mesmo. Portanto, uma pessoa pode escolher um dos dois pontos de vista: pode descrever e analisar a experincia e o corpo como maneiras originais de e.xistir dentro do mundo, como tem sido feito por homens como Merleau-Ponty, Straus e BuYtendijk; ou pode descrever e analisar a experincia e o corpo na conexo espao-tempo da "realidade'' experimentada, como tem sido feito por homens como Skinner, Hull e Spence. A primeira maneira leva ao que foi chamado de uma psicologia descritiva; a segunda a urna psicologia 'nterpretativa. Logo que uma delas torna seu ponto de vista absoluto elas no so mais capazes de se comuni-carem entre si. James tentou preservar a reciprociade complementar delas. Isto possvel somente base de uma eoria do homem como um recurso integral de ex-

    13 [Van Kaam usa "existir", aqui e noutros pontos, no seu estrito sentido etimolgico de ap!lrecer, salientar-se de al-guma coisa ( existere), significando uma maneira de se rela-cionar com o mundo. O organizador.]

  • Psicologia existencial 13

    perincia, uma teoria de sua maneira original de existir, uma fenomenologia do mundo experimentado, a qual est implcita em James.

    Isto indica, posso dizer digressivamente, por que aqueles de ns interessados em psicaterapia esto mais aptos a se preocupar com o enfoque existencial do que os nossos colegas envolvidos em pesquisas de laboratrio, ou na construo da teoria. Porque ns nos colocamos, inevitavelmente, com os seres humanos que esto agora sofrendo, lutando, experimentando conflitos numa mi-rade de formas variveis. Esta experincia imediata nosso meio, e nos d a razo, bem como os dados, para a pesquisa que ns fazemos de mos dadas com a terapia. Temos de tratar com pacientes cuja ansiedade e sofri-1nento no sero curados por teorias, or brilhantes ue sejam, nem or leis abstratas, embora seam estas de grande alcance. Neste sentido, pode argumentar-se que os psicoterapeutas so os "obstinados" profissionais rea-listas, mais do que nossos colegas de laboratrio. Atravs desta imediata interao em psicoterapia, adquirimos uma capacidade de informao e compreenso dos seres humanos que no poderamos adquirir de nenhuma outra maneira. Porque nenhuma pessoa submeter-se- ao dolo-roso processo de desvendar os nveis mais rofundos de seus conflitos suas angstias, seus anseios - no a uma outra pessoa certamente, e raramente a si mesma - a no ser que por esse processo ela tenha a guma esperana de superar seus bloqueios e aliviar seu sofrimento.

    3

    Neste ponto, fazemos. uma pausa para definir nossa terminologia. Existencialismo envolve a centralizao na pessoa existente e enfatiza o ser humano como e'mergen-te, em evoluo. A palavra "existncia" provm da raiz

  • 14 Rollo May

    latina existere que significa literalmente "surgir, salien-tar-se".

    Tradicionalmente na cultura ocidental, existncia tem sido confrontada com essncia, sendo a ltima a nfase sobre os princpios imutveis, a verdade, as leis lgicas, e assim por diante, que se presume estarem aci-ma e alm de qualquer existncia dada. Na tentativa de separar a realidade em suas partes distintas e de formu-lar leis abstratas para essas partes, a cincia ocidental tem amplamente se revestido de carter essencialista. A Matemtica a forma final e pura desse ponto de vista essencialista. Pode-se ter quatro unicrnios, como quatro mas; no h absolutamente diferena, para a Matem-tica, se os unicrnios existem ou no. Em Psicologia, o interesse de ver os seres humanos em termos de foras , impulsos, reflexos condicionados, etc., ilustra o ponto de vista atravs do conceito de essncias. A nfase na essn-cia foi dominante no pensamento ocidental - com no-tveis excees (para citar apenas poucos deles), como Scrates, Agostinho e Pascal - at aproximadamente uma centena de anos passados. Alcanou-se o mais alto ponto, a mais sistemtica e compreensiva expresso do "essencialismo" transformou-se no panracionalismo de Hegel uma tentativa de abarcar toda a realidade nun1. sistema de conceitos que identificassem a realidade com o pensamento abstrato. Foi contra Hegel que Kierkegaard, e depois Nietzsche e James, se revo aram ao veemen-temente. (O _leitor que desejar seguir este esenvolvimen-to histrico em maiores detalhes pode consultar o primeiro captulo de Existence. )14 Esta ala na Filosofia surgiu de

    14 MAY, Rollo; ANGEL, Ernest; ELLENBERGER, Henri, eds. Existence: a new dimension in ps1)chiatry and psychology. New York, Basic Books, 1958. Editado tambm em brochura por Simon & Schuster na srie Clarion Books, 1967.

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    mos dadas com os novos desenvolvimentos na cincia, particularmente com a fsica de Bohr e Heisenberg.

    Paul Tillich expressa muito bem nossa referncia histrica:

    Em contraste com a situao nos ltimos trs anos aps a Segunda Guerra Mundial, quando a maioria das pessoas identificava existencialismo com Sartre, agora de co-nhecimento geral neste pais que o existencialismo, na histria intelectual do Ocidente, teve incio com Pascal, no sculo xvn, tendo tido uma histria secreta no sculo xvm, uma histria revolucionria no sculo XIX, e uma vitria espantosa no sculo xx. O existencialiSmo tor-nou-se o estilo de nossa poca, em todos os domnios da vida; At mesmo os filsofos analticos pagam tributo a ele, dedicando-se aos problemas formais e deixando o campo dos problemas materiais para os existencialistas na arte e na literatura. Existem, contudo, apenas raros momentos neste monu-mental desenvolvimento, em que o existencialismo tenha sido alcanado. Um exemplo a doutrina do homem de Sartre. Refiro-me a sentena, na qual todo o problema do existencialismo e do essenciali mo torna-se ampla-mente aberto, sua famosa afirmao de que a essncia do homem sua existncia. "A existncia precede a es-sncia." O significado desta proposio que o homem um ser cuja essncia no se pode garantir, pois tal es-sncia introduzir um elemento permanente e contradi-trio no poder que o homem tem de se transformar inde-finidamente. Mas, se perguntarmos se esta declarao, contra seus propsitos, no deu uma afirmao sobre a natureza essencial do homem, ns devemos dizer que, certamente1 ela deu. A natureza particular do homem o seu poder de criar a si mesmo. E se for levantada a questo de como tal poder possvel e de como deve ser estruturado, necessitamos de uma doutrina essencialista amplamente desenvolvida para poder responder; preci-samos conhecer sobre seu corpo e sua mente e, em re-sumo, sobre aquelas questes que durante milnios tm sido discutidas em termos essenciali tas.

  • 16 R-0llo May

    Concordo com Sartre, quando ele enfatiza 'ns so1no nossa escolha' mas acrescentaria dentro dos limites de nosso dado mundo . Todos ns nascemos de uma mulher . lu tamos atravs dos estgios de crescimento o melhor que podemos e, finalmente, morremos; e o que pensamos sobre isso no mudar esses fatos rudes. Contudo, mudar grandemente o como n s dirigimos nossa vida. As "es-sncias" no devem ser rejeitadas - elas esto pressu-postas em Lgica, em frmulas matemticas, e em outros aspectos da verdade que no so dependentes de nenhu-ma deciso ou capricho individuais. Mas no se pode dizer que podemos adequadamente descrever ou compre-ender um ser humano existente, ou qualquer organismo vivo, numa base "essencialista". No existe tal coisa como verdade ou realidade para um ser humano~ a menos que este participe dei.a, tenha conscincia dei.a, tenha certa relao com ela. Podemos demonstrar, a qualquer mo-mento de nosso trabalho psicoteraputico dirio, que so.: me te a verdade que existe viva toma-se mais do que

    .--. ....-' . -

    uma idia abstrata e no apenas pressentida, spmente a verda g e enuin e.x erimentada em todos os nveis do ser, inclusive no chamado subconsciente e in-consciente, mas nunca excluindo o elemento da deciso consciente e da responsabilidade - somente ~~t verdade' tem o poder e mudar um ser humano.

    A nfase existencialista em Psicologia no nega entretanto, a validade do condicionamento, a formulao de impulsos, o estudo de mecanismos individualizados, e assim por diante. Ela somente sustenta que ns nunca podemos explicar ou entender qualquer ser humano exis-tente, em tais bases. E o perigo surge quando a imagem do homem exclusivamente baseada em tais mtodos Parece que existe a seguinte lei em atividade: quanto mais acurada e pormenorizadamen te pudermos descrever um dado mecanismo, tanto mais perderemos de vista a

  • Psicologia existencial 17

    essoa existente. Quanto mais absoluta e completamente formulamos as foras ou impulsos, tanto mais estamos falando de abstraes, e no do ser humano existente. Porque a pessoa existen te ( que no est hipnotizada, drogada, ou de qualquer outra maneira colocada em po-sio artificial, como num laboratrio, em que seu ele-mento de deciso e sua responsabilidade por sua prpria existncia esto temporariamente suspensos para os fins da experincia) sempre transcende o dado mecanismo e sempre experimenta o "impulso" ou "fora" em sua ma-neira singular. A diferena "se a pessoa tem significado em tem1os de mecanismo", ou o "mecanismo tem sig_!!i-ficado em funo da essoa". A nfase existencial repousa firmemente na ltima.

    Na verdade, o termo "existencialista" era dbio e confuso at recentemente, associado que foi ao movimen .. to beatnik, num extremo, e aos germnicos conceitos filosficos , esotricos e intraduzveis, no outro. Na verda-de tambm, o movimento recolheu os grupos da "orla luntica" - aos quais nem a psicologia existencial nem a Psiquiatria so de todo imunes. Eu costumava pergun-tar-me se a palavra teria se tornado to dbia at o ponto de tomar-se intil. Mas o termo "existencial" tem impor-tantes significados histricos, que devem ser preservados. Afortunadamente, no momento, o termo tornou-se parte do nosso vocabulrio cotidiano, significando a nfase posta na realidade da experincia imediata no momento presente.

    Em Psicologia e Psiquiatria, o termo demarca uma _atitude um acercamento aos seres humanos mais exa-tamente do que um grupo ou uma escola especial. du-vidoso que tenha sentido falar-se de um "psiclogo ou psicoterapeuta existencial", em contraposio a outras escolas. Existencialismo no um sistema de terapia, mas uma atitude p ara com a terapia. Muito embora te-

  • 18 Rollo May

    nba conduzido a muitos avanos na tcnica, no um conjunto de tcnicas por si mesmas, mas um interes._e wla compreenso da estrutura do ser humano e sua experincia que deve sus entar todas as tcnicas. por isso que faz sentido, se posso assim dizer, mesmo ao risco de ser mal compreendido, afirmar que todo o psico-terapeuta existencial na medida e.m que um bom psicoterapeuta. Quase todos os terapeutas - incluindo-se alguns freudianos - pretendem que so influenciados por, e exemplificam com, princpios existencialistas.

    4

    Pode-se concordar com meus sentimentos aqui, mas sustentar que o ponto de vista existencial, com termos tais como "ser" e "no-ser", no traz grande contribuio. Alguns leitores j teriam concludo que sua suspeita es-tava perfeitamente correta, que esta forma de psicologia irremediavelmente vaga e horrivelmente confusa. Carl Rogers observa no cap. V deste livro que muitos psiclo-gos americanos devem achar estes termos incompatveis, porque eles soam muito gerais, muito filosficos e muito incomprovveis . Rogers continua a assinalar, entretanto, que ele no teve dificuldade em aplicar os princpios existenciais em terapia s hipteses empiricamente cons-tatveis.

    Pego o touro unha e argumento que sem alguns conceitos de "ser ' e ''no-ser" no podemos nem mesmo entender nossos mecanismos psicolgicos mais comu-mente usados. Tomemos, por exemplo, transferncia e represso. As discusses usuais desses termos, no con-vincentes e psicologicamente irreais, esto suspensas no espao justamente porque nos tem faltado uma estrutura bsica onde firm-las. O conceito de transferncia foi uma das grandes contribuies de Freud, no s em seu

  • Psicologia existencial 19

    prprio julgamento como no da maioria de ns outros. Existem vastas implicaes para a terapia no fenmeno de que o paciente traz para a sala de consulta suas re-lac,es prvias ou presentes com o ai, a me, a amante, O" os e come obsi r o tera euta a meliaa que este estuda aquelas criaturas e a construir seu mundo com o terapeuta da mesma maneira como e e o faz com elas. - Mas o conceito de transferncia apresenta-se-nos

    com interminveis dificuldades, se o tomamos por si mesmo, isto , sem uma norma de relacionamento que se fundamente na n atureza do homem como tal. Pode ser uma defesa cmoda e sempre til, como observa Thomas Szasz; o terapeuta pode ocultar-se por detrs dela, para proteger-se da ansiedade do encontro direto. Tambm, o conceito de transferncia pode prejudicar toda a experi-ncia e sentido da realidade em terapia; as duas pessoas no consultrio tornam-se "sombras", e todas as outras pessoas no mundo tambm. Isso pode corroer o senso de responsabilid~de do paciente e pode privar a terapia de grande parte de sua dinmica para a mudana do paci-ente. O que tem faltado um conceito de encontro, den-tro do qual, e somente dentro do qual , a transferncia tem significado genu_n.o. A transferncia deve ser enten-dida como a distoro do encontro.

    Encontro uma expresso de ser. O que quero dizer com essa palavra que, na hora teraputica, estabelece-se um relacionamento total entre duas essoas que en--volve un1 certo nmero de diferentes nveis. Um nvel

    aquele das pessoas reais: alegro~me de ver neu paciente (nlinha reao variando em diferentes dias e dependen-do principalmente da quantidade de horas que dormi na noite anterior). Nosso encontro suaviza a solido fsica, da qual todos os seres humanos so herdeiros . Outro n-vel aquele de aniigos; acreditamos - porque j vimos

  • 20 Rollo May

    um bocado, um do outro - que o outro tem algum in-teresse genuno em escutar e entender. Um terceiro nvel sentido-como ertico - que deve ser aceito pelo tera-peuta se ele pretende ouvir compreensivamente e tambm se ele pretende valer-se desse recurso dinmico para a mudana.15 Um quarto nvel o da estima, a capacidade que est inerente nas relaes interpessoais por precau-o autotranscendente pelo bem-estar do outro. Todo esses constituem um relacionamento real, cuja distoro a transferncia.

    O termo 'represso ', como outro exemplo, obvia-mente refere-se a um fenmeno que observamos a todo instante, um dinamismo que Freud claramente, e de muitas formas, descreveu. O mecanismo , em geral, ex-plicado ao dizer-se que a criana reprime no inconsciente certos impulsos, tais como sexo e hostilidade, porque a cultura, na forma das figuras do pai ou da me, repro-va-os; e a criana deve proteger sua prpria segurana dessas pessoas. Mas essa cultura, que presumivelmente desaprova, formada p las mesmas pessoas que provo-cam a represso. No uma iluso por demais simples, portanto, falar da cultura contra o indivduo dessa ma-neira e fazer disso nosso bode-expiatrio? Alm disso onde buscamos a idia de que as crianas ou os adultos acham-se to preocupados com a segurana e as satisfa-es libidjnais? Isso no a resultante do nosso trabalho com a criana neurtica, ansiosa e com o adulto neu-rtico?

    Certamente, a criana neurtica, ansiosa est com-pulsoriamente preocupada com a segurana e certamen-

    15 Emprega-se "ertico" aqui no sentido geral, en1 que todos os tipos de relacionamento e coisas possuem uma tnica sexual - cinema, livros e assim por diante. Naturalmente, no tem efeito na terapia , mas mantido como parte da trans-ferncia.

  • Psicologia existencial 21

    te o adulto neurtico, e ns que o estudamos registramos nossas formulaes posteriores dentro da mente sem sus-peitas da criana. Mas, no a criana normal a que justamente est to interessada em mover-se no mundo, explor-lo, seguir sua curiosidade e senso de aventura -sair para "aprender a tren1er e balanar', como diz o verso da histria infantil? E, se bloquearmos estas nece~sdades da criana, no obteremos uma sua reao traum 'tica7 da mesma maneira como fazemos quando lhe tiramos a segurana? Eu, por mim, acredito que temos superenfa-tizado a preocupao do ser humano com a segurana e as satisfaes de sobrevivncia, porque elas comb:inam to bem con1 nossa maneira de pensar em causa-e-efeito. Acr dito que Nietzsche foi mais preciso quando descre-veu o homem como o organismo que faz com que certos valores - prestgio, poder, ternura, amor - seja1n mais importantes que o prazer e, mesmo, mais i1nportantes que a prpria sobrevivncia.16

    A concluso de nosso argumento aqui que ns po-demos entender tal mecanismo como represso somente no nvel mais profundo do significado das potencialida-des da pessoa. A respeito disto, o "ser" deve ser definido como o padro singular das potencialidades do indivduo. Estas potencialidades sero parcialmente compartilhadas com outros indivduos, .mas em todos os casos formaro um padro nico dessa pessoa em particular.

    rn Este o ponto que Binswanger ressalta no caso de Ellen West, traduzido no volume Existence. Por meio da dis-cusso da enfermidade psicolgica e do suicdio de Ellen West, ele pergunta se h ocasies em que uma existncia, a fim de realizar-se, deve destruir-se. Neste caso, Binswanger, como tantos colegas seus, psiquiatras e psiclogos europeus, discute um caso com a finalidade de esmiuar a compreenso de al-gum problema sobre os seres humanos, e no com a de ilus-trar como um caso deve, ou no deve, ser manipulado tera-

  • 22 Rollo May

    Devemos fazer as seguintes perguntas, portanto, se quisermos entender a represso numa determinada pes-soa: Qual a relao desta pessoa com suas potenciali-dades? O que a leva a escolher, ou forada a escolher, o ato de bloquear de seu conhecimento algo que ela sabe e num outro nvel sabe que sabe? No meu prprio tra-balho em psicoterapia, aparecem mais e mais evidncias de que a ansiedade em nossos clias surge no tanto por medo da falta de satisfao libidinal ou segurana, mas antes pe_lo medo do paciente de seus prprios podere~ e pelos conflitos que surgem desse medo. Este o padro neurtico do homem contemporneo, dirigido para o ex-terior, organizacional e bem pode ser a personalidade neurtica do homem de nosso tempo.

    O inconsciente, portanto, no deve ser encarado como um reservatrio de impulsos, pensamentos e dese-jos culturalmente inaceitveis. Defino-o, antes, como

    peuticamente. Ao apresentar o caso, como editores de E.xistence, ns supusemos que, como os outros casos, ele deveria ser compreendido base dos propsitos e suposies de seu autor ao escrev-lo. Ai, esta era uma supo-sio irreal! O caso quase universalmente discutido - e sob este ponto de vista criticado no h muito - neste pas, do ponto de vista de que terapia deveria ter sido aplicada a Ellen West. Mas se a in-teno de Binswanger tivesse sido a de discutir tcnicas de terapia, ele no precisaria ter tomado um caso dos arquivos de seu sanatrio, de meio sculo atrs. Ele procura, antes, -formular esta mais profunda de todas as questes: ter o ser

    um.a {) _necessidades e valores_ que transcedem sua prpria sobrevivncia e ser que no existem situaes em ue a cxis-tncTi:-para obter sua _pr_pria _pten1tudc,_ tem necessidade de destruir-se? A implicao desta questo e~ ' na maneira mais -- .

    radical de pr em dvida a adaptao, a durao da vida e a sobrevivncia como objetivos supremos. semelhante ao ponto de vista de Nietzsche acima citado e tambm similar nfase de Maslow, quando mostra que as personalidades au-to-realizantes, que ele estudou, resistem aculturao.

  • Psicologia existencial 23

    aquelas potencialidades de conhecer e experimentar que o inflivduo :no pode ou no uer atualizar. Neste nvel, charemos que o simples mecanismo da represso, com

    a qual jovialmente comeamos, infinitamente meno simples do que parece que ele envolve uma luta com-plexa, como em minha tuberculose, do ser do divduo ~ ontra a ossibilidade de no-ser; que no po e ser ade-quadamente compreendido em termos de ego" e 'no-ego' , ou at mesmo em termos de "eu' e "no-eu'; e que surge inevitavelmente a questo da liberdade do ser humano com respeito s suas prprias potencialidade . . Deve-se adotar esta margem de liberdade, se tivermos de lidar com uma pessoa existente. Nesta margem reside a responsabilidade do indivduo para consigo prprio, que nem mesmo o terapeuta pode tirar.

    Por isso, todo mecanismo ou dinamismo, toda fora ou impulso, pressupe uma estrutura bsica que infi-nitamente maior do que o prprio mecanismo, impul o ou fora. E observe-se que eu no digo que isto a soma total dos mecanismos. o a soma total, embora inclua todos os mec mos, impulsos ou foras: a estru ura fundamental donde eles derivam seu significado. Esta estrutura , para usar uma definio proposta acima, o padro de potencialidade do homem indivduo vivo, de quem o mecanismo uma expresso. O dado mecanismo uma das muitas maneiras atravs das quais ele realiza sua potencialidade. Seguramente pode-se abstrair um dado mecanismo> para estudo, como a represso ou re-gresso, e chegar a formulaes de foras e impulsos que paream ser operativas; mas o estudo ter signifi-cado somente se uma pessoa disser em cada ponto eu estou abstraindo tal e tal forma de comportamento''. Deve-se tambm fazer claro, em cada ponto o que se

  • 24 Rollo May

    est abstraindo, do que, ou seja, o homem vivo que tem estas experincias, o homem a quem essas coisas acon-tecem.

    5

    De maneira anloga, tenho me surpreendido, como terapeuta praticante e como professor de terapeutas, pela freqncia com que nossa preocupao em tentar enten-der o paciente, em funo dos mecanismos pelos quais seu comportamento se manifesta, bloqueia nosso enten-dimento do que ele realmente est experimentando. (Um caso real usado no cap. IV, para ilustrar isto.)

    Se, ao sentar-me com um paciente, eu estou prin-cipalmente pensando nos porqus e comas da maneira pela qual o problema surgiu, eu terei compreendido tudo, exceto a mais importante de todas as coisas, a pessoa existente. De fato, terei compreendido tudo, exceto a nica fonte real de dados que tenho comigo agora, neste quarto, ou seja especificamente, este ser humano sob experincia, esta pessoa agora emergente, em transfor-mao, "mundo em construo", como dizem os psiclo-gos existenciais.

    aqui que a fenomenologia, o primeiro estgio no movimento psicoteraputico existencial, tem sido uma cunha muito til para quase todos ns. Fenomenologia o esforo para considerar o fenmeno como dado. o es oro isciplinado para aclarar a mente das suposi-es que to freqentemente nos levam a ver no paciente to-somente nossas prprias teorias, ou os dogmas de nossos prprios sistemas. J;: o esforo para experimentar,

    -em vez disso, os fenmenos em sua inteira realidade, como eles se apresentam. Isto requer uma atitude de abertura e boa vontade para ouvir - aspectos da arte de escutar em psicoterap~, que so geralmente tidos como

  • P icologia existencial 25

    certos e parecem muito fceis, mas ue so realmente extremamente difcei . - Observe-se que ns dizemos experimentar os en-menos, no simple mente observ-Lo . Harry Stack Sulli-van usa a frase ' observador participante , para incluir este elemento da par cipao do terapeuta no mundo do paciente. Temos de ser capazes, tanto quanto possvel, de perceber o que o paciente est comunicando em mui-to nveis diferentes, no simplesmente as palavras que ele pronuncia, mas suas expresses aciais, seus gestos, a di tncia que ele pe entre n , os vrios sentimentos que ele ter e comunicar sutilmente como mensagens, m mo que ele no a po sa verbalizar diretamente. Sem-pre existe uma grande parte de comunicao subliminar em nveis abaixo dos quais ou o paciente ou o psicote-rapeu ta pode estar cnscio no momento. Isto assinala uma rea controvertida, que muito difcil no treina-mento e prtica dos terapeutas, mas que inevitvel por er muito importan e, qual seja, a da comunicao em-

    ptica e ( teleptica '. Desejo somente dizer que esta ex-perimentao das comunicaes do paGiente em muitos nveis diferentes, de uma s vez, um aspecto do que os ps quiatras existenciais, como Binswanger, chamam presena.

    A fenomenologia requer uma "atitude de naturalida-de disciplinada ', na frase de Robert Macleod. Comentan-do esta frase Albert elleck acrescenta sua prpria uma aptdo para experimentar criticamente''. Isto nos

    leva a uma usual m interpretao do ponto de vista existencial - que ele pressupe experincias sem concei-tuao. No . ossvel, no entender ouvir uaisgue palavras ou ,!!!!LSIDO restar aten o a qual uer coisa sem a umir alguns conceitos al s con c:

  • 26 ollo l\1ay

    1ue em existencialismo: o conceito usao como um .:nstrumento para compreender. e no ice-versa. Os ter-

    os importantes ' disciplinada" :ia frase de lacLeo e "criticamente' na frase de Velleck, referem- e creio, difcil obteno de objetividade - gue enquanto ns de-vemos ter conceitos a medida que ouvimos nosso objevo em terapia tornar nossos prprios constructos suficien-temente flexveis, de modo que possamos escutar em ter-mos dos constructs do paciente e ouvir na linguagem do paciente.

    A fenomenologia tem muitas ramificaes comple-xas, particularmente as desenvolvidas por Edmund Hus-serl, quem decisivamente influenciou, no somente os filsofos Heidegger e Sartre, mas tambm os psiquiatras Minkowski, Straus e Binswanger, os p iclogos Buyten-dijk, Merleau-Ponty e muitos outros. ( O estudante pode encontrar referncias da fenomenologia psicolgica no captulo de Ellenberger de Existence e pode prosseguir nas referncias dadas na bibliografia no fim deste livro.)

    Algumas vezes a enf ase fenomenolgica em psico-terapia usada como racionalizao para o descrdito do aprendizado da tcnica, ou como uma razo para no estudar os problemas de d:agnose e dinmica clnica. Penso que isto um erro. O que in1portante, em vez disso, apreender o fato de que os interesses tcnicos e diagnsticos esto em diferente nvel do entendimento que tem lugar no encontro imediato em terapia. O erro est em se confundi-los ou deixar que um absorva o ou-tro. O estudante ou psiclogo praticante deve dirigir seu curso entre deixar que o conhecimento das tcnicas seja um substantivo para o entendimento direto e a comuni-o com o paciente e admitir que ele age numa atmos-fera rarefeita de pureza clnica, sem qualquer conceito absolutamente.

    Certamente~ verdade que os estudantes que apren-

  • Psicologia existencial 27

    dem terap~a freqentemente se tornam preocupados com as tcnicas este o mecanismo mais forte de abrandar a ansiedade de que dispem nos encontros tumultuados em psicoterapia. De fato, uma das ma fortes motivaes para o dogmatismo e as formulaes rgidas, entre escolas psicoteraputicas e analticas de odos os tipos, est' exa-tamente aqui - o dogma tcnico pro ege o psiclogo e o psiquiatra de sua prpria ansiedade. as nessa medida, as tcnicas tambm protegem o psiclogo ou o psiquiatra de compreender o paciente el s bloqueiam a pre ena comp e a no encontro que e encial para compreender o que est acontecendo. U1n estudante de um grupo de pesqui as ob a orentao de um professor num ca o sobre psicoterapia existencial, situou ucintamente o pro-blema quando observou que uma das coisas que ele tinha aprendido er que a compreenso no acompanha o co-nhecimento de dinmica".

    H, con udo, um perigo de "ecletismo feroz" n ssas abordagens enomenolgicas e exi tenciais da terapia, quand~ elas so usadas i oroso estudo clnico e o ensamen to ue recedem ual uer es ecialidade. O

    -

    conhecimento de tcnicas e o rigoroso e tudo de dinmica deve1n er pressupo tos no treinamento do psicoterapeuta.

    os a situ o anloga do arti ta: necessrio longo e e pecializado inamento; mas, s no momento de pintar o arti ta est preocupado pela tcnica ou questes tcnicas - uma preocupao que todo o artista sabe que urge exatamcn e nos momentos em que alguma ansie-

    dade o acomete - ele pode e tar certo de que nada criativo surgir.

    A diamose, por exemplo, uma fun.o le!rltima e necessria particularmente no comeo da terapia; ma ela uma funo diferente da terapia em si mesma e reque uma diferente atitude e orientao para o paciente. Pode-se argumentar em favo da atitude que uma vez

  • 28 Rollo May

    comeada a terapia com um paciente e decidida a dire-o geral, pode esquecer-se de momento, a questo do diagnstico. (Discutiremos, mais tarde, o Dr. Ramirez, que muito franco sobre isso.) Por sinal, as questes de tcnica surgiro na mente do terapeuta de tempos em tempos, medida que prosseguir a terapia. Uma das ca-ractersticas da psicoterapia existencial que a tcnica muda. Estas mudanas no sero improvisadas, mas de-pendero das necessidades do paciente em certos momen-tos.

    Se esta discusso parece inconclusiva e d a impres-so de jogar com a questo da "tcnica,,, de um lado, e com o da 'compreenso", de outro, a impresso est de fato correta. Toda a questo da 'tcnica-objetiva contra a "compreenso-subjetiva' tem repousado numa base fal-samente dicotomizada em nossas di cusses psicolgicas e psiquitricas. H um processo dialtico que tem curso, paralelo ao processo dialtico em todos os atos de cons-cincia. O problema precisa ser exposto novamente base do conceito da existncia do paciente como ser-no-mundo e do terapeuta como existente e participante deste mun-do. Eu desejo somente expressar minha convico aqui de que tal reformulao possvel e promete tirar-nos de nossa presente dicotomia nesta questo. E neste meio tempo, eu desejo, como um recurso prtico, tomar po-sio contra as nascentes tendncias anti-racionais no ponto de vista existencial. Embora eu acredite que, em grande parte, os terapeutas nascem feitos, inerente nossa integridade tomar conscincia do fato de que h tambm muito que podemos aprender!

    6

    Uma outra questo que tem constantemente deixado perplexos muitos de ns, em Psicologia, j foi insinuada

  • Psicologia existencial 29

    anteriormente, e agora vamos explicit-la. Quais so as pressuposies que sustentam nossa cincia e nossa pr-tica? Eu no pergunto qual nosso ' mtodo cientfico' ; j muita ateno foi prestada, e justamente, ao problema da metodologia em cincia. Mas cada mtodo baseia-se em certas pressuposies sobre a natureza do homem, a natureza de sua experincia, e assim por diante. Essas pressuposies esto parcialmente condicionadas por nos-sa cultura e pelo momento particular na histria onde ns nos situamos. Tanto quanto posso ver, esta rea crucial quase sempre relegada em Psicologia: tendemos a admi-tir pouco criteriosa e implicitamente que nosso mtodo particular sempre verdadeiro. A afirmao de que a cincia tem incorporado medidas autocorretivas - o que parcialmente verdade - no pode ser tomada como uma razo para se descurar o fato de que nossa cincia particular cultural e historicamente condicionada e, desse modo, limitada at mesmo em suas medidas auto-corretivas.

    Neste ponto, a insistncia existencial a de que o psiclogo deve continuamente analisar e esclarecer suas prprias pressuposies. Nossas pressuposies sempre limitam e estreitam o que ns percebemos num problema, num experimento, ou numa situao teraputica; no h como fugir deste aspecto de nossa "finidade" humana. O naturalista percebe no homem aquilo que convm a seus espetculos nahualistas; o positivista v os aspectos da experincia que convm s formas lgicas de suas pro-posies; e bem conhecido que diferentes terapeutas, de diferentes escolas, percebero no mesmo sonho de um paciente a dinmica que convm teoria de sua escola em particular. A velha parbola do cego e do elefante escrita em maisculas nas atividades dos homens no esclarecido sculo xx, bem como naquelas pocas mais antigas, mai> "incultas". Bertrand Russell coloca bem o

  • 30 Rollo l\tlay

    problema com relao c1encia f ica: ' A Fsica Ma-temtica, no porque ns sabemos tanto sobre o mundo fsico, mas porque sabemos to pouco so somente suas propriedades matemticas que ns podemo descobrir''.

    Ningum - fsico psiclogo ou qualquer um outro - pode escapar desse revestimento historicamente condi-cionado. A nica maneira em que ns podemos evitar que as pressuposies, que suportam nosso mtodo particular-desviem indevidamente nossos esforas, conhecer cons-cientemente quais so eles e assim no absolutiz-los ou dogmatiz-los. Por isso, ns temos ao menos uma chance de abstermo-nos de forar nossos sujeitos ou pacientes em nossos "divs procustianos' e cortar, ou recusar ver, o que no convm.

    Ludwig Binswanger, em seu livro Si91nund Freud: reminiscences of a friendship, onde relata suas conver-saes e correspondncia com Freud, faz algumas alter-naes ilustrando este ponto. A amizade entre Freud, o psicanalista, e Binswanger, um psiquiatra existencial de vanguarda, da Sua, foi terna e duradoura; ela foi a nica exceo em que Freud manteve r amizade com al-gum que diferia radicalmente dele.

    Pouco antes de Freud completar oitenta anos, Binswanger escreveu um ensaio descrevendo o quanto a teoria de. Freud aprofundara radicalmente a psquiatlia clnica; mas ele acrescentou que a prpria existncia de Freud, como pessoa, voltava-se para alm da pressupo-sies determinsticas de sua teoria.

    Agora (com a contribuio psicanaltica de Freud) o homem no mais simplesmente um organismo animado, mas um ' ser vivo ', que tem origens no processo vital finito desta terra e que morre sua vida e vive sua mor-te; a molstia no mais uma perturbao, causadora

  • Psicologia existencial 31

    externa ou internamente, do curso ' ormal,, de uma vi-da no caminho ara sua morte. 17

    Mas Binswanger chegou a dizer que acreditava que, na teoria de Freud o homem no ainda homem no completo sentido da palavra:

    . . . porque ser um h omem no quer dizer meramente ser uma criatura gerada por uma vida viva-morta, lan-ada nela e abatida, e colocada em altos espritos ou bai-xos espritos por ela; significa ser um ente que olha seu prprio destino e o da raa humana na face um ser que "inabalvel", i. . um ser que assume sua prpria 90-sio, que se sustenta em seus prprios ps. ( ... ) O fato de que nossas vidas so determinadas pelas foras vitais apenas um lado da verdade; o outro que ns deterr.ainamos estas foras como nosso destino. Ape-nas os dois lados juntos podem perceber inteiramente o p roblema da sanidade e da insanidade. Aqueles que, co-mo Freud, forjaram seus destinos com o malho - o tra-balho de arte que ele criou no meio da linguagem evidncia suficiente disto - podem disputar este fato, antes de tudo. i

    Ento na ocas1ao do octogsimo aniversrio de Freud, a Sociedade Vienense de Medicina convidou Bins-wanger, juntamente com Thomas Mann, para apresentar trabalhos na celebrao de aniversrio. Freud no esteve presente, por no estar em boa sade e tambm, como Screveu a Binswanger, por no gostar de celebraes de ruversrio ("eles parece1n ser por demais aficionados ao modelo americano ') . Binswanger permaneceu dois dias con1 Freud em Viena na ocasio deste aniversrlo e ob-servou que nestas conversaes ficara outra vez impres-sionado pelo modo como a prpria grandeza de Freud

    17 BINSWANGER L. Sigmund Freud: reminiscences of a friendship. New York, Grune & Stratton, 1957. p. 90.

    18 ibidem, p. 90.

  • 32 Rollo May

    e a sua profunda humanidade, como homem, excediam suas teorias cientficas.

    Neste trabalho para a ocasio da comemorao> Binswanger deu crdito a Freud por ter alargado e apro-fundado nosso insight na natureza humana mais, talvez,. do que ningum desde Aristteles. Mas ele prosseguiu demonstrando que estes insights eram "uma roupagem terico-cientfica que, co1no um todo, pareceu-me muito unilateral' e estreita '. Ele sustentou que a grande con-tribuio de Freud estava na rea da homo natura do homem e1n relao com a natureza ( Umwelt) - impul-sos, instintos e aspectos similares de experincia. E, como conseqncia, Binswanger acreditava que na teoria de Freud havia apenas uma obscura compreenso epi-fenomenal do homem em relao a seus semelhantes (Mitwelt) e que a rea do homem em relao a si mes-mo ( Eigenwelt) tinha sido inteiramente omitida.

    Binswanger remeteu uma cpia do trabalho a Freud e uma semana depois recebeu uma carta dele contendo as seguintes sentenas: A medida que eu a ia lendo, deleitava-me com sua ma-ravilhosa linguagem, sua erudio, a vastido de seus horizontes, sua jeitosa maneira de contradizer-me. Co-mo bastante sabido, pode-se preparar algum com cer-ta dose de louvores. ( ... ) Naturalmente, para tudo quan-to voc no conseguiu me convencer. 19 Tenho sempre me restringido ao poro e parte trrea do edifcio. Vo-c sustenta que, ao se mudar o ponto de vista, pode-se tambm ver o pavimento superior, onde residem inqui-linos distintos, como religio, arte, etc. ( ... ) Eu j descobri um lugar para a religio, pondo-a sob a cate-goria de "neurose da raa humana". Mas, provavelmen-te, estamos falando de idias contrrias, e nossas dife-renas somente podero ser harmonizadas depois de sculos.

    19 O grifo de Binswanger.

  • Psicologia existencial 33

    Em cordial amizade, e com saudaes para sua encanta-dora esposa, do seu Freud. 20

    Binswanger, ento, acrescenta em seu livro - e esta a razo central pela qual cito o trecho - Como se pode notar na ltima sentena, Freud considerou nos as diferenas como algo a ser superado pela investigao emprica, no como alguma coisa que tenha relao com os conceitos transcendentais que fundamentam toda a pesquisa emprica . 21

    No meu entender, a posio de Binswanger irre-futvel. Podemos captar dados empricos, digamos em religio e em arte, de agora at o dia do juzo, e nunca nos aproximaremos do entendimento destas atividades se, para comear, nossas pressuposies exclurem aquilo a que a pessoa religiosa se dedica ou o que o artista est tentando fazer. As pressuposies deterministas tornam possvel compreender tudo sobre a arte, exceto o ato cria-tivo e a arte em si me ma; as pressuposies naturalistas mecanicistas podem revelar muitos fato sobre a religio; mas, nos termos de Freud, a religio sempre transfor-mar- e- mais ou menos em neurose, e nunca ser retra-tado com clareza aquilo com que a pessoa genuinamente religiosa se preocupa.

    A posio que desejo realar nesta discusso a necessidade de analisar as pressuposies que se assume e de se levar em considerao os setores da realidade -que, de fato, podem ser grandes - que o nosso enfoque particular necessariamente deixa de lado. Vividamente

    20 BINSW ANGER. op. cit., p. 99. 21 Por "transcendental", Binswanger obviamente no se

    refere a qualquer coisa etrea ou mgica: quer dizer as pres-suposies bsicas que vo alm de um dado fato , as pressu-posies que determinam os objetivos da atividade de algum.

  • 34 llo May

    ememoro como, de volta a meus anos de ps-graduao em Psicologia h mais ou menos vmte anos passados

    avia a tendncia de re egar as teorias de Freud como "anticientfic s porque elas no se daptavam aos m-todos em voga na poca n as escolas de graduao em Psicologia . Sustentei naquele tempo que isso no alcan-ava a questo: Freud desvendara domnios da experin-cia humana de tremenda importncia, e se eles no se ajustavam a no sos mtodos tanto pior para nossos m-todos; o problema era inventar outros. Na realidade, os mtodos mole taram, talvez, pode-se acrescentar com desforra, at que como Rogers declarou o Freudianismo se tornou agora o dogma da psicologia clnica americana. Relembrando meus prprios anos de ps-graduao, sin-to-me, por conseguinte, inclinado a r quando algum diz que os conceitos da psicologia existencial so "anti-cientficos~', por no se ajustarem aos mtodos cientficos atualmente em voga.

    ~, com certeza, evidente que os mecanismos freu-dianos provocam a separao em discretas formulaes causa-e-efeito que se enquaram na metodologia determi-nista dominante na psicologia americana. as o que tambm se deve ver que esta criao do f reudianismo n o dogma da P icologia foi realizada ao preo de omitir aspectos essenciais e vitalmente importantes do pensa-mento de Freud. Existe , presentemente uma ligao triangulada, em tendncia e at certo ponto em realidade, entre o freudianismo em Psicanlise, o behaviorismo em Psicologia e o positivi mo em Filosofia. Um exemplo do prirlleiro lado da ligao a grande emelhana entre a

    ~-teo~e l:_Iull-L d-._!..eduo do_J!!!pulso do aprendiza o e o princpio do prazer, de Freud, com objetivo do com-

    -pntamen o - am os consistem da redu o de estmulos. Um exemplo do segundo a afirmativa do filsofo Her-m an Feigl em sua palestra numa recente conveno

  • Psicologia existencial 35

    anual da Associao Americana de Psicologia, de que os mecanismos especficos de f_reud poderiam ser formula-dos e usados cientificamente, menos o conceito do "ins-

    ~ -~~~~~--tinto de morte". - Mas o problema a que conceitos tais como "ins-tinto de morte" foram os que precisamente salvaram Freud das completas implicaes mecarcistas de seu sis-tema. Estes conceitos sempre visam alm das limitaes deterministas de sua teoria. So, no melhor sentido da palavra, uma mitologia. Freud nunca conseguia prescin-dr desta dimenso mitolgica em seu pensamento, em-bora seu enorme esforo de formular ao mesmo tempo a Psicologia em termos de suas pressuposies biolgicas prprias do sculo XIX. Em tneu entender, sua mitologia fundamental para a grandeza de sua contribuio e es-sencial para suas descobertas mais importantes, entre elas "o inconsciente". Foi igualmente essencial sua contribuio radical para a nova imagem do homem, especificamente~ do homem impulsionado por foras de-monacas, trgicas e destrutivas. Demonstrei alhures que o trgico conceito de dipo, de Freud, est mais prximo da verdade do que nossa tendncia para interpretar o complexo de dipo em termos de relaes sexuais e hos-tis individualizadas na famlia. 22 A formulao do ((ins-tinto de morte", como um instinto biolgico, naturalmente no tem sentido, e neste significado com justia rejei-tado pelo behaviorismo e pelo positivismo americanos. Mas como uma afirmativa sicolgica a natureza trgica

    ~ ~~~--~---------~ ~do h~me~ a idia tem, na verda e, grande importncia de fato e faz com que o sistema de Freud se situe alm de qualquer interpretao puramente biolgica ou meca-nicista.

    22 Ver "The significance of symbols", em Symbols in re-ligion and Literature. New York, Braziller, 1960.

  • 36 Rollo May

    A metodologia sempre padece de uma defasagem cultural. Nosso problema abrir nossa viso para o m-ximo de experincia humana, desenvolver e libertar nossos mtodos, de tal maneira que eles, tanto quanto possvel, proporcionem justia riqueza e amplitude da experincia humana. Is-to s se pode realizar analisando as pressuposies filosficas. Como Maslow expressiva-mente estabelece no Cap. II deste livro:

    extremamente importante, para os psiclogos, que os existencialistas possam suprir a Psicologia com a filo-sofia bsica que lhe falta agora. De qualquer maneira, os problemas filosficos bsicos sero definitivamente abertos para discusso outra vez e, talvez, os psiclogos deixaro de contar com pseudo-solues ou com incons-cientes filosofias no examinadas, que recolheram como crianas.

    Uma questo mais difcil e desconcertante surge com respeito ao problema da redi o em ci_pcia. Quan-to e at que ponto se insiste em que a cincia capaz de predizer o comportamento de um dado indivduo? Pervin cita como uma das impropriedades do enfoque existencial o fato de que, enquanto ele concebe o jndiv-duo como e e nico, ele torna se comportamento -irre ar_e im redizv l. Mas "predizvel" um termo

    muito ambguo. E ''regular" e "predizvel" no podem ser identificados. O que verificamos em psicoterapia que o comportamento da personalidade neurtica :e_Qde s_e~~ quase ue ri 'd te orque ~eu com orta~to o produto de padre